Capítulo 1

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Capítulo 1 - Bases Filosóficas e Noção de Ciência em Análise do Comportamento

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem o objetivo de apresentar, em linhas gerais, uma filosofia chamada
Behaviorismo Radical e uma abordagem psicológica (ou ciência do comportamento)
denominada Análise do Comportamento, bem como estabelecer relações entre ambas.

O SURGIMENTO DO BEHAVIORISMO

Por volta do final do século 19, a Psicologia começa a constituir-se como ciência independente,
embalada, principalmente, pelas pesquisas de Gustav Fechner e Wilhelm Wundt (cf. Goodwin,
2005/2005). Essencial ao surgimento e desenvolvimento de uma ciência é a definição do seu
objeto de estudo e do seu método. Nessa época, sobretudo após Wundt ter criado o primeiro
laboratório de Psicologia experimental em Leipzig, Alemanha, difundiu-se a ideia de que o
objeto de estudo da Psicologia era a consciência (e seus elementos constituintes), e o método
eleito, a introspecção experimental (cf. Goodwin, 2005/2005). E nesse contexto que, em 1913,
o psicólogo John Broadus Watson publica um artigo intitulado A Psicologia como um
behaviorista a vê. Esse artigo ficou conhecido posteriormente como O Manifesto behaviorista?

Em seu artigo, Watson (1913) argumentou que o uso da introspecção experimental como
método principal falhou em estabelecer a Psicologia como uma ciência natural (uma ciência
que lida com fenômenos que ocupam lugar no tempo e no espaço, como a Física e a Química).
A crítica de Watson baseava-se principalmente na falta de replicabilidade dos resultados
produzidos, isto é, quando se realizava novamente uma mesma pesquisa com um outro sujeito,
uma pessoa diferente, os resultados encontrados eram diferentes da pesquisa anterior.

Watson (1913) salientou também outro problema importante com relação à introspecção
experimental: a “culpa” das diferenças entre os resultados obtidos a partir de tal método era
atribuída aos sujeitos (que eram também os observadores), e não ao método ou às condições
experimentais nas quais esses resultados foram produzidos. Se, por exemplo, as impressões
de um sujeito sobre um determinado objeto, umas frutas, por exemplo, diferiam das impressões
de outro sujeito, dizia-se que um deles não havia aprendido corretamente a fazer introspecção
(a fazer observações corretas de seus estados mentais).

Watson (1913) propôs, então, como principais objetivos da Psicologia a previsão e o controle
do comportamento. O comportamento observável (por mais de um observador) seria o objeto
de investigação a partir do método experimental, no qual se manipulam sistematicamente
características do ambiente e verifica-se o efeito de tais manipulações sobre o comportamento
dos sujeitos. Para Watson, embora o comportamento humano fosse o principal interesse da
Psicologia, o comportamento animal também deveria ser estudado como parte importante da
agenda de pesquisas dessa ciência. A obra de Watson estendeu-se além do texto de 1913 e
incluía, segundo Matos (1997/2006), as seguintes características/ proposições principais:
“(...) estudar o comportamento por si mesmo; opor-se ao Mentalismo e ignorar fenômenos, como
consciência, sentimentos e estados mentais; aderir ao evolucionismo biológico e estudar tanto o
comportamento humano quanto o animal, considerando este último mais fundamental; adotar o
determinismo materialístico; usar procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando a introspecção;
realizar experimentação controlada; realizar testes de hipótese, de preferência com grupo de controle;
observar consensualmente; evitar a tentação de recorrer ao sistema nervoso para explicar o
comportamento, mas estudar atentamente a ação dos órgãos periféricos, dos órgãos sensoriais, dos
músculos e das glândulas” (Matos, 1997/2006, p. 64).

O Manifesto behaviorista, como ficou conhecido o artigo de Watson (1913), é uma espécie de
marco histórico do surgimento do Behaviorismo. Embora muitas das concepções apresentadas
por Watson em sua obra ainda se façam presentes, o que se conhece por Behaviorismo
Radical (Skinner, 1974/2003), a proposta original sofreu reformulações e a correta
compreensão do que é o Behaviorismo hoje deve ser buscada principalmente na obra de
Burrhus Frederic Skinner.

O BEHAVIORISMO RADICAL DE B. F. SKINNER

“O Behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência. Algumas
das questões que ele propõe são: É possível tal ciência? Pode ela explicar cada aspecto do
comportamento humano? Que métodos pode empregar? São suas leis tão válidas quanto as da Física e
da Biologia?” Proporcionará ela uma tecnologia e, em caso positivo, que papel desempenhará nos
assuntos humanos? São particularmente importantes suas relações com as formas anteriores de
tratamento do mesmo assunto. O comportamento humano é o traço mais familiar do mundo em que as
pessoas vivem, e deve-se ter dito mais sobre ele do que sobre qualquer outra coisa. E, de tudo o que foi
dito, o que vale a pena ser conservado?” (Skinner, 1974/2003, p. 7, grifo nosso).

E dessa forma que Skinner (1974/2003) começa seu livro chamado Sobre 0 Behaviorismo.
Destaca-se nessa citação uma distinção geralmente negligenciada: a diferença entre
Behaviorismo e Análise do Comportamento. Ciência e Filosofia - ou conhecimento científico e
conhecimento filosófico - andam, geralmente, de braços dados, mas há diferenças entre uma e
outra. Como destacado por Skinner no trecho citado, quando falamos de Behaviorismo,
estamos discutindo questões filosóficas, isto é, questões que orientam a forma como
entendemos o mundo ou uma parte específica dele; estamos falando de uma visão de mundo.
A própria possibilidade de uma ciência do comportamento é, em si, uma questão filosófica, é
uma questão de como “enxergamos” o ser humano.

Behaviorismos e as vicissitudes do sistema skinneriano

Uma consulta rápida sobre o Behaviorismo em muitos dos manuais introdutórios de Psicologia
ou livros de História da Psicologia, atuais e antigos, revelará críticas tenazes ao Behaviorismo.
Embora se possa argumentar que a atribuição de alguns desses adjetivos a uma determina
abordagem científica não seja necessariamente ruim (há uma má compreensão, ou uso
inadequado, desses termos por alguns autores), atribuí-los ao sistema skinneriano é, pelo
menos em parte, “chutar um cachorro morto”, isto é, tais críticas são feitas, geralmente, tendo
como referência concepções behavioristas ultrapassadas (Chiesa, 1994/2006). Micheletto
1997/2006) sugere que a proposta de Skinner pode ser dividida em dois momentos distintos:
de 1930 a 1938 e de 1980 a 1990. Segundo Micheletto, o “primeiro” Skinner (1930-1938) é
marcado por uma forte influência das ciências físicas, sobretudo a mecânica newtoniana, e da
filosofia do reflexo:
“(...) Skinner, neste momento, ainda tem uma suposição associada ao mecanicismo, decorrente de ter
mantido características originais da noção de reflexo: apesar de operar com a noção de relação funcional
e não com uma causalidade mecânica, busca um evento no ambiente relacionado com o que o organismo
faz, mas considera que este evento deve ser um estímulo antecedente que provoca a ocorrência da
resposta” (Micheletto, 1997/2006, p. 46).

