Livro Texto - Unidade I
Livro Texto - Unidade I
Livro Texto - Unidade I
Cassio Marcos Vilicev é graduado em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Fisioterapia pela
Universidade Bandeirante de São Paulo. É doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
da Universidade de São Paulo e mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São
Paulo. Possui especialização em Educação a Distância pela UNIP e em Didática do Ensino Superior pela Universidade
Sant’Anna (1999). Atualmente, cursa Formação Pedagógica em História pela UNIP (EaD).
Foi professor de Educação Física em escolas e clubes desportivos de São Paulo e no curso de graduação em
Educação Física e Enfermagem do Centro Universitário Santa Rita e das disciplinas Anatomia Humana, Cinesiologia
e Semiologia na UNIP. Atualmente, é professor titular da UNIP nos cursos presenciais de Fisioterapia, Enfermagem,
Nutrição, Farmácia, Biomedicina e Educação Física na modalidade presencial, de Educação Física, Fisioterapia,
Enfermagem, Nutrição, Farmácia e Biomedicina na modalidade EaD e de pós‑graduação.
Foi consultor na elaboração de questões para o Serviço Nacional do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte (Senat), de Educação Física, junto à empresa EGaion.
Tem publicado vários trabalhos em diversas áreas das ciências biomédicas, como Anatomia dos Sistemas: Educação
Física; Anatomia dos Sistemas: Enfermagem; Anatomia dos Sistemas: Educação Física e Fisioterapia; Anatomia do
Aparelho Locomotor: Fisioterapia; Anatomia Básica dos Sistemas: Estética e Cosmética; e Anatomia Humana: Farmácia
e Biomedicina.
CDU 611.8
U504.18 – 20
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Ana Fazzio
Juliana Muscovick
Sumário
Neuroanatomia
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO.................................................................................................. 12
1.1 As origens da neuroanatomia.......................................................................................................... 13
2 INTRODUÇÃO À TERMINOLOGIA DA NEUROANATOMIA.................................................................. 78
3 DIVISÃO E PAPÉIS DO SN.............................................................................................................................. 80
3.1 Divisão do SN com base nos critérios anatômicos.................................................................. 81
3.2 Divisão do SN do ponto de vista funcional................................................................................ 85
3.3 Divisão do SN com base na segmentação ou metameria.................................................... 86
3.4 Papéis do SN............................................................................................................................................ 86
4 O TECIDO NERVOSO........................................................................................................................................ 87
4.1 Visão geral dos neurônios.................................................................................................................. 88
4.2 Classificação dos neurônios.............................................................................................................. 90
4.3 Sinapses..................................................................................................................................................... 91
4.4 Arco reflexo.............................................................................................................................................. 91
4.5 Neurogênese no SNC........................................................................................................................... 93
4.6 Lesão e reparo no SNP........................................................................................................................ 93
4.7 Neuroglias................................................................................................................................................ 94
4.8 Neuroglias no SNC................................................................................................................................ 94
4.9 Neuroglias no SNP................................................................................................................................ 96
Unidade II
5 MORFOGÊNESE DO SN.................................................................................................................................101
5.1 Da fertilização até a nidação..........................................................................................................104
5.2 Folhetos embrionários.......................................................................................................................106
5.3 Formação do SN...................................................................................................................................107
6 ENCÉFALO E MEDULA ESPINAL................................................................................................................110
6.1 Anatomia da medula espinal..........................................................................................................110
6.2 Anatomia do bulbo.............................................................................................................................115
6.3 Anatomia da ponte.............................................................................................................................118
6.4 Anatomia do mesencéfalo...............................................................................................................119
6.5 Anatomia do diencéfalo...................................................................................................................122
6.5.1 O tálamo................................................................................................................................................... 122
6.5.2 O hipotálamo.......................................................................................................................................... 125
6.5.3 O epitálamo..............................................................................................................................................131
6.5.4 O subtálamo............................................................................................................................................ 132
6.6 Anatomia do telencéfalo..................................................................................................................133
6.6.1 Lobos do telencéfalo........................................................................................................................... 134
6.6.2 Os núcleos da base............................................................................................................................... 137
6.6.3 As áreas corticais.................................................................................................................................. 138
6.6.4 O mapa citoarquitetônico do córtex cerebral........................................................................... 139
6.6.5 O homúnculo de Penfield...................................................................................................................141
6.7 Anatomia do cerebelo.......................................................................................................................142
6.8 O sistema ventricular.........................................................................................................................144
6.9 Barreiras encefálicas..........................................................................................................................145
6.10 A nutrição sanguínea do encéfalo.............................................................................................145
7 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO.............................................................................................................147
7.1 As diferenças anatômicas, fisiológicas e farmacológicas relevantes entre
as partes simpática e parassimpática do SNA................................................................................147
7.1.1 Diferenças anatômicas....................................................................................................................... 148
7.1.2 Diferenças fisiológicas........................................................................................................................ 148
7.1.3 Diferenças farmacológicas................................................................................................................ 150
7.2 Papéis do SNA.......................................................................................................................................151
7.3 Reações do SNA...................................................................................................................................152
7.4 Sistema nervoso entérico.................................................................................................................154
8 SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO...............................................................................................................155
8.1 Os nervos periféricos..........................................................................................................................156
8.2 Os gânglios.............................................................................................................................................156
8.3 As terminações nervosas..................................................................................................................157
APRESENTAÇÃO
Caro aluno,
Este livro-texto tem como objetivo servir de base e recurso aos alunos que buscam carreiras
relacionadas à área da saúde, entre elas enfermagem, nutrição, fisioterapia e educação física. O foco
da anatomia humana é favorecer os conhecimentos aplicados das estruturas anatômicas do organismo
humano e as noções sobre as bases para aplicação de outras disciplinas básicas. Aqui são apresentados
conhecimentos práticos que possibilitam aos alunos o uso de fatos concernentes às circunstâncias reais
que eles poderão se deparar na profissão que escolherem.
Estudaremos a anatomia humana, focando o sistema nervoso, momento em que serão vistos os
órgãos que são compostos por tecido nervoso, como o encéfalo, a medula espinal e os nervos, destacando
os neurônios, as células da glia e as vias aferentes e eferentes de condução do impulso nervoso e
suas terminações nervosas. Além disso, aprenderemos as divisões anatômicas do sistema nervoso
a divisão fisiológica.
Do ponto de vista anatômico, veremos os sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico,
enfatizando as características morfofuncionais de cada estrutura.
A revisão terminológica, relevante em um livro-texto desta natureza, que abrange a versão dos
epônimos mais utilizados na clínica médica, está resguardada tecnicamente pela terminologia anatômica.
Há, ainda, notas explicativas com termos e expressões definidos, a fim de facilitar a compreensão do
texto, direcionadas também aos leigos ainda não familiarizados com a terminologia da área.
Quando um paciente é avaliado por um profissional da área de saúde, ele carece de conhecimento
básico de anatomia humana para elucidar suas observações; é por meio dela que se descobre a
linguagem científica básica que conduzirá o profissional ao longo de toda a sua carreira profissional e
que possibilitará o diálogo com seus colegas de uma equipe multidisciplinar.
INTRODUÇÃO
Não são tão-só as estrelas no universo que fascinam o homem com o seu
impressionante número. Em um outro universo, o nosso universo biológico
interno, uma gigantesca “galáxia” com centenas de milhões de pequenas
células nervosas que formam o cérebro e o sistema nervoso comunicam-se
umas com as outras através de pulsos eletroquímicos para produzir
atividades muito especiais: nossos pensamentos, sentimentos, dor, emoções,
sonhos, movimentos, e muitas outras funções mentais e físicas, sem as quais
não seria possível expressarmos toda a nossa riqueza interna e nem perceber
7
o nosso mundo externo, como o som, cheiro, sabor, e também luz e brilho,
inclusive o das estrelas (RELVAS, 2008, p. 21).
Durante milhares de anos de história os seres humanos sofreram grandes modificações em todo o
corpo, como no crânio, já que o esqueleto do Australopithecus e do Homo sapiens diferem em relação
ao tamanho do cérebro e à capacidade craniana. O cérebro é um elemento que diferencia a espécie
humana das demais, responsável por regulagens relevantes no funcionamento do organismo, que com
o passar dos milênios ficaram cada vez mais claras.
Os egípcios já reconheciam os danos no sistema nervoso central e acreditavam que o cérebro era
a sede da alma e da mente humana. Eles guardavam as vísceras e descartavam o cérebro dos mortos,
pois acreditavam que ele não tinha utilidade; já os assírios consideravam o fígado como o centro do
pensamento; Aristóteles percebia o cérebro como um resfriamento do corpo.
Demócrito, Diógenes, Platão e Teófrastro acreditavam que o cérebro estava no comando das
atividades corporais. Hipócrates acreditava no cérebro como sede da mente e iniciou os estudos para a
divisão do cérebro em dois hemisférios, onde se encontravam os papéis biológicos e os da mente.
Descartes relatou que a capacidade do ser humano estava fora do cérebro, na mente. Darwin trouxe
a explicação sobre o comportamento racional do ser humano como resultado do funcionamento do
cérebro e do sistema nervoso e não faz menção à mente.
Com exceção da última década do século XIX, a ciência do cérebro neste período foi dominada por
médicos como Broca, Wernicke, Fritsch e Brodmann. Eles e outros começaram o processo de localização
funcional do cérebro. Pavlov uniu a psique ao comportamento e aprendeu com o desenvolvimento do
conceito de condicionamento reflexo, vastamente utilizado na neurociência hoje.
Sherrington postulou a comunicação dos neurônios por meio da sinapse em bases teóricas. Isso
acabou por ser uma característica essencial do sistema nervoso que, no entanto, foi evidenciado
incontestável apenas décadas depois com o auxílio do microscópio eletrônico.
O século XX assistiu a um crescimento exponencial dos estudos sobre o sistema nervoso por meio de
um esforço colaborativo. Por conseguinte, nomes individuais, não importa quão consideráveis, davam
progressivamente menos justiça a todos aqueles que colaboravam para os progressos relevantes nos
trabalhos científicos.
Golgi compartilhou o Prêmio Nobel de 1906 com Ramón y Cajal, dois protagonistas do grande
debate sobre organização celular versus organização reticular do cérebro. Em 1915, depois de estudos
realizados em campos russos de prisioneiros de guerra, Bárány recebeu o Prêmio Nobel por seus
estudos da fisiologia e patologia do sistema vestibular. Dale e Loewi compartilharam o prêmio em
1936 pelos estudos sobre os neurotransmissores.
O Prêmio Nobel a Hubel, Wiesel e Sperry, em 1981, marcou a neurociência em direção a um nível de
sistema de compreensão do cérebro, permanecendo na fronteira da neurociência atual. Hubel e Wiesel
8
sugeriram um modelo hierárquico para a identificação de temas visuais complexos. Sperry foi premiado
por seu trabalho em especialização lateralizada do papel cerebral.
Hoje, já se compreende a integração e dinamismo entre ser humano e cérebro, que constitui um
sistema funcional de relação do ser na ação para aprender, interagir e relacionar-se com o meio e com
o outro.
9
NEUROANATOMIA
Unidade I
Você̂ está dirigindo pela autoestrada e ouve um forte ruído à sua esquerda. Prontamente desvia
para a direita. Matheus deixa uma anotação na mesa da cozinha: “Vejo você mais tarde. Fique com
tudo pronto às 19 horas” – você sabe que “tudo pronto” é o jantar para os convidados. Você está
dormitando, porém logo acorda e imediatamente o seu bebê começa a choramingar. O que tais fatos
têm em comum? Eles são exemplos diários do funcionamento de seu sistema nervoso (SN), que traz
quase que permanentemente suas células corporais em atividade.
