Moçambicanizaçao Escravos Portos de Moçambique - E Medeiros

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MOÇAMBICANIZAÇÃO DOS ESCRAVOS SAÍDOS PELOS PORTOS

DE MOÇAMBIQUE 1

Eduardo Medeiros
Docente reformado da Universidade Eduardo Mondlane e da Universidade de Évora
[email protected]

Resumo: A partir de 1720, a captura, o deslocamento e a exportação de pessoas tornaram-se


características dominantes no cenário político e econômico das regiões norte e centro de
Moçambique, bem como das zonas adjacentes. Os portos de Quelimane, Angoche, Ilha de
Moçambique, Ibo, Tungué, para não falar das baías, ribeiras e ilhas costeiras setentrionais,
emergiram como importantes armazéns de africanos escravizados. Para estes portos
convergiam inúmeras caravanas de cativos procedentes de diferentes latitudes, variando
segundo os interesses particulares dos comerciantes africanos de escravos e seus parceiros
internacionais. Quando as condições para exportar esses escravos eram limitadas, o vale do
Zambeze e os estabelecimentos euroasiáticos das regiões costeiras ficavam lotados de massas
escravas, compostas por indivíduos desenraizados oriundos de sociedades distantes. Esses
recém-chegados aumentavam temporariamente as populações portuguesas, afro-luso-
indostânicas e muçulmanas do litoral swahili e, muitas vezes, permaneciam improdutivos
durante toda a sua estadia. Independentemente da duração de sua permanência, os africanos
escravizados trazidos a esses postos comerciais costeiros eram registrados nos documentos
oficiais segundo as suas origens. No entanto, depois de serem embarcados para o seu destino
final, os escravos recebiam denominações mais genéricas e passavam a ser registrados como
“moçambiques”, “makuas” (nome genérico dado a todos os povos vindos do norte de
Moçambique) ou “inhambanes”(aqueles que saíram pelo porto Inhambane no sul de
Moçambique). Esta “moçambiquização” dos escravos exportados através dos portos de
Moçambique levanta sérias questões sobre suas identidades culturais no destino final. Os
chamados “moçambiques” que chegaram nos portos do Brasil e das ilhas do Oceano Índico
deram origem a manifestações culturais que ficaram conhecidas localmente como sendo
originárias de Moçambique. Mas elas eram, de fato, de origem moçambicana? A presente
contribuição concentra-se em alguns dos aspectos dessa “moçambiquização” iniciada nos
portos de partida.

Palavras Chaves: Moçambique. Escravos. Identidade.

1 Uma versão deste texto foi originalmente apresentada sob o titulo “The Mozambicanization of Slaves Leaving
through Ports of Mozambique” na conferencia Enslaving Connections: Africa and Brazil during the Era of the
Slave Trade, 12-15 October, 2000 York University, Toronto, Canadá. Uma versão abreviada foi
subsequentemente publicada (MEDEIROS, 2009). Agradeço à Portuguese Studies Review por facilitar sua
publicação aquí. Esta, a versão completa, ha muito que deveria ter sido publicada num contexto diferente.
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Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
MOZAMBICANIZATION OF SLAVES LEFT BY MOZAMBIQUE
PORTS

Eduardo Medeiros
Docente reformado da Universidade Eduardo Mondlane e da Universidade de Évora
[email protected]

Abstract: Beginning with 1720, the capture, movement and export of people became a
dominant feature of the political and economic scenery of northern and central Mozambique,
as well as adjacent regions. The ports of Quelimane, Angoche, Ilha de Moçambique, Ibo,
Tungué, not to mention northern coastal bays, creeks and islands, emerged into important
African slave emporiums where converged multiple caravans of captives from different
directions according to the particular interests of African slave traders and their international
partners. When conditions for exporting these slaves were poor, the Zambeze valley and the
Euro-Asiatic establishments of the coastal regions became crowded with slave populations
uprooted from distant societies, which temporarily swelled, often unproductively, the
Portuguese, Afro-luso-industanic and Muslim populations of the Swahili littoral. Regardless
of the length of their stay, African slaves kept at these coastal trading posts were registered
according to their origins. But, after embarking for their final destination of captivity, they
there became considered as “mozambiques”, as “makuas” (a generic name given to all peoples
of northern Mozambique), or as as “inhambanes” (those who left through the port of
Inhambane in southern Mozambique). This “mozambicanization” of slaves departing through
the ports of Mozambique raises serious questions about the cultural identities with which they
ended up at their final destination. The so-called “moçambiques” in Brazilian ports and in the
islands of the Indian Ocean gave rise to cultural manifestations which were referred to locally
as from Mozambique. But were they in fact of Mozambican origin? The present contribution
focuses on some of the aspects of this “mozambicanization” in the ports of departure.

Keywords: Mozambique, Slaves, Identity

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Desde a antiguidade que um comércio com transporte marítimo ligou a costa oriental de
África ao Iémen, Golfo Pérsico, Costa do Gujarate e Siri Lanka, o que explica a razão pela
qual se desenvolveu um rosário de cidades de negócio nestas regiões ribeirinhas do Oceano
Índico. Por sua vez, estes entrepostos costeiros estavam relacionadas com o interior do
continente, por vezes a longas distâncias. O tráfico de escravos da África oriental para as
Américas foi de pouca monta até ao século XVII, desenvolvendo-se nos finais deste e durante
o século XVIII, com algum prolongamento no Século XIX. Mas foi no século XVIII, mais
precisamente a partir de 1721, mais ano menos ano, e no século XIX, que milhares de
africanos foram raptados aos seus grupos sociais de origem e transportados para as ilhas do
Oceano Índico, aumentando assim o número dos que tinham e continuavam a ser levados não
só para as Américas como para as terras sob domínio dos árabes na Ásia, sobretudo pelo
Golfo Pérsico.

O comércio de mercadoria humana durou até ao primeiro decénio do Século XX: tráfico
"legal" até cerca de 1854, "ilegal" depois, comércio de trabalhadores chamados livres
engajados, entre 1854 e 1892 (CAPELA; MEDEIROS, 1988). Mas esta distinção entre
"legal", "ilegal" e "contratados" era indiferente para as sociedades locais; para elas tratava-se
da mesma coisa quanto às formas de rapto e de exportação dos seus membros. Talvez no
destino, após a abolição, tenha havido alguma diferença, pouca, mas isso não sabiam os
familiares que ficavam e fraco sentido e proveito tiravam disso.

A crescida procura de força de trabalho servil na maior parte do século XVIII e durante
todo o século XIX no actual território moçambicano e nos territórios vizinhos mais a oeste
multiplicou os processos de "produção" de escravos e alargou as formas de servidão no seio
das próprias sociedades locais. Provocou também reestruturações dos espaços políticos e um
considerável reordenamento dos espaços etno-culturais. Todas as etnias e unidades tribais da
época e respectivos grupos familiares, sobretudo a norte do rio Zambeze no actual território
moçambicano, estiveram envolvidos no negócio negreiro como raptados ou como
capturadores, geralmente em ambas as coisas ao mesmo tempo (MEDEIROS, 1988).

Graças a Edward Alpers (2003a, 1982, 1975, 1970), José Capela (2002, 1996, 1993,
1990, 1989, 1988, 1985, 1979) e outros historiadores (Alpers; Zimba; Isaacman, 2005;
Isaacman; Isaacman, 2004; Newitt, 1995; Clarence-Smith, 1989; Beachey, 1976; Hafkin
1973; Duffy, 1967), temos hoje estudos bastantes sobre o tráfico de escravos a partir do actual
território de Moçambique, incluindo a identificação de portos e locais de embarque mais
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clandestinos, listagem de barcos e de negreiros, compilação de números, análises estatísticas e
reflexões sobre a economia esclavagista. Temos também, devido sobretudo a Alpers (2003b,
2000), alguns estudos sobre a diáspora africana nas Ilhas do Oceano Índico, que, de um ou
de outro modo, permitem conhecer o legado cultural africano na crioulização das culturas
insulares. Existem muitos menos estudos sobre vestígios de "moçambicanos" no Brasil e nas
restantes regiões das Américas utilizadoras de escravos africanos.

Possuímos, pois, bastantes informações sobre práticas de aquisição de escravos no


litoral moçambicano; existe igualmente uma vasta literatura sobre o transporte marítimo e
seus dramas, mas só recentemente, com o desenvolvimento da História Local e da
Antropologia em Moçambique, começámos a possuir conhecimentos mais precisos das
formas "organizadas" e "não organizadas" de captura (sempre socialmente violenta) de
pessoas para o trato internacional.

Tendo em consideração os documentos que têm servido de fonte aos historiadores e as


suas próprias conclusões, pretendo nesta comunicação:

(i) sugerir que os escravos saídos pelos portos do actual Moçambique foram adquirindo
neles designações que os negreiros das caravanas e dos entrepostos lhes atribuíam,
designações estas relacionadas com toponímias recorrentes na época, por
exemplo, Maravia, Sena, Sofala, Mocuba, Niassa, etc.; designações etnónimas
usadas ao tempo, por outros que não os próprios, como macua, ajaua, sena,
maconde, etc.; e designações no destino relativas à toponímia dos portos de
embarque, como Inhambane, Moçambique (Ilha), Angoche, Sofala, Ibo, etc., e
alguns dos etnónimos anteriores.

(ii) mostrar que o comércio negreiro feito por portugueses, brasileiros e outras nações
nos portos de Moçambique acabou por "moçambicanizar" os escravos que por eles
saíam, qualquer que fosse a sua origem geográfica ou etno-cultural, mesmo dos
provenientes de territórios que ficam hoje para além das actuais fronteiras de
Moçambique;

(iii) mostrar que, à excepção de referências geográficas, os etnónimos não tinham na


época o mesmo valor semântico que hoje lhes damos, e na diáspora termos como
"Masombiky", "Macoa" e "Yemvane" eram essencialmente termos de apropriação
cultural africana num mundo crioulo e não referências étnicas.

