3-Meditação No Evangelho de Lucas
3-Meditação No Evangelho de Lucas
3-Meditação No Evangelho de Lucas
no E vangelho
d e L ucas
J. C. R YLE
EDITORA FIEL da
MISSÃO EVANGÉLICA LITERÁRIA
MEDITAÇÕES NO EVANGELHO
DE LUCAS
EDITORA FIEL da
Missão Evangélica Literária
C aixa Postal 81
12201-970 - São José dos C am pos, SP
Prefácio
Os Publicadores
Introdução Geral
Leia Lucas 1.1-4
pessoal. Jesus, em toda a sua pessoa, deve ser o centro de nossa vida
espiritual. E viver uma vida de fé em Cristo e conhecê-Lo melhor a cada
dia, este deve ser o grande anseio de nossas almas. Esse era o cristianismo
de Paulo — “Para mim, o viver é Cristo” (Fp 1.21).
Em segundo, Lucas retrata uma linda figura da verdadeira posição
dos apóstolos na igreja primitiva. Ele os chama de “testemunhas oculares
e ministros da palavra” . Nesta expressão existe uma humildade instrutiva,
uma ausência completa daquele tom de exaltação humana que freqüen
temente tem surgido na igreja. Lucas não confere aos apóstolos qualquer
título, nem oferece a menor desculpa para aqueles que falam sobre eles
com veneração idólatra, por causa do ofício que ocuparam ou de sua
intimidade com o Senhor.
Apresenta-os como “testemunhas oculares” . Os apóstolos contavam
aos homens o que haviam visto e ouvido com seus próprios olhos e ouvidos
(1 Jo 1.1). Lucas descreve-os como “ministros da palavra” . Eram servos
da palavra do evangelho. Eram homens que consideravam o seu mais
elevado privilégio levarem, como mensageiros, as boas-novas do amor de
Deus e a história da cruz ao mundo em pecado.
Bom seria para a igreja e para o mundo se os ministros do evangelho
nunca exigissem dignidade e honra mais elevadas do que as reivindicadas
pelos próprios apóstolos! É um fato lamentável que muitos homens
ordenados ao ministério freqüentemente têm exaltado a si mesmos e ao
seu ministério a uma posição contrária à Bíblia. E não menos lamentável
é o fato de que pessoas estejam constantemente incentivando esse mal,
por aquiescerem com passividade às exigências dos sacerdotes e por
contentarem a si mesmas com uma religião meramente vicária. Ambas as
partes têm falhado. Que nos lembremos disto e estejamos alerta!
Em terceiro, Lucas apresenta as suas qualificações para a obra de
escrever um evangelho. Ele declara que fez “acurada investigação de tudo
desde sua origem” . Seria perda de tempo inquirir de qual fonte Lucas
obteve as informações que nos fornece em seu evangelho. Não temos
qualquer razão plausível para supor que ele escutou os, ensinos ou esteve
presente aos milagres do Senhor. Afirmar que ele obteve informações da
própria M aria ou de qualquer dos apóstolos é apenas conjectura e
especulação. Basta saber que Lucas escreveu por inspiração divina. É
óbvio que não desprezou os meios normais de obter informações. Todavia,
o Espírito Santo o dirigiu na escolha dos assuntos, assim como o fez aos
demais escritores da Bíblia. Ele guiou os pensamentos de Lucas na
elaboração do texto, no formar as sentenças e, mesmo, na escolha das
palavras. Por conseguinte, o que ele escreveu deve ser lido “não como
palavra de homens” , e sim como “a palavra de Deus” (1 Ts 2.13).
Devemos sustentar com firmeza e cuidado a grande doutrina da
Lucas 1.1-4 1
aflição bastante severa. A esterilidade era uma das mais amargas expe
riências (1 Sm 1.10). A graça de Deus não torna uma pessoa imune a
qualquer problema. Ainda que esse sacerdote santo e sua esposa eram
“justos”, eles tinham um “espinho na carne” . Lembremos isto, se servimos
a Cristo, e não nos assustemos com as provações. Ao invés disso, creiamos
que uma mão de perfeita sabedoria está avaliando qual deve ser a nossa
porção e que, ao disciplinar-nos, Deus visa fazer-nos “participantes da
sua santidade” (Hb 12.10). Se as aflições nos levam para mais perto de
Jesus, da Bíblia e da oração, elas são bênçãos! Talvez não pensemos
assim. Mas pensaremos, quando acordarmos no mundo vindouro.
Em terceiro, observemos nesta passagem o instrumento pelo qual
Deus anunciou o nascimento de João Batista. “Apareceu um anjo do
Senhor” a Zacarias. Sem dúvida alguma, o ministério dos anjos é um
assunto profundo. Em nenhuma outra parte da Bíblia encontramos menção
tão freqüente aos anjos quanto na época do ministério terreno de nosso
Senhor. Em nenhuma outra época lemos sobre tantas aparições de anjos
quanto durante a encarnação de Jesus e sua vinda ao mundo. O significado
dessa circunstância é muito claro: a igreja deveria compreender que o
Messias não é um anjo; é o Senhor dos anjos e dos homens. Os anjos
anunciaram a sua vinda, proclamaram o seu nascimento, regozijaram-se
quando Ele surgiu. E, ao fazerem tais coisas, deixaram bem claro a seguinte
verdade: Aquele que veio para morrer pelos pecadores não era um dentre
os anjos, era Alguém superior a eles — o Rei dos reis e Senhor dos
senhores.
Acima de tudo, há uma coisa a respeito dos anjos que não devemos
esquecer: eles se interessam profundamente pela obra de Jesus e pela sal
vação que Ele providenciou. Cantaram louvores sublimes quando o Filho
de Deus veio para estabelecer a paz entre Deus e o homem, por intermédio
de seu sangue. Regozijam-se quando pecadores se arrependem, quando
homens se tornam filhos na família do Pai celestial. Deleitam-se em
m inistrar aos herdeiros da salvação. Enquanto estamos nesta terra,
esforcemo-nos para ser como os anjos, tendo a maneira de pensar deles e
compartilhando de suas alegrias. Este é o modo de estar em sintonia com
o céu. As Escrituras afirmam sobre aqueles que lá entram: são “como os
anjos” (Mc 12.25).
Finalmente, observemos nesta passagem o efeito que o aparecimento
do anjo produziu na mente de Zacarias. Esse homem justo “turbou-se, e
apoderou-se dele o tem or” . A sua experiência é exatamente a mesma de
outros santos que passaram por situações semelhantes. Moisés diante da
sarça ardente, Daniel às margens do rio Tigre, as mulheres no sepulcro
de Jesus e o apóstolo João na ilha de Patmos — todos demonstraram
temor semelhante ao de Zacarias. Assim como ele, esses outros santos
10 Lucas 1.5-12
A Incredulidade de Zacarias
e o Conseqüente Castigo
Leia Lucas 1.18-25
pelo anjo pareceu impossível. Não lhe parecia possível que um homem
idoso como ele pudesse ser pai. “Como saberei isto?” , afirmou, “pois eu
sou velho, e minha mulher, avançada em dias” .
Um judeu bem instruído como Zacarias jamais poderia ter levantado
tal questão. É certo que ele estava familiarizado com as Escrituras do An
tigo Testamento. Ele tinha o dever de lembrar-se do nascimento miraculoso
de Isaque, Sansão e Samuel em tempos antigos; tinha o dever de lembrar
que aquilo que Deus havia feito no passado poderia fazer no presente e
que para Ele nada é impossível. Mas esqueceu-se de tudo isso. Não pensou
em mais nada além daquilo que o mero raciocínio e o senso humanos
sustentam. Nos assuntos espirituais, é comum acontecer que, onde começa
a razão, termina a fé.
Tiremos uma lição sábia do erro de Zacarias. Sua falta é daquelas a
que o povo de Deus, em todas as eras, tem sido muito suscetível. Abraão,
Isaque, Moisés, Ezequias ou Josafá nos ensinam que um crente verdadeiro
pode, às vezes, ser tomado pela incredulidade. Esta é uma das primeiras
fraquezas que atacou o coração humano no dia da Queda, quando Eva
creu no diabo em vez de crer no Senhor. Trata-se de um dos pecados mais
profundamente arraigados; atormenta os santos, e dele nunca ficam intei
ramente libertos antes da morte. Oremos diariamente: “Senhor, au
menta-me a fé” . Que jamais coloquemos em dúvida o fato de que, quando
Deus diz uma coisa, irá cumpri-la realmente!
Nestes versículos vemos também a porção e o privilégio dos anjos
de Deus. Eles trazem mensagens à igreja de Deus. Desfrutam da presença
direta do Senhor. O mensageiro celestial que aparece a Zacarias reprova
sua incredulidade, dizendo-lhe quem ele é: “Eu sou Gabriel, que assisto
diante de Deus, e fui enviado para falar-te” .
O nome “Gabriel” sem dúvida alguma terá enchido o coração de
Zacarias de humilhação, fazendo-o ver a si mesmo. Ter-se-á lembrado
que o mesmo Gabriel, 490 anos antes, trouxera a Daniel a profecia das
setenta semanas e dissera-lhe como o Messias teria de ser morto (Dn
9.26). Sem dúvida, Zacarias teve de ver o contraste entre a sua triste in
credulidade, manifestada enquanto pacificamente ministrava como sacer
dote no templo do Senhor, e a fé demonstrada por Daniel, que morava
cativo na Babilônia, enquanto o templo em Jerusalém permanecia em
ruínas. Zacarias aprendeu naquele dia uma lição que nunca mais pôde
esquecer.
O relato que Gabriel faz do seu ministério deve suscitar em nós um
profundo sondar do coração. Este espírito poderoso, muitíssimo maior
em poder e inteligência do que nós, considera o seu maior privilégio
assistir “diante de Deus” e fazer a sua vontade. Que o nosso desejo e
objetivo estejam orientados na mesma direção. Que nos esforcemos por
14 Lucas 1.18-25
nos fortalece. Não há provação severa demais, que não possa ser suportada.
A graça de Deus é a nossa suficiência. Não há promessa grande demais,
que não possa ser cumprida. As palavras de Jesus jamais passarão; e
aquilo que prometeu, Ele é fiel para cumpri-lo. Não há dificuldade que
seja tão grande que um crente não possa vencê-la. Se Deus é por nós,
quem será contra nós? A montanha se tornará plana. Que estes princípios
estejam constantemente em nossos corações. A receita do anjo é remédio
de valor incalculável. A fé nunca descansa tão calma e pacificamente
como quando repousa a sua fronte no travesseiro da onipotência de Deus!
Por fim, observemos a aquiescência imediata e humilde da virgem
Maria à vontade revelada de Deus para com ela. Maria diz ao anjo:
“Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua
palavra” . Há muito mais graça admirável nesta resposta do que se pode
observar à primeira vista. Se refletirmos por um momento, perceberemos
que tornar-se a mãe do Senhor por meio desse método desconhecido e
misterioso não era questão insignificante. A longo prazo, traria consigo
grande honra; todavia, no presente, representava um risco enorme para a
reputação de Maria e grande prova para a sua fé. Ela estava disposta a
enfrentar todo esse risco e provação! Não fez qualquer outra pergunta.
Não levantou quaisquer outras objeções. Aceitou a honra que lhe foi
conferida, tanto quanto os perigos e inconveniências que a acompanhavam.
“Aqui está” , diz ela, “a serva do Senhor” .
Procuremos, na prática diária do cristianismo, ter o mesmo precioso
espírito de fé que vemos em Maria. Estejamos prontos a ir onde quer que
seja, a fazer o que quer que seja e a ser quem quer que seja, não nos im
portando com as inconveniências imediatas do presente, desde que este
jamos certos da vontade de Deus, vendo claramente qual o caminho do
dever. Será bom lembrarmos das palavras do bom Bispo Hall, a respeito
desta passagem: “Toda a disputa com Deus, depois de revelada a sua
vontade, nasce da infidelidade; não há prova mais nobre de fé do que
levarmos cativos ao Criador todos os poderes da nossa vontade e razão e,
sem fazer objeções, seguirmos incontinenti para onde Ele nos mandar” .
lemos: “E toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de
Deus Pai” (Fp 2.11).
F in alm en te, cabe-nos o b serv ar n esta passagem a elevada
consideração que Isabel confere à graça da fé . “Bem-aventurada” , disse
ela, “a que creu” . Não nos deve causar espanto que essa mulher santa
elogie dessa forma a fé. Sem dúvida, ela estava familiarizada às Escrituras
do Antigo Testamento. Sabia bem que grandes obras a fé realizara. Qual
a história dos santos de Deus de todas as épocas, senão o registro de
homens e mulheres que obtiveram bom testemunho pela fé? Qual a história
singela, desde Abel, senão a narrativa de pecadores redimidos que creram
e, por isso, foram abençoados? Pela fé, apossaram-se de promessas.
Viveram e andaram pela fé; suportaram duras provações; contemplaram
um Salvador ainda não visto e bênçãos que ainda viriam. Pela fé, lutaram
contra o mundo, a carne e o diabo; foram vencedores e chegaram ao lar
em segu-rança. E a virgem Maria estava provando que fazia parte desse
grupo precioso de pessoas. Não admiremos que Isabel tenha dito: “Bem-
aventurada a que creu” !
Será que conhecemos apenas um pouquinho dessa fé tão preciosa?
Esta é, afinal, a pergunta que nos preocupa. Conhecemos alguma coisa da
fé exercida pelos eleitos de Deus, a fé que é uma realização divina? (Tt
1.1; Cl 1.12) Que jamais demos descanso à nossa alma até que conheçamos
essa fé por experiência. E, uma vez experimentada, que jamais deixemos
de orar para que ela cresça abundantemente. E mil vezes melhor ser rico
em fé do que em ouro. O ouro não terá valor no reino invisível para o
qual estamos nos dirigindo. A fé será reconhecida naquele reino diante de
Deus Pai e dos santos anjos. Quando se estabelecer o grande trono branco
e forem abertos os livros, quando os mortos deixarem os seus túmulos e
receberem a sentença final, então o valor real da fé será totalmente
conhecido; os homens saberão, se não o souberam antes, que verdadeiras
são as palavras: “Bem-aventurados os que creram!”
quanto à maneira de Deus agir com o seu povo. Ele é sempre o mesmo. O
que fez por seu povo no passado, está pronto a fazer no futuro. Esse
estudo nos ensinará quanto ao que esperar, nos ajudará a recusar ex
pectativas infundadas e nos encorajará quando estivermos desanimados.
Feliz o homem cujo coração está bem abastecido desse conhecimento,
pois o estudo da história bíblica o tornará paciente e cheio de esperança.
Por último, notemos a visão firm e que Maria tinha das promessas
bíblicas. Ela terminou o seu cântico de louvor com a declaração de que
Deus abençoou Israel, “a fim de lembrar-se da sua misericórdia” , e que
agiu “como prometera aos nossos pais” . Estas palavras demonstram
claramente que ela se lembrava da promessa feita a Abraão: “Em ti serão
benditas todas as famílias da terra”. Fica bem claro que, ao aproximar-se
o nascimento de seu Filho, ela considerou que esta promessa estava para
cumprir-se.
Aprendamos do exemplo dessa mulher santa a lançar mão firme das
promessas de Deus. Fazê-lo é de grande importância para a nossa paz
pessoal. As promessas são, na verdade, o maná que devemos comer e a
água que devemos beber diariamente, enquanto atravessamos o deserto
deste mundo. Ainda não vemos todas as coisas subjugadas. Ainda não
vemos a face de Jesus, e o céu, e o Livro da Vida, e as mansões que Ele
nos foi preparar. Andamos pela fé, ê essa fé descansa nas promessas.
Mas, nessas promessas, podemos descansar confíadamente. Elas sustentam
to-do o peso que pusermos sobre elas. Um dia, à semelhança de Maria,
descobriremos que Deus cumpre o que diz, cumprindo-o sempre na hora
certa.
vibrante da bondade que devemos uns para com os outros. Está escrito
que “participaram do seu regozijo” . Como haveria mais felicidade neste
mundo mau, se o comportamento dos amigos de Isabel fosse mais comum!
Simpatizarmos com as alegrias e as tristezas dos outros custa muito pouco;
além disso, é uma qualidade de grande influência. Tal como o óleo colocado
nas rodas de uma grande máquina, pode parecer uma coisa insignificante
e sem importância, todavia, exerce uma influência tremenda sobre o bem-
estar e o bom andamento da máquina da sociedade. Uma palavra amiga
de estímulo ou de conforto raramente é esquecida. O coração alentado
por boas novas, ou abatido pela aflição, é especialmente sensível, e uma
demonstração de simpatia torna-se para ele algo mais precioso do que o
ouro.
O servo de Jesus fará bem em lembrar dessa qualidade. Pode parecer
uma “qualidade menor” , e, no meio do alarido das controvérsias e das
batalhas pelas grandes doutrinas, podemos, infelizmente, negligenciá-la.
Todavia, ela é um daqueles ganchos do tabernáculo que jamais devemos
abandonar no deserto. É um daqueles enfeites do caráter cristão que o
tornam atraente aos olhos dos homens. Não nos esqueçamos de que está
recomendada por um preceito especial: “Alegrai-vos com os que se alegram
e chorai com os que choram” (Rm 12.15). Colocá-la em prática parece
que atrai bênçãos especiais. Os judeus que foram confortar Marta e Maria
em Betânia testemunharam o maior milagre que Jesus realizou. Além
disso, essa virtude é recomendada por Aquele que é o Exemplo Perfeito:
o Senhor estava pronto a ir tanto a uma festa de casamento quanto a
chorar à beira de um túmulo (Jo 2.1-11; 11.1-46). Estejamos sempre
dispostos a imitá-Lo, indo e fazendo o que Ele fez!
Vemos na conduta de Zacarias, aqui apresentada, um exemplo
contundente do benefício que traz a aflição. Ele se opôs ao desejo dos
amigos, que queriam dar seu nome ao recém-nascido. Apegou-se com
firmeza ao nome “João” , nome que o anjo Gabriel dissera que se deveria
dar ao menino. Mostra, assim, que a sua longa mudez de nove meses não
lhe foi infligida em vão. Deixou a incredulidade e passou a crer. Agora,
ele crê em cada palavra que lhe foi dita pelo anjo Gabriel; e cada palavra
da mensagem dele tem de ser obedecida.
Não tenhamos dúvidas de que esses nove meses foram de grande
proveito para a alma de Zacarias. É provável que tenha aprendido mais
sobre a sua própria alma e sobre o Senhor do que jamais soubesse. A sua
conduta o provou. A correção se mostrou instrutiva. Ele se envergonhou
da própria incredulidade. Como Jó, pôde dizer: “Eu te conhecia só de
ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (Jó 42.5). Como Ezequias,
quando foi desamparado pelo Senhor, ele também pôde descobrir o que
estava em seu coração (2 Cr 32.31).
26 Lucas .1.57-66
Estejamos alerta, para que a aflição nos faça bem, como o fez a
Zacarias. Não estamos isentos de problemas num mundo que jaz totalmente
no pecado. “O homem nasce para o enfado, como as faíscas das brasas
voam para cima” (Jó 5.7).
Porém, quando estivermos sendo afligidos, a nossa oração incessante
deve ser no sentido de que possamos atentar para a aflição e para quem a
enviou; que aprendamos dela a sabedoria, ao invés de embrutecermos os
nosso coração contra o Senhor. “Aflições santificadas” , disse um antigo
teólogo, “são crescimento espiritual” . A aflição que nos humilha e nos
leva para mais perto do Senhor é uma bênção e um completo lucro. Não
há caso mais sem esperança que o do homem que, no tempo da aflição, dá
as suas costas a Deus. Há um nota terrível registrada contra um dos reis
de Judá: “No tempo da sua angústia, cometeu ainda maiores transgressões
contra o S enhor ; ele mesmo, o rei Acaz” (2 Cr 28.22).
Vemos no início da história de João Batista o tipo de bênção que
devemos desejar para todas as criancinhas. Lemos que “a mão do Senhor
estava com ele” . Não é dito claramente o significado destas palavras.
Cabe-nos decifrar o seu significado a partir da promessa feita antes do
nascimento de João e do tipo de vida que ele viveu todos os seus dias. Não
duvidemos do fato de que a mão do Senhor estava com João para santificar
e renovar o seu coração, para ensiná-lo e prepará-lo para o seu ministério,
para fortalecê-lo em toda a sua obra como precursor do Cordeiro de Deus,
para encorajá-lo em sua tarefa corajosa de denunciar os pecados dos homens
e para confortá-lo em suas últimas horas de vida, quando foi decapitado
na prisão. Sabemos que ele foi cheio do Espírito desde o ventre materno.
Não temos como duvidar que, desde os seus primeiros dias, a presença do
Espírito poderia ser vista em suas atitudes. Na sua infância ou na idade
adulta, o poder marcante de uma grande obra celestial manifestava-se
nele. Esse poder era “a mão do Senhor” .
Esta é a herança que devemos buscar para os nossos filhos. Trata-se
da melhor, mais feliz e única herança que nunca poderá perder-se e que
permanecerá para sempre. É bom ter sobre eles “a mão” de professores e
mestres, mas é muito melhor ter “a mão do Senhor” . Poderemos ficar
agradecidos se eles alcançarem o favor do Senhor. A mão do Senhor é mil
vezes melhor que a mão de Herodes. Esta, é fraca, fútil e incerta. Hoje,
afaga; amanhã, corta a cabeça. Aquela é onipotente, completamente sábia
e imutável. Ela sustenta eternamente. Bendigamos a Deus porque Ele
nunca muda. O que Ele era nos dias de João Batista, ainda é hoje. O que
fez pelo filho de Zacarias, pode fazer pelos nossos meninos e meninas.
Mas Ele espera que Lho peçamos. Se desejamos ver a mão do Senhor
sobre os nossos filhos, temos de buscá-Lo diligentemente.
Lucas 1.67-80 27
Os Anjos Anunciam
o Nascimento de Jesus aos Pastores
Leia Lucas 2.8-20
Jesus é Circuncidado
e Apresentado no Templo
Leia Lucas 2.21-24
que “nele não existe pecado” , quer original, quer atual (1 Jo 3.5). O fato
de ter sido circuncidado não indica, de forma alguma, que houve o reco
nhecimento de que em seu coração havia qualquer tipo de tendência à cor
rupção. Não se tratava de uma confissão de pecado e de carência da
graça, para que as obras da carne fossem mortificadas. É preciso que
tenhamos estas verdades bem claramente destacadas em nossa mente.
Que nos baste a lembrança de que a circuncisão do Senhor era o seu
testemunho público para Israel de que, segundo a carne, Ele era judeu,
nascido de uma mulher judia, e “nascido sob a lei” (G1 4.4). Sem isso,
Ele não poderia ter satisfeito as exigências da lei. Não poderia ser
reconhecido como filho de Davi e descendente de Abraão. Além do mais,
lembremo-nos de que a circuncisão era quesito absolutamente necessário
para que Ele pudesse ser ouvido como Mestre em Israel. Incircunciso,
não poderia tomar parte de nenhuma assembléia regular dos judeus e não
teria direito a qualquer das ordenanças judaicas. Seria visto por todos os
judeus como alguém em nada melhor do que um gentio incircunciso e
como alguém que havia apostatado da fé dos patriarcas.
Que a submissão de Jesus a uma ordenança da qual Ele não precisava
para Si mesmo se torne uma lição para nós em nossa vida diária. Que
possamos suportar tudo, ao invés de fazermos aumentar as agressões que
tem sofrido o evangelho ou de atrapalharmos, de alguma forma, a causa
de Deus. É preciso que ponderemos freqüentemente as palavras de Paulo:
“Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar
o maior número possível. Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim
de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu
mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei... Fiz-me
tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1
Co 9.19-22). O homem que escreveu estas palavras andou bem junto às
pegadas do seu Mestre crucificado.
O segundo aspecto a chamar a nossa atenção nesta passagem é o
nome que o Senhor recebeu por mandado explícito de Deus. “Deram-Lhe
o nome de JESUS, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido” . O
nome Jesus significa “Salvador” . É o mesmo nome “Josué” do Antigo
Testamento. A escolha do seu nome é muito instrutiva e notável. O Filho
de Deus desceu do céu não somente para ser o Salvador, mas também o
Rei, o Legislador, o Profeta, o Sacerdote, o Juiz de uma raça decaída. Se
Ele reivindicasse um só desses títulos, teria, simplesmente, reivindicado
aquilo que é seu por direito. Mas Ele não os levou em conta. Escolheu um
nome que fala da misericórdia, da graça, do socorro e da libertação trazidas
ao mundo perdido. Ele deseja ser conhecido principalm ente como
Libertador e Redentor.
Perguntemos a nós mesmos: quanto conheço do Filho de Deus?
36 Lucas 2.21-24
Será que Ele é o meu Jesus, isto é, o meu Salvador? Esta é a pergunta que
mexe diretamente com a questão da nossa salvação. Não nos contentemos
em conhecer Jesus como alguém que realizou grandes milagres ou como
alguém que pregou como jamais se pregou; nem nos contentemos em
conhecê-Lo como Aquele que é o próprio Deus que um dia julgará o
mundo. Tenhamos certeza de que o conhecemos por experiência — como
Aquele que nos libertou da culpa e do poder do pecado e nos redimiu da
escravidão de satanás. Esforcemo-nos para dizer: “Ele é o meu Amigo.
Eu estava morto, e Ele deu-me vida! Era prisioneiro, e Ele me libertou!” .
O nome de Jesus é realmente precioso para todos os verdadeiros crentes!
É “como ungüento derramado” (Ct 1.3). Restaura os perturbados, conforta
os abatidos, na doença, afofa-lhes o travesseiro, sustenta-os na hora da
morte. “Torre forte é o nome do S enhor , à qual o justo se acolhe e está
seguro” (Pv 18.10).
O último aspecto a chamar a nossa atenção nesta passagem é a
condição pobre e humilde de Maria, a mãe do Senhor. Trata-se de um
aspecto que, à primeira vista, poderá não parecer muito evidente nestes
versículos. Mas, se consultarmos o capítulo 12 de Levítico, tudo ficará
esclarecido. Ali, é ensinado que a oferta feita por Maria era a determinada
para os pobres: “Mas, se as suas posses não lhe permitirem trazer um
cordeiro, tomará, então, duas rolas ou dois pombinhos” (Lv 12.8). Sua
oferta, portanto, era uma declaração pública de que ela era pobre.
Fica bem claro que a pobreza foi a porção do Senhor sobre esta terra
desde os seus dias mais tenros. Como bebê, recebeu alimento e cuidados
de uma mulher pobre. Passou os primeiros trinta anos de sua vida na terra
sob o teto de um homem pobre e enfrentou todos os problemas que um
pobre enfrenta. Que humildade realmente maravilhosa! Ultrapassa a
compreensão humana. Que os pobres sejam sempre encorajados por tais
fatos. Isso os ajudaria a deixar de lado a murmuração e reclamações,
coope-rando grandemente para que aprendessem a aceitar a sua dura
porção. O simples fato de que Jesus nasceu de uma mulher pobre e viveu
entre os pobres toda a sua vida nesta terra faz silenciar o argumento que
diz que “o cristianismo não é para os pobres” ; deve, principalmente,
encorajar cada crente pobre em sua ida ao trono da graça por meio da
oração. Que ele lembre em todas as suas orações que o seu grande
Mediador celeste sabe o que é a pobreza e conhece por experiência o
coração de um pobre. Como seria bom para este mundo, se os trabalhadores
realmente percebessem que Jesus é o verdadeiro Amigo dos pobres.
Lucas 2.25-35 37
Senhor. Fala como alguém que sabe para onde irá, quando deixar esta
vida, e não tem medo de ir logo. A sua mudança será para melhor, e ele
a deseja logo.
O que faz com que um mortal chegue a usar uma tal linguagem? O
que pode nos libertar do pavor da morte do qual tantos são escravos? O
que pode remover o aguilhão da morte? Só há uma resposta a estas
perguntas. Nada, além de uma fé firme. A fé que se firma num Salvador
invisível, que descansa nas promessas de um Deus invisível. A fé, e tão
somente a fé, pode levar um homem a encarar a morte e dizer: “Estou
partindo em paz” . Não é o suficiente alguém estar cansado de dores ou de
doenças, pronto a aceitar qualquer coisa para sair desta situação penosa.
Não é o suficiente sentir indiferença pelo mundo devido ao fato de que
não tem mais forças para participar de suas atividades e desfrutar dos seus
prazeres. Precisamos ter mais do que isto, se desejamos partir em
verdadeira paz. Precisamos de fé igual à do velho Simeão — aquela fé que
é um dom de Deus. Sem essa fé, podemos morrer silenciosamente e poderá
parecer que em nós “não há preocupações” (S173.4). Porém, se morrermos
sem a verdadeira fé, nunca teremos paz ao nos encontrarmos no mundo
por vir.
Observamos, também, no cântico de Simeão que visão clara da
obra e dos ofícios de Jesus alguns crentes judeus tinham, antes mesmo de
o evangelho ser pregado. Vemos este querido velhinho falando de Jesus
como a salvação preparada por Deus — “luz para revelação aos gentios,
e para glória do teu povo de Israel” . Como teria sido bom para os instruí
dos escribas e fariseus dos dias de Simeão, se eles tivessem sentado aos
seus pés para ouvi-lo.
Jesus foi realmente uma luz para alumiar os gentios. Sem Ele, per
maneceriam afundados nas trevas e superstições. Não conheciam o caminho
da vida. Adoravam a obra de suas próprias mãos. Seus filósofos mais
sábios eram totalmente ignorantes no que se refere às coisas espirituais.
“Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22). O evangelho
de Jesus foi como o nascer do sol para a Grécia, Roma e todo o mundo
pagão. A luz que brilhou no coração dos homens com relação às coisas
espirituais trouxe tão grande mudança quanto o dia traz à noite.
Jesus foi, também, a glória de Israel. A descendência de Abraão, as
alianças, as promessas, a lei de Moisés, o culto divinamente ordenado no
templo — tudo era um grande privilégio. Mas, nada significam, quando
comparados ao fato maravilhoso de que foi em Israel que nasceu o Salvador
do mundo. A maior honra para a nação judaica seria a de que a mãe de
Jesus era judia e de que o sangue dAquele que, “segundo a carne, veio da
descendência de Davi” faria expiação pelo pecado de toda a humanidade
(Rm 1.3).
Lucas 2.25-35 39
contra Ele? Nós O amamos ou O desprezamos? Sua doutrina nos faz tro
peçar ou representa a vida para nós? Que jamais nos permitamos descansar
até que estas questões sejam respondidas satisfatoriamente.
o seu melhor Amigo, a respeito das coisas que diziam respeito à paz da
sua alma. Nunca se cansava de implorar-lhe pelos outros e, acima de tu
do, pelo cumprimento das suas promessas messiânicas.
Ana foi uma mulher que manteve boa comunhão com os demais
crentes. Assim que viu Jesus, “falava a respeito do m enino” aos seus co
nhecidos de Jerusalém, com quem certamente mantinha um relacionamento
amigável. Havia um traço de união entre ela e todos os que mantinham a
mesma esperança. Eram servos do mesmo Mestre e peregrinos que
rumavam para o mesmo lugar!
