4406-Texto Do Artigo-10270-1-10-20131023
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São Paulo
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São Paulo
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Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
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Texto adaptado da dedicatória da Tese de Ana Flavia Madureira (2007)
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AGRADECIMENTOS
Este é mais um momento em minha trajetória de vida, que tanto me satisfaz. Uma grande
família que ultrapassa os limites da consanguinidade, que se sustenta na parceria, no afeto,
na objetividade, na subjetividade, na emoção e na razão. Pensar cada uma dessas pessoas, é
fazer uma retrospectiva de cada caminho trilhado, com seus aclives, declives e obstáculos,
alguns quase inatingíveis, mas que não deixaram de ser importantes para estabelecer outros
caminhos a serem percorridos. Então, este é um momento de muitos agradecimentos...
Meu profundo agradecimento à Profa. Dra. Denice Barbara Catani, por sua
disponibilidade, sensibilidade, seriedade, competência acadêmica, clareamento de ideias e
respeito à minha trajetória, compreendendo e aceitando minhas limitações ao assumir a
orientação dessa pesquisa. Obrigada por possibilitar-me participar de seu talento
intelectual.
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Atravessar estes caminhos só foi possível com a ajuda sempre presente de cada uma, cada
um de vocês. Por isso, minha eterna gratidão!
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RESUMO
SILVA, Sirlene Mota Pinheiro da. Decifra-me! Não me devore! Gênero e sexualidade
nas tramas das lembranças e nas práticas escolares. (Tese) Doutorado – Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, 2015, 333 p.
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ABSTRACT
SILVA, Sirlene Mota Pinheiro da. Decipher me! Don´t gobble me! Gender and
sexuality in the plots of memories in the school practices. (Dissertation) PhD –
School of Education, University of São Paulo, 2015, 333 p.
The purpose of this research is to analyze the place of gender and sexuality issues in the
personal and professional trajectory and in the school practices of teachers who took the
Course on Gender and Sexuality at School (GDE), in the state of Maranhão. Oral History of
Life and Thematic Oral History, according to suggestions by Meihy and Holanda (2011),
were utilized in organizing the methodological rouse, with interviews of four female
teachers and three male teacher who took the GDE Course provided by the Federal
University of Maranhão (UFMA) in the years 2009-2010. The interviews allowed me to
circumscribe the object of study and outline the perspective of analysis, aspiring to hold
the pertinence of the approach proposed. As theoretical input, I have adopted mainly the
studies by Pierre Bourdieu and his concepts of habitus, field, male domination and
symbolic violence, among others that were perceived in the trajectories followed.
Highlights are the influence by the family, the school and the local church in the building
and constitution of the habitus of the subjects who cooperated in the research. I discuss
the gender and issues that were studied (or not) in the graduation courses taken by the
interviewees. I address and problematize the notions that the subjects have about
gender and sexuality issues both the in the processes of their teacher education, and in
their school practices, pointing out the signs of construction of gender and sexuality in
the school processes they had experienced. I discuss some of the challenges faced by
UFMA and the team that performs the pedagogical work of continued teacher
development in the GDE course. Finally, I present and analyze the impacts of the course
on the trajectories taken by the teachers who cooperated with this study/, with a
highlight to some of the obstacles found along the path, as well as the identifications and
findings in their routes. By recurring to the concept of habitus and by taking into
consideration the perspective of gender and sexuality, it was possible to identify
important features in the building of the ways the interviewees act in the trajectories
they have made and in the school practices they develop.
Key words: Gender. Sexuality. Course on Gender and Sexuality in the School. Habitus.
School Practices.
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RÉSUMÉ
Cette recherche a pour objectif d’analyser le lieu occupé par les questions du genre et de
la sexualité dans la trajectoire personnelle, professionnelle et dans les pratiques
scolaires d’enseignants originaires du cours “Genre et diversité dans les écoles” ( GDE),
dans l’État du Maranhão. L’histoire orale de vie et l’histoire orale thématique, selon les
suggestions de Meihy et Holanda (2011) ont été utilisées dans l´organisation du
parcours méthodologique, ayant interviewé quatre (4) enseignantes et trois (3)
enseignants qui ont suivi le cours GDE à l’ Université Federal du Maranhão (UFMA) au
courant des années 2009-2010. L´analyse des entrevues a permis de circonscrire l´objet
d’étude et d’ébaucher la perspective d’analyse afin de soutenir la pertinence d’abord
proposé. Comme apport théorique, on a surtout adopté les études de Pierre Bourdieu et
ses concepts d’habitus, de champ, de domination masculine et de violence symbolique
entre autres concepts qui ont été identifiés dans la trajectoire de la recherche. Les
influences de famille se distinguent, ainsi que celles de l’école et de l’église en ce qui
concerne la construction et la constitution des pratiques scolaires auprès des personnes
qui ont collaboré á la recherche. On a discuté les questions du genre et de la sexualité
étudiées (ou non) dans les cours de licence faits par les collaborateurs et collaboratrices
à cette étude. Les représentations que les personnes ont au sujet des questions du genre
et de la sexualité ayant debatues autant dans les processus de formation que dans les
pratiques scolaires: des índices de construction du genre et des sexualités sont mis en
relief dans les processus scolaires vécus. On a discuté sur quelques défis mis á l’épreuve
á l’UFMA par l’équipe qui intègre le travail pédagogique de formation professionnelle
dans le cours GDE. Finalement, on a présenté et analysé les impacts du cours , dans les
trajectoires parcourues par les enseignants et enseignantes, les collaborateurs et
collaboratrices de cette étude: on distingue quelques obstacles sur le chemin, ainsi que
les identifications et les trouvailles dans leurs parcours. En faisant appel á la notion
d’habitus et en considérant la perspective du genre et de la sexualité, il a été possible
d’identifier des traits importants dans la construction de la façon d’agir des
collaborateurs et collaboratrices dans leurs trajectoires trajectoires parcourues et dans
les pratiques scolaires qu’ils développent.
Mots clés: Genre. Sexualité. Cours genre et diversité dans les écoles. Habitus. Pratiques
scolaires
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LISTA DE QUADROS
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LISTA DE FIGURAS
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SUMÁRIO
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O PONTO DE PARTIDA ............................................................................................................ 23
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O PONTO DE PARTIDA...
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Heteronormativo: trata-se de uma palavra composta pelos vocábulos hetero e norma. Hetero significa
outro, diferente, ou seja, o antônimo de homo, que significa igual. A heteronormatividade visa regular e
normatizar modos de ser e de viver os desejos corporais e a sexualidade de acordo com o que está
socialmente estabelecido para as pessoas, numa perspectiva biologicista e determinista. Assim, há apenas
duas possibilidades de locação das pessoas quanto à anatomia sexual humana, ou seja, feminino/fêmea ou
masculino/macho. Haveria, conforme ressalta Guacira Louro (2003), uma lógica na representação
hegemônica do gênero e da sexualidade que definiria uma coerência “natural” e “inerente” entre sexo-
gênero-sexualidade; isto é, cada sexo só poderia interessar-se pelo sexo oposto (sexualidade
heterossexual) e este interesse seria ratificado pela possibilidade procriativa.
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Refiro-me à noção de trajetória cunhada por Bourdieu (1997), considerando-a como uma série de
posições sucessivamente ocupadas em um espaço social e compreendendo-a a partir de um conjunto de
relações objetivas, vinculadas ao conjunto de outros sujeitos envolvidos: pai, mãe, marido, professores/as,
amigos/as , dentre outros.
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Aos seis anos de idade já sabia ler, escrever e contar pequenos números. Com
isso era considerada alfabetizada e fui matriculada na primeira série primária, no Grupo
Escolar Municipal Leonor Correia no bairro onde morávamos: Trindade, situado em São
Gonçalo – RJ. Enfim, ingressei numa escola bem mais ampla, na qual as crianças eram
separadas por série e havia carteiras duplas para sentarmos: duas meninas ou dois
meninos. Achava o máximo! Estudei nesse Grupo Escolar da 1ª a 4ª série primária, hoje
denominado 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental.
Lembro-me que nessa escola, ouvia muitos cochichos sobre a diretora: uma
mulher rude, sempre zangada e temida por todas as crianças. Diziam que era uma
“mulher macho”. Recordo que acreditava que ela havia recebido essa denominação
devido ao corte de cabelo bem baixinho, a forma de se vestir – sempre com calças jeans e
camisas de manga comprida – além de suas atitudes conosco, pois gritava e brigava por
qualquer motivo. Tais características eram consideradas masculinas.
É nesta lógica hegemônica, na qual homens e mulheres devem se comportar de
modo diferenciado, porque nasceram com distintos órgãos genitais que se inserem a
maior parcela da sociedade. E aqui cabe recorrer a Louro (2004, p. 87), ao nos lembrar
de que os corpos são “produzidos através de uma série de artefatos, acessórios, gestos e
atitudes que uma sociedade arbitrariamente estabeleceu como adequados e legítimos” e
são considerados “normais” e “comuns”. As pessoas que fogem a esta regra, passam a ser
estereotipadas.
Ao concluir a 4ª série primária, tive que realizar uma prova de admissão para
cursar o ginasial no Colégio Industrial Henrique Lage no bairro Barreto em Niterói – RJ.
No ano que ingressei, havia poucas meninas na escola, apenas as da 5ª série, pois era o
primeiro ano que admitiam garotas. Então, éramos novidade, principalmente para os
meninos e rapazes, que fixavam os olhares, cochichavam, sorriam... Não entendia muito
bem aquela situação, mas nada dizia.
Outro fato que vale rememorar, foi quando conheci um rapaz, soldado do
exército e trocávamos olhares, quase todos os dias, durante o trajeto, no ônibus, até o
colégio. Na época tinha 12 anos de idade e era moda as meninas paquerarem e
namorarem “recos”5. Até que nos encontramos, por acaso, durante um desfile de
carnaval, que acontecia numa pracinha próxima a nossa residência. Minha mãe nos
5Recos são soldados novatos do serviço militar. Esses rapazes eram reconhecidos e diferenciados dos
demais devido ao corte de cabelo bem baixinho e raspado na nuca.
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levava para brincar e assistir aos desfiles dos blocos carnavalescos e eu sempre dava um
jeitinho de sair de perto de seus olhares. Foi quando encontrei esse rapaz e trocamos
alguns beijinhos. Mas, para minha surpresa, minha mãe havia me seguido. Não teve jeito,
ela foi ao nosso encontro e disse: “O que você tá pensando rapaz? Ela é moça de família!
Se quiser namorar, tem que ir a nossa casa e pedir permissão a seu pai”. E, ele, muito
nervoso, pediu desculpas e agendou, com minha mãe, um dia para ir a nossa residência
falar com meu pai. Eu esperava que não fosse, mas, ele foi. Embora não tivéssemos
conversado anteriormente, ele, com a voz trêmula, disse a meu pai que tinha boas
intenções e me pediu em namoro. Eles combinaram os dias em que iríamos namorar, em
minha residência, aos olhos de minha mãe e irmãos.
Em momento algum, ele, minha mãe ou meu pai, perguntaram se eu queria
namorá-lo ou se concordava com o que estava sendo proposto. Parece que minha voz, ou
minha decisão em nada importava, como se fosse um objeto que estava sendo negociado,
diante de uma determinada situação. Hoje entendo que aquelas atitudes, tanto de meu
pai, de minha mãe e também do rapaz, corresponde a um habitus6 adquirido e refere-se
ao que Bourdieu (2010) intitula de dominação masculina, sendo esta construída a partir
de uma perspectiva simbólica, pois seria uma forma particular de violência simbólica.7
Segundo Bourdieu (2007b), agimos e nos comportamos em função do habitus, sendo
este uma interiorização da objetividade social que produz uma exteriorização de
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Na acepção de Bourdieu (2001a), habitus é um sistema de disposições, modos de perceber, de sentir, de
fazer, de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma circunstância dada. As disposições
são estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes). O habitus é adquirido nas e pelas experiências
práticas (em condições sociais específicas de existência), constantemente orientado para funções e ações
do agir cotidiano. O habitus inclui tanto as representações sobre si e sobre a realidade, como também o
sistema de práticas em que a pessoa se inclui, os valores e crenças que veicula, suas aspirações,
identificações etc. O habitus opera na incorporação de disposições que levam o indivíduo a agir de forma
harmoniosa com o histórico de sua classe ou grupo social, e essas disposições incorporadas se refletem
nas práticas objetivadas do sujeito (ORTIZ, 1994; NOGUEIRA & NOGUEIRA, 2002, 2004; SETTON, 2002;
VASCONCELOS, 2002; ANDRADE, 2007).
7 Segundo Bourdieu (2007b; 2010) a violência simbólica é entendida como mecanismo que cria, legitima
e reproduz a desigualdade social; seu uso é dirigido por um indivíduo, ou grupo, que controla o poder
simbólico sobre os outros, fabricando crenças no processo de socialização, induzindo os dominados a
enxergarem e a avaliarem o mundo de acordo com os critérios e padrões definidos pelos dominantes.
Segundo Bourdieu (2010, p. 47) “a adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e,
portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua
relação com ele, mais do que instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo
mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como natural; ou, em
outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os
dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/negro etc) resultam da incorporação de
classificações assim naturalizadas, de que seu ser social é produto.
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Os campos são o lugar de duas formas de poder que correspondem a duas espécies de capital cientifico:
de um lado, um poder que se pode chamar temporal (ou político), poder institucional e institucionalizado
que está ligado a ocupação de posições importantes nas instituições científicas, direção de laboratórios ou
departamentos, pertencimento a comissões, comitês de avaliação etc., e ao poder sobre os meios de
produção (contratos, créditos, postos etc.) e de reprodução (poder de nomear e de fazer as carreiras) que
ela assegura. De outro, um poder específico, "prestigio" pessoal que é mais ou menos independente do
precedente, segundo os campos e as instituições, e que repousa quase exclusivamente sobre o
reconhecimento, pouco ou mal objetivado e institucionalizado, do conjunto de pares ou da fração mais
consagrada dentre eles (BOURDIEU, 2004a, p. 35).
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Os símbolos são instrumentos por excelência da “integração social”: enquanto instrumentos do
conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que
contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração “lógica” é a condição da
integração “moral”. (BOURDIEU, 2007b, p. 10).
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Para os limites desta pesquisa, entendo socialização como um conjunto de práticas e trocas culturais
entre os indivíduos e entre estes e a sociedade. A socialização como um espaço de produção, difusão e
reprodução de formas de pensar, de sentir e de se relacionar, tende a considerar as esferas sociais, como a
família, a escola e a igreja, como matrizes da cultura. Também deve-se considerar a socialização como
processo formativo de disposições que permitem as experiências dos sujeitos. Estas disposições, de
acordo com Dubar (1997) circulam nas esferas sociais e contribuem na construção da identidade dos
indivíduos.
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queria, o que podia, o que sentia... Ainda acreditava que assim como as crianças deviam
obedecer aos pais, a mulher deveria obedecer ao marido. Fato que nos foi ensinado
desde a mais tenra idade e que também legitimava certa dominação masculina.
Nesse sentido, Bourdieu percebe que muitas mulheres, apesar de terem sofrido
os efeitos da dominação, podem contribuir para a sua reprodução porque incorporam as
regras de um poder que se alastrou como algo do masculino.
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entendidas também como violência simbólica – tanto comigo, como para com nossa filha
e nosso filho, adolescentes com 15 e 12 anos respectivamente.
Percebia que a retomada dos estudos poderia ser um fator de mudança em
minha condição de esposa, que se sentia oprimida e infeliz. Creio que tais fatores foram
determinantes na minha constituição como mulher que atualmente se entende
audaciosa. Hoje compreendo, conforme aponta Motta (2003, p. 104) que para uma
mulher se tornar audaciosa, “a trajetória que a desvia da condição social da submissão,
da opressão é, também, condição que torna possível o conhecimento e a explicação da
submissão nas várias modalidades em que ela ocorre”. Todavia, a constituição da
audácia não é o oposto de submissão, ela é uma construção possível, a partir das fissuras
e tensões que se vivencia.
Ao assumir esse poder e essa crença, pude subverter as regras postas e realizar
outra estratégia, mesmo sem ter concluído o curso supletivo de 2º Grau, realizei o exame
vestibular e fui aprovada para o Curso Pedagogia da UFMA. Isso aconteceu no mesmo
ano em que havia solicitado a separação ao meu marido. Pude então dedicar-me com
mais constância às leituras, o que contribuiu para o desenvolvimento da paixão por
aprender e por querer alçar voos mais altos.
Entendo ainda que aqueles acontecimentos vivenciados fizeram e fazem parte
do processo de construção de minha identidade11 e de meu habitus profissional. Isto
porque nossas práticas e disposições são o produto de nossa história social, que orienta
nosso olhar sobre o mundo e sobre nós mesmos, compondo, assim, nossa identidade.
O habitus instaura-se, então, pela interação do sujeito com a sociedade. Assim, a
construção e constituição do habitus passa a ser mediada pela coexistência de instâncias
produtoras de valores e de referências identitárias. Em minha trajetória acadêmica e
profissional, essas referências relacionam-se ao campo escolar, principalmente como
estudiosa das questões da sexualidade e de gênero.
Durante a trajetória no Curso de Pedagogia, tive contato com teorias
sociológicas e psicológicas, dentre outras. E o primeiro contato com os assuntos ligados
à sexualidade se deu nas aulas de Psicologia, logo nos primeiros semestres, através da
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Utilizo o conceito de identidade elaborado por Melucci (1997; 2004), quando diz que produzimos nossa
identidade, integrando passado e presente na unidade e na continuidade de uma biografia individual. Para
ele a identidade pessoal se insere em uma complexidade, dada à particularidade das experiências
vivenciadas por um a um dos sujeitos. “A identidade é sistema e processo, porque o campo é definido por
um conjunto de relações e ao mesmo tempo possui a capacidade de intervir sobre si e de (re) estruturar-
se” (MELUCCI, 2004, p. 48).
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12 Emprego esse termo devido ao fato de ser um dos Temas Transversais apresentados nos PCN’s,
instituídos pelo MEC em 1997 (BRASIL, 2000b). Contudo, após a década de 1990 tem havido ampla
discussão sobre o termo e muitas linhas de pesquisa e debates conceituam “orientação sexual” como
uma natureza de identidade ou identificação sexual de gênero (heterossexual, homossexual e bissexual).
Atualmente, de acordo com a perspectiva teórica e histórica, utilizam-se diferentes termos: Educação
Sexual; Educação para a Sexualidade; Educação em Sexualidade, dentre outros.
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deparei com Michel Foucault (1926-1984). Naquele momento, o volume que trata da
História da Sexualidade I serviu de aporte teórico e histórico para a construção daquela
monografia e para outras pesquisas, como por exemplo a Dissertação do Mestrado em
Educação do Programa de Pós-Graduação da UFMA.
Iniciou-se ainda na graduação a minha preocupação com a banalização da
sexualidade, com o sexismo (preconceito em relação ao sexo), com a violência de gênero,
dentre elas a violência contra a mulher, além de outras preocupações relacionadas à
temática. Com isso, disponibilizei-me a oferecer minicursos, oficinas e palestras em
escolas e igrejas da cidade de São Luís – MA. Atuei também como professora em escolas
de educação básica, desenvolvendo projetos de educação sexual com alunos e alunas da
3ª série do Ensino Fundamental ao 2° ano do Ensino Médio, abordando durante as aulas
temas específicos de acordo com a faixa etária.
Percebi durante esses trabalhos a gama de dúvidas e inquietações que crianças
e adolescentes apresentavam em relação à sexualidade e o desejo de contar com pessoas
que pudessem esclarecer tais dúvidas sem receios, medos ou represálias. Nesse trajeto
também tive contato com questões referentes às relações de gênero, através da
participação no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Mulheres e Relações de Gênero
(GEMGe) que faz parte da Linha de Pesquisa “Instituições escolares, saberes e prática
educativa” do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA.
Essa experiência me incentivou a desenvolver outro estudo monográfico, no ano
de 2005, no Curso de Especialização em Metodologia do Ensino Superior (CEMES), com
o tema “As relações de gênero no Curso de Pedagogia”. Esta monografia objetivou discutir
as desigualdades profissionais entre os sexos e os preconceitos e discriminações
(sexismo) sofridos no Curso de Pedagogia.
O confronto com a prática, a inserção no GEMGe e a necessidade de teorizar
sobre essas temáticas, proporcionou-me momentos frutíferos, com reflexões acerca da
complexidade dessas categorias, fazendo-me repensar conceitos e esquemas teóricos
que respaldam meu entendimento e influenciam meu comportamento ao me deparar
com os preconceitos e discriminações, ajudando-me a enfrentá-los, ao mesmo tempo em
que aguçou minha percepção para a relevância do tema “A MULHER PROFESSORA E A
SEXUALIDADE: representações e práticas no espaço escolar”. Este estudo foi desenvolvido
na construção e reconstrução do objeto da pesquisa no Mestrado em Educação do
Programa de Pós-Graduação da UFMA, defendido em maio de 2009, objetivando analisar
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13 O Curso Gênero e Diversidade na Escola - GDE é uma iniciativa pioneira e inovadora proposto pela
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM/PR), e fruto da parceria entre a SPM, a Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR), a Secretaria de Educação a Distância
(SEED/ MEC), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD/MEC) e o Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/UERJ). O projeto piloto, realizado em 2006,
contou também com a parceria do Conselho Britânico. O Curso, destinado à formação continuada de
profissionais da Educação nas temáticas de gênero, relações étnico-raciais, sexualidade e orientação
sexual e está presente em todas as regiões do País (GDE, 2009).
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Imperatriz é a segunda cidade mais populosa do Maranhão. Sede da Região Metropolitana do Sudoeste
Maranhense. Sua distância é de 628 km da capital do estado, São Luís. Segundo histórico do município
apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o surgimento de Imperatriz
começou a ser desenhado nos fins do Século XVI, com a iniciativa dos bandeirantes, que partindo de São
Paulo, buscavam riquezas em outras localidades. Até o ano de 1958, quando foi iniciada a construção da
rodovia Belém-Brasília Imperatriz permaneceu geográfica e politicamente distante de São Luís. Na década
de 1979, “era considerada a cidade mais progressista do país, recebendo contingentes migratórios das
mais diversas procedências”. Em 2014, sua população estimada é de 252.320 pessoas. Porto Franco é
um município do estado do Maranhão banhado pelo Rio Tocantins. Sua distância da capital do estado é de
696 km. Segundo dados do IBGE seu povoamento iniciou-se em 1854, quando em suas terras se
instalaram agricultores vindos de Boa Vista, situado à margem esquerda do rio Tocantins, em Goiás. Em
1919 foi elevado à categoria de vila e em 1938 passou a ser cidade. Em 2014, sua população estimada é de
22.956 habitantes. Caxias é a quinta maior cidade do estado, com uma população em 2014 estimada em
160.291 habitantes. Sua distância da capital do estado é de 362 km. A história de Caxias inicia, no século
XVII, com o Movimento de Entradas e Bandeiras ao interior maranhense para o reconhecimento e
ocupação das terras às margens do Rio Itapecuru, durante a invasão francesa do Maranhão. A cidade de
Caxias foi palco da última batalha do movimento revoltoso existente no estado do Maranhão: a Balaiada.
“O nome de Caxias não se atribui a Luís Alves de Lima e Silva, patrono do Exército Brasileiro. Ele sim
recebeu o título Barão de Caxias, por ter sufocado a maior revolta existe no estado” (IBGE, 2015).
Posteriormente, o Barão de Caxias foi condecorado com o título Duque de Caxias.
Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=21&search=maranhao. Acesso em
17 jul 2015.
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Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) são sistemas de gerenciamento de aprendizagem
(Course Management System – CMS), constituídos por diferentes mídias e linguagens para disponibilizar
conteúdos de aprendizagem online. É um espaço virtual de aula que favorece encontros, interação e
interatividade. O Moodle, um software livre, foi desenvolvido em código aberto e gratuito para
aprendizagem à distância (virtual ou online). Este foi o tipo de AVA utilizado na realização do Curso GDE
semipresencial. A palavra Moodle é um acronismo para Modular Object-Oriented Dynamic Learning
Environment, ou seja, Ambiente de Aprendizagem Dinâmico Orientado a Objetos (SILVA, R. S., 2011).
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Utilizo o termo colaborador/a por reconhecer, como Meihy (2005) e Meihy e Holanda (2011) que
as pessoas entrevistadas não são meros informantes, elas são colaboradoras na pesquisa.
17Com referência aos sujeitos e suas histórias será utilizado o termo no plural, por compreender que há
uma variedade de sexualidades traduzidas nas várias formas em que elas manifestam o gênero. E sua
expressão depende do contexto social mais geral: local de moradia, convivência familiar, classe social,
profissão, dentre outros.
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melhor, saber quem sou, minhas aspirações e limitações, além de conhecer minhas
próprias condições de produção, com minhas dúvidas e inseguranças. É preciso
compreender e desenvolver, segundo o mesmo autor, a disposição de uma investigadora
que se dedica “humildemente a um ofício”. Além disso, procuro adotar as palavras de
Freire (1996) quando diz que “a alegria não chega apenas no encontro do achado, mas
faz parte do processo da busca”. Eu continuo numa busca incessante, sentindo-me cada
vez mais envolvida com a minha opção de vida: a educação, as pessoas, suas vidas, suas
sexualidades, vêm me seduzindo.
Assim nosso caminho se inicia...
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CAPÍTULO 1
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silêncios, seus corpos, suas expressões, suas lágrimas – enfim, suas linguagens
percebidas e não verbalizadas. Assim, ao conhecer algumas das características da
história oral logo percebi que esta metodologia vinha ao encontro das minhas
aspirações.
Na tentativa de compreender os discursos ouvidos e percebidos pelas histórias
narradas durante as entrevistas, outras fontes foram privilegiadas com vistas à
compreensão do objeto, das quais se destacam: documentos e bibliografias específicas
que tratam das temáticas centrais desta pesquisa e algumas das atividades do curso
GDE, dentre elas os comentários postados nos fóruns de discussão, os memoriais e
projetos didáticos de intervenção elaborados ao final do curso, pelos próprios/as
sujeitos colaboradores/as.
Diante do exposto, o presente capítulo se propõe a explicar o caminho escolhido
e trilhado para o desenvolvimento desta tese, bem como os conflitos e as dificuldades
encontradas no processo. Por entender a importância de conhecer as produções
acadêmicas que vêm sendo desenvolvidos na área, inicio o trabalho com um
levantamento das que tratam do gênero e da sexualidade na educação escolar. E ao
recuperar tais produções, bem como o percurso trilhado até o momento, percebo que
nós profissionais da educação devemos repensar o espaço da educação escolar,
refletindo e questionando preconceitos, tabus, interditos e valores postos que, na
concepção de Bourdieu (1997, 2001a, 2007a, 2007b), foram construídos e constituindo-
se em habitus incorporados.
A seguir são expostos o trajeto da realização da pesquisa dividindo-o em duas
partes: a primeira apresenta o levantamento das produções na área, com descrições e
breves análises dos textos selecionados; a segunda refere-se a escolha do caminho
metodológico utilizado no estudo, momento em que são apresentados os critérios para a
seleção dos/as colaboradores/as, a coleta dos dados e seu tratamento, ressaltando os
procedimentos analíticos adotados.
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Por entender que ao ouvir, ou ler outras produções, poderia pensar e repensar
meu próprio estudo, inicialmente realizei um mapeamento dos Trabalhos apresentados
nas Reuniões Anuais da ANPEd, no Grupo de Trabalho (GT) 23 “Gênero, Sexualidade e
Educação”, criado em 2003, ainda como Grupo de Estudo (GE), e transformado em GT no
ano de 2006, após discussão e proposta de pesquisadoras/es, docentes e estudantes da
área. Este levantamento foi realizado por entender ser esta Associação um espaço
privilegiado para apresentação dos estudos e pesquisas educacionais. A ANPEd18 está
dividida em áreas temáticas organizadas em diferentes Grupos de Trabalho (GTs).
O Grupo de Estudo (GE) 23 – Gênero, Sexualidade e Educação iniciou no ano de
2004 e em 2006, na 29ª RA, passou à condição de GT, devido às inúmeras inscrições de
trabalhos, às férteis produções apresentadas, além de contar com a presença de uma
expressiva parcela de pesquisadores/as do país.
18
Para mais informações sobre cada GT, acesse: http:www.anped.org.br
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apresentados nas RAs e as que ficaram excedentes, mas que foram publicadas. Foram
catalogados um total de 186 textos divulgados no site da ANPEd, perfazendo 5
Trabalhos Encomendados, 9 Minicursos, 141 textos de Comunicação Oral e 31 Pôsteres,
conforme quadro a seguir:
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pessoas deficientes falavam sobre suas vidas, seus corpos e sua sexualidade. Utilizou,
dentre outros autores Louro e Foucault como aporte analítico.
Jimena Furlani (UDESC – UFRGS) tratou sobre “Sexos, sexualidades e gêneros –
monstruosidades no currículo da educação sexual”. Apresentou um exercício de análise
cultural, a partir da expressão “Que bicho é esse?” usada num livro paradidático infantil
para se referir as temáticas sexo e sexualidade e utiliza “a ‘desconstrução’ como método
analítico, articulando-as com teorizações nos campos dos Estudos Culturais e Feministas
perspectiva pós-estruturalista de análise”.
Rita Lima e Flávia Ramos (FAPESP) apresentaram uma “Abordagem da AIDS na
escola: possibilidades e dificuldades com base nas representações sociais de professores da
6ª série do ensino fundamental”. Analisaram as representações sociais da AIDS entre
professores/as da 6a série do ensino fundamental de uma escola municipal, tomando
como inspiração os Temas Transversais propostos pelos PCNs. Utilizaram como aporte
teórico principalmente Moscovici e Jodelet.
Eduardo Quintana (UERJ) realizou “Reflexões sobre a gravidez na adolescência:
caminhos, diálogos e trajetórias numa pesquisa em educação”. Através de etnografia
numa escola da rede estadual, constata manifestações de resistências, mas também
vínculos de sociabilidade e de integração das alunas adolescentes grávidas.
Paulo Ribeiro (UNESP) no texto “Por minha culpa, minha máxima culpa... A
educação sexual no brasil nos documentos da inquisição dos séculos XVI e XVII”
desenvolveu uma pesquisa histórica, retratando o período em que as visitações do Santo
Ofício da Inquisição visavam descobrir e punir delitos e crimes sexuais.
Rosângela Vieira (UFSC – UNICAMP) apresentou o artigo “Juventude e
sexualidade em movimento”, fruto de observação em cinco assentamentos localizados em
uma cidade do Sul do país. O estudo abrangeu cerca de 150 famílias, promovendo um
diálogo entre os dados da pesquisa e outros estudos referentes à juventude e
sexualidade. Constatou que a sexualidade pode ser caracterizada pela heterogeneidade e
pela coexistência de valores contraditórios, havendo uma tensão constante entre o novo
e o velho, o moderno e o tradicional, o conservador e o transformador.
Em relação aos 4 Pôsteres expostos na 28ª Reunião, 2 deles referiram-se a
questões da sexualidade: Renata Libório (UNESP) desenvolveu uma “Pesquisa
diagnóstica sobre violência sexual contra crianças e adolescentes: reflexões sobre a ação
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A SECAD passou a ser denominada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI) com a aprovação do Decreto nº 7.480, de 16 de maio de 2011,
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duas turmas do Curso de Pedagogia de uma universidade pública, tendo sido orientada
para responder o que as discussões sobre gênero e sexualidades permitem pensar em
termos de potencialidades para a educação docente e quais as implicações políticas e
culturais da inclusão dessas questões nos currículos de formação inicial de
professoras/es.
Assim como os autores, reconheço que os currículos de formação docente, tanto
inicial como continuada, constituem-se em lugares de subjetivação que contribuem para
a construção de valores e atitudes dos/as docentes diante dessas questões no espaço
escolar.
A 35ª RA aconteceu no ano de 2012 em Porto de Galinhas – PE, sob a
coordenação de Constantina Xavier Filha (UFMS). O GT 23 contou com um Trabalho
encomendado de Jane Felipe de Souza (UFRGS): “Pesquisas sobre violência/abuso sexual
contra crianças e adolescentes e as práticas de pedofilização na contemporaneidade: uma
questão de gênero? ”, 17 Trabalhos de apresentação oral e 3 Pôsteres. Dentre esses
destaco o texto exposto por Alexandre Silva Bortolini de Castro (PUC-RJ) “Sexualidade,
gênero e diversidade: currículo e prática pedagógica”, por se tratar de um levantamento
realizado no curso de extensão que envolveu mais de 350 profissionais de educação,
“Diversidade Sexual na Escola”. Fazia parte da metodologia do curso incentivar os/as
cursistas a desenvolverem atividades pedagógicas nos seus contextos escolares e
trabalharem a questão da diversidade sexual e de gênero. O autor evidenciou que “se
não há caminho certo, o que ainda há é um longo caminho a ser percorrido, não apenas
na desconstrução das violências e desigualdades, mas na construção de uma pedagogia
que tenha o reconhecimento da diferença, a promoção da reflexão crítica e a superação
das desigualdades como meio e objetivo” (CASTRO, 2012, p. 13).
A 36ª RA aconteceu em Goiânia em 2013 e contou com o Trabalho
encomendado de Ribeiro e Xavier Filha “Trajetórias teórico-metodológicas em 10 anos de
produção do GT 23”, um Minicurso que fora proposto no ano anterior e que não pode ser
ministrado naquele momento, coordenado por Sílvio Donizetti de Oliveira Gallo
(UNICAMP) intitulado “Foucault e a ética: a constituição de si”, 17 Trabalhos, sendo 14
apresentados e 3 excedentes, além de 2 Pôsteres que também foram expostos oralmente
em cinco minutos cada, na sala do GT 23.
Entre os Trabalhos dessa RA que tratavam da sexualidade houve a prevalência
do referencial teórico de Michel Foucault e o conceito de dispositivo da sexualidade.
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De acordo com Foucault, dispositivos são os operadores materiais do poder, isto é, as técnicas, as
estratégias e as formas de assujeitamento utilizados pelo poder. Conforme Foucault (1999, p. 244) é “[...]
um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas,
decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas,
morais, filantrópicas. Em suma: o dito e o não dito [...]. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre
esses elementos”.
