Dissertacao Rychelmy
Dissertacao Rychelmy
Dissertacao Rychelmy
Salvador – Bahia
2014
RYCHELMY IMBIRIBA VEIGA
Salvador – Bahia
2014
Biblioteca CEAO – UFBA
CDD – 920.9299673
AGRADECIMENTOS
Agradeço (in memorian) ao meu avô Procópio e ao seu orixá Ogunjá, a razão desse
projeto.
Agradeço aos meus mentores espirituais, Pai Gilson de Omolú, que me deu a alegria de
pertencer a essa raiz e Mãe Lurdes de Oyá.
Ao meu companheiro Gilmar Sampaio, pela paciência e horas, as quais eu não pude
estar disponível, por me encontrar “preso” ao projeto e, principalmente, pelo
conhecimento ancestral comigo dividido do universo afro brasileiro.
Aos meus amigos de curso, Valéria Lima, John Mundell, Marisa e Nelma.
A minha amiga e pupila espiritual, Daisy Santos, ainda bem que tive a felicidade de lhe
conhecer, seria impossível fazer esta jornada sem sua ajuda e companhia.
Ao meu colega do Pós Afro Marcos Rodrigues, pelas horas de conversa, leituras, dicas e
vivências, agradeço pelo afeto e disposição durante todo o meu percurso.
Aos meus mais que amigos Josean Pierre e Maria do Socorro pela amizade que foi dada
por Deus, e não há distância que as apaguem.
Aos meus amigos Domingos Pereira, Josué Batista, Junior Bacelar, grandes ogans de
meu orixá, pelo carinho e zelo que cuidam de mim.
Ao Centro de Estudos Afro Orientais (CEAO), onde tanto aprendi durante esses dois
anos.
Aos professores Claudio Pereira, Maria do Rosário, Lívio Sansone e Jeferson Bacelar.
Ao meu orientador Jocélio Teles dos Santos pela paciência, por acreditar no projeto
mesmo quando eu não mais acreditava, e pelo conhecimento dividido.
Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como
querem (...) a tradição de todas as gerações mortas oprime como
um pesadelo o cérebro dos vivos.
(Karl Marx, 2014)
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo o registro da história de vida de Pai Procópio de
Ogunjá, bem como a contextualização de eventos que marcaram sua trajetória. São
discutidos pontos como sua iniciação na tradição nagô e o diálogo com tradições que
não iniciam homens como filhos de santo que entram em transe. Para entender o
percurso do pai de santo faremos uma contextualização da cidade de Salvador e da
formação do candomblé baiano. Temas como o matriarcado afro-baiano e a
homossexualidade são questionados e problematizados. Também será abordada a
questão da feijoada de Ogum, uma cerimônia que nasce dentro do terreiro de pai
Procópio e se espalha pelos mais diversos terreiros de candomblé. Por fim,
contextualizar-se-á o terreiro após a morte de Pai Procópio e os desdobramentos e
influências que esse terreiro e este babalorixá deixaram para a religião afro-brasileira –
o candomblé.
.
ABSTRACT
This research aims to record the life story of Father Procopius of Ogunjá and
contextualization of events that have marked his career. Points are discussed as his
initiation in Nago tradition and the dialogue with traditions that do not start as children
of holy men who go into trance. To understand the path of the holy father will do a
contextualization of Salvador Bahia and the formation of Candomblé. Themes like
african-Bahian matriarchy and homosexuality are questioned and problematized. It is
also address the issue of Ogun feijoada, a ceremony that is born within the yard Father
Procopius and spreads by several Candomblé. Finally, the yard will contextualize up
after the death of Father Procopius and the ramifications and influences that yard and
this babalorixá left for african-Brazilian religion – candomblé..
