Etnias Africanas Na Diaspora Robin Law
Etnias Africanas Na Diaspora Robin Law
Etnias Africanas Na Diaspora Robin Law
Etnias de africanos na
diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo
‘mina’* **
Robin Law ***
*
Artigo publicado na revista History in Africa, 32 (2005) 247-267. Agradecemos ao editor David
Herning a autorização para tradução e publicação do texto no Brasil.
**
Artigo recebido em outubro de 2005 e aprovado para publicação em dezembro de 2005.
***
Professor catedrático de História da África na University of Stirling, Escócia.
109
Robin Law Dossiê
1
Gwendolyn Midlo Hall, “African ethnicities and the meanings of ‘Mina’”, Paul E. Lovejoy
& David R. Trotman (eds.), Trans-Atlantic Dimensions of Ethnicity in the African Diaspora, London/
New York, 2003, pp. 65-81.
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do Rio Volta: Popó (depois denominado Gran Popó), Ajudá, Jaquim (atual Godomé)
e Ekpè, todos eles situados no litoral da atual República do Benim7. Entretanto,
pode-se duvidar de que esta restrição tenha sido plenamente eficaz, aventando-
se que as embarcações portuguesas/brasileiras negociassem parte dos escravos
a oeste do Rio Volta. Entre 1680 e 1683, por exemplo, os portugueses usurparam
dos dinamarqueses o Forte de Christiansborg, situado em Acra. Obviamente, neste
período, juntamente com outros europeus, eles negociaram escravos e ouro nes-
ta localidade8. Existem relatos de portugueses comprando “uns poucos” escra-
vos em Acra, em 16889. Embarcações portuguesas também compravam escra-
vos nas sessões da costa imediatamente vizinhas a Acra (no reino de Agona, a
oeste) e em Alampo, isto é, no país Adangme, entre Acra e a margem oeste do
Rio Volta. O feitor de um navio inglês que procurava escravos em Winneba, rei-
no de Agona, no começo de 1681, registrou que, em sua visita anterior a esta
localidade, havia comprado escravos lado a lado de uma embarcação
portuguêsa10. Em Alampo, a leste, vários relatos das décadas entre 1680 e 1700
fazem alusão à compra de escravos por portugueses e outras nações européias
nas imediações11. Documentos ingleses se referem à presença de duas embar-
cações portuguesas em Alampo no início de 1681, provavelmente comprando es-
cravos. Depois disto, ainda no mesmo ano, uma embarcação inglesa reclamou
da competição com outra, portuguesa, que estaria pagando melhores preços que
os praticados por eles. No ano seguinte, outras duas embarcações portuguesas
foram mencionadas, por presunção de tráfico; e, em 1683, um negreiro inglês se
8
Em 1681, o rei de Akwamu penhorou algumas mulheres junto ao forte inglês em Acra, para
serem vendidas ao primeiro navio que aparecesse, ou mesmo “aos holandeses e portugue-
ses”. Elas acabaram sendo vendidas a um navio inglês. Em 1682, quando o preço dos escravos
estava alto, foi relatado que “os portugueses, e os holandeses não compraram escravo algum”.
O que nos interessa é que, em ambos os depoimentos, fica evidente que os portugueses
costumavam comprar escravos em Acra. Robin Law (ed.), The English in West Africa 1681-1683:
The local correspondence of the Royal African Company of England 1681-1699, Part 1, London, 1997,
pp. 159, 189 (doc. 397: Francis Frankland, James Fort, Accra, 25 May 1681; doc. 433: Ralph
Hassell, James Fort, Accra, 25 June 1682).
9
“Relation du voyage de Guynée fait en 1687 sur la frégate ‘La Tempeste’ par le Sr Du Cas-
se”, Paul Roussier (ed.), L’Etablissement d’Issiny 1687-1702, Paris, 1935, p. 14.
10
Law, The English in West Africa 1681-1683, p. 304 (doc.586: James Nightingale, Winneba, 11
May 1681).