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Assim, penso que se não há um único caminho e este não é certo, o que ainda há
é um extenso caminho a ser trilhado, não apenas na desconstrução dos preconceitos,
discriminações e desigualdades de gênero e sexualidade na escola, mas, na construção
de uma prática docente que tenha o reconhecimento da diferença, a promoção da
reflexão crítica e a superação das desigualdades como meio e objetivo.
21
Segundo Melucci (1997; 2004), a atual sociedade, denominada por ele de “complexa” é marcada pela
descontinuidade, com novos significados que também remetem as inúmeras formas de dominação e
controle. Para ele, a sociedade complexa possui três dimensões: espaços diferenciados, com distintas
lógicas; variabilidade dos tempos em constante ressignificação dos valores e alargamento das
possibilidades de ação e permanente incerteza.
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caracteriza o gênero como categoria histórica de análise nas relações de poder. Por
conseguinte, de acordo com Bourdieu (2010), habitus de gênero são aprendidos, e
internalizados, geralmente sob o jugo da dicotomia e assimetria de papéis e da
heteronormatividade, de forma complexa e articulada a outras estruturas de dominação.
O conceito de gênero também introduz uma mudança que ainda é objeto de
polêmicas importantes no campo feminista, conforme aponta Meyer (2010, p. 18):
“Trata-se do fato de que o conceito sinaliza não apenas para as mulheres e nem mesmo
toma exclusivamente suas condições de vida como objeto de análise”. A autora defende
ser necessário considerar as relações de poder entre homens e mulheres e as formas
culturais e sociais que os constituem “sujeitos de gênero”. Entendo ainda que tais
relações podem ser explicadas a partir dos conceitos analíticos construídos por
Bourdieu: habitus e poder simbólico.
Nesse percurso na construção da pesquisa, foi possível proceder uma
categorização observando alguns dos enfoques privilegiados: a construção do conceito
de gênero, a presença da dominação masculina na família e na sociedade e os discursos
políticos, sociológicos e religiosos acerca da sexualidade. Tudo isso, como um caminho
provável de reflexão e de problematização dos ditos, não-ditos e interditos percebidos
nas narrativas dos/as colaboradores/as.
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Ao sugerir tal perspectiva não desconheço que é preciso, como indica Bourdieu
(2005) evitar a Ilusão biográfica. Embora se saiba que a realidade é descontinua e
composta por elementos imprevistos, sem razão ou conexão, ainda é muito comum o
pensamento de que “a vida constitui um todo, um conjunto coerente e orientado, que
pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma ‘intenção’ subjetiva e
objetiva [...]” (BOURDIEU, 2005, p.184). Tal pensamento parte de uma lógica cartesiana,
que considera a vida como uma evolução contínua e linear na qual acontecimentos
coerentes e sequenciais se encadeiam. O entendimento unidirecional da existência pode
ser superado, segundo o autor, a partir da substituição da ideia de linearidade pela
noção de trajetória. Ele a define como uma série de posições ocupadas num espaço em
que um agente é ele próprio um devir, sujeito a incessantes transformações e não um
indivíduo posto em linha evolutiva.
Além dessa preocupação, na revisão bibliográfica acerca da história oral e de
vida, pude observar que são variadas e não existe consensos nas definições dos termos,
havendo diferentes aspectos críticos que envolvem a utilização da fonte oral. No entanto,
inúmeros/as historiadores/as e pesquisadores/as defendem a história oral e a utilizam
em suas obras, dos quais destacam-se: Thompson (1998); Le Goff (1996); Joutard
(1998); Alberti (2004); Meihy (2005) e Meihy e Holanda (2011); dentre outros/as.
Conforme observa Ferreira (1998, p. 4) a partir da década de 1990, novas perspectivas
“alargaram os horizontes da história oral”, pois:
“[...] estavam neutralizadas as críticas tradicionais, já que a
subjetividade, as distorções dos depoimentos e a falta de veracidade a
eles imputadas podiam ser encaradas de uma nova maneira, não como
uma desqualificação, mas como uma fonte adicional de significados para
o pesquisador”.
Isto me fez pensar que esse caminho se tornaria mais frutífero, principalmente
por estar em constantes mudanças, sem o perigo da estagnação. Além disso, tais críticas
e a nova maneira de encarar a história oral, impulsionou-me a retomar as considerações
de Marilena Chauí ao prefaciar o livro “Memória e Sociedade” de Ecléa Bosi (1997). Chauí
afirma que ao descrever a substância social da memória (a matéria lembrada), Ecléa mostra
que o modo de lembrar é tanto “individual quanto social: o grupo transmite, retém e reforça as
lembranças, mas o recordador, ao trabalha-las, vai paulatinamente individualizando a
memória comunitária e, no que lembra e no como lembra, faz com que fique o que signifique”
(p. 31). Para a autora o tempo da memória é social, não só porque é o calendário do trabalho e
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68
da festa, do acontecimento político e do fato insólito, mas também porque reflete no modo de
lembrar.
Chauí (1997) comenta ainda que quando Ecléa inicia a interpretação da família, faz
emergir, de forma primordial, o processo de socialização, parecendo quase uma essência e a
cada passo que dava, algo se estendia “diante de nós como o alvo lençol de um coletivo
homogêneo pontilhado pelos bordados das diferenças grupais, pelos crivos familiares e
individuais” (p.32). Para a autora o bordado seria uma fronteira, pois o pontilhado das
diferenças faz aparecer uma profunda divisão que despedaça a sociedade de alto para baixo.
Mas, ao final, quando o grupo termina, “permanece junto às pedras na salvaguarda da
memória” (p. 33). Tempo e espaço são despedaçados, a lembrança se rompe e o mundo
se fragmenta, mas uma outra memória os fazem renascer: a memória do trabalho. E se
as diferenças se agravam, “já não agrava a diferenças entre os recordadores porque
todos trabalharam, antes e agora” (p. 33).
Com esse entendimento, vejo que como procedimento metodológico, a história
oral busca registrar impressões, vivências, lembranças das pessoas que se dispõem a
compartilhar suas memórias e dessa forma permitir um conhecimento do vivido muito
mais rico, dinâmico e colorido de situações que, de outra forma, não conheceríamos.
Outra questão percebida refere-se às inúmeras compreensões e divergências na
definição de história oral, pois as opiniões de historiadores/as e pesquisadores/as se
dividem. Conforme aponta Meihy e Holanda (2011), alguns/mas estudiosos/as da área a
consideram como uma ferramenta, outros como uma técnica; uns como forma de saber,
outros como disciplina e outros ainda como metodologia.
Thompson (1998) defende o uso da metodologia da história oral e afirma que “a
evidência oral pode conseguir algo mais penetrante e mais fundamental para a história.
[...] transformando os ‘objetos’ de estudo em ‘sujeitos’” (p. 137). Ele nos chama atenção
para a importância da História Oral, ressaltando ser uma metodologia tão antiga quanto
a própria história, sendo a primeira espécie de história. Para o autor, a história oral
ajuda a investigar, acessar e compreender o passado a partir de memórias lembradas e
narradas. A este respeito destaca:
A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso
depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral
pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a
finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da
própria história e revelar novos campos de investigação; pode derrubar
barreiras que existam entre professores e estudantes, entre gerações,
entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da
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69
Thompson argumenta que nenhuma fonte está livre da subjetividade, seja ela
escrita, oral ou visual, pois todas podem ser insuficientes, ambíguas ou até mesmo
passíveis de manipulação. Joutard (1998) acrescenta que o progresso e difusão da
história oral possuem intensidades distintas em cada país, onde pode haver
“resistências” ou pode haver incentivos.
A história oral, de acordo com Alberti (2004) pode ser entendida como um
método de pesquisa que privilegia as entrevistas com pessoas que participaram, ou
testemunharam acontecimentos, conjunturas e visões de mundo. Ela ressalta que a
história é construída pelos próprios sujeitos. Dessa forma, é possível, encontrar sinais
dessa autoconstrução quando esses sujeitos relatam suas experiências, acontecimentos
inacabados e que ainda estão vivos na memória ou que podem vir à tona, em diálogos e
conflitos cujas marcas ainda não estavam presentes na lembrança.
Segundo Jacques Le Goff (1996) a memória e o passado são objetos da história e
motores para seu desenvolvimento. A memória, indispensável para a construção da
história, constitui-se em presença do passado, como uma construção psíquica e
intelectual de fragmentos representativos desse mesmo passado, nunca em sua
totalidade, mas parciais em decorrência dos estímulos para a sua seleção. Portanto, a
memória é uma construção feita no presente a partir de vivências ocorridas no passado.
É pela lembrança que o presente é recriado, que se foge do momento sofrido e
temível para chegar em tempos de alegria e bem estar. É quando as lembranças e
histórias se tornam também curadoras. Por exemplo, a criança que ouve o contar, que
recebe imagens vividas em outros tempos se entusiasma, tranquiliza e alcança o sono.
Isso acontece com jovens, adultos e velhos também. As mesmas lembranças que ficaram
guardadas pelo caminho, podem se tornar, também recordações. Podem ser acessadas e
recontadas de diferentes formas. São imagens que podem ser transformadas e
readequadas de acordo com o conjunto de referências do presente. A memória por meio
das lembranças tece e fortalece relações que de tão cotidianas e banais passam
despercebidas no dia a dia.
A essa maneira de guardar lembranças Halbwachs (2006) intitula de memória
individual, ou seja, a forma como são selecionadas e dispostas as imagens-lembranças
vividas, ou a forma como são organizadas internamente em todo o conjunto de
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70
Leal (2011) comenta que o interior do cone pode ser entendido como
lembranças, o círculo inicial como passado, a ponta do cone (S) como a memória-
percepção, ou seja o ato de acessar o passado e lembranças, sendo influenciadas pelo
contexto e instante do presente. O plano P, seria o presente, o instante que reconfigura
imagens, resignificando cenas acessadas pela percepção. “Percepção e presente se
entrelaçam para trazer o que já foi presente para a cena num exercício que dá vida e
movimento ao que estava estático (passado). Essa é em si uma característica da
memória, promover fluidez e vida ao que num primeiro momento parece acabado e
pronto” (p. 5).
Conforme analisa Pollak (1989, p. 8), existem nas lembranças zonas de silêncios
e “não ditos”. Para o autor, “as fronteiras desses silêncios e ‘não-ditos’ com o
22
No livro: Matière et Mémoire. Ouvres, Paris: PUT, 1959.
23
Figura extraída por Bosi (1979, 2003), do livro: Matière et Mémoire. Ouvres, Paris: PUF, 1959.
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Considerando que na época eu era uma das responsáveis pelo desenvolvimento do projeto de pesquisa
intitulado “O Curso Gênero e Diversidade na Escola no Processo Educativo Maranhense”, financiado pelo
CNPQ e vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero (GEMGe),
parte dos relatos foram analisados também para o referido projeto. E dentre as 13 entrevistas concedidas, 6 delas
foram realizadas por outros membros do GEMGe. Com isso, durante o Exame de Qualificação foi sugerido que
utilizasse nesta tese, apenas entrevistas por mim realizadas.
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76
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77
Vale ressaltar, conforme alerta Bourdieu (2005), que “produzir uma história de
vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma sequência de
acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão
retórica” (p.188). Dessa forma, ao se tratar de narrativas, normalmente, elas se referem
à vida como uma linearidade, como um fio único, quando sabemos que na existência de
qualquer pessoa, multiplicam-se causalidades, oportunidades, escolhas e alocações
diversas que ocorrem em variados momentos. Assim, tentarei considerar que nas
narrativas, assim como nas lembranças, o passado que se reconstrói discursivamente
não é de fato linear, mas contém superposições de tempo, reflexões e espontaneidade. O
que retorna não é o passado em si, mas a (re) leitura das representações e experiências
guardadas na memória e incitadas em um dado momento, sob determinadas
circunstâncias.
Ademais, procurei ter o cuidado, conforme nos previne Bourdieu (2011) quando
retoma o papel do pesquisador na entrevista e quando destaca: “é o pesquisador que
inicia o jogo e estabelece a regra do jogo, é ele quem, geralmente, atribui à entrevista, de
maneira unilateral e sem negociações prévias, os objetivos e hábitos, às vezes mal
determinados, ao menos para o pesquisado" (p. 695). Além disso, a relação entre os
sujeitos, na pesquisa, instaura-se, na base de um acordo dos inconscientes, não sendo
possível ignorar que nosso próprio ponto de vista tende a ser um ponto de vista sobre
outro ponto de vista, conforme sublinha o autor. Assim, geralmente as narrativas são
editadas de acordo com os interesses de quem entrevista e da própria pesquisa.
Ao considerar que neste estudo, tais interesses orientam-se pelas ações e
reações dos/as colaboradores/as sobre as questões da sexualidade e do gênero, é
cabível afirmar que este fato pode definir os lugares ocupados pela pessoa entrevistada
e pela entrevistadora. Com este entendimento procurei manter uma disposição
acolhedora, deixando os/as entrevistados/as à vontade para narrarem suas histórias e
trajetórias. Não se pode esquecer do conhecimento que o próprio sujeito tem do seu
mundo social e das representações que organizam sua percepção da realidade, bem
como das formas próprias de dizer e silenciar sua história, que são fundamentais para o
estudo em pauta. Esta afirmação não introduz qualquer relativismo na interpretação,
mas, se esforça em assinalar as singularidades dos relatos dos sujeitos. Tais percepções
conforme Bourdieu (2005) são duas propriedades essenciais em relação à entrevista e
cabe ao entrevistador/a trabalhar para dominar ao máximo os seus efeitos sobre a
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78
pesquisa e sobre a pessoa entrevistada a fim de diminuir, com certo grau de sucesso, a
violência simbólica que se exerce por meio da pesquisa. Entendo, ainda, que a busca de
significados dos fatos não pode pretender alcançar o que realmente aconteceu, mas sim
a representação e a interpretação, pelas vozes de quem o vivenciou.
Além desses cuidados, ao término da entrevista foi dito que o retorno do
material para a conferência levaria um tempo incerto, dadas às dificuldades do processo
de transcrição. A preocupação em obter a revisão e a autorização de uso das entrevistas
justificava-se pelo fato de que cada narrativa seria utilizada para a confecção de um
trabalho escrito, mudando-se, conforme a necessidade, o peso das palavras. Para tanto,
fazem-se necessárias, conforme orientações de Meihy (2005) e Meihy e Holanda (2011)
as etapas pós-entrevista: transcrição, textualização e transcriação. Segue uma breve
descrição dos termos:
25
O tom vital, conforme MEIHY (2005) é o tema com força expressiva para guiar o/a leitor/a, e
representa sua síntese moral, sendo colocado sob a forma de epígrafe em cada narrativa.
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Esta fase começa com a organização e escolha do material que foi analisado e a
formulação das questões norteadoras que irão fundamentar a interpretação final. Esta
fase foi subdividida da seguinte forma:
índices são os temas que se repetem com muita frequência). A partir desses
indicadores, foram elencados os temas encontrados, de acordo com os blocos das
entrevistas. Estes temas constam no Apêndice D.
b) Exploração do material
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83
Análise temática dos discursos: nesta fase, houve a tentativa de executar uma
interpretação horizontal dos dados obtidos nas análises individuais, observando-
se as frequências, os temas recorrentes, os ausentes, dentre outros aspectos. As
informações foram condensadas e destacadas para exame, culminando nas
interpretações inferenciais em cada entrevista, ressaltando aspectos
evidenciados especialmente nos Estudos de Bourdieu, dos quais são ressaltados:
a construção e constituição dos habitus; a dominação masculina presente em suas
famílias; a violência simbólica vivenciada; a trajetória na formação profissional,
no Curso GDE e em suas práticas escolares, dentre outros.
Análise Automática dos Discursos (AAD): na última foi efetuado o cruzamento das
análises individuais e temáticas, buscando-se apreender as similaridades e
diferenças, concordâncias e discordâncias, dentre outros aspectos.
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CAPÍTULO 2
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Neste momento, retomo Xavier Filha (2005, p. 65) ao retratar a questão do vínculo e a discussão
da neutralidade do/a pesquisador/a num processo de investigação. A autora cita Ferrarotti (1998,
p. 27) quando diz que “toda entrevista biográfica é uma interação social completa, um sistema de
papéis, de expectativas, de injunções, de normas e de valores implícitos [...]. O entrevistador
nunca está ausente, mesmo que se finja ausente. É sempre recíproco, mesmo que aparentemente
se recusa a toda a reciprocidade [grifos do autor]”. Ela comenta, ainda, que um processo de coleta
das narrativas biográficas é um momento de coprodução entre a pessoa que entrevista e a
entrevistada e profissional.
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88
Porto Franco foram feitos por Lucélia Neves, uma das tutoras presenciais do curso, por
minha solicitação. Como ela residia naquele município e mantinha contato, com certa
frequência, com os/as cursistas que fizeram o GDE, havia se colocado à disposição para
contribuir agendando as entrevistas. Muito prestativa, Lucélia acreditava que desta
forma, poderia também colaborar no desenvolvimento do estudo que ora desenvolvia. A
princípio, foram agendadas por ela cinco entrevistas, entretanto duas delas foram
canceladas pelos próprios sujeitos, devido ao fato de terem outros compromissos nas
datas e horários previstos.
No que se refere às principais características dos/as colaboradores/as, é
importante frisar que a maioria, no momento das entrevistas, estava na faixa etária
entre trinta e quarenta anos, apenas uma delas tinha quarenta e dois anos e outra
contava cinquenta anos de idade. A maior parte era casada, sendo que apenas uma
professora e um professor eram solteiros. Em relação à religião, três deles/as eram
evangélicos/as, dois/duas católicos/as e duas espíritas kardecista. Sobre a formação
acadêmica e profissional, três deles/as fizeram Curso Magistério de Nível Médio, três
haviam realizado Formação Geral (antigo 2º grau) e uma delas concluiu o Curso Técnico
em Contabilidade. No Curso superior, esta mesma professora formou-se em Letras,
possui Especialização em Educação Especial e Mestrado em Ciências Sociais, o que
traduz uma formação bem diversificada. Dentre os/as demais, três delas/es são
pedagogas/os, um deles é formado em Ciências Biológicas, uma em Geografia e outra em
História. Todas as pessoas entrevistadas possuem alguma pós-graduação (latu sensu) na
área da Educação e a grande maioria possui mais de dez anos de experiência na
educação básica, conforme disposto no Quadro 2 (p. 75). Apenas um deles atua como
professor há menos de cinco anos e outro foi bolsista no Programa de Educação Tutorial
(PET)27 por dois anos.
No decorrer das entrevistas foram privilegiadas a formação docente –
sobretudo a continuada – e as práticas escolares no que refere ao tratamento das
questões de gênero e da sexualidade como foco primordial dos relatos. Tais questões,
são, portanto, demarcadas como ponto de partida e de chegada. E como os sujeitos da
pesquisa haviam concluído o GDE, curso no qual a mesma pessoa que as/os
entrevistavam havia sido também sua coordenadora, em certos momentos foi possível
27
O PET é desenvolvido por grupos de estudantes, com tutoria de um docente, organizados a
partir de formações em nível de graduação nas Instituições de Ensino Superior do País orientados
pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e da educação tutorial.
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89
perceber um esforço sobremaneira, por parte delas e deles, de contar aquilo que
acreditavam que iria me agradar, o que consideravam poder ser dito e em quais
condições seria relatado.
Em certos casos as colaboradoras e colaboradores adotaram como estratégia
narrar fatos que compõem a trajetória profissional. Neste aspecto, a entrevistada ou
entrevistado revestia-se de um “ar professoral” para narrar fatos de sua vida, bem como
expressar, com certo distanciamento, de aspectos de sua intimidade. Entretanto, o que
importa numa pesquisa é notar como dizem e de que forma dizem.
Dentre os/as entrevistados/as o professor Jónata (Imperatriz) rememora sua
trajetória de vida com riquezas de detalhes, delineando profícuos aspectos por ele
vividos, estabelecendo intensos diálogos consigo mesmo para refletir acerca da
construção de sua identidade, recordando o passado e avaliando o presente, além de
colocar-se disponível e muito interessado em participar e contribuir com esta pesquisa.
Também foi possível notar, em determinados momentos da construção de sua história
de vida, certa cautela com o uso das palavras, além de tentar evidenciar sua militância
acadêmica e política. Fato este também notado na narrativa de Fátima, de maneira
especial quando ela defende a necessidade de inserção das questões de gênero e da
sexualidade no currículo das escolas. Ela faz uma comparação das escolas brasileiras
com as dos Estados Unidos, tentando demonstrar conhecimento e engajamento político
sobre a questão.
Também é importante lembrar que a figura do “outro” esteve presente em
algumas narrativas. Nestes casos, utilizam a expressão “você”, para comentar sobre si
mesmo/a. Isto aconteceu especialmente quando a/o entrevistada/o se questionava ou
criticava algo sobre si própria/o ou quando produzia uma narrativa com enunciados
cuja função é de questionar, afirmar ou solicitar a aceitação da entrevistadora.
Ao se pronunciarem sobre aspectos de sua formação docente e da vida
profissional foi possível perceber a necessidade que alguns possuem de se auto afirmar
na ocupação exercida. Com isto pude notar que ao mesmo tempo em que se fundem com
a identidade profissional ressaltando as atribuições do/a professor/a, sentem-se na
obrigação de se definirem como pessoas. Fazem referências ao modo como atuam e
fornecem elementos acerca do seu entendimento do trabalho e do seu papel ao serem
entrevistados/as.
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90
Bourdieu analisa as práticas dos agentes e suas relações com as questões sociais
e pessoais. Assim, ao comentar acerca do princípio da ação histórica, o autor estabelece,
conforme considerado por Afrânio Catani (2001, p. 98), “a relação entre dois estados do
social, a saber, entre a história objetivada nas coisas (sob a forma de instituições) e a
história encarnada nos corpos (sob a forma de disposições duráveis – habitus)”. Este
conceito refere-se portanto, ao conjunto de regras sociais incorporadas pelos sujeitos no
cumprimento de uma determinada função ou profissão. Como exemplo, vale destacar
um trecho da narrativa da professora Vera em janeiro de 2013: “Como diz a história: é
você jogar o jogo dos alunos...é ensinar e aprender junto com eles, e é claro você corrigindo
o linguajar deles” 29. Este enunciado, baseado na própria prática, permite inferir que a
opção pela terceira pessoa para comentar sobre si própria, além do tom usado na
construção da narrativa em certos momentos, são utilizados como se a entrevistada
estivesse ministrando um determinado conteúdo em sala de aula, o que também denota
um habitus professoral.
28
Nas obras de Tardif (2002) e de Perrenoud (1993, 2001, 2002), encontra-se com frequência
referência ao conceito de habitus apresentado por Bourdieu, convergindo no sentido de
conceberem o habitus como gerador de práticas dos/as professores/as. Tardif relaciona-o ao saber
da experiência e Perrenoud utiliza o conceito de habitus como um “condutor” das práticas do
professor e associa-o ao fazer cotidiano do professor, denominando-o habitus profissional. O termo
Habitus professoral foi utilizado por Marilda da Silva ao tomar como base o conceito de habitus
proposto por Bourdieu, discutindo-o na tese intitulada “As experiências vividas na formação e a
constituição do habitus professoral: implicações para o estudo da didática” (SILVA, 1999) e
publicada com o título “Como se ensina e como se aprende a ser professor: a evidência do habitus
professoral e da natureza prática da didática” (SILVA, 2005).
29
Todos os fragmentos das narrativas orais dos/as colaboradores/as são escritos entre aspas e com
fonte em itálico, como forma de evidenciar e diferenciar a mensagem descrita pelos/as mesmos/as
das que são enunciadas por mim ou por outros/as autores/as utilizados/as no trabalho.
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91
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primária30. Isto por entender que o habitus resulta de experiências de socialização nas
quais as estruturas externas são internalizadas. Em seguida são problematizados os
diferentes discursos, verbais e não verbais, bem como as distintas representações
apresentadas e percebidas em suas trajetórias percorridas e contadas na subseção
“entre os muros da escola e as tramas da memória”. Este capítulo é finalizado com as
análises das influências da religião no desenvolvimento das sexualidades.
Neste trajeto realizo uma tentativa de problematização de cada narrativa,
entendendo que “educar o olhar, significa aprender a pensar de forma sistemática e
metodicamente sobre as coisas, exigindo mais do que ‘ver’ as coisas e implicando
perceber o que elas são, como se apresentam e se representam” (SILVA, S. M. P., 2011, p.
25). O que também significa encontrar trilhas diferentes a serem seguidas, transformar
transgressões em práticas que supomos serem permanentes, sentidos que nos parecem
demasiadamente fixos, direções que nos parecem lineares em excesso. Pois assim,
educamos nosso olhar e seguimos em frente.
30
Segundo Dubar (1997, p.91), George Mead foi o primeiro autor a afirmar que a socialização era a
“construção de uma identidade social na e pela interação”. Berger e Luckman (1994) prolongaram as
análises de Mead e distinguiram a socialização primária da socialização secundária, baseado na hipótese
segundo a qual em sendo um processo, a socialização nunca termina. Para eles a socialização primária
acontece na infância, quando a criança aprende a se tornar novo membro da sociedade, enquanto a
secundária se realiza posteriormente quando o indivíduo adentra novos ramos de atividades.
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93
Na tessitura da entrevista concedida por Jónata cada palavra narrada por ele
revezava a razão e a paixão, a objetividade e a subjetividade, o pessoal e o coletivo. Na
medida que contava sua vida, construía novos significados para os fatos, as sensações e
as emoções.
A referida entrevista aconteceu em uma das salas do Campus Universitário da
UFMA em Imperatriz – MA e teve duração de, aproximadamente, duas horas. O local e o
horário foram agendados por telefone e, previamente, definidos por Jónata. Vale
mencionar que eu havia indicado um pseudônimo, entretanto optei por atender seu
pedido, mantendo o seu próprio nome, pois escreveu-me afirmando:
Concordo com o nome escolhido, ele se assemelha ao meu, contudo vejo
como necessária a utilização de meu próprio nome, pois minha
identidade é constituída dessas marcas, as quais, segundo Dominicé, são
relacionais e intersubjetivas, me fazendo ser o EU que venho
construindo em relação com os outros. E ainda, minha voz não pode ser
apagada com pseudônimos, ela precisa ser encarada como discurso, o
qual tem a palavra como carregada de um conteúdo e um sentido
ideológico e vivencial, como diz Bakhtin (Informação pessoal)31.
Sua entrevista foi a primeira, das realizadas por mim, cuja finalidade era
conhecer casos e acasos na trajetória dos sujeitos que concluíram o Curso GDE nos anos
de 2009 e 2010. No decurso de dois anos e oito meses, após o término do mesmo e a
entrevista, houve mudanças significativas na trajetória profissional e pessoal do
entrevistado. Dentre elas, cursava a Especialização em Gestão de Políticas Públicas em
Gênero e Raça (GPP-GeR), também na modalidade à distância, desde o mês de agosto de
2011. Obteve aprovação em dois processos seletivos para Professor substituto nos
31
Trecho extraído de e-mail enviado por Jónata no dia 13 de setembro de 2014.
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32
De acordo com Durkheim (1989), não existe na história do pensamento humano outro exemplo de duas
categorias de coisas tão profundamente diferenciadas, tão radicalmente opostas uma à outra. Nem sequer
a oposição tradicional entre o bem e o mal se lhe aproximam: pois o bem e o mal são duas espécies
contrárias de um mesmo gênero, isto é a moral, assim como a saúde e a doença são apenas dois aspectos
diferentes de uma mesma ordem de fatos. O sagrado e o profano sempre foram concebidos pelo espírito
humano separadamente, como se fosse dois mundos entre os quais nada existisse em comum.
33 Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em junho de 2012.
34 A Universidade Aberta do Brasil (UAB) – é um sistema constituído por universidades públicas
brasileiras, que oferece de forma integrada cursos de nível superior, na modalidade educação à distância,
para o público em geral, mais especificamente para pessoas que não tem acesso a Universidade. A
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percebi uma aparente incoerência entre o que escreveu naquele momento e sua
narrativa.
Apesar dos entraves, tentei ser hábil e compreender o sentido de seu discurso, e
de sua condição no momento, sem deter-me apenas sobre o conteúdo explícito. Dessa
forma, pude manter uma conversa amigável, desprovida de julgamentos antecipados,
além de ter conseguido resistir à tentação de discordar de seus comentários. Apenas
perguntei e o instiguei a relatar sua trajetória.
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Com esse entendimento e a partir dos sinais não verbais, ou seja, olhares,
sorrisos e outras expressões de interesse, aprovação e incentivo, dentre outros gestos
que atestam a participação intelectual e afetiva do/a pesquisador/a foi possível concluir,
de forma exitosa, a entrevista com Fátima.
Mulher de 50 anos, com experiência em diversas áreas do conhecimento,
casada, tem uma filha e um filho adolescentes e se reconhece feminista. Espírita
Kardecista demonstra muita serenidade em tudo que faz. A confirmação de seu
pseudônimo foi feita após leitura e retorno de sua narrativa. Declarou que gostava do
nome Fátima e se pudesse o utilizaria no dia-a-dia.
Ao reexaminar a transcriação fez pequenas ressalvas sobre certos termos que
estavam incorretos ou em desacordo com suas experiências. Dentre esses termos,
chamou a atenção para a substituição de “homossexualismo” pela palavra
homossexualidade. Com essa troca, foi possível perceber que após outros estudos e
depois de rever sua história, Fátima percebeu que havia cometido um equívoco na
utilização da palavra. Sabe-se hoje que existiu, e talvez ainda exista, a classificação
equivocada de gays como pessoas doentes 38. Além disso, tanto a origem como a
etimologia da palavra “homossexualismo” podem colaborar com a homofobia.
Constatei, ainda, que sua trajetória foi marcada pela inconstância e variadas
mudanças de residência. As mudanças, em sua infância e adolescência, aconteceram
devido à profissão e local de trabalho de seu pai, que era da Marinha. De tempos em
tempos ele era transferido de um estado para outro. Foi possível, igualmente, constatar
38 Em 1897, o inglês Havelock Ellis publicou aquele que seria um dos primeiros livros dedicados à
homossexualidade. À época, o nome que se dava ao fato de quem se relacionava e mantinha relações
afetivas com pessoas do mesmo sexo era homossexualismo. Logo à frente, indica o tratamento para a
cura desses indivíduos. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade de
seu rol de doenças mentais. Em 1993, foi retirada também da lista da Classificação Internacional de
Doenças (a CID). O ismo, do ponto de visto etimológico, é um sufixo formador de substantivos abstratos.
Dos mais diversos. Das mais variadas significâncias. Atrelado à palavra homossexual, atribuía o significado
de uma doença ligada ao fato de ser gay ou “praticar” relações com indivíduos do mesmo sexo. (NAPHY,
2006).
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100
O primeiro contato com Jéssica (Pseudônimo escolhido por mim, sendo este
nome também muito recorrente na região) se deu em julho de 2012, durante o
39
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
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101
Seminário Inaugural do curso GPP-GeR, também ofertado pela UFMA. Curso que ela
iniciava e do qual eu era integrante na equipe de operacionalização, sendo responsável
pela apresentação do mesmo na Mesa de Abertura do evento.
Já havia feito a pré-seleção dos sujeitos deste estudo e soube que Jéssica era
uma das matriculadas e estaria presente no Seminário. Procurei-a para conversar e
perguntar se aceitava participar da pesquisa e ela prontamente concordou. Mas, como
naquele semestre ainda estava cursando disciplinas na FEUSP, somente pude agendar
nossa entrevista para o final de novembro do mesmo ano. O local escolhido por Jéssica
foi uma das salas da UAB de Imperatriz e a entrevista foi agendada para o final da tarde
do dia 23 de novembro de 2012, conforme sugerido por ela mesma. Como não foi
possível concluir a entrevista naquele dia, a finalizamos no dia seguinte.
De sua narrativa chamou-me a atenção a prevalência da dimensão religiosa em
detrimento das questões que haviam sido estudadas no curso GDE. Evangélica da Igreja
Assembleia de Deus, contava 34 anos de idade na época da entrevista, casada e não tinha
filhos. Jéssica parecia ser muito estudiosa e gostava de manter-se informada, pois era
uma das cursistas mais participativas nas aulas.
Jéssica começou a trabalhar na educação no ano de 1997, aos 15 anos de idade,
quando ainda cursava o Ensino Médio. Além da graduação em Pedagogia, quando da
entrevista havia concluído três especializações: Metodologia do ensino superior,
Informática aplicada à Educação e Gestão educacional, além do curso GGP-GeR, em
andamento. Antes do GDE, era membro do Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas
(SPE)40. Talvez devido à crença religiosa e ao projeto do qual participava observei que
tinha concepções bem definidas com relação aos papéis exercidos pela mulher e pelo
homem na sociedade. Seu posicionamento acerca da função da escola parecia também
possuir tais marcas. Para Jéssica, a escola não deve só ensinar, cabe a ela prevenir e
cuidar e, dentre esses cuidados, a saúde é um deles. Tendo em vista esta percepção,
pude eleger o tom vital da sua entrevista: “O que cabe à escola mesmo é orientar sobre a
40
O Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) foi lançado em 2003 e se constitui numa parceria entre
Ministério da Saúde, Ministério da Educação, UNESCO, UNICEF e UNFRA na articulação de setores do
governo e organizações da sociedade civil para promover estratégias integradas entre saúde e educação. O
SPE tem como público‐alvo crianças, adolescentes e jovens na faixa de 10 a 24 anos matriculados/as em
escolas públicas de ensino fundamental e médio. O projeto está focado prioritariamente na discussão
sobre a saúde, sobretudo na prevenção das DST/Aids. Em 2015, o Projeto foi reformulado e incorporado
pelo Programa Saúde na Escola e definiu novas estratégias, como a ampliação das faixas etárias atendidas,
a inclusão do monitoramento das escolas no Censo Escolar, entre outras. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/). Acesso em 02 fev. 2015.
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102
Professor João: “Cada pessoa é livre para escolher o que quer ser em relação à sua
sexualidade...”
41
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
42 Trecho extraído da entrevista concedida por João em jan. de 2013.
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Professora Vera: “jogar o jogo dos alunos...ensinar e aprender junto com eles...”
43
Trecho do Projeto didático de intervenção elaborado por João e postado no AVA/UFMA. Disponível em:
http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28. Acesso em 12 out. 2012.
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Vera afirmou não ter dificuldades para tratar questões da sexualidade com seus
alunos e alunas. Inclusive disse que as trabalha na matéria Ética e Cidadania do 6º ao 9º
ano do Ensino Fundamental, atuando como professora desta disciplina e de Geografia.
