Etnias Africanas Na Diaspora Robin Law

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Etnias de africanos na
diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo
‘mina’* **
Robin Law ***

Partindo do questionamento de um trabalho da historiadora americana Gwendolyn Midlo


Hall, o autor analisa os vários significados do termo “mina” na África e na diáspora. Desta
forma, demonstra a importância do profundo conhecimento da documentação, assim como
da nomenclatura para poder perceber as nuances de um termo que pode designar lugares
e grupos étnicos ou lingüísticos, dependendo de quem fala e quando dele se fala.
Palavras-chaves: Baía do Benim – identidade étnica – tráfico atlântico
Ethnicities of enslaved Africans in the Diaspora: On the meanings of ‘Mina’ (again)
The author criticizes a previous work by the American historian Gwendolyn Midlo
Hall and analyzes the meanings of the term “Mina’ in Africa and within the African
Diaspora. He demonstrates the relevance of the control of the documentation and
the nomenclature as well to obtain the proper meanings in each particular situation.
In conclusion the author shows the term “Mina” may refer to places and people
depending on the situation.

*
Artigo publicado na revista History in Africa, 32 (2005) 247-267. Agradecemos ao editor David
Herning a autorização para tradução e publicação do texto no Brasil.
**
Artigo recebido em outubro de 2005 e aprovado para publicação em dezembro de 2005.
***
Professor catedrático de História da África na University of Stirling, Escócia.

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Robin Law Dossiê

Key words: Bight of Benin – ethnic identity – atlantic slave trade


Les ethnies des esclaves africains dans la diaspora : nouvelles considérations sur les
significations du terme ‘Mina’
L’auteur fait d’abord la critique d’un texte de l’historienne nord-américaine Gwendolyn
Midlo Hall sur les différentes significations du terme “mina” en Afrique et dans la
diaspora africaine. Le texte montre l’importance du contrôle de la documentation et
de la nomenclature pour une signification correcte du terme dans chaque situation.
Pour conclure, on met en évidence que le terme “mina” peut désigner différents
peuples et lieux selon les situations concrètes.
Mots-clés: Mina – ethnies – traite dans l’Atlantique Sud

O termo “mina”, quando usado como designação étnica de africanos


escravizados nas Américas, entre os séculos XVII e XIX, tem sido geral-
mente interpretado como relativo a pessoas trazidas da chamada Costa do
Ouro (para os portugueses, Costa da Mina). A Costa do Ouro corresponde,
grosso modo, à atual Gana, região de povos falantes das línguas akam (fante,
twi, etc.), que predominavam nesta área da costa e em sua imediata
hinterlândia. Este uso do termo “mina” gerou uma interpretação conven-
cional de que eles falariam a língua akam. Em artigo recente, a historiadora
americana Gwendolyn Midlo Hall questionou esta interpretação, sugerindo
que a maior parte dos chamados “minas” nas Américas vinham da Costa
dos Escravos, que corresponde, segundo a designação atual, ao trecho da
costa que vai do sudeste de Gana – passando pelo Togo – até o Benim, ao
longo do qual se concentram os povos de línguas genericamente denominadas
“gbe” – antes conhecidas como “ewe” – que, segundo Hall, seria a língua fa-
lada pelos “minas”. Atualmente, considera-se que a língua gbe abarca, além
do ewe, o adja e o fon. Dada a força numérica da presença “mina” nas Améri-
cas, como corretamente observa Hall, esta revisão altera substancialmente a
compreensão da formação étnica dos povos africanos nas Américas1.
Visando uma discussão mais aprofundada da questão, este capítulo
apresenta, de forma mais detalhada do que foi possível ser feito por Hall,
naquela ocasião, dois pontos importantes: em primeiro lugar, a aplicação do
nome “mina” como ele era usado pelos europeus na África Ocidental; e, em

1
Gwendolyn Midlo Hall, “African ethnicities and the meanings of ‘Mina’”, Paul E. Lovejoy
& David R. Trotman (eds.), Trans-Atlantic Dimensions of Ethnicity in the African Diaspora, London/
New York, 2003, pp. 65-81.

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Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

segundo, o conjunto de significados a ele associados nas Américas. Antes de mais


nada, é preciso destacar que a separação das informações relativas à África e
às Américas está sendo adotada por mera conveniência de exposição, já que, de
fato, esta terminologia étnica se desdobra num processo de mútua interação, dos
dois lados do Atlântico. Um exemplo é o uso que os ex-escravos retornados do
Brasil para a Costa dos Escravos fazem do termo “nagô”. No Brasil, como já
argumentei em outra ocasião, o termo indicava o conjunto de povos de língua iorubá
aí reunidos. Muito provavelmente, esta acepção do termo passou a ser usada na
África Ocidental a partir de 1830, quando ex-escravos, vindos do Brasil, chega-
ram à Costa dos Escravos, alimentando o uso brasileiro de um termo originaria-
mente africano2.
O argumento oferecido aqui é o de que, no seu sentido original, ou
seja, na África Ocidental, o nome “mina” estava efetivamente relacionado à
Costa do Ouro e a pessoas dela originárias, mesmo que assentadas em ou-
tras localidades. Neste grupo estão incluídos tanto os povos de línguas ga-
adangme, situados a oeste do Rio Volta, no lado leste da Costa do Ouro,
quanto os que falavam akam3. Embora em algumas ocasisões, especialmen-
te no Brasil, o termo tenha sido usado de modo extensivo, incluindo povos de
fala gbe, é questionavel se ele alguma vez designou os que falam gbe como
distintos dos de língua akam, o mesmo ocorrendo no restante das Américas. A
implicação disto, ou seja, o entendimento de que os “minas”, nas Américas,
abarcam povos de fala gbe e akam, é que a extensão dos povos de língua gbe
nas Américas tem que ser substancialmente depreciada em relação ao esti-
mado por Hall, que não calcula a presença dos que falam akam entre eles.

Os “minas” na África Ocidental


2
Robin Law, “Ethnicity and the Slave Trade: ‘Lucumi’ and ‘Nago’ as ethnonyms in West
Africa”, History in Africa, 24, 1997, pp. 205-19. Para o argumento de que o uso genérico do
termo “nagô” na África Ocidental representa uma resposta do Brasil, ver páginas 212-15.
3
Uma questão interessante que não pode ser perseguida aqui é em que medida, e como,
europeus, nas Américas, distinguiam os grupos lingüísticos akam e ga-adangme. No final do
século XVII, os ingleses distinguiam claramente os “Cormantine” (escravos da Costa do Ouro)
dos “Alampo”, ou seja, os adangme, sendo os primeiros preferidos em relação aos últimos:
Thomas Phillips, “A Journal of a Voyage made in the Hannibal of London”, Awnsham Churchill
& John Churchill, Collection of Voyages and Travels, London, 1732, vi, p. 214; Robin Law (ed.),
The English in West Africa 1685-1688: The local correspondence of the Royal African Company of England
1681-1699, Part 2, London, 2001, p. 415 (doc. 973: Edwyn Steede & Stephen Gascoigne,
Barbados, 12 May 1686). Esta distinção parece ter sido abandonada, ficando ausente no uso
de outras nações européias que preferiam o termo genérico “Mina”.

