Carvalho, Luciana Carrion
Carvalho, Luciana Carrion
Carvalho, Luciana Carrion
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Ao Pedro, que veio completar a família e que, com seu jeitinho meigo e simpático, vem
conquistando seu espaço de forma muito tranquila.
Aos meus grandes amigos, irmãos e filhos (dependendo do contexto), Crhis e Samuel, que
conquistaram um espaço de destaque em nossos corações.
Aos meus pais, irmãos e irmã, cunhados, cunhada, concunhada, sobrinho, sobrinhas, sogro,
sogra... todos(as) que, de alguma forma, contribuíram para a minha formação e
transformação.
A minha querida orientadora, Profª. Drª. Helenise Sangoi Antunes, que é uma referência em
liderança, gestão, orientação, mãe, esposa, filha, irmã e que se tornou uma grande amiga!
Obrigada pelo carinho, apoio, incentivo. Levar-te-ei para sempre em meu coração.
Aos Pastores(as) da IBNSM, pelo ensino da Palavra de Deus, o amor e o cuidado que têm
por mim e minha família, em especial ao Pastor (Apóstolo) Levi, à Pastora Cristiane, ao
Pastor Edisson e à Pastora Marelisa. Amo-os.
Ao Grupo Dialogus, em especial ao prof. Celso Henz, que me acolheu com muito afeto,
ensinando-me mais de Paulo Freire; às novas amizades, que espero levar para toda a vida,
em especial: Larissa, Renato, Nisiael e Samuel.
Em especial, às coautoras da pesquisa, Terezinha e Neuza. Sem vocês, eu não teria essa
riqueza de informações. Muito obrigada! Que Deus as abençoe!
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Federal de Santa Maria
This paper presents the search results of Master in Education linked to research
LP1-Line "Training, Knowledge and Professional Development" of PPGE / UFSM.
This research is about the methodology of life stories and narratives (auto)
biographical and continuing training devices to the Rural Education teachers. Thus, it
aims to reflect on the continuing education of teachers, in order to not erase its
characteristics due to the urban center model institution in Rural Schools, in a
capitalist neoliberal context. We listed the life story and professional trajectories of
the teachers, in order to understand this phenomenon and the willingness to create
mechanisms through continuing education, in order to promote critical reflection
spaces faculty, rethinking concepts hitherto thought and / or lived. As theoretical
support, we use studies of Abrahão (2006), Antunes (2011, 2012), Bolzan (2009),
Bourdieu (2011), Caldart (2012), Charlot (2000), Dufor (2005), Freire (1987, 1997,
2009), Henz (2014), Imbernón (2010), Isaia (2009), Josso (2006), Júnior (2008),
Martins (2008), Medonça (2008), Nóvoa (2009), Passeggi, Abrahão e Delory-
Momberger (2012), Rocha e Martins (2011), Souza (2006, 2012), Souza e Meireles
(2014), among others. The research found the following results as points: a) the
existence of symbolic violence in Rural Schools by silencing the practical and
collective rural teachers; b) the lack of sensibility of educators and the community at
large with the matter of the field; c) the possibility of overcoming this reality using the
methodology of the Dialogical Circles Investigative-training and (auto) biographical
write, which announce overcoming this set scenario because the same shape in
dialogue space and strengthening of the autonomy, hope and establishment of
collaborative and collective practices, recognizing the school as a transforming force.
Figura 1 – Luiz Alberto Bellém Leite e Ana Maria Carrión, meus pais .................... 17
Figura 2 – Luana, Luiz Alberto (Chico), Luciano e eu, meus irmãos e irmã. Ainda
uma foto com meu pai e irmãos nas 7 Quedas de Foz de Iguaçu em
1982 ....................................................................................................... 18
Figura 3 – Jardim da Infância na Escola João Belém ............................................. 19
Figura 4 – Nascimento do primogênito: Guilherme ................................................. 20
Figura 5 – Meu casamento: meu filho e minha sobrinha Patrícia foram meus aios 22
Figura 6 – Meus filhos Guilherme e Pedro .............................................................. 23
Figura 7 – Formatura: Colação de grau................................................................... 23
Figura 8 – Guilherme no 6º Reg. de Cavalaria Blindado/6º RCB –
Alegrete/RS/2014 ................................................................................... 25
Figura 9 – Pedro e Guilherme em 2015 .................................................................. 25
Figura 10 – Foto atualizada da minha família ............................................................ 26
Figura 11 – Fotos do Espetáculo “O Grande Livro” ................................................... 31
Figura 12 – Fotos do Espetáculo “O Grande Livro” ................................................... 31
Figura 13 – Fotos do Espetáculo “O Grande Livro” ................................................... 31
Figura 14 – Fotos do Espetáculo “O Grande Livro” ................................................... 32
Figura 15 – Fotos dos alunos e professores referentes à viagem de estudos .......... 32
Figura 16 – Fotos dos alunos e professores referentes à viagem de estudos .......... 33
Figura 17 – Fotos dos alunos grafitando o muro da Escola ...................................... 33
Figura 18 – Fotos dos alunos grafitando o muro da Escola ...................................... 33
Figura 19 – Fotos dos alunos grafitando o muro da Escola ...................................... 34
Figura 20 – Fotos do muro finalizado ........................................................................ 34
Figura 21 – Fotos do muro finalizado ........................................................................ 34
Figura 22 – GEPFICA/PPGE/UFSM – V Seminário de Formação de Professores:
O protagonismo das Instituições de Ensino Superior no Ensino,
Pesquisa e Extensão .............................................................................. 38
Figura 23 – GEPFICA/PPGE/UFSM – V Seminário de Formação de Professores:
O protagonismo das Instituições de Ensino Superior no Ensino,
Pesquisa e Extensão.............................................................................. 39
Figura 24 – Representação gráfica da Metanoia ....................................................... 42
Figura 25 – Momentos da pesquisa .......................................................................... 48
Figura 26 – Pesquisadora e coautoras: pesquisadora Luciana ao centro,
professora Neuza à esquerda e professora Terezinha à direita ............. 49
Figura 27 – Tópicos Guias ........................................................................................ 51
Figura 28 – Movimentos metodológicos dos Círculos Dialógicos Investigativos-
Formativos.............................................................................................. 52
Figura 29– Relação de conceitos entre violência simbólica, pertenciamento e
silenciamento ......................................................................................... 53