INTRODUÇÃO.............................................................................................................11
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................98
ANEXOS
1. Fluxograma da Família de Santo de Pai Procópio de Ogunjá.........................103
2. Roteiro para entrevista – Família (filhos de santo, sobrinhos e afilhada)........104
3. Roteiro para entrevista – Pais e mães de santo.................................................105
4. Roteiro para entrevista – Intelectuais...............................................................105
5. Documento de Inventário 01..............................................................................106
6. Documento de Inventário 02..............................................................................108
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01. Pai Procópio de Ogunjá. Fonte: Acervo pessoal de Dona Edna (Afilhada e herdeira
de pai Procópio). P.35
Imagem 02. Cartaz do filme tenda dos milagres. Fonte: Cartaz desenhando e idealizado pelo
artista plástico Juarez Paraíso. P.48
Imagem 03. Pai Procópio de Ogunjá (a esquerda) ao lado do Presidente da Federação dos
Cultos Afro-Brasileiros à época (1945). Fonte: Vivaldo da Costa Lima. P. 54
Imagem 04. Artista plástico e neto de Procópio de Ogunjá, Hélio de Oliveira. Fonte: Acervo
Pessoal de Dona Edna. P. 56
Imagem 05. Xilogravura de Hélio de Oliveira (Saída de Yaô) Fonte: Acervo Pessoal de Dona
Edna. P. 58
Imagem 06. Dona Edna, conhecida como Mãezinha. (2013). Fonte: Fotografia de Rychelmy
Imbiriba Veiga. P. 60
Imagem 07. Visão da fachada do Ilê Ogunjá. Foto: Fátima Carvalho. 2014. P. 61
Imagem 09. Maria Davina Pereira, Yá Davina. Fonte: Acervo pessoal de sua neta,
Meninazinha. P. 63
Imagem 10. Mãe Pastora. Fonte: Acervo pessoal de sua neta, Cecília Soares. P. 64
Imagem 12. Alimentos preparados para ritual de limpeza (ebó) no terreiro Ilê Asé Ojise
Olodumare. Fonte: Fotografia feita por Rychelmy Imbiriba. P. 72
Imagem 13. Vista parcial da entrada do terreiro Ilê Axé Ibu Oyá. Fonte: Fotografia de Andréa
Magnoni. P. 79
Imagem 14. Imagem da área central do barracão do terreiro Ilê Axé Ibu Oyá no dia da feijoada
de ogum. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni. P. 80
Imagem 15. Filhos de santo carregam a feijoada de Ogum durante a cerimônia. Fonte:
Fotografia de Andréa Magnoni. P. 81
Imagem 16. Filha de santo carrega os pratos de najé para servir a feijoada de Ogum durante a
cerimônia. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni. P. 81
Imagem 17. Momento em que as filhas de santo servem a feijoada. Fonte: Fotografia de Andréa
Magnoni. P. 82
Imagem 18. O babalorixá Fábio Neves carrega o primeiro prato servido que será ofertado ao
Orixá Ogum. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni. P. 82
Imagem 19. Alguns dos sete homens que receberam os pratos de najé com feijoada comem com
as mão. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni. P. 83
Imagem 20. Filho de santo que estava “pagando” obrigação em transe do Orixá Ogum. Fonte:
Fotografia de Andréa Magnoni. P. 84
Imagem 21. Transe do Orixá Ogum nos filhos de santo. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni.
P.85
Imagem 23. Momento de contato entre os fiéis e os orixás. Fonte: Fotografia de Andréa
Magnoni. P. 85
Imagem 24. Dona Edna (Mãezinha) em sua confirmação como Ekede de Ogunjá. Fonte:
Fotografia de Andréia Magnoni (20.07.2014). P. 95
Imagem 25. Dona Edna (Mãezinha) é confirmada Ekede do Ogunjá de Pai Procópio pelo Orixá
Exu (Babalorixá Rychelmy Esutobi). Fonte: Fotografia de Andréia Magnoni. P. 95
Imagem 26. Orixás Exu e Ogum. Na cosmogonia da nação Ketu Exu é o primeiro dos Orixás,
precedido por Ogum. Os dois Orixás são também considerados irmãos e Ogum sucedeu Exu no
comando do reino de Ketu. Fonte: Fotografia de Andréia Magnoni (20.07.2014). P. 96
Imagem 27. Dona Edna (ao centro); a Yalorixá Lurdes de Oyá e o filho carnal de Dona Edna(à
esquerda); Babalorixá Rychelmy Esutobi e outro filho carnal de Dona Edna (à direita). Fonte:
Fotografia de Andréia Magnoni (20.07.2014). P. 96
11
INTRODUÇÃO
O texto a seguir relata a construção da pesquisa que tem como objetivo resgatar,
a partir das experiências no trabalho de campo, a história de vida de Procópio Xavier de
Souza, sacerdote do candomblé, negro, homossexual, figura marcante na consolidação
da religiosidade afro-baiana. Para isso, apresento minha trajetória intelectual, que foi
relevante na escolha do objeto. Pedagogo por formação, na minha graduação, em 2008,
procurei meios de inserir a história e cultura afro-brasileira no ensino fundamental
escolar como determinava a lei 10639/03. Pesquisei e apliquei métodos baseados na
Pedagogia da problematização, tendo como principal teórico Charles Maguire. Com o
intuito de aprofundar minha pesquisa, participei do Curso de Formação em História e
Cultura da África e dos Povos Afro-brasileiros, realizado pelo Centro de Formação de
Professores FAPAZ em Natal/RN.