Já o “segundo” Skinner (1980-1990), como apontado por Micheletto (1997/2006), mostra-se


mais comprometido com o modelo causal que embasa as ciências biológicas, influenciado
principalmente pela teoria da evolução das espécies por seleção natural, de Charles Darwin
1859), e menos influenciado pelo modelo newtoniano. No entanto, já em 1938, Skinner
apresentava uma ruptura com o modelo causal mecanicista. Um exemplo claro é a definição de
reflexo, entendido à época como uma ligação direta entre estímulo e resposta, e reinterpretado
por Skinner (1938) como uma correlação entre dois eventos observáveis: “Em geral, a noção
de reflexo deve se livrar de qualquer noção de empurrão’ do estímulo. Os termos se referem
aqui a eventos correlacionados, e a nada mais” (Skinner, 1938, p. 21). Diz-se, então, que
Skinner substitui a noção de causalidade mecânica pela noção de relações funcionais (Chiesa,
1994/2006; Skinner, 1953/1998). Como aponta o próprio Skinner (1953/1998), a ciência tem
substituído o termo “causa” pelo termo “relação funcional”, pois o primeiro remete a forças e
mecanismos que “ligam” dois eventos, já o segundo apenas estabelece regularidade entre dois
(ou mais) eventos.

Essa mudança no pensamento skinneriano é comumente atribuída (ou correlacionada) à


influência do físico e epistemólogo Ernest Mach causou certa discussão entre filósofos e físicos
ao afirmar que o conceito de força era absolutamente redundante para o adequado
entendimento e aplicação da mecânica clássica. A noção proposta por Mach, de que não é
necessário inferir ou postular uma “força de atração” para explicar por que objetos caem, é a
mesma noção proposta por Skinner (1938), de que não é necessário inferir uma força ou
mecanismo que estabeleça o elo entre um estímulo e uma resposta.

Um ponto marcante no desenvolvimento do sistema de pensamento skinneriano, e considerado


o “nascimento” do Behaviorismo Radical (Tourinho, 1987), é a publicação, em 1945, do artigo
intitulado Análise operacional de termos psicológicos (Skinner, 1945/1972). Skinner fora
convidado para participar de um simpósio sobre o Operacionismo, uma doutrina filosófica
proposta por Bridgman (1927) e cuja tese principal era a de que os conceitos devem ser
definidos em termos das operações que o produzem.

Embora Skinner (1945/1972) reconheça a influência da proposta de Bridgman em seus


trabalhos iniciais, neste momento de sua obra ele questiona a utilidade do Operacionismo para
o desenvolvimento de uma ciência do comportamento, sobretudo o que está relacionado com a
definição e entendimento de conceitos psicológicos. Skinner (1945/1972) argumenta
inicialmente que conceitos devem ser analisados como aquilo que realmente são:
comportamentos verbais. Para Skinner, então, analisar conceitos significa analisar o
comportamento verbal do cientista (ou de quem os usa) e, para tanto, deve-se buscar as
condições antecedentes e as condições consequentes do uso de determinado conceito (análise
funcional).

As implicações dessa proposta de Skinner (1945/1972), estabelece uma distinção drástica


entre o behaviorismo de Skinner, denominado por ele Behaviorismo Radical, e o Behaviorismo
praticado (ou defendido) por alguns de seus contemporâneos, referido por Skinner como
Behaviorismo Metodológico. No Behaviorismo Radical, há o reconhecimento de que eventos
psicológicos privados (p. ex., pensamento, consciência etc.) devem fazer parte do objeto de
estudo de uma ciência do comportamento e podem ser estudados com o mesmo rigor científico
que eventos públicos.

Outra importante característica do Behaviorismo Radical apresentada no artigo de 1945, e da


qual deriva, pelo menos em parte, a possibilidade do estudo científico dos eventos privados, é
a proposição de Skinner (1945/1972) de que eventos privados (ou comportamentos privados)
são tão físicos quanto os eventos públicos (ou comportamentos públicos), isto é, são de
mesma natureza:
“De acordo com essa doutrina [behaviorismo metodológico], o mundo está dividido em eventos públicos e
privados; e a psicologia, para atingir os critérios de uma ciência, precisa se confinar ao estudo dos
primeiros É por isso que o behaviorismo metodológico (que adota a primeira) é bem diferente do
behaviorismo radical(...). O resultado é que, enquanto o behaviorismo radical pode, em alguns casos,
considerar eventos privados (...), o operacionismo metodológico se colocou em uma posição em que não
pode” (Skinner, 1945/1972, p. 382-383).

Curiosamente, muitas das críticas que Skinner (1945/1972) fazia aos behavioristas
metodológicos há mais de seis décadas são ainda hoje, feitas ao próprio Skinner. Essas
críticas são, obviamente, equivocadas — quando feitas ao Behaviorismo Radical. Fica claro no
texto de 1945/1972, bem como em obras subsequentes de Skinner (p. ex., Skinner,
1974/2003), que o Behaviorismo Radical:
• É monista (entende eventos privados e públicos como sendo de mesma natureza)

• Tem como critério de verdade a efetividade — no uso do conhecimento — e não a


concordância entre observadores

• Toma os eventos privados como legítimos objetos de estudo, resgatando a introspecção e o


estudo da consciência, não como método, mas como comportamentos em seu próprio direito.

Como apontado, uma mudança importante no pensamento skinneriano foi a transição de um


modelo explicativo menos influenciado pela física e mais voltado para o modelo das ciências
biológicas, notadamente a teoria da evolução das espécies por seleção natural, de Charles
Darwin (1859). Em 1981, Skinner publicou na revista Science um dos mais importantes e
influentes periódicos científicos no mundo, um artigo intitulado Seleção por consequências
(Skinner, 1981/2007). O artigo representa uma espécie de formalização do modelo explicativo
do Behaviorismo Radical: o modelo de seleção pelas consequências.

Em seu livro de 1859, Darwin explica a origem das diferentes espécies de seres vivos, bem
como diferenciações de uma mesma espécie, a partir de dois processos básicos principais:
variação e seleção. Cada indivíduo de uma dada espécie é único, no sentido de ser diferente,
em maior ou menor grau, de outros membros da mesma espécie. Essas diferenças referem-se
a características anatômicas, fisiológicas e comportamentais. Falamos aqui, então, de variação
ou variabilidade entre membros de uma mesma espécie. Os membros dessa espécie vivem,
geralmente, em um mesmo ambiente, e suas características anatômicas, fisiológicas e
comportamentais são favoráveis à vida neste ambiente, isto é, a espécie está adaptada ao
ambiente. Enquanto esse ambiente se mantiver inalterado, as características dessa espécie
manter-se-ão inalteradas, mesmo que haja diferenças entre cada membro.

De acordo com Darwin (1859), entretanto, se houver mudanças no ambiente da espécie,


aqueles indivíduos cujas características mostrarem-se mais adequadas ao novo ambiente terão
mais chances de sobreviver e passar seus genes adiante (prole).

