VIRILIO, Paul. Estética Da Desaparição
VIRILIO, Paul. Estética Da Desaparição
VIRILIO, Paul. Estética Da Desaparição
Rio de Janeiro:
Contraponto, 2015.
Para Kant, o papel essencial do tempo era unir de maneira coerente todos os elementos
do conhecimento, estabelecendo uma relação entre o pensamento e a percepção. Ou
seja, o tempo é visto como a condição necessária de qualquer experiência particular que
tenhamos; o tempo é aquilo que torna possível e inteligível a percepção (CRARY, 2015,
p. 10).
Para o picnoléptico também não aconteceu nada, o tempo ausente não existiu; só que, a
cada crise, sem que ele desconfie, um pouco de sua duração simplesmente lhe escapava
(VIRILIO, 2015, p. 19).
[...] a picnolepsia como fenômeno de massa, à noção de sono paradoxal (sono rápido),
que corresponde à fase dos sonhos, viria a somar-se, na ordem consciente, um estado de
vigília paradoxal (vigília rápida). Em suma, nossa vida consciente, que já pensamos
inconcebível sem os sonhos, seria igualmente impensável sem a vigília rápida
(VIRILIO, 2015, p. 24).
A busca das formas não passa de uma busca do tempo. Porém, quando não há formas
estáveis, não há mesmo uma forma do todo (VIRILIO, 2015, p. 26).
[...] o efeito de realidade torna-se o da presteza de uma emissão luminosa: o que se dá a
ver é visto graças à intermediação de fenômenos de aceleração e desaceleração, que em
tudo são identificáveis com as intensidades de iluminação. Ele faz da luz como que uma
sombra do tempo (VIRILIO, 2015, p. 27).
Imagens de uma sociedade vigilante, que marca horas iguais para todos (VIRILIO,
2015, p. 29).
[...] gozo do ato sexual, são chamadas de pequena morte, ou morte curta. Sobre o sono,
falamos de uma morte da qual se pode retornar, e assim por diante (VIRILIO, 2015, p.
39).
Olhar para o que não se olharia, escutar o que não se ouviria, atentar para o banal, o
comum, o abaixo do comum. Negar a hierarquia ideal que vai do crucial ao anedótico,
pois não existe o anedótico, e sim culturas dominantes que nos exilam de nós e dos
outros numa perda de sentido que, para nós, não é apenas uma sesta da consciência, mas
um declínio da existência (VIRILIO, 2015, p. 44).
Uma tecnologia desvinculada dos conceitos socioeconômicos ou culturais, que
ambiciona vir a ser a metáfora do mundo, erigindo-se em revolução da consciência. Isso
é substituir, em sua, o pseudoestado de vigília racional por um estado artificial de vigília
paradoxal, fornecendo aos homens uma assistência que se tornou subliminar (VIRILIO,
2015, p. 49).
De uns quarenta anos para cá, as próteses humanas seguiram os avanços extraordinários
da biologia, da física e da eletrônica. Durante esse breve período, passamos de aparelhos
antropomórficos quase inertes a sistemas de assistência ativa, em particular no campo
sensorial – um conforto subliminar que traz consigo, ao mesmo tempo, a crise das
dimensões e da representação (VIRILIO, 2015, p. 56).
O manejo do desejo pelos diferentes poderes já não é o manejo das vontades pelos
diferentes vetores, mas o da espera, de todas as esperas, possibilitando pelo
aparelhamento dos corpos (VIRILIO, 2015, p. 78).
Brevemente, não nos restará alternativa senão esquecer as distinções especiosas entre a
propagação de imagens ou ondas e a de objetos ou corpos, já que, doravante, toda
duração será estimada em termos de intensidade (VIRILIO, 2015, p. 78-79).
Atrair o olhar é captá-lo e, portanto, desviar a atenção, ilusão de óptica num mundo
inteiramente percebido como ilusório (VIRILIO, 2015, p. 84).
O tempo da narrativa parece incompatível com a própria visão. Para tentar enxergar, é
preciso fazer intervir, paradoxalmente, um transtorno da visão, um efeito de câmera
lenta (VIRILIO, 2015, p. 88).
O motor cinemático nos habituou a achar natural o mistério do movimento deste mundo
que passa, a não mais nos perguntarmos como pode a aceleração de um gesto tornar-se
mortífera, como a pavana de um corpo que cai ou é impelido pode tornar-se fatal. Ao
mesmo tempo, essa violência banalizada do movimento revelada pela trucagem da
visão, mostra-nos sua incoerência; a violência da velocidade domina o mundo da
técnica, mas nem por isso deixa de ser, como na época da Esfinge, o principal enigma
(VIRILIO, 2015, p. 103).
A cultura tecnológica só fez aperfeiçoar essa apropriação dos elementos motores. Ela
aumenta sem cessar a nossa dependência de sistemas de controle (contadores de
velocidade, painéis de bordo, controles remotos etc.). Criadora de itinerários de direção,
aplica à terra e à natureza (à natureza humana) a formulação de Bacon – Nada é mais
vasto que as coisas vazias – e acaba criando o vazio e o deserto, pois só o nada é
contínuo e, portanto, condutor (VIRILIO, 2015, p. 109).
[...] a história das batalhas descobria a deslocalização como precipitação para um último
recorde metafísico, um derradeiro esquecimento da matéria e de nossa presença no
mundo, para além da barreira do som e, logo em seguida, da barreira da luz (VIRILIO,
2015, p. 114).