Manual Prático Da Delinquência Juvenil
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Sumário
Prólogos_________________________________________2
Prólogo 1
Panfletagem Subliminar
Nada é verdadeiro, tudo é permitido
Leia o texto & mexa sua bunda gorda
Estamos em Território Inimigo & o Inimigo está em
nós. A primeira Grande Batalha contra o Império deve se dar
dentro de Nossas Cabeças.
Libertar nossa imaginação. Poderosos Feitiços
Publicitários iludem nossos Desejos mais Puros, Belos &
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"Tornai-vos Invisíveis
Nada é Real-----Tudo é Permitido
Bárbaros Invisíveis que Nada Respeitam
Vândalos que fodem com o Cotidiano (mas que devem,
impreterivelmente, Gozar Dentro)"
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Prólogo 2
A Balada da Nossa Geração
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sentirmos livres.
Estamos pouco nos importando com o fato de
estarmos destruindo uma propriedade privada.
Isso é apenas vandalismo, nossa mais bela
manifestação artística.
IMPORTANTE (Leia isso antes de prosseguir)
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Manual prático de
Delinquencia Juvenil
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mais parecido possível com uma batina. Ele diria a mãe que
era pra uma apresentação de teatro. Não deixa de ser. O
Sergio ia fazer umas hóstias, dessa vez ia ter que ter
hóstias. Superprodução, com participação do time completo.
O alvo seria o Banco Santander da Av. Floriano,
durante a semana na hora do almoço, quando todos
estivessem livres de seus Trabalhos Forçados ou Aulas
Alienantes.
A batina ficou espetacular, tinha até uma cruz
prateada bordada no peito. Jean conseguiu outro candelabro
de prata que tinha roubado da casa da Juliane, um vidrinho
vazio de óleo de oliva importado para a água-benta e uma
roupa para atuar de coroinha. Quando tentei exorcizar um
banco, fui logo expulso do local porque minha roupa era
altamente mandrake e minha água-benta estava numa
garrafa de Coca-cola, tava na cara que eu não era um
padre.
Agora seria diferente, nossa indumentária era
decente. Vinicius queria ser o padre, ficou dois dias
decorando umas passagens do Apocalipse e rabiscando
sermões.
O sermão do caixa-eletrônico. O sermão da fila
organizada. O sermão do saldo zero e por aí vai. Eu,o Fábio
& o Sergio seríamos os fiéis penitentes, inadimplentes do
Imposto de Renda.
- Não pagamos impostos, mas amamos Jesus Cristo Nosso
Senhor.
Nos encontramos em frente ao banco cinco para o meio dia.
Logo na entrada: o saguão dos caixaseletrônicos.
O Vini/Padre andava lentamente e com uma
expressão grave inacreditável. Usava uma barba postiça e
uns óculos redondinhos pra lá de cômicos. Quase caímos na
garagalhada quando o vimos. O Jean de cabeça baixa, com
a humildade conveniente a um coroinha iniciante, hilário.
Aproximaram-se do primeiro caixa.
- Que Deus abençoe e livre a alma de quem se aproxima
desta máquina criada para o mal.
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Você é linda!"
Apedar da galera achar brega, eu particularmente
gostei. Existe charme também na chinelagem.
Pegamos o buzum no Centro Cívico dez pras seis da
manhã e tava um frio do caraaaaaaaalho. quando sentei no
banco do ônibus parecia que tava sentando numa barra de
gelo. Isso que eu tava com duas calças: tradição particular
pra sobreviver ao desumano frio curitibano.
Mal sentamos e já começamos a escolher nossos
alvos. No banco do outro lado do corredor tinha uma
moreninha de óculos & cheia de espinhas. Começei a olhá-la
e quando ela percebeu começou a olhar para a janela.
Continuei. Quando elea se virou e viu que eu continuava
olhando levantou-se e sentou bem longe.
Pensei: "É Arizinho, você deve se rum dos excluídos
da Teoria do Fábio!". Olhei para o Jean e quase soltei uma
risada, tava com uma cara de tarado que era um sarro.
Sempre foi o conquistador da turma, o Brad Pitt e tava se
dando bem. Agordinha da ferente dele sorria envergonhada
e olhava pros lados pra ver ninguém estava se ligando na
paquera.
A onda do Vinicius era o sorrisinho monalisa que
aprefeiçoou com o passar dos anos. Escolheu uma coroa,
pinta de solteirona e parecia que ela tava meio inquieta.
Tipo surpresa com o flerte mesmo. Lia um daqueles
romances Julia que se vende nas bancas e não conseguia se
concentrar.
Sergio, com sua timidez crônica, nunca tinha
intimado uma mulher na cara dura na vida sem antes cercá-
la com presentes & cartas anônimas, acabou que ficou
dormindo no fundo do ônibus mesmo.
Agora em termos de Cara de Safado Fabio era quem
bate os recordes. Escolheu criminosamente uma menininha
novinha, uns 16 anos, sequinha de magra e com um óculos
fundo de garrafa que de tão grosso o rosto dela aparecia
pequenino por tras das lentes.
Uma japonezinha desajeitada entrou e ficou de pé ao
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meu lado e resolvi investir no negócio. Dessa vez não fui tão
mal, ela não deu bola mas de vez em quando espiava
curiosa para ver se eu continuava encarando. só que desceu
logo, na hora que deu o sinal e foi em diração à porta de
desembarque entreguei-lhe o bilhete.
- Pra você!
- Hã?
- Pra você, leve!
Desceu e ficou olhando intrigada pra mim conforme o
ônibus saiu andando. Olhei para o Jean e o lazarento já tava
sentado no lado da gordinha. Não dava pra ouvir o que
falavam, mas estavam rindo animados. A magrinha do Fabio
sentou num banco que vagou e ele pulou logo no lado.
Ficava olhando de canto de olho e dando sorrisos, mas ela
virava o rosto pra janela.
Vinicius era quem estava mais empenhado. A mulher
guardou a Julia, conferiu alguma coisa no celular, olhou -se
num espelhinho, pegou a Julia de novo, guardou, enfim,
estava nervosa.
Então a mina do Jean levantou-se, despediram-se
com beijinhos e desceu como o bilhete na mão, toda
orgulhosa. Quando o ônibus saiu ela ainda ficou acenando
da calçada. Jean sentou do meu lado e ficamos curtindo os
olhares do Fabio pra magricela. Era engraçado, a mina
virava o rosto completamente, ficando quase de costas pra
evitar os ataques. Fabio perguntou-lhe as horas e ela
respondeu ja se levantando. ficou de pé ao lado da porta o
resto da viagem. Na hora que ia descer Fabio entregou-lhe o
bilhete.
Deu pra ver que ela saiu andando na rua a passos
largos, invocada, sem nem ousar a olhar pro ônibus ou pro
papel que levou na mão. Quando Fabio chegou perto da
gente já começamos a tirar sarro:
- Cadê o São Jorge?
- É Fábio, ela era gata demais, tuas táticas só funcionam
com as feias.
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- Ahhh...