Como esta afirmação foi repetida algumas vezes em sua narrativa, foi possível identificar
o tom vital sintetizado na seguinte frase: “como diz a história é você jogar o jogo dos
alunos... é ensinar e aprender junto com eles e é claro você corrigindo o linguajar deles.
Com isso, eu não tenho dificuldade de trabalhar a sexualidade” (informação verbal)44.
Em certos momentos de sua narrativa, Vera demonstrava receio ou
constrangimento ao comentar o assunto, silenciando ou discorrendo de forma
superficial. Ao discorrer acerca da sexualidade, disse que trata da homossexualidade, da
violência de gênero e das discriminações em Ética e Cidadania, por julgar ser esta
disciplina mais adequada. Em Geografia, ela considera que não há espaço para tratar as
questões. Conforme aponta o PCN (BRASIL, 2000b), na Geografia é possível identificar as
relações sociais que ancoram as relações de gênero, buscando entender de que modo o
espaço reflete as relações de poder e os discursos hegemônicos em torno da sexualidade
e do gênero; refletir sobre a importância dos conceitos geográficos, como espaço e lugar,
nas teorias de gênero e sexualidade; buscar o desenvolvimento de um pensamento
crítico sobre as relações mútuas de constituição e reprodução entre espaço, gênero e
sexualidade, dentre outras possibilidades de trabalho. No entanto, Vera ainda não
percebia essas possibilidades.
Quando cheguei no Polo UAB de Porto Franco, por volta das 15 horas do dia 12
de janeiro de 2013, Telma (pseudônimo escolhido pela pesquisadora) já me aguardava
para conceder a entrevista. Muito solícita e extremamente pontual! Lucélia tutora
presencial do curso GDE, que auxiliou no agendamento das entrevistas contou que
Telma foi uma das que mais demonstrou interesse pela pesquisa, sugerindo que o
encontro fosse à tarde em uma das salas do Polo UAB. Em seu entendimento, no Polo
ficaríamos mais à vontade e não seríamos interrompidas. No início de nossa
conversa/entrevista, retomei os objetivos do trabalho e expliquei o porquê de ter sido
44
Trecho extraído da entrevista concedida por Vera em jan. de 2012.
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uma das selecionadas, dizendo que havia sido pela escolha do título e conteúdo do
projeto de final do curso, em outubro de 2009: “Diferentes sim – mas iguais no respeito”.
Telma mostrou-se muito feliz em poder colaborar na pesquisa, dizendo que faria o
possível para contribuir no que estivesse a seu alcance. Todavia, em certos momentos,
demonstrou receio, silenciando ou desviando-se do tema. Esta mudança de atitude se
dava principalmente ao relatar algo sobre o desenvolvimento da sexualidade e sobre a
diversidade sexual. Como não foi possível concluir a entrevista naquele dia, a
retomamos e a concluímos no dia seguinte.
O tom vital de sua narrativa, sintetizado na expressão “aquele menino mais
‘delicadinho’ os outros não querem no time... As meninas parecem que são ditas ‘normais’...
mesmo as que são lésbicas, ‘camuflam’ muito bem...” (Informação verbal)45 foi escolhido
após leitura e releitura de sua narrativa, no momento da textualização, bem como após
nova análise do seu projeto didático46. Destacam-se no trabalho os objetivos propostos:
i. Apontar as diferenças biológicas entre os sexos masculino e
feminino;
ii. Ressaltar que as diferenças entre homens e mulheres não devem se
limitar apenas ao aspecto biológico, e que deve existir igualdade de
direitos entre ambos, independentemente de gênero, opção sexual;
iii. Estimular o respeito e a solidariedade sobre o que é ser homem e
ser mulher, gays, lésbicas, transexuais...”. (Professora Telma, 2009, p.
1 – grifos meus)
45
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em janeiro de 2012.
46 Disponível em: http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28/projeto. Acesso em 18 mar 2014.
47 Disponível em: http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28/memorial. Acesso em 18 mar 2014.
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106
Optei por grifar os termos por me parecer muito presentes nos comentários de
Telma. Tanto em seu memorial e no projeto didático, quanto em sua narrativa é possível
constatar, por um lado, certa prevalência da concepção binária em relação ao sexo e por
outro lado Telma destaca a importância de se respeitar as diferenças ao afirmar que não
concorda com as discriminações presentes na escola e na sociedade.
Assim como o poeta Carlos Drumond de Andrade (1998, p. 11) entende que “em
cada silêncio do corpo identifica-se a linha do sentido universal que a forma breve e
transitiva imprime a solene marca dos deuses e do sonho”, a busca pela compreensão de
sentidos e significados na narrativa de Telma, pôde ser realizada também pelos seus
silêncios e balbucios.
48
Trecho extraído do livro de Edgar Cesar Nolasco “Clarice Lispector: nas entrelinhas da escritura”. São
Paulo: Annablume, 2001, p. 70.
Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=4Zkfn0pB_YEC&printsec=frontcover&hl=pt-
BR#v=onepage&q&f=false Acesso em 13 mar 2015.
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jamais falavam, por exemplo, um palavrão perto dela, mas “longe sim!”, comentou
Fátima, sorrindo.
Jéssica chamou a atenção para o fato de que teve uma infância “muito
tranquila!”, ressaltando que em sua família não havia conflitos. Não havia muita
conversa e não eram tratados assuntos relacionados a sexo e sexualidade. Jéssica
lembrou que sua mãe falou apenas sobre menstruação. Com isso, quando menstruou
sabia o que estava acontecendo, entretanto chorou muito, pois imaginava que aquilo ia
se repetir todo mês, o que seria, segundo ela, um “transtorno”. Também disse que
quando adolescente, tanto seu pai, como sua mãe conversavam sobre o assunto e davam
exemplos de gravidez na adolescência, denominando-a de “coisas”. Para ela “havia na
família coisas que tinham acontecido, de gravidez na adolescência, que foram ruins para a
adolescente. Então, as demais famílias tinham que chegar e dizer: ‘São consequências de
atos impensados’” (Informação verbal)49.
Nesse relato, Jéssica enfatizou que a gravidez na adolescência é uma situação
ruim apenas para a menina. Em nenhum momento refere-se ao pai do bebê, o que
também denota uma divisão de papéis entre os sexos, pois em se tratando da gravidez,
esta é entendida como uma responsabilidade apenas da mulher.
Como forma de compreender e exemplificar a questão, busquei na página web
da CAPES, produções que tratam da gravidez na adolescência e que destacam a
paternidade adolescente. Foi quando constatei que são poucos os trabalhos que
discutem a problemática. Dentre estes, destaco Cabral (2000) por desenvolver um
estudo com jovens que haviam se tornado pais antes dos 20 anos, tendo como marco
teórico a discussão sobre gênero, classe e geração. Os resultados mostram similaridades
entre esses jovens no que tange à pouca escolaridade, à baixa inserção no mercado de
trabalho e às carreiras reprodutivas. Indica que a gravidez nas camadas populares
ocorre mais precocemente do que em outros estratos e, por ser um fenômeno frequente,
“acaba por ser visto de modo natural, num cenário que incita os homens ao exercício da
sexualidade, ao mesmo tempo que relega às mulheres a responsabilidade pela
contracepção” (CABRAL, 2000, p. 75).
Vera ressaltou que durante a infância tinha uma “vida normal, uma vida simples”.
Sublinha que seus pais eram “muito fechados, eles eram tradicionais” e quase não
conversavam. Sua mãe aconselhava e acompanhava as crianças, principalmente na
49
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em novembro de 2012.
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escola, enquanto seu pai, “não deu um conselho sequer”. Acreditava que a maior
dificuldade de sua mãe conversar com os filhos e filhas estava relacionada à sua baixa
escolaridade, pois estudou apenas os anos iniciais do Ensino fundamental. Em relação às
curiosidades voltadas à sexualidade, pondera que sua mãe até tentava responder
algumas questões, mas, dependendo da pergunta, dizia: “Deixa quando crescer mais,
vocês irão saber!” . Lembrou que nas poucas conversas na família, sua mãe falava apenas
sobre menstruação e higiene corporal durante o período.
Telma disse que embora sua mãe fosse muito companheira, não conversava
sobre qualquer assunto. Em sua narrativa, balbuciou, silenciou e não utilizou certas
palavras que acenavam para a sexualidade, referindo-se apenas ao tabu e termos
relacionados ao corpo feminino e à prevenção da gravidez, conforme se observa no
trecho a seguir:
“Por exemplo, questão assim de... a gente podia até conversar no contexto
geral...mas pro particular... já tinha aquele... tabu entende? Tipo assim:
até hoje, o que eu conversei com minha mãe, a gente nunca conversou
assim... a gente não conversava. Lembro que ela só conversou com a gente
sobre menstruação. Outros assuntos... assim... era um tabu. Até que se
podia falar no geral, tipo assim: a gente falava que fulano tinha
engravidado... essas coisas. Mas, para falar de nós mesmas, até mesmo de
anticoncepcional, essas coisas, era só com amigas mesmo... ” (Informação
verbal – grifos meus)50
50
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2012.
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nos oferece uma das mais importantes contribuições teóricas sobre o uso da categoria
gênero e mostra seu caráter instável e relacional, articulando-o ao poder. Como forma de
não caracterizar, de maneira biológica, as diferenciações sociais entre homens e
mulheres é que se estabelece o aporte conceitual de gênero. Este por sua vez é associado
como uma categoria relacional que dialoga diretamente com classe e raça, uma vez que
tais componentes seriam importantes para melhor definir histórias e trajetórias dos
sujeitos.
A maneira pela qual esta nova história iria, por sua vez, incluir a
experiência das mulheres e dela dar conta dependia da medida na qual o
gênero podia ser desenvolvido como uma categoria de análise. Aqui as
analogias com a classe e com a raça eram explícitas; de fato as
pesquisadoras feministas que tinham uma visão política mais global,
invocavam regularmente as três categorias como cruciais para a escrita
de uma nova história. (SCOTT, 1995, p. 73).
Novos caminhos para a história das mulheres puderam ser tensionados a partir
de então. No entanto, para além das problemáticas usuais deste termo (que não é nosso
foco de discussão nesta tese), uma das consagrações do uso de gênero pelas feministas e
na academia se dá pela conotação de construção cultural sendo “uma categoria social
imposta sobre o corpo sexuado” (ibid, p.75). Uma importante contribuição deste
trabalho foi a recusa do essencialismo biológico e da anatomia como destino.
Outro conceito também relevante para os estudos sobre as mulheres e gênero é
o de patriarcado (SAFFIOTI, 2004), a partir do qual são questionadas as desigualdades
entre homens e mulheres com base em contratos sexuais não assumidos na sociedade.
A suposta autoridade dos homens sobre as mulheres acabaria sendo compreendida na
história como um direito daqueles sobre estas e a base justificativa seria o direito dos
pais, isto é, a reprodução da noção de tutela segundo a qual mulheres (tidas como
incapazes) passariam da responsabilidade (civil, moral e econômica) de seus pais para a
do marido. O patriarcado, segundo Saffioti, também seria construído historicamente e
alvo de constantes transformações. “Não se trata de variáveis quantitativas,
mensuráveis, mas sim de determinações, de qualidades, que tornam a situação destas
mulheres muito mais complexa ” (p. 115).
A articulação entre produção/reprodução nos remete à opressão de gênero
confirmada nos relatos dos colaboradores/as, o que nos faz refletir, por exemplo, sobre
a divisão sexual do trabalho e a salientar as dimensões objetivas e subjetivas, individuais
e coletivas existentes nessas relações.
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114
Jónata, por exemplo, destaca que em sua família “seu pai era dominador” e sua
mãe aceitava essa “dominação”. Quando os filhos e filhas falavam alguma coisa “errada”,
ele repreendia oralmente, o que era suficiente para as crianças o atenderem. O mesmo
não ocorria em relação à sua mãe, visto que os filhos e as filhas não a atendiam, ainda
que fossem colocados de castigo, ou mesmo se levassem uma “surra”. Tais atitudes
denotam relação de poder e a dominação do patriarca da família.
Tal como outras mulheres, a mãe de Jónata demonstrava aceitar “a dominação”
de seu marido e suas consequências. Nesses casos as mulheres ainda contribuem para a
reprodução da dominação ao aceitarem as regras de um poder masculino que passa a
reger as suas vidas. Pensar em relações de gênero ajuda-nos a desvendar os mecanismos
sociais e de poder que constroem as diferenças, as desigualdades, a dominação, dentre
outras manifestações da violência simbólica.
Assim como esta forma de violência pôde ser constatada no relato de Jónata,
sendo sofrida por sua mãe, Elias e João também relataram tê-la vivenciada em suas
infâncias. É importante enfatizar que a conotação que deve ser dada ao adjetivo
simbólico, não pode simplesmente reduzi-lo ao oposto de real. Essa interpretação
restringiria a violência simbólica a uma violência puramente espiritual, ou seja, sem
efeitos ou marcas no corpo e na mente de quem a sofre. Também é sabido que qualquer
pessoa pode ser vítima de violência, porém é inegável que crianças e adolescentes são
mais vulneráveis51.
Elias, por exemplo, diz que quando criança, caso fizesse alguma coisa da qual
sua mãe não gostasse, apanhava, não importava onde estivesse. Repetiu o fato algumas
vezes, sustentando que no tempo da escola ficava muito envergonhado e humilhado.
Quanto ao seu pai, lembra que ele “largou” a família quando Elias tinha uns oito, nove
anos. Inúmeras vezes referiu-se ao fato de ter muita vergonha por seu pai ser “alcoólatra
e agressivo com sua mãe”. Disse também: “ele a espancava, não trabalhava e quando ia
para casa era para ‘encher o saco’ da mãe”. Daí seu desprezo pelo pai.
João comenta que sua mãe era uma mulher muito rígida, demonstra
ressentimento pela ausência de um pai, ou melhor, pelo desconhecimento de sua
51
Entre as formas de violência praticadas contra crianças e adolescentes Gomes e Fonseca (2005),
em seus estudos sobre a questão, destacam: violência física é quando causa dano físico, podendo
variar de lesão leve a consequências extremas como a morte; a violência é psicológica quando
produz um padrão de comportamento destrutivo, afetando a saúde mental; a violência sexual
envolve jogo, estimulação, contato ou envolvimento em atividades sexuais, em que crianças ou
adolescentes não compreendem e não consentem; dentre outras.
.
115
paternidade, pela falta de diálogo na família e devido às agressões sofridas por sua mãe,
tida por ele como uma “mulher carrasca” que não conversava e batia muito nos filhos e
filhas.
Dos relatos de Elias e de João, constata-se que ambos sofreram tanto a violência
física, quanto a psicológica. Elias vivenciou violências praticadas pelo pai, um homem
que era agressivo com sua mãe. O termo “vergonha” foi uma constante em sua narrativa.
João diz sentir-se “rejeitado” com a ausência de um pai, pela falta de diálogo na família e
com as agressões de sua mãe.
Em sendo a violência incorporada como habitus, sua manifestação é quase
inconsciente para os agressores e agressoras. O habitus alia as práticas sociais indicando
aos indivíduos as melhores respostas em relação às condições objetivas dadas. Assim, a
atitude violenta das mães de Elias e de João ao bater nos filhos e filhas acontecia de
forma não refletida, vista como atitude “normal”, em se tratando de educação.
Ao mencionar situações do convívio familiar, Elias lembra-se de sua mãe
protegendo mais as mulheres do que os homens:
“Para nós, homens, ela dizia: “te vira!” Com as mulheres era aquele
cuidado. Até nos serviços da casa, éramos nós homens quem fazíamos. Eu
tinha que lavar o banheiro, varrer a casa... varrer a escola de minha mãe,
que era dentro de nossa casa, lavar o banheiro da escola... enquanto que
as meninas só cozinhavam e mais nada. Elas só faziam o almoço!”
(Informação verbal – grifos meus)52
52
Trecho extraído da entrevista concedida por Elias em jul. de 2012.
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116
“Em minha família, diziam: ‘Isso é para menino! Isso é para menina!
Menino usa roupa azul! Menina usa roupa rosa!’. Os meninos colocavam o
lixo pra fora, as meninas enchiam as garrafas, as meninas lavavam as
calcinhas, enquanto os meninos não lavavam suas cuecas [...]“os meninos
eram mais soltos, mais livres. Assim, o tratamento dado às meninas e aos
meninos era “muito bem demarcado, bem diferenciado mesmo”
(Informação verbal)53.
“[...] eles não lavavam o tênis, não lavavam a louça... eram as meninas que
lavavam... eu não aceitava aquilo e sempre questionava... tudo era eu e
minha irmã quem fazia. Eu falava que eles tinham regalias” (Informação
verbal)54
53
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
54
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2013.
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117
55De acordo com Bourdieu (2010), as mulheres seriam desencorajadas (e também desencorajariam a si
mesmas) a tentar carreiras acadêmicas e profissionais tradicionalmente “masculinas” e mesmo a lutar por
um posto de trabalho mais alto, de comando, sendo estimuladas a abraçar os papéis de mãe e esposa e/ou
procurar carreiras que remetem a estes papéis de “reprodução” e de “cuidado” (como empregada
doméstica, enfermeira ou professora primária, por exemplo).
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118
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119
56
De modo geral, conceitua-se bullying como abuso de poder físico ou psicológico entre pares, envolvendo
dominação, prepotência, por um lado, e submissão, humilhação, conformismo e sentimento de impotência,
raiva e medo, por outro. As ações abrangem formas diversas, como colocar apelidos, humilhar,
discriminar, bater, roubar, aterrorizar, excluir, divulgar comentários maldosos, excluir socialmente, dentre
outros. O bullying homofóbico pode afetar qualquer pessoa independente de sua orientação sexual. Basta
quebrar os estereótipos de gênero de nossa cultura (BRASIL, 2010).
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120
gestos que irão marcar fortemente suas vidas, podendo, inclusive, “ter efeitos adversos
na saúde mental e psicológica dos jovens, o que por sua vez tem um impacto negativo na
sua educação” (UNESCO, 2013, p. 21). Mas, parece que isto não aconteceu com Jónata,
haja vista ele ter encontrado uma maneira de se defender usando “a tática57 de não
emprestar o caderno” (informação verbal) 58. Como ele era visto como “o nerd da sala de
aula”, muitos colegas pediam-lhe o caderno emprestado para copiar as respostas das
atividades. Embora esses mesmos colegas não aceitassem seu comportamento, levando-
os a praticar bullying, ao mesmo tempo, queriam tirar proveito da situação, copiando as
atividades prontas do seu caderno. Com isso, Jónata percebia ter um trunfo nas mãos e
realizava uma espécie de permuta: emprestava o caderno em troca da suposta amizade e
possibilidade de ganho, jogando constantemente para transformar o jogo, ou seja, as
ameaças sofridas.
Jónata percebia ter certo “poder” em relação aos colegas e utilizava-o como
forma de evitar ser constrangido e inibir as ameaças sofridas. Nesse contexto, a relação
entre habitus e prática se torna evidente porque ambos provocam e possibilitam
diferentes estratégias. O habitus expressa-se em diversas possibilidades de ação, é
inconsciente e configura-se seja no estilo de vida, nas ações desenvolvidas, nas maneiras
de ver e fazer as coisas, ou seja, desdobra-se nas ações. É através da prática que o
indivíduo aprende uma maneira de ser e de fazer, percebida como correta. Nesse
processo incorpora uma visão de mundo, um modo de ser e de fazer. Como Jónata vinha
desenvolvendo o hábito do estudo, mostrando-se aplicado na realização das atividades
propostas, detinha um lugar de prestígio e uma espécie de poder na instituição escolar e
entre seus colegas de classe.
Quando adolescente, já no Ensino Médio, Jónata começou a se interessar pelas
meninas, contudo percebia que desejava também os meninos. Isso o inquietava! Ele
comenta: “não era só olhar, olhava e sentia vontade de estar perto, de abraçar, de beijar...”.
Jónata diz que na época ninguém discutia a sexualidade, orientação sexual ou as
questões relacionadas a sexo. Parecia que “tudo era proibido”, lembra. Era proibido, por
57
Ao procurar as definições para o termo tática, optei e me inspirei no trabalho de Certeau (1998, pp. 46-
47). O autor estabelece uma diferença entre estratégia e tática. Enquanto a estratégia é um cálculo de
forças que se faz sobre um lugar, “capaz de ser circunscrito como um próprio”, e portanto visto com
exterioridade, a tática é um cálculo a ser feito sem distinguir o outro como uma totalidade visível, sem
contar com suas fronteiras. A estratégia domina o tempo. A tática, por sua vez, “depende do tempo,
vigiando para ‘captar no vôo’ possibilidades de ganho. O que ela ganha, ela não guarda. Tem
constantemente que jogar com os acontecimentos para transformá-los em ‘ocasiões’”.
58 Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
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121
exemplo, “as meninas brincarem com os meninos”. Os meninos entendiam que brincar
com as meninas era “algo inferior”. Questões de gênero e sexualidade não eram
percebidas ou eram ignoradas pelos professores e professoras.
Fátima conta que na escola a demarcação acontecia nas brincadeiras no recreio
e nas aulas de educação física, pois havia jogos para os meninos e jogos para as meninas.
Afirma que sempre ouvia frases como: “isso é típico do homem, o homem tem essa
capacidade, tem a inteligência maior do que a mulher”. Vera também lembra que nas
aulas de Educação Física, os professores costumavam separar os meninos das meninas e
comenta: “eles diziam que esporte tal, era mais pesado... Eu tinha vontade de jogar futebol,
por exemplo, mas não podia...”. É possível perceber que Vera não aceita esta “norma”
imposta pela escola e pela sociedade. Sabe-se que com essa forma de ensinar os/as
professores/as acabam por reforçar a ideia de que os meninos são mais fortes, velozes, e
as meninas/mulheres são o “sexo frágil”, confirmando a assimetria de gênero, com a
ideia de que os homens são superiores as mulheres.
Homens e mulheres estão incluídos no próprio objeto que se esforçam para
apreender, e incorporam, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de
apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina. Segundo Bourdieu (2010, p.
82), “a dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo
ser (esse) é um ser percebido (percipi) tem por efeito colocá-las em permanente estado
de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica” . É certo que homens e
mulheres são diferentes na estrutura corporal, no modo de agir, pensar, porém, um não
é melhor que o outro.
Ainda em relação às questões de gênero, cabe chamar a atenção para um outro
trecho na narrativa de Fátima: um episódio que aconteceu na primeira escola que
frequentou e que se refere à atitude de sua professora, uma “mulher muito autoritária e
extremamente difícil”:
“A minha mãe era quem fazia nossa farda. Uma blusinha branca com a
gravatinha azul por dentro, uma combinaçãozinha para não aparecer o
peito, a sainha plissadinha. Eu sempre fui pequenininha e as
perninhas grossinhas e mamãe fez a saia e ficou um pouco curta,
acima do joelho. Quando eu cheguei à escola e a professora me viu entrar
na sala com a saia curta, ela pegou e colocou o dedo na bainha para
descer o comprimento. Aquilo foi uma humilhação! Ela teve a ousadia de
fazer isso. Na escola tinha aquele curso de corte e costura para as
meninas, eu me negava a fazer o curso, eu queria fazer artesanato, mas a
professora me mandou para sala de corte e costura e eu fui, mas, em
prantos. Como eu não sabia fazer bainha, ela disse: “você só vai sair daqui
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122
quando aprender a fazer essa bainha”. E eu tive que ficar lá! Chorei muito,
mas, fiquei na sala. A professora de corte e costura era uma freira e
ela ficou muito sensibilizada com a situação. Embora não tenha
gostado, não disse nada. Ela usava o hábito todo preto comprido e aquele
paninho branco na cabeça...” (Informação verbal – Grifos meus)59.
Nos trechos dos relatos de Fátima e Jéssica grifei algumas palavras e termos que
podem demarcar a posição da menina e da mulher nas relações de gênero. Pretendi
enfatizar algumas profícuas questões:
a) O modo de falar com e sobre as crianças pode variar conforme o sexo. Em relação
à menina há, no vocabulário dos adultos, um uso exagerado de diminutivos, de
adjetivos e de palavras que expressam sentimentos e são percebidas como
relacionadas à mulher;
b) Na escola, a demarcação dos espaços e atividades para cada sexo. Dentre estas há
as que são entendidas como “próprias para a mulher”, como o curso de corte e
costura. Essa separação, conforme análises de Manuel (1996) se deu desde o
final do século XIX nas diferenças curriculares. Para os meninos, noções de
Geometria, Cálculo e Latim; para as meninas, bordado, costura e algumas vezes
música e etiqueta;
c) A vestimenta e o comportamento de meninas devem ser “recatados”. Sobre esta
questão, Silva, S. M. P., (2011) aponta que desde o início do Século XX, às meninas
cabia a educação dos bons modos e não a instrução, pois “a mulher na família era
59
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
60
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
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123
61
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima concedida em out. de 2012.
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124
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125
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126
63
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
64 Trecho extraído da entrevista concedida por João em jan. de 2012.
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127
celular, eram fotos reveladas mesmo. Ela era muito bonita... a gente já era
mocinha... eu lembro que... foi um bafafá na escola...” (Informação verbal –
grifos meus)65.
65
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2012.
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128
Além disso, a Igreja, através de seus dogmas, estabelece o que é “certo” e o que é
“pecado” em relação à sexualidade. As famílias que vivem sob os preceitos religiosos
tentam, de algum modo, inserir na educação dos filhos e filhas as normas impostas por
essas e outras instituições.
Com isso, as discussões sobre questões que envolvem identidades das pessoas e
suas práticas sexuais estão presentes no cotidiano, mas, são entendidas como restritas a
certos lugares e pessoas, devido a sua relação com mitos, tabus, crenças, cultura, dentre
outros. Em sala de aula, Vera ressaltou que no Ensino Fundamental...
“Os professores comentavam somente o que tinha na disciplina, no livro
didático e a gente percebia assim, que eles eram muito... tímidos para
falar a respeito do assunto. Às vezes a gente tinha curiosidade de
perguntar sobre algumas partes do corpo, às vezes eles sorriam, com
vergonha de falar. Eles eram tímidos, eles não tinham... aquela... Eu já
lembro dessa questão somente no ensino médio. Quando a gente chegou a
questionar algumas coisas com uma das professoras e era justamente pela
questão da timidez, ela não soube esclarecer direitinho, ela fugia assim do
assunto...” (Informação verbal – grifos meus)66.
66
Trecho extraído da entrevista concedida por Vera em jan. de 2013.
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129
Elias tentava evidenciar o jogo entre “normal” e “anormal”, o que faz operar a
separação, a exclusão, a interdição e a releitura. Sobre esta questão vale rememorar
Weeks (2003) quando examina as palavras, ou melhor, a linguagem, destacando
elementos da história da criação dos dois conceitos: heterossexual e homossexual.
Termos relativamente recentes, tendo sido usados e publicados, pela primeira vez em
1869, em manuscritos clandestinos dirigidos ao governo alemão, por um escritor austro-
húngaro, Karl Kertbeny (1824-1882). Esse documento visava combater o Código Penal
Prussiano que criminalizava esta prática sexual, argumentando que não se podia
criminalizar uma condição "inata" e "natural" compartilhada por muitos homens de
“bem” na história. Kertbeny era militante dos direitos humanos e esses termos foram
desenvolvidos para colocar na pauta política da Alemanha a questão da reforma sexual e
a revogação das leis que tratavam da sodomia. Weeks (2003, p. 62) ressalta que essas
ações:
[...] eram parte de uma campanha embrionária, subsequentemente
assumida pela disciplina da sexologia, então em desenvolvimento, de
definir a homossexualidade como uma forma distintiva de sexualidade:
como uma variante benigna, aos olhos dos reformadores, da potente,
mas impronunciada e mal definida noção de “sexualidade normal”
(aparentemente, outro conceito usado pela primeira vez por Kertbeny).
Até aqui, a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo biológico
tinha sido tratada sob a categoria geral de sodomia, a qual geralmente
era vista não como a atividade de um tipo particular de pessoa, mas
como potencial de toda natureza pecadora.
67
Trecho extraído da entrevista concedida por Elias em jul. de 2012.
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130
68
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
69 Trecho extraído da entrevista concedida por João em jan. de 2013.
70 Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2013.
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131
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132
crença religiosa e fazer dela uma orientação de vida, individual e coletiva, pode produzir
efeitos nas relações sociais e na construção de seu habitus. Conforme Setton (2009) a
disposição de cultura religiosa incorporada prematuramente (na socialização primária)
é passível de mudanças, é dinâmica e reitera a ideia de uma hibridização religiosa, no
sentido do indivíduo estar exposto a intercâmbios que permitem criar e reinventar as
suas próprias concepções. As palavras de Jónata confirmam:
“Eu me via em conflito para aceitar o conhecimento teórico, porque
existia algo mais forte em mim: o processo da inculcação religiosa que
me impossibilitava aceitar o que estava estudando sobre a sexualidade, a
homossexualidade, a bissexualidade, a transsexualidade [...]. Quanto mais
eu estudava, mas eu percebia que o conhecimento religioso era falho, que
não mais cabia eu aceitá-lo como o único conhecimento, pronto e
acabado. Eu passei a ver que esse conhecimento era uma imposição de
certas pessoas que queriam ver o mundo do jeito que elas queriam”
(informação verbal – grifos meus)71.
O caso de Elias é bem diferente do de Jónata, pois arrisca demonstrar seu “poder
de macho”, evidenciando, a todo momento, a diferença percebida entre ser homem, ser
mulher, ser de família. E nessa tentativa, deixa transparecer alguns preceitos religiosos.
Relembra quando tinha seus doze anos e sua turminha se juntava para ir ao cabaré da
cidade e sobre o episódio sentia-se orgulhoso:
“Vamos num cabaré!?”. Começou assim. Juntava um bando de “menino do
buchão”72 e íamos sozinhos, para o cabaré. Eu lembro que era horrível
[risos]. Primeiro, para agarrar uma mulher paguei o equivalente a um
salário mínimo de hoje. E eu não sabia nada... Paguei e fui comentar com
meus colegas que eu não sabia de nada e que fiquei assim ... [calou-se]. Aí
a mulher, a prostituta, ficou sabendo, foi bater na gente e botou todo
mundo para correr naquele dia. Hoje ela é mãe da família, evangélica,
eu a vejo na rua e acho que não se lembra de mim [risos]. Eram tantos
clientes ... e eu era só mais um “menino do buchão”. (Professor Elias –
grifos meus)
71
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
72Considerando que a palavra bucho se refere principalmente ao estômago de alguns animais, o termo
“menino do buchão” é utilizado, pelo dito popular, para referir-se ao menino pobre, que possui um
abdômen avantajado.
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133
acredita ser a diferença entre “sagrado” e “profano” e é provável que Elias perceba uma
“mulher de família” como aquela que se dedica à religião, ao marido e aos filhos/as.
Em relação à homossexualidade, Elias também comenta que depois do curso
GDE tenta trabalhar de forma que os alunos e alunas compreendam:
“[...] que nem todo mundo é igual a você e depois eu não aceito o
desrespeito porque a pessoa é gay ou bi. Antes eu só ria. Hoje eu não sou
contra e nem a favor. Eu só quero que não agridam, que deixem as pessoas
viverem como elas querem. Entendo que isso é pecado, mas eu não sou
Deus para condenar... hoje eu digo: “a vida é tua, tá feliz? Amém”. Nós
temos o livre arbítrio, eu não posso forçar ninguém a fazer nada, agora
preciso entender que não posso te agredir porque é uma pessoa
homossexual” (Informação verbal – grifos meus)73.
Tanto nas atividades realizadas durante o GDE, no ano de 2009, quanto em sua
narrativa na entrevista concedida em junho de 2012, Elias mostra um discurso religioso
voltado ao cristianismo. Alguns aspectos mencionados possibilita-nos reconhecer ações
e regras, muitas delas moralizantes e que foram impostas, principalmente, pelo campo
religioso. Retomo aqui outro trecho postado num Fórum do curso, quando ressalta:
A maior lição do cristianismo é o amor, infelizmente alguns pregadores
e líderes dessa religião esqueceram-se disso e perseguiram inclusive
outros cristãos por terem práticas de louvor e adoração diferentes das
suas. Não vejo no cristianismo nenhum empecilho para conviver com
respeito a quem quer que seja independente de sua religião e/ou
orientação sexual. Viver o cristianismo é uma escolha livre que se faz no
nosso país, aqueles que não aceitam os ensinamentos são livres para
professarem outra fé. Só é necessário sabermos viver, conviver e amar
ao próximo como a nós mesmos. (Professor Elias, GDE, AVA/UFMA,
2009)74.
73
Trecho extraído da entrevista concedida por Elias em jul. de 2012.
74Trecho extraído de um dos fóruns de discussão do curso GDE. Disponível em:
http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28. Acesso em 12 de out. 2012.
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134
75
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
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“[...] eu fico na dúvida: às vezes, acho que nasce...no meu ponto de vista a
pessoa já nasce. A pessoa já nasce... Eu acho que ela se conhece... elas se
conhecem...isso porque ela nasce... tem criança que a gente percebe e fala
do modo de se portar...de conversar, até de se vestir, a gente percebe
criança que já nasce com aquele estilo...Então, ela escolheu nascer
assim...não escolheu! Ela escolheu falar daquela forma? Também não
escolheu! No meu ponto de vista, já nasce assim... Tem um teólogo amigo
meu, um teólogo, conhecedor da bíblia... Eu tenho um amigo que é pastor
também, ele era padre e virou pastor, tenho amigo espírita, amigo
homossexual, amiga lésbica, eu tenho...e quando conversamos, eu falo
para eles o meu ponto de vista, eu penso que a pessoa já nasce. A pessoa já
nasce... E esse meu amigo teólogo falou: “Rapaz, eu também acho que sim
que nasce!” Agora o pastor se colocou: “não nasce, escolhe depois!”
(Informação verbal - grifos meus)76.
76
Trecho extraído da entrevista concedida por João em jan. de 2013.
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CAPÍTULO 3
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77 Werebe (1998) adota estes termos e defende que “a educação sexual intencional compreende as
intervenções deliberadas, sistemáticas, em geral regulares e planejadas, relativas ao domínio da vida
sexual. Essas intervenções podem se destinar a crianças, adolescentes e adultos e se realizam dentro e fora
do âmbito escolar” (p. 155). A educação sexual informal consiste num processo global, não intencional que
articula todas as ações exercidas no seu cotidiano. Acontece desde o seu nascimento, com repercussão
direta ou indireta sobre sua vida sexual.