Ana recebeu uma rica recompensa por toda a sua diligência no
trabalho de Deus, antes mesmo de deixar este mundo. Foi-lhe permitido
ver Aquele que há tanto tempo havia sido prometido e por cuja vinda ela
tanto havia orado. Finalmente, sua fé transformou-se num fato visível e
sua esperança, numa certeza. A alegria desfrutada por essa mulher santa
deve ter sido realmente “indizível e cheia de glória” (1 Pe 1.8).
Seria bom que todas as mulheres crentes considerassem o caráter de
Ana e dele aprendessem. Os tempos, sem dúvida, mudaram profundamente;
os compromissos sociais dos crentes são muito diferentes daqueles dos
judeus piedosos de Jerusalém. Nem todas as irmãs são colocadas por
Deus na condição de viúvas. Mesmo assim, depois de considerarmos todas
as diferenças, permanece muita coisa na história da vida de Ana que vale
a pena imitar. Quando lemos sobre a sua firmeza, santidade, vida de
oração e autonegação, não podemos deixar de desejar que muitas das
filhas da igreja cristã se esforcem por parecer com ela.
Em segundo, observemos nesta passagem a descrição que se fa z dos
santos que viviam em Jerusalém na época do nascimento de Jesus. Eram
pessoas “que esperavam a redenção” . A fé, como veremos sempre, é
marca universal do caráter dos eleitos de Deus. Os homens e mulheres
aqui descritos, habitando numa cidade em que imperava o mal, andavam
por fé e não por vista. Não se deixaram levar pela maré de mundanismo,
formalidade e justiça própria que os cercava. Não estavam infectados
pelas esperanças carnais nutridas pela maioria dos judeus, de um Messias
mera-mente político. Viviam a fé professada pelos patriarcas e profetas,
os quais criam que o Redentor traria santidade e retidão, e cuja vitória
maior seria sobre o pecado e o diabo. Era por um Redentor assim que
esperavam paci-entemente. Por essa vitória ansiavam com todas as forças.
Aprendamos dessa gente boa, pois, se eles, com tão pequena ajuda
e tantos desencorajamentos, viveram tal vida de fé, quanto mais nós
devemos vivê-la, tendo a Bíblia e o evangelho completo. Esforcemo-nos,
como eles, por andar pela fé, olhando para frente. A segunda vinda de
Jesus ainda ocorrerá. A “redenção” completa desta terra do pecado, de
Satanás e da maldição ainda acontecerá. Deixemos bem claro por meio de
42 Lucas 2.36-40
nossa vida e conduta que estamos aguardando ansiosos essa segunda vinda.
Estejamos certos de que o cristianismo mais exemplar, também nestes
nossos dias, consiste em esperar a redenção e amar a vinda do Senhor
(Rm 8.23; 2 Tm 4.8).
Observemos, por fim, nesta passagem, que prova clara temos de
que o Senhor Jesus fo i verdadeiramente tanto homem quanto Deus. Lemos
que, José e Maria voltaram à sua cidade de Nazaré e “crescia o menino e
se fortalecia” . Sem dúvida, há muita coisa profundamente misteriosa na
pessoa do Senhor Jesus. Como a mesma pessoa podia ser, ao mesmo
tempo, perfeitamente Deus e perfeitamente homem é uma questão que
necessariamente ultrapassa a nossa compreensão. Como, até onde e em
que proporção Ele exerceu aquela sabedoria divina que necessariamente
possuía, em seus primeiros anos de vida terrena, não temos como explicar.
Trata-se de algo profundo demais. Não podemos alcançá-lo.
Há algo perfeitamente claro, ao qual faremos bem em nos apegar com
firmeza. O Senhor participou de tudo o que pertence à natureza humana,
exceto o pecado. Como homem, foi criança. E cresceu, deixando de ser
bebê para tomar-se um menino. Cresceu, ano a ano, em força física e em
sabedoria, até atingir a idade adulta. Ele participou no sentido mais completo
possível, exceto o pecado, de todos os estágios por que passa o corpo humano:
sua fragilidade ao nascer, os primeiros passos, o crescimento normal até
chegar à maturidade. Saber isto deve satisfazer-nos. E inútil querer ir além;
é muito importante sabê-lo claramente. O desejo de especular o que não foi
revelado tem levado pessoas a heresias loucas.
Uma preciosa lição prática é ressaltada por esta verdade, e não deve
ser desprezada. O Senhor pode compreender perfeitamente os homens em
cada estágio de sua existência: do berço à sepultura. Tem experiência do
que é o temperamento de uma criança, de um menino e de um jovem; já
foi um deles, ocupou a posição deles, conhece o seu coração. Nunca nos
esqueçamos desta verdade ao tratarmos com os jovens a respeito de sua
alma. Confiantemente, falemos a eles que no céu há Alguém, à direita de
Deus, que é a Pessoa mais indicada para ser o Amigo deles. Aquele que
morreu na cruz um dia foi um menino e tem interesse especial pelos
meninos e meninas, bem como pelos adultos.
em Jerusalém aos doze anos. Durante quatro dias, esteve longe dos olhos
de José e Maria. “Aflitos” , eles o procuraram por três dias, sem saber o
que Lhe acontecera. Quem pode imaginar a ansiedade de sua mãe, ao
perdê-Lo? Mas onde Ele finalmente foi encontrado? Não desperdiçando o
seu tempo, ou fazendo traquinagens, como fazem muitos meninos de doze
anos. Nem em companhia de gente fütil. Acharam-no “no templo, assentado
no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os” .
Assim devem ser os membros mais jovens das famílias crentes: sérios
e dignos de confiança, tanto na presença quanto na ausência de seus pais.
Devem procurar a companhia de pessoas sábias e prudentes, procurando
aproveitar todas as oportunidades que lhes surgirem para crescerem
espiritualmente, antes que as lutas da vida lhes sobrevenham e enquanto
sua mente é jovem e forte.
Que os jovens crentes considerem atentamente estas coisas, tomando
para si o exemplo de conduta que Jesus demonstrou com apenas doze
anos de idade. Lembrem-se de que, se já têm idade suficiente para pecar,
têm idade suficiente para andar corretamente. Se já sabem ler histórias e
conversar, podem ler a Palavra e orar. Lembrem-se de que são responsáveis
diante de Deus, ainda que sejam jovens, e de que está escrito: “Deus...
ouviu a voz do menino” (Gn 21.17). Felizes as famílias em que os filhos
“buscam cedo ao Senhor” e não fazem chorar os seus pais. Felizes os pais
que, na ausência dos filhos, podem dizer: “Acredito que os meus filhos
não irão intencionalmente cometer pecado” .
Por último, aprendamos desta passagem um exemplo para todos os
crentes verdadeiros. Nós o achamos nas palavras tocantes que Jesus dirigiu
a Maria, quando esta Lhe disse: “Filho, por que fizeste assim conosco?”
— “Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai?” Em suas
palavras havia implícita uma leve reprimenda. Isso, para lembrar a sua
mãe que Ele não era uma pessoa comum e que viera ao mundo para
realizar uma tarefa incomum. Jesus fez Maria lembrar-se de que ela estava
se esquecendo de que Ele viera ao mundo de forma incomum e que ela
jamais poderia esperar que Ele ficaria residindo incógnito para sempre
em Nazaré. Tratava-se de um lembrete solene de que, como Deus, Ele
tinha um Pai no céu e que a obra do seu Pai exigia dEle toda a prioridade.
Esta expressão é daquelas que devem penetrar profundamente no
coração de todo o povo de Jesus. Deve imprimir em cada crente o objetivo
a alcançar em sua vida diária, assim como deve ser o padrão pelo qual
devem provar seus hábitos e conversas. Deve despertá-los, quando
começarem a relaxar. Deve alertá-los quando começarem a sentir o desejo
de voltar para o mundo. Estamos envolvidos com os negócios do Pai?
Estamos andando nos passos de Jesus? Estas perguntas haverão de
humilhar-nos constantemente, fazendo-nos sentir vergonha de nós mesmos.
Lucas 2.41-52 45
Todavia, são de uma utilidade tremenda para a nossa alma. Uma igreja
nunca está em situação tão saudável como quando os seus membros lutam
por alcançar o elevado objetivo de em tudo serem iguais a Jesus!
os únicos pontos de interesse para a nossa salvação. Será inútil para alguém
o ter corrido em suas veias o sangue de Abraão, se não teve a fé exercida
por Abraão, nem praticou as obras de Abraão.
Finalmente, observemos o sábio teste de sinceridade que João Batista
aplicou à consciência das pessoas de várias classes que procuraram o seu
batismo. Ele ordenou a cada pessoa que se professava arrependida a
começar por desvencilhar-se dos pecados que mais assediavam-na. A
multidão egoísta devia começar a mostrar-se mutuamente caridosa. Os
publicanos não deveriam cobrar “mais do que o estipulado” . Os soldados
a ninguém deveriam maltratar e deveriam contentar-se “com o soldo” que
recebiam. Ele não quis dizer que, ao agir assim, as pessoas expiariam os
seus pecados e teriam paz com Deus. Mas quis mostrar que, agindo dessa
forma, as pessoas provariam estar sinceramente arrependidas.
Deixemos esta passagem, levando conosco a profunda convicção da
sabedoria que há nesta maneira de se tratar com as almas, especialmente
com as almas daqueles que estão começando a professar a vida cristã.
Acima de tudo, vejamos aqui a maneira certa de nós mesmos provarmos
o nosso coração. Não devemos nos contentar em falar contra pecados
que, por nosso temperamento natural, não nos seduzem, enquanto tratamos
com brandura aqueles pecados a que nos inclinamos. Deixemos os pecados
que mais nos assediam. Contra eles dirijamos os nossos maiores esforços.
Contra eles declaremos guerra incessante. Que os ricos abandonem os
pecados dos ricos, e os pobres, os dos pobres; que os jovens abandonem
os pecados próprios da mocidade, e os velhos, os próprios da velhice.
Este é o primeiro passo para provar que estamos agindo com seriedade,
ao começarmos a reconhecer o estado da nossa alma. Somos honestos?
Somos sinceros? Se o somos, comecemos por analisar a nossa casa, nosso
íntimo.
O Batismo de Jesus;
A Genealogia de Maria, Traçada até Adão
Leia Lucas 3.21-38
A Incredulidade e Perversão
dos Habitantes de Nazaré
Leia Lucas 4.23-32
alguém tão bem conhecido quanto este moço seja o Cristo?’ Com isto,
receberam de Jesus esta solene afirmação: “Nenhum profeta é bem recebido
na sua própria terra” .
Faremos bem em aplicar esta lição no que se refere às ordenanças e
aos meios da graça. Estamos em perigo de menosprezá-los porque deles
nos utilizamos com freqüência. Estamos propensos a pensar levianamente
a respeito da leitura da Bíblia, da proclamação do evangelho e da liberdade
de nos reunirmos para a adoração pública. Crescemos em meio a tais
privilégios; estamos acostumados com eles, sem enfrentarmos qualquer
p ro b lem a. O resultado é que freqüentem ente os consideram os triv iais e
subestimamos a extensão destas bênçãos. Cuidemos de nossa própria atitude
ao nos servirmos destes privilégios sagrados. Se lemos a Bíblia com
freqüência, jamais o façamos sem profunda reverência. Se constantemente
ouvimos sobre a pessoa de Cristo, nunca esqueçamos que Ele é o único
Mediador, em quem encontramos a vida. Os israelitas, no deserto, escar
neceram do próprio maná que caía do céu, chamando-o de “pão vil” (Nm
21.5). Nossas almas se encontram em péssima condição, quando temos
Cristo entre nós e, por causa de nossa familiaridade com Ele, O subes
timamos com leviandade.
Em segundo, vemos que a natureza humana odeia intensamente a
doutrina da soberania de Deus. Percebemos este fato na atitude dos
habitantes de Nazaré, quando nosso Senhor lhes recordou que Deus não
tinha qualquer obrigação de realizar milagres entre eles. Não havia muitas
viúvas em Israel no tempo de Elias? Sem dúvida, havia. No entanto, ele
não foi enviado a nenhuma delas. Todas foram deixadas de lado em favor
de uma viúva gentia, em Sarepta. Não havia também muitos leprosos em
Israel nos dias do profeta Eliseu? Com certeza, havia. Contudo, nenhum
deles teve o privilégio de ser curado. Naamã, o siro, foi o único purificado
naquela ocasião. Esse tipo de ensino era insuportável para as pessoas de
Nazaré. Feria o orgulho e auto-estima delas. Dizia-lhes que Deus não era
devedor a qualquer ser humano; e, se eles foram preteridos na concessão
daquelas misericórdias divinas, não tinham direito de achar erro em Deus.
Os habitantes de Nazaré não podiam suportar esse tipo de ensino. “Todos
na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira.” Expulsaram de
sua cidade o Senhor Jesus e, se Ele não tivesse manifestado seu miraculoso
poder, teriam-No assassinado de maneira violenta.
De todas as doutrinas da Bíblia, nenhuma é tão ofensiva ao homem
quanto a da soberania de Deus. Os homens podem suportar o ensino de
que Ele é poderoso, justo, puro e santo. Mas, afirmar, como em Romanos
9, que Ele “tem... misericórdia de quem quer e também endurece a quem
lhe apraz” ; ou que Ele “não dá contas de nenhum dos seus atos” ; ou que
“não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
Lucas 4.23-32 63
A Disposição de Cristo
para Realizar Boas Obras;
A Pescaria Miraculosa
Leia Lucas 5.1-11
A Cura de um Leproso;
O Zelo de Cristo Referente
à Oração em Particular
Leia Lucas 5.12-16
de disposição da parte de Jesus para salvá-los. Ele não deseja que ninguém
pereça, e sim que todos cheguem ao arrependimento (2 Pe 3.9). Ele deseja
que os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (1
Tm 2.4). O Senhor Jesus desejou ter reunido os filhos de Jerusalém,
assim como a galinha ajunta os seus pintinhos, se eles tão-somente
quisessem ser reunidos. Ele desejava, mas eles não quiseram (Mt 23.37).
A culpa pela ruína de um pecador tem de ser dele mesmo. Se ele se perder
para sempre, será culpa de sua própria vontade e não da vontade de Cristo.
Esta é uma verdade solene proferida pelos lábios de nosso Senhor:
“Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40).
Em terceiro, vemos nestes versículos o respeito que Jesus prestou
às cerimônias da lei de Moisés. Ele ordenou ao leproso: “Vai... mostra-
te ao sacerdote” , de acordo com as exigências apresentadas no livro de
Levítico, para que ele fosse oficialmente declarado limpo. O Senhor Jesus
também ordenou ao leproso: “Oferece, pela tua purificação, o sacrifício
que Moisés determinou” . Nosso Senhor bem sabia que as cerimônias da
lei mosaica eram apenas sombras e figuras das coisas excelentes que
estavam por vir e não tinham em si mesmas qualquer poder. Ele bem
sabia que estavam chegando os últimos dias das instituições levíticas e
que em breve elas seriam descartadas para sempre. Mas, enquanto não
tivessem sido ab-rogadas, o Senhor Jesus lhes prestaria respeito. Deus
mesmo as havia esta- belecido. Eram figuras e símbolos do evangelho.
Portanto, não deveriam ser menosprezadas.
Neste incidente temos uma lição que todos os crentes farão bem em
recordar. Tenhamos cuidado para que não desprezemos o cerimonial da
lei, devido ao fato de que seu propósito já se cumpriu. Estejamos atentos
para não negligenciarmos as partes da Bíblia que os apresentam, sob o
pretexto de que o crente evangélico não tem qualquer necessidade daquelas
coisas. É verdade que as trevas já passaram e agora a verdadeira luz
brilha (1 Jo 2.8). Não precisamos de altares, sacrifícios e sacerdotes.
Aqueles que pretendem ressuscitá-los estão acendendo uma vela à luz do
sol ao meio-dia. Porém, embora isto seja verdade, nunca devemos esquecer
que a lei cerimonial está repleta de instruções. Contém, em forma de
botão, o mesmo evangelho que agora conhecemos plenamente de
sabrochado. Se a entendermos corretamente, veremos que a lei cerimonial
oferece explicações ao evangelho de Cristo. Aquele que lê a Bíblia e
negligencia o estudo da lei cerimonial descobrirá que tal negligência causou
prejuízos à sua alma.
Por último, vemos nestes versículos o zelo de nosso Senhor referente
à oração em particular. Embora “grandes multidões” afluíssem “para o
ouvirem e serem curadas de suas enfermidades”, Ele separou tempo para
a devoção pessoal. Ainda que Ele era santo e puro, não permitiria que seu
72 Lucas 5.12-16
A Cura de um Paralítico
Leia Lucas 5.17-26
A Chamada de Levi;
A Festa que Este Realizou na Ocasião
Leia Lucas 5.27-32
Cristo, o Noivo;
Vinho Novo, Odres Novos
Leia Lucas 5.33-39
sábado, Ele disse que este mandamento jamais havia sido dado para impedir
obras de necessidade. Ele os fez recordar que o próprio Davi, quando
teve fome, tomou e comeu os pães da proposição, que poderiam ser comidos
apenas pelos sacerdotes, e que essa atitude foi permitida por Deus, porque
era uma obra necessária. Jesus também argumentou, citando o caso de
Davi, que Deus permitira serem infringidas as normas de seu templo, em
casos de necessidade; esse mesmo Deus sem dúvida permitiria que obras
verdadeiramente necessárias fossem realizadas em seu sábado.
Devemos avaliar com atenção o caráter do ensino de nosso Senhor a
respeito da observância do sábado, tanto nesta quanto em outras passagens
dos evangelhos. Não podemos nos deixar iludir pela idéia de que o dia de
descanso é simplesmente uma ordenança judaica, que foi abolida e rejeitada
pelo Senhor Jesus. Não existe qualquer passagem nos evangelhos que
comprove isso. Sempre que encontramos nosso Senhor falando sobre o
dia de descanso, Ele fala contra os falsos conceitos ensinados pelos fariseus
no que se referia ao sábado; Ele não falava contra a obediência ao quarto
mandamento. Ele purificou o ensino sobre este mandamento, retirando as
adições com as quais os judeus o haviam contaminado; todavia, Jesus
nunca declarou que o crentes não têm o dever de observar o quarto
mandamento. Mostrou que o descanso do sétimo dia não tinha o objetivo
de impedir a realização de obras de necessidade e misericórdia, mas nada
afirmou para deixar implícito que a observância do quarto mandamento
teria de findar, como parte da lei cerimonial.
Vivemos numa época em que uma rigorosa obediência do quarto
mandamento é publicamente denunciada, em algumas alas dos evangélicos,
como um remanescente da superstição judaica. Com ousadia, alguns
asseveram que é correto considerarmos santo o dia de descanso, mas
forçar os crentes a obedecer o quarto mandamento significa um retorno à
servidão. Porém, devemos guardar em nosso coração o fato de que o
quarto mandamento jamais foi rejeitado por Cristo e de que não temos
direito de quebrar esta ordenança na época do Novo Testamento, assim
como não temos o direito de assassinar ou roubar. O arquiteto que
administra reparos em um edifício e o restaura para sua adequada utilização
não é o destruidor e sim o preservador de tal edifício. O Salvador que re
dimiu o sábado, purificando-o das tradições judaicas e, com freqüência,
explicou seu verdadeiro significado nunca deve ser reputado como inimigo
do quarto mandamento. Pelo contrário, Ele o magnificou e o tornou digno
de honra.
Sejamos firmes em observar nosso dia de descanso, servindo-nos
dele como um instrumento para preservar nossa vida espiritual. Guardemo-
nos das investidas de homens ignorantes e astuciosos, que irrefletidamente
transformam o dia do Senhor em um dia de negócios e prazeres. Acima
84 Lucas 6.1-5
homens, além dos apóstolos, foram chamados para fazer tanto em benefício
da igreja e do mundo.
Inicialmente, observemos nestes versículos que a ordenação dos
primeiros ministros do evangelho aconteceu somente após muita oração.
O texto nos diz que Jesus “retirou-se para o monte, a fim de orar, e pas
sou a noite orando a Deus. E, quando amanheceu, chamou a si os seus
discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu também o nome de
apóstolos” . Não há dúvida de que existe profundo significado nesta especial
menção de Jesus orando nesta ocasião. Isto foi mencionado a fim de se
tornar-se uma lição permanente para a igreja. Tinha o objetivo de nos
mostrar a grande importância de orar e interceder pelos ministros do
evangelho e, em especial, na época de sua ordenação. Aqueles que recebem
o encargo de oficiarem a ordenação também devem orar para que “a nin
guém” imponham “precipitadamente as mãos” (1 Tm 5.22). Aqueles que
se candidatam à ordenação devem orar para que não assumam uma obra
para a qual não estão preparados ou não foram enviados. Os leigos da
igreja também deveriam orar para que sejam ordenados apenas aqueles
que são intimamente movidos pelo Espírito Santo. Felizes são aquelas
ordenações em que todos os interessados possuem a mesma maneira de
pensar que houve em Cristo Jesus e se reúnem em espírito de oração.
Desejamos contribuir para o avanço da causa da religião pura e ima
culada no mundo? Jamais esqueçamos de orar pelos ministros do evangelho,
em especial pelos jovens que desejam ingressar no ministério. O progresso
do evangelho depende do caráter e da conduta daqueles que professam
anunciá-lo. Nunca devemos esperar que um pregador não-convertido faça
o bem às pessoas. Ele não pode ensinar corretamente aquilo que não
experimenta em sua alma. Precisamos orar para que a igreja seja livre de
tais homens. Pregadores convertidos são um dom especial de Deus. Os
homens não podem produzi-los. Se desejamos ter bons ministros do
evangelho, precisamos recordar o exemplo de nosso Senhor e orar por
eles. Sua tarefa é árdua; sua responsabilidade, enorme; seu poder, diminuto.
Estejamos amparando e sustentando-os com nossas orações. Neste e em
muitos outros casos, as palavras de Tiago infelizmente se aplicam com
exatidão: “Nada tendes, porque não pedis” (Tg 4.2). Não suplicamos a
Deus que nos conceda uma abundância de jovens convertidos para assu
mirem nossos púlpitos. Ele, por sua vez, castiga a nossa negligência por
não levantar tais jovens na igreja.
Em segundo, observemos nestes versículos quão pouco sabemos a
respeito da posição que ocuparam no mundo os primeiros ministros da
igreja de Cristo. Sabemos que quatro dentre eles eram pescadores; e um,
pelo menos, publicano. A maioria deles era composta de galileus. E,
conforme sabemos do Novo Testamento, nenhum deles era muito rico,
88 Lucas 6.12-19
aqueles que choram e aqueles que são odiados pelos homens. Estas são as
pessoas a respeito das quais o Cabeça da igreja afirmou: “Bem-aventurados
sois” .
Quando lemos estas afirmações, precisamos ter cuidado para não
interpretarmos de maneira incorreta as palavras de nosso Senhor. Em
momento algum devemos imaginar que o simples fato de alguém ser pobre,
estar faminto, sentir tristeza e ser odiado pelos homens lhe dá o direito de
afirmar que está sob a bênção de Cristo. A pobreza aqui mencionada é
aquela que vem acompanhada da graça divina. A fome é aquela que resulta
de uma fiel aproximação ao Senhor Jesus. As aflições são as aflições por
causa do evangelho. A perseguição é aquela que surge por causa de nosso
amor ao Filho de Deus. A fome, a pobreza, as aflições e as perseguições
aqui mencionadas são as conseqüências inevitáveis da fé em Cristo, no
início do cristianismo. Muitos tiveram de desistir de todas as coisas deste
mundo por causa de sua vida cristã. Jesus tinha em mente este tipo de
pessoa quando pronunciou estas palavras. Desejava oferecer especial ânimo
e consolação para eles e para todos os que, como eles, sofrem por amor
ao evangelho.
Em segundo, estes versículos nos falam sobre quem são aqueles
para os quais o Senhor Jesus pronunciou as solenes palavras “Ai de vós ”.
Mais uma vez ouvimos expressões que, à primeira vista, parecem bastante
extraordinárias. “Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação.
Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai de vós,
os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar. Ai de vós, quando
todos vos louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos
profetas.” Afirmações mais severas e mais chocantes do que estas não
podem ser encontradas no Novo Testamento.
No entanto, assim como nas afirmações anteriores, precisamos ter
cuidado para não entendermos erroneamente o significado destas palavras
de Jesus. Não devemos supor que possuir riquezas, ter um espírito de
regozijo e receber elogios dos homens necessariamente constituem provas
de que tais pessoas não são discípulos de Cristo. Abraão e Jó eram ricos.
Davi e Paulo tiveram momentos de intenso regozijo. Timóteo foi um
crente que tinha “bom testemunho dos de fora” (1 Tm 3.7). Estes homens,
nós o sabemos, eram verdadeiros servos de Deus. Todos foram abençoados
nesta vida e receberão seus galardões no dia em que Ele se manifestar.
Quem são aqueles sobre os quais nosso Senhor disse: “Ai de vós”?
São aqueles que se recusam a acumular tesouro nos céus, porque amam as
coisas deste mundo e não desistirão de seus bens, se for necessário, por
amor a Cristo. São pessoas que preferem as alegrias e a suposta felicidade
deste mundo, ao invés de escolherem a paz e alegria resultantes do crer
em Cristo, e não se arriscarão a perder aquelas para ganhar estas. São
Lucas 6.20-26 91
pessoas que amam o louvor que procede dos homens, mais do que o
louvor proveniente de Deus, pessoas que desprezarão a Cristo, ao invés
de desprezar o mundo. Esse é o tipo de pessoa que o Senhor Jesus tinha
em mente quando disse: “Ai de vós” . Ele bem sabia que existiam milhares
destas pessoas entre os judeus, milhares que, apesar de ouvirem seus
sermões e contemplarem seus milagres, amariam mais ao mundo do que a
Ele. O Senhor Jesus tinha certeza de que sempre haveria milhares deste
tipo de pessoas no cristianismo nominal, milhares que, embora convencidos
da verdade do evangelho, jamais desistiriam de qualquer coisa por amor a
Ele. Para todos estes, Jesus pronunciou essas terríveis palavras: “Ai de
vós” .
Uma importante lição se destaca com clareza nestes versículos.
Devemos guardá-la em nosso coração para recebermos sabedoria. Esta
lição é a completa diferença que existe entre a mentalidade de Cristo e as
opiniões habituais dos homens, a completa divergência que existe entre os
pensamentos de Jesus e os conceitos que prevalecem nos homens. As
condições de vida que o mundo reconhece como desejável são as mesmas
sobre as quais nosso Senhor pronunciou maldição. Pobreza, fome, tristeza
e perseguição são coisas que os homens se esforçam para evitar. Riqueza,
abundância, alegria, divertimento, popularidade são exatamente as coisas
que os homens estão sempre lutando para conseguir. Mesmo quando
tivermos dito tudo que pudermos para qualificar, esclarecer e limitar as
palavras de nosso Senhor, ainda permanecerão duas afirmações avas
saladoras que contradizem os ensinos atuais da humanidade. O tipo de
vida que nosso Senhor abençoa é aquele que o mundo detesta. As pessoas
sobre as quais nosso Senhor disse: “Ai de vós” , são estas que o mundo
admira, elogia e segue. Este é um fato terrível, que deve nos levar a exa
minar nosso próprio coração.
Devemos term inar nossas considerações sobre esta passagem
realizando um sincero auto-exame. Indaguemos a nós mesmos o que
pensamos a respeito das maravilhosas afirmações contidas nesta passagem.
Concordamos com o que foi dito por nosso Senhor? Realmente cremos
que a pobreza e a perseguição, suportadas por amor a Cristo, são bênçãos
positivas? Acreditamos que riquezas, satisfações mundanas e popularidade
entre os homens, quando buscadas mais do que a salvação ou preferidas
mais do que o louvor proveniente de Deus, são verdadeiras maldições?
Realmente pensamos que o favor de Cristo, acompanhado de dificuldades
e palavras maldosas da parte dos incrédulos, é mais digno de possuirmos
do que riquezas, diversão e um bom nome entre os homens? Estas são
perguntas importantes, que exigem respostas sérias. Os versículos que
estamos considerando apresentam um eminente teste para comprovar a
realidade de nosso cristianismo. Nenhuma pessoa incrédula jamais gostará
92 Lucas 6.20-26
pessoa não produz os frutos do Espírito, ela não possui o Espírito Santo
em seu coração. Resistamos, considerando-a um erro fatal, à idéia de que
todas as pessoas batizadas são nascidas de novo e de que todos os membros
de igreja têm o Espírito Santo. Uma simples pergunta deve ser nosso cri
tério: que fruto esta pessoa está produzindo? Ela se arrependeu de seus
pecados? De todo o coração, ela crê em Jesus? Ela vive em santidade,
vencendo o mundo? Atitudes como estas são o que a Bíblia chama de
“fruto” . Quando estes ífutos estão ausentes, é um sacrilégio afirmar que
alguém possui o Espírito de Deus em seu coração.
Também este deve ser um firme princípio de nosso cristianismo:
quando a conversa geral de uma pessoa é ímpia, o seu coração está
destituído da graça divina e ainda não se converteu ao Senhor Jesus. Não
devemos aceitar a idéia habitual de que não podemos conhecer o coração
dos outros e de que, embora os homens estejam vivendo de maneira
pecaminosa, em seu íntimo possuem bons corações. Tal idéia é contrária
ao ensino de nosso Senhor. A maior parte da conversa de uma pessoa é
mundana, carnal, contrária às coisas espirituais, ímpia e profana? Então
reconheçamos que esse é o estado de seu coração. Quando a conversa de
um homem em geral está errada, é absurdo e antibíblico afirmar que seu
coração esta correto.
Term inem os esta passagem com uma solene auto-inquirição,
utilizando-a para julgar nosso próprio estado diante de Deus. Que frutos
estamos produzindo em nossas vidas? São os frutos do Espírito, ou não?
Que tipo de evidência nossas conversas fornecem quanto ao estado de
nosso coração? Falamos como pessoas cujo coração são retos diante de
Deus? Não podemos esquivar-nos do ensino apresentado por nosso Senhor
nesta passagem. A conduta é o grande teste do caráter. As palavras são
uma grande evidência do estado de nosso coração.
Senhor disse: “Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que
vos mando?” O próprio Filho de Deus tinha muitos seguidores que pre
tendiam honrá-Lo, chamando-0 “Senhor” , mas não prestavam qualquer
obediência aos seus mandamentos.
O mal que nosso Senhor expôs nesta ocasião sempre existiu na igreja.