Saímos e quando chegamos já tinha um monte de
gente esperando. Achei que tinha tido trabalho com os
moleques, mas o Jean contou que os deles foram expulsos
dos jogos eletrônicos por cheirarem cola. E isso nem foi o
pior, jogaram um monte com três cartões roubados que o
Jean nem viu como conseguiram. digamos que tratava-se de
especialistas mirins, mão de obra qualificada.
Esperamos chegar o resto e quando vimos que
ninguém mais viria & o sol estava se pondo & o frio
chegando com a noite Fabio puxou de sua mochila uma
caixa com seis rojões.
- Façam um fogueira! Será o São João dos excluídos!!
Fizemos uma fogueira meio mandrake e quando as
chamas estavam bem altas a ponto de chamar a atenção
dos desavisados ou da polícia soltamos os rojões.
Todos gritaram & pularam & dançaram em volta da
fogueirinha ou de alegria ou de frio. Vivemos ali, por
segundos que tenham sido, uma Zona Libertada.
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o mais discutido.
Queríamos bolar alguma coisa a respeito disso. Com
carros ou televisões, alguma coisa nesse sentido. Viajamos
um monte, imaginamos intervenções estrambólicas e não
chegamos a ponto algum. Nada realmente prático e
eficiente.
Durante a última semana, no entanto, o Acaso
Cósmico voltou a nos presentear. Sempre alimentamos tipo
que um culto à coinscidência. Quanto mais você valoriza e
celebra as coinscidências, mais elas ocorrem em seu dia-a-
dia. A última onda de culto foi gerada por aqueles 150 Reais
que achamos na calçada. Então parece que certos eventos
começaram a se precipitar sobre nós. De um lado Jean
conseguiu um chaveiro boa praça para nos dar um curso e
por outro lado recebi um e-mail de um doido de Goiás com
mais um Plano Perfeito.
- Piazada! Recebi um e-mail que pirou meu cabeção!
- O que foi ari? Alguma gostosa oferecendo seus préstimos?
- Não! Uma idéia pra um ataque!
- Idéia? De quem?
- Um maluco de Anápolis, teve uma noite de insônia e entre
ficar pensando em vender a televisão que tinha no quarto e
observar a escada no fundo do quintal teve a brilhante idéia
de jogar a TV na calçada.
- Jogar a TV na calçada?
- Puta que o pariu ! Quê que eu posso te dizer, cara?
- Que coisa mais ridícula.
- Calma, seus merdas! Pra completar a inspiração o cara
imaginou colocar uns bilhetinhos dentro, tipo assim:
"Olha o que a TV faz com seu cérebro."
Aí o povo passa na rua, vê aquela televisão
espatifada na calçada, lê o bilhetinho e pensa: "Caralho! que
diabos é isso?"
Ficaram calados. Dessa vez fui eu a apresentar um
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Plano Perfeito.
- Pensem no que podemos fazer com essa idéia.
Foi fácil convencer o povo. Desde o dia em que
tinhamos relembrado o Leminski estávamos querendo algo
com os televisores. De repente tava todo mundo pensando,
raciocinando & bolando a ação. Não era difícil, o aparelho se
despedaçaria no chão mesmo, logo não precisava ser novo
nem estar funcionando.
Marília, namorada do vinicius tem um primo que
conserta essas paradas e conseguiu uma podre de velha,
mas perfeita para nossos planos.
- A questão agora é onde a gente vai jogar a bagaça. -
Sergio, a nossa âncora.
- Tem que ser no centro.
- Cara, mas no centro é foda, não é bem assim entrar num
edifício e jogar uma TV pela janela.
- Eu sei que bronca, mas tem que ser num lugar que um
monte de gente veja.
Foram várias as noites de Discussões & Cervejadas
para aperfeiçoar o plano. Para levar o negócio a cabo várias
etapas tinham de ser consideradas. Enrolar o porteiro pra
entrar no prédio, cuidar pra nenhum traseunte se machucar
e o plano de fuga. O sempre complicado plano de fuga.
Como nosso lema é nunca viajar na maionese e
sempre admitir que somos cabaços optamos por um prédio
residencial, num horário que o povo tá saindo pra trabalhar
ou estudar e numa calçada perto de um ponto de ônibus
movimentado.
Escolhemos o bairro do Juvevê. seis horas manhã (ai,
ai, ai, de novo), com uma puta operação teatral pro Jean
entrar com a TV no prédio. Escrevemos exatos 57
bilhetinhos pra colocarmos dentro da "bomba". As frases era
mais ou menos as seguintes:
"Olhe o que a TV pode fazer com você."
"Olhe o que você pode fazer com a TV."
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- Decifra-me ou devoro-te.
Ficamos nessa viagem praticamente a noite inteira.
Um verdadeiro bando de paranóicos obcecados. No meio
dessa nóia acabei lembrando do Antonio Silvino de São
Paulo, que tinha comentado comigo sobre a possibilidade de
fazermos uns sacrifícios de animais nos caixas eletrônicos.
Comentei isso distraidamente, mas o Fabio
imediatamente saltou de onde estava.
- Caralho! É isso aí, cara, é bem isso daí!
- O que, veio?
- Lembra do nosso catecismo do dia em que o Vinicius
abençoou o banco? Aquela parada do dinheiro virtual,
espiritual mas com poderes sobre o mundo material. Um
demônio! Lembra?
- Só!
- Então! A gente faz um despacho pro Exu Dimdim.
Todos caímos na gargalhada. É incrível o que a
delinqüência juvenil faz na cabeça de um desocupado.
- E a gente ainda pode fugir do óbvio.
- Como assim?
- Toda a macumba que se preze tem que ter uma galinha
preta morta e a gente pode fazer uma parada em prol dos
direitos dos animais.
- Não captei, juro que não captei. Você não vai matar a
galinha? Vai deixar a galinha viva, é?
- Não, a galinha será uma suicida, um mártir, a gente pode
fazer uma cruz e crucifica-la como um cristo morrendo pra
salvar os pecadores.
- Fabio, você está se sentindo bem?
- Olha galera, pode ser engraçado. A gente pode deixar uma
carta de despedida toda invocada, vai ser massa.
Falei que o Antonio tinha comentado comigo sobre
isso também e tinha também sugerido de colocarmos um
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- Gatas porque tem grana. Ser bonito custa caro, mano véio.
- É, acho que todas aquelas minas passaram a tarde toda no
salão.
- E não repetem roupas nunca, jamais. Estávamos voltando
a pé, em seis pessoas se economiza dez reais na grana do
latão, quando cruzamos com uma catadora de papelão pra
lá de retardatária eu tive a inspiração.
- Galera, já sei de um troço massa pra gente fazer.
- Óia! Ari saindo ta tumba, o que é?
- Lembra dos meninos no Shopping? Lembra que o povo da
internet caiu de pau em cima, dizendo que usamos a
gurizada?
- Tá e daí?
- Daí que levamos um adulto – e apontei pra catadora de
papelão que já ia longe.
Ficaram pensando, em silêncio...
- E fazer o quê? Pagar um Mac Shit?
