3-Meditação No Evangelho de Lucas

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M editações

no E vangelho
d e L ucas

J. C. R YLE

EDITORA FIEL da
MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA
MEDITAÇÕES NO EVANGELHO
DE LUCAS

T raduzido do original em inglês:


Expository Thoughts on the Gospels
LU K E

Copyright ® (Typesetting) Editora Fiel 2002

Prim eira edição em inglês - 1879


P rim eira edição em português - 2002

Todos os direitos reservados. É proibida


a reprodução deste livro, no todo ou em parte,
sem a permissão escrita dos Editores.

EDITORA FIEL da
Missão Evangélica Literária
C aixa Postal 81
12201-970 - São José dos C am pos, SP
Prefácio

As Meditações no Evangelho de Lucas, de J. C. Ryle, têm sido amadas


e compartilhadas por várias gerações de crentes, desde sua primeira edição
em 1879. Elas contêm uma simplicidade e uma espiritualidade que têm feito
delas o comentário devocional clássico sobre os evangelhos, na opinião de
grande número de leitores.
Procurando pôr à disposição do leitor moderno uma forma mais po­
pular dessa obra, foram removidos os textos bíblicos (antes impressos na
íntegra), embora o leitor seja encorajado a ler cada passagem selecionada do
começo ao fim, antes de iniciar a leitura das próprias meditações de Ryle.
Também omitimos as notas de rodapé, nas quais Ryle tratava a respeito de
questões textuais de uma maneira mais crítica, embora sem qualquer conexão
direta com a exposição propriamente dita. O texto usado é o da Edição Revista
Atualizada no Brasil, da Sociedade Bíblica do Brasil.
Os publicadores confiam que esta nova edição das meditações de-
vocionais de Ryle alcançará os mesmos alvos que o autor se aplicou pes­
soalmente, a fim de que, “com uma oração fervorosa, possa promover a
religião pura e sem mácula, ampliar o conhecimento de muitos sobre a pessoa
de Cristo Jesus, e ser um humilde instrumento na gloriosa tarefa de converter
e de edificar almas imortais”.

Os Publicadores
Introdução Geral
Leia Lucas 1.1-4

O Evangelho de Lucas, sobre o qual iniciamos nossas meditações,


contém diversos relatos preciosos que não aparecem nos demais evangelhos.
A história de Zacarias e Isabel e a da anunciação feita pelo anjo à virgem
Maria são exemplos disso. Aliás, de forma geral, todo o conteúdo dos
dois primeiros capítulos, bem como as narrativas da conversão de Zaqueu
e do ladrão na cruz, da caminhada pela estrada de Emaús, das famosas
parábolas do fariseu e do publicano, do rico e Lázaro e do filho pródigo
são relatos exclusivos do Evangelho de Lucas. São partes das Escrituras
pelas quais todo crente bem instruído sente-se especialmente grato. A este
evangelho somos devedores por essas narrativas!
Esse breve prefácio apresenta uma característica peculiar do
Evangelho de Lucas. Mas, ao examiná-lo, descobriremos que está repleto
de abundante e proveitosa instrução!
Primeiramente, Lucas nos oferece um breve mas valioso resumo da
natureza de um evangelho. Descreve-o como “uma narração coordenada
dos fatos que entre nós se realizaram” . Um evangelho é uma narrativa de
fatos a respeito de Jesus Cristo. O cristianismo é uma religião que se
baseia em fatos. Jamais percamos de vista esta realidade. Foi assim que a
princípio o cristianismo alcançou os homens. Os primeiros pregadores
não ficaram a perambular pelo mundo, proclamando um sistema bem
elaborado e artificial de doutrinas obscuras e princípios complexos. Sua
ocupação primordial foi transmitir aos homens fatos absolutamente claros.
Saíram anunciando a um mundo sobrecarregado de pecado que o Filho de
Deus veio à terra, viveu, morreu e ressuscitou por nós. O evangelho, no
princípio, era muito mais simples do que o proclamado por muitos hoje.
Consistia simplesmente na história de Jesus, e mais nada além disso.
Tenhamos como alvo uma simplicidade maior em nosso cristianismo
6 Lucas 1.1-4

pessoal. Jesus, em toda a sua pessoa, deve ser o centro de nossa vida
espiritual. E viver uma vida de fé em Cristo e conhecê-Lo melhor a cada
dia, este deve ser o grande anseio de nossas almas. Esse era o cristianismo
de Paulo — “Para mim, o viver é Cristo” (Fp 1.21).
Em segundo, Lucas retrata uma linda figura da verdadeira posição
dos apóstolos na igreja primitiva. Ele os chama de “testemunhas oculares
e ministros da palavra” . Nesta expressão existe uma humildade instrutiva,
uma ausência completa daquele tom de exaltação humana que freqüen­
temente tem surgido na igreja. Lucas não confere aos apóstolos qualquer
título, nem oferece a menor desculpa para aqueles que falam sobre eles
com veneração idólatra, por causa do ofício que ocuparam ou de sua
intimidade com o Senhor.
Apresenta-os como “testemunhas oculares” . Os apóstolos contavam
aos homens o que haviam visto e ouvido com seus próprios olhos e ouvidos
(1 Jo 1.1). Lucas descreve-os como “ministros da palavra” . Eram servos
da palavra do evangelho. Eram homens que consideravam o seu mais
elevado privilégio levarem, como mensageiros, as boas-novas do amor de
Deus e a história da cruz ao mundo em pecado.
Bom seria para a igreja e para o mundo se os ministros do evangelho
nunca exigissem dignidade e honra mais elevadas do que as reivindicadas
pelos próprios apóstolos! É um fato lamentável que muitos homens
ordenados ao ministério freqüentemente têm exaltado a si mesmos e ao
seu ministério a uma posição contrária à Bíblia. E não menos lamentável
é o fato de que pessoas estejam constantemente incentivando esse mal,
por aquiescerem com passividade às exigências dos sacerdotes e por
contentarem a si mesmas com uma religião meramente vicária. Ambas as
partes têm falhado. Que nos lembremos disto e estejamos alerta!
Em terceiro, Lucas apresenta as suas qualificações para a obra de
escrever um evangelho. Ele declara que fez “acurada investigação de tudo
desde sua origem” . Seria perda de tempo inquirir de qual fonte Lucas
obteve as informações que nos fornece em seu evangelho. Não temos
qualquer razão plausível para supor que ele escutou os, ensinos ou esteve
presente aos milagres do Senhor. Afirmar que ele obteve informações da
própria M aria ou de qualquer dos apóstolos é apenas conjectura e
especulação. Basta saber que Lucas escreveu por inspiração divina. É
óbvio que não desprezou os meios normais de obter informações. Todavia,
o Espírito Santo o dirigiu na escolha dos assuntos, assim como o fez aos
demais escritores da Bíblia. Ele guiou os pensamentos de Lucas na
elaboração do texto, no formar as sentenças e, mesmo, na escolha das
palavras. Por conseguinte, o que ele escreveu deve ser lido “não como
palavra de homens” , e sim como “a palavra de Deus” (1 Ts 2.13).
Devemos sustentar com firmeza e cuidado a grande doutrina da
Lucas 1.1-4 1

inspiração plenária de cada palavra da Bíblia. Jamais aceitemos a idéia de


que algum escritor do Antigo ou do Novo Testamento cometeu uma simples
falha ou erro ao escrever, quando redigia as Escrituras, pois o faziam
“movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1.21). Ao ler a Bíblia, tenhamos
conosco o firme princípio de que, se não conseguimos entender uma
passagem ou harmonizá-la com outra, a falha não está no Livro, e sim em
nós. Adotar esse princípio firmará nossos pés sobre uma rocha. Rejeitá-
lo nos levará a areias movediças; e nossas mentes se encherão de incertezas
e dúvidas infindáveis.
Finalmente, Lucas nos informa o seu objetivo principal em escrever
esse evangelho — para que Teófilo tivesse “plena certeza das verdades
em que” havia sido instruído. Não existe nesse propósito qualquer incentivo
àqueles que confiam em tradições orais e na “voz da igreja”. Lucas conhecia
bem a fragilidade da memória humana e a facilidade com que uma história
pode ser modificada, tanto por acréscimos quanto por alterações, quando
depende tão somente da palavra falada ou de informações transmitidas
oralmente. Então, o que ele decidiu fazer? Teve o cuidado de escrever.
Não existe nesse propósito qualquer encorajamento para aqueles que
se opõem à propagação do cristianismo e referem-se à ignorância como a
“mãe da devoção” . Lucas não queria que Teófilo permanecesse em dúvidas
sobre qualquer assunto de sua fé; e afirma que desejava tivesse ele “plena
certeza das verdades em que” havia sido instruído.
Terminemos nossa meditação sobre esta passagem agradecidos pela
Bíblia. Devemos bendizer a Deus diariamente pelo fato de não termos
sido deixados à dependência das tradições dos homens e encaminhados
erro-neamente por ministros mal informados. Temos um Livro escrito
que pode nos tornar sábios “para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2
Tm 3.15).
Iniciemos o estudo do Evangelho de Lucas com o desejo profundo
de conhecer, por nós mesmos, a verdade, que se encontra em Jesus, e
com a firme determinação de fazer o que estiver ao nosso alcance a fim de
propagar o conhecimento desta verdade em todo o mundo.

A História de Zacarias e Isabel;


A Visão de Zacarias no Templo
Leia Lucas 1.5-12

O primeiro acontecimento narrado neste evangelho é a súbita aparição


de um anjo a um sacerdote judeu chamado Zacarias. O anjo anuncia-lhe
8 Lucas 1.5-12

que milagrosamente ele se tornará pai de um menino e que esse menino


será o precursor do Messias prometido há muito tempo. A Palavra de
Deus havia predito claramente que, na vinda do Messias, alguém O
precederia, a fim de preparar-Lhe o caminho (Ml 3.1). A sabedoria de
Deus providenciou as coisas de tal modo que o precursor nasceria na
família de um sacerdote.
Não podemos compreender claramente, em nossos dias, a imensa
importância do anúncio feito por esse anjo. Para um judeu piedoso deve
ter sido boas-novas de grande alegria! Foi o primeiro comunicado de
Deus para Israel desde a época de Malaquias. O longo silêncio de qua­
trocentos anos foi quebrado. O anúncio do anjo dizia ao crente israelita
que as semanas proféticas de Daniel se cumpriam completamente (Dn
9.25), que a mais preciosa promessa de Deus finalmente estava para se
cumprir e que estava para surgir “a semente” por meio da qual todas as
nações da terra seriam abençoadas (Gn 22.18 - ARC). Precisamos nos
colocar no lugar de Zacarias, a fim de tributarmos a estes versículos o seu
devido valor.
Primeiramente, observemos nesta passagem o belo testemunho
proferido sobre o caráter de Zacarias e de Isabel. Somos informados que
“ambos eram justos diante de Deus” e viviam “irrepreensivelmente em
todos os preceitos e m andamentos do Senhor” . Pouco im porta se
interpretamos a expressão “eram justos” como uma referência à justiça
imputada ao crente no ato de sua justificação ou à justiça realizada no
íntimo dos crentes por operação do Espírito Santo, no processo de
santificação. Esses dois tipos de justiça nunca estão dissociados. Não existe
qualquer “justo” que não seja santificado e qualquer “santo” que não seja
justificado. Basta saber que Zacarias e Isabel possuíam a graça divina,
quando esta era muito rara, e observaram com devoção consciente todos
os exaustivos preceitos da lei cerimonial, em uma época quando poucos
israelitas se importavam com eles, exceto na aparência.
O que realmente chama a nossa atenção é o exemplo que esse casal
santo oferece aos crentes. Todos devemos nos esforçar para servir a Deus
fielmente e fazer brilhar toda a nossa luz, assim como eles o fizeram. Não
esqueçamos as claríssimas palavras das Escrituras: “Aquele que pratica a
justiça é justo” (1 Ja 3.7). Felizes são as famílias cristãs das quais podemos
testemunhar que ambos, marido e mulher, são “justos” e se empenham
para ter uma consciência livre de ofensas diante de Deus e dos homens
(At 24.16).
Em segundo, observemos nesta passagem a árdua provação que
Deus se agradou em trazer a Zacarias e Isabel. Eles “não tinham filhos” .
Um crente moderno dificilmente pode compreender o significado completo
dessas palavras. Ao judeu da antigüidade elas transmitiam a idéia de uma
Lucas 1.5-12 9

aflição bastante severa. A esterilidade era uma das mais amargas expe­
riências (1 Sm 1.10). A graça de Deus não torna uma pessoa imune a
qualquer problema. Ainda que esse sacerdote santo e sua esposa eram
“justos”, eles tinham um “espinho na carne” . Lembremos isto, se servimos
a Cristo, e não nos assustemos com as provações. Ao invés disso, creiamos
que uma mão de perfeita sabedoria está avaliando qual deve ser a nossa
porção e que, ao disciplinar-nos, Deus visa fazer-nos “participantes da
sua santidade” (Hb 12.10). Se as aflições nos levam para mais perto de
Jesus, da Bíblia e da oração, elas são bênçãos! Talvez não pensemos
assim. Mas pensaremos, quando acordarmos no mundo vindouro.
Em terceiro, observemos nesta passagem o instrumento pelo qual
Deus anunciou o nascimento de João Batista. “Apareceu um anjo do
Senhor” a Zacarias. Sem dúvida alguma, o ministério dos anjos é um
assunto profundo. Em nenhuma outra parte da Bíblia encontramos menção
tão freqüente aos anjos quanto na época do ministério terreno de nosso
Senhor. Em nenhuma outra época lemos sobre tantas aparições de anjos
quanto durante a encarnação de Jesus e sua vinda ao mundo. O significado
dessa circunstância é muito claro: a igreja deveria compreender que o
Messias não é um anjo; é o Senhor dos anjos e dos homens. Os anjos
anunciaram a sua vinda, proclamaram o seu nascimento, regozijaram-se
quando Ele surgiu. E, ao fazerem tais coisas, deixaram bem claro a seguinte
verdade: Aquele que veio para morrer pelos pecadores não era um dentre
os anjos, era Alguém superior a eles — o Rei dos reis e Senhor dos
senhores.
Acima de tudo, há uma coisa a respeito dos anjos que não devemos
esquecer: eles se interessam profundamente pela obra de Jesus e pela sal­
vação que Ele providenciou. Cantaram louvores sublimes quando o Filho
de Deus veio para estabelecer a paz entre Deus e o homem, por intermédio
de seu sangue. Regozijam-se quando pecadores se arrependem, quando
homens se tornam filhos na família do Pai celestial. Deleitam-se em
m inistrar aos herdeiros da salvação. Enquanto estamos nesta terra,
esforcemo-nos para ser como os anjos, tendo a maneira de pensar deles e
compartilhando de suas alegrias. Este é o modo de estar em sintonia com
o céu. As Escrituras afirmam sobre aqueles que lá entram: são “como os
anjos” (Mc 12.25).
Finalmente, observemos nesta passagem o efeito que o aparecimento
do anjo produziu na mente de Zacarias. Esse homem justo “turbou-se, e
apoderou-se dele o tem or” . A sua experiência é exatamente a mesma de
outros santos que passaram por situações semelhantes. Moisés diante da
sarça ardente, Daniel às margens do rio Tigre, as mulheres no sepulcro
de Jesus e o apóstolo João na ilha de Patmos — todos demonstraram
temor semelhante ao de Zacarias. Assim como ele, esses outros santos
10 Lucas 1.5-12

tremeram e sentiram medo, quando contemplaram visões de coisas per­


tencentes ao outro mundo.
Como explicar esse temor? Existe apenas uma resposta: esse temor
surge de nosso senso íntimo de fraqueza, culpa e corrupção. A visão de
um habitante celestial inevitavelmente nos faz lembrar de nossa própria
imperfeição e inconveniência natural para nos apresentarmos diante de
Deus. Se os anjos são excessivamente grandes e tremendos, como será o
Senhor deles?
Devemos bendizer a Deus porque temos um poderoso Mediador
entre Ele e nós, Jesus Cristo, homem. Crendo nEle, podemos nos aproximar
de Deus com intrepidez, esperando sem temor o Dia do Juízo. Quando os
anjos poderosos saírem para ajuntar os eleitos de Deus, esses não terão
motivo para ficar com medo. Os anjos são conservos e amigos dos eleitos
de Deus (Ap 22.9).
Devemos tremer ao pensar no terror que sobrevirá aos ímpios naquele
dia! Se mesmo os justos sentem-se perturbados por uma aparição súbita
de espíritos amáveis, qual será a reação dos ímpios quando os anjos vierem
para recolhê-los como palha destinada à fogueira? Os temores dos justos
não têm fundamento e são efêmeros. Quando se manifestarem os temores
dos perdidos, ficará comprovado que os ímpios tinham motivos corretos
para esses temores, que permanecerão para sempre.

O Anúncio do Nascimento de João Batista;


A Descrição de seu Ministério
Leia Lucas 1.13-17

Nesta passagem temos a mensagem do anjo que apareceu a Zacarias,


uma mensagem repleta de profunda instrução espiritual.
Primeiramente, aprendemos nestes versículos que a demora em serem
respondidas não significa necessariamente que as orações foram rejeitadas.
Sem dúvida, Zacarias havia orado muitas vezes pela bênção de possuir
filhos. Aparentemente, suas orações foram em vão. Agora, estando em
idade avançada, é provável que há muito tivesse parado de mencionar o
assunto diante do Senhor, perdendo toda a esperança de ser pai. Apesar
disso, as primeiras palavras do anjo mostram claramente que as orações
passadas de Zacarias não foram esquecidas: “A tua oração foi ouvida; e
Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho” .
Será bom recordarmos este fato cada vez que nos ajoelharmos para
orar. Não devemos concluir precipitadamente que as nossas súplicas são
Lucas 1.13-17 11

inúteis, especialmente as súplicas intercessórias em favor de outros. Não


nos cumpre determinar a época ou a maneira como nossos pedidos devem
ser respondidos. Aquele que conhece o tempo para uma pessoa nascer
também sabe qual é a época para ela ser nascida de novo. Perseveremos
“em oração” , vigiemos sempre “em oração” , “sem nunca esmorecer” .
“A demora” , afirmou um falecido teólogo, “não deve desanimar a nossa
fé. Talvez Deus já tenha respondido, mesmo que ainda não o saibamos” .
Em segundo, aprendemos nestes versículos que nenhum filho causa
tanta alegria verdadeira quanto aquele que possui a graça de Deus. O
anjo disse ao pai sobre uma criança que seria cheia do Espírito Santo:
“Em ti haverá prazer e alegria, e muitos se regozijarão com o seu nas­
cimento” . A graça divina é a herança mais preciosa que devemos desejar
para os nossos filhos. Ela é bem melhor do que a beleza, riqueza, honra,
posição social ou relacionamento com pessoas importantes. Até que nossos
filhos possuam a graça de Deus em seus corações, nunca saberemos o que
serão capazes de fazer. Poderão nos fazer sentir entediados de nossas pró­
prias vidas e faleceremos com muitas tristezas. Somente quando se con­
verterem, e não antes, estarão preparados para esta vida e para a eternidade.
“O filho sábio alegra a seu pai” (Pv 10.1). Quaisquer que sejam nossas
aspirações em relação a nossos filhos e filhas, devemos, antes de tudo,
desejar que eles façam parte da Aliança e tenham seus nomes inscritos no
Livro da Vida.
Em terceiro, aprendemos nestes versículos o caráter da verdadeira
grandeza. O anjo descreve-a, ao dizer a Zacarias que o seu filho “será
grande diante do Senhor” . O padrão de grandeza comum entre os homens
é completamente falso e enganoso. Príncipes e magistrados, heróis e
generais de exércitos, estadistas e filósofos, artistas e escritores — estes
são os homens que o mundo considera “grandes” . Tal grandeza não é
reconhecida entre os anjos de Deus. Estes reconhecem como grandes
aqueles que fazem grandes coisas para Deus. Aqueles que fazem pouco,
os anjos reputam-nos como pequenos. Eles julgam e avaliam cada homem
de acordo com a posição que provavelmente ele ocupará no último dia.
Neste assunto, não tenhamos vergonha de seguir o exemplo dos
anjos de Deus. Busquemos para nós mesmos e para nossos filhos a ver­
dadeira grandeza que será possuída e reconhecida no mundo por vir.
Trata-se de uma grandeza que está ao alcance de todos, tanto do pobre
quanto do rico, tanto do servo como do senhor. Não depende de poder ou
de favores políticos, de riquezas ou de amizades. É um dom gratuito de
Deus para todos os que a buscam das mãos de Jesus. É a herança de todos
os que ouvem a voz de Cristo e O seguem, que lutam por Ele e realizam
sua obra neste mundo. Essas pessoas talvez recebam pouca honra nesta
vida, mas grande será a sua recompensa no último dia.
12 Lucas 1.13-17

Em quarto, aprendemos nestes versículos que as crianças nunca são


demasiadamente novas para receberem a graça de Deus. Zacarias foi
informado de que seu filho seria “cheio do Espírito Santo, já do ventre
materno” . Não há maior erro do que supor que as crianças, por sua tenra
idade, não podem estar sujeitas à operação do Espírito Santo. O modo
pelo qual Ele opera no coração de uma criança é misterioso e incom­
preensível; assim também é toda a sua obra nos filhos dos homens. Guar­
demo-nos de limitar o poder e a compaixão de Deus, que é misericordioso.
Para Ele não há impossíveis.
Lembremo-nos dessas verdades ao ministrar as coisas espirituais
para as crianças. Devemos sempre tratá-las como seres responsáveis diante
de Deus. Nunca devemos permitir a suposição de que são muito novas
para participarem de atividades cristãs. É claro que devemos ser equili­
brados quanto às nossas expectativas. Não devemos querer encontrar
evidências da graça que sejam incoerentes com sua idade e capacidade.
Mas jamais devemos esquecer que o coração que não é novo demais para
pecar também não é novo demais para ser cheio da graça de Deus.
Finalmente, aprendemos nestes versículos sobre o caráter de um
ministro de Deus realmente grande e bem sucedido. A figura é apresentada
de maneira notável na descrição que o anjo faz de João Batista. Ele é
alguém que “converterá os corações” — convertê-los da ignorância para
o conhecimento, do descuido para a consideração, do pecado para Deus.
Ele é alguém que irá “adiante” de Deus — não terá alegria maior que a de
ser o precursor e mensageiro de Jesus. Ele é alguém que “habilitará para
o Senhor um povo preparado” . Ele lutará para tirar do mundo um grupo
de fiéis que estejam prontos a receber o Senhor no dia da sua chegada.
Oremos dia e noite por ministros como esse. São eles as verdadeiras
colunas da igreja, os verdadeiros sal da terra e luz do mundo. Feliz a
igreja e a nação que têm vários desses homens. A erudição, os títulos, os
talentos, os prédios majestosos não susterão uma igreja viva, sem esses
homens. Almas não serão salvas, não haverá boa vontade, e Cristo não
será glorificado, a não ser por homens que sejam cheios do Espírito Santo.

A Incredulidade de Zacarias
e o Conseqüente Castigo
Leia Lucas 1.18-25

Vemos nesta passagem o alcance da incredulidade na vida de um


homem bom. Mesmo sendo justo e santo, para Zacarias o anúncio feito
Lucas 1.18-25 13

pelo anjo pareceu impossível. Não lhe parecia possível que um homem
idoso como ele pudesse ser pai. “Como saberei isto?” , afirmou, “pois eu
sou velho, e minha mulher, avançada em dias” .
Um judeu bem instruído como Zacarias jamais poderia ter levantado
tal questão. É certo que ele estava familiarizado com as Escrituras do An­
tigo Testamento. Ele tinha o dever de lembrar-se do nascimento miraculoso
de Isaque, Sansão e Samuel em tempos antigos; tinha o dever de lembrar
que aquilo que Deus havia feito no passado poderia fazer no presente e
que para Ele nada é impossível. Mas esqueceu-se de tudo isso. Não pensou
em mais nada além daquilo que o mero raciocínio e o senso humanos
sustentam. Nos assuntos espirituais, é comum acontecer que, onde começa
a razão, termina a fé.
Tiremos uma lição sábia do erro de Zacarias. Sua falta é daquelas a
que o povo de Deus, em todas as eras, tem sido muito suscetível. Abraão,
Isaque, Moisés, Ezequias ou Josafá nos ensinam que um crente verdadeiro
pode, às vezes, ser tomado pela incredulidade. Esta é uma das primeiras
fraquezas que atacou o coração humano no dia da Queda, quando Eva
creu no diabo em vez de crer no Senhor. Trata-se de um dos pecados mais
profundamente arraigados; atormenta os santos, e dele nunca ficam intei­
ramente libertos antes da morte. Oremos diariamente: “Senhor, au­
menta-me a fé” . Que jamais coloquemos em dúvida o fato de que, quando
Deus diz uma coisa, irá cumpri-la realmente!
Nestes versículos vemos também a porção e o privilégio dos anjos
de Deus. Eles trazem mensagens à igreja de Deus. Desfrutam da presença
direta do Senhor. O mensageiro celestial que aparece a Zacarias reprova
sua incredulidade, dizendo-lhe quem ele é: “Eu sou Gabriel, que assisto
diante de Deus, e fui enviado para falar-te” .
O nome “Gabriel” sem dúvida alguma terá enchido o coração de
Zacarias de humilhação, fazendo-o ver a si mesmo. Ter-se-á lembrado
que o mesmo Gabriel, 490 anos antes, trouxera a Daniel a profecia das
setenta semanas e dissera-lhe como o Messias teria de ser morto (Dn
9.26). Sem dúvida, Zacarias teve de ver o contraste entre a sua triste in­
credulidade, manifestada enquanto pacificamente ministrava como sacer­
dote no templo do Senhor, e a fé demonstrada por Daniel, que morava
cativo na Babilônia, enquanto o templo em Jerusalém permanecia em
ruínas. Zacarias aprendeu naquele dia uma lição que nunca mais pôde
esquecer.
O relato que Gabriel faz do seu ministério deve suscitar em nós um
profundo sondar do coração. Este espírito poderoso, muitíssimo maior
em poder e inteligência do que nós, considera o seu maior privilégio
assistir “diante de Deus” e fazer a sua vontade. Que o nosso desejo e
objetivo estejam orientados na mesma direção. Que nos esforcemos por
14 Lucas 1.18-25

viver de tal forma que possamos um dia estar corajosamente em pé diante


do trono de Deus, servindo-O dia e noite no seu templo. O caminho para
obtermos esta posição tão alta e santa está aberto diante de nós. Jesus o
abriu para nós ao oferecer o seu próprio corpo e sangue. Que nos empe­
nhemos por andar nele durante os curtos dias da vida presente, a fim de
que possamos participar da nossa porção, juntamente com os anjos eleitos
de Deus, nos séculos infindos da eternidade (Dn 12.13).
Finalmente, vemos nesta passagem quão profundamente pecaminosa
diante de Deus é a incredulidade. As dúvidas e questionamentos de Zacarias
trouxeram sobre ele um pesado castigo. “Ficarás m udo”, disse-lhe o anjo,
“e não poderás falar... porquanto não acreditaste nas minhas palavras” .
Tratava-se de um castigo bem compatível com a ofensa. A língua que não
estava pronta para manifestar a linguagem do louvor e da fé tinha de ficar
muda. Tratava-se de um castigo de longa duração. Zacarias foi condenado
ao silêncio por, no mínim o, nove longos meses, sendo lem brado
diariamente do fato de que ofendera a Deus por sua incredulidade.
Poucos pecados parecem ofender tanto a Deus quanto o pecado da
incredulidade. Certamente nenhum outro pecado atraiu castigos tão severos
sobre os homens. Duvidar que Deus pode fazer alguma coisa que Ele diz
que fará é negar de forma prática sua onipotência. Duvidar que Deus não
cumprirá completamente alguma de suas promessas é fazê-Lo mentiroso.
Os crentes jamais devem esquecer-se dos quarenta anos que Israel vagueou
pelo deserto. Quão solenes são as palavras do apóstolo Paulo: “Não
puderam entrar por causa da incredulidade” (Hb 3.19).
Vigiemos e oremos diariamente contra este pecado que devasta a
alma. Os crentes que cedem a ele perdem a paz interior, fraquejam nas
batalhas, têm suas esperanças ofuscadas, vêm-se emperrados em seu
caminhar. De acordo com a proporção da nossa fé, desfrutaremos da
salvação dada por Jesus, seremos longânimos no dia da provação e teremos
vitória sobre o mundo. Resumindo: a incredulidade é a verdadeira causa
de muitas enfermidades espirituais e, uma vez que lhe permitimos aninhar-
se em nosso coração, ela nos corroerá como um câncer. “Se o não crerdes,
certamente não permanecereis” (Is 7.9).
Estabeleçamos como um princípio para o nosso cristianismo o
crermos implicitamente em toda Palavra de Deus, estando vigilantes quanto
à incredulidade, em tudo o que diz respeito ao perdão dos nossos pecados
e à nossa aceitação diante de Deus, aos nossos deveres particulares e às
lutas da vida diária.
Lucas 1.26-33 15

O Anúncio à Virgem Maria


de que Ela Deveria ser a Mãe do Senhor
Leia Lucas 1.26-33

Temos nestes versículos o anúncio do acontecimento mais maravi­


lhoso que já ocorreu neste mundo: a encarnação e o nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Trata-se de uma passagem que devemos ler sempre
com uma mescla de admiração, amor e louvor.
Notemos, primeiramente, o modo humilde e despretencioso pelo
qual o Salvador da humanidade veio habitar entre nós. O anjo que anunciou
o seu advento foi enviado a uma vila obscura da Galiléia chamada Nazaré.
A mulher que recebeu a honra de tornar-se a mãe do Senhor ocupava
claramente uma posição social humilde. Tanto em sua condição social
quanto em sua cidade, havia uma ausência completa daquilo que o mundo
considera “grande” . Não devemos hesitar em concluir que em tudo isso
estava a sábia Providência. O conselho do Altíssimo, que ordena todas as
coisas nos céus e na terra, poderia determinar que a residência de Maria
fosse Jerusalém, tão simplesmente quanto determinar que fosse Nazaré;
ou, da mesma forma, poderia ter escolhido a filha de algum escriba pode­
roso para ser a mãe do Senhor, tão facilmente como escolheu uma moça
pobre. Pareceu-Lhe bem ser como foi. O primeiro advento do Messias
deveria ser um advento de humilhação. Essa humilhação dar-se-ia já desde
a sua concepção e nascimento.
Cuidemos para não desprezarmos a pobreza dos outros ou de nos
envergonharmos da nossa própria pobreza, caso Deus nos conceda. A
condição de vida que Jesus escolheu voluntariamente para Si deve ser
vista sempre com santa reverência. A tendência comum dos nossos dias,
ou seja, de curvarem-se as pessoas diante dos ricos e de idolatrarem o di­
nheiro, deve ser sistematicamente resistida e desencorajada. O exemplo
do Senhor é a resposta suficientíssima para milhares de máximas aviltantes
sobre a riqueza tão comuns entre os homens. “Sendo rico, se fez pobre
por amor de vós” (2 Co 8.9).
Admiremos a espantosa humildade do Filho de Deus. O Herdeiro de
todas as coisas não somente assumiu a natureza humana, mas o fez da for­
ma mais humilhante que poderia fazer. Já seria humildade vir ao mundo
para governar como rei. Mas a sua vinda ao mundo como homem pobre,
para ser desprezado, sofrer e morrer, é um dos milagres da misericórdia
que ultrapassa a nossa compreensão. Que o seu amor nos impulsione a
não viver para nós mesmos, e sim para Ele. Que o seu exemplo traga
18 Lucas 1.34-38

faremos obscurecer os fatos com palavras sem conhecimento, ousando


invadir terreno que os anjos temem tocar. E necessário que uma religião
que verdadeiramente vem do céu tenha os seus mistérios. A encarnação é
um dos mistérios do cristianismo.
A seguir, observemos o lugar proeminente que foi dado ao Espírito
Santo no grande mistério da encarnação. Está escrito: “Descerá sobre ti
o Espírito Santo” . O leitor diligente da Bíblia certamente não esquecerá
que a honra aqui conferida ao Espírito está em harmonia perfeita com o
ensino das Escrituras como um todo. Em cada etapa da grande obra da
redenção, encontraremos menção especial à obra do Espírito Santo. Jesus
não morreu para fazer expiação dos nossos pecados? Sim, mas está escrito
que, “pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus”
(Hb 9.14). Ele não ressuscitou para a nossa justificação? Claro, mas está
escrito que Ele foi “vivificado no espírito” (1 Pe 3.18). Não confortou o
coração dos seus discípulos no intervalo entre a sua primeira e a sua
segunda vinda? Sim, mas está escrito que o Consolador que Ele prometeu
enviar é “o Espírito da verdade” (Jo 14.17).
Sejamos cuidadosos em dar ao Espírito Santo, em nossa devoção
pessoal, o mesmo lugar que Ele ocupa na Palavra de Deus. Lembremo-
nos de tudo o que os crentes são e têm e de quanto desfrutam do evangelho,
por causa do ensino interior ministrado pelo Espírito Santo. A obra de
cada uma das três Pessoas da Santíssima Trindade é total e igualmente
necessária à salvação de cada alma redimida. A eleição por Deus Pai, o
sangue de Deus Filho e a santificação por Deus Espírito Santo jamais po­
derão ser isolados do cristianismo.
Em terceiro lugar, observemos o princípio poderoso que o anjo
Gabriel estabelece para fazer silenciar todas as objeções à encarnação:
“Para Deus não haverá impossíveis” . A acolhida calorosa deste grande
princípio é de importância imensa à nossa paz interior. Dúvidas e perguntas
geralmente surgem na mente dos homens a respeito de muitos aspectos do
cristianismo. São elas o resultado natural do estado decaído da nossa alma.
Nossa fé é, no máximo, muito frágil. O nosso conhecimento, em seu
melhor estado, é anuviado por muita debilidade. Dentre os muitos antídotos
para um estado de alma ansioso, cheio de dúvidas e perguntas, poucos
serão mais eficazes do que este: uma confiança plena na onipotência de
Deus. Para Aquele que chamou o mundo à existência, formando-o do
nada, tudo é possível. Nada é demasiadamente difícil para o Senhor!
Não há pecado grande ou ruim demais que não possa ser perdoado.
O sangue de Jesus nos purifica de todo o pecado. Não há coração tão
embrutecido e mau que não possa ser transformado. O coração de pedra
pode ser transformado em coração de carne. Não há tarefa difícil demais
que o crente não possa realizar. Podemos todas as coisas no Cristo que
Lucas 1.34-38 19

nos fortalece. Não há provação severa demais, que não possa ser suportada.
A graça de Deus é a nossa suficiência. Não há promessa grande demais,
que não possa ser cumprida. As palavras de Jesus jamais passarão; e
aquilo que prometeu, Ele é fiel para cumpri-lo. Não há dificuldade que
seja tão grande que um crente não possa vencê-la. Se Deus é por nós,
quem será contra nós? A montanha se tornará plana. Que estes princípios
estejam constantemente em nossos corações. A receita do anjo é remédio
de valor incalculável. A fé nunca descansa tão calma e pacificamente
como quando repousa a sua fronte no travesseiro da onipotência de Deus!
Por fim, observemos a aquiescência imediata e humilde da virgem
Maria à vontade revelada de Deus para com ela. Maria diz ao anjo:
“Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua
palavra” . Há muito mais graça admirável nesta resposta do que se pode
observar à primeira vista. Se refletirmos por um momento, perceberemos
que tornar-se a mãe do Senhor por meio desse método desconhecido e
misterioso não era questão insignificante. A longo prazo, traria consigo
grande honra; todavia, no presente, representava um risco enorme para a
reputação de Maria e grande prova para a sua fé. Ela estava disposta a
enfrentar todo esse risco e provação! Não fez qualquer outra pergunta.
Não levantou quaisquer outras objeções. Aceitou a honra que lhe foi
conferida, tanto quanto os perigos e inconveniências que a acompanhavam.
“Aqui está” , diz ela, “a serva do Senhor” .
Procuremos, na prática diária do cristianismo, ter o mesmo precioso
espírito de fé que vemos em Maria. Estejamos prontos a ir onde quer que
seja, a fazer o que quer que seja e a ser quem quer que seja, não nos im­
portando com as inconveniências imediatas do presente, desde que este­
jamos certos da vontade de Deus, vendo claramente qual o caminho do
dever. Será bom lembrarmos das palavras do bom Bispo Hall, a respeito
desta passagem: “Toda a disputa com Deus, depois de revelada a sua
vontade, nasce da infidelidade; não há prova mais nobre de fé do que
levarmos cativos ao Criador todos os poderes da nossa vontade e razão e,
sem fazer objeções, seguirmos incontinenti para onde Ele nos mandar” .

A Visita que Maria fez a Isabel


Leia Lucas 1.39-45

Devemos observar nesta passagem o valor da amizade e da comunhão


entre os crentes. Lemos sobre uma visita que a virgem Maria fez à sua
prima Isabel. A passagem mostra de maneira extraordinária como os
20 Lucas 1.39-45

corações dessas duas santas mulheres foram confortados e suas mentes


estimuladas por meio dessa visita. Se não houvesse ocorrido esse encontro
talvez Isabel nunca chegasse a ficar cheia do Espírito Santo como ficou, e
talvez Maria jamais tivesse proferido esse cântico de louvor tão bem
conhecido na igreja do Senhor. As palavras de um antigo teólogo são
profundas e verdadeiras: “A alegria compartilhada se multiplica. A tristeza
se expande ao ser ocultada; a alegria, ao ser repartida” .
Devemos sempre considerar a comunhão com outros crentes como
excelente meio de graça. Trocar experiências com os companheiros de
viagem é como uma parada refrescante em nossa jornada pelo caminho
estreito. Ajuda-nos de forma imensurável e ajuda-os também, de forma
que se torna lucro para todos. Trata-se da experiência mais próxima da
alegria celeste que se pode desfrutar nesta terra. “Como o ferro com o
ferro se afia, assim, o homem, ao seu amigo. ” Precisamos lembrar sempre
disto. Por não se dar a devida atenção a este assunto, as almas dos crentes
acabam por sofrer. Há muitos que temem o Senhor e meditam no seu
Nome, mas que se esquecem de falar “uns aos outros” (Ml 3.16).
Busquemos, em primeiro lugar, a face do Senhor. Em seguida, busquemos
a face dos seus amigos. Se agíssemos mais desta maneira e fôssemos mais
cuidadosos quanto às nossas amizades, saberíamos melhor o que significa
ficar cheio do Espírito Santo.
Notemos, também, nesta passagem o conhecimento espiritual claro
demonstrado pela linguagem de Isabel. Refere-se à virgem Maria de uma
forma que demonstra que era alguém que havia sido profundamente
ensinada por Deus. Refere-se a Maria como “a mãe do meu Senhor” . A
expressão “meu Senhor” é tão comum que não percebemos a profundidade
do seu significado. Na época em que foi dita, ela continha muito mais do
que podemos apreender. Significava uma declaração explícita de que a
criança que deveria nascer de Maria era o tão esperado Messias, o “Senhor”
a respeito de quem Davi havia profetizado em Espírito, o Cristo de Deus.
Vista sob esse prisma, esta expressão torna-se um lindo exemplo de fé.
Trata-se de uma confissão digna de ser colocada lado a lado com aquela
que Pedro fez, ao dizer a Jesus: “Tu és o Cristo” .
Lembremos o significado profundo da palavra “Senhor” e sejamos
cautelosos, não a usando de maneira superficial e desatenta. Consideremos
o fato de que ela não se aplica corretamente a ninguém mais, a não ser
Aquele que foi crucificado no Calvário por causa dos nossos pecados.
Que a lembrança desse fato revista esta expressão de santa reverência,
levando-nos a considerar bem a maneira como ela será pronunciada pelos
nossos lábios. Há dois textos relacionados a esta palavra que devem subir
sempre aos nossos corações. No primeiro, está escrito: “Ninguém pode
dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo” (1 Co 12.3). No outro,
Lucas 1.39-45 21

lemos: “E toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de
Deus Pai” (Fp 2.11).
F in alm en te, cabe-nos o b serv ar n esta passagem a elevada
consideração que Isabel confere à graça da fé . “Bem-aventurada” , disse
ela, “a que creu” . Não nos deve causar espanto que essa mulher santa
elogie dessa forma a fé. Sem dúvida, ela estava familiarizada às Escrituras
do Antigo Testamento. Sabia bem que grandes obras a fé realizara. Qual
a história dos santos de Deus de todas as épocas, senão o registro de
homens e mulheres que obtiveram bom testemunho pela fé? Qual a história
singela, desde Abel, senão a narrativa de pecadores redimidos que creram
e, por isso, foram abençoados? Pela fé, apossaram-se de promessas.
Viveram e andaram pela fé; suportaram duras provações; contemplaram
um Salvador ainda não visto e bênçãos que ainda viriam. Pela fé, lutaram
contra o mundo, a carne e o diabo; foram vencedores e chegaram ao lar
em segu-rança. E a virgem Maria estava provando que fazia parte desse
grupo precioso de pessoas. Não admiremos que Isabel tenha dito: “Bem-
aventurada a que creu” !
Será que conhecemos apenas um pouquinho dessa fé tão preciosa?
Esta é, afinal, a pergunta que nos preocupa. Conhecemos alguma coisa da
fé exercida pelos eleitos de Deus, a fé que é uma realização divina? (Tt
1.1; Cl 1.12) Que jamais demos descanso à nossa alma até que conheçamos
essa fé por experiência. E, uma vez experimentada, que jamais deixemos
de orar para que ela cresça abundantemente. E mil vezes melhor ser rico
em fé do que em ouro. O ouro não terá valor no reino invisível para o
qual estamos nos dirigindo. A fé será reconhecida naquele reino diante de
Deus Pai e dos santos anjos. Quando se estabelecer o grande trono branco
e forem abertos os livros, quando os mortos deixarem os seus túmulos e
receberem a sentença final, então o valor real da fé será totalmente
conhecido; os homens saberão, se não o souberam antes, que verdadeiras
são as palavras: “Bem-aventurados os que creram!”

O Hino de Louvor Entoado por Maria


Leia Lucas 1.46-56

Estes versículos registram o famoso hino de louvor entoado pela


virgem Maria diante da perspectiva de tornar-se a mãe do nosso Senhor.
Ao lado do “Pai Nosso”, talvez poucas passagens da Escritura sejam mais
conhecidas do que esta. Onde quer que o Livro de Orações da Igreja da
Inglaterra seja usado, este hino torna-se parte do culto. E não devemos
22 Lucas 1.46-56

admirar que os compiladores desse livro tenham dado ao hino de Maria


um lugar tão especial. Não há palavras que expressem melhor o louvor
pela misericordiosa redenção, louvor esse que tem de fazer parte do culto
público de todos os ramos da igreja de Cristo.
Observemos, inicialmente, a completa familiaridade com as Escri­
turas mostrada neste hino. Ao lê-lo, lembramos de muitas expressões
encontradas no livro de Salmos. E, principalmente, lembramos do cântico
de Ana, no livro de 1 Samuel (1 Sm 2.2-10), Toma-se bem claro que a
mente da bem-aventurada virgem estava repleta da Palavra. Ela conhecia,
por ouvir ou por ler, o Antigo Testamento. Assim, quando sua boca fez
transbordar aquilo de que seu coração estava cheio, ela deu vazão aos
seus sentimentos, utilizando a linguagem bíblica. Movida pelo Espírito
Santo a derramar-se em louvor, ela escolheu a linguagem que o próprio
Espírito já havia consagrado e usado!
A cada ano que vivemos, esforcemo-nos por nos tornar mais fami­
liarizados com a Palavra. Devemos estudá-la, examiná-la, nos apro­
fundarmos e meditarmos nela até que ela habite em nós ricamente (Cl
3.16). Esforcemo-nos especialmente para nos tomar familiarizados com
aquelas porções da Bíblia que, como o livro de Salmos, descrevem a
experiência dos santos da antigüidade. Descobriremos quanto isto nos
ajudará em nossa busca pela presença do Senhor e nos suprirá a linguagem
melhor e mais adequada, tanto para expressarmos as nossas petições quan­
to as nossas ações de graça. Tal conhecimento da Palavra jamais poderá
ser adquirido senão por meio do estudo regular e diário. Mas o tempo
gasto nesse estudo nunca é perdido. Dará os seus fmtos depois de muitos
dias.
Observemos, a seguir, neste hino de louvor a profunda humildade
de Maria. Ela, que foi escolhida por Deus para receber a honra singular
de ser a mãe do Messias, falou do seu próprio estado de fraqueza e da sua
necessidade pessoal de um Salvador. Não pronunciou uma só palavra que
demonstre que se considerava uma pessoa isenta de pecado, “imaculada” .
Pelo contrário, usou a linguagem de alguém que, pela graça de Deus,
aprendeu a sentir os seus próprios pecados e que, longe de poder salvar
outros, precisava de um Salvador para a sua própria alma. Podemos afir­
mar com toda a segurança que ninguém estaria mais pronto a reprovar a
veneração dirigida pela Igreja Católica à virgem Maria do que ela mesma.
Imitemos a humildade santa da mãe do Senhor, enquanto nos recusa­
mos firmemente a tê-la como mediadora ou a fazer súplicas a ela. Como
Maria, tenhamos noção da nossa própria fraqueza e um conceito humilde
da nossa própria pessoa. A humildade é a graça que melhor pode adornar
o caráter cristão. Com verdade, disse um antigo teólogo: “Um homem é
tão crente quanto a sua humildade”. Trata-se da qualidade que, dentre
Lucas 1.46-56 23

todas, é a mais conveniente à natureza humana. E mais, é a qualidade que


está ao alcance de todo convertido. Nem todos são ricos. Nem todos são
cultos. Nem todos são grandemente dotados. Nem todos podem pregar.
Mas todos os filhos de Deus podem revestir-se de humildade!
Em terceiro lugar, notemos a viva gratidão demonstrada por Maria.
Esta é a nota proeminente de toda a parte inicial do seu cântico. Sua alma
engrandeceu “ao Senhor” . Seu espírito “se alegrou em Deus” . “Todas as
gerações me considerarão bem-aventurada. ” “O Poderoso me fez grandes
cousas.” Para nós é muito difícil penetrar na extensão completa dos
sentimentos que uma judia santa experimentaria, ao encontrar-se na posição
de Maria. Todavia, procuremos fazê-lo enquanto lemos as suas repetidas
expressões de louvor.
Faremos bem em seguir os passos de Maria quanto a este assunto,
cultivando um espírito cheio de gratidão. Esta tem sido a marca distintiva
de todos os grandes santos de Deus em todas as eras. Davi, no Antigo
Testamento, e Paulo, no Novo, são notáveis por seu espírito de gratidão.
Raramente lemos grandes porções dos seus escritos sem que os encontremos
bendizendo e louvando a Deus. Levantemos de nossos leitos a cada manhã
com a profunda convicção de que somos devedores e de que a cada dia
recebemos mais bênçãos do que merecemos. A cada semana olhemos ao
nosso redor, à medida que peregrinamos por este mundo, e vejamos se
não temos muito pelo que agradecer a Deus. Se os nossos corações
estiverem no lugar certo, nunca nos será difícil construir um Ebenézer (1
Sm 7.12). Bom seria que as nossas orações e súplicas fossem mais recheadas
com ações de graça (Fp 4.6).
Observemos, agora, a compreensão que Maria tinha da maneira
como o Senhor lidava com o seu povo na antiguidade. Ela fala do Senhor
como Aquele cuja “misericórdia vai de geração em geração sobre os que
o temem” ; como Aquele que dispersou os soberbos, derrubou os poderosos
e “despediu vazios os ricos” ; como Aquele que “exaltou os humildes” e
“encheu de bens os famintos” . Assim falou, sem dúvida, recordando a
história do Antigo Testamento. Lembrou-se de como Deus derrubou a
Faraó, os cananeus, os filisteus, a Senaqueribe, a Hamã e a Belsazar.
Lembrou-se de como Ele exaltou José, Moisés, Davi, Ester e Daniel e
como nunca permitiu que o seu povo escolhido fosse totalmente destruído.
E, no trato de Deus com ela mesma, ao honrar uma pobre virgem de
Nazaré, ao levantar o Messias numa terra tão árida como parecia haver-se
tornado a nação judaica naquela altura, ela divisou a obra esmerada do
Deus da Aliança.
O verdadeiro crente deve prestar sempre boa atenção à história bíblica
e à vida dos homens e mulheres de Deus, individualmente. Examinemos
em detalhes as “pisadas dos rebanhos” (Ct 1.8). Esse estudo nos esclarece
24 Lucas 1.46-56

quanto à maneira de Deus agir com o seu povo. Ele é sempre o mesmo. O
que fez por seu povo no passado, está pronto a fazer no futuro. Esse
estudo nos ensinará quanto ao que esperar, nos ajudará a recusar ex­
pectativas infundadas e nos encorajará quando estivermos desanimados.
Feliz o homem cujo coração está bem abastecido desse conhecimento,
pois o estudo da história bíblica o tornará paciente e cheio de esperança.
Por último, notemos a visão firm e que Maria tinha das promessas
bíblicas. Ela terminou o seu cântico de louvor com a declaração de que
Deus abençoou Israel, “a fim de lembrar-se da sua misericórdia” , e que
agiu “como prometera aos nossos pais” . Estas palavras demonstram
claramente que ela se lembrava da promessa feita a Abraão: “Em ti serão
benditas todas as famílias da terra”. Fica bem claro que, ao aproximar-se
o nascimento de seu Filho, ela considerou que esta promessa estava para
cumprir-se.
Aprendamos do exemplo dessa mulher santa a lançar mão firme das
promessas de Deus. Fazê-lo é de grande importância para a nossa paz
pessoal. As promessas são, na verdade, o maná que devemos comer e a
água que devemos beber diariamente, enquanto atravessamos o deserto
deste mundo. Ainda não vemos todas as coisas subjugadas. Ainda não
vemos a face de Jesus, e o céu, e o Livro da Vida, e as mansões que Ele
nos foi preparar. Andamos pela fé, ê essa fé descansa nas promessas.
Mas, nessas promessas, podemos descansar confíadamente. Elas sustentam
to-do o peso que pusermos sobre elas. Um dia, à semelhança de Maria,
descobriremos que Deus cumpre o que diz, cumprindo-o sempre na hora
certa.

O Nascimento de João Batista


Leia Lucas 1.57-66

Temos nesta passagem a história de um nascimento — o nascimento


de uma luz ardente e brilhante na igreja: o precursor do próprio Cristo,
João Batista. A linguagem utilizada pelo Espírito Santo para descrever o
evento é digna de atenção. Está escrito que “o Senhor usara de grande
misericórdia” para com Isabel. Houve manifestação de misericórdia no
fato de ela haver atravessado a gestação em segurança. Houve manifestação
de misericórdia no fato de ela vir a ser a mãe de uma criança saudável.
Felizes são as famílias que enxergam cada nascimento sob esse prisma:
como manifestações especiais da misericórdia do Senhor.
Vemos na atitude dos vizinhos e parentes de Isabel um exemplo
Lucas 1.57-66 25

vibrante da bondade que devemos uns para com os outros. Está escrito
que “participaram do seu regozijo” . Como haveria mais felicidade neste
mundo mau, se o comportamento dos amigos de Isabel fosse mais comum!
Simpatizarmos com as alegrias e as tristezas dos outros custa muito pouco;
além disso, é uma qualidade de grande influência. Tal como o óleo colocado
nas rodas de uma grande máquina, pode parecer uma coisa insignificante
e sem importância, todavia, exerce uma influência tremenda sobre o bem-
estar e o bom andamento da máquina da sociedade. Uma palavra amiga
de estímulo ou de conforto raramente é esquecida. O coração alentado
por boas novas, ou abatido pela aflição, é especialmente sensível, e uma
demonstração de simpatia torna-se para ele algo mais precioso do que o
ouro.
O servo de Jesus fará bem em lembrar dessa qualidade. Pode parecer
uma “qualidade menor” , e, no meio do alarido das controvérsias e das
batalhas pelas grandes doutrinas, podemos, infelizmente, negligenciá-la.
Todavia, ela é um daqueles ganchos do tabernáculo que jamais devemos
abandonar no deserto. É um daqueles enfeites do caráter cristão que o
tornam atraente aos olhos dos homens. Não nos esqueçamos de que está
recomendada por um preceito especial: “Alegrai-vos com os que se alegram
e chorai com os que choram” (Rm 12.15). Colocá-la em prática parece
que atrai bênçãos especiais. Os judeus que foram confortar Marta e Maria
em Betânia testemunharam o maior milagre que Jesus realizou. Além
disso, essa virtude é recomendada por Aquele que é o Exemplo Perfeito:
o Senhor estava pronto a ir tanto a uma festa de casamento quanto a
chorar à beira de um túmulo (Jo 2.1-11; 11.1-46). Estejamos sempre
dispostos a imitá-Lo, indo e fazendo o que Ele fez!
Vemos na conduta de Zacarias, aqui apresentada, um exemplo
contundente do benefício que traz a aflição. Ele se opôs ao desejo dos
amigos, que queriam dar seu nome ao recém-nascido. Apegou-se com
firmeza ao nome “João” , nome que o anjo Gabriel dissera que se deveria
dar ao menino. Mostra, assim, que a sua longa mudez de nove meses não
lhe foi infligida em vão. Deixou a incredulidade e passou a crer. Agora,
ele crê em cada palavra que lhe foi dita pelo anjo Gabriel; e cada palavra
da mensagem dele tem de ser obedecida.
Não tenhamos dúvidas de que esses nove meses foram de grande
proveito para a alma de Zacarias. É provável que tenha aprendido mais
sobre a sua própria alma e sobre o Senhor do que jamais soubesse. A sua
conduta o provou. A correção se mostrou instrutiva. Ele se envergonhou
da própria incredulidade. Como Jó, pôde dizer: “Eu te conhecia só de
ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (Jó 42.5). Como Ezequias,
quando foi desamparado pelo Senhor, ele também pôde descobrir o que
estava em seu coração (2 Cr 32.31).
26 Lucas .1.57-66

Estejamos alerta, para que a aflição nos faça bem, como o fez a
Zacarias. Não estamos isentos de problemas num mundo que jaz totalmente
no pecado. “O homem nasce para o enfado, como as faíscas das brasas
voam para cima” (Jó 5.7).
Porém, quando estivermos sendo afligidos, a nossa oração incessante
deve ser no sentido de que possamos atentar para a aflição e para quem a
enviou; que aprendamos dela a sabedoria, ao invés de embrutecermos os
nosso coração contra o Senhor. “Aflições santificadas” , disse um antigo
teólogo, “são crescimento espiritual” . A aflição que nos humilha e nos
leva para mais perto do Senhor é uma bênção e um completo lucro. Não
há caso mais sem esperança que o do homem que, no tempo da aflição, dá
as suas costas a Deus. Há um nota terrível registrada contra um dos reis
de Judá: “No tempo da sua angústia, cometeu ainda maiores transgressões
contra o S enhor ; ele mesmo, o rei Acaz” (2 Cr 28.22).
Vemos no início da história de João Batista o tipo de bênção que
devemos desejar para todas as criancinhas. Lemos que “a mão do Senhor
estava com ele” . Não é dito claramente o significado destas palavras.
Cabe-nos decifrar o seu significado a partir da promessa feita antes do
nascimento de João e do tipo de vida que ele viveu todos os seus dias. Não
duvidemos do fato de que a mão do Senhor estava com João para santificar
e renovar o seu coração, para ensiná-lo e prepará-lo para o seu ministério,
para fortalecê-lo em toda a sua obra como precursor do Cordeiro de Deus,
para encorajá-lo em sua tarefa corajosa de denunciar os pecados dos homens
e para confortá-lo em suas últimas horas de vida, quando foi decapitado
na prisão. Sabemos que ele foi cheio do Espírito desde o ventre materno.
Não temos como duvidar que, desde os seus primeiros dias, a presença do
Espírito poderia ser vista em suas atitudes. Na sua infância ou na idade
adulta, o poder marcante de uma grande obra celestial manifestava-se
nele. Esse poder era “a mão do Senhor” .
Esta é a herança que devemos buscar para os nossos filhos. Trata-se
da melhor, mais feliz e única herança que nunca poderá perder-se e que
permanecerá para sempre. É bom ter sobre eles “a mão” de professores e
mestres, mas é muito melhor ter “a mão do Senhor” . Poderemos ficar
agradecidos se eles alcançarem o favor do Senhor. A mão do Senhor é mil
vezes melhor que a mão de Herodes. Esta, é fraca, fútil e incerta. Hoje,
afaga; amanhã, corta a cabeça. Aquela é onipotente, completamente sábia
e imutável. Ela sustenta eternamente. Bendigamos a Deus porque Ele
nunca muda. O que Ele era nos dias de João Batista, ainda é hoje. O que
fez pelo filho de Zacarias, pode fazer pelos nossos meninos e meninas.
Mas Ele espera que Lho peçamos. Se desejamos ver a mão do Senhor
sobre os nossos filhos, temos de buscá-Lo diligentemente.
Lucas 1.67-80 27

A Profecia e o Cântico de Louvor


Entoados por Zacarias
Leia Lucas 1.67-80

Este cântico de louvor também exige a nossa atenção. Já lemos o


cântico de ações de graças de Maria, a mãe do Senhor. Leiamos, agora, o
cântico de Zacarias, o pai de João Batista. Já ouvimos os louvores que o
primeiro advento de Jesus fez brotar de uma virgem da casa de Davi.
Vejamos, agora, que louvores faz brotar de um sacerdote idoso.
Notemos, primeiramente, a profunda gratidão do coração de um
crente judeu diante da perspectiva do surgimento do Messias. A primeira
palavra a sair da boca de Zacarias é de louvor, assim que a sua mudez é
removida e lhe é restaurada a fala. Ele inicia com a mesma expressão uti­
lizada por Paulo para começar diversas de suas cartas: “Bendito seja o
Senhor” .
Em nossa época, é difícil perceber a extensão dos sentimentos desse
homem bom. E preciso que nos imaginemos ocupando o seu lugar. Temos
de procurar ver-nos presenciando o cumprimento da promessa mais antiga
do Antigo Testamento: a promessa de um Salvador. E temos de imaginar-
nos contemplando o fato de que o cumprimento dessa promessa deu-se
em nosso próprio lar. E preciso perceber a visão imperfeita e obscura que
as pessoas tinham do evangelho antes da vinda de Jesus (quando as sombras
e os tipos desvaneceram-se). Só então, talvez, teremos uma idéia do que
se passava no coração de Zacarias, quando ele exclamou: “Bendito seja o
Senhor” .
É de se temer que os crentes tenham uma concepção inadequada e
incerta do çrivilégio ímpar que têm de viver sob a clareza total do
evangelho. É provável que tenhamos uma idéia muito frágil do que foi a
opaca dispensação judaica. Temos uma pálida noção do que deve ter sido
a igreja antes da encarnação de Jesus. Que os nossos olhos sejam abertos,
para que percebam os a extensão da nossa responsabilidade. Que
aprendamos pelo exemplo de Zacarias a ser mais agradecidos.
Devemos observar também neste hino de louvor, a grande ênfase
que Zacarias dá ao fato de que Deus cumpre as suas promessas. Ele
declara que Deus “visitou e redimiu o seu povo” . E o faz à maneira dos
profetas: como se o fato já se tivesse realizado, por ter certeza de que isso
ocorrerá. E continua, anunciando o Instrumento dessa redenção: “poderosa
salvação” — um Salvador poderoso, da casa de Davi. E acrescenta que
tudo aconteceu “como prometera, desde a antigüidade, por boca dos seus
28 Lucas 1.67-80

santos profetas... para usar de misericórdia... e lembrar-se da sua santa


aliança e do juramento que fez a Abraão, o nosso pai “ .
Fica bem claro que os crentes do Antigo Testamento alimentavam
grandemente as suas almas com as promessas de Deus. Eram muito mais
obrigados a andar por fé do que nós o somos. Nada sabiam dos grandes
fatos que tão bem conhecemos a respeito da vida, morte e ressurreição de
Jesus. Aguardavam a redenção como algo que deveriam esperar, mas que
ainda não podiam ver, e a única garantia que tinham para alimentar essa
esperança era a palavra que Deus empenhara na aliança. A amplitude de
sua fé deve nos envergonhar. Assim, longe de desprezarmos os crentes
do Antigo Testamento, como alguns o fazem, devemos nos admirar de
que tenham sido quem foram.
Aprendamos a abraçar as promessas, descansando nelas, como o fez
Zacarias; jamais duvidando da verdade de que cada palavra dita por Deus
ao seu povo concernente ao seu futuro se cumprirá tão certamente quanto
se cumpriu cada palavra por Ele dita com relação ao passado desse povo.
A segurança deles é garantida por promessas: o mundo, a carne e o diabo
jamais prevalecerão sobre qualquer crente. A sua absolvição no último
dia é assegurada pelas promessas. Não cairão em condenação, mas serão
apresentados sem mácula diante do trono do Pai. Sua glória futura está
assegurada pelas promessas. Seu Salvador virá pela segunda vez, tão
certamente quanto veio pela primeira — para ajuntar os seus salvos e dar-
lhes a coroa de justiça. Deixemo-nos persuadir por tais promessas. Que
as abracemos, não deixando-as escapar. Elas nunca nos decepcionarão. A
Palavra de Deus jamais falha. Ele não é homem, para mentir. Vemos um
selo sobre cada promessa, selo esse que Zacarias jamais viu. Temos o
selo do sangue de Jesus para assegurar-nos de que, o que Deus prometeu,
Ele o cumprirá.
Em terceiro lugar, notemos neste hino como Zacarias tinha uma
visão clara do reino de Cristo. Ele fala de estar livre “da mão de inimigos” ,
como se tivesse em mente um reino temporal e um salvador temporal do
poder dos gentios,-mas não pára aí, declara que o reino do Messias é um
reino em que os seus súditos o adorarão “sem temor, em santidade e
justiça perante ele”. E proclamou que esse reino estava se aproximando.
Há muito, profetas haviam predito a sua instalação. No nascimento do seu
filho João Batista, e no imediato aparecimento de Cristo, Zacarias percebeu
a chegada iminente desse reino.
A base desse reino messiânico seria edificada com a pregação do
evangelho. Desde então, o Senhor Jesus tem'chamado constantemente
pessoas deste mundo perverso. O reino estará completo no futuro. E os
santos do Altíssimo um dia haverão de dominar completamente. O pequeno
fundamento do reino ainda haverá de preencher toda a terra. Mas, seja
Lucas 1.67-80 29

em seu estado completo ou incompleto, os súditos desse reino sempre têm


o mesmo caráter. Servem a Deus “sem temor” , servem em “santidade e
justiça” .
Esforcemo-nos totalmente por fazer parte desse reino. Apesar de
agora parecer pequeno, ele um dia será grande e glorioso. Os homens e
mulheres que servem a Deus “em santidade e justiça” um dia haverão de
ver todas as coisas sob os seus pés. Todos os inimigos serão subjugados,
e eles reinarão para sempre naqueles novos céus e nova terra, onde habita
a justiça.
Notemos, finalmente, que Zacarias desfrutava de visão doutrinária
clara. Termina o seu hino de louvor dirigindo-se ao seu pequenino João
Batista. Prediz que ele precederá o Senhor, “para dar ao seu povo conhe­
cimento da salvação” , e que o Messias trará uma salvação completamen­
te pela graça e misericórdia; uma salvação cujos maiores privilégios são a
remissão dos pecados, luz e paz.
Encerremos este capítulo perguntando-nos a nós mesmos quanto
temos experimentado desses três privilégios gloriosos. Sabemos o que é
perdão? Já saímos das trevas para a luz? Temos paz com Deus? Afinal de
contas, esta é a realidade do cristianismo. Ser membro de igreja ou receber
as ordenanças não significa que a pessoa está salva. Que jamais descansemos
até que tenhamos verdadeira experiência disto. Trata-se de uma provisão
da graça e da misericórdia. Estende-se, pela mesma graça e misericórdia,
a todo o que invocar o nome de Jesus. Que jamais descansemos enquanto
o Espírito não testificar com o nosso espírito que os nossos pecados estão
perdoados, que passamos das trevas para a luz e que estamos realmente
andando no caminho estreito — o caminho da paz.

O Nascimento de Jesus em Belém


Leia Lucas 2.1-7

Nesta passagem, temos a história de um nascimento, o nascimento


do Filho encarnado de Deus, do Senhor Jesus Cristo. O nascimento de
cada criança é um evento maravilhoso; traz à existência uma alma que
jamais morrerá. Mas, desde que há mundo, jamais houve um nascimento
tão maravilhoso quanto o de Jesus.
Foi em si mesmo um milagre: Deus “foi manifestado na carne” (1
Tm 3.16). São indizíveis as bênçãos que Ele trouxe ao mundo: abriu aos
homens a porta para a vida eterna.
Ao lermos estes versículos, notemos inicialmente a época em que
Jesus nasceu. Foi quando César Augusto, o primeiro imperador romano,
30 Lucas 2.1-7

publicou um decreto “convocando toda a população do império para


recensear-se” . Neste simples fato, sobressai a sabedoria de Deus. O cetro
estava praticamente apartando-se de Judá (Gn 49.10). Os judeus estavam
sob o domínio de um poder estrangeiro. Estes estavam começando a reinar
sobre eles. Já não tinham um governo próprio, independente. A “plenitude
do tempo” chegara, para que o Messias aparecesse. César Augusto faz o
recenseamento no império, e, subitamente, nasce Jesus.
A época era propícia para a introdução do evangelho. Todo o mundo
civilizado estava sendo governado por um mesmo rei (Dn 2.40). Nada
impediria que o pregador de uma nova fé fosse de cidade em cidade e de
país em país. Os príncipes e sacerdotes do mundo gentio haviam sido
pesados na balança e achados em falta. Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia,
Grécia, Roma — todos tinham provado que o mundo não conheceu a
Deus pela sua própria sabedoria (1 Co 1.21). Os seus grandes generais e
poetas, historiadores, arquitetos e filósofos, os reinos do mundo, estavam
perdidos em negra idolatria. Era mesmo o tempo certo de Deus intervir
desde os céus e enviar um Salvador eficaz. Tratava-se do tempo certo
para Jesus nascer (Rm 5.6).
Firmemos sempre a nossa alma no fato confortador de que o tempo
está nas mãos de Deus (SI 31.15). Ele sabe qual a melhor ocasião para
enviar socorro à sua igreja e nova orientação ao mundo. Tomemos cuidado,
a fim de não darmos lugar à ansiedade por causa do que acontece à nossa
volta, como se nós soubéssemos melhor do que o Rei do reis qual é a
melhor época para enviar alívio. “Filipe, deixa de tentar governar o mun­
do” , era o que Lutero dizia freqüentemente a um amigo tomado pela an­
siedade; este era um conselho sábio.
Observemos, a seguir, o local onde nasceu Jesus. Não foi em Nazaré,
na Galiléia, onde morava sua mãe. O profeta Miquéias predissera que o
evento seria em Belém (Mq 5.2). E assim foi. Jesus nasceu em Belém. A
suprema providência divina manifesta-se neste fato tão singelo. Ele governa
todas as coisas, no céu e na terra. Ele inclina o coração dos reis para onde
quer. Ele determinou a époCa em que César Augusto proclamaria o censo.
E dirigiu todas as coisas de tal forma que Maria foi obrigada a estar em
Belém, quando “aconteceu completarem-se-lhe os dias” . O imperador
arrogante e o seu subalterno Quirino nem faziam idéia de que estavam
sendo meros instrumentos nas mãos do Deus de Israel, e estavam tão
somente fazendo que se cumprissem os eternos propósitos do Rei dos
reis! Nem podiam imaginar que estavam ajudando a lançar as bases de um
reino diante do qual todos os impérios deste mundo haveriam de cair e
que a idolatria romana seria anulada. As palavras de Isaías, referentes a
uma situação similar, devem ser lembradas: “Ela, porém, assim não pensa,
o seu coração não entende assim” (Is 10.7).
Lucas 2.1-7 31

O coração do crente deve sentir-se confortado ao lembrar-se do


governo providencial que o Senhor Jesus exerce no mundo. Um verdadeiro
crente jamais deve sentir-se inquieto ou assustado por causa da conduta
dos juizes deste mundo. Deve, sim, com os olhos da fé contemplar uma
Mão que supervisiona tudo o que eles fazem, fazendo tudo convergir para
o louvor e glória de Deus. Deve considerar todo rei e potestado — César
Augusto, Quirino, Dário, Ciro, Senaqueribe — como uma criatura que, a
despeito de todo o seu poder, nada pode fazer, a não ser o que Deus
permite e que há de cooperar com o cumprimento da sua vontade. E,
quando os poderosos deste mundo puserem-se contra o Senhor, o crente
deve confortar-se com estas palavras de Salomão: “O que está alto tem
acima de si outro mais alto” (Ec 5.8).
Por fim, observemos a circunstância em que Jesus nasceu. Não
nasceu sob o teto da casa de sua mãe, e sim num lugar estranho e numa
m anjedoura. Quando Ele nasceu, não foi colocado em um berço
cuidadosamente preparado. Maria O deitou numa manjedoura, porque
“não havia lugar para eles na hospedaria” . Aqui vemos a graça e a
condescendência de Jesus. Se tivesse vindo salvar este mundo em majestade
real, rodeado pelos anjos do seu Pai, isso já teria sido um ato de incrível
misericórdia. Se tivesse decidido m orar num palácio, com poder e
autoridade, já teríamos razão suficiente para ficarmos maravilhados. Mas,
fazer-se pobre como os mais pobres seres humanos e simples como os
mais simples, isso é amor que transcende a nossa compreensão. É amor
indefinível e insondável. Que nunca nos esqueçamos de que, por meio da
sua humilhação, Jesus adquiriu para nós um título de glória. Por meio da
sua vida de sofrimento, bem como da sua morte, Ele conquistou para nós
uma redenção eterna. Durante toda a sua vida, foi pobre por amor a nós,
desde o momento do seu nascimento até à morte. E por sua pobreza
somos feitos ricos (2 Co 8.9).
Estejamos alerta, não desprezando os pobres por causa da sua
pobreza. Sua condição foi santificada pelo Filho de Deus, que a honrou,
ao assumi-la voluntariamente. Deus não faz acepção de pessoas. Ele olha
para o coração e não para o bolso. Que nunca nos envergonhemos da
nossa pobreza, se Deus a considera a coisa certa para nós. Ser ímpio e
ganancioso é mau; mas não há mal nenhum em ser pobre. Uma casa
simples, comida simples e cama dura não são agradáveis à carne e ao
sangue. Mas são a porção que o Senhor Jesus voluntariamente aceitou
desde o dia da sua entrada neste mundo. A riqueza leva muito mais almas
ao inferno do que a pobreza. Quando o amor ao dinheiro começar a
manifestar-se em nós, pensemos na manjedoura de Belém e nAquele que
nela foi posto. Tal pensamento poderá livrar-nos de muitos males!
32 Lucas 2.8-20

Os Anjos Anunciam
o Nascimento de Jesus aos Pastores
Leia Lucas 2.8-20

Nestes versículos, temos a narrativa de como o nascimento do Senhor


Jesus foi anunciado pela primeira vez aos homens. O nascimento do filho
de um rei é, geralmente, ocasião de alegria e festividades públicas. O
anúncio do nascimento do Príncipe da Paz foi feito a um grupo isolado,
em meio à noite, e sem qualquer tipo de pompa ou ostentação mundanas.
Observemos quem eram os que primeiro receberam a notícia de que
Jesus nascera. Eram “pastores que viviam nos campos” , ao redor de
Belém, e “guardavam o seu rebanho durante as vigílias da noite” . Foi a
pastores, não a sacerdotes e governadores, não a escribas e fariseus, que
apareceu um anjo proclamando: “Hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o
Salvador, que é Cristo, o Senhor” . As palavras de Tiago devem subir ao
nosso coração, ao lermos: “Não escolheu Deus os que para o mundo são
pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos
que o amam?” (Tg 2.5)
A falta de dinheiro a ninguém priva dos privilégios espirituais. As
coisas do reino de Deus geralmente ficam ocultas dos grandes e nobres,
sendo reveladas aos pobres. O trabalho árduo das mãos necessariamente
não impedirá que alguém seja agraciado com uma comunhão muito especial
com o Senhor. Moisés estava cuidando de ovelhas, Gideão, malhando
trigo, e Elizeu, arando, quando foram grandemente honrados com chamado
direto e com revelações da parte de Deus. Não aceitemos a sugestão satânica
de que o cristianismo não é para os trabalhadores. Os fracos segundo o
mundo geralm ente precedem os fortes quanto ao chamado divino.
Geralmente os últimos são os primeiros; e os primeiros, os últimos..
Em segundo lugar, notemos a linguagem utilizada pelo anjo para
anunciar o nascimento de Jesus aos pastores. Disse: “Eis aqui vos trago
boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo” . Não devemos
nos surpreender com estas palavras. A escuridão espiritual que cobrira
este mundo por quatro mil anos estava para desvanecer-se. O caminho
para a paz com Deus e para o perdão estava para ser aberto a toda a
humanidade. A cabeça de satanás estava para ser esmagada. A liberdade
seria proclamada aos cativos e a vista, restituída aos cegos. Uma tremenda
verdade seria proclamada: Deus pode ser justo e, ao mesmo tempo, por
causa de Jesus, justificar o ímpio. Não mais seria a salvação vista por
meio de tipos e figuras, mas, abertamente, face a face. O conhecimento
de Deus não mais ficaria limitado aos judeus, seria oferecido também a
Lucas 2.8-20 33

todo o mundo gentio. Estavam contados os dias do paganismo. A pedra


angular do reino de Deus seria lançada. Se estas não eram “boas-novas” ,
jamais houve novas que merecessem esse nome!
Notemos, também, quem foram os que primeiro adoraram a Deus
quando Jesus nasceu. Foram os anjos e, não, os homens; anjos que nunca
pecaram e jamais precisaram de um Salvador, anjos que não caíram e,
portanto, não precisavam de um redentor ou do sangue da expiação. O
primeiro hino cantado em honra ao Deus que Se manifestou em carne foi
cantado por “uma multidão da milícia celestial” .
Atentemos para este fato. Está repleto de lições espirituais profundas.
Mostra-nos que preciosos servos são os anjos, Tudo o que o seu Mestre
celestial faz lhes agrada e interessa. Mostra-nos como têm um conhecimento
claro das coisas. Conhecem muito bem a extensão da miséria que o pecado
trouxe à criação. Conhecem a bem-aventurança do céu e o privilégio de
haver uma porta aberta para ele agora. Mas, acima de tudo, este fato nos
mostra o grande amor e compaixão que os anjos têm para com os perdidos.
Regozijam-se diante da perspectiva de que muitas almas serão salvas e
muitos tições arrancados do fogo.
Esforcemo-nos por ter um coração mais semelhante ao dos anjos. A
nossa ignorância e morte espiritual é realçada mais dolorosamente no fato
de sermos incapazes de partilhar das alegrias que os vemos expressando
aqui. Se realmente esperamos morar com eles para sempre no céu, é
preciso que compartilhemos um pouco dos seus sentimentos enquanto
ainda vivemos neste mundo. Procuremos ter uma sensibilidade maior da
imundícia e da miséria do pecado, porque assim teremos um sentimento
mais profundo de gratidão pela redenção.
Notemos, a seguir, o hino de louvor que a milícia celestial cantou
diante dos pastores. Diziam: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na
terra entre os homens, a quem ele quer bem ” . Estas palavras famosas têm
recebido interpretações variadas. O homem é, por natureza, tão cego para
com as coisas espirituais, que parece não ser capaz de entender uma só
sentença que lhe é dita em linguagem espiritual. Há, todavia, uma inter­
pretação que pode ser dada a estas palavras que não sofre qualquer objeção
e, além de ser coerente, também é teologia excelente.
O hino começa dizendo: “Glória a Deus nas maiores alturas” . Deve-
se tributar o mais alto grau de louvor a Deus por causa da vinda do seu
Filho Jesus a este mundo. Sua vida e sua morte na cruz glorificariam os
atributos de Deus (justiça, santidade, misericórdia e sabedoria) como nunca
antes. A criação glorificou a Deus, mas não tanto quanto a redenção.
“Paz na terra” , diz mais o hino. É chegada à terra a paz de Deus,
que ultrapassa todo o entendimento; a perfeita paz estabelecida entre o
Deus santo e o homem pecador, a paz que Jesus comprou com o seu
34 Lucas 2.8-20

próprio sangue — oferecida gratuitamente a toda humanidade; a paz que,


sendo recebida no coração, leva os homens a viverem em paz uns com os
outros e que um dia encherá o mundo inteiro.
O hino termina falando em “paz entre os homens, a quem ele quer
bem ” . Este é o tempo em que a bondade e o amor de Deus para com
homens culpados devem tornar-se totalmente conhecidos. O seu poder foi
visto na criação. E a sua justiça, no Dilúvio. Mas a sua misericórdia ficou
para ser completamente revelada no nascimento e na expiação de Jesus
Cristo.
Este era o sentido do hino cantado pelos anjos. Felizes aqueles que
podem penetrar o seu significado e concordar de coração com o seu
conteúdo. O homem que espera morar no céu precisa ter alguma intimidade
com a linguagem dos habitantes de lá.
Ao terminarmos esta passagem, notemos a obediência imediata
demonstrada pelos pastores diante da revelação celeste que receberam.
Não duvidam, nem questionam, nem hesitam. Mesmo que as notícias
recebidas pareçam estranhas e improváveis, agem imediatamente, funda­
mentados no que lhes foi revelado. Vão a Belém, a toda pressa. E encontram
tudo exatamente como lhes fora anunciado. Sua fé simples recebeu uma
rica recompensa. Tiveram o privilégio ímpar de serem os primeiros, dentre
toda a humanidade, exceto José e Maria, a verem com os olhos da fé o
Messias recém-nascido. Voltaram “glorificando e louvando a Deus por
tudo o que tinham ouvido e visto” .
Seja o nosso espírito como o deles! Creiamos sempre e comple­
tamente, agindo em obediência imediata, sem esperar mais nada, quando
nos for mostrado claramente o caminho do dever! Agindo assim, re­
ceberemos galardão semelhante ao dos pastores. A jornada que é iniciada
pela fé, geralmente termina em louvor.

Jesus é Circuncidado
e Apresentado no Templo
Leia Lucas 2.21-24

O primeiro aspecto a chamar a nossa atenção nesta passagem é o da


obediência que Jesus prestou, como criança, à lei mosaica. Lemos que
foi circuncidado ao oitavo dia. Este é o primeiro registro que se faz da sua
história.
Especular, como fazem tantos, as razões pelas quais o Senhor
submeteu-se à circuncisão constitui-se em mera perda de tempo. Sabemos
Lucas 2.21-24 35

que “nele não existe pecado” , quer original, quer atual (1 Jo 3.5). O fato
de ter sido circuncidado não indica, de forma alguma, que houve o reco­
nhecimento de que em seu coração havia qualquer tipo de tendência à cor­
rupção. Não se tratava de uma confissão de pecado e de carência da
graça, para que as obras da carne fossem mortificadas. É preciso que
tenhamos estas verdades bem claramente destacadas em nossa mente.
Que nos baste a lembrança de que a circuncisão do Senhor era o seu
testemunho público para Israel de que, segundo a carne, Ele era judeu,
nascido de uma mulher judia, e “nascido sob a lei” (G1 4.4). Sem isso,
Ele não poderia ter satisfeito as exigências da lei. Não poderia ser
reconhecido como filho de Davi e descendente de Abraão. Além do mais,
lembremo-nos de que a circuncisão era quesito absolutamente necessário
para que Ele pudesse ser ouvido como Mestre em Israel. Incircunciso,
não poderia tomar parte de nenhuma assembléia regular dos judeus e não
teria direito a qualquer das ordenanças judaicas. Seria visto por todos os
judeus como alguém em nada melhor do que um gentio incircunciso e
como alguém que havia apostatado da fé dos patriarcas.
Que a submissão de Jesus a uma ordenança da qual Ele não precisava
para Si mesmo se torne uma lição para nós em nossa vida diária. Que
possamos suportar tudo, ao invés de fazermos aumentar as agressões que
tem sofrido o evangelho ou de atrapalharmos, de alguma forma, a causa
de Deus. É preciso que ponderemos freqüentemente as palavras de Paulo:
“Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar
o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim
de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu
mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei... Fiz-me
tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1
Co 9.19-22). O homem que escreveu estas palavras andou bem junto às
pegadas do seu Mestre crucificado.
O segundo aspecto a chamar a nossa atenção nesta passagem é o
nome que o Senhor recebeu por mandado explícito de Deus. “Deram-Lhe
o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido” . O
nome Jesus significa “Salvador” . É o mesmo nome “Josué” do Antigo
Testamento. A escolha do seu nome é muito instrutiva e notável. O Filho
de Deus desceu do céu não somente para ser o Salvador, mas também o
Rei, o Legislador, o Profeta, o Sacerdote, o Juiz de uma raça decaída. Se
Ele reivindicasse um só desses títulos, teria, simplesmente, reivindicado
aquilo que é seu por direito. Mas Ele não os levou em conta. Escolheu um
nome que fala da misericórdia, da graça, do socorro e da libertação trazidas
ao mundo perdido. Ele deseja ser conhecido principalm ente como
Libertador e Redentor.
Perguntemos a nós mesmos: quanto conheço do Filho de Deus?
36 Lucas 2.21-24

Será que Ele é o meu Jesus, isto é, o meu Salvador? Esta é a pergunta que
mexe diretamente com a questão da nossa salvação. Não nos contentemos
em conhecer Jesus como alguém que realizou grandes milagres ou como
alguém que pregou como jamais se pregou; nem nos contentemos em
conhecê-Lo como Aquele que é o próprio Deus que um dia julgará o
mundo. Tenhamos certeza de que o conhecemos por experiência — como
Aquele que nos libertou da culpa e do poder do pecado e nos redimiu da
escravidão de satanás. Esforcemo-nos para dizer: “Ele é o meu Amigo.
Eu estava morto, e Ele deu-me vida! Era prisioneiro, e Ele me libertou!” .
O nome de Jesus é realmente precioso para todos os verdadeiros crentes!
É “como ungüento derramado” (Ct 1.3). Restaura os perturbados, conforta
os abatidos, na doença, afofa-lhes o travesseiro, sustenta-os na hora da
morte. “Torre forte é o nome do S enhor , à qual o justo se acolhe e está
seguro” (Pv 18.10).
O último aspecto a chamar a nossa atenção nesta passagem é a
condição pobre e humilde de Maria, a mãe do Senhor. Trata-se de um
aspecto que, à primeira vista, poderá não parecer muito evidente nestes
versículos. Mas, se consultarmos o capítulo 12 de Levítico, tudo ficará
esclarecido. Ali, é ensinado que a oferta feita por Maria era a determinada
para os pobres: “Mas, se as suas posses não lhe permitirem trazer um
cordeiro, tomará, então, duas rolas ou dois pombinhos” (Lv 12.8). Sua
oferta, portanto, era uma declaração pública de que ela era pobre.
Fica bem claro que a pobreza foi a porção do Senhor sobre esta terra
desde os seus dias mais tenros. Como bebê, recebeu alimento e cuidados
de uma mulher pobre. Passou os primeiros trinta anos de sua vida na terra
sob o teto de um homem pobre e enfrentou todos os problemas que um
pobre enfrenta. Que humildade realmente maravilhosa! Ultrapassa a
compreensão humana. Que os pobres sejam sempre encorajados por tais
fatos. Isso os ajudaria a deixar de lado a murmuração e reclamações,
coope-rando grandemente para que aprendessem a aceitar a sua dura
porção. O simples fato de que Jesus nasceu de uma mulher pobre e viveu
entre os pobres toda a sua vida nesta terra faz silenciar o argumento que
diz que “o cristianismo não é para os pobres” ; deve, principalmente,
encorajar cada crente pobre em sua ida ao trono da graça por meio da
oração. Que ele lembre em todas as suas orações que o seu grande
Mediador celeste sabe o que é a pobreza e conhece por experiência o
coração de um pobre. Como seria bom para este mundo, se os trabalhadores
realmente percebessem que Jesus é o verdadeiro Amigo dos pobres.
Lucas 2.25-35 37

Simeão: sua História, Louvor e Profecia


Leia Lucas 2.25-35

Temos nesta passagem a história de alguém cujo nome não é men­


cionado em nenhum outro lugar do Novo Testamento — “um homem
chamado Simeão; homem este justo e piedoso” . Nada sabemos de sua
vida anterior ou posterior ao nascimento de Jesus. Sabemos apenas que
ele foi ao templo movido pelo Espírito Santo, quando o menino Jesus ali
foi levado pelos pais, e que ele “o tomou nos braços e louvou a Deus”
com palavras que são agora conhecidas em todo o mundo.
Aprendemos com a vida de Simeão que Deus tem os seus fiéis até
mesmo nos piores lugares e nas horas mais escuras. Quando Jesus nasceu,
a religião em Israel estava em grande decadência. A fé exercida por Abraão
havia sido corrompida pelas doutrinas dos fariseus e dos saduceus. O
ouro refinado tornara-se deploravelmente opaco. Todavia, mesmo nessas
circunstâncias, encontramos em Jerusalém um homem “justo e piedoso” ,
um homem sobre quem estava o Espírito Santo.
Sentimo-nos encorajados ao pensar que Deus nunca se deixa ficar
completamente sem testemunho. Por menor que a sua igreja venha a ser,
em determinadas épocas, as portas do inferno nunca conseguem prevalecer
contra ela. A verdadeira igreja pode ser levada a atravessar um deserto,
tornando-se um pequeno rebanho disperso, mas nunca morre. Havia um
Ló em Sodoma e um Obadias na casa de Acabe, um Daniel na Babilônia
e um Jeremias na corte de Zedequias; e, nos últimos dias dos judeus fiéis,
quando o cálice da sua iniqüidade estava quase completo, existiam pessoas
piedosas até mesmo em Jerusalém, como é o caso de Simeão.
Os verdadeiros crentes de todas as épocas devem lembrar isto e
sentirem-se confortados. Trata-se de uma verdade da qual podem esquecer-
se, e isto os levará ao desânimo. “Eu fiquei só”, disse Elias, “e procuram
tirar-me a vida” . Mas qual foi a resposta de Deus para ele? “Também
conservei em Israel sete m il” (1 Rs 19.14,18). Aprendamos a ser mais
otimistas. Creiamos que a graça pode viver e florescer até mesmo sob as
circunstâncias mais desfavoráveis. Neste mundo, há mais Simeões do que
supomos.
Vemos, no hino entoado por Simeão, como um crente poáe ser
totalmente liberto do medo da morte. “Agora, Senhor”, diz o velho Simeão,
“pode despedir em paz o teu servo” . Ele fala como alguém para quem o
túmulo perdeu os seus terrores e o mundo perdeu os seus encantos. Seu
desejo é ficar liberto das misérias concernentes ao presente estado de
peregrinação e ir para casa. Quer estar ausente do corpo e presente com o
38 Lucas 2.25-35

Senhor. Fala como alguém que sabe para onde irá, quando deixar esta
vida, e não tem medo de ir logo. A sua mudança será para melhor, e ele
a deseja logo.
O que faz com que um mortal chegue a usar uma tal linguagem? O
que pode nos libertar do pavor da morte do qual tantos são escravos? O
que pode remover o aguilhão da morte? Só há uma resposta a estas
perguntas. Nada, além de uma fé firme. A fé que se firma num Salvador
invisível, que descansa nas promessas de um Deus invisível. A fé, e tão
somente a fé, pode levar um homem a encarar a morte e dizer: “Estou
partindo em paz” . Não é o suficiente alguém estar cansado de dores ou de
doenças, pronto a aceitar qualquer coisa para sair desta situação penosa.
Não é o suficiente sentir indiferença pelo mundo devido ao fato de que
não tem mais forças para participar de suas atividades e desfrutar dos seus
prazeres. Precisamos ter mais do que isto, se desejamos partir em
verdadeira paz. Precisamos de fé igual à do velho Simeão — aquela fé que
é um dom de Deus. Sem essa fé, podemos morrer silenciosamente e poderá
parecer que em nós “não há preocupações” (S173.4). Porém, se morrermos
sem a verdadeira fé, nunca teremos paz ao nos encontrarmos no mundo
por vir.
Observamos, também, no cântico de Simeão que visão clara da
obra e dos ofícios de Jesus alguns crentes judeus tinham, antes mesmo de
o evangelho ser pregado. Vemos este querido velhinho falando de Jesus
como a salvação preparada por Deus — “luz para revelação aos gentios,
e para glória do teu povo de Israel” . Como teria sido bom para os instruí­
dos escribas e fariseus dos dias de Simeão, se eles tivessem sentado aos
seus pés para ouvi-lo.
Jesus foi realmente uma luz para alumiar os gentios. Sem Ele, per­
maneceriam afundados nas trevas e superstições. Não conheciam o caminho
da vida. Adoravam a obra de suas próprias mãos. Seus filósofos mais
sábios eram totalmente ignorantes no que se refere às coisas espirituais.
“Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22). O evangelho
de Jesus foi como o nascer do sol para a Grécia, Roma e todo o mundo
pagão. A luz que brilhou no coração dos homens com relação às coisas
espirituais trouxe tão grande mudança quanto o dia traz à noite.
Jesus foi, também, a glória de Israel. A descendência de Abraão, as
alianças, as promessas, a lei de Moisés, o culto divinamente ordenado no
templo — tudo era um grande privilégio. Mas, nada significam, quando
comparados ao fato maravilhoso de que foi em Israel que nasceu o Salvador
do mundo. A maior honra para a nação judaica seria a de que a mãe de
Jesus era judia e de que o sangue dAquele que, “segundo a carne, veio da
descendência de Davi” faria expiação pelo pecado de toda a humanidade
(Rm 1.3).
Lucas 2.25-35 39

As palavras do velho Simeão, lembremo-nos, ainda haverão de


cumprir-se de modo mais completo. A luz que ele viu pela fé, ao segurar
o menino Jesus em seus braços, ainda brilhará tanto que todas as nações
do mundo gentio hão de vê-la. A glória daquele Jesus que Israel crucificou
será tão claramente revelada aos judeus dispersos, que eles olharão para
Aquele a quem transpassaram e se arrependerão, convertendo-se. Chegará
o dia em que o véu será removido de sobre o coração de Israel e todos se
gloriarão no Senhor (Is 45.25). Aguardemos esse dia vigiando e orando.
Se Jesus for a luz e a glória da nossa alma, ansiaremos por esse dia.
Por fim, observemos nesta passagem um relato notável dos resultados
que seguiriam a entrada de Jesus e do evangelho neste mundo. É preciso
que meditemos em cada palavra que Simeão diz a este respeito. Em seu
todo, há uma profecia que está se cumprindo diariamente.
Jesus deveria ser alvo de contradição. Ele seria o alvo a ser atingido
por todos os dardos inflamados do maligno. Seria desprezado e rejeitado
pelos homens. Ele e o seu povo seriam como uma cidade edificada sobre
um monte, atacada por todos os lados e odiada por todo tipo de inimigo.
E assim foi. Pessoas que não concordam entre si em nada têm concordado
em odiar Jesus. Desde o início, milhares têm sido perseguidores e
descrentes.
Jesus deveria servir para a ruína de muitos em Israel. Ele viria a ser
uma pedra de tropeço e rocha de ofensa para muitos judeus orgulhosos e
cheios de justiça própria, que O rejeitariam e pereceriam em seus pecados.
E assim foi. Para milhares dentre eles, o Cristo crucificado foi uma pedra
de tropeço, e o seu evangelho teve “aroma de morte” (1 Co 1.23; 2 Co
2.16).
Jesus deveria servir também para o levantamento de muitos em Israel.
Tomar-se-ia o Salvador de muitos que, tendo-0 rejeitado, blasfemado e
ultrajado, chegariam depois ao arrependimento e à fé. E assim foi. Quando
os milhares que O crucificaram se arrependeram, e Saulo, que O perseguiu,
foi convertido, houve nada mais e nada menos do que uma ressurreição
desses que estavam espiritualmente mortos.
Jesus também serviria para que se manifestassem os pensamentos de
muitos corações. O seu evangelho deveria trazer à luz o verdadeiro caráter
de muitos. A pregação da cruz revelaria a inimizade que alguns tinham
contra Deus e o cansaço e a sede da alma de outros. Mostraria o que os
homens realmente são. E assim foi. Os Atos dos Apóstolos em quase
todos os seus capítulos testemunham que, quanto a isto e a todos os outros
aspectos de sua profecia, o velho Simeão estava certo.
E nós, que conceito temos de Jesus? Esta é a pergunta que deve
ocupar o nosso coração. Que tipo de pensamentos Ele desperta em nós?
Este é o ponto que deve chamar a nossa atenção. Estamos com Ele ou
40 Lucas 2.25-35

contra Ele? Nós O amamos ou O desprezamos? Sua doutrina nos faz tro­
peçar ou representa a vida para nós? Que jamais nos permitamos descansar
até que estas questões sejam respondidas satisfatoriamente.

A Profetisa Ana e sua História


Leia Lucas 2.36-40

Os versículos que acabamos de ler apresentam-nos uma serva de


Deus cujo nome não é mencionado em nenhum outro lugar do Novo
Testamento. A história de Ana, como a de Simeão, foi narrada somente
por Lucas. A sabedoria de Deus providenciou que uma mulher, assim
como ocorreu com um homem, testificasse o fato de que o Messias nascera.
Através de duas testemunhas ficou demonstrado que a profecia de
Malaquias se cumprira e que o Anjo da aliança havia surgido repen­
tinamente no templo (Ml 3.1).
Notemos nestes versículos o caráter de uma mulher santa, antes do
estabelecimento do evangelho de Jesus. Os fatos narrados a respeito de
Ana são poucos e simples, mas estão cheios de instrução. Ana foi uma
mulher de caráter irrepreensível. Depois de uma vida de apenas sete anos
casada, passara os seus dias como viúva solitária de oitenta e quatro anos.
As provações, desolações e tentações sofridas numa condição dessas devem
ter sido enormes. Mas, pela graça, Ana venceu todas. Ela correspondeu
à descrição feita por Paulo: ela foi “verdadeiramente viúva” (1 Tm 5.5).
Ana foi uma mulher que amou a casa de Deus. “Não deixava o
templo” . Ela o considerava o lugar onde o Senhor habitava de forma
especial e em direção ao qual todo o judeu piedoso, disperso em terras
estrangeiras, à semelhança de Daniel, se deleitava em dirigir suas orações.
“Mais perto de Deus, mais perto de Deus” era o anseio do seu coração, e
ela sentia que não poderia estar mais perto dEle do que enquanto permanecia
entre as paredes que guardavam a arca, o altar e o Santo dos Santos. Ela
vivia as palavras de Davi: “A minha alma suspira e desfalece pelos átrios
do S enhor ” (SI 84.2).
Ana foi uma mulher que negou a si mesma em ampla medida. Servia
a Deus “noite e dia em jejuns e orações” . Crucificava constantemente a
carne e a mantinha subjugada por meio da abstenção voluntária. Estando
plenamente convicta em seu íntimo de que essa prática fazia bem à sua
alma, não media esforços para exercê-la.
Ana foi uma mulher de muita oração. Servia a Deus “noite e dia
com jejuns e orações” . Mantinha-se em comunicação constante com Ele,
Lucas 2.36-40 41

o seu melhor Amigo, a respeito das coisas que diziam respeito à paz da
sua alma. Nunca se cansava de implorar-lhe pelos outros e, acima de tu­
do, pelo cumprimento das suas promessas messiânicas.
Ana foi uma mulher que manteve boa comunhão com os demais
crentes. Assim que viu Jesus, “falava a respeito do m enino” aos seus co­
nhecidos de Jerusalém, com quem certamente mantinha um relacionamento
amigável. Havia um traço de união entre ela e todos os que mantinham a
mesma esperança. Eram servos do mesmo Mestre e peregrinos que
rumavam para o mesmo lugar!
Ana recebeu uma rica recompensa por toda a sua diligência no
trabalho de Deus, antes mesmo de deixar este mundo. Foi-lhe permitido
ver Aquele que há tanto tempo havia sido prometido e por cuja vinda ela
tanto havia orado. Finalmente, sua fé transformou-se num fato visível e
sua esperança, numa certeza. A alegria desfrutada por essa mulher santa
deve ter sido realmente “indizível e cheia de glória” (1 Pe 1.8).
Seria bom que todas as mulheres crentes considerassem o caráter de
Ana e dele aprendessem. Os tempos, sem dúvida, mudaram profundamente;
os compromissos sociais dos crentes são muito diferentes daqueles dos
judeus piedosos de Jerusalém. Nem todas as irmãs são colocadas por
Deus na condição de viúvas. Mesmo assim, depois de considerarmos todas
as diferenças, permanece muita coisa na história da vida de Ana que vale
a pena imitar. Quando lemos sobre a sua firmeza, santidade, vida de
oração e autonegação, não podemos deixar de desejar que muitas das
filhas da igreja cristã se esforcem por parecer com ela.
Em segundo, observemos nesta passagem a descrição que se fa z dos
santos que viviam em Jerusalém na época do nascimento de Jesus. Eram
pessoas “que esperavam a redenção” . A fé, como veremos sempre, é
marca universal do caráter dos eleitos de Deus. Os homens e mulheres
aqui descritos, habitando numa cidade em que imperava o mal, andavam
por fé e não por vista. Não se deixaram levar pela maré de mundanismo,
formalidade e justiça própria que os cercava. Não estavam infectados
pelas esperanças carnais nutridas pela maioria dos judeus, de um Messias
mera-mente político. Viviam a fé professada pelos patriarcas e profetas,
os quais criam que o Redentor traria santidade e retidão, e cuja vitória
maior seria sobre o pecado e o diabo. Era por um Redentor assim que
esperavam paci-entemente. Por essa vitória ansiavam com todas as forças.
Aprendamos dessa gente boa, pois, se eles, com tão pequena ajuda
e tantos desencorajamentos, viveram tal vida de fé, quanto mais nós
devemos vivê-la, tendo a Bíblia e o evangelho completo. Esforcemo-nos,
como eles, por andar pela fé, olhando para frente. A segunda vinda de
Jesus ainda ocorrerá. A “redenção” completa desta terra do pecado, de
Satanás e da maldição ainda acontecerá. Deixemos bem claro por meio de
42 Lucas 2.36-40

nossa vida e conduta que estamos aguardando ansiosos essa segunda vinda.
Estejamos certos de que o cristianismo mais exemplar, também nestes
nossos dias, consiste em esperar a redenção e amar a vinda do Senhor
(Rm 8.23; 2 Tm 4.8).
Observemos, por fim, nesta passagem, que prova clara temos de
que o Senhor Jesus fo i verdadeiramente tanto homem quanto Deus. Lemos
que, José e Maria voltaram à sua cidade de Nazaré e “crescia o menino e
se fortalecia” . Sem dúvida, há muita coisa profundamente misteriosa na
pessoa do Senhor Jesus. Como a mesma pessoa podia ser, ao mesmo
tempo, perfeitamente Deus e perfeitamente homem é uma questão que
necessariamente ultrapassa a nossa compreensão. Como, até onde e em
que proporção Ele exerceu aquela sabedoria divina que necessariamente
possuía, em seus primeiros anos de vida terrena, não temos como explicar.
Trata-se de algo profundo demais. Não podemos alcançá-lo.
Há algo perfeitamente claro, ao qual faremos bem em nos apegar com
firmeza. O Senhor participou de tudo o que pertence à natureza humana,
exceto o pecado. Como homem, foi criança. E cresceu, deixando de ser
bebê para tomar-se um menino. Cresceu, ano a ano, em força física e em
sabedoria, até atingir a idade adulta. Ele participou no sentido mais completo
possível, exceto o pecado, de todos os estágios por que passa o corpo humano:
sua fragilidade ao nascer, os primeiros passos, o crescimento normal até
chegar à maturidade. Saber isto deve satisfazer-nos. E inútil querer ir além;
é muito importante sabê-lo claramente. O desejo de especular o que não foi
revelado tem levado pessoas a heresias loucas.
Uma preciosa lição prática é ressaltada por esta verdade, e não deve
ser desprezada. O Senhor pode compreender perfeitamente os homens em
cada estágio de sua existência: do berço à sepultura. Tem experiência do
que é o temperamento de uma criança, de um menino e de um jovem; já
foi um deles, ocupou a posição deles, conhece o seu coração. Nunca nos
esqueçamos desta verdade ao tratarmos com os jovens a respeito de sua
alma. Confiantemente, falemos a eles que no céu há Alguém, à direita de
Deus, que é a Pessoa mais indicada para ser o Amigo deles. Aquele que
morreu na cruz um dia foi um menino e tem interesse especial pelos
meninos e meninas, bem como pelos adultos.

Jesus Encontrado entre os Doutores


Leia Lucas 2.41-52

Estes versículos devem sempre ser de grande interesse para o leitor


Lucas 2.41-52 43

da Bíblia. Registram o único fato que conhecemos da vida do Senhor


Jesus do período compreendido entre o seu nascimento e o início do seu
m inistério. Quantas coisas os crentes gostariam de saber sobre os
acontecimentos desses trinta anos, sobre a história cotidiana daquele lar
de Nazaré. Porém não devemos duvidar do fato de que há sabedoria no
silêncio imposto pelas Escrituras quanto a este assunto. Se nos fosse
necessário saber mais, mais teria sido revelado!
Inicialmente aprendamos desta passagem uma lição para todos os
casais. Nós a encontramos na conduta de José e Maria aqui descrita. É
dito que, “anualmente, iam seus pais a Jerusalém, para a Festa da Páscoa” .
Honravam as ordenanças de Deus com regularidade e faziam isto juntos.
A distância entre Nazaré e Jerusalém era considerável. A viagem era,
sem dúvida, difícil e cansativa para pessoas pobres desprovidas de meios
de transporte. Ausentar-se do lar por dez ou quinze dias representava uma
despesa considerável. Mas o Senhor dera a Israel uma ordem; José e
M aria decidiram obedecê-la à risca. Deus estabeleceu essa ordenança
visando o bem-estar espiritual deles; portanto, decidiram obedecer. E
tudo o que faziam no que diz respeito a observar a Páscoa, faziam-no
juntos. Ao subirem para a festa, iam lado a lado.
Esta deve ser a mesma atitude de todos os casais crentes. É seu
dever ajudarem-se mutuamente nas coisas espirituais e encorajarem um
ao outro no serviço de Deus. Sem dúvida, o casamento não é um sacramento
como em vão sustenta a Igreja Católica. Todavia, o casamento é a área da
vida que mais influência tem sobre a alma daqueles que o abraçam. Tanto
pode incentivá-los a crescer como a regredir. Pode levá-los bem perto do
céu ou do inferno. Somos grandemente influenciados pelas pessoas com
quem convivemos. Sem que o percebamos, o nosso caráter é moldado por
aqueles com quem passamos o nosso tempo. Isto é particularmente ver­
dadeiro com relação ao casamento. Os cônjuges estão constantemente
edificando ou prejudicando a alma um do outro.
Que todos os casados ou os que desejam casar-se considerem aten­
tamente estas coisas. Que decidam observar o exemplo de José e Maria,
imitando-os. Orem juntos, leiam a Bíblia juntos, freqüentem a casa de
Deus juntos e conversem um com o outro sobre as coisas espirituais.
Acima de tudo, guardem-se de colocar obstáculos no caminho um do
outro no sentido de desfrutarem dos meios de graça e de encorajarem-se
mutuamente. Felizes os maridos que dizem às suas esposas o que Elcana
disse a Ana: “Faze o que melhor te agrade” (1 Sm 1.23). Felizes as
esposas que dizem aos seus maridos o que Lia e Raquel disseram a Jacó:
“Faze tudo o que Deus te disse” (Gn 31.16).
A seguir, aprendamos desta passagem um exemplo para todos os
jovens. Nós o temos na conduta do Senhor Jesus Cristo, quando foi deixado
44 Lucas 2.41-52

em Jerusalém aos doze anos. Durante quatro dias, esteve longe dos olhos
de José e Maria. “Aflitos” , eles o procuraram por três dias, sem saber o
que Lhe acontecera. Quem pode imaginar a ansiedade de sua mãe, ao
perdê-Lo? Mas onde Ele finalmente foi encontrado? Não desperdiçando o
seu tempo, ou fazendo traquinagens, como fazem muitos meninos de doze
anos. Nem em companhia de gente fütil. Acharam-no “no templo, assentado
no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os” .
Assim devem ser os membros mais jovens das famílias crentes: sérios
e dignos de confiança, tanto na presença quanto na ausência de seus pais.
Devem procurar a companhia de pessoas sábias e prudentes, procurando
aproveitar todas as oportunidades que lhes surgirem para crescerem
espiritualmente, antes que as lutas da vida lhes sobrevenham e enquanto
sua mente é jovem e forte.
Que os jovens crentes considerem atentamente estas coisas, tomando
para si o exemplo de conduta que Jesus demonstrou com apenas doze
anos de idade. Lembrem-se de que, se já têm idade suficiente para pecar,
têm idade suficiente para andar corretamente. Se já sabem ler histórias e
conversar, podem ler a Palavra e orar. Lembrem-se de que são responsáveis
diante de Deus, ainda que sejam jovens, e de que está escrito: “Deus...
ouviu a voz do menino” (Gn 21.17). Felizes as famílias em que os filhos
“buscam cedo ao Senhor” e não fazem chorar os seus pais. Felizes os pais
que, na ausência dos filhos, podem dizer: “Acredito que os meus filhos
não irão intencionalmente cometer pecado” .
Por último, aprendamos desta passagem um exemplo para todos os
crentes verdadeiros. Nós o achamos nas palavras tocantes que Jesus dirigiu
a Maria, quando esta Lhe disse: “Filho, por que fizeste assim conosco?”
— “Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?” Em suas
palavras havia implícita uma leve reprimenda. Isso, para lembrar a sua
mãe que Ele não era uma pessoa comum e que viera ao mundo para
realizar uma tarefa incomum. Jesus fez Maria lembrar-se de que ela estava
se esquecendo de que Ele viera ao mundo de forma incomum e que ela
jamais poderia esperar que Ele ficaria residindo incógnito para sempre
em Nazaré. Tratava-se de um lembrete solene de que, como Deus, Ele
tinha um Pai no céu e que a obra do seu Pai exigia dEle toda a prioridade.
Esta expressão é daquelas que devem penetrar profundamente no
coração de todo o povo de Jesus. Deve imprimir em cada crente o objetivo
a alcançar em sua vida diária, assim como deve ser o padrão pelo qual
devem provar seus hábitos e conversas. Deve despertá-los, quando
começarem a relaxar. Deve alertá-los quando começarem a sentir o desejo
de voltar para o mundo. Estamos envolvidos com os negócios do Pai?
Estamos andando nos passos de Jesus? Estas perguntas haverão de
humilhar-nos constantemente, fazendo-nos sentir vergonha de nós mesmos.
Lucas 2.41-52 45

Todavia, são de uma utilidade tremenda para a nossa alma. Uma igreja
nunca está em situação tão saudável como quando os seus membros lutam
por alcançar o elevado objetivo de em tudo serem iguais a Jesus!

A Ocasião em que Começou o Ministério


de Jesus; A Pregação de João Batista
Leia Lucas 3.1-6

Estes versículos descrevem o início da pregação do evangelho. João


Batista foi o primeiro pregador. Os judeus jamais poderiam afirmar que,
quando viesse o Messias, Ele o faria disfarçadamente e sem uma preparação
a antecedê-Lo. Ele graciosamente enviou um poderoso precursor por cujo
ministério a atenção de toda a nação foi despertada.
Observemos, inicialmente, que esta passagem nos mostra a iniqüidade
dos dias em que o evangelho de Jesus fo i primeiramente apresentado ao
mundo. Os versículos iniciais deste capítulo apresentam o nome de alguns
dos dirigentes e governadores da terra, quando teve início o ministério de
João Batista. Trata-se de uma triste lista, que nos instrui grandemente.
Quase não se pode achar nela um nome que não seja marcado pela
iniqüidade. Pouco ou nada sabemos de Tibério e Pôncio Pilatos, de Herodes
e de seu irmão, de Anás e Caifás, a não ser que eram iníquos. Parece-nos
que a terra estava entregue às mãos dos perversos (Jó 9.24). Se assim
eram os dirigentes, como deveria ser o povo? Tal era o estado das coisas
quando o precursor de Jesus recebeu a ordem de iniciar sua pregação.
Tais foram os dias quando as primeiras bases da igreja de Cristo foram
lançadas. Bem podemos dizer que os caminhos do Senhor não são os
nossos caminhos.
Aprendamos a jamais cair em desespero sobre a causa da verdade de
Deus, ainda que as perspectivas pareçam profundam ente negras e
contrárias. Bem poderá ser que, quando tudo parece perdido, Deus esteja
preparando um poderoso livramento. No exato momento em que o reino
de Satanás parece estar triunfando, a “pedra cortada sem auxílio de mãos”
poderá estar no ponto de esmagá-lo completamente. Geralmente, o
momento mais escuro da noite é aquele que precede o raiar do dia.
Não negligenciemos o realizar qualquer obra para o Senhor por causa
da maldade dos nossos dias, ou por causa da quantidade e do poder dos
nossos adversários. “Quem somente observa o vento nunca semeará, e o
que olha para as nuvens nunca segará” (Ec 11.4). Permaneçamos firmes
na obra, crendo que o socorro virá do céu, quando for mais necessário.
46 Lucas 3.1-6

Exatamente quando um imperador romano e sacerdotes ignorantes pareciam


ter o controle de tudo, o Cordeiro de Deus estava pronto para sair de Na­
zaré e estabelecer os fundamentos do seu reino. E o que Ele já fez pode
fazer novamente. Ele pode transformar num instante as trevas da sua
igreja no resplendor do meio-dia.
Observemos, a seguir, nesta passagem o relato que Lucas apresenta
do chamado de João Batista para o ministério. E dito que “veio a palavra
de Deus a João, filho de Zacarias” . Ele recebeu um chamado especial de
Deus para começar a pregar e batizar. Foi enviada ao seu coração uma
mensagem do céu, e, sob o impulso dessa mensagem, ele entregou-se à
sua tarefa bendita.
Este relato esclarece a questão do ofício dos ministros do evangelho.
Trata-se de um ofício que ninguém tem o direito de assumir, a não ser que
tenha um chamado íntimo da parte de Deus, bem como um chamado ex­
terno da parte dos homens. E claro que não temos o direito de esperar
receber visões e revelações do céu. Alegações fanáticas de que se recebeu
dons especiais do Espírito devem sempre ser testadas e desaconselhadas.
Porém, é preciso que o crente tenha um chamado íntimo, antes que se
entregue ao ministério. É preciso que a palavra de Deus “venha” a ele, de
forma tão palpável e verdadeira quanto veio a João Batista, antes que tal
homem se encarregue de ministrar a Palavra. Resumindo: ele deve ser
capaz de confessar em boa consciência que está sendo “movido intimamente
pelo Espírito Santo” a tomar sobre si o ofício de ministro. Quem não
puder fazer esta afirmação, ao levantar-se para ser ordenado, estará co­
metendo um grande pecado e dispondo-se a ir aonde não foi enviado.
Deve fazer parte das nossas orações diárias um pedido de que as
nossas igrejas tenham como pastor somente aquele que verdadeiramente
for chamado por Deus, Um pastor não-convertido é um dano e um peso
para a igreja. Como poderá falar de verdades que ele mesmo nunca
experimentou? Como testificará de um Salvador a quem jamais viu pela
fé e a quem jamais recorreu em favor da sua própria alma? O pastor se­
gundo o coração de Deus é aquele a quem veio a palavra do Senhor.
Corre confiante o seu caminho, pois tem o que dizer. Fala com intrepidez,
pois, foi realmente enviado.
Finalmente, observemos aqui a íntima relação que há entre o arre­
pendimento verdadeiro e o perdão. É dito que João Batista veio “pregando
batismo de arrependimento para remissão de pecados” . Esta expressão
significa que João Batista pregava a necessidade do batismo como prova
do arrependimento; ele anunciava aos seus ouvintes que, a não ser que se
arrependessem dos seus pecados, estes não seriam perdoados.
Precisamos tomar o cuidado de compreender que o arrependimento
em si não faz expiação do pecado. Somente o sangue de Jesus, e nada
Lucas 3.1-6 47

mais, pode lavar o pecado da alma humana. Nenhuma quantidade de


arrependimento jamais poderá justificar-nos diante do Senhor. Somos
justificados diante de Deus somente por causa do Senhor Jesus Cristo,
pela fé, e não por nossas próprias obras ou méritos. É importantíssimo
que compreendamos isto claramente. Os problemas que as pessoas criam
para a sua própria alma, por não compreenderem bem este assunto, são
muito maiores do que se pode pensar.
Todavia, ao fazermos esta ressalva, precisamos lembrar a verdade
de que, sem arrependimento, jamais alguma alma foi salva. É preciso que
reconheçamos os nossos pecados, choremos por causa deles, abandonemo-
los, enojemo-nos deles. Caso contrário, jamais entraremos no reino do
céu. Não haverá mérito algum nesta atitude de arrependimento. Ela não
fará parte alguma do preço exigido para a nossa redenção. Nossa salvação
é totalmente pela graça: do início ao fim. Todavia, permanece o fato de
que as almas salvas são sempre aquelas que se arrependeram e de que a fé
em Jesus e o verdadeiro arrependimento para com Deus jamais se apartam.
Trata-se de uma grande verdade que nunca deve ser esquecida.
Já nos arrependemos? Afinal, esta é a questão que nos afeta mais de
perto. Já fomos convencidos do pecado pelo Espírito Santo? Já corremos
para Jesus, buscando livramento da ira vindoura? Já temos alguma
experiência do que seja um coração quebrantado e contrito? Odiamos
profundamente o pecado? Podemos dizer “eu me arrependo” com a mesma
ênfase que dizemos “eu creio”? Se não, não nos iludamos a nós mesmos,
pensando que os nossos pecados já foram perdoados. Está escrito: “Se,
porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis” (Lc 13.3).

O Modo pelo qual João Batista


se Dirigia aos que o Ouviam
Leia Lucas 3.7-14

Estes versículos dão uma amostra do que foi o ministério de João


Batista. Trata-se de uma passagem da Escritura que deve sempre despertar
o interesse do crente. O impacto tremendo que João Batista causou aos
judeus, ainda que passageiro, fica bem evidente por muitas expressões
encontradas nos evangelhos. O testemunho notável que Jesus deu a respeito
de João Batista, como “o maior profeta dentre os nascidos de mulher” , é
bem conhecido de todos os leitores da Bíblia. Sendo assim, qual foi a
grande característica do ministério dele? A esta pergunta o capítulo que
está diante de nós oferece uma resposta prática.
48 Lucas 3.7-14

Devemos notar, inicialmente, a santa intrepidez com que João Batista


se dirigiu às multidões que iam a ele para serem batizadas. Chamou-as de
“raça de víboras” . Viu a podridão e a hipocrisia da profissão de fé que as
multidões que o cercaram estavam fazendo e usou a linguagem adequada
para descrever o caso. Não se deixou levar pelo sucesso. Não se importava
com quem iria sentir-se ofendido com suas palavras. A enfermidade
espiritual dos que se apresentavam a ele era desesperadora e arraigada, e
ele sabia que doenças graves só podem ser curadas com remédios fortes.
Bom seria para a igreja de Cristo se houvesse, nestes últimos dias,
mais ministros que usassem a linguagem direta e franca de João Batista.
Infelizmente, o púlpito cristão dos nossos dias é notavelmente caracterizado
por uma aversão mórbida à linguagem forte, um excessivo medo de
ofender, uma recusa constante à conversa franca e direta. Um linguajar
descaridoso deve sempre ser indubitavelmente reprovado. Todavia, não
há o menor sinal de amor em agradar os incrédulos, abstendo-nos de
mencionar seus vícios ou dando nomes suaves aos seus malditos pecados.
Há dois textos que têm sido demais esquecidos pelos pregadores crentes.
Em um deles está escrito: “Ai de vós, quando todos vos louvarem” (Lc
6.26). No outro: “Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo”
(G1 1.10).
A seguir, notemos quão claramente João Batista fala do perigo do
inferno aos seus ouvintes. Ele lhes diz que há uma “ira vindoura” . Fala
do “machado” do julgamento de Deus e de árvores infrutíferas sendo
lançadas “ao fogo” .
O tema “inferno” é sempre ofensivo à natureza humana. O ministro
que fala muito sobre este tema deve esperar receber a fama de grosseiro,
violento, insensível e rigoroso. As pessoas apreciam ouvir temas leves
que lhes fale de paz e não do perigo (Is 30.10). Porém, se queremos
causar algum bem às almas, não podemos deixar este assunto em segundo
plano. Jesus, em seu ensino público, abordou este tema freqüentemente.
O Salvador amável, que de modo tão gracioso falou do caminho para o
céu, também fez uso da linguagem mais clara possível para falar sobre o
caminho que conduz para o inferno.
Tenhamos o cuidado de não querermos ir além daquilo que está
escrito e de não querermos ser mais caridosos do que as próprias Escrituras.
Que a linguagem de João Batista fique profundamente gravada em nossos
corações! Que jamais nos envergonhemos de admitir a nossa crença
inabalável de que há uma “ira vindoura” para o impenitente e de que é tão
possível a alguém perder-se quanto ser salvo. Não falar sobre isto é trair
as almas. É encorajá-las a permanecerem na iniqüidade e incentivá-las a
abraçar em suas mentes o antigo engano satânico: “E certo que não
m orrereis” . Sem dúvida, o nosso melhor amigo é aquele pastor que
Lucas 3.7-14 49

honestamente nos fala do perigo, alertando-nos, como João Batista, a


fugir da ira vindoura. A pessoa nunca foge até que realmente veja que há
motivo real de temor. Nunca procura o céu, enquanto não é convencida
de que há o risco de cair no inferno. O cristianismo que não fala no
inferno não é o cristianismo de João Batista, nem do Senhor Jesus Cristo
e dos seus apóstolos.
Notemos, também, como João Batista demonstra a inutilidade de
um arrependimento não acompanhado de frutos na vida da pessoa. Ele
disse às multidões que foram para ser batizadas: “Produzi, pois, frutos
dignos do arrependimento” . Disse-lhes que toda árvore “que não produz
bom fruto é cortada e lançada ao fogo” . Esta é uma verdade que deve
ocupar sempre um lugar de preeminência em nosso cristianismo. Nunca
será demais dizer à nossa mente que conversas piedosas e confissões
religiosas são totalmente vãs, se não forem acompanhadas da obra e prática.
Nada vale dizermos com os nossos lábios que nos arrependemos, se, ao
mesmo tempo, não o demonstramos por meio do nosso viver. Isso é mais
que inútil. Aos poucos, cauteriza a nossa consciência e endurece o nosso
coração. Dizer que nos entristecemos pelo nosso pecado não passa de
hipocrisia, a não ser que demonstremos esta tristeza de forma prática,
abandonando o pecado. A prática é a alma do arrependimento. Não fale
simplesmente sobre o que uma pessoa diz a respeito do cristianismo. Antes,
fale sobre o que ela faz. Salomão diz que “meras palavras... levam à
penúria” (Pv 14.23).
Observemos, a seguir, como João Batista rejeitou a idéia comum de
que se você está ligado a uma pessoa santa, isso o salvará. Ele disse aos
judeus: “Não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão;
porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a
Abraão” . Este conceito está arraigado no coração das pessoas no mundo
inteiro, e é uma prova prática da nossa condição de corruptos e caídos.
Em todas as eras da igreja sempre houve milhares de pessoas que pensaram
que tornar-se-iam aceitos por Deus pelo fato de estarem ligados a homens
piedosos. Milhares viveram e morrerem na cega ilusão de que, por terem
sido unidos a pessoas piedosas por meio de laços de sangue ou estarem
incluídos no rol de membros de uma igreja, poderiam ter esperança de
que seriam salvas.
Estabeleçamos para nós mesmos a verdade de que o cristianismo
que salva é algo individual. Trata-se de um fato que acontece entre a alma
de cada um e Jesus. Nada nos adiantará no último dia o fato de havermos
sido membros da igreja de Lutero, ou de Calvino, ou de Cranmer, ou de
Knox, ou de Owen, ou de Wesley, ou de Whitefield. Temos nós mesmos
fé igual à desses santos? Cremos como eles creram, lutamos por viver
como eles viveram e por seguir a Jesus como eles seguiram? Serão estes
50 Lucas 3.7-14

os únicos pontos de interesse para a nossa salvação. Será inútil para alguém
o ter corrido em suas veias o sangue de Abraão, se não teve a fé exercida
por Abraão, nem praticou as obras de Abraão.
Finalmente, observemos o sábio teste de sinceridade que João Batista
aplicou à consciência das pessoas de várias classes que procuraram o seu
batismo. Ele ordenou a cada pessoa que se professava arrependida a
começar por desvencilhar-se dos pecados que mais assediavam-na. A
multidão egoísta devia começar a mostrar-se mutuamente caridosa. Os
publicanos não deveriam cobrar “mais do que o estipulado” . Os soldados
a ninguém deveriam maltratar e deveriam contentar-se “com o soldo” que
recebiam. Ele não quis dizer que, ao agir assim, as pessoas expiariam os
seus pecados e teriam paz com Deus. Mas quis mostrar que, agindo dessa
forma, as pessoas provariam estar sinceramente arrependidas.
Deixemos esta passagem, levando conosco a profunda convicção da
sabedoria que há nesta maneira de se tratar com as almas, especialmente
com as almas daqueles que estão começando a professar a vida cristã.
Acima de tudo, vejamos aqui a maneira certa de nós mesmos provarmos
o nosso coração. Não devemos nos contentar em falar contra pecados
que, por nosso temperamento natural, não nos seduzem, enquanto tratamos
com brandura aqueles pecados a que nos inclinamos. Deixemos os pecados
que mais nos assediam. Contra eles dirijamos os nossos maiores esforços.
Contra eles declaremos guerra incessante. Que os ricos abandonem os
pecados dos ricos, e os pobres, os dos pobres; que os jovens abandonem
os pecados próprios da mocidade, e os velhos, os próprios da velhice.
Este é o primeiro passo para provar que estamos agindo com seriedade,
ao começarmos a reconhecer o estado da nossa alma. Somos honestos?
Somos sinceros? Se o somos, comecemos por analisar a nossa casa, nosso
íntimo.

Os Efeitos do Ministério de João Batista;


Seu Testemunho a Respeito de Jesus;
Sua Prisão
Leia Lucas 3.15-20

Primeiramente, aprendemos nesta passagem que um dos resultados


de um ministério fiel é despertar as pessoas para pensarem. Lemos a
respeito dos ouvintes de João Batista que eles ficaram “na expectativa...
discorrendo todos no seu íntimo a respeito de João, se não seria ele,
porventura, o próprio Cristo” .
Lucas 3.15-20 51

A causa do verdadeiro cristianismo avança um passo decisivo numa


comunidade, congregação ou família, quando as pessoas começam a pen­
sar. A indiferença a respeito das coisas espirituais é uma das grandes
características das pessoas não-convertidas. Em muitos casos, não se pode
saber se amam ou detestam o evangelho, visto que não lhe dão um lugar
em seus pensamentos. Jamais meditam (Is 1.3).
Sempre que percebemos um espírito de reflexão a respeito de assuntos
espirituais manifestando-se na mente de uma pessoa não-convertida,
bendizemos a Deus! Parar para pensar é o bom caminho que leva à salvação.
A verdade de Cristo não tem o que temer sob um questionamento sóbrio.
Devemos dar boas-vindas às perguntas e desejar que haja uma investigação
completa. Sabemos que, em muitos casos, o reconhecimento de que a
verdade de Jesus supre todas as necessidades dos corações e das
consciências só não é apreciado por não ser conhecido! É verdade que
pensar não é arrepender-se ou crer. Mas é sempre um sintoma que traz
esperança. Quando os ouvintes do evangelho começam a discorrer no seu
íntimo, é nosso dever bendizer a Deus e sermos encorajados!
A seguir, aprendemos que um pastor fiel sempre exaltará Jesus.
Lemos que, quando João Batista percebeu o que se passava no coração
dos seus ouvintes, anunciou-lhes Aquele que viria e que era muitíssimo
mais poderoso do que ele próprio. Recusou a honra que percebeu lhe
seria dada pelo povo e apontou-lhes Aquele que tinha “a sua pá” na mão:
o Cordeiro de Deus, o Messias.
Essa conduta será sempre característica do verdadeiro homem de
Deus. Nunca permitirá que atribuam a si ou ao seu ofício qualquer honra
que pertence ao seu divino Mestre. Afirmará como Paulo: “Porque não
nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós
mesmos como vossos servos, por amor de Jesus” (2 Co 4.5). O objetivo
principal do ministério de tal homem será sempre apresentar Jesus
crucificado e ressurreto aos perdidos e fazer conhecido aos pecadores o
amor e o poder de Jesus. “Convém que Ele cresça e que eu diminua” será
um princípio vital em todo o seu ministério. Alegrar-se-á se o seu nome
for esquecido e o de Cristo, exaltado.
Queremos saber se um pastor é fiel e se os seus ensinos merecem a
nossa confiança? É só fazermos uma pergunta bem simples: que posição
Jesus ocupa no seu ensino? É claro para nós que estamos recebendo
benefícios da pregação que ouvimos? Perguntemos a nós mesmos se ela
nos tem levado a amar mais a Jesus. Um pastor fiel verdadeiramente nos
ajuda quando nos leva a pensar mais em Jesus a cada ano que vivemos.
Nesta passagem também aprendemos a diferença essencial que existe
entre o Senhor Jesus e o melhor e mais santo dos seus ministros. Notamos
nas palavras solenes de João Batista: “Eu... vos batizo com água... Ele
52 Lucas 3.15-20

vos batizará com o Espírito Santo”. Os homens, ao serem ordenados ao


ministério, podem ministrar as ordenanças externas do cristianismo em
oração esperançosa de que Deus abençoará esses meios que Ele mesmo
determinou. Porém, os ministros não podem saber o que realmente está
no coração das pessoas a quem ministram. Podem pregar-lhes fielmente o
evangelho, mas não podem fazer com que o recebam. Podem aplicar-lhes
a água do batismo, mas não podem lavar-lhes a natureza pecaminosa.
Podem entregar-lhes o pão e o vinho da Ceia do Senhor; todavia, não
podem capacitá-los a apropriar-se do corpo e do sangue de Jesus pela fé.
Podem ir até certo ponto, mas não além disso. Nenhuma ordenança, por
mais solenemente que tenha sido conferida, pode dar ao homem poder
para transformar o coração humano. Somente Jesus, o grande Cabeça da
igreja, pode fazê-lo, pelo poder do Espírito Santo. Este ofício pertence
somente a Ele, e não foi concedido a qualquer outro ser humano.
Jamais descansemos até experimentarmos o poder da graça de Jesus
em nossa alma. Fomos batizados com água. Será que já o fomos com o
Espírito Santo? Os nossos nomes fazem parte do rol de membros da igreja.
Será que já estamos inscritos no Livro da Vida do Cordeiro? Somos
membros da igreja visível. Somos também membros daquele corpo místico
do qual somente Jesus é o Cabeça? Todos estes são privilégios que somente
Jesus pode conceder. Todos os que desejam ser salvos, desfrutando de
tais privilégios, devem suplicá-los pessoalmente a Jesus. Os homens não
podem outorgá-los. São tesouros depositados nas mãos de Jesus; nEle
devemos buscá-los pela fé e oração, crendo que não os buscaremos em
vão.
Ainda, nestes versículos aprendemos sobre a mudança que Jesus
realizará em sua igreja visível na época de sua segunda vinda. Lemos nas
palavras figuradas do seu precursor que Ele limpará “completamente a
sua eira e recolherá o trigo no seu celeiro; porém queimará a palha em
fogo inextinguível” . A igreja visível é hoje um corpo misto. Crentes e
incrédulos, santos e ímpios, convertidos e descrentes acham-se misturados
em cada assembléia, sentando-se geralmente lado a lado. Ao homem não
é possível separá-los. A falsa profissão de fé geralmente assemelha-se
muito à verdadeira, e a graça é às vezes tão débil e fraca que, em muitos
casos, torna-se impossível discernir corretamente o caráter. O trigo e o
joio permanecerão juntos até que o Senhor volte.
Porém, haverá uma separação terrível no último dia. O julgamento
inequívoco do Rei dos reis finalmente separará o trigo do joio, e o fará
para sempre. Os justos serão levados a um lugar de segurança e felicidade.
Os ímpios serão lançados na vergonha e miséria eternas. No grande Dia
do Juízo, cada qual irá para o lugar que lhe cabe.
Que aguardemos ansiosos aquele dia, julgando a nós mesmos, a fim
Lucas 3.15-20 53

de não termos de ser julgados pelo Senhor. Sejamos totalmente diligentes


em confirmar o nosso chamado e eleição, tendo certeza de que somos o
“trigo” de Deus. Um erro quanto a isto será irreparável no dia em que “a
eira” for limpa.
Por fim, nesta passagem aprendemos que o galardão dos servos de
Deus geralmente não é recebido neste mundo. Lucas termina o seu relato
sobre o ministério de João Batista contando sobre o seu aprisionamento
por Herodes. Sabemos, através de outras passagens do Novo Testamento,
qual foi o fim desse aprisionamento — João Batista foi decapitado.
Todos os verdadeiros servos de Jesus devem ficar contentes, enquanto
esperam para receber o seu salário. O melhor ainda está por vir! Não
devem estranhar o serem tratados com rispidez pelos homens. O mundo
que perseguiu a Cristo não hesitará em perseguir os cristãos. “Não vos
maravilheis, se o mundo vos odeia” (1 Jo 3.13).
Confortemo-nos com o fato de que o grande Mestre entesourou no
céu, para os seus, coisas que ultrapassam a compreensão humana. Um
dia, o sangue que os seus derramaram por causa do seu Nome será recom­
pensado. As lágrimas que geralmente correm tão livres por causa da
maldade dos perversos um dia serão enxugadas. E, quando João Batista e
todos os que tiverem sofrido pela verdade forem finalmente congregados,
descobrirão ser verdade que o céu indeniza a todos!

O Batismo de Jesus;
A Genealogia de Maria, Traçada até Adão
Leia Lucas 3.21-38

N esta passagem vem os o quanto Jesus honrou o batism o.


Descobrimos que, dentre os que foram a João Batista para serem batizados,
estava o Salvador do mundo. Uma ordenança que aprouve ao Senhor
utilizar e que, mais tarde, foi por Ele indicada para ser observada por toda
a igreja deverá sempre ser alvo de reverência especial da parte do seu
povo. O batismo não pode ser algo de pouca importância, pois Jesus
mesmo foi batizado. Jamais faria parte da igreja de Cristo se fosse mera
formalidade externa, incapaz de comunicar qualquer bênção.
Nem é necessário dizer que existem erros de todo tipo no que se
refere ao assunto do “batismo” . Alguns o idolatram, dando-lhe um lugar
de muito maior honra do que aquele que a Bíblia lhe confere. Alguns o
subestimam e o desonram, quase esquecendo-se de que o batismo é uma
ordenança instituída pelo próprio Senhor Jesus. Alguns limitam a sua
54 Lucas 3.21-38

ministração de forma tão restrita, que quase a ninguém batizam. Outros


conferem às águas batismais um poder mágico, desejando que os mis­
sionários vão às nações pagãs e batizem a todos, jovens e velhos, indis­
criminadamente, crendo que o batismo lhes fará bem, não importando
quão incrédulos sejam. Talvez sobre nenhum outro assunto religioso os
crentes devem orar pela visão certa e pela compreensão adequada como
pelo assunto do batismo.
Que nos contentemos em sustentar firmemente o princípio básico de
que o batismo foi planejado graciosamente pelo Senhor visando ajudar a
sua igreja, como um “meio da graça” , e de que, quando correta e
dignamente ministrado, podemos confiar que o batismo trará consigo uma
bênção. Todavia, jamais nos esqueçamos do fato de que a graça de Deus
não depende de nenhuma ordenança e de que podemos ser batizados com
água, sem o termos sido com o Espírito Santo.
Em seguida, nesta passagem vemos a reação íntima que deve haver
entre a ministração do batismo e a oração. Lucas nos informa de modo
especial que, quando o Senhor foi batizado, Ele estava também orando.
Sem dúvida, há uma grande lição para nós neste fato e a igreja do Senhor
não tem lhe dado a devida atenção. Precisamos aprender que o batismo
que Deus abençoa tem de ser acompanhado de oração. A água não é o
suficiente. A citação do nome da bendita Trindade não é o suficiente. A
forma com que a ordenança em si é ministrada não comunica graça por si
mesma. É preciso que haja algo mais, acompanhando todas estas coisas.
É preciso haver a “oração da fé” . Pode-se afirmar confiantemente que um
batismo sem oração é um batismo sobre o qual não temos o direito de
esperar a bênção de Deus.
Por que a ordenança do batismo parece produzir tão pouco fruto?
Por que milhares de pessoas são batizadas a cada ano e jamais dão a
menor demonstração de terem sido abençoadas por isto? A resposta é
curta e simples. Na grande maioria das vezes não há oração no batismo,
exceto a que é feita pelo pastor que o ministra. Em algumas igrejas, os
pais levam seus filhos ao batismo sem terem a menor idéia do que estão
fazendo. Em outras, os responsáveis colocam-se em pé respondendo pela
criança, ignorando claramente qual a natureza da ordenança de que estão
participando — fazem-no por mera questão de formalidade. Temos razão
para esperar que Deus abençoe tais batismos? Não! De modo algum!
Esses batismos são estéreis em seus resultados. Não estão de acordo com
a mente de Cristo Jesus. Oremos, para que as pessoas sejam alertadas
para este aspecto tão importante. Trata-se de uma área que precisa
grandemente de mudanças.
Vemos, ainda, nesta passagem uma prova notável da doutrina da
Trindade. Fala das três pessoas da Divindade, apresentando-as em
Lucas 3.21-38 55

cooperação, agindo num mesmo momento. Deus, o Filho, inicia a obra


tremenda do seu ministério terreno, ao ser batizado. Deus, o Pai, credencia-
O solenemente como o Mediador prometido, por meio de uma voz do
céu. Deus, o Espírito Santo, desce “em forma corpórea como pomba”
sobre o Senhor, e, ao fazê-lo, declara que Ele é Aquele a quem o Pai não
deu o Espírito “por medida” (Jo 3.34).
Há algo profundamente instrutivo e confortante nesta revelação da
bendita Trindade naquela ocasião particular do ministério terreno do
Senhor. Mostra-nos como é poderosa e imensa a agência que é empregada
na grande obra da nossa redenção. Trata-se de um trabalho conjunto de
Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. As três pessoas da Divindade
estão igualmente envolvidas na obra de resgatar as nossas almas do inferno.
Este pensamento deve estimular-nos, quando estivermos inquietos e
desanimados. Deve inspirar-nos e encorajar-nos, quando nos sentimos
desgastados pelo conflito contra o mundo, a carne e o diabo. Os inimigos
da nossa alma são poderosos, mas os Amigos da nossa alma são mais
poderosos ainda. Todo o poder do Deus Triúno está agindo em nosso
favor. “O cordão de três dobras não se rebenta com facilidade” (Ec 4.12).
Nestes versículos, vemos ainda uma poderosa proclamação do ofício
que o Senhor tem como Mediador entre Deus e o homem. Uma voz se
ouviu do céu, no seu batismo, que dizia: “Tu és o meu Filho amado, em
ti me comprazo” . Só havia um que poderia dizer isso — Deus, o Pai.
Sem dúvida, estas palavras solenes contêm um profundo mistério.
Todavia, há uma coisa que está absolutamente clara, elas são uma
declaração divina de que o Senhor Jesus Cristo é o Redentor prometido,
Aquele que Deus prometeu mandar ao mundo desde o princípio, e de que,
com a sua encarnação, sacrifício e substituição, Deus Pai ficou plenamente
satisfeito. N E le, o Pai considera as exigências da sua santa lei
completamente satisfeitas. Por meio dEle, o Pai está pronto a receber
misericordiosamente pobres pecadores para nunca mais lembrar-se dos
pecados deles.
Que todos os verdadeiros crentes façam descansar a sua alma nestas
palavras, tirando delas consolo diário para si. Nossos pecados e falhas
são efêmeros. Nada de bom podemos encontrar em nós mesmos. Todavia,
se crermos em Jesus, o Pai nada verá em nós que não possa perdoar
abundantemente. Ele nos considera membros do seu Filho amado e, por
amor a Jesus, sente-se satisfeito.
Por fim, vemos nesta passagem que criatura frágil e passageira é o
homem. Lemos, ao final do capítulo, uma grande lista contendo nomes da
genealogia da família da qual veio Jesus, passando por personagens como
Davi e Abraão e chegando até Adão. Quão pouco sabemos sobre a vida da
maioria dos setenta e cinco nomes aqui apresentados. Todos tiveram as
56 Lucas 3.21-38

suas alegrias e tristezas, esperanças e temores, preocupações e problemas,


planos e sistemas, como qualquer um de nós. Mas todos passaram e se
foram desta terra para o lugar que lhes coube. E assim será conosco, tam­
bém estamos passando, e logo teremos ido embora.
Que bendigamos eternamente a Deus, porque, num mundo de morte,
temos a bênção de nos voltarmos para o Salvador vivo. Jesus disse: “Eu
sou... aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos
dos séculos” (Ap 1.17-18); “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11.25).
Que a nossa maior preocupação seja a de sermos um com Jesus e Ele,
conosco. Unidos a Ele pela fé, ressuscitaremos para a vida eterna. A
segunda morte não terá poder sobre nós. “Porque eu vivo” , disse Jesus,
“vós também vivereis” (Jo 14.19).