Figura 30– Apresentação dos conceitos de Bourdieu (2011) ................................... 59
Figura 31– Apresentação do conceito de violência simbólica de Bourdieu (2011) ... 61
Figura 32– Esquema Conceitos Bourdieu X Escola ................................................. 61
Figura 33– Espiral “o EU” ......................................................................................... 86
Figura 34– Figura 34: Espiral “o devir” ..................................................................... 86
Figura 35– Ser / Dimensões ..................................................................................... 91
Figura 36– Espiral como Metanoia ........................................................................... 94
LISTA DE ANEXOS
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13
1 COMPARTILHANDO MINHAS VIVÊNCIAS ................................................ 15
1.1 Revisitar minhas memórias... ressignificar minha existência ................ 15
1.2 A história de vida oportunizou emergir a questão de pesquisa por
meio da revisitação das memórias de minha trajetória profissional ..... 27
1.3 E agora??? METANOIA!! ........................................................................... 40
2 CAMINHO METODOLÓGICO: Materialidade da Possibilidade ............... 44
2.1 Para a pesquisa tornar-se realidade, alguns percursos escolhidos ...... 46
2.2 No caminhar do percurso, eis o cenário da pesquisa e seus sujeitos .. 48
2.2.1 Cenário ......................................................................................................... 48
2.2.2 Colaboradoras... quem são elas? ................................................................. 49
3 A HISTÓRIA DE VIDA E AS NARRATIVAS (AUTO)BIOGRÁFICAS
COMO DISPOSITIVO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES DA ESCOLA DO CAMPO ................................................ 55
3.1 Em tempos de Violência Simbólica?Como? Onde? Quando? ............... 56
3.2 Formação Continuada de Professores para a Escola do Campo: ......... 67
3.3 História de Vida e narrativas (auto)biográficas como dispositivo de
formação docente:...................................................................................... 80
3.4 Analisar para entender, ou entender para analisar?? ............................. 87
CONSIDERAÇÕES FINAIS?... JAMAIS!!! ................................................. 96
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 100
ANEXOS .................................................................................................... 104
INTRODUÇÃO
utilizamos estudos de Abrahão (2006), Antônio (2008), Antunes (2011, 2012), Bolzan
(2009), Bourdieu (2011), Caldart (2012), Charlot (2000), Costa (2010), Dufor (2005),
Eyng (2010), Freire (1987, 1997, 2009), Henz (2014), Imbernón (2010), Isaia (2009),
Josso (2006), Júnior (2008), Martins (2008), Medonça (2008), Nóvoa (2009),
Passeggi, Abrahão e Delory-Momberger (2012), Rocha e Martins (2011), Souza
(2006, 2012), Souza e Meireles (2014), entre outros. Os textos citados serviram
como referência no estudo sobre Escola do Campo, Formação Continuada de
Professores, Violência Simbólica e História de Vida.
O primeiro capítulo do trabalho é constituído de minha história de vida,
compartilhando minhas vivências, no qual revisitei minhas memórias. Apresento os
motivos pelos quais escolhi pesquisar na área de formação de professores e na
temática da violência simbólica entre os docentes da Escola do Campo. Por meio da
rememoração de alguns fatos de minha trajetória de vida pessoal e profissional,
tentei justificar o porquê do interesse nessa investigação e como cheguei ao final.
O segundo capítulo desse trabalho apresenta o caminho metodológico, a
materialidade da possibilidade percorrida nessa investigação.
O terceiro capítulo aborda a violência simbólica a partir de Bourdieu e sua
relação com a escola, seguida pela formação continuada de professores para a
Escola do Campo, e ainda, História de Vida e narrativas (auto)biográficas como
dispositivo de formação docente. No decorrer do capítulo, optamos por inserir as
análises das dimensões encontradas na investigação, por entendermos ser esta a
melhor opção para a compreensão do trabalho. Ao término do terceiro capítulo,
analisamos também os movimentos elencados para os Círculos Dialógicos
Investigativo-formativos descritos no capítulo da metodologia e como se deu seu
delineamento.
Por fim, o último capítulo do trabalho destaca as considerações finais da
pesquisa, abordando as questões que permearam a formação continuada para a
superação da violência simbólica entre os docentes da Escola do Campo como foco
reflexivo desta última parte do trabalho. Ainda, apresentamos as contribuições dessa
pesquisa para a Linha de Pesquisa 1 (LP1) - “Formação, Saberes e
Desenvolvimento Profissional” do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Santa Maria - PPGE/UFSM e, também, para a Educação
como um todo, enquanto modalidade educativa.
1 COMPARTILHANDO MINHAS VIVÊNCIAS
[...] precisei falar do falado, do dito e do não dito, do ouvido, do escutado. Falar do
dito não é apenas re-dizer o dito, mas reviver o vivido que gerou o dizer que agora,
no tempo do redizer, de novo se diz. Redizer, falar do dito, por isso envolve ouvir
novamente o dito pelo outro sobre ou por causa do nosso dizer.
(FREIRE, 2009, p. 17).
Figura 1 – Luiz Alberto Bellém Leite e Ana Maria Carrión, meus pais
Fonte: Arquivo pessoal de Luciana Carrion Carvalho.
Figura 2 – Luana, Luiz Alberto (Chico), Luciano e eu com meus irmãos e irmã. Ainda
uma foto com meu pai nas 7 Quedas de Foz de Iguaçu
Fonte: Arquivo pessoal de Luciana Carrion Carvalho.
Ingressei na Escola João Belém aos seis anos, cursando a Educação Infantil.
Lembro-me dos momentos da compra de materiais, de uniforme, de avental e de
materiais pedagógicos. Esses eventos aumentavam ainda mais minha euforia, pois
não foi fácil esperar tanto tempo para, enfim, acompanhar meus irmãos e irmã na ida
à escola. A caixa de sapato forrada com papel contact, recheada com meus
pertences que ficariam na Escola, rouba-me sorrisos até hoje. Fui muito bem
recebida pela professora e pelos colegas. Era uma criança muito tímida até me
sentir segura nos locais e, após superar o impacto inicial do novo, interagi muito bem
(e até demais) com os colegas. Tentei lembrar-me de como fui alfabetizada, porém
não tenho a menor ideia de como se deu esse processo, uma vez que minha mãe
era do tipo “superprotetora”. Se estava muito frio, ou chovendo, ou qualquer coisa,
não era necessário ir à aula. Recordo-me de que, quando aparecia na Escola,
sentava com os colegas, enturmava-me e fazia o que tinha que ser feito. Numa
manhã, em especial, senti-me a verdadeira “astronauta”, já que cheguei atrasada na
aula, como de costume, e a turma estava “lendo” o alfabeto exposto na parede.
Fiquei admirada e pensativa: o que estava acontecendo? Como eles sabiam aquilo?
Ai que terror! Não tinha como me inserir naquele contexto. O que fazer? Sentei,
19
observei, e depois? Não sei, não sei como me alfabetizei, isso ainda é um enigma.
