Pandemia Do Covid-19 No Ceará
Pandemia Do Covid-19 No Ceará
Pandemia Do Covid-19 No Ceará
RESUMO
Esta pesquisa objetiva responder ao seguinte problema de pesquisa: como a exclusão digital e
a informalidade laboral afetam a operacionalização das políticas assistenciais de transferência
de renda? Nesse sentido, busca-se analisar o desenvolvimento de políticas assistenciais de
transferência de renda, como o Auxílio Emergencial, adotado durante a pandemia da
COVID-19, e o Auxílio Brasil, implementado com a Emenda Constitucional 114 e a Lei
14.284/2021, com enfoque no Ceará, e os obstáculos à sua implementação, em especial a
exclusão digital entre possíveis beneficiários, a maioria dos quais se encontra também em
situação de informalidade laboral. O Auxílio Emergencial, como política de redistribuição de
renda, possibilitou a redução do crescimento da pobreza no Brasil durante a pandemia.
Evidenciou ainda a necessidade de aperfeiçoar os programas de transferência já existentes,
como o Bolsa Família, discutindo-se a oportunidade de construção de um programa de renda
básica, como pretende ser o Auxílio Brasil. No entanto, as políticas elaboradas pelo Governo
Federal possuem inconsistências, como falhas na atualização dos cadastros dos cidadãos,
ocasionando a inclusão injustificada de beneficiários e exclusão de potenciais destinatários em
razão da desigualdade digital, sendo necessária a manutenção de canais de identificação e
inscrição não restritos somente ao ambiente virtual. A informalidade laboral exige ainda
estímulo a programas de capacitação profissional e de ampliação da proteção social.
INTRODUÇÃO
O presente estudo objetiva responder ao seguinte problema de pesquisa: como a
exclusão digital e a informalidade laboral afetam a operacionalização das políticas
assistenciais de transferência de renda? Para responder ao problema em questão, é necessário
examinar a legislação referente ao tema e dados referentes à realidade tratada, em especial
sobre informalidade laboral e exclusão digital.
Marcado pelo seu elevado grau de transmissibilidade, ocorrido por meio do contato
entre pessoas infectadas, via gotículas originadas pela saliva, tosse ou espirro, bem como por
interações físicas ou via aerossol, os sintomas da Covid-19 variam de maneira semelhante a
de uma gripe viral com sintomas leves, podendo vir a ser agravada em pacientes que são
acompanhados por algum tipo de comorbidade, como condições de risco que comprometem a
recuperação efetiva.
Com o exponencial crescimento dos casos, isolamento do vírus e sequenciamento de
genoma viral por parte do governo chinês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu,
em 30 de janeiro de 2020, um comunicado declarando uma emergência de saúde pública à
nível internacional em razão da eclosão de 98 casos fora da China em 18 países distintos.
(OMS, 2020, online)
Contudo, a demora das autoridades internacionais na implementação de medidas
restritivas, como o distanciamento social e o isolamento rígido, e o registro da marca de
100.000 contaminados ao redor do mundo em 7 de março de 2020 fez com que a OMS, por
meio de um novo comunicado, elevasse o caráter de disseminação do Covid-19 ao nível de
uma pandemia em 11 de março de 2020. Na referida data, o número de pessoas contaminadas
era de 118.000, espalhadas por 114 países, com um número de mortes estimado em 4,291
vítimas. (OMS, 2020a, online)
O estado pandêmico, ainda que não dependa de um número específico de
contaminação para a sua divulgação, funciona como um alerta para os países da comunidade
internacional que torna necessária a adoção de políticas públicas de enfrentamento à
contaminação viral, permitindo, por meio do indicativo de diretrizes emitidas pela OMS, a
administração no atendimento dos pacientes contaminados e a ingerência sob o sistema
médico interno dos países, servindo, por exemplo, como, instrumento para evitar colapsos
hospitalares e superlotação nos serviços considerados de natureza essencial.
[CITAR A QUARENTENA]
[CITAR OS IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS]
Como meio de contenção aos impactos socioeconômicos da pandemia no Brasil, a
política do Auxílio Emergencial, criada pela Lei nº 13.982/2020, concedia o valor de R$
600,00 (seiscentos reais) pelo período de 5 (cinco) meses (GOMES, ROCHA, 2020).
