Cristo, o Mediador - Um Estudo D - W. Gary Crampton

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Cristo, o Mediador:

Um Estudo da Cristologia de Westminster

W. Gary Crampton
Copyright @ 2000, de The Blue Banner
Publicado originalmente em inglês sob o título
Christ the Mediator
pela First Presbyterian Church of Rowlett
Rowlett, Texas, 75088, EUA.

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


EDITORA MONERGISMO
Brasília, DF, Brasil
www.editoramonergismo.com.br

1a edição, 2014

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto


Revisão: Maria Isabel Corcete Dutra
Capa: Luis Henrique de Paula

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Todas as citações bíblicas foram extraídas da
Versão Almeida Revista e Atualizada (ARA),
salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Crampton, W. Gary
Cristo, o Mediador: um estudo da cristologia de Westminster / W. Gary Crampton,
tradução Felipe Sabino de Araújo Neto — Brasília, DF: Editora Monergismo, 2014.
Título original: Christ the Mediator
ISBN 978-85-62478-88-8
1. Jesus Cristo 2. Cristologia 3. Teologia
CDD 232
Sumário
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
PREFÁCIO DO EDITOR AMERICANO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO UM: CRISTO E O PACTO DA GRAÇA
O PLANO ETERNO DE SALVAÇÃO DE DEUS E A TEOLOGIA DO PACTO
CAPÍTULO DOIS: A PESSOA DE CRISTO
CAPÍTULO TRÊS: A OBRA DE CRISTO
APÊNDICE: EXCLUSIVISMO CRISTÃO
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
Prefácio à Edição Brasileira

Por que mais um livro sobre o assunto? Não, não é assim


que iniciarei este prefácio. Talvez seja um questionamento correto, e
mesmo necessário, ao lidarmos com outros assuntos. Trata-se de
uma pergunta justa para livros que se ocupam com questões
controversas, como escatologia. Contudo, quão inapropriado seria
se estivermos falando sobre Cristo. Afinal, “creio eu que nem no
mundo inteiro caberiam os livros”[1] sobre as “insondáveis riquezas
de Cristo”.[2]
Este livro, escrito pelo Dr. W. Gary Crampton,[3] explora as
riquezas da Pessoa e obra de nosso Senhor Jesus Cristo. Como o
subtítulo deixa claro, o autor baseia seu estudo nas verdades
contidas nos Símbolos de Westminster, a saber: a Confissão de fé
de Westminster, o Catecismo maior e o Breve catecismo. O autor
está na companhia do que há de melhor na teologia reformada, e o
resultado é um guia confiável para o recém-convertido, e uma fonte
de deleite para quem está há muito no Caminho.
Ao final do livro apresento uma lista de obras sobre
cristologia disponíveis em português. Meu sincero desejo é que em
breve ela se torne defasada, e mais e mais obras estejam
disponíveis em nossa língua. O sábio Salomão disse que “não há
limite para fazer livros” (Ec 12.12). A afirmação pode ser
considerada uma hipérbole, mas perde o sentido hiperbólico quando
se fala sobre textos a respeito de Cristo, “em quem todos os
tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos” (Cl 2.3).
Que a terra se encha do conhecimento do Senhor, como as
águas cobrem o mar![4]
— Felipe Sabino de Araújo Neto
Brasília, 1º de abril de 2014
Prefácio do Editor Americano

Uma vez mais, é privilégio da Blue Banner apresentar ao


público leitor uma obra de autoria do Dr. Gary Crampton. O Dr.
Crampton já tinha escrito vários artigos para o jornal da Blue Banner
e para nós foi um prazer publicar sua obra sobre a doutrina da Igreja
— Built Upon The Rock —, da qual sou coautor.[5]
O apóstolo Paulo disse à igreja em Corinto (1 Coríntios 2.2)
que estava determinado a não saber nada entre eles, exceto Jesus
Cristo e este, crucificado. Ao fazer tal afirmação, Paulo afirmava o
caráter central da doutrina da Pessoa e da obra de Jesus Cristo.
Mais tarde Paulo disse aos mesmos coríntios que seu plano era
pregar “não a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a
nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus” (2 Coríntios
4.5).
Então, é vital para a vida cristã que conheçamos a Pessoa e
a obra de Jesus Cristo. Muito se tem dito nos círculos evangélicos
de hoje, sobre desejar um “relacionamento, antes que uma religião”.
É uma pena, pois na maioria das vezes esse desejo flui de um
compromisso, não com o Cristo histórico da Escritura, mas com
algum Cristo da própria imaginação da pessoa.
A Blue Banner publica este tratado com a sincera esperança
de que pessoas possam chegar a conhecer Jesus Cristo e, assim,
ter vida eterna, como ensina a Escritura: “E a vida eterna é esta: que
te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste” (João 17.3).

— Dr. Richard Bacon


Introdução

Foi em Cesareia de Filipe que Jesus perguntou a seus


discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mateus 16.15). A
pergunta, embora simples, tem a ver com assuntos de
consequência eterna. Pedro respondeu a seu Senhor: “Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo” (v. 16). De acordo com Jesus,
nenhuma outra resposta seria satisfatória. Somente essa resposta
receberia seu elogio: “Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque
não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está
nos céus” (v. 17).
Dois mil anos depois a mesma afirmação ainda é verdadeira.
Ainda “não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo
qual importa que sejamos salvos” (Atos 4.12). Jesus Cristo ainda é
“o caminho, a verdade e a vida, [e] ninguém vem ao Pai”, exceto por
meio [dele] (João 14.6). O próprio Jesus declarou que o destino
eterno de todos os homens depende da crença desses homens
nele: “se não crerdes que EU SOU [o nome pactual para Deus,
Jeová], morrereis nos vossos pecados” (João 8.24). Como diz o
Breve catecismo de Westminster (pergunta 21): “o único Redentor
dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo”.
Certamente João Calvino não exagerou ao confirmar que,
para os eleitos de Deus, todos os benefícios, incluindo o destino
eterno, estão baseados em seu conhecimento de Jesus Cristo como
Salvador (e, assim, sua união com ele):
Ora, quando
vemos toda a
suma de nossa
salvação e cada
uma de suas
partes
compreendidas em
Cristo [At 4.12],
devemos nos
prevenir para não
transferir, ainda
que uma porção
mínima, a outrem.
Se é buscada a
salvação, pelo
próprio nome de
Jesus somos
ensinados em
poder de quem ela
está [1Co 1.30], se
quaisquer outros
dons do Espírito
serão encontrados
em sua unção; se
a fortaleza, em seu
domínio; se a
pureza, em sua
concepção; se a
indulgência, em
seu nascimento:
ele profere que em
tudo se fez
semelhante a nós
para aprender a se
condoer [Hb 2.17];
se a redenção, em
sua paixão; se a
absolvição, em
sua condenação;
se a remissão da
maldição, em sua
cruz [Gl 3.13]; se a
satisfação, em seu
sacrifício; se a
purgação, em seu
sangue; se a
reconciliação, na
sua descida aos
infernos; se a
mortificação da
carne, em seu
sepulcro; se a
novidade da vida,
em sua
ressurreição; se a
imortalidade, nela
mesma; se a
herança do reino
celeste, em sua
entrada nos céus;
se o socorro, se a
segurança, se a
abundância e a
faculdade de todos
os bens, em seu
reino; se a
esperança segura
do Juízo, no poder
de julgar a ele
transmitido. E, por
fim, n’Ele estão os
tesouros de todo o
gênero de bens
dos quais emana a
saciedade, não em
outro lugar.[6]
Assim, a importância dada ao estudo da doutrina de Cristo
(“cristologia”) dificilmente pode ser considerada importância
excessiva. Tal será o foco deste livro. Em geral, os teólogos
subdividem o estudo da cristologia em duas partes: a Pessoa de
Cristo (ontologia: quem ele é); e a obra de Cristo (função: o que ele
faz). Esses dois aspectos não devem ser separados, mas
distinguidos. E começaremos estudando a Pessoa de Cristo. Pois a
obra de Cristo, não importa quão grande seja, perde o significado se
Cristo não é o Deus-homem como ensinado na Escritura. Porém,
antes de começarmos esse estudo, examinaremos o plano eterno
de Deus para a salvação e a teologia do pacto.
Capítulo Um: Cristo e o Pacto da Graça

O PLANO ETERNO DE SALVAÇÃO DE DEUS E A TEOLOGIA DO


PACTO

De acordo com o capítulo três da Confissão de fé de


Westminster:

Desde toda a
eternidade, Deus,
pelo muito sábio e
santo conselho de
sua própria
vontade, ordenou
livre e
inalteravelmente
tudo quanto
acontece…

Ainda que saiba


tudo quanto pode
ou há de
acontecer em
todas as
circunstâncias
imagináveis, Deus
não decreta coisa
alguma por havê-
la previsto como
futura, ou como
coisa que havia de
acontecer em tais
e tais condições.

Pelo decreto de
Deus e para
manifestação da
sua glória, alguns
homens e alguns
anjos são
predestinados
para a vida
eterna…

Esses homens e
esses anjos, assim
predestinados e
preordenados, são
designados de
modo particular e
imutável; seu
número é tão certo
e definido, que não
pode ser
aumentado ou
diminuído.

Segundo seu
eterno e imutável
propósito e
segundo o santo
conselho e
beneplácito da sua
vontade, antes que
o mundo fosse
criado, Deus
escolheu, em
Cristo, para a
glória eterna, os
homens
predestinados
para a vida; para o
louvor da sua
gloriosa graça, ele
os escolheu de
sua mera e livre
graça e amor, e
não por previsão
de fé, ou de boas
obras e
perseverança
nelas, ou de
qualquer outra
coisa na criatura
que a isso o
movesse, como
condição ou
causa.

Assim como
destinou os eleitos
para a glória,
assim também,
pelo eterno e mui
livre propósito da
sua vontade, Deus
preordenou todos
os meios que
conduzem a esse
fim; os que,
portanto, são
eleitos, achando-
se caídos em
Adão, são remidos
por Cristo,
eficazmente
chamados para a
fé em Cristo, por
seu Espírito, que
opera no tempo
devido; são
justificados,
adotados,
santificados, e
guardados, por
seu poder, por
meio da fé
salvadora. Além
dos eleitos não há
nenhum outro que
seja remido por
Cristo,
eficazmente
chamado,
justificado,
adotado,
santificado e salvo.

Aqui, o que a Confissão define é o plano eterno de Deus de


salvação. A Bíblia ensina que Deus decretou eternamente todas as
coisas que acontecem (Efésios 1.4,11; Isaías 14.24-27). Nada pode
mudar seu decreto soberano. Esse decreto foi estabelecido em
sabedoria (Efésios 3.9-11), e está eternamente fixado (Jó 42.2).
Assim como há apenas um decreto, pode haver somente um
propósito eterno. Todavia, esse propósito eterno (prothesis, que é
sempre encontrado no singular: Efésios 1.11; 3.11; Romanos 8.28;
9.11-13; 2 Timóteo 1.9) consiste de várias partes. Portanto, os
teólogos em geral referem-se aos “decretos” (plural) divinos.
Além do mais, as várias partes do decreto eterno de Deus
deveriam ser vistas como fixadas numa ordem lógica antes que
cronológica. Deus é onisciente: não tem uma sucessão de ideias;
isto é, não aprende fatos um após o outro. Deus conhece
eternamente todas as coisas, simplesmente porque é onisciente:
“Conhecidas de Deus são todas as suas obras desde a eternidade”
(Atos 15.18).
Porém, embora não tenha uma sucessão de ideias, Deus tem
uma ideia de sucessão. Portanto, seu propósito eterno consiste de
várias partes, com uma relação lógica. Resumindo, Deus tem um
plano. B. B. Warfield escreve:
Não parece ser
necessário parar
para discutir a
questão anterior
quanto a Deus, em
suas atividades
salvadoras, agir de
acordo com um
plano. Que Deus
age de acordo
com um plano, em
todas as suas
atividades, já é
aceito no teísmo.
Sobre o
estabelecimento
de um Deus
pessoal, essa
questão está
encerrada. Por
pessoa, entenda-
se “propósito”:
precisamente o
que distingue uma
pessoa de um
objeto é que os
modos de ação da
pessoa têm
propósitos, que
tudo o que ela faz
é dirigido para um
fim e tem
prosseguimento na
escolha de meios
para esse fim…

Então, se cremos
num Deus
pessoal; e muito
mais, se, sendo
teístas, cremos no
controle imediato,
por esse Deus
pessoal, do mundo
que ele criou,
devemos crer num
plano fundamental
para tudo o que
Deus faz e,
portanto, num
plano de salvação
também. A única
questão que se
pode levantar diz
respeito não à
realidade, mas à
natureza do plano.
[7] De acordo com
a Escritura, qual é
o propósito eterno
de Deus? Dito de
forma simples, o
propósito eterno
de Deus é
glorificar a si
mesmo (Isaías
43.7, 21; 1
Coríntios 15.28;
Filipenses 2.11),
por meio da
glorificação do seu
Filho como o
“primogênito entre
muitos irmãos”
(Romanos 8.29) e
Senhor da Igreja
(Colossenses
1.18). Em seu
propósito eterno,
Deus determinou
que seu Filho seria
o noivo da sua
Igreja, a qual seria
conformada à sua
imagem (Romanos
8.29; 2 Coríntios
3.17,18). Assim,
Deus determinou
salvar um povo (a
Igreja), a quem ele
escolheu
eternamente.
Em Efésios 1.9,10, lemos que a Pessoa e a obra de Jesus
Cristo estão no princípio, no centro e no final do propósito eterno de
Deus. Em Efésios 3.9-11, Paulo escreve que “Deus criou todas as
coisas por meio de Jesus Cristo; para que [isto é, com o propósito
de que] agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja
conhecida dos principados e potestades nos lugares celestiais”.
Isso, “de acordo com o eterno propósito que ele realizou em Cristo
Jesus, nosso Senhor”. Assim, a Igreja de Cristo permanece com seu
Redentor, no princípio, no centro, e no final do propósito eterno de
Deus. Como confirmado, ainda, em Romanos 8.28; 9.11-13; e 2
Timóteo 1.9.

A partir de passagens da Escritura tais como Isaías 53.10,11;


Hebreus 13.20; e Apocalipse 13.8, fica muito claro que houve um
conselho eterno do Deus Triúno precedendo a criação. Esse
conselho eterno é algumas vezes chamado de pacto da redenção,
para distingui-lo da execução, na história, desse decreto eterno —
designado como o pacto da graça. Nesse conselho eterno, Deus o
Pai, representando a Trindade, pactuou com Deus o Filho,
representando a Igreja, para redimir os pecadores eleitos. Como
declarado na Confissão de Westminster (8:1):

Aprouve a Deus [o
Pai] em seu eterno
propósito, escolher
e ordenar o
Senhor Jesus, seu
Filho Unigênito,
para ser o
Mediador entre
Deus e o homem,
o Profeta,
Sacerdote e Rei, o
Cabeça e Salvador
de sua Igreja, o
Herdeiro de todas
as coisas e o Juiz
do Mundo; e deu-
lhe desde toda a
eternidade um
povo para ser sua
semente e para,
no tempo devido,
ser por ele remido,
chamado,
justificado,
santificado e
glorificado.

Uma vez que o propósito eterno foi estabelecido, o Deus


Triúno racionalmente determinou os meios pelos quais realizaria seu
propósito, o que é chamado de a visão supralapsariana (supra,
acima; lapsus, queda) da ordem dos decretos divinos. Isto é, a
ordem lógica dos decretos divinos encontra o decreto da eleição e
da reprovação como anteriores ou acima do (supra) decreto de
causar a Queda (lapsus). Isso está de acordo com as passagens
que temos observado. A visão infralapsariana (infra, abaixo), por
outro lado, afirma que o decreto da eleição e da reprovação vieram
após ou abaixo do (infra) decreto de causar a Queda.

A visão supralapsariana é a mais bíblica. Um planejador


racional executa seu plano na ordem inversa do seu propósito
determinado. Isto é, a ordem temporal é o reverso da ordem lógica.
Deus, que é sempre racional, e que sempre age com um propósito,
naturalmente agiria dessa forma. Um supralapsariano consistente
sustenta que a ordem lógica dos decretos divinos, para glorificar o
Pai por meio da glorificação do Filho, é a seguinte:

O decreto de
eleger alguns
pecadores para a
salvação em Cristo
(Efésios 1.3-14), e
reprovar os outros
(Romanos
9.22,23).

O decreto de
redimir os
pecadores eleitos,
tanto do Antigo
quanto do Novo
Testamento, por
meio da obra
redentora de
Cristo na cruz
(Efésios 1.7).

O decreto de
causar a Queda
por meio de Adão,
o cabeça federal
da raça humana
(Gênesis 3;
Romanos 5.12-
19).

O decreto de criar
o mundo (incluindo
a humanidade)
para fornecer a
arena na qual
todas essas coisas
ocorreriam
(Gênesis 1).
De forma resumida, Robert Reymond escreve:

Em seu propósito
eterno, Deus
intencionalmente
integrou tanto o
propósito da
criação quanto as
ordenanças da
criação, num plano
redentor mais
primário, que
realizaria em
Cristo… A criação
então foi planejada
como o palco no
qual o desígnio
redentor de Deus
seria executado e
cumprido… A
raison d’être
[razão de ser] da
criação é então
servir aos fins
redentores de
Deus. [8]

A Pessoa e a obra de Cristo permanecem (com sua Igreja) no


princípio, centro e fim do propósito eterno de Deus. Cristo é “o
Cordeiro [de Deus] que foi morto desde a fundação do mundo”
(Apocalipse 13.8). Muito antes da queda de Adão, a obra sacrificial
de Cristo sobre a cruz tinha sido planejada. Então, na “plenitude dos
tempos”, Cristo veio, como o Breve catecismo (pergunta 21) diz,
como “o Redentor dos eleitos de Deus”, e todas as coisas foram
congregadas nele (Efésios 1.9,10; Colossenses 1.20).
Como observado acima, o plano eterno de salvação, onde
Cristo e sua obra redentora em favor da sua Igreja são centrais,
fundamenta-se no conselho intertrinitariano, que é tratado como o
pacto da redenção. Então, quando o plano foi executado, foi
executado por meio do pacto. Assim, não é exagero afirmar que um
entendimento apropriado da teologia do pacto é essencial, se
alguém há de ter uma compreensão bíblica da relação entre Deus e
suas criaturas. De acordo com a Confissão de fé de Westminster
(7:1):
Tão grande é a
distância entre
Deus e a criatura,
que embora as
criaturas racionais
devam obediência
a Deus como seu
Criador, nunca
poderiam obter
dele nenhum gozo
ou realização,
como suas bem-
aventuranças e
recompensa,
senão por alguma
voluntária
condescendência
da parte de Deus,
a qual Deus
escolheu
expressar por
meio de um pacto.

O homem, diz a Confissão, deve obediência a Deus,


simplesmente porque é criatura de Deus. Mas o homem “nunca
poderia fruir nada de Deus como [suas] bem-aventuranças e
recompensa”, à parte do fato de Deus ter escolhido entrar num
pacto com suas criaturas. A Bíblia ensina que, quando criou Adão,
Deus entrou num pacto de obras com ele. Como declarado na
Confissão (7:2): “O primeiro pacto feito com o homem era um pacto
de obras; nesse pacto a vida foi prometida a Adão [como o cabeça
federal de toda a raça humana] e, nele, à sua posteridade, sob a
condição de perfeita obediência pessoal”.

Contudo, como lemos em Romanos 5, Adão desobedeceu a


Deus. E como ele era o cabeça federal ou pactual de toda a raça
humana, seu pecado foi imputado a toda a humanidade. Diz o Breve
catecismo (pergunta 16): “O pacto foi feito com Adão, não só para
ele, mas também para a sua posteridade; todo o gênero humano,
que dele procede por geração natural, pecou nele e caiu com ele na
sua primeira transgressão”.

Portanto, como um resultado da Queda, todos os homens


são judicialmente culpados. O pecado de Adão foi imputado a todos.
Como afirmado pela Confissão (6:2,4) esse estado no qual o
homem se encontra agora é um estado de “depravação total”. Isto é,
de tal forma o homem caiu do seu estado de “retidão original e da
comunhão com Deus, [que] se tornou morto em pecado e
inteiramente corrompido em todas as suas faculdades e partes do
corpo e da alma”. Por conseguinte, todos os seres humanos estão
agora “totalmente indispostos, impossibilitados de todo bem e
inteiramente inclinados a todo mal”.

Mas como ensina o Breve catecismo (perguntas 20-21), Deus


não deixou toda a humanidade perecer nesse estado: “Tendo Deus,
unicamente por sua boa vontade, desde toda a eternidade, elegido
alguns para a vida eterna, entrou com eles em um pacto de graça,
para os livrar do estado de pecado e miséria, e trazê-los a um
estado de salvação, por meio de um Redentor… o Senhor Jesus
Cristo”. E o pacto da graça, que é a execução histórica do pacto da
redenção, como diz o Catecismo maior (pergunta 31), “foi feito com
Cristo, como o segundo Adão, e nele, com todos os eleitos, como
sua semente”.

E como a Confissão (7:4) continua sustentando, o caminho


para os eleitos herdarem sua herança eterna é a morte
testamentária de Jesus Cristo, o inaugurador do pacto: “Com
frequência, esse pacto da graça é apresentado nas Escrituras pelo
nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o testador, e
à perdurável herança com tudo o que lhe pertence, legada nesse
pacto”.

Além do mais, em contraste com as afirmações errôneas do


dispensacionismo — como encontradas, por exemplo, na Bíblia de
Referência Scofield, na Nova Bíblia de Referência Scofield e na
Bíblia de Estudo Ryrie — a Bíblia ensina que há um pacto da graça
em vigor durante toda a história redentora, e há somente um meio
de salvação.

Como declarado na Confissão (7:5-6):

Esse pacto [de


graça] no tempo
da Lei não foi
administrado como
no tempo do
Evangelho [Novo
Testamento]. Sob
a Lei, foi
administrado por
promessas,
profecias,
sacrifícios, pela
circuncisão, pelo
cordeiro pascoal e
por outros tipos e
ordenanças dadas
ao povo judeu,
prefigurando, tudo,
Cristo que havia
de vir; para aquele
tempo e pela
operação do
Espírito Santo,
essas coisas,
foram suficientes e
eficazes para
instruir e edificar
os eleitos na fé do
Messias
prometido, por
quem tinham plena
remissão dos
pecados e a vida
eterna: essa
dispensação
chama-se o Antigo
Testamento.

Sob o Evangelho,
quando Cristo, a
substância, foi
manifestado, as
ordenanças pelas
quais esse pacto
[de graça] é
dispensado são a
pregação da
Palavra e a
administração dos
sacramentos do
batismo e da ceia
do Senhor; por
essas ordenanças,
posto que poucas
em número e
administradas com
maior simplicidade
e menor glória
externa, o pacto é
manifestado com
maior plenitude,
evidência, e
eficácia espiritual,
a todas as nações,
tanto a judeus
como a gentios. É
chamado o Novo
Testamento. Não
há, pois, dois
pactos de graça
diferentes em
substância, porém
um, e o mesmo,
sob várias
dispensações.

O pacto de graça foi inicialmente revelado em Gênesis 3.15,


com a primeira promessa messiânica ou “promessa do evangelho”
(o protevangelium), diretamente após a Queda. Como ensinado na
Confissão (7:3):

Tendo o homem,
por sua queda,
tornado-se incapaz
de vida por esse
pacto [de obras], o
Senhor dignou-se
fazer um segundo
pacto, geralmente
chamado o pacto
da graça; neste
pacto Deus
livremente oferece
aos pecadores a
vida e a salvação
por Jesus Cristo,
exigindo deles a fé
em Cristo para que
sejam salvos; e
prometendo dar
seu Santo Espírito
a todos os que
estão ordenados
para a vida, a fim
de dispô-los e
habilitá-los a crer.