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Na verdade, falar de espaços etno-culturais como uma fixação histórica de longa
duração é não ter em consideração que as etnias crescem, desenvolvem-se e morrem e que as
de Moçambique actual (em construção) foram uma criação tardia de missionários e
administradores, tornadas “académicas” por antropólogos e historiadores, e mais recentemente
por aqueles que procuram na etnicidade o acesso ao poder. Por isso, para o longo período do
comércio de escravos começa a ser possível vislumbrar o emaranhado dos espaços políticos
no território moçambicano, mas muito menos os limites dos espaços etno-culturais.

Façamos o balanço de algumas das designações "étnicas" e geográficas encontradas


pelos historiadores nos documentos da época de portugueses, franceses, ingleses e menos
frequentemente holandeses e alemães.2 Relacionado com o actual etnónimo Macua3, vocábulo
que é dos mais antigos na documentação portuguesa de Moçambique, temos: Makous, Macoa,
Macoua, Maquoir, Macquois, Makua, etc. Com o etnónimo Ayao4, ou na sua versão
portuguesa tradicional, Ajaua: Monjavois, Monjavu, Moudjiavoua, Moudjavois, Moujoua,
Machingas, Wayao, Achingoli, Amachinga, Wamwela, Amalemba ou Wamlemba, Wamkula,
Wanjese; com Senas5: Micene, Missana, Mousena, Mnsena; com Maconde: Andonde,
Makonde, Matamwe, Mawia, Mwera, Ndonde, Vandonde; com Angoni6: Maviti, Mafite,
Mafita, Mapsita, Maxitu, Mangoni, Mankoni, Mandeleule, Magwangwara, Macuanguara,
Mazitu, Mashitu, Majita; com Lómuès: Boror7, etc., a lista é imensa.

Quem usava estes nomes para designar a etnia e etnicidade dos escravos? Os próprios à
sua chegada aos portos de embarque? Os próprios no cativeiro? Os chefes negreiros das
caravanas? As elites negras locais e os negreiros da costa? Estes últimos e os traficantes
internacionais? Os senhores de escravos no cativeiro?

Os comerciantes negreiros do litoral, os negreiros do transporte e os negreiros no


destino elaboravam listagens da mercadoria humana, classificando-a por sexo, por grupo de
idade, por estado físico, por origem geográfica, e mais raramente por características
etnolinguísticas.

2 Seria fastidioso apresentar nesta comunicação a ampla bibliografia destes autores. Tratei dela detalhadamente
em alguns dos meus textos sobre o problema da escravatura em Moçambique e sobre a diáspora nas Ilhas do
Oceano Índico (CAPELA; MEDEIROS, 1988; MEDEIROS, 1988). Mas ver tambem, os outros trabalhos aqui
citados de Alpers, Beachy, Capela, Clarence-Smith, Duffy, Hafkin, Isaaman e Isaacman, e Newitt.
3 Macua é o singular na grafia portuguesa (plural: macuas); no idoma padrão destes povos o termo mais recente é
Makhuwa, plural: Amakhuwa, idioma: Emaakhuwa.
4 Ayao = os Yao (sendo Yao o singular); Wayao = nós os Yao.
5 Terminologia portuguesa: Sena, plural Senas; de acordo com o idioma Shisena: Asena = os senas.
6 Etnónio derivado de Nguni (Vanguni), complexo etno-linguístico da África Austral.
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Quando os dois últimos elementos eram tidos em consideração, eles obedeciam
simplesmente a lógicas classificatórios mercantis, sendo os rótulos disponibilizados pelos
negreiros da costa que, por sua vez, os obtinham das caravanas negreiras ou os relacionavam
com elas. Dizemos relacionavam, porque era mais fácil designar os escravos trazidos pelas
caravanas negreiras continentais pelo nome destas que fazer o inventário etno-linguístico dos
cativos trazidos. E mesmo quando há documentos que apontam para o facto dos negreiros
terem capturado gente nas suas próprias terras, pela violência mesma da dessocialização os
cativos eram sempre outros, com designações apropriadas. Quem eram os negreiros como
etnia, e quem eram os escravizados? Nunca, por exemplo, os islamizados negreiros do litoral,
Cotis (Akoti), Muanis (Wamwani), Naharras (Anahara) designavam os cativos locais por estes
nomes, mas sempre por outros, os "outros", genericamente "macuas", isto é, "selvagens",
"bárbaros". Por conseguinte, nunca os escravizados diriam que eram da "família" dos
negreiros, fossem eles seus tios uterinos, como não raras vezes sucedia.

Passemos em revista outros exemplos.

Quando nos documentos da época aparece o etnónimo Maconde, de quem se está a


falar? Este termo só foi usado pelos próprios bem tarde no século XX em Moçambique. Aliás,
a formação dum espaço etno-cultural nos planaltos do nordeste moçambicano e do sul da
Tanzânia, com este não terá sido o resultado da resistência e refúgio ao comércio de escravos?

Referem os documentos que escravos Maraves e/ou Niassas eram conduzidos pelos
negreiros para o litoral oceaníndico. Sabemos hoje que estas pessoas provinham de horizontes
culturais díspares e de entidades étnicas de que pouco sabemos. Concluir que eram Cheuas,
Nianjas, Nsengas e de outras etnias conhecidas hoje é não compreender o processo histórico
de formação destas entidades.

Os Chicundas (Atxikunda), esses guerreiros cativos do Vale do Zambeze foram, ao


serviço dos senhores dos Prazos, os grandes capturadores de gente para a escravização. Ora,
pela sua origem muito heterogenia, acabariam por ser eles a dar origem em Sena aos Asena,
em Tete aos Nyunguès, em Quelimane aos Chuwabos, no Baixo Zambeze aos Podzo, no Alto
Zambeze aos Chicundas propriamente ditos, tudo etnias surgidas no termo do comércio de
escravos quando esses homens passaram a ser localmente utilizados como força de trabalho
pelo capital colonial moderno.

7 O termo Bororo foi por vezes utilizado para indicar a população lómwè do vale do Chire (NURSE, 1975).
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Independentemente do significado socio-etnológico, antigo e actual, destes e de outros
epónimos, todos eles remetem, assim como os nomes geográficos vistos mais acima, para
entidades e regiões moçambicanas de hoje. Isto é, todos os escravos que foram rotulados nos
portos de Moçambique, ou no destino como provenientes destes portos, passaram a ser
"moçambicanos", mesmo sendo provenientes de territórios que estão hoje para além das
fronteiras do país.8

É ao conjunto desta gente que foi conduzida como mercadoria para terras longínquas e
aos seus descendentes que se costuma designar por diáspora, conceito usado com bastante
hesitação, pois ele não significa aqui a deslocação de um povo ou parte de um povo para terras
distantes, quaisquer que tenham sido as causas, mantendo aí a mesma identidade ou
adquirindo com o tempo uma identidade própria com memória da anterior; o conceito usado
significa tão só a transposição geográfica, quase sempre violenta, de gente que acabou
"malgré-lui" por participar no destino à formação de novas identidades, perdendo a maioria
dos traços socio-culturais da origem. Por isso, neste último sentido, não existe propriamente
uma diáspora de gente deste território que é hoje Moçambique nas ilhas do Oceano Índico e
muito menos nas Américas; o que existe são sociedades insulares no Oceano Índico com uma
frágil memória das suas origens, na composição das quais participaram vários elementos
culturais africanos, levados, entre outros, por milhares daqueles que viriam a ser chamados
mais tarde "masombiky" ou "makua". Como anotou Alpers (2000, p. 85), "embora a diáspora
africana no Oceano Índico tenha raízes bastante antigas e não totalmente resultante do
comércio de escravos, foi essencialmente o tráfico esclavagista e a migração forçada durante a
maior parte do século XVIII e todo o século XIX que deram origem a comunidades africanas
insulares".

Vejamos algumas dessa memória.

Os "idiomas da praia" ou kiswahili de Moçambique tinham (e têm) pontos comuns de


entendimento com os falares comoreanos.

Segundo Marie-Françoise Rombi (1983), muitas das canções entoadas ainda hoje na
Ilha Mayotte, nas Seichelles, durante a narração de um conto popular têm a mesma forma e
textura literária da época que foram para ali levados pelos escravos. O linguista moçambicano

8Em 1875, um almirantado inglês estimava em 200 mil o número de "moçambicanos" que viviam nas terras altas
de Madagascar (CAPELA, 1985, p. 29).
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José Mateus Katupa, colaborando com aquela investigadora, pôde constatar que muitas destas
canções eram ditas em falares do norte de Moçambique.

