Cristo, o Mediador - Um Estudo D - W. Gary Crampton
Cristo, o Mediador - Um Estudo D - W. Gary Crampton
Cristo, o Mediador - Um Estudo D - W. Gary Crampton
W. Gary Crampton
Copyright @ 2000, de The Blue Banner
Publicado originalmente em inglês sob o título
Christ the Mediator
pela First Presbyterian Church of Rowlett
Rowlett, Texas, 75088, EUA.
1a edição, 2014
Crampton, W. Gary
Cristo, o Mediador: um estudo da cristologia de Westminster / W. Gary Crampton,
tradução Felipe Sabino de Araújo Neto — Brasília, DF: Editora Monergismo, 2014.
Título original: Christ the Mediator
ISBN 978-85-62478-88-8
1. Jesus Cristo 2. Cristologia 3. Teologia
CDD 232
Sumário
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
PREFÁCIO DO EDITOR AMERICANO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO UM: CRISTO E O PACTO DA GRAÇA
O PLANO ETERNO DE SALVAÇÃO DE DEUS E A TEOLOGIA DO PACTO
CAPÍTULO DOIS: A PESSOA DE CRISTO
CAPÍTULO TRÊS: A OBRA DE CRISTO
APÊNDICE: EXCLUSIVISMO CRISTÃO
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
Prefácio à Edição Brasileira
Desde toda a
eternidade, Deus,
pelo muito sábio e
santo conselho de
sua própria
vontade, ordenou
livre e
inalteravelmente
tudo quanto
acontece…
Pelo decreto de
Deus e para
manifestação da
sua glória, alguns
homens e alguns
anjos são
predestinados
para a vida
eterna…
Esses homens e
esses anjos, assim
predestinados e
preordenados, são
designados de
modo particular e
imutável; seu
número é tão certo
e definido, que não
pode ser
aumentado ou
diminuído.
Segundo seu
eterno e imutável
propósito e
segundo o santo
conselho e
beneplácito da sua
vontade, antes que
o mundo fosse
criado, Deus
escolheu, em
Cristo, para a
glória eterna, os
homens
predestinados
para a vida; para o
louvor da sua
gloriosa graça, ele
os escolheu de
sua mera e livre
graça e amor, e
não por previsão
de fé, ou de boas
obras e
perseverança
nelas, ou de
qualquer outra
coisa na criatura
que a isso o
movesse, como
condição ou
causa.
Assim como
destinou os eleitos
para a glória,
assim também,
pelo eterno e mui
livre propósito da
sua vontade, Deus
preordenou todos
os meios que
conduzem a esse
fim; os que,
portanto, são
eleitos, achando-
se caídos em
Adão, são remidos
por Cristo,
eficazmente
chamados para a
fé em Cristo, por
seu Espírito, que
opera no tempo
devido; são
justificados,
adotados,
santificados, e
guardados, por
seu poder, por
meio da fé
salvadora. Além
dos eleitos não há
nenhum outro que
seja remido por
Cristo,
eficazmente
chamado,
justificado,
adotado,
santificado e salvo.
Então, se cremos
num Deus
pessoal; e muito
mais, se, sendo
teístas, cremos no
controle imediato,
por esse Deus
pessoal, do mundo
que ele criou,
devemos crer num
plano fundamental
para tudo o que
Deus faz e,
portanto, num
plano de salvação
também. A única
questão que se
pode levantar diz
respeito não à
realidade, mas à
natureza do plano.
[7] De acordo com
a Escritura, qual é
o propósito eterno
de Deus? Dito de
forma simples, o
propósito eterno
de Deus é
glorificar a si
mesmo (Isaías
43.7, 21; 1
Coríntios 15.28;
Filipenses 2.11),
por meio da
glorificação do seu
Filho como o
“primogênito entre
muitos irmãos”
(Romanos 8.29) e
Senhor da Igreja
(Colossenses
1.18). Em seu
propósito eterno,
Deus determinou
que seu Filho seria
o noivo da sua
Igreja, a qual seria
conformada à sua
imagem (Romanos
8.29; 2 Coríntios
3.17,18). Assim,
Deus determinou
salvar um povo (a
Igreja), a quem ele
escolheu
eternamente.
Em Efésios 1.9,10, lemos que a Pessoa e a obra de Jesus
Cristo estão no princípio, no centro e no final do propósito eterno de
Deus. Em Efésios 3.9-11, Paulo escreve que “Deus criou todas as
coisas por meio de Jesus Cristo; para que [isto é, com o propósito
de que] agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja
conhecida dos principados e potestades nos lugares celestiais”.
Isso, “de acordo com o eterno propósito que ele realizou em Cristo
Jesus, nosso Senhor”. Assim, a Igreja de Cristo permanece com seu
Redentor, no princípio, no centro, e no final do propósito eterno de
Deus. Como confirmado, ainda, em Romanos 8.28; 9.11-13; e 2
Timóteo 1.9.
Aprouve a Deus [o
Pai] em seu eterno
propósito, escolher
e ordenar o
Senhor Jesus, seu
Filho Unigênito,
para ser o
Mediador entre
Deus e o homem,
o Profeta,
Sacerdote e Rei, o
Cabeça e Salvador
de sua Igreja, o
Herdeiro de todas
as coisas e o Juiz
do Mundo; e deu-
lhe desde toda a
eternidade um
povo para ser sua
semente e para,
no tempo devido,
ser por ele remido,
chamado,
justificado,
santificado e
glorificado.
O decreto de
eleger alguns
pecadores para a
salvação em Cristo
(Efésios 1.3-14), e
reprovar os outros
(Romanos
9.22,23).
O decreto de
redimir os
pecadores eleitos,
tanto do Antigo
quanto do Novo
Testamento, por
meio da obra
redentora de
Cristo na cruz
(Efésios 1.7).
O decreto de
causar a Queda
por meio de Adão,
o cabeça federal
da raça humana
(Gênesis 3;
Romanos 5.12-
19).
O decreto de criar
o mundo (incluindo
a humanidade)
para fornecer a
arena na qual
todas essas coisas
ocorreriam
(Gênesis 1).
De forma resumida, Robert Reymond escreve:
Em seu propósito
eterno, Deus
intencionalmente
integrou tanto o
propósito da
criação quanto as
ordenanças da
criação, num plano
redentor mais
primário, que
realizaria em
Cristo… A criação
então foi planejada
como o palco no
qual o desígnio
redentor de Deus
seria executado e
cumprido… A
raison d’être
[razão de ser] da
criação é então
servir aos fins
redentores de
Deus. [8]
Sob o Evangelho,
quando Cristo, a
substância, foi
manifestado, as
ordenanças pelas
quais esse pacto
[de graça] é
dispensado são a
pregação da
Palavra e a
administração dos
sacramentos do
batismo e da ceia
do Senhor; por
essas ordenanças,
posto que poucas
em número e
administradas com
maior simplicidade
e menor glória
externa, o pacto é
manifestado com
maior plenitude,
evidência, e
eficácia espiritual,
a todas as nações,
tanto a judeus
como a gentios. É
chamado o Novo
Testamento. Não
há, pois, dois
pactos de graça
diferentes em
substância, porém
um, e o mesmo,
sob várias
dispensações.
Tendo o homem,
por sua queda,
tornado-se incapaz
de vida por esse
pacto [de obras], o
Senhor dignou-se
fazer um segundo
pacto, geralmente
chamado o pacto
da graça; neste
pacto Deus
livremente oferece
aos pecadores a
vida e a salvação
por Jesus Cristo,
exigindo deles a fé
em Cristo para que
sejam salvos; e
prometendo dar
seu Santo Espírito
a todos os que
estão ordenados
para a vida, a fim
de dispô-los e
habilitá-los a crer.
Eu insistiria em
que é muito
superficial sugerir
que os homens
podem concentrar-
se para sempre no
que Jesus fez por
eles e nunca tratar
a questão
ontológica de
quem ele é. Na
verdade, seria
psicologicamente
impossível, tanto
para os homens
modernos quanto
para os homens
dos tempos do
Novo Testamento,
satisfazerem-se
com um interesse
restrito ao valor
funcional de Jesus
e nunca questionar
ou tratar da
questão ontológica
que seu valor
funcional lhes
impõe.[13]
Cristo
Embora haja casos no Novo Testamento onde Christos é
usado como praticamente um nome próprio, na realidade Christos é
um título. Esse título, Christos, é o equivalente grego do hebraico
Mashiach (Messias). E entre todos os títulos de Jesus, esse é o
título usado com maior frequência. Christos significa “ungido”. Jesus
Cristo é o ungido por Deus para ser o Salvador do seu povo. Como
ensinado no Catecismo maior de Westminster (pergunta 42):
Nosso Mediador
foi chamado
Cristo, porque foi
acima de toda a
medida ungido
com o Espírito
Santo; e assim,
separado e
plenamente
revestido com toda
a autoridade e
poder para exercer
as funções de
profeta, sacerdote
e rei da sua Igreja,
tanto no estado da
sua humilhação,
como no estado da
sua exaltação.
