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Resolução n.º 58/2009 A ocupação de áreas outrora não habitadas e das rotas
de 29 de Dezembro migratórias de fauna bravia, acompanhado com o aumento
do efectivo da população de elefantes, de 16 475 em 2006 para
A necessidade de uma melhor gestão do conflito entre o homem
22 144 em 2008, tem de certa forma reduzido o habitat natural
e a fauna bravia em Moçambique pressupõe a adopção de uma
destes, daí agravando, por um lado, a competição pelos escassos
estratégia adequada com vista a assegurar a defesa de pessoas e
recursos existentes na natureza, nomeadamente, alimentos e
bens para a satisfação das necessidades humanas e a conservação
água, e por outro lado, pela vegetação por parte dos herbívoros e,
da fauna bravia, tendo em conta a garantia do equilíbrio das
por presas por parte dos carnívoros. Assim, a fauna bravia, para
necessidades sociais, económicas e ecológicas.
sobreviver tem sido forçada a fazer incursões nas machambas
Neste sentido, e no exercício das competências atribuídas dos camponeses onde os herbívoros, tais como, elefante, búfalo,
ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 204 da javali e macaco devoram, por exemplo, o milho e a mandioca da
Constituição da República, o Conselho de Ministros determina: população, enquanto que os carnívoros como o leão devoram o
Artigo 1. É aprovada a Estratégia de Gestão do Conflito gado bovino, o caprino e atacam o homem.
Homem/Fauna Bravia, e o respectivo plano de Implementação Neste contexto, urge adoptar uma estratégia de gestão da fauna
em anexo, que é parte integrante da presente Resolução. que permita reduzir os conflitos Homem/fauna bravia, tendo como
Art. 2. Os Ministérios que superintendem o maneio princípio a satisfação das necessidades de (i) desenvolvimento
da fauna bravia, do ambiente, da administração territorial e de humano (presente e futura geração dos moçambicanos) e (ii)
infraestruturas públicas, são responsáveis pela implementação conservação da fauna bravia no quadro do equilíbrio do ecológico.
da presente Resolução, sob coordenação do Ministério da A Visão estratégica do Governo na gestão do conflito homem
Agricultura. fauna bravia é de assegurar a defesa de pessoas e bens adoptando
Aprovada pelo Conselho de Ministros, aos 11 de Agosto estratégias de gestão do conflito para a satisfação das necessidades
de 2009. humanas e de conservação da fauna bravia, tendo em conta a
Publique-se. garantia do equilíbrio das necessidades sociais, económicas e
ecológicas.
A Primeira-Ministra, Luísa Dias Diogo.
2. Contextualização do Conflito
2.1. Contexto Político – Legal
Desde os tempos mais remotos da história da humanidade,
Estratégia de Gestão do Conflito Homem/ o Homem sempre procurou formas de defender-se dos animais
/Fauna Bravia bravios recorrendo a vários métodos, tais como, afugentamento,
construção de barreiras, colocação de espantalhos, vedação de
1. Introdução
suas habitações e culturas, e em casos extremos recorrendo ao
Apesar do conflito Homem/fauna bravia não ser um fenómeno abate de animais ferozes. Actualmente, a resolução destes conflitos
recente no país, constitui actualmente uma grande e séria varia de acordo com a espécie envolvida e as circunstâncias.
preocupação não só da população, mas também de todos os Com vista a fazer face ao conflito existente entre o Homem
intervenientes na gestão da fauna, pois, este tem estado a crescer e os animais bravios, sucessivos instrumentos legais foram
e a provocar graves danos sócio-económicos com impactos sendo adoptados no país. Na década 60, foi aprovado o Diploma
imensuráveis na vida da população, especialmente nas zonas Legislativo n.º 2496, de 20 de Janeiro de 1965: regime de
rurais. Por isso, o conflito Homem/fauna bravia, consta da vigilância da fauna bravia e actividade de caça em defesa de
agenda e prioridades do Governo, com vista a encontrar formas pessoas e bens. Este instrumento tinha como objectivo defender o
de eliminar ou reduzir os seus níveis, assegurando a protecção Homem, propriedades agrícolas e pecuárias dos animais bravios,
das pessoas e seus bens, incluindo a segurança alimentar. assim como proteger as populações das epidemias transmitidas
pelos animais bravios.
