2° Coríntios - Daniel R. Mitchell

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DANIEL R. MITCHELL

2CORÍNTIOS
TRADUÇÃO
CLAUDIA KRIGER

1ª EDIÇÃO
2022
The Book of Second Corinthians: Grace Under Siege
Copyright © 2008 by Scofield Ministries
Published by AMG Publishers
6815 Shallowford Road
Chattanooga, TN 37421
Todos os direitos reservados para os países de língua portuguesa.
Copyright © 2020 por Chamada
1ª Edição – Julho/2022
É proibida a reprodução desta obra em quaisquer meios sem a expressa permissão da editora,
salvo para breves citações com a indicação da fonte.
Editor: Sebastian Steiger
Tradução: Claudia Kriger
Preparação: Débora Steiger
Revisão: Josemar de Souza Pinto
Capa e projeto gráfico: Filipe Spitzer Landrino e
Rômulo Spier do Nascimento
Salvo indicação em contrário, todas as passagens da Escritura foram extraídas do texto bíblico da Nova
Almeida Atualizada, NAA © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. Usado com permissão. www. sbb.org.br
Passagens da Escritura marcadas como NVT foram extraídas da Bíblia Sagrada, Nova Versão Transformadora,
copyright © 2016 por Editora Mundo Cristão. Todos os direitos reservados.
Passagens da Escritura marcadas como BKJ foram extraídas da Bíblia Sagrada, Versão BKJ Fiel 1611,
copyright © 2015 por BV Films Editora. Todos os direitos reservados.
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Obra Missionária Chamada da Meia-Noite
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Lumos Assessoria Editorial - Bibliotecária: Priscila Pena Machado CRB-7/6971
M681 Mitchell, Daniel R.
2Coríntios / Daniel R. Mitchell ; tradução Claudia Kriger. — 1. ed. — Porto Alegre :
Chamada, 2O22.
416 p. ; 21 cm.
Título original: The Book of Second Corinthians: Grace Under Siege.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-895O5-21-1
1. Bíblia. N.T. Coríntios, 2 – Comentários. 2. Bíblia. N.T. Coríntios – Compêndios.
3. Bíblia – Estudo e ensino. I. Kriger, Claudia. II. Título.
CDD22: 227.2O7
Ao meu pai, Burton C. Mitchell,
notável professor de Bíblia, cujo amor pela
Palavra de Deus só era superado
por seu amor ao Deus da Palavra.
SUMÁRIO
Prefácio.......................................................................................................... 9
Introdução................................................................................................... 13

Parte I: Defesa pessoal


1. Saudações de Paulo e Timóteo (1.1-2)...........................................35
2. Consolo no conflito (1.3-11)..............................................................47
3. Respondendo às críticas (1.12–2.4)................................................63
4. Restaurando um irmão (2.5-13).......................................................89
5. O aroma da vitória (2.14-17)...........................................................103
6. Ministros da nova aliança (3.1-18)................................................119
7. Tesouros em vasos de barro (4.1-15)............................................141
8. Andamos por fé, não pelo que vemos (4.16–5.10)..................167
9. A nova criação (5.11–6.10)..............................................................187
10. Aperfeiçoando a santidade no
temor do Senhor (6.11–7.1).................................................................217
11. Arrependimento sem pesar (7.2-16).......................................... 229

Parte II: Necessidades práticas


12. Estamos juntos nisso (8.1-15).......................................................247
13. Busquem o reino em primeiro lugar (8.16–9.15)....................271

Parte III: Autoridade exige respeito


14. As armas da nossa luta (10.1-18)............................................... 293
15. Conversa de louco (11.1-15)..........................................................317
16. Fingindo ser louco por amor a Cristo (11.16–12.21)............. 339
17. Provem a si mesmos (13.1-10).....................................................377
18. Paz, o presente do amor de Deus (13.11-13).......................... 387

Bibliografia............................................................................................... 397
Índice de textos bíblicos...................................................................... 399
PREFÁCIO
O Novo Testamento tem guiado a igreja cristã há quase
dois mil anos. Ele é composto por 27 livros, escritos por
homens de Deus por meio da inspiração do Espírito Santo.
Ele nos fala a respeito da vida de Jesus Cristo, da sua morte
expiatória por nossos pecados, da sua ressurreição milagro-
sa, de sua ascensão ao céu e da promessa de sua segunda
vinda. Também relata a história do nascimento e do cresci-
mento da igreja e das pessoas e princípios que a moldaram
nesses dias iniciais. O Novo Testamento se encerra com o
livro de Apocalipse, que aponta para o futuro, para o glo-
rioso retorno de Jesus Cristo.
Sem o Novo Testamento, a mensagem da Bíblia esta-
ria incompleta. O Antigo Testamento enfatiza a promessa
da vinda de um Messias. Ele aponta constantemente para
aquele que vem para ser rei de Israel e salvador do mundo.
Mas o Antigo Testamento termina antes que esse aconteci-
mento se cumpra. Todas as suas cerimônias, imagens, tipos
e profecias ficam pendentes, à espera da chegada do “Cor-
deiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” (Jo 1.29).
A mensagem do Novo Testamento representa a verda-
de atemporal de Deus. À medida que cada geração bus-
ca aplicar essa verdade a seu contexto específico, é preciso
que sejam escritos comentários atualizados para cada uma.
Esse é o objetivo deste comentário de 2Coríntios, origina-
riamente publicado na Twenty-First Century Biblical Com-
mentary Series [Série de comentários bíblicos do século
XXI]. Os editores da série e o autor do presente comentá-
2CORÍNTIOS

rio são conservadores, evangélicos e dispensacionalistas, e


estão convencidos de que o Antigo e o Novo Testamentos
apresentam uma estrutura dispensacionalista da história
bíblica. Eles também têm uma visão pré-tribulacionista e
pré-milenarista da profecia bíblica.
O estudioso francês René Pache lembra a cada uma das
diferentes gerações: “Para que o poder do Espírito Santo
se manifeste novamente entre nós, é primordial que sua
mensagem recupere o seu lugar de direito. Então, seremos
capazes de colocar o Inimigo em fuga pela espada do Espí-
rito, que é a Palavra de Deus”.
Há muito já se observou que 2Coríntios é a mais pessoal
e apaixonada carta de Paulo. Erasmo a compara a um rio
cuja corrente às vezes flui como um regato tranquilo e, em
outras partes, se avoluma a ponto de a torrente levar tudo
o que está em seu caminho. Charles Hodge disse: “Essa é
a mais interessante das cartas de Paulo, pois traz à tona o
homem perante o leitor e revela a intimidade do seu rela-
cionamento com as pessoas para quem ele escreveu”. Phi-
lip E. Hughes acrescenta: “Indubitavelmente, de todas as
cartas do Novo Testamento, nenhuma outra é, em estilo
e temperamento, mais característica do grande apóstolo”.
F. F. Bruce observou: “Essa carta, mais do que qualquer
outra, apresenta problemas para aqueles que tentam re-
construir uma sequência de eventos ou circunstâncias aos
quais o apóstolo alude de vez em quando”. Em nenhuma
das outras cartas de Paulo encontramos tanta informação
autobiográfica relacionada a pessoas, eventos, problemas e
situações da vida e ao ministério do apóstolo. E, de fato,

10
Prefácio

são esses detalhes específicos que nos bradam sobre a au-


tenticidade dessa poderosa carta, que expressa tanto o
amor sincero como as preocupações intensas de Paulo com
a igreja coríntia e, sem dúvida, também com a igreja con-
temporânea.
Mal Couch e Ed Hindson