Com somente 2 quilogramas de peso, cerca de 3% da massa corporal total, o SN é um dos menores,
todavia mais complexos, dos 12 sistemas corporais. Essa rede de bilhões de neurônios e um número
ainda maior de células da neuroglia está organizada em duas subdivisões principais: o sistema nervoso
central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP).
Encéfalo
Medula espinal
Nervos espinais
Observação
Lembrete
Conquanto seja muitas vezes comparado a um computador, o SN é bem mais complexo e mutável
do que qualquer dispositivo eletrônico. Ainda assim, como em um computador, o veloz fluxo de
dados e a alta atividade de processamento dependem de atividade elétrica. Porém, diferentemente
do computador, partes do cérebro apresentam a capacidade de reorganizar as conexões elétricas
anteriormente estabelecidas conforme a chegada de novos dados, de tal modo que compõem parte do
processo de aprendizagem.
Lembrete
A neuroanatomia denota o estudo do SN. Ela apresenta o nome de sistema porque é composta
por um tecido fundamental que é o tecido nervoso, o qual, por sua vez, é composto de células
nervosas designadas de neurônios. Os neurônios, portanto, são as unidades morfofuncionais
desse sistema.
12
NEUROANATOMIA
Conceberemos qual poderia ter sido um dos primeiros instrumentos dos homens das cavernas
para observar o sistema neural central, a “inauguração da neuroanatomia” com outro nome.
Os homens das cavernas, quiçá, montaram um “machado” com uma extremidade distal esférica
e uma extremidade proximal cilíndrica para empunhá-lo e erguê-lo. Ao abaixá-lo com força
sobre o cume da cabeça de algum desafeto, abria-lhe o crânio mais como arma do que como
uma ferramenta cirúrgica. Prontamente, vieram muitos séculos antes dos instrumentos mais
adequados, como o trépano, uma técnica cirúrgica na qual “buracos” foram efetuados no crânio
do indivíduo para abrandar a pressão intracraniana determinada por traumatismo craniano, de
tal modo que essa técnica tivesse sido realizada para abrir os crânios com finalidades mais
nobres, ou seja, as terapêuticas, contribuindo assim para o alívio e a sobrevivência dos indivíduos,
conforme ilustra a figura seguir.
Figura 2 – Trepanação
Observação
O surgimento dos filósofos na Grécia e as escolas de medicina, por volta do século 5 a.C., levaram
ao o caminho necessário para a efetivação de investigações sobre a anatomia humana. Para Platão,
o cérebro era “a nossa parte mais divina”. Assim, ele seguiu a teoria cefalocêntrica, segundo a qual o
cérebro era o centro da alma. Platão adotou o termo enkephalon. Em seus estudos, ele descreveu os
giros e os sulcos cerebrais, conforme ilustra a figura seguinte.
Observação
14
NEUROANATOMIA
Giro pré-central
Sulco central
Giro pós-central
Sulco pós-central
Sulco intraparietal
Saiba mais
Você gostaria de saber um pouco mais sobre o tema? Leia este artigo
sobre o legado de Hipócrates e do Corpus hippocraticum no período
abrangido entre os séculos V e IV a.C. até o período greco-romano, com
Galeno, em II d.C.
Contudo, outros filósofos acreditavam que o pneuma fosse distribuído ao cérebro diretamente
da respiração nasal. Alcméon cometeu alguns erros bizarros, por exemplo: achava que o
espermatozoide fosse parte do cérebro do homem desde os 14 anos de idade. Em dissecções de
animais, ele descobriu o nervo óptico e as tubas auditivas, afirmando erroneamente que as cabras
respiravam pela orelha.
15
Unidade I
Surge então a figura lendária de Hipócrates de Cós, considerado o “pai da medicina”. No campo
da anatomia, nada efetuou de relevante. A base fundamentada de seu ensinamento é “teres aos
deuses o direito de viver e confiá-los aos homens”. Atribui-se a Hipócrates uma ampla coleção de
trabalhos médicos, enquanto outros são conferidos a discípulos seus e a outros autores.
Observação
As meninges são revestimento do SNC originado do mesênquima e de
células da crista neural. Há três meninges: dura-máter, aracnoide-máter e
pia-máter, conforme ilustram as figuras a seguir.
Figura 6 – Dura-máter
16
NEUROANATOMIA
Figura 7 – Aracnoide-máter
Figura 8 – Pia-máter
O cérebro é reconhecido como o centro receptor das sensações. No livro Dos Lugares no
Homem, de Hipócrates, depara-se com a seguinte observação a propósito dos sentidos da audição
e do olfato:
Nessa época, o termo neuron empregava-se especialmente aos tendões, que eram confundidos com
os nervos. Reconheciam-se tão somente os nervos mais facilmente identificáveis, como o óptico, o
acústico, o trigêmeo, o vago, o plexo braquial e os nervos ulnar e isquiático.
17
Unidade I
Lembrete
Saiba mais
Seu texto renuncia às superstições e às bruxarias que rodeavam a doença, e Hipócrates não acreditava
que o “homem pudesse ser vitimado por um deus, representado de derradeira perfeição”, expressando,
assim, que a doença era hereditária e a sua origem estava situada no cérebro. Como tal, não precisava
ser tratada com feitiçaria, mas com dieta e drogas.
Outro anatomista importante no período grego foi o filósofo Aristóteles. Ele realizou centenas de
dissecções em animais, porém aparentemente não teve a oportunidade de dissecar cadáveres humanos.
Aristóteles dá excelentes descrições de alguns órgãos, sob o ponto de vista da anatomia comparada.
Essas descrições foram, eventualmente, ilustradas com desenhos. Ele cometeu vários equívocos ao
sustentar a teoria cardiocêntrica egípcia (quadro a seguir). Aristóteles dizia que o coração era o órgão
18
NEUROANATOMIA
mais formidável do organismo, a sede da alma e também da inteligência. Ele falava que de todas as
partes do organismo não havia nenhuma tão fria como o cérebro, além de a mais seca e que apresenta
menos sangue, servindo o cérebro somente para o resfriamento do sangue.
Teoria Cardiocêntrica
IV século a. C.
Crisipo Zenão
III século a. C.
Estoicos
II século a. C.
Ateneu
I século a. C.
Quando Atenas perdeu sua soberania, o centro médico de maior notabilidade na história da
humanidade foi, sem dúvida, Alexandria, no Egito. Fundada por Alexandre, o Grande, apresentou-se
como uma cidadela onde os melhores intelectos da Antiguidade fundamentaram os alicerces para o
estudo sistemático da matemática, da física, da astronomia, da literatura, da geografia, da biologia e da
medicina. Sua grandiosa biblioteca foi utilizada para arquivar mais de 500 mil papiros. Lá se encontravam
cópias de todos os textos escritos pelos filósofos e médicos gregos.
19
Unidade I
20
NEUROANATOMIA
Lembrete
Observação
21
Unidade I
Nessa mesma época, Erasístrato preocupou-se mais com as funções do organismo do que com a
forma, por isso é considerado o “pai da Fisiologia”. Em relação ao SN, Erasístrato e Herófilo compararam
o cérebro humano ao dos animais, observando que a superfície cerebral no homem possuía maior
complexidade e maior número de circunvoluções, o que explicaria a superioridade da inteligência
humana sobre a dos animais. Erasístrato também determinou o cérebro e o cerebelo como estruturas
parenquimatosas. Com maior segurança do que Herófilo, separou os nervos motores dos nervos sensitivos
e descreveu o trajeto dos nervos dos órgãos e dos sentidos. Ele reconheceu o córtex cerebral, e não a
dura-máter, como a origem dos nervos cranianos.
A última colaboração da Idade Antiga veio do anatomista Claudius Galeno. Suas descrições
raramente se adequam aos órgãos humanos, pois foram focadas em macacos, bois, ursos e porcos.
Quanto não teria realizado Galeno na anatomia, se lhe fosse consentida a dissecação de cadáveres
humanos, uma vez que viveu numa época onde milhares de infelizes eram sacrificados pelo capricho
brutal da população romana, em particular pelos seus imperadores, entretanto eles não autorizavam
a anatomia a servir-se dos cadáveres.
Durante a sua permanência em Roma, Galeno desenvolveu intensa atividade: realizava conferências
e palestras para o público, escrevia sem parar e era médico das classes mais pobres. Sua personalidade
era de um egocêntrico presunçoso e autoritário; queria estar sempre com a veracidade e buscava
contradizer seus predecessores e contemporâneos, exceto Herófilo e Hipócrates, que ele reverenciava –
em cuja obra e doutrina dos quatro humores Galeno se fundamentava para a explicação etiopatogênica
das doenças e do seu tratamento.
Saiba mais
Teoria Cefalocêntrica
Alcméon Pitágoras
VI e V séculos a.C.
Anaxágoras Diógenes Filolau
V século a.C.
Hipócrates Platão
IV século a.C.
Herófilo Erasístrato
III século a.C.
Galeno
II século d.C.
As principais observações de Galeno estão no campo do SN. Ele estudou a anatomia do encéfalo em
seus detalhes e considerou o cérebro como a sede de funcionamento de toda a alma. Para ele, os nervos
originavam-se do cérebro e da medula espinal, e não do coração, como ensinava Aristóteles. Classificou
os nervos cranianos em nove pares: nervo óptico; nervo oculomotor; nervo facial; nervo troclear; nervo
trigêmeo; nervo palatino; nervo acústico; grupo vocal; nervo hipoglosso. Descreveu igualmente 30
pares de nervos espinais, o grande simpático toracoabdominal e a dupla inervação vagal e simpática dos
órgãos abdominais.
Lembrete
23
Unidade I
Lembrete
Saiba mais
24
NEUROANATOMIA
Galeno classificou os nervos em dois tipos: moles ou sensitivos (para os órgãos dos sentidos)
e duros (para os movimentos), atraindo a atenção para o fato de que existem órgãos com os
dois tipos de nervos, como a língua e os olhos, favorecidos ao mesmo tempo com sensitividade e
movimento. Ele explicou a duplicidade dos órgãos dos sentidos, dos ventrículos encefálicos e dos
próprios hemisférios cerebrais para a casualidade de que “se um deles sofrer lesão, o outro suprirá
a função do que for lesado” (GALENO, 1854, p. 557 apud REZENDE, 2009, p. 69). Ainda descreveu
o corpo caloso, o fórnice e o infundíbulo da hipófise e admitiu que essa estrutura anatômica se
comunicava com a cavidade nasal.
Observação
Ainda sobre Galeno, ele apresentou pela primeira vez que o organismo era controlado pelo cérebro.
Localizou uma alma funcional no enkephalon – a parte com a qual ele acreditava que pensávamos –, onde
se encontra o pneuma psíquico. De tal modo, impôs ao cérebro os papéis da percepção que Aristóteles
havia atribuído ao coração. Galeno sustentava a teoria de que o pneuma psíquico, uma substância
que ele acreditava se desenvolver nos ventrículos encefálicos, fluiria através dos nervos cominando
a sensação e os movimentos voluntários. Em sua visão, os vasos sanguíneos transportavam a energia
vital, queimada pelo coração, levada então até a base inferior do cérebro, onde ela se transformava em
princípios espirituais (rete mirable).
Visão
Cheiro Consciência
Audição
Fonte secundária de
pneuma psíquico
Artéria carótida
Pneuma psíquico conduzido
pelos nervos espinais
25
Unidade I
Galeno cometeu muitos erros, como o concernente à sua teoria da circulação sanguínea; todavia,
sem nenhum equívoco, ele foi o médico e anatomista com o prestígio mais duradouro sobre a medicina:
1.500 anos.