No decorrer de minhas pesquisas, deparei-me com trabalhos realizados no
Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO). Eram recorrentes minhas consultas a autores
como Vivaldo da Costa Lima, Júlio Braga, Nicolau Parés, entre outros. Foi assim que
em uma de minhas vindas a Salvador, deixei meu contato de email para receber as
malas diretas desta instituição e, em 2011, fiquei ciente do edital de seleção do
Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos. Não hesitei em me mudar temporariamente
para Salvador com o intuito de participar da seleção. Há algum tempo eu pesquisava os
terreiros de candomblé da Bahia, em especial os de tradição Ketu/ Nagô. Por diversas
vezes, em conversas, ouvi falar de um candomblé conhecido informalmente por Baixão,
devido a sua localização, onde hoje é o fim da Avenida Luis Anselmo, liderado pelo
falecido Pai Procópio. Procurei mais informações sobre o referido terreiro e descobri
que ainda não existia um estudo elaborado, apenas informações em pesquisas sobre esse
candomblé de um modo geral. Entretanto, o terreiro tinha fechado suas portas. Então,
elaborei um projeto que tinha como ideia inicial investigar o que acontece quando uma
casa de candomblé tradicional, no caso o terreiro Ogunjá, “fecha suas portas”. Para
classificá-lo como tradicional, parti da premissa de que, embora não tivesse uma
pesquisa elaborada, este terreiro já despertava, desde os anos 1930, o interesse de
antropólogos e estava sendo visitado pelos seus eruditos ao lado de terreiros
“ortodoxos” como Gantois, Alaketu e Casa Branca. Meu projeto foi elaborado em cima
da trajetória deste terreiro que tinha deixado de existir, se não de fato, mas, pelo menos,
12
1
“A ideia de que o Brasil era uma sociedade sem ‘linhas de cor’, ou seja, uma sociedade sem barreiras
legais que impedissem a ascensão social de pessoas de cor a cargos oficiais ou a posições de riqueza e
prestígio era já uma ideia bastante difundida no mundo principalmente nos Estados Unidos e na Europa,
bem antes do nascimento da sociologia. Tal ideia, no Brasil moderno, deu lugar à construção mítica de
uma sociedade sem preconceitos e discriminações raciais. Mais ainda: a escravidão mesma, cuja
sobrevivência manchava a consciência de liberais como Nabuco, era tida pelos abolicionistas americanos,
europeus e brasileiros, como mais humana e suportável, no Brasil, justamente pela ausência dessa linha
de cor.” Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo. Democracia Racial. Departamento de Sociologia.
Universidade de São Paulo. 2006.
2
“(...) estudos patrocinados pela UNESCO (...). Esses estudos documentam pela primeira vez, de maneira
racional e científica (ou seja, utilizando-se das técnicas de observação desenvolvidas pela sociologia e
pela antropologia social), a situação do negro no Brasil. Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo. Como
trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1. p. 93-107, jan/jun. 2003.
14
caminhos que levaram a criação dos candomblés baianos, sua divisão em nações, o
cenário contemporâneo à época de Pai Procópio, bem como a questão do matriarcado e
a hegemonia da tradição nagô-centrista e as relações etno-históricas do candomblé no
processo da cultura brasileira. Este capítulo será construído também com base nos
escritos clássicos dos estudos afro brasileiros como os de Arthur Ramos, Edson
Carneiro, Ruth Landes Roger Bastide e Pierre Verger.
No segundo capítulo, farei uma análise sobre as relações de gênero que
permearam o candomblé, continuando a discussão sobre o matriarcado idealizado por
Ruth Landes (1947), bem como sua postura perante os homens lideres de candomblés e
suas supostas teorias sobre a homossexualidade masculina. Perpasso os conceitos
trabalhados por Matory (1988) sobre o simbolismo representativo da possessão, seus
conceitos iorubás e recriações na diáspora. No discurso sobre o papel da
homossexualidade nas religiões afro-brasileiras, bem como o peso e a dimensão destes
papéis nestes meios sociais, recorri a Birmam (1995) e Fry (1982) para entender as
transformações do lugar onde esses homossexuais são colocados.
O terceiro capítulo será direcionado para uma análise da memória do povo de
santo descendente do terreiro de Pai Procópio. A perseguição policial será trabalhada. O
drama vivido pelos envolvidos ficou marcado na memória dos filhos e filhas daqueles
que vivenciaram na pele o confronto e que passaram as suas histórias. Entrevistei
também alguns estudiosos e religiosos de outras famílias de santo que no decorrer de
sua existência foram próximos ou tiveram relação com o pai de santo. Esse capítulo será
baseado no trabalho de campo, nas entrevistas, na coleta da documentação dos
entrevistados. Neste capítulo, mostrarei também o mapeamento dos terreiros que
descendem do terreiro Ogunjá com uma breve contextualização de cada personagem.
No quarto capitulo, perpasso a antropologia da alimentação, analisando, segundo
as teorias de Hobsbawm (2001), como nasce a tradição. O ritual da feijoada de Ogum é
o objeto de análise. Essa cerimônia nasce no Ilê Ogunjá, e pode ser visto no caminho
percorrido pelo feijão até sua legitimação como elemento básico da alimentação
brasileira. Quais são as memórias dos atores sociais que vivenciaram a criação do rito?