Cristo exerce o
ofício de
Sacerdote,
oferecendo-se a si
mesmo, uma só
vez, em sacrifício,
para satisfazer a
justiça divina,
reconciliar-nos
com Deus e fazer
contínua
intercessão por
nós.
Cristo exerce o
ofício de Rei,
sujeitando-nos a si
mesmo,
governando-nos e
protegendo-nos,
reprimindo e
subjugando todos
os seus e os
nossos inimigos.
Senhor
“Senhor” (Kurios) é o segundo mais usado dos títulos de
Jesus. No Antigo Testamento, lemos que o nome de Deus é Jeová
ou Iavé. Ele é o grande “EU SOU”, o Deus do pacto de Israel (Êxodo
3.10-15). Deus é chamado também de Adonai, o Senhor e Mestre
do universo (Salmo 110.1; Isaías 6.1). Na Septuaginta (tradução
grega do Antigo Testamento hebraico), Kurios é usado para traduzir
tanto Jeová quanto Adonai. Assim, quando se refere a Jesus como
Kurios, o Novo Testamento atribui divindade a ele. De acordo com a
Escritura, Jesus é tanto Jeová (Romanos 10.13, compare Joel 2.32;
1 Pedro 3.14,15, compare Isaías 8.12,13; Hebreus 1.10-12,
compare Salmo 102.25-27) quanto Adonai (Mateus 22.43-45;
Hebreus 1.13; 5.6, compare Salmo 110.1-4). Isto é, o título Kurios
fala da natureza divina de Cristo. Ele é divindade ontológica; ele é
“Cristo, o Senhor [Kurios]” (Lucas 2.11).
Então há várias passagens onde “EU SOU” é atribuído a
Jesus Cristo. No Evangelho de João, Jesus diz: EU SOU “o pão da
vida” (6.35), “a luz do mundo” (8.12), “a porta das ovelhas” (10.7), “o
bom pastor” (10.11), “a ressurreição e a vida” (11.25), “o caminho, a
verdade e a vida” (14.6), e “a videira verdadeira” (15.1). Cristo
também diz: “se não crerdes que EU SOU, morrereis nos vossos
pecados” (8.24); “antes que Abraão existisse, EU SOU” (8.58); e
“desde já vos digo, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, creiais que EU SOU” (13.19). Essas são declarações
extraordinárias, nas quais Jesus reivindica não ser menos que
Jeová: Deus encarnado.
Filho do Homem
Este é o terceiro mais usado dos títulos de Jesus. É seu meio
favorito de autodesignação. “Filho do Homem” ocorre por volta de
84 vezes no Novo Testamento, 82 delas nos quatro Evangelhos (69
nos Sinóticos — Mateus, Marcos, e Lucas — e 13 em João). Em
quase todos esses casos, é usado pelo próprio Jesus.
Jesus Cristo não somente é o “Filho de Deus”, é também o
“Filho do Homem”. Fazendo distinção entre esses dois títulos, fica
evidente que “Filho de Deus” fala da natureza divina de Jesus, e
como Calvino aponta, “Filho do Homem” fala de sua natureza
humana.[17] Contudo, embora se refira à humanidade de Cristo
como o Servo sofredor (Marcos 8.31; 9.31; 10.33,34,45), esse título
também se refere a sua divindade (Mateus 16.27,28; João 3.13,14).
Como o Filho do Homem, Jesus é o doador de vida espiritual (João
6.62,63), aquele que tem autoridade para perdoar pecados (Marcos
2.10), e “Senhor do Sábado” (Marcos 2.28). Como o Filho do
Homem, ele será visto “assentado à direita do Todo-Poderoso [Deus
o Pai] e vindo com as nuvens do céu” (Marcos 14.62). E como o
Filho do Homem, Jesus recebeu “autoridade para julgar” toda a
humanidade (João 5.27).
Esse título pode ser traçado voltando-se a Daniel 7.13,14,
onde o Filho do Homem é revelado como coigual com Deus o Pai.
Uma comparação com Daniel 7.9,10 e Apocalipse 1.12-16; 5.11,12,
mostra a natureza exaltada do Filho do Homem bíblico. Com tudo
isso em mente, B. B. Warfield escreve:
Na figura do “Filho
do Homem” que
Jesus traça para
nós, é que vemos
retratada sua
natureza sobre-
humana. Pois a
figura assim
trazida diante de
nós é
distintamente
sobre-humana;
uma figura não
apenas no futuro,
sentada à direita
do poder e vindo
com as nuvens do
céu… mas alguém
no presente
mundo, exercendo
funções de fato
divinas.[18]
Filho de Davi
Esse título messiânico fala da função real de Deus. O Antigo
Testamento tinha profetizado que o Messias viria da linhagem de
Davi (2 Samuel 7; Isaías 11.1,2; Salmo 89). O Novo Testamento
confirma que Jesus é o Messias. Ele é, escreve Mateus, “o Filho de
Davi” (Mateus 1.1). Lucas declara que “o Senhor Deus lhe dará [a
Jesus] o trono de Davi” (Lucas 1.32). Além do mais, numa de suas
discussões com os fariseus, o próprio Jesus reivindicou ser Filho de
Davi, em cumprimento do Salmo 110.1 (confira Mateus 22.41-45). E
assim, atribuindo Senhorio divino ao Filho de Davi, o Salmo 119.1
atribui divindade a Jesus Cristo (Romanos 1.3,4). De fato, foi
apenas porque percebeu que Jesus era o divino “Filho de Davi”, que
o cego Bartimeu clamou ao Filho: “tem misericórdia de mim
[Bartimeu]” (Marcos 10.46-48). Robert Reymond corretamente
afirma que o título Filho de Davi “de fato não é um título dominante
nos Evangelhos; todavia, quando ocorre, claramente atribui
messianidade a Jesus; e toda evidência confirma, e nenhuma pesa
contra, sua aceitação e aprovação desse título”.[19]
Servo
Como foi observado, quando fala de Jesus como Servo, o
Novo Testamento refere-se à função sacerdotal de Jesus. Como “o
santo Servo [de Deus] Jesus” (Atos 4.27,30; 3.13,26), Cristo é o
cumpridor das profecias do Servo no livro de Isaías (Isaías 42.1-9;
49.1-7; 50.4-9; 52.13-53.12, compare Mateus 12.18-21; 20.28).
Jesus veio “não para ser servido, mas para servir, e dar sua vida em
resgate de muitos” (Marcos 10.45).
Que Jesus Cristo, como o grande Sumo Sacerdote, é
também o Servo sofredor, fala de sua natureza humana. O autor de
Hebreus escreve que em sua função sacerdotal, Jesus foi feito “um
pouco menor do que os anjos” (2.9); era dependente do seu Pai
celestial (2.13); participou da carne e do sangue (2.14); foi sujeito à
tentação (2.18); todavia, foi achado sem pecado (4.15).
Palavra de Deus
Jesus é o Logos; é a Palavra de Deus (João 1.1,14; 1 João
1.1; Apocalipse 19.13). Esse título está impregnado de significado
teológico e filosófico. De acordo com o Evangelho de João, Jesus é
o Logos cosmológico que, como Rei, cria e providencialmente
sustenta todas as coisas no universo (1.1-3). É também o Logos
soteriológico, que, como Sacerdote, salva os eleitos dos seus
pecados (1.4,12,13; 14.6). Jesus também é o Logos epistemológico
que, como Profeta, é a “verdadeira luz que ilumina todo homem”
(1.9), e revela o Pai aos eleitos (1.18; 14.7,9). Como o Logos
epistemológico (o Profeta), foco primário deste título, Jesus veio
como a revelação suprema e final de Deus ao homem (João
1.1,14,18; Hebreus 1.1-3).
Em muito da filosofia grega, o logos era aquele princípio
abstrato e impessoal que alegadamente dava propósito, unidade e
significado a todas as coisas. No pensamento hebraico, por outro
lado, uma “palavra” (logos) é ao mesmo tempo uma palavra interior,
como um pensamento falado. Uma palavra serve a dois propósitos:
dar expressão a um pensamento interior e revelar esse pensamento
verbalmente a outros. Na crença semítica, então, o Logos de Deus é
o que expressa a mente de Deus. E pode até mesmo ser chamado
de a mente do próprio Deus.