O desenvolvimento da tradição ético-religiosa, que vai se desdobrar por toda a Idade Média, impediu
os estudos de anatomia. Concomitantemente, as invasões dos bárbaros enfraqueceram o Império
Romano e devastaram a Biblioteca de Alexandria, onde estavam guardados os estudos gregos sobre
medicina. No obscurantismo provocado pelo cristianismo na Europa, coube aos árabes os cuidados do
material recuperado da biblioteca.
O conhecimento obtido da medicina grega, por meio de obras traduzidas, faria da Escola de Galeno
a mais importante no mundo árabe islâmico. Hipócrates, Herófilo e Erasístrato, antecessores de
Galeno, e os mais relevantes representantes da medicina clássica, seriam, ao mesmo tempo, venerados
ao longo de todo o período de ouro dessa cultura. A medicina grega estaria sempre presente e guiaria
os trabalhos e as pesquisas, devido aos obstáculos de desenvolverem tais atividades em anatomia e
fisiologia, pela proibição da prática de vivissecção e dissecação. As noções do organismo humano
emanavam dos gregos.
Na Idade Média, o organismo passou por um processo de ressignificação. As atenções dos indivíduos
eram voltadas para as ameaças divinas, em comparação às quais os perigos ao organismo passaram a
ser desdenhadas. Essa seria uma das explicações aceitáveis para a redução do interesse dos indivíduos
diante das questões de saúde, como a medicina e, consequentemente, a anatomia. Além disso, os roubos,
as epidemias, a fome, as batalhas empreendidas pelas cruzadas religiosas, os pagamentos de impostos,
enfim, tudo no feudalismo contribuiu para que as inquietações dos indivíduos se retrocedessem para a
necessidade de segurança proporcionada pela terra e pela religião.
Saiba mais
26
NEUROANATOMIA
Por esses aspectos, no período medieval, a evolução da anatomia foi estorvada. Os poucos estudos
das estruturas cerebrais foram imaginados por desenhos e pinturas sem o cuidado de ser realístico
ou conceber a autêntica forma do cérebro. As figuras foram construídas usando-se de diagramas
esquemáticos, bidimensionais, os quais retratavam papéis cerebrais diversos, deixando claro que o
conceito anatômico era incompleto. Funções da visão, da audição, da gustação, da alma e mentais,
por exemplo, eram projetadas para células, isto é, os ventrículos laterais, esboçados sem propósito de
expressar a realidade da estrutura anatômica legítima, conforme ilustra a figura a seguir.
Figura 16 – Diagrama esquemático com ilustrações medievais da doutrina celular da função cerebral.
Observa-se que não há preocupação em representar o cérebro de forma realista e com perspectiva
27
Unidade I
Nenhuma pesquisa sobre a história da anatomia no período medieval pode ser considerada
completa sem citar o nome de Mondino de Luzzi. Ele foi contemplado como o primeiro “restaurador da
anatomia”. Mondino efetuou dissecções em cadáveres humanos de criminosos e escreveu o manual de
dissecação, a Anatomia Mondini.
Mondino encarou uma área muito desafiadora, como a anatomia do cérebro, entretanto foi hábil
em prover uma descrição brilhante e racional por meio de suas dissecações. Atribuiu muitos dos papéis
cerebrais aos ventrículos, brevemente destacando Galeno, que enfatizou o parênquima cerebral.
28
NEUROANATOMIA
Segundo Mondino, uma vez que as membranas, a dura-máter e a pia-máter são levantadas, o
cérebro vai aparecer. Ele observou que o encéfalo humano tem duas partes: a anterior, a qual chamou de
prosencéfalo, e a posterior, que denominou de cerebelo. A parte anterior do encéfalo foi dividida em dois
hemisférios cerebrais (direito e esquerdo), conforme ilustra a figura seguinte. Mondino dedicou grande
atenção à descrição dos ventrículos encefálicos. “Os ventrículos encefálicos são em número de quatro.
O ventrículo anterior é o ventriculus anterior magnus, sendo ele subdividido em: uma parte direita e
uma esquerda” (CRIVELLATO; RIBATTI, 2006, p. 585, tradução nossa).
29
Unidade I
Lembrete
Mondino complementou:
Conforme Mondino, os papéis desses ventrículos laterais são, portanto, propor a fantasia, a
imaginação e o senso comum. O terceiro ventrículo, chamado por ele de ‘’lacuna’’, ou ventrículo médio,
está disposto no fundo da parte mediana do cérebro.
o ponto de origem da medula espinal e vários nervos motores. Para ele, o ventrículo posterior
tinha uma forma piramidal e foi interpretado como o lugar da memória. De tal modo, Mondino
seguiu a doutrina da localização psicológica de Galeno relacionada às funções situadas dentro dos
ventrículos encefálicos.
Lembrete
Curiosamente, Mondino descreveu uma estrutura com coloração “vermelho-sangue”, que possui
a forma de um “verme longo caminhando no solo”, encontrada no espaço entre os dois ventrículos
laterais. Esta estrutura anatômica corresponde aos plexos corióideos dos ventrículos laterais.
De acordo com Mondino, esse órgão vascular foi relacionado com a atividade do pensamento,
porque sua contração gera a obstrução da passagem do espírito vital, seguida de bloqueio de
qualquer faculdade do pensamento.
Observação
31
Unidade I
Observação
Tálamo
III ventrículo
Glândula pineal
Colículo superior
Colículo inferior Mesencéfalo
Vérmis
Hemisfério cerebelar
direito
Hemisfério
cerebelar esquerdo
Observação
32
NEUROANATOMIA
Guido fez esboços de trepanações cranianas por meio de um bisturi e um martelo, cujo intuito
era mostrar o encéfalo e as duas meninges, até então conhecidas como a dura-máter e a pia-máter.
Ele definiu as meninges como película.
33
Unidade I
Outros achados relevantes de Guido da Vigevano estão relacionados com a medula espinal e a origem
dos nervos espinais. Esses pares de nervos espinais atravessam os forames intervertebrais, formam os
plexos nervosos e atingem todo o organismo. Ele demonstrou uma vaga padronização da estrutura
cortical encontrada na superfície encefálica. Posto isto, os esboços de Guido foram uma contribuição
valiosa para os avanços da história da neuroanatomia.
Ainda durante a Idade Média, existiu John Arderne, um importante cirurgião em Nottinghamshire
e Londres, que teve, ao longo de sua vida profissional, oportunidades de aprender e desenvolver
suas habilidades como cirurgião militar, pois nesse ínterim histórico ocorreu a Guerra dos Cem
Anos do século XIV. De tal modo, ele observou os ferimentos causados pelas primeiras batalhas que
utilizaram a pólvora.
Arderne descreveu seus estudos em latim e obviamente usou os ensinamentos de muitos dos
autores escolásticos de enorme autoridade, como Galeno e Avicena. As figuras seguintes mostram,
em cortes sagitais, a dissecação da cabeça ao períneo. Na figura a seguir, o cérebro é visto dividido em
partes: frontal, média e terços posteriores, além dos giros e sulcos que são representados como linhas
interrompidas. Na figura 28, ele manteve o mesmo padrão de secção do encéfalo. Nesta imagem,
além da representação do cérebro, há uma tentativa de retratar de forma realística outras regiões e
órgãos do corpo humano.
34
NEUROANATOMIA
O Renascimento foi um período que suplicava por “titãs” e que os compôs por força do pensamento,
paixão, caráter, versatilidade e sabedoria. A anatomia também teve tais “titãs”. Eles aniquilaram a anatomia
escolástica de Galeno e cimentaram os fundamentos da anatomia cientifica. O precursor desse trabalho
titânico foi Leonardo da Vinci, o verdadeiro criador foi Vesalius, e a findar esse trabalho esteve Harvey.
35
Unidade I
dos esquemas de representação daquilo que muitas vezes só poderia ser idealizado e explicado. Neste
contexto, o próprio pesquisador era ao mesmo tempo cientista e artista, como foi o caso de Da Vinci.
O grande renascentista italiano Leonardo da Vinci se dedicou com ardor às pesquisas minudenciadas
do organismo humano, esboçando inúmeros desenhos com estudos anatômicos que representavam as
estruturas interiores e as proporções do corpo, objetivando um maior realismo em sua obra. Ele estudava
o organismo instituindo comparações e buscando simetrias com o microcosmos.
Da Vinci fez diversos desenhos representando o funcionamento dos órgãos corpóreos, como o cérebro,
o esqueleto, o caminho de veias e as estruturas digestivas. Em algum momento da história, quiçá acirrado
por um revigorado interesse na anatomia, ele tornou-se um “consumidor voraz “ de cadáveres. Por volta
de 1508, Da Vinci fez moldes, em cera derretida, dos ventrículos encefálicos, para estudar a sua estrutura.
36
NEUROANATOMIA
O médico alemão Johann Dryander é considerado o primeiro anatomista a publicar um livro com
imagens de suas dissecações. Ele divulgou em sua obra Anatomia Capitis Humani imagens que retratavam
o impacto da transição dos desenhos da doutrina medieval, isto é, a teoria das células cerebrais, com a
total despreocupação voltada para a representação realística do cérebro. A visão moderna que Dryander
exibia em suas imagens representava as estruturas intracranianas de maneira realística, uma novidade
para o período, como era vista por ele na dissecação das meninges, do cérebro, dos ventrículos e do
crânio, conforme ilustra a figura seguir.
37
Unidade I
Quando Michelangelo Buonarroti pintou A Criação de Adão, como parte da encomenda da pintura
do teto da Capela Sistina, em Roma, feita em 1508 pelo Papa Júlio II, registrou em carta a melancolia de
escultor forçado a desempenhar ocupação de pintor: “Isso não é da minha profissão. Perco o meu tempo
sem resultado. Que Deus me ajude!” (NÉRET, 2000. p. 23).
Michelangelo seguramente não era um católico impetuoso; sua religiosidade permanecia mais para
o corpo criado do que para a mente do divino criador. Manifestava sua curiosidade de homem do
Renascimento, que o levara à dissecção de organismos humanos para que melhor compreendesse as
formas que compunham sua escultura e sua pintura.
A partir de 1990, foram feitas descobertas acerca de alguns segredos contidos na pintura da Capela
Sistina. Nesse ano, o médico americano Frank Meshberger descobriu que na cena A Criação de Adão o
manto de Deus significava seguramente um corte de um crânio e do cérebro nele contido. Entre os anos
de 1989 e 2003, o oncologista brasileiro Gilson Barreto pesquisou e descobriu a série completa do que ele
denominou de O Código Michelangelo. A dissecção de praticamente todas as partes do organismo humano
estava representada, e cada uma disfarçadamente apontada por rastros nas pinturas da Capela Sistina.
A primeira descoberta de um desenho escondido nas imagens da Capela Sistina, a que mostrou um
cérebro idêntico com a imagem divina, faz jus a um cuidado especial. Nessa imagem, o Deus criador, em
meio a seu manto envolvente e a um grupo de anjos, corresponderia às partes mais centrais do cérebro
humano, como o corpo caloso. Na realidade, a imagem de Deus possui leve defeito diagonal que, em geral, se
observa em processos de dissecação, contudo todas as partes anatômicas estão corretamente representadas
na pintura. Há somente um detalhe que evade à correção anatômica que nenhum pesquisador conseguiu
esclarecer: o braço estendido de Deus ultrapassa os limites de uma possível representação de caixa craniana.
