Fatoresassociadosa Sindromede Burnout

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Revista Psicologia: Organizações & Trabalho (rPOT)

Psychology: Organizations and Work Journal


Revista Psicología: Organizaciones y Trabajo
ISSN 1984-6657 - https://doi.org/10.17652/rpot/2020.3.19173

Fatores Associados à Síndrome de Burnout


em Motoristas de Transporte Coletivo de Passageiros

Gabriela Cristine Neumann1,*, Mary Sandra Carlotto2

1
http://orcid.org/0000-0002-9791-6909 / Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Brasil
2
http://orcid.org/0000-0003-2336-5224 / Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Brasil

Resumo

Este estudo tem por objetivo identificar os fatores associados às dimensões da Síndrome de Burnout em motoristas de transporte coletivo de passagei-
ros em uma amostragem de duzentos e cinqüenta e oito profissionais. Os instrumentos utilizados foram: Questionário de dados sócio-demográficos
e laborais, questionário da avaliação relacionado à Síndrome de Burnout pelo trabalho; questionário de estressores ocupacionais e sub-escalas da Es-
cala de Estressores Psicossociais no Contexto Laboral. Os resultados obtidos identificaram um modelo constituído por variáveis sócio-demográficas
(idade), laborais (tempo de profissão, tempo de jornada), estressores ocupacionais (escala de trabalho, condições ambientais, relacionamento com
passageiros idosos, relacionamento com fiscais, risco de assaltos), estressores psicossociais (ambiguidade de papéis, pressão do grau de responsabi-
lidade). Aponta-se a necessidade de ações voltadas para a prevenção da Síndrome de Burnout nessa categoria profissional, bem como a necessidade
de formação e capacitações aos motoristas voltadas aos estressores identificados e ações com passageiros voltadas à valorização do profissional.

Palavras-chave: Burnout, estresse ocupacional, motoristas.

Factores Asociados a la Síndrome de Quemarse por el


Factors associated with Burnout Syndrome among
Trabajo en Conductores de Transporte Colectivo de
drivers of collective passenger transportation
Pasajeros

Abstract Resumen

Ese estudio tiene por objetivo identificar los factores asociados a las
The purpose of this study was to identify the factors associated with dimensiones de la Síndrome de Quemarse en conductores de trans-
Burnout Syndrome among a sample of 258 drivers of collective porte colectivo de pasajeros en una muestra de doscientos cincuen-
passenger transportation, who work in private transportation companies. ta y ocho conductores. Los instrumentos utilizados fueron utilizados
For the collection of data, the Sociodemographic Data questionnaire, un cuestionario de datos socio demográficos y laborales; cuestionario
the Evaluation of Burnout Syndrome at Work questionnaire, the de evaluación de la Síndrome de Quemarse por el trabajo (CESQT),
Occupational Stressors and Subscales of the Scale of Psychosocial Cuestionario de estresores ocupacionales y las sub escalas de la Esca-
Stressors in the Labor Context questionnaire, and labor data were la de Estresores Psicosociales en el Contexto Laboral. Los resultados,
all used. The results identified predictive models for the dimensions obtenidos identificaron un modelo constituido por variables socio de-
of SB constituted by sociodemographic variables (age), labor (time mográficas (edad), laborales (tiempo de profesión, tiempo de intervalo),
of profession, resting interval time), occupational stressors (work estresores ocupacionales (escala de trabajo, condiciones ambientales, re-
schedule, environmental conditions, relationship with elderly passengers, lacionamiento con pasajeros mayores, relacionamiento con fiscales, po-
relationship with supervisors, risk of assaults), and psychosocial stressors sibilidad de asaltos) y estresores psicosociales (ambigüedad de papeles,
(ambiguity roles, pressure of degree of responsibility). The results show presión del grado de responsabilidad). Apunta-se la necesidad de accio-
that actions to prevent Burnout Syndrome are needed in this professional nes dirigidas hacia la prevención de la Síndrome de Quemarse en esa
category, such as training for drivers focused on the identified stressors categoría profesional, bien como la necesidad de formaciones y capa-
and actions with passengers aimed at valuing the professional. citación a los conductores direccionados a los estresores identificados y
acciones educativas que contribuyan para la valorización del profesional.

Keywords: Burnout, occupational stressors, drivers. Palabras-clave: Síndrome de Quemarse por el Trabajo, estresores ocu-
pacionales, motoristas.

Submissão: 16/10/2019 Como citar esse artigo:


Primeira decisão editorial: 06/04/2020 Neumann, G. C., & Carlotto, M. S. (2020). Fatores Associados à Síndrome de Burnout em
Versão final: 28/05/2020 Motoristas de Transporte Coletivo de Passageiros. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho,
Aceite: 03/06/2020 20(3), 1089-1096. https://doi.org/10.17652/rpot/2020.3.19173
1090 Revista Psicologia: Organizações & Trabalho, 20(3), 1089-1096.