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148
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149
78
No Brasil, a primeira publicação acerca da teorização queer voltada à Educação, foi publicada em 2004: “Um
corpo estranho – ensaios sobre sexualidade e teoria queer”, de Guacira Louro. Segundo Furlani (2005) esta
obra pode ser considerada a pioneira no assunto, por “institucionalizar” a temática, “mostrando como as questões
levantadas por essa teorização podem ser consideradas politicamente relevantes aos cursos de formação de
educadoras/es” (FURLANI, 2005, p. 231).
.
150
Tomo como ponto de partida da reflexão desta subseção, um trecho escrito por
Louro (1997b) no artigo intitulado “Gênero e Magistério: identidade, história,
representação” por compreender e ter percebido que alguns/mas dos/as professores/as
entrevistados/as ainda não se reconhecem na profissão, impedindo-nos, em certos
casos, de perceber quem são nos espaços em que atuam. A autora também nos adverte
que as teorizações construídas sobre o fazer educativo estabelecem uma representação
do que vem a ser um/a docente, contribuindo na constituição desse sujeito.
Sem pretender dar conta da multiplicidade das ações dos sujeitos que exercem a
atividade docente, sabe-se que suas práticas são diversificadas e fruto de suas inserções
em diferentes grupos sociais. Nos caminhos percorridos pelos colaboradores/as deste
estudo até chegar ao magistério, foi possível perceber que, na maioria dos casos, cursar
licenciatura não foi uma escolha. Em alguns deles houve imposição da família ou falta de
opção por outros cursos de graduação nos municípios de origem.
Elias, por exemplo, acredita que sua inserção na docência tenha se dado por
“acidente”, haja vista ter sido sua mãe quem fez a escolha, o matriculou e pagou o curso
de Ciência Ambiental iniciado numa faculdade particular. Portanto, teve que estudar o
que sua mãe escolheu, mesmo não gostando e não se identificando com o curso.
Inclusive, Elias lembra o fato de ser muito “perseguido pelos professores”. Conta que no
período em que foi reprovado (em 2005), sua mãe, que detinha certo poder político na
região, conseguiu sua transferência para uma universidade pública. Como forma de não
.
151
79
A UEMA, inicialmente em parceria com a Secretaria Estadual de Educação do Maranhão (SEDUC), cria,
em 1992, o Programa de Capacitação de Docentes do Estado do Maranhão (PROCAD). Em 1993, ocorre o
primeiro vestibular especial para os docentes efetivos nas redes de ensino estadual e municipal. Na época,
foram oferecidos os cursos de licenciatura em Pedagogia, Letras, História, Geografia e Ciências (com
habilitação em Matemática, Química, Física e Biologia). A partir de 1999, acontece uma reestruturação no
PROCAD, de modo que cada curso de licenciatura atualizou sua estrutura curricular e passou a ser
denominado Programa de Qualificação de Docentes (PQD), vigorando até o ano de 2007.
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152
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153
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154
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155
Por entender, conforme aponta Louro (1997b), que a instituição escolar exercia
e ainda exerce uma ação distintiva, inicio a reflexão desta subseção observando que a
formação docente deve concorrer para uma educação cuja prática pedagógica esteja
atrelada ao respeito às diferenças e à diversidade, e à diversidade de gênero e sexual.
Assim, faz-se necessário a reflexão sobre o papel desta instituição na formação docente e
sobre sua contribuição na difusão desses saberes.
Durante o curso de Pedagogia, Jéssica e Jónata relatam que não tiveram
oportunidade de estudar gênero e sexualidade. Viram de forma muito superficial, nos
estudos do desenvolvimento humano, as fases psicossexuais da criança nas teorias de
Sigmund Freud. No entanto, ambos comentam que reconhecem tais questões como
importantes e que devem ser trabalhadas nos cursos de formação docente. O professor
Jónata ressalta:
.
156
Sobre o caso apontado por Jónata, percebesse ser importante ouvir o que é dito
sobre os sujeitos, mas também o não-dito, quer seja porque os sujeitos não são ou
porque não podem ser associados aos atributos desejados pela sociedade. Quando diz,
por exemplo, que uma das professoras argumentou pela não aprovação da disciplina
Educação e Sexualidade por ser ele substituto e quando seu contrato terminasse, os/as
demais professores/as não teriam condições de trabalhar a temática. Jónata suspeita ser
este apenas um artifício utilizado para ocultar preconceitos e “questões religiosas”.
Segundo Jónata, na universidade, “o próprio professor não tem conhecimento
sobre tais assuntos e muitos ainda velam essas questões”. A academia, e especificamente
os cursos de formação docente, como o de Pedagogia, ainda demonstra ausência de
conhecimento sobre a sexualidade e o gênero. Com isso, muitos deles não discutem as
questões e nem mesmo aceitam incluí-las em seus currículos. Quando esta inclusão é
defendida por algum/a professor/a, como Jónata, é preciso travar uma espécie de
batalha, utilizando-se argumentos que por vezes podem chocar, mas que também são
oriundos dos saberes disciplinares.
Os cursos de formação docente que deveriam ser um lugar de construção do
saber, produzem, muitas vezes, o seu ocultamento, evidenciando também, negligência
em relação ao tema da diversidade de gênero e sexual. Um trecho da narrativa de Elias
pode ser elucidativo a propósito. Durante o curso de Ciências Biológicas houve um
Seminário sobre a homossexualidade cujo objetivo era perceber como e porque as
pessoas se tornam homossexuais. Neste Seminário, foram realizadas dramatizações
sobre a questão e a partir do que foi apresentado, Elias comenta:
82
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
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157
genética. Pode ser isso também... O afeminado que eu falo é pelo seu jeito
de se comportar... Eu tenho muitos alunos com jeito afeminado... e, quando
pergunto com quem você mora, eles dizem: ‘vovó, titia...’. Então eu acho
que isso influencia... Porque muitos não têm a figura do pai e isso conta
muito, especialmente naquela fase que ele está desenvolvendo sua
sexualidade. No caso das meninas, se elas não têm a mãe como referência,
ela será grosseira como o pai, ela vai ser bruta, do tipo que diz: ‘vou dar
porrada!’. Eu penso que isso interfere muito na sexualidade, na
orientação sexual.” (Informação verbal – grifos meus)83.
83
Trecho extraído da entrevista concedida por Elias em jul. de 2012.
84Assexualidade é uma das formas de manifestação da sexualidade humana basEaDa na falta de atração
sexual por pessoas. Essa é uma das definições mais bem aceitas da assexualidade, entretanto, ela não
abrange todas as pessoas que adotam este rótulo. Podemos dizer que esse conceito ainda está em
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158
construção e que ainda não há uma delimitação exata para toda a sua abrangência. Disponível em:
http://assexualidade.org/faq Acesso em: 18 mar 2015.
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159
“... são importantes. Eu já dei aula para o ensino médio e a gente vê alunos
leigos em relação a essas questões, então acho que deveria ter realmente
uma disciplina que trabalhasse vários conteúdos da sexualidade, pois isso
ajudaria muito! Hoje eu avalio que está faltando muita coisa na
formação dos professores em relação a gênero e sexualidade”.
(Professora Vera – grifos meus)
85
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
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160
86
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2013.
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161
voltam contra o uso da “linguagem não sexista”, integrante das preocupações com a
linguagem politicamente correta.
A utilização de linguagem sexista foi percebida nas narrativas de
colaboradores/as do estudo. Jéssica e Telma, por exemplo, utilizam apenas o masculino,
mesmo quando descreve algo sobre elas mesmas. E o professor Jónata, embora defenda
que sejam desenvolvidos trabalhos acerca das questões de gênero na escola, utiliza
apenas termos no masculino. Seguem-se alguns exemplos:
“[...] se não der para fazer bem feito eu não vou ficar tranquila... insisto até
conseguir... sou muito inquieta em tudo o que faço ... Então, lá na
universidade também fui do mesmo jeito. Então, não havia conflitos. Eu
não era esse tipo de aluno que teve muito conflito com o professor...”
(Informação verbal – grifo meu)87.
“[...] se o professor fosse mais bem preparado no curso dele, ele teria mais
embasamento, mais firmeza, mais segurança para tratar... porque não é
fácil...a gente sabe que não é fácil...é difícil... Eu acho que nós professores
ainda temos um longo caminho a percorrer, ainda tem muito o que ser
feito...” (Informação verbal – grifos meus)88.
87
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
88 Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2013.
89 Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
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162
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163
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164
90
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
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165
menstruando e não soube o que fazer. Então, pensou: “Comigo logo! O que eu vou fazer?”.
Contou o episódio a uma colega de trabalho e combinaram que ela iria dar uma aula
sobre o assunto para as meninas. Para isso, a turma foi dividida: os meninos ficariam
com Jónata e as meninas com a professora.
91
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
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166
Em seu comentário, não ficou claro o que quis dizer quando referiu-se à decisão
ou escolha da pessoa, mas é possível inferir tratar-se da orientação sexual do/a discente.
Jéssica enfatiza o papel da escola no combate aos preconceitos e discriminações e na
formação cidadã quanto ao respeito para com as diferenças e na orientação acerca da
prevenção, saúde e cuidado com o corpo. Nestes casos refere-se ao trabalho que vem
desenvolvendo nas escolas de Imperatriz, o projeto “Saúde e Prevenção nas Escolas”,
reforçando que um dos objetivos do projeto é combater “a perda de adolescentes por
conta da gravidez”. Esta perda alude ao aumento dos índices de evasão nas escolas pelas
meninas que engravidam.
Jéssica expõe que sua família é cristã e a sua concepção sobre educação sexual
fez-se a partir de princípios bíblicos, o que marca fortemente o significado de educação
sexual e de sexualidade. Tais questões também são apontadas por Furlani (2005)
quando salienta que no Brasil há uma forte atuação tanto das igrejas evangélicas como
de algumas vertentes que apelam para o fundamentalismo católico. As discussões em
torno da sexualidade são um ponto comum entre as diversas religiões, sempre no intuito
de estabelecer regras e controle, com maior intensidade em sua ação sobre os jovens,
mas não unicamente.
92
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
.
167
Ainda que de forma sutil, Fátima preocupava-se com o sofrimento das mulheres
nas obras literárias, dentre elas a poesia, o romance e outras expressões que exibem
personagens, características, valores e ideologias inscritos em contextos sociais e
históricos diferenciados. As estudiosas feministas demonstraram e denunciaram a
ausência feminina nas ciências, nas letras, na literatura e noutros espaços sociais. Elas
sempre estiveram centralmente preocupadas com as relações de poder, procurando
discutir as formas de silenciamento, submissão e opressão das mulheres. A exposição de
análises dessas situações parece ter sido essencial para torná-las visíveis.
A vitimização feminina e a concepção de um homem dominante versus a mulher
dominada, como se fosse a única fórmula possível, podem ser contestadas. Fátima
tentava, durante suas aulas, “tornar visível” aquela que foi ocultada durante séculos. Ela
expõe sua dúvida sobre as maneiras pelas quais as mulheres são apresentadas como as
sofredoras e como aquelas que se submetem aos caprichos dos homens, questionando e
buscando diferentes modos de problematizar essas ideias e práticas em suas aulas.
No que tange às práticas escolares concretizadas por Telma, ela diz que costuma
trabalhar a mulher na história. No ano anterior, por exemplo, solicitou que seus alunos e
alunas pesquisassem sobre a condição da mulher no período medieval e acerca da
mulher mulçumana, sugerindo que deviam analisar:
93
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
.
168
“[...] quando ela casava, quando ela deixava de... até os deuses que a
família dela cultuava, os que ela deixava de cultuar após o casamento. Os
que tinha que cultuar depois, ao pertencer à família do marido... e as
meninas disseram: “professora, mais isso era muito errado...” Eu disse:
“pois é, mais qual era o século? Era o século dezesseis, século quinze e
hoje?”. Então eu trazia para o hoje e elas diziam que não é mais assim.
Então, eu procuro sempre intercalar passado e presente, porque história,
não é só o passado. O hoje, como é que está a situação da mulher...
Também fizemos um trabalho sobre a mulher mulçumana, pois sabemos
que ela é muito...coitada eu digo assim...e eu procuro sempre trazer...”
(Informação verbal – grifos meus)94.
94
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2013.
95 O termo coitado/a no dicionário de língua portuguesa Caldas Aulete (2008) refere-se a uma pessoa
digna de pena. No entanto, devido a palavra coitada ser derivada e estar relacionada ao termo coito, há
quem diga haver uma conotação sexual e sirva para descrever uma pessoa que sofreu o coito, ou seja, uma
violação sexual. “A etimologia da palavra coitado não está em coito e sim no verbo arcaico "coitar", do
latim coctare, que significa desgraçar ou atormentar. Assim, um coitado é alguém que sofreu coita, ou
seja, uma desgraça, dor, pena ou aflição”.
Significado disponível em: http://www.significados.com.br/coitado/. Acesso em: 13-02-2015.
.
169
dois símbolos que distinguem essas mulheres e sugerem sua subordinação ao homem. A
subordinação é demonstrada e justificada pela lei, costumes e tradição. Há ainda uma
prática consolidada na Lei islâmica 96 que acontece em países de maioria muçulmana,
considerada abominável e severamente criticada no mundo inteiro, por ser contrária aos
Direitos Humanos: a mutilação da genitália da mulher. Uma das razões defendidas pela
Lei para que a mulher seja circuncisada é para “diminuir a sua luxúria” e “dosar os seus
desejos sexuais”. Assim, é possível inferir que Telma refere-se à mulher muçulmana
como uma coitada devido à sua subordinação ao homem, bem como por causa da
exigência da mutilação defendida pela Lei.
Tomando como base os relatos de Fátima e de Telma é possível perceber traços
da abordagem da educação sexual dos Direitos Humanos apontada por Furlani (2011).
Através da literatura, Fátima problematiza, explicita e tenta desconstruir representações
negativas socialmente impostas às mulheres, ressaltando ainda a importância de se
ouvir os/as jovens e a necessidade da escola ter um projeto para trabalhar o tema como
parte do currículo. Telma relaciona a mulher do passado com a da atualidade, refletindo
sobre as mudanças de padrões sociais. Para as duas professoras, as atividades que
desenvolvem em suas aulas poderiam ajudar na formação crítica de seus alunos e
alunas, tendo em vista que, provavelmente, dentro de suas casas, eles e elas não tenham
nenhuma orientação a esse respeito.
Relativamente ao tratamento dessas temáticas nas práticas escolares de Vera,
ela afirma não ter dificuldades. Diz que procura sempre se informar, pesquisar, ver
entrevistas de pessoas, principalmente as que tratam da sexualidade. Comenta que
procura criar atividades a partir das próprias experiências das/os discentes, trazendo o
cotidiano delas/es para a sala de aula e mais uma vez ressalta:
96Lei Islâmica traduzida por Calatrava Bansharia, do livro Sharia Law For The Non- Muslim, livro escrito
por Bill Warner e editado por CENTER FOR THE STUDY OF POLITICAL ISLAM, com permissão do autor.
Disponível em: http://infielatento.blogspot.com/2011/06/lei-islamica-sharia-para-os-nao.html. Acesso
em: 13-05-2015.
.
170
97
Trecho extraído da entrevista concedida por Vera em jan. de 2013.
98
Embora Vera tenha utilizado o termo abuso sexual, será considerado aqui o termo violência sexual.
Violência tem sua origem na palavra latina violentia, que significa constrangimento exercido sobre uma
pessoa para levá-la a praticar algo contra a sua vontade; pode ainda ser definido como constrangimento
físico ou moral; uso da força e coação (GABEL, 1997)
.
171
ameaças, então ela teve que voltar... Ela sofreu ameaças tanto do
padrasto, como da própria mãe, por que sua mãe parece que apoia o
companheiro. Infelizmente a mãe dela apoia... por isso é difícil! E eu
fiquei sabendo que continua... ela voltou pra casa... e creio que continua os
abusos... mas, eu não sei bem o que vem acontecendo agora... se ela
continua sendo acompanhada pelo Conselho Tutelar... Não sei!”
(Informação verbal – grifos meus)99.
99
Trecho extraído da entrevista concedida por Vera em jan. de 2013.
100 Pode-se também citar o estudo que apresenta o mapeamento de fatores de risco para abuso sexual
intrafamiliar identificados nos processos jurídicos sobre a violência sexual, no período entre 1992 e 1998.
A análise de 71 expedientes apresenta o perfil das vítimas e a caracterização da violência sexual, dos
agressores e das famílias. O mapeamento foi realizado por Koller et al, intitulado Abuso Sexual Infantil e
Dinâmica Familiar: Aspectos Observados em Processos Jurídicos e o artigo foi publicado na Revista
Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, Set-Dez 2005, Vol. 21 n. 3, pp. 341-348. Disponível em:
www.scielo.br
.
172
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173
dele”. Com essa concepção, Fátima defende a inserção das questões de gênero e
sexualidade no currículo escolar:
“Para isso teria que mudar o próprio currículo da escola, pois ele é muito
fechado. Quando eu digo currículo eu me refiro a tudo que tem que ser
dado. Por exemplo, Língua Portuguesa tem uma carga horária imensa!
Será que se diminuísse um pouco da carga horária e colocasse uma eletiva
como tem em algumas cidades, a exemplo dos Estados Unidos... onde o
aluno ou aluna poderia escolher... Por exemplo, ele ou ela teria tantas
disciplinas para escolher: química, física, teatro, teria não sei o quê...
Porque que no Brasil não pode ser assim? O aluno iria fazer sua
matrícula... Teria Português, Matemática, História e Geografia... Mas,
haveria cerca de cinco outras disciplinas, que seriam as eletivas... Assim
como há na Universidade. Assim, não seriam obrigatórias todas as
disciplinas... Mas, infelizmente, essa é a nossa formação de Colônia,
formação jesuíta que os Estados Unidos, por exemplo, não têm. Aqui, como
eu estava falando... Isso é bobagem! Eu tenho um conteúdo para cumprir...
eu tenho uma ementa... Professor de História, a mesma coisa, professor de
Química... Então, se pergunta: “Onde é que eu vou inserir isso?”. O
professor de Português e o professor de física não tem um conteúdo para
dar? Por que a essa altura... Bem! É possível tratar da igualdade, da
sexualidade em Matemática, em Ciência, em História... É como
trabalhar com educação especial, não basta só aprender, saber o que é
educação especial, mas sim estar sensível a questão da educação especial.
Eu acho que essa é uma questão de sensibilidade ou, uma questão de
desconhecimento” (Informação verbal - Grifos meus)101.
Fátima propõe que o/a docente tenha sensibilidade e trabalhe essas dimensões
em suas disciplinas. A partir de uma autonomia de atuação do/a professor/a, bem como
do suporte ofertado ao mesmo/a pela equipe diretiva e pedagógica da escola, será
possível definir o como, o quando e o porquê determinada temática será se trabalhará
com os/as alunos/as.
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174
reforça a teorização de que através da ética o ser humano pode desenvolver relações
justas e igualitárias, acima das diferenças.
A origem da palavra ética vem do grego ethos, que quer dizer o modo de ser, o
caráter. Os romanos traduziram o ethos grego, para o latim mos (ou no plural mores),
que quer dizer costume, de onde vem a palavra moral. Portanto, ética e moral, pela
própria etimologia, dizem respeito a uma realidade humana que é construída histórica e
socialmente a partir das relações coletivas dos seres humanos nas sociedades onde
nascem e vivem (ABBAGNANO, 2007).
A origem da palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade.
Segundo Dallari (1998, p. 14): “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à
pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem
não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de
decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social".
Nesse sentido, a cidadania não deveria ser apenas uma simples disciplina a mais
a ser ensinada. As disciplinas tradicionais não conseguiam desempenhar o papel de
formar para o exercício da cidadania. A transversalidade indica um método, um caminho
a ser adotado para se trabalhar a cidadania na escola: “A transversalidade diz respeito a
possibilidade de se estabelecer na prática educativa, uma relação entre aprender na
realidade e da realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender
sobre a realidade) e as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade)”
(BRASIL, 2000, p. 40).
Na justificativa dos temas transversais, propostos pelos PCN’s em 1997, a
educação para a cidadania fica ainda mais clara quando se lê: “Eleger a cidadania como
eixo vertebrador da educação escolar, o que implica colocar-se explicitamente contra
valores e práticas sociais que desrespeitem aqueles princípios, comprometendo-se com
as perspectivas e decisões que os favoreçam” (BRASIL, 2000, p. 25). Em sendo a
cidadania o eixo vertebrador, significa então que toda a escola deve pautar-se por este
eixo, ou melhor, deve ser pensada e reestruturada em função da cidadania do/a
discente, educando-o para o seu exercício.
Os PCN’s definem seis temas transversais a serem trabalhados no ensino
fundamental, a saber: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação
Sexual, Trabalho e Consumo. Não se trata de novas matérias inseridas na grade
.
175
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176
currículo escolar noções básicas de direitos e deveres, valores e atitudes, e essa tarefa
seria de competência da disciplina Ética e Cidadania. Na época, a relatora, deputada
Esther Grossi do Partido dos Trabalhadores – PT/RS, apresentou parecer contrário,
sendo acompanhado pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto. Com isso, o projeto
foi arquivado.
Em junho de 2000, novo projeto foi apresentado à Câmara de Deputados, de
autoria do deputado Chico Sardelli do PFL de São Paulo. Previa a inclusão de um
componente curricular obrigatório Ética, Moral e Civismo, com o objetivo de promover
sistematicamente o desenvolvimento do educando. E mais uma vez obteve parecer
contrário da relatora, deputada Marisa Serrano (Partido da Social Democracia Brasileira
– PSDB/MS), aprovado por unanimidade, sendo o projeto arquivado em 31 de janeiro de
2007. Ainda no ano 2000, outro Projeto de Lei, de autoria do deputado Fernando Zuppo
do Partido Democrático Trabalhista – PDT – de São Paulo, foi apresentado ao Congresso
cuja proposta era incluir, nos currículos escolares do ensino fundamental ao superior, o
ensino da ética e da cidadania como parte de seus conteúdos. O mesmo também obteve
parecer contrário e foi arquivado. Além desses três projetos, entre os anos de 1997 e
2006, outras proposições foram feitas por congressistas que procuravam reintroduzir
nas escolas o estudo da educação moral e do civismo, ou introduzir disciplina que
contemplasse a ética e cidadania, em busca do retomada de valores supostamente
perdidos pela sociedade, conforme pesquisa realizada por Amaral (2007) e sintetizada
no quadro a seguir.
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177
Vale ressaltar que tais proposições não foram aprovadas pelo Congresso
Nacional. Além desses Projetos de Lei, o MEC, em parceria com Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República, lançou em 2004, o Programa de
Desenvolvimento Profissional Continuado Ética e cidadania: construindo valores na
escola e na sociedade. Esta iniciativa se deu por entender que é dever da escola ensinar e
agir fundamentada nos princípios da democracia, da ética, da responsabilidade social, do
interesse coletivo, da identidade nacional e da própria condição humana (BRASIL,
2003). Para isso, busca desenvolver ações visando a atingir dois objetivos:
a) compreender os fundamentos da ética e da moralidade e como seus
princípios e normas podem ser trabalhados no cotidiano das escolas e
da comunidade;
b) compreender e introduzir no dia-a-dia das escolas o trabalho
sistemático e intencional sobre valores desejados por nossa sociedade
(op cit, p. 8).
102Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5268:&catid=202&Itemid=86.
Acesso em 09 nov. 2015.
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179
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180
Vera menciona que vivenciou “uma situação, em que um menino foi alvo de
gozações por não apresentar um comportamento... digamos assim ... próprio para seu sexo
e aquilo era motivo de gozação, ele sofreu bullying por isso.”. Naquele momento, os
professores de sua escola se reuniram para ver o que poderia ser feito e optaram pelo
diálogo. Vera destaca que diminuíram as gozações.
Da mesma forma, João ressalta:
“Eu me deparei com situações lá que... alguns meninos que tinham um
jeitinho... assim... Um jeitinho de... sei lá...de homossexual e que os outros
colegas gozavam... Então, em alguns momentos eu falava: ‘por favor não
falem isso pois vai desconcentrar ele; ele quer estudar, por favor deixem
ele estudar...’. E eles diziam: ‘Mas, professor ele tem um jeitinho meigo...
acho que ele é...’. Naquele momento eu até brinquei, dizendo: “eu também
sou! ”. Mas, eu sempre evitava tocar no assunto, porque eu não conhecia, a
minha instrução foi pouca... estava recente na Pedagogia e entrei no PET
para dar aula também... Então, eu tentava respeitar e sempre exigia o
respeito dos colegas” (Informação verbal - Grifos meus)103.
Jéssica comenta, com certa preocupação, que quando atuava como professora
no ensino fundamental, teve um aluno e uma aluna que ...
“[...] apresentavam comportamentos que não eram próprios para seus
sexos, conforme esperado pela sociedade. O menino... assim... que a
sociedade diz, mas eu... sinceramente eu não conseguia ver dessa forma,
vai muito da relação que a criança tem em casa, de com quem que ela
brinca e tal...”. Também tinha uma aluna que parecia um menino, por
ela ser valente, por ela em qualquer situação querer tomar o
partido, ela queria ser a “mão de ferro” mesmo, de resolver tudo do
jeito dela e era mesmo tosco... As pessoas diziam: “Essa menina é meio
machão! ”. Ela é esquentada como tem gente que é ... Eu achava que esse
comportamento poderia ser reflexo... sei lá! De repente, da mãe, do pai
ou... ela em casa poderia ter alguém que enchia sua paciência... e ela
demonstrava aquele reflexo... mas, eu não via como atitude de... pude
presenciar situações de bullying mesmo, com provocação, piadinhas...
chacotas...com os colegas. Essas ações são coisas corriqueiras do dia–a–
dia... Eles chamam de vEaDo mesmo! Ou, ficam chamando de
menininha” (Grifos meus).
103
Trecho extraído da entrevista concedida por João em jan. de 2013.
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181
104
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2013.
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182
“Olha! Eu não sei se a escola fazia vista grossa como se aquilo não
existisse, pois não tomava partido. Ela não trabalhava essas questões e
aquilo me incomodava bastante. Eu vi inclusive casos de violência que
me incomodaram muito, mas a escola não tomava partido. Cheguei a
conversar com a coordenação sobre o caso. Mas, me foi dito: “vamos fazer
o quê? ”. Como se diz: “isso não é problema meu! ”E isso me incomodava,
inclusive porque na escola havia uma diretora e um diretor que eram
gays” (Informação verbal – grifos meus)105.
Sobre os comportamentos considerados “culturalmente adequados” em relação
ao seu sexo, Jónata comenta que vivenciou algumas situações que o deixaram indignado:
“No início eu velava. Não dava atenção. Até porque não sabia como fazer,
só quando trabalhei no Ensino Médio, quando eles queriam me atingir,
pessoalmente [...] eu me senti irritado. Por duas vezes eu falei sobre isso:
uma vez foi com uma colega na sala dos professores, quando ela chegou
dizendo: “vocês viram o fulano? Hoje ela está pior do que antes. Está até
com roupa feminina!”. Aí eu me irritei e disse: ‘o quê que tem isso? Vocês
são professoras, deviam fazer diferente! Mas, estão sendo
preconceituosas!’” (Informação verbal - Grifos meus)106.
105
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
106 Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
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183
CAPÍTULO 4
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184
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185
Tomo essas palavras de Bourdieu como forma de tentar explicar que devido ao
fato do campo político ser também um campo de lutas e de forças, é sempre necessário
conhecer os objetos dessas lutas e os dispositivos e instrumentos mediante os quais elas
se realizam. Porque o campo político não é um “império”, quando se observa a presença
das questões dos gêneros e das sexualidades nas políticas educacionais é preciso
observar também que sua inserção se deu, em especial, devido às lutas e às pressões de
movimentos sociais como os movimentos de mulheres e os movimentos feministas. A
partir dessas lutas, tais questões começam a ganhar visibilidade tanto no campo político,
no campo educacional como no campo científico, especialmente nas ciências sociais e
humanas. Com isto, também entendo que se faz necessário e urgente incrementar a
produção de conhecimentos acerca de experiências educativas, endereçadas à
construção de alternativas éticas, epistemológicas e pedagógicas que promovam
mudanças de atitudes, na desconstrução de preconceitos e estereótipos que negam
direitos humanos e sociais fundamentais.
Seguem-se considerações sobre a questão da formação continuada em gênero e
diversidade na escola, tal como se configurou no GDE, sendo este fruto de uma política
pública educacional, advinda das lutas de movimentos sociais, que visou proporcionar
aos professores/as subsídios para que pudessem compreender, posicionar-se e abordar
questões voltadas às diversidades, dentre elas as de gênero e sexual, buscando o
reconhecimento e o respeito sociocultural e sexual dos sujeitos. O presente capítulo
objetiva reconhecer os subsídios deste curso, ofertado na UFMA, no caminho percorrido
pelos/as colaboradores/as deste estudo. Para isso, é cabível um breve histórico da
criação do curso e de sua oferta nas instituições de ensino superior (IES), destacando-se
a iniciativa da SECAD (atual SECADI) e da SPM em sua organização, apresentar a
configuração de cada módulo, com seus objetivos e conteúdos e retomar alguns dos
desafios enfrentados e conquistas efetivadas pela equipe integrante do trabalho
pedagógico na UFMA, além de retomar afirmações de tutoras e de cursistas dos anos
.
186
Inicio esta subseção ressaltando que a LDB de 1996 propõe em seu artigo 80 o
desenvolvimento do ensino a distância nos diferentes níveis e modalidades do sistema
escolar, bem como na formação continuada, devido propiciar atendimento a um grande
número de pessoas, sendo assinalada como um dos instrumentos para atender às
exigências em relação à formação de professores/as. No mesmo ano foi criada a
Secretaria de Educação a Distância (SEED). Sua criação no MEC permitiu que o
ministério atuasse como um agente de inovação tecnológica nos processos de ensino e
aprendizagem, fomentando a incorporação das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e dos métodos didático-pedagógicos e técnicas de ensino a distância.
Embora esta proposta tenha encontrado resistências, as bases legais para esta
modalidade foram estabelecidas na LDB, sendo regulamentadas no Decreto 5.622, no
ano de 2005. Neste decreto, o conceito de Educação a Distância no Brasil é assim
definido:
[...] caracteriza-se a Educação a Distância como modalidade
educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos
de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e
tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e
professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou
tempos diversos (BRASIL, 2005).
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187
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188
108
O British Council é uma instituição pública do Reino Unido, um instituto cultural cuja missão é difundir
o conhecimento da língua inglesa e sua cultura mediante a formação e outras atividades educativas.
Promovem cooperação entre o Reino Unido e o Brasil nas áreas de língua inglesa, artes, esporte e
educação. Maiores informações em: http://www.britishcouncil.org.br/.
109 O CLAM, criado no ano de 2002, enquanto um projeto vinculado ao Programa de Estudos e Pesquisas
em Gênero, Sexualidade e Saúde do Instituto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro – UFRJ. O Centro foi criado com os objetivos de elaboração e implementação de conhecimento
relacionado a sexualidade, dentro da perspectiva dos direitos humanos. Tem como característica, o
diálogo entre academia, movimentos sociais e responsáveis pelas políticas públicas, com a coordenação de
atividades nas regiões do Brasil, Argentina, Chile, Peru e Colômbia, com a integração a outros centros
localizados nos continentes asiático, africano e nos Estados Unidos.
Há maiores informações sobre o Centro no link
http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=65&sid=123 .
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189
20000
Quantidade de Cursistas
15000 15000
15000 13340
10000
5000 865
0
Piloto-2006 2008 2009 2010
.
190
Fonte: Coordenação Geral de Direitos Humanos e Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos
e Cidadania da SECADI/MEC, Brasília, 2013.
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191
Fonte: Coordenação Geral de Direitos Humanos e Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos
e Cidadania da SECADI/MEC, Brasília, 2013.
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192
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193
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194
110No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros) se enquadra a sensibilização da população de modo geral para as
formas de discriminação por orientação sexual, que têm levado estudantes a abandonarem a escola por
não suportarem o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças cotidianas dentro e fora dos muros
escolares. Esses mesmos movimentos têm apontado a urgência de inclusão no currículo escolar, da
diversidade de orientação sexual, como forma de superação de preconceitos e enfrentamento da
homofobia (GDE, 2009, p. 35).
111 Atividades síncronas permitem que professor/a, aluno/a e outros/as participantes interajam em
tempo real, como os chats e as videoconferências. As assíncronas dispensam a participação simultânea,
não são realizadas em tempo real. Dentre estas atividades, as mais utilizadas no GDE/UFMA são os fóruns
e as tarefas como o memorial e o projeto de intervenção.
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195
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196
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197
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198
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199
fóruns, chats, diários, ou seja, por diferentes formas de interação. Para maior
entendimento da dinâmica do GDE na UFMA, apresento a seguir um organograma que
demonstra a organização das atividades on line e presenciais.
Entendo que o ensino a distância exige uma escolha cautelosa das ferramentas a
serem usadas e das estratégias pedagógicas a serem desenvolvidas para que o aprendiz
possa interagir com o conhecimento, adquirir autonomia e, sobretudo saber
problematizar e contextualizar o saber. Partindo desse princípio, a internet mostra-se
como um fértil ambiente de aprendizagem, fornecendo recursos suficientes para
transformar o ensino não presencial, tais como bate-papo, vídeos, animações,
simulações e fóruns de discussão on-line. Esses recursos ampliam as possibilidades de
aquisição e interação com o conhecimento. Entretanto, muitos de nossos/as cursistas
ainda não têm essa compreensão e acabam deixando as atividades do curso num
“segundo plano”, sem realizá-las nos prazos estipulados, enviando textos copiados da
Internet (plágio) dentre outros aspectos observados no decorrer do curso e enfatizados
nas mensagens enviadas pelas tutoras.
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200
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201
CLAM e disponibilizado em CD, nos anos de 2009 e 2010. Na última oferta do Curso
(2014), o mesmo foi disponível apenas online, sendo que as dúvidas quanto à sua
utilização puderam ser esclarecidas no Seminário Inaugural do Curso e pelas tutorias a
distância e presencial nos municípios durante todo o processo.
