Capítulo 1
Capítulo 1
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
Este capítulo tem o objetivo de apresentar, em linhas gerais, uma filosofia chamada
Behaviorismo Radical e uma abordagem psicológica (ou ciência do comportamento)
denominada Análise do Comportamento, bem como estabelecer relações entre ambas.
O SURGIMENTO DO BEHAVIORISMO
Por volta do final do século 19, a Psicologia começa a constituir-se como ciência independente,
embalada, principalmente, pelas pesquisas de Gustav Fechner e Wilhelm Wundt (cf. Goodwin,
2005/2005). Essencial ao surgimento e desenvolvimento de uma ciência é a definição do seu
objeto de estudo e do seu método. Nessa época, sobretudo após Wundt ter criado o primeiro
laboratório de Psicologia experimental em Leipzig, Alemanha, difundiu-se a ideia de que o
objeto de estudo da Psicologia era a consciência (e seus elementos constituintes), e o método
eleito, a introspecção experimental (cf. Goodwin, 2005/2005). E nesse contexto que, em 1913,
o psicólogo John Broadus Watson publica um artigo intitulado A Psicologia como um
behaviorista a vê. Esse artigo ficou conhecido posteriormente como O Manifesto behaviorista?
Em seu artigo, Watson (1913) argumentou que o uso da introspecção experimental como
método principal falhou em estabelecer a Psicologia como uma ciência natural (uma ciência
que lida com fenômenos que ocupam lugar no tempo e no espaço, como a Física e a Química).
A crítica de Watson baseava-se principalmente na falta de replicabilidade dos resultados
produzidos, isto é, quando se realizava novamente uma mesma pesquisa com um outro sujeito,
uma pessoa diferente, os resultados encontrados eram diferentes da pesquisa anterior.
Watson (1913) salientou também outro problema importante com relação à introspecção
experimental: a “culpa” das diferenças entre os resultados obtidos a partir de tal método era
atribuída aos sujeitos (que eram também os observadores), e não ao método ou às condições
experimentais nas quais esses resultados foram produzidos. Se, por exemplo, as impressões
de um sujeito sobre um determinado objeto, umas frutas, por exemplo, diferiam das impressões
de outro sujeito, dizia-se que um deles não havia aprendido corretamente a fazer introspecção
(a fazer observações corretas de seus estados mentais).
Watson (1913) propôs, então, como principais objetivos da Psicologia a previsão e o controle
do comportamento. O comportamento observável (por mais de um observador) seria o objeto
de investigação a partir do método experimental, no qual se manipulam sistematicamente
características do ambiente e verifica-se o efeito de tais manipulações sobre o comportamento
dos sujeitos. Para Watson, embora o comportamento humano fosse o principal interesse da
Psicologia, o comportamento animal também deveria ser estudado como parte importante da
agenda de pesquisas dessa ciência. A obra de Watson estendeu-se além do texto de 1913 e
incluía, segundo Matos (1997/2006), as seguintes características/ proposições principais:
“(...) estudar o comportamento por si mesmo; opor-se ao Mentalismo e ignorar fenômenos, como
consciência, sentimentos e estados mentais; aderir ao evolucionismo biológico e estudar tanto o
comportamento humano quanto o animal, considerando este último mais fundamental; adotar o
determinismo materialístico; usar procedimentos objetivos na coleta de dados, rejeitando a introspecção;
realizar experimentação controlada; realizar testes de hipótese, de preferência com grupo de controle;
observar consensualmente; evitar a tentação de recorrer ao sistema nervoso para explicar o
comportamento, mas estudar atentamente a ação dos órgãos periféricos, dos órgãos sensoriais, dos
músculos e das glândulas” (Matos, 1997/2006, p. 64).