Saiba mais
38
NEUROANATOMIA
As bases da anatomia como ciência foram determinadas por Vesalius de Bruxelas, em 1543,
quando ele publicou os desenhos e os textos que compõem a obra De Humani Corporis Fabrica,
que corrigia e reformulava os conceitos e as ilustrações anatômicas do período, na busca de uma
“exatidão real”. A obra de Vesalius, ao priorizar a observação e a pesquisa, é apresentada como o
início da ciência moderna. Ele é considerado o pai da anatomia e um autêntico representante da
Renascença, reunindo ciência e arte. Entretanto, é chamado pelos seus inimigos da fé católica de o
Martinho Lutero da anatomia humana.
Vesalius começa o seu livro e traz o tema a respeito do cérebro e do sistema nervoso:
O encéfalo é a sede da alma dos indivíduos e das suas faculdades. Ele reside
no crânio, sendo que magnificamente se ajusta ao seu formato na cavidade
superior da cabeça, e assim, ocupa todo esse espaço (GOMES et al., 2015,
p. 157, tradução nossa).
Em alguns trechos de seu livro, Vesalius faz menções da abertura do crânio com analogias à de
um cofre:
[...]
39
Unidade I
Após a remoção da dura-máter, percebam que ela envia uma dobra entre
os dois hemisférios cerebrais (foice do cérebro), e entre o cérebro e o
cerebelo (tentório do cerebelo). Assim, a exposição dos hemisférios cerebrais
possibilita a visualização de duas grandes cavidades (ventrículos laterais), os
giros cerebrais e a substância branca subcortical. Em um nível mais profundo,
observam-se estruturas subcorticais, como o tálamo, o globo pálido, o
putame, o núcleo caudado e as cápsulas internas e externas. A remoção
da parte posterior do cérebro revela o cerebelo e o tronco encefálico. Após
“virar” anteriormente o cerebelo e todo o tronco encefálico, enfim a medula
espinal aparece.
[...]
Então, Vesalius segue com a sua descrição detalhada do crânio, da coluna vertebral e dos
nervos periféricos:
40
NEUROANATOMIA
Ele também dá considerações funcionais adequadas ao seu tempo, citando o “catarro do cérebro”
e o seu fluxo através de um canal em forma de funil (infundíbulo) até as narinas, depois de ter sido
“destilado” por uma glândula quadrada (hipófise):
Observação
Tálamo
Mesencéfalo
Ponte
IV ventrículo cerebral
Cerebelo
Bulbo
Medula espinal
Figura 36 – Vista medial do tálamo, tronco encefálico e cerebelo no plano de secção sagital
42
NEUROANATOMIA
Lembrete
Foice do cérebro
Corpo caloso
Ventrículo lateral
Septo pelúcido
Núcleos da base
(núcleo caudado)
Em 1663, o médico e anatomista Franciscus Sylvius descreveu uma marca profunda na superfície lateral
do cérebro que começava próximo da órbita curvando-se posterior e superiormente, seguia tão distal quanto
a origem do tronco encefálico, separando o cérebro em uma parte superior e uma inferior, que foi chamada de
sulco lateral. Em seu tributo, é nomeada, também, de fissura de Sylvius. Ele ainda descreveu outras estruturas
anatômicas, como a artéria média do cérebro, a cisterna da fossa lateral do cérebro, a veia média profunda do
cérebro, as veias médias superficiais do cérebro e a cavidade do septo pelúcido.
Sulco lateral
Cerebelo Ponte
ponte, sob a qual passavam as fibras longitudinais para a medula oblonga como se fosse a água
sob uma ponte. Essa estrutura anatômica é hoje denominada de base da ponte, contendo as fibras
corticospinais e pontocerebelares.
Observação
Antes de Costanzo Varolio, a ponte fora ilustrada por Bartolomeu Eustachio, em seu livro Tabulae
Anatomicae de 1552, mas infelizmente esse trabalho permaneceu inédito por mais de 150 anos.
Varolio também contribuiu em outras descrições neuroanatômicas no século XVI. Teve particular
atenção às origens intracranianas dos nervos e desenvolveu um novo método de dissecar o cérebro
no plano axial, a partir da base cerebral em direção à convexidade. Esse método permitiu uma melhor
visualização da estrutura cerebral e dos nervos cranianos. Ele também é considerado o primeiro a ter
descrito os lobos cerebrais, ao postular que cada hemisfério cerebral era composto de três prominências,
as quais Varolio denominou de anterior, média e posterior, acreditando que corresponderia ao I, II e III
ventrículos, respectivamente.
45
Unidade I
Um dos maiores filósofos ocidentais de todos os tempos foi René Descartes. Ele era conhecedor da
descrição completa do organismo humano oferecida por Vesalius, em 1543.
Através da glândula pineal, Descartes cria um pequeno órgão vestigial no cérebro. Esse órgão foi
sugerido por tratar-se de uma das poucas partes não duplicadas do cérebro. Descartes reconstituiu a
doutrina do ser dualista, de que alma e organismo eram compostos por diferentes substâncias – uma
teoria que se tornou crença habitualmente acolhida por pensadores europeus.
Ele foi um exímio anatomista e fisiologista e estudou fenômenos simples, como o movimento
involuntário que ocorre em um membro quando alguém queima a sua mão ou o seu pé em uma
brasa; sugeriu essa ideia como arco reflexo. De forma brilhante, detalhou os componentes desse evento:
primeiro a sensação de dor, em seguida a sua condução pelos nervos sensitivos que levam os estímulos
até o SNC, posteriormente as respostas pelos nervos motores, que são excitados, e por fim os músculos
responsáveis pelo ato.
46
NEUROANATOMIA
Lembrete
Os anatomistas levavam em consideração o dualismo articulado por René Descartes. Por mais que o
cérebro pudesse ser dito a sede da alma, ele não era a alma, e essa noção de que o órgão não tinha outros
significados além da sua materialidade teria tornado pouco atraente a sua representação pitoresca e
reproduzida, em oposição ao que aconteceu com o coração, largamente usado nas pinturas com temas
religiosos, como o Sagrado Coração de Jesus.
47
Unidade I
48
NEUROANATOMIA
Em 1600, o médico, anatomista e fisiologista inglês Thomas Willis, autor do livro Patholigiae
Cerebri, apresentou excelentes ilustrações que possibilitaram um conceito de localização de alguns
papéis cerebrais, como o senso comum, a imaginação e a memória, situadas, respectivamente, no corpo
estriado, no corpo caloso e no córtex cerebral.
Lembrete
Ele desponta como favorável à conhecida teoria dos espíritos animais, que se compõem no cérebro
mediante destilação com base no sangue arterial e, a partir dos nervos, descem as regiões de atuação
como os causadores da sensação e do movimento.
Em sua obra De Cerebri Anatome, Willis introduziu um novo sistema de numeração dos nervos
cranianos, agrupados conforme as suas funções, descreveu extensamente sobre os núcleos da
base, o tronco encefálico e o cerebelo, além de realizar esquemas detalhados das inervações vagal
e simpática.
49
Unidade I
Figura 47 – Página de título De Cerebri Anatome (2. ed., 1664). Ilustração mostra Willis à direita do cadáver
50
NEUROANATOMIA
Thomas Willis descreveu a clássica anastomose da circulação arterial e a sua função – complexo
vascular na base do encéfalo –, conhecida como “polígono de Willis”, rompendo para sempre com a ideia
galênica da rete mirable, ou seja, dos princípios espirituais.
Ele utilizou pela primeira vez a terminologia “ação reflexa”. Outra descrição relevante dele foi a de
sugerir que o plexo corióideo fosse o responsável pela absorção do LCS.
Na imagem anterior, observa-se que os giros cerebrais ainda não eram descritos com as mais elevadas
precisões. Eles servem como um “pano de fundo” para as estruturas anatômicas da base do encéfalo
que Thomas Willis ambicionou realçar, e algumas terminologias anatômicas ainda prevalecem até hoje,
como o pedúnculo cerebral e as pirâmides.
Nicolaus Steno criticou de maneira inconveniente o trabalho de Willis, ao afirmar que as melhores
descrições sobre o encéfalo que temos até o presente momento são aquelas que nos são oferecidas por
este senhor.
Outra descrição relevante foi que Thomas Willis insinuou a ideia da barreira hematoencefálica, ao
sugerir que somente as partículas menores, as quais seriam essenciais para o rápido desempenho dos
papéis cerebrais, passsariam do sangue para o cérebro.
51
Unidade I
Observação
Saiba mais
Após Willis, a combinação de anatomia e ilustração do encéfalo ficou estancada até o final do
século XVIII. O anatomista francês Félix Vicq d’Azyr, que incialmente se mostrou talentoso poeta, fora
convencido por seu pai a prosseguir a tradição familiar de entrar para a medicina.
Encantado com as ideias de Étienne Bonnot de Condillac e John Locke, Vicq d’Azyr foi convencido
de que o estudo humano deve ser alumiado pelo estudo dos animais; para ele, o lugar do homem na
natureza não é totalmente compreendido sem uma simbiose com as demais espécies.
Figura 51 – Retrato de Félix Vicq d’Azyr. A assinatura de Vicq d’Azyr foi tomada de uma carta manuscrita
encontrada na Biblioteca da Académie Nationale de Médecine e eletronicamente importada para o retrato
52
NEUROANATOMIA
Vicq d’Azyr dissecou muitos animais pertencentes a espécies diferentes, incluindo raras
amostras obtidas na África, e progressivamente desenvolveu um amplo conhecimento no campo
da anatomia comparativa.
Figura 52 – O mandril
Em contrapartida, Vicq d’Azyr era fascinado pelo encéfalo, considerando esses órgãos como os
responsáveis pelo pensamento. De tal modo, ele percebeu que o avanço da neuroanatomia se beneficiaria
imensamente com os conhecimentos funcionais desses órgãos.
Vicq d’Azyr dividiu a superfície convexa do cérebro em três grandes áreas: frontal, parietal e occipital,
correspondendo às áreas anterior, média e posterior, como os lobos de outros anatomistas. Estudou o
córtex cerebral, delimitando a fissura longitudinal do cérebro, o giro pré-central e o giro pós-central,
entretanto não os nomeou. Foi também o primeiro anatomista a descrever o fascículo mamilotalâmico,
a estria da camada granular interna do córtex cerebral e o forame cego, sendo este correspondente à
terminação na fissura mediana anterior da medula espinal.
53
Unidade I
Figura 53 – A) Desenho de um cérebro humano seccionado ao longo do plano sagital e que ilustra o corpo caloso, a estria da lâmina
granular interna do córtex cerebral (faixa interna de Baillanger) e a glândula pineal. O bulbo olfatório, o pedúnculo e as estrias
também são ilustrados em conjunto com a substância perfurada anterior. B) Desenhos de uma secção parassagital do cérebro
humano que ilustra o fascículo mamilotalâmico
Vicq d’Azyr também forneceu insuperáveis representações da formação do hipocampo. Ele identificou
os sulcos occipitoparietal e calcarino; os giros do cíngulo – o pré-cúneo e o cúneo –, o unco; a substância
perfurada anterior; a ínsula; o trato espinotalâmico; vários sulcos cerebelares; e a estrutura interna da
medula espinal. Além disso, é de Vicq d’Azyr, e não de Samuel Thomas Sömmerring como comumente
se acredita, a descoberta da substância nigra.