Até essas situações me roubam sorrisos, sou um caso raro! Ou não?
Rememorando meu passado, percebo que, desde a infância, tive identificação
com a profissão docente. Lembro-me de que era comum meus pais envolverem-me
em suas profissões. Meu pai levava-me com frequência na Aeronáutica, inclusive
em seus plantões. Minha mãe, da mesma forma, levava-me à Escola Maria Rocha,
onde era professora de artes e coordenava o audiovisual. Como eu amava aquele
ambiente! Era conhecida de todos, passava em todos os setores, conversava da
Direção à Cozinha. Era perita em mimeógrafo, que cheirinho delicioso que se
espalhava no ambiente após o contato da folha com o álcool e a matriz. Grampear
provas era comigo. Até escrever versos para campanha de direção eu escrevi, aliás
era muito boa em criar versos e rimas.
Com a separação dos meus pais, aos dez anos, eu tinha a Escola como
referência, um ponto de encontro com as amigas e os amigos. Nesse período,
estudava na Escola Edson Figueiredo, pertinho de minha casa, para onde me
deslocava a pé, pois já tinha idade suficiente para tal responsabilidade e, por isso,
20
não faltava mais às aulas. Algumas professoras e professores eram como da família,
acolhiam os alunos no turno inverso na quadra de esportes. Por vários motivos, esta
Escola possui um lugar especial em meu interior até os dias de hoje, pois me
retratou um espaço de sentir-se bem, permanecendo em minhas lembranças como
um ambiente de afeto. Freire (1997b, p. 160) compartilha da premissa de que “A
afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade”, que bom que alguns
educadores desta escola pensavam da mesma forma que Freire (op. cit).
Aos dezesseis anos, engravidei e com dezessete inaugurei a maternidade.
Entre fraldas e cadernos, fui cuidando do meu bebê. Conforme o Guilherme ia
crescendo, ia vendo a mãe estudar. Aos três anos, solicitava-me veemente: “eu
quero matemática, me dá matemática?” Eu não sabia o que ele queria, na verdade,
ninguém sabia. Até que um dia estava ajudando nos temas de matemática de um
menino, filho de uma amiga da minha mãe, e o Guilherme apontou para o estojo e
para o caderno do menino e disse: “matemática; me dá?”. Foi muito engraçado e, ao
mesmo tempo, um alívio, pois, até que enfim, descobrimos o que era matemática
para o Gui.
Meu primeiro vestibular foi para Fonoaudiologia, por influência da minha irmã.
Não passei. No meu segundo vestibular, optei por Educação Especial – habilitação
para deficiência da audiocomunicação. Passei muito bem, com uma pontuação que
poderia ser aprovada em qualquer curso, menos Medicina e Direito. Lembro-me de
ter ficado surpresa com o meu desempenho. A divulgação da lista de classificados
na rádio foi anunciada às dez horas de uma manhã do mês de fevereiro em 1994.
Estava na casa da sogra (morava com ela), fiquei muito feliz ao ouvir meu nome
anunciado na rádio local. Em seguida, o Cezar, que, na época, era meu “namorido”,
e que estava trabalhando e escutando a mesma rádio, ligou parabenizando-me,
muito feliz com a minha aprovação. Depois, veio a ligação da minha mãe, não muito
empolgada com a minha escolha, mas me parabenizando igualmente. Minha irmã,
fonoaudióloga, já estabelecida em Porto Alegre/RS, ligou-me quase dando os
pêsames. Meu pai já estava residindo em Manaus/AM (com sua esposa e duas
filhas do segundo casamento) e, da mesma forma que minha irmã e mãe, tentou
demover a ideia de tornar-me professora. Nessa época, meu irmão, que é dois anos
mais velho do que eu, já estava diagnosticado com esquizofrenia, o que me
sensibilizou ainda mais para refletir sobre a educação de/para/com o diferente.
Ainda, este período da entrada na universidade culminou com a entrada do
meu filho na Escola. Eu estava com vinte e um anos e ele com quatro. Achava que
estava preparada para o primeiro dia de aula do Gui, pois foram longas conversas,
já que em creches não se adaptou. Para a minha surpresa (ou decepção), fiquei
sentada no corredor por algumas tardes em vão, não solicitou a mãe nem uma vez;
sofri um “certo choque-materno” por não ser lembrada/solicitada pelo filho. Neste
mesmo ano, ainda aconteceu a cerimônia do meu casamento com os aios mais
bonitos da história: o Gui e a Pati.
22
Figura 5 – Meu casamento: meu filho e minha sobrinha Patrícia foram meus aios
Fonte: Arquivo pessoal de Luciana Carrion Carvalho (1994).
Minha segunda gestação foi aos vinte e três anos, durante a graduação, pois
não queria uma diferença longa de idade entre os filhos. Temia esperar o término do
curso e não ter mais ânimo para uma segunda gravidez, uma vez que o Gui estaria
“grande”, o que poderia inviabilizar uma amizade e companheirismo entre os manos.
Que desafio foi essa escolha! Administrar fraldas, mamadas, sopas entre cadernos,
livros, trabalhos e provas. Confesso que foi desesperador em alguns momentos.
Embora eu não recomende seguir meus passos, não me arrependo de minhas
escolhas, porque, com boa vontade, sacrifício e união, é possível vencer qualquer
obstáculo. Como é maravilhoso tê-los como filhos, acompanhar a cumplicidade dos
dois, o cuidado um com o outro, o amor fraterno, prático e real.
23
No ano de 2000, aos vinte e sete anos, passei no concurso para professora
da Rede Estadual, na qual ainda atuo, fazendo parte do quadro de professores da
Escola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Cóser.
Entre os anos de 2000 e 2012, foram muitas as histórias, sendo difícil
selecionar alguma para este momento. Então, passarei para os anos de 2013 e
2014. Esses, com certeza, marcaram minha vida para sempre, pois aconteceram
alguns episódios muito fortes nesse período. O primeiro episódio foi o da tragédia da
boate Kiss, à qual, com a graça de Deus, meu filho sobreviveu! Totalmente ileso no
físico, mas marcado nas lembranças. Eu já estava me preparando para concorrer a
uma vaga no mestrado, com muitas leituras já realizadas e com o esboço do projeto.