E quais mudanças ocorreram no decorrer do tempo? Fizemos um relato etnográfico
sobre a cerimônia na casa de pai Fabio de Oxaguian, que se localiza em Arembepe com
o objetivo de comparar à feijoada originária no Ilê Axé Ogunjá e visualizar suas
continuidades e descontinuidades.
15
CAPÍTULO I
O CANDOMBLÉ DA BAHIA
essa ascendência étnica deixa de ser hereditária e passa a estar ligada a iniciação do
indivíduo em determinada modalidade de rito na qual o mesmo é englobado:
Lima (2005) e Castillo (2008) abrem discussões sobre temáticas ainda pouco exploradas
em torno de práticas menos observadas nos terreiros de candomblé. Sem dúvida, uma
série de trabalhos com caráter inovador na esfera dos estudos étnicos oferece outro olhar
e novas reflexões.
A origem das identidades étnicas na Bahia faz parte de um passado
estrategicamente esquecido pelo nacionalismo contemporâneo. Ao abordar sobre
comunidades imaginadas, certamente é preciso repensar a diáspora africana, como
propõe Matory (1999), uma vez que se torna indispensável o jogo da classificação além
das fronteiras ou dentro delas. É uma questão também abordada por autores que
discutem nação, transnacionalismo e globalização a exemplo de Anderson (1989). Aqui,
a intenção é rever a condição pós-colonial da diáspora como parceira do
desenvolvimento do conceito de identidade.
O debate sobre a noção de etnia e o conceito de nação demonstra que as
identidades se espalharam e em alguns casos se multiplicaram num processo de conflito
e negociação com o território. Em outros desapareceram ao se fundir a outras
identidades majoritárias e dominantes por conta da negociação ou das transformações
discutidas por Matory (1999). O rompimento dessas fronteiras originou uma nova
classificação que ficou conhecida na era contemporânea como identidade negra ou afro-
brasileira.
Matory discute a origem dos iorubas, cuja identidade passou a ser conhecida
entre nós com a participação de outros grupos que acabaram desfavorecidos no processo
político. Essa passagem se alinha ao que chama atenção Dantas (1988) sobre a aceitação
de uma cultura de origem africana como referência para um modelo tradicional de
africanidade. Aí, se verificam os desencontros de dados sobre a origem comum,
conforme enumera Matory. O autor esclarece como se deu a apropriação e utilização
desses termos na diáspora, talvez fora dos significados aplicados em nossos dias. A
descoberta do jogo político de alguns grupos para se beneficiarem da situação contribui
no entendimento da dinâmica social sobre a questão da identidade. Para acalmar um
pouco a ansiedade daqueles que buscam incessantemente uma identidade, o autor é
enfático quando afirma que todas as nações territoriais negociam com outras nações ou
impérios mais poderosos. Então o valor identitário é relativo. Esse argumento tem apoio
no discurso de Appiah (1997, p. 243), que diz: “toda identidade humana é construída e
histórica (...)”.
20
Logo, a formação do candomblé foi sendo estruturada por todo século XIX,
nesse período começam a ser formados os embriões do que viriam a ser os candomblés
atuais:
A visualização espacial das roças tinha outros significados. As habitações
eram mais que construções físicas. Elas possuíam todo um conteúdo
simbólico que se manifestava na própria elaboração arquitetônica. As noticias
que nos chegam dos candomblés oitocentistas revelam uma criação e
distribuição de espaços que estão intrinsecamente relacionados com a
execução dos rituais públicos ou privados. Um exemplo era um candomblé
denunciado em maio de 1869, e situado na Cruz do Cosme que, longe da
estrada, tinha uma ‘extensa palhoça’ com uma grande concentração de
pessoas (O Alabama, 1869). Ali deve ter sido instalado o ‘barracão’ um
espaço retangular, coberto de telhas ou palha e com paredes de taipa onde se
realizavam as festas Publicas. (Santos, 2009, p. 4)
torno das questões de raça, classe, identidade e preconceito sem uma palavra de ordem
de integração com dignidade da camada desfavorecida.
Quando Nina Rodrigues decidiu investigar terreiros de candomblé, a intenção
não era relatar a experiência de vida dos seus membros. Conduzido pelo marco
conceitual da teoria evolucionista na época, seu interesse estava em avaliar as relações
raciais na Bahia. Sua iniciativa pode servir de consolo pelo pioneirismo na antropologia
brasileira, mas não satisfaz na plenitude em revelar em primeiro plano as lideranças dos
terreiros que visitou e frequentou. Nesse sentido, Lima (2003) reconhece o valor
intelectual da investigação, mas ressalva que o trabalho de Nina Rodrigues poderia ser
voltado também para o aspecto da história de vida das pessoas que conheceu e
certamente entrevistou. Esse aspecto poderia dar outra dimensão ao processo histórico
da religiosidade afro-brasileira em nossos dias. Por tratar-se do primeiro trabalho
etnográfico feito na Bahia, seguiram-se outros deixando em aberto a lacuna em revelar
as experiências de vida das lideranças religiosas afro-brasileiras.
