Maria Clara Fernandes Rarez
Maria Clara Fernandes Rarez
Maria Clara Fernandes Rarez
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA
Belo Horizonte
2024
Maria Clara Fernandes Rarez
Belo Horizonte
2024
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
FICHA CATALOGRÁFICA
R221e Rarez, Maria Clara Fernandes.
Entre histórias semelhantes e singulares do ofício docente: narrativas de
professoras [manuscrito] / Maria Clara Fernandes Rarez. - 2024.
103 f., color.
CDU: 37.018.5
CDD: 371.58
Ficha catalográfica: elaborada pelo Bibliotecário Daniel Henrique da Silva CRB-6/3422
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
__________________________________________________________________________
Profª. Draª. Alvanize Valente Fernandes Ferenc (membro titular) - PPGE/UFV
Belo Horizonte
2024
AGRADECIMENTOS
Iniciar o mestrado no ano de dois mil e vinte e dois foi o começo de um grande sonho que tive
desde a graduação com o envolvimento em projetos de pesquisa e extensão. Durante este
percurso, construí aprendizados e amizades que levarei para sempre em meu coração e na minha
vida. Não foi um processo fácil, mas sim desafiador. A finalização deste ciclo marca a abertura
de outros.
Agradeço aos meus pais que estiveram ao meu lado ao longo de toda a trajetória e em todas as
oportunidades que tive até então. Cada um com seu modo e particularidade contribuiu para me
tornar a mulher que sou hoje e para me ajudar a buscar os meus sonhos. Agradeço pelos
diálogos, carinho e afeto. O encerramento desta etapa é uma conquista coletiva, de todos nós.
Agradeço imensamente a minha orientadora Karla Cunha Pádua, que para além do cargo que
ocupa se tornou grande amiga, me acompanhando em todo o processo, sempre com muito
carinho, escuta e disponibilidade. Suas orientações e dicas, de forma sensível e educada, foram
acolhedoras e fundamentais para vencer cada etapa desta trajetória. Seu incentivo e motivação
para além das escritas e orientações se tornaram momentos de conforto. Sempre serei grata ao
carinho e dedicação que teve a mim e à pesquisa.
Agradeço aos amigos e amigas que me acompanharam desde o início deste sonho e colaboraram
para ele ser finalizado. A escuta e carinho durante todo este processo foi fundamental para não
fazer-me desistir apesar dos desafios e problemas que surgiram nesses anos.
Aos amigos e amigas que fiz durante o mestrado, agradeço as risadas, a colaboração e
companheirismo que tivemos uns com os outros durante o primeiro ano com as disciplinas e no
desenvolvimento da escrita. Tenho grande admiração pela história e pesquisa de cada um de
vocês. Todos me trouxeram grandes conhecimentos para além da vida acadêmica.
Agradeço a Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG por ter me acolhido na minha
formação inicial e no Programa Pós-graduação Stricto Sensu em Educação. Aos professores e
professoras, com suas aulas, reflexões e experiências, que colaboram para sermos profissionais
e indivíduos melhores. Agradeço à Capes por ter me concedido a bolsa para me dedicar de
forma integral aos meus estudos e compromissos acadêmicos.
Nem tudo o que escrevo resulta numa realização,
resulta mais numa tentativa. O que também é um
prazer. Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes,
quero apenas tocar. Depois, o que toca às vezes
floresce e os outros podem pegar com as duas
mãos. (Clarice Lispector)
RESUMO
Esta pesquisa de mestrado é resultado de um estudo que investigou três docentes de diferentes
segmentos e instituições educacionais, buscando compreender os processos pessoais e
formativos que contribuíram para a escolha da carreira docente. As professoras investigadas
representam distintas gerações, nascidas nas décadas de 70, 80 e 90, tiveram sua formação
acadêmica inicial na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos cursos de Pedagogia
e História, e enfatizam as marcas dessa instituição em seus caminhos profissionais.
Pesquisamos, por meio da narrativa dessas mulheres, suas histórias de vida e influências
socioculturais que colaboraram para sua formação enquanto sujeito e sua atuação nas escolas.
No entanto, partimos do entendimento de que as influências adquiridas ao longo da trajetória
de vida, educacional e profissional dessas docentes se transformaram por meio de novas
vivências, aprendizados e conhecimentos a partir de diferentes contextos. Para atingir os fins
propostos nesta pesquisa, utilizamos como metodologia a pesquisa de natureza qualitativa e a
abordagem biográfico-narrativa com a utilização da entrevista-narrativa com as docentes, o que
nos permitiu trazer as memórias, narrativas e experiências das próprias professoras no processo
de construção de suas identidades como educadoras. Ao ouvirmos suas vozes e histórias,
buscamos compreender melhor como esses elementos influenciam sua trajetória profissional e
sua prática em sala de aula. Para melhor compreensão do perfil das docentes pesquisadas,
utilizamos também um formulário online que nos permitiu abordar aspectos socioculturais e
familiares das professoras, além de complementar informações sobre sua formação
profissional, situação atual no trabalho e práticas culturais. A partir deste contexto, trazemos
como principais conclusões deste estudo que a formação acadêmica e familiar é um dos
elementos fundamentais que contribuem para a sua concepção como sujeito e prática em sala
de aula. Destacamos também que a escolha da profissão docente não é primeira opção para
essas mulheres, mas sim uma contingência que ao longo dos anos trouxe muito aprendizado e
prazer para cada uma delas.
This master's research is the result of a study that investigated three teachers from different
sectors and educational institutions, seeking to understand the personal and formative processes
that contributed to their choice of a teaching career. The teachers investigated represent different
generations, born in the 70s, 80s and 90s, had their initial academic training at the Federal
University of Minas Gerais (UFMG), in Pedagogy and History, and emphasize the marks of
this institution on their professional paths. Through the narratives of these women, we
investigated their life stories and the socio-cultural influences that contributed to their formation
as subjects and their work in schools. However, we start from the understanding that the
influences acquired throughout their life, educational and professional trajectories have been
transformed by new experiences, learning and knowledge from different contexts. In order to
achieve the aims of this research, we used qualitative research and a biographical-narrative
approach with the use of narrative interviews with the teachers, which allowed us to bring the
memories, narratives and experiences of the teachers themselves in the process of building their
identities as educators. By listening to their voices and stories, we sought to better understand
how these elements influence their professional trajectory and classroom practice. In order to
better understand the profile of the teachers surveyed, we also used an online form which
allowed us to look at socio-cultural and family aspects of the teachers, as well as complementing
information about their professional training, current work situation and cultural practices.
From this context, the main conclusions of this study are that academic and family background
is one of the fundamental elements that contribute to their conception as subjects and classroom
practice. We also point out that choosing the teaching profession is not the first option for these
women, but rather a contingency that has brought a lot of learning and pleasure to each of them
over the years.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
3.2 “Não tinha ainda percebido que eu me identificava com ela [...] não conseguia
relacionar que isso tinha a ver com a questão étnico-racial” ................................................ 53
3.3 “Eu nunca sonhei em ser professora. Nunca. Não estava nos meus planos.” ............ 60
4.1 “Aí eu percebi [...] que a sala de aula é muito maior do que só ensinar o conteúdo” 68
4.3 “Se fosse chegar a acordar, entrar e dar aula com os meus alunos, seria ótimo,
maravilhoso, mas não é só isso!” .......................................................................................... 84
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 91
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 94
ANEXO .................................................................................................................................... 99
10
INTRODUÇÃO
Minha trajetória no espaço educacional inicia-se durante a infância. Ser filha de professores de
história da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte sempre me levou a espaços e diálogos
distintos, como a sala de aula e a casa dos estudantes. Desde então, me indagava até onde iria a
individualidade e a vida profissional dos professores, até onde a história de vida e a formação
influenciavam a carreira, o que separa o papel de pais e o de educadores. Todos esses
questionamentos colaboraram para o meu percurso de estudante e a escolha deste tema de
pesquisa sobre as docentes como sujeitos socioculturais.
Buscamos a compreensão dos contextos particulares, econômicos e sociais que podem afetar a
prática das professoras, entendendo que sua atuação na docência ultrapassa o espaço da sala de
aula. Além disso, acreditamos que a heterogeneidade é uma das características das professoras
como sujeitos socioculturais, como ressaltou Teixeira (1996, p. 185):
esses seus atributos, sejam eles adscritos ou adquiridos, pois tudo isto matiza
sua existência e condição.
Dayrell (1992) também ressalta que a singularidade dos indivíduos é construída em suas
relações sociais e nos contextos em que estão inseridos, nos ajudando a compreender essa
dimensão dos sujeitos socioculturais. Para o autor,
Considerando que o contexto que interfere no trabalho das professoras é tanto o macro quanto
o micro, pensamos que a singularidade desses indivíduos influencia diretamente na sala de aula
e em sua relação com os discentes. Teixeira (2007) ainda ressalta que, no contexto macro, os
educadores vivenciam outros problemas relacionados às circunstâncias de trabalho, tais como:
a precariedade de condições salariais e de trabalho, falta de infraestrutura nos prédios escolares,
entre outros. Além disso, o ofício docente é uma atividade que tem se tornado complexa ao
longo dos anos, com baixa atratividade e menor prestígio, ao contrário do que se viveu durante
anos com o magistério, profissão antes admirada e valorizada socialmente.
Outro conceito que nos ajuda a pensar esta problemática é o de experiência. Segundo Larrosa
(2002, p.27), a experiência é aquilo que toca e transforma o sujeito, singular a cada indivíduo.
Para ele, “ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja
de algum modo revivida e tornada própria”. O autor também enfatiza neste mesmo fragmento
que, “[o] acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma
maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se
do indivíduo concreto em quem encarna”
Para esse autor, os sujeitos desenvolvem diversas estratégias que colaboram para o desempenho
de suas ações e práticas educativas, estas que estão relacionadas em amplos aspectos a uma
perspectiva política, compreendendo que a mesma varia e se difere de sujeito para sujeito.
Para pensar as professoras e seu ofício, recorremos também às análises de Gatti (2003), para
quem o docente é um indivíduo não abstrato ou essencialmente intelectual, mas sim ser social,
com identidade profissional e pessoal, imerso em uma vida grupal a qual compartilha visões
12
No contexto atual da educação no Brasil tem-se dialogado bastante sobre o desempenho dos
estudantes dentro do espaço escolar, seu comportamento como sujeito e seu processo de
aprendizagem. No entanto, discute-se pouco sobre o contexto social, cultural, econômico do
docente, seu processo de formação e trajetória profissional. Perante a conjuntura de
desvalorização e desmotivação da carreira, pesquisar como este sujeito vive e o que o levou a
atuar enquanto professora e permanecer na profissão é relevante do ponto de vista social e
acadêmico.
Nessa perspectiva, acreditamos que nosso trabalho pode contribuir para orientar a escolha de
muitos estudantes que ainda veem com resistência e superficialidade a carreira docente,
oportunizando novos olhares sobre a atuação na profissão. Pode colaborar também para
compreenderem as docentes como sujeitos socioculturais, com trajetórias de vida diversas,
oportunizando debates sobre as diversidade e complexidade da carreira, a partir de sua própria
narrativa. No viés acadêmico, a pesquisa pode exemplificar muitos aspectos ainda pouco
pesquisados e que poderão ser trazidos para uma discussão, principalmente a partir das
narrativas dos próprios docentes.
É preciso compreender que o trabalho docente “é também a atividade de pessoas que não podem
trabalhar sem dar um sentido ao que fazem, é uma interação com outras pessoas: os alunos, os
colegas, os pais, os dirigentes da escola, etc”. (Tardif, 2012, p. 38). Nossa pesquisa vai na
direção de buscar os sentidos e percepções dados pelas professoras ao seu trabalho, suas
escolhas e compreensão dos seus saberes. Em uma de suas obras, o autor ressalta que há poucos
estudos e pesquisas, até mesmo no campo das ciências sociais, que visam compreender sobre
os saberes das professoras.
Para o autor a prática docente desenvolve vários saberes com os quais o corpo docente mantém
diferentes relações, denominando-se, assim, o saber docente como um saber plural, concebido
por saberes oriundos de diversas origens. Segundo Tardif:
instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc
(Tardif, 2014, p. 64).
No ano de 2021 e numa atualização de dados feita em 2022, foram trazidas pelo Censo Escolar
2021 e o Censo da Educação Superior 2020 duas pesquisas, que foram concluídas pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), demonstrando que no
ensino fundamental concentra-se grande parte dos profissionais da educação básica: 1.373.693
(62,7%) dos 2,2 milhões.
Além disso, as professoras são maioria em todas os períodos da educação básica. Na educação
infantil, as docentes correspondem a 96,3%, 88,1 % nos anos iniciais e 66,5% nos anos finais
do ensino fundamental. Quando chegamos ao ensino médio, as mulheres ocupam 57,7% do
corpo docente. Os dados apresentados buscam traçar o perfil dessas professoras de forma
quantitativa, não aprofundando no conhecimento e trajetória dessas docentes, lacuna que nossa
pesquisa pretende preencher.
Como a autora destaca, as docentes vivem discutindo sobre distintas representações sobre a
profissão. Compreendemos que os aspectos e interesses são inerentes a cada sujeito - professor,
sendo construídos antes de iniciar seu processo de formação. Eles vão se consolidando a partir
das experiências individuais, formando seu perfil profissional e pessoal. Nesse caso, o contexto
14
se destaca como fator fundamental para se entender os elementos que levaram a docente à
profissão e os aspectos socioculturais que se destacam em sua trajetória pessoal e que podem
influenciar em sua carreira profissional. Entre tais elementos, “[a] motivação é um conjunto de
variáveis que ativam a conduta e a origem em determinado sentido” (Tapia, 1999, p.77).
Durante o processo de revisão inicial de literatura, foi possível observar a presença de estudos
sobre a individualidade das professoras de diferentes redes de educação básica ou de sua
atuação em disciplinas específicas. No entanto, a relevância dessa pesquisa é analisar, escutar
e destacar a individualidade das docentes de diferentes áreas, suas percepções a respeito de sua
trajetória pessoal e profissional, destacando aspectos sociais e econômicos que a direcionaram
para a docência.
Sendo assim, a pesquisa e discussão sobre esta temática se faz fundamental para compreender
as docentes para além de indivíduos que trabalham com a educação, mas sim como mulheres e
sujeitos que possuem uma trajetória e individualidade a ser valorizada na sua profissão. Nóvoa
(1997, p.25), discutindo a formação docente, chamou-nos a atenção para este aspecto:
Além disso, para desenvolvermos uma educação que valorize a construção e formação humana,
é fundamental reconhecer a trajetória e individualidade destes sujeitos, compreendendo que
estes elementos são fundamentais para alcançarmos aprendizados significativos, tanto para os
próprios docentes quanto para os estudantes.
A escolha pelas professoras parte da motivação de entender este campo de trabalho que é
composto em sua maioria por mulheres. Sendo assim, ao analisar os pensamentos e leituras de
Louro (2004), o estudo da mulher durante o século XIX tornou-se necessidade na sociedade
para trazer à tona a construção e instrução de uma família. A demanda de instruir as mulheres
por parte do Estado se deve ao fato de elas serem as primeiras a darem educação para seus filhos
e influenciarem na formação dos homens. Dessa forma, ao realizar essa pesquisa com as
docentes, são destacados elementos individuais e coletivos de sua trajetória enquanto mulheres.
Este trabalho divide-se em quatro capítulos, propondo discutir conceitos e fundamentos teóricos
que aprofundam o estudo, abordando os percursos metodológicos e desafios enfrentados
durante o trabalho de campo e, por fim, apresentando, nos dois últimos capítulos, a análise das
professoras entrevistadas, dialogando-se com autores/as.
trabalho. A autora nos propõe pensar a pergunta que deu título ao seu livro a partir da narrativa
partilhada de seis mulheres-professoras.
A partir destas leituras e de outros autores/as, percebemos que docentes possuem trajetórias de
vida e de profissão semelhantes, mas a experiência e significado que cada sujeito atribui a si é
única. Deste modo, abordamos este conceito tendo como base o texto “Notas sobre a
experiência e o saber de experiência*” (2002), de Larrosa, que discorre sobre a sensibilidade e
sentido de cada experiência a partir do contexto, conhecimento e bagagem cultural que o
indivíduo tem.
E, por fim, no capítulo quatro apresentamos as três últimas categorias de análise, espaço onde
mencionamos como as docentes compreendem sua responsabilidade no âmbito educacional
para além do espaço da sala de aula e principalmente como se construíram como educadoras
das relações étnico raciais. Além disso, enfatizamos o contexto social em que as docentes se
construíram e como as ações e políticas externas colaboram no espaço da sala de aula. As
categorias de análise foram organizadas no intuito de dialogarem entre si, compreendendo que
todos estes aspectos e formações fazem parte do sujeito como um todo.