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A origem do nome “mina” não está em jogo. Trata-se de palavra portu-


guesa que, neste contexto, se refere especificamente às minas de ouro. Depois
da chegada dos portugueses à Costa do Ouro, em 1471, o nome “Mina” foi logo
aplicado à área onde eles negociavam ouro com os povos nativos. Inicialmente,
isto acontecia na vila costeira de Sama. Em 1482, entretanto, os portugueses
construíram o Forte de São Jorge da Mina, localizado 30 km mais a leste, no local
de uma aldeia indígena denominada Edina. A partir de então, o nome “Mina”
passou a referir-se a este lugar. A passagem do nome Mina para a atual forma
“Elmina” ocorreu durante o período da ocupação holandesa do forte, depois de
16374.
Embora o nome Mina tenha passado a designar a vila ereta pelos por-
tugueses, a expressão Costa da Mina era aplicada genericamente, grosso modo
no sentido dado posteriormente à Costa do Ouro. Mas este uso ainda não
estava fixado e algumas vezes incluía uma área maior. Em termos adminis-
trativos, a Capitania Portuguesa da Mina cobria a área que ia do Cabo Pal-
mas até a embocadura do Rio Volta, incluindo, portanto, tanto a Costa do
Marfim (que correspondia ao litoral entre o Cabo Palmas e o Cabo das Três
Pontas, ou suas proximidades), como a Costa do Ouro propriamente5. De-
pois que, em 1637, os portugueses perderam o Castelo da Mina para os ho-
landeses, a conotação do locativo em português mudou novamente, passan-
do a abranger a área leste da Costa do Ouro. Como mostrou Pierre Verger,
do século XVII em diante, no uso português/brasileiro, o nome Costa da Mina
significava “a Costa a sotavento da Mina”6, incluindo o litoral a leste do Rio
Volta que, por sua vez, era conhecido como Costa dos Escravos.
Entretanto, ao contrário do que é usualmente assumido, é questionável
em que medida as embarcações portuguesas/brasileiras destinadas à Costa
da Mina recolhiam todos os seus escravos na Costa dos Escravos. A partir
de 1637, os holandeses passaram a reivindicar o direito de controlar o tráfico
português na Costa dos Escravos, usando para isto a emissão de passapor-
tes. Com esta atitude, restringiam a presença portuguesa aos portos a leste
4
P.E.H. Hair, The Founding of the Castelo de São Jorge da Mina: an analysis of the sources, African
Studies Program, University of Wisconsin-Madison, 1994, pp. 43-44, nos 3-4.
5
António Brásio, Monumenta Missionaria Africana, 1st series, 14 vols., Lisbon, 1952-85, v, 374
(doc. 137: Relação da Costa da Guiné, 1607).
6
O termo aparece num documento de 1699, citado por Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des
nègres entre le Golfe de Bénin et Bahia de Todos os Santos du XVIIe au XIXe siècle, Paris, 1968, p. 67.
7
Ibid., pp. 10, 39; e documentos citados ibid., pp. 44, 57, no 47.

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Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

do Rio Volta: Popó (depois denominado Gran Popó), Ajudá, Jaquim (atual Godomé)
e Ekpè, todos eles situados no litoral da atual República do Benim7. Entretanto,
pode-se duvidar de que esta restrição tenha sido plenamente eficaz, aventando-
se que as embarcações portuguesas/brasileiras negociassem parte dos escravos
a oeste do Rio Volta. Entre 1680 e 1683, por exemplo, os portugueses usurparam
dos dinamarqueses o Forte de Christiansborg, situado em Acra. Obviamente, neste
período, juntamente com outros europeus, eles negociaram escravos e ouro nes-
ta localidade8. Existem relatos de portugueses comprando “uns poucos” escra-
vos em Acra, em 16889. Embarcações portuguesas também compravam escra-
vos nas sessões da costa imediatamente vizinhas a Acra (no reino de Agona, a
oeste) e em Alampo, isto é, no país Adangme, entre Acra e a margem oeste do
Rio Volta. O feitor de um navio inglês que procurava escravos em Winneba, rei-
no de Agona, no começo de 1681, registrou que, em sua visita anterior a esta
localidade, havia comprado escravos lado a lado de uma embarcação
portuguêsa10. Em Alampo, a leste, vários relatos das décadas entre 1680 e 1700
fazem alusão à compra de escravos por portugueses e outras nações européias
nas imediações11. Documentos ingleses se referem à presença de duas embar-
cações portuguesas em Alampo no início de 1681, provavelmente comprando es-
cravos. Depois disto, ainda no mesmo ano, uma embarcação inglesa reclamou
da competição com outra, portuguesa, que estaria pagando melhores preços que
os praticados por eles. No ano seguinte, outras duas embarcações portuguesas
foram mencionadas, por presunção de tráfico; e, em 1683, um negreiro inglês se
8
Em 1681, o rei de Akwamu penhorou algumas mulheres junto ao forte inglês em Acra, para
serem vendidas ao primeiro navio que aparecesse, ou mesmo “aos holandeses e portugue-
ses”. Elas acabaram sendo vendidas a um navio inglês. Em 1682, quando o preço dos escravos
estava alto, foi relatado que “os portugueses, e os holandeses não compraram escravo algum”.
O que nos interessa é que, em ambos os depoimentos, fica evidente que os portugueses
costumavam comprar escravos em Acra. Robin Law (ed.), The English in West Africa 1681-1683:
The local correspondence of the Royal African Company of England 1681-1699, Part 1, London, 1997,
pp. 159, 189 (doc. 397: Francis Frankland, James Fort, Accra, 25 May 1681; doc. 433: Ralph
Hassell, James Fort, Accra, 25 June 1682).
9
“Relation du voyage de Guynée fait en 1687 sur la frégate ‘La Tempeste’ par le Sr Du Cas-
se”, Paul Roussier (ed.), L’Etablissement d’Issiny 1687-1702, Paris, 1935, p. 14.
10
Law, The English in West Africa 1681-1683, p. 304 (doc.586: James Nightingale, Winneba, 11
May 1681).
11
P.E.H. Hair, Adam Jones & Robin Law (eds.), Barbot on Guinea: The writings of Jean Barbot
on West Africa, 1678-1712, London, 1992, ii, p. 440; Du Casse, “Relation du voyage de Guynée”,
Roussier, L’Etablissement d’Isssiny, op cit., p. 14; William Bosman, A New and Accurate Description
of the Coast of Guinea, London, 1705, p. 327.

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defrontou com a competição de uma embarcação portuguesa que comprou 70-


80 escravos em Alampo, seguindo depois para completar sua carga em Aladá12.
É claro, então, que alguns, embora provavelmente poucos dos escravos levados
da Costa da Mina para o Brasil, tenham sido negociados do lado leste da Costa
do Ouro e não na Costa dos Escravos.
Na Costa do Ouro propriamente, quando o termo “mina” era usado
num sentido étnico, ele se referia, especificamente, a pessoas de Elmina,
em oposição a outras comunidades costeiras. Fora da Costa do Ouro, o ter-
mo passou a ter um significado mais inclusivo, referindo-se a pessoas da Costa
do Ouro, de modo geral. Em 1731, por exemplo, quando foi relatado em Ajudá
que “um grande exército de ‘minas’” estava marchando para lutar contra o
Daomé, o alerta fazia referência a forças do reino de Akim, que estavam, na
ocasião, operando a leste do Volta13.
A questão é complicada, porque, ao mesmo tempo, estava havendo
uma diáspora “mina” ao longo da costa, na direção leste, para a Costa dos
Escravos. As feitorias européias na Costa dos Escravos freqüentemente
empregavam homens vindos da Costa do Ouro, alguns escravos, outros li-
vres. Em 1694, por exemplo, uma embarcação inglesa, que comerciava em
Ajudá, registrou que a maior parte dos escravos empregados na feitoria in-
glesa eram “negros da Costa do Ouro”, considerados soldados de melhor
qualidade que os locais. Apesar de não existir uma feitoria holandesa em
Ajudá, um assentamento de pessoas que se autodenominavam “homens
minas” ficava instalado perto da feitoria inglesa e atendia aos navios holan-
deses14. Neste contexto, enquanto os soldados da feitoria inglesa, que te-
riam sido recrutados em Cape Coast (chamado Cabo Corso pelos portugue-
ses), onde os ingleses tinham sua sede comercial e militar, os “minas”, que
atendiam aos holandeses, eram, evidentemente, oriundos, especificamente,
de Elmina. Em referências posteriores, a categoria “mina” foi ampliada para
incluir tanto os oriundos de Cape Coast quanto os de Elmina: uma fonte
12
Law, The English in West Africa 1681-1683, op. cit., p. 297 (doc. 575: James Nightingale, 9
March 1681); p. 268 (doc. 518, Hugh Shears, Allampo, 30 Oct. 1681; p. 315 (doc.613: Daniel
Gates, Allampo, 6 March 1682); pp. 290-1 (docs. 560, 562-3: David Harper, Allampo, 30 June
1683; John Groome, Allampo, 9 July 1693; Harper, 9 July 1683).
13
Robin Law, The Slave Coast of West Africa 1550-1750: The impact of the Atlantic Slave Trade on an
African society, Oxford, 1991, p. 316.
14
Phillips, “Journal”, 228.