A Tentação de Cristo no Deserto


Leia Lucas 4.1-13

O primeiro acontecimento relatado na história de nosso Senhor após


o batismo é a sua tentação por Satanás. De uma circunstância de honra e
glória Ele passou a uma situação de conflito e sofrimento. No batismo,
houve o testemunho do Pai: “Tu és o meu Filho amado” . Em seguida,
vemos a astuciosa sugestão de Satanás: “Se és o Filho de Deus” . As ex­
periências pelas quais Cristo passou freqüentemente constituem o quinhão
do crente. Entre um grande privilégio e uma intensa provação existe apenas
um passo.
Inicialmente, observemos nesta passagem o poder e a incansável
malícia de Satanás. A antiga serpente, que tentou Adão no Éden, não
sentiu receios de investir contra o segundo Adão, o Filho de Deus. Podemos
duvidar se o diabo realmente sabia que Jesus era Deus “manifestado na
carne” . Todavia, Satanás tinha certeza que Jesus viera ao mundo para
aniquilar seu reino. Ele contemplara o que acontecera no batismo de Cristo;
ouvira as maravilhosas palavras vindas do céu. Percebeu que o grande
Amigo dos homens viera ao mundo e que seu reino estava em perigo. O
Redentor havia chegado, e as portas da prisão logo seriam abertas. Os ca­
tivos da lei em breve seriam libertos. Sem dúvida, Satanás compreendeu
tudo isso e decidiu lutar em favor de seu próprio domínio. O príncipe des­
te mundo não daria lugar ao Príncipe da Paz, sem que travasse uma vigorosa
batalha. Ele tinha vencido o primeiro Adão no jardim do Éden; por que
não venceria o segundo Adão, no deserto? Satanás já havia expulsado o
homem do paraíso; não poderia expulsá-lo também do reino de Deus?
Lucas 4.1-13 57

Jamais nos surpreendamos, se formos tentados pelo diabo. Pelo


contrário, devemos esperar que isto aconteça, se realmente somos membros
do corpo de Cristo. O cálice do Senhor será o mesmo dos discípulos.
Aquele poderoso espírito que não receou atacar o próprio Jesus continua
andando em derredor e rugindo como leão, à procura de alguém para
devorar. Aquele assassino e mentiroso que criou problemas para Jó e fez
Davi e Pedro caírem no pecado, ele mesmo permanece ativo e ainda não
foi aprisionado. Se não pode impedir-nos de ir ao céu, Satanás de alguma
maneira se esforçará para tornar nossa jornada bastante dolorosa. Se não
pode destruir nossas almas, pelo menos ele ferirá os nossos calcanhares
(Gn 3.15). Estejamos atentos para não menosprezá-lo ou pensar de maneira
branda a respeito do poder de Satanás. Antes, revistamo-nos de toda a
armadura de Deus e supliquemos Àquele que é poderoso, para que nos
conceda forças. “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós” (Tg 4.7).
Em segundo, observemos a habilidade de nosso Senhor em simpatizar
com aqueles que são tentados. Esta é uma verdade que se destaca com
proeminência nesta passagem. Jesus foi verdadeira e literalmente tentado.
Era conveniente que Aquele que viera para “destruir as obras do diabo”
começasse esta obra por meio de um conflito direto com Satanás. Era
apropriado que o grande Pastor e Bispo de nossa alma fosse capacitado
para seu ministério terreno através de uma grande tentação, bem como
através da Palavra de Deus e da oração. Acima de tudo, era conveniente
que o grande Sumo Sacerdote e Advogado dos pecadores fosse alguém
que tinha experiência pessoal de conflitos e soubesse o que significa passar
por provações. E Jesus teve esta experiência. Está escrito que “ele mesmo
sofreu, tendo sido tentado” (Hb 2.18). Não temos condição de avaliar o
quanto Ele sofreu. Entretanto, podemos estar certos de que sua natureza
pura e santa sofreu intensamente.
Todos os crentes devem sentir-se confortados com o pensamento de
que, no céu, possuem um Amigo que se compadece de suas fraquezas
(Hb 4.15). Quando eles derramam seus corações perante o trono da graça
e lamentam por causa do fardo que diariamente lhes causa embaraço,
existe Alguém intercedendo por eles, Alguém que conhece suas tristezas.
Portanto, sintamo-nos encorajados. O Senhor Jesus não é uma “pessoa
severa” . Ele compreende o que tencionamos dizer, quando nos queixamos
da tentação, sendo capaz e estando disposto a nos socorrer.
Em terceiro, devemos observar a excessiva sutileza de nosso grande
inimigo, o diabo. Por três vezes, nós o vemos investindo contra nosso
Senhor, procurando levá-Lo ao pecado. Cada investida demonstrava a
habilidosa mão de um mestre na arte da tentação e representava a obra de
alguém que possuía ampla experiência em todos os aspectos da natureza
humana. As investidas merecem uma atenciosa consideração.
58 Lucas 4.1-13

Em seu primeiro ardil, Satanás tentou persuadir nosso Senhor a des­


confiar do cuidado providencial do Pai. O diabo aproximou-se de Jesus
quando Ele estava fraco e exausto, devido aos quarenta dias de jejum, e
sugeriu a realização de um milagre, a fim de que Ele satisfizesse um ape­
tite carnal. Por que deveria Jesus esperar ainda mais? Deveria o Filho de
Deus continuar sentindo fome? Por que não ordenar que “esta pedra se
transforme em pão”?
Em seu segundo ardil, Satanás tentou persuadir nosso Senhor a obter
poder mundano utilizando meios ilícitos. O diabo O levou ao cume de um
monte e “mostrou-lhe, num momento, todos os reinos do mundo” . “Dar-
te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos... se prostrado me ado­
rares” — esta foi a promessa de Satanás a Jesus. A concessão era pequena;
a promessa, imensa. Por que não obter todo aquele poder somente por
meio de uma ação momentânea?
Em seu terceiro ardil, Satanás tentou persuadir nosso Senhor a uma
atitude de presunção. Levou-O ao pináculo do templo e sugeriu: “Atira-te
daqui abaixo” . Ao fazer isto, Jesus demonstraria publicamente que era
Alguém enviado por Deus. Se atendesse aquela solicitação, Jesus de­
penderia de ser protegido de qualquer dano físico. Não existiam textos
das Escrituras que se aplicavam a Ele em circunstâncias como esta? Não
estava escrito que os anjos o sustentariam?
Seria fácil escrever muitas coisas a respeito dessas três investidas de
Satanás. Deve ser o bastante recordar que nelas divisamos as armas favoritas
do diabo. Incredulidade, mundanismo e presunção, estes são os três grandes
artifícios que Satanás está sempre empregando contra as almas dos homens
e por intermédio dos quais ele está sempre induzindo-os a fazerem aquilo
que Deus proíbe e a continuarem no pecado. Lembremo-nos disto e este­
jamos alerta. Satanás sugere que tenhamos atitudes que com freqüência
parecem triviais e sem importância, mas o princípio envolvido em cada
uma destas atitudes insignificantes, podemos estar certos, consiste em
nada menos do que rebelião contra Deus. Não ignoremos os ardis de
Satanás.
Por último, observamos nesta passagem a maneira pela qual nosso
Senhor resistiu a Satanás. Por três vezes, nós O vemos frustrando e
desconcertando o poderoso inimigo que O atacava. Ele não cedeu um
milímetro sequer; não lhe deu qualquer momento de vantagem. Por três
vezes, em resposta às tentações, nós O vemos utilizando a mesma arma —
“a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.17). O Senhor
Jesus, que era “cheio do Espírito” , não se envergonhou de fazer das
Sagradas Escrituras a sua arma de defesa e seu padrão de conduta.
Se não aprendermos qualquer outra lição desta maravilhosa história,
esta simples atitude de Jesus deve nos ensinar a sublime autoridade das
Lucas 4.1-13 59

Escrituras e o imenso valor de conhecer seu conteúdo. Com incessante


diligência e perseverança, precisamos ler a Bíblia, examiná-la e orar a
respeito de seus assuntos. Devemos nos esforçar para sermos tão com­
pletamente familiarizados com os assuntos da Bíblia, que suas passagens
permanecerão em nossas memórias e estarão ao nosso dispor em ocasiões
oportunas. Sejamos capazes de recorrer às milhares de passagens evidentes,
escritas com muita clareza, para evitarmos toda perversão e falsa in­
terpretação do significado das Escrituras. A Bíblia é realmente uma espada;
mas precisamos estar certos de que a conhecemos bem, se desejamos usá-
la com eficácia.

A Pregação de Jesus na Sinagoga de Nazaré


Leia Lucas 4.14-22

Estes versículos narram acontecimentos que apenas Lucas escreveu.


Descrevem a primeira visita de nosso Senhor à cidade de Nazaré (onde
Ele havia crescido), após ter iniciado seu ministério público. Considerada
juntamente com os dois versículos que lhe seguem, esta passagem fornece
uma admirável prova de que “o pendor da carne é inimizade contra Deus”
(Rm 8.7).
Inicialmente vemos nestes versículos a notável honra que o Senhor
Jesus tributou aos meios da graça. Somos informados que Ele, “indo
para Nazaré,... entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume,
e levantou-se para ler” as Escrituras. Naquela época, os escribas e fariseus
eram os principais mestres dos judeus. Dificilmente poderíamos supor
que o ensino ministrado por estes homens, na sinagoga, desfrutava da
bênção e da presença do Espírito de Deus. No entanto, aqui vemos nosso
Senhor dirigindo-se à sinagoga, lendo as Escrituras e pregando ali. A
sinagoga era o lugar onde o dia do Senhor e a Palavra de Deus eram pu­
blicam ente reconhecidos; e, pensando assim, nosso Senhor achou
conveniente honrá-la.
Sem dúvida, temos uma lição prática nessa atitude de Jesus. Ele
desejava que soubéssemos que não devemos menosprezar levianamente
qualquer reunião de adoradores que professam reverenciar o nome, o dia
e o Livro de Deus. Em uma igreja, há muitas coisas que precisam ser
melhoradas. Talvez haja falta de clareza, abrangência e ortodoxia no ensino
ministrado ou exista carência de unção e dedicação na maneira como o
pastor realiza o culto. Entretanto, enquanto uma igreja não manifesta
nenhum erro doutrinário e o crente não tem outra onde congregar-se, ele
60 Lucas 4.14-22

deve pensar com bastante seriedade antes de ausentar-se do culto. Se exis­


tem dois ou três que se reúnem em nome de Cristo, para estes o Senhor
Jesus prometeu uma bênção especial. Mas não encontramos qualquer pro­
messa para o crente que permanece em casa.
Em segundo, devemos observar a notável descrição feita pelo Senhor
Jesus, na sinagoga de Nazaré, em referência ao seu ofício e ministério.
Lucas relata que Ele escolheu uma passagem da profecia de Isaías, na
qual este descreveu antecipadamente a natureza da obra que o Messias
realizaria, quando viesse ao mundo. Sabemos que Ele deveria “evangelizar
os pobres... proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos
cegos”, e seria enviado a “pôr em liberdade os oprimidos” ; Ele deveria
apregoar que viria “o ano aceitável do Senhor” . Após ter lido esta profecia,
nosso Senhor disse a todos os presentes na sinagoga que Ele era o Messias,
a respeito de quem aquelas palavras haviam sido escritas e que nEle e em
seu evangelho se cumpririam as maravilhosas figuras apresentadas na
profecia lida.
Com razão podemos crer que havia um profundo significado em
nosso Senhor ter escolhido esta passagem de Isaías. Ele desejava incutir
nas mentes dos ouvintes judeus o verdadeiro caráter do Messias, pelo
qual Ele sabia que todo o Israel estava esperando. O Senhor Jesus tinha
certeza de que os judeus estavam aguardando um rei temporal, que os
libertaria do governo romano e os tornaria novamente a primeira de todas
as nações. Estas expectativas, as quais Jesus desejava que entendessem,
eram prematuras e erradas. O reino do Messias, em sua primeira vinda,
deveria ser um reino espiritual sobre todos os corações. Suas vitórias não
aconteceriam contra inimigos terrenos, e sim contra o pecado. Sua redenção
não aconteceria em relação ao domínio romano, e sim em relação ao
poder do diabo neste mundo. Era desta maneira, e continua sendo assim,
que eles deveriam esperar o cumprimento das palavras de Isaías.
Estejamos atentos para a maneira como julgamos a pessoa de Cristo.
É correto e justo reverenciá-Lo como o próprio Deus. É bom conhecê-Lo
como o Cabeça de todas as coisas, o grande Profeta, o Juiz de todos, o
Rei dos reis. Mas isto não é suficiente; temos de conhecê-Lo como o
Amigo dos pobres de espírito, o Médico dos enfermos de coração, o
Redentor das almas em escravidão. Estes são os principais ofícios que Ele
veio realizar na terra. Tendo isto em mente, devemos conhecê-Lo por ex­
periência íntima, bem como por ouvir sua voz. Sem este conhecimento,
pereceremos em nossos pecados.
Por último, devemos observar o instrutivo exemplo sobre a maneira
como as pessoas freqüentemente recebem o ensino das Escrituras. Quando
nosso Senhor terminou seu discurso em Nazaré, seus ouvintes “lhe davam
testemunho, e se maravilhavam das palavras de graça que lhe saíam dos
Lucas 4.14-22 61

lábios” . Não encontraram qualquer erro na explicação das Escrituras que


haviam acabado de ouvir. Não podiam negar a beleza da linguagem que
escutaram. “Jamais alguém falou como este hom em .” Mas seus corações
permaneceram completamente insensíveis e não foram alcançados pela
mensagem. Ainda estavam cheios de inveja e inimizade contra o pregador.
Em resumo, não houve qualquer efeito sobre eles, exceto um sentimento
temporário de admiração.
E inútil ocultar de nós mesmos a verdade de que nas igrejas cristãs
existem milhões de pessoas que se encontram em uma situação semelhante
à destes ouvintes de Jesus. Ouvem com regularidade a pregação do
evangelho, admirando-se ao ouvi-lo. Não questionam a veracidade do
que lhes está sendo ensinado. São capazes até de sentir algum tipo de
satisfação intelectual, ao ouvirem um excelente e poderoso sermão. Mas
sua espi-ritualidade limita-se a estas atitudes. Ouvir sermões não as impede
de con- tinuarem levando uma vida de indolência, mundanismo e pecado.
Constantemente precisamos examinar a nós mesmos quanto a este
importante assunto. Devemos averiguar que efeito prático a pregação que
afirmamos apreciar está produzindo em nosso coração e em nossa vida.
Conduz-nos ao arrependimento para com Deus e à fé viva em Jesus Cristo,
nosso Senhor? Ela nos motiva a nos esforçarmos diariamente para cessar
de pecar e resistir ao diabo? Estes são frutos que os bons sermões devem
produzir em nossa vida. Sem tais frutos, admirar a pregação é comple­
tamente inútil; não comprova a graça de Deus e não pode levar-nos à
salvação.

A Incredulidade e Perversão
dos Habitantes de Nazaré
Leia Lucas 4.23-32

Três importantes lições se destacam nesta passagem. Elas demandam


a atenção de todo aquele que deseja obter sabedoria espiritual.
Inicialmente vemos quanta disposição as pessoas demonstram em
desprezar privilégios com os quais tornaram-se familiarizadas. Percebemos
isto na atitude dos moradores de Nazaré, quando ouviram a pregação de
nosso Senhor. Não encontraram erros no sermão e não podiam mostrar
qualquer incoerência na vida e na conversa de Jesus. Porém, visto que
aquele pregador vivera entre eles por trinta anos, sua voz e aparência lhes
eram familiares, tais pessoas não aceitariam o ensino ministrado por Ele.
Disseram uns aos outros: ‘Não é este o filho de José? É possível que
62 Lucas 4.23-32

alguém tão bem conhecido quanto este moço seja o Cristo?’ Com isto,
receberam de Jesus esta solene afirmação: “Nenhum profeta é bem recebido
na sua própria terra” .
Faremos bem em aplicar esta lição no que se refere às ordenanças e
aos meios da graça. Estamos em perigo de menosprezá-los porque deles
nos utilizamos com freqüência. Estamos propensos a pensar levianamente
a respeito da leitura da Bíblia, da proclamação do evangelho e da liberdade
de nos reunirmos para a adoração pública. Crescemos em meio a tais
privilégios; estamos acostumados com eles, sem enfrentarmos qualquer
p ro b lem a. O resultado é que freqüentem ente os consideram os triv iais e
subestimamos a extensão destas bênçãos. Cuidemos de nossa própria atitude
ao nos servirmos destes privilégios sagrados. Se lemos a Bíblia com
freqüência, jamais o façamos sem profunda reverência. Se constantemente
ouvimos sobre a pessoa de Cristo, nunca esqueçamos que Ele é o único
Mediador, em quem encontramos a vida. Os israelitas, no deserto, escar­
neceram do próprio maná que caía do céu, chamando-o de “pão vil” (Nm
21.5). Nossas almas se encontram em péssima condição, quando temos
Cristo entre nós e, por causa de nossa familiaridade com Ele, O subes­
timamos com leviandade.
Em segundo, vemos que a natureza humana odeia intensamente a
doutrina da soberania de Deus. Percebemos este fato na atitude dos
habitantes de Nazaré, quando nosso Senhor lhes recordou que Deus não
tinha qualquer obrigação de realizar milagres entre eles. Não havia muitas
viúvas em Israel no tempo de Elias? Sem dúvida, havia. No entanto, ele
não foi enviado a nenhuma delas. Todas foram deixadas de lado em favor
de uma viúva gentia, em Sarepta. Não havia também muitos leprosos em
Israel nos dias do profeta Eliseu? Com certeza, havia. Contudo, nenhum
deles teve o privilégio de ser curado. Naamã, o siro, foi o único purificado
naquela ocasião. Esse tipo de ensino era insuportável para as pessoas de
Nazaré. Feria o orgulho e auto-estima delas. Dizia-lhes que Deus não era
devedor a qualquer ser humano; e, se eles foram preteridos na concessão
daquelas misericórdias divinas, não tinham direito de achar erro em Deus.
Os habitantes de Nazaré não podiam suportar esse tipo de ensino. “Todos
na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira.” Expulsaram de
sua cidade o Senhor Jesus e, se Ele não tivesse manifestado seu miraculoso
poder, teriam-No assassinado de maneira violenta.
De todas as doutrinas da Bíblia, nenhuma é tão ofensiva ao homem
quanto a da soberania de Deus. Os homens podem suportar o ensino de
que Ele é poderoso, justo, puro e santo. Mas, afirmar, como em Romanos
9, que Ele “tem... misericórdia de quem quer e também endurece a quem
lhe apraz” ; ou que Ele “não dá contas de nenhum dos seus atos” ; ou que
“não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
Lucas 4.23-32 63

m isericórdia” — estas verdades o homem natural não pode aceitar.


Despertarão sua inimizade contra Deus e o encherão de ira. Em resumo,
nada lhe fará submeter-se a elas, exceto o humilde ensino do Espírito
Santo.
Guardemos em nossos corações a verdade de que, se gostamos ou
não, a doutrina da soberania de Deus está revelada nas Escrituras e pode
ser vista claramente no mundo. Nenhum outro argumento pode explicar
porque alguns membros de uma família convertem-se a Deus, enquanto
outros permanecem e morrem no pecado, e porque alguns habitantes do
mundo são iluminados pelo cristianismo, enquanto outros continuam
atolados no paganismo. Somente uma verdade pode justificar esta situação:
tudo está determinado pela soberana mão de Deus. Oremos por humildade
nestes assuntos difíceis. Lembremos que nossa vida é como a névoa e que
nosso conhecimento, se comparado ao de Deus, é completa tolice. Sejamos
agradecidos pela luz que desfrutamos, utilizando-a enquanto a possuímos.
Não tenhamos dúvida de que no último dia todo mundo será convencido
de que Aquele que “não... dá contas de nenhum dos seus atos” fez tudo
muito bem.
Por último, vemos nesta passagem quão perseverantes devemos ser
na prática do bem, apesar de todos os desencorajamentos. Sem dúvida,
extraímos esta lição da atitude de nosso Senhor após ter sido rejeitado em
Nazaré. A rejeição dos nazarenos não O abalou; Ele continuou paci­
entemente sua obra. Expulso de um lugar, dirigiu-se a outro. Rejeitado
em Nazaré, foi a Cafarnaum e ali “os ensinava no sábado” .
Este deve ser o comportamento de todos os filhos de Deus. Eles
devem realizar pacientemente sua obra aonde quer que sejam chamados e
não desistirem por causa da falta de sucesso. Quer sejam missionários,
pregadores, pastores ou ensinadores, devem trabalhar com empenho e
não desanimar. Com freqüência, há mais aflições na consciência e no
coração dos ouvintes do que as que seus pregadores e ensinadores estão
cientes. Existe um trabalho preparatório a ser realizado em todas as partes
da lavoura de Deus, tão necessário quanto os demais trabalhos, embora às
vezes seja desagradável à carne e ao sangue. Necessitamos de semeadores,
bem como de ceifeiros. É necessário lavrar o solo e remover as pedras,
bem como o ajuntamento do cereal na colheita. Cada um deve trabalhar
em seu devido lugar. Virá o dia em que todos seremos recompensados de
acordo com nossa obra. Os desencorajamentos que às vezes enfrentamos
nos capacitam a demonstrar ao mundo que a fé e a paciência são realidades.
Quando as pessoas nos vêem trabalhando para Deus, apesar de sermos
rejeitados como Jesus o foi em Nazaré, isto as faz pensar, convencendo-
as de que, em todas as ocasiões, estamos convictos de que estamos ao
lado da verdade.
64 Lucas 4.33-44

Um Demônio Expulso na Sinagoga


de Cafarnaum;
A Cura da Sogra de Pedro;
Cristo Retira-se para Orar;
Seu Propósito em ter Vindo ao Mundo
Leia Lucas 4.33-44

Primeiramente devemos observar nesta passagem o nítido conhe­


cimento espiritual que os demônios possuem. Por duas vezes, estes
versículos o comprovam. “Bem sei quem és: o Santo de Deus!” foi a de­
claração do espírito imundo na sinagoga. “Tu és o Filho de Deus!” foi a
linguagem de muitos demônios em outra ocasião. No entanto, este
conhecimento estava destituído de fé, esperança e amor. Aqueles que o
possuíam eram miseráveis criaturas pecaminosas, cheias de intenso ódio
contra Deus e o homem.
Estejamos alerta para que nosso cristianismo não seja caracterizado
por conhecimento infrutífero. Tal conhecimento é uma possessão perigosa,
mas infelizmente muito comum nestes últimos dias. Talvez conheçamos
intelectualmente as Escrituras e não duvidemos da veracidade de seu con­
teúdo. E provável que tenhamos seus principais versículos em nossas
mentes e sejamos capazes de conversar fluentemente sobre suas doutrinas
fundamentais; e, apesar disso, a Bíblia não exerce qualquer influência so­
bre nosso coração, vontade e consciência. Na realidade, talvez não sejamos
melhores do que os demônios.
Jamais nos contentemos apenas em ter um conhecimento intelectual
das Escrituras. Podemos estar constantemente dizendo: “Eu sei, eu sei”
e, por fim, perecer no inferno com todo o conhecimento que possuímos.
Estejamos cientes de que nosso conhecimento das coisas espirituais produz
fruto em nossa vida. O conhecimento que temos sobre o pecado nos faz
odiá-lo? Nosso conhecimento a respeito de Cristo nos leva a amá-Lo e a
confiar nEle? Nosso conhecimento da vontade de Deus nos motiva a
esforçar-nos para obedecê-la? Nosso conhecimento dos frutos do Espírito
nos leva a trabalhar para mostrá-los em nossa conduta diária? Este tipo de
conhecimento é realmente proveitoso. Qualquer outro tipo de conhecimento
espiritual apenas intensificará nossa condenação, no último dia.
Em segundo, devemos observar nesta passagem o imenso poder de
nosso Senhor Jesus Cristo. As enfermidades e os demônios foram igual­
Lucas 4.33-44 65

mente expelidos mediante a ordem dEle. Jesus ordenava aos espíritos


imundos, e estes se retiravam das pessoas que eles possuíam. Ele repreendeu
a febre e impôs sua mão sobre os enfermos, e imediatamente as doenças
se retiravam, e os doentes ficavam curados.
Não podemos deixar de observar muitos casos semelhantes nos
evangelhos. Ocorreram com tanta freqüência, que seríamos capazes de
fazer sua leitura sem atenção, de modo que perderíamos a grande lição
que cada um deles deseja transmitir. Todos foram escritos para gravar em
nossa mente a verdade de que Cristo é o Médico designado por Deus para
curar-nos de todos os males que o pecado trouxe ao mundo. Ele é o
verdadeiro antídoto e remédio para todos os enganos de Satanás que
arruinam a alma do homem. Cristo é o Médico ao qual todos os filhos de
Adão devem recorrer, se desejam ficar curados. Em Cristo há vida, saúde
e libertação.
Todos os milagres e demonstrações de misericórdia relatados nos
evangelhos foram designados tendo em vista ensinar esta doutrina. Todos
eles testemunham com clareza a poderosa verdade que fundamenta o
evangelho. A capacidade de Cristo para suprir completamente todas as
necessidades do ser humano é uma pedra angular do cristianismo. Em
poucas palavras: “Cristo é tudo” (Cl 3.11). O estudo de todos os milagres
deve gravar profundamente esta verdade em nosso coração.
Em terceiro, devemos observar nesta passagem a prática ocasional
de nosso Senhor retirar-se do convívio público para um lugar solitário.
Lemos que, após curar diversas pessoas e expulsar muitos demônios, Ele
“saiu e foi para um lugar deserto” . Seu objetivo em agir desta maneira
pode ser visto, se compararmos o que nos dizem os outros evangelhos.
Jesus se retirou de sua obra por um tempo, a fim de manter comunhão
com seu Pai e orar. Embora Ele tivesse uma natureza humana imaculada
e santa, essa natureza foi guardada do pecado através do uso dos meios da
graça, e Ele não os menosprezava.
Este é um exemplo que deve ser seguido por todos os que desejam
crescer na graça e andar em comunhão íntima com Deus. Precisamos
separar tempo para a meditação na Palavra e para ficarmos a sós com
Deus. Não devemos nos contentar apenas em orar e ler a Bíblia todos os
dias, ouvir a pregação do evangelho regularmente e participar da Ceia do
Senhor. Todas estas coisas são importantes, mas precisamos de algo mais.
Devemos ter ocasiões especiais para o auto-exame e meditarmos nas coisas
de Deus. Quanto tempo cada crente reserva para este tipo de exercício
espiritual, isto é algo que deve julgar por si mesmo. Entretanto, o fato de
que este comportamento é bastante desejável parece evidente tanto das
Escrituras quanto da experiência. Vivemos em uma época caracterizada
por urgência e pressa. A agitação c o constante envolvimento nas atividades
66 Lucas 4.33-44

diárias mantêm as pessoas em perpétua ocupação e trazem grandes perigos


às suas almas. Negligenciar o hábito de retirar-se ocasionalmente dos
afazeres cotidianos é a provável causa de muita inconsistência e afastamento
que trazem escândalo à causa de Cristo. Quanto mais trabalho tivermos
para realizar, tanto mais devemos imitar nosso Senhor. Se Ele, em meio
às suas abundantes atividades, encontrou tempo para retirar-se do convívio
social, quanto mais devemos nós fazê-lo? Se o Senhor considerou necessária
esta prática, certamente ela tem de ser abundantemente mais necessária
aos seus discípulos.
Por último, devemos observar nesta passagem a declaração de nosso
Senhor a respeito do propósito de sua vinda ao mundo. Ele disse: “É
necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras
cidades, pois para isso é que fui enviado” . Expressões semelhantes a esta
devem silenciar para sempre as insensatas afirmativas proferidas contra a
pregação. O simples fato de que o eterno Filho de Deus realizou o ofício
de pregador deve convencer-nos de que a pregação é um dos mais valiosos
meios da graça. Revelam ignorância das Escrituras aqueles que dizem ser
a pregação menos importante do que a leitura de orações públicas e a
administração das ordenanças. Um notável fato na vida de nosso Senhor é
que, embora estivesse constantemente pregando, em nenhuma passagem
da Bíblia lemos a respeito de alguém sendo batizado por Ele. O testemunho
do apóstolo João é evidente quanto a este assunto: “Jesus mesmo não
batizava” (Jo 4.2).
Guardemo-nos de menosprezar a pregação. Durante toda a história
da igreja, a pregação tem sido o principal instrumento de Deus para vivificar
pecadores e edificar os santos. Nos dias em que houve pouca ou nenhuma
pregação, pouco ou nenhum benefício se fez na igreja. Temos de ouvir
sermões com uma atitude de oração e reverência, lembrando que eles
foram o principal instrumento que Cristo utilizou, quando esteve na terra.
E de-vemos orar diariamente para que Cristo forneça constantemente fiéis
pregadores da Palavra de Deus. A situação das igrejas sempre cor­
responderá à do púlpito.

A Disposição de Cristo
para Realizar Boas Obras;
A Pescaria Miraculosa
Leia Lucas 5.1-11

Nestes versículos encontramos uma história :omumente chamada


Lucas 5.1-11 67

de “apescaria miraculosa” . Este notável milagre apresenta dois aspectos:


primeiro, demonstra o domínio completo de nosso Senhor sobre a criação
animal. Os peixes foram tão obedientes a Ele quanto o foram as moscas,
as rãs, os piolhos e os gafanhotos nas pragas do Egito. Todos são servos
de Cristo e obedecem suas ordens. Segundo, existem similaridades entre
este milagre, realizado no início do ministério de Jesus, e aquele que Ele
realizou no final de seu ministério, após a sua ressurreição (Jo 21.11-14).
Em ambas as passagens, lemos sobre uma pescaria miraculosa. Em ambas,
Pedro ocupa um lugar proeminente no acontecimento. Em ambas, existem
profundas lições espirituais, as quais se destacam acima dos fatos descritos.
Inicialmente estes versículos nos mostram a incansável disposição
de nosso Senhor em fazer toda boa obra. Novamente encontramos Jesus
pregando a pessoas que O apertavam “para ouvir a palavra de Deus” . E
onde Ele pregava; não em um suntuoso templo ou prédio consagrado ao
culto público. Ele pregava ao ar livre. Não em um púlpito feito espe­
cialmente para uso do pregador, mas em um barco de pesca. As almas
esperavam para ser alimentadas. Jesus não levou em conta a inconveniência
pessoal. A obra de Deus tinha de ser realizada.
Os servos de Cristo devem aprender uma lição da atitude de nosso
Senhor nesta ocasião. Não devemos esperar até que pequenas dificuldades
ou obstáculos sejam removidos, antes de colocarmos nossas mãos à obra
e prosseguirmos semeando a palavra de Deus. Edifícios adequados podem
estar sempre em falta para reunir os ouvintes; freqüentemente não encon­
tramos salas apropriadas para acomodar as crianças a fim de lhes mi­
nistrarmos ensino. O que devemos fazer? Cruzar os braços? Deus não o
permita. Se não podemos fazer tudo que desejamos, façamos tudo que
podemos. Trabalhemos com as ferramentas que temos. Enquanto nos
demoramos, as almas perecem. O coração preguiçoso está sempre pensando
nos “espinhos” e no “leão” que “está lá fora” (Pv 15.19; 22.13). Onde
es-tamos, da maneira que somos, quer seja oportuno, quer não, utilizando
este ou aquele instrumento, por meio dos lábios ou da caneta, pregando
ou escrevendo, esforcemo-nos para estar sempre trabalhando para Deus.
Jamais fiquemos ociosos.
Em segundo, estes versículos nos mostram que encorajamento o
Senhor ministrou acerca da obediência inquestionável. Após ter pregado,
o Senhor ordenou a Pedro: “Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes
para pescar” . Ele ouviu uma resposta que demonstra, de maneira admirável,
a mentalidade de um bom servo. “Respondeu-lhe Simão: Mestre, havendo
trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra lançarei
as redes. ” E qual foi a recompensa desta espontânea anuência à ordem do
Senhor? O evangelista nos diz: “Isto fazendo, apanharam grande quantidade
de peixes; e rompiam-se-lhes as redes” .
68 Lucas 5.1-11

Não devemos duvidar que este simples acontecimento contém uma


lição prática para todos os crentes. Temos de aprender sobre a bênção de
manifestarmos uma obediência imediata e inquestionável aos mandamentos
do Senhor. O caminho do dever às vezes pode ser árduo e desagradável.
A sabedoria do caminho que determinamos seguir pode não ser evidente
para o mundo. Porém, coisa alguma deve nos impedir. Não temos de
consultar a carne ou o sangue. Devemos avançar firmemente quando Jesus
nos diz: “Vão”, fazendo com ousadia, determinação e sem vacilar aquilo
que Ele nos ordena, quando diz: “Façam-no” . Devemos andar pela fé e
não pelo que vemos, crendo que mais tarde entenderemos as coisas que
agora não percebemos como corretas e lógicas. Agindo deste modo jamais
acharemos que somos perdedores e, mais cedo ou mais tarde, des­
cobriremos que tivemos uma grande recompensa.
Em terceiro, estes versículos nos mostram que um intenso sentimento
da presença de Deus humilha o homem, levando-o a sentir sua peca-
minosidade. Isto é ilustrado de maneira notável nas palavras de Pedro,
quando a miraculosa pescaria o convenceu de que Alguém maior do que
os homens estivera com eles no barco. “Simão Pedro prostrou-se aos pés
de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador.”
Ao analisarmos estas palavras de Pedro, é claro que temos de lembrar
a ocasião em que foram pronunciadas. No máximo, ele era um bebê na
vida cristã, ainda possuía uma fé deficiente, era frágil em sua experiência
com Cristo e em seu conhecimento das coisas espirituais. Com certeza, se
isto tivesse ocorrido mais tarde em sua vida, ele teria dito: “Fica comigo,
não me deixes” . No entanto, apesar de chegarmos a esta conclusão, as
palavras de Simão Pedro expressam os primeiros sentimentos de um ho­
mem, quando ele é trazido a um contato íntimo com Deus. A percepção
da grandeza e da santidade divina o levam a sentir intensamente sua própria
insignificância e pecaminosidade. O primeiro pensamento deste homem é
esconder-se de Deus, assim como Adão após a Queda. À semelhança de
Israel no monte Sinai, a linguagem dele será: “Fala-nos tu, e te ouviremos;
porém não fale Deus conosco, para que não morramos” (Êx 20.19).
Esforcemo-nos para, a cada ano que vivemos, reconhecer mais e
mais nossa necessidade de um Mediador entre nós e Deus, procurando
compreender cada vez mais que, sem um Mediador, nossos pensamentos
a respeito de Deus jamais nos podem trazer consolo; e, quanto mais cla­
ramente nós O percebermos, tanto mais nos sentiremos desconfortáveis.
Sejamos gratos a Deus, porque em Jesus temos o Mediador que nossas
almas precisam e, por meio dEle, podemos nos achegar com ousadia a
Deus, lançando fora os nossos temores. Sem a mediação de Cristo, Deus
é um fogo consumidor. Em Cristo, Ele é um pai reconciliado. Sem Cristo,
o moralista pode tremer, enquanto vê a morte aproximar-se. Em Cristo, o
Lucas 5.1-11 69

maior dos pecadores pode achegar-se a Deus confiantemente e sentir paz


perfeita.
Por último, estes versículos nos mostram a promessa magnífica que
Pedro ouviu de Jesus: “Não temas; doravante serás pescador de homens” .
Podemos acreditar que esta promessa não tencionava referir-se somente a
Pedro, e sim a todos os apóstolos; e não apenas a estes, mas também a
todos os fiéis ministros do evangelho, que andam nos passos dos apóstolos.
Esta promessa foi proferida para oferecer-lhes encorajamento e consolação,
para sustentá-los diante do sentimento de fraqueza e inutilidade que às
vezes quase os derrota. Eles certamente possuem um tesouro em vasos de
barro (2 Co 4.7), têm as mesmas paixões que os outros; sentem que seu
coração é frágil e incapaz, tal como o de seus ouvintes. Eles são freqüen­
temente tentados a abandonar desesperados o ministério de pregação. Mas
a esta circunstância aplica-se a promessa, da qual o Cabeça da igreja
espera que eles dependam todos os dias; “Não temas; doravante serás
pescador de homens” .
Oremos diariamente suplicando por ministros que sejam verdadeiros
sucessores de Pedro e de seus companheiros, a fim de que preguem o
mesmo e completo evangelho e vivam a mesma vida santa que eles viveram.
Estes são os únicos ministros do evangelho que comprovarão serem
pescadores de homens bem-sucedidos. A alguns destes Deus pode conceder
mais honra do que a outros. Mas todos os fiéis pregadores do evangelho
têm o direito de acreditar que seu trabalho não será em vão. Talvez eles
pregarão a Palavra de Deus com muitas lágrimas, não vendo qualquer
resultado de seu trabalho. Entretanto, a Palavra de Deus não volta vazia
(Is 55.11). O último dia demonstrará que nenhum trabalho feito para
Deus foi desperdiçado. Todo fiel pescador de homens reconhecerá que as
palavras de Jesus lhe fizeram bem; “Doravante serás pescador de homens” .

A Cura de um Leproso;
O Zelo de Cristo Referente
à Oração em Particular
Leia Lucas 5.12-16

Nestes versículos vemos o poder de nosso Senhor sobre as doenças


incuráveis. “Um homem coberto de lepra” suplicou-Lhe alívio e foi
imediatamente curado. Este foi um poderoso milagre. Dentre as doenças
que afligem o corpo humano, a lepra parece ser muito severa. Ela aflige
a nossa constituição, trazendo feridas e decadência à pele, deterioração ao
70 Lucas 5.12-16

sangue e apodrecimento aos ossos. A lepra era a morte em vida, que


nenhum medicamento podia controlar. No entanto, nesta passagem lemos
sobre nm leproso que foi curado num instante. Com apenas um toque das
mãos do Filho de Deus a cura se realizou. Um simples toque daquela
poderosa mão, e, “no mesmo instante, lhe desapareceu a lepra” .
Nesta maravilhosa história, temos uma figura real do poder de Cristo
para salvar nossa alma. O que somos nós, senão leprosos aos olhos de
Deus? O pecado é uma enfermidade mortal pela qual todos estamos
contaminados. Ele tem devorado todo o nosso ser e afetado todas as nossas
faculdades. A consciência, o coração, a mente e a vontade estão com­
pletamente enfermados pelo pecado. Desde a planta de nossos pés até à
cabeça, não há em nós “coisa sã, senão feridas, contusões e chagas
inflamadas” (Is 1.6). Esta é a situação em que nascemos e o estado em
que naturalmente vivemos. Em certo sentido, já estamos mortos muito
antes de sermos colocados na sepultura. Nossos corpos podem estar
saudáveis e ativos, mas por natureza nossas almas estão mortas em ofensas
e pecados.
Quem nos livrará deste corpo de morte? Sejamos gratos a Deus,
porque Jesus Cristo pode nos livrar. Ele é o Médico divino que pode fazer
as coisas velhas passarem e tornar novas todas as coisas. A vida está
nEle. Em seu sangue, Jesus pode nos purificar completamente de todas as
impurezas do pecado. Pode despertar-nos e vivificar-nos por intermédio
de seu Espírito. Ele é capaz de purificar nosso coração, abrir os olhos de
nosso entendimento, renovar nossa vontade e restaurar-nos a saúde.
Guardemos esta verdade profundamente em nosso coração. Existe um re­
médio para curar nossa enfermidade. Se ainda estamos perdidos, não é
porque não podemos ser salvos. Ainda que nossos corações sejam corruptos
e nossa vida tenha sido gasta na impiedade, há esperança para nós no
evan-gelho. Não existe caso algum de lepra espiritual que Jesus não possa
curar.
Em segundo, vemos nestes versículos a prontidão de nosso Senhor
Jesus Cristo em ajudar os que se encontram verdadeiramente necessitados.
A súplica do leproso aflito foi muito comovente. Ele disse: “Senhor, se
quiseres, podes purificar-me” . A resposta que recebeu foi singularmente
cheia de graça e misericórdia. Imediatamente, nosso Senhor respondeu:
“Quero, fica limpo!”
A pequena palavra “quero” merece consideração especial. Ela é
uma mina profunda, rica em consolação e encorajamento para todas as
almas aflitas e sobrecarregadas. Essa palavra nos mostra os pensamentos
de Cristo em relação ao pecadores; expressa a sua infinita disposição de
fazer o bem aos filhos dos homens e mostrar-lhes compaixão. Sempre nos
lembremos disso: se os homens não são salvos, isto não acontece por falta
Lucas 5.12-16 71

de disposição da parte de Jesus para salvá-los. Ele não deseja que ninguém
pereça, e sim que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3.9). Ele deseja
que os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (1
Tm 2.4). O Senhor Jesus desejou ter reunido os filhos de Jerusalém,
assim como a galinha ajunta os seus pintinhos, se eles tão-somente
quisessem ser reunidos. Ele desejava, mas eles não quiseram (Mt 23.37).
A culpa pela ruína de um pecador tem de ser dele mesmo. Se ele se perder
para sempre, será culpa de sua própria vontade e não da vontade de Cristo.
Esta é uma verdade solene proferida pelos lábios de nosso Senhor:
“Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40).
Em terceiro, vemos nestes versículos o respeito que Jesus prestou
às cerimônias da lei de Moisés. Ele ordenou ao leproso: “Vai... mostra-
te ao sacerdote” , de acordo com as exigências apresentadas no livro de
Levítico, para que ele fosse oficialmente declarado limpo. O Senhor Jesus
também ordenou ao leproso: “Oferece, pela tua purificação, o sacrifício
que Moisés determinou” . Nosso Senhor bem sabia que as cerimônias da
lei mosaica eram apenas sombras e figuras das coisas excelentes que
estavam por vir e não tinham em si mesmas qualquer poder. Ele bem
sabia que estavam chegando os últimos dias das instituições levíticas e
que em breve elas seriam descartadas para sempre. Mas, enquanto não
tivessem sido ab-rogadas, o Senhor Jesus lhes prestaria respeito. Deus
mesmo as havia esta- belecido. Eram figuras e símbolos do evangelho.
Portanto, não deveriam ser menosprezadas.
Neste incidente temos uma lição que todos os crentes farão bem em
recordar. Tenhamos cuidado para que não desprezemos o cerimonial da
lei, devido ao fato de que seu propósito já se cumpriu. Estejamos atentos
para não negligenciarmos as partes da Bíblia que os apresentam, sob o
pretexto de que o crente evangélico não tem qualquer necessidade daquelas
coisas. É verdade que as trevas já passaram e agora a verdadeira luz
brilha (1 Jo 2.8). Não precisamos de altares, sacrifícios e sacerdotes.
Aqueles que pretendem ressuscitá-los estão acendendo uma vela à luz do
sol ao meio-dia. Porém, embora isto seja verdade, nunca devemos esquecer
que a lei cerimonial está repleta de instruções. Contém, em forma de
botão, o mesmo evangelho que agora conhecemos plenamente de­
sabrochado. Se a entendermos corretamente, veremos que a lei cerimonial
oferece explicações ao evangelho de Cristo. Aquele que lê a Bíblia e
negligencia o estudo da lei cerimonial descobrirá que tal negligência causou
prejuízos à sua alma.
Por último, vemos nestes versículos o zelo de nosso Senhor referente
à oração em particular. Embora “grandes multidões” afluíssem “para o
ouvirem e serem curadas de suas enfermidades”, Ele separou tempo para
a devoção pessoal. Ainda que Ele era santo e puro, não permitiria que seu
72 Lucas 5.12-16

ministério público diário O impedisse de ter comunhão particular com o


Pai. Ele “se retirava para lugares solitários e orava” .
Temos diante de nós um exemplo bastante esquecido nestes últimos
dias. Infelizmente, há poucos crentes que se esforçam para imitar Cristo
neste assunto da devoção particular. Existe abundância de ouvir, ler, pregar,
visitar, ajudar aos outros e muitas outras atividades espirituais. Entretanto,
existe juntamente com estas atividades a devida proporção na oração
particular? Os homens e as mulheres crentes mostram-se suficientemente
cuidadosos em ficar a sós com Deus? Estas são indagações perscrutadoras
e humilhantes. Acharemos proveitoso respondê-las.
Por que motivo existe tanta religiosidade aparente e tão pouco re­
sultado em verdadeiras conversões a Deus; tantos sermões pregados e tão
poucas almas salvas; tanta organização nas igrejas e tão pouco resultado;
tanta atividade e tão poucas pessoas sendo trazidas a Cristo? Por que tudo
isto? A resposta é curta e simples. Existe pouca devoção particular. A
causa de Cristo não precisa de menos atividades, mas entre os que nela
trabalham há necessidade de mais oração. Examinemos a nós mesmos e
acertemos nossas atitudes. Os trabalhadores mais bem-sucedidos na vinha
de Cristo são aqueles que, assim como seu Senhor, com freqüência dobram
muito seus joelhos.

A Cura de um Paralítico
Leia Lucas 5.17-26

Nestes versículos, um milagre triplo atrai nossa atenção. Na mesma


ocasião, vemos o Senhor Jesus perdoando pecados, lendo os pensamentos
dos homens e curando um paralítico. Aquele que fez estas coisas, com
perfeição e autoridade, com certeza era o próprio Deus. Um poder como
este jamais foi possuído por qualquer homem.
Primeiramente devemos observar nesta passagem o esforço que
homens podem fazer quando estão seriamente interessados a respeito de
alguma coisa. Os amigos de um paralítico queriam trazê-lo a Jesus, para
ser curado. A princípio, foram incapazes de fazer isto, por causa da
multidão que cercava o Senhor. Então, o que eles fizeram? “Subindo ao
eirado, o desceram no leito, por entre os ladrilhos, para o meio, diante de
Jesus.” O objetivo deles foi alcançado. A atenção de nosso Senhor foi
atraída ao paralítico, e este foi curado. Através de esforço, trabalho árduo
e perse-verança, seus amigos foram bem-sucedidos em conseguir que ele
recebesse a grande bênção da cura completa.
Lucas 5.17-26 73

A importância de esforço e diligência é uma verdade que percebemos


em todas as áreas de nosso viver. Em toda profissão, serviços e negócios,
o esforço é um grande segredo do sucesso. O homem prospera não por
causa de sorte ou coincidência, e sim por causa de trabalho árduo. Os
negociantes e os banqueiros não acumulam fortunas sem trabalho e
dificuldades. Os advogados e os médicos adquirem experiência somente
por meio de estudo e diligência. Este é um princípio com o qual todos os
filhos do mundo estão perfeitamente acostumados. Uma de suas máximas
favoritas é “sem esforço não há resultados” .
Devemos entender completamente que o esforço e a diligência são
essenciais tanto ao bem-estar e prosperidade de nossa alma quanto ao de
nosso corpo. Em todo nosso empenho para nos achegarmos a Deus e nos
aproximarmos de Cristo, temos de mostrar a mesma seriedade resoluta
demonstrada pelos amigos deste paralítico. Não podemos deixar que difi­
culdade alguma nos impeça e nenhum obstáculo nos prive de fazer aquilo
que realmente contribui para o bem de nossa alma. Em especial, temos de
manter isto em nossa mente quando nos referimos ao assunto de ler regu­
larmente a Bíblia, ouvir a pregação da Palavra de Deus, observar o dia do
Senhor e dedicar-nos à oração particular. Em todos estes assuntos,
precisamos estar alerta contra a preguiça e a atitude de ficar apresentando
desculpas. A necessidade tem de ser aquilo que nos motiva a descobrir as
maneiras para mantermos estes hábitos. Se não podemos praticá-los de
uma maneira, devemos descobrir outras maneiras para mantê-los. Mas
precisamos determinar em nossa mente que os realizaremos. A saúde de
nossa alma está em jogo. Devemos preservar tais hábitos, ainda que este­
jamos passando por inúmeras dificuldades. Se os filhos deste mundo se
esforçam tanto em busca de uma recompensa corruptível, temos de nos
empenhar muito mais em busca da coroa incorruptível.
Por que os crentes se esforçam tão pouco em sua vida espiritual?
Por que eles nunca acham tempo para orar, ler a Bíblia e ouvir a pregação
da Palavra de Deus? O que justifica sua constante atitude de se desculparem
por negligenciarem os meios da graça? Como podemos explicar que homens
tão zelosos em assuntos relacionados a dinheiro, negócios, prazeres, política
não fazem nenhum esforço em benefício de sua alma? A resposta a estas
indagações é simples e curta. Estes homens não pensam com seriedade a
respeito de sua salvação. Não percebem qualquer enfermidade espiritual.
Não têm consciência de que necessitam de um Médico espiritual; não
sentem que sua alma corre o risco de perecer eternamente. Não vêem
utilidade em se esforçarem no que se refere à sua vida espiritual. Em
trevas como estas, milhares de pessoas vivem e morrem. Realmente felizes
são aqueles que reconheceram o perigo em que estavam e consideraram
tudo como perda, para ganhar a Cristo e serem achados nEle.
74 Lucas 5.17-26

Em segundo, devemos observar nesta passagem a bondade e a


compaixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Duas vezes Ele falou com bastante
ternura ao infeliz paralítico que estava diante dEle. A princípio, Jesus
dirigiu-lhe as maravilhosas e comoventes palavras: “Homem, estão per­
doados os teus pecados” . Em seguida, acrescentou palavras que, no aspecto
de produzir conforto, eram secundárias à bênção do perdão. Ele disse ao
paralítico: “Levanta-te, toma o teu leito e vai para casa”. Primeiramente,
Jesus deu-lhe certeza de que sua alma estava curada. Depois, afirmou-lhe
que seu corpo estava curado e o mandou para casa regozijando-se.
Sempre recordemos este aspecto do caráter de nosso Senhor. A
amável bondade de Cristo para com seu povo nunca muda ou falha. É um
poço profundo do qual ninguém jamais achará o início. As águas deste
poço começaram a jorrar desde a eternidade, antes que os membros do
povo de Deus existissem. A amável bondade de nosso Senhor os escolheu,
os chamou e os vivificou, quando estavam mortos em delitos e pecados.
Ela os atraiu a Deus, transformou o caráter deles, outorgou-lhes uma
nova vontade e colocou em seus lábios um novo cântico. A amável bondade
de nosso Senhor os suportou em toda a sua obstinação e pecados e jamais
permitirá que se afastem de Deus. Ela fluirá para todo o sempre, assim
como um rio caudaloso, durante as intermináveis eras da eternidade. O
amor e a mise-ricórdia de Cristo têm de ser a segurança do pecador,
quando ele inicia a jornada cristã; e será sua única garantia quando
atravessar o rio tenebroso, para entrar em seu lar. Por experiência íntima,
procuremos conhecer este amor e valorizá-lo cada vez mais. Permitamos
que este amor nos impulsione continuamente a viver não para nós mesmos,
e sim para Aquele que morreu e ressuscitou por nós.
Por último, devemos observar nesta passagem o perfeito conhecimento
de nosso Senhor no que se refere aos pensamentos dos homens. Quando
os escribas e fariseus começaram a arrazoar secretamente, acusando-0 de
blasfêm ias, o Senhor Jesus sabia o que eles realm ente eram e os
envergonhou publicamente. O relato de Lucas nos diz que Jesus conhecia-
lhes os pensamentos.
Devemos pensar diariamente sobre o fato de que nada podemos
ocultar de Cristo. A Ele aplicam-se as palavras da carta a os Hebreus: “E
não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário,
todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem
temos de prestar contas” (Hb 4.13). Pertencem-Lhe as afirmações do
Salmo 139, que todo crente deve estudar com freqüência. Não existe
qualquer palavra em nossos lábios, ou qualquer imaginação em nossas
mentes, que Ele não saiba completamente (SI 139.4).
Quanta perscrutação íntima este pensamento deve suscitar em nós.
Cristo sempre nos vê e nos conhece. Todos os dias Ele observa nossas
Lucas 5.17-26 75

atitudes, pensamentos e palavras. Recordar esta verdade deveria alarmar


os ímpios e levá-los a abandonar seus pecados. Sua impiedade não está
oculta e, um dia, será completamente manifestada, a menos que se arrepen­
dam. Isto deveria causar pavor nos hipócritas, devido à sua hipocrisia.
Talvez eles enganem os homens, mas não estão enganando a Cristo. Isto
deve trazer conforto e ânimo a todos os verdadeiros crentes. Estes devem
lembrar que um amável Senhor os contempla e devem viver cientes deste
fato. Acima de tudo, devem reconhecer que, embora sejam desprezados e
zombados pelo mundo, eles são justa e corretamente avaliados pelo seu
Senhor. Podem dizer: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu
te amo” (Jo 21.17).

A Chamada de Levi;
A Festa que Este Realizou na Ocasião
Leia Lucas 5.27-32

Os versículos que agora consideramos devem ser importantes para


todos aqueles que conhecem o valor de sua alma imortal e desejam a
salvação. Descrevem a conversão e a experiência de um dos primeiros
discípulos de Cristo. Por natureza, todos nascemos em pecado e precisamos
de conversão. Vejamos o que sabemos a respeito desta gloriosa mudança.
Comparemos nossa experiência com a de Mateus, descrita nesta passagem;
e, através desta comparação, aprendamos sabedoria.
Estes versículos nos ensinam o poder da graça de Cristo em chamar
os homens. Lemos que o Senhor Jesus chamou o publicano Levi, para se
tornar um dos seus discípulos. Este homem pertencia a uma classe de
pessoas que, entre os judeus, era uma indicação para retratar a impiedade.
Apesar disso, nosso Senhor o chamou: “Segue-me” . O relato continua
nos mostrando a poderosa influência que acompanhou estas palavras de
nosso Senhor, ao afirmar que, embora Levi estivesse “assentado na
coletoria” , logo ao ser chamado, “ele se levantou e, deixando tudo,
...seguiu” a Cristo, tornando-se um de seus discípulos.
Após lermos esta história, não devemos desesperar quanto à conversão
de alguém, enquanto vivermos. Jamais devemos dizer a alguém que ele é
muito ímpio, endurecido de coração ou mundano, para tornar-se um
seguidor de Cristo. Não existem pecados tão inumeráveis e tão corruptos,
que não possam ser perdoados por Cristo. Nenhum coração é tão perverso
para ser transformado. Aquele que chamou Levi continua sendo o mesmo,
ainda que se tenham passado 2000 anos. Com Cristo nada é impossível.
76 Lucas 5.27-32

E qual é a nossa situação? Afinal de contas, esta é a questão mais


importante. Estamos esperando, demorando-nos e retardando nossa
resposta de seguir a Cristo, por causa da idéia de que a cruz é muito pe­
sada e de que não podemos servir a Cristo? Rejeitemos tais pensamentos
imediatamente e para sempre. Creiamos que Cristo pode nos capacitar,
por meio do Espírito Santo, a deixar tudo e nos afastarmos do mundo.
Lembremos: Aquele que chamou Levi nunca muda. Devemos tomar a
nossa cruz ousadamente e seguir adiante.
Em segundo, estes versículos nos ensinam que a conversão é um
motivo de alegria para o crente. Quando Levi se converteu, ofereceu a
Jesus “um grande banquete em sua casa” . Um banquete é uma ocasião de
regozijo e alegria (ver Ec 10.19). Levi considerou a mudança ocorrida
em sua vida como uma ocasião de regozijo e desejou que outros se
alegrassem com ele.
Facilmente podemos imaginar que a conversão de Levi foi um motivo
de tristeza para seus amigos mundanos. Eles o viram desprezar uma
próspera carreira para seguir um novo Mestre de Nazaré. Sem dúvida,
aqueles amigos reputaram o ato de Levi como uma tolice e uma ocasião
de tristeza, em vez de alegria. Eles levaram em conta as perdas temporais
que resultariam da conversão de Levi a Cristo. Eles não sabiam nada a
respeito dos benefícios espirituais. Existem muitas pessoas semelhantes a
estes amigos. Sempre existem multidões que, se ouvem alguma coisa a
respeito de converterem-se, consideram isto uma infelicidade. Ao invés
de se alegrarem, meneiam suas cabeças e murmuram em reclamação.
Devemos gravar em nossos corações o fato de que Levi fez bem em
regozijar-se; e, se já somos convertidos, devemos também nos alegrar.
Nenhum outro acontecimento pode causar tanta alegria em uma pessoa
quanto a sua conversão. É mais importante do que casar-se, tomar-se
maior de idade, ser uma pessoa nobre ou receber uma grande fortuna. A
conversão é o nascimento de uma alma imortal; significa o resgate de uma
alma do inferno. A conversão é o passar da morte para a vida, ser cons­
tituído rei e sacerdote para sempre; significa receber as provisões espirituais
necessárias tanto para esta época quanto para a eternidade e ser adotado
na mais nobre e rica de todas as famílias, a família de Deus. Não devemos
nos importar com aquilo que o mundo pensa a respeito deste assunto. Eles
falam mal sobre aquilo que não conhecem. Juntamente com Levi, con­
sideremos cada nova conversão como uma oportunidade de intenso
regozijo. Esta alegria e satisfação deve ser manifestada sempre que nossos
filhos, ou filhas, ou irmãos, ou irmãs, ou amigos nascem de novo e são
trazidos a Cristo. Recordemos as palavras do pai do filho pródigo: “Era
preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse teu irmão
estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (Lc 15.32).
Lucas 5.27-32 77

Em terceiro, estes versículos nos ensinam que os convertidos desejam


promover a conversão de outros. Somos informados que, após converter-
se, Levi ofereceu um banquete e convidou “numerosos publicanos” para
dele compartilhar. Provavelmente, muitos desses homens eram seus velhos
amigos e companheiros. Ele conhecia bem a necessidade das almas daquelas
pessoas, pois havia sido uma delas. Desejou fazê-las conhecer o Salvador,
que havia sido misericordioso para com ele. Visto que achara misericórdia,
queria que outros também a encontrassem. Uma vez que ele foi gracio­
samente liberto da escravidão ao pecado, desejou que outros também fossem
libertos.
Um verdadeiro crente sempre demonstrará este mesmo sentimento
de Levi. Podemos dizer com segurança que não existe graça divina no
homem que não se preocupa com a salvação de seus companheiros. O
coração realmente ensinado pelo Espírito Santo sempre estará cheio de
amor, bondade e compaixão. A alma que foi chamada por Deus desejará
ardentemente que outros tenham a mesma chamada. Um homem salvo
não desejará ir sozinho para o céu.
Qual tem sido a nossa atitude em relação a este assunto? Conhecemos
por experiência própria a atitude de Levi após sua conversão? Nos
esforçamos para que nossos amigos e parentes conheçam a Jesus? Falamos
a outras pessoas aquilo que Moisés disse a Hobabe: “Vem conosco, e te
faremos bem ” (Nm 10.29)? Assim como a mulher samaritana, dizemos
aos outros: “Vinde comigo e vede um homem que me disse tudo quanto
tenho feito” (Jo 4.29)? Clamamos aos nossos parentes, assim como André
o fez a Simão: “Achamos o Messias” (Jo 1.41)? Estas são perguntas
importantíssimas. Fornecem um teste bastante perscrutador quanto à
verdadeira condição de nossa alma. Não evitemos aplicá-las a nós mesmos,
pois não existe muito do espírito missionário entre os crentes. Não devemos
nos satisfazer em estar seguros. Temos de procurar fazer o bem aos outros.
Nem todos podem levar o evangelho a terras distantes, mas todo crente
precisa esforçar-se para ser um missionário entre seus companheiros, Tendo
recebido misericórdia, não devemos ficar quietos.
Por último, estes versículos nos ensinam um dos principais objetivos
da vinda de Cristo ao mundo. Nós o encontramos nas famosas palavras:
“Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” . Esta é a
grande mensagem do evangelho, a qual, de uma forma ou de outra, encon­
tramos ensinada em todo o Novo Testamento. É uma lição que jamais
será demasiadamente firmada em nossa mente. Nossa justiça própria e
nossa ignorância referente às coisas espirituais é tão grande, que
constantemente perdemos de vista esta lição. Com freqüência precisamos
ser lembrados que Jesus não veio a este mundo apenas como um simples
Mestre, e sim como o Salvador daqueles que estavam completamente
78 Lucas 5.27-32

perdidos e daqueles que confessam ser pessoas miseráveis, desamparadas,


corrompidas e arruinadas. Somente estes podem receber os benefícios do
Salvador.
Utilizemos esta verdade como se nunca a tivéssemos utilizado. Somos
sensíveis à nossa impiedade e pecaminosidade? Sentimos que somos
indignos de qualquer coisa e só merecemos ira e condenação? Então,
devemos entender que somos as pessoas em benefícios das quais Jesus
veio ao mundo. Se nos consideramos justos, o Senhor Jesus nada tem a
dizer para nós. Se nos consideramos pecadores, Cristo nos chama ao
arrependimento. Não permitamos que esta chamada seja feita em vão.
Prossigamos utilizando esta poderosa verdade, se já a utilizamos
antes. Reconhecemos que nossos corações são frágeis e enganosos?
Percebemos que, “ao querer fazer o bem” , encontramos “a lei de que o
mal reside” em nós (Rm 7.21)? Tudo isto pode ser verdade, mas não deve
nos impedir de descansarmos em Cristo. Ele “veio ao mundo para salvar
os pecadores” . E, se nos vemos nesta situação, podemos nos apropriar
com segurança desta verdade, confiando nEle até ao final de nossa vida.
Somente não devemos nos esquecer disto: Cristo veio para chamar-nos ao
arrependimento e não para sancionar nossa permanência no pecado.

Cristo, o Noivo;
Vinho Novo, Odres Novos
Leia Lucas 5.33-39

Primeiramente, devemos observar nestes versículos que os crentes


podem discordar em certos assuntos espirituais, enquanto concordam em
outros. Isto é ressaltado na suposta diferença que havia entre os discípulos
de Cristo e os de João Batista. O assunto foi apresentado ao Senhor: “Os
discípulos de João e bem assim os dos fariseus freqüentemente jejuam e
fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem” .
Não devemos supor que havia qualquer diferença essencial na doutrina
ensinada por esses dois grupos de discípulos. Os ensinos ministrados por
João Batista eram claros e específicos em todos os aspectos importantes à
salvação. O homem que disse a respeito de Jesus: “Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo” certamente não ensinaria aos seus
discípulos qualquer coisa contrária ao evangelho. Ao ensino de João Batista
é claro que faltava a plenitude e a perfeição dos ensinos de seu divino
Senhor, mas é absurdo supor que um contradiria o outro. Entretanto,
havia algumas questões práticas em que os discípulos de João discordavam
Lucas 5.33-39 79

dos discípulos de Cristo. Embora concordassem a respeito da necessidade


de arrependimento, da santidade e da fé, eles discordavam sobre jejuar,
comer, beber e maneiras de adoração pública. Eram unânimes de coração,
esperança e objetivo a respeito dos sublimes assuntos relacionados à espi­
ritualidade íntima, mas não eram concordes no que se referia a alguns
aspectos exteriores da vida cristã.
Enquanto o mundo existir, veremos diferenças dessa natureza entre
os crentes. Devemos lamentá-las, visto que favorecem os ignorantes e
preconceituosos. Mas elas existem, sendo uma das evidências de nossa
condição pecaminosa. No que se refere à forma de governo da igreja, à
maneira de celebrarmos o culto, aos jejuns, a comer, às cerimônias e aos
dias santos, os crentes jamais foram completamente unânimes, desde os
dias dos apóstolos. Em todos estes assuntos, os mais santos e competentes
servos de Deus chegaram a diferentes conclusões. Argumentação, ra­
ciocínio, persuasão, perseguição — todos se mostraram incapazes de
produzir unidade.
Entretanto, tributemos glória a Deus porque há muitos pontos em
que todos os verdadeiros servos de Cristo estão em completa harmonia.
No que se refere ao pecado, ao arrependimento, à fé e a santidade, existe
uma profunda unidade entre todos os crentes, em cada país, língua, povo
e nação. Valorizemos intensamente estes assuntos em nossa vida espiritual.
Acima de tudo, estas são as coisas principais sobre as quais devemos
pensar na hora da morte e no Dia do Juízo. Nos outros assuntos, podemos
discordar. Aquilo que pensamos sobre jejuar, comer, beber e cerimônias
terá pouca importância no último dia. Você se arrependeu e está produzindo
frutos dignos de arrependimento? Já contemplou pela fé o Cordeiro de
Deus e O recebeu como Salvador? Todos que forem achados corretos
nestes assuntos serão salvos para sempre.
Em segundo, devemos observar nestes versículos o nome pelo qual
o Senhor Jesus referiu-se a Si mesmo. Duas vezes Ele utilizou as palavras
“o noivo” . Esta expressão, assim como todas as outras que se reportam a
Jesus na Bíblia, está repleta de ensinos. Conforta e encoraja de maneira
especial todos os verdadeiros crentes. Fala-nos sobre o profundo e temo
amor que Jesus manifesta para todos os pecadores que crêem nEle. Embora
sejam fracos, indignos e imperfeitos, Cristo demonstra terna afeição para
com eles, assim como o esposo o faz em relação a sua esposa. Esta
expressão nos ensina sobre a íntima união que existe entre Jesus e os
crentes. É uma união muito mais íntima do que a existente entre um rei e
seus súditos, um senhor e seus escravos, um professor e seus alunos, o
pastor e suas ovelhas. É a mais íntima de todas as uniões, a união entre o
esposo e a esposa — a união sobre a qual está escrito: “O que Deus
ajuntou não o separe o homem” .
80 Lucas 5.33-39

Acima de tudo, esta expressão nos ensina a completa participação


em tudo que Jesus é e possui, o que na realidade é o grande privilégio de
todo crente. Assim como o marido dá seu nome à esposa, torna-a par­
ticipante de seus bens, casa, dignidade e assume todos os seus débitos,
assim também Cristo age em relação a todos os verdadeiros crentes. Ele
toma sobre Si mesmo todos os pecados deles; declara que tornam-se parte
dEle mesmo e afirma que, se alguém lhes magoa, está magoando a Ele
mesmo. Jesus outorga aos crentes coisas que ultrapassam todo o en­
tendimento humano. E promete que, no mundo vindouro, os crentes se
assentarão com Ele na glória e de sua presença jamais sairão.
Se conhecemos alguma coisa referente à genuína vida espiritual,
que nos traz salvação, sempre descansemos nossa alma neste nome e
ofício de Cristo. Lembremos todos os dias que os mais frágeis membros
do corpo de Cristo desfrutam de um cuidado que ultrapassa todo en­
tendimento; e, quem os afligir, está afligindo a menina dos olhos de Cristo.
Neste mundo, talvez sejamos considerados pobres, desprezíveis e as pessoas
escarneçam de nós, por causa de nosso cristianismo. Mas, se temos fé,
somos preciosos aos olhos de Cristo. O noivo de nossas almas um dia
pleiteará nossa causa diante de todo o mundo.
Por último, devemos observar nestes versículos a gentileza e a ternura
que Jesus espera seu povo demonstre ao lidar com os crentes novos e
inexperientes. Ele nos ensina esta lição por meio de duas parábolas,
extraídas da vida cotidiana. Ele nos fala sobre a tolice de se costurar “um
pedaço de veste nova... em veste velha” e de se colocar “vinho novo em
odres velhos” . De maneira semelhante, Ele desejava soubéssemos que
existe falta de harmonia entre a nova e a velha dispensação. É inútil espe­
rarmos que aqueles que estavam acostumados com o ensino do velho
sistema se tornem imediatamente acostumados com outro sistema. Pelo
contrário, eles precisam ser treinados progressivamente e ensinados na
proporção em que são capazes de entender.
Esta é uma lição que todos os crentes fariam bem se guardassem em
seu coração, em especial os ministros do evangelho e os pais crentes.
Esquecê-la com freqüência causa muito prejuízo à causa da verdade.
Julgamentos severos e expectativas ilógicas dos crentes mais antigos
freqüentemente têm desanimado e desencorajado os novos aprendizes da
escola de Cristo.
Gravemos em nossa mente o fato de que a graça de Deus deve ter
um início no coração de todo crente e que não temos qualquer direito de
afirmar que uma pessoa não possui a graça de Deus em seu coração,
somente porque não produz frutos imediatamente. Não esperamos que
uma criança realize a obra de uma pessoa adulta, embora saibamos que
um dia o fará, se viver o bastante para isto. Não devemos esperar que o
Lucas 5.33-39 81

recém-convertido demonstre a mesma fé de um velho soldado da cruz. O


recém-convertido pode tomar-se, pouco a pouco, um poderoso defensor
da verdade. No entanto, precisamos dar-lhe tempo. Existe grande
necessidade de sabedoria em lidar com os jovens no que se refere à sua
vida espiritual e, falando de maneira geral, em lidar com todos os crentes
novos. Bondade, paciência e gentileza são importantíssimas neste assunto.
Não devemos tentar colocar o vinho novo com muita rapidez, pois este
transbordará. Devemos tratá-los com cuidado e conduzi-los com gentileza.
Temos de ficar alerta para não deixá-los apavorados ou nos apressarmos
em inculcar-lhes apressadamente as verdades espirituais. Se eles apenas
assimilaram os princípios fundamentais do evangelho, não os consideremos
pessoas ímpias, por causa de assuntos menos importantes. Devemos
suportar as imperfeições e fraquezas, não esperando mentalidade madura
em pessoas jovens ou colher maturidade daqueles que ainda são bebês.
Havia profunda sabedoria na afirmação de Jacó: “Se forçadas a caminhar
demais um só dia, morrerão todos os rebanhos” (Gn 33.13).

Os Discípulos Colhem Espigas no Sábado;


Jesus, o Senhor do Sábado
Leia Lucas 6.1-5

Inicialmente, esta passagem nos mostra que excessiva importância


os hipócritas atribuem a coisas triviais. O relato nos diz que em
determ inado sábado nosso Senhor estava passando “pelas searas” .
Enquanto O seguiam, “seus discípulos colhiam e comiam espigas,
debulhando-as com as mãos” . De imediato, os fariseus hipócritas culparam-
nos e os acusaram de cometer um pecado. Eles perguntaram: “Por que
fazeis o que não é lícito aos sábados?” É evidente que o simples ato de
colher as espigas não os tornava culpados. Era algo sancionado pela lei de
Moisés (Dt 23.25). O suposto pecado do qual eles foram acusados consistia
na quebra do quarto mandamento. Os discípulos de Cristo haviam
trabalhado no sábado, ao debulharem e comerem um pouco dos grãos.
Este zelo exacerbado dos fariseus a respeito do sábado, temos de
lembrar, não se aplicava aos outros mandamentos mais evidentes da lei de
Deus. Muitas outras afirmações do evangelho deixam claro que estes
homens, que pretendiam ser tão corretos em um aspecto, eram relaxados
e indiferentes em outras questões infinitamente mais importantes. Ao
mesmo tempo que ampliavam o mandamento concernente ao sábado,
82 Lucas 6.1-5

tirando-lhe o verdadeiro significado, eles publicamente desprezavam o


décimo mandamento através de sua notória avareza (Lc 16.14). Esta é
exatamente a principal característica dos hipócritas. Servindo-nos de uma
ilustração do próprio Senhor Jesus, em algumas coisas os hipócritas são
zelosos em coar um mosquito, mas em outras eles engolem um camelo
(Mt 23.24).
Um péssimo sintoma do estado em que se encontra a alma de alguém
se manifesta quando ele começa a relegar a segundo plano coisas espirituais
que devem estar em primeiro lugar e vice-versa, ou quando ele coloca as
coisas instituídas por homens acima das estabelecidas por Deus. Tenhamos
cuidado para não cair nesse tipo de atitude. Demonstramos existir algo
tristemente incorreto em nossa situação espiritual sempre que levamos em
conta apenas as coisas exteriores daqueles que se declaram cristãos e
sempre que nossa principal indagação é se eles cultuam a Deus em nossa
igreja e O servem da mesma maneira que o fazemos. Eles realmente se
arrependeram de seus pecados? Eles crêem em Cristo? Estão vivendo vi­
das santas? Estes são os assuntos sobre os quais devemos concentrar nossa
atenção. Quando começamos a colocar em primeiro lugar qualquer outra
coisa, ao invés destas, corremos o risco de nos tornarmos como os fariseus
e acusadores dos seguidores de Cristo.
Em segundo, esta passagem nos mostra a maneira graciosa como
nosso Senhor defendeu a causa de seus discípulos perante seus acusadores.
Ele respondeu a objeção ardilosa dos fariseus utilizando argumentos que,
se não os deixou convencidos, pelo menos os silenciou. O Senhor Jesus
não deixou seus discípulos lutarem sozinhos. Socorreu-os e advogou sua
causa.
Neste acontecimento temos uma ilustração admirável da obra que
Ele sempre realiza em favor de seu povo. Existe alguém que a Bíblia
chama de “o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e
de noite” (Ap 12.10), ou seja, o próprio Satanás, o príncipe deste mundo.
Quantos motivos de acusação oferecemos a Satanás, por causa de nossa
imperfeição. Quantas acusações ele corretamente lança contra nós diante
de Deus. No entanto, sejamos gratos a Deus, porque nós, crentes, “temos
Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 Jo 2.1), que está sempre
pleiteando a causa de seu povo nos céus e continuamente intercedendo
por eles. Devemos nos sentir confortados por este pensamento. Todos os
dias, descansemos nossa alma, recordando que temos um grande Amigo
no céu. Seja esta a nossa oração matutina e vespertina: “Responde-o por
mim, responde-o, ó Senhor, meu Deus!”
Por último, esta passagem nos mostra a clareza com que Jesus falou
sobre as verdadeiras exigências do quarto mandamento. Aos fariseus
hipócritas, que pretendiam ser tão rigorosos quanto à observância do
Lucas 6.1-5 83

sábado, Ele disse que este mandamento jamais havia sido dado para impedir
obras de necessidade. Ele os fez recordar que o próprio Davi, quando
teve fome, tomou e comeu os pães da proposição, que poderiam ser comidos
apenas pelos sacerdotes, e que essa atitude foi permitida por Deus, porque
era uma obra necessária. Jesus também argumentou, citando o caso de
Davi, que Deus permitira serem infringidas as normas de seu templo, em
casos de necessidade; esse mesmo Deus sem dúvida permitiria que obras
verdadeiramente necessárias fossem realizadas em seu sábado.
Devemos avaliar com atenção o caráter do ensino de nosso Senhor a
respeito da observância do sábado, tanto nesta quanto em outras passagens
dos evangelhos. Não podemos nos deixar iludir pela idéia de que o dia de
descanso é simplesmente uma ordenança judaica, que foi abolida e rejeitada
pelo Senhor Jesus. Não existe qualquer passagem nos evangelhos que
comprove isso. Sempre que encontramos nosso Senhor falando sobre o
dia de descanso, Ele fala contra os falsos conceitos ensinados pelos fariseus
no que se referia ao sábado; Ele não falava contra a obediência ao quarto
mandamento. Ele purificou o ensino sobre este mandamento, retirando as
adições com as quais os judeus o haviam contaminado; todavia, Jesus
nunca declarou que o crentes não têm o dever de observar o quarto
mandamento. Mostrou que o descanso do sétimo dia não tinha o objetivo
de impedir a realização de obras de necessidade e misericórdia, mas nada
afirmou para deixar implícito que a observância do quarto mandamento
teria de findar, como parte da lei cerimonial.
Vivemos numa época em que uma rigorosa obediência do quarto
mandamento é publicamente denunciada, em algumas alas dos evangélicos,
como um remanescente da superstição judaica. Com ousadia, alguns
asseveram que é correto considerarmos santo o dia de descanso, mas
forçar os crentes a obedecer o quarto mandamento significa um retorno à
servidão. Porém, devemos guardar em nosso coração o fato de que o
quarto mandamento jamais foi rejeitado por Cristo e de que não temos
direito de quebrar esta ordenança na época do Novo Testamento, assim
como não temos o direito de assassinar ou roubar. O arquiteto que
administra reparos em um edifício e o restaura para sua adequada utilização
não é o destruidor e sim o preservador de tal edifício. O Salvador que re­
dimiu o sábado, purificando-o das tradições judaicas e, com freqüência,
explicou seu verdadeiro significado nunca deve ser reputado como inimigo
do quarto mandamento. Pelo contrário, Ele o magnificou e o tornou digno
de honra.
Sejamos firmes em observar nosso dia de descanso, servindo-nos
dele como um instrumento para preservar nossa vida espiritual. Guardemo-
nos das investidas de homens ignorantes e astuciosos, que irrefletidamente
transformam o dia do Senhor em um dia de negócios e prazeres. Acima
84 Lucas 6.1-5

de tudo, esforcemo-nos para preservar como santo o dia do Senhor, A


prosperidade de nossa vida espiritual depende da maneira como utilizamos
o domingo.

A Cura do Homem da Mão Ressequida;


Defendendo a Prática
de Fazer o Bem no Dia do Senhor
Leia Lucas 6.6-11

Estes versículos contêm outro exemplo da maneira de nosso Senhor


lidar com a questão do quarto mandamento. Novamente O encontramos
em confrontação com as vãs tradições dos fariseus referentes a este man­
damento. Uma vez mais, vemos o Senhor Jesus purificando o dia do
Senhor, removendo as impurezas da tradição humana e apresentando as
corretas exigências deste mandamento.
Estes versículos nos ensinam que é lícito fazer obras de misericórdia
no dia do Senhor. Somos informados que, diante de escribas e fariseus,
no sábado nosso Senhor curou um homem que tinha uma de suas mãos
ressequida. Ele sabia que estes inimigos de toda a justiça estavam
“procurando ver se ele faria uma cura no sábado, a fim de acharem de
que o acusar” . Jesus ousadamente afirmou que era lícito realizar tais obras
de misericórdia, mesmo no dia sobre o qual Deus havia dito: “Não farás
nenhum trabalho” . Ele francamente os desafiou a demonstrarem que esse
tipo de obra contrariava a lei. Jesus lhes perguntou: “Que vos parece? É
lícito, no sábado, fazer o bem ou o mal? Salvar a vida ou deixá-la perecer?”
Os seus inimigos foram incapazes de responder esta pergunta.
O princípio aqui estabelecido possui ampla aplicação. O quarto
mandamento jamais teve a intenção de ser interpretado como algo que
prejudicaria o corpo das pessoas. Esse mandamento admitia ser adaptado
ao estado de coisas que o pecado trouxera à raça humana. Não tinha o
objetivo de proibir que as pessoas manifestassem bondade aos aflitos no
dia de descanso ou atendessem às necessidades dos enfermos. Podemos
ministrar conforto a um enfermo, nos ausentando do culto dominical, a
fim de procurar atendimento médico, ou sermos úteis assistindo a alguém
que está doente, ou visitar órfãos e viúvas em dificuldades, ou pregar e
ensinar o evangelho aos incrédulos. Estas são obras de misericórdia.
Podemos fazê-las e, assim mesmo, santificar o dia do Senhor. Realizando-
as, não estaremos desobedecendo a lei de Deus.
No entanto, algo precisa ser cuidadosamente lembrado. Devemos
Lucas 6.6-11 85

ter cuidado para não abusarmos da liberdade que recebemos de Cristo. É


nisto que se encontra nosso maior perigo, nos tempos modernos. Existe
pouco risco de cometermos o mesmo erro dos fariseus, guardando o do­
mingo de maneira mais rigorosa do que Deus nos ordenou. O que devemos
temer é a disposição habitual de negligenciar o dia do Senhor, roubando-
o da honra que devemos tributar-lhe. Cuidemos de nós mesmos nesta
questão. Estejamos atentos para não transformarmos o dia do Senhor em
um dia de visitas, festas, viagens e prazeres coletivos. Estas não são obras
de misericórdia e necessidade, apesar do que afirma o mundo egoísta e
incrédulo. Aquele que gasta seus domingos em atividades como estas está
cometendo um grande pecado e demonstrando que está completamente
despreparado para o grande descanso no céu.
Em segundo, estes versículos nos ensinam o perfeito conhecimento
que nosso Senhor possuía a respeito dos pensamentos do homem. Nós o
percebemos na linguagem que Lucas empregou a respeito de Jesus, quando
disse que os escribas e fariseus O estavam observando — Jesus conhecia-
lhes “os pensamentos” .
Expressões semelhantes a esta constituem uma das muitas evidências
da divindade de nosso Senhor. Somente Deus sabe o que se passa nos
corações dos homens. Aquele que podia discernir os intentos e imaginações
íntimas das pessoas era mais do que homem. Sem dúvida, Ele era um
homem igual a nós em todos os aspectos, excetuando apenas o pecado.
Isto nós podemos assegurar com certeza aos socinianos, os quais negam a
divindade de Cristo. Os textos que eles utilizam para comprovar a huma­
nidade de Jesus são versículos cujo ensino nós defendemos e cremos tão
plenamente quanto eles. Porém, existem outras passagens bíblicas provando
que Jesus tanto era Deus quanto homem. Estes versículos de Lucas cons­
tituem uma destas passagens. Mostram-nos que Jesus é “Deus bendito
para todo o sempre” (Rm 9.5).
Lembrar que Jesus possui este perfeito conhecimento sempre exerce
uma influência humilhante sobre nossa alma. Quantos pensamentos vãos
e imaginações mundanas surgem em nossa mente a cada hora, os quais as
outras pessoas jamais percebem. Quais são os nossos pensamentos neste
exato momento? Quais têm sido nossos pensamentos neste dia, quando
lemos e ouvimos esta passagem das Escrituras? Poderiam ser examinados
publicamente? Desejamos que os outros saibam tudo que se passa em
nosso íntimo? Estas são perguntas sérias, que exigem respostas sinceras.
Seja qual for nosso conceito referente a tais perguntas, estejamos certos
de que a cada momento o Senhor Jesus está lendo os nossos corações. Na
verdade, temos de nos humilhar diante dEle e, todos os dias, clamar:
“Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me
são ocultas”; “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”
86 Lucas 6.6-11

Por último, esta passagem nos ensina a natureza do primeiro ato de


fé, quando a alma se converte a Deus. Esta lição é transmitida de maneira
admirável pela história da cura descrita nesta passagem. Lemos que nosso
Senhor disse ao homem da mão ressequida: “Estende a mão” . À primeira
vista, esta ordem parecia sem lógica, porque a obediência daquele homem
aparentemente era impossível. Contudo, o infeliz não foi impedido por
dúvidas e argumentações desse tipo. De imediato, ele fez a tentativa de
estender sua mão e, ao agir assim, foi curado; teve fé suficiente para crer
que Aquele que lhe ordenara estender a mão não estava zombando e devia
ser obedecido. Foi exatamente por meio deste ato de obediência implícita
que ele recebeu a bênção — “a mão lhe foi restaurada”.
Nesta simples história, devemos encontrar a melhor resposta para as
dúvidas, hesitações e questionamentos que com freqüência deixam per­
plexos aqueles que ansiosamente perguntam-nos a respeito de virem a
Cristo. “Como poderemos crer?” , indagam eles. “Como poderemos vir a
Cristo? Como poderemos lançar mão da esperança proposta?” A melhor
resposta para todas estas indagações é ordenar-lhes que façam a mesma
coisa que o homem da mão ressequida fez. Eles não devem continuar
questionando, e sim agir. Não devem se atormentar com especulações
metafísicas, mas entregarem-se ao Senhor Jesus, assim mesmo como são,
Se fizerem isto, acharão esclarecimento para sua jornada. De que maneira
o acharão, não somos capazes de explicar. Mas podemos afirmar ousa­
damente que, na atitude de se esforçarem para aproximarem-se de Deus,
haverão de encontrá-Lo aproximando-se deles. Todavia, se deliberadamente
continuarem onde estão, jamais devem esperar serem salvos.

Oração de Cristo Diante dos Apóstolos;


Nomes e Posição dos Apóstolos
Leia Lucas 6.12-19

Estes versículos descrevem nosso Senhor Jesus Cristo designando


os doze apóstolos. A designação foi o início do ministério cristão. Foi a
primeira ordenação ministrada pelo próprio Cabeça da igreja. Desde o dia
em que ocorreram os eventos aqui mencionados, milhares de ordenações
ao ministério já foram realizadas. Milhares de pastores, presbíteros e
diáconos têm sido chamados ao ofício do ministério cristão e, às vezes,
com mais pompa e esplendor do que encontramos nesta ocasião. Porém,
jamais houve ordenação tão solene quanto esta. Jamais quaisquer outros
Lucas 6.12-19 87

homens, além dos apóstolos, foram chamados para fazer tanto em benefício
da igreja e do mundo.
Inicialmente, observemos nestes versículos que a ordenação dos
primeiros ministros do evangelho aconteceu somente após muita oração.
O texto nos diz que Jesus “retirou-se para o monte, a fim de orar, e pas­
sou a noite orando a Deus. E, quando amanheceu, chamou a si os seus
discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o nome de
apóstolos” . Não há dúvida de que existe profundo significado nesta especial
menção de Jesus orando nesta ocasião. Isto foi mencionado a fim de se
tornar-se uma lição permanente para a igreja. Tinha o objetivo de nos
mostrar a grande importância de orar e interceder pelos ministros do
evangelho e, em especial, na época de sua ordenação. Aqueles que recebem
o encargo de oficiarem a ordenação também devem orar para que “a nin­
guém” imponham “precipitadamente as mãos” (1 Tm 5.22). Aqueles que
se candidatam à ordenação devem orar para que não assumam uma obra
para a qual não estão preparados ou não foram enviados. Os leigos da
igreja também deveriam orar para que sejam ordenados apenas aqueles
que são intimamente movidos pelo Espírito Santo. Felizes são aquelas
ordenações em que todos os interessados possuem a mesma maneira de
pensar que houve em Cristo Jesus e se reúnem em espírito de oração.
Desejamos contribuir para o avanço da causa da religião pura e ima­
culada no mundo? Jamais esqueçamos de orar pelos ministros do evangelho,
em especial pelos jovens que desejam ingressar no ministério. O progresso
do evangelho depende do caráter e da conduta daqueles que professam
anunciá-lo. Nunca devemos esperar que um pregador não-convertido faça
o bem às pessoas. Ele não pode ensinar corretamente aquilo que não
experimenta em sua alma. Precisamos orar para que a igreja seja livre de
tais homens. Pregadores convertidos são um dom especial de Deus. Os
homens não podem produzi-los. Se desejamos ter bons ministros do
evangelho, precisamos recordar o exemplo de nosso Senhor e orar por
eles. Sua tarefa é árdua; sua responsabilidade, enorme; seu poder, diminuto.
Estejamos amparando e sustentando-os com nossas orações. Neste e em
muitos outros casos, as palavras de Tiago infelizmente se aplicam com
exatidão: “Nada tendes, porque não pedis” (Tg 4.2). Não suplicamos a
Deus que nos conceda uma abundância de jovens convertidos para assu­
mirem nossos púlpitos. Ele, por sua vez, castiga a nossa negligência por
não levantar tais jovens na igreja.
Em segundo, observemos nestes versículos quão pouco sabemos a
respeito da posição que ocuparam no mundo os primeiros ministros da
igreja de Cristo. Sabemos que quatro dentre eles eram pescadores; e um,
pelo menos, publicano. A maioria deles era composta de galileus. E,
conforme sabemos do Novo Testamento, nenhum deles era muito rico,
88 Lucas 6.12-19

nobre ou possuía relacionamentos importantes. Não havia entre eles ne­


nhum fariseu, ou escriba, ou sacerdote, ou príncipe, ou governante de seu
povo. Todos aparentemente eram “iletrados e incultos”(At 4.13); eram
pobres.
Existe algo profundamente instrutivo neste fato. Isso nos mostra que
o reino de Jesus não carece da ajuda deste mundo. Sua igreja está sendo
edificada não por meio de força ou de poder, e sim pelo Espírito do Deus
vivo (Zc 4.6). Este fato nos fornece uma inquestionável prova da origem
divina do cristianismo. Uma religião que transtornou o mundo, quando
seus primeiros pregadores eram homens iletrados, só pode ter sua origem
no céu. Se os apóstolos tivessem dinheiro para dar aos seus ouvintes, ou
tivessem sido acompanhados por exércitos a amedrontar as pessoas, os
incrédulos poderiam com razão negar que acontecia algo extraordinário
no sucesso do cristianismo. Mas a pobreza dos discípulos de nosso Senhor
destrói pela raiz os argumentos dos incrédulos. Com uma doutrina bastante
desagradável ao coração natural, sem possuir nada para subornar ou
compelir as pessoas à obediência, alguns poucos galileus abalaram o mundo
e transformaram o aspecto do império romano.
Lembremo-nos destas coisas e nos esforcemos para fazer algo por
Cristo e tenhamos cuidado para não confiar no braço da carne. Estejamos
alerta contra a disposição íntima, comum a todas as pessoas, de confiarmos
no dinheiro ou no patrocínio de homens importantes, tendo em vista o
sucesso do evangelho. Se desejamos fazer o bem às almas, não podemos
depender do poder deste mundo. Devemos começar onde começaram as
igrejas de Cristo e procurar homens cheios do Espírito Santo.
Por último, observemos nestes versículos que um daqueles que nosso
Senhor escolheu para ser apóstolo era um falso discípulo e traidor. Era
Judas Iscariotes. Não podemos duvidar que, ao escolher Judas Iscariotes,
nosso Senhor bem sabia o que estava fazendo. Ele era capaz de perscrutar
os corações e, com certeza, sabia, desde o início, que, apesar de professar
falsamente sua piedade, Judas Iscariotes era um homem que não possuía a
graça de Deus e haveria de traí-Lo. Por que o Senhor Jesus o escolheu
para ser apóstolo? Esta pergunta tem causado perplexidade em muitos.
Porém, ela admite apenas uma resposta satisfatória. Assim como todas as
coisas que nosso Senhor fazia, a escolha de Judas foi realizada com me­
ditação, determinação pessoal e sabedoria. Isto transmite lições de sublime
importância para toda a igreja de Cristo.
A escolha de Judas Iscariotes tinha o propósito de ensinar humildade
aos pastores. Eles não devem pensar que a ordenação ao ministério
necessariamente transmite graça ou que os ministros depois de ordenados
não cometem erros. Pelo contrário, eles precisam lembrar que um dos
homens ordenados por Cristo era um hipócrita. Os pastores que desejam
Lucas 6.12-19 89

permanecer firmes estejam atentos para não caírem (1 Co 10.12).


Ainda, a escolha de Judas tinha o objetivo de ensinar os membros
das igrejas a não idolatrarem seus pastores. Precisam ter elevada con­
sideração por eles, por causa da obra que realizam, mas não devem
prostrar-se diante deles, como se fossem infalíveis, honrando-os de uma
forma que a Bíblia não recomenda. Os membros das igrejas precisam
lembrar que pastores podem ser sucessores de Judas Iscariotes, ou de
Pedro, ou de Paulo. O nome de Judas deve ser um constante aviso para os
crentes se afastarem do homem ímpio (Is 2.22). “Portanto, ninguém se
glorie nos homens” (1 Co 3.21).
Finalmente, a escolha de Judas tinha o propósito de ensinar a toda a
igreja que ela não deve ter a expectativa de ver uma perfeita e pura
comunhão no presente estado em que as coisas se encontram. O joio e o
trigo, os peixes bons e os ruins serão encontrados juntos, até que o Senhor
Jesus volte. Em vão buscamos perfeição na igreja visível. Jamais a
acharemos. Alguém como Judas se encontrava entre os apóstolos de Cristo.
Pessoas convertidas e incrédulos serão encontradas juntas em todas as
igrejas.

Aqueles que Cristo Abençoou;


Aqueles que Ele Amaldiçoou
Leia Lucas 6.20-26

Este discurso de nosso Senhor é muito semelhante ao seu famoso


Sermão do Monte. A semelhança é tão admirável, que alguém poderia
concluir que Mateus e Lucas estão se referindo ao mesmo discurso e que
Lucas apresentou de maneira sucinta aquilo que Mateus relatou com­
pletamente. Não parece haver base suficiente para chegarmos a esta
conclusão. Eram diferentes as ocasiões em que os dois sermões foram
pronunciados. Não é algo extraordinário nosso Senhor ter repetido um
ensino importante, utilizando quase as mesmas palavras, em duas ocasiões
diferentes. É ilógico supor que Ele não repetiu nenhum de seus poderosos
ensinos. No caso que estamos considerando, a repetição é bastante
significativa. Mostra-nos a grande e profunda importância das lições que
ambos os discursos contêm.
Primeiramente, estes versículos nos falam sobre quem são aqueles
que o Senhor Jesus declarou benditos. A lista é admirável e surpreenden­
te. Jesus destaca aqueles que são “pobres”, aqueles que têm “fome” ,
90 Lucas 6.20-26

aqueles que choram e aqueles que são odiados pelos homens. Estas são as
pessoas a respeito das quais o Cabeça da igreja afirmou: “Bem-aventurados
sois” .
Quando lemos estas afirmações, precisamos ter cuidado para não
interpretarmos de maneira incorreta as palavras de nosso Senhor. Em
momento algum devemos imaginar que o simples fato de alguém ser pobre,
estar faminto, sentir tristeza e ser odiado pelos homens lhe dá o direito de
afirmar que está sob a bênção de Cristo. A pobreza aqui mencionada é
aquela que vem acompanhada da graça divina. A fome é aquela que resulta
de uma fiel aproximação ao Senhor Jesus. As aflições são as aflições por
causa do evangelho. A perseguição é aquela que surge por causa de nosso
amor ao Filho de Deus. A fome, a pobreza, as aflições e as perseguições
aqui mencionadas são as conseqüências inevitáveis da fé em Cristo, no
início do cristianismo. Muitos tiveram de desistir de todas as coisas deste
mundo por causa de sua vida cristã. Jesus tinha em mente este tipo de
pessoa quando pronunciou estas palavras. Desejava oferecer especial ânimo
e consolação para eles e para todos os que, como eles, sofrem por amor
ao evangelho.
Em segundo, estes versículos nos falam sobre quem são aqueles
para os quais o Senhor Jesus pronunciou as solenes palavras “Ai de vós ”.
Mais uma vez ouvimos expressões que, à primeira vista, parecem bastante
extraordinárias. “Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação.
Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai de vós,
os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar. Ai de vós, quando
todos vos louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos
profetas.” Afirmações mais severas e mais chocantes do que estas não
podem ser encontradas no Novo Testamento.
No entanto, assim como nas afirmações anteriores, precisamos ter
cuidado para não entendermos erroneamente o significado destas palavras
de Jesus. Não devemos supor que possuir riquezas, ter um espírito de
regozijo e receber elogios dos homens necessariamente constituem provas
de que tais pessoas não são discípulos de Cristo. Abraão e Jó eram ricos.
Davi e Paulo tiveram momentos de intenso regozijo. Timóteo foi um
crente que tinha “bom testemunho dos de fora” (1 Tm 3.7). Estes homens,
nós o sabemos, eram verdadeiros servos de Deus. Todos foram abençoados
nesta vida e receberão seus galardões no dia em que Ele se manifestar.
Quem são aqueles sobre os quais nosso Senhor disse: “Ai de vós”?
São aqueles que se recusam a acumular tesouro nos céus, porque amam as
coisas deste mundo e não desistirão de seus bens, se for necessário, por
amor a Cristo. São pessoas que preferem as alegrias e a suposta felicidade
deste mundo, ao invés de escolherem a paz e alegria resultantes do crer
em Cristo, e não se arriscarão a perder aquelas para ganhar estas. São
Lucas 6.20-26 91

pessoas que amam o louvor que procede dos homens, mais do que o
louvor proveniente de Deus, pessoas que desprezarão a Cristo, ao invés
de desprezar o mundo. Esse é o tipo de pessoa que o Senhor Jesus tinha
em mente quando disse: “Ai de vós” . Ele bem sabia que existiam milhares
destas pessoas entre os judeus, milhares que, apesar de ouvirem seus
sermões e contemplarem seus milagres, amariam mais ao mundo do que a
Ele. O Senhor Jesus tinha certeza de que sempre haveria milhares deste
tipo de pessoas no cristianismo nominal, milhares que, embora convencidos
da verdade do evangelho, jamais desistiriam de qualquer coisa por amor a
Ele. Para todos estes, Jesus pronunciou essas terríveis palavras: “Ai de
vós” .
Uma importante lição se destaca com clareza nestes versículos.
Devemos guardá-la em nosso coração para recebermos sabedoria. Esta
lição é a completa diferença que existe entre a mentalidade de Cristo e as
opiniões habituais dos homens, a completa divergência que existe entre os
pensamentos de Jesus e os conceitos que prevalecem nos homens. As
condições de vida que o mundo reconhece como desejável são as mesmas
sobre as quais nosso Senhor pronunciou maldição. Pobreza, fome, tristeza
e perseguição são coisas que os homens se esforçam para evitar. Riqueza,
abundância, alegria, divertimento, popularidade são exatamente as coisas
que os homens estão sempre lutando para conseguir. Mesmo quando
tivermos dito tudo que pudermos para qualificar, esclarecer e limitar as
palavras de nosso Senhor, ainda permanecerão duas afirmações avas­
saladoras que contradizem os ensinos atuais da humanidade. O tipo de
vida que nosso Senhor abençoa é aquele que o mundo detesta. As pessoas
sobre as quais nosso Senhor disse: “Ai de vós” , são estas que o mundo
admira, elogia e segue. Este é um fato terrível, que deve nos levar a exa­
minar nosso próprio coração.
Devemos term inar nossas considerações sobre esta passagem
realizando um sincero auto-exame. Indaguemos a nós mesmos o que
pensamos a respeito das maravilhosas afirmações contidas nesta passagem.
Concordamos com o que foi dito por nosso Senhor? Realmente cremos
que a pobreza e a perseguição, suportadas por amor a Cristo, são bênçãos
positivas? Acreditamos que riquezas, satisfações mundanas e popularidade
entre os homens, quando buscadas mais do que a salvação ou preferidas
mais do que o louvor proveniente de Deus, são verdadeiras maldições?
Realmente pensamos que o favor de Cristo, acompanhado de dificuldades
e palavras maldosas da parte dos incrédulos, é mais digno de possuirmos
do que riquezas, diversão e um bom nome entre os homens? Estas são
perguntas importantes, que exigem respostas sérias. Os versículos que
estamos considerando apresentam um eminente teste para comprovar a
realidade de nosso cristianismo. Nenhuma pessoa incrédula jamais gostará
92 Lucas 6.20-26

e aceitará as verdades neles contidas. Felizes são aqueles que expe­


rimentaram a veracidade destas palavras de Jesus e podem dizer “Amém! ”
a todas elas. Não importa o que os homens pensam, aqueles que Cristo
abençoa estão abençoados, aqueles que Ele não abençoa serão lançados
fora para todo o sempre.

A Natureza e a Amplitude do Amor Cristão;


A Norma para Esclarecer Situações Duvidosas;
O Exemplo de Deus; A Recompensa do Amor
Leia Lucas 6.27-38

O ensino de nosso Senhor, nestes versículos, se limita a um importante


assunto: o amor e a bondade cristã. O amor é a grande característica do
evangelho, o vínculo da perfeição, o elemento sem o qual o homem nada
vale aos olhos de Deus. Nestes versículos, o amor é explicado e inten­
samente incentivado. Seria bom para a igreja, se os preceitos de Cristo
referentes ao amor, apresentados nesta passagem, fossem estudados com
mais atenção e observados com mais diligência.
Primeiramente, nosso Senhor explicou a natureza e a amplitude do
amor cristão. Os discípulos talvez perguntaram: “A quem devemos amar?”
Jesus ordenou-lhes amar seus inimigos, fazer o bem àqueles que os
odiavam, abençoá-los e não amaldiçoá-los e orar por aqueles que os
caluniavam. O amor dos discípulos deveria ser semelhante ao do próprio
Jesus para com os pecadores — altruísta, não interesseiro, destituído de
qualquer esperança de retomo. Talvez os discípulos indagaram: “Como
deve ser este amor?” Deveria ser caracterizado por sacrifício pessoal e
autonegação. “Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e,
ao que tirar a tua capa, deixa-o levar também a túnica.” Os discípulos
deveriam estar dispostos a perder e suportar muitas coisas, a fim de
manifestarem bondade e evitarem contendas. Teriam de rejeitar seus
próprios direitos e submeterem-se às pessoas erradas, ao invés de suscitarem
sentimentos de rancor e criarem desavenças. Nestas coisas eles deveriam
ser semelhantes ao seu Mestre, longânimos, mansos e humildes de coração.
Em segundo, nosso Senhor estabeleceu uma regra áurea para
esclarecermos situações duvidosas. Com certeza, Ele sabia que haveria
ocasiões em que nossa maneira de agir em relação ao próximo não estaria
definida com exatidão. Ele sabia que o egoísmo e o interesse pessoal às
vezes ofuscam intensamente nosso conceito sobre o certo e o errado. Ele
Lucas 6.27-38 93

nos forneceu um preceito para nos orientar em todos os casos que


necessitamos de sabedoria, um preceito que mesmo os incrédulos são
constrangidos a admirar: “Como quereis que os homens vos façam, assim
fazei-o vós também a eles” . Fazer aos outros conforme eles nos fazem e
retribuir o mal por mal é o padrão de conduta característico dos incrédulos.
Agir com os outros conforme desejamos que eles se comportem em relação
a nós, independentemente das atitudes que manifestam para conosco, é a
característica que todo crente deve ter como seu alvo. Isto significa andar
nos passos de seu bendito Salvador. Se nosso Senhor houvesse lidado
com o mundo de conformidade com a maneira como este lidou com Ele,
todos nós estaríamos condenados para sempre ao inferno.
Em terceiro, nosso Senhor ressaltou aos seus discípulos a necessidade
de possuírem um elevado padrão de conduta para com seu próximo, mais
elevado do que o dos filhos deste mundo. Ele recordou-lhes que amar
aqueles que os amavam e fazer o bem àqueles de quem esperavam receber
é uma atitude característica dos pecadores que não conhecem nada do
evangelho. O crente tem de possuir um estilo de vida completamente
diferente daquele que os incrédulos possuem. Seus sentimentos de amor e
suas obras de bondade têm de ser semelhantes às de seu Senhor, espontâneas
e liberais. Ele precisa deixar os incrédulos perceberem que sua bondade
não se limita àqueles de quem espera receber algo de volta. Alguém pode
demonstrar caridade esperando ganhar algo com isto. Mas este tipo de
caridade jamais deve satisfazer o crente. A pessoa que a pratica deve
recordar que sua atitude é semelhante à dos idólatras.
Em quarto, nosso Senhor mostrou aos seus discípulos que, ao
realizarem suas obras em favor do próximo, eles deveriam seguir o exemplo
dado por Deus. Se professam ser “filhos do Altíssimo” , devem levar em
conta que “ele é benigno até para com os ingratos e maus” ; portanto,
devem aprender de seu Pai a serem misericordiosos, assim como Ele é. A
extensão das misericórdias de Deus, não reconhecidas pelos homens, jamais
pode ser medida. Todos os anos Ele outorga benefícios a milhões de
pessoas que não honram o Doador dos benefícios. No entanto, a cada ano
os benefícios continuam sendo concedidos. “Não deixará de haver se­
menteira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite” (Gn 8.22). As
misericórdias do Senhor duram para sempre. Sua amável bondade jamais
se cansa. Sua compaixão não falha. Assim devem ser todos que professam
ser filhos dEle. Falta de ações de graça e ingratidão não deve torná-los
relaxados em fazer obras de amor e misericórdia. Assim como o seu Pai
celestial, eles jamais devem se cansar de fazer o bem.
Por último, nosso Senhor assegurou aos seus discípulos que viver de
acordo com o elevado padrão de bondade que Ele recomendou trará
recompensa. Ele disse: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis
94 Lucas 6.27-38

e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados; dai, e dar-se-vos-


á ” . E conclui afirmando: “Com a medida com que tiverdes medido vos
medirão também” . O significado geral destas palavras parece ser que, a
longo prazo, ninguém sairá perdendo ao praticar atos de um amor carac­
terizado por bondade, paciência, longanimidade e autonegação. Às vezes,
tudo parece indicar que tal pessoa nada consegue com esse tipo de conduta
e que o ridículo, a zombaria e a injúria são os únicos resultados. Sua bon­
dade pode tentar os outros a se imporem sobre ele. Sua paciência e tole­
rância podem sofrer abusos. Mas, por fim, ele se verá como um ganhador
— com freqüência, um ganhador nesta vida; com certeza, um ganhador
na vida por vir.
Este é o ensino de nosso Senhor a respeito do amor. Poucos de seus
ensinos atingem o coração de uma maneira tão profunda e perscrutadora
quanto estes que acabamos de considerar. Poucas passagens da Bíblia se
mostram tão humilhadoras quanto estes versículos.
Quão pouco encontramos desse tipo de amor, recomendado por nosso
Senhor, quer na igreja, quer no mundo. E muito comum encontrarmos
ira, raiva intensa e sensibilidade mórbida, no que se refere àquilo que
chamamos de honra, e disposição para contender na mais insignificante
ocasião. Raramente vemos homens e mulheres que amam seus inimigos e
fazem o bem, não esperando receber nada de volta, abençoam aqueles
que os amaldiçoam e são bondosos para os ingratos e maus. Aqui re­
cordamos aquelas palavras de nosso Senhor: “Estreita é a porta, e apertado,
o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela”
(Mt 7.14).
Quão feliz seria o mundo se os preceitos de Cristo fossem rigo­
rosamente obedecidos. As principais causas de tristezas na humanidade
são o egoísmo, contendas, falta de bondade e carência de amor. Não
existe um erro tão grande quanto o supor que o verdadeiro cristianismo
atrapalha a felicidade das pessoas. O desfrutar pouco do verdadeiro cris­
tianismo, e a falta de dedicação às coisas espirituais, é o que torna as pes­
soas deprimidas, infelizes e miseráveis. Onde Cristo for conhecido e
obedecido, ali haverá sempre genuíno gozo e paz.
Por experiência própria, conhecemos algo desta bendita graça do
amor? Então, pela fé, procuremos unir nossas almas a Cristo, sejamos
ensinados e santificados pelo Espírito Santo. Não colhemos uvas de
espinheiros ou figos de abrolhos. Não podemos ter flores sem raízes ou
frutos sem árvores. Não podemos ter o fruto do Espírito sem união vital
com Cristo e uma nova criação em nosso íntimo. Aqueles que ainda não
nasceram de novo são incapazes de amar da maneira como Cristo ordena.
Lucas 6.39-45 95

Avisos Sobre os Falsos Mestres;


A Importância de uma Vida Pura;
Frutos, Único Teste do Caráter
Leia Lucas 6.39-45

Primeiramente, destes versículos aprendemos sobre o grande perigo


de ouvirmos falsos ensinadores das coisas espirituais. Nosso Senhor com­
parou tais ensinadores e seus ouvintes a um cego que guia outro cego e
fez a indagação lógica: “Não cairão ambos no barranco?” Ele prosseguiu
confirmando a importância deste aviso, ao declarar: “O discípulo não está
acima do seu mestre” ; ou seja, não devemos esperar que o aluno saiba
mais do que seu professor. Se alguém ouve falsa doutrina, não esperemos
que ele se tome outra coisa além de incorreto nas coisas relacionadas à
própria fé.
O assunto que nosso Senhor colocou diante de nós nestes versículos
merece mais atenção do que normalmente recebe. É incalculável a quan­
tidade de males que ensinos incorretos causaram à igreja em todas as
épocas de sua história. É terrível contemplarmos a perdição das almas
que este tipo de ensino tem ocasionado. Um ensinador que não conhece,
por si mesmo, o caminho do céu não conduzirá seus ouvintes a seguirem
este caminho. Aqueles que ouvem este ensinador correm o terrível risco
de perderem suas almas eternamente. “Pode, porventura, um cego guiar
a outro cego? Não cairão ambos no barranco?”
Se desejamos escapar do perigo sobre o qual nosso Senhor aqui nos
adverte, não podemos ser negligentes em comprovar através das Escrituras
o ensino que ouvimos. Não precisamos acreditar no que ouvimos somente
porque os pastores assim disseram. Não devemos imaginar que os ministros
do evangelho não cometem erros. Temos de recordar as palavras de nosso
Senhor proferidas em outra ocasião: “Acautelai-vos dos falsos profetas”
(Mt 7.15), Precisamos lembrar os avisos dos apóstolos Paulo e João:
“Julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1 Ts 5.21); “Provai os
espíritos se procedem de Deus” (1 Jo 4.1). Com a Bíblia ao nosso lado e
a promessa de orientação do Espírito Santo para todos aqueles que a
buscam, estaremos sem desculpas se nossas almas forem enganadas. A
cegueira dos pastores não constitui uma desculpa para a ignorância das
pessoas. Não importando quão incorreto seja o ensino recebido, a pessoa
que, motivada por indolência, superstição e falsa humildade, recusa-se a
desconfiar do ensino do pregador sob cuja influência está, finalmente
compartilhará da mesma recompensa de seu mestre. Se as pessoas confiam
em guias cegos, não devem ficar surpresas se forem conduzidas ao inferno.
96 Lucas 6.39-45

Em segundo, destes versículos aprendemos que devem se esforçar


para manter uma vida pura aqueles que repreendem os pecados dos outros.
Nosso Senhor nos ensina esta lição por meio de uma afirmação prática.
Ele nos mostra a falta de lógica da parte de uma pessoa culpar a outra por
ter “um argueiro” , ou seja, algo insignificante em seu olho, enquanto ela
própria tem uma “trave” , ou seja, algo enorme e formidável, em seu
próprio olho.
Sem dúvida, esta é uma lição que tem de ser recebida com qua­
lificações bíblicas e adequadas. Se alguém tivesse de pregar e ensinar aos
outros somente quando estivesse completamente sem falhas, não haveria
ensino ou pregação no mundo. Aquele que errou jamais seria corrigido, e
os ímpios nunca seriam repreendidos. Atribuir este significado às palavras
de nosso Senhor fá-las colidir com o evidente ensino das Escrituras, em
outras passagens.
O principal objetivo de nosso Senhor era gravar na mente de seus
pregadores e ensinadores a importância de uma vida coerente. Esta
passagem é um solene aviso para não contradizermos com nossas vidas
aquilo que dizemos com nossos lábios. O ministério de um pregador não
conquistará a atenção dos ouvintes, a menos que ele pratique aquilo que
ensina. Ordenação ao pastorado, graus universitários, títulos e aceitação
pública de possuir sã doutrina, estas coisas não asseguram ao sermão do
pastor o respeito de seus ouvintes, se a igreja percebe que ele possui
hábitos pecaminosos.
No entanto, existem muitas coisas nesta lição que todos faremos
bem se recordarmos. E uma lição que muitas pessoas, e não somente os
pastores, devem considerar com seriedade. Todos os esposos, chefes do
lar, pais, professores, tutores, responsáveis por jovens, deveriam pensar
com freqüência sobre o “argueiro” e a “trave” . Todas estas pessoas
deveriam ver nas palavras de nosso Senhor a poderosa lição de que nada
influencia tanto aos outros quanto a coerência. Entesouremos esta lição
em nosso íntimo e não a esqueçamos.
Por último, destes versículos aprendemos que existe apenas um teste
satisfatório para julgarmos o caráter da vida espiritual de uma pessoa.
Esse teste é seu comportamento e sua conversa.
As palavras de nosso Senhor sobre este assunto são claras e in­
confundíveis. Ele utilizou a ilustração de uma árvore e estabeleceu um
princípio universal: “Cada árvore é conhecida pelo seu próprio fruto” .
Mas Ele não parou aí. Prosseguiu mostrando que a conversa de um homem
revela o estado de seu coração: “A boca fala do que está cheio o coração” .
Estas duas afirmativas são profundamente importantes. Ambas precisam
ser guardadas entre as principais máximas de nosso cristianismo prático.
Este deve ser um firme princípio de nosso cristianismo: quando uma
Lucas 6.39-45 97

pessoa não produz os frutos do Espírito, ela não possui o Espírito Santo
em seu coração. Resistamos, considerando-a um erro fatal, à idéia de que
todas as pessoas batizadas são nascidas de novo e de que todos os membros
de igreja têm o Espírito Santo. Uma simples pergunta deve ser nosso cri­
tério: que fruto esta pessoa está produzindo? Ela se arrependeu de seus
pecados? De todo o coração, ela crê em Jesus? Ela vive em santidade,
vencendo o mundo? Atitudes como estas são o que a Bíblia chama de
“fruto” . Quando estes ífutos estão ausentes, é um sacrilégio afirmar que
alguém possui o Espírito de Deus em seu coração.
Também este deve ser um firme princípio de nosso cristianismo:
quando a conversa geral de uma pessoa é ímpia, o seu coração está
destituído da graça divina e ainda não se converteu ao Senhor Jesus. Não
devemos aceitar a idéia habitual de que não podemos conhecer o coração
dos outros e de que, embora os homens estejam vivendo de maneira
pecaminosa, em seu íntimo possuem bons corações. Tal idéia é contrária
ao ensino de nosso Senhor. A maior parte da conversa de uma pessoa é
mundana, carnal, contrária às coisas espirituais, ímpia e profana? Então
reconheçamos que esse é o estado de seu coração. Quando a conversa de
um homem em geral está errada, é absurdo e antibíblico afirmar que seu
coração esta correto.
Term inem os esta passagem com uma solene auto-inquirição,
utilizando-a para julgar nosso próprio estado diante de Deus. Que frutos
estamos produzindo em nossas vidas? São os frutos do Espírito, ou não?
Que tipo de evidência nossas conversas fornecem quanto ao estado de
nosso coração? Falamos como pessoas cujo coração são retos diante de
Deus? Não podemos esquivar-nos do ensino apresentado por nosso Senhor
nesta passagem. A conduta é o grande teste do caráter. As palavras são
uma grande evidência do estado de nosso coração.

Os Dois Construtores; Os Dois Alicerces


Leia Lucas 6.46-49

Alguém já disse, com muita veracidade, que nenhum sermão deve


ser concluído sem uma aplicação à consciência dos ouvintes. Esta passagem
é um exemplo deste princípio e confirma a sua exatidão. É uma conclusão
solene e perscrutadora de um sermão magnificente.
Primeiramente, observemos nestes versículos que confessar algo
mas não praticá-lo é um pecadt muito antigo. Está escrito que nosso
98 Lucas 6.46-49

Senhor disse: “Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que
vos mando?” O próprio Filho de Deus tinha muitos seguidores que pre­
tendiam honrá-Lo, chamando-0 “Senhor” , mas não prestavam qualquer
obediência aos seus mandamentos.
O mal que nosso Senhor expôs nesta ocasião sempre existiu na igreja.
Encontrava-se no povo de Deus seis séculos antes da vinda de Jesus, na
época de Ezequiel: “Eles vêm a ti, como o povo costuma vir, e se assentam
diante de ti como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem
por obra; pois, com a boca, professam muito amor, mas o coração só
ambiciona lucro” (Ez 33.31). Também achava-se na igreja primitiva, nos
dias do apóstolo Tiago: “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não
somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22). É um mal
que nunca deixou de prevalecer em todo o cristianismo. É uma praga que
destrói a alma e que está constantemente arrastando milhares de pessoas
que ouvem o evangelho ao caminho largo da condenação. Viver aber­
tamente no pecado e na incredulidade irrestrita tem vitimado os seus
milhares; mas confessar sem praticar tem vitimado suas dezenas de
milhares.
Devemos gravar em nossa mente que nenhum pecado é tão néscio e
irracional quanto o que Jesus denunciou nesta ocasião. Até o bom senso
deveria nos dizer que possuir o nome de crente ou uma forma de cris­
tianismo não traz qualquer proveito para nós, enquanto em nosso coração
per-manecemos apegados ao pecado e vivemos de maneira ímpia. Devemos
ter como um firme princípio de nosso cristianismo que a obediência é a
única evidência correta de que possuímos a fé salvadora e que o simples
confessar com os lábios é mais do que inútil, se não for acompanhado de
santidade no viver. O homem em quem o Espírito Santo realmente habita
jamais se contentará em ficar sossegado, não fazendo coisa alguma para
demonstrar seu amor por Cristo.
Em segundo, observemos nestes versículos que admirável figura
nosso Senhor apresentou do cristianismo do homem que não somente
ouve os ensinos de Cristo, mas também fa z a vontade dEle. O Senhor
Jesus o comparou “a um homem que, edificando uma casa, cavou, abriu
profunda vala e lançou o alicerce sobre a rocha” . O cristianismo desse
homem talvez lhe custe muito. Assim como o edificar a casa sobre a
rocha, pode envolver sofrimento, trabalho árduo e autonegação. Abandonar
o orgulho e a justiça própria, crucificar a carne obstinada, revestir-se da
mentalidade de Cristo, levar a cruz diariamente, reputar todas as coisas
como perda por amor a Cristo — todas estas coisas exigem uma obra in­
tensa. Porém, assim como a casa edificada sobre a rocha, este tipo de
cristianismo permanecerá. As enxurradas de aflição podem atingi-lo com
violência e o dilúvio de perseguição investir furiosa nente contra ele, mas
Lucas 6.46-49 99

ele não desistirá. O cristianismo que combina uma boa confissão com a
prática é um edifício que não ruirá.
Por último, observemos que triste figura nosso Senhor apresentou
do cristianismo do homem que ouve os ensinos de Cristo e não os obedece.
Jesus o comparou “a um homem que edificou uma casa sobre a terra sem
alicerces”. O cristianismo deste tipo de pessoa pode parecer bom por
algum tempo. Alguém que não possui discernimento talvez não veja a
diferença entre aquele que possui este tipo de cristianismo e aquele que
tem o verdadeiro. Talvez ambos estejam prestando culto na mesma igreja,
participem das ordenanças, professem a mesma fé. A aparência externa
de uma casa edificada sobre a rocha e uma construída sobre um alicerce
inseguro talvez seja a mesma. Mas o sofrimento e a provação são o teste
pelo qual a mera confissão do cristianismo não pode suportar. Quando a
tempestade e ventos fortes vêm contra a casa que não tem alicerces, as
paredes que pareciam resistentes ao sol e às intempéries terão de ruir. O
cristianismo que consiste apenas de aprender ensino religioso, sem nenhu­
ma realização prática, é um edifício que, por fim, será destruído. Grande
será a ruína. Não existe perda maior que a perda da alma.
Esta passagem das Escrituras deve suscitar em nosso coração senti­
mentos solenes. As figuras que ela apresenta retratam coisas que estão se
passando diariamente entre nós. Em todos os lugares, vemos milhares de
pessoas edificando para a eternidade, com base em sua atitude de pro­
fessarem ser cristãos, esforçando-se para abrigarem suas almas em falsos
refúgios, contentando-se com o simples nome de cristão para viverem,
enquanto estão mortos, e com uma aparência de piedade que não tem
poder algum. Sem dúvida, são poucos os que edificam sua alma sobre a
rocha. Imensa é a perseguição que têm de suportar. Muitos são aqueles
que edificam sobre a areia; e grandes são os desapontamentos e erros que
procedem de suas obras. Com certeza, se existe uma prova de que o ho­
mem caiu no pecado e tornou-se cego para as coisas espirituais, podemos
encontrá-la no fato de que a maioria das pessoas, em cada geração, continua
a edificar sobre a areia.
Qual o fundamento sobre o qual estamos edificando? Antes de
qualquer outra coisa, esta é a questão que interessa à nossa alma. Estamos
edificando sobre a rocha ou sobre a areia? Talvez apreciemos ouvir o
evangelho. Aprovamos todas as suas principais doutrinas. Concordamos
com todas as suas afirmações da verdade a respeito de Cristo, do Espírito
Santo, da justificação, da santificação, do arrependimento, da fé, da
salvação, da santidade, da Bíblia e da oração. Mas o que estamos fazendol
Qual é a prática diária de nossa vida, em público ou em particular, em
casa ou na sociedade? Os outros podem dizer a nosso respeito que não
apenas ouvimos, mas também praticamos os ensinos de Cristo?
100 Lucas 6.46-49

Brevemente chegará o dia em que coisas como estas serão perguntadas


e respondidas, quer gostemos, quer não. O tempo de tristeza, provações,
enfermidades e morte revela se estamos sobre a rocha ou sobre a areia.
Recordemo-nos disso agora e não brinquemos com nossa alma. Esforcemo-
nos para crer, viver, ouvir e seguir a voz de Cristo de tal maneira que, ao
virem as chuvas e arrojarem-se contra nós os rios, nossa casa permanecerá
firme e não cairá.

A Cura do Servo de um Centurião,


em Cafarnaum
Leia Lucas 7.1-10

Estes versículos descrevem a milagrosa cura de um enfermo. Um


centurião, ou seja, um oficial do exército romano, dirige-se ao Senhor
Jesus, para suplicar em favor de seu servo, e consegue aquilo que Lhe
pediu. Um milagre de cura maior do que este não foi relatado nos
evangelhos. Sem mesmo ver ou tocar-lhe a mão ou o olho, nosso Senhor
com apenas uma palavra restitui a saúde a um homem moribundo. Ele
falou, e o servo do centurião ficou curado. Ele ordenou, e a enfermidade
se retirou. As escrituras não falam sobre nenhum profeta realizando
milagres desta maneira. Ali estava a mão de Deus.
Primeiramente, vemos nesta passagem a bondade do centurião. Este
aspecto de seu caráter se manifesta de três maneiras. Nós o percebemos
em seu tratamento ao servo. Ele se interessou com ternura pelo servo,
quando este adoeceu, e se esforçou para que tivesse a saúde restaurada.
Sua bondade também foi manifestada em seus sentimentos para com o
povo judeu. Ele não os desprezou, assim como os gentios costumavam
fazer. Os anciãos dos judeus deram este vigoroso testemunho: “É amigo
do nosso povo” . Ainda percebemos sua bondade em sua ajuda liberal ao
lugar de adoração dos judeus, em Cafarnaum. Ele não amava os judeus
“de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (1 Jo 3.18). Os
mensageiros que ele enviou a nosso Senhor fundamentaram sua petição,
dizendo: “Ele mesmo nos edificou a sinagoga” .
Ora, onde o centurião aprendera esta bondade? Como podemos expli­
car que um homem pagão de nascimento e soldado de profissão demonstrou
este espírito de bondade? Atitudes como estas não se encontravam
freqüentemente entre aqueles que receberam ensinos pagãos ou ensinos
promovidos por sociedades influenciadas pelo exército de Roma. Os
Lucas 7.1-10 101

filósofos gregos e latinos não as recomendavam. Os tribunos, cônsules,


prefeitos e imperadores não as incentivavam. Exíste apenas uma explicação
para tais atitudes. O centurião era o que era “pela graça de Deus” . O Es­
pírito Santo abrira os olhos de seu entendimento e lhe dera um novo co­
ração. O conhecimento que ele possuía das coisas espirituais não era muito
claro. Seus conceitos espirituais provavelmente resultaram de uma de­
ficiente familiaridade com o Antigo Testamento. Mas, não levando em
conta a quantidade de luz que ele tinha, esta influenciou sua vida, e um
dos resultados foi a bondade relatada nesta passagem.
Aprendamos uma lição deste exemplo do centurião. À semelhança
dele, demonstremos bondade a todas as pessoas com quem nos rela­
cionamos. Esforcemo-nos para que nossos olhos sejam dispostos a ver,
nossas mãos estejam prontas a ajudar, nosso coração seja determinado a
amar e nossa vontade disposta a fazer o bem a todos. Estejamos dispostos
a chorar com os que choram e nos alegrarmos com os que se alegram.
Esta é a única maneira de recomendarmos nosso cristianismo e torná-lo
atraente aos olhos dos homens. A bondade é uma virtude que todos podem
compreender. Esta é uma maneira de sermos semelhantes ao nosso Senhor.
Se existe um aspecto de seu caráter que é mais notável do que os outros,
este aspecto é a sua incansável bondade e amor. Esta é uma maneira de
sermos felizes no mundo e vermos dias melhores. A bondade sempre traz
a sua própria recompensa. O bondoso raramente ficará sem amigos.
Em segundo, vemos a humildade do centurião. Esta se manifestou
de m aneira notável na mensagem ao Senhor Jesus, quando Ele se
aproximava de sua casa: “Senhor, não te incomodes, porque não sou
digno de que entres em minha casa... eu mesmo não me julguei digno de
ir ter contigo” . Estas expressões revelam um admirável contraste com a
linguagem utilizada pelos anciãos dos judeus. Estes disseram a Jesus:
“Ele é digno de que lhe faças isto” ; o bondoso centurião declarou: “Não
sou digno de que entres em minha casa” .
Esse tipo de humildade é uma das evidências mais marcantes da
habitação do Espírito de Deus. Por natureza, nada sabemos a seu respeito,
pois todos nascemos orgulhosos. Convencer-nos do pecado, revelar nossa
própria vileza e corrupção, colocar-nos no lugar certo, fazer-nos humildes
e contritos — estas são algumas das principais obras que o Espírito Santo
realiza na alma de uma pessoa. Poucas afirmações de nosso Senhor são
repetidas com tanta freqüência quanto aquela com a qual ele concluiu a
parábola do fariseu e do publicano: “Todo o que se exalta será humilhado;
mas o que se humilha será exaltado” . Possuir grandes dons e realizar
grandes obras para Deus não é concedido a todos os crentes. Mas todos
eles têm de se esforçar para serem revestidos de humildade.
Em terceiro, nestes versículos vemos a f é do centurião. Temos um
102 Lucas 7.1-10

belo exemplo de sua fé na petição dirigida a nosso Senhor: “Manda com


uma palavra, e o meu rapaz será curado” . Ele achou que era desnecessário
Jesus vir ao lugar onde seu servo estava moribundo. Ele considerou nosso
Senhor como alguém que possuía autoridade sobre as doenças, assim como
ele mesmo tinha autoridade sobre os soldados, e o imperador romano
tinha autoridade sobre ele. O centurião acreditava que uma palavra de
ordem da parte de Jesus era suficiente para expulsar aquela enfermidade.
Ele não pediu a realização de qualquer sinal ou maravilha. Declarou sua
confiança no fato de que Jesus é um todo-poderoso Senhor e Rei e de que
as enfermidades, assim como servos obedientes, se retirariam mediante
uma ordem dEle.
Fé semelhante a esta era bastante escassa nos dias em que Jesus es­
teve sobre a terra. “Mostra-nos um sinal do céu” era a exigência dos
sarcásticos fariseus. Ver algo maravilhoso era o grande desejo das multidões
que seguiam nosso Senhor. Não devemos ficar surpresos ante o fato de
que o relato de Lucas afirma: “Admirou-se Jesus dele e, voltando-se para
o povo que o acompanhava, disse: Afirmo-vos que nem mesmo em Israel
achei fé como esta”. Ninguém deveria mostrar-se tão crédulo quanto os
filhos daqueles que foram conduzidos pelo deserto e trazidos à terra da
promessa. Mas os últimos tornaram-se os primeiros, e os primeiros, os
últimos. A fé exercida por um centurião romano demonstrou ser maior do
que a dos judeus.
Nunca esqueçamos de andar nas mesmas pisadas deste bendito espírito
de fé que o centurião revelou nesta ocasião. Nossos olhos ainda não
contemplaram o Livro da Vida. Não vemos nosso Salvador intercedendo
por nós à direita de Deus, mas temos as promessas de Cristo. Então,
descansemos nelas e não tenhamos medo. Não duvidemos que cada palavra
pronunciada por Cristo se tornará frutífera. A palavra de Cristo é um
alicerce seguro. Aquele que descansa nesta palavra jamais será confundido.
No último dia, os crentes serão encontrados como pessoas perdoadas,
justificadas e glorificadas. Jesus o disse; portanto, assim será.
Por último, nestes versículos vemos a vantagem de nos relacionarmos
com fam ílias piedosas. A melhor e mais evidente prova deste fato
encontramos no caso do servo do centurião. Ele estava afligido pela
enfermidade, mas teve a saúde restaurada devido à intercessão de seu
senhor. Foi trazido ao conhecimento do Senhor Jesus por intermédio da
fé de seu senhor. Quem pode negar que o âmago desse acontecimento foi
a conversão e salvação daquele servo? Bendito foi aquele primeiro dia em
que aquele servo começou a trabalhar na casa do centurião.
Seria bom para a igreja, se os benefícios de nos relacionarmos com
a “família da fé” fossem lembrados com mais freqüência pelos crentes.
Habitualmente os pais crentes colocam seus filhos em posições que não
Lucas 7.1-10 103

trazem qualquer benefício à sua alma, apenas por causa de vantagens


mundanas. Em geral, os crentes procuram novos lugares de trabalho onde
não se valoriza a vida espiritual, por causa de salários adicionais. Estas
coisas não devem ser assim. Em todas as nossas mudanças, a principal
preocupação deve ser o interesse por nossas almas. Ao estabelecer nova
residência, estar relacionados a pessoas crentes deve ser nosso maior desejo.
Em todos os planejamentos e projetos de vida, para nós e nossos filhos, a
seguinte indagação deve sempre ter prioridade em nossas mentes: “Que
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc
8.36). Boas circunstâncias, conforme alguns as chamam, geralmente são
circunstâncias ímpias, que arruinam as almas daqueles que as assumem.