O Manifesto behaviorista, como ficou conhecido o artigo de Watson (1913), é uma espécie de
marco histórico do surgimento do Behaviorismo. Embora muitas das concepções apresentadas
por Watson em sua obra ainda se façam presentes, o que se conhece por Behaviorismo
Radical (Skinner, 1974/2003), a proposta original sofreu reformulações e a correta
compreensão do que é o Behaviorismo hoje deve ser buscada principalmente na obra de
Burrhus Frederic Skinner.
“O Behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência. Algumas
das questões que ele propõe são: É possível tal ciência? Pode ela explicar cada aspecto do
comportamento humano? Que métodos pode empregar? São suas leis tão válidas quanto as da Física e
da Biologia?” Proporcionará ela uma tecnologia e, em caso positivo, que papel desempenhará nos
assuntos humanos? São particularmente importantes suas relações com as formas anteriores de
tratamento do mesmo assunto. O comportamento humano é o traço mais familiar do mundo em que as
pessoas vivem, e deve-se ter dito mais sobre ele do que sobre qualquer outra coisa. E, de tudo o que foi
dito, o que vale a pena ser conservado?” (Skinner, 1974/2003, p. 7, grifo nosso).
E dessa forma que Skinner (1974/2003) começa seu livro chamado Sobre 0 Behaviorismo.
Destaca-se nessa citação uma distinção geralmente negligenciada: a diferença entre
Behaviorismo e Análise do Comportamento. Ciência e Filosofia - ou conhecimento científico e
conhecimento filosófico - andam, geralmente, de braços dados, mas há diferenças entre uma e
outra. Como destacado por Skinner no trecho citado, quando falamos de Behaviorismo,
estamos discutindo questões filosóficas, isto é, questões que orientam a forma como
entendemos o mundo ou uma parte específica dele; estamos falando de uma visão de mundo.
A própria possibilidade de uma ciência do comportamento é, em si, uma questão filosófica, é
uma questão de como “enxergamos” o ser humano.
Uma consulta rápida sobre o Behaviorismo em muitos dos manuais introdutórios de Psicologia
ou livros de História da Psicologia, atuais e antigos, revelará críticas tenazes ao Behaviorismo.
Embora se possa argumentar que a atribuição de alguns desses adjetivos a uma determina
abordagem científica não seja necessariamente ruim (há uma má compreensão, ou uso
inadequado, desses termos por alguns autores), atribuí-los ao sistema skinneriano é, pelo
menos em parte, “chutar um cachorro morto”, isto é, tais críticas são feitas, geralmente, tendo
como referência concepções behavioristas ultrapassadas (Chiesa, 1994/2006). Micheletto
1997/2006) sugere que a proposta de Skinner pode ser dividida em dois momentos distintos:
de 1930 a 1938 e de 1980 a 1990. Segundo Micheletto, o “primeiro” Skinner (1930-1938) é
marcado por uma forte influência das ciências físicas, sobretudo a mecânica newtoniana, e da
filosofia do reflexo:
“(...) Skinner, neste momento, ainda tem uma suposição associada ao mecanicismo, decorrente de ter
mantido características originais da noção de reflexo: apesar de operar com a noção de relação funcional
e não com uma causalidade mecânica, busca um evento no ambiente relacionado com o que o organismo
faz, mas considera que este evento deve ser um estímulo antecedente que provoca a ocorrência da
resposta” (Micheletto, 1997/2006, p. 46).