Eis um exemplo fornecido por Darwin:


“Vejamos o exemplo de um lobo, que caça vários tipos de animais, conseguindo alguns pela estratégia de
caça, outros pela força e outros pela rapidez; suponhamos que uma presa mais rápida, um veado, por
exemplo, por algum motivo, aumentou seu número em um determinado local, ou que outras presas
diminuíram seu número, durante a época do ano na qual o lobo mais precisa de comida. Sob essas
circunstâncias, não vejo razão para duvidar de que os lobos mais rápidos e mais magros teriam as
melhores chances de sobreviver, e, portanto, de serem preservados ou selecionados (...)” (Darwin, 1859,
p. 90).

Nesse exemplo, podemos identificar os dois princípios básicos apontados por Darwin (1859):
lobos, membros de uma mesma espécie, diferem, por exemplo, em força e agilidade ou rapidez
(variação); e quando o ambiente muda (maior disponibilidade de presas velozes) aqueles lobos
mais velozes têm mais chances de sobreviver e transmitir seus genes para sua prole e,
consequentemente, depois de algum tempo haverá maior quantidade de lobos mais velozes,
isto é, o ambiente selecionou esta característica.

Dizer que o ambiente selecionou uma característica é o mesmo que dizer que ela se tornou
mais frequente. No exemplo de Darwin (1859), em um primeiro momento, a maioria dos lobos
era capaz de correr a certa velocidade média X. Alguns poucos lobos eram capazes de correr a
uma velocidade média um pouco menor que X e outros a uma velocidade média um pouco
maior (variabilidade). Quando as presas disponíveis no ambiente dos lobos eram aquelas mais
velozes, aqueles poucos lobos que eram mais rápidos (e isso era uma característica genética
deles) foram mais capazes de se alimentar e transmitir seus genes para seus descendentes
que, provavelmente, também eram mais velozes que a média. Depois de algum tempo, aquela
velocidade média (mais veloz) passou a ser bem mais frequente naquele grupo de lobos, isto é,
havia mais lobos capazes de desenvolverem velocidades maiores.
Em seu artigo de 1981, Skinner (1981/2007) afirma que o processo de seleção natural (Darwin,
1859) é apenas um primeiro nível — ou tipo — de seleção pelas consequências, e que nos
explicaria a origem das diferentes espécies, assim como nos explicaria parte do
comportamento dos organismos, como apontado pelo próprio Darwin. Ao observarmos os
comportamentos de indivíduos de diferentes espécies, percebemos que há uma série de
comportamentos que estes organismos emitem sem que seja necessária uma experiência
anterior, sem que haja aprendizagem (Moreira, Medeiros, 2007). Entretanto, como apontado
por Skinner, há, de maneira geral, duas características dos animais que foram selecionadas
pelo ambiente que são fundamentais para a Psicologia, pois estão diretamente relacionadas
com a nossa capacidade de aprender:
“O comportamento funcionava apropriadamente apenas sob condições relativamente similares àquelas
sob as quais fora selecionado. A reprodução sob uma ampla gama de condições tornou-se possível com
a evolução de dois processos por meio dos quais organismos individuais adquiriam comportamentos
apropriados a novos ambientes. Por meio do condicionamento respondente (pavloviano), respostas
preparadas previamente pela seleção natural poderiam ficar sob o controle de novos estímulos. Por meio
do condicionamento operante, novas respostas poderiam ser fortalecidas (“reforçadas”) por eventos que
imediatamente as seguissem” (Skinner, 1981/2007, p 129-130).

Como apontado por Skinner (1981/2007) nesse trecho, quando determinado comportamento é
selecionado em uma determinada espécie, tal comportamento somente será adaptativo
enquanto as condições ambientais que o selecionaram permanecerem as mesmas. No entanto,
o próprio processo de seleção natural teria sido responsável pela seleção de duas
características importantes que passaram a permitir que os membros de uma espécie
pudessem, durante o período de sua vida, adaptar-se a ambientes diferentes — ou lidar mais
facilmente com mudanças em seu próprio ambiente. Essas características podem ser definidas
como capacidades para aprender a interagir de novas maneiras com o ambiente. Essas
aprendizagens ocorrem de duas maneiras: por meio do condicionamento respondente e do
condicionamento operante.

Segundo Skinner (1981/2007), o condicionamento operante é um segundo tipo de seleção


pelas consequências. Em algum momento da evolução das espécies, o comportamento dos
organismos passou a ser suscetível aos acontecimentos que ocorrem após o comportamento
ser emitido, isto é, certas consequências do comportamento (eventos que os sucedem) que
podem fortalecer esse comportamento e tornar sua ocorrência mais provável. A analogia entre
seleção natural e seleção operante é direta. No entanto, a seleção natural produz as diferenças
entre espécies, as mudanças ocorridas (selecionadas) ao longo de milhares de anos; já a
seleção operante estabelece as diferenças comportamentais individuais e as mudanças
comportamentais ocorridas durante a vida de um indivíduo.

O uso do termo “interação” não é por acaso e implica analisar as experiências individuais como
um processo de retroalimentação. Cada interação do indivíduo com seu ambiente altera o
modo como as interações seguintes ocorrerão, caracterizando um processo extremamente
dinâmico e complexo.

A Psicologia, de maneira geral, ocupa-se dos fenômenos relacionados com este segundo nível
de seleção pelas consequências.

A seleção natural, ou filogenia, nos ajuda a entender a origem das diferenças entre as
espécies; a seleção operante, ou ontogenia, nos ajuda a entender a origem das diferenças
comportamentais entre os indivíduos e, embora este segundo nível de seleção nos permita
explicar uma infinidade de comportamentos e processos psicológicos, há ainda uma lacuna
para a adequada compreensão do ser humano. Segundo Skinner (1981/2007), essa lacuna é
preenchida por um terceiro nível de seleção pelas consequências: o nível de seleção cultural.

De acordo com Skinner (1981/2007), em algum momento da evolução da espécie humana, “a


musculatura vocal ficou sob controle operante” (p. 131). Isso quer dizer que vocalizações
emitidas por um indivíduo ficaram sensíveis às suas consequências, ou seja, passaram a ter
sua probabilidade de voltar a ocorrer aumentada ou diminuída em função do que acontecia no
ambiente do organismo que as emitia.

De acordo com Skinner (1981/2007; 1987), o surgimento da linguagem possibilitou o


aparecimento de ambientes sociais cada vez mais complexos, ou seja, tornou possível o rápido
desenvolvimento da cultura (ou de práticas culturais). Para Skinner, assim como o modelo de
seleção pelas consequências nos explica as origens e as diferenças entre as espécies, explica-
nos as origens e as diferenças dos comportamentos individuais, esse modelo também nos
explica as origens e as diferenças entre as culturas.

Vimos que a variabilidade nas características (anatômicas, fisiológicas e comportamentais)


entre membros de uma mesma espécie possibilita a seleção de novas características que, em
algum momento, passam a ser mais adequadas a um ambiente (seleção no nível filogenético).
Vimos também que a variabilidade nos comportamentos individuais faz com que novos
comportamentos sejam selecionados pelo ambiente (seleção no nível ontogenético). Da
mesma forma, a variabilidade nas práticas culturais de um grupo permite o surgimento de
novas práticas culturais, isto é, a mudança na cultura.

