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Texto extraído de FRAGA, Nilson Cesar.

Vale da Morte: O Contestado visto e sentido “Entre a


cruz de Santa Catarina e a espada do Paraná”. Blumenau: Hemisfério Sul, 2010. (p. 121-124).

A ESTRADA DE FERRO NO CONTESTADO


Um dos motivos que levou o governo imperial a construir uma estrada de ferro que
cortasse o interior catarinense e paranaense era a necessidade de preenchê-lo, para garantir a
integração entre o Brasil do Sul e o Brasil do Centro-Leste. Um outro motivo era o de fixar
imigrantes nas terras devolutas dos campos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e nos
sertões do Paraná e de São Paulo17.
Em 1888, a primeira equipe do engenheiro João Teixeira Soares escolheu o traçado,
ligando São Paulo e Rio Grande do Sul, atravessando a região entre os rios Iguaçu e Uruguai.
Todas as regiões onde fatalmente seriam assentados os trilhos eram administradas pela província
do Paraná. A linha original com 599 quilômetros (1904-1905) foi aberta ao tráfego 18. Nessa mesma
época, o então ministro da Viação e Obras Públicas, o catarinense Lauro Müller, promoveu a
vinda ao Brasil do famoso empreendedor norte-americano Percival Farquhar 19, que fundou a
Brazil Railway, empresa que tomou posse do controle acionário da Companhia Estrada de Ferro
São Paulo-Rio Grande (AMARAL, 1915). A construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio
Grande, no trecho entre União da Vitória (PR) e Marcelino Ramos (RS), levou dois anos,
atravessando de norte a sul a região contestada, percorrendo o Vale do rio do Peixe, no Meio-
Oeste catarinense.
A estrada obtivera do governo federal uma concessão de terras
equivalentes a uma superfície de quinze quilômetros para cada lado
do eixo, ou igual ao produto da extensão quilométrica da estrada
multiplicada por 18. A área total assim obtida deveria ser escolhida e
demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de
uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado. Não
só por isto, mas também pela subversão quilométrica, o traçado se
desdobrava em exagerada sinuosidade. Desse modo, a Estrada de
Ferro São Paulo-Rio Grande ziguezagueava para todos os pontos
cardeais, a furtar-se de pequenas obras de arte. A princípio foram
empregados quatro mil trabalhadores; porém, com a marcha dos
trabalhos, o seu número atingiu cerca de oito mil. Eram contratados
principalmente no Rio e em Pernambuco. […] Esses antigos
trabalhadores, misturando-se à população do Contestado,
constituíram o fermento de graves acontecimentos posteriores20.

Objetivando rapidamente colonizar as terras que havia obtido em pagamento pela


construção da estrada de ferro, a Brazil Railway, em 1911, tratou de colocar para fora de seus
domínios todas as pessoas que ocupavam terras e que não possuíam títulos de propriedade. Tal
iniciativa, bem como a própria concessão feita à companhia, contrariava a chamada Lei de Terras
de 1850. Mas o governo do Paraná reconheceu os direitos da empresa, o que não foi de
estranhar, pois Affonso Camargo, vice-presidente do Estado, era advogado da Brazil Railway21.
Aos posseiros que ousavam se opor às medidas de despejo, a Brazil Railway enviava
elementos de seu corpo de segurança, que contava com 200 homens armados. No Mapa 3,
denominado Vegetação Original e Domínio da Cia. Lumber, pode-se visualizar a enorme área
concedida ao norte-americano nos dois períodos de concessão: no império (30 km de cada
margem da ferrovia) e na república (15 km de cada lado), além do local onde instalara a
companhia madeireira Lumber, em Três Barras e Calmon. Com o intuito de explorar as terras
obtidas às margens da estrada de ferro, a Brazil Railway criou, em 1911, uma nova companhia a
ela subordinada: a Southern Brazil Lumber and Colonization Company (ASSUMPÇÃO,
1917/1918).
A Brazil Railway construiu, também, a estrada de ferro entre União da Vitória (PR) e São
Francisco do Sul (SC), para descer a Serra Dona Francisca e exportar a madeira beneficiada pela
Lumber. Para atender às conveniências do Paraná, por caminho mais longo, as tábuas seguiam
também pelo porto de Paranaguá.

___________________
Notas
17
SACHET, Sérgio. Fogo no Planalto. Florianópolis: Diário Catarinense, Suplemento, 1997.
18
THOMÉ, Nilson. Sangue, Suor e Lágrimas no Chão Contestado. Caçador: UnC, 1992.
19
O norte-americano Percival Farguhar era dono de dezenas de empresas nos Estados Unidos e de outras tantas
espalhadas pelo mundo, principalmente na América Latina. Engenheiro, já no final do século XIX chefiava duas
importantes empresas que controlavam os serviços de bondes de Nova lorque. Seu grande sonho era controlar todo o
sistema ferroviário da América Latina. Após grandes compras e conquistas, em 1913, devido a aplicações malsucedidas
na Bolsa de Valores de Nova lorque, perdeu tudo e teve de vender as empresas para pagar seus credores. (AFONSO,
Eduardo José. O Contestado. São Paulo: Ática, 1994, p. 10.)
20
QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social - A Guerra Sertaneja do Contestado: 1912/1916.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
21
THOMÉ, Nilson. PR e SC Disputam Território. Curitiba: Gazeta do Povo, Suplemento, 2003.

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