Portanto, quando escreve que Jesus Cristo é o Logos de
Deus, João está declarando que Jesus, como divindade ontológica,
tanto expressa como reflete a mente de Deus. Como João 1.18
deixa claro, Jesus veio para explicar (exegeomai, “exegeta”) o Pai à
humanidade. Em seu ministério profético, Jesus como a Palavra de
Deus encarnada, nos dá a Palavra de Deus registrada: a Bíblia.
Além do mais, como Gordon Clark aponta, Jesus é “a Lógica
de Deus” (a palavra portuguesa “lógica” é derivada de logos). Jesus
Cristo é a verdade, a razão e a sabedoria encarnada (João 14.6; 1
Coríntios 1.24,30; Colossenses 2.3). E como tal, o Jesus pessoal
(não um princípio abstrato) é quem dá coerência, unidade,
consistência, propósito e significado a todas as coisas. Nas palavras
de Paulo, Jesus é aquele em quem “todas as coisas subsistem”
(Colossenses 1.17), trazendo ordem e harmonia para o universo
criado.[20]
Deus
No Novo Testamento, por oito vezes Jesus é especificamente
chamado de Deus (Theos). No Evangelho de João lemos que “a
Palavra [Jesus] era Deus” (1.1) e que Jesus aceitou abertamente
seu reconhecimento, por Tomé, como “meu Senhor e meu Deus”
(20.28). Paulo escreve que Jesus Cristo é o “Deus eternamente
bendito” (Romanos 9.5), e que “Deus [Jesus Cristo] foi manifesto na
carne” (1 Timóteo 3.16).[21] Paulo também o chama de “nosso
grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tito 2.13). Em sua segunda
epístola, Pedro o chama de “nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2
Pedro 1.1). O autor de Hebreus, citando o Salmo 45, chama Jesus
de “Deus” (1.8). E o apóstolo João diz, em 1 João 5.20, que “Jesus
Cristo… é o verdadeiro Deus e a vida eterna”. Com as possíveis
exceções das declarações de “EU SOU” já estudadas aqui, é difícil
conceber uma reivindicação mais alta da divindade de Jesus Cristo.
Jesus é Deus.
Todavia, essas claras apelações à natureza divina de Cristo
não têm ficado livres de desafios e contestações. Com respeito a
Romanos 9.5, por exemplo, onde a Authorized Version, a Revised
Version, a American Standard Version, a New American Standard
Version, a New International Version, a New King James Version,[22]
juntamente com a maioria dos comentaristas, têm adotado a
tradução direta desse versículo como uma afirmação da divindade
de Jesus Cristo, a Revised Standard Version e a New English Bible
objetam. Ambas incorretamente propõem traduções onde “Deus
eternamente bendito” é considerado como uma doxologia ao Pai,
antes que um título cristológico. A influência liberal é evidente. Este
autor concorda com John Murray, que após uma análise exegética
completa do versículo, sustenta: “Podemos assim concluir que não
há nenhuma boa razão para nos afastarmos da construção e
interpretação tradicional desse versículo e, por outro lado, há razões
preponderantes para adotá-la”.[23]
Então temos a Tradução do Novo Mundo das Testemunhas
de Jeová, onde João 1.1 é traduzido da seguinte forma: “A Palavra
era um deus”. A razão alegada para essa tradução é que no original
grego não há nenhum artigo definido antes de Deus; por
conseguinte, deve ser traduzido como “um” deus. Vários
comentaristas e estudiosos do grego têm apontado, contudo, que
essa objeção é respondida pelo que é conhecido como “a regra de
E. C. Colwell”. Essa “regra” declara que “um predicado nominal
definido tem o artigo [definido] quando ele segue o verbo; ele não
tem o artigo [definido] quando precede o verbo [como em João 1.1]”.
[24] Em outras palavras, existe toda razão para que o versículo deva
Filho de Deus
Referindo-se a Jesus como o Filho de Deus (e.g., João 1.49;
10.36), os escritores do Novo Testamento atribuem divindade a
Jesus. Como lemos em João 5.18, os judeus contemporâneos de
Jesus entenderam claramente que, ao dizer que Deus era seu Pai,
Jesus estava “fazendo-se igual a Deus”. Em seu julgamento diante
do sumo sacerdote, quando perguntado: “Tu és o Cristo, o Filho de
Deus?” (Mateus 26.63), Jesus replicou no afirmativo (versículo 64).
De acordo com Levítico 24.16 (Mateus 26.65,66), os juízes,
reconhecendo essa reivindicação de divindade ontológica,
consideraram Jesus culpado de blasfêmia e o sentenciaram à
morte.
Jesus, como o Filho de Deus, não é ontologicamente
subordinado ao Pai.[26] Sua filiação é uma relação intratrinitariana,
denotando uma unidade essencial com o Pai. Algumas vezes o
Novo Testamento refere-se a Cristo como o “unigênito” (monogenes)
do Pai (João 1.14,18; 3.16). Mas a palavra monogenes [derivada de
duas palavras gregas — mono (um) e genos (tipo)] significa “um de
um tipo”, e tem a ver com a “exclusividade” de Cristo. Unigênito
(monogenes) não implica em que Jesus, como a Segunda Pessoa
da Trindade, tenha sido criado ou nascido, ou que em algum sentido
seja ontologicamente subordinado ao Pai. Como B. B. Warfield
escreve: “O adjetivo ‘unigênito’ transmite a ideia, não de derivação e
subordinação, mas de exclusividade e consubstancialidade: Jesus é
tudo o que Deus é, e somente ele é isso”.[27]
Como o Filho unigênito do Pai, então, Jesus é único. Os
cristãos são como filhos e filhas de Deus o Pai, mas são filhos
adotados (Romanos 8.14-16; Gálatas 4.4-6). Em João 20.17, Jesus
faz uma distinção entre seu relacionamento com o Pai e o
relacionamento de seus discípulos com o Pai: “Subo para meu Pai e
vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus”.
JESUS CRISTO: UMA PESSOA E DUAS NATUREZAS
De acordo com o Concílio de Calcedônia (451 d.C.),
considerado, por inúmeros teólogos, “o padrão da ortodoxia
cristológica”,[28] Jesus Cristo é:
Verdadeiro Deus e
verdadeiro
homem, com alma
racional e corpo;
consubstancial ao
Pai, segundo a
divindade, e
consubstancial a
nós, segundo a
humanidade; em
todas as coisas
semelhante a nós,
exceto no pecado;
gerado segundo a
divindade antes
dos séculos pelo
Pai e, segundo a
humanidade, para
nós e para nossa
salvação; gerado
da Virgem Maria,
mãe de Deus; um
só e mesmo
Cristo, Filho,
Senhor, Unigênito,
que se deve
confessar, em
duas naturezas,
inconfundíveis e
imutáveis,
inseparáveis e
indivisíveis; a
distinção das
naturezas de
modo algum é
anulada pela
união, mas pelo
contrário, as
propriedades de
cada natureza
permanecem
intactas,
concorrendo para
formar uma só
pessoa e uma
subsistência; não
dividido ou
separado em duas
pessoas. Mas um
só e mesmo Filho
Unigênito, Deus
Verbo, Jesus
Cristo Senhor.
A Natureza Divina
Em toda a história da Igreja, tem havido aqueles que negam
a divindade de Cristo. No segundo século, os ebionistas,
provavelmente um desdobramento do movimento judaizante que
Paulo denuncia em sua carta aos Gálatas, sustentavam que Jesus
era o filho natural de José e Maria, afirmando, assim, sua natureza
humana. Mas negavam que Jesus fosse divino. Por sua vez, no
quarto século, os arianos também rejeitaram a eternidade de Jesus
como o Logos. Distorcendo passagens tais como Provérbios 8.22,
Romanos 8.29 e Colossenses 1.15, Ário alegava que Jesus foi
gerado e, portanto, devia ter tido um começo. Ário dizia que Cristo
era a maior de todas as criaturas de Deus, tinha sido criado antes
do restante da criação e tinha uma natureza divina similar à de
Deus, mas não era o mesmo que Deus. O arianismo foi condenado
como herético no Concílio de Nicéia (325 d.C.). As Testemunhas de
Jeová de hoje são uma forma moderna de arianismo. No século
dezenove, homens como Ernest Renan e David Strauss foram
decisivos em iniciar o movimento que veio a ser conhecido como “a
busca do Jesus histórico”. Negando que os evangelhos nos dão um
relato exato dos verdadeiros ensinos de Jesus Cristo, esses
estudiosos pensavam ser necessário ir além do texto da Escritura,
um texto cheio de mitos e folclore, e encontrar o Jesus histórico.