18
Ao falar sobre o papel das histórias de vida em tempos de mudanças educativas, Bolívar (2014)
ressalta a necessidade de relacionar o biográfico (os relatos de vida) com os seus contextos. Ou
seja, é preciso tecer relações entre as narrativas, as vidas relatadas e seus contextos. Para realizar
este trabalho, que ele chama de transformar relatos de vida em histórias de vida, é importante
fazer um trabalho de triangulação com outros relatos e documentos por parte do pesquisador,
que tem como tarefa esclarecer os sentidos do que sentem e dizem os professores/as.
1
Poema Veinte poemas de amor y uma canción desesperada de Pablo Neruda. Ver: https://amazon.com.br/Veinte-
Poemas-Amor-Canci%C3%B3n-Desesperada/dp/8420664081. Acesso em 17 de maio de 2024.
19
Nesse sentido, o autor destaca a relevância de interligar as biografias com o contexto social e
histórico no qual se inscrevem buscando iluminar os seus sentidos. Desta forma, o enfoque
interpretativo exige um mergulho mais profundo nas inter-relações entre estrutura e agente. Os
relatos biográficos são expressões de circunstâncias históricas, culturais e sociais e como tais
precisam ser situados em um tempo e um lugar, em uma história e em uma geografia (Bolívar,
2014).
Têm sido frequente as críticas sobre o efeito colonizador dos trabalhos sobre a vida dos
professores/as, surgindo a necessidade de permitir que o próprio sujeito elabore de maneira
reflexiva suas histórias e práticas profissionais. Nesse sentido, as histórias de vidas contadas
por meio de narrativas são também processo de aprendizagem e de formação, pois possibilitam
a reflexividade, a organização das experiências em uma trama argumental ordenada
temporalmente. Acontecimentos múltiplos e heterogêneos dessa forma são sintetizados em uma
história singular.
Ao buscar relacionar os problemas apontados pelas professoras às questões sociais mais amplas,
integramos a dimensão pessoal com a análise das estruturas e esta é uma forma de ampliar a
compreensão da docência. Assim, ao ancorar a vida individual no marco coletivo e possibilitar
ouvir as vozes plurais dos docentes, pensamos para além de tratá-los como vítimas, alienados
e desesperançados e sim como agentes organizacionais de sua própria forma de trabalho. As
narrativas ajudam a compreender a crise de identidade pessoal e profissional, as estratégias que
os professores/as utilizam para analisar suas vidas e seus trabalhos e as respostas que dão ao
mundo socialmente construído da escola. Assim, ao falar, o docente adquire o sentido de
contracultura, o que incrementa a visibilidade desses profissionais e possibilita conectar suas
identidades com projetos de futuro atraente e coerentes, ou seja, reconstruindo-se sua identidade
em momento de mudança.
Optamos neste trabalho pela realização de entrevistas narrativas com professoras, dada sua
relevância nos debates educacionais e em outras áreas de conhecimento. A valorização da
oralidade e das histórias de vida dos sujeitos teve seu início na poesia e na sensibilidade
aristotélica, quando se buscava observar a relevância que o ato de contar histórias desenvolve
na constituição dos fenômenos sociais e humanos. A partir deste novo olhar e consciência sobre
a história dos indivíduos, as entrevistas narrativas se consolidaram como um método de
pesquisa qualitativo e investigativo bastante utilizado nas ciências sociais (Bauer e
Jovchelovitch, 2002).
consciência de sua própria identidade cultural no contexto individual e global, como acentua
Candau (2014).
A visão e a pesquisa da autora nos demonstram o quanto a socialização das histórias de vida
das educadoras colabora para o processo de construção e reconstrução de suas identidades
culturais. Esse processo traz para as entrevistadas uma rememoração de tempos, espaços,
acontecimentos e outros elementos. Ao mesmo tempo, representa traços dos ancestrais,
aspectos ou dimensões do passado que fornecem uma ponte com o presente (Andrello, 2012).
As entrevistas narrativas têm como função produzir muito além de relatos, mas experiências,
contextos, histórias e culturas vividas em certo tempo e território, que envolvem todos os
indivíduos no processo da entrevista, ou seja, o sujeito que está narrando e também o
entrevistador(a). Quando falamos de narrativas, estamos dizendo sobre contar histórias e
memórias, assim como sair em viagem, sair a caminhar, construir e vivenciar relações que
perpassam as nossas vidas, de acordo com Fortes de Oliveira e Miorando (2020). Para as
autoras, narrar é mover-se de forma imaginária para outro espaço, que somos capazes de
interpretar e reinterpretar de diversas formas e, principalmente, encontrar-se nele.
eficiente e benéfico para o cumprimento dos objetivos propostos nesta pesquisa, trazendo maior
riqueza de dados e vivências individuais desses sujeitos socioculturais.
A entrevista narrativa utiliza uma única questão gerativa, capaz de proporcionar para o sujeito
uma liberdade de construir seu relato de forma contínua, do início ao fim, sem intervenções do
pesquisador, mas focando nas especificidades e no tema central da pesquisa. Para que se
produza uma narrativa principal das entrevistadas, com as memórias mais marcantes e
significativas de suas trajetórias, é necessário que o pesquisador desenvolva de forma elaborada
e cuidadosa uma boa questão gerativa, capaz de manter o foco no tema da pesquisa e ter como
resposta um relato, do início ao fim (Flick, 2004; Teixeira; Pádua, 2006; Silva; Pádua, 2010).
Após a finalização dessa etapa da narrativa principal, o pesquisador pode fazer indagações que
contribuem para esclarecer as temáticas e problemáticas trazidas durante a narrativa que serão
aprofundadas na etapa posterior, chamada de investigação narrativa. Na finalização desta fase,
é indicado solicitar que as narradoras elaborem um resumo que colabore para uma mensagem
final.
No decorrer desse processo das entrevistas narrativas e autobiográficas, utilizadas como método
de investigação das trajetórias de vida de professoras na educação básica, buscamos valorizar
os conhecimentos, percursos, culturas e significados a fim de colaborar para o reconhecimento,
valorização e interpretação de suas próprias histórias. Esta investigação permite, desta forma, a
compreensão do todo a partir de aspectos singulares, assim como a reflexão sobre histórias
cruzadas entre o individual e o contexto social coletivo (Souza, 2018), mostrando que não se
pode dissociar o sujeito de seu contexto.
Bolívar (2014) destaca que os docentes, ao falarem de si mesmos, são capazes de recuperar a
autoridade sobre sua própria prática e reconfigurar suas identidades profissionais. Histórias de
vidas contadas por meio de narrativas são também processo de aprendizagem e de formação,
pois possibilitam a reflexividade, favorecida pela organização das experiências em uma trama
argumental ordenada temporalmente, na qual acontecimentos múltiplos e heterogêneos são
sintetizados em uma história singular. Além do mais, segundo Contreras (2016), os relatos
ajudam a indagar o vivido, possibilitando maior consciência, percepção e compreensão dos
acontecimentos, constituindo um saber que ilumina o fazer. Nesse sentido, contribuem para ver
com mais amplitude, abrindo novos sentidos e orientando melhor no caminho educacional.
23
Os critérios utilizados para a escolha das entrevistadas foram se readequando, a partir dos
desafios de se encontrarem professoras que tinham disponibilidade e interesse em ser
colaboradoras deste estudo. Sendo assim, os parâmetros adotados foram: formação inicial em
licenciatura; trabalhar ou ter experiência no Ensino Fundamental da Rede Estadual ou
Municipal de Minas Gerais, seja na Educação Básica ou na Educação de Jovens e Adultos –
EJA; com práticas diferenciadas e significativas e que estejam situadas em diferentes espaços
geográficos e que possuam até 50 anos de idade.
Consideramos importante entrevistar ao menos uma professora de outro estado, da rede pública
ou privada, no intuito de comparar os desafios, trajetórias pessoais e profissionais, encontrar
aspectos semelhantes e diferentes que caracterizam as professoras como sujeitos socioculturais
e também identificar práticas diferenciadas e significativas construídas em diferentes contextos.
A pesquisa de campo teve início no ano de 2023, com uma sociedade cheia de resquícios da
pandemia da COVID-19 (Coronavírus), quando o processo tecnológico se intensificou nos
setores trabalhistas, econômicos, administrativos e educacionais, ocupando uma posição de
prioridade e centralidade. A partir disso e do contexto político, discussões sobre as tendências
de crítica à escola, sobre a violência dentro do espaço escolar e consequentemente contra os
docentes, escancaram ainda mais a insegurança no trabalho das professoras, demonstrando a
vulnerabilidade da profissão em certas discussões.
Sendo assim, a primeira professora entrevistada surgiu a partir dessa expansão tecnológica e
utilização das redes sociais na vida das professoras. Um dia, lendo pequenos textos e vendo
vídeos no Instagram, me deparei com um trecho da aula da professora escritora Celina Fonseca,
perguntando aos seus alunos/as do quinto ano a visão inicial que eles tinham sobre a África e
depois o olhar que construíram sobre esse continente após sua aula de história.
Celina e eu estudamos na mesma escola durante um tempo; depois ela mudou de instituição,
mas voltou como escritora realizando uma palestra. Então, no dia 3 de maio resolvi mandar-lhe
uma mensagem em sua rede social, falando um pouco sobre a minha admiração com o seu
trabalho e a convidando para contribuir com a minha pesquisa.
“Olá Celina, bom dia! Tudo bem? Meu nome é Maria Clara e sou mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Educação e Formação Humana da Universidade
do Estado de Minas Gerais – UEMG. Primeiramente, quero lhe parabenizar pelo
belíssimo trabalho de educadora com seus estudantes e também de escritora. Dizer
que admiro seu trabalho há algum tempo, pois me lembro de ter presenciado uma
palestra sua como escritora, na escola em que eu estudava. Estou te enviando esta
mensagem, porque gostaria de lhe perguntar se teria interesse em participar da
minha pesquisa. O meu trabalho fala sobre professoras como sujeitos
socioculturais e como a trajetória, pessoal e profissional, colabora para uma
abordagem não tradicional em sala de aula. Sendo assim, se tiver interesse em
conhecer melhor minha pesquisa, podemos conversar melhor pessoalmente, pelo
WhatsApp ou telefone. Basta você me falar sua disponibilidade de horários, que
entro em contato. Muito obrigada e aguardo retorno.”
25
Prontamente ela me respondeu, passando seu número e dizendo que teria interesse em colaborar
com essa investigação. Conversamos pelo whatsapp e marcamos uma entrevista em sua casa,
no dia 17 de maio na parte da tarde. Tivemos um diálogo bastante rico, que rendeu uma análise
com vários elementos fundamentais para destacar sobre a carreira docente e sobre o conceito
de sujeito sociocultural.
Além disso, Natália Alves e Celina Fonseca são escritoras e criadoras de conteúdo midiático
para as redes sociais, o que se torna uma extensão de seu trabalho, por divulgarem palestras e
conteúdos de suas aulas, além de tais redes serem uma plataforma de acesso da comunidade
escolar à sua vida pessoal.
Durante a busca por outras colaboradoras para a pesquisa, nos deparamos de maneira mais
evidente com as vulnerabilidades e as problemáticas enfrentadas pelos docentes em seu
ambiente profissional. Isso se tornou ainda mais claro quando uma das professoras se recusou
a participar da entrevista após ler o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que
detalhava a gravação de sua voz para posterior transcrição. A docente expressou preocupação
com a possibilidade de retaliação e demissão por parte da instituição onde trabalha, o que levou
à sua recusa em participar da pesquisa.
2
Os nomes das professoras entrevistadas são fictícios, buscando preservar sua identidade e protege-las. A escolha
dos nomes foi sugerida pelas próprias docentes.
26
durante a investigação. O objetivo central desta metodologia não é quantificar dados e números,
mas sim interpretar e transformar o acontecimento em observação. Sendo assim, os seus
principais instrumentos são a análise, descrição, detalhamento e compreensão do fenômeno
com a finalidade de entender seu significado.
Conte-nos sobre a professora que você é ou imagina ser, ou como você se percebe como uma
professora, começando sua narrativa por quando e como aconteceu a sua escolha (ou
contingência) pela docência, depois detalhe sobre sua trajetória de formação e pelas principais
influências recebidas durante esse percurso para se tornar docente, e por fim, considerando a
pessoa singular que você é, relate como tudo isso interfere na sua relação com a docência.
Partindo desta questão gerativa elaborada, realizamos uma entrevista com as professoras Celina
Fonseca, Natália Alves e Francisca Honorata. Suas entrevistas foram bastante ricas e, quando
exploradas, proporcionaram-nos a seleção de palavras-chaves que tiveram destaque e foram
colocadas em quadro sinóptico para melhor visualização e elaboração de textos provisórios,
partindo das categorias de análise.
A análise das entrevistas foi feita em uma abordagem hermenêutica, entendida esta como uma
interpretação a partir das nossas pré-compreensões e ideias que nos ligam ao mundo, tornando-
o significativo, em diálogo com as interpretações e perspectivas dos sujeitos entrevistados. A
hermenêutica propõe, assim, a não superioridade entre os objetos, considerados passivos e os
sujeitos vistos como ativos. Nesse sentido, interpretar é seguir o caminho do que nos é proposto
nas narrativas e nos orientar pelo pensamento por elas sugerido e seguir os sentidos por elas
propostos sem, contudo, abandonar os nossos pressupostos (Gentil, 2008).
A primeira nomeamos como, “Eu não queria ser professora: As influências formadoras”,
categoria em que as entrevistadas contam sobre suas trajetórias de vida antes de se tornarem
professoras e enfatizam os aspectos que colaboraram para atuarem nessa profissão. Inicia
narrando sobre a época da escola e quando começou sua carreira de escritora de livros infanto-
juvenis e adultos, espaços em que palestrava e o público com o qual gostava de dialogar.
Em “A vida pessoal das docentes”, essas mulheres abordam um pouco sobre como sua vida
pessoal, sua trajetória de vida e como as experiências para além da sala de aula colaboram para
a reflexividade acerca da profissão e de seus desafios. Esta categoria nos faz compreender de
forma prática e concreta o que entendemos como sujeitos socioculturais, como a corporeidade
e a geração colaboram de forma significante para atuação e desempenho do docente em sala de
aula.
Quanto à análise das três entrevistas realizadas, seguimos o processo de, inicialmente, fazer a
transcrição de cada uma delas e, a partir da leitura e releitura das mesmas, fomos selecionando
trechos relevantes para compor a nossa pesquisa e identificando cada um deles com palavras-
chave ou frases que sintetizavam os sentidos e histórias presentes nas narrativas. A partir disso,
selecionamos cinco cores diferentes para agrupar as histórias e contextos interligados. Assim
visualizadas nos quadros sinópticos, conseguimos identificar e nomear cada uma dessas cinco
categorias de análise que foram similares na trajetória das três professoras, conforme
apresentadas a seguir.
Medo do desconhecido -> Receio na relação a ser construída com os estudantes na sala de aula
Professor auxilia em outras áreas para além de sua formação
Construção da afetividade com os estudantes
O planejamento das aulas acontecia de acordo com as demandas/ necessidade da turma
O docente inicia seu trabalho em sala de aula bastante motivado a transformar a si e ao mundo
A vida pessoal interfere na sala de aula
A sala de aula também é capaz de modificar a vida pessoal do docente
Vivências do cotidiano e lazer proporcionam uma reflexividade em relação às práticas a serem
desempenhadas na docência
A relação com a docência é um desafio e instável, devido a problemáticas pessoais e sociais
29
Não são todos os docentes e instituição escolar que estão comprometidos e dispostos com a luta
antirracista – Desafios escolares
Uma proposta de formação continuada da rede, com diálogos regionais e inter-regionais.
O núcleo se torna referência na escola e compartilha seu aprendizado com os outros.
Muitas escolas, mas poucas profissionais que exercem essa formação
A importância de a formação acontecer durante o período de trabalho é que o docente realmente
participa/está lá
A importância de se desenvolverem práticas antirracistas dentro do espaço escolar
A implementação da lei 10.639 colabora para o desenvolvimento de atividades e diálogos sobre
essas culturas – A lei é um respaldo para a resistência da comunidade escolar
O debate e a construção dessa educação das relações étnico-raciais são recentes.
O docente tem que compreender a diferença da sua vida pessoal e profissional. E é necessário saber
lidar com a pluralidade
Alguns docentes fazem suas pós-graduações para serem remunerados, terem um aumento no salário
e muitas vezes não aplicam os seus estudos em sala de aula – Mercantilização e precarização da
educação
As pós-graduações são feitas a distância e infelizmente são superficiais e precárias. Não acrescentam
um conhecimento e estudo de modo amplo.