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sobre os significados do termo 'Mina'

francesa de 1716 descreve os escravos do forte inglês de Ajudá, assim como os


da feitoria holandesa então estabelecida em Savi, capital do reino de Hueda, como
sendo “em sua quase totalidade habitantes da Costa do Ouro, ou minas”15. Até
hoje, na verdade, existem famílias em Ajudá que se reconhecem como descen-
dentes dos canoeiros da Costa do Ouro, que serviram às feitorias européias16.
Algumas vezes, de acordo com o uso local, ainda se referem a eles como “mi-
nas”.
Em outros casos, canoeiros ou comerciantes da Costa do Ouro cria-
ram as suas próprias comunidades. O melhor exemplo é o Popó Pequeno
(Aneho, no atual Togo), assim chamado para contrastar com o então exis-
tente “Popó” (Grand-Popo, no atual Benim). Esta era uma localidade de
canoeiros vindos de Elmina, mencionada pela primeira vez em documentos
coevos na década de 1650, como um dos lugares da Costa dos Escravos vi-
sitados por mercadores da Costa do Ouro, que vinham por mar, em canoas17.
Presume-se que uma outra localidade mina, situada na Costa dos Escravos,
era “Elmina Chica” (“Elmina Pequena”), cuja identificação com os “minas”
resulta de uma inferência a partir do nome. “Elmina Chica”, era também
alternativamente denominada Adina, uma variante do já mencionado nome
indígena Edina e ficava localizada na costa a oeste da fronteira leste do atu-
al Gana, sendo que esta designação só aparece na documentação a partir do
século XIX 18.
Outras emigrações da Costa do Ouro para a Costa dos Escravos en-
volveram refugiados deslocados pela expansão do reino Akwamu, nos anos
de 1680. Um grande número de refugiados do país de Alampo ou Adangme,
a leste de Acra, se estabeleceu a leste do Rio Volta, tendo sido, muitos de-
les, absorvidos pelo estado Anlo19. Mais a leste, no atual Togo, refugiados
15
Robin Law, Ouidah: The social history of a West African slaving ’port’, 1727-1892, Oxford, 2004,
p. 39.
16
Ibid., pp. 74-5.
17
Silke Strickrodt, “Afro-European Trade Relations on the Western Slave Coast, 16th to 19th
centuries” (PhD Thesis), 2003, pp. 77-81; S. Wilson, “Aperçu historique sur les peuples et
cultures dans le Golfe de Bénin: le cas des “Mina” d’Anécho”, François de Medeiros (ed.),
Peuples du Golfe du Bénin; Aja-Ewe (Colloque de Cotonou), Paris, 1984, pp. 127-50.
18
Ibid., p. 77, nos 41, 245.
19
Strickrodt, “Afro-European Trade Relations”, op. cit., pp. 83-5, 91-5; Sandra E. Greene,
Gender, Ethnicity and Social Change on the Upper Slave Coast: A history of the Anlo-Ewe, London,
1995, pp. 25-8.

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da conquista de Acra pelos alwamu, em 1680, se estabeleceram em Glidji, no


banco norte da lagoa, do outro lado dos assentamentos “minas” já estabelecidos
no Popó Pequeno, que estavam submetidos à autoridade dos refugiados de Acra,
em Glidji20. Os europeus geralmente se referiam ao reino de Glidji, assim como
ao seu porto no litoral, como Popó Pequeno. O nome indígena desta localidade
era Gen21, uma variante de Ga, o nome indígena de Acra22. A mais antiga descri-
ção detalhada do Popó Pequeno, feita por um visitante inglês em 1687, explicita-
mente distinguia estas duas comunidades em termos étnicos: a capital do reino,
no interior, ocupada pelo deposto “rei de Acra”; e a aldeia costeira, cujos habi-
tantes eram “todos, ou ao menos seus governantes, minas”23. Pelo menos até a
década de 1740, os moradores do Popó Pequeno eram usualmente mencionados
nas fontes européias como “acras”, refletindo a preponderância da comunidade
Ga de Glidji24. Entretanto, desde a década de 1720, eles já eram chamados “mi-
nas”25. O uso do nome “mina” pode ter refletido a consciência do caráter com-
posto do governo local, que incluía elementos acra e “mina”, estes últimos aí
entendidos como vindos de Elmina. Mas, mais provavelmente, esta opção reflete
o uso extensivo do termo “mina” com objetivo de incluir todos os povos da Costa
do Ouro, já mencionados acima.
Na primeira metade do século XIX, emigrantes de Aneho estabelece-
ram mais duas comunidades “minas”: uma a oeste de Porto-Seguro (atual
20
A tradição local geralmente estabelece que os mina chegaram ao Popó Pequeno depois de
os refugiados vindos de Acra terem fundado Glidji: e.g. Fio Agbanon II, Histoire de Petit-Popo
et du Royaume Guin (1934), 1991 (ed. N.L. Gayibor, Lomé), pp. 36-7. Mas, dadas as evidências
de época para a existência do Popó Pequeno já na década de 1650, é provável que esta versão
tenha como objetivo legitimar a autoridade dos reis de Glidji sobre as vilas costeiras.
21
A grafia “Gen”, adotada localmente, é usada também pelos ingleses. Os franceses escrevem
“Guin” e, em português, a palavra se aproximaria do som “Gan”. Na sua origem, “ga” e “gen”
são duas variantes de um mesmo nome, mas, atualmente, designam povos diferentes: ga diz
respeito a pessoas de Acra e Gen a pessoas do Popó Pequeno.
22
Strickrodt, “Afro-European Trade Relations”, op. cit., pp. 81-91. Sobre o estado Gen, ver
também Nicoué Lodjou Gayibor, Le Genyi: un royaume oublié de la Côte de Guinée au temps de la
traite des noirs, Lomé, 1990.
23
Law, The English in West Africa 1685-1688, op. cit., pp. 343-4 (doc. 825: John Carter, Whydah,
10 May 1687).
24
Law, Slave Coast, op. cit., p. 322.
25
Uma força militar do Popó Pequeno que atacou Ajudá em 1728, embora descrita num documen-
to inglês como composta por “Acras” e outros povos aliados, foi descrita em fonte francesa como
“os minas do Popó Pequeno” (“les Minois du Petit Popo”): Archives Nationales, Section d’Outre-
Mer, Aix-en-Provence, C6/25, Du Petitval, 4 Oct. 1728; cf. Law, Slave Coast, op. cit., p. 289.

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Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
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Agbodrafo) e outra a leste de Aguê, no atual Benim26. A missão católica france-


sa, que operava nesta área desde a década de 1860, aplicou o nome “mina” a
todo o lado oeste da Costa dos Escravos, incluindo Keta e Elmina Chica a oeste,
e Gran Popó a leste, assim como Porto-Seguro, Popó Pequeno (Glidji e Aneho)
e Aguê27. Os missionários franceses argumentavam estar seguindo o uso local,
mas tudo indica que estavam, de fato, reproduzindo o uso dos moradores brasi-
leiros desta costa, aos quais a missão francesa estava estreitamente ligada28. A
extensão do uso do termo “minas” aos anlo/keta e ao Gran Popó era, talvez, mera
confusão que, de qualquer modo, não persistiu. Embora permaneça a advertên-
cia local de que o termo deveria ser aplicado apenas ao elemento Elmina de Aneho
e suas ramificações (considerados diferentes dos ga de Glidji), o nome “mina”
permaneceu em uso no período da dominação colonial francesa no século XX e,
na verdade, se estende até o presente, para se referir aos habitantes de Agbodrafo,
Aneho e Glidji, e Aguê29. Portanto, não é muito rigoroso afirmar, como faz Hall,
que estas pessoas “se autodenominam mina”30. Esta é, melhor dizendo, uma cu-
nhagem externa, européia, que é hoje usada apenas quando se está falando em
francês. Bem me lembro de um membro da comunidade local que, por ocasião
de um congresso realizado em Aneho, no ano 2000, insistia que “os minas exis-
tem apenas para os pesquisadores” e que a autodesignação do povo em sua pró-
pria língua era “gen”.
Os adangme, moradores de Anlo, e os ga, de Glidji, falavam línguas
que eram muito próximas entre si, mas diferentes da dos “minas” de Aneho
que – mesmo bilingües de ga/adangme e fante – eram fante, do grupo akam.
Ao longo do tempo, entretanto, estes imigrantes foram lingüisticamente as-
similados pelas populações de língua gbe dos locais onde se estabeleceram. Os