A maior parte dos conflitos existentes no país estão directa ou
indirectamente relacionados com a acção do homem. Embora nas Na década 70, depois da independência nacional, o problema
últimas quatro décadas o número da população da fauna bravia do conflito Homem/fauna bravia foi abordado através da criação
tenha de forma geral diminuído, ainda que continue significante, de brigadas de caça em defesa de pessoas e bens preceituado na
o número da população humana tem vindo a crescer. Os números, Portaria n.º 117/78, de 16 de Maio, cuja actuação consistia na
protecção de machambas através de vedações, afugentamento
mostram que desde o início da década 80 a população humana
ou abate de animais, em casos extremos, ou captura de espécies
do país cresceu de 10 milhões de habitantes para cerca de 20
envolvidas.
milhões em 2007, ou seja, a população humana do país duplicou
nas últimas três décadas. Esta situação terá contribuído para a No fim da década 90, ao ser aprovada a Lei n.º 10/99, de 7 de
ocupação de áreas outrora livres da presença humana permanente Julho, (Lei de florestas e fauna bravia) que regula a utilização
e, portanto, a população de fauna ficou restrita e concentrada em e conservação da fauna bravia, o legislador estabeleceu no
artigo 25 desta Lei, a caça em defesa de pessoas e bens por
determinadas zonas.
brigadas, podendo ser também exercida prontamente por qualquer
Por outro lado, com a assinatura do Acordo Geral de Paz, em cidadão quando se tratar de ataques eminentes. Tornando-se
1992, assistiu-se a um processo de regresso e reassentamento necessário regular os procedimentos deste tipo de caça, o Governo
de milhares de cidadãos deslocados e refugiados nos países aprovou por via regulamentar o Decreto n.º 12/2002, de 6 de
vizinhos. Infelizmente, o processo de reassentamento nas várias Junho, que estabelece no artigo 68 deste Regulamento (i) o
zonas do país centrou-se apenas no Homem, pela necessidade de exercício de caça em defesa de pessoas e bens; (ii) a captura/
desenvolvimento humano, e não tomou em consideração aspectos apanha de ovos, especialmente do crocodilo, para reduzir a
ecológicos, tais como a capacidade de carga dos ecossistemas e população desta espécie, e consequentemente o impacto negativo
as rotas seculares de migração de animais bravios. dos ataques da espécie às populações.
378 — (314) I SÉRIE — NÚMERO 51
Apesar destes instrumentos legais, o conflito continua a queimadas descontroladas, ocupação de rotas de migração dos
constituir um problema sério em quase todo o país, havendo, animais, práticas agrícolas inadequadas (agricultura itinerante
por isso, necessidade de adoptar medidas mais pró-activas e ou nas baixas dos rios), procura de água e pesca nos rios e lagos.
pragmáticas para lidar com a problemática. Por outro lado, os conflitos de origem natural resultam das
2.2. Situação actual do conflito no país interacções inter e intra-específicas das espécies, como por
Apesar da existência de instrumentos legais orientados para exemplo, o crescimento excessivo de algumas espécies, devido à
a defesa de pessoas e bens, tem se verificado uma tendência desequilíbrios ecológicos provocados por fenómenos naturais, tais
crescente da ocorrência de conflito, resultando em impactos como o aumento da população de crocodilos. Em algumas partes
negativos para as pessoas e seus bens. As espécies, tais como, do país, o rio Zambeze é um exemplo deste facto, requerendo,
crocodilo, elefante, hipopótamo e leão são consideradas mais por conseguinte, programas e medidas específicas de controlo,
problemáticas no país. Entre 2006 a 2008, o crocodilo causou como sejam abates controlados e recolha de ovos.
cerca de 66% de vítimas humanas, seguido do elefante com 15%, 2.3.2. Tipos de conflitos
leão com 12%, e o hipopótamo com 6%. Relativamente ao abate Os principais tipos de conflitos no país são caracterizados
de animais em defesa de pessoas e bens, o elefante foi o animal por (i) invasão às machambas e por vezes ataques às pessoas e
mais abatido, seguido do crocodilo e hipopótamo, em números seus bens, por elefantes e hipopótamos, especialmente quando
de 109, 105 e 90, respectivamente, em consequência do conflito buscam água e alimentos ou quando estes animais estão sob
entre o homem e a fauna bravia.
ameaça ou feridos; (ii) ataque às pessoas e animais domésticos,
Embora o crocodilo, o elefante, o hipopótamo e o leão sejam por crocodilos, junto aos cursos de água; (iii) ataque aos animais
consideradas como sendo as espécies mais problemáticas domésticos e invasão aos currais e capoeiras, por vezes ataque
em Moçambique, existem outras ainda que se juntam neste às pessoas, por leões, leopardos e outros predadores, quando
universo de espécies problemáticas, como é o caso de pássaros e feridos, encurralados ou esfomeados; (iv) invasão às machambas
gafanhotos, que têm estado envolvidos na destruição de culturas e perturbação das pessoas em zonas residenciais por macacos e
de cereais, macacos e porcos, envolvidos na destruição de culturas
porcos bravos; (v) invasão a celeiros e machambas e (vi) ataque
diversas.