Um aspecto interessante nas ciências sociais brasileiras é que os estudos
antropológicos foram iniciados por profissionais da medicina, curiosos sobre as relações
raciais. Esses intelectuais são produtos de um tempo em que o evolucionismo fazia
valer suas tendências pelo mundo. Aqui são considerados pioneiros na pesquisa sobre o
negro brasileiro. Apesar da proposta inicial em fazer um diagnóstico sociorracial, tais
estudos parecem se firmar numa visão etnocêntrica sobre os africanos de origem nagô
como maior contingente da população. Reginaldo (2010), num interessante artigo, faz
uma interpretação sobre o principal argumento do discurso de Nina Rodrigues em
estabelecer o grau de superioridade social e demográfica da população ioruba na Bahia.
A outra parte dessa população, os demais grupos étnicos, de acordo com a autora,
parece nunca ter sido reconhecida nem pertencido a alguma linhagem histórica, logo
classificada como inferior.
conjunto dentro do grupo étnico. É interessante atentar que toda identidade é social, é
relacional e às vezes escolhida ou imposta pela condição social de cada um. Todo ser
humano é portador de identidades múltiplas, geralmente complementares, conflitivas e
amplamente negociadas.
Pesquisadores estrangeiros chegaram à Bahia sob influência da repercussão
internacional da Escola Nina Rodrigues3. A pesquisadora norte-americana Ruth Landes
faz a diferença, nos anos de 1930 e 40, com seu modo de relatar experiências a partir do
mundo feminino em A Cidade das Mulheres, publicado no Brasil em 1967. Certamente,
é um trabalho fora dos propósitos dos intelectuais que até então detinham o
conhecimento da cultura afro-brasileira. O francês Roger Bastide e o inglês Donald
Pierson são fiéis a esse modelo único nagocêntrico, enquanto os demais grupos étnicos
eram ignorados com suas reminiscências fora dos seus focos preferenciais, dando
prosseguimento aos conceitos da escola antropológica vigente.
Nesse período existiu por parte dos pesquisadores uma procura por legitimação
das tradições nagôs, era uma tendência idealizar um modelo de culto que se
aproximasse dos ideais eruditos. Para valorizar a cultura negra buscavam valores muito
parecidos com o cristianismo. A postura da pesquisadora Ruth Landes, ao publicar
trabalhos que tratavam pontos de gênero, como a questão do matriarcado e da
homossexualidade provocou reações de contestação como a de Arthur Ramos:
Em resumo: as conclusões da Dra. Ruth Landes ressentem-se de erros de
observação, de afirmações apressadas e de conceitos falsos ou falseados no
concernente à vida religiosa e mágica do Negro no Brasil. É lamentável que
algumas dessas conclusões, como, por exemplo, do ‘matriarcado’ negro e
controle da religião pelas mulheres, na Bahia, e do homossexualismo ritual, nos
negros brasileiros, já estejam correndo os meios científicos e até anunciadas
para publicação em revistas técnicas. (Ramos, 1942, p. 189)
3
Nina Rodrigues foi alçado à condição de ícone histórico dos estudos sobre o negro no Brasil primeiro
por seus autoproclamados discípulos, a maioria médicos, também responsáveis pela publicação póstuma
de muitos de seus trabalhos sobre o tema, e depois pelos antropólogos que se dedicaram a pesquisar as
religiões afro-brasileiras. Arthur Ramos, especialmente, empenhou-se em ‘inventar’ como dizia Edson
Carneiro, a ‘Escola Nina Rodrigues’, inventando assim também um lugar para si na linhagem rodriguiana.
Corrêa, Mariza. Raimundo Nina Rodrigues e a “garantia da ordem social. Revista USP, São Paulo, n.68,
p. 130-139. Dezembro/fevereiro 2005-2006.
24
tendência do poderio britânico, que confere ao povo ioruba um status superior à outros
povos, interfere também no modo como esse panorama é definido:
4
“O número de terreiros na cidade do Salvador, oitenta e um no período 1850/1897, pode parecer que
esteja além dos números fornecidos por Nina Rodrigues no final dos anos noventa. No entanto, se
levarmos em conta as suas informações de que somente nos ‘arrabaldes’ da cidade haveria quarenta ou
cinquenta terreiros, e na ‘capital’ existiria quinze, o número (...) estimado não para excessivo. Dois fatos
reforçam essa hipótese. Primeiro, ao longo da segunda metade do século, alguns terreiros podem ter sido
fechados devido a feroz repressão policial. O que proporcionaria uma queda do número verificado.
