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foram construídos apenas 57,8 km de ferrovia, entre a cidade de Santos Dumont,
onde passa a linha tronco da EFCB, e a de Mercês, no vale do rio Pomba.
A história do “Ramal do Piranga” inicia-se no final do século XIX. Em 2 de
outubro de 1890, João Pereira de Lemos Torres, membro da Junta Comercial do Rio
de Janeiro, assinou contrato para construção de uma estrada de ferro, que deveria
partir da cidade de João Gomes (como era conhecida a cidade de Santos Dumont à
época) até Piranga, com privilégio de exploração por 50 anos e garantia de juros de
6% ao ano durante vinte anos sobre o capital que efetivamente fosse empregado, na
razão de 45:000$ por quilômetro. Para o prolongamento dessa estrada, celebrou-se
contrato com a “Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramentos”
(NOTICIÁRIO, 1890, p.328). De acordo com o DECRETO nº 552, de 18 de setembro
de 1891, a “Companhia Promotora de Indústrias e Melhoramentos” era uma
sociedade anônima, sob a razão social de Bandeira & Bello, sediada no Rio de
Janeiro, com capital social de 15.000:000$, dividido em 75.000 ações de 200$ cada
uma. Tinha por finalidade, a execução de obras e trabalhos de engenharia, por conta
própria ou de terceiros; a exploração de serviços públicos e de estabelecimentos
industriais; a exploração de privilégios e concessões; a organização de companhias
ou empresas; a aquisição de empréstimos no país ou no exterior; e o comércio de
açúcar e outros gêneros alimentícios.
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Figura 1: Estação ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), de onde
partia o Ramal do Piranga (Trem da Piranguinha). Município: Santos Dumont (MG).
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Figura 2: Ruínas da plataforma de embarque de Rio Pinho, “Ramal do
Piranga”, ao lado do antigo leito ferroviário, atualmente desativado. Estrada de Ferro
Central do Brasil (EFCB). Município: Santos Dumont (MG)
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Figura 3: Dormente e trilho do antigo “Ramal do Piranga” na localidade do
Açude. Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Município: Santos Dumont (MG)
Nos primeiros anos do século XIX, 1902, haviam sido construídos apenas
26,6km de ferrovia, ligando as cidades de Santos Dumont a Oliveira Fortes, a
segunda conhecida como “Livramento”. A referida extensão, à época, correspondia
a apenas 1,15% da rede mineira de viação férrea. No mesmo ano citado,
encontravam-se paralisados no Estado a ampliação de 451 km de ferrovias, das
quais 147,756 referentes ao trecho da estrada de João Gomes (Santos Dumont) a
Piranga. Apesar da conclusão dos 26,6km, o tráfego começou a apresentar
interrupções desde 1900, o que levou o governo a notificar o Banco Iniciador de
Melhoramentos, que reestabeleceu o trânsito em 1901. Embora intimado a tomar
conta da estrada, o banco cessionário não cumpria a determinação, obrigando o
governo, em determinados momentos, a administrar a ferrovia na forma de contratos
(RELATÓRIOS, 1902, p.28). A estrada de ferro do Rio Doce era uma ferrovia
deficitária: no relatório de gastos e receitas das ferrovias mineiras em 1902, o Ramal
do Piranga apresentou um déficit de 17:714$258, após também amargar prejuízo no
ano anterior, da ordem de 45:016$637. Mas, essa não era uma característica
exclusiva do Ramal do Piranga, pois, à época, apenas duas estradas mineiras
(Oeste de Minas e Juiz de Fora a Piau) haviam obtido lucros (RELATÓRIOS, 1901,
p.25; 1902, p.27; 1903, p.39; 1904, p.48-49).
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Figura 4: Ruínas de plataforma de embarque na localidade de Boa Sorte,
“Ramal do Piranga”, ao lado do antigo leito ferroviário, atualmente desativado.
Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB). Município: Santos Dumont (MG).
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e para o crescimento dos déficits. O próprio governo reconhecia a depressão
generalizada da receita das vias férreas, fruto da redução da produção e do
consumo, e destacava a necessidade da implantação de culturas nas zonas
marginais das estradas de ferro, de modo a favorecer o transporte de mercadorias
com fretes mais reduzidos.
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despesas. O trecho da linha era muito pequeno: apenas 26 km (2,6% do conjunto
geral da Estrada de Ferro Central do Brasil). A exploração do transporte gerava
prejuízo para o Tesouro do Estado, que não dispondo de verba para a realização de
obras, cada vez mais urgentes, não podia modificar tal situação (RELATÓRIOS,
1903, p.40-41; 1904, p.48-49).