A Síndrome de Burnout (SB) tem sido definida como um fe- grante de sua linha (Almeida, 2002; Silva & Zavarize, 2017).
nômeno psicossocial devido a estressores crônicos ocasionados A profissão de motorista de transporte coletivo é considerada
no meio laboral (Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001; Maslach & uma das mais estressantes (Silva & Zavarize, 2017) e propensas a
Leiter, 2016). Segundo Gil-Monte (2005; 2011), a SB é uma ex- riscos de saúde (Serrano-Fernández, Boada-Grau, Robert-Sentís,
periência de caráter negativo, composta por cognições, emoções Vigil-Colet, & Assens-Serra, 2019). Nos EUA, segundo dados de
e atitudes negativas pertinentes ao próprio trabalho e às pessoas 2012, do Bureau of Labor Statistics of the United States Department
com as quais se necessita relacionar como parte das atribuições of Labor, essa profissão está entre as sete ocupações com maior
profissionais. As consequências dessas respostas podem gerar uma risco de adoecimento, com taxa de incidência de afastamento por
série de disfunções comportamentais, psicológicas e fisiológicas doença maior que 375 casos por 10 mil. Fatores estressores esses
que pode ter repercussões nocivas às pessoas e para a organização. que podem levar à ocorrência da Síndrome de Burnout (Nóbrega,
O modelo de Gil-Monte (2005) da SB constitui-se de qua- 2015; Useche, Alonso, Cendales, Autukevičiūtė, & Serge, 2017).
tro dimensões: 1) Ilusão pelo trabalho, descrita como o desejo Em pesquisa sobre a SB em motoristas de ônibus na Tailân-
do trabalhador para o alcance das metas profissionais (avaliada dia, desenvolvida por Chung e Wu (2012), os resultados aponta-
de forma inversa); 2) Desgaste psíquico, caracterizado por sen- ram que a SB é a principal causa de tensão e problemas de saúde
timentos de exaustão emocional e desgaste físico; 3) Indolên- para esses profissionais, sendo a segurança pública a maior fonte
cia, quando aparecem atitudes de indiferença para com as pes- de preocupação para a categoria. Essa situação tem gerado absen-
soas que necessitam ser atendidas no ambiente de trabalho; e 4) teísmo e deixado os motoristas mais propensos a envolverem-se
Culpa, sentimento de culpa decorrente da cobrança social sobre em acidentes no trânsito. Investigação realizada entre motoristas
comportamentos não alinhados às expectativas acerca do papel da cidade de Santiago, no Chile, relatou associação entre Burnout
profissional. A dimensão de culpa consiste em um acréscimo do e sobrecarga mental (Olivares, Wilke, Mena, & Lavarello, 2013).
modelo de Gil-Monte (2005) em relação ao modelo tradicional No Brasil, investigação realizada por Nóbrega (2015), com
de Maslach, Schaufeli e Leiter (2001). Nesse sentido, as três pri- motoristas de transporte coletivo da cidade de “Coronel João Pes-
meiras dimensões avaliam SB; já a quarta dimesão serve para a soa/RN”, individuou associação significativa entre a presença de
identificação de casos mais graves da síndrome Gil-Monte (2005). risco da SB e motoristas casados, com um ou dois filhos, naque-
Os motoristas de transporte coletivo de passageiros estão dia- les que possuíam de 1 a 5 anos de profissão e em participantes
riamente expostos a diversos fatores estressores no trabalho (Alon- envolvidos em algum acidente ocorrido nos últimos dois anos.
so, Cendales, Gómes, & Useche 2018; Useche, Cendales, Alonso, A partir do exposto, verificou-se que as características
& Serge, 2017). Esses impactam na saúde física e emocional cau- do trabalho do motorista de transporte coletivo expõem esse
sando prejuízos no seu desempenho na direção (Valarmathi, 2019). profissional a diversos fatores estressores que podem levar à
Quanto aos estressores relacionados às condições externas, ocorrência de SB. Assim, este estudo - de delineamento explo-
destacam-se: o trânsito lento devido aos congestionamentos (Mat- ratório, observacional, analítico e transversal - objetivou iden-
tos, Moraes, & Pereira, 2015; Silva & Zavarize, 2017; Zanelato & tificar os fatores associados às dimensões da Síndrome de
Oliveira, 2008); lidar com motoristas de carro de passeio que não Burnout em motoristas de transporte coletivo de passageiros.
respeitam o código de trânsito brasileiro (Almeida, 2007; Mattos,
Moraes, & Pereira, 2015); motoqueiros que, muitas vezes, “cortam” Método
a frente dos ônibus e buzinam de maneira inadequada (Silva & Za-
varize, 2017; Zanelato & Oliveira, 2003); ciclistas que não respei- Participantes
tam as normas de trânsito (Silva & Zavarize, 2017) e pedestres que
não respeitam a faixa de segurança e demais sinalizações (Nóbre- Foram convidados a participar do estudo todos os 340 moto-
ga, 2015; Silva & Zavarize, 2017); condições climáticas (calor na ristas de transporte coletivo de passageiros de duas empresas des-
cabine, fortes chuvas, alagamento das vias) (Makowiec-Dąbrowska se ramo, situadas em uma cidade do interior da região sul do Bra-
et al., 2019; Zanelato & Oliveira, 2004); dirigir em más condições sil. Responderam ao estudo 258 motoristas, caracterizando-se por
das vias devido aos buracos e sinalização deficiente (Battiston et uma amostra de conveniência, correspondendo a 76% da popula-
al., 2006; Nóbrega, 2015; Silva & Zavarize, 2017); e, risco de aci- ção. Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: estar
dentes (Nóbrega, 2015; Tavares, 2010; Zanelato & Oliveira, 2003). em atividade profissional de motorista de coletivo há pelo menos
No que diz respeito aos estressores relacionados ao conteúdo seis meses na mesma empresa. Todos os participantes eram do sexo
do cargo, a literatura aponta para escala de trabalho, falta de rotina masculino, sendo a maior parte de estado civil casado (60,3%), com
nos horários, não ter folgas em finais de semana (Oliveira & Pinhei- filhos (63,3%) e apresentava escolaridade em nível de Ensino Médio
ro, 2007; Tavares, 2010; Silva & Zavarize, 2017; Zanelato & Oli- completo (62,0%). A idade variou entre 20 a 67 anos (M = 40,70;
veira, 2004); excesso de paradas durante a viagem; más condições DP = 10,922). No que tange aos dados laborais, a maior parcela
do veículo, falhas nos equipamentos, ruídos e vibrações (Oliveira, dos motoristas estava entre 1 a 5 anos na mesma empresa (38,8%),
2004; Tavares, 2010); medo de roubos e assaltos (Nóbrega, 2015; enquanto 29,1% estavam a mais de 10 anos na mesma empresa.
Tavares, 2010; Zanelato & Oliveira, 2004); segurança dos passagei-
ros e temor que estes sofram algum tipo de queda e machuquem- Instrumentos
-se (Almeida, 2002; Battiston et al., 2006; Silva & Zavarize, 2017).
Quanto aos estressores interpessoais, foram identificados 1) Questionário de dados sociodemográficos. Questioná-
conflitos com passageiros no momento de embarque e desem- rio com itens sobre Idade (anos), situação conjugal (com com-
barque destes (Almeida, 2007; Mattos, Moraes, & Pereira, 2015; panheira(o), sem companheira(o), filhos (sim/não), escolaridade
Oliveira & Pinheiro, 2007; Silva & Zavarize, 2017); com passa- (Ensino Fundamental/Ensino Médio/Superior).
geiros idosos devido à gratuidade em algumas linhas (há linhas 2) Questionário de dados laborais. Questionário com itens
nas quais as passagens são gratuitas, e em outras não, e, muitas sobre tempo de profissão (anos), tempo de sua intrajornada (me-
vezes, os idosos querem entrar em linhas pagas sem realizar o nos de uma hora/mais de uma hora), período em que trabalha
pagamento) (Zanelato, 2008); conflito com superiores, em es- (manhã/tarde/noite).
pecial, os fiscais, internos e externos, e com o cobrador inte-
Neumann, G. C., & Carlotto, M. S. (2020). 1091