As práticas culturais de um povo, segundo Skinner (1953/1998; 1981/2007), produzem certas


consequências para esse grupo. Por exemplo, se a maioria dos indivíduos de um determinado
grupo, que mora à beira de um rio, emite regularmente comportamentos que mantêm o rio
limpo, e observamos esse hábito por meio das gerações nesse grupo, dizemos então que
esses comportamentos constituem uma prática cultural daquele grupo. Segundo Skinner, ter o
rio limpo (livre de doenças, água potável etc.) é uma consequência da prática cultural e é esta
consequência, esse efeito sobre o grupo como um todo que mantém a ocorrência dessa
prática. Neste sentido, dizemos que esta consequência selecionou aquela prática cultural.

Causalidade e explicação no behaviorismo radical

Um traço bastante característico do comportamento humano: queremos explicar tudo o que


acontece ao nosso redor, principalmente aquilo que as pessoas (ou nós mesmos) fazem ou
deixam de fazer.

Em um sentido amplo, explicar significa apontar as causas de alguma coisa. Quando fazemos
a pergunta “por que fulano agiu daquela forma?”, estamos perguntando “o que causou aquele
comportamento?”. Durante um curso de Psicologia, por exemplo, boa parte do que os
professores ensinam refere-se às causas dos comportamentos dos indivíduos; por que pensam
o que pensam? Por que sentem o que sentem? Por que falam o que falam? Por que fazem o
que fazem? Ou por que deixam de falar, fazer, pensar ou sentir o que falam, fazem, pensam e
sentem? Entretanto, o aluno de Psicologia, já no primeiro semestre do curso, depara-se com
um “problema” que o acompanhará até o final do curso — e até mesmo depois de formado: o
estudante começa a aprender que existem diversas abordagens em Psicologia e que cada uma
delas aponta diferentes causas para os comportamentos das pessoas.

Por que isso ocorre? Por que essa divergência? Essa “confusão” ocorre por um simples motivo:
existem diversos modelos explicativos na Psicologia - e nas ciências em geral. Um modelo
explicativo refere-se, de maneira geral, ao modo como se explicam e se apontam as causas de
um dado fenômeno.

Por que os organismos se comportam?

O subtítulo acima leva o mesmo nome do Capítulo 3 do livro Ciência e Comportamento


Humano (Skinner, 1953/1998). Nesse capítulo, Skinner aborda algumas causas gerais
utilizadas comumente pare se explicar o comportamento, apontando alguns problemas em se
utilizar tais causas. Um primeiro ponto destacado por Skinner é que nenhum tipo de causa
deve ser descartado de imediato: “Qualquer condição ou evento que tenha algum efeito
demonstrável sobre o comportamento deve ser considerado (p. 24)”. Note, entretanto, o uso da
palavra “demonstrável”. O problema de se atribuir certas causas ao comportamento não é a
causa em si, mas a falta de evidências que atestem que aquele evento ou condição, de fato,
exerce alguma influência sobre o comportamento de alguém.

Skinner (1953/1998) aponta que o problema com explicações advindas, por exemplo, da
astrologia e da numerologia “são tão vagas que a rigor não podem ser confirmadas ou
desmentidas.

Outra explicação (ou causa) que as pessoas geralmente usam para explicar o comportamento
de alguém, ou delas próprias, é a hereditariedade. Entretanto, segundo Skinner (1953/1998),
explicar as diferenças de comportamento, de personalidade e as aptidões de indivíduos de uma
mesma espécie a partir da hereditariedade pode constituir um equívoco. É bastante plausível
presumir que a hereditariedade possa desempenhar algum papel na explicação dos
comportamentos de uma pessoa. No entanto, é comum exagerar-se na importância desse
papel, além do fato de que se infere que um comportamento é inato por desconhecermos os
efeitos da experiência individual para o seu desenvolvimento (hereditário é o que não consigo
provar que é aprendido).

Além da falta de dados conclusivos sobre a influência desses fatores no comportamento


humano, isto é, além da falta de evidências de que esses fatores são causas (ou influências)
legítimas do comportamento, há um problema ainda maior: quanto mais o comportamento de
uma pessoa for explicado por esses fatores, menos o papel do psicólogo será necessário
(Skinner, 1953/1998). Devemos reconhecer que a hereditariedade possa explicar parte do
comportamento de uma pessoa, mas devemos “apostar nossas fichas” mais na aprendizagem
e na interação do que na hereditariedade.

Skinner (1953/1998) aponta ainda um outro conjunto de causas - equivocadas — do


comportamento que ele chamou de causas internas, que são de três tipos:

• Causas neurais

• Causas internas psíquicas

• Causas internas conceituais.

Estamos explicando o comportamento a partir de causas neurais quando utilizamos expressões


como “fulano estava com os nervos à flor da pele” e “sicrano tem miolo mole ou não bate bem
da bola”. Podemos usar termos mais técnicos também, como, por exemplo, “fulano está
deprimido porque seus níveis de serotonina estão baixos”.

Skinner (1953/1998) faz duas considerações importantes acerca da atribuição de causas


neurais do comportamento. A primeira delas diz respeito ao fato de que condições específicas
do nosso sistema nervoso não são as causas de um dado comportamento; são parte do
comportamento do indivíduo.

Um segundo problema em se atribuir causas neurais ao comportamento é de ordem mais


prática: o psicólogo, no exercício de sua profissão, não dispõe de instrumentos para “acessar”
o sistema nervoso de uma pessoa, além de não poder “interferir” diretamente nesse sistema
nervoso com, por exemplo, cirurgias e medicamentos. Além disso, conforme apontado por
Skinner (1953/1998), mesmo conhecendo todos os aspectos neurológicos relacionados com a
depressão, por exemplo, ainda assim deveremos buscar na história da pessoa com depressão
eventos, situações que serão, de fato, a causa (ou causas) da sua depressão, ou seja, que
serão a causa última dos “sintomas comportamentais” (p. ex., ideias suicidas), bem como das
alterações neurológicas (p. ex., baixo nível de serotonina).
Os dois outros tipos de causas internas (psíquicas e conceituais) apontados por Skinner
(1953/1998) podem ser agrupados em um único tipo, dado que apresentam os mesmos
problemas: são circulares e expressam a ideia de outro ser ou agente que habita nossos
corpos e causa nossos comportamentos. Esses dois tipos de causa podem ser exemplificados
pelo uso de expressões como “fulano tem uma personalidade desordenada”, “sua consciência
é seu guia”, “fulano fuma demais porque tem o vício do fumo”, “ele joga bem xadrez porque é
inteligente”, “ela briga por causa do seu instinto de luta” ou “sicrano toca bem piano por causa
de sua habilidade musical” (Skinner, 1953/1998, p. 32-33). Esses dois tipos de explicação são
o que Skinner (1974/2003) chamou de explicações mentalistas, isto é, explicações que nos dão
a falsa impressão de estarmos explicando algo quando, na verdade, não estamos.