Como Paulo ensina em Efésios 2.12, há uma unidade


temática de todos os pactos. Ele escreve dos “pactos (plural)”[9] da
“promessa (singular)”. “A promessa” é o pacto da graça. Todos os
pactos que Deus estabeleceu com seu povo (por exemplo, com
Adão, Noé, Abraão, Davi) são um desenvolvimento de um único
pacto da graça. Ou dito de outra forma: “A ‘promessa’ é singular,
para significar que na realidade, e substancialmente, o pacto [da
graça] é um e o mesmo em todos os tempos, porém, apenas
diferente em seus incidentes e circunstâncias externas”.[10]

Com a vinda da era do Novo Testamento, “a promessa” que


perdurou por todo o Antigo Testamento alcançou seu cumprimento
com o advento do Redentor, Jesus Cristo. Escreve Calvino:
Por isso, no início,
quando a primeira
promessa de
salvação foi dada
a Adão [em
Gênesis 3.15],
saltaram como que
centelhas tênues;
depois que se deu
a aproximação,
maior amplitude de
luz começou a se
erguer, que
emergiu mais e
mais, e exibiu seu
mais amplo fulgor
até que por fim,
todas as nuvens
dissipadas, Cristo,
o sol da justiça,
iluminou
plenamente todo o
orbe terrestre.[11]

Como ensina o Novo Testamento, Cristo realizou a redenção


em favor dos eleitos, trazendo, assim, à fruição, tudo o que tipificava
os pactos anteriores (Hebreus 8-10). Ele é o “Amém” de todas as
promessas de Deus (2 Coríntios 1.20). Em Cristo, todas as coisas
“que estão escritas na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”
alcançam seu cumprimento (Lucas 24.44).
Capítulo Dois: A Pessoa de Cristo

Como apresentado na “Introdução”, o estudo da cristologia


trata da doutrina da Pessoa (ontologia) e obra (função) de Jesus
Cristo. É frequente os estudiosos modernos tentarem separar esses
dois aspectos da cristologia. Oscar Cullmann, por exemplo, critica a
igreja primitiva (como testemunhado nos Concílios de Niceia [325
d.C.] e Calcedônia [451 d.C.]) por focarem muito a Pessoa de Cristo
(quem ele é). Antes, diz Cullmann, a preocupação do Novo
Testamento é com sua função (o que ele faz).[12] Contudo, como
Robert Reymond aponta:

Eu insistiria em
que é muito
superficial sugerir
que os homens
podem concentrar-
se para sempre no
que Jesus fez por
eles e nunca tratar
a questão
ontológica de
quem ele é. Na
verdade, seria
psicologicamente
impossível, tanto
para os homens
modernos quanto
para os homens
dos tempos do
Novo Testamento,
satisfazerem-se
com um interesse
restrito ao valor
funcional de Jesus
e nunca questionar
ou tratar da
questão ontológica
que seu valor
funcional lhes
impõe.[13]

Reymond está correto. A Pessoa e a obra de Cristo estão


inseparavelmente relacionadas. Mas visto que a primeira é
fundacional para a última, este capítulo se concentrará na sua
Pessoa. Primeiro analisaremos os nomes e títulos que a Bíblia
atribui a Jesus Cristo. Isso nos dará algumas ideias tanto sobre sua
Pessoa quanto sobre sua obra.
Na Bíblia, os nomes são muito importantes. Algumas vezes o
nome de uma pessoa é o equivalente do seu portador. O homem
Nabal (em hebraico, “louco”), por exemplo, era simplesmente como
seu nome: “Porque o que significa o seu nome ele é: Nabal [louco] é
o seu nome, e a loucura está com ele” (1 Samuel 25.25). Em outras
ocasiões, a mudança do nome de uma pessoa representava sua
mudança em status. Quando Deus mudou o nome de Abrão para
Abraão (significando “o pai de muitos”), isso significou que ele se
tornaria “o pai de muitas nações” (Gênesis 17.5).
O nome de Deus é de modo particular significante. É
virtualmente sinônimo do próprio Deus. De acordo com os escritos
da Sagrada Escritura, o Senhor salva por seu “nome” (Salmo 54.1),
protege por seu “nome” (Salmo 20.1), e seu “nome” é uma “torre
forte” onde os justos encontram refúgio (Provérbios 18.10). Além do
mais, os piedosos confiam em seu “nome” (Salmo 20.7), eles se
regozijam em seu “nome” (Salmo 89.16), e oram invocando seu
“nome” (Salmo 80.18; Mateus 6.9). Ninguém nunca deve tomar o
“nome” de Deus em vão (Êxodo 20.7), nem jurar falsamente em seu
“nome” (Levítico 19.12). De fato, como Levítico 24.16 ensina, tão
forte era a proibição a blasfemar contra o “nome” do Senhor (isto é,
o próprio Deus), que a blasfêmia era considerada um delito capital.
O mesmo pode ser dito com respeito aos “títulos” atribuídos a
Deus na Escritura. “Deus Altíssimo” (Gênesis 14.19,20), “Senhor” ou
“Mestre” (Gênesis 15.2; Salmo 8.1,9), e “Deus Todo-Poderoso”
(Gênesis 17.1; Êxodo 6.3), são exemplos de títulos que nos dizem
algo significante sobre o Deus da Escritura.
Assim, um estudo do nome e dos títulos de Jesus Cristo deve
nos dar maior compreensão de quem ele é e do que faz.
O NOME “JESUS”

Mateus 1.18-25 e Lucas 1.26-38 registram o anúncio angélico


do nascimento do Filho de Deus encarnado. Gabriel diz a José e
Maria que o nome da criança concebida pela virgem será “Jesus”
(Iesous), “porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”
(Mateus 1.21).
“Jesus” significa “Jeová salva”. O mesmo significado do nome
de Josué, líder do Israel do Antigo Testamento, filho de Num (Josué
1.1). Josué foi um tipo de Cristo no fato de ter conduzido Israel à
terra prometida (Hebreus 4.8). O nome Jesus enfatiza a obra
salvadora do Deus-homem; fala do objetivo ministerial de Jesus —
único Redentor dos eleitos de Deus, tanto do Antigo quanto do Novo
Testamento (Romanos 3.21-31). Jesus é o único caminho para o Pai
(João 14.6); o “Salvador do mundo” (João 4.42; 1 João 4.14). E um
fato interessante: os cristãos na igreja primitiva deram testemunho
de Jesus como Salvador, usando o desenho de um “peixe” ou a
palavra “peixe” como sinais que os identificavam como cristãos. As
letras da palavra grega para “peixe” (ichthus) formam um acrônimo:
“Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”.[14]
TÍTULOS CRISTOLÓGICOS
Tecnicamente falando, Iesous é o único nome de Jesus. O
menino Jesus seria conhecido como “Jesus bar (filho de) José”.
Porém, embora haja somente um nome real para o Filho de Deus
encarnado, há vários títulos. Como R. C. Sproul diz: “O próprio
nome de Jesus carrega em si a ideia de Salvador. Todos os seus
títulos… indicam as qualificações de Jesus para ser o Salvador dos
homens”.[15]

Cristo
Embora haja casos no Novo Testamento onde Christos é
usado como praticamente um nome próprio, na realidade Christos é
um título. Esse título, Christos, é o equivalente grego do hebraico
Mashiach (Messias). E entre todos os títulos de Jesus, esse é o
título usado com maior frequência. Christos significa “ungido”. Jesus
Cristo é o ungido por Deus para ser o Salvador do seu povo. Como
ensinado no Catecismo maior de Westminster (pergunta 42):
Nosso Mediador
foi chamado
Cristo, porque foi
acima de toda a
medida ungido
com o Espírito
Santo; e assim,
separado e
plenamente
revestido com toda
a autoridade e
poder para exercer
as funções de
profeta, sacerdote
e rei da sua Igreja,
tanto no estado da
sua humilhação,
como no estado da
sua exaltação.

Em Marcos 14.61,62 e João 4.25,26; 17.3, o próprio Jesus


reivindica ser o Cristo de Deus (veja também Mateus 16.16 e João
11.25-27). E como Cristo o Salvador (João 17.3; Tito 1.4; 2.13; 3.6),
ele é necessariamente divino (confira Marcos 14.61,62), pois como
lemos em Isaías 43.11 e 45.21, somente Deus pode salvar.
Na Antiga Aliança, os profetas (1 Reis 19.16; Salmo 105.15;
Isaías 61.1,2), sacerdotes (Êxodo 29.7; Salmo 133.2), e reis (1
Samuel 10.1; 16.13; Salmo 2.2,6), eram todos “ungidos” para
cumprir o chamado feito a eles por Deus. O mesmo é verdadeiro
quanto a Jesus, o Cristo. Em seu batismo, Jesus foi “ungido” pelo
Espírito Santo (Mateus 3.16,17; Hebreus 1.9), e como o Breve
catecismo de Westminster (pergunta 23) diz, Jesus veio “como
nosso Redentor, e exerce o ofício de Profeta, Sacerdote e Rei”.
Como Cristo exerce os ofícios de Profeta, Sacerdote e Rei?
Diz o Catecismo (perguntas 24-26): [16]
Cristo exerce o
ofício de Profeta,
revelando-nos, por
sua Palavra e seu
Espírito, a vontade
de Deus para
nossa salvação.

Cristo exerce o
ofício de
Sacerdote,
oferecendo-se a si
mesmo, uma só
vez, em sacrifício,
para satisfazer a
justiça divina,
reconciliar-nos
com Deus e fazer
contínua
intercessão por
nós.

Cristo exerce o
ofício de Rei,
sujeitando-nos a si
mesmo,
governando-nos e
protegendo-nos,
reprimindo e
subjugando todos
os seus e os
nossos inimigos.

De outros títulos de Jesus, alguns serão estudados abaixo,


mais detalhadamente, os quais enfatizam seus três ofícios. Por
exemplo, Jesus é chamado “Profeta” (Lucas 7.16; João 6.14; Atos
3.22,23), “Mestre” (Mateus 12.38; 22.16), “Rabi” (João 20.16), e a
“Palavra” (João 1.1,14; 1 João 1.1; Apocalipse 19.13). Esses títulos
falam do ministério profético de Jesus. Os autores do Novo
Testamento também puderam chamá-lo de “servo” (Mateus 12.18;
Marcos 10.45), em cumprimento das passagens sobre o servo
sofredor, em Isaías. E o autor de Hebreus diz que Jesus é um
sacerdote “segundo a ordem de Melquisedeque” (5.6,10; 7.17).
Esses dois títulos falam da função sacerdotal de Cristo. E Jesus é
também chamado de “o Filho de Davi” (Mateus 22.42-45), título que
se refere a sua função real.

Senhor
“Senhor” (Kurios) é o segundo mais usado dos títulos de
Jesus. No Antigo Testamento, lemos que o nome de Deus é Jeová
ou Iavé. Ele é o grande “EU SOU”, o Deus do pacto de Israel (Êxodo
3.10-15). Deus é chamado também de Adonai, o Senhor e Mestre
do universo (Salmo 110.1; Isaías 6.1). Na Septuaginta (tradução
grega do Antigo Testamento hebraico), Kurios é usado para traduzir
tanto Jeová quanto Adonai. Assim, quando se refere a Jesus como
Kurios, o Novo Testamento atribui divindade a ele. De acordo com a
Escritura, Jesus é tanto Jeová (Romanos 10.13, compare Joel 2.32;
1 Pedro 3.14,15, compare Isaías 8.12,13; Hebreus 1.10-12,
compare Salmo 102.25-27) quanto Adonai (Mateus 22.43-45;
Hebreus 1.13; 5.6, compare Salmo 110.1-4). Isto é, o título Kurios
fala da natureza divina de Cristo. Ele é divindade ontológica; ele é
“Cristo, o Senhor [Kurios]” (Lucas 2.11).
Então há várias passagens onde “EU SOU” é atribuído a
Jesus Cristo. No Evangelho de João, Jesus diz: EU SOU “o pão da
vida” (6.35), “a luz do mundo” (8.12), “a porta das ovelhas” (10.7), “o
bom pastor” (10.11), “a ressurreição e a vida” (11.25), “o caminho, a
verdade e a vida” (14.6), e “a videira verdadeira” (15.1). Cristo
também diz: “se não crerdes que EU SOU, morrereis nos vossos
pecados” (8.24); “antes que Abraão existisse, EU SOU” (8.58); e
“desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, creiais que EU SOU” (13.19). Essas são declarações
extraordinárias, nas quais Jesus reivindica não ser menos que
Jeová: Deus encarnado.

Filho do Homem
Este é o terceiro mais usado dos títulos de Jesus. É seu meio
favorito de autodesignação. “Filho do Homem” ocorre por volta de
84 vezes no Novo Testamento, 82 delas nos quatro Evangelhos (69
nos Sinóticos — Mateus, Marcos, e Lucas — e 13 em João). Em
quase todos esses casos, é usado pelo próprio Jesus.
Jesus Cristo não somente é o “Filho de Deus”, é também o
“Filho do Homem”. Fazendo distinção entre esses dois títulos, fica
evidente que “Filho de Deus” fala da natureza divina de Jesus, e
como Calvino aponta, “Filho do Homem” fala de sua natureza
humana.[17] Contudo, embora se refira à humanidade de Cristo
como o Servo sofredor (Marcos 8.31; 9.31; 10.33,34,45), esse título
também se refere a sua divindade (Mateus 16.27,28; João 3.13,14).
Como o Filho do Homem, Jesus é o doador de vida espiritual (João
6.62,63), aquele que tem autoridade para perdoar pecados (Marcos
2.10), e “Senhor do Sábado” (Marcos 2.28). Como o Filho do
Homem, ele será visto “assentado à direita do Todo-Poderoso [Deus
o Pai] e vindo com as nuvens do céu” (Marcos 14.62). E como o
Filho do Homem, Jesus recebeu “autoridade para julgar” toda a
humanidade (João 5.27).
Esse título pode ser traçado voltando-se a Daniel 7.13,14,
onde o Filho do Homem é revelado como coigual com Deus o Pai.
Uma comparação com Daniel 7.9,10 e Apocalipse 1.12-16; 5.11,12,
mostra a natureza exaltada do Filho do Homem bíblico. Com tudo
isso em mente, B. B. Warfield escreve:
Na figura do “Filho
do Homem” que
Jesus traça para
nós, é que vemos
retratada sua
natureza sobre-
humana. Pois a
figura assim
trazida diante de
nós é
distintamente
sobre-humana;
uma figura não
apenas no futuro,
sentada à direita
do poder e vindo
com as nuvens do
céu… mas alguém
no presente
mundo, exercendo
funções de fato
divinas.[18]
Filho de Davi
Esse título messiânico fala da função real de Deus. O Antigo
Testamento tinha profetizado que o Messias viria da linhagem de
Davi (2 Samuel 7; Isaías 11.1,2; Salmo 89). O Novo Testamento
confirma que Jesus é o Messias. Ele é, escreve Mateus, “o Filho de
Davi” (Mateus 1.1). Lucas declara que “o Senhor Deus lhe dará [a
Jesus] o trono de Davi” (Lucas 1.32). Além do mais, numa de suas
discussões com os fariseus, o próprio Jesus reivindicou ser Filho de
Davi, em cumprimento do Salmo 110.1 (confira Mateus 22.41-45). E
assim, atribuindo Senhorio divino ao Filho de Davi, o Salmo 119.1
atribui divindade a Jesus Cristo (Romanos 1.3,4). De fato, foi
apenas porque percebeu que Jesus era o divino “Filho de Davi”, que
o cego Bartimeu clamou ao Filho: “tem misericórdia de mim
[Bartimeu]” (Marcos 10.46-48). Robert Reymond corretamente
afirma que o título Filho de Davi “de fato não é um título dominante
nos Evangelhos; todavia, quando ocorre, claramente atribui
messianidade a Jesus; e toda evidência confirma, e nenhuma pesa
contra, sua aceitação e aprovação desse título”.[19]

Servo
Como foi observado, quando fala de Jesus como Servo, o
Novo Testamento refere-se à função sacerdotal de Jesus. Como “o
santo Servo [de Deus] Jesus” (Atos 4.27,30; 3.13,26), Cristo é o
cumpridor das profecias do Servo no livro de Isaías (Isaías 42.1-9;
49.1-7; 50.4-9; 52.13-53.12, compare Mateus 12.18-21; 20.28).
Jesus veio “não para ser servido, mas para servir, e dar sua vida em
resgate de muitos” (Marcos 10.45).
Que Jesus Cristo, como o grande Sumo Sacerdote, é
também o Servo sofredor, fala de sua natureza humana. O autor de
Hebreus escreve que em sua função sacerdotal, Jesus foi feito “um
pouco menor do que os anjos” (2.9); era dependente do seu Pai
celestial (2.13); participou da carne e do sangue (2.14); foi sujeito à
tentação (2.18); todavia, foi achado sem pecado (4.15).

Palavra de Deus
Jesus é o Logos; é a Palavra de Deus (João 1.1,14; 1 João
1.1; Apocalipse 19.13). Esse título está impregnado de significado
teológico e filosófico. De acordo com o Evangelho de João, Jesus é
o Logos cosmológico que, como Rei, cria e providencialmente
sustenta todas as coisas no universo (1.1-3). É também o Logos
soteriológico, que, como Sacerdote, salva os eleitos dos seus
pecados (1.4,12,13; 14.6). Jesus também é o Logos epistemológico
que, como Profeta, é a “verdadeira luz que ilumina todo homem”
(1.9), e revela o Pai aos eleitos (1.18; 14.7,9). Como o Logos
epistemológico (o Profeta), foco primário deste título, Jesus veio
como a revelação suprema e final de Deus ao homem (João
1.1,14,18; Hebreus 1.1-3).
Em muito da filosofia grega, o logos era aquele princípio
abstrato e impessoal que alegadamente dava propósito, unidade e
significado a todas as coisas. No pensamento hebraico, por outro
lado, uma “palavra” (logos) é ao mesmo tempo uma palavra interior,
como um pensamento falado. Uma palavra serve a dois propósitos:
dar expressão a um pensamento interior e revelar esse pensamento
verbalmente a outros. Na crença semítica, então, o Logos de Deus é
o que expressa a mente de Deus. E pode até mesmo ser chamado
de a mente do próprio Deus.
Portanto, quando escreve que Jesus Cristo é o Logos de
Deus, João está declarando que Jesus, como divindade ontológica,
tanto expressa como reflete a mente de Deus. Como João 1.18
deixa claro, Jesus veio para explicar (exegeomai, “exegeta”) o Pai à
humanidade. Em seu ministério profético, Jesus como a Palavra de
Deus encarnada, nos dá a Palavra de Deus registrada: a Bíblia.
Além do mais, como Gordon Clark aponta, Jesus é “a Lógica
de Deus” (a palavra portuguesa “lógica” é derivada de logos). Jesus
Cristo é a verdade, a razão e a sabedoria encarnada (João 14.6; 1
Coríntios 1.24,30; Colossenses 2.3). E como tal, o Jesus pessoal
(não um princípio abstrato) é quem dá coerência, unidade,
consistência, propósito e significado a todas as coisas. Nas palavras
de Paulo, Jesus é aquele em quem “todas as coisas subsistem”
(Colossenses 1.17), trazendo ordem e harmonia para o universo
criado.[20]

Deus
No Novo Testamento, por oito vezes Jesus é especificamente
chamado de Deus (Theos). No Evangelho de João lemos que “a
Palavra [Jesus] era Deus” (1.1) e que Jesus aceitou abertamente
seu reconhecimento, por Tomé, como “meu Senhor e meu Deus”
(20.28). Paulo escreve que Jesus Cristo é o “Deus eternamente
bendito” (Romanos 9.5), e que “Deus [Jesus Cristo] foi manifesto na
carne” (1 Timóteo 3.16).[21] Paulo também o chama de “nosso
grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tito 2.13). Em sua segunda
epístola, Pedro o chama de “nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2
Pedro 1.1). O autor de Hebreus, citando o Salmo 45, chama Jesus
de “Deus” (1.8). E o apóstolo João diz, em 1 João 5.20, que “Jesus
Cristo… é o verdadeiro Deus e a vida eterna”. Com as possíveis
exceções das declarações de “EU SOU” já estudadas aqui, é difícil
conceber uma reivindicação mais alta da divindade de Jesus Cristo.
Jesus é Deus.
Todavia, essas claras apelações à natureza divina de Cristo
não têm ficado livres de desafios e contestações. Com respeito a
Romanos 9.5, por exemplo, onde a Authorized Version, a Revised
Version, a American Standard Version, a New American Standard
Version, a New International Version, a New King James Version,[22]
juntamente com a maioria dos comentaristas, têm adotado a
tradução direta desse versículo como uma afirmação da divindade
de Jesus Cristo, a Revised Standard Version e a New English Bible
objetam. Ambas incorretamente propõem traduções onde “Deus
eternamente bendito” é considerado como uma doxologia ao Pai,
antes que um título cristológico. A influência liberal é evidente. Este
autor concorda com John Murray, que após uma análise exegética
completa do versículo, sustenta: “Podemos assim concluir que não
há nenhuma boa razão para nos afastarmos da construção e
interpretação tradicional desse versículo e, por outro lado, há razões
preponderantes para adotá-la”.[23]
Então temos a Tradução do Novo Mundo das Testemunhas
de Jeová, onde João 1.1 é traduzido da seguinte forma: “A Palavra
era um deus”. A razão alegada para essa tradução é que no original
grego não há nenhum artigo definido antes de Deus; por
conseguinte, deve ser traduzido como “um” deus. Vários
comentaristas e estudiosos do grego têm apontado, contudo, que
essa objeção é respondida pelo que é conhecido como “a regra de
E. C. Colwell”. Essa “regra” declara que “um predicado nominal
definido tem o artigo [definido] quando ele segue o verbo; ele não
tem o artigo [definido] quando precede o verbo [como em João 1.1]”.
[24] Em outras palavras, existe toda razão para que o versículo deva

ser traduzido como “a Palavra era Deus”, e nenhuma razão legítima


pela qual deva ser traduzido de outra forma — exceto, certamente,
como resultado de uma simples e pura influência. Tal é o caso com
as Testemunhas de Jeová. Em seu Should You Believe in the
Trinity? [Você deveria crer na Trindade?], o autor, mesmo após
admitir que a regra de Colwell se aplica a João 1.1, ainda mantém
que a tradução deveria ser com o artigo indefinido “um”. A razão
dada é que “o testemunho de toda a Bíblia é que Jesus não é Deus
Todo-Poderoso”.[25] Isso é claramente um caso de falácia lógica:
afirmar o consequente.