Figura 54 –Reprodução de duas figuras em cores, de Vicq d’Azyr, as quais representam seções
horizontais através do cérebro humano tomadas a dois níveis diferentes dorsoventrais
54
NEUROANATOMIA
Vicq d’Azyr também complementou a descrição dos núcleos da base, fez uma clara distinção entre
o núcleo caudado e o putame, observou a existência dos dois segmentos do globo pálido, que foram
nomeados cinquenta anos mais tarde pelo alemão neuroanatomista Karl Friedrich Burdach e, por fim,
demonstrou experimentalmente, bem como anatomicamente, a existência do forame interventricular
entre os ventrículos laterais e o terceiro ventrículo.
Em geral, porém, o seu trabalho sobre a fisiologia cerebral era muito menos preciso do que a sua
contribuição para a organização estrutural do cérebro. Como ele defendia uma ideia medieval e arcaica,
sustentada por Galeno em relação à decussação dos nervos ópticos, acreditava que as fibras ópticas
não cruzassem a linha média, exceto em alguns peixes, ao imaginar que o cruzamento dessa estrutura
anatômica estivesse completo.
Mesencéfalo
Cerebelo
Ponte
Bulbo
Sulco central
Lobo parietal
Lobo frontal
Lobo da ínsula
Lobo occipital Sulco lateral
(com afastamento)
Lobo temporal
Lembrete
Observação
56
NEUROANATOMIA
Tálamo
Nervo óptico
Quiasma óptico
Pedúnculo cerebral
Ponte
57
Unidade I
Saiba mais
No século XVIII, tivemos anatomistas relevantes, como as figuras ilustres de Antônio Pacchioni,
Giovanni Maria Lancisi, Domenico Felice Cotugno, Giovanni Fantoni, Jacques-Bénigne Winslow e Samuel
Thomas von Sömmering.
58
NEUROANATOMIA
Giovanni Maria Lancisi foi um importante médico italiano, professor de cirurgia, anatomia e
medicina teórico-prática na Universidade de Roma. No campo da neurociência, Lancisi escreveu
Dissertatio Physiognomica (1710), no qual ele retratou a relação entre o mimetismo do músculo frontal
e as fibras das meninges e do cérebro, e Dissertatio de Sede Cogitantis Animae (1712), dedicado ao
médico Giovanni Fantoni, em que ele considerava o problema das localizações cerebrais e especificidade
das funções corticais.
59
Unidade I
Lembrete
Os estudos anatômicos de Lancisi foram muito meticulosos, e ele forneceu uma excelente descrição
do corpo caloso:
Em amostras de cérebros de cavalos, Lancisi observou as fibras que cruzam o corpo caloso e
a sua união entre os dois hemisférios cerebrais. Após a remoção dos hemisférios cerebrais e da
pia-máter, ele escreveu que os nervos medulares serão vistos numa direção transversal e paralela
um ao outro.
60
NEUROANATOMIA
Em suas dissecações, Lancisi também notou a presença de estrias longitudinais laterais. No entanto,
em sua concepção do corpo caloso como a sede da alma e dos nervos como as fibras em que os
espíritos poderiam fluir, ele interpretou as estrias longitudinais mediais, as quais ele descreveu como
um “caminho” para o fluxo da alma ou quiçá para a consciência, localizada entre a parte anterior
do corpo caloso e as colunas anteriores do fundo de saco, entre a parte posterior do corpo caloso e
o tálamo, consistindo numa espécie de conexão entre a sede da alma e os órgãos periféricos, ou seja,
entre a alma e o corpo.
Lancisi descreveu que a parte superior do corpo caloso, de ambos os lados, está coberta pelo
giro do cíngulo, do qual está separado pelo sulco caloso em forma de fenda. Ele se encontra coberto
por uma fina camada de substância cinzenta, o indusium griseum (giro supracaloso) e pelas estrias
longitudinais mediais e laterais, conforme ilustram as figuras a seguir.
61
Unidade I
Figura 63 – 1: Radiação do corpo caloso, fórceps menor (frontal) (telencéfalo); 2: Joelho do corpo caloso (telencéfalo); 3: Estria
longitudinal lateral, indúsio cinzento, corpo caloso (telencéfalo); 4: Estria longitudinal medial, indúsio cinzento, corpo caloso
(telencéfalo); 5: Córtex cerebral (telencéfalo); 6: Substância branca do cérebro (telencéfalo); 7: Massa cinzenta (telencéfalo);
8: Esplênio do corpo caloso (telencéfalo); 9: Cerebelo (metencéfalo); 10: Radiação do corpo caloso, fórceps maior (occipital)
(telencéfalo); 11: Radiação do corpo caloso (telencéfalo); 12: Nesta área da dissecção horizontal projetando uma radiação do corpo
caloso foram intersectadas fibras ascendentes para a coroa radiada, dando uma aparência desordenada para as fibras; 13: Sulco
lateral (fissura de Silvio) (telencéfalo); 14: Polo occipital (telencéfalo)
Formado em medicina pela Universidade de Nápoles, em 1756, Domenico Felice Cotugno realizou
diversas viagens a Roma, onde sofreu fortes influências de Giovanni Battista Morgagni, dedicando-se
aos estudos da anatomia humana.
62
NEUROANATOMIA
Cotugno descreveu a presença do líquido cerebrospinal (LCS) sob a dura-máter, dentro dos
ventrículos encefálicos, circulando pela medula espinal e nos hemisférios cerebrais. Ele também
esclareceu a circulação do LCS dos ventrículos encefálicos através do aqueduto do mesencéfalo
até o espaço subaracnóideo. Além disso, concluiu que sua descoberta só foi possível devido ao fato
de que uma nova técnica de dissecação tinha sido introduzida, sem que se separasse a cabeça do
resto do corpo.
Seu discípulo, Heinrich Johann Nepomuk von Crantz, observou que a descoberta de seu mestre
em anatomia era viável baseada em 20 dissecações realizadas em cadáveres humanos, posicionados
verticalmente e de cabeça para baixo.
Há um consenso histórico de que Domenico Cotugno foi o primeiro a descobrir o LCS no espaço
subaracnóideo. O nome fluido cerebrospinal foi introduzido por François Magendie na primeira metade
do século XIX.
Algumas décadas mais tarde, Giovanni Fantoni corrigiu os erros cometidos por Antônio
Pacchioni. Por um lado, ele mostrou que a dura-máter não apresenta qualquer feixe muscular; por
outro, Fantoni afirmou que as granulações aracnóideas são as responsáveis p ela reabsorção do LCS,
e não pela sua secreção.
Samuel Thomas von Sömmering também foi um dos mais experientes e famosos neuroanatomistas
do século XVIII. Além da sua descrição do tronco encefálico e da classificação dos 12 pares de nervos
cranianos, instituiu a teoria de que a alma se situa no ventrículo encefálico e tem contato com os
nervos do corpo.
O seu estudo foi alinhado com o de Vicq d’Azyr e versava sobre a preocupação de dividir o corpo em
partes compreensíveis ao estudo. Em sua magnífica obra Uber das Organ der Seele (1796), Sömmering
realizou ilustrações do cérebro humano com lucidez e exatidão.
63
Unidade I
Ainda no século XVIII, David Hartley preocupou-se com as localizações cerebrais, mostrando
primeiramente que o córtex cerebral não era a sede da sensação, nem a causa exclusiva do movimento.
A base da sensação e do movimento era a substância branca do cérebro e do cerebelo. Ademais, Hartley
definiu a memória como a insistência das impressões sobre a substância cerebral. As circunvoluções do
cérebro eram para aumentar o espaço disponível para a memória.
Contrariando as teorias holísticas dos séculos XVII e XIX sobre o funcionamento cerebral, Luigi
Rolando defendeu que o SN poderia ter áreas caracterizadas do ponto de vista morfofuncional.
64
NEUROANATOMIA
Ele averiguou ainda que apesar da variabilidade existiam sempre dois giros, dispostos
transversalmente à fissura de Sylvius, um na região frontal e o outro na região lateral. Entre eles
havia um sulco, também constante, que recebeu o nome de fissura de Rolando em sua homenagem,
atualmente denominado sulco central.
Cerebelo Ponte
Após estudar os giros, os sulcos e a fissura, Rolando descreveu o cerebelo como a bateria que
produz a eletricidade necessária para gerar a contração muscular.
Os conceitos de Rolando contrariaram a ideia holística e abriram caminho para uma nova teoria
de organização funcional do cérebro, dando características topográficas para os papéis cerebrais.
65
Unidade I
Lembrete
Intumescência cervical
Intumescência lombossacral
66
NEUROANATOMIA
Lembrete
Observação
Gall propôs, no começo do século XIX, que o comportamento humano poderia estar correlacionado
com características faciais externas. Numa fase inicial do seu trabalho, ele se juntou ao anatomista
Johann Kaspar Spurzheim e publicaram uma série de artigos científicos sobre a anatomia funcional
e a psicologia.
Por discordar de Gall quanto à necessidade de um maior rigor científico para prosseguir suas
afirmações, Spurzheim se separou e fundou a frenologia. Depois de décadas de notoriedade, a disciplina
de frenologia desmoronou em infelicidade, quando foi recomendada como método para eleger membros
do parlamento, entre outros.
67
Unidade I
Lembrete
Genialidade
n to
cime
Cu
he Militâ
ltu
Co
n ó ria ncia
ra
M em
Enigma
Humor
Terror
Eu
Franz Gall era um conhecedor da fisiologia cerebral. Apesar dos ataques, as suas ideias resistiram até
os experimentos do neurologista francês Jean-Baptiste Bouillaud, que criou individualmente a teoria da
localização, especialmente no que se referia à fala.
68
NEUROANATOMIA
6
9
46 44
43
45
47
Ao estudar a anatomia comparada dos sulcos e dos giros cerebrais de mamíferos, Paul Broca, em
1877, descreveu que o “grande lobo límbico” era formado pelos giros do cíngulo e para-hipocampal,
e a “fissura límbica” era constituída pelos sulcos, recentemente, chamados de sulco do cíngulo, sulco
subparietal e sulco colateral, tendo aceitado o termo límbico em razão do seu significado (do latim
limbus: orla, anel em torno de), uma vez que essas estruturas anatômicas, presentes em todos os
mamíferos, estão em torno do topo do tronco encefálico.
d P
P C’
e
2
3
O
C”
C 4 P
O’
a
H H’
b c
I
G P S
69
Unidade I
SPreC
SC
SPaC
SCI
RSMCI
Ro SRoSup
*SPAOlf Ant/Post
FCa
SRoInf
SCoI SRi
A SOT
GFS (GFM)
LPaC
GCI
PreCu
CC
Cu NCa GCi
Fo Ro
Ist Fm * GPaOlf / GPaTe
Espl Ta
PoCi GRe
GLI CoAnt
GPH
Un PoTe
GFu
B GTi
Figura 77 – Sulcos e giros da face medial e da parte têmporo-occipital da face inferior do cérebro humano. Os sulcos das faces medial
e inferior do cérebro A) delimitam os seus giros, B) formando um anel giral mais interno, o giro do cíngulo (GCi) continua com o
giro para-hipocampal (GPH), compondo um verdadeiro giro límbico disposto em torno do corpo caloso (CC) e do tálamo (Ta). O giro
para‑hipocampal (GPH) continua com o giro do cíngulo (GCi) através do istmo (Ist), que se dispõe posteriormente ao esplênio do corpo
caloso (Espl), e apresenta também precisas conexões ou continuidades com o giro do pré-cúneo (PreCu) e com o giro lingual (GLi).
