Análise Crítica Dos Estudos Do Futuro
Análise Crítica Dos Estudos Do Futuro
Análise Crítica Dos Estudos Do Futuro
739-754, 2011
Resumo: Expandir modelos mentais, de tal modo que as condições futuras possam ser interpretadas e conformadas
de maneira mais eficiente, constitui-se num desafio estratégico constante para agentes sociais, econômicos, políticos e
institucionais. Nesta perspectiva, o presente artigo busca discutir os conceitos relativos aos estudos do futuro, bem como
a trajetória histórica do tema, apresentando as diversas nomenclaturas e abordagens encontradas até então na literatura,
caracterizando suas relações e lacunas teóricas. Para tanto, utilizando-se dos princípios do método dialético, procedeu-se
um estudo teórico de finalidade descritiva, que adotou como procedimento de pesquisa a consulta bibliográfica. O
estudo apresenta uma caracterização de conceitos a partir de trabalhos e autores considerados referências no tema,
constituindo uma cronologia temática. Por meio de uma análise comparativa dos termos encontrados, busca-se contribuir
com a construção de um arcabouço conceitual adequado à aplicação no cenário científico brasileiro acerca de estudos
do futuro. Conclui-se que o tema tem origens remotas e as conceituações/nomenclaturas existentes receberam diversas
contribuições, atualizando-se e ampliando suas especificações e complexidades operacionais, encontrando espaço
crescente no meio científico a partir da década de 1950. A abordagem originalmente genérica tem sido substituída
por visões mais específicas, relacionadas a métodos próprios de investigação e construção do futuro, ganhando maior
pertinência, coerência e replicabilidade. A adoção de uma ou outra nomenclatura (e seus métodos) deve decorrer de uma
identidade histórica e cultural com o contexto de aplicação. Acredita-se que essa pesquisa aponta um caminho oposto
às confusões teóricas, erros conceituais ou uso amplo e indiscriminado de conceitos sinônimos, por vezes verificados
na literatura, indicando ainda algumas oportunidades de desenvolvimento técnico sobre os estudos do futuro.
Palavras-chave: Estudos do futuro. Prospectiva. Prospecção. Previsão. Cenários futuros.
Abstract: Expanding mental models in order for future conditions to be interpreted and shaped more efficiently is a
constant strategic challenge for social, economic, political, and institutional agents. Accordingly, this article discusses
the concepts related to future studies and their historical trajectory by presenting the various classifications and
approaches found in the literature characterizing their relations and theoretical gaps. Therefore, using the principles
of the dialectical method, a descriptive theoretical study was conducted using literature review as the research method.
This study presents a characterization of the concepts found in the studies investigated that are considered benchmark
creating a timeline. Through a comparative analysis of the terms found, the focus was developing a conceptual
framework suitable for the Brazilian scientific scenario concerning future studies. It was concluded that this is not a
recent topic, and the existing concepts/classifications have received several contributions updating and expanding its
specifications and operational complexities, since the 1950’s. The originally generic approach has been replaced with
more specific visions related to individual methods of investigation and future building achieving greater relevance,
consistency, and replicability. The adoption of a certain classification (and its methods) must result from a historical
and cultural identity with the context of application. It is believed that this research contributes to avoiding and or
clearing theoretical misunderstandings, conceptual errors, or broad and indiscriminate use of synonymous concepts,
which are sometimes found in the literature, presenting opportunities for future studies technical development.
Keywords: Future studies. Prospective. Foresight. Forecast. Future scenarios.
1
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR, Via do Conhecimento, Km 1, CEP 85503-390, Pato Branco, PR, Brasil,
e-mail: [email protected]
2
Faculdade Horizontina – FAHOR, Av. dos Ipês, 565, CEP 98920-000, Horizontina, RS, Brasil
e-mail: [email protected]
3
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Campus Universitário, CEP 88010-970, Florianópolis, SC, Brasil,
e-mail: [email protected]; [email protected]
Recebido em 22/4/2010 – Aceito em 24/8/2011
Suporte financeiro: Nenhum
740 Schenatto et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 18, n. 4, p. 739-754, 2011
de uma linguagem unificada acerca de estudos do de enfoques e resultados potenciais. Também por
futuro, adequado à aplicação no cenário científico decorrência dessa investigação, é possível pontuar
brasileiro, bem como dos demais países de língua alguns períodos históricos nos quais esses enfoques
portuguesa, de modo a indicar um caminho oposto foram desenvolvidos ou mais amplamente aplicados.
às confusões teóricas, erros conceituais ou uso
indiscriminado de conceitos sinônimos, promovendo 2.1 Nomenclaturas relacionadas aos
um relato mais objetivo de experiências e um melhor estudos do futuro
diálogo entre os pares.
A primeira questão que surge quando se fala em
2 Revisão de literatura estudos do futuro é terminológica.
O futuro tem sido objeto de grande preocupação “No Brasil, vêm sendo empregados os termos
do homem, que o aborda de diferentes maneiras prospecção, estudos do futuro e prospectiva.
através da história. Dentre as interpretações mais Em inglês, os termos mais empregados são
importantes, podem-se destacar o futuro interpretado forecast(ing), foresight(ing) e future studies. Na
como: produto da magia; uma visão unidirecional; uma França vêm sendo usados veille technologique,
visão multidimensional e humanista (CASTRO et al., futuribles e la prospective.” (INSTITUTO...,
2001 apud LIMA, 2005). 2003, p. 6).