11
P.E.H. Hair, Adam Jones & Robin Law (eds.), Barbot on Guinea: The writings of Jean Barbot
on West Africa, 1678-1712, London, 1992, ii, p. 440; Du Casse, “Relation du voyage de Guynée”,
Roussier, L’Etablissement d’Isssiny, op cit., p. 14; William Bosman, A New and Accurate Description
of the Coast of Guinea, London, 1705, p. 327.
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26
Strickrodt, “Afro-European Trade Relations”, op. cit., pp. 188-203.
27
“Relation sur l’établissement des missions dans le Vicariat apostolique du Dahomé [3 Dec.
1863]”, Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey (1861-1865), Paris, Ed.
Renzo Mandirola & Yves Morel, 1997, pp. 237-8
28
Isto é sugerido pelo fato de eles denominarem “Gegi” a língua do Daomé e de Porto-Novo,
termo que, embora já corrente no Brasil do século XVIII, ainda não tinha (até onde vai meu
conhecimento) sido registrado na África Ocidental. Ver também J. Lorand Matory, “The Trans-
Atlantic Nation: Reconsidering Nations and Transnationalism”, paper presented at the
conference on “Rethinking the African Diaspora: The Making of a Black Atlantic World in
the Bight of Benin and Brazil”, Emory University, Atlanta, April 1998.
29
Fio Agbanon II, Histoire de Petit-Popo, op. cit., pp. 128-9.
30
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 66.
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Os “minas” na América
No que diz respeito à terminologia das etnias africanas nas Américas,
é preciso destacar que, em última análise, é incontestável que, em alguns
contextos, o termo “mina” indica especificamente pessoas vindas da Costa
do Ouro. Isto é claro, por exemplo, na análise das etnias africanas feita por
Christian Oldendorp, um ativo missionário nas Índias Ocidentais dinamar-
quesas, na década de 176037. Oldendorp explicita e, inequivocamente, asso-
cia a “nação amina” à Costa do Ouro. Mas, na medida em que descreve os
amina como “a mais poderosa nação dessa costa”, cujo território era “muito
extenso e tinha muitas aldeias”, ele claramente se refere a um grupo mais
extenso do que o dos habitantes da vila de Elmina propriamente. Os únicos
lugares especificamente indicados como ocupados por subgrupos dos “amina”
são o dos kwawu (“quahu”), localizados do lado leste, no interior da Costa
do Ouro, que são descritos como “uma tribo dos amina”, e o dos acra
(“akkran”), “um povo que pertence aos mina, cuja língua eles também com-
preendem”. Esta última frase de Oldendorp sugere que ele está ciente do
fato de que a língua dos acra (a língua ga) era distinta da língua akam, mas,
por outro lado, a constatação indica um bilingüismo por parte dos acra. Pa-
ralelamente, os kyerepong (“akripon”), outro grupo de língua akam, do les-
35
“Journal du voiage (escrito “voiage” no manuscrito original) de Guinée et Cayenne par le
Chevalier des [sic] Marchais commandant la fregatte de la Compagnie des Indes, l’Expédition,
pendant les années 1724, 1725 et 1726”, Bibliothèque Nationale, Paris: Fonds français, ms.
24223, pp. 34-34v; Jean-Baptise Labat, Voyage du Chevalier des Marchais en Guinée, isles voisines
et à Cayenne, fait en 1725, 1726 et 1727, 2nd ed., Amsterdam, 1731, ii, p. 105.
36
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 70.
37
Christian Georg Andreas Oldendorp, Geschichte der Mission der evangelischren Brüder auf den
Caraibischen Inseln St Thomas, St Croix und St Jan (1777), traduzido por Soi-Daniel W.
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te, que fazia parte do estado de Akwapim, embora dito “também falando a língua
dos amina”, parece ser visto como um outro povo. Outros grupos mencionados,
de fala akam, incluindo os achanti (ashanti, “sante”), os akam (akani, “okkan”),
etsi (“atti”), assin (“assein”), adanse (“adansi”) e akim (akyem, “akkim”), pare-
cem também ser vistos como vizinhos, e distintos dos “amina”.
