Previdencia e Desmonte Do INSS
Previdencia e Desmonte Do INSS
Previdencia e Desmonte Do INSS
Edivane de Jesus1
Sabrina Fermiano Campos2
Introdução
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Contudo, cabe demarcar que, antes do cenário gerado pela Pandemia, o INSS já
vinha passando por um conjunto de transformações com o advento do Programa
intitulado “INSS Digital”, implantado em 2016. Com mudanças graduais que
visam digitalizar cada vez mais os processos de benefícios, as rotinas de trabalho
e a forma de atendimento à população modificaram-se totalmente nos últimos
anos. Essas alterações foram intensificadas a partir de 2019, quando a maioria dos
requerimentos de benefícios e serviços passaram a ser feitos exclusivamente via
internet ou central telefônica. Essa mudança no modelo de atendimento agravou
a dificuldade de acesso para os cidadãos que, tanto por exclusão digital, quanto
por outras formas de exclusão social, não conseguem utilizar as tecnologias da
informação e comunicação.
Nesse sentido, sustentamos nesse artigo que as modificações administrativas,
que vem sendo implantadas no INSS desde 2016, compõe o conjunto de ações
da reforma do estado brasileiro e endossam o movimento de contrarreforma da
previdência social que, desde 1990, avança na direção do desmantelamento dos
direitos previdenciários estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.
4. BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Portaria Con-
junta n. 46, de 21 de agosto de 2020. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, ed. 162, p.15, 24
ago. 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-n-46-de-21-de-agosto-
-de-2020-273700994. Acesso em: 29 nov. 2020.
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A Portaria n. 543, de 27/04/20207, por sua vez, instituiu medidas com vistas a
facilitar o acesso aos créditos dos benefícios como a autorização de transferência do
pagamento da modalidade “cartão magnético” para “conta corrente” do beneficiário.
Outra normativa do período, a Lei 13.982/208, autorizou o INSS a antecipar 1
(um) salário-mínimo mensal (R$ 1.045,00) para os requerentes do benefício de
auxílio-doença, pelo período de 3 (três) meses, a contar da data de sua publicação,
ou até a realização de avaliação pela Perícia Médica Federal. Esta antecipação não
corresponde, contudo, a um auxílio-doença e somente poderá ser convertida
neste benefício após a realização da perícia médica, com o retorno das atividades
presenciais nas agências.
Para o auxílio-doença o atendimento presencial é imprescindível, devido a
necessidade de avaliação da incapacidade pela perícia médica. Em razão da
pandemia e a suspensão do atendimento nas agências da previdência social,
os requerimentos de auxílio-doença passaram a ser realizados remotamente,
mediante a apresentação de atestados médicos. O atestado, contudo, precisa
atender expressamente normas estabelecidas pela perícia e nestes meses, puderam
ser observados vários entraves nesse processo: solicitações negadas por não
conformidade do atestado médico, demora para validação final do processo e
sobretudo a necessidade de tratamento de pendências administrativas. Outra
questão é o valor do adiantamento que, em muitos casos, é inferior ao salário de
benefício que o segurado faria jus, gerando impactos importantes na manutenção
de sua renda.
Em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), benefício da política de
assistência social concedido a idosos e pessoas com deficiência, operacionalizado
pelo INSS, a Lei n. 13.982 autorizou a antecipação do valor de R$ 600,00 (seiscentos
reais), durante 3 (três) meses, a requerentes com processos aguardando análise.
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Esta antecipação possibilitaria assegurar alguma renda aos requerentes até que
fossem reestabelecidos os serviços presenciais (Serviço Social e Perícia Médica),
necessários a finalização de suas solicitações.
É importante sinalizar que todas essas informações acerca das normativas e
fluxos adotados pelo INSS durante a pandemia, só puderam ser alcançados pela
população pelos canais remotos. Assim, se antes do fechamento das agências
muitos cidadãos já encontravam inúmeras dificuldades de acesso, por falta de
conhecimento da legislação e dos trâmites burocráticos do INSS, durante o período
em tela, tais dificuldades foram maximizadas.