Explicações circulares do comportamento

Tomemos como exemplo a frase citada anteriormente: “fulano fuma demais porque tem o vício
do fumo”. Quando dizemos essa frase, estamos querendo explicar por que alguém fuma
demais, ou seja, estamos apontando a causa do “fumar demais”. Estamos tão acostumados
com este tipo de explicação que muitas vezes não percebemos um erro lógico inerente a ele:
causa e efeito não podem ser a mesma coisa, o mesmo evento (p. ex., “cair água do céu” não
pode ser a explicação de por que está chovendo). Se dedicarmos um pouco do nosso tempo
para analisar proposições como essa, logo perceberemos que nada estamos explicando.
“Fulano fuma demais” e “fulano tem o vício do fumo” são exatamente a mesma proposição, isto
é, têm exatamente o mesmo significado.

Quando dizemos “fulano fuma demais”, o dizemos ao observar o comportamento de alguém (o


número de cigarros que um amigo ou conhecido fuma por dia, por exemplo). Ao observar o
comportamento (fumar demais), queremos explicá-lo, indicar sua causa, então dizemos “fulano
fuma demais porque tem o vício do fumo”. Dizer que fulano tem o vício do fumo, de algum
modo, nos passa uma ideia de que há algo (o vício) dentro daquela pessoa, e que este vício a
impele a fumar. No entanto, a única evidência que temos da existência desse vício é o próprio
comportamento de fumar.

Dizer, portanto, que alguém tem o vício do fumo significa apenas dizer que alguém fuma
(demais), mas nada nos explica sobre a origem, a causa, do fumar demais (ou do vício). É
relativamente simples perceber a circularidade dessa explicação, pois vício do fumo refere-se a
uns poucos comportamentos do indivíduo relacionados com o consumo de cigarros. Entretanto,
há uma série de outras explicações que lançam mão de conceitos psicológicos para explicar
comportamentos mais complexos e que incorrem no mesmo erro. O uso do conceito de
inteligência é um bom exemplo. Vejamos a seguinte frase: “João joga bem xadrez porque é
inteligente”. Certamente jogar xadrez bem não é a única realização de uma pessoa que nos
leva a dizer que ela é inteligente. Entretanto, usar, por exemplo, inteligência como explicação,
como causa de comportamentos, implica o mesmo problema apontado para o uso de vício
como explicação para o comportamento de fumar: a única evidência que temos de que a
pessoa é inteligente é o fato de que ela joga bem xadrez (ele joga bem xadrez porque é
inteligente ou é inteligente porque joga bem xadrez?). Então, as frases “fulano é inteligente” e
“fulano joga bem xadrez” significam a mesma coisa; uma proposição não é a explicação, a
causa, da outra.

O problema com agentes internos que causam comportamento

Outro tipo de “causa” interna psíquica que normalmente se atribui ao comportamento das
pessoas, e que Skinner (1953/1998) também aponta como problemática ou falaciosa, é a
explicação do comportamento a partir de agentes internos como o eu, a consciência, a mente
ou o self. Quando, por exemplo, alguém diz “fiz o que minha consciência me ditou”, essa
pessoa está dizendo que sua consciência causou seu comportamento, ou seja, ela (ou o que
ela ditou) é a explicação do comportamento. Novamente, temos, no mínimo, uma explicação
incompleta, pois nos restaria ainda responder à seguinte pergunta: “E quem ditou à sua
consciência o que fazer?”. O uso de conceitos como self ou mente, por exemplo, para explicar
o comportamento traz implícita a ideia de que existe uma “outra pessoa” dentro da pessoa, e
que “dita” a ela o que fazer.

Com o gigantesco avanço das neurociências na década de 1990, um outro tipo de explicação
falaciosa para o comportamento começou a “virar moda”. Bennett e Hacker (2003) chamaram
esse tipo de explicação de falácia mereológica, que consiste em atribuir ao cérebro
capacidades ou ações que só fazem sentido quando atribuídas a um indivíduo íntegro, como
um todo, e não a partes desse indivíduo (p. ex., o cérebro decide; o cérebro escolhe; o cérebro
sente, interpreta etc.). Raramente ouvimos dizer “as mãos de fulano pegaram a caneta” ou “as
pernas de sicrano caminharam até a porta”. É mais comum ouvirmos “fulano pegou a caneta” e
“sicrano caminhou até a porta”. E mais comum porque o uso correto desses verbos refere-se a
indivíduos como um todo, e não a partes deles, assim como decidir, interpretar, escolher etc.
Dizer que o cérebro fez isso ou aquilo implica o mesmo erro apontado por Skinner (1953/1998)
de dizer, por exemplo, “minha consciência decidiu”.

É necessário ressaltar novamente que dizer que não é a consciência de um indivíduo, ou o seu
self, ou sua personalidade, ou o seu eu interior, ou o seu cérebro, por exemplo, que explica o
comportamento das pessoas, que são as causas de seus comportamentos, não quer dizer de
forma alguma que, para o Behaviorismo Radical, as pessoas são uma “caixa-preta” ou um
organismo vazio. Apenas quer dizer que as causas dos comportamentos não devem ser
atribuídas a processos ou estruturas internas inferidas a partir da observação do próprio
comportamento do indivíduo. As explicações para o que as pessoas fazem, falam, pensam ou
sentem devem ser buscadas na sua história de interações com seu ambiente, sobretudo
interações com outras pessoas. Neste sentido, o modelo causal na perspectiva behaviorista
radical é o modelo de seleção pelas consequências (apresentado anteriormente), nos três
níveis em que ocorre: filogenético, ontogenético e cultural (Skinner, 1981/2007).

A concepção de homem no behaviorismo radical

“Os homens agem sobre o mundo, modificando-o, e, por sua vez, são modificados pelas
consequências de sua ação” (Skinner, 1957/1978, p. 15). Esta é a primeira frase do livro de
Skinner chamado O comportamento verbal, a qual ilustra, de maneira geral, a concepção de
homem do Behaviorismo Radical, denotando o caráter relacional entre o homem e o mundo em
que vive (lembrando que o principal aspecto desse mundo, para entendermos corretamente
essa frase, são os outros membros da mesma espécie, as outras pessoas).

Para o Behaviorismo Radical, o homem é um ser ativo em seu mundo. A frase citada
anteriormente é composta por, pelo menos, três proposições básicas:

• Os homens agem sobre seu mundo

• Os homens modificam seu mundo (essas modificações são descritas como as consequências
de suas ações)

• Os homens são modificados pelas consequências de suas ações.