O sulco do cíngulo (SCi), o sulco subparietal (SSubP) e o sulco colateral (SCol), em conjunto, formam a fissura límbica, que separa o
anel giral interno de um anel giral externo formado pelo giro frontal superior (GFS) ou medial (GFM), lóbulo paracentral (LPaC), giro
do pré‑cúneo (PreCu), giro do cúneo (Cu), giro lingual (GLi), giro fusiforme (GFu), e pelo giro temporal inferior (GTI), que, por sua vez,
continua com os giros da face superolateral do cérebro, ao longo das suas margens superior e inferolateral. O sulco do cíngulo (SCi)
separa o giro do cíngulo (GCi) do giro frontal superior (GFS) ou medial (GFM), e os seus ramos – sulco paracentral (SPaC) e ramo marginal
ascendente (RMSCi) – delimitam anterior e posteriormente o lóbulo paracentral (LPaC). O sulco occipitoparietal (SPO), que separa os
giros do pré-cúneo e do cúneo, emerge do ponto aproximadamente médio do sulco calcarino (FCa); enquanto a metade distal do sulco
calcarino (FCa) separa o cúneo (Cu) do giro lingual (GLi), a sua metade proximal separa o giro lingual (GLi) do pré-cúneo (PreCu) e do
istmo do cíngulo (Ist). O sulco colateral (SCol) separa o giro para-hipocampal (GPH) do giro fusiforme (GFu) e pode ser contínuo ou
distinto do sulco occipitotemporal (SOT) que separa o giro para-hipocampal (GPH) do giro temporal inferior (GTI) e do sulco rinal (SRi) –
que separa o unco do giro para-hipocampal (Un) do restante do polo temporal (PoTe). Na região subcalosa, sob o rostro do corpo caloso
(Ro), dispõem-se verticalmente, imediatamente à frente da comissura anterior (ComAnt), os giros paraolfatório (GPaOlf) e paraterminal
(GPaTe), delimitados pelos sulcos paraolfatórios anterior (SPaOlfAnt) e posterior (SPaOlfPost). Anteriormente a estes, dispõe-se o polo
do cíngulo (PoCi), constituído por uma prega de conexão entre o giro do cíngulo (GCi) e o giro reto (GRe), que contorna a porção mais
posterior do sulco rostral superior (SRoSup), que, por sua vez, separa esses dois giros. O giro reto (GRe) é constituído pela extensão basal
do giro frontal superior (GFS) ou medial (GFM) e abriga no seu interior o sulco rostal inferior (SRoInf). FM: forame interventricular de
Monro; Fo: fórnice; IIIv: terceiro ventrículo; VL: ventrículo lateral
70
NEUROANATOMIA
Os trabalhos de Broca sobre a determinação das localizações cerebrais foram seguidos pelas
interpretações neurológicas de Charcot, Gowers e Jackson, sobretudo quanto à representação da
área motora, permitindo o começo da cirurgia de retirada dos tumores encefálicos antecipadamente
localizados pelo exame neurológico. Esses relatos possibilitaram, também, a Fritsch e Hitzig detectar a
localização do córtex motor, o que, por sua vez, abriu as portas para Ferrier começar seus experimentos
com estimulação cortical, determinando uma nova fase na neurociência.
Saiba mais
O primeiro destaque é para Alfred Campbell, que em seu trabalho estruturou diferenças regionais
do córtex cerebral em relação à histologia, agregadas às descobertas clínico-patológicas dos hipotéticos
papéis desempenhados por essa região, culminando na anatomia, na patologia e na fisiologia.
Joseph Jules Dejerine introduziu novas técnicas de dissecação de fibras brancas, agregadas à coloração
por hematoxilina ferrosa, e conseguiu demonstrar diferentes correlações entre as áreas corticais e as
suas projeções em territórios da linguagem, o que permitiu a descrição de lesões occipitotemporais, com
extensão do esplênio do corpo caloso.
Observação
Lembrete
O neurologista alemão Carl Wernicke descreveu a relação causal entre a lesão no primeiro giro
temporal esquerdo e uma das formas clínicas da afasia, denominada afasia sensorial.
O nome afasia sensorial foi sugerido por Wernicke para fazer frente à afasia motora descrita
anteriormente por Broca. Na afasia motora de Broca, os pacientes falam pouco, entretanto compreendem
a linguagem, enquanto na afasia sensorial de Wernicke a fala está preservada, porém a sua linguagem
é inapropriada e a sua compreensão da linguagem dos outros está prejudicada.
C
C
F
a1
b1 a
Figura 78 – Diagrama de Wernicke de organização da linguagem no cérebro. No diagrama, a) ponto no qual a rota acústica entra no
tronco encefálico; a1) terminação cortical da rota acústica; b) centro para imagens motoras verbais; b1) saída do tronco encefálico
para rotas motoras centrífugas; O) polo occipital; F) polo frontal; C) sulco central; S) sulco lateral. A afasia poderia ser causada por
qualquer lesão na rota a-a1-b-b1, porém o quadro clínico iria variar de acordo com o local preciso da lesão
Saiba mais
72
NEUROANATOMIA
A ideia de que espíritos animais percorriam os nervos, originada dos pensadores gregos,
permaneceu como uma verdade até o século XVII, quando ficou evidenciada a natureza elétrica
na condução nervosa, enfatizando-se, para isso, o trabalho de Luigi Galvani primeiramente, e,
no século seguinte, o de Emil Du Bois-Reymond, que realizou seus estudos sobre a transmissão
nervosa nas décadas de 1840 e 1870.
Ele sugeriu que os órgãos efetuadores seriam excitados pelos nervos por meio de corrente elétrica,
ou de substâncias químicas liberadas nas terminações nervosas, terminando, assim, o ciclo dos espíritos
como determinantes de atividade nervosa.
73
Unidade I
74
NEUROANATOMIA
O anatomista italiano Filippo Pacini redescobriu cerca de um século após Abraham Vater, anatomista
alemão, as terminações nervosas encapsuladas de vasta distribuição. Essas terminações nervosas,
atualmente, são designadas de corpúsculos de Vater-Pacini, nomeados em homenagem aos dois
anatomistas. Outras terminações nervosas encapsuladas foram descritas pelo anatomista alemão Georg
Meissner, em 1853. Hoje são designadas de corpúsculos de Meissner.
Em 1860, Johann Friedrich Wilhelm Krause descreveu novas terminações nervosas encapsuladas,
os bulbos terminais de Krause, vastamente disseminadas e relacionadas à sensibilidade térmica.
As terminações nervosas livres posicionadas no estrato germinativo da epiderme que conduzem
sensibilidade tátil foram descritas por Friedrich Sigmund Merkel, anatomista alemão, em 1880. Em 1898,
o anatomista italiano Ângelo Ruffini descreveu as terminações nervosas encapsuladas designadas de
corpúsculos de Ruffini.
Observação
Grandes células em forma de frasco presentes no cerebelo foram descritas por Johannes Evangelista
Purkinje, fisiologista da Boêmia, em 1837. Theodor Schwann, anatomista alemão, descreveu, em 1838,
as células produtoras de mielina no SNP, denominadas de células de Schwann.
75
Unidade I
Lembrete
Saiba mais
O aprimoramento do microscópio no começo do século XIX proporcionou aos cientistas sua primeira
chance de observar tecidos animais em magnificações maiores. Os nodos de Ranvier, que consistem em
interrupções na bainha de mielina ao longo do axônio, no qual o citoplasma da célula de Schwann entra
em contato com o axônio, foram descritos por Louis-Antoine Ranvier, histologista francês, em 1871.
No século XX, destacou-se o artista e médico Frank Henry Netter. Suas ilustrações inicialmente eram
distribuídas aos médicos em cartões ou folders, até que, em 1899, foi publicado o Atlas de Anatomia
Humana, que se encontra na 5ª edição, publicada em 2011.
76
NEUROANATOMIA
As contribuições para a neuroanatomia, durante o século XX, foram inacreditáveis no que diz
respeito à anatomia aplicada e, especialmente, à anatomia microcirúrgica. Com a finalidade de avançar
as técnicas cirúrgicas, tornou-se necessária a compreensão de todas as vias de acesso, ou seja, das mais
variadas formas de atingir determinadas áreas do encéfalo; assim, o conhecimento da neuroanatomia e
as suas ilustrações agora se voltam para a prática neurocirúrgica.
Diversos estudos foram executados de forma descritiva sobre a anatomia aplicada à neurocirurgia,
a fim de abordar as mais variadas temáticas, como as vias de acesso, as craniectomias, a anatomia de
estruturas aplicadas à técnica cirúrgica, além de estudos que visam buscar a correlação da superfície
cerebral com as estruturas anatômicas, e destas com os exames de imagem.
Saiba mais
77
Unidade I
Por fim, a neurofisiologia também teve um grande avanço durante o século XX. O fisiologista
americano Walter Cannon explicou como o sistema nervoso autônomo (SNA) regula o meio interno
do corpo. Ele foi o criador de duas elocuções mnêmicas na língua inglesa que, durante muito tempo,
esclareceram as diferenças funcionais entre a parte simpática e a parte parassimpática do SNA. Segundo
ele, a função simpática seria fight or flight, ou seja, “lutar ou fugir”; enquanto a parassimpática seria rest
and digest, isto é, “repousar e digerir”.
Lembrete
O quadro a seguir mostra a evolução na linha do tempo de outros anatomistas e as suas contribuições
relevantes no avanço dos estudos em neuroanatomia.
Quadro 3
Dorsal
Rostral Caudal
Ventral
Esse é o eixo longitudinal do SN, comumente designado de neuroeixo, porque o SNC possui uma
organização longitudinal predominante. O eixo dorsoventral, perpendicular ao eixo rostral, se estende desde o
dorso até o abdome. As terminologias posterior e anterior são sinônimos de dorsal e ventral, respectivamente.
Dorsal
(superior)
Rostral
Ventral
(inferior)
Ventral Dorsal
(anterior) (posterior)
Caudal
Lembrete
O eixo longitudinal do SN humano não é reto como no gato. Durante a formação, o encéfalo – e, por
conseguinte, seu eixo longitudinal – sofre uma curvatura proeminente, ou flexura, na região do
mesencéfalo. Em vez de descrever as estruturas anatômicas rostrais a essa flexura, normalmente
se usam as terminologias superior e inferior. Essa curvatura do eixo reflete a insistência da
flexura cefálica.
79
Unidade I
Determinam-se três planos fundamentais em relação ao eixo longitudinal do SN nos quais as secções
anatômicas são realizadas. As secções horizontais são realizadas paralelamente ao eixo longitudinal, de
um lado a outro. As secções transversais são realizadas perpendicularmente ao eixo longitudinal, entre as
faces anterior e posterior. As secções transversais do hemisfério cerebral são aproximadamente paralelas
à sutura coronal do crânio e, por conseguinte, também denominados cortes coronais. As secções sagitais
são realizadas paralelamente tanto ao eixo longitudinal do SNC quanto à linha mediana, entre as faces
anterior e posterior. Uma secção mediossagital divide o SNC em duas metades simétricas, enquanto
uma secção parassagital é realizada fora da linha mediana.
O quadro a seguir mostra o significado, com exemplos, de alguns afixos ou termos que são utilizados
frequentemente em neuroanatomia.
Quadro 4
3 DIVISÃO E PAPÉIS DO SN
O SN é um todo. Sua divisão em partes tem um significado somente didático, pois estão
intensamente relacionadas dos pontos de vista morfológico e funcional. O SN pode ser decomposto
levando-se em consideração os critérios anatômico, funcional e embriológico. Existe ainda uma
classificação quanto à segmentação.