Segundo, nesse período devem ter surgido vários terreiros. Afinal de contas, a memória oral dá conta de
que, desde o século dezenove, as dissensões políticas internas aos terreiros ocasionaram o surgimento de
vários outros em diferentes locais soteropolitanos. A representatividade dos terreiros no tecido social
soteropolitano pode ser visualizada em relação ao número de habitantes da cidade. No inicio dos anos
26
setenta a população da capital aproximava-se dos cem mil habitantes. E pela estimativa acima haveria
mais de sessenta candomblés. O que indica uma proporção surpreendente de um terreiro para 1.700
habitantes. Ou se compararmos com o suposto número de igrejas católicas (365), um terreiro de
candomblé para cada seis igrejas. Ironicamente, isso pode ser visto como a inserção e resistência da
religiosidade de origem africana em um período marcado pela ideologia do progresso e do evolucionismo.
A cidade nos últimos anos do século XIX crescia paulatinamente, urbanizava-se, inseria-se num
pensamento liberal e, surpreendentemente, o número de terreiros de candomblés aumentava. As entidades
religiosas cultuadas pelos africanos e seus descendentes estavam, paulatinamente, a dominar a cidade”.
Teles Jocélio Teles dos. Geografia Religiosa Afro-baiana no século XIX. Revista VeraCidade, Ano IV,
nº5, Outubro de 2009.
5
Mesmo que a política de ordenação desse mundo das ruas remonte ao século 19, serão os governantes
republicanos que lhe darão um cunho mais sistemático no Brasil. Na Bahia, o primeiro governo de J.J.
Seabra (1912-1916) e o governo de Francisco Marques de Góes Calmon (1924-1928) constituíram-se nos
momentos áureos da intervenção sanitarista e disciplinar, em consonância com os conselhos médicos e as
queixas sistemáticas das elites letradas de Salvador. Ferreira Filho, Alberto Heráclito. Desafricanizar as
ruas: elites letradas, mulheres pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937). Afro-Ásica, 21-22
(1998-1999).
27
Outro exemplo foi coletado por Nina Rodrigues, no Diário de Noticias, no dia 9
de maio de 1905, e foi também confirmado por outros jornais da cidade:
Candomblés - Moça louca - A policia em ação - Cercos e capturas - Uma
procissão original...- O boato de que no candomblé enlouquecera uma
rapariga de família, à qual fora propinada, como medicação, certa beberagem,
célere chegou aos ouvidos do subcomissário 1° distrito de Santo Antônio,
cujos limites pertence a estrada de boiadas. A referida autoridade, no intuito
de averiguar o fato, anteontem, pela manhã, acompanhada do escrivão,
Esmeraldo Sutel, inspetor Amâncio Bacelar e de forças da cavalaria e
infantaria da policia, para ali se dirigiu, pondo cerco a roça em que
funcionava o nefando oráculo. Aproveitando o ensejo, o Sr. Capitão José
Estanislau Bahia, subcomissário, que teve ciência de existir no mesmo local
outra casa de feitiçaria , cercou esta também. Muito dos indivíduos que se
achavam nas duas casas tiveram, entretanto, tempo para escapar, fugindo no
numero desses o pajé Manuel Maneta. Aqueles a quem o santo e sua
veneração não protegeu com uma dose mais forte de agilidade tiveram de
cair, fatalmente nas mãos da policia. Feliz foi a mulata Hortênsia de tal, mãe
de um dos terreiros, a qual, logo que viu cercado o templo em que oficia, caiu
presa em um ataque de nervos, não sendo presa por isso. Efetuadas diversas
prisões, tratou a policia de dar buscas às casas arrecadando um verdadeiro
arsenal de bugigangas: contas, cajados, búzios, (...) pós de diversas
qualidades, perus, dois galos, duas cabras, etc. Cercada de pratos de barro
com azeite, foi encontrada também uma imagem de Nossa Senhora da
Conceição. Findo o trabalho de apreensão, organizou-se então um préstito
28
Se por um lado havia uma pressão social externa que dificultava a vida dos
religiosos negros, as mudanças internas e as configurações do culto também começavam
a esboçar adaptações. As divindades que no continente africano eram cultuadas de
forma individual, por cada família, aqui tinham que dividir o espaço com divindades de
diversas etnias, configurando o candomblé. Os terreiros mais antigos de candomblé, que
na atualidade ainda estão ativos são o Ilê Axé Mariolaje (Alaketu) e o Ilê Axé Yá Nassô
Oka, conhecida como Casa Branca do Engenho Velho, embora as “células” de outros
terreiros complexas já existissem desde o século XVIII.