11
INTRODUÇÃO
Pano de fundo
A preparação e a preocupação com respeito à terceira visita
de Paulo à cidade de Corinto ocasionaram a escrita da car-
ta neotestamentária conhecida como 2Coríntios. Ela bem
pode ser a quarta correspondência escrita que ele enviou a
essa cidade.1 Aparentemente, uma “outra carta” foi escrita
antes de 1Coríntios, e, mais tarde, uma “carta” severa foi
escrita entre 1Coríntios e 2Coríntios. Esse livro, a segunda
epístola canônica, possui diversas características que o dis-
tinguem. A primeira carta de Paulo é tanto prática como
instrutiva, mas esta epístola é intensamente pessoal e auto-
biográfica. De fato, o seu estilo parece ser tão espontâneo
e sentimental que há quem questione a sua coerência in-
terna. Por essa razão, faz-se necessária uma palavra sobre a
unidade e a integridade autoral da carta.2

1 Veja a minha introdução à primeira carta em: Daniel R. Mitchell, 1Corín-


tios, trad. Doris Körber (Porto Alegre: Chamada, 2022), p. 11-33.
2 Para mais informações sobre o contexto da cidade e sua história ilustre,
veja David E. Garland, 2 Corinthians, The New American Commentary,
ed. E. Ray Clendenen (Nashville: Broadman and Holman, 1999); Victor
Furnish, II Corinthians, The Anchor Bible, vol. 6 (Garden City, NY: Dou-
bleday, 1984); Frank J. Matera, II Corinthians: A Commentary, The New
Testament Library (Louisville: Westminster John Knox, 2003); Murray
J. Harris, The Second Epistle to the Corinthians, NIGTC (Grand Rapids:
Eerdmans, 2005). Sobre o declínio e o renascimento de abordagens retó-
ricas, particularmente como elas impactam a interpretação e a compre-
ensão do corpus paulino, veja Anthony C. Thiselton, The First Epistle to
the Corinthians (Grand Rapids: Eerdmans, 2000), p. 46-52. Veja tb. Ben
2CORÍNTIOS

Autoria, estilo e unidade literária


Desde o final do século XVIII, a análise da alta crítica
tem levado muitos a especularem que essa carta pode na
verdade ser uma coleção de escritos em vez de uma única
carta.3 A disputa geralmente se concentra em se 1.1–2.13
está conectado com o que segue. A passagem 6.14–7.1 pa-
rece para muitos completamente fora de seu lugar na atual
configuração. Os capítulos 8 e 9, referentes à oferta, são
compreendidos como uma unidade independente que foi
inserida mais tarde por um redator. E a maior parte dos
capítulos 10-13 (excluindo-se 13.11-13 [14]) é vista como
muito possivelmente pertencente à “carta severa” a que o
autor se refere com frequência.4 Estudiosos mais recentes
raramente questionam a autoria paulina, mesmo quando
questionam se todo o conteúdo foi escrito de uma só vez.
Conquanto cada uma das várias teorias fragmentárias
seja única e mereça um estudo cuidadoso em seus próprios
termos, todas elas parecem apresentar problemas em co-
mum. Ao colocar o ônus da prova sobre a visão tradicional,

Witherington III, Conflict and Community in Corinth: A Socio-Rethorical


Commentary on 1 and 2 Corinthians (Grand Rapids: Eerdmans, 1995); e
os comentários de G. W. Peterman sobre o uso e a limitação da tentativa de
decifrar a habilidade retórica de Paulo com sua rejeição ao uso de “eloquên-
cia e de palavras persuasivas (1Co 2.1,4)” em “Conflict and Community”,
Journal of the Evangelical Theological Society 41 (mar. 1998), p. 146-147.
3 Garland, 2 Corinthians, p. 33.
4 Para uma discussão abrangente além do escopo do presente estudo, veja
Harris, The Second Epistle to the Corinthians, p. 1-114; Garland, 2 Corin-
thians, p. 33-44; Furnish, II Corinthians, p. 27-57. Alguns textos agregam
isso ao versículo 13 em vez de ao 14, como na maioria das traduções
inglesas. Veja a discussão sobre 13.12b.

14
Introdução

elas iniciam com a pressuposição de que o suposto autor,


Paulo, não poderia ter escrito a carta em sua presente es-
trutura de composição. Em seus esforços de resolver o pro-
blema, afirmam que os redatores fizeram coisas difíceis, se
não impensáveis, dada a alta consideração que os cristãos
primitivos tinham pelos escritos dos apóstolos. As recons-
truções dos críticos exigem cortar e colar as introduções
e/ou conclusões de várias cartas individuais (conforme eles
supõem ser) e alocá-las em outros lugares a fim de criar
uma unidade composicional. É extremamente questioná-
vel que os responsáveis pelas coleções mais antigas do Novo
Testamento tivessem tomado esse tipo de liberdade. É mui-
to difícil imaginar, por exemplo, Onésimo fazendo algo se-
melhante. Após ter sido liberto por Filemom, atribui-se ao
ex-escravo a fama de ter dedicado muito tempo da sua vida
na coleta e organização das cartas de Paulo. Se essa tradição
estiver correta, a alocação da sua própria carta ao final da
coleção representa um testemunho silencioso da alta consi-
deração que ele tinha pelas cartas de Paulo e a sua própria
dívida impagável para com ele.
Garland também levanta a questão da “dificuldade física
envolvida”.5 As pessoas da época de Paulo não possuíam
processadores de texto como temos hoje. Elas tinham per-
gaminhos. A dificuldade desse procedimento é, em geral,
desconsiderada. “Por exemplo: o hipotético fragmento de
carta de 6.4–7.1 deveria ocupar ‘aproximadamente uma
coluna estreita’. Muito da carta de onde supostamente ele

5 Garland, 2 Corinthians, p. 39.

15
2CORÍNTIOS

procede teria que ser apagado, e essa coluna teria sido in-
serida no meio de outra carta.”6 Como e por que se faria
isso é grandemente ignorado. Se mesmo hoje em dia isso
não faz sentido para um editor, por que um redator antigo
pensaria de forma diferente?
Entre os que questionam a unidade de 2Coríntios estão
Alford, Lake, Moffatt, Kummel, Plummer e, mais recen-
temente, Betz, Koester, Furnish e Davies.7 Contudo, seus
argumentos são adequadamente refutados por outros, tais
como Thiselton, Fee, Barrett, Wallace, Carson, Barnett e
a obra anterior de P. E. Hughes. Não há evidência externa
que apoie a contestação de que 2Coríntios sempre tenha
sido mais do que uma unidade. Os argumentos repousam
inteiramente sobre a evidência interna, tais como a mudan-
ça de tom nos capítulos 10-13, certas supostas inconsistên-
cias em 1-9 comparadas com 10-13 e a conciliação de al-
gumas declarações com a localização geográfica de Paulo na
época do registro (10.16). Alguns procuram pela inserção
da “carta severa” mencionada acima.8 Nenhum dos argu-
mentos de apoio a isso têm grande peso. Nenhum manus-
crito existente sugere uma colcha de retalhos de unidades.

6 Ibid., veja tb. Harold J. Ockenga, The Comfort of God: Preaching in Second
Corinthians (Nova York: Revell, 1944), p. 51.
7 Veja, p. ex., Hans Dieter Betz, 2 Corinthians 8 and 9, Hermeneia (Fila-
délfia: Fortress, 1985); Furnish, II Corinthians, p. 290; Helmut Koester,
Introduction to the New Testament, vol. 2 (Berlim: de Gruyter, 1987), p.
53-54; Steven L. Davies, New Testament Fundamentals (Sonoma, CA: Po-
lebridge, 1994), p. 89. Para uma refutação cuidadosa dessa tese, veja J.
D. H. Amador, “Revisiting 2nd Corinthians: Rhetoric and the Case for
Unity”, New Testament Studies 46 (2000), p. 92-111.
8 Veja, porém, Furnish, II Corinthians, p. 290.