Gradativamente, o “Jesus real” foi sendo descrito e afinal
considerado um bom professor de princípios espirituais, mas
certamente não a Segunda Pessoa da Trindade.
Interessante, foi ao liberal Albert Schweitzer que coube
desestruturar esse movimento, quando escreveu seu The Quest of
the Historical Jesus [A busca do Jesus histórico].[29] Schweitzer
demonstrou que o Jesus histórico, como formulado por aqueles
estudiosos, era simplesmente um produto de suas pressuposições
modernistas. Uma pessoa não pode separar racionalmente o Jesus
histórico do Jesus dos Evangelhos.
Outros estudiosos do século XX, tais como Rudolf Bultmann
e seu Jesus desmitologizado,[30] e os autores do livro The Myth of
God Incarnate [O mito do Deus encarnado],[31] têm continuado essa
investida contra a natureza divina de Jesus Cristo. Depois, há
também aqueles na escola da alta crítica que formaram o que é
conhecido como o Jesus Seminar.[32] O propósito dessa aliança era
ressuscitar a busca pelo Jesus histórico. O resultado dos
descobrimentos envolvidos nesse movimento foi publicado em The
Five Gospels: The Search for the Authentic Words of Jesus [Os
cinco Evangelhos: a busca pelas palavras autênticas de Jesus].[33] A
conclusão do Jesus Seminar é que Jesus Cristo não é uma
divindade eterna. [34]
B. B. Warfield avalia corretamente a suma do pensamento
liberal em sua busca para encontrar o Jesus histórico: “É o Jesus
des-supernaturalizado — o Jesus mitológico —, o qual nunca
existiu; a postulação da existência de quem não explica nada e
deixa todo o desenvolvimento histórico suspenso no ar”.[35]
Em concordância com Warfield, e contrária às negações da
deidade de Cristo, a Confissão de fé de Westminster (8:2) ensina a
visão bíblica de que Jesus Cristo é “o Filho de Deus, a Segunda
Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma
substância do Pai e igual a ele”. A Bíblia está repleta de passagens
que apoiam essa posição. Já vimos que os títulos cristológicos
“Cristo”, “Senhor”, “Filho do Homem”, “Filho de Davi”, “Palavra de
Deus”, “Deus” e “Filho de Deus”, juntamente com os “EU SOU”
encontrados no Evangelho de João — todos esses — afirmam a
natureza divina de Cristo.
A preexistência da Segunda Pessoa da Trindade é
claramente ensinada em passagens tais como João 1.1 (“No
princípio era o Verbo”), João 3.13 (“Ora, ninguém subiu ao céu,
senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que
está no céu”), e João 3.31 (“Aquele [Cristo] que vem de cima é
sobre todos”, ARC). João, o Batista sustentou que, embora ele
[João Batista] tivesse nascido antes de Jesus, todavia, Cristo, como
a Segunda Pessoa da Trindade, “já existia antes de mim” (João
1.15,30). E somos informados de que, como divindade preexistente,
Cristo é tanto Criador (João 1.3; Colossenses 1.16; Hebreus 1.2)
como Sustentador providencial (Colossenses 1.17; Hebreus 1.3) do
universo.
No Antigo Testamento, há várias passagens que falam sobre
o “Anjo do Senhor”, onde está claro que o Anjo é uma manifestação
do próprio Deus. Ele tanto se identifica com Deus quanto também
exerce prerrogativas divinas (Gênesis 16.7-13; 18.1-21; 19.1-21;
22.11-18; Êxodo 3.2; Juízes 2.1-4; 6.11-22; 2 Samuel 24.16).
Todavia, ao mesmo tempo, o Anjo é distinguido do Senhor (Gênesis
48.15,16; Êxodo 23.20-23; Zacarias 1.12,13). O que temos aqui é
uma “Cristofania”, uma manifestação da Segunda Pessoa pré-
encarnada da Trindade. Como Reymond afirma: “O registro bíblico
sugere que o Anjo, como uma Pessoa divina, era incriado”.[36]
Da mesma forma, Isaías 9.6 e Miquéias 5.2 profetizam sobre
a vinda do Messias, o qual, dizem, é “eterno”. A profecia de Isaías é
especialmente forte, visto afirmar que o Messias vindouro é “Deus
Forte”. O Novo Testamento revela que essas duas profecias do
Antigo Testamento foram cumpridas em Cristo, afirmando assim sua
divindade (Lucas 2.11; João 3.16; Efésios 2.14; Tito 2.13; Mateus
2.1-12).
Várias outras profecias do Antigo Testamento revelam a
natureza divina do Messias vindouro. O Salmo 2 ensina sobre a
vinda de um Filho entronizado, que é igual ao Pai. Hebreus 1.5, Atos
4.25,26 e 13.33 nos ensinam que esse Filho é Jesus Cristo. O
Salmo 45 fala sobre um Rei e Noivo divino. Hebreus 1.8,9 nos
revela que esse é Cristo. O Salmo 102 refere-se às atividades
criativas do Deus eterno. Hebreus 1.10-12 nos diz que isso se refere
a Jesus Cristo. O Salmo 110 nos ensina sobre um Sacerdote e Rei
que é Senhor. Mateus 22.41-45, Hebreus 1.3,13 e 5.6,10 nos dizem
que esse é Cristo. E em Malaquias 3,4 somos informados sobre a
vinda do Mensageiro divino do pacto. Marcos 1.2 nos diz que esse
também é a Segunda Pessoa da Deidade, Jesus Cristo.
A natureza divina de Jesus Cristo é revelada de várias outras
formas. Como temos visto, ele é o Criador (João 1.1; Colossenses
1.16; Hebreus 1.2) e Sustentador providencial (Colossenses 1.17;
Hebreus 1.3) do universo. Ele perdoa pecados (Marcos 2.1-12). Tem
poder e autoridade universal (Mateus 28.18; Efésios 1.22).
Ressuscita mortos (João 11.38-44). Tem poder e autoridade para
conceder vida eterna (Mateus 11.25-27; João 5.26; 6.63). Ele é o
propósito da adoração (Mateus 28.16; João 20.28; Atos 7.59). Jesus
realizou milagres “quais nenhum outro fez” (João 15.24) — milagres
que “manifestaram sua glória [isto é, sua divindade]” (João 2.11), e
deu autoridade a outros para também realizarem milagres (Mateus
10.1-8). Todas essas revelações do poder e da autoridade de Cristo
falam da sua natureza divina.
O Novo Testamento também ensina que Jesus Cristo possui
atributos divinos. Demonstrou sua onipotência e soberania ao criar e
(continuamente) sustentar o universo (Colossenses 1.16,17), ao
silenciar uma tempestade no mar (Marcos 4.35-41), ao andar sobre
a água (Mateus 14.22-33), ao transformar água em vinho (João 2.1-
11) e ao ressuscitar Lázaro dentre os mortos (João 11.38-44). Jesus
ensinou que é eterno, nas declarações “EU SOU” estudadas acima,
e isso ainda é confirmado em Hebreus 1.10-12. Demonstrou sua
onisciência ao conhecer os pensamentos das pessoas (Marcos 2.8;
João 1.48; 2.25), ao saber “desde o princípio, quais eram os que
não criam e quem o havia de trair” (João 6.64), ao proclamar que
tinha um conhecimento igual ao de Deus, o Pai (Mateus 11.25-27), e
ao reconhecer a afirmação de seus discípulos de que “[tu] sabes
todas as coisas” (João 16.30; 21.17). Jesus demonstrou sua
onipresença ao afirmar que estaria sempre com a sua igreja
(Mateus 18.20; 28.20). E a imutabilidade de Deus, o Filho, é
ensinada em Hebreus 13.8: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje,
e eternamente” (ARC).
Finalmente, aprendemos no Evangelho de João que Jesus
Cristo, que é a Palavra de Deus encarnada (1.1,14), é “um”[37] em
essência com o Pai (10.30); recebe a mesma honra que o Pai
(5.23); deve-se confiar e crer nele assim como se deve confiar e crer
no Pai (14.1); Jesus manifesta o nome de Deus em sua pessoa
(17.6), revela a obra de Deus em sua obra (17.4), e revela as
palavras de Deus em suas palavras (12.44-50; 17.8). De acordo
com a Escritura, Jesus é plenamente divino.