"Em Madagáscar, o carácter hierárquico da sociedade Malgache era uma matéria


politicamente sensível impondo o status de escravo aos descendentes de escravos, questão que
só muito recentemente foi abordada pelos intelectuais nacionais. Para estes africanos orientais
escravizados em Madagáscar, que eram referidos pelos Malgaches como 'Mosambika' e
'Makoa', o estatuto de escravos e origem africana estavam essencialmente ligados, e o estigma
persistiu até à actualidade (Alpers, 2000, p. 87; Razafiarivony, 1996; Sharp, 1993, p. 59, 68,
77; Rakotomalala; Razafimbelo, 1985). Comunidades "moçambicanas" ditas "Makoa"
mantiveram até uma data muito recente em Madagascar, principalmente em Ngazidja e
Maintirano, costumes ancestrais africanos (Verin, 1985; Molet, 1955, p. 29-31). Sugere Noel
Gueunier (2003-2004) "que pelo menos alguns dos "Makoas" em torno de Maintirano clamam
ter vindo para Madagascar no século XIX como comerciantes e não como escravos". Ora a
confirmar-se este facto seria mais provável que se registassem ali vestígio mais nítidos da
cultura africana, o que parece não ser o caso. Escreveu Luc Molet (1955, p. 29-31) que a
identificação etnológica dos makoa é relativamente clara: trata-se de africanos transportados
para Madagascar na época do tráfico de escravos que foram criando raízes na Ilha, sobretudo
após a abolição de 20 de Junho de 1877 e da efectivação da abolição em 1897, e que o poder
da consciência popular foi mantendo na memória a sua ligação com África (ALPERS, 2003b,
p. 31). Antropologicamente falando, os "Makoa" são indivíduos de raça negra e cabelos
crespos ou em "grão de pimenta" que, tornando-se malgachofones, conservaram na Ilhas de
Sainte-Marie e Nosy-Bé, em Sambirano e no cabo de Saint-Sébastien apenas algumas palavras
africanas, mas que mantiveram na sua música, nos seus costumes, na sua cultura material
muitos vestígios originários do Velho Continente, pelo menos até aos anos 50 deste século.
Apesar da grande miscigenação a pertença a um fundo africano é visível nos traços do rosto,
na estatura, nos cabelos, etc., e os mais velhos não escondiam, em 1950, serem masombiky,
isto é, reconheciam a sua origem não-malgache (ALPERS, 2003b, p. 31, sublinhado meu,
E.M.).

Alpers (2003b, p. 35) escreveu por seu turno que os "Makoa tendiam a viver em aldeias
distantes dos seus vizinhos Malgaches, mesmo depois da sua emancipação em 1877. Esta
situação criou duas áreas principais de concentração habitacional, à volta de Nosy-Bé e de
Tambohorano, entre os Sakalavas, e em grupos mais isolados em Imerina. O facto de viverem
em aldeias distintas parece ter facilitado a preservação da língua "makoa" pelo menos até à
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década de 20 deste século, quando muitos "Makoa" desistiram de ensinar o seu idioma aos
filhos como desejo de pertença à sociedade malgache, embora este processo não tenha sido
nem fácil nem completo. Mesmo onde os "Makoa" conseguiam uma integração total, o seu
estatuto como descendentes de escravos criava barreiras que eram difíceis de ultrapassar. Por
exemplo, numa comunidade que vive nas proximidades da capital nacional, onde no século
XIX os homens serviam como pedreiros para a construção dos principais palácios,
constituindo somente a quarta parte da população, eles eram mais ou menos forçados a
continuar a casar endogamicamente, embora um dos seus membros tenha sido eleito autarca
regional. Esta restrição mantém consequentemente certas características africanas visíveis a
olho nu que eram inibitórias a uma total integração social. Mais, o nome Malgache pelo qual
os "Makoa" ou "Mosambiky" são conhecidos é "Zazamanga", termo que reforça a separação,
já que "zaza" significa criança e "manga" significa azul, forma malgache de designar o negro
africano (Razafiarivony, 1996). O problema bem surpreendente é o pesado fardo dos "Makoa"
continuarem a falar ambas os idiomas locais, o malgache e o "makoa" (RAKOTOMALALA;
RAZAFIMBELO, 1985). Em ambos os casos é evidente que o funcionamento da mais alta
estratificação social "Makoa" continua igualmente a funcionar em desvantagem para os
africanos em Madagascar; mesmo na região sakalava a existência de um conjunto de anedotas
entre os "Makoa" e entre os seus vizinhos malgaches sobre cada um dos dois grupos
evidenciam a existência de um distanciamento social (RAJAONARIMANANA, 1987).
Assim, a preservação da cultura africana foi variando, todavia, tão recentemente como nas
duas últimas décadas, investigadores obtiveram sucesso na recolha de contos populares e
palavras em "makoa" entre os membros mais idosos da população (GUEUNIER, s.d.;
SHRIVE, 1977). Finalmente, um diferente tipo de consciência africana existe na ilha de Nosy-
Bé onde a população negra é poeticamente conhecida em kiswahíli por "Maganja", termo
provavelmente proveniente do lago Niassa, e que terá dado origem, pela via dos escravos, ao
maior stock populacional africano da ilha (GUEUNIER, 1983). Claro está que tanto o
epónimo "makoa" como "maganja" designam mais propriamente eventuais origens africanas e
moçambicanas do que etnicidades específicas.

Em 1835, o número de escravos nas Seychelles era estimado em 6521, assim


distribuídos segundo a origem: Mozambiques, 3924, Crioulos, 2231, Malgaches, 282,
Indianos, 38, Malaios, 3 e, de procedência desconhecida, 43. A população total do
Arquipélago era na altura de 7500 habitantes, o que significa que os "não escravos" nem
sequer perfaziam o meio milhar (FILLIOt, 1982). De 1861 a 1870, cerca de 2500 africanos

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libertos noutras Ilhas do Índico foram reconduzidos para as Seychelles. Graças a esta mão-de-
obra adicional, o Arquipélago pôde transformar a sua agricultura e desenvolver plantações de
coqueiros que se tornaram a principal riqueza das Ilhas. Em 1871, as Seychelles estavam em
condições de pedir o fim da gestão tutelar da Maurícia e exigir a autonomia e ao mesmo
tempo a imigração de um maior número de africanos libertos (LY-TIO-FANE PINCO, 1979).
Uma tão pequena população e de origens tão diversas não permitiu aos "moçambicanos" ali
presentes manter as suas línguas e culturas-mães. Mesmo assim, fala-se ainda nos anos 70 do
século XX dos antepassados macondes, macuas e maraves. Vimos mais acima o
entendimento destes vocábulos para a época esclavagista; há trinta e quarenta anos atrás eles
tinham já outra fixação etnoplógica.9

No tempo da escravatura nas Ilhas Seychelles, como, aliás, nas outras Ilhas do Oceano
Índico, não era raro fugirem escravos das plantações e das casas dos seus amos para procurar a
liberdade no fundo dos bosques ou em locais distantes e de difícil acesso. Os escravos que
conseguiam a liberdade por esta via, a única possível, eram designados em todas as Ilhas do
Oceano Índico pelo termo marrons, e o fenómeno em si mesmo pela locução adverbial
marronage.10 Foram essencialmente estas comunidades do kilombo que recrearam as suas
identidades africanas.

Para as Ilhas Mascarenhas (Maurícia e Reunião) vejamos o seguinte.

À medida que os escravos iam sendo desembarcados nas Mascarenhas procedia-se ao


seu rateio pelos diversos proprietários das plantações. Deste modo, nunca se chegavam a
constituir comunidades oriundas da mesma procedência com efectivos suficientemente
numerosas capazes de manter vivas as respectivas línguas e culturas e transmiti-las às
gerações seguintes. Foi certamente essa uma das razões pela qual não se encontram ali muitos
vestígios culturais do Moçambique étnico actual. Sabemos pelos registos de algum comércio
que, no caso particular dos "moçambicanos", a maioria dos escravos eram originários das
sociedades matrilineares do norte do país. Ora nestas sociedades o princípio de filiação
unilateral é definido por via feminina e a transmissão do saber dos anciãos e da cultura fazia-
se e faz-se ainda hoje no seio dos grupos sororais. Como no cativeiro a probabilidade de
casamento com uma mulher da mesma origem cultural devia ser reduzida, a constituição de

9 Vide a obra do administrador etnólogo António Rita-Ferreira dos anos 60.


10 Segundo o investigador francês Jean-Michel Filliot (1982, p. 60), o vocábulo “marron, que por sua vez é
derivado do castelhano “cima”, designava “bosque” e os animais domésticos que nele se refugiavam.
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grupos estruturados segundo a tradição étnica era praticamente impossível. A descendência,
que, aliás, continuava a ser escrava, passava a ser socializada numa cultura local muito
heterogénea, embora a mãe fosse o motor fundamental da transmissão cultural.

Em 1787, a população da Maurícia era estimada em 40.439 habitantes, dos quais,


33.832 eram escravos; em 1827, o número de habitantes subiu para 92.997 pessoas, sendo
68.962 escravos (LY-TIO-FANE PINCO, 1985). No segundo quartel do século XIX, dentro
da categoria "escravos", puderam ser registados 40 a 45 por cento de "Mosambiques", 30 a 35
por cento de Malgaches, 10 a 15 por cento de Hindús. Em 1834, a Maurícia e as Seychelles
tinham conjuntamente uma população de cerca de 70 mil pessoas. Em 1848, havia na Reunião
60 mil escravos. Mas estes números relativos à população servil não representam senão uma
ínfima percentagem dos indivíduos arrancados às suas sociedades africanas. Segundo Jean-
Michel Filliot (1985), dos 620 "moçambicanos" (sic!) embarcados em 1739 com destino às
Mascarenhas, 360 morreram durante a viagem. O mesmo investigador acrescenta que entre
1777 e 1808, a mortalidade atingia 21 por cento dos escravos a bordo dos navios. Quanto a
Gaétan Benoít (1985), este autor considera que a Ilha Maurícia foi o túmulo de mais de um
milhão de africanos desde o início da escravatura até 1869.

A Maurícia tinha por volta de 1980 uma população de cerca de um milhão de


habitantes, da qual, mais de duzentos mil podia reivindicar uma origem africana (Moutou,
1985), sendo uma parte de "masombiky" Maraves, Senas, Macondes, Makoas, Machonas e
Yemvanes (REDDI, 1985), segundo as listagens negreiras.