- Vocês são burros mesmo, ainda não se ligaram, baseado
no que o Fabio falou, que beleza custa caro, poderemos dar
uma de Xuxa, o antes e o depois, estão ligados agora?
Toparam. Toparam no ato. Levar uma catadora num
salão de beleza fresco, todo metido. Foi massa porque
pareceu que todo mundo se ligou na idéia ao mesmo, sem
ninguém falar nada. Vinicius saiu correndo atrás da
catadora, demorou uns minutos e voltou correndo, quase
sem fôlego.
- Marquei com ela. Perguntei como fazia. Pra achar ela. Pode
ser ela. Né?
Ficou então combinado. Só que andando depois nos
ligamos num detalhe: e a grana? Aquelas bostas daquelea
salões frescos cobram uma fortuna. Foi um autêntico balde
de água fria nos nossos planos, voltamos cabisbaixos o resto
do percurso. Foi Jean quem salvou a pátria com um telefone
no outro dia à tarde.
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né?
- Em cidade grande pelo menos acho que é assim.
- Tínhamos que fazer alguma intervenção cutucando nessa
ferida.
- É, mas o quê?
- Não sei...
É interessante como as inspirações às vezes brotam
das coisas mais bestas. Desta vez foi Vinicius que saiu pra ir
na Lanchonete da esquina pra comprar refri pra nossa tuba
e voltou com um sorriso de orelha a orelha.
- Olha o cara!
- Parece aquele gato rosa e rocho do Alice no País das
Maravilhas.
- Tive uma idéia pra fuder com esses caras que alugam
casas.
- Ó o cara! Ó o cara!
- Eu tava voltando. Viajando. Olhando pra cima e vi um
placa “aluga-se” na janela de um apê vazio.
Todo escuro, absolutamente vazio, completamente
limpo pra gente entrar.
- Invadir apartamento?
- E aí a gente pinta as paredes e faz altas obras de
terrorismo poético.
- Não é um má idéia. – comentou Fábio coçando sua
barbinha rala.
- É, só que não podia ser um apartamento, esqueceram as
dificuldades de se entrar num prédio do dia em que jogamos
a TV? O que dirá então de entrar num apartamento...
Todos concordaram que apê era a princípio inviável,
mas que era preciso fazer algo nesse sentido.
Fábio sugeriu uma casa num desses bairros mais
burgueses.
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- Se der uma banda nos bairros vai ver uma porrada de casa
grande, massa, pra alugar.
- E o alarme?
- Já andei pensando nessas paradas noutro dia e me liguei
num negócio. Tem uma casas que tem cachorro cuidando.
Nessas casas não deve ter alarme, se não, pra que
cachorro?
- Tá, mas e os cachorros?
- A gente consegue um negócio pra eles dormirem. Tipo
alguma coisa pra misturar num naco de carne.
- É Fabio, parece que você não é tão tongo quanto aparenta.
- E voce não é tão ligado quanto aparenta.
A operação aos poucos acabou sendo definida. Eu e
Fabio saímos dar um rolê de buzum lá pelas bandas do
Bacacheri numa tediosa tarde de domingo pra definir o alvo.
Fabio é mestre nesse tipo de coisa, foi ele que escolheu o
prédio pro Jean jogar a TV naquela vez. Marilia se
encarregou de conseguir calmantes com sua tia
hipocondríaca pros cães dormirem. Acabamos por encontrar
uma casa limpeza, bala, no Bairro do Tingüi, com dois São
Bernardo e um Pastor Alemão, próxima de uns terrenos
baldios. A casa era grande, um sobrado com um quintal
arregado. Era o alvo perfeito.
Tratamos então de conseguir o material pro ataque.
Sergio batalhou e conseguiu vender umas agendas e uns
cartões que ele faz e com a grana comprou uns quantos
tubos de tinta a óleo. Jean comprou uns sprays. Eu giz de
cera das Casas China, afinal ando duro pra caralho. Fabio
imprimiu uma porrada de poemas e comprou umas fitinhas
coloridas pra amarrá-los não se sabe onde e Vinicius
comprou fósforos e álcool.
- Que merda você vai fazer com isso?
- Só o Jean que pode fazer surpresas agora? Na hora vocês
vão ver.
- Tá bom, só não vai fazer merda, não vai foder com tudo.
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- Que lugar?
- O mundo. A vida. As pessoas.
- Não viaja...
Por fim Jean e Vinícius acabaram se interessando
pelo assunto e começaram a tramar seriamente alguma
coisa. Quer dizer, o mais sério possível tratando-se de nós.
Jean anda lendo o Clube da Luta do [[Chuck Palahniuk]] e
tendo uns planos incendiários.
- Queria experimentar aquelas misturas caseiras, tipo
gasolina com coca ligth.
- E será que funciona?
- Pois é! Eu queria testar a parada.
Conversa vai e conversa vem e dos pontos de ônibus
privatizados acabou-se chegando ao velho e bom plano de
botar fogo em algum out-door. Antigamente o cagaço
sempre vencia, só que agora estamos irremediavelmente
viciados em cagaços.
As idéias logo começaram a brotar.
- Agente joga gasolina. Chegamos por trás do out-door. Com
toda a calma do mundo. Escalamos e vamos derramando
gasolina, até encharcar.
Fábio parecia confiante e metódico, era dele principalmente
o sonho de queimar um out-door.
- Pode crê! Litros e litros de gasolina.
- Só! Na frente e atrás.
- Nossa o negócio vai queimar pra caraaaaalho!
Quem acabou dando o toque de mestre no plano
acabou sendo o Sérgio. Efeitos pirotécnicos ilegais. Uma
coisa de louco, um absurdo.
- A gente arma uma fileira de fogos de artificio por trás do
out-door, na hora que a parada tiver pegando fogo,
soltamos os fogos.
Uma idéia fantástica. Fantasticamente arriscada.
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na bagaça.
Assistimos tudo colados no muro num ponto perdido
entre Aterrorizados & Maravilhados.
Fábio ateou fogo no out-door e na hora em que as
chamas subiram as ganhas Jean acendeu os fogos. No
momento senti como se já pudesse morrer, como se já
tivesse vendo tudo que bastasse. Nossa fogueira queimou
mesmo, queimou pra cacete, o clarão iluminou todo o
matagal que até então estava nas trevas. O show
pirotécnico dos fogos de artifícios deu o charme supremo, a
sofisticação necessária para o momento.
Dez segundos de perfeição. Dez eternos segundos
que quando acabaram cobraram seu preço através daquela
situação fulminante de queda-livre.
- Sujou! Sujou!
- Fuja locôôoooo!!!!
Sem nenhum plano de fuga corremos feito uns
desesperados. Passamos no ponto combinado e Sergio
estava lá com meninos e com um sorriso congelado no
rosto.
- Foi massa, foi de matar a pau.
- Bora, véio! Boraaa! Sujou!
- Sujou o que?
- Fugimos todos juntos!
- Foda-se.
- Bora, cara, bora!