A Ressurreição do Filho da Viúva de Naim


Leia Lucas 7.11-17

O maravilhoso evento descrito nestes versículos é relatado apenas


no Evangelho de Lucas. Esta é uma das três ocasiões em que nosso Senhor
ressuscitou um morto, e, assim como na ressurreição de Lázaro e da filha
de um oficial do rei, este é corretamente reputado como um dos maiores
milagres que Jesus realizou na terra. Em todos estes casos, vemos o
exercício do poder divino. Em cada um deles, encontramos uma re­
confortante prova de que o Príncipe da Paz é maior do que o Rei dos
Terrores e de que, embora a morte, o último inimigo, seja poderosa, não
é tão poderosa quanto o Amigo dos pecadores.
Destes versículos aprendemos quanta tristeza o pecado trouxe ao
mundo. Somos informados sobre um funeral na cidade chamada Naim.
Todos os funerais são acontecimentos tristes; no entanto, dificilmente
podemos imaginar outro mais triste do que o descrito nesta passagem. Era
o funeral de um jovem, o único filho de uma viúva. Todos os aspectos
desta história estão repletos de infelicidade. E, devemos lembrar, toda
aquela infelicidade foi trazida ao mundo por intermédio do pecado. Deus
não a criou no princípio, quando fez todas as coisas, pois “tudo quanto
fizera... era muito bom” (Gn 1.31). O pecado é a causa de toda infelicidade.
“Por-tanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e
pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens,
porque todos pecaram” (Rm 5.12).
Jamais esqueçamos esta grande verdade. O mundo que nos cerca
está cheio de tristezas. Enfermidades, dores, pobreza, trabalho árduo e
104 Lucas 7.11-17

problemas existem por todos os lados. De uma à outra extremidade da


terra, as histórias das famílias estão repletas de lamentações, choro,
lamúrias e aflições. E de onde provêm? O pecado é a fonte e a raiz de
onde fluem todas estas infelicidades. Se não existisse o pecado na terra,
não haveria lágrimas, inquietações, doenças, mortes e funerais. Devemos
suportar com paciência este estado de coisas. Não podemos mudá-lo.
Devemos agradecer a Deus por que no evangelho encontramos o remédio
e por que esta vida não é a única. Mas, enquanto isso, devemos reconhecer
com exatidão a quem pertence a culpa; o pecado é culpado por todas estas
coisas.
Quanto devemos odiar o pecado. Ao invés de amar, de nos ape­
garmos, de brincarmos e nos desculparmos pelo pecado que cometemos,
temos de odiá-lo com ódio mortal. O pecado é o grande assassino, ladrão,
pestilência e transtorno deste mundo. Jamais sejamos amigos do pecado.
Estejamos batalhando incessantemente contra ele. O pecado é a coisa
abominável, que Deus odeia. Feliz é aquele que está em harmonia com
Deus e pode dizer: “Detesto o mal” (Rm 12.9).
Também aprendemos destes versículos quão profunda é a compaixão
de nosso Senhor Jesus Cristo. Esta verdade está ressaltada de maneira
notável em seu comportamento neste funeral, em Naim. Ele encontrou a
multidão que acompanhava o enterro do rapaz e, ao contemplar isso, o
“Senhor se compadeceu”. Ele não esperou que Lhe pedissem ajuda. Parece
que ninguém Lhe suplicou ajuda ou a esperava da parte dEle. O Senhor
Jesus contemplou aquela viúva chorando e com certeza sabia quais eram
seus sentimentos, pois Ele mesmo havia nascido de uma mulher. Ime­
diatamente dirigiu-lhes palavras admiráveis e comoventes. Disse-lhe: “Não
chores!” (Lc 7.13). Alguns minutos depois, o significado destas palavras
ficou evidente. O filho daquela viúva lhe foi devolvido com vida. Suas
trevas se transformaram em luz, e sua tristeza, em alegria.
Nosso Senhor, Jesus Cristo, nunca muda. Ele é o mesmo ontem,
hoje e para sempre. É tão compassivo agora quanto era quando esteve na
terra. A simpatia de Jesus para com os que sofrem é a mesma. Devemos
guardar esta verdade em nossos corações e nos sentirmos fortalecidos.
Não existe um amigo ou consolador que pode ser comparado a Cristo.
Em todos os nossos dias de aflições, que são muitos, devemos pri­
meiramente recorrer a Jesus, o Filho de Deus, para obtermos consolação.
Ele jamais falhará ou nos desapontará, recusando-se a mostrar interesse
por nossas tristezas. Permanece vivo Aquele que, à porta da cidade de
Naim, trouxe um cântico de alegria ao coração daquela viúva. Ele continua
vivo e dispos-to a receber todos os que possuem corações exaustos, se
estes O buscarem pela fé. Ele vive para curar os quebrantados e ser um
Amigo mais chegado que um irmão; vive para fazer maiores obras do que
Lucas 7.11-17 105

a realizada nesta ocasião. Ele vive para retornar ao seu povo, a fim de que
este nunca mais chore e todas as lágrimas sejam enxugadas de seus olhos.
Por último, aprendemos destes versículos o infinito poder de nosso
Senhor, Jesus Cristo. Quanto a isto, não podemos exigir qualquer prova
mais admirável do que o milagre que estamos considerando. Com poucas
palavras, o Senhor Jesus concedeu vida a um jovem que estava morto. Ele
falou a um defunto, e imediatamente este retomou à vida. Em um momento,
num piscar de olhos, o coração, os pulmões, o cérebro, os sentidos re­
tornaram às suas atividades e cumpriam seus deveres. Jesus clamou:
“Jovem, eu te mando: levanta-te! ” Esta foi uma voz poderosa em operação.
E, de imediato, “sentou-se o que estivera morto e passou a falar” .
Vejamos na realização deste grande milagre uma certeza daquele
portentoso evento futuro, a ressurreição de todos. O mesmo Jesus que
ressuscitou este jovem ressuscitará toda a humanidade, no último dia.
“Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se
acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o
bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para
a ressurreição do juízo” (Jo 5.28-29). Quando a trombeta soar e Cristo
ordenar, não haverá recusa ou escape. Todos comparecerão em seus corpos
diante do tribunal e serão julgados conforme as suas obras.
Além disso, vejamos também neste portentoso milagre uma vívida
ilustração do poder de Cristo para vivificar os que estão mortos no pecado.
A vida está em Cristo. Ele vivifica aqueles a quem quer (Jo 5.21). Ele
pode ressuscitar para uma nova vida almas que agora parecem mortas em
mundanismo e pecado. Pode ordenar aos corações que agora são corruptos
e mortos: “Levantai-vos para o arrependimento e vivam no serviço de
Deus” . Jamais percamos a esperança no que se refere à qualquer pessoa.
Oremos por nossos filhos e não desfaleçamos. Os rapazes e as moças de
nossas famílias talvez estejam andando pelo caminho largo que conduz à
perdição. Mas continuemos a orar. Talvez Aquele que saiu ao encontro
daquele funeral, à porta de Naim, encontre os nossos filhos e lhes diga:
“Jovem... levanta-te!” Para Ele nada é impossível.
Terminemos nossas considerações sobre esta passagem recordando
solenemente as coisas que têm de acontecer no último dia. Lucas nos in­
forma que “todos ficaram possuídos de tem or”, quando aquele jovem foi
res-suscitado. Quais serão os sentimentos da humanidade, quando todos
os mortos forem ressuscitados de uma só vez? O incrédulo temerá naquele
dia. Ele não está preparado para encontrar-se com Deus. Mas o verdadeiro
crente não temerá coisa alguma. Seu corpo descansará em quietude no
sepulcro. Em Cristo, ele está completo e seguro e, quando ressuscitar, em
paz verá a face de Deus.
106 Lucas 7.18-23

A Mensagem de João Batista Enviada a Cristo;


A Resposta que ele Recebeu
Leia Lucas 7.18-23

A mensagem que João Batista enviou a nosso Senhor, apresentada


nestes versículos, é especialmente instrutiva, quando pensamos nas cir­
cunstâncias sob as quais foi enviada. João Batista era prisioneiro de Herodes
(Mt 11.2). Sua vida estava chegando ao fim. Seu tempo de utilidade efetiva
estava acabando. Um demorado aprisionamento ou morte violenta eram
suas únicas perspectivas. Mesmos nestes dias obscuros, percebemos este
homem piedoso preservando seu antigo fundamento como testemunha de
Cristo. Ele ainda era o mesmo que clamara: “Eis o Cordeiro de D eus.”
Testemunhar a respeito de Cristo era sua obra contínua como pregador
em liberdade. Enviar homens a Cristo foi uma de suas últimas obras como
prisioneiro no cárcere.
Devemos observar nestes versículos a sabedoria que João Batista
demonstrou ao enviar seus discípulos. Enviou alguns deles a Jesus com
uma pergunta: “Es tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar
outro?” João Batista deve ter pensado que seus discípulos receberiam
•uma resposta que criaria uma indelével impressão em sua mente. E estava
correto. Eles receberam uma resposta tanto por meio de obras quanto de
palavras — uma resposta que talvez produziu um efeito mais profundo do
que quaisquer argumentos que poderiam ter ouvido dos lábios de seu
mestre.
Facilmente podemos imaginar que João Batista sentiu bastante an­
siedade no que se referia ao futuro de seus discípulos. Ele estava ciente da
falta de conhecimento e fragilidade da fé exercida por seus discípulos.
Sabia quão natural seria para eles considerarem os discípulos de Jesus
com sentimentos de ciúmes e inveja. João Batista conhecia a grande
possibilidade do intolerante espírito de partidarismo prevalecer entre eles
e mantê-los distantes de Cristo, quando seu mestre morresse. Dentro de
suas possibilidades, ele tomou a devida providência contra esta situação,
enquanto estava vivo. Enviou alguns de seus discípulos a Jesus, para que
vissem por si mesmos que tipo de mestre Ele era e não O rejeitassem sem
vê-Lo e ouvi-Lo. João Batista cuidou em fornecer-lhes a maior evidência
de que nosso Senhor era realmente o Messias. Assim como seu divino
Mestre, que amou seus discípulos, João Batista amou os seus até ao fim.
Agora, percebendo que em breve os deixaria, se esforçou por deixá-los
nas melhores de todas as mãos. Fez o melhor que pôde para familiarizá-
los com Cristo.
Lucas 7.18-23 107

Que instrutiva lição estes versículos contêm para os ministros do


evangelho, os pais e chefes de famílias; em resumo, para todos os que se
preocupam com as almas dos outros. Devemos nos esforçar, de maneira
semelhante a João Batista, em providenciar o necessário para o futuro
bem-estar espiritual daqueles que deixaremos, quando morrermos. De­
vemos sempre recordar-lhes que não estaremos para sempre com eles.
Precisamos instar-lhes com freqüência a estarem cientes do caminho largo,
quando fomos tirados de entre eles e ficarem sozinhos no mundo. Temos
de nos gastar para fazer todos aqueles que vivem ao nosso redor tornarem-
se familiarizados com Cristo. Felizes são os ministros do evangelho e os
pais cuja consciência podem afirmar, no leito de morte, que mostraram
aos seus ouvintes que estes deveriam buscar a Jesus e segui-Lo.
Em segundo, devemos observar a resposta especial que os discípulos
de João receberam de nosso Senhor. Lucas nos informa que, “naquela
mesma hora, curou Jesus muitos de moléstias, e de flagelos” . Em seguida,
Jesus lhes disse: “Ide e anunciai a João o que vistes e ouvistes” . Ele não
fez uma declaração formal de ser o Messias que estava por vir. Sim­
plesmente ofereceu aos mensageiros fatos que seriam repetidos a seu mestre
e os enviou de volta. Jesus sabia que João Batista utilizaria estes fatos. Ele
diria aos seus discípulos: “Aquele que realizou estas coisas deve ser visto
por vocês como o profeta maior do que Moisés. Este é Aquele que vocês
têm de ouvir e seguir, quando eu morrer. Ele é realmente o Cristo” .
A resposta de nosso Senhor aos discípulos de João contém uma
grande lição prática, e faremos bem se a recordarmos. Ela nos ensina que
a maneira correta de avaliarmos as igrejas e os pastores é examinarmos as
obras que eles fazem para Deus e os frutos que produzem. Desejamos sa­
ber se uma igreja é verdadeira e digna de confiança? Queremos saber se
um pastor é realmente chamado por Deus e correto naquilo que crê? Te­
mos de aplicar-lhes a antiga regra das Escrituras: “Pelos seus frutos os
conhecereis” (Mt 7.20). Assim como o Cristo seria conhecido por suas
obras e ensinos, assim também devem ser as verdadeiras igrejas e ministros
do Senhor Jesus. Quando os mortos em delitos e pecados não são vivi­
ficados, e os espiritualmente cegos não recebem de volta a visão, e os
pobres não ouvem a proclamação das boas-novas, em geral podemos
suspeitar que ali Cristo não está presente. Onde Ele está, será visto e
ouvido. Ali haverá apenas uma confissão verbal, cerimônias e demons­
trações de religiosidade; haverá uma obra visível nos corações e nas vidas.
Por último, devemos observar nestes versículos o solene aviso que
nosso Senhor deu aos discípulos de João Batista. Jesus sabia o perigo em
que se encontravam: estavam dispostos a questionar a sua reivindicação
de ser o Messias, por causa de sua aparência humilde. Em Jesus, eles não
percebiam qualquer característica de um rei; Ele não tinha riquezas, vestes
108 Lucas 7.18-23

reais, guardas, coorte ou coroa. Os discípulos de João viam em Jesus um


homem comum, que parecia ser pobre como eles mesmos, assistido por
publicanos e pescadores. Seu orgulho rejeitava a idéia de que este homem
era o Cristo! Parecia incrível. Deveria haver algum engano. Pensamentos
como estes, com toda probabilidade, pairavam na mente deles. Nosso
Senhor sondou os seus corações e os despediu com uma perscrutadora
advertência: “Bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de
tropeço” .
Esta advertência é tão necessária agora quanto o foi naquela ocasião.
Enquanto o mundo existir, Cristo e seu evangelho será uma rocha de tro­
peço para muitos. Ouvir que estamos perdidos, somos pecadores culpados
e não podemos salvar a nós mesmos; ouvir que temos de abandonar nossa
justiça própria e confiar nAquele que foi crucificado entre dois ladrões;
ouvir que precisamos nos contentar em entrar no céu juntamente com
meretrizes e publicanos e que devemos à graça divina toda a nossa salvação
— tudo isto é ofensivo ao homem natural. Nosso coração orgulhoso não
gosta disto. Sentimo-nos ofendidos.
Perm itam os que a advertência apresentada nestes versículos
aprofunde-se em nossa memória. Tenhamos cuidado para não ficarmos
ofendidos. Estejamos atentos para não acharmos tropeço, quer seja nas
humilhantes doutrinas do evangelho, quer seja na prática da santidade que
ele recomenda àqueles que o aceitam. O orgulho íntimo é um dos piores
inimigos do homem. O último dia comprovará que ele foi a causa da ruína
de milhares de almas. Muitos descobrirão que tiveram a oferta de salvação,
mas a rejeitaram. Não apreciavam os termos da salvação. Não se esforçaram
“por entrar pela porta estreita”. Não vieram humildemente como pecadores
ao trono da graça. Em resumo, acharam motivo de tropeço. Então, se
tornará evidente o profundo significado das palavras de nosso Senhor:
“Bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” .

O Sublime Testemunho de Cristo


a Respeito de João Batista
Leia Lucas 7.24-30

O primeiro assunto que demanda nossa consideração nesta passagem


é o terno cuidado que nosso Senhor manifesta no que se refere ao caráter
de seus servos fiéis. Ele defendeu a reputação de João Batista, logo que
seus mensageiros partiram; sabia que seus ouvintes estavam dispostos a
pensar levianamente a respeito de João Batista, em parte porque este se
Lucas 7.24-30 109

encontrava preso e porque seus discípulos haviam acabado de fazer aquela


pergunta. Ele pleiteou a causa de seu amigo ausente utilizando uma
linguagem forte e ardente. Ordenou seus ouvintes a tirarem de sua mente
as dúvidas e suspeitas indignas a respeito deste homem piedoso. Ele lhes
disse que João Batista não era um homem de caráter inseguro e instável,
uma simples cana agitada pelo vento. Afirmou-lhes que ele não era um
palaciano, que se vestia de roupas finas e assistia nos palácios reais, em­
bora as circunstâncias no final de seu ministério o trouxeram a um
relacionamento próximo ao rei Herodes. Jesus declarou-lhes que João
Batista era muito mais do que um profeta, pois era o profeta que havia
sido assunto da própria profecia. E concluiu seu testemunho com esta
notável afirmação: “Entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do
que João” .
Existe algo profundamente comovente nesta afirmativa de nosso
Senhor a respeito de seu servo ausente. A posição que João Batista agora
ocupava como prisioneiro de Herodes era bastante diferente da que ocupara
no início de seu ministério. Naquela ocasião, ele era bem conhecido e o
pregador mais popular de seus dias. Houve um tempo em que saíram “a
ter com ele Jerusalém, toda a Judéia e toda a circunvizinhança do Jordão”
(Mt 3.5). Agora, era um prisioneiro solitário nas mãos de Herodes,
abandonado, sem amigos, esperando apenas a morte. Porém, a carência
de favor da parte do homem não é uma prova de que Deus está insatisfeito.
João Batista tinha um Amigo que jamais falhou e o abandonou — um
Amigo cuja bondade não ia e vinha como a popularidade, mas era sempre
o mesmo. Este amigo era nosso Senhor Jesus Cristo.
Neste fato existe imensa consolação para todos os crentes que sofrem
escárnios, desconfiança e falsa acusação. Poucos são os filhos de Deus
que, em uma ocasião ou outra, não sofrem desta maneira. O acusador de
nossos irmãos sabe muito bem que o caráter é uma área em que estes
podem facilmente ser atingidos. Ele sabe que calúnias podem ser criadas
com facilidade, são avidamente aceitas e propagadas, porém, silenciadas
com raridade. Mentiras e falsas afirmações são as armas prediletas por
meio das quais ele trabalha para injuriar a utilidade de um crente e destruir
sua paz interior. No entanto, todos os que são ultrajados em seu caráter
precisam descansar no pensamento de que, no céu, possuem um Advogado
que conhece suas aflições. O mesmo Jesus que defendeu a reputação de
seu servo encarcerado, perante a multidão de judeus, nunca abandonará
seu povo. O mundo pode reprová-los; talvez os homens desprezem seus
nomes, reputando-os maus. Entretanto, Jesus nunca muda e um dia pleiteará
a causa de seu povo.
O segundo assunto que demanda nossa atenção nesta passagem é a
ampla superioridade de privilégios que os crentes do Novo Testamento
110 Lucas 7.24-30

desfrutam, quando os comparamos aos crentes do Antigo Testamento.


Esta lição parece estar ensinada em uma das expressões que Jesus utilizou
em referência a João Batista. Após louvar as virtudes e dons deste servo,
o Senhor Jesus acrescentou estas admiráveis palavras: “Eu vos digo: entre
os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João; mas o menor no
reino de Deus é maior do que ele” . O significado destas palavras de nosso
Senhor parece ser apenas este: Ele declarou que a luz espiritual dos mais
insignificantes discípulos que viveriam após sua morte e ressurreição seria
maior do que a de João Batista, que morreu antes de acontecerem estes
grandiosos eventos. Os mais simples crentes que ouviriam o apóstolo
Paulo entenderiam, por intermédio da luz da morte de Cristo na cruz,
coisas que João Batista jamais poderia ter explicado. Embora fosse um
homem de grande coragem e fé, o mais simples crente seria de alguma
maneira maior do que ele. Maiores em graça e obras, tais crentes certamente
não poderiam ser. No entanto, seriam maiores em conhecimento e
privilégios.
Expressões como esta ensinam todos os crentes a serem gratos por
sua vida espiritual. Provavelmente temos pouca idéia sobre a diferença
existente entre o conhecimento espiritual dos crentes do Antigo Testamento
e o conhecimento daqueles que estão familiarizados com o Novo Tes­
tamento. Pouco sabemos a respeito de quantas benditas verdades do
evangelho no passado eram vistas obscuramente, como por espelho, mas
que agora são reveladas tão claramente como o sol ao meio dia. Nossa
familiaridade com o evangelho nos impede de perceber a amplitude de
nossos privilégios. Raramente percebemos quantas verdades gloriosas de
nossa fé foram ressaltadas em sua plenitude por intermédio da morte de
Cristo na cruz, verdades que jamais foram descobertas e compreendidas
até que o sangue de Cristo fosse derramado na cruz. As esperanças de
Paulo e João Batista eram as mesmas. Ambos foram guiados pelo Espírito;
ambos reconheciam sua pecaminosidade e confiaram no Cordeiro de Deus.
Mas não podemos imaginar que João Batista possuía um entendimento tão
completo do caminho da salvação quanto o do apóstolo Paulo. Ambos
olhavam para o mesmo objeto de fé. Mas um deles o via muito aquém e
podia descrevê-lo apenas de maneira geral. O outro o via mais de perto e
podia descrever especificamente a razão de sua esperança. Aprendamos a
ser mais agradecidos. Aquele que conhece a história da cruz possui uma
chave de conhecimento espiritual jamais possuída por patriarcas e profetas.
O último assunto que demanda nossa atenção nesta passagem é a
solene afirmação do Senhor Jesus a respeito da capacidade do homem
causar danos à sua própria alma. Lemos que “os fariseus e os intérpretes
da lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de Deus” . O significado
desta afirmativa parece ser apenas este: rejeitaram a oferta de salvação da
Lucas 7.24-30 111

parte de Deus. Recusaram-se a julgar a si mesmos no que concernia à


porta de salvação que lhes fora ofertada mediante a pregação de João Ba­
tista. Em resumo, cumpriram literalmente as palavras de Salomão: “Rejei­
tastes todo o meu conselho e não quisestes a minha repreensão” (Pv 1.25).
Uma das verdades fundamentais das Escrituras, que devemos ter
constantemente em nossos corações, é que todo homem tem o poder de
arruinar a si mesmo para sempre no inferno. Sendo impotentes e fracos
para fazer tudo aquilo que é bom, naturalmente todos nós temos poder
para realizar o mal. Por causa de habitual impenitência e incredulidade,
por perseverarmos no amor ao pecado e na sua prática, por causa de
orgulho, vontade própria, preguiça e resoluto amor pelo mundo, podemos
trazer sobre nós mesmos a condenação eterna. E, se isto acontecer,
perceberemos que a culpa será toda nossa. Deus não tem “prazer na morte
de ninguém” (Ez 18.32). Cristo está disposto a reunir os homens sob os
seus cuidados, se eles tão-somente o quiserem (Mt 23.37). A culpa
permanecerá às portas do próprio homem. Os que estão perdidos des­
cobrirão que perderam suas almas (Mc 8.36).
O que nós mesmos estamos fazendo? Esta é a principal indagação
que esta passagem sugere à nossa mente. Estamos perdidos ou salvos?
Caminhamos para o céu ou para o inferno? Já recebemos o evangelho em
nosso coração? Realmente vivemos de acordo com as Escrituras, na qual
professamos acreditar? Ou estamos diariamente viajando em direção à
eterna perdição, arruinando nossa própria alma? É doloroso pensar que
os fariseus não foram os únicos a rejeitarem o conselho de Deus. Há mi­
lhares de pessoas que se declaram cristãs, mas continuam fazendo a mesma
coisa.

Cristo Descreve os Homens


de sua Própria Época
e Expõe a Tolice de Tais Homens
Leia Lucas 7.31-35

Em primeiro lugar, aprendemos destes versículos que o coração das


pessoas não-convertidas é desesperadamente pervertido e ímpio. Nosso
Senhor destacou esta lição através de uma admirável com paração,
descrevendo a geração entre a qual Ele viveu, enquanto esteve na terra.
Ele os comparou a meninos. Asseverou que os meninos brincando na
praça não eram mais obstinados, perversos e difíceis de serem agradados
do que os judeus daquela época. Nada os satisfazia. Estavam sempre
112 Lucas 7.31-35

achando erros. Qualquer meio que Deus utilizasse para ministrar entre
eles, os judeus o rejeitavam. Qualquer mensageiro que Deus lhes enviasse
não os satisfazia. Primeiramente, surgiu João Batista vivendo no deserto,
de maneira ascética e abnegada. A respeito deles os judeus disseram:
“Tem demônio” . Então, veio o Filho de Deus, comendo, bebendo e ado­
tando hábitos sociais de uma pessoa normal. Imediatamente os judeus o
acusaram de ser um “um glutão e bebedor de vinho” . Em poucas palavras,
tornou-se evidente que os judeus estavam decididos a não receber qualquer
mensageiro enviado por Deus. Suas falsas objeções eram apenas um
disfarce para ocultar seu ódio para com a verdade divina. Eles realmente
detestavam a Deus mesmo e não a seus mensageiros.
Talvez sintamos admiração e surpresa ao lermos sobre este incidente.
Pensamos que jamais houve homens tão perversamente irracionais como
os judeus daquela época. Mas temos certeza de que este tipo de conduta
não se repete com freqüência entre os chamados cristãos? Reconhecemos
que a mesma coisa se manifesta constantemente entre nós hoje? Embora
pareça estranho à primeira vista, a geração daqueles que “não dançam,
quando outros tocam flauta, e não choram, quando ouvem lamentações” ,
é muito numerosa na igreja de Cristo. Não é uma realidade que muitos
daqueles que se esforçam para servir a Cristo com fidelidade e andar em
intimidade com Deus percebem que seus vizinhos e familiares estão sempre
insatisfeitos com sua maneira de viver? Não importa se tais pessoas vivem
com intensa santidade e determinação, os outros sempre as reputam como
erradas. Se elas afastam-se do mundo e, assim como João Batista, vivem
com ascetism o e solidão, os outros clamam que tais pessoas são
excessivamente justas, exclusivistas, restritas e desagradáveis. Se, por
outro lado, elas se envolvessem muito na sociedade e se esforçassem, tan­
to quanto pudessem, para interessarem-se pelas necessidades da vizinhança,
logo se diria que elas são iguais aos outros e que seu cristianismo não é
mais genuíno do que o daqueles que apenas professam qualquer crença.
Comportamento deste tipo é muito comum entre nós. Poucos são os crentes
resolutos que não conhecem por meio de amarga experiência este tipo de
reação. Os servos de Deus em todas as épocas, não importando o que eles
fazem, sempre são acusados pelas demais pessoas.
A verdade bastante evidente é que o coração natural odeia Deus. “O
pendor da carne é inimizade contra Deus” (Rm 8.7). O coração natural
odeia a lei, o evangelho e o povo de Deus; sempre acha uma desculpa
para não crer e obedecer. A doutrina do arrependimento é muito severa
para ele, e considera muito fácil a doutrina da fé e da graça. O coração
natural afirma: “João Batista se retirou muito do mundo. Jesus se envolveu
demais com o mundo!” E, deste modo, o coração natural se desculpa para
continuar em seus pecados. Tudo isto não deve nos surpreender. Devemos
Lucas 7.31-35 113

estar preparados para encontrar pessoas não-convertidas que são perversas,


irracionais e difíceis de serem agradadas, assim como os judeus da época
de nosso Senhor. Devemos abandonar a inútil idéia de procurarmos agradar
a todos. Isto é impossível, e tentar fazê-lo é desperdício de tempo. Temos
de nos contentar em andar nos passos de Cristo e deixar que o mundo diga
o que quiser. Façamos o que pretendemos; jamais satisfaremos o mundo
ou silenciaremos suas perversas críticas. Primeiramente, eles encontram
falta em João Batista e, depois, em nosso bendito Senhor. O mundo
continuará vituperando e achando erros nos discípulos de Cristo, enquanto
houver qualquer deles na terra.
Em segundo, aprendemos destes versículos que a sabedoria dos ca­
minhos de Deus é sempre reconhecida e admitida por aqueles que possuem
corações sábios. Esta lição foi ensinada por meio de uma sentença obscura:
“A sabedoria é justificada por todos os seus filhos” . Parece difícil ex­
trairmos qualquer outro significado desta afirmativa por meio de uma
interpretação exata e consistente. A idéia que nosso Senhor desejou trans­
mitir-nos parece ser que, embora a grande maioria dos judeus fosse
incoerente e dura de coração, havia alguns que não eram; e, ainda que
milhares deles não viam sabedoria no ministério de João Batista e do
próprio Jesus, havia alguns poucos eleitos que não pensavam assim. Estes
poucos eram os filhos da sabedoria. Estes poucos, por meio de sua vida e
obediência, declaravam sua plena convicção de que a maneira de Deus
lidar com os judeus era sábia e correta e de que João Batista e o próprio
Senhor Jesus eram dignos de honra. Resumindo, estas pessoas justificavam
a sabedoria de Deus e demonstravam que elas mesmas eram verda­
deiramente sábias.
Estas afirmativas de nosso Senhor a respeito da geração entre a qual
Ele viveu descreve um estado de coisas que sempre acharemos na igreja
de Cristo. Apesar de todo vitupério, zombaria, objeções e críticas perversas
lançadas contra o evangelho pela maioria dos homens, sempre haverá
alguns em todos os lugares que O aceitarão e O obedecerão com alegria.
Jamais faltará um pequeno rebanho que escute a voz do Pastor alegremente
e que procure andar com retidão em seus caminhos. Os filhos deste mundo
podem escarnecer do evangelho e desdenhar as vidas dos crentes; podem
reputar como loucura a maneira de viver deles e não encontrar qualquer
sabedoria e beleza em seu comportamento. Mas Deus cuidará em sempre
ter um povo. Sempre haverá alguns que proclamarão a perfeita excelência
das doutrinas e exigências do evangelho e justificarão a sabedoria daqueles
que Ele enviou. Estes, embora sejam muitíssimo desprezados pelo mundo,
são os que Jesus chamou “sábios” . São sábios “para a salvação pela fé em
Cristo Jesus” (2 Tm 3.15).
Perguntemos a nós mesmos, ao concluir as considerações sobre esta
114 Lucas 7.31-35

passagem, se merecemos ser chamados filhos da sabedoria? Temos sido


ensinados pelo Espírito Santo a conhecer o Senhor Jesus Cristo? Os olhos
de nosso entendimento já foram abertos? Temos a sabedoria que vem do
alto? Se verdadeiramente somos sábios, não nos envergonhemos de
confessar nosso Senhor diante dos homens. Proclamemos com ousadia
que aprovamos todo o seu evangelho, todas as suas doutrinas e exigências.
Acharemos poucos que estarão ao nosso lado e muitos, contra nós. O
mundo poderá zombar de nós e considerar nossa sabedoria como tolice,
mas tal zombaria será por breve tempo. Virá o dia em que os poucos que
confessaram a Cristo e justificaram seus caminhos diante dos homens
serão confessados e honrados por Ele diante do Pai e dos anjos.

A Pecadora que Ungiu os Pés de Jesus


na Casa de Simão, o Fariseu
Leia Lucas 7.36-50

Este relato, profundamente interessante, encontra-se apenas no


Evangelho de Lucas. A fim de percebermos a beleza da história, devemos
fazer sua leitura juntamente com o capítulo 11 do Evangelho de Mateus.
Descobriremos o notável fato de que a mulher cuja conduta foi descrita
nesta passagem provavelmente teve sua conversão como resposta às
famosas palavras de Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e
so-brecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Este maravilhoso convite,
dentre todas as probabilidades humanas, foi a salvação para a sua alma e
lhe trouxe paz, pela qual nós a vemos expressar imensa gratidão. Uma
completa oferta de perdão é sempre o instrumento escolhido por Deus
para trazer o pior dos pecadores ao arrependimento.
Primeiramente, vemos nesta passagem que os homens podem de­
monstrar algum respeito por Cristo e, apesar disso, permanecerem
não-convertidos. O fariseu desta história é um exemplo disso. Ele
demonstrou para com nosso Senhor mais respeito do que muitas outras
pessoas demonstraram; e “convidou-o... para que fosse jantar com ele”.
Entretanto, durante todo aquele tempo, ele se mostrou profundamente
ignorante quanto à natureza do evangelho de Cristo. Seu coração orgulhoso
revoltou-se intimamente, ao ver uma infeliz pecadora lavando os pés de
nosso Senhor. E sua hospitalidade pareceu caracterizada por frieza e mes­
quinhez. Jesus mesmo declarou: “Não me deste água para os pés... Não
me deste ósculo... Não me ungiste a cabeça com óleo” . Em tudo que
Lucas 7.36-50 115

Simão fez houve um grande erro. Tudo equivalia a civismo exterior, não
havia amor no coração.
Faremos bem em lembrar o caso deste fariseu. É possível alguém
possuir uma religião decente e, apesar disso, nada saber a respeito do
evangelho de Cristo. É possível alguém respeitar o cristianismo e, assim
mesmo, estar completamente cego a respeito de suas principais verdades;
é possível alguém comportar-se com grande retidão e moralidade e, ao
mesmo tempo, detestar com ódio mortal a justificação pela fé e a salvação
pela graça. Realmente temos verdadeiras afeições por nosso Senhor Jesus
Cristo? Podemos dizer: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu
te amo?” (Jo 21.17). Aceitamos cordialmente todo o seu evangelho?
Estamos dispostos a entrar no céu ao lado do pior dos pecadores e confiar
à graça de Deus todas as nossas esperanças? Estas são perguntas sobre as
quais temos de ponderar. Se não podemos respondê-las satisfatoriamente,
de maneira alguma somos melhores de que Simão, o fariseu, e o Senhor
Jesus poderá dizer-nos: “Uma coisa tenho a dizer-te” .
Em segundo, nesta passagem vemos que um amor repleto de gratidão
é o segredo para realizarmos muitas coisas para Cristo. A mulher arrepen­
dida, neste relato, demonstrou mais honra para com o Senhor Jesus do
que o fizera Simão, o fariseu. Ela, “estando por detrás, aos seus pés, cho­
rando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos;
e beijava-lhe os pés e os ungia com o ungüento” . Ela não poderia ter dado
maiores provas de reverência e respeito; e o segredo de tais provas foi o
seu amor. Amava o Senhor Jesus e pensou que nada era demasiadamente
difícil de fazer por Ele. Sentiu profunda gratidão para com nosso Senhor
e não pensou se qualquer destas atitudes seriam caras demais para Lhe
serem oferecidas.
Fazer “m ais” para Cristo é o clamor universal de todas as igrejas.
Nisto todos concordamos. Todos desejamos ver mais boas obras, abnegação
e obediência prática aos mandamentos de Jesus. Mas o que causará estas
coisas? Nada, exceto o amor. Enquanto não houver mais amor para com
Cristo em nosso coração, não faremos mais por Ele. O temor do castigo,
o desejo de recompensa, o sentimento de obrigação, todos estes são ar­
gumentos proveitosos para persuadir os homens a uma vida de santidade.
No entanto, são argumentos frágeis e impotentes, até que os homens amem
a Cristo. Se este princípio dominar o coração de alguém, então veremos
toda a sua vida transformada.
Jamais nos esqueçamos desta verdade. Embora o mundo zombe
intensamente dos sentimentos religiosos e que tais sentimentos às vezes
pareçam falsos e não sejam saudáveis, ainda permanece a grande verdade:
amar é o segredo de realizar. O coração precisa amar a Cristo; do contrário,
nossas mãos logo desfalecerão. Nossos sentimentos precisam estar
116 Lucas 7.36-50

envolvidos no serviço de Cristo; se não, nossa obediência logo acabará.


O crente que trabalha e ama será sempre aquele que fará mais na vinha de
Cristo.
Por último, vemos nesta passagem que o senso de ter nossos pecados
perdoados é a fonte e a essência do amor por Cristo. Isto, sem dúvida,
era a lição que Jesus desejava que Simão aprendesse, quando lhe contou a
história dos dois devedores — “Certo credor tinha dois devedores: um lhe
devia quinhentos denários, e o outro, cinqüenta. Não tendo nenhum dos
dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos” . Em seguida, Jesus fez-lhe a
perscrutadora indagação: “Qual deles, portanto, o amará mais?” Aqui
estava a verdadeira explicação, nosso Senhor procurou mostrar a Simão o
profundo amor que a mulher arrependida demonstrara diante dEle. As
lágrimas, as profundas afeições, a reverência pública da mulher, sua atitude
de ungir os pés de Jesus, todas estas coisas tinham apenas uma causa. Ela
havia sido muito perdoada e, portanto, muito amou. Seu amor foi o efeito
e não a causa de perdão que recebeu, a conseqüência e não a condição de
seu perdão, o resultado e não o motivo de seu perdão, o fruto e não a raiz
de seu perdão. Este fariseu desejava saber porque esta mulher demonstrara
tanto amor? Foi porque ela sentiu imensamente o perdão recebido. Desejava
ele saber a razão por que ele mesmo demonstrara tão pouco amor para
com seu convidado? Foi porque ele não se sentiu sob qualquer obrigação,
não tinha consciência de ter recibo o perdão e não possuía qualquer sen­
timento de dívida para com Cristo.
Este grande princípio estabelecido por nosso Senhor deve sempre
permanecer em nossa mente e aprofundar-se em nosso coração. É um dos
fundamentos de todo o evangelho. É uma das chaves-mestras que abre os
segredos do reino de Deus. A única maneira de tornar um homem santo é
ensinar e pregar sobre o completo e gratuito perdão por meio de Jesus
Cristo. O segredo de nós mesmos nos tornarmos santos é conhecer e sen­
tir que Cristo perdoou nossos pecados. A paz com Deus é a única raiz que
produzirá o fruto da santidade. O perdão tem de anteceder a santificação.
Nada faremos para Cristo enquanto não estivermos reconciliados com
Deus. Este é o primeiro passo da vida cristã. Devemos servir a Cristo
porque já temos a vida eterna e não para consegui-la. Nossas melhores
obras, antes de sermos justificados, são pouco melhores do que pecados
esplêndidos. Temos de viver pela fé no Filho de Deus; somente então, an­
daremos nos seus caminhos. O coração que experimentou o amor perdoa-
dor de Cristo é aquele que ama a Cristo e se esforça para glorificá-Lo.
Deixemos esta passagem com um profundo sentimento da admirável
compaixão e misericórdia de nosso Senhor para com o maior dos pecadores.
Vejamos na bondade dEle para com a pecadora um encorajamento para
qualquer pessoa vir a Cristo para receber perdão, não importando quão
Lucas 7.36-50 117

grande seja a sua pecaminosidade. Ele nunca quebrará sua promessa: “O


que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37). Se alguém
vier a Cristo nunca terá necessidade de desesperar-se de sua salvação.
Ao concluir, perguntemos a nós mesmos: O que estamos fazendo
para a glória de Cristo? Que tipo de vida estamos vivendo? Que prova
estamos demonstrando de nosso amor por Aquele que nos amou e morreu
pelos nossos pecados? Estas são perguntas solenes. Se não podemos
respondê-las satisfatoriamente, podemos duvidar que temos sido perdoados.
A esperança de perdão que não vem acompanhada de amor por Cristo não
é verdadeira esperança. A pessoa cujos pecados foram realm ente
purificados sempre demonstrará, por meio de suas atitudes, que ama o
Salvador que a purificou.

As Mulheres Piedosas que


Acompanharam Nosso Senhor e seus Apóstolos
e Lhe Prestaram Assistência
Leia Lucas 8.1-3

Observemos nestes versículos a incansável diligência de nosso Senhor


em fazer o bem. Somos informados que “andava Jesus de cidade em cidade
e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de
Deus” . Sabemos como Ele foi recebido em vários lugares: enquanto alguns
criam nEle, outros não. No entanto, a incredulidade dos homens não
mudou a atitude de nosso Senhor, tampouco o impediu de realizar sua
obra. Ele estava sempre tratando dos negócios de seu Pai. Embora seu
ministério terreno tenha sido curto em sua duração, podemos afirmar que
foi imenso, se levarmos em conta as obras nele realizadas.
A diligência de Cristo deve ser um exemplo para todo crente. Sigamos
os seus passos, mesmo que fiquemos aquém de sua perfeição. Assim
como o Senhor Jesus, trabalhemos para fazer o bem em nossa geração,
deixando o mundo melhor do que o encontramos. Não foi em vão que a
Bíblia afirmou expressamente: “Aquele que diz que permanece nele, esse
deve também andar assim como ele andou” (1 Jo 2.6).
Sem dúvida, nosso tempo é bastante curto. No entanto, podemos
fazer muito em nosso tempo, se este for bem aproveitado e corretamente
utilizado. Poucos imaginam o quanto poderiam fazer em doze horas, se
permanecessem firmes em suas atividades e evitassem a ociosidade e a
frivolidade. Por isso, assim como nosso Senhor, sejamos diligentes,
“remindo o tempo” (Ef 5.16).
118 Lucas 8.1-3

O tempo é realmente curto, mas é a única oportunidade em que o


crente pode realizar obras de misericórdia. No mundo por vir não haverá
ignorantes a serem instruídos, chorosos a serem consolados, trevas espi­
rituais a serem iluminadas, nenhuma aflição a ser aliviada, nenhuma tristeza
a ser amenizada. Qualquer obra espiritual que fizermos, precisará ser
feita nesta vida. Sintamos nossa responsabilidade individual. Almas estão
perecendo, e o tempo está se passando rapidamente. Devemos resolver,
pela graça de Deus, realizar algo para a glória dEle, antes que morramos.
Novamente, lembremos o exemplo de nosso Senhor e, assim como Ele,
sejamos diligentes, “remindo o tempo” .
Em segundo, observemos nestes versículos o poder da graça de
Deus e a constrangedora influência do amor de Cristo. Lemos que, entre
os seguidores de Jesus em suas viagens, estavam “algumas mulheres que
haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades” .
Podemos imaginar que não foram pequenas ou insignificantes as
dificuldades que aquelas mulheres piedosas enfrentaram, ao tornarem-se
discípulas de Cristo. Elas compartilharam da zombaria e escárnio que os
escribas e fariseus lançavam sobre os seguidores de Cristo. Entre muitas
outras coisas, elas tiveram a provação de suportarem palavras e atitudes
severas que os judeus demonstravam para mulheres que se mostravam
independentes quanto à religião. Mas nada as fez mudar de caminho.
Gratas pelas misericórdias recebidas das mãos de nosso Senhor, estavam
dispostas a suportar muitas coisas por amor a Ele. Fortalecidas em seu
íntimo pelo restaurador poder do Espírito Santo, foram capazes de ape-
garem-se a Jesus e não desistiram. E com nobreza seguiram-No até ao
fim. Não foi uma mulher quem vendeu o Senhor por trinta peças de prata.
Não foram as mulheres que abandonaram o Senhor no jardim do Getsêmani
e fugiram. Não foram as mulheres que três vezes negaram a Cristo, na
casa do sumo sacerdote. Mas foram elas que lamentaram e choraram
quando Ele estava sendo levado para a crucificação. Foram as mulheres
que permaneceram junto à cruz e as primeiras a visitarem o sepulcro onde
se encontrava o corpo do Senhor. Realmente, grande é o poder da graça
de Deus.
Recordar essas mulheres deve encorajar todas as filhas de Adão que
lêem a respeito delas a tomarem sua cruz e seguirem a Cristo. Nenhum
sentimento de fraqueza ou receio de retroceder deve impedi-las de tomarem
uma resoluta decisão em favor de sua vida espiritual. Uma mulher que
tem muitos filhos, limitada em suas condições, pode dizer-nos que não
possui tempo para as coisas espirituais. Uma esposa de um marido tem­
peramental pode alegar que as circunstâncias a impedem de ocupar-se
com a vida espiritual. Uma moça que tem parentes mundanos pode declarar-
nos que é impossível para ela cuidar de sua vida espiritual. Uma empregada
Lucas 8.1-3 119

doméstica que vive na companhia de pessoas não-convertidas pode dizer-


nos que em sua ocupação ninguém pode servir a Cristo. Entretanto, todas
elas estão erradas, muito erradas. Com Jesus, nada é impossível. Elas
devem pensar nos fatos e mudar sua maneira de agir. Devem começar a
vida cristã com ousadia, no poder de Cristo, e confiar nEle quanto às
conseqüências. O Senhor Jesus nunca muda. Aquele que capacitou muitas
mulheres a servirem-No com fidelidade, enquanto esteve na terra, pode
capacitar muitas outras a servi-Lo, glorificá-Lo e serem discípulas dEle
em nossos dias.
Por último, observemos nestes versículos o privilégio especial que
nosso Senhor outorga aos seus seguidores fié is. Somos informados que
essas mulheres Lhe “prestavam assistência com os seus bens”. É lógico
que Jesus não precisava da ajuda delas. A Ele pertencem todos os animais
da floresta e o gado no campo (SI 50.11). O poderoso Salvador que poderia
multiplicar alguns pães e peixes, de modo a alimentar milhares de pessoas,
poderia para sua própria subsistência produzir alimentos da terra, se assim
Ele achasse conveniente. Mas não agiu desta maneira, por duas razões.
Primeira, ele precisava demonstrar que era um homem semelhante a nós
em todas as coisas, exceto o pecado, e que vivia pela fé confiando na pro­
vidência de seu Pai. A segunda razão era que, ao permitir que seus
seguidores O servissem, o Senhor Jesus provaria o amor de seus discípulos
e testaria a sua estima por Ele. O verdadeiro amor considera um prazer
oferecer qualquer coisa ao objeto amado. O falso amor com freqüência
falará e confessará muitas coisas, mas não dará coisa alguma por seu
amado.
Este assunto de “servir a Cristo” desperta uma série de pensamentos
muitíssimo importantes, sendo um assunto que nos fará bem se o con­
siderarmos. O Senhor Jesus continuamente está provando sua igreja. Sem
dúvida, seria fácil para Ele converter num só momento todos os chineses
ou hindus e instantaneamente fazer a graça surgir nos corações, assim
como Ele criou a luz no primeiro dia de existência deste mundo. Mas Ele
não age desta maneira. Ele se agrada em agir por meio de instrumentos.
Ele se condescende em utilizar missionários e a pregação de homens, a
fim de propagar seu evangelho. E, agindo deste modo, está constantemente
provando a fé e o zelo de sua igreja. Ele permite que os crentes sejam seus
cooperadores, para comprovar quem deseja e quem não deseja prestar-
Lhe “assistência” . O Senhor Jesus permite que seu evangelho seja levado
adiante por meio de contribuições à obra missionária, a fim de provar
quem são os avarentos e incrédulos e quem são os verdadeiramente “ricos
para com Deus” . Resumindo, a igreja visível de Cristo pode estar dividida
em duas grandes facções: aqueles que “cooperam” com Cristo e aqueles
que não o fazem.
120 Lucas 8.1-3

Todos devemos recordar esta grande verdade: enquanto vivemos


neste mundo, estamos sendo provados. Nossas vidas estão constantemente
demonstrando de quem somos e a quem servimos, se amamos a Cristo ou
ao mundo. Felizes são aqueles que sabem alguma coisa a respeito de
“cooperar” na obra de Cristo “com os seus bens” . Isto é algo que podemos
fazer, embora não O estejamos vendo com nossos olhos. As palavras que
descrevem os procedimentos do Dia do Juízo são muito solenes: “Porque
tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber”
(Mt 25.42).

A Parábola do Semeador
Leia Lucas 8.4-15

A parábola do semeador, descrita nesta passagem, é relatada nos


evangelhos com mais freqüência do que qualquer outra. É uma parábola
de aplicação universal. As coisas nela relatadas estão constantemente acon­
tecendo em todas as igrejas onde o evangelho é pregado. Os quatro tipos
de coração que ela descreve são encontrados em todas as congregações
que ouvem a Palavra de Deus. Estas circunstâncias devem sempre nos
levar a fazer a leitura desta parábola com um profundo senso de im­
portância. Devemos dizer a nós mesmos, enquanto a lemos: “Isto me
interessa. Posso ver meu coração nesta parábola. Eu também estou aqui
descrito” .
Esta passagem exige pouca explicação. De fato, o significado de to­
da a figura é explicado por nosso Senhor, de modo que nenhuma explicação
humana poderá oferecer-lhe melhor esclarecimento. Esta parábola é pre­
dominantemente de advertência; é um aviso sobre um assunto muitíssimo
importante — a maneira de ouvir a Palavra de Deus. Foi proferida com o
propósito de advertir os apóstolos a não esperarem demais de seus ouvintes.
Tinha o objetivo de avisar todos os ministros do evangelho a não aguar­
darem grandes resultados de seus sermões. Também foi proferida para
advertir os ouvintes a estarem atentos às coisas que lhes seriam pro­
clamadas. Pregar é uma ordenança cujo valor nunca pode ser superestimado
na igreja de Cristo. No entanto, jamais devemos esquecer que não somente
precisa haver boa pregação, mas também bons ouvintes.
A primeira advertência que aprendemos da parábola do semeador é
acautelarmo-nos do diabo, quando ouvimos a Palavra de Deus. Nosso
Senhor nos ensina que os corações de alguns ouvintes assemelham-se à
semente que caiu “à beira do caminho” . A semente do evangelho é retirada
Lucas 8.4-15 121

destes corações quase tão logo quanto é semeada; não se aprofunda em


sua consciência; não causa a menor impressão à sua mente.
O diabo, sem dúvida, percorre todos os lugares. Este espírito maléfico
é incansável em fazer-nos o mal. Ele está sempre observando nossa va­
cilação e procurando ocasiões para destruir nossa alma. No entanto, em
nenhum outro lugar Satanás se mostra tão ativo quanto em uma igreja
onde as pessoas ouvem o evangelho. Em nenhum outro lugar ele trabalha
com tanto empenho, a fim de obstruir o progresso daquilo que é bom e de
impedir que homens e mulheres sejam salvos. Dele procedem vagueação
de pensamentos, imaginações distorcidas, apatia, memórias obscurecidas,
sonolência, inquietação, ouvidos cansados e falta de atenção. Em todas
estas coisas, o diabo manifesta sua mão. Pessoas perguntam a si mesmas
de onde vêm estes pensamentos e maravilham-se por acharem o sermão
tão difícil e dele se recordarem tão vagamente. Elas esquecem a parábola
do semeador, esquecem a atividade do diabo.
Tenhamos cuidado para não sermos ouvintes desatentos. Acautelemo-
nos do diabo. Sempre o acharemos na igreja. Ele nunca se ausenta dos
cultos. Recordemos isto e fiquemos alerta. O calor, o frio, as chuvas e os
deveres são sempre alegados como desculpas por aqueles que freqüentam
os cultos para não virem à igreja. Entretanto, existe um inimigo que eles
deveriam temer mais do que todas estas coisas — Satanás.
A segunda advertência que aprendemos da parábola do semeador é
acautelarmo-nos de confiar em impressões momentâneas, quando ouvimos
a Palavra de Deus. Nosso Senhor nos mostra que os corações de alguns
ouvintes assemelham-se à semente que caiu “sobre a pedra” . A semente
da Palavra de Deus brota imediatamente, tão logo seja ouvida, e produz
frutos de impressões alegres e emoções agradáveis. Mas, infelizmente,
estas impressões alegres são apenas superficiais. Não ocorre uma obra
permanente e profunda nas almas dos ouvintes. Portanto, logo que o ardor
da provação ou da perseguição começa a ser sentido, o pequeno nível de
espiritualidade que tais pessoas haviam alcançado murcha e desaparece.
Os sentimentos, sem dúvida, desempenham uma importante função
em nosso cristianismo pessoal. A ausência de sentimento pode indicar
que não temos a fé salvadora. Esperança, alegria, paz, confiança, amor,
abnegação e temor são coisas que têm de ser sentidas, se realmente existem.
Entretanto, jamais devemos esquecer que existem sentimentos espirituais
espúrios e falsos, procedentes apenas da empolgação natural. É bastante
possível alguém sentir intenso regozijo ou ficar profundamente alarmado
por causa da pregação do evangelho e, apesar disso, estar completamente
destituído da graça de Deus. As lágrimas de alguns ouvintes do evangelho
e a extravagante alegria de outros não constituem evidências seguras da
conversão. Podemos ser ardentes admiradores de certos pregadores
122 Lucas 8.4-15

favoritos e, assim mesmo, não permanecermos melhores do que os ouvintes


comparados à semente que caiu sobre a pedra. Nada deve nos contentar,
exceto a verdadeira união com Cristo e a profunda obra do Espírito Santo,
humilhando-nos e aniquilando nosso “eu” .
A terceira advertência que aprendemos da parábola do semeador é
acautelarmo-nos das preocupações com as coisas do mundo. Nosso Senhor
nos mostra que os corações de alguns ouvintes da Palavra assemelham-se
à semente que caiu “no meio dos espinhos” . A semente da Palavra de
Deus, quando semeada em seus corações, é sufocada pelas milhares de
outras coisas com as quais eles ocupam suas afeições. Tais pessoas não
fazem qualquer objeção às doutrinas e às exigências do evangelho. Até
desejam crer e obedecê-las. No entanto, permitem que as coisas desta
vida dominem sua mente, de modo que não permitem a Palavra de Deus
realizar sua obra. Conseqüentemente, embora ouçam muitos sermões,
tais pessoas não parecem ser abençoadas por eles. Um processo semanal
de abafar a verdade ocorre em seu coração. Não produzem frutos com
perfeição.
As coisas desta vida são alguns dos grandes perigos que assediam a
jornada do crente. O dinheiro, os prazeres e os negócios diários do mundo
são várias armadilhas para pegar nossas almas. Milhões de coisas que em
si mesmas são inocentes, quando buscadas em excesso, tornam-se se­
melhantes a venenos para a alma e prestam auxílio ao inferno. O pecado
notório não é a única coisa que arruina as almas. No cuidado por nossas
famílias e na realização da vida profissional legítima, precisamos estar
sempre alerta. A menos que vigiemos e oremos, estas coisas temporais
podem roubar-nos o céu e abrandar todos os sermões que ouvimos. Talvez
vivamos e morramos como ouvintes comparados à semente que caiu no
meio dos espinhos.
A última advertência que aprendemos nesta parábola é acautelarmo-
nos de ficar contentes com qualquer religiosidade que não produz fruto
em nossas vidas. Nosso Senhor nos mostra que os corações daqueles que
ouvem corretamente a Palavra de Deus assemelham-se à semente que caiu
em boa terra. A semente do evangelho penetra profundamente na vontade
de tais ouvintes e produz resultados práticos em sua fé e comportamento.
Eles não somente ouvem com prazer, mas também agem com determinação.
Eles se arrependem, crêem e obedecem.
Conservemos sempre em nossa mente o fato de que este é o único
tipo de religiosidade que salva. Confessar exteriormente o cristianismo e
servir-se formalmente das ordenanças jamais outorga a alguém uma boa
esperança durante a vida, paz na hora da morte e descanso no mundo por
vir. Precisa haver os frutos do Espírito em nosso coração e em nossa
vida; do contrário, o evangelho foi-nos pregado em vão. Somente aqueles
Lucas 8.4-15 123

que produzem tais frutos serão encontrados à direita de Cristo no dia em


que Ele se manifestar.
Devemos concluir estas considerações sobre a parábola do semeador
recordando o profundo senso de perigo e de responsabilidade para todos
os ouvintes do evangelho. Há quatro maneiras de ouvir, e, destas quatro,
apenas uma é correta. Há três tipos de ouvintes cujas almas estão em
iminente perigo. Quantos desses ouvintes se encontram em cada igreja.
Existe somente um tipo de ouvinte que está correto aos olhos de Deus.
Qual destes somos nós? Pertencemos a esta última classe de ouvinte?

Privilégios Espirituais
Têm de ser Utilizados com Diligência;
Os Irmãos e a Mãe de Cristo
Leia Lucas 8.16-21

Estes versículos constituem uma aplicação prática da parábola do


semeador. Foram proferidos com o propósito de fixar e gravar em nossa
mente as grandes lições contidas na parábola. Merecem atenção especial
de todos os que verdadeira e sinceramente ouvem o evangelho de Cristo.
Inicialmente aprendemos destes versículos que o conhecimento
espiritual precisa ser utilizado com diligência. Nosso Senhor afirmou que
tal conhecim ento é sem elhante a um a “candeia” acesa, que será
completamente inútil se for coberta “com um vaso” ou colocada “debaixo
de uma cama” , mas será bastante útil se for colocada sobre “um velador”
em um lugar onde poderá servir às necessidades das pessoas.
Ao ouvir esta lição, em primeiro lugar devemos pensar acerca de
nós mesmos. O evangelho que possuímos não o recebemos apenas para o
admirarmos, falarmos a seu respeito e o confessarmos, mas também para
o praticarmos. O evangelho não tinira o objetivo de apenas ficar retido em
nosso intelecto, memória e lábios, mas também de ser visto em nossa
vida. O cristianismo é um talento pelo qual somos responsáveis e que traz
grandes responsabilidades. Não estamos nas trevas assim como os
incrédulos. Recebemos uma gloriosa luz. Tenhamos cuidado em usá-la.
Visto que temos a luz, devemos andar como filhos da luz (Jo 12.35-36).
Mas não pensemos apenas a respeito de nós mesmos. Pensemos
também sobre os outros. Há milhões de pessoas no mundo que não têm,
de maneira alguma, a luz espiritual. Estão sem Deus, sem Cristo e sem
esperança (Ef 2.12). Podemos fazer algo por elas? Existem milhares de
pessoas em nosso próprio país que ainda não se converteram e estão mortas
124 Lucas 8.16-21

em seus pecados; não estão vendo ou sabendo o que é correto. Podemos


fazer algo por elas? Estas são perguntas para as quais todos os verdadeiros
crentes devem achar resposta. Devemos nos esforçar, de todas as maneiras,
a fim de propagar o evangelho. A mais elevada forma de egoísmo é a
daquele que se contenta em ir sozinho para o céu. O verdadeiro amor se
manifesta no esforço para com partilhar com os outros toda luz de
conhecimento espiritual que possuímos e, deste modo, erguermos nossa
luz para iluminar todos que se encontram ao nosso redor. Feliz é aquele
que, logo após receber a luz do céu, começa a pensar nos outros, assim
como pensou em si mesmo. Deus jamais acende uma “candeia” para que
esta brilhe sozinha.
Em segundo, aprendemos destes versículos a grande importância
de ouvir corretamente. As palavras de Jesus tencionavam gravar esta lição
profundamente em nosso coração. Ele disse; “Vede, pois, como ouvis” .
A quantidade de benefícios que desfrutamos de todos os meios da graça
depende completamente da maneira como os utilizamos. A oração particular
é o próprio fundamento da vida espiritual; porém a simples repetição de
um conjunto de palavras, quando o coração está longe do Senhor, não
traz qualquer benefício a alma de alguém. Ler a Bíblia é essencial para
adquirirmos saudável conhecimento cristão; mas a leitura formal de vários
capítulos, como uma tarefa ou dever, sem o humilde desejo de ser instruído
por Deus, equivale a desperdício de tempo. O mesmo acorre com o ouvir
a Palavra de Deus. Não basta ir à igreja para ouvir sermões; podemos
fazer isto por muitos anos e nada aproveitar; pelo contrário, podemos
piorar. “Vede, pois, como ouvis” , disse nosso Senhor.
Sabemos como ouvir corretamente? Então guardemos em nosso
coração estas regras simples. Em primeiro lugar, temos de ouvir com fé ,
crendo implicitamente que toda a Palavra de Deus é verdadeira e per­
manecerá para sempre. A palavra anunciada aos judeus nos tempos antigos
“não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé, como estava
naqueles que a ouviram” (Hb 4.2). Em segundo, temos de ouvir com
reverência, lembrando constantemente que a Bíblia é o livro de Deus.
Este foi o hábito dos tessalonicenses. Eles receberam a mensagem de
Paulo “não como palavra de homens e sim como, em verdade é, a palavra
de Deus” (1 Ts 2.13). Antes de tudo, temos de ouvir com oração, su­
plicando a bênção de Deus, antes que o sermão seja pregado, e pedindo a
bênção de Deus novamente, quando estiver terminado. Nisto jaz a grande
falha na maneira de ouvir de muitos crentes. Eles não pedem qualquer
bênção e, por isso, não recebem nenhuma. O sermão passa pela mente
deles assim como a água atravessa um vaso esburacado, não deixando
nada em seu interior.
Tenhamos em mente estas regras a cada domingo, antes de ouvirmos
Lucas 8.16-21 125

a pregação da Palavra de Deus. Não cheguemos despreparados, desatentos


e imprudentes à presença de Deus, como se não fosse importante a maneira
como nos apresentamos diante dEle. Tenhamos conosco fé, oração e
reverência. Se estas nos acompanharem, ouviremos a Palavra de Deus
com proveito e voltaremos para casa com louvor.
Por último, aprendemos destes versículos o grande privilégio daqueles
que ouvem a Palavra de Deus e a praticam. Jesus os considera sua “m ãe”
e seus “irmãos” .
Aquele que ouve e pratica a palavra de Deus é um verdadeiro crente.
Ouve a chamada de Deus para que se arrependa, se converta e a obedeça.
Pára de fazer o mal e começa a fazer o bem. Despoja-se do velho homem
e reveste-se do novo. Ouve a chamada de Deus para crer em Cristo para
sua justificação e a obedece. Abandona sua justiça própria e confessa sua
necessidade de um Salvador. Recebe a Cristo crucificado como sua única
esperança e considera todas as coisas como perda para que possa conhecê-
Lo. Ouve a chamada de Deus para ser santo e a obedece. Esforça-se para
m ortificar as obras do corpo e andar no Espírito. Empenha-se para
desembaraçar-se de todo peso e do pecado que tão de perto o assedia.
Este é o verdadeiro cristianismo. Todos aqueles que possuem estas
características são verdadeiros cristãos.
Mas as dificuldades de todos aqueles que “ouvem a palavra de Deus
e a praticam” não são poucas. O mundo, a carne e o pecado constantemente
os aflige. Estão freqüentemente gemendo e sendo angustiados (2 Co 5.4).
Constantemente acham a cruz muito pesada e o caminho para o céu, áspero
e estreito. Sentem-se dispostos a clamar, assim como o apóstolo Paulo:
“Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?”
(Rm 7.24).
Recebemos o conforto das palavras que o Senhor Jesus proferiu.
Lembremos que o próprio Filho de Deus nos considera parentes achegados.
Não devemos atentar à zombaria, escárnio e perseguição da parte deste
mundo. Aquele que Cristo chama seu “irmão” e sua “mãe” não tem motivo
para envergonhar-se.

A Tempestade no Lago
e a Quietude Miraculosa
Leia Lucas 8.22-25

Este acontecimento da vida de nosso Senhor é narrado três vezes


nos evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas foram todos inspirados a registrá-
126 Lucas 8.22-25

lo. Isto deve nos ensinar a importância deste evento e nos fazer dar mais
atenção às lições que ele contém.
Primeiramente, vemos nestes versículos que nosso Senhor era re­
almente homem, bem como era Deus. Somos informados que, enquanto
navegava juntamente com seus discípulos no lago de Genesaré, “ele
adormeceu” . Podemos estar seguros de que adormecer é uma das condições
da constituição natural dos seres humanos. Os anjos e os espíritos não
precisam de alimentos ou descanso. Mas a carne e o sangue, para manterem
uma existência saudável, precisa comer, beber e dormir. Se o Senhor
Jesus sentiu-se cansado e precisou de descanso, Ele deve ter possuído du­
as naturezas em uma só pessoa — a natureza humana e a divina.
A verdade que agora estamos considerando é consoladora e encoraja
a todos os crentes. O Mediador, em quem somos ordenados a confiar,
tornou-se participante da carne e do sangue. O grande Sumo Sacerdote,
que agora vive por nós à direta de Deus, experimentou pessoalmente as
enfermidades não-pecaminosas do corpo. Sentiu fome, sede e dores. Ex­
perimentou cansaço e procurou o repouso do sono. Tenhamos liberdade
em derramar perante Ele nosso coração e sem reservas contar-Lhe nossas
mais íntimas aflições. Aquele que fez expiação por nós através da cruz
pode “compadecer-se das nossas fraquezas” (Hb 4.15). Sentir-se cansado
de trabalhar para Deus é algo pecaminoso, mas sentir-se cansado e fatigado
ao fazer a obra de Deus não constitui pecado algum. O próprio Senhor
Jesus cansou-se e dormiu.
Em segundo, vemos nestes versículos que temores e ansiedades
podem invadir o coração dos discípulos de Cristo. Somos informados
que, sobrevindo “uma tempestade de vento no lago” e “correndo eles o
perigo de soçobrar” , os discípulos ficaram intensamente alarmados.
“Chegando-se a ele, despertaram-no dizendo: Mestre, Mestre, estamos
perecendo!” Esqueceram por um momento do infalível cuidado que seu
Mestre lhes mostrara no passado e de que, estando com Ele, estavam
seguros, não importando o que acontecesse. Esqueceram tudo isso e, ao
contemplar o perigo iminente, não puderam esperar até que Cristo des­
pertasse. É verdade que a contemplação, a razão e os sentimentos trans­
formam os homens em pobres teólogos.
Fatos como estes são intensamente humilhantes ao orgulho da natureza
humana. Devem minimizar o conceito e os pensamentos elevados que
temos sobre nós mesmos, a fim de vermos que criatura insignificante é o
homem, mesmo em seu melhor estado. Tais fatos são profundamente
instrutivos; nos ensinam a vigiar e orar quanto ao nosso próprio coração.
Instruem-nos a respeito daquilo que nossa mente precisa estar disposta a
encontrar nos outros crentes. Temos de ser moderados em nossas expec­
tativas. Não devemos supor que as pessoas não podem ser crentes, se às
Lucas 8.22-25 127

vezes demonstram grandes fraquezas, ou imaginar que não possuem a


graça de Deus somente porque às vezes são dominadas por temores. Mesmo
Pedro, Tiago e João clamaram: “Mestre, Mestre, estamos perecendo!”
Em terceiro, vemos nestes versículos quão grande é o poder de
nosso Senhor Jesus Cristo. Somos informados que, após ter sido despeitado
pelos discípulos, durante a tempestade, Ele “repreendeu o vento e a fúria
da água. Tudo cessou, e veio a bonança” . Sem dúvida, este foi um
grandioso milagre; exigiu o poder dAquele que trouxe as águas do Dilúvio
sobre a terra nos dias de Nóe e, no devido tempo, as fez secar; Aquele
que separou as águas do mar Vermelho e do rio Jordão em duas partes,
fazendo um caminho para que seu povo passasse; Aquele que, por meio
de um vento oriental, trouxe gafanhotos sobre o Egito e os fez retirarem-
se por meio de um vento ocidental (Êx 10.13,19). Nenhum outro poder,
além deste, poderia em um simples momento transformar aquela tempestade
em bonança. “Falar ao vento e à água” é um provérbio comum referindo-
se à tentativa de fazer algo impossível. Mas, neste incidente, vemos que
Jesus falou e, imediatamente, as ondas e o vento Lhe obedeceram! Sendo
homem, Ele dormiu; sendo Deus, Ele aquietou a tempestade.
Saber que nosso Senhor Jesus está utilizando em favor de seu povo
todo este infinito poder é um pensamento abençoador e animador. Ele se
comprometeu a salvar até ao fim cada membro de seu povo, sendo “po­
deroso” para fazê-lo. Freqüentemente as provações de seu povo são muitas
e árduas. O diabo nunca cessa de lutar contra eles. As autoridades deste
mundo freqüentemente os perseguem. Os próprios líderes das igrejas,
que deveriam ser pastores compassivos, com freqüência opõem-se
severamente à verdade que está em Jesus. Entretanto, apesar de tudo isso,
o povo de Cristo jamais será abandonado por completo. Embora sejam
tristemente afligidos, eles nunca serão destruídos. Ainda que sejam
desprezados pelos homens, não serão lançados fora por Cristo. Em tempos
de trevas, os crentes precisam descansar no pensamento de que “maior é
aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1 Jo 4.4). Os
ventos e as ondas de problemas políticos e eclesiásticos podem assaltá-los
com furor e toda sua esperança talvez pareça desaparecer. Mas eles não
devem sentir-se desesperados. Existe Alguém que vive por eles no céu,
capaz de fazer cessar num instante estes ventos e ondas. A verdadeira
igreja, da qual Cristo é o Cabeça, jamais perecerá. O glorioso Cabeça da
igreja é todo-poderoso e vive eternamente; portanto, todos os membros
de seu povo também viverão e, ao final, chegarão seguros ao lar celestial
(Jo 14.19).
Por último, vemos nestes versículos que é necessário o crente manter-
se preparado para utilizar sempre a sua fé . Nosso Senhor disse aos seus
discípulos, quando a tempestade cessou e seus temores desapareceram:
128 Lucas 8.22-25

“Onde está a vossa fé?” Com razão alguém poderia indagar: “Qual o
proveito de terem crido, se não eram capazes de crer em tempos de neces­
sidade? Onde estava o genuíno valor da fé, se eles não a estavam exerci­
tando? Qual o benefício de crer, se os discípulos tinham de crer em seu
Mestre somente quando o céu estava limpo e o sol brilhando e não em
ocasiões de tempestade?”
Esta lição possui bastante importância prática. Ter a fé salvadora é
uma coisa; ter a fé que está sempre pronta para ser utilizada é outra coisa
bem diferente. Muitos recebem a Cristo como Salvador e voluntariamente
entregam-Lhe sua alma, confiando nEle quanto ao tempo e a eternidade;
no entanto, com freqüência estes mesmos vêm sua fé em triste deficiência,
quando algo inesperado acontece ou quando são repentinamente provados.
Estas coisas não devem ser assim. Precisamos orar para que tenhamos um
grande suprimento de fé disponível, para a utilizarmos em ocasiões
especiais, e jamais estejamos despreparados. O crente mais sublime é
aquele que vive de maneira semelhante a Moisés, vendo “aquele que é
invisível” (Hb 11.27); ele jam ais será muito abalado por qualquer
tempestade; perceberá que Jesus está perto dele nas horas difíceis e verá o
céu azul por trás das nuvens mais escuras.

A Cura de um Endemoninhado
na Terra dos Gerasenos
Leia Lucas 8.26-36

A famosa narrativa que agora consideramos foi cuidadosamente


relatada pelos três primeiros evangelistas. Descreve uma notável ocasião
em que o Senhor Jesus manifestou completo domínio sobre o príncipe
deste mundo. Contemplamos o grande inimigo de nossa alma sendo
completamente vencido, o “valente” sendo derrotado por outro mais forte
do que ele e o leão, despojado de sua presa.
Primeiramente, devemos observar nestes versículos a miserável
condição daqueles sobre os quais Satanás reina. O quadro descrito nesta
passagem é assustador. Somos informados que, ao chegar à terra dos
gerasenos, saiu ao encontro de Jesus “um homem possesso de demônios
que, havia muito, não se vestia, nem habitava em casa alguma, porém
vivia nos sepulcros” ; e que: “Embora procurassem conservá-lo preso
com cadeias e grilhões, tudo despedaçava e era impelido pelo demônio
para o deserto” . Esta parece ter sido uma das mais graves formas de pos­
sessão demoníaca. Aquele homem infeliz estava sobre o completo domínio
Lucas 8.26-36 129

de Satanás, tanto no corpo quanto na alma. Enquanto permaneceu nesta


situação, deve ter sido um peso e um grande problema para todos que vi­
viam ao seu redor. Sua capacidade mental estava sob a orientação de uma
legião de demônios. Sua força física estava sendo utilizada apenas para
sua própria injúria e vergonha. É difícil imaginarmos um estado mais la­
mentável para um mortal.
Casos de possessão física por Satanás são raros atualmente. Apesar
disso, não devemos esquecer que Satanás está continuamente exercendo
um terrível poder sobre muitas almas e corações. Ele ainda impulsiona
muitas pessoas, sobre as quais ele exerce autoridade, a praticarem hábitos
de vida que as levam a desonrarem e destruírem a si mesmas. Ele ainda
governa sobre muitos com vara de ferro, levando-as de um vício a outro,
incentivando-as a se envolverem nesta ou naquela extravagância, moti­
vando-as a abandonarem um convívio social decente e a influência de
amigos respeitáveis, atirando-as nos mais vis hábitos de impiedade, fa­
zendo-as acharem-se melhores do que os suicidas, tornando-as inúteis às
suas famílias, à igreja e ao mundo, como se estivessem mortos e não vi­
vos. Existe algum pastor que não pode citar exemplos de casos semelhantes
a estes? Que descrição mais verdadeira podemos apresentar sobre alguns
rapazes e moças, senão que parecem estar possuídos por demônios? É
inútil fecharmos os nossos olhos para a realidade dos fatos. A possessão
demoníaca dos corpos das pessoas pode ser comparativamente rara; mas,
infelizmente, muitos são os casos em que o diabo parece possuir com­
pletamente as suas almas.
Estas são coisas horríveis para pensarmos sobre elas. É terrível con­
templar a ruína que Satanás freqüentemente pode causar no corpo e na
mente de pessoas jovens. É horrível observar como ele leva os jovens a
abandonarem a riqueza de boas influências e os traz ao deserto das más
companhias e dos pecados repugnantes. Acima de tudo, é terrível refletir
que, apenas em um pouco mais de tempo, os escravos de Satanás estarão
perdidos para sempre no inferno! Há somente uma coisa que podemos
fazer por eles. Devemos apresentá-los diante de Cristo em oração. Aquele
que foi à terra dos gesarenos e curou o miserável endemoninhado continua
vivo nos céus e se compadece dos pecadores. O pior dos pecadores do
mundo não está sem remédio; Jesus pode ter compaixão dele e libertá-lo.
Em segundo, observamos nestes versículos o absoluto poder que
nosso Senhor possui sobre Satanás. Ele ordenou “ao espírito imundo que
saísse do homem” cuja miserável situação acabara de ser descrita. Ime­
diatamente aquele infeliz ficou curado. Os “muitos demônios” que o pos­
suíam foram obrigados a deixá-lo. E isto não foi tudo. Expulsos de sua
morada no coração daquele homem, estes espíritos malignos suplicaram
ao Senhor que não os atormenta; se e que “não os mandasse sair para o
130 Lucas 8.26-36

abismo” , confessando desta maneira a supremacia de Jesus sobre eles.


Embora fossem poderosos, viram-se insignificantes na presença de Alguém
mais poderoso do que eles mesmos. Ainda que eram excessivamente mal­
dosos, não puderam causar danos aos porcos dos gesarenos, enquanto
não receberam permissão de nosso Senhor.
O domínio do Senhor Jesus Cristo sobre todos os demônios deve ser
um pensamento animador para todos os verdadeiros crentes. Sem este
pensamento, realmente poderíamos desesperar de nossa salvação. Sentir
que temos sempre à nossa volta um invisível inimigo espiritual, que trabalha
noite e dia planejando nossa destruição, seria suficiente para aniquilar
todas as nossas esperanças, se não soubéssemos que temos um Amigo e
Protetor. Louvado seja Deus! O evangelho nos revela esta verdade. O
Senhor Jesus é mais forte do que o “valente bem armado” , que está sempre
batalhando contra a nossa alma. O Senhor Jesus é capaz de nos livrar de
Satanás. Ele mostrou seu poder constantemente contra o diabo, enquanto
esteve na terra. E triunfou gloriosamente sobre ele na cruz. Satanás nunca
terá permissão de retirar das mãos do Senhor Jesus qualquer das ovelhas
pertencentes Ele. Um dia Jesus esmagará o diabo debaixo de nossos pés e
o prenderá no inferno (Rm 16.20; Ap 20.1,2). Felizes são aqueles que
ouvem a voz de Cristo e O seguem. Satanás pode causar-lhes vergonha,
mas não pode causar-lhes danos; pode ferir o calcanhar deles, mas não
pode destruir-lhes a alma. Eles são “mais que vencedores, por meio daquele
que” os amou (Rm 8.37).
Por último, devemos observar nestes versículos a maravilhosa
transformação que Cristo realiza nos escravos de Satanás. Lucas nos diz
que os gerasenos “acharam o homem de quem saíram os demônios, vestido,
em perfeito juízo, assentado aos pés de Jesus” . Isto deve ter sido realmente
estranho e admirável. A história e a situação anterior do homem sem
dúvida eram bem conhecidas. Ele provavelm ente havia sido um
aborrecimento e terror para toda a vizinhança. No entanto, em um instante
uma completa mudança lhe sobreviera. As coisas velhas passaram, e tudo
se tornou novo. O poder através do qual essa libertação foi realizada tinha
de ser realmente imenso. Se Cristo é o Médico, nada é impossível.
Uma coisa, entretanto, não devemos esquecer: embora esta cura
tenha sido admirável e miraculosa, não é tão maravilhosa quanto cada
exemplo de resoluta conversão a Deus. Apesar de ter sido maravilhosa a
mudança que se manifestou na cura do estado demoníaco daquele homem,
não foi tão maravilhosa quanto a mudança que ocorre quando uma pessoa
nasce de novo e passa da autoridade de Satanás para Deus. O homem não
está em seu “perfeito juízo” , enquanto não se converte a Deus; não está
em seu lugar adequado, enquanto não sentar-se, pela fé, aos pés de Jesus;
ele não está corretamente vestido, enquanto não .e reveste do Senhor
Lucas 8.26-36 131

Jesus Cristo. Já pensamos sobre o que significa a verdadeira conversão a


Deus? Nada mais é do que a libertação de um escravo, a miraculosa res­
tauração de um homem ao seu perfeito juízo e a libertação de uma alma
do reino de Satanás.
Qual é a nossa situação? Antes de qualquer outra, esta deve ser a
principal pergunta que nos interessa. Somos escravos de Satanás ou servos
de Deus? Cristo nos libertou ou o diabo ainda reina em nosso coração?
Sentamo-nos aos pés de Jesus diariamente? Estamos em perfeito juízo?
Que o Senhor nos ajude a responder corretamente estas perguntas!

Jesus Rejeitado pelos Gerasenos;


A Ordem de Cristo
ao Homem Liberto dos Demônios
Leia Lucas 8.37-40

Nesta passagem encontramos dois pedidos feitos ao Senhor Jesus.


Eram completamente opostos e foram pronunciados por pessoas de caráter
amplamente diferentes. Além disso, podemos observar a maneira como
Jesus recebeu os dois pedidos. Para ambos houve uma notável resposta.
Esta passagem é peculiarmente instrutiva.
Primeiramente, vemos que os gerasenos imploraram a Jesus que se
retirasse de entre eles, e seu pedido fo i aceito. Lemos as tristes e solenes
palavras: “Jesus, tomando de novo o barco, voltou” . Por que aquelas
infelizes pessoas desejaram que o Filho de Deus as deixasse? Por que,
mesmo após o admirável milagre realizado entre eles, não sentiram qualquer
desejo de saber mais a respeito dAquele que o fizera? Por que se tornaram
seus próprios inimigos, desprezaram sua própria necessidade de mi­
sericórdia e fecharam a porta para o evangelho? Existe somente uma
resposta para estas indagações. Os gerasenos amavam o mundo e as coisas
que nele existem; estavam determinados a não desistirem delas. Em sua
consciência, sentiram-se convencidos de que não poderiam receber a Cristo
entre eles mesmos e continuarem em seus pecados; e nestes resolveram
permanecer. Viram que em Jesus havia algo com o que seus hábitos de
vida jamais poderiam concordar e, tendo de escolher entre o novo e o ve­
lho caminho, recusaram o novo e escolheram o velho caminho.
E por que Jesus atendeu o pedido dos gerasenos, retirando-se de
entre eles? Ele o fez como uma forma de julgamento para testificar a
grandeza do pecado daqueles homens. Jesus atendeu este pedido como
um a expressão de m isericórdia à sua igreja, em todas as épocas,
132 Lucas 8.37-40

demonstrando quão grave é a impiedade daqueles que voluntariamente re­


jeitam a verdade. Retirar a luz daqueles que voluntariamente a rejeitam
parece ser uma eterna lei do governo de Cristo. Imensa é a paciência e
longanimidade de nosso Senhor. Sua misericórdia dura para sempre. Os
convites e os dons oferecidos por ele são inúmeros, abrangentes e uni­
versais. Ele oferece a cada pessoa o seu tempo de graça e de visitação (Lc
19.44). Mas, se os homens persistem na rejeição de seu conselho, em
nenhuma passagem das Escrituras Ele prometeu persistir em forçar seu
conselho sobre eles. As pessoas que têm o evangelho e recusam-se a
obedecê-lo não devem ficar surpresas, se este for retirado de entre elas.
Milhares neste momento encontram-se na mesma situação dos gerasenos.
Disseram a Cristo: “Retira-te de nós!” (Jó 21.14); por isso, Ele os está
apanhando em suas próprias palavras. Entregaram-se “aos ídolos” ; agora
estão a eles entregues (Os 4.17).
Tenhamos cuidado para não cometermos o pecado dos gerasenos.
Estejamos alerta para que, por meio da indiferença, falta de atenção e
mundanismo, não fechemos nossas portas para Jesus e O levemos a nos
abandonar completamente. De todos os pecados, este é o mais terrível.
De todos os estados em que nossa alma pode cair, nenhum outro é tão
horrendo quanto o ser deixado por Jesus. Devemos orar diariamente su­
plicando que Cristo jamais nos deixe entregues a nós mesmos. Um nau­
frágio nos densos e secos bancos de areia não é um quadro tão desagradável
quanto o de um homem cujo coração Cristo visitou com suas misericórdias,
e, por fim, cessou de visitá-lo por não ter sido recebido. O Senhor Jesus
não baterá sempre na porta trancada. Os gerasenos não tiveram motivos
para ficarem surpresos, ao verem Jesus retirando-se.
Em segundo, vemos nestes versículos que o homem de quem os
demônios foram expulsos implorou que Jesus lhe permitisse ficar em sua
companhia, mas este pedido não fo i atendido. Somos informados que
Jesus o mandou para sua casa, dizendo: “Volta para casa e conta aos teus
tudo o que Deus fez por ti” .
Com facilidade podemos entender o pedido deste homem. Ele sentira
profunda gratidão por causa da admirável misericórdia que acabara de re­
ceber, ao ser curado. Sentiu-se cheio de amor e de intensa afeição por
Aquele que de maneira tão maravilhosa e graciosa o havia curado. Queria
continuar a vê-Lo, desejava ficar em sua companhia e estar bem perto
dEle. Esqueceu todas as demais coisas por causa da influência destes sen­
timentos. A família, os parentes, os amigos, o lar, sua cidade — tudo isto
parecia nada aos seus olhos. Não se preocupou com mais nada, a não ser
o estar com Cristo. Não podemos acusá-lo por causa destes sentimentos.
Provavelmente estavam mesclados com entusiasmo e falta de pensar nos
seus familiares. Havia um zelo sem entendimento. Em seu primeiro entu­
Lucas 8.37-40 133

siasmo como alguém que se sentia recém-curado, possivelmente este


homem não foi capaz de julgar qual seria a sua futura maneira de viver.
No entanto, afeições espirituais entusiasmadas são melhores do que ne­
nhuma afeição. Em sua petição a Jesus, existem mais coisas a serem elo­
giadas do que a serem censuradas.
Por que nosso Senhor Jesus Cristo recusou-se a conceder o pedido
deste homem? Por que, em uma ocasião em que Ele tinha poucos se­
guidores, mandou-o para sua casa? Por que, ao invés de permitir que O
seguisse, juntamente com Pedro, Tiago e João, o Senhor Jesus ordenou-
lhe a retornar para casa? Ele fez tudo isto em sua infinita sabedoria, em
benefício da própria alma daquele homem. Jesus entendia que seria melhor
aquele homem ser uma testemunha em sua própria casa do que um discípulo
em lugar distante. Cristo ordenou que retornasse para casa numa atitude
de misericórdia para com os gerasenos. Jesus deixou entre os gerasenos
uma testemunha permanente da verdade a respeito de sua divina missão.
Acima de tudo, Jesus ordenou que o homem retornasse à sua casa para
que isto servisse como instrução perpétua à sua própria igreja. Cristo de­
sejava que soubéssemos as várias maneiras de glorificá-Lo; podemos
honrá-Lo tanto em nossa vida particular quanto no ofício de ministros do
evangelho; nossa própria casa é o primeiro lugar em que devemos tes­
temunhar de Cristo.
Neste pequeno incidente, existe uma lição que expressa profunda
sabedoria prática que todos os verdadeiros crentes devem entesourar em
seu coração. Esta lição é a nossa completa ignorância a respeito de qual
posição é melhor para nós neste mundo e a necessidade de submetermos
nossa vontade à de Cristo. O lugar que desejamos ocupar nem sempre é o
melhor para nós. O curso de vida que desejamos seguir nem sempre é
aquele que Cristo determina ser o melhor para o bem de nossa alma. A
posição que estamos obrigados a ocupar às vezes é bastante desagradável,
mas, apesar disso, pode ser necessária à nossa santificação. A posição
que temos de ocupar pode ser desagradável à carne e ao sangue, mas
talvez seja necessária para preservar-nos em nossa correta maneira de
pensar. É melhor que o próprio Senhor Jesus nos mande embora de sua
presença física do que ali permanecermos sem o consentimento dEle.
Oremos para que tenhamos espírito de “contentamento” com as coisas
que temos. Tenhamos receio de escolher por nós mesmos coisas pertinentes
a esta vida, sem o consentimento de Cristo, ou de prosseguirmos em
nossa jornada neste mundo quando a coluna de nuvens e de fogo ainda
não se moveu. Supliquemos ao Senhor que escolha tudo por nós. Esta
deve ser nossa oração diária: “Concede-me o que Tu queres; coloca-me
onde desejares. Permite-me apenas ser teu discípulo e permanecer contigo” .
134 Lucas 8.41-48

A Mulher Curada
ao Tocar as Vestes de Cristo
Leia Lucas 8.41-48

Quanta miséria e dificuldades o pecado trouxe ao mundo! A passagem


que acabamos de ler nos oferece uma melancólica prova deste fato. A
princípio, vemos um pai atribulado, em intensa ansiedade por causa de
sua filha que está às portas da morte. Em seguida, vemos uma mulher que
sofria sendo afligida por uma doença incurável, durante doze anos. E
estas são coisas que o pecado tem semeado em todo o mundo! São apenas
exemplos do que está constantemente ocorrendo em todos os lugares; são
males que Deus não criou, no princípio, mas que o homem trouxe sobre
si mesmo por meio da Queda. Não haveria qualquer tristeza ou enfermidade
entre os filhos de Adão, se não houvesse o pecado.
Inicialmente, devemos observar no caso da mulher aqui mencionada
uma notável figura da condição de muitas almas. Lucas nos revela que
ela, “havia doze anos, vinha sofrendo de uma hemorragia, e a quem
ninguém tinha podido curar [e que gastara com os médicos todos os seus
haveres] ” . Como por um espelho, podemos contemplar o estado do coração
de muitos pecadores através desta descrição. Talvez este seja o nosso
próprio estado.
Existem homens e mulheres, em muitas igrejas, que têm sentido
profundamente seus pecados e sido intensamente afligidos pelo pensamento
de que ainda não estão perdoados e prontos para morrer. Desejam alívio
e paz na consciência, mas não sabem onde encontrá-los. Já tentaram muitos
remédios falsos e descobriram que estes em nada lhes fizeram melhorar,
e sim os levaram a um estado pior. Eles seguiram várias formas de religião
e se desgastaram em todos os artifícios elaborados pela imaginação humana,
a fim de obterem saúde espiritual. No entanto, tudo foi inútil. A paz na
consciência parece-lhes tão distante quanto antes. As feridas interiores
assemelham-se a úlceras enraizadas e atormentadoras que ninguém pode
curar. Tais pecadores continuam em uma situação deplorável, ainda são
infelizes e completamente descontentes com seu próprio estado. Em resu­
mo, à semelhança da mulher sobre a qual lemos nesta passagem, eles es­
tão prontos para dizer: “Não existe esperança para mim; jamais serei
salvo” .
Todos estes devem achar consolação no milagre que ora consi­
deramos. Precisam saber que “há bálsamo em Gileade” (Jr 8.22) que
pode curá-los, se o procurarem. Existe uma porta na qual eles ainda não
bateram, em todos os seus esforços para obterem alívio. Há um Médico a
Lucas 8.41-48 135

quem eles ainda não recorreram, um Médico que jamais falha em curar.
Em sua necessidade, eles devem considerar a condição da mulher descrita
nesta passagem. Quando todos os outros meios tiverem falhado, ela veio
a Jesus para receber socorro. Os pecadores precisam fazer a mesma coisa.
Em segundo, devemos observar na conduta desta mulher uma notável
figura dos primeiros passos da fé salvadora e seus efeitos. Somos
informados que ela “veio por trás dele e lhe tocou na orla da veste, e logo
se lhe estancou a hem orragia” . Aquele ato parecia muitos simples e
completamente inadequado para produzir qualquer grande resultado, mas
o seu efeito foi maravilhoso! Em um instante aquela mulher infeliz foi
curada. O alívio que muitos médicos, durante doze anos, não foram capazes
de oferecer-lhe foi obtido em um momento. Com apenas um toque ela
ficou curada.
E difícil acharmos outra figura mais vívida da experiência de muitas
almas do que a história da cura desta mulher. Milhares de crentes poderiam
testificar que, assim como aquela mulher, buscaram ajuda espiritual de
médicos que não tinham qualquer valor e fatigaram suas almas utilizando
remédios que não lhes trouxeram cura. Finalmente, assim como esta
mulher, ouviram falar de Alguém que curava consciências atormentadas e
perdoava pecadores, “sem dinheiro e sem preço” (Is 55.1), se tão-somente
os homens viessem a Ele, pela fé. As condições pareciam ser boas demais,
para serem verdadeiras. Mas, assim como aquela mulher, resolveram
tentar. Vieram a Cristo, pela fé, com todos os seus pecados e, para sua
admiração, imediatamente receberam alívio. Agora desfrutam de mais
consolo e esperança do que antes. O fardo desprendeu-se de suas costas.
O peso de sua consciência foi removido, a luz resplandeceu em seus
corações, e começaram a regozijar-se “na esperança da glória de Deus”
(Rm 5.2). E tudo, eles nos dirão, deve-se apenas a uma coisa: vieram a
Jesus como estavam, tocaram-No, pela fé, e foram curados.
Sempre devemos ter gravado em nossa mente o fato de que a fé em
Cristo é o grande segredo da paz com Deus. Sem ela, jamais encontraremos
descanso em nosso coração, não importa o que façamos por nossas almas.
Sem ela, podemos assistir cultos, participar da Ceia do Senhor a cada
semana, podemos distribuir nossos bens aos pobres, queimar nossos corpos
em fogueiras, jejuar, vestir pano de saco e viver como eremitas — tudo
isto poderemos fazer e continuar em uma situação miserável. Um ver­
dadeiro tocar em Jesus, pela fé, é mais valioso do que todas estas coisas
juntas. O orgulho da natureza humana talvez não goste disto; no entanto,
é verdade. Milhares se levantarão no último dia e confessarão que jamais
tiveram descanso em sua alma, até que vieram a Cristo pela fé e con­
tentaram-se em abandonar suas próprias obras e serem salvos completa e
integralmente pela graça de Cristo.
136 Lucas 8.41-48

Por último, observemos nesta passagem o quanto nosso Senhor deseja


que O confessem diante dos homens aqueles que receberam benefícios
dEle. Jesus não permitiu que a mulher sobre a qual acabamos de ler se
retirasse despercebida da multidão. Ele indagou: “Quem me tocou?” E
insistiu na pergunta até que a mulher apresentou-se e “declarou, à vista de
todo o povo” , o que lhe aconteceu. Então, Jesus pronunciou aquelas
maravilhosas palavras: “Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz” .
Confessar a Cristo é um assunto de grande importância, que jamais
deve ser esquecido pelo verdadeiro crente. A obra que podemos realizar
por nossó bendito Senhor é pequena e simples. Nossos melhores esforços
para glorificá-Lo são fracos e cheios de imperfeição. Nossas orações e
louvores são defeituosos. Nosso conhecimento e amor por Ele são
excessivamente limitados. Mas sentimos em nosso íntimo que Cristo salvou
nossa alma? Podemos confessá-Lo diante dos homens? Podemos com
sinceridade dizer aos outros que Cristo fez tudo por nós, estávamos
morrendo com uma doença fatal e fomos curados, estávamos perdidos e
fomos achados, éramos cegos e agora vemos? Então, façamos isto com
ousadia. Não nos envergonhemos de contar a todos o que Jesus fez por
nossa alma. Nosso Senhor tem prazer em nos ver fazendo isto. Ele aprecia
muito que seu povo não se envergonhe de seu nome. O apóstolo Paulo fez
esta solene afirmação: “Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor
e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo” (Rm 10.9). E eis uma afirmativa ainda mais solene de Cristo:
“Qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se en­
vergonhará o Filho do Homem, quando vier na sua glória e na do Pai e
dos santos anjos” (Lc 9.26).

A Ressurreição da Filha de Jairo


Leia Lucas 8.49-56

Esta passagem contém uma das três ocasiões nas quais o Espírito
Santo achou conveniente registrar o ato de nosso Senhor Jesus em trazer
de volta à vida uma pessoa morta. As duas outras ocasiões são a ressurreição
de Lázaro e a do filho da viúva de Naim. Sem dúvida, nosso Senhor res­
suscitou outros além desses três. Mas estes casos foram especialmente
descritos como exemplos do seu infinito poder: o de uma jovem que havia
dado seu último suspiro; o de um jovem que estava sendo levado para
sepultamento e o de um morto que há quatro dias estava no sepulcro. Em
Lucas 8.49-56 137

todos estes casos, vemos que a vida foi imediatamente restaurada mediante
uma ordem de Cristo.
Primeiramente esta passagem nos mostra quão universal é o domínio
da morte sobre os filhos dos homens. Nós a vemos chegando à casa de um
homem rico e num golpe tirar-lhe um ente querido. “Veio uma pessoa da
casa do chefe da sinagoga, dizendo: Tua filha já está m orta.” Notícias
como estas constituem o cálice amargo que temos de beber neste mundo.
Nenhuma outra coisa fere tanto o coração de uma pessoa quanto a morte
e o sepultamento de um ente querido. Poucas aflições nos causam tanta
dor e tristeza quanto a partida de um filho único.
A morte é realmente um inimigo cruel, não faz distinção em seus
ataques; alcança a mansão do rico e a choupana do pobre. Não poupa os
jovens, os fortes, os bonitos, assim como não poupa os mais velhos, os
enfermos e os de idade bastante avançada. Nem todo o ouro do mundo,
nem toda a habilidade dos médicos podem fazer a morte retirar sua mão
de nosso corpo, no dia do seu poder. Quando chega a hora determinada e
Deus permite que a morte lance seu aguilhão, nossos relacionamentos
humanos se desfazem e nossos queridos têm de ser levados e sepultados
longe de nós.
Estes são pensamentos melancólicos e poucos gostam de ouvi-los. O
assunto da morte é um assunto que as pessoas evitam e sobre o qual
recusam meditar. O homem pensa que todos os demais são mortais, exceto
ele mesmo. Mas por que devemos lidar com essa grande realidade desta
maneira? Por que não encaramos face a face o assunto da morte física, a
fim de que, ao chegar a nossa vez, estejamos preparados para ela? A mor­
te virá à nossa casa, quer desejemos, quer não. Levará cada um de nós,
apesar de não gostarmos de ouvir a respeito dela. Com certeza, estar
preparado para este grande dia faz parte da vida de um homem sábio.
Existe razão para não nos prepararmos? Porque existe Alguém que pode
nos livrar do temor da morte (Hb 2.15). Cristo venceu a morte e “trouxe
à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho” (2 Tm 1.10). Aquele
que crê em Jesus tem a vida eterna e, ainda que morra, viverá (Jo 6.47;
11.25). Creiamos no Senhor Jesus, e, quando ela lançar seu aguilhão,
diremos, juntamente com o apóstolo Paulo: “Para mim, o viver é Cristo,
e o morrer é lucro” (Fp 1.21).
Em segundo, esta passagem nos mostra que a fé no amor e no poder
de Cristo é o melhor remédio em tempos de aflição. Quando ouviu a
notícia de que a filha do chefe da sinagoga morrera, Jesus disse a este:
“Não temas, crê somente, e ela será salva” . Sem dúvida, estas palavras
foram pronunciadas com referência imediata ao milagre que nosso Senhor
realizaria. No entanto, não precisamos duvidar que foram proferidas tendo
em vista o perpétuo benefício da igreja de Cristo. Tinham o propósito de
138 Lucas 8.49-56

revelar-nos o grande segredo do consolo em tempos de aflição. O segredo


é exercer fé, confiando na compaixão de Cristo e em sua poderosa mão —
em uma palavra, crer.
A súplica por mais fé deve fazer parte de nossas orações diárias.
Visto que desejamos sempre ter paz, calma e quietude de espírito, oremos
constantemente: “Senhor, aumenta-nos a fé” (Lc 17.5). Muitas coisas
dolorosas podem nos acontecer neste mundo mau, para as quais nossas
frágeis mentes não acham o motivo. Sem fé, seremos constantemente
abatidos e nos sentiremos intranqüilos. Nada conseguirá animar-nos, exceto
um permanente senso do amor, do cuidado e da sabedoria de Cristo para
conosco e da maneira providencial como Ele dispõe aquilo que nos
acontece. A fé “não se atemoriza de más notícias” (SI 112.7); ela pode
aquietar-se e esperar dias melhores. A fé pode ver luz mesmo nos dias
mais escuros e reconhecer os recursos necessários para as mais intensas
provações; ela é capaz de levantar seus ebenézeres diante de quaisquer
circunstâncias e cantar louvores em meio a qualquer situação. “Aquele
que crer não foge” (Is 2 8 .1 6 ). “Tu, S enhor , conservarás em perfeita paz
aquele cujo propósito é firme; porque ele confia em ti” (Is 2 6 .3 ). No­
vamente, permitamos que esta lição fique gravada em nossa mente. Se
desejamos ter uma jornada tranqüila durante nossa vida neste mundo,
precisamos “crer” .
Por último, esta passagem nos mostra o infinito poder que nosso
Senhor possui sobre a morte. Ele foi à casa de Jairo e transformou a
tristeza em alegria. Pegou a mão do corpo sem vida da filha do chefe da
sinagoga e disse: “Menina, levanta-te!” Imediatamente, por intermédio
daquela voz todo-poderosa, a vida lhe foi restaurada. “Voltou-lhe o espírito,
ela imediatamente se levantou” .
Devemos nos sentir confortados com o pensamento de que existe
um limite para o poder da morte. O rei dos terrores é bastante poderoso;
muitas gerações ele já levou deste mundo, fazendo-as retornar ao pó.
Quantidade de sábios, poderosos e elegantes a morte já tragou e arrebatou
no pleno vigor deles! Inúmeras vitórias ela já obteve e freqüentemente
tem dito: “Vaidade de vaidades” sobre o orgulho do homem! Patriarcas,
reis, profetas e apóstolos foram obrigados, no devido tempo, a se sujeitarem
a ela. Todos morreram. No entanto, graças sejam dadas a Deus, pois
existe Alguém mais poderoso do que a morte, Aquele que disse: “Onde
estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição?”
(Os 13.14). Este é o Amigo dos pecadores, o Senhor Jesus Cristo. Quando
estev e na te rra p ela p rim e ira vez, Ele dem onstrou seu p o d er
freqüentemente; como por exemplo: na casa de Jairo, no sepulcro de
Lázaro e às portas da cidade de Naim; e demonstrará este mesmo poder a
todas as pessoas, quando vier outra vez ao mundo. “O último inimigo a
Lucas 8.49-56 139

ser destruído é a morte” (1 Co 15.26). “A terra dará à luz os seus mortos”


(Is 26.19).
Findemos nossa meditação sobre esta passagem com o reconfortante
pensamento de que as coisas acontecidas na casa de Jairo, nesta ocasião,
são apenas figuras das que acontecerão no futuro. Em breve virá a hora
em que Cristo chamará dos sepulcros todo o seu povo e o reunirá, para
que nunca mais estejam separados. Maridos crentes verão novamente suas
esposas crentes. Pais crentes contemplarão de novo seus filhos crentes.
Cristo unirá toda a sua família em uma grande casa nos céus, e as lágrimas
serão enxugadas de todos os olhos.

A Primeira Comissão de Cristo


aos Doze Apóstolos
Leia Lucas 9.1 -6

Estes versículos contêm as instruções de nosso Senhor aos doze


discípulos, quando pela primeira vez os enviou a pregar o evangelho. A
passagem esclarece muitos fatos sobre a obra dos ministros cristãos em
todas as épocas. Sem dúvida, o miraculoso poder que os apóstolos possuíam
tomava singular a posição que ocupavam, uma posição diferente da ocupada
por qualquer outro grupo de homens da igreja. Sem dúvida, em muitos
aspectos eles estiveram sozinhos e sem qualquer sucessor. Entretanto, as
palavras de Cristo nesta ocasião não precisam ser limitadas inteiramente
aos apóstolos. Contêm profunda sabedoria para os crentes e pregadores
de todas as épocas.
Primeiramente, devemos observar que a comissão outorgada aos
apóstolos possuía especial referência aos demônios e aos enfermos. Jesus
“deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, e para efetuarem
curas” . Nisto vemos, como por espelho, duas das principais áreas de
atividade do ministro do evangelho. Não temos de esperar que ele expulse
espíritos malignos, mas com certeza devemos esperar que ele resista o
diabo e suas obras e se mantenha em constante luta contra o príncipe deste
mundo. Não temos de esperar que o ministro do evangelho realize curas;
todavia, devemos esperar que ele demonstre interesse especial por todas
as pessoas enfermas, visite-as, simpatize com elas e, se necessário, as
auxilie quanto lhe for possível. O ministro cristão que despreza os membros
enfermos de seu rebanho não é um verdadeiro pastor. Não deve ficar
surpreso se as pessoas disserem que ele se preocupa mais com a lã do que
com a saúde das ovelhas. O pastor que permite bebedices, blasfêmias,
140 Lucas 9.1-6

impureza, diversões, brigas, contendas e coisas semelhantes acontecerem


entre os membros de sua igreja, sem reprová-las, está omitindo um evidente
dever de seu ministério. Ele não está lutando contra o diabo; não é um
verdadeiro sucessor dos apóstolos.
Em segundo, devemos observar que uma das principais obras con­
fiadas aos apóstolos era a pregação. Lemos que nosso Senhor “também
os enviou a pregar o reino de Deus” e que, “saindo, percorriam todas as
aldeias, anunciando o evangelho” . A importância da pregação, como um
dos meios da graça, pode facilmente ser vista nesta passagem. Esta é
apenas uma instância, entre muitas em toda a Bíblia, que ressalta o sublime
valor da pregação. Na verdade, a pregação é o instrumento escolhido por
Deus para fazer o bem às almas. Por meio dela, os pecadores são salvos,
os interessados têm suas dúvidas esclarecidas, e os crentes são edificados.
Um ministério de pregação é absolutamente essencial à saúde e à pros­
peridade da igreja visível. O púlpito é o lugar onde as maiores vitórias do
evangelho têm sido conquistadas, e a igreja que faz bastante para o avanço
do verdadeiro cristianismo é aquela que valoriza a pregação. Desejamos
saber se um ministro do evangelho é realmente apostólico? Ele tributará
muita atenção aos seus sermões, esforçando-se e orando para tornar eficaz
sua pregação; dirá à sua igreja que considera a pregação um instrumento
que produz grandes resultados na alma dos homens. Um ministro do
evangelho que exalta as ordenanças ou as formalidades da igreja acima da
pregação pode até ser zeloso, sincero, escrupuloso e respeitável, mas
estará demonstrando um zelo sem entendimento; não é um seguidor dos
apóstolos de Cristo.
Em terceiro, devemos observar que nosso Senhor, ao enviar seus
apóstolos, ordenou-lhes que tivessem hábitos simples e se contentassem
com aquilo que teriam. Ele lhes disse: “Nada leveis para o caminho: nem
bordão, nem alforje, nem pão, nem dinheiro; nem deveis ter duas túnicas.
Na casa em que entrardes, ali permanecei e dali saireis”. Em parte, essas
instruções aplicam-se apenas àquela época em particular. Mais tarde,
chegou a ocasião em que Jesus mesmo ordenou: “O que não tem espada,
venda a sua capa e compre um a” (Lc 22.36). Mas, por outro lado, essas
instruções contêm uma lição para todas as épocas. O ensino central destes
versículos tem de ser relembrado por todos os ministros do evangelho.
A principal idéia transmitida por estas palavras é uma advertência
contra o mundanismo e hábitos luxuosos. Seria bom para o mundo e para
a igreja, se estes prestassem mais atenção a esta advertência. Nenhuma
outra classe de pessoas tem causado tanto prejuízo à igreja de Cristo quanto
os seus próprios ensinadores. Em nenhum outro assunto, os ensinadores
da igreja erram com tanta freqüência quanto na questão do mundanismo
pessoal e da vida luxuosa. Eles têm destruído por meio de sua vida diária
Lucas 9.1-6 141

toda a obra de seus lábios. Têm dado ocasião para que os inimigos de
Cristo afirmem que amam a tranqüilidade, o dinheiro e as coisas boas da
vida mais do que as almas. Devemos orar diariamente para que a igreja
fique livre de ministros como estes. Eles são uma pedra de tropeço no
caminho que conduz ao céu. Prestam auxílio à obra de Satanás. O pregador
cujas afeições centralizam-se no dinheiro, em vestes, diversões e busca de
prazeres evidentemente está compreendendo mal a sua vocação. Esqueceu
as instruções de seu Mestre; não é um seguidor dos apóstolos.
Por último, devemos observar que nosso Senhor preparou seus
discípulos para enfrentarem a incredulidade e a impenitência da parte
daqueles que ouviriam sua pregação. Jesus falou sobre aqueles que não
os receberiam como pessoas com as quais os discípulos com certeza se
defrontariam. Nosso Senhor os ensinou como deviam se comportar, quando
não fossem recebidos, dizendo que esta seria uma situação para a qual
eles deveriam preparar-se.
Todos os ministros do evangelho deveriam ler com cuidado esta
parte das instruções de nosso Senhor. Todos os missionários e obreiros da
igreja receberão grande benefício em guardá-las no seu coração. Não
devem desanimar, se o trabalho que realizam parece inútil e seus esforços,
sem proveito. Lembrem-se de que os primeiros pregadores e ensinadores
que Jesus utilizou foram enviados com uma advertência clara de que nem
todos creriam em sua pregação. Devem continuar trabalhando com pa­
ciência e, sem desfalecer, semear a boa semente. As obrigações lhes
pertencem; a Deus pertencem os resultados. Os pregadores plantam e
regam. Somente o Espírito Santo pode dar vida espiritual. O Senhor Jesus
sabe o que está no íntimo do homem. Ele não despreza seus obreiros
somente porque poucas das sementes que eles plantam produzem fruto. A
colheita talvez seja pequena, mas todo obreiro será recompensado de acordo
com seu trabalho.

Herodes Perplexo Ante as Obras de Cristo;


A Importância da Solitude Ocasional;
A Prontidão de Cristo em Receber os Pecadores
Leia Lucas 9.7-11

Prim eiram ente, esta passagem nos fala sobre o poder de uma
consciência má. Somos informados que Herodes, ao ouvir as notícias sobre
tudo que Jesus realizava, “ficou perplexo” e disse: “Eu mandei decapitar
a João; quem é, pois, este a respeito do qual tenho ouvido tais coisas?”
142 Lucas 9.7-11

Embora Herodes fosse grande e poderoso, as notícias a respeito do mi­


nistério de nosso Senhor trouxeram-lhe os pecados à memória e o per­
turbaram mesmo em seu palácio real. Ainda que estava cercado por todas
as coisas que julgamos tornar a vida agradável, a informação sobre outro
pregador da justiça o deixou alarmado. A recordação de sua impiedade na
morte de João Batista ressurgiu em sua mente. Ele sabia que tinha feito
algo errado. Sentiu-se culpado, condenado e insatisfeito consigo mesmo.
Fiéis e verdadeiras são as palavras de Salomão: “O caminho dos pérfidos
é intransitável” (Pv 13.15). O pecado de Herodes o achara. A prisão e a
espada silenciaram João de Batista, mas não silenciaram a voz do homem
interior de Herodes. A verdade divina jamais pode ser presa, silenciada
ou aniquilada.
A consciência é um elemento poderoso da constituição do homem.
Não pode salvar nossa alma. Jamais trouxe alguém a Cristo. Com fre­
qüência, a consciência é cega, ignorante e mal orientada. Porém ela pode
suscitar um poderoso testemunho contra os pecados no coração do pecador
e fazê-lo sentir “que mau e quão amargo” (Jr 2.19) é apartar-se de Deus.
Os jovens, em especial, precisam recordar isso e, ao fazê-lo, atentar para
seus próprios caminhos. Não enganem a si mesmos, pensando que tudo
está bem, quando seus pecados foram esquecidos e ignorados pelo mundo.
Saibam que sua consciência pode fazer ressurgir em seus pensamentos
cada um desses pecados e afligi-los, assim como o veneno de uma serpente.
Muitos testificarão no último dia que tiveram uma experiência semelhante
à de Herodes. A consciência ressuscitou antigos pecados e os fez vaguear
em seus corações. Em meio à aparente prosperidade e sucesso, tais pessoas
eram infelizes e miseráveis em seu íntimo. Feliz é aquele que achou a
cura para uma consciência má. Nada poderá curá-la, exceto o sangue de
Cristo.
Em segundo, esta passagem nos fala sobre a importância da pri­
vacidade e quietude para o verdadeiro cristão. Quando os apóstolos
retornaram de sua primeira atividade ministerial, nosso Senhor os levou
“consigo” e “retirou-se à parte para uma cidade chamada Betsaida” . Sem
dúvida, isto foi realizado tendo em vista um profundo significado. Este
acontecimento tinha o propósito de nos ensinar esta importante lição:
aqueles que trabalham em benefício da alma de outros precisam separar
tempo para estar a sós com Deus.
Esta é uma lição que muitos crentes fariam bem se a recordassem. O
afastamento ocasional, o auto-exame, a meditação e a comunhão secreta
com Deus são absolutamente essenciais à saúde espiritual. Aquele que os
negligencia está em grande perigo de cair no pecado. Estar sempre
pregando, ensinando, falando, escrevendo e trabalhando em meio ao povo
é, inquestionavelmente, uma evidência de zelo. Mas não é sempre uma
Lucas 9.7-11 143

evidência de zelo com entendimento; freqüentemente nos leva a conse­


qüências desastrosas. Precisamos separar tempo para nos aquietarmos e,
com calma, averiguarmos nosso íntimo, examinando de que maneira as
coisas atrapalham nosso relacionamento com Cristo. A omissão desta prá­
tica é a verdadeira razão por que muitos pecados prejudicam a igreja e
oferecem ao mundo oportunidade de blasfêmia. Muitos poderiam repetir
com pesar, as palavras de Salomão: “Me puseram por guarda de vinhas;
a vinha, porém, que me pertence, não a guardei” (Ct 1.6).
Por último, esta passagem nos fala sobre a prontidão de nosso Senhor
em receber todos os que vêm a Ele. Lucas nos conta que, quando as
multidões seguiram a Jesus ao lugar para o qual havia se retirado, Ele as
acolheu, “falava-lhes a respeito do reino de Deus e socorria os que tinham
necessidade de cura” . Embora esta intromissão à privacidade de nosso
Senhor tenha sido grosseira e sem convite, não recebeu qualquer reprovação
da parte dEle. Jesus estava sempre mais disposto a instruir as pessoas do
que estas a serem ensinadas.
Mas este incidente, embora pareça insignificante, corresponde exa­
tamente a tudo que lemos nos evangelhos a respeito da condescendência e
simpatia de nosso Senhor. Nunca O vemos lidar com as pessoas de acordo
com os seus merecimentos. Jamais O vemos inspecionando os motivos de
seus ouvintes ou recusando-se a permitir-lhes que aprendessem dEle,
porque o coração deles não era reto diante de Deus. Os ouvidos do Senhor
Jesus estavam sempre prontos para ouvir, suas mãos, para agir e seus
lábios, para falar. Nenhum dos que vieram para ouvi-Lo foi mandado
embora. Não importa o que eles pensavam da doutrina de Jesus, nunca
poderiam dizer que Ele era um “homem austero” .
Lembremos esta verdade em todo o nosso relacionamento com Cristo.
Podemos nos aproximar dEle com ousadia e abrir-Lhe nosso coração com
confiança. Ele é um Salvador que possui infinita compaixão e amabilidade.
Ele “não esmagará a cana quebrada” ou “a torcida que fumega” (Mt
12.20). Os segredos de nossa vida espiritual podem ser tais, que não
desejamos que nossos melhores amigos saibam. As mágoas de nossa
consciência talvez sejam profundas e dolorosas e exijam um tratamento
bastante delicado. Mas não precisamos temer, se entregarmos tudo a Jesus,
o Filho de Deus. Descobriremos que sua bondade é ilimitada. Com­
provaremos que suas palavras são imensamente verdadeiras: “Sou manso
e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11.29).
Por fim, recordemos esta verdade em nosso relacionamento com as
outras pessoas, se fomos chamados para ajudá-las no que se refere à sua
alma. Esforcemo-nos para andar nos passos do exemplo de Cristo e, assim
como Ele, sejamos amáveis, pacientes e sempre dispostos a prestar auxílio.
A ignorância dos novos convertidos às vezes é algo provocante. Somos
144 Lucas 9.7-11

propensos a ficar desanimados com sua instabilidade, volubilidade e


vacilação entre duas opiniões. Lembremo-nos de Jesus e não percamos o
ânimo. Ele recebia, conversava e fazia o bem a todos. Façamos o mesmo.
Assim como Cristo lida conosco, devemos lidar com as outras pessoas.

Cinco Mil Homens Alimentados


com Cinco Pães e Dois Peixes
Leia Lucas 9.12-17

O milagre descrito nestes versículos foi mais relatado nos evangelhos


do que qualquer outro que nosso Senhor realizou. Sem dúvida existe um
significado nesta repetição; tinha o propósito de atrair nossa atenção ao
conteúdo desse milagre.
Primeiramente vemos nestes versículos um notável exemplo do divino
poder de Cristo. Com cinco pães e dois peixes Ele alimentou uma multidão
de cinco mil homens. Ele tomou uma escassa provisão de alimentos, que
mal serviria para atender simplesmente a necessidade diária dEle e de
seus discípulos, e satisfez a fome de uma multidão tão grande quanto uma
legião de soldados romanos. Não pode haver dúvidas quanto à realidade e
a gran-deza deste milagre. Foi realizado em público, diante de muitas
testemunhas. O mesmo poder que no princípio criou do nada os céus e a
terra agiu para trazer à existência alimentos que não existiam antes. As
circunstâncias de todo este acontecimento tornam impossível a ocorrência
de um engano. Cinco mil homens famintos não concordariam em dizer
que “se fartaram”, se realmente não tivessem recebido alimento verdadeiro.
“Doze cestos” cheios de pedaços não teriam sido recolhidos, se pães e
peixes não houvessem sido miraculosamente multiplicados. Em resumo,
nada pode explicar aquele evento, exceto a ação de Deus. O mesmo poder
que do céu enviou maná para alimentar os filhos de Israel no deserto fez
os cinco pães e os dois peixes atenderem a necessidade de cinco mil homens.
Este milagre é uma das muitas provas de que para Cristo nada é im­
possível. O Salvador dos pecadores é todo-poderoso. Ele “chama à exis­
tência as coisas que não existem” (Rm 4.17). Quando Ele deseja algo,
isto acontece. Quando ordena alguma coisa, ela se realiza. Ele pode das
trevas criar a luz, fazer do caos surgir harmonia, da fraqueza suscitar
força, da tristeza fluir alegria e do nada produzir alimentos. Devemos
sempre bendizer a Deus porque isto é realmente assim. Se não conhecemos
o poder de Cristo, talvez sintamos desespero ao contemplar a corrupção,
a terrível dureza e incredulidade do coração dos homens. “Poderão reviver
Lucas 9.12-17 145

estes ossos?” (Ez 37.3). Esta ou aquela pessoa poderá ser salva? Um
amigo ou algum de nossos filhos poderá se tornar um verdadeiro cristão?
Podemos ser vitoriosos em nossa jornada para o céu? Estas perguntas
jamais seriam respondidas, se Jesus não fosse todo-poderoso. Entretanto,
graças sejam dadas a Deus, o Senhor Jesus possui todo o poder nos céus
e na terra. Ele vive nos céus por nós, sendo capaz de salvar-nos com­
pletamente; portanto, tenhamos esperança.
Em segundo, vemos nestes versículos uma notável figura da ca­
pacidade de Cristo em suprir as necessidades espirituais dos homens.
Todo o milagre é uma figura; nele vemos, como por espelho, algumas das
mais importantes verdades do cristianismo. Na verdade, este milagre é
uma grande parábola do glorioso evangelho, ensinada através de atos.
O que significa a multidão que cercou nosso Senhor naquele lugar,
uma multidão infeliz, desamparada e destituída de alimentos? E um retrato
da humanidade. Todos nós somos uma multidão de pecadores infelizes,
em um mundo ímpio, sem capacidade ou poder para salvar a nós mesmos
e completamente em perigo de perecermos por causa de fome espiritual.
Quem é o gracioso Mestre que teve compaixão da multidão faminta
e disse a seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”? É o próprio
Senhor Jesus, sempre misericordioso, amável e disposto a manifestar sua
graça mesmo para os ingratos e maus. Ele nunca muda; é o mesmo hoje,
assim como a dois mil anos atrás. Exaltado à destra de Deus nos céus,
Jesus contempla a vasta multidão de pecadores famintos que enchem a
face da terra. Ainda demonstra compaixão e se interessa por eles, sentindo
o desamparo e a necessidade dos pecadores. E continua dizendo aos seus
seguidores: “Vede as multidões. Dai-lhes vós mesmos de comer” .
O que significa a maravilhosa provisão que Cristo fez para atender a
necessidade da multidão faminta que estava diante dEle? É uma figura do
evangelho. Embora para muitas pessoas pareça fraco e desprezível, o
evangelho contém o suficiente para satisfazer e sobrepujar as necessidades
da alma de todos os homens. Ainda que para os sábios e eruditos a história
de um Salvador crucificado pareça insignificante e desprezível, ela é o
poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16).
O que significam os discípulos que receberam os pães e peixes das
mãos de Cristo e distribuíram entre a multidão, até que todos estivessem
satisfeitos? Eles representam todos os fiéis pregadores e ensinadores do
evangelho. A mensagem deles é simples mas profundamente importante.
Foram designados para colocar diante dos homens a provisão que Cristo
fez em benefício de suas almas. De seus próprios recursos, eles nada
podem oferecer. Tudo que eles transmitem aos homens deve proceder das
mãos de Cristo. Enquanto realizam com fidelidade seu ministério, podem
esperar com confiança a bênção de Cristo. Sem dúvida, muitos se recusarão
146 Lucas 9.12-17

a receber o alimento que Cristo providenciou. Mas, se os ministros do


evangelho oferecerem com fidelidade aos homens o pão da vida, o sangue
daqueles que estão perdidos não lhes será requerido.
O que nós mesmos estamos fazendo? Já descobrimos que este mundo
é um lugar deserto e que nossa alma precisa alimentar-se do pão dos céus
ou, do contrário, perecerá eternamente? Felizes são aqueles que aprenderam
esta lição e, por experiência própria, provaram que Cristo crucificado é o
pão da vida! O coração do homem jamais pode satisfazer-se com as coisas
deste mundo, pois, enquanto não vem a Cristo, está sempre vazio, faminto
e sedento. O coração do homem fica satisfeito somente quando ouve a voz
de Cristo, e O segue, e dEle se alimenta pela fé.

Várias Opiniões Sobre a Pessoa de Cristo;


A Confissão de Pedro;
Jesus Prenuncia sua Morte
Leia Lucas 9.18-22

Devemos observar inicialmente nesta passagem as diversas opiniões


que prevaleciam sobre a pessoa de Cristo durante seu ministério terreno.
Alguns afirmavam que Jesus era João Batista; alguns diziam que Ele era
Elias, e outros afirmavam que um dos antigos profetas ressurgira dentre
os mortos. Uma observação comum se aplica a todas estas opiniões. Todos
concordavam que a doutrina de nosso Senhor era diferente da dos escribas
e fariseus. Todos viam em Jesus um testemunho ousado contra o mal que
havia no mundo.
Não devemos ficar surpresos, ao encontrarmos em nossos dias as
mesmas opiniões a respeito de Cristo e de seu evangelho. A verdade de
Deus perturba a indolência espiritual dos homens. Ela os constrange a
pensar. O evangelho os faz discutir, argumentar, especular e inventar
teorias, para justificar sua propagação em alguns lugares e sua rejeição
em outros. Milhares de pessoas, em todas as épocas da História da Igreja,
gastam suas vidas nestas coisas e jamais chegam a se aproximar de Deus.
Satisfazem-se com infelizes comentários sobre os sermões deste ou daquele
pregador ou sobre as opiniões de um ou de outro escritor. Elas dizem:
“Este pregador é muito exigente” ; ou: “Aquele é muito leviano” . Aprovam
certas doutrinas mas rejeitam outras. Dizem que alguns pregadores são
“corretos” e outros, “errados” . Tais pessoas são incapazes de chegar à
conclusão sobre o que é verdadeiro ou o que é certo. Os anos se passam,
e elas continuam na mesma situação — discutindo, criticando, achando
Lucas 9.18-22 147

erros, especulando, mas nunca indo além disso; vagueando como moscas
ao redor das coisas espirituais, porém nunca pousando como as abelhas
para alimentar-se de suas delícias. Jamais se apropriam de Cristo com
ousadia. Não se dispõem a se envolver de todo coração na grandiosa obra
de servir a Deus. Nunca tomam a sua cruz e tomam-se verdadeiros cristãos.
Por fim, apesar de todas as suas afirmações sobre Cristo, morrem em
seus pecados, despreparados para encontrarem-se com Deus.
Jamais nos contentemos com esse tipo de cristianismo. Conversar e
especular sobre opiniões a respeito do evangelho não salvará qualquer
pessoa. O cristianismo que salva é algo que tem de ser assimilado,
apropriado, experimentado, provado e possuído de maneira pessoal. Não
existe a menor desculpa para nos determos em conversas, opiniões e
especulações sobre o evangelho. Os judeus da época de nosso Senhor
poderiam ter descoberto, se tivessem sido sinceros em suas indagações,
que Jesus de Nazaré não era João Batista, nem Elias, nem um dos antigos
profetas, e sim o próprio Cristo de Deus. O especulador de nossos dias
pode satisfazer-se em cada assunto essencial à salvação, se realmente desejar
e, com franqueza e humildade, buscar o ensino do Espírito Santo. As
palavras de nosso Senhor são enfáticas e solenes: “Se alguém quiser fazer
a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus” (Jo
7.17). A obediência prática e sincera é uma das chaves que abre a porta
do conhecimento de Deus.
Em segundo, devem os observar nesta passagem o singular
conhecimento e fé revelados pelo apóstolo Pedro. Quando nosso Senhor
perguntou a seus discípulos: “Mas vós... quem dizeis que eu sou?” , Pedro
respondeu, dizendo: “És o Cristo de Deus” . Esta é uma nobre confissão,
que, em nossos dias, dificilmente podemos compreender seu pleno valor.
Para avaliá-la corretamente, precisamos nos colocar no lugar dos discípulos.
Devemos recordar que os sábios e entendidos de sua própria nação não
viam qualquer beleza em seu Senhor e não O receberiam como seu Messias.
Precisamos lembrar que tais homens não encontravam qualquer dignidade
real em nosso Senhor: nenhuma coroa, ou exército, ou domínio terreno.
Não viam outra coisa além de um indivíduo pobre, que com freqüência
não possuía um lugar para repousar sua cabeça. No entanto, foi nesta
ocasião e nestas circunstâncias que Pedro declarou com ousadia sua fé,
confessando ser Jesus o Cristo de Deus. Realmente esta foi uma grande
fé! Sem dúvida, nela havia muita im perfeição e ignorância. M as,
proclamada desta maneira, foi uma fé sem igual. Aquele que a possuía foi
um homem notável, que ultrapassou em muito a época em que viveu.
Devemos orar freqüentemente para que Deus levante mais crentes
semelhantes ao apóstolo Pedro. Apesar de inconstante, instável e ignorante
quanto a seu próprio coração, conforme algumas vezes demonstrou, aquele
148 Lucas 9.18-22

bendito apóstolo foi em alguns aspectos mais valioso do que dez mil outros
homens. Teve fé, amor e zelo pela causa de Cristo, quando quase todo o
Israel mostrou-se apático e incrédulo. Desejamos mais homens desse tipo.
Queremos homens que não têm medo de ficar sozinhos e achegados a
Cristo, quando milhares estão contra Ele. Homens como Pedro podem às
vezes cometer tristes erros, mas durante toda a sua vida farão mais do que
qualquer outro pela obra de Cristo. O conhecimento, sem dúvida, é algo
excelente; todavia, sem zelo e compaixão não fará muito em benefício do
mundo.
Por último, devemos observar nesta passagem a predição de nosso
Senhor referente à sua própria morte. Ele disse: “É necessário que o
Filho do homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos
principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, res­
suscite” . Estas palavras, lendo-as agora, parecem simples e claras, mas
transmitem duas verdades que precisam ser relembradas com atenção.
Por um lado, esta predição de nosso Senhor nos mostra que sua
morte, na cruz, foi um ato deliberado de sua livre e espontânea vontade.
Ele não foi entregue a Pilatos e crucificado porque não podia evitar ou
não tinha poder para destruir seus inimigos. Sua morte foi o resultado do
eterno conselho da bendita Trindade. Ele se comprometeu a morrer pelos
pecados do homem, o justo em lugar dos injustos, a fim de conduzir-nos
a Deus. Como nosso Substituto e Fiador, Ele voluntariamente carregou
nossos pecados sobre Si mesmo na cruz. Durante todos os dias de sua
vida, Ele via diante de Si o Calvário e a cruz. Estando ciente, com es­
pontaneidade e pleno consentimento, Jesus foi ao Gólgota, para morrer
na cruz, a fim de, com seu próprio sangue, pagar nossa dívida. A morte
de Cristo não foi meramente a morte de um homem fraco, que não podia
evitá-la, e sim a morte dAquele que era o próprio Deus e havia determinado
sofrer em nosso lugar.
Por outro lado, esta predição de nosso Senhor nos mostra o efeito
obscurecedor que os preconceitos causam nas mentes dos homens. Embora
as palavras de Cristo sobre sua morte nos pareçam claras e inconfundíveis,
seus discípulos não as entenderam. Ouviram-nas como se nada lhes
houvesse sido dito. Não entendiam que o Messias seria “cortado” de
entre eles. Não podiam aceitar o ensino de que seu próprio Senhor teria
de morrer. Portanto, quando sua morte realmente aconteceu, ficaram
admirados e confusos. Embora o Senhor lhes houvesse falado sobre a
crucificação, não a entepderam como uma realidade.
Vigiemos e oremos contra o preconceito. Muitas pessoas zelosas já
foram severamente enganadas por causa de preconceitos e se afligiram
com muitas tristezas. Tenhamos cuidado para não permitirmos que tradi­
ções, idéias preconcebidas, interpretações incorretas, teorias sem funda-
Lucas 9.18-22 149

mentos arraiguem-se em nossos corações. Existe apenas um teste para


julgarmos a verdade: “O que dizem as Escrituras?” Diante disto, todos os
preconceitos devem ruir.

Necessidade de Negar a si Mesmo


e Tomar a Cruz;
O Valor de uma Alma;
O Perigo de Envergonhar-se de Cristo
Leia Lucas 9.23-27

Estas palavras de nosso Senhor Jesus Cristo contêm três grandes


lições para todos os crentes. Aplicam-se a todos, sem exceção. Foram
pronunciadas tendo em vista os crentes de todas as idades e todas as con­
gregações que constituem a igreja visível.
Primeiramente, aprendemos nestes versículos a absoluta necessidade
de negar a si mesmo diariamente. Devemos crucificar a carne todos os
dias, vencer o mundo e resistir ao diabo. Temos o dever de vigiar nossos
apetites e trazê-los em sujeição. Precisamos estar alertas, assim como
soldados em território inimigo. Temos de lutar e guerrear diariamente. A
ordem de nosso Senhor é clara e indubitável: “Se alguém quer vir após
mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” .
Ora, o que sabemos a respeito disto? Com certeza, esta é uma pergunta
que devemos fazer a nós mesmos. Freqüentar com decência e formalidade
uma igreja ou um lugar de adoração jamais eqüivale ao tipo de cristianismo
sobre o qual o Senhor Jesus falou nesta ocasião. Onde está o negar a si
mesmo, o tomar a cruz dia após dia e o seguir a Cristo? Sem este tipo de
cristianismo jamais seremos salvos. O Salvador crucificado nunca se con­
tentará em ter um povo de mentalidade mundana, que agrada e procura
satisfazer a si mesmo. Onde não existe o negar a si mesmo, ali não existe
a verdadeira graça de Deus! Onde não há o tomar a cruz, ali não haverá a
coroa! O apóstolo Paulo declarou: “Os que são de Cristo Jesus crucificaram
a carne, com as suas paixões e concupiscências” (G1 5.24). O Senhor
Jesus afirmou: “Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a
vida por minha causa, esse a salvará” .
Em segundo, aprendemos destas palavras de Jesus o indizível valor
de uma alma. Ele fez uma pergunta que admite apenas uma resposta:
“Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou
a causar dano a si mesmo?” Possuir todo o mundo e as coisas nele contidas
150 Lucas 9.23-27

jamais tornará alguém feliz. Seus prazeres são falsos e ilusórios. Suas
riquezas, posições e honras não podem satisfazer o coração humano. En­
quanto não temos as posses do mundo, elas cintilam e parecem desejáveis
aos nossos olhos; quando as temos, descobrimos que são vazias e não po­
dem satisfazer-nos. E, mesmo quando possuímos estas boas coisas do
mundo, não podemos preservá-las conosco. A morte vem e nos separa de
todo o nosso patrimônio para sempre. Sem nada viemos a este mundo;
sem nada o deixaremos. Nenhuma de todas as nossas possessões poderemos
levar conosco. Este é o mundo que ocupa toda a atenção de milhões de
pessoas! Este é mundo por causa do qual milhões de pessoas em todo o
tempo destroem suas almas!
A perda da alma é a pior de todas as perdas que pode sobrevir ao ser
humano. A pior e mais dolorosa de todas as enfermidades, a mais angus­
tiante ruína financeira, o mais grave desastre são um pequenino arranhão,
se comparados à perda da alma. Todas as outras perdas são suportáveis
ou momentâneas; a perda da alma é eterna. Significa perder a Cristo, a
Deus, o céu, a felicidade e a glória por toda a eternidade. Significa ser
lançado para todo o sempre, desamparado e sem qualquer esperança, no
inferno.
O que estamos fazendo? Estamos perdendo a alma? Por meio de ne­
gligência intencional, do pecado voluntário, da indiferença, da preguiça e
da quebra deliberada da lei de Deus, estamos consumando nossa própria
condenação? Estas perguntas exigem uma resposta. Esta é a acusação que
pesa sobre muitos que professam ser cristãos: estão pecando diariamente
contra o sexto mandamento; estão assassinando suas próprias almas.
Por último, aprendemos destas palavras de nosso Senhor a culpa e o
perigo de envergonhar-se de Cristo e de suas palavras. Ele disse: “Qualquer
que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará
o Filho do homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos santos an­
jo s” . Existem muitas maneiras de nos envergonharmos de Cristo. Somos
culpados deste pecado quando temos medo de que as pessoas saibam que
amamos as doutrinas, os preceitos, o povo e as ordenanças de Cristo. So­
mos culpados deste erro quando permitimos que o temor dos homens pre­
valeça sobre nós e nos impeça de mostrar aos outros que somos cristãos
convictos. Sempre que agimos deste modo, estamos negando nosso Senhor
e cometendo um grave pecado.
A impiedade de envergonhar-se de Cristo é imensa. Constitui uma
prova de incredulidade. Demonstra que nos preocupamos mais com o
louvor dos homens, a quem podemos ver, do que com o louvor de Deus,
a quem não podemos ver. É uma prova de ingratidão. Revela que tememos
confessar aos homens que Cristo não se envergonhou de morrer por nós
sobre a cruz. Verdadeiramente ímpios são aqueles que cometem este
Lucas 9.23-27 151

pecado. São pessoas sempre infelizes neste mundo. A má consciência


lhes rouba a paz. No mundo por vir, não acharão consolo. No Dia do
Juízo, tais pessoas têm de esperar serem rejeitadas por Cristo para todo o
sempre, se não O confessarem durante os poucos anos de vida na terra.
Resolvamos jamais nos envergonharmos de Cristo. Do pecado e do
mundanismo deveríamos nos envergonhar. Mas de Cristo e sua causa não
temos qualquer direito de nos sentirmos envergonhados. Ousadia no
serviço de Cristo sempre traz recompensa. O crente mais ousado é sempre
o mais feliz.