Foi muito duro e difícil tentar me concentrar na meta e não afundar no luto, com o
pensamento fixo na pior tristeza que nos poderia ter acometido: a dor dos pais que
não tiveram o mesmo privilégio que nós. A cada tosse do Gui, o pânico de ele vir a
adoecer. As noites em que não conseguia dormir se não estava com ele, a
preocupação que ele fosse desenvolver depressão, as muitas e muitas noites em
claro, vendo a impossibilidade dele de conseguir dormir. Sem dúvida, uma tragédia
que impossibilita quantificar os prejuízos emocionais. Com certeza, a fé em Deus e a
busca pela aprovação no mestrado ajudaram-me a manter a saúde mental
necessária que o momento impunha.
Após aprovada para o curso, acontece o segundo episódio. Em novembro
desse mesmo ano, meu irmão com esquizofrenia desapareceu. Em surto, resolveu ir
para Livramento/RS sem avisar, mas, com a benção de Deus, foi possível encontrá-
lo e reiniciarmos o seu tratamento. O terceiro episódio foi em fevereiro do ano
passado, com a morte súbita de minha mãe e a longa procura de uma clínica
especializada para tratar meu irmão.
O quarto episódio foi diferente dos demais, pois tem perspectiva de futuro,
conquista e vida. No mês de abril de 2014, o meu primogênito ingressou na ESA –
Escola de Sargentos e, com esta aprovação, foi necessária sua ida para
Alegrete/RS; um grande e penoso desafio: trabalhar o sentimento de ninho vazio.
Este com certeza também é um gigantesco desafio.
25
Até aqui, fiz um pequeno resumo dos fatos ocorridos em minha vida pessoal,
sendo que existem muitos outros - engraçados, deliciosos e felizes. Entretanto,
selecionei estes por serem muito marcantes e por ser necessário maior engajamento
das boas lembranças em busca de ressignificar aquelas que não o foram. Minha
gratidão eterna a Deus por me possibilitar vivências tão diversas em minha trajetória
e por permanecer lado a lado comigo e, ainda, presentear-me com uma família
especial, que eu amo muito. Então, não poderia deixar de registrar mais um ciclo
que estava por iniciar em nossas vidas. Por esse motivo, optamos por eternizar este
momento através de um ensaio em um estúdio fotográfico, do qual compartilho,
aqui, uma das fotos em que estou com as pessoas que fazem meus dias valerem à
pena!
Essas são algumas das situações na vida pessoal, com vivências profundas e
desafiantes na família, que me levaram a pesquisar sobre violência simbólica. Em
seguida, retorno ao tema em outra perspectiva: a profissional. Isaia (2009, p. 97),
referente à trajetória pessoal, enfatiza:
27
Com efeito, hoje a vida e suas diferentes formas são cindidas pelo esfacelamento,
quase generalizado, das fronteiras entre vida pessoal e vida profissional, vida
privada e vida pública, vida social e vida familiar e mesmo vida e morte, vida
passada e vida futura (PINEAU, 2006, p. 42).
1
Documento de apresentação do servidor público Estadual à instituição a ser lotado/designado.
29
“colocada” em meu lugar da seguinte forma: “você precisa entender que está aqui
temporariamente, faça apenas o que te é designado”. Tentei argumentar: “não acho
justo contribuir tão pouco, uma vez que sou concursada para exercer o magistério e
não meramente servir cafezinho... posso contribuir com mais”. A resposta foi forte:
“bem-vinda ao serviço público, bem-vinda ao Estado, faça somente o que já
combinamos”. O tom usado na voz era um tanto sarcástico. Levantei com os olhos
encharcados e desci para o prédio onde teria que ficar até o término do turno, tentei,
mas não consegui disfarçar minha decepção e logo fui questionada pelos colegas.
Naquele momento, senti tanta vergonha da situação que não tive coragem de relatar
o ocorrido e faltei com a verdade, falei que estava preocupada com algumas
situações familiares, pois, para mim, era inconcebível tal atitude por parte de uma
gestora. Fui para casa em estado de choque, só compartilhei com a coordenadora
pedagógica porque já havíamos desenvolvido empatia uma pela outra e
confidenciei-lhe o fato, uma vez que ela estava “responsável” por mim naquele
momento. Ela, de forma muito carinhosa e sensível, tentou me consolar dizendo: “eu
te avisei que iria perder tempo tentando fazer algo, não esquenta, me ajuda aqui
com as professoras e nas reuniões, o final do ano está logo ali, aí tu vai para a tua
escola e tudo ficará bem”. Foi o que fiz, silenciada. Diz Redin (2010, p. 371) sobre o
Silêncio2: “Proibir o homem de dizer a sua palavra é proibi-lo de se transformar,
censurar o homem a dizer a sua palavra é escravizá-lo nas grades da cultura do
silêncio”. Exatamente como aconteceu, permaneci apenas executando o que me
pediam... Redin (2010, p. 371) ainda complementa: “extorquir do homem o direito ao
silêncio significa roubar-lhe o direito de sua identidade, de sua subjetividade, de sua
criatividade, de sua dignidade”. Assim, sempre que possível, dirigia-me para o
laboratório de informática, onde me sentia um pouco mais útil ou menos inútil. Isso
ajudava a passar o tempo mais rápido. Finalmente, chegou o final do ano e minha
escola foi autorizada para o funcionamento. Enfim, assumi meu espaço tão sonhado.
Escola nova, recém autorizada, muito trabalho pela frente. Muitas e muitas
reuniões de estudo para a proposta político-pedagógica (PPP), regimento escolar e
o maior desafio de todos, apropriar-me da Língua de Sinais (LS). Que desafio, a
escola foi pensada para a comunidade surda, então a metodologia utilizada foi o
bilinguismo, isto é, língua de sinais como primeira língua e língua portuguesa escrita
2
Conceito extraído do Dicionário Paulo Freire.
30
como segunda língua. Como escola nova, passamos por vários momentos: da
euforia do novo, da garra em fazer acontecer até as disputas de poder. Várias
relações foram estabelecidas e nenhuma de forma neutra. Embora a escola tenha
sido conquistada por um ideal, não nos poderíamos perder no essencial, como por
exemplo, os ouvintes delegando a educação dos surdos, não poderíamos repetir a
história dos ouvintes oprimindo os surdos. Como fazer para os surdos não nos
verem como concorrentes/inimigos, mas como parceiros para a mudança? Muita
tensão. Disputa de carga horária, disciplinas, turnos (entre os ouvintes)... mas uma
situação em especial me chamou a atenção, foi em relação aos comportamentos
impositivos de algumas educadoras ao quererem determinar como se daria o
processo educacional na escola. Essa coerção deu-se de várias formas: pelo tom de
voz alterada, por palavras grosseiras e, até mesmo, com a exclusão de colegas,
dentre outras formas. Era como se existissem muitos caciques para poucos índios,
comparação estranha, mas era assim que sentia, todo mundo queria interferir e
definir a vida escolar dos colegas, poucas se comportavam como professoras
democráticas; e muitas, como coordenadoras e diretoras opressoras. No ano de
2001, assumi a 3ª série. Que desafio! Nunca havia assumido uma classe, não sabia
Língua de Sinais, então toda noite eu pensava: e agora? O que vou fazer? Por onde
começar? Percebi grandes lacunas na formação inicial, afinal, estava formada para
quê? Em meio a muitas crises, chegamos ao final do nosso 1º ano, foi muito
gratificante, conseguimos!