Filho de Deus
Referindo-se a Jesus como o Filho de Deus (e.g., João 1.49;
10.36), os escritores do Novo Testamento atribuem divindade a
Jesus. Como lemos em João 5.18, os judeus contemporâneos de
Jesus entenderam claramente que, ao dizer que Deus era seu Pai,
Jesus estava “fazendo-se igual a Deus”. Em seu julgamento diante
do sumo sacerdote, quando perguntado: “Tu és o Cristo, o Filho de
Deus?” (Mateus 26.63), Jesus replicou no afirmativo (versículo 64).
De acordo com Levítico 24.16 (Mateus 26.65,66), os juízes,
reconhecendo essa reivindicação de divindade ontológica,
consideraram Jesus culpado de blasfêmia e o sentenciaram à
morte.
Jesus, como o Filho de Deus, não é ontologicamente
subordinado ao Pai.[26] Sua filiação é uma relação intratrinitariana,
denotando uma unidade essencial com o Pai. Algumas vezes o
Novo Testamento refere-se a Cristo como o “unigênito” (monogenes)
do Pai (João 1.14,18; 3.16). Mas a palavra monogenes [derivada de
duas palavras gregas — mono (um) e genos (tipo)] significa “um de
um tipo”, e tem a ver com a “exclusividade” de Cristo. Unigênito
(monogenes) não implica em que Jesus, como a Segunda Pessoa
da Trindade, tenha sido criado ou nascido, ou que em algum sentido
seja ontologicamente subordinado ao Pai. Como B. B. Warfield
escreve: “O adjetivo ‘unigênito’ transmite a ideia, não de derivação e
subordinação, mas de exclusividade e consubstancialidade: Jesus é
tudo o que Deus é, e somente ele é isso”.[27]
Como o Filho unigênito do Pai, então, Jesus é único. Os
cristãos são como filhos e filhas de Deus o Pai, mas são filhos
adotados (Romanos 8.14-16; Gálatas 4.4-6). Em João 20.17, Jesus
faz uma distinção entre seu relacionamento com o Pai e o
relacionamento de seus discípulos com o Pai: “Subo para meu Pai e
vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”.
JESUS CRISTO: UMA PESSOA E DUAS NATUREZAS
De acordo com o Concílio de Calcedônia (451 d.C.),
considerado, por inúmeros teólogos, “o padrão da ortodoxia
cristológica”,[28] Jesus Cristo é:
Verdadeiro Deus e
verdadeiro
homem, com alma
racional e corpo;
consubstancial ao
Pai, segundo a
divindade, e
consubstancial a
nós, segundo a
humanidade; em
todas as coisas
semelhante a nós,
exceto no pecado;
gerado segundo a
divindade antes
dos séculos pelo
Pai e, segundo a
humanidade, para
nós e para nossa
salvação; gerado
da Virgem Maria,
mãe de Deus; um
só e mesmo
Cristo, Filho,
Senhor, Unigênito,
que se deve
confessar, em
duas naturezas,
inconfundíveis e
imutáveis,
inseparáveis e
indivisíveis; a
distinção das
naturezas de
modo algum é
anulada pela
união, mas pelo
contrário, as
propriedades de
cada natureza
permanecem
intactas,
concorrendo para
formar uma só
pessoa e uma
subsistência; não
dividido ou
separado em duas
pessoas. Mas um
só e mesmo Filho
Unigênito, Deus
Verbo, Jesus
Cristo Senhor.

A substância da declaração do Credo de Calcedônia é


resumida pelo Breve catecismo de Westminster (perguntas 21 e 22):
O único Redentor
dos eleitos de
Deus é o Senhor
Jesus Cristo que,
sendo o eterno
Filho de Deus, fez-
se homem, e
assim foi e
continua sendo
Deus e homem em
duas naturezas
distintas e uma só
pessoa, para
sempre. Cristo, o
Filho de Deus, fez-
se homem
tomando um
verdadeiro corpo e
uma alma racional,
sendo concebido
pelo poder do
Espírito Santo no
ventre da virgem
Maria, e nascido
dela, mas sem
pecado.

Tanto o Concílio de Calcedônia como o Breve catecismo de


Westminster afirmam que Jesus Cristo é o Deus-homem. É uma
Pessoa com duas naturezas distintas. É totalmente Deus e
totalmente homem; todavia, não há fusão das naturezas. As duas
naturezas devem ser distinguidas, mas nunca separadas. Primeiro
estudaremos as duas naturezas. Depois vamos considerar a
unidade da Pessoa.

A Natureza Divina
Em toda a história da Igreja, tem havido aqueles que negam
a divindade de Cristo. No segundo século, os ebionistas,
provavelmente um desdobramento do movimento judaizante que
Paulo denuncia em sua carta aos Gálatas, sustentavam que Jesus
era o filho natural de José e Maria, afirmando, assim, sua natureza
humana. Mas negavam que Jesus fosse divino. Por sua vez, no
quarto século, os arianos também rejeitaram a eternidade de Jesus
como o Logos. Distorcendo passagens tais como Provérbios 8.22,
Romanos 8.29 e Colossenses 1.15, Ário alegava que Jesus foi
gerado e, portanto, devia ter tido um começo. Ário dizia que Cristo
era a maior de todas as criaturas de Deus, tinha sido criado antes
do restante da criação e tinha uma natureza divina similar à de
Deus, mas não era o mesmo que Deus. O arianismo foi condenado
como herético no Concílio de Nicéia (325 d.C.). As Testemunhas de
Jeová de hoje são uma forma moderna de arianismo. No século
dezenove, homens como Ernest Renan e David Strauss foram
decisivos em iniciar o movimento que veio a ser conhecido como “a
busca do Jesus histórico”. Negando que os evangelhos nos dão um
relato exato dos verdadeiros ensinos de Jesus Cristo, esses
estudiosos pensavam ser necessário ir além do texto da Escritura,
um texto cheio de mitos e folclore, e encontrar o Jesus histórico.
Gradativamente, o “Jesus real” foi sendo descrito e afinal
considerado um bom professor de princípios espirituais, mas
certamente não a Segunda Pessoa da Trindade.
Interessante, foi ao liberal Albert Schweitzer que coube
desestruturar esse movimento, quando escreveu seu The Quest of
the Historical Jesus [A busca do Jesus histórico].[29] Schweitzer
demonstrou que o Jesus histórico, como formulado por aqueles
estudiosos, era simplesmente um produto de suas pressuposições
modernistas. Uma pessoa não pode separar racionalmente o Jesus
histórico do Jesus dos Evangelhos.
Outros estudiosos do século XX, tais como Rudolf Bultmann
e seu Jesus desmitologizado,[30] e os autores do livro The Myth of
God Incarnate [O mito do Deus encarnado],[31] têm continuado essa
investida contra a natureza divina de Jesus Cristo. Depois, há
também aqueles na escola da alta crítica que formaram o que é
conhecido como o Jesus Seminar.[32] O propósito dessa aliança era
ressuscitar a busca pelo Jesus histórico. O resultado dos
descobrimentos envolvidos nesse movimento foi publicado em The
Five Gospels: The Search for the Authentic Words of Jesus [Os
cinco Evangelhos: a busca pelas palavras autênticas de Jesus].[33] A
conclusão do Jesus Seminar é que Jesus Cristo não é uma
divindade eterna. [34]
B. B. Warfield avalia corretamente a suma do pensamento
liberal em sua busca para encontrar o Jesus histórico: “É o Jesus
des-supernaturalizado — o Jesus mitológico —, o qual nunca
existiu; a postulação da existência de quem não explica nada e
deixa todo o desenvolvimento histórico suspenso no ar”.[35]
Em concordância com Warfield, e contrária às negações da
deidade de Cristo, a Confissão de fé de Westminster (8:2) ensina a
visão bíblica de que Jesus Cristo é “o Filho de Deus, a Segunda
Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma
substância do Pai e igual a ele”. A Bíblia está repleta de passagens
que apoiam essa posição. Já vimos que os títulos cristológicos
“Cristo”, “Senhor”, “Filho do Homem”, “Filho de Davi”, “Palavra de
Deus”, “Deus” e “Filho de Deus”, juntamente com os “EU SOU”
encontrados no Evangelho de João — todos esses — afirmam a
natureza divina de Cristo.
A preexistência da Segunda Pessoa da Trindade é
claramente ensinada em passagens tais como João 1.1 (“No
princípio era o Verbo”), João 3.13 (“Ora, ninguém subiu ao céu,
senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que
está no céu”), e João 3.31 (“Aquele [Cristo] que vem de cima é
sobre todos”, ARC). João, o Batista sustentou que, embora ele
[João Batista] tivesse nascido antes de Jesus, todavia, Cristo, como
a Segunda Pessoa da Trindade, “já existia antes de mim” (João
1.15,30). E somos informados de que, como divindade preexistente,
Cristo é tanto Criador (João 1.3; Colossenses 1.16; Hebreus 1.2)
como Sustentador providencial (Colossenses 1.17; Hebreus 1.3) do
universo.
No Antigo Testamento, há várias passagens que falam sobre
o “Anjo do Senhor”, onde está claro que o Anjo é uma manifestação
do próprio Deus. Ele tanto se identifica com Deus quanto também
exerce prerrogativas divinas (Gênesis 16.7-13; 18.1-21; 19.1-21;
22.11-18; Êxodo 3.2; Juízes 2.1-4; 6.11-22; 2 Samuel 24.16).
Todavia, ao mesmo tempo, o Anjo é distinguido do Senhor (Gênesis
48.15,16; Êxodo 23.20-23; Zacarias 1.12,13). O que temos aqui é
uma “Cristofania”, uma manifestação da Segunda Pessoa pré-
encarnada da Trindade. Como Reymond afirma: “O registro bíblico
sugere que o Anjo, como uma Pessoa divina, era incriado”.[36]
Da mesma forma, Isaías 9.6 e Miquéias 5.2 profetizam sobre
a vinda do Messias, o qual, dizem, é “eterno”. A profecia de Isaías é
especialmente forte, visto afirmar que o Messias vindouro é “Deus
Forte”. O Novo Testamento revela que essas duas profecias do
Antigo Testamento foram cumpridas em Cristo, afirmando assim sua
divindade (Lucas 2.11; João 3.16; Efésios 2.14; Tito 2.13; Mateus
2.1-12).
Várias outras profecias do Antigo Testamento revelam a
natureza divina do Messias vindouro. O Salmo 2 ensina sobre a
vinda de um Filho entronizado, que é igual ao Pai. Hebreus 1.5, Atos
4.25,26 e 13.33 nos ensinam que esse Filho é Jesus Cristo. O
Salmo 45 fala sobre um Rei e Noivo divino. Hebreus 1.8,9 nos
revela que esse é Cristo. O Salmo 102 refere-se às atividades
criativas do Deus eterno. Hebreus 1.10-12 nos diz que isso se refere
a Jesus Cristo. O Salmo 110 nos ensina sobre um Sacerdote e Rei
que é Senhor. Mateus 22.41-45, Hebreus 1.3,13 e 5.6,10 nos dizem
que esse é Cristo. E em Malaquias 3,4 somos informados sobre a
vinda do Mensageiro divino do pacto. Marcos 1.2 nos diz que esse
também é a Segunda Pessoa da Deidade, Jesus Cristo.
A natureza divina de Jesus Cristo é revelada de várias outras
formas. Como temos visto, ele é o Criador (João 1.1; Colossenses
1.16; Hebreus 1.2) e Sustentador providencial (Colossenses 1.17;
Hebreus 1.3) do universo. Ele perdoa pecados (Marcos 2.1-12). Tem
poder e autoridade universal (Mateus 28.18; Efésios 1.22).
Ressuscita mortos (João 11.38-44). Tem poder e autoridade para
conceder vida eterna (Mateus 11.25-27; João 5.26; 6.63). Ele é o
propósito da adoração (Mateus 28.16; João 20.28; Atos 7.59). Jesus
realizou milagres “quais nenhum outro fez” (João 15.24) — milagres
que “manifestaram sua glória [isto é, sua divindade]” (João 2.11), e
deu autoridade a outros para também realizarem milagres (Mateus
10.1-8). Todas essas revelações do poder e da autoridade de Cristo
falam da sua natureza divina.
O Novo Testamento também ensina que Jesus Cristo possui
atributos divinos. Demonstrou sua onipotência e soberania ao criar e
(continuamente) sustentar o universo (Colossenses 1.16,17), ao
silenciar uma tempestade no mar (Marcos 4.35-41), ao andar sobre
a água (Mateus 14.22-33), ao transformar água em vinho (João 2.1-
11) e ao ressuscitar Lázaro dentre os mortos (João 11.38-44). Jesus
ensinou que é eterno, nas declarações “EU SOU” estudadas acima,
e isso ainda é confirmado em Hebreus 1.10-12. Demonstrou sua
onisciência ao conhecer os pensamentos das pessoas (Marcos 2.8;
João 1.48; 2.25), ao saber “desde o princípio, quais eram os que
não criam e quem o havia de trair” (João 6.64), ao proclamar que
tinha um conhecimento igual ao de Deus, o Pai (Mateus 11.25-27), e
ao reconhecer a afirmação de seus discípulos de que “[tu] sabes
todas as coisas” (João 16.30; 21.17). Jesus demonstrou sua
onipresença ao afirmar que estaria sempre com a sua igreja
(Mateus 18.20; 28.20). E a imutabilidade de Deus, o Filho, é
ensinada em Hebreus 13.8: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje,
e eternamente” (ARC).
Finalmente, aprendemos no Evangelho de João que Jesus
Cristo, que é a Palavra de Deus encarnada (1.1,14), é “um”[37] em
essência com o Pai (10.30); recebe a mesma honra que o Pai
(5.23); deve-se confiar e crer nele assim como se deve confiar e crer
no Pai (14.1); Jesus manifesta o nome de Deus em sua pessoa
(17.6), revela a obra de Deus em sua obra (17.4), e revela as
palavras de Deus em suas palavras (12.44-50; 17.8). De acordo
com a Escritura, Jesus é plenamente divino.

A Natureza Humana
Assim como na história da Igreja sempre houve aqueles que
negaram a divindade genuína de Jesus Cristo, assim também
sempre houve aqueles que negaram sua humanidade genuína,
obviamente negando, assim, não somente sua encarnação, mas
também sua crucificação, sua ressurreição corporal e sua ascensão.
No primeiro século emergiu uma forma de gnosticismo conhecida
como docetismo (do verbo grego dokeo, “parecer” ou “aparentar”).
Essa visão sustentava que seria mau para Deus tomar sobre si uma
natureza humana, pois o mundo físico é em si mesmo pecaminoso.
Assim, apenas “parece ou aparenta” que Cristo tinha um corpo
físico. O apóstolo João fala contra o docetismo em 1 João 4.1-6.
Então, no quarto século, Apolinário, um tricotomista,[38]
ensinou que Cristo tinha um corpo humano e uma alma humana,
mas seu espírito humano tinha sido substituído pelo Logos divino.
Isto, certamente, faz de Cristo menos que humano. Esta visão foi
condenada no Concílio de Constantinopla (381 d.C.).
Não obstante esses falsos ensinos, a Confissão (8:2) declara
que a Segunda Pessoa da Trindade “quando chegou o cumprimento
do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas
propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem
pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da
Virgem Maria e da substância dela”.
A natureza humana de Jesus Cristo é manifesta de várias
formas no Novo Testamento. Mateus (1.18-25) e Lucas (1.26-38)
nos informam, nas palavras da Confissão, que “quando chegou o
cumprimento do tempo”, Cristo foi “concebido pelo poder do Espírito
Santo no ventre da Virgem Maria e da substância dela”. Isso, de
acordo com Mateus 1.23, foi o cumprimento de Isaías 7.14: “Eis que
a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel”.
Não é que o Filho de Deus tenha se tornado um homem no sentido
de abrir mão da sua divindade. Antes, como a Confissão diz, a
Segunda Pessoa “tomou sobre si a natureza humana com todas as
suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem
pecado” (veja João 1.14; Hebreus 4.15).
Jesus chama a si mesmo de homem, em João 8.40, e é
chamado de homem em inúmeras circunstâncias (Marcos 14.71;
Lucas 23.4; João 4.29; 5.12; 10.33; 1 Timóteo 2.5). O autor de
Hebreus é muito claro quando escreve que “visto, pois, que os filhos
têm participação comum de carne e sangue, destes também ele
[Cristo], igualmente, participou… Por isso mesmo, convinha que, em
todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos” (2.14,17).
Além do mais, a ascendência humana de Jesus é traçada tanto em
Mateus 1.1-17 (até Abraão) como em Lucas 3.23-37 (até Adão).
Então, em Mateus 26.26,38 e Lucas 23.46, lemos que Jesus Cristo
tinha uma alma humana. Assim, aprendemos a partir desses
versículos, como o Breve catecismo (pergunta 22) ensina, que
“Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro
corpo, e uma alma racional”.
E em Lucas 2.52, lemos que Jesus Cristo passou por um
período de desenvolvimento humano, no qual “crescia em
sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens”. A Bíblia
nos ensina que Jesus tinha necessidades humanas, tais como
comida (Mateus 4.2), bebida (João 4.7) e sono (Marcos 4.38).
Somos informados também de que Jesus “aprendeu a obediência
pelas coisas que sofreu” (Hebreus 5.8). Ele se cansava (João 4.6) e
tinha sangue humano em suas veias (João 19.34; Hebreus 2.14).
Em Tiago 1.13 aprendemos que Deus não pode ser tentado. Porém,
Mateus 4.1-11 e Hebreus 2.17,18, nos dizem que Jesus foi tentado.
Obviamente, então, essa tentação tinha a ver com sua natureza
humana, e não com sua natureza divina. Também, a Escritura
ensina que Deus é onisciente (Atos 15.18; 1 João 3.20), mas em
Marcos 13.32 lemos que o Filho não sabia o tempo do segundo
advento — uma referência óbvia à sua humanidade. A Bíblia
também ensina que Deus é o doador da lei (Isaías 33.22; Tiago
4.12) e, portanto, está acima da lei: “No céu está o nosso Deus e
tudo faz como lhe agrada” (Salmo 115.3; 135.6). Mas Cristo como
um ser humano, foi “nascido sob [sujeito] a lei” (Gálatas 4.4). Então
também sabemos que Deus, sendo imutável, não se emociona.
Como a Confissão declara: Ele é “sem corpo, membros ou paixões”.
Todavia, Jesus, como ser humano, se emocionava. Por exemplo, ele
expressou irritação ou indignação (Marcos 10.14), se entristeceu
(Marcos 3.5), ficou perplexo, angustiado, perturbado (Marcos 14.34;
João 12.27), e expressou surpresa ou admiração (Marcos 6.6;
Lucas 7.9).
Outras evidências da humanidade genuína de Jesus são
vistas no fato de que ele “cuspiu na terra, e, com a saliva, fez lodo”
(João 9.6). Chorou a morte de Lázaro (João 11.35). Teve uma coroa
de espinhos “posta na sua cabeça” e deram-lhe [os líderes judeus]
“bofetadas” (João 19.2-3). E enquanto Jesus estava sobre a cruz,
“um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu
sangue e água” (João 19.34). Finalmente, Jesus morreu (Marcos
15.44-46). Porém, mesmo após a ressurreição, Jesus revelou suas
feridas a seus discípulos (João 20.20,27). Em várias ocasiões
comeu com eles (Lucas 24.28-43; João 21.9-14). E mostrou, a seus
discípulos, suas mãos e pés, encorajando-os da seguinte forma:
“Apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem
ossos, como vedes que eu tenho” (Lucas 24.39). Então, como um
ser humano, Cristo ascendeu à destra do Pai (Marcos 16.19; Atos
1.9-11).
É importante observar aqui: mesmo após sua ascensão,
Jesus Cristo permanece tanto Deus como homem. Como o
Catecismo maior (pergunta 36) ensina: “O Senhor Jesus Cristo, que,
sendo o eterno Filho de Deus, da mesma substância e igual ao Pai,
no cumprimento do tempo fez-se homem, e assim foi e continua
sendo Deus e homem em duas naturezas perfeitas e distintas e uma
só pessoa para sempre”. Isso é confirmado por Paulo: “Pois nele
[Cristo] habita continuamente[39] toda a plenitude da Divindade
corporalmente”. E em Filipenses 3.20,21, o apóstolo ensina que
Cristo está agora mesmo à destra do Pai na forma corpórea, e na
sua segunda vinda “transformará o nosso corpo de humilhação,
para ser igual ao corpo da sua glória”. Então, também, após a
ascensão de Jesus, Estevão “fitou os olhos no céu e viu… o Filho
do Homem, em pé à destra de Deus” (Atos 7.55,56). E o apóstolo
João, tendo visto o Cristo ascendido como “o Filho do homem”,
vestido em suas vestimentas sacerdotais, “caiu a seus pés como
morto” (Apocalipse 1.12-17).
Isso de forma alguma implica em que a natureza humana de
Jesus é uma parte da Trindade. Não é! Sua humanidade é tanto
uma parte da criação de Deus quanto o é o restante da
humanidade. O que é único sobre o homem Jesus é que ele não
tinha pecado. Essa verdade é testemunhada com frequência no
Novo Testamento. Jesus nasceu da virgem Maria, tendo sido
concebido pelo Espírito Santo, evitando, assim, a natureza corrupta
que ele teria de outra forma herdado através da semente de Adão
(Lucas 1.35). E durante toda a sua vida Jesus permaneceu “santo,
inculpável, sem mácula, separado dos pecadores” (Hebreus 7.26).
Ele era o cordeiro de Deus, “sem defeito e sem mácula” (1 Pedro
1.19). Embora tenha sido “tentado em todas as coisas, à nossa
semelhança, todavia [permaneceu] sem pecado (Hebreus 4.15). E
quando sofreu em favor dos seus eleitos, Jesus “não cometeu
pecado, nem dolo algum se achou em sua boca” (1 Pedro 2.21,22).
Por conseguinte, Deus o Pai, “àquele [Cristo] que não conheceu
pecado, o fez pecado por nós [os eleitos]; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21).
Além do mais, a Bíblia ensina que para ser o Salvador da sua
Igreja, era essencial que Jesus Cristo fosse tanto Deus como
homem. O Catecismo maior (perguntas 38-40) explica:
Era necessário
que o Mediador
fosse Deus, para
poder sustentar a
natureza humana
e guardá-la de cair
sob a ira infinita de
Deus e o poder da
morte; para dar
valor e eficácia a
seus sofrimentos,
obediência e
intercessão; e para
satisfazer a justiça
de Deus,
conseguir seu
favor, adquirir um
povo peculiar, dar
a esse povo o seu
Espírito, vencer
todos os seus
inimigos e
conduzi-lo à
salvação eterna.
Era necessário
que o Mediador
fosse homem,
para poder
identificar-se com
a nossa natureza e
obedecer à lei,
sofrer e interceder
por nós em nossa
natureza, e
solidarizar-se
conosco em
nossas
enfermidades;
para que
recebêssemos a
adoção de filhos, e
tivéssemos
conforto e acesso
com confiança ao
trono da graça.