Em contraposição, na concepção de Oldendorp, os povos de língua gbe
são classificados separadamente, como “nação Papaa”, isto é, Popó. Este era,
inicialmente, o nome pelo qual europeus se referiam às duas comunidades do lado
oeste da Costa dos Escravos, mencionadas anteriormente, “Gran Popó” e “Popó
Pequeno” (atualmente Grand-Popo e Aneho). A designação indígena de Gran
Popó (nome cuja origem é obscura) era Pla, ou Hula; e o nome da parte mais
antiga de Aneho era Plaviho, que significa “casa do Pla Pequeno”). Popó pode
ser o nome pelo qual os iorubá do leste se referiam aos de fala gbe (ou a alguns
deles), e que teria sido tomado de empréstimo pelos europeus, em tempos remo-
tos do tráfico38. Seu uso, num sentido amplo, com objetivo de incluir pessoas de
diferentes comunidades da região, é também atestado nas Índias Ocidentais
Britânicas, onde era aplicado, de modo genérico, aos escravos embarcados em
Ajudá39. Oldendorp lista, como povos que “pertenciam ao reino de Papaa”, os
aladá (ou “arrada”, o mais importante povo de fala gbe do leste, no início do sé-
culo XVIII) e os fon (“affong”, do Daomé), que conquistaram Aladá e tomaram
seu lugar na década de 1720; Tori (“Attolli”), um pequeno estado vizinho a Ala-
da, na direção sul, e Kpessi (“Apassu” ou “Apeschi”), uma comunidade de fala
gbe, localizada mais a oeste, no atual Togo; e também os “nagoo”, isto é, os nagô
ou iorubá, vizinhos dos povos que falavam gbe, nas direções norte e leste. A in-
clusão dos iorubá, cuja língua é distinta do gbe, mais uma vez provavelmente reflete
um bilingüismo. Nas Índias Ocidentais Britânicas, os nagô também eram vistos
como um subgrupo dos “Popós”40. O povo de Hueda (“Fida”), reino costeiro que
controlou o porto de Ajuda até ele ser conquistado pelo Daomé, na década de
1720, por conseqüência, também pertencia à “nação Popó”, já que os aladá são
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descritos por Oldendorp como seus “descendentes”. Por outro lado, dois dos mais
importantes grupos de língua gbe do oeste, os adjá (“atje”) e os ouatchi (“watje”)41,
parecem ser vistos como diferentes dos “Popós”.
No Brasil, como corretamente observa Hall, o termo “mina” era aplicado,
em alguns contextos, aos que falavam as línguas gbe. A bem conhecida Casa
das Minas, em São Luís do Maranhão, por exemplo, é uma casa de culto de ori-
gem especificamente daomeana, onde se veneram espíritos associados à dinas-
tia real do Daomé42. Um vocabulário da “língua geral da mina” compilado na
Capitania de Minas Gerais em 1741 é igualmente de língua gbe, basicamente fon,
embora incorporando alguns elementos de outros dialetos43. O vocabulário, de
modo um tanto confuso, dá como equivalente vernacular de gente mina a pala-
vra guno. Como “nu” quer dizer povo, guno seria “povo gu”, e indica os minas
como gamthòmè. A palavra “tome” corresponde a país, sendo, então, “país dos
gam”. Assim sendo, os chamados guno seriam presumivelmente os “gun”, nome
do grupo gbe situado adiante, a sudeste, na faixa da fronteira entre os atuais Benim
e Nigéria, incluindo as localidades de Porto-Novo, no Benim, e Badagri, na
Nigéria44, e os gamthòmè estariam relacionados a Gen, isto é, Popó Pequeno,
mas talvez esta segunda forma possa ser um erro de impressão. No Rio de Ja-
neiro, uma “Congregação dos Pretos Minas”, formada ao longo da década de
1740, incluía várias nações, todas elas falando uma língua comum: “dagomés”,
“makis”, “sabarus”, “agonlins” e “ianos”, isto é, Daomé, Mahi (imediatamente a
nordeste do Daomé), Savalu, ao norte do Daomé, Agonlin, a leste, cuja principal
vila é Covè, e Oió. Os oió são também chamados ayonu que, em fon, quer dizer
40
Eles foram explicitamente declarados como falantes da língua de Ajudá (“Whidah language”),
ibid., ii, p. 60.