Curiosamente, muitas das críticas que Skinner (1945/1972) fazia aos behavioristas
metodológicos há mais de seis décadas são ainda hoje, feitas ao próprio Skinner. Essas
críticas são, obviamente, equivocadas — quando feitas ao Behaviorismo Radical. Fica claro no
texto de 1945/1972, bem como em obras subsequentes de Skinner (p. ex., Skinner,
1974/2003), que o Behaviorismo Radical:
• É monista (entende eventos privados e públicos como sendo de mesma natureza)
Em seu livro de 1859, Darwin explica a origem das diferentes espécies de seres vivos, bem
como diferenciações de uma mesma espécie, a partir de dois processos básicos principais:
variação e seleção. Cada indivíduo de uma dada espécie é único, no sentido de ser diferente,
em maior ou menor grau, de outros membros da mesma espécie. Essas diferenças referem-se
a características anatômicas, fisiológicas e comportamentais. Falamos aqui, então, de variação
ou variabilidade entre membros de uma mesma espécie. Os membros dessa espécie vivem,
geralmente, em um mesmo ambiente, e suas características anatômicas, fisiológicas e
comportamentais são favoráveis à vida neste ambiente, isto é, a espécie está adaptada ao
ambiente. Enquanto esse ambiente se mantiver inalterado, as características dessa espécie
manter-se-ão inalteradas, mesmo que haja diferenças entre cada membro.
Nesse exemplo, podemos identificar os dois princípios básicos apontados por Darwin (1859):
lobos, membros de uma mesma espécie, diferem, por exemplo, em força e agilidade ou rapidez
(variação); e quando o ambiente muda (maior disponibilidade de presas velozes) aqueles lobos
mais velozes têm mais chances de sobreviver e transmitir seus genes para sua prole e,
consequentemente, depois de algum tempo haverá maior quantidade de lobos mais velozes,
isto é, o ambiente selecionou esta característica.
Dizer que o ambiente selecionou uma característica é o mesmo que dizer que ela se tornou
mais frequente. No exemplo de Darwin (1859), em um primeiro momento, a maioria dos lobos
era capaz de correr a certa velocidade média X. Alguns poucos lobos eram capazes de correr a
uma velocidade média um pouco menor que X e outros a uma velocidade média um pouco
maior (variabilidade). Quando as presas disponíveis no ambiente dos lobos eram aquelas mais
velozes, aqueles poucos lobos que eram mais rápidos (e isso era uma característica genética
deles) foram mais capazes de se alimentar e transmitir seus genes para seus descendentes
que, provavelmente, também eram mais velozes que a média. Depois de algum tempo, aquela
velocidade média (mais veloz) passou a ser bem mais frequente naquele grupo de lobos, isto é,
havia mais lobos capazes de desenvolverem velocidades maiores.
Em seu artigo de 1981, Skinner (1981/2007) afirma que o processo de seleção natural (Darwin,
1859) é apenas um primeiro nível — ou tipo — de seleção pelas consequências, e que nos
explicaria a origem das diferentes espécies, assim como nos explicaria parte do
comportamento dos organismos, como apontado pelo próprio Darwin. Ao observarmos os
comportamentos de indivíduos de diferentes espécies, percebemos que há uma série de
comportamentos que estes organismos emitem sem que seja necessária uma experiência
anterior, sem que haja aprendizagem (Moreira, Medeiros, 2007). Entretanto, como apontado
por Skinner, há, de maneira geral, duas características dos animais que foram selecionadas
pelo ambiente que são fundamentais para a Psicologia, pois estão diretamente relacionadas
com a nossa capacidade de aprender:
“O comportamento funcionava apropriadamente apenas sob condições relativamente similares àquelas
sob as quais fora selecionado. A reprodução sob uma ampla gama de condições tornou-se possível com
a evolução de dois processos por meio dos quais organismos individuais adquiriam comportamentos
apropriados a novos ambientes. Por meio do condicionamento respondente (pavloviano), respostas
preparadas previamente pela seleção natural poderiam ficar sob o controle de novos estímulos. Por meio
do condicionamento operante, novas respostas poderiam ser fortalecidas (“reforçadas”) por eventos que
imediatamente as seguissem” (Skinner, 1981/2007, p 129-130).