A Natureza Humana
Assim como na história da Igreja sempre houve aqueles que
negaram a divindade genuína de Jesus Cristo, assim também
sempre houve aqueles que negaram sua humanidade genuína,
obviamente negando, assim, não somente sua encarnação, mas
também sua crucificação, sua ressurreição corporal e sua ascensão.
No primeiro século emergiu uma forma de gnosticismo conhecida
como docetismo (do verbo grego dokeo, “parecer” ou “aparentar”).
Essa visão sustentava que seria mau para Deus tomar sobre si uma
natureza humana, pois o mundo físico é em si mesmo pecaminoso.
Assim, apenas “parece ou aparenta” que Cristo tinha um corpo
físico. O apóstolo João fala contra o docetismo em 1 João 4.1-6.
Então, no quarto século, Apolinário, um tricotomista,[38]
ensinou que Cristo tinha um corpo humano e uma alma humana,
mas seu espírito humano tinha sido substituído pelo Logos divino.
Isto, certamente, faz de Cristo menos que humano. Esta visão foi
condenada no Concílio de Constantinopla (381 d.C.).
Não obstante esses falsos ensinos, a Confissão (8:2) declara
que a Segunda Pessoa da Trindade “quando chegou o cumprimento
do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas
propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem
pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da
Virgem Maria e da substância dela”.
A natureza humana de Jesus Cristo é manifesta de várias
formas no Novo Testamento. Mateus (1.18-25) e Lucas (1.26-38)
nos informam, nas palavras da Confissão, que “quando chegou o
cumprimento do tempo”, Cristo foi “concebido pelo poder do Espírito
Santo no ventre da Virgem Maria e da substância dela”. Isso, de
acordo com Mateus 1.23, foi o cumprimento de Isaías 7.14: “Eis que
a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel”.
Não é que o Filho de Deus tenha se tornado um homem no sentido
de abrir mão da sua divindade. Antes, como a Confissão diz, a
Segunda Pessoa “tomou sobre si a natureza humana com todas as
suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem
pecado” (veja João 1.14; Hebreus 4.15).
Jesus chama a si mesmo de homem, em João 8.40, e é
chamado de homem em inúmeras circunstâncias (Marcos 14.71;
Lucas 23.4; João 4.29; 5.12; 10.33; 1 Timóteo 2.5). O autor de
Hebreus é muito claro quando escreve que “visto, pois, que os filhos
têm participação comum de carne e sangue, destes também ele
[Cristo], igualmente, participou… Por isso mesmo, convinha que, em
todas as coisas, se tornasse semelhante aos irmãos” (2.14,17).
Além do mais, a ascendência humana de Jesus é traçada tanto em
Mateus 1.1-17 (até Abraão) como em Lucas 3.23-37 (até Adão).
Então, em Mateus 26.26,38 e Lucas 23.46, lemos que Jesus Cristo
tinha uma alma humana. Assim, aprendemos a partir desses
versículos, como o Breve catecismo (pergunta 22) ensina, que
“Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro
corpo, e uma alma racional”.
E em Lucas 2.52, lemos que Jesus Cristo passou por um
período de desenvolvimento humano, no qual “crescia em
sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens”. A Bíblia
nos ensina que Jesus tinha necessidades humanas, tais como
comida (Mateus 4.2), bebida (João 4.7) e sono (Marcos 4.38).
Somos informados também de que Jesus “aprendeu a obediência
pelas coisas que sofreu” (Hebreus 5.8). Ele se cansava (João 4.6) e
tinha sangue humano em suas veias (João 19.34; Hebreus 2.14).
Em Tiago 1.13 aprendemos que Deus não pode ser tentado. Porém,
Mateus 4.1-11 e Hebreus 2.17,18, nos dizem que Jesus foi tentado.
Obviamente, então, essa tentação tinha a ver com sua natureza
humana, e não com sua natureza divina. Também, a Escritura
ensina que Deus é onisciente (Atos 15.18; 1 João 3.20), mas em
Marcos 13.32 lemos que o Filho não sabia o tempo do segundo
advento — uma referência óbvia à sua humanidade. A Bíblia
também ensina que Deus é o doador da lei (Isaías 33.22; Tiago
4.12) e, portanto, está acima da lei: “No céu está o nosso Deus e
tudo faz como lhe agrada” (Salmo 115.3; 135.6). Mas Cristo como
um ser humano, foi “nascido sob [sujeito] a lei” (Gálatas 4.4). Então
também sabemos que Deus, sendo imutável, não se emociona.
Como a Confissão declara: Ele é “sem corpo, membros ou paixões”.
Todavia, Jesus, como ser humano, se emocionava. Por exemplo, ele
expressou irritação ou indignação (Marcos 10.14), se entristeceu
(Marcos 3.5), ficou perplexo, angustiado, perturbado (Marcos 14.34;
João 12.27), e expressou surpresa ou admiração (Marcos 6.6;
Lucas 7.9).
Outras evidências da humanidade genuína de Jesus são
vistas no fato de que ele “cuspiu na terra, e, com a saliva, fez lodo”
(João 9.6). Chorou a morte de Lázaro (João 11.35). Teve uma coroa
de espinhos “posta na sua cabeça” e deram-lhe [os líderes judeus]
“bofetadas” (João 19.2-3). E enquanto Jesus estava sobre a cruz,
“um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança, e logo saiu
sangue e água” (João 19.34). Finalmente, Jesus morreu (Marcos
15.44-46). Porém, mesmo após a ressurreição, Jesus revelou suas
feridas a seus discípulos (João 20.20,27). Em várias ocasiões
comeu com eles (Lucas 24.28-43; João 21.9-14). E mostrou, a seus
discípulos, suas mãos e pés, encorajando-os da seguinte forma:
“Apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem
ossos, como vedes que eu tenho” (Lucas 24.39). Então, como um
ser humano, Cristo ascendeu à destra do Pai (Marcos 16.19; Atos
1.9-11).
É importante observar aqui: mesmo após sua ascensão,
Jesus Cristo permanece tanto Deus como homem. Como o
Catecismo maior (pergunta 36) ensina: “O Senhor Jesus Cristo, que,
sendo o eterno Filho de Deus, da mesma substância e igual ao Pai,
no cumprimento do tempo fez-se homem, e assim foi e continua
sendo Deus e homem em duas naturezas perfeitas e distintas e uma
só pessoa para sempre”. Isso é confirmado por Paulo: “Pois nele
[Cristo] habita continuamente[39] toda a plenitude da Divindade
corporalmente”. E em Filipenses 3.20,21, o apóstolo ensina que
Cristo está agora mesmo à destra do Pai na forma corpórea, e na
sua segunda vinda “transformará o nosso corpo de humilhação,
para ser igual ao corpo da sua glória”. Então, também, após a
ascensão de Jesus, Estevão “fitou os olhos no céu e viu… o Filho
do Homem, em pé à destra de Deus” (Atos 7.55,56). E o apóstolo
João, tendo visto o Cristo ascendido como “o Filho do homem”,
vestido em suas vestimentas sacerdotais, “caiu a seus pés como
morto” (Apocalipse 1.12-17).
Isso de forma alguma implica em que a natureza humana de
Jesus é uma parte da Trindade. Não é! Sua humanidade é tanto
uma parte da criação de Deus quanto o é o restante da
humanidade. O que é único sobre o homem Jesus é que ele não
tinha pecado. Essa verdade é testemunhada com frequência no
Novo Testamento. Jesus nasceu da virgem Maria, tendo sido
concebido pelo Espírito Santo, evitando, assim, a natureza corrupta
que ele teria de outra forma herdado através da semente de Adão
(Lucas 1.35). E durante toda a sua vida Jesus permaneceu “santo,
inculpável, sem mácula, separado dos pecadores” (Hebreus 7.26).
Ele era o cordeiro de Deus, “sem defeito e sem mácula” (1 Pedro
1.19). Embora tenha sido “tentado em todas as coisas, à nossa
semelhança, todavia [permaneceu] sem pecado (Hebreus 4.15). E
quando sofreu em favor dos seus eleitos, Jesus “não cometeu
pecado, nem dolo algum se achou em sua boca” (1 Pedro 2.21,22).
Por conseguinte, Deus o Pai, “àquele [Cristo] que não conheceu
pecado, o fez pecado por nós [os eleitos]; para que, nele, fôssemos
feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5.21).