Encontrava-se no povo de Deus seis séculos antes da vinda de Jesus, na
época de Ezequiel: “Eles vêm a ti, como o povo costuma vir, e se assentam
diante de ti como meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem
por obra; pois, com a boca, professam muito amor, mas o coração só
ambiciona lucro” (Ez 33.31). Também achava-se na igreja primitiva, nos
dias do apóstolo Tiago: “Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não
somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22). É um mal
que nunca deixou de prevalecer em todo o cristianismo. É uma praga que
destrói a alma e que está constantemente arrastando milhares de pessoas
que ouvem o evangelho ao caminho largo da condenação. Viver aber
tamente no pecado e na incredulidade irrestrita tem vitimado os seus
milhares; mas confessar sem praticar tem vitimado suas dezenas de
milhares.
Devemos gravar em nossa mente que nenhum pecado é tão néscio e
irracional quanto o que Jesus denunciou nesta ocasião. Até o bom senso
deveria nos dizer que possuir o nome de crente ou uma forma de cris
tianismo não traz qualquer proveito para nós, enquanto em nosso coração
per-manecemos apegados ao pecado e vivemos de maneira ímpia. Devemos
ter como um firme princípio de nosso cristianismo que a obediência é a
única evidência correta de que possuímos a fé salvadora e que o simples
confessar com os lábios é mais do que inútil, se não for acompanhado de
santidade no viver. O homem em quem o Espírito Santo realmente habita
jamais se contentará em ficar sossegado, não fazendo coisa alguma para
demonstrar seu amor por Cristo.
Em segundo, observemos nestes versículos que admirável figura
nosso Senhor apresentou do cristianismo do homem que não somente
ouve os ensinos de Cristo, mas também fa z a vontade dEle. O Senhor
Jesus o comparou “a um homem que, edificando uma casa, cavou, abriu
profunda vala e lançou o alicerce sobre a rocha” . O cristianismo desse
homem talvez lhe custe muito. Assim como o edificar a casa sobre a
rocha, pode envolver sofrimento, trabalho árduo e autonegação. Abandonar
o orgulho e a justiça própria, crucificar a carne obstinada, revestir-se da
mentalidade de Cristo, levar a cruz diariamente, reputar todas as coisas
como perda por amor a Cristo — todas estas coisas exigem uma obra in
tensa. Porém, assim como a casa edificada sobre a rocha, este tipo de
cristianismo permanecerá. As enxurradas de aflição podem atingi-lo com
violência e o dilúvio de perseguição investir furiosa nente contra ele, mas
Lucas 6.46-49 99
ele não desistirá. O cristianismo que combina uma boa confissão com a
prática é um edifício que não ruirá.
Por último, observemos que triste figura nosso Senhor apresentou
do cristianismo do homem que ouve os ensinos de Cristo e não os obedece.
Jesus o comparou “a um homem que edificou uma casa sobre a terra sem
alicerces”. O cristianismo deste tipo de pessoa pode parecer bom por
algum tempo. Alguém que não possui discernimento talvez não veja a
diferença entre aquele que possui este tipo de cristianismo e aquele que
tem o verdadeiro. Talvez ambos estejam prestando culto na mesma igreja,
participem das ordenanças, professem a mesma fé. A aparência externa
de uma casa edificada sobre a rocha e uma construída sobre um alicerce
inseguro talvez seja a mesma. Mas o sofrimento e a provação são o teste
pelo qual a mera confissão do cristianismo não pode suportar. Quando a
tempestade e ventos fortes vêm contra a casa que não tem alicerces, as
paredes que pareciam resistentes ao sol e às intempéries terão de ruir. O
cristianismo que consiste apenas de aprender ensino religioso, sem nenhu
ma realização prática, é um edifício que, por fim, será destruído. Grande
será a ruína. Não existe perda maior que a perda da alma.
Esta passagem das Escrituras deve suscitar em nosso coração senti
mentos solenes. As figuras que ela apresenta retratam coisas que estão se
passando diariamente entre nós. Em todos os lugares, vemos milhares de
pessoas edificando para a eternidade, com base em sua atitude de pro
fessarem ser cristãos, esforçando-se para abrigarem suas almas em falsos
refúgios, contentando-se com o simples nome de cristão para viverem,
enquanto estão mortos, e com uma aparência de piedade que não tem
poder algum. Sem dúvida, são poucos os que edificam sua alma sobre a
rocha. Imensa é a perseguição que têm de suportar. Muitos são aqueles
que edificam sobre a areia; e grandes são os desapontamentos e erros que
procedem de suas obras. Com certeza, se existe uma prova de que o ho
mem caiu no pecado e tornou-se cego para as coisas espirituais, podemos
encontrá-la no fato de que a maioria das pessoas, em cada geração, continua
a edificar sobre a areia.
Qual o fundamento sobre o qual estamos edificando? Antes de
qualquer outra coisa, esta é a questão que interessa à nossa alma. Estamos
edificando sobre a rocha ou sobre a areia? Talvez apreciemos ouvir o
evangelho. Aprovamos todas as suas principais doutrinas. Concordamos
com todas as suas afirmações da verdade a respeito de Cristo, do Espírito
Santo, da justificação, da santificação, do arrependimento, da fé, da
salvação, da santidade, da Bíblia e da oração. Mas o que estamos fazendol
Qual é a prática diária de nossa vida, em público ou em particular, em
casa ou na sociedade? Os outros podem dizer a nosso respeito que não
apenas ouvimos, mas também praticamos os ensinos de Cristo?
100 Lucas 6.46-49
a realizada nesta ocasião. Ele vive para retornar ao seu povo, a fim de que
este nunca mais chore e todas as lágrimas sejam enxugadas de seus olhos.
Por último, aprendemos destes versículos o infinito poder de nosso
Senhor, Jesus Cristo. Quanto a isto, não podemos exigir qualquer prova
mais admirável do que o milagre que estamos considerando. Com poucas
palavras, o Senhor Jesus concedeu vida a um jovem que estava morto. Ele
falou a um defunto, e imediatamente este retomou à vida. Em um momento,
num piscar de olhos, o coração, os pulmões, o cérebro, os sentidos re
tornaram às suas atividades e cumpriam seus deveres. Jesus clamou:
“Jovem, eu te mando: levanta-te! ” Esta foi uma voz poderosa em operação.
E, de imediato, “sentou-se o que estivera morto e passou a falar” .
Vejamos na realização deste grande milagre uma certeza daquele
portentoso evento futuro, a ressurreição de todos. O mesmo Jesus que
ressuscitou este jovem ressuscitará toda a humanidade, no último dia.
“Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se
acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o
bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para
a ressurreição do juízo” (Jo 5.28-29). Quando a trombeta soar e Cristo
ordenar, não haverá recusa ou escape. Todos comparecerão em seus corpos
diante do tribunal e serão julgados conforme as suas obras.
Além disso, vejamos também neste portentoso milagre uma vívida
ilustração do poder de Cristo para vivificar os que estão mortos no pecado.
A vida está em Cristo. Ele vivifica aqueles a quem quer (Jo 5.21). Ele
pode ressuscitar para uma nova vida almas que agora parecem mortas em
mundanismo e pecado. Pode ordenar aos corações que agora são corruptos
e mortos: “Levantai-vos para o arrependimento e vivam no serviço de
Deus” . Jamais percamos a esperança no que se refere à qualquer pessoa.
Oremos por nossos filhos e não desfaleçamos. Os rapazes e as moças de
nossas famílias talvez estejam andando pelo caminho largo que conduz à
perdição. Mas continuemos a orar. Talvez Aquele que saiu ao encontro
daquele funeral, à porta de Naim, encontre os nossos filhos e lhes diga:
“Jovem... levanta-te!” Para Ele nada é impossível.
Terminemos nossas considerações sobre esta passagem recordando
solenemente as coisas que têm de acontecer no último dia. Lucas nos in
forma que “todos ficaram possuídos de tem or”, quando aquele jovem foi
res-suscitado. Quais serão os sentimentos da humanidade, quando todos
os mortos forem ressuscitados de uma só vez? O incrédulo temerá naquele
dia. Ele não está preparado para encontrar-se com Deus. Mas o verdadeiro
crente não temerá coisa alguma. Seu corpo descansará em quietude no
sepulcro. Em Cristo, ele está completo e seguro e, quando ressuscitar, em
paz verá a face de Deus.
106 Lucas 7.18-23
achando erros. Qualquer meio que Deus utilizasse para ministrar entre
eles, os judeus o rejeitavam. Qualquer mensageiro que Deus lhes enviasse
não os satisfazia. Primeiramente, surgiu João Batista vivendo no deserto,
de maneira ascética e abnegada. A respeito deles os judeus disseram:
“Tem demônio” . Então, veio o Filho de Deus, comendo, bebendo e ado
tando hábitos sociais de uma pessoa normal. Imediatamente os judeus o
acusaram de ser um “um glutão e bebedor de vinho” . Em poucas palavras,
tornou-se evidente que os judeus estavam decididos a não receber qualquer
mensageiro enviado por Deus. Suas falsas objeções eram apenas um
disfarce para ocultar seu ódio para com a verdade divina. Eles realmente
detestavam a Deus mesmo e não a seus mensageiros.
Talvez sintamos admiração e surpresa ao lermos sobre este incidente.
Pensamos que jamais houve homens tão perversamente irracionais como
os judeus daquela época. Mas temos certeza de que este tipo de conduta
não se repete com freqüência entre os chamados cristãos? Reconhecemos
que a mesma coisa se manifesta constantemente entre nós hoje? Embora
pareça estranho à primeira vista, a geração daqueles que “não dançam,
quando outros tocam flauta, e não choram, quando ouvem lamentações” ,
é muito numerosa na igreja de Cristo. Não é uma realidade que muitos
daqueles que se esforçam para servir a Cristo com fidelidade e andar em
intimidade com Deus percebem que seus vizinhos e familiares estão sempre
insatisfeitos com sua maneira de viver? Não importa se tais pessoas vivem
com intensa santidade e determinação, os outros sempre as reputam como
erradas. Se elas afastam-se do mundo e, assim como João Batista, vivem
com ascetism o e solidão, os outros clamam que tais pessoas são
excessivamente justas, exclusivistas, restritas e desagradáveis. Se, por
outro lado, elas se envolvessem muito na sociedade e se esforçassem, tan
to quanto pudessem, para interessarem-se pelas necessidades da vizinhança,
logo se diria que elas são iguais aos outros e que seu cristianismo não é
mais genuíno do que o daqueles que apenas professam qualquer crença.
Comportamento deste tipo é muito comum entre nós. Poucos são os crentes
resolutos que não conhecem por meio de amarga experiência este tipo de
reação. Os servos de Deus em todas as épocas, não importando o que eles
fazem, sempre são acusados pelas demais pessoas.
A verdade bastante evidente é que o coração natural odeia Deus. “O
pendor da carne é inimizade contra Deus” (Rm 8.7). O coração natural
odeia a lei, o evangelho e o povo de Deus; sempre acha uma desculpa
para não crer e obedecer. A doutrina do arrependimento é muito severa
para ele, e considera muito fácil a doutrina da fé e da graça. O coração
natural afirma: “João Batista se retirou muito do mundo. Jesus se envolveu
demais com o mundo!” E, deste modo, o coração natural se desculpa para
continuar em seus pecados. Tudo isto não deve nos surpreender. Devemos
Lucas 7.31-35 113
Simão fez houve um grande erro. Tudo equivalia a civismo exterior, não
havia amor no coração.
Faremos bem em lembrar o caso deste fariseu. É possível alguém
possuir uma religião decente e, apesar disso, nada saber a respeito do
evangelho de Cristo. É possível alguém respeitar o cristianismo e, assim
mesmo, estar completamente cego a respeito de suas principais verdades;
é possível alguém comportar-se com grande retidão e moralidade e, ao
mesmo tempo, detestar com ódio mortal a justificação pela fé e a salvação
pela graça. Realmente temos verdadeiras afeições por nosso Senhor Jesus
Cristo? Podemos dizer: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu
te amo?” (Jo 21.17). Aceitamos cordialmente todo o seu evangelho?
Estamos dispostos a entrar no céu ao lado do pior dos pecadores e confiar
à graça de Deus todas as nossas esperanças? Estas são perguntas sobre as
quais temos de ponderar. Se não podemos respondê-las satisfatoriamente,
de maneira alguma somos melhores de que Simão, o fariseu, e o Senhor
Jesus poderá dizer-nos: “Uma coisa tenho a dizer-te” .
Em segundo, nesta passagem vemos que um amor repleto de gratidão
é o segredo para realizarmos muitas coisas para Cristo. A mulher arrepen
dida, neste relato, demonstrou mais honra para com o Senhor Jesus do
que o fizera Simão, o fariseu. Ela, “estando por detrás, aos seus pés, cho
rando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos;
e beijava-lhe os pés e os ungia com o ungüento” . Ela não poderia ter dado
maiores provas de reverência e respeito; e o segredo de tais provas foi o
seu amor. Amava o Senhor Jesus e pensou que nada era demasiadamente
difícil de fazer por Ele. Sentiu profunda gratidão para com nosso Senhor
e não pensou se qualquer destas atitudes seriam caras demais para Lhe
serem oferecidas.
Fazer “m ais” para Cristo é o clamor universal de todas as igrejas.
Nisto todos concordamos. Todos desejamos ver mais boas obras, abnegação
e obediência prática aos mandamentos de Jesus. Mas o que causará estas
coisas? Nada, exceto o amor. Enquanto não houver mais amor para com
Cristo em nosso coração, não faremos mais por Ele. O temor do castigo,
o desejo de recompensa, o sentimento de obrigação, todos estes são ar
gumentos proveitosos para persuadir os homens a uma vida de santidade.
No entanto, são argumentos frágeis e impotentes, até que os homens amem
a Cristo. Se este princípio dominar o coração de alguém, então veremos
toda a sua vida transformada.
Jamais nos esqueçamos desta verdade. Embora o mundo zombe
intensamente dos sentimentos religiosos e que tais sentimentos às vezes
pareçam falsos e não sejam saudáveis, ainda permanece a grande verdade:
amar é o segredo de realizar. O coração precisa amar a Cristo; do contrário,
nossas mãos logo desfalecerão. Nossos sentimentos precisam estar
116 Lucas 7.36-50
A Parábola do Semeador
Leia Lucas 8.4-15
Privilégios Espirituais
Têm de ser Utilizados com Diligência;
Os Irmãos e a Mãe de Cristo
Leia Lucas 8.16-21
A Tempestade no Lago
e a Quietude Miraculosa
Leia Lucas 8.22-25
lo. Isto deve nos ensinar a importância deste evento e nos fazer dar mais
atenção às lições que ele contém.
Primeiramente, vemos nestes versículos que nosso Senhor era re
almente homem, bem como era Deus. Somos informados que, enquanto
navegava juntamente com seus discípulos no lago de Genesaré, “ele
adormeceu” . Podemos estar seguros de que adormecer é uma das condições
da constituição natural dos seres humanos. Os anjos e os espíritos não
precisam de alimentos ou descanso. Mas a carne e o sangue, para manterem
uma existência saudável, precisa comer, beber e dormir. Se o Senhor
Jesus sentiu-se cansado e precisou de descanso, Ele deve ter possuído du
as naturezas em uma só pessoa — a natureza humana e a divina.
A verdade que agora estamos considerando é consoladora e encoraja
a todos os crentes. O Mediador, em quem somos ordenados a confiar,
tornou-se participante da carne e do sangue. O grande Sumo Sacerdote,
que agora vive por nós à direta de Deus, experimentou pessoalmente as
enfermidades não-pecaminosas do corpo. Sentiu fome, sede e dores. Ex
perimentou cansaço e procurou o repouso do sono. Tenhamos liberdade
em derramar perante Ele nosso coração e sem reservas contar-Lhe nossas
mais íntimas aflições. Aquele que fez expiação por nós através da cruz
pode “compadecer-se das nossas fraquezas” (Hb 4.15). Sentir-se cansado
de trabalhar para Deus é algo pecaminoso, mas sentir-se cansado e fatigado
ao fazer a obra de Deus não constitui pecado algum. O próprio Senhor
Jesus cansou-se e dormiu.
Em segundo, vemos nestes versículos que temores e ansiedades
podem invadir o coração dos discípulos de Cristo. Somos informados
que, sobrevindo “uma tempestade de vento no lago” e “correndo eles o
perigo de soçobrar” , os discípulos ficaram intensamente alarmados.
“Chegando-se a ele, despertaram-no dizendo: Mestre, Mestre, estamos
perecendo!” Esqueceram por um momento do infalível cuidado que seu
Mestre lhes mostrara no passado e de que, estando com Ele, estavam
seguros, não importando o que acontecesse. Esqueceram tudo isso e, ao
contemplar o perigo iminente, não puderam esperar até que Cristo des
pertasse. É verdade que a contemplação, a razão e os sentimentos trans
formam os homens em pobres teólogos.
Fatos como estes são intensamente humilhantes ao orgulho da natureza
humana. Devem minimizar o conceito e os pensamentos elevados que
temos sobre nós mesmos, a fim de vermos que criatura insignificante é o
homem, mesmo em seu melhor estado. Tais fatos são profundamente
instrutivos; nos ensinam a vigiar e orar quanto ao nosso próprio coração.
Instruem-nos a respeito daquilo que nossa mente precisa estar disposta a
encontrar nos outros crentes. Temos de ser moderados em nossas expec
tativas. Não devemos supor que as pessoas não podem ser crentes, se às
Lucas 8.22-25 127
“Onde está a vossa fé?” Com razão alguém poderia indagar: “Qual o
proveito de terem crido, se não eram capazes de crer em tempos de neces
sidade? Onde estava o genuíno valor da fé, se eles não a estavam exerci
tando? Qual o benefício de crer, se os discípulos tinham de crer em seu
Mestre somente quando o céu estava limpo e o sol brilhando e não em
ocasiões de tempestade?”
Esta lição possui bastante importância prática. Ter a fé salvadora é
uma coisa; ter a fé que está sempre pronta para ser utilizada é outra coisa
bem diferente. Muitos recebem a Cristo como Salvador e voluntariamente
entregam-Lhe sua alma, confiando nEle quanto ao tempo e a eternidade;
no entanto, com freqüência estes mesmos vêm sua fé em triste deficiência,
quando algo inesperado acontece ou quando são repentinamente provados.
Estas coisas não devem ser assim. Precisamos orar para que tenhamos um
grande suprimento de fé disponível, para a utilizarmos em ocasiões
especiais, e jamais estejamos despreparados. O crente mais sublime é
aquele que vive de maneira semelhante a Moisés, vendo “aquele que é
invisível” (Hb 11.27); ele jam ais será muito abalado por qualquer
tempestade; perceberá que Jesus está perto dele nas horas difíceis e verá o
céu azul por trás das nuvens mais escuras.
A Cura de um Endemoninhado
na Terra dos Gerasenos
Leia Lucas 8.26-36
A Mulher Curada
ao Tocar as Vestes de Cristo
Leia Lucas 8.41-48
quem eles ainda não recorreram, um Médico que jamais falha em curar.
Em sua necessidade, eles devem considerar a condição da mulher descrita
nesta passagem. Quando todos os outros meios tiverem falhado, ela veio
a Jesus para receber socorro. Os pecadores precisam fazer a mesma coisa.
Em segundo, devemos observar na conduta desta mulher uma notável
figura dos primeiros passos da fé salvadora e seus efeitos. Somos
informados que ela “veio por trás dele e lhe tocou na orla da veste, e logo
se lhe estancou a hem orragia” . Aquele ato parecia muitos simples e
completamente inadequado para produzir qualquer grande resultado, mas
o seu efeito foi maravilhoso! Em um instante aquela mulher infeliz foi
curada. O alívio que muitos médicos, durante doze anos, não foram capazes
de oferecer-lhe foi obtido em um momento. Com apenas um toque ela
ficou curada.
E difícil acharmos outra figura mais vívida da experiência de muitas
almas do que a história da cura desta mulher. Milhares de crentes poderiam
testificar que, assim como aquela mulher, buscaram ajuda espiritual de
médicos que não tinham qualquer valor e fatigaram suas almas utilizando
remédios que não lhes trouxeram cura. Finalmente, assim como esta
mulher, ouviram falar de Alguém que curava consciências atormentadas e
perdoava pecadores, “sem dinheiro e sem preço” (Is 55.1), se tão-somente
os homens viessem a Ele, pela fé. As condições pareciam ser boas demais,
para serem verdadeiras. Mas, assim como aquela mulher, resolveram
tentar. Vieram a Cristo, pela fé, com todos os seus pecados e, para sua
admiração, imediatamente receberam alívio. Agora desfrutam de mais
consolo e esperança do que antes. O fardo desprendeu-se de suas costas.
O peso de sua consciência foi removido, a luz resplandeceu em seus
corações, e começaram a regozijar-se “na esperança da glória de Deus”
(Rm 5.2). E tudo, eles nos dirão, deve-se apenas a uma coisa: vieram a
Jesus como estavam, tocaram-No, pela fé, e foram curados.
Sempre devemos ter gravado em nossa mente o fato de que a fé em
Cristo é o grande segredo da paz com Deus. Sem ela, jamais encontraremos
descanso em nosso coração, não importa o que façamos por nossas almas.
Sem ela, podemos assistir cultos, participar da Ceia do Senhor a cada
semana, podemos distribuir nossos bens aos pobres, queimar nossos corpos
em fogueiras, jejuar, vestir pano de saco e viver como eremitas — tudo
isto poderemos fazer e continuar em uma situação miserável. Um ver
dadeiro tocar em Jesus, pela fé, é mais valioso do que todas estas coisas
juntas. O orgulho da natureza humana talvez não goste disto; no entanto,
é verdade. Milhares se levantarão no último dia e confessarão que jamais
tiveram descanso em sua alma, até que vieram a Cristo pela fé e con
tentaram-se em abandonar suas próprias obras e serem salvos completa e
integralmente pela graça de Cristo.
136 Lucas 8.41-48
Esta passagem contém uma das três ocasiões nas quais o Espírito
Santo achou conveniente registrar o ato de nosso Senhor Jesus em trazer
de volta à vida uma pessoa morta. As duas outras ocasiões são a ressurreição
de Lázaro e a do filho da viúva de Naim. Sem dúvida, nosso Senhor res
suscitou outros além desses três. Mas estes casos foram especialmente
descritos como exemplos do seu infinito poder: o de uma jovem que havia
dado seu último suspiro; o de um jovem que estava sendo levado para
sepultamento e o de um morto que há quatro dias estava no sepulcro. Em
Lucas 8.49-56 137
todos estes casos, vemos que a vida foi imediatamente restaurada mediante
uma ordem de Cristo.
Primeiramente esta passagem nos mostra quão universal é o domínio
da morte sobre os filhos dos homens. Nós a vemos chegando à casa de um
homem rico e num golpe tirar-lhe um ente querido. “Veio uma pessoa da
casa do chefe da sinagoga, dizendo: Tua filha já está m orta.” Notícias
como estas constituem o cálice amargo que temos de beber neste mundo.
Nenhuma outra coisa fere tanto o coração de uma pessoa quanto a morte
e o sepultamento de um ente querido. Poucas aflições nos causam tanta
dor e tristeza quanto a partida de um filho único.
A morte é realmente um inimigo cruel, não faz distinção em seus
ataques; alcança a mansão do rico e a choupana do pobre. Não poupa os
jovens, os fortes, os bonitos, assim como não poupa os mais velhos, os
enfermos e os de idade bastante avançada. Nem todo o ouro do mundo,
nem toda a habilidade dos médicos podem fazer a morte retirar sua mão
de nosso corpo, no dia do seu poder. Quando chega a hora determinada e
Deus permite que a morte lance seu aguilhão, nossos relacionamentos
humanos se desfazem e nossos queridos têm de ser levados e sepultados
longe de nós.
Estes são pensamentos melancólicos e poucos gostam de ouvi-los. O
assunto da morte é um assunto que as pessoas evitam e sobre o qual
recusam meditar. O homem pensa que todos os demais são mortais, exceto
ele mesmo. Mas por que devemos lidar com essa grande realidade desta
maneira? Por que não encaramos face a face o assunto da morte física, a
fim de que, ao chegar a nossa vez, estejamos preparados para ela? A mor
te virá à nossa casa, quer desejemos, quer não. Levará cada um de nós,
apesar de não gostarmos de ouvir a respeito dela. Com certeza, estar
preparado para este grande dia faz parte da vida de um homem sábio.
Existe razão para não nos prepararmos? Porque existe Alguém que pode
nos livrar do temor da morte (Hb 2.15). Cristo venceu a morte e “trouxe
à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho” (2 Tm 1.10). Aquele
que crê em Jesus tem a vida eterna e, ainda que morra, viverá (Jo 6.47;
11.25). Creiamos no Senhor Jesus, e, quando ela lançar seu aguilhão,
diremos, juntamente com o apóstolo Paulo: “Para mim, o viver é Cristo,
e o morrer é lucro” (Fp 1.21).
Em segundo, esta passagem nos mostra que a fé no amor e no poder
de Cristo é o melhor remédio em tempos de aflição. Quando ouviu a
notícia de que a filha do chefe da sinagoga morrera, Jesus disse a este:
“Não temas, crê somente, e ela será salva” . Sem dúvida, estas palavras
foram pronunciadas com referência imediata ao milagre que nosso Senhor
realizaria. No entanto, não precisamos duvidar que foram proferidas tendo
em vista o perpétuo benefício da igreja de Cristo. Tinham o propósito de
138 Lucas 8.49-56
toda a obra de seus lábios. Têm dado ocasião para que os inimigos de
Cristo afirmem que amam a tranqüilidade, o dinheiro e as coisas boas da
vida mais do que as almas. Devemos orar diariamente para que a igreja
fique livre de ministros como estes. Eles são uma pedra de tropeço no
caminho que conduz ao céu. Prestam auxílio à obra de Satanás. O pregador
cujas afeições centralizam-se no dinheiro, em vestes, diversões e busca de
prazeres evidentemente está compreendendo mal a sua vocação. Esqueceu
as instruções de seu Mestre; não é um seguidor dos apóstolos.
Por último, devemos observar que nosso Senhor preparou seus
discípulos para enfrentarem a incredulidade e a impenitência da parte
daqueles que ouviriam sua pregação. Jesus falou sobre aqueles que não
os receberiam como pessoas com as quais os discípulos com certeza se
defrontariam. Nosso Senhor os ensinou como deviam se comportar, quando
não fossem recebidos, dizendo que esta seria uma situação para a qual
eles deveriam preparar-se.
Todos os ministros do evangelho deveriam ler com cuidado esta
parte das instruções de nosso Senhor. Todos os missionários e obreiros da
igreja receberão grande benefício em guardá-las no seu coração. Não
devem desanimar, se o trabalho que realizam parece inútil e seus esforços,
sem proveito. Lembrem-se de que os primeiros pregadores e ensinadores
que Jesus utilizou foram enviados com uma advertência clara de que nem
todos creriam em sua pregação. Devem continuar trabalhando com pa
ciência e, sem desfalecer, semear a boa semente. As obrigações lhes
pertencem; a Deus pertencem os resultados. Os pregadores plantam e
regam. Somente o Espírito Santo pode dar vida espiritual. O Senhor Jesus
sabe o que está no íntimo do homem. Ele não despreza seus obreiros
somente porque poucas das sementes que eles plantam produzem fruto. A
colheita talvez seja pequena, mas todo obreiro será recompensado de acordo
com seu trabalho.
Prim eiram ente, esta passagem nos fala sobre o poder de uma
consciência má. Somos informados que Herodes, ao ouvir as notícias sobre
tudo que Jesus realizava, “ficou perplexo” e disse: “Eu mandei decapitar
a João; quem é, pois, este a respeito do qual tenho ouvido tais coisas?”
142 Lucas 9.7-11
estes ossos?” (Ez 37.3). Esta ou aquela pessoa poderá ser salva? Um
amigo ou algum de nossos filhos poderá se tornar um verdadeiro cristão?
Podemos ser vitoriosos em nossa jornada para o céu? Estas perguntas
jamais seriam respondidas, se Jesus não fosse todo-poderoso. Entretanto,
graças sejam dadas a Deus, o Senhor Jesus possui todo o poder nos céus
e na terra. Ele vive nos céus por nós, sendo capaz de salvar-nos com
pletamente; portanto, tenhamos esperança.
Em segundo, vemos nestes versículos uma notável figura da ca
pacidade de Cristo em suprir as necessidades espirituais dos homens.
Todo o milagre é uma figura; nele vemos, como por espelho, algumas das
mais importantes verdades do cristianismo. Na verdade, este milagre é
uma grande parábola do glorioso evangelho, ensinada através de atos.
O que significa a multidão que cercou nosso Senhor naquele lugar,
uma multidão infeliz, desamparada e destituída de alimentos? E um retrato
da humanidade. Todos nós somos uma multidão de pecadores infelizes,
em um mundo ímpio, sem capacidade ou poder para salvar a nós mesmos
e completamente em perigo de perecermos por causa de fome espiritual.
Quem é o gracioso Mestre que teve compaixão da multidão faminta
e disse a seus discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”? É o próprio
Senhor Jesus, sempre misericordioso, amável e disposto a manifestar sua
graça mesmo para os ingratos e maus. Ele nunca muda; é o mesmo hoje,
assim como a dois mil anos atrás. Exaltado à destra de Deus nos céus,
Jesus contempla a vasta multidão de pecadores famintos que enchem a
face da terra. Ainda demonstra compaixão e se interessa por eles, sentindo
o desamparo e a necessidade dos pecadores. E continua dizendo aos seus
seguidores: “Vede as multidões. Dai-lhes vós mesmos de comer” .
O que significa a maravilhosa provisão que Cristo fez para atender a
necessidade da multidão faminta que estava diante dEle? É uma figura do
evangelho. Embora para muitas pessoas pareça fraco e desprezível, o
evangelho contém o suficiente para satisfazer e sobrepujar as necessidades
da alma de todos os homens. Ainda que para os sábios e eruditos a história
de um Salvador crucificado pareça insignificante e desprezível, ela é o
poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê (Rm 1.16).
O que significam os discípulos que receberam os pães e peixes das
mãos de Cristo e distribuíram entre a multidão, até que todos estivessem
satisfeitos? Eles representam todos os fiéis pregadores e ensinadores do
evangelho. A mensagem deles é simples mas profundamente importante.
Foram designados para colocar diante dos homens a provisão que Cristo
fez em benefício de suas almas. De seus próprios recursos, eles nada
podem oferecer. Tudo que eles transmitem aos homens deve proceder das
mãos de Cristo. Enquanto realizam com fidelidade seu ministério, podem
esperar com confiança a bênção de Cristo. Sem dúvida, muitos se recusarão
146 Lucas 9.12-17
erros, especulando, mas nunca indo além disso; vagueando como moscas
ao redor das coisas espirituais, porém nunca pousando como as abelhas
para alimentar-se de suas delícias. Jamais se apropriam de Cristo com
ousadia. Não se dispõem a se envolver de todo coração na grandiosa obra
de servir a Deus. Nunca tomam a sua cruz e tomam-se verdadeiros cristãos.
Por fim, apesar de todas as suas afirmações sobre Cristo, morrem em
seus pecados, despreparados para encontrarem-se com Deus.