16
Introdução

Nenhum escritor da patrística sugere a possibilidade de


múltiplos documentos. Além do mais, outros argumentos
internos apoiam a continuidade em vez da descontinuida-
de do texto. A carta é menos formal do que as demais cartas
de Paulo. Ela é muito mais emocional, por isso existem
mudanças abruptas no pensamento do escritor. Contudo,
as divisões principais são claramente perceptíveis. Além
disso, Paulo faz referência à visita de Tito a Corinto em
2Coríntios 12.18. A visita não pode ter sido para entregar
a carta severa; ao menos, esses capítulos não estão na car-
ta. Thiessen provavelmente estava correto ao sugerir que as
mudanças de tom entre os capítulos 1-9 e 10-13 podem
dizer respeito ao grupo em particular a que Paulo se dirigia
em cada uma dessas seções.9 Essa peculiaridade de estilo
pode ser demonstrada, não apenas em outras literaturas bí-
blicas, mas também na literatura secular.
Uma sólida defesa em favor da unidade da carta pode
ser apresentada, forte o suficiente para resistir a qualquer
tentativa de refutação. O próprio autor se apresenta como
Paulo (1.1; 10.1). Os estudiosos conservadores são unâ-
nimes em concordar que a autoria paulina da carta é ine-
quívoca, não apenas em conteúdo, mas em estilo e voca-
bulário. Além disso, seria improvável Paulo defender a sua
autoridade apostólica se o texto não fosse autêntico. Não
se esperaria de um autor ou de um redator pseudopaulino

9 Henry C. Thiessen, Introduction to the New Testament (Grand Rapids:


Eerdmans, 1987), p. 210.

17
2CORÍNTIOS

a inserção de material que refletisse negativamente sobre a


autoria apostólica.
Em virtude do que se conhece sobre o estilo retórico de
Paulo, da sua situação complexa em Corinto e do seu es-
tado emocional geral atestado por suas próprias palavras
ao longo dessa carta, não parece que existam razões ne-
cessárias ou suficientes para se questionar que (a) pode-se
muito bem imaginar Paulo escrevendo a carta tal como ela
é e (b) não existe evidência inequívoca do contrário. Neste
estudo, essas “unidades” serão examinadas à medida que
ocorrem no texto. Nem todas as questões serão abordadas,
mas a história aqui apresentada sugerirá por que ver o texto
como uma unidade detém a melhor evidência interna.
Embora a evidência histórica não seja tão antiga quanto
a de 1Coríntios, é quase tão forte quanto ela. A evidência
externa sugere que a segunda carta aos Coríntios ainda não
havia chegado a Roma no período final do primeiro século
(96 d.C.), uma vez que Clemente de Roma não a citou
(embora ele tenha citado a primeira carta). Contudo, ela
foi citada nas cartas de Inácio e era conhecida de Policarpo
de Esmirna (c. 70-155 d.C.), que menciona, além de diver-
sas citações de 1Coríntios, várias passagens de 2Coríntios
em sua carta aos filipenses, incluindo 4.14; 6.7; 8.21; e
10.1. Segunda aos Coríntios também é atestada na carta a
Diogneto, por Atenágoras, por Teófilo de Antioquia, por
Tertuliano, por Clemente de Alexandria, por Ireneu, no
Cânon Muratoriano e no cânon de Marcião. Ela também
é encontrada na Vetus Syra e na Vetus Latina, em conjunto
com a primeira carta. Ao final do século II, havia pouco

18
Introdução

questionamento sobre 2Coríntios tratar-se de um autên-


tico escrito paulino e ser chancelada com a sua autoridade
apostólica.
Alguns têm observado o elemento apocalíptico10 no li-
vro.11 Por toda a carta, o uso da imagética apocalíptica e
escatológica é evidente. Por exemplo: o consolo de 1.3-11
vem do “Deus que ressuscita os mortos” em contraste com
o “Dia de Jesus, nosso Senhor” (1.13-14). Os capítulos 3-4
contrastam “os momentos revelacionais-chave na história
de Israel”12 com a insuperável “glória de Deus” (cf. 3.7-18;
4.3-18). Há, é claro, a importante seção no capítulo 5 que
trata da ressurreição do corpo (v. 1-10). Mesmo a coleta

10 Uso o termo “apocalíptico” aqui no sentido do gênero e imagética im-


portados de uma cosmovisão (comum aos autores do Novo Testamento)
na qual as realidades natural e sobrenatural interagem com a presente
realidade para a concretização do propósito final de Deus.
11 Veja, p. ex., Edith M. Humphrey, “Ambivalent Apocalypse: Apocalyp-
tic Rhetoric and Intertextuality in 2 Corinthians”, The Intertexture of
Apocalyptic Discourse in the New Testament, ed. Duane F. Watson, SBL-
-Symposium series, vol. 14 (Leiden, Holanda: Brill Academic Publishing,
2002), p. 113-135, 243-263. Embora eu não possa aceitar a sua aborda-
gem do livro, é evidente que ela toca em um tema vital da carta. No Novo
Testamento, existe uma interface “real” entre os propósitos e intervenções
de Deus nos negócios humanos. Muitos, como, p. ex., Humphrey, atri-
buem isso ao uso normal do “gênero apocalíptico” no primeiro século,
no qual o mundo real de espaço-tempo é “reconfigurado [...] à luz do
julgamento divino interveniente no futuro – mas também à luz da sal-
vação passada, presente e futura e à vista da invasão da realidade de outros
mundos misteriosos, tanto celestes como infernais” (ênfase no original). Es-
pecialmente os evangélicos (e me incluo nisso) reconhecem que no Novo
Testamento isso se deve particularmente às promessas de Cristo relativas
à sua volta iminente para trazer julgamento e recompensas (p. ex., Mt
24–25; At 1.4-11). Nas cartas paulinas, a iminência dessa promessa trans-
pira repetidamente (cf. esp. 1Ts; 2Ts).
12 Ibid., p. 115.

19
2CORÍNTIOS

para Jerusalém é discutida em relação ao “dom indescrití-


vel” de Deus: Jesus Cristo. Com respeito ao elemento apo-
calíptico no Novo Testamento comparado com materiais
judaicos similares do período, é importante compará-los e
contrastá-los.

Certamente é verdade que o ethos e a atmosfera do Novo


Testamento são diferentes dos da literatura apocalíp-
tica judaica. Contudo, eles são diferentes não porque
Jesus e os discípulos tenham rejeitado a apocalíptica,
mas porque eles a consideravam como certa. [...] Jesus
aceitava as expectativas básicas da literatura apocalípti-
ca – especialmente a vinda do Filho do Homem do céu
e a ressurreição dos mortos, no contexto de duas eras
– modificando ou transformando-as, e ao mesmo tem-
po começando a cumpri-las (p. ex., em sua própria res-
surreição). Os apóstolos continuaram esse processo de
desenvolvimento e cumprimento. Assim, as formas de
ensino apocalíptico formam uma ponte do Antigo para
o Novo Testamento. Elas nos ajudam a perceber como
Deus começou a atuar em Jesus de um modo definitivo,
escatológico.13

Muito dessa especulação apocalíptica deriva do “alguém


como um filho do homem” que “se dirigiu ao Ancião de
Dias” e “foi-lhe dado o domínio, a glória e o reino, para
que as pessoas de todos os povos, nações e línguas o servis-

13 Peter Toon, Heaven and Hell (Nashville: Nelson, 1986), p. xiii.

20
Introdução

sem. O seu domínio é domínio eterno, que não passará, e


o seu reino jamais será destruído” (Dn 7.13-14). Os escri-
tores apocalípticos exploraram as implicações de tal pro-
messa. Foi no cumprimento em Cristo que os escritores do
Novo Testamento começaram a compreender a maravilha e
as especificidades dessa promessa que se tornaria a “bendita
esperança” para todos os que aguardam “a manifestação da
glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tt
2.13).14