Há pois evidências de que africanos e malgaches nas Mascarenhas estavam conscientes


das suas raízes. Na década de 1840, o viajante etnógrafo francês, Eugène de Froberville (1847;
1852), entrevistou mais de 300 nativos da Africa oriental, dentre os quais cerca de 50 tinham
deixado recentemente as suas terras natais. Na busca de informação sobre os seus costumes e
tradições, Froberville recolheu 60 máscaras e figurinos. Foram desenhados 50 retratos com
tatuagens características que estas "raças" gostavam de traçar nas suas caras e nos seus corpos,
e 31 vocábulos da sua linguagem. Entre as pessoas de quem recolheu esta informação havia
Macuas, Niambanas, ambos de Moçambique, e Ngindos do interior sul da actual Tanzania.
Uma década depois, um missionário britânico pioneiro notou que os escravos livres
mantinham superstições e praticavam ritos idólatras peculiares da sua terra natal, incluindo o
respeito pelos seus antepassados. Eles utilizavam objectos adivinhatórios para prever o futuro

176
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
e geralmente traziam um talismã conhecido pelo nome de grisgris (BEATON, 1971, p. 78-
80).

O que acabámos de escrever nestas últimas páginas sobre a diáspora mostra que a
procura identitária faz apelo a uma memória que vai para além da memória vivencial do
comércio negreiro, e que foi tomando os rótulos classificatórios deste comércio que se
inscreveram a construção das identidades. A existência de "Mosambiky", "Makoa",
"Manhambanes" e outros na diáspora mostra quanto a mim a "moçambicanização" que se
começou a fazer nas praias do Oceano Índico ocidental, entre o Rovuma e o Incomati.

Anexo: Notas para o estudo da formação das entidades étnicas dos povos de língua(s)
emakhuwa e elómwè e advento da etnicidade macua e lómuè

Os macuas e os lómuès têm sido por vezes considerados como uma mesma entidade
étno-cultural e outras como duas entidades distintas. Seja como for, juntos constituem hoje a
maior área linguística de Moçambique com maior grau de afinidades.

Segundo os dados do censo de 1980 (Moçambique-Ministério da Educação, 1986, p.


46), 26,7% da população do país tinha como língua materna uma das múltiplas variantes
dialectais do idioma emakhuwa, termo pelo qual os linguistas têm vindo a nomear o conjunto
de dialectos e falares desta zona de Africa, incluindo o elómwè (PIRES PRATA, 1946, p. 47-
48; NUCLEO DE ESTUDO DE LINGUAS MOZAMBICANAS, 1989, p. 42).

O território tradicional dos povos falando emakhuwa e elómwè é, grosso modo, limitado
a leste pelo oceano Índico, a oeste pela fronteira do Malawi, a norte pelo rio Messalo e a sul
pelo rio Lualua; outrora , estendia-se também para as terras da margem esquerda do rio
Zambeze a jusante do rio Chire, mas repetidas passagens por estas paragens de outros povos e
a formação de um novo complexo socio-cultural na zona fez deslocar mais para norte a
fronteira linguística macua-lómuè, embora a influência idiomática e cultural se tenha mantido

177
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
no vale até aos nossos dias,11 por exemplo, nas línguas e organização socio-familiar
echuwabo, epodzo, etc.12

Este imenso território foi sendo povoado desde o início da nossa era, ou mesmo antes,
por comunidades de cultivadores de cereais africanos, conhecedoras do fogo e da metalurgia
do ferro. Até cerca de 1000/1500 este longo período tem vindo a ser designado pelos
arqueólogos por Idade do Ferro Inferior (IFI). A arqueologia tem avançado também para esta
época a hipótese de uma agricultura embrionária de origem local.13 A partir dos séculos XI e
XVI d.C. novas migrações de povos falando línguas bantu terão chegado à região dando
origem àquilo que os cientistas das escavações designam por Idade do Ferro Superior (IFS).
Estas migrações, que se prolongaram até à ocupação colonial moderna terão sido mais rápidas
que na Idade do Ferro Inferior (IFI) a ponto de terem provocado mudanças bruscas na tradição
da olaria (ADAMOWICZ, 1987, p. 76). O estudo dos vestígios de cerâmica sugere aliás três
tradições distintas (ADAMOWICZ, 1987, p. 79): (i) uma tradição do interior, relacionada com
a IFS do Malawi e Zâmbia; (ii) uma tradição do interior mas endógena resultante de
transformações ocorridas naquela; (iii) uma tradição costeira, estando esta última relacionada
com as migrações e comércio a longa distância através do oceano Índico ocidental e o advento
da civilização swahíli.14 Devemos incluir nestas migrações a expansão económico-militar dos
maraves (futuros cheuas-nianjas) nos séculos XVI15 e nos séculos XIX16, e dos angoni, na

11 O misionário português Frei João dos Santos (1891, Vol. I, p. 250) relata alguns desses acontecimentos
ocorridos no vale do Zambeze no século XVI.
12 "A lingua falada entre os nossos pretos da Missão dos Santos Anjos de Quelimane é a dos povos macuas; mas
o vocabulário de Quelimane contém certo número de termos extrangeiros derivados dos idiomas de Sena
(cixona) e de Tete (cinhungwé). O dialecto próprio de Quelimane, dito echuwabo, fala-se desde a ponta de
Tangalane até uma 15 léguas do interior, na direcção do Boror e até ao rio Licungo. Contudo pode-se dizer que a
língua é substancialmente a mesma no imenso território comprehendido entre o rio Rovuma e seu afluente o
Lugenda até ao Lago Chirúa e d'este Lago até à embocadura do Licungo, com a excepção de algumas povoações
situadas entre as villas de Ibo e Tungué na costa até ao planalto de Mavia no interior, e também das povoações da
Maganja da Costa, cujo dialecto é semelhante ao de Tete. De modo que o missionário que falasse a língua de
Quelimane se familiarisava facilmente, e em pouco tempo, com os mais dialectos macuas dos differentes
territórios que acabámos de descrever" (DESMAROUX, 1895, p. 115-116).
13 Algumas estações escavadas recentemente na província de Nampula sugerem que pequenos grupos de
habitantes ou só de mulheres tenham começado a praticar a agricultura (ADAMOWICZ, 1987, p. 47-144).
14 Sobre o comércio no litoral do Índico ocidental, entre o Zambeze e Zanzibar, e sobre a civilização swahíli
existe uma valiosa bibliografia, vamos apenas referir alguns trabalhos: RITA-FERREIRA, 1992; SINCLAIR,
1987; TEIXEIRA DUARTE, 1987. Para as comunidades suahilizadas do litoral norte moçambicano, sobretudo
de Angoche e ilhas Quririmbas os estudos são mais frágeis: LOPES BENTO, 1992. Sobre as transformações
ocorridas no interior das "terras firmes imediatas" relacionadas com esta civilização swahíli algumas hipóteses de
trabalho foram avançadas por RITA-FERREIRA (1989).
15 A expansão dos maraves no século XVI ficou conhecida em Moçambique por "invasões zimbas". Rita-
Ferreira (1975, p. 206) diz o seguinte: "em 1580 sobreveio a terrível invasão dos canibais zimbas, identificada
pelos modernos etno-historiadores como uma ofensiva militar lançada por um dos Lundos, reis do ramo
manganja dos Maraves, possivelmente com vista a monopolizar as rotas comerciais com o litoral".
178
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
segunda metade do século XIX.17 Para além destas migrações, incluindo dos árabe-swahíli há
ainda a registar a presença europeia e asiática no litoral e no vale do Zambeze desde o século
XVI, com grande impacto de indianos a partir do século XVIII nas terras do interior.

Foram os vários povoamentos e contactos de culturas, incluindo com sociedades de


caçadores-colectores preexistentes, e todas as migrações e movimentações de gente até aos
tempos modernos, que deram origem não só aos actuais povos macua e lómuè como a todos
os outros do norte de Moçambique, macondes, muanes (mwani), cotis (akoti), ajaua (ayao),
nianjas (anyanja), angones (angoni), chuabos (Xuwabo), etc.

Durante os últimos cem anos registou-se uma forte expansão populacional de falantes
emakhuwa para a faixa costeira de Cabo Delgado, vale do Rovuma e para as terras a norte do
rio Lugenda, na província do Niassa.18 Esta expansão foi motivada, (i) pelo fim do tráfico de
escravos; (ii) por dois tipos diferentes de administração colonial entre 1894 e 1929, o distrito
de Moçambique (actual província de Nampula), da responsabilidade directa do governo
português e nos territórios das actuais províncias do Niassa e de Cabo Delgado da
responsabilidade da Companhia (Majestática) do Nyassa; (iii) por um rápido crescimento
demográfico; (iv) pela procura de novas terras de cultivo, já que as companhias coloniais se
foram assenhorando progressivamente, desde os anos 30, dos melhores terrenos nas regiões
orientais e centrais da Macuana, da alta Zambézia e do sul de Cabo Delgado.