Além do mais, a Bíblia ensina que para ser o Salvador da sua
Igreja, era essencial que Jesus Cristo fosse tanto Deus como
homem. O Catecismo maior (perguntas 38-40) explica:
Era necessário
que o Mediador
fosse Deus, para
poder sustentar a
natureza humana
e guardá-la de cair
sob a ira infinita de
Deus e o poder da
morte; para dar
valor e eficácia a
seus sofrimentos,
obediência e
intercessão; e para
satisfazer a justiça
de Deus,
conseguir seu
favor, adquirir um
povo peculiar, dar
a esse povo o seu
Espírito, vencer
todos os seus
inimigos e
conduzi-lo à
salvação eterna.
Era necessário
que o Mediador
fosse homem,
para poder
identificar-se com
a nossa natureza e
obedecer à lei,
sofrer e interceder
por nós em nossa
natureza, e
solidarizar-se
conosco em
nossas
enfermidades;
para que
recebêssemos a
adoção de filhos, e
tivéssemos
conforto e acesso
com confiança ao
trono da graça.
Era necessário
que o Mediador,
que havia de
reconciliar o
homem com Deus,
fosse Deus e
homem e isso em
uma só pessoa,
para que as obras
próprias de cada
natureza fossem
aceitas por Deus a
nosso favor e que
confiássemos
nelas como as
obras da pessoa
inteira.
A Unidade da Pessoa
Como temos visto, durante toda a história da Igreja tem
havido sempre os que negam a divindade de Cristo e os que negam
sua humanidade. Também sempre houve e há os que negam a
visão bíblica da união das duas naturezas. Em vez de apenas
distinguir entre as duas naturezas de Cristo, o nestorianismo,[40] do
quinto século, dividiu Cristo em duas pessoas distintas. O
nestorianismo foi condenado no Concílio de Éfeso (431). Por outro
lado, os eutiquianos, do quinto século, afirmaram que após a
encarnação havia somente uma natureza em Cristo. Essa natureza
não era nem completamente humana, nem completamente divina.
Antes, a união teria produzido uma tertium quid — mistura das duas
naturezas numa terceira natureza. Essa visão, também conhecida
como monofisitismo (“uma natureza”), foi condenada no Concílio de
Calcedônia (451 d.C.).
A visão bíblica da unidade da Pessoa de Cristo é ensinada na
Confissão de Westminster (8:2), que declara de Cristo que “as duas
naturezas, inteiras, perfeitas e distintas — a divindade e a
humanidade — foram inseparavelmente unidas em uma só Pessoa,
sem conversão, composição ou confusão; essa Pessoa é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador
entre Deus e o homem”.
Os teólogos chamam a união das naturezas divina e humana
de Jesus Cristo numa única Pessoa, de união hipostática. Na
encarnação, como ensinado pela Confissão, o eterno Filho de Deus
tomou sobre si uma verdadeira natureza humana. Desde então,
Jesus Cristo é, e sempre será, uma Pessoa (isto é, um Deus-
homem), com duas naturezas autoconscientes: uma divina e uma
humana.
Aqui, porém, é onde a dificuldade se levanta. A declaração do
Credo de Calcedônia, citado acima, juntamente com muito do
“cristianismo” popular, tem uma visão diferente. Essa visão sustenta
que a partir do tempo da encarnação, a Segunda Pessoa da
Divindade é uma Pessoa divina com duas naturezas: uma divina e
uma humana. Louis Berkhof, defensor dessa visão, explica: “Há
apenas uma Pessoa no Mediador, e essa Pessoa é o imutável Filho
de Deus. Na encarnação ele não se transformou numa pessoa
humana; simplesmente assumiu uma natureza humana, a qual não
se desenvolveu numa personalidade humana, mas tornou-se
pessoa na Pessoa do Filho. A Pessoa única divina, que possuía
uma natureza divina desde a eternidade, assumiu uma natureza
humana e agora tem duas”.[41] Augustus Strong está de acordo com
Berkhof: conclui que a Pessoa única divina assumiu uma natureza
humana impessoal. Em outras palavras, não se uniu com uma
pessoa humana, mas com uma natureza humana “sem
personalidade”.[42]
Sob esse ponto de vista, a Pessoa única não é o Deus-
homem, mas a Segunda Pessoa da Divindade. A dificuldade, então,
é: se Jesus Cristo tem duas naturezas completas — uma
plenamente divina e outra plenamente humana — e todavia, é uma
Pessoa divina indivisa, como essa Pessoa pode ser genuinamente
humana?
Isto é, se como ensinado em Hebreus 2.17 e afirmado pela
declaração do Credo de Calcedônia, Jesus Cristo é “em todas as
coisas semelhante a nós”, como ele não é uma pessoa humana? Se
como Calcedônia apropriadamente afirma, Jesus Cristo tomou sobre
si uma natureza humana, de forma que, “segundo a humanidade”,
ele é “em todas as coisas semelhante a nós”, então ele tinha um
corpo humano e uma alma humana. Não é ele então uma pessoa
humana? Afinal, a Bíblia repetidamente afirma que Jesus Cristo não
é apenas uma natureza humana; ele é “o homem Cristo Jesus” (1
Timóteo 2.5).
Além do mais, se a Pessoa autoconsciente do Deus-homem
é a Segunda Pessoa da Trindade, como a maioria do “cristianismo”
popular afirma, então a natureza humana não seria autoconsciente.
Todavia, em Lucas 2.52 lemos que Jesus crescia, não somente em
“estatura” (isto é, fisicamente), mas também “em sabedoria”
(mentalmente), mostrando assim que a natureza humana (pois a
natureza divina, sendo onisciente, não pode crescer) de Jesus tinha
uma consciência. Mas se o Deus-homem tinha duas consciências,
então ele é duas pessoas: divina e humana.[43]
Essa foi a questão com que Nestório lutou. E como Thomas
Morris apontou, outros pensadores cristãos primitivos, tais como
Gregório de Nissa (aprox. 330-395 d.C.), Gregório de Nazianzeno
(329-389 d.C.), e Cirilo de Alexandria (falecido em 444 d.C.),
também viram esse problema. Não foram tão longe quanto os
nestorianos ao ponto de afirmar que Cristo tivesse duas pessoas
separadas. Mas sustentaram o que Morris chama de “a visão das
duas mentes de Cristo”.[44] É irracional, diziam esses estudiosos,
sustentar que o Deus-homem tinha somente uma autoconsciência
divina. Se fosse o caso, ele não poderia ser plenamente homem.
A resposta para esse problema tem sido abismal.
Tristemente, um modo típico de aliviar a dificuldade tem sido a
abordagem kierkegardiana: coloque-a no mundo do paradoxo
lógico. Outra solução é descartar o ensino bíblico de que Deus não
é suscetível a paixões e sugerir que a Segunda Pessoa da
Divindade realmente sofreu sobre a cruz.
Essas, certamente, não são soluções reais de forma
nenhuma. No último livro que publicou, The Incarnation,[45] Gordon
Clark tentou decifrar esse enigma. De acordo com o Dr. Clark, “o
erro fatal” nessa questão é a ausência de definições. Como o Credo
de Calcedônia, e como os outros, definem “pessoa”? Como
“natureza” é definida? Aqui reside a dificuldade.[46] Aparentemente,
quando os teólogos primitivos formularam a doutrina da encarnação,
os termos usados foram de certa forma ambíguos. Mas devemos
nos guardar contra qualquer alegada solução que não forneça a
humanidade plena de Jesus Cristo. E falar da humanidade de Cristo
como uma natureza humana impessoal (se é que existe tal coisa),
que se torna pessoal na encarnação, não resolve o problema. Além
do mais, se a natureza se torna pessoal na Pessoa do Filho, então
ela é uma pessoa humana.
O Dr. Clark faz algumas perguntas muito relevantes: “Se
Jesus não era uma pessoa humana, quem ou o quê sofreu na cruz?
A Segunda Pessoa [da Trindade] não poderia ter sofrido, pois a
divindade não é suscetível a paixões… Se então a Segunda Pessoa
não podia sofrer, poderia uma natureza [humana impessoal]
sofrer?”.[47]
O Dr. Clark continua: “Pelo contrário, somente… uma pessoa
pode sofrer”. Além do mais, pondera, visto que a Bíblia nos ensina
que Cristo possuía uma consciência humana, mente e coração, e
vontade, como ele pode não ser uma pessoa?”. A salvação dos
eleitos é realizada “pela alegada morte de uma natureza [humana]
impessoal?”. Não, diz Clark, “aquele que morreu sobre a cruz foi um
homem, ele tinha ou era uma alma, ele era um ser humano, uma
Pessoa”.[48]
John Murray, defensor da visão de Calcedônia, viu, todavia,
as dificuldades com as “definições”:
Talvez ao termo
“Pessoa” possa
ser dada uma
conotação em
nosso contexto
moderno, e
“Pessoa” ser
aplicado à
natureza humana
de Cristo, sem
com isso chocar-
se contra a
unidade de sua
Pessoa divino-
humana. Em
outras palavras, o
termo “natureza”
pode ser muito
abstrato para
expressar tudo o
que pertence à
sua humanidade e
o termo “Pessoa” é
necessário para
expressar a
humanidade que é
verdadeira e
apropriadamente
sua.[49]
A exaltação de
Cristo consiste em
ele ressurgir dos
mortos no terceiro
dia; em subir ao
Céu e estar
sentado à direita
de Deus Pai, e em
vir para julgar o
mundo no último
dia.