A correta compreensão da proposição de que o homem age sobre o mundo, modificando-o, e


sendo modificado por essas mudanças que ele mesmo produziu (Skinner, 1957/1978), requer a
noção adicional de que o homem é também histórico.
De acordo com essa filosofia, chamada de Behaviorismo Radical, é nesse turbilhão de
interações com o seu mundo, principalmente com as pessoas que o cercam, que você aprende
a ser quem você é, aprende as habilidades que tem, os “defeitos” que tem, as virtudes que tem,
sua maneira de pensar e de sentir, aprende a ter consciência de quem você é e, entre
inúmeras outras coisas, a ter consciência do mundo em que vive. No entanto, se você pensar
não apenas nas suas interações com o seu mundo, e como elas influenciam seu
comportamento, e pensar também nas interações das pessoas que você conhece, rapidamente
perceberá que certas consequências dos seus comportamentos influenciam você de maneiras
diferentes do que as mesmas consequências influenciariam o comportamento das pessoas que
você conhece.

O homem é também, para esta filosofia, um ser inerentemente social, já que boa parte das
modificações que produzimos no mundo são, na verdade, mudanças nos comportamentos das
pessoas com as quais convivemos. Como vimos anteriormente, o homem é pertencente à
espécie humana e, portanto, parte do seu comportamento e de suas capacidades é resultado
de um processo de seleção e variação no nível filogenético. O homem aprende com suas
interações com o mundo, muda seus comportamentos em função das modificações que produz
nesse mundo: processo de variação e seleção (de comportamentos) no nível ontogenético.
Essa aprendizagem se dá, sobretudo, pela mediação de outras pessoas. Muitas pessoas em
um grupo social fazem muitas coisas parecidas, gostam de muitas coisas parecidas, têm
crenças e valores semelhantes, entre outras coisas. Essa similaridade entre os
comportamentos de indivíduos de um mesmo grupo é muitas vezes chamada de cultura, e é
transmitida de geração para geração: falamos então do processo de variação e seleção (de
comportamentos) no nível cultural. Portanto, dizer que o homem é um ser social e histórico é
dizer que ele é, constitui-se como homem, como pessoa, a partir de processos de variação e
seleção nesses três níveis: filogenético, ontogenético e cultural.

A PROPOSTA DE UMA CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO

Todos temos nossas próprias explicações para os comportamentos das outras pessoas e para
o nosso próprio. Esse conhecimento — que as pessoas em geral têm sobre os mais diversos
assuntos e, nesse caso, sobre o comportamento humano — é chamado de conhecimento do
senso comum. Inúmeros filósofos, muitos deles muito importantes (p. ex., Sócrates, Aristóteles
e Platão), produziram uma quantidade absurda de conhecimento sobre o ser humano, sobre
suas essências, sua natureza, suas razoes etc. Esse tipo de conhecimento é chamado
conhecimento filosófico. Padres, pastores, sacerdotes e clérigos em geral também têm suas
próprias concepções e explicações para muitos assuntos humanos; esse conhecimento é
chamado conhecimento religioso.

Há, entretanto, um tipo de conhecimento diferente desses três apresentados: o conhecimento


científico. Quais são, então, as diferenças entre esses tipos de conhecimento? Poderíamos
dizer que o conhecimento do senso comum é produzido pelas pessoas em geral, que o
conhecimento filosófico é aquele produzido pelo filósofo, que o conhecimento religioso é aquele
produzido por religiosos (padres, bispos, pastores etc.) e que o conhecimento científico é
aquele produzido por cientistas. Mas essa distinção ainda nos deixa outra pergunta: o que nos
permite dizer que alguém é um cientista ou um filósofo ou um religioso? A resposta a essa
pergunta, e que também distingue um tipo de conhecimento de outro, está na maneira como o
conhecimento é produzido.

Dissemos que o Behaviorismo Radical é uma filosofia que embasa uma ciência do
comportamento (Skinner, 1974/2003). Essa ciência é chamada Análise do Comportamento.
Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento tratam do ser humano e de seus
comportamentos, no entanto, abordam esses assuntos de maneiras diferentes, e o
conhecimento derivado de cada um desses campos do saber é produzido também de modos
diferentes. Se já existe uma filosofia que trata desses assuntos, para que precisamos de uma
ciência que também trata desses assuntos? O conhecimento filosófico é extremamente
importante e dele deriva inclusive a própria concepção de ciência. Praticamente não há uma
ciência que não esteja fortemente ancorada em pressupostos filosóficos. Embora cada tipo de
conhecimento tenha sua utilidade, cada tipo também tem suas limitações. O conhecimento
científico (o produzido de forma científica) apresenta certas características importantes que
preenchem algumas lacunas deixadas pelos outros tipos de conhecimento. Essas
características do conhecimento científico permitem que, de certa forma, ele avance mais
rapidamente que as outras formas de conhecimento.

Skinner (1953/1998) está dizendo é que cada nova geração de cientistas que se forma tem um
conhecimento mais preciso sobre os assuntos que estuda do que a geração anterior, mas o
mesmo não é válido para, por exemplo, novas gerações de filósofos ou artistas. Isso só é
possível porque os cientistas descobriram um modo de testar o conhecimento que produzem (o
método científico). A maneira como os cientistas trabalham e divulgam o conhecimento
produzido permite que outros cientistas repitam a pesquisa que seus colegas fizeram, e que
avaliem se os resultados apresentados por seus colegas se repetem ou não. A ciência, neste
sentido, é autocorretiva: equívocos são passíveis de identificação e correção.

É interessante destacar também a seguinte frase de Skinner (1953/1998): “Os cientistas


descobriram também o valor de ficar sem uma resposta até que uma satisfatória possa ser
encontrada”. É por isso que muitas vezes vemos propagandas de produtos dizendo que seus
feitos foram testados cientificamente. Quando o cientista divulga um conhecimento, geralmente
ele tem muitos dados (obtidos por meio de experimentação) que sustentam o que está dizendo,
e não apenas hipóteses e argumentos lógico-linguísticos bem estruturados.

O objeto de estudo da análise do comportamento

Já foi dito que o que distingue o conhecimento científico dos demais tipos de conhecimento é a
maneira como ele é produzido, o método utilizado para produzi-lo. Mas o que distingue uma
ciência da outra? Essa distinção se dá, principalmente, pelo objeto de estudo de cada ciência.
Porém, qual é o objeto de estudo da Psicologia?

Não há na Psicologia, talvez por ser ainda uma ciência relativamente nova, consenso sobre
qual é o seu objeto de estudo. Diferentes abordagens psicológicas (p. ex., Análise do
Comportamento, Psicanálise, Psicologia Humanista) postulam diferentes objetos de estudo
para a Psicologia. Para a Análise do Comportamento, a Psicologia deve ter como objeto de
estudo as interações dos organismos vivos com seu mundo, como apontando por Todorov
(1989) em um artigo chamado A Psicologia como o Estudo de Interações:
“A psicologia estuda interações de organismos, vistos como um todo, com seu meio ambiente (Harzern,
Miles, 1978). Obviamente não está interessada em todos os tipos possíveis de interações nem em
quaisquer espécies de organismo. A psicologia se ocupa fundamentalmente do homem, ainda que para
entendê-lo muitas vezes tenha que recorrer ao estudo do comportamento de outras espécies animais
(Keller, Schoenfeld, 1950).