A Transfiguração de Cristo
Leia Lucas 9.28-36

O evento descrito nestes versículos, habitualmente chamado de “a


transfiguração” , é um dos mais notáveis na história do ministério terreno
de nosso Senhor. É uma passagem que sempre devemos ler com especial
gratidão. Remove uma parte do véu que permanece sobre as coisas re­
ferentes ao mundo por vir e esclarece algumas das verdades mais profundas
do cristianismo.
Primeiramente, esta passagem nos mostra algo da glória que Cristo
terá em sua segunda vinda. Somos informados que “a aparência do seu
rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura” ; e os
discípulos que estavam com Ele “viram a sua glória” .
Não devemos ter dúvidas de que esta maravilhosa visão aconteceu
com o propósito de encorajar e fortalecer os discípulos de nosso Senhor.
Eles tinham acabado de ouvir a respeito da crucificação e morte de seu
Senhor, do negar a si mesmos e dos sofrimentos aos quais teriam de
sujeitar-se, se desejassem ser salvos. Agora foram animados por meio de
uma breve contemplação “da glória que os seguiria” (1 Pe 1.11) e da
recompensa que todos os fiéis servos de Cristo um dia receberiam. O
Senhor lhes fizera ver o dia de sua própria fraqueza; agora estavam
contemplando, por alguns minutos, uma amostra de sua glória futura.
Devemos nos fortalecer com o pensamento de que para todos os
verdadeiros crentes encontram-se entesouradas coisas boas, que com­
pensarão as aflições do tempo presente. Agora é o tempo de tomar a cruz
e compartilhar da humilhação de nosso Senhor. A coroa, o reino e glória
ainda estão por vir. No presente, Cristo e seu povo, assim como Davi,
encontram-se na caverna de Adulão, desprezados e considerados insig­
nificantes pelo mundo. Parece não haver beleza e formosura nEle e em
152 Lucas 9.28-36

sua obra. Mas vem a hora, e será em breve, quando Cristo exercerá seu
grande poder, reinará e colocará os inimigos debaixo de seus pés. Então,
a glória que, durante alguns minutos, foi vista apenas por três discípulos
no monte da Transfiguração será contemplada por todo o mundo e não
será mais ocultada por toda a eternidade.
Em segundo, esta passagem nos mostra a segurança de todos os
verdadeiros crentes que partiram deste mundo. Quando nosso Senhor
apareceu em glória, Moisés e Elias foram vistos em pé ao seu lado,
conversando com Ele. Moisés morrera havia mais de quinze séculos.
Elias fora levado ao céu em um redemoinho há mais do que novecerttos
anos antes deste acontecimento. No entanto, estes dois homens crentes
foram vistos novamente, vivos e, não somente vivos, em glória.
Devemos nos consolar no bendito pensamento de que a ressurreição
e a vida futura são realidades. Tudo não acaba quando morremos. Existe
outro mundo além desta vida. Mas, acima de tudo, devemos nos fortalecer
com o pensamento de que até que o dia amanheça e aconteça a ressurreição,
o povo de Deus está seguro na companhia de Cristo. Muitas coisas a
respeito da atual condição deles são profundamente misteriosas para nós.
Em que lugar específico está a habitação deles? O que eles sabem a respeito
das coisas que acontecem na terra? Estas são perguntas que não podemos
responder. Mas para nós deve ser o bastante saber que Jesus está cuidando
deles e os trará juntamente consigo no último dia. Aos seus discípulos Ele
mostrou Elias e Moisés, no monte da Transfiguração, e nos mostrará, em
sua segunda vinda, todos os que já morreram em Cristo. Nossos irmãos
em Cristo estão sendo bem preservados; estão salvos e apenas nos
antecederam.
Em terceiro, esta passagem nos mostra que os santos do Antigo
Testamento que estão na glória se interessavam intensamente na morte
expiatória de Cristo. Quando Moisés e Elias apareceram em glória ao
lado de Cristo, no monte da Transfiguração, conversaram com Ele. E
qual era o assunto da conversa? Não precisamos fazer suposições e imagi­
nar coisas a respeito disto. “Falavam da sua partida, que ele estava para
cumprir em Jerusalém. ” Conheciam o significado daquela morte. Sabiam
quantas coisas dependiam da morte de Cristo. Portanto, “falavam” a seu
respeito.
É um grave erro supor que os crentes do Antigo Testamento nada
sabiam no que se refere ao sacrifício que Cristo deveria oferecer pelos
pecados dos homens. Sem dúvida, a luz que possuíam era menos nítida do
que a nossa. Viam à distância e sem clareza coisas que vemos como se
estivessem bem próximas aos nossos olhos. Porém não existe a menor
evidência de que os crentes do Antigo Testamento olhavam para qualquer
outra satisfação dos seus pecados, exceto aquela que Deus prometera
Lucas 9.28-36 153

realizar, ao enviar seu Messias. Desde Abel em diante todos os crentes do


Antigo Testamento parecem ter descansado na promessa de um sacrifício
e de um sangue de onipotente eficácia que ainda se manifestaria. Desde o
começo do mundo, sempre existiu tão-somente um fundamento de es­
perança e paz para os pecadores — a morte de um poderoso Mediador
entre Deus e os homens. Este fundamento é a verdade central de todo o
cristianismo. Foi o assunto a respeito do qual Moisés e Elias estavam
conversando, quando apareceram em glória. Falavam sobre a morte de
Cristo.
Observemos que a morte de Cristo é o alicerce de toda a nossa con­
fiança. Nada mais nos outorgará conforto na hora da morte e no Dia do
Juízo. Nossas próprias obras são imperfeitas e defeituosas. Nossos pecados
são mais numerosos do que os cabelos de nossa cabeça (SI 40.12). A
morte por nossos pecados e a ressurreição de Cristo em favor de nossa
justificação têm de ser a nossa única garantia, se desejamos ser salvos.
Feliz é aquela pessoa que aprendeu a cessar suas obras e a se gloriar
unicamente na cruz de Cristo! Se os crentes na glória vêem na morte de
Cristo tanta beleza, que sentem necessidade de conversar sobre ela, quanto
mais deveriam fazê-lo os pecadores na terra.
Por último, esta passagem nos mostra a imensa distância que existe
entre Cristo e todos os outros ensinadores que Deus outorgou à hu­
manidade. Lucas nos conta que Pedro, “não sabendo... o que dizia” ,
propôs fazerem “três tendas” : uma seria para Jesus, outra, para Moisés,
e outra, para Elias; como se os três merecessem a mesma honra. Mas esta
proposta foi imediatamente censurada de maneira notável: “Veio uma
voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi” . Aquela era a
voz de Deus, o Pai, reprovando e instruindo. Aquela voz proclamou aos
ouvidos de Pedro que, embora Moisés e Elias fossem grandes, ali estava
Alguém que era maior do que eles. Moisés e Elias eram apenas súditos,
Jesus era o Filho do Rei. Eles eram apenas pequenas estrelas; Jesus era o
Sol. Eram apenas testemunhas; Jesus era a própria verdade.
Estas solenes palavras do Pai devem sempre ecoar em nossos ouvidos
e tornarem-se o conceito fundamental de nosso cristianismo. Honremos
os ministros do evangelho por amor ao Senhor deles. Sigamos os seus
ensinos até ao ponto em que eles seguem a Cristo. Entretanto, nosso
principal objetivo deve ser ouvir a voz de Cristo e O seguir por onde quer
que Ele vá. Outros podem ouvir a voz da igreja e se contentarem em
dizer: “Escuto este ou aquele pastor” . Jamais nos sintamos satisfeitos, a
menos que o Espírito Santo testifique em nosso coração que ouvimos a
voz do próprio Cristo e somos discípulos dEle.
154 Lucas 9.37-45

O Demônio Expulso de um Jovem


Leia Lucas 9.37-45

O evento descrito nestes versículos ocorreu logo depois da trans­


figuração. O Senhor Jesus, devemos notar, não demorou muito tempo no
monte das Oliveiras. Sua comunhão com Moisés e Elias foi breve. Ele
retornou ao seu habitual trabalho de fazer o bem a um mundo acometido
pelo pecado. Receber honras e ter visões da glória eram exceções. Ministrar
aos outros, curar os oprimidos do diabo, realizar atos de misericórdia aos
pecadores era sua regra áurea. Felizes são aqueles crentes que com Jesus
aprenderam a viver para os outros, mais do que para si mesmos, e en­
tenderam que “mais bem-aventurado é dar que receber” (At 20.35).
Primeiramente, vemos nestes versículos o que um pai deve fazer,
quando estiver atribulado por causa de seus filhos. Neste relato, um homem
estava em profunda aflição por causa de seu único filho. O rapaz estava
possuído por um espírito imundo, que o atormentava severamente tanto
no corpo quanto na alma. Em sua aflição, o pai recorreu ao Senhor Jesus
em busca de alívio. Ele disse: “Mestre, suplico-te que vejas meu filho,
porque é o único” . Em nossos dias, existem muitos pais e mães que se
encontram tão atribulados, no que se refere a seus filhos, quanto este pai.
O filho que outrora era precioso aos olhos deles e a quem suas vidas
estavam unidas tornou-se um desperdiçador, devasso e companheiro de
pecadores. A filha que antes era o encanto da família, a respeito de quem
os pais diziam: “Esta nos consolará na velhice” , tornou-se obstinada,
mundana, amando mais os prazeres do que a Deus. O coração dos pais
está quase despedaçado. A angústia penetrou-lhes a alma. O diabo parece
triunfar sobre eles e roubar-lhes suas mais preciosas jóias. Estão prontos
a clamar: “Com pesares irei ao sepulcro; que proveito há em minha vida?” .
O que os pais devem fazer em uma situação como esta? O mesmo
que fez o homem desta história: buscar a Jesus em oração e clamar em
favor de seu filho. Devem apresentar diante deste misericordioso Salvador
as suas aflições e rogar-Lhe ajuda. Grande é a eficácia da súplica e da in­
tercessão! As muitas orações em favor de nossos filhos jamais serão
rejeitadas. O tempo de Deus para a conversão pode não ser o nosso tempo.
Ele pode achar conveniente provar a nossa fé por nos fazer esperar por
longo tempo. Mas, enquanto nossos filhos estiverem vivos e orarmos em
favor deles, não devemos perder as esperanças no que se refere à alma
deles.
Em segundo, vemos nestes versículos a disposição de Cristo em
demonstrar misericórdia aos jovens. Nessa história, a oração do pai atri­
Lucas 9.37-45 155

bulado foi graciosamente atendida. Jesus lhe disse: “Traze o teu filho” . E
“Jesus repreendeu o espírito imundo, curou o menino e o entregou a seu
pai” . Encontramos muitos casos semelhantes a estes nos evangelhos. A
filha de Jairo, o filho de um oficial de Cafarnaum, a filha da mulher
cananéia e o filho da viúva de Naim — todos estes são exemplos do
interesse de nosso Senhor por aqueles que são jovens. O diabo trabalha
intensamente para levá-los cativos e dominá-los. O Senhor Jesus manifestou
uma satisfação especial em ajudar os jovens. Ele libertou três jovens das
garras da morte; e dois, tal como o rapaz da história que ora consideramos,
Ele resgatou do completo domínio de Satanás.
Existe um significado em acontecimentos tais como este. Não foram
mencionados nos evangelhos sem um propósito específico. Foram escritos
para encorajar todos os que procuram fazer o bem em favor da alma dos
jovens e para relembrar-nos que tanto os jovens quanto os adultos eram
objetos de especial interesse da parte de Cristo. Acontecimentos deste
tipo nos fornecem um antídoto para a idéia vulgar de que é inútil recomendar
com insistência as coisas espirituais às mentes dos jovens. Essa idéia, não
devemos esquecer, não procede de Cristo, e sim do Maligno. Cristo, que
expulsou o espírito maligno desse jovem, continua vivo e poderoso para
salvar. Devemos trabalhar com os jovens e procurar fazer-lhes o bem.
Não importa o que o mundo pensa a respeito, Jesus se agrada em que o
façamos.
Por último, vemos nestes versículos um exemplo da ignorância
espiritual que pode ser encontrada no coração dos crentes. Nosso Senhor
disse a seus discípulos: “O Filho do Homem está para ser entregue nas
mãos dos homens” . Eles haviam escutado estas mesmas palavras em pouco
mais do que uma semana antes desta ocasião. Mas agora, tal como na
ocasião anterior, pareciam sem significado para eles. Ouviram-nas como
se fossem surdos. Eles não podiam imaginar o fato de que seu Mestre
estava para ser morto. Não podiam compreender a grande verdade de que
o Cristo deveria ser “morto” , antes que tivesse de reinar, e que isto
significava sua morte literal, na cruz. Está escrito: “Eles, porém, não
entendiam isto, e foi-lhes encoberto para que o não compreendessem” .
Esta morosidade de entendimento talvez nos surpreenda agora. Somos
tendentes a esquecer os antigos hábitos de pensamento e os preconceitos
dos judeus, entre os quais os discípulos haviam sido educados. “O trono
de Davi” , afirmou um grande teólogo, “ocupava tanto a mente dos
discípulos, que não podiam ver a cruz” . Acima de tudo, esquecemos a
grande diferença entre aposição que ocupamos agora, conhecendo a história
da crucificação e as Escrituras que já se cumpriram, e a posição de judeus
crentes que viveram antes da morte de Cristo, e antes do véu do santuário
ser rasgado em duas partes. Quaisquer que sejam nossos pensamentos a
156 Lucas 9.37-45

respeito desta ignorância dos discípulos, ela nos ensina duas lições práticas,
que devemos aprender.
Devemos aprender que algumas pessoas podem entender coisas espi­
rituais de maneira superficial e, assim mesmo, serem verdadeiros filhos
de Deus. O entendimento pode estar bastante embaçado, quando o coração
está correto diante de Deus. A graça é melhor do que os dons, a fé, me­
lhor do que o conhecimento. Se alguém possui fé e graça suficientes para
desprezar tudo por amor a Cristo, tomar a cruz e segui-Lo, será salvo
apesar de seu pouco conhecimento espiritual. Cristo o receberá no último
dia.
Finalmente, aprendamos a suportar a ignorância nos outros e a lidar
pacientemente com aqueles que estão iniciando a vida cristã. Jamais os
reputemos como pecadores apenas por causa de alguma palavra proferida
sem entendimento correto. Não consideremos os outros como pessoas
que não possuem a graça de Deus, somente porque não revelam ter um
entendimento claro das coisas espirituais. Possuem fé em Cristo e O amam?
Estas são as coisas mais importantes. Se Jesus pôde suportar tanta fraqueza
em seus discípulos, com certeza podemos agir da mesma maneira.

Cristo Repreende o Orgulho de Seus Discípulos;


A Intolerância
e a Falta de Liberalidade Censuradas
Leia Lucas 9.46-50

Estes versículos contêm duas importantes advertências, dirigidas


contra dois erros comuns encontrados na igreja de Cristo. Aquele que as
proferiu conhecia muito bem o coração humano. Teria sido bom para a
igreja, se as palavras de Cristo nesta passagem tivessem recebido mais
atenção!
Primeiramente, o Senhor Jesus Cristo nos advertiu contra o orgulho
e a presunção. Somos informados que entre os discípulos “levantou-se...
uma discussão sobre qual deles seria o m aior” . Embora isto pareça
surpreendente, este pequeno grupo de pescadores e publicanos não estava
isento da praga de um espírito ambicioso e egoísta. Com seus corações
transbordando a falsa idéia de que o reino de Cristo se manifestaria ime­
diatamente, estavam dispostos a contender no que se referia a seus lugares
e precedência no.reino. Cada um deles reivindicava ser o maior. Todos
imaginavam seus inquestionáveis méritos e direitos à honra. Cada um
pensava que, não importando o lugar que os outros receberiam, uma posição
Lucas 9.46-50 157

de destaque lhe deveria ser confiada. E tudo isto aconteceu entre os próprios
apóstolos de Cristo e sob a influência de seu esplendoroso ensino. Assim
é o coração do homem.
Existe algo bastante instrutivo neste fato, algo que deve fixar-se
profundamente em nosso íntimo. De todos os pecados, o orgulho é aquele
contra o qual precisamos sempre orar e estar vigilantes. É uma peste que
vagueia na escuridão e uma doença que destrói ao meio-dia. Nenhum
outro pecado se acha tão enraizado em nossa natureza. Está unido a nós
assim como nossa pele. Suas raízes nunca são destruídas completamente.
Estão sempre prontas a brotar, em qualquer momento, manifestando
perniciosa vitalidade. Nenhum outro pecado é tão ilusório e enganador.
Pode emboscar os corações daqueles que têm pouca instrução, dos que
não possuem grandes talentos e dos pobres, mas também pode cativar a
mente de pessoas importantes, dos estudiosos e dos ricos. Este é um ditado
simples, porém bastante verdadeiro: “Nenhum ídolo tem recebido tanta
adoração quanto o ‘eu’” .
A súplica por humildade e um espírito de criança deve sempre fazer
parte de nossas orações diárias. De todas as criaturas, nenhuma outra
possui tão pouco direito para se orgulhar quanto o homem; e, de todos os
homens, os crentes devem ser os mais humildes. Realmente confessamos
todos os dias que somos pecadores miseráveis e devedores à misericórdia
e à graça de Deus? Seguimos a Jesus, que era “manso e humilde de
coração” e que “ a si mesmo se esvaziou” , por amor à nossa alma? Então,
deve haver em nós o mesmo sentimento que havia em Cristo Jesus.
Rejeitemos todos os pensamentos elevados e presunções. Em humildade
de espírito, consideremos os outros superiores a nós mesmos. Estejamos
prontos para, em todas as ocasiões, assumir o lugar mais insignificante. E
as palavras de nosso Senhor devem ecoar sempre em nossos ouvidos:
“Aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande” .
Em segundo, nosso Senhor nos adverte contra a intolerância e a
mesquinhez. Assim como no relato anterior, nesta ocasião a advertência
resultou da conduta dos próprios discípulos de Jesus. João falou-Lhe:
“Mestre, vimos certo homem que, em teu nome, expelia demônios e lho
proibimos, porque não segue conosco”. Não sabemos quem era este homem
e porque não acompanhava os discípulos. No entanto, sabemos que ele
estava realizando um ministério de expelir demônios; e o estava fazendo
em nome de Cristo. Apesar disso, João o proibiu. Notável foi a resposta
que imediatamente nosso Senhor lhe deu: “Não proibais; pois quem não é
contra vós outros é por vós” .
O comportamento de João e dos discípulos nesta ocasião é uma curiosa
ilustração da singularidade da natureza humana em todas as épocas. Em
cada período da História da Igreja, milhares de pessoas têm passado suas
158 Lucas 9.46-50

vidas seguindo este erro de João. Trabalham intensamente para impedir


que sirvam a Cristo todos aqueles que não o fazem à maneira deles. Em
sua mesquinha presunção, imaginam que ninguém pode ser um soldado
de Cristo, se não vestir seu uniforme e lutar em seu regimento. Estão
sempre dispostos a falar sobre todo crente que não vê as coisas como eles
vêem: “Proíbe-o, proíbe-o, porque não segue conosco” .
A observação de nosso Senhor, nesta ocasião, exige consideração
especial. Ele não expressou sua opinião sobre a conduta do homem a
respeito do qual João Lhe falara. Não o elogiou, nem o acusou, por seguir
independentemente e não trabalhar com seus discípulos. Apenas declarou
que tal homem não deveria ser proibido e que as pessoas que fazem o
mesmo tipo de obra que fazemos não devem ser consideradas inimigos, e
sim aliados: “Quem não é contra vós outros é por vós” .
O princípio estabelecido nesta passagem é muitíssimo importante.
Um correto entendimento deste princípio será bastante útil para nós nestes
últimos dias. As divisões e a variedade de opiniões que existe entre os
crentes é inegavelmente imensa. Os cismas e as separações que com
freqüência surgem no que se refere ao governo da igreja e as formas de
adoração causam bastante perplexidade aos que tem consciência sensível.
Podemos aprovar tais divisões? Não, absolutamente. A união resulta em
fortalecimento. A falta de união entre os crentes é uma das causas do
lento progresso do verdadeiro cristianismo. Devemos reprovar publi­
camente e contestar todos os que não concordam em trabalhar conosco e
em se oporem a Satanás da maneira que consideramos adequada? É inútil
agirmos assim. Palavras severas jamais produziram unidade de pensamento.
A união jamais foi alcançada por meio da força. Então, o que precisamos
fazer? Deixar que trabalhem sozinhos aqueles que não querem juntar-se a
nós e esperar com paciência, até que Deus ache conveniente colocar-nos
juntos. Não importa quais sejam as nossas idéias a respeito de divisão, as
palavras de Jesus nunca devem ser esquecidas: “Não proibais” .
A verdade é que estamos sempre dispostos a afirmar que somos “o
povo” , e conosco “m orrerá a sabedoria” (Jó 12.2). Esquecemos que
nenhuma igreja na terra tem um absoluto monopólio da verdade e que
outras podem estar corretas nas coisas essenciais, ainda que não concordem
conosco. Devemos ser gratos, se o pecado está recebendo a devida
oposição, o evangelho está sendo pregado, e o reino de Satanás está sendo
derrubado, embora esta obra não esteja sendo realizada exatamente da
maneira que gostaríamos. Temos de procurar acreditar que pessoas podem
ser verdadeiros seguidores de Jesus e, apesar disso, por alguma razão
sábia, serem impedidos de ver as coisas espirituais assim como nós as
vemos. Acima de tudo, temos de louvar a Deus, se almas estão sendo
convertidas e Cristo, magnificado, sem importar quem seja o pregador e
Lucas 9.46-50 159

a que igreja ele pertence. Felizes são aqueles que podem dizer, assim
como Paulo: “Que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está
sendo pregado... tam bém com isto me regozijo, sim, sem pre me
regozijarei” (Fp 1.18); e Moisés: “Tens tu ciúmes por mim? Tomara todo
o povo do S e n h o r fosse profeta, que o S e n h o r lhes desse o seu Espírito! ”
(Nm 11.29).

A Resoluta Fidelidade de Cristo


à sua Grande Obra;
Censurado o Zelo de João e Tiago
Leia Lucas 9.51-56

Prim eiram ente, devemos observar nestes versículos a resoluta


determinação com que nosso Senhor pensava sobre a sua própria
crucificação e morte. Lucas nos informa que, “ao se completarem os dias
em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida
resolução de ir para Jerusalém” . Ele sabia perfeitamente o que estava
para acontecer-Lhe. A traição, o julgamento injusto, a zombaria, os açoites,
a coroa de espinhos, o cuspe no rosto, os cravos, a lança e a agonia na
cruz — todas estas coisas, sem dúvida, estavam diante de seus olhos,
como se fossem uma fotografia. No entanto, em momento algum, Ele
retrocedeu da obra com a qual havia se comprometido. Ele estava decidido
a pagar o preço da redenção e mesmo a ser levado à sepultura como nossa
Garantia. O seu coração transbordava de amor pelos pecadores. Foi o
desejo de sua alma conseguir-lhes a salvação. E, por causa da “alegria
que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia”
(Hb 12.2).
Sempre louvemos a Deus, porque temos um Salvador tão voluntário
e determinado. Devemos sempre lembrar que, assim como Ele mostrou-
se disposto a morrer, assim também está disposto a salvar. Aquele que,
pela fé, vem a Cristo, jamais deve questionar a disposição de Cristo em
recebê-lo. O simples fato de que o Filho de Deus veio espontaneamente
ao mundo, para morrer e sofrer voluntariamente, deveria silenciar por
completo nossas dúvidas. Toda a indisposição encontra-se no homem,
não em Cristo. A indisposição de vir a Cristo consiste na ignorância, no
orgulho, na incredulidade e na dubiedade de coração do pecador. Mas em
Cristo não existe qualquer deficiência.
Esforcemo-nos e oremos para que tenhamos a mesma maneira de
pensar que havia em nosso bendito Senhor. Assim como Ele, estejamos
160 Lucas 9.51-56

dispostos a ir a todo lugar ao qual o caminho do dever nos conduza e a


voz de Deus nos chame. Tenhamos a intrépida resolução de realizar nossa
obra, quando esta for claramente determinada, e bebamos com paciência
os cálices amargos, quando eles procederem das mãos de nosso Pai.
Em segundo, devemos observar nestes versículos a estranha conduta
de Tiago e João. Certa aldeia de samaritanos recusou-se oferecer pousada
a nosso Senhor. Eles “não o receberam, porque o aspecto dele era de
quem, decisivamente, ia para Jerusalém” . Então lemos sobre a estranha
proposta de Tiago e João: “Senhor, queres que mandemos descer fogo do
céu para os consumir?”
Aqui vemos uma demonstração de zelo bastante plausível — zelo
pela honra de Cristo. Nesta ocasião, houve uma manifestação de zelo,
justificado e amparado por um exemplo das Escrituras, o exemplo do
profeta Elias. Mas não foi uma demonstração de zelo com entendimento.
Esses dois discípulos, em seu íntimo, esqueceram que as circunstâncias
podem alterar os casos e que determinada atitude, em certa ocasião, pode
ser correta e justificável, mas em outra ocasião pode ser errada e sem
justificativa. Esqueceram que os castigos devem ser proporcionais às
ofensas e que destruir toda uma aldeia de pessoas, por causa de um simples
ato de descortesia, teria sido injusto e cruel. Em resumo, a proposta de
Tiago e João foi errada e demonstrou falta de ponderação. Eles tiveram
boa intenção, mas cometeram grande erro.
Fatos como este, nos evangelhos, foram meticulosamente escritos
para nosso ensino. Tenhamos cuidado em observá-los e os guardemos em
nosso coração. É possível que tenhamos intenso zelo por Cristo e, ao
mesmo tempo, o manifestarmos de maneiras imprudentes e antibíblicas.
É possível que sejamos pessoas esforçadas, tenhamos as melhores intenções
e, apesar disso, cometermos os mais graves erros em nossas ações. É
possível imaginarmos que as Escrituras estão ao nosso lado, justificarmos
nossa conduta citando versículos bíblicos e, assim mesmo, cometermos
pecados sérios. Deste e de outros casos mencionados nas Escrituras, per­
cebemos, com tanta clareza quanto a luz do dia, que não é o bastante
alguém ser zeloso e bem intencionado. Faltas gravíssimas freqüentemen­
te são cometidas com boas intenções. Talvez nenhum outro grupo de
pessoas tem causado tanta injúria à igreja quanto os ignorantes e bem
intencionados.
Devemos procurar ter entendimento, bem como zelo. Aquele sem
este assemelha-se a um general sem exército e um navio sem leme.
Precisamos orar para que entendamos como fazer correta aplicação das
Escrituras. A Palavra de Deus, sem dúvida, é lâmpada para nossos pés e
luz para os nossos caminhos. No entanto, temos de manejá-la corretamente
e aplicá-la com exatidão.
Lucas 9.51-56 161

Por último, devemos observar nestes versículos a solene reprovação


de nosso Senhor a respeito da perseguição realizada em nome do
cristianismo. Quando Tiago e João fizeram a estranha proposta que temos
considerado, o Senhor Jesus, “voltando-se os repreendeu e disse: Vós
não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para
destruir as almas dos homens, mas para salvá-las” . Ainda que os sa-
maritanos daquela aldeia se mostraram descorteses, seu comportamento
não deveria ser vingado com violência. A missão do Filho de Deus era
fazer o bem, quando os homens o recebiam, e nunca o mal. Seu reino se
expandiria mediante a contínua perseverança na prática do bem, mediante
humildade e gentileza na hora do sofrimento, porém jamais através de
violência e severidade.
Talvez nenhuma outra afirmação de nosso Senhor tenha sido tão
completamente esquecida pela igreja de Cristo quanto estas palavras que
agora consideramos. Nada pode ser julgado mais contrário à vontade de
Cristo do que as perseguições e guerras religiosas que macularam os anais
da História da Igreja. Milhares e milhares de pessoas foram mortas por
causa de perseguições religiosas em todo o mundo. M uitos foram
queimados, enforcados, decapitados ou afogados em nome do evangelho;
e aqueles que os assassinaram realmente acreditavam estar prestando um
serviço a Deus. Infelizmente, apenas demonstraram sua própria ignorân­
cia quanto ao espírito do evangelho e à maneira de pensar de Cristo.
Tenhamos como um firme princípio em nosso coração o fato de
que, não importando quais sejam os erros religiosos das outras pessoas,
jamais devemos persegui-las. Se necessário, conversemos e argumente­
mos com elas, procurando mostrar-lhes o caminho mais excelente.
Entretanto, jamais lancemos mão de armas “carnais” , a fim de pro­
movermos a propagação da verdade. Nunca sejamos tentados, direta ou
indiretamente, a perseguir qualquer pessoa tendo como pretexto a glória
de Cristo e o bem da igreja. Pelo contrário, devemos antes lembrar: a
religião que as pessoas professam como resultado de seu temor da morte
ou de seu pavor das conseqüências ameaçadas não lhes oferece qualquer
benefício, e, se ampliarmos nossas fileiras mediante ameaças e temores,
não obtemos vantagem alguma. “Porque as armas da nossa milícia não
são carnais” (2 Co 10.4), disse o apóstolo Paulo. Os apelos que fazemos
precisam ser dirigidos às mentes e consciências dos homens. Os argumentos
que utilizamos não devem ser a espada, ou a prisão, ou o fogo, e sim as
doutrinas, os preceitos, os versículos bíblicos. Este é ditado simples e
popular, mas tão verdadeiro na igreja quanto em um exército: “Um soldado
voluntário é mais valoroso do que dez que servem sob obrigação” .
162 Lucas 9.57-62

Os Seguidores de Cristo
Têm de Submeter-se a Dificuldades,
Deixar os Mortos Sepultar
Seus Próprios Mortos e não Olhar Para Trás
Leia Lucas 9.57-62

Esta passagem é bastante notável. Registra três declarações solenes


de nosso Senhor dirigidas a três pessoas diferentes. Não sabemos os seus
nomes. Também desconhecemos o efeitos que as palavras de nosso Senhor
produziram em suas vidas. Mas temos certeza de que as três declarações
foram proferidas de acordo com a exigência do caráter de cada um dos
ouvintes; e podemos estar certos de que, em especial, esta passagem tem
o propósito de levar-nos a examinar a nós mesmos.
A primeira das três declarações foi dirigida a alguém que por sua
livre vontade se ofereceu para seguir incondicionalmente a Cristo. Ele
disse a nosso Senhor: “Seguir-te-ei para onde quer que fores” . Isto pareceu
algo correto. Era um passo adiante de muitas outras pessoas. Milhares
ouviram os sermões de nosso Senhor e nunca pensaram em afirmar palavras
como as deste homem. Porém, aquele que se oferecera para seguir a
Cristo, é evidente que estava falando sem pensar. Não levou em conta as
coisas envolvidas no discipulado, não calculou o custo. Por isso, necessitava
da severa resposta que seu oferecimento exigiu: “As raposas têm seus
covis, e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde
reclinar a cabeça” . Aquele deveria avaliar bem o que ele estava se propondo
a assumir. Não deveria imaginar que o servir a Cristo era sempre agradável
e fácil. Estava preparado para isto? Estava disposto a suportar aflições (2
Tm 2.3)? Se não, era melhor desistir de sua proposta para ser discípulo de
Cristo.
Aprendamos das palavras de nosso Senhor, nesta ocasião, que Ele
desejava recordar a todos os crentes que eles têm de levar a cruz. Precisam
levar em conta que têm de ser afligidos, rejeitados e provados, assim
como o foi o seu Senhor. Jesus não queria que ninguém se tornasse seu
discípulo fundamentado em falsas pretensões. Desejava que eles en­
tendessem com clareza que há uma batalha a ser travada, uma carreira a
ser percorrida, uma obra a ser realizada e muitas outras dificuldades a
serem suportadas, se nos propomos a segui-Lo. Ele está pronto para
conceder salvação, sem dinheiro e sem preço. Graça durante a peregrinação
e glória no final serão dadas a todo pecador que vísr a Ele. Mas Cristo
Lucas 9.57-62 163

não desejava que ignoremos o fato de que teremos inimigos mortais — o


mundo, a carne e o diabo; e que muitos nos odiarão, caluniarão e per­
seguirão, se nos tornarmos discípulos dEle. O Senhor Jesus não quer nos
desanimar; Ele deseja que conheçamos a verdade.
Teria sido bom se a igreja tivesse ponderado com mais freqüência as
advertências de nosso Senhor. Muitos começam a vida espiritual cheios
de ardor e zelo, mas pouco a pouco perdem seu primeiro amor e retornam
novamente para o mundo. Apreciavam certos privilégios e o nome de
soldados de Cristo. No entanto, nunca meditaram sobre a vigilância, a
guerra, os sofrimentos e os conflitos que os soldados cristãos têm de
enfrentar. Jamais esqueçamos esta lição. Não devemos ter receios de co­
meçar a servir a Cristo; mas devemos começar com humildade, cuidado e
muita oração suplicando graça. Se não estamos dispostos a compartilhar
das aflições de Cristo, jamais devemos esperar compartilhar de sua glória.
A segunda das afirmações de nosso Senhor foi dirigida a alguém
que Ele convidou a segui-Lo. A resposta que Ele recebeu foi muito
admirável. “Permite-me ir primeiro sepultar meu pai” , disse-lhe o homem.
O que ele pediu não era, em si mesmo, prejudicial. Mas a ocasião em que
ele fez este pedido foi inconveniente. Assuntos de maior importância do
que o próprio funeral do pai exigem a atenção imediata do homem. Sempre
existem pessoas que estão prontas e dispostas a assumir a responsabilidade
de um funeral. Porém, naquela ocasião havia uma grande necessidade de
trabalhadores para fazerem a obra de Cristo no mundo. Portanto, estas
palavras daquele homem receberam de nosso Senhor uma solene resposta:
“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e
prega o reino de Deus” .
Aprendamos desta resposta de nosso Senhor a sermos cuidadosos
para não permitirmos que nossos deveres familiares e obrigações sociais
interfiram em nossos deveres cristãos. Funerais, casamentos, visitas e
coisas semelhantes, em si mesmas, não são pecaminosas. Mas, se per­
mitirmos que absorvam todo nosso tempo e nos privem de nossos deveres
cristãos, tomam-se uma armadilha para as nossas almas. Não é de admirar
que os filhos deste mundo e os não-convertidos ocupem todo o seu tempo
com estas coisas. Eles não conhecem nada mais importante, sublime e
melhor. “Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.” Mas os
herdeiros da glória e filhos do Rei dos reis devem ser pessoas diferentes.
Eles precisam declarar plenamente, por meio de sua conduta, que o mundo
por vir é a principal realidade que ocupa os seus pensamentos. Não devem
se envergonhar de mostrar que não possuem tempo para se alegrar ou se
entristecer como os outros que não têm esperança (1 Ts 4.13). “O chorar” ,
disse um falecido teólogo, “não deve impedir-nos de trabalhar” , e não
devemos permitir que a tristeza seja levada ao excesso.
164 Lucas 9.57-62

A terceira das afirmações de nosso Senhor foi dirigida a alguém que


se dispôs a segui-Lo, porém frustrou seu gracioso oferecimento com um
pedido que se contrapôs à sua determinação. Ele disse: “Seguir-te-ei,
Senhor; mas deixa-me primeiro despedir-me dos de casa” . A resposta
que este homem recebeu demonstra claramente que seu coração não estava
completamente engajado no serviço de Cristo e que, portanto, ele não
estava preparado para ser um discípulo. Jesus lhe replicou: “Ninguém
que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de
Deus” .
Esta resposta nos ensina que é impossível alguém servir a Cristo
tendo um coração dividido. Se estivermos olhando para trás, para alguma
coisa deste mundo, não estamos preparados para ser discípulos dEle.
Aqueles que olham para trás, assim como a esposa de Ló, querem realmente
voltar atrás. Jesus não compartilha seu trono com ninguém, nem mesmo
com os nossos parentes mais queridos. Ou Ele tem todo o nosso coração
ou nada. Sem dúvida, devemos honrar nossos pais e amar todos que nos
cercam. Mas, quando o amor a Cristo e o amor por nossos queridos en­
tram em conflito, a prioridade pertence a Ele. Se necessário, precisamos
estar dispostos, assim como Abraão, a deixar nossa parentela e a casa de
nossos pais por amor ao Senhor Jesus. Devemos estar preparados para,
em caso de necessidade, assim como Moisés, deixar aqueles entre os
quais fomos criados, se Deus nos chamar e mostrar com clareza. Esse
tipo de conduta pode trazer muitas provas às nossas afeições. Agir de
maneira contrária às opiniões daqueles que amamos talvez cause grande
aflição ao nosso coração. Entretanto, este tipo de conduta às vezes pode
ser positivamente necessário à nossa salvação; e, sem ela, estamos des­
preparados para o reino de Deus. O bom soldado não permitirá que seu
coração fique excessivamente envolvido com as coisas de seu lar. Se todos
os dias ele lamenta com imaturidade a ausência daqueles que deixou em
seu lar, jamais estará capacitado para enfrentar uma batalha. Suas obri­
gações presentes — vigiar, avançar, lutar — precisam ocupar o primeiro
lugar em seus pensamentos. Assim também deve acontecer a todos aqueles
que servem a Cristo. Estes precisam acautelar-se para não deturparem seu
caráter cristão; têm de suportar as aflições como bom soldado de Cristo
Jesus (2 Tm 2.3).
Devemos concluir nossas considerações sobre esta passagem
examinando nosso próprio coração. As circunstâncias sofreram muitas
mudanças desde a época em que nosso Senhor proferiu estas palavras.
Hoje em dia poucas pessoas estão sendo chamadas para realizar verdadeiros
sacrifícios por amor a Cristo, como durante o tempo em que Ele esteve na
terra. Mas o coração do homem continua o mesmo. As dificuldades
envolvidas na salvação ainda são grandes. Até agora o ambiente do mundo
Lucas 9.57-62 165

permanece desfavorável ao verdadeiro cristianismo. Se desejamos ir ao


céu, ainda é necessário que tomemos uma decisão completa, inflexível e
de todo o coração. Este tipo de determinação deve ser nosso único alvo.
Estejamos dispostos a sofrer qualquer coisa, a fazer e a desistir de
tudo por amor a Cristo. Por alguns anos, isto pode nos custar alguma
coisa, mas grande será a recompensa na eternidade.

Cristo Designa os Setenta Discípulos;


Instruções com as Quais Eles Foram Enviados
Leia Lucas 10.1-7

Estes versículos falam sobre uma circunstância que os outros evan­


gelistas não relataram. A circunstância retrata nosso Senhor designando
setenta discípulos para que, assim como os doze apóstolos já enviados, O
precedessem. Não conhecemos o nome de nenhum desses discípulos. O
que aconteceu posteriormente a eles o Espírito Santo não nos revelou.
Mas as instruções com que foram enviados são profundamente interessantes
e merecem a atenção de todos os ministros e ensinadores do evangelho.
O primeiro assunto no encargo de nosso Senhor aos setenta discípulos
é a importância da oração e da intercessão. Este foi o principal pensamento
de Jesus, ao iniciar sua mensagem aos discípulos. Antes de mostrar-lhes o
que deveriam fazer, Ele ordenou-lhes que orassem: “Rogai, pois, ao Senhor
da seara que mande trabalhadores para a sua seara” .
A oração é um dos mais poderosos instrumentos para levar avante a
causa de Cristo no mundo. É um instrumento disponível a todos os que
têm o Espírito de adoção. Nem todos os crentes possuem dinheiro em
suficiência para contribuir com a obra missionária. Poucos têm grandes
dotes intelectuais ou ampla influência entre os homens. Mas todos os
crentes podem orar em favor do progresso do evangelho e devem fazê-lo
diariamente. Incontáveis e maravilhosas são as respostas à oração relatadas
nas Escrituras, para nosso ensino. “Muito pode, por sua eficácia, a súplica
do justo” (Tg 5.16).
A oração é uma das principais armas que o ministro do evangelho
precisa utilizar. Para ser um sucessor dos apóstolos, ele tem de dedicar-se
todos os dias à oração, bem como ao ministério da Palavra (At 6.4). Ele
não deve apenas fazer uso da espada do Espírito, mas também orar sempre,
com toda oração e súplica (Ef 6.17-18). Acima de tudo, este é o caminho
para obter bênçãos em seu próprio ministério e o caminho para granjear
166 Lucas 10.1-7

cooperadores para levar avante a obra de Cristo. Os seminários podem


oferecer instrução aos candidatos ao ministério; pastores podem ser or­
denados e sustentados pelas igrejas. Mas somente Deus pode levantar e
enviar “obreiros” que farão sua obra entre os homens. Oremos a cada
manhã suplicando tais obreiros.
O segundo assunto no encargo de nosso Senhor aos setenta discípulos
é a perigosa natureza da obra em que estavam para se engajar. Jesus não
lhes ocultou os perigos e provações que enfrentariam. Não os arregimentou
servindo-se de falsas pretensões, ou falando-lhes coisas agradáveis, ou
prometendo-lhes sucesso inevitável. Mostrou-lhes, com clareza, o que
deveriam esperar. “Ide!” , disse Jesus, “Eis que eu vos envio como
cordeiros para o meio de lobos” .
Sem dúvida, estas palavras se referiam, de maneira especial, a toda
a vida daqueles com quem Jesus estava falando. Vemos o seu cumprimento
nas muitas perseguições descritas no livro de Atos dos Apóstolos. Mas
não podemos esconder de nós mesmos o fato de que estas palavras des­
crevem um estado de coisas que percebemos até em nossos dias. Enquanto
a igreja existir, os crentes têm de esperar que serão semelhantes a
“cordeiros” no meio de “lobos” . Precisam estar preparados para serem
perseguidos, odiados e maltratados por aqueles que não possuem o
verdadeiro cristianismo. Não devem esperar favores das pessoas incrédulas,
pois não receberão favor algum. Esta foi uma verdadeira e sincera
afirmação de Martinho Lutero: “Se puder, Caim continuará assassinando
Abel, até ao fim do mundo” . O apóstolo João asseverou: “Irmãos, não
vos maravilheis se o mundo vos odeia” (1 Jo 3.13). “Todos quantos querem
viver piedosamente em Cristo Jesus” , disse o apóstolo Paulo, “serão
perseguidos” (2 Tm 3.12).
O terceiro assunto no encargo de nosso Senhor aos setenta discípulos
é a completa devoção no serviço que Jesus lhes confiou. Tinham de se
abster da aparência de cobiça, amor ao dinheiro ou luxúria: “Não leveis
bolsa, nem alforje, nem sandálias” . Deveriam se comportar como pessoas
que não tinham tempo para desperdiçar em cumprimentos inúteis ou
cortesias formais: “A ninguém saudeis pelo caminho” .
Estas palavras admiráveis precisam ser interpretadas com algumas
explicações. Veio o tempo em que o próprio Senhor Jesus, ao final de seu
ministério, disse aos seus discípulos: “Agora, porém, quem tem bolsa,
tome-a, como também o alforje” (Lc 22.36). O apóstolo Paulo não se
envergonhou de usar saudações e ordenou expressamente que os crentes
dêem “provas de toda cortesia” (Tt 3.2). No entanto, após estes es­
clarecimentos, ainda existe uma profunda lição nas palavras de nosso
Senhor, que jamais devemos esquecer. Os ministros e ensinadores do
evangelho devem estar atentos para não permitir que o mundo consuma
Lucas 10.1-7 167

seu tempo e seus pensamentos, de modo que os impeça de realizarem sua


obra. Estas palavras de Jesus nos ensinam que a preocupação com o dinheiro
e a excessiva atenção ao que chamamos de “cortesias da vida” são vigorosas
armadilhas na jornada dos obreiros de Cristo, armadilhas para as quais
eles precisam ficar atentos, a fim de não caírem em pecado.
Consideremos estes fatos. Interessam em especial aos ministros do
evangelho e, em menor escala, a todos os crentes. Esforcemo-nos para
demonstrar aos homens do mundo que não temos tempo para sua maneira
de viver. Mostremos a todos eles que julgamos a vida muito preciosa,
para ser gasta em constantes festas, visitações, lazer e coisas semelhantes,
como se não existisse a morte, ou o juízo, ou a vida por vir. Em todas as
ocasiões, sejamos corteses. Mas não façamos das cordialidades da vida
um ídolo, diante do qual todas as coisas têm de se prostrar. Proclamemos
com clareza que estamos buscando um país que está além do sepulcro e
que não dispomos de tempo para a incessante rotina de comer, beber,
vestir-se, civilidades e troca de cumprimentos, nos quais muitos procuram
encontrar sua felicidade, mas em vão. Nosso princípio de conduta deve
ser o mesmo de Neemias: “Estou fazendo grande obra, de modo que não
poderei descer” (Ne 6.3).
O quarto assunto no encargo de nosso Senhor aos setenta discípulos
é o espírito de simplicidade e contentamento que Jesus lhes ordenou
demonstrarem. Onde quer que permanecessem, ao viajarem no serviço de
seu Senhor, teriam de evitar a aparência de serem inconstantes, maleáveis,
pessoas de hábitos caprichosos ou difíceis de alguém agradá-las no que se
referia à alimentos ou acomodação. Tinham de permanecer na casa em
que fossem recebidos, “comendo e bebendo do que” lhes fosse oferecido.
Não deveriam “mudar de casa em casa” .
Essas instruções, sem dúvida, se referem especialmente aos ministros
do evangelho. Eles são os homens que, entre todos, precisam ter cuidado
para evitar o espírito deste mundo. Simplicidade na alimentação e nas
coisas do lar e disposição para adaptar-se às acomodações, enquanto nossa
saúde é preservada de qualquer dano, devem sempre ser as marcas de um
homem de Deus. Se um pregador conquistar a reputação de ser uma pessoa
afeiçoada a comer, a beber e a confortos mundanos, sua utilidade ministerial
estará chegando ao fim. O sermão a respeito das “coisas invisíveis”
produzirá pouco resultado, quando a vida do ministro prega a importância
das “coisas visíveis” .
Mas não podemos limitar as instruções de nosso Senhor somente
aos ministros de evangelho. Elas devem falar audivelmente à consciência
de todos os crentes, de todos os que são chamados pelo Espírito Santo e
tornaram-se sacerdotes de Deus. Essas instruções devem nos recordar a
necessidade de sermos simples e não conformados ao mundo em nossa
168 Lucas 10.1-7

vida diária. Precisamos acautelar-nos de pensar com ostentação a respeito


de refeições, móveis, casas e todas as coisas boas que se referem à vida
do corpo. Temos de viver como pessoas cujos pensamentos primordiais
estão voltados para os interesses de nossa alma imortal. Devemos nos
esforçar para viver neste mundo como homens que ainda estão em viagem
e não se preocupam intensamente com as acomodações que encontrarão
no caminho e na hospedaria terrena. Felizes são aqueles que se vêem
como peregrinos e forasteiros nesta vida e que ainda aguardam as melhores
coisas.

Outras Instruções de Cristo


aos Seus Setenta Discípulos
Leia Lucas 10.8-16

Estes versículos constituem a segunda parte das instruções de nosso


Senhor aos setenta discípulos. Assim como na primeira parte, as lições se
referem a todos os ministros e ensinadores do evangelho; mas contêm
verdades que merecem a atenção de todos os membros da igreja de Cristo.
A primeira lição que observamos nessa passagem é a simplicidade
da mensagem que nosso Senhor proclamou à alguns de seus discípulos.
Eles foram ordenados a anunciar: “A vós outros está próximo o reino de
Deus” (Lc 10.9).
Essas palavras poderiam ser consideradas como mensagem central
de tudo o que os discípulos proclamaram. Raramente alguém imagina que
eles não pregaram nada mais além desta sentença. Estas palavras
significavam muito mais para os ouvintes judeus daquela época do que
para nós hoje. Para um israelita bem instruído, tais palavras soariam como
um anúncio de que o tempo do Messias havia chegado, de que o Salvador
prometido desde a antiguidade seria revelado e de que o “desejado de
todas as nações” estava para se manifestar (Ag 2.7 - ARC). Tudo isso é
inquestionavelmente verdadeiro. Uma proclamação como esta realizada
inesperadamente pelos setenta discípulos, convencidos da verdade que
anunciavam, viajando por países bastante populosos, atrairia a atenção
das pessoas e despertaria muito questionamento. No entanto, a mensagem
era peculiarmente simples e admirável.
Pode se questionar se a maneira moderna de ensinar o cristianismo
é, em geral, suficientemente simples. A argumentação sofisticada e os
raciocínios profundos não são os instrumentos que Deus habitualmente se
Lucas 10.8-16 169

agrada em utilizar para converter as almas. Afirmativas proferidas com


clareza, simplicidade, ousadia e solenidade, proferidas de tal maneira qne
foram obviamente sentidas e cridas por aqueles que as fizeram, parecem
ter mais efeito sobre as mentes e as consciências dos ouvintes. Pais crentes
e professores de jovens, pastores, missionários e leitores da Bíblia fariam
bem a si mesmos se recordassem mais essa verdade. Não precisamos ficar
tão ansiosos, como freqüentemente ficamos, a respeito de resguardar, ar­
gumentar, demonstrar e comprovar as doutrinas do evangelho. Dentre
cem almas, nenhuma foi trazida a Cristo dessa maneira. Necessitamos de
mais afirmações simples, solenes, claras e incisivas das singelas verdades
do evangelho. Podemos deixá-las agir e cuidarem de si mesmas. Elas são
flechas provenientes da aljava de Deus e atingirão os corações que não
foram tocados pelos mais eloqüentes sermões.
A segunda lição que observamos nesses versículos é a grande
pecaminosidade daqueles que rejeitam as ofertas do evangelho de Cristo.
Nosso Senhor declarou que no último dia “haverá menos rigor para
Sodoma” do que para aqueles que não receberam a mensagem de seus
discípulos. E prosseguiu dizendo que a culpa de Betsaida e Corazim, ci­
dades da Galiléia onde Ele pregara e realizara milagres e cujos habitantes
não se haviam arrependido, era maior do que a culpa de Tiro e Sidom.
Afirmativas como estas são terríveis. Esclarecem algumas verdades
que os homens facilmente esquecem. Elas nos ensinam que todos serão
julgados de acordo com o conhecimento espiritual que possuíam e que
muito será exigido daqueles que desfrutavam de grandes privilégios
espirituais. As palavras de Jesus nos mostram a excessiva dureza e in­
credulidade do coração humano. Era possível alguém ouvir a Cristo,
contemplar seus milagres e, apesar disso, permanecer na incredulidade.
Também nos ensinam que o homem é o responsável pelo estado de sua
própria alma. Aqueles que rejeitam o evangelho não são apenas objetos
de compaixão e misericórdia, mas também profundamente culpados e
dignos de condenação aos olhos de Deus. Deus os chamou, mas rejeitaram.
Deus lhes falou, porém não Lhe quiseram dar ouvidos. A condenação dos
ímpios será rigorosamente justa. O sangue deles cairá sobre suas próprias
cabeças. “Fará justiça o Juiz de toda a terra” (Gn 18.25).
Guardemos estas verdades em nosso coração e acautelemo-nos da
incredulidade. Não é somente o pecado cometido visivelmente e a imo­
ralidade flagrante que arruinam a alma. Precisamos somente ficar quietos
e não responder ao evangelho, quando este é insistentemente apresentado
à nossa aceitação; e um dia nos encontraremos no inferno. Não precisamos
nos entregar a qualquer excesso de devassidão ou ser contra o verdadeiro
cristianismo. Temos apenas de permanecer insensíveis, apáticos, de­
sinteressados, inexoráveis e empedernidos; e nosso destino será o inferno.
170 Lucas 10.8-16

Essa foi a ruína de Corazim e Betsaida; e, precisamos recear, será a ruína


de muitos, enquanto existir o mundo. Nenhum outro pecado é tão silencioso
e, ao mesmo tempo, tão condenatório quanto a incredulidade.
O último assunto que devemos observar nestes versículos é a honra
que Jesus se deleitou em atribuir aos seus ministros fiéis. Isto é ressaltado
nas palavras com as quais Ele conclui sua comissão aos setenta discípulos.
Jesus lhes disse: “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos
rejeitar a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar rejeita aquele que me
enviou” .
A linguagem utilizada por nosso Senhor nesta ocasião é bastante no­
tável e ainda mais quando lembramos que foi dirigida aos setenta discípulos
e não aos doze apóstolos. O ensino que Jesus procurou transmitir é claro
e inconfundível: os ministros do evangelho devem ser considerados
mensageiros e embaixadores de Cristo ao mundo pecaminoso. Enquanto
eles realizam com fidelidade sua obra são dignos de honra e respeito, por
amor ao seu Senhor. Aqueles que os rejeitam também rejeitam ao Senhor
deles. Aqueles que recusam os termos da salvação que, comissionados
por Jesus, eles proclamam, estão injuriando não somente a estes pregadores,
mas ao próprio Senhor. Quando Hanum, rei dos amonitas, maltratou os
emissários de Davi, este ressentiu-se como se o insulto tivesse sido praticado
contra ele mesmo (2 Sm 10.1-9).
Lembremo-nos destas coisas para que tenhamos uma correta es­
timativa da posição de um ministro do evangelho. Este é um assunto onde
o erro é abundante. Por um lado, este ofício é considerado com reverência
idólatra e supersticiosa; por outro, com insensível desprezo. Ambos os
extremos são incorretos e resultam do esquecimento do evidente ensino
das Escrituras. Se um pastor não realiza a obra de Cristo com fidelidade,
nem proclama a sua mensagem com exatidão, jamais tem o direito de
esperar respeito da parte do povo. Entretanto, cometemos um grave pecado
se rejeitarmos as palavras do ministro do evangelho que anuncia todo o
conselho de Deus e não deixa de ensinar as coisas proveitosas. Ele está
envolvido no serviço de seu Senhor; é um arauto, um embaixador, está
levando a bandeira da trégua e anunciando as boas-novas que estabelecem
os termos da paz com Deus. A ele se aplicam essas palavras de Cristo. Os
ricos talvez o menosprezem, e os ímpios o odeiem. Os que amam os
prazeres serão incomodados, e os avarentos, envergonhados por ele. No
entanto, esse ministro do evangelho deve consolar-se nas palavras de seu
Senhor: “Quem vos rejeitar a mim me rejeita” . O último dia demonstrará
que sua mensagem não foi proclamada em vão.
Lucas 10.17-20 171

Os Setenta Discípulos Retornam


Envaidecidos Pelo Sucesso;
A Solene Advertência que Receberam de Cristo
Leia Lucas 10.17-20

Primeiramente, aprendemos destes versículos quão facilmente os


crentes podem sentir-se envaidecidos por causa do sucesso. Está escrito
que os setenta regressaram de sua primeira missão, possuídos de alegria,
dizendo: “Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu nome! ”
Havia muita ilusão nesta alegria. Evidentemente, havia auto-satisfação no
relato das realizações. Todo o sentido da passagem nos leva a esta con­
clusão. A admirável declaração de nosso Senhor a respeito da queda de
Satanás do céu provavelmente tinha o objetivo de ser um alerta. Ele sondou
os corações daqueles jovens e inexperientes soldados e percebeu o quanto
eles haviam sido ensoberbecidos pela sua primeira vitória. Com sabedoria,
o Senhor Jesus os repreendeu em sua incorreta exultação, advertindo-os
contra o orgulho.
É uma lição que precisa ser recordada por todos os que servem a
Cristo. Todos os fiéis trabalhadores da seara do evangelho desejam sucesso.
Os pastores das igrejas locais, os missionários, evangelistas, professores
de Escola Dominical e demais obreiros — todos esperam igualmente suces­
so no trabalho que realizam. Todos eles anelam ver o reino de Satanás
arruinado e almas convertidas a Deus. Não devemos nos admirar, esse
desejo é correto e bom. Entretanto, jamais esqueçamos que o tempo de
sucesso é uma ocasião de perigo para a alma do crente. Os corações que
se acham deprimidos, quando todas as coisas parecem estar contra eles,
com freqüência sentem-se indevidamente exaltados no dia da prosperidade.
Poucos assemelham-se a Sansão, que matou um leão, sem contar aos
outros (Jz 14.6). Não deve causar-nos surpresa o fato de que Paulo instruiu
que o presbítero “não seja neófito, para não suceder que se ensoberbeça e
incorra na condenação do diabo” (1 Tm 3.6). Muitos dos servos de Cristo
provavelmente obtêm tanto sucesso quanto suas almas são capazes de
suportar.
Oremos intensamente por humildade em nossos dias de tranqüilidade
e sucesso. Quando tudo ao nosso redor parece prosperar e todos os nossos
planos se realizam bem; quando as provações familiares e a enfermidade
são mantidas longe de nós e o curso de nossos afazeres seculares segue
com serenidade; quando nossa cruz é suave e tudo em nossa vida é seme­
lhante a uma manhã sem nuvens — este é o tempo em que nossas almas
encontram-se em perigo. É o tempo em que necessitamos estar duplamente
172 Lucas 10.17-20

vigilantes sobre nossos próprios corações; é tempo em que as sementes do


mal são plantadas em nosso íntimo por Satanás, que, ao crescerem e se
tomarem fortes, um dia poderão nos deixar estarrecidos. Há poucos crentes
que podem carregar um cálice cheio com mão firme. Há poucas pessoas
que permanecem humildes nos dias de sucesso ininterrupto. Somos todos
inclinados a oferecer sacrifício à nossa própria rede e queimar incenso à
nossa varredoura (Hc 1.16). Somos tendentes a pensar que nossa própria
capacidade e sabedoria nos conquistaram a vitória. A advertência de Jesus
apresentada nesta passagem jamais deve ser esquecida. Em meio ao triunfo,
devemos clamar com toda sinceridade: “Senhor, reveste-me de humildade” .
Em segundo, aprendemos nestes versículos que o dom e o poder de
realizar milagres são inferiores à graça divina. Nosso Senhor disse aos
setenta discípulos: “Alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem,
e sim porque o vosso nome está arrolado nos céus” . Sem dúvida, foi uma
honra e privilégio receberem eles o poder de expulsarem demônios. Tinham
motivos corretos para estarem agradecidos. No entanto, um privilégio maior
era serem convertidos, perdoados e terem seus nomes inscritos no registro
de pessoas salvas. A distinção entre a graça da salvação e os dons é
profundamente importante, mas com freqüência tem sido dolorosamente
esquecida em nossos dias. Dons, tais como uma poderosa inteligência,
grande memória, eloqüência admirável, argumentação hábil e vivacidade
de raciocínio, são constantemente valorizados acima do que convém por
aqueles que os possuem e admirados de maneira indevida por aqueles que
não os têm. Estas coisas não devem ser assim. Os homens esquecem que
os dons sem a graça divina não salvam a alma de ninguém e são uma
característica do próprio Satanás. Ao contrário, a graça da salvação é uma
herança eterna e, embora aqueles que a possuem sejam desprezados e
pareçam insignificantes, os levará seguros à glória celestial. Aquele que
têm dons, sem a graça, está morto em seus pecados, ainda que seus dons
sejam esplêndidos. Porém aquele que tem a graça divina, e não possui
dons, está vivo para Deus, mesmo que pareça iletrado e inculto aos olhos
dos homens. “Mais vale um cão vivo do que um leão morto” (Ec 9.4).
Devemos ter como alvo o cristianismo que tem a graça da salvação
como elemento primordial. Jamais nos contentemos com o falar com
eloqüência, o pregar com vigor, o arrazoar com habilidade, o debater com
dinamismo, o argumentar com inteligência e o conversar com muita fluência.
Jamais nos contentemos em saber todas as doutrinas do cristianismo e ter à
nossa disposição textos e passagens bíblicas. Estas coisas são boas em seus
devidos lugares; não devem ser menosprezadas. Elas são proveitosas, mas
não constituem a graça de Deus e, portanto, não poderão livrar-nos do in­
ferno. Não descansemos enquanto não tivermos o testemunho do Espírito
em nosso íntimo e não formos lavados, “santificados” e “justificados em o
Lucas 10.17-20 173

nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1 Co 6.11).


Procuremos estar certos de que nossos nomes se encontram escritos nos
céus, que somos realmente um com Cristo e que Ele está em nós. Es-
forcemo-nos para ser cartas de Cristo, conhecidas e lidas por todos os
homens (2 Co 3.2); devemos nos empenhar para demonstrar por meio de
humildade, amor, fé e mentalidade espiritual que somos filhos de Deus.
Esse é o verdadeiro cristianismo. Estas são as verdadeiras características
do cristianismo que salva. Sem elas, uma pessoa pode ter dons em abun­
dância e tomar-se nada mais do que um seguidor de Judas Iscariotes, o
falso apóstolo, e ao final de sua vida perecer no inferno. Possuindo estas
características, uma pessoa pode ser semelhante a Lázaro, pobre e
desprezada entre os homens, sem possuir quaisquer dons. Porém, seu no­
me está escrito nos céus, e Cristo a receberá como membro de seu povo,
no último dia.

O Regozijo de Cristo;
A Soberania de Deus na Salvação dos Pecadores;
O Privilégio Daqueles que Conhecem o
Evangelho
Leia Lucas 10.21-24

Há cinco notáveis assuntos nestes versículos. Eles merecem a atenção


de todos aqueles que desejam ser crentes bem informados. Vamos
considerá-los em sua ordem.
Em primeiro lugar, observamos a única ocasião registrada em que
nosso Senhor regozijou-se. Três vezes os evangelistas nos informam que
Jesus chorou; apenas uma vez, que Ele se regozijou.
E qual foi a causa do regozijo de nosso Senhor? Foi a conversão das
almas, a aceitação do evangelho por parte daqueles que eram simples e
pequeninos entre os judeus, quando os “sábios e instruídos” O estavam
rejeitando em todos os lugares. Sem dúvida, nosso bendito Senhor viu
neste mundo muitas coisas que O entristeceram. Ele contemplou a obstinada
cegueira e ignorância da ampla maioria daqueles entre os quais Ele realizou
seu ministério. Mas, quando viu um pequeno grupo de homens e mulheres
receberem as alegres boas-novas de salvação, seu coração sentiu-se con­
fortado; Ele viu isto e se regozijou.
Todos os crentes devem observar a conduta de nosso Senhor em
174 Lucas 10.21-24

referência a este assunto e seguir seu exemplo. Eles encontram poucas


coisas neste mundo que lhes cause regozijo. Vêem ao seu redor uma
imensa multidão de pessoas que estão andando no caminho largo que
conduz à perdição, à negligência, à dureza de coração e à incredulidade.
Contemplam somente alguns, aqui e ali, que crêem para a salvação de sua
alma. Mas isto deve torná-los agradecidos e fazê-los louvar a Deus, porque
alguns estão sendo convertidos e crendo. Não compreendemos totalmen­
te a pecaminosidade do homem. Não meditamos sobre o fato de que a
conversão de uma alma é um milagre — um milagre maior do que o de
ressuscitar Lázaro dentre os mortos. Aprendamos de nosso bendito Se­
nhor a sermos mais gratos a Deus. Se olharmos, perceberemos que sempre
existe o céu azul, bem como nuvens escuras. Embora somente alguns
poucos sejam salvos, devemos nos regozijar nisso. É somente por in­
termédio da graça e da misericórdia imerecida que alguns realmente são
salvos.
Em segundo, devemos observar a soberania de Deus em salvar p e­
cadores. Nosso Senhor disse ao Pai: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu
e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste
aos pequeninos” . O significado destas palavras é simples e evidente.
Existem pessoas para as quais Deus ocultou a salvação; e outras, para as
quais Ele a revelou.
A verdade aqui ensinada é profunda e misteriosa. É tão elevada
quanto o céu; como a poderemos compreender? É tão profunda quanto os
oceanos da terra; como poderemos entendê-la? Não podemos explicar
porque alguns permanecem mortos em seus pecados, enquanto outros são
convertidos e salvos. Não podemos esclarecer porque em alguns países
muitos se convertem, enquanto em outros as pessoas continuam sepultadas
na idolatria. Apenas sabemos que as coisas são assim mesmo; podemos
somente reconhecer que as palavras de nosso Senhor fornecem uma resposta
que nenhum mortal poderia dar: “Sim, ó Pai, porque assim foi do teu
agrado” .
Porém, nunca esqueçamos que a soberania de Deus não anula a res­
ponsabilidade humana. O mesmo Deus que faz todas as coisas conforme
o conselho da sua vontade sempre lidará com os homens como seres res­
ponsáveis, cujo sangue cairá sobre suas próprias cabeças, se não se con­
verterem. Não podemos compreender toda a sua maneira de agir. Co­
nhecemos e vemos em parte. Descansemos na convicção de que o Dia do
Juízo esclarecerá todas as coisas e que o Juiz de toda terra não falhará em
realizar aquilo que é correto. Enquanto isso, devemos lembrar que Deus
oferece a salvação gratuita, completa, ampla e ilimitada e que “em nosso
viver temos de seguir a vontade de Deus expressamente revelada nas
Escrituras” (17° artigo da Igreja Anglicana). Se a verdade está ocultada
Lucas 10.21-24 175

para alguns e revelada para outros, podemos estar certos de que existe um
motivo para isso.
Em terceiro, devemos observar o caráter daqueles para os quais a
verdade está escondida e daqueles para os quais ela está revelada. Nosso
Senhor disse: “Ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste
aos pequeninos” .
Não podemos extrair destas palavras uma lição errada, inferindo
que algumas pessoas são naturalmente mais dignas da graça e salvação di­
vinas do que outras. Todos são pecadores e não merecem nada, exceto ira
e condenação. Devemos entendê-las como palavras que estabelecem um
fato. A sabedoria do mundo freqüentemente torna as pessoas orgulho-sas
e aumenta sua inimizade natural contra o evangelho de Cristo. O homem
que não se orgulha de seu conhecimento e de sua suposta moralidade
geralmente é aquele que encontra menos dificuldades para chegar ao
conhecimento da verdade. Os publicanos e pecadores freqüentemente são
os primeiros a entrar no reino de Deus, enquanto os escribas e fariseus fi­
cam do lado de fora.
Destas palavras devemos aprender a nos acautelarmos da justiça
própria. Nada fecha tanto os olhos de nossa alma para a beleza do evangelho
quanto a idéia vã e ilusória de que não somos tão ignorantes e ímpios
quanto outras pessoas e de que temos um caráter que suportará a inspeção
divina. Feliz é o homem que aprendeu a sentir que é “infeliz, sim, mi­
serável, pobre, cego e nu” (Ap 3.17). Reconhecer que somos maus é o
primeiro passo em direção a nos tornarmos bons. Sentir que nada sabemos
é o passo inicial para o conhecimento que salva.
Em quarto lugar, devemos observar nesta passagem a majestade e
dignidade de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele disse: “Tudo me foi entregue
por meu Pai. Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; e também nin­
guém sabe quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser
revelar” .
Essas são palavras dAquele que é o próprio Deus e não apenas um
homem. Nenhum patriarca, ou profeta, ou apóstolo, ou crente de qualquer
época proferiu palavras semelhantes a estas em referência a si mesmo.
Elas nos revelam um pouco da infinita majestade da natureza e da pessoa
de nosso Senhor. Tais palavras revelam-No como Cabeça de todas as
coisas e Rei dos reis — “Tudo me foi entregue por meu Pai” . Mostram
Jesus como alguém distinto do Pai, mas, apesar disso, Alguém que se
encontra em completa união com Ele, que O conhece de uma maneira
indescritível — “Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; e também
ninguém sabe quem é o Pai, senão o Filho” . Mostram Jesus como o
poderoso instrumento de revelação do Pai aos filhos dos homens, o Deus
que perdoa as iniqüidades e ama os pecadores por amor ao seu Filho —
176 Lucas 10.21-24

“Ninguém sabe quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o


quiser revelar” .
Confiemos nossas almas inteiramente ao Senhor Jesus Cristo. Ele é
poderoso para salvar-nos. Embora nossos pecados sejam muitos, Cristo
pode tomá-los para Si. Ainda que a obra de salvação seja bastante difícil,
o Senhor Jesus pode realizá-la. Se Ele não era Deus e homem, podemos
ficar desesperados. Mas, se podemos ter um Salvador como Jesus, podemos
iniciar a vida cristã com ousadia, prosseguir esperançosamente nossa
jornada e aguardar a morte e o juízo sem temor. Nosso auxílio é Aquele
que possui todo o poder (SI 89.19). Cristo está acima de todos, é o Deus
bendito para sempre e não desapontará todos os que confiam nEle.
Por último, devemos observar os privilégios especiais daqueles que
ouvem o evangelho de Cristo. Nosso Senhor disse aos seus discípulos:
“Bem-aventurados os olhos que vêem as coisas que vós vedes. Pois eu
vos afirmo que muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não
viram; e ouvir o que ouvis e não o ouviram” .
O completo significado destas palavras provavelmente jamais será
assimilado pelos crentes, até ao último dia. Temos somente uma vaga
idéia das enormes vantagens desfrutadas pelos crentes que viveram desde
que Cristo veio ao mundo, se os compararmos com aqueles que existiram
antes de sua vinda. A diferença entre o conhecimento de um santo do
Antigo Testamento e o de um crente da época dos apóstolos é maior do
que podemos imaginar. É semelhante à diferença que existe entre a luz do
crepúsculo e a do meio-dia, entre o inverno e o verão, a mentalidade de
uma criança e a de uma pessoa madura. Sem dúvida, os crentes do Antigo
Testamento olhavam pela fé para um Salvador por vir e criam na
ressurreição e na vida após a morte. Entretanto, a vinda e a morte de
Cristo desvendaram centenas de passagens das Escrituras que antes estavam
ocultas e esclareceram muitos assuntos duvidosos para os quais alguém
jamais havia encontrado resposta. Em resumo, o “caminho do Santo Lugar”
ainda não se havia manifestado, “enquanto o prim eiro tabernáculo”
continuava erguido (Hb 9.8). O mais humilde crente em Cristo entende
coisas que Davi e Isaías nunca poderiam explicar.
Ao terminar nossas considerações sobre essa passagem, tenhamos
um profundo senso de nossa dívida para com Deus e de nossa grande
responsabilidade em relação à plena luz do evangelho de Cristo. Esforcemo-
nos para utilizar bem os muitos privilégios que possuímos. Visto que
temos um evangelho tão completo, devemos acautelar-nos para não o
negligenciarmos. É muito significativa a declaração de Jesus: “Àquele a
quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se
confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.48).
Lucas 10.25-28 177

Um Intérprete da Lei Questiona Jesus;


A Regra da Fé;
O Resumo de Nossos Principais Deveres
Leia Lucas 10.25-28

Inicialmente, notemos nestes versículos a solene pergunta que fo i


dirigida a nosso Senhor. Certo homem, intérprete da lei, perguntou-Lhe:
“Que farei p ara herdar a vida etern a?” O m otivo desse hom em
evidentemente não era correto. Apenas fez a pergunta para “pôr Jesus à
prova” e levá-Lo a dizer algo em que seus inimigos pudessem apanhá-Lo.
Entretanto, a indagação feita por esse intérprete da lei foi inquestio­
navelmente muito importante.
Temos aqui perguntas que merecem a atenção de todas as pessoas —
homens, mulheres e crianças. Todos somos pecadores e estamos destinados
à morte e ao juízo vindouro. De que maneira nossos pecados serão
perdoados? Com o que compareceremos diante de Deus? Como esca­
paremos da condenação do inferno? O que poderá livrar-me da ira futura?
Como eu posso ser salvo? Estas são indagações que pessoas de todas as
classes sociais devem fazer a si mesmas e nunca sossegar até que obtenham
a resposta correta.
Infelizmente, esta é uma pergunta com a qual poucos se importam.
M ilhares estão constantemente perguntando a si mesmos: “O que
comeremos? Com que nos vestiremos? Como podemos satisfazer a nós
mesmos? Como podemos ganhar mais dinheiro? Como podemos prosperar
neste mundo?” Poucos, muito poucos, tomarão algum tempo para meditar
a respeito da salvação de suas almas. Os homens odeiam este assunto,
visto que os deixa intranqüilos. Fogem do assunto e o descartam. Fiéis e
verdadeiras são as palavras de nosso Senhor: “Larga é a porta, e espaçoso,
o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por
ela” (Mt 7.13).
Jamais nos envergonhemos de perguntar a nós mesmos: “Que farei
para herdar a vida eterna?” Pelo contrário, devemos meditar a respeito
deste assunto e nunca nos sentirmos satisfeitos, até que ele ocupe o primeiro
lugar de nossos pensamentos. Procuremos ter o testemunho do Espírito
em nossos corações, o testemunho de que realmente nos arrependemos,
de que possuímos uma fé viva na misericórdia de Deus através de Cristo
e de que verdadeiramente estamos andando com Deus. Esse é o caráter de
todos os que estão andando com Deus; é o caráter de todos os herdeiros
da vida eterna. São estes os que receberão o reino que está preparado para
os filhos de Deus.
178 Lucas 10.25-28

Em segundo, notemos nestes versículos a sublime honra que nosso


Senhor tributou à Bíblia. Imediatamente Ele referiu-se às Escrituras como
a única regra de fé e prática. Em resposta a essa pergunta, o Senhor Jesus
não disse: “O que o judaísmo ensina a respeito da vida eterna? O que os
escribas e fariseus pensam? O que ensina a tradição dos anciãos sobre este
assunto?” Jesus seguiu um caminho mais direto e simples. Ele reportou o
seu indagador às Escrituras do Antigo Testamento: “Que está escrito na
Lei? Como interpretas?”
O princípio contido nestas palavras deve tornar-se um dos fun­
damentos de nossa vida espiritual. A Bíblia, toda a Bíblia, nada mais do
que ela, tem de ser nossa regra de fé e prática. Apegados a este princípio,
prossigamos nossa viagem no caminho do Rei Jesus. Às vezes, o caminho
pode parecer estreito e nossa fé talvez seja dolorosamente provada; mas
seremos guardados de grandes pecados. Se abandonarmos este princípio,
entraremos no deserto intransitável. Ninguém poderá dizer-nos a que ponto
seremos levados, em que seremos capazes de crer e fazer. Sempre tenhamos
este princípio em nossa mente. Sobre ele lancemos nossa âncora. Per­
maneçamos nele. Não importa o que alguém fala a respeito do cristianismo,
quer seja um dos pais da antigüidade, ou um bispo, ou um teólogo erudito.
Está escrito na Bíblia? Pode ser provado pelas Escrituras? Se não, temos
de rejeitá-lo de nossa crença. Não devemos nos importar com a maneira
eloqüente, agradável e perspicaz como se apresentam os sermões ou livros
religiosos. No aspecto mais insignificante, eles apresentam ensinos
contrários à Bíblia? Se isto é verdade, tais sermões e livros são trapos,
venenos e guias que não possuem qualquer valor. O que dizem as Es­
crituras? Esta é a única medida e padrão da verdadeira religião — “À lei
e ao testemunho!” , declarou o profeta Isaías, “Se eles não falarem desta
maneira, jamais verão a alva” (Is 8.20).
Por último, notemos nestes versículos o nítido conhecimento dos
judeus da época de nosso Senhor em referência aos deveres para com
Deus e os homens. O intérprete da lei respondeu à pergunta de Jesus:
“Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma,
de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo” . Ele falou corretamente. Uma descrição mais
clara dos deveres diários e práticos não poderia ser dada por muitos crentes
bem instruídos de nossos dias. Jamais nos esqueçamos disto.
As palavras do intérprete da lei são muito instrutivas em dois aspectos.
Esclarecem dois assuntos sobre os quais existem abundantes erros. Por
um lado, a resposta desse homem nos mostra quão grandes eram os
privilégios de conhecimento espiritual que os judeus desfrutavam, se
comparados aos gentios, na época do Antigo Testamento. Uma nação que
tinha princípios de deveres semelhantes ao que estamos considerando estava
Lucas 10.25-28 179

incomparavelmente à frente dos gregos e dos romanos. Por outro lado, a


resposta desse homem nos mostra que um homem pode ter um nítido
conhecimento em seu intelecto, enquanto seu coração está cheio de
impiedade. Eis um homem que falava sobre amar a Deus com todo o
coração e a seu próximo como a si mesmo, ao mesmo tempo em que
realmente tentava a Cristo, procurando causar-Lhe injúria, e estava ansioso
para justificar a si mesmo e mostrar-se caridoso! Estejamos sempre alerta
contra esse tipo de religiosidade. Um nítido conhecimento intelectual
acompanhado por resoluta impenitência de coração é o mais perigoso
estado da alma. “Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as
praticardes” (Jo 13.17).
Ao terminar nossa meditação sobre esta passagem, nunca esqueçamos
de examinar a nós mesmos e aplicar ao nosso próprio coração os elevados
deveres nela contidos. Amamos a Deus de todo o nosso coração, de toda
a nossa alma, de todas as nossas forças e de todo o nosso entendimento?
Amamos o nosso próximo como a nós mesmos? Onde se encontra aquela
pessoa que pode dizer com perfeita verdade: “Sim, eu amo”? Onde está
aquele que não precisa colocar a mão sobre seus lábios, quando ouve
estas perguntas? Na verdade, somos culpados no que se refere a este
assunto. O melhor dos crentes, embora seja bastante piedoso, fica aquém
dessa perfeição. Passagens como esta nos mostram a necessidade que
temos do sangue e da justiça de Cristo. A Ele devemos recorrer, se
desejamos permanecer firmes, com ousadia, diante do tribunal de Deus.
Devemos encontrar nEle a graça, para que o amor a Deus e aos homens
torne-se o princípio governante de nossas vidas. Temos de permanecer
nEle, para que sempre recordemos este princípio e mostremos ao mundo
que por ele desejamos viver.

A Parábola do Bom Samaritano


Leia Lucas 10.29-37

Estes versículos contêm a famosa parábola do bom samaritano. Para


que a entendamos, precisamos recordar a ocasião em que foi proferida —
em resposta à pergunta de certo intérprete da lei: “Quem é o meu próximo?”
Nosso Senhor respondeu contando a história que acabamos de ler e concluiu
a narrativa com um apelo à consciência daquele homem. Não podemos
esquecer estas coisas. O objetivo da parábola é mostrar a natureza do
verdadeiro amor fraternal. Perder de vista este objetivo e procurar alegorias
180 Lucas 10.29-37

profundas na parábola equivale a vulgarizar as Escrituras e privar nossa


alma de valiosas lições.
Primeiramente, aprendemos nessa parábola quão raro e incomum é
o verdadeiro amor fraternal. Esta é uma lição que se destaca com
proeminência no relato que estamos considerando. Nosso Senhor falou a
respeito de um viajante que caiu entre os ladrões, foi despojado de suas
roupas, ferido e ficou quase morto na estrada. Em seguida, falou sobre
um sacerdote e um levita que, um após o outro, passando pelo mesmo
caminho e vendo o infeliz viajante machucado, não o ajudaram. Ambos
eram homens que, apesar de seu ofício e sua confissão de religiosidade,
deveriam ter se mostrado dispostos e espontâneos para fazer o bem àquele
aflito. No entanto, um após o outro, foram egoístas e insensíveis para
oferecer o menor auxílio. Sem dúvida, disseram para si mesmos que não
conheciam aquele viajante, ou que ele havia caído em dificuldades por
causa de conduta imprópria, ou que não tinham tempo para socorrê-lo, ou
que tinham muitos negócios com os quais deveriam se preocupar e não
poderiam inquietar-se por causa de estranhos. O resultado foi que ambos,
um após o outro, passaram “de largo” .
Neste acontecimento admirável encontramos uma figura exata daquilo
que está constantemente ocorrendo no mundo. O egoísmo é a principal
característica de grande parte da humanidade. Atos de bondade que não
custam mais do que uma insignificante contribuição ocasional são muito
comuns. Mas a bondade sacrificial de coração, que não se preocupa com
o custo envolvido em sua prática, é uma virtude bastante rara entre nós.
Existem milhares de pessoas que estão em dificuldades e não conseguem
achar um amigo ou alguém que os ajude. Existem muitos “sacerdotes” e
“levitas” que os vêem e passam “de largo” .
Acautelemo-nos de esperar muito dos homens. Se esperamos,
certamente seremos desapontados. Quanto mais vivermos, tanto mais
claramente veremos que poucas pessoas se preocupam com os outros sem
motivos interesseiros e que o amor altruísta, desinteressado e puro é tão
raro quanto diamantes e rubis. Devemos ser imensamente gratos porque o
Senhor Jesus não é semelhante aos homens. Sua bondade e amor são
infalíveis. Ele nunca desaponta qualquer de seus amigos. Feliz é aquele
que aprendeu a dizer: “Somente em Deus, ó minha alma, espera silenciosa,
porque dele vem a minha esperança” (SI 62.5).
Em segundo, aprendemos nesta parábola quem são aqueles para os
quais devemos mostrar bondade e aqueles a quem devemos amar como
nosso próximo. Jesus nos conta que certo samaritano foi a única pessoa
que socorreu o viajante ferido. Este samaritano pertencia a um povo que
não se dava com os judeus (Jo 4.9). Ele poderia ter se desculpado,
afirmando que a estrada que descia de Jerusalém a Jericó se encontrava
Lucas 10.29-37 181

em território dos judeus e que casos de furto e espancamento deviam ser


atendidos pelos judeus. Mas ele não fez qualquer coisa dessa natureza.
Viu um homem desnudo e quase morto. Não fez perguntas, imediatamente
se compadeceu do necessitado. Não levando em conta as dificuldades,
logo o socorreu. E nosso Senhor nos ordena a proceder “de igual m odo” .
Ora, estas palavras significam que o crente precisa estar disposto a
manifestar bondade e amor a todos os que se acham em necessidade.
Nossa bondade não pode estender-se apenas aos nossos familiares, amigos
e parentes. Temos de amar e ser bondosos com todas as pessoas, sempre
que a ocasião o exigir. Devemos guardar-nos de averiguar a vida passada
daqueles que precisam de nossa ajuda. Eles se encontram realmente em
dificuldades? Querem ser ajudados? Então, de acordo com o ensino desta
parábola, devemos estar dispostos a prestar-lhes auxílio. Temos de
considerar todo o mundo como nosso campo de trabalho e toda a raça
humana como nosso próximo. Devemos ser amigos de todos os que estão
oprimidos, ou são negligenciados, ou aflitos, ou doentes, ou estão presos,
ou são pobres, ou órfãos, ou incrédulos, ou escravos, ou tolos, ou famintos,
ou estão às portas da morte. Nosso dever é mostrar-lhes uma amabilidade
universal, mas, sem dúvida, com sabedoria, discrição e bom senso, jamais
nos envergonhando de fazê-lo. O incrédulo talvez zombe, considerando
isso fanatismo e extravagância. No entanto, não devemos nos sentir per­
turbados por tal zombaria. Ser amável para todas as pessoas significa
demonstrar que possuímos algo da mentalidade de Cristo.
Por último, aprendemos nesta parábola a maneira e a dimensão em
que precisamos manifestar amor e bondade aos outros. Jesus nos conta
que a compaixão do samaritano para com o viajante ferido não se limitou
a sentimentos e impressões passivas. Ele teve bastante trabalho para
socorrê-lo. Agiu na proporção em que sentiu a situação daquele homem,
não poupou esforços ou dinheiro para ajudá-lo. Embora o viajante fosse
um estranho para ele, chegou-se, “pensou-lhe os ferimentos, aplicando-
lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o
para uma hospedaria e tratou dele” . E isso não foi tudo; no dia seguinte,
entregou dinheiro ao hospedeiro, dizendo: “Cuida deste homem, e, se
alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar” . E o Senhor
Jesus diz a cada um de nós: “Vai e procede tu de igual modo” .
A lição nesta parte da parábola é clara e inconfundível. A bondade
de um crente para com as outras pessoas não pode ser apenas de palavras
e lábios, mas em atos e em verdade. Seu amor deve ser algo prático, um
amor que envolve renúncia e sacrifício, tanto em dinheiro quanto em
tempo e atividades árduas. Sua amabilidade deve ser vista não apenas em
conversas e palavras, mas também em suas atitudes e realizações. Assim
como outros que trabalham com empenho na tentativa de ganhar dinheiro,
182 Lucas 10.29-37

o crente não precisa imaginar que estará desperdiçando seu tempo ao


trabalhar com esforço para fazer o bem àqueles que necessitam de ajuda.
Não deve se envergonhar de labutar intensamente para minimizar a
infelicidade deste mundo. Enquanto ele puder, precisa estar disposto a
ouvir as infelicidades dos outros e ter uma mão pronta para socorrer
aqueles que se encontram em aflição. Esse tipo de amor pode não ser
compreendido pelo mundo. A gratidão que ele encontrará talvez seja
pequena e sem valor. Porém, demonstrar tal amor significa andar nos
passos de Cristo e transformar em prática o ensino da parábola do bom
samaritano.
Terminemos nossa meditação sobre esta passagem pensando com
seriedade e examinando nosso próprio coração. Quão poucos crentes
parecem recordar que esta parábola foi escrita. Quanta avareza, mesquinhez
e suspeitas existem na igreja de Cristo, mesmo entre aqueles que confessam
acreditar nas doutrinas fundamentais do cristianismo e participam da Ceia
do Senhor. Raramente vemos um crente que é realmente sensível, generoso,
liberal e afável para os outros, exceto para seus próprios filhos. No entanto,
o Senhor Jesus proferiu a parábola do bom samaritano e desejava que a
recordemos.
O que realmente somos? Não esqueçamos de perguntar a nós mesmos.
O que estamos fazendo para comprovar que esta parábola é uma das regras
de nossa conduta diária? O que estamos fazendo em benefício dos
incrédulos, em nosso país e no exterior? O que estamos fazendo para
ajudar aqueles que estão aflitos, em sua mente, ou em seu corpo, ou em
suas circunstâncias? Existem muitas pessoas assim neste mundo. Há sempre
alguns destes bem próximos à nossa porta. O que estamos fazendo por
eles? Alguma coisa ou nada, em absoluto? Deus nos ajude a responder
essas perguntas! O mundo seria mais feliz se houvesse mais cristianismo
prático.

Jesus na Casa de Marta e Maria;


A Preocupação Excessiva Reprovada;
A Única Coisa Necessária;
A Boa Parte Recomendada
Leia Lucas 10.38-42

A pequena história contida nestes versículos foi narrada somente no


Evangelho de Lucas. Enquanto o mundo existir, a história de Marta e
Lucas 10.38-42 183

Maria fornecerá à igreja lições sábias que jamais devem ser esquecidas.
Considerada em paralelo ao capítulo 11 do Evangelho de João, essa história
nos outorga um esclarecimento bastante instrutivo sobre a vida íntima de
uma família que Jesus amava.
Primeiramente, devemos observar que os verdadeiros crentes podem
ter temperamentos e caracteres diferentes. As duas irmãs, sobre as quais
lemos nessa passagem, eram fiéis seguidoras de Cristo. Haviam se
convertido, tornando-se crentes em Jesus. Honraram a Cristo, quando
bem poucos o fizeram. Amavam a Jesus e eram amadas por Ele. Entretanto,
essas duas mulheres possuíam mentalidade diferentes. Marta era enérgica,
agitada, impulsiva, possuía sentimentos fortes e falava tudo que sentia.
Maria era quieta, sossegada e meditativa, tinha sentimentos profundos,
mas falava menos do que sentia. Marta, quando Jesus veio à sua casa, se
regozijou ao vê-Lo e se ocupou em preparar-Lhe um agradável refrigério.
Maria também se alegrou em vê-Lo, mas seu primeiro pensamento foi o
de assentar-se aos pés dEle e ouvir sua palavra. A graça reinava em ambos
os corações; entretanto, cada uma delas manifestou os efeitos da graça em
ocasiões e maneiras diferentes.
Acharemos bastante proveitoso recordar esta lição. Não devemos
esperar que todos os crentes em Cristo sejam exatamente iguais. Não
podemos menosprezar os outros, considerando-os pessoas que não possuem
a graça divina, porque a experiência deles não corresponde inteiramente à
nossa. As ovelhas do rebanho do Senhor têm suas próprias peculiaridades.
As árvores do jardim do Senhor não são exatamente iguais. Todos os
servos de Deus concordam nas doutrinas fundamentais do cristianismo;
todos são guiados pelo mesmo Espírito; sentem seus pecados e confiam
em Cristo; se arrependem, crêem e se tornam santos. No entanto, nos
assuntos irrelevantes diferem amplamente. Nenhum deve desprezar o outro
por causa disso. Até que Jesus volte, sempre haverá Martas e Marias em
sua igreja.
Em segundo, devemos observar que os cuidados pelas coisas destes
mundo podem constituir uma armadilha para nossa alma, se lhes
tributarmos excessiva atenção. É evidente do teor deste relato que Marta
permitiu que sua ansiedade em oferecer uma agradável hospedagem para
o Senhor tomasse conta dela. Seu excessivo zelo pelas coisas temporais
fê-la esquecer o tempo para as coisas de sua alma. Marta “agitava-se de
um lado para outro, ocupada em muitos serviços” . Pouco a pouco, sua
consciência sentiu-se aguçada, quando se viu sozinha, servindo as mesas,
e sua irmã assentada aos pés de Jesus, ouvindo-Lhe a palavra. Sob a
pressão de uma consciência perturbada, o temperamento de Marta tornou-
se irritado, e o velho Adão em seu íntimo rompeu em uma atrevida
reclamação. Ela disse: “Senhor, não te importas de que minha irmã tenha
184 Lucas 10.38-42

deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-
m e” . Ao dizer estas coisas, esta mulher piedosa esqueceu o que ela mesma
era e a quem estava falando. Ela trouxe sobre si mesma uma solene re­
preensão e teve de aprender uma lição cujo efeito provavelmente foi dura­
douro. Infelizmente, “uma fagulha põe em brasas... grande selva” (Tg
3.5). O começo desta situação desagradável foi uma excessiva ansiedade
pelos inocentes afazeres do lar.
O erro de Marta deve ser um aviso constante para todos os crentes.
Se desejamos crescer na graça e desfrutar prosperidade em nossa alma,
devemos ter cautela quanto aos cuidados com as coisas desse mundo. A
menos que vigiemos e oremos, tais cuidados destruirão nossa espi­
ritualidade, fazendo definhar nossa alma. O que leva os homens à ruína
eterna não é apenas o pecado visível ou transgressões flagrantes dos
mandamentos de Deus; com mais freqüência, é uma intensa atenção a
coisas que em si mesmas são lícitas e o ficar inquieto e ocupado em mui­
tos serviços. Parece tão correto trabalharmos pelas coisas que necessitamos
e bastante apropriado atenderijios aos deveres de nossa própria casa. É
nisto que se encontra o perigo. Nossa família, negócios, profissão, afazeres
domésticos e relacionamentos na sociedade — tudo pode tornar-se
armadilha para nosso coração e afastar-nos do Senhor. Podemos ir para o
abismo do inferno em meio à realização de coisas lícitas.
Cuidemos de nós mesmos no que se refere a este assunto. Vigiemos
com zelo nossos hábitos, para não cairmos em pecados inesperados. Se
amamos a vida, temos de cuidar das coisas deste mundo sem nos apegarmos
a elas e acautelarmo-nos de permitir que qualquer coisa ocupe o primeiro
lugar em nosso coração, exceto Deus mesmo. Escrevamos mentalmente a
palavra “veneno” em todas as coisas temporais que são boas. Utilizadas
com sabedoria, são bênçãos pelas quais devemos ser gratos. Se permitirmos
que inundem nossa mente e pisoteiem as coisas espirituais, elas podem
tomar-se verdadeira maldição. Prazeres e vantagens são adquiridos a preço
de morte, se, para obtê-los, rejeitamos de nossos pensamentos as coisas
eternas, reduzimos nossa leitura bíblica, ouvimos com negligência o evan­
gelho e encurtamos nossas orações. Um pouco de terra lançada sobre o
fogo que se encontra em nosso íntimo logo fará que este fogo seja sufocado.
Em terceiro, devemos observar a solene repreensão de nosso Senhor
dirigida a Marta, sua serva. Como um médico sábio, Ele contemplou a
enfermidade que estava afligindo o coração de Marta e imediatamente
aplicou o remédio. Como um pai amável, Ele expôs o erro em que havia
caído a sua filha e não poupou a disciplina exigida. “Respondeu-lhe o
Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa” . Fiéis sãos as
feridas causadas por um amigo! Essa pequena afirmativa de nosso Senhor
Lucas 10.38-42 185

realmente foi um precioso bálsamo! Continha um volume de teologia prática


em poucas palavras.
“Pouco é necessário ou mesmo uma só coisa.” Quão verdadeira é
esta declaração! Quanto mais vivermos neste mundo, tanto mais verdadeira
ela se mostrará. Quanto mais nos aproximarmos do sepulcro, tanto mais
integralmente concordaremos com estas palavras. Saúde, prosperidade,
dinheiro, bens, posição e honra são coisas boas em seus devidos lugares.
Mas não podem ser chamadas de “necessárias” . Sem elas, milhões de
pessoas são felizes neste mundo e alcançarão a glória do mundo por vir.
As “muitas coisas” pelas quais os homens e mulheres estão constantemente
lutando não são realmente necessárias. A graça que nos traz salvação é a
única coisa “necessária” .
Esta pequena sentença deve resplandecer constantemente em nossa
mente, sondando-nos quando estivermos propensos a murmurar diante
das provações terrenas. Permitamos que ela nos fortaleça, quando formos
tentados a negar nosso Mestre, por causa de perseguição; e que ela nos
chame a atenção, quando começarmos a tributar excessiva importância às
coisas deste mundo. Esta pequena sentença deve nos despertar, quando
estivermos dispostos a olhar para trás, assim como a esposa de Ló. E, em
todas as ocasiões, essas palavras de nosso Senhor devem soar em nossos
ouvidos como uma trombeta e fazer-nos recordar: “Pouco é necessário ou
mesmo uma só coisa” . Se Cristo é nosso, temos tudo em abundância.
Por último, devemos observar a sublime recomendação que nosso
Senhor pronunciou em referência à escolha de Maria. Ele disse: “Maria,
pois, escólheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” . Havia um profundo
significado nestas palavras. Não foram pronunciadas tendo em vista apenas
o benefício de Maria, e sim o de todos os crentes em todas as partes do
mundo. Foram proferidas para encorajar todos os verdadeiros crentes a
serem pessoas resolutas e dedicadas, a seguirem a Cristo totalmente, a
andarem em intimidade com Deus, a tornarem as coisas da alma sua
primeira preocupação e a darem menos importância as coisas deste mundo.
A verdadeira porção do crente é a graça de Deus. Esta é a “boa
parte” que ele escolheu e a única que, de fato, merece o nome de “boa” .
É a única coisa boa que é consistente, satisfatória, verdadeira e duradoura.
É boa tanto na enfermidade quanto na saúde, na juventude e na velhice,
na adversidade e na prosperidade, na vida e na morte, no tempo e na
eternidade. Não podemos imaginar nenhuma circunstância ou posição em
que não é bom o homem possuir a graça de Deus.
Aquilo que o verdadeiro crente possui jamais lhe será tirado. Somente
ele, dentre todos os homens, nunca será despojado de sua herança. Os
reis e presidentes um dia deixarão sua posição. Os ricos deixarão seu
dinheiro e bens. Eles os têm consigo somente enquanto vivem. No entanto,
186 Lucas 10.38-42

o mais pobre dos crentes na terra possui um tesouro que jamais lhe será
tomado. A graça de Deus e o favor de Cristo são riquezas que nenhum
homem pode arrebatar-lhe. Ele as levará consigo quando morrer; elas
ressurgirão com ele na manhã da ressurreição e serão dele para sempre.
O que sabemos a respeito desta “boa parte” que Maria escolheu? Já
a escolhemos para nós mesmos? Podemos falar com verdade que ela já
nos pertence? Nunca descansemos até que possamos dizer isso. Escolhamos
“a vida” , quando Cristo a oferece, sem dinheiro e sem preço. Procuremos
ajuntar tesouros no céu, para que não despertemos e descubramos que
somos pobres para toda a eternidade.

A Oração do Pai Nosso


Leia Lucas 11.1-4

Estes versículos contêm uma oração comumente chamada de oração


do Pai Nosso. Poucas passagens das Escrituras são tão conhecidas quanto
esta. Qualquer católico romano pode nos dizer que existe uma oração
chamada “Pai Nosso” . A mais simples criança de nosso país provavelmente
já ouviu alguma coisa a respeito do “Pai Nosso” .
A importância desta oração se manifesta no simples fato de que
nosso Senhor ensinou-a duas vezes com algumas variações. Aquele que
nunca proferiu uma palavra sem um bom motivo achou conveniente nos
ensinar esta oração em duas ocasiões distintas. Duas vezes o Senhor Deus
escreveu os Dez Mandamentos em tábuas de pedra (Dt 9.10; 10.4); duas
vezes o Senhor Jesus proferiu a oração do Pai Nosso.
A ocasião em que esta oração foi proferida pela segunda vez, relatada
nessa passagem, é muitíssimo interessante. Um dos discípulos Lhe pediu:
“Senhor, ensina-nos a orar” . A resposta a esta petição foi a famosa oração
que agora consideramos. Não sabemos quem era esse discípulo; mas o
seu pedido será recordado enquanto o mundo existir. Felizes são aqueles
que têm este mesmo sentimento e com freqüência clamam; “Senhor, ensina-
me a orar”.
O conteúdo da oração de nosso Senhor é um tesouro de lições es­
pirituais. Expô-la completamente em uma obra como esta é algo impossível.
A oração sobre a qual muitos livros já foram escritos não admite ser
considerada adequadamente em apenas algumas páginas. No momento,
basta-nos observar suas principais divisões e destacar os principais pen­
samentos que ela pode sugerir à nossa meditação pessoal.
A primeira divisão da oração do Pai Nosso refere-se ao Deus a
Lucas 11.1-4 187

quem adoramos. Somos instruídos a nos aproximar dEle como nosso Pai
no céu — sem dúvida, Pai no sentido de nosso criador, mas, em especial,
como o Pai que nos reconciliou consigo por meio de Jesus Cristo; o Pai
que habita no céu e que nenhum santuário da terra pode conter. Em seguida,
devemos mencionar três grandes coisas — o nome, o reino e a vontade de
nosso Pai.
Somos instruídos a suplicar que o nome de Deus seja santificado:
“Santificado seja o teu nome”. Ao pronunciar tais palavras não pretendemos
dizer que o nome de Deus admite graus de santidade ou que qualquer de
nossas orações pode torná-Lo mais santo; mas declaramos nosso desejo
íntimo de que o caráter, os atributos e as perfeições de Deus sejam mais
conhecidos, honrados e glorificados por todas as suas criaturas inteligentes.
Na verdade, esta foi a mesma petição que Jesus fez em outra ocasião:
“Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.28).
Em seguida, somos instruídos a suplicar que venha o reino de Deus:
“Venha o teu reino” . Com estas palavras, declaramos nosso desejo de
que o poder de Satanás seja rapidamente aniquilado e toda a humanidade
reconheça Deus como seu legítimo Rei e de que os reinos deste mundo
tornem-se realmente, conforme prometido, os reinos de nosso Deus e de
seu Cristo. O estabelecimento final desse reino foi predito desde a queda
de Adão. Toda a criação geme aguardando esse reino. A última oração da
Bíblia se refere ao estabelecimento desse reino. O cânon das Escrituras
quase termina com estas palavras: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 11.15; Gn
3.15; Rm 8.22; Ap 22.20).
E ainda, somos instruídos a suplicar que a vontade de Deus seja
feita: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” . Assim, ex­
pressamos nosso ardente desejo de que o número dos convertidos a Deus
e do povo que Lhe obedece seja grandemente aumentado; e de que os ini­
migos dEle, que odeiam sua lei, sejam diminuídos e de que chegue rapi­
damente o tempo em que todos os homens servirão espontaneamente a
Deus na terra, assim como todos os anjos nos céus (Hc 2,14; Hb 8.11).
Esta é a primeira divisão da oração de nosso Senhor. Sua maravilhosa
plenitude e sua profunda importância não podem ser suficientemente
valorizadas. Felizes são os crentes que aprenderam que o nome de Deus é
mais digno de honra do que o de qualquer autoridade deste mundo, que o
reino de Deus é o único que permanecerá para sempre e que a lei de Deus
é o padrão com o qual todas as leis devem se conformar. Quanto mais
estas coisas forem entendidas e cridas na terra, tanto mais felizes serão as
pessoas. Os dias em que todos reconhecerão estas coisas serão os dias do
“céu na terra”.
A segunda divisão da oração de nosso Senhor refere-se às nossas
necessidades diárias. Somos instruídos a mencionar duas coisas que
188 Lucas 11.1-4

necessitamos todos os dias: uma é temporal, a outra, espiritual. Uma


delas é o pão; a outra, o perdão dos pecados.
Somos instruídos a orar suplicando “pão” — “o pão nosso cotidiano
dá-nos de dia em dia” . No vocábulo “pão” certamente está incluído tudo
que nossos corpos necessitam. Reconhecemos nossa completa dependência
de Deus no que se refere à vida, ao pão e às demais coisas. Suplicamos-
Lhe que se encarregue de nós e providencie tudo que precisamos neste
mundo. Esta súplica corresponde à de Salomão, em outras palavras: “Dá-
me o pão que me for necessário” (Pv 30.8).
Em seguida, somos instruídos a orar suplicando perdão — “Perdoa-
nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos
deve” . Ao pronunciar tais palavras, confessamos que somos criaturas
pecadoras, culpadas e corrompidas e que cometemos ofensas diárias em
muitos aspectos. Não podemos apresentar qualquer desculpa para nós
mesmos; nada podemos oferecer para nos justificar. Simplesmente rogamos
a graciosa, completa e gratuita misericórdia de nosso Pai, em Cristo Jesus.
E a esta petição adicionamos a única declaração contida em toda a oração
do Pai Nosso — “também nós perdoamos a todo o que nos deve” .
Nunca podemos admirar com suficiência a simplicidade e riqueza
da segunda divisão da oração do Pai Nosso. Quão rapidamente proferimos
estas palavras. No entanto, quão profundo significado elas transmitem. O
pão e a misericórdia diária são, acima de tudo, as principais coisas que os
homens necessitam. Rico é aquele que as possui; sábio é aquele que não
se envergonha de orar suplicando-as todos os dias. Sem dúvida, o filho de
Deus está plenamente justificado diante de Deus e todas as coisas cooperam
para o seu bem. No entanto, a verdadeira vida de fé consiste em rogar
diariamente por novos suprimentos de todas as nossas necessidades.
Embora todas as promessas sejam nossas, o Pai gosta que seus filhos
lembrem-se dEle. Embora já tenhamos sido lavados, precisamos lavar a
cada dia os nossos pés (Jo 13.10).
A terceira divisão da oração do Pai Nosso refere-se aos perigos
diários. Somos instruídos a mencionar duas coisas que devemos temer a
cada dia e com as quais temos de esperar que nos defrontaremos, enquanto
estivermos no mundo. Uma delas é a tentação; a outro, o mal.
Jesus nos ensina a orar contra a tentação — “E não nos deixes cair
em tentação” . Com essa expressão não estamos dizendo que Deus é o
autor da tentação ou que Ele tenta o homem ao pecado (Tg 1.13). Mas
Aquele que ordena todas as coisas terrenas e celestiais, sem o Qual nada
pode acontecer, suplicamos que disponha o curso de nossas vidas de tal
modo que não sejamos tentados acima do que podemos suportar.
Confessamos nossa fraqueza e prontidão para cair em pecado. Pedimos
ao nosso Pai que nos preserve das provações e nos proporcione uma
Lucas 11.1-4 189

maneira de escapar. Rogamos que nossos pés sejam preservados e que


nosso testemunho não caia em descrédito e arruine nossa alma.
Por último, nosso Senhor nos ensina a orar contra o “mal” — “Livra-
nos do mal” . Incluímos sob a palavra “m al” tudo que nos seja prejudicial,
quer ao corpo, quer à alma, e em especial todas as armadilhas do grande
autor do mal, o diabo. Confessamos nesta parte da oração que “o mundo
inteiro jaz no Maligno” (1 Jo 5.19). Confessamos que o mal está em nós,
ao nosso redor, em cada parte e que não temos poder para nos livrar dele.
Suplicamos fortalecimento Àquele que nos pode fortalecer e nos refugiamos
nEle para ficarmos protegidos. Em resumo, pedimos aquilo que o próprio
nosso Senhor rogou para nós, quando disse: “Não peço que os tires do
mundo, e sim que os guardes do mal” (Jo 17.15).
Essa é a última divisão da oração do Pai Nosso. Em importância não
é inferior às duas outras divisões, que já consideramos. Deixa o homem
exatamente na posição em que ele deve estar, colocando em seus lábios
uma linguagem de humildade. O mais perigoso estado em que podemos
nos encontrar é o de não conhecer e sentir nosso perigo espiritual
Agora devemos nos servi" da oração do Pai Nosso para julgar nosso
próprio estado diante de Deus. Suas palavras provavelmente já foram
pronunciadas milhares de vezes por nossos lábios. Mas realmente as
sentimos? Desejamos que estas súplicas nos sejam concedidas? Deus é
realmente nosso Pai? Já nascemos de novo e nos tornamos filhos de Deus,
mediante a fé em Cristo? Preocupamo-nos muito com o nome de Deus e
sua vontade? Verdadeiramente desejamos que o reino de Deus venha?
Sentimos necessidade diária das misericórdias divinas e do perdão de
nossos pecados? Tememos cair no pecado? Acima de tudo, odiamos o
mal? Estas são perguntas sérias. Merecem atenciosa consideração.
Esforcemo-nos para fazer que a oração do Pai Nosso se torne nosso
modelo e exemplo, em toda a nossa comunhão com Deus. Ela deve nos
sugerir os assuntos pelos quais devemos orar, pedindo ou rejeitando. Essa
oração deve nos ensinar o relativo lugar e proporção que devemos dar a
cada assunto em nossas orações. Quanto mais meditamos e examinamos a
oração do Pai Nosso, tanto mais instrutiva e sugestiva a acharemos.

O Amigo Inoportuno;
Encorajamentos à Oração
Leia Lucas 11.5-13

Nestes versículos, nosso Senhor nos ensina mais verdades sobre a


190 Lucas 11.5-13

oração, um assunto sobre o qual sempre devemos insistir. A oração é o


fundamento de nosso cristianismo prático; faz parte das atividades diárias
de nossa vida espiritual. Devemos ser gratos a Deus, porque sobre nenhum
outro assunto nosso Senhor Jesus Cristo falou com tanta clareza e freqüência
quanto a respeito da oração.
Primeiramente, aprendemos destes versículos a importância de
perseverar na oração. Essa lição foi transmitida pelo Senhor através de
uma parábola simples, comumente chamada de parábola do “Amigo
Inoportuno” . A parábola nos recorda o que uma pessoa pode receber de
outra por causa de importunação. Embora sejamos egoístas e indolentes,
temos a capacidade de ser levados a fazer alguma coisa somente por alguém
estar constantemente nos pedindo aquilo. O homem que não queria dar os
três pães à meia-noite por amor àquela pessoa o fez para livrar-se de
continuar sendo incomodado. A aplicação da parábola é evidente. Se a
importunação produz tão bons resultados, entre os homens, quanto mais
devemos esperar que ela obtenha as misericórdias divinas, quando a
utilizamos em nossas orações.
Esta é uma lição que sempre faremos bem em recordar. É mais fácil
começar o hábito de orar do que preservá-lo. Milhares daqueles que
professam ser crentes freqüentemente são ensinados a orar, quando ainda
são crianças; no entanto, pouco a pouco deixam essa prática, quando se
tornam adultos. Muitos criam o hábito de orar por certo tempo, quando
estão enfrentando algum problema ou aflição especial; porém, logo se
tornam frios e, por fim, abandonam o hábito. O pensamento íntimo que
assalta o coração dos incrédulos é este: “Não há proveito na oração” .
Eles não percebem qualquer benefício visível; persuadem a si mesmos de
que vivem muito bem sem a oração. A indolência e a incredulidade
prevalecem sobre seu coração, e, por conseguinte, recusam “a devoção a
Ele devida” (Jó 15.4).
Afastemos este tipo de pensamento sempre que surgir em nosso
íntimo. Determinemos pela graça de Deus que, por mais simples e frágeis
que sejam as nossas orações, continuaremos a orar. Não é em vão que a
Bíblia nos instruiu, com freqüência: “Sede, portanto, criteriosos e sóbrios
a bem das vossas orações” (1 Pe 4.7); “Orai sem cessar” (1 Ts 5.17);
“Perseverai na oração” (Cl 4.2; Rm 12.12); “Orar sempre e nunca
esmorecer” (Lc 18.1). Todas estas passagens têm o mesmo propósito:
recordar-nos um perigo e despertar-nos à realização de um dever. O tempo
e a maneira como nossas orações serão respondidas é um assunto que
precisamos entregar inteiramente a Deus. Mas não podemos ter dúvidas
de que toda súplica que apresentamos com fé certamente será respondida.
Apresentemos sempre nossos assuntos a Deus, todos os dias, semanas,
meses e anos. A resposta pode demorar, como aconteceu a Ana e a Zacarias
Lucas 11.5-13 191

(1 Sm 1.27; Lc 1.13); mas, apesar disso, continuemos a orar e a esperar.


No tempo certo, a resposta virá.
Em segundo, aprendemos desses versículos quão amplas e enco-
rajadoras são as promessas que nosso Senhor vinculou à oração. As
maravilhosas palavras que descrevem as promessas são muitíssimo
familiares para nós: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e
abrir-se-vos-á” . E a declaração solene proferida logo em seguida parece
que tinha o objetivo de oferecer-nos dupla certeza: “Pois todo o que pede
recebe; o que busca encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á” . O pers­
crutador argumento que conclui a passagem deixa a incredulidade sem
desculpa: “Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos
filhos, quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho
pedirem?”
Há poucas promessas tão amplas e irrestritas quanto as contidas nes­
ses versículos. A última, em particular, merece consideração especial. O
Espírito Santo é inquestionavelmente o maior dom que Deus outorga aos
homens. Se temos esse dom, possuímos tudo: vida, luz, esperança e o
céu. Se temos esse dom, possuímos o ilimitado amor de Deus, o Pai, o
sangue da expiação do Filho de Deus e plena comunhão com todas as
pessoas da bendita Trindade. Se temos esse dom, possuímos graça e paz
no mundo presente e glória e honra, no porvir. Apesar disso, esse grandioso
dom é apresentado por nosso Senhor Jesus Cristo como um dom a ser
obtido através da oração. “O Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles
que lho pedirem .”
Há poucas passagens na Bíblia que deixam o incrédulo tão com­
pletamente destituído de suas desculpas habituais quanto estes versículos.
Ele afirma que é fraco e desamparado, porém suplica a Deus que o torne
forte? O incrédulo declara que é ímpio e corrupto, mas procura a Deus,
para que o torne melhor? O incrédulo diz que não pode fazer nada por si
mesmo; no entanto, ele bate à porta da misericórdia divina e ora suplicando
o dom do Espírito Santo? Estas são perguntas para as quais muitos, devemos
temer, não podem oferecer qualquer resposta. Continuam sendo o que
são porque não têm desejo de ser transformados. Não têm porque não
pedem. Não vêm a Cristo para terem vida; por conseguinte, permanecem
mortos em delitos e pecados.
Agora, ao terminarmos nossa meditação sobre esta passagem, per­
guntemos a nós mesmos se sabemos algo a respeito da verdadeira oração?
Oramos em alguma ocasião? Oramos em nome de Jesus, reconhecendo-
nos pecadores necessitados? Sabemos o que significa “pedir”, “buscar”,
“bater” e lutar em oração, à semelhança de homens que entendem-na
como uma questão de vida ou morte e que precisam obter respostas às
suas súplicas? Ou nos contentamos em repetir velhas fórmulas de oração,
192 Lucas 11.5-13

enquanto nossos pensamentos vagueiam e nossos corações encontram-se


distantes. Na verdade, teremos aprendido uma grande lição, quando apren­
dermos que repetir orações não é o mesmo que orar.
Se realmente oramos, tenhamos como regra fundamental nunca aban­
donar o hábito de orar e diminuir nossas orações. O estado de um homem
diante de Deus pode ser medido pelas suas orações. Sempre que nos sen­
tirmos descuidados em relação à oração particular, podemos estar certos
de que existe algo errado em nossa alma. Há vagalhões imensos à frente
e corremos o iminente perigo de nos perdemos.

O Demônio que Era Mudo;


O Mal das Divisões
Leia Lucas 11.14-20

A conexão entre estes versículos e aqueles que os precedem é notável


e instrutiva. Nos versículos anteriores, nosso Senhor havia mostrado o
poder e a importância da oração. No relato que acabamos de ler, Ele
libertou um homem de um demônio que era mudo. Evidentemente, este
milagre tinha o propósito de trazer nova luz sobre o assunto da oração. O
Salvador que nos encoraja a orar é o mesmo que destrói o poder de Satanás
sobre os membros de nosso corpo e restaura nossa língua à sua utilização
apropriada.
Primeiramente, observemos nestes versículos as diversas maneiras
através das quais Satanás demonstra seu desejo de prejudicar o homem.
Lemos a respeito de um demônio mudo. Em algumas passagens, os
evangelhos nos falam sobre “espírito imundo”; às vezes, sobre um demônio
feroz e violento. Nestes versículos somos informados a respeito de um
homem que tornou-se mudo devido à influência do demônio que o possuía.
Muitos são os artifícios de Satanás. É tolice supor que ele sempre age da
mesma maneira. Há somente uma característica peculiar a todas as suas
atividades: ele se deleita em prejudicar e fazer o mal.
Existe algo bastante instrutivo no caso desse homem. Imaginamos
que, por causa da possessão física não ser logo nitidamente manifesta,
nosso grande inimigo é menos ativo em fazer o mal do que costumava
ser? Se pensamos assim, temos muito a aprender. Supomos que não existe
tal coisa como a influência de um demônio mudo em nossos dias? Se
pensamos assim, é melhor reconsiderarmos nossas idéias. O que podemos
dizer a respeito daqueles que nunca conversam com Deus, que nunca uti­
lizam sua língua para orar e louvar e jamais empregam esse órgão, que é
Lucas 11.14-20 193

a glória do homem, para cultuar Aquele que os criou? Em poucas palavras,


o que podemos dizer sobre aqueles que conversam com todas as pessoas,
exceto com Deus? Apenas que Satanás despojou-os da verdadeira utilização
de sua língua; e que estão possuídos por um demônio mudo. O homem
que não ora está morto, mesmo que esteja vivo. Seus membros são rebeldes
contra Deus, que os criou. O “demônio mudo” ainda não foi extinto.
Vigiemos e oremos para que nunca estejamos sob a influência de um
espírito mudo. Graças sejam dadas a Deus, porque continua vivo o mesmo
Jesus que pode fazer os surdos ouvirem e os mudos falarem, a Ele re­
corramos em busca de ajuda, permaneçamos nEle. Evitar a devassidão e
manter-se limpo de pecados graves, bem como ser moralista, correto e
respeitável não é o suficiente. Tudo isto é apenas defesa negativa, nada
mais. Existe alguma coisa positiva em nosso cristianismo? Oferecemos
nossos membros a Deus, como instrumentos de justiça? (Rm 6.13.) Com
nossos olhos, podemos ver o reino de Deus? Com os ouvidos, estamos
ouvindo a voz de Cristo? Utilizamos nossa língua para o louvor a Deus?
Estas são perguntas sérias. O número daqueles que são mudos e surdos
diante de Deus é maior do que muitos imaginam.
Em segundo, observemos nestes versículos o admirável poder do
mal sobre os corações dos não-convertidos. Quando nosso Senhor expeliu
o espírito mudo, houve alguns que afirmaram: “Ora, ele expele os demônios
pelo poder de Belzebu, o maioral dos demônios” . Eles não podiam negar
a ocorrência do milagre; então, recusaram-se a admitir que fora realizado
pelo poder de Deus. A obra que ocorrera diante de seus olhos era evidente
e inquestionável. Por isso, esforçaram-se para desacreditar o caráter
dAquele que a realizara e para manchar sua reputação, dizendo que Ele
estava em acordo com Satanás.
A mentalidade descrita nestas palavras é uma doença terrível e,
infelizmente, muito comum. Nunca faltam pessoas que estão dispostas a
não perceber qualquer bondade nos servos de Cristo e a acreditar em
todas as maldades comentadas a respeito deles. Este tipo de pessoa parece
jogar fora seu bom senso. Recusam ouvir as evidências e prestar atenção
aos argumentos evidentes. Parecem estar determinados a acreditar que
todas as coisas feitas pelo crente são erradas e tudo que ele diz é falso. Se
este faz o que é certo em alguma ocasião, deve ser por motivos corruptos;
se fala a verdade, deve ser por idéias sinistras; se faz boas obras, deve ser
por razões interesseiras; se expele demônios, ele o faz pelo poder de
Belzebu! Tais homens preconceituosos podem ser encontrados em muitas
igrejas. Essas pessoas são a mais dolorosa provação para os ministros de
Cristo. Não admiremos que o apóstolo Paulo disse: “Orai por nós... para
que sejamos livres dos homens perversos e maus” (2 Ts 3.1,2).
Esforcemo-nos para ter um spírito honesto, sincero e justo em nosso
194 Lucas 11.14-20

juízo dos crentes e das coisas relacionadas ao cristianismo. Estejamos dis­


postos a abandonar velhas e queridas opiniões no exato momento em que
alguém nos mostrar “um caminho sobremodo excelente” (1 Co 12.31).
Um coração “bom e reto” é um grande tesouro (Lc 8.15). Um espírito
preconceituoso é a própria icterícia da alma. Afeta a percepção mental de
uma pessoa, fazendo-a ver todas as coisas em uma cor anormal. Devemos
sempre orar para sermos livres desse espírito.
Por último, observemos nestes versículos o grande mal das divisões.
Esta é uma verdade com a qual nosso Senhor nos impressiona na resposta
que deu aos seus inimigos preconceituosos. Mostrou-lhes a tolice da
acusação de que Ele expulsava demônios pelo poder de Belzebu. Citou
um provérbio popular, ao dizer: “Todo reino dividido contra si mesmo fi­
cará deserto, e casa sobre casa cairá” . Ele inferiu o absurdo da idéia de
que Satanás poderia expulsar Satanás ou de que o diabo expeliria seus
próprios agentes. Ao fazer isso, nosso Senhor ensinou aos crentes uma
lição que eles têm sido tardios em aprender, durante toda a História da
Igreja. Esta lição é o pecado e a tolice de divisões desnecessárias.
As divisões na igreja sempre existirão, enquanto prevalecerem falsas
doutrinas e as pessoas a estas se apegarem. Que comunhão pode haver en­
tre a luz e as trevas? Como poderão dois andar juntos, se não houver entre
eles acordo? Que unidade pode haver onde não existe a unidade do Espírito?
Divisão e afastamento daqueles que concordam com falsas doutrinas é um
dever e não um pecado.
M as existem diversos tipos de divisão que precisam ser pro­
fundamente detestadas — por exemplo, divisões entre homens que con­
cordam nos assuntos fundamentais, divisões referentes a questões não
essenciais à salvação, divisões relacionadas a formalidades, cerimônias e
procedimentos na igreja a respeito dos quais as Escrituras silenciam.
Divisões dessa natureza têm de ser evitadas e desencorajadas por todos os
crentes fiéis. A sua existência é uma prova melancólica do estado
pecaminoso do homem e da corrupção de seu entendimento, bem como
de sua vontade. Trazem escândalo ao cristianismo e enfraquecem a igreja.
“Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto.”
Quais são os melhores remédios contra a divisão desnecessária? Um
espírito de humildade, uma disposição para fazer concessões e uma es­
clarecida harmonia com as Escrituras. Em nossa vida espiritual, temos de
aprender a fazer distinção entre as coisas essenciais e as não-essenciais,
as coisas necessárias e as desnecessárias à salvação, as coisas prioritárias
e as secundárias em importância. Em referência ao primeiro grupo, de­
vemos ser firmes e inflexíveis, como o carvalho: “Ainda que nós ou mes­
mo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos
temos pregado, seja anátema” (G1 1.8). Quanto ao s;gundo, podemos ser
Lucas 11.14-20 195

complacentes e maleáveis, como o salgueiro: “Fiz-me tudo para com todos,


com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1 Co 9.22). Estabelecer
essas excelentes distinções exige uma sabedoria prática acima do normal.
Mas pode ser adquirida por meio da oração — “Se, porém, algum de vós
necessita de sabedoria, peça-a a Deus” (Tg 1.5). Quando os crentes per­
petuam divisões desnecessárias, mostram-se mais tolos do que o próprio
Satanás.

O Valente Bem Armado;


O Espírito Imundo que Retorna
Leia Lucas 11.21-26

O assunto destas palavras de Cristo é misterioso, mas profundamente


importante. Foram proferidas a respeito de Satanás e de seus agentes.
Oferecem-nos esclarecimento sobre o poder do diabo e a natureza de suas
atividades. Merecem a atenção de todos os que desejam lutar com sucesso
na batalha cristã. O soldado cristão precisa familiarizar-se bem com seus
amigos e aliados, mas, acima de tudo, com seu inimigo. Não devemos
ignorar os ardis de Satanás.
Nestes versículos devemos notar o terrível quadro que nosso Senhor
pintou do poder de Satanás. No quadro, existem quatro aspectos que são
especialmente instrutivos.
O Senhor Jesus falou sobre Satanás chamando-o de “o valente” . O
poder dessa criatura tem sido comprovado por suas vitórias sobre as almas
dos homens. Ele tentou Adão e Eva a se rebelarem contra Deus e trouxe
o pecado ao mundo; tem mantido em escravidão a grande maioria dos
homens, roubando-lhes o céu — ele é realmente um inimigo poderoso. As
Escrituras o chamam de “príncipe deste mundo” ; portanto, não deve ser
desprezado. O diabo é bastante poderoso.
O Senhor Jesus falou sobre Satanás chamando-o de “o valente bem
armado” . Satanás está bem protegido com uma armadura defensiva. Não
pode ser vencido por investidas brandas e esforços frágeis. Aquele que
deseja vencê-lo deve utilizar todos as suas forças. “Esta casta não se
expele senão por meio de oração e jejum ” (Mt 17.21). Satanás também
está bem provido com uma armadura ofensiva. Ele nunca se intimida em
utilizar recursos para prejudicar as almas dos homens. Possui todos os
tipos de armadilhas e artifícios, conhece com exatidão todas as classes
sociais, as raças, nações, as idades e os povos; pode assaltá-las com toda
a vantagem. O diabo é um valente bem armado.
196 Lucas 11.21-26

O Senhor Jesus falou sobre o coração do homem, chamando-o de


“casa” de Satanás. O coração natural é a habitação predileta do Maligno,
e todas as faculdades e capacidades desse coração servem ao diabo e
fazem sua vontade. Satanás se assenta no trono que Deus deveria ocupar
e controla o homem interior; ele é o “espírito que agora ama nos filhos da
desobediência” (E f2.2).
O Senhor Jesus falou que todos os bens de Satanás “ficam em se­
gurança” . Enquanto o homem está morto em delitos e pecado, seu coração
está sossegado em relação às coisas espirituais. Não teme o futuro, nem
sente qualquer ansiedade em referência à sua alma. Ele não teme ser
lançado no inferno. Sem dúvida, tudo isso constitui uma falsa paz. E um
sono que não pode durar muito e que um dia experimentará um terrível
despertar. No entanto, existe realmente tal segurança. A insensibilidade,
a irreflexão, a negligência e a indiferença em relação às coisas espirituais
é um dos piores sintomas de que o Maligno está reinando na alma de uma
pessoa.
Jamais pensemos com leviandade a respeito do diabo. A prática
habitual de brincar indolentemente com Satanás, que freqüentemente
caracteriza os incrédulos, é um grande mal. O prisioneiro que zomba do
carrasco e da sentença de morte tem de ser alguém de coração bastante
endurecido. O homem que fala com leviandade a respeito do inferno e do
diabo possui um coração que se encontra em péssimo estado.
Sejamos gratos a Deus porque existe Alguém que é maior do que o
próprio Satanás; existe Alguém que é amigo dos pecadores, Jesus, o Filho
de Deus. Ainda que o diabo seja poderoso, Jesus o venceu na cruz, quando
triunfou sobre ele publicamente. Embora Satanás seja forte, de suas mãos
Cristo pode libertar cativos, quebrando as cadeias que os prendem. Jamais
descansemos até que experimentemos essa libertação e tenhamos sido
colocados em liberdade pelo Filho de Deus.
Também notemos nestes versículos a grande veemência com a qual
nosso Senhor ensinou ser impossível a neutralidade. Ele disse: “Quem
não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” (Lc
11.23).
O princípio apresentado nestas palavras deveria ser constantemente
lembrado por todos os que já tomaram uma resoluta decisão em favor de
Cristo. Naturalmente, amamos o cristianismo fácil. Detestamos contendas
e divisões. Se possível, apreciamos estar em harmonia com todas as partes.
Temos receio dos extremos. Odiamos ser demasiadamente justos; temos
o desejo de não ser exagerados em nosso cristianismo. Pensamentos como
estes encontram-se repletos de perigo para a alma. Se permitirmos que
nos controlem, causarão danos imensos. Nada é tão ofensivo a Cristo
quanto a indiferença nos assuntos espirituais. Estar completamente morto
Lucas 11.21-26 197

e ignorar estas verdades significa ser objeto de compaixão e, ao mesmo


tempo, de culpa. Mas conhecê-las e, apesar disso, hesitar “entre dois
pensamentos” é um dos mais graves pecados.
A firme determinação de nossa mente deve ser que serviremos a
Cristo com todo nosso coração, se realmente desejamos servi-Lo. Em
nosso cristianismo não pode haver restrições, comprometimento com o
mundo, coração dúbio, nenhuma tentativa de conciliação entre Deus e as
riquezas. Com o auxílio divino, determinemos estar “com Cristo” e ao
lado dEle, permitindo que o mundo diga e faça o que quiser. A princípio
isto nos custará algo. Mas, ao prosseguirmos, seremos compensados.
Sem determinação, não há felicidade na vida espiritual. Quem segue a
Jesus com todo o seu ser é sempre aquele que o seguirá com mais
comodidade. Sem determinação no cristianismo, não haverá qualquer
serviço útil para com os outros. O crente de coração dividido não atrai
qualquer pessoa a Cristo por meio da beleza de sua vida e não conquista o
respeito do mundo.
Por último, notemos nestes versículos quão perigoso é contentar-se
com uma pequena transformação na alma e ficar aquém da verdadeira
conversão a Deus. O Senhor Jesus nos ensina esta verdade utilizando uma
terrível figura: a pessoa de quem os demônios foram expelidos, mas em
cujo coração o Espírito Santo não entrou. Jesus descreveu o espírito
imundo, após ser expulso, andando “por lugares áridos, procurando
repouso e não o achando” . Retratou-o planejando retornar ao coração em
que anteriormente habitara e levando adiante seu plano. Descreveu-o
encontrando o coração vazio e a casa “varrida e ornamentada” , para a sua
recepção. Jesus contou que o espírito imundo retornou à casa, trazendo
consigo outros sete espíritos piores do que ele mesmo, tornando-a
novamente sua habitação. E concluiu tudo com as solenes palavras: “O
último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro” .
Precisamos reconhecer, na leitura destas palavras, que Jesus estava
falando de coisas que compreendemos com dificuldade. Estava levantando
uma aba do véu que encobre as coisas do mundo invisível. Suas palavras,
sem dúvida, ilustram um estado de coisas que existia na nação hebraica
durante o tempo de seu ministério terreno. Mas a principal lição de suas
palavras, que nos interessa, é o perigo que cerca nossa própria alma. Suas
palavras constituem um solene aviso para nunca nos conformarmos com
um cristianismo de reformas sem a verdadeira conversão da alma.
Não existe segurança fora do cristianismo integral. Renunciar os
pecados cometidos abertamente nenhum proveito nos trará, a menos que
a graça reine em nosso coração. Parar de fazer o mal é algo insignificante,
se não aprendemos a fazer o bem. A casa não tem apenas de ser “varrida
e ornamentada” . Uma nova habitação tem de ser construída, se não a
198 Lucas 11.21-26

lepra reaparecerá nas paredes. A vida exterior precisa ser não apenas “or­
nam entada” com as pompas formais de uma religião. O poder do
cristianismo vital tem de ser experimentado no homem interior. O diabo
não tem apenas de ser expulso. O Espírito Santo deve tomar o seu lugar.
Cristo precisa habitar no coração pela fé. Não precisamos apenas ser re­
formados, e sim nascer de novo.
Guardemos esses fatos em nosso coração. Muitos que professam ser
cristãos estão enganando a si mesmos. Não são mais aquilo que eram
antes; assim, lisonjeiam a si mesmos com a idéia de que são o que deveriam
ser. Não desonram o domingo, não são pecadores ousados e, deste modo,
imaginam que são cristãos. Não percebem que apenas trocaram de demônio.
São governados por um demônio de decência e farisaísmo, ao invés de
um demônio cruel, audacioso e impuro. Mas o morador de seu coração
ainda é o próprio diabo. E seu estado final será pior do que o primeiro.
Devemos orar para que sejamos livres desse estado final. Não importa o
que somos em nossa religião, temos de ser crentes completamente
comprometidos com Cristo. Não sejamos uma casa “varrida e orna­
mentada” e não habitada pelo Espírito Santo. Não sejamos vasos revestidos
de prata, belos por fora, mas sem valor por dentro. Que a nossa oração
diária seja: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e
conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e
guia-me pelo caminho eterno” (SI 139.23-24).

A Bem-Aventurança de Ouvir a Palavra de Deus;


A Geração que Desejava um Sinal
Leia Lucas 11.2 7-32

Nesta passagem encontramos uma mulher cujo nome e história nada


sabemos. Enquanto nosso Senhor falava, “aconteceu que... uma mulher,
que estava entre a multidão, exclamou e disse-lhe: Bem-aventurada aquela
que te concebeu, e os seios que te am amentaram!” Imediatamente,
áindamentado em suas palavras, o Senhor transmitiu uma preciosa lição.
Sua perfeita sabedoria transformava todo incidente ao seu alcance em
algo benéfico.
Primeiramente, devemos observar quão grandes são os privilégios
daqueles que ouvem e obedecem a Palavra de Deus. Foram considerados
por Cristo como pessoas tão dignas de honra quanto aqueles que eram
seus mais queridos parentes. É mais bem-aventurado ser um crente no
Senhor Jesus do que ter sido um de seus familiares nascidos segundo a
Lucas 11.27-32 199

carne. Foi maior honra para a virgem Maria ter Jesus habitando em seu
coração pela fé do que ter sido a mãe de Jesus e tê-Lo amamentado em seu
seio.
Verdades como essa geralmente são muito difíceis de ser aceitas.
Somos inclinados a pensar que ter visto, ouvido e vivido próximo a Cristo
e ter sido um parente dEle causaria um grande efeito sobre nossa alma.
Naturalmente somos todos inclinados a atribuir grande importância à
religião dos sentidos — ver, sentir, tocar e ouvir. Gostamos de um
cristianismo que envolva nossos sentidos, seja palpável ou material, ao
invés de um cristianismo de fé. Porém, precisamos recordar que ver nem
sempre significa crer. Milhares viram a Cristo com freqüência, enquanto
Ele esteve na terra, mas continuaram agarrados aos seus pecados. Durante
certo tempo, “nem mesmo” os próprios irmãos do Senhor Jesus “criam
nele” (Jo 7.5). Um conhecimento simplesmente carnal a respeito de Cristo
não salva qualquer pessoa. As palavras do apóstolo Paulo são bastante
instrutivas: “Se antes conhecemos Cristo segundo a carne, já agora não o
conhecemos deste modo” (2 Co 5.16).
Aprendamos destas palavras de nosso Senhor que os mais elevados
privilégios desejados por nossa alma estão ao nosso alcance, se tão-somente
crermos. Não é necessário que desejemos ter vivido em Cafarnaum ou
perto da casa de José, em Nazaré; tampouco precisamos sonhar em ter
um amor mais profundo e uma devoção mais completa, se realmente já
aceitamos a Cristo, ouvimos a sua voz e somos contados como membros
de sua família. Estas coisas não poderiam nos ter feito qualquer benefício
que a fé simples não seja capaz de fazer agora. Ouvimos a voz de Cristo
e estamos seguindo-O? Nós O recebemos como nosso único Salvador e
Amigo e, abandonando todas as outras esperanças, apegamo-nos a Ele?
Se isto é verdade, todas as coisas são nossas. Não precisamos de privilégios
maiores. E não os teremos até que Cristo venha novamente. Ninguém
pode estar mais próximo e ser mais querido do Senhor Jesus do que aquele
homem que simplesmente crê.
Em segundo, devemos observar nestes versículos a desesperadora
incredulidade dos judeus da época de Jesus. Somos informados que,
embora “afluíssem as multidões” para ouvi-Lo, ainda confessavam estar
esperando um sinal. Desejavam obter mais evidências, antes de crer. Nosso
Senhor declarou que a rainha de Sabá e os homens de Nínive envergonharão
os judeus no último dia. A rainha de Sabá possuiu tal fé, que viajou uma
enorme distância para ouvir a sabedoria de Salomão. No entanto, Salomão,
com toda a sua sabedoria, foi um rei imperfeito e cometeu muitos erros.
Os ninivitas possuíram tamanha fé, que creram na mensagem que Jonas
transmitiu da parte de Deus. Entretanto, Jonas foi um profeta fraco e
instável. Os judeus da época de Jesus tiverem uma luz mais sublime e
200 Lucas 11.27-32

ensinos infinitamente mais nítidos do que Jonas e Salomão poderiam


oferecer. Entre eles estava o Rei dos reis, o Profeta maior do que Moisés.
Apesar disso, os judeus não se arrependeram, nem creram.
Não devemos nos surpreender com a incredulidade abundante tanto
na igreja quanto no mundo. Ao invés de nos admirarmos da existência de
homens como Voltaire, Rousseau, Paine e Hobbes, devemos admirar que
tenha havido poucos homens desse tipo. Ao invés de nos admirarmos de
que a maioria dos que professam ser cristãos permanecem insensíveis e
não reagem à pregação do evangelho, devemos nos admirar de que ao
nosso redor alguns realmente crêem. Por que devemos sentir admiração
por contemplarmos aquela doença antiga, que começou com Adão e Eva,
afetando todos os descendentes deles? Deveríamos esperar encontrar entre
as pessoas mais fé agora do que se viu na época de Jesus? A imensa
quantidade de dureza de coração e incredulidade em todos os lugares po­
de nos causar tristeza e inquietação, mas não deve surpreender-nos.
Louvemos a Deus porque recebemos o dom da fé. É um grande
privilégio crer em toda a Bíblia. Não compreendemos totalmente a
corrupção da natureza humana. Não percebemos toda a virulência da
enfermidade que afeta todos os filhos de Adão e o número pequeno daqueles
que são salvos. Temos fé, embora seja fraca e pequena? Louvemos a
Deus por este privilégio. Quem somos nós, para que Ele nos tornasse
diferentes? Vigiemos contra a incredulidade. A sua raiz com freqüência
jaz em nosso íntimo, após ter sido cortada a árvore. Guardemos nossa fé
com um zelo santo. Ela é o escudo de nossa alma; é a graça que, acima de
todas às outras, Satanás procura arruinar. Sejamos firmes. Benditos são
aqueles que crêem!
Por último, devemos observar nestes versículos a maneira como
nosso Senhor testificou sobre a verdade da ressurreição e da vida por vir.
Ele falou a respeito da rainha do Sul, cujo nome e lugar de origem são
desconhecidos, dizendo; “A rainha do Sul se levantará, no Juízo” . E
referiu-se aos homens de Nínive, um povo que havia desaparecido da face
da terra, afirmando também: “Ninivitas se levantarão, no Juízo” .
Existe algo bastante instrutivo e solene nesta linguagem de nosso
Senhor. Faz-nos recordar que este mundo não é tudo e que a vida neste
corpo não é a única sobre a qual devemos pensar. Os reis e rainhas da
antigüidade todos ressuscitarão um dia e comparecerão diante do tribunal
de Deus. As imensas multidões que no passado aglomeravam-se nos
arredores do palácio de Nínive, todas sairão de seus sepulcros e prestarão
contas de suas obras. Aos nossos olhos parece que eles desapareceram
para sempre. Lemos com admiração a respeito dos salões vazios daqueles
palácios e conversamos sobre os ninivitas como pessoas que pereceram
completamente. Suas habitações estão destruídas e seus ossos trans­
Lucas 11.27-32 201

formaram-se em pó. Mas aos olhos de Deus todos ainda vivem. A rainha
do Sul e os homens de Nínive todos ressuscitarão. E os veremos face a
face.
A verdade da ressurreição deve estar sempre em nossa mente, e a
vida por vir, freqüentemente em nossos pensamentos. Tudo não acaba
quando os sepulcros recebem seus moradores e os homens dirigem-se à
sua morada permanente. Outras pessoas habitarão em nossa casa e gastarão
nosso dinheiro. Os nomes logo serão esquecidos. Mas ainda não está
acabado! Um pouco mais de tempo e ressuscitaremos. “E a terra dará à
luz os seus mortos” (Is 26.19). Muitos, assim como o governador Félix,
deveriam tremer ao pensarem tais coisas. Mas aqueles que vivem pela fé
no Filho de Deus, à semelhança do apóstolo Paulo, devem erguer sua
cabeça e sentirem regozijo.