Não teve jeito, por mais que ele tivesse razão nosso
pânico era maior, corremos todos, até os meninos, coitados.
No caminho Fábio teve um acesso de loucura e quebrou um
daqueles painéis de propaganda dos pontos de ônibus.
Corremos ainda mais, os meninos riam que se mijavam,
quase não conseguiam correr, tínhamos muitas vezes que
puxá-los pelo braço. Não sei quanto, mas corremos acho
que uns três quilômetros. Quando paramos num posto de
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desconfiado.
- Claro! Enchemos aquele estacionamento de merda!
Confesso que fiquei meio enjoado com a idéia a principio. É
cair na merda na noite do banco, é comer merda na noite
dos cartões, é foda mesmo, minha vida anda uma bosta
ultimamente. Mas acabei concordando, o plano não era
ruim. Sérgio deu uma incrementada.
- A gente manda umas mensagens pelo correio antes,
alertando eles para algo, mas sem deixar claro o que é.
- Ah, mas tem que descobrir a lista com o nome dos
figurões.
- Fábio! Fala com teu amigo.
- Só! Vou ver o que eu consigo...
Fábio falou com ele, mas o cara demostrou-se meio
cabreiro. Tem uma porrada de carros naquele
estacionamento, mas também tem uma segurança que não
é tonga nem nada. O cidadão acabou nos convencendo a
mudar o plano.
Discutimos muito o assunto na seqüência e
chegamos à conclusão de que jogar merda diretamente na
fábrica poderia ser uma literal cagada. Podiam aparecer os
jornalistas e tchauzinho pra nossa invisibilidade. Optamos
por um meio termo. A Autovesa de São José dos Pinhais,
cidade vizinha a Curitiba. Tem uma parada igual no Barigüi,
mas a de Pinhais é bem mais limpeza.
Com a garantia que não cutucaríamos a
multinacional com vara curta, o amigo de Fábio acabou
desenrolando os nomes pra gente. Sérgio se encarregou das
mensagens. Escreveu umas coisas assim:
“Para Fulano De Tal, tendo em vista um alerta dado pelas
pessoas, pelos bilhões de pessoas deste planeta esqueçido,
mandamos esta mensagem. De tanto cagar fora do penico o
quarto pode ficar fedendo. Ass: .........................”
Nada de viajar um monte e mandar um monte de
cartas diferentes pra um monte de gente. A mesma
mensagem pra todo mundo, pra fixar bem a bagaça. Saca
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Apodreceremos, provavelmente.
Tivemos que parar uma quadra antes e analisar
friamente a situação. Acabou que temos mais sorte do que
juízo. No outro lado da rua tinha uma casa de madeira
desocupada, com muro baixo e tudo. A gurizada ficou
montando o equipamento enquanto eu e Sérgio bancamos
os sentinelas.
Era de madrugada, a rua estava deserta, mas se
alguma alma passasse por ali e olhasse pro terreno da casa
desocupada ia pensar que se tratava de alguma geringonça
criada pelo Coiote para pegar o Papa Léguas.
Jean & Vinius ficavam abastecendo a catapulta com
munição enquanto Marmita caprichava na pontaria, eu e os
outro observávamos tudo ao lado da grade da
concessionária.
Foi um espetáculo. Mais um daqueles momentos
únicos nas nossas vidas, que afinal de contas por serem
tantos, já nem sei dizer se são tão únicos assim. Aquela
merda toda voando pelo céu e caindo em cima de todos
aqueles carros novinhos e inalcansáveis foi um troço de
lavar a alma. Isto não é uma metáfora: Aqueles
excrementos que choveram sobre os carros é os preços que
eles custam.
Milhares de coisas passaram pela minha cabeça
enquanto eu assistia aquele bombardeio. As milhares de
vidas perdidas em acidentes, os danos ao meio ambiente, o
arruinamento estético das grandes cidades, os falsos
desejos plantados pela publicidade na Imaginação Coletiva.
E mais uma lista interminável de malefícios. Vingamos tudo
isso. Pode ser que poucos entendessem nossa mensagem,
mas nós e esses poucos já está louco de bom. É o bastante
nesta ingrata-mas-nem-tanto guerra no Reina da
Mediocridade & da Apatia. Meus devaneios foram
interrompidos pelas sirenes do alarme da concessionária. Ou
o vigia não era um bom profissional e provavelmente
merece cada centavo que ganha ou os filhos de uma égua
tem alarme de invasão de pátio adaptado pra detectar
fezes. Não sei, o que sei é que a porra do alarme era uma
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perfeito.
Perfeito não fossem os cães sem teto.
Equilibrar os bichinhos em cima do muro e mantê-los
quietos era uma missão quase impossível. Pelo menos teve
a manha de levar uns pedaços de salsicha pra eles ficarem
lambendo. A merda é que a parada só funcionou com o
menor, o maior começou a latir quando sentiu cheiro de
comida. Tive que voltar com ele e deixá-lo de fora da
missão. Ficou com Jean que estava de sentinela na frente da
loja por causa de sua clavícula quebrada no último ataque.
Fabio queria surrar o Vini.
- Vini, você fica aqui esperando com o cachorro e quando
tivermos com tudo pronto aí a gente te chama e tu solta ele
lá dentro.
Nos equilibramos por sobre o muro e andamos uns
vinte metros até pularmos no quintal do que parecia ser um
cartório ou alguma secretaria da prefeitura. O cagaço foi
grande, pois Fabio não tinha checado esse detalhe e era
bem provável que aquela porra tivesse vigia noturno.
Quando caímos no chão ficamos uns cinco minutos com o
coração disparado, suando frio e esperando o pior a
qualquer momento. Como temos mais sorte que juízo não
apareceu ninguém.
Todas as portas e janelas da loja tinham grades que
impossibilitavam a invasão por ali, mas facilitava a escalada
do telhado. Eram telhas de barro, fáceis de desencaixar.
Tiramos oito telhas e Fabio pulou sobre o sótão. Péssima
idéia, o animal não tinha se ligado que o forro era de
madeira podre, rachou e ele quase despencou lá de cima. A
cachorrada que tava hospedada se desatou a latir. Um
barulho infernal. Por Éris! Teríamos que ser rápidos e
rasteiros. Uma prova de fogo do nosso profissionalismo
vandalístico.
- Caralho! Vamos rápido!!
Fábio bum bum bum, correu em direção ao tampão,
abriu e pulou pra baixo.
- Rápido Ari! Joga a mochila com as tralhas!
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- Ih, cara. Assim ela vai cobrar muito caro pelo “serviço”
- Já falei que tenho contatos quentes em Colombo, meu
irmão tem várias amigas desta área.
- tá, vamos considerar que a coisa role, ela seduza o cara e
tudo mais, mas e aí, onde isso vai facilitar nossa invasão?
- Ela faz a cabeça dele pra se encontrarem onde ele
trabalha e aí nós...