3) Cuestionario para la Evaluación Síndrome de Que- geiros (reclamações); 5. Relacionamento com fiscais da empresa
marse por el Trabajo - CESQT (Gil-Monte, 2005). Adaptado, (pressões); 6. Escala de trabalho; 7. Riscos de assaltos e roubos;
para o uso no Brasil, por Gil-Monte, Carlotto e Câmara (2010) 8. Congestionamentos no trânsito; 9. medo de se envolver em
com a devida adaptação da redação dos itens de acordo com a acidentes; 10. medo de se envolver em acidentes; 11. Trafegar
população-alvo, no caso substituindo a palavra “alunos” pela pa- entre motociclistas e ciclistas (que não seguem as normas de trân-
lavra “pessoas” de relacionamento do contexto laboral. Esse é sito). A avaliação dos itens foi realizada por meio de uma escala
composto por 20 itens que foram avaliados por uma escala de de cinco pontos (0 “nada estressante” a 4 “muito estressante”).
frequência de 5 graus, variando de 0 (nunca) a 4 (muito frequen-
temente: todos os dias). Os itens são distribuídos em quatro su- Procedimento de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
bescalas assim denominadas: a. Ilusão para o trabalho: refere-se
ao desejo de atingir metas de trabalho percebidas como fonte Inicialmente, contatou-se a direção das empresas para ob-
de prazer e realização pessoal. As pontuações baixas indicariam tenção da anuência e apoio logístico para a realização do estudo.
altos níveis da SB (exemplo de item: vejo meu trabalho como Após, cartazes foram colocados para divulgação do estudo e dos
uma fonte de realização pessoal); b. Desgaste psíquico: avalia a objetivos. Posteriormente, foram entregues os questionários e o
exaustão emocional e física causada pelo contato contínuo com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) nos seto-
pessoas que apresentam ou causam problemas (4 itens, alfa = res que os motoristas frequentavam, bem como os procedimentos
0,87) (exemplo de item: sinto-me desgastado emocionalmente); para o preenchimento dos dados, com a orientação de que duas
c. Indolência: atitudes negativas como a insensibilidade, a in- urnas seriam disponibilizadas, esclarecendo que o instrumento de-
diferença, o cinismo tanto em relação ao trabalho e quanto aos veria ser depositado em uma urna; sendo uma para o depósito
clientes da organização (6 itens, alfa = 0,76) (exemplo de item: dos questionários, e a outra para o TCLE. O período de realiza-
acho meus clientes desagradáveis); d. Culpa: esta dimensão refe- ção da coleta ocorreu entre os meses de setembro a dezembro de
re-se ao sentimento de culpa desenvolvido pelos trabalhadores 2018. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
ligados à crença de que eles não têm um comportamento posi- da [nome da instituição omitido visando preservar o sistema de
tivo e adequado em seu trabalho, bem como à falta de sucesso double blind review] sob o número CAAE: 94871018.7.000.5344.
profissional (5 itens, alfa = 0,79) (exemplo de item: Eu tenho
remorso por alguns dos meus comportamentos no trabalho). Procedimento de Análise de Dados
4) Subescalas da Escala de Estressores Psicossociais no
Contexto Laboral (Ferreira et al., 2015). As seis subescalas tota- O banco de dados foi analisado por meio do Statistical
lizam 31 itens: 1. Conflito e ambiguidade de papéis: definida como Package for the Social Sciences (SPSS, versão 20.0). Inicialmen-
a falta de clareza sobre as próprias funções e ao recebimento de te, foram executadas análises descritivas de caráter explora-
demandas contraditórias sobre as funções desempenhadas (cinco tório visando avaliar a distribuição dos itens, a presença de
itens, α = 0,77) (exemplo de item: Recebo instruções contraditó- casos omissos e possíveis erros de digitação dos dados. Tal es-
rias sobre o que fazer no trabalho); 2. Sobrecarga de papéis: con- tatística também foi utilizada para a caracterização da amostra.
siste no excesso de tarefas que o empregado é solicitado, por ve- Os pressupostos para a análise de regressão linear foram
zes, a desempenhar (seis itens, α = 0,71) (exemplo de item: Realizo testados, sendo identificados valores aceitáveis de acordo com
várias tarefas ao mesmo tempo); 3. Falta de suporte social: avalia Field (2009). Foi verificada ausência de multicolinearidade, pois
as dificuldades advindas da falta de suporte emocional recebido todos os valores das correlações ficaram abaixo de 0,676, os va-
pelos colegas e superiores, no cotidiano do trabalho (seis itens, α = lores de Variance Inflation Factor (VIF) situaram-se abaixo de qua-
0,77) (exemplo de item: Não sou ouvido por meus colegas quan- tro (variação de 1,994 a 2,048); e os valores de tolerância foram
do tenho dificuldades no trabalho); 4. Falta de autonomia: ca- inferiores a um (variação de 0,991 a 0,997). A análise do coefi-
racteriza-se pelas dificuldades de planejar e tomar decisões acerca ciente de Durbin-Watson identificou valores próximos a dois
das suas próprias tarefas (cinco itens, α = 0,71) (exemplo de item: (variação de 1,718 a 2,044), desse modo, assinalando a indepen-
Não posso estabelecer meu próprio ritmo de trabalho); 5. Conflito dência da distribuição e a não correlação dos resíduos. A distân-
trabalho-família: avalia a percepção de incompatibilidade entre as cia de Cook apresentou valor de 0,007, inferior a um, indicando
responsabilidades associadas à família e ao trabalho (cinco itens, não existir preditores atípicos e um adequado ajuste dos modelos.
α = 0,75) (exemplo de item: Não disponho de tempo para minha Para identificar os preditores foi realizada análise de regressão
vida familiar em função do trabalho); 6. Pressão do grau de res- linear múltipla, método Stepwise. O modelo proposto estabelece a
ponsabilidade: caracteriza-se pelo sentimento de responsabilidade SB como variável dependente (VD), considerando suas quatro di-
acerca de pessoas e de equipamentos que o empregado utiliza para mensões – Ilusão pelo trabalho, Desgaste psicológico, Indolência,
o desempenho de suas funções (quatro itens, α = 0,77) (exemplo Culpa – e as demais variáveis como independentes (VIs). A mag-
de item: Saber que meus erros podem interferir negativamente na nitude do efeito (effect size) foi avaliada pelos coeficientes de regres-
vida de outras pessoas). Todos os itens foram avaliados por meio são padronizados de cada modelo final, de acordo com Marôco,
de uma escala de frequência de cinco pontos (zero “nunca” a 4 (2007). O tratamento dos dados considerou um nível de confiança
“diariamente”). Todos o itens são avaliados com uma escala de fre- de 95% com um nível de significância de 5% (valor de p ≤ 0,05).
quência de seis pontos (1 “nunca me afeta” a 6 “sempre me afeta”).
5) Questionário de estressores ocupacionais para mo- Resultados
toristas de transporte coletivo de passageiros. Elaborado
para o presente estudo com base na literatura, sobre estressores Na Tabela 1, estão elencados os resultados da análise descri-
em motoristas de transporte coletivo de passageiros (Lámbarry, tiva da amostra no tocante às dimensões da SB, dos estressores
2016; Oliveira & Pinheiro, 2007; Silve & Zavarize, 2017; Tse & psicossociais e dos estressores ocupacionais. O índice mais eleva-
Flin, 2006; Zanellato, 2008). Apresenta 10 itens para poder ava- do, indicativo da síndrome, considerando a escala de pontuação,
liar: 1. Condições ambientais (alagamentos, enchentes); 2. Condi- foi na dimensão de Culpa. Quanto aos estressores psicossociais,
ções da estrada (buracos, falta de sinalizações); 3. Relacionamento o maior índice foi apresentado na dimensão de Sobrecarga de pa-
motorista-cobrador (conflitos); 4. Relacionamento com passa- péis, e o estressor ocupacional de maior média foi a Riscos de
1092 Revista Psicologia: Organizações & Trabalho, 20(3), 1089-1096.