Era necessário
que o Mediador,
que havia de
reconciliar o
homem com Deus,
fosse Deus e
homem e isso em
uma só pessoa,
para que as obras
próprias de cada
natureza fossem
aceitas por Deus a
nosso favor e que
confiássemos
nelas como as
obras da pessoa
inteira.
A Unidade da Pessoa
Como temos visto, durante toda a história da Igreja tem
havido sempre os que negam a divindade de Cristo e os que negam
sua humanidade. Também sempre houve e há os que negam a
visão bíblica da união das duas naturezas. Em vez de apenas
distinguir entre as duas naturezas de Cristo, o nestorianismo,[40] do
quinto século, dividiu Cristo em duas pessoas distintas. O
nestorianismo foi condenado no Concílio de Éfeso (431). Por outro
lado, os eutiquianos, do quinto século, afirmaram que após a
encarnação havia somente uma natureza em Cristo. Essa natureza
não era nem completamente humana, nem completamente divina.
Antes, a união teria produzido uma tertium quid — mistura das duas
naturezas numa terceira natureza. Essa visão, também conhecida
como monofisitismo (“uma natureza”), foi condenada no Concílio de
Calcedônia (451 d.C.).
A visão bíblica da unidade da Pessoa de Cristo é ensinada na
Confissão de Westminster (8:2), que declara de Cristo que “as duas
naturezas, inteiras, perfeitas e distintas — a divindade e a
humanidade — foram inseparavelmente unidas em uma só Pessoa,
sem conversão, composição ou confusão; essa Pessoa é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador
entre Deus e o homem”.
Os teólogos chamam a união das naturezas divina e humana
de Jesus Cristo numa única Pessoa, de união hipostática. Na
encarnação, como ensinado pela Confissão, o eterno Filho de Deus
tomou sobre si uma verdadeira natureza humana. Desde então,
Jesus Cristo é, e sempre será, uma Pessoa (isto é, um Deus-
homem), com duas naturezas autoconscientes: uma divina e uma
humana.
Aqui, porém, é onde a dificuldade se levanta. A declaração do
Credo de Calcedônia, citado acima, juntamente com muito do
“cristianismo” popular, tem uma visão diferente. Essa visão sustenta
que a partir do tempo da encarnação, a Segunda Pessoa da
Divindade é uma Pessoa divina com duas naturezas: uma divina e
uma humana. Louis Berkhof, defensor dessa visão, explica: “Há
apenas uma Pessoa no Mediador, e essa Pessoa é o imutável Filho
de Deus. Na encarnação ele não se transformou numa pessoa
humana; simplesmente assumiu uma natureza humana, a qual não
se desenvolveu numa personalidade humana, mas tornou-se
pessoa na Pessoa do Filho. A Pessoa única divina, que possuía
uma natureza divina desde a eternidade, assumiu uma natureza
humana e agora tem duas”.[41] Augustus Strong está de acordo com
Berkhof: conclui que a Pessoa única divina assumiu uma natureza
humana impessoal. Em outras palavras, não se uniu com uma
pessoa humana, mas com uma natureza humana “sem
personalidade”.[42]
Sob esse ponto de vista, a Pessoa única não é o Deus-
homem, mas a Segunda Pessoa da Divindade. A dificuldade, então,
é: se Jesus Cristo tem duas naturezas completas — uma
plenamente divina e outra plenamente humana — e todavia, é uma
Pessoa divina indivisa, como essa Pessoa pode ser genuinamente
humana?
Isto é, se como ensinado em Hebreus 2.17 e afirmado pela
declaração do Credo de Calcedônia, Jesus Cristo é “em todas as
coisas semelhante a nós”, como ele não é uma pessoa humana? Se
como Calcedônia apropriadamente afirma, Jesus Cristo tomou sobre
si uma natureza humana, de forma que, “segundo a humanidade”,
ele é “em todas as coisas semelhante a nós”, então ele tinha um
corpo humano e uma alma humana. Não é ele então uma pessoa
humana? Afinal, a Bíblia repetidamente afirma que Jesus Cristo não
é apenas uma natureza humana; ele é “o homem Cristo Jesus” (1
Timóteo 2.5).
Além do mais, se a Pessoa autoconsciente do Deus-homem
é a Segunda Pessoa da Trindade, como a maioria do “cristianismo”
popular afirma, então a natureza humana não seria autoconsciente.
Todavia, em Lucas 2.52 lemos que Jesus crescia, não somente em
“estatura” (isto é, fisicamente), mas também “em sabedoria”
(mentalmente), mostrando assim que a natureza humana (pois a
natureza divina, sendo onisciente, não pode crescer) de Jesus tinha
uma consciência. Mas se o Deus-homem tinha duas consciências,
então ele é duas pessoas: divina e humana.[43]
Essa foi a questão com que Nestório lutou. E como Thomas
Morris apontou, outros pensadores cristãos primitivos, tais como
Gregório de Nissa (aprox. 330-395 d.C.), Gregório de Nazianzeno
(329-389 d.C.), e Cirilo de Alexandria (falecido em 444 d.C.),
também viram esse problema. Não foram tão longe quanto os
nestorianos ao ponto de afirmar que Cristo tivesse duas pessoas
separadas. Mas sustentaram o que Morris chama de “a visão das
duas mentes de Cristo”.[44] É irracional, diziam esses estudiosos,
sustentar que o Deus-homem tinha somente uma autoconsciência
divina. Se fosse o caso, ele não poderia ser plenamente homem.
A resposta para esse problema tem sido abismal.
Tristemente, um modo típico de aliviar a dificuldade tem sido a
abordagem kierkegardiana: coloque-a no mundo do paradoxo
lógico. Outra solução é descartar o ensino bíblico de que Deus não
é suscetível a paixões e sugerir que a Segunda Pessoa da
Divindade realmente sofreu sobre a cruz.
Essas, certamente, não são soluções reais de forma
nenhuma. No último livro que publicou, The Incarnation,[45] Gordon
Clark tentou decifrar esse enigma. De acordo com o Dr. Clark, “o
erro fatal” nessa questão é a ausência de definições. Como o Credo
de Calcedônia, e como os outros, definem “pessoa”? Como
“natureza” é definida? Aqui reside a dificuldade.[46] Aparentemente,
quando os teólogos primitivos formularam a doutrina da encarnação,
os termos usados foram de certa forma ambíguos. Mas devemos
nos guardar contra qualquer alegada solução que não forneça a
humanidade plena de Jesus Cristo. E falar da humanidade de Cristo
como uma natureza humana impessoal (se é que existe tal coisa),
que se torna pessoal na encarnação, não resolve o problema. Além
do mais, se a natureza se torna pessoal na Pessoa do Filho, então
ela é uma pessoa humana.
O Dr. Clark faz algumas perguntas muito relevantes: “Se
Jesus não era uma pessoa humana, quem ou o quê sofreu na cruz?
A Segunda Pessoa [da Trindade] não poderia ter sofrido, pois a
divindade não é suscetível a paixões… Se então a Segunda Pessoa
não podia sofrer, poderia uma natureza [humana impessoal]
sofrer?”.[47]
O Dr. Clark continua: “Pelo contrário, somente… uma pessoa
pode sofrer”. Além do mais, pondera, visto que a Bíblia nos ensina
que Cristo possuía uma consciência humana, mente e coração, e
vontade, como ele pode não ser uma pessoa?”. A salvação dos
eleitos é realizada “pela alegada morte de uma natureza [humana]
impessoal?”. Não, diz Clark, “aquele que morreu sobre a cruz foi um
homem, ele tinha ou era uma alma, ele era um ser humano, uma
Pessoa”.[48]
John Murray, defensor da visão de Calcedônia, viu, todavia,
as dificuldades com as “definições”:
Talvez ao termo
“Pessoa” possa
ser dada uma
conotação em
nosso contexto
moderno, e
“Pessoa” ser
aplicado à
natureza humana
de Cristo, sem
com isso chocar-
se contra a
unidade de sua
Pessoa divino-
humana. Em
outras palavras, o
termo “natureza”
pode ser muito
abstrato para
expressar tudo o
que pertence à
sua humanidade e
o termo “Pessoa” é
necessário para
expressar a
humanidade que é
verdadeira e
apropriadamente
sua.[49]

Este autor está de acordo com Clark e Murray quanto a esse


ponto. Se vamos manter a linguagem clássica nesse assunto (isto é,
Pessoa e natureza), parece melhor dizer com a Confissão de
Westminster (8:2) que Jesus possui “duas naturezas, inteiras,
perfeitas e distintas — a divindade e a humanidade”, isto é, que ele
é totalmente Deus e totalmente homem. E que na encarnação essas
duas naturezas “foram inseparavelmente unidas em uma só Pessoa,
sem conversão, composição ou confusão; essa Pessoa é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador
entre Deus e o homem”. Então, há um Senhor Jesus Cristo, um
Deus-homem (isto é, a Pessoa única), que possui duas naturezas
distintas e inseparáveis, ambas devendo ser consideradas
“pessoais”, visto que Jesus Cristo é completamente divino e
completamente humano. Não há nada impessoal sobre a natureza
divina ou humana. De outra forma, Jesus Cristo não poderia ser
completamente Deus, nem completamente homem. Quando à sua
humanidade, Cristo tinha uma mente ou alma humana, e um corpo
humano. Ele é “o homem Cristo Jesus” (1 Timóteo 2.5).
Também é importante salientar que no tempo da encarnação,
a natureza divina de Jesus Cristo, sendo imutável, não poderia e
não passou por nenhuma mudança. Jesus Cristo não colocou de
lado nenhum dos atributos divinos quando tomou sobre si uma
natureza humana. De fato, não poderia ter feito isso e ainda
permanecer divino. Como Wayne Grudem afirma, “nenhum mestre
reconhecido nos primeiros 1800 anos de história da Igreja… [creu]
que o Filho de Deus [na encarnação] abandonou alguns dos seus
atributos divinos”.[50]
No século dezenove, contudo, teólogos modernistas
desenvolveram o que é conhecido como “teologia kenótica”, do
verbo grego kenoo (“esvaziar”) que Paulo usa em Filipenses 2.7,
onde escreve que Jesus Cristo “esvaziou-se a si mesmo”. A teoria é
que na encarnação, Jesus Cristo “esvaziou-se” ou desvestiu-se
(pelo menos de alguns) dos seus atributos divinos. Uma das razões
pelas quais os modernistas promovem essa teoria é que, se puder
ser mostrado que Cristo pôs de lado sua onisciência, então será
fácil explicar por que errou quando ensinou que a Bíblia era a
Palavra de Deus infalível e inerrante.
Porém, não é o que Paulo ensina. Como Robert Reymond[51]
argumentou de modo convincente, o que o apóstolo diz é que Cristo
“esvaziou-se” após ter tomado sobre si “a forma de um servo”
(Filipenses 2.7),[52] indo à cruz (v. 8). A ação de Jesus referida em
“tendo tomado a forma de um servo” antecede seu esvaziar-se na
sua obra redentora na cruz. Então, a Segunda Pessoa da Deidade
não pôs de lado nenhum atributo divino no tempo da encarnação.
Como observado, tal coisa seria impossível, pois Jesus teria
cessado de ser Deus. Antes, na encarnação, Cristo acrescentou
algo: uma natureza humana.
Ou dito de outra forma, durante seu ministério terreno, o Filho
de Deus nunca cessou de ser plenamente divino. Continuou a
exercer todos os seus atributos divinos. Sendo imutável, não
poderia fazer diferente. Como João Calvino escreve:
De fato, o Filho de
Deus desceu
admiravelmente do
céu, ainda que não
tenha deixado o
céu; quis
admiravelmente
ser gestado no
ventre da Virgem,
viver na terra e
pender na cruz,
ainda que sempre
tenha provido o
mundo, como
desde o início.[53]
A Comunicação dos Atributos
Um dos efeitos da união hipostática é a “comunicação dos
atributos” (communicatio idiomatum). Isso significa que tudo o que
pode ser atribuído à natureza divina ou humana de Cristo, é
atribuído também à Pessoa de Cristo. Tudo o que é verdadeiro
sobre a natureza é verdadeiro sobre a Pessoa. Como declarado
pela Confissão (8:7):
Na obra da
mediação, Cristo
age de
conformidade com
suas duas
naturezas, fazendo
cada natureza o
que lhe é próprio:
contudo, em razão
da unidade da
pessoa, o que é
próprio de uma
natureza é, às
vezes, na
Escritura, atribuído
à pessoa
denominada pela
outra natureza.

Por exemplo, a Bíblia fala de Jesus Cristo, o Deus-homem,


dormindo num barco (Marcos 4.38), enquanto a Escritura nos diz
que Deus “não dormita, nem dorme” (Salmo 121.4). Da mesma
forma, Atos 20.28 refere-se ao sangue de Deus, que foi derramado
sobre a cruz. Mas Deus, que é puro espírito (João 4.24), não tem
sangue (Lucas 24.39). Em cada um desses casos, o que se
menciona é a humanidade de Cristo, mas o que se diz sobre ele, é
atribuído à Pessoa (isto é, ao Deus-homem).
Essa visão Reformada da comunicação dos atributos é
substancialmente diferente da visão sustentada pela Igreja
Luterana. De acordo com o luteranismo, por causa da encarnação,
embora a natureza divina não seja limitada pela natureza humana,
todavia, alguns dos atributos divinos são comunicados à
humanidade de Cristo. Dessa forma, Jesus Cristo pode de algum
modo estar fisicamente presente na ceia do Senhor “no, com, e sob”
o pão e vinho. Sua natureza humana, nesse sentido, é ubíqua. O
perigo dessa visão deveria ser óbvio. Um humano ubíquo é uma
contradição. A doutrina luterana virtualmente deifica a natureza
humana de Cristo e implicitamente nega sua humanidade genuína.
OS ESTADOS DE CRISTO
Quando estudam o assunto da Pessoa de Cristo, é comum
os teólogos reformados falarem dos “estados de Cristo”. Isso tem a
ver com a relação do Mediador com a lei de Deus. Cristo, a
Segunda Pessoa da Deidade, como o doador da lei (Isaías 33.22;
Tiago 4.12), não está sob a lei. Isto é, ele mesmo não é sujeito à lei.
Como deidade eterna, ele “tudo faz como lhe agrada” (Salmo 115.3;
135.6). Mas na encarnação, a Segunda Pessoa da Trindade tomou
sobre si uma natureza humana e ficou sob a lei (Gálatas 4.4). Isto é,
durante o tempo de sua humilhação, Cristo foi um servo sob a lei.
Em seu estado de exaltação, contudo, esse não é o caso. Ele não
está mais obrigado a obedecer à lei. Essa doutrina é bem expressa
no Breve catecismo de Westminster (perguntas 27-28):
A humilhação de
Cristo consistiu em
nascer, e isso
numa condição
humilde, sujeito à
lei; em sofrer as
misérias desta
vida, a ira de Deus
e a amaldiçoada
morte na cruz; em
ser sepultado e
permanecer sob o
poder da morte,
durante certo
tempo.

A exaltação de
Cristo consiste em
ele ressurgir dos
mortos no terceiro
dia; em subir ao
Céu e estar
sentado à direita
de Deus Pai, e em
vir para julgar o
mundo no último
dia.

O Estado de Humilhação
O estado de humilhação de Jesus começou na encarnação
(sua concepção e nascimento). Ele assumiu uma natureza humana
“em semelhança de carne pecaminosa” (Romanos 8.3). Nesse
momento, tornou-se um servo sob a lei (Gálatas 4.4), lei que
cumpriu perfeitamente durante seu ministério terreno (Mateus 5.17;
Romanos 5.19). Jesus Cristo sofreu durante toda a sua vida sobre a
terra. Experimentou assaltos de Satanás (Mateus 4.1-11), e o ódio
de seus próximos (João 8.30-59; 11.45-54). Então, Jesus também
experimentou os sofrimentos ordinários da humanidade: cansou-se
(João 4.6), sentiu fome (Mateus 4.2), teve sede (João 19.19-28), e
foi abandonado (Mateus 26.56). Jesus era “homem de dores e que
sabe o que é padecer” (Isaías 53.3). Durante esse tempo, Jesus
“aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hebreus 5.8),
fazendo-se assim um Salvador compassivo (Hebreus 2.18; 4.15).
Certamente, o sofrimento de Jesus alcançou seu zênite sobre a
cruz. Em sua morte, Jesus tornou-se pecado para os eleitos (2
Coríntios 5.21), sofrendo a maldição da lei no lugar deles (Gálatas
3.13). Como ensina o Catecismo maior (pergunta 49):

Cristo humilhou-se
na sua morte
porque, tendo sido
traído por Judas,
abandonado por
seus discípulos,
escarnecido e
rejeitado pelo
mundo,
condenado por
[Pôncio] Pilatos e
atormentado por
seus
perseguidores,
tendo também
lutado com os
terrores da morte e
os poderes das
trevas, sentido e
suportado o peso
da ira de Deus,
deu sua vida como
oferta pelo
pecado, sofrendo
a penosa,
vergonhosa e
maldita morte da
cruz.

O estágio final do estado de humilhação de Cristo foi seu


sepultamento. O sofrimento foi completo na cruz (João 19.30),
porém, Cristo tinha ainda de completar o conjunto morte-
sepultamento de acordo com as profecias do Antigo Testamento
(Isaías 53.9; Salmo 16.10, compare Atos 2.27-31; 13.34,35). Diz o
Catecismo maior (pergunta 50): “A humilhação de Cristo depois de
sua morte consistiu em ser ele sepultado, em continuar no estado
dos mortos e sob o poder da morte até ao terceiro dia; o que, aliás,
tem-se exprimido nestas palavras: Ele desceu ao inferno (Hades)”.
[54]

O Estado de Exaltação
A primeira fase do estado de exaltação de Cristo foi a
ressurreição, como declara o Catecismo maior (pergunta 52): “Cristo
foi exaltado na sua ressurreição, não tendo visto corrupção na morte
(pela qual não era possível que fosse retido), e tendo o mesmo
corpo em que sofrera, com suas propriedades essenciais (sem a
mortalidade e outras enfermidades comuns a esta vida), realmente
unido à sua alma, ressurgiu dentre os mortos ao terceiro dia”. Nesse
ponto, Jesus Cristo foi “declarado Filho de Deus em poder”
(Romanos 1.4, ARC).
Na ressurreição, o Pai vindicou plenamente seu Filho (Atos
17.31), como “Senhor tanto de mortos como de vivos” (Romanos
14.9), e Cabeça da igreja (Efésios 1.20-23). A vitória de Cristo foi
proclamada a todo o mundo. Morte e pecado tinham sido derrotados
(2 Timóteo 1.10; Hebreus 2.14). A justiça divina tinha sido satisfeita
(Romanos 8.34). Além disso, o corpo ressurreto de Cristo não mais
estava sujeito à fraqueza, sofrimento e morte (Romanos 6.9,10; 1
Coríntios 15.42-44; Filipenses 3.20,21). À parte da ressurreição de
Cristo, a esperança cristã é vã (1 Coríntios 15.12-19). Sua
ressurreição é uma parte central da mensagem do Evangelho (1
Coríntios 15.3,4). Ela garante a ressurreição final de todos os eleitos
(1 Coríntios 15.20-23).
É importante ressaltar que a ressurreição de Cristo teve mais
que um simples significado pessoal. Ela é cósmica em seu escopo.
Em 1 Coríntios 15.20-58, Paulo argumenta que a ressurreição de
Jesus é, num sentido muito real, a contraparte da criação. Richard
Gaffin explica:
A ressurreição de
Cristo é o início da
nova e final ordem
do mundo, uma
ordem descrita
como espiritual e
celestial. Ela é a
aurora da nova
criação, o começo
da era
escatológica. Em
termos da
estrutura
conceitual com a
qual Paulo vê o
todo da história,
ela é o início da
era por vir.[55]

A segunda fase do estado de exaltação de Cristo é sua


ascensão. Quarenta dias após a ressurreição, Jesus foi “elevado”
até o Pai (Lucas 24.50-53; Atos 1.1-11). Ali ele tomou seu lugar por
direito, à destra de Deus (Atos 2.29-36; Efésios 1.20-22; Hebreus
1.3). Teólogos referem-se a isso como “a sessão”. À destra do Pai,
Cristo intercede em favor dos santos em seu ministério sacerdotal
perpétuo (Romanos 8.34; Hebreus 7.25). Do seu trono celestial,
Jesus Cristo governa o universo como Rei dos reis e Senhor dos
senhores (Apocalipse 1.5; 19.16; Atos 2.29-36; Efésios 1.19-23).
Reymond conclui:
Em suma, para o
Filho, como o
Messias divino-
humano, a
ascensão significa
a elevação das
prerrogativas de
investidura
messiânica a uma
escala universal,
direitos que já
eram seus por ser
Deus, o Filho, mas
que ele “ganhou”
ou com os quais
foi
“recompensado”,
como o Filho
encarnado, por
cumprir as
obrigações
pertencentes ao
estado de
humilhação
intrínseco à
investidura
messiânica.[56]

A fase final do estado de exaltação de Cristo ocorrerá na


segunda vinda. De acordo com o Catecismo maior (pergunta 56):

Cristo há de ser
exaltado na sua
vinda para julgar o
mundo, em que,
tendo sido
injustamente
julgado e
condenado pelos
homens maus, virá
segunda vez no
último dia, com
grande poder e na
plena
manifestação da
sua glória e da
glória do seu Pai,
com todos os seus
santos e anjos,
com brado, com
voz de arcanjo e
com a trombeta de
Deus, para julgar o
mundo em retidão.
Capítulo Três: A Obra de Cristo

Voltamos nossa atenção agora para a obra de Cristo. O que


ele faz? Qual é sua função? Para entender com propriedade a obra
de Jesus Cristo, o Mediador, é importante que primeiro
consideremos a distinção bíblica entre a Trindade ontológica e a
Trindade econômica.
A TRINDADE
A Confissão de fé de Westminster (2:3) resume a doutrina
bíblica da Trindade da seguinte forma: “Na unidade da Divindade há
três pessoas de uma mesma substância [essência], poder, e
eternidade — Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O
Pai não é de ninguém — não é nem gerado, nem procedente; o
Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente
procedente do Pai e do Filho”.
Nessa declaração temos os três principais ensinos com
respeito à Trindade ontológica: (1) há um Deus vivo e verdadeiro
que existe eternamente em três Pessoas; (2) todas as três Pessoas
são igualmente divinas; (3) cada uma das três Pessoas tem
propriedades distintas.
O cristianismo é tanto monoteísta como trinitariano. Como
ensina o Breve catecismo (pergunta 5), o monoteísmo é a doutrina
de que “há só um Deus, o Deus vivo e verdadeiro”. Em
Deuteronômio 6.4 lemos: “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o
único SENHOR”.
Há uma unidade dentro da Deidade: unicidade; mas há
também uma pluralidade: trindade. O que não significa que Deus
seja um e três no mesmo sentido; o que seria contraditório. Deus é
um num sentido: essência; e três em outro sentido: Pessoas. Isso é
exclusivo do cristianismo. O judaísmo e o islamismo são ambos
monoteístas, mas nenhum deles é trinitariano. Na doutrina cristã, a
unicidade de Deus e a trindade de Deus são ambas verdadeiras e
essenciais ao cristianismo. Como o Breve catecismo (pergunta 6)
declara: “Há três pessoas na Divindade: o Pai, o Filho e o Espírito
Santo”.
E cada Pessoa, como diz o Catecismo (pergunta 6), é cem
por cento divina: “e essas três são um Deus, da mesma substância
[essência], iguais em poder e glória”. Isto é, cada membro da
Trindade, ontologicamente falando, “é espírito, infinito, eterno e
imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e
verdade” (pergunta 4).[57]
Então, cada Pessoa da Divindade é plenamente divina.
Porém, cada Pessoa tem propriedades que a distinguem das outras
Pessoas. As diferenças entre as três não são diferenças em
essência; são distinções dentro da Trindade. Somente o Pai pode
dizer “Eu sou o Pai”; somente o Filho pode dizer “Eu sou o Filho”; e
somente o Espírito Santo pode dizer “Eu sou o Espírito Santo”.
Referindo-se aos outros membros da Trindade, o Pai pode dizer “Ele
é o Filho e ele é o Espírito”, mas não, “Eu sou o Filho” ou “Eu sou o
Espírito”. Da mesma forma, o Filho pode dizer “Ele é o Pai e ele é o
Espírito”, mas não, “Eu sou o Pai” ou “Eu sou o Espírito”. E o
Espírito Santo pode dizer “Ele é o Pai e ele é o Filho”, mas não pode
dizer “Eu sou o Pai” ou “Eu sou o Filho”.
Simplificando, o que distingue os três membros da Divindade
é a paternidade eterna do Pai, a filiação eterna do Filho, e a
processão eterna do Espírito. Como observado acima, a Assembleia
de Westminster fala das propriedades distintas dentro da Trindade,
da seguinte forma: “O Pai não é de ninguém — nem gerado, nem
procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é
eternamente procedente do Pai e do Filho”.
A história da Igreja testemunhou duas heresias principais
com respeito à doutrina bíblica da Trindade: modalismo (ou
sabelianismo[58]) e subordinacionismo. O modalismo ensina que
Deus é um em essência e um em Pessoa. Não há três Pessoas na
Divindade, mas apenas três maneiras de se referir à mesma e única
Pessoa. Algumas vezes a Bíblia chama essa Pessoa de Pai (e.g.,
quando fala da criação), algumas vezes a chama de Filho (e.g.,
quando fala da redenção) e algumas vezes a chama de Espírito
Santo (e.g., quando fala de regeneração e santificação). O Filho e o
Espírito são chamados “modos” de Deus; daí, o nome modalismo.
No modalismo, a unidade de Deus é assegurada, mas à custa da tri-
unidade divina das Pessoas.
O subordinacionismo ensina que há um Deus: o Pai. O Filho
e o Espírito são divindades menores, se é que divindades. O Filho e
o Espírito, dizem os subordinacionistas, não são seres eternos;
assim, são subordinados ao Pai. O unitarianismo moderno, o
mormonismo, os Testemunhas de Jeová, e as teologias
relacionadas com esses movimentos desenvolveram-se a partir do
subordinacionismo ensinado nos primeiros anos do cristianismo.
Não é o mesmo que dizer que a doutrina bíblica da Trindade
não reconhece uma ordem de economia, ou administração, dentro
da Divindade. Aqui há uma forma de subordinacionismo. Essa
subordinação não é na essência dos membros da Trindade, mas na
função ou papel que cada membro tem. Isso é descrito como
Trindade econômica.[59]
Há passagens bíblicas que declaram que o Pai enviou o Filho
ao mundo para realizar sua obra redentora (Marcos 9.37; João
17.3). E há passagens que ensinam que o Pai e o Filho enviam o
Espírito (João 14.26; 15.26; 16.7). Da mesma forma, Jesus disse: “O
Pai é maior do que eu” (João 14.28). Mas esses versículos não
ensinam um subordinacionismo dentro da Trindade ontológica; isto
é, eles não dizem nada com respeito à natureza divina dos
membros da Divindade. Antes, esses versículos ensinam que dentro
da Trindade (econômica), cada membro tem funções a realizar na
história redentora.
Na obra de redenção, por exemplo, o Pai é o que elege
(Efésios 1.3,4; 1 Pedro 1.2), o Filho é o que se encarna e realiza a
redenção do eleito (João 1.1,14; Efésios 1.7; 1 Pedro 1.2), e o
Espírito é aquele que aplica a redenção, regenerando o eleito (João
3.3-8; Tito 3.5,6), e progressivamente o santifica (2 Coríntios
3.17,18; 2 Tessalonicenses 2.13).
A Confissão de fé de Westminster (8:1,5,8) declara isso da
seguinte forma:
Aprouve a Deus [o
Pai] em seu eterno
propósito, escolher
e ordenar o
Senhor Jesus, seu
Filho Unigênito,
para ser o
Mediador entre
Deus e o
homem… e deu-
lhe desde toda a
eternidade um
povo para ser sua
semente e para,
no tempo devido,
ser por ele remido,
chamado,
justificado,
santificado e
glorificado.