Perfeito. Uma boa idéia no final das contas. Jean fez
questão de que já que o plano tava redondinho o alvo fosse
o curso de inglês que ele tinha visto a mulher entrar com a
filha. Fábio foi antes checar o local e a cantina e ficou três
noites de butuca checando o vigia, seus hábitos, horários de
entrada e saída e o boteco que ele tomava uma pinguinha
antes do trampo. Sim, o cara carburava uma antes de
trabalhar, sinal de safadeza e terreno fértil pros nossos
intentos.
A puta se chamava Fulana de Tal e segundo Fábio
achou o vigia bonitinho e topou a missão. Não chegamos a
conhecê-la, essa era uma de suas condições pra topar a
tarefa, ficávamos sabendo da evolução dos fatos através do
Fábio. Enquanto isso bolávamos as frases pacientemente,
dividimos os temas entre chamadas claras contra a
desigualdade social e algumas Mensagens Discordianas pra
deixar a coisa mais confusa e inusitada. Por mais o mundo
esteja uma merda o Maravilhoso TEM que estar presente.
Ficamos então na dependência da eficiência da
fulana, porque a idéia era que ela convencesse o cidadão e
se encontrar com o cidadão dentro do cursinho enquanto
atacássemos a cantina e só a cantina. Não queríamos de
modo algum que o coitado perdesse seu emprego. Foi
Sexta-feira À tarde que o Fábio ligou animado.
- é hoje Ari! É hoje rapaz!
- Sério? Ela conseguiu?
- Arizito, chega a dar pena rapá, o cara tá apaixonado
À noite o clima era de festa. Fulana de Tal estava
ligada de tudo. Fizemos praticamente uma planta do
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- Beleza então...
Chegando perto, pelos fundos, Jubikão, nosso
cãozinho que herdamos do ataque da Pet Shop revelouse
um bom cão de guarda, chegou junto, latindo ferozmente
até me reconhecer e vir chacoalhando o rabo. A mudança
não foi nada fácil, transferirmos tudo pela janela e a
geladeira resolvemos deixar pra abater do valor do aluguel.
Dentro do porão eu pichei uma frase que insinuava que o
porão tivesse sido invadido por alguém que era contra os
moradores por algum motivo desconhecido.
“Aqui se faz. Aqui se paga.” Ass: AC
O AC, pros menos ligados, significa: Agentes da
Conspiração. Suamos pra cacete pra crregar tudo. Ainda por
cima minha cixa de gibis se abriu no meio do caminho e tive
que recolher tudo. Levamos quase duas horas pra carregar
tudo até o muro que tínhamos combinado. Marmita
estacionou o caminhão debaixo de uma árvore e esperamos
praticamente mais uma hora pra conferir o movimento,
escutar ruídos e checar se dava pra fazer a carga sem
chamar a atenção de ninguém.
Foi então que realizei o trampo mais sofrido dos
últimos tempos, carregar aquilo tudo em um minuto com a
adrenalina a mil nas veias foi uma coisa muito foda. Eu
suava a cântaros. Marimta suava a cântaros e Jubikão nos
olhava com um olhar entre o curiosos e o triste. Gosto dos
cachorros por que eles sacam das coisas e não possuem o
menos pudor em demonstrar seus sentimentos. Quando
terminamos jogamos uma lona por cima e paramos pra
descansar.
- E aí Ari, tem certeza que não esqueceu de nada
- Acho que não, mas em todo caso, você me espera eu ir lá
dar uma última conferida.
Aquele porão, mais que tenhamos ficado apenas um
mês nele, havia conquistado meu coração, ver aquilo tão
vazio que parecia que até os pensamentos produziam ecos,
me deixou profundamente chateado. Olhei pela janelinha
que tinha vista pra frente e fiquei um tempão analisando se
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- Belê!
Essas esperas durante os ataques me matam. O cara
demorou um tempão e ainda voltou pedindo o pincel
atômico do Sérgio.
- Pra quê seu viajão?
- Nada, só pra deixar a parada mais style.
- Tão tá, só não viaja e não faz merda.
Mais uma demora do caralho, deu tempo até pro Vini
colar uma porrada de papeizinhos com Mensagens
Discordianas (msgs discordianas) no muro. Sergio
aproveitou e, com uma coragem inusitada para aquele que
sempre foi o mais cagão da turma, saiu pelas casas vizinhas
enfiando seus cartões pelas janelas dos banheiros, numa
intervenção altamente mandrakosa.
Quando Fábio voltou estava completamente
transformado. Aquele Delinqüente Poderoso & Autoconfiante
deve ter morrido dentro daquela garagem.
- Bóra, bóra, bóóóraaa!!!! Sem dar bandeira.
- Péraí que o Sergio tá viajando ali no lado!
- Viajando ali no lado??? Quê que esse merda tá fazendo??
- Sei lá, parece que tá pirando com seus cartões.
Nosso bate-boca foi interrompido por latidos de cães,
sempre eles. Foi quando, de onde vinham os latidos, eis que
surge a aparição mais deprimente que éramos capazes de
imaginar: Sérgio com a perna da calça rasgada por um cão
feroz. E a própria perna também, pois estava sangrando.
- Que foi cara?
- Aquele merda daquele cachorro chegou sem fazer barulho
e quando vi já tava abocanhando a batata da perna, olha só.
Mostrou a parada e realmente, tinha marcas de
dentes e um pouco de sangue, nada de muito grave, mas
um sinal suficientemente convincente de que tínhamos que
picar a mula dali imediatamente. Foi o que fizemos. Nos
reunimos num parquinho próximo e e enquanto Sergio
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- À merda você!
- Mas como eu tava te dizendo seu merda, lebra a cara
daquele bebum?
Quando estamos todos nos ofendendo é porque
estamos de bem, estamos em sintonia profunda. Nesses
casos, apesar dos palavrões e das ofensas pessoais,
estamos numa perfeita sinergia, uma inteligência coletiva
altamente marginal. É nesse ambiente que o vandalismo
aflora em nossas mentes. Fábio subiu em cima da mesa,
virou uma garrafa de cerveja pelo gargalo, no gúti-gúti,
jogou o casco contra a parede e berrou:
- Bota pra fudêêêêê!!!!!
Batemos palmas e reclamamos dos cacos de vidro no
chão.
- Depois eu dou jeito, pois o que eu quero agora é quebrar
tudo!!
- Então vamos fazer isso. ¿ falou vinicius, com uma calma
cômica Todos olharam para ele.
- O que vocês estão olhando? Vamos botar pra quebrar
então, ué.
- Olha o tipo do cara, meu!
Levantou-se de onde estava, revirou umas caixas de
papelão que estavam fechadas desde nossas mudança
clandestina e voltou com nossos Antigos & Abençoados
Estilingues.
- Lembram?
- Só! Mas e daí?
- Daí que vou propor realizarmos aquele Jogo Proibido Anti
Automóvel que o Ari falou noutro dia.
- A parada dos semáforos?
- Graaaande guri!
Fábio tomou a iniciativa, subiu na mesa novamente e
intimou a malária:
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improviso.
- Cara, ficou massa!
- Podes crer, me melhorasse piorava.
Temos certeza que naquela noite nosso Teatro
Secreto foi comentado em diversas rodas de conversa.