41
Ouatchi (“Watje”) diz respeito à vila de Notse (Nuatja), no atual Togo. Esta é, aparentemen-
te, a mais remota referência a este grupo na documentação coeva.
42
Nunes Pereira, A Casa das Minas: Contribução ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns,
do panteão daomeano, no Estado do Maranhão, Brasil, Petrópolis, Vozes, 1979.
43
António da Costa Peixoto, Obra Nova de Língua Geral de Mina, ed. Luís Silveira & Edmundo
Correia Lopes, Lisbon, 1945; edição moderna, Yeda Pessoa de Castro (ed.), A Língua Mina-
Jeje no Brasil: um falar Africano em Ouro Preto do século XVIII, Minas Gerais, 2002. Para análise
do tema, ver Olabiyi Yai, “Texts of enslavement: Fon and Yoruba vocabularies from eighteenth-
and nineteenth-century Brazil”, Paul E. Lovejoy ed., Identity in the Shadow of Slavery, London/
New York, 2000, pp. 102-12.
44
Esta é a primeira documentação que menciona este etnônimo, não encontrado na África
Ocidental antes do século XIX.
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“povo de Oió”, e estão localizados mais no interior, para lá dos mahi, na direção
nordeste. Os oió falam iorubá – e não gbe – e sua incorporação aos “minas”, de
língua gbe, reflete, provavelmente, outro caso de bilingüismo. Em 1762, a con-
gregação se dividiu e os mahi, os savalu, os agonlin e os oió formaram a “Con-
gregação dos Pretos Minas do Reino de Maki”45. É digno de nota que esta sepa-
ração não seguiu o recorte linguístico (os de língua gbe contra os de língua iorubá),
mas sim alinhamentos políticos na África, onde os quatro grupos sessecionistas
eram inimigos do reino do Daomé e/ou vítimas de sua expansão territorial.
Os casos analisados, entretanto, parecem indicar ser “mina” um termo
muito genérico, mais usado para abranger diferentes povos do que para identifi-
car os de língua gbe, em particular. Em seu clássico Os africanos no Brasil
(1906), Nina Rodrigues observa que, no Maranhão, “todos” os africanos eram
genericamente designados “minas”46. No Rio de Janeiro, no século XVIII, três
principais categorias eram empregadas para designar a origem dos escravos
africanos: “Guiné (isto é, Guinea)”, “Mina” e “Angola”. Estes eram, com certe-
za, termos de caráter mais geográfico que indicativo de etnias específicas. “Guiné”
e “Mina”, sem dúvida, representavam as áreas a oeste e a leste da África Oci-
dental, respectivamente, e “Mina” era, por conseguinte, toda a costa da África
Ocidental, da Costa do Ouro para leste47. Dado o padrão dos embarques de es-
cravos no tráfico atlântico, em meados do século XVIII, os “minas” do Rio de
Janeiro devem ser predominantemente de língua gbe, mas, no século XIX, pas-
sam a predominar os que falavam iorubá48. Na Bahia, entretanto, onde predomi-
nou a população da costa ocidental africana, e onde, conseqüentemente, a termi-
nologia étnica era mais diferenciada, os “minas” eram apenas um grupo entre as
muitas nações da África Ocidental ali identificadas e arrolados em separado não
só os de fala gbe, chamados “geges” (mais tarde escrito “jejes”, entre os quais
estão tanto os fon/daomeanos quanto os mahi)49, como os iorubá, também cha-
mados “nagôs”50. Ainda na Bahia, Rodrigues identificou dois subgrupos “minas”:
os “minas-santés”, isto é, achanti, e os “minas-popós”, que ele corretamente iden-
45
Mais tarde, os agonlin e os savalu também passaram a eleger seus reis. Mariza de Carvalho
Soares, Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII,
Rio de Janeiro, 2000, esp. pp. 200-2.
46
Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, São Paulo, 1932, p. 164. O texto foi escrito antes de
1906, ano do falecimento do autor, mas teve sua primeira edição póstuma em 1932.
47
Soares, Devotos de cor, op. cit., pp. 95-127; Rodrigues, Os africanos, op. cit., pp. 164-5.