Conforme o texto normativo, os requisitos para a concessão do auxílio emergencial englobam
aspectos como a necessidade de ser maior de 18 anos, não haver a cumulação com algum
benefício oriundo do Governo Federal ou da previdência social ou ser beneficiário de algum
programa de transferência de renda, com exceção do Bolsa Família, a renda per capita do
núcleo familiar não ser superior a meio salário mínimo ou a renda total da família não ser
superior a três salários mínimos, o rendimento anual tributável não ser superior ao valor de R$
28.559,70 e ser configurado como um microempreendedor (MEI) ou um contribuinte do
INSS, além de ser possível a concessão para trabalhadores informais. (BRASIL, 2020a).
Ademais, sua concessão é permitida somente para dois membros pertencentes ao núcleo
familiar
A solicitação do auxílio podia ser efetuada de duas formas: para os trabalhadores
informais a concessão do auxílio poderia ser requerida pelo sistema do CadÚnico, plataforma
que identifica, além dos trabalhadores informais, famílias que ganham meio salário mínimo
por pessoa ou três salários mínimos da renda mensal total, configuradas em situação de
pobreza ou extrema pobreza, registrados em algum programa social do governo federal. Caso
o interessado já receba o bolsa família, esse seria substituído pelo Auxílio Emergencial. Para
indivíduos não registrados no CadÚnico, a Caixa Econômica Federal, por meio da elaboração
de um aplicativo (CAIXA/Auxilio Emergencial), estabeleceu uma plataforma para a
autodeclaração do requerente.
O auxílio emergencial veio a ser prorrogado em 2021 por meio da Medida Provisória
1.039/2021, garantindo o pagamento adicional por mais quatro meses, iniciado em abril de
2021, apesar da redução do valor concedido, que viria a ser arbitrado entre R$ 150, R$ 250 e
R$ 275, limitado a um beneficiário por família (BRASIL, 2021, online).
A operacionalização do auxílio, em 2020, apresentou falhas concernentes à
concessão e identificação do público afetado pelas restrições econômicas e sociais. As falhas
mais visíveis e críticas do programa foram a desatualização de dados cadastrais, a restrição do
número de beneficiários, a impossibilidade de cadastro de novos requerentes e a exclusão de
mais de três milhões de pessoas. (BRASIL, 2020b, online) A existência da dados
desatualizados e a ausência de utilização por parte do Governo Federal de estruturas já
existentes, como o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), responsável pela
identificação de vulneráveis e implementação de políticas assistenciais para grupos familiares
de baixa renda, comprometeu a concessão dos valores aos interessados, promovendo a
exclusão de beneficiários afetados pelos impactos socioeconômicos enfrentados e tendo como
consequência a judicialização de conflitos na Justiça Federal. A exclusão digital pode ser
resolvida recorrendo à rede já existente de assistência social no Brasil, por exemplo, como
parte do SUAS no âmbito municipal, bem como o suporte de assistentes sociais.
A relevância do Suas no âmbito dos municípios brasileiros deriva de sua ampla
cobertura no território nacional, sendo presente em 99% das cidades do Brasil. Os
atendimentos, realizados nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) estão
instalados em 5.522 dos 5.570 municípios do país, operacionalizando programas de
transferência de renda, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
(LUPION, 2020, online)
Apesar das inconsistências nos cadastros, o Auxílio Emergencial veio a registrar
muitos beneficiários “invisíveis” que não estavam integrados à plataforma do CadÚnico. Em
maio de 2020, cerca de 29 milhões de beneficiários estavam registrados na base de dados da
Caixa/Auxílio Emergencial sem cadastro prévio ao CadÚnico (BRASIL, 2020c, online). Esse
dado demonstra a necessidade de expansão da cobertura para inclusão de beneficiários nos
programas de transferência de renda.
Corroborando com a importância do Auxílio Emergencial na demonstração da
necessidade de garantir renda a muitas famílias brasileiras, excluídas, por exemplo, do Bolsa
Família, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, em 2021, o Mandado de Injunção 7300,
interposto por Alexandre da Silva Portuguez por meio de representação da Defensoria Pública
da União (DPU). O pedido foi fundamentado na existência de lacuna legislativa referente à
implementação da renda básica universal prevista no art 1º da Lei. 10.8325/2004, com a
solicitação da fixação do valor da renda básica em um salário mínimo.