Somos mesmo uns semeadores de memes inconseqüentes.
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boca, acho que nuca foi tão difícil conter uma gargalhada.
- Sossega Ari, não viaja.
De repente, do nada, o cara surta. Se jogou no chão
e começou a dar uns berros. Três pessoas o recolheram e
tentaram levá-lo ao altar. No meio do caminho ele teve uma
crise, começou a se debater e a revirar os olhos, tiveram
que vir mais dois de reforço. Finalmente no altar o pastor
aproximou o microfone do possuído.
- Eu estou possuído Pastor! Eu estou possuído!
Então o pastor começou a ladainha.
- Em nome de Jesus Cristo nosso Senhor eu te... ¿ foi
interompido,
- Ele não está possuído nada professor! ¿ falou Vini, com a
voz do Bob Esponja.
- O quê?!
- Eu sou Bob Esponja e isso é absolutamente normal
- Não! Nãããão!!! Eu estou possuído pelo Bob Esponja pastor,
me salve! Outro dia quase me afoguei por que esse
demônio me fez crer que eu podia tirar uma sesta numa
piscina de plástico.
- É o demônio! É Satanás que aborda as almas mais frágeis
através da demoníaca televisão, através dos demoníacos
desenhos animados.
- Ele não está possuído! Eu sou Bob Esponja!
- Me ajude! Pelamordedeus! - Vinius alternava as vozes
magistralmente.
Quando o pastor começou sua ladainha de
exorcismo, eis que uma aparição inusitada surge na porta
do templo. O próprio, ele, a lenda, Bob Esponja. Enquanto
tos se viravam pra ver a criatura eu e Jean nos apressamos
em aproveitar a deixa e esticar a faixa que havíamos trazido
de antemão. Nela estava escrito em letras garrafais: EU SOU
ADORADOR DO BOB ESPONJA PORQUE ELE TEM CUECAS
QUADRADAS!!
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- Gaaaaaato, liiiindo!!!
- Gato, bonito, lindo e gostosão! Gato, bonito, lindo e
gostosão!
A vítima simplesmente não sabia o que dizer e o que
fazer.
- O que está aconteçendo aqui?
Sergio fazia o papel de segurança pessoal do ídolo,
as gurias tentavam agarrá-lo enquanto Sergio às continha.
Com gestos até meio violentos e uma cara de mal hilária.
Eu, Marmita, Ramonera e Jean o reverenciava-mos como se
tratasse de uma divindade Hindú ou sei lá o quê. Eu, mais
especificamente, estava escrotíssimo com o curativo devido
ao nariz quebrado na surra do último ataque. Enquanto
fazíamos isso entoávamos a música O meu refrigerador não
funciona dos Mutantes, como se fosse um mantra.
A Gritaria, A Algazarra & A Balbúrdia eram tão
grandes, ou no mínimo tão Sem Noção & Esquisitas, que
imediatamente começou a chamar a atenção dos
transeuntes, que paravam, davam uma olhada e seguiam
suas rotinas sem entender bulhufas do que tinham visto.
Alguns ficaram assistindo. Fábio & Vinícius tinha previsto
isso e deram uma de tradutores, foram explicando pro povo
o motivo daquela palhaçada toda.
- As pessoas idolatram artistas que na verdade pouco ou
nada acrescentam a nossas vidas. A arte na verdade não é
uma profissão. Não existe o artista. Artistas somos todos nós
e a arte faz parte de nossas vidas. Quer artista maior do que
este rapaz que conserta geladeiras. Gente, se eu ficar sem
ouvir o disco novo do Djavam dada de sério que acontecerá,
mas se eu ficar sem geladeira minha comida estragará. E
comida podre, vocês sabem bem, fede pacas e faz mal. Dá
uma diarréia danada. Esse discurso todo era proferido
enquanto fazíamos nossas reverências. As meninas já
estavam na fase de pedir autógrafos. E o cara se prestou,
deu autógrafos mesmo e a essas alturas do campeonato já
estava curtindo a viagem, seu momento de celebridade. Um
velhinha na janela da casa ao lado batia palmas animada e
dava muitas risadas. O clima meio que ficou estranho
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- Bóra macacadaaaaa!!!
E parecíamos mesmo um bando de macacos subindo
naquela árvore. As tarefas foram bem divididas. Marmita, o
Mestre das Gambiarras ficou com a missão de entrar no
depósito e conseguir fazer uma extensão pra trazer a
energia que iluminaria as lâmpadas. Fábio instalaria os
fogos no topo da árvore. Jubyleu seria o churrasqueiro de
bebês. Sérgio penduraria os cartões nos galhos, enquanto
eu, Ramonera, Jean & Vinicius estenderíamos as lâmpadas
de modo a formarem as frases. Jubyleu foi o que terminou
antes. Deixou o bebê espetado e a churrasqueira armada,
só esperando o final dos trabalhos pra acender o braseiro, o
que por uma questão de segurança, ficou pra ser feito por
último. Só que em vez de nos ajudar, o viado se instalou
num galho Seguro & Confortável e ficou cheirando benzeno.
Maldita Ratazana Junkie!
- Vem nos ajudar seu ingrato!
- Já vou, deixa só eu turbinar meus neurônios.
Não foi nada fácil estender as lâmpadas, no escuro é
bem mais foda decidir se um galho agüenta o peso ou não,
a tarefa exige um concentração absoluta. Apesar da
madrugada gelada eu suava a cântaros. Minha
concentração foi interrompida pelo estalo de um galho
quebrando: Ramonera, que ainda tava bêbado,
simplesmente pegou no sono e começou a cair de onde
estava. Se não fosse Jean, que estava pertinho, o piá teria
caio de uma altura de uns cinco metros acrescentando mais
um acidente pro nosso currículo. Jean segurou o mané pelas
calças, que começaram a arriar, arriar, até que rasgaram,
revelando a cueca mais ridícula que já vi até hoje. Por sorte
Ramonera conseguiu se salvar pendurando-se num galho
que ficava logo a baixo. O cara levou um susto tão grande
que ficou o resto do tempo abraçado naquele galho que
nem um náufrago agarrado a última tábua que sobrou do
navio afundado.
Chapado de benzeno Jubyleu começou a rir
histericamente. Jean, me cutucou.
- Vá você, que tem mais intimidade.
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anos que não aparecia, que queria fazer uma visita surpresa
e estava ali pra criar coragem. No meio da conversa
levantou a ficha completa da mulher. Era uma mãe solteira
desempregada. Voltou pra Sagrado Muquifo do Sitio Cercado
com estranhas idéias na cabeça.
- Pessoal, descobri um fim praquelas latas de tinta cor de
rosa que ganhei do tio do Thársis
- Que latas de tinta? ¿ fazia tanto tempo que eu nem
lembrava.
- Aquelas tintas que ele me deu depois que o tio fechou a
loja.
- Ah! Só, tô ligado. E o que tú tens em mente?
Depois de me explicar em detalhes o que tinha visto,
fez um mistério danado, mas quando o resto da piazada
chegou começou a falar de seus planos concretos de
intervenção inusitada.