Tabela 1
Média, desvio padrão e pontuação das dimensões dos instrumentos utilizados e alfas obtidos na presente amostra.
Variáveis Escala M DP α
Síndrome de Burnout 0-4
Ilusão pelo trabalho 2,87 0,82 0,83
Desgaste psíquico 1,24 0,96 0,86
Indolência 1,07 0,89 0,89
Culpa 1,38 0,83 0,81
Estressores psicossociais/contexto laboral 1-6
Ambiguidade de papéis 1,04 0,71 0,70
Sobrecarga de papéis 2,66 0,69 0,63
Falta de suporte social 1,93 0,78 0,83
Falta de autonomia 1,27 0,79 0,70
Conflito trabalho família 1,93 0,58 0,76
Pressão do grau de responsabilidade 2,06 1,28 0,92
Estressores ocupacionais 1-4
1 Condições ambientais 1,99 0,83
2 Condições da estrada 2,27 0,78
3 Relacionamento motorista-cobrador 1,75 0,86
4 Relacionamento com passageiros 1,87 0,87
5 Relacionamento com fiscais da empresa 1,84 0,94
6 Escala de trabalho 2,17 1,07
7 Riscos de assaltos e roubos 2,60 0,88
8 Congestionamentos no trânsito 2,42 0,81
9 Medo de se envolver em acidentes 2,50 0,81
10 Trafegar entre motociclistas e ciclistas 2,13 0,85
Nota. 1. Condições ambientais (alagamentos, enchentes); 2. Condições da estrada (buracos, falta de sinalizações); 3. Relacionamento motorista-cobrador (conflitos); 4. Relacionamento com
passageiros (reclamações); 5. Relacionamento com fiscais da empresa (pressões); 6. Escala de trabalho; 7. Riscos de assaltos e roubos; 8. Congestionamentos no trânsito; 09. medo de se
envolver em acidentes; 10. Trafegar entre motociclistas e ciclistas (que não seguem as normas de trânsito).