Conciliar maternidade, trabalho e estudo muitas vezes se torna um empecilho para as mulheres
O núcleo de estudos e encontros feitos uma vez ao mês em Belo Horizonte colaboram para enxergar
como tem sido o alinhamento entre as práticas e a teoria. O que tem dado certo e o que não tem dado
A partir do contexto histórico em que estamos inseridos, as redes sociais têm proporcionado
novas ações e possibilidades de diálogos entre os indivíduos, tornando-se um espaço de
articulação, organização e discussão de pautas antes invisibilizadas. Portanto, observamos que
Celina e Natália utilizam-se de suas redes sociais e de sua imagem como pessoas públicas, para
promoverem debates com um viés interseccional, além de trazerem referências literárias e
discussões sobre as problemáticas educacionais.
34
Por meio de estudos bibliográficos e de pesquisa de campo, que vêm sendo desenvolvidas,
buscamos compreender a trajetória, as condições e circunstâncias pessoais e profissionais que
colaboram para a mulher escolher a carreira docente. A partir disso, pretendemos vislumbrar
como suas experiências socioculturais e formativas influenciam o seu modo de atuar na
educação básica.
Na introdução deste estudo, apresentamos alguns dados da pesquisa feita pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontando o perfil dos
professores brasileiros, considerando as conquistas da profissão ao longo dos últimos anos e
destacando os desafios do futuro.
Com a apresentação destas estatísticas, observamos que as mulheres atuam em grande parte na
educação básica, principalmente nos anos iniciais (educação infantil e ensino fundamental I),
havendo uma redução considerável de sua participação nos anos finais deste ensino. Dessa
forma, constatamos uma presença de professores maior no ensino fundamental II e ensino
médio, o que colabora para justificar o nosso interesse pelas professoras da Educação Básica
nesta pesquisa.
35
Vianna (2001) nos traz alguns apontamentos históricos para explicar a grande presença de
mulheres na docência. O autor destaca a origem das escolas domésticas ou de improviso durante
o século XIX, período em que as mulheres exerciam o cuidado e a orientação das crianças.
Para Apple (1995), a feminização do trabalho docente sucedeu, também, pelo fato de que os
homens que tinham optado por ser professores acabavam abandonando a profissão, em busca
de outras organizações proporcionadas pela indústria e pela urbanização. Sendo assim,
observamos que o magistério não era uma primeira opção para aqueles que buscavam trabalho
e um percurso profissional. Fanfani (2007) e Gatti e Barretto (2009) apontam que, devido à
ausência de emprego em outras áreas durante a metade do século XIX, o magistério tornou-se
uma possibilidade para os homens iniciarem a carreira docente.
Para Fanfani (2007), a feminização da profissão pode ser destacada como um aspecto de
desvalorização social deste trabalho, visto que as áreas profissionais que possuem maior
valorização e prestígio social tem predominância masculina e durante um longo período
histórico houve uma dificuldade de se ter a inserção de mulheres. De acordo com o autor, o fato
de se ter pouca valorização desta profissão seria uma das justificativas para a proletarização da
profissão docente e a deterioração das condições de trabalho.
Portanto, para compreender o processo que levou à escolha da carreira docente e os elementos
que caracterizam essas professoras da educação básica do estado de Minas Gerais como sujeito
sociocultural, é necessário utilizar como ponto de partida autores como Tardif (2012). Em seu
livro O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações
humanas, é trazida uma reflexão ampla sobre o trabalho dos professores, juntamente com uma
pesquisa de campo realizada dentro do espaço escolar.
Se chamamos o docente de sujeito sociocultural, estamos dizendo que ele possui papéis sociais
para além de sua profissão, mas que seu trabalho tem uma grande significância em sua formação
enquanto indivíduo. A partir disso, estamos compreendendo que o conhecimento que os
educadores desempenham em prol de uma comunidade são intitulados de “saberes sociais”.
Para Tardif (2011), esses saberes compõem o conjunto de saberes que os docentes desenvolvem
e que formam a educação e o processo de ensino aprendizagem, os quais, elaborados
conjuntamente, vêm a construir e a educar a sociedade. Sendo assim, ao estabelecerem uma
relação de formação consigo e com o outro, os corpos docentes definem os seus saberes e
práticas a fim de consolidarem seus estudos e aprendizagem para o construir o conhecimento
com os discentes.
Acerca dos saberes docentes, o autor discorre sobre a relação dos professores com os seus
saberes no âmbito de sua prática e conhecimentos plurais, provenientes de sua formação
profissional, pessoal, curricular e das experiências:
No livro Saberes docentes e formação profissional, o autor apresenta uma referência de análise
dos saberes docentes fundamentado na origem social. A apreciação trazida pelo autor busca
37
relacionar a questão da natureza, juntamente com a diversidade dos saberes docentes e suas
origens (Tardif, 2014, p. 62).
Para compreender os docentes, é preciso também discutir sobre a formação, questão sempre
efervescente no cenário brasileiro. De acordo com Nóvoa (1992), essa discussão tem sido
polarizada entre a ideia de professor reflexivo, que se entende como pesquisador de sua própria
prática e o olhar tecnicista que lhe coloca em um papel como um mero transmissor de conteúdo
em uma educação posta como bancária, nos termos de Paulo Freire (1968).
No livro Vida de professores, organizado por Nóvoa (1992), é apresentado para o leitor um
compilado de oito artigos que propõem investigar e produzir uma outra visão e discussão sobre
as histórias de vida, práticas e saberes desta categoria. A partir de uma contextualização
histórica, houve tentativas de racionalização do ensino que estabelecia a necessidade de
separação entre o pessoal e o profissional docente, proporcionando-se um conflito identitário
desses sujeitos.
Após esta crise, na década de 80 surgiu uma abertura para se repensar o professor, se
respaldando na ideia de que “[o] professor é a pessoa e uma parte importante da pessoa é o
professor”. O autor contextualiza o conjunto da obra com alguns apontamentos referentes à
natureza conceitual e metodológica, que corroboram para o desenvolvimento de abordagens
(auto)biográficas em sua investigação sobre professores. No processo de construção identitária
é que o sujeito se constitui no modo de ser professor, colocando sua condição, sua identidade
como um processo de lutas e conflitos, segundo Nóvoa (1992).
38
A partir deste contexto, Nunes (2001) destaca que na década de 1990 os pesquisadores buscam
novos olhares e dimensões para se compreender a prática pedagógica dos docentes e os saberes
que permeiam a sua prática em sala de aula, com o conteúdo a ser aprendido e ensinado.
Esta pesquisa tem como base o entendimento e o olhar do conceito de sujeito sociocultural
abordado por Inês Teixeira. No texto Os professores como sujeitos socioculturais (1996), é
traçado um breve panorama sobre a história do professorado na educação brasileira, o modo
como o docente atua em diferentes contextos históricos e de formação social.
Inicialmente a autora nos traz o retrato dos professores em Minas Gerais durante a República e
o modo como se caracterizava seu trabalho, desde as idas às “casas de escola” e aos Grupos
Escolares. De preceptores, que alfabetizavam os/as filhos/as de elite em sua própria casa ou da
criança, tornaram-se funcionários públicos. Assim, eram inseridos e submetidos no mesmo
espaço a organização, a direção e a supervisão do estado sobre seu trabalho.
Nas últimas décadas houve uma mudança e ampliação do Sistema Educacional Brasileiro,
resultando na expansão do corpo discente e docente, proporcionando-se, assim, uma
transformação na organização do trabalho escolar e se constituindo um novo perfil e identidade
da profissão, segundo Teixeira (1996).
39
Segundo Teixeira (1996), para analisar o docente e compreendê-lo como sujeito sociocultural é
fundamental situarmos as dimensões que singularizam o sujeito professor/a e o diferenciam dos
outros indivíduos. A autora parte do pressuposto de que todo ser humano é um sujeito
sociocultural, possuindo aspectos individuais e coletivos.
Quanto ao sujeito professor/a, Teixeira (1996, p. 185) nos apresenta três ordens de
circunstâncias que singularizam esse sujeito sociocultural: a relação professor/aluno, a
instituição escolar e seus desdobramentos sobre a condição docente e a especificidade do tempo
na vida do professor. Na primeira, a autora destaca a sala de aula como lugar de encontros e
desencontros e também de conflitos e tensões, devido à diversidade de percepções, sentidos,
expectativas e interesses, já que “nos dois polos há sujeitos socioculturais, singulares e únicos”.
Teixeira (1996) ainda destaca nessa relação a forte presença da ética e da política, pois essa
mesma relação envolve decisões acerca do tipo de pessoas que queremos formar, dos princípios
que norteiam nossas relações e das práticas escolares e sobre a nossa responsabilidade como
professores.
Acerca do segundo aspecto, as marcas da escola na condição docente, Teixeira (1996) destaca,
entre outras dimensões, como a organização e a dinâmica internas à escola conferem
singularidade ao professor/a, que guarda as marcas das instituições onde ensina.
E quanto ao terceiro, os contornos do tempo na vida do/a professor/a, a autora menciona a forte
imbricação escola e casa, tempo de trabalho e não-trabalho, vida pública e privada; a ampliação
do número de aulas e regimes de trabalho devido aos baixos salários; os tempos invisíveis de
estudos, a preparação e a avaliação das atividades didático-pedagógicas que invadem o espaço
da vida privada e do descanso, assim como a heterogeneidade das significações do tempo de
docência, que pode ser visto como sacerdócio, alegria, extensão da maternidade, trabalho como
outro qualquer, contagem para a aposentadoria, tempo de aborrecimentos e chateação dos
alunos. Ou seja, essa delicada delimitação de tempos e espaços é parte constituinte da condição
docente, segundo a autora, que nos convida a conhecer mais os professores do Brasil e de Minas,
suas experiências, suas significações sobre o magistério, seus projetos e indignações. É o que
nos propomos fazer neste trabalho.
O livro O corpo fala (1986), escrito por Pierre Weil e Roland Tompakow, colabora para essa
discussão sobre o corpo como uma linguagem não verbal, mas compreendendo que por meio
dele nos é proporcionada a comunicação entre sentimentos, desejos e dimensões biopsíquicas
dos seres humanos.
Pela linguagem do corpo, você diz muitas coisas aos outros. E eles têm muitas
coisas a dizer para você. Também nosso corpo é antes de tudo um centro de
informações para nós mesmos (Weil e Tompakow, 1986, p. 6).
Através das entrevistas com as professoras Celina Fonseca e Natália Alves e da análise de seus
perfis nas redes sociais, é perceptível de forma enfática o quanto nosso corpo, nosso
reconhecimento com ele e com nossas identidades, principalmente como mulheres, proporciona
para nós e para os outros debates e representatividade.
As escritoras se autodeclaram como mulheres negras, se engajam em ações do movimento
negro e feminista, trazendo para a sala de aula e seus livros debates nessas áreas. A compreensão
de sujeitos como seres socioculturais discutido por Texeira (1996, p. 185) vem na perspectiva
de considerar os docentes como
seres concretos e plurais. São pessoas vivas e reais, existindo a partir de sua
corporeidade e lugar social, a partir de sua condição de mulheres, homens,
negros, brancos. Pertencem a diferentes raças e etnias... Têm desejos, projetos
e atribuem variadas significações às suas experiências e ao mundo.
É fundamental enfatizar o docente para além da dimensão de sua profissão, para compreendê-
lo, para assim considerar individualidades adquiridas ao longo de sua vida ou que fazem parte
de si, em busca de traçar o percurso de valorização de sua história, conhecimento e condição.
Foucault (1975) aborda, em seu livro Vigiar e punir, os mecanismos utilizados para moldar e
disciplinar um soldado na segunda metade do século XVIII, que acontecia de forma gradual a
partir das técnicas de domínio do corpo, como o condicionamento, a ordem, proporcionando-
42
A nossa corporeidade permite a sociabilidade humana que é compreendida por alguns autores/as
como um “conjunto de relações significativas”, relações estas que estão ligadas à cultura e ao
mundo simbólico em que vivemos, atribuindo-se modos de se ver, sentir, compreender, perceber
e atribuir um modo de vida para si, estabelecendo-se a diversidade cultural.
Nóbrega (2005) traz a discussão de se pensar o corpo na educação não como uma
instrumentalização, mas sim em compreender que é por meio dele que se desempenham as
práticas educativas. A ideia é conceber que as produções humanas e o desenvolvimento de áreas
como educação física, artes, teatro, dança, entre tantas outras, a expressão corporal é
fundamental como linguagem, tendo no corpo referências e elementos específicos para sua
atuação.
Setton (2009) aborda em seu texto A socialização como fato social total: notas introdutórias
sobre a teoria do habitus*, em diálogo com Lahire (1997), a ideia de que o sujeito se socializa
43
Essas concepções nos levam à discussão de que para um sujeito se apresentar como um ser
sociocultural, é necessário considerar a linguagem, seja ela verbal ou não verbal. A autora
principal que nos traz a este conceito descreve este elemento como um aspecto de domínio da
cultura, pela capacidade de se fazer e de se expressar, por meio dos diferentes símbolos,
códigos, signos e expressões corpóreas. A linguagem é caracterizada como um fenômeno plural,
devido à sua potencialidade em se comunicar, revelar e esconder significados, como traz
Teixeira (1996).
Na convivência em sociedade e no devir das relações humanas, a cultura do ser exige de nós a
compreensão entre o que se aprende e a ação a partir do conhecimento, atitudes nas quais os
indivíduos demonstram seu caráter e formação como sujeitos, por meio de seus valores morais.
44
Chauí (1990) nos diz que no exercício da ética os indivíduos compreendem como tratam os
outros e como devem ser tratados, demonstrando seus desejos e se responsabilizando pelas suas
ações e apresentando a sociedade o respeito e valorização dos seres.
As dimensões apresentadas nos demonstram que os sujeitos socioculturais são seres ativos e
inseridos no mundo por suas ações. Indivíduos que transformam e são transformados
diariamente, seres políticos. O conceito de política debatido por Arendt (1950) em seus escritos
caracteriza a política na pluralidade dos homens, da convivência entre os diferentes. Cada
sujeito se organiza como grupo social para lidar com aspectos comuns ou diferentes.
Portanto, a partir dessas discussões entende-se que sujeitos socioculturais são indivíduos
complexos, detentores de múltiplos conhecimentos e formações, capazes de construírem e se
reconstruírem a partir das experiências potencializadoras de si e do outro, do mundo e do
contexto no qual se consolidaram. Para conceber esse sujeito professor (que se constroi em um
tempo, espaço e contexto suscetíveis a movimentos de transição) e para conhecer suas
inquietações, é preciso um olhar de sensibilidade e de escuta para considerar os aspectos e as
mudanças que ocorrem dentro e fora dele.
Segundo Texeira (1996), os aspectos que singularizam o docente como sujeito sociocultural
devem ser analisados e discutidos a partir das dimensões da relação professor-aluno, a
instituição escolar e a problemática sobre a condição docente e as características do tempo na
vida deste sujeito.
A condição docente é um conceito que tem sido discutido por diversos autores/as e grupos de
pesquisa, na busca por compreender os elementos que caracterizam essa profissão, os aspectos
específicos de seu ofício, mas que podem ultrapassar essa dimensão do trabalho. Para Fanfani
(2010, p. 1), a condição docente é “um ‘estado’ do processo de construção social do ofício
docente”, ou seja, a docência existe como uma realidade do trabalho, “pessoas que ganham sua
vida ensinando em instituições escolares oficiais ou reconhecidas pelo Estado”.
Fanfani (2010, p. 1), no que diz respeito ao professor, compreende que a definição de seu papel
social parte da particularidade de cada docente e do conjunto de docentes como coletivo, mas
enfatizando que essas identidades não são sempre homogêneas. Cada sujeito entende seu oficio
a partir de sua formação pessoal e social. Para ele o mesmo objeto social pode ser denominado
de diferentes formas, como “apóstolos do saber”, outros se consideram como “trabalhadores” e
outros como “profissionais”, “funcionários”, etc. Os nomes e as linguagens que se usam durante
essa construção desempenham um papel e uma dada compreensão do ofício docente.
Amorim, Gomes e Salej (2023) elaboram duas dimensões para se abordar a condição docente,
que desenvolvem de forma coletiva o papel de estruturantes e estruturadas, relações que se
complementam para desempenharem uma ação. A primeira delas é objetiva (estar), em que
aborda as condições de trabalho, as condições existentes durante o exercício da docência. A
segunda dimensão é subjetiva (ser), partindo do âmbito da construção e reconstrução do
processo identitário dos docentes e de suas identidades.