Como apontado por Skinner (1981/2007) nesse trecho, quando determinado comportamento é
selecionado em uma determinada espécie, tal comportamento somente será adaptativo
enquanto as condições ambientais que o selecionaram permanecerem as mesmas. No entanto,
o próprio processo de seleção natural teria sido responsável pela seleção de duas
características importantes que passaram a permitir que os membros de uma espécie
pudessem, durante o período de sua vida, adaptar-se a ambientes diferentes — ou lidar mais
facilmente com mudanças em seu próprio ambiente. Essas características podem ser definidas
como capacidades para aprender a interagir de novas maneiras com o ambiente. Essas
aprendizagens ocorrem de duas maneiras: por meio do condicionamento respondente e do
condicionamento operante.
O uso do termo “interação” não é por acaso e implica analisar as experiências individuais como
um processo de retroalimentação. Cada interação do indivíduo com seu ambiente altera o
modo como as interações seguintes ocorrerão, caracterizando um processo extremamente
dinâmico e complexo.
A Psicologia, de maneira geral, ocupa-se dos fenômenos relacionados com este segundo nível
de seleção pelas consequências.
A seleção natural, ou filogenia, nos ajuda a entender a origem das diferenças entre as
espécies; a seleção operante, ou ontogenia, nos ajuda a entender a origem das diferenças
comportamentais entre os indivíduos e, embora este segundo nível de seleção nos permita
explicar uma infinidade de comportamentos e processos psicológicos, há ainda uma lacuna
para a adequada compreensão do ser humano. Segundo Skinner (1981/2007), essa lacuna é
preenchida por um terceiro nível de seleção pelas consequências: o nível de seleção cultural.
Em um sentido amplo, explicar significa apontar as causas de alguma coisa. Quando fazemos
a pergunta “por que fulano agiu daquela forma?”, estamos perguntando “o que causou aquele
comportamento?”. Durante um curso de Psicologia, por exemplo, boa parte do que os
professores ensinam refere-se às causas dos comportamentos dos indivíduos; por que pensam
o que pensam? Por que sentem o que sentem? Por que falam o que falam? Por que fazem o
que fazem? Ou por que deixam de falar, fazer, pensar ou sentir o que falam, fazem, pensam e
sentem? Entretanto, o aluno de Psicologia, já no primeiro semestre do curso, depara-se com
um “problema” que o acompanhará até o final do curso — e até mesmo depois de formado: o
estudante começa a aprender que existem diversas abordagens em Psicologia e que cada uma
delas aponta diferentes causas para os comportamentos das pessoas.
Por que isso ocorre? Por que essa divergência? Essa “confusão” ocorre por um simples motivo:
existem diversos modelos explicativos na Psicologia - e nas ciências em geral. Um modelo
explicativo refere-se, de maneira geral, ao modo como se explicam e se apontam as causas de
um dado fenômeno.
Skinner (1953/1998) aponta que o problema com explicações advindas, por exemplo, da
astrologia e da numerologia “são tão vagas que a rigor não podem ser confirmadas ou
desmentidas.
Outra explicação (ou causa) que as pessoas geralmente usam para explicar o comportamento
de alguém, ou delas próprias, é a hereditariedade. Entretanto, segundo Skinner (1953/1998),
explicar as diferenças de comportamento, de personalidade e as aptidões de indivíduos de uma
mesma espécie a partir da hereditariedade pode constituir um equívoco. É bastante plausível
presumir que a hereditariedade possa desempenhar algum papel na explicação dos
comportamentos de uma pessoa. No entanto, é comum exagerar-se na importância desse
papel, além do fato de que se infere que um comportamento é inato por desconhecermos os
efeitos da experiência individual para o seu desenvolvimento (hereditário é o que não consigo
provar que é aprendido).
• Causas neurais
Tomemos como exemplo a frase citada anteriormente: “fulano fuma demais porque tem o vício
do fumo”. Quando dizemos essa frase, estamos querendo explicar por que alguém fuma
demais, ou seja, estamos apontando a causa do “fumar demais”. Estamos tão acostumados
com este tipo de explicação que muitas vezes não percebemos um erro lógico inerente a ele:
causa e efeito não podem ser a mesma coisa, o mesmo evento (p. ex., “cair água do céu” não
pode ser a explicação de por que está chovendo). Se dedicarmos um pouco do nosso tempo
para analisar proposições como essa, logo perceberemos que nada estamos explicando.