assaltos e roubos. Todas as dimensões apresentaram coeficien- de que o relacionamento estabelecido com os fiscais da empresa,
tes de consistência interna, que foram obtidos por meio do co- a pressão pela responsabilidade, a escala de trabalho e a ambi-
eficiente alfa de Cronbach, considerados satisfatórios (α > 0,70). guidade de papéis são estressantes e quanto menor o tempo de
Resultados obtidos por meio da análise de regressão linear interjornada, maior é o sentimento de distanciamento da clientela.
múltipla, método Stepwise (Tabela 2) - que considerou as dimen- Por fim, para a dimensão Culpa, a análise revelou como pre-
sões de Burnout como variáveis dependentes e, como variáveis pre- ditores os estressores relacionamento com os fiscais, pressão da
ditoras, as variáveis sociodemográficas, laborais e psicossociais - , responsabilidade e tempo de profissão, que, em conjunto, apresen-
revelaram um modelo preditor para a dimensão de Ilusão pelo taram um poder explicativo de 22,8%. Nesse sentido, quanto mais
trabalho, constituído pelas variáveis escala de trabalho, sobrecarga elevada a percepção de que o relacionamento com os fiscais e a
de papéis, tempo de intrajornada, condições ambientais, conflito pressão por responsabilidade são estressantes, maior é o sentimento
e ambiguidade de papéis e idade que, conjuntamente, explicaram de culpa, sendo que este diminui com o maior tempo de profissão.
32,8% dessa dimensão. Assim, quanto maior a percepção de que A magnitude do efeito das variáveis independentes so-
a escala de trabalho e as condições ambientais (calor e alagamento bre as dimensões da SB apresentou uma variação de mode-
das vias), a ambiguidade de papéis e a sobrecarga de papéis são rada (R² = 0,228) à elevada (R² = 0,480), de acordo com Field
estressantes, menor é o desejo individual para o alcance das metas (2009). Assim, de acordo com o autor, as relações encontradas,
profissionais. Quanto maior a percepção do menor tempo de in- possivelmente, também estejam presentes na população-alvo.
trajornada e mais elevada a idade, maior é a Ilusão pelo trabalho.
Com relação ao Desgaste psíquico, o conjunto de variá- Discussão
veis preditoras explicou 45,1% da variabilidade desta dimen-
são, sendo seus estressores: escala de trabalho, pressão do grau O presente estudo buscou identificar o poder preditivo das
de responsabilidade, a ambiguidade de papéis, a relação com os variáveis sociodemográficas, laborais e psicossociais para as di-
passageiros idosos, a idade e a possibilidade de assaltos. Nes- mensões da SB em motoristas de transporte coletivo de passagei-
se sentido, quanto maior a percepção dos estressores esca- ros. Para atender ao objetivo, os resultados foram discutidos para
la de trabalho, relação com idosos, possibilidade de assalto, cada dimensão da SB.
ambiguidade de papéis, pressão do grau de responsabilidade, Quanto à dimensão de Ilusão pelo trabalho, verificou-se que
maior o sentimento de Desgaste Psicológico, tendo esta di- esta diminuiu com o aumento da percepção dos estressores esca-
mensão diminuída com a elevação da idade dos motoristas. la de trabalho, condições ambientais (calor, alagamento das vias),
No que tange à dimensão de Indolência, as variáveis predito- ambiguidade de papéis e sobrecarga de papéis. As variáveis maior
ras foram os estressores relacionamento com os fiscais da empre- tempo de intrajornada e idade do motorista aumentam o desejo
sa, a pressão do grau de responsabilidade, a escala de trabalho, a desse trabalhador para o alcance das metas profissionais.
ambiguidade de papéis, o tempo de profissão e o tempo de inter- O resultado relativo à escala de trabalho pode ser explicado
jornada. Esse conjunto de variáveis apresentou um poder explica- pelas características da organização do trabalho das empresas de
tivo de 48%. Os resultados indicam que quanto maior a percepção transporte coletivo, pois elas possuem extensa e instável carga ho-
Neumann, G. C., & Carlotto, M. S. (2020). 1093

Tabela 2
Análise de regressão linear múltipla método Stepwise para as dimensões da Síndrome de Burnout
Variáveis R R² Adj B SE β t p
Ilusão pelo Trabalho
1. Escala de trabalho 0,444 0,193 -0,231 0,058 -0,293 -4,008 0,000**
2. Sobrecarga de trabalho 0,503 0,245 0,261 0,072 0,224 3,641 0,000**
3. Intrajornada 0,532 ,0271 0,358 0,107 0,211 3,351 0,001**
4. Condições ambientais 0,558 0,296 -0,193 0,069 -0,196 -2,783 0,006**
5. Ambiguidade de papéis 0,575 0,311 -0,172 0,071 -0,152 -2,408 0,017*
6. Idade 0,591 0,328 0,011 0,005 0,144 2,305 0,022*
Modelo F 15,942
Desgaste Psíquico
1. Escala de trabalho 0,535 0,282 0,275 0,069 0,294 3,986 0,000**