PORÇÕES APOCALÍPTICAS DAS CARTAS AOS CORÍNTIOS

Segurança do crente 1Co 1.4-7

Poder da cruz 1Co 1.17-19

O julgamento do trono bēma 1Co 3.10-15; 2Co 5.10-11

Julgamento dos perdidos 1Co 5.13

Destino dos justos e dos ímpios 1Co 6.9-11

A premiação futura pelo serviço a Cristo 1Co 9.24-27

A futura revelação do pleno 1Co 13.9-13


conhecimento

Promessa da ressurreição do corpo 1Co 15.12-19,35-50

A ordem da ressurreição 1Co 15.20-28

A ressurreição e o arrebatamento 1Co 15.51-58;


2Co 4.14-18; 5.1-9

O Dia do Senhor Jesus 2Co 1.1415

14 Para uma valiosa síntese das implicações proféticas dessas cartas, veja tb.
Tim LaHaye e Ed Hindson, eds., The Popular Bible Prophecy Commentary
(Eugene, OR: Harvest House, 2006), p. 404-418.
15 Ibid.

21
2CORÍNTIOS

Contexto, propósito e argumento


Victor Furnish observa que, junto com a primeira carta
canônica enviada à antiga cidade de Corinto, temos “o re-
trato mais vívido e informativo que jamais teremos do mi-
nistério do apóstolo”.16 Ele assim elabora:

Isso ocorre em parte porque as suas cartas a Corinto


oferecem consideráveis detalhes sobre a congregação co-
ríntia e o seu contínuo relacionamento com ela. Paulo
menciona o nome de vários membros daquela igreja,
responde às cartas que lhe enviaram, reage aos relatórios
que recebeu a respeito dela e trata de assuntos impor-
tantes tanto para a sua vida congregacional quanto para
a missão em geral. Além disso, por causa da significa-
tiva importância política e econômica de Coríntio na
época do apóstolo e de um século inteiro de cuidado-
sa escavação arqueológica no local, pudemos conhecer
uma considerável quantidade do contexto social de seu
ministério ali. Isso confere tanto cor como contexto ao
retrato do ministério apostólico de Paulo. Por fim, as
cartas aos coríntios, mais do que qualquer outra das car-
tas paulinas, apresentam o apóstolo engajado na dupla
tarefa em que ele mais apaixonadamente se envolveu: a
proclamação da verdade do evangelho e a orientação dos

16 Victor Furnish, “Paul and the Corinthians: The Letters, the Challenges of
Ministry, the Gospel”, Interpretation 52, no 3 (jul. 1998), p. 229-245.

22
Introdução

crentes ao discernimento do impacto do evangelho em


sua vida diária.17

Segunda aos Coríntios foi escrita para a comunidade


fundada por Paulo em sua segunda visita à cidade. Desde
a sua partida e subsequente ministério em Éfeso, ele foi in-
formado dos problemas que os afligiam e dos inimigos que
tentavam sabotar a sua obra. Os problemas continuavam a
piorar, a despeito dos seus esforços na primeira carta.18
A oposição ao ministério de Paulo continuou a aumen-
tar, provavelmente vinda de um partido que se associava
a “Cristo” (cf. 1Co 1.12; 2Co 10.7; 11.3-4,13,23). O lí-
der desse grupo parece ter sido especialmente detestável ao
escritor (10.7-11). Quando as notícias desse problema o
alcançaram em Éfeso, ele fez uma breve visita à cidade a
fim de tratar disso (cf. 2.1; 12.14,21; 13.1-2). Foi nesse
período que a vingança pessoal contra o próprio apóstolo
Paulo aconteceu. Após retornar a Éfeso, Paulo estava tão
desgastado que escreveu uma carta à igreja de natureza tão
severa que, mais tarde, ele se arrependeu de tê-la escrito
(2Co 7.8). Ela foi entregue aos coríntios por Tito (2.3-4,9;
7.8-12). Parece que essa carta se perdeu completamente.
Embora alguns, conforme acima observado, sugiram que
essa carta foi preservada em 2Coríntios 10–13,19 a teoria é

17 Ibid., p. 229.
18 Para uma discussão mais elaborada dos fatores históricos, sociais e pesso-
ais relativos à fundação e ao desenvolvimento da igreja em Corinto, veja
novamente a minha introdução à primeira carta, 1Coríntios, p. 11-33.
19 Alfred Plummer, A Critical and Exegetical Commentary on the Second Epis-
tle of St. Paul to the Corinthians (Nova York: Scribner, 1915), p. xviii-

23
2CORÍNTIOS

improvável.20 As acusações apresentadas contra ele por esse


grupo estão indicadas em certas passagens na carta.

ACUSAÇÕES ENCONTRADAS EM 2CORÍNTIOS

Acusações dos coríntios contra Paulo

Inconstante 2Co 1.17

Autoritário 2Co 1.24

Ministra sem as devidas credenciais 2Co 3.1

Covardia 2Co 10.1,10

Fracasso em manter a 2Co 11.7


dignidade clerical adequada

Presunção 2Co 10.13-17

Carnalidade 2Co 10.2

Acusações de Paulo contra os coríntios

Corrupção da Palavra 2Co 2.17

Engano 2Co 3.1

Judeus disfarçados de ministros de Cristo 2Co 11.23-27

Opressão 2Co 11.20

Arrogância 2Co 11.21

Falta de coragem espiritual para 2Co 11.23-27


darem um passo por sua conta e
iniciarem seu próprio ministério

-xxxvi. Veja tb. Furnish, II Corinthians, p. 30-48.


20 Deve-se observar que isso não questiona o cânon das Escrituras. Apenas
argumenta que existiram cartas escritas pelo apóstolo que, em razão de
terem se perdido, não cumprem o critério normal de Escritura inspirada.

24
Introdução

A carta é completamente pessoal e autobiográfica. Con-


tudo, o leitor não pode evitar ficar espantado com os ter-
mos que Paulo achou necessários para descrever a sua situ-
ação e circunstâncias. Isso inclui “tribulação”, “angústia”,
“açoites”, “perigos”, “jejuns”, “lutas”, “trabalhos e fadigas”,
“insultos”, “perseguições”, “tristeza”, “açoitado com varas”,
“sofrimentos”, “lágrimas”, “tumultos” e “fraqueza”.21 Ao
expressar suas preocupações, estado de espírito e o coração
excessivamente devastado por aquelas pessoas que Deus ha-
via designado para estarem debaixo do seu pastoreio, ele
expõe o seu coração, oferecendo um testemunho convin-
cente daquilo que se poderia esperar de um pastor que se
ergue para estender a graça salvadora de Deus a um povo
por vezes ingrato, inconstante e imaturo. Poucos podem
reivindicar, com Paulo, terem perseverado tanto. Não obs-
tante, é por esse motivo que essas cartas se tornaram tão
instrutivas e valiosas para as igrejas de todas as culturas e
eras desde o momento em que foram escritas.
Tito deveria entregar a “carta severa” e retornar para dar
a Paulo o relatório com a reação dos coríntios e o subse-
quente desenvolvimento. Contudo, Paulo precisou deixar
Éfeso antes do combinado por causa da revolta dos ouri-
ves (cf. At 20.1). Ele parou em Trôade e aparentemente
envolveu-se em um esforço evangelístico bastante frutífero
na cidade. Tito, no entanto, demorou-se mais do que o
extenuado e impetuoso apóstolo podia suportar. Ele in-
terrompeu o seu ministério em Trôade e cruzou a Ma-