Como já se afirmou, dentre as atividades propostas pelos/as professores/as
pesquisadores/as, têm-se os fóruns de discussão. O Fórum é, depois do e-mail, um
recurso bastante utilizado em ambientes virtuais de aprendizagem, simulando
conversas presenciais, nas quais cada comentário vai se aninhando aos demais,
possibilitando uma conversa coletiva, um elo de pensamento, em que cada fio da rede é
tecido por diversas mãos. O fórum de discussão on-line é considerado parte importante
do AVA, pois permite uma navegação hipertextual, agregando múltiplos recursos e
ferramentas de comunicação em tempo real ou de maneira assíncrona (BASTOS et al.,
2005) e uma proposta pedagógica que pode facilitar a organização e construção do
conhecimento pelo aprendiz.
Na maioria das vezes as questões elaboradas para discussão partem de
proposições dos/as professores/as. Discutem-se através do fórum os conteúdos
estudados, entretanto penso que deveria existir maior investimento na autonomia da
aprendizagem com os/as cursistas, fazendo propostas de tópicos relacionando-os com o
tema em estudo e trazendo contribuições de sites, links e acesso a blogs que pudessem
fortalecer a discussão do grupo. Isto por entender que este recurso deve se configurar
em estratégias promotoras de uma discussão mais ampla, com os/as participantes
estabelecendo diálogos e trocas de saberes.
Nos fóruns, o/a aprendiz pode comparar suas ideias com as dos/as colegas,
enriquecendo-as sem perder de vista o objetivo comum do módulo. O processo, inclusive
o pensamento crítico, o trabalho de construção coletiva e espontânea do conhecimento
gera a produção de novos conhecimentos, mediante um processo relacional. É possível
observar que a participação dos/as cursistas nos fóruns de discussão pode ser
estimulada desde a construção da proposta pelo/a professor/a pesquisador/a até a
dinâmica de interação da tutora, promovendo aspectos de desenvolvimento da
criticidade, conforme exemplo apresentado a seguir.
.
202
Sim, desde que nascemos somos conduzidos a aceitar os costumes já estabelecidos pela escola e
família. Ao nascermos já somos colocados em um ambiente que irá cobrar atitudes e
comportamentos “condizentes” com o nosso sexo biológico. Na família quando nasce uma
menina o quarto é cor-de-rosa com várias bonecas, as atividades propostas são mais de cuidados
domésticos, as orientações para escolha de profissão são direcionadas às atividades de cuidados
pessoais; quando é um menino o quarto provavelmente é azul e com vários carrinhos, bolas de
futebol e jogos eletrônicos, as atividades dirigidas são mais no espaço público e o mesmo
receberá orientações para a escolha de profissões mais técnicas. A escola também dá sua
contribuição na construção dessas diferenças, reforçando o aprendido na família, orientando
profissionalmente até mesmo nas organizações de festas e eventos em que as meninas e os
meninos têm responsabilidades distintas, enquanto elas se responsabilizam pela organização
interna, decoração... Eles cuidam da parte financeira, da estrutura do evento... Quando há algum
destes que se identificam com as atividades do outro grupo é facilmente questionado e criticado
pelos companheiro/as. Para que se consiga mudar estas atitudes é preciso um trabalho de
conscientização, de crítica, de questionamentos desses padrões pré-estabelecidos e a adoção de
práticas sociais, em que se respeitem os diversos gêneros.
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203
Para a escrita do memorial, cada cursista deve rever, refletir e avaliar sua
trajetória no curso identificando se as leituras feitas influenciaram seu modo de ver
determinados fatos, atitudes e comportamentos e se chegaram a perceber alterações em
si. Após essa reflexão o/a cursista deve descrever as formas pelas quais os conteúdos
estudados interferiram ou não, em sua prática pedagógica, destacando fatos
significativos ocorridos na família, na escola, no grupo de amigos/as e que tenham
relação com os temas estudados. Deve identificar o que gostou, o que não gostou, os
pontos positivos e negativos, críticas e sugestões para que melhore o curso.
Tomando como base alguns depoimentos dos memoriais dos/as cursistas,
constatamos que boa parte registrou que um dos maiores desafios consistia em refletir
os “preconceitos” trazidos de casa. Alguns/mas cursistas explicaram, sistematicamente,
em seus memoriais, a contribuição do curso, como por exemplo no seguinte trecho do
memorial de Telma:
2015.
.
204
previstas num tempo determinado (início, meio e fim), com recursos limitados e sob
constante avaliação. Para empreender um projeto de intervenção é fundamental estar
convicto da necessidade de mudança, motivado pela relevância do tema, pelas ações a
serem implementadas e pelo desafio de levar a termo a proposta que se pretende
empreender. É também essencial estar preparado/a para convencer os outros atores e
atrizes de que o problema existe, elucidando situações reais nas quais ele se manifesta e
constituindo assim uma situação-problema. Esta situação é o foco da intervenção, uma
delimitação capaz de modificar uma realidade que é complexa, numa situação
simplificada e com a qual conseguimos lidar.
Em conversa com as tutoras, num dos encontros de formação, soube-se que a
princípio o curso foi recebido com muita empolgação e que a maioria dos/as cursistas
mostrou-se interessada/o pelos temas abordados, sobretudo por se tratar de temas
novos para discussão no ambiente escolar. No relatório final do curso (SILVA, 2010), há
alguns depoimentos das tutoras, dentre estes o da tutora Neuzanil Filgueiras que
pondera: “a discussão varia conforme o entendimento prévio do cursista em sua
militância, problemática em sala de aula ou, até mesmo, por ter desconhecimento do
assunto” (p. 16). Para as demais tutoras, os temas que suscitaram maior esforço foram a
orientação sexual e sexualidade, pois além de não serem bem esclarecidos no ambiente
escolar são sempre permEaDos por uma gama de preconceitos que os inibe de
desenvolver uma discussão no AVA ou mesmo de tirar dúvidas. Prevalecem muitas
vezes, posturas tradicionalistas e impostas pela moral e costumes da família, da
sociedade ou da religião.
Dentre as dificuldades mencionadas nos relatórios individuais das tutoras, estão
o acesso à internet e problemas em relação ao AVA/UFMA que, por vezes, saía do ar,
sistema lento ou impossibilidade de conexão. Para os que iniciavam seu processo de
informação tecnológica, o começo do curso foi ainda mais complicado pela dificuldade
nos acessos, nas postagens e na participação nos fóruns. Alguns levavam a atividade
manuscrita nos encontros presenciais com a tutora nos Polos, para que a referida
atividade fosse digitada e postada pela própria tutora no AVA.
Mas tanto os/as cursistas concluintes quanto as tutoras ressaltaram os
inúmeros conhecimentos adquiridos com o GDE. Como exemplo, a tutora Raquel Bonfim
disse: “Acrescente-se também os conhecimentos que adquiri sobre sexualidade, pois os
que tinha era em nível de senso comum e os estudos promovidos pelos/as
.
205
113
Trecho memorial do GDE disponível em: http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28-
memorial . Acesso em: 8 maio 2012.
114 Trecho memorial do GDE disponível em: http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=21 . Acesso
.
206
Desde a realização das entrevistas com esses dois professores, foi possível
perceber certas inconsistências nessas afirmações devido a pensar que ao elaborarem
um texto alusivo a um dos instrumentos avaliativos do curso, registram aquilo que
traduz o que foi estudado pois eles supõem que assim contribuem para uma “boa nota” e
consequente aprovação. No entanto, comprova-se que muitas de suas atitudes
permanecem balizadas pelo que foi apreendido na socialização primária na família, na
escola e na igreja. Embora ambos tenham deixado claro, em seus relatos, a importância
do respeito ao outro, notou-se que suas concepções estão relacionadas, especialmente, à
ideologia da igreja evangélica que frequentam.
Das maiores dificuldades encontradas durante o curso, sem dúvida, a maior
refere-se à efetiva participação dos/as cursistas, tanto nas atividades on line, quanto nas
presenciais. Para evitar e diminuir a evasão, algumas providências foram tomadas e
constam no relatório (SILVA, 2010, p. 23):
No momento em que foi identificada a ausência de cursistas no
ambiente, foram enviadas mensagens tanto pelas tutoras on line, quanto
pela coordenação do Curso, através do Ambiente Virtual de
Aprendizagem – AVA/Moodle e pelos seus e-mails.
Foram realizados diversos contatos por telefone com mensagens de
otimismo, destaque sobre a importância do Curso e a necessidade de
darem continuidade ao mesmo, dentre outras questões.
.
207
115
Trecho de depoimento verbal de uma das coordenadoras do GDE participante do Seminário GDE+5 em
jan. de 2010.
116 Trecho memorial do GDE disponível em: http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=21 . Acesso
.
208
“No ano seguinte minha sala ficou quase cheia de meninos e meninas
porque as mães viram o desenvolvimento de meus alunos do ano anterior
e ficaram ‘espantadas’. Elas diziam: “como ele conseguiu fazer isso?”. Mas,
durante os quatro anos que trabalhei nessa escola os pais me viam de
maneira preconceituosa. Perguntavam: “Por que será que ele tá dando
aula na pré-escola? Será que ele é homossexual?”. Até as colegas
também me rejeitavam, porque eu não tinha os tratos que elas tinham na
sala de aula. Elas diziam que era o jeito de se trabalhar na Educação
Infantil: cortar papel, desenhar, fazer coisas pequeninas. Mas, eu me vi
.
209
Sobre o que aprenderam com o GDE, Jónata diz que se identificou tanto com as
questões que tratavam das relações sociais de gênero, quanto com as que tratavam da
sexualidade. Após o ingresso no curso, escreveu um artigo sobre a desmistificação do
homem na pré-escola e o apresentou em um colóquio sobre Gênero em Imperatriz.
Chegou a conceder uma entrevista para o jornal da cidade sobre seu estudo.
Quanto às questões voltadas à sexualidade, Jónata enfatiza que se identificou
por “um bem pessoal” pois, após os estudos, conseguiu perceber sua “bissexualidade”,
enfatizando: “sabia que tinha algo diferente em mim, mas não sabia o nome que iria dar
para isso”. Acrescenta que o aprofundamento do estudo sobre orientação sexual clareou
suas ideias, dando-lhe forças para entender os conceitos, os sentimentos e a diversidade
presente na sociedade, especialmente a sexual.
Considera duas ocasiões significativas: a primeira foi a “oficina” realizada
durante um dos encontros presenciais, com a professora que tratou sobre gênero e
sexualidade. Realizou algumas atividades bem expressivas e que podiam ser replicadas
com os alunos e alunas nas escolas. A outra situação aconteceu no auditório, no
encerramento do curso, momento em que os/as cursistas puderam expressar suas
opiniões, apresentar suas experiências e fazer outras discussões. No momento das
atividades on line, no Ambiente Virtual, havia poucos comentários e debates, segundo
ele. Parecia que os/as cursistas postavam alguma coisa só para dizer que fizeram a
117
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
.
210
tarefa, pois a maioria não comentava o que os/as colegas escreviam nos fóruns, por
exemplo.
No conjunto das temáticas estudadas, Jéssica e Fátima afirmam que mais se
identificaram com “Gênero”, por acrescentar termos teóricos ao que compreendiam
apenas pelo senso comum, ressalta Fátima. Avalia que com o curso pode se apropriar e
esclarecer algumas dúvidas conceituais, além de repensar a própria prática em sala de
aula. Conta que ficava imaginando como iria trabalhar, era como se estivesse “pisando
em ovos, porque uma coisa é ter na escola uma equipe que te ajuda, outra coisa é trabalhar
sozinha... tem determinadas categorias que são marcadas pelo preconceito. E gênero é
uma delas”. Além disso afirma que as convicções que possui hoje vieram tanto do GDE
quanto do doutorado que realizava na Espanha. Comenta que aprendeu a respeitar as
pessoas como são e que naquele país, as questões da sexualidade eram muito bem
trabalhadas e havia...
“[...] um respeito muito grande... Pelo menos, eu percebia isso. Lá é comum
se ver homens ou mulheres se beijando nas ruas. E ninguém cochicha... As
pessoas podem até olhar, mas... É como se nada lhes chamasse a atenção.
Então, desde o curso de doutorado, já falávamos muito sobre sexualidade...
Mas, a princípio isso veio de encontro as minhas convicções religiosas...
Por que... Até que houve um momento, foi em um final de semana que eu
fiquei só na Universidade, então naquele momento eu tive uma conversa
comigo mesma. Foi então, que pensei: uma coisa eram as minhas
convicções religiosas e outra coisa era a minha vida acadêmica. Eu tinha
por obrigação moral definir, separar as duas coisas... E foi isso que eu fiz.
Bom, eu já tinha uma relação respeitosa tanto com gays, lésbicas... Eu
sempre tive uma relação boa, até porque eu tenho muitos amigos e amigas
gays e no curso eu aprendi a respeitar mais ainda e quando falou de
sexualidade no GDE isso aí ficou bem resolvido na minha cabeça”
(Informação verbal – grifos meus)118.
.
211
heteronormativo esperado pela igreja e pela sociedade, dessa forma são discriminadas.
Quando Fátima estudou tais questões no GDE, pode clarear suas dúvidas.
Para Jéssica, das temáticas estudadas no curso, a que mais teve ressonância foi a
do gênero e do empoderamento da mulher:
Jéssica fala sobre a importância de “repensar o outro com uma forma mais
respeitosa, mais consciente, menos preconceituosa”. Na Secretaria em que trabalha, pode
desenvolver projetos relacionados aos temas estudados e destaca um Programa de
Orientação Profissional para Educação de Jovens e Adultos (PROEP-EJA):
“[...] nesse trabalho, colocamos como temática para as palestras a questão
da violência contra mulheres. Foi super rico, pois pudemos descobrir e
perceber o que a mulher, jovem e adulta sofreram e sofrem com a
violência. Muitas delas não estudavam porque os maridos não deixavam...
Então, esse tipo de coisa, conseguimos detectar e conseguimos fazer mais
na educação de jovens e adultos. Mesmo com o trabalho, buscando
trabalhar com aquelas senhoras, com aquelas jovens e resgatando sua
história trabalhando a Lei Maria Da Penha e isso junto com homens e
mulheres. Isso porque eu acho interessante que os homens participem
também, pois eles precisam desconstruir algumas posturas... Hoje, nós
trabalhamos com as mulheres, com a Educação de Jovens e Adultos, um
outro segmento que infelizmente a gente, muitas vezes, não se dá conta,
119
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
.
212
120
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
.
213
Fórum 1 Sexualidade
por Telma O.C. - Monday, 10 August 2009, 19:50
Realmente nós ainda não estamos "preparados" para tratar desta temática com
naturalidade e neutralidade. Como foi citado no enunciado, as doutrinas cristãs condenam a
postura não heteressexual. E a maioria de nós, adeptos do cristianismo temos resistência em
aceitar o homossexualismo. Mas nós como educadores, formadores de opinião temos que
vencer essas barreiras para aceitar os outros como eles são. Temos que também conscientizar
os nossos alunos, para que sejam cidadãos livres de preconceitos. No meu âmbito profissional,
ou seja, no ambiente escolar, quando me deparo com essa temática, procuro tratar com a
maior naturalidade possível. Pois tudo que é tabu, fica mais difícil de se compreender e
consequentemente de se aceitar.
Fonte: Disponível em: http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28. Acesso em: 9
fev. 2015.
121
Trecho extraído da entrevista concedida por Telma em jan. de 2012.
.
214
.
215
122
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
.
216
123
Trecho extraído da entrevista concedida por João em jan. de 2012.
.
217
Fórum 1 – Sexualidade
por Maria das Dores - terça, 21 julho 2009, 22:26
Prezada Carla, embora tenhamos questões nortEaDoras para este Fórum, acredito que você,
como os/as demais colegas tenham várias questões que foram e serão levantadas ao longo
das discussões. Interessantes os relatos que vocês trouxeram para o debate. Em sua
resposta, você se inclui e questiona até mesmo seus valores; isso me faz lembrar o que
Paulo Freire dizia dos seres inconclusos que somos. Diante disso, destaco esta parte do
primeiro texto, do módulo 1: "[..] podemos concluir que não basta ser tolerante; a meta deve
ser a do respeito aos valores culturais e aos indivíduos de diferentes grupos, do
reconhecimento desses valores e de uma convivência harmoniosa." Sendo assim, em nossa
caminhada de construção precisamos exercitar o respeito.
Um abraço.
124
Trecho extraído da entrevista concedida por Jéssica em nov. de 2012.
125
Como forma de preservar a identidade da cursista, optei por utilizar um pseudônimo, sendo este um nome de
grande recorrência na região.
.
218
Olá!
Jéssica, a escola é um espaço de construção de valores, onde devemos nos expressar e
desenhar nosso projeto de vida. Diante disso, não podemos omitir as questões de
discriminação que perpassam este espaço, algumas delas relacionadas às diferenças de
gênero. Sobre isso, a identidade de gênero, segundo Glossário do Módulo 3, texto 3, "diz
respeito à percepção subjetiva de ser masculino ou feminino, conforme os atributos, os
comportamentos e os papéis convencionalmente estabelecidos para homens e mulheres.
Portanto, é preciso discutir na escola, se os/as alunos têm liberdade para expressar sua
identidade de gênero, no caso citado por você, a diretora agiu de forma positiva orientando
o pai sobre o respeito para com seu filho homossexual. No entanto, quantas escolas agem
assim e permitem que os/as alunos continuem inseridos (as) na escola?
Um abraço.
126
Como forma de preservar a identidade da cursista, optei por utilizar um pseudônimo, sendo
este um nome de grande prevalência na região.
.
219
Diante do exposto por Vera, é possível verificar que ao mesmo tempo em que
menciona ter recebido críticas de colegas por desenvolver atividades em sala de aula
sobre questões da sexualidade e por “jogar o jogo dos alunos”, utilizando o “mesmo
.
220
palavreado que eles falam...”, afirma não ter tido tempo de desenvolver o projeto didático
intitulado “A sexualidade no âmbito escolar”. As atividades propostas neste projeto,
poderiam ter sido trabalhadas na própria disciplina por ela ministrada.
Jéssica, João e Elias também não operacionalizaram seus projetos. Apesar de
Jéssica observar que chegou a iniciá-lo, disse que não pode concluí-lo por ter saído da
escola que trabalhava, mas afirmou ter deixado o trabalho para que pudesse ser
desenvolvido por outros/as professores/as. Diante dessas constatações acerca de uma
das atividades finais do GDE, parece-nos que alguns dos/as cursistas cumpriram o
exigido apenas para a obtenção de uma nota e consequente aprovação.
Com estas questões pulsando passei a tratar cada uma das dimensões
constitutivas das narrativas, de forma que respeitosamente pudesse trazer, o que
solidariamente cada uma das professoras e professores havia disponibilizado no
processo onde “o professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor”
(NÓVOA, 1997, p. 15).
A comparação das narrativas permitiu observar alguns subsídios do curso nos
percursos e nas práticas de alguns/mas colaboradores/as. Em relação ao professor
Jónata, mesmo antes do curso, já demonstrava pensar e agir de forma diferenciada em
relação às questões de gênero. No entanto, afirma que o GDE proporcionou entender, de
forma teórica, o que não havia estudado nas licenciaturas em Pedagogia e em
.
221
128
Trecho extraído da entrevista concedida por Jónata em jun. de 2012.
129Trecho extraído do fórum sobre Gênero 1 apresentado no quadro 6 desta tese. Fonte: Disponível em:
http://www.avacap.ufma.br/course/view.php?id=28. Acesso em: 18/05/2015.
.
222
desejos “instintivos” de macho, que precisam ser satisfeitos a qualquer preço. Sendo a
sexualidade um conceito histórico e mutável, é possível afirmar que este modelo não
pode mais se sustentar. Embora Elias afirme e reafirme a importância do respeito ao
outro, ao se referir à “mulher de programa”, manifesta a oposição entre esta e o que
entende por sagrado, a “mulher de família” dedicada ao marido e aos filhos/as.
Sobre a homossexualidade, Elias a percebe como “pecado” e diz que não é nem
contra, nem a favor, mas, defende que deve haver “respeito”. Para ele, o fato de termos o
livre arbítrio não implica ter o direito de forçar ninguém a fazer nada e é preciso
“entender que não se pode agredir alguém porque é homossexual”. Sobre os gêneros
ainda afirma que a mulher é a parte sensível nas relações sociais, defendendo, por
exemplo, a divisão de papéis conforme o sexo. As palavras e atitudes de Elias me remete
ao professor Danilo Streck (2001, p. 100) quando ressalta que:
Sabemos que aquilo que cada um e cada uma de nós é (ou não é) resulta
de múltiplas aprendizagens feitas ao longo da vida. Isso não quer dizer
que de modo determinista aprendemos tudo o que quiseram nos
ensinar e da maneira como pretendiam que aprendêssemos.
.
223
Para trabalhar a questão na escola, Fátima passou a utilizar certas táticas, como
por exemplo, ao denominar as aulas sobre questões da sexualidade de “conhecimentos
gerais”. Embora saiba que não é a mesma coisa, “[...] pelo menos se trabalha de acordo
com o currículo escolar”. Com esse entendimento, Fátima acrescenta:
“[...] quer queira ou quer não, mesmo no decorrer do tempo, pela força do
preconceito essas questões ainda não estão resolvidas. Em certos casos,
podemos constatar que roubar é menos doloroso do que dizer que se
tem diversidade sexual, então podemos notar que estamos lutando há
séculos, com uma questão que não vai acabar de uma hora pra outra. É
um trabalho de formiguinha, uma fala ali outra fala aqui, e assim a gente
vai conseguindo aliados. O GDE pra mim foi importante, primeiro foi o
primeiro curso que eu fiz que tratou a questão da diversidade”
(Informação verbal – grifos meus).
130
Trecho extraído da entrevista concedida por Fátima em out. de 2012.
.
224
colaboradores/as, Fátima foi uma das que demonstrou reconhecer a mudança social do
papel da mulher, dizendo que busca alternativas para a desconstrução de preconceitos e
estereótipos de gênero e da sexualidade em suas práticas escolares.
Sobre a professora Jéssica, antes do GDE já havia realizado outro curso que
versava sobre a sexualidade, numa perspectiva biológica, o projeto Saúde e Prevenção na
Escola. Devido à sua crença religiosa e ao projeto que já desenvolvia, possui uma
concepção bem demarcada e definida sobre a função da escola. Eu seu entendimento, a
escola não deve só ensinar, cabe a ela prevenir e cuidar, inclusive em relação à saúde.
Jéssica relaciona tranquilidade com inocência e pureza e parece negar a
manifestação da sexualidade infantil. Também compreende a sexualidade apenas como
relação sexual e esta como um ato impuro. Em relação à gravidez na adolescência, esta é
concebida por ela como uma situação ruim apenas para a menina, sendo uma
consequência de “atos impensados”. Em nenhum momento referiu-se ao pai adolescente,
dado que parece acreditar sobre a divisão de papéis entre os sexos, pois em se tratando
da gravidez, esta é percebida por ela como uma responsabilidade apenas da mulher.
Também pude perceber a forma como delimita, reafirma e tenta legitimar os corpos
masculinos e femininos conforme o que acredita ser normal para cada sexo/gênero.
Para Jéssica, os afazeres domésticos, por exemplo, não são entendidos como um
trabalho que mereça destaque, enquanto o mesmo não acontece em relação às
atividades remuneradas. Deixa entrever que concebe o masculino como significativo
para ela quando comenta o caso de uma aluna que queria ser “mão de ferro”, com isso, as
pessoas diziam: “essa menina é meio machão!”. Jéssica, assim como Elias, demonstram
compreender e reproduzir uma divisão nos papéis sociais estabelecidos para homens e
mulheres e muitos destes papéis estão relacionados, segundo Bourdieu (2010), à
dominação masculina. A crença religiosa atravessa seus caminhos quando assumem
uma função essencializante, fixa e normativa. No entanto, as representações que
transitam nas narrativas de Jéssica e Elias revelam uma tensão entre as hierarquias de
gênero e classe, mesmo que, por vezes, não pareça percebida por ambos. Como explica
Scott (1995, p. 11) “[...] de fato, essas afirmações normativas dependem da rejeição ou da
repressão de outras possibilidades alternativas e, as vezes, ocorrem confrontações
abertas ao seu respeito”.
Jéssica afirma que dentre as temáticas estudadas no curso, identificou-se com as
questões de gênero, no que se refere ao “empoderamento da mulher”. Desenvolveu
.
225
projetos relacionados aos temas estudados quando atuou na EJA. Critica a não
participação da mulher em Mesas de eventos da área da educação e em sua opinião
algumas mulheres não voltam a estudar porque seus maridos não permitem. Posiciona-
se criticamente sobre esses casos, o que demonstra sua tentativa de problematizar as
relações de gênero. Assim como Fátima, busca alternativas para a sua superação das
violências e desigualdades de gênero na escola e na sociedade.
Sobre o professor João, cabe frisar que no momento da entrevista não exercia
nenhuma função pedagógica. De sua narrativa foi possível notar sua percepção acerca da
sexualidade relacionando-a apenas à orientação sexual de uma pessoa. E esta como uma
“escolha” deliberada do sujeito. Representação que contraria o que foi estudado durante
o GDE. Embora tenha afirmado, em diversos momentos de sua narrativa, que aprendeu
“a vivenciar melhor a questão do respeito”, deixa transparecer o preconceito que possui
em relação à homossexualidade. Reforça a ideologia da igreja evangélica, com uma
abordagem permeada por um discurso normatizante da sexualidade, acreditando que se
pode escolher o que se quer ser em relação à orientação sexual.
Independente das oposições manifestadas nas narrativas de Elias, Jéssica e João,
um exemplo de redução ou simplificação da realidade, é representado pelas respostas
dadas sobre as convicções religiosas manifestas em seus relatos. Para estes professores
e esta professora a orientação sexual é entendida como uma escolha deliberada do
sujeito, além de ser um dos conteúdos mais difíceis de ser trabalhado, devido ao fato de
a homossexualidade “não ser acolhida como uma normalidade” (professora Jéssica).
Afirmam que devemos respeitar todo ser humano, independentemente de sua
orientação sexual, por ser este um dos princípios bíblicos.
Sobre a professora Vera, embora ela afirme não ter dificuldades para tratar
questões da sexualidade com seus alunos e alunas, inclusive por trabalhá-las na
disciplina Ética e Cidadania, não percebe as possibilidades de trabalhar as questões
estudadas no GDE na Geografia, o que contradiz o próprio curso e os PCN’s. Dentre seus
relatos, chamou-me a atenção quando comenta algumas atitudes homofóbicas
percebidas na escola:
“[...] aquele aluno que mais atacava, era chamado particularmente para
conversar. Inclusive, eu cheguei a conversar com muitos. Eu separava, por
trabalhar mesmo a questão do homossexualismo, também conteúdo da
Ética. Eu tinha aquele momento em que trabalhava com a turma inteira,
.
226
131
Trecho extraído da entrevista concedida por Vera em jan. de 2013.
.
227
.
228
É possível inferir que a força da noção de habitus provém do fato de que ele
supera a mera descrição, pois busca reconstruir a dinâmica dos processos que se
interpõem na relação entre as práticas dos agentes e o modo como representam para si
e para os outros o que são e o que fazem. Encerram-se aqui as análises sobre as
narrativas das/os professores/as colaboradoras/es.
.
229
O PONTO DE CHEGADA:
passos para um novo caminhar
.
230
.
231
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232
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233
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250
3.2 Agora comente um pouco sobre os motivos que o/a que influenciou na escolha
em ser professor/a. E pela escolha do Curso?
3.3 Durante sua formação inicial no magistério, você teve a possibilidade de estudar
ou participar de eventos sobre questões relacionadas a sexualidade e gênero?
Comente:
3.4 Em sua opinião, o que ainda precisa ser feito, para que questões de gênero e
sexualidade possam ser incluídas no currículo dos cursos de formação de
professores?
3.5 Como você avalia, atualmente, a sua formação como professor/a em relação às
questões de gênero e sexualidade?
4.4 Você trabalha questões de gênero e sexualidade em suas aulas? De que forma?
4.5 Você já vivenciou alguma situação, em sala de aula ou no recreio, em que algum
aluno ou aluna tenha sido alvo de gozações pelos colegas por apresentar
.
251
4.7 E qual a sua opinião sobre o papel da escola e dos/as professores/as em relação à
sexualidade e à educação sexual? E sobre as relações de gênero?
5.5 Dentre as propostas do Curso GDE, temos a de uma educação inclusiva no que diz
respeito à diversidade sexual. Sobre esta questão houve mudança de valores,
convicções e em suas práticas escolares em relação às identidades sexuais não
hegemônicas (gays, lésbicas, travestis...)?
5.8 Que avaliação você faz acerca do Curso GDE e seus impactos para sua formação
pessoal, profissional e nas suas práticas escolares?
.
252
.
253
Colaborador/a: __________________________________________________________
Endereço:_______________________________________________________________
Tel.: ______________________e-mail: ______________________________________
__________________________________
Assinatura da/o Colaborador/a
.
254
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255
_____________________________________________________________________________________________________
Meu nome é Jónata, nasci em Imperatriz e venho de uma família com oito filhos.
Eu tenho três irmãos homens, mais velhos, e quatro irmãs, sendo três mais velhas que
eu. Meu pai era sapateiro, hoje aposentado, e minha mãe doméstica, também aposentada
como lavradora. Tenho 30 anos, sou solteiro, formado em Matemática e Pedagogia,
atualmente atuo como professor de ensino superior, mas já trabalhei em praticamente
todos os níveis, desde a educação infantil. Quando criança, sempre tive um contato bem
direto com meus pais. Eles sempre foram muito carinhosos. Com minha mãe havia
aquela conversa que as mães sempre conversam com os filhos, mas, sem tocar em
alguma coisa, digamos assim, mais “delicada”. Ela dava conselhos! Dizia para não fazer
isso ou aquilo... para não brigar com fulano ... para ter cuidado com a casa... ajudar o
irmão ou a irmã. Ou seja, havia conversas superficiais, mas cheias de carinho. Com nosso
pai, também havia bastante conversa. Ele era até bem mais presente, porque era quem
nos levava e buscava para a escola. Era ele quem conversava com os porteiros, com as
professoras, enquanto que a mãe ficava em casa cuidando dos outros irmãos e da casa.
Havia uma relação de “dominação” muito gritante. O pai dominava bastante e ela
aceitava essa “dominação”. Então ela fazia as coisas internamente e ele externamente ...
Quando a gente falava alguma coisa errada, ele repreendia oralmente. Isso era suficiente.
Com a mãe, não era tanto, mas também havia um castigo e, algumas vezes ela dava uma
“surra”.
.
256
pois ele entende a questão da orientação sexual muito diferente do que eu entendo hoje:
o que pra ele é visto como a “verdade”, para mim não é. Mas eu não tenho nenhuma
permissão e direito de agredi-lo em relação a isso, eu devo respeitá-lo e, isso eu aprendi
com essa senhora.
.
257
Mas, logo isso acabava, porque eles sabiam que eu tinha algo a oferecer, emprestando o
caderno com as atividades prontas. Então, eu me sentia com um pouco mais de força,
não me sentia ameaçado por eles... eu tinha certo “poder” em relação aos outros meninos
da escola. Já nos anos finais do ensino fundamental, foi diferente. Eu tinha interesse
pelas meninas, mas também tinha um olhar diferenciado para os meninos. Não sabia por
que isto acontecia, até porque ouvia dizer que era normal um menino olhar o outro,
achar a pele bonita... Podia achar! Depois de mais um tempo, já no Ensino Médio, essa
“normalidade” começou a me inquietar, porque não era só olhar, mas sim, olhava e
sentia interesse, vontade de estar perto, de abraçar, de beijar, de fazer coisas que os
meninos faziam com as meninas, normalmente. Mas, essa normalidade eu não conseguia
perceber entre duas pessoas do mesmo sexo. E isso me inquietava! Achava que não era
certo. Isso porque sempre ouvi em minha casa e pelos preceitos da igreja, que isto não
era certo, porque Deus fez o homem e a mulher para viverem juntos...Então, eu não
queria falar com ninguém sobre o assunto porque eu sabia que era errado e as pessoas
sempre diziam que eu só fazia coisas certas. Com isso, me perguntava: como mostrar
algo de errado? Não havia condições... Eu me sentia totalmente impossibilitado de
demonstrar um erro, demonstrar que sentia atração tanto por meninas, quanto por
meninos. Às vezes nem achava que era errado ou certo, porque eu só sentia, não fazia...
não tinha ação... Como não tinha ação, meu corpo não era inundado pelo pecado. Hoje
entendo, perfeitamente, quando os jovens possuem desejos reprimidos. Desse modo
busco ajudá-los para que possam conhecer a si mesmos e com isso encontrar caminhos
que os favoreçam em seus mais diversos aspectos. Lembro-me que até o Ensino Médio
ainda não vivia um conflito, porque em nenhum momento eu fiquei triste, em nenhum
momento eu ficava num canto, ou tenha me afastado dos outros. Em nenhum momento
eu me rejeitei. Inclusive, quando eu não queria fazer parte de algum grupo na escola, eu
não ia e pronto. E nem por isso eu me senti ameaçado ou insatisfeito Mas, depois que eu
saí do Ensino Médio e entrei no Ensino Superior, comecei a me inquietar. Isso porque
alguns dos conhecimentos teóricos se conflitavam com as questões religiosas que tinha
aprendido.
Quando iniciei o Curso GDE, o conflito apareceu. Até o curso não vivia um
conflito, porque as questões religiosas eram superiores a outras questões. Até o Ensino
Médio, só namorei meninas... duas meninas. Mas, só namorava um mês, dois meses... Até
.
258
acredito que era só de “fachada”. Às vezes até acho que eu até gostava delas, mas não
tenho certeza que tipo de gostar era esse... Agora namorar rapazes foi só depois do GDE.
Agora... durante o processo todinho, nessa história de “ação”, até o Ensino Médio, eu
podia até “namorar” meninos, mas não beijava ... E isso era muito ruim! Pensava comigo
mesmo: como é que um homem pode beijar outro homem? Não tinha condições... até
porque entendia que beijar era pior do que um ato sexual... por ser um momento mais
próximo, de amor, e não um ato só de “carne”. Mas, depois do curso, comecei a entender
que as questões religiosas são impostas como uma “verdade absoluta”. Outros
preconceitos que tinha, também foram se diluindo...