80
NEUROANATOMIA
Essa divisão, que é uma das mais estimadas, é composta por SNC e SNP. O SNC é aquele que se situa
dentro do esqueleto axial, ou seja, a cavidade craniana e o canal vertebral, constituído pela superposição
dos forames vertebrais; e o SNP é aquele que se situa fora desse esqueleto.
Em geral, idealiza-se que o SNC apresenta duas partes principais, o encéfalo e a medula espinal,
que formam o neuroeixo. O encéfalo é dividido nas seguintes partes: o cérebro, o tronco encefálico e
o cerebelo. O termo cérebro designa o par de hemisférios cerebrais e o diencéfalo. O tronco encefálico
abrange o mesencéfalo, a ponte e o bulbo ou a medula oblonga. No homem, a relação entre o tronco
encefálico e o cérebro pode ser rudemente confrontada à relação que há entre o tronco e a copa de
uma árvore.
Lembrete
O mesencéfalo é a parte estreita do encéfalo que conecta o cérebro na ponte e no cerebelo. A sua
cavidade estreita é designada como aqueduto do mesencéfalo, que interliga o III ventrículo e o IV ventrículo.
O mesencéfalo compreende muitos núcleos e feixes de fibras nervosas ascendentes e descendentes.
O bulbo apresenta uma forma cônica, conectando-se com a ponte, superiormente, e a medula
espinal, inferiormente. Abrange muitas quantidades de neurônios, designadas de núcleos, e serve de via
para as fibras nervosas ascendentes e descendentes.
81
Unidade I
A ponte situa-se sobre a face anterior do cerebelo, inferior ao mesencéfalo e superior ao bulbo.
Ela deriva o seu nome do amplo número de fibras transversais, que conectam os dois hemisférios
cerebelares, sobre sua face anterior. Também abrange muitos núcleos e fibras nervosas ascendentes
e descendentes.
Lembrete
O cérebro, a maior parte do encéfalo, compõe-se de dois hemisférios, que são conectados por
uma massa de substância branca, designada como corpo caloso. Cada hemisfério cerebral expande‑se
do osso frontal ao osso occipital no crânio: superiormente à fossa anterior do crânio e à fossa
média do crânio; posteriormente, o cérebro permanece acima do tentório do cerebelo. Os hemisférios
cerebrais são separados por uma fenda profunda, a fissura longitudinal do cérebro, dentro da qual se
projeta a foice do cérebro.
A figura a seguir mostra em secção sagital mediana o encéfalo. É possível observar o tronco
encefálico, a estrutura cerebelar com suas fissuras e folhas, seu córtex, superficialmente, e sua região
profunda composta de substância branca, na qual se encontram seus núcleos profundos.
82
NEUROANATOMIA
O diencéfalo está quase totalmente escondido da superfície do encéfalo. Inclui o tálamo, dorsalmente,
e o hipotálamo, ventralmente. O tálamo é uma massa ovoide, ampla de substância cinzenta, que se
localiza de cada lado do III ventrículo. A sua extremidade anterior constitui o limite posterior do forame
interventricular, a abertura entre os ventrículos laterais e o III ventrículo. O hipotálamo compõe a parte
inferior da parede lateral e o assoalho do III ventrículo.
Lembrete
A medula espinal localiza-se dentro do canal vertebral, na coluna vertebral, e é envolvida por três
meninges: a dura-máter, a aracnoide-máter e a pia-máter. A medula espinal é aproximadamente
cilíndrica; inicia superiormente no forame magno do crânio, onde é contínua com o bulbo, e
acaba inferiormente na região lombar. Abaixo, a medula espinal afila-se no cone medular, a partir
do ápice do qual um prolongamento da pia-máter, o filamento terminal, desce para aderir ao
dorso do cóccix.
Figura 89 – Região proximal da medula espinal, dentro do canal vertebral (a parte posterior das
vértebras foi removida para exposição da medula). Em sua parte proximal, observa-se sua
conformação cilíndrica e a emergência de filetes nervosos que formam os nervos espinais.
Vê-se, ainda, a dura-máter, semirremovida nesta peça
83
Unidade I
O SNP abrange os nervos cranianos e espinais, bem como os gânglios e as terminações nervosas.
Portanto, são vias que transportam os estímulos ao SNC ou que carregam até os órgãos efetuadores as
ordens procedidas da parte central.
Lembrete
Os 31 pares de nervos espinais estão aderidos por meio das raízes anteriores ou motoras e das raízes
posteriores ou sensitivas. Cada raiz adere à medula por uma sequência de radículas, as quais abraçam
toda a extensão do segmento medular correspondente. Cada raiz nervosa posterior possui um gânglio
da raiz posterior, cujas células dão origem às fibras nervosas periféricas e centrais.
Os 12 pares de nervos cranianos estão conectados com o encéfalo; os 2 primeiros pares de nervos
cranianos, o nervo olfatório e o nervo óptico, apresentam origens encefálicas no telencéfalo e no diencéfalo,
respectivamente. Os demais pares de nervos cranianos possuem origens encefálicas no tronco encefálico.
Lembrete
Ainda que os nervos fiquem circundados por bainhas fibrosas em seu caminho através de diversas
partes do corpo, eles são relativamente desprotegidos e frequentemente lesionados por traumatismos.
Saiba mais
Do ponto de vista funcional, pode-se dividir o SN em sistema nervoso somático (SNS) e sistema
nervoso visceral (SNV). O SNS é também designado como SN da vida de relação, ou seja, aquele que
relaciona o organismo com o meio. Para isso, a parte aferente do SNS se encaminha aos centros
nervosos gerados em receptores periféricos, comunicando a estes centros sobre o que se passa no
meio ambiente. Em contrapartida, a parte eferente do SNS conduz aos músculos estriados esqueléticos
o comando dos centros nervosos, derivando movimentos que levam a maior relacionamento ou
integração com o meio externo.
Observação
De tal modo, nos órgãos do sistema nervoso suprassegmentar, a substância cinzenta situa-se por
fora da substância branca e forma uma camada fina, o córtex, que reveste toda a superfície do órgão.
Já nos órgãos do sistema nervoso segmentar não há córtex, e a substância cinzenta pode se situar por
dentro da branca, como acontece na medula espinal. O sistema nervoso segmentar aportou na evolução
antes do suprassegmentar, e, funcionalmente, pode-se dizer que lhe é subordinado. Da mesma maneira,
as comunicações entre o sistema nervoso suprassegmentar e os órgãos periféricos, os receptores e os
efetuadores, realizam-se por meio do sistema nervoso segmentar.
Lembrete
3.4 Papéis do SN
O SN efetua trabalhos complexos. Ele nos possibilita sentir diversas fragrâncias, dialogar
e recordar acontecimentos do passado. Do mesmo modo, ele produz sinais que controlam os
movimentos corporais e regula o funcionamento dos órgãos internos. Essas várias atividades
podem ser divididas em: sensitivas (aporte), integradoras (processamento) e motoras (saída).
86
NEUROANATOMIA
Os três papéis fundamentais do SN ocorrem, por exemplo, quando você escuta o aparelho
de telefone tocar. O som do toque estimula receptores sensitivos em suas orelhas, sendo ele o
papel sensitivo. Essas informações auditivas são então transmitidas para o encéfalo, onde são
processadas, e é tomada a decisão de receber o telefonema, sendo ele o papel integrador. Após isso,
o encéfalo estimula a contração de músculos específicos que lhe possibilitarão apanhar o telefone
e apertar a tecla adequada para atendê-lo, sendo ele o papel motor.
O diagrama da figura a seguir mostra uma visão geral funcional do SN, apresentando a relação
entre o SNC e o SNP, assim como os componentes e os papéis das divisões aferentes e eferentes.
Parassimpático e simpático
Receptores Receptores
sensitivos sensitivos Músculos lisos
especiais somáticos Músculo
Músculo estriado
estriado cardíaco
esquelético Glândulas
Receptores sensitivos viscerais
Receptores Efetuadores
4 O TECIDO NERVOSO
Os tecidos do organismo são classificados em quatro tipos fundamentais, com base na estrutura e na
função: o tecido epitelial, que forra as superfícies do corpo, as cavidades do corpo, os ductos, e forma as
glândulas; o tecido conjuntivo, que liga, sustenta e protege as partes do corpo; o tecido muscular, que
se contrai para produzir movimentos; e o tecido nervoso, que principia e transmite impulsos nervosos
de uma parte do organismo para outra.
87
Unidade I
O tecido nervoso incide tão somente em dois tipos de células: os neurônios e as neuroglias. Assim,
a menor unidade morfofuncional do SN é o neurônio, e uma célula especializada na transmissão de
impulsos nervosos.
Existem tipos diferentes de neurônios contudo, pode-se observar que eles são constituídos pelos
dendritos, que recebem impulsos de outras células; pelo corpo ou pericário, que é o centro metabólico
do neurônio e onde é processado o impulso nervoso; e pelo axônio, que é o prolongamento que conduz
o impulso nervoso. A figura seguinte mostra uma visão geral dos neurônios. Já a neuroglia (glia = cola)
suporta, nutre, protege os neurônios e mantém a homeostase no líquido intersticial que banha os
neurônios. As neuroglias são em torno de cinco vezes mais numerosas que os neurônios.
Corpo
Núcleo do corpo
Dendrito
Axônio
Bainha de mielina
Lembrete
Os nomes conferidos aos neurônios foram indicados em razão do seu tamanho, forma, aspecto,
função ou provável descobridor, como a célula de Purkinje, do cerebelo. O tamanho e a forma dos
corpos celulares são bastante variáveis. O diâmetro do corpo celular pode variar de 4 micrômetros a 125
micrômetros, por exemplo, a célula granular do cerebelo, como o neurônio motor da medula espinal.
88
NEUROANATOMIA
Os neurônios podem exibir formas piramidal, ampuliforme, estrelada ou granular. Uma peculiaridade
adicional desses pericários é o número de organização de seus processos. Alguns neurônios têm poucos
dendritos, enquanto outros apresentam numerosas projeções de dendritos. Com exceção de dois tipos
celulares, designados como células amácrinas, sem axônio, como os neurônios da retina e as células
granulares do bulbo olfatório, todos os neurônios têm pelo menos um axônio e um ou mais dendritos.
A figura a seguir ilustra os tipos básicos de neurônios quanto ao número de prolongamentos.
Dendrito
Corpo Corpo
Axônio Corpo
Axônio Axônio
Fusiforme Estrelado Piramidal Piriforme
Figura 93
Os dendritos (grego: déndron = árvore), em geral, são curtos, de alguns micrômetros a alguns
milímetros de comprimento, ramificados como se fossem galhos de uma árvore. Os dendritos têm
“espinhas” que servem como pontos de contato sinápticos.
Os axônios (grego: áxon = eixo), na maioria dos neurônios, são longos e finos, e se originam do
pericário ou de um dendrito principal, em uma região designada como cone de implantação. O axônio
possui comprimento muito variável, dependendo do tipo de neurônio, podendo ter, na espécie humana,
de alguns milímetros a mais de um metro. Eles são mielínicos ou amielínicos.
Lembrete
Cada neurônio apresenta somente um axônio, todavia cada axônio normalmente contém vários ramos
designados como colaterais. Um axônio e seus colaterais acabam em ramos finos separados entre si, designados
como telodendros. A extremidade distal de cada telodendro se expande no interior de pequenas estruturas
em forma de bulbo, denominadas terminações axônicas. Nessas terminações são armazenadas substâncias
químicas, chamadas de neurotransmissores. As moléculas dos neurotransmissores liberadas pelas terminações
axônicas constituem o meio de comunicação em uma sinapse.