O Senhor Jesus,
por sua perfeita
obediência e pelo
sacrifício de si
mesmo, sacrifício
que pelo Eterno
Espírito, ofereceu
a Deus uma só
vez, satisfez
plenamente a
justiça do Pai; e
para todos os que
o Pai lhe deu,
adquiriu não só a
reconciliação,
como também
uma herança
perdurável no
Reino dos Céus.

Cristo, com toda a


certeza e
eficazmente,
aplica e comunica
a salvação a todos
aqueles para os
quais ele a
adquiriu:
intercedendo por
eles; e revelando-
lhes, na Palavra e
pela Palavra, os
mistérios da
salvação;
persuadindo-os
eficazmente, por
seu Espírito, a crer
e a obedecer; e
dirigindo seus
corações, por sua
Palavra e Espírito;
vencendo todos os
seus inimigos, por
seu onipotente
poder e sabedoria,
da maneira e pelos
meios mais
conformes à sua
admirável e
inescrutável
dispensação.
Nesse sentido, e só nesse sentido, Deus o Pai é maior que o
Filho, e o Filho e o Pai são maiores que o Espírito; não em sua
essência, mas em sua ordem ou economia administrativa.
Como estudado acima, quando a Confissão de Westminster
(2:3) afirma que “o Pai não é de ninguém — não é nem gerado, nem
procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é
eternamente procedente do Pai e do Filho”, tal afirmação refere-se
ao relacionamento eterno entre os membros da Trindade. Isto é,
como o Pai sempre foi o Pai, assim também o Filho sempre foi o
Filho, e o Espírito sempre foi o Espírito Santo.
Contudo, tristemente há outro modo como os teólogos têm
utilizado a terminologia que encontramos na Confissão, um modo
formulado no Credo Niceno (325 d.C.), no Credo de Constantinopla
(381 d.C.) e no Sínodo de Toledo (589 d.C.). O Credo Niceno, por
exemplo, diz que o Filho foi eternamente gerado “da essência do
Pai”.[60]
Na melhor das hipóteses, essa linguagem é implicitamente
subordinacionista, e João Calvino a contestou fortemente,
declarando ser uma “tolice” a doutrina da “geração eterna” do Filho.
Como a Segunda Pessoa da Divindade, Cristo é autotheos (“Deus
mesmo”).[61] Loraine Boettner também falou contra o
subordinacionismo implícito na doutrina da “geração eternal” do
Filho:

Preferimos dizer…
que dentro da vida
essencial da
Trindade nenhuma
pessoa é anterior
a, nem gerada por,
nem procede de
outra, e que tal
prioridade e
subordinação,
como encontramos
reveladas nas
obras da criação,
redenção e
santificação,
relacionam-se, não
à Trindade
imanente
[ontológica], mas à
Trindade
econômica.[62]

Simplificando, o conceito de Trindade econômica tem a ver


com as obras do Deus Triúno fora de si mesmo (ad extra), enquanto
o conceito da Trindade ontológica tem a ver com as obras internas
(ad intra). Somente dentro da Trindade econômica é admissível falar
dos papéis subordinados do Filho ao Pai, e do Espírito ao Pai e ao
Filho. Um entendimento correto dessa distinção é extremamente
necessário no estudo da cristologia, particularmente com respeito à
obra de Cristo. Tal entendimento permitirá também que vejamos o
óbvio subordinacionismo ensinado em algumas seitas (e.g.,
Testemunhas de Jeová, Mórmons).
A OBEDIÊNCIA ATIVA E PASSIVA DE CRISTO
Se fôssemos resumir, numa palavra, a obra de Cristo, essa
palavra seria “obediência”. Toda a sua vida foi uma vida de
obediência. Paulo diz que “pela obediência de um só homem
[Cristo], muitos [os eleitos] se tornarão justos” (Romanos 5.19); e
que Cristo “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à
morte e morte de cruz”. O autor de Hebreus afirma que “embora
sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (5.8).
Nas palavras de Calvino:
Logo, quando se
pergunta como
Cristo, abolido o
pecado, removeu
a divergência entre
nós e Deus e
adquiriu a justiça
que o faz favorável
e benévolo
conosco, pode-se
responder, de
modo geral, que
afiançasse isso
para nós por todo
o curso de sua
obediência.[63]

Com frequência os teólogos distinguem entre a obediência


“ativa” ou “preceptiva” de Jesus Cristo, e sua obediência “passiva”
ou “penal”. A obediência ativa tem a ver com a vida perfeitamente
justa de Cristo; a obediência passiva, por outro lado, diz respeito a
seu sofrimento.
Em sua obediência ativa (ou preceptiva), o Senhor Jesus
Cristo viveu uma vida de perfeita obediência a toda a lei de Deus
(Mateus 5.17; Hebreus 4.15; 7.26), a fim de obter a justiça para os
eleitos (Romanos 5.19; 1 Coríntios 1.30; Filipenses 3.9). Assim
como o primeiro Adão quebrou o pacto das obras no Jardim do
Éden, colocando toda a humanidade sob a maldição do pecado
(Gênesis 3; Romanos 5.12-19), o segundo e último Adão, Jesus
Cristo (1 Coríntios 15.45,47), veio para cumprir esse pacto em favor
dos eleitos (Romanos 5.19). A obediência ativa de Cristo era
necessária, para que sua justiça pudesse ser imputada legalmente
aos eleitos (2 Coríntios 5.21).
A obediência passiva de Cristo em sua obra redentora na
cruz, à parte da obediência ativa, não seria suficiente. Não é de
apenas uma neutralidade moral que uma pessoa precisa da parte
de Cristo (em que seus pecados são perdoados), mas também de
uma justiça moral positiva. Isto é, Cristo fez mais que morrer pelos
eleitos; também tornou-se a justiça dos eleitos. Por isso, Paulo
escreve que seu objetivo era “ser achado nele [Cristo], não tendo
justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em
Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Filipenses
3.9). Então, lemos em 1 Coríntios 1.30 que “Cristo Jesus… se…
tornou… [nossa] justiça”.
Em sua obra de obediência passiva (ou penal), o Senhor
Jesus Cristo, por imputação legal, suportou os pecados dos eleitos.
Cristo “mesmo”, escreve Pedro, “carregou em seu corpo, sobre o
madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os
pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados”
(1 Pedro 2.24).
Não devemos pensar que o sofrimento de Cristo sobre a cruz
foi a totalidade do seu sofrimento em favor do seu povo. Na
realidade, a inteireza da sua vida terrena foi sofrimento em favor
desse povo. Em João 1.29 aprendemos que Jesus Cristo é o
“Cordeiro de Deus, que continuamente tira[64] o pecado do mundo”
(versão do autor). A obediência passiva de Cristo é resumida no
Breve catecismo (pergunta 27) da seguinte forma: “A humilhação de
Cristo consistiu em ele nascer, e isso em condição humilde, feito
sujeito à lei; em sofrer as misérias desta vida, a ira de Deus e
amaldiçoada morte na cruz”.[65]
Então, é devido tanto à obediência ativa quanto à passiva,
que a dupla imputação ocorre na obra da cruz de Cristo. Sua justiça
é legalmente imputada aos eleitos, e os pecados destes lhe são
legalmente imputados. Paulo ensina isso, com clareza, em 2
Coríntios 5.21: “Aquele que não conheceu pecado, ele [Deus o Pai]
o [Cristo] fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça
de Deus”.
OS TRÊS OFÍCIOS DE CRISTO

Robert Reymond afirma sucinta e corretamente:


Como o Fiador dos
eleitos no plano
eterno de
salvação, e no
cumprimento das
promessas
pactuais de Deus
(Lucas 1.54,55,68-
73; Romanos
15.8,9; Gálatas
3.8,9,13,14), e
como Mediador do
pacto da graça e o
único Redentor
dos eleitos de
Deus, o Senhor
Jesus Cristo
realizou sua obra
salvadora em favor
deles em seu
ofício triplo de
Profeta
(Deuteronômio
18.15; Lucas 4.18-
21; 13.33; Atos
3.22), Sacerdote
(Salmo 110.4;
Hebreus 3.1;
4.14,15; 5.5,6;
6.20; 7.26; 8.1) e
Rei (Isaías 9.6,7;
Salmos 2.6; 45.6;
110.1,2; Lucas
1.33; João
18.36,37; Hebreus
1.8; 2 Pedro 1.11;
Apocalipse 19.16).
[66]

Como Reymond sugere, os teólogos reformados geralmente


estudam a obra de Cristo sob seu triplo ofício de Profeta, Sacerdote
e Rei. Como visto anteriormente, o título “Cristo” (Christos) do Novo
Testamento, que é equivalente ao título “Messias” (Mashiach) do
Antigo Testamento, significa “ungido”. No Antigo Testamento, os
profetas (1 Reis 19.16; Salmo 105.15; Isaías 61.1), sacerdotes
(Êxodo 29.7; Salmo 133.2), e reis (1 Samuel 10.1; 16.13), eram
ungidos para cumprir seus chamados dados por Deus. Assim
também, em seu batismo (Mateus 3.16,17), Jesus Cristo foi ungido
(Lucas 4.17-21; Hebreus 1.9), para realizar o chamado do seu triplo
ofício. Para citar o Breve catecismo (perguntas 23-26):
Como nosso
Redentor, Cristo
exerce as funções
de Profeta,
Sacerdote e Rei,
tanto em seu
estado de
humilhação como
no de exaltação.

Cristo exerce as
funções de
Profeta, revelando-
nos, por sua
Palavra e Espírito,
a vontade de Deus
para a nossa
salvação.

Cristo exerce as
funções de
Sacerdote,
oferecendo-se a si
mesmo uma vez
em sacrifício para
satisfazer a justiça
divina e
reconciliar-nos
com Deus; e
fazendo contínua
intercessão por
nós.

Cristo exerce as
funções de Rei,
sujeitando-nos a
si, governando-nos
e protegendo-nos,
contendo e
subjugando todos
os seus inimigos e
os nossos.

O Ofício de Profeta

A Bíblia nos ensina que Deus se revelou à humanidade tanto


na revelação geral como na especial. A primeira, dada inatamente a
todos os homens como homens, é proposicional e inerradicável. É
suficiente para revelar algo de Deus a todos os homens, deixando-
os sem escusa por sua ignorância, incredulidade e rebelião contra
Deus (Romanos 1.18-21; 2.14,15). Todavia, como a Confissão de
Westminster (1:1) ensina com propriedade, a revelação geral é
insuficiente para “dar aquele conhecimento de Deus e da sua
vontade necessário para a salvação… isso torna indispensável a
Escritura Sagrada”. Sem a revelação especial, isto é, as
proposições da Palavra de Deus, o homem pecador é incapaz de
chegar ao conhecimento correto e salvífico de Deus. A necessidade
da revelação especial reside na insuficiência da revelação geral.
Jesus Cristo, o Logos divino, em seu papel de Profeta, nos dá
os 66 livros da Escritura. A Segunda Pessoa da Trindade, como o
Anjo do Senhor, foi o que revelou a lei para Israel no Monte Sinai
(Atos 7.38). Pedro nos informa que na era do Antigo Testamento, foi
também Cristo, por meio do seu Espírito, quem falou através dos
profetas (1 Pedro 1.10-12; 3.18-20). E como somos informados por
Lucas, todo o Antigo Testamento aponta para Cristo (Lucas 24.44).
A função dos profetas do Antigo Testamento era tanto
“predizer” (Isaías 2.2-4; 7.14; 9.6,7), como “anunciar” (Amós 1-2) a
Palavra de Deus. Representavam ou falavam por Deus ao povo. O
Antigo Testamento também predisse a vinda de um Profeta, o
Messias, que seria a revelação suprema e final de Deus ao homem
(Deuteronômio 18.15). E o Novo Testamento nos assegura que essa
profecia foi cumprida com a vinda de Jesus Cristo (Atos 3.22-26;
Hebreus 1.1,2). Ele é o “poderoso em obras e palavras, diante de
Deus e de todo o povo” (Lucas 24.19). Ele é o Logos eterno que
veio para fazer o Pai conhecido (João 1.1,14,18).
Durante seu ministério terreno, como Profeta, “ele [Cristo]
percorria as aldeias circunvizinhas, a ensinar” (Marcos 6.6). “Vamos
a outros lugares, às povoações vizinhas”, disse Cristo a seus
discípulos, “a fim de que eu pregue também ali, pois para isso é que
vim” (Marcos 1.38). E quando ensinava ao povo, “ele ensinava como
quem tem autoridade e não como os escribas” (Marcos 1.22). Como
Profeta, Cristo reivindica falar com a autoridade plena do seu Pai
(João 8.26-29; 12.49,50). Ele também predisse eventos futuros
(Mateus 24-25; Lucas 19.41-44; 21).
Após sua ascensão, Jesus continua seu ministério profético
por meio do seu Espírito, a quem enviou (João 14.26; 16.13). Essa
obra começou primeiramente nos dias dos apóstolos, que foram
chamados por Cristo (Mateus 10.1-4; Atos 1.1,2) e inspirados pelo
Espírito de Cristo (2 Pedro 1.20,21), para completar a escrituração
da Palavra inerrante e infalível de Cristo (2 Timóteo 3.16,17). E
como declarado na Confissão (1:6), é apenas nos 66 livros do
Antigo e do Novo Testamento que Cristo nos deu “todo o conselho
de Deus, concernente a todas as coisas necessárias para a glória
dele e para a salvação, fé e vida do homem”. “As Escrituras
Sagradas, Antigo e Novo Testamento”, diz o Catecismo maior
(pergunta 3), “são a Palavra de Deus, a única regra de fé e prática”.
Além disso, a obra profética, pós-apostólica, de Cristo
continua agora na igreja por meio dos ministros do evangelho que
fielmente pregam a Palavra de Cristo (Mateus 28.18-20). Como
ensinado na Confissão (25:3):
A essa Igreja
universal visível,
Cristo deu o
ministério, os
oráculos e as
ordenanças de
Deus, para reunião
e aperfeiçoamento
dos santos, nesta
vida, até o fim do
mundo; e por sua
própria presença e
por seu Espírito,
os torna eficazes
para isso, segundo
sua promessa.

O ministério profético de Cristo tem a ver também com a


aplicação e a comunicação da salvação aos eleitos. Como
declarado pela Confissão (8:8), ele o cumpre, “revelando-lhes [aos
eleitos] na Palavra e pela Palavra os mistérios da salvação,
persuadindo-os eficazmente por seu Espírito a crer e obedecer,
dirigindo os corações dos eleitos por sua Palavra e por seu
onipotente poder e sabedoria”.
Por fim, a função profética de Cristo é evidente em seu papel
como Criador e Sustentador do universo. Ele é o Logos divino que
estava no princípio com o Pai (João 1.1,2). E “todas as coisas foram
feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez”
(v. 3). Como foram “feitas todas as coisas”? Pela palavra profética
de Cristo! Nas palavras do autor de Hebreus: “O universo formado
pela palavra de Deus” (11:3). Como observado, o Logos, contudo,
não é apenas o Criador do universo; é também seu Sustentador.
Cristo “sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder”
(Hebreus 1.3).

O Ofício de Sacerdote
Já vimos que no plano eterno de salvação, estabelecido por
Deus, o propósito da encarnação de Cristo era que Deus fosse
glorificado por meio da redenção dos eleitos.
Nas palavras do próprio Cristo, o Filho do Homem veio “para
dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10.45); ele veio
“buscar e salvar o perdido” (Lucas 19.10). Essa é a função
sacerdotal de Cristo.
Na administração do Antigo Pacto, os sacerdotes vinham da
linhagem de Levi, em particular através de Aarão (Números 3; 18;
Hebreus 7). Enquanto os profetas representavam Deus diante do
povo, os sacerdotes do Antigo Testamento representavam o povo
diante de Deus, principalmente oferecendo ofertas e sacrifícios a
Deus pelos pecados do povo (Hebreus 5.1). Dessa forma, o
sacerdócio aarônico funcionava como intercessor. Mas o Antigo
Testamento também predisse a vinda de um grande Sumo
Sacerdote, que seria, não da linhagem de Levi, mas da ordem de
Melquisedeque; e cujo sacerdócio seria eterno: “O SENHOR jurou e
não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a
ordem de Melquisedeque” (Salmo 110.4). Lemos no Novo
Testamento que isso foi cumprido na Pessoa de Jesus Cristo
(Hebreus 7), que era da tribo de Judá (7.14; Mateus 1.1-17).
O autor de Hebreus ensina que os sacrifícios de animais
eram insuficientes para a remoção do pecado: “Entretanto, nesses
sacrifícios faz-se recordação de pecados todos os anos, porque é
impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados”
(10.3,4). Antes, os muitos e repetidos sacrifícios (10.11),
funcionavam como uma “sombra dos bens vindouros” (10.1). Isto é,
apontavam para a vinda do Messias e seu “único sacrifício pelos
pecados, para sempre” (10.12). Como ensinado na Confissão (7:5),
sob a dispensação do Antigo Testamento, o pacto de Deus “foi
administrado por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão,
pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças… prefigurando,
tudo, Cristo que havia de vir”. O pecado poderia ser expiado
somente pela obra redentora de Cristo na cruz (Hebreus 9.26-28). É
devido somente à sua obra salvadora em favor dos eleitos que “de
nenhum modo me lembrarei [eu, Deus o Pai] dos seus pecados e
das suas iniquidades, para sempre” (Hebreus 10.17).
Uma das formas mais notáveis na qual a obra expiatória de
Cristo é descrita no Antigo Pacto é vista no Dia de Expiação de
Israel. Em Levítico 16, lemos que uma vez por ano o sumo
sacerdote entraria no Santo dos Santos para oferecer um sacrifício
em favor de toda a nação de Israel. Havia dois “bodes” envolvidos
nessa elaborada cerimônia. O sumo sacerdote oferecia o “bode do
sacrifício” pelos pecados do povo. Então colocava suas mãos sobre
o segundo bode (o “bode expiatório”), confessando os pecados da
nação e transferindo simbolicamente estes pecados para o segundo
bode. O “bode expiatório” era então levado para o deserto, para fora
do campo de Israel, significando que Deus não somente perdoava
os pecados do povo, mas também não se lembrava mais desses
pecados. A nação tinha “escapado” da penalidade do pecado.
É na obra redentora de Jesus Cristo na cruz que vemos o
cumprimento do Dia da Expiação. Cristo cumpriu o papel de ambos
os bodes. Sofreu sobre a cruz pelos pecados dos eleitos,
derramando seu sangue em favor deles (Hebreus 9.28). Porém, foi
crucificado fora do campo da cidade santa de Jerusalém (Hebreus
13.10-14), revelando, nisso, que por meio de sua obra sacerdotal os
pecados do povo de Deus seriam tanto perdoados quanto nunca
mais lembrados (Hebreus 8.12; 10.17). Tendo vivido uma vida sem
pecado em obediência à lei de Deus (Hebreus 4.15; 5.8), cumprindo
assim o pacto das obras pelos eleitos (Romanos 5.19), Cristo então
morreu uma morte expiatória em favor deles (Mateus 1.21; Efésios
5.25). A justiça divina foi satisfeita (Romanos 5.1; 8.1; Hebreus
9.28).
Em seu papel sacerdotal, Jesus Cristo, como o Cordeiro de
Deus imaculado, era tanto o sujeito como o objeto do sacrifício
perfeito. Como vimos, em sua obra expiatória na cruz, a dupla
imputação ocorreu: a justiça de Cristo foi imputada ao eleito, e os
pecados do eleito foram imputados a Cristo. Paulo escreve: “Aquele
que não conheceu pecado, ele [Deus o Pai] o fez pecado por nós
[os eleitos]; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2
Coríntios 5.21).[67]
A atividade sacerdotal de Cristo não cessou na cruz. Como o
Senhor ascendido, vitorioso, Cristo agora está sentado à destra do
Pai, onde continuamente intercede por sua igreja (Romanos 8.34;
Hebreus 7.25; 9.24). Como Cristo o faz? De acordo com o
Catecismo maior (pergunta 55):
Cristo faz sua
intercessão,
apresentando-se
em nossa natureza
continuamente
perante o Pai no
céu, pelo mérito da
sua obediência e
sacrifício
cumpridos na
terra, declarando
sua vontade de tê-
lo aplicado a todos
os crentes;
respondendo a
todas acusações
contra eles e
adquirindo-lhes
paz de
consciência, não
obstante as faltas
diárias, dando-lhes
acesso com
confiança ao trono
da graça e
aceitação deles e
de seu culto.