26
Strickrodt, “Afro-European Trade Relations”, op. cit., pp. 188-203.
27
“Relation sur l’établissement des missions dans le Vicariat apostolique du Dahomé [3 Dec.
1863]”, Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), Paris, Ed.
Renzo Mandirola & Yves Morel, 1997, pp. 237-8
28
Isto é sugerido pelo fato de eles denominarem “Gegi” a língua do Daomé e de Porto-Novo,
termo que, embora já corrente no Brasil do século XVIII, ainda não tinha (até onde vai meu
conhecimento) sido registrado na África Ocidental. Ver também J. Lorand Matory, “The Trans-
Atlantic Nation: Reconsidering Nations and Transnationalism”, paper presented at the
conference on “Rethinking the African Diaspora: The Making of a Black Atlantic World in
the Bight of Benin and Brazil”, Emory University, Atlanta, April 1998.
29
Fio Agbanon II, Histoire de Petit-Popo, op. cit., pp. 128-9.
30
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 66.

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adangme de Anlo adotaram a língua local, o ewe31. Os ga e os fante do Popó


Pequeno/Gen também adotaram a língua local, que era provavelmente o hula,
dialeto do Gran Popó, dando origem ao que hoje em dia é reconhecido como um
novo dialeto, o gen. Este processo de assimilação linguística, entretanto, eviden-
temente, tomou um tempo considerável. Em 1859, o missionário metodista Peter
Bernasko, nascido em Sekondi, na Costa do Ouro, foi capaz de conversar com
um chefe local, na língua fante, enquanto em Glidji, segundo consta, mesmo no
final do século XIX, ainda se falava o ga32. Esta persistência do bilingüismo pre-
cisa ser levada em conta, ao se considerar a formação de identidades étnicas
entre os escravos africanos na diáspora. Na medida em que as “nações” afro-
americanas se constituíram, tomando como base uma língua comum, claramente
muitos escravos traficados no lado oeste da Costa dos Escravos, no século XVIII,
tiveram, com efeito, uma escolha em termos étnicos, sendo capazes de se comu-
nicar tanto com os akam (e/ou os ga-adangme) quanto com os gbe.
A freqüência com que pessoas das comunidades “minas” da Costa dos
Escravos foram vendidas para o tráfico transatlântico é incerta, embora seja
improvável, como indica Hall, que tenham representado uma proporção sig-
nificativa dos escravos transportados33. Os portos do lado oeste da Costa dos
Escravos – Keta, em Anlo, a oeste, e Gran Popó, a leste, assim como o Popó
Pequeno – contribuíram com uma percentagem muito pequena, em torno
de 6%, das exportações de escravos desta região34. Seus habitantes foram
mais provavelmente escravizados por ocasião de guerras, ou outras formas
de captura, para serem vendidos em algum ponto mais distante da costa.
De fato, a única referência de que tenho notícia para “mina”, como uma etnia
de escravos negociados por europeus na Costa dos Escravos, é o relato do
capitão francês Des Marchais, descrevendo o tráfico de escravos em Ajudá,
principal porto da região, na década de 1720. Segundo ele, os “minois” são
31
Embora a língua dos adangme tenha continuado a ser falada em Agotime, no interior, após
Anlo: A.B. Ellis, The Ewe-Speaking Peoples of the Slave Coast of West Africa, London, 1890, p. 8;
R.G.S. Sprigge, “Eweland”s Adangbe: an enquiry into oral tradition”, Transactions of the
Historical Society of Ghana, 10, 1969, pp. 87-128.
32
Wesleyan Methodist Missionary Society Archives, School of Oriental & African Studies,
University of London: West Africa correspondence, Box 263, William West, Cape Coast, 6
June 1859; Strickrodt, “Afro-European Trade Relations”, 100, no 156.
33
Hall, “African ethnicities”, op. cit., pp. 66, 70.
34
David Eltis, Paul E. Lovejoy & David Richardson, “Slave-trading ports: an Atlantic-wide
perspective”, Robin Law & Silke Strickrodt (eds.), Ports of the Slave Trade (Bights of Benin and
Biafra), Centre of Commonwealth Studies, University of Stirling, 1999, p. 20, Table III.

118
Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

diferentes de outros dois grupos de língua gbe, os “aradas” (alada) e os “foin”


(fon) do Daomé. Mas, por outro lado, não há indicação alguma sobre sua
identidade; a versão publicada deste texto, editada pelo Padre Labat, expli-
ca que os “minois” são “do reino [sic] de São Jorge da Mina”, ou seja, de
Elmina, mas isto é, evidentemente, apenas um comentário equivocado de
Labat35. Neste contexto, Des Marchais estaria, mais provavelmente, refe-
rindo-se aos “minas” do Popó Pequeno, como parece concordar Hall36. Uma
proporção provavelmente pequena dos escravos identificados como “minas”
nas Américas veio de comunidades “mina” da Costa do Escravos.

Os “minas” na América
No que diz respeito à terminologia das etnias africanas nas Américas,
é preciso destacar que, em última análise, é incontestável que, em alguns
contextos, o termo “mina” indica especificamente pessoas vindas da Costa
do Ouro. Isto é claro, por exemplo, na análise das etnias africanas feita por
Christian Oldendorp, um ativo missionário nas Índias Ocidentais dinamar-
quesas, na década de 176037. Oldendorp explicita e, inequivocamente, asso-
cia a “nação amina” à Costa do Ouro. Mas, na medida em que descreve os
amina como “a mais poderosa nação dessa costa”, cujo território era “muito
extenso e tinha muitas aldeias”, ele claramente se refere a um grupo mais
extenso do que o dos habitantes da vila de Elmina propriamente. Os únicos
lugares especificamente indicados como ocupados por subgrupos dos “amina”
são o dos kwawu (“quahu”), localizados do lado leste, no interior da Costa
do Ouro, que são descritos como “uma tribo dos amina”, e o dos acra
(“akkran”), “um povo que pertence aos mina, cuja língua eles também com-
preendem”. Esta última frase de Oldendorp sugere que ele está ciente do
fato de que a língua dos acra (a língua ga) era distinta da língua akam, mas,
por outro lado, a constatação indica um bilingüismo por parte dos acra. Pa-
ralelamente, os kyerepong (“akripon”), outro grupo de língua akam, do les-
35
“Journal du voiage (escrito “voiage” no manuscrito original) de Guinée et Cayenne par le
Chevalier des [sic] Marchais commandant la fregatte de la Compagnie des Indes, l’Expédition,
pendant les années 1724, 1725 et 1726”, Bibliothèque Nationale, Paris: Fonds français, ms.
24223, pp. 34-34v; Jean-Baptise Labat, Voyage du Chevalier des Marchais en Guinée, isles voisines
et à Cayenne, fait en 1725, 1726 et 1727, 2nd ed., Amsterdam, 1731, ii, p. 105.
36
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 70.
37
Christian Georg Andreas Oldendorp, Geschichte der Mission der evangelischren Brüder auf den
Caraibischen Inseln St Thomas, St Croix und St Jan (1777), traduzido por Soi-Daniel W.