A primeira dessas abordagens interpreta o futuro Acrescente-se que, muitas vezes, o termo “cenário”,
como produto da adivinhação. Essa concepção perdura ou sua variação na literatura, “scenario”, é usado com
até nossos dias, mas predominou principalmente o mesmo sentido, embora a maioria dos autores os
na época medieval, com hegemonia dos magos enquadre como uma das metodologias ou métodos
e feiticeiros. Já o enfoque unidirecional surgiu usados na realização de estudos prospectivos.
nos tempos modernos, com o apoio das ciências A literatura disponível em português sobre o tema
matemáticas e da estatística. Nessa compreensão, o é reduzida. Assim sendo, as definições que seguem
futuro é modelado com a aplicação de modelos de baseiam-se nos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos
projeção, utilizando séries históricas de referência. O no Brasil e, sobretudo, na literatura estrangeira. Esta, por
terceiro enfoque surgiu no final da década de 1950, sua vez, acaba por implicar na dificuldade em consensuar
e interpreta o futuro como dependente da ação do sobre um conjunto coeso de opiniões, baseado numa
homem, dando origem à aparição da prospectiva, uniformidade terminológica. Neste contexto, conforme
sob inspiração de Berger (1964). Fundación COTEC (FUNDACIÓN..., 2003, p. 13),
Com base em Godet (1982), pode-se ainda
“[...] cada país tem empregado sua própria
considerar os estudos do futuro divididos em duas
técnica de trabalho, seus objetivos futuros e
grandes correntes: os estudos tendenciais, que utilizam
os grupos de experts de cada país têm obtido,
projeções sobre dados do passado; e os estudos
a partir das metodologias empregadas, seus
prospectivos, que consideram dados do presente.
próprios resultados, aparentemente diferentes.”
O Quadro 1 apresenta características de ambos,
visando oportunizar melhor compreensão desses Dada à relevância da temática, recentemente,
dois paradigmas. Sardar (2010); Masini (2010) têm discutido as origens
Partindo desta ampla diferenciação, convém e implicações do uso das variadas terminologias,
abordar as diversas nomenclaturas encontradas na argumentando sobre a necessária aderência da opção
literatura referindo-se a estudos do futuro, de modo terminológica (e sua história) ao contexto cultural
a defini-las e viabilizar uma análise comparativa da aplicação.
Embora não se pretenda restringir o uso das é chegado o porvir, chega-se ao presente, e não ao
diversas expressões conhecidas, cabe uniformizar futuro (MARINHO; QUIRINO, 1995).
o entendimento de seus significados, de modo que Desde o surgimento dos estudos do futuro como
estudos comparativos possam ser realizados sem campo de pesquisa acadêmica, depois da Segunda
incorrer em erros decorrentes de inadequações Guerra Mundial, estes se tornaram searas trans/
conceituais. Nesse contexto, o trabalho prossegue multidisciplinares de pesquisa, com uma diversidade
introduzindo as nomenclaturas e definições de escolas, métodos, abordagens e aplicações de
relacionadas ao tema. pensamento. Essa visão de Patokorpi e Ahvenainen
(2009) é sistematizada no Quadro 2.
2.1.1 Future studies Uma análise do Quadro 2 permite observar a
amplitude da identidade terminológica utilizada,
Constitui um termo amplo que abrange todas as denotando perspectivas filosóficas e metodológicas
atividades relacionadas à melhora da compreensão variadas. Ao passo que alguns autores adotam variantes
sobre as consequências futuras dos desenvolvimentos de uma mesma abordagem, outros são identificados
e das escolhas atuais (AMARA; SALANIK, por empreenderem esforços sob paradigmas
1972). Também se pode dizer que é um campo complementares ou até mesmo opostos, visando
multidisciplinar, relacionado a uma variada gama abarcar um maior repertório de métodos e técnicas,
de visões sobre os futuros possíveis, prováveis ou adequados para aplicações diversas.
preferenciais (ASSAKUL, 2003 apud INSTITUTO..., Masini e Samset (1975) indicam que os estudos do
2003). futuro constituem um campo da atividade intelectual
Neste sentido, entende-se future studies como e política, relacionados a todos os setores da vida
um termo genérico, que abarca todas as variantes de social, econômica, política e cultural. Visam descobrir
estudos e métodos propostos na tentativa de antecipar e dominar as complexas cadeias de causalidades,
e/ou construir o futuro. por meio de conceitos, reflexões sistemáticas,
experimentações, antecipações e pensar criativo,
tendendo a transformar-se em novos foros para a
2.1.2 Estudos do futuro tomada de decisão e formulação de políticas. Disso
Para Gonçalves (2007), apesar do interesse do decorre a afirmação de Coates (2003), quando diz
homem em conhecer o futuro acompanhá-lo desde os que o objetivo básico de estudar o futuro é mudar a
primórdios da humanidade, o campo de investigação mente e depois o comportamento das pessoas.
conhecido como “estudos do futuro” surgiu somente É comum aos estudos acadêmicos a tese de que
há quase cinquenta anos. Masini (2002) considera o mundo real é muito complexo para que se possa
que esses estudos iniciaram-se na década de 1960, desvendar o seu eventual determinismo oculto. E
quando, após o impacto da Segunda Guerra Mundial, mesmo que isto fosse possível, a incerteza inerente às
estudiosos se interessaram em pesquisar o tema em variáveis manteria sempre em aberto a possibilidade
nível global. de vários futuros. É o que afirmam Godet (2000);
Existe um sem-número de visões relacionadas Gordon (2004); Camargo (2005), dentre outros.
aos estudos do futuro, dentre as quais se destacam: Assim,
interação de tendências históricas e a ocorrência
de eventos de grande complexidade, de múltiplas “[ ] ao assumir o pressuposto de que o futuro
interações entre sistemas sociais, e de fenômenos não pode ser controlado, mas a sociedade
sociais e políticos (JOHNSON, 1969); estudos sobre pode influenciá-lo, o homem buscou, então,
a confluência de muitas forças passadas, presentes desenvolver e testar diversas metodologias
e futuras, que podem ser mais bem entendidas para explorar, criar e provar, sistematicamente,
com base na reflexão (SCHNAARS, 1987); futuro pelo menos duas visões de futuro: a possível e
como algo inexistente e inatingível, porque quando a desejável.”(GLENN, 2004, p.8).