O fato de Jesus Cristo, como intercessor, estar agora à destra


do Pai, garante que as orações dos crentes genuínos serão ouvidas
e respondidas. Como Calvino escreve: o Cristo ascendido está
agora “realizando seu ofício como Sacerdote; pois cabe ao
sacerdote interceder pelo povo, para que possam obter o favor de
Deus. Isso é o que Cristo está fazendo”.[68]
Esta é a razão pela qual Cristo ordenou que seu povo orasse
em seu nome: “E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a
fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma
coisa em meu nome, eu o farei” (João 14.13,14). O que significa
orar em nome de Cristo? O Catecismo maior (pergunta 180)
responde:
Orar em nome de
Cristo é, em
obediência ao seu
mandamento e
confiança nas
suas promessas,
pedir a
misericórdia por
amor dele, não por
simples menção
de seu nome;
porém, derivando
de Cristo e sua
mediação, nosso
ânimo para orar,
nossa coragem,
força, e esperança
de sermos aceitos
em oração.

O Ofício de Rei
Em Roma, no lugar do Circus Maximus de Nero, onde muitos
cristãos foram torturados e assassinados, havia uma pedra obelisco,
na qual estavam esculpidas estas palavras: Christus Vincit, Christus
Regnat, Christus Imperat, que significa: “Cristo está conquistando,
Cristo está reinando, Cristo governa sobre todos” (Cristo Vence,
Cristo Reina, Cristo Impera).[69] Nisso Cristo é o Rei. Quando a
Bíblia fala do reinado de Cristo, ela o faz de duas formas. Primeiro:
como divindade eterna, Cristo sempre foi e sempre será Rei sobre o
seu universo criado (Salmos 10.16; 29.10; 47.2; 90.2). Ele é Rei por
direito divino. Paulo fala disso em Colossenses 1.15-17:
Este [Cristo] é a
imagem do Deus
invisível, o
primogênito de
toda a criação;
pois, nele, foram
criadas todas as
coisas, nos céus e
sobre a terra, as
visíveis e as
invisíveis, sejam
tronos, sejam
soberanias, quer
principados, quer
potestades. Tudo
foi criado por meio
dele e para ele.
Ele é antes de
todas as coisas.
Nele, tudo
subsiste.

Segundo, os escritos do Antigo Testamento predizem a vinda


de um monarca mediatário, redentor, espiritual em natureza (Salmos
2; 45; 72; 110; Isaías 2.2-4; 9.6,7; 11.1-12.6; 65.17-25; Daniel 2.31-
45; Miquéias 4.1-8). Esse reinado difere do reinado anterior, visto
ser conferido, ao Rei, um reinado mediatário e redentivo. No Novo
Testamento lemos que na plenitude dos tempos, Jesus Cristo veio
em cumprimento dessas profecias, como Mediador e Redentor, para
receber sua investidura messiânica (Mateus 28.18-20; João 1.49;
Efésios 1.10-12,20-23). Nesse reino, num sentido especial, Cristo
reina sobre a igreja. Em Colossenses 1.18-20 lemos:

Ele [Cristo] é a
cabeça do corpo,
da igreja. Ele é o
princípio, o
primogênito de
entre os mortos,
para em todas as
coisas ter a
primazia, porque
aprouve a Deus
que, nele,
residisse toda a
plenitude e que,
havendo feito a
paz pelo sangue
da sua cruz, por
meio dele,
reconciliasse
consigo mesmo
todas as coisas,
quer sobre a terra,
quer nos céus.

Como Rei da igreja (tanto do Antigo como do Novo


Testamento), Jesus chama os eleitos deste mundo para tornarem-se
membros da sua igreja (João 10.16,27), e por meio do seu Espírito,
ele reina neles (1 Coríntios 3.16; 6.19,20; 2 Coríntios 6.16). Como
Rei, Cristo dá, à sua igreja, oficiais (Efésios 4.11,12; 1 Coríntios
12.28), leis (Isaías 33.22; Tiago 4.12), e censuras (Mateus 18.15-20;
1 Coríntios 5.4,5), pelos quais ele os governa. Como Rei, Jesus
continuamente opera todas as coisas juntamente, para o bem dos
eleitos (Romanos 8.28). Cristo subjuga seus inimigos, guarda-os
contra a tentação, e exercita o cuidado divino sobre cada parte da
vida do seu povo (Isaías 32.1; 33.2; 66.12; Mateus 18.20; 28.20;
Romanos 8.35-39; 1 Coríntios 15.25).
Jesus, contudo, não reina apenas sobre os que o amam. Ele
também reina sobre os que estão em guerra contra ele (Salmo 2).
Nas palavras do salmista, Cristo governa “no meio dos teus
inimigos” (Salmo 110.2). O próprio Jesus afirma que “toda a
autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mateus 28.18). Portanto,
escreve Paulo, “todo joelho se dobrará… e toda língua confessará
que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Filipenses 2.9-
11). E estamos certos de que os que não se submetem assim ao
Senhorio de Cristo, pagarão a penalidade, quando Cristo retornar
“em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem
a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso
Senhor Jesus” (2 Tessalonicenses 1.8). Sendo assim, devemos
entender que, embora haja uma relação íntima entre o reino de
Deus e a igreja, os dois não são idênticos. Louis Berkhof declara
corretamente que “a cidadania do reino é coextensiva ao número de
membros da igreja invisível. Seu campo de operações, contudo, é
maior que o da igreja, desde que visa ao domínio sobre a vida em
todas as suas manifestações”.[70]
O “reino [mediatário] de Cristo e de Deus” (Efésios 5.5) tem
dois aspectos: o já e o ainda não. George Ladd explica:
O reino é uma
realidade presente
(Mateus 12.28); e,
todavia, é uma
benção futura (1
Coríntios 15.50). É
uma benção
redentora
espiritual interior
(Romanos 14.17),
que pode ser
experimentada
somente pelo novo
nascimento (João
3.3); e, todavia,
terá a ver com o
governo das
nações e do
mundo
(Apocalipse
11.15). O reino é
uma esfera na
qual os homens
entram agora
(Mateus 21.31); e,
todavia, é uma
esfera na qual
entrarão amanhã
(Mateus 8.11). É
ao mesmo tempo
um dom de Deus
que será
concedido por
Deus no futuro
(Lucas 12.32) e
que, todavia, deve
ser recebido no
presente (Marcos
10.15).[71]

Durante seu ministério terreno, o próprio Jesus Cristo instruiu


seus ouvintes com respeito aos aspectos “já” e “ainda não” do reino
mediatário. Em Mateus 13, por exemplo, ele ensina as parábolas do
reino: lemos que o reino de Deus (ou céu), o qual a partir de uma
perspectiva do Antigo Testamento era visto como uma unidade
indivisa, realmente se desenvolve em duas fases. O primeiro estágio
é um estágio de graça (vv. 1-23, 44-46); o segundo, de poder e
glória (vv. 30, 40-43, 47-50). E, diz Jesus, durante o tempo entre seu
primeiro e segundo adventos, o reino crescerá e prosperará (vv. 31-
33).
Em seu primeiro advento (que inclui sua vida perfeita, morte,
sepultamento e ressurreição), Jesus Cristo estabeleceu seu reino
redentivo e mediatário (Mateus 12.28; Marcos 1.15; Tito 2.11).
Nesse tempo, a história entra em seus últimos dias: “os últimos dias”
(Atos 2.16,17; Hebreus 1.1,2). O tempo da consumação das eras
começou (1 Coríntios 10.11; Hebreus 9.26). Esses dias finais
também são mencionados como “esta geração” (Lucas 16.8;
Gálatas 1.4), “este presente século” (1 Timóteo 6.17; Tito 2.12),
“este tempo presente” (Lucas 18.30), “este tempo” (Marcos 10.30),
“estes últimos tempos” (1 Pedro 1.20), e a “última hora” (1 João
2.18). Os santos do Antigo Testamento ansiavam pelo que os santos
do Novo Testamento testemunharam — a inauguração do reino de
Cristo (1 Pedro 1.10-12). Esta fase presente do reino de Cristo é
uma fase de graça (Tito 2.11; Hebreus 9.28).
Todavia, a Escritura também ensina que há uma segunda e
futura fase para este reino, que se manifestará no segundo advento
de Cristo (Mateus 25.31-46; Tito 2.13). Há ainda uma fase final,
chamada de “esta era” (Lucas 20.35), “o século futuro” (Marcos
10.30; Hebreus 6.5), “o último tempo” (1 Pedro 1.5), “o último dia”
(João 6.39,40,44,54), “a última trombeta” (1 Coríntios 15.52),
“consumação do século” (Mateus 13.49; 28.20), e o “mundo que há
de vir” (Hebreus 2.5). A segunda e final fase do reino de Cristo é
uma fase de glória (Tito 2.13; Hebreus 9.28b).
Durante a era presente, período interadvento, Cristo está à
destra de seu Pai, enquanto a igreja militante cumpre a grande
comissão de Mateus 28.18-20. O reino de Cristo está avançando, à
medida que seus inimigos são subjugados a seus pés, pela
pregação do Evangelho (Mateus 16.17-19; 1 Coríntios 15.20-25;
Hebreus 10.12,13).
Concluindo, J. L. Dagg resume belamente nosso estudo dos
ofícios de Jesus Cristo:
Os ofícios
desempenhados
por Cristo em
nosso favor são os
ofícios tidos na
mais alta
reputação entre os
homens. Profetas,
sacerdotes e reis
sempre têm sido
considerados
dignos de honra.
Deveríamos dar a
mais alta honra a
Cristo, que como
Profeta, é superior
a Moisés; como
Sacerdote,
superior a Aarão; e
como Rei, o
Senhor de Davi.
Esses ofícios,
como exercidos
por Cristo,
merecem nossa
honra, não
somente por causa
da excelência,
mas também por
causa da sua
adaptabilidade a
nós. Somos, por
natureza,
ignorantes,
culpados e
depravados. Como
ignorantes,
precisamos de
Cristo, o Profeta,
para nos ensinar;
como culpados,
precisamos de
Cristo, o
Sacerdote, para
fazer expiação por
nós; e como
depravados,
precisamos de
Cristo, o Rei, para
governar sobre
nós, e sujeitar
todas as nossas
paixões rebeldes.
[72]
A EXPIAÇÃO
Quando chegamos ao estudo da expiação, parte da obra
sacerdotal de Cristo, chegamos ao próprio cerne da mensagem da
Escritura. Há uma percepção muito real segundo a qual “alguém
poderia chamar os Evangelhos de narrativas da paixão com
introduções ampliadas”.[73] Isto é, que a expiação era o propósito da
encarnação. Como o próprio Cristo ensina, o Filho do Homem veio
“para dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10.45). Calvino
disse o mesmo desta forma: “E, por fim, em nenhum lugar a
Escritura assinala outro fim pelo qual o Filho de Deus tenha
desejado tomar a nossa carne, e também recebido tal mandato do
Pai, senão para que se fizesse uma vítima e aplacasse o Pai a
nosso respeito”.[74]
Por essa razão é que os inimigos de Cristo têm concentrado
seus ataques na expiação. Há várias teorias com respeito a essa
doutrina crucial. A visão bíblica, como ensinada pela Confissão de
Westminster (8:5), é algumas vezes chamada de “visão da
satisfação”, pois sustenta que o sacrifício vicário de Cristo satisfez
perfeitamente as justas demandas do Pai: “O Senhor Jesus, por sua
perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo, sacrifício que pelo
Eterno Espírito, ofereceu a Deus uma só vez, satisfez plenamente a
justiça do Pai”.
Antes de analisar a visão bíblica da expiação, caberá a nós
dar uma visão geral de algumas das teorias errôneas:[75]
A Teoria do Resgate para Satanás: Na igreja primitiva,
Orígenes (aprox. 185-254 d.C.), Gregório de Nissa (aprox. 335-394
d.C.) e outros defenderam que a morte de Cristo era um resgate, de
acordo com Marcos 10.45, mas um resgate pago a Satanás, e não a
Deus o Pai. Na barganha, Satanás tirou suas reivindicações de
sobre a humanidade caída, e aceitou Cristo como um resgate no
lugar deles. Contudo, Satanás descobriu que após a morte de
Cristo, o mesmo não poderia ser mantido cativo, e escaparia do
maligno na ressurreição. Então, Satanás ficou sem seus prisioneiros
originais e sem Cristo como seu prisioneiro. Essa visão foi popular
até os dias de Anselmo (1033-1109 d.C.).
A Teoria Sociana: Esta visão foi desenvolvida no século
dezesseis por Fausto e Lélio Socino, e é sustentada hoje pelos
unitarianos. Nessa teoria não há nenhum sacrifício vicário da parte
de Cristo, pois Deus não requer que o pecado seja punido assim.
Antes, a obra de Cristo na cruz deve ser vista como um exemplo de
amor e obediência genuína da parte dele. Em sua morte bem como
em sua vida, Cristo é o perfeito modelo. Esse exemplo deveria nos
inspirar a fazer o mesmo, isto é, sermos tão dedicados quanto
Cristo.
A Teoria da Influência Moral: Nesta visão, sustentada por
homens tais como Pedro Abelardo (1079-1142 d.C.) e Horace
Bushnell (1802-1876 d.C.), na morte de Cristo, não há nenhuma
ideia de pagamento sacrificial pelo pecado, pois esse pagamento
não é necessário. Antes, sendo uma demonstração perfeita do amor
de Deus, sua morte deveria conduzir os seres humanos ao
arrependimento, e amolecer seus corações para amar os outros.
A Teoria Mística: Esta visão, defendida por Friedrich
Schleiermacher (1768-1834 d.C.) e Edward Irving (1792-1834 d.C.),
alega, em efeito, que na encarnação de Jesus Cristo, a vida divina
entrou na vida da humanidade em geral, com o propósito de elevá-la
ao nível do divino. A mudança no homem, então, não é ética e
objetiva; antes, é uma mudança mística e subjetiva, através da qual
o homem mais e mais aprende a depender de Deus.
A Teoria da Morte de Deus: Esta visão, que também é
conhecida como “teologia radical”, floresceu na metade do século
XX. De uma forma ou de outra, ela tem tido diferentes defensores,
tais como Paul Tillich (1886-1965 d.C.) e Rudolf Bultmann (1884-
1976 d.C.). Quando falam da “morte de Deus”, esses teólogos não
querem dizer que Deus uma vez existiu e então de fato morreu. O
que normalmente se quer dizer com a “morte de Deus” é que ele
cessou de ter importância. Não é mais necessário. Por conseguinte,
na prática, Deus nunca foi necessário, nem realmente alguma vez
existiu. Contudo, outro pensador do século XX, Thomas J. J. Altizer,
ensina que Deus morreu na cruz na Pessoa de Cristo. No entanto, o
que Altizer quer dizer com isso é que Deus cessou de existir como
transcendente, e tornou-se apenas imanente, para o propósito de
elevar a humanidade.
A Teoria Governamental: Esta visão, como exposta
(originalmente) por Tiago Armínio (1560-1609 d.C.) e (mais
plenamente por) seu discípulo Hugo Grotius (1583-1645 d.C.),
afirma que Deus é o administrador do “governo” do universo. Deus
trata o pecado seriamente, e é perfeitamente justo ao punir o
pecado, pois a Queda do homem o desonrou. Mas Deus também é
capaz de afrouxar a lei bem como a penalidade devida ao pecado.
Isso foi o que ele fez na morte de Cristo. Essa expiação, contudo,
não paga a penalidade do pecado. Antes, é um exemplo
apresentado para honrar a lei de Deus, e tornar a salvação possível
para todos os homens. O que Cristo fez, ele fez por toda a
humanidade, não apenas pelos eleitos. Essa é a visão adotada
pelos arminianos consistentes.
Teoria da Satisfação, de Anselmo: Anselmo (1033-1109 d.C.),
Arcebispo da Cantuária, nos deu sua teoria da expiação em Cur
Deus Homo (“Por que Deus se fez homem?”). Como Gordon Clark
afirma, a explicação da expiação neste pequeno livro “foi um avanço
notável na teologia”.[76] Porém, Anselmo ainda fracassou. No
entanto, como crédito seu, registra-se que rejeitou a teoria do
resgate para Satanás e viu a necessidade da satisfação da justiça
divina na morte de Cristo. Deus tinha sido desonrado na Queda, e
sua honra precisava ser restaurada. E isso, diz Anselmo, precisava
ser feito, não por uma terceira parte, mas por alguém que era tanto
Deus como homem (sem pecado). A morte sacrificial de Cristo teve
valor infinito, e foi uma obra que fez mais do que era exigido. Assim,
mereceu uma recompensa de proporções infinitas. Mas visto que
Cristo não precisava dessa recompensa, ela poderia ser dada a
outros na forma de perdão de pecados e bênçãos eternas na
presença de Deus. Tristemente, contudo, a visão da Anselmo ainda
sustenta que Cristo fez o que fez por toda a humanidade. Assim,
nega-se a imputação imediata da obra de Cristo na cruz aos eleitos.
Então ainda, essa visão diz pouco sobre a necessidade da
obediência ativa de Cristo como um fator contribuinte na expiação.
O ensino bíblico sobre a expiação é resumido no capítulo 8
da Confissão de fé de Westminster:

Aprouve a Deus
em seu eterno
propósito, escolher
e ordenar o
Senhor Jesus, seu
Filho Unigênito,
para ser o
Mediador entre
Deus e o homem,
o Profeta,
Sacerdote e Rei, o
Cabeça e Salvador
de sua Igreja, o
Herdeiro de todas
as coisas e o Juiz
do Mundo; e deu-
lhe desde toda a
eternidade um
povo para ser…
remido… O
Senhor Jesus, por
sua perfeita
obediência e pelo
sacrifício de si
mesmo… satisfez
plenamente a
justiça do Pai, e
para todos aqueles
que o Pai lhe deu,
adquiriu não só a
reconciliação,
como também
uma herança
perdurável no
Reino dos Céus…
Cristo, com toda a
certeza e
eficazmente,
aplica e comunica
a salvação a todos
aqueles para os
quais ele a
adquiriu. Isso ele
consegue…
persuadindo-os
eficazmente, por
seu Espírito, a crer
e a obedecer.[77]

Segue-se uma sinopse dessa declaração sumária:


Primeiro, a expiação era absolutamente necessária. Alguns
teólogos, tais como Agostinho (354-430 d.C.) e Tomás de Aquino
(1225-1274 d.C.), ensinaram o que é conhecido como a visão da
“necessidade hipotética” da expiação. Essa teoria sustenta que
Deus poderia ter escolhido salvar seu povo eleito por algum outro
meio que não a morte vicária e sacrificial de seu Filho. Mas não é o
caso.
Há várias passagens bíblicas ensinando-nos que, em seu
eterno conselho, Deus determinou salvar seu povo eleito por meio
da obra expiatória de Cristo na cruz, tornando assim a expiação
absolutamente necessária. Isto é, a necessidade absoluta da
expiação de Cristo está baseada no eterno conselho (sabedoria e
vontade) de Deus.[78] Em Marcos 8.31, lemos que Jesus “começou
a ensinar-lhes [a seus discípulos] que era necessário [dei][79] que o
Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos
anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e
que, depois de três dias, ressuscitasse”. Em Lucas 24.26, por meio
de uma pergunta retórica, Jesus novamente ensina que sua morte
expiatória era absolutamente necessária: “Porventura, não era
necessário [dei] que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?”
(versão do autor). E o autor de Hebreus ensina a mesma coisa: “Era
necessário [ananke],[80] portanto, que as figuras das coisas que se
acham nos céus se purificassem com tais sacrifícios [de animais],
mas [era necessário que] as próprias coisas celestiais [fossem
purificadas], com sacrifícios [a morte sacrificial de Cristo] a eles
superiores” (9.23).
O muitíssimo familiar João 3.16 enfatiza fortemente que sem
a morte de Cristo não haveria nenhuma salvação possível para os
pecadores: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna”. O mesmo é verdade quanto a Romanos
8.31,32, onde o apóstolo Paulo argumenta a partir do “maior para o
menor”, que Deus não reterá o que é menor [dar aos eleitos “todas
as coisas”], se ele já deu o que é maior [seu Filho]: “Que diremos,
pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra
nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos
nós [os eleitos] o entregou, porventura, não nos dará graciosamente
com ele todas as coisas?”. O próprio pensamento de que Deus
“entregou” seu próprio Filho indica que não havia outra forma pela
qual os pecadores pudessem ser salvos.
O mesmo pode ser inferido também a partir da oração de
Jesus no Jardim do Getsêmani: “Meu Pai, se possível, passe de
mim este cálice [da cruz]! Todavia, não seja como eu quero, e sim
como tu queres” (Mateus 26.39). Porque Jesus sempre orou de
acordo com a vontade do Pai (João 11.41,42), parece que essa
oração evidencia não ser possível para Jesus evitar a morte na cruz.
Era absolutamente necessária.
Então, há a necessidade de um sacrifício de valor infinito, que
poderia ter sido feito somente por alguém que fosse tanto Deus
como homem: Jesus Cristo. Robert Reymond explica:
Todo pecado que
uma pessoa
comete carrega
um desvalor
infinito, isto é,
porque viola o
caráter santo do
Deus infinito, todo
pecado merece o
castigo infinito; e
nenhuma
compensação
dada pelo pecador
ao Legislador justo
do universo jamais
fará correto, à sua
vista [do
Legislador], um ato
de desobediência
a ele; nem num
milésimo grau.
Mas se todo
pecado é de
desvalor infinito,
então os meios de
retribuição desse
pecado, que a
natureza santa de
Deus demanda,
deve ser
necessariamente
de infinito valor,
fato esse que
exclui qualquer
oferta à santidade
ofendida de Deus
que não a obra
infinitamente
eficaz de Cristo no
Calvário.[81]

Por essas razões, a grande maioria dos teólogos reformados


defende o que é chamado de a “necessidade absoluta consequente”
da morte expiatória de Cristo. Nas palavras de John Murray:
A palavra
“consequente”,
nessa designação,
refere-se ao fato
de a vontade de
Deus ou o decreto
para salvar alguém
ser de livre e
soberana graça…
Os termos
“necessidade
absoluta”, porém,
indicam que Deus,
tendo elegido
alguns para a vida
eterna, segundo
seu livre
beneplácito,
sentiu-se na
obrigação [devido
a seu conselho
eterno — WGC] de
cumprir esse
propósito por meio
do sacrifício de
seu próprio Filho,
uma obrigação
que emanou das
perfeições da sua
própria natureza.
[82]

Segundo, a expiação foi um sacrifício vicário e penal. A Bíblia


ensina que a obra de Cristo na cruz foi sacrificial em sua natureza.
Em 1 Coríntios 5.7, lemos: “Porque Cristo, nossa páscoa, foi
sacrificado por nós” (ARC). Em Efésios 5.2, Paulo escreve que
Cristo “nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e
sacrifício a Deus, em aroma suave”. E o autor de Hebreus afirma
que Cristo veio “para aniquilar, pelo sacrifício de si mesmo, o
pecado” (9.26).
Porém, a expiação não foi apenas uma obra de sacrifício; foi
um sacrifício vicário ou substitutivo. Isso é ensinado nos dois
primeiros versículos citados no parágrafo anterior (1 Coríntios 5.7 e
Efésios 5.2), onde Paulo declara especificamente que o sacrifício de
Cristo foi “por nós”.[83] Cristo deu sua vida pela igreja eleita. Sofreu
de maneira vicária em seu favor. Isso também é visto em passagens
tais como Marcos 10.45, onde somos informados de que Cristo veio
“para dar a sua vida em resgate por [anti] muitos”; e 2 Coríntios
5.21, onde lemos que Cristo foi feito “pecado por [huper] nós [os
eleitos]”.
E terceiro, a expiação não apenas foi um sacrifício vicário,
porém, um sacrifício no qual Cristo pagou uma penalidade; um
sacrifício penal. Cristo não era uma terceira parte na expiação.
Como Deus, ele era a parte ofendida. E visto que Deus não está sob
a lei (Isaías 33.22; Tiago 4.12), e visto que é imutável (Malaquias
3.6), somente como homem Cristo poderia cumprir a lei (em sua
obediência ativa) pelos eleitos, e sofrer o peso da penalidade devida
a seu povo.
Cristo, então, sofreu a penalidade devida aos eleitos, por
seus pecados. Diz Paulo: “Àquele [Cristo] que não conheceu
pecado, [ele, Deus o Pai] o fez pecado por nós [para suportar nossa
penalidade]; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2
Coríntios 5.21); e novamente: “Cristo nos [os eleitos] resgatou da
maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição [ele suportou a
penalidade] em nosso lugar” (Gálatas 3.13).
Terceiro, a expiação foi um sacrifício feito de uma vez por
todas. O Pentateuco está repleto de passagens que informam: sob a
administração do Antigo Testamento, os sacrifícios eram
continuamente oferecidos a Deus. Em contraste, porém, o sacrifício
de Cristo foi uma ocorrência “de uma vez por todas”. O autor de
Hebreus afirma: “E assim todo sacerdote [do Antigo Testamento]
aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os
mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar pecados; mas este
[Cristo], havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está
assentado para sempre à destra de Deus” (10.11,12). Então, em
Romanos 6.9,10; Hebreus 7.27; 9.12,28; 10.10; e 1 Pedro 3.18,
aprendemos a mesma coisa. Nesses versículos, o grupo de
palavras gregas hapax, ephapax (“uma vez”) fala da natureza
irrepetível do sacrifício de Cristo; é uma expiação “de uma vez por
todas”.
Quarto, a expiação é uma obra de reconciliação (Romanos
5.10,11; 2 Coríntios 5.17-21; Efésios 2.14-17). Em Romanos 5.10,11
lemos:
Porque, se nós,
quando inimigos,
fomos
reconciliados com
Deus mediante a
morte do seu
Filho, muito mais,
estando já
reconciliados,
seremos salvos
pela sua vida; não
apenas isto, mas
também nos
gloriamos em
Deus por nosso
Senhor Jesus
Cristo, por
intermédio de
quem recebemos,
agora, a
reconciliação.

