História Da Anatomia
História Da Anatomia
História Da Anatomia
Parece que o estudo da anatomia humana recomeçou mais por razões práticas que
intelectuais. A guerra não era um assunto local e se fez necessário dispor de meios
para repatriar os corpos dos mortos em combate. O embalsamento era suficiente para
trajetos curtos, mas as distâncias maiores como as Cruzadas introduziram a prática de
“cocção dos ossos”.
A bula pontifica De sepulturis de Bonifácio VIII (1300), que alguns historiadores
acreditaram equivocadamente proibir a dissecção humana, tentava abolir esta prática.
O motivo mais importante para a dissecação humana, foi o desejo de saber a causa da
morte por razões essencialmente médico-legais, de averiguar o que havia matado uma
pessoa importante ou elucidar a natureza da peste ou outra enfermidade infecciosa. O
verbo “dissecar” era usado também para descrever a operação cesariana cada vez
mais freqüente. A tradição manuscrita do período medieval não se baseou no mundo
natural. As ilustrações anteriores eram aceitas e copiadas. Em geral, a capacidade dos
escritores era limitada e ao examinar a realidade natural, introduziram pelo menos
alguns erros tanto de conceito como de técnica. As coisas “eram vistas” tal qual os
antigos e as ilustrações realistas eram consideradas como um curto-circuito do próprio
método de estudo.
A anatomia não era uma disciplina independente, mas um auxiliar da cirurgia, que
nessa época era relativamente grosseira e reunia sobre todo conhecer os pontos
apropriados para a sangria. Durante todo o tempo que a anatomia ostentou essa
qualidade oposta à prática, as figuras não-realistas e esquemáticas foram suficientes.
O primeiro livro ilustrado com imagens impressas mais do que pintadas foi a obra de
Ulrich Boner Der Edelstein. Foi publicada por Albrecht Plister em Banberg depois de
1460 e suas ilustrações foram algo mais que decorações vulgares. Em 1475, Konrad
Megenberg publicou seu Buch der Natur, que incluía várias gravuras em madeira
representando peixes, pássaros e outros animais, assim como plantas diversas. Essas
figuras, igual a muitas outras pertencentes a livros sobre a natureza e enciclopédias
desse período, estão dentro da tradição manuscrita e são dificilmente identificáveis.
Dentre os muitos fatores que contribuíram para o desenvolvimento da técnica
ilustrativa no começo do século XVI, dois ocuparam lugar destacado: o primeiro foi o
final da tradição manuscrita consistente em copiar os antigos desenhos e a conversão
da natureza em modelo primário. Chegou-se ao convencimento de que o mais
apropriado para o homem era o mundo natural e não a posteridade. O escolasticismo
de São Tomás de Aquino havia preparado inadvertidamente o caminho através da
separação entre o mundo natural e o sobrenatural, prevalecendo a teologia sobre a
ciência natural. O segundo fator que influiu no desenvolvimento da ilustração
científica para o ensino foi a lenta instauração de melhores técnicas. No começo os
editores, com um critério puramente quantitativo, pensaram que com a imprensa
poderiam fazer grande quantidade de reproduções de modo fácil e barato. Só mais
tarde reconheceram a importância que cada ilustração fosse idêntica ao original.
A capacidade para repetir exatamente reproduções pictóricas, daquilo que se
observava, constituiu a característica distinta de várias disciplinas científicas, que
descartaram seu apoio anterior à tradição e aceitação de uma metodologia, que foi
descritiva no princípio e experimental mais tarde.
As primeiras ilustrações anatômicas impressas baseiam-se na tradição manuscrita
medieval. O Fasciculus medicinae era uma coleção de textos de autores
contemporâneos destinada aos médicos práticos, que alcançou muitas edições. Na
primeira ( 1491) utilizou-se a xilografia pela primeira vez, para figuras anatômicas. As
ilustrações representam corpos humanos mostrando os pontos de sangria, e linhas que
unem a figura às explicações impressas nas margens. As dissecações foram desenhadas
de uma forma primitiva e pouco realista. Na Segunda edição (1493), as posições das
figuras são mais naturais. Os textos de Hieronymous Brunschwig (cerca de 1450-1512)
continuaram utilizando ilustrações descritivas. O capítulo final de uma obra de
Johannes Peyligk (1474-1522) consiste numa breve anatomia do corpo humano como
um todo, mas as onze gravuras de madeira que inclui são algo mais que
representações esquemáticas posteriores dos árabes. Na Margarita philosophica de
George Reisch (1467-1525), que é uma enciclopédia de todas as ciências, forma
colocadas algumas inovações nas tradicionais gravuras em madeira e as vísceras
abdominais são representadas de modo realista. Além desses textos anatômicos
destinados especificamente aos estudantes de medicina e aos médicos, foram
impressas muitas outras páginas com figuras anatômicas, intituladas não em latim
(como todas as obras para médicos), mas sim em várias línguas vulgares. Houve um
grande interesse, por exemplo, na concepção e na formação do feto humano. O uso
freqüente da frase “conhece-te a ti mesmo” fala da orientação filosófica e
essencialmente não médica. A “Dança da Morte” chegou a ser um tem muito popular,
sobretudo nos países de língua germânica, após a Peste Negra e surpreendentemente,
as representações dos esqueletos e da anatomia humana dos artistas que as
desenharam são melhores que as dos anatomistas.