às cearas pelos pássaros e gafanhotos.
Actualmente os grandes impactos do conflito Homem/fauna
2.4. Experiências da região na mitigação do conflito
bravia estão relacionados com a perda de vidas humanas que se
Homem/Fauna Bravia
tem verificado um pouco por todo o país, assim como a perda
de vários hectares de culturas agrícolas, animais domésticos Os países da região, como a África do Sul, Botswana, Zâmbia e
e outros bens da população. Por outro lado, ocorre a perda de Zimbabwe, adoptaram um modelo de Parques Nacionais, onde os
algumas espécies de grande valor ecológico e económico, tais animais estão confinados em territórios ou áreas vedadas – Parque
como, elefante, leão, hipopótamo, crocodilo e outras, as quais são Nacional - previamente destinados para a protecção e conservação
anualmente abatidas em defesa de pessoas e seus bens. da fauna bravia, onde não é permitida a fixação de aglomerados
As áreas de maior ocorrência de conflitos incidem sobre populacionais, com excepção das residências dos trabalhadores
45 distritos: Província de Cabo Delgado – distritos de Palma, das respectivas áreas de conservação.
Quissanga, Mocímboa da Praia, Mueda, Namuno, Meluco, Ainda no contexto de ordenamento territorial, nalguns
Nangade, Macomia e Ancuabe; Província do Niassa – distritos países da região, são estabelecidas áreas para diversos usos
de Mecula, Nipepe, Marrupa e Maua; Província da Zambézia – da terra, como florestas, fauna, minas, agricultura, pecuária,
distritos de Morrumbala, Pebane, Maganja da Costa, Chinde, Alto turismo e conservação, devidamente delimitadas, demarcadas, e
Molócuè e Mopeia; Província de Tete - distritos de Zumbo, Magoè, identificadas em mapas analógicas e digitais, que são distribuídas
Changara, Cahora Bassa, Chiuta, Moatize, e Mutarara; Província nas províncias, distritos, localidades e postos administrativos.
de Manica – distritos de Tambara, Machaze e Sussundenga; Este tipo de planeamento facilita o estabelecimento de novas
Província de Sofala – distritos de Chemba, Caia, Chibabava, Buzi infra-estruturas de desenvolvimento sócio-económicos e a
e Marromeu; Província de Inhambane – distrito de Funhalouro;
implementação de planos de reassentamentos populacionais,
Província de Gaza – distritos de Massingir, Chókwè, Guijá,
gestão de recursos naturais, etc., reduzindo deste modo potenciais
Mabalane, Massangena, Chibuto e Chicualacuala; Província do
conflitos Homem/fauna bravia.
Maputo – distritos de Matutuine, Moamba, e Magude.
2.3. Principais causas e tipos de conflitos 3. Caso de Moçambique
2.3.1 Causas dos Conflitos 3.1. Ausência de planos de uso da terra
Os conflitos Homem/fauna bravia constituem actualmente um A maior parte da população moçambicana, vive nas zonas
dos grandes problemas tanto nas áreas de utilização múltipla, rurais (estimada em 70%) e dedica-se à agricultura de subsistência
como nas áreas de conservação. Os conflitos existentes no e pesca artesanal para o seu sustento. Dados recentes indicam
país podem ser agrupados pela sua natureza em antropogénicos que uma parte significativa desta população localiza-se em
(resultantes da acção do homem) ou naturais.
áreas de ocorrência ou em rotas migratórias de animais bravios.
Os de origem antropogénica estão directa ou indirectamente Nestas zonas a interacção entre o Homem e animais bravios
relacionados com a ocupação e degradação dos ecossistemas
tem se caracterizado por uma elevada competição pelo espaço
naturais devido a competição desigual pelo espaço, recursos
hídricos e alimentares. Nos últimos anos este conflito tem e escassos recursos disponíveis (alimentos e água), facto que se
tomado proporções alarmantes devido ao crescimento acelerado vai agravando anualmente devido a ausência de planos de uso
da população humana por um lado (tendo aumentado de 12130 000 da terra, que definem claramente áreas destinadas a habitação
em 1980 para 16 099 100 em 1997, 20 069 738 em 2007) e da população, prática de actividades agro-pecàárias e de
devido às acções ou práticas menos apropriadas, tais como: conservação. Portanto, urge a necessidade de elaborar planos de
perseguições ou caça furtiva de determinadas espécies animais, uso da terra a nível distrital.