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tificou como sendo de língua akam/ga, que se estabeleceram a leste do Rio Vol-
ta, no Popó Pequeno.
No clássico inventário de etnias, compilado por Fernando Ortiz, em Cuba
(publicado originalmente em 1916), os “minas” também parecem representar
basicamente povos vindos da Costa do Ouro51. De qualquer forma, o conjunto
dos que falavam gbe foi também colocado numa categoria única, os chamados
“ararás” (uma variante do nome Aladá), que incluía daomeanos (“dajomé”), mahi
(“magino”), savalu (“sabalú”) e talvez cové (“cuévano”), assim como outros não
imediatamente identificados, como “agicon” e “nezeve”; também os iorubá esta-
vam separados e eram conhecidos como “lucumi”. Como já concluíra Hall, a
existência, em Cuba, de uma confraria, lá chamada cabildo, de “Minas Popó
Costa de Oro” evidentemente aponta, outra vez, para os imigrantes estabeleci-
dos no Popó Pequeno52.
Na colônia caribenha francesa de São Domingos (atual Haiti), na se-
gunda metade do século XVIII, os “minas” eram igualmente distintos da
grande maioria dos de fala gbe, lá chamados “arada” or “rada” (isto é,
“aladá”), embora algumas vezes grupos de língua gbe específicos fossem
identificados separadamente, como o caso dos adja (“adia”) e dos hueda
(“foeda”). Estes últimos eram provavelmente membros da comunidade de
refugiados do reino de Hueda que, na década de 1720, depois da invasão do
reino de Hueda pelo Daomé se estabeleceram a oeste de sua terra, no território do
Gran Popó, conhecido como Hueda-Henji53. Gwendolyn Hall se mostrou apreen-
siva em interpretar designações étnicas africanas entre a população afro-america-
na da Louisiana, a partir da qual ela compilou um valioso banco-de-dados54. Tam-
bém na Louisiana os “minas” aparecem como uma categoria diferente dos “ara-
da”. Implicitamente, ela argumenta que os “minas” representavam os de fala gbe
do oeste – ewe, ouatchi, adja, gen, hula, etc. – entendidos como um grupo diferente
48
Mariza de Carvalho Soares, “From Gbe to Yoruba: ethnic change and the Mina Nation in
Rio de Janeiro”, Matt D. Childs & Toyin Falola (eds.), The Yoruba Diaspora in the Atlantic World,
Indiana University Press, 2004, pp. 231-247.
49
Rodrigues se refere a um subgrupo dos “geges” chamado “efan”, que, segundo ele, seria
diferente dos daomeanos, mas isto pode ser uma confusão sua.
50
Rodrigues, Os africanos, op. cit., pp. 150-79; para os “minas”, ver pp. 163-5.
51
Fernando Ortiz, Los Negros Esclavos, Havana, 1987, pp. 40-66; para os “Minas”, ver p. 53.
Ver também id., “Los cabildos afrocubanos” (publicado originalmente em 1921), Los cabildos
y la fiesta afrocubanos del Día de Reyes, Havana, 1992, pp. 1-24.
52
Hall, “African ethnicities”, op. cit., p. 68.
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dos fon do Daomé e seus vizinhos imediatos. Mas, se isto é verdade, sua força
numérica na Louisiana (aproximadamente três vezes o número de “arada”)55 é
surpreendente, dado o já mencionado pequeno papel desempenhado pelos portos
do lado oeste da Costa dos Escravos no tráfico Atlântico. Cabe ainda aqui inda-
gar: se pelo menos parte dos africanos da Louisiana eram da Costa do Ouro e
se eles não estavam entre os “minas”, como afinal estariam sendo classifica-
dos? Hall menciona um líder da comunidade “mina” da Louisiana, na década
de 1790, a quem ela se refere, Antonio Cofi Mina. Kofi é sabidamente um nome
akam, dado a uma criança do sexo masculino, nascida numa sexta-feira56. De
todo modo, o uso de um nome akam não impede que Antônio fosse originário
da Costa dos Escravos, já que o uso de nomes akam com referência a dias da
semana foi difundido por toda a costa até Ajudá, em conseqüência da diáspora
“mina”57.
