Artigo 10 - Victorino 2017
Artigo 10 - Victorino 2017
Artigo 10 - Victorino 2017
Resumo: Este artigo apresenta a metodologia empregada para a definição de uma faixa pluviométrica crítica para deflagra-
ção de escorregamentos de terra nos taludes rodoviários da rodovia BR-376, no trecho da Serra do Mar Paranaense. A cons-
trução do modelo proposto partiu do entendimento e compilação da intensidade e duração tanto de eventos pluviométricos
que resultaram em processos instabilizantes na região como daqueles que historicamente não deflagraram danos às encostas.
A relação entre pluviometria e ocorrência de escorregamentos proposta representa uma importante ferramenta para criação
sistemas de alerta e desenvolvimento de um plano de mitigação de movimentos de terra para o local. Sua aplicação torna-se
mais eficiente se associada à estações pluviométricas capazes de processar dados em tempo real, possibilitando assim a
emissão de alertas com o objetivo de se tomar decisões em termos de mobilização de equipes, interrupção ou desvio preven-
tivo do tráfego ou controle de velocidade.
Palavras-chave: escorregamentos de terra, Serra do Mar, Limiar pluviométrico.
Abstract: This paper describes the methodology employed to define a critical rainfall range that could potentially trigger
landslides in slopes located at the margin of the highway BR-376, at Serra do Mar in Parana State, Brazil. The development
of the proposed model started from the understanding and analysis of the intensity and the duration of rainfall events that
resulted in destabilizing processes in the region. The rainfalls that historically did not trigger any damage to the slopes were
also taken into account. The study proposes a relationship between rainfall and the occurrence of landslides, which represents
an important tool for creating warning systems and development of specific plans to mitigate land movement. The application
becomes even more efficient if associated with real-time rainfall measurement, thus enabling the issuing of alerts for decision-
making in terms of teams mobilization, interruption or preventive traffic deviation and speed control.
Keywords: landslides, Serra do Mar, Rainfall threshold.
Figura 1. Relação entre chuva acumulada para diversos movimentos de terra e critério de chuva deflagradora de corridas e escorregamentos
Fonte: Adaptado de Kanji et al, 1997
na Serra do Mar: geologia, geomorfologia, declividade, co- Cubatão, verifica-se que o tal evento esteve associado a 100
bertura vegetal, regime pluviométrico e posição da encosta. anos de período de recorrência.
Contudo, perante a dificuldade de considerá-los isolada- A curva traçada imediatamente abaixo dos
mente no estudo, os autores optaram por analisar o compor- movimentos de massa analisados pelos autores, Equação
tamento das ocorrências de chuva por setores. Para a região (1) é caracterizada por uma relação direta entre intensidade
de Cubatão (SP), chuvas com e sem registros de escorrega- e duração da chuva, representando a condição mínima para
mentos auxiliaram os autores na definição dos limiares plu- ocorrência de deslizamentos e corridas em caráter global.
viométricos empíricos baseados na pluviometria acumulada
em 96 horas e na intensidade pluviométrica em 1 hora, P=21,1(t)0,48 (1)
sendo possível assim determinar parâmetros (“K”) especí-
ficos para cada modelo de ruptura. O estudo mostra a im- Verifica-se que em geral os escorregamentos tendem
portância de uma relação entre a precipitação acumulada a ocorrer para altos valores de precipitação acumulados
antecedente e a intensidade horária na deflagração dos es- (mais de 12 horas), enquanto as corridas ocorrrem com
corregamentos. Os autores ressaltam ainda que a aplicação eventos de grande intensidade em um curto período de
do modelo para as outras porções da serra, que não as pró- tempo. Kanji et al. (1997) também apresentaram uma com-
ximas à Refinaria Presidente Bernandes (setor de estudo), paração entre o limiar pluviométrico proposto com outros
deve incorporar as diferenças nas condições geotécnicas. publicados na literatura, sendo possível concluir que a curva
Kanji et al. (1997) discutem os principais fatores que proposta pelos autores tende a ser mais conservadora.
causam corridas de terra (chuva, geologia e declividade) e Assim, é com base nessa metodologia que nos itens
sua distinção com relação a escorregamentos. Baseado na subsequentes se apresenta o procedimento utilizado para
correlação entre a intensidade de chuva e a ocorrência de definição de uma faixa pluviométrica crítica no trecho de
movimentos de massa em diferentes regiões do mundo, os 34 quilômetros de extensão da BR-376 situado na Serra do
autores propuseram um limiar volume × duração associado Mar Paranaense, entre os municípios de São José dos Pi-
à deflagração de movimentos (Figura 1). nhais (PR) e Garuva (SC).