- Fala seu monstro, que porra de ataque você está
planejando?
Então nos contou pacientemente a história das duas
e seu plano. A idéia era invadir a casa das duas e reformar
por completo o quarto da menininha. Fazer a mais bela
surpresa possível pra uma menininha pobre.
- Hakim Bey falou, faça algo que uma criança se lembre
para o resto da sua vida.
- Caraca, que idéia massa. Meio gay, mas massa.
- É, dá o cú pro Hakim Bey de uma vez.
- Terrorismo Poético na sua essência mais Pura & Bela &
Maravilhosa.
- Pois bem, o que e como faremos?
- Relaxem, fiz o levantamento completo e já tenho um plano
de invasão, só preciso que vocês me ajudem a confeccionar
todo o material necessário ¿ disse Sérgio, todo cheio de si.
Segundo ele, as duas iam todo fim de semana pra
Piraquara, na casa da mãe da mulher, só voltavam domingo
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material. E aí?
Em menos de uma hora já estávamos no sacolão
comprando legumes. Pimentão, abobrinha, batata, cebola,
pepino, fizemos um rancho responsa. Outros materiais
compramos no Atacadão do Boqueirão e a carne Dona
Jurema mesmo comprou no açougue perto de onde mora. O
resto preparamos no Muquifo mesmo. E por resto entenda-
se os uniformes de mendigos. Porque mendigo que não
cheira a pinga e mijo seco não é mendigo. Selecionamos
umas roupas velhas e passamos cinco dias mijando em cima
delas e depois secando. Quando chegou o sábado, dia da
ação, elas já estavam espetacularmente perfumadas.
Fui trampar e onze e pouco da manhã Jean me liga
dizendo que estava tudo em cima. Fui correndo pra Santa
Felicidade, que é um bairro aqui de Curitiba famoso por seus
restaurantes chiques e o pessoal já tava todo lá me
esperando. Vinícius, ainda engessado, não poderia participar
ativamente, então entrou com Marília num restaurante pra
fazer o desbaratinamento combinado. Logo chegaram os
garis Sérgio e Marmita. Eu, Fábio & Jean seríamos os
mendigos. Acompanhamos tudo de longe.
Quando os garis chegaram perto da árvores Marília
caiu no chão, na entrada do restaurante, tendo um terrível
ataque epiléptico. Ainda bem que eu não estava lá, não
conseguiria deixar de cair na gargalhada ao ver ela se
estrebuchando toda e babando feito um boi. O Garis foram
rápidos no gatilho. Marmita acho que é descendente de
macaco ou então tem um gene de australopiteco que
resistiu a milênios de evolução humana. Tava distraído
observando tudo quando Jean me deu um cascudo.
- Bóra Ari, veste essa porra de roupa de uma vez e toma
essa pinga.
- Tá, mas nós vamos beber mesmo? De verdade?
- Ué? O Roberto De Niro não engordou não sei quantos
quilos pra fazer o Al Capone?
- É...
- Pois então! Mas relaxa, faz uns três gargarejos que eu acho
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que tá bom
Como eu tinha que voltar pro trampo resolvi ficar no
gargarejo mesmo, mas na hora mandei tudo às favas e dei
três belos talagaços, o suficiente pra ficar frasqueado. O
piás entornaram legal. Jean deu u gole tão animal que
chegaram correr lágrimas. Os garias desceram da árvore e
sairam a passos largos do local do crime. Tudo indicava que
a primeira parte da operação fora bem sucedida. As
marmitas brilhavam no sol e quando chegamos lá algumas
pessoas já estavam observando a inusitada árvore. Marilia a
aparente já estava recuperada do ataque epiléptico e o
casal conversava com alguém do restaurante enquanto
observavam as estranhas marmitas.
- Foram os garis que deixaram aquilo lá?
- Não sei, sinceramente não sei, estava ajudando minha
namorada e nda vi.
Subimos rapidamente a árvore. Jean estava bêbado
mesmo. Quando se agorrou num galho não viu que estava
meio podre caiu de volta. Ainda bem que não era alto.
Quando abri uma das Marmitas dei um berro de euforia:
- É comida mesmo macacadaaa!!! ¿ e aí sim, dei um belo
gole da garrafa de pinga
- É festa! Não como a dois dias!!!! ¿ Fábio emendou.
- Vamos comer que saco vazio não fica de pé.
Confortavelmente instalados em galhos seguros
demos início ao inusitado banquete de mendigos. Não
demorou muito até que um dos funcionários do restaurante
aproximou-se.
- Pessoal, vocês podem até comer isso daí, mas não na
frente de nosso restaurante, tem um almoço com um
candidato a vereador e...bem, isso aí não pega bem
- O quê? Comer não pega bem? Então por que essa merda
de restaurante.
- Bom, estou falando com jeito.
- E eu estou comendo com jeito. Aceita uma coxinha?
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Hahahaha!!!!
O rapaz viu que não ia se dar bem no diálogo e deve ter
percebido que estávamos bêbado, virou as costas e voltou
pro restaurante. Não deu meio minuto e saiu o que
aparentemente era dono do resurante, visivelmente
indgnado e apertando nervosamente as teclas de seu
celular.
- Seus vagabundos! Vocês vão sair daí nem que eu tenha
que chamar a polícia!!
Vinícius e Marilia tentaram moderar disfarçadamente
a coisa, mais o dono do restaura simplesmente não lhe dava
ouvidos. Continuamos nosso banquete sem com aquela
coragem etílica e sem levar a sério a ameaça de chamarem
a polícia. As coisas começaram a ficar realmente divertidas
quando um funcionário tentou subir na árvore pra nos fazer
descer e levou uma solada de Jean despencando de volta
pro chão. E as coisas ficaram realmente divertidas quando o
tal do candidato a vereador resolveu se apresentar pra
resolver o caso.
- Meus filhos, descem daí que eu pago um almoço pra vocês
num local apropriado.
- Que local apropriado? Vai nos convidar pra almoçar contigo
nesse restaurante granfa aí?
Ele gaguejou um pouco e respondeu que era um lugar
próximo dali.
- Má tu é muito falso e sem vergonha mesmo, não é seu
filho da puta?
Jean estava mesmo, começou a disparar ofensas a
Políticos & Burgueses. Fábio complementava tudo com uns
exemplos hilários que não sei de onde ele tirou. Eu estava
meio tenso.
- Rapazes, vejam bem. Estou tentando resolver o problema
da maneira mais fácil possível, não quero polícia.
Mas o dono do restaurante não parecia muito
disposto que aquela situação se prolongasse muito e ligou
pra polícia. Dois carros pararam na frente, visivelmente
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Fazer o que?
Chegou umas horas que eu e Ígor discursávamos
feito uns loucos. Eu encarnei o Profeta Alucinado do Descaso
eleitoral. Eu dava prioridade pros ônibus, enquanto Ígor não
perdoava os carros que tivessem algum símbolo de
candidato. Carreata seria o banquete de nossos sonhos.