119
Robin Law Dossiê

te, que fazia parte do estado de Akwapim, embora dito “também falando a língua
dos amina”, parece ser visto como um outro povo. Outros grupos mencionados,
de fala akam, incluindo os achanti (ashanti, “sante”), os akam (akani, “okkan”),
etsi (“atti”), assin (“assein”), adanse (“adansi”) e akim (akyem, “akkim”), pare-
cem também ser vistos como vizinhos, e distintos dos “amina”.
Em contraposição, na concepção de Oldendorp, os povos de língua gbe
são classificados separadamente, como “nação Papaa”, isto é, Popó. Este era,
inicialmente, o nome pelo qual europeus se referiam às duas comunidades do lado
oeste da Costa dos Escravos, mencionadas anteriormente, “Gran Popó” e “Popó
Pequeno” (atualmente Grand-Popo e Aneho). A designação indígena de Gran
Popó (nome cuja origem é obscura) era Pla, ou Hula; e o nome da parte mais
antiga de Aneho era Plaviho, que significa “casa do Pla Pequeno”). Popó pode
ser o nome pelo qual os iorubá do leste se referiam aos de fala gbe (ou a alguns
deles), e que teria sido tomado de empréstimo pelos europeus, em tempos remo-
tos do tráfico38. Seu uso, num sentido amplo, com objetivo de incluir pessoas de
diferentes comunidades da região, é também atestado nas Índias Ocidentais
Britânicas, onde era aplicado, de modo genérico, aos escravos embarcados em
Ajudá39. Oldendorp lista, como povos que “pertenciam ao reino de Papaa”, os
aladá (ou “arrada”, o mais importante povo de fala gbe do leste, no início do sé-
culo XVIII) e os fon (“affong”, do Daomé), que conquistaram Aladá e tomaram
seu lugar na década de 1720; Tori (“Attolli”), um pequeno estado vizinho a Ala-
da, na direção sul, e Kpessi (“Apassu” ou “Apeschi”), uma comunidade de fala
gbe, localizada mais a oeste, no atual Togo; e também os “nagoo”, isto é, os nagô
ou iorubá, vizinhos dos povos que falavam gbe, nas direções norte e leste. A in-
clusão dos iorubá, cuja língua é distinta do gbe, mais uma vez provavelmente reflete
um bilingüismo. Nas Índias Ocidentais Britânicas, os nagô também eram vistos
como um subgrupo dos “Popós”40. O povo de Hueda (“Fida”), reino costeiro que
controlou o porto de Ajuda até ele ser conquistado pelo Daomé, na década de
1720, por conseqüência, também pertencia à “nação Popó”, já que os aladá são

Brown,“From the tongues of Africa: a partial translation of Oldendorp’s interviews”, Plantation


Society 2/1, 1983, pp. 37-62; para os “amina”, ver pp. 46-8. Hall, “African ethnicities”, op. cit.,
pp. 67-8 mentiona a evidência de Oldendorp, mas não discute o assunto em detalhes.
38
Cf. Law, The Slave Coast, op. cit., p. 16.
39
E.g. Phillips, “Journal”, 214, refere-se aos Whidaw; ou como eles [em Barbados] os chamam,
“Papa negroes”; Bryan Edwards, The History, Civil and Commercial, of the British West Indies, 5th
ed., London, 1819, ii, p. 59.

120
Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

descritos por Oldendorp como seus “descendentes”. Por outro lado, dois dos mais
importantes grupos de língua gbe do oeste, os adjá (“atje”) e os ouatchi (“watje”)41,
parecem ser vistos como diferentes dos “Popós”.
No Brasil, como corretamente observa Hall, o termo “mina” era aplicado,
em alguns contextos, aos que falavam as línguas gbe. A bem conhecida Casa
das Minas, em São Luís do Maranhão, por exemplo, é uma casa de culto de ori-
gem especificamente daomeana, onde se veneram espíritos associados à dinas-
tia real do Daomé42. Um vocabulário da “língua geral da mina” compilado na
Capitania de Minas Gerais em 1741 é igualmente de língua gbe, basicamente fon,
embora incorporando alguns elementos de outros dialetos43. O vocabulário, de
modo um tanto confuso, dá como equivalente vernacular de gente mina a pala-
vra guno. Como “nu” quer dizer povo, guno seria “povo gu”, e indica os minas
como gamthòmè. A palavra “tome” corresponde a país, sendo, então, “país dos
gam”. Assim sendo, os chamados guno seriam presumivelmente os “gun”, nome
do grupo gbe situado adiante, a sudeste, na faixa da fronteira entre os atuais Benim
e Nigéria, incluindo as localidades de Porto-Novo, no Benim, e Badagri, na
Nigéria44, e os gamthòmè estariam relacionados a Gen, isto é, Popó Pequeno,
mas talvez esta segunda forma possa ser um erro de impressão. No Rio de Ja-
neiro, uma “Congregação dos Pretos Minas”, formada ao longo da década de
1740, incluía várias nações, todas elas falando uma língua comum: “dagomés”,
“makis”, “sabarus”, “agonlins” e “ianos”, isto é, Daomé, Mahi (imediatamente a
nordeste do Daomé), Savalu, ao norte do Daomé, Agonlin, a leste, cuja principal
vila é Covè, e Oió. Os oió são também chamados ayonu que, em fon, quer dizer

40
Eles foram explicitamente declarados como falantes da língua de Ajudá (“Whidah language”),
ibid., ii, p. 60.
41
Ouatchi (“Watje”) diz respeito à vila de Notse (Nuatja), no atual Togo. Esta é, aparentemen-
te, a mais remota referência a este grupo na documentação coeva.
42
Nunes Pereira, A Casa das Minas: Contribução ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns,
do panteão daomeano, no Estado do Maranhão, Brasil, Petrópolis, Vozes, 1979.
43
António da Costa Peixoto, Obra Nova de Língua Geral de Mina, ed. Luís Silveira & Edmundo
Correia Lopes, Lisbon, 1945; edição moderna, Yeda Pessoa de Castro (ed.), A Língua Mina-
Jeje no Brasil: um falar Africano em Ouro Preto do século XVIII, Minas Gerais, 2002. Para análise
do tema, ver Olabiyi Yai, “Texts of enslavement: Fon and Yoruba vocabularies from eighteenth-
and nineteenth-century Brazil”, Paul E. Lovejoy ed., Identity in the Shadow of Slavery, London/
New York, 2000, pp. 102-12.
44
Esta é a primeira documentação que menciona este etnônimo, não encontrado na África
Ocidental antes do século XIX.

121
Robin Law Dossiê

“povo de Oió”, e estão localizados mais no interior, para lá dos mahi, na direção
nordeste. Os oió falam iorubá – e não gbe – e sua incorporação aos “minas”, de
língua gbe, reflete, provavelmente, outro caso de bilingüismo. Em 1762, a con-
gregação se dividiu e os mahi, os savalu, os agonlin e os oió formaram a “Con-
gregação dos Pretos Minas do Reino de Maki”45. É digno de nota que esta sepa-
ração não seguiu o recorte linguístico (os de língua gbe contra os de língua iorubá),
mas sim alinhamentos políticos na África, onde os quatro grupos sessecionistas
eram inimigos do reino do Daomé e/ou vítimas de sua expansão territorial.
Os casos analisados, entretanto, parecem indicar ser “mina” um termo
muito genérico, mais usado para abranger diferentes povos do que para identifi-
car os de língua gbe, em particular. Em seu clássico Os africanos no Brasil
(1906), Nina Rodrigues observa que, no Maranhão, “todos” os africanos eram
genericamente designados “minas”46. No Rio de Janeiro, no século XVIII, três
principais categorias eram empregadas para designar a origem dos escravos
africanos: “Guiné (isto é, Guinea)”, “Mina” e “Angola”. Estes eram, com certe-
za, termos de caráter mais geográfico que indicativo de etnias específicas. “Guiné”
e “Mina”, sem dúvida, representavam as áreas a oeste e a leste da África Oci-
dental, respectivamente, e “Mina” era, por conseguinte, toda a costa da África
Ocidental, da Costa do Ouro para leste47. Dado o padrão dos embarques de es-
cravos no tráfico atlântico, em meados do século XVIII, os “minas” do Rio de
Janeiro devem ser predominantemente de língua gbe, mas, no século XIX, pas-
sam a predominar os que falavam iorubá48. Na Bahia, entretanto, onde predomi-
nou a população da costa ocidental africana, e onde, conseqüentemente, a termi-
nologia étnica era mais diferenciada, os “minas” eram apenas um grupo entre as
muitas nações da África Ocidental ali identificadas e arrolados em separado não
só os de fala gbe, chamados “geges” (mais tarde escrito “jejes”, entre os quais
estão tanto os fon/daomeanos quanto os mahi)49, como os iorubá, também cha-
mados “nagôs”50. Ainda na Bahia, Rodrigues identificou dois subgrupos “minas”:
os “minas-santés”, isto é, achanti, e os “minas-popós”, que ele corretamente iden-

45
Mais tarde, os agonlin e os savalu também passaram a eleger seus reis. Mariza de Carvalho
Soares, Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII,
Rio de Janeiro, 2000, esp. pp. 200-2.
46
Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, São Paulo, 1932, p. 164. O texto foi escrito antes de
1906, ano do falecimento do autor, mas teve sua primeira edição póstuma em 1932.
47
Soares, Devotos de cor, op. cit., pp. 95-127; Rodrigues, Os africanos, op. cit., pp. 164-5.