2. Pressão/responsabilidade 0,608 0,362 0,150 0,047 0,196 3,171 0,002**
3. Ambiguidade de papéis 0,645 0,406 0,300 0,079 0,223 3,779 0,000**
4. Relação c/passageiros idosos 0,661 0,425 0,229 0,077 0,226 2,988 0,003**
5. Idade 0,675 0,441 -0,012 0,005 -0,133 -2,330 0,021*
6. Possibilidade de assaltos 0,685 0,451 0,135 0,064 0,118 2,109 0,036*
Modelo F 26,217
Indolência
1. Relacionamento com os fiscais 0,573 0,325 0,326 0,073 0,320 4,444 0,000**
2. Pressão/responsabilidade 0,646 0,410 0,157 0,042 0,217 3,705 0,000**
3. Escala de trabalho 0,668 0,437 0,193 0,066 0,218 2,926 0,004**
4. Ambiguidade de papéis 0,686 0,459 0,235 0,074 0,184 3,168 0,002**
5. Tempo de profissão 0,697 0,471 -0,128 0,063 -0,109 -2,022 0,045*
6. Intrajornada 0,705 0,480 -0,211 0,106 -0,111 -2,000 0,047*
Modelo F 29,290
Culpa
1. Relacionamento c/fiscais 0,420 0,172 0,350 0,062 0,379 5,639 0,000**
2. Responsabilidade 0,468 0,210 0,139 0,044 0,212 3,172 0,002**
3. Tempo de profissão 0,491 0,228 -0,159 0,069 -0,150 -2,307 0,022*
Modelo F 31,818
Nota. *p ≤ 0,05; **p ≤ 0,01 ***p ≤ 0,000
rária de trabalho para o motorista devido à prestação dos serviços de papéis e a sobrecarga de papéis, pois, em várias ocasiões, os
ocorrer, também, em finais de semana e feriados, ou ainda em razão motoristas precisam fazer mais que as atividades prescritas ao
de horários que iniciam no turno da manhã e encerram na madru- seu cargo. O motorista, também, necessita realizar a cobrança
gada (Battiston, Cruz, & Hoffmann, 2006). O horário de trabalho da passagem em valores ou vales-transportes, modalidade de di-
estabelecido pelas empresas é a maior fonte do estresse ocupacio- rigir e cobrar que vem aumentando nos últimos anos, carregar
nal de motoristas (Oliveira & Pinheiro 2007). Em razão dos perío- bagagens, além de zelar pelo bom andamento da viagem, para
dos de descanso e intrajornada exigidas pelas leis trabalhistas bra- tanto, adotando medidas de prevenção ou solução de qualquer
sileiras, muitos motoristas não possuem horários efetivos, tendo problema para garantir o bem-estar dos passageiros, pedestres
dificuldades em organizar a sua rotina (Oliveira & Pinheiro, 2007; e de outros veículos, de acordo com a Classificação Brasileira
Silva & Zavarize, 2017; Tavares, 2010; Zanelato & Oliveira, 2004). de Ocupações (CBO, 2015). As condições inadequadas de tra-
Os motoristas também são obrigados a cumprir escala de balho têm sido apontadas como importantes fatores de estres-
viagens com horários preestabelecidos, independente das condi- se para esses profissionais (Moraes, Santorum, Souza, Ávila, &
ções de trânsito, meteorológicas ou qualquer outra dificuldade que Vieira, 2017). Assim, pode-se pensar que esses estressores, re-
possa impactar no cumprimento da tabela de horários (Liberal, lacionados à organização e às condições do trabalho dificultam
Saburido, & Souza, 2016). As condições climáticas que interfe- o desejo do trabalhador para o alcance das metas profissionais.
rem no trabalho do motorista, tais como o calor, alagamentos O tempo de intrajornada associou-se positivamente com a
das vias e/ou a ventilação interna do ônibus, impactam negati- Ilusão pelo trabalho. A Lei n.º 12.619/2012 refere-se ao trabalho
vamente na Ilusão pelo trabalho. É importante destacar que, na efetivo como o tempo que o motorista se mantém à disposição do
maioria dos ônibus, o motor é localizado ao lado do assento do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso, espera
motorista, o que eleva a temperatura interna do local de traba- e descanso. Ao motorista profissional fica assegurado o intervalo
lho, assim como o número de passageiros dificulta a ventilação, mínimo de uma hora para refeição, além de intervalo de repouso,
desse modo, aumenta a sensação de calor e desconforto (Farina, diário, de onze horas a cada vinte e quatro horas, bem como des-
Lopes, & Martins, 2014). Nesse sentido, pode-se inferir que os canso, semanal, de trinta e cinco horas. Devido à grade de horários
motoristas, ao não ter controle sobre seu trabalho em termos de inúmeros itinerários, muitas vezes, esse intervalo alonga-se por
de horários, condições físicas e climáticas, passam a desenvolver até quatro horas, fazendo com que o motorista reste na rodoviária,
um sentimento de não estar atingindo suas metas profissionais ou em local indicado pela empresa. Nesse período, o profissional
e de que o trabalho não é fonte de prazer e realização pessoal. costuma fazer suas refeições ou lanches e descansar (Battiston,
Somam-se a esses estressores, o conflito e a ambiguidade Cruz, & Hoffmann, 2006). Como a relaciona-se positivamente com
1094 Revista Psicologia: Organizações & Trabalho, 20(3), 1089-1096.