21 Scofield Reference Bible, p. 1252.

25
2CORÍNTIOS

cedônia, esperando encontrá-lo em algum ponto da via


Egnácia, a maior estrada que ligava as principais cidades
macedônias ao longo da costa. Foi, então, com enorme
alívio que Paulo recebeu o relatório de Tito de que eles ha-
viam se entristecido genuinamente pela carta severa (7.9),
que haviam tratado com o ofensor (2.6-8) e que a maio-
ria dos coríntios era realmente leal ao apóstolo como ele
suspeitava desde o começo (7.14), e o próprio Tito havia
desenvolvido uma nova apreciação por essa comunidade
(7.15). Não é de surpreender, então, nos primeiros sete
capítulos de 2Coríntios, ver o escritor se derramando em
ações de graças a Deus e encorajado pelo progresso que a
igreja vinha fazendo. Assim, ali mesmo, na Macedônia, ele
imediatamente se sentou e escreveu 2Coríntios (2.3; 7.5-
7; 8.1; 9.2-4), provavelmente da cidade de Filipos.
A identidade dos oponentes de Paulo contra quem ele
tinha tanto a dizer em sua carta é importante em termos
da compreensão do pano de fundo da epístola, mas tam-
bém em termos da compreensão do seu argumento. Com
relação à identidade desses antagonistas, os estudiosos têm
proposto várias possibilidades, incluindo os judeus gnósti-
cos, os judeus helenísticos que reivindicavam, falsamente,
serem ministros de Cristo, ou judaizantes palestinos que
demandavam ser mais fiéis aos ensinamentos de Cristo e
dos apóstolos (especialmente de Pedro) do que o alegado
intruso, o “apóstolo aos gentios”.22 A despeito de algumas

22 Veja, p. ex., R. Bultmann, The Second Letter to the Corinthians, trad. Roy
A. Harrisville (Mineápolis: Augsburg, 1985), p. 146-167 (perspectiva
gnóstica); Dieter Georgi, The Opponents of Paul in Second Corinthians

26
Introdução

das dificuldades com a visão tradicional (que os princi-


pais antagonistas eram judaizantes palestinos), esta pare-
ce receber o maior apoio das evidências do próprio texto.
A referência aos “hebreus” (11.22; cf. Fp 3.5) diz respeito
aos judeus étnicos procedentes da Palestina. A insinuação
de 5.16 é que havia alguns que inventavam algo sobre o
seu conhecimento pessoal prévio do próprio Jesus (cf. tb.
11.23). Eles reivindicavam ser israelitas, descendentes de
Abraão (11.22). O “evangelho” deles não era o mesmo
pregado por Paulo (11.4; cf. Gl 1.6-9). Embora não pos-
sam ser exatamente identificados com aqueles citados em
Gálatas e Colossenses (Gl 6.12-13; Cl 2.16), é evidente
que eles tentavam submeter os crentes coríntios à Lei de
Moisés (3.1-11) e eram esses que Paulo, da sua perspectiva,
considerava como judaizantes. Não podemos nos esquecer
de que os problemas de Paulo com a comunidade judaica
iniciaram-se quando ele “sacudiu as roupas” contra eles e
declarou: “Que o sangue de vocês caia sobre a cabeça de vo-
cês!” (At 18.6). O seu antigo líder, Crispo, então ofereceu a
sua casa como lugar para as reuniões, bem ao lado da sina-
goga! Muitos ficaram furiosos com o desenrolar dos even-
tos. Mais tarde, quando tentaram arrastar Paulo à presença
de Gálio no tribunal do bēma, Gálio os expulsou da corte
por trazerem o que considerava uma querela religiosa frívo-

(Filadélfia: Fortress, 1986), p. 5 (judeus helenísticos); C. K. Barrett, The


Second Epistle to the Corinthians (Nova York: Harper and Row, 1973), p.
30 (judaizantes). Esta última perspectiva é amplamente considerada como
estando em oposição aos Doze (Plummer) ou sob a autoridade dos Doze
(Baur). Veja Randall C. Gleason, “Paul’s Covenantal Contrasts in 2 Co-
rinthians 3:1-11”, Bibliotheca Sacra 154 (jan.-mar. 1997), p. 64-65, n. 15.

27
2CORÍNTIOS

la perante ele, fechando os olhos para o subsequente abuso


dos judeus pela multidão. O novo líder deles, Sóstenes, que
assumiu o lugar de Crispo na sinagoga, foi escolhido na
ocasião para sofrer um espancamento especialmente cruel.
Para piorar as coisas, ele mais tarde foi levado a Cristo e
se tornou secretário particular de Paulo. Não é de admirar
que eles tivessem problemas com Paulo! Apenas em sua au-
sência é que poderiam esperar ganhar alguns pontos contra
o seu inimigo indomável.
Gleason resume o modo pelo qual eles se insinuavam
naquela assembleia disfuncional de Corinto, erguendo um
cerco para o evangelho da graça.

A recepção deles por parte da igreja de Corinto pode


ser compreendida como o partido de “Cristo”, que eles,
como “ministros de Cristo” (10.7; 11.2-4,23), promo-
viam e perpetuavam. Sua depreciação da autoridade
apostólica de Paulo e insistência acerca da Lei Mosai-
ca também devem ter sido bem recebidas pelo partido
de “Cefas” (1Co 1.12; 3.22; 9.5), que inscreveu Pedro
como o principal dos apóstolos e que, como Pedro, pode
ter se inclinado à conformidade com a Lei judaica (Gl
2.11-14). Eles também podem ter ficado impressiona-
dos com as cartas de recomendação vindas de Jerusalém,
o centro do ministério de Pedro.23

23 Gleason, “Paul’s Covenantal Contrasts in 2 Corinthians 3.1-11”, p. 65-66.

28
Introdução

O problema que ele enfrentava era muito maior do que


a questão de liderança. Tinha a ver com “se as igrejas de-
senvolveriam uma seita judaica bizarra com uma teologia
perversa centrada no homem Jesus, uma comunidade ne-
cessariamente fadada ao esquecimento. Em outras palavras,
seria o evangelho da graça de Deus, essencialmente a chave
para a liberdade do pecado, morte e inferno – e dos grilhões
da antiga aliança – sequestrado por um formato obsoleto
de sinagoga que consistia em apenas aparência externa?”.24
Conforme os expositores da Bíblia têm reconhecido por
séculos, o argumento de 2Coríntios flui em três trajetórias
– que às vezes se misturam entre si. O escritor as apresen-
ta como coordenadas múltiplas de uma preocupação única
em trazer à compreensão dos seus leitores o que Deus havia
orientado a ele (o apóstolo) e a eles (a igreja) em termos
do evangelho da graça. Essas “trajetórias” representam três
“direções” para as quais o escritor aponta os seus pensamen-
tos – às vezes “armas”. Embora essas se agrupem de forma
variada nas três principais divisões do texto, não devem ser
entendidas como “propriedades” exclusivas de diferentes
círculos ou audiências. A carta inteira é um todo composi-
cional tal como ela se apresenta. Pode ser útil se o intérprete
imaginar Paulo mais como um treinador desafiando os seus
jogadores do que um orador preparando um discurso muito
polido – ou, como alguns entendem, vários discursos. Ele
os chama para “dar um tempo”, e o time se aproxima dele.

24 Peter Naylor, 2 Corinthians, vol. 1, caps. 1-7 (Darlington, Inglaterra:


Evangelical, 2002), p. 38.

29
2CORÍNTIOS

Ele tem um planejamento de como vencer o jogo, mas al-


cançar a vitória exigirá que cada um deles se una ao outro
como um time. Como em sua primeira carta, ele os exorta,
repreende, corrige e instrui – mas um de cada vez. Então, o
“padrão” da carta não é tão dirigido por uma única proposi-
ção como o é pelas circunstâncias e indivíduos a quem, por
sua vez, o escritor dirige os seus pensamentos.