Nos anos compreendidos entre 2002 e 2006, assumi o laboratório de
aprendizagem e a itinerância, uma experiência fantástica. A Escola passou de
seriada para ciclada, por isso, estudamos muito sobre complexo temático,
reformulamos o PPP, construímos nossa pesquisa socioantropológica, visitamos as
famílias, fizemos muitas reuniões, tivemos muito trabalho. Nos anos de 2007 a 2010,
passei a dar aula no ensino médio normal, formação de professores surdos.
Ministrava várias disciplinas de didática, entre outras, no turno da manhã e noite.
Nos anos de 2011 e 2012, assumi a coordenação do Programa Mais
Educação, foi um trabalho incrível. Em outubro de 2011, apresentamos um lindo
espetáculo no Teatro Municipal 13 de Maio, ensaiado na oficina de teatro do referido
programa.
31
em um local público, por isso laico. Respondi com uma pergunta: “Tu sabes o que
significa a palavra laico?”. A resposta: “Não podemos trazer religião para dentro da
escola, então terás que apagar esta escrita”. Repliquei: “Laico significa não termos
uma religião oficial no Brasil, o que difere de ser ateu; portanto, não apagarei, pois
isso representa uma agressão à produção de um aluno, da mesma forma que rasgar
uma folha de seu caderno. Caso o Diretor me chame para conversar sobre o
assunto, estou disponível a me dirigir a ele”. Pouco tempo após este evento, ocorreu
a mudança de gestão (vice-direção) e, no dia 02 de janeiro de 2013, fui notificada,
via telefone, que encerraria a convocação e a minha participação na coordenação do
programa. Não foi um choque, uma vez que esperava ser desligada devido à
situação acima relatada, só não esperava ser prioridade na nova gestão a ponto de
ser uma das primeiras ações tomadas após a posse. Não guardo mágoa do
ocorrido, por entender que foi um ano de muitas disputas no campo “religioso” e
ideológico, muitas discussões em nível nacional sobre o Estado Laico, o que
difundiu grande confusão no conceito dessa palavra. Também não me ressenti, por
admirar a coragem e a competência da colega, eu a aprecio por ser uma pessoa de
grande sensibilidade, disponível a ajudar o próximo, estender as mãos aos
necessitados, dentre outras qualidades. Embora ela goste de passar uma imagem
de “durona”, é uma pessoa muito especial. Tenho entendido e relevado por anos as
atitudes de aspereza ao fato de ser cristã, sei que muitas pessoas deixaram a
desejar em muitos quesitos bíblicos, tais como: humildade, solidariedade,
demonstração de amor e afeto ao próximo, entre outros. Mas quem nasce pronto?
Freire (1997b) responde: “ninguém! Estamos diariamente sendo transformados, até
o final de nossas vidas, somos seres inacabados”. Também não posso achar
saudável e aceitar atitudes que discriminem pessoas por suas escolhas religiosas ou
qualquer escolha que seja, uma vez que a constituição garante tal liberdade de
expressão e fé. Da mesma forma, entendo a fala de muitos professores na
Universidade em relação a este tema: religião-Deus, pois sabemos, historicamente,
como se estabeleceu a igreja romana como força controladora e de poder. Entendo,
mas não concordo, pois é comum perceber a generalização da pessoa Deus com a
religião. Conhecer ou participar de uma crença não significa conhecer a Deus.
Conhecer a Deus significa estar além de uma religião! Essa falta de conhecimento
das Escrituras, em meu entender, tem trazido muitos prejuízos na formação humana,
com a quebra de modelos e de referências, tem dessimbolizado a humanidade,
36
Quem apenas fala e jamais ouve; [...] quem ouve o eco apenas de suas
próprias palavras, numa espécie de narcisismo oral; [...] não tem realmente
nada que ver com libertação nem democracia. Pelo contrário, quem assim
atua e assim pensa, consciente ou inconscientemente, ajuda a preservação
das estruturas autoritárias.
3
Este projeto de pesquisa possui como objeto de análise e trabalho a realidade da Educação Básica
do Campo por meio das informações coletadas relacionando-as com os Bancos de Dados do MEC,
do INEP, do IBGE, do IDEB, do Censo Escolar para o Estado do Rio Grande do Sul, objetivando
traçar o perfil profissional dos professores do campo e produzir cartografias voltadas para as
comunidades e escolas do campo envolvidas. A metodologia do trabalho possui como opção
metodológica uma abordagem quali-quantitativa permeada pelo método estudo multi-casos, que
permitirá o traçado das perspectivas educacionais da região central do Rio Grande do Sul, com
foco nas Escolas do Campo da Rede Estadual de Ensino pertencentes à 8ª Coordenadoria
Regional de Educação (8ª CRE). Tal estudo é motivado pela implantação, até o final de 2016, do
Regimento Curricular Padrão por Ciclos Formativos para todas as escolas da Rede Estadual de
Educação do RS. Alguns estudos já permitem perceber que tal política atinge de maneira singular
as diferentes instituições e sujeitos envolvidos, tais como escolas, professores, alunos,
coordenadorias regionais, diretores etc.
40
o que está escrito em Romanos 12:2 (carta de Paulo aos Romanos, capítulo 12,
versículo 2): “e não vos conformeis com esse mundo, mas transformai-vos pela
renovação da vossa mente...”, isto é, não devemos entrar na forma do pensamento
opressor, mas devemos buscar nossa auto(trans)formação pela renovação da nossa
mente/pensamento. Então, posso afirmar o quanto as escrituras sagradas são
atualíssimas, mas, para as compreender, faz-se necessário lê-las na companhia do
Autor, este é o diferencial.
Mas, o que é metanoia? Segundo o Dicionário de Português online Michaelis,
a palavra metanoia, de origem grega, significa: “Transformação básica do
pensamento ou caráter”. Bourdieu (2011, p. 49), salienta:
4
A metodologia dos Círculos Dialógicos vem sendo desenvolvida pelo Grupo de Estudos Dialogus:
Educação, Formação e Humanização com Paulo Freire (UFSM), inspirada nos Círculos de Cultura
freireanos em aproximação com a pesquisa-formação.