A Utilização da Luz;
A Simplicidade de Olhos
Leia Lucas 11.33-36

Estas palavras de nosso Senhor nos ensinam a importância de


fazermos bom uso da luz e dos privilégios espirituais. Somos recordados
sobre o que os homens fazem quando acendem uma lâmpada. Eles não a
colocam “em lugar escondido, nem debaixo do alqueire, mas no velador” ,
para que seja útil e sirva às pessoas.
Apresentar o evangelho de Cristo à alma do homem é como se Deus
estivesse lhe oferecendo uma lâmpada acesa. Não é suficiente que uma
pessoa ouça, admire, concorde com o evangelho e reconheça suas verdades.
É necessário que ela o receba no coração e obedeça na vida. Até que isto
aconteça, o evangelho não traz mais benefício a essa pessoa do que a
alguém que nunca o ouviu. Uma luz é apresentada ao homem; mas ele
não se aproveita dela. A culpa resultante de tal conduta é extremamente
grande. A negligência em relação à luz do evangelho será uma acusação
grave contra muitos no último dia.
Quando um homem professa valorizar a luz do evangelho, precisa
tomar cuidado para não ser egoísta na utilização dessa luz. Ele tem de
refletir a luz para todos os que se encontram ao seu redor; deve se esforçar
para tornar bem conhecidas as verdades que considera boas para si mesmo.
Precisa deixar sua luz brilhar diante dos homens, para que vejam de quem
ele é e a quem ele serve e sejam induzidos a seguir seu exemplo e unirem-
se ao Senhor. Deve reputá-la como um empréstimo, sendo ele responsável
202 Lucas 11.33-36

pela maneira como a utiliza. Tem de se esforçar para manter erguida sua
lâmpada, de tal modo que muitos a vejam e, ao verem-na, admirem-na e
creiam.
Acautelemo-nos para não sermos negligentes em relação à luz que
possuímos. O pecado de muitos quanto a este assunto é maior do que
imaginam. Milhares de pessoas contentam-se a si mesmas dizendo que
não se encontram em péssimo estado espiritual, por se absterem de atos
grosseiros e notáveis de impiedades e por serem decentes; por conseguinte,
consideram-se decentes e respeitáveis em sua vida exterior. No entanto,
tais pessoas rejeitam com frieza o evangelho quando o oferecemos? Os
anos se passam, e elas não tomam qualquer decisão quanto a servir a
Cristo? Se isto é verdade, elas precisam saber que sua culpa diante de
Deus é muito grande. Ter luz e não andar em sua luz é, por si mesmo, um
grande pecado. É rejeitar o Rei dos reis com desprezo e indiferença.
Estejamos atentos contra o egoísmo em nosso próprio cristianismo,
mesmo depois de termos aprendido a importância da luz do evangelho.
Devemos nos esforçar para fazer com que todos os homens vejam que
achamos uma “pérola de grande valor” e desejamos que todos a encontrem.
O cristianismo de um homem pode ser considerado suspeito se ele está
contente em ir para o céu sozinho. O verdadeiro crente tem um coração
dilatado. Se tem filhos, almejará a salvação deles. Se é um patrão, desejará
ver a conversão de seus empregados; se é um proprietário de imóveis,
que seus inquilinos venham juntamente com ele para o reino de Deus.
Esse é o cristianismo saudável. O crente que se satisfaz em queimar para
si mesmo a sua lâmpada está em um péssimo estado de alma.
Em segundo, aprendemos destes versículos o valor de um coração
bom e íntegro na vida cristã. Esta é uma lição que nosso Senhor ilustrou
através da atividade do olho no corpo humano. Ele nos disse que, se os
olhos forem “bons” , ou seja, completamente saudáveis, todo o corpo será
influenciado por isso. Mas, se ocorrer o contrário, toda a atividade e
conforto físico de uma pessoa serão atingidos. Nos países do Oriente,
onde doenças nos olhos são muito comuns, esta ilustração era parti­
cularmente notável.
Mas quando podemos dizer que o coração de uma pessoa é íntegro
na vida cristã? Quais são as marcas de um coração íntegro? Estas perguntas
são profundamente importantes. Seria bom para a igreja de Cristo e para
o mundo, se corações íntegros fossem mais comuns.
O coração íntegro é aquele que não somente foi convertido,
transformado e regenerado, mas também é o coração que está sob a po­
derosa, completa e habitual influência do Espírito Santo. É o coração que
odeia todo comprometimento, indiferença e hesitação entre duas opiniões
na vida cristã; que focaliza-se apenas em um objeto — o amor de Cristo,
Lucas 11.33-36 203

demonstrado em sua morte na cruz pelos pecadores; que tem apenas um


alvo — glorificar a Deus e fazer sua vontade; que tem somente um grande
desejo — agradar a Deus e ser louvado por Ele. Se o compararmos com
outros alvos, objetos e desejos, o coração íntegro não conhece outras
coisas dignas de honra. O louvor e o favor dos homens não possuem
qualquer valor para esse coração; a reprovação e a acusação da parte dos
homens, ele as considera leve como o ar. “Desejo, faço e vivo apenas
para uma coisa” , essa é a linguagem de um coração íntegro (SI 27.4; Lc
10.42; Fp 3,13). Assim eram os corações de Abraão, Moisés, Davi, Paulo,
Lutero e Latimer. Todos eles tinham suas fraquezas e imperfeições.
Erraram, sem dúvida, em muitas coisas. Mas todos manifestaram essa
grande peculiaridade: eram homens de um só propósito, possuíam coração
íntegro; eram homens de Deus.
As bênçãos resultantes de um coração íntegro no cristianismo são
incalculáveis. Aquele que o possui faz o bem com abundância. E semelhante
a um farol no meio de um mundo em trevas. Reflete luz sobre milhares de
quem ele nada sabe. Todo o seu corpo é luminoso. Seu senhor pode ser
visto em todas as suas conversas e atitudes. A graça que ele possui
manifesta-se em todo o seu comportamento. Sua família, seus empregados,
seus vizinhos, seus amigos, seus inimigos — todos vêem as disposições
de seu caráter e são obrigados a confessar, quer gostem, quer não, que o
cristianismo desta pessoa é real e capaz de influenciar. E aquele que possui
um coração íntegro na vida cristã acha uma recompensa preciosa na
experiência íntima de sua alma. Ele se alimenta de algo que o mundo não
conhece; em seu crer, possui uma alegria e uma paz que os incrédulos
jamais podem obter. Sua face está voltada para o sol; portanto, seu coração
raramente se torna frio.
Oremos e trabalhemos com ardor para que tenhamos olhos “bons” e
um coração íntegro em nosso cristianismo. Se realmente somos crentes,
sejamos com todo o nosso coração e determinação. Neste assunto, estão
em jogo a paz interior e a utilidade em nosso viver. Nossos olhos têm de
ser “bons” , para que nosso corpo seja repleto de luz.

Os Fariseus Denunciados e Censurados


Leia Lucas 11.37-44

Inicialmente, observamos nesta passagem a prontidão de nosso


Senhor em estar na companhia de incrédulos, quando isto era necessário.
Lemos que certo “fariseu o convidou para ir comer com ele” . E evidente
204 Lucas 11.37-44

que aquele fariseu não era discípulo de Cristo. No entanto, sabemos que
Jesus foi e “tomou lugar à mesa” .
A conduta de nosso Senhor nessa ocasião, assim como em outras,
tem o propósito de ser um exemplo para todos os crentes. Cristo é nosso
modelo, bem como nossa propiciação. Há ocasiões em que o servo de
Cristo precisa estar junto dos ímpios e dos filhos deste mundo; talvez
existam momentos em que será uma obrigação manter convívio social
com eles, aceitar seus convites e tomar lugar em suas mesas. É evidente
que nada deve induzir o crente a participar dos pecados dos incrédulos ou
das frívolas diversões do mundo. Mas ele não deve ser mal-educado. Não
pode retirar-se completamente da sociedade dos não-convertidos e tornar-
se um eremita ou um ascético. Tem de lembrar que o bem pode ser realizado
tanto em particular quanto em público.
Uma qualificação, entretanto, nunca deve ser esquecida, quando
seguimos este exemplo de nosso Senhor nessa questão. Tenhamos cuidado
em nos dirigir para estar na companhia dos pecadores manifestando o
mesmo espírito que havia em nosso Senhor. Lembremos sua ousadia em
falar das coisas de Deus. Ele estava sempre cuidando dos negócios de seu
Pai. Recordemos sua fidelidade em reprovar o pecado. Ele não poupava
nem mesmo os pecados daqueles que o convidavam, quando Lhe chamavam
a atenção publicamente. Estejamos na companhia dos incrédulos com essa
mesma atitude de espírito, e nossas almas não sofrerão qualquer dano. Se
percebemos que não somos capazes de imitar nosso Senhor, para estar na
companhia a que somos convidados, devemos estar certos de que o melhor
é permanecermos em casa.
Em segundo, observamos nesta passagem a tolice que acompanha a
hipocrisia nas coisas espirituais. O relato nos informa que o fariseu com
o qual nosso Senhor jantou “admirou-se ao ver que Jesus não se lavara...
antes de comer” . Assim como muitos de sua classe, o fariseu imaginou
que havia algo impuro em não lavar as mãos e que negligenciar essa
prática era um sinal de impureza moral. Nosso Senhor ressaltou o absurdo
de atribuir tamanha importância ao simples ato de lavar o corpo, enquanto
a pureza de coração era desprezada. Ele relembrou ao seu anfitrião que
Deus olha para o nosso íntimo, o homem interior do coração, muito mais
do que para o nosso exterior. Jesus dirigiu essa indagação perscrutadora:
“Quem fez o exterior não é o mesmo que fez o interior?” O Deus que for­
mou nossos corpos frágeis é o mesmo que nos deu alma e coração.
Sempre tenhamos em mente que o estado de nossa alma é a principal
coisa que exige nossa atenção, se desejamos saber o que somos em nossa
vida espiritual. A lavagem de partes do corpo, jejuns, gestos, posturas e
mortificações da carne que impomos sobre nós mesmos, tudo isso é com­
pletamente inútil, se nosso coração estiver errado diante de Deus. Conduta
Lucas 11.37-44 205

piedosa, um semblante sério, cabeça prostrada, fisionomia reverente, um


sonoro amém, estas coisas são abomináveis aos olhos de Deus, se nossos
corações não estão lavados de sua impiedade e regenerados pelo Espírito
Santo. Esta advertência jamais deve ser esquecida. O conceito de que o
homem pode ser piedoso antes de ser convertido é uma grande ilusão de
Satanás, contra a qual todos precisamos estar alerta. Há duas passagens
bíblicas que são muito importantes sobre este assunto: “Sobre tudo o que
se deve guardar, guarda o coração, porque dele procedem as fontes da
vida” (Pv 4.23); “O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (1
Sm 16.7). Há uma pergunta que devemos sempre fazer a nós mesmos em
referência a aproximar-nos de Deus, quer em público, quer em particular.
Devemos indagar a nós mesmos: “Em que situação está meu coração?”
Em terceiro, observamos nesta passagem a gritante inconsistência
demonstrada pela hipocrisia nas coisas espirituais. Nosso Senhor disse
aos fariseus: “Dais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças
e desprezais a justiça e o amor de Deus” . Eles levavam ao extremo seu
zelo em pagar dízimos para o serviço do templo e, apesar disso, negli­
genciavam os deveres evidentes em relação a Deus e ao próximo. Eram
escrupulosos em extremo nos pequenos assuntos da lei cerimonial, mas
desprezavam completamente os mais simples e importantes princípios de
justiça para com o homem e do amor a Deus. Apenas em uma direção eles
eram rigorosos e cuidadosos em fazer mais do que era necessário. Na
outra, realmente não faziam nada. Nas coisas secundárias de sua religião,
eram zelosos e entusiastas; porém nas coisas importantes e primárias eram
iguais aos gentios.
A atitude dos fariseus, quanto a este assunto, infelizmente não é
exclusiva. Sempre houve ensinadores religiosos que exaltam mais as coisas
secundárias do cristianismo, colocando-as muito acima das que são prio­
ritárias, e em seu zelo por aquelas finalmente negligenciam totalmente
estas. Existem muitos em nossos dias que fazem muito barulho a respeito
de práticas e cerimônias religiosas, mas permanecem apenas nisso. Nada
sabem em referência aos importantes deveres práticos da humildade, amor,
mansidão, disposição espiritual, leitura bíblica, oração em secreto e sepa­
ração do mundo. Tais pessoas se atiram com avidez em qualquer di­
vertimento. Podem ser vistas em encontros e festas mundanas, no teatro,
no autódromo, na ópera e nos bailes. Não demonstram possuir a mente de
Cristo em sua vida diária. O que isto significa, senão andar nos passos
dos fariseus? Com exatidão disse o sábio: “Nada há... novo debaixo do
sol” (Ec 1.9). Ainda não foi extinta a geração que dá o dízimo da “hortelã,
da arruda e de todas as hortaliças” e despreza “a justiça e o amor de
Deus” .
Vigiemos e oremos para que sejamos capazes de manifestar uma
206 Lucas 11.37-44

proporção bíblica em nosso cristianismo. Acautelemo-nos de colocar as


coisas secundárias em lugar destacado e, deste modo, perdermos com­
pletamente de vista as coisas prioritárias. Qualquer que seja a importância
que tributemos aos cerimoniais do cristianismo, nunca deve-mos esquecer
suas obrigações práticas. O ensino religioso que nos induz a desprezar
tais obrigações possui em si mesmo algo radicalmente imperfeito.
Por último, observamos nesta passagem o engano e a superficialidade
que caracteriza o hipócrita nas coisas espirituais. Nosso Senhor comparou
os fariseus a “sepulturas invisíveis, sobre as quais os homens passam sem
o saber” . Esses orgulhosos mestres dos judeus estavam intimamente cheios
de corrupção e impureza, em uma medida sobre a qual seus próprios
discípulos decepcionados não tinham a menor idéia.
Esta figura é triste e perturbadora. Mas sua exatidão e veracidade
tem sido comprovada pela conduta dos hipócritas durante toda a História
da Igreja. O que dizemos sobre os frades e freiras denunciados na época
da Reforma? Descobriu-se que milhares de homens e mulheres su­
postamente piedosos estavam mergulhados em todo tipo de impiedade. O
que falamos a respeito da vida de alguns dos líderes de seitas e heresias
que professam ter um padrão de doutrina peculiarmente correto? Com
freqüência essas mesmas pessoas que prometem liberdade aos outros têm
demonstrado que são servos da corrupção. A análise da natureza humana
é um estudo repugnante. A hipocrisia e um viver impuro têm sempre
andado juntos.
Terminemos as considerações sobre esta passagem determinando
com firmeza que vigiaremos, em oração, contra a hipocrisia nas coisas
espirituais. Se realmente somos crentes, sejamos verdadeiros, íntegros,
genuínos, sinceros. Aborreçamos todo fingimento, toda artificialidade e
todo agir com parcialidade nas coisas de Deus. Talvez sejamos fracos,
sujeitos a erros e pecados, e fiquemos aquém de nossos alvos e desejos.
Mas, se professamos crer no Senhor Jesus, sejamos verdadeiros.

Os Intérpretes da Lei Denunciados e Reprovados


Leia Lucas 11.45-54

Esta passagem é um exemplo da fidelidade de nosso Senhor Jesus


em lidar com as almas dos homens. Nós O vemos sem temor ou preferên­
cia, reprovando os pecados dos judeus que eram intérpretes da Lei. O
falso amor qualifica como “indesejável” a atitude de alguém afirmar que
o outro está errado; no entanto, esse tipo de amor não encontra apoio na
Lucas 11.45-54 207

linguagem utilizada por nosso Senhor nesta ocasião. Ele chama as coisas
pelos seus devidos nomes. Sabia que doenças crônicas exigem tratamento
severo. Desejava que soubéssemos isto: o melhor amigo de nossa alma
não é aquele que está sempre falando “coisas aprazíveis” (Is 30.10) e
concordando com tudo que dizemos, e sim o que nos fala a verdade.
Primeiramente, destas palavras de nosso Senhor aprendemos quão
grave é o pecado de professarmos ensinar aos outros aquilo que nós
mesmos não praticamos. Ele disse aos intérpretes da lei: “Sobrecarregais
os homens com fardos superiores às suas forças, mas vós mesmos nem
com um dedo os tocais” . Exigiam que os outros obedecessem cerimônias
enfadonhas de sua religião, quando eles mesmos as negligenciavam.
Cometiam a imprudência de colocarem pesados fardos sobre a cons­
ciência dos outros, enquanto isentavam a si mesmos destes fardos. Em
resumo, tinham um padrão de medida para seus ouvintes e outro para
si mesmos.
A repreensão severa que nosso Senhor ministrou nesta ocasião deveria
atingir com especial vigor certa classe de pessoas da igreja. É uma re­
provação oportuna para todos os que ensinam aos jovens, para os chefes
e líderes de famílias, para todos os pais e, em especial, para todos os
pastores e líderes da igreja. Todos estes devem observar com bastante
atenção as palavras de nosso Senhor nesta passagem. Devem acautelar-se
de falar aos outros que tenham como alvo um padrão que eles não almejam
para si mesmos. Esse tipo de conduta é, no mínimo, uma terrível in­
consistência.
Sem dúvida, a perfeição é inatingível neste mundo. Se ninguém pu­
desse estabelecer preceitos, ou ensinar, ou pregar, enquanto não se tor-nasse
impecável, toda a estrutura da sociedade entraria em confusão. Mas temos
o direito de esperar harmonia entre as palavras e os atos de uma pessoa,
entre seu ensino e seu comportamento, entre sua pregação e suas obras.
Uma coisa, porém, é certa: nenhuma lição produz tanto efeito quanto
aquela que o ensinador ilustra por meio de sua vida diária. Feliz é aquele
que, assim como Paulo, pode dizer: “O que também aprendestes, e
recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai” (Fp 4.9).
Em segundo, destas palavras de nosso Senhor aprendemos que é
muito mais fácil admirar os crentes mortos do que os vivos. Jesus disse
aos intérpretes da lei: “Edificais os túmulos dos profetas que vossos pais
assassinaram” . Eles professavam honrar a memória dos profetas, enquanto
tinham uma maneira de viver que os profetas haviam condenado! Ne­
gligenciavam abertamente o aviso e ensino dos profetas, enquanto pre­
tendiam reverenciar seus túmulos.
A prática denunciada por nosso Senhor, na ocasião, jamais deixou
de ter seguidores, no espírito e, talvez, na letra. Milhões de ímpios em to­
208 Lucas 11.45-54

das as épocas da História da Igreja têm procurado iludir a si mesmos e aos


outros mediante altissonantes declarações de admiração pelos santos de
Deus, após a partida destes. Ao fazerem isso, tais pessoas esforçam-se
para tranqüilizar sua própria consciência e cegar os olhos do mundo. Têm
procurado incutir nas mentes dos outros o seguinte pensamento: “Se estas
pessoas apreciam tanto a memória de crentes famosos que já morreram,
com certeza seus corações devem estar de pleno acordo com aquilo que
disseram e fizeram” . Esquecem que mesmo uma criança percebe que
“mortos não contam histórias” ; esquecem também que admirar alguém,
quando ele não pode reprovar-nos com seus lábios ou causar-nos vergonha
por meio de sua vida, é um tipo de admiração sem valor algum.
Desejamos conhecer o verdadeiro caráter do cristianismo de uma
pessoa? Perguntemos a nós mesmos o que pensamos a respeito dos
verdadeiros crentes, enquanto estavam vivos. Nós os amamos, nos
aproximamos deles e nos alegramos em sua comunhão, considerando-os
os excelentes da terra? Ou nós os evitamos, não os apreciamos e os
consideramos fanáticos, entusiastas, extremistas e excessivamente justos?
As respostas destas perguntas são um teste seguro no que se refere ao
verdadeiro caráter de uma pessoa. Quando alguém não percebe qualquer
beleza em santos que estão vivos, sua alma se encontra em um estado
podre! O Senhor Jesus pronunciou sua condenação; tal pessoa é um
hipócrita aos olhos de Deus.
Em terceiro, destas palavras de nosso Senhor aprendemos que
certamente haverá um dia de prestação de contas para aqueles que
perseguem os crentes. Ele disse que se pedirão “contas do sangue dos
profetas, derramado desde a fundação do mundo” . Existe algo bastante
solene em tal afirmativa. É excessivamente grande o número daqueles
que já foram mortos por causa da fé em Cristo, em toda a História da
Igreja de Cristo. Milhares de homens e mulheres preferiram entregar suas
vidas à morte, ao invés de negarem seu Senhor, e assim tiveram seu
sangue derramado por amor à verdade. Quando eles morreram, pareciam
não ter qualquer auxiliador. Morreram sem oferecer resistência, assim
como Zacarias, Tiago, Estêvão, João Batista, Inácio, Huss, Hooper e
Latimer. Logo foram sepultados e esquecidos na terra, e seus inimigos
pareceram triunfar completamente. No entanto, a morte desses homens
não foi esquecida no céu. O sangue deles está em memória diante de
Deus. As perseguições de Herodes, Nero, Deocleciano, Maria Sanguinária
e Carlos IX não estão em esquecimento. Um dia haverá um grande
julgamento e, naquela ocasião, todo o mundo verá que “preciosa é aos
olhos do S e n h o r a morte dos seus santos” (SI 116.15).
Estejamos constantemente olhando para o Dia do Juízo. Há muitas
coisas neste mundo que estão provando nossa fé. O freqüente triunfo dos
Lucas 11,45-54 209

ímpios é algo que nos deixa perplexos. A contínua derrota dos crentes é
um problema que parece difícil de ser resolvido. Mas um dia será
esclarecido. O grande trono branco e os livros de Deus colocarão as coisas
em seus devidos lugares. O confuso labirinto da providência divina será
explicado, e será comprovado ao mundo em admiração que tudo foi “bem
feito” . Os ímpios prestarão contas de todas as lágrimas que fizeram os
crentes derramarem. E será exigida cada gota de sangue que tem sido
derramada.
Por último, aprendemos destas palavras de nosso Senhor quão imensa
é a impiedade de impedir que os outros tenham conhecimento espiritual.
Ele disse aos intérpretes da lei: “Tomastes a chave da ciência; contudo,
vós mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando” . O pecado
aqui denunciado infelizmente é bastante comum. Sua culpa encontra-se
na porta de mais pessoas do que, à primeira vista, estamos cientes. Esse é
o pecado dos sacerdotes católicos que proíbem as pessoas de interpretarem
a Bíblia; é o pecado cometido pelo pastor evangélico que adverte seu
povo contra “pontos de vistas extremistas” e zomba do conceito da
conversão. É o pecado de maridos incrédulos que detestam o fato de sua
esposa tomar-se piedosa. É o pecado da mãe que tem mentalidade mundana
e não suporta a idéia de ver sua filha pensando nas coisas espirituais e
abandonando o teatro e os bailes. Tudo isso, intencionalmente ou não,
traz sobre estas pessoas o enfático “ai! ” de nosso Senhor. Estão impedindo
os outros de entrarem no céu!
Oremos para que nunca cometamos tal pecado. Onde quer que
estejamos em nosso cristianismo, temamos desencorajar os outros, ainda
que eles m anifestem bem pouco interesse por suas almas. Jamais
procuremos impedir aqueles que nos cercam de viverem o cristianismo,
em especial nos assuntos da leitura bíblica, do ouvir a pregação da palavra
e da oração particular. Pelo contrário, devemos animá-los, encorajá-los,
ajudá-los e agradecer a Deus se eles estiverem em melhor condição
espiritual do que nós. “Livra-me dos crimes de sangue” (SI 51.14) foi a
oração de Davi. Devemos temer que o sangue de parentes pesarão sobre
a cabeça de muitos no último dia. Eles os viram quase a entrar no reino de
Deus e os impediram.

Advertências Contra a Hipocrisia;


Encorajamento Contra o Temor dos Homens
Leia Lucas 12.1-7

As palavras que iniciam este capítulo são admiráveis, quando


210 Lucas 12.1-7

consideramos seu conteúdo. Somos informados que “miríades de pessoas


se aglomeraram, a ponto de uns aos outros se atropelarem” . E o que fez
o Senhor Jesus? Aos ouvidos da multidão proferiu advertências contra os
falsos mestres e denunciou, sem parcialidade, sem reservas, sem hesitação,
os pecados de sua época. Essa foi uma atitude de verdadeiro amor, uma
obra de um verdadeiro médico. Esse é o padrão que todos os seus ministros
devem seguir. Seria bom para a igreja e para o mundo se os ministros de
Cristo falassem com tanta clareza e fidelidade quanto o seu Senhor
costumava fazer. Suas próprias vidas enfrentariam mais problemas por
agirem desse modo; porém teriam salvado mais almas.
A primeira coisa que nos chama a atenção nestes versículos é a
advertência de Cristo contra a hipocrisia. Ele disse aos seus discípulos:
“Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia”. Este é um
aviso cuja importância nunca poderemos avaliar completamente. Foi
transmitido mais do que uma vez por nosso Senhor, durante seu ministério
terreno. O aviso tinha a intenção de se tornar uma advertência permanente
para toda a sua igreja, em todas as épocas e lugares. Foi proferido com o
propósito de recordar-nos que os princípios ensinados pelos fariseus estão
profundamente arraigados na natureza humana e que os crentes devem
sempre estar alerta contra tais princípios. O farisaísmo é um fermento
sutil que o coração natural está sempre disposto a receber. É um fermento
que, recebido no coração, afeta todo o caráter do cristianismo de uma
pessoa. Nosso Senhor declarou, em palavras que devem sempre ecoar em
nossos ouvidos: Desse fermento “Acautelai-vos!”
Fixemos esta advertência em nossa memória e a tenhamos gravadas
em nosso coração. A praga nos cerca por todos os lados. O perigo é
permanente. Qual é a essência do catolicismo romano, do semi-romanismo,
do formalismo, da adoração aos sacramentos, da adoração à igreja e ao
cerimonialismo? E o fermento dos fariseus sob novas roupas. Os fariseus
não foram extintos, o farisaísmo continua vivo.
Se não desejamos nos tornar fariseus, cultivemos um cristianismo
que envolve todo nosso coração. Diariamente compreendamos que o Deus
a quem temos de prestar contas vê muito além da superficialidade daquilo
que professamos ser e nos avalia de acordo com o estado de nosso coração.
Sejamos autênticos e verdadeiros em nosso cristianismo. Aborreçamos
toda duplicidade, fingimento e semblante piedoso empregados em ocasiões
públicas mas não experimentados no coração. Essas coisas podem iludir
os homens e trazer-nos a reputação de pessoas bastante piedosas, mas não
podem enganar a Deus. “Nada há encoberto que não venha a ser revelado.”
O que quer que sejamos em nosso cristianismo, jamais usemos capa ou
máscara,
A segunda coisa que nos chama a atenção nestes versículos é o aviso
Lucas 12.1-7 211

de Cristo contra o temor dos homens. Ele afirmou: “Não temais os que
matam o corpo e, depois disso, nada mais podem fazer” . Mas isso não é
tudo. O Senhor Jesus também nos disse a quem devemos temer. Ele
afirmou: “Temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no
inferno. Sim, digo-vos, a este deveis tem er”.
O temor dos homens é um dos maiores obstáculos que permanece
entre a alma e o céu. “O que dirão e o que pensarão as pessoas a meu
respeito? O que elas farão contra mim?” Freqüentemente perguntas como
estas têm inclinado a balança contra a alma e conservado as pessoas com
as mãos e os pés amarrados pelo pecado e por Satanás. Existem milhares
que não hesitariam um momento sequer em romper uma discórdia ou
encarar um leão, mas estes mesmos não ousam enfrentar a zombaria de
parentes, amigos e vizinhos. Ora, se o temor dos homens possui tão grande
influência em nossos dias, quanto maior influência esse temor exercia
sobre as pessoas, quando nosso Senhor esteve na terra. Se achamos difícil
seguir a Cristo em meio à ridicularização e a palavras maldosas, quanto
mais difícil era segui-Lo em meio a prisões, açoites, maus tratos e mortes
violentas! O Senhor tinha pleno conhecimento de todas essas coisas. Não
devemos admirar que Ele tenha clamado: “Não temais” .
Qual é o melhor remédio contra o temor dos homens? Como podemos
vencer tão poderoso sentimento e destruir as correntes que ele lança ao
nosso redor? Não existe outro remédio além daquele que nosso Senhor
recomenda nesta passagem. Devemos suplantar o temor dos homens por
um princípio mais elevado e poderoso — o temor a Deus. Afastemos
nossos pensamentos daqueles que são capazes apenas de causar danos ao
nosso corpo e procuremos fixar nosso coração nAquele que domina sobre
todas as almas. Devemos retirar nossos olhos daqueles que podem somente
injuriar-nos nesta vida e colocá-los nAquele que nos pode condenar à
miséria eterna, na vida por vir. Munidos com este poderoso princípio,
não agiremos com covardia. Contemplando Aquele que é invisível, veremos
o temor insignificante diluindo-se diante do mais importante e o temor
mais frágil, diante do mais forte. O Coronel Gardiner afirmou: “Eu temo
a Deus e, por isso, não há ninguém mais que eu precise tem er” . Essa foi
a nobre declaração de Hooper, quando um católico romano insistiu que
salvasse sua vida, ao retratar-se em face da morte na fogueira: “A vida é
doce, a morte é amarga; mas a vida eterna é muito mais doce, e a morte
eterna, muito mais amarga” .
A última coisa que nos chama a atenção nesta passagem é o enco­
rajamento de Cristo para os crentes perseguidos. Ele recordou-lhes o
cuidado providencial de Deus sobre as menores de suas criaturas: “Não
se vendem cinco pardais por dois asses? Entretanto, nenhum deles está
em esquecimento diante de Deus” . Prosseguiu afirmando que o mesmo
212 Lucas 12.1-7

cuidado paternal está sendo demonstrado em favor de cada um deles:


“Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” . Quer seja algo
importante ou trivial, nada pode acontecer ao crente sem a ordem ou a
permissão de Deus.
O governo providencial de Deus sobre tudo que existe nesse mundo
é uma verdade a respeito da qual os filósofos gregos e romanos não tinham
a menor idéia. E uma verdade revelada de maneira especial na Palavra de
Deus. Assim como o telescópio e o microscópio nos mostram que existe
ordem e propósito em todas as obras criadas por Deus, desde o maior
planeta ao menor inseto, assim também a Bíblia nos ensina que existe sa­
bedoria, ordem e propósito em todos os eventos de nossa vida diária. Não
existe tais coisas como “acaso” , “sorte” ou “acidente” na jornada do
crente neste mundo. Tudo é designado e disposto por Deus; e “todas as
coisas cooperam” para o bem do crente (Rm 8.28).
Procuremos ter um permanente senso da mão divina agindo em tudo
que nos acontece, se confessamos ser crentes em Jesus. Esforcemo-nos
para compreender que Deus está dispondo nossas circunstâncias diárias e
que nosso caminho é ordenado por Ele. O exercício diário de uma fé co­
mo essa é o segredo da felicidade e um poderoso antídoto contra a murmu­
ração e o descontentamento. No dia da tribulação e do desapontamento,
devemos sentir que tudo está em ordem e que tudo está sendo bem feito.
No leito da enfermidade, devemos tentar sentir que há uma “razão de ser”
para essa enfermidade. Devemos dizer para nós mesmos: “Deus poderia
manter estas coisas longe de mim, se Ele achasse conveniente. Todavia,
Ele não está fazendo isto; por conseguinte, estas coisas têm de ser pro­
veitosas para mim. Permanecerei tranqüilo, suportando-as com paciência.
Eu tenho ‘uma aliança eterna, em tudo bem definida e segura’(2 Sm 23.5).
Aquilo que agrada a Deus também me agrada”.

Cristo Recomenda uma Confissão Ousada


Leia Lucas 12.8-12

Em primeiro lugar, estes versículos nos ensinam que temos de


confessar a Cristo na terra, se esperamos que Ele nos reconheça como
pessoas salvas, no último dia. Não devemos nos envergonhar de permitir
que todos os homens vejam que cremos em Cristo, que servimos a Cristo,
que O amamos e nos interessamos mais pelo louvor da parte de Cristo do
que pelo louvor da parte dos homens.
O dever de confessar a Cristo é uma incumbência de todos os crentes
Lucas 12.8-12 213

em todas as épocas da História da Igreja. Jamais nos esqueçamos disto.


Esta não é uma obrigação pertencente apenas aos mártires, e sim a todos
os crentes, em todas as posições sociais. Não é uma incumbência somente
para ocasiões importantes, e sim para a nossa peregrinação diária neste
mundo mau. Os crentes ricos devem confessar Cristo entre incrédulos ri­
cos; os operários, entre os operários; os jovens, para os jovens; os empre­
gados, entre os empregados — cada crente e todos eles têm de estar
preparados, se realmente são crentes, para confessar seu Senhor. Isso não
exige o falar em voz alta, nem a pregação ostentosa. Exige apenas a uti­
lização das oportunidades diárias. No entanto, uma coisa é certa: se uma
pessoa ama verdadeiramente a Jesus, ela não deve envergonhar-se de
deixar os outros saberem disso.
Sem dúvida, a dificuldade em confessar Cristo é muito grande. Isso
nunca foi fácil em época alguma, nem o será enquanto o mundo existir.
Com certeza, o confessar a Cristo nos trará zombaria, desprezo, escárnio,
ridículo, inimizade e perseguição. Os ímpios detestam ver alguém melhor
do que eles mesmos. O mundo que odiou a Cristo sempre odiará os ver­
dadeiros cristãos. Mas, quer nós gostemos, quer não, o que temos de fa­
zer é perfeitamente claro: de uma maneira ou de outra, Cristo tem de ser
confessado.
O grande motivo que nos estimula a confessá-Lo com ousadia está
convincentemente ressaltado nas palavras que estamos considerando. Nosso
Senhor declarou que, se não O confessarmos diante dos homens, Ele não
nos confessará “diante dos anjos de Deus” , no último dia. O Senhor Jesus
se recusará a reconhecer-nos como seu povo. Ele nos rejeitará como
covardes, infiéis e desertores. Cristo não falará em nosso favor; não será
nosso Advogado e tampouco nos livrará da ira vindoura. Ele nos deixará
colher as conseqüências de nossa covardia e permanecemos desamparados,
sem defesa e sem perdão diante do tribunal de Deus. Que terrível pers­
pectiva! Quanta implicação existe na simples atitude de confessar a Cristo
diante dos homens! Com certeza, não devemos hesitar em momento algum.
Duvidar entre duas alternativas é o cúmulo da tolice. Para nós, negar a
Cristo ou envergonhar-se de seu evangelho pode nos proporcionar uma
pequena medida de boa opinião dos homens, por alguns anos, mas não
nos proporcionará paz verdadeira. No entanto, se Ele nos negar no último
dia, isto será nossa ruína no inferno durante toda a eternidade. Aban­
donemos nossos covardes temores. Aconteça o que acontecer, confessemos
a Cristo.
Em segundo, estes versículos nos ensinam que existe o pecado
imperdoável. Nosso Senhor Jesus Cristo declarou: “Para o que blasfemar
contra o Espírito Santo, não haverá perdão” . Estas palavras terríveis pre­
cisam ser interpretadas com as explicações da própria Bíblia. Não podemos
214 Lucas 12.8-12

explicar uma parte das Escrituras de modo que ela seja contrária a outras
de suas passagens. Nada é impossível para Deus. O sangue de Cristo po­
de purificar todos os pecados. Até o principal dos pecadores foi perdoado
em várias ocasiões. Estas coisas não podem ser esquecidas. Todavia, apesar
disso, há uma grande verdade que não pode ser evitada: existe um pecado
que não pode ser perdoado.
O pecado ao qual nosso Senhor se referiu nestas palavras é o de re­
jeitar francamente a verdade de Deus no coração, quando a pessoa a entende
com clareza em sua mente; é uma combinação de luz no entendimento
com deliberada impiedade na vontade. É o mesmo pecado que os escribas
e fariseus parecem ter cometido, quando rejeitaram o ministério do Espírito
Santo, após o Dia de Pentecostes, e recusaram crer na pregação dos após­
tolos. E o pecado que, podemos temer, muitos ouvintes habituais do evan­
gelho caem por resolutamente se apegarem ao mundo. E, o pior de tudo,
é um pecado que sempre está acompanhado por completa insensibilidade,
dureza de coração e entorpecimento. O homem que não terá perdão para
os seus pecados é precisamente aquele que nunca o busca. Essa é exatamente
a raiz de sua terrível situação. Ele poderia ter sido perdoado, mas não
procurou o perdão. Está endurecido para o evangelho e “duplamente
morto” (Jd 12). Sua consciência está “cauterizada” (1 Tm 4.2).
Oremos para que sejamos libertos de um conhecimento intelectual,
frio, especulativo e não-santificado das coisas espirituais; esse tipo de co­
nhecimento é uma rocha diante da qual muitos têm sucumbido por toda a
eternidade. Nenhum coração se torna tão endurecido quanto aquele sobre
o qual resplandece a luz do evangelho e esta não recebe aceitação. O fogo
que derrete a cera endurece o barro. Devemos usar a luz que temos. Qual­
quer que seja o conhecimento que possuímos acerca do evangelho, devemos
viver plenamente de acordo com ele. Ser um incrédulo ignorante e prostrar-
se diante de ídolos é algo bastante ímpio. Mas chamar-se cristão, conhecer
os conceitos evangélicos e, apesar disso, no coração continuar preso aos
seus pecados e ao mundo significa ser um candidato ao pior e mais infeliz
lugar do inferno. Significa ser tão semelhante ao diabo quanto possível.
Por último, estes versículos nos ensinam que o crente não precisa
ficar ansioso quanto ao que precisará dizer, quando inesperadamente lhe
exigirem que fale em favor da causa de Cristo. A promessa de nosso
Senhor a respeito deste assunto tem referência primária às provações
públicas, semelhantes às que Paulo enfrentou diante de Félix e Festo. É
uma promessa na qual milhares de crentes que passam por situações
idênticas têm visto cumprir-se e trazer-lhes conforto especial. A vida de
muitos dos reformadores e outras testemunhas de Deus são abundantes e
admiráveis provas de que o Espírito Santo pode ensinar ao crente o que
falar em ocasiões necessárias.
Lucas 12.8-12 215

Mas existe um sentido secundário que não pode ser esquecido; e, de


acordo com esse sentido, a promessa pertence a todos os crentes. Sempre
surgem ocasiões na vida dos crentes em que estes são inesperadamente
convocados a falarem em favor de seu Mestre e a dizerem qual a razão de
sua esperança. O lar, os parentes, os amigos e outros relacionamentos
freqüentemente fornecem ocasiões inesperadas. Quando estas surgirem,
o crente deve recorrer a promessas como esta. Talvez seja desagradável,
em especial para o crente novo, ser inesperadamente exigido que fale aos
outros a respeito de sua fé e, acima de tudo, quando seu cristianismo esti­
ver sendo atacado. Porém , não fiquemos alarm ados, perturbados,
deprimidos, irados. Se recordarmos a promessa de Cristo, não teremos o
que temer.
Oremos para sempre lembrar as promessas bíblicas. Descobriremos
que isso produz inestimável consolação. Apresentadas nas Escrituras,
existem para o conforto do povo de Cristo mais promessas do que as que
este povo tem conhecimento. Há promessas que se aplicam a quase todas
as situações em que seremos colocados e a todos os acontecimentos que
nos podem sobrevir. Entre todas as promessas, não esqueçamos a que
estamos considerando. As vezes, somos chamados para comparecer diante
de pessoas que não são agradáveis para nós; e ali chegamos com nosso
coração ansioso e preocupado. Tememos falar o que não deveríamos e
não falar o que deveríamos. Nessas ocasiões lembremo-nos da bendita
promessa. Se fizermos isso, Ele não falhará ou nos abandonará. Rece­
beremos sabedoria e palavras para testemunharmos corretamente. “Porque
o Espírito Santo vos ensinará, naquela mesma hora, as coisas que deveis
dizer.”

Advertência Contra a Avareza


Leia Lucas 12.13-21

A passagem que acabamos de ler nos fornece um exemplo especial


da prontidão do homem em mesclar as coisas do mundo com as coisas de
Deus. Somos informados que certo ouvinte de nosso Senhor pediu-Lhe
que o ajudasse em seus negócios materiais. Ele falou: “Mestre, ordena a
meu irmão que reparta comigo a herança” . Provavelmente ele tinha uma
vaga idéia de que nosso Senhor estabeleceria um reino neste mundo e
reinaria sobre a terra. Resolveu fazer uma ousada petição a respeito de
seus assuntos pecuniários. Suplicou a intervenção de nosso Senhor no que
se referia à sua herança terrena. Os outros ouvintes de Cristo talvez estavam
216 Lucas 12.13-21

pensando sobre uma herança por vir. Esse homem era alguém cujos pen­
samentos concentravam-se na vida presente.
Muitos ouvintes do evangelho são semelhantes a esse homem! Estão
constantemente planejando e maquinando a respeito de coisas desta vida,
mesmo sob a influência saudável das coisas eternas. O homem natural é
sempre o mesmo, nem mesmo a pregação de Cristo atrai a atenção de to­
dos os seus ouvintes. O ministro do evangelho, na atualidade, não deve
ficar surpreso ao ver mundanismo e falta de atenção no meio de sua igreja.
O servo de Cristo não deve esperar que seus sermões sejam mais valorosos
do que os de seu Senhor.
Inicialmente, observemos nestes versículos a solene advertência que
nosso Senhor proferiu contra a cobiça. Ele recomendou: “Tende cuidado
e guardai-vos de toda e qualquer avareza” . Seria em vão procurarmos de­
terminar especificamente qual é o mais comum dos pecados no mundo.
Seria mais correto dizer que não existe nenhum outro pecado ao qual o
coração é mais propenso do que a cobiça. Foi o pecado que arruinou os
anjos que caíram. Não se contentaram com seu primeiro estado; cobiçaram
algo melhor. Foi o pecado que contribuiu para que Adão e Eva fossem
expulsos do paraíso e para que a morte entrasse no mundo. Nossos
primeiros pais não ficaram satisfeitos com as coisas que Deus lhes havia
dado no jardim do Éden. Eles cobiçaram e, portanto, caíram em pecado.
É um pecado que, desde a Queda, tem sido a causa de miséria e infelicidade
na terra. Guerras, conflitos, brigas, divisões, disputas, invejas, ódio de
todos os tipos, manifestado tanto em público quanto em particular —
todas essas coisas têm a mesma fonte: a cobiça.
Esta advertência pronunciada por nosso Senhor deve arraigar-se em
nosso coração e produzir frutos em nossa vida. Esforcemo-nos para apren­
der a lição que Paulo ensinou, quando disse: “Aprendi a viver contente
em toda e qualquer situação” (Fp 4.11). Oremos para que tenhamos uma
completa confiança na providência de Deus que supervisiona todos os
acontecimentos do mundo e na perfeita sabedoria divina em todas as coisas
que Ele dispõe a nosso respeito. Se temos pouco, estejamos certos disso:
ter bastante não seria bom para nós. Se nos forem retirados os bens que
possuímos, fiquemos satisfeitos com o fato de que há um motivo para
isso. Feliz é aquele que está persuadido daquilo que é o melhor e cessou
de ter desejos vãos e tornou-se contente “com as coisas que” possui (Hb
13.5).
Em segundo, observemos nestes versículos a terrível exposição que
nosso Senhor fe z em referência à tolice de alguém ter um espírito voltado
às coisas mundanas. Ele retratou um homem rico para o mundo, cuja
mentalidade estava completamente centrada nas coisas terrenas. Descreveu-
o como uma pessoa que fez planos quanto à sua prosperidade, como se
Lucas 12.13-21 217

fosse senhor de sua própria vida e tivesse apenas que dizer: “Farei isto” ,
e tal coisa seria feita. Então, o Senhor Jesus conclui a exposição mostrando
que Deus exigiu a alma daquele homem mundano e fez uma pergunta
perscrutadora: “O que tens preparado, para quem será?” Ele deseja que
aprendamos: nada menos do que “louco” é palavra correta que descreve
a conduta daqueles que têm seu dinheiro como prioridade. “O que entesoura
para si mesmo e não é rico para com Deus” — este é aquele que Deus
declara ser um “louco” .
É um pensamento terrível, mas a verdade é que o homem descrito
por Jesus nesta parábola é muito comum entre nós. Milhares de pessoas,
em todas as épocas, têm vivido constantemente na mesma atitude que o
Senhor Jesus condenou nessa ocasião. Milhões estão fazendo a mesma
coisa hoje. Estão acumulando tesouros sobre a terra e pensando somente
em como aumentá-lo. Estão continuamente aumentando seus bens, como
se pudessem desfrutá-los para sempre, como se não houvesse morte,
julgamento ou vida por vir. No entanto, estes são os homens que muitos
chamam sábios, espertos e prudentes! São pessoas recomendadas, bajuladas
e admiradas, Deus não vê como vêem os homens! Ele declara que são
loucos os homens ricos que vivem exclusivamente para este mundo.
Oremos pelos ricos. Suas almas estão em grande perigo. “O céu” ,
disse um grande homem em seu leito de morte, “é um lugar aonde vêm
poucos governantes ricos” . Mesmo convertido, o homem rico leva consigo
um grande fardo e caminha em direção ao céu com grandes desvantagens.
Possuir dinheiro causa um efeito endurecedor sobre a consciência. Não
sabemos o que podemos fazer se nos tornarmos ricos. “O amor do dinheiro
é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si
mesmos se atormentaram com muitas dores” ( lT m 6 .1 0 ) .A pobreza tem
muitas desvantagens; mas a riqueza destrói mais almas do que a pobreza.
Por último, observemos nestes versículos quão importante é ser rico
para com Deus. Isto expressa a verdadeira sabedoria; significa preparar-
se para a existência por vir; manifesta a prudência genuína. O homem
sábio é aquele que não pensa somente nas riquezas terrenas, mas também
no tesouro do céu.
Quando podemos afirmar que um homem é rico para com Deus?
Nunca, até que ele seja rico em graça, fé e boas obras, até que se dirija ao
Senhor Jesus suplicando que lhe dê o ouro refinado pelo fogo (Ap 3.18).
Nunca, enquanto não tiver uma casa feita não por mãos humanas, eterna,
nos céus. Nunca, até que seu nome esteja inscrito no Livro da Vida e que
ele seja herdeiro de Deus e co-herdeiro juntamente com Cristo! Este é o
homem verdadeiramente rico! Seu tesouro é incorruptível. Seu banco nunca
há de falir. Sua herança não fenece. Os homens não podem impedir que
ele a desfrute. A morte não pode arrebatá-la de suas mãos. Todas essas
218 Lucas 12.13-21

coisas já pertencem àquele que é rico para com Deus — as coisas do


presente e as do porvir (1 Co 3.22). E, o melhor de tudo, o que ele possui
agora não significa nada em comparação ao que possuirá no futuro.
Riquezas como essas estão ao alcance de todos os pecadores que
vierem a Cristo, para recebê-las. Não descansemos enquanto elas não
forem nossas. Obtê-las pode nos custar algo neste mundo; poderemos ser
zombados, ridicularizados ou perseguidos. No entanto, nos consolemos
com o pensamento de que o Juiz de todos afirma: “Tu és rico” (Ap 2.9).
O verdadeiro cristão é o único homem realmente rico e sábio.

Aviso Contra Solicitude pelas Coisas desta Vida


Leia Lucas 12.22-31

Primeiramente, encontramos nestes versículos uma coletânea de


argumentos notáveis contra a solicitude pelas coisas dessa vida. A
princípio, alguns podem julgá-los simples e banais. Porém, quanto mais
forem ponderados, tanto mais importantes eles se mostrarão. Uma re­
cordação permanente destes argumentos resguardaria muitos crentes de
imensos problemas.
Cristo nos ordena observar as aves dos céus, as quais “não semeiam,
nem ceifam, não têm despensa nem celeiros”; todavia, Deus as sustenta.
Ora, se o Criador de todas as coisas providencia alimento, para satisfazer
as necessidades dos pássaros, e dispõe as coisas de modo que eles tenham
uma provisão diária de comida, com certeza não devemos temer que deixará
famintos os seus filhos espirituais.
Cristo nos ordena observar os lírios do campo: “Eles não fiam, nem
tecem. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória,
se vestiu como qualquer deles” . Ora, se a cada ano Deus reveste essas
flores com novos botões e pétalas, certamente não podemos duvidar de
seu poder para fornecer aos seus servos crentes todas as vestimentas
necessárias.
Cristo nos ordena recordar que um crente deveria envergonhar-se
de sentir-se ansioso à semelhança dos incrédulos. Os pagãos “de todo o
m undo” com razão podem ficar cuidadosos a respeito de alimento,
vestimentas e coisas do tipo. Estão mergulhados em profunda ignorância
e nada sabem no que concerne ao caráter de Deus. Mas a pessoa que pode
dizer: “Deus é meu Pai; Cristo é meu Salvador” com certeza deveria
superar tais ansiedades e inquietações. Uma fé íntegra deveria produzir
um coração tranqüilo.
Lucas 12.22-31 219

Cristo também nos ordena pensar sobre o perfeito conhecimento de


Deus. Somente um pensamento deveria nos contentar: “Vosso Pai sabe
que necessitais” de alimento e vestes. Todas as nossas necessidades são
plenamente conhecidas pelo Senhor do céu e da terra. Ele pode suprir as
necessidades, sempre que julgar conveniente; e há de supri-las sempre
que isso for bom para a nossa alma.
São quatro argumentos que devem ser guardados no profundo de
nosso coração e produzir frutos em nossa vida. Nada é mais comum do
que um espírito inquieto e atribulado, e nenhuma outra coisa prejudica
tanto a utilidade e a paz interior do crente. Ao contrário disso, nenhuma
coisa glorifica tanto a Deus quanto um espírito satisfeito em meio às aflições
temporais. Traz consigo uma realidade que mesmo os incrédulos podem
entender. Recomenda nosso cristianismo e o torna agradável aos olhos
dos homens. A fé, somente a fé, produz um espírito satisfeito. O homem
que pode dizer com ousadia: “ O S e n h o r é o meu pastor” também é aquele
que será capaz de acrescentar: “Nada me faltará” (SI 23.1).
Em segundo, encontramos nestes versículos um elevado padrão de
vida recomendado a todos os crentes. Está contido em uma simples e cur­
ta exortação: “Buscai, antes de tudo, o seu reino” . Não devemos gastar
nossos melhores pensamentos nas coisas deste mundo, vivendo como se
tivéssemos apenas o corpo. Temos de viver como criaturas que possuem
almas imortais que serão perdidas ou salvas, temos uma morte a enfrentar,
um Deus com quem teremos de encontrar, um julgamento que nos espera
e uma eternidade a passar no céu ou no inferno.
Quando podemos dizer que estamos buscando o reino de Deus? Nós
o buscamos quando nosso principal objetivo é garantir um lugar entre o
número dos salvos, tendo nossos pecados perdoados, nosso coração
regenerado e nós mesmos preparados para receber uma parte da herança
dos santos na luz. Buscamos o reino de Deus quando damos o primeiro
lugar de nossos pensamentos aos interesses desse reino, quando trabalhamos
para aumentar o número dos súditos de Deus e nos esforçamos para manter
a obra de Deus e promover a glória dEle no mundo.
O reino de Deus é o único digno de trabalharmos por ele. Todos os
outros reinos, mais cedo ou mais tarde, passarão. Os estadistas que os
edificam assemelham-se a homens que constróem casas de papel ou a
crianças que fazem castelos de areia na praia. A riqueza que constitui a
grandeza de tais reinos está sujeita a derreter-se, assim como a neve na
primavera. O reino de Deus é o único que permanecerá para sempre.
Felizes são os que pertencem a esse reino, amam-no, vivem e oram por
ele, labutando em favor de seu aumento e prosperidade. O labor dessas
pessoas não será inútil. Devemos procurar, com diligência cada vez maior,
confirmar a nossa chamada para esse reino. Nosso constante aviso a nossos
220 Lucas 12.22-31

filhos, amigos, parentes, empregados e vizinhos deve ser este: “Buscai,


antes de tudo, o reino de Deus” .
Por último, encontramos nestes versículos uma promessa maravilhosa
assegurada a todos os que buscam o reino de Deus. Nosso Senhor declarou:
“E estas coisas vos serão acrescentadas” . Precisamos estar atentos para
não entendermos erroneamente o significado das palavras de Jesus. Não
temos o direito de imaginar que os empresários crentes que negligenciam
seus negócios sob a pretensão de zelo pelo reino de Deus terão prosperidade
e tudo lhes sairá bem. Atribuir esse significado a esta promessa seria nada
menos do que fanatismo e entusiasmo; incentivaria a preguiça nos negócios
e daria aos inimigos de Deus ocasião de blasfêmia.
O homem a quem pertence essa promessa é o crente que dá às coisas
de Deus seu devido lugar. Ele não negligencia as obrigações mundanas de
sua posição, mas as considera infinitamente menos importantes do que as
exigências de Deus. Não omite a devida atenção aos seus afazeres
temporais, mas as reputa menos significativas do que os interesses de sua
alma. Em resumo, seu alvo em todo seu viver diário é colocar Deus em
primeiro lugar e as coisas do mundo, em segundo; seu objetivo é dar o
segundo lugar às coisas de sua vida física e o primeiro, às coisas de sua
alma. Esse é o homem a quem Jesus diz: “Estas coisas vos serão
acrescentadas” .
De que maneira Deus cumpre a promessa? A resposta é simples e
curta. A pessoa que busca em primeiro lugar o reino de Deus jamais terá
falta de qualquer coisa que resulta em seu bem. Talvez ela não tenha tanta
saúde quanto as outras. Talvez não tenha tanta riqueza quanto outras
pessoas. Provavelmente não tem uma mesa farta ou comida de reis. Mas
sempre terá o suficiente. “O seu pão lhe será dado, as suas águas serão
certas” (Is 33.16). “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que
amam a Deus” (Rm 8.28). “ O S e n h o r dá graça e glória; nenhum bem
sonega aos que andam retamente” (SI 84.11). Disse Davi: “Fui moço e
já, agora, sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua
descendência a mendigar o pão” (SI 37.25).

A Consolação do Crente;
Tesouros nos Céus;
Jesus Prescreve uma Atitude de Espera
Leia Lucas 12.32-40

Primeiramente, observemos nestes versículos que graciosa con­


Lucas 12.32-40 221

solação esta passagem contém para todo crente verdadeiro. O Senhor


Jesus conhecia muito bem o coração de seus discípulos. Sabia que tinham
disposição para ficarem cheios com todos os tipos de temores, temores
por serem poucos em número, temores por causa da multidão de seus
inimigos, temores por causa das muitas dificuldades que enfrentariam em
sua jornada, temores por causa de seu senso de fraqueza e indignidade.
Ele respondeu aos seus muitos temores pronunciando uma sentença simples
mas preciosa: “Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se
agradou em dar-vos o seu reino” .
Os crentes constituem o “pequeno rebanho” . Sempre foi assim desde
o início do mundo. Existem muitas pessoas que professam ser servos de
Deus. Milhares de milhares são aqueles que já receberam o batismo em
nossos dias. Mas os verdadeiros crentes são poucos. É tolice nos sur­
preendermos com isto. É inútil esperarmos que será diferente até à volta
de nosso Senhor. “Porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que
conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela” (Mt 7.14).
Há um glorioso “reino” esperando pelos crentes. Neste mundo
freqüentemente eles são escarnecidos, ridicularizados, perseguidos e, assim
como seu Senhor, desprezados e rejeitados pelos homens. Mas “os so­
frimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a
ser revelada em nós” (Rm 8.18). “Quando Cristo, que é a nossa vida, se
manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória”
(Cl 3.4). Os crentes são muitíssimo amados por Deus, o Pai. Agradou ao
Pai dar-lhes um reino. Ele não os recebe com indisposição, relutância e
indiferença. O Pai se alegra nos crentes como membros de seu amado
Filho, em quem o Pai encontra intensa satisfação. Deus os considera seus
filhos queridos em Cristo; não vê imperfeições neles. Mesmo agora, quando
dos céus Ele se inclina para contemplá-los em meio a suas fraquezas,
sente-se satisfeito e no áituro, quando se apresentarem diante dEle em
glória, os receberá com exultação (Jd 24).
Somos membros do pequeno rebanho de Cristo? Então, com certeza
não precisamos ficar temerosos. Deus nos outorgou “as suas preciosas e
mui grandes promessas” (2 Pe 1.4). Somos de Deus e de Cristo. Maiores
são os que estão ao nosso lado do que aqueles que estão contra nós. O
mundo, a carne e o diabo são inimigos poderosos. Mas, tendo Cristo ao
nosso lado, não precisamos temer coisa alguma.
Em segundo, observemos nestes versículos a admirável exortação
para procurarmos tesouro no céu. “Vendei os vossos bens” , disse nosso
Senhor, “dai esmola; fazei para vós outros bolsas que não desgastem,
tesouro inextinguível nos céus” . Mas isso não é tudo. Um princípio
magnificente e perscrutador é estabelecido para enfatizar a exortação:
“Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” .
222 Lucas 12.32-40

A linguagem desta exortação, sem dúvida, é figurada. Entretanto,


seu significado é evidente e inconfundível. Temos de vender, ou seja,
negar a nós mesmos e abandonar qualquer coisa que obstrui o caminho da
salvação de nossa alma. Precisamos dar, ou seja, demonstrar caridade e
gentileza a todos, estando mais dispostos a gastar nosso dinheiro em ajuda
aos outros do que guardá-lo para satisfazer nossos propósitos egoístas.
Temos de fazer para nós mesmos tesouros nos céus, ou seja, assegurar-
nos de que nosso nome está inscrito no Livro da Vida, apropriar-nos da
vida eterna, acumular evidências de que suportaremos a inspeção do Dia
do Juízo. Nisso consiste a sabedoria e a prudência verdadeira. O homem
que faz o bem a si mesmo é aquele que desiste de tudo por amor a Cristo.
Ele faz a melhor de todas as trocas. Por alguns anos, ele leva a cruz neste
mundo; porém, no mundo por vir desfrutará da vida eterna. Ele obtém o
mais valioso de todos os bens. Ele leva consigo suas riquezas para além
do sepulcro. É rico em graça nesta vida e no porvir. E, o melhor de tudo,
ele jamais perderá aquilo que obtém pela fé; é “a boa parte” que “não lhe
será tirada” .
Desejamos saber o que realmente somos? Procuremos saber se temos
um tesouro nos céus ou se todas as nossas coisas encontram-se na terra.
Você deseja saber qual é o seu tesouro? Perguntemos a nós mesmos o que
mais amamos. Este é o verdadeiro teste de nosso caráter; é a vitalidade de
nosso cristianismo. Pouco importa o que falamos, o que professamos, o
pregador que admiramos ou que igreja freqüentamos. O que mais amamos?
Em que estão colocadas nossas afeições. Essa é a grande questão. “Onde
está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. ”
Por último, observemos nestes versículos uma figura instrutiva a
respeito da atitude de espírito que o verdadeiro crente deve esforçar-se
para manter. Nosso Senhor nos instrui a ser “semelhantes a homens que
esperam pelo seu senhor”. Devemos viver como servos que aguardam o
retorno de seu senhor, cumprindo nossos deveres e deixando de fazer
aquilo que não desejaríamos ser encontrados praticando, quando nosso
Senhor voltar.
O padrão de vida aqui apresentado por nosso Senhor é bastante ele­
vado — tão elevado, que alguns crentes estão dispostos a esquivarem-se
dele e sentirem-se desanimados. No entanto, não existe nada nesta passagem
que deva causar temor no crente. Prontidão em aguardar o retorno de
Cristo a este mundo não implica em atitudes que sejam impossíveis ou
inatingíveis; não exige a perfeição dos anjos ou que um homem abandone
sua família e retire-se à solidão; não exige mais do que uma vida de ar­
rependimento, fé e santidade. A pessoa que está vivendo pela fé no Filho
de Deus é aquela que tem o corpo “cingido” e acesas “as candeias” . Esse
tipo de pessoa talvez tenha de cuidar dos “negócios” de um reino terreno,
Lucas 12.32-40 223

assim como Daniel, ou seja um empregado na casa de uma autoridade


governamental, assim como alguns crentes que trabalhavam no palácio de
Nero, na época do apóstolo Paulo. Mas todas essas coisas não significam
nada para ele. Se vive com seus olhos fitos em Jesus, é um servo que, ao
voltar seu Senhor, quando vier e bater à porta, logo ele a abrirá. Certamente
não é demais ordenar aos crentes que sejam pessoas desse tipo. Não foi
em vão que nosso Senhor afirmou: “À hora em que não cuidais, o Filho
do Homem virá” .
Estamos vivendo como pessoas que estão prontas para a segunda
vinda de Cristo? Seria bom se com mais freqüência esta pergunta fosse
dirigida à nossa consciência. Ela nos guardaria de muitos passos errados
em nossa vida diária. Evitaria que muitos se afastassem de Cristo. O
verdadeiro crente não deve apenas crer e amar a Cristo. Também deve
contemplar e esperar com ardor a volta de Cristo. Se de todo o coração
ele não é capaz de clamar: “Vem, Senhor Jesus” , alguma coisa está errada
em sua alma.

O Elogio ao Crente
que faz Como o Senhor Ordena;
Repreendida a Negligente
Utilização de Privilégios Espirituais
Leia Lucas 12.41-48

Primeiramente, aprendemos destes versículos a importância de servir


em nossa vida cristã. Nosso Senhor falava ainda sobre sua segunda vinda.
Ele comparou seus discípulos a servos que esperam a volta de seu senhor,
o qual confiou a cada servo o trabalho a ser realizado durante sua ausência.
Ele disse: “Bem-aventurado aqueles servos a quem seu senhor, quando
vier, achar fazendo assim”.
Sem dúvida, uma advertência que se reporta primariamente aos mi­
nistros do evangelho. Eles são os despenseiros dos mistérios de Deus e
estão especialmente obrigados a serem encontrados “fazendo assim” ,
quando Cristo voltar. Mas a passagem contêm outra lição, que todos os
crentes devem considerar — a imensa importância de um cristianismo
ativo, prático, diligente e útil.
Temos aqui uma lição imensamente necessária na igreja de Cristo.
Ouvimos muito a respeito das intenções, sentimentos, esperanças e desejos
de pessoas salvas. Seria bom ouvirmos mais sobre aquilo que elas praticam.
224 Lucas 12,41-48

O servo que Jesus chamou bem-aventurado não é o que será achado de­
sejando ou fazendo afirmações, e sim o que estiver “fazendo assim”.
Infelizmente é uma lição que muitos evitam ensinar e que um número
ainda maior não quer receber. Somos seriamente ensinados que falar sobre
“fazer” e “trabalhar” é legalismo e coloca os crentes debaixo de escravidão.
Tais observações jamais devem nos inquietar. Elas refletem ignorância e
perversidade. A lição ministrada nestes versículos não se refere à jus­
tificação, e sim à santificação; não se refere à fé, e sim à santidade. A
idéia central não é o que o homem deve fazer para ser salvo, mas o que o
salvo deve fazer. O ensino das Escrituras sobre este assunto é claro. Uma
pessoa salva é solícita “na prática de boas obras” (Tt 3.8). O desejo de
um verdadeiro cristão é ser encontrado “fazendo assim” .
Se amamos a vida, pela graça de Deus resolvamos ser crentes que
estão “fazem assim”. Isto significa ser como Cristo, que andou por toda
parte “fazendo o bem ” (At 10.38). Significa ser semelhante aos apóstolos
(eles foram homens de realizações, mais do que homens de palavras); e
equivale a glorificar a Deus: “Nisto é glorificado meu Pai, em que deis
muito fruto; e assim vos tomareis meus discípulos” (Jo 15.8). Isto significa
ser útil ao mundo: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens,
para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está
nos céus” (Mt 5.16).
Em segundo, aprendemos sobre o terrível perigo daqueles que
negligenciam as obrigações de sua chamada. Nosso Senhor falou que
esses serão castigados e terão sua parte “com os infiéis” . Sem dúvida,
estas palavras se aplicam especialmente aos ministros e ensinadores do
evangelho. Entretanto, não devemos nos iludir com a idéia de que sua
aplicação se limita a eles. Provavelmente elas foram pronunciadas com o
propósito de transmitir uma lição para todos os que ocupam posições de
alta responsabilidade. É um fato notável que, no início da passagem, Pedro
indagou a Jesus: “Senhor, proferes esta parábola para nós ou também
para todos?” , mas não recebeu nenhuma resposta. Qualquer pessoa que
ocupa uma posição de confiança e negligencia suas obrigações fará bem
se meditar nesta passagem e dela receber sabedoria.
A linguagem que nosso Senhor utilizou, ao referir-se a servos
negligentes e infiéis, é peculiarmente severa. Poucas passagens dos
evangelhos contêm linguagem tão forte. É uma ilusão inútil supor que o
evangelho fala somente “coisas amáveis” . O Salvador amável sustenta a
sua misericórdia até ao fim para aquele que se arrepende e crê, mas Ele
também não se esquiva de enviar juízo de Deus sobre aqueles que rejeitam
seu conselho. Não permitamos que ninguém nos engane neste assunto.
Existe o inferno para todos os que durante sua vida permanecem na
impiedade, assim como existe o céu para aquele que crê em Jesus.
Lucas 12.41-48 225

Realmente há uma coisa chamada “a ira do Cordeiro” (Ap 6.16).


Esforcemo-nos para viver de tal modo que, na ocasião em que nosso
Senhor voltar, sejamos encontrados prontos para recebê-Lo. Vigiemos
nosso coração com ardente zelo e acautelemo-nos da mais insignificante
evidência de que estamos despreparados para a volta do Senhor. Em
especial, guardemo-nos de qualquer disposição que brotar do coração
para diminuir nosso padrão de santidade cristã, para rejeitar pessoas que
são mais espirituais do que nós mesmos e para nos conformarmos com o
mundo. Logo que detectarmos essa disposição em nosso íntimo, podemos
estar certos de que nossa alma se encontra em grande perigo. Aquele que
professa ser cristão e começa a perseguir o povo de Deus e a encontrar
prazer na sociedade mundana está no caminho largo que conduz à perdição.
Por último, aprendemos destes versículos que, quanto maior a luz
espiritual possuída por uma pessoa, tanto maior será a sua culpa, se
permanecer na incredulidade. O servo que “conheceu a vontade de seu
senhor” e não “fez segundo a sua vontade será punido com muitos açoites” .
“Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem
muito se confia, muito mais lhe pedirão.”
A lição contida aqui têm aplicação ampla. Exige a atenção de muitos
tipos de pessoas. Deveria comover a consciência de todos os crentes. O
julgamento deles será mais severo do que o dos incrédulos que nunca
tiveram a Bíblia em suas mãos. Isto deveria impressionar todos os que
têm a liberdade de ler as Escrituras. A responsabilidade do crente é maior
do que a de um católico dominado pelos padres, o qual está privado da
aplicação correta da Palavra de Deus. É uma lição que deveria enternecer
todos os que ouvem o evangelho. Se permanecerem não-convertidos, serão
mais culpados do que os habitantes de um obscuro lugar que nunca ouviram
o ensino das Escrituras e vivem de acordo com um padrão de moralidade
muito baixo. E uma lição que deveria comover todos os filhos e empregados
de famílias evangélicas; eles são mais dignos de culpa aos olhos de Deus
do que aqueles que vivem em lares onde as pessoas não tributam qualquer
honra à Palavra de Deus e à oração. São lições que jamais devem ser
esquecidas. Nosso julgamento, no último dia, será de acordo com a luz e
as oportunidades que tivemos.
O que nós mesmos estamos fazendo com nosso conhecimento
espiritual? Estamos utilizando-o com sabedoria e considerando-o com
importância? Ou estamos contentes com a afirmativa vazia: “Eu sei... eu
sei” e nos bajulamos intimamente, dizendo que o conhecimento de nosso
Senhor nos tornará melhor do que os outros, ao mesmo tempo em que não
fazemos a vontade dEle? Estejamos atentos para não cometermos tais
erros. Virá o dia em que será comprovado que o conhecimento não-
praticado é a pior de todas as post essões. Muitos acordarão para descobrir
226 Lucas 12.41-48

que se encontram em situação pior do que a de muitos incrédulos idólatras


e ignorantes acerca das Escrituras. Não utilizaram o conhecimento espiritual
que possuíam, nem seguiram a luz que tiveram; tais coisas apenas servirão
para aumentar-lhes a condenação.

O Zelo de Cristo por sua Obra;


A Divisão Causada Pelo Evangelho
Leia Lucas 12.49-53

As declarações de nosso Senhor nestes cinco versículos são pe­


culiarmente importantes e sugestivas. Desvendam verdades que aben­
çoariam a todo crente, se este as observasse e guardasse no coração.
Esclarecem fatos a respeito da igreja e do mundo que, à primeira vista,
parecem difíceis de entender.
Prim eiram ente, aprendem os que o coração de Cristo estava
completamente determinado a consumar a obra que viera realizar no
mundo. Ele disse: “Tenho... um batismo com o qual hei de ser batizado” ;
um batismo de sofrimento, agonia, sangue e morte. Contudo, nenhuma
dessas coisas o fez recuar. Ele acrescentou: “Quanto me angustio até que
o mesmo se realize! ” A contemplação das aflições vindouras não O fizeram
parar por um momento sequer. Ele estava pronto e decidido a suportar
todas as coisas, a fim de providenciar eterna redenção para seu povo. O
zelo pela causa que Ele tomara em suas mãos era semelhante a um fogo
ardente em seu espírito. Promover a glória de Deus, abrir a porta da vida
para um mundo perdido, estabelecer uma fonte de purificação de todo
pecado e impureza por meio do sacrifício de Si mesmo — esses eram
propósitos que ocupavam os mais elevados pensamentos de nosso Senhor.
Ele estava angustiado de espírito, até que essa obra grandiosa fosse
consumada.
Sempre tenhamos em mente a verdade de que todos os sofrimentos
de Cristo em nosso favor foram suportados espontaneamente, com toda a
sua liberdade de escolha. Ele não se sujeitou com passividade a tais
sofrimentos apenas porque era incapaz de evitá-los. Ele não os suportou
sem qualquer murmuração somente porque não podia escapar. Ele viveu
de maneira humilde durante trinta e três anos simplesmente porque quiz
viver assim. Com um espírito voluntário e disposto, o Senhor Jesus sofreu
uma morte agonizante. Tanto na vida quanto na morte, estava levando a
cabo o eterno conselho pelo qual Deus seria glorificado e os pecadores,
salvos. Ele o consumou com todo o seu coração, aind;. que envolvia intenso
Lucas 12.49-53 227

sofrimento, em referência à sua carne e ao seu sangue. Ele se deleitava


em fazer a vontade de Deus. Estava angustiado até que ela se cumprisse.
Não duvidemos que o Senhor Jesus, estando hoje no céu, manifesta
os mesmos sentimentos demonstrados enquanto esteve na terra. Agora
Ele tem um profundo interesse na salvação de pecadores, assim como o
tinha antes de morrer no lugar deles. Jesus nunca muda; Ele é o mesmo
ontem, hoje e para sempre. Em Cristo existe uma infinita voluntariedade
para receber, perdoar, justificar as almas dos homens, livrando-as do
inferno. Esforcemo-nos para compreender essa voluntariedade e aprender
a crer nela, não duvidando, e a descansar nela, sem temor. É verdade que
Cristo está mais disposto a salvar-nos do que nós mesmos, a ser salvos.
O zelo de nosso Senhor e Mestre deve tomar-se um exemplo para
todo o seu povo. A recordação da ardente voluntariedade para morrer por
nós precisa tornar-se uma brasa ardente em nossa memória e constranger-
nos a viver para ele e não para nós mesmos. Com certeza, pensar nessa
voluntariedade deve despertar nosso coração dormente e aguçar nossas
afeições indiferentes, tornando-nos ansiosos por remir o tempo e fazer
algo para a glória de Deus. Um Salvador zeloso deve ter discípulos zelosos.
Em segundo, aprendemos desses versículos quão inútil é alguém
esperar que haja paz e harmonia universal como resultado da pregação
do evangelho. Os discípulos, assim como muitos dos judeus de sua época,
talvez esperavam que o reino do Messias logo se manifestaria. Imaginavam
que havia chegado o tempo em que o lobo habitaria junto ao cordeiro e os
homens não mais fariam qualquer mal (Is 11.6,9). Nosso Senhor percebeu
o que se passava no coração deles e silenciou suas esperanças com uma
afirmação admirável: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera
que já estivesse a arder”.
A princípio existe algo bastante admirável nestas palavras. Parecem
contradizer o cântico dos anjos, que proclamaram “paz na terra” como
algo que acompanharia o evangelho de Cristo (Lc 2.14). Embora a men­
sagem dos anjos pareça admirável, é um dos fatos que têm sido comprovado
como literalmente verdadeiro. A paz, sem dúvida, é um dos resultados do
evangelho, onde quer que este seja crido e aceito. Mas, onde existem
ouvintes do evangelho que são empedernidos de coração, impenitentes e
determinados a permanecer no pecado, a própria mensagem da paz torna-
se causa de divisão. Aqueles que vivem segundo a carne odiarão aqueles
que vivem segundo o Espírito. Aqueles que estão decididos a viver para o
mundo sempre serão influenciados a fazer o mal àqueles que resolveram
servir a Cristo. Lamentamos esse estado de coisas, mas não podemos
impedi-lo. A graça divina e as disposições naturais do homem não podem
ser unificadas, assim como o óleo e a água não se misturam. Enquanto os
homens discordarem a respeito dos princípios fundamentais do cristianismo,
228 Lucas 12.49-53

não haverá cordialidade genuína entre eles. Enquanto alguns forem con­
vertidos e outros, incrédulos, não pode haver paz verdadeira.
Acautelemo-nos de possuir expectativas sem bases bíblicas. Se es­
peramos ver as pessoas manifestando possuir uma só mente e um só coração,
antes de serem convertidas, seremos constantemente desapontados. Milha­
res de pessoas bem intencionadas, em nossos dias, com freqüência estão
clamando por mais “união” entre os cristãos. Para alcançar isso, elas estão
prontas a sacrificar quase tudo e desprezar inclusive a sã doutrina, se, ao
fazerem isso, puderem sentir-se seguras de que têm paz. Tais pessoas farão
bem se recordarem que mesmo o ouro pode ser adquirido a um preço muito
elevado e que a paz é inútil, se for conseguida ao custo da verdade. Com
certeza, elas esqueceram as palavras de Cristo: “Não penseis que vim trazer
paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34).
Jamais nos permitamos ser desmotivados por aqueles que acusam o
evangelho de ser a causa de contendas e divisões na terra. Tais pessoas
apenas demonstram sua ignorância, quando falam desta maneira. Não é o
evangelho e sim o corrupto coração do homem que deve receber a culpa.
Não é o glorioso remédio de Deus que se encontra em deficiência, e sim
a natureza enferma da raça de Adão, que, à semelhança de uma criança
voluntariosa, rejeita o remédio que Deus providenciou para lhe trazer a
cura. Enquanto existirem homens e mulheres que recusam arrepender-se
e crer e existirem outros que se arrependem e crêem, haverá divisões.
Ficar surpreso diante disso é o cúmulo da tolice. A própria existência de
divisões é uma prova da presciência de Cristo e uma comprovação da
veracidade da Palavra de Deus.
Sejamos gratos a Deus porque está chegando o dia em que não mais
haverá divisões na terra e que todos serão unânimes em seus pensamentos.
Essa época será quando Jesus, o Príncipe da Paz, voltará pessoalmente à
terra e colocará todos os seus inimigos debaixo de seus pés. Quando
Satanás for amarrado, os ímpios forem separados dos justos e cada um
colocado em seu devido lugar, somente então haverá paz perfeita.
Vigiemos, aguardemos e oremos por essa bendita época. A noite está
quase findando; o dia, quase a amanhecer. Nossas divisões durarão pouco
tempo; nossa paz permanecerá por toda a eternidade.

O Dever de Observar os Sinais dos Tempos;


A Reconciliação no Caminho Recomendado
Leia Lucas 12.54-59
A primeira coisa que esta passagem nos ensina é o dever de observar
Lucas 12.54-59 229

os sinais dos tempos. Os judeus da época de Jesus negligenciaram esse


dever. Fecharam os seus olhos para os eventos extremamente significativos
que estavam acontecendo em seus próprios dias. Recusaram-se a perceber
que profecias estavam se cumprindo diante de seus olhos, profecias rela­
cionadas à vinda do Messias, e que o próprio Messias estava entre eles. O
cetro havia sido levantado de Judá, e o bastão, de entre seus pés (Gn
49.10). As setenta semanas de Daniel estavam cumpridas (Dn 9.24). O
ministério de João Batista havia despertado a atenção de todos, de uma à
outra extremidade do país. Os milagres de Cristo eram inumeráveis,
inegáveis, notórios. No entanto, os olhos dos judeus continuaram cegos.
Eles recusavam-se obstinadamente a crer que Jesus era o Cristo. Por con­
seguinte, ouviram de nosso Senhor a indagação: “Não sabeis discernir
esta época?”
Convém aos servos de Deus observar os acontecimentos de sua época
e compará-los com as predições de profecias que ainda não se cumpriram.
Não existe nada nas Escrituras que recomende a atitude de ignorância e
indiferença quanto à história contemporânea. Pelo contrário, o verdadeiro
cristão deve observar, com atenção diligente, o curso de governos e nações,
saudando com júbilo o menor indício de que o Dia do Senhor está às
portas. O crente que não pode ver a mão de Deus na História e não crê
que Ele está levando todos os reinos à época da sujeição final de todas as
coisas à autoridade de Cristo é tão cego quanto os judeus.
Recordemos as palavras de nosso Senhor proferidas naquela ocasião
e não erremos, agindo de maneira semelhante aos judeus daquela época.
Não sejamos cegos, surdos e insensíveis a tudo o que Deus está fazendo,
tanto na igreja quanto no mundo. Os fatos são significativos. Não
aconteceram por acaso ou acidente, e sim por determinação divina. Não
devemos duvidar que constituem uma chamada à vigilância e uma pre­
paração para o Dia de Deus. Tenhamos todos nós ouvidos para ouvir e
coração para entender. Não devemos dormir, assim como muitos o fazem,
e sim vigiar e discernir nossa época. O livro de Apocalipse nos apresenta
uma advertência solene: “Se não vigiares, virei como ladrão, e não co­
nhecerás de modo algum em que hora virei contra ti” (Ap 3.3).
A segunda coisa que esta passagem nos ensina é a imensa importância
de buscar a reconciliação com Deus antes que seja tarde demais. Nosso
Senhor nos ensina através de uma parábola ou de uma comparação. Ele
nos compara a um homem que está a caminho para encontrar-se com um
magistrado juntamente com um adversário, por causa de uma questão ou
disputa; e descreve a maneira de agir que esse homem deve seguir. Assim
como esse homem, todos estamos caminhando em direção à presença de
um Juiz. Todos compareceremos diante do tribunal de Deus. Assim como
esse homem, todos temos um adversário. A santa lei de Deus está contra
230 Lucas 12.54-59

nós e suas exigências precisam ser satisfeitas. Assim como esse homem,
precisamos ser diligentes para resolver nosso caso, antes que ele chegue
ao Juiz. Temos de procurar perdão e misericórdia antes de morrermos. À
semelhança desse homem, se deixarmos escarpar a oportunidade, o juízo
virá contra nós, e seremos lançados na prisão do inferno. Este parece ser
o significado da parábola contada nessa ocasião. É uma ilustração vívida
da preocupação que uma pessoa deve ter em referência ao importante
assunto da reconciliação com Deus.
A paz com Deus é, antes de mais nada, a principal coisa do verdadeiro
cristianismo. Somos nascidos em pecados e filhos da ira. Não possuímos
qualquer amor natural para com Deus. O pendor da carne é inimizade
contra Deus. É impossível que Deus tenha prazer em nós. O Senhor
abomina o ímpio (SI 11.5). O primeiro e maior desejo de todos os que
professam ter qualquer forma de cristianismo é obter a reconciliação com
Deus. Enquanto alguém não a receber, nada lhe aproveitará. Não teremos
coisa alguma de valor em nosso cristianismo, se não tivermos paz com
Deus. A lei nos torna culpados. O julgamento certamente será contra nós.
Sem reconciliação, o fim da jornada de nossa vida será o inferno.
A paz com Deus é a principal coisa que o evangelho de Cristo oferece
às almas. A paz e o perdão são os primeiros itens na lista de privilégios do
evangelho e são oferecidos gratuitamente a todos que crêem em Jesus.
Existe Alguém que pode livrar-nos do adversário. Cristo é o fim da lei
para justiça de todo aquele que crê. Ele nos redimiu da maldição da lei,
tendo sido feito maldição em nosso lugar. Cristo cancelou o escrito de
dívida que era contra nós e removeu-o de nosso caminho, encravando-o
na cruz. Sendo justificados pela fé, temos paz com Deus por intermédio
de nosso Senhor, Jesus Cristo. Não existe qualquer condenação para aqueles
que estão em Cristo. As reivindicações de nosso adversário foram satisfeitas
pelo sangue de Cristo. Agora Deus pode ser justo e o justificador de todo
aquele que crê em Jesus. Uma expiação completa foi realizada; o débito,
completamente pago. O Juiz pode dizer: “Redime-o... achei resgate” (Jó
33.24).
Jamais descansemos até saber e experimentar que estamos recon­
ciliados com Deus. Não estejamos contentes apenas em ir à igreja,
servir-nos dos meios da graça e ser reconhecidos como cristãos, se não
tivermos a certeza de que nossos pecados estão perdoados e nossa alma,
justificada. Procuremos ter certeza de que estamos unidos a Cristo, de
que Ele está em nós, de que nossas iniqüidades estão perdoadas e nossos
pecados, cobertos. Somente quando tivermos esta certeza, nossa alma
poderá descansar em paz e aguardar o julgamento, sem temor. Nosso
tempo é breve. Estamos viajando em direção ao dia em que será
determinado nosso quinhão na eternidade. Sejamos diligentes para sermos
Lucas 12.54-59 231

encontrados em segurança naquele dia. As almas que estiverem sem Cristo


serão lançadas na prisão do desespero.

A Absoluta Necessidade de Arrependimento


Leia Lucas 13.1-5

O assassinato dos galileus mencionado nos versículos iniciais deste


capítulo é um acontecimento sobre o qual não temos muita informação
exata. Os motivos daqueles que o relataram a nosso Senhor são deixados
à especulação. De qualquer modo, deram-Lhe oportunidade de falar-lhes
sobre suas próprias almas, uma oportunidade que nosso Senhor aproveitou
muito bem. Ele lançou mão desse acontecimento, conforme era seu
costume, e utilizou-o de maneira prática. Ele exortou seus informantes a
examinarem seus próprios corações e a pensarem a respeito de seu estado
diante de Deus. Parece que Ele pretendia dizer: “Que importa se aqueles
galileus morreram subitamente? Em que isso é importante para vocês?
Considerem seus próprios caminhos. A menos que se arrependam, vocês
também perecerão” .
Primeiramente, devemos observar nestes versículos que as pessoas
se mostram mais dispostas a conversar a respeito da morte de outros do
que a respeito de sua própria morte. O assassinato daqueles galileus
provavelmente era assunto comum das conversas diárias em Jerusalém e
toda a Judéia. Podemos crer que todas as circunstâncias e particularidades
do acontecimento estavam sendo constantemente discutidas por milhares
de pessoas que nunca pensavam acerca de sua própria morte. O mesmo
acontece hoje. Um assassinato, uma morte repentina, um naufrágio, um
acidente de carro absorverão completamente os pensamentos de muitos e
estarão nos lábios de todos com os quais nos encontrarmos. No entanto,
essas mesmas pessoas detestam falar sobre a morte delas mesmas e sobre
suas esperanças referentes ao mundo do além-túmulo. Assim é a natureza
humana em todas as épocas. No que se refere a assuntos espirituais, as
pessoas estão mais dispostas a falar sobre a situação dos outros do que
sobre a delas mesmas.
O estado de nossa própria alma deve sempre ser nossa primeira
preocupação. E eminentemente verdadeiro que o cristianismo autêntico
começa em nosso próprio coração. O homem convertido sempre pensará
primeiramente a respeito de sua própria vida, coração, pecados e castigo.
Ele ouve acerca de uma morte súbita? Dirá a si mesmo: “Estaria preparado,
se tivesse acontecido a mim?” Ele ouve a respeito de um crime terrível ou
232 Lucas 13.1-5

do assassinato de um ímpio? Dirá a si mesmo: “Meus pecados estão per­


doados? Arrependi-me de todas as minhas transgressões?” Ele ouve falar
de um homem mundano que vive em excesso de pecado? Dirá a si mesmo:
“Quem me tornou diferente? O que me impediu de estar naquela mesma
situação, se não a livre graça de Deus?” Procuremos sempre ter a mesma
maneira de pensar. Devemos sentir terna piedade e compaixão por todos
aqueles que sofrem violência e foram tirados deste mundo por meio de
uma morte súbita. No entanto, jamais nos esqueçamos de examinar a nós
mesmos e aprender sabedoria de tudo o que acontece aos outros.
Também devemos observar nestes versículos a intensidade profunda
com que nosso Senhor estabeleceu a necessidade universal de arrepen­
dimento. Por duas vezes, ele declarou enfaticamente: “Se não vos arrepen­
derdes, todos igualmente perecereis” . A verdade aqui apresentada é um
dos fundamentos do cristianismo. Todos “pecaram e carecem da glória de
Deus” (Rm 3.23). Todos nós somos nascidos em pecado. Somos propen­
sos ao pecado e por natureza despreparados para a amizade com Deus.
Duas coisas são absolutamente necessárias à salvação de cada um de nós.
Temos de nos arrepender e crer no evangelho. Sem arrependimento para
com Deus e a fé no Senhor Jesus, ninguém poderá ser salvo.
A natureza do verdadeiro arrependimento está claramente delineada
nas Escrituras. Começa com o reconhecimento do pecado; prossegue cri­
ando tristeza pelo pecado; leva-nos à confissão do pecado diante de Deus;
manifesta-se diante dos homens através de um completo rompimento com
o pecado. Resulta em produzir o hábito de profundo ódio ao pecado. Aci­
ma de tudo, o arrependimento está inseparavelmente unido à fé ativa no
Senhor Jesus Cristo. Arrependimento desse tipo é a característica peculiar
de todos os verdadeiros crentes.
A necessidade de arrependimento para a salvação se tomará evidente
a todos os que examinam as Escrituras e consideram a natureza do arrepen­
dimento; sem ele, não existe o perdão dos pecados. Nunca existiu uma
pessoa perdoada que antes também não tenha passado pela experiência do
arrependimento. Jamais houve alguém lavado no sangue de Cristo que
não sentiu, lamentou, confessou e odiou seus próprios pecados. Sem o
arrependimento, a pessoa não está preparada para o céu. Não poderíamos
ser felizes se chegássemos ao céu possuindo um coração que ama o pecado.
A companhia dos santos e dos anjos jamais nos traria qualquer satisfação.
Nossa mente não estaria em harmonia com uma santidade que perduraria
para todo o sempre. Permitamos que tais verdades arraiguem-se em nosso
coração. Temos de nos arrepender e crer, se esperamos ser salvos.
Devemos finalizar nossa meditação sobre o assunto com uma inda­
gação pessoal: “Já nos arrependemos?” Vivemos em um país supostamente
cristão. Pertencemos a uma igreja cristã e podemos desfrutar das ordenanças
Lucas 13.1-5 233

de Cristo e dos meios da graça. Muitas vezes, temos ouvido mensagens


sobre o arrependimento. Mas já nos arrependemos? Reconhecemos nossa
pecaminosidade? Nossos pecados nos entristecem? Já clamamos a Deus,
confessando-Lhe nossos pecados e buscando perdão junto ao trono da
graça? Cessamos de fazer o mal e abandonamos nossos hábitos maus?
Com todo o nosso coração, odiamos tudo o que é mau? Estas são perguntas
sérias. Merecem intensa consideração. O arrependimento não é um assunto
insignificante. Nada menos do que a vida — a vida eterna — está em jogo.
Se morrermos sem nos arrependermos e sem um novo coração, melhor
seria jamais havermos nascido.
Se nunca nos arrependemos, comecemos a fazê-lo sem demora.
Somos responsáveis pelo nosso arrependimento. “Arrependei-vos... e
convertei-vos” (At 3.19) foram as palavras de Pedro aos judeus que haviam
crucificado nosso Senhor. “Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga ao
Senhor” (At 8.22) foi a exortação dirigida a Simão, o mago, quando se
encontrou em “fel de amargura e laço de iniqüidade” . Existem todos os
motivos para nos encorajarem ao arrependimento. Cristo nos convida; as
promessas das Escrituras nos foram dadas; em toda a Bíblia, há muitas
promessas gloriosas da parte de Deus afirmando sua disposição em receber-
nos; “Há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende”
(Lc 15.10). Portanto, levantemo-nos e clamemos a Deus; arrependamo-
nos sem demora.
Se já nos arrependemos, continuemos a nos arrepender durante o
resto de nossa vida. Enquanto vivermos neste corpo, sempre existirão pe­
cados a confessar e imperfeições a lamentar. Arrependamo-nos com mais
franqueza e nos humilhemos mais completamente a cada ano. Cada novo
aniversário que celebramos deve nos encontrar odiando mais o pecado e
amando mais a Cristo. Um sábio crente do passado disse: “Desejo levar
meu arrependimento até à porta do céu” .

A Parábola da Figueira Infrutífera


Leia Lucas 13.6-9

A parábola que acabamos de ler é especialmente humilhante e pers­


crutadora. O crente que ouve esta parábola e não sente tristeza e vergonha,
enquanto a aplica ao estado de sua vida espiritual, só pode estar em uma
infeliz condição espiritual.
Destes versículos aprendemos inicialmente que do coração ao qual
234 Lucas 13.6-9

Deus outorga privilégios espirituais Ele espera retorno proporcional. Nosso


Senhor nos ensina uma lição ao comparar a nação judaica de sua época à
“uma figueira plantada na... vinha” . Esta era exatamente a situação de
Israel no mundo. Eles haviam sido separados das outras nações pela lei e
ordenanças de Moisés, bem como pela situação de sua própria terra. Ha­
viam recebido revelações que Deus não concedera a nenhum outro povo.
Foram realizadas em favor deles coisas que nunca foram realizadas em
favor do Egito, Nínive, Babilônia, Grécia ou Roma. Portanto, era correto
e justo que produzissem fruto para o louvor de Deus. E razoável pensar
que haveria em Israel mais fé, arrependimento, devoção e santidade do
que entre os pagãos. Isso era o que Deus esperava. O dono da figueira ve­
io procurar fruto.
No entanto, precisamos pensar além da nação judaica, se desejamos
nos beneficiar plenamente do significado da parábola. Temos de refletir
também sobre as igrejas evangélicas. Elas possuem luz, verdade, ensino e
preceitos que nunca foram ouvidos pelos incrédulos. Quão grande é a res­
ponsabilidade dos crentes. Não é correto e justo que Deus espere que eles
dêem frutos? Temos de examinar nosso próprio coração. Vivemos em um
país onde existem muitas bíblias e desfrutamos de liberdade para pregar o
evangelho. Quão amplas são as vantagens que desfrutamos, se comparadas
às dos chineses e às dos hindus. Porém, jamais esqueçamos: Deus espera
que produzamos frutos.
Somos ensinados através de verdades solenes. Poucos assuntos são
tão facilmente esquecidos pelos homens quanto a íntima conexão entre
privilégios e responsabilidade. Estamos todos bastante dispostos a nos
deleitarmos com nossa posição como crentes evangélicos e a demonstrar
alguma compaixão pelos idólatras e incrédulos; no entanto, demoramos a
recordar que somos responsáveis diante de Deus por tudo que desfrutamos
e que, daquele a quem muito se confia, muito mais lhe será exigido.
Sejamos sensíveis à verdade. Somos as pessoas mais favorecidas da terra.
No verdadeiro sentido, somos “uma figueira plantada na... vinha” . Não
esqueçamos que nosso grande Senhor espera “frutos” .
Em segundo, desta passagem aprendemos que é muitíssimo perigoso
ser infrutífero diante áe tantos privilégios espirituais. A maneira como
nosso Senhor transmitiu essa lição é impressionante. Ele nos mostrou o
dono da figueira estéril lamentando que ela não produzia qualquer fruto:
“Há três anos venho procurar fruto nesta figueira e não acho” . Descreveu-
o como alguém que ordenou a destruição da figueira, que ele via como
algo que ocupava sem utilidade o chão: “Podes cortá-la; para que está ela
ainda ocupando inutilmente a terra?” Em seguida, Jesus apresentou o
viticultor apelando em favor da figueira, para que esta fosse poupada um
pouco mais: “Senhor, deixa-a ainda este ano”. E Jesus concluiu a parábola
Lucas 13.6-9 235

colocando as terríveis palavras nos lábios do viticultor: “Se vier a dar


fruto, bem está; se não, mandarás cortá-la” .
Existe uma advertência clara nestes versículos para todas as igrejas
que declaram pertencer a Cristo. Se os pastores de tais igrejas não estiverem
pregando a sã doutrina e seus membros não estiverem vivendo vidas santas,
todos estão em iminente perigo de serem destruídos. Deus os observa e
registra todos os seus caminhos. Eles podem participar de abundantes
cerimônias religiosas; podem cobrir-se com as folhas da formalidade, dos
ministérios e das ordenanças. Porém, se estão destituídos do fruto do Es­
pírito, são reputados como plantas que ocupam inutilmente o solo. A m e­
nos que se arrependam, serão cortados. Foi isto o que ocorreu à comunidade
judaica quarenta anos após a ascensão de nosso Senhor. Isso também já
aconteceu a outras igrejas. E, infelizmente, acontecerá a muitas até que o
fim venha. O machado será posto à raiz de muitas igrejas infrutíferas. A
sentença ainda ecoará: “Podes cortá-la” .
Temos ainda nesta passagem uma advertência mais evidente para
todas as pessoas não-convertidas. Em todas as igrejas existem muitas pes­
soas que ouvem o evangelho e estão penduradas à beira do abismo da
perdição. Durante muitos anos, elas têm vivido na melhor parte da vinha
de Deus, mas, apesar disso, não produzem qualquer fruto. Têm ouvido a
fiel pregação do evangelho durante incontáveis domingos e, apesar disso,
não o aceitaram, não tomaram sua cruz e não seguem a Cristo. Talvez não
estejam cometendo pecados notórios, mas nada fazem para a glória de
Deus. Não existe coisa alguma positiva em seu cristianismo. De todos
eles o Senhor da vinha pode afirmar com certeza: “H á... anos venho
procurar fruto nesta figueira e não acho; podes cortá-la; para que está
ela... ocupando inutilmente a terra?” Existem miríades de pessoas que
professam ser crentes que se encontram nessa condição. Não fazem a me­
nor idéia de quão perto se encontram da condenação eterna. Jamais nos
esqueçamos que nos contentarmos em assistir os cultos e ouvir sermões,
enquanto não produzimos frutos em nossas vidas, é um comportamento
muito ofensivo a Deus. Provoca-Lhe a ordenar que sejamos cortados
inesperadamente.
Por último, destes versículos aprendemos que temos um infinito débito
para com a misericórdia de Deus e a intercessão de Cristo. Parece im­
possível extrair qualquer outra lição do sincero apelo do viticultor: “Senhor,
deixa-a ainda este ano” . Com certeza, vemos como por espelho a be­
nignidade de Deus e a mediação de Cristo.
A misericórdia tem sido chamada de o atributo favorito de Deus.
Poder, pureza, justiça, santidade, sabedoria, imutabilidade, todos são
atributos que constituem o caráter de Deus e de inúmeras maneiras têm
sido manifestados no mundo, tanto nas obras quanto na Palavra de Deus.
236 Lucas 13.6-9

Mas, se existe uma das perfeições divinas que Ele tem prazer em demonstrar
ao homem, de maneira mais evidente do que qualquer outra, essa perfeição
sem dúvida é sua misericórdia. Ele é um Deus que “tem prazer na mi­
sericórdia” (M q7.18).
A misericórdia baseada na mediação de um Salvador vindouro foi o
motivo por que Adão e Eva não foram lançados no inferno no dia em que
caíram no pecado. A misericórdia tem sido a causa por que Deus tem su­
portado este mundo sobrecarregado de pecado e ainda não tem exercido o
juízo. A misericórdia até agora é o motivo por que os pecadores não-
convertidos são poupados por tanto tempo e não destruídos em seus próprios
pecados. Provavelmente não temos a menor idéia de quanto todos nós
devemos à paciência de Deus. O último dia comprovará que toda a huma­
nidade estava em débito para com a misericórdia de Deus e a mediação de
Cristo. Mesmo aqueles que estão eternamente perdidos descobrirão, para
sua vergonha, que por causa das misericórdias do Senhor eles não foram
consumidos ainda em vida. E, no que se refere aos salvos, uma aliança de
misericórdia será a sua total reivindicação no Dia do Juízo.
E qual é a nossa situação? Somos frutíferos ou infrutíferos? Acima
de todas as outras coisas, esta é a pergunta que mais deve nos preocupar.
O que Deus vê em nós anó após ano? Estejamos atentos para vivermos de
tal modo que Ele veja fruto em nós.

A Cura de Uma Mulher Enferma


Durante Dezoito Anos
Leia Lucas 13.10-17

Vemos nestes versículos um admirável exemplo de diligência na


utilização dos meios da graça. Somos informados que veio a Jesus uma
“mulher possessa de um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos;
andava ela encurvada, sem de modo algum poder endireitar-se” . Não sa­
bemos quem era essa mulher. Nosso Senhor disse que era uma “filha de
Abraão” ; isto deve nos levar à conclusão de que essa mulher era uma
verdadeira crente. Mas seu nome e história foram ocultados ao nosso
conhecimento. Sabemos apenas isto: quando Jesus ensinava “no sábado
numa das sinagogas” , essa mulher se encontrava ali. A enfermidade não
era uma desculpa para impedi-la de vir à casa de Deus. Apesar de seu
sofrimento e enfermidade, ela se dirigiu ao lugar onde o dia e a Palavra de
Deus eram honrados e onde o povo de Deus se reunia. E realmente foi
Lucas 13.10-17 237

abençoada nessa realização. Encontrou recompensa abundante para as su­


as dores. Ela veio entristecida e voltou para casa regozijando-se.
A conduta dessa judia sofredora pode envergonhar muitos que
professam ser cristãos e desfrutam de boa saúde e vigor físico. Quantas
pessoas que se encontram em pleno gozo de saúde física permitem que as
mais frívolas desculpas as mantenham afastadas da Casa de Deus. Quantos
estão constantemente gastando todo o domingo em ociosidade, em busca
de prazeres e negócios, escarnecendo e zom bando daqueles que
“santificam” o dia do Senhor! Quantos imaginam que freqüentar o culto
público uma vez por semana, no domingo, é uma grande realização e
consideram o vir em qualquer outra ocasião como um desnecessário excesso
de zelo característico do fanatismo! Quantos acham cansativos os cultos
de adoração, enquanto os assistem, e sentem-se aliviados quando estes
acabam! Poucos realmente manifestam possuir o mesmo espírito de Davi,
que disse: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do S e n h o r ”
(SI 122.1); “Quão amáveis são os teus tabernáculos, S en h o r dos Exércitos! ”
(SI 84.1)
Ora, que explicação podemos dar? Qual é a razão por que tão poucos
são semelhantes à mulher sobre a qual lemos nesta passagem bíblica? A
resposta, mais uma vez, é curta e simples. A maioria não tem o coração
disposto para a adoração a Deus, não tem prazer na presença ou no dia do
Senhor. “O pendor da carne é inimizade contra Deus” (Rm 8.7). No mo­
mento em que uma pessoa se converte, as supostas dificuldades para prestar
culto a Deus desaparecem. O novo coração não vê obstáculos em “san­
tificar” o dia do Senhor. Onde há boa vontade, sempre existe uma solução.
Jamais nos esqueçamos de que nossos conceitos a respeito do dia do
Senhor constituem um teste comprobatório do estado de nossa alma. O
homem que não encontra satisfação em conceder a Deus um dia da semana
evidentemente está despreparado para o céu. O próprio céu não é outra
coisa senão um eterno dia do Senhor. Se não pudermos passar algumas
horas na adoração a Deus, uma vez por semana, neste mundo, é evidente
que não poderemos passar uma eternidade em sua adoração no mundo por
vir. Felizes são aqueles que andam nos passos dessa mulher. Acharão a
Cristo e serão abençoados, enquanto vivem neste mundo; receberão a
glória e se encontrarão com Ele, quando morrerem.
Em segundo, vemos nestes versículos o infinito poder de nosso Senhor
Jesus Cristo. Quando nosso Senhor viu aquela mulher sofredora, “chamou-
a até Ele e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade” ; e impôs-lhe
as mãos. Esse toque das mãos de Cristo foi acompanhado por uma
miraculosa virtude curadora. Instantaneamente, uma enfermidade que
permanecia por dezoito anos se retirou diante do Senhor da vida — “ela
imediatamente se endireitou e dava glória a Deus” .
238 Lucas 13.10-17

Sem dúvida, um milagre tão grandioso foi realizado com a intenção


de fornecer esperança e conforto para almas que sofrem por causa do pe­
cado. Nada é impossível para Cristo. Ele é capaz de amolecer os corações
que parecem ser tão duros quanto pedras de moinho. Ele pode dobrar
vontades obstinadas que durante “dezoito anos” têm se dedicado à satisfação
pessoal, ao pecado e ao mundo. O Senhor Jesus pode capacitar pecadores
que por muito tempo têm admirado as coisas terrenas a volverem seus
olhos para o alto e contemplarem o reino de Deus. Nada é extremamente
difícil para o Senhor. Ele pode criar, transformar, renovar, humilhar,
edificar e vivificar com irresistível poder. Aquele que criou o mundo a
partir do nada continua vivo e imutável.
Apropriemo-nos de tão preciosa verdade e não a deixemos escapar.
Jamais nos desesperemos quanto à nossa salvação. Nossos pecados talvez
sejam inumeráveis. Nossas vidas provavelmente tenham sido gastas,
durante muitos anos, em coisas deste mundo e tolices. Nossa juventude
talvez foi desperdiçada em excessos que arruinam a alma, dos quais nos
sentimos tristemente envergonhados. Mas estamos dispostos a vir a Cristo
e confiar-lhe nossa alma? Se estamos, então, há esperança. Ele pode nos
curar completamente e dizer: “Estás livre da tua enfermidade” . Não
percamos a esperança quanto à salvação de outras pessoas, enquanto elas
viverem. Apresentemos seus nomes ao Senhor, dia e noite, e Lhe supli­
quemos em favor delas. Talvez tenhamos parentes cuja situação parece
desesperadora por causa de sua impiedade. Mas isto não é verdade; não
existem casos incuráveis para Cristo. Se Ele impuser suas mãos res­
tauradoras sobre tais pessoas, elas ficarão curadas e glorificarão a Deus.
Oremos e não desfaleçamos. A afirmação de Jó é digna de inteira confiança:
“Bem sei que tudo podes” (Jó 42.2). Jesus é poderoso para salvar to­
talmente.
Por último, vemos nestes versículos a correta observância do dia
do Senhor afirmada e defendida por nosso Senhor Jesus Cristo. O chefe
da sinagoga em que se realizou a cura dessa mulher acusou-O de ter
quebrado o quarto mandamento. Com isso, ele trouxe sobre si mesmo
uma repreensão severa mas justa: “Hipócritas, cada um de vós não des­
prende da manjedoura, no sábado, o seu boi ou o seu jumento, para levá-lo
a beber?” Se era permitido satisfazer as necessidades dos animais no sábado,
quanto mais isso se aplicaria aos seres humanos! Se a manifestação de
bondade aos bois e aos jumentos não constituía uma quebra do quarto
mandamento, tanto menos o constituiria a demonstração de bondade a
uma filha de Abraão.
O princípio aqui estabelecido por nosso Senhor é o mesmo que encon­
tramos em outras passagens dos evangelhos. Ele nos ensina que a ordem
para “não trabalhar” no sábado não tinha o propósito de proibir obras
Lucas 13.10-17 239

necessárias e misericordiosas. O dia de descanso foi feito para o benefício


do homem e não para prejudicá-lo. Foi designado para promover os
melhores e mais elevados interesses do homem e não para impedi-lo de
fazer qualquer coisa que realmente contribui ao seu bem. Exige somente
bom senso e sabedoria. Não proíbe nada que é verdadeiramente necessário
ao conforto do homem.
Devemos orar para que tenhamos um entendimento correto do man­
damento que se refere ao dia de descanso. De todos os mandamentos que
Deus nos outorgou, nenhum outro é tão essencial à felicidade do homem
e nenhum outro é, com freqüência, tão mal compreendido, abusado e
desprezado. Estabeleçamos para nós duas regras básicas quanto à obser­
vância do dia de descanso e jamais nos apartemos delas: primeira, façamos
apenas aquilo que é absolutamente necessário. Segunda, santifiquemos
esse dia e o dediquemos ao Senhor. A experiência nos mostra que existe
uma conexão íntima entre a santificação do domingo e a saúde de nossa
vida espiritual.

A Parábola do Grão de Mostarda


e do Fermento
Leia Lucas 13.18-21

As duas parábolas contidas nestes versículos possuem um interesse


peculiar. Elas foram proferidas por nosso Senhor em duas ocasiões e em
dois períodos distintos de seu ministério; um fato que deveria nos fazer
tributar mais diligente atenção às lições que as parábolas transmitem.
Descobriremos que suas lições são ricas em verdades proféticas e expe­
rimentais.
A parábola do grão de mostarda tem o objetivo de mostrar o progresso
do evangelho no mundo. O início do evangelho foi muitíssimo insig­
nificante. Foi semelhante a “um grão de mostarda que um homem plantou
na sua horta” . O cristianismo em seu início era uma religião que parecia
tão frágil, desamparada e sem poder, que não sobreviveria. Seu fundador
era alguém pobre neste mundo e terminou sua vida morrendo como mal­
feitor em uma cruz. Seus primeiros seguidores eram um pequeno grupo
cujo número provavelmente não passava de mil, quando nosso Senhor
deixou o mundo. Seus primeiros pregadores eram pescadores e publicanos
que, em sua maioria, eram incultos. Seu ponto de partida foi um lugar
desprezível chamado Judéia, uma província tributária do vasto império
240 Lucas 13.18-21

romano. Sua principal doutrina fora eminentemente idealizada para des­


pertar a inimizade natural do coração humano. Cristo crucificado era uma
pedra de tropeço para os judeus e tolice para os gentios. As primeiras mo­
vimentações do cristianismo trouxeram para seus seguidores perseguição
de todos os lados. Fariseus e saduceus, judeus e gentios, idólatras que não
conheciam a Deus e filósofos presunçosos — todos concordaram em odiar
e oporem-se ao cristianismo. Era uma seita contra a qual se falava em
todos os lugares. Não são afirmações vazias e sim são fatos históricos
que ninguém pode negar. Se já houve uma religião que em seu princípio
era semelhante a um grão de mostarda, essa religião foi o cristianismo.
Mas o progresso do evangelho, à semelhança da semente plantada
na terra, foi grande, estável e contínuo. O grão de mostarda “cresceu e
fez-se árvore” . Apesar da perseguição, oposição e violência, o cristianismo
se propagou gradualmente e cresceu. Ano após ano, seus seguidores
tornaram-se numerosos. Ano após ano, a idolatria decrescia diante do
cristianismo. Cidade após cidade, país após país recebiam a nova fé. Igreja
após igreja era estabelecida em quase todos os lugares da terra. Pregador
após pregador surgia, e missionário após missionário se levantava para
ocupar o lugar daqueles que morriam. Os imperadores romanos e os filó­
sofos pagãos, às vezes por meio da força, às vezes por meio de argumentos,
tentaram em vão obstruir o progresso do cristianismo. Também poderiam
ter procurado impedir que a maré fluísse ou que o sol não surgisse no
horizonte. Em poucos séculos, a religião do Nazareno desprezado, a
religião que havia começado em um cenáculo de Jerusalém, espalhara-se
por todo o mundo civilizado. Era confessada por quase toda a Europa,
uma parte da Ásia e todo o norte da África. As palavras proféticas da pa­
rábola cumpriram-se literalmente. O grão de mostarda “cresceu e fez-se
árvore; e as aves do céu aninharam-se nos seus ramos” . O Senhor Jesus
disse que assim aconteceria, e assim aconteceu.
E uma parábola que nos ensina a nunca desesperar de qualquer obra
para Cristo, ainda que seu início tenha sido insignificante e frágil. Um
pregador que está sozinho em alguma parte negligenciada da cidade, um
missionário que trabalha entre muitos selvagens, um ministro do evangelho
que se esforça para melhorar uma igreja corrupta e impura — todos (e
cada um deles) à primeira vista podem parecer completamente incapazes
de fazer algum bem. Aos olhos de muitos, a obra pode aparentar ser
muito grande e o instrumento para realizá-la, bastante desproporcional à
obra. Nunca alimentemos tais pensamentos. Recordemos essa parábola e
tenhamos coragem. Quando o dever torna-se claro, não devemos levar
em conta os números e consultar a carne e o sangue. Devemos crer que
um homem que tem a semente da verdade de Deus ao seu lado, tal como
Lutero ou Knox, pode transtornar uma nação. Se Deus estiver com ele,
Lucas 13.18-21 241

ninguém será contra ele. Apesar do esforço de homens e de demônios,


a semente que ele está plantando crescerá e se tornará uma grande
árvore.
A parábola do fermento tem o objetivo de nos mostrar o progresso
do evangelho no coração de um crente. A atividade inicial da obra da
graça divina em um pecador geralmente é insignificante. É semelhante a
misturar o fermento em uma massa de farinha. Uma simples sentença de
um sermão ou apenas um versículo das Escrituras, uma repreensão
proveniente de um amigo ou uma casual advertência sobre coisas espiritu­
ais, um folheto entregue por um estranho ou um insignificante ato de
bondade recebido da parte de um crente — fatos semelhantes com fre­
qüência são o ponto de partida na vida de uma alma. As primeiras ma­
nifestações da vida espiritual habitualmente são pequenas em extremo —
tão pequenas, que por algum tempo são conhecidas somente por aquele
que as possui, mas, assim mesmo, não as entende completamente. Alguns
pensamentos sérios, que comovem a consciência, um desejo de orar de
maneira genuína e não formal, uma determinação para começar a ler a
Bíblia em particular, um gradual interesse pelos meios da graça, um
crescente interesse pelos assuntos espirituais, um ódio crescente pelos
hábitos maus e companhias ímpias — esses, ou alguns desses, são os
primeiros sintomas de que a graça divina começou a agir no coração de
uma pessoa. São sintomas que o mundo incrédulo não percebe, que os
crentes pouco instruídos podem desprezar e sobre os quais mesmo os
crentes mais velhos podem enganar-se. No entanto, são os primeiros passos
na poderosa atividade da conversão; constituem o “fermento” da graça
operando no coração de uma pessoa.
Uma vez que a obra da graça iniciou-se em um coração, ela jamais
permanecerá quieta. Crescerá gradualmente, “até ficar tudo levedado” .
A semelhança do fermento colocado na massa, a obra da graça não pode
ser separada daquilo com o que ela foi misturada. Pouco a pouco, ela
influenciará a consciência, as afeições, a mente e a vontade, até que todo
o homem seja afetado pelo seu poder e ocorra uma completa conversão a
Deus. Sem dúvida, em alguns casos o progresso é mais rápido do que em
outros, e o resultado é mais claramente observado e decidido do que em
outros. Mas, em qualquer coração que se inicia a verdadeira obra do
Espírito Santo, todo o caráter da pessoa mais cedo ou mais tarde é
“levedado” e transformado. Suas predileções são alteradas; toda as
disposições de sua mente tornam-se diferentes. “E, assim, se alguém está
em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram
novas” (2 Co 5.17). O Senhor Jesus disse que seria assim, e a experiência
comprova que assim tem sido.
Aprendamos da parábola a jamais desprezar “o dia dos humildes co-
242 Lucas 13.18-21

meços” (Zc 4.10). A alma precisa engatinhar, antes que possa andar; e
andar, antes que seja capaz de correr. Se vemos qualquer dos sintomas da
graça começando a manifestar-se em algum irmão, embora o sintoma seja
fraco, agradeçamos a Deus e tenhamos esperança. O fermento da graça
tendo sido colocado naquele coração ainda fermentará toda a massa. Aquele
que começou a boa obra a completará até ao Dia de Cristo Jesus (Fp 1.6).
Perguntemos a nós mesmos se existe algo da obra da graça em nosso
coração. Estamos descansando satisfeitos com alguns desejos e convicções
vazios? Ou conhecemos por experiência própria a graça que gradualmente
cresce, propaga-se, aumenta e fermenta-se em nosso íntimo? Nada menos
do que isso deve contentar-nos. A verdadeira obra do Espírito Santo nunca
permanecerá quieta; fermentará toda a massa.

O Número dos Salvos;


O Dever de Esforçar-se
Para Entrar no Reino dos Céus
Leia Lucas 13.22-30

Vemos inicialmente nestes versículos uma pergunta notável. Certo


homem disse a Jesus: “Senhor, são poucos os que são salvos?” Não
sabemos quem era este homem. Poderia ser um judeu cheio de justiça
própria, ensinado a crer que não havia esperança fora da circuncisão e
que existia salvação apenas para os filhos de Abraão. Poderia ter sido um
ocioso zombador das coisas espirituais, que estava sempre desperdiçando
seu tempo em assuntos curiosos e especulativos. Em qualquer desses casos,
todos nós podemos concordar que ele fez uma pergunta de importância
extraordinária.
Aquele que deseja saber a quantidade de pessoas salvas na dispensação
presente precisa apenas ler as Escrituras, e sua curiosidade será satisfeita.
Encontrará no Sermão do Monte essas palavras solenes: “Porque estreita
é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os
que acertam com ela” (Mt 7.14). Terá apenas de olhar ao seu redor e
comparar com as Escrituras os caminhos que muitos seguem; logo con­
cluirá, se for sincero em seu coração, que os salvos são poucos. Essa é
uma conclusão terrível. Nossa alma naturalmente rejeita essa idéia. No
entanto, a Bíblia e os fatos combinam-se para silenciar essa rejeição. A
salvação completa é oferecida aos homens. Da parte de Deus, tudo está
pronto. Cristo está disposto a receber os pecadores; mas estes não estão
dispostos a vir a Cristo. Por isso, os salvos são poucos.
Lucas 13.22-30 243

Em segundo, vemos nestes versículos uma exortação admirável. Ao


ser perguntado se poucos seriam salvos, nosso Senhor respondeu: “Es­
forçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos
procurarão entrar e não poderão” . Ele dirigiu essas palavras a todos os
seus ouvintes. Ele achou melhor não satisfazer a curiosidade daquele que
O questionou, oferecendo-lhe uma resposta direta. Preferiu antes incutir
em sua mente e na dos outros ouvintes o seu dever imediato. Ao pensarem
sobre a situação de suas próprias almas, obteriam a resposta. Ao es­
forçarem-se por entrar pela porta estreita, logo perceberiam se os salvos
eram muitos ou poucos.
Não importa o que os outros fazem a respeito de sua vida espiritual,
o Senhor deseja que conheçamos com clareza o nosso dever. A porta é
estreita. A obra é grandiosa. Os inimigos de nossa alma são muitos. Temos
de levantar-nos e entrar. Não devemos esperar por ninguém. Não temos
de perguntar o que os outros estão fazendo ou se muitos de nossos vizinhos,
amigos e parentes estão servindo a Cristo. A incredulidade e a indecisão
de outros não serão desculpas no último dia. Não devemos seguir a multidão
para praticar o mal. Se formos para o céu sozinhos, precisamos determinar
que é pela graça de Deus que iremos. Se tivermos muitos ou poucos junto
conosco, a exortação para nós é clara: “Esforçai-vos por entrar” .
Não importa o que os outros pensam a respeito de sua vida espiritual,
Cristo deseja que saibamos que somos responsáveis diante de sua exortação.
Não devemos permanecer parados, continuando no pecado e vivendo de
acordo com o mundo, esperando pela graça de Deus. Não devemos pros­
seguir tranqüilamente em nossa impiedade, escondendo-nos atrás da inútil
desculpa de que não podemos fazer nada, até que sejamos atraídos por
Deus. Temos de nos aproximar dEle através da utilização dos meios da
graça. Como podemos fazê-lo é uma indagação com a qual não devemos
nos inquietar. Em nossa obediência, os nós serão desatados. A ordem é
clara e inconfundível: “Esforçai-vos por entrar” .
Em terceiro, vemos aqui a descrição de um dia de terrível solenidade.
Nosso Senhor nos falou sobre um tempo quando “o dono da casa” se le­
vantará e fechará a porta, e alguns já terão entrado no reino de Deus e
outros ficarão “do lado de fora” para sempre. No que se refere ao sig­
nificado dessas palavras, não pode haver dúvidas. Descrevem a segunda
vinda de Cristo e o Dia do Juízo.
Virá o dia em que acabará a paciência de Deus para com os pecadores.
A porta da misericórdia, que por tanto tempo se encontra aberta, finalmente
será fechada. A fonte aberta para a purificação de todo o pecado e impureza
será fechada. O trono da graça será removido e, em seu lugar, será es­
tabelecido o trono de juízo. O maior julgamento do mundo terá início.
Todos os impenitentes e incrédulos serão banidos para sempre da presença
244 Lucas 13.22-30

de Deus. Os homens descobrirão que existe uma coisa chamada “a ira do


Cordeiro” (Ap 6.16).
Virá o dia em que os crentes em Cristo receberão seu completo ga­
lardão. O Senhor da grande casa nos céus reunirá seus servos e dará a
cada um deles a imarcescível coroa de glória. Eles se assentarão ao lado
de Abraão, Isaque e Jacó e descansarão para sempre de suas lutas e labores.
Serão fechados, no lado de dentro, com Cristo, os anjos e todos os outros
crentes no reino dos céus; o pecado, a morte, a tristeza, o mundo e o
diabo ficarão eternamente do lado de fora. Os homens por fim verão: “O
que semeia justiça terá recompensa verdadeira” (Pv 11.18).
Por último, vemos nestes versículos uma profecia perscrutadora.
Nosso Senhor nos contou que no dia de sua segunda vinda, “muitos
procurarão entrar” pela porta estreita “e não poderão” . Eles baterão,
“dizendo: Senhor, abre-nos a porta” ; mas não serão admitidos. Com
sinceridade, apelarão: “Comíamos e bebíamos na tua presença, e ensinavas
em nossas ruas” . Mas seu apelo será inútil. Ouvirão a resposta solene:
“Não sei donde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais
iniqüidades” . Professar o cristianismo e ter um conhecimento formal de
Cristo não salvará a ninguém que tem servido ao mundo e ao pecado.
Existe algo peculiarmente admirável na linguagem de nosso Senhor
nessa profecia. Revela-nos o terrível fato de que os homens poderão ver o
que é correto quando for demasiadamente tardio para que sejam salvos.
Haverá um tempo em que, tarde demais, muitos se arrependerão e crerão,
sentirão pesar, farão súplicas, se preocuparão com sua salvação e desejarão
entrar no céu. Muitos acordarão no mundo por vir e se convencerão de
verdades nas quais recusaram crer. A terra é o único lugar da criação de
Deus onde existe todo tipo de infidelidade; o inferno é tão-somente o
lugar onde a verdade é reconhecida tarde demais.
Recordar passagens como esta deveria nos incentivar a estabelecer
um valor verdadeiro acerca das coisas que nos rodeiam. Dinheiro, posição,
prazeres e grandeza são as coisas que o mundo mais valoriza. Orar, crer,
viver com santidade e familiarizar-se com Cristo são atitudes desprezadas,
ridicularizadas e consideradas de pouco valor. Mas, um dia, acontecerá
uma grande mudança! As últimas coisas se tornarão as primeiras, e as pri­
meiras se tornarão as últimas. Estejamos preparados para essa mudança.
Perguntemos a nós mesmos: estamos entre aqueles que são muitos
ou entre os que são poucos? Sabemos alguma coisa a respeito de lutar e
guerrear contra o pecado, o mundo e o diabo? Estamos prontos para
vinda do Senhor, quando Ele fechará a porta? A pessoa que pode responder
satisfatoriamente estas perguntas é um verdadeiro cristão.
Lucas 13.31-35 245

O Tempo de Nossa Vida, nas Mãos de Deus;


As Compassivas Palavras de Jesus
Referentes a Jerusalém
Leia Lucas 13. 31-35

Destes versículos aprendemos quão inteiramente Deus tem controle


sobre nossas circunstâncias. Nosso Senhor nos ensinou essa verdade ao
responder à solicitação de que partisse dali, porque Herodes desejava
matá-lo. Ele disse: “Hoje e amanhã, expulso demônios e curo enfermos” .
Não havia chegado ainda o tempo para Ele deixar o mundo. Sua obra
ainda não estava concluída. Até que chegasse o momento específico,
Herodes não teria poder para fazer-Lhe qualquer mal. Até que a obra
estivesse terminada, nenhuma arma forjada contra Ele prosperaria.
Existe algo nas palavras de nosso Senhor que exige a atenção de
todos os verdadeiros crentes. Elas demonstram uma atitude de espírito
que abençoa todos os que a imitarem. Sem dúvida, nosso Senhor estava
falando com uma perspectiva profética sobre coisas que aconteceriam.
Ele conhecia a hora de sua própria morte e sabia que esse tempo ainda não
havia chegado. É lógico que um conhecimento prévio como esse não é
concedido aos crentes em nossa época. No entanto, existe algo que não
devemos esquecer. Em certa medida, ter a mente de Cristo deve ser nosso
alvo. Temos de almejar possuir um espírito de calma e inabalável confiança
no que se refere às coisas por vir. Devemos cultivar meios de possuir um
coração que “não se atemoriza de más notícias” e que com tranqüilidade
e firmeza confia no Senhor (SI 112.7).
Este é um assunto delicado, tão importante à nossa felicidade, que
demanda consideração. Jamais tenhamos a intenção de ser fatalistas, como
os m uçulm anos, ou insensíveis, como os estóicos. Não podem os
neglicenciar o uso dos meios ou omitir todas as prudentes provisões para
o futuro desconhecido. Negligenciar os meios equivale a fanatismo e não
à fé bíblica. Mas, após termos feito tudo, devemos lembrar que, embora
tenhamos de cumprir nossas obrigações, os acontecimentos pertencem a
Deus. Portanto, devemos nos esforçar para deixar nas mãos de Deus as
coisas futuras e não ficarmos excessivamente ansiosos a respeito de nossa
saúde, família, dinheiro e planos. Cultivar essa mentalidade aumentará
intensamente nossa paz. Muitas de nossas preocupações e temores referem-
se a coisas que nunca chegam a acontecer! Feliz é aquele que anda nos
passos de Jesus e pode afirmar: “Receberei o que é bom para mim. Viverei
no mundo até que minha obra esteja completamente realizada, e nenhum
momento além. Serei levado somente quando estiver amadurecido para a
246 Lucas 13.31-35

vida na eternidade, nem um minuto antes. Todos os poderes do mundo


não podem tirar-me a vida, até que Deus o permita. Os melhores médicos
da terra não poderão preservá-la, quando Ele me chamar para o céu” .
Em tais pensamentos existe algo que está além do alcance do homem?
Absolutamente, não. Os crentes possuem uma aliança eterna, em tudo
bem definida e segura (2 Sm 23.5). Todos os cabelos da cabeça deles
estão contados (Mt 10.30). Seus passos são firmados pelo Senhor (SI
37.23). Todas as coisas cooperam para o bem deles (Rm 8.28). Quando
são disciplinados, isso ocorre para o seu bem (Hb 12.10). Quando estão
doentes, é por causa de algum propósito sábio (Jo 11.4). As Escrituras
afirmam que eles possuem tudo — a vida, a morte, as coisas presentes e
as futuras (1 Co 3.22). Não existe sorte, acaso, chance ou acidente na
vida de um crente. Há somente uma coisa que pode deixar o crente quieto,
calmo, inabalável e tranqüilo — a fé em exercício ativo. Precisamos orar
diariamente por esse tipo de fé. Poucos realmente a conhecem. A fé
exercida por muitos crentes é bastante espasmódica e caprichosa. Por
falta de uma fé consistente e firme, poucos crentes podem dizer, assim
como Cristo: “Andarei hoje e amanhã e não morrerei enquanto minha
obra não estiver realizada” .
Também aprendamos destes versículos quão grande é a compaixão
de nosso Senhor Jesus Cristo para com os pecadores. O fato é ressaltado
de maneira intensa na linguagem de nosso Senhor a respeito de Jerusalém.
Ele conhecia bem a maldade daquela cidade, os crimes que ali haviam
sido cometidos em tempos passados e o que Lhe aconteceria por ocasião
de sua crucificação. Ainda assim, falou a Jerusalém nestes termos: “Quantas
vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio
ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes!”
Entristece o Senhor Jesus ver os pecadores prosseguirem em sua
impiedade. Estas são as suas palavras: “Tão certo como eu vivo... não
tenho prazer na morte do perverso” (Ez 33.11). Todos os não-convertidos
devem recordar: ofender os pais, amigos, vizinhos e líderes religiosos
pouco significa; existe Alguém mais elevado a Quem eles entristecem
profundamente por meio de sua conduta. Eles ofendem diariamente a
Cristo.
O Senhor Jesus está disposto a salvar os pecadores. Ele não quer
que alguém “pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” ; “deseja
que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da
verdade” (2 Pe 3.9; 1 Tm 2.4). Este é um poderoso ensino do evangelho,
um ensino que deixa perplexos muitos teólogos inexperientes e superficiais.
Mas o que dizem as Escrituras? As palavras de Jesus, nos versículos que
acabamos de citar, são evidentes. “Quantas vezes quis eu reunir teus
filhos”, disse Jesus, “e vós não o quisestes”. A vontade da pessoa incrédula,
Lucas 13.31-35 247

que possui coração endurecido, e não a vontade de Cristo é a causa por


que pecadores estão perdidos para sempre. Cristo quer salvá-los, mas
eles não querem ser salvos.
Eis aqui uma verdade deve ser guardada no mais profundo de nosso
coração e produzir frutos em nossa vida. Devemos entender claramente
que, se morrermos em nossos pecados e formos lançados no inferno,
nosso sangue recairá sobre nossa própria cabeça. Não podemos atribuir a
culpa a Deus, o Pai, ou a Cristo, o Redentor, ou ao Espírito Santo, o
Consolador. As promessas dos evangelhos são amplas e abrangentes. A
disposição de Cristo para salvar os pecadores é assegurada de maneira
inconfundível nas Escrituras. Se perdermos nossa alma, não poderemos
culpar a ninguém, exceto a nós mesmos. As palavras de Cristo se tornarão
nossa condenação: “Não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40).
Estejamos atentos para que, ao ler passagens como esta, não sejamos
mais sábios do que as Escrituras. É um erro grave ser mais sábio do que
as coisas escritas na Bíblia. Nossa salvação depende exclusivamente de
Deus: jamais esqueçamos. Somente os eleitos serão salvos — “Ninguém
pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (Jo 6.44). Porém,
nossa perdição, se formos condenados, depende exclusivamente de nós
mesmos. Ceifaremos o fruto de nossa própria escolha; descobriremos que
perdemos nossa alma. Unida a essas duas verdades, existe outra que
devemos sempre afirmar com convicção e dela nunca nos afastarmos. Há
profundo mistério no assunto; nossa mente é imperfeita para compreender
tudo agora. No entanto, o entenderemos posteriormente. Um dia, a
soberania de Deus e a responsabilidade do homem se manifestarão em
perfeita harmonia. Enquanto isso, apesar de nossas dúvidas, jamais
questionemos a infinita prontidão de Cristo para salvar os pecadores.

Cristo Come Pão na Casa de um Fariseu;


A Doutrina da Observância
do Dia de Descanso
Leia Lucas 14.1-6

Observemos inicialmente nesta passagem como nosso Senhor aceitou


a hospitalidade daqueles que não eram seus discípulos. Lemos que Jesus
entrou “num sábado na casa de um dos principais fariseus para comer
pão” . Não podemos imaginar que aquele fariseu era amigo de Cristo.
Apenas fez o que era habitual à sua posição. Ele viu alguém ensinando
coisas espirituais, alguém que era considerado um profeta, e O convidou
248 Lucas 14.1-6

para alimentar-se em sua casa. O fato que deve nos interessar é este: ao
ser feito o convite, o Senhor Jesus o aceitou.
Se desejamos saber como nosso Senhor se comportou à mesa na
casa do fariseu, precisamos somente ler com atenção os primeiros vinte e
quatro versículos deste capítulo. Nós O encontramos agindo da mesma
maneira que agia sempre em todos os lugares, sempre tratando dos negócios
de seu Pai. Primeiramente, nós O vemos defendendo a correta observância
do dia de descanso; em seguida, explicando aos que com Ele ali estavam
reunidos a natureza da verdadeira humildade; depois, incutindo na mente
de seu anfitrião o caráter da hospitalidade autêntica e, por fim, transmitindo
aquela mais conveniente e admirável parábola, a parábola da grande ceia.
Ele fez tudo com muita sabedoria, calma e dignidade. Todas as suas
palavras foram oportunas. Sua conversa era sempre “agradável, temperada
com sal” (Cl 4.6). A perfeição do comportamento de nosso Senhor se
manifestou nessa ocasião, assim como em todas as outras. Ele sempre
dizia a coisa certa, na ocasião oportuna e da maneira correta. Nunca es­
quecia, por um momento sequer, quem Ele mesmo era e onde se en­
contrava.
O exemplo de Cristo nesta passagem merece profunda atenção de
todos os crentes, em especial dos ministros do evangelho. Toma bem
claros alguns assuntos difíceis — nosso relacionamento com pessoas
incrédulas, até que ponto podemos estender esse relacionamento, a maneira
como devemos nos comportar quando estamos juntos com eles. Neste
capítulo, nosso Senhor deixou um padrão para nossa conduta. Nossa
sabedoria consistirá em nos esforçarmos para andar nos passos dEle.
Não devemos esquivar-nos completamente do relacionamento com
pessoas não-convertidas. Se fosse possível, agir assim seria covardia e
negligência, pois nos privaria de muitas oportunidades para fazermos o
bem. No entanto, devemos estar na companhia deles manifestando
moderação, vigilância, em atitude de oração e com a firme resolução de
realizar a obra e os interesses de nosso Senhor. O crente não deve esperar
receber hospitalidade e tornar-se íntimo daqueles que deliberadamente
recusam o Senhor. Até que ponto o crente deve estender seu relacionamento
com os incrédulos é algo que cada um deve estabelecer por si mesmo.
Alguns crentes podem ir mais avante do que outros, com alguma vantagem
para aqueles com quem tais crentes convivem e sem prejuízo para si
mesmos. “Cada um tem de Deus o seu próprio dom” (1 Co 7.7). No que
se refere ao assunto, há duas perguntas que devemos sempre fazer a nós
mesmos: “Estando na companhia de pessoas incrédulas, gasto meu tempo
em conversas insignificantes e mundanas? Ou me esforço para seguir,
embora com fraqueza, o exemplo de Cristo?” Se estamos na companhia
de pessoas incrédulas e não podemos responder estas perguntas de maneira
Lucas 14.1-6 249

satisfatória, faremos melhor em nos afastarmos de tais pessoas. Não


sofreremos qualquer dano, se estivermos com pessoas incrédulas servindo-
nos da mesma atitude que Cristo demonstrou nessa ocasião.
Em segundo, observemos nesta passagem como nosso Senhor era
observado por seus inimigos. Somos informados que, ao dirigir-se no
sábado à casa do fariseu para comer pão, “eis que o estavam observando” .
Essa circunstância é uma figura daquilo a que Jesus esteve sujeito durante
seu ministério terreno. Os olhos de seus inimigos estavam constantemente
observando-O. Aguardavam um tropeço da parte dEle e esperavam com
ansiedade por uma palavra ou atitude com a qual poderiam elaborar uma
acusação. Mas não tiveram nenhuma. Nosso Senhor é sempre santo, sem
malícia, dolo ou qualquer maldade. Realmente perfeita deve ter sido a
vida em que a inimizade implacável não pôde encontrar qualquer falha,
culpa, erro, imperfeição ou coisas desse tipo.
Aquele que deseja servir a Cristo deve estar disposto a ser observado,
não menos do que o foi seu Senhor. Não pode esquecer que os olhos do
mundo estão sobre ele e que seus caminhos estão sendo meticulosamente
observados pelos ímpios. Em especial, precisa lembrar-se disso quando
estiver na companhia de pessoas incrédulas. Se na ocasião cometer um
deslize, em atos ou em palavras, e agir de maneira incoerente, pode estar
certo de que isso não será esquecido.
Esforcemo-nos para viver cada dia como pessoas que andam sob os
olhos de um Deus santo. Vivendo desse modo, pouco nos importará o
quanto estamos sendo observados por um mundo intolerante e malicioso.
Empenhemo-nos por ter uma consciência livre de culpa diante de Deus e
dos homens, não fazendo coisa alguma que dê aos inimigos do Senhor
ocasião de blasfêmia. Isto é possível. Pela graça de Deus, podemos fazê-
lo. Os inimigos de Daniel foram obrigados a confessar: “Nunca acharemos
ocasião alguma para acusar a este Daniel, se não a procurarmos contra ele
na lei do seu Deus” (Dn 6.5).
Por último, observemos nesta passagem como nosso Senhor asse­
gurou a legitimidade de realizar obras de misericórdia no dia de descanso.
O Senhor Jesus curou um homem hidrópico, no sábado, e, a seguir,
perguntou aos fariseus: “Qual de vós, se o filho ou o boi cair num poço,
não o tirará logo, mesmo em dia de sábado?” . Era uma verdade de­
sagradável da qual os fariseus estavam conscientes e da qual não podiam
esquivar-se. Está escrito: “A isto nada puderam responder” .
A qualificação que nosso Senhor vinculou às exigências do quarto
mandamento está evidentemente fundamentada nas Escrituras, na razão e
no bom senso. O dia de descanso foi estabelecido para o benefício e não
para o prejuízo do homem; para vantagem e não para injúria do homem.
A interpretação da lei de Deus em referência ao dia de descanso jamais
250 Lucas 14.1-6

teve o propósito de ser tão restrita, a ponto de impedir a realização de


caridade e bondade, atendendo às reais necessidades das pessoas. Todas
as interpretações que transmitem essa idéia anulam seu próprio objetivo.
Exigem aquilo que o homem caído não pode cumprir e trazem descrédito
a todo o quarto mandamento. Nosso Senhor percebeu isso com clareza e
se empenhou, durante o seu ministério, parà restaurar à sua correta posição
essa parte preciosa da lei de Deus.
A seguir, faço algumas considerações sobre o princípio que nosso
Senhor estabeleceu a respeito da observância do dia de descanso. O direito
de fazer obras de misericórdia e necessidade tem sido abusado nestes
últim os dias. M ilhões de crentes parecem ter destruído o muro e
ultrapassado os limites em referência ao dia sagrado. Parecem esquecer
que, embora o Senhor tenha repetido freqüentemente o quarto mandamento,
Ele nunca o anulou da lei de Deus ou disse que todos os crentes não têm
obrigação de guardá-lo.
Alguém pode dizer que passear no domingo, exceto por causa de
raras emergências, é uma obra de misericórdia? Alguém poderá nos
informar se negociar, celebrar festas, realizar excursões, fazer entregas
no domingo são obras de misericórdia? Os empregados, os lojistas, os
maquinistas, os balconistas e os entregadores não têm alma? Não precisam
de descanso para seus corpos e tempo para alimentar suas almas, assim
como as outras pessoas? Todas são perguntas sérias sobre as quais muitos
devem pensar.
Não importa o que os outros façam, procuremos “santificar” o dia
do Senhor. Deus tem uma contenda com os crentes no que se refere à
profanação do domingo. É um clamor que tem subido até aos céus e um
dia terá a sua vindicação. Purifiquemo-nos desse pecado e de maneira
alguma nos envolvamos nele. Se os outros estão decididos a roubar a
Deus e a apropriarem-se do dia dEle, para realizarem seus propósitos
egoístas, não sejamos participantes de seus pecados.