O Estado de Humilhação
O estado de humilhação de Jesus começou na encarnação
(sua concepção e nascimento). Ele assumiu uma natureza humana
“em semelhança de carne pecaminosa” (Romanos 8.3). Nesse
momento, tornou-se um servo sob a lei (Gálatas 4.4), lei que
cumpriu perfeitamente durante seu ministério terreno (Mateus 5.17;
Romanos 5.19). Jesus Cristo sofreu durante toda a sua vida sobre a
terra. Experimentou assaltos de Satanás (Mateus 4.1-11), e o ódio
de seus próximos (João 8.30-59; 11.45-54). Então, Jesus também
experimentou os sofrimentos ordinários da humanidade: cansou-se
(João 4.6), sentiu fome (Mateus 4.2), teve sede (João 19.19-28), e
foi abandonado (Mateus 26.56). Jesus era “homem de dores e que
sabe o que é padecer” (Isaías 53.3). Durante esse tempo, Jesus
“aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hebreus 5.8),
fazendo-se assim um Salvador compassivo (Hebreus 2.18; 4.15).
Certamente, o sofrimento de Jesus alcançou seu zênite sobre a
cruz. Em sua morte, Jesus tornou-se pecado para os eleitos (2
Coríntios 5.21), sofrendo a maldição da lei no lugar deles (Gálatas
3.13). Como ensina o Catecismo maior (pergunta 49):
Cristo humilhou-se
na sua morte
porque, tendo sido
traído por Judas,
abandonado por
seus discípulos,
escarnecido e
rejeitado pelo
mundo,
condenado por
[Pôncio] Pilatos e
atormentado por
seus
perseguidores,
tendo também
lutado com os
terrores da morte e
os poderes das
trevas, sentido e
suportado o peso
da ira de Deus,
deu sua vida como
oferta pelo
pecado, sofrendo
a penosa,
vergonhosa e
maldita morte da
cruz.
O Estado de Exaltação
A primeira fase do estado de exaltação de Cristo foi a
ressurreição, como declara o Catecismo maior (pergunta 52): “Cristo
foi exaltado na sua ressurreição, não tendo visto corrupção na morte
(pela qual não era possível que fosse retido), e tendo o mesmo
corpo em que sofrera, com suas propriedades essenciais (sem a
mortalidade e outras enfermidades comuns a esta vida), realmente
unido à sua alma, ressurgiu dentre os mortos ao terceiro dia”. Nesse
ponto, Jesus Cristo foi “declarado Filho de Deus em poder”
(Romanos 1.4, ARC).
Na ressurreição, o Pai vindicou plenamente seu Filho (Atos
17.31), como “Senhor tanto de mortos como de vivos” (Romanos
14.9), e Cabeça da igreja (Efésios 1.20-23). A vitória de Cristo foi
proclamada a todo o mundo. Morte e pecado tinham sido derrotados
(2 Timóteo 1.10; Hebreus 2.14). A justiça divina tinha sido satisfeita
(Romanos 8.34). Além disso, o corpo ressurreto de Cristo não mais
estava sujeito à fraqueza, sofrimento e morte (Romanos 6.9,10; 1
Coríntios 15.42-44; Filipenses 3.20,21). À parte da ressurreição de
Cristo, a esperança cristã é vã (1 Coríntios 15.12-19). Sua
ressurreição é uma parte central da mensagem do Evangelho (1
Coríntios 15.3,4). Ela garante a ressurreição final de todos os eleitos
(1 Coríntios 15.20-23).
É importante ressaltar que a ressurreição de Cristo teve mais
que um simples significado pessoal. Ela é cósmica em seu escopo.
Em 1 Coríntios 15.20-58, Paulo argumenta que a ressurreição de
Jesus é, num sentido muito real, a contraparte da criação. Richard
Gaffin explica:
A ressurreição de
Cristo é o início da
nova e final ordem
do mundo, uma
ordem descrita
como espiritual e
celestial. Ela é a
aurora da nova
criação, o começo
da era
escatológica. Em
termos da
estrutura
conceitual com a
qual Paulo vê o
todo da história,
ela é o início da
era por vir.[55]
Cristo há de ser
exaltado na sua
vinda para julgar o
mundo, em que,
tendo sido
injustamente
julgado e
condenado pelos
homens maus, virá
segunda vez no
último dia, com
grande poder e na
plena
manifestação da
sua glória e da
glória do seu Pai,
com todos os seus
santos e anjos,
com brado, com
voz de arcanjo e
com a trombeta de
Deus, para julgar o
mundo em retidão.
Capítulo Três: A Obra de Cristo
O Senhor Jesus,
por sua perfeita
obediência e pelo
sacrifício de si
mesmo, sacrifício
que pelo Eterno
Espírito, ofereceu
a Deus uma só
vez, satisfez
plenamente a
justiça do Pai; e
para todos os que
o Pai lhe deu,
adquiriu não só a
reconciliação,
como também
uma herança
perdurável no
Reino dos Céus.
Preferimos dizer…
que dentro da vida
essencial da
Trindade nenhuma
pessoa é anterior
a, nem gerada por,
nem procede de
outra, e que tal
prioridade e
subordinação,
como encontramos
reveladas nas
obras da criação,
redenção e
santificação,
relacionam-se, não
à Trindade
imanente
[ontológica], mas à
Trindade
econômica.[62]
Cristo exerce as
funções de
Profeta, revelando-
nos, por sua
Palavra e Espírito,
a vontade de Deus
para a nossa
salvação.
Cristo exerce as
funções de
Sacerdote,
oferecendo-se a si
mesmo uma vez
em sacrifício para
satisfazer a justiça
divina e
reconciliar-nos
com Deus; e
fazendo contínua
intercessão por
nós.
Cristo exerce as
funções de Rei,
sujeitando-nos a
si, governando-nos
e protegendo-nos,
contendo e
subjugando todos
os seus inimigos e
os nossos.
O Ofício de Profeta
O Ofício de Sacerdote
Já vimos que no plano eterno de salvação, estabelecido por
Deus, o propósito da encarnação de Cristo era que Deus fosse
glorificado por meio da redenção dos eleitos.
Nas palavras do próprio Cristo, o Filho do Homem veio “para
dar a sua vida em resgate por muitos” (Marcos 10.45); ele veio
“buscar e salvar o perdido” (Lucas 19.10). Essa é a função
sacerdotal de Cristo.
Na administração do Antigo Pacto, os sacerdotes vinham da
linhagem de Levi, em particular através de Aarão (Números 3; 18;
Hebreus 7). Enquanto os profetas representavam Deus diante do
povo, os sacerdotes do Antigo Testamento representavam o povo
diante de Deus, principalmente oferecendo ofertas e sacrifícios a
Deus pelos pecados do povo (Hebreus 5.1). Dessa forma, o
sacerdócio aarônico funcionava como intercessor. Mas o Antigo
Testamento também predisse a vinda de um grande Sumo
Sacerdote, que seria, não da linhagem de Levi, mas da ordem de
Melquisedeque; e cujo sacerdócio seria eterno: “O SENHOR jurou e
não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a
ordem de Melquisedeque” (Salmo 110.4). Lemos no Novo
Testamento que isso foi cumprido na Pessoa de Jesus Cristo
(Hebreus 7), que era da tribo de Judá (7.14; Mateus 1.1-17).
O autor de Hebreus ensina que os sacrifícios de animais
eram insuficientes para a remoção do pecado: “Entretanto, nesses
sacrifícios faz-se recordação de pecados todos os anos, porque é
impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados”
(10.3,4). Antes, os muitos e repetidos sacrifícios (10.11),
funcionavam como uma “sombra dos bens vindouros” (10.1). Isto é,
apontavam para a vinda do Messias e seu “único sacrifício pelos
pecados, para sempre” (10.12). Como ensinado na Confissão (7:5),
sob a dispensação do Antigo Testamento, o pacto de Deus “foi
administrado por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão,
pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças… prefigurando,
tudo, Cristo que havia de vir”. O pecado poderia ser expiado
somente pela obra redentora de Cristo na cruz (Hebreus 9.26-28). É
devido somente à sua obra salvadora em favor dos eleitos que “de
nenhum modo me lembrarei [eu, Deus o Pai] dos seus pecados e
das suas iniquidades, para sempre” (Hebreus 10.17).