Ao longo dos meses de atendimento remoto exclusivo, o Serviço Social do
INSS destacou-se na assistência à população por meio do plantão telefônico, via
e-mail, ou utilizando-se do aplicativo Whatsapp. Muito embora os atendimentos
presenciais do Serviço Social como avaliação social, parecer social e socialização
de informações individual, estivessem suspensos, o plantão remoto permitiu que
muitos cidadãos conseguissem acessar informações sobre direitos previdenciários
e assistenciais num momento de grande necessidade. Frequentes foram os relatos
de segurados e usuários acerca das tentativas sem sucesso de acesso a informações
e benefícios via internet, problemas com senhas e inconsistências cadastrais, que
somente após o contato e a articulação entre Serviço Social e setor administrativo
puderam ser resolvidos.
Os contatos do plantão do Serviço Social das unidades do INSS, foram amplamente
divulgados nos municípios de Santa Catarina, através da internet, rádio, cartazes,
equipamentos da política de assistência social, saúde, educação e ONGs. Além
disso, o trabalho de assessoria à rede, com o suporte, em especial, às equipes dos
Cetros de Referência de Assistência Social – CRAS, foi intensificado neste período,
e fundamental para que o segurado, que procurou orientações através de outros
serviços públicos, não ficasse sem orientação.
Em meados de setembro de 2020, algumas agências do INSS em todo país foram
reabertas, respeitando protocolos de segurança, além de atendimento restrito a
agendamentos como perícia médica e avaliações sociais. Mesmo nas agências que
retomaram este atendimento presencial, os segurados permanecem sem acesso a
informações e orientações gerais. Dessa forma, o atendimento em modo plantão,
continua sendo requisitado pela população de forma expressiva e vem gerando
uma densa demanda de trabalho para os servidores envolvidos9.
9. SANTA CATARINA. Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) – 12ª Região. Reunião Amplia-
da do Serviço Social nas Políticas de Assistência e Previdência Social: Desafios frente ao contex-
to das alterações no atendimento à população pelo INSS. Florianópolis, SC, 12 ago. 2020. Disponível
em: http://cress-sc.org.br/2020/08/12/reuniao-ampliada/. Acesso em: 29 nov. 2020.
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10. BRASIL. Governo Federal. Meu INSS. 2020. Disponível em: https://meu.inss.gov.br/central/#/lo-
gin?redirectUrl=/. Acesso em: 29 nov. 2020.
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13. BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Pre-
vidência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 14 ago. 1998.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 28 nov. 2020.
14. BRASIL. Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de
previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Diário Oficial da União:
Brasília, DF, 16 dez. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/
emc/emc20.htm. Acesso em: 29 nov. 2020.
15. BRASIL. Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003. Modifica os arts. 37, 40,
42, 48, 96, 149 e 201 da Constituição Federal, revoga o inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição
Federal e dispositivos da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras provi-
dências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 31 dez. 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc41.htm. Acesso em: 29 nov. 2020.
16. MOTA, A. E. Crônica de uma morte anunciada: as reformas da Previdência Social Brasileira nos
anos 90 e 2000. In: Braga, L; CABRAL, M. S. R. (Org.). O Serviço Social na Previdência. 4. ed. São
Paulo: Cortez, 2011, v. 1, p. 137-155.
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Social, via MPs 66417 e 66518, e logo que 2014 se inicia põe em prática um ajuste
fiscal com cortes em diversas áreas. As Medidas Provisórias 664 e 665 foram
convertidas respectivamente nas Leis n. 13.135 e 13.134, de junho de 201519, e
trouxeram modificações na pensão por morte, auxílio-doença, aposentadoria por
invalidez, auxílio-reclusão, abono salarial e seguro-desemprego. No mesmo viés das
contrarreformas anteriores, estas medidas reduziram direitos dos trabalhadores,
tanto dos servidores públicos como dos trabalhadores do setor privado, filiados
ao RGPS.
A crise econômica, somada a uma grave crise política, marca o segundo
mandato de Dilma, o que culmina no golpe parlamentar de 2016, que contou com
a participação decisiva do judiciário, grande mídia e movimentos da sociedade
supostamente anticorrupção. O governo de Michel Temer assume a tarefa de impor,
em pouco mais de dois anos, uma agenda política/econômica ousada, alinhada
aos interesses do grande capital. As contrarreformas encaminhadas por Temer
avançaram sobre direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora.
Foram aprovadas no período modificações na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT), a terceirização das atividades-fim e enviada ao Congresso Nacional uma
Proposta de Emenda Constitucional n. 287 (PEC 287).
