Guia de Debates Sobre o Filme Querem Me Enlouquecer
Guia de Debates Sobre o Filme Querem Me Enlouquecer
Guia de Debates Sobre o Filme Querem Me Enlouquecer
V IDEOTECA CIENTÍFICA
Guia de Debates
UNIVERSIDADE DE S ÃO PAULO
INSTITUT O DE PSICOLOGIA
LACRI - LABORATÓRIO DE ESTUDOS DA CRIANÇA
Ano: 1988
País: USA
“de loucos”.................................. 08
Nuts (Giria)
Be nuts = be mad = ser ou ficar louco(a)
Off one’s nut = insane = insano(a)
Fonte: Hornby A. S. et alii – The Advanced
Learner’s Dictionary of Current English – London,
Oxford University Press, 1963.
2.0. Incesto padrasto - enteada: uma
“coisa de louco” e não “de loucos”.
O incesto padrasto – enteada é uma das várias moda-
lidades de incesto. Quando a enteada é menor de idade
(ou menorizada por incapacidade) configura-se a VIO-
LÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA. Este foi o caso de
Claudia Draper. Seu padrasto, Arthur Kirk, violentou-a
durante onze anos de sua vida.
“Estou com tanto medo. Não posso parar as bati-
das. Oh, e agora a maçaneta da porta está sendo sacudi-
da. Ele está tentando entrar. Mas não vou deixar que
entre. Não, não vou ouvir. Vou abrir tanto a torneira da
banheira que não poderei ouvir as batidas. Depois pos-
so dizer a ele que o teria deixado entrar, se pudesse ouvi-
lo. Então tudo ficará bem. E seremos como as outras
pessoas e mamãe me amará e eu amarei mamãe e ma-
mãe amará papai e papai amará...
Estou junto à banheira, nua. Que idade tenho? Te-
nho a idade em que as outras garotas recebem seu pri-
meiro beijo, seu primeiro ramalhete, têm seu primeiro
contato. As outras garotas falam ao telefone, trocando
idéias sobre até onde pretendem permitir que os namo-
rados cheguem. Eu fico aqui no banheiro, tremendo, toda
arrepiada, as mãos tapando a boca para não gritar. Pro-
curo não olhar para a porta, mas olho. Vejo uma nota de
vinte dólares escorregar no azulejo do chão; vejo seus
dedos peludos empurrando a nota por baixo da porta...
Entro na banheira, fecho os olhos para que não pos-
sa ver a nota de vinte dólares, tampo os ouvidos com as
mãos, para não ter que ouvi-lo batendo. Meu cabelo nem
ENCARTE BIBLIOGRÁFICO
INCESTO
MODALIDADES
Pai – Filha/filho
Padrasto – enteada/enteado
Pai adotivo – filha adotiva / filho adotivo
Avô – neta / neto
Tio – sobrinha / sobrinho
Sogro – nora / genro
Primo – prima / primo
Irmão – irmã / irmão
Mãe – filha / filho
Madrasta – enteada / enteado
Mãe adotiva – filha adotiva / filho adotivo
Avó – neta / neto
Tia – sobrinha / sobrinho
Sogra – nora / genro
Prima – prima / primo
Irmã – irmã / irmão
ENCARTE BIBLIOGRÁFICO
INFÂNCIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: O
QUE É?