122
Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

tificou como sendo de língua akam/ga, que se estabeleceram a leste do Rio Vol-
ta, no Popó Pequeno.
No clássico inventário de etnias, compilado por Fernando Ortiz, em Cuba
(publicado originalmente em 1916), os “minas” também parecem representar
basicamente povos vindos da Costa do Ouro51. De qualquer forma, o conjunto
dos que falavam gbe foi também colocado numa categoria única, os chamados
“ararás” (uma variante do nome Aladá), que incluía daomeanos (“dajomé”), mahi
(“magino”), savalu (“sabalú”) e talvez cové (“cuévano”), assim como outros não
imediatamente identificados, como “agicon” e “nezeve”; também os iorubá esta-
vam separados e eram conhecidos como “lucumi”. Como já concluíra Hall, a
existência, em Cuba, de uma confraria, lá chamada cabildo, de “Minas Popó
Costa de Oro” evidentemente aponta, outra vez, para os imigrantes estabeleci-
dos no Popó Pequeno52.
Na colônia caribenha francesa de São Domingos (atual Haiti), na se-
gunda metade do século XVIII, os “minas” eram igualmente distintos da
grande maioria dos de fala gbe, lá chamados “arada” or “rada” (isto é,
“aladá”), embora algumas vezes grupos de língua gbe específicos fossem
identificados separadamente, como o caso dos adja (“adia”) e dos hueda
(“foeda”). Estes últimos eram provavelmente membros da comunidade de
refugiados do reino de Hueda que, na década de 1720, depois da invasão do
reino de Hueda pelo Daomé se estabeleceram a oeste de sua terra, no território do
Gran Popó, conhecido como Hueda-Henji53. Gwendolyn Hall se mostrou apreen-
siva em interpretar designações étnicas africanas entre a população afro-america-
na da Louisiana, a partir da qual ela compilou um valioso banco-de-dados54. Tam-
bém na Louisiana os “minas” aparecem como uma categoria diferente dos “ara-
da”. Implicitamente, ela argumenta que os “minas” representavam os de fala gbe
do oeste – ewe, ouatchi, adja, gen, hula, etc. – entendidos como um grupo diferente
48
Mariza de Carvalho Soares, “From Gbe to Yoruba: ethnic change and the Mina Nation in
Rio de Janeiro”, Matt D. Childs & Toyin Falola (eds.), The Yoruba Diaspora in the Atlantic World,
Indiana University Press, 2004, pp. 231-247.
49
Rodrigues se refere a um subgrupo dos “geges” chamado “efan”, que, segundo ele, seria
diferente dos daomeanos, mas isto pode ser uma confusão sua.
50
Rodrigues, Os africanos, op. cit., pp. 150-79; para os “minas”, ver pp. 163-5.
51
Fernando Ortiz, Los Negros Esclavos, Havana, 1987, pp. 40-66; para os “Minas”, ver p. 53.
Ver também id., “Los cabildos afrocubanos” (publicado originalmente em 1921), Los cabildos
y la fiesta afrocubanos del Día de Reyes, Havana, 1992, pp. 1-24.
52
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 68.

123
Robin Law Dossiê

dos fon do Daomé e seus vizinhos imediatos. Mas, se isto é verdade, sua força
numérica na Louisiana (aproximadamente três vezes o número de “arada”)55 é
surpreendente, dado o já mencionado pequeno papel desempenhado pelos portos
do lado oeste da Costa dos Escravos no tráfico Atlântico. Cabe ainda aqui inda-
gar: se pelo menos parte dos africanos da Louisiana eram da Costa do Ouro e
se eles não estavam entre os “minas”, como afinal estariam sendo classifica-
dos? Hall menciona um líder da comunidade “mina” da Louisiana, na década
de 1790, a quem ela se refere, Antonio Cofi Mina. Kofi é sabidamente um nome
akam, dado a uma criança do sexo masculino, nascida numa sexta-feira56. De
todo modo, o uso de um nome akam não impede que Antônio fosse originário
da Costa dos Escravos, já que o uso de nomes akam com referência a dias da
semana foi difundido por toda a costa até Ajudá, em conseqüência da diáspora
“mina”57.

A evidência de Alonso de Sandoval (1627)


O argumento de Hall para classificar os “minas” como falantes da língua
gbe se ampara fortemente numa passagem do trabalho de Alonso de Sandoval,
missionário espanhol que teve participação ativa na evangelização dos escravos
africanos na atual Colômbia, no início do século XVII. Sandoval discute longamente
as diferentes etnias dos escravos africanos (ele usa o termo castas) na América
Espanhola58.
A passagem crucial do trabalho de Sandoval – na qual Hall baseia seu
argumento – se refere aos escravos trazidos da Ilha de São Tomé , ou através
dela, para a América. Nela se lê: “As castas que eles ordinariamente trazem
dessas partes são Minas, Popoos, Fulaos, Ardas, or Araraes, que é o mesmo
[literalmente, que todo es uno], Offoons; também casta Arda (...)”59. A intensão
da sintaxe e, portanto, o significado preciso desta passagem não estão intei-
53
Ver informação sobre o período de 1760-1800, apresentado em Philip D. Curtin, The Atlantic
Slave Trade: A Census, Madison WI, 1969, pp. 192-7 (Tabelas 55-58). Para Hueda-Henji, ver
Law, Ouidah, op. cit., p. 52.
54
Gwendolyn Midlo Hall (ed.), Databases for the Study of Lousiana History and Genealogy 1719-
1820: Information from Original Manuscript Sources. A Compact Disk Publication, Baton Rouge,
2000.
55
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 77, Table 3.1.
56
Ibid., p. 75.
57
Law, Ouidah, op. cit., p. 41.

124
Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

ramente claros: a que se refere a frase “que é o mesmo”? Apenas aos termos
imediatamente anteriores “Ardas, ou Araraes”, ou (como interpreta Hall) ao
conjunto da lista, incluíndo “Minas, Popoos, Fulaos, Ardas, ou Araraes”? E
onde os “Offoons”, citados logo adiante, se encaixam neste esquema? Im-
plicitamente, a interpretação de Hall exclui os “Offoons” dos “Ardas”; mas
a lista culmina com uma repetição do nome “Arda” numa forma genérica
implícita – casta Arda – que, presumivelmente, inclui todos os grupos prece-
dentes. Uma interpretação mais razoável é a de que, na primeira ocorrên-
cia, “Ardas, ou Araraes”, se refere especificamente a Aladá; enquanto na
segunda, “casta Arda” aparece como um termo genérico, que inclui outros
vizinhos e/ou grupos relacionados especificados antes. Em ambos os casos,
entretanto, parece claro que Sandoval inclui os “minas” no segundo grupo,
no qual “arda” aparece como uma categoria mais abrangente.
Os grupos que compõem a casta arda descrita por Sandoval estão evi-
dentemente distribuídos em uma área geográfica, de oeste para leste. Dei-
xando de lado, por ora, os disputados “minas”, o nome “Popoos”, como se
viu, foi inicialmente dado pelos europeus a um porto costeiro, no lado oci-
dental da Costa dos Escravos, atualmente denominado Grand-Popo. Já no
Caribe, o nome Popo tinha, algumas vezes, uma aplicação mais ampla, que
incluía outros povos de língua gbe. O relato de Sandoval, embora se referin-
do claramente a este porto costeiro, o situa de modo amplo no “reino dos
Popós”, a leste do Rio Volta, cujo governante residia a uma certa distância, para o
interior60. Sandoval provavelmente está fazendo alusão a Tado, o centro do povo
adja, de onde vários outros grupos de fala gbe, inclusive os do Gran Popó, tradici-
onalmente traçam sua origem61. O segundo nome, “Fulao”, mencionado em outras
fontes como um lugar de comércio no começo do século XVII, parece igualmente
representar Pla/Hula, que era, como já foi indicado, o nome indígena do Gran Popó.
Mas o relato mais detalhado de Sandoval sobre a localização de “Fulao” (a meio
caminho entre Popó e Aladá)62 claramente se refere a Glehue (atual Ajudá), mais