a ilusão, detectou-se que os motoristas aproveitam tais momentos se benefício, é exigido deles alguns documentos como carteira do
para socializar, pois, ao conviver com colegas, criam um espaço de idoso ou de identidade. Há, ainda, algumas linhas que o número
lazer e companheirismo, visto que sua profissão é bastante solitá- de idosos com desconto é limitado, de acordo com a lei estadual
ria, porque, mesmo transportando muitas pessoas, eles ficam iso- para linhas urbanas n.º 4.022/03, doc. n.º 7, que estabelece gratui-
lados em suas cabines. Segundo os autores, a relação estabelecida dade para apenas dois idosos, em caso de um terceiro, este preci-
entre os motoristas e seus colegas de trabalho, tanto cobradores sará pagar a passagem integral, o que termina fazendo-lhes pensar
quanto outros motoristas, caracteriza-pela solidariedade e compa- que o motorista esteja tentando impedir o embarque do idoso, o
nheirismo por compartilharem as mesmas condições de trabalho. que revolta os demais passageiros, que, não raras vezes, passam a
A idade do motorista relacionou-se de forma positiva com agredir verbalmente esse profissional. Esse resultado corrobora a
a Ilusão pelo trabalho, sendo assim, quanto mais idade o moto- pesquisa de Lima, Lima e Silva (2018), na qual 35% dos motoris-
rista possuía, mais engajado para alcançar suas metas no traba- tas entrevistados afirmaram que se sentem cansados em trabalhar
lho. Este resultado está alinhado ao estudo de Bigatão (2005), com pessoas.
que verificou que o motorista mais jovem revelava mais estres- A ambiguidade de papeis gera um esgotamento ao motorista,
se e concluiu que o motorista, na fase inicial da sua profissão, uma vez que o mesmo, necessita fazer muito mais que dirigir, dar
provavelmente, precisa adaptar-se a novas situações até adqui- informações aos passageiros, por vezes dirigir e cobrar, manter a
rir um domínio maior da sua atividade. A idade, a maturidade, ordem no ônibus entre outras funções (Moraes, Santorum, Sou-
a estabilidade na carreira e a experiência adquirida com os anos za, Ávila, & Vieira, 2017). Outro estressor que eleva o desgaste
de trabalho acarretam uma diminuição do estresse, com isso, psíquico é os riscos de assaltos, pois os motoristas estão sujeitos à
aumentando a autoconfiança (Souza et al., 2016), isso tendo violência urbana. Esses lidam com todo o tipo de público e, assim,
impacto positivo na busca de metas e realização no trabalho. não possuem controle sobre quem estão transportando, o que
A dimensão Desgaste psíquico foi explicada pela elevação da exige estado de vigília permanente (Matias & Sales, 2017; Torres,
percepção do estressor Relacionamento com passageiros idosos, 2018). Quanto à idade, verificou-se que sua elevação diminui o
que, segundo os motoristas, possuem dificuldades para executar desgaste psíquico. Este resultado pode ser explicado pelo fato de
o embarque e desembarque, muitas vezes, atrasando o horário, que os motoristas vão adquirindo maior experiência profissional o
fazem as mesmas perguntas todos os dias, apresentam algumas li- que os deixariam mais seguro de suas ações frente às demandas da
mitações e, algumas vezes, chegam embriagados (Zanelato, 2008). profissão (Carlotto & Câmara, 2007; Dallacosta, 2014)
Além dessas questões, em diversas linhas, as pessoas com mais de A Indolência teve, como variável que apresentou maior im-
65 anos têm direito à gratuidade, mas, para gozar desse benefí- portância relativa nessa dimensão, o estressor Relacionamento
cio, é exigido deles alguns documentos como carteira do idoso ou com os fiscais. A principal forma de controle do trabalho dos
de identidade. Há, ainda, algumas linhas que o número de idosos motoristas são os fiscais das próprias organizações, que são res-
com desconto é limitado, de acordo com a lei estadual para linhas ponsáveis por conferir o itinerário das linhas, verificar o desen-
urbanas n.º 4.022/03, doc. n.º 7, que estabelece gratuidade para volvimento do serviço, o cumprimento dos horários e das nor-
apenas dois idosos, em caso de um terceiro, este precisará pagar a mas estabelecidas pela da empresa (Matias & Sales, 2017). Então,
passagem integral, o que termina fazendo-lhes pensar que o mo- a organização do trabalho, na linha e nos terminais, acontece
torista esteja tentando impedir o embarque do idoso, o que revolta a partir desses fiscais, que se localizam nos pontos de controle
os demais passageiros, que, não raras vezes, passam a agredir ver- com a função de registrar os veículos, a movimentação de pes-
balmente esse profissional. Esse resultado corrobora a pesquisa de soal, informando à garagem/empresa quaisquer diferenças no
Lima, Lima e Silva (2018), na qual 35% dos motoristas entrevista- serviço. O fiscal, também, realiza o trabalho de controle e veri-
dos afirmaram que se sentem cansados em trabalhar com pessoas. ficação no tocante aos modos e às condições de operação das li-
Outro estressor que eleva o desgaste psíquico é os riscos de nhas durante a circulação dos veículos. Essa relação de controle,
assaltos, pois os motoristas estão sujeitos à violência urbana. Esses vigilância e punição, muitas vezes, gera tensões (Prange, 2011), e
lidam com todo o tipo de público e, assim, não possuem controle isso pode indicar que tal fiscalização constante deixe o motorista
sobre quem estão transportando, o que exige estado de vigília per- pouco à vontade, por conseguinte, distanciando-o dos passagei-
manente (Matias & Sales, 2017; Torres, 2018). ros, ou, então, apenas, seguindo as regras estabelecidas, sem es-
A dimensão Desgaste psíquico foi explicada pelas variáveis cutar e ver as particularidades dos passageiros; fazendo com que
escala de trabalho, pressão/responsabilidade, ambiguidade de pa- o motorista questione sua função e importância, fato que tam-
péis, relacionamento com os passageiros idosos, idade e a possibi- bém está relacionado com a escala de trabalho e a indolência, pois
lidade de assaltos. Como o desgaste psíquico é caracterizado pelo os motoristas não possuem controle sobre a escala de trabalho.
surgimento de esgotamentos emocional e físico decorrentes de ter O sentimento de Indolência, também, está relacionado com o
de lidar, diariamente, em seu trabalho, com pessoas que apresen- estressor Pressão e responsabilidade que o motorista sente ao trans-
tam ou causam problemas (Gil-Monte, 2005). A escala de trabalho portar passageiros ou trafegar pelas vias urbanas cumprindo horá-
é explicada nesta variável pelo fato de ser incerta (alternando to- rios pré-determinados de trajetos. Essa pressão pela responsabili-
dos os dias), não permitindo um planejamento social ou familiar dade pela vida de passageiros, cuidados com próprio veículo e o de
ao motorista (Battiston, Cruz, & Hoffmann, 2006) podendo gerar terceiros (Torres, 2018), não raras vezes, ocasiona tensões nas rela-
um esgotamento . Assim como o fato deste profissional trans- ções interpessoais, pois alguns passageiros também o pressionam e
portar vidas, causando uma grande pressão e responsabilidade ao o responsabilizam pelos possíveis atrasos em seus compromissos.
mesmo, fazendo com que tenha que estar sempre alerta (Torres, Percebeu-se que quanto menor era o tempo de profissão,
2018). A percepção do estressor Relacionamento com passagei- maior era o distanciamento do motorista com os passageiros, os
ros idosos, que, segundo os motoristas, possuem dificuldades para fiscais, os colegas de trabalho - como cobradores e auxiliares de
executar o embarque e desembarque, muitas vezes, atrasando o tráfego. Dessa forma, pôde-se entender que, com pouco tempo
horário, fazem as mesmas perguntas todos os dias, apresentam de profissão, o motorista pode ser inseguro no seu relacionamen-
algumas limitações e, algumas vezes, chegam embriagados (Zane- to com os passageiros, mas, com a experiência, passa a ganhar a
lato, 2008). Além dessas questões, em diversas linhas, as pessoas confiança de muitos deles, principalmente daqueles que fazem uso
com mais de 65 anos têm direito à gratuidade, mas, para gozar des- diário das linhas, conhecidos como passageiros efetivos, com os
Neumann, G. C., & Carlotto, M. S. (2020). 1095