No gráfico proposto por Kanji et al. (1997) a precipi-
tação é apresentada em termos acumulados. Ou seja, 2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
quando os pontos correspondentes a um movimento de
massa estão ligados entre si, as chuvas de curta duração A Serra do Mar brasileira caracteriza-se por um re-
estão contidas no evento pluviométrico de maior duração levo montanhoso originado através de processos geológicos
que deflagrou o movimento. O estudo apresenta curvas es- e geomorfológicos diversos. Sua formação está inserida no
tatísticas para as chuvas com período de recorrência de 2 e compartimento das Serras e Morros e localizada na região
100 anos de cidades próximas à cidade de Cubatão. Com- costeira do país, mais especificamente entre os estados do
parando essas curvas com as chuvas acumuladas que defla- Rio de Janeiro e o norte de Santa Catarina. Possui uma ex-
graram corridas e escorregamentos em 1994 na cidade de tensão aproximada de 2.000 km, largura de 5 a 10 km e al-
titude média de 1.000 m.
114 TRANSPORTES v. 25, n. 1 (2017), p. 113-120
Definição de uma Faixa Pluviométrica Crítica para Deflagração de Movimentos de Terra em Taludes Rodoviários Localizados no Trecho da Serra
do Mar da Rodovia BR-376/PR
Figura 3. Precipitação diária acumulada registrada no posto de monitoramento Itararé - Em destaque períodos sem registros de dados
Em 2008, o volume de chuva registrado pelo pluvió-
grafo Garuva também foi muito maior que os demais, 3.2. Organização e tratamento dos dados históricos
justificando assim os escorregamentos localizados na
porção sul da rodovia naquele ano. Cabe salientar Como parte da etapa de organização da série histórica
ainda que provavelmente ocorreram outros eventos de registros de precipitação, foi preciso definir uma condi-
intensos nas demais regiões da rodovia pois, nesta ção para delimitar todos os eventos pluviométricos. Tais
ocasião, os deslizamentos ficaram distribuídos ao ocorrências tiveram seus limites temporais associados às
longo de todo o trecho em concessão; datas e aos horários do início e do final da precipitação.
Como o equipamento responsável pelos registros tem fre-
Em 22 de janeiro de 2010 foram registrados 3 escor-
quência de leituras diária, definiu-se como término do
regamentos nos km 616+700, 654+550 e 657+380. A
evento a ocorrência de um período de 24 horas (1 dia) sem
distância entre o pluviógrafo de Garuva (instrumento
precipitação. Os registros de chuva foram então agrupados
mais próximo) e esses taludes foi um limitador a as-
em eventos pluviométricos com 24, 48, 72, 96, 120, 144,
sociação da chuva registrada aos escorregamentos. O
168 e acima de 192 horas de duração, totalizando 1317
mesmo conceito foi aplicado ao escorregamento de
eventos. A Tabela 1 apresenta um resumo com a quantidade
22 de fevereiro de 2010 no km 657+700;
de cada evento pluviométrico captado pela estação Itararé e
Verifica-se ainda que os pluviógrafos Rio Claro e
adotados neste estudo.