A relação professor-aluno é destacada por Teixeira (1996) e Diniz, Nunes, Cunha e Azevedo
(2011) como um elemento essencial para a constituição do sujeito professor/a, por ser uma
relação mediada pelo conhecimento, mas essa não deve ser o único elemento que colabora para
a construção dessa relação. É necessário entender que os estudantes, assim como os docentes,
pensam, agem e sentem; devendo-se, pois, considerar sua história e sua formação humana.
ser capaz de construir conhecimentos significativos para além da sala de aula e do espaço
escolar. Para isso, é importante
Teixeira (1996) e Diniz, Nunes, Cunha e Azevedo (2011) ressaltam que não se pode buscar
compreender os/as docentes e sua formação desconsiderando a importância da sua relação com
os estudantes. Desenvolver a escuta e o olhar para as especificidades da turma e dos sujeitos é
fundamental para contribuir com a renovação de práticas pedagógicas e ações metodológicas,
capazes de transformar a escola num ambiente de acolhimento e incentivo para os interesses,
sonhos e transformações destes alunos/as na sociedade.
Nesta pesquisa, em que trabalhamos com professoras, é ainda mais nítido o quanto as mulheres
possuem mais tarefas e afazeres, devido às responsabilidades excessivas que a sociedade atribui
à figura feminina. Elas se dividem no trabalho escolar, as atividades para além da sala de aula,
serviços domésticos, relações familiares, que acabam proporcionando uma frustação e queixas
por considerarem que não conseguiram fazer o suficiente. O magistério costuma ser para alguns
um sacerdócio, uma missão. Para outros, uma “cachaça”, como dizem. Outros o sentem como
alegria e prazer. Há também os que consideram uma extensão da maternidade ou, ainda, um
trabalho como qualquer outro (Teixeira, 1996).
Fontana (2000) aborda de forma prática e dialógica que as professoras são frutos de sua própria
história de vida, espaço e tempo, um dos aspectos principais que as fazem se reconhecerem
como professoras e se entendendo com a profissão, concepções que corroboram para o processo
de construção desse profissional da educação. A ideia de identidade compartilhada e de diálogo
47
Flores (2010) trata também da discussão de como tornar-se professor/a, a partir da diversidade
de dimensões, desde o desenvolvimento do conhecimento até mesmo a compreensão de saber-
fazer sujeitos capazes de entenderem as preocupações e transformações em torno da profissão.
O processo de interação entre as crenças e ideias de formação permeia a observação e as
dimensões que se interiorizam a partir da aprendizagem pela observação; ou seja, durante sua
vivência como estudantes, eles interiorizam imagens de como se deve ensinar.
Flores (2010), Fontana (2000) e Teixeira (1996) dizem sobre a necessidade de se construírem
espaços e diálogos durante a formação inicial para potencializar reflexões e indagações sobre o
processo de se constituírem como docentes, para tornarem-se indivíduos ativos em seu próprio
ensino e provedores de reflexões e conhecimento uns com os outros. A busca pelo diálogo com
outros docentes e a compreensão de seus conhecimentos e experiências são elementos
fundamentais para formar e promover uma educação significativa, de modo individual e
coletivo.
48
Neste capítulo, traremos a apresentação das docentes pesquisadas e o início da análise das
entrevistas, buscando a compreensão empírica do sujeito sociocultural e de sua prática docente.
Nessas análises, delimitamos cinco núcleos de significação para discutirmos aspectos e
conceitos que colaboram para caracterizar a docente e a sua condição sociocultural. Após
apresentar as professoras que colaboraram com a pesquisa, nos deteremos na primeira: "Eu não
queria ser professora" – as influências formadoras, e na segunda: A vida pessoal das docentes.
Deixaremos as três demais para o capítulo 5, quais sejam: A aprendizagem da docência,
Práticas pedagógicas e Contexto macrossocial da docência.
Para compor estes textos analíticos e nomear as subdivisões que partiram das categorias,
colocamos como títulos trechos das narrativas das próprias docentes que dialogam com o
assunto abordado naquele tópico. As docentes trouxeram durante as entrevistas emoções,
admiração, entusiasmo, responsabilidades e desafios que a profissão traz, questões que já
queremos trazer aqui nas apresentações que faremos a seguir.
Para elaborar esta pesquisa, também utilizamos o formulário de identificação preenchido pelos
docentes, visando compreender seu contexto individual e familiar, que influencia tanto sua
formação pessoal quanto sua prática pedagógica. Além disso, a análise do conteúdo midiático
das redes sociais de duas professoras tornou-se um instrumento crucial para entender que o seu
diálogo e responsabilidade com a comunidade escolar ocorre para além do espaço educacional,
sendo observado como pais, estudantes e outros sujeitos têm acesso a sua vida particular e aos
outros papéis sociais que as docentes têm para além de serem professoras.
49
Autodeclaradas como mulheres negras, as três professoras entrevistadas, Natália Alves, Celina
Fonseca e Francisca Honorata, tiveram sua formação de vida e acadêmica na cidade de Belo
Horizonte, Minas Gerais, na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. A diversidade
geracional, as dimensões socioculturais, as inúmeras particularidades da formação individual
em diferentes contextos são elementos que compõem a trajetória única de cada uma delas,
transformando suas narrativas em relatos de vida belíssimos e inspiradores.
Natália Alves é pedagoga, professora concursada pela Prefeitura de Belo Horizonte e tem
atuado na Regional de Venda Nova no Núcleo de Estudos das Relações Étnico-Raciais do
município, trabalho que tem como objetivo oferecer uma vez ao mês encontros de formação,
dentro do espaço escolar e da carga horária, com objetivo de proporcionar estudos e diálogos
sobre práticas formativas relacionadas às Relações Étnico Raciais.
Além disso, a docente Natália é assessora pedagógica das Relações Étnico Raciais e Inclusão,
mãe, escritora, palestrante e criadora de conteúdo para as redes sociais. Tem 40 anos e vem
construindo uma trajetória significativa para si, para os estudantes em seu trabalho docente e
no seu ambiente de trabalho.
A trajetória profissional desta mulher se inicia antes de se tornar docente, de compreender que
realmente queria se construir como professora e desenvolver projetos na área da educação. Na
finalização do seu curso de graduação, Natália Alves prestou concurso para trabalhar no setor
administrativo da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais – COHAB, mas não
tinha interesse em continuar neste campo, já que estava se formando como pedagoga e
pesquisadora.
Graduou-se em Pedagogia em 2009, mesma época em que prestou concurso para atuar como
professora do 1º e 2º Ciclo da Rede Municipal da Prefeitura de Belo Horizonte, espaço em que
tem trabalhado desde 2010. Com uma trajetória na área da pesquisa, recentemente publicou seu
primeiro livro, intitulado Relações Étnico-Raciais na Educação Infantil – o que dizem as
crianças? (2023)3, fruto de sua investigação no Curso de Especialização em Formação de
3
COSTA, 2023.
50
Desde o início de seu ofício como docente, Natália Alves desenvolve projetos e práticas
escolares sobre as relações étnico raciais, buscando valorizar na sala de aula e na instituição
educacional a potencialidade de dialogar com as crianças e destacar seu protagonismo no
processo de ensino-aprendizagem. A professora utiliza o Instagram como principal rede social,
espaço em que expõe relatos da docência, experiências e sentimentos que as crianças carregam
sobre o racismo e sua construção de mundo. Além disso, suas 226 publicações no feed4
compartilham sobre sua vida privada, ambientes que frequenta, relações familiares, amizade e
divulgação de seus trabalhos como escritora, docente e palestrante.
Para complementar o perfil sociocultural da professora Natália Alves, vamos utilizar alguns
dados trazidos por ela no formulário (ver na metodologia). Como já dissemos, ela nasceu no
ano de 1983 e se autodeclara como mulher negra. Além de ser professora e escritora, ela é mãe
de uma criança de 3 anos e nos demonstra como tem dupla jornada de trabalho. A docente inicia
sua jornada acadêmica na graduação com o curso de pedagogia. Ela destaca que escolheu esse
curso por falta de opção, já que seu desejo era cursar psicologia. No entanto, seus estudos e
pesquisas se alavancaram durante o ensino superior, com participação em projetos de extensão
e pesquisa. Após sua formação, continuou seus estudos na pós-graduação latu sensu.
Dando prosseguimento a esta análise, Natália nos traz em seu formulário informações
relevantes sobre os seus pais. Ambos são aposentados e têm como grau de instrução o ensino
fundamental incompleto. Atualmente é docente concursada, trabalhando em duas escolas
públicas e lecionando no segundo ano do ensino fundamental I, sendo responsável pelas
disciplinas Língua portuguesa, matemática, artes e literatura. Também desenvolve seu
trabalho de formação sobre o ensino das relações étnico-raciais e práticas para se promover uma
educação antirracista.
Natália nos traz como práticas culturais os hábitos frequentes de leitura que tem, destacando
livros teóricos como os principais. Afirma que sua principal atividade de lazer é passear em
parques públicos da cidade onde reside. As redes sociais, como o Instagram, também se
4
O levantamento e observação desses dados foi feito ao longo da pesquisa e finalizado no dia 20 de março de
2024.
51
configuram como espaço de lazer e trabalho, já que expõem experiências da vida docente e de
outros trabalhos, como divulgação de suas palestras, livro e são o lugar onde ela compartilha
momentos com os amigos e familiares.
Nossa outra professora entrevistada é Celina Fonseca, de 26 anos de idade. Nascida no ano de
1997 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, é escritora, licenciada em História pela
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, professora do Ensino Fundamental II (8º e 9º
ano) da rede privada de BH, palestrante, revisora e criadora de conteúdo para as redes sociais.
Vem de uma família de classe popular, pais professores e com uma estrutura familiar respaldada
na leitura, no diálogo e no afeto. A docente tem buscado ressignificar o espaço da sala de aula
e o papel dos estudantes, tornando-os protagonistas do processo de aprendizagem.
A docente e escritora é solteira, mora com os seus pais, que são graduados como professores,
seu pai é formado em Letras e sua mãe é Pedagoga. Seu pai atuou pouco tempo na sala de sala,
não conseguiu se identificar com a profissão, optando pelo ofício de taxista. Ao contrário de
sua mãe, que sempre foi apaixonada pela área que escolheu, mantendo seus estudos e sendo
pós-graduada.
Sua mãe desempenha dois cargos dentro da instituição escolar, como professora e secretária e,
quando teve tempo de contribuição e idade, escolheu se aposentar no cargo de secretária, por
gostar muito do espaço da sala de aula. Dessa forma, continua atuando como professora da
educação básica.
Celina começou a escrita e o envolvimento com a literatura aos 11 anos de idade e, desde então,
já publicou livros como: O mistério da sala secreta (2021); Um amor em Barcelona (2010); De
olhos fechados (2014) e Entre 3 mundos: (Trilogia Entre três mundos, vol. 2 – 2022). Em 2023
lançou o segundo livro, Entre 3 segredos: (Trilogia Entre três mundos, vol. 2). Além destes
livros, também teve seus escritos publicados em outras coletâneas.
Atualmente seu Instagram possui 1.285 publicações5, sendo elas pequenos vídeos sobre suas
práticas em sala de aula, relação com os estudantes, entrevistas, viagens, palestras, prêmios,
5
O levantamento e observação desses dados foi feito ao longo da pesquisa e finalizado no dia 20 de março de
2024.
52
lançamento de livros e alguns conteúdos sobre sua vida privada, como fotos em museus, com
seus familiares e amigos/as.
Afim de complementar esse perfil da professora Celina Fonseca, lançamos mão de suas
respostas ao formulário (ver metodologia). Autodeclarada uma mulher jovem e negra, Celina
coloca em destaque o fato de morar com os pais e de isso colaborar para que possa se dedicar
aos estudos e à formação. Além disso, a docente possui apenas quatro turmas, o que permite
conseguir se dedicar também ao trabalho como escritora e palestrante e assim ter outra fonte de
renda.
Acerca do seu hábito de leitura, Celina Fonseca identifica os dois últimos livros que leu no
gênero romance6, que diz colaborar para sua escrita literária e a profissão docente. Esta prática
se classifica para ela como principal atividade de lazer, como também a internet, mas ambas
também se destacam como parte de seu trabalho. A leitura de jornais não costuma ser rotineira,
mas acompanha e destaca em suas mídias socias os acontecimentos de cunho político e
educacional, o que contribui com seu conhecimento histórico e de militância para proporcionar
debates e construção de pensamentos.
As mídias aparecem em destaque no formulário de Celina, sendo que as utiliza na sua vida
pessoal, como viagens e hobby e também profissional. As plataformas de streaming se
destacaram como veículo de comunicação principal para assistir a filmes, séries e
documentários, fazendo parte de seu cotidiano. Celina também destaca que assiste televisão
com frequência, principalmente canais abertos.
Na vida profissional, Celina utiliza com espontaneidade as redes sociais, como o Instagram,
onde promove uma relação de diálogo e aproximação com os seus estudantes. A professora
também acessa outras redes sociais como o TikTok, o Twitter e o WhatsApp. Nessas redes são
postadas fotos, nelas há divulgação de eventos e pequenos vídeos, conhecidos no Instagram
como reels, sobre seu trabalho em sala de aula como professora e escritora.
6
Período em que nos concedeu a entrevista, no ano de 2023
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A terceira entrevistada7 desta pesquisa tem sua trajetória marcada como docente da Educação
de Jovens e Adultos – EJA e atualmente trabalha no Instituto Federal de Educação Ciência e
Tecnologia do Piauí - IFPI – Campus de Cocal. Francisca Honorata tem 45 anos da idade, é
pedagoga, pesquisadora, compõe o Coletivo do Ações Afirmativas na UFMG da Faculdade de
Educação – FaE e também desenvolve práticas que promovem uma educação antirracista.
Formada pela Universidade Federal de Mina Gerais – UFMG, durante o período de sua
formação a docente escolheu como primeira habilitação do curso a área da coordenação e depois
sua segunda habilitação foi na Educação de Jovens e Adultos – EJA. Concluiu sua graduação
em 2001 e trabalhava como pedagoga na Rede Estadual de Educação de Minas Gerais. No ano
de 2009 surgiu a oportunidade de fazer um concurso na prefeitura de Belo Horizonte, mas não
atuava ainda em sala de aula. Posteriormente saiu um concurso para Contagem onde, após sua
aprovação, foi nomeada como docente da Educação de Jovens e Adultos – EJA. A partir daí
começou a construir sua trajetória realmente como professora da Educação Básica, na qual
atuou durante 10 anos, até a sua aprovação no Instituto Federal do Piauí.
No ano de 2017 foi aprovada no concurso do Instituto Federal do Piauí para trabalhar na
graduação nos cursos de licenciatura em matemática e química sobre a prática de ensino dessas
disciplinas. Neste mesmo período foi aprovada no doutorado na Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, assumindo uma grande responsabilidade e compromisso com sua carreira
profissional.
3.2 “Não tinha ainda percebido que eu me identificava com ela [...] não conseguia
relacionar que isso tinha a ver com a questão étnico-racial”
O título de cada um dos subtópicos abordados nos capítulos três e quatro remete à fala de uma
de nossas professoras entrevistadas, que traz em sua narrativa sentimentos e experiências
individuais. No entanto, ao trazermos um trecho de sua fala como título, estamos enfatizando
emoções e reflexões que abrigam o imaginário de cada uma dessas mulheres e que devem ser
problematizados no coletivo de sua profissão. Ao longo da escrita e da análise das entrevistas,
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Até o momento da escrita dessa apresentação das docentes, Michele não havia retornado o formulário preenchido.
Portanto, para fins dessa apresentação, utilizamos os dados da própria entrevista narrativa e consultas ao seu
currículo lattes.
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fazemos este movimento de diálogo com as narrativas individuais e coletivas, já que estes dois
aspectos se entrelaçam de modo constante.
Na Pedagogia eu tive, a gente tinha a sorte. Teve a sorte de ter a Nilma como
professora, que ela era professora da Faculdade. Ela lecionava algumas
disciplinas e sempre nas disciplinas dela ela colocava o tema, né? Ela é, ela é
professora de ensinar a gestão, sabe? Gestão Democrática, Conselho de classe, O
que que é coordenação pedagógica? Como ser um bom gestor assim? Um bom
diretor, um bom coordenador? Essas eram as disciplinas que ela lecionava, mas
ela sempre colocava o foco na diversidade. (Natália Alves)
As docentes Natália Alves e Francisca Honorata foram alunas da Prof.ª. Drª. Nilma Lino
Gomes, durante a graduação no curso de pedagogia na Universidade Federal de Minas Gerais
– UFMG. Em suas narrativas as professoras trazem a importância que esta mulher, referência
na educação e no combate ao racismo no Brasil, teve para sua formação como sujeitos e
profissionais.