Com base nisso, é possível aceitar que esta que devem cobrir um período relativamente longo,
denominação sobrepõe-se exatamente à definição de preferência maior que o período de tempo que se
anterior (future studies). Evidencia-se, no entanto, está projetando, e com padrões uniformes de coleta
que este tratamento mais genérico utilizado para ao longo do tempo (BODINI, 2001).
definição de “estudos do futuro” tem sido substituído Apesar de apresentar aplicações limitadas ou, em
por visões mais específicas, relacionadas a métodos muitos casos, dever ser substituída por alternativas
próprios de investigação e construção do futuro. mais adequadas, essa abordagem trouxe contribuições
históricas ao tema. Reflexões dessa natureza permitiram
2.1.3 Antecipação e previsão uma melhor adequação de metodologias e ferramentas
aos objetos de estudo, levando, por consequência, à
Decisões baseiam-se na expectativa de realização definição de novos conceitos.
de um evento ou conjuntura. Assim, pode-se dizer Assim sendo, este trabalho associa os termos
que decidir é posicionar-se em relação ao futuro. “antecipação” e “previsão” a um porvir tendencial,
Dependendo do prazo disponível para a tomada que pode ser analisado por meio de séries históricas,
de decisão e do volume de informações passíveis de aplicando-se ferramentas matemáticas. A alternativa
obtenção nesse prazo, o indivíduo estará entre dois exploratória supracitada apresenta maior aderência à
estados: de certeza, quando sua decisão é única e abordagem prospectiva, ou de prospecção, tratadas
tem caráter determinístico; ou de incerteza, quando a seguir.
dependerá de um conjunto de hipóteses, assumindo
caráter probabilístico (SANTOS, 2004). Ainda,
2.1.4 Prospecção
para o autor, o futuro, além de inevitável, é incerto.
Contudo, é possível prever certos eventos, como Segundo Cuhls e Grupp (2001), a prospecção
consequência de atos e decisões passadas ou sujeitas pode ser definida como:
a um calendário regular.
”Processo que se ocupa de procurar,
Entre as técnicas de previsão, de acordo com
sistematicamente, examinar o futuro de longo
Bodini (2001), existem os modelos extrapolativos e
prazo da ciência, da tecnologia, da economia e
os métodos de prospecção (exploratórios).
da sociedade, com o objetivo de identificar as
Com relação aos modelos extrapolativos, Godet
áreas de pesquisa estratégica e as tecnologias
(2003) destaca: previsão - é a avaliação, com certo
genéricas emergentes que têm a propensão de
grau de confiança (probabilidade), da evolução de
gerar os maiores benefícios econômicos e sociais.”
uma grandeza num dado horizonte, para a qual se
propõem hipóteses futuras a partir de dados coletados Embora restrinja o foco a longo prazo, essa
no passado; projeção - é o prolongamento de uma definição é abrangente quanto aos setores de aplicação.
evolução passada, segundo hipóteses de extrapolação Também se destaca que, de forma subjetiva, considera
ou inflexão de tendências, constituindo-se em previsão o processo de tomada de decisão como aspecto central
se contiver probabilidade. da prospecção. Esse mesmo fator é apresentado
Observa-se na literatura que as técnicas de forma explicita na abordagem de Marcial e
extrapolativas são vistas hoje como mais simples, Grumbach (2006), para os quais a prospecção é
no que se refere ao entendimento conceitual e em um processo continuado de pensar o futuro e de
relação à aplicação de casos práticos. Por conta disso, identificar elementos para a melhor tomada de
tornaram-se muito difundidas entre profissionais decisão, considerando aspectos econômicos, sociais,
nas diversas áreas de conhecimento. Por outro lado, ambientais, científicos e tecnológicos.
Bodini (2001) evidencia que, apesar da simplicidade e A mesma visão é compartilhada pelo Instituto
disseminação, tais modelos nem sempre se apresentam Nacional de Tecnologia (2003), para o qual prospecção
como bons recursos de previsão, pois muitas vezes não é a mesma coisa que prognóstico ou previsão, mas
necessitam ser complementados com o uso de outras sim, apresenta a ideia de se ter uma participação ativa
técnicas e abordagens. Isso ocorre porque, em geral, na conformação do futuro. Nessa perspectiva, Bodini
os modelos de previsão exigem uma série de dados (2001) acrescenta que os métodos de prospecção
que partem da premissa de que o futuro será parecido utilizam basicamente dados qualitativos, definidos
com o passado, o que, na prática, nem sempre ocorre. por especialistas, profissionais e pesquisadores
Além disso, sabe-se que na maioria das vezes da área, por meio dos quais se procura identificar
os bancos de dados, quando existem, são pouco acontecimentos e ações que possam promover uma
confiáveis, incompletos ou sem periodicidade de situação futura melhor definida.
atualização, com unidades de medidas diferentes e Já quanto a suas características, de acordo com
com poucos dados relevantes ao estudo. Na prática, Godet (1982), os estudos de prospecção envolvem:
porém, a extrapolação sobre tendências passadas compreensão do fenômeno (considera o todo, no qual
depende, sobretudo, de dados históricos confiáveis, nada permanece igual); variáveis (qualitativas, não
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necessariamente quantificáveis, subjetivas, conhecidas estratégias, uma vez que é necessário construir-se
ou ocultas); relações (dinâmicas, com estruturas em atitudes face ao futuro; territorial – é relacionado
evolução); explicação (o futuro é a razão de ser do à concretização dos objetivos e definição de um
presente); futuro (múltiplo e incerto); método (de planejamento estratégico global para o território
análise intencional, com modelos qualitativos e (região ou cidade).
estocásticos); e atitude em relação ao futuro (ativa Sinteticamente, pode-se dizer que “prospectiva”
e criativa). é uma abordagem sobre o futuro na qual a reflexão
Por constituir-se no principal enfoque dado aos coletiva sobre os desafios para a tomada de decisão
exercícios prospectivos, apresentam-se também conduz à definição de opções estratégicas, que
definições de prospecção tecnológica, visando ampliar priorizam a abordagem qualitativa, implicando
a compreensão sobre o tema. na coesão de esforço dos envolvidos na definição
Prospecção tecnológica é o termo aplicado aos do futuro desejado e na conjugação de ações para
estudos que têm por objetivo antecipar e entender torná-lo exequível.
as potencialidades, evolução, características e efeitos
das mudanças tecnológicas, particularmente sua 2.1.6 Foresight
invenção, inovação, adoção e uso (COATES et al.,
2001). Já para Kupfer e Tigre (2004), prospecção é Uma tradução para o termo foresight é antevisão,
o meio sistemático de mapear os desenvolvimentos porém, também poderia usar-se prospecção. Contudo,
científico e tecnológico futuros, capazes de influenciar vale referir-se ao termo em inglês para marcar sua
de forma significativa uma indústria, economia ou raiz teórica, advinda da abordagem evolucionista
sociedade. da teoria econômica (ZACKIEWICZ; SALLES
Partindo dessas visões, adota-se no escopo deste FILHO, 2001).