29 DE DEZEMBRO DE 2009 378 — (315)
População dentro das áreas de conservação Portanto, não se podem vender senhas superiores a quota
Nas áreas destinadas à protecção e conservação da flora autorizada e muito menos exportar o marfim, resultante do abate
e fauna (Parques, Reservas Nacionais, Coutadas Oficiais e dos animais acima da quota, como troféus de caça. Desta forma
Fazendas do Bravio) não existe uma política clara sobre se é ou as comunidades locais não obtém nenhum benefício do animal
não permitida a fixação de residências de populações humanas abatido (excepto carne), pelo contrário acumulam prejuízos
dentro destas áreas. Por isso, em todas as áreas protegidas do (destruição de machambas e celeiros). Consequentemente, as
país existe população a residir no seu interior. Assim, nestas comunidades encaram o elefante como uma praga e não uma
áreas destinadas exclusivamente à conservação da fauna bravia oportunidade para geração de receitas.
e da biodiversidade, também ocorre o conflito entre o Homem Importa mencionar que o problema da quota reduzida não é um
e a fauna bravia. Portanto, a ausência de uma política clara problema da CITES, mas sim de falta de informação que permita
sobre população dentro das áreas de conservação dificulta por fundamentar técnica e cientificamente o aumento da quota de
um lado, a conservação da fauna bravia no seu habitat e, por uma determinada espécie. Este facto resulta de falta de censos
outro lado, contribui para a ocorrência de conflito. O ideal seria detalhados e planos de maneio actualizados para cada espécie,
confinar a fauna bravia, especialmente os animais problemáticos particularmente o elefante, crocodilo e leão. O censo realizado
em determinadas áreas, - áreas de conservação - destinadas em 2008, à escala nacional, teve uma intensidade de amostragem
exclusivamente a fauna bravia, onde não seria permitida a fixação baixa (2,35%) o que significa que a precisão das estimativas da
da população humana. população deste censo são também muito baixas.
A permanência da população humana nestas áreas seria Portanto, urge a necessidade de realizar censos detalhados de
permitida excepcionalmente sob determinadas condições, tais fauna bravia em determinados locais para determinadas espécies,
como, residência do pessoal afecto a administração das áreas tais como o crocodilo, elefante, leão, búfalo e leopardo. Os dados
de conservação em locais previamente definidas e vedadas para do censo serão úteis não só para elaborar o plano de maneio da
efeito de assegurar a protecção destes e seus bens. Portanto, urge espécie e fundamentar a quota de abate, mas também para o
a necessidade de definir uma política clara e objectiva sobre desenvolvimento dos planos de uso da terra ao nível distrital.
o confinamento ou criação de áreas exclusivas para algumas 3.2. Oportunidades
espécies de fauna consideradas problemáticas (crocodilo, leão,
Apesar do declínio verificado nas últimas quatro décadas, a
elefante, hipopótamos).
fauna bravia do País ainda representa um valioso e importante
Vedação das áreas protegidas/conservação e fazendas do recurso, que se for devidamente gerido, pode proporcionar
bravio benefícios, não só para as comunidades locais que vivem nas
No país as áreas de conservação e fazendas do bravio não zonas rurais de ocorrência da fauna bravia, mas também à
estão vedadas, com excepção de algumas que estão parcialmente economia nacional, através do desenvolvimento do ecoturismo,
vedadas contra o elefante. Esta situação coloca as comunidades safaris de caça e caça comercial, venda de pele e carne de
circunvizinhas em permanente conflito com a fauna bravia. crocodilo e outras espécies para o mercado interno e exportação.
Para além da destruição das machambas e ataque às pessoas Portanto, urge que as comunidades encarem a fauna bravia
e ao gado, há um risco potencial de transmissão e propagação não como uma praga, mas sim, uma oportunidade para a geração
de doenças dos animais selvagens aos animais domésticos. da riqueza no meio rural. Para o efeito, é necessário reverter o
No caso de áreas protegidas onde ocorre o búfalo, o custo de actual cenário em que os custos resultantes do conflito são de
transmissão de doenças ao gado poderá exceder os benefícios a longe superiores aos benefícios.
serem gerados pela área de conservação ou fazenda do bravio.
Portanto, urge a necessidade de erguer sempre que se mostre 4. Estratégia de gestão do conflito homem/fauna bravia
necessária uma vedação nas áreas de conservação e fazendas do
4.1. Objectivos
bravio para confinar animais problemáticos (crocodilo, elefante,
leão, hipopótamos), protegendo assim as pessoas e seus bens. Considerando a actual taxa de crescimento da população, o
Caso seja permitido que os animais problemáticos vivam crescimento da demanda pelos recursos naturais, e a crescente
fora das áreas de conservação é necessário que se assegure que pressão pelo acesso a terra, urgente encontrar formas que
as comunidades locais tenham benefícios superiores aos custos garantam o maneio da fauna bravia, com impactos negativos
de maneio da fauna bravia. insignificantes.