“Fulano fuma demais” e “fulano tem o vício do fumo” são exatamente a mesma proposição, isto
é, têm exatamente o mesmo significado.
Dizer, portanto, que alguém tem o vício do fumo significa apenas dizer que alguém fuma
(demais), mas nada nos explica sobre a origem, a causa, do fumar demais (ou do vício). É
relativamente simples perceber a circularidade dessa explicação, pois vício do fumo refere-se a
uns poucos comportamentos do indivíduo relacionados com o consumo de cigarros. Entretanto,
há uma série de outras explicações que lançam mão de conceitos psicológicos para explicar
comportamentos mais complexos e que incorrem no mesmo erro. O uso do conceito de
inteligência é um bom exemplo. Vejamos a seguinte frase: “João joga bem xadrez porque é
inteligente”. Certamente jogar xadrez bem não é a única realização de uma pessoa que nos
leva a dizer que ela é inteligente. Entretanto, usar, por exemplo, inteligência como explicação,
como causa de comportamentos, implica o mesmo problema apontado para o uso de vício
como explicação para o comportamento de fumar: a única evidência que temos de que a
pessoa é inteligente é o fato de que ela joga bem xadrez (ele joga bem xadrez porque é
inteligente ou é inteligente porque joga bem xadrez?). Então, as frases “fulano é inteligente” e
“fulano joga bem xadrez” significam a mesma coisa; uma proposição não é a explicação, a
causa, da outra.
Outro tipo de “causa” interna psíquica que normalmente se atribui ao comportamento das
pessoas, e que Skinner (1953/1998) também aponta como problemática ou falaciosa, é a
explicação do comportamento a partir de agentes internos como o eu, a consciência, a mente
ou o self. Quando, por exemplo, alguém diz “fiz o que minha consciência me ditou”, essa
pessoa está dizendo que sua consciência causou seu comportamento, ou seja, ela (ou o que
ela ditou) é a explicação do comportamento. Novamente, temos, no mínimo, uma explicação
incompleta, pois nos restaria ainda responder à seguinte pergunta: “E quem ditou à sua
consciência o que fazer?”. O uso de conceitos como self ou mente, por exemplo, para explicar
o comportamento traz implícita a ideia de que existe uma “outra pessoa” dentro da pessoa, e
que “dita” a ela o que fazer.
Com o gigantesco avanço das neurociências na década de 1990, um outro tipo de explicação
falaciosa para o comportamento começou a “virar moda”. Bennett e Hacker (2003) chamaram
esse tipo de explicação de falácia mereológica, que consiste em atribuir ao cérebro
capacidades ou ações que só fazem sentido quando atribuídas a um indivíduo íntegro, como
um todo, e não a partes desse indivíduo (p. ex., o cérebro decide; o cérebro escolhe; o cérebro
sente, interpreta etc.). Raramente ouvimos dizer “as mãos de fulano pegaram a caneta” ou “as
pernas de sicrano caminharam até a porta”. É mais comum ouvirmos “fulano pegou a caneta” e
“sicrano caminhou até a porta”. E mais comum porque o uso correto desses verbos refere-se a
indivíduos como um todo, e não a partes deles, assim como decidir, interpretar, escolher etc.
Dizer que o cérebro fez isso ou aquilo implica o mesmo erro apontado por Skinner (1953/1998)
de dizer, por exemplo, “minha consciência decidiu”.