trabalho a orientação de que “prospecção” envolve O foresight parte da premissa de que o futuro não
métodos com viés exploratório ou normativo, nos está e não pode ser determinado analiticamente. A
quais a reflexão coletiva sobre os desafios futuros perspectiva é outra: precisão só seria importante se
para a tomada de decisão levam em consideração os atores envolvidos não pudessem influenciar o
aspectos econômicos, sociais, ambientais, científicos produto final gerado no processo, o que não é o caso. A
e tecnológicos, sendo frequentemente associados à abordagem prevê a construção interativa do futuro em
grande temporalidade. Conduz à definição de opções uma sucessão de visões e interpretações desse futuro,
estratégicas que priorizam a abordagem qualitativa que vão sendo aperfeiçoadas ou mesmo superadas por
na análise do futuro. outras mais adequadas e consistentes com o entorno
(ZACKIEWICZ; SALLES FILHO, 2001).
Coates (1985) refere-se ao termo como o processo
2.1.5 Prospectiva pelo qual se pode chegar a um entendimento mais
Godet (2000) afirma que a prospectiva é um completo das forças que moldam o futuro a longo
instrumento que possibilita à organização a prazo e que devem ser levadas em consideração na
estruturação, por meio de uma reflexão coletiva dos formulação de políticas, planejamento e tomadas
desafios futuros, e, eventualmente, a avaliação das de decisão.
opções estratégicas. Contudo, salienta que existem Em síntese, “foresight implica em negociar
estudos prospectivos que não têm caráter estratégico demandas e campos promissores de investigação,
bem definido, como também existem análises mas também em atuar nas condições do ambiente
estratégicas que são realizadas sem considerar algum no qual estão inseridos os atores, promovendo
tipo de investigação aprofundada em prospectiva, ou uma macrocoordenação” (ZACKIEWICZ;
até mesmo são omissas a esse tipo de estudo. SALLES FILHO, 2001, p. 145).
Para Lima (2005), a prospectiva, atualmente, é
uma das ferramentas mais poderosas e sofisticadas à Os mesmos autores ainda afirmam que inclui meios
disposição dos gestores no que se refere à compreensão qualitativos e quantitativos para monitorar pistas e
do futuro. Além disso, a análise prospectiva é uma indicadores de tendências de desenvolvimento e seu
base sólida para a sustentabilidade institucional, uma desenrolar, e é melhor e mais útil quando diretamente
vez que permitirá a compreensão e percepção, de ligado à análise de políticas e suas implicações.
forma sistemática, do comportamento de variáveis Linstone e Grupp (1999) identificam quatro
do ambiente organizacional, que são relevantes para dimensões nas quais esta abordagem pode desempenhar
a definição de rumos e estratégias. um papel relevante: sócio-política; econômica; cultural;
No intuito de atingir uma melhor adequação e diplomática.
terminológica, diferenciam-se brevemente dois Segundo Horton (1999) o sucesso de exercícios
enfoques dados por Godet (2001) à prospectiva: de foresight depende de um processo sucessivo de
estratégico – alia a prospectiva à formulação de construção do conhecimento que se constitui de três
Análise crítica dos estudos do futuro: uma abordagem a partir do resgate histórico e conceitual do tema 745
adotar um enfoque global e sistemático; levar em pode ocorrer; enquanto o normativo indica como
consideração fatores qualitativos e as estratégias atingir um objetivo específico.
dos atores; lembrar sempre que a informação e a Por fim, de acordo com Wright (2005), a construção
prospecção não são neutras; optar por uma pluralidade de cenários é uma abordagem de pensamento
e complementaridade de enfoques; questionar ideias estratégico que reconhece a imprevisibilidade do
pré-concebidas sobre prospecção e sobre quem futuro, devendo ser utilizada como ferramenta para
trabalha na área. delimitar os caminhos possíveis de evolução do
Diante disso, entende-se La Prospective como presente.
uma metodologia qualitativa, em que a reflexão Tomadas por referência essas considerações,
coletiva sobre o futuro orienta a definição das opções cenários, no contexto deste trabalho, devem ser
estratégicas que oportunizam a tomada de decisões vistos como representações do futuro (possível ou
relativas a um tema/problema sob investigação, com provável, desejado ou não) tomadas como ferramenta
base na opinião, expectativas e interesses dos atores administrativa, e não como previsão. O propósito
envolvidos. não é acertar a descrição do futuro, e sim orientar
a tomada de decisões estratégicas referentes aos
eventos e caminhos alternativos de sua configuração
2.1.12 Cenários ou construção.
Embora não possa ser classificado propriamente
como um método de estudo do futuro, como os demais 2.2 Trajetória histórica dos estudos do
até então expostos, a técnica de cenários é amplamente futuro
utilizada como ferramenta para essa finalidade, de
modo que, muitas vezes, se confunde com o próprio Chrispino (2001) aponta que o interesse pelo
método. Assim, justifica-se o interesse em discuti-la. futuro perde-se na história do homem, na qual se
De acordo com Schwartz (1996 apud OLIVEIRA, percebe a busca pelo seu desvelar em numerosas
2001), cenários são definidos como instrumentos civilizações antigas. Um exemplo disso é dado por
para ordenar percepções sobre ambientes futuros Schwartz (1991), quando se refere aos sacerdotes
alternativos, sobre as quais as decisões atuais do Nilo sudanês como os primeiros previsores do
se basearão, sendo que, na prática, cenários se futuro de longo prazo.