Jesus Recomenda a Humildade;


Nossos Verdadeiros Convidados
Leia Lucas 14.7-14

Primeiramente, devemos aprender destes versículos o valor da


humildade. E uma lição que nosso Senhor ensinou de duas maneiras:
primeira, Ele advertiu os convidados ao jantar a assentarem-se no “último
lugar” ; segunda, ele fortaleceu a advertência declarando um grande
Lucas 14.7-14 251

princípio, que freqüentemente fluiu de seus lábios — “Todo o que se


exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado” .
A humildade pode ser chamada de a rainha de todas as virtudes
cristãs. Reconhecer nossa própria pecaminosidade e fraqueza e sentir
necessidade de Cristo é o início do cristianismo que salva. A humildade é
a virtude que tem sido a característica distintiva no caráter dos crentes
mais piedosos em todas as épocas. Abraão, Moisés, Jó, Davi, Daniel e
Paulo, todos eles foram eminentemente humildes. Acima de tudo, é uma
virtude que está ao alcance de todo verdadeiro crente. Nem todos eles
possuem dinheiro para socorrer os necessitados; tampouco desfrutam de
tempo e oportunidade para trabalharem abertamente em favor de Cristo.
E nem todos possuem capacidade de falar bem, habilidade e conhecimento
para fazerem o bem no mundo. Mas todo homem verdadeiramente
convertido deve se esforçar para adornar com humildade a doutrina que
professa. Se não sentem-se capazes de fazer qualquer outra coisa, podem
empenhar-se para serem humildes.
Sabemos qual a raiz e a fonte da humildade? Apenas uma palavra a
descreve. O conhecimento correto é a raiz e a fonte da humildade. O
homem que conhece a si mesmo e ao seu próprio coração, conhece a
Deus e sua majestade e santidade infinitas, conhece a Cristo e o preço que
Ele pagou por nossa redenção — tal homem jamais será orgulhoso. Assim
como Jacó, haverá de considerar-se “indigno de todas as misericórdias”
de Deus (Gn 32.10). A semelhança de Jó, dirá a respeito de si mesmo:
“Sou indigno” (Jó 40.4). Clamará, assim como o apóstolo Paulo: “Eu
sou o principal dos pecadores” (1 Tm 1.15). Não achará nada bom em si
mesmo. Em humildade de espírito, julgará os outros melhores do que ele
mesmo (Fp 2.3). Ignorância, nada menos do que ignorância — ignorância
acerca de si mesmo, de Deus e de Cristo — é o verdadeiro segredo do
orgulho. Devemos orar diariamente para sermos livres de tão miserável
auto-ignorância. O homem sábio é aquele que conhece a si mesmo e,
possuindo tal conhecimento, em seu íntimo não encontrará coisa alguma
que o torne orgulhoso.
Em segundo, devemos aprender o dever de cuidar dos pobres. Nosso
Senhor nos ensinou um dever utilizando um modo peculiar. Disse ao
fariseu que O havia convidado para comer: “Quando deres um jantar ou
uma ceia, não convides os teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes,
nem vizinhos ricos... Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os
aleijados, os coxos e os cegos” .
O preceito contido aqui tem de ser interpretado com restrições
consideráveis. E certo que nosso Senhor não tencionava proibir-nos de
manifestar hospitalidade aos nossos parentes e amigos. Com certeza, Ele
não tinha o propósito de encorajar-nos ao gasto inútil e abundante de
252 Lucas 14.7-14

nosso dinheiro, dando-o aos pobres. Interpretar a passagem dessa forma a


tornaria contrária a outras passagens claras das Escrituras. Interpretações
como essas não podem estar corretas.
Mas, após ter dito isso, não podemos esquecer que esta passagem
contém uma lição profunda e importante. Temos de ser cuidadosos em
não limitar ou qualificar a lição, de modo que a reduzamos e a refinemos,
a ponto de transformá-la em nada. A lição é clara e distinta: o Senhor Je­
sus deseja que nos preocupemos com nossos irmãos mais pobres e os
ajudemos de acordo com nossas posses; Ele quer que saibamos que é um
solene dever nunca negligenciar os pobres, e sim ajudá-los e socorrê-los
em tempos de necessidade.
É uma lição que deve aprofundar-se em nosso coração. “Nunca
deixará de haver pobres na terra” (Dt 15.11). Um pouco de ajuda outorgada
aos pobres, com critério e na ocasião oportuna, aumentará intensamente
sua felicidade, aliviará suas inquietações e promoverá bons sentimentos
entre as classes sociais. É a vontade de Cristo que todo seu povo que
possui condições seja espontâneo e disposto a oferecer ajuda aos pobres.
O espírito mesquinho e sagaz que leva muitos a falar sobre as “neces­
sidades” de sua própria casa e a condenar toda bondade para com os
pobres é excessivamente contrário à mente de Cristo. Não foi em vão que
o Senhor Jesus declarou que dirá ao ímpio no Dia do Juízo: “Tive fome,
e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber” (Mt
25.42). Não foi em vão que Paulo escreveu aos gálatas: “Recomendando-
nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também me esforcei
por fazer” (G1 2.10).
Por último, devemos aprender destes versículos a grande importância
de pensar antecipadamente sobre a ressurreição dos mortos. Temos uma
lição que se destaca de maneira admirável na linguagem utilizada por
nosso Senhor em referência ao assunto de demonstrar caridade aos pobres.
Ele disse ao fariseu: “Os pobres não têm com que recompensar-te; a tua
recompensa, porém, tu a receberás na ressurreição dos justos” .
Haverá uma ressurreição após a morte. Isto jamais deve ser esquecido.
A vida que temos neste corpo não é tudo. O mundo visível que nos cerca
não é o único com o qual temos de lidar. Tudo não está acabado quando o
último suspiro é dado e homens e mulheres são levados à sua residência
no sepulcro. Um dia a trombeta soará, e os mortos ressurgirão incor­
ruptíveis. Todos os que se encontram no sepulcro ouvirão a voz de Cristo
e sairão: aqueles que tiverem feito o bem ressurgirão para a ressurreição
da vida, e os que tiverem feito o mal, para a ressurreição da condenação.
Essa é uma das grandes verdades fundamentais do cristianismo. Apeguemo-
nos com firmeza a essa verdade e dela jamais nos afastemos.
Esforcemo-nos para viver como homens que crêem na ressurreição
Lucas 14.7-14 253

e na vida por vir, desejando sempre estar prontos para o mundo vindouro.
Vivendo assim, haveremos de aguardar a morte com tranqüilidade.
Descobriremos que existe uma herança melhor para nós além do túmulo.
Vivendo assim, aceitaremos com paciência tudo que temos de suportar
neste mundo. Provações, perdas, desapontamentos e ingratidão pouco
nos afetarão. Não esperaremos receber nossa recompensa nesse mundo.
Confiaremos que tudo será retificado naquele dia e que o Juiz de toda a
terra julgará corretamente (Gn 18.25).
Como podemos suportar o pensamento da ressurreição? O que nos
capacita a aguardar um mundo vindouro sem ficarmos alarmados? Somente
a fé em Cristo. Crendo nEle, não temos qualquer temor. Nossos pecados
não se apresentarão contra nós. As exigências da lei de Deus terão sido
completamente satisfeitas. Permaneceremos firmes naquele grande Dia e
nenhuma acusação será lançada contra nós (Rm 8.33). Homens mundanos,
como Félix (At 24.25), certamente podem tremer, quando pensam sobre
a ressurreição. Mas os crentes, assim como o apóstolo Paulo, podem
regozijar-se.

A Parábola da Grande Ceia


Leia Lucas 14.15-24

Estes versículos contêm uma das mais instrutivas parábolas de nosso


Senhor. Foi proferida como resposta a uma observação feita por um homem
que estava à mesa com Ele na casa do fariseu. O homem disse: “Bem-
aventurado aquele que comer pão no reino de Deus” . Não sabemos com
exatidão qual o objetivo dessa declaração. E provável que seu autor
pertencia à classe de pessoas que desejam ir ao céu e gostam de ouvir
conversas sobre coisas espirituais, mas não passam disso. Nosso Senhor
aproveitou a ocasião para recordar-lhe, bem como a todos os outros
ouvintes, por meio da parábola da grande ceia, que o reino de Deus pode
ser ofertado aos homens e, assim mesmo, ser rejeitado espontaneamente,
tornando-se eles perdidos para sempre.
Primeiramente, esta parábola nos ensina que Deus fe z uma grande
provisão para a salvação das almas dos homens. Temos, então, o
significado das palavras “Certo homem deu uma grande ceia e convidou
muitos” . Nisso consiste o evangelho: ele contém um suprimento completo
de tudo que os pecadores necessitam para serem salvos. Naturalmente
somos todos famintos, vazios, desamparados e estamos prontos a perecer.
Perdão para todos os pecados, paz com Deus, justificação, santificação,
254 Lucas 14.15-24

graça na jornada terrena e glória na vida além são as graciosas provisões


que Ele preparou para atender as necessidades de nossa alma. Não existe
nada que os corações sobrecarregados pelo pecado desejam ou as consci­
ências fatigadas exijam que em Cristo não sejam colocados diante dos ho­
mens em rica provisão. Em poucas palavras, Cristo é a síntese e a substância
da “grande ceia” . “Eu sou o pão da vida”, Ele declarou, “o que vem a
mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” ; “Quem
comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna” ; “A minha
carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida” (Jo
6.35, 54, 55).
Em segundo, esta parábola nos ensina que as ofertas e os convites
do evangelho são generosos e amplos. O Senhor Jesus disse que o patrono
da ceia “enviou o seu servo para avisar aos convidados: Vinde, porque
tudo já está preparado” . Da parte de Deus, nada está em falta para a sal­
vação do homem. Se o homem não é salvo, a culpa não está em Deus. O
Pai está disposto a receber todos os que vierem a Ele por meio de Cristo.
O Filho está pronto para purificar os pecados de todos os que vierem a
Ele, pela fé. O Espírito Santo está pronto para habitar em todos os que O
pedirem ao Pai. Em Deus existe uma disposição infinita para salvar os
homens, se tão-somente eles estiverem dispostos a serem salvos.
Há plena certeza para os pecadores que se aproximam de Deus através
de Cristo. O vocábulo “vinde” se estende a todos, sem exceção. Os homens
que trabalham intensamente por sua salvação, sentem-se cansados? “Vinde
a m im ” , disse Jesus, “todos os que estais cansados e sobrecarregados, e
eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Estão sedentos? “Se alguém tem sede” ,
afirmou Jesus, “venha a mim e beba” (Jo 7.37). São pobres e famintos?
“Vinde” , declarou Jesus, “comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e
leite” (Is 55.1). Nenhum homem jamais poderá dizer que não teve qualquer
encorajamento para buscar a salvação. As palavras de nosso Senhor devem
silenciar todos os que criam obstáculos: “O que vem a mim, de modo
nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37).
Em terceiro, esta parábola nos ensina que muitos dos que recebem
os convites do evangelho recusam-se a aceitá-los. Jesus nos contou que,
quando o servo anunciou que tudo estava pronto, aqueles que haviam sido
convidados começaram a escusar-se. Todos apresentaram desculpas triviais.
Em um ponto, todos estavam de acordo: não queriam vir.
A parábola contém uma ilustração vívida da resposta que o evangelho
está constantemente recebendo, em todos os lugares em que é proclamado.
Milhões de pessoas estão continuamente fazendo aquilo que a parábola
descreve. São convidados a vir a Cristo, mas não querem vir. Não é a
ignorância em relação ao cristianismo que arruina as almas dos homens; é
a falta de vontade para usar o conhecimento que possuem ou o amor por
Lucas 14.15-24 255

este mundo. Não é a imoralidade explícita que está enchendo o inferno; é


a excessiva atenção às coisas que, em si mesmas, são legítimas. Não de­
vemos temer o ousado desprazer para com o evangelho, e sim o espírito
de procrastinação e de desculpas que está sempre pronto a mostrar uma
razão por que não pode servir a Cristo hoje. As palavras de nosso Senhor
sobre este assunto devem arraigar-se em nosso coração. A incredulidade
e a imoralidade, sem dúvida, têm destruído os seus milhares, mas as
desculpas plausíveis, gentis, proferidas com cortesia, têm destruído os
seus dez milhares. Nenhuma desculpa pode justificar um homem, ao recusar
o convite de Deus e não vir a Cristo.
Por último, esta parábola nos ensina que Deus deseja intensamente
a salvação de almas e que sejam utilizados todos os meios para garantir
a aceitação de seu evangelho. Quando os primeiros convidados recusaram
vir à ceia, “voltando o servo, tudo contou ao seu senhor. Então, irado, o
dono da casa disse ao seu servo: Sai depressa para as ruas e becos da
cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” .
Após o servo executar a ordem, ainda havia lugar; e o senhor lhe ordenou:
“Sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que fique
cheia a minha casa” .
O significado dessas palavras admite pouca discussão. Com certeza,
elas nos justificam, quando afirmamos que ilustram o imenso amor e a
compaixão de Deus para com os pecadores. A longanimidade de Deus é
inesgotável. Se alguns não aceitam a verdade, Ele convidará outros em
lugar desses. Sua compaixão pelos pecadores não é algo fingido ou
imaginário. Deus está infinitamente disposto a salvar almas. Acima de
tudo, essas palavras justificam cada pastor e pregador do evangelho, quando
empregam todos os recursos possíveis para despertar os pecadores e con­
vertê-los de seus pecados. Se não quiserem vir à igreja, devemos visitá-los
em suas casas. Se não quiserem ouvir a pregação do evangelho no culto
público, precisamos estar dispostos a pregá-lo de casa em casa. Não de­
vemos sequer ter receio de utilizar palavras graves. Temos de pregar
“quer seja oportuno, quer não” (2 Tm 4.2).
Temos de lidar com muitas pessoas não-convertidas como pessoas
que estão quase dormindo, quase totalmente fora de si, sem plena cons­
ciência do estado em que se encontram. Temos de apresentar insis­
tentemente o evangelho à atenção delas, fazendo-o por repetidas vezes.
Temos de clamar em voz alta e não poupar oportunidades. Temos de lidar
com elas como se fossem pessoas que estão prestes a cometer suicídio.
Devemos falar a elas como se estivéssemos arrancando um tição do fogo.
Temos de afirmar: “Não posso... não ousarei permitir que vocês continuem
avançando para a ruína de sua própria alma” . As pessoas do mundo não
podem entender uma tão zelosa maneira de agir. Elas podem zombar e
256 Lucas 14.15-24

escarnecer de qualquer zelo ou fervor no cristianism o verdadeiro,


considerando-o fanatismo. Mas o “homem de Deus” , que deseja realizar
a obra de um evangelista, pouco se importará com o que os homens do
mundo dizem. Ele se lembrará das palavras da parábola e convidará os
homens a entrarem.
Terminemos nossas considerações sobre esta parábola examinando
a nós mesmos com seriedade. Ela deve falar conosco nos dias atuais. É
um convite do evangelho que se dirige tanto a nós quanto aos judeus. O
Senhor Jesus está nos dizendo constantemente: “Vinde ao banquete... Vinde
a mim” . Já aceitamos o convite de Jesus? Ou esta mos respondendo:
“Não posso v ir” . Se morrermos sem vir a Cristo, seria melhor não
havermos nascido.

Jesus Recomenda a Auto-Renúncia;


Calculando o Preço;
O Sal que Perdeu o Sabor
Leia Lucas 14.25-35

Em primeiro lugar, destes versículos aprendemos que os verdadeiros


crentes têm de estar dispostos a desistir de tudo, por amor a Cristo, se fo r
necessário. A lição é ensinada através de uma linguagem notável. Nosso
Senhor disse: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e
mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode
ser meu discípulo” (Lc 14.26).
Sem dúvida, esta expressão tem de ser interpretada com algum
esclarecimento. Nunca devemos explicar qualquer texto das Escritas de
tal maneira que ele venha a contradizer outro texto. Nosso Senhor não
tencionava que entendêssemos que o verdadeiro cristão tem o dever de
odiar seus parentes. Isto seria contrário ao quinto mandamento. Ele apenas
pretendia dizer que seus seguidores devem amá-Lo com um profundo
amor, mais intenso do que o amor manifestado em seu relacionamento
com pessoas queridas e achegadas e do que o amor a suas próprias vidas.
O Senhor Jesus não desejava ensinar que contender com nossos amigos e
parentes é uma parte essencial do cristianismo; porém, estava dizendo
que, se as reivindicações de nossos parentes e amigos entrarem em conflito
com as dEle mesmo, precisamos deixar de lado as reivindicações de nossos
parentes e amigos. Antes, devemos escolher desagradar aqueles que
amamos na terra do que desagradar Aquele que morreu por nós na cruz.
A exigência que o Senhor Jesus coloca sobre nós é peculiarmente
Lucas 14.25-35 257

severa e perscrutadora. No entanto, é uma exigência sábia e necessária. A


experiência demonstra que, tanto na igreja como em nossa própria pátria
e nos campos missionários longínquos, alguns dos inimigos da alma de
um homem são, em muitas ocasiões, os seus próprios parentes. Às vezes,
acontece que o maior obstáculo no caminho de uma pessoa despertada em
sua consciência é a oposição de amigos e parentes. Pais incrédulos não
podem suportar ver seus filhos assumindo uma nova postura referente às
coisas espirituais. Mães ímpias ficam irritadas ao verem suas filhas sem
vontade de participarem nas atividades do mundo. Conflito de opiniões
ocorre sempre que a graça divina adentra em uma família. Então, surge
aquele tempo em que o verdadeiro seguidor de Cristo tem de lembrar a
essência das palavras de nosso Senhor nesta passagem e precisa estar
disposto a ofender seus familiares, ao invés de ofender a Cristo.
Em segundo, aprendemos destes versículos que os interessados em
seguir a Cristo devem ser advertidos a “calcular” o preço. A lição foi
proferida tendo em vista as multidões que seguiam a Jesus, sem qualquer
ponderação e estimativa do custo, e reforçada pelo uso de ilustrações
extraídas do guerrear e do edificar, É uma lição útil em qualquer época da
História da Igreja.
Ser um verdadeiro cristão custa alguma coisa. Jamais o esqueçamos.
Ser um cristão nominal e ir à igreja é algo barato e fácil. Mas ouvir a voz
de Cristo, segui-Lo, crer nEle e confessá-Lo exige muita renúncia. Custa
a nossa justiça própria, nossos pecados, nossa tranqüilidade e nosso mun-
danismo. Tudo, tudo precisa ser abandonado. Temos de lutar contra um
inimigo que vem contra nós com vinte mil seguidores. Precisamos construir
uma torre em tempos difíceis. Nosso Senhor desejava que entendêssemos
isso completamente. Ele nos ordena a “calcular” o preço.
Por que nosso Senhor utilizou essa linguagem? Pretendia desencorajar
os homens a tornarem-se seus discípulos? Tinha o propósito de fazer que
o caminho da vida parecesse ainda mais estreito? Não é difícil achar uma
resposta para tais perguntas. Nosso Senhor se manifestou a fim de evitar
que os homens O sigam com leviandade e imprudência, motivados apenas
por sentimentos e estímulos naturais, que na hora da provação desaparecem.
Ele sabia que nada causa tantos males ao verdadeiro cristianismo quanto a
apostasia; também estava certo de que nada produz tanta apostasia quanto
o permitir que as pessoas venham a Cristo sem conscientizá-las do
compromisso que realmente estão assumindo, O Senhor Jesus não tinha
desejo de ampliar seu número de seguidores por admitir soldados que
fracassariam na hora da necessidade. Por esse motivo, proferiu essa
advertência. Ele ordena a todos os que pensam em segui-Lo a avaliarem o
custo, antes de começarem.
Seria bom para a igreja de ( !risto e para o mundo, se os ministros do
258 Lucas 14.25-35

evangelho sempre recordassem a excelente conduta de nosso Senhor. Com


muita freqüência, pessoas tornam-se crentes fundamentadas na ilusão pes­
soal e são encorajadas a pensarem que se converteram, quando na realidade
ainda são incrédulas. Os sentimentos são confundidos com a fé. Imaginam
que convicções pessoais constituem a graça divina. Essas coisas não devem
nos enganar. Sim, encorajemos aqueles que estão no início da vida espiritual
em suas almas; entretanto, jamais insistamos que prossigam adiante sem
contar-lhes o que está envolvido no verdadeiro cristianismo. Nunca
ocultemos deles a batalha e o labor intenso. Digamos: “Venham conosco” ,
mas também: “Calculem o preço” .
Por último, aprendemos destes versículos quão miserável é a condição
daqueles que rejeitam a Cristo e apostatam. E uma lição intimamente
ligada a anterior. A necessidade de calcular o preço é reforçada por uma
ilustração que retrata as conseqüências de alguém não fazer isso. Aquele
que confessou aceitar a Cristo e dEle se afastou é semelhante ao sal que se
torna “insípido” . Esse tipo de sal é completamente inútil; não “presta
para a terra, nem mesmo para o monturo; lançam-no fora” . A condição
desse sal é semelhante à de um apóstata. Não admiremos que nosso Senhor
disse: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” .
A verdade que nosso Senhor destaca é bastante dolorosa, mas útil e
necessária. Lembremos que nenhum homem se encontra em um estado
tão perigoso quanto aquele que conhecia a verdade, professava amá-la e,
posteriormente, abandonou sua confissão e retornou ao mundo. Você não
poderá falar-lhe sobre nada que ele desconheça ou mostrar-lhe alguma
doutrina que ele nunca ouviu. Ele não pecou por ignorância como muitas
pessoas, mas abandonou a Cristo tendo os olhos abertos. Pecou contra um
Deus que conhecia. A situação do apóstata é quase desesperadora. Para
Deus tudo é possível; todavia, está escrito: “E impossível, pois, que aqueles
que uma vez foram iluminados... e caíram, sim, é impossível outra vez
renová-los para arrependimento” (Hb 6.4,6).
Meditemos bem sobre tais verdades, as quais nunca serão suficiente­
mente consideradas. Jamais devemos ter receio de servir a Cristo. Mas
comecemos a servi-Lo com seriedade, ponderação e devida avaliação do
compromisso que estamos assumindo. E, após começarmos, supliquemos
graça para que sejamos perseverantes e jamais nos afastemos dEle.

As Parábolas da Ovelha e da Dracma Perdidas


Leia Lucas 15.1-10

O capítulo iniciado por estes versículos é bast mte conhecido pelos


Lucas 15.1-10 259

leitores da Bíblia. Poucos capítulos das Escrituras têm produzido tanto


benefício às almas dos homens quanto o capítulo quinze do Evangelho de
Lucas. Estejamos atentos para que o faça também a nós.
Primeiramente, devemos observar nestes versículos o testemunho
notável que os inimigos de nosso Senhor proferiram a seu respeito. Quando
“aproximavam-se de Jesus todos os publicanos e pecadores para o ouvir” ,
os fariseus e os escribas murmuravam, “dizendo: Este recebe pecadores e
come com eles” .
São palavras certamente pronunciadas com surpresa e zombaria,
não com prazer e admiração. Os ignorantes guias dos judeus não podiam
entender um pregador de coisas espirituais que se relacionava com pessoas
ímpias. No entanto, suas palavras resultaram em bênção. A mesma afir­
mativa que os líderes religiosos dos judeus utilizaram para reprovar Jesus
foi adotada por Ele como uma verdadeira descrição de seu ofício. A afir­
mativa deles levou Cristo a proferir três parábolas muito instrutivas.
O testemunho dos escribas e fariseus foi completa e literalmente
verdadeiro. De fato, o Senhor Jesus é Aquele que “recebe pecadores” .
Ele os recebe para perdoá-los, santificá-los e prepará-los para ir ao céu; é
seu ministério especial. Foi para isso que Cristo veio ao mundo. Não veio
chamar justos e sim pecadores ao arrependimento e salvá-los. Aquilo que
Ele era, enquanto esteve na terra, hoje Ele é, à direita de Deus, e o será
por toda a eternidade. Enfaticamente, o Senhor Jesus é o amigo dos pe­
cadores.
Temos algum senso de pecado? Percebemos que somos ímpios, cul­
pados e merecedores da ira de Deus? As recordações de nossa vida são
desagradáveis para nós? Lembrar nossa conduta passada nos deixa enver­
gonhados? Então, somos as pessoas adequadas que devem recorrer a Cristo,
assim como somos, não apresentando-Lhe qualquer mérito pessoal e vindo
a Ele sem demora. Cristo nos receberá de maneira graciosa, perdoará
gratuitamente e nos outorgará a vida eterna. O Senhor Jesus é Aquele que
“recebe pecadores” . Não percamos nossa alma por deixarmos de recorrer
a Ele, para que sejamos salvos.
Em segundo, devemos observar nestes versículos as admiráveis
figuras que nosso Senhor utilizou para descrever seu amor para com os
pecadores. Em resposta à notável acusação de seus inimigos, Ele contou
três parábolas — a da ovelha perdida, a da moeda perdida e a do filho
pródigo. As duas primeiras estão relatadas no texto que ora consideramos.
Todas as três foram proferidas com o propósito de ilustrar a mesma e
única verdade; explicam com bastante clareza a disposição de Cristo para
salvar os pecadores.
O amor de Cristo é ativo e realizador. Assim como o pastor não
ficou sentado, quieto, lamentando sua ovelha perdida, e a mulher não
260 Lucas 15.1-10

permaneceu imóvel, passiva, chorando por sua moeda perdida, assim


também nosso bendito Senhor não ficou nos céus condoendo-se dos
pecadores. Ele deixou a glória que possuía ao lado do Pai e humilhou-se,
tornando-se semelhante aos homens. Veio ao mundo para buscar e salvar
o perdido. Não descansou até que consumou a expiação por nossos pecados,
trazendo-nos justiça eterna, providenciando redenção eterna e abrindo a
porta da vida para todo o que deseja ser salvo.
O amor de Cristo é caracterizado por renúncia própria. O pastor
trouxe em seus ombros a ovelha perdida de volta ao lar, ao invés de
abandoná-la no deserto. A mulher acendeu uma lâmpada, varreu a casa,
procurou diligentemente e não poupou esforços, até que achou a sua dracma
perdida. Assim também Cristo não poupou a Si mesmo, quando veio ao
mundo para salvar os pecadores. Ele “suportou a cruz, não fazendo caso
da ignomínia” (Hb 12.2). O Senhor Jesus entregou sua “própria vida em
favor dos seus amigos”; “maior amor do que este” jamais poderá ser
demonstrado (Jo 15.13).
O amor de Cristo é intenso e profundo. Assim como o pastor se
regozijou por encontrar a sua ovelha, e a mulher, por achar a sua dracma,
assim também o Senhor Jesus se regozija em salvar pecadores. É um
genuíno prazer para Ele arrebatá-los como tições do fogo. Sua “comida e
bebida” , enquanto estava na terra, consistia em consumar a obra que
viera realizar. Ele ficou angustiado de espírito, enquanto não a consumou;
e ainda deleita-se em manifestar misericórdia. Cristo está mais disposto a
salvar os pecadores do que estes a serem salvos.
Esforcemo-nos para saber algo a respeito do amor de Cristo. É um
amor que, de fato, ultrapassa todo entendimento; é insondável e indes­
critível. É o amor no qual precisamos descansar completamente nossa
alma, se desejamos ter paz no presente e glória na eternidade. Se achamos
consolação em nosso amor para com Cristo, estamos edificando sobre um
alicerce arenoso. Mas, se confiamos no amor de Cristo para conosco,
estamos sobre uma rocha firme.
P o r ú ltim o , devem os ob serv ar nestes versículos o grande
encorajamento que nosso Senhor ofereceu em referência ao arrepen­
dimento. Lemos as palavras impressionantes: “Haverá... júbilo no céu
por um pecador que se arrepende” . Encontramos a idéia novamente na
mesma passagem: “Há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador
que se arrepende” . É uma verdade transmitida duas vezes para tornar
impossível qualquer dúvida.
Sem dúvida, encontramos ensinos profundos nas afirmativas bíblicas.
Nossas mentes frágeis têm pouca capacidade para entender como o regozijo
no céu pode crescer em intensidade. No entanto, uma coisa se destaca
claramente: existe uma infinita prontidão da parte de Deus para receber
Lucas 15.1-10 261

os pecadores. Embora uma pessoa tenha sido muito ímpia, no dia em que
ela verdadeiramente se converte de sua impiedade e, por meio de Cristo,
se achega a Deus, Ele se mostra intensamente satisfeito. Ele não tem
prazer na morte do ímpio, e sim em que este realmente se arrependa.
Aquele que tem receio de arrepender-se deve meditar sobre a
passagem que estamos considerando e nunca mais sentir-se receoso. Da
parte de Deus, nada existe que justifique seus temores. Uma porta aberta
tem sido colocada diante dele. Um perdão gratuito o aguarda. “Se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os
pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).
Aquele que se envergonha de arrepender-se considere estes versículos
e lance fora toda a sua vergonha. O que importa, se o mundo o desprezar
e zombar de seu arrependimento? Enquanto os homens estão escarnecendo,
os anjos estão se regozijando. A mudança que os incrédulos chamam de
tolice é a mesma que enche os céus de regozijo.
Já nos arrependemos? Afinal de contas, é a grande pergunta que
deve nos inquietar. Que proveito há em conhecer o amor de Cristo, se
desse amor deixamos de nos beneficiar? “Se sabeis estas coisas, bem-
aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.17).

A Parábola do Filho Pródigo


Leia Lucas 15.11-24

A parábola que agora consideramos é habitualmente conhecida como


“a parábola do filho pródigo” . Poderia muito bem ser qualificada como
uma poderosa ilustração espiritual. Diferentemente de muitas das parábolas
de nosso Senhor, ela não transmite apenas uma grande lição, e sim várias
lições. Todas as suas partes são particularmente ricas em instruções.
Primeiramente, encontramos nela um homem seguindo a inclinação
natural de seu coração. Nosso Senhor nos mostrou um “filho mais moço”
que se apressou em seguir seu próprio caminho, partiu para uma terra
distante, longe da casa de um pai bondoso, e “lá dissipou todos os seus
bens, vivendo dissolutamente” .
Temos aqui um retrato fiel da mentalidade com a qual todos nascemos.
Somos semelhantes a esse rapaz. Por natureza, somos orgulhosos e
voluntariosos. Não temos prazer na comunhão com Deus. Apartamo-nos
dEle, indo para bem distante de sua pessoa. Desperdiçamos nosso tempo,
energias, capacidades, afeições em coisas inúteis. O avarento faz isso de
uma maneira; o escravo das concupiscências e paixões e aquele que ama
262 Lucas 15.11-24

os prazeres o fazem de outra. Somente em um ponto todos concordam.


Por natureza, todos nós andamos desgarrados como ovelhas; cada um se
desvia seguindo seu próprio caminho (Is 53.6). Na conduta do filho mais
moço, vemos o coração do homem natural.
Aquele que nada sabe sobre as verdades aqui demonstradas tem
muito a aprender. Está espiritualmente cego. Os olhos de seu entendimento
precisam ser abertos. A pior ignorância do mundo é não conhecermos a
nós mesmos. Feliz é aquele que foi liberto do reino das trevas e tornou-se
consciente de sua própria situação. De muitas pessoas poderia ser dito:
“Eles nada sabem, nem entendem; vagueiam em trevas” (SI 82.5).
Em segundo, vemos nesta parábola um homem descobrindo, através
de amarga experiência, que os caminhos de pecado são árduos. Nosso
Senhor nos mostra o filho mais moço desperdiçando todos os seus bens,
sendo reduzido à condição de necessitado e obrigado a assumir o trabalho
de “guardar porcos” e sentindo-se tão faminto, que estava disposto a
“fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas ninguém lhe dava
nada” .
São palavras que descrevem uma situação muito comum entre os
homens. O pecado é um senhor severo, e seus servos sempre descobrem
isso, mais cedo ou mais tarde, com prejuízo de si mesmos. Pessoas in­
crédulas nunca são verdadeiramente felizes. Professando ser pessoas de
espíritos otimistas e alegres, freqüentemente estão inquietas em seu íntimo.
Milhares e milhares estão enojados em seu coração, insatisfeitos consigo
mesmos, cansados de seguirem seus próprios caminhos e completamente
intranqüilos. “Há muitos que dizem: Quem nos dará a conhecer o bem?”
(SI 4.6.) “Para os perversos, diz o meu Deus, não há paz” (Is 57.21).
É uma verdade, embora os incrédulos procurem negá-la; e devemos
guardá-la no profundo de nosso coração. “O caminho dos pérfidos é in­
transitável” (Pv 13.15). A miséria íntima do homem natural é exces­
sivamente grande. Existe uma fome em seu íntimo, ainda que muito se
esforcem para ocultá-la. Eles estão passando “necessidade” . Aquele que
“semeia para a sua própria carne da carne colherá corrupção” (G1 6.8).
Não estranhamos que Paulo tenha dito: “Naquele tempo, que resultados
colhestes? Somente as coisas de que, agora, vos envergonhais” (Rm 6.21).
Em terceiro, vemos nesta parábola um homem despertado para o
senso de sua condição natural e decidido a arrepender-se. Nosso Senhor
nos conta que o filho mais moço, “caindo em si, disse: Quantos traba­
lhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome! Le­
vantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o
céu e diante de ti” .
Os pensamentos de muitos são retratados nitidamente aqui. Milhões
de pessoas têm raciocinado dessa maneira e dizem para si mesmas estas
Lucas 15.11-24 263

coisas todos os dias. E devemos ser gratos a Deus, quando vemos tais
pensamentos surgirem em suas mentes. Pensar tais coisas não implica em
uma mudança de coração, mas pode ser o começo. Convicção não é
conversão, mas, de qualquer maneira, é um passo na direção certa. Porém
a ruína de muitas pessoas ocorre simplesmente por esse motivo: elas não
meditam nas circunstâncias de maneira alguma.
Entretanto, uma palavra de cautela sempre é necessária. Os homens
precisam estar cientes de que não devem limitar-se apenas a pensar. Nutrir
bons pensamentos sempre é bom para a alma, mas não resultam no
cristianismo que salva. Se o filho pródigo não tivesse ido além de pensar,
teria permanecido longe de casa até ao dia de sua morte.
Em quarto, vemos nesta parábola um homem se convertendo a Deus
com verdadeiro arrependimento e fé. Nosso Senhor nos mostra o filho
pródigo abandonando a terra longínqua onde estava e retornando à casa
de seu pai, colocando em prática as boas intenções que tivera e confessando
sem reservas seu pecado. “E, levantando-se, fo i...”
O jovem apresenta um autêntico arrependimento e uma conversão
verdadeira. O coração em que se iniciou a genuína obra do Espírito Santo
jamais ficará contente em somente pensar e decidir. Ele romperá com o
pecado e abandonará sua companhia. Cessará de fazer o mal e aprenderá
a praticar o bem. Há de converter-se a Deus com humilde oração e con­
fessará suas iniqiiidades. Não tentará justificar seus pecados. Ele dirá,
assim como Davi: “Eu conheço as minhas transgressões” (SI 51.3); ou
como o publicano: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13.)
Acautelemo-nos de qualquer falso arrependimento que não possui
tais características. Agir é a própria essência do “arrependimento para a
salvação” (2 Co 7.10). Sentimentos, lágrim as, rem orsos, desejos,
resoluções são inúteis, se não forem acompanhados por ação e mudança
de vida. De fato, são piores do que inúteis. Inconscientemente, tais coisas
cauterizam a consciência e endurecem o coração.
Por último, vemos nesta parábola o arrependido sendo prontamente
aceito, gratuitamente perdoado e declarado justo por Deus. Nosso Senhor
o demonstra de maneira comovente na parte final da história do filho pró­
digo. Jesus disse: “Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e,
compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou. E o filho lhe disse: Pai,
pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu
filho. O pai, porém, disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor
roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei
também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque
este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E
começaram a regozijar-se” .
Talvez nunca foram escritas palavras mais emocionantes e comentá-
264 Lucas 15.11-24

las parece quase desnecessário; seria algo semelhante a dourar o ouro ou


branquear os lírios. Elas nos mostram, em letras grandes, o infinito amor
do Senhor Jesus para com os pecadores. Ensinam quão infinitamente
disposto Jesus se mostra em receber todos os que vêm a Ele e quão completo
e imediato é o perdão que Ele está pronto para outorgar. “Por meio dele,
todo o que crê é justificado de todas as coisas” (At 13.39). “Tu, Senhor,
és bom e compassivo; abundante em benignidade para com todos os que
te invocam” (SI 86.5).
A ilim itada m isericórdia de nosso Senhor deve ser gravada
profundamente em nossa memória e arraigada em nosso coração. Jamais
esqueçamos: Ele “recebe pecadores” . Ao Senhor Jesus e à sua mi­
sericórdia, os pecadores devem recorrer, quando manifestam seus primeiros
desejos de salvação. É em Jesus e em sua misericórdia que os crentes têm
de viver, quando foram ensinados a arrepender-se e creram. O apóstolo
Paulo disse: “Esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho
de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (G1 2.20).

O Irmão do Filho Pródigo


Leia Lucas 15.25-32

Estes versículos constituem a conclusão da parábola do filho pródigo.


São menos conhecidos do que os anteriores. Mas foram proferidos pelos
mesmos lábios que descreveram o retorno do filho mais moço à casa de
seu pai. À semelhança de todas as coisas ditas por aqueles lábios, estes
versículos se mostrarão bastante proveitosos.
Primeiramente esta passagem nos ensina quão maldosos e insensíveis
são os sentimentos demonstrados aos pecadores por aquelas pessoas que
se consideram justas aos seus próprios olhos. Nosso Senhor nos ensina
ao descrever a conduta do irmão “mais velho” do filho pródigo. Ele o
mostrou indignado, encontrando erro no alegria resultante da chegada de
seu irmão. Jesus o descreveu como alguém que reclamou a seu pai, por
haver este tratado muito bem o filho pródigo que retornara, enquanto ele
mesmo nunca fora tratado tão bem quanto seus méritos o exigiam. O
Senhor Jesus mostrou o filho “mais velho” sendo completamente incapaz
de compartilhar da alegria que prevaleceu, quando seu irmão mais moço
voltou para casa, e dando expressão a seus pensamentos invejosos e
impertinentes. E uma descrição dolorosa, mas bastante instrutiva.
Por um lado, o irmão mais velho, citado na parábola, é uma figura
exata dos judeus da época de nosso Senhor. Eles não podiam suportar a
Lucas 15.25-32 265

idéia de que os gentios, seu irmão mais moço, estavam sendo feitos
participantes de seus privilégios. De bom grado, os judeus os teriam
excluído do favor de Deus. Recusavam-se tenazmente a reconhecer que
os gentios eram co-herdeiros e participantes de Cristo, juntamente com
eles. Em tudo, os judeus estavam agindo exatamente como o irmão “mais
velho” do filho pródigo.
Por outro lado, o irmão mais velho é uma figura autêntica dos escribas
e fariseus da época de nosso Senhor. Argumentavam contra nosso Senhor,
porque Ele recebia os pecadores e comia com eles. Reclamavam porque
Ele abrira a porta de salvação aos publicanos e meretrizes. Os escribas e
fariseus teriam ficado muito mais satisfeitos, se Jesus tivesse limitado a
eles seu ministério e deixado sozinhos os ignorantes e pecadores. Nosso
Senhor percebeu esse estado de coisas e o retratou de maneira inigualável
na pessoa do irmão “mais velho” .
Ainda, e não menos significativo, o irmão mais velho é uma figura
exata de uma grande classe de pessoas que fazem parte do cristianismo de
nossos dias. Em todos os lugares, existem milhares que não apreciam o
fato de que seja pregado um evangelho gratuito, completo e ilimitado.
Sempre reclamam que os pastores tornam muito ampla a porta da salvação
e que a doutrina da graça tende a promover licenciosidade. Quando nos
deparamos com tais pessoas, devemos recordar a passagem que agora
estamos considerando. Elas ecoam a voz do irmão “mais velho” .
Acautelemo-nos de que a atitude daquele “irmão mais velho” infec­
cione nossa alma. Em parte, ela resulta de ignorância. Começa a surgir
no íntimo das pessoas porque não percebem sua própria pecaminosidade e
indignidade; então, elas imaginam que são melhores do que outras e que
ninguém é digno de ser colocado ao seu lado. Essa atitude surge também,
em parte, por falta de amor. Os homens estão carentes de sentimentos
amáveis para com seu próximo; por isso, são incapazes de sentir prazer
quando outros são salvos. Acima de tudo, ela provém de um entendimento
completamente errado quanto à natureza do perdão oferecido no evangelho.
A pessoa que em verdade sente que é por meio da graça que ela permanece
firme diante de Deus, reconhece que todos somos devedores à misericórdia
divina, que tudo nos foi dado por Ele e que, por isso, nada temos para nos
vangloriar — essa pessoa não falará como o irmão “mais velho” .
Em segundo, esta passagem nos ensina que a conversão de qualquer
alma deve ser motivo de alegria para todos os que a vêem. Nosso Senhor
o revelou ao colocar as seguintes palavras nos lábios do pai do filho
pródigo: “Era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque
esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” .
A lição transmitida primariamente foi dirigida aos escribas e fariseus.
Se os corações deles estivessem corretos diante de Deus, jamais teriam
266 Lucas 15.25-32

murmurado diante do fato de nosso Senhor receber os pecadores. Os


escribas e fariseus teriam lembrado que os piores dos publicanos e pecadores
eram seus irmãos e que, se eles mesmos eram diferentes, fora tão-somente
a graça de Deus que estabelecera a diferença. Eles teriam ficado alegres
por verem tais pecadores desamparados e perdidos voltando ao rebanho.
Teriam sentido gratidão ao verem publicanos e pecadores sendo tirados
do fogo e não sendo lançados fora para sempre. Infelizmente, os escribas
e fariseus não conheciam nenhum desses sentimentos. Cobertos cam a
máscara de sua justiça própria, murmuraram e acharam errado, quando
na realidade deveriam ter agradecido a Deus e se alegrado.
Aqui está uma lição com a qual todos seremos abençoados, se a
guardarmos no coração. Nada deveria nos trazer mais satisfação do que a
conversão dos pecadores. Causa regozijo entre os anjos no céu e deveria
levar os crentes a se alegrarem na terra. E se os convertidos anteriormente
eram os mais vis dos pecadores? E se eles no passado serviram a Satanás
por muito tempo e desperdiçaram suas vidas em dissolução? Isso não
im plica em nada. A graça de Deus alcançou seus corações? Eles
verdadeiramente se arrependeram? Retornaram à casa do Pai? São novas
criaturas em Cristo? Eram mortos e foram vivificados? Estavam perdidos
e foram achados? Eis as únicas perguntas que temos o direito de fazer. Se
puderem ser respondidas satisfatoriamente, temos de nos regozijar.
Os ímpios, se assim o quiserem, que escarneçam e zombem de tais
conversões; e os justos a seus próprios olhos, se assim o desejarem, que
murmurem, achem errado e neguem a realidade de todas as grandes e sú­
bitas conversões. Mas os crentes que lêem essas palavras de Cristo devem
recordá-las e agir de acordo com elas. Agradeçam a Deus e regozijem-se.
Adorem a Deus porque mais uma alma foi salva. Digam: “Este meu irmão
estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” .
Quais são nossos pensamentos sobre o assunto? Afinal de contas, é
a pergunta que mais nos deve inquietar. Á pessoa que tem profundo in­
teresse em política, esportes, ganhar dinheiro ou adquirir bens, mas não
revela qualquer interesse na conversão de almas não é um verdadeiro
crente. Ela mesma está morta e precisa ser vivificada; está perdida e tem
de ser achada.

A Parábola do Administrador Infiel


Leia Lucas 16.1-12

Esta é uma passagem bastante difícil. Existem dificuldades que não


Lucas 16,1-12 267

serão esclarecidas até que o Senhor volte. Com razão, podemos esperar
que um livro escrito por inspiração, como a Bíblia, contenha coisas difíceis
de entender. A deficiência não está nas Escrituras, e sim em nossa frágil
capacidade de entender. Se não aprendermos qualquer outra lição desta
passagem, aprendamos pelo menos a humildade.
Primeiramente, tenhamos cuidado para não extrair destes versículos
lições que eles não pretendem ensinar. O administrador, descrito por nos­
so Senhor, não é apresentado como um exemplo de moralidade. Ele é
claramente chamado de “administrador infiel” . O Senhor Jesus nunca
tencionou sancionar a desonestidade e procedim entos injustos nos
relacionamentos humanos. Esse administrador defraudou a seu senhor e
transgrediu o oitavo mandamento. Seu patrão ficou impressionado com
sua esperteza e precaução, quando ouviu o que ele havia feito, e mencionou-
o como um homem previdente e astuto. Porém, não temos qualquer
evidência de que seu senhor tenha ficado satisfeito com suas atitudes.
Acim a de tudo, não existe nenhum a palavra com provando que o
administrador foi elogiado por Cristo. Em resumo, na maneira de lidar
com seu senhor, o administrador é um exemplo a ser evitado e não um
modelo a ser seguido.
É uma advertência necessária. A desonestidade nas transações
comerciais é muito comum nos últimos dias. Um lidar honesto entre uma
pessoa e outra está se tomando cada vez mais raro. Os homens fazem
coisas em seus negócios que não suportarão o teste das Escrituras.
Apressando-se para “enriquecer” , milhões praticam ações que não são
estritamente inocentes (Pv 28.20). Esperteza e astúcia nas transações
comerciais e nos negócios de compra e venda estão freqüentemente
escondendo coisas que não deveriam ser escondidas. A descendência do
“administrador infiel” ainda é muito numerosa. Não esqueçamos: sempre
que fazemos aos outros aquilo que não queremos que façam conosco,
estejamos cientes de que, apesar da opinião do mundo, estamos errados
aos olhos de Cristo.
Em segundo, observemos que a principal lição da parábola é a
sabedoria de prevenir-se contra o mal por vir. A conduta do administrador
infiel, quando recebeu a notícia de sua demissão, foi inegavelmente
habilidosa e política. Mesmo que foi desonesto em diminuir o valor dos
débitos daqueles que deviam a seu senhor, com certeza, ao agir dessa
maneira, conquistou muitos amigos. Agindo com impiedade, pensou no
futuro. Demonstrando ignomínia em suas providências, fez o bem a si
mesmo. Não ficou parado, em indolência, vendo-se levado à pobreza,
sem lutar contra isso. Maquinou, planejou e com ousadia executou seus
planos. O resultado seria que, ao ser mandado embora daquele emprego,
teria outro já garantido.
268 Lucas 16.1-12

Que grande contraste existe entre as atitudes deste administrador em


referência a seus negócios terrenos e a conduta de muitas pessoas em
relação à sua alma. Somente nesse ponto de vista, o administrador oferece
um exemplo que todos faremos bem se o seguirmos. Assim como ele,
devemos precaver-nos contra o dia em que teremos de abandonar nossa
habitação terrena; asseguremos uma “casa eterna, no céu” , que será nosso
lar, quando deixarmos o tabernáculo terrestre deste corpo (2 Co 5.1).
Assim como esse administrador, devemos utilizar todos os meios a fim de
obter para nós mesmos habitação eterna.
A parábola, considerada desse ponto vista, é profundamente ins­
trutiva. Pode levar-nos a realizar profundos exames em nosso coração. A
diligência de pessoas mundanas em referência a coisas terrenas deveria
envergonhar a indiferença de muitos crentes professos em relação às coisas
da eternidade. O zelo e a pertinácia de homens de negócio, demonstrados
em seu empenho para adquirir tesouros da terra, poderia com certeza
reprovar a preguiça e a indolência de muitos crentes, no que se refere aos
tesouros nos céus. As palavras de nosso Senhor são deveras solenes: “Os
filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos
da luz” . São palavras que devem ser guardadas em nosso coração e produzir
frutos em nossa vida.
Por último, observemos nesta passagem a expressão notável que
nosso Senhor utilizou para referir-se às coisas pequenas, em conexão
com a parábola do administrador infiel. Ele disse: “Quem é fiel no pouco
também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco também é injusto no
muito” .
Assim, nosso Senhor nos ensina a grande importância da fidelidade
rigorosa nas coisas pequenas. Ele nos acautela contra a falsa suposição de
que agir nos negócios da mesma maneira que o administrador infiel deve
ser considerado um erro insignificante e trivial entre os crentes. Jesus ten­
cionava que nós soubéssemos que as coisas pequenas são o melhor teste
de caráter e que a infidelidade nas coisas pequenas é o sintoma de um
péssimo estado de coração. Certamente Ele não pretendia dizer que a
honestidade com o dinheiro pode justificar nossas almas ou perdoar nossos
pecados, e sim que a desonestidade na utilização do dinheiro é uma
evidência segura de um “coração que não é reto diante de Deus” . O ho­
mem que não está agindo honestamente com a prata e o ouro deste mundo
nunca pode ser alguém que possui verdadeiras riquezas nos céus. “Se,
pois, não vos tornastes fiéis na aplicação das riquezas de origem injusta,
quem vos confiará a verdadeira riqueza?”
O ensino ministrado por nosso Senhor merece consideração séria e
profunda em nossos dias. Na mente de alguns homens prevalece a idéia
de que o cristianismo pode ser separado da honestidade diária e de que
Lucas 16.1-12 269

possuir sã doutrina pode encobrir o trapaça e o engano nas coisas práticas!


Contra essa idéia perversa, as palavras de nosso Senhor eram um protesto
evidente. Devemos vigiar e ficar alerta contra essa idéia. Vamos combater
intensamente em favor das gloriosas doutrinas da salvação pela graça e da
justificação pela fé; porém, jamais suponhamos que o verdadeiro cris­
tianismo sanciona qualquer desprezo pela segunda tábua da lei. Em mo­
mento algum esqueçamos que a verdadeira fé sempre será conhecida por
meio de seus frutos. Podemos estar certos de que, onde não existe ho­
nestidade, não existe a graça divina.

A Neutralidade é Impossível;
A Dignidade da Lei
Leia Lucas 16.13-18

Primeiramente, estes versículos nos ensinam a inutilidade de tentar


servir a Deus com um coração dividido. Nosso Senhor afirmou: “Ninguém
pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar
ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a
Deus e às riquezas” .
À primeira vista, a verdade aqui demonstrada por Jesus parece bas­
tante óbvia para discutirmos sobre ela. Portanto, a própria tentativa de
servir a dois senhores, que nessa ocasião Ele declarou ser inútil, está
constantemente sendo feita por muitos no que se refere à sua alma. Milhões
de pessoas em todos os lugares estão sempre procurando fazer aquilo que
Cristo afirmou ser impossível. Estão se esforçando para ser amigos do
mundo e amigos de Deus ao mesmo tempo. Suas consciências estão
iluminadas somente até ao ponto de sentirem que necessitam de uma re­
ligião. Suas afeições estão de tal modo acorrentadas aos prazeres terrenos,
que nunca atingem a estatura de um verdadeiro cristão. Por isso, vivem
em um estado de intranqüilidade constante. Possuem muito conhecimento
do cristiànismo, e isto os impede de ser felizes no mundo; e têm muita
amizade com o mundo, o que os impede de ser felizes em seu cristianismo.
Em resumo, desperdiçam seu tempo labutando para fazer aquilo que Cristo
disse que não pode ser feito. Esforçam-se para “servir a Deus e às ri­
quezas” .
Aquele que deseja ser um crente feliz fará um grande bem a si mesmo,
se ponderar a afirmação de Jesus. Não existe nenhum outro assunto em
que a experiência de todos os santos de Deus é mais uniforme do que
neste — a determinação é o segredo da tranqüilidade no serviço de Cristo.
270 Lucas 16.13-18

É o crente de coração dividido que traz uma péssima notícia da terra que
mana leite e mel. Quanto mais completamente nos entregamos a Cristo,
tanto mais sensivelmente perceberemos em nosso íntimo “a paz de Deus,
que excede todo o entendimento” (Fp 4.7). Quanto mais inteiramente
vivermos, não para nós mesmos, mas para Aquele que morreu por nós,
tanto mais intensamente compreenderemos o que significa ter “gozo e paz
no... crer” (Rm 15.13). Se realmente vale a pena servir a Cristo, sirvamo-
Lo com todo nosso coração, alma, entendimento e forças. Afinal de contas,
a vida, a vida eterna, é o assunto que está em jogo, mais do que a nossa
felicidade. Se não estamos dispostos a desistir de tudo por amor a Cristo,
não podemos esperar que Ele nos receba como parte do seu povo no
último dia. Ou Ele possui todo nosso coração, ou nada. “Aquele... que
quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4). O fim
de um coração dúbio e não-decidido é ser lançado fora para sempre.
Em segundo, estes versículos nos ensinam que a estimativa dos
homens em referência às coisas é amplamente diferente da estimativa de
Deus. O Senhor Jesus fez uma severa repreensão aos avarentos fariseus
que dEle escarneciam. Nosso Senhor disse: “Vós sois os que vos justificais
a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece o vosso coração;
pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus” .
A verdade se manifesta em todos os lugares. Precisamos apenas
olhar ao nosso redor e identificar as coisas em que os homens colocam
seu coração, para que a verdade ensinada aqui nos seja comprovada de
muitas maneiras. Riquezas, honra, status e prazeres são os principais
objetivos em busca dos quais grande parte da humanidade está vivendo.
No entanto, estas são as coisas que Deus declara ser “vaidades” e nos
adverte para que nos acautelemos de amá-las. Orar, ler a Bíblia, viver em
santidade, o arrependimento, a fé, a graça de Deus, a comunhão com Ele
são coisas com as quais os homens pouco se importam. Contudo, estas
são as coisas que Deus, através da Bíblia, está sempre nos recomendando
com insistência. A diferença é óbvia, estarrecedora e dolorosa — aquilo
que Deus julga ser bom, os homens acham ruim; aquilo que eles consideram
ruim, Deus declara ser bom.
Qual das estimativas anteriores é a verdadeira e correta? Qual das
opiniões prevalecerá no último dia? De acordo com que padrão todas as
pessoas serão julgadas, antes de receberem a sentença eterna? Diante de
que tribunal as opiniões prevalecentes no mundo serão testadas e avaliadas?
Estas são as únicas perguntas que devem influenciar nossa conduta, e
para elas a Bíblia oferece respostas claras. Somente o Conselho do Senhor
permanecerá para sempre. Apenas a Palavra de Cristo será o instrumento
de juízo dos homens no último dia. Pela palavra dEle, devemos viver. Por
meio dela, julguemos todas as coisas e pessoas neste mundo perverso. O
Lucas 16.13-18 271

que os homens pensam não deve nos importar, e sim o que o Senhor diz.
Pouco nos deve preocupar o que os homens, por costume e modismo,
pensam, mas: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” (Rm
3.4). Quanto mais completamente nossa mente estiver em harmonia com
Deus, tanto mais preparados estaremos para o Dia do Juízo. Amar o que
Deus ama, odiar o que Ele odeia, aprovar o que Ele aprova é a mais
elevada forma de cristianismo. Quando nos encontramos honrando qualquer
coisa que Deus reputa como insignificante, estejamos certos de que algo
está errado em nossa alma.
Por último, estes versículos nos ensinam a dignidade e a santidade
da lei de Deus. Nosso Senhor declarou: “É mais fácil passar o céu e a
terra do que cair um til sequer da Lei” .
Cristo sempre defendeu o honrar a santa lei de Deus, durante o
tempo de seu ministério terreno. Às vezes, nós O encontramos defendendo-
a dos acréscimos estabelecidos pelos homens, como no caso do quarto
mandamento. Às vezes, nós O vemos defendendo-a daqueles que desejavam
minimizar o padrão de suas exigências e permitir que ela fosse transgredida,
como no caso da lei do casamento. E nunca O encontramos falando sobre
a Lei em qualquer outro sentido, exceto o de respeitá-la. Ele sempre
engrandeceu a Lei, fazendo-a gloriosa (Is 42.21). A parte cerimonial da
Lei era uma figura de seu próprio evangelho e seria cumprida literalmente.
Sua parte moral era uma revelação da eterna mente de Deus e seria per­
petuamente ordenada aos crentes.
A obediência à lei de Deus precisa continuamente ser defendida em
nossos dias. Em poucos assuntos, a ignorância prevalece tanto entre os
que professam ser crentes. Alguns parecem imaginar que não têm qualquer
obrigação para com a Lei e que seus aspectos cerimonial e moral eram
obrigações temporárias; desse modo, os sacrifícios diários no templo e os
Dez Mandamentos foram ambos ab-rogados pelo evangelho. Alguns, por
outro lado, acham que ainda estamos sob a obrigação da Lei e somos
salvos através do obedecê-la, mas que seus preceitos foram amenizados
pelo evangelho e podem ser satisfeitos por meio de nossa imperfeita
obediência. Ambos os pontos de vista são errôneos e sem fundamento
bíblico. Estejamos alerta contra eles.
Gravemos em nossa mente a verdade de que “a lei é boa, se alguém
dela se utiliza de modo legítimo” (1 Tm 1.8). A Lei tem o propósito de
nos mostrar a santidade de Deus e a nossa pecaminosidade, convencer-
nos do pecado, levar-nos a Cristo, mostrar-nos como viver depois que
viemos a Cristo, ensinando-nos que atitudes devemos seguir e o que evitar.
Aquele que dessa maneira utiliza a Lei descobrirá que ela é uma verdadeira
amiga de sua alma. O crente bem firmado sempre dirá: “No tocante ao
homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7.22).
272 Lucas 16.19-31

A Parábola do Rico e Lázaro


Leia Lucas 16.19-31

Em um aspecto, esta parábola é singular nas Escrituras. É a única


passagem da Bíblia que descreve a experiência do incrédulo após a morte.
Por essa razão, assim como as demais, a parábola merece atenção especial.
Primeiramente, aprendemos que a condição de um homem neste
mundo não é uma prova de seu estado aos olhos de Deus. O Senhor Jesus
descreveu-nos dois homens. Um deles era muito rico; o outro, muito
pobre. O rico, “todos os dias, se regalava esplendidamente” . O pobre era
um “mendigo” que não tinha qualquer possessão. No entanto, o pobre
possuía a graça de Deus; o rico, não. O pobre vivia pela fé e andava nas
pisadas de Abraão. O rico era descuidado, egoísta, mundano e estava
morto em ofensas e pecados.
Nunca aceitemos a idéia de que os homens devem ser avaliados de
acordo com sua situação financeira e de que aquela pessoa que possui
mais dinheiro deve receber a mais elevada consideração. Não existe na
Bíblia qualquer fundamento para essa idéia. O ensino geral das Escrituras
claramente se opõe. “Não foram chamados muitos sábios segundo a carne,
nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento” (1 Co 1.26).
“Não se glorie...o rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se
nisto: em me conhecer e saber que eu sou o S e n h o r ” (Jr 9.23,24). Riqueza
não é uma indicação do favor de Deus, assim como a pobreza não é uma
evidência de seu desprazer. Aqueles que Ele justifica e glorifica raramente
possuem riquezas neste mundo. Se desejamos avaliar os homens da mesma
maneira como Deus os avalia, temos de fazê-lo de acordo com a graça
que eles possuem.
Em segundo, aprendemos que a morte é o fim que virá a todas as
classes de pessoas. As privações do “mendigo” e a suntuosa abastança do
“rico” por fim terminaram de modo igual. Chegou o momento em que
ambos morreram. “Todos vão para o mesmo lugar” (Ec 3.20).
A morte é um grande fato que todos reconhecem, mas poucos parecem
compreendê-la. Muitos vivem comendo, bebendo, dando-se em casamento,
divertindo-se e fazendo planos como se fossem permanecer para sempre
na terra. O verdadeiro crente deve ficar alerta contra esse espírito. “Aquele
que deseja viver bem” , disse um grande teólogo, “deveria sempre pensar
sobre o último dia de sua vida e ter esse pensamento sempre consigo” .
Contra a murmuração, o descontentamento e a inveja, na condição de po­
breza; contra o orgulho, a auto-suficiência e a arrogância, na condição de
riqueza, existem poucos antídotos melhores do que a lembrança da morte.
Lucas 16.19-31 273

Morreu “o mendigo” , e findaram-se todas as suas necessidades físicas.


“Morreu também o rico” , e todos os seus deleites acabaram para sempre.
Em terceiro, aprendemos desta parabola que as almas dos crentes
desfrutam do cuidado especial de Deus na hora da morte. O Senhor Jesus
nos contou que, depois de morto, o mendigo foi “levado pelos anjos para
o seio de Abraão” .
É uma afirmativa repleta de consolação. Sabemos muito pouco ou
nada a respeito do estado e dos sentimentos dos mortos. Quando chegar a
nossa última hora e morrermos, seremos semelhantes a pessoas que viajam
para uma terra desconhecida. No entanto, saber que todos os que morrem
em Cristo estão bem guardados é algo que deve satisfazer-nos. Não estão
desprovidos de um lugar e vagueando errantes entre a hora de sua morte
e o dia de sua ressurreição. Encontram-se entre amigos, entre todos os
que possuíam fé semelhante à de Abraão. Nada lhes falta; e, o melhor de
tudo, o apóstolo Paulo nos informa, eles estão “com Cristo” (Fp 1.23).
Em quarto, aprendemos desta parábola a realidade e a eternidade
do inferno. O Senhor Jesus nos mostrou com clareza que, depois de morto,
o rico estava “no inferno” atormentado em chamas. Ele nos apresentou a
terrível figura do intenso desejo do rico por água para refrescar a sua
língua; apresentou também a horrível figura do “abismo” existente entre
o rico e Abraão, um abismo que não poderia ser ultrapassado. Em toda a
Bíblia, existem poucas passagens tão apavorantes quanto essa. E Aquele
que proferiu essas palavras, não esqueçamos, é rico em misericórdia!
A certeza e a eternidade do castigo vindouro dos ímpios são verdades
que temos de sustentar e nunca abandonar. Desde o dia em que Satanás
disse a Eva: “É certo que não m orrereis” , nunca faltou homens que
negassem a verdade de Deus. Não sejamos enganados. Existe o inferno
para aqueles que não se arrependerem, bem como o céu para os crentes.
Existe uma ira vindoura para “os que não obedecem ao evangelho de
nosso Senhor Jesus” (2 Ts 1.8). Dessa ira precisamos fugir a tempo,
escondendo-nos naquele grande lugar de refúgio, o Senhor Jesus Cristo.
Se, após a morte, os homens estiverem em tormentos no inferno, isto
acontece não porque não havia uma maneira de escapar.
Em quinto, aprendemos desta parábola que os incrédulos descobrem
o valor de uma alma depois da morte, quando já é tarde demais. O homem
rico desejava que Lázaro fosse enviado aos seus cinco irmãos que estavam
vivos, “a fim de não virem também para este lugar de tormento” . Enquanto
vivera, o rico não fizera qualquer coisa tendo em vista o bem espiritual
deles. Provavelmente, seus irmãos o acompanharam em seu mundanismo
e, assim como ele, negligenciavam completamente suas almas. Quando
morreu, o rico descobriu tarde demais a tolice da qual todos eram culpados
e desejou que, se possível, fossem exortados ao arrependimento.
274 Lucas 16.19-31

A mudança que ocorrerá na mente dos não-convertidos após a morte


é um dos aspectos mais terríveis da futura condição deles. Eles perceberão,
saberão e entenderão m uitas coisas para as quais se m ostraram
obstinadamente cegos, enquanto estavam vivos. Eles descobrirão que,
assim como Esaú, trocaram a felicidade eterna por um simples prato de
lentilhas. Após a morte física, não existe mais incredulidade, ceticismo
ou infidelidade para com Deus. Um antigo teólogo afirmou com sabedoria:
“O inferno não é nada mais do que a verdade conhecida tarde demais” .
Por último, aprendemos que os grandes milagres não têm qualquer
efeito nos corações dos homens, se não crêem na Palavra de Deus. O rico
imaginava que, “se alguém dentre os mortos” fosse “ter com” seus irmãos,
eles haveriam de arrepender-se. Argumentou que a contemplação de alguém
vindo de outro mundo certamente os comoveria, embora as palavras
familiares de Moisés e dos profetas tivessem sido ouvidas em vão. A
resposta de Abraão é solene e instrutiva: “Se não ouvem a Moisés e aos
profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém
dentre os mortos” .
O princípio estabelecido aqui é profundamente importante. As
Escrituras contêm tudo que precisamos saber para sermos salvos, e um
mensageiro vindo do mundo além não acrescentaria nada aos seus ensinos.
Não é m ais revelação que é necessária para levar as pessoas ao
arrependimento, e sim mais disposição íntima e vontade de utilizar o que
elas já sabem das Escrituras. Os mortos, se ressuscitassem para instruir-
nos, não poderiam dizer-nos nada que a Bíblia não tem dito. Logo após
desvanecer-se a novidade de seu testemunho, não mais nos interessaríamos
por suas palavras, assim como não nos interessaríamos pela palavra de
qualquer outra pessoa. O desejo ímpio por alguma coisa que não temos e
a negligência por aquilo que temos é a ruína de milhões de almas. A fé
simples nas Escrituras, que já possuímos, é a primeira coisa necessária à
salvação. O homem que possui a Bíblia, pode lê-la e, apesar disso, espera
receber mais evidências para se tornar um crente resoluto, esse homem
está enganando a si mesmo. A menos que desperte dessa ilusão, morrerá
em seus pecados.

O Pecado de Causar Escândalos;


O Dever de Perdoar
Leia Lucas 17.1-4

Inicialmente, estes versículos nos ensinam a grandepecaminosidade


Lucas 17.1-4 275

de colocar tropeços no caminho da alma de outros homens. O Senhor


Jesus disse: “E inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo
qual eles vêm! Melhor fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra
de moinho, e fosse atirado no mar, do que fazer tropeçar a um destes
pequeninos” .
Quando os homens fazem os outros tropeçarem? Quando eles fazem
surgir “escândalos”? Sem dúvida, eles o fazem quando perseguem os
crentes ou esforçam-se para impedi-los de servir a Cristo. Mas isso in­
felizmente não é tudo. Há os que professam ser crentes, mas fazem outros
tropeçarem sempre que trazem descrédito ao seu cristianismo, por meio
de sua inconsistência em palavras, temperamento e conduta. Nós o fazemos
sempre que tomamos nosso cristianismo desagradável aos olhos do mundo,
por nos comportarmos não de acordo com aquilo que professamos ser. O
mundo talvez não entenda as doutrinas e os princípios dos crentes, mas
está de olhos atentos àquilo que eles praticam.
O pecado contra o qual nosso Senhor nos advertiu foi o mesmo
cometido por Davi. Quando ele transgrediu o sétimo mandamento e tomou
a mulher de Urias para ser sua esposa, o profeta Natã lhe disse: “Com
isto deste motivo a que blasfemassem os inimigos do S enhor ” (2 Sm
12.14). Foi o pecado do qual o apóstolo Paulo acusou os judeus de Roma,
quando escreveu: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por
vossa causa” (Rm 2 .2 4 ). Esse é o pecado sobre o qual devemos fre­
qüentemente advertir os crentes a se acautelarem — “Não vos tomeis
causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem tampouco para
a igreja de Deus” (1 Co 10.32).
Este assunto é profundamente perscrutador. O pecado que o Senhor
Jesus nos apresenta aqui é muito comum. A incoerência de muitos crentes
freqüentemente fornece aos incrédulos uma desculpa para negligenciarem
completamente o cristianismo. Um crente que não vive de acordo com
aquilo que professa ser está a cada dia, quer saiba, quer não, causando da­
nos a muitas almas. Sua vida é uma injúria ao evangelho de Cristo.
Perguntemos a nós mesmos se estamos fazendo o bem ou causando
danos ao mundo. Se realmente somos crentes, não podemos viver para
nós mesmos. Os olhos de muitos estarão sempre nos observando. Os
homens julgam por aquilo que vêem, mais do que por aquilo que ouvem.
Se vêem o crente contradizer, por meio de sua prática, aquilo que afirma
crer, estão juntamente sendo ofendidos e obstruídos. Por amor ao mundo,
e a nós mesmos, labutemos para que sejamos eminentemente santos.
Esforcemo-nos para tornar nosso cristianismo atraente aos olhos dos
homens e para adornar a doutrina de Cristo em tudo o que fazemos.
Todos os dias, devemos nos empenhar para desembaraçar-nos de todo o
peso e do pecado que tenazmente nos assedia e para vivermos de tal
276 Lucas 17.1-4

modo, que os homens não acharão erro em nós, exceto em referência à lei
de nosso Deus. Vigiemos com zelo nosso temperamento, nossa língua e a
realização de nossos deveres sociais. Qualquer coisa é melhor do que
causar dano às almas. A cruz de Cristo sempre trará injúria. Cuidemos
para não aumentar a injúria, por causa de descuido em nossa vida diária.
Não podemos esperar que o homem natural ame o evangelho. Porém não
devemos causar-lhe aversão por meio de nossa incoerência.
Estes versículos também nos ensinam a grande importância de um
espírito perdoador. O Senhor Jesus disse: “Se teu irmão pecar contra ti,
repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se, por sete vezes no dia,
pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido,
perdoa-lhe” .
Existem poucos deveres cristãos sobre os quais o Novo Testamento
fala tão freqüente e severamente quanto o dever de perdoar ofensas. Ocupa
um lugar proeminente na oração do Pai Nosso. A única confissão que
fazemos em toda a oração é a de que “perdoamos a todo o que” transgride
contra nós. Esse é um teste para verificarmos se nós mesmos fomos
perdoados. Aquele que não pode perdoar ao seu próximo algumas pequenas
ofensas cometidas contra ele, pode não conhecer por experiência pessoal
o perdão gratuito e completo que Cristo nos oferece (Mt 18.35; E f 4.32).
Essa também é uma evidência da habitação do Espírito no coração de uma
pessoa. A presença do Espírito no coração sempre será reconhecida pelos
frutos que Ele produz na vida do crente. Esses frutos são ativos e também
passivos. Aquele que não aprendeu a suportar, a tolerar e deixar passar
muitas coisas não é nascido do Espírito (1 Jo 3.14; Mt 5.44-45).
A doutrina aqui estabelecida por nosso Senhor é profundamente
humilhante. Ela nos mostra com muita clareza a ampla diferença que
existe entre os caminhos do mundo e os caminhos do evangelho de Cristo.
Quem não reconhece que o orgulho, a insolência, a disposição para vingar
ofensas e a implacável determinação de jamais perdoar e jamais esquecer
são coisas m uito com uns entre hom ens e m ulheres batizados no
cristianismo? Há milhares de pessoas que participam da Ceia do Senhor e
professam amar o evangelho e que, de repente, explodem diante daquilo
que demonstra a menor aparência de ser o que eles chamam “conduta
ofensiva” e brigam por causa das mais banais vulgaridades. Muitos estão
constantemente discutindo com todos à sua volta, sempre reclamando quão
errado é o comportamento das outras pessoas e esquecendo que sua
disposição para contender é uma fagulha que pode causar um incêndio.
Uma observação geral se aplica a todas essas pessoas. Estão tornando
m iseráveis suas próprias vidas e m ostrando quão despreparados se
encontram para o reino de Deus. Um espírito não-perdoador, inclinado a
contendas é a mais segura evidência de um coração não-regenerado. O
Lucas 17.1-4 277

que dizem as Escrituras? “Porquanto, havendo entre vós ciúmes e


contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem?” (1
Co 3.3; 1 Jo 3.18-20; 4.20)
Finalizemos nossas considerações examinando com cuidado a nós
mesmos. Poucos textos bíblicos devem humilhar tanto os crentes e fazê-
los sentir tão profundamente a necessidade do sangue expiatório e da
mediação de Cristo. Quão freqüentemente temos ofendido e levado os
outros a tropeçarem. Temos permitido com regularidade que pensamentos
grosseiros, irados e vingativos aninhem-se sem perturbação em nosso
íntimo. Essas coisas não deveriam acontecer. Quanto mais atentarmos às
lições práticas aprendidas aqui, tanto mais recom endarem os nosso
cristianismo aos outros e mais intensa paz desfrutaremos em nossa alma.

A Importância da Fé;
Os Melhores Homens, Servos Inúteis
Leia Lucas 17.5-10

Primeiramente, observemos nestes versículos o importante pedido


dos apóstolos. Eles disseram ao Senhor Jesus: “Aumenta-nos a fé” . Não
sabemos os sentimentos íntimos que produziram o pedido deles. Talvez o
coração dos apóstolos tenha desanimado, ao ouvir dos lábios de nosso
Senhor ensinos árduos, um após o outro. Talvez eles pensassem: “Quem
é suficiente para essas coisas? Quem pode entender doutrinas tão difíceis
e seguir tão elevado padrão de conduta?” São apenas hipóteses; entretanto,
uma coisa é certa e evidente: o pedido dos apóstolos era profundamente
importante — “Aumenta-nos a fé” .
A fé é a raiz do cristianismo que salva. “Sem fé é impossível agradar
a Deus, porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia
que ele existe e que se torna galardoador dos que o buscam” (Hb 11.6).
Ela é a mão por meio da qual a alma se agarra e se une a Jesus Cristo,
tornando-se salva. E o segredo de todo o conforto e crescimento espiritual
do crente. A paz, a esperança, o vigor, a coragem, a vitória sobre o
mundo e a determinação de um crente serão proporcionais à sua fé. Ao
apresentarem a Jesus esse pedido a respeito da fé, os apóstolos o fizeram
com sabedoria.
A fé é uma virtude que admite graus. Ela não atinge o pleno vigor e
perfeição imediatamente após ser plantada no coração por intermédio do
Espírito Santo. Existe a pequena e a grande fé, a fé vigorosa e a frágil. A
Bíblia nos fala sobre todas elas. Todas serão vistas nas experiências do
278 Lucas 17.5-10

povo de Deus. Quanto mais fé um crente possuir, tanto mais feliz, santo
e útil ele será. Promover o crescimento e o progresso da fé deve ser a ora­
ção diária e o empenho de todos os que amam a vida. Os apóstolos fizerem
bem ao pedir: “Aumenta-nos a fé” .
Realmente temos fé? Acima de tudo, temos aqui um importante ques­
tionamento que pode ser suscitado em nosso coração. A fé salvadora não
é apenas a simples repetição de um credo, dizendo: “Eu creio em Deus, o
Pai... em Deus, o Filho... e em Deus, o Espírito Santo” . Milhares de
pessoas estão utilizando essas palavras regularmente, mas não conhecem
a verdadeira fé, Neste sentido, as palavras do apóstolo Paulo são solenes:
“A fé não é de todos” (2 Ts 3.2). A fé verdadeira não é algo natural ao
homem; ela vem do céu; é um dom de Deus.
Se possuímos uma pequena fé, oremos para que a tenhamos em
mais intensidade. Viver na dependência de uma antiga medida de fé e não
ter fome e sede de crescer na graça é um péssimo sinal do estado espiritual
de uma pessoa. Em nossas devoções diárias, oremos para que tenhamos
mais fé e desejemos sinceramente os melhores dons. Não devemos des­
prezar “o dia dos humildes começos” (Zc 4.10) na alma de nosso irmão,
mas não podemos nos contentar com tão pouco em nossa própria alma.
Também devemos observar nestes versículos o poderoso golpe que
nosso Senhor deu na justiça própria. Ele declarou aos seus apóstolos:
“Depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos
inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” .
Naturalmente, todos nós somos orgulhosos e cheios de justiça própria.
Pensamos de maneira elevada a respeito de nós mesmos, de nossos me­
recimentos e de nosso caráter, mais do que realmente temos o direito de
fazê-lo. Esta é uma doença sutil que se manifesta de muitas maneiras
diferentes. Muitos podem detectá-la nas outras pessoas; poucos admitirão
sua presença em si mesmos. Dificilmente encontramos uma pessoa que,
embora seja bastante ímpia, não bajule secretamente a si mesma, dizendo
que existem pessoas piores do que ela mesma. Raramente encontraremos
um crente que, em algumas ocasiões, não será tentado a contentar-se e a
sentir-se satisfeito consigo mesmo. Existe um tipo de orgulho que veste a
capa da humildade. Não existe um coração sobre a terra que não contenha
um pequeno aspecto do caráter dos fariseus.
Abandonar a justiça própria é absolutamente necessário para a sal­
vação. Aquele que deseja ser salvo deve confessar que em si mesmo não
existe qualquer coisa boa, que não possui nenhum mérito, nenhuma
bondade, nenhuma dignidade própria. Precisa estar disposto a renunciar
sua justiça pessoal e confiar na justiça de outro, o próprio Senhor Jesus
Cristo. Tendo sido perdoados, temos de seguir a jornada diária da vida
sob a profunda convicção de que somos “servos inúteis” . No melhor de
Lucas 17.5-10 279

nós mesmos, cumprimos apenas as nossas obrigações e nada temos de


que nos gloriar. E, mesmo quando as cumprimos, isso não acontece devido
à nossa própria força e capacidade, e sim pelo poder que Deus nos outorga.
Não temos qualquer reivindicação diante de Deus ou dignidade alguma
para merecer coisas da parte dEle. Tudo que temos, nós o recebemos;
tudo que somos devemos à soberana e eminente graça de Deus.
Qual é a verdadeira causa da justiça própria? Como podemos explicar
que uma criatura frágil, desamparada e caída como o homem pode sonhar
que merece qualquer coisa de Deus? A justiça própria resulta da ignorância.
Os olhos de nosso entendimento espiritual estão naturalmente cegos. Não
conseguimos ver a nós mesmos, nem a nossa vida, nem a Deus e sua lei
como deveríamos. Quando a luz da graça divina resplandece no coração
de uma pessoa, o reino da justiça própria termina. As raízes do orgulho
podem ainda permanecer e produzir frutos amargos. Mas o poder do
orgulho é quebrado quando o Espírito Santo adentra o coração de uma
pessoa e lhe revela seu próprio eu e a Deus. O verdadeiro crente nunca
confiará em sua própria bondade. Ele dirá, assim como o apóstolo Paulo:
“Sou o principal” dos pecadores (1 Tm 1.15); “Longe esteja de mim
gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (G1 6.14).

Os Dez Leprosos
Leia Lucas 17.11-19

Primeiramente, devemos observar nesta passagem quão ardentemente


os homens podem clamar por ajuda, quando dela sentem necessidade.
Lemos que, ao entrar Jesus “numa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez
leprosos” . É quase impossível imaginar uma situação mais infeliz do que
a desses homens afligidos por lepra. Eles estavam separados da sociedade
e privados de toda a comunhão com seus amigos. A descrição feita parece
indicar que eles são bastante sensíveis à sua miséria. Eles “ficaram de
longe” , mas não permaneceram quietos, sem fazer alguma coisa; pelo
contrário, “gritaram, dizendo: Jesus, Mestre, compadece-te de nós!” Os
leprosos sentiram profundamente o deplorável estado de seus corpos. En­
contraram palavras para expressar seus sentimentos. Clamaram com ardor,
suplicando alívio, quando surgiu-lhes uma oportunidade.
A conduta dos dez leprosos é muito instrutiva. Esclarece um assunto
importante em referência à vida prática do crente, um assunto que jamais
entenderemos bem — a oração.
Como podemos explicar que muitos não oram de maneira alguma?
280 Lucas 17.11-19

E que muitos se contentam em repetir fórmulas de oração, mas nunca


oram com todo o seu coração? O que podemos dizer sobre homens e
mulheres que estão às portas da morte, cujas almas podem se perder ou
ser salvas, e que sabem tão pouco da oração genuína, sistemática e de
coração? Resta-nos uma resposta curta e simples. A maior parte da
humanidade não possui qualquer senso de pecado. Não percebem sua
enfermidade espiritual. Não estão cônscios de que estão perdidos, são
culpados e encontram-se no ponto de caírem no abismo do inferno. Quando
um homem descobre a enfermidade de sua alma, logo aprende a orar.
Assim como os leprosos, acha palavras para expressar sua necessidade e
pedir socorro.
A in d a, com o é p o ssív el que m uitos cren tes v e rd a d e iro s
freqüentemente orem com tanta frieza? Por que suas orações são fracas,
indiferentes e sem objetivo? A resposta é evidente. Eles não reconhecem
sua necessidade diante de Deus. Não se encontram realmente despertados
em referência à sua própria fraqueza e desamparo; portanto, não clamam
com fervor, suplicando graça e misericórdia. Recordemos sempre essas
coisas. Procuremos ter um constante e permanente senso de nossas
verdadeiras necessidades. Se os crentes pudessem apenas perceber a
situação de suas almas, assim como os dez leprosos perceberam a condição
de seus corpos, orariam com mais excelência do que o fazem.
Em segundo, devemos observar nestes versículos que a ajuda
encontra os homens no caminho da obediência. Somos informados que,
quando os leprosos clamaram a nosso Senhor, Ele apenas respondeu:
“Ide e mostrai-vos aos sacerdotes” . Jesus não os tocou nem ordenou que
a lepra se retirasse deles. Não prescreveu qualquer remédio, qualquer
ritual de purificação, nem a utilização de quaisquer recursos materiais.
No entanto, o poder de cura acompanhou as palavras que Jesus pronunciou.
O alívio da enfermidade ocorreu logo que os leprosos obedeceram a ordem
de nosso Senhor — “Aconteceu que, indo eles, foram purificados” .
Sem dúvida, são acontecimentos que foram registrados para nos
outorgar conhecimento. Nos mostram a sabedoria da obediência singela e
irrestrita a todas as palavras vindas dos lábios de nosso Senhor. Não
convém que fiquemos parados, argumentando e duvidando, quando as
ordens de nosso Mestre são evidentes e inconfundíveis. Se os leprosos
tivessem agido dessa maneira, jamais teriam sido curados. Temos de ler
as Escrituras com diligência. Precisamos orar e participar dos meios de
graça. São deveres que Cristo exige de nós e que, se amamos nossas
vidas, devemos obedecer, sem fazer questionamentos vãos e perguntas
capciosas. E somente no caminho da obediência resoluta que Cristo nos
encontra e abençoa. “Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a
respeito da doutrina” (Jo 7.17).
Lucas 17.11-19 281

Por último, devemos observar nestes versículos que a gratidão é


uma coisa rara. Dos leprosos que nosso Senhor curou, apenas um voltou
para Lhe agradecer. São solenes as palavras que nosso Senhor pronunciou
na ocasião: “Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove?”
Para nós, é uma lição humilhante, perscrutadora e muito profunda.
Os melhores de nós são semelhantes aos nove leprosos. Somos mais dis­
postos a orar do que a adorar e mais propensos a pedir a Deus aquilo que
não temos do que a agradecer-Lhe pelo que temos. Queixas, lamentações
e descontentamento são abundantes entre nós. Sempre acharemos pessoas
que estão continuamente ocultando as misericórdias recebidas “debaixo
do alqueire” e revelando suas provações e necessidades “sobre um monte” .
É triste termos de confessar coisas assim, mas elas são verdadeiras e com­
provadas por todos os que conhecem a igreja e o mundo. A excessiva
ingratidão dos crentes é a desgraça de nossa época. É uma prova indiscutível
de nossa pouca humildade.
Oremos para que diariamente tenhamos um espírito de gratidão. É o
espírito que Deus ama e deleita-se em conceder; é o espírito que tem
caracterizado todos os brilhantes servos de Deus em todas as épocas de
existência da igreja. Davi e Paulo eram homens eminentemente agradecidos.
M ’Cheyne, Bickersteth e Haldane Stewart estavam sempre repletos de
louvores. O espírito de gratidão é a própria atmosfera dos céus. Os anjos
e os espíritos dos justos aperfeiçoados estão sempre bendizendo a Deus.
Tal comportamento é a fonte de felicidade na terra. Se desejamos não
andar ansiosos por coisa alguma, temos não somente de fazer conhecidas
as nossas petições diante de Deus, pela oração e pela súplica, mas também
com ações de graças (Fp 4.6).
Acima de tudo, supliquemos um senso mais profundo de nossa própria
pecaminosidade, culpa e falta de merecimento. Eis o verdadeiro segredo
de um espírito de gratidão: aquele que diariamente percebe sua dívida
para com a graça divina — e lembra que, na realidade, não merece nada,
exceto o inferno — todos os dias estará bendizendo e adorando a Deus. A
gratidão é uma flor que nunca vicejará de qualquer outro caule, exceto da
raiz da profunda humildade.

O Reino de Deus
Não Vem com Aparência Visível
Leia Lucas 17.20-25

Primeiramente, aprendemos nesta passagem que o reino de Deus é


282 Lucas 17.20-25

completamente diferente dos reinos deste mundo. O Senhor Jesus disse


aos fariseus: “Não vem o reino de Deus com visível aparência” . Ele
afirmava que a aproximação e a presença do reino de Deus não seria
caracterizada por sinais visíveis de dignidade. Aqueles que esperavam
contemplar um reino com esses sinais ficariam desapontados. Estariam
esperando em vão, enquanto o verdadeiro reino estaria no meio deles,
sem que o soubessem. O Senhor Jesus também afirmou: “O reino de
Deus está dentro de vós” .
A expressão de nosso Senhor descreve com exatidão o início de seu
reino espiritual. Começou em um a manjedoura, em Belém, sem o
conhecimento dos grandes, dos ricos e dos sábios. Apareceu de repente
no templo em Jerusalém, e somente Ana e Simeão reconheceram seu Rei.
Trinta anos depois, foi recebido somente por um pequeno grupo de
pescadores e publicanos, na Galiléia. Os principais sacerdotes e fariseus
não puderam vê-lo. O Rei veio para o que era seu, mas os seus não O
receberam. Durante muito tempo, os judeus confessavam estar aguardando
o reino; porém, olhavam na direção errada. Não tinham qualquer garantia
para os sinais que estavam aguardando. O reino de Deus estava no meio
deles. Apesar disso, não o puderam ver.
O reino que um dia Cristo há de estabelecer deverá iniciar-se, em
vários aspectos, de maneira semelhante ao seu reino espiritual. Não será
acompanhado por sinais e manifestações visíveis, que muitos aguardam
contemplar. Não será precedido por um período de paz universal e
santidade. Não será anunciado à igreja por meio de avisos inconfundíveis
de que todos estarão prontos e preparados para a manifestação do reino.
Virá inesperada e subitamente, sem qualquer aviso à imensa maioria dos
homens. Simeões e Anas serão escassos nos últimos dias, assim como o
foram no início do evangelho. Muitos serão despertados, um dia, como
pessoas que estavam dormindo, e descobrirão para sua surpresa e desânimo
que o reino de Deus realmente chegou.
Faremos bem se guardarmos essas verdades em nosso coração e
nelas meditarmos. A grande maioria dos homens está completamente
enganada a respeito do reino de Deus. Eles estão esperando sinais que
nunca aparecerão. Estão aguardando indicações que nunca encontrarão.
Estão sonhando com a conversão universal. Estão imaginando que os
missionários, pregadores do evangelho e escolas evangélicas transformarão
a face do mundo, antes que venha o fim. Acautelemo-nos de tais enganos.
Não durmamos como os demais. O reino de Deus virá sobre os homens
mais rápido do que muitos esperam. “Não vem o reino de Deus com
visível aparência ”
Em segundo, aprendemos nesta passagem que a segunda vinda de
Cristo será um acontecimento repentino. Nosso Senhor descreveu essa
Lucas 17.20-25 283

verdade por meio de uma figura admirável. Ele disse: “Assim como o
relâmpago, fuzilando, brilha de uma à outra extremidade do céu, assim
será, no seu dia, o Filho do homem” .
A segunda vinda pessoal de Cristo é o sentido verdadeiro de suas
palavras. Nada sabemos quanto ao dia e a hora exatos desse acontecimento.
Mas, quando tiver de realizar-se, pelo menos uma coisa é evidente: virá
súbita e instantaneamente à igreja e ao mundo, sem qualquer observação
anterior. Todas as Escrituras indicam isto. Será “à hora em que não cuidais”
(Mt 24.44). Virá “como ladrão de noite” (1 Ts 5.2).
O caráter súbito da segunda vinda de Cristo é um pensamento solene.
Deveria nos levar a meditar sobre estarmos constantemente preparados
para aquele dia. Nosso esforço e o desejo de nosso coração deveriam ser
os de estarmos sempre prontos para encontrar nosso Senhor. O alvo de
nossa vida deveria ser o não fazer ou dizer qualquer coisa que nos deixaria
envergonhados, se Cristo aparecesse repentinamente. “Bem-aventurado” ,
disse o apóstolo João, “aquele que vigia e guarda as suas vestes” (Ap
16.15). Aqueles que atacam a doutrina da segunda vinda de Cristo,
reputando-a especulativa, ilusória e sem resultados práticos, fariam bem
se reconsiderassem o fato de ela não foi reputada desse modo nos dias dos
apóstolos. Aos olhos deles, paciência, esperança, diligência, moderação
e santidade pessoal estavam inseparavelmente unidas à expectativa da volta
de Cristo. Feliz é o crente que aprendeu a pensar como os apóstolos!
Estar sempre aguardando a manifestação de nosso Senhor é um dos
melhores auxílios para uma comunhão mais íntima com Deus.
Por último, aprendemos nesta passagem que existem duas vindas
pessoais de Cristo reveladas nas Escrituras. Foi designado por Deus que
o Senhor Jesus, em sua primeira manifestação ao mundo, viesse em
humildade e fraqueza, para sofrer e morrer. E igualmente foi designado
que Ele venha, na segunda manifestação, em poder e grande glória, para
sujeitar todos os inimigos debaixo de seus pés e reinar. Em sua primeira
vinda, Ele deveria ser feito “pecado por nós” e levar sobre Si o nosso
pecado, na cruz (2 Co 5.21). Em sua segunda vinda, Ele aparecerá sem
pecado, para a completa salvação de seu povo (Hb 9.28). Sobre essas
duas vindas nosso Senhor falou com clareza nesta ocasião. Ele se reportou
à primeira vinda, quando disse que o Filho do Homem teria de padecer
“muitas coisas” e ser “rejeitado” ; e referiu-se à segunda vinda, quando
asseverou que, “assim como o relâmpago, fuzilando, brilha de uma à
outra extremidade do céu, assim será, no seu dia, o Filho do homem” .
Distinguir com clareza as duas vindas de Cristo é muito importante
para termos um correto entendimento das Escrituras. Os discípulos e todos
os judeus da época de Jesus parecem ter visto apenas uma vinda pessoal
do Messias. Esperavam que Ele viesse para reinar e não para sofrer. De
284 Lucas 17.20-25

maneira semelhante, a grande maioria de cristãos professos parece ver


apenas um advento de Cristo. Acreditam que Ele veio a primeira vez para
sofrer. Mas parecem ser incapazes de entender que Cristo virá uma segunda
vez para reinar. Ambos os grupos abraçaram a verdade, mas infelizmente
nenhum deles abraçou a verdade completa. Ambos estão errados, e o erro
dos cristãos professos é apenas menor em importância do que o dos judeus.
Aquele que se esforça para ser um crente firme e bem instruído tem
de conservar em mente, com determinação, os dois adventos de Cristo.
Pontos de vistas claros sobre este assunto constituem um grande auxílio à
leitura proveitosa da Bíblia. Sem eles, encontraremos constantemente afir­
mações proféticas que não poderemos conciliar ou explicar com outras
afirmações bíblicas. A vinda pessoal de Jesus, pela primeira vez, para so­
frer, e sua segunda vinda, em pessoa, para reinar são dois marcos que ja ­
mais podemos perder de vista. Agora nos encontramos entre os dois
adventos. Devemos crer que ambos são verdadeiros e constituem a realidade
dos fatos.

Os Dias de Noé e os Dias de Ló


Leia Lucas 17.26-37

O assunto apresentado nestes versículos manifesta peculiar solenidade.


Os versículos referem-se ao segundo advento de nosso Senhor Jesus Cristo.
Um grande acontecimento e os eventos imediatamente relacionados a ele
são descritos por nosso Senhor.
Primeiramente, devemos observar nestes versículos que terrível
quadro nosso Senhor retrata sobre o estado da igreja professa na época
de sua segunda vinda. Somos informados que, “assim como foi nos dias
de Noé” e “nos dias de L ó” , “assim será no dia em que o Filho do homem
se manifestar” . O caráter daqueles dias não foi deixado à nossa especulação.
Somos ensinados com clareza que, em ambas as épocas, os homens estavam
completamente absorvidos em comer, beber, casar-se, comprar, vender,
plantar, edificar e não se importaram com mais nada. Por fim, veio o
dilúvio nos dias de Nóe e destruiu a todos, exceto os que estavam na arca.
O fogo caiu do céu, nos dias de Ló, e consumiu a todos, exceto Ló, sua
esposa e filhas. E nosso Senhor declarou com muita clareza que coisas
semelhantes a essas acontecerão quando Ele vier novamente no fim do
mundo. “Quandoandarem dizendo: Paz e segurança, eis que lhes sobrevirá
repentina destruição” (1 Ts 5.3).
É difícil imaginarmos uma passagem das Escrituras que aniquila de
Lucas 17.26-37 285

modo mais completo as idéias comuns que prevalecem entre os homens


em referência à segunda vinda de Cristo. O mundo não será convertido
quando o Senhor Jesus vier novamente. A terra não se encherá do conhe­
cimento da glória do Senhor, o reino de paz não será estabelecido, e o mi­
lênio não será iniciado antes da volta de Cristo. Esses gloriosos acon­
tecimentos se realizarão somente depois do segundo advento. Se as palavras
realmente possuem significado, estes versículos nos mostram que, no dia
da manifestação de Cristo, a terra estará repleta de impiedade e mun-
danismo. Serão muitos os incrédulos e os não-convertidos. Os crentes e
piedosos, assim como na época de Noé e nos dias de Ló, serão pouquís­
simos.
Tenhamos cuidado conosco mesmo e acautelemo-nos do espírito do
mundo. Não podemos agir como as outras pessoas, que vivem a comprar,
vender, plantar, edificar, comer, beber e dar-se em casamento, como se
tivéssemos nascido apenas para isso. Dedicação exclusiva a essas coisas
nos arruinará tão completamente quanto o pecado notório. Devemos nos
retirar do mundo e ser separados. Temos de, com ousadia, ser peculiares.
Assim como Ló, precisamos escapar. Assim como Noé, temos de correr
para a arca. Essa é a nossa única segurança. Somente então, estaremos se­
guros no dia da ira do Senhor e evitaremos a destruição, quando o Filho
do homem se manifestar (Sf 2.3).
Em segundo, devemos observar nestes versículos o aviso solene de
nosso Senhor contra uma falsa confissão de segui-Lo. Em imediata conexão
com a descrição de seu segundo advento, Ele nos disse: “Lembrai-vos da
mulher de L ó” .
A mulher de Ló avançou bastante em sua confissão de ser crente.
Era a esposa de um homem “justo” . Por meio de Ló, ela estava ligada a
Abraão, o pai dos fiéis. Juntamente com seu esposo, ela fugiu de Sodoma
no dia em que ele escapou da destruição, por obedecer a ordem divina.
No entanto, a mulher de Ló não era realmente como o seu marido. Deixara
seu coração em Sodoma. Voluntariamente desobedeceu a única exortação
que o anjo colocara sobre ela; olhou para trás, em direção àquela cidade,
e foi imediatamente morta. Foi transformada em uma estátua de sal e
pereceu em seus pecados. Nosso Senhor disse: “Lembrai-vos da mulher
de L ó” .
A mulher de Ló foi deixada como um sinal e uma advertência para
todos aqueles que professam ser crentes. Devemos temer que muitos serão
encontrados na mesma situação da mulher de Ló, no dia da segunda vinda
de Cristo. Existem muitos crentes professos, em nossa época, que avançam
bastante em sua religiosidade. Conformam-se aos padrões externos de
pais e amigos crentes. Falam a linguagem do povo de Deus; obedecem as
ordenanças do cristianismo. Mas durante todo esse tempo suas almas não
286 Lucas 17.26-37

estão em retidão diante de Deus. O mundo está em seus corações, e estes,


no mundo. Mais tarde, no Dia do Juízo, sua falsidade será exposta a
todos. O cristianismo dessas pessoas será demonstrado como algo com­
pletamente podre. Existem muitos casos semelhantes ao da mulher de Ló.
Lembremos da mulher de Ló e resolvamos ser verdadeiros em nosso
cristianismo. Não professemos servir a Cristo apenas para agradar esposas,
maridos, pastores ou qualquer outra pessoa. Uma aceitação do cristianismo
fundamentada nesse sentimento nunca salvará nossa alma. Sirvamos a
Cristo motivados por amor a Ele mesmo. Jamais descansemos até que
tenhamos a genuína graça de Deus em nosso coração e não tenhamos
desejo de olhar para trás, para o mundo.
Por último, devemos observar nestes versículos que terrível separação
ocorrerá entre aqueles que confessam pertencer à igreja de Cristo, quando
Ele vier. Nosso Senhor descreveu essa separação por meio de uma figura
notável. Ele disse: “Naquela noite, dois estarão numa cama; um será
tomado, e deixado o outro; duas mulheres estarão juntas moendo; uma
será tomada, e deixada a outra” .
Existe aqui um significado simples e claro. O dia do segundo advento
de Cristo será o dia em que bons e maus, convertidos e não-convertidos
serão divididos em dois grupos distintos. A igreja visível não mais será
um corpo repleto de misturas. O trigo e o joio nunca mais crescerão lado
a lado. Os peixes bons e os ruins serão, finalmente, separados em dois
grupos. Os anjos sairão e reunirão os justos, a fim de que sejam
recompensados, e deixarão para trás os ímpios, para que sejam punidos.
“Convertido ou não-convertido” será o único critério do julgamento. Não
importará se trabalharam, dormiram ou viveram juntos por muitos anos.
No final, Deus os julgará de acordo com sua fé. Os membros de uma
família que amaram a Cristo serão levados ao céu; aqueles que amaram o
mundo serão lançados no inferno. Convertidos e não-convertidos serão
separados para sempre, quando Jesus retornar.
Guardemos essas verdades em nosso coração. Se amamos nossos
parentes e amigos temos obrigação especial de pensar sobre eles. Se eles
são verdadeiros servos de Cristo, precisamos saber que temos de lançar
nossa sorte juntamente com eles, se não desejamos um dia ficar separados
deles, para sempre. Se eles ainda estão mortos em seus delitos e pecados,
precisamos saber que temos de trabalhar e orar por sua conversão, para
que mais tarde não sejamos separados deles, por toda a eternidade. A vida
presente é o único tempo que dispomos para esse trabalho; ela está se
passando rapidamente. Partida e separação da família, através da morte
física, sempre é algo doloroso. Mas todas as separações que estamos
observando no momento não serão nada, se comparadas àquela que ocorrerá
na segunda vinda de Cristo.
Lucas 18.1-8 287

Parábola da Viúva Importuna


Leia Lucas 18.1-8

O objetivo desta parábola é explicado pelo próprio Senhor Jesus.


Citando as palavras de um antigo teólogo: “A chave está pendurada na
porta” . “Disse-lhes Jesus uma parábola sobre o dever de orar sempre e
nunca esmorecer.” Temos de lembrar que esta parábola está intimamente
ligada à solene doutrina do segundo advento, com a qual findou o capítulo
anterior. Jesus está insistindo com seus discípulos que mantenham o hábito
de orar sem desfalecer, durante o longo e enfadonho intervalo entre o
primeiro e o segundo advento. É nesse intervalo que estamos agora. Este
assunto deve receber especial interesse de nossa parte.
Primeiramente, estes versículos nos ensinam a grande importância
da perseverança na oração. Nosso Senhor transmitiu essa lição ao contar
a história de uma viúva desamparada que obteve justiça de um magistrado
ímpio, por meio de importunação resoluta. “Bem que eu não temo a Deus,
nem respeito a homem algum” , disse o juiz injusto, “todavia, como esta
viúva me importuna, julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim,
venha a molestar-me” . Nosso Senhor mesmo ofereceu a aplicação da
parábola: “Considerai no que diz este juiz iníquo. Não fará Deus justiça
aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado
em defendê-los?” Se a importunação obteve tamanha resposta de um homem
ímpio, quanto mais os filhos de Deus obterão, por meio dela, resposta do
justo Juiz, seu Pai, que está nos céus!
O assunto sobre a oração sempre deve ser interessante para os crentes.
A oração é a própria respiração do verdadeiro crente. O cristianismo au­
têntico começa e floresce na prática da oração; ou decai na falta dela. A
oração é uma das primeiras evidências da conversão (At 9.11). Negligenciar
a oração é ficar vulnerável à queda no pecado (Mt 26.40, 41). Qualquer
fator que esclareça o assunto da oração contribui para a saúde de nossa
alma.
Devemos gravar profundamente em nosso coração o fato de que é
mais fácil criarmos o hábito de orar do que preservá-lo. O temor da morte,
algumas ferroadas momentâneas na consciência ou alguns sentimentos de
entusiasmo podem levar uma pessoa a começar a orar. Mas perseverar
em oração exige fé. Somos propensos a sentir cansaço e a aceitar a sugestão
de Satanás: “Não há qualquer proveito na oração”. Então chega a hora
em que precisamos recordar em detalhes as palavras da parábola. Preci­
288 Lucas 18.1-8

samos lembrar que nosso Senhor ensinou-nos expressamente a “orar sempre


e nunca esmorecer” .
Já sentimos uma inclinação íntima para orar apressadamente, encurtar
nossas orações, ser negligentes quanto às nossas orações ou evitá-las
completamente? Estejamos certos de que, se isto acontece conosco, tal
inclinação é uma tentação proveniente de Satanás. Ele está procurando
enfraquecer e destruir a fortaleza de nossa alma e levar-nos ao inferno.
Resistamos à tentação, lançando-a para longe de nós. Resolvamos orar
com determinação, paciência e perseverança, jamais duvidando que ela
nos faz bem. Ainda que a resposta demore a vir, continuemos orando.
Embora nos custe muito sacrifício e renúncia, permaneçamos a “orar
sempre” , a orar “sem cessar” (1 Ts 5.17) e perseveremos “na oração”
(Cl 4.2). Protejamos nossas mentes com as verdades da parábola e,
enquanto vivermos, separemos tempo para orar.
Em segundo, estes versículos nos ensinam que Deus tem um povo
eleito, que desfruta de seu cuidado especial. O Senhor Jesus declarou que
“fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite” ; e
continuou: “Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça” ,
A eleição é uma das verdades mais profundas ensinadas nas
Escrituras. É citada com clareza e singularidade no décimo sétimo artigo
da Igreja Anglicana. A eleição é “o eterno propósito de Deus, pelo qual,
antes da fundação do mundo, Ele decretou por seu conselho, oculto para
nós, libertar da maldição e condenação aqueles que da humanidade Ele
escolheu em Cristo e trazê-los por intermédio de Jesus à eterna salvação” .
O testemunho é verdadeiro; é “linguagem sadia e irrepreensível” (Tt 2.8).
A eleição é uma verdade que deve produzir louvores e ações de
graça em todos os verdadeiros crentes. Se Deus não os tivesse escolhido
e chamado, jamais eles teriam escolhido e seguido a Deus. Se Deus não
os tivesse escolhido de acordo com o beneplácito de sua vontade, sem
levar em conta qualquer bondade que havia neles, jamais haveria neles
qualquer coisa que os tornariam dignos da escolha divina. As pessoas in­
crédulas, de mentalidade mundana, injuriam a doutrina da eleição. Os
falsos mestres insultam-na e “transformam em libertinagem a graça de
nosso Deus” (Jd 4). Mas o crente que conhece seu próprio coração sempre
bendirá a Deus pela eleição. Confessará que sem ela não haveria salvação.
Mas, quais são as marcas da eleição? Por meio de quais indícios al­
guém pode saber que é um eleito de Deus? Essas marcas estão delineadas
com clareza nas Escrituras. A eleição está unida de maneira inseparável à
fé em Cristo e à conformidade com sua imagem (Rm 8.29-30). Somente
quando Paulo contemplou a “operosidade” da fé, a “abnegação” do amor
e a “firmeza” da esperança dos tessalonicenses, ele pôde reconhecer a
eleição deles (1 Ts 1.3-4). Acima de tudo, temos um indicativo da eleição
Lucas 18.1-8 289

na passagem que estamos considerando. Os eleitos de Deus “a ele clamam


dia e noite” . Eles são um povo que ora. Sem dúvida, existem pessoas
cujas orações são formais e hipócritas. Mas uma coisa é muitíssimo evi­
dente: uma pessoa que não ora nunca pode ser chamada de um dos eleitos
de Deus. Jamais esqueçamos isso.
Por último, estes versículos nos ensinam que a fé verdadeira será
muito escassa na época do fim do mundo. O Senhor Jesus fez uma pergunta
solene: “Quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra?”
É uma pergunta sobremodo humilhante. Ela nos mostra a inutilidade
de esperar que todo o mundo se converta antes que Cristo venha novamente.
Expõe a tolice de supor que todas as pessoas são boas e de imaginar que,
embora discordem nas coisas exteriores, tudo está correto em seus corações
e que, por fim, todas irão para o céu. Tais idéias não encontram apoio na
passagem que estamos considerando.
Que vantagem existe em ignorar os fatos que contemplamos com
nossos próprios olhos — no mundo, na igreja, na congregação a qual
pertencemos, na vizinhança e em nossas próprias casas? Onde podemos
ver a fé verdadeira? Quantos ao nosso redor realmente crêem nas verdades
da Bíblia? Quantas pessoas vivem como se cressem que Cristo morreu
pelos seus pecados e que haverá um julgamento final, um céu e um inferno?
Estas são perguntas sérias e difíceis, mas exigem e merecem uma resposta.
Nós mesmos temos fé? Se temos, adoremos a Deus através dela. É
algo estupendo crer em toda a Bíblia. Podemos agradecer diariamente a
Deus, se reconhecermos nossos pecados e confiarmos verdadeiramente
em Jesus. Somos pecadores fracos, imperfeitos e sujeitos a muitos erros.
Mas, cremos em Cristo? Eis a grande questão. Se cremos, seremos salvos.
Todavia, aquele

A Parábola do Fariseu e do Publicano


Leia Lucas 18.9-14

A parábola que acabamos de ler está intimamente relacionada a


anterior. A parábola da viúva perseverante nos ensina o valor da im­
portunidade na oração. A parábola do publicano e do fariseu nos ensina a
atitude que deve permear nossas orações. A primeira nos encoraja a orar
e não desfalecer; a segunda nos recorda como e em que disposição devemos
orar. Ambas devem ser meditadas por todo verdadeiro crente.
Primeiramente, observemos nestes versículos o pecado contra o qual
nosso Senhor nos adverte. Não : difícil encontrá-lo. Lucas nos diz cia-
290 Lucas 18.9-14

ramente que Jesus “propôs também esta parábola a alguns que confiavam
em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros” . O
pecado que nosso Senhor denunciou foi a justiça própria.
Por natureza, todos somos cheios de justiça pessoal, uma doença
hereditária de todos os filhos de Adão. Desde o maior ao menor, pensamos
mais elevadamente do que deveríamos pensar a respeito de nós mesmos.
Em nosso íntimo, bajulamos a nós mesmos, afirmando que não somos tão
maus como algumas pessoas e que temos algo para nos recomendar ao
favor de Deus. “Muitos proclamam a sua própria benignidade” (Pv 20.6).
Esquecemos o testemunho das Escrituras: “Tropeçamos em muitas coisas”
(Tg 3.2); “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não
peque” (Ec 7.20). “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de
mulher, para ser justo?” (Jó 15.14.)
A verdadeira cura para a justiça própria é o conhecimento de si
mesmo. Uma vez que os olhos de nosso entendimento sejam abertos pelo
Espírito Santo, nunca mais falaremos sobre nossa própria bondade. Se
vermos as realidades de nosso coração e o que a santa lei de Deus exige,
nossa vaidade pessoal morrerá. Colocaremos nossas mãos à boca e diremos,
assim como o leproso: “Imundo! Imundo! (Lv 13.45).
Em segundo, observemos nestes versículos a oração do fariseu con­
denada por nosso Senhor. O fariseu disse: “Ó Deus, graças te dou porque
não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem
ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo
de tudo quanto ganho” .
A oração do fariseu destaca um grande defeito, tão notável que mesmo
uma criança poderia identificá-lo. Sua oração não demonstrava qualquer
senso de pecado ou de necessidade. Não continha nenhuma confissão,
súplica, reconhecimento de culpa e insignificância, nenhum pedido de
misericórdia e graça. Foi apenas uma recitação orgulhosa de supostos
méritos, acompanhada por uma perversa reflexão sobre um irmão pecador.
Foi uma afirmação soberba e presunçosa, destituída de arrependimento,
humildade e amor. Em resumo, dificilmente poderia ser chamada de oração.
Não podemos imaginar um estado de alma mais perigoso do que o
daquele fariseu. Nunca os homens se encontram em uma situação mais
desesperadora do que quando a insensibilidade e a indiferença invadem-
lhes o coração. Nunca os corações dos homens se encontram em uma
condição mais desesperadora do que quando não sentem seus próprios
pecados. Aquele que não deseja soçobrar nessa rocha tem de acautelar-se
contra o julgar a si mesmo com base em seus companheiros. O que significa
dizer que possuímos mais moralidade do que outros homens? Somos todos
vis e imperfeitos aos olhos de Deus. “Se quiser contender com ele, nem a
uma de mil coisas lhe poderá responder” (Jó 9.3). Lembremos: sempre
Lucas 18.9-14 291

que examinarmos a nós mesmos, não procuremos avaliar-nos por meio de


comparação com o padrão dos homens. Olhemos tão-somente para as
exigências de Deus. Aquele que age de acordo com esse princípio nunca
será um fariseu.
Em terceiro, observemos nestes versículos a oração do publicano,
recomendada por nosso Senhor. A oração dele foi em todos os aspectos o
oposto da oração do fariseu. Lemos que o “publicano, estando em pé,
longe... batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”
Nosso Senhor selou a curta oração com seu carimbo de aprovação. Ele
afirmou: “Este desceu justificado para sua casa, e não aquele” .
A excelência da oração do publicano consiste em cinco aspectos,
que merecem nossa atenção. Primeiro, foi uma petição genuína. Uma
oração que só contém ações de graça e afirmações, sem qualquer súplica,
é uma oração deficiente. Pode ser conveniente para um anjo, mas não
para um pecador. Segundo, foi uma oração pessoal. O publicano não
falou a respeito de seu próximo, e sim a respeito de si mesmo. Incerteza
e generalidade são os grandes defeitos do cristianismo de muitas pessoas.
Abandonar o “nós”, o “nosso” e o “nos”, passando para o “eu ”, o “m eu”
e o “me” é um grande passo em direção ao céu. Terceiro, foi uma oração
humilde, que colocou o “eu” no seu devido lugar. O publicano confessou
claramente que era um pecador. Este é o próprio “abc” do cristianismo
que salva. Não começamos a nos tornar bons, enquanto não podemos
sentir e confessar que somos maus. Quarto, foi uma oração em que a mi­
sericórdia foi a principal coisa desejada e em que foi demonstrada, embora
com fragilidade, a fé na aliança da misericórdia divina. A misericórdia é
a primeira coisa que temos de pedir quando começamos a orar. A mi­
sericórdia e a graça divina têm de ser o assunto de nossas súplicas diárias
junto ao trono da graça, enquanto vivermos. Quinto, a oração do publicano
foi proveniente de seu coração. Ele sentiu-se profundamente comovido,
ao pronunciá-la. Batia no peito como alguém que tinha mais sentimentos
do que podia expressar. São orações que causam deleite em Deus. Um
coração compungido e contrito, Ele não o desprezará (SI 51.17).
Guardemos essas verdades no profundo de nosso coração. Aquele
que aprende a reconhecer seus pecados tem muitos motivos para ser grato
a Deus. Não estamos no caminho da salvação, enquanto não reconhecemos
que somos perdidos e culpados; estamos arruinados e desamparados. Feliz
certamente é aquela pessoa que não se envergonha de identificar-se com o
publicano. Quando nossa experiência se harmonizar com a dele, podemos
ter esperança de que já entramos na escola de Deus.
Por último, observemos nestes versículos o sublime elogio que nosso
Senhor outorgou à humildade. Ele disse: “Todo o que se exalta será
humilhado; mas o que se humilha será exaltado” .
292 Lucas 18.9-14

O princípio aqui apresentado se encontra com tanta freqüência nas


Escrituras, que deveríamos gravá-lo firmemente em nossa memória. Em
três ocasiões distintas nos evangelhos, encontramos nosso Senhor pro­
ferindo as mesmas palavras. Ele desejava ensinar-nos com insistência que
a humildade é uma das mais importantes e nobres virtudes do caráter
cristão. Foi uma virtude preeminente de Abraão, Jacó, Moisés, Davi, Jó,
Isaías e Daniel. Deveria ser uma virtude proeminente em todos os que
confessam servir a Cristo. Nem todos os que pertencem ao povo de Deus
possuem dons e riquezas. Apenas alguns são chamados a pregar, escrever
ou ocupar um lugar importante na igreja. Mas todos são chamados para
serem humildes. Pelo menos uma virtude deve adornar a vida do crente
mais pobre e menos instruído. Essa virtude é a humildade.
Terminemos nossas considerações sobre esta passagem com um
profundo senso do grande estímulo que ela oferece a todos os que reco­
nhecem seus pecados e clamam por misericórdia em nome de Jesus. Seus
pecados talvez sejam muitos e graves. Suas orações podem ser fracas,
incorretas e sem coerência, Mas eles devem recordar o publicano e sen­
tirem-se encorajados. O mesmo Jesus que recomendou a oração do pu­
blicano está assentado à direita de Deus para receber os pecadores. Estes
devem, portanto, ter esperança e orar com fé.

Cristo e as Crianças
Leia Lucas 18.15-17

Primeiramente, devemos perceber nesta passagem como as pessoas


são propensas a tratar com muita ignorância as crianças nas coisas
referentes à alma. Somos informados que alguns traziam a Jesus “as
crianças, para que as tocasse; e os discípulos, vendo, os repreendiam” .
Os discípulos talvez imaginaram que seria desperdício do tempo de nosso
Senhor e que as crianças não receberiam qualquer benefício por virem a
Cristo. Mas ouviram de nosso Senhor a solene repreensão: “Jesus, porém,
chamando-as para junto de si, ordenou: Deixai vir a mim os pequeninos e
não os embaraceis.”
A ignorância dos discípulos é muito comum entre os homens. Talvez
em poucos assuntos encontraremos idéias tão divergentes nas igrejas quanto
ao assunto da alma de uma criança. Alguns pensam que as crianças devem
ser batizadas e que, se morrerem antes de serem batizadas, elas não serão
salvas. Outros pensam que as crianças não devem ser batizadas, mas não
oferecem uma explicação satisfatória para tal ponto de vista. Alguns pensam
Lucas 18.15-17 293

que todas as crianças são regeneradas por meio de seu batismo. Outros
pensam que as crianças são incapazes de receber a graça divina e, portanto,
não devem ser arroladas como membros da igreja até que cresçam. Alguns
pensam que as crianças naturalmente são inocentes e não praticarão
qualquer impiedade, a menos que a tenham aprendido de outros. Alguns
imaginam que não há proveito em esperar que as crianças se convertam
quando muito novas; portanto, devem ser tratadas como incrédulas até
que alcancem a idade do discernimento. Todas as opiniões acima parecem
estar erradas, ou num sentido, ou noutro. Todas precisam ser rejeitadas,
por levarem a muitos enganos dolorosos.
Agiremos corretamente se nos apegarmos a alguns firmes princípios
das Escrituras sobre a condição espiritual da criança. Fazer isso nos poupará
de muita perplexidade e nos preservará de graves erros doutrinários.
As almas das crianças são preciosas aos olhos de Deus. Tanto nesta
passagem quanto em outras das Escrituras, existem provas claras de que
Cristo se interessa por elas, na mesma intensidade com que se interessa
pelos adultos. A alma de uma criança é capaz de receber a graça divina.
As crianças são nascidas em pecado e sem a graça de Deus não podem ser
salvas. Não existe nada, em toda a Bíblia ou na experiência humana, que
nos faça pensar que as crianças não podem receber o Espírito Santo e
serem justificadas, mesmo na infância. A mente da criança é igual à do
adulto para receber ensinos espirituais. A prontidão com que suas mentes
recebem as doutrinas do evangelho e suas consciências respondem a essas
doutrinas é bem reconhecida por todos os que ensinam as coisas espirituais.
Ainda, a alma da crianças é capaz de receber a salvação. Supor que Cristo
receberá crianças em sua igreja glorificada e, ao mesmo tempo, sustentar
a idéia de que Ele não deseja tê-las em sua igreja visível é uma incoerência
que nunca podemos explicar.
Temos aqui um assunto que merece consideração especial. É um
assunto inquestionavelmente difícil, com o qual muitos não concordam.
Mas, diante de toda perplexidade em referência a este assunto, faremos
bem se retornarmos a esta passagem. Ela esclarece a posição das crianças
diante de Deus e explica, em termos gerais, o pensamento de Cristo.
Também vemos nesta passagem a declaração forte que nosso Senhor
fe z a respeito das crianças. Ele disse: “Dos tais é o reino de Deus” . Sem
dúvida o significado dessas palavras é um assunto de debates. Outras
passagens bíblicas deixam bastante evidente que essas palavras não
significam que as crianças nascem inocentes e sem pecado. “O que é nas­
cido da carne é carne” (Jo 3.6). Uma lição em três aspectos provavelmen­
te está contida nas palavras de nosso Senhor. Devemos atentar à lição
ensinada pelo Senhor.
Todos os santos de Deus devem esforçar-se para viver “como uma
294 Lucas 18.15-17

criança” . A sua fé simples, sua dependência dos outros, sua indiferença


às riquezas do mundo, sua despreocupação para com as coisas do mundo,
sua comparativa humildade, seu caráter inofensivo e sua falta de malícia
são aspectos que fornecem aos crentes excelentes exemplos. Feliz é aquela
pessoa que pode se aproximar de Cristo e das Escrituras com o mesmo
espírito de uma criancinha.
Dentre os “pequeninos” a igreja de Deus, na terra, precisa ser
constantemente recrutada. Não devemos ter receio de dedicá-las a Cristo,
desde a sua mais tenra infância. Embora as formalidades do culto não lhes
pareçam proveitosas, é um dos meios da graça estabelecido pelo próprio
Senhor Jesus. Devemos utilizá-lo com fé, em benefício das crianças, na
confiança de que Ele pode abençoá-las.
Ao terminar nossa consideração sobre esta passagem, tenhamos um
profundo senso do valor das almas das crianças e uma firme resolução de
nos revestirmos da maneira de pensar que “houve também em Cristo
Jesus” em todo o nosso lidar com elas. Devemos considerá-las importantes
na igreja visível e como um grupo que o grande Cabeça da igreja não
deseja ver negligenciado. Treinemos as crianças no caminho da verdade,
desde a sua infância, plantemos em seus corações a semente da verdade
das Escrituras, fazendo-o com a firme confiança de que um dia ela
frutificará. Creiamos que elas são capazes de pensar, sentir e refletir nas
coisas espirituais, mais do que parece à primeira vista, e que o Espírito
Santo freqüentemente está agindo no íntimo delas, de uma maneira tão
autêntica e verdadeira quanto o faz nos adultos. Acima de tudo, cons­
tantemente devemos mencioná-las diante de Cristo, em oração, e suplicar-
Lhe que as tome sob seu cuidado especial. Ele nunca muda; é sempre o
mesmo. Ele se interessou por meninos e meninas, quando esteve na terra.
Não duvidemos que se interessa pelas crianças, mesmo estando à direita
de Deus no céu.

O Jovem Rico
Leia Lucas 18.18-27

A história que acabamos de ler está mencionada três vezes nos


evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas foram movidos pelo Espírito Santo
a narrarem a história de um homem rico que veio a Jesus. Devemos
observá-la como lições, que demandam nossa melhor atenção. Quando
Deus quis incutir em Pedro seu dever para com os gentios, enviou-lhe
uma visão que se repetiu “três vezes” (At 10.16).
Lucas 18.18-27 295

Primeiramente, estes versículos nos ensinam quão profundamente


uma pessoa pode avançar em sua ignorância. Somos informados que
“certo homem de posição” perguntou a Jesus o que deveria fazer “para
herdar a vida eterna” . Nosso Senhor conhecia o coração desse homem e
deu-lhe a resposta cujo objetivo foi esclarecer-lhe o verdadeiro estado de
sua alma. O Senhor Jesus recordou-lhe os Dez Mandamentos e recitou
alguns dos p rin cip a is m andam entos da segunda tábua da L ei.
Imediatamente, a cegueira espiritual desse homem foi revelada. “Tudo
isso” , replicou ele, “tenho observado desde a minha juventude” . Não
podemos imaginar uma resposta mais repleta de trevas e ignorância pessoal!
Aquele que deu essa resposta não sabia nada corretamente a respeito de si
mesmo, de Deus e de sua Lei.
Tal ignorância é um caso isolado? Imaginamos que não existem
pessoas semelhantes a ele em nossos dias? Se imaginamos, estamos
grandemente enganados, Com receio, afirmamos que há milhões de pessoas
em todo o cristianismo que não têm a menor idéia sobre a natureza espiritual
da Lei de Deus e, por conseqüência, não sabem coisa alguma a respeito
de sua própria pecaminosidade. Não percebem que Deus exige a “verdade
no íntim o” e que transgredim os os seus m andamentos em nossos
pensamentos e corações, mesmo quando não os transgredimos em nossos
atos (SI 51.6; Mt 5.21-28). A primeira coisa essencial à nossa salvação é
sermos livres dessa cegueira. Os olhos de nosso entendimento precisam
ser iluminados pelo Espírito Santo (Ef 1.18). Temos de aprender a conhecer
a nós mesmos. Nenhum homem verdadeiramente ensinado pelo Espírito
jam ais falará que desde a sua juventude tem “observado” todos os
mandamentos de Deus. Pelo contrário, ele clamará, assim como o apóstolo
Paulo: “A lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal... eu sei que em mim,
isto é, na minha carne, não habita bem nenhum” (Rm 7.14, 18).
Em segundo, estes versículos nos ensinam o grande dano causado
por um pecado que domina o coração. O desejo que o homem rico
expressou era correto e bom. Ele queria a “vida eterna” . À primeira
vista, não havia qualquer razão pela qual esse homem não podia ser
instruído no caminho de Deus e tornar-se um discípulo de Cristo. Mas
infelizmente existia uma coisa que ele amava mais do que a “vida eterna” .
Era a sua própria riqueza. Quando convidado por Cristo a abandonar tudo
que possuía na terra e ajuntar um tesouro nos céus, esse homem não teve
fé para aceitar o convite. O amor ao dinheiro era o pecado que dominava
seu coração.
E um tipo de atitude é muito comum em nossos dias. Poucos são os
pastores que não podem citar diversos casos semelhantes ao desse homem.
Muitas pessoas estão dispostas a desistir de tudo por amor a Cristo, exceto
um pecado muito querido e, por amarem esse pecado, arruinam suas
296 Lucas 18.18-27

almas para sempre. Herodes ouvia João Batista, e, “quando o ouvia, ficava
perplexo, escutando-o de boa mente” (Mc 6.20). Mas houve algo que
Herodes não podia fazer — romper seu relacionamento com Herodias.
Isto custou-lhe a alma.
Não pode haver reservas em nosso coração, se desejamos receber
algo de Cristo. Precisamos estar dispostos a abandonar qualquer coisa,
embora nos seja muito preciosa, que se coloca entre nós e nossa salvação.
Devemos estar prontos a cortar fora a mão direita e a arrancar o nosso
olho direito, a fazer qualquer sacrifício e quebrar qualquer ídolo. Temos
de lembrar: a vida eterna está em jogo! Uma pequena fenda não reparada
é suficiente para afundar um grande navio. Um pecado costumeiro, ao
qual uma pessoa se agarra com obstinação, é suficiente para fechar-lhe a
entrada ao céu. O amor ao dinheiro, nutrido ocultamente no coração, é o
bastante para levar um indivíduo, que em outros aspectos possui moralidade
e irrepreensão, ao abismo do inferno.
Em terceiro, estes versículos nos ensinam quão grande é a dificuldade
para um rico ser salvo. Nosso Senhor a identificou no comentário solene
que fez a respeito da situação do homem de posição: “Quão dificilmente
entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de
Deus” .
A verdade que nosso Senhor apresentou é confirmada em todos os
lugares. Nossos próprios olhos nos dirão que a graça divina e as riquezas
raramente andaram juntas. “Visto que não foram chamados muitos sábios
segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento”
(1 Co 1.26). É uma realidade evidente que poucas pessoas ricas se encon­
tram no caminho da vida. Por um lado, as riquezas inclinam seus pos­
suidores ao orgulho, à obstinação, à auto-satisfação, e ao amor pelo mundo.
E, ainda, os ricos dificilmente são abordados com fidelidade sobre os
assuntos referentes a suas próprias almas. Geralmente, eles são cortejados
e bajulados. “O rico tem muitos amigos” (Pv 14.20). Poucas pessoas têm
coragem de contar-lhes toda a verdade. Os pontos fortes dos ricos são
exagerados. Seus pontos fracos são encobertos, disfarçados e desculpados.
O resultado é que, enquanto seu coração está dominado pelas coisas do
mundo, seus olhos estão cegos para sua verdadeira condição espiritual.
Por que nos admiramos, se Jesus disse que a salvação de um rico é algo
muito difícil?
Não tenhamos inveja dos ricos, nem cobicemos suas possessões.
Pouco sabemos a respeito do que poderia nos acontecer, se nossos desejos
fossem realizados. O dinheiro, que milhões de pessoas estão constantemen­
te desejando e anelando ter, e que muitos tornam seu deus, está mantendo
miríades de almas fora do céu! “Os que querem ficar ricos caem em ten­
Lucas 18.18-27 297

tação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as


quais afogam os homens na ruína e perdição” (1 Tm 6.9). Feliz é aquele
que aprendeu a orar: “Não me dês nem a pobreza nem a riqueza” (Pv
30.8) e se contenta com as coisas que tem (Hb 13.5).
Por último, estes versículos nos ensinam quão imenso é o poder da
graça de Deus. Nós o notamos nas palavras que nosso Senhor dirigiu aos
que O ouviram falar sobre o perigo que corria aquele homem rico. Eles
haviam perguntado: “Quem pode ser salvo?” A resposta de nosso Senhor
foi completa e abrangente: “Os impossíveis dos homens são possíveis
para Deus” . Pela graça divina, um homem pode servir a Deus e chegar ao
céu, estando em qualquer posição em sua vida.
A Palavra de Deus contém muitas ilustrações admiráveis dessa dou­
trina. Abraão, Davi, Ezequias, Jeosafá, Josias, Jó e Daniel foram homens
ricos e ilustres. No entanto, todos foram salvos e serviram a Deus. Todos
acharam graça suficiente para suas almas e venceram as tentações pelas
quais estavam cercados. O Senhor deles continua vivo; e aquilo que Ele
fez por esses seus servos Ele pode fazer por outros. É capaz de hoje
conceder poder aos crentes ricos para que, apesar de suas riquezas, sigam
a Cristo, pois esse mesmo poder Ele concedeu a judeus ricos de sua época.
Tenhamos cuidado para não supor que nossa própria salvação é im­
possível, por causa das intensas dificuldades de nossa posição. Freqüen­
temente, esta é uma sugestão de Satanás ou de nossos corações levianos.
Não devemos permitir que tal pensamento flutue em nossas mentes. Não
importa o lugar em que vivemos, desde que não estejamos seguindo uma
vida caracterizada pelo pecado. Não importa a dimensão de nosso salário;
não importa se as riquezas nos sobrecarregam ou se a pobreza nos aflige.
A graça, e não a posição, é o eixo em torno do qual gira a nossa salvação.
O dinheiro não fechará a porta do céu para nós, se nossos corações
estiverem em retidão diante de Deus. Cristo pode nos tornar mais do que
vencedores e capacitar-nos a vencer em cada provação. Disse o apóstolo
Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13).

Encorajamento Para Deixar Tudo


por Amor a Cristo;
Jesus Prediz a Crucificação
Leia Lucas 18.28-34

Primeiramente, devemos observar nestes versículos a promessa


gloriosa e satisfatória que nosso Senhor estende a todos os crentes que
298 Lucas 18.28-34

deixam tudo por amor a Ele. Jesus disse: “Ninguém há que tenha deixado
casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou filhos, por causa do reino de
Deus, que não receba, no presente, muitas vezes mais e, 110 mundo por
vir, a vida eterna” .
É uma promessa é bastante peculiar. Não se refere à recompensa do
crente no mundo por vir e à imarcescível coroa de glória. Refere-se com
clareza à vida presente. Foi proferida a respeito do tempo “presente” .
A expressão “muitas vezes mais” evidentemente tem de ser entendida
no sentido espiritual. Significa que 0 verdadeiro crente encontrará em
Cristo um equivalente completo para tudo que o crente está obrigado a
desistir por amor a Ele. O crente achará paz, esperança, gozo, consolação
e descanso na comunhão com 0 Pai e 0 Filho, em tal proporção que suas
perdas serão mais do que compensadas com seus ganhos. Em resumo, 0
Senhor Jesus Cristo será mais valioso para esse crente do que seus bens,
parentes ou amigos.
O pleno cumprimento desta promessa maravilhosa tem sido visto,
com freqüência, na experiência dos santos de Deus. Milhares de crentes
poderiam testificar, em todas as épocas da igreja, que, quando foram
obrigados a desistir de tudo por causa do reino de Deus, suas perdas fo­
ram amplamente compensadas pela graça de Cristo. Foram conservados
em perfeita paz (Is 26.3) e confiança em Jesus. Foram capacitados a se
gloriarem nas tribulações e permanecerem contentes na enfermidade, na
perseguição, nas privações e aflições por amor a Cristo (Rm 5.3; 2 Co
12.10). Nas horas mais difíceis, receberam poder para se regozijarem
com alegria indizível e cheia de glória, considerando uma honra o suportar
vergonha por causa do nome de seu Senhor ( I P e 1.8; At 5.41). O último
dia demonstrará que, no exílio, na pobreza, nas prisões, diante de tribuna­
is humanos, no fogo da provação e em face da morte, as palavras de
Cristo sempre foram verdadeiras e fiéis. Nossos amigos com freqüência
têm se mostrado infiéis; governadores freqüentemente não cumprem suas
promessas. As riquezas criam asas. Mas as promessas de Cristo nunca
falham.
É uma promessa à qual devemos nos firmar. Prossigamos no caminho
da vida com uma firme convicção de que ela é propriedade de todo 0 povo
de Deus. Não alimentemos dúvidas e temores por causa das dificuldades
que surgem em nossa jornada cristã. Avancemos com a intensa persuasão
de que, se perdermos qualquer coisa por amor a Cristo, Ele nos compensará
mesmo no mundo presente. O que os crentes precisam é mais fé prática
diária nas palavras de Cristo. A fonte da água da vida está sempre bem
perto de nós, enquanto viajamos pelo deserto deste mundo. No entanto,
porque a fé nos falta, deixamos de vê-la e desfalecemos pelo caminho (Gn
21.19).
Lucas 18.28-34 299

Em segundo, observemos nestes versículos a predição simples e


clara que nosso Senhor fe z a respeito de sua morte. Nós O vemos falar
aos seus discípulos que seria “entregue aos gentios, escarnecido, ultrajado,
cuspido” e morto.
A importância da morte de nosso Senhor se destaca na freqüência
com que Ele a anunciou antecipadamente e a ela se referiu durante sua
vida. O Senhor Jesus bem sabia que sua morte era o principal objetivo
pelo qual viera ao mundo. Viera para oferecer sua vida em resgate por
muitos. Apresentaria sua alma como oferta pelo pecado e levaria Ele
mesmo “em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (1 Pe 2.24).
Ele daria seu corpo e seu sangue em favor da vida do mundo. Procuremos
ter o mesmo conceito sobre a morte de Cristo. Nossos principais pen­
samentos sobre Jesus devem estar inseparavelmente unidos à sua cruci­
ficação. A pedra angular de toda a verdade sobre a pessoa de Cristo é
esta: Ele morreu por nós, “sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
O amor de nosso Senhor Jesus para com os pecadores foi admi­
ravelmente demonstrado em seu resoluto propósito de morrer em favor
deles. Durante toda a sua vida, Ele sabia que seria crucificado. Nada hou­
ve sobre seus sofrimentos e morte que, antecipadamente, Ele não tenha
visto com nitidez, mesmo os pequenos detalhes, muito antes que se rea­
lizassem. O Senhor Jesus provou toda aquela amargura de sofrimentos
vistos por antecipação; porém, nunca se afastou de seu caminho. Angustiou-
se em espírito, até que sua obra estivesse terminada (Lc 12.50). Tal amor
excede todo entendimento; é insondável e indescritível. Podemos descansar
nesse amor, sem receios. Se Cristo nos amou de tal maneira, antes mesmo
de pensarmos nEle, com certeza jamais deixará de amar-nos, depois de
termos crido.
A tranqüilidade do Senhor Jesus diante da perspectiva de sua morte
deve ser um exemplo para todo o seu povo. Assim como Ele, estejamos
prontos a beber o cálice amargo que nosso Pai nos dá, sem murmuração,
e digamos: “Não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lc 22.42). Aquele
que tem fé no Senhor Jesus não precisa ter medo da morte. “O aguilhão
da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos
dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 15.56-
57). O sepulcro já não é mais aquilo que costumava ser. O Senhor Jesus
experimentou o sepulcro. Se o grande Cabeça do corpo antecipadamente
encarou a morte com bastante tranqüilidade, muito mais devem todos os
membros do corpo agir de maneira semelhante. Em favor deles, o Senhor
Jesus venceu a morte. O rei dos terrores é um inimigo vencido.
Por último, observemos nestes versículos a demora dos discípulos
para entenderem a morte de Cristo. Vemos que, ao descrever nosso Senhor
seus sofrimentos vindouros, os discípulos “nada compreenderam acerca
300 Lucas 18.28-34

destas coisas; e o sentido destas palavras era-lhes encoberto, de sorte que


não percebiam o que ele dizia” .
Provavelmente lemos tais palavras com um pouco de surpresa e
compaixão. Ficamos admirados diante da cegueira e ignorância desses
judeus. Estranhamos o fato de que, em face dos ensinos claros e à luz evi­
dente dos símbolos da lei de Moisés , os sofrimentos do Messias tivessem
sido perdidos de vista, diante de sua glória, e sua cruz ocultada por trás de
sua coroa.
Será que estamos esquecendo que a morte vicária de Cristo seria
sempre uma pedra de tropeço e uma ofensa para a natureza humana
orgulhosa? Não reconhecemos que até agora, depois que Ele ressuscitou
dentre os mortos e ascendeu à glória, a doutrina da cruz ainda é tolice
para muitos e que a morte de Cristo como nosso substituto, na cruz, é
uma verdade freqüentemente negada, rejeitada e desprezada? Antes de
nos admirarmos porque esses fracos primeiros discípulos não entenderam
as palavras de nosso Senhor a respeito de sua morte, deveríamos olhar ao
nosso redor. Ficaremos humilhados ao recordar que milhares de supostos
cristãos não entendem nem valorizam a morte de Cristo em nossos dias.
Examinemos bem nosso próprio coração. Vivemos em uma época
quando as falsas doutrinas sobre a morte de Cristo proliferam por todos
os lados. Verifiquemos se o Cristo crucificado é realmente o alicerce de
nossa esperança e se sua morte expiatória, em favor de nossos pecados, é
de fato a vida de nossa alma. Acautelemo-nos de acrescentar qualquer
coisa ao sacrifício de Jesus na cruz, assim como o faz o catolicismo romano.
O valor da morte de Cristo é infinito; não admite qualquer acréscimo.
Tenhamos cuidado para não desprezarmos o sacrifício de Cristo, como o
fazem os socinianos. Supor que o Filho de Deus morreu apenas para nos
dar um exemplo de renúncia significa contradizer centenas de textos claros
das Escrituras. Andemos nos antigos caminhos. Assim como o apóstolo
Paulo, digamos: “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso
Senhor Jesus Cristo” (G1 6.14).