Duas importantes comunidades de falantes emakhuwa e elómwè de origem


moçambicana vivem hoje na Tanzania (macua) e no Malawi (lómuè), devido a uma antiga
emigração que teve uma particular incidência no último quartel do século XIX e primeiros
decénios do nosso século. A análise destas emigrações sai fora do campo de estudo do
presente texto; avancemos contudo que o último e mais importante destes fluxos migratórios
esteve relacionado com a conquista e ocupação coloniais e com os diferentes sistemas de
exploração capitalista de aquém e além fronteiras. António Rita-Ferreira19 escreve que o

16 Sobre a expansão e reinos maraves há uma vasta literatura. Destaco: NEWITT, 1982; RITA-FERREIRA,
1966.
17 MEDEIROS, 1995; MEDEIROS, 1997. Para a história da imigração e da actuação dos grupos angoni no
norte de Moçambique poderá consultar: RITA-FERREIRA, 1982; PÉLISSIER, 1984, Vol. I. Para o estudo mais
aprofundado deste e outros povos da região do lago ver: TEW, 1950, p. 1-50; ALBERTO, 1967/68, p. 47-93;
LINDEN, 1972, p. 237-251; NURSE, 1973, p. 7-14; PACHAI, 1972, p. 179-214. RANGELEY, 1966, p. 62-86;
READ, 1956; MATOS, 1965, p.66-68.
18 Sobre o povoamento das terras a norte do Alto Lúrio no dobrar do século, ver: IVALA, 1993; LIESEGANG,
não publicado.
19 Em 1921, 1931 e 1945 o número de lómuès recenseados no Malawi foi respectivamente de 120.000, 130.000
e 380.000 pessoas: Rita-Ferreira, 1975, p. 208). Sobre o Povo macua (Makhuwa) da Tanzania, existe uma
179
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
grande êxodo dos lómuès em direcção ao Malawi teve lugar entre 1897 e 1907, quando a
vasta região que habitavam foi definitivamente ocupada pelas forças portuguesas.

Numa perspectiva histórica e antropológica não existem estudos aprofundados sobre a


formação dos diferentes grupos tribais de língua(s) emakhuwa e elómwè, originários ou não
de um mesmo tronco comum; não existem tão-pouco estudos arqueológicos e linguísticos
sobre esse eventual tronco; e só recentemente se começou a estudar a formação, nesta última
centúria, de uma área cultural relativamente homogénea, dividida em duas subáreas com
características próprias, fruto da colonização moderna e da acção missionária.20

II

Quando se advoga que os macuas e lómuès actuais são os representantes directos


(sublinhado meu, E.M.) de antigas comunidades de cultivadores de língua emakhuwa e
elmówè nesta região da Africa Austral (ADAMOWICZ, 1987), passa-se em silêncio toda a
problemática do primitivo povoamento por povos de línguas bantu da Idade do Ferro Inferior
(IFI), da ocupação do território por povos de línguas bantu da Idade do ferro Superior (IFS),
do contacto de culturas, da miscegenação, e do isolamento de comunidades devido às guerras
e às razias para a caça ao homem a fim de escravizá-lo.

Surgiram então formulações deste tipo: “entre os anos 800 e 1000 d. C. acentuou-se a
separação dos principais grupos proto-macuas (sic!): o do norte e leste deram origem aos
macuas modernos; o do sul e oeste deram origem aos lómuès e aos lolos” (RITA-FERREIRA,
1975, p. 205). Ora nenhuma documentação arqueológica permite uma afirmação deste tipo e
estes epónimos só poderão ser usados para essas épocas remotas como locativos, não como
designações de etnias. O mesmo se passa com esta outra acepção: "alguma evidência
arqueológica sugere que os macuas se espalharam para a região norte de Moçambique
(provenientes) da Tanzânia central e do Malawi e/ou do leste da Zâmbia ao redor do ano 1000
d.C. onde assimilaram os agricultores bantu da IFI e grupos de caçadores-recolectores da área
(indo absorver no litoral Índico) elementos das culturas árabe e swahíli" (ADAMOWICZ,
1987, p. 78), o que significaria a existência de macuas antes da formação da etnia em
Moçambique! Ora, de acordo com esta lógica, se tivessem chegado grupos já com etnicidades

bibliografia numerosa. Para além da obra de Alpers (1975), referenciamos aqui algumas das mais conhecidas:
HARRIES, 1942b; HARRIES, 1942a; HARRIES, 1941; SCRIVENOR, 1937; WHITELEY, 1954;
WOODWARD, 1935. Sobre os lómuè do Malawi e as imigrações que para aí os conduziram são de referir, entre
outros, os estudos de: BAKER, 1961; CHAFULUMIRA, 1956; PRICE, 1952.
20 Sobre a etnicidade macua, ver, entre outros, os trabalhos de Medeiros e de Christian Geffray (2000).
180
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
próprias, pelo menos alguns deles teriam deixado traços culturais pelo caminho, facilmente
identificáveis; infelizmente, nada, até hoje, nos demonstra mais daquilo que vai para além do
que é comum aos grupos de línguas bantu no seu todo, e no caso do norte de Moçambique, o
que é comum à grande área matrilinear entre o rio Congo e o rio Zambeze.

Manuel Simões Alberto (1947, p. 22) vai ainda mais longe nesta ideia de considerar os
macuas como uma etnia vinda do passado quando afirma que os "macuas" são o grupo mais
antigo desta parte da África Austral, "acrescentada a particularidade de serem os que menos
alterações têm sofrido e terem ocupado sempre a mesma situação geográfica desde o seu
remotíssimo estabelecimento na área que ocupam".

Mesmo admitindo como certo que tenha havido um núcleo central comum de onde terão
nascido os actuais macuas e lómuès não se pode afirmar com rigor científico, ao contrário do
que tem vindo a ser feito, que já se designavam ou eram designados macuas e lómuès ou
outros etnónimos conhecidos hoje, porquanto todos estes nomes só muito recentemente
passaram a designar um conjunto de populações com línguas e organização socio-familiar
afins, resultante de uma longa história local, para a qual contribuíram movimentos sucessivos
de populações diversas, contactos de culturas muito diferentes, e transformações geopolíticas
de envergadura vária (MEDEIROS, 1977; MEDEIROS, s/d; MEDEIROS, 1980; MEDEIROS,
1993). As diferenças que se observam desde a ocupação colonial do fim do século XIX entre
comunidades dispersas pelo vasto território setentrional resultaram historicamente do
isolamento de certos agregados e do predomínio de determinadas linhagens de clãs diferentes.
E foi porque tinham uma organização socio-familiar idêntica e que falavam idiomas
aparentados e com frequência inter comunicáveis que passaram a ser designados por igual
pelos estrangeiros: árabes, primeiro, europeus em seguida.

O mal entendido situa-se em torno da origem e significado dos etnónimos com os quais
foram sendo designados os diversos povos do território e da ausência de uma perspectiva
histórica que conduza à compreensão da formação de especificidades socio-culturais,
incluindo linguísticas.

Ainda no último quartel do século XIX e primeiros decénios deste século, João de
Azevedo Coutinho (1931, p. 38) fazendo eco das ideias da época em que escreveu sobre o
norte de Moçambique diz que “os makuas parecem ser a raça autochthona ou aborígena da
própria região que habitam”, designando por este etnónimo vários grupos, dos quais destaca
“os medos, os makondes, os mavias e os lómués” (grifo meu, EM). Esta maneira de
181
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
considerar "macuas" todos os povos do norte continuava a ser a mesma que fora utilizada por
Frei João dos Santos (1891, Vol. I) no fim do século XVI, que nomeava indiferenciadamente
“cafres macuas” os povos que viviam pelo sertão dentro para além do porto de Quelimane, da
Ilha de Moçambique e das Ilhas Quirimbas, como diziam aliás os árabes e os islamizados que
viviam na costa e no vale do Zambeze. Só à medida que o mercantilismo e o capitalismo
moderno foram envolvendo num mesmo espaço indiferenciado de influências económicas e
políticas coloniais populações distintas dos chamados maraves, povos conhecidos como
diferentes desde o século XVI, cujo epónimo passou a ser usado desde o século XVII, e dos
mujaos (ajaua) do século XVIII, é que o termo macua passou a designar um espaço
linguístico mais preciso, particularmente no hinterland da Ilha de Moçambique, ou seja, parte
conhecida naquela época da actual província de Nampula. Mas o termo ainda não era utilizado
por aqueles a quem se destinava, nem o seria tão cedo. Ele servia apenas para designar os
povos daquele sertão. E aquando da conquista colonial os portugueses tomaram o etnónimo
macua para designar todas as unidades sociais clãnicas e linhageiras do distrito de
Moçambique (actual província de Nampula) sem qualquer pressuposto científico da
etniciadde desses povos. Ainda em 1946, o Padre António Pires Prata escrevia o seguinte:
"teremos que continuar a usar o (termo macua) (sublinhado meu, E.M.) para designar a
maioria da população do Niassa21, embora, com o sentido pejorativo que envolve não seja
grato aos ouvidos indígenas (grifo meu, EM)" (PIRES PRATA, 1946, p . 47-48).

As comunidades domésticas do território dessa "macualândia" eram nomeadas pelos


vizinhos imediatos ou chamavam-se a elas próprias por epónimos de cariz geográfica ou
geofísica relativa às regiões onde viviam. E quando algumas diferenças linguísticas e de
"hábitos e costumes" foram notadas pelos portugueses o termo macua restringiu-se ainda mais
surgindo no século XVII o epónimo bororos e, mais tarde, no século XIX, o de lómuès para
os povos da Zambézia, mais uma vez sem discernimento e mero rótulo de catálogo. Só no
final do século XIX, aquando da ocupação colonial militar, é que os mais lúcidos
colonizadores, como Coutinho, Amorim e Lupi se aperceberam que as populações que
conquistavam tinham outros nomes e que o termo macua, e de uma maneira mais ignorada e
hesitante o termo lómuè, por isso a junção macua-lómuè, remetia, quanto muito, para uma
área cultural relativamente homogénea, com as suas variantes dialectais e costumeiras. O
subsequente domínio e exploração coloniais made in Portugal anularam as fronteiras das

21Nome pelo qual era designada em 1946 o norte de Moçambique que englobava as actuais províncias de
Nampula, Cabo Delgado e Nissa, com a capital na cidade de Nampula.
182
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
distintas entidades tribais e começaram lentamente a dar origem à formação de uma vaga
consciência supra-tribal de ser-se idêntico entre o Ligonha e o Lúrio com prolongamentos
para o Niassa e Cabo Delgado por causa das migrações de linhagens inteiras no dobrar do
século, como referi. A peculiar actuação do capital-colonial na Zambézia até aos anos 40
fomentara o termo lómuè, termo de conotação regional que, por isso, passou a ser justaposto
ao termo macua, para designar todos esses povos do Zambeze ao Messalo. Houve mesmo um
autor que considerou deverem todos os macuas ser chamados lómuès por este epónimo ser de
origem local e o termo macua de origem alógena (RAFAEL, 1955-1956).