Jamais nos contentemos com esse tipo de cristianismo. Conversar e
especular sobre opiniões a respeito do evangelho não salvará qualquer
pessoa. O cristianismo que salva é algo que tem de ser assimilado,
apropriado, experimentado, provado e possuído de maneira pessoal. Não
existe a menor desculpa para nos determos em conversas, opiniões e
especulações sobre o evangelho. Os judeus da época de nosso Senhor
poderiam ter descoberto, se tivessem sido sinceros em suas indagações,
que Jesus de Nazaré não era João Batista, nem Elias, nem um dos antigos
profetas, e sim o próprio Cristo de Deus. O especulador de nossos dias
pode satisfazer-se em cada assunto essencial à salvação, se realmente desejar
e, com franqueza e humildade, buscar o ensino do Espírito Santo. As
palavras de nosso Senhor são enfáticas e solenes: “Se alguém quiser fazer
a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus” (Jo
7.17). A obediência prática e sincera é uma das chaves que abre a porta
do conhecimento de Deus.
Em segundo, devem os observar nesta passagem o singular
conhecimento e fé revelados pelo apóstolo Pedro. Quando nosso Senhor
perguntou a seus discípulos: “Mas vós... quem dizeis que eu sou?” , Pedro
respondeu, dizendo: “És o Cristo de Deus” . Esta é uma nobre confissão,
que, em nossos dias, dificilmente podemos compreender seu pleno valor.
Para avaliá-la corretamente, precisamos nos colocar no lugar dos discípulos.
Devemos recordar que os sábios e entendidos de sua própria nação não
viam qualquer beleza em seu Senhor e não O receberiam como seu Messias.
Precisamos lembrar que tais homens não encontravam qualquer dignidade
real em nosso Senhor: nenhuma coroa, ou exército, ou domínio terreno.
Não viam outra coisa além de um indivíduo pobre, que com freqüência
não possuía um lugar para repousar sua cabeça. No entanto, foi nesta
ocasião e nestas circunstâncias que Pedro declarou com ousadia sua fé,
confessando ser Jesus o Cristo de Deus. Realmente esta foi uma grande
fé! Sem dúvida, nela havia muita im perfeição e ignorância. M as,
proclamada desta maneira, foi uma fé sem igual. Aquele que a possuía foi
um homem notável, que ultrapassou em muito a época em que viveu.
Devemos orar freqüentemente para que Deus levante mais crentes
semelhantes ao apóstolo Pedro. Apesar de inconstante, instável e ignorante
quanto a seu próprio coração, conforme algumas vezes demonstrou, aquele
148 Lucas 9.18-22
bendito apóstolo foi em alguns aspectos mais valioso do que dez mil outros
homens. Teve fé, amor e zelo pela causa de Cristo, quando quase todo o
Israel mostrou-se apático e incrédulo. Desejamos mais homens desse tipo.
Queremos homens que não têm medo de ficar sozinhos e achegados a
Cristo, quando milhares estão contra Ele. Homens como Pedro podem às
vezes cometer tristes erros, mas durante toda a sua vida farão mais do que
qualquer outro pela obra de Cristo. O conhecimento, sem dúvida, é algo
excelente; todavia, sem zelo e compaixão não fará muito em benefício do
mundo.
Por último, devemos observar nesta passagem a predição de nosso
Senhor referente à sua própria morte. Ele disse: “É necessário que o
Filho do homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos
principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, res
suscite” . Estas palavras, lendo-as agora, parecem simples e claras, mas
transmitem duas verdades que precisam ser relembradas com atenção.
Por um lado, esta predição de nosso Senhor nos mostra que sua
morte, na cruz, foi um ato deliberado de sua livre e espontânea vontade.
Ele não foi entregue a Pilatos e crucificado porque não podia evitar ou
não tinha poder para destruir seus inimigos. Sua morte foi o resultado do
eterno conselho da bendita Trindade. Ele se comprometeu a morrer pelos
pecados do homem, o justo em lugar dos injustos, a fim de conduzir-nos
a Deus. Como nosso Substituto e Fiador, Ele voluntariamente carregou
nossos pecados sobre Si mesmo na cruz. Durante todos os dias de sua
vida, Ele via diante de Si o Calvário e a cruz. Estando ciente, com es
pontaneidade e pleno consentimento, Jesus foi ao Gólgota, para morrer
na cruz, a fim de, com seu próprio sangue, pagar nossa dívida. A morte
de Cristo não foi meramente a morte de um homem fraco, que não podia
evitá-la, e sim a morte dAquele que era o próprio Deus e havia determinado
sofrer em nosso lugar.
Por outro lado, esta predição de nosso Senhor nos mostra o efeito
obscurecedor que os preconceitos causam nas mentes dos homens. Embora
as palavras de Cristo sobre sua morte nos pareçam claras e inconfundíveis,
seus discípulos não as entenderam. Ouviram-nas como se nada lhes
houvesse sido dito. Não entendiam que o Messias seria “cortado” de
entre eles. Não podiam aceitar o ensino de que seu próprio Senhor teria
de morrer. Portanto, quando sua morte realmente aconteceu, ficaram
admirados e confusos. Embora o Senhor lhes houvesse falado sobre a
crucificação, não a entepderam como uma realidade.
Vigiemos e oremos contra o preconceito. Muitas pessoas zelosas já
foram severamente enganadas por causa de preconceitos e se afligiram
com muitas tristezas. Tenhamos cuidado para não permitirmos que tradi
ções, idéias preconcebidas, interpretações incorretas, teorias sem funda-
Lucas 9.18-22 149
jamais tornará alguém feliz. Seus prazeres são falsos e ilusórios. Suas
riquezas, posições e honras não podem satisfazer o coração humano. En
quanto não temos as posses do mundo, elas cintilam e parecem desejáveis
aos nossos olhos; quando as temos, descobrimos que são vazias e não po
dem satisfazer-nos. E, mesmo quando possuímos estas boas coisas do
mundo, não podemos preservá-las conosco. A morte vem e nos separa de
todo o nosso patrimônio para sempre. Sem nada viemos a este mundo;
sem nada o deixaremos. Nenhuma de todas as nossas possessões poderemos
levar conosco. Este é o mundo que ocupa toda a atenção de milhões de
pessoas! Este é mundo por causa do qual milhões de pessoas em todo o
tempo destroem suas almas!
A perda da alma é a pior de todas as perdas que pode sobrevir ao ser
humano. A pior e mais dolorosa de todas as enfermidades, a mais angus
tiante ruína financeira, o mais grave desastre são um pequenino arranhão,
se comparados à perda da alma. Todas as outras perdas são suportáveis
ou momentâneas; a perda da alma é eterna. Significa perder a Cristo, a
Deus, o céu, a felicidade e a glória por toda a eternidade. Significa ser
lançado para todo o sempre, desamparado e sem qualquer esperança, no
inferno.
O que estamos fazendo? Estamos perdendo a alma? Por meio de ne
gligência intencional, do pecado voluntário, da indiferença, da preguiça e
da quebra deliberada da lei de Deus, estamos consumando nossa própria
condenação? Estas perguntas exigem uma resposta. Esta é a acusação que
pesa sobre muitos que professam ser cristãos: estão pecando diariamente
contra o sexto mandamento; estão assassinando suas próprias almas.
Por último, aprendemos destas palavras de nosso Senhor a culpa e o
perigo de envergonhar-se de Cristo e de suas palavras. Ele disse: “Qualquer
que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará
o Filho do homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos santos an
jo s” . Existem muitas maneiras de nos envergonharmos de Cristo. Somos
culpados deste pecado quando temos medo de que as pessoas saibam que
amamos as doutrinas, os preceitos, o povo e as ordenanças de Cristo. So
mos culpados deste erro quando permitimos que o temor dos homens pre
valeça sobre nós e nos impeça de mostrar aos outros que somos cristãos
convictos. Sempre que agimos deste modo, estamos negando nosso Senhor
e cometendo um grave pecado.
A impiedade de envergonhar-se de Cristo é imensa. Constitui uma
prova de incredulidade. Demonstra que nos preocupamos mais com o
louvor dos homens, a quem podemos ver, do que com o louvor de Deus,
a quem não podemos ver. É uma prova de ingratidão. Revela que tememos
confessar aos homens que Cristo não se envergonhou de morrer por nós
sobre a cruz. Verdadeiramente ímpios são aqueles que cometem este
Lucas 9.23-27 151
A Transfiguração de Cristo
Leia Lucas 9.28-36
sua obra. Mas vem a hora, e será em breve, quando Cristo exercerá seu
grande poder, reinará e colocará os inimigos debaixo de seus pés. Então,
a glória que, durante alguns minutos, foi vista apenas por três discípulos
no monte da Transfiguração será contemplada por todo o mundo e não
será mais ocultada por toda a eternidade.
Em segundo, esta passagem nos mostra a segurança de todos os
verdadeiros crentes que partiram deste mundo. Quando nosso Senhor
apareceu em glória, Moisés e Elias foram vistos em pé ao seu lado,
conversando com Ele. Moisés morrera havia mais de quinze séculos.
Elias fora levado ao céu em um redemoinho há mais do que novecerttos
anos antes deste acontecimento. No entanto, estes dois homens crentes
foram vistos novamente, vivos e, não somente vivos, em glória.
Devemos nos consolar no bendito pensamento de que a ressurreição
e a vida futura são realidades. Tudo não acaba quando morremos. Existe
outro mundo além desta vida. Mas, acima de tudo, devemos nos fortalecer
com o pensamento de que até que o dia amanheça e aconteça a ressurreição,
o povo de Deus está seguro na companhia de Cristo. Muitas coisas a
respeito da atual condição deles são profundamente misteriosas para nós.
Em que lugar específico está a habitação deles? O que eles sabem a respeito
das coisas que acontecem na terra? Estas são perguntas que não podemos
responder. Mas para nós deve ser o bastante saber que Jesus está cuidando
deles e os trará juntamente consigo no último dia. Aos seus discípulos Ele
mostrou Elias e Moisés, no monte da Transfiguração, e nos mostrará, em
sua segunda vinda, todos os que já morreram em Cristo. Nossos irmãos
em Cristo estão sendo bem preservados; estão salvos e apenas nos
antecederam.
Em terceiro, esta passagem nos mostra que os santos do Antigo
Testamento que estão na glória se interessavam intensamente na morte
expiatória de Cristo. Quando Moisés e Elias apareceram em glória ao
lado de Cristo, no monte da Transfiguração, conversaram com Ele. E
qual era o assunto da conversa? Não precisamos fazer suposições e imagi
nar coisas a respeito disto. “Falavam da sua partida, que ele estava para
cumprir em Jerusalém. ” Conheciam o significado daquela morte. Sabiam
quantas coisas dependiam da morte de Cristo. Portanto, “falavam” a seu
respeito.
É um grave erro supor que os crentes do Antigo Testamento nada
sabiam no que se refere ao sacrifício que Cristo deveria oferecer pelos
pecados dos homens. Sem dúvida, a luz que possuíam era menos nítida do
que a nossa. Viam à distância e sem clareza coisas que vemos como se
estivessem bem próximas aos nossos olhos. Porém não existe a menor
evidência de que os crentes do Antigo Testamento olhavam para qualquer
outra satisfação dos seus pecados, exceto aquela que Deus prometera
Lucas 9.28-36 153
bulado foi graciosamente atendida. Jesus lhe disse: “Traze o teu filho” . E
“Jesus repreendeu o espírito imundo, curou o menino e o entregou a seu
pai” . Encontramos muitos casos semelhantes a estes nos evangelhos. A
filha de Jairo, o filho de um oficial de Cafarnaum, a filha da mulher
cananéia e o filho da viúva de Naim — todos estes são exemplos do
interesse de nosso Senhor por aqueles que são jovens. O diabo trabalha
intensamente para levá-los cativos e dominá-los. O Senhor Jesus manifestou
uma satisfação especial em ajudar os jovens. Ele libertou três jovens das
garras da morte; e dois, tal como o rapaz da história que ora consideramos,
Ele resgatou do completo domínio de Satanás.
Existe um significado em acontecimentos tais como este. Não foram
mencionados nos evangelhos sem um propósito específico. Foram escritos
para encorajar todos os que procuram fazer o bem em favor da alma dos
jovens e para relembrar-nos que tanto os jovens quanto os adultos eram
objetos de especial interesse da parte de Cristo. Acontecimentos deste
tipo nos fornecem um antídoto para a idéia vulgar de que é inútil recomendar
com insistência as coisas espirituais às mentes dos jovens. Essa idéia, não
devemos esquecer, não procede de Cristo, e sim do Maligno. Cristo, que
expulsou o espírito maligno desse jovem, continua vivo e poderoso para
salvar. Devemos trabalhar com os jovens e procurar fazer-lhes o bem.
Não importa o que o mundo pensa a respeito, Jesus se agrada em que o
façamos.
Por último, vemos nestes versículos um exemplo da ignorância
espiritual que pode ser encontrada no coração dos crentes. Nosso Senhor
disse a seus discípulos: “O Filho do Homem está para ser entregue nas
mãos dos homens” . Eles haviam escutado estas mesmas palavras em pouco
mais do que uma semana antes desta ocasião. Mas agora, tal como na
ocasião anterior, pareciam sem significado para eles. Ouviram-nas como
se fossem surdos. Eles não podiam imaginar o fato de que seu Mestre
estava para ser morto. Não podiam compreender a grande verdade de que
o Cristo deveria ser “morto” , antes que tivesse de reinar, e que isto
significava sua morte literal, na cruz. Está escrito: “Eles, porém, não
entendiam isto, e foi-lhes encoberto para que o não compreendessem” .
Esta morosidade de entendimento talvez nos surpreenda agora. Somos
tendentes a esquecer os antigos hábitos de pensamento e os preconceitos
dos judeus, entre os quais os discípulos haviam sido educados. “O trono
de Davi” , afirmou um grande teólogo, “ocupava tanto a mente dos
discípulos, que não podiam ver a cruz” . Acima de tudo, esquecemos a
grande diferença entre aposição que ocupamos agora, conhecendo a história
da crucificação e as Escrituras que já se cumpriram, e a posição de judeus
crentes que viveram antes da morte de Cristo, e antes do véu do santuário
ser rasgado em duas partes. Quaisquer que sejam nossos pensamentos a
156 Lucas 9.37-45
respeito desta ignorância dos discípulos, ela nos ensina duas lições práticas,
que devemos aprender.
Devemos aprender que algumas pessoas podem entender coisas espi
rituais de maneira superficial e, assim mesmo, serem verdadeiros filhos
de Deus. O entendimento pode estar bastante embaçado, quando o coração
está correto diante de Deus. A graça é melhor do que os dons, a fé, me
lhor do que o conhecimento. Se alguém possui fé e graça suficientes para
desprezar tudo por amor a Cristo, tomar a cruz e segui-Lo, será salvo
apesar de seu pouco conhecimento espiritual. Cristo o receberá no último
dia.
Finalmente, aprendamos a suportar a ignorância nos outros e a lidar
pacientemente com aqueles que estão iniciando a vida cristã. Jamais os
reputemos como pecadores apenas por causa de alguma palavra proferida
sem entendimento correto. Não consideremos os outros como pessoas
que não possuem a graça de Deus, somente porque não revelam ter um
entendimento claro das coisas espirituais. Possuem fé em Cristo e O amam?
Estas são as coisas mais importantes. Se Jesus pôde suportar tanta fraqueza
em seus discípulos, com certeza podemos agir da mesma maneira.
de destaque lhe deveria ser confiada. E tudo isto aconteceu entre os próprios
apóstolos de Cristo e sob a influência de seu esplendoroso ensino. Assim
é o coração do homem.
Existe algo bastante instrutivo neste fato, algo que deve fixar-se
profundamente em nosso íntimo. De todos os pecados, o orgulho é aquele
contra o qual precisamos sempre orar e estar vigilantes. É uma peste que
vagueia na escuridão e uma doença que destrói ao meio-dia. Nenhum
outro pecado se acha tão enraizado em nossa natureza. Está unido a nós
assim como nossa pele. Suas raízes nunca são destruídas completamente.
Estão sempre prontas a brotar, em qualquer momento, manifestando
perniciosa vitalidade. Nenhum outro pecado é tão ilusório e enganador.
Pode emboscar os corações daqueles que têm pouca instrução, dos que
não possuem grandes talentos e dos pobres, mas também pode cativar a
mente de pessoas importantes, dos estudiosos e dos ricos. Este é um ditado
simples, porém bastante verdadeiro: “Nenhum ídolo tem recebido tanta
adoração quanto o ‘eu’” .
A súplica por humildade e um espírito de criança deve sempre fazer
parte de nossas orações diárias. De todas as criaturas, nenhuma outra
possui tão pouco direito para se orgulhar quanto o homem; e, de todos os
homens, os crentes devem ser os mais humildes. Realmente confessamos
todos os dias que somos pecadores miseráveis e devedores à misericórdia
e à graça de Deus? Seguimos a Jesus, que era “manso e humilde de
coração” e que “ a si mesmo se esvaziou” , por amor à nossa alma? Então,
deve haver em nós o mesmo sentimento que havia em Cristo Jesus.
Rejeitemos todos os pensamentos elevados e presunções. Em humildade
de espírito, consideremos os outros superiores a nós mesmos. Estejamos
prontos para, em todas as ocasiões, assumir o lugar mais insignificante. E
as palavras de nosso Senhor devem ecoar sempre em nossos ouvidos:
“Aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande” .
Em segundo, nosso Senhor nos adverte contra a intolerância e a
mesquinhez. Assim como no relato anterior, nesta ocasião a advertência
resultou da conduta dos próprios discípulos de Jesus. João falou-Lhe:
“Mestre, vimos certo homem que, em teu nome, expelia demônios e lho
proibimos, porque não segue conosco”. Não sabemos quem era este homem
e porque não acompanhava os discípulos. No entanto, sabemos que ele
estava realizando um ministério de expelir demônios; e o estava fazendo
em nome de Cristo. Apesar disso, João o proibiu. Notável foi a resposta
que imediatamente nosso Senhor lhe deu: “Não proibais; pois quem não é
contra vós outros é por vós” .
O comportamento de João e dos discípulos nesta ocasião é uma curiosa
ilustração da singularidade da natureza humana em todas as épocas. Em
cada período da História da Igreja, milhares de pessoas têm passado suas
158 Lucas 9.46-50
a que igreja ele pertence. Felizes são aqueles que podem dizer, assim
como Paulo: “Que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está
sendo pregado... tam bém com isto me regozijo, sim, sem pre me
regozijarei” (Fp 1.18); e Moisés: “Tens tu ciúmes por mim? Tomara todo
o povo do S e n h o r fosse profeta, que o S e n h o r lhes desse o seu Espírito! ”
(Nm 11.29).
Os Seguidores de Cristo
Têm de Submeter-se a Dificuldades,
Deixar os Mortos Sepultar
Seus Próprios Mortos e não Olhar Para Trás
Leia Lucas 9.57-62
O Regozijo de Cristo;
A Soberania de Deus na Salvação dos Pecadores;
O Privilégio Daqueles que Conhecem o
Evangelho
Leia Lucas 10.21-24
para alguns e revelada para outros, podemos estar certos de que existe um
motivo para isso.
Em terceiro, devemos observar o caráter daqueles para os quais a
verdade está escondida e daqueles para os quais ela está revelada. Nosso
Senhor disse: “Ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste
aos pequeninos” .
Não podemos extrair destas palavras uma lição errada, inferindo
que algumas pessoas são naturalmente mais dignas da graça e salvação di
vinas do que outras. Todos são pecadores e não merecem nada, exceto ira
e condenação. Devemos entendê-las como palavras que estabelecem um
fato. A sabedoria do mundo freqüentemente torna as pessoas orgulho-sas
e aumenta sua inimizade natural contra o evangelho de Cristo. O homem
que não se orgulha de seu conhecimento e de sua suposta moralidade
geralmente é aquele que encontra menos dificuldades para chegar ao
conhecimento da verdade. Os publicanos e pecadores freqüentemente são
os primeiros a entrar no reino de Deus, enquanto os escribas e fariseus fi
cam do lado de fora.
Destas palavras devemos aprender a nos acautelarmos da justiça
própria. Nada fecha tanto os olhos de nossa alma para a beleza do evangelho
quanto a idéia vã e ilusória de que não somos tão ignorantes e ímpios
quanto outras pessoas e de que temos um caráter que suportará a inspeção
divina. Feliz é o homem que aprendeu a sentir que é “infeliz, sim, mi
serável, pobre, cego e nu” (Ap 3.17). Reconhecer que somos maus é o
primeiro passo em direção a nos tornarmos bons. Sentir que nada sabemos
é o passo inicial para o conhecimento que salva.
Em quarto lugar, devemos observar nesta passagem a majestade e
dignidade de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele disse: “Tudo me foi entregue
por meu Pai. Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; e também nin
guém sabe quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser
revelar” .
Essas são palavras dAquele que é o próprio Deus e não apenas um
homem. Nenhum patriarca, ou profeta, ou apóstolo, ou crente de qualquer
época proferiu palavras semelhantes a estas em referência a si mesmo.
Elas nos revelam um pouco da infinita majestade da natureza e da pessoa
de nosso Senhor. Tais palavras revelam-No como Cabeça de todas as
coisas e Rei dos reis — “Tudo me foi entregue por meu Pai” . Mostram
Jesus como alguém distinto do Pai, mas, apesar disso, Alguém que se
encontra em completa união com Ele, que O conhece de uma maneira
indescritível — “Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; e também
ninguém sabe quem é o Pai, senão o Filho” . Mostram Jesus como o
poderoso instrumento de revelação do Pai aos filhos dos homens, o Deus
que perdoa as iniqüidades e ama os pecadores por amor ao seu Filho —
176 Lucas 10.21-24
Maria fornecerá à igreja lições sábias que jamais devem ser esquecidas.
Considerada em paralelo ao capítulo 11 do Evangelho de João, essa história
nos outorga um esclarecimento bastante instrutivo sobre a vida íntima de
uma família que Jesus amava.
Primeiramente, devemos observar que os verdadeiros crentes podem
ter temperamentos e caracteres diferentes. As duas irmãs, sobre as quais
lemos nessa passagem, eram fiéis seguidoras de Cristo. Haviam se
convertido, tornando-se crentes em Jesus. Honraram a Cristo, quando
bem poucos o fizeram. Amavam a Jesus e eram amadas por Ele. Entretanto,
essas duas mulheres possuíam mentalidade diferentes. Marta era enérgica,
agitada, impulsiva, possuía sentimentos fortes e falava tudo que sentia.
Maria era quieta, sossegada e meditativa, tinha sentimentos profundos,
mas falava menos do que sentia. Marta, quando Jesus veio à sua casa, se
regozijou ao vê-Lo e se ocupou em preparar-Lhe um agradável refrigério.
Maria também se alegrou em vê-Lo, mas seu primeiro pensamento foi o
de assentar-se aos pés dEle e ouvir sua palavra. A graça reinava em ambos
os corações; entretanto, cada uma delas manifestou os efeitos da graça em
ocasiões e maneiras diferentes.
Acharemos bastante proveitoso recordar esta lição. Não devemos
esperar que todos os crentes em Cristo sejam exatamente iguais. Não
podemos menosprezar os outros, considerando-os pessoas que não possuem
a graça divina, porque a experiência deles não corresponde inteiramente à
nossa. As ovelhas do rebanho do Senhor têm suas próprias peculiaridades.
As árvores do jardim do Senhor não são exatamente iguais. Todos os
servos de Deus concordam nas doutrinas fundamentais do cristianismo;
todos são guiados pelo mesmo Espírito; sentem seus pecados e confiam
em Cristo; se arrependem, crêem e se tornam santos. No entanto, nos
assuntos irrelevantes diferem amplamente. Nenhum deve desprezar o outro
por causa disso. Até que Jesus volte, sempre haverá Martas e Marias em
sua igreja.
Em segundo, devemos observar que os cuidados pelas coisas destes
mundo podem constituir uma armadilha para nossa alma, se lhes
tributarmos excessiva atenção. É evidente do teor deste relato que Marta
permitiu que sua ansiedade em oferecer uma agradável hospedagem para
o Senhor tomasse conta dela. Seu excessivo zelo pelas coisas temporais
fê-la esquecer o tempo para as coisas de sua alma. Marta “agitava-se de
um lado para outro, ocupada em muitos serviços” . Pouco a pouco, sua
consciência sentiu-se aguçada, quando se viu sozinha, servindo as mesas,
e sua irmã assentada aos pés de Jesus, ouvindo-Lhe a palavra. Sob a
pressão de uma consciência perturbada, o temperamento de Marta tornou-
se irritado, e o velho Adão em seu íntimo rompeu em uma atrevida
reclamação. Ela disse: “Senhor, não te importas de que minha irmã tenha
184 Lucas 10.38-42
deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-
m e” . Ao dizer estas coisas, esta mulher piedosa esqueceu o que ela mesma
era e a quem estava falando. Ela trouxe sobre si mesma uma solene re
preensão e teve de aprender uma lição cujo efeito provavelmente foi dura
douro. Infelizmente, “uma fagulha põe em brasas... grande selva” (Tg
3.5). O começo desta situação desagradável foi uma excessiva ansiedade
pelos inocentes afazeres do lar.
O erro de Marta deve ser um aviso constante para todos os crentes.
Se desejamos crescer na graça e desfrutar prosperidade em nossa alma,
devemos ter cautela quanto aos cuidados com as coisas desse mundo. A
menos que vigiemos e oremos, tais cuidados destruirão nossa espi
ritualidade, fazendo definhar nossa alma. O que leva os homens à ruína
eterna não é apenas o pecado visível ou transgressões flagrantes dos
mandamentos de Deus; com mais freqüência, é uma intensa atenção a
coisas que em si mesmas são lícitas e o ficar inquieto e ocupado em mui
tos serviços. Parece tão correto trabalharmos pelas coisas que necessitamos
e bastante apropriado atenderijios aos deveres de nossa própria casa. É
nisto que se encontra o perigo. Nossa família, negócios, profissão, afazeres
domésticos e relacionamentos na sociedade — tudo pode tornar-se
armadilha para nosso coração e afastar-nos do Senhor. Podemos ir para o
abismo do inferno em meio à realização de coisas lícitas.
Cuidemos de nós mesmos no que se refere a este assunto. Vigiemos
com zelo nossos hábitos, para não cairmos em pecados inesperados. Se
amamos a vida, temos de cuidar das coisas deste mundo sem nos apegarmos
a elas e acautelarmo-nos de permitir que qualquer coisa ocupe o primeiro
lugar em nosso coração, exceto Deus mesmo. Escrevamos mentalmente a
palavra “veneno” em todas as coisas temporais que são boas. Utilizadas
com sabedoria, são bênçãos pelas quais devemos ser gratos. Se permitirmos
que inundem nossa mente e pisoteiem as coisas espirituais, elas podem
tomar-se verdadeira maldição. Prazeres e vantagens são adquiridos a preço
de morte, se, para obtê-los, rejeitamos de nossos pensamentos as coisas
eternas, reduzimos nossa leitura bíblica, ouvimos com negligência o evan
gelho e encurtamos nossas orações. Um pouco de terra lançada sobre o
fogo que se encontra em nosso íntimo logo fará que este fogo seja sufocado.
Em terceiro, devemos observar a solene repreensão de nosso Senhor
dirigida a Marta, sua serva. Como um médico sábio, Ele contemplou a
enfermidade que estava afligindo o coração de Marta e imediatamente
aplicou o remédio. Como um pai amável, Ele expôs o erro em que havia
caído a sua filha e não poupou a disciplina exigida. “Respondeu-lhe o
Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas.
Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa” . Fiéis sãos as
feridas causadas por um amigo! Essa pequena afirmativa de nosso Senhor
Lucas 10.38-42 185
o mais pobre dos crentes na terra possui um tesouro que jamais lhe será
tomado. A graça de Deus e o favor de Cristo são riquezas que nenhum
homem pode arrebatar-lhe. Ele as levará consigo quando morrer; elas
ressurgirão com ele na manhã da ressurreição e serão dele para sempre.
O que sabemos a respeito desta “boa parte” que Maria escolheu? Já
a escolhemos para nós mesmos? Podemos falar com verdade que ela já
nos pertence? Nunca descansemos até que possamos dizer isso. Escolhamos
“a vida” , quando Cristo a oferece, sem dinheiro e sem preço. Procuremos
ajuntar tesouros no céu, para que não despertemos e descubramos que
somos pobres para toda a eternidade.
quem adoramos. Somos instruídos a nos aproximar dEle como nosso Pai
no céu — sem dúvida, Pai no sentido de nosso criador, mas, em especial,
como o Pai que nos reconciliou consigo por meio de Jesus Cristo; o Pai
que habita no céu e que nenhum santuário da terra pode conter. Em seguida,
devemos mencionar três grandes coisas — o nome, o reino e a vontade de
nosso Pai.
Somos instruídos a suplicar que o nome de Deus seja santificado:
“Santificado seja o teu nome”. Ao pronunciar tais palavras não pretendemos
dizer que o nome de Deus admite graus de santidade ou que qualquer de
nossas orações pode torná-Lo mais santo; mas declaramos nosso desejo
íntimo de que o caráter, os atributos e as perfeições de Deus sejam mais
conhecidos, honrados e glorificados por todas as suas criaturas inteligentes.
Na verdade, esta foi a mesma petição que Jesus fez em outra ocasião:
“Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.28).
Em seguida, somos instruídos a suplicar que venha o reino de Deus:
“Venha o teu reino” . Com estas palavras, declaramos nosso desejo de
que o poder de Satanás seja rapidamente aniquilado e toda a humanidade
reconheça Deus como seu legítimo Rei e de que os reinos deste mundo
tornem-se realmente, conforme prometido, os reinos de nosso Deus e de
seu Cristo. O estabelecimento final desse reino foi predito desde a queda
de Adão. Toda a criação geme aguardando esse reino. A última oração da
Bíblia se refere ao estabelecimento desse reino. O cânon das Escrituras
quase termina com estas palavras: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 11.15; Gn
3.15; Rm 8.22; Ap 22.20).
E ainda, somos instruídos a suplicar que a vontade de Deus seja
feita: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” . Assim, ex
pressamos nosso ardente desejo de que o número dos convertidos a Deus
e do povo que Lhe obedece seja grandemente aumentado; e de que os ini
migos dEle, que odeiam sua lei, sejam diminuídos e de que chegue rapi
damente o tempo em que todos os homens servirão espontaneamente a
Deus na terra, assim como todos os anjos nos céus (Hc 2,14; Hb 8.11).
Esta é a primeira divisão da oração de nosso Senhor. Sua maravilhosa
plenitude e sua profunda importância não podem ser suficientemente
valorizadas. Felizes são os crentes que aprenderam que o nome de Deus é
mais digno de honra do que o de qualquer autoridade deste mundo, que o
reino de Deus é o único que permanecerá para sempre e que a lei de Deus
é o padrão com o qual todas as leis devem se conformar. Quanto mais
estas coisas forem entendidas e cridas na terra, tanto mais felizes serão as
pessoas. Os dias em que todos reconhecerão estas coisas serão os dias do
“céu na terra”.