Insuficiente capacidade e experiência Nestes termos a Estratégia tem como objectivo adoptar medidas
A falta de recursos humanos e financeiros é a principal razão para assegurar permanentemente a protecção das pessoas e seus
da falta de capacidade para fazer face à gestão da fauna bravia e bens, contribuindo desta forma para a conservação e utilização
do conflito. Há poucos técnicos com experiência prática para lidar racional e sustentável da fauna bravia para o benefício económico
com o conflito. Portanto, urge a necessidade de formar brigadas e social da presente e futura geração dos moçambicanos.
especializadas e equipá-las com instrumentos e materiais a serem
4.2. Princípios orientadores
alocados ao nível dos distritos.
A convivência entre o Homem e a fauna bravia no mesmo
Quotas da CITES
espaço nunca foi pacífica, pois, estes dois seres vivos, sempre que
Outra limitante na resolução do conflito Homem/fauna
ocupam o mesmo espaço competem pelos mesmos recursos, água
bravia, está associada a quota atribuída às espécies constantes do
e alimentos. Portanto, a solução do conflito, passa necessariamente
Anexo I, da CITES (Convenção Internacional de Comercialização
de Espécies em Perigo de Extinção). No caso do elefante, ao por definir e/ou demarcar claramente o espaço destinado para cada
país é lhe atribuído uma quota anual de 60 animais para a caça um destes – Homem e a fauna bravia. Assim para a adopção de
desportiva, número considerado inferior se tivermos em conta medidas de gestão do conflito deve-se ter em conta o seguinte:
que anualmente mais de 50 elefantes são abatidos como animais — Separação espacial de animais bravios, dos assentamentos
problemáticos, no âmbito da defesa de pessoas e bens. humanos;
378 — (316) I SÉRIE — NÚMERO 51
— Supressão dos animais bravios onde houver assentamentos aglomerados populacionais e infra-estruturas no meio rural.
humanos; Para que o plano de uso da terra seja um instrumento efectivo
— Planeamento territorial como condição essencial para a na gestão sustentável dos recursos naturais é crucial a participação
gestão do conflito e da fauna bravia; activa dos diferentes intervenientes no processo de formulação.
— Vedação de espécies problemáticas, tais como crocodilos, Reassentamento da População Humana
elefantes, leões, leopardos e búfalos;
Em locais onde a população humana seja pequena e com
— Mudança de atitude da população na interacção com a poucas infra-estruturas sócio-económicos e que estejam
fauna bravia, em relação aos seus habitates naturais e localizadas nos corredores de animais bravios, como o elefante,
rotas dos animais, bem como adopção de alternativas em habitates com alta densidade de animais bravios, nas margens
de acesso a água e piscinas fluviais para o caso de dos rios com ocorrência frequente de acidentes provocados por
crocodilo; crocodilos e hipopótamos, avaliar a viabilidade de transferência
— Desenvolvimento de fazendas do bravio e projectos das comunidades para locais mais seguros e com acesso aos
comunitários como segunda linha de defesa que recursos naturais. Esta medida é praticável, sempre que existir
circunda área de conservação. terra alternativa para fixar as comunidades locais em áreas que
4.3. Medidas Gerais ofereçam melhores condições de acesso aos recursos naturais e
4.3.1. Medidas de Prevenção oportunidades de desenvolvimento sócio-económico.
Existem várias acções/medidas de prevenção que podem ser Translocação da fauna bravia
levadas a cabo para minimizar o conflito Homem/fauna bravia. Nas zonas de maior densidade da população humana, capturar
Dentre as acções, constam as medidas extremas de reassentar ou e translocar para as áreas de conservação, espécies problemáticas,
realocar as pessoas ou a fauna bravia respectivamente, separando- tais como, crocodilos, elefantes e leões, que sendo biológica e
-os fisicamente através de barreiras naturais ou artificiais, ecologicamente viáveis, não possam ser geridas nas áreas de
manejar a população da fauna através de abates controlados, uso múltiplo, sempre que os benefícios económicos obtidos
afugentamento da fauna usando uma série de técnicas, tais quando retiradas, sejam superiores aos obtidos quando mantidas
como repelentes. A seguir, apresenta-se as principais medidas (translocar para áreas de conservação e fazendas do bravio).