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estagnação era resultado do abandono em que a havia deixado o Banco Iniciador de
Melhoramentos, sempre preocupado com a redução, ao mínimo, das despesas com
o custeio.
Em 1904, o déficit da ferrovia aumentou para 22:726$506. Como
consequência, eram mantidos apenas dois trens por semana, uma forma de reduzir
a despesa ao extremo. O prejuízo, contudo, não era uma condição peculiar do
Ramal do Piranga, pois, no ano citado, apenas duas ferrovias obtiveram lucros: a
Leopoldina Railway e a Estrada de Ferro Juiz de Fora a Piau, fato explicado pelo
maior movimento de passageiros e pela maior intensidade do tráfego de
mercadorias, café em especial, advinda da importância agrícola das áreas pelas
quais essas duas ferrovias cruzavam, o sul da Zona da Mata mineira, importante
pólo exportador da rubiácea (RELATÓRIOS, 1904, p.48-49; 1906, p.61-65).
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1906, p.63-64). O governo, então, requereu o depósito da estrada, já que as
despesas corriam por sua conta. Mesmo assim, passados dois anos, o tráfego na
ferrovia encontrava-se novamente suspenso. Sem prolongá-la até atingir uma região
agrícola produtiva, o vale do Piranga, situado no alto vale do rio Doce, berço de
milhares de fazendas, não havia como justificar a manutenção regular do tráfego.
Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br.
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Em 1909, a estrada foi finalmente encampada pelo governo, que neste ano
despendeu o montante de 306:875$170, referentes à aquisição e gastos com o
tráfego da via (RELATÓRIOS, 1909, p.27). Em 1913, mais 32 km de trilhos
encontravam-se em construção, ligando as cidades de Livramento (Oliveira Fortes) e
Mercês, obra terminada três anos depois, quando o “Ramal do Piranga” passou a
contar com 57,830 km (4,6% da rede da Estrada de Ferro Central do Brasil)
(RELATÓRIOS, 1913, p.83-84; 1914, p.84; 1915, p.104). Mas, a ferrovia, cujo
projeto original era se estender pelos vales dos rios Pomba, Xopotó, Piranga e Doce,
parou na cidade de Mercês (vale do Pomba). O fim da linha e de um projeto que se
pretendia incentivar a integração e o desenvolvimento regional de partes da Zona da
Mata e do Vale do Rio Doce.
O Ramal do Piranga, operando no trecho entre Palmyra (Santos Dumont) e
Mercês, manteve suas atividades até meados da década de 1960, quando foi
desativado3. Os trilhos foram retirados, mas restaram vários vestígios como a
passagem elevada no centro da cidade de Santos Dumont, diversas pontes como as
do rio Pinho, do ribeirão das Valentinas e do rio Formoso, a última construída pela
Companhia Nacional de Forjas e Estaleiros em 1896 etc. O leito da ferrovia se
transformou numa estrada vicinal, ao longo da qual ainda é possível observar os
cortes retilíneos em barrancos, pedreiras de onde provavelmente foram extraídas
rochas para cascalhar a via, restos de trilhos e dormentes, hoje utilizados em cercas
na margem do leito, bem como os cortes e sinuosidades característicos de leito
ferroviário em zonas de aclive/declive. Em alguns locais restaram estações como a
de Oliveira Fortes, Paiva e Mercês, plataformas de embarque como as do Pinho,
Campo Alegre e Boa Sorte e caixas d’águas das antigas locomotivas a vapor, como
a de Paiva. Cabe, finalmente, enfatizar que o “Ramal do Piranga” tomou o nome da
cidade mineira de Piranga, município situado no alto vale do rio Doce, fundado no
período colonial, que provavelmente experimentou certa importância econômica
3 O Decreto n.º 58.341, de 3 de maio de 1966, assinado por Castello Branco, promoveu a
erradicação de ferrovias e de centenas de ramais, considerados “antieconômicos”, entre
eles, o de Santos Dumont a Mercês. Decreto n.º 58.341, de 3 de maio de 1966. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-58341-3-maio-1966-
398851-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 08 nov. 2015.
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durante o século XIX, a ponto de nomear um ramal da importante ferrovia da
“Central do Brasil”, mas que nunca chegou ao seu destino final.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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