Os primeiros “construtores” de futuro de que há
assemelham a um jogo de histórias, escritas ou
registros foram os profetas presentes nas religiões
faladas, construídas sobre enredos desenvolvidos
judaica, cristã e islâmica. Esses importantes
cuidadosamente. O método de construção de cenários
personagens da história tiveram um papel
busca construir representações do futuro, assim como
preponderante de conselheiros, não pretendendo
rotas que levam até essas representações, que buscam
ser meros adivinhos.
destacar as tendências dominantes e as possibilidades
Além da Grécia antiga, onde o futuro era “predito”
de ruptura no ambiente em que estão localizadas as
nos oráculos, de acordo com Jaguaribe (1996), os
organizações e instituições. estudos do futuro, posteriormente, passaram a ter
Rattner (1979) observa que a construção de cenários importância para o Império Romano, que tinha a
visa a um procedimento sistemático para detectar as obsessão da previsão do futuro, cujos processos
tendências prováveis da evolução, em uma sequência eram praticados até a já avançada República. Vem
de intervalos temporais, bem como procura identificar a prática divinatória, portanto, desde o período da
os limites da tensão social nos quais as forças sociais Roma monárquica até o tempo de Cícero.
poderiam alterar essas tendências. Os romanos tinham dois grandes tipos de
Cabe também considerar a visão de Godet e adivinhação do futuro supostamente válidos: aquele
Roubelat (1996), na qual os cenários representam que eles herdaram dos etruscos - o haruspicius,
uma descrição de uma situação futura, bem como que se caracterizava pelo exame das entranhas de
do conjunto de eventos que conduzirão da situação certos animais; e aquele que era dotado de mais
original para uma situação futura, em que o futuro credibilidade, no qual se observava o vôo de pássaros.
é múltiplo. Para os autores, o caminho que leva a Este não era voltado para cenários macroscópicos,
um futuro, ou outro, não é necessariamente único, mas para o provável resultado de certa ação imediata
ainda que a descrição de um futuro potencial, e a (JAGUARIBE, 1996).
progressão em direção a ele, represente um cenário. A preocupação com o futuro ressurge com o
Por conta dessas alternativas, os mesmos autores Renascimento e toma importante forma literária
classificam os cenários em exploratórios; e desejados, com Júlio Verne no Século XIX. Já no início do
antecipatórios ou normativos. Já Borjeson et al. (2005) século XX, destacam-se os pensadores George Wells,
fazem três outras distinções: o cenário projetivo Vernon Lee e Berthand Russel. Nos anos 30, outra
mostra o que irá ocorrer; o prospectivo expõe o que obra literária torna-se famosa: o “Admirável Mundo
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Novo”, ficção de Aldous Huxley. A obra de Verne • o fortalecimento da prospectiva militar (EUA)
inspira e direciona o futuro, que reproduz a sua arte. e econômica (Europa) no pós-guerra;
No caso de Huxley, a tecnologia caminha na direção • os trabalhos de Gaston Berger, sobretudo a obra
apontada no livro e o alerta sobre a questão política “A atitude prospectiva”, escrita em 1957 e de
foi, seguramente, importante instrumento para guiar Herman Khan, que atuou na Rand Corporation
o futuro numa direção melhor (CRISTO, 2002).
durante os anos 50;
Para Godet (1993), Gaston Berger relançou
nos anos 60 a palavra prospectiva, retirando-lhe do • a criação do Centro de Prospectiva do Instituto
conteúdo a força da previsão que estava demasiado Hudson, do qual Herman Kahn, egresso da
impregnada de profecia. Rand Corporation, foi diretor, que pesquisa
Cristo (2002) destaca ainda que as duas guerras prospectiva geográfica clássica e publicou a
do século passado e sua herança, a Guerra Fria, obra “The year 2000” escrita em 1967, na qual
incitaram ao desenvolvimento de instrumentos de a palavra cenários foi introduzida;
planejamento para além dos planos quinquenais, • a criação do Masachussets Institute of Technology,
sendo menos determinísticos e mais probabilísticos, no qual James Forretre desenvolveu pesquisa
buscando evitar situações das quais se poderia não ter
em torno do sistema ecológico denominado
retorno, dada a capacidade de autodestruição adquirida
pela humanidade. Nessa perspectiva surgem a Rand World Dynamic;
Corporation e, posteriormente, o Hudson Institute, • a criação do Institute for the Information Society,
como centros de referência de estudos prospectivos. do Japão, que, por meio de um projeto, desenhou
Nesta mesma década notabilizaram-se a substituição da sociedade industrial pela
personalidades como Herman Kahn e Michel Godet, sociedade informatizada;
além de trabalhos como o World Dynamic, sobre • na década de 70, os estudos realizados por
sistema ecológico, e o estudo prospectivo da Shell. americanos para a construção de cenários
Acrescente-se que por meio deste último, em 1969, baseados em reuniões de peritos (método Delphi
foi possível identificar um cenário futuro relacionado
e Matriz de Impactos Cruzados);
a um possível “choque do petróleo”, o que levou a
• os importantes trabalhos sobre cenários,
organização a obter petróleo nas águas do Mar do
Norte, antes das demais concorrentes, alçando-a ao inspirados na Escola Francesa de Prospectiva,
segundo lugar no ranking de sua indústria. desenvolvidos por Pierre Wack que trabalhou
Fazendo uma complementação a partir de Chrispino na Royal Dutch Shell;
(2001), sabe-se que a popularização dos estudos sobre • já na década de 80, com a forte expansão dos
o futuro alcançou também o meio acadêmico. No estudos prospectivos, destacam-se os trabalhos
início da década de 60, Richard Meier iniciou grupos dos norte-americanos Bell, Kahnemann, Tverski,
sistemáticos de estudos de futuro na Universidade de Schwartz, Porter e Godet.
Michigan e, depois, na Universidade da Califórnia, em • a popularização do emprego de cenários como
Berkley. Identificam-se também alguns importantes
ferramenta estratégica, iniciada, sobretudo, com
autores que contribuíram na disseminação da visão
do futuro e da importância de pensar o futuro como a Global Business Network (GBN), criada por
fator de decisão atual, dentre os quais se destacam Schwartz e Wack.