Os substantivos macua, lómuè, nguru, lolo, boror, etc., só na segunda metade do século
passado e neste século passaram a ser para os estrangeiros um referencial nominativo mais ou
menos preciso e indicador de várias etnias dentro da área linguística dita macua. No passado,
e mesmo hoje, porque de facto ainda não existe uma etniciade macua nem uma etnicidade
lómuè, e muito menos macua-lómuè, apenas se pode afirmar que, no extenso espaço
geográfico do norte de Moçambique do Zambeze ao Rovuma e do oceano Índico aos Lagos,
viveram (e morreram) muitas comunidades independentes com línguas e dialectos aparentados
e com estruturas socio-familiares idênticas e que passaram a ser designadas em conjunto por
uma mesma designação pelo mundo exterior. Aquelas etnias e etnicidades terão surgido em
dados períodos como um produto de estruturação politica e social do controlo da produção
para o comércio de longa distância.

O reverendo António Pires Prata considera que o etnónimo macua (makhuwa) provém
da palavra nikhuwa (plural, makhuwa) que significa "grande extensão de terra", "sertão",
"selva", "deserto", etc. A palavra teve até ao século XX uma acepção pejorativa quando não
mesmo injuriosa ou ofensiva, sendo utilizada pelos islamizados do litoral com o significado
de “rude”, “selvagem”, “atrasado”, "povo gritador e barulhento, mas sem valor"
(MACHADO, 1970, p. 108-109). Por sua vez, o etnónimo lómwè tem origem no termo
nlomwe, que é relativo às características geofísicas de um tipo especial de solo existente nas
proximidades dos montes Namuli, na Alta Zambézia, ou mais simplesmente, a características
geográficas designadas por um locativo particular (LEBOUILLE, 1974, p. 5); portanto,
lómuès seriam todos os povos vivendo naquela região, qualquer que fosse a sua origem e
língua. O vocábulo nguru (oficialmente abolido em 1945 no então protectorado da
Niassalândia e hoje eliminado da terminologia etnográfica) era utilizado pelos wayao do
Lugenda para designar as populações mais a sul, tanto yao como lómuè, ou lómuè e nianjas

183
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vivendo juntos no mesmo território22 e, no entanto, Gaspar Bocarro (1876, Parte 1), na viagem
que fez de Tete a Quíloa em 1616, diz ter atravessado o país nguru, termo que deu anguru, na
região banhada pelo rio Luambala, afluente do Lugenda, muito mais a norte, em pleno
território dos ajaua.

Na realidade, todas as comunidades da região foram adquirindo localmente traços


culturais específicos passando a ser designados pelos vizinhos por diferentes etnónimios dos
quais a tradição oral e a documentação portuguesa fizeram algum eco (PIRES PRATA, 1946,
p. 47-48); e foram tendo também uma evolução histórica diferenciada resultante da sua
dispersão pelo vasto espaço geográfico com características ecológicas regionais particulares,
onde, devido a causas internas e externas surgiram estruturações políticas e económicas
específicas que deram origem a agrupamentos de cariz tribal. Gerhard Liesegang escreve, com
a pertinência que lhe é costumeira, "que os grupos linguísticos não constituíam agrupamentos
políticos" (LIESEGANG, não publicado); no período pré-colonial, acrescenta o mesmo autor,
houve várias guerras entre Estados no interior destes grupos linguísticos, e as relações de
tributação e de aliança ultrapassavam frequentemente as fronteiras linguísticas, como atesta o
facto de um dos mais prestigiosos chefes makhuwa-mmettho da segunda metade do século
XIX, o Mwalia, ter tido tributários ayao, isto é ajaua, e macuas não mmettho. Os angoni do
Niassa e de Cabo Delgado também incorporaram muitas pessoas de etnias diferentes, dando
origem, por exemplo, aos andondes, macondes ngunizados e islamizados (MEDEIROS,
1997). Há mesmo tradições que deixam inferir que alguns grupos tribais da zona mudaram de
língua ou incorporaram muitos elementos de outras línguas; sabe-se, por exemplo, que muitos
nianjas ocidentais foram incorporados pelos ajaua e que há ayao com origem em gente de
língua emakhuwa, e isto devido ao prestígio e às vantagens de se ser reconhecido yao
(singular de wayao) quando se fazia o comércio de longa distância (ALPERS, 1973). Muitos
elementos culturais são comuns aos vários grupos do norte de Moçambique e, como tal, as
diferenças linguísticas não são tão significativas no quotidiano das populações como foi
muitas vezes imaginado na época colonial e pós-colonial. Foram muitas vezes as
congregações religiosas que, num zelo exclusivista de missionação e de prestação de serviços
face às congregações rivais, se puseram a traduzir textos bíblicos e catecismos nos falares

22 Abdallah (1919, p. 35) engloba tanto os ametho como os lómuès nos lolos. Durão (1902, p. 9-11) escreve que
os "anguros viviam na zona que O'Neill (1884, Part II, p. 726) tinha chamado Mihavani; diz ele que "para norte
da cordilheira Marata e M'ruba estende-se o grande país dos anguros"; mas acrescenta, "entre anguros e alómuès
não consegui distinguir a minima diferença (...), e se se chamar anguro a toda esta região que se estende para o
norte do Tacuane e leste da cordilheira Cherima e Comone não cometerei grande erro. Ver tambem: Wegher
(1995-1997); Liesegang, não publicado.
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locais tornando-os assim textos de referência para a formação duma visão etnocêntrica por
parte dos fiéis.23

Das diferenciações históricas e especificidades regionais resultou um conjunto de


subgrupos que tomaram designações locais e que “se foram subdividindo em numerosas tribos
mais ou menos poderosas, perfeitamente independentes entre si, (...) distinguindo-se pela
forma do penteado, pelo modo de limar os dentes e, principalmente, pelas tatuagens, quase
sempre no peito e profundas, e às vezes conjuntamente na testa sob desenhos diversos, em que
predominava o crescente” (COUTINHO, 1931, p. 38).

Os vários estudiosos desta área cultural têm vindo a classificar estes subgrupos, por
vezes muito arbitrariamente, a partir de características dialectais e de um ou de outro traço
cultural que muitas vezes não são significativos e que foram fixados durante a ocupação
colonial moderna. Digamos que nem as diferenças pertinentes nem os modelos estruturais
comuns têm sido cientificamente estudados. E tão pouco se tem estudado o impacto da
colonização no sentido da uniformização destas áreas culturais. De modo que a questão da
etnicidade macua e lómuè ou macua-lómuè, que está a ser construída no contexto político,
económico e ideológico da História Moderna, não apenas da região, como de Moçambique e
de Africa, só pode ser analisada após estudos aprofundados da História Local, História esta
que esteve na origem da formação e morte dos vários grupos e subgrupos macua e advento
moderno da(s) etnicidade(s) deste(s) povo(s).24

Adelino Ivala (1993) fazendo o balanço das tipologias mais recentes de carácter
dialectal propostas até hoje, diz o seguinte: "para uns, as diferenças regionais não passam de
variantes dialectais; para outros, que se guiam por um critério mais arbitrário, enquadram-nos
em subgrupos mais vastos, num âmbito regional. É o caso de Simões Alberto (1961, p. 51-
68), baseando-se em autores precedentes, considera que o grupo Ma-Kua (Macua ou Emakua)
se divide em cinco subgrupos, alguns pouco diferenciados: (i) subgrupo Macua-Litoral, com
uma língua comum falada de Moma a Nacala, passando por Angoxe, Mogincual, Mossuril e
Memba; (ii) subgrupo Macua-Macuana, agrupando os dialectos dos actuais distritos de
Nampula, Meconta, Imala, Eráti e Mogovolas; (iii) o subgrupo Macua-Meto (ou Macua do
Mêdo), as variantes idiomáticas de Montepuez, Eráti, Mecúfi, Mocímboa da Praia e

23 Tenho em meu poder uma bela colecção destes textos, incluindo Biblias, que recensiei em Notas para um
ficheiro bibliográfico das línguas emakhuwa, elómwè e echuwabo de Moçambique (MEDEIROS 1990;
MEDEIROS, 1986a).
185
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
Quissanga, com a variante Acherima, falada em Ribáuè e Malema; (iv) subgrupo Macua-
Niassa, cuja língua é falada em Ribáuè, Malema, Cuamba, Maúa e Marrupa; (v) subgrupo
Macua-lómuè, falado no Alto-Molócuè, Gurué, Ile, Lugela, Milange, Mocuba, Namacurra,
Namarrói, Ribáuè e Murrupula.

No 1º Seminário Nacional dedicado à Padronização da Ortografia de Línguas Nacionais


foi considerada a seguinte divisão linguística (NELIMO, 1989, p. 42): na província de Cabo
Delgado encontram-se as variantes emetto e esaaka; na província do Niassa, as variantes
echirima, elómwè e emmetto; na província de Nampula registam-se as seguintes variantes:
emakhuwa, enahara, esaaka, esangagi, emarevoni e elomwe; na província da Zambézia, as
variantes emakhuwa, elomwe e emarevoni.

Procurando sintetizar todas estas classificações, Ivala (1993) estabeleceu o quadro


seguinte da área cultural e linguística dita macua:

Grupos regionais Idiomas ou Localização (Distritos)

dialectos

Macua central Emakhuwa Ribáuè, Mecuburi, Muecate, Nampula,


Murrupula, Mogovolas, Meconta e Monapo.