A segunda divisão da oração de nosso Senhor refere-se às nossas
necessidades diárias. Somos instruídos a mencionar duas coisas que
188 Lucas 11.1-4
O Amigo Inoportuno;
Encorajamentos à Oração
Leia Lucas 11.5-13
lepra reaparecerá nas paredes. A vida exterior precisa ser não apenas “or
nam entada” com as pompas formais de uma religião. O poder do
cristianismo vital tem de ser experimentado no homem interior. O diabo
não tem apenas de ser expulso. O Espírito Santo deve tomar o seu lugar.
Cristo precisa habitar no coração pela fé. Não precisamos apenas ser re
formados, e sim nascer de novo.
Guardemos esses fatos em nosso coração. Muitos que professam ser
cristãos estão enganando a si mesmos. Não são mais aquilo que eram
antes; assim, lisonjeiam a si mesmos com a idéia de que são o que deveriam
ser. Não desonram o domingo, não são pecadores ousados e, deste modo,
imaginam que são cristãos. Não percebem que apenas trocaram de demônio.
São governados por um demônio de decência e farisaísmo, ao invés de
um demônio cruel, audacioso e impuro. Mas o morador de seu coração
ainda é o próprio diabo. E seu estado final será pior do que o primeiro.
Devemos orar para que sejamos livres desse estado final. Não importa o
que somos em nossa religião, temos de ser crentes completamente
comprometidos com Cristo. Não sejamos uma casa “varrida e orna
mentada” e não habitada pelo Espírito Santo. Não sejamos vasos revestidos
de prata, belos por fora, mas sem valor por dentro. Que a nossa oração
diária seja: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e
conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e
guia-me pelo caminho eterno” (SI 139.23-24).
carne. Foi maior honra para a virgem Maria ter Jesus habitando em seu
coração pela fé do que ter sido a mãe de Jesus e tê-Lo amamentado em seu
seio.
Verdades como essa geralmente são muito difíceis de ser aceitas.
Somos inclinados a pensar que ter visto, ouvido e vivido próximo a Cristo
e ter sido um parente dEle causaria um grande efeito sobre nossa alma.
Naturalmente somos todos inclinados a atribuir grande importância à
religião dos sentidos — ver, sentir, tocar e ouvir. Gostamos de um
cristianismo que envolva nossos sentidos, seja palpável ou material, ao
invés de um cristianismo de fé. Porém, precisamos recordar que ver nem
sempre significa crer. Milhares viram a Cristo com freqüência, enquanto
Ele esteve na terra, mas continuaram agarrados aos seus pecados. Durante
certo tempo, “nem mesmo” os próprios irmãos do Senhor Jesus “criam
nele” (Jo 7.5). Um conhecimento simplesmente carnal a respeito de Cristo
não salva qualquer pessoa. As palavras do apóstolo Paulo são bastante
instrutivas: “Se antes conhecemos Cristo segundo a carne, já agora não o
conhecemos deste modo” (2 Co 5.16).
Aprendamos destas palavras de nosso Senhor que os mais elevados
privilégios desejados por nossa alma estão ao nosso alcance, se tão-somente
crermos. Não é necessário que desejemos ter vivido em Cafarnaum ou
perto da casa de José, em Nazaré; tampouco precisamos sonhar em ter
um amor mais profundo e uma devoção mais completa, se realmente já
aceitamos a Cristo, ouvimos a sua voz e somos contados como membros
de sua família. Estas coisas não poderiam nos ter feito qualquer benefício
que a fé simples não seja capaz de fazer agora. Ouvimos a voz de Cristo
e estamos seguindo-O? Nós O recebemos como nosso único Salvador e
Amigo e, abandonando todas as outras esperanças, apegamo-nos a Ele?
Se isto é verdade, todas as coisas são nossas. Não precisamos de privilégios
maiores. E não os teremos até que Cristo venha novamente. Ninguém
pode estar mais próximo e ser mais querido do Senhor Jesus do que aquele
homem que simplesmente crê.
Em segundo, devemos observar nestes versículos a desesperadora
incredulidade dos judeus da época de Jesus. Somos informados que,
embora “afluíssem as multidões” para ouvi-Lo, ainda confessavam estar
esperando um sinal. Desejavam obter mais evidências, antes de crer. Nosso
Senhor declarou que a rainha de Sabá e os homens de Nínive envergonharão
os judeus no último dia. A rainha de Sabá possuiu tal fé, que viajou uma
enorme distância para ouvir a sabedoria de Salomão. No entanto, Salomão,
com toda a sua sabedoria, foi um rei imperfeito e cometeu muitos erros.
Os ninivitas possuíram tamanha fé, que creram na mensagem que Jonas
transmitiu da parte de Deus. Entretanto, Jonas foi um profeta fraco e
instável. Os judeus da época de Jesus tiverem uma luz mais sublime e
200 Lucas 11.27-32
formaram-se em pó. Mas aos olhos de Deus todos ainda vivem. A rainha
do Sul e os homens de Nínive todos ressuscitarão. E os veremos face a
face.
A verdade da ressurreição deve estar sempre em nossa mente, e a
vida por vir, freqüentemente em nossos pensamentos. Tudo não acaba
quando os sepulcros recebem seus moradores e os homens dirigem-se à
sua morada permanente. Outras pessoas habitarão em nossa casa e gastarão
nosso dinheiro. Os nomes logo serão esquecidos. Mas ainda não está
acabado! Um pouco mais de tempo e ressuscitaremos. “E a terra dará à
luz os seus mortos” (Is 26.19). Muitos, assim como o governador Félix,
deveriam tremer ao pensarem tais coisas. Mas aqueles que vivem pela fé
no Filho de Deus, à semelhança do apóstolo Paulo, devem erguer sua
cabeça e sentirem regozijo.
A Utilização da Luz;
A Simplicidade de Olhos
Leia Lucas 11.33-36
pela maneira como a utiliza. Tem de se esforçar para manter erguida sua
lâmpada, de tal modo que muitos a vejam e, ao verem-na, admirem-na e
creiam.
Acautelemo-nos para não sermos negligentes em relação à luz que
possuímos. O pecado de muitos quanto a este assunto é maior do que
imaginam. Milhares de pessoas contentam-se a si mesmas dizendo que
não se encontram em péssimo estado espiritual, por se absterem de atos
grosseiros e notáveis de impiedades e por serem decentes; por conseguinte,
consideram-se decentes e respeitáveis em sua vida exterior. No entanto,
tais pessoas rejeitam com frieza o evangelho quando o oferecemos? Os
anos se passam, e elas não tomam qualquer decisão quanto a servir a
Cristo? Se isto é verdade, elas precisam saber que sua culpa diante de
Deus é muito grande. Ter luz e não andar em sua luz é, por si mesmo, um
grande pecado. É rejeitar o Rei dos reis com desprezo e indiferença.
Estejamos atentos contra o egoísmo em nosso próprio cristianismo,
mesmo depois de termos aprendido a importância da luz do evangelho.
Devemos nos esforçar para fazer com que todos os homens vejam que
achamos uma “pérola de grande valor” e desejamos que todos a encontrem.
O cristianismo de um homem pode ser considerado suspeito se ele está
contente em ir para o céu sozinho. O verdadeiro crente tem um coração
dilatado. Se tem filhos, almejará a salvação deles. Se é um patrão, desejará
ver a conversão de seus empregados; se é um proprietário de imóveis,
que seus inquilinos venham juntamente com ele para o reino de Deus.
Esse é o cristianismo saudável. O crente que se satisfaz em queimar para
si mesmo a sua lâmpada está em um péssimo estado de alma.
Em segundo, aprendemos destes versículos o valor de um coração
bom e íntegro na vida cristã. Esta é uma lição que nosso Senhor ilustrou
através da atividade do olho no corpo humano. Ele nos disse que, se os
olhos forem “bons” , ou seja, completamente saudáveis, todo o corpo será
influenciado por isso. Mas, se ocorrer o contrário, toda a atividade e
conforto físico de uma pessoa serão atingidos. Nos países do Oriente,
onde doenças nos olhos são muito comuns, esta ilustração era parti
cularmente notável.
Mas quando podemos dizer que o coração de uma pessoa é íntegro
na vida cristã? Quais são as marcas de um coração íntegro? Estas perguntas
são profundamente importantes. Seria bom para a igreja de Cristo e para
o mundo, se corações íntegros fossem mais comuns.
O coração íntegro é aquele que não somente foi convertido,
transformado e regenerado, mas também é o coração que está sob a po
derosa, completa e habitual influência do Espírito Santo. É o coração que
odeia todo comprometimento, indiferença e hesitação entre duas opiniões
na vida cristã; que focaliza-se apenas em um objeto — o amor de Cristo,
Lucas 11.33-36 203
que aquele fariseu não era discípulo de Cristo. No entanto, sabemos que
Jesus foi e “tomou lugar à mesa” .
A conduta de nosso Senhor nessa ocasião, assim como em outras,
tem o propósito de ser um exemplo para todos os crentes. Cristo é nosso
modelo, bem como nossa propiciação. Há ocasiões em que o servo de
Cristo precisa estar junto dos ímpios e dos filhos deste mundo; talvez
existam momentos em que será uma obrigação manter convívio social
com eles, aceitar seus convites e tomar lugar em suas mesas. É evidente
que nada deve induzir o crente a participar dos pecados dos incrédulos ou
das frívolas diversões do mundo. Mas ele não deve ser mal-educado. Não
pode retirar-se completamente da sociedade dos não-convertidos e tornar-
se um eremita ou um ascético. Tem de lembrar que o bem pode ser realizado
tanto em particular quanto em público.
Uma qualificação, entretanto, nunca deve ser esquecida, quando
seguimos este exemplo de nosso Senhor nessa questão. Tenhamos cuidado
em nos dirigir para estar na companhia dos pecadores manifestando o
mesmo espírito que havia em nosso Senhor. Lembremos sua ousadia em
falar das coisas de Deus. Ele estava sempre cuidando dos negócios de seu
Pai. Recordemos sua fidelidade em reprovar o pecado. Ele não poupava
nem mesmo os pecados daqueles que o convidavam, quando Lhe chamavam
a atenção publicamente. Estejamos na companhia dos incrédulos com essa
mesma atitude de espírito, e nossas almas não sofrerão qualquer dano. Se
percebemos que não somos capazes de imitar nosso Senhor, para estar na
companhia a que somos convidados, devemos estar certos de que o melhor
é permanecermos em casa.
Em segundo, observamos nesta passagem a tolice que acompanha a
hipocrisia nas coisas espirituais. O relato nos informa que o fariseu com
o qual nosso Senhor jantou “admirou-se ao ver que Jesus não se lavara...
antes de comer” . Assim como muitos de sua classe, o fariseu imaginou
que havia algo impuro em não lavar as mãos e que negligenciar essa
prática era um sinal de impureza moral. Nosso Senhor ressaltou o absurdo
de atribuir tamanha importância ao simples ato de lavar o corpo, enquanto
a pureza de coração era desprezada. Ele relembrou ao seu anfitrião que
Deus olha para o nosso íntimo, o homem interior do coração, muito mais
do que para o nosso exterior. Jesus dirigiu essa indagação perscrutadora:
“Quem fez o exterior não é o mesmo que fez o interior?” O Deus que for
mou nossos corpos frágeis é o mesmo que nos deu alma e coração.
Sempre tenhamos em mente que o estado de nossa alma é a principal
coisa que exige nossa atenção, se desejamos saber o que somos em nossa
vida espiritual. A lavagem de partes do corpo, jejuns, gestos, posturas e
mortificações da carne que impomos sobre nós mesmos, tudo isso é com
pletamente inútil, se nosso coração estiver errado diante de Deus. Conduta
Lucas 11.37-44 205
linguagem utilizada por nosso Senhor nesta ocasião. Ele chama as coisas
pelos seus devidos nomes. Sabia que doenças crônicas exigem tratamento
severo. Desejava que soubéssemos isto: o melhor amigo de nossa alma
não é aquele que está sempre falando “coisas aprazíveis” (Is 30.10) e
concordando com tudo que dizemos, e sim o que nos fala a verdade.
Primeiramente, destas palavras de nosso Senhor aprendemos quão
grave é o pecado de professarmos ensinar aos outros aquilo que nós
mesmos não praticamos. Ele disse aos intérpretes da lei: “Sobrecarregais
os homens com fardos superiores às suas forças, mas vós mesmos nem
com um dedo os tocais” . Exigiam que os outros obedecessem cerimônias
enfadonhas de sua religião, quando eles mesmos as negligenciavam.
Cometiam a imprudência de colocarem pesados fardos sobre a cons
ciência dos outros, enquanto isentavam a si mesmos destes fardos. Em
resumo, tinham um padrão de medida para seus ouvintes e outro para
si mesmos.
A repreensão severa que nosso Senhor ministrou nesta ocasião deveria
atingir com especial vigor certa classe de pessoas da igreja. É uma re
provação oportuna para todos os que ensinam aos jovens, para os chefes
e líderes de famílias, para todos os pais e, em especial, para todos os
pastores e líderes da igreja. Todos estes devem observar com bastante
atenção as palavras de nosso Senhor nesta passagem. Devem acautelar-se
de falar aos outros que tenham como alvo um padrão que eles não almejam
para si mesmos. Esse tipo de conduta é, no mínimo, uma terrível in
consistência.
Sem dúvida, a perfeição é inatingível neste mundo. Se ninguém pu
desse estabelecer preceitos, ou ensinar, ou pregar, enquanto não se tor-nasse
impecável, toda a estrutura da sociedade entraria em confusão. Mas temos
o direito de esperar harmonia entre as palavras e os atos de uma pessoa,
entre seu ensino e seu comportamento, entre sua pregação e suas obras.
Uma coisa, porém, é certa: nenhuma lição produz tanto efeito quanto
aquela que o ensinador ilustra por meio de sua vida diária. Feliz é aquele
que, assim como Paulo, pode dizer: “O que também aprendestes, e
recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai” (Fp 4.9).
Em segundo, destas palavras de nosso Senhor aprendemos que é
muito mais fácil admirar os crentes mortos do que os vivos. Jesus disse
aos intérpretes da lei: “Edificais os túmulos dos profetas que vossos pais
assassinaram” . Eles professavam honrar a memória dos profetas, enquanto
tinham uma maneira de viver que os profetas haviam condenado! Ne
gligenciavam abertamente o aviso e ensino dos profetas, enquanto pre
tendiam reverenciar seus túmulos.
A prática denunciada por nosso Senhor, na ocasião, jamais deixou
de ter seguidores, no espírito e, talvez, na letra. Milhões de ímpios em to
208 Lucas 11.45-54
ímpios é algo que nos deixa perplexos. A contínua derrota dos crentes é
um problema que parece difícil de ser resolvido. Mas um dia será
esclarecido. O grande trono branco e os livros de Deus colocarão as coisas
em seus devidos lugares. O confuso labirinto da providência divina será
explicado, e será comprovado ao mundo em admiração que tudo foi “bem
feito” . Os ímpios prestarão contas de todas as lágrimas que fizeram os
crentes derramarem. E será exigida cada gota de sangue que tem sido
derramada.
Por último, aprendemos destas palavras de nosso Senhor quão imensa
é a impiedade de impedir que os outros tenham conhecimento espiritual.
Ele disse aos intérpretes da lei: “Tomastes a chave da ciência; contudo,
vós mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando” . O pecado
aqui denunciado infelizmente é bastante comum. Sua culpa encontra-se
na porta de mais pessoas do que, à primeira vista, estamos cientes. Esse é
o pecado dos sacerdotes católicos que proíbem as pessoas de interpretarem
a Bíblia; é o pecado cometido pelo pastor evangélico que adverte seu
povo contra “pontos de vistas extremistas” e zomba do conceito da
conversão. É o pecado de maridos incrédulos que detestam o fato de sua
esposa tomar-se piedosa. É o pecado da mãe que tem mentalidade mundana
e não suporta a idéia de ver sua filha pensando nas coisas espirituais e
abandonando o teatro e os bailes. Tudo isso, intencionalmente ou não,
traz sobre estas pessoas o enfático “ai! ” de nosso Senhor. Estão impedindo
os outros de entrarem no céu!
Oremos para que nunca cometamos tal pecado. Onde quer que
estejamos em nosso cristianismo, temamos desencorajar os outros, ainda
que eles m anifestem bem pouco interesse por suas almas. Jamais
procuremos impedir aqueles que nos cercam de viverem o cristianismo,
em especial nos assuntos da leitura bíblica, do ouvir a pregação da palavra
e da oração particular. Pelo contrário, devemos animá-los, encorajá-los,
ajudá-los e agradecer a Deus se eles estiverem em melhor condição
espiritual do que nós. “Livra-me dos crimes de sangue” (SI 51.14) foi a
oração de Davi. Devemos temer que o sangue de parentes pesarão sobre
a cabeça de muitos no último dia. Eles os viram quase a entrar no reino de
Deus e os impediram.
de Cristo contra o temor dos homens. Ele afirmou: “Não temais os que
matam o corpo e, depois disso, nada mais podem fazer” . Mas isso não é
tudo. O Senhor Jesus também nos disse a quem devemos temer. Ele
afirmou: “Temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no
inferno. Sim, digo-vos, a este deveis tem er”.
O temor dos homens é um dos maiores obstáculos que permanece
entre a alma e o céu. “O que dirão e o que pensarão as pessoas a meu
respeito? O que elas farão contra mim?” Freqüentemente perguntas como
estas têm inclinado a balança contra a alma e conservado as pessoas com
as mãos e os pés amarrados pelo pecado e por Satanás. Existem milhares
que não hesitariam um momento sequer em romper uma discórdia ou
encarar um leão, mas estes mesmos não ousam enfrentar a zombaria de
parentes, amigos e vizinhos. Ora, se o temor dos homens possui tão grande
influência em nossos dias, quanto maior influência esse temor exercia
sobre as pessoas, quando nosso Senhor esteve na terra. Se achamos difícil
seguir a Cristo em meio à ridicularização e a palavras maldosas, quanto
mais difícil era segui-Lo em meio a prisões, açoites, maus tratos e mortes
violentas! O Senhor tinha pleno conhecimento de todas essas coisas. Não
devemos admirar que Ele tenha clamado: “Não temais” .
Qual é o melhor remédio contra o temor dos homens? Como podemos
vencer tão poderoso sentimento e destruir as correntes que ele lança ao
nosso redor? Não existe outro remédio além daquele que nosso Senhor
recomenda nesta passagem. Devemos suplantar o temor dos homens por
um princípio mais elevado e poderoso — o temor a Deus. Afastemos
nossos pensamentos daqueles que são capazes apenas de causar danos ao
nosso corpo e procuremos fixar nosso coração nAquele que domina sobre
todas as almas. Devemos retirar nossos olhos daqueles que podem somente
injuriar-nos nesta vida e colocá-los nAquele que nos pode condenar à
miséria eterna, na vida por vir. Munidos com este poderoso princípio,
não agiremos com covardia. Contemplando Aquele que é invisível, veremos
o temor insignificante diluindo-se diante do mais importante e o temor
mais frágil, diante do mais forte. O Coronel Gardiner afirmou: “Eu temo
a Deus e, por isso, não há ninguém mais que eu precise tem er” . Essa foi
a nobre declaração de Hooper, quando um católico romano insistiu que
salvasse sua vida, ao retratar-se em face da morte na fogueira: “A vida é
doce, a morte é amarga; mas a vida eterna é muito mais doce, e a morte
eterna, muito mais amarga” .
A última coisa que nos chama a atenção nesta passagem é o enco
rajamento de Cristo para os crentes perseguidos. Ele recordou-lhes o
cuidado providencial de Deus sobre as menores de suas criaturas: “Não
se vendem cinco pardais por dois asses? Entretanto, nenhum deles está
em esquecimento diante de Deus” . Prosseguiu afirmando que o mesmo
212 Lucas 12.1-7
explicar uma parte das Escrituras de modo que ela seja contrária a outras
de suas passagens. Nada é impossível para Deus. O sangue de Cristo po
de purificar todos os pecados. Até o principal dos pecadores foi perdoado
em várias ocasiões. Estas coisas não podem ser esquecidas. Todavia, apesar
disso, há uma grande verdade que não pode ser evitada: existe um pecado
que não pode ser perdoado.
O pecado ao qual nosso Senhor se referiu nestas palavras é o de re
jeitar francamente a verdade de Deus no coração, quando a pessoa a entende
com clareza em sua mente; é uma combinação de luz no entendimento
com deliberada impiedade na vontade. É o mesmo pecado que os escribas
e fariseus parecem ter cometido, quando rejeitaram o ministério do Espírito
Santo, após o Dia de Pentecostes, e recusaram crer na pregação dos após
tolos. E o pecado que, podemos temer, muitos ouvintes habituais do evan
gelho caem por resolutamente se apegarem ao mundo. E, o pior de tudo,
é um pecado que sempre está acompanhado por completa insensibilidade,
dureza de coração e entorpecimento. O homem que não terá perdão para
os seus pecados é precisamente aquele que nunca o busca. Essa é exatamente
a raiz de sua terrível situação. Ele poderia ter sido perdoado, mas não
procurou o perdão. Está endurecido para o evangelho e “duplamente
morto” (Jd 12). Sua consciência está “cauterizada” (1 Tm 4.2).
Oremos para que sejamos libertos de um conhecimento intelectual,
frio, especulativo e não-santificado das coisas espirituais; esse tipo de co
nhecimento é uma rocha diante da qual muitos têm sucumbido por toda a
eternidade. Nenhum coração se torna tão endurecido quanto aquele sobre
o qual resplandece a luz do evangelho e esta não recebe aceitação. O fogo
que derrete a cera endurece o barro. Devemos usar a luz que temos. Qual
quer que seja o conhecimento que possuímos acerca do evangelho, devemos
viver plenamente de acordo com ele. Ser um incrédulo ignorante e prostrar-
se diante de ídolos é algo bastante ímpio. Mas chamar-se cristão, conhecer
os conceitos evangélicos e, apesar disso, no coração continuar preso aos
seus pecados e ao mundo significa ser um candidato ao pior e mais infeliz
lugar do inferno. Significa ser tão semelhante ao diabo quanto possível.
Por último, estes versículos nos ensinam que o crente não precisa
ficar ansioso quanto ao que precisará dizer, quando inesperadamente lhe
exigirem que fale em favor da causa de Cristo. A promessa de nosso
Senhor a respeito deste assunto tem referência primária às provações
públicas, semelhantes às que Paulo enfrentou diante de Félix e Festo. É
uma promessa na qual milhares de crentes que passam por situações
idênticas têm visto cumprir-se e trazer-lhes conforto especial. A vida de
muitos dos reformadores e outras testemunhas de Deus são abundantes e
admiráveis provas de que o Espírito Santo pode ensinar ao crente o que
falar em ocasiões necessárias.
Lucas 12.8-12 215
pensando sobre uma herança por vir. Esse homem era alguém cujos pen
samentos concentravam-se na vida presente.
Muitos ouvintes do evangelho são semelhantes a esse homem! Estão
constantemente planejando e maquinando a respeito de coisas desta vida,
mesmo sob a influência saudável das coisas eternas. O homem natural é
sempre o mesmo, nem mesmo a pregação de Cristo atrai a atenção de to
dos os seus ouvintes. O ministro do evangelho, na atualidade, não deve
ficar surpreso ao ver mundanismo e falta de atenção no meio de sua igreja.
O servo de Cristo não deve esperar que seus sermões sejam mais valorosos
do que os de seu Senhor.
Inicialmente, observemos nestes versículos a solene advertência que
nosso Senhor proferiu contra a cobiça. Ele recomendou: “Tende cuidado
e guardai-vos de toda e qualquer avareza” . Seria em vão procurarmos de
terminar especificamente qual é o mais comum dos pecados no mundo.
Seria mais correto dizer que não existe nenhum outro pecado ao qual o
coração é mais propenso do que a cobiça. Foi o pecado que arruinou os
anjos que caíram. Não se contentaram com seu primeiro estado; cobiçaram
algo melhor. Foi o pecado que contribuiu para que Adão e Eva fossem
expulsos do paraíso e para que a morte entrasse no mundo. Nossos
primeiros pais não ficaram satisfeitos com as coisas que Deus lhes havia
dado no jardim do Éden. Eles cobiçaram e, portanto, caíram em pecado.
É um pecado que, desde a Queda, tem sido a causa de miséria e infelicidade
na terra. Guerras, conflitos, brigas, divisões, disputas, invejas, ódio de
todos os tipos, manifestado tanto em público quanto em particular —
todas essas coisas têm a mesma fonte: a cobiça.
Esta advertência pronunciada por nosso Senhor deve arraigar-se em
nosso coração e produzir frutos em nossa vida. Esforcemo-nos para apren
der a lição que Paulo ensinou, quando disse: “Aprendi a viver contente
em toda e qualquer situação” (Fp 4.11). Oremos para que tenhamos uma
completa confiança na providência de Deus que supervisiona todos os
acontecimentos do mundo e na perfeita sabedoria divina em todas as coisas
que Ele dispõe a nosso respeito. Se temos pouco, estejamos certos disso:
ter bastante não seria bom para nós. Se nos forem retirados os bens que
possuímos, fiquemos satisfeitos com o fato de que há um motivo para
isso. Feliz é aquele que está persuadido daquilo que é o melhor e cessou
de ter desejos vãos e tornou-se contente “com as coisas que” possui (Hb
13.5).
Em segundo, observemos nestes versículos a terrível exposição que
nosso Senhor fe z em referência à tolice de alguém ter um espírito voltado
às coisas mundanas. Ele retratou um homem rico para o mundo, cuja
mentalidade estava completamente centrada nas coisas terrenas. Descreveu-
o como uma pessoa que fez planos quanto à sua prosperidade, como se
Lucas 12.13-21 217
fosse senhor de sua própria vida e tivesse apenas que dizer: “Farei isto” ,
e tal coisa seria feita. Então, o Senhor Jesus conclui a exposição mostrando
que Deus exigiu a alma daquele homem mundano e fez uma pergunta
perscrutadora: “O que tens preparado, para quem será?” Ele deseja que
aprendamos: nada menos do que “louco” é palavra correta que descreve
a conduta daqueles que têm seu dinheiro como prioridade. “O que entesoura
para si mesmo e não é rico para com Deus” — este é aquele que Deus
declara ser um “louco” .
É um pensamento terrível, mas a verdade é que o homem descrito
por Jesus nesta parábola é muito comum entre nós. Milhares de pessoas,
em todas as épocas, têm vivido constantemente na mesma atitude que o
Senhor Jesus condenou nessa ocasião. Milhões estão fazendo a mesma
coisa hoje. Estão acumulando tesouros sobre a terra e pensando somente
em como aumentá-lo. Estão continuamente aumentando seus bens, como
se pudessem desfrutá-los para sempre, como se não houvesse morte,
julgamento ou vida por vir. No entanto, estes são os homens que muitos
chamam sábios, espertos e prudentes! São pessoas recomendadas, bajuladas
e admiradas, Deus não vê como vêem os homens! Ele declara que são
loucos os homens ricos que vivem exclusivamente para este mundo.
Oremos pelos ricos. Suas almas estão em grande perigo. “O céu” ,
disse um grande homem em seu leito de morte, “é um lugar aonde vêm
poucos governantes ricos” . Mesmo convertido, o homem rico leva consigo
um grande fardo e caminha em direção ao céu com grandes desvantagens.
Possuir dinheiro causa um efeito endurecedor sobre a consciência. Não
sabemos o que podemos fazer se nos tornarmos ricos. “O amor do dinheiro
é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si
mesmos se atormentaram com muitas dores” ( lT m 6 .1 0 ) .A pobreza tem
muitas desvantagens; mas a riqueza destrói mais almas do que a pobreza.
Por último, observemos nestes versículos quão importante é ser rico
para com Deus. Isto expressa a verdadeira sabedoria; significa preparar-
se para a existência por vir; manifesta a prudência genuína. O homem
sábio é aquele que não pensa somente nas riquezas terrenas, mas também
no tesouro do céu.
Quando podemos afirmar que um homem é rico para com Deus?
Nunca, até que ele seja rico em graça, fé e boas obras, até que se dirija ao
Senhor Jesus suplicando que lhe dê o ouro refinado pelo fogo (Ap 3.18).
Nunca, enquanto não tiver uma casa feita não por mãos humanas, eterna,
nos céus. Nunca, até que seu nome esteja inscrito no Livro da Vida e que
ele seja herdeiro de Deus e co-herdeiro juntamente com Cristo! Este é o
homem verdadeiramente rico! Seu tesouro é incorruptível. Seu banco nunca
há de falir. Sua herança não fenece. Os homens não podem impedir que
ele a desfrute. A morte não pode arrebatá-la de suas mãos. Todas essas
218 Lucas 12.13-21
A Consolação do Crente;
Tesouros nos Céus;
Jesus Prescreve uma Atitude de Espera
Leia Lucas 12.32-40
O Elogio ao Crente
que faz Como o Senhor Ordena;
Repreendida a Negligente
Utilização de Privilégios Espirituais
Leia Lucas 12.41-48
O servo que Jesus chamou bem-aventurado não é o que será achado de
sejando ou fazendo afirmações, e sim o que estiver “fazendo assim”.
Infelizmente é uma lição que muitos evitam ensinar e que um número
ainda maior não quer receber. Somos seriamente ensinados que falar sobre
“fazer” e “trabalhar” é legalismo e coloca os crentes debaixo de escravidão.
Tais observações jamais devem nos inquietar. Elas refletem ignorância e
perversidade. A lição ministrada nestes versículos não se refere à jus
tificação, e sim à santificação; não se refere à fé, e sim à santidade. A
idéia central não é o que o homem deve fazer para ser salvo, mas o que o
salvo deve fazer. O ensino das Escrituras sobre este assunto é claro. Uma
pessoa salva é solícita “na prática de boas obras” (Tt 3.8). O desejo de
um verdadeiro cristão é ser encontrado “fazendo assim” .
Se amamos a vida, pela graça de Deus resolvamos ser crentes que
estão “fazem assim”. Isto significa ser como Cristo, que andou por toda
parte “fazendo o bem ” (At 10.38). Significa ser semelhante aos apóstolos
(eles foram homens de realizações, mais do que homens de palavras); e
equivale a glorificar a Deus: “Nisto é glorificado meu Pai, em que deis
muito fruto; e assim vos tomareis meus discípulos” (Jo 15.8). Isto significa
ser útil ao mundo: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens,
para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está
nos céus” (Mt 5.16).
Em segundo, aprendemos sobre o terrível perigo daqueles que
negligenciam as obrigações de sua chamada. Nosso Senhor falou que
esses serão castigados e terão sua parte “com os infiéis” . Sem dúvida,
estas palavras se aplicam especialmente aos ministros e ensinadores do
evangelho. Entretanto, não devemos nos iludir com a idéia de que sua
aplicação se limita a eles. Provavelmente elas foram pronunciadas com o
propósito de transmitir uma lição para todos os que ocupam posições de
alta responsabilidade. É um fato notável que, no início da passagem, Pedro
indagou a Jesus: “Senhor, proferes esta parábola para nós ou também
para todos?” , mas não recebeu nenhuma resposta. Qualquer pessoa que
ocupa uma posição de confiança e negligencia suas obrigações fará bem
se meditar nesta passagem e dela receber sabedoria.