Vossoroca tendem a registrar menores volumes de
chuva, estando normalmente abaixo daquelas histori- Tabela 1. Número de eventos registrados pela estação Itararé
camente registradas em Itararé. conforme sua duração
As diferenças observadas entre os volumes de chuva Eventos pluviométricos Número total
registrados em cada estação podem ser associadas às dife- 24 horas de duração 248
rentes altitudes nas quais os equipamentos estão instalados 48 horas de duração 201
e consequentemente à variabilidade espacial das chuvas 72 horas de duração 154
como consequência do relevo fortemente acidentado. Com 96 horas de duração 120
120 horas de duração 100
base nesse contexto, concluiu-se que o pluviógrafo denomi-
144 horas de duração 82
nado Itararé possui dados mais representativos para a área 168 horas de duração 67
de estudo. Tal escolha considerou ainda o fato desse equi- 192 horas ou mais de duração 345
pamento estar localizado às margens da rodovia BR-376, no Total de eventos pluviométricos 1317
km 670+800 m, estando posicionado a no máximo 17 km
do ponto mais extremo da área de interesse. Trata-se de um Na sequência, os 1317 eventos pluviométricos foram
pluviógrafo do tipo caçamba basculante, cuja captação e ar- separados em dois grupos: o primeiro compreendeu os re-
mazenamento de dados é feita de modo automatizado. Os gistros de chuva que estavam associados a movimentos de
registros de chuva utilizados neste estudo compreenderam terra e o segundo aqueles que não resultaram em processos
um período entre os dias 08 de março de 2006 e 01 de agosto instabilizantes. O procedimento consistiu ainda em avaliar
de 2014 (Figura 3). se os escorregamentos registrados estavam relacionados
O pluviógrafo não armazenou dados durante os se- com os eventos pluviométricos correspondentes e excluir
guintes períodos: 18/03/2006 a 10/04/2006, 04/08/2006 a do banco de dados aqueles que não tiveram exclusivamente
12/08/2006, 05/04/2007 a 11/05/2007, 22/07/2007 a a chuva como agente deflagrador. No segundo grupo, os
22/01/2010, 28/12/2011 a 19/01/2012, 05/01/2014 a eventos pluviométricos que ficaram posicionados acima do
14/01/2014, 08/03/2014 a 12/03/2014. limiar pluviométrico crítico global proposto por Kanji et al
(1997) foram individualmente avaliados e, quando aplicá- predomina a ocorrência de movimentos de terra, definindo
vel, excluídos ou reposicionados para o primeiro grupo de assim uma faixa crítica de precipitação para a região.
dados. Os critérios adotados para exclusão ou reposiciona- A Figura 4 apresenta tanto os eventos classificados
mento dos dados amostrais estão individualmente descritos no primeiro grupo de dados (associados a escorregamentos)
no item 3.3. como no segundo (não associados), incluindo-se também a
A Tabela 2 apresenta o local (km) onde foram regis- curva que define o limiar pluviométrico global empírico
trados escorregamentos com as respectivas datas e eventos proposto por Kanji et al. (1997), dada pela Equação 01.
pluviométricos associados. Os escorregamentos registrados entre 20 de novem-
bro de 2008 e 22 de janeiro de 2010 foram excluídos do
3.3. Diagrama de correlação entre chuva e escorrega- estudo visto que a estação pluviométrica de Itararé estava
mentos inoperante nas respectivas ocasiões. Em complemento a
isso, foi possível verificar que, com exceção dos desliza-
Para a elaboração do diagrama de correlação entre as
mentos ocorridos em 11, 12 e 13 de março de 2011, o vo-
chuvas e escorregamentos foram utilizadas planilhas eletrô-
lume de chuva acumulado nos 30 dias anteriores à ocorrên-
nicas. Os dois grupos de eventos pluviométricos e o limiar
cia dos escorregamentos registrados foi inferior a 350 mm
pluviométrico crítico proposto por Kanji et al. (1997) foram
(Figura 5). Tal valor corresponde a uma ordem de grandeza
sobrepostos em diagramas que relacionam a chuva acumu-
com ocorrência frequente na série histórica, sugerindo
lada em milímetros e o tempo em horas. Com base nessas
pouca influência da chuva acumulada nos 30 dias antece-
informações, buscou-se ajustar uma região a partir da qual
dentes nos escorregamentos.
700.00
) 19/02/2014
m
m
(400.00 11/03/2011
a
d
al
u 12/03/2011
m
u
c 13/03/2011
a
a300.00
v 23/03/2010
u
h
C
03/06/2010
200.00 07/06/2010
28/09/2010
06/12/2010
100.00
Limiar proposto por Kanji
et al. (1997)
-
10 110 210 310 410 510
Tempo (horas)
Figura 4. Eventos pluviométricos registrados pela estação Itararé e limiar pluviométrico global proposto por Kanji et al. (1997) - Em
destaque os eventos que deflagraram escorregamentos
Figura 6. Faixa pluviométrica para deflagração de escorregamentos proposto para a área de estudo definida após o tratamento dos dados
de chuva e escorregamento disponíveis
Calvetti, L.; Beneti, C. A. A; Pereira Filho, E. A. J. (2003) Sestrem, L. P.; Kormann, A. C. M. (2013) Implantação de um
Características das estimativas de precipitação por radar, satélite sistema de monitoramento automatizado para monitoramento de
e pluviômetros no Paraná: uma comparação entre chuva de verão uma encosta litorânea rodoviária. Anais do 8º Congresso
Brasileiro de Rodovias e Concessões, Santos, Brasil.