de prevenção: Controle biológico
Censo e Monitoria da Fauna Bravia O controle biológico pode consistir na introdução de
Realizar inventários ou censos de fauna bravia, com ênfase nas predadores em áreas de maior densidade de presas problemáticos
áreas com alto potencial de fauna e onde o conflito seja elevado. para a redução de seus efectivos e minimizar os impactos
Por outro lado, criar brigadas locais de monitoria do movimento negativos sobre a população humana e seus bens; No caso do
da fauna para a protecção de pessoas e bens nestas zonas de crocodilo a apanha de ovos e fomento de programas, projectos
ocorrência de fauna e próximo às comunidades locais. e acções de criação em cativeiro contribuem para a redução da
população de crocodilos e consequentemente diminuição do nível
Planeamento do Uso da Terra
de competição e finalmente o conflito.
A convivência entre a fauna bravia e o Homem no mesmo
Categorização das áreas de conservação
espaço não tem sido fácil, e como os recursos estão cada vez mais
escassos, acaba sendo conflituoso. Portanto, o ideal seria separar A actual classificação das áreas de conservação depende
os locais ou habitat para a fauna bravia das áreas onde a população principalmente de três corpos legais: a Lei de Terras, a Lei das
Florestas e Fauna Bravia para as áreas terrestres e o Regulamento
humana vive e desenvolve as suas actividades sócio-económicas.
Geral da Pesca Marítima para as áreas marinhas. A legislação para
A concepção e definição destas áreas poderá ser materializada as áreas de conservação terrestres baseia-se no conceito de zonas
através da elaboração e implementação dos planos de uso da de protecção total, isto é, áreas nas quais não é possível exercer
terra. Este processo deve ter como princípio básico, que na zona direitos de habitação ou cultivo senão com base em licenças
rural a agricultura é a alternativa preferencial de uso da terra, particulares atribuídas de acordo com os planos de maneio das
nas áreas com alto potencial agrícola, e que a gestão de fauna áreas em causa. Essa situação não responde à realidade, onde em
bravia só poderá ocorrer nas zonas de baixa aptidão agrícola. muitos casos a separação entre o Homem e o valor a conservar
Isto é especialmente importante para as espécies faunísticas cujo não existe nem pode ser criado.
impacto interfere directamente na agricultura, como é o caso do Para criar condições para a gestão de conflitos nas áreas de
elefante e do hipopótamo, na destruição de culturas e búfalos na conservação com base na realidade a Estratégia sugere uma
transmissão de doenças para o gado bovino. classificação alternativa que adequa a classificação nacional destas
Entre vários aspectos a ter em conta, na elaboração dos áreas àquela usada pela União Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN).
planos de uso da terra, destaca-se a identificação e zoneamento
de áreas para diferentes fins como sejam, áreas habitacionais A tabela abaixo contém um quadro que permite visualizar os
e de reassentamento, áreas de conservação, rotas migratórias, tipos de áreas propostas na classificação superior. É de salientar
áreas para agricultura e pecuária, áreas para o reflorestamento, que é um quadro orientador que deve ser interpretado caso a caso.
as características dos animais envolvidos, a natureza dos danos A classificação baseia-se fundamentalmente no valor ecológico
causados, actividades económicas existentes, a localização dos da área e do papel do Homem na sua preservação.
29 DE DEZEMBRO DE 2009 378 — (317)
Tabela 1. Quadro Descritivo das Categorias Propostas para Áreas de Conservação do Domínio Público
Comunidades locais
Nível local de execução Participar no desenvolvimento de planos de uso da terra;
•
das mediadas estratégicas e Estabelecer organizações de base comunitária para a gestão do conflito;
•
instrumentos de política Participar activamente nos planos de reassentamento ;
•
•
Participar na conservação e gestão da fauna, incluindo os programas de
prevenção e combate as queimadas descontroladas ;
• Participar nas brigadas de abates controlados dos animais problemáticos ;
• Participar em programas de maneio comunitário dos recursos faunísticos ;
Organizações Não Governamentais (ONGs)
Apoio e provisão de serviços • Providenciar serviços, tais como água e material diverso as comunidades
as organizações de base locais;
comunitárias • Apoiar e facilitar as organizações de base comunitária na implementação
das medidas de gestão do conflito Homem e fauna bravio
Sector Privado
Provisão de serviços e bens • Identificar de áreas com potencial para fazendas do bravio ou coutadas
de natureza privada oficiais;
• Edificar vedação nas fazenda do bravio ou coutada oficial,;
• Estabelecer parcerias com o Estado e as comunidades para a gestão do
conflito ;
• Abrir furos de água para abeberamento do Homem e da fauna bravia ;
• Restabelecimento de fazendas de bravio, incluindo formas de recolha de
ovos, captura e criação de crocodilos.