A Cura do Cego de Jericó


Leia Lucas 18.35-43

O milagre descrito nesta passagem é rico em instruções. É uma das


grandes obras que testifica que Cristo foi enviado pelo Pai (Jo 5.36). Mas
isso não é tudo. Contém algumas figuras vívidas de verdades espirituais
que merecem um estudo atencioso.
Lucas 18.35-43 301

Primeiramente, vemos nestes versículos a importância de ser diligente


em utilizar os meios da graça. Somos informados que “estava um cego
assentado à beira do caminho, pedindo esmolas” . Ele procurou um lugar
onde sua condição dolorosa seria notada facilmente. Não ficou ocioso,
em casa, esperando que a cura viesse ao seu encontro. Ele se assentou à
beira da estrada, a fim de que os transeuntes pudessem vê-lo e ajudá-lo.
Esse fato nos mostra a sabedoria de seu comportamento. Assentado à
beira do caminho, ouviu “que passava Jesus” . Ao ouvir sobre Jesus, o
cego clamou por misericórdia e teve sua visão restaurada. Observemos
com atenção. Se aquele cego não estivesse à beira do caminho naquele
dia, provavelmente permaneceria cego até ao final de sua vida.
Aquele que deseja ser salvo deve recordar o exemplo desse homem
cego. Precisa usar com diligência todos os meios da graça. Tem de
freqüentar com regularidade os lugares onde o Senhor Jesus está presente
de maneira especial. Precisa assentar-se onde a Palavra é lida, o evangelho
é anunciado e o povo de Deus se reúne. Esperar que a graça seja implantada
em nosso coração, se permanecemos ociosamente em casa no domingo,
não procurando ir a um lugar onde podemos ouvir a pregação da Palavra,
é uma presunção e não a fé bíblica. É verdade que Deus tem misericórdia
de quem Lhe aprouver ter misericórdia (Rm 9.15), mas também é verdade
que costumeiramente Ele demonstra misericórdia para aqueles que utilizam
os meios da graça. É verdade que Cristo as vezes é “achado pelos que não
O procuravam” ; porém também é verdade que Ele é sempre encontrado
por aqueles que realmente O procuram. Aqueles que desprezam o domingo,
menosprezam as Escrituras e não oram estão perdendo as misericórdias e
cavando sepulcros para sua própria alma. Não estão se assentando “à
beira do caminho” .
Em segundo, vemos nestes versículos um exemplo de nosso dever
no assunto da oração. Somos informados que, ao ouvir que Jesus estava
passando, o cego começou a clamar: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão
de mim!” Depois, a passagem nos conta que, ao ser repreendido por
algumas pessoas, para que se calasse, o cego não atendeu. “Ele, porém,
cada vez gritava m ais.” Sentiu sua necessidade e achou palavras para
expressá-la. Não seria impedido pela repreensão de pessoas que não sabiam
nada sobre a miséria da cegueira. O seu sofrimento o fez continuar
clamando. E sua importunação foi amplamente recompensada. Achou o
que estava procurando. Naquele mesmo dia recuperou a vista.
O que aquele cego fez em benefício da sua restauração física
certamente é nosso principal dever em benefício de nossa alma. Nossa
necessidade é maior do que a do cego. A enfermidade do pecado é mais
crônica do que a falta de visão. Os lábios que encontraram palavras para
descrever a necessidade de seu corpo com certeza acharão palavras para
302 Lucas 18.35-43

expressar as necessidades de sua alma. Se nunca oramos, devemos começar


a fazê-lo. Oremos com todo o nosso coração e com intenso fervor. Jesus,
o Filho de Davi, ainda está passando bem perto de todos nós. Clamemos
a Ele, suplicando misericórdia e não permitamos que nada cesse nosso
clamor. Não desçamos a um abismo produzido pela mudez, por não cla­
marmos a Jesus, suplicando misericórdia. Ninguém será tão indesculpável
no último dia quanto aqueles que, mesmo sendo batizados, nunca tentaram
orar.
Em terceiro, vemos nestes versículos uma encorajadora manifestação
da bondade e compaixão de Cristo. Quando o cego continuou a clamar
por misericórdia, nosso Senhor “parou... e mandou que lho trouxessem” .
Ele estava se dirigindo a Jerusalém para morrer e tinha muitas coisas
importantes em seus pensamentos; apesar disso, teve tempo de parar e
conversar gentilmente com o infeliz sofredor. Jesus perguntou-lhe: “Que
queres que eu te faça?” O cego respondeu prontamente: “Senhor, que eu
torne a ver” . Então, Jesus lhe disse: “Recupera a tua vista; a tua fé te
salvou” . Essa fé provavelmente estava fraca e misturada com muita
imperfeição. Mas fez o homem clamar a Jesus e continuar clamando,
apesar das repreensões. Portanto, vindo com fé, nosso bendito Senhor
não o rejeitou. O desejo de seu coração foi atendido, e, imediatamente, o
cego “tomou a ver” .
Passagens como esta foram escritas nos evangelhos para trazer
conforto especial a todos os que sentem o fardo de seus pecados e vêm a
Cristo, em busca de paz. Tais pessoas talvez se vejam muito sensíveis
quanto à sua grande imperfeição em todas as suas tentativas para achegarem-
se ao Filho de Deus. Sua fé pode ser muito frágil, seus pecados são
muitos e graves, suas orações podem ser pobres e trêmulas, seus motivos
estão muito aquém da perfeição. Mas, afinal de contas, realmente estão
vindo a Cristo com seus pecados? Estão verdadeiramente dispostas a
abandonar qualquer outra confiança e entregarem sua alma aos cuidados
de Cristo? Se tudo isso é verdade, elas podem ter esperança e não sentirem-
se temerosas. O mesmo Jesus que ouviu o clamor do cego e atendeu-lhe o
pedido continua vivo. Ele jamais negará suas próprias palavras: “Todo
aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo
nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37).
Por último, vemos nestes versículos um admirável exemplo da
conduta que merece imitação de quem já recebeu misericórdia da parte
de Cristo. Quando o cego “tornou a ver” , seguiu a Jesus, “glorificando a
Deus” . Ele sentiu profunda gratidão; resolveu mostrá-la tornando-se um
dos seguidores e discípulos de nosso Senhor. Os fariseus poderiam
escarnecer de nosso Senhor Jesus; os saduceus, zombar de seus ensinos.
Isto nada significava para esse novo discípulo. Em si mesmo, ele possuía
Lucas 18.35-43 303

o testemunho de que Jesus era um Senhor digno de ser seguido. Ele podia
dizer: “Eu era cego e agora vejo” (Jo 9.25).
Um amor que se expressa em gratidão é a verdadeira fonte de
obediência autêntica à pessoa de Cristo. A menos que sintam que são
devedores a Cristo, por causa do perdão, da paz e da esperança que
receberam, os homens jamais tomarão a sua cruz, confessarão a Jesus
diante do mundo e viverão para Ele. Os ímpios vivem na impiedade porque
não têm qualquer senso de pecado e nenhuma consciência de obrigação
para com Cristo. Os crentes vivem em santidade porque amam Aquele
que os amou primeiro e, em seu sangue, os lavou dos pecados deles.
Cristo os curou; portanto, eles O seguem.
Examinemos solenemente nosso próprio coração, ao concluir nossas
considerações sobre esta passagem. Se desejamos saber se temos qualquer
parte ou herança em Cristo, averiguemos nossas próprias vidas. A quem
nós seguimos? Para quais objetivos e propósitos primordiais estamos
vivendo? A pessoa que tem uma verdadeira esperança em Jesus sempre
será identificada pelas preferências gerais de sua vida.

A Chamada de Zaqueu
Leia Lucas 19.1-10

Estes versículos descrevem a conversão de uma alma. Assim como


a história de Nicodemos e da mulher samaritana, a de Zaqueu deve ser
freqüentemente estudada pelos crentes. O Senhor Jesus nunca muda. O
que fez por esse homem Ele é capaz e está disposto a fazer por qualquer
outra pessoa.
Primeiramente, estes versículos nos ensinam que ninguém é tão ímpio
que Cristo não possa salvar ou que fique longe do alcance do poder de
sua graça. Esta passagem nos fala sobre um publicano rico que se tornou
discípulo de Cristo. Não podemos imaginar outro caso que oferecia menos
probabilidade de conversão! Vemos um camelo passando pelo fundo de
uma agulha e um rico entrando no reino dos céus. Contemplamos uma
prova concreta de que para Deus todas as coisas são possíveis. Neste
relato, vemos um avarento coletor de impostos sendo transformado em
um cristão generoso.
A porta da esperança, que o evangelho revela aos pecadores, está
amplamente aberta. Permitamos que ela permaneça aberta como a
encontramos. Não procuremos fechá-la com nossa intolerante ignorância.
Nunca tenhamos receio de afirmar que Cristo “pode salvar totalmente”
(Hb 7.25) e que o pior dos pecadores pode ser completamente perdoado,
304 Lucas 19.1-10

se vier a Ele. Devemos oferecer o evangelho com ousadia ao pior e mais


ímpio dos pecadores, dizendo-lhe: “Há esperança. Arrependa-se e creia.
Ainda que seus pecados sejam como a escarlate, se tornarão brancos como
a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a
lã” (Is 1.18). Talvez seja uma doutrina com aparência de tolice e licen­
ciosidade para as pessoas mundanas. Mas constitui o evangelho dAquele
que salvou Zaqueu, em Jericó. Os médicos, às vezes, consideram alguns
casos de pessoas como incuráveis. Mas não existem casos incuráveis para
o evangelho. Qualquer pecador poderá ser curado, se tão-somente vier a
Cristo.
Em segundo, estes versículos nos ensinam quão poucas e simples
são as coisas que freqüentemente cooperam para a salvação de uma alma.
Zaqueu “procurava ver quem era Jesus, mas não podia... por ser ele de
pequena estatura” . Curiosidade, e nada mais, parece ter sido o motivo de
seu coração. Uma vez que a curiosidade brotou em seu íntimo, Zaqueu
estava decidido a satisfazê-la. Para ter certeza de que veria Jesus, correu
e “adiante, subiu a um sicômoro” . Dessa atitude insignificante, aos olhos
dos homens, dependeu a salvação de Zaqueu. Nosso Senhor parou sob
aquela árvore e disse: “Desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua
casa” . A partir daquele momento, Zaqueu tornou-se um homem diferente.
Naquela noite ele dormiu sendo um verdadeiro cristão.
Nunca podemos desprezar o “dia dos humildes começos” (Zc 4.10).
Não devemos reputar insignificante qualquer coisa que se refere à alma.
Os caminhos pelo quais o Espírito Santo leva homens e mulheres a Cristo
são maravilhosos e misteriosos. Com freqüência, Ele inicia em determinado
coração uma obra que permanecerá por toda a eternidade, quando aqueles
que a observam não percebem nada admirável. Em cada obra, precisa
haver um começo; e na obra espiritual o começo em geral é muito insig­
nificante. Vemos uma pessoa negligente começando a utilizar-se dos meios
da graça, que em tempos passados eram por ela negligenciados? Nós a
vemos ir à igreja e ouvir a pregação do evangelho, depois de ter passado
muito tempo desprezando o domingo? Quando contemplarmos tais coisas,
lembremo-nos de Zaqueu e tenhamos esperança. Não olhemos para tal
pessoa com indiferença, porque seus motivos no momento são pobres e
questionáveis. Creiamos que é melhor ouvir o evangelho motivado por
curiosidade do que não ouvi-lo de maneira alguma. Essa pessoa está agin­
do à semelhança de Zaqueu! Pelo que sabemos, ela pode tomar outros
passos adiante. Quem não pode dizer que um dia ela receberá a Cristo
com alegria?
Em terceiro, estes versículos nos ensinam a compaixão gratuita de
Cristo para com os pecadores e seu poder de mudar os corações. Um
exemplo mais admirável é impossível imaginarmos. Sem qualquer convite,
Lucas 19.1-10 305

nosso Senhor parou e conversou com Zaqueu. Espontaneamente Ele se


ofereceu como hóspede para a casa de um pecador. Sem ser solicitado, o
Senhor Jesus enviou a graça renovadora do Espírito Santo ao coração de
um publicano, transformando-o naquele momento em um filho de Deus
(Jr 3.19).
Levando em conta o relato desta passagem, podemos dizer que a
graça de nosso Senhor Jesus Cristo jamais será exaltada em excesso. Não
existem palavras para expressarmos com intensa firmeza a infinita prontidão
de nosso Senhor para receber e sua infinita capacidade para salvar pe­
cadores. Acima de tudo, esta passagem nos habilita a afirmar com segurança
que a salvação não vem das obras, e sim da graça. Se houve alguém que
foi buscado e salvo, sem ter feito qualquer coisa para merecê-lo, essa
pessoa foi Zaqueu. Apeguemo-nos com vigor a essas doutrinas e nunca as
abandonemos. Elas valem muito mais do que rubis. A graça, a graça gra­
tuita, é o único pensamento que concede aos homens descanso na hora da
morte. Confiantemente proclamemos essas doutrinas a todos com quem
falarmos sobre as coisas espirituais. Exortemo-los a virem a Cristo, assim
como estão, e a não demorarem na esperança vã de que podem preparar a
si mesmos e tornarem-se dignos de virem a Ele. Devemos proclamar-lhes
que Jesus Cristo os espera e deseja vir e habitar em seus infelizes corações
pecaminosos, se eles apenas quiserem recebê-Lo. Ele declara: “Eis que
estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei
em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo” (Ap 3.20).
Por último, estes versículos nos ensinam que pecadores convertidos
sempre manifestarão evidências de sua conversão. Zaqueu, em sua casa,
“se levantou e disse ao Senhor: Senhor, resolvo dar aos pobres a metade
dos meus bens; e, se nalgurna coisa tenho defraudado alguém, restituo
quatro vezes mais” . Houve veracidade nessas palavras; esta foi uma prova
inconfundível de que Zaqueu era uma nova criatura. Quando um crente
rico começa a distribuir sua riqueza e um extorquidor começa a fazer res­
tituições, certamente podemos crer que as coisas velhas já passaram e
tudo se fez novo (2 Co 5.17). Houve determinação nessas palavras de
Zaqueu. Ele disse: “Resolvo dar... restituo”. Ele não estava falando de
intenções futuras. Ele não afirmou: “Resolverei.... restituirei” . Tendo
sido perdoado gratuitamente e ressuscitado dos mortos à vida, Zaqueu
sentiu que poderia começar a demonstrar imediatamente quem ele era e a
quem estava servindo agora.
Aquele que deseja provar que é um crente deve andar nos mesmos
passos de Zaqueu, ou seja, tem de renunciar completamente os pecados
que antes o assediavam com facilidade; precisa seguir as virtudes cristãs
que, no passado, ele habitualmente desprezava. Em todos os aspectos,
um crente deve viver de tal modo que todos saibam que ele é um crente
306 Lucas 19.1-10

genuíno. A fé que não purifica o coração e a vida não é a fé verdadeira. A


graça que não pode ser vista, tal como a luz, e experimentada, assim
como o sal, não é graça, e sim hipocrisia. O homem que professa conhecer
a Cristo e crer nEle, enquanto se apega ao pecado e ao mundo, está se
encaminhando para o inferno, com uma mentira bem ao seu lado. O coração
que realmente provou a graça de Cristo odiará instintivamente o pecado.
Ao terminar nossa meditação sobre esta passagem, permitamos que
o último versículo esteja sempre ecoando em nossos ouvidos: “O Filho do
Homem veio buscar e salvar o perdido” . É como Salvador, mais do que
como Juiz, que Cristo deseja ser conhecido. Certifiquemo-nos de que O
conhecemos dessa maneira. Cuidemos em verificar se nossa alma está
salva. Se estivermos convertidos, nós diremos: “Que darei ao S enhor por
todos os seus benefícios para comigo?” (SI 116.12); e não reclamaremos
que a auto-renúnica de Zaqueu foi uma exigência severa.

A Parábola das Minas


Leia Lucas 19.11-27

O motivo de nosso Senhor proferir esta parábola foi corrigir as falsas


expectativas dos discípulos em referência ao reino de Cristo. Foi um
anúncio profético de coisas presentes e futuras que deveriam suscitar
pensamentos solenes na mente de todos os que professam ser crentes.
Algo revelado nesta parábola é a posição presente de nosso Senhor
Jesus Cristo. Ele é comparado a “certo homem nobre” que “partiu para
uma terra distante, com o fim de tomar posse de um reino e voltar” .
Quando nosso Senhor deixou o mundo, ascendeu ao céu como um
vencedor, levando “cativo o cativeiro” (Ef 4.8). Agora Ele se encontra
no céu, assentado à direita de Deus, realizando a obra de um Sumo
Sacerdote em favor de todos os crentes e sempre intercedendo por eles.
Mas não ficará ali para sempre; o Senhor Jesus deixará o Santo dos Santos
para abençoar seu povo. Virá novamente com poder e glória para sujeitar
todos os inimigos debaixo de seus pés e estabelecer seu reino. No presente,
ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas (Hb 2.8). O diabo é “o
príncipe do mundo” (Jo 14.30). Um dia o presente estado de coisas será
transformado. Quando Cristo voltar, os reinos do mundo se tornarão dEle.
São verdades que devem gravar-se em nossa mente. Em tudo que
pensamos sobre a pessoa de Cristo, jamais nos esqueçamos de seu segundo
advento. É ótimo saber que Ele viveu, morreu, ressuscitou e intercede
por nós. Mas também é ótimo saber que em breve o Senhor Jesus retornará.
Lucas 19.11-27 307

Em segundo, vemos nesta parábola a posição atual de todos os que


professam ser crentes. Nosso Senhor os comparou a servos que receberam
o encargo de cuidar do dinheiro de seu senhor ausente, que lhes deu
instruções específicas sobre como utilizar bem o seu dinheiro. “Disse-
lhes: Negociai até que eu volte.”
Os incontáveis privilégios que o crente desfruta, comparados aos
dos incrédulos, são “minas” que lhe foram dadas por Cristo; e dessas um
dia ele prestará contas. No Dia do Juízo, não ficaremos lado a lado com
aqueles que nunca ouviram falar sobre as Escrituras, a Trindade e a
crucificação. Devemos recear que a maioria dos crentes não têm a menor
idéia de sua responsabilidade. Àquele a quem muito foi dado, muito lhe
será exigido.
Estamos “negociando”? Estamos vivendo como homens que sabem
com quem estão endividados e a quem um dia terão de prestar contas?
Esta é a única maneira de viver que é digna de um ser racional. A ordem
de nosso Senhor na parábola é a melhor resposta que podemos dar àqueles
que nos convidam para nos arrastarem às coisas mundanas e frivolidades.
Digamo-lhes que não podemos aceitar tal convite, porque aguardamos a
vinda de nosso Senhor. E queremos estar “negociando” , quando Ele vier.
Em terceiro, vemos nesta parábola o correto ajuste de contas que
aguarda todos os crentes professos. Quando o Senhor retornou, Ele
“mandou chamar os servos a quem dera o dinheiro, a fim de saber que
negócio cada um teria conseguido” .
Virá o dia em que o Senhor Jesus julgará todo o seu povo e re­
compensará a cada um de acordo com suas obras. O curso deste mundo
não permanecerá para sempre no estado em que se encontra agora.
Desordem, confusão, falsa confissão de fé e pecados impunes não per­
mearão sempre a face da terra. O grande trono branco será estabelecido;
e sobre ele se assentará o Juiz de todos. Os mortos ressurgirão de seus
sepulcros. Os vivos serão todos convocados ao tribunal. Os livros serão
abertos. Grandes e pequenos, ricos e pobres, nobres e simples — todos
finalmente prestarão contas a Deus e receberão a sentença eterna.
Permitamos que o pensamento sobre esse julgamento exerça influência
em nossas vidas e corações. Esperemos com paciência, quando vemos a
impiedade triunfar na terra. O tempo é curto. Existe Alguém que está
vendo e registrando tudo que os ímpios estão fazendo, Alguém que está
acima de todos eles. Antes de tudo, vivamos sob o sentimento permanente
de que um dia compareceremos diante do tribunal de Cristo. Julguemos a
nós mesmos, para que não sejamos condenados pelo Senhor Jesus Cristo
(1 Co 11.31). Vejamos uma significativa afirmação de Tiago: “Falai de
tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser julgados
pela lei da liberdade” (Tg 2.12).
308 Lucas 19.11-27

Em quarto, vemos nesta parábola a recompensa justa de todos os


verdadeiros crentes. Nosso Senhor nos falou que serão recompensados
com honra e dignidade todos os que forem achados fiéis. Cada um receberá
uma recompensa proporcional à sua diligência. Um será colocado sobre
“dez cidades” ; outro, sobre “cinco cidades” .
O povo de Deus aparentemente recebe pouca recompensa na época
presente. Seus nomes com freqüência são desprezados como vis. Eles
entram no reino de Deus sofrendo muitas tribulações. As suas coisas boas
não se encontram neste mundo. O lucro de sua piedade não consiste em
recompensas terrenas, e sim na paz, esperança e alegria interior, resultantes
de seu crer. Mas um dia terão uma recompensa abundante. Receberão
galardões muitíssimo excedentes a qualquer coisa que fizeram por Cristo.
Descobrirão, para sua surpresa, que por todas as coisas que fizeram e su­
portaram por seu Senhor, Ele os compensará cem vezes mais.
Estejamos sempre aguardando as coisas boas que ainda estão por
vir. “Os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com
a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18). Pensar sobre aquela glória
deve nos animar em todas as horas de necessidade e suster-nos em todos
os momentos de aflição. Sem dúvida, “muitas são as aflições do justo” (SI
34.19). Um grande remédio para as suportarmos com paciência é con­
templar “o galardão” (Hb 11.26).
Por último, vemos nesta parábola a revelação justa de todos os falsos
cristãos, no último dia. O Senhor Jesus falou sobre um servo que não
fizera nada com o dinheiro de seu senhor, mas o enterrou envolvido em
um lenço. O Senhor também contou os argumentos inúteis que ele utilizou
em sua defesa e sua ruína final, por não usar o conhecimento que confessou
possuir. Não pode haver erros quanto ao tipo de pessoa que esse servo
representa. Ele é uma figura de todos os ímpios, e sua condenação re­
presenta o seu terrível destino no Dia do Juízo.
Nunca esqueçamos o destino para o qual todos os ímpios estão
caminhando. Mais cedo ou mais tarde o incrédulo e impenitente ficará
envergonhado diante de todo o mundo, destituído de todos os meios da
graça, sem esperança de glória e será lançado no inferno. Não haverá
escape no último dia. A falsa confissão de ser crente e a formalidade não
resistirão ao fogo do juízo de Cristo. A graça, somente a graça, será
vitoriosa. Ao final, os homens descobrirão que existe uma coisa chamada
a “ira do Cordeiro” . As desculpas com as quais muitos agora acalentam
sua consciência serão comprovadas como inúteis no tribunal de Cristo. A
pessoa mais ignorante das coisas espirituais descobrirá que tinha conhe­
cimento suficiente para a sua condenação. Aqueles que possuem “minas”
escondidas verão, no último dia, que melhor lhes teria sido não haver
nascido.
Lucas 19.11-27 309

São verdades solenes! Quem ficará isento de condenação naquele


grande dia, quando o Senhor exigirá contas de suas “minas”? As palavras
do apóstolo Pedro constituem uma conclusão adequada para esta parábola:
“Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por
serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis” (2 Pe 3.14).

A Entrada Triunfal em Jerusalém


Leia Lucas 19.28-40

Primeiramente, observemos nestes versículos o perfeito conhecimento


de nosso Senhor Jesus Cristo. Nós O vemos enviando dois de seus dis­
cípulos a uma aldeia e contando-lhes que, na entrada, encontrariam “preso
umjumentinho que jamais homem algum montou” . Vemos o Senhor Jesus
descrevendo o que os discípulos veriam e deveriam dizer; e Ele o fez com
muita segurança, como se toda a transação tivesse sido previamente
disposta. Em resumo, Jesus falou como alguém que via todas as coisas
abertamente, alguém cujos olhos se encontravam em todo lugar, alguém
que conhecia as coisas visíveis e as invisíveis.
Um leitor atento observará a mesma coisa em outras partes dos evan­
gelhos. Certa passagem nos revela que Jesus conhecia “os pensamentos”
de seus inimigos (Mt 12.25). Outra nos conta que Ele “mesmo sabia o
que era a natureza humana” (Jo 2.25). E ainda outra passagem nos diz
que Jesus “sabia, desde o princípio, quais eram os que não criam e quem
o havia de trair” (Jo 6.64). Esse conhecimento é um atributo peculiar de
Deus. Passagens bíblicas como essas têm o propósito de nos recordar que
Jesus Cristo não foi apenas homem, mas, também, “Deus bendito para
todo o sempre” (Rm 9.5).
O pensamento sobre o perfeito conhecimento de Cristo deveria
alarmar os pecadores e despertá-los ao arrependimento. O grande Cabeça
da Igreja conhece todos eles e o que estão fazendo. O Juiz de todos os vê
constantemente e registra todo os seus atos. “Não há trevas nem sombra
assaz profunda, onde se escondam os que obram a iniqüidade” (Jó 34.22).
Se escondem-se em lugares secretos, os olhos de Cristo ali os contempla.
Se, em particular, tramam perversidade e planejam impiedade, o Senhor
Jesus sabe e os observa. Se eles falam em segredo contra o justo, Cristo
os escuta. Durante toda a sua existência, podem enganar os homens, mas
não podem enganar a Jesus. Virá o dia em que Deus julgará, “por meio
de Cristo Jesus... os segredos dos homens, de conformidade com o...
evangelho” (Rm 2.16).
310 Lucas 19.28-40

O pensamento sobre o perfeito conhecimento de Cristo deveria


confortar todos os verdadeiros crentes e incentivá-los a crescerem
diligentemente em boas obras. Sobre eles estão sempre os olhos do Senhor.
Ele sabe quais as circunstâncias que envolvem os crentes, suas provações
diárias e conhece as pessoas com quem eles andam. Não há uma palavra
em seus lábios, ou um pensamento em seus corações, que Jesus não saiba
com pletam ente. Eles devem sentir-se encorajados, quando forem
caluniados, mal entendidos e deturpados pelo mundo. Não importa o que
as pessoas incrédulas são capazes de dizer, o Senhor sabe “todas as coisas”
(Jo 21.17). O verdadeiro crente precisa andar resolutamente no caminho
estreito, não se desviando para a direita ou para a esquerda. Quando os
pecadores tentam induzi-lo e crentes fracos dizem: “Poupe a si mesmo” ,
o verdadeiro crente deve responder: “Meu Senhor está olhando para mim.
Desejo viver e comportar-me como alguém que está sob o olhar de Cristo” .
Observemos também nestes versículos a publicidade da última
entrada de nosso Senhor em Jerusalém. O evangelho nos conta que o
Senhor Jesus montou sobre um jumentinho e entrou em Jerusalém, como
se um rei estivesse visitando sua capital ou um conquistador retornasse
em triunfo à sua terra natal. E, uma grande “multidão” o acompanhava,
quando Ele entrou na cidade, e passou, “jubilosa, a louvar a Deus em alta
voz” . É uma história diferente do teor geral da vida de nosso Senhor. Em
outras ocasiões, nós O vemos evitando a observação pública, retirando-se
para o deserto e ordenando aos que haviam sido curados por Ele que não
o contassem a ninguém. Nesta ocasião, tudo aconteceu de maneira
diferente. Ele abandonou por completo a privacidade e pareceu cortejar a
observação do público. Parecia desejoso de que O vissem e observassem
o que Ele estava fazendo.
Os motivos que justificam a conduta de nosso Senhor no clímax de
seu ministério, à primeira vista, parecem difíceis de ser descobertos.
Através de paciente meditação, eles se tornam claros e óbvios. Ele sabia
que chegara o tempo em que deveria morrer pelos pecadores, na cruz. No
que se refere ao seu ministério terreno, sua obra como grande Profeta
estava quase terminada e completa. Sua obra como o sacrifício pelo pecado
e como Substituto dos pecadores ainda estava por ser realizada. Antes de
entregar-se como sacrifício, Ele desejava atrair para Si mesmo a atenção
de toda a nação dos judeus. O Cordeiro de Deus estava para ser morto. A
grande oferta pelo pecado estava para ser imolada. Era conveniente que
os olhos de todos os judeus estivessem fixos nEle. A grandiosa obra não
se realizaria sem notoriedade.
Devemos sempre bendizer a Deus porque a morte de nosso Senhor
Jesus Cristo foi um acontecimento tão público e tão amplamente conhecido.
Se Ele tivesse sido apedrejado em algum tumulto popular, ou decapitado
Lucas 19.28-40 311

na prisão, assim como João Batista, nunca faltariam judeus e gentios


incrédulos negando que o Filho de Deus havia morrido. A sabedoria divina
dispôs as coisas de tal modo que a negação do fato se tornou impossível.
Não importa o que os homens pensem sobre a doutrina da morte expiatória
de Cristo, eles jam ais poderão negar o fato de que Cristo morreu.
Publicamente, Ele se dirigiu a Jerusalém alguns dias antes de sua morte e,
por um grande público, foi visto e ouvido na cidade até ao dia em que foi
traído. Aos olhos de muitas pessoas, Ele foi trazido diante dos principais
sacerdotes e de Pilatos; foi condenado, levado ao Calvário e crucificado.
A pedra angular e o clímax do ministério de nosso Senhor foram sua
morte pelos pecadores. De todos os eventos de seu ministério, a morte foi
a mais pública e testemunhada por grande número de judeus. E aquela
morte era a “vida do mundo” (Jo 6.51).
Esta passagem deve produzir em nós o estimulante pensamento de
que a alegria dos discípulos de Cristo, por ocasião de sua entrada em
Jerusalém, ao vir para ser crucificado, não é nada se comparado à alegria
que seu povo desfrutará, quando Ele vier para reinar. Aquela primeira
alegria logo se desfez, transformando-se em tristeza e amargas lágrimas.
A segunda alegria não estará sujeita a qualquer interrupção. A segunda
alegria será regozijo para todo o sempre. A primeira alegria freqüentemente
foi interrom pida pela severa zombaria dos inimigos de Cristo, que
planejavam perversidade. A segunda alegria não estará sujeita a qualquer
interrupção. Nenhuma palavra será proferida contra o Rei, quando pela
segunda vez Ele vier a Jerusalém — “Para que ao nome de Jesus se dobre
todo joelho... e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor” (Fp 2.10-
11).

Cristo Chora por Jerusalém;


A Purificação do Templo
Leia Lucas 19.41-48

Primeiramente, aprendemos destes versículos quão grande é a ternura


e a compaixão cie Cristo para com os pecadores. Quando Ele se aproximava
de Jerusalém, pela última vez, “vendo a cidade, chorou” . Jesus conhecia
bem o caráter dos habitantes de Jerusalém. A crueldade, a justiça própria,
a teimosia, o obstinado preconceito contra a verdade e o orgulho íntimo
daquelas pessoas não estavam ocultos ao Senhor Jesus. Ele sabia tudo o
que, em poucos dias, os judeus Lhe fariam. Seu julgamento injusto, sua
entrega aos gentios, seus sofrimentos, sua crucificação — tudo estava
312 Lucas 19.41-48

descortinado ante os olhos de seu coração. No entanto, sabendo tudo isso,


nosso Senhor teve compaixão de Jerusalém! “Vendo a cidade, chorou.”
Erramos grandemente quando supomos que Cristo se interessa apenas
pelos crentes. Ele se interessa por todos. Seu amor é suficientemente in­
tenso para manifestar interesse por todas as pessoas. Sua compaixão se
estende a todos os homens, mulheres e crianças da terra. Ele possui um
amor de compaixão geral por aqueles que ainda se encontram no caminho
da impiedade, bem como um amor de afeição especial pelas ovelhas que
ouvem a sua voz e O seguem. O Senhor Jesus não deseja que ninguém
pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento, Pecadores de coração
endurecido tendem a apresentar desculpas por sua conduta. No entanto,
nunca serão capazes de afirmar que Cristo não era misericordioso e não
estava disposto a salvá-los.
Demonstramos que conhecemos apenas um pouco sobre cristianismo
verdadeiro, se não sentimos uma profunda preocupação pelas almas das
pessoas não-convertidas. Uma indiferença ociosa quanto ao estado espiritual
das outras pessoas com certeza nos pode evitar muitos problemas. Não
nos importarmos se nossos vizinhos vão para o céu ou para o inferno sem
dúvida é uma atitude que caracteriza o caminho do mundo. Mas o crente
que possui a mesma atitude manifesta não ser semelhante a Davi, que
disse: “Torrentes de água nascem dos meus olhos, porque os homens não
guardam a tua lei” (SI 119.136); e muito diferente de Paulo, que afirmou:
“Tenho grande tristeza e incessante dor no coração... por amor de meus
irmãos” (Rm 9.2-3). Acima de tudo, esse tipo de crente mostra não ser
semelhante a Cristo. Se Ele sentia ternura por pessoas ímpias, os seus
discípulos devem possuir o mesmo sentimento.
Em segundo, aprendemos destes versículos que existe uma ignorância
espiritual que épecaminosa e digna de culpa. Nosso Senhor denunciou a
falta de discernimento de Jerusalém, ao declarar: “Não reconheceste a
oportunidade da tua visitação” . Jerusalém deveria ter reconhecido que o
tempo do Messias havia chegado completamente e que Jesus de Nazaré
era o Messias. Mas ela não reconheceu. Seus líderes se mostraram
espontaneamente ignorantes. Não quiseram averiguar com calma as
evidências e considerar com imparcialidade os grandes fatos evidentes, O
povo de Jerusalém não quis ver “os sinais dos tempos” . Portanto, o
julgam ento logo viria sobre ela, destruindo-a completamente. Sua
ignorância voluntária deixou-a sem desculpa.
O princípio apresentado pelo Senhor Jesus é muito importante.
Contradiz uma opinião muito comum no mundo. Ensina com clareza que
toda ignorância não tem desculpas e que, quando os homens podem
conhecer a verdade e recusam-se a fazê-lo, sua culpa é imensa ao olhos de
Deus. Existe um nível de conhecimento pelo qual todos somos responsáveis,
Lucas 19.41-48 313

mas, se, por negligência ou preconceito, não o atingimos, a sua falta


arruinará nossa alma.
É um princípio que deve ser gravado profundamente em nosso
coração. E com diligência procuremos transmiti-lo aos outros, quando
lhes falamos sobre as coisas espirituais. Não enganemos a nós mesmos,
pensando que a ignorância servirá como desculpa para todos os que morrem
sem conhecimento e imaginando que serão perdoados porque não tinham
um conhecimento melhor das coisas espirituais! Eles viveram de acordo
com a luz que possuíam? Eles sinceramente empregaram todos os meios
ao seu dispor e procuraram com empenho obter sabedoria? São perguntas
sérias. Se uma pessoa não pode respondê-las, certamente será condenada
no Dia do Juízo. Deus nunca permitirá que uma ignorância espontânea
seja utilizada como apelo em favor de qualquer homem. Pelo contrário,
tal ignorância apenas lhe aumentará a culpa.
Em terceiro, destes versículos aprendemos que Deus às vezes se
agrada em conceder oportunidades e convites especiais. O Senhor Jesus
revelou que Jerusalém não conheceu o dia da sua visitação. Ela teve uma
época singular de misericórdia e privilégios. O próprio Filho de Deus a
visitou. Os mais poderosos milagres que os homens já contemplaram foram
realizados nos arredores de Jerusalém. Os mais admiráveis sermões foram
proferidos dentro de seus muros. Os dias do ministério de nosso Senhor
foram os dias das mais claras chamadas ao arrependimento e à fé, jamais
proclamadas em qualquer cidade. Foram chamadas tão claras, peculiares
e diferentes de quaisquer outras proclamadas a Jerusalém, que pareceria
impossível seus moradores desprezarem-nas. Mas foram desprezadas, e
nosso Senhor declarou que essa rejeição foi um dos principais pecados de
Jerusalém.
Tomemos conhecimento do assunto, pois é profundo e misterioso.
Ele exige afirmação cuidadosa e uma abordagem delicada, para que não
façamos uma passagem das Escrituras contradizer outra. Não há dúvida
de que igrejas, nações e mesmo indivíduos em algumas ocasiões são
visitados com manifestações especiais da presença de Deus e de que a
negligência de tais manifestações é o primeiro passo para a ruína espiritu­
al de tais pessoas. Por que isto acontece a algumas pessoas e a outras não,
somos incapazes de explicar. Os fatos evidentes da história parecem
comprovar esta realidade: algumas pessoas as recebem, outras, não. O
último dia provavelmente demonstrará ao mundo que houve ocasiões na
vida de muitos indivíduos, mortos no pecado, quando Deus ficou perto
deles, quando a consciência de tais pessoas foi despertada de modo especial
e quando havia apenas um passo entre elas e a salvação. Estas ocasiões
provavelmente serão comprovadas como ocasiões que nosso Senhor cha­
ma de “o dia da visitação” de tais pessoas. Negligenciá-las talvez será, ao
314 Lucas 19.41-48

final, uma das acusações mais graves contra suas almas.


É um assunto profundo e deve ensinar às pessoas uma lição prática,
ou seja, a imensa importância de atentarmos às convicções bíblicas e não
abafarmos as atividades da consciência. Aquele que resiste à voz da cons­
ciência pode estar jogando fora sua última chance de salvação. A voz de
advertência pode ser o dia em que Deus está visitando uma pessoa. Ne­
gligenciá-la poderá encher a medida dos pecados dela e fará que Deus a
deixe sozinha para sempre.
Por último, aprendemos destes versículos que Cristo desaprova a
profanação das coisas sagradas. Somos informados que Ele expulsou do
templo os que ali comerciavam e disse-lhes que haviam transformado a
casa de Deus em “covil de salteadores” . Ele sabia quão formais e ignorantes
eram os sacerdotes do templo; sabia que logo o templo e seu culto seriam
destruídos, o véu seria rasgado e o sacerdócio acabaria. Mas o Senhor
Jesus desejava ensinar-nos que a reverência é devida a todos os lugares
onde Deus é adorado. A reverência que Cristo reivindicou para o templo
não foi para o templo como um lugar de sacrifícios, e sim como uma
“casa de oração” .
Lembremos a conduta e a linguagem de nosso Senhor, sempre que
formos a um lugar de adoração pública a Deus. As igrejas cristãs, sem
dúvida, são diferentes do templo dos judeus. Não possuem altar, sacerdotes,
sacrifícios e mobília figurativa. Mas são lugares onde a palavra de Deus é
ensinada, onde Cristo está presente e o Espírito Santo opera nas almas.
Tais fatos devem nos tornar pessoas mais sérias, reverentes, solenes e
respeitosas, quando entramos na igreja. Tem muito a aprender a pessoa
que se comporta na igreja de maneira tão à vontade quanto se comporta
em um hotel ou em sua casa; ela não possui a “mente de Cristo” .

Argüição Sobre a Autoridade de Cristo


e sua Resposta
Leia Lucas 20.1-8

Primeiramente, observemos nestes versículos a exigência que os


principais sacerdotes fizeram a nosso Senhor. Eles argüíram a Jesus: “Dize-
nos: com que autoridade fazes estas coisas? Ou quem te deu esta auto­
ridade?”
O espírito que impulsionou a pergunta é bastante claro e não pode
ser mal entendido. Esses homens odiavam e invejavam a Cristo. Per­
ceberam que seu poder estava desvanecendo e a influência de Cristo,
Lucas 20.1-8 315

aumentando. Resolveram que, se possível, impediriam o progresso desse


novo mestre e assaltariam sua autoridade. Suas poderosas obras precisavam
ser examinadas. Com toda justiça, seus ensinos deveriam ser comparados
com as Escrituras. Mas os principais sacerdotes se recusaram a fazer
qualquer dessas coisas. Preferiram questionar a comissão de nosso Senhor.
Todo crente verdadeiro que procura fazer o bem no mundo deve
dispor-se a ser tratado como o seu mestre o foi. Não pode ficar surpreso
ao ver pessoas cheias de justiça própria e de mentalidade mundana desa­
provarem seu modo de viver. A legitimidade do procedimento do crente
será constantemente questionada. Ele será considerado intrometido, de­
sordenado, presunçoso, uma peste e um “perturbador de Israel” (At 24.5;
1 Rs 18.17). Pregadores e missionários, em especial, estão sujeitos se
depararem com esse tipo de tratamento. E, o pior de tudo, todos os que
servem a Cristo freqüentemente encontrarão inimigos onde deveriam
encontrar amigos.
Todos os que são atacados pelo mundo, porque procuram fazer o
bem, devem sentir-se fortalecidos com o pensamento de que estão apenas
bebendo o cálice que o próprio Cristo bebeu; o seu Senhor, que está no
céu, simpatiza com eles. Eles devem continuar trabalhando com paciência,
crendo que, se forem fiéis, seu trabalho falará por si mesmo. A oposição
do mundo com certeza sempre se manifestará contra toda boa obra. Se os
servos de Cristo tiverem de parar, a cada momento em que o mundo
questiona o que eles fazem, em breve eles ficarão completamente ociosos.
Se temos de esperar até que o mundo aprove nossos planos e se mostre
satisfeito com a conveniência de nossos esforços, nunca realizaremos coisa
alguma na terra.
Em segundo, observemos nestes versículos a maneira como nosso
Senhor falou a respeito do ministério de João Batista. Àqueles que
questionaram sua autoridade Jesus se referiu ao constante e invariável
testemunho de João Batista referente à pessoa dEle. Não deveriam aqueles
líderes judeus recordar como João Batista havia falado sobre Jesus como
o Cordeiro de Deus, Aquele cujas sandálias ele, João Batista, não era
digno de desatar, Aquele que tinira a foice em sua mão e o Espírito de
Deus sem medida? Não deveriam lembrar que eles mesmos e toda a
Jerusalém haviam comparecido ao batismo de João e confessado que ele
era profeta? Entretanto, João Batista sempre lhes dissera que Jesus era o
Messias! Com certeza, se os principais sacerdotes fossem honestos, não
teriam vindo a Jesus para questionar sua autoridade. Se eles realmente
acreditavam que João Batista era um profeta enviado por Deus, precisavam
crer que Jesus era o Cristo.
Com razão, às vezes podemos inquirir se a importância do ministério
de João Batista é corretamente entendida pelos crentes. O brilhantismo da
316 Lucas 20.1-8

história de nosso Senhor obscurece a história de seu precursor. E o resultado


é que o batismo e a pregação de João Batista não recebem o estudo que
merecem. Porém, não devemos esquecer que o seu ministério é o único
do Novo Testamento que foi predito no Antigo, exceto o do próprio Senhor
Jesus. Foi um ministério que produziu um imenso resultado na mente dos
judeus e despertou o interesse de Israel, desde uma à outra extremidade
da Palestina. Acima de tudo, foi um ministério que tornou os judeus
indesculpáveis em sua rejeição de Cristo, quando Ele apareceu. Os judeus
não podiam declarar que foram apanhados de surpresa, quando nosso
Senhor começou a pregar. Suas mentes haviam sido completamente
preparadas para a aparição de Jesus. Para vermos a completa peca-
minosidade dos judeus e toda a justiça dos juízos que lhes sobrevieram
após a crucificação de nosso Senhor, precisamos nos recordar do ministério
de João Batista.
Embora poucos homens valorizem a obra de pastores fiéis, no céu
existe Alguém que toma nota de todos os labores deles. Ainda que o com­
portamento do crente seja pouco compreendido e seja muito escarnecido e
deturpado, o Senhor Jesus escreve em seu livro todos os atos do crente.
Continua vivo Aquele que testificou sobre a importância do ministério de
João Batista, depois que este m orreu e foi sepultado. Ele também
testemunhará em favor do trabalho de todos seus servos fiéis, no último
dia. No mundo, talvez eles tenham aflições e desapontamentos. Mas nunca
são esquecidos por Cristo.
Por último, observemos nestes versículos que os inimigos de nosso
Senhor eram culpados de grande falsidade. Em resposta à pergunta de
nosso Senhor se o batismo de João era do céu ou dos homens, os principais
sacerdotes disseram “que não sabiam” . Foi uma falsidade inequívoca.'
Eles poderiam ter respondido, mas não o quiseram. Sabiam que, se dis­
sessem o que acreditavam, condenariam a si mesmos. Se declarassem que
João Batista era um profeta enviado por Deus, seriam culpados de uma
grotesca incoerência em não crerem no testemunho de João referente ao
Messias.
Falsidades como essa, devemos recear, são muito comuns entre as
pessoas incrédulas. Milhares delas dirão qualquer coisa, antes de re­
conhecerem que estão erradas. Mentir é apenas um dos pecados ao qual o
coração humano está mais naturalmente inclinado e um dos pecados mais
comuns no mundo. Geazi, Ananias e Safira têm mais seguidores e
imitadores do que os apóstolos Pedro e Paulo. O número de mentiras que
os homens utilizam para salvar sua reputação e encobrir sua impiedade
provavelmente é muito maior do que estamos cientes.
O verdadeiro servo de Cristo fará bem se recordar sempre essas
coisas, enquanto prossegue sua jornada neste mundo. Ele não deve acreditar
Lucas 20.1-8 317

em tudo que ouve e, em especial, nas coisas relacionadas à religião. O


verdadeiro servo de Cristo não tem de supor que os incrédulos realmente
crêem em tudo que seus próprios lábios dizem. Com freqüência, os não-
convertidos sentem mais coisas do que parecem sentir. Habitualmente
dizem coisas contra os crentes e sua religião, coisas que em seu íntimo
eles sabem que são incorretas. Freqüentemente, sabem que o evangelho é
verdadeiro, mas não têm coragem de confessá-lo; e que a vida cristã é
correta, porém são muito orgulhos para o afirmarem. Os principais
sacerdotes e os escribas não foram as únicas pessoas que desonestamente
lidaram com as coisas espirituais e disseram aquilo que sabiam ser falso.
O servo de Cristo deve seguir com paciência seu caminho. Aqueles que
agora são seus inimigos um dia confessarão que ele estava certo, embora
costumem proclamar que o servo de Cristo está errado.

A Parábola dos Lavradores ímpios


Leia Lucas 20.9-19

Esta é uma das poucas parábolas relatadas mais do que uma vez
pelos autores dos evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas, todos eles a relatam
em detalhes. A repetição é suficiente para ressaltar a importância de seu
conteúdo.
Sem dúvida, esta parábola tinha como alvo especial os judeus a
quem ela foi dirigida. Mas não precisamos limitar sua aplicação a eles. A
parábola contém lições que devem ser recordadas por todas as igrejas de
Cristo, enquanto o mundo existir.
Primeiramente, ela nos mostra a profunda corrupção da natureza
humana. A conduta dos lavradores ímpios é uma ilustração vívida da
maneira como os homens lidam com Deus. E um retrato fiel da situação
espiritual da nação de Israel. Apesar dos privilégios que nenhuma outra
nação possuía, em face dos avisos que nenhum outro povo recebeu, os
judeus rebelaram-se contra a legítima autoridade de Deus, recusaram-se a
prestar-Lhe seu devido culto, rejeitaram os conselhos de seus profetas e,
por fim, crucificaram seu Filho Unigénito. É também uma figura exata de
todos os crentes professos. Embora tenham sido chamados das trevas da
incredulidade, pela infinita misericórdia de Deus, pouco têm feito digno
da vocação a que foram chamados. Também, têm permitido que falsas
doutrinas e práticas inconvenientes grassem abundantemente entre eles e
têm de novo crucificado o Filho de Deus. É um fato comovente que igrejas
chamadas cristãs, por causa de dureza de coração, incredulidade,
318 Lucas 20.9-19

superstição e justiça própria, são pouco melhores do que os judeus da


época de nosso Senhor. Ambos os grupos são descritos com dolorosa
exatidão na história dos lavradores ímpios. Em ambos os grupos, pode­
ríamos citar incontáveis privilégios mal utilizados e inumeráveis avisos
desprezados.
Oremos freqüentemente para que entendamos por completo a peca-
minosidade do coração humano. Poucos de nós, devemos recear, têm a
alguma noção do poder e da violência da enfermidade espiritual com a
qual somos nascidos. Poucos compreendem totalmente que “o pendor da
carne é inimizade contra Deus” (Rm 8.7) e que a natureza humana não-
convertida, se tivesse poder, destronaria seu Criador. O comportamento
dos lavradores na parábola, não importa se gostamos de pensar sobre isso
ou não, é apenas uma figura daquilo que todo homem natural, se tivesse
capacidade, faria a Deus. Perceber o pecado é muito importante. Cristo
nunca será devidamente valorizado, enquanto o pecado não for visto com
clareza. Temos de reconhecer a profundeza e a malignidade de nossa
doença, a fim de podermos apreciar o grande Médico.
Em segundo, esta parábola nos mostra a admirável paciência e
longanimidade de Deus. O comportamento do “dono da vinha” é uma
representação vívida da maneira como Deus lida com os homens. É uma
ilustração correta das misericordiosas fidelidades de Deus para com a na­
ção de Israel. Um profeta após o outro foi enviado para avisá-los de seu
perigo. Uma mensagem após outra foi constantemente transmitida, apesar
dos insultos e injúrias lançados contra os mensageiros. Igualmente, é uma
figura exata do gracioso lidar de Deus para com o cristianismo. Durante
todos os séculos, Deus tem suportado suas atitudes erradas. Por repetidas
vezes, Deus tem sido provocado por meio de falsas doutrinas, superstições
e desprezo de sua palavra. No entanto, Deus ainda não destruiu o falso
cristianismo e lhe tem concedido tempos de refrigério, suscitando-lhe
ministros dedicados e grandes reformadores, apesar de toda a perseguição
que eles sofreram. As igrejas cristãs não têm de que se gloriar. São de­
vedoras a Deus pelas incontáveis misericórdias, assim como os judeus da
época de nosso Senhor. Deus não tem lidado com elas na proporção de
seus pecados, nem recompensado-as de acordo com suas iniqüidades.
Devemos aprender a ser mais gratos a Deus pelas suas misericórdias.
Provavelmente não fazemos a menor idéia da extensão de nossa obrigação
para com elas e das inumeráveis mensagens graciosas que o “dono da
vinha” está constantemente enviando à nossa alma. O último dia des­
cortinará perante nossos olhos extasiados uma lista extensa de bênçãos
não-reconhecidas, as quais, enquanto vivemos neste mundo, sequer
percebemos. Descobriremos que a misericórdia de Deus é um dos mais
queridos atributos de Deus. “O Senhor... tem prazer na misericórdia”
Lucas 20.9-19 319

(Mq 7.18). Misericórdia antes e depois da conversão, misericórdia em


cada passo da jornada terrena será revelada ao coração de todos os santos
e os deixará envergonhados de sua ingratidão. Misericórdias que pouparam
as vidas, misericórdias de providência, de advertências e de visitações
inesperadas — todas são desvendadas aos pecadores, confundindo-os por
causa da revelação de sua própria dureza de coração e incredulidade.
Todos descobriremos que Deus esteve sempre falando conosco, e nós não
O ouvimos, e enviando-nos mensagens das quais não fizemos caso. Poucas
palavras das Escrituras serão ressaltadas no último dia com mais clareza
do que as redigidas pelo apóstolo Pedro: “O Senhor... é longânimo para
convosco, não querendo que nenhum pereça” (2 Pe 3.9).
Por último, esta parábola nos mostra a severidade do juízo de Deus,
quando recai sobre os pecadores obstinados. A punição dos lavradores
maus é figura vívida da maneira como Deus lidará ao final com aqueles
que continuam na impiedade. Quando nosso Senhor proferiu a parábola,
ela se tornou uma ilustração profética da aproximação da ruína que viria
sobre a nação de Israel. A vinha do Senhor na terra de Israel estava para
ser destituída de seus arrendatários infiéis. Jerusalém seria destruída; o
templo, incendiado. Os judeus seriam dispersos pela terra. No presente,
esta parábola é uma figura dolorosa de coisas que ainda estão por vir às
igrejas professas nos últimos dias. Os juízos de Deus ainda recairão sobre
os cristãos nominais assim como caíram sobre os judeus incrédulos. O
solene aviso de Paulo aos crentes de Roma ainda se cumprirá: “Considerai,
pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, seve­
ridade; mas, para contigo, a bondade de Deus, se nela permaneceres;
doutra sorte, também tu serás cortado” (Rm 11.22).
Jamais podemos nos bajular com a idéia de que Deus não se ira. Ele
é realmente um Deus que possui graça e compaixão infinitas. Mas as Es­
crituras também afirmam: “Deus é fogo consumidor” (Hb 12.29). O seu
Espírito “não agirá para sempre no homem” (Gn 6.3). Haverá um dia em
que sua paciência chegará ao fim e Ele se levantará para julgar terrivelmente
o mundo. Felizes são aqueles que estarão refugiados na arca da salvação,
no dia da ira do Senhor! Dentre todas as manifestações de ira, nenhuma
pode ser imaginada com tão horrível quanto “a ira do Cordeiro” . Aquele
sobre quem cair “a pedra... cortada sem auxílio de mãos” será esmiuçado
até ao pó (Dn 2.34).
Sabemos essas coisas e vivemos de acordo com o conhecimento que
possuímos? Os anciãos e os principais sacerdotes, Lucas nos informa,
“perceberam que, em referência a eles, [Jesus] dissera esta parábola” . No
entanto, eram orgulhosos demais, para se arrependerem, e tinham corações
endurecidos demais, para se converterem de seus pecados. Acautelemo-
nos de agir dessa maneira.
320 Lucas 20,20-26

O Tributo de César e a Resposta de Cristo


Leia Lucas 20.20-26

Primeiramente, observemos nestes versículos o disfarce de bondade


utilizado por alguns inimigos de nosso Senhor, ao aproximarem-se dEle.
Lucas nos relata que os inimigos de Cristo enviaram “emissários que se
fingiam de justos” ; em seguida, tentaram enganá-Lo com palavras baju­
ladoras: “M estre, sabemos que falas e ensinas retamente e não te deixas
levar de respeitos humanos, porém ensinas o caminho de Deus segundo a
verdade” . Parecia ser uma afirmação excelente. Qualquer ouvinte sem
discernimento poderia dizer: “Esses homens estão realmente procurando
conhecer a verdade! ” Mas eram palavras vazias e superficiais. Esses emis­
sários assemelhavam-se a lobos vestidos de ovelhas, motivados pela idéia
vã de que poderiam enganar o pastor. “A sua boca era mais macia que a
manteiga, porém no coração havia guerra” (SI 55.21).
Enquanto o mundo existir, o verdadeiro servo de Cristo tem de es­
perar defrontar-se com pessoas dessa natureza. Nunca faltarão aqueles
que, por interesses e motivos sinistros, professarão amar a Cristo com
seus lábios, enquanto em seu coração O negam. Sempre haverá aqueles
que “com suaves palavras e lisonjas” procurarão enganar o coração dos
simples (Rm 16.18). A união entre “os lábios amorosos e o coração
maligno” é muito comum (Pv 26.23). Existem muitas igrejas que têm
algumas pessoas semelhantes a “vaso de barro coberto de escórias de
prata” (Pv 26.23).
Aquele que não deseja ser constantemente enganado neste mundo
precisa recordar com atenção essas palavras. Temos de exercitar um pru­
dente cuidado, enquanto viajamos pela estrada da vida, e não desempenhar
o papel de pessoa simples que “dá crédito a toda palavra” (Pv 14.15).
Não podemos confiar facilmente em toda pessoa que se dispõe a trabalhar
para Jesus, nem apressadamente ter como certo o fato de que são realmente
bons todos os que falam como pessoas boas. A princípio, tal cuidado pa­
rece esquisitice e falta de amor. Entretanto, quanto mais vivermos, tanto
mais perceberemos que é necessário. Por experiência própria, desco­
briremos que nem tudo que reluz é ouro e que nem todos os que professam
ser crentes necessariamente o são. A linguagem do verdadeiro cristão é
aquilo que o falso cristão acha mais fácil de imitar. A maneira de viver de
uma pessoa, e não o seu falar, é um teste seguro de seu caráter.
Observemos também nestes versículos a plena sabedoria da resposta
de nosso Senhor ao seus inimigos. Uma pergunta difícil e sutil foi proposta
Lucas 20.20-26 321

a Ele: “É lícito pagar tributo a César ou não?” Foi uma pergunta emi­
nentemente dirigida com o objetivo de embaraçar qualquer pessoa que
tentasse respondê-la. Se nosso Senhor tivesse respondido que não era lí­
cito pagar tributo a César, teria sido acusado diante de Pilatos como um
rebelde contra o império romano. Se nosso Senhor tivesse respondido que
era lícito pagar tributo a César, teria sido denunciado diante do povo
como alguém que não importava com os direitos e privilégios da nação
judaica. À primeira vista, parecia difícil achar uma resposta que não
colocaria nosso Senhor em dificuldades. Mas Aquele que é chamado “a
sabedoria de Deus” encontrou uma resposta que silenciou seus inimigos.
Ordenou-lhes que mostrassem a moeda. Perguntou de quem era a imagem
e inscrição que estavam na moeda. “Prontamente disseram: De César” . O
Senhor Jesus utilizou aquela moeda como fundamento de uma resposta da
qual mesmo os seus inimigos foram obrigados a admirarem-se: “Dai,
pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” .
Deveriam dar a “a César o que” era de César. Seus lábios haviam
acabado de confessar que César tinha certa autoridade sobre eles. Eles
utilizavam o dinheiro que César havia mandado cunhar. Era a moeda cor­
rente nos negócios. Os judeus provavelmente não tinham qualquer objeção
para receber ofertas e pagamentos em moeda romana. Portanto, não
pretenderiam afirmar que todos os tributos a César eram ilícitos. De acordo
com a própria admissão dos judeus, ele possuía alguma autoridade sobre
eles. Por conseguinte, deviam obedecer a César em todas as coisas tem­
porais . Se não recusavam utilizar a moeda de César, não deveriam recusar-
se a cumprir os deveres para com ele.
Deveriam dar “a Deus o que é de Deus” . Havia muitas obrigações
que Deus exigia das mãos dos judeus, as quais poderiam cumprir com fa­
cilidade, se estivessem dispostos. Honra, amor, obediência, fé, temor,
adoração espiritual eram deveres que podiam cumprir diariamente e sobre
os quais o governo romano não interferia. Os judeus não podiam dizer
que César tornava impossível a realização de tais deveres; eles deveriam
cuidar em cumprir para com Deus seus deveres espirituais, assim como
para com César, seus deveres temporais. Não era necessário existir um
conflito entre as exigências de seus dois soberanos: o espiritual e o temporal.
Nas coisas temporais, os judeus deveriam obedecer a autoridade dos
poderes sob os quais estavam. Nas coisas espirituais, deveriam agir como
seus antepassados e obedecer a Deus.
Os princípios estabelecidos por nosso Senhor nesta famosa sentença
são profundamente instrutivos. Seria ótimo para a paz do mundo, se esses
princípios fossem mais atentamente valorizados e mais sabiamente
aplicados!
As tentativas dos poderes h imanos para controlar a consciência das
322 Lucas 20.20-26

pessoas, em alguns países, por meio da interferência intolerante e as ten­


tativas da igreja, em outros países, para interferir com ações do poder
civil com freqüência têm levado a conflitos, guerras, rebeliões e desordem
social. Não têm sido poucas nem insignificantes as injúrias que o verdadeiro
cristianismo tem recebido da parte da escrupulosidade doentia, por um
lado, e da parte da servil subserviência às exigências do Estado, por outro
lado. Feliz é aquele que alcançou uma maneira de pensar saudável sobre
este assunto! Fazer a correta distinção entre as coisas de César e as de
Deus e cumprir para com cada um deles os legítimos deveres com
regularidade e satisfação é um grande instrumento para uma vida quieta e
tranqüila.
Oremos com freqüência para que tenhamos sabedoria do alto, a fim
de respondermos corretamente, quando formos abordados com perguntas
que nos deixam perplexos. O servo de Cristo tem de esperar receber um
cálice semelhante ao de seu Senhor. Não deve achar estranho se as pessoas
ímpias e mundanas se esforçarem para o apanhar “em alguma palavra” e
tentarem-no a falar imprudentemente com seus lábios. A fim de estar
preparado para tais ocasiões, o servo de Cristo deve pedir freqüentemente
que Cristo lhe conceda sabedoria e língua discreta. Na presença daqueles
que aguardam nosso tropeço, é importante saber o que dizer e como dizê-
lo, saber quando ficar calado e quando falar. Bendito seja Deus, pois
Aquele que silenciou os escribas e sacerdotes, por meio de suas respostas
sábias, continua vivo para ajudar seu povo e possui todo poder para fazê-
lo. Mas Ele aprecia muito que Lhe supliquemos ajuda.

Pergunta Sobre a Ressurreição;


A Resposta de Cristo
Leia Lucas 20.27-40

Primeiramente, vemos nestes versículos que a incredulidade é um


pecado muito antigo. Dirigiram-se a nosso Senhor “alguns dos saduceus,
homens que dizem não haver ressurreição” . Mesmo entre os judeus, que
tiveram homens de fé como Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e Samuel,
Davi e os profetas, percebemos que existia incrédulos ousados, destemidos
e descarados. Se esse tipo de incredulidade existia em meio ao povo peculiar
de Deus, qual deveria ser o estado espiritual dos outros povos? Se tais
coisas existiam na árvore verde, o que poderíamos dizer sobre a condição
da árvore seca?
Nunca devemos ficar surpresos quando ouvim >s falar sobre infiéis,
Lucas 20.27-40 323

hereges, deístas e pensadores livres que surgem no meio da igreja e atraem


após si muitos seguidores. Não devemos considerá-los uma coisa rara e
estranha. É apenas uma das muitas provas de que o ser humano é uma
criatura caída e corrupta. Desde o dia em que Satanás disse a Eva: “E cer­
to que não morrereis” (Gn 3.4), e ela acreditou, nunca faltou uma constante
sucessão de formas de incredulidade. Não existe qualquer novidade em
nenhuma das teorias modernas de incredulidade. Todas são uma antiga
enfermidade servindo-se de um novo nome. Todas são cogumelos que
brotam espontaneamente na estufa da natureza humana. Na realidade,
não é algo admirável que levantem-se tantas pessoas questionando a ve­
racidade das Escrituras. Admirável é que neste mundo caído em pecado a
seita dos saduceus possua um número tão reduzido.
Confortemo-nos com o pensamento de que, no passar dos anos, a
verdade sempre prevalecerá. Aqueles que a defendem podem ser insig­
nificantes e seus argumentos, bastante frágeis; mas existe um poder inerente
na própria causa que a mantém viva. Incrédulos ousados, como Porfírio,
Juliano, Hobbes, Hume, Voltaire e Paine, surgem ocasionalmente e criam
agitação no mundo. No entanto, esse tipo de homens não causa uma im­
pressão duradoura. Desaparecem como os saduceus, indo para o seu próprio
lugar. As grandes evidências do cristianismo permanecem, tais como as
pirâmides, firmes e inabaláveis. As portas do inferno não prevalecerão
contra a verdade de Cristo (Mt 16.18).
Em segundo vemos nestes versículos que os incrédulos utilizam acon­
tecimentos hipotéticos como sua arma favorita. Os saduceus apresentaram
a nosso Senhor uma dificuldade proveniente de uma mulher que havia
casado sucessivamente com sete irmãos. Eles confessaram seu desejo de
saber de quem seria ela esposa “no dia da ressurreição” . A intenção da
pergunta é clara e evidente. Eles pretendiam desdenhar toda a doutrina da
vida por vir. Não podemos imaginar que as coisas referidas sobre a mulher
realmente aconteceram. Existem elevadas probabilidades de que a história
foi inventada para aquela ocasião, a fim de criar dificuldades e suscitar
um argumento contra Jesus.
Sempre encontraremos um tipo de raciocínio semelhantes, se
convivermos com pessoas que possuem um modo de pensar céptico.
Algumas dificuldades e complicações imaginárias, em especial aquelas
provavelmente vinculadas ao estado das coisas no mundo por vir, com
freqüência constituirão os fortes argumentos de um incrédulo. Ele “não
pode entender” ; “não é capaz de harmonizá-la” . Para ele, essa doutrina
parece “revoltante e absurda” . Ofende o seu bom senso. Essa é a linguagem
que habitualmente os incrédulos empregam.
Esse tipo de raciocínio nunca deveria nos abalar, nem mesmo por
um momento. Por um lado, não precisamos tributar qualquer importância
324 Lucas 20.27-40

a acontecimentos imaginários ou hipotéticos. Haverá tempo suficiente para


discutirmos sobre tais casos, quando eles realmente se realizarem. Para
nós, basta conversarmos sobre os fatos como eles na verdade ocorrem.
Por outro lado, é apenas desperdício de tempo especular sobre dificuldades
relacionadas a um estado de existência em uma vida por vir. Sabemos tão
pouco a respeito de qualquer coisa além do mundo visível ao nosso redor,
que somos juizes tolos em referência àquilo que é possível ou não no
mundo invisível. Milhares de coisas relacionadas à vida além-túmulo têm
de ser necessariamente ininteligíveis para nós no momento. Enquanto
isso, devemos esperar com paciência. O que não sabemos agora saberemos
mais tarde.
Em terceiro, vemos nestes versículos algo do verdadeiro caráter da
existência dos santos no mundo por vir. Nosso Senhor respondeu aos
saduceus: “Os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a
ressurreição dentre os mortos não casam, nem se dão em casamento. Pois
não podem mais morrer, porque são iguais aos anjos” .
Duas verdades tomam-se evidentes da descrição sobre o estado dos
santos na glória. Primeira, sua felicidade não será carnal e sim espiritual.
“Não casam, nem se dão em casamento. ” O corpo de glória será muito
diferente daquele em que agora vivemos. Não será mais um embaraço ou
um obstáculo à natureza espiritual do crente. Será uma habitação adequada
para uma alma glorificada. Segunda, a felicidade dos santos será eterna.
“Pois não podem mais m orrer.” Nenhum nascimento será necessário para
suprir as constantes lacunas causadas pela morte física. Fraqueza,
enfermidades e doenças não mais existirão. A maldição será removida. A
morte será aniquilada.
A natureza daquilo que chamamos “céu” é um assunto que deve
com freqüência ocupar nossos pensamentos. Poucos assuntos espirituais
são destinados a trazer à luz a completa tolice dos incrédulos e o terrível
perigo em que eles se encontram. Um céu onde toda a alegria é espiritual
realmente não é um céu para uma pessoa não-convertida! De modo
semelhante, poucos assuntos destinam-se a fortalecer e animar a mente do
verdadeiro cristão. A santidade de vida e a espiritualidade que o crente
persegue nesta vida serão a própria atmosfera de sua eterna habitação.
Sua mente nunca mais será distraída por preocupações com relacionamentos
familiares. O temor da morte não mais o trará em servidão. Por isso, o
crente deve seguir avante e levar pacientemente sua cruz. O céu compensará
todas as nossas deficiências.
Por último, vemos nestes versículos a antigüidade da crença na
ressurreição. Nosso Senhor demonstrou que a ressurreição era crida por
Moisés. “E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho
referente à sarça. ”
Lucas 20.27-40 325

Fé na ressurreição e na vida por vir tem constituído a crença univer­


sal de todo o povo de Deus, desde o início do mundo. Abel, Enoque,
Noé, Abraão e todos os patriarcas foram homens que olharam adiante,
contemplando uma melhor herança do que possuíam na terra. Eles
aguardavam “a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e
edificador” ; anelavam “uma pátria superior, isto é, celestial” (Hb 11.10-
16). As palavras seguintes, extraídas das normas de uma igreja, são claras
e inconfundíveis: “Não devemos dar crédito àqueles que imaginam que
os antepassados contemplavam apenas as promessas transitórias” . Esse
testemunho é verdadeiro.
Devemos firmar nossa alma na grande verdade fundamental de que
ressuscitaremos. Não importa o que dizem os saduceus modernos ou
antigos, creiamos com toda segurança: não somos semelhantes aos animais,
que perecem. Também creiamos que “haverá ressurreição, tanto de justos
como de injustos” (At 24.15). Recordar essa verdade nos fortalecerá no
dia da provação e nos trará conforto na hora da morte. Perceberemos que,
embora nos falte a prosperidade terrena, existe uma vida por vir, onde as
coisas não mudam. Saberemos que, embora os vermes venham a destruir
nosso corpo no sepulcro, na carne ainda veremos a Deus (Jó 19.26).
Nosso corpo não permanecerá para sempre no sepulcro. Nosso Deus “não
é Deus de mortos, e sim de vivos” .

A Pergunta de Cristo
Sobre a Afirmativa de Davi nos Salmos;
Jesus Censura os Escribas
Leia Lucas 20.41-47

Primeiramente, observemos nestes versículos que admirável tes­


temunho sobre a divindade de Cristo encontramos no Livro de Salmos.
Após responder com paciência os ataques de seus inimigos, nosso Senhor,
por sua vez, propôs-lhes uma pergunta. Pediu-lhes que explicassem uma
expressão do Salmo 110, onde Davi falava a respeito do Messias, cha-
mando-0 Senhor. Os escribas não tiveram qualquer resposta. Não puderem
ver a sublime verdade de que o Messias deveria ser Deus e homem, assim
como não perceberam que, embora como homem o Messias era filho de
Davi, como Deus o Messias era o Senhor de Davi. A ignorância dos
saduceus em referência às Escrituras foi exposta diante de todos. Embora
professassem ser mestres de outras pessoas e possuidores da chave do
conhecimento, mostraram-se incapazes de explicar o conteúdo de suas
326 Lucas 20.41-47

próprias Escrituras. Com razão podemos crer que, dentre todas as vitórias
de nosso Senhor contra seus inimigos maliciosos, nenhuma outra os
perturbou tanto quanto essa. Nada arrasa tanto o orgulho humano quanto
o ser publicamente exposto como ignorante daquelas coisas que alguém
imagina ser a sua peculiar esfera de conhecimento.
Provavelmente não temos a menor idéia de quantas verdades pro­
fundas estão contidas no Livro de Salmos. Nenhuma outra parte da Bíblia
é tão bem conhecida, na letra, e tão pouco compreendida, no espírito.
Cometemos grande erro, se imaginamos que o Livro de Salmos apenas
contém as experiências, os sentimentos, os louvores e as orações de Davi.
A mão que compilou os salmos, em sua maioria, foi a de Davi. Mas o
assunto principal freqüentemente era mais profundo e elevado do que a
história do filho de Jessé. Em resumo, o Livro de Salmos está repleto de
Cristo — os sofrimentos, a humilhação, a morte, a ressurreição, a segunda
vinda e o reino de Cristo sobre todos. Ambos os adventos do Messias
estão descritos nos salmos — o advento de sofrimento, para morrer na
cruz; e o advento de glória, para vestir a coroa. Ambos os reinos são
descritos nos salmos — o reino da graça, durante o qual os eleitos são
reunidos em um corpo; e o reino de glória, quando toda língua confessará
que Jesus é Senhor. Sempre leiamos o Livro de Salmos com reverência
especial, dizendo a nós mesmos: “Aqui se encontra Alguém maior do que
Davi” .
E uma observação que se aplica, mais ou menos, a toda a Bíblia. Em
toda a Bíblia existe uma plenitude que se torna uma prova concreta de que
ela é um livro inspirado por Deus. Quanto mais a lemos, tanto mais assuntos
ela parece conter. Todos os outros livros tornam-se enfadonhos, se forem
constantemente lidos. A superficialidade e a fraqueza dos assuntos de tais
livros logo se tornam evidentes. Somente a Bíblia parece ser mais ampla,
profunda e completa, quanto mais a estudamos. Não temos necessidade
de procurar significados místicos e alegóricos. As novas verdades que
constantemente fluirão diante de nossos olhos são claras, simples e lógicas.
A Bíblia é uma mina inesgotável de tais verdades; e nada pode explicar
isso, exceto o fato de que a Bíblia é a Palavra de Deus, e não de homens.
Em segundo, observemos nestes versículos quão abominável aos
olhos de Cristo é a hipocrisia. Somos informados que, “ouvindo-o todo o
povo, recomendou Jesus a seus discípulos: Guardai-vos dos escribas, que
gostam de andar com vestes talares e muito apreciam as saudações nas
praças, as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos
banquetes; os quais devoram as casas das viúvas e, para o justificar,
fazem longas orações” . Esta foi uma advertência ousada e admirável.
Temos de recordar: foi uma denúncia pública dos homens que se
assentavam na “cadeira de Moisés” e eram reconhecidos como mestres
Lucas 20.41-47 327

do povo judeu. Uma denúncia que nos mostra com clareza que pode haver
épocas quando o pecado de pessoas que ocupam posições elevadas
transforma em uma obrigação positiva o protesto público contra tal pecado.
Uma denúncia que revela ser possível alguém manifestar-se livremente e
ainda não “difamar autoridades” (2 Pe 2.10).
Parece que o Senhor Jesus não considerou nenhum outro pecado tão
pecaminoso quanto a hipocrisia. Com certeza, nenhum outro pecado extraiu
de seus lábios condenação tão freqüente, severa e humilhante, durante
todo o seu ministério terreno. O Senhor Jesus se mostrava cheio de com­
paixão e misericórdia para com os piores pecadores. Não houve “indig­
nação” nEle, quando encontrou-se com Zaqueu, o ladrão arrependido;
com Mateus, o publicano; com Saulo, o perseguidor; e com a mulher
pecadora, na casa de Simão. Mas, quando encontrava-se com os escribas
e os fariseus vestidos com um disfarce de espiritualidade, pretendendo
possuir grande santidade exterior, enquanto seu íntimo estava cheio de
perversidade, a alma justa do Senhor Jesus parece que ficava cheia de
indignação. Oito vezes em apenas um capítulo (Mt 23), nós O encontramos
afirmando: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas” (v. 27).
Jamais esqueçamos que o Senhor Jesus nunca muda. Ele é o mesmo,
ontem, hoje e para sempre. E importante que sejamos verdadeiros em
nosso cristianismo. Embora sejamos fracos em nossa fé, amor, esperança
e obediência, asseguremo-nos de que tais virtudes sejam genuínas e
sinceras. Desprezemos a própria idéia de fazermos representações falsas
e utilizarmos máscaras em nosso cristianismo. Acima de tudo, sejamos
íntegros. É admirável o fato de que “a verdade” é a primeira peça da
armadura que Paulo recomenda ao soldado cristão. Paulo disse; “Estai,
pois, firmes, cingindo-vos com a verdade” (Ef 6.14).
Por último, observemos nestes versículos que haverá graus de
condenação e sofrimento no inferno. As palavras de nosso Senhor são
claras e inconfundíveis. Ele afirmou sobre aqueles que vivem e morrem
na hipocrisia: “Estes sofrerão juízo muito mais severo” .
O assunto desvendado nestas palavras é profundamente triste. A
realidade e a eternidade da condenação futura estão entre as grandes
verdades fundamentais do cristianismo; por isso, é difícil pensar sobre
este assunto sem estremecermos. Entretanto, é bom que conservemos firme
em nossa mente tudo o que a Bíblia ensina em referência ao céu e ao
inferno. A Bíblia nos ensina com clareza que existem níveis de glória no
céu; e, com a mesma clareza, tanto nesta como em outras de suas passagens,
que há graus de miséria no inferno.
Afinal de contas, quem são os que finalmente receberão a condenação
eterna? Este é um assunto prático que muito nos preocupa. Todos os que
não desejam vir a Cristo, que não conhecem a Deus e desobedecem ao
328 Lucas 20.41-47

evangelho; todos que se recusam a arrepender-se e perseveram em sua


impiedade — todos esses serão condenados. Ceifarão de acordo com o
que semearam. Deus não deseja a ruína eterna de tais pessoas, mas, se re­
cusam ouvir sua voz, terão de morrer em seus pecados.
Dentre os que serão condenados, quais pessoas receberão a mais
severa condenação? Não recairá sobre aqueles que nunca ouviram o
evangelho, nem sobre as almas ignorantes e negligenciadas, com as quais,
embora mergulhadas em pecado, ninguém se preocupou. A mais severa
condenação recairá sobre aqueles que tiveram grande luz e conhecimento,
mas não os utilizaram corretamente. Essa condenação sobrevirá a todos
aqueles que professavam ter grande pureza e religiosidade, porém, na
verdade, estavam apegados aos seus pecados. Em resumo, o hipócrita
ocupará o mais aflitivo lugar no inferno. Estes são fatos terríveis, mas
verdadeiros.

A Oferta da Viúva Pobre


Leia Lucas 21.1-4

Primeiramente, estes versículos nos mostram que o Senhor Jesus


observa com muito interesse as coisas realizadas na terra. A passagem
nos conta que, “estando Jesus a observar, viu os ricos lançarem suas
ofertas no gazofilácio. Viu também certa viúva pobre lançar ali duas
pequenas moedas” . Com razão, poderíamos imaginar que, naquela ocasião,
os pensamentos de nosso Senhor estavam completamente tomados pelas
coisas que Lhe aconteceriam. Sua traição, seu julgamento injusto, sua
cruz, sua paixão e morte, tudo isso logo o alcançaria; e Ele o sabia. A
imediata destruição do templo, a dispersão dos judeus, o longo período de
tempo que se passaria até ao segundo advento eram coisas que, semelhantes
a uma paisagem, estavam visíveis aos olhos de sua mente. Ele acabara de
falar sobre tais assuntos. Todavia, em uma ocasião assim, nós O vemos a
observar todas as coisas que se passam ao seu redor. O Senhor Jesus não
considerou sem importância o observar a conduta de “certa viúva pobre” .
Recordemo-nos de que Jesus nunca muda. Aquilo que aconteceu
naquele dia está sempre acontecendo em todo o mundo. “Os olhos do
S enhor estão em todo lugar” (Pv 15.3). Nada é tão insignificante, que
escape da observação de Jesus. Nenhuma atitude é tão simples, que não
seja registrada em seu livro de recordações. A mão que criou o sol, a lua
e as estrelas é a mesma que formou a língua do pernilongo e as asas da
mosca com perfeita sabedoria. Os olhos que contemplam o que se passa
Lucas 21.1-4 329

nas salas de reuniões particulares de ministros, presidentes e reis são os


mesmos que observam tudo que se passa nos casebres dos pobres. “Todas
as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de
prestar contas” (Hb 4.13). Ele julga a insignificância ou a importância
das atitudes utilizando um critério diferente do critério dos homens. Os
acontecimentos de nossa vida diária, aos quais tributamos pouca im­
portância, freqüentemente são questões bastante sérias e graves aos olhos
de Cristo. Ações e atitudes realizadas na vida semanal de um pobre, as
quais o mundo reputa como insignificantes e desprezíveis, em geral são
registradas como valiosas e significativas nos livros de Cristo. Continua
vivo Aqúele que observou a oferta da “viúva pobre” com a mesma atenção
com que considerou a oferta dos “ricos” .
O crente de poucas condições deve confortar-se nessa grande verdade,
recordando diariamente que seu Senhor nos céus registra tudo que se
realiza na terra e que Ele observa a vida dos habitantes de casas simples
da mesma maneira como atenta à vida dos reis. Os atos de um crente po­
bre possuem tanta dignidade quanto os de um príncipe. As contribuições
singelas que de seu pequeno salário os crentes pobres ofertam para objetivos
espirituais têm mais valor aos olhos de Deus do que as vultuosas ofertas
dos ricos, sem os mesmos objetivos. Entender isso completamente é um
dos grandes segredos do contentamento. Reconhecer que Cristo leva em
conta o que o homem é e não o que ele possui nos preservará da inveja e
do pensamento de murmuração. Feliz é aquele que aprendeu a afirmar,
assim como Davi: “Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor cuida de
mim ” (SI 40.17).
Estes versículos também nos mostram que pessoas Cristo considera
mais liberais em ofertar dinheiro para objetivos espirituais. Ele disse
sobre a mulher que ofertara duas pequenas moedas: “Esta viúva pobre
deu mais do que todos. Porque todos estes deram como oferta daquilo que
lhes sobrava; esta, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía, todo o
seu sustento” . Essas palavras nos ensinam que, ao julgar a generosidade
de uma pessoa, Cristo leva em conta mais do que simplesmente o total das
ofertas que os homens dão. Ele avalia a proporção com que as dádivas de
alguém testemunham a respeito de seus bens. Ele considera o grau de
renúncia pessoal que está envolvido na contribuição ofertada. O Senhor
Jesus deseja que estejamos cientes de existirem pessoas que parecem ofertar
muito dinheiro para causas espirituais, mas, aos olhos de Deus, tais pessoas
estão dando muito pouco, enquanto outros parecem contribuir muito pouco,
mas, do ponto de vista divino, estão ofertando muito.
Este assunto é bastante perscrutador. Talvez em nenhum outro aspecto
os crentes professos ficam tão aquém do propósito divino quanto no assunto
de ofertar dinheiro para a causa de Deus. Receamos que milhares dentre
330 Lucas 21.1-4

os crentes nada sabem sobre o “contribuir” como uma obrigação espiritual.


A pouca contribuição financeira que existe está limitada completamente a
um seleto grupo nas igrejas. E, mesmo entre os que ofertam regularmente,
precisamos reconhecer com ousadia, os pobres são os que, em proporção
às suas posses, contribuem mais do que os ricos. Estes são fatos evidentes,
que não podem ser contestados. A experiência de todos os que são res­
ponsáveis pela tesouraria das igrejas e de entidades religiosas testificarão
que tais fatos são corretos e verdadeiros.
Julguemos a nós mesmos em referência a este assunto de contribuir
financeiramente, para que não sejamos julgados e condenados no último
dia. Tenhamos o firme princípio de que vigiaremos contra a mesquinhez
e de que, embora tenhamos outras responsabilidades financeiras, ofer­
taremos regular e habitualmente para a causa de Deus. Lembremos que,
embora a obra de Cristo não dependa de nosso dinheiro, Ele se agrada em
provar a realidade da graça divina em nosso coração, permitindo que to­
memos parte para sermos abençoados. Se não encontramos em nós mesmos
a disposição de oferecer alguma coisa para a causa de Cristo, precisamos
duvidar da realidade de nossa fé e bondade. Recordemos que no Dia do
Juízo teremos de prestar contas da maneira como utilizamos o dinheiro
que Deus nos outorgou. O “Juiz de todos” será o mesmo que observou a
oferta da viúva pobre. Nossas receitas e despesas serão trazidas à luz
diante do mundo reunido. Se naquele dia ficar comprovado que éramos
ricos em relação a nós mesmos e pobres em relação a Deus, seria melhor
nunca havermos nascido. Além disso, olhemos para o passado e o presente
e perguntemos: onde estão aqueles que se arruinaram por contribuírem
liberalmente para a obra de Deus e se tornaram pobres por emprestarem
ao Senhor? Descobriremos que as palavras de Salomão são estritamente1
verdadeiras: “A quem dá liberalmente, ainda se lhe acrescenta mais e
mais; ao que retém mais do que é justo, ser-lhe-á em pura perda” (Pv
11.24).
Finalmente, devemos orar em favor de ricos que não sabem nada
sobre a magnificência de “contribuir” , para que a riqueza não seja a causa
de sua ruína. Muitas instituições de caridade e movimentos religiosos
permanecem em constante necessidade de ajuda financeira. Oportunidades
grandes e eficazes estão abertas para que a igreja de Cristo faça o bem em
todos os lugares do mundo, mas, por falta de recursos financeiros, poucos
têm sido enviados para aproveitarem tais oportunidades. Oremos suplicando
que o Espírito Santo venha sobre todas as nossas igrejas e ensine aos
crentes o que fazer com seu dinheiro. Dentre todas as pessoas na terra, os
crentes devem ser as que contribuem com mais liberalidade. Tudo o que
possuem eles devem exclusivamente à graça divina. Cristo, o Espírito
Santo, o evangelho, a Bíblia, os meios da graça, a esperança da glória,
Lucas 21.1-4 331

todos esses são dons imerecidos e incomparáveis sobre os quais milhões


de incrédulos jamais ouviram falar. Aqueles qne possuem esses dons têm
de ser “generosos em dar e prontos a repartir” (1 Tm 6.18). Um Salvador
que deu-se a Si mesmo deve ter discípulos que estão dispostos a dar de si
mesmos e de seus bens. De graça recebemos, de graça devemos dar (Mt
10.8).

Jesus Prediz a Destruição do Templo;


O Perigo do Engano
Leia Lucas 21.5-9

Devemos observar nestes versículos as afirmativas de nosso Senhor


em referência à destruição do templo. Somos informados que “falavam
alguns a respeito do templo, como estava ornado de belas pedras e de
dádivas” . Exaltavam-no por causa de sua beleza exterior; admiravam seu
tamanho, sua grandeza arquitetônica e sua riquíssima decoração. No en­
tanto, não receberam qualquer resposta positiva de nosso Senhor. Ele
disse: “Vedes estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre
pedra que não seja derribada” .
Existe uma profecia surpreendente nas palavras de Jesus. É difícil
imaginar quão estranhas e alarmantes elas pareceram aos judeus que as
ouviram. Foram proferidas a respeito de uma construção que os judeus
reverenciavam com veneração idólatra e de um edifício que continha a
Arca da Aliança, o Santo dos Santos e a mobília simbólica, feita de acordo
com o modelo apresentado por Deus mesmo. Foi um pronunciamento so­
bre uma construção associada aos nomes mais proeminentes da história
dos judeus — Davi, Salomão, Ezequias, Josias, Isaías, Jeremias, Esdras e
Neemias. Jesus as pronunciou em referência a um edifício em direção ao
qual todo judeu piedoso curvava sua fronte, em qualquer lugar do mundo,
quando apresentava suas orações diárias (1 Rs 8.44; Jn 2.4; Dn 6.10). No
entanto, foram ditas com sabedoria; tinham o propósito de ensinar a grande
verdade de que a verdadeira glória de um lugar de adoração não consiste
em beleza externa. “O S enhor não vê como vê o homem” (1 Sm 16.7).
Os homens levam em conta a aparência exterior de um edifício; o Senhor
atenta à adoração espiritual e à presença do Espírito Santo. Estas coisas
faltavam completamente no templo de Jerusalém; portanto, o Senhor Jesus
Cristo não poderia ter qualquer prazer nele.
Os que professam ser crentes farão bem ao recordar essas palavras
de nosso Senhor. Sem dúvida, é adequado e correto que edifícios separados
332 Lucas 21.5-9

para adoração a Cristo sejam dignos do propósito para o qual são utilizados.
Tudo que fazemos para Cristo deve ser bem feito. No prédio em que o
evangelho é proclamado, a Palavra de Deus é exposta e orações são di­
rigidas a Deus não deve faltar nada que o torne mais agradável e sólido.
Porém devemos sempre lembrar que o aspecto material de uma igreja
cristã é o menos importante. A elegante combinação de mármore, pedras
decoradas, pintura e vidros coloridos é sem valor aos olhos de Deus, a
menos que a verdade esteja sendo proclamada do púlpito e a graça de
Deus reine no coração dos que ali se reúnem. As covas e cavernas em que
os primeiros crentes costumavam se reunir provavelmente eram mais belas
aos olhos de Cristo do que a mais bela catedral construída pelos homens.
O templo com o qual o Senhor Jesus mais se deleita é um coração
quebrantado, contrito e regenerado pelo Espírito Santo.
Também devemos observar nestes versículos a solene advertência
de nosso Senhor em referência ao engano. Suas alarmantes palavras sobre
o templo causaram em seus discípulos uma importante indagação: “Mestre,
quando sucederá isto? E que sinal haverá de quando estas coisas estiverem
para se cumprir?” A resposta de nosso Senhor foi longa e completa.
Com eçou com um a penetrante advertência: “Vede que não sejais
enganados” .
A posição ocupada pela advertência é notável. Encontra-se à frente
de uma profecia de alcance vasto e de importância universal para todos os
crentes — uma profecia abrangendo desde o próprio dia em que foi
pronunciada até à ocasião da segunda vinda de Cristo; uma profecia que
revela assuntos de interesse vital para judeus e gentios; uma profecia em
que tem muitos aspectos ainda por realizarem-se. A sua primeira sentença
é uma advertência contra o engano: “Vede que não sejais enganados” .
A necessidade dessa advertência tem sido comprovada freqüentemente
na história da igreja de Cristo. Talvez em nenhum outro assunto os teólogos
cometeram tantos enganos quanto no assunto de interpretação de profecias
ainda não cumpridas. Em nenhum outro assunto, eles têm demonstrado a
fraqueza do intelecto humano e confirmado plenamente as palavras do
apóstolo Paulo: “Agora, vemos como em espelho, obscuramente” (1 Co
13.12). Dogmatismo, convicções, disputas, obstinação em manter opiniões
insustentáveis, afirmações e especulações com freqüência têm causado
descrédito a todo o assunto de profecias e produzido blasfêmia da parte
dos inimigos do cristianismo. Existem muitos livros escritos sobre
interpretação de profecias que com justiça poderíamos escrever na página
de rosto: “Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem
conhecimento?” (Jó 38.2).
Aprendamos da advertência de nosso Senhor a orar por humildade e
por disposição de aprender, sempre que estivermos lendo profecias ainda
Lucas 21.5-9 333

não cumpridas. Neste assunto, assim como em qualquer outro das


Escrituras, precisamos de um coração infantil e da oração: “Desvenda os
meus olhos” (SI 119.18). Por um lado, devemos acautelar-nos da indolência
ociosa que nos afasta das Escrituras proféticas, por causa de sua dificuldade.
Por outro lado, devemos acautelar-nos de possuir um espírito dogmático
e arrogante que leva as pessoas a esquecerem que são estudantes e a
falarem com tanta confiança como se fossem os próprios profetas. Acima
de tudo, leiamos as profecias bíblicas tendo a completa convicção de que
há bênçãos em estudá-las e que, ao fazê-lo, mais entendimento receberemos
a cada ano. A promessa permanece completamente verdadeira: “Bem-
aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia
e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo” (Ap 1.3).
No tempo do fim, a visão será esclarecida (Dn 12.9).

Profecia Sobre Problemas Entre as Nações;


Perseguição Anunciada de Antemão
Leia Lucas 21.10-19

Primeiramente, esta passagem nos mostra a predição de Cristo


concernente às nações do mundo. Ele disse: “Levantar-se-á nação contra
nação, e reino, contra reino; haverá grandes terremotos, epidemias e fome
em vários lugares, coisas espantosas e também grandes sinais do céu” .
Sem dúvida, essas palavras tiveram um cumprimento parcial quando
Jerusalém foi invadida pelos exércitos dos romanos e os judeus foram
levados em cativeiro. Foi uma ocasião de incomparável ruína para a Judéia
e as terras circunvizinhas. Os últimos dias da dispensação judaica foram
concluídos por meio de conflitos que resultaram em derramamento de
sangue, miséria e aflição incomparáveis a quaisquer outras coisas ocorridas
desde a criação do mundo.
Mas a profecia de nosso Senhor ainda terá um cumprimento mais
completo. Ela descreve o tempo que precederá a segunda vinda de Cristo.
O “tempo do fim ” será uma época de guerra e não de paz universal. A
dispensação cristã findará, assim como a judaica, em meio a guerras,
tumultos, desolações e uma queda das autoridades deste mundo, de um
modo que os olhos dos homens jamais viram.
Um pleno entendimento destas coisas é muito importante para nossa
alma. Nada causa tanto desânimo ao coração do crente e abate a sua fé
quanto opiniões acerca de expectativas sem fundamento nas Escrituras.
Retiremos de nossa mente a vã idéia de que as nações abandonarão
334 Lucas 21.10-19

completamente as guerras, antes que Jesus volte novamente. Enquanto


Satanás for o príncipe deste mundo e os corações dos homens perma­
necerem não-convertidos, haverá conflitos e lutas. Não haverá paz universal
antes do segundo advento do Príncipe da Paz. Naquela época, somente
naquela época, os homens não “aprenderão mais a guerra” (Is 2.4). Ces­
semos de esperar que os missionários e ministros do evangelho converterão
o mundo e ensinarão todos os homens a amarem-se mutuamente. Eles
jamais o farão; não foram designados para isso. Eles serão instrumentos
para chamar um povo constituído de testemunhas que servirão a Cristo
em todos os países, mas farão apenas isso. A maior parte da humanidade
sempre recusará obedecer o evangelho. As nações continuarão a lutar,
contender e guerrear. Os últimos dias da terra serão os seus piores dias. A
última guerra será a mais terrível e dolorosa que já assolou o mundo.
O dever de todo crente verdadeiro é claro e simples. Não importa o
que os outros fazem, o crente verdadeiro precisa com toda diligência
confirmar sua chamada e sua eleição. Enquanto as demais pessoas se
ocupam em conflitos nacionais e especulações políticas, o crente tem de
buscar com determinação, em primeiro lugar, o reino de Deus. Agindo
assim, o crente sentirá que seus pés encontram-se sobre uma rocha, quando
os fundamentos do mundo forem abalados e os reinos do mundo, arrui­
nados. Assim como Nóe, o verdadeiro crente estará seguro na arca; estará
escondido “no dia da ira do S enhor ” (Sf 2 .3 ).
Em segundo, esta passagem nos m ostra a profecia de Cristo
concernente a seus próprios discípulos. Ele não profetizou coisas agra­
dáveis, nem prometeu-lhes um ininterrupto viver com tranqüilidade tem­
poral. Ele afirmou que seus discípulos serão perseguidos, lançados em
prisões, comparecerão diante dos governantes, serão traídos, mortos e
odiados por todos os homens por causa do nome de Cristo.
Sem dúvida, as palavras da profecia tinham o objetivo de aplicarem-
se a todas as épocas da História da Igreja. Começaram a cumprir-se nos
dias dos apóstolos. O livro de Atos dos Apóstolos supre diversas ocorrências
em que essas palavras se cumpriram. Durante séculos de história cristã,
essa profecia tem se cumprido inúmeras vezes. Onde existem discípulos
de Cristo, ali sempre tem ocorrido algum tipo de perseguição. Essas
palavras terão um cumprimento mais completo antes do fim do mundo. A
última tribulação provavelmente será caracterizada por violência e amargura
especiais. Será uma “grande tribulação” (Ap 7.14). Tenhamos firmemente
gravado em nosso coração o princípio de que o verdadeiro crente sempre
terá de entrar no reino de Deus “através de muitas tribulações” (At 14.22).
Suas melhores coisas ainda estão por vir. Este mundo não é o nosso lar.
Se formos determinados e fiéis servos de Cristo, o mundo com certeza
nos odiará, assim como odiou nosso Senhor. De alguma maneira, a graça
Lucas 21.10-19 335

sempre sofrerá perseguição. Embora demonstre bastante coerência em


sua conduta, não cometendo muitos erros, e seja bondoso e amável, o
crente não poderá eximir-se da aversão do mundo. É tolice ficarmos
surpresos por esse fato. É desperdício de tempo murmurar por causa das
perseguições. Elas constituem uma parte da cruz que temos de carregar
com paciência. Os filhos de Caim odiarão os filhos de Abel, enquanto a
terra existir. “Não vos maravilheis se o mundo vos odeia” , disse o apóstolo
João (1 Jo 3.13). E nosso senhor afirmou: “Se o mundo vos odeia, sabei
que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do
mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo,
pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” (Jo 15.18-
19).
Por último, esta passagem nos mostra a graciosa promessa de Cristo
aos seus discípulos. Ele disse: “Não se perderá um só fio de cabelo da
vossa cabeça” . Nosso bendito Senhor conhece bem o coração de seus
discípulos. Jesus percebeu que a profecia recém-pronunciada poderia
desanimá-los. Por isso, fortaleceu-os com uma palavra de encorajamento:
“Não se perderá um só fio de cabelo da vossa cabeça” .
É uma promessa ampla, abrangente e pertence a todos os crentes de
todas as épocas. É impossível ser interpretada de maneira literal. Não
pode ser aplicada ao físico dos discípulos. Afirmar isso seria contrário
aos fatos evidentes: Tiago e outros dos apóstolos sofreram mortes violentas.
Uma interpretação figurada tem de ser atribuída a essas palavras. Elas
constituem uma grande afirmativa proverbial. Ensinam que, embora os
discípulos de Cristo passem por qualquer tipo de sofrimento, as suas
melhores coisas não serão abaladas. Sua vida está oculta juntamente com
Cristo, em Deus. Seu tesouro nos céus é intocável. Sua alma está além do
alcance de qualquer dano. E mesmo seu corpo corruptível será ressuscitado
e transformado para ser semelhante ao corpo glorioso de seu Senhor, no
último dia.
Se conhecemos o verdadeiro cristianismo, confiemos nas palavras
da preciosa promessa de Jesus em cada ocasião de necessidade. Se cremos
em Cristo, descansemos no confortável pensamento de que Ele empenhou
sua palavra, garantindo que nunca pereceremos. Talvez percamos muita
coisa por servirmos a Ele, mas nunca perderemos nossa alma. O mundo
pode retirar de um crente seus bens, amigos, propriedades, família,
liberdade, saúde e vida. Isso já aconteceu a inumeráveis seguidores de
Cristo desde os dias de Estêvão até agora. A lista do nobre exército de
mártires é extensa. No entanto, uma coisa o mundo não pode fazer a
qualquer crente: remover seu interesse no amor de Cristo. O mundo não
pode romper a união que existe entre Cristo e a alma do crente. Com
certeza, vale a pena ser um crente dedicado! “Estou bem certo” , afirmou
336 Lucas 21.10-19

o apóstolo Paulo, “de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes,
nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”
(Rm 8.38,39).

A Destruição de Jerusalém
e a Tribulação de Israel
Leia Lucas 21.20-24

O assunto destes versículos é a invasão de Jerusalém pelos romanos.


Era conveniente e próprio que esse grande evento, que concluía a dis-
pensação do Antigo Testamento, fosse especialmente descrito por nosso
Senhor. Era adequado que os últimos dias daquela santa cidade, que durante
muitos séculos havia sido o lugar em que se manifestava a presença de
Deus, recebesse atenção especial na maior profecia que já foi entregue à
igreja.
Primeiramente, devemos observar nestes versículos o perfeito conhe­
cimento de nosso Senhor. Ele nos apresentou um terrível quadro das mi­
sérias que viriam sobre Jerusalém. Quarenta anos antes que os exércitos
de Tito sitiassem a cidade, as pavorosas circunstâncias envolvidas no cerco
foram detalhadamente descritas. A aflição das mulheres frágeis e de­
samparadas, o extermínio de milhares de judeus, a dispersão final de
Israel para o cativeiro entre todas as nações e a cidade santa pisada pelos
gentios durante muitos séculos são coisas que nosso Senhor relatou com
muita particularidade, como se as estivesse contemplando com seus próprios
olhos.
O conhecimento antecipado é um atributo especial de Deus. Por nós
mesmos, não sabemos o que o “dia de amanhã... trará à luz” (Pv 27.1).
Anunciar o que acontecerá a uma cidade daqui há quarenta anos está
muito além da capacidade humana. As palavras de Isaías são solenes: “Eu
sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio
o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não
sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a
minha vontade” (Is 46.9-10). Aquele que poderia falar com autoridade
sobre as coisas que aconteceriam, assim como nosso Senhor o fez naquela
ocasião, era o próprio Deus e, ao mesmo tempo, homem.
O verdadeiro crente deve sempre ter em mente o perfeito conhe­
cimento de Jesus. As coisas passadas, presentes e futuras se encontram
Lucas 21.20-24 337

descobertas aos olhos dAquele a quem prestaremos contas. A recordação


de pecados da juventude pode nos humilhar. A nossa fraqueza no presente
talvez nos cause ansiedade. O temor das provações futuras pode desanimar
nosso coração. Entretanto, é intensamente consolador pensar que Cristo
sabe tudo. Podemos confiar-Lhe com segurança as coisas passadas,
presentes e futuras. Jamais nos acontecerá algo que Cristo não o saiba há
muito tempo.
Em segundo, devemos observar nestes versículos as palavras de
nosso Senhor a respeito de fuga em tempos de perigo. No que se referia
aos dias anteriores ao cerco de Jerusalém, Ele afirmou: “Então, os que
estiverem na Judéia, fujam para os montes; os que se encontrarem dentro
da cidade, retirem-se; e os que estiverem nos campos, não entrem nela” .
A lição destas palavras é bastante instrutiva. Elas nos ensinam com
clareza que não existe qualquer covardia ou indignidade em um crente
esforçar-se para escapar do perigo. Utilizar com diligência os devidos
meios para garantir nossa segurança não é inconveniente à nossa sublime
vocação. Todo crente tem a incumbência de enfrentar a morte com ousadia
e paciência, se no caminho da providência divina ela o alcançar. Mas
cortejar a morte e o sofrimento, apressando-nos, é característico de um
fanático e entusiasta, mas não do sábio discípulo de Cristo. Aqueles que
utilizam todos os recursos oferecidos por Deus podem esp erar
confiantemente a sua proteção. Existe uma ampla diferença entre a fé e a
presunção.
Em terceiro, devemos observar nestes versículos as palavras de nosso
Senhor em referência à vingança. Ele disse, ainda falando sobre o cerco
de Jerusalém: “Porque estes dias são de vingança, para se cumprir tudo o
que está escrito” .
Existe algo peculiarmente terrível na expressão citada. Ela demonstra
que os pecados da nação judaica há muito estavam sendo registrados nos
livros de Deus. Por causa de sua incredulidade e impenitência, durante
muitos séculos os judeus estiveram acumulando ira contra si mesmos. A
ira de Deus, à semelhança de uma represa, acumulou-se silenciosamente
por muitos séculos. A terrível tribulação que acompanhou o cerco de
Jerusalém seria apenas o desencadeamento de uma tempestade que se
formara gradualmente desde a época dos reis. Seria tão-somente o golpe
de uma espada que por muito tempo esteve sobre a cabeça de Israel.
Faremos bem se guardarmos essa lição em nosso íntimo. Não
devemos dar ocasião ao pensamento de que a conduta das nações e de
homens ímpios não é observada por Deus. Ele vê e sabe todas as coisas;
e, por fim, chegará com certeza o dia do acerto de contas. Há uma grandiosa
verdade nas Escrituras: “Deus há de trazer ajuízo todas as obras, até as
que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam m ás” (Ec 12.14). Nos
338 Lucas 21.20-24

dias de Abraão, ainda não se havia enchido “a medida da iniqüidade dos


am orreus” (Gn 15.16); e quatrocentos anos se passaram antes que
recebessem o castigo. Mas finalmente a punição veio, quando Josué e as
doze tribos tomaram posse da terra de Canaã. A sentença de Deus contra
as obras más nem sempre se executa rapidamente, porém não significa
que ela não será executada. O ímpio talvez prospere durante muitos anos;
todavia, seu fim será que seu pecado o encontrará (Gn 15.16; Ec 8.11; SI
37.35).
Por último, devemos observar nestes versículos as palavras de nosso
Senhor em referência aos tempos dos gentios. Ele afirmou: “Até que os
tempos dos gentios se completem, Jerusalém será pisada por eles” .
Aqui nosso Senhor profetizou sobre um tempo específico, durante o
qual Jerusalém seria entregue aos governantes gentios e os judeus deixariam
de ter autoridade sobre sua antiga cidade. Jesüs também profetizou sobre
uma época específica, que seria o tempo da visitação dos gentios, o tempo
durante o qual eles desfrutariam privilégios e ocupariam uma posição
semelhante à de Israel no passado. Ambas as épocas um dia terminarão.
Jerusalém será novamente restaurada aos seus antigos habitantes. Os
gentios, por causa de sua dureza de coração e incredulidade, serão des­
tituídos de seus privilégios e sofrerão o justo juízo de Deus. Mas o tempo
dos gentios ainda não acabou. Ainda estamos vivendo este tempo.
Este assunto é muito comovente e deve levar-nos a realizar profundas
investigações em nosso próprio coração. Enquanto as nações do mundo
estão envolvidas em conflitos políticos e interesses mundanos, o seu tempo
está esgotando. Enquanto os governantes estão discutindo sobre assuntos
seculares e os parlamentares dificilmente se humilham, a fim de permitir
que as coisas espirituais tenham lugar em suas conversas, seus dias estão
contados aos olhos de Deus. Em poucos anos, “os tempos dos gentios” se
completarão. O dia de sua visitação se acabará, e perderão seus privilégios
mal utilizados. O juízo de Deus cairá sobre eles. Serão colocados de lado
como vasos com os quais Deus não se compraz. O domínio dos gentios
desaparecerá, e suas instituições arrogantes serão despedaçadas. Os judeus
serão restaurados. O Senhor Jesus virá novamente em poder e grande
glória. Os reinos deste mundo se tornarão os reinos de nosso Deus e de
seu Cristo, e “os tempos dos gentios” chegarão ao fim.
Feliz é aquela pessoa que sabe essas coisas e vive pela fé no Filho de
Deus! E a única pessoa que está preparada para as grandes coisas que so­
brevirão à terra e para a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo. O
reino ao qual ela pertence é o único que jamais será destruído. O Rei a
quem ela serve é o único que nunca será destruído (Dn 2.44; 7.14).
Lucas 21.25-33 339

A Segunda Vinda de Cristo


e os Sinais que a Precederão
Leia Lucas 21.25-33

O assunto desta parte da grande profecia de nosso Senhor é a sua se­


gunda vinda para julgar o mundo. As expressões fortes da passagem
parecem ser inaplicáveis à qualquer acontecimento menos importante do
que esse. Limitar estas palavras à tomada de Jerusalém pelos romanos é
uma maneira incomum de interpretar a linguagem das Escrituras.
Primeiramente nesta passagem vemos quão terrível serão as cir­
cunstâncias que acompanham a segunda vinda de Cristo. Nosso Senhor
disse que “haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; sobre a terra, angústia
entre as nações em perplexidade por causa do bramido do mar e das
ondas; haverá homens que desmaiarão de terror e pela expectativa das
coisas que sobrevirão ao mundo; pois os poderes dos céus serão abalados.
Então, se verá o Filho do Homem vindo numa nuvem, com poder e grande
glória” .
O quadro apresentado é singularmente terrível. Talvez não seja fácil
atribuir um significado exato a cada uma de suas partes. Uma coisa, porém,
é muitíssimo evidente: a segunda vinda de Cristo será acompanhada por
tudo que poderá torná-la alarmante aos sentidos e corações dos homens.
Se a entrega da Lei no Sinai foi terrível, a ponto de Moisés dizer: “Sinto-
me aterrado e trêmulo!” (Hb 12.21), ainda mais terrível será o retorno de
Cristo, quando Ele vier à terra com poder e grande glória. Se os corajosos
soldados romanos “tremeram espavoridos e ficaram como se estivessem
mortos” (Mt 28.4), quando o anjo rolou a pedra do sepulcro e Cristo
ressuscitou dos mortos, ainda maior terror haverá quando Cristo voltar
para julgar o mundo. É lógico que Paulo tenha dito: “Assim, conhecendo
o temor do Senhor, persuadimos os homens” (2 Co 5.11).
O homem imprudente e negligente com razão treme quando ouve
falar sobre o segundo advento de Cristo. O que fará esse homem quando
os negócios no mundo cessarem repentinamente e seus bens preciosos se
tornarem inúteis? O que ele fará quando por todos os lados se abrirem as
sepulturas e a trombeta estiver convocando ao julgamento? O que ele fará
quando o próprio Jesus, cujo evangelho ele rejeitou de maneira vergonhosa,
aparecer nas nuvens dos céu e colocar todos os inimigos debaixo de seus
pés? Com certeza ele clamará aos rochedos e aos montes que caíam sobre
ele e o encubram (Os 10.8). Mas o fará em vão, se antes nunca invocou a
Cristo. Naquele dia, feliz será o indivíduo que já fugiu da ira vindoura,
sendo lavado no sangue do Cordeiro.
340 Lucas 21.25-33

Em segundo, vemos nestes versículos quão plena será a segurança


dos verdadeiros crentes na ocasião do segundo advento de Cristo. Nosso
Senhor disse aos seus discípulos: “Ao começarem estas coisas a suceder,
exultai e erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima” .
Embora para o incrédulo sejam terríveis os sinais que acompanham
a vinda de Cristo, estes sinais não devem causar terror ao coração do
verdadeiro crente. Pelo contrário, ele deve encher-se de alegria. Precisa
lembrar que sua completa libertação do mundo, do pecado e do diabo está
às portas e que em breve ele dirá adeus às enfermidades, tristezas, tentações
e morte. O dia em que o incrédulo perderá tudo será o mesmo em que o
crente entrará em sua eterna recompensa; O momento em que as esperanças
dos incrédulos desaparecerão será o mesmo em que as esperanças do
crente serão trocadas por uma certeza feliz e uma completa possessão.
O servo de Deus deve freqüentemente olhar para a segunda vinda de
Cristo; assim perceberá que o pensamento sobre aquele dia será um
agradável amparo para ele diante das provas e tentações da vida presente.
O crente precisa recordar: “Ainda dentro de pouco tempo, aquele que
vem virá e não tardará” (Hb 10.37). Cumprir-se-ão as palavras de Isaías:
“Enxugará o S enhor Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará de toda
a terra o opróbrio do seu povo” (Is 25.8). Uma receita segura para um
esp írito p aciente é e sp e rar pouco deste m undo e estar sem pre
“aguardando... a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Co 1.7).
Em terceiro, vemos nestes versículos a necessidade de atentarmos
aos sinais dos tempos na perspectiva do segundo advento de Cristo. Nosso
Senhor nos ensina mais uma lição ao proferir a parábola: “Vede a figueira
e todas as árvores. Quando começam a brotar, vendo-o, sabeis, por vós
mesmos, que o verão está próximo” . Os discípulos por ignorância su­
punham que o reino do Messias seria estabelecido por meio de uma paz
universal. Ao contrário, nosso Senhor lhes disse que confusões, guerras,
perplexidade e aflição seriam os sinais que precederiam o estabelecimento
do reino.
O dever universal que estas palavras estão abordando é muito
evidente. Temos de observar com cuidado os acontecimentos públicos do
tempo em que vivemos. Não devemos nos absorver com política, mas
precisamos estar atentos aos eventos políticos. Não devemos nos trans­
formar em profetas no sentido literal das Escrituras, porém temos de
estudar com diligência os sinais de nossa época. Agindo assim, o Dia de
Cristo não nos apanhará em completa ignorância.
Vemos alguns desses sinais em nossos dias? No mundo existem
algumas circunstâncias que de um modo especial demandam a atenção do
crente? Sem dúvida, existem muitas. A queda de grandes impérios, o
avivamento do catolicismo romano, o renovado interesse das igrejas
Lucas 21.25-33 341

evangélicas em pregar o evangelho, o interesse geral na situação dos judeus,


a queda de formas de governos e instituições firmes, o surgimento e a
propagação de formas sutis de incredulidade — todas essas coisas são
sinais peculiares para nossos dias. Devem nos fazer recordar as palavras
de nosso Senhor referindo-se à figueira e levar-nos a meditar sobre o
texto: “Eis que venho sem demora” (Ap 22.7).
Por último, vemos nestes versículos a certeza de que se cumprirão
todas as predições de nosso Senhor acerca do segundo advento. Ele estava
falando como se estivesse prevendo a incredulidade e descrença do homem
no que diz respeito a este importante assunto. Jesus sabia como as pessoas
estariam prontas a dizer: “Isto é improvável, impossível! O mundo
continuará sendo o que sempre foi” . Utilizando palavras solenes, Ele
advertiu seus discípulos contra a incredulidade: “Passará o céu e a terra,
porém as minhas palavras não passarão” .
Seremos abençoados, se recordarmos a advertência de Jesus, sempre
que estivermos na companhia daqueles que escarnecem de profecias ainda
não cumpridas. Não devemos permitir que nossa fé seja abalada por aqueles
que zombam dos crentes. Se Deus afirmou alguma coisa, Ele certamente
a realizará; e a possibilidade ou a probalidade em relação a tal coisa é um
assunto que não deve nos inquietar nem por um momento. A vinda de
Cristo em poder, para julgar o mundo e reinar, não é menos improvável
do que era a sua vinda para sofrer e morrer. Se Ele veio pela primeira
vez, quanto mais devemos esperar que venha pela segunda vez. Se veio
para ser pregado na cruz, quanto mais devemos esperar que Ele virá em
glória, coroado, em vestes reais. Ele o disse e o fará. As suas “palavras
não passarão” .
Terminemos nossa meditação sobre estes versículos com uma
profunda convicção de que o segundo advento de Cristo é uma das
principais verdades do cristianismo. O Cristo em quem nós cremos não
deve ser apenas Aquele que sofreu no Calvário, mas também o Cristo que
virá novamente para, pessoalmente, julgar o mundo.

Jesus Recomenda a Vigilância


Diante de sua Segunda Vinda
Leia Lucas 21.34-38

Estes versículos constituem a conclusão prática do grande discurso


profético de nosso Senhor. Apresentam uma admirável resposta àqueles
que condenam o estudo de profecias ainda não cum pridas, por
342 Lucas 21.34-38

considerarem-nas especulativas e sem proveito. Seria quase impossível


encontrarmos uma passagem mais prática, direta, clara e perscrutadora
do que essa que agora consideramos.
Primeiramente, esta passagem nos ensina o perigo espiritual ao qual
estão expostos neste mundo os mais santos dos crentes. Nosso Senhor
disse aos seus discípulos: “ Acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca
vos suceda que o vosso coração fique sobrecarregado com as conseqüências
da orgia, da embriaguez e das preocupações deste mundo, e para que
aquele dia não venha sobre vós repentinamente, como um laço” .
São palavras dignas de admiração. Não foram dirigidas aos fariseus
lascivos, aos saduceus incrédulos ou aos devassos herodianos. Foram
dirigidas a Pedro, Tiago, João e a todos os demais apóstolos, homens que
haviam desistido de tudo por amor a Cristo e provado a realidade de sua
fé por intermédio de sua obediência amorosa e resoluto apego ao seu
Senhor. Foi a eles que o Senhor advertiu contra o perigo de seus corações
ficarem sobrecarregados com as conseqüências da orgia, da embriaguez e
das preocupações deste mundo! Foi para eles que Jesus disse: “Acautelai-
vos por vós mesmos”.
Temos aqui uma exortação cujo propósito é ensinar-nos a imensa
importância da humildade. Não existe um pecado tão sério que um crente
muito piedoso não possa cair nele. Não existe um crente tão espiritual que
não esteja sujeito a cair em um pecado bastante grave. Noé escapou das
contaminações do mundo antes do dilúvio, mas depois foi vencido pela
embriaguez. Abraão foi o pai dos que têm a fé, mas por incredulidade
declarou falsamente que Sara era sua irmã. Ló não participou da impiedade
de Sodoma, mas, após sair daquela cidade, caiu em pecado na caverna em
que se refugiou. Moisés era o homem mais manso da terra, mas perdeu de
tal modo o autocontrole, que falou com ira e imprudência. Davi era o
homem segundo o coração de Deus, mas se afundou em hediondo adultério.
Esses exemplos são profundamente instrutivos. Todos demonstram a
sabedoria da advertência de nosso Senhor nesta passagem e ensinam a nos
cingirmos “de humildade” (1 Pe 5.5). “Aquele, pois, que pensa estar em
pé veja que não caia” (1 Co 10.12).
Além disso, aprendemos sobre a grande importância de um espírito
não centralizado nas coisas do mundo. As “preocupações deste mundo”
são apresentadas lado a lado com as orgias e a embriaguez. Excessos no
comer e beber não são os únicos que prejudicam a alma. Existe uma
excessiva ansiedade pelas coisas inocentes da vida que tanto é prejudicial
ao nosso progresso espiritual quanto é letal ao nosso homem interior.
Nunca, nunca esqueçamos que podemos arruinar nossa alma por causa de
coisas lícitas, assim como o podemos fazer por causa de pecados notáveis.
Feliz é aquele que aprendeu a ser firme ao lidar com as coisas deste
Lucas 21.34-38 343

mundo e a crer que, se buscar em primeiro lugar o reino de Deus, as


demais “coisas... serão acrescentadas” (Mt 6.33).
Em segundo, esta passagem nos ensina que a volta de nosso Senhor
será repentina. Ele disse: “Para que aquele dia não venha sobre vós
repentinamente, como um laço. Pois há de sobrevir a todos os que vivem
sobre a face de toda a terra” . Assim como uma armadilha que apanha um
animal de maneira inesperada; assim como o relâmpago que rebrilha no
céu subitamente, antes que o trovão ressoe; assim como um ladrão que de
maneira repentina à noite vem a uma casa, sem informar em que dia virá
àquela casa, assim também, de modo repentino e instantâneo, acontecerá
a segunda vinda do Filho do Homem.
O dia exato do retorno de nosso Senhor Jesus Cristo a este mundo
foi propositadamente ocultado por Deus. “A respeito daquele dia e hora
ninguém sabe” (Mt 24.36). No entanto, em um aspecto todos os ensinos
das Escrituras são claros e inconfundíveis: quando acontecer, a segunda
vinda de Cristo será um evento inesperado e súbito. Os negócios no mundo
continuarão se realizando normalmente. Assim como foi nos dias de
Sodoma e nos dias antes do dilúvio, os homens estarão comendo, bebendo,
casando e dando-se em casamento (Lc 17.27). Poucos, mesmo entre os
verdadeiros crentes, estarão completam ente atentos a esse grande
acontecimento, vivendo em um estado de completa expectativa. Num
momento, em um piscar de olhos, cessará todo o curso da vida no mundo.
O Rei dos reis aparecerá. Os mortos serão ressuscitados; os vivos,
transformados. A incredulidade murchará. A verdade será descoberta por
milhares, porém será tarde demais. O mundo com todas as suas trivialidades
e sombras será colocado de lado; a eternidade será iniciada com todas as
suas terríveis realidades. Tudo começara repentinamente, sem qualquer
notificação, aviso ou preparativos. “Para que aquele dia não venha sobre
vós repentinamente, como um laço. Pois há de sobrevir a todos os que
vivem sobre a face de toda a terra.”
O servo de Deus certamente reconhecerá que só existe nma atitude
digna daquele que crê nessas coisas: estar constantemente preparado para
encontrar-se com Cristo. O evangelho não nos chama para abandonarmos
nossa atividades terrenas ou negligenciarmos os deveres de nossas
profissões; tampouco nos ordena a sermos eremitas ou vivermos como
frades e freiras. O evangelho nos ordena a viver como pessoas que esperam
o retorno de seu Senhor. Arrependimento para com Deus, fé no Senhor
Jesus, santidade de vida são as únicas atitudes exigidas em nosso preparo
para o encontro com Cristo. Aquele que por experiência própria conhece
essas coisas está sempre pronto para encontrar-se com seu Senhor.
Por último, esta passagem nos ensina os deveres especiais do crente
que aguarda o segundo advento de Cristo. Nosso Senhor sintetizou-os em
344 Lucas 21.34-38

dois importantes assuntos: vigilância e oração. Ele disse: “Vigiai, pois, a


todo tempo, orando” .
Temos de vigiar, vivendo como soldados que estão atentos no ter­
ritório do inimigo. Devemos recordar que o mal está perto de nós e em
nosso íntimo, que temos de lutar todos os dias contra um coração traiçoeiro,
um mundo repleto de armadilhas e um diabo bastante ativo. Lembrando
disso, precisamos vestir toda a armadura de Deus e acautelarmo-nos do
entorpecimento espiritual. “Assim, pois, não durmamos como os demais;
pelo contrário, vigiemos e sejamos sóbrios” (1 Ts 5.6).
Temos de orar sempre, mantendo o constante hábito da oração
genuína, com toda a seriedade. Precisamos falar com Deus todos os dias,
cultivando a comunhão diária com Ele no que se refere às nossas almas.
Devemos orar para que recebamos graça, a fim de nos desembaraçarmos
de todo peso e rejeitar tudo que possa interferir em nossa prontidão de ter
comunhão com nosso Senhor. Acima de tudo, precisamos vigiar com um
zelo santo nossos hábitos devocionais e ser cuidadosos em não apressar
ou encurtar nossas orações.
Terminemos nossas considerações sobre esta passagem com a firme
determinação de que, com a ajuda de Deus, agiremos de acordo com o
que acabamos de ler. Se cremos que o Senhor Jesus voltará, preparemo-
nos para encontrá-Lo. “Ora, se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois
se as praticardes” (Jo 13.17).

Judas Iscariotes Entende-se


com os Principais Sacerdotes;
A Preparação da Páscoa
Leia Lucas 22.1-13

Estes versículos iniciam os capítulos em que Lucas relata os


sofrimentos e a morte de nosso Senhor. Temos aqui a parte mais importante
do evangelho. A morte de Cristo consiste em vida para o mundo. Ainda
que os escritores dos evangelhos descrevam bem este fato da vida de
nosso Senhor, nenhum escreve com tantos detalhes como os que
encontramos nesta passagem. Somente dois dos evangelistas narram o
nascimento de Cristo, mas todos eles contam minuciosamente os fatos
sobre sua morte. E, de todos eles, nenhum outro nos fornece tantos detalhes
completos e interessantes quanto Lucas.
Prim eiram ente, vemos nestes versículos que altas posições no
ministério da igreja não protegem aqueles que as ocupam contra a cegueira
Lucas 22.1-13 345

espiritual e o pecado. Somos informados que “preocupavam-se os


principais sacerdotes e os escribas em como tirar a vida a Jesus” . O primeiro
passo em direção a matar Jesus foi tomado pelos ensinadores religiosos da
nação de Israel. Os homens que deveriam ter recebido com alegria o
Messias foram os mesmos que conspiraram para tirar-Lhe a vida. Os
pastores que deveriam ter se regozijado com o aparecimento do Cordeiro
de Deus foram os principais em levantar sua mão contra Ele. Assentavam-
se na cadeira de Moisés, reivindicavam ser “guias de cegos” e “luz” dos
que se encontravam em “trevas” (Rm 2.19). Pertenciam à tribo de Levi.
Em sua maioria, eram descendentes diretos e sucessores de Arão. Apesar
disso, foram os mesmos homens que crucificaram o Senhor da glória!
Com todo o seu conhecimento vanglorioso, eram muito mais ignorantes
do que os poucos pescadores galileus que seguiam a Cristo.
Acautelemo-nos de atribuir excessiva importância aos ministros
religiosos por causa de seu ofício. Cargos e posições não eximem de erro
qualquer pessoa. As maiores heresias foram semeadas e graves abusos
práticos foram introduzidos no cristianismo por homens de posição
religiosa. Sem dúvida, o respeito deve ser tributado àqueles que ocupam
posições elevadas. A ordem e a disciplina não podem ser negligenciadas.
Não devemos levianamente rejeitar o ensino e o conselho procedentes de
ensinadores especificamente designados para isso. No entanto, existem
limites que não podem ser ultrapassados. Não devemos permitir que o
cego nos conduza ao abismo. Não podemos permitir que os principais
sacerdotes e escribas modernos nos façam crucificar novamente a Cristo.
Devemos julgar todos os ensinadores por meio do infalível padrão da
Palavra de Deus. Pouco nos deve importar quem está afirmando alguma
coisa sobre assuntos espirituais; o que realmente deve nos preocupar é o
que está sendo afirmado. É bíblico? Corresponde à verdade? Estas são as
únicas perguntas. “A lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta
maneira, jamais verão a alva” (Is 8.20).
Em segundo, vemos nestes versículos quão profundamente uma
pessoa pode cair depois de ter feito uma sublime confissão a respeito de
Cristo. Somos informados que o segundo passo em direção à morte de
nosso Senhor foi a traição de um dos seus doze apóstolos. “Satanás entrou
em Judas, chamado Iscariotes, que era um dos doze. ” É uma afirmativa
peculiarmente alarmante. Ser tentado por Satanás é algo ruim. Ser
peneirado, afligido e levado cativo por ele é algo realmente terrível. Mas,
quando o diabo entra e habita em uma pessoa, ela se torna um verdadeiro
filho do inferno.
Judas Iscariotes deve ser um permanente aviso para a igreja de Cristo.
Ele, precisamos lembrar, era um dos apóstolos escolhidos por Cristo.
Seguiu nosso Senhor durante tudo o seu ministério; abandonou tudo por
346 Lucas 22.1-13

causa de Jesus. Ouviu suas pregações, contemplou seus milagres. Pregou


e falou como qualquer outro dos apóstolos. Nada o distinguiu de Pedro,
Tiago e João. Jamais seria suspeito de ter um coração impuro. No entanto,
Judas, por fim, se mostrou um hipócrita, traiu seu Senhor, ajudou seus
inimigos, entregando-0 à morte; e ele mesmo morreu como um “filho da
perdição” (Jo 17.12). São coisas terríveis, mas verdadeiras.
A recordação de Judas Iscariotes deve constranger todo crente pro­
fesso a orar muito suplicando humildade. Digamos sempre: “Sonda-me,
ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pen­
samentos” (SI 139.23). No máximo, temos uma pobre concepção do engano
de nosso próprio coração. É mais extenso do que podemos imaginar o
ponto em que uma pessoa pode avançar em seu cristianismo e, apesar
disso, estar sem a graça divina em seu coração.
Em terceiro, vemos nestes versículos o enorme poâer do amor ao
dinheiro. Quando Judas dirigiu-se aos principais sacerdotes e ofereceu-se
para trair seu Mestre, “eles se alegraram e combinaram em lhe dar di­
nheiro” . Essa pequena sentença revela o segredo da queda de um homem
ímpio. Ele amava o dinheiro. Sem dúvida, Judas ouvira a solene advertência
de nosso Senhor: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza”
(Lc 12.15); mas ele a esqueceu ou não lhe prestou atenção. A avareza foi
a rocha que o fez naufragar; foi a ruína de sua alma.
Não admiremos que Paulo qualificou o amor ao dinheiro como a
“raiz de todos os males” (1 Tm 6.10). A História da Igreja está repleta de
dolorosas provas de que o amor ao dinheiro é umas armas prediletas de
Satanás para corromper e arruinar aqueles que professam o cristianismo,
Geazi, Ananias e Safira são nomes que naturalmente surgem em nossa
mente. M as, dentre todas as provas, não existe qualquer outra tão
melancólica quanto a pessoa de Judas Iscariotes. Por dinheiro, um homem
escolhido para ser apóstolo vendeu o melhor e mais amável dos senhores.
Por dinheiro, Judas Iscariotes traiu o Senhor Jesus Cristo.
Vigiemos e oremos contra o amor ao dinheiro. É uma enfermidade
sutil e, com freqüência, está mais perto de nós do que imaginamos. O
pobre se encontra tão sujeito a esse tipo de amor quanto o rico. É possível
alguém amar o dinheiro, ainda que não o tenha, ou tê-lo sem que o ame.
“Contentai-vos com as coisas que tendes” (Hb 13.5). Não sabemos o que
seremos capazes de fazer se repentinamente nos tornarmos ricos. É
admirável que existe somente uma oração em todo o livro de Provérbios
e que, nela, uma das três súplicas é a sabia petição: “Não me dês nem a
pobreza nem a riqueza” (Pv 30.8).
Por último, .vemos nestes versículos a íntima conexão entre a morte
de nosso Senhor e a festa da Páscoa. Quatro vezes somos recordados que
a noite anterior à crucificação de Jesus era a ocasião da grande festa dos
Lucas 22.1-13 347

judeus. Aquele era o dia da Festa dos Pães Asmos, e o Cordeiro pascal
teve de ser imolado.
Não podemos duvidar que a hora da crucificação de nosso Senhor
foi controlada por Deus. Sua perfeita sabedoria e seu poder controlador
dispuseram as coisas de modo que o Cordeiro de Deus morresse na mesma
ocasião em que o cordeiro pascal era imolado. A morte de Cristo foi o
cumprimento da Páscoa. Ele era o verdadeiro sacrifício que o cordeiro
pascal estivera indicando desde a sua instituição. Aquilo que a morte do
cordeiro significou para Israel no Egito, era o mesmo que significaria a
morte de Cristo para os pecadores no mundo inteiro. A segurança que o
sangue do cordeiro da Páscoa providenciou para Israel, era o mesmo que
o sangue de Cristo providenciaria em maior abundância para todos os que
nEle creriam.
Nunca esqueçamos o caráter sacrificial da morte de Cristo. Rejeitemos
com aversão a idéia moderna de que a morte de Cristo não passou de um
poderoso exemplo de renúncia e auto-sacrifício. Sem dúvida, foi isso
também, porém foi algo mais sublime, mais profundo e mais importante
do que isso. A morte de Cristo foi uma propiciação pelos pecados do
mundo. Foi uma expiação pelo pecado do homem; foi a morte da verdadeira
Páscoa, através da qual a destruição eterna foi afastada de todo aquele que
nEle crê. Disse o apóstolo Paulo: “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi
imolado” (1 Co 5.7). Apeguemo-nos com firmeza a essa verdade e jamais
a abandonemos.

A Instituição da Ceia do Senhor


Leia Lucas 22.14-23

Estes versículos contêm o relato de Lucas sobre a instituição da Ceia


do Senhor. E uma passagem que todo verdadeiro crente deve sempre ler
com profundo interesse. Quão admirável é o fato de que uma ordenança
tão simples, quando foi inicialmente instituída, tenha sido obscurecida e
mistificada pelas idéias dos homens! Que triste prova da corrupção humana
é o fato de que uma das mais desagradáveis controvérsias que perturbou a
igreja se refere à Ceia do Senhor. Grande, sem dúvida, é a ingenuidade
dos homens em perverter os dons de Deus. A ordenança que deveria re­
sultar em bênção para as pessoas com freqüência se torna um motivo de
tropeço.
Primeiramente, devemos observar nestes versículos que o principal
objetivo da Ceia do Senhor é recordar ao crente a morte de Cristo em
348 Lucas 22.14-23

fa vo r dos pecadores. Ao instituir a Ceia, Jesus claramente disse aos


discípulos que deveriam realizá-la “em memória” dEle. Em outras palavras,
a Ceia do Senhor não é um sacrifício; é uma ordenança eminentemente
comemorativa.
O pão que o crente come na Ceia tem o propósito de recordar o
corpo de Cristo morto na cruz em favor do pecador; o vinho bebido na
Ceia visa recordar o sangue de Cristo derramado para fazer expiação
pelos pecados do crente. Toda a ordenança da Ceia foi designada para
manter vivo na memória o sacrifício de Cristo na cruz e a satisfação que
esse sacrifício proporcionou pelos pecados do mundo. Os dois elementos,
o pão e o vinho, são símbolos vivos destinados a proclam ar Cristo
crucificado corno nosso Substituto. Constituem um sermão visível que
apela aos sentidos do crente, ensinando a antiga verdade fundamental do
evangelho — a morte de Cristo na cruz é vida para a alma do homem.
Faremos bem se conservarmos com firmeza em nossa mente um
ponto de vista simples a respeito da Ceia do Senhor. Não há dúvida de
que encontramos uma bênção especial na correta celebração da Ceia do
Senhor, bem como em toda utilização correta das ordenanças designadas
por Cristo. Mas temos de negar com determinação a afirmativa de que,
exceto por meio da fé, existe qualquer outro meio pelo qual podemos
comer o corpo e beber o sangue de Cristo. Aquele que se aproxima da
Mesa do Senhor crendo em Cristo pode esperar com confiança que sua fé
crescerá ao receber o pão e o vinho. Entretanto, aquele que se aproxima
sem fé não tem o direito de esperar receber qualquer bênção. Vazio ele
veio à ordenança, vazio ele sairá.
Quanto menos mistério e obscuridade atribuirmos à Ceia do Senhor,
tanto melhor ela será para nossa alma. Devemos rejeitar com desprezo a
idéia antibíblica de que a Ceia é uma oblação ou um sacrifício; temos de
repelir a noção de que o pão e o vinho se transformam e o conceito de que
o receber a Ceia de maneira formal trará alguma bênção à alma. Devemos
nos apegar com firmeza ao grande princípio estabelecido em sua instituição,
ou seja, a Ceia é eminentemente uma ordenança comemorativa, e não
obteremos qualquer benefício, se a recebermos sem fé e sem uma grata
recordação da morte de Cristo. As palavras de um catecismo são verdadeiras
e sábias: “A Ceia do Senhor foi ordenada com o propósito de relembrar
constantemente o sacrifício da morte de Cristo”. E a afirmativa dos artigos
desse catecismo é clara e simples: “A fé é o meio pelo qual o corpo de
Cristo é recebido” . A exortação do Livro de Orações destaca apenas uma
maneira pela qual podemos nos alimentar de Cristo: “Alimentemo-nos
dEle pela fé, em.nosso coração, com ações de graça” . Por fim, e não
menos importante, a seguinte advertência é muito instrutiva: “Tenhamos
cuidado para que o ato memorial não se tome um sacrifício” .
Lucas 22.14-23 349

Em segundo, devemos observar nestes versículos que a celebração


da Ceia do Senhor é uma obrigação de todos os verdadeiros crentes. As
palavras de nosso Senhor em referência a este assunto são diretas e
enfáticas: “Fazei isto em memória de mim ” . Supor, assim como alguns o
fazem, que elas constituem uma exortação dirigida exclusivamente aos
apóstolos e a todos os que ministram a Ceia do Senhor é uma interpretação
completamente insatisfatória. O sentido óbvio das palavras é um preceito
geral para todos os discípulos de Cristo.
A ordem de Jesus tem sido ignorada em terríveis proporções. Milhares
de membros de igrejas cristãs não participam da Ceia do Senhor. Talvez
eles se envergonhem de saber que transgrediram algum do Dez
Mandamentos; todavia, não percebem que estão desobedecendo uma ordem
clara do Senhor Jesus! Essas pessoas parecem imaginar que não é um
pecado grave não ser um participante da Ceia do Senhor. Parecem com­
pletamente inconscientes de que, se vivessem nos dias dos apóstolos, não
seriam reconhecidas como verdadeiros cristãos.
Evitaremos o cometer erros, se tratarmos com cautela o assunto da
Ceia do Senhor. Não devemos esperar que toda pessoa batizada receba a
Ceia somente por uma questão de formalidade. Ela é uma ordenança
instituída para aqueles que estão espiritualmente vivos e não para os que
estão mortos em seus pecados. Mas, quando percebemos que um grande
número dos membros das igrejas não participam da Ceia do Senhor, torna-
se evidente que existe algo bastante errado na condição espiritual de nossas
igrejas. Há evidências de uma ampla ignorância ou uma apatia insensível
em relação a um preceito divino. Quando milhares de pessoas batizadas
desobedecem a ordem de Cristo, podemos estar certos de que elas estão
desagradando a Cristo.
A nossa atitude para com a Ceia do Senhor é um assunto que deve
nos preocupar. Deixamos de participar da Ceia do Senhor, fundamentados
no conceito vago de que não existe uma grande necessidade para que a
recebamos? Se admitimos essa opinião, é melhor que a abandonemos
imediatamente. Não devemos brincar dessa maneira com um preceito claro
do próprio Filho de Deus. Não participamos da Ceia do Senhor porque
não estamos preparados para recebê-la? Se esta é a nossa situação, devemos
entender plenamente que estamos despreparados para morrer. Se não
estamos preparados para receber a Ceia do Senhor, isto significa que es­
tamos despreparados para o céu, para o Dia do Juízo e para o encontro
com Deus! Com certeza, esta é uma situação muito séria. Mas as palavras
de Jesus são evidentes. Ele nos deu um m andamento claro. Se o
desobedecemos voluntariamente, estamos em perigo de perder a nossa
comunhão com Ele. Se não estamos prontos a participar da Ceia do Senhor,
temos de nos arrepender sem demora.
350 Lucas 22.14-23

Por último, observamos nestes versículos quem eram os participantes


quando houve a instituição da Ceia do Senhor. Eles não eram todos santos;
tampouco eram todos crentes. Lucas nos mostra que Judas Iscariotes, o
traidor, estava entre eles. As palavras de nosso Senhor não admitem qualquer
outra interpretação. Ele disse: “A mão do traidor está comigo à mesa” .
A lição transmitida aqui é profundamente importante. Ela no mostra
que não devemos considerar todos os que recebem a Ceia como crentes
verdadeiros e sinceros servos de Cristo. O bem e o mal podem achar-se
lado a lado na realização dessa ordenança. Nenhuma disciplina eclesiástica
pode impedir que isso aconteça. A liçao nos revela ser tolice deixar de
participar da Ceia do Senhor, porque alguns que a recebem não são
convertidos, e que é imprudência abandonar a comunhão da igreja, somente
porque alguns de seus membros não se mostram sadios na fé. O trigo e o
joio crescerão juntos até à colheita. O próprio Senhor Jesus tolerou Judas
Iscariotes quando realizou a primeira Ceia. O servo de Deus não pode
desejar ser mais exclusivista do que seu Senhor. Ele deve julgar seu próprio
coração e deixar que os outros respondam por si mesmos a Deus.
E se não participamos da Ceia do Senhor, perguntemos a nós mesmos:
“Por que não?” Que motivo satisfatório podemos apresentar por ne­
gligenciarmos um mandamento claro do Senhor Jesus? Não descansemos
até que sejamos capazes de encarar esta indagação. Se participamos da
Ceia do Senhor, tenhamos cuidado para que a estejamos recebendo com
dignidade. “As ordenanças de Cristo têm um efeito e um resultado saudável
naqueles que os recebem com dignidade.” Freqüentemente, devemos
perguntar a nós mesmos se nos arrependemos, se cremos em Jesus e se
estamos nos esforçando para viver em santidade. Vivendo desse modo,
não precisamos ter receio de comer o pão e beber o cálice dos quais nosso
Senhor ordenou que participássemos.