58
Alonso de Sandoval, Naturaleza, policia sagrada i profana, costumbres i ritos, dsciplina i catehcismo
evangelico de todos Etiopies, Seville, 1627; edição moderna, Un tratado sobre la esclavitud, ed.
Enriqueta Vila Vilar, Madrid, 1987; Hall, “African ethnicities”, op. cit., pp. 70-1.
59
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 65; Tratado, op. cit., p. 139 (pontuação feita como na edição
original de 1627). O texto segue listando os povos situados adiante na direção leste ao longo
da costa, começando com os “Lucumies”, ou iorubá.

125
Robin Law Dossiê

tarde o porto costeiro do reino de Hueda, que, ao menos de acordo com algumas
versões da tradição local, fora originalmente uma área ocupada por imigrantes hula
do Gran Popó63. Voltando ao texto de Sandoval, o nome que se segue a Aladá é
“Offoons”, que apresenta mais de um problema. Uma imediata identificação seria
com os fon, isto é, com o Daomé (conforme a grafia de Oldendorp, “Affong”),
situado ao norte de Aladá. Mas, no tempo de Sandoval, este lugar não era uma
localidade importante, se é que existia64. Por outro lado, esta pode ser uma toponímia
do Novo Mundo, derivada de uma saudação usual, no fon moderno, a fon dagbe?,
que quer dizer “Você acordou bem?”65. Esta possibilidade leva a pensar que
“Offoons” é uma alternativa genérica para a ampla “nação arda”, embora se
admita que a sintaxe de Sandoval não consiga transmitir isto com clareza.
Mas quem são os “minas” de Sandoval? A referência não parece ser
ao grupamento “Mina” do Popó Pequeno, que (como foi visto acima) prova-
velmente ainda não existia. Hall, implicitamente os identifica com os de fala
gbe de mais a oeste – ewe e adja – embora, diante disto, dada a extensão
geográfica que Sandoval atribui ao “reino de Popós”, tanto os adja quanto os
ewe pareceriam estar subsumidos nos “Popos”66. Mas, de fato, a detalhada des-
crição geográfica de Sandoval mostra, em outro momento, que ele localiza os
“minas” na Costa do Ouro: “Deste Cabo [Palmas] até a nação que chamamos
Mina (...) são cento e vinte léguas, habitadas por muitas grandes aldeias, a
cinquenta léguas de onde fica o Rio Volta”, que marca o começo do “Reino dos
Popós”67. A distância mencionada indica claramente Elmina, mas, evidentemen-
te, a “nação mina” de Sandoval, com suas “aldeias muito grandes”, corresponde
a uma área maior. Diante disto, portanto, seria difícil citar o texto de Sandoval

60
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 51; Tratado, op. cit., p. 123.
61
Ver debate em Robin Law, The Kingdom of Allada, Research School CNWS, Leiden, 1997,
pp. 32-4.
62
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 51; Tratado, op. cit., p. 123.
63
Ver detalhes em Law, Ouidah, op. cit., pp. 20-24.
64
A criação do reino do Daomé é convencionalmente datada de c.1625, mas esta data é
especulativa e aproximada. Em relatos europeus sobre a África Ocidental, o nome “Fon”, por
outro lado, aparece em 1660: Law, The Slave Coast, op. cit., pp. 261.
65
A frase está registrada num vocabulário da língua de Hueda, coletado em 1682, na foma
“ofons-d’aye”: Jean Barbot, A Description of the Coasts of North and South Guinea, London, 1732,
p. 415.

126
Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

como suporte do ponto de vista de que “mina” designa os de língua gbe ou, na
verdade, qualquer outro grupo instalado a leste do Rio Volta.

O início do comércio de escravos na Costa do Ouro


Uma premissa básica do argumento de Hall é que os escravos “minas”,
mencionados por Sandoval na década de 1620, não poderiam ser oriundos da
Costa do Ouro, porque, na época em que ele escreveu, os europeus não estavam
negociando escravos naquela costa68. Este argumento representa fielmente o
consenso da literatura corrente. No primeiro período do tráfico europeu na Cos-
ta do Ouro, quando ela estava dominada pelos portugueses, escravos foram mais
uma mercadoria de importação que de exportação. Eram comprados em outros
pontos da costa ocidental (especialmente na área do reino do Benim) para serem
trocados por ouro na Costa do Ouro69. Este importante comércio provavelmente
foi interrompido no início do século XVII e é comumente aceito que, nesta épo-
ca, ainda não se negociavam escravos na Costa do Ouro. O mais detalhado es-
tudo sobre o comércio europeu na Costa do Ouro no século XVII foi escrito por
Robert Porter, que sugere que o tráfico de escravos na Costa do Ouro só come-
çou com traficantes ingleses, na década de 1640. Ele identifica uma carga de
100 escravos negociados em Winneba, no lado leste da Costa do Ouro, por uma
embarcação inglesa, no início de 1647, considerando-a “a primeira ocasião na
qual ingleses ou holandeses obtiveram escravos na Costa do Ouro”70.
Como se pode demonstrar, este argumento é pouco preciso. Depois de
1635, quando a Companhia das Índias Ocidentais Holandesas começou a trafi-
car escravos para Pernambuco (capitania da América Portuguesa que havia sido
ocupada pelos holandeses), muitos dos escravos para lá traficados foram nego-
ciados na Costa do Ouro. De um total de 874, levados pelos dois primeiros navi-

66
Na verdade, Hall afirma que eles representam “os Ewe, os Aja, os Fon e outros grupos de
língua gbe”, excluídos os Aladá: “African ethnicities”, op. cit., p. 71. A lógica da inclusão dos
Fon aqui, entretanto, é incerta: tanto do ponto de vista histórico quanto lingüístico, espera-se
que eles estejam associados aos Aladás.
67
Sandoval, Naturaleza, op. cit., pp. 7 e também 51; Tratado, op. cit., pp. 65, 122-3.
68
Hall, “African ethnicities”, op. cit., pp. 71.
69
J.B. Ballong-wen-Menuda, “Le commerce portugais des esclaves entre la Côte de l”actuel
Nigeria et celle du Ghana moderne au XVe et XVIe siècles”, Serge Daget (ed.), De la traite à
l”esclavage: Actes du colloque international sur la Traite de noirs, Nantes 1985, Paris, 1988, i, pp. 131-
45.