HONRANDO AQUELES QUE MINISTRAM O EVANGELHO

Respeito a ser concedido Referência

O trabalhador é digno do seu salário Lc 10.7; 1Tm 5.18

Prestar honras e prover às suas necessidades At 28.10

Honrar quem o ajuda a crescer espiritualmente 1Co 9.2

Quem nos alimenta espiritualmente 1Co 9.11


é digno de receber apoio material

Quem proclama o evangelho deve 1Co 9.14


receber provisão para viver dele

É vergonhoso não elogiar 2Co 12.11


alguém digno de respeito

Somos chamados a compartilhar Gl 6.6


todas as coisas boas com eles

Apoiar e suportar quem cuida Fp 2.20-22,29


do seu estado espiritual

Observar aqueles que servem 1Ts 5.12-13


entre nós, honrá-los e amá-los

Os que lideram bem devem ser 1Tm 5.17


dignos de pagamento dobrado

Honrar é imitar o seu bom procedimento Hb 13.7

30
Introdução

Isso inclui (1) a primeira trajetória: Paulo saúda a igreja


e apresenta uma defesa pessoal de suas intenções e ações.
Ele oferece uma explicação de sua conduta (1.1–2.17),
seu chamado (3.1–6.10) e, finalmente, seu desafio (6.11–
7.16). (2) A segunda trajetória se relaciona à generosidade
da igreja macedônia e à coleta para Jerusalém (8.1–9.15).
Isso não tem a ver apenas com coletar dinheiro. Alguém
disse muito sabiamente que dois livros revelam onde o
coração de uma pessoa está – a sua agenda e o talão de
cheques. Então, esse é um teste para o coração dos seus
leitores. A resposta deles ao seu apelo revelará o verdadeiro
compromisso deles, tanto com Paulo como com a igreja.
(3) Finalmente, Paulo reitera a sua autoridade apostólica
(10.1–13.13). Antes que alguém pensasse que a sua auto-
ridade apostólica era usurpada, o apóstolo deixa claro que
seus dons e chamado não eram uma invenção dele, mas
que ele apenas estava obedecendo à visão celestial (cf. At
26.9-20; Fp 3.3-14). Se eles eram obedientes a Deus, deve-
riam arrepender-se, reconhecer e respeitar aqueles a quem
Deus enviara (cf. 12.12; 13.5), e então o resultado seria a
edificação, não a destruição (13.10). Essa seção final é uma
das mais incomuns de se encontrar nos escritos paulinos.
Nela, ele “faz o papel de tolo” a fim de responder aos tolos.
No que só pode ser descrito como uma paródia expandida
(de si mesmo), ele mostra aos seus inimigos quão imposto-
res eles realmente eram.
Assim, essas três seções da carta lidam respectivamen-
te com, primeiramente, o passado imediato, em conjunto
com a defesa do escritor do seu ministério em Corinto.

31
2CORÍNTIOS

Então, existe uma questão da presente demanda da partici-


pação na assistência das necessidades práticas da igreja de
Jerusalém. Finalmente, há um olhar para o futuro próximo,
quando Paulo antecipa, em sequência, a sua visita pessoal
a Corinto – uma visita carregada de incertezas, conforme
revelam os capítulos 10-13. Contudo, embora o seu apelo
à igreja e a defesa de seu próprio ministério sejam pessoais,
o que está em jogo é a verdade do evangelho. À medida que
Paulo batalha para defender sua integridade, ele o faz para
silenciar os seus inimigos e acabar com qualquer dúvida
a respeito da sua mensagem relativa à graça salvadora de
Deus na obra completa de Jesus Cristo. O capítulo 3 pode
muito bem ser considerado o manifesto de Paulo referente
à superioridade da nova aliança sobre a antiga. Ele rivaliza
com Hebreus 8–10 em importância com respeito ao rela-
cionamento da obra de Cristo e as promessas da nova alian-
ça feitas a Jeremias e a Ezequiel. Paulo precisaria retomar o
tema novamente – por exemplo, em sua carta aos Gálatas,
mas é aqui que ele lança o desafio perante aqueles que im-
puseram um cerco ao evangelho da graça.

32
PARTE I
DEFESA PESSOAL
2Coríntios 1–7
1. SAUDAÇÕES DE PAULO E TIMÓTEO
2Coríntios 1.1-2

Boas notícias! Paulo se inclina para a frente, interessado


em ouvir cada palavra vinda do seu pupilo. Tito acabara
de chegar de Corinto, e, embora tivessem combinado de
se encontrar em Trôade, o seu mentor e amigo não con-
seguiu esperar até que ele chegasse. O tumulto em Éfeso
obrigara Paulo a deixar a cidade (At 19.21-41), e ele via-
jou até Trôade para aguardar o navio que traria Tito de
Neápolis. Ainda assim, a despeito dos grandes frutos re-
sultantes da obra ali, Paulo não conseguiu deixar de pen-
sar na situação de Corinto. Ele sabia que poderia encon-
trar Tito ainda a caminho; então, cruzou o mar Egeu e se
dirigiu ao sul pela Macedônia, percorrendo a via Egnácia.
Eles devem ter se encontrado perto de Filipos. “Conte-me
tudo!” O apóstolo, impaciente, mal deve ter dado algum
tempo para Tito recobrar o fôlego (2Co 7.5-7). Quando
Tito começou a falar, Paulo parecia tenso – seu maxilar
estava travado. Ele inclinou a cabeça para encontrar o
olhar animado de seu companheiro. Seus punhos estavam
cerrados. Paulo revivera inúmeras vezes a sua “carta seve-
ra” enquanto esperava impaciente por seu retorno. Teria
ele sido muito duro? Teria piorado as coisas? O que Paulo
deveria fazer se a igreja não reagisse conforme ele espera-
va? Ele se sentira um tolo por eles lhe terem feito tais exi-
gências. Como puderam? Como, então, ele poderia lhes
demonstrar que ele era genuíno?
2CORÍNTIOS Parte I: Defesa pessoal

As notícias eram animadoras. A cabeça bronzeada de


Paulo brilhava ao pôr do sol enquanto ele a balançava em
aprovação. Também podiam ser percebidos lampejos inter-
mitentes de ira. Tito conhecia aquele olhar e se sentia grato
por nunca ter recebido um. Mas, então, o velho pareceu
derreter. Ele bateu palmas e ergueu os braços, bastante ani-
mado. “Tito, traga os meus pergaminhos e uma pena!” Por
fim, ele se sentou e começou a escrever. Mas, diferentemen-
te de suas cartas anteriores a Corinto, essa iniciou com uma
nota positiva. Sua obra entre eles finalmente começara a
dar frutos. Então, ele começou.