A partir deste contexto, iremos apresentar neste item a terceira categoria de análise que
intitulamos como “Vida pessoal das docentes”. Parte da investigação que se propõe em
compreender como a formação individual, acadêmica e itinerários da vida particular dessas
professoras colaboram para a sua concepção de educação e para o desenvolvimento do seu
trabalho em sala de aula.
Para iniciarmos este processo reflexivo sobre a trajetória e construção dessas mulheres como
docentes, trazemos Freire (1991, p. 58) mencionando que “ninguém começa a ser educador
numa certa terça-feira às quatro à tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador.
A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na
reflexão sobre a prática”.
Em suas narrativas, as docentes trazem as experiências que tiveram ao longo da graduação que
também colaborou para seguirem na profissão e compreenderem a importância de se
comprometer com a educação das relações étnico-raciais. Natália ingressou e foi bolsista no
programa Ações Afirmativas, Conexões de Saberes, espaços em que estudou e conheceu a Lei
10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de "história e cultura afro-brasileira"
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dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e
médio. A professora enfatiza que “conheci livros de literatura, instrumentos que eu podia
chegar na sala de aula e utilizar”. Conhecimentos e experiências que foram fundamentais para
a sua prática na sala de aula, desenvolvimento de projetos e principalmente na compreensão e
na reflexão sobre sua infância como criança negra.
Francisca também nos conta que no período em que cursou Pedagogia, no ano de 1997, época
em que o Brasil tinha saído de uma ditadura militar e havia recentemente se redemocratizado,
a Prof.ª. Drª. Nilma Lino Gomes era a única professora negra da FaE que estava dando aula na
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Fafich e que recebeu os estudantes, sendo uma
grande surpresa para eles. Ela comenta que “naquela época ela andava toda estilizada, meio
africana, com as saias, os cabelos trançados e ela já tinha uma perspectiva, né, de tratar sobre
a questão da dimensão do racismo. E eu não sabia nada assim, né?”
Foi uma pessoa que me inspirou muito e uma outra professora que me ajudou muito
foi nessa questão de ser professora que eu sou hoje, né? Uma professora que eu me
reconheço como professora negra. E faz uma diferença porque a minha postura,
minha fala, o meu trabalho, ele trabalha com todas as dimensões da
responsabilidade de um professor que tem que fazer, mas que tem essa demarcação
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de quem eu sou, a do meu papel, né? Então, a docência para mim é uma forma de
ativismo também, né, de você combater o racismo. A educação é para isso, né?
Antes mesmo da lei 10.639 surgir, a gente já tinha esse papel que foi acionado, né?
Sônia Reis me ajudou muito nisso, porque a Sônia Reis me fez me descobrir como
professora, como mulher negra. (Francisca Honorata)
matriz mais eurocêntrica, né? Então foi e está ali no Ações. Esse lugar me fez
refletir de como foi minha vida na escola, entendeu? (Natália Alves)
Durante suas narrativas, as docentes rememoravam suas histórias, os caminhos que trilharam
para chegar até a sala de aula e as experiências de sua infância e adolescência que colaboraram
para construir o debate e luta nas relações étnico-raciais. Acontecimentos e experiências que as
perpassaram de modo similar, mas que as transformaram de formas distintas. Larrosa (2002)
caracteriza o conceito de experiência como um “acontecimento que nos passa, o que nos
acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”. As
lembranças mencionadas nas entrevistas afetaram o percurso dessas mulheres e as
transformaram como indivíduos e profissionais.
Uma recordação aí para você ver de onde que você partiu. E eu me dei conta que
na verdade, eu, já com 15 anos, fui trabalhar como catequista, né. Que eu era da
Igreja Católica na catequese, né, como catequista de crisma. E aí eu peguei uma
turma que era mista, né!? Mas tinham pessoas de 24 anos, mais velhas do que eu.
E eu fiz todo esse procedimento e minha formação, de certa forma, minha educação
familiar. Ela se deu muito com pessoas mais velhas, né!? Eu convivia muito com
meus avós. Ah, com as minhas primas, que eram mais velhas do que eu, então já
tinha uma queda aí de convívio para educação de Jovens e adultos. Depois eu tive
essa questão da experiência na crisma e apaixonei porque quando eu cheguei na
EJA, de fato eu já tinha esse viés. Já tinha esse percurso então e permaneci na EJA,
no projeto e foi muito interessante porque na EJA, quando eu comecei eu era bem
jovem, né? Então eu tinha uma linguagem peculiar, tinha um jeito juvenil bem
peculiar. E quando eu fui trabalhar eu trabalhava com mais duas professoras, uma
de português, né? Uma fazendo letras e uma outra que já era formada. Mas ela era
formada em psicologia e nós três éramos responsáveis pela turma da EJA. E foi um
período muito, muito, muito lindo, muito produtivo, muito de troca. Acho que foi
muito no termo que o Paulo Freire utiliza de docência, né!? Que a gente educa e
aprende ao mesmo tempo. (Francisca Honorata)
Celina narra que o fato de ser escritora proporciona diálogo e troca com os alunos para além do
cotidiano, das experiências existentes no ambiente escolar e nas aulas de História. Tardif (2014)
menciona que o docente detém saberes de diferentes origens e constrói novos saberes por meio
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de suas práticas, na união com seus saberes preexistentes ao contexto de seu ofício. Estes novos
saberes não se separam dos saberes antigos, mas vão sendo reunidos na dimensão e
complexidade do sujeito, agregando ao que ele é e está se formando. Os estudantes sempre
souberam que a docente é escritora, o que colaborava para eles estarem presentes em eventos
em que ela participa como palestrante, comprando seus livros e pedindo indicações de leituras,
o que lhe possibilitou amadurecer a ideia trazida pelos estudantes para criar um projeto chamado
Lavioteca, que desenvolve durante suas aulas de História e em outros momentos.
Então eu comecei a perguntar o que eles gostavam, O que vocês gostam de ler? O
que vocês gostam de ver um pouco dessa pegada aí? Eu já estava fazendo minha
pós e entendendo, assim como que é importante eles a gente entender os meninos
no indivíduo, né? Então, o que que vocês gostam de fazer? E aí tentando pegar
referências a partir do que eles gostavam? Então, quando eu ia explicar alguma
coisa, eu tentava a partir do que eles ouvem, do que eles fazem. Tentava criar jogos
quando eu via a prova horrível, notas péssimas. Então vamos fazer um jogo, vamos
inventar, vamos criar, vamos construir com eles e tal. E aí eu fui construindo uma
relação muito gostosa. (Celina Fonseca)
Tardif e Raymond (2000) destacam que os diversos saberes docentes não são apenas gerados
por eles, mas muitos são externos às suas práticas de ensino, sendo oriundos de contextos
sociais anteriores à sua profissão e que transcendem sua rotina de trabalho. Os autores destacam
que “o saber profissional está, de um certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes
provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros
atores educativos, dos lugares de formação etc.”.
O projeto intitulado Lavioteca tem como objetivo emprestar para os estudantes livros de
diferentes temáticas e discussões de acordo com sua faixa etária. Eles, então, escolhem o que
desejam ler e a professora faz uma curadoria, indicando leituras que têm a identidade e as
características de cada um deles.
Então eu já chego na sala, já vem aquele tanto de menino ver o que eu trouxe de
novidades naquele dia de literatura. Então eles querem, trocam, eles indicam um
para os outros e aí eu fico vendo como que às vezes eu estou levando outras
possibilidades de literatura que eles não teriam. Então eu tenho muita
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A nossa entrevistada conta que o processo de encantamento pela sua profissão e suas
potencialidades fez com que começasse a compartilhar em suas redes sociais vídeos sobre o seu
trabalho. Sem pretensão nenhuma em crescer na mídia, seu objetivo principal era mostrar para
outros docentes modos de se trabalhar algum conteúdo, buscando aprender uns com os outros.
Além disso, proporcionar para a sociedade um retorno sobre o que acontece no interior, na
intimidade da sala de aula.
Postava vídeos aí pessoas iam descobrindo perfil, mas de forma bem orgânica e
bem lenta. E aí o que mais estourou mesmo foi o vídeo com o quinto ano, aquele
vídeo que eu ensino sobre a história da África que mostra um pouco da minha
relação com os meninos que era de construção, de dar aulas, em que era uma
construção em conjunto. Então muito, as ideias deles que eles falavam. E mostro
também essa mudança de percepção, que eu acho que é o que mais chama a
atenção. Como é uma visão estereotipada sobre a África. É uma visão múltipla, né,
do continente, das culturas e tal. (Celina Fonseca)
Atualmente a internet acabou se tornando uma extensão de seu trabalho em sala de aula e sendo
também um espaço profissional destas professoras e de tantos outros que desempenham o
movimento de diálogo entre a escola e a internet. As redes sociais, principalmente o Instagram,
têm colaborado para a transformações na vida pessoal e profissional de Celina e Natália, devido
ao seu crescimento na área da educação e participação em entrevistas, exigindo do seu trabalho
cada vez uma maior responsabilidade.
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Ainda mais agora com as redes sociais eu tenho um perfil público, né? Então eu
posto as coisas que eu faço, é sempre tomando muito cuidado, pensando que é um
perfil aberto, um perfil público, mas eles estão ali, eles estão vendo. Estão vendo o
que eu faço, onde eu vou, pra onde eu viajo, o que eu faço quando eu viajo. Então
o que eu visito, eu vou em museus, não sei o que. Eles olham o que que eu estou
fazendo. Então é um exemplo né. Eles têm aquilo. Celina Fonseca)
As docentes expõem seu trabalho nas redes sociais, processo que enfatiza e atribui maior
cobrança social e profissional ao ofício que desempenham. No trecho acima, Celina relata uma
responsabilidade ainda maior com seus estudantes, quando demonstra sua vida pessoal e
constrói uma relação com eles para além do espaço escolar. A profissão docente é também um
ofício de admiração e impacto, no qual o corpo docente se torna uma referência para os
estudantes.
...cara, a gente impacta o tempo todo, o tempo todo. E aí é até complicado pensar
isso, né? Porque às vezes você fala uma coisa que o aluno decorou, aquilo ele vai
repetir, as vezes pode ter errado uma informação trocada, uma coisa e tal, o aluno
vai tomar para si e ele está te olhando o tempo inteiro. (Celina Fonseca)
3.3 “Eu nunca sonhei em ser professora. Nunca. Não estava nos meus planos.”
“Eu fiz pedagogia por um acaso assim. Foi uma escolha, mas não foi uma escolha que eu
queria. Mas depois foi o que eu gostei de fato...”. Falas como essas são recorrentes nas
narrativas das três docentes que colaboraram para essa pesquisa. A partir disso, neste item,
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iremos compreender esta primeira categoria de análise, nomeada "Eu não queria ser
professora": As influências formadoras.
A motivação que leva à escolha de uma profissão pode ser originária de vários aspectos, como:
mercado de trabalho, paixão ou identificação com a área, escolha por ideologia, facilidade em
disciplinas da área, status da profissão, influência de terceiros como pais e professores, ou até
mesmo falta de opção (Ribeiro, M. L. et al, 2018).
As narrativas das professoras Natália Alves, Celina Fonseca e Francisca Honorata demonstram
aspectos e dimensões socioculturais importantes para se compreender como se concebeu a
escolha da profissão, formação como docente e prática em sala de aula. Nas entrevistas
narrativas são trazidas perspectivas comuns e singulares sobre a trajetória pessoal, familiar e
profissional de cada uma delas, observando-se como as influências e referências recebidas
durante o período da infância e juventude acabam se destacando durante essa tomada de
decisão. Alguns desses elementos sociais, culturais e de construção sobre si foram observados
de forma mais densa na entrevista e foram destacados no formulário de identificação das
docentes, instrumento que colaborou como uma complementação de seus relatos.
Francisca Honorata, uma de nossas entrevistadas, relata que sua mãe foi professora. Então desde
muito nova nunca pensou em seguir a carreira docente. Já estavam em seu imaginário todos os
desafios da profissão e a pressão que teve na infância por sua mãe ser professora.
Eu tentava fugir porque minha mãe é professora, né? Minha mãe já é aposentada.
Minha mãe foi professora do ensino primário e eu não queria ser professora por
conta disso, né? Talvez por ter sido filha dela e talvez por não entender ainda o que
era o magistério assim, eu achava chato e durante muito tempo... eu estudava na
mesma escola que ela trabalhava, então eu era filha da professora. E aí é uma certa
cobrança da gente em relação a isso. Então tentei escapar, mas no fim das contas,
depois que eu entrei no curso. (Francisca Honorata)
Na época de prestar o vestibular, Francisca trabalhava como contabilista e queria seguir carreira,
mas infelizmente não passou na prova aberta, fez então um teste vocacional que apontou seu
interesse nas áreas da docência, psicologia e serviço social. Dentre essas três, se interessava
mesmo pela psicologia, mas viu que não tinha interesse pela área de saúde, “muito menos para
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dissecação de cadáveres, essas coisas assim, então eu vi que eu teria que ter um ano disso.
Então descartei de imediato”. O curso de serviço social não tinha na Universidade Federal de
Minas Gerais – UFMG, então não havia a possibilidade de tentar, porque era na Pontifícia
Universidade Católica – PUC e teria que pagar o curso de forma integral. A partir deste
contexto, acabou iniciando o curso de pedagogia pelo qual tomou apreço e nele ampliou sua
visão sobre a área, compreendendo que poderia atuar em outros espaços além da sala de aula.
Celina Fonseca, a nossa outra docente entrevistada, já possui uma trajetória como escritora
desde os 11 anos de idade, escrevendo livros para o público adolescente e adulto. Ainda como
estudante, já dava palestra em escolas, contando um pouco sobre seus livros e histórias. Nessa
época, nossa entrevistada não queria ser professora, já que tinha seus pais como principal
referência da profissão e ambos com visões e experiências distintas da área.
Os pais não interferiam na decisão da filha. Muito pelo contrário, deixaram a seu critério a
escolha da profissão; porém sempre demonstrando o valor da docência e os desafios que
enfrentaria. Este contexto familiar não é uma realidade para todos, como nos relata nossa outra
docente, Natália Alves. A professora nos conta que seus pais reconhecem o valor da profissão
docente, mas demonstraram certa indignação pela escolha da filha em se tornar professora,
devido à falta de status e valorização. Este fenômeno acontece devido à desvalorização social
e salarial que a profissão tem, além das problemáticas que se enfrentam no contexto escolar,
social e político. Isso nos remete a Paulo Freire, com sua crítica sobre o status social da profissão
docente e o modo como a sociedade se comporta perante a escolha da profissão:
Durante a infância, Celina falou que seria professora, mas com o passar dos anos foi mudando
e pensou em outras profissões: “falei bibliotecária, entrava em contato, falei que eu ia ser
psicóloga, falei que ia ser psiquiatra, falei, falei um monte de coisa”. E acabou entrando no
curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, dizendo que seria
professora universitária ou acadêmica, como a própria entrevistada diz. Celina acabou
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desistindo do curso, porque era muito nova, tinha acabado de sair do Ensino Médio e se
“assustou” com o modo como a Universidade se desenvolvia, com a gama de opções de estudos
e oportunidades. A partir daí começou a refletir sobre o que realmente lhe interessava,
proporcionava prazer, o ambiente e o público diante dos quais se sentia à vontade. Chegou à
conclusão de que gostava muito do espaço escolar, que era esse o local com que tinha afinidade,
a sala de aula. O ambiente onde estava seu público leitor.
Sua carreira e trabalho iniciam com a escrita. Então desde muito nova estava presente no
ambiente escolar como palestrante. Relata que já foi a mais de 200 escolas conversar com os
estudantes do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Sendo assim, a partir de sua vivência
pessoal e inicial como escritora, conseguiu observar que seu ambiente era a escola, “o meu
ambiente era isso, era menino, era adolescente”. O relato dessa docente nos demonstra e
reafirma que, para um professor influenciar a formação de um estudante, é fundamental
considerar os conhecimentos profissionais que ele construiu ao longo de sua formação
acadêmica, bem como no decorrer de sua vida, por meio de experiências singulares, individuais
ou grupais, contingentes, segundo Larrosa (Larrosa, 2015). Assim, compreendemos que um dos
aspectos fundamentais que trazem um diferencial na carreira profissional de Celina é o vínculo
que ela construiu com a escrita e com a profissão docente desde sua infância.