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ramente claros: a que se refere a frase “que é o mesmo”? Apenas aos termos
imediatamente anteriores “Ardas, ou Araraes”, ou (como interpreta Hall) ao
conjunto da lista, incluíndo “Minas, Popoos, Fulaos, Ardas, ou Araraes”? E
onde os “Offoons”, citados logo adiante, se encaixam neste esquema? Im-
plicitamente, a interpretação de Hall exclui os “Offoons” dos “Ardas”; mas
a lista culmina com uma repetição do nome “Arda” numa forma genérica
implícita – casta Arda – que, presumivelmente, inclui todos os grupos prece-
dentes. Uma interpretação mais razoável é a de que, na primeira ocorrên-
cia, “Ardas, ou Araraes”, se refere especificamente a Aladá; enquanto na
segunda, “casta Arda” aparece como um termo genérico, que inclui outros
vizinhos e/ou grupos relacionados especificados antes. Em ambos os casos,
entretanto, parece claro que Sandoval inclui os “minas” no segundo grupo,
no qual “arda” aparece como uma categoria mais abrangente.
Os grupos que compõem a casta arda descrita por Sandoval estão evi-
dentemente distribuídos em uma área geográfica, de oeste para leste. Dei-
xando de lado, por ora, os disputados “minas”, o nome “Popoos”, como se
viu, foi inicialmente dado pelos europeus a um porto costeiro, no lado oci-
dental da Costa dos Escravos, atualmente denominado Grand-Popo. Já no
Caribe, o nome Popo tinha, algumas vezes, uma aplicação mais ampla, que
incluía outros povos de língua gbe. O relato de Sandoval, embora se referin-
do claramente a este porto costeiro, o situa de modo amplo no “reino dos
Popós”, a leste do Rio Volta, cujo governante residia a uma certa distância, para o
interior60. Sandoval provavelmente está fazendo alusão a Tado, o centro do povo
adja, de onde vários outros grupos de fala gbe, inclusive os do Gran Popó, tradici-
onalmente traçam sua origem61. O segundo nome, “Fulao”, mencionado em outras
fontes como um lugar de comércio no começo do século XVII, parece igualmente
representar Pla/Hula, que era, como já foi indicado, o nome indígena do Gran Popó.
Mas o relato mais detalhado de Sandoval sobre a localização de “Fulao” (a meio
caminho entre Popó e Aladá)62 claramente se refere a Glehue (atual Ajudá), mais
58
Alonso de Sandoval, Naturaleza, policia sagrada i profana, costumbres i ritos, dsciplina i catehcismo
evangelico de todos Etiopies, Seville, 1627; edição moderna, Un tratado sobre la esclavitud, ed.
Enriqueta Vila Vilar, Madrid, 1987; Hall, “African ethnicities”, op. cit., pp. 70-1.
59
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 65; Tratado, op. cit., p. 139 (pontuação feita como na edição
original de 1627). O texto segue listando os povos situados adiante na direção leste ao longo
da costa, começando com os “Lucumies”, ou iorubá.
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tarde o porto costeiro do reino de Hueda, que, ao menos de acordo com algumas
versões da tradição local, fora originalmente uma área ocupada por imigrantes hula
do Gran Popó63. Voltando ao texto de Sandoval, o nome que se segue a Aladá é
“Offoons”, que apresenta mais de um problema. Uma imediata identificação seria
com os fon, isto é, com o Daomé (conforme a grafia de Oldendorp, “Affong”),
situado ao norte de Aladá. Mas, no tempo de Sandoval, este lugar não era uma
localidade importante, se é que existia64. Por outro lado, esta pode ser uma toponímia
do Novo Mundo, derivada de uma saudação usual, no fon moderno, a fon dagbe?,
que quer dizer “Você acordou bem?”65. Esta possibilidade leva a pensar que
“Offoons” é uma alternativa genérica para a ampla “nação arda”, embora se
admita que a sintaxe de Sandoval não consiga transmitir isto com clareza.