Infelizmente não pintou nenhuma. Não sei se pro nosso azar
ou se pra nossa sorte.
- Não viemos aqui pra pedir voto! Não viemos aqui pra pedir
dinheiro! Viemos aqui unicamente pra exercer nossa
liberdade de expressão!!
- Chega de sustentar vagabundo minha gente!
- Ambição travestida de boa vontade! Isso é que é a
política!!!
No final das contas do meio dia até as três da tarde
ralando no olho do sol, sem almoço, feios, de apé & sem
dinheiro. Chega umas horas que cansa lutar contra o
Império. Eu me joguei na calçada e me estendi no chão. Ígor
sentou-se na mesma calçada escorado num poste. O
desconhecido piá de preto revelou-se um heróis da
revolução, não parou de mover a bandeira de um lado pra
outro o tempo inteiro.
Sérgio por fim não se saiu de todo inútil, ficou como
nosso olheiro reparando nos comentários dos transeuntes.
Flagrou o desconhecido de preto pedindo dinheiro pro povo
(sujeitinho esperto/ ó a do cara!!) e que muitas pessoas,
mas muitas mesmo, perguntavam:
- Quem será que está pagando pra eles fazerem isso?
Isso não só é curioso como também sintomático.
Num mundo em que nada foge da lógica do capital, é
estranho ver pessoas se divertindo, defendendo uma idéia,
sem nenhum dinheiro envolvido. E o mais massa que aquilo
pra nós, muito mais do que uma causa defendida, foi um
jogo e um jogo muito divertido. Eu diria até insanamente
divertido. Tão divertido que não dava vontade de parar. Só
paramos porque estávamos definitivamente exauridos de
nossas energias vitais. Repito, lutar contra o império cansa.
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vista?
- Sim, trata-se da Dona Gilda, lá do Bairro Alto. É Velhinha,
Viúva & Sem Parentes. antigamente cuidava de sua horta
como se cuidasse de seu filho, que aliás, morreu num
acidente junto com o pai.
- Caraleo!
- E então, topas?
- Pergunta besta, taca o foda-se! Mas vamos lá primeiro pra
ver a parada, tens uma vale transporte aí?
Acho que o Marmita tinha passado o fim de ano
inteiro pensando nessa horta. Estava com tudo planejado.
Dona Jurema, sua vó, tinha concordado em ajudar cedendo
alguns itens necessários: pés de alface, cenoura, couve e
cheiro verde. O alvo seria o quintal de uma senhora pra lá
de consciente que costumava fazer sopa para os indigentes
do bairro. O que faltava era mão de obra. Logo comecei a
acionar o pessoal. Jean ficou impressionado com o plano.
- Ari, gostei muito da idéia, trata-se dos nossos Velhos &
Bons Distúrbios Cotidianos.
Os Distúrbios Cotidianos sempre foram o fio da
meada que conduziram nossas ações. Fazer algo que ponha
em cheque a rotina e o senso comum dos narcotizados
cidadãos do século XXI. Fazer algo que a pessoa lembre pro
resto da vida ou que, pelo menos, tenha que pensar muito
pra tentar encontrar um sentido e um significado.
Sergio, o mais cagão, também topou, só disse que
não participaria dos preparativos. Viado, parece que previu
a porra, aquela merda deu um trabalho lazarento. Cavar em
volta da planta, arrancar com a raiz, delicadamente, e
colocar em saquinhos com terra úmida & adubada. Anotem
aí, mudar cenouras de lugar é fóóóda. Estávamos em
quatro, eu, Jean, Marmita e uma figura que apareceu por lá,
um tal de Gleydson Schultz, que veio de Campo Mourão,
interior do Paraná, tentar fazer curso de Tecnólogo ou
Mecatrônica ou sei lá o quê. Uma figuraça, que já tinha sido
agricultor e apesar de falar besteira incessantemente, sabia
lidar bem com as plantinhas.
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Pé de Chuchu
Caralho!
Foi o troço mais Monstro do Pântano que já vi até
hoje. Tinha dois chuchuzinhos pendurados no peito que mais
pareciam um par de seios. Começei a rir feito um retardado,
minha barrigadou, eu minhas pernas afrouxaram e acabei
caindo no chão, num acesso de histeria. Pior, caí numa poça
de lama. Então foram os outros que riram. Marmita me
puxou.
- Ari, isso não é hora pra palhaçada.
Sergio não tinha parado, estava a meia quadra na
nossa frente, alcançamos ele quase na esquina. O dia já
estava clareando. Quando ele dobrou a esquina topou com o
Inesperado: um bebum com uma garrafa de pinga na mão.
O coitado olhou aquela Coisa, arregalou os olhos e
gritou:
- Grandiospai!!!!!
Jogou a garrafa pro alto de e se ajoelhou diante do Monstro.
- Jesus Cristo Nosso Senhor, me proteja deste demônio bixo
cão e juro que nunca mais boto uma gota de birita na
boca!!!!
Quando cheguei perto pra acalmar o cidadão, o cara
desmaiou. Conferi o pulso e estava O.K, e seguimos embora,
rachando o bico de tanto dar risada. Chegamos na casa da
vó do Marmita com o sol raiando. Dona Jurema nos esperava
com um café da manhã de Rebeldes Contra o Império.
- E aí meninos, conseguiram o que queriam?
Marmita, falando com a boca cheia de broa de milho:
- E até o que nem imaginávamos querer.
Dona Jurema não entendeu nossas gargalhadas, mas foi
maravilhoso.
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- Você de novo, é?
Não deu tempo nem de falar.
- Escuta aqui, diz praquele desgraçado que eu faço o que
bem quiser da minha vida e que ele que fique com aquela
vagabunda que se deus existe ainda vai acabar tirando tudo
o que ele tem!!
Porta batida na cara dois ponto zero.
Agora era comigo a encrenca. Desta vez três batidas na
porta foram suficientes.
- Oi querido!
- Gostaria de saber se a senhora está bem.
- Claro, estou ótima, agora melhor ainda, entre!
- Não, não, só gostaria de saber se está tudo certo, se não
está nada errado.
- Nadinha de nada, entre meu filho!
- Tchau, tia, tchau!
Dessa vez saí correndo mesmo, tropecei na calçada e
quase caí. Encontrei a galera rolando na grama, não preciso
nem dizer fazendo o quê.
A terceira rodada foi aguardada com ansiedade. Dela
poderia sair o grande campeão. Gleydson & Marmita, os
grandes favoritos ao título. E olha, não posso garantir se
eles estavam satisfeitos com isso. Gleydson com a bola. Toc,
toc, toc.
A porta abriu-se bruscamente e acho que a rua
inteira pode ouvir os berros da mal comida
- Vai tomar no teu cú! Cú! Cú! Cú!
Porta batida na cara três ponto zero. Gleydson voltou
andando feito um zumbi. Olhar perdido num horizonte vazio.
O jogo ficou quente. Ânimos acirrados. Depois de se
recuperar Gleydson começou a afinar o violão.
- É hoje que essa viagem acaba, sinto isso na pele.
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