A partir disso, iniciou, então, sua licenciatura em História na mesma instituição em que
começou o curso de Ciências Sociais. Durante a narrativa, ela diz que achou que não iria gostar
dos primeiros períodos do curso, “que era uma história mais antiga e tal”, mas se apaixonou
pelo curso e pela docência desde o início. O medo da professora que iria se tornar e de não
construir uma boa relação com seus estudantes permeava seus pensamentos antes mesmo de
desejar trabalhar como docente e estar em sala de aula. Ciente dos desafios e problemáticas
vivenciadas dentro do espaço escolar, Celina Fonseca possui um conto no livro “Sobre amor e
estrelas (e a cabeça nas nuvens)", 3° volume de uma coleção da Rocco onde ela aborda a
trajetória de uma professora de História que não se dava muito bem com seus alunos(as). Ela
tinha dificuldade de se conectar com os estudantes e construir uma boa relação com eles, esse
emaranhado de sentimentos era um pouco do que a autora sentia.
Este conto a autora assina como Lia Fonseca, pseudônimo utilizado quando escreve para o
público adulto. E emprega Celina Fonseca quando narra para o infantil. Essa abordagem “é
somente para diferenciar o que vai pra escola, o que não vai, o público”. Conta que a primeira
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vez que entrou em sala de aula como professora foi quando atuou como professora substitua
em uma escola pública de Ibirité, logo após se formar. Celina nos conta que essa foi sua única
experiência em uma escola pública, quando começaram a flexibilizar a abertura do comércio e
das escolas durante a pandemia, com o funcionamento das salas como “bolhas”, que eram
frações da turma que se alternavam para irem à escola.
Vemos nessas falas um reflexo de algumas das incertezas, das instabilidades e da ausência de
um direcionamento que a área da educação tem enfrentado, como ressaltou Novóa (2009).
Apesar de essa área ser destacada nos discursos de mudanças, ainda não ocorrem grandes
transformações nas práticas em sala de aula. O uso da tecnologia e o modo como esta área tem
afetado a vida dos estudantes, sem dúvida, apresentaram algumas mudanças no espaço
educacional e na sala de aula. Após a pandemia que enfrentamos de março de 2020 até maio de
2023, conforme o comunicado apresentado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os
educadores se viram na função de readequar as práticas educacionais e a aprendizagem do
estudante, compreendendo aquele sujeito e o docente. Assim, o autor propõe “[...] construir
propostas educativas que nos façam sair deste círculo vicioso e nos ajudem a definir o futuro
da formação de professores” (Nóvoa, 2009, p. 205).
das dinâmicas de forma relevante. Desse modo, pensa que a aula se tornava estimulante para os
alunos/as e também para a docente: “Quando eles fazem parte da aula, eles vão criando um
laço e eles vão querer. Então eles ficavam doidos pra eu ir substituir os professores/as deles”.
O docente desempenha um papel fundamental na sociedade, por ser um dos responsáveis pelo
desenvolvimento e educação de crianças, jovens e estudantes de diversas faixas etárias. Ele atua
como mentor orientador, incentivando os alunos/as a desenvolver habilidades, conhecimentos
e competências. Além disso, ao auxiliar os estudantes a pensar criticamente, a trabalhar em
equipe e a desenvolver competência de liderança, o profissional contribui para os desafios que
enfrentarão no mercado de trabalho e na sociedade de modo geral.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Nº 9.394/1996) define como competências do
trabalho docente: a elaboração de planejamentos de aulas, o compromisso com o efetivo
aprendizado dos estudantes, o desenvolvimento de métodos de ensino que atendam às
necessidades específicas dos estudantes que requerem uma atividade pedagógica específica e a
manutenção de uma comunicação constante e eficaz com a comunidade escolar e as famílias
visando à integração e à colaboração entre essas esferas.
O docente desenvolve uma responsabilidade mais ampla, que inclui formar o aluno em uma
perspectiva integral, abrangendo os aspectos sociais, afetivos e psicológicos. Para isso, é
necessário valorizar sua experiência, cultura e conhecimento diversificado, a fim de colaborar
com a formação e a capacitação dos estudantes para responderem de forma crítica e autônoma
aos desafios de uma sociedade em constante transformação, tanto no aspecto pessoal quanto
profissional.
Este ofício demanda do indivíduo tempo e dedicação para seus estudos, pesquisas e preparação
das aulas. Além disso, compreender o contexto social e econômico no qual a escola, os
estudantes, as famílias e a comunidade estão inseridos é fundamental para o desenvolvimento
de atividades, projetos e ações que atendam de forma eficaz às necessidades individuais e de
aprendizagem de cada aluno.
Natália Alves também tem investido em suas redes sociais, no intuito de divulgar o seu trabalho
como docente e ampliar o seu diálogo sobre a educação antirracista. Silva (2011, p. 31) defende
que a utilização das ferramentas tecnológicas na educação, especialmente as redes sociais,
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detém diferentes finalidades, tais como “divulgar e compartilhar experiências, promover maior
interação entre alunos e professores, ampliar a disseminação de informações, facilitar as
interações entre leitores e escritores, além de oferecer inúmeras possibilidades associadas às
demandas de aprendizagem dos educandos”. Essas dimensões demonstram a importância de se
desenvolverem práticas que promovam o diálogo entre a educação e a tecnologia, ao invés da
proibição, já que a utilização de instrumentos tecnológicos se tem tornado uma realidade em
sala de aula.
Natália Alves, professora do Ensino Fundamental I da rede pública de ensino de Belo Horizonte,
desde 2010 busca desenvolver em sua prática escolar atividades, projetos que proponham uma
educação antirracista e de escuta das crianças. No intuito de promover e ampliar estes estudos
na educação, desde 2015 pertence ao Núcleo de Estudos das Relações Étnico-Raciais de Belo
Horizonte, espaço responsável por reunir uma vez ao mês docentes da rede comprometidos com
o aprendizado de elementos e práticas para se concretizar este tipo de educação. A docente relata
a potência do núcleo e como os profissionais se fortalecem nessa luta:
Eu acho que encontrar outras professoras que também acreditam nessa, nessa
educação antirracista, fez muita diferença também, porque eu acho que se eu
continuasse sozinha, não sei por quanto tempo eu ia dar conta, sabe? Por isso que
a gente sempre fala do núcleo de estudos, fazer disso o núcleo é como se fosse o
nosso quilombo. É um lugar ali de refúgio, que a escola tá pegando fogo. A gente
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às vezes tá desanimado, não quer seguir com o projeto, não quer seguir com a
atividade. Mas a gente vai para uma reunião, desabafo, ver elementos da prática
de outras pessoas que estão conseguindo fazer outras coisas, né? Se alimenta da
teoria também, né? De discussões mais reflexivas. E você volta para a escola com
novo olhar, um novo fôlego, sabe? Então, eu acho que ter uma rede, no caso de
Belo Horizonte, que a gente tem essa possibilidade de se reunir uma vez por mês
para discutir especificamente essa e essa prática antirracista, que é o meu, meu
foco de formação e de sala de aula, né? (Natália Alves)
Na narrativa das docentes, observamos que, apesar de não terem tido o desejo pela docência de
forma imediata, a escolha da profissão acabou atravessando suas vidas como sujeitos, tornando-
as comprometidas como a educação de qualidade, crítica e motivadora para si e para os
estudantes.
Neste capítulo iremos trazer as outras três categorias de análise: Aprendizagem da docência;
Práticas pedagógicas e Contexto macrossocial da docência, que buscam colaborar para o
entendimento dessas profissionais para além da profissão docente, mas sim como sujeitos
socioculturais que a partir de sua história de vida e contexto de formação transformam e são
afetadas pela educação.
4.1 “Aí eu percebi [...] que a sala de aula é muito maior do que só ensinar o conteúdo”
“...Aí eu vi que dar aula é muito mais do que simplesmente números romanos e tal... Aí você
vê que a escola falta muita coisa, inclusive acesso a ajuda psicológica, profissional mesmo.”
Este trecho da narrativa da professora Celina Fonseca inicia a análise do subtópico deste núcleo
de significação. Neste item, apresentaremos a terceira categoria de análise, intitulada: "A
aprendizagem da docência", que compreende o momento no qual as docentes iniciam nessa
profissão, trazendo consigo os conhecimentos adquiridos em sua formação inicial e também as
experiências de sua vida estudantil, como menciona (Tardif, 2010). As memórias do cotidiano
escolar e de sua vida representam o imaginário da estudante que foi e lembranças dos docentes
que fizeram parte de sua história e desafios.
Celina conta que essa escola onde trabalhou como professora substituta colaborou para ela
observar o quanto a carreira docente e o “ser professora” exigem do sujeito muito mais do que
dar conteúdos, mas sim amparar e dialogar com os estudantes de forma constante, para além do
ambiente da sala de aula. Dessa forma, a professora destaca como a escuta com os estudantes é
fundamental para o desenvolvimento das aulas, mas principalmente para se construir uma boa
relação entre eles. Aos 24 anos, foi colocada em uma situação de desamparo e “susto” ao ter
que ajudar uma adolescente, que necessitava de auxílio e apoio no momento em que estava
tendo uma crise de ansiedade e só se sentia confortável com sua presença: “E aí eu percebi,
assim, como que a sala de aula é muito maior do que só ensinar o conteúdo”.
vulnerabilidade da saúde mental. Cury (2003) reforça a importância do papel dos docentes no
diálogo e na compreensão dos contextos dos estudantes, assim sendo necessário sua escuta e
intermediação em acontecimentos que interferem no processo de aprendizagem do sujeito.
Um outro acontecimento, no ano passado, foi que eu pedi para eu debater questões
raciais com os meus alunos. A gente fala muito sobre indígenas, sobre
principalmente questões raciais no tocante às pessoas negras, porque a gente tem
muito [a dizer sobre] o que é ser negro no Brasil, né? Assim, são os pardos, são os
pretos, são os pretos e os pardos. (Celina Fonseca)
A docente nos conta que os debates proporcionados no ambiente escolar afetam tanto as
professoras e os estudantes, como também os familiares, assim os sensibilizando e
proporcionando reflexões em diferentes ambientes e sentimentos, colaborando para que Celina
pense neles e em propostas de atividades em momentos de sua vida particular.
Aí eu vou apresentando essas possibilidades e então eu vejo como que isso, o que
eu faço vai afetando em outros lugares e eles a mim, né? Então, sim, às vezes eu
estou parando, pensando, cara que legal isso aqui eu vou levar pros meus alunos
um sábado, domingo, sabe? Então eu tô lá pensando o que fazer para os meus
alunos ou coisas que eu aprendo também. (Celina Fonseca)
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Contreras (2013) destaca que os docentes são colocados em diferentes perspectivas e desafios
em sua profissão, durante sua prática no espaço escolar e em situações que não pertencem a
uma certa disciplina ou conteúdo específico, mas sim a saberes plurais.
Se trata, más bien, de que el modo de relación con la realidad educativa y las
formas de vivencia e implicación en el desarrollo de la misma tienen otros
ingredientes, otros modos de saber (que involucran lo personal y lo
situacional, el encuentro y las relaciones subjetivas cambiantes, lo inesperado,
lo ambiguo y lo incierto, etc.) que se ponen en juego, y que este saber, este
modo de saber, no es de la misma naturaleza que el saber disciplinar.
(Contreras, 2013, p.127)
Celina enfatiza em sua narrativa sobre a importância que a formação continuada teve em sua
prática em sala de aula, proporcionando a compreensão sobre as diferentes formas de alcançar
o processo de ensino-aprendizagem do estudante. Na pós-graduação em Educação que cursou
na modalidade EaD na Faculdade Descomplica, estudou mais sobre a neurociência, que a fez
entender melhor sobre o modo como a emoção colabora de forma fundamental para o processo
de ensino-aprendizagem, ou seja, o ensino que mobiliza os sentimentos dos sujeitos sendo
necessário para proporcionar um conhecimento que faça sentido e que sensibilize o estudante.
Eu não esqueço uma frase que a professora da... da... desse curso, dentro da posse
dessa pequena matéria, ela falou que a emoção é a cola da memória. Então pra
gente alguma coisa ficar na nossa cabeça, aquilo precisa ter alguma emoção. Você
pode morrer de ódio ou você pode morrer de rir, ou você pode querer muito ganhar
e você tá querendo uma coisa competitiva. De todo modo, o nosso objetivo, se a
gente quer que aquilo, aquela habilidade se consolide é mexer com a emoção dos
meninos. (Celina Fonseca)
Após a pandemia, Celina volta para a sala de aula e começa a ensinar o seu conteúdo de história
de modo tradicional, “que se baseia na docente falando, os estudantes anotando tudo que
estava no quadro e depois de um longo período de conteúdo eles fazem as provas”. Os
resultados das avaliações são péssimos, em sua maioria, então ela nos conta que isso fez com
que compreendesse que a forma e o direcionamento com que estava ensinando não estava
fazendo com que eles entendessem a matéria. Não fazia sentido para os estudantes.
71
Foi difícil no início, não foi um resultado tão rápido assim. Entrei com metodologia
ativa [e] amanhã a prova foi maravilhosa. Não, não foi assim. Mas eu comecei a
ver que eles se envolviam mais nas minhas aulas. Eles passaram a pegar melhor o
que eu estava fazendo. (Celina Fonseca)
Para Bacich e Moran (2018), as metodologias ativas propõem para uma educação dinâmica e
inovadora a oportunidade de transformar a sala de aula e as experiências de aprendizagem mais
significativas e atraentes para os estudantes da atualidade, que têm crescido em uma cultura
tecnológica, cuja relação que está sendo construída entre o ensino e o processo de aprendizagem
tem sido diferente das gerações anteriores. Segundo os autores, “os estudantes que estão, hoje,
inseridos nos sistemas de educação formal requerem de seus professores habilidades,
competências didáticas e metodológicas para as quais eles não foram e não estão sendo
preparados”. É fundamental, portanto, um processo de formação continuada dos docentes e
readequação das práticas em sala de aula.
O que elas pensavam, o que elas falavam sobre o assunto, o que elas já tinham
aprendido de práticas racistas. Com o desenrolar do projeto que eu desenvolvi com
eles, como que eles foram desaprendendo esse racismo e construindo o
antirracismo? (Natália Alves)
A experiência e os anos vivenciados dentro do espaço escolar fazem com que as docentes e
todos os profissionais dessa instituição consigam lidar com situações de conflito, com a
comunidade e também com os familiares, esses que algumas vezes não conseguem
compreender a finalidade pedagógica de determinada atividade. Natália nos conta que durante
uma atividade em sala aula trouxe e fez com as crianças a boneca Abayomi. Bonecas que se
tornaram populares em espaços escolares e instituições de educação popular, principalmente
após a institucionalização da Lei 10.639/2003, de acordo com Santos (2019).
Nas palavras da própria professora, a boneca Abayomi “é uma boneca sem corte, sem costura,
uma boneca pretinha”, conhecida nas mídias por ter sido feita por mulheres africanas vindas
em navio negreiros, para a América durante o processo escravocrata e utilizavam um pedaço de
suas roupas para confeccionar as bonecas para as crianças brincarem, contando para elas
histórias de seus antepassados com o objetivo de distraí-las e acalmar.
De acordo com Santos (2019), essas histórias oralizadas não possuem uma referência
documental ou mesmo pesquisas que comprovem a etnia dessas mulheres, nem uma precisão
do local determinado do continente africano do qual elas saíram. A autora enfatiza que “não há
qualquer evidência de que esse início de criação das bonecas tenha ocorrido. O que não impediu
de se criar sentimentos de pertencimento através da difusão da narrativa” (Santos, 2019, p. 7).
Neste contexto, a docente conta que uma criança conversou com ela dizendo que não fez a
boneca porque o pai não deixou: “O pai falou que era coisa de macumba e que não ia fazer. Só
que ele não falou com a escola. A criança falou sabe, a menina chegou na escola falando.”
Natália conversou com a menina, explicando sobre a boneca.
73
...não é uma boneca de macumba. Se a gente não estudou aqui na sala de aula, foi
uma boneca que foi criada por uma artesã e ela fez essa boneca para valorizar as
pessoas pretas do país. Ela fez essa boneca, fez ela como presidente, fez médico,
fez várias profissões ilustrando que as pessoas pretas podem ser o que quiser. Olha,
eu sou professora, mas meu pai não deixou. (Natália Alves)
A criança acabou não fazendo a boneca devido a um desconhecimento da família perante a Lei
10.639/2003 e devido a uma intolerância religiosa. A professora enfatiza que teve poucos
desafios e enfrentamentos com familiares, mas que eles acontecem. Ela destaca também a
importância e o amparo que a lei fornece, que antes não tinha, “O professor fazia por convicção,
né?”, Natália desenvolve atividades que de algum modo envolvam os familiares daqueles
estudantes, no intuito de promover um diálogo e conhecimento com eles sobre a educação das
relações étnico-raciais e, principalmente, sobre o que as crianças estão aprendendo dentro do
espaço escolar, já que essa discussão e promoção da educação antirracista é recente.