É necessário ressaltar novamente que dizer que não é a consciência de um indivíduo, ou o seu
self, ou sua personalidade, ou o seu eu interior, ou o seu cérebro, por exemplo, que explica o
comportamento das pessoas, que são as causas de seus comportamentos, não quer dizer de
forma alguma que, para o Behaviorismo Radical, as pessoas são uma “caixa-preta” ou um
organismo vazio. Apenas quer dizer que as causas dos comportamentos não devem ser
atribuídas a processos ou estruturas internas inferidas a partir da observação do próprio
comportamento do indivíduo. As explicações para o que as pessoas fazem, falam, pensam ou
sentem devem ser buscadas na sua história de interações com seu ambiente, sobretudo
interações com outras pessoas. Neste sentido, o modelo causal na perspectiva behaviorista
radical é o modelo de seleção pelas consequências (apresentado anteriormente), nos três
níveis em que ocorre: filogenético, ontogenético e cultural (Skinner, 1981/2007).
“Os homens agem sobre o mundo, modificando-o, e, por sua vez, são modificados pelas
consequências de sua ação” (Skinner, 1957/1978, p. 15). Esta é a primeira frase do livro de
Skinner chamado O comportamento verbal, a qual ilustra, de maneira geral, a concepção de
homem do Behaviorismo Radical, denotando o caráter relacional entre o homem e o mundo em
que vive (lembrando que o principal aspecto desse mundo, para entendermos corretamente
essa frase, são os outros membros da mesma espécie, as outras pessoas).
Para o Behaviorismo Radical, o homem é um ser ativo em seu mundo. A frase citada
anteriormente é composta por, pelo menos, três proposições básicas:
• Os homens modificam seu mundo (essas modificações são descritas como as consequências
de suas ações)
O homem é também, para esta filosofia, um ser inerentemente social, já que boa parte das
modificações que produzimos no mundo são, na verdade, mudanças nos comportamentos das
pessoas com as quais convivemos. Como vimos anteriormente, o homem é pertencente à
espécie humana e, portanto, parte do seu comportamento e de suas capacidades é resultado
de um processo de seleção e variação no nível filogenético. O homem aprende com suas
interações com o mundo, muda seus comportamentos em função das modificações que produz
nesse mundo: processo de variação e seleção (de comportamentos) no nível ontogenético.
Essa aprendizagem se dá, sobretudo, pela mediação de outras pessoas. Muitas pessoas em
um grupo social fazem muitas coisas parecidas, gostam de muitas coisas parecidas, têm
crenças e valores semelhantes, entre outras coisas. Essa similaridade entre os
comportamentos de indivíduos de um mesmo grupo é muitas vezes chamada de cultura, e é
transmitida de geração para geração: falamos então do processo de variação e seleção (de
comportamentos) no nível cultural. Portanto, dizer que o homem é um ser social e histórico é
dizer que ele é, constitui-se como homem, como pessoa, a partir de processos de variação e
seleção nesses três níveis: filogenético, ontogenético e cultural.
Todos temos nossas próprias explicações para os comportamentos das outras pessoas e para
o nosso próprio. Esse conhecimento — que as pessoas em geral têm sobre os mais diversos
assuntos e, nesse caso, sobre o comportamento humano — é chamado de conhecimento do
senso comum. Inúmeros filósofos, muitos deles muito importantes (p. ex., Sócrates, Aristóteles
e Platão), produziram uma quantidade absurda de conhecimento sobre o ser humano, sobre
suas essências, sua natureza, suas razoes etc. Esse tipo de conhecimento é chamado
conhecimento filosófico. Padres, pastores, sacerdotes e clérigos em geral também têm suas
próprias concepções e explicações para muitos assuntos humanos; esse conhecimento é
chamado conhecimento religioso.
Dissemos que o Behaviorismo Radical é uma filosofia que embasa uma ciência do
comportamento (Skinner, 1974/2003). Essa ciência é chamada Análise do Comportamento.
Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento tratam do ser humano e de seus
comportamentos, no entanto, abordam esses assuntos de maneiras diferentes, e o
conhecimento derivado de cada um desses campos do saber é produzido também de modos
diferentes. Se já existe uma filosofia que trata desses assuntos, para que precisamos de uma
ciência que também trata desses assuntos? O conhecimento filosófico é extremamente
importante e dele deriva inclusive a própria concepção de ciência. Praticamente não há uma
ciência que não esteja fortemente ancorada em pressupostos filosóficos. Embora cada tipo de
conhecimento tenha sua utilidade, cada tipo também tem suas limitações. O conhecimento
científico (o produzido de forma científica) apresenta certas características importantes que
preenchem algumas lacunas deixadas pelos outros tipos de conhecimento. Essas
características do conhecimento científico permitem que, de certa forma, ele avance mais
rapidamente que as outras formas de conhecimento.
Skinner (1953/1998) está dizendo é que cada nova geração de cientistas que se forma tem um
conhecimento mais preciso sobre os assuntos que estuda do que a geração anterior, mas o
mesmo não é válido para, por exemplo, novas gerações de filósofos ou artistas. Isso só é
possível porque os cientistas descobriram um modo de testar o conhecimento que produzem (o
método científico). A maneira como os cientistas trabalham e divulgam o conhecimento
produzido permite que outros cientistas repitam a pesquisa que seus colegas fizeram, e que
avaliem se os resultados apresentados por seus colegas se repetem ou não. A ciência, neste
sentido, é autocorretiva: equívocos são passíveis de identificação e correção.
Já foi dito que o que distingue o conhecimento científico dos demais tipos de conhecimento é a
maneira como ele é produzido, o método utilizado para produzi-lo. Mas o que distingue uma
ciência da outra? Essa distinção se dá, principalmente, pelo objeto de estudo de cada ciência.
Porém, qual é o objeto de estudo da Psicologia?
Não há na Psicologia, talvez por ser ainda uma ciência relativamente nova, consenso sobre
qual é o seu objeto de estudo. Diferentes abordagens psicológicas (p. ex., Análise do
Comportamento, Psicanálise, Psicologia Humanista) postulam diferentes objetos de estudo
para a Psicologia. Para a Análise do Comportamento, a Psicologia deve ter como objeto de
estudo as interações dos organismos vivos com seu mundo, como apontando por Todorov
(1989) em um artigo chamado A Psicologia como o Estudo de Interações:
“A psicologia estuda interações de organismos, vistos como um todo, com seu meio ambiente (Harzern,
Miles, 1978). Obviamente não está interessada em todos os tipos possíveis de interações nem em
quaisquer espécies de organismo. A psicologia se ocupa fundamentalmente do homem, ainda que para
entendê-lo muitas vezes tenha que recorrer ao estudo do comportamento de outras espécies animais
(Keller, Schoenfeld, 1950).
Alguns pontos dessa citação merecem um destaque especial. O primeiro refere-se ao fato de
que, para a Análise do Comportamento, devemos estudar interações comportamento-ambiente,
e não apenas o que o indivíduo faz, fala, pensa ou sente. O que o indivíduo faz, fala, pensa ou
sente deve sempre ser contextualizado. Dizer, por exemplo, “Maria chorou” não é de muita
utilidade para o psicólogo. Não estamos interessados somente no que as pessoas fazem, ou
pensam, ou sentem; estamos interessados nas condições em que este fazer/pensar/sentir
ocorre e nas consequências (mudanças ambientais) relacionadas com esse fazer/pensar/sentir.
Um segundo ponto importante está relacionado com o fato de que não são todas as interações
que interessam à Psicologia, e que o limite entre o que é objeto de estudo da Psicologia e o
que não é nem sempre é muito claro. Os fenômenos que estão nessa “fronteira” muitas vezes
são estudados por áreas que chamamos de áreas de interface.