A PEC 287 propunha a alteração de diversas regras referentes aos benefícios
da previdência e do Benefício de Prestação Continuada, da assistência social,
englobando o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e Regimes Próprios de
Previdência Social (RPPS), aprofundando a convergência das regras entre os dois
regimes previdenciários. A proposta de contrarreforma foi alvo de uma intensa
mobilização popular que aglutinou os trabalhadores em todo o Brasil. Foram
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várias manifestações, dois dias de greve geral e uma marcha que reuniu milhares
em Brasília que, somadas a todas as ações locais, pressionaram os parlamentares
e a proposta de reforma foi sobrestada. É neste período também, que tem início
o conjunto de reformulações administrativas no âmbito do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), apresentadas como soluções modernizadoras pela gestão,
que trouxeram um sem número de entraves ao acesso da população, ou seja,
restrição de direitos.
Uma conjuntura complexa, que uniu crise econômica, descrédito com a política
e uma ofensiva conservadora, nas eleições presidenciais de 2018, alça ao poder
Jair Bolsonaro. A continuidade da contrarreforma da Previdência Social, figura
como ponto central de sua rasa plataforma de campanha e, no segundo mês do
mandato, o governo envia ao Congresso a PEC n. 06/2019, propondo alterações
que afetariam tanto a vida de trabalhadores vinculados ao regime geral, como
aos regimes públicos, com exceção dos militares. Além de drásticas modificações
nas condicionalidades de acesso a benefícios previdenciários, como valores de
benefícios, idade para aposentadoria, alíquotas, tempo de contribuição, e no
benefício de Prestação Continuada (BPC), a proposta de Bolsonaro ancorou-se
em duas proposições: a desconstitucionalização da legislação previdenciária e a
implantação do regime de capitalização.
A PEC 06/2019 propunha a modificação do artigo 40 e 201 da Constituição Federal,
o que possibilitaria que normas gerais de organização e funcionamento dos regimes
de Previdência passassem a ser regulamentadas por Lei Complementar (LC) e
ordinária, facilitando a aprovação de futuras reformas. Assim, Leis Complementares
poderiam definir valor de contribuições, condicionalidades de acesso, regras de
cálculo, reajuste de benefícios e mesmo os mecanismos para equacionamento
de possíveis déficits. A PEC também propôs o estabelecimento do regime de
capitalização, onde trabalhadores ao iniciarem sua vida laboral passariam a
contribuir de forma individual para fundos privados de previdência. A aprovação
desse ponto da proposta acabaria, assim, com o regime de repartição simples e
solidário da previdência social brasileira e individualizaria a responsabilidade
pela proteção social.
A aprovação da contrarreforma foi assumida como prioridade pela equipe
econômica, liderada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que anunciou que a
medida traria, no período de dez anos, a economia de um trilhão de reais aos cofres
públicos. O governo usou de um conjunto de estratégias para conseguir o apoio
necessário à aprovação, recorrendo à propaganda no formato de merchandising
em programas da televisão aberta e investindo numa milionária campanha
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20. PRAZERES, L. Governo gasta R$ 183 mi em campanhas para reforma da Previdência desde
2016. Economia Uol, Brasília, 8 abr. 2019.
21. AMARAL, L.; MAZIEIRO, G.; TEMÓTEO, A. Governo pede R$ 3 bi para honrar emendas e aprovar
Previdência na Câmara. UOL, Brasília, 6 ago. 2019. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noti-
cias/redacao/2019/08/06/governo-faz-pedido-de-r-3-bi-extras-apos-negociacao-para-votar-previdencia.
htm. Acesso em: 15 jun. 2020.
22. BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Portaria n.
1.348, de 3 de dezembro de 2019. Dispõe sobre parâmetros e prazos para atendimento das disposi-
ções do artigo 9º da Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019, para Estados, Distrito
Federal e Municípios comprovarem a adequação de seus Regimes Próprios de Previdência Social
- RPPS. (Processo n. 10133.101237/2019-73). Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 4 dez. 2019.
ed. 234, p. 32. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.348-de-3-de-dezembro-
-de-2019-231269862. Acesso em: 21 jun. 2020.
23. MUGNATTO, S. Reforma da previdência é promulgada. Agência Câmara de Notícias, Brasília,
DF, 12 nov. 2019.
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Considerações finais
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