É muito recente. Então, para eles é novo, né? Então, acho importante a gente
envolver as famílias. Eu sempre faço atividades que eu mando para casa também.
Porque aí a criança, de alguma forma ela vai falar vai levar para família um pouco
desse conhecimento que ela tá aprendendo, né? (Natália Alves)
Francisca Honorata, professora que atuou na Educação de Jovens e Adultos – EJA no município
de Contagem, conta que, quando começou a atuar como docente, já estava com sua identidade
como mulher negra formada e começou a trabalhar a temática das relações étnico-raciais dentro
do espaço escolar. Ferreira e Camargo (2011, p. 384) compreendem que, “na experiência
coletiva, em sociedade, as identidades são construídas através do intercâmbio entre o
individual e o coletivo, desde sempre mediado por um conjunto de crenças, códigos e valores
instaurados historicamente”. Aos poucos se tornou uma professora referência no assunto
dentro da instituição escolar, desenvolvendo trabalhos e projetos com outros colegas.
Na narrativa dessas docentes, observamos que a construção de uma educação que tenha
respaldo no diálogo e na escuta dos estudantes não é uma tarefa simples, principalmente quando
constroem discussões sobre problemáticas sociais, como as relações étnico-raciais, violência
contra as mulheres, machismo. No entanto, enfatizamos que a educação em sua amplitude
abrange práticas educativas que visam colaborar e preparar os indivíduos para conviverem de
forma coletiva e pacífica na sociedade.
Francisca relembra outro projeto que desenvolveu com colegas das disciplinas de História,
Geografia, e uma professora de Arte para falar sobre essas temáticas:
a relação de gênero e como é que fazia isso. Então era um momento das mulheres
falarem sobre suas dores e trabalhar com isso dos homens também. E foi muito
bacana porque os meus colegas, por mais que eram progressistas e quisessem, eles
acabaram se descobrindo que eles também davam uma escorregada deles aí no
machismo, no racismo e que muitas vezes eles não estavam sabendo conduzir a
aula que eles estavam fazendo com os meninos, porque eles precisavam se reeducar
mais ainda, né. (Francisca Honorata)
De acordo com Mota, Costa e Santana (2018), as práticas educativas buscam explicitar os
comportamentos sociais e políticos, por meio de propostas pedagógicas no âmbito educacional.
Estes autores enfatizam o posicionamento de Libâneo (2005), ao compreenderem que as
práticas educativas se desenvolvem e acontecem nas relações sociais nas quais vivemos, não de
forma isolada. Desse modo, é fundamental o docente e a ciência da pedagogia terem como
responsabilidade se posicionarem e dialogarem com práticas educativas perante os sujeitos com
os quais colaboram em termos de formação.
No final do ano, por causa do novembro negro, eles foram convidados a fazer um
trabalho sobre pesquisar uma pessoa negra importante pra história e várias
pessoas como jogador de futebol, atriz, escritora. Várias eles podiam escolher e
fazer. E aí uma aluna falou assim: "Eu quero fazer sobre você".
Este fragmento da epígrafe retirado da fala da professora Celina Fonseca inicia o item em que
iremos abordar a quarta categoria de análise das entrevistas, nomeada como “Práticas
docentes”, que tem por objetivo mencionar as ações e os projetos que as docentes
desempenham no ambiente escolar.
Neste item estas mulheres falam também sobre o modo como os estudantes e elas lidam com o
ensino, como as enxergam enquanto profissionais e sujeitos. Assim achamos fundamental
enfatizar no título e ao longo deste texto fragmentos importantes para cada uma delas.
tradição da nossa sociedade. Esses eventos promovem atividades e debates fundamentais dentro
do espaço escolar, no período da Educação Infantil e no Ensino Fundamental, tendo a
capacidade de construir maiores conhecimentos sobre temáticas que infelizmente não têm a
devida relevância durante o ano letivo. O corpo docente e a coordenação das escolas se
organizam para desenvolver práticas pedagógicas, propostas de projetos e conteúdos
interdisciplinares para abordarem a temática específica daquela data, tendo como objetivo que
estes sujeitos compreendem a importância destes eventos na nossa história e na nossa sociedade.
A professora Celina nos conta que, motivados pelo Dia da Consciência Negra, comemorado no
dia 20 de novembro, seus estudantes foram convidados a participarem de um projeto cujo
objetivo era pesquisar sobre uma pessoa negra de destaque histórico, importante para eles ou
para a sociedade, como jogador de futebol, atriz, escritora, dentre outros.
Durante este processo de escolha, a docente nos conta que ficou surpreendida e emocionada
quando uma de suas alunas lhe disse assim, "Eu quero fazer sobre você". A fala dessa estudante
demonstra para nós a importância da representatividade na sala de aula, de se reconhecer e se
posicionar enquanto professora, escritora, palestrante, mulher negra e da importância da
compreensão de uma educação e um estudo que valorizem e cumpram com a lei nº 10.639, por
meio de uma construção sobre si e sobre o outro.
77
No dia 9 de janeiro de 2003, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a
lei nº 10.639 que estabelece para a população brasileira e para estudantes a obrigatoriedade do
ensino de "história e cultura afro-brasileira" dentro das disciplinas que já fazem parte das grades
curriculares dos ensinos fundamental e médio. Esse ato político ressalta a “luta dos negros no
Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a
contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil”.
No intuito de cumprir a lei e compreender a devida relevância sobre esta temática, Celina
destaca a necessidade do reconhecimento e da valorização de indivíduos negros/as na nossa
cultura. A professora, então, não podia deixar a aluna fazer o trabalho somente sobre ela, pelo
fato de a pesquisa valer ponto e ela ter que avaliar, mas disse à estudante que poderia fazer
sobre outra figura pública e, caso ainda fosse de seu interesse, fazer também sobre ela. E foi o
que a jovem fez, dois cartazes demonstrando sua pesquisa sobre essas duas pessoas importantes
e de destaque para ela, “Aí ela fez um cartaz e pesquisou tudo sobre mim.”
A aluna demonstrou para Celina e para toda a turma o quanto ela vê a professora com carinho
e admiração, mostrando como a docente se tornou uma inspiração para ela. A professora diz
que a docência também é sobre cativar os estudantes. "A Lavínia ensina que a gente tem orgulho
de quem a gente é. A gente tem que ter orgulho dizendo de quem a gente é, não importa a cor,
não importa tal.”
Gomes (2003) enfatiza a importância de compreender o espaço escolar como uma instituição
em que conhecemos e compartilhamos não apenas conteúdos de disciplinas, mas sim como um
espaço social em que se aprende sobre valores, crenças e hábitos, preconceitos raciais, de
gênero, de classe e de idade, como a própria autora diz. A autora destaca que este olhar para o
processo de desenvolvimento educativo dentro da instituição escolar e sua construção com a
cultura e a educação nos possibilita entender e dialogar sobre as trajetórias e complexidades
78
Sendo assim, entendemos que a formação desses sujeitos e sua concepção sobre si, sobre o
mundo e principalmente sobre a educação são fundamentais e também determinantes para o
desenvolvimento de sua prática em sala de aula. A professora Francisca destaca em sua narrativa
a importância e contribuição que seus colegas da Educação de Jovens e Adultos – EJA
trouxeram para ela na época em que iniciou neste ensino. Em sua maioria eram docentes mais
velhos, que possuíam uma maior experiência e trajetória na área, o que fez com ela aprendesse
de forma prática que naquele contexto não funcionaria para aquele jovens adultos a educação
bancária, conceito debatido por Paulo Freire.
Francisca, trabalhando na Educação de Jovens e Adultos, vivencia neste espaço outro modo de
se conceber a educação, buscando compreender e respeitar a história e rotina daqueles sujeitos.
A docente menciona em seu relato que, durante sua trajetória nesta escola, aprendeu sobre a
importância de desenvolver aulas significativas, que trazem sentido para aqueles estudantes e
que valorizem os diversos motivos que os levaram até aquela instituição.
E eu aprendi muito com os meus colegas, né? ... Uma escola em que eles faziam
muita prática da EJA no sentido de dar aulas alternativas, reorganizar a EJA de
uma outra forma e fazer muito projetos, temas para trabalhar. A gente tinha muitas
atividades em comum no pátio com os estudantes. Eu trabalhava com a parte de
alfabetização e nós tínhamos aí o resto do pessoal, né? Foi muito bacana nesse
momento, porque eu pude me aprimorar, mas me aprimorar na prática de entender
que a EJA, ela necessita, que você aprende a escutar o estudante, que você aprenda
a ver a realidade dele, que você aprenda a dar aulas mais significativas. (Francisca
Honorata)
79
São aulas que você tem que trazer mais um contexto pragmático, mesmo assim, do
dia a dia deles, para que eles tenham sentido, né? Entender que a EJA nem todo
mundo ali tá buscando o mesmo objetivo com a EJA São objetivos diferenciados,
desde ler a Bíblia, desde participar de um grupo de pessoas, desde você ter um
certificado, desde uma questão profissional de trabalho, desde uma questão
também de relação conjugal, onde aí você tem uma pessoa que tá te cobrando, né?
Você é casado com alguém, a pessoa que tá te cobrando que você tem uma
escolarização? Então, eram múltiplos objetivos. (Francisca Honorata)
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais
que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua
sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas
reproduzam, entre todos os que ensinam e aprendem, o saber que atravessa as
palavras ... qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do
grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a
natureza e entre os homens [...] (Brandão, 1981, p. 10-11).
No início de sua trajetória na EJA, Francisca lembra que teve bastante dificuldade e ficou
frustrada por não conseguir observar avanço no processo de alfabetização de seus estudantes.
idosas. Então tinha todo um trabalho que você tinha que fazer, por mais que você
trabalhasse com a autoestima deles. Mas para eles também entenderem que a mão
precisava ter uma certa mobilidade, né? Para esse tato mais fino da coordenação
motora fina, para você escrever. E muitas vezes o trabalho que eles faziam
desenvolvia muito a mão, como aquela tela mesmo da Tarsila do Amaral, Abaporu.
(Francisca Honorata)
O compromisso com uma educação crítica e que valorize a pluralidade do nosso país, tendo
como objetivo desenvolver atividades, projetos e estudos sobre as relações étnico-raciais não é
uma tarefa fácil, devido ao preconceito racial e religioso existente contra a cultura e saberes de
matriz africana. Uma pesquisa feita pelo Brasil de Fato8 fez o levantamento da startup JusRacial
no ano de 2023, em que aponta 176 mil processos por racismo em tramitação e 33% destes
casos envolvendo intolerância religiosa. No entanto, a pesquisa e o Supremo Tribunal Federal
(STF) enfatizam que o número de casos de intolerância religiosa que estão entre os processos
de racismo é acima de 43%.
De acordo com essa conjuntura, Natália Alves narra que infelizmente o ambiente escolar ainda
comete ações racistas, práticas que não devem ser toleradas ainda acontecem. A docente
enfatiza sobre a necessidade de se desenvolveremestudos e diálogos com outros docentes, no
intuito de combater essas práticas e, posteriormente, reforçar que a implementação da lei nº
10.639 os diálogos em sala de aula e no espaço escolar como um todo respaldam as docentes,
possibilitando que a temática tenha um lugar central de discussão na escola.
8
Os dados completos desta pesquisa podem ser encontrados no site
https://www.brasildefato.com.br/2024/01/21/intolerancia-religiosa-aparece-em-um-terco-dos-casos-de-racismo-
no-brasil-mostra-pesquisa
81
africana e afro brasileira, porque o professor não tem conhecimento do que que é
história e cultura africana afro brasileira. Então, se ele não tem, como é que ele
vai ensinar, sabe? Então a gente vai por essa frente ano que vem. (Natália Alves)
A professora Natália relata que em sua trajetória escolar e como educadora antirracista teve
poucas resistências no ambiente escolar e principalmente no familiar, ao desenvolver atividades
sobre esta temática e que, quando ocorreu esse tipo de situação, sua coordenadora lhe deu apoio.
A maioria das famílias sempre apoiou os projetos que eu realizo, as atividades, mas
já teve alguns poucos casos assim, de resistência. Por exemplo, esse ano eu
trabalhei com alfabeto e com palavras da língua portuguesa, que são de origem
africana. Aí uma das palavras era Odara. Aí eu mandei um trabalho para fazer em
casa, que era para era para ilustrar o significado da palavra odara. Aí eu peguei
o significado do Dicionário Aurélio e coloquei lá. Odara significa ótimo, bom,
excelente e exemplos de frases que tinha lá no dicionário e tal. E embaixo do
enunciado, ilustre com a sua criança. O significado da palavra odara com imagens,
desenhos, recortes, né? E aí uma criança não fez a atividade. Todas fizeram,
levaram coisas assim maravilhosas, colocaram fotografias, eles escreveram frases,
mas a minha família é Odara. Essa viagem foi Odara, essas coisas assim só. Muito
lindo o trabalho. Aí essa família que não fez, ela procurou a coordenação da escola
e falou que não ia fazer porque Odara era uma gíria gay é uma gíria, é usada no
candomblé. Aí a coordenadora, com muita sabedoria e conhecimento, ela falou
olha, você tem um trabalho aí com a Fabíola, mandou ela mostrar o trabalho, ela
leu com ela, falou olha a professora Fabíola, ela tá cumprindo uma lei que é a lei
10.639. (Natália Alves)
com essa mudança e com receio dessa ruptura, por ter pouco apoio em seu local de trabalho por
parte dos colegas, o que o limita em práticas tradicionais.
... todas as vezes que houve algum questionamento, que a escola foi questionada.
Eu nem precisei justificar, a escola mesmo... Já a coordenadora, por exemplo, nesse
caso, ela nem me chamou. Ela mesmo resolveu porque ela tem conhecimento da lei.
Ela sabe o trabalho que eu realizo, sabe? Então. Acho que o desafio sempre vai ser
porque a gente não foi educado assim. Enquanto sociedade, nós não fomos
educados nas nossas relações étnico raciais. Então, muitas, muitas coisas que a
gente está ensinando para as crianças é novidade para os pais. (Natália Alves)
Estas duas docentes – Celina e Natália – compartilham em formatos distintos em suas redes
sociais, como o Instagram, vídeos e pequenos textos relatando desafios com os estudantes, com
a sociedade, diálogos com as crianças sobre a temática racial e a rotina que tem como escritoras,
palestrantes e educadoras, exercendo uma ampliação de seu trabalho e luta como professoras
antirracistas.
O contexto tecnológico e a presença das redes sociais na vida dessas docentes proporcionaram
análises da mídia dessas entrevistadas de forma inesperada durante a escolha dessas
profissionais, o que colaborou de forma significante, nesta pesquisa, para a tarefa de se pensar
e discutir a relevância que as redes sociais têm tido na vida das professoras.
Celina Fonseca, em particular, desempenha um papel crucial para a geração Z, que é composta
por indivíduos nascidos na década de 1990 e são reconhecidos por sua familiaridade com as
novas tecnologias de informação e comunicação, segundo especialistas e sociólogos. Os
membros mais velhos dessa geração, atualmente se aproximando dos vinte e cinco anos, estão
enfrentando um ritmo acelerado de acesso a notícias e informações, resultando em uma
acumulação de tarefas a serem realizadas.
83
O trabalho de Celina como educadora começou a ganhar visibilidade nas mídias, após a
publicação do vídeo África9 feito com o 5º ano do Ensino Fundamental II. No pequeno trecho
dessa aula, a professora pergunta para os estudantes qual visão eles têm sobre a África e anota
o que é dito no quadro. Após sua aula sobre a história e as riquezas deste continente, ela repete
a pergunta para os alunos e eles dizem a atual imagem e conhecimentos que adquiriram sobre
a África.
Em seu livro Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação, lançado no ano de 2012,
Kenski destaca como as redes de comunicação oportunizam novas e diferenciadas
possibilidades de relações e construção de conhecimentos, capazes de conceber ambientes mais
dinâmicos com atividades interativas e colaborativas, viabilizando a estudantes e docentes
outros modos de ensinar a aprender, pensar e agir.
Este parâmetro tem proporcionado aos jovens e adultos a necessidade de se refletir sobre a
importância da docência e das tecnologias para se desempenhar uma educação significativa
para a sociedade, para a família, para professoras/es e principalmente para os estudantes. Com
o seu trabalho e de outros educadores, observamos que as professoras têm se utilizado bastante
das mídias sociais, principalmente das redes sociais, para divulgar e refletir sobre os desafios e
o sucesso da educação, nos espaços escolares e para além deles.