Frederick Polak, Benjamin Singer e Victor Frankl. Santos (2004) professa que fatores conjunturais e
Enfim, Marcial e Grumbach (2006) representam o avanço tecnológico forçaram o desenvolvimento de
um interessante caminho de construção histórica da novas metodologias que viabilizassem planejamentos
prospectiva no século XX, quando identificam as de médio e longo prazo, com participação ativa na
principais obras e eventos relacionados com estudos construção do futuro, em condições dinâmicas de
de futuro. Destacam-se: mudança nos processos decisórios. A partir da obra
• a obra do escritor inglês George Wells, “História de Berger (1957), surge a mudança definitiva de
do futuro” que analisa os avanços tecnológicos mentalidade de um futuro único (previsão clássica)
para os vários futuros possíveis (prospectiva). O
ocorridos ao final do século XIX e a ascensão
porvir passou a ser encarado como algo que não está
dos EUA, do Japão e da Rússia na política
predeterminado, mas em processo de elaboração,
internacional, escrita em 1902; podendo-se interferir no seu curso por meio de ações
• a famosa obra “Admirável mundo novo”, de desenvolvidas no presente . O autor acrescenta que
Aldous Huxley escrita em 1930; surgem, então, o Centre d´Études Prospectives, na
• as declarações de Einstein sobre energia e do França, e o Hudson Institute, nos Estados Unidos, que
cientista alemão George Picht sobre corrida propiciaram as condições básicas para o surgimento
armamentista, feitas durante a II Guerra Mundial; da futurologia, entendida como “ciência do futuro”.
Análise crítica dos estudos do futuro: uma abordagem a partir do resgate histórico e conceitual do tema 749
Outra representação cronológica é dada por Barbieri diversas nomenclaturas e abordagens encontradas até
(1993 apud GÜELL, 2004), considerando período, então na literatura, bem como caracterizar suas relações.
terminologia e autores envolvidos na evolução do Neste processo, de acordo com a recomendação
tema: 1950 - Previsão Tecnológica (Kahn, Helmer, de Cervo e Bervian (2002), adotou-se a seguinte
Daddario); 1960 - Previsão Sociológica (Mchale, abordagem: visão sincrética - leitura de reconhecimento
Toffler, Fuller); 1970 - Previsão Global – (Forrester, que tem o propósito de localizar fontes, em uma
Meadows); 1980 - Prospectiva (Berger, Massé, aproximação preliminar sobre o tema; visão analítica
Godet); 1990 - Programas de Prospecção (Ministério - leitura crítico/reflexiva dos textos selecionados;
visão sintética – interpretativa e de síntese.
da Indústria e Tecnologia do Japão - MITI); 2000 -
Essa visão sincrética permitiu a construção de um
Observatório de Prospectiva (Tecnológica e Setorial).
quadro analítico, que apresenta uma organização ou
Em 1972, o Office of Technology Assessment (OTA), agrupamento dos conceitos discutidos, a partir das
nos Estados Unidos, constatou que a tecnologia muda e abordagens dadas pelos autores pesquisados.
se expande rápida e continuamente, que suas aplicações As etapas transcorridas nessa análise podem
são amplas e em escalas crescentes, cada vez mais ser sintetizadas da seguinte forma: i) identificação
generalizadas e críticas em seus impactos, benefícios do problema e definição do objetivo de pesquisa
e problemas em relação ao ambiente social. Passou (com delimitação de abordagem); ii) definição dos
a ser essencial que as consequências das aplicações construtos a serem pesquisados (abordagens, definições
tecnológicas sejam antecipadas e consideradas na e evolução histórica dos estudos futuros), aprofundando
determinação das políticas públicas em problemas a contextualização do tema e orientando o recorte
existentes e emergentes (BLAIR, 1994). Ao longo temporal enfocado; iii) definição de palavras-chave
da década de 90, a prospecção tecnológica adquiriu (estudos do futuro; prospectiva; prospecção; previsão;
um lugar de destaque porque propicia a geração de cenários futuros etc.), e seleção de referências
opções relativas à ciência e tecnologia e promove significativas, a partir das quais foi construída a
uma vinculação mais estreitas dessas à inovação, à fundamentação teórica, permitindo o detalhamento
conceitual e cronológico das terminologias associadas;
criação de riqueza e a uma melhor qualidade de vida
iv) identificação dos autores de referência (e suas
(JOHNSTON, 2001).
escolas) no tema de interesse; v) organização e
No século XXI proliferaram estudos em vários discussão sobre os conceitos; vi) desenvolvimento da
países, sob diversos enfoques. Alguns destaques análise crítica, a partir de leitura sincrética, analítica e
envolvem estudos acerca de interesses estratégicos sintética, para assim constituir o Quadro 3 e a Figura 1.
nacionais; geração de políticas tecnológicas; A análise envolvida considerou como variáveis
desenvolvimento regional e de aglomerados produtivos; operacionais: a escola do autor considerado; as
trajetórias tecnológicas em segmentos específicos referências por ele utilizadas; a abrangência e/ou
etc. Dada a amplitude desse tema, o assunto será profundidade da definição considerada; as ferramentas
abordado oportunamente, em outros trabalhos. metodológicas associadas a cada conceito (pelos autores);
Por fim, como pauta emergente, evidencia-se o os resultados e impactos obtidos em cada aplicação
trabalho de Sardar (2010), que propõe quatro leis de relatada; e a coerência de discurso entre os aspectos
estudos do futuro, preconizando, em essência, que o anteriores, vista de forma transversal entre os autores.
tema não seja tratado como disciplina com fronteiras O estudo também pode ser caracterizado por sua
rígidas, teorias fixas, terminologia esotérica ou foco finalidade descritiva, por enfocar a descrição das
em supostos “fundadores” desta seara. características de determinada população ou fenômeno,
ou o estabelecimento de relações entre variáveis (GIL,
3 Metodologia 1999), neste caso, conceitos e definições.
Finalmente, e considerando o caráter teórico
Uma vez determinado o objeto de estudo, foram da pesquisa, ressalta-se que a mesma também se
definidos os procedimentos metodológicos adequados utilizou dos princípios do método dialético (SILVA;
para a realização da análise proposta. É o que então MENEZES, 2005), a partir do qual as definições foram
se apresenta, enfatizando-se os aspectos filosóficos confrontadas na tentativa de encontrar semelhanças
e instrumentais. (coerência) e diferenças (inconsistências relativas).