Lembro ainda que depois que saí do ensino médio e comecei a dar de espanhol,
conheci o primo de um aluno da escola. Com ele descobri fui descobrindo... ou, não
queria ver... Foi com ele que as coisas foram se esclarecendo.... Tanto para mim quanto
para ele... Eu fui o primeiro namorado dele e ele foi o meu primeiro namorado, mas não
houve relação sexual entre nós. Nosso relacionamento não durou muito... primeiro era
só amizade, depois... depois que eu soube... eu negava... inicialmente eu não queria. Por
mais que tivesse desejo, havia algo que me impedia de querer... até o dia em que ele se
interessou por outro rapaz e queria namorá-lo. Quando ele me contou o fato, foi que
entendi que podia perde-lo, então eu disse: Não! Eu te quero! Você vai namorar é
comigo! Foi quando começamos a namorar. Ele falou com os familiares dele... mas o
namoro acabou. Depois ele namorou outra pessoa. Hoje estou praticamente casado.
Tenho um companheiro de quase 3 anos de convivência. E esse meu ex-namorado
continua sendo meu amigo, um é confidente do outro. Há um carinho e respeito muito
grande entre nós dois.
.
259
colega bater na gente. Mas, eu nunca levei uma palmatória e também não dei em
ninguém. A segunda professora, eu me lembro muito vagamente, passou pela minha
vida, mas de forma bem apagadinha... Já na escola pública, eu me lembro da professora,
uma senhora muito amável. Creio que foi aí que eu comecei a gostar do magistério e a
querer ser professor. Eu a adorava! Ela me mandava escrever no quadro e eu amava
isso... Depois, tive outra professora, mais amável ainda. Inclusive, no ano passado nós
trabalhamos juntos numa escola. Algumas vezes ela também me mandava fazer
atividades no quadro e eu gostava muito. Outra professora, que também foi referência
para mim, foi a da 2ª a 4ª série. A referência que tive em relação a ela, foi sobre sua
forma de nos tratar, sua oralidade, sua disposição sempre acolhedora... A professora da
pré-escola, sempre fazia uma atividade extra, fora da sala de aula, que eu não gostava
muito. Queria mesmo era ficar dentro da sala, lendo, escrevendo, fazendo atividades... Na
primeira série, a professora fazia muito isso e eu adorava. Quando a aula não tinha essas
atividades dentro da sala de aula, eu não gostava. Eu me lembro que na quarta série, teve
um conteúdo sobre reprodução. Nós ficamos encantados com os órgãos, as figuras... Só
isso e mais nada! Depois, só na sétima série, nas aulas de Ciências, estudamos sobre o
corpo humano, víamos as questões biológicas sobre reprodução, cuidados higiênicos
com o corpo. Orientação sexual? Esclarecimentos de dúvidas sobre a identidade sexual e
as relações de gênero? Não existiam! Ninguém comentava sobre essas questões. Parecia
que tudo era proibido! Talvez a proibição fosse uma saída para as professoras que não
tiveram em sua formação, discussões sobre as temáticas. Lembro também que a escola
era bem grande. Então quando alguém queria namorar, ia para um lugar longe, menos
acessível, porque sabiam que era proibido namorar na escola. Havia algumas regras e se
essas regras fossem transgredidas, nossa! Também havia tratamento bem diferenciado
em relação aos comportamentos de meninas e meninos. Percebia, por exemplo que
primeira a quinta série isso era bem claro, pois diziam: os meninos brincam de tal coisa,
as meninas com tal coisa. Além disso, era proibido as meninas brincarem com a gente.
Quando as meninas iam brincar conosco e acontecia alguma coisa, como por exemplo,
elas se machucassem, as professoras logo diziam: “eu não falei!” “Foi benfeito!”, “Não
deviam ter ido brincar com eles, porque isso não é brincadeira de menina!”. Mas,
quando elas queriam brincar com a gente, barganhávamos dizendo: “para você brincar
com a gente, precisa nos dar tal coisa!”. Lembro também que nas aulas de ciências os
professores enfatizavam o cuidado que as meninas deviam ter com o corpo e o “não
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260
cuidado” que os meninos deviam ter com o corpo. As meninas deviam se cuidar mais,
lavar-se direitinho, usar calcinha... Se tivesse um sangramento, devia falar com os pais,
porque podia ser a menstruação... Já com os meninos parecia ser normal não usar ou
usar cuecas, ficar sujo, com cheiro de suor...Então o não cuidado com o corpo dos
meninos, de certa forma, também era explícito nas aulas de ciências.
Quanto ao fato de eu querer ser professor, lembro que desde os primeiros anos
do ensino fundamental, já tinha vontade de dar aulas. Na época estudava à tarde, e todas
as manhãs, em casa, eu imitava a professora, falava alto, fazia chamada, fazia de conta
que estava reprimindo algum aluno que estivesse inquieto, fazia tudo isso... Quando
cheguei aos anos finais, tinha uma vontade enorme de ser professor de matemática. Eu
olhava o professor de matemática e gostava muito. E eu continuava dando aula, para
ninguém, em minha casa. Com isso, todos perguntavam se eu queria ser professor.
Quando passei para o primeiro ano do Ensino Médio, começou aquela inquietação: o que
devo fazer: formação geral ou magistério? Foi quando uma escola aqui de Imperatriz
passou a ser o Centro de Formação para Formação do Magistério e eu decidi estudar lá.
Passei três anos fazendo magistério, foi quando me encantei pela Pedagogia. Então,
minhas dúvidas aumentaram. Me perguntava: e agora? Devo escolher Matemática ou
Pedagogia? Foi quando escolhi os dois cursos e prestei vestibular nas duas
universidades públicas de Imperatriz e passei em ambas. Fiz Matemática na UEMA e
Pedagogia na UFMA. Quando ainda cursava o magistério de ensino médio, já eu era
professor auxiliar na mesma pré-escola (particular) que estudei. Quando entrei na
universidade fui estagiário atuando como educador social no PET. Logo que saí do PET,
fui dar aula numa escola particular de educação infantil. Durante quatro anos fui o único
professor homem em Imperatriz que atuava nesse nível de ensino.
.
261
professor. À noite fazia Pedagogia na UFMA. Neste curso era bem diferente! Como
éramos apenas três homens na turma, meu destaque era bem maior... minha relação com
os professores era bem melhor, nosso contato era bem mais próximo... Enquanto que na
UEMA percebia um distanciamento grande com os professores. No curso de
matemática, o mais relevante foi eu perceber o quanto não devo fazer... em relação ao
que o curso me ofereceu, ou seja, percebia atitudes de quem é matemático e não de
quem ensina matemática. Por exemplo, quando eu tinha alguma dúvida e perguntava, o
professor dizia: “não é possível! Você não quer ser matemático?”. Então não pode
perguntar! Tem que saber! Parece que ninguém podia ter dúvidas, era como se já
tivéssemos o conhecimento pronto e acabado. Estávamos lá apenas para melhorar o que
já sabíamos. Somente quando tínhamos as matérias pedagógicas era bem diferente! Na
UFMA, o que me completou ainda mais foi o tratamento dado pelos professores,
podíamos esclarecer nossas dúvidas... O curso de matemática era muito “seco”! Muito
frio! Hoje, não sei se melhorou, mas creio que não. Lembro também que durante essa
etapa da minha formação inicial, em momento algum tive a possibilidade de estudar
questões relacionadas a gênero ou sexualidade. Somente na disciplina Psicologia da
Educação, na UFMA, vimos de forma muito superficial, apenas um capítulo que tratava
sobre Freud e as fases do desenvolvimento psicossexual da criança.
.
262
obrigatória porque “ninguém aqui, além de você tem condições de fazer isso, e quando
você sair daqui? Você é substituto...”. Ela usou um artifício importante, mas, no fundo
penso que foi por questões religiosas. Ela usou um artifício real, que fragiliza o grupo e,
além disso, o grupo não quer estudar para trabalhar uma nova disciplina...E, usou esse
argumento para a disciplina não ser aprovada e, para não ser taxada como
preconceituosa. Dessa forma, saiu pela tangente e a disciplina não foi aprovada como
obrigatória, mas conseguimos aprová-la como “optativa”. Ela disse: “depois, com o
tempo, ela pode ser aprovada como obrigatória”. E a disciplina foi aprovada por dois
votos de diferença. Inclusive, os dois votos foram de pessoas de militância negra da
cidade, do estado, pessoas que sentiram e sentem na pele o que é ser discriminado,
rejeitado, humilhado, ser colocado como inferior, minimizado... Mas, quando se trata de
outra pessoa, no caso o homossexual, ou as relações de gênero, não percebem isso.
Então eu fiquei horrorizado em ver que pessoas que sentem na pele a rejeição, o drama,
a “baixeza” dos outros, acabam fazendo a mesma coisa. Então para mim, foi uma
covardia! Na UEMA, nos cursos de licenciatura, é mais difícil ainda. Eu penso que devia
ter, em todas as licenciaturas, uma disciplina que trabalhasse essas questões, porque nós
saímos das licenciaturas sem entender nada sobre sexualidade e gênero. E, na sala de
aula, tem esses assuntos. E o que fazemos? Acabamos virando as costas! Mandamos os
alunos se calarem... Então, as coisas acontecem e por si só têm que ser resolvidas. Ou
seja, silenciamos e amordaçamos a nós mesmos e também nossos alunos. Já no curso de
Pedagogia da UEMA, tem a disciplina Educação e Gênero. Ela é optativa! É a segunda vez
que eu a trabalho. Tanto que no período anterior, as alunas disseram que ela foi A
matéria que as ajudou quando fizeram o Estágio Curricular Obrigatório na Área de
Interesse do Aluno, no Pró Jovem Urbano, com adolescentes entre 16 e 18 anos. Elas
disseram que se não fosse essa disciplina, não saberiam como trabalhar algumas
questões que apareceram no processo. Entretanto, penso que a formação geral do/a
professor/a ainda é muito ultrapassada, porque só trabalham com a psique, somente o
cognitivo. As questões da sexualidade, nem se cogita! Penso que há, ainda, uma grande
falha da universidade em não se preocupar com a sexualidade humana.
A primeira vez que trabalhei questões sobre sexualidade, foi com crianças de 06
anos, na Educação Infantil. Era um conteúdo do corpo humano. Eu me perguntava como
eu iria trabalhar não apenas o que é mão, o que é perna, mas sim o corpo como um todo.
.
263
Eu me inquietava porque não sabia como fazer. Até que lembrei de um comercial da
televisão que falava das partes do corpo humano e mostrava as imagens em desenhos.
Foi quando tive uma ideia: peguei duas folhas de papel madeira, uma para menino, outra
para menina e pedi para que um menino e uma menina se deitassem na folha e outro
colega desenhasse o contorno do corpo. Depois disso, deveriam completar os desenhos
com as partes do corpo e falar os nomes. Primeiro eu perguntei para eles. A princípio,
ficaram rindo, mas depois levaram a sério. Quando chegou às partes dos órgãos sexuais,
falaram vários nomes menos pênis e vagina. Então eu falei: “olha, o nome não é esse” e
falei os nomes oficiais. Até que num outro dia, um dos meninos falou: “meu pau tá
assim...”. E um colega disse: “não é pau que se fala não, é pênis!”. A aula que eu tinha
dado no dia anterior ajudou nessa questão. Nossa intenção era esclarecer os nomes, falar
da higienização e do respeito pelo outro... porque eles faziam muitas brincadeiras do
tipo abaixar o short para olhar as partes íntimas do outro. Nosso trabalho era mais de
orientação, a sexualidade não estava muito explícita não. Mas, depois eu senti
necessidade de estudar mais sobre o assunto, especialmente porque quando dava aulas
na quarta série, uma menina me procurou e falou que estava menstruando e eu não
sabia o que fazer. Fiquei preocupado: “Comigo logo! O que eu vou fazer?”. Então, falei
com uma colega e pedi que ela desse uma aula para as meninas sobre esses assuntos.
Naquele dia as duas turmas foram separadas: ela ficou com as meninas para falar sobre
menstruação, cuidados... E eu fiquei com os meninos porque não tinha nenhuma
condição de falar com as meninas sobre esses assuntos. Sentia-me sem forças, tinha
vergonha, não sabia o que fazer... Os meninos só perguntaram sobre eles, queriam saber
como surgem os pelos, o que fazer quando o pênis ficava... assim... Eram mais situações
de curiosidade sobre eles mesmos. Em relação aos comportamentos de meninos e
meninas, aqueles que não são considerados “culturalmente adequados” em relação ao
seu sexo, quando era aluno, eu não percebia e quando comecei a lecionar parece que eu
velava, não dava atenção... Até porque não sabia como fazer, somente quando trabalhei
no Ensino Médio, parece que eles queriam me atingir pessoalmente...eu me senti
irritado. Por duas vezes eu falei sobre isso: uma vez foi com uma colega na sala dos
professores, quando ela chegou dizendo: “vocês viram o fulano? Hoje ele está pior do
antes. Está até com roupa feminina!” Eu me irritei e disse: “o quê que tem isso? Vocês
são professoras, deviam fazer diferente...Mas, estão sendo preconceituosas”. Outra vez
foi na própria sala de aula com um aluno que era discriminado, o mesmo rapaz que me
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264
incentivou a fazer o projeto sobre sexualidade no GDE. Eu dizia: “vocês não podem fazer
isso com ele”. “Vocês estão agredindo seu colega, estão sendo preconceituosos”. Ele era
até o líder da turma, era quem fazia tudo, que ajudava todo mundo... Parecia que
naqueles momentos, ele não era a “bicha”, não era o “baitola”. Em relação a mim mesmo,
por duas vezes eu sofri preconceito, mas foi antes do GDE. Depois não, até porque
aprendi como rebater. Agora, sempre que alguém vem pro meu lado com alguma forma
de agressão... quando eu sinto que querem me atacar, eu rebato com o conhecimento
que venho adquirindo. Inclusive, neste ano, estou orientando duas monografias de
graduação sobre o assunto, um na UFMA e outro na UEMA: o da UFMA trata do gênero,
sobre casos de homens que passaram no concurso público para auxiliar de magistério,
mas foram remanejados da função, porque tanto a secretaria, como os próprios pais não
queriam eles nas escolas. E eles mesmos aceitaram a situação. A da UEMA trata da
sexualidade na pré-escola. Então eu vejo não só como possível, mas como necessário
trabalhar de forma a conceber o masculino e o feminino num processo relacional de
igualdade. Os alunos de forma indireta, clamam por isso! Seja menina, ou menino, seja
hetero, ou não, eles clamam por isso. No entanto, para que isso aconteça, a primeira
coisa que se tem que fazer, é buscar alternativas para que o professor tenha esse
conhecimento, porque nós não temos. E também não é só ter conhecimento, porque
muitos velam essas questões. É preciso ver se as coisas estão caminhando. Penso qiue a
situação é emergencial. Eu vejo isso como natural, mas infelizmente o problema não é só
com professores, é também da própria academia. Hoje, aqui em Imperatriz, tanto na
UEMA, quanto na UFMA, quando as pessoas falam de gênero e sexualidade, lembram-se
de mim. Teve também uma monografia de uma aluna da UEMA, apresentada no ano
passado, que tratou da opinião de professores de Ensino Médio sobre a sexualidade. Os
resultados foram alarmantes. Todos os professores formados e a grande maioria com
um enorme preconceito. Eles dizem: “eu concordo, eu aceito normalmente, mas longe de
mim”, “não sendo alguém que chegue perto de mim, que queira algo comigo, tudo bem,
eu até respeito”.
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265
meninos e outra só com meninos. Então na minha turma eram apenas sete meninos e eu.
A minha sorte é que a diretora me apoiou bastante e parece que fiz um bom trabalho,
tanto que no ano seguinte a sala ficou quase cheia de meninos e meninas. As mães viram
o trabalho que desempenhei com os outros meninos e perguntavam: “como ele
conseguiu fazer isso?” Mas, de qualquer forma, foram quatro que os pais me viram de
maneira preconceituosa. Eles perguntavam: “Por que será que ele tá dando aula na pré-
escola? Será que ele é homossexual?”. Até as colegas também me rejeitavam, porque eu
não tinha os tratos que elas tinham na sala de aula. Elas diziam que era o jeito de se
trabalhar na Educação Infantil: cortar papel, desenhar, fazer coisas pequeninas. Mas, eu
me vi obrigado a aprender e aprendi. Agora, eu quero vê-las falarem que eu não tenho
jeito. Então quando soube do GDE, os conteúdos que iria tratar, resolvi me inscrever,
queria entender melhor essas questões. Dois meses depois do início do curso fui dar aula
no Ensino Médio e foi quando aconteceu o fato com aluno que me motivou a realização
do projeto.
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dau forças para entender o que acontecia comigo... o que sentia... aprendi a distinção
entre homo, bi, trans ... Dentre as temáticas estudadas, senti mais dificuldades com as
Relações étnico-raciais. Ainda hoje não tenho nenhuma vontade de aprofundar nessas
questões. Só estudei no curso por obrigação. Outra coisa: teve duas ocasiões no curso
que foram muito significativas para mim. A primeira foi a oficina sobre gênero e
sexualidade que realizamos durante um dos encontros presenciais, com a professora
Elizângela. Ela fez algumas atividades muito significativas e que podemos também
realizar com nossos alunos nas escolas. A outra foi no auditório, no final do curso,
momento em que pudemos dizer nossas opiniões, apresentar nossas experiências... Nas
discussões on line, no Ambiente Virtual, eu via pouca discussão. As pessoas postam
alguma coisa, mas não comentam nada. Então eu vejo isso como um tanto insignificante.
Ainda hoje no outro curso a distância que realizo, vejo que isso ainda acontece, as
atividades on line não têm muita significância. Eu gostava e gosto muito dos momentos
presenciais. Sobre o Projeto de Intervenção elaborado ao final do curso, confesso que
fiquei triste porque o resultado do projeto não foi satisfatório. A própria escola ficou
sem vontade de fazer acontecer. Eu comecei a desenvolvê-lo, mas depois não fiz mais,
por dois motivos: a escola não quis, ela achava que o debate não cabia no PPP e, também
o rapaz que era o objetivo do projeto desistiu da escola, deixou de estudar. Então eu
fiquei muito triste, porque fiquei sem saber que resultado poderia ter. Em relação a
outras mudanças de posicionamentos relacionados a gênero e à sexualidade, posso dizer
que sobre o gênero eu já tinha uma atitude diferenciada em relação à questão. Mas,
sobre sexualidade, houve grandes mudanças, como a aceitação do outro, porque antes
eu ficava um pouco inibido, não gostava de estar perto de homossexual, sair, me
relacionar ou mesmo ter como amigo. Não tinha contatos com aquele que não tem uma
orientação que a sociedade vê como normal, antes tinha receio... Então, posso dizer que
mudei, foi da água para o vinho. Com certeza, o curso mudou plenamente também
minhas práticas escolares. Na minha formação foi muito importante, primeiro porque eu
tinha uma deficiência pessoal e depois foi direcionando para uma formação profissional,
que a academia não me proporcionou. Entender a sexualidade, entender essa
manifestação, que nós temos, sexual... Sobre as relações de gênero, o curso
proporcionou entender, de forma teórica – uma grande deficiência que nós temos – que
a academia não trabalha, mas o curso GDE trabalhou. E sobre sexualidade, para eu
entender eu mesmo... o curso me fez entender quem eu sou, porque estou aqui, porque
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sou e devo continuar dessa maneira... O curso também favoreceu meu primeiro
namorado a entender quem ele é. O curso nos favoreceu a aceitar quem nós somos e a
aceitar o outro.
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Meu nome é Elias, nasci em Imperatriz, venho de uma família com oito filhos,
sendo cinco mulheres e três homens. Lembro que quando criança, minha mãe sempre
demonstrava afeto e conversava sobre todos os assuntos conosco, sobre sexo, namoro...
sobre tudo isso ela falava com a gente. Já meu pai ... largou a gente quando eu tinha uns
oito, nove anos, assim não lembro nada para presença dele, eu era muito criança, lembro
que tinha muita vergonha...ele era e ainda é alcoólatra, sinto muita vergonha! Com
minha mãe ele era agressivo, a espancava ... não trabalhava e quando ia para casa era
para “encher o saco” da mãe. Com os filhos, as vezes era agressivo, as vezes não. Mas,
não era um pai digamos assim, “carrasco”. Minha mãe sofria muito! Durante a infância
eu brincava muito, não conversava com ninguém além de minha mãe e meus irmãos.
Não me lembro de ter acesso às conversas dos adultos, nossa obrigação era trabalhar e
estudar em casa, limpar as coisas, ajudar a mãe e estudar. E, se fizesse alguma coisa que
a mãe não gostasse, “era tapa no pé de orelha”. Ela batia na gente em qualquer lugar.
Lembro, no tempo da escola, que eu apanhava na frente de todos, então eu ficava meio
envergonhado, humilhado... Eu lembro do dia que minha mãe me bateu na frente de uma
menina que estava paquerando. Faz tempo! Eu aprontei e ela meteu o tapa. Aí, senti
muita vergonha. [risos]. Tanto que desisti da menina. Hoje ela é formada e nem soube
que eu era apaixonado por ela.
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Em casa, minha mãe protegia mais as mulheres do que os homens. Para nós,
homens, ela dizia: “te vira!” As mulheres era aquele cuidado. Até nos serviços da casa,
éramos nós homens quem fazia. Tinha que lavar o banheiro, varrer a casa... varrer a
escolinha de minha mãe, que era dentro de nossa casa, lavar banheiro da escola,
enquanto as meninas só cozinhavam e mais nada. Elas só faziam o almoço.
Quando iniciei na escola, eu só lembro que eu sofri muito. Era uma escola do
tipo municipalizada, ou seja, minha mãe que era a dona do prédio o alugava para o
governo. Era uma escola grande e oferecia da primeira a oitava série. Mas, eu estudei
nessa escola somente até o sexto ano. Depois fui para uma escola municipal pública,
onde terminei o ensino fundamental. Eu lembro que meu primeiro professor era muito
fraco, não era formado, parecia que só queria enganar a gente. Era horrível! Os
professores eram do município e era um pior que outro. Não gosto nem de falar... Só é
vergonha e decepção, é que dói muito essa ferida. Às vezes havia até agressão física. Só
quando a diretora chegava é que diminuía o sofrimento. E minha mãe muito durona, do
tipo daquela guerreira que quer não saber o que aconteceu... e eu, na realidade, não
pensava em estudar, eu só queria era brincar. E com essa de brincadeira, apanhava
muito. Na escola era muito humilhado, sentia muita vergonha. Mas nunca deixei de ser
muito brincalhão, quem me conhece sabe que sou muito moleque.
Tanto nessa primeira escola, como na outra que estudei, e ainda depois da
escola municipal não lembro de nenhum momento em que foi tratado questões da
sexualidade durante as aulas. Mas, normalmente, se aparecia algum menino
homossexual, o preconceito era grande, a “taca” era grande... as vezes os outros meninos
e até as professoras batiam mesmo e isso era meio complicado. Os professores diziam:
“sai daqui seu ‘boiola’. Os meninos tacavam pedras. Eu não me misturava. Só depois que
terminei o ensino médio, comecei a ter amizade com o povo homossexual. Eles são
gente, são superamigos, pessoas que podemos contar. E os que eram homens mesmo,
corriam atrás das meninas. Eu lembro que isso era horrível, a gente corria atrás mesmo,
e levava para o mato que tinha na Cidade Operária e na Estiva, bairros próximos que
tinha muito mato e quase sem moradores. Lembro também que fiquei meio
traumatizado com o primeiro beijo, fiquei com medo [risos]. Ela era bem mais velha que
eu, uns dez anos mais ou menos, eu tinha doze anos e ela devia ter uns vinte, vinte e dois.
Na realidade, foi ela me “atacou”. Ela disse que queria falar comigo e eu fui chegando lá
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ela quis me “desfrutar”. Eu peguei, mas fiquei com medo... E depois que passou ia
comentar com os colegas. Sempre comentava com os colegas... então, eles também
queriam pegar, queriam dividir a mesma menina...
Em relação a minha formação como professor, posso dizer que foi um acidente...
Eu comecei a fazer o curso de Ciência Ambiental e Ciências Biológicas com licenciatura.
Então, fui vendo as vantagens dessa profissão. Com isso, disse: “vou ser é professor...
comecei e estou até hoje”. Hoje, embora seja professor, posso dizer que os papéis não me
ajudaram muito, eu aprendi mesmo foi na prática. Outra coisa: foi minha mãe quem
escolheu Ciências Biológicas. Ela fez minha matrícula pagou tudo e eu acabei tendo que
estudar o que ela escolheu. E depois que entrei no curso, depois da metade do curso, foi
que “caiu a ficha”. Até no meio do curso eu dizia “o que estou fazendo aqui? ”. Neste
curso também era muito perseguido pelos professores... havia muita falta de
profissionalismo, muita falta de ética, muita perseguição... eles deixam o profissional de
lado e partem para o particular... Na época comecei a trabalhar de dia e estudava a noite.
O que me chamou a atenção foi reconhecer que as coisas não são como a gente pensa. A
educação, por exemplo, é uma coisa linda na teoria, mas na realidade não é não. Eu até já
tentei fazer diferente, o que estava ao meu alcance, mais não adiantou.
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que vai te dar um tiro. E no caso o menino que é criado só com a mãe ou só com a avó e a
menina que é criado só com o pai no caso o menino desenvolve o jeito mais afeminado e
a menina o jeito mais masculino. Eu penso que isso interfere muito na sexualidade na
orientação sexual. Antigamente a maioria das pessoas era bem mais preconceituosa,
falavam mais... hoje não comentam tanto. Hoje as pessoas têm mais liberdade para
assumir o que são.
Hoje, por exemplo, eu tenho alguns alunos que têm comportamento afeminado e
eu digo que tem que respeitar: “se não gosta não critique tem que respeitar como gente”.
Na escola, procuro conscientizar. Agora para ver essas mudanças, como a rotatividade
de professores nas escolas é grande demais, a gente acaba não vendo a mudança. Seria
preciso ficar pelo menos 2 anos, 3 anos na escola para ver mudança. Até porque, depois
de realizar o curso GDE, aquela pendência que eu via do mais afeminado, com mais
jeitinho... eu fiquei mais interessado... eu queria era conhecer um pouco mais mesmo, eu
queria entender aquela situação. Mesmo não tendo desenvolvido o projeto que
elaboramos no final do curso, após o curso, com certeza, eu tenho uma visão maior sobre
o respeito, a agressão que sofrem quem tem aquele “jeitinho”. Eu não tolero mais essas
coisas... antes eu vivia sorrindo dos outros, sorria... porque achava muito engraçado ver
os outros sofrendo. Hoje eu não tolero mesmo. Chego a parar a aula para trabalhar essas
questões... tento passar o entendimento para as pessoas que nem todo mundo é igual a
você e depois eu não aceito o desrespeito porque a pessoa é gay ou bi. Antes eu só ria.
Hoje eu não sou contra e nem a favor. Eu só quero que não agridam, que deixem as
pessoas viverem como elas querem. Entendo que isso é pecado, mas eu não sou Deus
para condenar... hoje eu digo: “a vida é tua, ta feliz? Amém”. Nós temos o livre arbítrio, eu
não posso forçar ninguém a fazer nada, agora preciso entender que não posso te agredir
porque é uma pessoa homossexual.
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[...] as meninas são mais resolvidas, elas são mais ‘linguarudas’, elas
falam o que pensam, os meninos não.
Meu nome é Fátima, tenho 50 anos, sou casada, tenho um casal de filhos. Sou
Espírita Kardecista. Realizei Curso Técnico em contabilidade, sou Licenciada em Letras,
tenho Especialização em Educação Especial e Mestrado em Ciências Sociais. Atualmente
sou professora substituta na UFMA, no Curso de Licenciatura em Informática,
lecionando a disciplina Fundamentos da Educação. Mas, já trabalho como professora há
20 anos. Realizei o Curso GDE no Polo de Imperatriz. Na época era professora no Centro
de Ensino Médio Estado da Guanabara no município de São José de Ribamar – MA. Nasci
em São Luís e venho de uma família muito afetuosa, composta por pai, mãe, 5 irmãs e 3
irmãos. Meu pai era Agente Marítimo e Fluvial da Marinha Mercante e minha mãe
costureira. Meu pai era extremamente alegre, minha mãe também. Como meu pai
passava muito tempo fora, por conta da Marinha, minha mãe tinha que ser o homem e a
mulher da casa. Eu compreendia que esta era a forma que ela tinha de demonstrar um
pouco da presença do pai. No entanto, eu percebia que aquele “punho forte”, na verdade,
escondia uma mulher que tinha certo receio em relação ao marido, pois temia que ele
chegasse em casa e a encontrasse desarrumada, por exemplo.
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bola, a minha irmã mais velha adorava jogar bola, até hoje ela gosta de jogar bola, e ela
dizia “isso não é coisa pra menina isso é coisa pra menino, isso não pega bem” minha
irmã, brigava hoje, amanhã a minha irmã já tava com bola no braço, ela se recusava a
brincar de boneca, ela nunca aceitou, nunca gostou de boneca, não dava porque ela
quebrava as bonecas e jogava fora, minha mãe dizia “isso é coisa de menino de menina,
como é que pode não gostar de boneca” e eu não sei se é com receio de ela era muito
firme e eu sempre dizia assim pra ela com medo talvez da reação dela que ela foi sempre
muito difícil minha mãe. Já os meninos eram mais soltos, mais livres. Eu digo quando a
gente saia quando era jovem que saia todo mundo saiamos juntos tínhamos que voltar
juntos, mesmo se saísse todo mundo separado, tínhamos que voltar juntos, ela não
admitia que a gente saíssemos sozinhos. Tudo era muito bem demarcado, bem
diferenciado mesmo. Percebia muito isso nas compras de presentes do final do ano, no
dia das crianças, isso era muito bem definido em casa, percebia pelo tipo de brinquedo
que recebia.
Comecei a frequentar a escola quando tinha uns sete anos. Na verdade eu não fiz
o primeiro ano, o que fiz foi uma prova. Passei! Minha mãe foi quem me alfabetizou.
Então, eu fui pra escola fiz a prova, passei e entrei para o segundo ano. Era uma escola
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época eu era adolescente e acreditava que o fato dela ser assim era uma defesa da
condição de mulher que não casou, hoje eu já penso diferente mas eu pensava mais ou
menos isso, e dizia: “a ela é mal amada!” Eu criei um certo medo, qualquer mulher
professora que tinha esse perfil, achava que criava uma espécie de capa... já via um
pouco essa representação ... Ela era alguém que tratava as alunas e alunos de forma bem
diversa, não só na diferenciação entre meninos e meninas mas como da condição social,
dizer quem tinha dinheiro na sala... os alunos que tinha dinheiro, que os pais
financeiramente eram providos... Ela tratava de uma forma e os que não eram...
realmente eram bem diferenciados. Como eu não tinha dinheiro não era bem vista por
ela e ainda por cima usava mini saia (risos). Essa demarcação também acontecia nas
brincadeiras. Quando íamos para o recreio, nas aulas de educação física, diziam: essa
brincadeira é para menino, essa é pra menina, ou então os jogos na sala, alguns eram
para menino, outras para menina. Quando a gente fazia alguma brincadeira dentro da
sala, ela deixava muito claro essa demarcação e eu percebia isso de alguma forma.
Quando os meninos perdiam o jogo, ela dizia que houve um lapso, eles deixaram de
perceber alguma coisa, mas quando ganhavam, dizia que isso é típico do homem, ele tem
essa capacidade, tem uma inteligência maior do que a da mulher...
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ficamos em São Luís e meu pai em Barreirinhas, mas só passamos um ano aqui. E logo
em seguida fomos morar em Recife. Lá foi maravilhoso! Foi uma época muito boa! Eu
estudei em uma fundação de ensino dos Padres Capuchinos, a Fundação de Ensino
Superior de Olinda. Lá foi minha melhor fase em Recife. Completei meus dezoito anos e
fiquei lá até os vinte e oito anos. Penso que foi a melhor fase por ter sido a fase da
descoberta. Estava no ensino médio e começamos a ter contato com tudo e com todos...
comecei a namorar... Enfim... Mas, minha vida sexual não começa no ensino médio e sim
na universidade.
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trabalhar essas questões, levar para discussão... instigar os alunos a pensar, refletir
sobre essas questões... que eu acho não fazer parte da vida deles. Penso que é
importante que eles também sejam ouvidos, que a escola tenha um projeto, que isso
esteja no currículo... seria uma forma de ajudar na formação desses alunos, porque
dentro de casa não eles não têm nenhuma orientação a esse respeito. Dessa forma, a
escola, ajudaria o adolescente numa fase que é complicada... Eu digo isso, porque muitos
alunos viam em mim uma espécie de confidente. Eles acabavam me contando algumas
coisas que não contariam para outro professor, para própria coordenação ou para os
pais... pois tinham receio... mas, viam em mim certa confiança... pois diziam: “professora
eu posso falar com a senhora? Tá acontecendo isso, isso, isso...”. E eu ouvia... e muitas
vezes ficava sem saber o que falar... nesses casos, dizia: “Vou pensar e amanhã a gente
conversa”. Achava que assim eles também poderiam ver que não tem uma coisa certa,
que não existe um padrão... Esses padrões são estabelecidos pela nossa sociedade e a
gente tem que compreender para poder se identificar a partir dele. Dessa forma, penso
que a escola deveria incluir no currículo questões de gênero, sexualidade... mas para isso
teria que mudar o próprio currículo da escola, pois ele é muito fechado. Assim... quando
eu digo currículo eu me refiro a tudo que tem que ser dado. Por exemplo, língua
portuguesa, tem uma carga horária imensa! Será que se diminuísse um pouco da carga
horária e colocasse uma eletiva como tem em algumas cidades, a exemplo dos Estados
Unidos... que o aluno pode escolher... Por exemplo, ele tem tantas disciplinas para
escolher: ele tem química, ele tem física, ele tem teatro, ele tem não sei o quê... Porque
que no Brasil não pode ser assim? O aluno vai fazer matricula... tem Português,
Matemática, História e Geografia... Mas, tem cinco outras escolhas, que seria as eletivas...
como há na Universidade. Assim, não seria obrigatório todas as disciplinas... Mas,
infelizmente, essa é a nossa formação de Colônia, formação jesuíta que os Estados
Unidos, por exemplo, não têm. Aqui, como eu estava falando... Isso é bobagem! Eu tenho
um conteúdo para cumprir... eu tenho uma ementa... Professor de História, a mesma
coisa, professor de química... então, se pergunta: “Onde é que eu vou meter isso? ”. O
professor de português e o professor de física não tem um conteúdo para dar? Por que a
essas alturas... você pode tratar de igualdade, sexualidade em matemática, ciência,
história... Na hora da análise combinatória, a hora que você dar logaritmo, pode
trabalhar tudo isso... É como trabalhar com educação especial, não basta só aprender,
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saber o que é educação especial, mas sim estar sensível a questão da educação especial.