Houve uma mudança no panorama das lideranças religiosas que já organizavam
comunidades de culto desde o século XIX. A princípio, os africanos eram maioria e
foram decrescendo abrindo espaço a crioulos e pardos. No período em que, na sua
maioria, os terreiros de candomblé estavam nas mãos de lideranças africanas, ele
manteve sua característica patriarcal como na África. Segundo Parés (2007, p135), a
porcentagem de líderes homens era de 69%, de 51 registros no período entre 1863 a
1871. Já na primeira metade do século XX esta realidade se inverte, principalmente no
que diz respeito às casas de tradição nagô. As casas ditas ketu, com maior visibilidade,
estavam sob o comando de mulheres. Sobre o candomblé nesse período, Edson Carneiro
explana:
Essa construção do ideal feminino se choca com a realidade das mulheres negras
e pobres, que tinham que ganhar sustento e, na maioria das vezes, eram as chefes de
família. As elites letradas tentavam empurrar seus valores para a massa popular:
Os modernizadores acreditavam ainda que a sociedade baiana precisava passar
por um processo de branqueamento. Era preciso tirar das ruas todos os
elementos da cultura negra. As críticas são duras em relação ao pequeno
comércio desenvolvido pelos negros, sobretudo pelas mulheres negras.
Condenavam as iguarias vendidas na rua e a indumentária das baianas,
indubitavelmente de influência africana. Do ponto de vista religioso, a situação
era mais grave. A venda de comida afro-baiana, encorajada pelo candomblé,
tornou-se uma forma das filhas-de-santo obterem dinheiro para a realização das
suas obrigações rituais. Os jornalistas se referiam à vendedora de rua como a
mulher de saião .16 A expressão pejorativa servia para desqualificar a mulher
negra e pobre, cujas roupas lembravam a África, a escravidão, e em
conseqüência, a barbárie e o atraso da época colonial, da qual a elite queria a
qualquer custo se livrar. Os médicos, sanitaristas e higienistas tiveram uma
preocupação obsessiva com a qualidade dos alimentos vendidos nas ruas de
Salvador. Consideravam os pratos da cozinha afro-baiana, preparados muitas
vezes nas vias públicas e expostos em tabuleiros, bandejas e gamelas,
impregnados do suor, causado pelo trabalho e desprendido pelo contato manual
com a comida. Assim, esses alimentos gordurosos, condimentados e de
fabricação duvidosa,representavam uma porta de entrada para micróbios e
vírus que prejudicavam a precária saúde dos baianos. (Couto, 2005, p.02).
inglês. Sua vida foi contada por ele mesmo, em uma entrevista ao linguista afro-
americano Lourenzo Dow Tuner em 1940 (Ayoh’Omidire e Amos, 2012, p.230) Após
retornar ao Brasil, retornou à África duas vezes (Braga, 1995; Castillo, 2010), e por
conhecimentos da língua e cultura iorubana lá adquiridos, viria a ser um dos grandes
informantes, e pode dialogar com diferentes gerações acadêmicas, de Nina Rodrigues,
passando por Arthur Ramos, Edson Carneiro, Ruth Landes que escreviam sobre a
religiosidade afro-brasileira na década de 1930. Martiniano era uma peça importante
para os terreiros de candomblé como o Opô Afonjá e a Casa Branca, devido a sua
experiência de vida e conhecimento da tradição ioruba. Porém, não caia no transe, como
viria acontecer com a nova geração de homens nos candomblés da primeira metade do
século XX, como o caso de pai Procópio.
De acordo com relatos bibliográficos (Penna, 2001, p.26) a trajetória de pai
Procópio começa a ser definida com o destino de uma escrava africana, alforriada,
chamada Marcolina, que possuía um terreiro no bairro denominado Cidade da Palha,
atualmente conhecido como Cidade Nova.
Marcolina chegou à Bahia ainda adolescente, segundo relatos orais de Antônio
Penna, religioso descendente da yalorixa. Era nascida na cidade de Abeokuta (Nigéria) e
seu nome africano era Osunwoyn. Foi propriedade da família Santos, da qual ganhou
seu nome ocidental. Não se sabe ao certo como se deu sua alforria, mas, após abolição,
se casou com um africano babalaô que pertencia à nação Igbomina, povo que viveu no
sudoeste da Nigéria. Esse ex-escravo pertenceu à família Pinheiro, e era consagrado a
Obatalá. (Penna, 2001, p.27).
Marcolina era uma mãe de santo, conhecida por seu temperamento quente; era
alta, forte, de canela fina (Penna 2008,p.19), ganhava a vida vendendo fato e moqueca
de fato de boi na feira de São Joaquim. Era conhecida como boa cozinheira e pelo seu
“pavio curto”. Porém, seus conhecimentos litúrgicos, o conhecimento das ervas, que
provavelmente aprendeu com seu esposo, fizeram dela famosa (Lopes, 2004, p. 544).