Comissionado e chamado (1.1)


Foi contra a autoridade de Paulo como alguém chamado
por Deus e enviado por Cristo que ele havia sido denun-
ciado como um impostor. Ele começou de modo caracte-
rístico, estabelecendo a sua autoridade e seu comissiona-
mento – “Paulo, apóstolo” (v. 1; cf. Gl 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1;
1Tm 1.1; 2Tm 1.1). Esse ministério lhe foi designado por
“Cristo Jesus pela vontade de Deus” (v. 1). Paulo dá como
certo que ele cumpre quaisquer requisitos para o “ofício”
do apostolado. Não é usurpação, mas obediência ao cha-
mado de Deus. Aquelas pessoas precisavam ser lembradas
desse fato. O que é importante observar com respeito ao
termo “apóstolo” é que ele significa mais do que um tí-
tulo de honra (embora essa seja uma nuance claramente
presente no Novo Testamento e não inteiramente ausente
aqui também); contudo, é a sua missão que ele deseja real-
36
1.1-2 1. Saudações de Paulo e Timóteo

çar em sua carta. No uso do grego clássico, apostolos, como


“delegado”, e aggelos, como “mensageiro”, eram distintos.
Apostolos, conforme Paulo usa aqui, já está condicionado
pela relação ao termo na igreja primitiva. Os doze que es-
tiveram com o Senhor foram comissionados para irem por
todo o mundo e pregarem o evangelho a toda criatura (Mt
28.19-20). Quando Paulo emprega o termo com relação
a si mesmo, tem em mente essa ordem do seu Senhor – e
certamente os leitores não deveriam se esquecer de que só
receberam o evangelho porque ele obedecera àquele cha-
mado. Ademais, é exatamente a esse ponto que ele retorna
repetidas vezes na carta, uma vez que havia alguns que o
estavam desafiando em seu direito de falar dessa maneira.25
Muito se fala em estudos recentes sobre o lugar do poder
na igreja primitiva. Sem dúvida, nessas duas cartas aos co-
ríntios, essa questão é mais predominante do que em todos
os outros escritos de Paulo.26 Seria um equívoco, contudo,

25 Veja J. C. Lambert, “Apostle”, ISBE. Com relação à tendência de restrin-


gir o termo “apóstolo” a um círculo íntimo especial, Lambert observa: “Se
existia uma tendência desse tipo, Paulo a quebrou efetivamente pela vin-
dicação do seu direito ao nome. Sua reivindicação aparece na pressuposi-
ção do título apostólico nas palavras de apresentação da maioria de suas
cartas. E, quando o seu direito foi desafiado, ele o defendeu com paixão e
especialmente sobre estas bases: ele havia visto Jesus e, assim, estava qua-
lificado a dar testemunho da sua ressurreição (1Co 9.1; compare com At
22.6ss); ele recebera o chamado para realizar a obra de um apóstolo (Rm
1.1; 1Co 1.1 etc.; Gl 2.7; compare com At 13.2ss; 22.21); mas, acima de
tudo, ele podia apresentar os sinais e selos do apostolado providenciados
pelo seu trabalho missionário e seus frutos (1Co 9.2; 2Co 12.12; Gl 2.8).
Foi com esse último fundamento de apelação que Paulo convenceu os
apóstolos originais da justiça de sua reivindicação [...] (Gl 2.8)”.
26 Veja, p. ex., Alexandra R. Brown, “The Gospel Takes Place: Paul’s Theo-
logy of Power-in-Weakness in 2 Corinthians”, Interpretation 52, no 3 (jul.

37
2CORÍNTIOS Parte I: Defesa pessoal

sugerir que isso tem mais a ver com o seu “direito” de exer-
cer autoridade27 do que com sua “obrigação” de fazê-lo em
obediência ao chamado divino (1.21-22; cf. 2.17; 3.4).

A GRANDE COMISSÃO NAS CARTAS PAULINAS

Comissão específica Referência

Exortação a seguir o exemplo de 1Co 4.16


Paulo no seu cumprimento

Chamado a imitar Cristo perante os outros Fp 3.17

Súplica para andar de modo 1Ts 2.11-12


digno do chamado de Deus

Recomendação para transmitir 2Tm 2.2


essa comissão a outros

Muitas igrejas têm demitido pastores dedicados e obe-


dientes, pensando ser elas que os haviam convidado para
ocupar o púlpito. Muitos pastores desgastados têm se tor-
nado presas das exigências irreais de gente assim. Ambos
precisam observar esse pastor do primeiro século quando
se levanta a questão sobre “quem” chamou antes. Paulo
compreendia que era pelo bem das almas perdidas de Co-
rinto que ele fora chamado, mas que não foram elas que o
convocaram. Fora Deus. Então, eles não tinham o direito
de lhe ditarem as regras. Paulo estava obrigado a obedecer
àquele que o havia chamado. É claro que ninguém poderia
esquecer daquele chamado extraordinário em Atos 16.9,
quando Paulo teve a visão de um homem da Macedônia

1998), p. 271-285.
27 P. ex., Elizabeth Castelli, Imitating Paul: A Discourse of Power (Louisville:
Westminster John Knox, 1997), p. 89-119.

38
1.1-2 1. Saudações de Paulo e Timóteo

que lhe suplicava: “Passe à Macedônia e ajude-nos”. Foi em


obediência a essa visão celestial que Paulo se tornou o pri-
meiro missionário apostólico a levar o evangelho à Europa.
Um segundo ponto crítico deve ser acrescentado. Quan-
do pensamos a respeito do ministério e chamado de Paulo,
devemos também incluir as suas cartas. Inspiradas pelo Es-
pírito Santo, elas oferecem instrução que os leitores mo-
dernos desafiam ou ignoram por sua própria conta e risco.
Hoje em dia, é muito comum desafiar os escritores bíbli-
cos (especialmente Paulo) como se os seus escritos refletis-
sem pouco mais do que uma opinião pessoal, tendência
ou cultura distorcida da qual eles faziam parte. Quando
se escreve sob a inspiração do Espírito Santo, aquilo que
sai da pena do escritor é normativo. Ou seja, representa a
verdade eterna que deve ser crida mesmo quando não é to-
talmente compreendida ou aceita pela cultura em geral. A
verdade, como se afirmou corretamente, é descoberta. Ela
não é criada. Posteriormente, Paulo terá muito mais a dizer
acerca da questão da verdade e da comunidade.
“Timóteo” (v. 1). Esse companheiro de Paulo não é men-
cionado na introdução a 1Coríntios como acontece aqui.
Possivelmente isso aconteceu porque Timóteo já havia sido
enviado a Corinto (1Co 4.17; 16.10). A menção feita aqui
indica que ele já havia se reunido ao apóstolo, prestado o
seu relatório referente às questões de Corinto e viajado com
ele de Éfeso para a Macedônia. O autor se apresenta como
o “apóstolo”. Ele apresenta o seu amigo e companheiro,
conhecido de seus leitores, como o “irmão”. Essa apresen-
tação, de forma muito hábil e diplomática, coloca sobre
39
2CORÍNTIOS Parte I: Defesa pessoal

Paulo toda a responsabilidade do que viria a seguir – não


sobre Timóteo. Ao mesmo tempo, ao incluir o amigo deles
e seu na saudação de abertura, Paulo está encorajando seus
leitores a oferecerem ao seu jovem filho na fé o mesmo res-
peito que eles lhe demonstrariam.

Aos santos de Corinto (1.1)


A carta é principalmente endereçada “à igreja de Deus que
está em Corinto” (v. 1). Isso se dirige diretamente à comu-
nidade local. Que havia também a intenção de ser uma
carta circular lida por outras assembleias “indiretamente”28
está implícito pelo fato de que ele também se dirige a “to-
dos os santos em toda a Acaia” (v. 1). A menção engloba no
mínimo os cristãos que estavam em Atenas (cf. At 17.34)
e em Cencreia, o porto oriental de Corinto (cf. Rm 16.1).
“Santos” (v. 1) evoca à mente aqueles que haviam sido se-
parados por Deus e que caminhavam em novidade de vida
(cf. Rm 1.7; 1Co 1.2; 6.11; 2Co 5.17). Hagioi, “santos”,
é uma expressão comum no Novo Testamento que se refe-
re ao povo de Deus – não tanto como indivíduos quanto
acerca do povo de Deus em geral. No Novo Testamento,
isso é caracterizado por sua associação com Cristo. O que é
importante observar aqui é que o uso desse termo não fala
tanto sobre o(s) grau(s) de moralidade ou o caráter santo
dos indivíduos a quem o termo se aplica. Antes, ele tem

28 Robert Jamieson, A. R. Fausset e David Brown, A Commentary, Critical


and Explanatory, on the Old and New Testaments, vol. 2 (Hartford: S. S.
Scranton, 1872), p. 299.