quais passam a criar um vínculo em razão do convívio. De acor- delineamento de natureza transversal, que impossibilita a análise
do com Farber (1991), as expectativas, por vezes, irrealísticas dos de relações causais. A segunda deve-se à utilização de medidas de
novos profissionais em relação ao seu trabalho e ao retorno a ser autorrelato, que, por vezes, podem ocasionar um viés de desejabi-
obtido dele, também, podem ser fatores geradores de Burnout no lidade social gerado por algumas questões relacionadas à dimensão
início da carreira, pois os jovens, por vezes, envolvem-se com a de Indolência, pois o trabalhador receia expor-se a assumir que
profissão com elevadas expectativas e, muitas vezes, frustram-se. trata seus usuários com indiferença e que os considera desagra-
Outra possibilidade explicativa desse resultado, também, pode dáveis. A terceira diz respeito à regionalidade da amostra, pois os
ser devido à formação insuficiente dos profissionais para aspec- participantes desenvolvem suas atividades em determinada região
tos como as relações interpessoais no trabalho (Rudow, 1999). de um estado, e esse aspecto pode apresentar características de
Relativamente à dimensão da Culpa, caracterizada pela co- trabalho e trânsito distintas as de outras cidade e regiões do país.
brança social quanto ao comportamento e às expectativas profis- Desse modo, considerando ser este um dos poucos estudos
sionais (Gil-Monte, 2005), foi identificado que quanto maior era a nacionais sobre a SB em motoristas, sugere-se a sua replicação
percepção do estressor Relacionamento com os fiscais da empre- com amostra nacional estratificada por regiões, incluindo, tam-
sa, maior era o sentimento de culpa, relação essa já identificada, bém, novas variáveis como estilos de liderança com o intuito de
na literatura, por Almeida (2002) e Silva e Zavarize (2017). Esse aumentar o poder explicativo do modelo obtido. Por ser um estu-
resultado pode ser entendido pelo fato de os fiscais das empresas do transversal, seria importante que pesquisadores investigassem
de transporte coletivo de passageiros serem os responsáveis por a SB e seus preditores mediante delineamentos longitudinais a fim
fiscalizar os motoristas e identificar possíveis situações de desvio de avaliar o comportamento e a estabilidade do modelo preditivo.
na conduta, como passageiros sem pagar passagem ou que não Implicações para a prática. Assim, ao ampliar o conhe-
apresentam os documentos conforme a empresa solicita, o uso cimento sobre Burnout em motoristas de transporte coletivo de
inadequado de uniforme, entre outras questões. No relacionamen- passageiros, é possível planejar uma prevenção a esse tipo de ado-
to com os fiscais, pode-se destacar o reconhecimento conferido ecimento ocupacional. Nesse sentido, pode-se pensar em ações
pelos motoristas ao poder desses profissionais e a consequente preventivas de minimização dos impactos laborais que funcionem
frustração pela impossibilidade de controle de sua própria ativi- como preditores da Síndrome de Burnout; ações voltadas para
dade de trabalho (Battiston, Cruz, & Hoffmann, 2006). Na pers- a melhoria do desenho do cargo e das atividades de motorista.
pectiva de Sato (1995), o trabalhador, ao não ter controle sobre o Destarte, tem-se a sugestão de treinamentos a motoris-
trabalho, coloca-se em uma posição que o obriga a submeter-se a tas mais jovens e com menos tempo de profissão para auxiliá-
situações tensas como ser fiscalizado e vigiado de forma bastante -los quanto à segurança no trabalho, por conseguinte, aumen-
próxima e constante por passageiros, fiscais e outros motoristas. tando a autoconfiança e trabalhando com suas expectativas e
O tempo de profissão relacionou-se positivamente com esta frustrações pertinentes à profissão com o intuito de que pos-
dimensão, logo, quanto mais tempo de profissão o motorista apre- sam se sentir mais motivados a alcançar suas metas. Por isso
sentava, menos sentimentos de culpa tinha. Esse resultado pode são necessárias ações efetivas como o acompanhamento in-
ser entendido pelo fato de os profissionais mais jovens sofrerem trodutório funcional para sanar possíveis dúvidas sobre a
muitas cobranças e apresentarem maior ansiedade no início da car- profissão, bem como compartilhamentos de experiências.
reira, pois precisam conquistar o reconhecimento e provar sua ca- Quanto aos estressores ocupacionais, pode-se pensar em ações
pacidade para se sentirem mais seguros e respeitados no ambiente para a adequação das escalas de trabalho visando a uma melhor
de trabalho, o que pode gerar muita ansiedade, estresse e esgota- organização do trabalhador para desenvolver e manter o equilíbrio
mento profissional (Carlotto & Câmara, 2007; Dallacosta, 2014). entre trabalho e vida pessoal/familiar, fator fundamental para a
Por fim, pode-se pensar que a maior pressão por responsabilida- qualidade de vida geral e laboral. É possível, ainda, pensar em um
de assim como o estressor relacionamento com fiscais aumenta o trabalho conjunto com o setor de fiscalização, visto que o relacio-
sentimento de culpa, provavelmente, pelo fato dos motoristas sen- namento dos motoristas com os fiscais tem sido uma das variáveis
tirem-se cobrados por usuários e fiscais, não raras vezes, por ques- explicativas da SB. É necessário verificar com as empresas tal pos-
tões do cotidiano que independem de sua capacitação profissional. sibilidade e, assim, realizar oficinas e treinamentos com os fiscais
a fim de desenvolver novas maneiras de abordar os motoristas.
Conclusão No que tange aos estressores psicossociais, como a ambigui-
dade de papéis, sugere-se ações voltadas para o redesenho do cargo
Os resultados deste estudo identificaram um modelo pre- para que o motorista realize somente as funções atinentes ao seu
ditivo para as dimensões de Burnout constituído por variáveis cargo, o que também trabalharia a pressão do grau de responsabi-
sociodemográficas (menor idade), laborais (menor tempo de lidade. Sob tal perspectiva é possível trabalhar, preventivamente, as
profissão, menor tempo de intrajornada) e estressores ocupa- formas de enfrentamento aos estressores com foco no problema.
cionais e psicossociais (maior percepção dos estressores: escala Por fim, seria importante executar intervenções em âm-
de trabalho, condições ambientais, relacionamento com pas- bito estadual, como a divulgação, para melhor entendimen-
sageiros idosos, relacionamento com fiscais, riscos de assaltos, to, da lei da gratuidade ou parcialidade do pagamento de
ambiguidade de papéis e pressão do grau de responsabilidade). pessoas com mais de 65 anos, com o objetivo de evitar cons-
Forças, limitações e sugestões de novos estudos. Como trangimentos aos motoristas, passageiros idosos e usuários.
forças do estudo, destaca-se a utilização de um consistente mo- Outra intervenção seria o desenvolvimento de políticas pú-
delo teórico utilizado em diferentes estudos internacionais e na- blicas em termos de segurança para evitar os recorrentes assal-
cionais, e de instrumentos adaptados para o contexto brasileiro tos aos coletivos e que colocam em risco a vida dos motoris-
que obtiveram adequados índices de confiabilidade na amostra tas, assim como a preservação e manutenção das vias públicas.
investigada. A magnitude de efeito para a análise estatística variou
de média a elevada, indicando que os resultados obtidos, possi- Referências
velmente, também, possam ser encontrados na população-alvo.
O estudo apresenta limitações que devem ser consideradas na Almeida, N. D. V. (2002). Contemporaneidade X Trânsito: reflexão psicossocial
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1096 Revista Psicologia: Organizações & Trabalho, 20(3), 1089-1096.

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