45
2.2.1 Cenário
Esse tipo de poder invisível, e por isso simbólico, mantém-se ativo sempre
que há concordância para a sua permanência, tanto para os que estão sujeitados a
ele, quanto aos que o estão exercendo.
O conceito de habitus refere-se à incorporação de uma determinada estrutura
social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma
58
Eles é que agem e não a estrutura através deles, porém eles agem em
função de disposições psíquicas que foram socialmente estruturadas: seu
habitus.O habitus é um conjunto de disposições psíquicas transponíveis e
duráveis: princípios de classificações, de visão, de divisão, gostos, etc., em
suma, princípios de percepção e ordenamento do mundo.
como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer,
de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção
sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou económica) graças ao
efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer
dizer, ignorado como arbitrário.
... seja no informal, no não intencional, pelos diferentes modos pelos quais
estes sujeitos são “afetados” pelo convívio no ambiente escolar, com
alunos, com colegas, com administradores de escola, pela cultura e
relações de toda a ordem, inclusive as de poder que perpassam as
intenções e as ações nesse meio, atravessadas, que são, pelas relações
sociais mais amplas (políticas, econômicas, culturais), que verificam no
macro-contexto (Grifo nosso).
Dessa forma, aproximando tais discussões para o contexto das escolas, não
podemos negligenciar este poder invisível, esta violência, mas sim, precisamos
trazer à luz tais questões, refletir sobre, e ainda, buscar possibilidades por meio de
formações continuadas para o enfrentamento dessas barreiras também invisíveis.
Em nossa proposta, em refletir sobre as escolas do campo, para continuarmos
nosso diálogo, entendemos que a negação e o não reconhecimento das
especificidades das comunidades rurais é uma forma de poder e de violência, local
onde se perduram as reproduções dos poderes dominantes por meio das escolas
culturalmente urbanas, conservando o mesmo campo, o habitus e o capital. Na
entrevista com as professoras Neusa e Terezinha, partilharam-se situações como:
depois de uns nove anos que eu tava aqui, a escola passou a ser
multiseriado, aí a partir de 1991 veio a professora C., que era da cidade,
então ela ficou com o primeiro, segundo e terceiro, e eu fiquei com o quarto
e quinto. Aí já começaram os conflitos, porque ela também chegou bem
jovenzinha lá da cidade, com aquela teoria toda da cidade, e ai a gente
começou a ter alguns atritos. E nem era por nossa culpa, eu defendia mais
a questão do campo, por exemplo, as reuniões tinham que ser no horário
64
Quando a escola reproduz com autoridade aquilo que lhe é imposto, por meio
da coerção (velada ou não), impede a reflexão por parte da comunidade escolar e,
assim, impede toda a possibilidade de transformação pessoal, profissional,
institucional e local.
Para Antunes (2012, p. 143-144), “logo, é necessário instaurar espaços no
cotidiano escolar que compreendam o sujeito numa perspectiva global, assumindo a
formação como um processo interativo e dinâmico”, como possibilidade de
resistência às multiformas de violência. Destacamos, neste momento, uma forma de
violência perversa, silenciosa, danosa de relação de poder, que chamaremos de “o
silenciamento do outro”. Segundo Freire (1987, p. 44), “não é no silêncio que os
homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”, e isto se reflete
em todos os momentos e, nesse caso, tratando-se de escola, visualizam-se,
principalmente, nas reuniões pedagógicas, local apropriado para a partilha de ideias
e opiniões, momento em que ocorrem situações nas quais alguns professores são
silenciados pelos colegas, o que vem contrariar uma das condições básicas de
convivência entre os seres, que é o respeito à opinião alheia.
Nessa citação de Freire (op. cit), o autor reforça a importância de não silenciar
as várias vozes em uma escola e nem permitir sermos silenciados por outras. É
preciso estar atento às várias formas de violências que, porventura, podem
causar/provocar aos/por outros, por meio da comunicação. Sobre o silenciamento, a
professora Terezinha comenta:
deve ser considerada como fator relevante na construção do conhecimento, uma vez
que a cooperação emerge do trabalho solidário entre os sujeitos envolvidos nesse
processo”. E, ainda, a importância de desnaturalizar a violência nas instituições
escolares, envolvendo coletivamente os sujeitos em busca do enfrentamento e
superação das tensões geradoras em violência simbólica no quadro de professores.
Para Freire (2009, p. 118):
Podemos refletir sobre trajetória pessoal conforme nos fala Isaia, juntamente
com Abrahão (2006, p. 150), que vêm contribuir no viés das histórias de vida “a
experiência humana, pessoal/social, tem uma natureza temporal cujo caráter
apresenta-se articulado pela narrativa, em especial quando clarifica a dualidade
“tempo cronológico”/ “tempo fenomenológico”. Portanto, entendemos que esse novo
olhar sobre o interior da Escola, em busca da compreensão das trajetórias e
narrativas dos docentes, pode vir a oportunizar uma qualificação nas relações
intersubjetivas. Estas servindo como núcleo nos relacionamentos interpessoais, pois
percebemos, na atualidade, que este ponto se torna uma questão imprescindível
para a luta e superação da violência instituída em nossas escolas, especialmente
entre os docentes.
5
Silêncio: Conceito extraído do Dicionário Paulo Freire - para Redin (2010, p. 371), nos diz: “Proibir o
homem de dizer a sua palavra é proibi-lo de se transformarem, censurar o homem a dizer a sua
palavra é escravizá-lo nas grades da cultura do silêncio”.
6
Resolução que institui as diretrizes operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.
69
tirar leite, por exemplo. Essas atividades a gente tem, mas temos colegas
que são totalmente urbanos, e ai?
Neuza: Aí nós remamos contra a maré. (..). Tudo isso nós enfrentamos.
Enfrentamos barreiras com esse tipo de coisa. Por isso que eu digo
que a nossa escola eu já não a vejo como para o campo.
Neuza: mas eles não aprendem a lidar, criar porco, galinha, ter uma horta,
eles não tem essa cultura, e eu vejo que a escola fica, não sei se é por
falta de conhecimento, mas a gente fica distante dessa realidade, a
gente não consegue chegar a eles.
Neuza: Mas aí o conflito é uma política, né? Pode notar que a maioria
desses professores, eles tem 40 horas, e de repente não há disponibilidade
deles nesses horários flexíveis, porque eles têm outra escola também. Se
tivesse uma política que o professor que ficasse na escola ganhasse uma
porcentagem maior, ai não precisava o professor pegar outra escola, e aí
acontecem esses conflitos aí. [...]. Não é contra as gurias, porque elas
não têm culpa, acho que elas deveriam ser valorizadas, com um salário
bem melhor que elas não precisassem fazer essas quarenta horas e
pudessem ficar aqui, é isso que eu penso.