89
Unidade I
Lembrete
Os neurônios podem ser classificados de acordo com a sua forma e função. Quanto à forma,
distinguem-se em neurônios multipolares, com muitos dendritos que se estendem a partir de todo o
corpo. Os neurônios multipolares são encontrados no corno anterior da medula espinal, nas células de
Purkinje no córtex do cerebelo e nas células piramidais no córtex do telencéfalo.
Outro tipo de neurônio classificado em razão de sua forma são os neurônios bipolares, que possuem
um dendrito e um axônio, e estão presentes na retina, no epitélio olfatório, em gânglios dos nervos
cranianos e na orelha interna.
Figura 94
90
NEUROANATOMIA
Lembrete
4.3 Sinapses
Os impulsos nervosos que se difundem em direção ao SNC, dentro ou fora dele, adotam modelos
característicos, dependendo do tipo de informação, origem e destino. A via seguida pelos impulsos
nervosos que geram um reflexo é designada como arco reflexo.
ARCO
REFLEXO
Estímulo Receptor
Legenda
--- Neurônio sensitivo
Efetuador Raiz
Etapa 3 (estimulado)
Anterior --- Interneurônio
Etapa 4 Processamento
Etapa 5 da informação excitador
Ativação do
Resposta do neurônio no SNC --- Neurônio
efetuador motor motor (estimulado)
Figura 95
91
Unidade I
Lembrete
Os reflexos, em geral, são usados para o diagnóstico de distúrbios do SN e para a localização da lesão.
Caso um reflexo esteja ausente ou aguçado, o enfermeiro pode desconfiar de que a lesão se situa em
algum local de uma certa via de condução. Diversos reflexos somáticos podem ser testados por meio
da simples percussão de determinadas partes do organismo. Entre os reflexos somáticos clinicamente
relevantes estão os seguintes:
• Reflexo patelar: esse reflexo de estiramento compreende a extensão da perna ao nível do joelho,
por meio da contração do músculo quadríceps femoral, em resposta à percussão do ligamento
patelar. Ele é inibido por lesões em nervos sensitivos ou motores que suprem o músculo, ou em
centros de integração situados no segundo, terceiro ou quarto segmentos lombares da medula
espinal. Geralmente, está ausente em indivíduos com diabetes mellitus ou neurossífilis, uma
vez que acarretam degeneração dos nervos. Tal reflexo está aguçado em doenças ou lesões que
envolvem determinados tratos motores descendentes que se originam de centros superiores do
encéfalo e se direcionam para a medula espinal.
• Reflexo aquileu: esse reflexo de estiramento compreende a flexão plantar do pé, por meio da
contração dos músculos gastrocnêmios medial, lateral e sóleo, em resposta à percussão do tendão
de Aquiles. A ausência desse reflexo sugere lesão dos nervos que suprem os músculos posteriores
da perna ou dos neurônios da região lombossacral da medula espinal. Ele também pode ocultar‑se
em indivíduos com diabetes mellitus, neurossífilis, etilismo e hemorragias subaracnóideas. Um
reflexo aquileu aguçado sugere compressão medular ou lesão dos tratos motores do primeiro e
do segundo segmentos sacrais da medula.
• Sinal de Babinski: esse reflexo é produzido por meio da estimulação branda da margem lateral
da planta do pé. O hálux se estende, com ou sem abertura em leque dos outros dedos dos pés. Esse
acontecimento normalmente é visto em crianças com menos de um ano e meio de idade devido
à mielinização incompleta das fibras do trato corticospinal. A constância do sinal de Babinski
após essa idade é anormal e sugere intercepção do trato corticospinal secundária a uma lesão,
em geral, na sua parte superior. A resposta almejada após um ano e meio de idade é o reflexo de
flexão plantar, ou Babinski ausente, isto é, a flexão plantar de todos os dedos dos pés.
• Reflexo cutâneo abdominal: esse reflexo compreende a contração dos músculos que compõem
a parede abdominal em resposta à estimulação da parte lateral do abdome. A resposta almejada
é uma contração da musculatura abdominal, acontecimento que gera o desvio do umbigo no
sentido do estímulo. A ausência desse reflexo está agregada a lesões nos tratos corticospinais.
Ele também pode estar ausente em lesões dos nervos periféricos ou dos centros de integração na
parte torácica da medula espinal, como pode acontecer, neste último caso, na esclerose múltipla.
92
NEUROANATOMIA
A maioria dos reflexos autônomos não é instrumento diagnóstico prático, pois é penoso
estimular os efetores viscerais, localizados em partes internas do organismo. Uma ressalva é o
reflexo pupilar, no qual as pupilas reduzem de diâmetro quando os olhos são sujeitos à luz. Como
esse arco reflexo abrange sinapses de partes inferiores do encéfalo, a ausência do reflexo pupilar
normal pode sugerir lesão encefálica.
A quase completa falta de neurogênese em outras áreas do encéfalo e da medula espinal parece
ser resultado de dois fatores: influências inibitórias da neuroglia, principalmente dos oligodendrócitos,
e falta de estímulos para o crescimento que estavam presentes durante o período fetal.
Os axônios do SNC são mielinizados pelos oligodendrócitos, e não pelas células de Schwann;
essa mielina do SNC é um dos fatores que bloqueiam a regeneração neuronal. Quem sabe, o mesmo
mecanismo obstrua o desenvolvimento do axônio, uma vez que se alcance uma certa região-alvo
durante o desenvolvimento.
Os axônios e os dendritos que estão acompanhados de um neurolema podem ser reparados, contanto
que o pericário esteja ileso, as células de Schwann continuem funcionais e não tenha sucedido uma
ligeira organização de tecido cicatricial. A maioria dos nervos no SNP é constituída por prolongamentos
que são cobertos por neurolema. Um indivíduo que apresenta uma lesão nos axônios de um nervo do
membro superior, por exemplo, tem uma excelente oportunidade de readquirir o papel do neurônio.
93
Unidade I
4.7 Neuroglias
Outras células compõem, ainda, o SN, auxiliando para fornecer sustentação funcional ao neurônio – cada
uma com um papel definido – e formando coletivamente as neuroglias – células da glia ou gliócitos. Algumas
neuroglias são encontradas no SNC e no SNP, além de serem as células mais comuns do tecido nervoso,
podendo a proporção entre neurônios e neuroglias variar de 1:10 a 1:50. Em comparação aos neurônios, a
neuroglia não produz nem conduz impulsos nervosos e pode multiplicar-se e dividir-se no SN maduro.
Lembrete
94
NEUROANATOMIA
Lembrete
Os oligodendrócitos (grego: oligo = pouco); (grego: dendron = árvore); (grego: glia = cola) são menores
do que os astrócitos e possuem poucos prolongamentos, que também podem formar pés vasculares.
O papel dos oligodendrócitos é a produção das bainhas de mielina que servem de isolantes elétricos para
os neurônios do SNC. Um único oligodendrócito contribui para a formação da mielina de vários axônios.
As micróglias (grego: micros = pequeno); (grego: glia = cola), diferentemente de outros neurônios
e outras neuroglias, é de origem mesodérmica e aparece precocemente durante o desenvolvimento do
SNC. Elas são células pequenas e alongadas, que possuem poucos prolongamentos e desempenham o
papel de defesa do neurônio. Dentre os papéis das micróglias estão: a apresentação de antígenos; a
fagocitose; a mobilidade ameboide; e as secreções de citocinas e de fatores de crescimento. A figura a
seguir ilustra diferentes tipos de células da neuroglia no SNC.
As células ependimárias (grego: ependyma = roupa de cima) são células cuboides ou prismáticas
que forram, como epitélio de revestimento simples, as paredes dos ventrículos encefálicos, do
aqueduto do mesencéfalo e do canal da medula espinal. Um tipo de célula ependimária modificada
recobre tufos de tecido conjuntivo, rico em capilares sanguíneos, que se projetam da pia-máter,
constituindo os plexos corióideos, responsáveis pela formação do líquido cerebrospinal. Ela tem a
função de regulação das trocas entre o LCS dentro dos ventrículos encefálicos e no canal da medula
espinal mediante movimentos ciliares.
Além disso, há sugestão de que as células ependimárias também apresentariam um papel absortivo.
Crê-se que as tais células carreguem substâncias químicas do LCS para a hipófise, cujo desempenho
implicaria administração da produção de hormônios pelo lobo anterior da hipófise.
Lembrete
Astrócito
Micróglia
Vaso de sangue
Neurônio Oligodendrócito
Saiba mais
Confrontado com outras espécies, o encéfalo humano é o mais complexo
e influente, porque, além do grande número de neurônios, apresenta a
capacidade admirável de reparar seus próprios papéis. O encéfalo expõe
o crescimento de conexões neuronais. Durante nossa vida, somente um
neurônio pode realizar de 6 mil a 20 mil conexões sinápticas com outros
neurônios situados em várias partes do encéfalo, e o número de sinapses
que cada neurônio é apto a fazer tem maior importância no papel encefálico
do que o próprio número dessas células. Nosso encéfalo teve um longo
caminho evolutivo. Com o intuito de desvendar os mistérios encefálicos,
indicamos a leitura do seguinte artigo científico:
SCHMIDEK, W. R.; CANTOS, G. A. Evolução do sistema nervoso,
especialização hemisférica e plasticidade cerebral: um caminho ainda a ser
percorrido. Revista Pensamento Biocêntrico, Pelotas, n. 10, jul./dez. 2008.
Disponível em: http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/Evolucao-Cerebro.pdf.
Acesso em: 4 set. 2016.
96
NEUROANATOMIA
Resumo
97
Unidade I
Exercícios
Questão 1. Funcionalmente, o tronco encefálico serve para conduzir os tratos do cérebro para a
periferia como também da periferia para a porção central do sistema nervoso central; o tronco possui
diversos núcleos (acúmulos de neurônios), sendo responsáveis por controles sofisticados ditos reflexos,
como respiração, frequência cardíaca, tônus vascular, tônus intestinal e vesical, entre outros. Podemos
atribuir ao tronco cerebral o controle de várias funções, exceto:
A) Crescimento.
B) Equilíbrio.
C) Respiração.
D) Cardiovascular.
E) Gastrointestinal.
A) Alternativa correta.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: quanto ao equilíbrio, isso pode gerar confusão, pois lembramos imediatamente da
influência do cerebelo, que também atua na manutenção do equilíbrio, mas não se pode esquecer do
vestíbulo-coclear. Além desse nervo, localizado no tronco encefálico, os núcleos reticulares-pontinos
excitam e os bulbares inibem os músculos antigravitários da coluna vertebral.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. (FGV/Fiocruz, 2010) Em relação ao tecido nervoso, são células da glia encontradas no
sistema nervoso central:
A) Alternativa correta.
Justificativa: as células da glia fazem parte do sistema nervoso, são células auxiliares que possuem
a função de suporte ao funcionamento do sistema nervoso central (SNC). Estima-se que haja no SNC
dez células da glia para cada neurônio, mas devido ao seu reduzido tamanho elas ocupam a metade
do volume do tecido nervoso. Elas diferem em forma e função, sendo elas: oligodendrócitos, astrócitos,
células de Schwann, células ependimárias e micróglia.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: as células de Purkinje não fazem parte das células da glia. São os únicos neurônios do
cerebelo capazes de transmitir impulsos eferentes formados no córtex cerebelar. Os seus axônios têm
origem na base de cada célula, atravessando a camada granulosa e a substância branca em seu trajeto
em direção aos núcleos profundos do cerebelo.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: as células de Schwann fazem a bainha de mielina do sistema nervoso periférico enquanto as
micróglias pertencem à neuroglia, as células de Mott não pertencem.
100