No voto do Ministro Gilmar Mendes, foi explicitado que a política de transferência
direta de renda instituída no programa Bolsa Família, apesar de substancialmente importante
para a inclusão de pessoas de baixa renda, não foi suficiente para impedir o recrudescimento
da pobreza no Brasil, tendo em vista que quase 5 milhões de brasileiros retornaram para a
pobreza entre os anos de 2014 e 2017. (BRASIL, 2021)
No cenário da pandemia de COVID-19, o auxílio emergencial apresentou
fundamental importância para impedir o crescimento da pobreza no Brasil. Em 2020, 24,1%
da população era considerada pobre, convivendo com cerca de R$ 450,00 reais por mês. No
entanto, caso não existisse, a porcentagem seria maior, da ordem de 32,1%. (VALOR
ECONÔMICO, 2021, online)
Desse modo, o STF decidiu pela determinação à Presidência da República, nos
termos do art. 8º, I, da Lei 13.300/2016, de implementação de renda básica em favor da
população brasileira submetida à condição de vulnerabilidade social (extrema pobreza e
pobreza), sendo caracterizada por aqueles que recebem renda per capita inferior a R$ 89,00 e
R$ 178,00, respectivamente, com incidência no ano fiscal de 2022. Não obstante, a decisão do
Supremo apelou para o trabalho conjunto entre os Poderes Executivo e Legislativo para a
adoção de medidas concernentes à atualização dos valores monetários de programas como o
Bolsa Família, bem como aperfeiçoar os programas de transferência de renda. (BRASIL,
2021)
Diante da decisão do STF, foi promulgada, em 17 de dezembro de 2021, a Emenda
Constitucional 114, que determinou o caráter permanente do programa Auxílio Brasil, que
funciona como um programa de transferência direta de renda, vindo a concentrar nove
benefícios distintos, dentre eles o Benefício de Primeira Instância, o de Composição Familiar
e o de Superação da Extrema Pobreza e substituindo a política do Bolsa Família. Foi incluído
um parágrafo único no art. 6º da Constituição, prevendo que todo brasileiro em situação de
vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público
por meio de programa permanente de transferência de renda. O programa foi disciplinado pela
Lei 14.284/2021, decorrente da conversão da Medida Provisória 1.033/2021.
2. O CENÁRIO DA INFORMALIDADE LABORAL EM MEIO À PANDEMIA DA
COVID-19 NO CEARÁ
A informalidade laboral é um fenômeno ao mesmo tempo universal e marcado
por peculiaridades locais. Conforme a Organização Internacional do Trabalho, dois bilhões de
trabalhadores, ou seja, em torno de 61% da população ocupada no planeta, se encontravam na
informalidade já antes da pandemia (OECD/ILO, 2019, p. 15-16).
Em países emergentes e em desenvolvimento, a informalidade alcança 70% da força
de trabalho, contra 18% nos países desenvolvidos. Chega a 86% na África, a 68% nos países
árabes e na Ásia, a 40% nas Américas e a 25% na Europa e na Ásia Central (OECD/ILO,
2019, p. 16).
No Brasil a informalidade se distribui de forma desigual, na perspectiva geográfica,
de sexo e de raça. Em 2019, a informalidade superou 50% da população ocupada em 11
Estados, com destaque para Amazonas (57,6%), Pará (62,4%), Maranhão (60,5%) e Piauí
(59,5%) (BRASIL, IBGE, 2020).
No Maranhão e no Pará, dados de 2018 apontam para a existência de maior
desvantagem para a população negra e parda em termos de informalidade, alcançando 66,3%
e 66% respectivamente (BRASIL, IBGE, 2019). Quanto ao gênero, a proporção de homens e
mulheres em trabalhos formais e informais mostra-se parecida, embora registre pesos distintos
quando se analisam as diferentes categorias de trabalho informal. Enquanto os homens
apresentam maior participação como empregados sem carteira, não registrados, e como
trabalhadores por conta própria, as mulheres são mais numerosas em atividades de auxílio
familiar e como trabalhadores domésticos não registrados.
No Ceará, em 2021 (MAGNO, 2021, onlien), 53,9% da força de trabalho era
informal, ou seja, 1,7 milhão de pessoas, a sexta maior taxa de informalidade do Brasil.