a) VIOLÊNCIA FÍSICA
“Corresponde ao emprego da força física no pro-
cesso disciplinar de uma criança ou adolescente por
parte de seus pais (ou quem exercer tal papel no âm-
bito familiar como p. ex. pais adotivos, padrastos,
madrastas)” (Azevedo e Guerra, 1998). A literatura
é muito controvertida em termos de quais atos po-
dem ser considerados violentos: desde a simples pal-
mada no bumbum até agressões com armas brancas
e de fogo, com instrumentos (pau, barra de ferro, taco
de bilhar, tamancos, etc.) e imposição de queimadu-
ras, socos, pontapés. Cada pesquisador tem incluído,
em seu estudo, os métodos que considera violentos
no processo educacional pais-filhos, embora haja
ponderações científicas mais recentes no sentido de
que a violência deve se relacionar a qualquer ato dis-
ciplinar que atinja o corpo de uma criança ou de um
adolescente. Prova desta tendência é o surgimento
de legislações que proibiram o emprego da punição
corporal, em todas as suas modalidades, na relação
pais-filhos (como p. ex. as legislações da Suécia –
1979; Finlândia – 1983; Dinamarca – 1985; Noruega
– 1987; Austria – 1989 e Chipre – 1994)
ENCARTE BIBLIOGRÁFICO
b) NEGLIGÊNCIA
“Representa uma omissão em termos de prover
as necessidades físicas e emocionais de uma criança
ou adolescente. Configura-se quando os pais (ou res-
ponsáveis) falham em termos de alimentar, de vestir
adequadamente seus filhos, etc. e quando tal falha não
é o resultado de condições de vida além do seu con-
trole. A negligência pode se apresentar como modera-
da ou severa. Nas residências em que os pais negli-
genciam severamente os filhos observa-se de modo
geral, que os alimentos nunca são providenciados, não
há rotinas na habitação e para as crianças, não há rou-
pas limpas, o ambiente físico é muito sujo com lixo
espalhado por todos os lados, as crianças são muitas
vezes deixadas sós por diversos dias, chegando a fale-
cer em consequência de ‘acidentes domésticos’, de
inanição. A literatura registra, entre esses pais, um
consumo elevado de drogas, de álcool, uma presença
significativa de desordens severas de personalidade.”
(Azevedo e Guerra, 1998)
ENCARTE BIBLIOGRÁFICO
d) VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
“Também designada como <tortura psicológica>,
ocorre quando o adulto constantemente deprecia a cri-
ança, bloqueia seus esforços de auto-aceitação, cau-
sando-lhe grande sofrimento mental. Ameaças de aban-
dono também podem tornar uma criança medrosa e
ansiosa, podendo representar formas de sofrimento
psicológico.” (Azevedo e Guerra, 1998)
toca as orelhas. Pensei que seria bom se fizesse com que
me parecesse com um menino, mas acho que não consi-
go. Se ao menos pudesse cortar os meus seios com a
mesma facilidade com que cortei meus cabelos, talvez
isso o detivesse, mas seus dedos continuam a empurrar
a nota, escorregando-a para mais perto de mim. Que
idade tenho? Bastante velha para ser comprada. Bas-
tante nova para ser comprada. Que idade?
- Tinha dezesseis anos! – bradou Cláudia...
Não posso impedir que entrem em meu banheiro.
Ficam me pegando. Tento esconder-me, mas eles não pa-
ram. Vejo as mãos sangrentas de Allen Green tentando
entrar à força no banheiro. Quero fechar a porta, quero
trocar-me e deixá-lo de fora, mas ele não para. Quer me
ferir. Eles dizem que me amam, mas querem me ferir.
Tento bater a porta para fechá-la, mas não posso. Nun-
ca pude. Allen pega meu pescoço com as mãos sangran-
do. É sempre assim. Primeiro me põem na banheira, ba-
nham-me carinhosamente com o sabonete Ivory, e can-
tam cantigas e dão-me patinhos de brinquedo para ba-
lançarem na água. “Você ama o papai?” “Sim, amo você
papai.” “Quanto ama o papai?” “Meu amor por você
vai mais longe de que minhas mãos alcançam, papai.”
Depois me tiram da banheira, esfregam-me com uma
toalha cor-de-rosa, grande e macia. “Isso é bom?” “Sim,
papai.” “Gosta disso?” Muito delicadamente, eles me
esfregam. “Papai, essas são minhas partes íntimas.” “Eu
sei, eu sei.” Por isso vamos guardar segredo. Um segre-
do só entre papai e sua princesinha. Você gosta de se-
gredos, não gosta, Cláudia?” Oh, tudo começa tão gen-
til, tão suave, a toalha rosa entre minhas pernas. E de-
pois começa a doer e não pára de doer. E depois, é aí
que termina, com os dedos sangrentos de Allen Green
em meu pescoço. Eles me roubam a infância. Roubam
meu amor próprio. Roubam minha capacidade de confi-
ar, de amar, de acreditar em alguém ou alguma coisa. E
depois eles matam... (excertos do livro de Reilly, C. -
Querem me enlouquecer, ob. cit. p. 144, 147)
...
O perfil emergente do incesto padrasto – enteada é o
de uma prática abusiva, reiterativa, do primeiro para com
a segunda, possibilitada por uma estrutura familiar patri-
arcal, alimentada pela cultura do segredo e cimentada pela
mentira ideológica do amor de pais para com os filhos.