Uma das primeiras e mais acertada solução para uma reprodução perfeita das
representações gráficas foi encontrada nas ilustrações publicadas nos tratados
anatômicos de Andrés Vesálio (1514-1564), que culminou com seu De humanis corpori
fabrica em 1453, um dos livros mais importantes da história do homem. Vesálio nasceu
em Bruxelas em 1514, no seio de uma família muito relacionada com a casa de
Borgonha e a corte do Imperador da Alemanha. Sua primeira formação médica foi na
Universidade de Paris (onde esteve com mestres como Jacques du Bois e Guinter de
Andernach), e foi interrompida pela guerra entre França e o Sacro Império Romano.
Vesálio completou seus estudos na renomada escola médica de Pádua, no norte da
Itália. Após seu término começou a estudar cirurgia e anatomia. Após alguns trabalhos
preliminares, em 1543, com a idade de 28 anos, publicou seu opus magnun, que
revolucionou não só a anatomia como também o ensino científico em geral. As
ilustrações da Fabrica destacam-se precisamente pela sua estreita relação com o
texto, já que ajudam no entendimento do que este expressa com dificuldade. Supera
a pauta expositiva usada por Mondino, e cada um dos sistemas principais (ossos,
músculos, vasos sangüíneos, nervos e órgãos internos) é representado e estudado
separadamente. As partes de cada sistema orgânico são expostas tanto em conjunto
como individualmente e mesmo assim são consideradas todas as relações entre essas
estruturas.
Vesálio comprovou também que não são iguais em todos os indivíduos. Vesálio relatou
sua surpresa ao encontrar inúmeros erros nas obras de Galeno, e temos que ressaltar a
importância de sua negativa em aceitar algo só por tê-lo encontrado nos escritos do
grande médico grego. Sem dúvida, apesar de Ter desmentido a existência dos orifícios
que Galeno afirmava existir comunicando as cavidades cardíacas, foi de todas as
maneiras um seguidor da fisiologia galênica. Foram engrandecidas as diferenças que
separavam seu conhecimento anatômico do de Galeno, começando pelo próprio
Vesálio. Talvez pensasse que uma polêmica era um modo de chamar atenção. Manteve
depois uma disputa acirrada com seu mestre Jacques du Bois (ou Sylvius na forma
latina), que foi um convencido galenista cuja única resposta, ante as diferenças entre
algumas estruturas tal como eram vistas por Vesálio e como as havia descrito Galeno,
foi que a humanidade devia tê-lo mudado durante esses dois séculos. Vesálio tinha
atribuído o traçado das primeiras figuras a um certo Fleming, mas na Fabrica não
confiou em ninguém, e a identidade do artista ou artistas que colaboraram na sua
obra tem sido objeto de grande controvérsia, que se acentuou ante a questão de quem
é mais importante, se o artista ou o anatomista. Essa última foi uma discussão não
pertinente, já que é óbvio que as ilustrações são importantes precisamente porque
juntam uma combinação de arte e ciência, uma colaboração entre o artista e o
anatomista. As figuras da Fabrica implicam em tantos conhecimentos anatômicos que
forçosamente Vesálio devia participar na preparação dos desenhos, ainda que o grau
de refinamento e do conhecimento de técnicas novas de desenho, também para os
artistas do Renascimento, excluem também que fora o único responsável. Até hoje é
discutido se Jan Stephan van Calcar (1499-1456/50), que fez as primeiras figuras e
trabalhou no estúdio de Ticiano na vizinha Veneza, era o artista. De qualquer
maneira, havia-se encontrado uma solução na busca de uma expressão pictórica
adequada aos fenômenos naturais.
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História da anatomia
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