Jesus Reprova o Amor à Proeminência;


Explica a Verdadeira Grandeza
e Promete Recompensa
Leia Lucas 22.24-30

Primeiramente, esta passagem nos mostra como o orgulho e o amor


à proeminência estão firmemente arraigados no coração de homens bons.
Os discípulos “suscitaram... entre si uma discussão sobre qual deles parecia
ser o maior” . Esse tipo de discussão havia sido reprovada por nosso Senhor
em ocasião anterior. A ordenança que os discípulos haviam acabado de
Lucas 22.24-30 351

receber e as circunstâncias em que eles se reuniram tornavam desagradável


a discussão. Contudo, na última oportunidade em que poderiam ficar
tranqüilos ao lado de seu Senhor, antes de sua morte, o pequeno rebanho
iniciou uma contenda a respeito de quem seria o maior! Assim é o coração
do homem, sempre fraco, iludido e disposto, mesmo em seus melhores
momentos, a voltar-se para aquilo que é mau.
São pecados muito antigos. Ambição, auto-estima e presunção se
encontram na profundeza do coração de todos os homens; e, com fre­
qüência, as acharemos no coração daquelas pessoas que são menos
suspeitas. Milhares imaginam que são humildes, mas não podem tolerar
que um semelhante seja mais honrado e favorecido do que eles mesmos.
Existem poucos que realmente se regozijam, de coração, com a promoção
de seu próximo sendo colocado acima deles mesmos. A quantidade de
inveja e ciúmes que contemplamos no mundo é uma prova notável da
predominância do orgulho. Os homens não invejariam seu próximo, se
não tivessem um pensamento íntimo de que seus méritos são maiores do
que os dele.
Se confessamos servir a Cristo, devemos vigiar contra uma en­
fermidade tão dolorosa. Não podemos calcular o dano que ela tem causado
à igreja de Cristo. Aprendamos a nos alegrar com a prosperidade dos
outros e estejamos contentes em ocupar nossas posições humildes. Devemos
ter sempre em mente o princípio recomendado aos filipenses: “Nada façais
por partidarismo ou vanglória, mas por humildade, considerando cada
um os outros superiores a si mesmo” (Fp 2.3). O exemplo de João Batista
é uma brilhante ocorrência do tipo de espírito que devemos almejar. Ele
disse a respeito de nosso Senhor: “Convém que ele cresça e que eu diminua”
(Jo 3.30).
Em segundo, esta passagem nos mostra a notável descrição feita
por nosso Senhor em referência à verdadeira grandeza cristã. Ele disse
aos seus discípulos que o padrão mundano de grandeza consiste no exercício
de senhorio e autoridade. “Mas vós” , afirmou Ele, “não sois assim; pelo
contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja
como o que serve” . Em seguida, Jesus reforçou o princípio utilizando o
poderoso fato exemplificado em sua própria vida: “Pois, no meio de vós,
eu sou como quem serve” .
Ser útil ao mundo e à igreja, uma humilde prontidão para fazer
qualquer coisa e colocar nossas mãos em qualquer boa obra, uma alegre
disposição para ocupar qualquer posição, embora humilde, e realizar
qualquer ofício, ainda que seja desagradável, se tão-somente promoverem
alegria e santidade na terra — são verdadeiras evidências da grandeza de
um crente. O herói do exército de Cristo não é aquele que possui uma
grande posição, título, dignidade, armamentos e um grupo de soldados
352 Lucas 22.24-30

que seguem adiante dele; é aquele que não visa seus próprios interesses e
sim o de outros. É aquele que se mostra amável, gentil e prudente para
com todos, demonstrando possuir uma mão para ajudá-los e um coração
disposto a sentir as aflições de todos. É aquele que se gasta e deixa-se
gastar para diminuir o pecado e a miséria do mundo, para fortalecer os
corações quebrantados, ser amigo dos que não têm amigos, consolar os
tristes, iluminar os ignorantes e socorrer os pobres. Este é o homem
verdadeiramente grande aos olhos de Deus. O mundo pode achar ridículo
seus esforços e negar a sinceridade de seus motivos. Mas, enquanto o
mundo escarnece, Deus fica satisfeito. Este é o homem que está andando
com mais exatidão nos passos de Cristo.
Sigamos esse tipo de grandeza, se desejamos provar que somos servos
do Senhor Jesus. Jamais nos contentemos em possuir um conhecimento
intelectual nítido, lábios que fazem afirmações altissonantes, percepção
habilidosa em lidar com controvérsias e um ardente zelo por coisas de
nosso próprio interesse. Tenhamos certeza de que m inistram os às
necessidades de um mundo sobrecarregado de pecado e fazemos o bem ao
corpo e à alma das pessoas. Bendito seja Deus, a grandeza que Cristo
recomendou nessa ocasião está ao alcance de todos! Nem todos os servos
de Cristo possuem cultura, ou dons, ou dinheiro. No entanto, todos eles
podem ministrar à felicidade daqueles que os cercam, por meio de virtudes
ativas ou passivas. Todos podem ser úteis e amáveis. Existe uma grande
realidade em demonstrarmos bondade constante. Ela faz que a pessoa do
mundo comece a pensar.
Em terceiro, esta passagem nos mostra o amável elogio que nosso
Senhor proferiu a respeito de seus discípulos. Ele disse: “Vós sois os que
tendes permanecido comigo nas minhas tentações” . Existe algo bastante
admirável nestas palavras de apreciação. Conhecemos a fraqueza e
imperfeição dos discípulos de Cristo durante todo o seu ministério terreno.
Freqüentemente, vemos o Senhor Jesus reprovando-lhes a ignorância e a
incredulidade. Ele sabia muito bem que em poucas horas seus discípulos
haveriam de abandoná-Lo. Mas agora nós O vemos a ressaltar gracio­
samente um aspecto de sua conduta, destacando-o para que a igreja o
observasse perpetuamente. Apesar de todas as suas falhas, os discípulos
haviam sido fiéis ao seu Senhor. Seus corações haviam estado em retidão,
embora cometessem muitos erros. Os discípulos se apegaram ao Senhor
nos dias de sua humilhação, quando os grandes e os nobres estavam contra
Ele; haviam “permanecido” com Ele em suas tentações.
Descansemos nossas almas no confortável pensamento de que Cristo
é sempre o mesmo. Se somos verdadeiros crentes, estejamos certos de
que Ele está atento às nossas virtudes, mais do que às nossas faltas; Ele
tem compaixão de nossas falhas e não nos tratará de acordo com nossos
Lucas 22.24-30 353

pecados. Nunca qualquer outro senhor possuiu servos tão fracos e


insignificantes quanto os crentes têm sido para o Senhor Jesus; porém
nenhum outro servo teve um senhor tão compassivo e amável quanto o
Senhor Jesus Cristo! Com certeza, não podemos amá-Lo como Ele merece.
Em diversas coisas ficamos muito aquém do que Ele deseja. Falhamos em
conhecimento, coragem, fé e paciência. Muitas vezes, tropeçamos. Mas
uma coisa sempre devemos fazer — amar o Senhor Jesus com todo nosso
coração, alma, força e entendimento. Não importa o que os outros fazem,
permaneçamos com Jesus, apegando-nos a Ele com um coração resoluto.
Feliz é aquele que pode dizer, assim como Pedro, humilhado e sentindo
vergonha: “Senhor, tu sabes que te amo” (Jo 21.15).
Por último, esta passagem nos mostra a gloriosa promessa que nosso
Senhor fez aos seus fiéis discípulos. Ele disse: “Assim como meu Pai me
confiou um reino, eu vo-lo confio, para que comais e bebais à minha me­
sa no meu reino; e vos assentareis em tronos para julgar as doze tribos de
Israel” .
Era o legado final de nosso Senhor ao seu pequeno rebanho. Ele
sabia que em poucas horas seu ministério entre os discípulos terminaria.
Ele o concluiu com uma maravilhosa afirmativa de coisas boas entesouradas
para seus discípulos. Talvez não possamos compreender o pleno significado
de cada parte da promessa. Basta-nos saber que nosso Senhor prometeu
aos seus onze fiéis discípulos glória, honra e recompensas que excederiam
qualquer coisa que fizeram por Ele. Haviam trilhado uma pequena jornada
com Ele, assim como Barzilai o fizera com Davi, e realizado poucas
coisas por Jesus. Ele assegurou aos onze que teriam no mundo por vir
uma recompensa digna de um rei.
Ao findar nossa meditação sobre esta passagem , tenhamos o
estimulante pensamento de que as recompensas que Cristo outorgará ao
seu povo crente serão excessivamente superiores ao que fizeram por Ele.
Suas lágrimas serão achadas no odre de Cristo. Seus mais insignificantes
desejos para fazer o bem serão relembrados. Seus frágeis esforços para
glorificá-Lo estarão escritos no livro de recordações de Cristo. Nenhum
copo de água fria perderá a sua recompensa.

Pedro é Avisado;
A Espada e o Alforje, Recomendados
Leia Lucas 22.31-38

Destes versículos aprenden os inicialmente que Satanás é um terrível


354 Lucas 22.31-38

inimigo para os crentes. Nosso Senhor declarou a Pedro: “Simão, Simão,


eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo!” Satanás
estava perto do rebanho de Cristo, embora eles não o vissem. Ele desejava
muito arruiná-los, embora os discípulos não o soubessem. O lobo não
almeja tanto o sangue da ovelha quanto Satanás deseja a destruição das
almas.
Os crentes não pensam suficientemente sobre a personalidade, a
atividade e o poder do diabo. Foi ele quem no princípio trouxe o pecado
ao mundo, através da tentação de Eva. Satanás é descrito no livro de Jó
como aquele que vive a “rodear a terra e passear por ela” (2.2); é aquele
que nosso Senhor chamou dc “príncipe desse mundo” , “assassino” e
“mentiroso” . Satanás é aquele que Pedro comparou a um “leão que ruge
procurando alguém para devorar” ; é aquele que o apóstolo João chamou
de “o acusador de nossos irmãos” (Ap 12.10). Ele está sempre realizando
o mal nas igrejas de Cristo, retirando a boa semente dos corações dos
ouvintes, semeando o joio no meio do trigo, suscitando perseguições,
sugerindo falsas doutrinas e fomentando divisões. O mundo é uma
armadilha para o crente. A carne é um fardo e um obstáculo. Mas não
existe um inimigo tão perigoso quanto o diabo, um inimigo incansável,
invisível e experiente.
Se cremos na Bíblia, não nos envergonhemos de acreditar na exis­
tência do diabo. Uma das terríveis provas da dureza de coração e cegueira
espiritual dos não-convertidos é que eles brincam e falam levianamente
sobre Satanás.
Se professamos seguir o verdadeiro cristianismo, estejamos alertas
contra os ardis do diabo. O inimigo que venceu Davi e Pedro e atacou o
próprio Senhor Jesus não é um inimigo a ser desprezado. Ele é muito
sutil. Desde a criação, Satanás tem estudado o coração do homem. Ele
pode se aproximar de nós com a aparência de um “anjo de luz” . Precisamos
vigiar, orar e vestir toda a armadura de Deus. Bendita é a promessa que
assegura: “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós” (Tg 4.7). Ainda mais
bendito é o pensamento de que, ao retornar, o Senhor Jesus “esmagará”
debaixo de nossos pés a Satanás e o prenderá com cadeias (Rm 16.20).
Em segundo, aprendemos destes versículos um dos grandes segredos
de perseverança na fé por parte de um crente. Nosso Senhor disse a
Pedro: “Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” . Foi
por causa da intercessão de Cristo que o apóstolo não desfaleceu com­
pletamente.
A existência contínua da graça divina no coração do crente é um
grande milagre. Os inimigos do crente são poderosos, e suas forças,
pequenas; o mundo se encontra tão repleto de armadilhas, e o coração do
crente é tão fraco, que, à primeira vista, chegar a > céu lhe parece im-
Lucas 22.31-38 355

possível. Esta passagem explica sua segurança. O crente tem um Amigo


poderoso, assentado à direita de Deus, um Amigo que vive sempre para
interceder pelo crente. Existe um Advogado atento, que está sempre
pleiteando em favor do crente, contemplando todas as suas necessidades
diárias e obtendo o suprimento cotidiano de graça e misericórdia para sua
alma, A graça na vida crente nunca acaba, porque o seu Advogado vive a
interceder (Hb 7.25).
Se somos verdadeiros crentes, acharemos que opiniões claras a
respeito do ofício sacerdotal e da intercessão de Cristo são essenciais ao
fortalecimento de nossa vida espiritual. Cristo vive; por isso, nossa fé não
desfalecerá. Acautelemo-nos de considerar Jesus apenas como Aquele
que morreu por nós. Nunca esqueçamos que Ele está vivo para sempre. O
apóstolo Paulo nos ordena recordar que Ele ressuscitou, está assentado à
direita de Deus e também intercede por nós (Rm 8.34). A obra que Cristo
realiza em favor de seu povo ainda não está completa. Ele continua
comparecendo na presença de Deus em benefício de seu povo, fazendo
por suas almas aquilo que fez em benefício de Pedro. Seu ministério
presente em favor dos crentes é tão importante quanto sua morte na cruz,
há muitos séculos. Cristo vive; por conseguinte, os crentes também viverão.
Em terceiro, aprendemos destes versículos a obrigação de todos os
crentes que recebem misericórdias especiais da parte de Cristo. Nosso
Senhor disse a Pedro: “Quando te converteres, fortalece os teus irmãos” .
Um dos atributos especiais de Deus é sua capacidade de fazer que o
bem resulte do mal. Ele pode fazer com que a imperfeição e a fraqueza de
alguns membros de sua igreja cooperarem para o bem de todo o seu povo.
Ele pode utilizar o tropeço de um crente como instrumento para capacitá-
lo a ser um consolador e amparo para os outros. Já caímos em algum
pecado, mas pela misericórdia de Cristo fomos levantados, para continuar
andando em novidade de vida? Então, com certeza, somos as pessoas que
devem tratar com gentileza nossos irmãos. Devemos contar-lhes, a partir
de nossa própria experiência, quão terrível e doloroso é o pecado; adverti-
los contra a atitude de brincar com a tentação; alertá-los contra o orgulho,
a presunção e a negligência na oração; e falar-lhes sobre a graça e a
misericórdia de Cristo, se tiveram caído em pecado. Acima de tudo,
devemos abordá-los com humildade e mansidão, lembrando pelo que nós
mesmos passamos.
Seria bom para a igreja de Cristo, se os crentes demonstrassem mais
prontidão em realizar boas obras desse tipo. Existem muitos crentes que
em conversação pessoal nada adicionam à vida espiritual de seus irmãos.
Parecem não ter um Salvador a respeito do qual podem testemunhar e
nenhuma história da graça divina para relatar. Desanimam os corações
daqueles com os quais convivem, ao invés de fortalecê-los. Essas coisas
356 Lucas 22.31-38

não devem ser assim. As palavras do apóstolo Paulo devem gravar-se


profundamente em nosso coração: “Tendo este ministério, segundo a
misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos... Também nós cremos;
por isso, também falamos” (2 Co 4.1,13).
Por último, aprendemos destes versículos que o servo de Cristo deve
utilizar todos os meios razoáveis para fazer a obra de seu Senhor. Ele
disse aos seus discípulos: “Quem tem bolsa, tome-a, como também o
alforje; e o que não tem espada, venda a sua capa e compre um a” .
É mais seguro entender as palavras de Jesus no sentido proverbial.
Elas se aplicam a todo o período de tempo entre a primeira e a segunda
vinda de Cristo. Até que nosso Senhor retorne, os crentes precisam utilizar
com diligência todas as faculdades que Deus lhes outorgou. Eles não
devem esperar que milagres aconteçam a fim de que sejam livres de
problemas. Não precisam esperar que tenham alimentos, se não querem
trabalhar para obtê-los. Não podem esperar que inimigos sejam vencidos
e dificuldades, superadas, se não lutam, batalham e se esforçam. Precisam
lembrar que “a mão dos diligentes vem a enriquecer-se” (Pv 10.4).
Faremos bem se guardarmos no coração essas palavras de nosso
Senhor e habitualmente agirmos de acordo com o princípio que elas contêm.
Devemos trabalhar, agir, dar, falar e escrever por Cristo, como se tudo
dependesse de nossas ações. Mas não esqueçamos que o sucesso depende
totalmente da bênção de Deus! Esperar que o sucesso resulte de nossa
“bolsa” ou “espada” é orgulho e justiça própria. Entretanto, esperar que
sejamos bem-sucedidos sem a “bolsa” e a “espada” é presunção e fa­
natismo. Façamos como Jacó, quando saiu ao encontro de Esaú, seu irmão.
Jacó usou todos os meios inocentes para reconciliar-se com Esaú e apaziguá-
lo. Mas, tendo feito tudo, passou a noite em oração (Gn 32.1-24).

Agonia no Jardim
Leia Lucas 22.39-46

Nestes versículos Lucas descreve a agonia de nosso Senhor no jardim.


Convém sempre nos aproximarmos desta passagem com reverência
especial. A história aqui descrita é uma das “profundezas de Deus” (2 Co
2.10). Enquanto a lemos, as palavras de Êxodo devem estampar-se em
nossa mente: “Tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é
terra santa” (Êx 3.5).
Primeiramente, vemos aqui um exemplo do que os crentes devem
fazer em tempos de aflição. O supremo Cabeça da igreja nos fornece o
Lucas 22.39-46 357

padrão. Quando Ele chegou ao monte das Oliveiras, na noite que antecedeu
a crucificação, “se afastou... e, de joelhos, orava” .
É notável que tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos oferecem
a mesma receita para alguém que se encontra em aflição. O que diz o
Livro dos Salmos? “Invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei” (SI
50.15). O que afirma o apóstolo Tiago? “Está alguém entre vós sofrendo?
Faça oração” (Tg 5.13). A oração foi o instrumento que Jacó utilizou
quando estava receoso de seu irmão Esaú. A oração foi a prescrição que
Jó empregou quando as propriedades e filhos lhe foram repentinamente
tirados. A oração foi o recurso que Ezequias usou quando chegou-lhe às
mãos a carta ameaçadora da parte de Senaqueribe. A oração foi a receita
que o Filho de Deus não se envergonhou de utilizar nos dias de sua carne.
Na hora de sua misteriosa agonia, Ele “orou” .
Tenhamos cuidado em servir-nos do remédio de nosso Senhor, se
desejamos receber consolo na aflição. Ainda que utilizemos outros meios
de receber alívio, devemos orar. Deus tem de ser o primeiro Amigo ao
qual recorremos. Ao trono da graça é que devemos enviar nossa primeira
petição. Não podemos permitir que nenhuma depressão nos impeça.
Nenhuma tristeza profunda deve nos tornar mudos. Uma das principais
armas de Satanás é fornecer ao coração aflito falsos motivos para manter-
se em silêncio diante de Deus. Acautelemo-nos da tentação de nos
preocuparmos melancolicamente com nossas próprias aflições. Se não
podemos falar qualquer outra coisa, então digamos: “Ó Senhor, ando
oprimido, responde tu por mim” (Is 38.14).
Em segundo, vemos nestes versículos que tipo de súplica o crente
precisa fazer a Deus em tempos de aflição. Novamente, o próprio Senhor
Jesus oferece o modelo para o seu povo. Ele disse: “Pai, se queres, passa
de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” .
Aquele que fez este pronunciamento, não devemos esquecer, possuía duas
naturezas distintas em uma só pessoa. Ele teve uma vontade humana e, ao
mesmo tempo, uma vontade divina. Quando ele orou: “Não se faça a
minha vontade” , pretendia mostrar que era a sua vontade humana, visto
que possuía carne, ossos e um corpo semelhante ao nosso.
A linguagem de nosso bendito Senhor demonstra exatamente qual
deve ser a essência da oração de um crente em momentos de angústia.
Assim como Jesus, o crente deve revelar abertamente seus desejos e contar
sem reservas os seus anseios diante do seu Pai celestial. Porém, assim
como Jesus, o crente deve fazer tudo manifestando uma completa submis­
são de sua vontade à de Deus, nunca esquecendo que existem motivos
sábios e corretos para as suas aflições. Cada súplica do crente em favor da
remoção do sofrimento precisa ser qualificada com a seguinte cláusula:
“Se for a ma vontade” . Ele deve terminar sua oração com a humilde
358 Lucas 22.39-46

confissão: “Não se faça a minha vontade, e sim a tua” .


A submissão da vontade é uma das mais brilhantes virtudes que
pode adornar o caráter do crente. É uma virtude que o filho de Deus deve
almejar em todos os aspectos de sua vida, se deseja ser como Cristo.
Todavia, em nenhuma outra circunstância essa virtude é tão necessária
quanto no dia da tristeza; e ela não se mostra tão resplandecente quanto
nas orações de um crente suplicando por alívio. Aquele que de coração
pode dizer, quando tem um cálice amargo diante de si: “Não se faça a
minha vontade, e sim a tua” , atingiu um elevado grau na escola de Deus.
Em terceiro, vemos nestes versículos um exemplo da excessiva culpa
e pecaminosidade do pecado. Apreendemos este fato ao considerar a agonia
do Senhor Jesus, as gotas de sangue no seu suor e todas as misteriosas
aflições que sofreu no corpo e na mente, descritas nesta passagem. A
princípio, essa lição pode não ser clara para um leitor que não atenta às
Escrituras, mas ela se encontra neste relato.
Como podemos explicar a profunda agonia que nosso Senhor sentiu
no jardim? Que motivo pode justificar o intenso sofrimento, físico e mental,
que evidentemente Ele suportou? Existe apenas uma resposta satisfatória.
Foi causado pelo fardo de pecado dos homens que Lhe foi imputado, um
fardo que a partir daquele momento começava a pesar sobre Ele de maneira
sobrenatural. Ele assumira o compromisso de ser feito “pecado por nós”
(2 Co 5.21), de tornar-se “maldição” em nosso lugar (G1 3.13) e de
aceitar que nossas iniqüidades fossem lançadas sobre Si mesmo (Is 53.6).
Foi o enorme peso de nossas iniqüidades que O fizeram sofrer tal agonia.
Foi o sentimento da culpa dos homens pressionando o eterno Filho de
Deus que O levaram a suar gotas de sangue e extrair dEle “forte clamor e
lágrimas” (Hb 5.7). A causa da agonia de Cristo foi o pecado do homem.
Com intenso zelo, precisamos acautelar-nos do conceito moderno
de que a vida e a morte de nosso bendito Senhor não passaram de um
grande exemplo de auto-sacrifício. E um conceito que traz confusão e
joga trevas sobre todo o evangelho. Desonra o Senhor Jesus, retratando-
O como uma pessoa menos resignada do que muitos dos mártires modernos,
no dia de sua morte. Temos de nos apegar com toda firmeza à antiga
doutrina de que Cristo estava “carregando... os nossos pecados” , tanto
no jardim quanto na cruz. Nenhuma outra doutrina pode explicar essa
passagem do evangelho de Lucas ou satisfazer a consciência do homem
culpado.
Queremos ver a pecaminosidade do pecado em suas verdadeiras
cores? Desejamos aprender a odiar o pecado com um ódio santo?
Pretendemos saber algo a respeito da intensa miséria das almas no inferno?
Temos o desejo de entender algo do indizível amor de Cristo? Desejamos
compreender a capacidade de Cristo em simpatizar com aqueles que passam
Lucas 22.39-46 359

por aflições? Então, tenhamos com freqüência em nossos pensamentos a


agonia no jardim. A profundeza da agonia de Jesus pode nos fornecer
alguma idéia de quanto somos devedores a Ele.
Por último, vemos um exemplo da fragilidade dos melhores crentes.
Quando nosso Senhor estava em agonia, seus discípulos estavam dormindo.
Apesar da exortação para que orassem e da clara advertência contra a
tentação, a carne venceu o espírito. Enquanto o Senhor Jesus suava gotas
de sangue, seus apóstolos dormiam!
Passagens como esta são bastante instrutivas. Devemos agradecer a
Deus por terem sido escritas para nosso ensino. Têm o propósito de ensinar-
nos a humildade. Se os apóstolos comportaram-se dessa maneira, o crente
que imagina estar de pé precisa ficar atento para não cair. Passagens
como esta tencionam levar o crente a aceitar a morte e a ansiar aquele
glorioso corpo que receberá quando Cristo voltar. Somente então, seremos
capazes de esperar em Deus, sem nos cansarmos fisicamente, e servi-Lo
dia e noite em seu templo.

O Aprisionamento de Cristo
Leia Lucas 22.47-53

Primeiramente, estes versículos nos ensinam que o pior e mais ímpio


ato pode ser praticado como uma demonstração de amor a Cristo. Quando
Judas Iscariotes trouxe os inimigos de Cristo para prendê-Lo, ele O traiu
“com um beijo” . Judas simulou afeição e respeito no próprio momento
em que entregaria seu Senhor aos inimigos mortais.
Infelizmente, é um tipo de comportamento comum entre os homens.
As páginas da História relatam muitos casos de grande impiedade realizada
sob a máscara de cristianismo. O nome de Deus freqüentemente tem sido
utilizado à serviço da perseguição, traição e crime. Quando Jezabel desejou
matar Nabote, ela ordenou que apregoassem “um jejum ” e que falsas
testemunhas o acusassem de haver blasfemado “contra Deus e contra o
rei” (1 Rs 21.9-10). Quando o Conde de Montfort dirigiu uma cruzada
contra os albigenses, ordenou que esses fossem saqueados e mortos como
um serviço à igreja de Cristo. Quando a Inquisição espanhola torturou e
queimou hereges suspeitos, justificou seus atos abomináveis confessando
que havia sido uma manifestação de zelo pela verdade de Deus. Judas
nunca ficou sem imitadores ou sucessores. Sempre tem havido homens
dispostos a “com um beijo” trair o Senhor Jesus e prontos para, sob
aparência de respeito, entregar o verdadeiro evangelho aos inimigos.
360 Lucas 22.47-53

Esse tipo de conduta, sem dúvida, é completamente abominável aos


olhos de Deus. Causar injúria ao cristianismo em qualquer circunstância é
um grave pecado, mas trazer-lhe injúria, enquanto simulamos demonstrar
bondade, é o mais perverso de todos os pecados. Trair Cristo em qualquer
época é o cúmulo da impiedade; porém traí-Lo “com um beijo” comprova
que aquele indivíduo se tornou filho do inferno.
Em segundo, estes versículos nos ensinam que é mais fácil contender
por Cristo do que suportar dificuldades, ser preso e morto por amor a
Ele. Quando os inimigos de nosso Senhor se aproximaram para prendê-
Lo, um de seus discípulos “feriu o servo do sumo sacerdote e cortou-lhe
a orelha direita” . Porém, o zelo do discípulo teve vida curta. Sua coragem
logo desapareceu. O temor dos homens o venceu. Ao ser levado preso,
nosso Senhor foi sozinho; o discípulo que se mostrou tão disposto a lutar
por Ele, realmente O abandonou e fugiu.
É uma lição profundamente instrutiva. Sofrer com paciência por
Cristo é mais difícil do que trabalhar ativamente por Ele. Permanecer
quieto e suportar com tranqüilidade a aflição é muito mais difícil do que
sentir-se estimulado e envolver-se na batalha. Os soldados sempre serão
em maior número do que os mártires. As virtude passivas do cristianismo
são mais raras e preciosas do que as ativas. Trabalhar para Cristo pode
acontecer por motivos espúrios, tais como empolgação, entusiasmo,
partidarismo ou desejo por louvor. Sofrer por Cristo raramente será
suportado, exceto apenas por um motivo — a graça de Deus.
Faremos bem ao recordar essas características, quando comparamos
as virtudes de muitos crentes professos. Muitas vezes, erramos ao supor
que são mais dignos de honra aos olhos de Deus aqueles que realizam
obras vistas por muitos, pregam, falam, escrevem bem e emocionam as
pessoas. Tais pessoas, às vezes, são menos estimadas por Deus do que
algum crente simples e desconhecido, que por muito tempo permanece
doente, em uma cama, suportando dor sem murmurar. E possível que
aquelas obras vistas pelos homens tragam menos glória para Cristo do
que a paciência e as orações do crente sofredor. O grande teste da graça
divina é um sofrer paciente. O Senhor Jesus disse sobre o apóstolo Paulo:
“Eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nom e” (At 9.16).
Podemos estar certos de que Pedro fez menos benefício ao sacar sua
espada e cortar a orelha de um homem do que ao testemunhar calmamente,
na ocasião em que estava preso: “Não podemos deixar de falar das coisas
que vimos e ouvimos” (At 4.20).
Por último, estes versículos nos ensinam que Deus limita e estabelece
o tempo em que permite o mal triunfar. Nosso Senhor disse aos seus
inimigos, quando o prenderam: “Esta... é a vossa hora e o poder das
trevas” .
Lucas 22.47-53 361

A soberania de Deus sobre tudo que será realizado na terra é absoluta


e completa. As mãos dos ímpios estão impedidas de agir até que Ele o
permita. Os ímpios nada podem fazer sem a permissão divina. Mas isso
não é tudo. As mãos dos ímpios não podem mover-se, enquanto Deus não
o permitir, e agirão somente até quando Ele ordenar que parem. Os piores
instrumentos de Satanás estão agindo com as mãos algemadas. Ele não
pôde tocar nas propriedades e parentes de Jó até que Deus lhe permitiu.
Não foi capaz de impedir o retorno da prosperidade de Jó, quando Deus
planejou que isto acontecesse. Os inimigos de nosso Senhor não puderam
prender e matá-Lo enquanto não chegou a “hora” de seu sofrimento,
determinada pelo Pai. Tampouco eles puderam impedi-Lo de ressuscitar,
quando chegou a hora em que foi declarado Filho de Deus com poder,
por meio de sua ressurreição dentre os mortos (Rm 1.4). Quando Ele foi
conduzido ao Calvário, aquela foi a “hora” de seus inimigos; mas a sua
vitoriosa ressurreição foi a sua “hora” .
Estes versículos esclarecem a história dos crentes, desde os dias dos
apóstolos até ao presente. Com freqüência, eles foram severamente
oprimidos e perseguidos; contudo, a mão de seus inimigos nunca teve
permissão de prevalecer por completo. A “hora” de suas provações
geralmente foi seguida por um tempo de expansão do evangelho. O triunfo
de seus inimigos jamais foi completo. Os inimigos dos crentes têm sua
“hora”, porém um dia nunca mais a terão. Após a perseguição de Estêvão,
ocorreu a conversão de Paulo. Após o martírio de John Huss, aconteceu a
Reforma na Alemanha. Após as perseguições da rainha M aria, na
Inglaterra, veio o estabelecimento do protestantismo inglês. Os invernos
mais intensos foram seguidos pela primavera. As tempestades mais severas
foram sucedidas pelo céu azul.
Confortemo-nos nas palavras de nosso Senhor, ao pensarmos no
futuro de nossa própria vida. Se seguimos a Cristo, teremos a nossa “hora”
de provações; e talvez ela seja demorada. Mas podemos descansar seguros
de que a escuridão não prevalecerá um momento sequer além do que
Deus achar conveniente para nós. No seu devido e bom tempo, ela se
desvanecerá.
Confortemo-nos com as palavras de nosso Senhor, ao anteciparmos
o história futura da igreja e do mundo. Nuvens e trevas poderão assediar
a arca de Deus. Perseguições e aflições talvez assaltarão o seu povo. Os
últimos dias da igreja e do mundo provavelmente serão os piores dias.
Mas a “hora” da provação, embora seja bastante severa, terá um fim.
Mesmo nos piores momentos, podemos dizer, com ousadia: “Vai alta a
noite, e vem chegando o dia” (Rm 13.12).
362 Lucas 22.54-62

A Negação de Pedro
Leia Lucas 22.54-62

Estes versículos descrevem uma queda do apóstolo Pedro. É uma


passagem que humilha o orgulho humano; é especialmente instrutiva para
todo crente. A experiência de Pedro relatada aqui tem sido um alerta para
toda a igreja de Cristo e provavelmente tem preservado da destruição
milhares de almas. É uma passagem que fornece abundante prova de que
as Escrituras são inspiradas e o cristianismo procede de Deus. Se o
cristianismo tivesse sido inventado por homens não-inspirados por Deus,
seus primeiros historiadores jamais nos teriam contado que um de seus
principais apóstolos negou três vezes seu Senhor.
Através da experiência de Pedro aprendemos quão insignificantes e
graduais são os passos que podem levar os homens a grandes pecados.
Os vários passos da queda de Pedro foram ressaltados pelos escritores dos
evangelhos. Precisamos sempre observá-los, ao ler esta parte da história
do apóstolo. O primeiro passo foi autoconfiança orgulhosa. Embora todos
viessem a negar Cristo, Pedro jamais faria isso. Ele estava pronto para
segui-Lo até à prisão e à morte. O segundo passo foi uma indolente
negligência da oração. Quando seu Senhor ordenou que orasse para não
entrar em tentação, Pedro deu ocasião à sonolência e dormiu. O terceiro
passo foi uma vacilante indecisão. Quando os inimigos de Cristo chegaram
para prendê-Lo, Pedro à princípio lutou, mas em seguida fugiu; depois
retornou e, finalmente, O seguiu “de longe” . O quarto passo foi associar-
se com más companhias. Ele dirigiu-se à casa do sumo sacerdote e assentou-
se entre os criados aos redor do fogo, procurando conciliar seu cristianismo
com o ouvir e ver diversos tipos de maldade. O quinto e último passo foi
a conseqüência natural dos primeiros quatro. Ele foi vencido pelo temor,
quando subitamente foi acusado de ser discípulo de Cristo. A armadilha
estava ao redor de seu pescoço; ele não podia escapar. Precipitou-se no
erro mais rápido do que antes. Negou seu bendito Senhor por três vezes.
Temos de lembrar que o erro havia sido cometido antes. A negação foi
apenas o resultado da doença.
Acautelemo-nos de tomar os primeiros passos em direção à apostasia,
embora tais passos sejam pequenos. Nunca sabemos onde podemos chegar,
se nos desviarmos do caminho do Senhor. O crente que começa a afirmar
a respeito de qualquer pecado: “E apenas uma coisinha insignificante” ,
encontra-se em perigo iminente. Está semeando em seu coração sementes
que um dia germinarão e produzirão frutos amargos. Existe um ditado
Lucas 22.54-62 363

popular que diz: “Se uma pessoa cuida bem de seus centavos, os milhões
cuidarão de si mesmos” . Podemos extrair um preciosa lição espiritual
desse ditado. O crente que com diligência guarda seu coração diante de
coisas pequenas será guardado de grandes pecados.
Em segundo, a história da queda de Pedro nos ensina em que grave
pecado o crente pode se envolver. A fim de percebermos a lição com cla­
reza, precisamos levar em conta todas as circunstâncias relacionadas. Pedro
era um apóstolo escolhido; desfrutara privilégios espirituais superiores
aos de muitas outras pessoas no mundo. Acabara de participar da Ceia do
Senhor e de ouvir aquele maravilhoso discurso registrado em João 14, 15
e 16; fora advertido quanto seu próprio perigo. Havia protestado em voz
forte que estava pronto para enfrentar qualquer coisa que lhe sobrevies­
se. No entanto, ele negou repetidamente o seu gracioso Senhor. Pedro
o negou três vezes seguidas, em intervalos, o que lhe deu tempo para
reflexão!
O mais nobre e ilustre dos crentes é apenas uma criatura frágil,
mesmo em seus melhores momentos. Quer saiba, quer não, ele carrega
em seu íntimo uma capacidade quase irrestrita para o mal, embora sua
conduta exterior seja decente e correta. Não existe um pecado tão grande
que ele esteja impedido de cometer, se não vigiar e orar e se a graça de
Deus não sustentá-lo. Quando lemos sobre a queda de Noé, Ló e Pedro,
apenas estamos lendo aquilo em que possivelmente alguns de nós cairemos.
Não sejamos presunçosos; jamais alimentemos pensamentos elevados em
referência à nossa própria firmeza e nunca menosprezemos os outros.
Dentre os assuntos pelos quais oramos, devemos suplicar diariamente que
andemos “humildemente com... Deus” (Mq 6.8).
Em terceiro, a história da queda de Pedro nos ensina a infinita
misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo. É um ensino fortemente
ressaltado por um fato relatado somente no Evangelho de Lucas. Quando
Pedro negou a Jesus pela terceira vez e o galo cantou, o Senhor voltou-se
e “fixou os olhos” nele. Que palavras comoventes! Mesmo cercado por
inimigos injuriosos, que desejavam muito a sua morte, e contemplando as
horríveis afrontas que receberia, um tribunal injusto e uma dolorosa morte,
o Senhor Jesus ainda achou tempo para pensar amavelmente a respeito de
seu apóstolo errante. Mesmo naquela hora, Jesus desejava que Pedro
soubesse: Ele não o havia esquecido. Embora estivesse triste, mas não
furioso, o Senhor voltou-se e “fixou os olhos” em Pedro. Havia um
profundo significado naquele olhar. Foi um sermão que Pedro jamais
esqueceu.
O amor de Cristo por seu povo é semelhante a uma fonte profunda e
inesgotável. Nunca o avaliemos por compará-lo ao amor de qualquer
pessoa, visto que ultrapassa todos os outros tipos de amor, assim como o
364 Lucas 22.54-62

sol excede qualquer luz opaca. Nesse amor existe uma fonte inesgotável
de compaixão, paciência e disposição para perdoar pecados. Temos um
ínfimo conceito sobre as riquezas desse amor. Não fiquemos receosos de
confiar nele, quando percebemos o primeiro sinal de nossos pecados.
Nunca tenhamos medo de continuar confiando nesse amor, depois que
começamos a fazê-lo. Ninguém precisa desesperar-se, mesmo que tenha
cometido graves pecados, se tão-somente arrepender-se e entregar-se a
Cristo. Se o amor dEle se mostrou tão gracioso, quando estava preso na
sala de julgamento, com certeza não precisamos imaginar que será menos
gracioso agora que Ele está assentado à destra de Deus.
Por último, a história da queda de Pedro nos ensina quão doloroso é
o pecado para o crente, quando este cai em pecado e reconhece sua
queda. Esta é uma lição claramente ressaltada nestes versículos. Quando
Pedro recordou a advertência que havia recebido e percebeu como havia
caído no pecado, “saindo dali, chorou amargamente” . Ele descobriu por
experiência própria a verdade anunciada por Jeremias: “Tudo isto não te
sucedeu por haveres deixado o S e n h o r , teu Deus, que te guiava pelo
caminho?” (Jr 2.17) Pedro sentiu profundamente a verdade das palavras
de Salomão: “O infiel de coração de seus próprios caminhos se farta” (Pv
14.14). Sem dúvida, ele poderia ter dito, assim como Jó: “Por isso, me
abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.6).
Muita tristeza, devemos sempre lembrar, acompanha de maneira
inseparável o verdadeiro arrependimento. Nisso está a grande distinção
entre o “arrependimento para a salvação” e o remorso inútil. O remorso
é capaz de tornar um homem miserável, assim como Judas Iscariotes,
porém não pode fazer nada além disso. O remorso não leva o homem a
Deus. O verdadeiro arrependimento abranda o coração do homem e
enternece sua consciência, manifestando-se em uma verdadeira conversão
ao Pai celestial. Os pecados em que se envolvem aqueles que apenas
confessam ser crentes e não possuem a graça divina são pecados dos quais
essas pessoas, não se levantam. Mas a queda no pecado de um verdadeiro
servo de Cristo sempre termina em contrição profunda, auto-humilhação
e mudança de atitude.
Ao findar nossa meditação sobre esta passagem, tenhamos cuidado
para sempre utilizarmos corretamente o relato sobre a queda de Pedro.
Jamais a utilizemos como desculpa para o pecado. De sua triste experiência,
aprendamos a vigiar e a orar, para não cairmos em tentação. E, se cairmos,
devemos crer que há esperança para nós, assim como houve para o apóstolo.
No entanto, acima de tudo, lembremos que, se cairmos de modo semelhante
ao de Pedro, temos de nos arrepender, assim como ele, ou jamais seremos
perdoados.
Lucas 22.63-71 365

Os Principais Sacerdotes Insultam


e Condenam o Senhor Jesus
Leia Lucas 22.63-71

Primeiramente, observamos nestes versículos o tratamento ver­


gonhoso que nosso Senhor recebeu de seus inimigos. Os homens que O
prenderam “zombavam dele, davam-lhe pancadas” e vendaram seus olhos.
Não lhes bastou ter aprisionado Alguém cuja vida era inculpável e repleta
de bondade. Precisavam acrescentar insultos à sua injúria.
Temos aqui uma demonstração da desesperadora corrupção da
natureza humana. Os excessos de malignidade selvagem praticados muitas
vezes pelos ímpios e o intenso prazer que sentem em pisotear os mais
corretos e mais puros dentre os homens quase justificam a importante
afirmação de um falecido teólogo: “O homem entregue a si mesmo possui
uma parte animalesca e uma parte demoníaca” . Ele odeia a Deus e a todos
que em si retratam a imagem de dEle. “O pendor da carne é inimizade
contra Deus” (Rm 8.7). Temos pouca idéia do que o mundo poderia se
to rn ar, se não existisse o constante restringim ento que Deus m i­
sericordiosamente impõe sobre o mal. Não é exagero afirmar que, se os
incrédulos tivessem plena liberdade de seguir seus próprios caminhos, a
terra logo se tornaria igual ao inferno.
A calma submissão de nosso Senhor diante dos insultos aqui descritos
manifesta a profundidade de seu amor pelos pecadores. Se desejasse, Ele
poderia ter cessado a insolência de seus inimigos em um momento. Ele,
que com uma palavra expulsara demônios, poderia ter convocado multidões
de anjos para estarem ao seu lado e desbaratarem aqueles perversos
instrumentos de Satanás. Mas o coração de nosso Senhor estava focalizado
na obra grandiosa que viera realizar no mundo. Ele se comprometera a
comprar nossa redenção por meio de sua própria humilhação e não se
esquivaria de pagar o preço, até às últimas conseqüências. Ele determinara
beber o cálice amargo do sacrifício vicário para salvar pecadores e, “em
troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo
caso da ignomínia” (Hb 12.2); e bebeu todo o cálice de sofrimento.
A paciência que nosso Senhor demonstrou deve ensinar uma lição
muito preciosa a todos os verdadeiros crentes. Devemos abandonar toda
murmuração, queixas e irritação de espírito, quando formos maltratados
pelo mundo. O que representam os insultos aos quais às vezes temos de
sujeitar-nos, se comparados com os insultos lançados sobre nosso Senhor?
“Ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado,
não fazia ameaças” (1 Pe 2.21-23). Ele nos deixou o exemplo, para que
366 Lucas 22.63-71

sigamos os seus passos. Portanto, devemos agir de maneira semelhante.


Em segundo, observamos nestes versículos a notável profecia
anunciada por nosso Senhor em referência à sua segunda vinda. Ele
disse aos inimigos que O insultavam: “Desde agora, estará sentado o
Filho do homem à direita do Todo-Poderoso Deus” . Eles achavam errado
que Ele tivesse vindo em sua aparência humilde e queriam um Messias
glorioso? Um dia veriam-No em glória. Seus inimigos julgavam-No fraco,
impotente e desprezível, porque naquela ocasião Ele não possuía qualquer
majestade visível? Um dia haveriam de contemplá-Lo na mais elevada
posição no céu, cumprindo assim a bem conhecida profecia de Daniel,
revestido de autoridade em suas mãos para realizar todo julgamento (Dn
7.9-10).
Estejamos atentos para que a glória futura de Cristo, assim como
sua paixão e morte, se torne um dos artigos de nosso credo. Deve ser um
dos mais importantes princípios de nosso cristianismo a verdade de que o
Jesus escarnecido, desprezado e crucificado é o mesmo que agora possui
toda autoridade “no céu e na terra” e um dia virá na glória de seu Pai,
com todos os seus anjos. Se contemplamos apenas a cruz e o primeiro
advento de Cristo, estamos vendo somente metade da verdade; é essencial
à nossa consolação que vejamos também o segundo advento e a coroação
do Senhor Jesus. O mesmo Jesus que compareceu diante do tribunal dos
principais sacerdotes e de Pilatos se assentará em um trono de glória e
convocará todos os seus inimigos a comparecerem diante dEle. Feliz é o
crente que preserva com firmeza diante de seus olhos as palavras “desde
agora” . No presente, os crentes devem se contentar em participar dos so­
frimentos de seu Senhor e, como Ele, parecerem fracos. Desde agora,
porém, compartilhão de sua glória e, com Ele, são fortes. No presente,
assim como seu Senhor, não podem ficar surpresos se forem escarnecidos,
desprezados e desacreditados. No entanto, “desde agora” estão assentados
com Ele, nos lugares celestiais.
Por último, devemos observar nestes versículos a completa e ousada
confissão de nosso Senhor acerca de seu messiado e divindade. Em resposta
à solicitação de seus inimigos: “Logo, tu és o Filho de Deus”, Jesus lhes
declarou: “Vós dizeis que eu sou” . À primeira vista, o sentido dessa
sentença curta pode não parecer claro ao leitor. A sentença significa, em
outras palavras: “Vocês falaram a verdade. Como disseram, Eu sou o
Filho de Deus” .
A confissão de nosso Senhor despojou seus inimigos de todas as
desculpas para sua incredulidade. Os judeus não podem alegar que Jesus
deixou seus antepassados na ignorância a respeito de sua missão, mantendo-
os em dúvida ou suspense. Na ocasião, vemos nosso Senhor contando-
lhes quem Ele era, em palavras mais compreensíveis para os judeus do
Lucas 22.63-71 367

que para nós. Apesar disso, a confissão não produziu qualquer bom
resultado naqueles judeus! Seus corações estavam endurecidos pelo
preconceito. Suas mentes estavam entenebrecidas por cegueira judicial. O
véu estava sobre os olhos de seu homem interior. Com indiferença, ouviram
a confissão de nosso Senhor e se precipitaram mais profundamente no
mais terrível pecado.
A confissão ousada de nosso Senhor tinha o objetivo de se tornar um
exemplo para todos os verdadeiros crentes. Assim como Ele, não podemos
esquivar-nos de falar quando a oportunidade exigir nosso testemunho. O
temor dos homens e a presença de uma multidão não podem nos fazer
calar (Jó 31.34). Não precisamos tocar uma trombeta e sair por todos os
lugares proclamando nosso cristianismo. Com certeza, as oportunidades
surgirão no caminho diário de nossos deveres, quando, assim como o
apóstolo Paulo, à bordo de um navio, poderemos m ostrar a quem
pertencemos e a quem servimos (At 27.23). Nessas oportunidades, se
temos a mente de Cristo, não tenhamos medo de mostrar o que somos.
Nosso Senhor aprecia muito os discípulos ousados, que proclamam o seu
nome. Ele honrará aqueles que O honram, ao viverem em testemunho
franco e corajoso, porque esses estão andando em suas pisadas. “Todo
aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei
diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32).

Cristo Diante de Pilatos;


Herodes e Pilatos se Reconciliam
Leia Lucas 23.1-12

Primeiramente, vemos nestes versículos as falsas acusações que


foram lançadas contra nosso Senhor. Os judeus O acusaram de perverter
a “nação, vedando pagar tributo a César” . Sabemos que não havia nelas
qualquer verdade. Eram apenas uma ingênua tentativa de tornar os
sentimentos do governador contrários a nosso Senhor.
Falso testemunho e difamação são as duas armas favoritas do diabo.
Ele é mentiroso desde o princípio e continua sendo o “pai da mentira” (Jo
8.44). Quando percebe que não pode obstruir a obra de Deus, seu próximo
artifício é manchar o caráter dos servos de Deus e destruir o valor de seu
testem unho. Com esta arm a, ele investiu contra D avi, que disse:
“Levantam-se iníquas testemunhas e me argúem de coisas que eu não sei”
(SI 35.11). Foi com esta mesma arma que ele agiu contra os profetas.
368 Lucas 23.1-12

Elias foi chamado de “perturbador de Israel” (1 Rs 18.17). Jeremias foi


acusado de ser um homem que não procurava “o bem-estar para o povo,
e sim o mal” (Jr 38.4). Satanás atacou os apóstolos utilizando a mesma
arma. Eles eram “uma peste” e haviam “transtornado o mundo” (At 24.5;
17.6). Com essa arma, ele assediou nosso Senhor durante todo o seu mi­
nistério. Ele despertou seus agentes para chamarem-No de “glutão e
bebedor de vinho”, de “samaritano” e “demônio” (Lc 7.34; Jo 8.48). E
nesta passagem nós o encontramos sacando a sua velha arma. Jesus foi
levado a julgamento diante de Pilatos sob acusações que eram com­
pletamente mentirosas.
O servo de Cristo não deve ficar surpreso se tiver de beber do mesmo
cálice. Se Aquele que é santo, puro, inculpável foi perfidamente difamado,
como podemos esperar que seremos isentos de tal coisa? “Se chamaram
Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos?” (Mt 10.25.)
Contra os santos as pessoas afirmam muitas coisas más. Inocência perfeita
não constitui uma proteção contra mentiras, calúnias e mal-entendidos.
Um caráter irrepreensível não nos protegerá contra a língua mentirosa.
Temos de suportar a provação com paciência. Faz parte da cruz de Cristo.
Precisamos ficar quietos, descansar nas promessas de Deus e crer que a
verdade prevalecerá. Davi afirmou: “Descansa no S e n h o r e espera nele.
Fará sobressair a tua justiça como a luz e o teu direito, como o sol ao
meio-dia” (SI 37.6,7).
Em segundo, vemos nestes versículos os motivos estranhos e variados
que influenciam os corações dos não-convertidos que ocupam posições
importantes. Quando Pilatos enviou nosso Senhor a Herodes, rei da
Galiléia, este, “vendo a Jesus, sobremaneira se alegrou, pois havia muito
queria vê-lo, por ter ouvido falar a seu respeito; esperava também vê-lo
fazer algum sinal” .
São palavras notáveis. Herodes era um homem mundano, lascivo;
assassinara João Batista e vivia em pleno adultério com a esposa de seu ir­
mão. Era o tipo de homem, poderíamos imaginar, que não manifestaria
qualquer desejo de ver Cristo. Mas Herodes tinha nma consciência in-
tranqüila. Sem dúvida, o sangue do assassinato dos santos de Deus com
freqüência surgia em seus pensamentos, roubando-lhe a paz. A fama dos
milagres e da pregação de nosso Senhor alcançara a corte de Herodes. Ali
foi noticiado que outra testemunha contra o pecado havia surgido, uma
testemunha ainda mais ousada e fiel do que João Batista, uma testemunha
que confirmava seus ensinos por meio de obras que nem mesmo o poder
dos reis era capaz de realizar. Os rumores deixaram Herodes perturbado,
sem tranqüilidade. Não admiramos que sua curiosidade tenha sido aguçada
e que ele tenha desejado ver Cristo.
Infelizmente, na História da Igreja existem muitos homens importantes
Lucas 23.1-12 369

e ricos, semelhantes a Herodes, homens sem Deus e sem fé, homens que
vivem para si mesmos. Geralmente tais homens vivem em seu próprio
ambiente, sendo bajulados e cortejados, mas nunca conhecendo a verdade
sobre sua alma; homens tiranos e orgulhosos, que não conhecem qualquer
outra vontade, exceto a deles mesmos. No entanto, esses homens às vezes
possuem consciências atormentadas e sentem medo. Deus levanta algumas
testemunhas ousadas contra os pecados deles, testemunhas cuja mensagem
alcança-lhes os ouvidos. Imediatamente a curiosidade de tais homens é
despertada. Sentem-se descobertos e embaraçados. Sentem-se atraídos ao
ministério dessas testemunhas, assim como a mariposa voando ao redor
de uma vela, e parecem incapazes de evitá-las, mesmo que não as
obedeçam. Elogiam o talento das testemunhas e abertamente admiram o
poder delas. No entanto, ficam somente nisso. Assim como Herodes,
suas consciências produzem em seu íntimo uma mórbida curiosidade para
ver e ouvir as testemunhas de Deus; porém, seus corações, tal como o
daquele rei, estão acorrentados ao pecado com algemas de aço. Arremes­
sados de um lado para o outro por tempestades de concupiscências e
paixões descontroladas, tais pessoas nunca estão em paz, enquanto vivem,
e, após toda a sua intermitente luta de consciência, finalmente morrem em
seus pecados. Essa é uma história triste, mas é a história da alma de
muitos homens ricos e de posição.
Aprendamos do ocorrido com Herodes a ter compaixão dos homens
de posição. Com toda a sua importância e esplendor aparentes, são
completamente infelizes em seu íntimo. Roupas finíssimas e mantos oficiais
freqüentemente encobrem corações que desconhecem a paz. O homem
que deseja tornar-se rico não sabe o que está desejando. Oremos pelos
ricos e deles tenhamos compaixão. Estão carregando um peso imenso que
os impede na carreira para a vida eterna. Se forem salvos, será exclu­
sivamente por intermédio de um grande milagre da graça divina. As
palavras de nosso Senhor são bastante solenes: “É mais fácil passar um
camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de
Deus” (Mt 19.24).
Por último, vemos nestes versículos com que facilidade e disposição
os incrédulos podem concordar em não apreciar nosso Senhor. Quando
Pilatos O enviou como prisioneiro a Herodes: “Naquele mesmo dia,
Herodes e Pilatos se reconciliaram, pois, antes, viviam inimizados um
com o outro” . Não sabemos qual era a causa dessa inimizade. Talvez
fosse alguma contenda insignificante, que às vezes surge entre os grandes
e os pequenos. Qualquer que tenha sido a causa dessa inimizade, foi
abandonada quando diante deles se colocou um objeto comum de desprezo,
temor e ódio. Não importa sobre o que eles discordavam, mas Herodes e
Pilatos concordaram em desprezar e perseguir a Cristo.
370 Lucas 23.1-12

Este incidente é uma figura notável de um estado de coisas que


sempre veremos no mundo. Homens de opiniões muito divergentes podem
unir-se em oporem-se à verdade. Os ensinadores das mais contrárias
doutrinas podem ter como objetivo comum o lutar contra o evangelho.
Nos dias de nosso Senhor, os fariseus e saduceus juntaram suas forças
para armar ciladas contra Jesus de Nazaré e assassiná-Lo. Em nossos
dias, vemos os católicos romanos, os socinianos, os ímpios, os idólatras,
os amantes dos prazeres, os ascetas, os que sustentam pontos de vista
liberais e os mais determinados oponentes — todos eles — juntos contra o
cristianismo evangélico. Um motivo comum de ódio está unindo-os.
Odeiam a cruz de Cristo. Nas palavras do apóstolo: “Verdadeiramente se
ajuntaram... contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e
Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel” (At 4.27). Todos estes
odeiam-se mutuamente; todavia, odeiam muito mais ao Senhor Jesus.
O verdadeiro crente não deve considerar como algo estranho a
inimizade do mundo. Não deve ficar admirado se, assim como ocorreu ao
apóstolo Paulo em Roma, perceber que o caminho da vida “por toda
parte” é impugnado (At 28.22). Se ele espera que, por meio de qualquer
concessão, conquistará o favor dos homens, será grandemente desapontado.
Seu coração não deve se perturbar. Seu dever é esperar o louvor da parte
de Deus. Precisa ter sempre em seus pensamentos as palavras de nosso
Senhor: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como,
todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o
mundo vos odeia” (Jo 15.19).

Pilatos Declara Inocente o Senhor Jesus;


Apesar Disso, Entrega-O para ser Crucificado
Leia Lucas 23.13-25

Primeiramente, devemos observar nesta passagem que admirável


testemunho os juizes de nosso Senhor proferiram acerca de sua perfeita
inocência. Pilatos disse aos judeus: “Apresentastes-me este homem como
agitador do povo; mas, tendo-o interrogado na vossa presença, nada
verifiquei contra ele dos crimes de que o acusais. Nem tampouco Herodes,
pois no-lo tornou a enviar. É, pois, claro que nada contra ele se verificou
digno de m orte” . O governador da Judéia e o da Galiléia foram unânimes.
Ambos concordaram em declarar que nosso Senhor não era culpado das
acusações lançadas contra Ele.
Lucas 23.13-25 371

Houve uma conveniência perfeita nessa declaração pública da


inocência de Cristo, Temos de lembrar que nosso Senhor estava para ser
oferecido como sacrifício por nossos pecados. Era correto e adequado
que os seus examinadores O pronunciassem formalmente sem ofensa e
culpa. Era correto e adequado que o Cordeiro de Deus fosse reconhecido
por aqueles que O imolariam como um “cordeiro sem defeito e sem mácula”
(1 Pe 1.19).
Um leitor indolente pode considerar insignificante esse acontecimento.
Mas, deve ser precioso ao coração de todo crente bem instruído. A cada
dia, devemos ser gratos porque nosso grande Substituto era perfeito em
todos os aspectos e porque nosso Fiador era completamente puro e
inculpável. Quem pode descrever os seus pecados? Deixamos de fazer
coisas que são nosso dever e fazemos aquilo que não devemos, todos os
dias de nossa vida. Porém temos de nos confortar no fato de que Cristo, o
Justo, determinou assumir nosso lugar, a fim de pagar o débito que todos
nós devemos e cumprir a lei que todos nós transgredimos. Ele cumpriu
plenamente a lei; satisfez todas as suas exigências. Ele foi o segundo
Adão, que “é limpo de mãos e puro de coração” (SI 24.4), e pôde, por
isso, entrar com coragem no santo monte de Deus. O Senhor Jesus é a
justiça de todo aquele que crê (Rm 10.4). Em Cristo, todos os crentes são
considerados como perfeitos cumpridores da lei. Os olhos de um Deus
santo os contempla em Cristo, vestidos com a perfeita justiça de Cristo.
Por amor a Cristo, Deus pode afirmar a respeito de todo crente: “Não
vejo qualquer falta nele” .
Em segundo, observamos nesta passagem quão plenamente os judeus
assumiram para si mesmos a responsabilidade total da morte de nosso
Senhor. Quando Pilatos estava para soltar Jesus, os judeus “gritavam:
Crucifica-o! Crucifica-o!” E, novamente: “Eles instavam com grandes
gritos, pedindo que fosse crucificado” .
Esse fato da paixão de nosso Senhor merece consideração especial.
Mostra-nos a exatidão das palavras dos apóstolos quando posteriormente
se referiram à morte de Cristo. Mencionaram-na como um ato praticado
pela nação judaica, e não pelos romanos. Disse o apóstolo Pedro em
Jerusalém: “Matastes o Autor da vida” (At 3.15); “A quem vós matastes,
pendurando-o num madeiro” (At 5.30). E Paulo declarou aos tessa-
lonicenses: “Os quais não somente mataram o Senhor Jesus e os profetas”
(1 Ts 2.15). Enquanto o mundo existir, esse fato permanecerá como
memorial do ódio natural do homem contra Deus. Quando o Filho do
Homem veio ao mundo e habitou entre seu povo escolhido, eles O
desprezaram, rejeitaram e mataram.
A terrível responsabilidade que os judeus assumiram em referência
à morte de nosso Senhor não foi esquecida por Deus. O sangue justo que
372 Lucas 23.13-25

eles derramaram tem clamado contra eles como um povo, por muitos
séculos. Espalhados por toda a terra, percorrendo as nações, os judeus
mostram até hoje que suas próprias palavras foram assustadoramente
cumpridas. O sangue do Messias imolado caiu sobre eles e sobre os seus
filhos. Para o mundo, os judeus são um permanente aviso de que horrível
coisa é rejeitar o Senhor Jesus Cristo e de que a nação que fala
intrepidamente contra Deus não deve estranhar se Deus lidar com ela de
acordo com suas palavras. Sem dúvida, maravilhoso é saber que existe
misericórdia para Israel, apesar de todos os seus pecados e incredulidade.
A nação que traspassou e matou nosso Senhor ainda O contemplará pela
fé e será restaurada aò favor de Deus (Zc 12.10).
Por último, observamos nesta passagem as admiráveis circunstâncias
relacionadas à liberdade de Barrabás. Pilatos soltou “aquele que estava
encarcerado por causa da sedição e do homicídio, a quem eles pediam; e,
quanto a Jesus, entregou-o à vontade deles”. Dois homens estavam diante
de Pilatos, e ele precisava soltar um deles. O primeiro era um pecador
diante de Deus e dos homens, um malfeitor contaminado por muitos crimes.
O outro era o santo, puro e inculpável Filho de Deus, em quem não havia
qualquer falha. Apesar disso, Pilatos condenou o prisioneiro inocente e
libertou o culpado. Ordenou que Barrabás fosse posto em liberdade e
entregou Jesus para ser crucificado.
Esta circunstância é bastante instrutiva. Manifesta a perversa malícia
dos judeus contra nosso Senhor. Citando as palavras do apóstolo Pedro,
eles negaram “o Santo e o Justo” e pediram que lhes “concedessem um
homicida” (At 3.14). Mostra a profunda humilhação à qual nosso Senhor
se sujeitou, a fim de consumar nossa redenção. Ele permitiu ser julgado
como alguém inferior a um assassino e considerado mais culpado do que
o principal dos pecadores!
Existe um significado mais profundo nesta circunstância, que não
devemos deixar de observar. Há aqui uma figura vívida da maravilhosa
troca que ocorre entre Cristo e o pecador, quando este é justificado aos
olhos de Deus. Cristo foi feito “pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Cristo, o inocente, foi pronunciado
culpado diante de Deus para que nós, os culpados, fôssemos declarados
inocentes e livres da condenação eterna.
Se somos verdadeiros crentes, devemos descansar no confortável
pensamento de que Cristo realmente se tornou nosso Substituto e foi
castigado em nosso lugar. Confessemos abertamente que, à semelhança
de Barrabás, merecemos a morte, o juízo e o inferno. Mas apeguemo-nos
com firmeza à gloriosa verdade de que um Salvador imaculado sofreu em
nosso lugar e de que, crendo nEle, o culpado se toma livre.
Lucas 23.26-38 373

Advertência às Mulheres de Jerusalém;


Cristo Ora por Aqueles que o Assassinaram
Leia Lucas 23.26-38

Primeiramente, devemos notar nestes versículos o aviso profético


nas palavras de nosso Senhor. Ele disse às mulheres que O seguiam à
caminho do Calvário: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai,
antes, por vós mesmas e por vossos filhos. Porque dias virão em que se
dirá: Bem-aventuradas as estéreis, que não geraram, nem amamentaram” .
Eram palavras terríveis aos ouvidos de uma mulher judia. Para ela
sempre era uma desgraça não ter filhos. A idéia de chegar um tempo em
que não ter filhos seria uma bênção deveria ter sido um novo e terrível
pensamento em sua mente. Apesar disso, foram palavras que se cumpriram
literalmente dentro de cinqüenta anos! O cerco de Jerusalém pelos exércitos
romanos, sob o comando de Tito, trouxe para todos os habitantes da
cidade os mais horríveis sofrimentos que podem ser imaginados. Sabemos
que as mulheres realmente comeram seus filhos durante o cerco por falta
de comida. Sobre nenhuma outra pessoa os últimos juízos enviados à
nação judaica caíram tão severamente quanto sobre as esposas, as mães e
os filhos.
Acautelemo-nos de pensar que o Senhor Jesus oferece aos homens
somente misericórdia, perdão e amor. Sem dúvida alguma, Ele possui
abundante misericórdia. Ele se deleita na misericórdia; mas não podemos
esquecer que nEle existe tanto justiça quanto misericórdia. Juízos estão
preparados para os impenitentes e incrédulos. O evangelho revela ira para
aqueles que endurecem a si mesmos na impiedade. A mesma nuvem que
era luz para o povo de Israel era trevas para os egípcios. O mesmo Senhor
Jesus que convida os cansados e sobrecarregados a virem a Ele, para
encontrarem descanso, declara com muita clareza que, se o homem não
se arrepender e crer, perecerá e será condenado (Lc 13.3; Mc 16.16). O
mesmo Salvador que agora retém sua ira dos rebeldes e desobedientes
virá, um dia, “em chama de fogo, tomando vingança contra os que não
conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho” (2 Ts
1.8). Permitamos que essas verdades se aprofundem em nosso coração.
Cristo é realmente muitíssimo gracioso. Mas o dia da graça terminará.
Por fim, o mundo incrédulo descobrirá, assim como os habitantes de
Jerusalém naquela época, que em Deus tanto existe o julgamento quanto a
misericórdia. Nenhuma outra demonstração de ira virá com tanto poder
quanto a que há muito tempo está sendo entesourada e acumulada.
374 Lucas 23.26-38

Em segundo, devemos notar nestes versículos as palavras da graciosa


intercessão de nosso Senhor. Quando Ele foi crucificado, suas primeiras
palavras foram: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” . Sua
torturante agonia física não O fez esquecer os outros. A primeira de suas
sete afirmações na cruz foi uma súplica em favor da alma de seus assassinos.
Seu ofício profético acabara de ser exibido através de uma predição notável;
logo Ele manifestaria seu ofício real, ao abrir as portas do Paraíso para
um ladrão arrependido. Seu ofício sacerdotal estava agora sendo demons­
trado, ao interceder por aqueles que O crucificaram. Ele disse: “Pai,
perdoa-lhes” .
Os frutos desta súplica maravilhosa jamais serão vistos plenamente
até ao dia em que os livros serão abertos e revelados os segredos de todos
os corações. Provavelmente não fazemos a menor idéia de quantas con­
versões a Deus ocorridas em Jerusalém, nos primeiros seis meses após a
crucificação, foram uma resposta direta para a oração de Jesus. Talvez
essa súplica tenha sido o primeiro passo na direção ao arrependimento do
ladrão crucificado. É possível que ela tenha sido um dos instrumentos que
afetou o centurião que afirmou: “Verdadeiramente este homem era justo”
e o povo que retirou-se “a lamentar, batendo nos peitos” . É provável que
esta súplica tenha resultado na conversão daquelas três mil pessoas no Dia
de Pentecostes, as quais anteriormente estavam entre os assassinos de
Jesus. O último dia o revelará. Nada há oculto que não será revelado
naquele dia. Estejamos certos: o Pai sempre ouve o Filho (Jo 11.42). Po­
demos ter certeza de que essa oração maravilhosa foi ouvida.
Vejamos na intercessão de nosso Senhor mais uma comprovação do
infinito amor de Jesus pelos pecadores. Sem dúvida, Ele é bastante piedoso,
compassivo e gracioso. Não existe uma pessoa tão ímpia que por ela o
Senhor Jesus não se preocupe. Não há pessoas tão perdidas no pecado que
o todo-poderoso amor de Cristo não se interesse por redimir. Ele chorou
pela Jerusalém incrédula, ouviu a súplica do ladrão moribundo. Parou
embaixo de uma árvore, em Jericó, a fim de chamar o publicano Zaqueu.
Veio dos céus para converter o coração de Saulo, o perseguidor da igreja;
e mesmo na cruz achou tempo para orar em favor dos que O matavam.
Jesus demonstrou um amor que excede todo entendimento. O pior dos pe­
cadores não tem motivo para sentir receio de recorrer a um Salvador co­
mo este. Se quiser segurança e encorajamento para arrepender-se e crer,
esta passagem com certeza os oferecem com suficiência.
Finalmente, vejamos na intercessão de nosso Senhor um notável
exemplo do espírito que deve reinar no coração de todo o seu povo.
Assim como Jesus, paguemos o mal com o bem e compensemos a maldição
com a bênção. Seguindo o exemplo de nosso Senhor, oremos por aqueles
que com maldade nos ameaçam e perseguem. O orgulho de nosso coração
Lucas 23.26-38 375

talvez se rebele freqüentemente com essa idéia. O mundo pode qualificar


como mesquinho esse tipo de comportamento. No entanto, jamais nos
envergonhemos de imitar nosso divino Senhor. O homem que ora por
seus inimigos manifesta a mentalidade que havia em Cristo e terá sua
recompensa.

O Ladrão Arrependido
Leia Lucas 23.39-43

Estes versículos merecem ser impressos em letras de ouro. Talvez


eles já foram usados para a salvação de milhares de almas. Multidões
agradecerão a Deus, durante toda a eternidade, porque a Bíblia relata a
história do ladrão arrependido.
Primeiramente, vemos nesta história a soberania de Deus em salvar
os pecadores. Somos informados que dois malfeitores foram crucificados
juntamente com nosso Senhor um, à sua direita, o outro, à sua esquerda.
Ambos estavam igualmente próximos de Cristo. Viram e ouviram tudo
que se passou durante as horas em que Ele esteve pendurado na cruz.
Ambos estavam morrendo e sofrendo dores intensas; eram pecadores
ímpios e necessitavam de perdão. Entretanto, um deles morreu em seus
pecados, assim como passara toda a sua vida, tendo o coração endurecido,
impenitente e incrédulo. O outro arrependeu-se, creu, clamou a Jesus por
misericórdia e foi salvo.
Fatos semelhantes a esse deveriam nos ensinar humildade. Não
podemos explicá-lo. Podemos apenas dizer: “Sim, ó Pai, porque assim
foi do teu agrado” (Mt 11.26). Como pode acontecer que exatamente nas
mesmas circunstâncias um homem converte-se a Cristo e outro permanece
morto em seus pecados? Por que o mesmo sermão foi ouvido com
indiferença por um homem, enquanto motivou o outro a orar e buscar
Cristo? Por que o mesmo evangelho foi ocultado para um homem e revelado
para o outro? Todas estas são perguntas que provavelmente não somos
capazes de responder. Apenas sabemos que assim aconteceu, sendo inútil
tentar negá-lo.
Nosso dever é claro e óbvio. Temos de utilizar com diligência todos
os meios que Deus designou para o bem de nossa alma. A oferta do
evangelho é gratuita, ampla e geral. “Em tudo que fazemos” , diz um
artigo de um credo, “a vontade de Deus precisa ser obedecida, a vontade
expressamente declarada para nós na Palavra de Deus” . A soberania dEle
jamais tencionou anular a responsabilidade do homem. Um dos ladrões
376 Lucas 23.39-43

foi salvo para que nenhum pecador sinta-se desesperado; mas, somente
um, para que ninguém seja presunçoso.
Em segundo, vemos o imutável caráter do arrependimento para a
salvação. É um assunto freqüentemente esquecido na história do ladrão
arrependido. Milhares de pessoas prendem-se ao fato de que ele foi salvo
na hora da morte e não consideram outros aspectos de sua salvação. Não
levam em conta as evidências nítidas e bem definidas do arrependimento,
manifestadas por meio das palavras que seus lábios pronunciaram antes
dele morrer. Essas evidências merecem uma observação especial.
O primeiro e notável passo no arrependimento do ladrão foi sua
preocupação com a atitude ímpia de seu companheiro em ultrajar Cristo.
O ladrão arrependido disse: “Nem ao menos temes a Deus, estando sob
igual sentença?” O segundo passo foi um pleno reconhecimento de seu
próprio pecado: “Nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o castigo
que os nossos atos merecem” . O terceiro passo foi uma confissão sobre a
inocência de Cristo: “Este nenhum mal fez” . O quarto passo foi uma
demonstração de f é no poder e vontade de Cristo para salvá-lo. Ele se
voltou a Alguém que sofria agonizante e reconheceu-0 como “Senhor” ,
ao declarar sua crença de que Ele possuía um reino. O quinto passo foi
uma oração. Ele clamou a Jesus, quando estava pendurado na cruz, e
suplicou-Lhe mesmo naquela hora que pensasse em sua alma. O sexto
passo foi a humildade. Ele implorou ser lembrado por Cristo. Ele implorou
para ser lembrado por nosso Senhor. O ladrão arrependido não pediu
qualquer ato grandioso; se Cristo se lembrasse dele, isto seria o bastante.
Estes seis passos devem sempre ser mencionados em conexão com o
arrependimento do ladrão. Seu tempo foi muito curto para apresentar
evidências de conversão. Mas foi um tempo bem utilizado. Poucas pessoas
na hora da morte têm deixado evidências tão boas quanto essas, deixadas
pelo ladrão arrependido.
Tenhamos cuidado com o arrependimento sem evidências. Milhares
de pessoas estão partindo deste mundo abraçadas com a mentira. Imaginam
que serão salvas porque o ladrão arrependido foi salvo na hora da morte.
Esquecem que, se desejam ser salvas, têm de se arrepender assim como
ele se arrependeu. Quanto mais curto for o tempo de uma pessoa, tanto
melhor deve ser a maneira como ela o utiliza. Quanto mais perto ela es­
tiver da morte, tanto mais nítidas devem ser as evidências que ela deixará
após sua partida. Com segurança, poderíamos estabelecer como regra
geral o fato de que nada é tão insatisfatório quanto um arrependimento na
hora da morte.
Em terceiro, vemos nesta história o admirável poder e disposição de
Cristo para salvar os pecadores. Está escrito que Ele “pode salvar
totalmente os que por ele se chegam a Deus” (Hb 7.25). Se pesquisarmos
Lucas 23.39-43 377

a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, não encontraremos uma prova mais


notável do poder e da misericórdia de Cristo do que a salvação do ladrão
arrependido.
A ocasião em que o ladrão foi salvo era a hora da maior fraqueza de
nosso Senhor. Ele estava agonizando, pendurado na cruz. Mesmo naque­
la circunstância, Ele ouviu, e respondeu a súplica de um pecador, e abriu-
lhe a porta da vida. Com certeza, isto foi uma demonstração de “poder” .
O homem salvo por nosso Senhor era um pecador ímpio que estava
às portas da morte, não tendo em sua vida passada nada que o recomendasse
e nenhuma dignidade em sua presente condição, exceto uma oração
humilde. Mesmo assim, ele foi resgatado como um tição tirado do fogo.
Com certeza, isto foi uma demonstração de “misericórdia” .
Queremos prova de que a salvação não resulta de obras, e sim da
graça divina? O ladrão arrependido é uma prova. Ele teve suas mãos e pés
cravados na cruz; não podia literalmente fazer nada por sua alma. Apesar
disso, foi salvo pela infinita graça de Cristo. Ninguém recebeu uma tão
completa segurança do perdão de seus pecados quanto aquele homem.
Queremos prova de que os sacramentos e as ordenanças não são
absolutamente necessários à salvação e de que alguém pode ser salvo sem
eles, quando essa pessoa não pode recebê-los? O ladrão arrependido é
uma prova. Ele jamais foi batizado, não pertenceu a uma igreja, nem
recebeu a Ceia do Senhor. Mas arrependeu-se, e creu, e, por isso, foi
salvo.
Essas verdades devem ser guardadas no profundo de nosso coração.
Cristo nunca muda. O caminho da salvação é sempre o mesmo. Aquele
que salvou o ladrão arrependido continua vivo. Há esperança para o pior
dos pecadores, se ele tão-somente se arrepender e crer.
Por último, vemos nesta história quão próximo da glória e do
descanso eterno está o crente moribundo. Nosso Senhor disse ao malfeitor
em resposta à sua oração: “Hoje estarás comigo no paraíso” .
A palavra “hoje” contém muita teologia. Ela nos mostra que, no
exato momento da morte do crente, sua alma está em um lugar de segurança
e felicidade. Ainda não chegou à sua morada final. Porém, não haverá
uma demora misteriosa, um tempo de suspense, um purgatório, entre sua
morte e seu estado de recompensa. No dia em que o crente dá seu último
suspiro, ele vai ao Paraíso. No momento em que o crente parte deste
mundo, ele está com Cristo (Fp 1.23).
Lembremos sempre esses fatos, quando falecerem nossos irmãos
em Cristo. Não devemos nos entristecer por causa deles, tal como o fazem
aqueles que não têm esperança. Enquanto nos entristecemos, eles estão se
regozijando. Quando derramamos nossas lágrimas e lamentações em seus
funerais, eles estão seguros e felizes com seu Senhor. Acima de tudo, se
378 Lucas 23.39-43

somos verdadeiros crentes, devemos recordar esses fatos ao olharmos


adiante e contemplarmos nossa própria morte. M orrer é algo solene;
todavia, se morrermos no Senhor, não precisaremos ter dúvida de que
nossa morte será lucro.

Sinais que Acompanharam a Morte de Cristo;


O Testemunho do Centurião
Leia Lucas 23.44-49

Primeiramente, observamos nestes versículos os miraculosos sinais


que acompanharam a morte de Jesus na cruz. O sol escureceu-se, e “houve
trevas sobre toda a terra” por três horas, “e rasgou-se pelo meio o véu do
santuário.”
Era conveniente e certo que a atenção de todos os moradores de Je­
rusalém e arredores fosse atraída de maneira notável, quando o grande
sacrifício pelo pecado estava sendo oferecido e o Filho de Deus estava
morrendo. Quando a Lei foi entregue no monte Sinai, houve sinais e
m aravilhas aos olhos de todo o Israel. Houve sinais e m aravilhas
semelhantes quando o sangue expiatório de Cristo estava sendo derramado
no Calvário. Houve um sinal para um mundo incrédulo. As trevas ao
meio-dia seria um sinal que impeliria os homens a pensar. Houve um
sinal para os religiosos e os ministros do templo. O rasgar-se do véu que
separava o Lugar Santo e o Santo dos Santos foi um milagre que criaria
temor no coração de todo sacerdote e levita no serviço do templo.
Devemos lembrar que sinais em ocasiões especiais foram parte da
maneira de Deus lidar com os homens. Ele conhece a desesperada estupi­
dez e incredulidade da natureza humana. Ele reconhece como necessário
o despertar nossa atenção com obras miraculosas, quando introduz uma
nova dispensação. Através dos sinais, Ele compele os homens a abrirem
seus olhos e a determinarem se querem ou não ouvir a voz divina por
breve momento. Deus fez isto com muita freqüência nos dias passados.
Ele agiu do mesmo modo quando entregou a Lei e, na ocasião em que
estabeleceu a dispensação do evangelho. Fará isso novamente no advento
da segunda vinda de Cristo. Deus mostrará ao mundo escarnecedor e
incrédulo que pode sustar as leis da natureza, sempre que desejar, e alte­
rar o curso das doisas criadas tão facilmente quanto trouxe o mundo à
existência. Ele cumprirá suas palavras: “Ainda uma vez por todas, farei
abalar não só a terra, mas também o céu” (Hb 12.26). “A lua se
Lucas 23.44-49 379

envergonhará, e o sol se confundirá quando o S e n h o r dos Exércitos rei­


nar no monte Sião” (Is 24.23).
Em segundo, devemos observar nestes versículos as palavras
admiráveis que nosso Senhor pronunciou ao morrer. “Jesus clamou em
alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou.”
Nas suas palavras existe um profundo significado, que não somos
capazes de esquadrinhar. Havia algo misterioso na morte de nosso Senhor
que a tornou diferente da morte de qualquer outro ser humano. Aquele
que proferiu essas palavras, temos de lembrar com atenção, tanto era
Deus quanto era homem. Suas duas naturezas, divina e humana, estavam
unidas de modo inseparável. É lógico que sua natureza divina não poderia
morrer. Ele declarou a respeito de si mesmo: “Por isso, o Pai me ama,
porque eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim;
pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar
e também para reavê-la” (Jo 10.17,18). Cristo morreu, não porque estava
obrigado ou porque não poderia evitá-lo, como nós não podemos; Ele
morreu voluntariamente, de sua própria e espontânea vontade.
Entretanto, existe um sentido em que as palavras de nosso Senhor
ministram uma lição preciosa para todos os verdadeiros crentes. Elas nos
mostram a maneira como a morte deve ser recebida por todo filho de
Deus e nos apresentam um exemplo que todos os crentes devem se esforçar
para seguir. Assim como nosso Senhor, não devemos ter medo de enfrentar
o “rei dos terrores” . Devemos considerá-lo um inimigo conquistado, cujo
aguilhão foi anulado pela morte de Cristo. Devemos pensar sobre a morte
como um inimigo que pode afligir nosso corpo apenas por um breve
momento e, depois, nada mais pode fazer. Devemos esperar com calma e
paciência sua aproximação e crer que, ao desfazer-se o corpo, nossa alma
estará bem guardada. Essa foi a atitude de Estêvão, quando estava
morrendo; ele disse: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito!” (At 7.59) .
Foi também a atitude de Paulo, quando estava idoso e chegou o tempo de
sua partida; ele declarou: “Sei em quem tenho crido e estou certo de que
ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia” (2 Tm 1.12).
Felizes são aqueles que têm um final de vida semelhante a esses!
Por último, devemos observar nestes versículos o poder da cons­
ciência no caso do centurião e das pessoas que contemplaram a morte de
Cristo. Somos informados que o centurião “deu glória a Deus, dizendo:
Verdadeiramente, este homem era justo”, e que as multidões reunidas
para assistir o evento “retiraram-se a lamentar, batendo nos peitos” .
Não sabemos com exatidão a natureza dos sentimentos aqui descritos;
tampouco conhecemos a profundidade deles ou os frutos que posteriormente
produziram. De qualquer modo, uma coisa é evidente: o oficial romano
sentiu-se convencido de que havia coordenado um a ação injusta e
380 Lucas 23.44-49

crucificado um homem inocente; a multidão pasmada foi atormentada em


seu coração por um sentimento de ter ajudado, contemplado e instigado
um grave erro. Tanto judeus como gentios deixaram o Calvário naquele
entardecer com corações sobrecarregados e inquietos, condenando a si
mesmos.
Na verdade, grande é o poder da consciência e imensa é a influência
que ela pode exercer no coração dos homens. A consciência pode infligir
terror na mente dos monarcas, fazer que as multidões tremam e sintam-se
comovidas diante de poucos ousados amigos da verdade, assim como um
rebanho de ovelhas aterrorizadas. Embora freqüentemente esteja cega e
enganada, incapaz de converter o homem ou levá-lo a Cristo, a consciência
é uma das mais benditas partes da constituição do ser humano e, em uma
igreja, a melhor amiga do pregador do evangelho. Não admiramos que
Paulo disse: “Nos recomendamos à consciência de todo homem, na
presença de Deus, pela manifestação da verdade” (2 Co 4.2).
Aquele que deseja ter paz interior precisa parar de lutar contra sua
consciência. Pelo contrário, tem de usá-la corretamente, protegê-la com
zelo, ouvir o que ela tem para dizer e considerá-la um amigo pessoal.
Acima de tudo, deve orar diariamente para que sua consciência seja
iluminada pelo Espírito Santo e purificada pelo sangue de Cristo. São
bastante significativas as palavras do apóstolo João: “Amados, se o coração
não nos acusar, temos confiança diante de Deus” (1 Jo 3.21). Está agindo
bem o homem que pode dizer: “Também me esforço por ter sempre
consciência pura diante de Deus e dos homens” (At 24.16).

José de Arimatéia Sepulta Jesus


Leia Lucas 23.50-56

Vemos nestes versículos que Cristo tem alguns discípulos sobre os


quais pouco sabemos. Lucas nos fala sobre um discípulo chamado José,
“homem bom e justo (que não tinha concordado com o desígnio e ação
dos outros)” — condenar e matar nosso Senhor — e “que esperava o reino
de D eus” . José de Arimatéia foi ousadamente a Pilatos, depois da
crucificação, e “pediu-lhe o corpo de Jesus, e, tirando-o do madeiro,
envolveu-o num lençol de linho, e o depositou num túmulo” .
Nada sabemos a respeito de José de Arimatéia, exceto o que Lucas
nos conta nesta passagem. Em nenhuma parte de Atos dos Apóstolos ou
nas epístolas, encontramos menção de seu nome. Ele não apareceu em
nenhuma ocasião anterior, durante o ministério de nosso Senhor. Não
Lucas 23.50-56 381

podemos explicar o motivo por que José de Arimatéia não se uniu


publicamente aos outros discípulos. Mas agora, à hora undécima, esse
homem não tem medo de mostrar-se como um dos amigos de nosso Senhor.
No próprio tempo em que os apóstolos abandonaram Jesus, José de
Arimatéia não se envergonhou de manifestar seu amor e respeito. Outros
haviam confessado o Senhor, enquanto Ele vivia e realizava milagres. Foi
reservado a José de Arimatéia o confessá-Lo quando já havia morrido.
A história desse discípulo é cheia de instrução e encorajamento. Ela
nos mostra que Cristo tem amigos sobre os quais a igreja sabe muito
pouco ou nada, amigos que O confessam menos do que outros, porém são
amigos que em verdadeiro amor e afeição por Cristo não ficam atrás de
ninguém. Acima de tudo, a história de José de Arimatéia nos mostra que
os acontecimentos podem revelar a existência da graça divina no coração
de pessoas em quem, no presente, não esperaríamos encontrar; revela
também que a obra de Cristo um dia poderá comprovar que tem Ele mui­
tos colaboradores cuja existência no presente não temos conhecimento.
Estes colaboradores são pessoas que Davi chamou de “protegidos” (SI
83.3) e que Salomão comparou ao “lírio entre os espinhos” (Ct 2.2).
Aprendamos de José de Arimatéia a ser amáveis e esperançosos em
nossos julgamentos. Nem tudo está improdutivo neste mundo, quando
nossos olhos não podem ver algum fruto. Pode haver alguns brilhos
repentinos de luz, enquanto tudo parece estar em trevas. Pequenas plantas
de vida espiritual, plantadas por nosso Pai celestial, talvez sejam en­
contradas nas mais remotas congregações. Sementes da fé verdadeira podem
estar escondidas no coração de algum negligenciado membro da igreja,
sementes que Deus ali colocou. Havia sete mil verdadeiros adoradores em
Israel sobre os quais Elias não sabia coisa alguma (1 Rs 19.18). O Dia do
Juízo trará à luz homens que pareciam ser os últimos e os colocará entre
os primeiros.
Em segundo, vemos nestes versículos a realidade da morte de Cristo.
E um fato apresentado de maneira incontestável pelas circunstâncias
relatadas sobre o sepultamento de nosso Senhor. Não poderiam estar
enganados aqueles que retiraram seu corpo da cruz e o envolveram em
lençóis de linho. A própria percepção sensorial de tais pessoas foi
testemunha de que estavam carregando apenas um cadáver. Seus olhos e
suas mãos devem lhes ter dito que o corpo colocado por elas no túmulo de
José não estava vivo, e sim morto.
A importância desse fato é mais sublime do que pode imaginar um
leitor desatento. Se Cristo realmente não morreu, acabariam todas as
consolações fornecidas pelo evangelho. Nada menos do que sua morte
poderia ter pago a dívida do homem para com Deus. Sua encarnação,
milagres, parábolas, sermões, obediência imaculada à Lei não teriam
382 Lucas 23.50-56

qualquer proveito, se Ele não houvesse morrido. A penalidade imposta ao


primeiro Adão era a morte eterna no inferno. Se o segundo Adão não
tivesse morrido verdadeiramente em nosso lugar, de maneira tão autêntica
quanto nos ensinou a verdade, a penalidade original permaneceria com
todo o seu poder sobre Adão e todos os seus filhos. É o vivificador sangue
de Cristo que salva nossas almas.
Devemos bendizer a Deus para sempre, porque a morte de nosso
Redentor é um fato inquestionável. O centurião que ficou perto da cruz,
os amigos que removeram os cravos de seu corpo e colocaram no sepulcro,
as mulheres que presenciaram sua morte, os sacerdotes que mandaram
selar o túmulo, os soldados que o guardaram — todos são testemunhas de
que Cristo realmente morreu. O grande sacrifício foi verdadeiramente
oferecido. A vida do Cordeiro foi realmente tirada. A pena devida ao
pecado foi, de fato, paga por nosso divino Substituto. Os pecadores que
crêem em Jesus podem ter esperança e viver sem medo. Em si mesmos,
eles são culpados; mas Cristo morreu pelos ímpios, e a dívida deles está
agora completamente paga.
Por último, vemos nestes versículos o respeito com que os discípulos
de Cristo obedeceram o quarto mandamento. “No sábado” as mulheres
que prepararam aromas e bálsam os, para ungir o corpo de Jesus,
“descansaram, segundo o mandamento” .
É um pequeno fato mas um poderoso argumento indireto em resposta
àqueles que nos declaram ter Cristo abolido o quarto mandamento. Nem
esta passagem nem qualquer outra nos fornece qualquer coisa para asse­
gurarmos tal conclusão. Vemos nosso Senhor freqüentemente denunciando
as tradições humanas dos judeus em referência à observação do dia de
descanso; removendo desse dia as opiniões supersticiosas e antibíblicas e
mantendo com firmeza que obras necessárias e de misericórdia não
constituem transgressões do quarto mandamento. No entanto, em nenhum
lugar O achamos ensinando que o dia de descanso não deve ser observado
de maneira alguma. E, nesta passagem, os seus discípulos se mostraram
tão escrupulosos quanto qualquer outro judeu no que se referia ao dever
de guardar o dia de descanso. Certamente eles nunca foram ensinados por
seu Senhor que o quarto mandamento não era um dever dos crentes.
Apeguemo-nos com firmeza à antiga doutrina de que o dia de descanso
não é simplesmente uma instituição judaica, e sim um dia que desde o
princípio tinha em vista o benefício do homem e que foi estabelecido para
ser observado pelos crentes, bem como pelos judeus. Não tenhamos dúvida
de que os apóstolos foram instruídos por seu Senhor a mudarem o dia de
descanso do sétimo para o prim eiro dia da semana, embora sob a
misericórdia divina a mudança não tenha sido proclamada publicamente,
para evitar ofensa ao povo de Israel. Acima de tudo, devemos considerar
Lucas 23.50-56 383

o dia de descanso como uma instituição de importância primária para a


alma do homem e lutar ardentemente pela sua observância entre nós, em
toda a sua integridade. É bom para o corpo, a alma e a mente. E bom para
a nação que o observa e para a igreja que o honra. Há pouca distância
entre o negar o quarto mandamento e o negar a Deus. O indivíduo que
transforma o domingo em um dia para negócios e prazeres é um inimigo
dos melhores interesses de seus companheiros. Aquele que supõe deveria
o crente ser tão espiritual que não precisa separar um dia entre os demais
da semana sabe pouco a respeito do coração humano e das exigências de
nosso cumprimento da Palavra em um mundo sedutor e perverso.

A Visita das Mulheres ao Sepulcro;


A Incredulidade dos Apóstolos
Leia Lucas 24.1-12

A ressurreição de Cristo é uma das grandes pedras fundamentais do


cristianismo. Em sua importância prática, fica atrás apenas da crucificação.
O capítulo que agora iniciamos conduz nossa mente à evidência da
ressurreição. É uma incontestável prova de que Jesus não apenas morreu,
mas também ressuscitou.
Primeiramente, vemos nestes versículos a realidade da ressurreição
de Cristo. Somos informados que, “no primeiro dia da semana”, algumas
mulheres foram ao sepulcro em que o corpo de Jesus havia sido colocado,
a fim de ungi-lo. No entanto, quando chegaram ao lugar, “encontraram a
pedra removida do sepulcro; mas, ao entrarem, não acharam o corpo do
Senhor Jesus” .
O fato é simples, mas indica o ponto inicial da história da ressurreição
de Cristo. No dia de descanso, pela manhã, seu corpo jazia seguro no
sepulcro; no domingo, pela manhã, já não estava mais ali. Quem o havia
tirado? Quem o removera dali? Com certeza, não foram os sacerdotes, ou
os escribas, ou os inimigos do Senhor Jesus. Se eles estivessem com o
corpo de Jesus, não hesitariam em mostrá-lo para refutar a sua ressurreição.
Tampouco foram os apóstolos ou os outros discípulos de Cristo! Eles
estavam bastante temerosos e desanimados para tentarem fazer tal coisa e,
além disso, não ganhariam nada com isso. Uma explicação, somente uma,
poderia satisfazer as exigências do ocorrido, e ela foi apresentada pelos
anjos mencionados na passagem. Cristo “ressuscitou” dentre os mortos.
Procurá-Lo no sepulcro significava buscar “entre os mortos ao que vive” .
384 Lucas 24.1-12

Ele havia ressuscitado, e logo muitas testemunhas confiáveis O veriam e


conversariam com Ele.
A ressurreição de nosso Senhor descansa sobre evidências que
nenhum incrédulo jamais pode explicar. Foi confirmada por testemunhos
de todo o tipo, espécie e descrição. A história simples e evidente sobre a
qual falam os autores dos evangelhos é uma história que não pode ser
destruída. Quanto mais analisamos o relato dos evangelistas, tanto mais
inexplicável se mostrará o acontecimento da ressurreição, a menos que o
aceitemos como verdadeiro. Se decidirmos negar a verdade desses relatos,
então, poderemos negar qualquer outro acontecimento da história mundial.
Não há tanta certeza de que Júlio Cesar tenha existido quanto há certeza
de que Cristo ressuscitou.
Creiamos com firmeza na ressurreição de Cristo como um dos fun­
damentos do evangelho. Ela deve produzir em nossas mentes uma con­
vicção profunda da veracidade do cristianismo. Nossa fé não depende
simplesmente de um conjunto de passagens bíblicas e de doutrinas. Está
alicerçada em um poderoso fato que os incrédulos jamais foram capazes
de aniquilar. A ressurreição de Cristo tem de nos assegurar a ressurreição
de nosso próprio corpo após a morte física. Se nosso Senhor ressurgiu
dentre os mortos, não podemos duvidar que seus discípulos ressuscitarão
no último dia. Acima de tudo, a ressurreição de Cristo deveria encher
nosso coração com um senso de regozijo quanto à plenitude da salvação
apresentada no evangelho. Quem nos condenará? Nossa grande Segurança
não apenas morreu por nós, mas também ressuscitou (Rm 8.34). Ele foi
ao Hades em nosso lugar e ressurgiu triunfante, após ter expiado os nossos
pecados. O pagamento que Ele fez por nós foi aceito. A obra de satisfação
de nossos pecados foi plenamente realizada. Não admiramos que o apóstolo
Pedro afirmou: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que,
segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança,
mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1 Pe 1.3).
Em segundo, vemos nestes versículos quão obscurecida estava a
memória dos discípulos em referência a alguns dos ensinos de Jesus. Os
anjos que apareceram às mulheres lhes falaram o que o Senhor havia
proferida na Galiléia, prenunciando sua própria crucificação e ressurreição.
Em seguida, elas “se lembraram das suas palavras” . Haviam escutado as
palavras de nosso Senhor, mas não as guardaram. Agora, após vários
dias, recordaram-nas.
Um obscurecimento de memória é uma doença espiritual comum
entre os crentes. Hoje ela prevalece tão amplamente quanto prevalecia
nos dias dos primeiros discípulos. É uma das muitas provas de nosso
estado caído e corrupto. Mesmo depois de terem sido regenerados pelo
Espírito Santo, a prontidão dos homens para esquecerem as promessas e
Lucas 24.1-12 385

os preceitos do evangelho constantemente os coloca em dificuldades. Eles


ouvem muitas coisas que deveriam entesourar em seu coração, mas parecem
esquecê-las tão rápido quanto as ouvem. E, somente depois de vários
dias, a aflição os faz recordar tais coisas, e, imediatamente, lhes ocorre a
idéia de que já as haviam escutado! Descobrem que tinham ouvido tais
coisas, mas as ouviram em vão.
A verdadeira cura para uma memória obscurecida quanto às verdades
espirituais é aprofundar o amor a Cristo e ter as afeições focalizadas mais
completamente nas coisas celestiais. Não esquecemos com prontidão as
coisas que amamos e os objetos que temos constantemente diante de nossos
olhos. Sempre recordamos os nomes de nossos pais e de nossos filhos. O
rosto do esposo ou o da esposa, que amamos, está gravado em nosso
coração. Quanto mais nossas afeições estiverem engajadas no serviço de
Cristo, tanto mais fácil será recordarmos as suas palavras. Precisamos
ponderar atentamente a afirmativa do apóstolo: “Por esta razão, importa
que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que
delas jamais nos desviemos” (Hb 2.1).
Por último, vemos nestes versículos que os primeiros discípulos
demoraram a crer no assunto da ressurreição de Cristo. Quando as
mulheres retornaram do sepulcro e contaram aos apóstolos o que os anjos
lhes haviam dito, as palavras das mulheres pareceram aos apóstolos “um
como delírio, e não acreditaram nelas” . Apesar de todas as afirmativas
claras de seu Senhor, declarando que ressuscitaria ao terceiro dia; apesar
do testemunho evidente de cinco ou seis pessoas dignas de confiança,
afirmando que o sepulcro estava vazio e que os anjos lhes haviam dito que
Jesus ressuscitara; apesar da evidente impossibilidade de nenhuma outra
suposição explicar porque o túmulo estava vazio, exceto a suposição de
uma ressurreição miraculosa — apesar de tudo isso, os onze discípulos
sem fé não queriam acreditar!
Talvez nos admiremos de sua incredulidade. Sem dúvida, a princípio
isto nos parece a coisa mais ilógica, irracional, provocante e inexplicável!
Mas não seria bom pensarmos em nossa própria época? Não vemos ao
nosso redor, nas igrejas chamadas cristãs, uma enorme medida de
incredulidade, mais irracional e culpável do que essa demonstrada pelos
apóstolos? Não vemos entre nós, após muitos séculos de provas adiciona­
is referentes à ressurreição de Cristo, uma generalizada incredulidade,
que é realmente deplorável? Não vemos miríades de crentes professos
que parecem não acreditar que Jesus morreu, ressuscitou dos mortos e
voltará novamente, para julgar o mundo? Estas são perguntas dolorosas.
Fé grande é realmente uma coisa rara. Não é surpresa que nosso Senhor
afirmou: “Quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na
terra?” (Lc 18.8)
386 Lucas 24.1-12

Admiremos a sabedoria de Deus, capaz de fazer algo que parece


mau resultar em grande benefício. A incredulidade dos apóstolos, na
ocasião, é uma das grandes e indiretas evidências de que Jesus ressuscitou
dentre os mortos. Se os discípulos a princípio mostraram-se tão retraídos
em crer na ressurreição de nosso Senhor, mas, por fim, foram tão
completamente persuadidos de sua veracidade, que a proclamaram em
todos os lugares, Cristo realmente ressuscitou. Os primeiros pregadores
eram homens que foram convencidos, apesar de si mesmos e de sua
obstinada e decidida indisposição para crer. Se os apóstolos por fim creram,
a ressurreição tem de ser um acontecimento verdadeiro.

A Caminhada para Emaiis


Leia Lucas 24.13-35

A história contida nestes versículos não se encontra em nenhum


outro dos evangelhos. De todas as onze aparições de nosso Senhor depois
de sua ressurreição, nenhuma parece ser tão interessante quanto a descrita
nesta passagem.
Primeiramente, devemos observar nestes versículos que encora­
jamento existe na atitude de um crente falar ao outro sobre Cristo. Dois
discípulos caminhavam juntos na estrada para Emaús e conversavam a
respeito da crucificação de nosso Senhor. Então, lemos as admiráveis
palavras: “Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se
aproximou e ia com eles” .
A conversa sobre as coisas espirituais é um dos mais importantes
meios da graça. Assim como o ferro com o ferro se afia, assim também a
troca de pensamentos espirituais aperfeiçoa a alma de um crente. Produz
uma bênção especial para todos os que a praticam. As admiráveis palavras
de Malaquias foram proferidas para o benefício da igreja em todas as
épocas: “Os que temiam ao S e n h o r falavam uns aos outros; o S e n h o r
atentava e ouvia; havia um memorial escrito diante dele para os que temem
ao S e n h o r e para os que se lembram do seu nome. Eles serão para mim
particular tesouro, naquele dia que preparei, diz o S e n h o r dos Exércitos”
(Ml 3.16-17).
O que nós mesmos sabemos a respeito da conversa cristã com outros
servos do Senhor Jesus? Talvez nós leiamos nossas Bíblias, oremos em
particular e utilizemos os meios públicos da graça. E isso é muito bom.
Mas, se fizermos apenas isso, estaremos negligenciando um grande
privilégio e ainda temos muito a aprender. Nós temos de considerar-nos
Lucas 24.13-35 387

uns aos outros, “para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Hb
10.24); bem como precisamos exortar e edificar “uns aos outros” (1 Ts
5.11). Não temos tempo para conversas sobre verdades espirituais?
Pensemos novamente. A quantidade de tempo desperdiçada em conversas
frívolas, triviais e sem proveito é terrivelmente grande? Não encontramos
nada para dizer sobre assuntos espirituais? Nos sentimos mudos e temos
nossa língua presa no que se refere aos assuntos de Cristo? Com certeza,
se for o nosso caso, deve haver algo errado com o nosso coração, Um
coração correto diante de Deus geralmente encontrará palavras. “A boca
fala do que está cheio o coração” (Mt 12.34).
Aprendamos uma lição dos dois viajantes de Emaús, citados nesta
passagem. Conversemos sobre Jesus, quando estamos assentados em nossos
lares e andando pelo caminho, sempre que acharmos um discípulo com o
qual poderemos conversar (Dt 6.7). Se cremos que estamos viajando em
direção ao céu, onde Cristo será o objeto central de todos os pensamentos,
aprendamos o comportamento dos céus, enquanto estamos vivendo na
terra. Agindo desse modo, freqüentemente teremos conosco Aquele que
agora não podemos enxergar, mas que fará nosso coração arder em nosso
íntimo por abençoar a nossa conversação.
Em segundo, devemos observar nestes versículos quão fraco e
imperfeito era o conhecimento de alguns dos discípulos de nosso Senhor.
Os dois discípulos de Emaús confessaram sinceram ente que suas
expectativas foram desapontadas pela crucificação de Cristo. Afirmaram:
“Esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel” . Uma redenção
temporal dos judeus realizada por um conquistador parece ter sido a
redenção que eles aguardavam. Uma redenção espiritual por meio de uma
morte sacrificial era uma idéia que suas mentes não podiam assimilar
completamente.
Eles demonstraram uma ignorância, à primeira vista, verdadeiramente
estarrecedora. Não devemos ficar surpresos com a repreensão severa que
saiu dos lábios de nosso Senhor: “O néscios e tardos de coração para
crer” . No entanto, podemos aprender algo da ignorância deles. O fato
nos mostra que temos poucos motivos para ficar admirados diante da
obscuridade espiritual que envolve a mente de muitos crentes desleixados.
Milhares ao nosso redor ignoram o significado dos sofrimentos de Cristo,
assim como esses viajantes de Emaús. Enquanto o mundo existir, a cruz
será reputada como loucura para o homem natural.
Devemos bendizer a Deus, porque a verdadeira graça divina pode
estar oculta por trás de muita ignorância intelectual. Um conhecimento
nítido e acurado é muito útil, mas não é essencial à salvação; podemos
possuí-lo sem ter a graça divina em nosso coração. Um profundo senso de
pecado, uma humilde disposição de ser salvo à maneira que Deus requer,
388 Lucas 24.13-35

uma prontidão para abandonar nossos preconceitos, quando um caminho


mais excelente nos for mostrado — são as características mais importantes.
Os discípulos de Emaús as possuíam; por isso, nosso Senhor foi com eles
e os guiou a toda a verdade.
Em terceiro, devemos observar nestes versículos que o Antigo
Testamento está repleto de ensinos sobre a pessoa de Cristo. Nosso Senhor,
“começando por Moisés, discorrendo por todos os profetas, expunha-
lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” .
Como podemos explicar as palavras de Cristo? De que maneira nosso
Senhor expôs-lhes “o que a seu respeito constava em todas as Escrituras”?
A resposta é simples e curta. Cristo era a essência de todos os sacrifícios
ordenados na lei de Moisés. Cristo era o verdadeiro Libertador e Rei, do
qual todos os juizes e libertadores da história de Israel eram apenas figura;
Ele era o Profeta vindouro, maior do que Moisés, cujo glorioso advento
enchia as páginas dos profetas. Cristo era a verdadeira semente da mulher,
que pisaria a cabeça da serpente; Ele era o verdadeiro descendente em
quem todas as nações seriam benditas. Cristo era o verdadeiro Silo, a
quem todo o povo se reuniria; Ele era o verdadeiro bode da expiação, a
verdadeira serpente de bronze, o verdadeiro Cordeiro, para o qual todos
sacrifícios diários apontavam. Cristo era o verdadeiro Sumo Sacerdote,
de quem todos os descendentes de Arão eram apenas figuras. Esses fatos
e outros semelhantes, com certeza, foram alguns dentre os fatos que nosso
Senhor explicou no caminho para Emaús.
Ao ler a Bíblia, devemos ter em nossa mente o firme princípio de
que Cristo é o assunto central de todas as Escrituras. Enquanto O mantemos
diante de nossos olhos, jamais cometeremos grandes erros em nossa busca
por conhecimento espiritual. Se O perdermos de vista, acharemos a Bíblia
inteira um livro obscuro e cheio de dificuldades. Jesus Cristo é a chave do
conhecimento bíblico.
Por último, devemos observar nestes versículos o quanto Jesus
aprecia ser solicitado por seu povo. Quando os discípulos se aproximavam
de Emaús, nosso Senhor “fez... menção de passar adiante” . Ele deseja
ver se os discípulos estavam cansados de sua conversa. Mas não estavam.
“Eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque é tarde, o dia já
declina. E entrou para ficar com eles.”
Há alguns acontecimentos semelhantes registrados nas Escrituras.
Nosso Senhor acha conveniente, para o nosso bem, suster suas mi­
sericórdias até que por elas imploremos. Ele não nos concede obri­
gatoriamente seus dons, não buscados e não solicitados. O Senhor Jesus
aprecia extrair de nós os nossos desejos e compelir-nos a exercitar nossas
afeições espirituais, aguardando por nossas orações. Ele agiu dessa maneira
com Jacó. “Deixa-me ir”, Ele disse, “pois já rompeu o dia” . Em seguida,
Lucas 24.13-35 389

temos aquela nobre declaração dos lábios de Jacó: “Não te deixarei ir se


me não abençoares” (Gn 32.26). A história da mãe cananéia, a história da
cura de dois cegos de Jericó, a história do homem nobre de Cafarnaum, a
parábola do juiz iníquo e a do amigo que chegou à meia-noite, todas têm
o propósito de nos ensinar a mesma lição; todas demonstram que nosso
Senhor aprecia muito ser solicitado e gosta de ser incomodado.
Devemos agir de acordo com esse princípio em todas as nossas
orações. Devemos pedir muito e com freqüência, não perdendo nada por
falta de orarmos. Não sejamos como o rei de Israel que feriu a terra
somente três vezes e parou (2 Rs 13.18). Pelo contrário, recordemos as
palavras do salmo de Davi: “Abre bem a boca, e ta encherei” (SI 81.10).
O homem que impõe, em oração, um santo constrangimento sobre a pessoa
de Cristo é o que mais desfruta de sua presença.

A Aparição de Cristo aos Onze Apóstolos


Leia Lucas 24.36-43

Primeiramente, vemos nesta passagem as palavras singulares e


graciosas com que nosso Senhor se apresentou aos seus discípulos, após
sua ressurreição. Repentinamente, Jesus apareceu entre eles e disse: “Paz
seja convosco!”
Esta foi uma afirmação maravilhosa, quando pensamos quem foram
os homens que as ouviram. Foram dirigidas aos onze discípulos que três
dias antes haviam abandonado vergonhosamente seu Senhor e fugido.
Eles haviam quebrado suas promessas e esquecido sua confissão de estarem
prontos para morrer por causa de sua fé. Fugiram e deixaram-No morrer
sozinho. Um deles até O negara três vezes. Todos eles se mostraram
medrosos e covardes. Mas, assim mesmo, vejam a maneira como seu
Senhor os reencontrou. Não veio com alguma palavra de reprovação ou
qualquer censura em seus lábios. Com calma e tranqüilidade, o Senhor
Jesus apareceu entre eles e começou a falar-lhes sobre paz: “Paz seja
convosco!”
Vemos em sua comovente afirmativa mais uma prova de que o amor
de Cristo “excede todo o entendimento” . Sua glória consiste em encobrir
transgressões. Ele “tem prazer na misericórdia” . Está mais disposto a
perdoar do que os homens a serem perdoados e mais disposto a conceder
perdão do que os homens a recebê-lo. Existe em seu coração uma infinita
disposição de cancelar as transgressões dos homens. Embora nossos
pecados sejam vermelhos como o carmesim, o Senhor Jesus está sempre
390 Lucas 24.36-43

pronto a torná-los branco como a neve, a apagá-los, a lançá-los para trás


de suas costas, a sepultá-los no fundo do mar, para nunca mais lembrar-se
deles. Notamos uma linguagem bíblica cujo propósito é transmitir a mesma
grande verdade. O homem natural está continuamente recusando-se a
entendê-la. Não devemos nos admirar disso. O perdão gratuito, completo
e imerecido não é uma atitude normal do ser humano. Mas é uma carac­
terística de Cristo.
Não existe pecador tão grande, e que tenha cometido pecados tão
graves, que precise ter medo de invocar um Salvador como Jesus? Nas
mãos dEle existe infinita misericórdia. Onde está o desgarrado que, embora
esteja muito distante de Deus, precise ter receio de retornar? Em Cristo
“não há indignação” (Is 27.4). Ele está pronto a restaurar e levantar o
pior dos pecadores. Onde está o crente que não deveria amar intensamente
o Salvador Jesus, prestando-Lhe voluntariamente uma obediência santa?
Com Ele está o perdão, para que O temamos (SI 130.4). Onde encontramos
o crente professo que não deva ser perdoador para com seus irmãos? Os
discípulos do Salvador, cujas palavras foram tão cheias de paz, devem ser
pacificadores, gentis e dispostos a perdoar uns aos outros (Cl 3.13).
Em segundo, vemos nesta passagem a maravilhosa condescendência
de nosso Senhor em relação à fraqueza de seus discípulos. Quando os
discípulos ficaram admirados com sua aparição, não acreditando ser Ele
mesmo, nosso Senhor lhes disse: “Vede as minhas mãos e os meus pés,
que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai” .
Convenientemente, Ele poderia ter ordenado que seus discípulos
cressem que havia ressuscitado. Com justiça, Jesus poderia ter dito: “Onde
está a vossa fé? Por que não acreditais em minha ressurreição, quando Me
vedes com os vossos próprios olhos?” Ele não agiu assim; pelo contrário,
demonstrou ainda maior humildade. Apelou aos sentidos físicos dos onze
apóstolos. Ordenou-lhes que O apalpassem e satisfizessem suas dúvidas,
confirmando que Ele era um ser material e não um espírito ou um fantasma.
Temos aqui algo que nos revela um poderoso princípio, que faremos
bem ao guardar em nosso coração. O Senhor Jesus nos permite utilizar
nossos sentidos para atestar um fato ou uma afirmativa do cristianismo.
Temos de esperar que no cristianismo encontraremos coisas que estão
acima de nosso entendimento. Nosso Senhor desejava que soubéssemos
que não precisamos acreditar em coisas contrárias à razão e aos nossos
sentidos. Uma suposta doutrina que contradiz nossos sentidos não procede
dAquele que ordenou aos seus discípulos apalparem suas mãos e seus pés.
Recordemos esse princípio ao abordar a doutrina católica-romana
da transformação do pão e do vinho na Ceia do Senhor. Não acontece, de
m aneira alguma, qualquer transformação desses elementos. Nossos
próprios olhos e nosso próprio paladar nos dizem que o pão continua
Lucas 24.36-43 391

sendo pão e o vinho permanece sendo vinho, antes e após a realização da


Ceia do Senhor. O Senhor Jesus nunca exige que creiamos naquilo que é
contrário aos nossos sentidos. Por conseguinte, a doutrina da transubs-
tanciação é falsa e antibíblica.
Recordemos esse princípio ao abordarmos a doutrina da regeneração
batismal. Não existe uma inseparável conexão entre o batismo e o novo
nascimento do coração de uma pessoa. Nossos próprios olhos e sentidos
nos falam que miríades de pessoas batizadas não têm o Espírito de Deus,
estão completamente sem a graça divina e são servos do mundo e de
Satanás. Nosso Senhor nunca exigiu que creiamos naquilo que é contrário
aos nossos sentidos. Portanto, a doutrina de que a regeneração inva­
riavelmente acompanha o batismo não merece confiança. Dizer que existe
a graça divina onde esta não pode ser vista equivale a antinomianismo.
Uma importante lição prática, que faremos bem em recordar, está
envolvida na maneira de nosso Senhor lidar com os discípulos. É a lição
de agirmos com amabilidade em relação aos discípulos fracos, ensinando-
lhes na medida em que são capazes de aprender. Assim como o Senhor
Jesus, temos de ser pacientes e longânimos. À semelhança de Cristo,
precisamos condescender à fragilidade da fé exercida por alguns homens,
tratando-os com ternura, como crianças pequenas, a fim de trazê-los ao
caminho correto. Não devemos rejeitá-los porque não vêem tudo ime­
diatamente; nem desprezar os mais humildes e simples meios que, na mão
de Deus, poderão persuadir os homens a crerem. Essa maneira de agir
talvez exija muita paciência. Mas aquele que não é capaz de humilhar-se
para lidar com os imaturos, ignorantes e iletrados não possui a mente de
Cristo. Seria bom para todos os crentes, se lembrassem com mais freqüência
das palavras do apóstolo Paulo: “Fiz-me fraco para com os fracos, com o
fim de ganhar os fracos” (1 Co 9.22).

* _
A Ultima Exortação de Cristo
aos Onze Apóstolos
Leia Lucas 24.44-49

Primeiramente, devemos observar nestes versículos o dom que nosso


Senhor outorgou aos seus discípulos pouco antes de deixar o mundo. Ele
“lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras” .
Não precisamos supor que até aquela altura os discípulos nada sabiam
a respeito do Antigo Testamento ou que a Bíblia é um livro incapaz de ser
compreendido por uma pessoa cc mura. Temos simplesmente de entender
392 Lucas 24.44-49

que Jesus mostrou aos seus discípulos todo o significado de muitas


passagens que até aquele momento estava oculto para eles. Acima de tu­
do, Jesus lhes mostrou o significado verdadeiro de várias passagens pro­
féticas que se referiam ao Messias.
Todos precisamos de semelhante iluminação em nosso entendimento.
“O homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe
são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espi­
ritualmente” (1 Co 2.14). O orgulho, o preconceito e o amor ao mundo
cegam nossos intelectos e colocam um véu sobre os olhos de nosso en­
tendimento, ao lermos as Escrituras. Vemos as palavras, mas não as en­
tendemos completamente, até que do alto sejamos ensinados.
Aquele que deseja ler a Bíblia com proveito tem de primeiramente
suplicar ao Senhor Jesus que os olhos de seu entendimento sejam abertos
pelo Espírito Santo. Os comentários humanos são úteis em sua devida
ocasião. A ajuda de homens bons e entendidos não deve ser rejeitada.
Mas não existe qualquer comentário que pode ser comparado ao ensino
de Cristo. Um espírito de humildade e oração encontrará milhares de
coisas na Bíblia, coisas que o leitor soberbo e presunçoso falhará com­
pletamente em discernir.
Em segundo, devemos observar nestes versículos a maneira notável
como nosso Senhor falou sobre a sua morte na cruz. Ele não se referiu à
sua morte como um infortúnio ou como algo digno de lamentação, mas
como um acontecimento necessário. Ele disse: “Assim está escrito que o
Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia” .
A morte de Cristo era necessária à nossa salvação. Seu corpo e seu
sangue oferecidos em sacrifício na cruz eram a “vida do mundo” (Jo
6.51). Sem a morte de Cristo, conforme entendemos, a lei de Deus não
poderia ter sido satisfeita, o pecado jamais poderia ter sido perdoado,
jamais os homens poderiam ser justificados diante de Deus, o qual jamais
poderia ter demonstrado misericórdia ao homem. A cruz de Cristo foi a
solução de um grande problema. Desatou um nó imenso. Capacitou Deus
a ser “justo e o justificador” do ímpio (Rm 3.26). Capacitou o homem a
aproximar-se de Deus com ousadia e a sentir que, embora seja pecador,
ele pode ter esperança. Cristo, por sofrer como nosso Substituto, o justo
em lugar dos injustos, preparou o caminho pelo qual podemos nos achegar
a Deus. Podemos reconhecer sinceramente que em nós mesmos somos
culpados e merecemos o inferno. Mas, confiantemente, podemos recorrer
Àquele que morreu por nós e, para sua glória, crendo nEle, reivindicar a
vida e a absolvição.
Gloriemo-nos sempre na cruz de Cristo, considerando-a a fonte de
todas as nossas esperanças e o fundamento de toda a nossa paz. A ignorância
e a incredulidade não vêem coisa alguma nos sofrimentos do Calvário,
Lucas 24.44-49 393

exceto o martírio cruel de um inocente. A fé olhará mais profundamente;


verá na morte de Jesus o pagamento da enorme dívida do homem a Deus
e a completa salvação de todos os que crêem.
Em terceiro, devemos observar nesta passagem quais foram as pri­
meiras verdades que nosso Senhor ordenou seus discípulos pregassem
depois que Ele deixasse o mundo. “Arrependimento” e “remissão de
pecados” deveriam ser pregados em seu nome a todas as nações.
“Arrependimento” e “remissão de pecados” são as primeiras coisas
que têm de ser apresentadas com insistência à mente de cada pessoa: ho­
mem, mulher e criança, em todo o mundo. Todas as pessoas precisam ser
informadas sobre a necessidade de arrependimento. Todos os homens são
ímpios por natureza. Sem arrependimento e conversão ninguém pode entrar
no reino de Deus. Todos precisam ouvir sobre a disposição divina de
perdoar todos os que crerem em Cristo. Todos, por natureza, são culpados
e estão condenados. Mas qualquer pessoa pode obter, pela fé em Jesus, o
perdão gratuito, completo e imediato. Todos precisam ser constantemente
lembrados de que o arrependimento e a remissão de pecados estão unidos
de maneira inseparável. Isto não significa que o arrependimento pode
comprar nosso perdão. O perdão é um dom gratuito de Deus para o crente
em Cristo. Mas continua sendo verdade o fato de que todo homem que
ainda não se arrependeu é um homem que ainda não foi perdoado.
Aquele que deseja ser um verdadeiro cristão precisa estar, por ex­
periência pessoal, familiarizado com o arrependimento e a remissão dos
pecados. Estas são as coisas essenciais no cristianismo que salva. Pertencer
a uma igreja que possui sã doutrina, ouvir o evangelho e participar das
ordenanças são grandes privilégios. Mas, somos convertidos? Somos
justificados? Se não, estamos mortos diante de Deus. Feliz é o crente que
preserva estes dois assuntos constantemente em seus pensamentos. O
arrependimento e a remissão não são apenas verdades elementares ou
leite para os bebês em Cristo. Um dos fatores para um elevado padrão de
santidade consiste em um contínuo crescimento no conhecimento prático
do arrependimento e da remissão dos pecados. O crente que mais brilha é
aquele que possui o mais perscrutador senso de sua própria pecaminosidade
e a mais viva consciência de sua completa aceitação em Cristo.
Em quarto, devemos observar nesta passagem qual fo i o primeiro
lugar em que os discípulos deveriam começar sua pregação. Deveriam
começar em “Jerusalém” . Este é um fato admirável, repleto de instrução.
Ele nos ensina que ninguém deve ser considerado tão excessivamente
ímpio, que não possamos oferecer-lhe a salvação; também nos ensina que
nenhum grau de enfermidade espiritual está além do alcance do remédio
do evangelho. Jerusalém era a cidade mais ímpia da terra, quando nosso
Senhor deixou o mundo. Foi a cidade que apedrejou os profetas e matou
394 Lucas 24.44-49

aqueles que Deus enviou para chamá-la ao arrependimento. Era uma cidade
cheia de orgulho, incredulidade, justiça própria e excessiva dureza de
coração. Foi a cidade que recentemente havia coroado todas as suas
transgressões por meio da crucificação do Senhor da glória. Apesar disso,
Jerusalém era o lugar em que deveria ser realizada a primeira proclamação
de arrependimento e de remissão dos pecados. A ordem de Cristo foi
clara: “Começando de Jerusalém” .
Nas admiráveis palavras de Cristo, vemos a largura, a altura, am­
plitude e a profundeza da sua compaixão para com os pecadores. Não
devemos ficar desesperados quanto à salvação de qualquer pessoa, embora
ela tenha sido intensamente perversa e devassa. Devemos abrir a porta do
arrependimento para o maior dos pecadores. Não devemos ter receio de
convidar o pior dos homens a se arrepender, crer e viver. A glória de
nosso grande Médico consiste em ser capaz de sarar casos incuráveis. As
coisas que parecem impossíveis aos homens são possíveis para Cristo.
Por último, devemos observar nesta passagem a posição especial
que os crentes e, em particular, os ministros do evangelho ocupam neste
mundo. Nosso Senhor a definiu utilizando uma sentença expressiva. Ele
disse: “Vós sois testemunhas” .
Se somos verdadeiros discípulos de Cristo, temos de prestar um
testemunho constante em meio a um mundo perverso. Precisamos testificar
a verdade do evangelho de nosso Senhor, a graciosidade do coração de
nosso Senhor, a felicidade do servir a Cristo, a excelência das regras de
conduta estabelecidas por nosso Senhor e o enorme perigo e impiedade
dos caminhos do mundo. Esse testemunho com certeza trará sobre nós o
desagrado das pessoas. O mundo nos odiará, assim como odiou nosso
Senhor, porque testemunhamos “que as suas obras são más” (Jo 7.7).
Poucos crerão nesse tipo de testemunho, enquanto muitos o reputarão
como ofensivo e extremista. Entretanto, o dever de uma testemunha é
prestar testemunho, quer seja acreditada, quer não. Se testemunhamos
com fidelidade, cumprimos nosso dever, ainda que, assim como Nóe,
Elias e Jeremias, permaneçamos quase sozinhos.
Que tipo de testemunho estamos prestando? Que evidência estamos
demonstrando de que somos discípulos de um Salvador crucificado e que,
assim como Ele, não somos “do mundo”? (Jo 17.14.) Que marcas estamos
mostrando de pertencermos Àquele que disse: “Para isso vim ao mundo,
a fim de dar testemunho da verdade” (Jo 18.37)? Feliz é aquele que pode
responder satisfatoriamente as perguntas acima e cuja vida manifesta
claramente que está “procurando uma pátria” (Hb 11.14).
Lucas 24.50-53 395

A Ascensão
Leia Lucas 24.50-53

Estes versículos formam a conclusão da história do ministério de


nosso Senhor relatada por Lucas. Constituem uma conclusão adequada ao
evangelho que, em ternura comovente e plena exibição da graça de Cristo,
permanece como a maior das quatro narrativas daquilo que nosso Senhor
Jesus fez e ensinou (At 1.1),
Primeiramente, observamos nestes versículos a maneira notável como
nosso Senhor deixou seus discípulos. Ele, “erguendo as mãos, os abençoou.
Aconteceu que, enquanto os abençoava, ia-se retirando deles” . Em resumo,
Ele os deixou durante o próprio ato de abençoá-los.
Não podemos duvidar, por um momento sequer, que havia um
significado naquela circunstância. Ela tinha o propósito de relembrar aos
discípulos tudo o que Jesus trouxera consigo quando veio ao mundo.
Serviu para assegurá-los daquilo que Ele ainda faria, depois que se retirasse
do mundo. Ele viera à terra para abençoar, não para amaldiçoar; e,
abençoando, Ele partiu. O Senhor Jesus veio em amor, não com ira; e,
em amor, Ele se retirou. Jesus veio não como um juiz que condena, e sim
como um Amigo compassivo; e, como Amigo, retornou ao seu Pai. Cristo
viera como um Salvador repleto de bênçãos para seu pequeno rebanho,
enquanto esteve com ele. E pretendia que seus discípulos soubessem que
Ele continuava a ser um Salvador abundante de bênçãos para eles, mesmo
depois de retirar-se do mundo.
Se conhecemos alguma coisa a respeito do verdadeiro cristianismo,
devemos fazer nossa alma confiar para sempre no gracioso amor de Cristo.
Jamais encontraremos um amor mais terno, mais afetuoso, mais paciente,
mais benigno e mais compassivo do que este. Afirmar que a virgem Maria
é mais compassiva do que Cristo é uma prova de terrível ignorância.
Recorrer aos santos em busca de consolo, quando deveríamos recorrer a
Cristo, é uma mistura de estupidez com blasfêmia e um furto à glória
dEle. Gracioso foi nosso Senhor quando viveu entre seus frágeis discípulos,
gracioso mesmo na própria ocasião de sua agonia na cruz, gracioso quando
ressuscitou dos mortos e reuniu ao redor de Si aquele seu rebanho disperso,
gracioso na maneira como partiu deste mundo. Sua partida ocorreu durante
o próprio ato de abençoar. Podemos estar certos de que Ele é gracioso
estando sentado à direita de Deus, Ele é o mesmo ontem, hoje e para
sempre — um Salvador sempre disposto a abençoar, um Salvador que
possui bênçãos abundantes.
396 Lucas 24.50-53

Em segundo, observamos nestes versículos o lugar ao qual nosso


Senhor fo i após deixar o mundo. Ele foi “elevado para o céu” .
É claro que não podemos entender o significado completo de tudo o
que foi dito. Seria fácil inquirir sobre a habitação exata do corpo glorificado
de Cristo, fazendo perguntas que os mais hábeis teólogos nunca poderiam
responder. Não podemos desperdiçar nosso tempo em especulações sem
proveito ou nos intrometermos em coisas que não sabemos (Cl 2.18).
Basta sabermos que nosso Senhor Jesus Cristo entrou na presença de
Deus em favor de todos que crêem nEle, como um Precursor e um Sumo
Sacerdote (Hb 6.20; Jo 14.2).
Na qualidade de Precursor, Jesus foi ao céu preparar um lugar para
todos os membros de seu corpo. Nosso grande Cabeça tomou posse de
uma herança gloriosa em benefício de seu corpo místico e tem-na em seu
poder como nosso irmão mais velho e nosso fiador, até que venha o dia
em que a igreja será aperfeiçoada. Na qualidade de Sumo Sacerdote,
Jesus foi ao céu para interceder por todos os que crêem nEle. Ali, no
Santo dos Santos, em favor dos crentes Ele apresenta os méritos de seu
próprio sacrifício e obtém para eles suprimentos diários de misericórdia e
graça. O grande segredo da perseverança dos santos é a presença de Cristo
no céu intercedendo por eles. Eles têm um Advogado eterno diante do Pai
e, por isso, jamais serão rejeitados (Hb 9.24; 1 Jo 2.1).
Assim como Ele subiu, assim também um dia Jesus retornará do
céu. Ele não permanecerá sempre habitando no Santo dos Santos. Ele
sairá, tal como o fazia o sumo sacerdote dos judeus, para abençoar o
povo, reunir seus eleitos e restaurar todas as coisas (Lv 9.23; At 3.21).
Devemos esperar, ansiar e orar por esse dia. Cristo morrendo na cruz em
favor dos pecadores, vivendo nos céus para interceder, vindo novamente
em glória são os três grandes fatos que devem sempre permanecer com
preeminência nos pensamentos de todo o crente verdadeiro.
Por último, observamos nesta passagem os sentimentos dos discípulos
de nosso Senhor, quando Ele finalmente os deixou e fo i elevado para o
céu. Eles “voltaram para Jerusalém, tomados de grande júbilo; e estavam
sempre no templo, louvando a Deus” .
Qual a explicação para os sentimentos de júbilo dos discípulos? Como
podemos justificar o singular fato de que aquele pequeno e frágil grupo de
discípulos, como se fossem órfãos no meio de um mundo irado, não ficou
abatido, e sim repleto de alegria? Temos respostas curtas e simples. Os
discípulos se regozijaram porque viam com mais clareza as coisas referentes
ao seu Senhor. O véu fora removido de seus olhos. As trevas por fim
haviam se dissipado. O significado da humilhação e da modesta condição
de Cristo; o significado de sua misteriosa agonia, paixão e sofrimento na
cruz; o significado de ser Ele o Messias e, apesar disso, sofrer; o significado
Lucas 24.50-53 397

de sua crucificação, embora fosse o Filho de Deus — tudo, tudo finalmente


foi desvendado e tornou-se claro para eles. Suas dúvidas foram removidas.
As pedras de tropeço foram retiradas. Agora, eles finalmente possuíam
um entendimento nítido e, possuindo-o, sentiram um júbilo autêntico.
Devemos ter em nosso coração o firme princípio de que a pequena
intensidade de júbilo que muitos crentes sentem resulta normalmente de
sua falta de conhecimento. Não há dúvida de que uma fé fraca e uma
prática incoerente são duas grandes razões por que muitos filhos de Deus
desfrutam tão pouca paz. No entanto, com certeza podemos suspeitar que
pontos de vista obscuros e indistintos quanto ao evangelho são a verdadeira
causa de intranqüilidade para muitos crentes. Quando não se conhece,
nem se entende corretamente o Senhor Jesus, segue-se necessariamente
que existe pouco regozijo no Senhor.
Terminemos nossa meditação no evangelho de Lucas com o firme
propósito de buscar mais conhecimento espiritual, a cada ano que vivermos.
Examinemos mais profundamente as Escrituras e oremos com todo o
coração a respeito de seus assuntos. Muitos crentes examinam as Escrituras
apenas de maneira superficial e nada sabem acerca do escavar seus tesouros
ocultos. Deixemos a Palavra de Cristo habitar em nós abundantemente.
Leiamos nossa Bíblia com mais diligência. Fazendo isto, experimentaremos
mais gozo e paz em nosso crer e saberemos o que significa estar
constantemente “louvando a Deus”.
A s Meditações no Evangelho de Lucas fazem parte de um a série
de quatro com entários devocionais sobre os evangelhos, que tem
sido am ada e com partilhada po r gerações de cristãos, desde 1879.
E stas leituras diárias contêm m editações de um a sim plicidade e
espiritualidade que as to m aram o com entário devocional clássico
sobre os evangelhos, na opinião de inúm eros leitores.

N e sta nova edição, especialm ente preparada para o leitor m o ­


derno, esta grande obra aparece em um form ato m ais popular. O
texto foi reform ulado, seguindo um estilo m ais atual de apresen­
tação, m as as exposições perm anecem com pletas, provendo um a
visão geral do m inistério de nosso Senhor Jesus C risto na terra,
com riq u eza e m aestria.

J.C . R yle (1816-1900) é conhecido com o o prim eiro B ispo de


L iverpool, Inglaterra, e fam oso p o r seus escritos desafiadores.
E ntre suas obras em português estão M editações no Evangelho
de M ateus, M arcos e João, Santidade Sem a Q ual Ninguém Verá
o Senhor, Vivo ou M orto? e Uma P alavra aos M oços, publicadas
pela E d ito ra Fiel.

&
FIEL

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