Por economia informal, termo utilizado pela OIT (ILO, 2018), se entende o conjunto
de atividades econômicas desempenhadas por trabalhadores e unidades econômicas que, de
direito ou de fato, não são cobertas, ou são cobertas insuficientemente, por arranjos formais.
Excluem-se as atividades ilícitas do conceito.
O setor informal é considerado como composto por unidades de produção para o
mercado constituídas de forma não separada de seus proprietários, não registradas segundo a
legislação nacional e/ou que não possuem contabilidade regular. Já os trabalhadores informais
são aqueles que, de fato ou de direito, não estão submetidos à legislação laboral nacional, que
estão excluídos da tributação sobre rendimentos e da proteção social e também de certos
benefícios (employment benefits) decorrentes da relação de emprego (aviso prévio no caso de
dispensa, indenização por demissão, licença remunerada por doença, dentre outros). Podem
trabalhar na rua, em casa ou mesmo em unidades formalizadas.
O IBGE, seguindo essa concepção da OIT, considera como informais os empregados
do setor privado sem carteira assinada, os domésticos sem carteira assinada, os empregadores
sem registro no CNPJ, os trabalhadores por conta própria sem registro no CNPJ e os
trabalhadores familiares auxiliares.
Verifica-se, portanto, a existência de uma “velha” informalidade, manifestada, por
exemplo, nos empregados domésticos e nos trabalhadores da agricultura, e uma “nova”
informalidade, presente, por exemplo, em trabalhadores de serviços de transporte por
aplicativos.
Considerando as vulnerabilidades decorrentes da condição de informal - ausência de
proteção social, menores rendimentos, inexistência de proteção contra riscos à saúde e à
segurança no trabalho - tem-se como consequência que a pandemia atingiu de forma mais
acentuada essa parcela da força de trabalho, que constitui o público alvo destinatário de
políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, por exemplo, atualmente Auxílio
Brasil.
Não por acaso, em 2021, pouco mais de dois milhões de cearenses foram
beneficiados com o Auxílio Emergencial, contra 3,5 milhões em 2020 (DIÁRIO DO
NORDESTE, 2021). Em Fortaleza, o total de beneficiários chegou a 569.165, a quarta capital
do Brasil em número de contemplados (DIÁRIO DO NORDESTE, 2021, online).
Referidos números apontam para algumas conclusões importantes. De início, a
relevância do Auxílio Emergencial e de outros mecanismos de transferência de renda para
assegurar a subsistência de milhões de cearenses e suas famílias. Em segundo lugar, a
urgência de, ao mesmo tempo em que se assegura proteção social, superar ou minorar o
quadro de informalidade laboral. Isso passa tanto por políticas de incentivo à formação e
capacitação profissional, como também pelo estímulo à criação de empregos formais. A
formalização passa também pela simplificação de regras e pelo oferecimento de informações
sobre a importância e as vantagens da formalização. Em terceiro lugar, a necessidade de se
buscar aperfeiçoar os mecanismos de identificação de populações vulneráveis e de
encaminhamento para programas adequados às suas necessidades. Aqui entra o papel de
políticas de busca ativa de beneficiários e de oferecimento de alternativas de cadastramento
em programas sociais além das disponibilizadas por meio de TICs - Tecnologias de
Informação e Comunicação.
3. A EXCLUSÃO DIGITAL COMO FATOR IMPEDITIVO À CONSOLIDAÇÃO DAS
POLÍTICAS DE RENDAS ASSISTENCIAIS
Como visto, diante do alto risco de transmissão, foi necessário adotar medidas
visando minorar os impactos decorrentes da pandemia de Covid-19. No Brasil, em um
primeiro momento, criou-se o Auxílio Emergencial, pela Lei nº 13.982/2020, cuja previsão
centrava-se na concessão de R$ 600,00 (seiscentos reais) pelo período de cinco meses
(GOMES, ROCHA, 2020).
Relata-se, ainda, que 28% dos usuários da classe DE expuseram que falta
habilidade na utilização do aplicativo após tê-lo baixado em um aparelho celular em relação
aos 12% do total dos entrevistados (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2021, online).
Portanto, verifica-se o alcance da exclusão digital dentre os que possuem acesso à Internet.