Eu acho que essa é uma questão de sensibilidade ou, uma questão de desconhecimento.
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tenho muitos amigos e amigas gays e no curso eu aprendi a respeitar mais ainda e
quando se falou da sexualidade no GDE... eu também trabalhei essas questões em minhas
aulas. Destinava cerca de 15 minutos da aula para falar sobre sexualidade... a gente
falava sobre tudo, reprodução, “homossexualismo”, falávamos sobre camisinha,
gravidez na adolescência... Eles eram quem escolhiam o tema. Nós chamávamos de aula
de conhecimentos gerais... Então cada semana... cada dia um trazia um tema. Se não
desse tempo de terminar, continuávamos com o mesmo tema na próxima aula. Eu
percebia que todo mundo falava, todo mundo participava... Como eles já tinham cerca de
16 anos e para os pais eram considerados adultos, creio que eles omitiam que tinham
essa hora de conhecimentos gerais para a família. E na escola somente eu realizava essa
atividade e os demais professores não gostavam muito dessa prática, diziam que eu “era
moderna demais para a escola”. Também era tachada de “feminista louca”. Inclusive
devido minha escrita, porque eu escrevia utilizando linguagem inclusiva, usava todos e
todas. Mas no geral não se percebe isso... Todos são todos... menino e menina são todos,
no masculino.
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exemplo: pudemos ver a pouco tempo, na campanha eleitoral de Haddad, não se falou do
“mensalão”, mas ele foi apontado como o Ministro da Educação que quis ensinar
pornografia na infância. Então podemos constatar que roubar é menos doloroso do
que dizer que se tem diversidade sexual, então podemos notar que estamos lutando
há séculos, com uma questão que não vai acabar de uma hora pra outra. É um trabalho
de formiguinha, um fala ali, outro fala aqui, e assim a gente vai conseguindo aliados. O
GDE pra mim foi importante e minhas observações acerca do curso foram muito além do
que foi visto nele. Percebi que houve algumas mudanças significativas em meu
comportamento, diante de situações emergências em relação as diferenças individuas
apresentadas na escola e também repensei minha forma de agir em algumas situações.
Durante o curso, participei pouco dos debates com os colegas pois tive alguns
problemas com minha internet, mas os que participei achei muito gratificante,
principalmente quanto às explicações dadas pela minha tutora-online em relação aos
assuntos estudados e quando ela fazia a ponte entre os cursistas e a aprendizagem
adquirida. Percebi neste curso que existe toda uma proposta educacional ativa por trás
das escolas, algo diferente hoje, em relação ao ontem, numa tentativa de mudar algumas
formas de pensar e agir de meninos e meninas em relação às diferenças existentes
dentro do espaço escolar, como forma de orientar pessoas em transformação. É dever e
papel da escola trabalhar essas diferenças, garantindo a seus docentes um saber lidar
com essa problemática de forma pacifica e respeitosa. Não é de hoje que nossas
instituições escolares, principalmente as do Brasil, estão precisando de projetos e de
curso como o GDE. Penso que os projetos, os seminários, os cursos e outras atividades
nessa perspectiva deviam fazer parte do cotidiano escolar para que se possa discutir
esses e outros temas tão importantes para a construção de pessoas mais dignamente
humana e saudável, onde o respeito pelo outro é um dever e obrigação. Em minha
observação particular, percebei que existe uma série de construções distorcidas em
relação às pessoas dentro e fora do espaço escolar, que geram construções
estereotipadas e difíceis de ser desconstruídos, aliás, a sociedade ainda insiste em
separar as pessoas pela cor, etnia, sexo, religião e tudo mais que possa criar grupo e
muitas vezes guetos. Aprendi o quanto é difícil e quanto ainda é mascarado a conduta
das pessoas nessa sociedade racista, xenofóbica, preconceituosa e discriminadora. O
papel deste curso foi explicar e mostrar estes temas dentro da escola e como os alunos e
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as alunas convivem e vivem diariamente com eles. Explicar o que acontece dentro desse
espaço com toda essa problemática, como compreender essa problemática e de que
forma reverter esse quadro triste e caótico diante de um espaço tão diferente e tão
importante para meninos e meninas em construção.
No entanto, seria ingenuidade de minha parte descrever aqui que nunca havia
percebido o grande universo diversificado que é a escola, também séria incorreto dizer
que nunca havia parado para pensar em tal assunto. Mas a partir do curso GDE, pude
observar mais atentamente o comportamento dos meninos diante das meninas e
compreender que se fazia e ainda se faz necessário mobilizar a escola para uma grande
reflexão sobre relação de gênero e suas consequências quanto não são respeitos.
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Meu nome é Jéssica, sou pedagoga, tenho 34 aos, casada e não tenho filhos e sou
Evangélica. No ensino médio, fiz Formação Geral e até hoje realizei 3 cursos de
Especialização: Metodologia do ensino superior. Informática aplicada à educação e
Gestão educacional. Comecei a trabalhar na educação desde 1997, quando tinha 15 anos
de idade. Nasci em Imperatriz e tenho apenas uma irmã. Tanto meu pai como minha
mãe, são lavradores e atualmente estão aposentados.
Tive uma infância muito tranquila! Só tenho uma irmã e ela é apenas um ano e
três meses mais nova do que eu. Com isso, muita gente achava que éramos gêmeas.
Somente depois de certo tempo viram que eu era mais velha. Em nossa família não havia
conflitos, era uma família normal! Nós íamos da casa para a escola e da escola para casa.
Brincávamos com os primos e com alguns poucos amigos... Entre os membros da
família, não havia muita relação de conversa, especialmente entre pai e filha. E por sinal,
tanto meu pai, como minha mãe sempre nos acompanharam muito bem na escola. Todo
dia tinha que fazer as tarefas, por exemplo. Meu pai apenas nos acompanhava na escola,
era ele quem orientava as atividades, enquanto a mãe, às vezes, costurava por
encomenda e também trabalhava mesmo. Por isso, era meu pai quem cuidava mais de
nosso acompanhamento na escola, até porque era ele quem tinha uma facilidade maior
para nos orientar nas atividades escolares. Durante a infância, em relação ao diálogo
com a família, não lembro bem sobre quais assuntos eram discutidos. Mas, lembro, que a
gente batia muitos “papos”, até porque a mãe passava o dia em casa conosco. Embora
não tivesse muito o que conversar, ela dava muitos conselhos. Na época brincava muito
na rua, próximo a nossa casa. Eram brincadeiras simples, como casinha, pular elástico,
dentre outras. Naquele tempo ainda era possível fazer isso numa rua, hoje já não é! Mas,
minha mãe, sempre nos orientava, dizendo que não devíamos dar atenção a pessoas
estranhas... Se alguém fizesse, ou dissesse alguma coisa, tinha que voltar logo para casa.
Então, nesse sentido, ela mais aconselhava, especialmente sobre o nosso
comportamento diante de determinada situação. Além disso, dizia que tínhamos que
ficar apenas na calçada, não longe de nossa casa. Ela também conversava sobre nossa
escolaridade. Meus pais sempre diziam: “olha, estuda porque é a única saída que vocês
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têm pra terem um trabalho melhor...” O pai era aquele que todo dia de tarde tinha que
olhar a tarefa da gente e ver se tinha feito, além de corrigi-las... Como somos nordestinos,
pernambucanos, a relação entre pai e filha é mais fria mesmo. Mas, ele acabava
conversando com a gente também, especialmente para saber como estávamos na escola,
sobre nosso comportamento... Já minha mãe ...esta sim! Sentava, dava conselhos... Este é
o papel mesmo de mãe. O pai mais fiscalizava, queria saber o que estava acontecendo....
Era ele quem ia muito as reuniões de pais... também volto a dizer…até pela sua
escolaridade.
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Quando éramos adolescentes, tanto meu pai, como minha mãe sentava conosco
conversavam, davam exemplos de coisas que aconteciam... havia situações na própria
família de gravidez na adolescência, de situações que foram ruins para a adolescente.
Então, as demais famílias tinham que chegar e dizer: “Oh! São consequências de atos
impensados...”
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Ainda quando criança, se fizesse alguma coisa que meus pais não aprovassem,
tipo assim, falar um palavrão, brigar com algum coleguinha ou se fizesse alguma coisa
que eles não aprovassem, confesso que conversar olho no olho com meu pai, que tinha
um metro e oitenta, era já pra mim assustador, mas eu não tive pais agressivos que bate
nos filhos. Eu lembro que apanhei uma única vez. E isso depois de eu ter sido avisada...
que se eu repetisse o comportamento... Na época eu cantava num coral infantil na igreja
e o coral se apresentava todas as às quartas feiras e eu gostava muito de conversar,
como até hoje eu gosto. Lembro que uma vez o pastor advertiu a mim, minha irmã e
minha prima por conversar durante o culto. Com isso, meus pais falaram: “se você
novamente for chamada a atenção por causa disso...”. Mas, eu continuei a conversar, por
conta disso eu apanhei. Eu fui avisada, eu sabia que estava errada mesmo... Imagina: o
pessoal fazendo a cerimônia do culto e eu batendo papo com as colegas... Minha mãe
havia dito que se eu repetisse esse comportamento...mas foi uma única vez... Mas, assim...
a relação na família era muito na conversa mesmo... Eu lembro que uma vez ele tinha um
objeto de decoração e eu quebrei, se querer... numa brincadeira, acabei passando
despercebido, correndo, brincando com outra criança, quando passei e quebrei o objeto.
Naquele dia, tinha uma visita em nossa casa e ela perguntou pro meu pai: “Tu não vai dar
uma pisa nela?” E ele disse: “Se eu batesse e emendasse eu ia fazer... mas, como não vai
emendar...” Ele só me chamou atenção, pedindo para eu tomar mais cuidado e pediu pra
eu juntar os cacos e jogar fora...
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filhas gêmeas que haviam, então, creio que ela tentava ter as gêmeas em idade diferente.
E esse primo... ela fazia a mesma roupa, do mesmo tecido pra ele também (risos). Eu
dizia: “Oh, trigêmeos agora... Hoje a gente faz esta leitura quando olhamos as fotos...”.
Iniciei meu processo de escolarização, não na educação formal, iniciei com uma
professora que alfabetizava em sua própria casa numa turma de alfabetização... Até
porque na época a pré-escola, ou educação infantil ainda não era obrigatória. Só quando
iniciei o fundamental, fui para uma escola pública. Foi quando descobri que o que via nas
brincadeiras de escolinha com minha irmã e minha prima em casa, era o mesmo que a
escola ensinava. Então, posso dizer que meu processo de alfabetização iniciou com as
brincadeiras em casa.... Quando cheguei na escola, descobri que já sabia muita
coisa..(risos) E foi muito fácil aprender a ler e escrever. Essa primeira escola era
municipal, hoje ela é estadual... A estrutura não era das melhores... foi uma época em que
Imperatriz viveu acho que assim um dos seus piores períodos politicamente. A primeira
vez que eu fui a escola, eu fugi. Isso porque a professora apresentou sua proposta de
trabalho e disse que quem não fizesse a tarefa ia ficar de joelho, de castigo e que não ia
ter lanche. Com isso, na hora do intervalo eu fui pra casa, eu fugi da escola e ela nem viu.
Fiquei com muito medo, por ela ter dito que ia nos deixar sem lanchar, sem brincar e
ainda ia nos colocar de joelho na frente de todo mundo... Não quis mais voltar para a
escola naquele ano. Fiz as pazes com esse ambiente quando fui a uma festa do dia das
crianças com minha irmã. Foi quando vi que as crianças brincavam e tinham lanche.
Então no ano seguinte eu fui para a escola formal mesmo, quando eu cheguei, eu já
estava alfabetizada, enquanto a maioria da minha turma não sabia ler. Com isso, acabei
virando a monitora da turma junto com a professora. Essa minha primeira professora
hoje é uma colega de trabalho. Trabalha na Secretária de Educação e é diretora de uma
escola. Ela era um encanto, bem mais acolhedora e aí eu me apaixonei por ela...
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na escola bíblica, a gente fazia teatro, poesias, declamava poesias. Como eu tinha
facilidade com a leitura, os professores acabavam me convidando... Na escola gostava
muitos de estar com os amigos na verdade... em relação as aulas, estas não deixaram
saudades não... A professora que tive era carinhosa, já no segundo ano não era tanto.
Mas, eu gostava de estudar...de ouvir histórias... Odiava desenhar, não sei até hoje odeio.
Eu sempre me saía muito mal eu era péssima de arte. Em relação às questões de gênero,
diversidade ou sexualidade, nunca estudei. Nem mesmo nas aulas de ciências. Eu acho
que nem no ensino médio...talvez no ensino médio em alguma aula de Biologia... a escola
ela realmente... muito tradicional. Não lembro, mas acho que nas aulas de ciências era
apresentado o aparelho reprodutor, de um modo técnico mesmo... com alguns desenhos,
explicação de algumas partes, aprendia, respondia na prova e pronto. Ninguém discutia
essas questões. Elas eram bem distante mesmo. Como os demais conteúdos também. É
que a escola tradicional ela trata tudo de forma muito distante de nossa realidade, não é
mesmo? Além disso, naquela época havia tratamento diferenciado entre os meninos e as
meninas. A própria escola nos separava, havia o lado de menino e o lada de menina.
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291
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de mil, novecentos e setenta e eu saí da faculdade consciente disso. Com isso, acabamos
levando um déficit de coisas que precisa ser superado. Por exemplo, a informática na
educação eu também não vi, mas fui buscar esse conhecimento na especialização. Até
hoje, eu venho pontuando as brechas que ficaram da formação inicial e venho suprir na
formação continuada. Hoje eu avalio minha formação como professora, como pedagoga,
tanto em relação a essas questões de gênero e sexualidade ou mesmo a formação geral,
destacando que se deu de forma muito técnica, muito mais voltada às questões
metodológicas, de organização. A minha habilitação foi administração escolar, então via
muito mais a questão da gestão, da organização do espaço e dos tempos pedagógicos, a
legislação, a metodologia, as didáticas, psicologia de aprendizado. De qualquer forma,
considero que foi bacana, foi boa.
Quando iniciei meu trabalho na educação, foi com uma turma de alfabetização.
Eu procurava não repetir a experiência que tive... até porque não acho interessante ficar
fazendo a mesma coisa...eu trabalhei um ano na alfabetização, no outro ano eu solicitei
que fosse para a primeira série e no ano seguinte, a escola me colocou na coordenação.
Fiquei um bom tempo como coordenadora. Em seguida fui para a educação profissional
e da educação profissional eu voltei paro o município como pedagoga de um curso
técnico. Num ano estava numa escola, no outro ano em outra e assim... eu acho até
interessante alguém dizer que isso. Atualmente estou há vinte anos fazendo isso... Eu
fico olhando... e digo: não tenho paciência de fazer a mesma coisa por dois, três anos
seguidos... Quando passei no vestibular, me fizeram o convite pra eu ser professora de
alfabetização de uma escolinha que estavam abrindo... Nessa turma de alfabetização não
trabalhei as questões de gênero, sexualidade... Eu acredito que naquela turma ainda não
tinha esse despertar. Depois que comecei a formação continuada... antes de fazer o GDE,
eu já tinha feito o Curso SPE. Isso foi quando estava trabalhando na coordenação. Nessa
época eu comecei a trabalhar com os professores, desenvolvendo projetos, então fui me
aperfeiçoando e foi acontecendo... Em minha atuação como como professora, no ensino
fundamental, lembro que tive aluno e uma aluna que apresentava comportamento que
não era próprio para seu sexo, conforme esperado pela sociedade. O menino... assim...
que a sociedade diz, mas eu... sinceramente eu não conseguia ver dessa forma, vai muito
da relação que a criança tem em casa, de com quem que ela brinca e tal... Também tinha
uma aluna que parecia um menino, por ela ser valente, por ela em qualquer situação
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querer tomar o partido, ela queria ser a “mão de ferro” mesmo, de resolver tudo do jeito
dela e era mesmo tosco... As pessoas diziam: “Essa menina é meio machão! ”. Ela é
esquentada como tem gente que é ... Eu achava que esse comportamento poderia ser
reflexo... sei lá! De repente, da mãe, do pai ou... ela em casa poderia ter alguém que
enchia sua paciência... e ela demonstrava aquele reflexo... mas, eu não via como atitude
de...
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tanto sol que três dia ou quatro dia ela vai sair, é a melanina, que determina a cor. Em
todas as circunstâncias, eu sei que sofri bastante sobre isso na infância e ficava muito
chatEaDa...
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295
Sobre a inclusão dessas questões no currículo das escolas, nós temos hoje, não é
só de hoje, mas sim, trata-se de um projeto antigo da rede: nós trabalhamos com “Saúde
e Prevenção nas Escolas”. A gente abrange principalmente os alunos entre do sexto ao
nono ano. Na educação infantil esse trabalho já é mais... temos as pessoas que já
acompanham os professores... mas, não dando orientação e sim combatendo atitudes
preconceituosas... em relação as essas orientações acerca da sexualidade mesmo, nós
temos o trabalho de prevenção nas escolas, com a formação de professores e devido à
perda de adolescentes por conta da gravidez”. Então, anualmente há um trabalho
desenvolvido com os professores que fazem a formação, desenvolvem projetos... São
socializados a experiência de cada escola, que cada professor desenvolve no curso e são
indicados dois, três adolescentes pra também participarem dessa formação.
No que diz respeito ao meu ingresso no curso GDE... Bem! Eu tinha acabado de
concluir o projeto “Saúde e prevenções nas escolas”. Na época era supervisora na rede,
tinha feito o curso e um trabalho sobre ele na escola que eu trabalhava... foi quando vi o
edital do curso GDE. Olhei e percebi que dava certa continuidade àquilo que a gente já
tinha feito nos estudos anteriores. E também porque tratava da questão racial. Esta era
uma temática que eu precisava estudar, pois na escola que eu trabalhava havíamos
desenvolvido um projeto sobre o tema. Quando eu comentei sobre a proposta de fazer
um trabalho, exatamente em novembro, por conta do dia da consciência negra, alguém
que era do movimento olhou pra mim: “mas, você é branca, como é que você vai fazer
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296
um projeto sobre as questões raciais? ”. Então, disse: “agora porque eu sou branca eu
vou ser obrigada a ser racista, preconceituosa por determinação? Digo exatamente o
contrário, acho que precisa todo mundo se compreender”. Então, eu dei a volta por cima
e disse que aquela atitude também era racista, só porque uma pessoa é branca não pode
trabalhar com questões raciais. Por conta de querer uma continuidade do outro curso
que já tinha feito, além de buscar uma compreensão melhor sobre essa questão racial,
dessa discussão que era feita, decidi realizar o curso GDE. Sobre o desenvolvimento do
curso.... Nós começamos com módulo de diversidade de gênero, sexualidade e nós
tivemos alguns encontros presenciais aqui em Imperatriz e nessa época esses encontros
foram bem esporádicos. Eu participei... teve um que eu não fiquei até o final, eu estava
adoecida. O curso era à distância... Então assim... era mais a nossa leitura e produção
mesmo. E sobre os encontros presenciais, talvez... Bom, eu não tive o espaço de debate,
de conversa com outras pessoas... Mas, assim, eu fui para aprender, para compreender,
não fui para julgar, não fui para botar a minha ideia e contrapor a outra. Em relação aos
momentos online... o curso foi interessante... as discussões eram mais pautadas na
proposta.
Quando chegou na questão de... da sexualidade mesmo... da questão que tratava
da homossexualidade, então muitas pessoas... criticaram os evangélicos, como se eles
fossem as pessoas preconceituosas, mas, na verdade, nós moramos num país que ama a
liberdade também de credo... Eu não sou obrigada a concordar com o que você faz e
achar que o que você faz, o que é pra mim... Eu também não concordo e não quero fazer
o que você faz, não concordo com sua prática e não sou obrigada a me desentender
contigo e ser tua inimiga. Eu acho que é preciso colocar isso de forma bem tranquila,
assim. “Se você não defende uma fé? Tranquilo! Você é livre para não defender essa fé!
Se você defende, você é livre para que defenda sua fé! Então a gente precisa também
compreender que há o direito de liberdade da fé”. Durante o curso, num dos fóruns
houve comentários... inclusive de pessoas... que criticavam... e eu digo eles criticam o
evangelho, mas não podem criticar o cristianismo... Esses comentários de deram não só
no fórum, mas também fora dele, por pessoas que realizam o curso, na cidade. Então
assim... alguém chega mesmo a querer dizer que a outra pessoa é preconceituosa e tal....
Nosso profeta usa uma fé que você não é obrigada a professar. Eu tenho um amigo
adventista que são muito amigos meu que eles têm certeza que eu estou errada por
trabalhar pra caramba no sábado. Porém, nós vamos continuar sendo amigos eu vou
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conversou sobre isso... Nós tínhamos um tratamento muito saudável e somos amigos até
hoje... ele me apresentou o namorado...na época o namorado dele também precisou
fazer... A gente precisou de um trabalho, de alguém que era da área dele, que era de
artes e ele foi contratado... fez um trabalho brilhante... Mas serviu pra gente se reafirmar
ainda mais é.... Com respeito a pessoa de direitos que cada um tem... Sobre as possíveis
possibilidades que o curso oferece, para que os professores possam desenvolver na
prática nas escolas a questão masculino e feminino no processo de igualdade. Por
exemplo, é...todas as questões de gênero que falei, eu sobre a questão da... do
empoderamento das mulheres... Olha, uma das coisas que o curso me chamou a atenção:
aqui em Imperatriz, uma das poucas cidades maranhense que tem a secretaria de
mulher e o que a gente houve muitas vezes é alguém que chega e diz: “Para que serve
essa secretaria? Ela faz o quê?” para nada!...Então assim, quando a gente tá na frente das
escolas e percebe que a maioria dos representantes dos conselhos, são homens! Os
líderes de turma? São homens! Então, nós estamos atribuindo o papel de liderança de
poder aos homens. Então, eu digo: Muitas de nós mulheres fazemos isso e não nos
damos conta de que estamos ajudando a reproduzir uma desigualdade, do qual nós
mesmas somos vítimas.
Acho que o curso serviu para que pudéssemos perceber essas nuances, em
pequenas coisas que não estão claras, mas que estão implícitas nas atitudes. O que a
leitura do material e a discussão que foi feita, me ajuda hoje a perceber melhor. Hoje eu
consigo perceber, em todo lugar que eu estou... por exemplo, quando vão formar uma
mesa de autoridade, não tem jeito... eu conto quantos homens têm e quantas mulheres.
(risos). E na educação? Na educação, que é predominantemente uma área feminina... a
mesa tem mais homens... É para gente fazer essa leitura mesmo... Para o professor é bom
que ele se perceba, porque a gente reproduz essas ações sem se dar conta. Em relação ao
projeto elabora do final do curso... assim, acabei nem desenvolvendo todo, porque eu
tive que saí da escola onde eu trabalhava na época e... tendo outro trabalho...Mas a gente
consegue deixar a dica, e pude deixar para que o trabalho pudesse ser desenvolvido por
outros professores. E hoje na Secretaria nós trabalhamos estas questões. E
desenvolvemos outros projetos relacionados à gênero e sexualidade. Inclusive foi
sugestão minha. Esse ano ele andou timidamente, pois a pessoa que coordenou... Nós
temos um segmento na secretaria que chamamos de PROEP-EJA, um Programa de
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curso, ela é de nossa responsabilidade. O curso não tem como, não tem o curso sanar a
dificuldade da escrita e leitura das pessoas e de lidar com a Informática, que é outro
desafio... Então às vezes nem vindo a tutoria eles que vão ter que produzir o texto... ai
ajudar a enviar tudo bem...mas produzir por eles não dar (risos). Talvez se o curso fosse
presencial, os debates poderiam ser mais acalorados… e as pessoas até conseguissem...
Não sei, mas é bastante.
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Hoje eu falo para as pessoas, sem ter medo de me posicionar e sem ter vergonha,
sobre a minha convicção... para mim, cada pessoa é livre para escolher o que quer
ser na parte da sexualidade ...”
Meu nome é João, tenho 34 anos e nasci em Tocantinópolis, do outro lado do rio,
mas sempre morei em Porto Franco. Minha mãe atravessava o rio de canoa todos os dias
para trabalhar e acabei nascendo do outro lado, no estado de Goiás, atual Tocantins, e
não no Maranhão. Agora temos a balsa e as voadeiras, agora atravesso o rio de balsa
juntamente com os carros de transporte. Meu pai separou-se da minha mãe já tem um
bom tempo, eu ainda era criança, tinha cerca de oito anos de idade. Hoje ela mora com
outro homem, mas não casou no papel e é aposentada como servidora pública do
município, serviços gerais, embora fosse professora do estado.
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Tocantinópolis e na época iniciava os estudos não sei se era seis anos ou era sete anos na
época e eu fui estudar em escola pública. Ainda hoje me recordo que naquela época tinha
o Jardim e eu fui com sete anos se não me engano. Minha família sempre foi humilde.
Minha mãe foi terminar o segundo grau, fez magistério depois de todos os filhos
nascidos. E quando tinha oito anos, oito a nove anos, fui surpreendido com a separação
dos meus pais. Por isso desde cedo eu estudava e trabalhava. Minha mãe era costureira
também e nós fomos crescendo, trabalhando e estudando... Eu estudava geralmente no
período da manhã e à tarde eu ia vender alguma coisa na rua: geladinho ou pastel. Isso
para ter mais uma renda em casa. E minha vida foi essa assim eu quase não tive infância,
quase não brinquei, sempre trabalhando e estudando... Minha mãe trabalhava na roça e
mantinha essa cultura plantar para a nossa subsistência. Assim, quando da separação ela
insistiu em fazer uma roça nas proximidades de nossa casa e quando saíamos da escola,
nos longos períodos de plantio, íamos todos pra lá. Mas, tinha uns irmãos meus que com
dezesseis anos foram embora de Porto Franco, já eram “donos do próprio nariz”. Quem
ficou como eu, tinha que trabalhar na roça também período de cultivo, mas eu não
gostava, era complicado demais...muito pesado e ai eu falava assim pra minha mãe. Eu
pensava assim...eu sempre sentia falta de...minha mãe era daquela mulher bem rígida,
entende? Tanto que para dar um abraço, para ganhar um abraço dela era complicado. Eu
sempre gostei da minha mãe, eu sempre admirei o jeito dela, mas afeto, carinho de mãe,
de mãe para filho, eu não tive. Até hoje, para dar eu um abraço na minha mãe é muito
difícil... porque eu não fui criado nesse regime... Então, as vezes invejava as crianças
brincando na rua, pois eu não tive infância. Eu pensava comigo: “poxa essa vida aqui...
será se não vou crescer um dia na vida?” Foi quando disse que queria estudar. Então
minha mãe falava: se você estudar, você vai! Ai coloquei isso na cabeça: vou estudar...vou
estudar! Nessa época ela ainda não era professora. Mas, logo em seguida, também ela
também voltou a estudar. Isso no final da década de 1980 e acabou sendo professora do
estado. Ela foi professora do estado e atuava também no município. Mas ela sempre ia
orientando, era uma mãe dura entendeu, tão dura que às vezes até agradeço a forma que
ela nos tratava... por que isso fez com que nós os filhos criássemos assim estímulos
assim para estudar. Ela era aquela mãe que não se preocupava com o filho na escola e
éramos obrigados a passar de ano. Ela alegava: “Olha, eu te dou o sustento e você tem
que se interessar na escola”. E como eu desenvolvi o objetivo não repetir de ano. E na
reunião de pais, as vezes minha mãe não ia, não ia porque ela sabia que íamos bem na
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303
escola. Ela sabia que a gente tinha aquela obrigação, então às vezes, ela não se
importava. Mas assim... mas mesmo assim com tudo isso, eu sentia um vazio na época de
minha adolescência. Sentia falta de carinho... de atenção... Eu trabalhava muito! Eu
trabalhava na rua com vendas e estudava muito porque tinha que passar de ano. Com
isso, sempre fui o mais dedicado aos estudos... e mudando... Comecei a trabalhar em lojas
em comércio na minha adolescência, comecei a namorar, não queria mais me expor em
certos serviços (risos), eu sempre quis andar bem vestido. Pra você ter uma ideia minha
mãe, eu acho que ela me deu roupa até os dez anos de idade, depois eu mesmo comprava
minhas roupas, calçados...
Quando da separação dos meus pais, até hoje eu ainda recordo de algumas coisas.
É interessante que criança lembra de muita coisa. Eu sempre via meus pais discutindo,
discutindo, durante o dia, a noite. Mais eu entendia pouca coisa, eu não sabia o foco real
da discussão. Mas, já na adolescência foi mais difícil, porque nas festas de pais não tinha
quem me representasse. Eu nem me animava quando chegava a festa dos pais. Às vezes
eu nem ia pra festa. Eu convivi pouco tempo com ele, mas lembro que ele era muito
atencioso com os filhos, ele não era de bater... Agora minha mãe era muito carrasca, ela
batia mesmo! Depois da separação ele foi embora e eu fui ter contato com ele, uns dez
anos depois, quando ele andou aqui em Porto Franco e ele não morava nem tão longe,
morava em Gurupi, Tocantins. Na época, para mim, essa visita foi estranha... como a
gente não tinha contato com ele, não tinha internet, nem telefone... ele foi embora,
construiu uma outra família, tem uma outra filha, já com dezenove anos. Mas, assim não
há relação entre nós... tanto da parte dele, quanto da minha parte também. Ele se
chateou tanto que falava que não queria que nos apegássemos a ele... Eu cheguei a
conversar com ele, mas assim... Eu tentava chamar de pai mais não conseguia. Porque eu
não fui ensinado e nem criado daquela forma, então era complicado. Eu nunca falei para
ninguém mais vou falar agora... Muitos detalhes que me deixou triste, sobre a vinda dele,
da primeira vinda, quando ele falou da ação decorrente da separação. Ele falou que eu
não era filho dele...isso eu nunca esqueci. Eu acho que isso impediu também a relação de
muitos filhos...de alguns irmãos meus com ele também. Ele falava por aí, em casas de
conhecidos que “quantidade X não era filho dele” e tudo mais... as vezes ele exagerava,
dizia que nenhum era filho dele... Até minha filha de oito anos disse que não conhece o
avô dela. Meu pai (Risos). Fico sorrindo (risos,) brinco com ela... E na festa na escola... ela
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estuda na escola Adventista e lá tem sempre a festa de avós. Desde os seis anos idade ela
chega para mim e diz: “pai o meu avô, o seu pai nunca veio na minha festa?!” Quando
adolescente, quando tinha os meus quinze anos, ela arrumou outra pessoa e viveu uns
dez anos com esse outro e depois arrumou o atual, que vive até agora. Mas, eu nunca
quis ter a figura de um padrasto, mesmo sentindo falta de um pai. Hoje eu tenho duas
filhas uma de oito anos e outra de dois e meio e eu tento ser o pai que não tive...
Em casa nosso tratamento era bem diferenciado. Era diferente por que as
meninas estudavam e tinham os afazeres da casa... elas ficavam com as tarefas
domésticas, enquanto nós meninos, íamos ganhar dinheiro, trabalhando fora de casa. O
regime de tratamento da minha família era um pouco rígido, não podíamos sair de casa,
brincar na rua. Eu era um menino muito assustado, tanto que quando fui a primeira vez
pra escola, chorei muito... Na época, tinha uns sete, oito anos... eu não queria estudar, ir
para a escola, importunava tanto que mãe acabou me tirando daquela escola. Com isso,
passei um ano sem estudar. Mas, apanhei muito por isso. No ano seguinte, ela me
colocou em outra escola, mas eu também não queria e fugia da escola e chorava muito.
Por isso, eu apanhei muito também. Outra coisa: lá em casa... quando um apanhava,
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Na escola, no ensino fundamental tinha uma professora que eu não gostava. Ela
me tratava de uma forma diferente... porque eu não sei... mas, na época a mãe tinha que
dar suporte para dez filhos. Era obrigatório utilizar a farda completa: sapato preto, meia
preta, calça e uniforme da escola ... Era uma escola pública e as vezes eu ia com outra
roupa, às vezes a farda estava suja, as vezes até rasgada... Com isso, sentia que ela me
tratava de uma forma diferente entendeu, pois brigava muito comigo na sala de aula... Eu
era um aluno que não conversava, era muito caladão e por isso, alguns professores até se
preocupavam comigo. Mas, eu sentia que era tratado de forma diferente, pois a
professora parecia maldosa comigo... me botava de castigo, dava beliscão no braço e me
botava de castigo... ficava encostado no quadro de frente pra parede, mas eu nem
entendia e ficava calado, até que minha mãe soube e me tirou da escola. Outra coisa: eu
também não gostava da rigidez no tratamento dos alunos... as vezes não podia nem
correr no pátio na hora do intervalo, a rigidez dos professores em dar suspensão... Às
vezes acontecia alguma coisa na sala de aula, um aluno fazia alguma coisa e todo o grupo
era suspenso. Em relação à sexualidade, lembro que nos anos finais do ensino
fundamental os alunos discutiam entre si, falando baixinho sobre o comportamento de
tal pessoa, de mulher, de homem que parecia ser homossexual e víamos que havia
crianças que tinha uma certa tendência, que demonstravam esse lado... Então, tais
questões eram, diretamente falando, mais tratadas no círculo de alunos. A escola não
tratava esses assuntos, nem mesmo nas aulas de ciências. Estudávamos apenas o
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essencial do corpo humano. Lembro que os meninos eram mais assanhados e diziam
para o professor: “você não vai falar dessa parte não? Do livro, da parte da mulher e do
homem? Para que serve? ”. Mas, eu sempre ficava na minha, ouvindo e a professora
falava: “deixa disso menino! ”. Então, o corpo humano era tratado de forma geral com
algumas interrupções que eu achava engraçado, pois todos sorriam quando ela falava...