Embora em graus diferentes, Arthur e Rose foram
tóxicos para Cláudia. Daí porque, mesmo desejando, Cláu-
dia não podia mais confiar neles.
“Não importava nem um pouco se Rose Kirk ti-
nha magoado a filha intencionalmente: ela a tinha
ferido. Perdera o direito à confiança. E nenhuma
das palavras que dissesse iam devolver-lhe essa
confiança” (excerto do livro de Reilly, C. - Querem me
enlouquecer, ob. cit. p. 178)
Tudo o que foi discutido permite entender porque o
incesto padrasto – enteada é uma “coisa de louco” e não
de loucos. Ao contrário do que o senso comum poderia
pretender e do que os peritos psiquiatras esforçaram-se
por demonstrar no caso de Cláudia, nenhum dos protago-
nistas pode ser considerado louco no sentido estrito de
enfermo mental. A loucura não está neles e sim no insano
de uma vida familiar assentada na mentira de um amor
tóxico para a criança e/ou adolescente. “Algumas ve-
zes, as pessoas nos amam tanto que seu amor é
como uma arma que fica atirando diretamente em
nossa cabeça. Elas nos amam tanto que vamos
parar em um hospital” diz Cláudia (excerto do livro de
Reilly, C. - Querem me enlouquecer, ob. cit. p. 179) para
concluir num brado de revolta e de demanda por justiça,
ainda que tardia:
“Não enlouquecerei para vocês!”. (idem, idem, p.
183)
Figura 4 – Entendam bem – Cláudia diz para a Corte
– Não enlouquecerei para vocês!
3.0. Onde andará CLÁUDIA DRAPER?
Cláudia é o exemplo de sobrevivente de incesto que
soube vencer o complô de silêncio e defender seus direitos.
A tentativa de Arthur Kirk para interná-la num hospi-
tal psiquiátrico - com a anuência da mãe - foi uma tática a
mais de silenciar para sempre a mulher-vítima. Sob a hi-
pócrita alegação de “ser para seu próprio bem”, repre-
sentou uma manobra para evitar o desvelamento do se-
gredo tão bem guardado, durante tantos anos, por uma
“família tão respeitável”. Mais que isso: foi também uma
tentativa de cooptação dos sistemas psiquiátrico e penal
no sentido de “silenciar” a vítima de incesto, caçando não
sua palavra mas confiscando-lhe a credibilidade, através
do rótulo estigmatizante de LOUCA.
Essa tentativa foi abortada, graças à atuação compe-
tente e comprometida de Levinsky, o advogado de Cláu-
dia. Aaron Levinsky é o protótipo do profissional de Di-
reito que vai se desvestindo de suas inúmeras reticências
psicológicas, à medida que se deixa convencer de que
sua cliente em vez de insana como todos pareciam querer
que fosse, era, em verdade, o que muitos teimavam em
ocultar: uma vítima de incesto padrasto – enteada.
“[Meretíssimo, minha cliente] é irritante, desa-
gradável, vulgar. Perturba a ordem. Mas, por mais
irritante que seja, não devemos equacionar sua ati-
tude aborrecida com a doença mental”.(excerto do
livro de Reilly, C. - Querem me enlouquecer, ob. cit. p.
184)
E Levinsky estava certíssimo, ao encerrar assim sua
defesa. A conduta “perturbadora” e frequentemente
provocativa de Cláudia tinha a ver com a Violência Sexual
Doméstica sofrida e não com um quadro de loucura.
Tanto isso é verdade que a 15 de janeiro de 1986,
Cláudia Draper foi julgada, (como queria) pelo Superior
Tribunal Estadual de Nova York. Defendida por Levinsky,
foi absolvida da acusação de assassinato em Primeiro
Grau.
Em 1987 frequentava a Faculdade de Direito da Uni-
versidade de Nova York.
Terá ela se formado? Estará advogando? Terá manti-
do contato com sua mãe e seu padrasto, que em março de
1986 comemoraram 32 anos de casados? Terão eles con-
tinuado juntos?
Passados mais de 15 anos qual terá sido o destino
dos protagonistas dessa triste história de loucura famili-
ar?
O desafio é de vocês leitores. Quem descobrir a res-
posta, comunique-a ao LACRI, para que possamos conti-
nuar a narrativa...