127
Robin Law Dossiê

os holandeses destinados ao Brasil, em 1637, 38 deles eram da Costa do Ouro,


os demais haviam sido embarcados em Aladá e na Baía de Biafra71. Durante o
período de 1637 a 1645, em torno de 17% dos escravos, que a Companhia das
Índias enviou da África Ocidental para o Brasil, vieram da Costa do Ouro, apro-
ximadamente 200 escravos, por ano72. A maior parte deles foi registrada como
tendo sido obtida na Mina, além de um número menor em Mouri, o primeiro es-
tabelecimento holandês, situado a 14 km a leste de Elmina73. A referência espe-
cífica a Mina pode ser enganadora, já que é possível que escravos embarcados
na Mina tivessem sido trazidos de outra parte da costa. Na verdade, tudo indica
que a maior parte dos escravos que os holandeses obtiveram na Costa do Ouro,
neste período, tenha vindo da área mais a leste da costa, especialmente de Acra.
Escrevendo em 1668, mas referindo-se às condições de um período anterior, pos-
sivelmente à década de 1640, o geógrafo holandês Olfert Dapper indica que Acra
supria a Companhia não apenas em ouro, mas também em escravos, em torno
de 300 por ano. Embora ele não indique explicitamente que estas negociações
eram feitas pelos holandeses, afirma que estes, algumas vezes, comerciavam
escravos em Beraku, no reino de Agona, a oeste de Acra, para onde os comer-
ciantes de Acra levavam seus escravos74.
A evidência de tráfico holandês na Costa do Ouro, no final da década
de 1630 e na década de 1640, pode representar mais uma inovação recente
do que o padrão de comércio do período português, ao qual Sandoval se re-
fere. Em sua breve referência ao comércio, Sandoval não menciona a venda
de escravos na Costa do Ouro, mas tampouco menciona ouro, registrando
apenas “marfim, tecidos e outras coisas que abundam em suas terras”. De
fato, esta descrição só pode ser entendida como referida ao lado oeste da
Costa do Marfim, que, mais que a Costa do Ouro, fornecia tecidos e mar-
fim75. Já outros documentos portugueses do início do século XVII indicam a
70
Robert Porter, “European activity on the Gold Coast, 1620-1667”, D. Litt. et Phil. thesis,
University of South Africa, 1974, p. 245.
71
Robin Law, “The slave trade in seventeenth-century Allada: a revision”, African Economic
History, 22, 1994, p. 66.
72
O total de escravos exportados foi de 10.053 e de 1.721 o dos que foram trazidos da Costa
do Ouro. Ernst van den Boogaart & Pieter C. Emmer, “The Dutch participation in the Atlantic
Slave Trade, 1596-1650”, Henry A. Gemery & Jan S. Hogendorn (eds.), The Uncommon Market:
Essays in the economic history of the Atlantic Slave Trade, New York, 1971, p. 360, Table 14.1
73
Foram 1.059 da Mina, 285 de Mouri, 139 de Accra (com 238 da Costa do Ouro,
indiferenciados).

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Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'

existência de tráfico de escravos na Costa do Ouro. Um relato de 1607 descreve


o comércio da Costa da Mina. De acordo com o contexto referido, do modo como
é aqui empregado, o termo Mina deve corresponder à integridade da Costa, isto
é, do Cabo Palmas ao Rio Volta, o que inclui tanto a Costa do Marfim quanto a
Costa do Ouro propriamente. O referido comércio consistia de “muito ouro,
marfim, prata, malagueta, goma, algália, gatos de algália76, cera, escravos77. Esta
passagem mostra alguns sinais de confusão: a referência à prata, se não mero
equívoco, refere-se certamente ao comércio costeiro feito com os europeus, em
espécie, sob a forma de moedas de prata; enquanto a pimenta malagueta, a goma
e a cera eram mercadorias normalmente obtidas mais a oeste, ao longo da costa.
Algumas destas mercadorias eram recolhidas em outros locais e levadas para
Elmina ou outro porto da Costa do Ouro, para serem embarcadas. Um documento
posterior, de 1620, que propunha medidas contra a pirataria holandesa e a com-
petição comercial, foi mais preciso: defendendo o envio de uma expedição para
destruir o forte holandês de Mouri, o documento faz alusão à sua interferência
com os navios portugueses que vinham comprar “escravos negros, marfim e óleo
(presumivelmente óleo de palma), goma e algália78.
À luz desta evidência, parece provável que um pequeno número de escra-
vos já estivesse sendo negociado na Costa do Ouro no início do século XVII, e
que estes escravos deveriam estar vindo do lado leste da costa, do entorno de
Acra. Conseqüentemente, os escravos “minas” que Sandoval encontra na Amé-
rica do Sul, no início do século XVII, poderiam realmente ter vindo da Costa do
Ouro, como sugere o termo “mina”, e provavelmente a maior parte seria de lín-
gua ga-adangme e não akam.
Esta conclusão certamente permite levantar outra questão: se os “mi-
nas” de Sandoval falavam ga-adangme, deveriam ter sido classificados jun-
tamente com os de “nação arda”, que eram falantes de línguas gbe. Como
resposta a esta questão, deve-se, em primeiro lugar, considerar que este é,
sem dúvida, um caso único. Ao tratar dos “Lucumies” do leste, que eram

74
Olfert Dapper, Naukeurige Beschrijvinge der Afrikaensche Gewesten, 2nd ed., Amsterdam, 1676,
2 pagination, p. 82.
nd

75
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 51; Tratado, op. cit., p. 123.
76
Algália é uma espécie de secreção odorífera que se extrai das glândulas do almiscareiro, um
mamífero ruminante da família dos cervídeos, conhecido como “gato de algália”.
77
Brásio, Monumenta Missionaria Africana, v. 376 (doc.137, Relação da Costa da Guiné, 1607).
78
Id., vi, p. 469 (doc. 138, Relação de García Mendes Castelo Branco, 1620).

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Robin Law Dossiê

basicamente de fala iorubá, Sandoval se refere aos bariba de Borgu – situados a


noroeste dos iorubá – como um subgrupo iorubá. Embora, falassem línguas dife-
rentes, Sandoval os denominou “Lucumies Barbas”79. Em Cuba, mais tarde, como
foi observado por Fernando Ortiz, os lucumi” (ou a nação iorubá) incluíam os
tapa (“tacua”), nome dado pelos iorubá aos nupe, seus vizinhos do lado nordeste.
Da mesma forma que os bariba, os tapa falavam uma língua diferente dos iorubá80.
Por outro lado, nas Índias Ocidentais inglesa e dinamarquesa, como já foi desta-
cado anteriormente, os nagô/iorubá estavam incluídos na nação popó, que era de
língua gbe, enquanto no Rio de Janeiro os oió que falavam iorubá se juntaram aos
mahi que falavam gbe. Estas ocorrências de agregação de povos lingüisticamente
distintos, mas geograficamente próximos, na África, podem ser mais bem
explicadas se considerado que muitos de seus membros eram bilingües, o que
permitia que, nas Américas, o grupo menor pudesse ser assimilado pelo maior.
Se os escravos “minas” do início do século XVII eram especificamente originá-
rios do lado leste da Costa do Ouro – dividida pelo Rio Volta – e se os de língua
gbe estavam situados a oeste do mesmo rio, que podia ser facilmente cruzado
numa canoa, parece uma hipótese razoável considerar a existência de um grau
suficiente de bilingüismo entre eles, possibilitando, desta forma, o mencionado
processo de incorporação.
Ao longo do tempo, o foco do tráfico de escravos se deslocou para o lado
oeste da Costa do Ouro, tendo-se, então, os portos de Cape Coast e Anomabu se
tornado os principais locais de embarque de escravos. Ao longo de toda a histó-
ria deste tráfico, Acra e Alampo, juntas, representaram apenas em torno de 9%
dos embarques da Costa do Ouro81. Nas proximidades do século XVIII, entre-
tanto, a maioria dos escravos era trazida da imediata hinterlândia da Costa do
Ouro e falava mais a língua akam que a ga-adangme, e mais acentuadamente
devem ter vindo de lugares geograficamente não contíguos aos ocupados pelos
povos de fala gbe, do leste do Volta. Os últimos “minas”, por sua vez, além de
serem numerosos o bastante para constituírem eles mesmos uma “nação”, teri-
am também sido menos capazes de se misturar aos grupos de fala gbe, entre
eles os “popó”, os “jeje” e os “arará”, ou “rada”.

79
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 66; Tratado, op. cit., p. 141. Duas diferentes línguas são fala-
das em Borgu (a oeste, o Baatonu, e a leste, o Boko), mas nenhuma delas é próxima do Iorubá.
80
Ortiz, Los negros esclavos, op. cit., p. 56.

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sobre os significados do termo 'Mina'

81
Eltis, Lovejoy & Richardson, “Slave-Trading Ports”, op. cit., p. 19, Table II.

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