Alguns pontos dessa citação merecem um destaque especial. O primeiro refere-se ao fato de
que, para a Análise do Comportamento, devemos estudar interações comportamento-ambiente,
e não apenas o que o indivíduo faz, fala, pensa ou sente. O que o indivíduo faz, fala, pensa ou
sente deve sempre ser contextualizado. Dizer, por exemplo, “Maria chorou” não é de muita
utilidade para o psicólogo. Não estamos interessados somente no que as pessoas fazem, ou
pensam, ou sentem; estamos interessados nas condições em que este fazer/pensar/sentir
ocorre e nas consequências (mudanças ambientais) relacionadas com esse fazer/pensar/sentir.
Um segundo ponto importante está relacionado com o fato de que não são todas as interações
que interessam à Psicologia, e que o limite entre o que é objeto de estudo da Psicologia e o
que não é nem sempre é muito claro. Os fenômenos que estão nessa “fronteira” muitas vezes
são estudados por áreas que chamamos de áreas de interface.
Todos esses fenômenos/ processos psicológicos (personalidade, consciência, criatividade,
pensamento e emoções) fazem parte do objeto de estudo da Análise do Comportamento. No
entanto, em função de esses fenômenos/processos serem estudados pela Análise do
Comportamento como comportamentos, e não como causa de outros comportamentos, muitos
autores e psicólogos tendem a dizer, equivocadamente, que eles não pertencem ao escopo da
Análise do Comportamento.

A unidade básica de análise

Dissemos anteriormente que o objeto de estudo da Análise do Comportamento são as


interações de ações do organismo com seu ambiente. Isso quer dizer que não é suficiente
somente o que o organismo faz e nem só o ambiente, ou seja, a unidade de análise não é nem
um, nem outro isoladamente, mas a interação entre ambos. Para a Análise do Comportamento,
portanto, qualquer fenômeno psicológico (ou comportamental) deve ser analisado a partir de
relações entre eventos. A unidade básica de análise que descreve e relaciona esses eventos
chama-se contingência, que pode ser definida como uma descrição (do tipo se isso então
aquilo) de relações entre eventos (Skinner, 1969; Todorov, 2002).(TRIPLICE CONTIGENCIA)

O trabalho do psicólogo é, primordialmente, encontrar e modificar tais relações. Chamamos de


análise funcional a identificação dessas relações entre indivíduo e ambiente. Murray Sidman
(1989/1995) descreveu de maneira bastante simples essa tarefa e sua importância para o
trabalho do psicólogo:
“Se quisermos entender a conduta de qualquer pessoa, mesmo a nossa própria, a primeira pergunta a
fazer é: ‘O que ela fez?’ O que significa dizer, identificar o comportamento. A segunda pergunta é: ‘O que
aconteceu então?’ O que significa dizer, identificar as consequências do comportamento. Certamente,
mais do que consequências determinam nossa conduta, mas essas primeiras perguntas frequentemente
hão de nos dar uma explicação prática. Se quisermos mudar o comportamento, mudar a contingência de
reforçamento — a relação entre o ato e a consequência — pode ser a chave.

Esta é a essência da análise de contingências: identificar o comportamento e as consequências; alterar


as consequências; ver se o comportamento muda. Análise de contingências é um procedimento ativo, não
uma especulação intelectual. É um tipo de experimentação que acontece não apenas no laboratório, mas,
também, no mundo cotidiano. Analistas do comportamento eficientes estão sempre experimentando,
sempre analisando contingências, transformando-as e testando suas análises, observando se o
comportamento crítico mudou. (...) se a análise for correta, mudanças nas contingências mudarão a
conduta” (Sidman, 1989/1995, p. 104-105).

Previsão e controle

Para a ciência, o “bom conhecimento”, ou o conhecimento útil, é aquele que permite previsão
e/ou controle sobre seu objeto de estudo (Skinner, 1953/1998). Uma teoria que explique
apenas coisas que já aconteceram não é muito útil.

Previsão do comportamento

Quando se fala em prever o comportamento, em ciência, deve-se ficar claro que não estamos
falando de nada esotérico e, a exemplo de outras ciências, raramente podemos prever eventos
do cotidiano com 100% de precisão. Quando estudamos o comportamento para tentar prevê-lo,
estamos tentando identificar que fatores o influenciam, que fatores alteram sua probabilidade
de ocorrência. Tentar prever o comportamento é tentar responder, por exemplo, perguntas
como “o que pode levar um indivíduo à depressão?”; “por que algumas crianças aprendem
mais rapidamente que outras?”; “que circunstâncias podem levar uma pessoa a desenvolver
um transtorno obsessivo-compulsivo?” etc.

Só é possível prever o comportamento porque existe certa ordem, certa regularidade na


maneira como as pessoas se comportam. Essa previsibilidade do comportamento, muitas
vezes, é mais óbvia do que pensamos. Vejamos o que Skinner (1953/1998) nos diz sobre isso:
“Um vago senso de ordem emerge de qualquer observação demorada do comportamento humano.
Qualquer suposição plausível sobre o que dirá um amigo em dada circunstância é uma previsão baseada
nesta uniformidade. Se não se pudesse descobrir uma ordem razoável, raramente poder-se-ia conseguir
eficácia no trato dos assuntos humanos. Os métodos da ciência destinam-se a esclarecer estas
uniformidades e torná-las explícitas” (Skinner, 1953/1998, p. 17).

Todos nós sabemos como um amigo irá reagir ao ouvir uma piada mais “picante”; ou como
nosso pai irá reagir ao ouvir que “tiramos” uma nota baixa na prova; ou que ficaremos tristes ou
alegres ao ouvir uma ou outra notícia etc. Em certo sentido, todos nós somos hábeis em prever
o comportamento das pessoas que conhecemos e o nosso próprio comportamento, ou seja,
somos capazes de identificar ordem, regularidade no comportamento. A ciência (seus
métodos), segundo Skinner (1953/1998), apenas aperfeiçoa, amplia, nossa capacidade de
prever o comportamento, de tornar as uniformidades explícitas.

Para fazer uma previsão, qualquer que seja, devemos nos basear em alguma coisa. Fazemos
previsões sobre o comportamento (que são eventos) baseado em outros eventos (ambientais,
incluindo como ambiente o próprio comportamento).

Se podemos prever como um amigo reagirá a uma piada, o fazemos baseados em


observações dessa relação: “piada contada-reação do amigo”. Obviamente, nem sempre
acertamos nossas previsões; O psicólogo experiente terá mais sucesso nas suas previsões
sobre o comportamento porque tem conhecimento de mais variáveis que influenciam a
ocorrência do comportamento.

Entretanto, mesmo o meteorologista mais treinado ou o psicólogo mais experiente


eventualmente fará previsões que não se confirmarão. A razão para tais “fracassos” está no
fato de que cada fenômeno, por mais simples que seja, é quase sempre influenciado por
muitas variáveis e, quase sempre, o cientista ou o psicólogo não conhece todas as variáveis
que, em conjunto, são responsáveis por produzir um determinado fenômeno. A tarefa do
cientista, neste sentido, é conhecer cada vez mais quais são as variáveis que influenciam a
ocorrência de determinado fenômeno e as condições sob as quais ele é observado. É assim
que o conhecimento científico progride.