Meto emetto Marrupa, Quissanga, Montepuez e sul de


Macomia.

Chirima echirima Metarica, Namuno, Lalaua, Ribéuè, Malema,


Maúa, Nipepe, Cuamba, Mecubúri e Alto
Ligonha.

Lómuè elómwè Cuamba, Mecanhelas, Maúa, Ribáuè, Lalaua,


Gurué, sul de Alto Molócué, Namarroi, Ile, Gilé,
Lugela, Pebane, Maganja da Costa e Mocuba.

Eráti eráti Namapa-sede, Alua e Memba.

24 Uma das graves lacunas dos trabalhos de Geffray (2000) é a não contextualização histórica dos povos do Eráti
(IVALA, 1993).
186
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
Chaca esaaka Namapa, Nacaroa, memba, Mecúfi, Chiúre,
Balama e Ocua.

Marrevone emarrevoni orla marítima de Moma e Pebane.

Nampamela enampamela interior de Angoxe.

Mulai emulai interior de Angoxe.

Coti ekoti Ilhas e litoral de Angoche, e Postos


Administrativos de Aúbe, Larde e Moma.

Sangage esankadji península de Sangage e litoral de Namaponda.

Mongicual emuhikwari faixa costeira de Mogincual.

Naharra enahara Memba, Nacala, Mossuril e Ilha de Moçambique.

Macua de Cabo emakhuwa de Mecúfi, Pemba, Quissanga e Macomia.


Delgado C.D.

Muani kimwani orla litoral de Macomia e Ilha do Ibo.

Macua do Rovuma emakhuwa do R. enclave no vale do Rovuma em Mueda.

Para além das variantes idiomáticas apresentadas no quadro há comunidades como os


Anaphuku de Namapa que falam o enaphuku, e os Asinamuuwa que falam o enamuuwa.
Também o grupo lómuè comporta várias subdivisões na Zambézia que só um trabalho de
campo apropriado poderá identificar (IVALA, 1993, p. 9-10).

Entre grupos vizinhos não existem fronteiras bem definidas; por isso, não é correcto
afirmar-se que dois distritos limítrofes têm subgrupos muito diferenciados. Por outro lado,
devido à mobilidade nos últimos cinquenta anos da população, encontra-se em quase todo este
território núcleos das diferentes variantes dialectais. É justamente este fenómeno que tem
conduzido para a uniformização linguística.

Esta divisão, ou qualquer outra que se lhe assemelhe, tem como únicos critérios os
dados linguísticos conhecidos que são muito precários; ela não define grupos sociais, os quais,

187
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
como referi, podem ser semelhantes ou bem diferentes independentemente da variante
idiomática falada. De qualquer forma é o conjunto de todos eles que aparece sob a designação
genérica de macua-lómuè actual.

É necessário referir ainda que dentro desta grande área cultural se encontram também
alguns pequenos grupos etnolinguísticos exógenos bem distintos dos actuais macua-lómuè;
pois embora tenham vindo a adquirir traços destes últimos conservam muitos dos seus traços
culturais que os distinguem daqueles. É o caso, entre outros, dos maraves, incrustados a oeste
do distrito de Namapa, nos postos administrativos de Mirrote e Muite (MELO
BRANQUINHO, 1969, p. 353). É também o caso dos maganja e dos mwaniga na Maganja da
Costa e em Pebane; dos macololos (makololo), na Morrumbala, e dos ajaua, ao longo das
antigas rotas do sertão, em Namuno e alto Messalo, onde a sua presença esteve relacionada
com movimentações populacionais verificadas nos séculos XVIII e XIX e com o comércio do
marfim e o tráfico de escravos; estes ajaua constituíram-se apenas em pequenas comunidades
sem importantes chefias territoriais, estando mais ou menos “macuanizados”, como, por
exemplo, os namakhoma, no monte Mitukwè, em Cuamba. O mesmo se passou com pequenas
comunidades angoni na região do Messalo, em Cabo Delgado e no alto Lúrio (MEDEIROS,
1997).

III

Durante os séculos iniciais dos contactos com os árabes prémuçulmanos e com os


árabes e arabizados islâmicos e subsequente “suahilização” no litoral africano foi-se
acentuando a diferenciação socio-religiosa entre as populações da faixa costeira, agora
chamadas macas pelos povos do interior, e as populações do sertão designadas genericamente
desde então macuas no sentido que referi mais acima de bárbaros e selvagens. Segundo Mello
Machado (1970, p. 108), "ao longo do litoral os negros maometanos não se confessavam
macuas, por causa daquela significação, dizendo-se de macas, que é uma designação
estritamente religiosa". O termo maca passou a designar a gente Naharra, isto é, da faixa
costeira, ou a gente de Alá (Nahala), ou a gente de Meca, que vive no litoral. O vocábulo
surgiu com este sentido ou por extensão do campo semântico da palavra indígena maka , que
significa sal, ou por deturpação do topónimo Meca. Maca passou a significar a terra do sal e a
gente (muçulmana) da terra do sal.

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Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
Até ao segundo quartel do século XVIII, a principal actividade económica estrangeira no
norte de Moçambique foi o comércio do marfim, controlado nos séculos XVII e XVIII pelo
capital mercantil indiano. Mas este giro das trocas internacionais foi combinado com
frequência com o tráfico de escravos para a Arábia e países islamizados da Índia, Ceilão,
Ungaziza (nome que se dava a Madagascar) e Comores (MELO BRANQUINHO, 1969, p.
353), e com outros produtos da região. Foi sempre assim até aos tempos modernos, só que a
ordem das prioridades mercantis e depois capitalistas se foi alterando ao longo das sucessivas
épocas económicas impostas pelas diferentes etapas da acumulação do capital, a saber:
marfim/escravos/produtos vários25 - escravos/marfim/produtos vários - produtos
vários/marfim/força de trabalho - força de trabalho/produtos vários (principalmente da
agricultura de rendimento). A cada um destes ciclos de pilhagem correspondeu uma específica
organização produtiva e social das comunidades agrícolas e uma geografia política dos
territórios tribais, inclusivamente sob dominação colonial directa.

O comércio de marfim, de escravos e de outros produtos contribuiu certamente tanto


para a diferenciação entre macas e macuas como para as primeiras diferenciações operadas no
seio mesmo das próprias comunidades do interior. Infelizmente, nada se sabe do impacto
provocado pelo tráfico de escravos dessas épocas recuadas; já as consequências da produção e
do comércio sistemáticas do marfim são melhores conhecidas. A caça ao elefante e a
exportação das pontas de marfim deram origem, directa ou indirectamente, à formação de
chefaturas e de pequenos reinos26 nas regiões de maior actividade cinegética e ao longo das
rotas do comércio do sertão. De facto, nesta fase de aquisição de bens para o mercado sem
armas de fogo, ou com canhangulos rudimentares, as caçadas pressupunham uma organização
política centralizada do conjunto de várias linhagens vivendo num dado território e de
caçadores especializados que garantissem ao mesmo tempo a defesa dos territórios
cinegéticos. A produção de marfim para o mercado internacional exigia uma organização
produtiva e política supralinhageira das caçadas com formas específicas de ajuda e de
cooperação. Também o comércio de longa distância exigia a subordinação - pelo parentesco e
pela relação cativo-senhor dos comerciantes caravaneiros e carregadores. Mais ainda: tudo
isto implicava o relacionamento tenso entre chefaturas de caça e chefaturas que controlavam
as rotas do comércio, pois estas últimas não só garantiam a circulação dos produtos trocados

25No ítem de produtos vários incluimos, por ordem de importância e cronológica, cera, metais vários, ambar,
maná, peles, madeiras, urzela, borracha, e a produção agrícola de gergelim, récino, amendoim, algodão, caju, etc.
189
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
mas mantinham também vivas as subordinações sociais e políticas dos caçadores, dos
comerciantes e dos carregadores. O grupo social dominante numa chefatura e num pequeno
reino só o era porque na chefatura ou reino vizinhos havia o seu equivalente, que, para além
da guerra que por vezes se faziam, eram aliados na dominação dos dependentes. Isto foi
sobretudo claro e dominante durante a “produção” e comércio de escravos.27

Várias regiões de maior actividade produtiva e mercantil de marfim podem ser


assinaladas para os períodos anteriores ao século XVII: (i) os territórios entre o rio Luangua e
o Baixo Zambeze, onde se notabilizaram no negócio os maraves, árabes e no século XVII
portugueses; (ii) a chamada “macuana” (isto é, a terra dos macuas) que compreendia
ohinterland da Ilha de Moçambique e terras de caça adjacentes do Lúrio, a norte, e do
Ligonha, a sul, zonas de produção de marfim e de passagem obrigatória das caravanas
provenientes do Niassa e do Chire, respectivamente; (iii) e o território ajaua a nordeste da
actual província do Niassa, centro de irradiação de um próspero comércio regional e à
distância, sucessivamente para Quíloa, Ibo e Mossuril.

O comércio do Luangua e do Chire fez-se até ao século XVII pelo Zambeze e por
Angoche. Quando os portugueses tentaram dominar esse comércio no Vale, na ponta final do
século XVI, os nianjas de aquém e de além Chire lançaram os seus guerreiros em direcção a
Quelimane, entreposto que contornaram para avançar pela rota do Mossuril e continuar para
mais longe ainda, até atingir Quíloa, na actual Tanzania, numa progressão inversa à dos
comerciantes árabes e swahili. A razia dos zimbas,28 nome pelo qual ficaram conhecidos estes
guerreiros maraves, reabriu a rota Chire-Mossuril favorável especialmente aos Lundu, que,
para melhor a controlarem, instalaram notáveis do clã Phiri29 à frente de alguns pequenos
reinos que rapidamente se "macuanizaram" (à excepção do Maurussa), situado no centro da
"macuana", na latitude da Ilha de Moçambique, reino que manteve a sua autonomia durante
muito tempo (RITA-FERREIRA, 1989, p. 344).

