10ºANO - I - Irene Lisboa - Jeito de Escrever

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LÍNGUA PORTUGUESA

10ºANO

Nome: __________________________________________________
Data: ___________________ Professor (a) ____________________

Jeito de Escrever

Não sei que diga.


E a quem o dizer?
Não sei que pense.
Nada jamais soube.

Nem de mim, nem dos outros.


Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas...
Seja do que for ou do que fosse.
Não sei que diga, não sei que pense.

Oiço os ralos queixosos, arrastados.


Ralos serão?
Horas da noite.
Noite começada ou adiantada, noite.
Como é bonito escrever!

Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito.


Ao acaso, sem âncora, vago no tempo.
No tempo vago...
Ele vago e eu sem amparo.
Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!

E por mais não ter que relatar me cerro.


Expressão antiga, epistolar: me cerro.
Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro!

Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados,


solta a outra, de pena expectante.
Uma que agarra, a outra que espera...
Ó ilusão!
E tudo acabou, acaba.
Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?

Silêncio.
Nem pássaros já, noite morta.
Me cerro.
Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e solidão.

Da indiferença.
Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada.
Noite vasta e contínua, caminha, caminha.
Alonga-te.
A ribeira acordou.

Irene Lisboa, Obra Completa, Ed. Presença

I
Interpretação de Texto

1. Lê atentamente o poema e resume a sua mensagem fundamental após essa primeira leitura.

2. Relê agora o poema.


2.1. Explicita o sentido da primeira estrofe .
2.1.1. Que relação existe entre essa estrofe e o resto do poema?

3. Comenta o valor que o sujeito poético atribui ao acto de escrever.


3.1. Justifica a resposta anterior com elementos textuais.

4. Explicita o sentido do seguinte verso do poema: " Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do
nada, da ausência e solidão."

5. Relaciona, agora, o título do poema com o seu assunto.

6. Lê a biografia da poetisa Irene Lisboa que te apresentamos em baixo e relaciona a frase sublinhada
com as características estético-literárias presentes neste poema.

Escritora portuguesa, oriunda de Arruda dos Vinhos, Irene Lisboa nasceu em 1892 e morreu em 1958.
Formada pela Escola Normal Primária de Lisboa, fez estudos de especialização pedagógica em Genebra
e desenvolveu carreira na docência, tendo chegado a inspectora orientadora do Ensino Infantil, cargo de
que se diz foi afastada pelas suas ideias avançadas nesta área.
Colaborou, entre outras publicações, na Presença, Seara Nova, O Diabo e Vértice.
Utilizou, muitas vezes, o pseudónimo " João Falco" e foi amiga pessoal de José Rodrigues Miguéis,
embora o seu valor não tenha sido reconhecido pelos seus contemporâneos.
A sua obra, em que podemos salientar a poesia ou Um Dia e Outro Dia - Diário de Uma Mulher,
caracteriza-se por um tom eminentemente oralizante, marcado pelo monólogo interior, problematizando
as relações entre a consciência e o mundo. Profundamente original, Irene Lisboa é a mulher que como
mulher se " escreve na simplicidade do quotidiano tão misterioso e poético. Inquieta, livre e errática, o
seu irreprimível divagar poético (...) foi o principal obstáculo para o reconhecimento dos seus dotes."
De salientar ainda na sua obra: Obras Completas ( poesia); Uma mão cheia de nada, outra de coisa
nenhuma, Queres ouvir? Eu conto, Crónicas da Serra e Título qualquer serve.

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