40
1.1-2 1. Saudações de Paulo e Timóteo

em mente a reivindicação soberana de Deus sobre eles. Isso


também vale para o uso de qadhosh no Antigo Testamento,
mas é um ponto importante frequentemente esquecido por
aqueles que são dados a um cristianismo “baseado no de-
sempenho”. Quando a Escritura fala sobre o povo de Deus
como “sagrado” ou “santo”, ela está falando sobre a inicia-
tiva de Deus em reivindicá-lo e consagrá-lo para o seu uso.
Ela não se refere a certo nível de realizações atingido por
uns poucos seletos que agora ocupam um lugar especial na
igreja ou no céu. Também é importante observar que espe-
ra-se que pessoas consagradas dessa forma a Deus demons-
trem o seu estado de santidade com obras que “conv[ê]m
aos santos” e que se abstenham de obras que não convêm
(Rm 16.2; Ef 5.3).
É importante dar atenção a como o escritor faz uso do
termo ekklēsia. Nas cartas de Paulo, o termo pode se re-
ferir a um grupo de cristãos reunidos para adorar (1Co
11.18; 14.19,28,35). Ele se refere à totalidade de crentes
em uma dada região (Rm 16.1; Cl 4.16; Gl 1.2,22). Pode
ser utilizado para falar do corpo universal de crentes (1Co
12.28; 15.9; Gl 1.13; Ef 1.22; 3.10; cf. At 9.31; 20.28).
O que é especialmente importante a se notar aqui é que,
quando Paulo usa o termo ekklēsia para a assembleia de
Corinto, ele sugere que nessa cidade a totalidade da igreja
está representada. Citando Schmidt, Ladd concorda que “a
igreja universal não é considerada como a totalidade de to-
das as igrejas locais; ao contrário, ‘cada comunidade, ainda

41
2CORÍNTIOS Parte I: Defesa pessoal

que pequena, representa a comunidade total, a Igreja’”.29


Barrett também observa: “Em 2Coríntios, a palavra igreja
(ekklēsia) não ocorre com tanta frequência: nove vezes ao
todo. Em outras oito passagens (8.1,18-19,23-24; 11.8,28;
12.13) ela é usada no plural – uma clara indicação de que,
no mínimo nesse estágio de sua carreira, o sentido primá-
rio da palavra para Paulo era o de uma comunidade cristã
local, embora também fique evidente que os grupos locais
estivessem associados (p. ex., ‘todas as igrejas’, 11.28)”.30
A expressão paulina “de Deus” antecipa o versículo 3.
Quando os primeiros cristãos adoravam, eles concediam a
mesma honra tanto a Deus (o Pai, Javé) como ao Senhor
Jesus Cristo. Não havia separação de identidades: “Para
nós, porém, há um só Deus, o Pai, de quem são todas as
coisas e para quem existimos, e um só Senhor, Jesus Cristo,
por meio de quem todas as coisas existem e por meio de
quem também nós existimos” (1Co 8.6). Assim, as “igrejas
de Cristo” (encontrado apenas em Rm 16.16) são as igrejas
“de Deus” (aqui e nas demais referências em Paulo; cf. Gl
1.13; 1Ts 2.14; 2Ts 1.4). Com respeito ao sentido disso,
Sabourin observa: “Embora não exista identificação pessoal
entre Cristo e Javé, [também não] há nenhuma dispersão
da fé”.31 As implicações são importantes para aqueles que se
representavam como o partido de “Cristo” (cf. 1Co 1.12-

29 G. E. Ladd, A Theology of the New Testament, ed. rev. (Grand Rapids:


Eerdmans, 1993), p. 582. Veja tb. K. L. Schmidt, “ekklēsia”, TDNT,
3:506; Harris, The Second Epistle to the Corinthians, p. 133.
30 Barrett, The Second Epistle to the Corinthians, p. 55.
31 Leopold Sabourin, The Names and Titles of Jesus, trad. Maurice Carroll
(Nova York: Macmillan, 1967), p. 300.

42
1.1-2 1. Saudações de Paulo e Timóteo

13) e que continuavam a fomentar divisões nessa igreja.


Aqueles que adoram a Cristo não abandonam o Deus do
Antigo Testamento. Foram precisamente textos como esses
que levaram os cristãos a ponderarem sobre o mistério do
relacionamento trinitariano.
A referência a Deus como “Pai” é característica do retra-
to do Novo Testamento. Jesus ensinou os crentes a orarem
ao “Pai nosso, que estás nos céus” (Mt 6.9). E ele disse aos
seus discípulos para não se preocuparem em ter alimento
para comer, roupas para vestir ou um lugar onde dormir,
porque o Pai celestial é quem provê a todas as necessidades
dos pássaros no céu e certamente tem maior cuidado para
com as pessoas (Mt 6.26).

Graça e paz (1.2)


“O crescimento espiritual perceptível na vida de não pou-
cas dessas pessoas era, no mínimo, muito pequeno. Como
é significativo, então, observar a pressuposição do autor de
que, não obstante os seus problemas, os coríntios não dei-
xariam de experimentar a graça e a paz de Deus, o Pai, e de
Deus, o Filho!”32 A saudação no versículo 2 é típica. Pelo
menos desde Tertuliano, o padrão de saudar com “graça”
no mundo greco-romano era conhecido como correlato à
saudação padrão judaica shalom, “paz”.33 Quer seja inten-
cional quer não, isso certamente conecta o Deus do Antigo

32 Naylor, 2 Corinthians, vol. 1, p. 50.


33 Thiselton, The First Epistle to the Corinthians, p. 63.

43
2CORÍNTIOS Parte I: Defesa pessoal

Testamento com o dos cristãos do Novo Testamento (veja


o comentário acima sobre “Pai”). Para os convertidos gen-
tios de Paulo, tal conexão é crucial. Não é por acaso que
ele conclui essa carta fazendo nova e similar referência à
graça, ao amor e à paz de Deus (cf. 13.11-13). Na soterio-
logia de Paulo, também é verdadeiro que a graça sempre
precede a paz. Até que tenhamos recebido a graça de Deus,
não podemos conhecer nada a respeito da sua paz. Graça
é o amor de Deus que o capacita a derramar o seu infini-
to favor sobre aqueles a quem amou sem receber nada em
troca. Isso não exige mérito algum e não implica qualquer
obrigação. A graça é estendida a toda a humanidade pela
obra de Jesus Cristo na cruz, o que, per se, torna o amor de
Deus disponível a todos (1Jo 2.2). Qualquer coisa que se
interponha entre a provisão da graça de Deus e o poder da
graça de Deus é blasfêmia (cf. o tratamento dado por Paulo
ao legalismo em Gálatas). A paz é subsequente e ela é acres-
centada porque a graça de Deus foi recebida pela fé. Não há
nada que ofereça tal paz tanto quanto o puro evangelho da
graça (cf. Ef 2.14; Fp 4.7; Cl 1.20; 3.15) “de Deus, nosso
Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (v. 2). A preposição simples
(grego, apo) liga o Pai e o Filho em uma união inviolável,
afirmando assim a inequívoca divindade de Cristo. A refe-
rência é ao Pai eterno e ao Filho encarnado (cf. tb. 13.13).
Aqueles que trazem, com grande agonia no coração, pe-
rante o trono da graça, os nomes de entes queridos recalci-
trantes, membros que se desviaram da igreja e líderes car-
nais são lembrados por esse texto que, se aqueles por quem
intercedem realmente nasceram de novo, “o Senhor ainda
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1.1-2 1. Saudações de Paulo e Timóteo

os ama e os guarda. Eles nunca poderão ser separados da


paz celestial. A graça de Deus é abundante”.34

34 Ibid.

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