A reconciliação pressupõe tanto a alienação divina quanto a


humana. Isto é, tanto Deus quanto o homem estavam alienados um
do outro. A alienação de Deus, certamente, é uma alienação santa e
justificável, devido ao pecado do homem contra ele. A alienação do
homem, por outro lado, é ímpia e injustificável. Quando diz respeito
à reconciliação, então, a preocupação primária na Escritura é a
alienação de Deus. E o ato reconciliatório de Cristo é, em seu
propósito, mais particularmente direcionado a Deus. John Murray
escreve:
Quando
examinamos a
Escritura mais
detalhadamente,
descobrimos
que… não é nossa
inimizade contra
Deus que se
destaca na
reconciliação e,
sim, a alienação
de Deus para
conosco. Essa
alienação da parte
de Deus origina-
se, deveras, do
nosso pecado; é o
nosso pecado que
desperta essa
reação da
santidade de
Deus. Porém, é a
alienação de Deus
para conosco que
se destaca na
reconciliação, seja
ela considerada
em termos de
ação ou de
resultado. [84]

Quinto, a expiação é uma obra de redenção: Jesus Cristo


“deu a si mesmo por nós [os eleitos], para nos remir de toda
iniquidade e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas
obras” (Tito 2.14, ARC). O conceito de redenção pressupõe
cativeiro. Pecadores culpados têm um débito de pecado para com
Deus (não para com Satanás). E o pecador em cativeiro precisa ser
redimido com o preço de um resgate. De acordo com a Escritura, a
obra expiatória de Cristo pagou esse preço: “Porque fostes [a Igreja]
comprados por preço” (1 Coríntios 6.20); e o preço foi pago como
um resgate: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”
(Marcos 10.45). E esse resgate foi pago ao Pai, que ressuscitou
Cristo dos mortos, significando, assim, em parte, a aceitação do
resgate. Na redenção, Cristo é o sujeito, e os eleitos são o objeto.
Sexto, como já vimos, a expiação é baseada no pacto que
Deus estabeleceu com os eleitos (Hebreus 9.15-18). Como ensina a
Confissão de Westminster (7:3):
O homem, tendo-
se tornado, por
sua queda,
incapaz de vida
por esse pacto
[das obras], o
Senhor dignou-se
fazer um segundo
pacto, geralmente
chamado o pacto
da graça; nesse
pacto, livremente
oferece aos
pecadores a vida e
a salvação por
Jesus Cristo,
exigindo deles a fé
nele para que
sejam salvos; e
prometendo dar a
todos os que estão
ordenados para a
vida [os eleitos] o
seu Santo Espírito,
para dispô-los e
habilitá-los a crer.

É significativo, que o sentido da raiz na palavra grega para


pacto, diatheke, é “um colocar ou estabelecer entre dois”.[85] Assim,
etimologicamente, um diatheke bíblico tem como propósito trazer
duas partes inimigas de volta “a-um-acordo” [“at-one-ment”].[86]
Sétimo, a expiação tem seu ponto de partida no livre amor de
Deus em Cristo. Em João 3.16 lemos: “Porque Deus amou ao
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. E novamente
em 1 João 4.10: “Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho
como propiciação pelos nossos pecados”. Isso é o mesmo que
dizer: Deus não ama seu povo eleito, por causa de algo neles; nem
os ama, porque Cristo morreu por eles. Antes, é porque amou
eternamente seu povo que Deus enviou seu Filho para fazer
expiação por seus pecados.
Oitavo, a expiação foi um ato voluntário da parte de Cristo.
Como declarado na Confissão (8:4): “Esse ofício [de Mediador] o
Senhor Jesus empreendeu mui voluntariamente”. E o próprio Cristo
afirma: “Ninguém a [sua vida] tira de mim; eu espontaneamente a
dou” (João 10.18).
Nono, a expiação foi um sacrifício propiciatório. Há quatro
ocorrências no Novo Testamento onde a palavra grega para
“propiciação”, como verbo ou substantivo, é usada com respeito à
obra expiatória de Cristo: Hebreus 2.17 (hilaskomai), Romanos 3.25
(hilasterion), 1 João 2.2 e 4.10 (hilasmos). Propiciação pressupõe a
ira divina. E é a expiação que desvia a ira de Deus.
Alguns eruditos, como Albrecht Ritschl (1822-1889 d.C.) e C.
H. Dodd (1884-1973 d.C.), argumentaram que a expiação é uma
obra expiatória (uma remoção dos pecados), mas não uma obra de
propiciação (o desviar a ira de Deus). A razão apresentada é que
Deus não está irado com o pecado humano; por conseguinte, não
há nenhuma necessidade de uma obra propiciatória de expiação. As
versões Revised Standard Version e a New English Bible estão em
concordância com essa análise. Assim, em suas respectivas
traduções dos quatro versículos citados acima, a palavra
“propiciação” não aparece.
O testemunho da Escritura, contudo, é claro. Deus está irado
com o pecado e os pecadores. E sua ira deve ser desviada, se o
homem há de ser salvo. A obra expiatória de Cristo na cruz realizou
justamente isso. Ela tirou o pecado, e apaziguou a ira divina,
satisfazendo assim a justiça divina (Romanos 3.21-26; 5.1-10). John
Murray afirma corretamente:
É suficiente
lembrar que a
essência do
julgamento de
Deus contra o
pecado é sua ira,
seu santo horror
contra o que é
contradição de si
mesmo… Se
Cristo
vicariamente
suportou o
julgamento de
Deus sobre o
pecado — e negar
isso é tornar sem
sentido seu
sofrimento até a
morte e
particularmente
seu abandono no
Calvário — então
eliminar deste
julgamento o que
pertence à sua
essência, é minar
a ideia de suportar
o pecado
vicariamente e
suas
consequências.
Assim, a doutrina
da propiciação não
deve ser negada
nem modificada
em nenhum grau.
[87]

A primeira referência da cruz, então, não é direcionada ao


homem, mas a Deus. Assim, Cristo é o sujeito, e o Pai é o objeto na
propiciação.
Décimo, a obra expiatória de Cristo na cruz foi uma obra de
destruição do reino do mal. Jesus confrontou os inimigos do povo de
Deus, e na destruição deles, emergiu como vitorioso. Cristo derrotou
Satanás (Hebreus 2.14,15; 1 João 3.8), a morte (1 Coríntios 15.54-
57; 2 Timóteo 1.10), o pecado (João 1.29; Romanos 6.1-11) e o
mundo (João 1.29; 16.33). John Murray escreve:
Nessa relação é
mais que
significativo que a
obra de Cristo, tão
central em nossa
fé cristã, é
essencialmente
uma obra de
destruição que
acaba com o
poder e a obra de
Satanás. Essa não
é uma
característica
periférica ou
incidental da
redenção. É um
aspecto integral da
sua realização.
Nosso próprio
Senhor, à medida
que se aproximava
do Calvário, disse:
“Chegou o
momento de ser
julgado este
mundo, e agora o
seu príncipe será
expulso” (João
12.31).[88]
Décimo primeiro, a obra de Cristo na cruz foi suficiente para
salvar todos os homens, mas eficiente para salvar somente os
eleitos. Isto é, ela foi ilimitada em poder, mas limitada ou particular
em extensão.[89] A Confissão (8:5) diz isso desta forma: “O Senhor
Jesus, por sua perfeita obediência e pelo sacrifício de si mesmo,
sacrifício que pelo Eterno Espírito, ofereceu a Deus uma só vez,
satisfez plenamente a justiça do Pai, e para todos aqueles que o Pai
lhe deu adquiriu não só a reconciliação, como também uma herança
perdurável no Reino dos Céus”.
Quando se diz que a morte de Cristo foi suficiente para salvar
todos os homens, significa que, tivesse sido esse o seu desígnio,
Cristo não teria de sofrer mais, ou menos, do que de fato sofreu.
Assim, a dignidade intrínseca da morte de Cristo é ilimitada em seu
alcance.
Todavia, a expiação de Cristo é eficiente em importância
salvífica só para os eleitos de toda tribo, língua e nação (João
11.51,52; Apocalipse 5.9). Isso é ensinado de várias formas na
Escritura. A linguagem da Escritura é particular quando fala dos
beneficiários da expiação. Esses são mencionados como seu “povo”
(Mateus 1.21), suas “ovelhas” (João 10.11,15), seus “amigos” (João
15.13), sua “igreja” (Atos 20.28; Efésios 5.25), os “eleitos” (Romanos
8.31-34) e seu “corpo” (Efésios 5.23). Ora, é verdade que essas
declarações de particularidade não excluem logicamente uma
universalidade. Mas ao mesmo tempo, claramente indicam que
Jesus Cristo mantém um tipo de relacionamento com esse povo,
diferente do que tem com os outros. Também, deveríamos
perguntar: do ponto de vista racional, é coerente crer que a morte de
Cristo foi salvificamente eficaz, mesmo para os que foram para o
inferno no tempo em que ele foi crucificado (tal como os homens e
mulheres destruídos em Sodoma e Gomorra; Gênesis 19; Judas 7)?
Então, a Escritura também nos informa que Cristo não ora
“pelo mundo, mas por aqueles que me deste [o Pai], porque são
teus” (João 17.9). E somente suas ovelhas ouvem e conhecem sua
voz, e o seguem (João 10.4,14,26,27).
A Bíblia também deixa claro que Cristo morreu uma morte
que de fato fez jus à salvação para seu povo. Em Hebreus 9.12, por
exemplo, lemos que “pelo seu próprio sangue, [ele, Cristo] entrou no
Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna
redenção”. Esse versículo claramente ensina que aqueles por quem
Cristo morreu “obtiveram redenção eterna”. Por conseguinte, se
Cristo morreu para salvar toda a humanidade, como ensinado por
alguns arminianos, então todos os homens deveriam
necessariamente ser salvos. Mas o testemunho da Escritura é muito
claro: nem todos os homens serão salvos (veja Mateus 25.31-46;
Atos 1.25; Judas 7; Apocalipse 20.11-15). Portanto, Cristo não
poderia ter morrido para salvar toda a humanidade.
Finalmente, há o fato de os três membros da Trindade
sempre trabalharem juntos, em perfeita harmonia (1 Coríntios 14.33;
Malaquias 3.6). Isso é necessariamente verdade, pois as três
Pessoas da Divindade têm só uma vontade, um plano e um decreto
eterno. Nunca trabalham em divergência uns com os outros.
Sendo esse o caso, não é concebível que a Segunda Pessoa
da Divindade agiria em desacordo com as outras duas Pessoas. Isto
é, visto que o Pai escolheu só alguns indivíduos para serem salvos
(Efésios 1.4); e visto que o Espírito regenera e sela apenas um certo
número de pessoas (Tito 3.5,6; Efésios 1.13,14); então a obra
expiatória do Filho não poderia ter sido infinita na eficácia salvífica.
Cristo morreu somente por aqueles a quem o Pai escolheu —
aqueles que serão regenerados e selados pelo Espírito: os eleitos.
Os arminianos são prontos em apontar que há várias
passagens na Bíblia que usam uma terminologia universal. Isto é,
falam de Cristo morrendo por “todas” as pessoas, e pelo “mundo”.
Mas quando exegeticamente examinadas, tais passagens de fato
não ensinam uma expiação universal.
1 Timóteo 2.1-6, como um exemplo de passagem com “todas”
as pessoas, afirma que “o homem Cristo Jesus… a si mesmo se
deu em resgate por todos” (vv. 5,6). Mas isso deve ser interpretado
em harmonia com os versículos anteriores, onde lemos que
devemos orar por “todos os homens” (v. 1), e que Deus “deseja que
todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento
da verdade” (v. 4). Ora, é muito óbvio que Paulo não está ensinando
que Deus realmente deseja a salvação de toda a humanidade, visto
que então todos os homens seriam salvos. Pois “nenhum dos teus
[de Deus] planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). Além disso, como
vimos, há passagens na Bíblia que nos ensinam que Deus não
deseja a salvação de toda pessoa (Atos 1.25; Mateus 7.21-23;
25.31-46). E há passagens que dizem que Deus escolheu somente
certos homens para salvação (Efésios 1.4,5; Romanos 8.28-30;
9.14-23). Sendo assim, parece melhor interpretar a passagem como
Calvino faz, ou seja, que Deus deseja a salvação dos eleitos entre
todos os tipos de homens, sem distinção de tribo, língua e nação. E
esses eleitos de toda tribo, língua e nação são aqueles por quem
Cristo “deu a si mesmo como resgate”.[90]
2 Pedro 3.9 é outro desses versículos: “Não retarda o Senhor
a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário,
ele é longânimo para convosco (hemas), não querendo que nenhum
pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento”. Mas o
próprio versículo explica quem é o “nenhum” que o Senhor deseja
que não pereça; “nenhum” somos “nós” — a Igreja eleita de Cristo.
1 João 2.2 é um exemplo daqueles versículos que declaram
ter Cristo morrido pelo “mundo”. O versículo diz: “E ele [Cristo] é a
propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos nossos
próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro”. Quem são aqueles que
englobam “o mundo inteiro”? Como ensinado em João 11.52,53 e
Apocalipse 5.9, devemos entender que Cristo morreu por pessoas,
não simplesmente entre os judeus, mas de toda tribo, língua e
nação. Cristo é “o Salvador do mundo” (João 4.42). Não há
nenhuma necessidade de sustentar que esse versículo ensina que a
expiação de Cristo foi salvificamente universal quanto a seu
alcance. Antes, como John Murray declara, é de um “universalismo
étnico” que João está falando.[91]
Como declarado por Loraine Boettner, a conclusão do
assunto é que a eficácia salvífica da expiação de Cristo, “foi uma
obra objetiva realizada na história, a qual removeu todas as
barreiras legais contra aqueles a quem foi aplicada”.[92] E eles são
os eleitos de Deus.
Apêndice: Exclusivismo Cristão

O exclusivismo cristão, visão das igrejas reformadas e


biblicamente ortodoxas ao longo dos séculos, é o ensinamento de
que (1) Jesus Cristo é o único Salvador, e que (2) é essencial crer
nele para ser salvo. Essa ótica está admiravelmente apresentada no
Breve catecismo de Westminster (pergunta 21), na Confissão de fé
de Westminster (10:4; 14:2) e no Catecismo maior de Westminster
(pergunta 60):
O único Redentor
dos eleitos de
Deus é o Senhor
Jesus Cristo.
Outros, não
eleitos, embora
possam ser
chamados pelo
ministério da
Palavra, e possam
receber algumas
operações comuns
do Espírito, ainda
assim nunca virão
verdadeiramente a
Cristo e, pois, não
podem ser salvos.
Muito menos
poderão os
homens, sem
professar a religião
cristã, ser salvos
de qualquer outra
forma, por mais
diligentes que
sejam em
enquadrar suas
vidas à luz da
natureza
[revelação geral] e
à lei da religião
que seguirem. E
afirmar e sustentar
que poderão, é
muito pernicioso, e
deve ser rejeitado.

Mas os principais
atos da fé
salvadora são:
aceitar, receber e
descansar apenas
em Cristo, para a
justificação, a
santificação e a
vida eterna, em
virtude da aliança
da graça.

Aqueles que, por


nunca terem
ouvido o
evangelho, não
conhecem a Jesus
Cristo e não creem
nele, não podem
ser salvos…
tampouco sua
salvação está em
qualquer outro,
mas só em Cristo,
que é o único
Salvador de seu
corpo, a Igreja.

Há um grande número de passagens bíblicas que ensinam o


exclusivismo cristão. Quatro das mais explícitas a respeito são: João
3.16-18,36; 14.6; Atos 4.12; 1 Timóteo 2.5.
João 3.16-18,36: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira
que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho
ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo
fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já
está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de
Deus… Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que,
todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas
sobre ele permanece a ira de Deus”.
Esses versículos dificilmente poderiam ser mais claros. Os
que creem em Cristo têm a vida eterna, e os que não creem nele
estão condenados. A fé em Jesus Cristo é um sine qua non da
salvação. Não se pode ser salvo sem essa fé.
João 14.6: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida;
ninguém vem ao Pai senão por mim”. Aqui, nas palavras do próprio
Cristo, aprendemos que ele é o único caminho para o Pai. “Ninguém
vem ao Pai se não for por” Jesus Cristo. Mais uma vez, as palavras
não poderiam ser mais claras. Aqueles que não conhecem a Jesus
não podem ser salvos. William Hendriksen escreve o seguinte a
respeito desse versículo: “Tanto o absoluto [exclusivismo] da religião
cristã como a urgente necessidade das missões cristãs estão
claramente indicados”.[93]
Atos 4.12: “E em nenhum outro [que Jesus Cristo] há
salvação; porque também debaixo do céu nenhum outro nome há,
dado entre os homens, pelo qual devamos [grego dei] ser salvos”.
As palavras de Pedro, registradas por Lucas, são tão diretas e
exclusivistas quanto as que lemos no evangelho de João. Cristo é o
único Salvador. Segundo Simon Kistemaker:
A palavra
devamos [dei]
revela uma
necessidade divina
que Deus instituiu,
de acordo com seu
plano e decreto,
para salvar-nos [os
eleitos] mediante a
Pessoa e a obra
de Jesus Cristo.
Além disso, esse
dei significa que o
homem está sob a
obrigação moral
de responder à
chamada para crer
em Jesus Cristo e,
assim, obter a
salvação. O
homem não tem
outro meio de
salvação senão o
Filho de Deus.[94]

1 Timóteo 2.5: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador


entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. Aqui, nas palavras
do apóstolo Paulo, assim como existe apenas um Deus vivo e
verdadeiro, também existe apenas “um Mediador entre Deus e os
homens,” e esse Mediador é o homem “Cristo Jesus”. Em outras
palavras, não há outra maneira pela qual os homens possam ser
salvos, exceto mediante Jesus Cristo. Charnock escreveu:
Cristo é declarado
o único Mediador
no mesmo sentido
em que Deus é
declarado o único
Deus. Assim como
só existe um
Criador do
homem, só existe
um Mediador para
os homens. Como
Deus é o Deus de
todos os que
morreram antes
que Cristo viesse,
bem como de
todos quantos
morreram depois,
assim também
Cristo é o
mediador de todos
os que morreram
antes de Sua
vinda e também de
todos que viram o
Seu dia. Tinham
ou Cristo como
seu Mediador, ou
algum outro; mas
algum outro eles
não poderiam ter,
porquanto só
existe um.
Poderiam também
ter tido outro
criador além de
Deus, tanto quanto
poderiam ter outro
mediador além do
Mediador Cristo
Jesus… Há
somente um Deus
desde a
eternidade;
somente um
Mediador, cuja
mediação tem a
mesma data que a
fundação do
mundo, e corre
paralela a esta. [95]

Muito embora a verdadeira Igreja de Cristo sempre tenha


sustentado a visão do exclusivismo cristão, tem havido sempre os
que se opõem a ela. Infelizmente, até dentro das igrejas, os
adversários do exclusivismo cristão vêm aumentando hoje. Ronald
Nash escreve:
Antigamente os
cristãos se
identificavam pela
crença absoluta
em Jesus Cristo
como o único e
suficiente Salvador
do mundo. Mas a
unidade dos
cristãos
[professos]
desapareceu. Hoje
muitos que se
dizem cristãos
escolhem entre
três respostas
fundamentalmente
diferentes à
pergunta, “Jesus é
o único
Salvador?”. As
respostas podem
ser sucintas:
“Não!”; “Sim,
mas…”; “Sim,
ponto!”.[96]

A resposta negativa (“Não!”) é dada pelos chamados


pluralistas. Pluralistas, como John Hick,[97] negam tanto (1) Jesus
Cristo como o único Salvador, como (2) que é essencial se crer nele
para ser salvo. A salvação, dizem, pode vir por qualquer uma das
várias religiões mundiais, e por qualquer um dos vários salvadores.
Hick explica: “Não existe apenas um caminho, porém, uma
pluralidade de caminhos de salvação… os quais ocorrem de formas
diferentes, nos contextos de todas as grandes tradições religiosas”.
[98]

Basta dizer que a posição adotada pelos pluralistas religiosos


está tão obviamente em desacordo com os ensinamentos da
Escritura, que não pode, racionalmente, ser considerada uma visão
“cristã” de modo nenhum. Ou seja, se João 3.16-18,36; 14.6; Atos
4.12 e 1 Timóteo 2.5 são de fato ensinos da Escritura (o que são
mesmo), então não existe possibilidade de haver outro Salvador
além de Jesus Cristo. E se o cristianismo for a única religião
verdadeira (o que é mesmo), então todas as outras religiões são
falsas. Simples assim. O “pluralismo cristão” é uma contradição de
termos. O pluralismo soteriológico é anticristão. Jesus afirma isso:
“Aquele que não está comigo é contra mim, e o que comigo não
ajunta, espalha” (Lucas 11.23).
Há, no entanto, um número crescente de pensadores
declaradamente cristãos, como Gavin D’Costa,[99] Clark Pinnock[100]
e John Sanders,[101] que respondem à pergunta “Jesus é o único
Salvador?” com uma afirmativa condicionada: “Sim, mas…”. Esse
grupo adere ao conhecido “inclusivismo cristão”. Os inclusivistas
respondem que “Sim”, Jesus é de fato o único Salvador, “mas”
dizem que as pessoas não necessitam saber de Cristo ou crer nele
para receber os benefícios de sua obra redentora. Ou seja, como
Nash corretamente expõe, os inclusivistas “distinguem entre a
necessidade ontológica da obra de Cristo como redentor e a
afirmação separada de que sua obra redentora seja
epistemologicamente necessária”.[102] O inclusivista John Sanders
explica:
Os não
evangelizados são
salvos ou perdidos
com base em seu
comprometimento,
ou falta dele, com
o Deus que salva
mediante a obra
de Cristo. [Os
inclusivistas]
acreditam que a
apropriação da
graça salvadora é
mediada pela
revelação geral e
pelas obras
providenciais de
Deus na história
humana.
Resumidamente,
os inclusivistas
afirmam a
particularidade e
finalidade da
salvação apenas
em Cristo, mas
negam que o
conhecimento de
sua obra seja
necessário à
salvação.[103]