A linguagem que nosso Senhor utilizou, ao referir-se a servos
negligentes e infiéis, é peculiarmente severa. Poucas passagens dos
evangelhos contêm linguagem tão forte. É uma ilusão inútil supor que o
evangelho fala somente “coisas amáveis” . O Salvador amável sustenta a
sua misericórdia até ao fim para aquele que se arrepende e crê, mas Ele
também não se esquiva de enviar juízo de Deus sobre aqueles que rejeitam
seu conselho. Não permitamos que ninguém nos engane neste assunto.
Existe o inferno para todos os que durante sua vida permanecem na
impiedade, assim como existe o céu para aquele que crê em Jesus.
Lucas 12.41-48 225
não haverá cordialidade genuína entre eles. Enquanto alguns forem con
vertidos e outros, incrédulos, não pode haver paz verdadeira.
Acautelemo-nos de possuir expectativas sem bases bíblicas. Se es
peramos ver as pessoas manifestando possuir uma só mente e um só coração,
antes de serem convertidas, seremos constantemente desapontados. Milha
res de pessoas bem intencionadas, em nossos dias, com freqüência estão
clamando por mais “união” entre os cristãos. Para alcançar isso, elas estão
prontas a sacrificar quase tudo e desprezar inclusive a sã doutrina, se, ao
fazerem isso, puderem sentir-se seguras de que têm paz. Tais pessoas farão
bem se recordarem que mesmo o ouro pode ser adquirido a um preço muito
elevado e que a paz é inútil, se for conseguida ao custo da verdade. Com
certeza, elas esqueceram as palavras de Cristo: “Não penseis que vim trazer
paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34).
Jamais nos permitamos ser desmotivados por aqueles que acusam o
evangelho de ser a causa de contendas e divisões na terra. Tais pessoas
apenas demonstram sua ignorância, quando falam desta maneira. Não é o
evangelho e sim o corrupto coração do homem que deve receber a culpa.
Não é o glorioso remédio de Deus que se encontra em deficiência, e sim
a natureza enferma da raça de Adão, que, à semelhança de uma criança
voluntariosa, rejeita o remédio que Deus providenciou para lhe trazer a
cura. Enquanto existirem homens e mulheres que recusam arrepender-se
e crer e existirem outros que se arrependem e crêem, haverá divisões.
Ficar surpreso diante disso é o cúmulo da tolice. A própria existência de
divisões é uma prova da presciência de Cristo e uma comprovação da
veracidade da Palavra de Deus.
Sejamos gratos a Deus porque está chegando o dia em que não mais
haverá divisões na terra e que todos serão unânimes em seus pensamentos.
Essa época será quando Jesus, o Príncipe da Paz, voltará pessoalmente à
terra e colocará todos os seus inimigos debaixo de seus pés. Quando
Satanás for amarrado, os ímpios forem separados dos justos e cada um
colocado em seu devido lugar, somente então haverá paz perfeita.
Vigiemos, aguardemos e oremos por essa bendita época. A noite está
quase findando; o dia, quase a amanhecer. Nossas divisões durarão pouco
tempo; nossa paz permanecerá por toda a eternidade.
nós e suas exigências precisam ser satisfeitas. Assim como esse homem,
precisamos ser diligentes para resolver nosso caso, antes que ele chegue
ao Juiz. Temos de procurar perdão e misericórdia antes de morrermos. À
semelhança desse homem, se deixarmos escarpar a oportunidade, o juízo
virá contra nós, e seremos lançados na prisão do inferno. Este parece ser
o significado da parábola contada nessa ocasião. É uma ilustração vívida
da preocupação que uma pessoa deve ter em referência ao importante
assunto da reconciliação com Deus.
A paz com Deus é, antes de mais nada, a principal coisa do verdadeiro
cristianismo. Somos nascidos em pecados e filhos da ira. Não possuímos
qualquer amor natural para com Deus. O pendor da carne é inimizade
contra Deus. É impossível que Deus tenha prazer em nós. O Senhor
abomina o ímpio (SI 11.5). O primeiro e maior desejo de todos os que
professam ter qualquer forma de cristianismo é obter a reconciliação com
Deus. Enquanto alguém não a receber, nada lhe aproveitará. Não teremos
coisa alguma de valor em nosso cristianismo, se não tivermos paz com
Deus. A lei nos torna culpados. O julgamento certamente será contra nós.
Sem reconciliação, o fim da jornada de nossa vida será o inferno.
A paz com Deus é a principal coisa que o evangelho de Cristo oferece
às almas. A paz e o perdão são os primeiros itens na lista de privilégios do
evangelho e são oferecidos gratuitamente a todos que crêem em Jesus.
Existe Alguém que pode livrar-nos do adversário. Cristo é o fim da lei
para justiça de todo aquele que crê. Ele nos redimiu da maldição da lei,
tendo sido feito maldição em nosso lugar. Cristo cancelou o escrito de
dívida que era contra nós e removeu-o de nosso caminho, encravando-o
na cruz. Sendo justificados pela fé, temos paz com Deus por intermédio
de nosso Senhor, Jesus Cristo. Não existe qualquer condenação para aqueles
que estão em Cristo. As reivindicações de nosso adversário foram satisfeitas
pelo sangue de Cristo. Agora Deus pode ser justo e o justificador de todo
aquele que crê em Jesus. Uma expiação completa foi realizada; o débito,
completamente pago. O Juiz pode dizer: “Redime-o... achei resgate” (Jó
33.24).
Jamais descansemos até saber e experimentar que estamos recon
ciliados com Deus. Não estejamos contentes apenas em ir à igreja,
servir-nos dos meios da graça e ser reconhecidos como cristãos, se não
tivermos a certeza de que nossos pecados estão perdoados e nossa alma,
justificada. Procuremos ter certeza de que estamos unidos a Cristo, de
que Ele está em nós, de que nossas iniqüidades estão perdoadas e nossos
pecados, cobertos. Somente quando tivermos esta certeza, nossa alma
poderá descansar em paz e aguardar o julgamento, sem temor. Nosso
tempo é breve. Estamos viajando em direção ao dia em que será
determinado nosso quinhão na eternidade. Sejamos diligentes para sermos
Lucas 12.54-59 231
Mas, se existe uma das perfeições divinas que Ele tem prazer em demonstrar
ao homem, de maneira mais evidente do que qualquer outra, essa perfeição
sem dúvida é sua misericórdia. Ele é um Deus que “tem prazer na mi
sericórdia” (M q7.18).
A misericórdia baseada na mediação de um Salvador vindouro foi o
motivo por que Adão e Eva não foram lançados no inferno no dia em que
caíram no pecado. A misericórdia tem sido a causa por que Deus tem su
portado este mundo sobrecarregado de pecado e ainda não tem exercido o
juízo. A misericórdia até agora é o motivo por que os pecadores não-
convertidos são poupados por tanto tempo e não destruídos em seus próprios
pecados. Provavelmente não temos a menor idéia de quanto todos nós
devemos à paciência de Deus. O último dia comprovará que toda a huma
nidade estava em débito para com a misericórdia de Deus e a mediação de
Cristo. Mesmo aqueles que estão eternamente perdidos descobrirão, para
sua vergonha, que por causa das misericórdias do Senhor eles não foram
consumidos ainda em vida. E, no que se refere aos salvos, uma aliança de
misericórdia será a sua total reivindicação no Dia do Juízo.
E qual é a nossa situação? Somos frutíferos ou infrutíferos? Acima
de todas as outras coisas, esta é a pergunta que mais deve nos preocupar.
O que Deus vê em nós anó após ano? Estejamos atentos para vivermos de
tal modo que Ele veja fruto em nós.
meços” (Zc 4.10). A alma precisa engatinhar, antes que possa andar; e
andar, antes que seja capaz de correr. Se vemos qualquer dos sintomas da
graça começando a manifestar-se em algum irmão, embora o sintoma seja
fraco, agradeçamos a Deus e tenhamos esperança. O fermento da graça
tendo sido colocado naquele coração ainda fermentará toda a massa. Aquele
que começou a boa obra a completará até ao Dia de Cristo Jesus (Fp 1.6).
Perguntemos a nós mesmos se existe algo da obra da graça em nosso
coração. Estamos descansando satisfeitos com alguns desejos e convicções
vazios? Ou conhecemos por experiência própria a graça que gradualmente
cresce, propaga-se, aumenta e fermenta-se em nosso íntimo? Nada menos
do que isso deve contentar-nos. A verdadeira obra do Espírito Santo nunca
permanecerá quieta; fermentará toda a massa.
para alimentar-se em sua casa. O fato que deve nos interessar é este: ao
ser feito o convite, o Senhor Jesus o aceitou.
Se desejamos saber como nosso Senhor se comportou à mesa na
casa do fariseu, precisamos somente ler com atenção os primeiros vinte e
quatro versículos deste capítulo. Nós O encontramos agindo da mesma
maneira que agia sempre em todos os lugares, sempre tratando dos negócios
de seu Pai. Primeiramente, nós O vemos defendendo a correta observância
do dia de descanso; em seguida, explicando aos que com Ele ali estavam
reunidos a natureza da verdadeira humildade; depois, incutindo na mente
de seu anfitrião o caráter da hospitalidade autêntica e, por fim, transmitindo
aquela mais conveniente e admirável parábola, a parábola da grande ceia.
Ele fez tudo com muita sabedoria, calma e dignidade. Todas as suas
palavras foram oportunas. Sua conversa era sempre “agradável, temperada
com sal” (Cl 4.6). A perfeição do comportamento de nosso Senhor se
manifestou nessa ocasião, assim como em todas as outras. Ele sempre
dizia a coisa certa, na ocasião oportuna e da maneira correta. Nunca es
quecia, por um momento sequer, quem Ele mesmo era e onde se en
contrava.
O exemplo de Cristo nesta passagem merece profunda atenção de
todos os crentes, em especial dos ministros do evangelho. Toma bem
claros alguns assuntos difíceis — nosso relacionamento com pessoas
incrédulas, até que ponto podemos estender esse relacionamento, a maneira
como devemos nos comportar quando estamos juntos com eles. Neste
capítulo, nosso Senhor deixou um padrão para nossa conduta. Nossa
sabedoria consistirá em nos esforçarmos para andar nos passos dEle.
Não devemos esquivar-nos completamente do relacionamento com
pessoas não-convertidas. Se fosse possível, agir assim seria covardia e
negligência, pois nos privaria de muitas oportunidades para fazermos o
bem. No entanto, devemos estar na companhia deles manifestando
moderação, vigilância, em atitude de oração e com a firme resolução de
realizar a obra e os interesses de nosso Senhor. O crente não deve esperar
receber hospitalidade e tornar-se íntimo daqueles que deliberadamente
recusam o Senhor. Até que ponto o crente deve estender seu relacionamento
com os incrédulos é algo que cada um deve estabelecer por si mesmo.
Alguns crentes podem ir mais avante do que outros, com alguma vantagem
para aqueles com quem tais crentes convivem e sem prejuízo para si
mesmos. “Cada um tem de Deus o seu próprio dom” (1 Co 7.7). No que
se refere ao assunto, há duas perguntas que devemos sempre fazer a nós
mesmos: “Estando na companhia de pessoas incrédulas, gasto meu tempo
em conversas insignificantes e mundanas? Ou me esforço para seguir,
embora com fraqueza, o exemplo de Cristo?” Se estamos na companhia
de pessoas incrédulas e não podemos responder estas perguntas de maneira
Lucas 14.1-6 249
e na vida por vir, desejando sempre estar prontos para o mundo vindouro.
Vivendo assim, haveremos de aguardar a morte com tranqüilidade.
Descobriremos que existe uma herança melhor para nós além do túmulo.
Vivendo assim, aceitaremos com paciência tudo que temos de suportar
neste mundo. Provações, perdas, desapontamentos e ingratidão pouco
nos afetarão. Não esperaremos receber nossa recompensa nesse mundo.
Confiaremos que tudo será retificado naquele dia e que o Juiz de toda a
terra julgará corretamente (Gn 18.25).
Como podemos suportar o pensamento da ressurreição? O que nos
capacita a aguardar um mundo vindouro sem ficarmos alarmados? Somente
a fé em Cristo. Crendo nEle, não temos qualquer temor. Nossos pecados
não se apresentarão contra nós. As exigências da lei de Deus terão sido
completamente satisfeitas. Permaneceremos firmes naquele grande Dia e
nenhuma acusação será lançada contra nós (Rm 8.33). Homens mundanos,
como Félix (At 24.25), certamente podem tremer, quando pensam sobre
a ressurreição. Mas os crentes, assim como o apóstolo Paulo, podem
regozijar-se.
os pecadores. Embora uma pessoa tenha sido muito ímpia, no dia em que
ela verdadeiramente se converte de sua impiedade e, por meio de Cristo,
se achega a Deus, Ele se mostra intensamente satisfeito. Ele não tem
prazer na morte do ímpio, e sim em que este realmente se arrependa.
Aquele que tem receio de arrepender-se deve meditar sobre a
passagem que estamos considerando e nunca mais sentir-se receoso. Da
parte de Deus, nada existe que justifique seus temores. Uma porta aberta
tem sido colocada diante dele. Um perdão gratuito o aguarda. “Se
confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os
pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9).
Aquele que se envergonha de arrepender-se considere estes versículos
e lance fora toda a sua vergonha. O que importa, se o mundo o desprezar
e zombar de seu arrependimento? Enquanto os homens estão escarnecendo,
os anjos estão se regozijando. A mudança que os incrédulos chamam de
tolice é a mesma que enche os céus de regozijo.
Já nos arrependemos? Afinal de contas, é a grande pergunta que
deve nos inquietar. Que proveito há em conhecer o amor de Cristo, se
desse amor deixamos de nos beneficiar? “Se sabeis estas coisas, bem-
aventurados sois se as praticardes” (Jo 13.17).
coisas todos os dias. E devemos ser gratos a Deus, quando vemos tais
pensamentos surgirem em suas mentes. Pensar tais coisas não implica em
uma mudança de coração, mas pode ser o começo. Convicção não é
conversão, mas, de qualquer maneira, é um passo na direção certa. Porém
a ruína de muitas pessoas ocorre simplesmente por esse motivo: elas não
meditam nas circunstâncias de maneira alguma.
Entretanto, uma palavra de cautela sempre é necessária. Os homens
precisam estar cientes de que não devem limitar-se apenas a pensar. Nutrir
bons pensamentos sempre é bom para a alma, mas não resultam no
cristianismo que salva. Se o filho pródigo não tivesse ido além de pensar,
teria permanecido longe de casa até ao dia de sua morte.
Em quarto, vemos nesta parábola um homem se convertendo a Deus
com verdadeiro arrependimento e fé. Nosso Senhor nos mostra o filho
pródigo abandonando a terra longínqua onde estava e retornando à casa
de seu pai, colocando em prática as boas intenções que tivera e confessando
sem reservas seu pecado. “E, levantando-se, fo i...”
O jovem apresenta um autêntico arrependimento e uma conversão
verdadeira. O coração em que se iniciou a genuína obra do Espírito Santo
jamais ficará contente em somente pensar e decidir. Ele romperá com o
pecado e abandonará sua companhia. Cessará de fazer o mal e aprenderá
a praticar o bem. Há de converter-se a Deus com humilde oração e con
fessará suas iniqiiidades. Não tentará justificar seus pecados. Ele dirá,
assim como Davi: “Eu conheço as minhas transgressões” (SI 51.3); ou
como o publicano: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13.)
Acautelemo-nos de qualquer falso arrependimento que não possui
tais características. Agir é a própria essência do “arrependimento para a
salvação” (2 Co 7.10). Sentimentos, lágrim as, rem orsos, desejos,
resoluções são inúteis, se não forem acompanhados por ação e mudança
de vida. De fato, são piores do que inúteis. Inconscientemente, tais coisas
cauterizam a consciência e endurecem o coração.
Por último, vemos nesta parábola o arrependido sendo prontamente
aceito, gratuitamente perdoado e declarado justo por Deus. Nosso Senhor
o demonstra de maneira comovente na parte final da história do filho pró
digo. Jesus disse: “Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e,
compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou. E o filho lhe disse: Pai,
pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu
filho. O pai, porém, disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor
roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei
também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque
este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E
começaram a regozijar-se” .
Talvez nunca foram escritas palavras mais emocionantes e comentá-
264 Lucas 15.11-24
idéia de que os gentios, seu irmão mais moço, estavam sendo feitos
participantes de seus privilégios. De bom grado, os judeus os teriam
excluído do favor de Deus. Recusavam-se tenazmente a reconhecer que
os gentios eram co-herdeiros e participantes de Cristo, juntamente com
eles. Em tudo, os judeus estavam agindo exatamente como o irmão “mais
velho” do filho pródigo.
Por outro lado, o irmão mais velho é uma figura autêntica dos escribas
e fariseus da época de nosso Senhor. Argumentavam contra nosso Senhor,
porque Ele recebia os pecadores e comia com eles. Reclamavam porque
Ele abrira a porta de salvação aos publicanos e meretrizes. Os escribas e
fariseus teriam ficado muito mais satisfeitos, se Jesus tivesse limitado a
eles seu ministério e deixado sozinhos os ignorantes e pecadores. Nosso
Senhor percebeu esse estado de coisas e o retratou de maneira inigualável
na pessoa do irmão “mais velho” .
Ainda, e não menos significativo, o irmão mais velho é uma figura
exata de uma grande classe de pessoas que fazem parte do cristianismo de
nossos dias. Em todos os lugares, existem milhares que não apreciam o
fato de que seja pregado um evangelho gratuito, completo e ilimitado.
Sempre reclamam que os pastores tornam muito ampla a porta da salvação
e que a doutrina da graça tende a promover licenciosidade. Quando nos
deparamos com tais pessoas, devemos recordar a passagem que agora
estamos considerando. Elas ecoam a voz do irmão “mais velho” .
Acautelemo-nos de que a atitude daquele “irmão mais velho” infec
cione nossa alma. Em parte, ela resulta de ignorância. Começa a surgir
no íntimo das pessoas porque não percebem sua própria pecaminosidade e
indignidade; então, elas imaginam que são melhores do que outras e que
ninguém é digno de ser colocado ao seu lado. Essa atitude surge também,
em parte, por falta de amor. Os homens estão carentes de sentimentos
amáveis para com seu próximo; por isso, são incapazes de sentir prazer
quando outros são salvos. Acima de tudo, ela provém de um entendimento
completamente errado quanto à natureza do perdão oferecido no evangelho.
A pessoa que em verdade sente que é por meio da graça que ela permanece
firme diante de Deus, reconhece que todos somos devedores à misericórdia
divina, que tudo nos foi dado por Ele e que, por isso, nada temos para nos
vangloriar — essa pessoa não falará como o irmão “mais velho” .
Em segundo, esta passagem nos ensina que a conversão de qualquer
alma deve ser motivo de alegria para todos os que a vêem. Nosso Senhor
o revelou ao colocar as seguintes palavras nos lábios do pai do filho
pródigo: “Era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque
esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” .
A lição transmitida primariamente foi dirigida aos escribas e fariseus.
Se os corações deles estivessem corretos diante de Deus, jamais teriam
266 Lucas 15.25-32
serão esclarecidas até que o Senhor volte. Com razão, podemos esperar
que um livro escrito por inspiração, como a Bíblia, contenha coisas difíceis
de entender. A deficiência não está nas Escrituras, e sim em nossa frágil
capacidade de entender. Se não aprendermos qualquer outra lição desta
passagem, aprendamos pelo menos a humildade.
Primeiramente, tenhamos cuidado para não extrair destes versículos
lições que eles não pretendem ensinar. O administrador, descrito por nos
so Senhor, não é apresentado como um exemplo de moralidade. Ele é
claramente chamado de “administrador infiel” . O Senhor Jesus nunca
tencionou sancionar a desonestidade e procedim entos injustos nos
relacionamentos humanos. Esse administrador defraudou a seu senhor e
transgrediu o oitavo mandamento. Seu patrão ficou impressionado com
sua esperteza e precaução, quando ouviu o que ele havia feito, e mencionou-
o como um homem previdente e astuto. Porém, não temos qualquer
evidência de que seu senhor tenha ficado satisfeito com suas atitudes.
Acim a de tudo, não existe nenhum a palavra com provando que o
administrador foi elogiado por Cristo. Em resumo, na maneira de lidar
com seu senhor, o administrador é um exemplo a ser evitado e não um
modelo a ser seguido.
É uma advertência necessária. A desonestidade nas transações
comerciais é muito comum nos últimos dias. Um lidar honesto entre uma
pessoa e outra está se tomando cada vez mais raro. Os homens fazem
coisas em seus negócios que não suportarão o teste das Escrituras.
Apressando-se para “enriquecer” , milhões praticam ações que não são
estritamente inocentes (Pv 28.20). Esperteza e astúcia nas transações
comerciais e nos negócios de compra e venda estão freqüentemente
escondendo coisas que não deveriam ser escondidas. A descendência do
“administrador infiel” ainda é muito numerosa. Não esqueçamos: sempre
que fazemos aos outros aquilo que não queremos que façam conosco,
estejamos cientes de que, apesar da opinião do mundo, estamos errados
aos olhos de Cristo.
Em segundo, observemos que a principal lição da parábola é a
sabedoria de prevenir-se contra o mal por vir. A conduta do administrador
infiel, quando recebeu a notícia de sua demissão, foi inegavelmente
habilidosa e política. Mesmo que foi desonesto em diminuir o valor dos
débitos daqueles que deviam a seu senhor, com certeza, ao agir dessa
maneira, conquistou muitos amigos. Agindo com impiedade, pensou no
futuro. Demonstrando ignomínia em suas providências, fez o bem a si
mesmo. Não ficou parado, em indolência, vendo-se levado à pobreza,
sem lutar contra isso. Maquinou, planejou e com ousadia executou seus
planos. O resultado seria que, ao ser mandado embora daquele emprego,
teria outro já garantido.
268 Lucas 16.1-12
A Neutralidade é Impossível;
A Dignidade da Lei
Leia Lucas 16.13-18
É o crente de coração dividido que traz uma péssima notícia da terra que
mana leite e mel. Quanto mais completamente nos entregamos a Cristo,
tanto mais sensivelmente perceberemos em nosso íntimo “a paz de Deus,
que excede todo o entendimento” (Fp 4.7). Quanto mais inteiramente
vivermos, não para nós mesmos, mas para Aquele que morreu por nós,
tanto mais intensamente compreenderemos o que significa ter “gozo e paz
no... crer” (Rm 15.13). Se realmente vale a pena servir a Cristo, sirvamo-
Lo com todo nosso coração, alma, entendimento e forças. Afinal de contas,
a vida, a vida eterna, é o assunto que está em jogo, mais do que a nossa
felicidade. Se não estamos dispostos a desistir de tudo por amor a Cristo,
não podemos esperar que Ele nos receba como parte do seu povo no
último dia. Ou Ele possui todo nosso coração, ou nada. “Aquele... que
quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4). O fim
de um coração dúbio e não-decidido é ser lançado fora para sempre.
Em segundo, estes versículos nos ensinam que a estimativa dos
homens em referência às coisas é amplamente diferente da estimativa de
Deus. O Senhor Jesus fez uma severa repreensão aos avarentos fariseus
que dEle escarneciam. Nosso Senhor disse: “Vós sois os que vos justificais
a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece o vosso coração;
pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus” .
A verdade se manifesta em todos os lugares. Precisamos apenas
olhar ao nosso redor e identificar as coisas em que os homens colocam
seu coração, para que a verdade ensinada aqui nos seja comprovada de
muitas maneiras. Riquezas, honra, status e prazeres são os principais
objetivos em busca dos quais grande parte da humanidade está vivendo.
No entanto, estas são as coisas que Deus declara ser “vaidades” e nos
adverte para que nos acautelemos de amá-las. Orar, ler a Bíblia, viver em
santidade, o arrependimento, a fé, a graça de Deus, a comunhão com Ele
são coisas com as quais os homens pouco se importam. Contudo, estas
são as coisas que Deus, através da Bíblia, está sempre nos recomendando
com insistência. A diferença é óbvia, estarrecedora e dolorosa — aquilo
que Deus julga ser bom, os homens acham ruim; aquilo que eles consideram
ruim, Deus declara ser bom.
Qual das estimativas anteriores é a verdadeira e correta? Qual das
opiniões prevalecerá no último dia? De acordo com que padrão todas as
pessoas serão julgadas, antes de receberem a sentença eterna? Diante de
que tribunal as opiniões prevalecentes no mundo serão testadas e avaliadas?
Estas são as únicas perguntas que devem influenciar nossa conduta, e
para elas a Bíblia oferece respostas claras. Somente o Conselho do Senhor
permanecerá para sempre. Apenas a Palavra de Cristo será o instrumento
de juízo dos homens no último dia. Pela palavra dEle, devemos viver. Por
meio dela, julguemos todas as coisas e pessoas neste mundo perverso. O
Lucas 16.13-18 271
que os homens pensam não deve nos importar, e sim o que o Senhor diz.
Pouco nos deve preocupar o que os homens, por costume e modismo,
pensam, mas: “Seja Deus verdadeiro, e mentiroso, todo homem” (Rm
3.4). Quanto mais completamente nossa mente estiver em harmonia com
Deus, tanto mais preparados estaremos para o Dia do Juízo. Amar o que
Deus ama, odiar o que Ele odeia, aprovar o que Ele aprova é a mais
elevada forma de cristianismo. Quando nos encontramos honrando qualquer
coisa que Deus reputa como insignificante, estejamos certos de que algo
está errado em nossa alma.
Por último, estes versículos nos ensinam a dignidade e a santidade
da lei de Deus. Nosso Senhor declarou: “É mais fácil passar o céu e a
terra do que cair um til sequer da Lei” .
Cristo sempre defendeu o honrar a santa lei de Deus, durante o
tempo de seu ministério terreno. Às vezes, nós O encontramos defendendo-
a dos acréscimos estabelecidos pelos homens, como no caso do quarto
mandamento. Às vezes, nós O vemos defendendo-a daqueles que desejavam
minimizar o padrão de suas exigências e permitir que ela fosse transgredida,
como no caso da lei do casamento. E nunca O encontramos falando sobre
a Lei em qualquer outro sentido, exceto o de respeitá-la. Ele sempre
engrandeceu a Lei, fazendo-a gloriosa (Is 42.21). A parte cerimonial da
Lei era uma figura de seu próprio evangelho e seria cumprida literalmente.
Sua parte moral era uma revelação da eterna mente de Deus e seria per
petuamente ordenada aos crentes.
A obediência à lei de Deus precisa continuamente ser defendida em
nossos dias. Em poucos assuntos, a ignorância prevalece tanto entre os
que professam ser crentes. Alguns parecem imaginar que não têm qualquer
obrigação para com a Lei e que seus aspectos cerimonial e moral eram
obrigações temporárias; desse modo, os sacrifícios diários no templo e os
Dez Mandamentos foram ambos ab-rogados pelo evangelho. Alguns, por
outro lado, acham que ainda estamos sob a obrigação da Lei e somos
salvos através do obedecê-la, mas que seus preceitos foram amenizados
pelo evangelho e podem ser satisfeitos por meio de nossa imperfeita
obediência. Ambos os pontos de vista são errôneos e sem fundamento
bíblico. Estejamos alerta contra eles.
Gravemos em nossa mente a verdade de que “a lei é boa, se alguém
dela se utiliza de modo legítimo” (1 Tm 1.8). A Lei tem o propósito de
nos mostrar a santidade de Deus e a nossa pecaminosidade, convencer-
nos do pecado, levar-nos a Cristo, mostrar-nos como viver depois que
viemos a Cristo, ensinando-nos que atitudes devemos seguir e o que evitar.
Aquele que dessa maneira utiliza a Lei descobrirá que ela é uma verdadeira
amiga de sua alma. O crente bem firmado sempre dirá: “No tocante ao
homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7.22).
272 Lucas 16.19-31
modo, que os homens não acharão erro em nós, exceto em referência à lei
de nosso Deus. Vigiemos com zelo nosso temperamento, nossa língua e a
realização de nossos deveres sociais. Qualquer coisa é melhor do que
causar dano às almas. A cruz de Cristo sempre trará injúria. Cuidemos
para não aumentar a injúria, por causa de descuido em nossa vida diária.
Não podemos esperar que o homem natural ame o evangelho. Porém não
devemos causar-lhe aversão por meio de nossa incoerência.
Estes versículos também nos ensinam a grande importância de um
espírito perdoador. O Senhor Jesus disse: “Se teu irmão pecar contra ti,
repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se, por sete vezes no dia,
pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido,
perdoa-lhe” .
Existem poucos deveres cristãos sobre os quais o Novo Testamento
fala tão freqüente e severamente quanto o dever de perdoar ofensas. Ocupa
um lugar proeminente na oração do Pai Nosso. A única confissão que
fazemos em toda a oração é a de que “perdoamos a todo o que” transgride
contra nós. Esse é um teste para verificarmos se nós mesmos fomos
perdoados. Aquele que não pode perdoar ao seu próximo algumas pequenas
ofensas cometidas contra ele, pode não conhecer por experiência pessoal
o perdão gratuito e completo que Cristo nos oferece (Mt 18.35; E f 4.32).
Essa também é uma evidência da habitação do Espírito no coração de uma
pessoa. A presença do Espírito no coração sempre será reconhecida pelos
frutos que Ele produz na vida do crente. Esses frutos são ativos e também
passivos. Aquele que não aprendeu a suportar, a tolerar e deixar passar
muitas coisas não é nascido do Espírito (1 Jo 3.14; Mt 5.44-45).
A doutrina aqui estabelecida por nosso Senhor é profundamente
humilhante. Ela nos mostra com muita clareza a ampla diferença que
existe entre os caminhos do mundo e os caminhos do evangelho de Cristo.
Quem não reconhece que o orgulho, a insolência, a disposição para vingar
ofensas e a implacável determinação de jamais perdoar e jamais esquecer
são coisas m uito com uns entre hom ens e m ulheres batizados no
cristianismo? Há milhares de pessoas que participam da Ceia do Senhor e
professam amar o evangelho e que, de repente, explodem diante daquilo
que demonstra a menor aparência de ser o que eles chamam “conduta
ofensiva” e brigam por causa das mais banais vulgaridades. Muitos estão
constantemente discutindo com todos à sua volta, sempre reclamando quão
errado é o comportamento das outras pessoas e esquecendo que sua
disposição para contender é uma fagulha que pode causar um incêndio.
Uma observação geral se aplica a todas essas pessoas. Estão tornando
m iseráveis suas próprias vidas e m ostrando quão despreparados se
encontram para o reino de Deus. Um espírito não-perdoador, inclinado a
contendas é a mais segura evidência de um coração não-regenerado. O
Lucas 17.1-4 277
A Importância da Fé;
Os Melhores Homens, Servos Inúteis
Leia Lucas 17.5-10
povo de Deus. Quanto mais fé um crente possuir, tanto mais feliz, santo
e útil ele será. Promover o crescimento e o progresso da fé deve ser a ora
ção diária e o empenho de todos os que amam a vida. Os apóstolos fizerem
bem ao pedir: “Aumenta-nos a fé” .