Todos esses fenômenos/ processos psicológicos (personalidade, consciência, criatividade,
pensamento e emoções) fazem parte do objeto de estudo da Análise do Comportamento. No
entanto, em função de esses fenômenos/processos serem estudados pela Análise do
Comportamento como comportamentos, e não como causa de outros comportamentos, muitos
autores e psicólogos tendem a dizer, equivocadamente, que eles não pertencem ao escopo da
Análise do Comportamento.
Previsão e controle
Para a ciência, o “bom conhecimento”, ou o conhecimento útil, é aquele que permite previsão
e/ou controle sobre seu objeto de estudo (Skinner, 1953/1998). Uma teoria que explique
apenas coisas que já aconteceram não é muito útil.
Previsão do comportamento
Quando se fala em prever o comportamento, em ciência, deve-se ficar claro que não estamos
falando de nada esotérico e, a exemplo de outras ciências, raramente podemos prever eventos
do cotidiano com 100% de precisão. Quando estudamos o comportamento para tentar prevê-lo,
estamos tentando identificar que fatores o influenciam, que fatores alteram sua probabilidade
de ocorrência. Tentar prever o comportamento é tentar responder, por exemplo, perguntas
como “o que pode levar um indivíduo à depressão?”; “por que algumas crianças aprendem
mais rapidamente que outras?”; “que circunstâncias podem levar uma pessoa a desenvolver
um transtorno obsessivo-compulsivo?” etc.
Todos nós sabemos como um amigo irá reagir ao ouvir uma piada mais “picante”; ou como
nosso pai irá reagir ao ouvir que “tiramos” uma nota baixa na prova; ou que ficaremos tristes ou
alegres ao ouvir uma ou outra notícia etc. Em certo sentido, todos nós somos hábeis em prever
o comportamento das pessoas que conhecemos e o nosso próprio comportamento, ou seja,
somos capazes de identificar ordem, regularidade no comportamento. A ciência (seus
métodos), segundo Skinner (1953/1998), apenas aperfeiçoa, amplia, nossa capacidade de
prever o comportamento, de tornar as uniformidades explícitas.
Para fazer uma previsão, qualquer que seja, devemos nos basear em alguma coisa. Fazemos
previsões sobre o comportamento (que são eventos) baseado em outros eventos (ambientais,
incluindo como ambiente o próprio comportamento).
Controle do comportamento
Um primeiro ponto que deve ficar claro quando falamos de controle do comportamento, na
perspectiva da Análise do Comportamento, é que o termo “controle” não tem, neste referencial
teórico, nenhuma conotação “ruim” (Sidman, 1989/1995). Controle aqui não significa obrigar
alguém a fazer alguma coisa; controle deve ser entendido como influência. Buscar as variáveis
que controlam um comportamento significa buscar as variáveis que influenciam a ocorrência
desse comportamento, que o tornam mais ou menos provável de ocorrer.
O método de pesquisa
O tempo todo há muita coisa acontecendo ao nosso redor, antes e depois de nossos
comportamentos. Já sabemos que eventos que ocorrem antes e depois de nossos
comportamentos podem exercer alguma influência sobre eles (podem alterar sua probabilidade
de ocorrência). Mas o que, de tudo que acontece à nossa volta, é de fato importante para
entendermos determinado comportamento? Para que essa pergunta seja respondida
adequadamente, é necessário criar situações mais simples, com menos coisas acontecendo,
para estudarmos o comportamento e suas interações com os eventos que o cercam.
Imagine, por exemplo, que você está interessado em estudar a memória, mais
especificamente, você quer saber se a cor das palavras de um texto (preto ou vermelho)
influencia o quanto as pessoas lembram daquele texto. Para responder a sua pergunta, então,
você pede à sua mãe, na sua casa, que leia o “Texto 1” (em letras vermelhas) e que depois
responda a algumas perguntas em um questionário. No dia seguinte, você pede a um colega
de faculdade que leia o “Texto 2” (em letras pretas) e que depois responda a um questionário.
Se você fizer apenas isso, provavelmente os resultados que você encontrará não serão muito
conclusivos.