Controle do comportamento

Um primeiro ponto que deve ficar claro quando falamos de controle do comportamento, na
perspectiva da Análise do Comportamento, é que o termo “controle” não tem, neste referencial
teórico, nenhuma conotação “ruim” (Sidman, 1989/1995). Controle aqui não significa obrigar
alguém a fazer alguma coisa; controle deve ser entendido como influência. Buscar as variáveis
que controlam um comportamento significa buscar as variáveis que influenciam a ocorrência
desse comportamento, que o tornam mais ou menos provável de ocorrer.

A partir do momento em que nos tornamos capazes de identificar regularidades no


comportamento, ou seja, quando encontramos as variáveis (pelo menos algumas) das quais
um dado comportamento é função, tornamo-nos também, na maioria das vezes, mais capazes
de controlar esse comportamento alterando as variáveis que o controlam. E assim, segundo a
Análise do Comportamento, que o psicólogo se torna capaz de lidar eficazmente com
depressões, transtornos de ansiedade, problemas de aprendizagem, motivação, transtornos de
personalidade, criatividade e todos os fenômenos com os quais lida.

Essa, entretanto, não é uma tarefa fácil. O comportamento, geralmente, é multideterminado, i.


e., existe sempre uma grande quantidade de variáveis que o controlam. Para complicar ainda
mais esta tarefa, diferentes variáveis podem controlar de formas diferentes comportamentos
diferentes de diferentes pessoas, pois o controle que uma determinada variável exerce hoje
sobre o comportamento de alguém só pode ser entendido se conhecermos a história desse
indivíduo com essa variável ao longo de sua vida.

O método de pesquisa

O método de pesquisa de uma abordagem, ou de uma ciência, é a maneira como tal


abordagem produz conhecimento. Como dissemos antes, observações cotidianas dos
comportamentos de nossos amigos, e das situações nas quais esses comportamentos
ocorrem, nos permitem fazer previsões dos comportamentos de nossos amigos, bem como
influenciar tais comportamentos. Dissemos também que os métodos da ciência tornam tais
relações mais explícitas. Para que isso seja possível, é necessário que essa observação das
relações entre o comportamento e a contingência seja feita de maneira diferente. Não basta
apenas observar tais relações, é preciso observá-las em situações que podem ser repetidas e
variadas (o laboratório é um bom lugar para se fazer isso).

O tempo todo há muita coisa acontecendo ao nosso redor, antes e depois de nossos
comportamentos. Já sabemos que eventos que ocorrem antes e depois de nossos
comportamentos podem exercer alguma influência sobre eles (podem alterar sua probabilidade
de ocorrência). Mas o que, de tudo que acontece à nossa volta, é de fato importante para
entendermos determinado comportamento? Para que essa pergunta seja respondida
adequadamente, é necessário criar situações mais simples, com menos coisas acontecendo,
para estudarmos o comportamento e suas interações com os eventos que o cercam.

Imagine, por exemplo, que você está interessado em estudar a memória, mais
especificamente, você quer saber se a cor das palavras de um texto (preto ou vermelho)
influencia o quanto as pessoas lembram daquele texto. Para responder a sua pergunta, então,
você pede à sua mãe, na sua casa, que leia o “Texto 1” (em letras vermelhas) e que depois
responda a algumas perguntas em um questionário. No dia seguinte, você pede a um colega
de faculdade que leia o “Texto 2” (em letras pretas) e que depois responda a um questionário.
Se você fizer apenas isso, provavelmente os resultados que você encontrará não serão muito
conclusivos.

Como dito, o comportamento é multideterminado. O comportamento de lembrar (ou lembrar


mais versus lembrar menos), portanto, não é influenciado apenas por uma variável (p. ex., cor
do texto). O grau de dificuldade e o conteúdo dos textos que você usou poderão influenciar o
lembrar, as condições em que os participantes da pesquisa realizaram a leitura (barulho,
temperatura, cansaço, hora do dia etc.); a experiência de cada participante com leitura, e com
leitura daquele assunto específico; a motivação em participar da pesquisa; a forma como você
os instruiu a realizar a tarefa; as questões de cada questionário e uma série de outras variáveis
podem interferir no resultado de sua pesquisa. Para que você possa dizer que foi a cor do
texto, e não inúmeras outras variáveis, que influenciaram o lembrar dos seus participantes (sua
mãe e seu colega), você deve “isolar” essas outras possíveis influências, ou, pelo menos,
atenuar seus efeitos sobre o quanto os participantes lembram de cada texto após lê-los.

Há várias maneiras de se fazer isso, e essas maneiras são chamadas de delineamentos de


pesquisa (ver, por exemplo, Cozby, 2003). Uma dessas maneiras, e a mais utilizada em
Análise do Comportamento, é utilizar o delineamento de sujeito como seu próprio controle.
Uma das maiores fontes de variabilidade em uma pesquisa é o próprio sujeito, em função de
sua história única de interações com seu mundo. Sendo assim, se você faz a pesquisa com o
mesmo sujeito, em condições experimentais diferentes (p. ex., o mesmo sujeito lê o “Texto 1” e
o “Texto 2”), muitas das variáveis que poderiam enviesar sua pesquisa ficam automaticamente
controladas (ficam constantes entre condições). Pesquisas nas quais se manipula, se altera
uma variável, e se mantêm constantes outras que poderiam também influenciar o fenômeno em
estudo são chamadas de pesquisas experimentais.

A ênfase em Análise do Comportamento em tais pesquisas, pelos resultados robustos que


produzem, é tão forte que é comum referir-se a esta ciência do comportamento como Análise
Experimental do Comportamento. Embora a pesquisa experimental seja a preferida, ela não é o
único tipo de pesquisa utilizado na Psicologia. Dependo de uma série de fatores (incluindo
fatores práticos - possibilidade de se fazer a pesquisa - e fatores éticos).

Pesquisa com animais não humanos

Muitas pesquisas em Análise do Comportamento (ou Análise Experimental do Comportamento)


são realizadas com ratos, pombos e outros animais não humanos. Se a Psicologia busca
entender o comportamento humano, por que, então, realizar pesquisas com seres diferentes
dos seres humanos? A resposta a essa pergunta passa por dois pontos principais:

• O que aprendemos ao estudarmos o comportamento de animais não humanos pode, em


algum grau, ser usado para explicarmos o comportamento humano

• O comportamento de animais não humanos é mais simples que o comportamento de seres


humanos e, para a ciência, é importante partir do simples para o complexo, e não o contrário.

É importante lembrar que não são os comportamentos em si dos animais estudados em


laboratórios que são de interesse para o psicólogo, mas sim os princípios comportamentais que
podem ser estudados.

Um dos princípios comportamentais mais básicos é o de que certas consequências aumentam


a probabilidade do comportamento que as produziu (Skinner, 1953/1998). Esse princípio foi, e
ainda é, amplamente estudado em laboratório, e fora dele, com animais não humanos e
também com seres humanos, e o estudo desse princípio com animais não humanos foi
fundamental para se entender melhor como ele opera quando o assunto é o comportamento
humano.

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