Luciana: Esse ponto de pertencer ao campo, vocês acham então que isso
é fundamental?
7
Fiore prefacia a obra de Freire, Pedagogia do Oprimido: “Condições de poder re-existenciar
criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua
palavra... Mas, para isto, para assumir responsavelmente sua função de homem, há de aprender a
dizer a sua palavra, pois, com ela, constitui a si mesmo e a comunhão humana em que se constitui;
instaura o mundo em que se humaniza, humanizando-o... Com a palavra, o homem se faz homem.
Ao dizer a sua palavra, pois, o homem assume conscientemente sua essencial condição humana.
(FREIRE, 1987, p. 7)
73
Neuza: Faz tempo... Acho que foi em 2001. Não lembro bem a data, mas
eram muito bons os nossos encontros, a gente trocava bastante ideia.
Neuza: Era, a gente ficava lá, era muito bom. Teve uma época bem antes,
quando eu iniciei lá em 1978 ou 1979, que a gente criou a cartilha João de
Barro, foi um trabalho que a gente criou com as experiências da Escola do
Campo, a gente criou até cartilha! E lembro e em um dos cursos a Helenise
falou da cartilha João de Barro, não sei o que eu fiz com a minha que eu
perdi, mas tenho vontade de rever, resgatar, porque era uma cartilha
voltada para as Escolas do Campo, voltada pras crianças do campo, então
acho que a gente crescia muito nesses encontros e esses outros que a
gente fazia por escola, a gente crescia.
Casualmente hoje no intervalo até a gente comentava que sala de aula
hoje “emburrece” a gente, porque a gente não estuda, não lê, e a gente
não tem mais encontro. Se tu queres ir num curso não tem quem fique
no teu lugar, e saem cursos maravilhosos, mas a gente não pode ir
porque não tem ninguém pra nos substituir.
Luciana: E quem é que colocou esse horário de sábado? Foi a Smed ou foi
o pessoal do Pnaic?
75
Terezinha: Até hoje ninguém explica quem foi, e a gente foi sábado pra
levar uma proposta pra dizer que fizessem durante a semana ou à noite ou
à tarde, enfim, e aí a gente chegou lá e já estavam até as datas prontas pro
ano que vem.
Neuza: Para nós o que dificulta é ser o dia inteiro no sábado... Se fosse
dois sábados até o meio dia até daria. O problema é ser o dia inteiro... Tu já
trabalha a semana inteira...
Neuza: Sim.
76
Neuza: Olha, o difícil é que não estamos tendo nem reunião para nós para
chegar, por exemplo, eu e a Terezinha e dizer “olha nós temos isso pra
passar pras gurias”, mas é nos recreios, ligeiro, entendeu? Teria que ter um
tempo pra gente passar pras colegas, trocar com as colegas isso, mas é
isso que estamos tendo, não tem tempo.
Neuza: Isso, a gente faz rapidinho. Porque a gente muito uma ajuda a
outra, o que tem de diferente traz pra colega, a gente faz isso, só que é o
tempo né? Recreio é “ah, eu tenho isso aqui, se tu quiseres quem sabe tu
mostra”, ou pergunta pra uma colega, a gente é bem acessível, mas é
conversa assim, ligeirinha.
Neuza: Se lembra, a gente tinha uma vez por mês aqui, a gente se
encontrava os dois turnos, e faz tempo que a gente não faz mais isso.
Neuza: Isso. E aí a gente trabalhava os assuntos, até por isso que eu digo
que a coisa andava melhor. Mas agora tem colegas que quanto tempo faz
que eu não vejo... Como é que eu vou dizer que ela não tem vontade de
trabalhar se não tenho conversado com ela?
recorte do diálogo: “é uma escola, é um aluno que vai passar por todas. A
preocupação da gente é essa, porque vai passar por todas...”.
Os desafios são muitos e diversos, podemos dizer que a formação em
serviço, ou, no lugar aprendente, é vital para a escola, para os profissionais que lá
atuam, assim como para a comunidade pertencente a esta escola. Portanto, estar
em formação é uma procura pela transformação como profissional, é (re)pensar
suas teorias e práticas, são buscas de novas perspectivas, como aponta Imbernón,
e isso não é simples, pois
Neuza: Meus pais também diziam isso, “vai estudar, não fica aqui
trabalhando.”
Terezinha: Só que está mais difícil agora, tem toda uma cultura que está
por traz disso, por exemplo, mesmo que não tenha incentivo do governo pra
que ele fique no campo. Não tem muito isso, por exemplo, a questão da lei
que a gente ta há anos esperando que aconteça, que é uma lei que está no
senado já há anos, que saía uma verba pra quem mora no campo e quer,
por exemplo, uma partilha de terra, que um dos herdeiros possa pegar um
empréstimo e comprar de todos, para que ele fique. E o que acontece é que
ele tem que vender toda pra dividir entre os outros da família, porque um
não consegue comprar de todos, que é o que está acontecendo agora com
as terras da minha família, quer dizer, um tem que vender, mas os outros
não podem comprar, ai não tem um empréstimo, alguma coisa, um incentivo
do governo que tu possa dizer “não, óh, vou pegar um empréstimo do
governo para eu pagar em tantos anos, mas que eu possa pagar o valor
justo para quem não quer mais ficar no campo”, e aqui a gente se viu
quantas pequenas propriedades que as pessoas não puderam permanecer
no campo e tiveram que vender tudo para poder dividir entre todos. Tudo
82
Neuza: Pra mim, é difícil falar sobre isso, mas sinto que alguma coisa
ficou incompleta, não ficou completo o meu trabalho, porque a gente
sente que tem certos traves que não consegue, mas que gostaria de
trabalhar bem mais, fazer com que o aluno daqui valorize isso, porque
não adianta incentivar esse aluno a sair daqui, se sair daqui e ele não tiver
onde morar lá na cidade, onde é que eles vão quando saem daqui? Para as
periferias. Lá eles vão aprender mais coisas ruins do que boas, com quem
eles vão conviver. Então eu penso assim, às vezes saio daqui sentida,
porque parece que a gente não ensinou, faltaram coisas, essa coisa boa
de a gente ensinar pro nosso aluno... É triste tu ver um jovem aqui da
colônia não saber pegar uma enxada, não ter amor pela terra... Então
eu me sinto assim, que tem uma parte que faltou; E às vezes a gente
encontra nosso aluno ou vê dando na polícia “ah, fulano foi preso”, e era
aluno nosso aqui de fora. Então são coisas assim, esses dias mesmo
quando deu na polícia do D., que foi meu aluno, eu fiquei assim “mas o que
é que nós fizemos?”.