Mas quem são os “minas” de Sandoval? A referência não parece ser
ao grupamento “Mina” do Popó Pequeno, que (como foi visto acima) prova-
velmente ainda não existia. Hall, implicitamente os identifica com os de fala
gbe de mais a oeste – ewe e adja – embora, diante disto, dada a extensão
geográfica que Sandoval atribui ao “reino de Popós”, tanto os adja quanto os
ewe pareceriam estar subsumidos nos “Popos”66. Mas, de fato, a detalhada des-
crição geográfica de Sandoval mostra, em outro momento, que ele localiza os
“minas” na Costa do Ouro: “Deste Cabo [Palmas] até a nação que chamamos
Mina (...) são cento e vinte léguas, habitadas por muitas grandes aldeias, a
cinquenta léguas de onde fica o Rio Volta”, que marca o começo do “Reino dos
Popós”67. A distância mencionada indica claramente Elmina, mas, evidentemen-
te, a “nação mina” de Sandoval, com suas “aldeias muito grandes”, corresponde
a uma área maior. Diante disto, portanto, seria difícil citar o texto de Sandoval
60
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 51; Tratado, op. cit., p. 123.
61
Ver debate em Robin Law, The Kingdom of Allada, Research School CNWS, Leiden, 1997,
pp. 32-4.
62
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 51; Tratado, op. cit., p. 123.
63
Ver detalhes em Law, Ouidah, op. cit., pp. 20-24.
64
A criação do reino do Daomé é convencionalmente datada de c.1625, mas esta data é
especulativa e aproximada. Em relatos europeus sobre a África Ocidental, o nome “Fon”, por
outro lado, aparece em 1660: Law, The Slave Coast, op. cit., pp. 261.
65
A frase está registrada num vocabulário da língua de Hueda, coletado em 1682, na foma
“ofons-d’aye”: Jean Barbot, A Description of the Coasts of North and South Guinea, London, 1732,
p. 415.
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como suporte do ponto de vista de que “mina” designa os de língua gbe ou, na
verdade, qualquer outro grupo instalado a leste do Rio Volta.
66
Na verdade, Hall afirma que eles representam “os Ewe, os Aja, os Fon e outros grupos de
língua gbe”, excluídos os Aladá: “African ethnicities”, op. cit., p. 71. A lógica da inclusão dos
Fon aqui, entretanto, é incerta: tanto do ponto de vista histórico quanto lingüístico, espera-se
que eles estejam associados aos Aladás.
67
Sandoval, Naturaleza, op. cit., pp. 7 e também 51; Tratado, op. cit., pp. 65, 122-3.
68
Hall, “African ethnicities”, op. cit., pp. 71.
69
J.B. Ballong-wen-Menuda, “Le commerce portugais des esclaves entre la Côte de l”actuel
Nigeria et celle du Ghana moderne au XVe et XVIe siècles”, Serge Daget (ed.), De la traite à
l”esclavage: Actes du colloque international sur la Traite de noirs, Nantes 1985, Paris, 1988, i, pp. 131-
45.
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Etnias de africanos na diáspora: novas considerações
sobre os significados do termo 'Mina'
74
Olfert Dapper, Naukeurige Beschrijvinge der Afrikaensche Gewesten, 2nd ed., Amsterdam, 1676,
2 pagination, p. 82.
nd
75
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 51; Tratado, op. cit., p. 123.
76
Algália é uma espécie de secreção odorífera que se extrai das glândulas do almiscareiro, um
mamífero ruminante da família dos cervídeos, conhecido como “gato de algália”.
77
Brásio, Monumenta Missionaria Africana, v. 376 (doc.137, Relação da Costa da Guiné, 1607).
78
Id., vi, p. 469 (doc. 138, Relação de García Mendes Castelo Branco, 1620).
129
Robin Law Dossiê
79
Sandoval, Naturaleza, op. cit., p. 66; Tratado, op. cit., p. 141. Duas diferentes línguas são fala-
das em Borgu (a oeste, o Baatonu, e a leste, o Boko), mas nenhuma delas é próxima do Iorubá.
80
Ortiz, Los negros esclavos, op. cit., p. 56.
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sobre os significados do termo 'Mina'
81
Eltis, Lovejoy & Richardson, “Slave-Trading Ports”, op. cit., p. 19, Table II.
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