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UFT, bem divulgado na região... Ele é extraordinário e atualmente faz pós doutorado em
Portugal. Ele sempre trabalhou questões de gênero e com ele, aprendi a gostar mais da
pedagogia, aprendi a estudar mais também... eu nunca reprovei em nenhuma disciplina...
e hoje posso dizer que gosto de pedagogia tanto, que hoje eu a defendo. Posso até dizer
que a melhor coisa que aconteceu na minha vida foi em me formar em pedagogia...e as
vezes até me emociono em falar isso entendeu ... amo demais pedagogia... e tenho
saudades dos professores que me deram uma força muito grande...da luta que
enfrentava... da correria para pegar a última balsa para atravessar o rio... a última
viagem era dez horas da noite... a aula acabava dez horas, mas os professores entendiam
e deixavam eu sair mais cedo... Às vezes eu chegava atrasado também...mas eu não
faltava na faculdade...por nada nesse mundo...eu não perdia uma aula... só se acontecesse
alguma coisa grave...eu não gostava de faltar... A pedagogia foi uma das melhores
experiências que tive na vida... hoje...acho ela abriu um leque para muitas coisas na
minha vida...
Eu aprendi muito com o professor Eliseu, que também foi orientador de meu
Trabalho de conclusão de Curso (TCC) trabalhou as disciplinas Ética e Filosofia da
educação. Numa certa ocasião, eu fiz até fiz parte na organização de um dos Seminários
de Gênero que ele realizava todos os anos. Com isso, quando surgiu o curso de GDE eu
me interessei logo de início... Na minha opinião, as questões de gênero e sexualidade são
importantes e deveriam ser trabalhadas em todos os cursos de licenciatura incluindo o
curso pedagogia... Seria bom tratar de uma realidade existente que sempre existiu
porque quando estudamos passamos a respeitar, a entender e a vivenciar de perto essa
realidade... sabe o que eu analiso? Na UFT, o seminário que comentei acontece somente
Campus de Tocantinópolis... Em Palmas não tem, não tem. Mas, seria bom que os campus
das universidades direcionassem esses estudos e não só paro os acadêmicos mas para
comunidade em geral... Bem! Eu poderia resumir Gênero assim...resumindo falando... Ele
está relacionado... no meu ponto de vista, ele está relacionado ao modo de vida...a
sexualidade, as opções sexuais...eu não sei se é isso mesmo, mas minha opinião visão é
isso... nesse sentido, de forma resumida... Um ponto muito importante...em relação
assim... é muito importante porque trata diretamente a questão de vivencia, de
vivencia...de escolhas também... Sexualidade...é basicamente isso... são as opções, as
escolhas... é o modo expressivo como alguém se coloca para o outro...
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Hoje em dia, nas escolas, já tem algumas orientações sobre sexualidade, porque
existem psicólogos que em alguns momentos atuam em sala de aula... Aqui é comum
psicólogos passarem nas escolas pra dar palestra... Mas, em sala de aula mesmo, os
professores trabalham muito pouco essa questão, acho que ainda estão se adequando
com a situação de passar ao semelhante o ensino sobre a sexualidade, mas, as vezes,
quando existe algumas palestras, eles trabalham ali, naquele momento... Eles dizem: “um
dia vou fazer palestra sobre determinada coisa, agora trabalhar diariamente isso em sala
de aula, aqui em Porto Franco não se trabalha...Eu acho que essas temáticas deveriam
estar incluídas no currículo das escolas. Eu analiso assim: na minha época de
adolescente, quase não tinha informação nenhuma. Hoje a mídia ensina muita coisa
acerca da sexualidade, então temos que acompanhar essa evolução, porque se a internet
ensina, porque não na sala de aula? A pessoa vê muita coisa na internet, tem muita
informação, então para mim não teria nenhum problema, deve ser incluso sim!
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Sobre o projeto que elaboramos no Curso? Bem! O projeto assim da... Olha!...Não
chegamos a desenvolver não.. Na prática, não chegamos a trabalhar... Mas, pensamos
assim... porque existe essa necessidade de trabalhar na adolescência, então na época a
gente pensou... vamos tentar desenvolver o projeto, no foco que tem mais necessidade
que é o adolescente, então vamos focar nele. Eu também trabalhei com adolescentes na
época em que eu era professor e as minhas colegas davam aula no ensino fundamental,
então partiu daí essa ideia... E em relação a gênero, sexualidade eu acho que houve
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310
muitas mudanças de posturas em relação a essas questões depois do curso, pois eu tinha
um pensamento... digamos muito...negativo. Assim, não de forma exagerada, pois as
questões religiosas... devido à religião, aos ensinos bíblicos, alguns teólogos, alguns
especialistas na área cristã, no caso a escolha, a opção sexual... uma coisa bíblica... eu
acho que até entrar na faculdade...eu tinha assim... Eu não tinha...eu ficava na minha, eu
nunca tive preconceito com ninguém... E até tenho amigos, amigas...meus amigos de
infância... que eu sei a orientação sexual deles... e de meninas também entendeu... mas
nunca tive preconceito... só que devido algumas pessoas tentarem camuflar... ensinar de
uma forma e querem ensinar e a gente fica meio balancEaDo... não aceitar uma coisa é
um detalhe... e não aceitar e ser preconceituoso é outro detalhe... Então não é que eu não
aceitava, eu tinha aquele limite...poxa! Eu me perguntava: “Será que é assim mesmo? ” Eu
sempre tive minhas interrogações...
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311
Como diz a história é você jogar o jogo dos alunos... é ensinar e aprender
juntos com eles, e é claro você corrigindo o linguajar deles. Então, eu não
tenho dificuldade de trabalhar a sexualidade.
Meu nome é Vera, nasci no ano de mil novecentos e setenta e oito. Sou casada e
tenho um bebê que irá completar um aninho de vida daqui a dois meses. Fiz curso de
magistério no Ensino Médio e Licenciatura em Geografia, além de ter uma Especialização
em Docência do Ensino Superior. Sou professora há 18 anos e atualmente leciono as
disciplinas Geografia e Ética e Cidadania do 6º ao 9º ano na Escola Municipal Cecília
Bento. Nasci e realizei o Curso GDE em Porto Franco. Venho de uma família com 5 filhos,
sendo quatro moças e eu sou a caçula das mulheres e tem um rapaz que é mais novo que
eu. Nós morávamos no campo, próximo à cidade e estudávamos na cidade. Era bem
pertinho! E foi uma vida simples, mas era uma vida boa! Mas, tínhamos, digamos assim,
uma vida normal...uma vida simples. Tive uma boa infância, as minhas notas na escola
eram boas... eu tive a primeira nota baixa apenas na quinta série, na disciplina de inglês.
Nossa! Chorei demais!! E foi um seis e meio (risos), que até a professora depois, chegou
a rever a situação e viu que eu não merecia aquela nota. Eu tive um pouquinho de
complicação, já no ensino médio, devido já trabalhar e eu não conseguia conciliar o
estudo com o trabalho, o meu tempo de estudo era pouco e de trabalhar era mais, mas
mesmo assim eu consegui. Nunca fiquei reprovada.
Minha mãe conversava bastante com a gente, mas apenas o que se referia aos
estudos. Não conversava, digamos assim... como hoje a gente tem uma facilidade maior
para conversar hoje... sobre essas coisas... Mas, nós aprendíamos na escola, com colegas,
com professores, na mídia que mostra alguns casos. Nós também tínhamos curiosidade
de perguntar, mas algumas vezes recebia broncas por isso (risos). Os meus pais sempre
foram assim fechados. Eles eram tradicionais. Às vezes perguntava algumas coisas a
minha mãe, o meu pai, nunca foi de chegar e aconselhar essas certas coisas. Minha mãe
acompanhava mais a gente. As curiosidades que vinham eram mais sobre a questão de
estudo, na parte... assim de namoro... quando eu comecei a entrar na adolescência... Mas,
algumas coisas a gente via mesmo na mídia. Algumas coisas minha mãe respondia... de
uma forma aberta, correta; já para outras coisas ela bronqueava com a gente. Eu achava
aquilo um absurdo. Ela dizia: “Deixa quando crescer mais vocês vão saber!” Falava
assim, mas o que ela podia fazer? Ela era uma pessoa assim... o estudo dela foi pouco, ela
estudou só o fundamental menor é não sabia como mostrar, passar para os filhos
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312
assim.... A gente ia aprendendo com o tempo. Com meu pai eu não conversava, ele era
mais fechado. Ele não chegava a falar sobre futuro... essas coisas não. Acho que nossa
convivência, quando a gente era já estava na adolescência, nossa própria convivência
nos fazia aceitar tudo aquilo, mas, quando a gente começou a entender melhor as coisas,
quando fomos conhecendo melhor... as portas foram se abrindo, começamos a ter mais
curiosidades... perguntava mais... às vezes não sabiam responder, na realidade eles não
sabiam como responder. Eu acho que eles até tentavam, mas não sabia como... aquela
questão do tradicionalismo não deixava. Na época eu tinha uma tia que ela era mais
experiente. Ela nem morava tão próximo da gente. Ela já morava na cidade grande, tinha
estudado mais e tinha um trabalho mais aberto. Então era ela quem mais nos
aconselhava quando ela vinha nos visitar... ela aconselhava, perguntava como estava
nossos estudos...se estávamos pensando em namoro... Então ela nos aconselhava. Mas,
quando os adultos conversavam, nós não podíamos participar. As crianças ficavam de
fora daquela conversa e a gente se perguntava o porquê? Às vezes até tentávamos ouvir
alguma coisa, mas éramos reprimidos. Aí, perguntávamos porque que não podia, mas
eles nunca tinham uma resposta...eles só diziam assim: “ah, é porque é conversa de gente
grande!”. Ficávamos curiosos, nos perguntávamos: “o quer que será que eles estão
conversando? Por que eu não posso participar?
Eu lembro que nas poucas conversas que tive com minha mãe sobre questões
voltadas à sexualidade, ela conversava assim... Começava na questão de menstruação, ela
explicava um pouquinho, ela chegou a explicar o que era, acompanhava aquele período e
explicava que era aquilo ali... da forma que a gente tinha que aceitar, da forma de
higiene, tudo...E na questão de namoro? Só falava assim: “É cedo para namorar, deixa
pra... coloca os estudos em primeiro lugar”. Eu cresci com essa mentalidade: o estudo em
primeiro lugar. Sabia que devia colocar os estudos em primeiro lugar e deixar para
namorar quando já estiver adulta...Eles tinham esse pensamento... e o namoro só pode
ser um namoro simples, namoro de um abraçinho, um beijinho não pode...Ela dizia:
“Tem que exigir respeito do rapaz, se o rapaz tentar avançar, tem que exigir respeito e se
afastar”. Ela explicava dessa forma e a princípio a gente fazia dessa forma...” (risos). Ela
não explicava o que era “o avançar”... Mas, a gente via essa questão na mídia e eu gostava
muito de ler. Eu lia revista, aquelas revistas para moças... lá explicava muitas coisas...
Então, aos poucos eu fui entendendo o que era “o avançar”. Quando adolescente eu tinha
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as minhas irmãs que eram mais experientes. Elas explicavam mais ou menos... Elas me
aconselhavam quando comecei a namorar... elas me explicavam o que tinha que
acontecer, o que eu tinha que evitar... eu ouvia... Então minha mãe foi deixando de me
aconselhar e eu ouvia mais minhas irmãs. Se nós fizéssemos assim alguma coisa que
seus pais não aprovassem. Falássemos um palavrão, alguma coisa que eles não
aceitassem, uma briga, por exemplo, alguma coisa que eles reprovassem, eles não
chegavam a bater, mas reclamavam bastante. Assim, por que eu cresci numa família
assim sem palavrões. É.... a gente achava um absurdo é quando falava qualquer palavrão
por mais simples que fosse, eles não aceitavam.
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menos gostava... tem umas disciplinas (risos) que eu nunca gostei delas. Aliás uma...que
naquela aula assim era uma aula que eu não dava atenção, e os professores eram
tradicionais e eles faziam nenhuma dinâmica para levar a gente...era matemática. Era a
hora que eu não gostava de jeito nenhum das aulas...era matemática, as outras não!
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de nossas apresentações por isso. Até os próprios colegas chegavam a pedir. “Ah, cadê a
apresentação do grupo, e tal?” Hoje assim, quando a gente se encontra com as colegas a
gente recorda, foi muito bom esses momentos. Até os professores, que acompanhavam
gostavam de nossas apresentações.
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não é simples é você, é como diz a história é você jogar o jogo dos alunos...é ensinar e
aprender juntos com eles, e é claro você corrigindo o linguajar deles. Que tem linguajar
que eles aprendem fora, e é claro que você não vai levar aquilo ali pra sala de aula...
então aquilo ali fica... eu não tenho dificuldade de trabalhar a sexualidade.
Em relação à Educação Sexual, na realidade eu entendo pouco, eu posso dizer
assim pouco, apesar de eu procurar sempre me informar sobre a questão. Porque a cada
dia que passa a gente vê algo novo e de repente você se surpreende com algo que você
não tinha visto falar e o aluno traz pra você algo mais... Eu procuro no meu
entendimento, digamos, o que eu entendo hoje, o que dar para eu incluir no meu
conteúdo na sala de aula. Eu procuro sempre me informar, pesquisar, ver entrevistas de
pessoas sobre a questão... e procuro sempre passar este conteúdo de forma que eles
entendam... que gostem! Eu trabalho estas questões mais na disciplina Ética, na
Geografia, somente em alguns momentos, com algumas coisas... a geografia ela não nos
dá espaço... Agora, quando a gente vai estudar a questão de gênero como espaço
geográfico, aí é o momento de trazer, mas você não vai trazer com detalhes, com
detalhes... Já com a ética eu trabalho de forma mais detalhada. Eu procuro planejar...eu
procuro levar textos... interagir o assunto, mas é aproveitado tudo o que vem deles,
porque eles trazem uma bagagem muito grande... tanto que às vezes a gente se
surpreende... No momento...o que surgi... as dúvidas... muitas vezes eles têm dúvidas... e
se eu posso esclarecer essas dúvidas no momento... eu esclareço, quando não sei, fico
devendo... e na aula seguinte eu já levo a resposta... Eu procuro não deixar eles com
dúvidas... Mas, eu procuro ter materiais... eu tenho material porque trabalho muito a
questão da sexualidade na adolescência... Eu procuro trabalhar com textos, eu procuro
trabalhar com jogos... então, tudo isso ajuda muito, nossa! Os alunos gostam demais!
Eu já vivenciei uma situação, em que um menino foi alvo de gozações por não
apresentar um comportamento... digamos assim ... próprio para seu sexo. Naquele
momento, reunimos os professores para procurar ver.... assim... um método melhor e a
gente optou pelo diálogo... O menino sofria discriminação, por ele não ter aquele
comportamento... Ele não chegou a se declarar dizendo: “eu sou um homossexual!”. Mas,
ele tinha um comportamento diferenciado, e aquilo era motivo de gozação e inclusive ele
sofreu bullying por isso. Com isso, a gente procurava trabalhar os alunos com diálogo e
aquele aluno que mais atacava, era chamado particularmente para conversar. Inclusive,
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eu cheguei a conversar com muitos. Até me falaram assim: “Oh, tia! A senhora tinha fazer
um curso de psicologia!”. Eu gostaria muito, mas... (risos). Com isso, a gente notou que
diminuíram as gozações. Cada professor foi fazendo a sua parte. Alguns conversavam
com a turma inteira, todos os assuntos... Eu separava, por trabalhar mesmo a questão do
homossexualismo, também conteúdo da Ética. Eu tinha aquele momento em que
trabalhava com a turma inteira, depois eu procurava conversar particularmente sobre o
assunto... e isso ajudou bastante... Eu já tive também um caso de “abuso sexual”... Foi com
uma aluna. Este caso foi mais... Digamos assim... mais difícil... Ela tinha uns treze anos e
estava sendo abusada pelo padrasto, em casa e ela não tinha apoio de ninguém, nem
mesmo da mãe. E ela era uma menina super inteligente, esforçada, mas ela não tinha...ela
era muito tímida... Ela começou a se comunicar comigo, através de cartas. Ela mandava
carta pra mim...quer dizer a princípio... Ela contava nas cartas o que acontecia ... A
princípio ela chegou a mandar cartas para outra professora, só que a outra professora
não ligou... ela achava que não deveria se meter e dizia que poderia nem ser verdade...
Depois que o assunto veio mesmo à tona, ela disse: “é eu recebi uma carta dela! Ela
escrevia cartas pra mim, contando o que acontecia... mas eu não liguei... Então, quando
eu comecei a receber as cartas, aquilo ali me... eu chamei a direção da escola e contei
tudo! Eu falei: temos que fazer alguma coisa, pois ela me pediu ajuda! Creio que isso foi
pelo fato de eu ser mais aberta com eles, trabalhar muito essa questão... com isso, ela me
pediu ajuda. Então eu chamei a direção da escola e conversei. E eu mesma procurei o
conselho tutelar, conversei com ela, perguntando se ela aceitaria conversar com o
conselho tutelar, particularmente, numa sala onde haveria somente ela e o pessoal do
conselho... A princípio ela não queria, pois tinha medo...Foi difícil, mas... Ela não sabia ao
certo quando começou esses “abusos”, não sabia ao certo, mas ela falava que acontecia
desde muito pequena. Ela dizia assim: “desde pequena!”. Até o ponto que comecei
acompanha-la, não tinha acontecido... assim o ato sexual em si...mas aconteceu as
preliminares...ela era forçada a fazer... Eu a principio não sabia, eu fiquei... meio
desesperada, mas falei: “eu tenho que ajudar, mais como?” Deu medo, me deu medo
também a principio...porque o padrasto dela já foi indiciado em negócios de drogas
anteriormente. Com isso, me deu medo... Mas, eu dizia: “tenho que fazer alguma coisa!
Vou procurar o conselho, vou me informar... vou fazer uma denúncia anônima...” Ela era
forçada a assistir filmes pornôs, então, quando eu passei esse caso para o Conselho.
Levei as cartas que ela me mandava, essas cartas foi parar nas mãos do juiz. Ele viu
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tudo...eu fui chamada para depor, eu fui, assim de forma discreta... fui em dia diferente,
ninguém me viu... teve o julgamento dele eu fui chamada para depor... e o Conselho
acompanhou e... seu padrasto foi preso... ela saiu da casa dela e foi pra uma casa de
parente... Depois ela saiu da cidade, foi pra casa de um outro parente, até que seu
padrasto foi solto ... isso eu fiquei sabendo no momento que me afastei da escola, eu
fiquei sabendo que ela sofreu ameaças, então ela teve que voltar... Ela sofreu ameaças
tanto do padrasto, como da própria mãe, por que sua mãe parece que apoia o
companheiro. Infelizmente a mãe dela apoia... por isso é difícil! E eu fiquei sabendo que
continua... ela voltou pra casa... e creio que continua os abusos... mas, eu não sei bem o
que vem acontecendo agora... se ela continua sendo acompanhada pelo Conselho
Tutelar... Não sei!
É...isso! ai eu contei tudo perante o juiz, tudo o que eu sabia tudo, pra poder
ajudar. Então esse meu depoimento ajudou com que ele fosse preso, mas ai um tempo
depois ele foi solto..eu me afastei da escola. Ai ela já tinha saído da cidade a menina, ai
fiquei sabendo que ele tinha sido solto, ai infelizmente no final desse ano passado, eu
fiquei sabendo que ela voltou pra cidade e que ela tava continuando... ele tava solto
continuou os abusos. Segundo o que eu soube, eu não tive oportunidade de conversar
com ela, mas ela já me mandou um recado disse que veria me visitar. Ai queria conversar
comigo. Eu falei pra ela, eu mandei de volta que estou esperando, a qualquer momento
ela vim. Que ela teve assim... ela se apegou muito a mim. A princípio eu achei bom, mas
eu fiquei receosa, assim por questão de segurança... de ameaças dele e a qualquer
momento ele sair da prisão. Por que ele ameaçou e disse que ia atrás de quem
denunciou. Só que eu fiquei de forma sigilosa, então acho que esse assunto ele não... ai eu
não conversei mais com ela, eu espero ela vim até aqui pra gente conversar, pra mim
saber... Esse ano de dois mil e doze ela saiu da escola pra concluir o nono ano..Ela já vai
paro o ensino médio, ela disse que vai vim me visitar, conversar. Eu espero a visita dela
pra gente saber o que... digamos eu não vou atrás...mas se ela vim e eu ouço ela e
tudo...Quando ela chegou de volta no ano passado, no mês de agosto, aliás, que ela
chegou no segundo semestre, quando ela não me encontrou mais lá, a principio ela não
queria mais ficar na escola, a própria direção da escola me falou, ela não queria ficar
mais lá...Ela queria ir pra outra escola, já que eu não tava lá...já que a gente teve um
vinculo muito grande por isso...Hoje, digamos assim, eu fiquei muito feliz em ajudá-
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Em relação ao papel das escolas diante dessas questões, como não temos uma
formação especifica tentamos fazer o máximo que podemos, como eu falei a escola em
não está preparada pra enfrentar essas questões...Então a gente precisa ter a iniciativa...
no caso dessa menina, por exemplo, eu pedi... eu cheguei chorando na frente da direção
da escola dizendo: “vamos tomar uma providência!”, até porque o caso me tocou
bastante... Ela pediu ajuda até pelo amor de Deus que eu a ajudasse, mas, eles alegavam
que não sabiam como fazer... Então, tive que tentar fazer do nosso jeito...vamos procurar
um jeito pra gente... Eu acho que deveria ter cursos para especializar professores, não
apenas um curso de algumas horas... teria que especializar mesmo professores,
educadores em geral, para podermos ajudar, porque nesses casos é difícil...é fica difícil...e
só uma pessoa não quer se expor... No meu caso, eu estava praticamente sozinha, mas
acredito que se tivessem cursos de especialização para os professores nessa área, iria
ajudar bastante...
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dificuldade foi em relação ao tempo. Eu cheguei até pensar em desistir do curso (risos),
porque eu trabalhava os três períodos. Com isso, eu estudava os textos, eu produzia os
textos já de madrugada. Às vezes dormia em frente ao computador, era muito cansativo.
Mas em relação aos conteúdos, aos textos... eu gostei muito, tanto que quando eu ia
produzir uns textos, sentava em frente ao computador e mandava ver e rapidinho estava
pronto. Até porque eu gosto do assunto. Eu gosto de trabalhar a sexualidade... Antes do
curso, tinha um pensamento vago em relação às questões trabalhadas... Então o curso
me enriqueceu bastante. Passei a ter mais interesse em buscar mais... Entendo que hoje a
gente precisa estar mais preparado, pra você fazer aquela junção... Por que você precisa
incluir os dois sexos de forma a trabalhar de forma igual. E as escolas não vêm
preparadas para trabalhar profundamente alguns temas. Acredito que se o professor
tiver conhecimento para fazer essa interação, dos dois sexos, sem nenhum preconceito,
sem nenhuma discriminação... teríamos uma educação melhor.
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exemplo, em relação aos órgãos genitais, a gente sabe que tem os apelidos que colocam,
mas, tem o nome correto. Então eu fui criticada por uma professora, mas havia outras
que achavam interessante eu conseguir trabalhar daquela forma. Uma delas até me
disse: “Como é que tu consegues falar uma palavra dessas, sem sorrir... sem aquela coisa.”
Ela disse isso porque os alunos sorriam. Eu acho que ainda acontece essa discriminação
pela falta de conhecimento, pela falta de o professor buscar aprender... por que na
realidade hoje, os adolescentes entendem muito sobre sexualidade, coisa que você não
imagina que eles entendem. Então, você tem que buscar trabalhar com ele a respeito
disso. Então, você tem que ser uma pessoa aberta, você precisa falar a língua deles,
interagir com eles... Tem professores que são tradicionais, são professores tímidos que
não conseguem falar. Mas, de forma geral, o curso GDE foi algo positivo, que me ajudou
bastante. Hoje eu percebo a falta que faz uma disciplina dessas numa turma, numa sala
de aula e eu gostei pra mim foi um curso muito rico.
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...aquele mais delicadinho, os outros não querem no time ... Eles são
terríveis! As meninas parecem que são ditas “normais”... se elas têm assim...
até que seja mesmo, elas camuflam muito bem...
Vou contar um pouquinho de minha história. Uma história simples, como muitas
outras. Meu nome é Telma, nasci em Porto Franco, município do sul do Maranhão, no
ano de 1970. Sou filha de lavradores e tenho uma irmã e três irmãos. Minha mãe já é
falecida e meu pai aposentado. Não casei e não tenho filhos e sou espírita Kardecista.
Concluí o Curso de Magistério no ano de 1987, formei-me em história e tenho pós
graduação em Docência do Ensino Superior. Sou professora a mais de vinte anos e
atualmente leciono as disciplinas História e Arte no Ensino Médio.
Eu lembro que quando criança eu já não concordava com privilégios que eles, os
que os homens...os meninos tinham. Eram privilégios do tipo: eles não lavavam o tênis,
não lavavam a louça... eram as meninas que lavava... eu não aceitava aquilo... tudo era eu
e minha irmã que fazia. Eu falava que eles tinham regalias, mas com tudo isso, a gente
convivia bem...convive até hoje.
Em relação à minha mãe, embora ela fosse muito companheira, a gente não
conversava sobre qualquer assunto. Por exemplo, questão assim de...A gente podia até
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conversar no contexto geral...mas pro particular... já tinha aquele... tabu entende? Tipo
assim, até hoje, o que eu conversei com minha mãe, a gente nunca conversou assim... de
primeira vez essas coisas assim... a gente não conversava. Lembro que ela só conversou
com a gente sobre menstruação, outros assuntos... assim... era um tabu. Até que se podia
falar no geral, tipo assim: a gente falava que fulano tinha engravidado... essas coisas.
Mas, para falar de nós mesmas, até mesmo de anticoncepcional, essas coisas, era só com
amigas mesmo... amigas.
Eu sempre fui muito curiosa, eu lia e leio muito. Apesar da gente ser pobre, viver
em zona rural, a minha mãe até comprava algumas revistas pra gente. E minhas tias,
minhas primas, que tinham um poder aquisitivo melhor, elas compravam as revistas,
essas revistas da época assim... Carinho, Capricho... Não lembro bem, mas eram as
revistas da época, que as moças gostavam. Essas revistas, que explicava até de forma até
grotesca, mas a gente “aprendia” muito. Já meu pai, ele dava conselhos e a gente
conversava outros assuntos, especialmente à noite e nos fins de semana, quando estava
em casa, ele conversava bastante. Eles demonstravam muito afeto. A minha mãe preferia
que nossos amigos fossem à nossa casa, do que a gente saísse e fosse pra casa das
amigas. Porque ela dizia assim: “ Quando tá na casa do outro o que acontece lá sempre
quem é o culpado é os de fora?” E minha casa até hoje, está sempre cheia de amigos.
Há! Eu lembro também que quando os adultos conversavam, nós crianças, não
podíamos participar. Eles nem precisavam falar nada, bastava olhar... minha mãe
era...tipo assim, a gente podia até ficar na sala, mas não podia intervir... isso começou a
ser permitido somente quando já éramos adolescentes. Lembro que achava que isso era
devido sermos crianças, então já entendia. Mas, as vezes.... Bom! Teve um caso assim
quando minha avó adoeceu, ela teve câncer no útero e imagina...e ela não... E quando ela
descobriu e os familiares... na década de oitenta... quando não tinha as facilidades que
têm hoje.... e já estava assim em estado muito avançado e a gente não sabia, eles não
falavam o que que ela tinha... Lembro que tinha uma parente nossa, que era enfermeira e
ficava direto aplicando calmante o...[tenta lembrar] e eu ficava sem entender que doença
era aquela. Mas, eles não falavam, apenas diziam que não era assunto pra criança... Outra
coisa que lembro é que se fizéssemos alguma coisa que meus pais não aprovassem, tipo
brigar, falar um palavrão... é fazer alguma coisa escondida assim... a gente tinha
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castigos... físicos mesmo.... Eles não chegavam assim a espancar, mas a gente ficava....
Muita repreensão, eles falavam muito e às vezes chegavam a bater mesmo, era com o
cinto (risos). Eu lembro...eu sentia... eu ficava muito revoltada. Eu não aceitava... E a
gente tinha um irmão, o penúltimo que aprontava muito, mais quando sentia que ia levar
uma surra, corria e se escondia. Ele passava o dia todinho escondido e a gente dava
cobertura...levando comida escondido... E tinha um outro irmão, o mais velho, que ele
ficava tão revoltado, que quando levava uma surra, ele pegava areia e jogava nos
próprios olhos, batia a cabeça na parede. Hoje, o filho dele, que é até adotado, acho que
ele nunca levantou a mão pra ele... E também eu acho que se eu tivesse filhos, também
não bateria... Não sei, mas assim eu acho que ia procurar outros meios.... Eu não sei...até
porque a teoria é diferente da prática...
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os direitos...a gente falava, direitos dos gays... essas coisas assim... mas, era de forma bem
superficial... As questões a gente... as relações... todo mundo devia se relacionar bem...
que o gênero às vezes assim, eu nem trato assim só a questão da sexualidade, do negro...
tanta coisa que a gente vê, hoje tantas diferenças... tanto preconceito que existe vários
outros...não só de gênero... Hoje eu acredito que os professores deviam se preparar
mais... estudar mesmo, porque ainda hoje ainda tem essa concepção assim que quando
vai se falar do assunto, pensam que estão incentivando... tem isso ainda. Eles acham
então... às vezes o professor deixa assim de lado devido ainda... Então se o professor
fosse mais bem preparado no curso dele, ele teria mais embasamento, mais firmeza,
mais segurança para tratar... porque não é fácil...a gente sabe que não é fácil...é difícil...
Eu acho assim, que nós professores ainda temos um longo caminho a percorrer, ainda
tem muito o que ser feito... ás vezes, a gente até deixa de tratar algum assunto devido
não... ter preparo mesmo...eu acho muito difícil.
E sobre sexualidade e educação sexual, até certo tempo, era estudado só o tinha
no livro de ciências, de biologia, o capítulo que falava sobre o corpo, da função da
mulher, do homem, a função sexual qual era...mas hoje eu acho que não... hoje a gente
percebe que precisa falar das diferenças, falar que a educação sexual tem que abranger
as escolhas, principalmente as escolhas, temos que entender. Hoje eu trabalho a questão
de gênero e sexualidade em minhas aulas. Agora mesmo, nesse último período, eu passei
um trabalho sobre a mulher no período medieval. Foi um trabalho muito interessante,
eles pesquisaram sobre a mulher, quando ela casava, ela deixava de... até os deuses que a
família dela cultuava... ela deixava de cultuar... tinha que cultuar... ia pertencer à família
do marido... e as meninas disseram: “professora, mais isso era muito errado...” Eu disse:
“pois é, mais oh qual era o século? Era o século dezesseis, século quinze e hoje?”. Então
eu trazia para o hoje e elas diziam que não é mais assim... então, eu procuro sempre
intercalar passado e presente, porque história, não é só o passado. O hoje, como é que
está a situação da mulher... Também nós fizemos um trabalho também sobre a mulher
mulçumana, pois sabemos que ela é muito...coitada eu digo assim...e eu procuro sempre
trazer...
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comportamentos que não eram, digamos assim, o que a gente entende como “normal”
para o seu sexo. Por exemplo: os meninos... do tipo aquele mais delicadinho, os outros
não querem no time. Às vezes quando a gente quer dividir a turma numa gincana,
quando tem atividades também esportivas, eles não querem aquele menino ... mais
delicado... que gosta... Mas, assim a gente procura conversar...mas que eles são terríveis!
Adolescente, criança é terrível... eles não conseguem... Com as meninas por incrível que
pareça a gente vê tanto assim, as meninas parecem que são ditas “normais”, (risos) as
meninas, não... se elas têm assim... até que seja mesmo, elas camuflam muito bem... elas
geralmente são mais... homogêneas assim... tudo delas...os interesses... Agora, os meninos
são mais excluídos por isso... Agora os que chegam e falam o que são, parece que já mais
são aceitos... incrível, agora os que... os que a gente não sabe se realmente são ou não... se
ele só tem aquele jeitinho.... Pode ser que nem seja... as pessoas excluem mais. Outra
coisa: quando temos que dividir os grupos...as meninas não querem ficar no mesmo
grupo com algum menino. Elas logo dizem: “Não! Ele tem a letra feia! ”...não sei o porquê
de acontecer isso... então, a escola mesmo como um todo, poderia trabalhar essa
situação, mostrar que não existe ou não deve existir essa separação. A escola podia fazer
palestras, por exemplo. Até a educação física é separada. Tem a masculina num horário,
e a feminina em outro. Aqui no município, parece que em todas as escolas acontece
assim. Isso também é uma forma de exclusão. Eu acho que deveria ser todos juntos. Mas
na mente deles, desde pequenininhos, devem ser separados. Tem uma amiga minha
amiga que é professora de educação infantil e quando ela vai trabalhar o dia do índio,
por exemplo, tem uma lembrança de um tipo e uma cor para a menina e outra para o
menino. Então, na minha opinião, acho que não só o professor, mas a coordenação da
escola poderia deveria desenvolver ações para diminuir essa exclusão e essa separação.
Às vezes fica difícil para nós professores trabalharmos isso.
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curso pra ver se aprenderia mais alguma coisa para melhorar essas minhas aulas...pois
achava que elas não eram boas... E, dentre as temáticas estudadas no curso, mais me
identifiquei com as relacionadas a gênero, ao modo como era tratado os homens e as
mulheres na sociedade... o primeiro intuito era melhorar as aulas dessa tal ética e
cidadania ... E realmente, eu já quis focar na questão da diversidade de gênero... Mas, o
que mais gostei mesmo foi da interação com os colegas... a gente falava assim...tipo como
foi a infância...o tratamento...assim tinha muito depoimento...foi interessante assim, todo
mundo... a gente passou a se conhecer mais.. E todo mundo assim se abriu... de modo
geral o curso foi muito bom, porque todo mundo estava lá mesmo sem barreiras a gente
conversava sobre tudo...
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preconceito.... mas esse projeto foi lúdico mesmo, a gente dramatizava e conversava a
gente mostrava o documentário para eles, entrevistas que eu fiz com os avós deles...
Lembro que nos primeiros momentos, eles não queriam... acho que devido ao medo...
eles não queriam nem fotografar... quando a gente desenvolve projetos são tiradas fotos,
mas, nesse eles, .principalmente os meninos não queriam... as meninas não se
incomodavam de vestir roupas de menino, executar as tarefas do pai...mas os meninos
não queriam ser... mas depois eles gostaram....(risos) aceitaram participar do projeto...
mas não aceitaram ser fotografados como menina de jeito nenhum...
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TEMAS e SUBTEMAS
Posicionamento de professores/as em
relação às questões de gênero e
sexualidade
Fonte: Organizado pela autora.
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