Neuza: Eu que estudei numa escolinha pequena, e era assim, foi bem
interessante, a professora dividiu o terreno da escola, era só ela pra fazer
todo o serviço, aí ela nos pedia ajuda daqui e dali, e ela fez isso de uma
maneira inteligente. Ela pegou todo o pátio da escola e dividiu em terrenos e
deu um terreno pra cada aluno, e disse assim: “agora vamos ver, vocês vão
85
trabalhar, vão plantar, vão deitar bonito como vocês quiserem, vamos ver
quem é que vai deixar mais bonito esses terrenos”. E todo mundo capinava
o seu terreno, todo mundo plantava florzinha. Então a maneira de deixar o
pátio limpo era fazendo isso ai, ninguém quebrou a coluna e nem nada.
Claro que a gente plantava nossas flores, olhava o canteiro do vizinho.
Neuza: Não era tanto, porque a nossa vivência era disso. Em casa já era
assim. Não era como nosso aluno hoje que não sabe pegar uma enxada,
nós já éramos acostumados em casa a fazer esse serviço.
Neuza: Já era a realidade nossa, o pátio era lindo de ver, na primavera era
lindo, tudo florido, um trazia uma flor, outro trazia outra. Era uma maneira
inteligente de cuidar, agora vai fazer isso hoje...
Eu
Diálogo
Neuza: Sim, enquanto aluna. Mas, no fundo eu acho que não era
totalmente ruim a nossa fase, a gente era silenciado, mas também sabia
respeitar mais. Eu noto assim, que hoje em dia as coisas se confundiram.
88
Neuza: Não vê; Hoje nas casas quem manda é as crianças, no nosso
tempo não. E isso conta a escola também, a escola era sagrada e o que a
professora dizia, também. O pai até ia lá conversar com a professora, mas
se a professora mandasse um bilhete avisando alguma coisa que tu fez, ele
não dizia que a professora tava pegando no pé do meu filho, ele dizia “ah,
mas tu fez isso”, por mais que ele não concordasse com aquilo, ele dava
razão para o professor, perante nós, na nossa presença. O professor
era uma referência, nem que tivesse que ir falar com a professora,
falava, mas a gente nem ficava sabendo. Eram umas coisas boas, que
eu acho que o professor era bem respeitado, e hoje em dia não, tu está
falando com um aluno e facilita ele te enche de desaforo.
Com efeito, a troca humana está inserida num conjunto de regras cujo
princípio não é real, reenvia a “valores” postulados. Esses valores se
originam numa cultura (depositária de princípios morais, de cânones
estéticos, de modelos de verdade) e, como tal, podem diferir, inclusive se
opor a outros valores. Ora, o “novo espírito do capitalismo” persegue um
ideal de fluidez, de transparência, de circulação e de renovação que não
pode se conciliar com o peso histórico desses valores culturais. Nesse
sentido, o adjetivo “liberal” designa a condição de um homem
“liberado” de toda a ligação de valores. Tudo o que remete à esfera
transcendente dos princípios e dos ideais, não sendo conversível em
mercadorias e em serviços, se vê doravante desacreditado. Os valores
(morais) não têm valor (mercadológico). Por não valerem nada, sua
sobrevivência não se justifica mais num universo que se tornou
integralmente mercantil. Além do mais, eles constituem uma possibilidade
de resistência à propaganda publicitária, que exige, para ser plenamente
eficaz, um espírito “livre” de todo o aprisionamento cultural. A
dessimbolização tem, pois, um objetivo: ela quer erradicar, nas trocas,
o componente cultural, sempre particular (DUFOR, 2005, p. 200, grifo
nosso).
nossa história e esquecer a nossa história de vida e os sentidos por ela construídos.
Para Dufor (p. 208, 209):
Neuza: Para mim, é difícil falar sobre isso, sinto que alguma coisa ficou
incompleta, não ficou completo o meu trabalho, porque a gente sente que
têm certos traves que não consegue, mas que gostaria de trabalhar bem
mais, [...]. Então eu penso assim, às vezes saio daqui sentida, porque
parece que a gente não ensinou, faltaram coisas, essa coisa boa de a gente
ensinar para o nosso aluno... É triste tu ver um jovem aqui da colônia não
saber pegar uma enxada, não ter amor pela terra, [...] “mas o que é que nós
fizemos?”.
Neuza: ... agora pego de outro professor que é urbano, ele não vai seguir
aquela nossa seqüência, não é que ele não queira, ele não tem
conhecimento.[...]. Não é questão que o professor não goste, de repente ele
não viveu, não teve essa vivência. É difícil tu não ter vivencia.
Neste sentido, escrever é tão re-fazer o que esteve sendo pensado nos
diferentes momentos de nossa prática, de nossas relações com, é tão re-
criar, tão re-dizer o antes dizendo-se no tempo de nossa ação quanto ler
seriamente exige de quem o faz, repensar o pensado, re-escrever o escrito
e ler também o que antes de ter virado o escrito do autor ou da autora foi
uma certa leitura sua.
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 15. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2011.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
COSTA, Naldson Ramos da. Violência nas escolas: fenômeno multidimensional. In:
Escola que protege: dimensões de um trabalho em rede. ANTUNES, Helenise
Sangoi. (Org.). Porto Alegre: Asterisco, 2010, p. 416-422.
FIORI, Ernani Maria. Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia
do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.
______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.
REDIN, Euclides. SILÊNCIO. In: Dicionário Paulo Freire. STRECK, Danilo, REDIN,
Euclides, ZITKOSKI, Jaime José (Orgs). Belo Horizonte, Autêntica, 2010, p. 371-
373.
ROCHA, Maria Isabel Antunes, MARTINS, Maria de Fátima Almeida. Diálogo entre
teoria e prática na Educação do Campo: Tempo Escola/Tempo Comunidade e
alternância como princípio metodológico para organização dos tempos e espaços no
curso de Licenciatura em Educação do Campo. In: Lincenciaturas em Educação
do Campo – Registros e Reflexões a partir das Experiências Piloto. MOLINA,
Mônica Castagna, SÁ, Laís Mourão (Orgs). Belo Horizonte, Autêntica, 2011, p. 213-
228.
Nome Completo:
Data de Nascimento:
Formação Inicial:
Cargo/Atuação:
Tempo de docência:
1. “Tempos de Infância”:
2. “Tempos de Escola”:
5. “Escola do Campo”:
6. “Violência simbólica”:
7. “Os Silenciamentos”:
8. “Pertencimento”:
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