Realmente temos fé? Acima de tudo, temos aqui um importante ques
tionamento que pode ser suscitado em nosso coração. A fé salvadora não
é apenas a simples repetição de um credo, dizendo: “Eu creio em Deus, o
Pai... em Deus, o Filho... e em Deus, o Espírito Santo” . Milhares de
pessoas estão utilizando essas palavras regularmente, mas não conhecem
a verdadeira fé, Neste sentido, as palavras do apóstolo Paulo são solenes:
“A fé não é de todos” (2 Ts 3.2). A fé verdadeira não é algo natural ao
homem; ela vem do céu; é um dom de Deus.
Se possuímos uma pequena fé, oremos para que a tenhamos em
mais intensidade. Viver na dependência de uma antiga medida de fé e não
ter fome e sede de crescer na graça é um péssimo sinal do estado espiritual
de uma pessoa. Em nossas devoções diárias, oremos para que tenhamos
mais fé e desejemos sinceramente os melhores dons. Não devemos des
prezar “o dia dos humildes começos” (Zc 4.10) na alma de nosso irmão,
mas não podemos nos contentar com tão pouco em nossa própria alma.
Também devemos observar nestes versículos o poderoso golpe que
nosso Senhor deu na justiça própria. Ele declarou aos seus apóstolos:
“Depois de haverdes feito quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos
inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer” .
Naturalmente, todos nós somos orgulhosos e cheios de justiça própria.
Pensamos de maneira elevada a respeito de nós mesmos, de nossos me
recimentos e de nosso caráter, mais do que realmente temos o direito de
fazê-lo. Esta é uma doença sutil que se manifesta de muitas maneiras
diferentes. Muitos podem detectá-la nas outras pessoas; poucos admitirão
sua presença em si mesmos. Dificilmente encontramos uma pessoa que,
embora seja bastante ímpia, não bajule secretamente a si mesma, dizendo
que existem pessoas piores do que ela mesma. Raramente encontraremos
um crente que, em algumas ocasiões, não será tentado a contentar-se e a
sentir-se satisfeito consigo mesmo. Existe um tipo de orgulho que veste a
capa da humildade. Não existe um coração sobre a terra que não contenha
um pequeno aspecto do caráter dos fariseus.
Abandonar a justiça própria é absolutamente necessário para a sal
vação. Aquele que deseja ser salvo deve confessar que em si mesmo não
existe qualquer coisa boa, que não possui nenhum mérito, nenhuma
bondade, nenhuma dignidade própria. Precisa estar disposto a renunciar
sua justiça pessoal e confiar na justiça de outro, o próprio Senhor Jesus
Cristo. Tendo sido perdoados, temos de seguir a jornada diária da vida
sob a profunda convicção de que somos “servos inúteis” . No melhor de
Lucas 17.5-10 279
Os Dez Leprosos
Leia Lucas 17.11-19
O Reino de Deus
Não Vem com Aparência Visível
Leia Lucas 17.20-25
verdade por meio de uma figura admirável. Ele disse: “Assim como o
relâmpago, fuzilando, brilha de uma à outra extremidade do céu, assim
será, no seu dia, o Filho do homem” .
A segunda vinda pessoal de Cristo é o sentido verdadeiro de suas
palavras. Nada sabemos quanto ao dia e a hora exatos desse acontecimento.
Mas, quando tiver de realizar-se, pelo menos uma coisa é evidente: virá
súbita e instantaneamente à igreja e ao mundo, sem qualquer observação
anterior. Todas as Escrituras indicam isto. Será “à hora em que não cuidais”
(Mt 24.44). Virá “como ladrão de noite” (1 Ts 5.2).
O caráter súbito da segunda vinda de Cristo é um pensamento solene.
Deveria nos levar a meditar sobre estarmos constantemente preparados
para aquele dia. Nosso esforço e o desejo de nosso coração deveriam ser
os de estarmos sempre prontos para encontrar nosso Senhor. O alvo de
nossa vida deveria ser o não fazer ou dizer qualquer coisa que nos deixaria
envergonhados, se Cristo aparecesse repentinamente. “Bem-aventurado” ,
disse o apóstolo João, “aquele que vigia e guarda as suas vestes” (Ap
16.15). Aqueles que atacam a doutrina da segunda vinda de Cristo,
reputando-a especulativa, ilusória e sem resultados práticos, fariam bem
se reconsiderassem o fato de ela não foi reputada desse modo nos dias dos
apóstolos. Aos olhos deles, paciência, esperança, diligência, moderação
e santidade pessoal estavam inseparavelmente unidas à expectativa da volta
de Cristo. Feliz é o crente que aprendeu a pensar como os apóstolos!
Estar sempre aguardando a manifestação de nosso Senhor é um dos
melhores auxílios para uma comunhão mais íntima com Deus.
Por último, aprendemos nesta passagem que existem duas vindas
pessoais de Cristo reveladas nas Escrituras. Foi designado por Deus que
o Senhor Jesus, em sua primeira manifestação ao mundo, viesse em
humildade e fraqueza, para sofrer e morrer. E igualmente foi designado
que Ele venha, na segunda manifestação, em poder e grande glória, para
sujeitar todos os inimigos debaixo de seus pés e reinar. Em sua primeira
vinda, Ele deveria ser feito “pecado por nós” e levar sobre Si o nosso
pecado, na cruz (2 Co 5.21). Em sua segunda vinda, Ele aparecerá sem
pecado, para a completa salvação de seu povo (Hb 9.28). Sobre essas
duas vindas nosso Senhor falou com clareza nesta ocasião. Ele se reportou
à primeira vinda, quando disse que o Filho do Homem teria de padecer
“muitas coisas” e ser “rejeitado” ; e referiu-se à segunda vinda, quando
asseverou que, “assim como o relâmpago, fuzilando, brilha de uma à
outra extremidade do céu, assim será, no seu dia, o Filho do homem” .
Distinguir com clareza as duas vindas de Cristo é muito importante
para termos um correto entendimento das Escrituras. Os discípulos e todos
os judeus da época de Jesus parecem ter visto apenas uma vinda pessoal
do Messias. Esperavam que Ele viesse para reinar e não para sofrer. De
284 Lucas 17.20-25
ramente que Jesus “propôs também esta parábola a alguns que confiavam
em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros” . O
pecado que nosso Senhor denunciou foi a justiça própria.
Por natureza, todos somos cheios de justiça pessoal, uma doença
hereditária de todos os filhos de Adão. Desde o maior ao menor, pensamos
mais elevadamente do que deveríamos pensar a respeito de nós mesmos.
Em nosso íntimo, bajulamos a nós mesmos, afirmando que não somos tão
maus como algumas pessoas e que temos algo para nos recomendar ao
favor de Deus. “Muitos proclamam a sua própria benignidade” (Pv 20.6).
Esquecemos o testemunho das Escrituras: “Tropeçamos em muitas coisas”
(Tg 3.2); “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não
peque” (Ec 7.20). “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de
mulher, para ser justo?” (Jó 15.14.)
A verdadeira cura para a justiça própria é o conhecimento de si
mesmo. Uma vez que os olhos de nosso entendimento sejam abertos pelo
Espírito Santo, nunca mais falaremos sobre nossa própria bondade. Se
vermos as realidades de nosso coração e o que a santa lei de Deus exige,
nossa vaidade pessoal morrerá. Colocaremos nossas mãos à boca e diremos,
assim como o leproso: “Imundo! Imundo! (Lv 13.45).
Em segundo, observemos nestes versículos a oração do fariseu con
denada por nosso Senhor. O fariseu disse: “Ó Deus, graças te dou porque
não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem
ainda como este publicano; jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo
de tudo quanto ganho” .
A oração do fariseu destaca um grande defeito, tão notável que mesmo
uma criança poderia identificá-lo. Sua oração não demonstrava qualquer
senso de pecado ou de necessidade. Não continha nenhuma confissão,
súplica, reconhecimento de culpa e insignificância, nenhum pedido de
misericórdia e graça. Foi apenas uma recitação orgulhosa de supostos
méritos, acompanhada por uma perversa reflexão sobre um irmão pecador.
Foi uma afirmação soberba e presunçosa, destituída de arrependimento,
humildade e amor. Em resumo, dificilmente poderia ser chamada de oração.
Não podemos imaginar um estado de alma mais perigoso do que o
daquele fariseu. Nunca os homens se encontram em uma situação mais
desesperadora do que quando a insensibilidade e a indiferença invadem-
lhes o coração. Nunca os corações dos homens se encontram em uma
condição mais desesperadora do que quando não sentem seus próprios
pecados. Aquele que não deseja soçobrar nessa rocha tem de acautelar-se
contra o julgar a si mesmo com base em seus companheiros. O que significa
dizer que possuímos mais moralidade do que outros homens? Somos todos
vis e imperfeitos aos olhos de Deus. “Se quiser contender com ele, nem a
uma de mil coisas lhe poderá responder” (Jó 9.3). Lembremos: sempre
Lucas 18.9-14 291
Cristo e as Crianças
Leia Lucas 18.15-17
que todas as crianças são regeneradas por meio de seu batismo. Outros
pensam que as crianças são incapazes de receber a graça divina e, portanto,
não devem ser arroladas como membros da igreja até que cresçam. Alguns
pensam que as crianças naturalmente são inocentes e não praticarão
qualquer impiedade, a menos que a tenham aprendido de outros. Alguns
imaginam que não há proveito em esperar que as crianças se convertam
quando muito novas; portanto, devem ser tratadas como incrédulas até
que alcancem a idade do discernimento. Todas as opiniões acima parecem
estar erradas, ou num sentido, ou noutro. Todas precisam ser rejeitadas,
por levarem a muitos enganos dolorosos.
Agiremos corretamente se nos apegarmos a alguns firmes princípios
das Escrituras sobre a condição espiritual da criança. Fazer isso nos poupará
de muita perplexidade e nos preservará de graves erros doutrinários.
As almas das crianças são preciosas aos olhos de Deus. Tanto nesta
passagem quanto em outras das Escrituras, existem provas claras de que
Cristo se interessa por elas, na mesma intensidade com que se interessa
pelos adultos. A alma de uma criança é capaz de receber a graça divina.
As crianças são nascidas em pecado e sem a graça de Deus não podem ser
salvas. Não existe nada, em toda a Bíblia ou na experiência humana, que
nos faça pensar que as crianças não podem receber o Espírito Santo e
serem justificadas, mesmo na infância. A mente da criança é igual à do
adulto para receber ensinos espirituais. A prontidão com que suas mentes
recebem as doutrinas do evangelho e suas consciências respondem a essas
doutrinas é bem reconhecida por todos os que ensinam as coisas espirituais.
Ainda, a alma da crianças é capaz de receber a salvação. Supor que Cristo
receberá crianças em sua igreja glorificada e, ao mesmo tempo, sustentar
a idéia de que Ele não deseja tê-las em sua igreja visível é uma incoerência
que nunca podemos explicar.
Temos aqui um assunto que merece consideração especial. É um
assunto inquestionavelmente difícil, com o qual muitos não concordam.
Mas, diante de toda perplexidade em referência a este assunto, faremos
bem se retornarmos a esta passagem. Ela esclarece a posição das crianças
diante de Deus e explica, em termos gerais, o pensamento de Cristo.
Também vemos nesta passagem a declaração forte que nosso Senhor
fe z a respeito das crianças. Ele disse: “Dos tais é o reino de Deus” . Sem
dúvida o significado dessas palavras é um assunto de debates. Outras
passagens bíblicas deixam bastante evidente que essas palavras não
significam que as crianças nascem inocentes e sem pecado. “O que é nas
cido da carne é carne” (Jo 3.6). Uma lição em três aspectos provavelmen
te está contida nas palavras de nosso Senhor. Devemos atentar à lição
ensinada pelo Senhor.
Todos os santos de Deus devem esforçar-se para viver “como uma
294 Lucas 18.15-17
O Jovem Rico
Leia Lucas 18.18-27
almas para sempre. Herodes ouvia João Batista, e, “quando o ouvia, ficava
perplexo, escutando-o de boa mente” (Mc 6.20). Mas houve algo que
Herodes não podia fazer — romper seu relacionamento com Herodias.
Isto custou-lhe a alma.
Não pode haver reservas em nosso coração, se desejamos receber
algo de Cristo. Precisamos estar dispostos a abandonar qualquer coisa,
embora nos seja muito preciosa, que se coloca entre nós e nossa salvação.
Devemos estar prontos a cortar fora a mão direita e a arrancar o nosso
olho direito, a fazer qualquer sacrifício e quebrar qualquer ídolo. Temos
de lembrar: a vida eterna está em jogo! Uma pequena fenda não reparada
é suficiente para afundar um grande navio. Um pecado costumeiro, ao
qual uma pessoa se agarra com obstinação, é suficiente para fechar-lhe a
entrada ao céu. O amor ao dinheiro, nutrido ocultamente no coração, é o
bastante para levar um indivíduo, que em outros aspectos possui moralidade
e irrepreensão, ao abismo do inferno.
Em terceiro, estes versículos nos ensinam quão grande é a dificuldade
para um rico ser salvo. Nosso Senhor a identificou no comentário solene
que fez a respeito da situação do homem de posição: “Quão dificilmente
entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de
Deus” .
A verdade que nosso Senhor apresentou é confirmada em todos os
lugares. Nossos próprios olhos nos dirão que a graça divina e as riquezas
raramente andaram juntas. “Visto que não foram chamados muitos sábios
segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento”
(1 Co 1.26). É uma realidade evidente que poucas pessoas ricas se encon
tram no caminho da vida. Por um lado, as riquezas inclinam seus pos
suidores ao orgulho, à obstinação, à auto-satisfação, e ao amor pelo mundo.
E, ainda, os ricos dificilmente são abordados com fidelidade sobre os
assuntos referentes a suas próprias almas. Geralmente, eles são cortejados
e bajulados. “O rico tem muitos amigos” (Pv 14.20). Poucas pessoas têm
coragem de contar-lhes toda a verdade. Os pontos fortes dos ricos são
exagerados. Seus pontos fracos são encobertos, disfarçados e desculpados.
O resultado é que, enquanto seu coração está dominado pelas coisas do
mundo, seus olhos estão cegos para sua verdadeira condição espiritual.
Por que nos admiramos, se Jesus disse que a salvação de um rico é algo
muito difícil?
Não tenhamos inveja dos ricos, nem cobicemos suas possessões.
Pouco sabemos a respeito do que poderia nos acontecer, se nossos desejos
fossem realizados. O dinheiro, que milhões de pessoas estão constantemen
te desejando e anelando ter, e que muitos tornam seu deus, está mantendo
miríades de almas fora do céu! “Os que querem ficar ricos caem em ten
Lucas 18.18-27 297
deixam tudo por amor a Ele. Jesus disse: “Ninguém há que tenha deixado
casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou filhos, por causa do reino de
Deus, que não receba, no presente, muitas vezes mais e, 110 mundo por
vir, a vida eterna” .
É uma promessa é bastante peculiar. Não se refere à recompensa do
crente no mundo por vir e à imarcescível coroa de glória. Refere-se com
clareza à vida presente. Foi proferida a respeito do tempo “presente” .
A expressão “muitas vezes mais” evidentemente tem de ser entendida
no sentido espiritual. Significa que 0 verdadeiro crente encontrará em
Cristo um equivalente completo para tudo que o crente está obrigado a
desistir por amor a Ele. O crente achará paz, esperança, gozo, consolação
e descanso na comunhão com 0 Pai e 0 Filho, em tal proporção que suas
perdas serão mais do que compensadas com seus ganhos. Em resumo, 0
Senhor Jesus Cristo será mais valioso para esse crente do que seus bens,
parentes ou amigos.
O pleno cumprimento desta promessa maravilhosa tem sido visto,
com freqüência, na experiência dos santos de Deus. Milhares de crentes
poderiam testificar, em todas as épocas da igreja, que, quando foram
obrigados a desistir de tudo por causa do reino de Deus, suas perdas fo
ram amplamente compensadas pela graça de Cristo. Foram conservados
em perfeita paz (Is 26.3) e confiança em Jesus. Foram capacitados a se
gloriarem nas tribulações e permanecerem contentes na enfermidade, na
perseguição, nas privações e aflições por amor a Cristo (Rm 5.3; 2 Co
12.10). Nas horas mais difíceis, receberam poder para se regozijarem
com alegria indizível e cheia de glória, considerando uma honra o suportar
vergonha por causa do nome de seu Senhor ( I P e 1.8; At 5.41). O último
dia demonstrará que, no exílio, na pobreza, nas prisões, diante de tribuna
is humanos, no fogo da provação e em face da morte, as palavras de
Cristo sempre foram verdadeiras e fiéis. Nossos amigos com freqüência
têm se mostrado infiéis; governadores freqüentemente não cumprem suas
promessas. As riquezas criam asas. Mas as promessas de Cristo nunca
falham.
É uma promessa à qual devemos nos firmar. Prossigamos no caminho
da vida com uma firme convicção de que ela é propriedade de todo 0 povo
de Deus. Não alimentemos dúvidas e temores por causa das dificuldades
que surgem em nossa jornada cristã. Avancemos com a intensa persuasão
de que, se perdermos qualquer coisa por amor a Cristo, Ele nos compensará
mesmo no mundo presente. O que os crentes precisam é mais fé prática
diária nas palavras de Cristo. A fonte da água da vida está sempre bem
perto de nós, enquanto viajamos pelo deserto deste mundo. No entanto,
porque a fé nos falta, deixamos de vê-la e desfalecemos pelo caminho (Gn
21.19).
Lucas 18.28-34 299
o testemunho de que Jesus era um Senhor digno de ser seguido. Ele podia
dizer: “Eu era cego e agora vejo” (Jo 9.25).
Um amor que se expressa em gratidão é a verdadeira fonte de
obediência autêntica à pessoa de Cristo. A menos que sintam que são
devedores a Cristo, por causa do perdão, da paz e da esperança que
receberam, os homens jamais tomarão a sua cruz, confessarão a Jesus
diante do mundo e viverão para Ele. Os ímpios vivem na impiedade porque
não têm qualquer senso de pecado e nenhuma consciência de obrigação
para com Cristo. Os crentes vivem em santidade porque amam Aquele
que os amou primeiro e, em seu sangue, os lavou dos pecados deles.
Cristo os curou; portanto, eles O seguem.
Examinemos solenemente nosso próprio coração, ao concluir nossas
considerações sobre esta passagem. Se desejamos saber se temos qualquer
parte ou herança em Cristo, averiguemos nossas próprias vidas. A quem
nós seguimos? Para quais objetivos e propósitos primordiais estamos
vivendo? A pessoa que tem uma verdadeira esperança em Jesus sempre
será identificada pelas preferências gerais de sua vida.
A Chamada de Zaqueu
Leia Lucas 19.1-10
Esta é uma das poucas parábolas relatadas mais do que uma vez
pelos autores dos evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas, todos eles a relatam
em detalhes. A repetição é suficiente para ressaltar a importância de seu
conteúdo.
Sem dúvida, esta parábola tinha como alvo especial os judeus a
quem ela foi dirigida. Mas não precisamos limitar sua aplicação a eles. A
parábola contém lições que devem ser recordadas por todas as igrejas de
Cristo, enquanto o mundo existir.
Primeiramente, ela nos mostra a profunda corrupção da natureza
humana. A conduta dos lavradores ímpios é uma ilustração vívida da
maneira como os homens lidam com Deus. E um retrato fiel da situação
espiritual da nação de Israel. Apesar dos privilégios que nenhuma outra
nação possuía, em face dos avisos que nenhum outro povo recebeu, os
judeus rebelaram-se contra a legítima autoridade de Deus, recusaram-se a
prestar-Lhe seu devido culto, rejeitaram os conselhos de seus profetas e,
por fim, crucificaram seu Filho Unigénito. É também uma figura exata de
todos os crentes professos. Embora tenham sido chamados das trevas da
incredulidade, pela infinita misericórdia de Deus, pouco têm feito digno
da vocação a que foram chamados. Também, têm permitido que falsas
doutrinas e práticas inconvenientes grassem abundantemente entre eles e
têm de novo crucificado o Filho de Deus. É um fato comovente que igrejas
chamadas cristãs, por causa de dureza de coração, incredulidade,
318 Lucas 20.9-19
a Ele: “É lícito pagar tributo a César ou não?” Foi uma pergunta emi
nentemente dirigida com o objetivo de embaraçar qualquer pessoa que
tentasse respondê-la. Se nosso Senhor tivesse respondido que não era lí
cito pagar tributo a César, teria sido acusado diante de Pilatos como um
rebelde contra o império romano. Se nosso Senhor tivesse respondido que
era lícito pagar tributo a César, teria sido denunciado diante do povo
como alguém que não importava com os direitos e privilégios da nação
judaica. À primeira vista, parecia difícil achar uma resposta que não
colocaria nosso Senhor em dificuldades. Mas Aquele que é chamado “a
sabedoria de Deus” encontrou uma resposta que silenciou seus inimigos.
Ordenou-lhes que mostrassem a moeda. Perguntou de quem era a imagem
e inscrição que estavam na moeda. “Prontamente disseram: De César” . O
Senhor Jesus utilizou aquela moeda como fundamento de uma resposta da
qual mesmo os seus inimigos foram obrigados a admirarem-se: “Dai,
pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” .
Deveriam dar a “a César o que” era de César. Seus lábios haviam
acabado de confessar que César tinha certa autoridade sobre eles. Eles
utilizavam o dinheiro que César havia mandado cunhar. Era a moeda cor
rente nos negócios. Os judeus provavelmente não tinham qualquer objeção
para receber ofertas e pagamentos em moeda romana. Portanto, não
pretenderiam afirmar que todos os tributos a César eram ilícitos. De acordo
com a própria admissão dos judeus, ele possuía alguma autoridade sobre
eles. Por conseguinte, deviam obedecer a César em todas as coisas tem
porais . Se não recusavam utilizar a moeda de César, não deveriam recusar-
se a cumprir os deveres para com ele.
Deveriam dar “a Deus o que é de Deus” . Havia muitas obrigações
que Deus exigia das mãos dos judeus, as quais poderiam cumprir com fa
cilidade, se estivessem dispostos. Honra, amor, obediência, fé, temor,
adoração espiritual eram deveres que podiam cumprir diariamente e sobre
os quais o governo romano não interferia. Os judeus não podiam dizer
que César tornava impossível a realização de tais deveres; eles deveriam
cuidar em cumprir para com Deus seus deveres espirituais, assim como
para com César, seus deveres temporais. Não era necessário existir um
conflito entre as exigências de seus dois soberanos: o espiritual e o temporal.
Nas coisas temporais, os judeus deveriam obedecer a autoridade dos
poderes sob os quais estavam. Nas coisas espirituais, deveriam agir como
seus antepassados e obedecer a Deus.
Os princípios estabelecidos por nosso Senhor nesta famosa sentença
são profundamente instrutivos. Seria ótimo para a paz do mundo, se esses
princípios fossem mais atentamente valorizados e mais sabiamente
aplicados!
As tentativas dos poderes h imanos para controlar a consciência das
322 Lucas 20.20-26
A Pergunta de Cristo
Sobre a Afirmativa de Davi nos Salmos;
Jesus Censura os Escribas
Leia Lucas 20.41-47
próprias Escrituras. Com razão podemos crer que, dentre todas as vitórias
de nosso Senhor contra seus inimigos maliciosos, nenhuma outra os
perturbou tanto quanto essa. Nada arrasa tanto o orgulho humano quanto
o ser publicamente exposto como ignorante daquelas coisas que alguém
imagina ser a sua peculiar esfera de conhecimento.
Provavelmente não temos a menor idéia de quantas verdades pro
fundas estão contidas no Livro de Salmos. Nenhuma outra parte da Bíblia
é tão bem conhecida, na letra, e tão pouco compreendida, no espírito.
Cometemos grande erro, se imaginamos que o Livro de Salmos apenas
contém as experiências, os sentimentos, os louvores e as orações de Davi.
A mão que compilou os salmos, em sua maioria, foi a de Davi. Mas o
assunto principal freqüentemente era mais profundo e elevado do que a
história do filho de Jessé. Em resumo, o Livro de Salmos está repleto de
Cristo — os sofrimentos, a humilhação, a morte, a ressurreição, a segunda
vinda e o reino de Cristo sobre todos. Ambos os adventos do Messias
estão descritos nos salmos — o advento de sofrimento, para morrer na
cruz; e o advento de glória, para vestir a coroa. Ambos os reinos são
descritos nos salmos — o reino da graça, durante o qual os eleitos são
reunidos em um corpo; e o reino de glória, quando toda língua confessará
que Jesus é Senhor. Sempre leiamos o Livro de Salmos com reverência
especial, dizendo a nós mesmos: “Aqui se encontra Alguém maior do que
Davi” .
E uma observação que se aplica, mais ou menos, a toda a Bíblia. Em
toda a Bíblia existe uma plenitude que se torna uma prova concreta de que
ela é um livro inspirado por Deus. Quanto mais a lemos, tanto mais assuntos
ela parece conter. Todos os outros livros tornam-se enfadonhos, se forem
constantemente lidos. A superficialidade e a fraqueza dos assuntos de tais
livros logo se tornam evidentes. Somente a Bíblia parece ser mais ampla,
profunda e completa, quanto mais a estudamos. Não temos necessidade
de procurar significados místicos e alegóricos. As novas verdades que
constantemente fluirão diante de nossos olhos são claras, simples e lógicas.
A Bíblia é uma mina inesgotável de tais verdades; e nada pode explicar
isso, exceto o fato de que a Bíblia é a Palavra de Deus, e não de homens.
Em segundo, observemos nestes versículos quão abominável aos
olhos de Cristo é a hipocrisia. Somos informados que, “ouvindo-o todo o
povo, recomendou Jesus a seus discípulos: Guardai-vos dos escribas, que
gostam de andar com vestes talares e muito apreciam as saudações nas
praças, as primeiras cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos
banquetes; os quais devoram as casas das viúvas e, para o justificar,
fazem longas orações” . Esta foi uma advertência ousada e admirável.
Temos de recordar: foi uma denúncia pública dos homens que se
assentavam na “cadeira de Moisés” e eram reconhecidos como mestres
Lucas 20.41-47 327
do povo judeu. Uma denúncia que nos mostra com clareza que pode haver
épocas quando o pecado de pessoas que ocupam posições elevadas
transforma em uma obrigação positiva o protesto público contra tal pecado.
Uma denúncia que revela ser possível alguém manifestar-se livremente e
ainda não “difamar autoridades” (2 Pe 2.10).
Parece que o Senhor Jesus não considerou nenhum outro pecado tão
pecaminoso quanto a hipocrisia. Com certeza, nenhum outro pecado extraiu
de seus lábios condenação tão freqüente, severa e humilhante, durante
todo o seu ministério terreno. O Senhor Jesus se mostrava cheio de com
paixão e misericórdia para com os piores pecadores. Não houve “indig
nação” nEle, quando encontrou-se com Zaqueu, o ladrão arrependido;
com Mateus, o publicano; com Saulo, o perseguidor; e com a mulher
pecadora, na casa de Simão. Mas, quando encontrava-se com os escribas
e os fariseus vestidos com um disfarce de espiritualidade, pretendendo
possuir grande santidade exterior, enquanto seu íntimo estava cheio de
perversidade, a alma justa do Senhor Jesus parece que ficava cheia de
indignação. Oito vezes em apenas um capítulo (Mt 23), nós O encontramos
afirmando: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas” (v. 27).
Jamais esqueçamos que o Senhor Jesus nunca muda. Ele é o mesmo,
ontem, hoje e para sempre. E importante que sejamos verdadeiros em
nosso cristianismo. Embora sejamos fracos em nossa fé, amor, esperança
e obediência, asseguremo-nos de que tais virtudes sejam genuínas e
sinceras. Desprezemos a própria idéia de fazermos representações falsas
e utilizarmos máscaras em nosso cristianismo. Acima de tudo, sejamos
íntegros. É admirável o fato de que “a verdade” é a primeira peça da
armadura que Paulo recomenda ao soldado cristão. Paulo disse; “Estai,
pois, firmes, cingindo-vos com a verdade” (Ef 6.14).
Por último, observemos nestes versículos que haverá graus de
condenação e sofrimento no inferno. As palavras de nosso Senhor são
claras e inconfundíveis. Ele afirmou sobre aqueles que vivem e morrem
na hipocrisia: “Estes sofrerão juízo muito mais severo” .
O assunto desvendado nestas palavras é profundamente triste. A
realidade e a eternidade da condenação futura estão entre as grandes
verdades fundamentais do cristianismo; por isso, é difícil pensar sobre
este assunto sem estremecermos. Entretanto, é bom que conservemos firme
em nossa mente tudo o que a Bíblia ensina em referência ao céu e ao
inferno. A Bíblia nos ensina com clareza que existem níveis de glória no
céu; e, com a mesma clareza, tanto nesta como em outras de suas passagens,
que há graus de miséria no inferno.
Afinal de contas, quem são os que finalmente receberão a condenação
eterna? Este é um assunto prático que muito nos preocupa. Todos os que
não desejam vir a Cristo, que não conhecem a Deus e desobedecem ao
328 Lucas 20.41-47
para adoração a Cristo sejam dignos do propósito para o qual são utilizados.
Tudo que fazemos para Cristo deve ser bem feito. No prédio em que o
evangelho é proclamado, a Palavra de Deus é exposta e orações são di
rigidas a Deus não deve faltar nada que o torne mais agradável e sólido.
Porém devemos sempre lembrar que o aspecto material de uma igreja
cristã é o menos importante. A elegante combinação de mármore, pedras
decoradas, pintura e vidros coloridos é sem valor aos olhos de Deus, a
menos que a verdade esteja sendo proclamada do púlpito e a graça de
Deus reine no coração dos que ali se reúnem. As covas e cavernas em que
os primeiros crentes costumavam se reunir provavelmente eram mais belas
aos olhos de Cristo do que a mais bela catedral construída pelos homens.
O templo com o qual o Senhor Jesus mais se deleita é um coração
quebrantado, contrito e regenerado pelo Espírito Santo.
Também devemos observar nestes versículos a solene advertência
de nosso Senhor em referência ao engano. Suas alarmantes palavras sobre
o templo causaram em seus discípulos uma importante indagação: “Mestre,
quando sucederá isto? E que sinal haverá de quando estas coisas estiverem
para se cumprir?” A resposta de nosso Senhor foi longa e completa.
Com eçou com um a penetrante advertência: “Vede que não sejais
enganados” .
A posição ocupada pela advertência é notável. Encontra-se à frente
de uma profecia de alcance vasto e de importância universal para todos os
crentes — uma profecia abrangendo desde o próprio dia em que foi
pronunciada até à ocasião da segunda vinda de Cristo; uma profecia que
revela assuntos de interesse vital para judeus e gentios; uma profecia em
que tem muitos aspectos ainda por realizarem-se. A sua primeira sentença
é uma advertência contra o engano: “Vede que não sejais enganados” .