26 Por mera questão de exposição deste texto utilizamos o conceito de chefatura para a organização política
descentralizada dos macuas e o conceito de reino para as unidades políticas mais ou menos centralizadas
dependentes dos reinos Karonga e Lundu dos maraves.
27 Prefiro a palavra "produção" do que a palavra "captura" de escravos, porque não havia, à priori, escravos para
capturar, mas sim pessoas livres ou cativas da linhagem para transformar violentamente em escravos pela captura
e dessocialização.
28 Os Zimbas assolaram em sucessivos ataques o reino do Mwenemutapa entre 1585 e 1589, chegaram a Tete por
volta de 1592, tendo sido morto o capitão da Vila e o capitão de Sena mais 130 homens, e em 1593 atacaram
Sena.
29 O ph não é aqui o equivalente português de f, deve ler-se piri com uma aspiração antes do 1º i.
190
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
Tornou-se assim possível o funcionamento pacífico da rota comercial do Zambeze/Chire
ao Mossuril e aos estabelecimentos afro-islãmicos, incluindo o sultanato de Angoche. Além
do ouro do planalto Caranga (ou Karanga), as trocas visavam o marfim, os escravos, os
tecidos de algodão do reino Lundu, contra armas de fogo e pólvora.

No final do século XVII, devido a causas ainda pouco claras, declinou a rota do marfim
do Chire-Mossuril controlada pelos cheua-nianjas. Uma outra foi então aberta pelos ajaua do
Niassa que reorientaram as suas actividades comerciais do marfim e depois de escravos para
Matibane30, deixando de frequentar com toda assiduidade o litoral tanzaniano e de Cabo
Delgado recém ocupado pelos árabes omanitas. Esta nova rota, que tinha origem além Chire e
que passava pelo alto Lúrio, Niassa, Mêto e Ocua no sul de Cabo Delgado, dirigindo-se para o
litoral da macuana passou a estar defendida por cadeia de chefaturas aliadas, na origem das
quais não é estranha, no século XIX, a influência marave e ajua (MEDEIROS, 1985;
MEDEIROS, 1986b).

Foi a guerra dos zimbas e o subsequente controlo do vale do Zambeze que obrigaram os
povos da região a refugiarem-se nas terras altas da actual província da Zambézia. Mas nos
séculos XVIII e XIX, sucessivos grupos formados por algumas linhagens irradiaram das
cercanias dos montes Namuli e foram repovoando as terras da Zambézia, de Nampula, do sul
do Niassa e do sul de Cabo Delgado. Os vales do Lúrio e do Ligonha foram as principais vias
deste repovoamento. Os que ficaram no Lómuè passaram a ser designados pelo nome
atribuído à região (FILLIOT, 1985) por aqueles que partiram, os quais foram tomando ou
designados por epónimos relativos a características geográficas e geofísicas das terras onde se
iam fixando.

A crescente procura de escravos a partir do segundo quartel do século XVIII


transformou os caçadores de elefantes em predadores de homens e os relativamente pacíficos
chefados do comércio em chefaturas de guerra para a defesa e para a captura de gente.

As constantes razias e rapinas para a captura de pessoas e a necessidade de garantir a


condução dos capturados até aos mercados negreiros da costa levaram à formação de cadeias
de alianças entre chefaturas orientadas no sentido poente-nascente, perpendicular ao mar e, de
um modo mais significativo, durante a segunda metade do século XVIII e todo o século XIX,

30 Matibane significa nos dialectos dos islamizados da Costa, terra feitoral, e estendia-se desde a foz do rio Lúrio
até a foz do rio Monapo (MELO BRANQUINHO, 1969, p. 123).
191
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
ao aparecimento de entidades tribais próprias que justificavam, a seu modo, a captura de
estranhos a elas, designados para isso e desde logo, de inimigos e "bárbaros".

Foi este dramático processo fomentado pelo tráfico que originou o aparecimento de um
número elevado de regionalismos e designações tribais. A ocupação colonial do final do
século XIX na sua dinâmica de conquista militar e de exploração económica fixou na letra dos
decretos e nas cartas étnicas os pedaços decompostos de um corpo social dilacerado pelos
imperativos da acumulação do capital à escala mundial. Mais tarde, as palavras de ordem do
progresso do nacionalismo moçambicano contra o regionalismo e contra o tribalismo
ultrapassavam por isso, e muito, a simples necessidade nacional, elas traziam em si a terapia
de males antigos e a sublimação de clivagens profundas entre senhores e escravos. Só que a
formação e reprodução de grupo classista traz em si a construção do outro. E como pelo
passado, hélas, a classe dominante da tribo só o é quando aliada às classes dominantes de
outras tribos para a construção desses outros, e isto, independentemente das guerras.

Assim, o aparecimento de novos espaços sub-étnicos resultou da cristalização num dado


território de actividades económicas e de uma organização política peculiares em torno de um
(ou mais raramente de dois) clã(s) dominantes e de uma chefatura farol à volta da qual
gravitavam as outras relacionadas entre si por liames de parentesco, de alianças ou de
subordinações estruturadas e definidas pela "escravatura doméstica".

É sobejamente conhecida a história dos prazos do Vale. Recordemos aqui apenas alguns
aspectos relativos à problemática deste texto: os prazeiros assentaram a sua força (militar) nas
ensacas de chicundas, cativos-guerreiros provenientes das várias comunidades africanas da
região, mais particularmente no início, de guerreiros chonas e maraves. Os cativos-guerreiros
dessocializados que foram das suas comunidades linhangeiras formavam o grosso de todos os
exércitos do Vale até à ocupação colonial capitalista do fim do século XIX. As ensacas de
chicundas constituíam mesmo antes da sua especialização para a caça, para a guerra e para o
comércio, o espaço sociológico privilegiado de acolhimento de todos aqueles que eram
arrancados ou escapavam pela fuga ou pela expulsão à malha apertada da organização
linhageira. Foi esta dessocialização seguida de uma nova organização social nos prazos que
deu aos diferentes grupos de chicundas a disponibilidade e a mobilidade suficientes que
constituíam a força dos Prazos da Zambézia. E, quando alguns desses grupos se
reestruturaram na segunda metade do século XIX em entidades étnicas ou unidades políticas
autónomas, como no Zumbo e na Maganja da Costa, o espaço político que lhes foi acordado

192
Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
pelo colonialismo moderno foi de pouca duração; o exemplo mais notável foi a República
Militar da Maganja, fundada em 1862 e destruída em 1898 (CAPELA, 1990). Dessas e de
outras destruições nasceram entidades étno-tribais que foram integradas nas estruturas dos
povos da zona (ISAACMAN; ROSENTHAL, 1984). Por outro lado, o comércio e as guerras
dos prazeiros e chicundas deram origem, sobretudo a partir de meados do século XVIII, com o
tráfico de escravos, à formação de novas entidades étnicas e sub-étnicas com dialectos e traços
culturais próprios. Os nhungués, senas e minorias com estes relacionados (podzos, gorongosas
e cheringomas) nasceram do caldeamento de elementos culturais e linguísticos heterogéneos,
tanto de povos matrilineares como de povos patrilineares integrados nas sociedades dos
Prazos. Os próprios chuabos são, na Baixa Zambézia, particularmente no distrito de
Quelimane, a resultante deste caldeamento, no qual também participaram árabes, swahíli,
portugueses, indianos e gente das mais variedadas procedências cujas línguas transformaram a
pré-existente (DESMAROUX, 1895, p. 114).

IV

Em guisa de conclusão importa registar o seguinte: no território que é hoje Moçambique


foram existindo ao longo da história do seu povoamento áreas culturais particulares que,
nalguns casos e momentos, deram origem a entidades étnicas e sub-étnicas e a comunidades
políticas mais ou menos homogéneas que se foram transformando, todas elas, ao sabor das
migrações e de outros eventos locais e regionais. Aquando da conquista colonial no fim do
século passado, o processo de formação dessas entidades foi interrompido, tendo sido
igualmente destruídas todas as formas de organização política territorial e tendo sido também
divididos os territórios de alguns povos pelos traçados de fronteiras coloniais. Durante o
domínio subsequente a administração colonial fixou de algum modo múltiplas áreas
linguísticas, mas sem se tornar possível o desenvolvimento e a afirmação de entidades
culturais próprias. As várias partes foram reduzidas a uma só: o colonizado. No processo da
luta pela independência do território colonial, procuraram os nacionalistas, numa perspectiva
estadista, criar um Estado e uma Nação, tendo sido estes dois termos indissociáveis e vistos na
época como entidades sacralizadas, numa cidadania jurídica comum. Ao se afirmar o direito
jurídico sobre o território foi também fixado um direito moral sobre uma comunidade cultural
que se pretendeu também ela, única. Mas por causa da própria dinâmica da luta pela
Independência e das transformações socio-económicas havidas, entretanto, a auto afirmação

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Ponta de Lança, São Cristóvão, v.12, n. 23, jul. - dez. 2018.
de diferentes áreas culturais e linguísticas dentro do Estado começou a dar origem a uma
consciencialização de carácter étnico e a uma etnicidade empenhada na preservação da sua
pureza cultural. As políticas seguidas conduziram, de facto, à etnização do Estado. E desta à
ideia da multinacionalidade e à etno-nação vai um passo.

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Recebido em 31/10/ 2018

Aprovado em 12/12/ 2018

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