De acordo com Severino (2000), um ensaio teórico
consiste na exposição lógico-reflexiva com ênfase na 4 Análise crítica
argumentação e interpretação pessoal. Conhecidos os conceitos sobre os estudos do futuro
Diante disso, observa-se que a pesquisa iniciou-se e as diversas definições e abordagens adotadas pela
mediante a busca de dados secundários, por meio de comunidade científica, apresenta-se a seguir, conforme
pesquisa bibliográfica, quando se priorizou a consulta a os objetivos deste trabalho, a discussão e análise
obras de autores considerados referência sobre o tema comparativa já mencionada, de modo a resultar na
proposto. Esta opção permitiu discutir os conceitos construção e indicação de uma terminologia clara
relacionados aos estudos do futuro, apresentando as e adequada às aplicações brasileiras. Na sequência,
750 Schenatto et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 18, n. 4, p. 739-754, 2011
indica-se uma organização cronológica dessas mesmas neste trabalho, baseada na análise comparativa dos
abordagens. termos supracitados.
O agrupamento de conceitos variados em uma
4.1 Análise comparativa das terminologias dada categoria analítica (ou abordagem, conforme
associadas aos estudos do futuro o Quadro 3) decorre essencialmente da semelhança
das finalidades desejadas e métodos utilizados na
Muitos estudos têm tratado indistintamente
os conceitos relacionados aos estudos do futuro. antecipação do futuro. Considerou-se para isso,
Mesmo em traduções, sinônimos literais nem sempre por análise de discurso da literatura consultada, a
representam a melhor opção. abrangência do conceito, as técnicas aplicadas nos
Alguns autores consideram que future studies e estudos, os resultados atingidos e a pertinência da
foresight estariam mais correlacionados a estudos aplicação de traduções literais para o idioma português.
classificados como mais intuitivos, baseados em Isso implica em que futuribles e cenários constituam
opinião de especialistas, cobrindo um espectro mais uma categoria conceitual significativamente diversa
amplo de aplicações, enquanto forecasting estaria das demais, pois se apresentam mais como ferramentas
mais fundamentado em técnicas quantitativas. ou resultados do que como processo. Ainda, cabe
Em contrapartida, quando se analisa um pouco mais diferenciar a ideia de que ao passo que foresight
detalhadamente o uso dos termos, a conclusão é que e forecast referem-se a abordagens ou a conjuntos
foresight e forecasting vêm sendo usados por diversos específicos de métodos utilizados na investigação
autores com o mesmo significado. É bastante comum do futuro, foresighting e forecasting estariam mais
a alternância dos termos num mesmo trabalho. Isto aderentes à narrativa do processo.
é corroborado pela afirmação feita por Coates et al. Expressões como technological, technology ou
(2001, p. 1) quando dizem que regional, por vezes associadas aos estudos do futuro,
figuram apenas como delimitadores de escopo da
“[...] não se pretende nenhuma distinção entre pesquisa, indicando o segmento técnico, econômico
technological forecasting, technology forecasting ou ou social de maior interesse em cada caso. Quanto a
technology foresight, exceto quando especificamente isso, já há maior coerência na literatura, não merecendo
descrito no texto”.
maiores considerações por parte deste trabalho, também
Outro exemplo de uso desses termos com o mesmo por conta de que traduções literais são pertinentes.
sentido está no Japão. Embora os estudos de caráter Embora alguns autores (entre eles Godet)
nacional sejam teoricamente foresighting, foram considerem a prospecção ou foresight como
chamados de forecasting. metodologias menos pró-ativas que a prospective,
No intuito de correlacionar os conceitos discutidos, nas quais o foco está na possibilidade de atuar na
apresenta-se no Quadro 3 a síntese da visão proposta conformação do futuro, diversas outras opiniões
Quadro 3. Análise das abordagens relacionadas aos estudos do futuro.
Terminologias Abordagens
Estudos do futuro Termos genéricos que englobam todos os estudos e métodos elaborados na tentativa de
Future studies antecipar ou construir o futuro.
Antecipação e Ambos veem o futuro como um porvir tendencial, que pode ser analisado por meio de
previsão séries históricas, aplicando-se ferramentas matemáticas. Quanto mais confiáveis forem
Forecast(ing) as bases de dados e mais amplo o período de tempo que elas contêm registros, mais
confiável será a extrapolação. De qualquer forma, cabe ressaltar que exercícios dessa
natureza não garantem necessariamente uma boa aproximação do futuro que irá se
concretizar, apenas uma visão provável.
Prospecção Os métodos dessa categoria são aqueles que priorizam abordagem qualitativa na análise
Prospectiva do futuro, tendo como principal objetivo a coesão de esforço dos envolvidos na definição
do futuro desejado e na conjugação de esforços para torná-lo exequível. Visam identificar
elementos para a melhor tomada de decisão, levando em consideração aspectos econômicos,
sociais, ambientais, científicos e tecnológicos, sendo frequentemente associados à grande
Foresight(ing)
temporalidade. Dessa forma, apresentam viés exploratório ou normativo, no qual a reflexão
La Prospective coletiva sobre os desafios futuros conduzem à definição de opções estratégicas.
Technology São mais focados na análise de impacto das tecnologias vigentes e futuras, adotando
assessment uma postura mais de “radar” do que de “ação”. Para isso, acompanham a trajetória
Veille technologique tecnológica, antecipando alternativas e consequências.
Futuribles Dizem respeito aos futuros possíveis ou prováveis, constituindo-se em ferramentas no
Cenários processo de investigação do futuro. Assim, não devem ser confundidos ou tomados na
mesma medida dos demais conceitos.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Análise crítica dos estudos do futuro: uma abordagem a partir do resgate histórico e conceitual do tema 751
Figura 1. Cronologia da evolução do tema estudos do futuro. Fonte: Elaborado pelos autores.