— Implementar o plano de abates controlados de animais problemáticos, tendo em consideração as informações sobre efectivos
de animais e capacidade de carga do ecossistema. Neste contexto numa primeira fase serão abatidos 1000 crocodilos ao
longo do rio Zambeze para redução deste réptil problemático;
— Conceber e implementar um plano de abertura de fontes de água para a população em áreas de maior risco de conflito com
o crocodilo e fontes de abeberamento de fauna bravia nos parques, reservas, coutadas e fazendas do bravio.
A seguir apresenta-se a lista dos distritos prioritários na abertura de fontes de água para a defesa de pessoas contra o crocodilo.
Tabela 4. Distritos prioritários para abertura de fontes de água e construção de piscinas fluviais.
Nestes distritos deve-se avaliar a possibilidade de erguer vedação em locais que permitam que a população local possa nadar em
segurança.
— Conceber e implementar um plano para a vedação de áreas de conservação seleccionadas com base no potencial risco que
representam para a segurança de pessoas e bens.
— Conceber e executar um plano de formação e apetre- Finalmente, é extremamente importante que na implementação
chamento das brigadas de controle e abate de animais da Estratégia as autoridades locais, como o Administrador do
problemáticos;
Distrito, bem como os líderes tradicionais, liderem o processo de
— Reassentar a população de acordo com o plano de uso da
terra e translocar os animais problemáticos das áreas sensibilização das comunidades locais e coordenem os esforços
de utilização múltipla para as áreas de conservação. da estratégia visando a defesa e protecção de pessoas e bens.
29 DE DEZEMBRO DE 2009 378 — (323)
ANEXO
ANEXO: 1 1
Figura 1. O processo de tomada de decisão na gestão de fauna bravia:
medidas a adoptar na área com animais problemáticos
SIM Não
SIM NÃO
ESTRATÉGIAS
ESPÉCIE DESCRIÇÃO CURTO PRAZO 2009- MEDIO PRAZO 2010- LONGO PRAZO 2011- …
-2010 -2011
O elefante é maior animal terrestre, com
altura de 2,2 e 3,7 metros e comprimento .Sinalizar áreas de risco . Translocar para áreas de . melhoarar a base de dados
de 6 a 7,5 metros.Pesa cerca de 7500 kgs. conservação
A longevidade varia entre 50-60 anos. . Planear a realização
Animal gregário, que vive em grupos Plano de uso da terra . construção de vedações . continuar a construir
“matriarcais” geralmente com 10 Idendificar, priorizar os nas áreas protegidas vedações
indivíduos. Os machos, têm tendência para Distritos e orçamentar
viver sozinhos ou em pequenos grupos os custos para PUT . realizar censos . Actualizar os benefícios para
temporários. O lábio superior e o nariz detalhados as Comunidades
29 DE DEZEMBRO DE 2009
ELEFANTE formam a tromba, que é usada para . Proteger as aldeias e para melhorar a conhecer
cheirar, manusear objectos, recolher Machambas, com piri a distribuiçãso da espécie . Desenvolver estratégia de
alimentos e água e ainda para defesa, piri maneio do elefante:
ataque ou demonstrações de afecto. As Vedação, etc. . Elaborar Planos Distritais . qual é a população óptima?
pontas (marfim) São usadas para de Uso da Terra . ........
combater, escavar raízes e arrancar a . aumento da quota
casca das árvores. A audição e olfacto . Abater animal problema
estão bem desenvolvidos, enquanto que a . Melhorar a base de
visão é o sentido menos apurado. dados
Deslocam grandes distâncias para
procurar alimento e água e ingerem entre . Abater animal
150 e 280 kg de alimentos diariamente. problema
Procuram alimento de manhã, ao final do
dia e durante a noite. Repousam no meio
da vegetação durante as horas mais
quentes do dia.Podem causar danos
consideráveis na vegetação dos locais por
onde passam, derrubando as árvores só
para comer ramos novos. Em caso de
seca ou de perturbação humana, podem
formar grupos de mais de 1000 indivíduos.
No país, estima--se em + de 2.144
elefantes.