4.0. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Shelly
I am seventeen and in grade twelve. My stepfather
started sexually abusing me when I was nine. I didn’t really
get the message across about what was happening until I
was fifteen. Six years later. I felt like it was my fault for
leading him on.
I stopped liking my body because I thought that this was
the kind of thing that it made men do. I wrote poems when I
was unhappy but usually ripped them up because I was scared
someone would find them. I also cried a lot. I sucked my thumb.
The most scary thing I tried to do was commit suici-
de. Two times. Once by taking a lot of tranquilizers. When
I woke up I was so sad I wasn’t dead. Looking back now
I am so glad that I am alive and so sad that no one noticed
how bad I felt. I also tried to shoot myself but I couldn’t
do it. I didn’t really want to die. I just wanted someone
toI am so glad that I am alive and so sad that no one noticed
how bad I felt. I also tried to shoot myself but I couldn’t
do it. I didn’t really want to die. I just wanted someone to
notice what was going on without getting myself in trouble.
I didn’t think anyone knew. I never thought it was
happening to my little brother, too. Now I know how hard
it is for someone to see it is going on when it isn’t
happening to them.
I first told my mom when he started touching my
breasts. She said she’d tell him to stop. He did. He didn’t
do it in front of her anymore. And he kept on telling me it
was okay. I didn’t know if it was but I didn’t like it. I
didn’t feel any better after I first told. It was another three
years later until I told again. When I finally got my guts
up to tell her it was because I didn’t think he could do any
worse to me. She made him stay away from me and we
moved out soon after. I am still scared of him and I always
will be but now I know I am right and he was wrong.
Now my stepfather has to see a psychiatrist and he
isn’t allowed to come anywhere near me or phone or write
to me or he goes to jail.
Even though I love my mom I was very mad because
she didn’t see what was going on. Now I am still angry
because she didn’t see but I understand better that it wasn’t
all her fault. She can’t know for sure something is wrong
if I don’t tell her.
My school work was very bad before. I get C+’s to
A’s now.
I got help by telling my mom when we were alone
and telling her everything. I felt much better and safer
after telling her.
What happened with my stepfather made no difference
with guys except that at first I thought they knew. But that
was wrong because nobody can see inside your mind. I
am now going out with a guy that had the same sort of
thing happen to him and I am very happy. Any problems
we have are just like everybody else because everybody
fights.
Some things I would tell mothers are that if you feel
something is wrong trust yourself and not your husband
just because you love him. You know best. Tell your child
you will believe anything he or she says and be serious.
Don’t treat them like a child. Then if your child tells you
something believe them. A child couldn’t lie about stuff
like that to get attention. Then make sure your child is
safe, and confront the other person involved. If you feel
scared, get someone who believes you to go with you.
Kids... tell your mother everything. Don’t hide
anything, Everything will help her to believe. It’s scary
for a mom, too, so if she cries and if she gets angry, it’s
not you. She is just scared and upset. If you want help
though you will have to tell her. If you can’t tell your mom
or your dad then go to someone you can tell... your teacher
or counsellor. Remember, it’s never too late to tell.
Remember, there is always someone out there who
loves you. You may not feel that right away but somebody,
someday, will. Take care of yourself before you protect
anybody else. Remember, it’s not just dads, it’s moms,
grandparents, anybody else who can do this. Even teachers
and mothers and sisters and brothers.
If you don’t like it, it’s your right to make a ruckus.
ASARian.org
Anonymous Sexual Abuse Recovery (Canadá)
Child Abuse Survivor Organizations and Agencies
Dark Angels
Incest Survivors Resource Network International (ISRNI)
Khijl.org
M.A.L.E. – Men Assisting Leading & Educating
The National Committee to Prevent Child Abuse
Partners and Allies of Sexual Assault Survivors Resource List
PASA – People Against Sexual Abuse, Inc.
N.O.M.S.V. – The National Organization on Male Sexual Victimization
Sidran Foundation Online Resources
Survivor’s Link
The Survivor’s Page
The Survivor’s Voice
VOICES In Action, Inc.
The Wounded Healer
Maiores informações a respeito destes sites podem ser obtidas em:
http://www.jimhopper.com
_______________________________
* Este material foi organizado por Renato de Azevedo Guerra – Estudante de
Direito, PUCSP.
Estagiário do Laboratório de Estudos da Criança.
CONSULTE! CONSULTE! CONSULTE!