752 Schenatto et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 18, n. 4, p. 739-754, 2011
Como já argumentado, os estudos do futuro têm relevância, mas também dificultando sua realização
origens remotas e evolução contínua ao longo da e/ou obtenção de resultados mais seguros.
história. No entanto, o tratamento mais genérico Como primeira conclusão, evidencia-se que a
tem sido substituído por visões mais específicas, terminologia relacionada aos estudos do futuro tem
relacionadas a métodos próprios de investigação e sido aplicada indistintamente, ora com o mesmo
construção do futuro. significado, ora com conotações e aplicações
Desses, pode-se observar que a prospectiva significativamente diferentes. Assim, ratifica-se que
desenvolveu-se paralelamente à ideia de cenários. a expressão “estudos do futuro” seja adotada como
Embora essas conceituações/nomenclaturas generalizadora, englobando todas as abordagens
tenham surgido ainda na década de 50, sofreram e metodologias científicas relacionadas à tentativa
diversas contribuições, atualizando-se e ganhando sistemática de antecipar ou construir o futuro.
maior especificação e complexidade operacional, Pode-se resumir em três principais momentos a
mantendo-se em pauta no meio científico até os dias evolução dos estudos do futuro: século V ao XIII
de hoje. Suas aplicações são variadas em escopo e - magos e feiticeiros se utilizavam da adivinhação;
encontradas em diversas nacionalidades. séculos XVII e XVIII - ciências matemáticas e
O mesmo ocorre com a proposta do foresight. estatísticas fundamentaram os estudos tendenciais
Embora ganhando maior sistematização na década (forecast); final da década de 50 - proposta
de 80, suas aplicações têm se expandido e se tornado multidimensional e humanista estruturou os estudos
cada vez mais frequentes no planejamento de ciência prospectivos (foresight).
e tecnologia das nações e de segmentos específicos da Percebe-se a preocupação do homem em tentar
indústria. Atualmente, o foco está mais voltado aos antecipar o futuro desde a reminiscência da Idade
benefícios do processo em si, enquanto articulador Antiga até os dias atuais. Ressalte-se que, no princípio,
de agentes, do que nos resultados objetivos atingidos havia um tanto de introspecção e imaginação. Com a
em termos de antecipação do futuro. Uma metanálise evolução dos tempos, os métodos utilizados ganharam
de casos permite concluir que a maioria dos esforços credibilidade, pois passaram a apresentar maior
é relacionada à prospectiva tecnológica, ou foresight pertinência, coerência e replicabilidade.
tecnológico. Os estudos do futuro seguem duas grandes vertentes:
A abordagem de previsão ou forecast também previsão - foco quantitativo; prospecção - foco
tem sido aplicada a diversos segmentos da economia qualitativo. A previsão caracteriza-se por construir
e da sociedade, buscando dar suporte para o um futuro à imagem do passado, enquanto que a
desenvolvimento tecnológico e social. A variedade prospecção orienta-se para um ou vários futuros.
de metodologias que tem sido desenvolvidas e A previsão apresenta relações estáticas, estruturas
empregadas em forecast nas últimas décadas visa fixas; já a prospecção apresenta relações dinâmicas,
ampliar a precisão dos estudos, como resposta às estruturas em evolução, com foco na tomada de
críticas dos adeptos da prospecção e prospectiva, decisão e construção do futuro desejado.
mais qualitativos. O caráter quantitativo do forecast, Embora o termo previsão faça parte também de
no entanto, permite o estabelecimento de métodos um contexto de linguagem popular, é o conceito que
mais replicáveis e comparáveis entre si, viabilizando melhor representa, no contexto do Brasil, os estudos
a possibilidade de uma recomendação mais específica quantitativos tendenciais, tratados internacionalmente
para cada contexto de aplicação. como forecast. Por outro lado, prospecção e prospectiva
correspondem, respectivamente, aos termos foresight
e prospective, podendo ser usados indistintamente.
5 Considerações finais Deixe-se claro que, a rigor, podem utilizar métodos
Muito se escreve sobre a compreensão do futuro parcialmente diferentes, mais adequados a cada
como ferramenta indispensável e poderosa para contexto de aplicação. Essas definições metodológicas
os gestores que buscam tornar suas organizações decorrem, por exemplo, da amplitude temporal do
ainda mais competitivas. A temática incorporou-se exercício prospectivo, do setor de investigação, e da
ao dia a dia de muitas organizações e, apesar de um composição (tamanho do grupo, multidisciplinaridade
considerável volume de informações sobre o tema, e estrutura de poder) dos stakeholders.
estabelecer um arcabouço conceitual adequado à O método de cenários deve ser entendido exatamente
aplicação no cenário científico brasileiro é um desafio desta forma: como técnica que se pode lançar mão
não tão simples de ser definido, mesmo porque, a durante a elaboração de um estudo prospectivo.
realização efetiva e de forma estruturada e contínua de Sua finalidade é auxiliar na composição de futuros
estudos sobre o futuro é uma atividade relativamente possíveis, não necessariamente associando-se a eles
recente no Brasil e no mundo. Além disso, esses qualquer relação de probabilidade de ocorrência.
estudos transcorrem hoje num contexto de mudanças Acredita-se que este estudo apresentou conceitos e
profundas no cenário internacional, ampliando sua pressupostos considerados referência na temática, que
Análise crítica dos estudos do futuro: uma abordagem a partir do resgate histórico e conceitual do tema 753
dão suporte à construção das proposições apresentadas Tese (Doutorado em Educação)-Universidade Federal
e à organização da trajetória histórica a respeito do do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
tema. COATES, J. A. Foresight in federal government
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uma investigação das origens dos estudos prospectivos
COATES, J. Why Study the Future? Research Technology
no Brasil, visando melhor explicitação e apropriação Management, 2003.
dos significados subjetivos à adoção de termos e COATES, V. et al. On the future of technologial foresight.
métodos, inerentes à expressão cultural de outra Technological Forecasting and Social Change,
localidade. Também, um levantamento analítico v. 67, n. 1, p. 1-17, 2001. http://dx.doi.org/10.1016/
de aplicações de estudos prospectivos realizados S0040-1625(00)00122-0
no Brasil, visando identificar casos de referência, CRISTO, C. M. Prospectiva estratégica: instrumento para
melhores práticas e temáticas desenvolvidas. a construção do futuro e para a elaboração de políticas
Espera-se com isso que erros conceituais possam ser públicas. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DEL
superados a partir do uso amplo de uma terminologia CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y DE
LA ADMINISTRACION PUBLICA, 7., 2002, Lisboa.
mais adequadamente aplicada. Partindo disso,
Anais... Lisboa, 2002.
novas pesquisas podem fundamentar-se em um CUHLS, K.; GRUPP, H. Status and prospects of technology
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