A necessidade dessa advertência tem sido comprovada freqüentemente
na história da igreja de Cristo. Talvez em nenhum outro assunto os teólogos
cometeram tantos enganos quanto no assunto de interpretação de profecias
ainda não cumpridas. Em nenhum outro assunto, eles têm demonstrado a
fraqueza do intelecto humano e confirmado plenamente as palavras do
apóstolo Paulo: “Agora, vemos como em espelho, obscuramente” (1 Co
13.12). Dogmatismo, convicções, disputas, obstinação em manter opiniões
insustentáveis, afirmações e especulações com freqüência têm causado
descrédito a todo o assunto de profecias e produzido blasfêmia da parte
dos inimigos do cristianismo. Existem muitos livros escritos sobre
interpretação de profecias que com justiça poderíamos escrever na página
de rosto: “Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem
conhecimento?” (Jó 38.2).
Aprendamos da advertência de nosso Senhor a orar por humildade e
por disposição de aprender, sempre que estivermos lendo profecias ainda
Lucas 21.5-9 333
o apóstolo Paulo, “de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes,
nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”
(Rm 8.38,39).
A Destruição de Jerusalém
e a Tribulação de Israel
Leia Lucas 21.20-24
judeus. Aquele era o dia da Festa dos Pães Asmos, e o Cordeiro pascal
teve de ser imolado.
Não podemos duvidar que a hora da crucificação de nosso Senhor
foi controlada por Deus. Sua perfeita sabedoria e seu poder controlador
dispuseram as coisas de modo que o Cordeiro de Deus morresse na mesma
ocasião em que o cordeiro pascal era imolado. A morte de Cristo foi o
cumprimento da Páscoa. Ele era o verdadeiro sacrifício que o cordeiro
pascal estivera indicando desde a sua instituição. Aquilo que a morte do
cordeiro significou para Israel no Egito, era o mesmo que significaria a
morte de Cristo para os pecadores no mundo inteiro. A segurança que o
sangue do cordeiro da Páscoa providenciou para Israel, era o mesmo que
o sangue de Cristo providenciaria em maior abundância para todos os que
nEle creriam.
Nunca esqueçamos o caráter sacrificial da morte de Cristo. Rejeitemos
com aversão a idéia moderna de que a morte de Cristo não passou de um
poderoso exemplo de renúncia e auto-sacrifício. Sem dúvida, foi isso
também, porém foi algo mais sublime, mais profundo e mais importante
do que isso. A morte de Cristo foi uma propiciação pelos pecados do
mundo. Foi uma expiação pelo pecado do homem; foi a morte da verdadeira
Páscoa, através da qual a destruição eterna foi afastada de todo aquele que
nEle crê. Disse o apóstolo Paulo: “Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi
imolado” (1 Co 5.7). Apeguemo-nos com firmeza a essa verdade e jamais
a abandonemos.
que seguem adiante dele; é aquele que não visa seus próprios interesses e
sim o de outros. É aquele que se mostra amável, gentil e prudente para
com todos, demonstrando possuir uma mão para ajudá-los e um coração
disposto a sentir as aflições de todos. É aquele que se gasta e deixa-se
gastar para diminuir o pecado e a miséria do mundo, para fortalecer os
corações quebrantados, ser amigo dos que não têm amigos, consolar os
tristes, iluminar os ignorantes e socorrer os pobres. Este é o homem
verdadeiramente grande aos olhos de Deus. O mundo pode achar ridículo
seus esforços e negar a sinceridade de seus motivos. Mas, enquanto o
mundo escarnece, Deus fica satisfeito. Este é o homem que está andando
com mais exatidão nos passos de Cristo.
Sigamos esse tipo de grandeza, se desejamos provar que somos servos
do Senhor Jesus. Jamais nos contentemos em possuir um conhecimento
intelectual nítido, lábios que fazem afirmações altissonantes, percepção
habilidosa em lidar com controvérsias e um ardente zelo por coisas de
nosso próprio interesse. Tenhamos certeza de que m inistram os às
necessidades de um mundo sobrecarregado de pecado e fazemos o bem ao
corpo e à alma das pessoas. Bendito seja Deus, a grandeza que Cristo
recomendou nessa ocasião está ao alcance de todos! Nem todos os servos
de Cristo possuem cultura, ou dons, ou dinheiro. No entanto, todos eles
podem ministrar à felicidade daqueles que os cercam, por meio de virtudes
ativas ou passivas. Todos podem ser úteis e amáveis. Existe uma grande
realidade em demonstrarmos bondade constante. Ela faz que a pessoa do
mundo comece a pensar.
Em terceiro, esta passagem nos mostra o amável elogio que nosso
Senhor proferiu a respeito de seus discípulos. Ele disse: “Vós sois os que
tendes permanecido comigo nas minhas tentações” . Existe algo bastante
admirável nestas palavras de apreciação. Conhecemos a fraqueza e
imperfeição dos discípulos de Cristo durante todo o seu ministério terreno.
Freqüentemente, vemos o Senhor Jesus reprovando-lhes a ignorância e a
incredulidade. Ele sabia muito bem que em poucas horas seus discípulos
haveriam de abandoná-Lo. Mas agora nós O vemos a ressaltar gracio
samente um aspecto de sua conduta, destacando-o para que a igreja o
observasse perpetuamente. Apesar de todas as suas falhas, os discípulos
haviam sido fiéis ao seu Senhor. Seus corações haviam estado em retidão,
embora cometessem muitos erros. Os discípulos se apegaram ao Senhor
nos dias de sua humilhação, quando os grandes e os nobres estavam contra
Ele; haviam “permanecido” com Ele em suas tentações.
Descansemos nossas almas no confortável pensamento de que Cristo
é sempre o mesmo. Se somos verdadeiros crentes, estejamos certos de
que Ele está atento às nossas virtudes, mais do que às nossas faltas; Ele
tem compaixão de nossas falhas e não nos tratará de acordo com nossos
Lucas 22.24-30 353
Pedro é Avisado;
A Espada e o Alforje, Recomendados
Leia Lucas 22.31-38
Agonia no Jardim
Leia Lucas 22.39-46
padrão. Quando Ele chegou ao monte das Oliveiras, na noite que antecedeu
a crucificação, “se afastou... e, de joelhos, orava” .
É notável que tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos oferecem
a mesma receita para alguém que se encontra em aflição. O que diz o
Livro dos Salmos? “Invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei” (SI
50.15). O que afirma o apóstolo Tiago? “Está alguém entre vós sofrendo?
Faça oração” (Tg 5.13). A oração foi o instrumento que Jacó utilizou
quando estava receoso de seu irmão Esaú. A oração foi a prescrição que
Jó empregou quando as propriedades e filhos lhe foram repentinamente
tirados. A oração foi o recurso que Ezequias usou quando chegou-lhe às
mãos a carta ameaçadora da parte de Senaqueribe. A oração foi a receita
que o Filho de Deus não se envergonhou de utilizar nos dias de sua carne.
Na hora de sua misteriosa agonia, Ele “orou” .
Tenhamos cuidado em servir-nos do remédio de nosso Senhor, se
desejamos receber consolo na aflição. Ainda que utilizemos outros meios
de receber alívio, devemos orar. Deus tem de ser o primeiro Amigo ao
qual recorremos. Ao trono da graça é que devemos enviar nossa primeira
petição. Não podemos permitir que nenhuma depressão nos impeça.
Nenhuma tristeza profunda deve nos tornar mudos. Uma das principais
armas de Satanás é fornecer ao coração aflito falsos motivos para manter-
se em silêncio diante de Deus. Acautelemo-nos da tentação de nos
preocuparmos melancolicamente com nossas próprias aflições. Se não
podemos falar qualquer outra coisa, então digamos: “Ó Senhor, ando
oprimido, responde tu por mim” (Is 38.14).
Em segundo, vemos nestes versículos que tipo de súplica o crente
precisa fazer a Deus em tempos de aflição. Novamente, o próprio Senhor
Jesus oferece o modelo para o seu povo. Ele disse: “Pai, se queres, passa
de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, e sim a tua” .
Aquele que fez este pronunciamento, não devemos esquecer, possuía duas
naturezas distintas em uma só pessoa. Ele teve uma vontade humana e, ao
mesmo tempo, uma vontade divina. Quando ele orou: “Não se faça a
minha vontade” , pretendia mostrar que era a sua vontade humana, visto
que possuía carne, ossos e um corpo semelhante ao nosso.
A linguagem de nosso bendito Senhor demonstra exatamente qual
deve ser a essência da oração de um crente em momentos de angústia.
Assim como Jesus, o crente deve revelar abertamente seus desejos e contar
sem reservas os seus anseios diante do seu Pai celestial. Porém, assim
como Jesus, o crente deve fazer tudo manifestando uma completa submis
são de sua vontade à de Deus, nunca esquecendo que existem motivos
sábios e corretos para as suas aflições. Cada súplica do crente em favor da
remoção do sofrimento precisa ser qualificada com a seguinte cláusula:
“Se for a ma vontade” . Ele deve terminar sua oração com a humilde
358 Lucas 22.39-46
O Aprisionamento de Cristo
Leia Lucas 22.47-53
A Negação de Pedro
Leia Lucas 22.54-62
popular que diz: “Se uma pessoa cuida bem de seus centavos, os milhões
cuidarão de si mesmos” . Podemos extrair um preciosa lição espiritual
desse ditado. O crente que com diligência guarda seu coração diante de
coisas pequenas será guardado de grandes pecados.
Em segundo, a história da queda de Pedro nos ensina em que grave
pecado o crente pode se envolver. A fim de percebermos a lição com cla
reza, precisamos levar em conta todas as circunstâncias relacionadas. Pedro
era um apóstolo escolhido; desfrutara privilégios espirituais superiores
aos de muitas outras pessoas no mundo. Acabara de participar da Ceia do
Senhor e de ouvir aquele maravilhoso discurso registrado em João 14, 15
e 16; fora advertido quanto seu próprio perigo. Havia protestado em voz
forte que estava pronto para enfrentar qualquer coisa que lhe sobrevies
se. No entanto, ele negou repetidamente o seu gracioso Senhor. Pedro
o negou três vezes seguidas, em intervalos, o que lhe deu tempo para
reflexão!
O mais nobre e ilustre dos crentes é apenas uma criatura frágil,
mesmo em seus melhores momentos. Quer saiba, quer não, ele carrega
em seu íntimo uma capacidade quase irrestrita para o mal, embora sua
conduta exterior seja decente e correta. Não existe um pecado tão grande
que ele esteja impedido de cometer, se não vigiar e orar e se a graça de
Deus não sustentá-lo. Quando lemos sobre a queda de Noé, Ló e Pedro,
apenas estamos lendo aquilo em que possivelmente alguns de nós cairemos.
Não sejamos presunçosos; jamais alimentemos pensamentos elevados em
referência à nossa própria firmeza e nunca menosprezemos os outros.
Dentre os assuntos pelos quais oramos, devemos suplicar diariamente que
andemos “humildemente com... Deus” (Mq 6.8).
Em terceiro, a história da queda de Pedro nos ensina a infinita
misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo. É um ensino fortemente
ressaltado por um fato relatado somente no Evangelho de Lucas. Quando
Pedro negou a Jesus pela terceira vez e o galo cantou, o Senhor voltou-se
e “fixou os olhos” nele. Que palavras comoventes! Mesmo cercado por
inimigos injuriosos, que desejavam muito a sua morte, e contemplando as
horríveis afrontas que receberia, um tribunal injusto e uma dolorosa morte,
o Senhor Jesus ainda achou tempo para pensar amavelmente a respeito de
seu apóstolo errante. Mesmo naquela hora, Jesus desejava que Pedro
soubesse: Ele não o havia esquecido. Embora estivesse triste, mas não
furioso, o Senhor voltou-se e “fixou os olhos” em Pedro. Havia um
profundo significado naquele olhar. Foi um sermão que Pedro jamais
esqueceu.
O amor de Cristo por seu povo é semelhante a uma fonte profunda e
inesgotável. Nunca o avaliemos por compará-lo ao amor de qualquer
pessoa, visto que ultrapassa todos os outros tipos de amor, assim como o
364 Lucas 22.54-62
sol excede qualquer luz opaca. Nesse amor existe uma fonte inesgotável
de compaixão, paciência e disposição para perdoar pecados. Temos um
ínfimo conceito sobre as riquezas desse amor. Não fiquemos receosos de
confiar nele, quando percebemos o primeiro sinal de nossos pecados.
Nunca tenhamos medo de continuar confiando nesse amor, depois que
começamos a fazê-lo. Ninguém precisa desesperar-se, mesmo que tenha
cometido graves pecados, se tão-somente arrepender-se e entregar-se a
Cristo. Se o amor dEle se mostrou tão gracioso, quando estava preso na
sala de julgamento, com certeza não precisamos imaginar que será menos
gracioso agora que Ele está assentado à destra de Deus.
Por último, a história da queda de Pedro nos ensina quão doloroso é
o pecado para o crente, quando este cai em pecado e reconhece sua
queda. Esta é uma lição claramente ressaltada nestes versículos. Quando
Pedro recordou a advertência que havia recebido e percebeu como havia
caído no pecado, “saindo dali, chorou amargamente” . Ele descobriu por
experiência própria a verdade anunciada por Jeremias: “Tudo isto não te
sucedeu por haveres deixado o S e n h o r , teu Deus, que te guiava pelo
caminho?” (Jr 2.17) Pedro sentiu profundamente a verdade das palavras
de Salomão: “O infiel de coração de seus próprios caminhos se farta” (Pv
14.14). Sem dúvida, ele poderia ter dito, assim como Jó: “Por isso, me
abomino e me arrependo no pó e na cinza” (Jó 42.6).
Muita tristeza, devemos sempre lembrar, acompanha de maneira
inseparável o verdadeiro arrependimento. Nisso está a grande distinção
entre o “arrependimento para a salvação” e o remorso inútil. O remorso
é capaz de tornar um homem miserável, assim como Judas Iscariotes,
porém não pode fazer nada além disso. O remorso não leva o homem a
Deus. O verdadeiro arrependimento abranda o coração do homem e
enternece sua consciência, manifestando-se em uma verdadeira conversão
ao Pai celestial. Os pecados em que se envolvem aqueles que apenas
confessam ser crentes e não possuem a graça divina são pecados dos quais
essas pessoas, não se levantam. Mas a queda no pecado de um verdadeiro
servo de Cristo sempre termina em contrição profunda, auto-humilhação
e mudança de atitude.
Ao findar nossa meditação sobre esta passagem, tenhamos cuidado
para sempre utilizarmos corretamente o relato sobre a queda de Pedro.
Jamais a utilizemos como desculpa para o pecado. De sua triste experiência,
aprendamos a vigiar e a orar, para não cairmos em tentação. E, se cairmos,
devemos crer que há esperança para nós, assim como houve para o apóstolo.
No entanto, acima de tudo, lembremos que, se cairmos de modo semelhante
ao de Pedro, temos de nos arrepender, assim como ele, ou jamais seremos
perdoados.
Lucas 22.63-71 365
que para nós. Apesar disso, a confissão não produziu qualquer bom
resultado naqueles judeus! Seus corações estavam endurecidos pelo
preconceito. Suas mentes estavam entenebrecidas por cegueira judicial. O
véu estava sobre os olhos de seu homem interior. Com indiferença, ouviram
a confissão de nosso Senhor e se precipitaram mais profundamente no
mais terrível pecado.
A confissão ousada de nosso Senhor tinha o objetivo de se tornar um
exemplo para todos os verdadeiros crentes. Assim como Ele, não podemos
esquivar-nos de falar quando a oportunidade exigir nosso testemunho. O
temor dos homens e a presença de uma multidão não podem nos fazer
calar (Jó 31.34). Não precisamos tocar uma trombeta e sair por todos os
lugares proclamando nosso cristianismo. Com certeza, as oportunidades
surgirão no caminho diário de nossos deveres, quando, assim como o
apóstolo Paulo, à bordo de um navio, poderemos m ostrar a quem
pertencemos e a quem servimos (At 27.23). Nessas oportunidades, se
temos a mente de Cristo, não tenhamos medo de mostrar o que somos.
Nosso Senhor aprecia muito os discípulos ousados, que proclamam o seu
nome. Ele honrará aqueles que O honram, ao viverem em testemunho
franco e corajoso, porque esses estão andando em suas pisadas. “Todo
aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei
diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32).
e ricos, semelhantes a Herodes, homens sem Deus e sem fé, homens que
vivem para si mesmos. Geralmente tais homens vivem em seu próprio
ambiente, sendo bajulados e cortejados, mas nunca conhecendo a verdade
sobre sua alma; homens tiranos e orgulhosos, que não conhecem qualquer
outra vontade, exceto a deles mesmos. No entanto, esses homens às vezes
possuem consciências atormentadas e sentem medo. Deus levanta algumas
testemunhas ousadas contra os pecados deles, testemunhas cuja mensagem
alcança-lhes os ouvidos. Imediatamente a curiosidade de tais homens é
despertada. Sentem-se descobertos e embaraçados. Sentem-se atraídos ao
ministério dessas testemunhas, assim como a mariposa voando ao redor
de uma vela, e parecem incapazes de evitá-las, mesmo que não as
obedeçam. Elogiam o talento das testemunhas e abertamente admiram o
poder delas. No entanto, ficam somente nisso. Assim como Herodes,
suas consciências produzem em seu íntimo uma mórbida curiosidade para
ver e ouvir as testemunhas de Deus; porém, seus corações, tal como o
daquele rei, estão acorrentados ao pecado com algemas de aço. Arremes
sados de um lado para o outro por tempestades de concupiscências e
paixões descontroladas, tais pessoas nunca estão em paz, enquanto vivem,
e, após toda a sua intermitente luta de consciência, finalmente morrem em
seus pecados. Essa é uma história triste, mas é a história da alma de
muitos homens ricos e de posição.
Aprendamos do ocorrido com Herodes a ter compaixão dos homens
de posição. Com toda a sua importância e esplendor aparentes, são
completamente infelizes em seu íntimo. Roupas finíssimas e mantos oficiais
freqüentemente encobrem corações que desconhecem a paz. O homem
que deseja tornar-se rico não sabe o que está desejando. Oremos pelos
ricos e deles tenhamos compaixão. Estão carregando um peso imenso que
os impede na carreira para a vida eterna. Se forem salvos, será exclu
sivamente por intermédio de um grande milagre da graça divina. As
palavras de nosso Senhor são bastante solenes: “É mais fácil passar um
camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de
Deus” (Mt 19.24).
Por último, vemos nestes versículos com que facilidade e disposição
os incrédulos podem concordar em não apreciar nosso Senhor. Quando
Pilatos O enviou como prisioneiro a Herodes: “Naquele mesmo dia,
Herodes e Pilatos se reconciliaram, pois, antes, viviam inimizados um
com o outro” . Não sabemos qual era a causa dessa inimizade. Talvez
fosse alguma contenda insignificante, que às vezes surge entre os grandes
e os pequenos. Qualquer que tenha sido a causa dessa inimizade, foi
abandonada quando diante deles se colocou um objeto comum de desprezo,
temor e ódio. Não importa sobre o que eles discordavam, mas Herodes e
Pilatos concordaram em desprezar e perseguir a Cristo.
370 Lucas 23.1-12
eles derramaram tem clamado contra eles como um povo, por muitos
séculos. Espalhados por toda a terra, percorrendo as nações, os judeus
mostram até hoje que suas próprias palavras foram assustadoramente
cumpridas. O sangue do Messias imolado caiu sobre eles e sobre os seus
filhos. Para o mundo, os judeus são um permanente aviso de que horrível
coisa é rejeitar o Senhor Jesus Cristo e de que a nação que fala
intrepidamente contra Deus não deve estranhar se Deus lidar com ela de
acordo com suas palavras. Sem dúvida, maravilhoso é saber que existe
misericórdia para Israel, apesar de todos os seus pecados e incredulidade.
A nação que traspassou e matou nosso Senhor ainda O contemplará pela
fé e será restaurada aò favor de Deus (Zc 12.10).
Por último, observamos nesta passagem as admiráveis circunstâncias
relacionadas à liberdade de Barrabás. Pilatos soltou “aquele que estava
encarcerado por causa da sedição e do homicídio, a quem eles pediam; e,
quanto a Jesus, entregou-o à vontade deles”. Dois homens estavam diante
de Pilatos, e ele precisava soltar um deles. O primeiro era um pecador
diante de Deus e dos homens, um malfeitor contaminado por muitos crimes.
O outro era o santo, puro e inculpável Filho de Deus, em quem não havia
qualquer falha. Apesar disso, Pilatos condenou o prisioneiro inocente e
libertou o culpado. Ordenou que Barrabás fosse posto em liberdade e
entregou Jesus para ser crucificado.
Esta circunstância é bastante instrutiva. Manifesta a perversa malícia
dos judeus contra nosso Senhor. Citando as palavras do apóstolo Pedro,
eles negaram “o Santo e o Justo” e pediram que lhes “concedessem um
homicida” (At 3.14). Mostra a profunda humilhação à qual nosso Senhor
se sujeitou, a fim de consumar nossa redenção. Ele permitiu ser julgado
como alguém inferior a um assassino e considerado mais culpado do que
o principal dos pecadores!
Existe um significado mais profundo nesta circunstância, que não
devemos deixar de observar. Há aqui uma figura vívida da maravilhosa
troca que ocorre entre Cristo e o pecador, quando este é justificado aos
olhos de Deus. Cristo foi feito “pecado por nós; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Co 5.21). Cristo, o inocente, foi pronunciado
culpado diante de Deus para que nós, os culpados, fôssemos declarados
inocentes e livres da condenação eterna.
Se somos verdadeiros crentes, devemos descansar no confortável
pensamento de que Cristo realmente se tornou nosso Substituto e foi
castigado em nosso lugar. Confessemos abertamente que, à semelhança
de Barrabás, merecemos a morte, o juízo e o inferno. Mas apeguemo-nos
com firmeza à gloriosa verdade de que um Salvador imaculado sofreu em
nosso lugar e de que, crendo nEle, o culpado se toma livre.
Lucas 23.26-38 373
O Ladrão Arrependido
Leia Lucas 23.39-43
foi salvo para que nenhum pecador sinta-se desesperado; mas, somente
um, para que ninguém seja presunçoso.
Em segundo, vemos o imutável caráter do arrependimento para a
salvação. É um assunto freqüentemente esquecido na história do ladrão
arrependido. Milhares de pessoas prendem-se ao fato de que ele foi salvo
na hora da morte e não consideram outros aspectos de sua salvação. Não
levam em conta as evidências nítidas e bem definidas do arrependimento,
manifestadas por meio das palavras que seus lábios pronunciaram antes
dele morrer. Essas evidências merecem uma observação especial.
O primeiro e notável passo no arrependimento do ladrão foi sua
preocupação com a atitude ímpia de seu companheiro em ultrajar Cristo.
O ladrão arrependido disse: “Nem ao menos temes a Deus, estando sob
igual sentença?” O segundo passo foi um pleno reconhecimento de seu
próprio pecado: “Nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o castigo
que os nossos atos merecem” . O terceiro passo foi uma confissão sobre a
inocência de Cristo: “Este nenhum mal fez” . O quarto passo foi uma
demonstração de f é no poder e vontade de Cristo para salvá-lo. Ele se
voltou a Alguém que sofria agonizante e reconheceu-0 como “Senhor” ,
ao declarar sua crença de que Ele possuía um reino. O quinto passo foi
uma oração. Ele clamou a Jesus, quando estava pendurado na cruz, e
suplicou-Lhe mesmo naquela hora que pensasse em sua alma. O sexto
passo foi a humildade. Ele implorou ser lembrado por Cristo. Ele implorou
para ser lembrado por nosso Senhor. O ladrão arrependido não pediu
qualquer ato grandioso; se Cristo se lembrasse dele, isto seria o bastante.
Estes seis passos devem sempre ser mencionados em conexão com o
arrependimento do ladrão. Seu tempo foi muito curto para apresentar
evidências de conversão. Mas foi um tempo bem utilizado. Poucas pessoas
na hora da morte têm deixado evidências tão boas quanto essas, deixadas
pelo ladrão arrependido.
Tenhamos cuidado com o arrependimento sem evidências. Milhares
de pessoas estão partindo deste mundo abraçadas com a mentira. Imaginam
que serão salvas porque o ladrão arrependido foi salvo na hora da morte.
Esquecem que, se desejam ser salvas, têm de se arrepender assim como
ele se arrependeu. Quanto mais curto for o tempo de uma pessoa, tanto
melhor deve ser a maneira como ela o utiliza. Quanto mais perto ela es
tiver da morte, tanto mais nítidas devem ser as evidências que ela deixará
após sua partida. Com segurança, poderíamos estabelecer como regra
geral o fato de que nada é tão insatisfatório quanto um arrependimento na
hora da morte.
Em terceiro, vemos nesta história o admirável poder e disposição de
Cristo para salvar os pecadores. Está escrito que Ele “pode salvar
totalmente os que por ele se chegam a Deus” (Hb 7.25). Se pesquisarmos
Lucas 23.39-43 377
uns aos outros, “para nos estimularmos ao amor e às boas obras” (Hb
10.24); bem como precisamos exortar e edificar “uns aos outros” (1 Ts
5.11). Não temos tempo para conversas sobre verdades espirituais?
Pensemos novamente. A quantidade de tempo desperdiçada em conversas
frívolas, triviais e sem proveito é terrivelmente grande? Não encontramos
nada para dizer sobre assuntos espirituais? Nos sentimos mudos e temos
nossa língua presa no que se refere aos assuntos de Cristo? Com certeza,
se for o nosso caso, deve haver algo errado com o nosso coração, Um
coração correto diante de Deus geralmente encontrará palavras. “A boca
fala do que está cheio o coração” (Mt 12.34).
Aprendamos uma lição dos dois viajantes de Emaús, citados nesta
passagem. Conversemos sobre Jesus, quando estamos assentados em nossos
lares e andando pelo caminho, sempre que acharmos um discípulo com o
qual poderemos conversar (Dt 6.7). Se cremos que estamos viajando em
direção ao céu, onde Cristo será o objeto central de todos os pensamentos,
aprendamos o comportamento dos céus, enquanto estamos vivendo na
terra. Agindo desse modo, freqüentemente teremos conosco Aquele que
agora não podemos enxergar, mas que fará nosso coração arder em nosso
íntimo por abençoar a nossa conversação.
Em segundo, devemos observar nestes versículos quão fraco e
imperfeito era o conhecimento de alguns dos discípulos de nosso Senhor.
Os dois discípulos de Emaús confessaram sinceram ente que suas
expectativas foram desapontadas pela crucificação de Cristo. Afirmaram:
“Esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel” . Uma redenção
temporal dos judeus realizada por um conquistador parece ter sido a
redenção que eles aguardavam. Uma redenção espiritual por meio de uma
morte sacrificial era uma idéia que suas mentes não podiam assimilar
completamente.
Eles demonstraram uma ignorância, à primeira vista, verdadeiramente
estarrecedora. Não devemos ficar surpresos com a repreensão severa que
saiu dos lábios de nosso Senhor: “O néscios e tardos de coração para
crer” . No entanto, podemos aprender algo da ignorância deles. O fato
nos mostra que temos poucos motivos para ficar admirados diante da
obscuridade espiritual que envolve a mente de muitos crentes desleixados.
Milhares ao nosso redor ignoram o significado dos sofrimentos de Cristo,
assim como esses viajantes de Emaús. Enquanto o mundo existir, a cruz
será reputada como loucura para o homem natural.
Devemos bendizer a Deus, porque a verdadeira graça divina pode
estar oculta por trás de muita ignorância intelectual. Um conhecimento
nítido e acurado é muito útil, mas não é essencial à salvação; podemos
possuí-lo sem ter a graça divina em nosso coração. Um profundo senso de
pecado, uma humilde disposição de ser salvo à maneira que Deus requer,
388 Lucas 24.13-35
* _
A Ultima Exortação de Cristo
aos Onze Apóstolos
Leia Lucas 24.44-49
aqueles que Deus enviou para chamá-la ao arrependimento. Era uma cidade
cheia de orgulho, incredulidade, justiça própria e excessiva dureza de
coração. Foi a cidade que recentemente havia coroado todas as suas
transgressões por meio da crucificação do Senhor da glória. Apesar disso,
Jerusalém era o lugar em que deveria ser realizada a primeira proclamação
de arrependimento e de remissão dos pecados. A ordem de Cristo foi
clara: “Começando de Jerusalém” .
Nas admiráveis palavras de Cristo, vemos a largura, a altura, am
plitude e a profundeza da sua compaixão para com os pecadores. Não
devemos ficar desesperados quanto à salvação de qualquer pessoa, embora
ela tenha sido intensamente perversa e devassa. Devemos abrir a porta do
arrependimento para o maior dos pecadores. Não devemos ter receio de
convidar o pior dos homens a se arrepender, crer e viver. A glória de
nosso grande Médico consiste em ser capaz de sarar casos incuráveis. As
coisas que parecem impossíveis aos homens são possíveis para Cristo.
Por último, devemos observar nesta passagem a posição especial
que os crentes e, em particular, os ministros do evangelho ocupam neste
mundo. Nosso Senhor a definiu utilizando uma sentença expressiva. Ele
disse: “Vós sois testemunhas” .
Se somos verdadeiros discípulos de Cristo, temos de prestar um
testemunho constante em meio a um mundo perverso. Precisamos testificar
a verdade do evangelho de nosso Senhor, a graciosidade do coração de
nosso Senhor, a felicidade do servir a Cristo, a excelência das regras de
conduta estabelecidas por nosso Senhor e o enorme perigo e impiedade
dos caminhos do mundo. Esse testemunho com certeza trará sobre nós o
desagrado das pessoas. O mundo nos odiará, assim como odiou nosso
Senhor, porque testemunhamos “que as suas obras são más” (Jo 7.7).
Poucos crerão nesse tipo de testemunho, enquanto muitos o reputarão
como ofensivo e extremista. Entretanto, o dever de uma testemunha é
prestar testemunho, quer seja acreditada, quer não. Se testemunhamos
com fidelidade, cumprimos nosso dever, ainda que, assim como Nóe,
Elias e Jeremias, permaneçamos quase sozinhos.
Que tipo de testemunho estamos prestando? Que evidência estamos
demonstrando de que somos discípulos de um Salvador crucificado e que,
assim como Ele, não somos “do mundo”? (Jo 17.14.) Que marcas estamos
mostrando de pertencermos Àquele que disse: “Para isso vim ao mundo,
a fim de dar testemunho da verdade” (Jo 18.37)? Feliz é aquele que pode
responder satisfatoriamente as perguntas acima e cuja vida manifesta
claramente que está “procurando uma pátria” (Hb 11.14).
Lucas 24.50-53 395
A Ascensão
Leia Lucas 24.50-53
&
FIEL