O inclusivismo está se tornando a visão predominante no


catolicismo romano. Como indica Nash, esse movimento é uma
herança do Concílio Vaticano II (1962-1965), no qual se concluiu
que: “Também podem conseguir a salvação eterna aqueles que, não
tendo nenhuma imputabilidade, desconhecem o evangelho de Cristo
ou sua Igreja, embora sinceramente procurem a Deus e, movidos
pela graça, esforcem-se sozinhos por fazer a sua vontade, conforme
lhes seja conhecida pelos ditames da consciência”.[104]
Obviamente, então, a autorrevelação de Deus pela revelação
geral é crucial na teoria inclusivista. Pois esse é o meio (alegado)
pelo qual Deus leva alguns à salvação sem fé em Cristo. Portanto,
dizem os inclusivistas, também existe uma distinção necessária
entre “crentes” e “cristãos”. Os primeiros estão salvos porque
puseram sua fé em Deus; os últimos, por outro lado, estão salvos
porque puseram sua fé em Cristo.[105]
Existem algumas dificuldades nisso. Primeiro, a Bíblia não faz
distinção entre os crentes e os cristãos. Isto é, os crentes são
chamados de crentes porque creem em Cristo (João 3.16-18,36).
Além disso, aprendemos na Escritura que “quem nega o Filho
também não tem o Pai; [mas] quem confessa o Filho tem também o
Pai” (1 João 2.23; cf. João 5.23). Saulo de Tarso é um exemplo de
um “crente em Deus” que era tão diligente em seu judaísmo que
negava o cristianismo a ponto de perseguir a Igreja de Cristo (Atos
9.1-3; 22.1-5; 26.1-11). Porém, ele considerava ter sido o principal
dos pecadores perdidos (1 Timóteo 1.12-16; cf. Filipenses 3.3-16)
até ser confrontado por Jesus Cristo, no caminho de Damasco, e ali
se converter (Atos 9.3-19; 22.6-16; 26.12-18) .
Em segundo lugar, a Escritura ensina que, embora a
revelação geral mostre Deus como criador, deixando então os
homens indesculpáveis (Romanos 1.18-21; 2.14,15), não o mostra
como Salvador. A Escritura é imprescindível para o conhecimento
da redenção (Romanos 1.16,17; 10.17), conforme resumido na
Confissão de fé de Westminster:
Apesar de a luz da
natureza e as
obras da criação e
providência até
agora
manifestarem a
bondade, a
sabedoria e o
poder de Deus, a
fim de deixar os
homens
indesculpáveis,
são todavia
insuficientes para
proporcionar o
conhecimento de
Deus e de sua
vontade,
necessário para a
salvação. Portanto
aprouve ao
Senhor, em
diversas épocas e
de muitas
maneiras, revelar-
se e declarar sua
vontade para sua
Igreja; e depois,
para melhor
preservação e
propagação da
verdade, para
mais segura
instituição e
conforto da Igreja
contra a corrupção
da carne e a
malícia de Satanás
e do mundo,
outorgou sua
verdade
completamente
por escrito; o que
torna a Sagrada
Escritura
indispensável.

Sendo assim, a teoria dos inclusivistas fracassa


completamente. A Bíblia nega o inclusivismo e claramente ensina o
exclusivismo cristão: “Quem nele [em Cristo] crê não está
condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no
nome do unigênito Filho de Deus… Quem crê no Filho tem a vida
eterna; quem não crê no Filho jamais verá a vida, mas a ira de Deus
permanece sobre ele” (João 3.18,36). Afirmando definitivamente: o
inclusivismo, como o pluralismo, não é uma visão cristã de forma
nenhuma. Por negar os ensinos claros da Escritura, é anticristão.
Bibliografia Sugerida

Listamos abaixo as principais obras para consulta sobre a


Pessoa e obra de Cristo em português. De modo diferente do que
ocorre em relação à obra de Cristo, poucos são os livros que tratam
de forma mais ampla e detalhada a respeito da Pessoa de Cristo; os
livros do rev. Heber Carlos de Campos, ministro da Igreja
Presbiteriana do Brasil (IPB), são uma feliz exceção, e eu os
recomendo com grande entusiasmo.

Obras gerais:
Charles Hodge, Teologia sistemática (São Paulo: Hagnos, 2001).
Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia sistemática (São Paulo: Vida
Nova, 2007).
Louis Berkhof, Teologia sistemática (São Paulo: Cultura Cristã,
2009).
Herman Bavinck, Dogmática reformada: o pecado e a salvação em
Cristo. Volume 3. (São Paulo: Cultura Cristã, 2012).
Wayne Grudem, Teologia sistemática (São Paulo: Vida Nova, 1999).

Obras específicas:
Bruce Ware, Cristo Jesus, Homem (São José dos Campos: Editora
Fiel, 2013).
Darrell L. Bock, Jesus segundo as Escrituras (São Paulo: Shedd,
2006).
Donald Macleod, A Pessoa de Cristo (São Paulo: Cultura Cristã,
2007).
Donald M. Baillie, Deus estava em Cristo (São Paulo: ASTE, 2012).
Francis A. Schaeffer, A obra consumada de Cristo (São Paulo:
Cultura Cristã, 2003).
G. C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo (São Paulo: ASTE, 2011).
John Murray, Redenção consumada e aplicada (São Paulo: Cultura
Cristã, 2010).
John Owen, A glória de Cristo (São Paulo: Editora PES, 1989).
Heber Carlos de Campos, A humilhação do Redentor (São Paulo:
Cultura Cristã, 2008).
Heber Carlos de Campos, A união das naturezas do Redentor (São
Paulo: Cultura Cristã, 2005).
Heber Carlos de Campos, As duas naturezas do Redentor (São
Paulo: Cultura Cristã, 2004).
Hermisten Maia Pereira da Costa. Eu creio no Pai, no Filho e no
Espírito Santo (São José dos Campos: Editora Fiel, 2014).
John Piper, Um homem chamado Jesus Cristo (São Paulo: Editora
Vida, 2005).
John Stott, A cruz de Cristo (São Paulo: Editora Vida, 2006).
John Stott, O incomparável Cristo (São Paulo: ABU, 2006).
Robert Letham, A obra de Cristo (São Paulo: Cultura Cristã, 2007).
R. C. Sproul, A glória de Cristo (São Paulo: Cultura Cristã, 2004).
Robert Stein, A pessoa de Cristo: um panorama da vida e dos
ensinos de Jesus (São Paulo: Vida, 2006).

[1] João 21.25.


[2] Efésios 3.8.
[3] Autor do livro O escrituralismo de Gordon Clark, publicado pela Editora
Monergismo.
[4] Habacuque 2.14.
[5] Publicado pela Editora Monergismo sob o título Sobre a Rocha. Ambos são
coautores também de Em direção a uma cosmovisão cristã (Editora
Monergismo). [N. do T.]
[6] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.XVI.19), p. 500.
[7] Benjamin B. Warfield, The Plan of Salvation (Boonton: Simpson Publishing
Company, 1989), pp. 6-7.
[8] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith
(Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1998), pp. 397-398.
[9] Ou os sinônimos alianças, concertos, conforme encontrado em algumas
versões da Bíblia. [N. do T.]
[10] Jamieson, Fausset, and Brown, Commentary Practical and Explanatory on
the Whole Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1978), pp. 1284-1285.
[11] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.X.20), p. 423.
[12] Oscar Cullmann, The Christology of the New Testament, traduzido por S.
C. Guthrie and C. A. M. Hall (London: SCM Press, 1959), pp. 3-17.
[13] Robert L. Reymond, Jesus, Divine Messiah: The New Testament Witness
(Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1990), pp. 12-13.
[14] Iesus Christos Theou Uios Soter. [N. do T.]
[15] R. C. Sproul, Following Christ (Wheaton: Tyndale House, 1991), p. 51.
[16] Esses três ofícios serão estudados em maiores detalhes no capítulo “A
Obra de Cristo”.
[17] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.XIII.2).
[18] Benjamin B. Warfield, The Lord of Glory (Grand Rapids: Baker, 1974), p.
41.
[19] Reymond, Jesus, Divine Messiah: The New Testament Witness, p. 63.
[20] Veja Gordon H. Clark, The Johannine Logos (Trinity Foundation, 1989).
[21] Este autor está bem ciente de que o Texto Crítico (tristemente) substitui
Theos pelo pronome relativo hos (“quem”), em 1 Timóteo 3.16, traduzindo
assim o versículo: “Quem foi manifestado na carne”. Primeiro, creio que o
Texto Majoritário ou Tradicional deve ser seguido como o texto bíblico
genuíno, não o Texto Crítico [Para mais informações sobre o assunto, veja
Gordon H. Clark, Logical Criticisms of Textual Criticism (Trinity Foundation,
1986)]. E em segundo lugar, se o Texto Crítico fosse adotado aqui, o contexto
ainda decididamente mostraria que o hos refere-se a Jesus Cristo como o
Deus pré-existente, que “foi manifestado na carne”. Veja William Hendriksen,
New Testament Commentary: Exposition of the Pastoral Epistles (Grand
Rapids: Baker, 1979), pp. 137-140.
[22] As quatro principais traduções brasileiras também trazem essa tradução
mais correta: “Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o
qual é sobre todos, Deus bendito eternamente. Amém” (ACF); “Dos quais são
os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus
bendito eternamente. Amém!” (ARC); “Deles são os patriarcas, e também
deles descende o Cristo, segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito
para todo o sempre. Amém!” (ARA); “Deles são os patriarcas, e a partir deles
se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de todos, bendito
para sempre! Amém” (NVI). Contudo, a nota de rodapé da NVI traz a seguinte
tradução “alternativa”: “Cristo, que é sobre tudo. Seja Deus louvado para
sempre!”. [N. do T.]
[23]John Murray, The New International Commentary on the New Testament:
The Epistle to the Romans (Grand Rapids: Eerdmans, 1968), II:248.
[24] Veja Gordon H. Clark, The Johannine Logos, 22. Veja também John
Wenham, The Elements of New Testament Greek (Cambridge: Cambridge
University Press, 1965), p. 35.
[25] Should You Believe in the Trinity? (Anonymous, Brooklyn: Watchtower
Bible and Tract Society, 1989), p. 28.
[26] Isso será discutido em maior detalhe no próximo capítulo: “A Obra de
Cristo”.
[27] Benjamin B. Warfield, Biblical Doctrines (Edinburgh: Banner of Truth Trust,
1988), p. 194.
[28] J. H. Hall, “Council of Chalcedon,” em Evangelical Dictionary of Theology,
editado por Walter A. Elwell (Grand Rapids: Baker, 1984), p. 204.
[29] Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus (New York:
Macmillan, 1964).
[30] Rudolf Bultmann, “New Testament and Mythology,” em Kerygma and Myth,
editado por Hans Bartsch (New York: Harper and Row, 1961), pp. 1-44.
[31] John Hick, editor, The Myth of God Incarnate (Philadelphia: Westminster,
1977).
[32] O Jesus Seminar é um evento que reúne estudiosos duas vezes por ano
para debate de trabalhos técnicos que supostamente procuram recuperar as
palavras autênticas do Jesus histórico. Ao final do debate de cada item da
pauta, os presentes votam por um sistema de cores, em que cada cor
corresponde a certo grau de autenticidade que eles atribuem às palavras de
Jesus. Outras informações sobre o Jesus Seminar podem ser obtidas em
www.jesusseminar.com. [N. do T.]
[33] Robert W. Funk, et al., The Five Gospels: The Search for the Authentic
Jesus (New York: Macmillan, 1993).
[34] Para mais sobre o Jesus Seminar, veja W. Gary Crampton, “Blackballing
Jesus,” The Trinity Review, editado por John W. Robbins (Trinity Foundation,
July 1995).
[35] Benjamin B. Warfield, The Person and Work of Christ, editado por Samuel
G. Craig (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1950), p. 22.
[36] Robert L. Reymond, Jesus, Divine Messiah: The Old Testament Witness
(Ross-shire, Scotland: Christian Focus Publications, 1990), p. 6.
[37] O numeral cardinal “um” (hen) usado em João 10.30 é neutro, excluindo
através disso o significado de que o Pai e o Filho são uma Pessoa.
[38] Falando de uma maneira simples, tricotomia é a crença errônea de que o
homem consiste de três partes: corpo, alma e espírito. Dicotomia, por outro
lado, é a crença correta de que o homem consiste de duas partes: corpo e
alma ou espírito.
[39] Em Colossenses 2.9, o apóstolo usa o tempo presente do verbo grego
katoikeo (“habitar”), enfatizando o fato de que as naturezas divina e humana
de Jesus Cristo estão “contínua” e inseparavelmente unidas na união
hipostática. Essa união será discutida mais adiante.
[40] Nestorianismo tem esse nome por causa do fundador desse movimento,
Nestório; embora se discuta se ele endossava plenamente ou não a visão
esposada por seus seguidores.
[41] Louis Berkhof, Manual of Christian Doctrine (Grand Rapids: Eerdmans,
1987), p. 184.
[42] Augustus H. Strong, Systematic Theology, three volumes in one (Valley
Forge: Judson Press, 1907, 1985), II:692-693.
[43] Desafortunadamente, essa é uma das mais difíceis, todavia mais sublime,
de todas as doutrinas da religião cristã. Embora a Blue Banner
especificamente negue uma explicação nestoriana da Personalidade de
Cristo, deve-se também admitir que muito da explicação moderna do Credo
de Calcedônia é também deficiente. Verificamos que, em grande parte e na
melhor das hipóteses, a explicação moderna do termo “natureza humana” é
ambígua. Como o Breve catecismo (pergunta 22) claramente ensina, Cristo
tinha um corpo verdadeiro e uma alma racional. Outra forma de dizer isso é
que Cristo tinha tudo que está envolvido num ser humano. [N. do E. da versão
inglesa]
[44] Thomas V. Morris, The Logic of God Incarnate (London: Cornell University
Press, 1986), pp. 102-103.
[45] Gordon H. Clark, The Incarnation (Trinity Foundation, 1988).
[46] Clark, The Incarnation, pp. 15-17.
[47] Clark, The Incarnation, p. 67.
[48] Clark, The Incarnation, pp. 67-70.
[49] John Murray, Collected Writings of John Murray (Edinburgh: Banner of
Truth Trust, 1977), II:138.
[50] Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine
(Leicester, England: InterVarsity Press; Grand Rapids: Zondervan, 1994), p.
550.
[51] Reymond, Jesus, Divine Messiah: The New Testament Witness, pp. 251-
266.
[52] A forma verbal, labon, usada por Paulo em Filipenses 2.7 é um particípio
aoristo, e deveria ser traduzida: “tendo tomado a forma de um servo”.
[53] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.XIII.4), p. 457.
[54] A declaração “ele desceu ao inferno” é encontrada no Credo dos
Apóstolos. E a Assembleia de Westminster ensina corretamente seu
significado. O Catecismo de Heidelberg (P. 44) concorda, quando pergunta:
“Por que se acrescenta: ‘desceu ao inferno’?”. Resposta: “Porque meu Senhor
Jesus Cristo sofreu, principalmente na cruz inexprimíveis angústias, dores e
terrores. Por isso, até nas minhas mais duras tentações, tenho a certeza de
que ele me libertou da angústia e do tormento do inferno”. Em outras
palavras, de acordo com a teologia reformada, o mito de que Jesus Cristo
desceu ao limbus patrum (o lugar dos santos mortos do Antigo Testamento)
para libertar os prisioneiros não tem suporte bíblico.
[55] Richard B. Gaffin, Jr., Resurrection and Redemption (Phillipsburg:
Presbyterian and Reformed, 1978), pp. 89-90.
[56] Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith
(Nashville: Thomas Nelson, 1998), p. 581.
[57] Como observado no capítulo anterior, o corpo e alma da Segunda Pessoa
encarnada da Divindade não são partes da Trindade.
[58] Sabélio (aprox. 200 d.C.) foi um dos primeiros a ensinar essa visão
errônea da Trindade.
[59] Teólogos usam a palavra “econômica” para descrever a relação entre as
Pessoas da Trindade, pois a palavra “econômica” carrega a ideia de valor
atribuído, em vez de valor relacionado à essência de uma coisa. Uma “venda”
ocorre quando vários valores são atribuídos, por um comprador e vendedor,
aos artigos à venda. Assim, o Filho pode ter uma posição “atribuída”
subordinada ao Pai, e o Espírito pode ter uma posição “atribuída” subordinada
ao Pai e ao Filho, sem introduzir a ideia de que eles são essencialmente
separados e inferiores ao Pai, ou o Pai e o Filho respectivamente.
[60] O Credo Niceno diz: “Creio em Deus o Pai, Todo-poderoso, Criador de
todas as coisas visíveis e invisíveis. E em um Senhor Jesus Cristo, o Filho de
Deus, gerado do Pai, gerado somente, isto é, a partir da essência do Pai (ek
tes ousias tou Patros)”. Para mais sobre o assunto, veja Robert L. Reymond,
A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville: Thomas Nelson,
1998), pp. 317-341.
[61] John Calvin, Institutes of the Christian Religion. Vols. I & II, Library of the
Christian Classics, John T. McNeill, editor, traduzido por Ford Lewis Battles
(Philadelphia: Westminster, 1960), I:13:29.
[62] Loraine Boettner, Studies in Theology (Phillipsburg: Presbyterian and
Reformed, 1947), p. 123.
[63] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.XVI.5), p. 481.
[64] O uso do particípio airon (tirar) no tempo presente, em João 1.29, enfatiza
a natureza contínua do “tirar o pecado do mundo” de Cristo.
[65] Mais será dito sobre a obediência ativa e passiva de Cristo adiante.
[66] Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, pp. 623-624.
[67] A natureza da expiação será discutida mais adiante.
[68] John Calvin, Commentaries, Vols. I-XXII (Grand Rapids: Baker, 1981),
Commentary on Hebreus 7:25.
[69] Esta pedra obelisco pode ser vista ainda hoje em frente à Basílica de São
Pedro.
[70] Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), p.
409.
[71] George E. Ladd, The Gospel of the Kingdom (Grand Rapids: Eerdmans,
1974), p. 18.
[72] J. L. Dagg, Manual of Theology (Harrisonburg: Gano Books, 1990), p. 231.
[73] A citação é de Martin Kahler, The So-called Historical Jesus and the
Historic Biblical Christ, traduzido por Carl E. Braaten (Philadelphia: Fortress
Press, 1964), pp. 48-49. Martin Kahler (1835-1912 d.C.) foi um teólogo
protestante alemão, e de forma nenhuma um amigo do cristianismo ortodoxo.
O uso da sua citação aqui não deve ser entendido como um endosso a sua
teologia.
[74] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.XII.4), p. 445.
[75] Veja Louis Berkhof, Systematic Theology, 384-391; e Leon Morris,
“Theories of the Atonement,” e S. N. Gundry, “Death of God Theology,” em
Evangelical Dictionary of Theology, editado by Walter A. Elwell (Grand Rapids
Baker, 1984), pp. 100-102, 301-302.
[76] Gordon H. Clark, The Atonement (Trinity Foundation, 1987), p. 81.
[77] Veja Clark, The Atonement, p. 145. Dr. Clark combina e resume aqui o
capítulo 8 da Confissão de fé de Westminster.
[78] João Calvino, A instituição da religião cristã, São Paulo: Editora UNESP,
Tomo I, (II.XII.1).
[79] O verbo impessoal dei, traduzido aqui como “deveria” (versão do autor),
enfatiza a “necessidade” da ação descrita — neste caso, o sofrimento de
Cristo.
[80] O substantivo ananke, aqui traduzido pelo adjetivo “necessário”, também
enfatiza a “necessidade” da ação descrita.
[81] Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, 666.
[82] John Murray, Redemption: Accomplished and Applied (Grand Rapids:
Eerdmans, 1955, 1980), 12.
[83] Este autor está bem ciente do fato de que (tristemente) a versão do Texto
Crítico de 1 Coríntios 5.7 não tem “por nós”. Contudo, este autor é um
defensor da versão do Texto Tradicional ou Majoritário do Novo Testamento, e
não do Texto Crítico. O Texto Crítico, no entanto, tem “por nós” em Efésios
5.2.
[84] Murray, Redemption: Accomplished and Applied, 34.
[85] A. T. Robertson, A Grammar of the Greek New Testament in the Light of
Historical Research (Nashville: Broadman Press, 1934), 580.
[86] Atonement significa “expiação”, em inglês. [N. do T.]
[87] John Murray, Collected Writings of John Murray (Edinburgh: Banner of
Truth Trust, 1977), II:145.
[88] Murray, Collected Writings, II:68.
[89] Essa doutrina de extensão “limitada” é o “L” do “limited atonement”
[expiação limitada] no acróstico calvinista TULIP.
[90] Calvino, Comentário sobre 1 Timóteo 2.1-6.
[91] Murray, Redemption: Accomplished and Applied, p. 73.
[92] Loraine Boettner, The Reformed Faith (Phillipsburg: Presbyterian and
Reformed, 1983), p. 13.
[93] William Hendriksen, New Testament Commentary: Exposition of the
Gospel According to John. (Baker [1953] 1954), II:269.
[94] Simon J. Kistemaker, New Testament Commentary: Exposition of the Acts
of the Apostles (Baker, 1990), p. 156.
[95] Citado pelo editor em John Calvin, Commentaries, Volumes I-XXII (Baker,
1981), comentário sobre 1 Timóteo 2.5, nota de rodapé.
[96] Ronald H. Nash, Is Jesus the Only Savior? (Zondervan, 1994), p. 9.
Apesar de este autor não concordar com tudo ensinado pelo Dr. Nash em seu
livro, ele o achou extremamente útil no trato desse tema. Várias percepções
do Dr. Nash foram incorporadas a este artigo.
[97] Cf. John Hick, God Has Many Names (Westminster, 1982), and Problems
of Religious Pluralism (St. Martin’s Press, 1985).
[98] Hick, Problems of Religious Pluralism, p. 34.
[99] Gavin D’Costa, Theology and Religious Pluralism (Basil Blackwell, 1986).
[100] Clark Pinnock, A Wideness in God’s Mercy (Zondervan, 1992).
[101] John Sanders, No Other Name (Eerdmans, 1992).
[102] Nash, Is Jesus the Only Savior?, p. 23.
[103] Sanders, No Other Name, p. 215.
[104] Nash, Is Jesus the Only Savior?, pp. 108-109.
[105] Sanders, No Other Name, pp. 224-225.
Table of Contents
Prefácio à Edição Brasileira
Prefácio do Editor Americano
Introdução
Capítulo Um: Cristo e o Pacto da Graça
O Plano Eterno de Salvação de Deus e a Teologia do Pacto
Capítulo Dois: A Pessoa de Cristo
Capítulo Três: A Obra de Cristo
Apêndice: Exclusivismo Cristão
Bibliografia Sugerida

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