BAITELLO JÚNIOR, Norval. Podem As Imagens Devorar Os Corpos

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BAITELLO JÚNIOR, Norval. Podem as imagens devorar os corpos? Sala preta. V.

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USP: São Paulo, 2007. (77-82). Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57322/60304. Acesso em: 11 fev.
2021.

[...] a devoração é mesmo material, é a vida que está sendo devorada – e essa vida com
tudo que a vida pressupõe, tem direito, ou seja, é nossa carne, são os nossos ossos vivos
que elas podem devorar. E aí eu vou passear um pouco por esses meandros, por esses
caminhos das imagens e dos corpos (BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 77).

A cultura é enormemente poderosa porque os seres humanos criam, criaram a cultura,


que é o mundo imaginário que nos cerca, e entraram nesse mundo imaginário e vivem
dependendo desse mundo imaginário (BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 78).

As imagens internas nos fizeram, afinal, seres de cultura. A capacidade de imaginar faz
com que nós fujamos de uma coisa que a gente considera impossível de fugir que é fugir
do tempo. Quando nós geramos imagens mentais nós saltamos no tempo, vamos para
daqui a cem anos, podemos imaginar daqui a mil anos, podemos imaginar mil anos
atrás, podemos imaginar hoje, podemos imaginar sem nenhum tempo e, portanto, nós
fugimos da cronologia e fugimos do que existe de pior da cronologia do tempo que é o
inexorável. A cada dia o espelho nos atualiza em relação a nós mesmos ou então quando
olhamos uma fotografia de dez anos atrás, comparada com uma fotografia de hoje. As
imagens internas não estão sujeitas a essa temporalidade, elas têm a própria
temporalidade, assim como a cultura tem a própria temporalidade (BAITELLO
JÚNIOR, 2007, p. 79).

[...] a vida do corpo e a vida da imagem. E uma vida dupla em conflito: a vida do corpo
pede uma coisa e a vida da imagem pede outra (BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 81).

Quanto mais a vida da imagem domina a vida do corpo mais este corpo vai abrindo mão
da sua própria existência. Os casos mais extremos, mais dramáticos e reais, são só casos
de morte por anorexia, pois as modelos são profissionais da imagem, que têm que levar
uma vida de imagem. E aí ocorrem os casos extremos da morte do corpo em nome da
imagem. Mas a maior parte dos casos não são extremos, a maior parte dos casos são
reais. O corpo continua sobrevivendo, mas com uma restrição do seu imaginário e,
consequentemente, um empobrecimento do mesmo. Portanto, um empobrecimento da
cultura, da capacidade de imaginação, da capacidade criativa. Um empobrecimento da
capacidade de gerar imagens internas, porque o ataque das imagens externas foi tão
avassalador que as pessoas passam a, ao invés de produzir as suas próprias imagens,
reproduzir as imagens pré-fabricadas que são entregues diariamente a elas (BAITELLO
JÚNIOR, 2007, p. 81).

Nós não estamos fora do mundo, mas nós temos que ocupar conscientemente o nosso
espaço neste mundo e não deixar que o mundo ocupe todo o nosso espaço interior. A
isso eu chamo de devoração pelas imagens e eu criei ou melhor, montei uma palavra
para dar nome a esse fenômeno, que é a palavra iconofagia. Um ícone é uma imagem e,
portanto, fagia é devoração. Então quando existe um processo de devoração das
imagens como é capturado? (BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 81).

Em primeiro lugar o corpo produz as imagens. Segunda etapa, o corpo consome as


imagens. Terceira etapa, se alimenta de imagens. Quem não adora ver um lindo filme?
Quem não adora ver uma linda foto? Quem não adora ver uma bela telenovela?
Também isso existe, não é? Quem não adora ver, enfim, um belo quadro? [...] faz parte
da nossa vida alimentar nosso imaginário com imagens que geram as nossas outras
imagens (BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 82).

Então as nossas imagens geram novas imagens a partir das nossas imagens interiores:
essa é uma etapa. A etapa próxima é quando se desenvolve um tipo de gula pelas
imagens. As imagens são tantas que elas começam a competir pelo nosso olhar
(BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 82).

A imagem visual tem uma força enorme de captura do nosso olhar e é porque, talvez, na
nossa memória profunda, nós recordemos este medo da morte e por medo da morte nós
fabricamos imagens e por medo das imagens nós fabricamos mais imagens e as imagens
nos capturam lá no canto. Talvez elas nos ameacem e elas nos recordem muito
profundamente que todos somos mortais e, para fugir da morte, existe uma saída:
antecipar a própria morte. E essa é a saída que oferece o mundo das imagens que nos
devoram, das imagens insistentemente proliferadoras e proliferadas por este mundo
afora e que competem pelo nosso olhar (BAITELLO JÚNIOR, 2007, p. 82).

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