Os crocodilos encontram-se na África Colecta de dados - As
Subsariana e em Madagáscar. Em . Sinalizar áreas de unidades de CAP devem . proposta de aumento da
Moçambique ocorrem em todo o território risco colher dados sobre todos quota
nacional. Vivem em rios, lagos e pântanos os rios onde for reportado o
e podem viver mais de 60 anos. Os adultos . construção de conflito Homem-crocodilo.
atingem 5 a 5,5 metros de comprimento. É barreiras Plano de acção para a . continuar a captura e abate
uma espécie ovípara. As fêmeas nos locais de risco gestão do crocodilo - um de crocodilos adultos
constrõem ninhos com folhagem e exibem plano de acção para a
CROCODILO cuidados parentais. A postura é de 20 a 50 . Sensibilizar a gestão do crocodilo em
ovos. O período de incubação dura três comunidade Moçambique deve ser feito . monitorar o conflito
meses. O sexo dos recém-nascidos na base de classificação
depende da temperatura de incubação: . abrir furos e poços de dos principais rios e lagos.
num ano mais frio (26ºC a 30ºC) a ninhada H20
será maioritariamente constituída por . continuar a captura de
1
fêmeas; pelo contrário, num ano mais . Abates controlados crocodilos adultos
quente (31ºC a 34ºC) a ninhada será
maioritariamente de machos. Estão mais . Promover apanha de . monitorar o conflito
activos à noite; durante o dia, descansam ovos
nas margens ou em bancos de areia,
mantendo a boca aberta nas horas de . promover captura e
maior calor - termoregulação. Os juvens abate de crocodilos
alimentam-se de anfíbios, répteis, peixes e adultos
outros pequenos vertebrados. Os adultos
são ferozes predadores, que se alimentam . monitorar o conflito
de peixes, tartarugas, aves aquáticas,
antílopes, zebras, grandes animais
domésticos e, por vezes, cadáveres. Têm
a reputação de atacar e comer homens.
Os crocodilos capturam e dilaceram as
presas com os seus dentes afiados, mas
não as mastigam, engolindo grandes
bocados de carne ou toda a presa de uma
vez. A população de crocodilos deve ser
378 — (325)
378 — (326) I SÉRIE — NÚMERO 51
Rios Umbeluzi; Incomati; Limpopo; Elefantes; Zambeze, Baragem de Cahora Bassa, Currumane e Pequenos Libombos.
outros pequenos vertebrados. Os adultos
são ferozes predadores, que se alimentam . monitorar o conflito
de peixes, tartarugas, aves aquáticas,
antílopes, zebras, grandes animais
domésticos e, por vezes, cadáveres. Têm
a reputação de atacar e comer homens.
Os crocodilos capturam e dilaceram as
presas com os seus dentes afiados, mas
não as mastigam, engolindo grandes
bocados de carne ou toda a presa de uma
vez. A população de crocodilos deve ser
superior a 50,000 individuos.
O búfalo é um animal similar ao gado
bovino, reside em savanas com suficiente . delimitar áres com alto . construir vedações . continuar a monitorar a população
BÚFALO capim e sombra, normalmente próximo de potencial para a criação nas áreas de conservação de búfalos fora das áreas de
água. O macho tem uma cor cinzenta de gado à prova do búfalo Conservação de modo a asseguar
escuro a fugir para o preto enquanto que a a manutenção de áreas livres do
fêmea mantém o vermelho-acastanhado . Estabelecer . monitorar a população de Bufalo
similar aos dos búfalos jovens. Gostam de mecanismos de bufalos fora das áreas de
mergulhar na lama por isso adquirem a cor controle restrito para conservação . continuar e concluir a construção
do solo. Ambos os sexos possuem cornos. previnir o contacto de vedações à prova de bufalo nas
Vivem em manadas de até centenas de bufalo e gado bovino . captura, abater ou áreas de conservação,
indivíduos. A fêmea dá parto apenas a translocar o búfalo nas consideradas
uma cria durante o período de Agosto a . planificar a construção áreas de criação de gado prioritárias, particularmente no Sul
Fevereiro, após 11 meses de gestação. Os de vedações a prova de do país, com alto potencial para a
machos velhos são solitários ou formam búfalo nas áreas de . avaliar a possibilidade de criação do gado.
pequenas manadas. Pastam á noite ou conservação usar cães para remover/
durante as horas frescas do dia e gostam caçar o bufalo
de descansar em manchas livres de capim. . captura, abater ou
Durante o verão podem afastar-se das translocar o búfalo nas
fontes permanentes de água a procura de áreas de criação de
novas áreas de pasto. O Búfalo é uma gado
espécie importante para a indústria de
safaris. Contudo, também constitui um
sério problema para o futuro crescimento
da indústria de gado. Isto devido ao facto
de o búfalo ser uma espécie portadora de
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Rios Umbeluzi, Incomati, Limpopo, Elefantes, Zambeze, Barragens de Cahora Bassa, Corumana e Peguenos
Libombos
29 DE DEZEMBRO DE 2009 378 — (327)
378 — (328) I SÉRIE — NÚMERO 51