A autora Kinski (2007, p. 43-44) compreende educação e tecnologia como indissociáveis. Para
ela “usamos muitos tipos de tecnologias para aprender e saber mais e precisamos da educação
para aprender e saber mais sobre tecnologias”. Considerando a relação de ambas, é necessário
indagar se o ambiente escolar tem tido espaço para se pensar a tecnologia.
9
Link do vídeo sobre a história e estereótipos que se tem sobre África:
https://www.instagram.com/p/ClMjvbzAigS/
84
4.3 “Se fosse chegar a acordar, entrar e dar aula com os meus alunos, seria ótimo,
maravilhoso, mas não é só isso!”
“... a minha relação com a docência está cada dia de um jeito. Às vezes você pergunta se eu
gosto, eu falo eu gosto muito. Eu gosto muito de ser professora. Mas essa relação com a
docência ela não passa só pela sala de aula. A professora Celina Fonseca relata em sua
narrativa sobre os desafios e desdobramentos que a profissão docente nos traz. O trecho de sua
fala inicia o campo social da docência, para além dos muros das escolas, assunto que estas três
mulheres abordam nesta quinta categoria de análise, intitulada “Contexto macrossocial da
docência”.
85
A professora trabalha como escritora, mas desempenha outras tarefas e trabalhos, o que torna
ainda mais necessária a responsabilidade de saber dialogar e conviver com pessoas, pais, gestão,
que possuem diferentes princípios, valores e posicionamentos políticos, muitas vezes opostos
ao que acredita. Celina conta que sua formação familiar, principalmente materna, vem de um
ambiente com muita luta, e que se formou em uma universidade pública que discute e valoriza
a pluralidade e debates sobre problemáticas sociais, participando de movimentos sociais e de
enfretamento contra políticas públicas que colaboram para perpetuar as desigualdades e
desinvestimento na educação.
Nós professoras possuímos uma formação familiar, um capital cultural (Bourdieu, 2003), um
dos elementos que possibilitam e proporcionam o desenvolvimento e a construção de saberes.
Entretanto, muitos outros ambientes contribuem para essa construção, propiciando uma
educação heterogênea, um diálogo plural e diverso com os muitos espaços sociais dos quais
participamos. A instituição escolar e a relação com o corpo discente, docente, comunidade, pais,
também colaboram para a construção de nosso conhecimento, como profissionais e seres
humanos, como enfatiza a entrevistada: “gente com visões completamente distintas do que eu
acredito, do que eu acho certo, do que eu acho razoável ... Eu acho que o que eu aprendi muito
é lidar com esse conflito”.
Segundo nossa entrevistada, o docente não lida somente com as demandas de seus estudantes e
com o seu conteúdo. O ensino passa pela sala de aula, mas também perpassa outros ambientes
dentro e fora da instituição escolar, como a própria entrevistada diz: “Mas essa relação com a
docência ela não passa só pela sala de aula. Se fosse chegar a acordar, entrar e dar aula com
os meus, com os meus alunos, seria ótimo, maravilhoso. Mas não é só isso”.
86
Mesmo com problemas e desafios que a profissão nos exige, Celina conta que gosta muito de
ser professora e de lecionar a disciplina de História, mas o seu sentimento com a docência
oscila. Ela narra também sobre as exigências, cobranças educacionais e sociais, sobrecarga que
às vezes a faz odiar o ofício.
Então, às vezes eu odeio a docência (risos), às vezes eu quero explodir tudo, mas
quando eu estou em sala de aula é quando eu falo cara, eu gosto disso aqui, porque
eu gosto da relação, eu gosto muito de história, eu sou apaixonada. Tem hora que
eu tô dando aula, até arrepio assim, me dá um negócio. Ai que delícia que é ensinar
isso. (Celina Fonseca)
...desvalorização é não só, não só salarial como um todo, assim igual a gente
quando a gente tem. Muito se fala isso na internet, né? Uma brincadeira que fazem,
mas por exemplo, raramente você vai questionar um engenheiro que vai te falar
como construir um prédio ou uma ponte, ou enfim, raramente a gente vai
questionar esse conhecimento, ou o médico que vai te orientar e te dar um remédio
e tal. Mas parece que questionar o trabalho do professor virou moda, assim, é uma
coisa do tipo você não fez licenciatura, ou você não está nesse contexto, você não
é professor, você não é professor dessa realidade, mas esse ou o pai, ou enfim, quem
quer que queira interferir, entra muito nessa parte do nosso trabalho. (Celina
Fonseca)
Barbosa (2011) ressalta que grande parte de estudos e investigações traz como consenso, por
meio de dados e documentos, que a dificuldade de se atraírem bons estudantes para a profissão
docente acontece devido à baixa remuneração e à dificuldade de se construir uma ascensão
profissional, mas não sendo o único aspecto que colabora para uma mudança de ofício ou
escolha por outra, como ressalta a própria autora:
Além dos baixos salários contribuírem para não atrair profissionais mais
qualificados para a docência, há dificuldade para reter aqueles que optam por
esse caminho. Muitos trabalhadores docentes não permanecem na carreira,
abandonando a profissão por outras carreiras em que sejam melhor
remunerados e valorizados, ou ainda deixam a sala de aula para atuar em
outros cargos do sistema de ensino, como a coordenação pedagógica, a direção
e a supervisão escolar, também melhor remunerados que a docência e,
normalmente, com maior reconhecimento e valorização social. (Barbosa,
2011, p.152)
A profissão docente requer uma valorização salarial, mas também de todo o conhecimento e
processo de preparo e estudo a que o docente se dedica em sua formação. O desenvolvimento
dos conteúdos de suas disciplinas é a finalização de um conhecimento que se iniciou em sua
graduação, mas que está em progressão, de acordo com a sua formação e experiência ao longo
da profissão. O planejamento semanal, semestral, da aula do dia, do conteúdo, sua pós-
graduação, as atividades corrigidas, o desenvolvimento de projetos – tudo isso colabora para o
docente estar sempre construindo seu conhecimento e aprendizado. A professora Natália
enfatiza este argumento em sua fala,
88
Mas eu vejo assim que o professor, ele é um pesquisador por excelência, sabe que
não tem como você e planejar uma aula sem pesquisar. Não tem como você
entender as individualidades de cada criança sem procurar entender outras coisas.
Por exemplo, quando eu recebo uma criança, essa criança tem TDAH ou essa
criança tem autismo? Eu preciso pesquisar, eu preciso investigar como, o que que
é e como que eu vou atingir aquela criança, né? É a própria reflexão que a gente
faz. Eu gosto muito de assim, publicar as minhas práticas. Então, quando você faz
algo na sala de aula e você para, reflete sobre aquele, escreve sobre como que foi
e como que o que que eu vi né? Que as crianças melhoraram ou não aprenderam
ou não? Como elas vivenciaram essa reflexão? Através da escrita acadêmica é
muito importante. (Natália Alves)
Compreender a nossa realidade e o lugar de privilégio que possuímos na sociedade nos faz
observar que infelizmente não são todos os profissionais docentes que conseguem desempenhar
essa prática de reflexividade e escrita sobre o seu trabalho, devido a elementos como tempo,
carga horária de trabalho e acúmulo de tarefas, principalmente por ser um ofício composto
majoritariamente por mulheres. “Não são todos eu acho que conseguem fazer essa prática,
principalmente da escrita, que demanda tempo, separar, sentar, escrever, publicar, fazer de
acordo com as normas e tal. Mas é algo que eu acho que ajuda muito a nossa prática.”
Gatti (2010) nos remete às problemáticas que a área educacional enfrenta há tempos, no que se
refere aos processos de aprendizagem e que vêm se agravando a cada momento, principalmente
no campo das licenciaturas, devido às estruturas institucionais nas quais estão inseridas, ao
currículo estabelecido e ao conteúdo a ser ministrado. No entanto, a autora enfatiza que
deve ser claro para todos que essa preocupação não quer dizer reputar apenas
ao professor e à sua formação a responsabilidade sobre o desempenho atual
das redes de ensino. Múltiplos fatores convergem para isso: as políticas
educacionais postas em ação, o financiamento da educação básica, aspectos
das culturas nacional, regionais e locais, hábitos estruturados, a naturalização
em nossa sociedade da situação crítica das aprendizagens efetivas de amplas
camadas populares, as formas de estrutura e gestão das escolas, formação dos
gestores, as condições sociais e de escolarização de pais e mães de alunos das
camadas populacionais menos favorecidas (os “sem voz”) e, também, a
condição do professorado: sua formação inicial e continuada, os planos de
carreira e salário dos docentes da educação básica, as condições de trabalho
nas escolas (Gatti, 2010, p. 1359).
A partir deste contexto, ressaltamos a importância de políticas públicas que promovam o plano
de carreira da profissão docente e que valorizem sua formação continuada. Os governos (no
âmbito municipal, estadual e federal) devem colaborar para a progressão dos docentes, além de
incentivá-los em estar em espaços de estudo e compartilhando conhecimentos. Estas iniciativas
são modos fundamentais para motivá-los em seu ofício e para valorizar a experiência que
construíram ao longo da profissão. Natália menciona sobre o plano de carreira existente na
Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que permite aos docentes fazerem suas pós-graduações
ou até mesmo outra graduação, e assim terem um aumento no salário, referente a cinco por
cento. Ela diz “Alguns fazem as suas pós-graduações, que a gente pode fazer até cinco para
ser renumerado, né?”. Ações como esta têm por objetivo valorizar o tempo de formação e a
dedicação aos estudos, por meio de um pequeno aumento salarial.
Pimental, Palazzo e Oliveira (2009) dizem que a valorização do docente não está somente
relacionada ao seu salário, mas sim ao seu papel social e como educador em dialogar perante
conflitos e perante as problemáticas culturais, sociais, econômicas vivenciadas na sociedade,
que acontecem dentro do espaço escolar. Dizem os autores que “quanto maior a qualificação do
professor nas diversas áreas do conhecimento, maior a sua capacidade de transformar conflitos
em reflexões acerca dos problemas sociais”, assim construindo ambientes de diálogos.
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Dessa forma, para compreender um pouco melhor o modo como essas docentes concebem seus
conhecimentos de vida e saberes profissionais, buscamos analisar o seu perfil sociocultural
construído a partir do formulário de docentes. Este teve como finalidade entender sua formação
familiar, espaços que frequentam como lazer e como se formou sua relação com a internet,
expondo elas seus trabalhos como educadoras antirracistas e escritoras.
As docentes enfatizam em suas narrativas, nos formulários e também nas redes socais, o prazer
que têm com a profissão, mesmo com os desafios educacionais. Porém, ressaltamos que o
adoecimento perante a profissão e a satisfação com o trabalho estão relacionados entre si. Neves
e Silva (2006) dizem que há uma possibilidade de simultaneidade entre essas duas esferas, visto
que elas podem existir em âmbitos distintos, como também se transformar uma na outra. “Em
verdade o sofrimento, entendido como algo inerente à vida humana, pode tomar um caminho
tanto patógeno quanto criador.” As autoras consideram também sua profissão difícil, mas ao
mesmo tempo prazerosa e capaz de impactar pessoas, pensamento que as faz refletir sobre o
sentimento que têm em relação ao seu ofício, remetendo a um prazer, mas também a uma
responsabilidade.
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CONCLUSÃO
Inserida em um espaço acadêmico heterogêneo e em sua maioria composto por mulheres mais
velhas, vejo o modo como este contexto estimulou o meu desejo por buscar compreender como
a singularidade sociocultural e a experiência de vida das professoras interferem na sua relação
com a docência. Este direcionamento e a problemática nos levaram a analisar os aspectos pelos
quais tantas mulheres escolhem a profissão docente e se era realmente uma escolha, para assim
identificar os elementos singulares e semelhantes de sua formação acadêmica e como isso
favoreceu sua relação com a prática de ensino. Nossa pretensão foi caracterizar o perfil
sociocultural, especificamente de três professoras de diferentes segmentos educacionais,
considerando as influências socioculturais presentes em seus percursos de vida e sua prática em
sala de aula.
A princípio buscamos explicitar o contexto no qual surgiu a investigação sobre essa temática e
o que nosso estudo propunha, averiguando a relevância individual e para a educação em se
conhecerem as trajetórias e a formação dessas mulheres. A valorização dessas memórias e as
experiências demonstram os sentidos que as docentes construíram como profissionais e os
motivos pelos quais acreditam na transformação do mundo e do sujeito, por meio da educação.
No trabalho de campo, optamos pela realização de entrevistas narrativas que buscam “provocar,
como resposta, uma história consistente de todos os eventos relevantes para o tema em questão,
do início ao fim” (PÁDUA, 2020, p.20). Tal instrumento de pesquisa colaborou para revelar o
modo como as docentes se constroem ao longo de sua vida e de sua formação acadêmica. Todos
esses saberes e conhecimentos foram considerados fundamentais para a prática dessas
professoras em sala de aula.
como profissional, mas também como indivíduo. Pensamento este que colabora para a
sociedade compreender a profissão docente a partir de uma construção de si.
As docentes Celina Fonseca, Natália Alves e Francisca Honorata refletem sobre como a
construção de sua trajetória acadêmica, o percurso profissional e seu comprometimento com a
educação colaboram no modo como atuam enquanto cidadãs e profissionais, relatando aspectos
e acontecimentos que as fizeram optar pela carreira docente e as influências familiares e
docentes que tiveram ao longo de sua formação. Para analisar as narrativas dessas docentes,
trouxemos categorias de análise, por meio das quais apresentamos as práticas pedagógicas
diferenciadas que proporcionam uma aprendizagem significativa para essas profissionais e seus
estudantes. Também abordamos a importância dessas práticas para a docência e para o contexto
individual dos/as alunos/as, dialogando com referenciais teóricos, destacando os aspectos
semelhantes que as docentes trazem em suas trajetórias, como a escolha da profissão que em
sua maioria acontece por contingência, a formação acadêmica e os caminhos traçados neste
ambiente – tudo isso visto como elemento colaborativo para se entender o profissional que
93
alguém se torna e o modo como a vida particular e a formação familiar são aspectos que
interferem na formação do sujeito. Observamos também que o contexto da docente, a sua
trajetória e estrutura familiar também são elementos fundamentais para se compreender a sua
prática escolar.
As singularidades da profissão docente e o modo pelo qual essas mulheres atribuem significado
à sua profissão e como os seus aprendizados colaboram na reflexão sobre sua prática de ensino,
o que tem tido retorno e possibilidades que têm se demonstrado com mais dificuldades e
percalços, são dimensões que se destacam ao longo de todas as narrativas, com elementos como
o modo pelo qual cada uma tem uma didatiza a abordagem da educação das relações étnico-
raciais, como expõem suas experiências docentes nas redes sociais e como refletem sobre suas
trajetórias e influências familiares.
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ANEXO
Dados da entrevistada
- Nome completo:
- Ano de nascimento:
- Do ponto de vista étnico-racial, como você se identifica:
- Estado civil:
- Você reside com quem:
- Qual a ocupação de seus pais:
- E o grau de instrução deles:
- E-mail:
- Número de telefone:
Formação profissional
( ) Mestrado
( ) Doutorado
( ) Nenhum
- Em qual instituição de ensino:
- Qual a área do curso:
Situação profissional
Práticas culturais
( ) Romance
( ) Técnico científico
( ) Teórico
( ) Não me lembro
Outro:__________________
- Último ano em que você leu um livro:
- Com que frequência você costuma assistir a filmes, a séries ou documentários?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Raramente
( ) Nunca
- Em quais veículos de comunicação você têm maior facilidade para assistir a filmes, a séries
ou documentários?
( ) TV
( ) Cinema
( ) Plataformas de streaming
( ) Não assisto
- Com que frequência você costuma ir ao teatro?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Raramente
( ) Não assisto
- Qual sua principal atividade de lazer?
- Com que frequência assiste ou ler jornais?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Raramente
( ) Nunca
- Você tem o hábito de assistir televisão?
( ) Sim, TV aberta
( ) Sim, TV a cabo
( ) Não assisto
- Com qual frequência assiste televisão
( ) Diariamente
102
( ) Raramente
( ) Nos finais de semana
- Cite três canais a que mais assiste na TV
- Para quais fins utiliza a internet?
- Você usa as redes sociais para expor o seu trabalho ou suas ideias?
( ) Sim
( ) Não
-Qual(s) rede(s) social(is) você mais utiliza?
( ) Instagram
( ) WhatsApp
( ) Facebook
( ) TikTok
( ) Twitter
Outro:____________
- Você participa de algum movimento social? Se sim, qual(is)
- Você considera que a docência afeta sua saúde física ou mental? Justifique
- Você gostaria de expressar algum sentimento ou reflexão sobre a docência?