Uma das formas mais notáveis na qual a obra expiatória de
Cristo é descrita no Antigo Pacto é vista no Dia de Expiação de
Israel. Em Levítico 16, lemos que uma vez por ano o sumo
sacerdote entraria no Santo dos Santos para oferecer um sacrifício
em favor de toda a nação de Israel. Havia dois “bodes” envolvidos
nessa elaborada cerimônia. O sumo sacerdote oferecia o “bode do
sacrifício” pelos pecados do povo. Então colocava suas mãos sobre
o segundo bode (o “bode expiatório”), confessando os pecados da
nação e transferindo simbolicamente estes pecados para o segundo
bode. O “bode expiatório” era então levado para o deserto, para fora
do campo de Israel, significando que Deus não somente perdoava
os pecados do povo, mas também não se lembrava mais desses
pecados. A nação tinha “escapado” da penalidade do pecado.
É na obra redentora de Jesus Cristo na cruz que vemos o
cumprimento do Dia da Expiação. Cristo cumpriu o papel de ambos
os bodes. Sofreu sobre a cruz pelos pecados dos eleitos,
derramando seu sangue em favor deles (Hebreus 9.28). Porém, foi
crucificado fora do campo da cidade santa de Jerusalém (Hebreus
13.10-14), revelando, nisso, que por meio de sua obra sacerdotal os
pecados do povo de Deus seriam tanto perdoados quanto nunca
mais lembrados (Hebreus 8.12; 10.17). Tendo vivido uma vida sem
pecado em obediência à lei de Deus (Hebreus 4.15; 5.8), cumprindo
assim o pacto das obras pelos eleitos (Romanos 5.19), Cristo então
morreu uma morte expiatória em favor deles (Mateus 1.21; Efésios
5.25). A justiça divina foi satisfeita (Romanos 5.1; 8.1; Hebreus
9.28).
Em seu papel sacerdotal, Jesus Cristo, como o Cordeiro de
Deus imaculado, era tanto o sujeito como o objeto do sacrifício
perfeito. Como vimos, em sua obra expiatória na cruz, a dupla
imputação ocorreu: a justiça de Cristo foi imputada ao eleito, e os
pecados do eleito foram imputados a Cristo. Paulo escreve: “Aquele
que não conheceu pecado, ele [Deus o Pai] o fez pecado por nós
[os eleitos]; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2
Coríntios 5.21).[67]
A atividade sacerdotal de Cristo não cessou na cruz. Como o
Senhor ascendido, vitorioso, Cristo agora está sentado à destra do
Pai, onde continuamente intercede por sua igreja (Romanos 8.34;
Hebreus 7.25; 9.24). Como Cristo o faz? De acordo com o
Catecismo maior (pergunta 55):
Cristo faz sua
intercessão,
apresentando-se
em nossa natureza
continuamente
perante o Pai no
céu, pelo mérito da
sua obediência e
sacrifício
cumpridos na
terra, declarando
sua vontade de tê-
lo aplicado a todos
os crentes;
respondendo a
todas acusações
contra eles e
adquirindo-lhes
paz de
consciência, não
obstante as faltas
diárias, dando-lhes
acesso com
confiança ao trono
da graça e
aceitação deles e
de seu culto.
O Ofício de Rei
Em Roma, no lugar do Circus Maximus de Nero, onde muitos
cristãos foram torturados e assassinados, havia uma pedra obelisco,
na qual estavam esculpidas estas palavras: Christus Vincit, Christus
Regnat, Christus Imperat, que significa: “Cristo está conquistando,
Cristo está reinando, Cristo governa sobre todos” (Cristo Vence,
Cristo Reina, Cristo Impera).[69] Nisso Cristo é o Rei. Quando a
Bíblia fala do reinado de Cristo, ela o faz de duas formas. Primeiro:
como divindade eterna, Cristo sempre foi e sempre será Rei sobre o
seu universo criado (Salmos 10.16; 29.10; 47.2; 90.2). Ele é Rei por
direito divino. Paulo fala disso em Colossenses 1.15-17:
Este [Cristo] é a
imagem do Deus
invisível, o
primogênito de
toda a criação;
pois, nele, foram
criadas todas as
coisas, nos céus e
sobre a terra, as
visíveis e as
invisíveis, sejam
tronos, sejam
soberanias, quer
principados, quer
potestades. Tudo
foi criado por meio
dele e para ele.
Ele é antes de
todas as coisas.
Nele, tudo
subsiste.
Ele [Cristo] é a
cabeça do corpo,
da igreja. Ele é o
princípio, o
primogênito de
entre os mortos,
para em todas as
coisas ter a
primazia, porque
aprouve a Deus
que, nele,
residisse toda a
plenitude e que,
havendo feito a
paz pelo sangue
da sua cruz, por
meio dele,
reconciliasse
consigo mesmo
todas as coisas,
quer sobre a terra,
quer nos céus.
Aprouve a Deus
em seu eterno
propósito, escolher
e ordenar o
Senhor Jesus, seu
Filho Unigênito,
para ser o
Mediador entre
Deus e o homem,
o Profeta,
Sacerdote e Rei, o
Cabeça e Salvador
de sua Igreja, o
Herdeiro de todas
as coisas e o Juiz
do Mundo; e deu-
lhe desde toda a
eternidade um
povo para ser…
remido… O
Senhor Jesus, por
sua perfeita
obediência e pelo
sacrifício de si
mesmo… satisfez
plenamente a
justiça do Pai, e
para todos aqueles
que o Pai lhe deu,
adquiriu não só a
reconciliação,
como também
uma herança
perdurável no
Reino dos Céus…
Cristo, com toda a
certeza e
eficazmente,
aplica e comunica
a salvação a todos
aqueles para os
quais ele a
adquiriu. Isso ele
consegue…
persuadindo-os
eficazmente, por
seu Espírito, a crer
e a obedecer.[77]
Mas os principais
atos da fé
salvadora são:
aceitar, receber e
descansar apenas
em Cristo, para a
justificação, a
santificação e a
vida eterna, em
virtude da aliança
da graça.
Obras gerais:
Charles Hodge, Teologia sistemática (São Paulo: Hagnos, 2001).
Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia sistemática (São Paulo: Vida
Nova, 2007).
Louis Berkhof, Teologia sistemática (São Paulo: Cultura Cristã,
2009).
Herman Bavinck, Dogmática reformada: o pecado e a salvação em
Cristo. Volume 3. (São Paulo: Cultura Cristã, 2012).
Wayne Grudem, Teologia sistemática (São Paulo: Vida Nova, 1999).
Obras específicas:
Bruce Ware, Cristo Jesus, Homem (São José dos Campos: Editora
Fiel, 2013).
Darrell L. Bock, Jesus segundo as Escrituras (São Paulo: Shedd,
2006).
Donald Macleod, A Pessoa de Cristo (São Paulo: Cultura Cristã,
2007).
Donald M. Baillie, Deus estava em Cristo (São Paulo: ASTE, 2012).
Francis A. Schaeffer, A obra consumada de Cristo (São Paulo:
Cultura Cristã, 2003).
G. C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo (São Paulo: ASTE, 2011).
John Murray, Redenção consumada e aplicada (São Paulo: Cultura
Cristã, 2010).
John Owen, A glória de Cristo (São Paulo: Editora PES, 1989).
Heber Carlos de Campos, A humilhação do Redentor (São Paulo:
Cultura Cristã, 2008).
Heber Carlos de Campos, A união das naturezas do Redentor (São
Paulo: Cultura Cristã, 2005).
Heber Carlos de Campos, As duas naturezas do Redentor (São
Paulo: Cultura Cristã, 2004).
Hermisten Maia Pereira da Costa. Eu creio no Pai, no Filho e no
Espírito Santo (São José dos Campos: Editora Fiel, 2014).
John Piper, Um homem chamado Jesus Cristo (São Paulo: Editora
Vida, 2005).
John Stott, A cruz de Cristo (São Paulo: Editora Vida, 2006).
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R. C. Sproul, A glória de Cristo (São Paulo: Cultura Cristã, 2004).
Robert Stein, A pessoa de Cristo: um panorama da vida e dos
ensinos de Jesus (São Paulo: Vida, 2006).