Marcolina é citada por Nina Rodrigues quando em uma batida policial se
averigua que uma moça por nome Eudóxia se encontrava em tratamento, por motivo de
loucura na residência no templo da referida mãe de santo, na Cidade da Palha, no 2°
distrito de Santo Antônio:
Candomblés – Moça louca - A polícia em ação – Cercos e capturas - Uma
procissão original... – O boato de que no candomblé enlouquerecera uma
rapariga de família, à qual fora propinada, como medicação, certa beberagem,
33
Marcolina veio da África iniciada no culto aos orixás (Penna, 2001). Entretanto,
não estava vinculada a nenhuma das raízes de candomblé nagô/ iorubá aqui vigentes à
época. Era malvista por terreiros como o Alaketu, Casa Branca e Gantois, como
podemos ver nesse exemplo:
Quem me contava sobre a mãe Marcolina era o finado Vicente do Matatu,
porque outras mães de santo não gostavam dela. Um dia encontrei dona Olga
(mãe de santo do Alaketu) no Rio e perguntei se ela conhecia Marcolina, ela
me perguntou de onde eu tinha ouvido falar daquela figueira do inferno, a
gente sabe que ela ajudou a plantar axés grandes mas não era subordinada a
ninguém e nós não somos descendentes de nenhum desses axés, essa era a
raiva, por isso falavam e “queimaram” a casa dela, por isso fazem questão de
esquecer (...). (Entrevista realizada em 12-07-2013 pelo pesquisador e pai de
santo Antonio dos Santos Penna)
Essa sacerdotisa não seguia as regras rituais dos candomblés da tradição nagô
aqui consolidadas, como o interdito da iniciação masculina por exemplo. Essa postura
inverte valores sociais prepostos e gera uma resposta. “Estes são grupos que são
rejeitados de forma ativa pela população hospedeira, em razão do comportamento ou de
34
Isso fez com que ao iniciar no culto o jovem Procópio, que recebeu o nome
iniciático de Ogunjobi, Marcolina caísse em ostracismo e em invisibilidade histórica.
Faleceu no início da década de 1940 e seu terreiro se extinguiu, porém seu jovem
iniciado deixou sua marca no candomblé baiano.
35
CAPÍTULO II
Imagem 01. Pai Procópio de Ogunjá. Fonte: Acervo pessoal de Dona Edna
(Afilhada e herdeira de pai Procópio).
6
Levando em consideração que pai Procópio faleceu em 1958 e que, segundo relatos, viveu por noventa
anos ou mais, o mesmo, então, nasceu na década de 40 do século XIX.
7
Levo em consideração a época de nascimento de pai Procópio e que o mesmo tenha sido iniciado no
candomblé quando já havia alcançado sua maioridade.
36
Nesses casos, a iniciação é relatada como algo inevitável, que está acima das
escolhas individuais, a vontade das divindades se impõem sobre a vontade dos homens.
“Os autores se referem à variedade dos sinais interpretados como um aviso do orixá que
deseja o sacrifício, as oferendas propiciatórias e mais que isso, a cabeça de seu eleito
para comunhão dramática e total da possessão”, como observa Lima (2003, p. 65). Para
Procópio de Ogum esse sinal foi dado através de uma enfermidade.
Dona Edna, afilhada de pai Procópio, e equede suspensa no Ilê Ogunjá relata
uma parte dessa história:
Quando meu avô era menino, ficou muito adoentado, saiam bichos do nariz,
levaram ele no doutor mas remédio nenhum deu jeito..., mas meu irmão
(Hélio de Oliveira) também teve isso, quando teve que fazer o santo, depois a
mãe dele (pai Procópio) levou ele numa velha que rezava, ela disse que isso
era Ogum, ai depois levaram ele na mãe de santo, ele tinha Ogum e Oxalá,
que queria a feitoria, ai ele fez santo, mas ele num sabia que ia ser pai de
santo não, só soube quando Ogum disse que era a hora. (Trecho de entrevista
concedida em 10-04-2013).
Acolhido pela mãe de santo Marcolina, segue fiel a todas as etapas da iniciação e
se torna pai de santo. Na convivência com a sacerdotisa, além dos segredos do
candomblé, aprende sobre ervas e mais tarde se torna dono de uma quitanda no bairro
do Gravatá (Lopes, 2004, p.544). Procópio assim prossegue na ritualística de suas
obrigações espirituais, e mesmo enfrentando as dificuldades pelo fato de ser homem em
um mundo matriarcal, chega ao sacerdócio, consegue um terreno e instaura, em 1906,
um templo ao seu orixá no bairro do Matatu de Brotas, o Ilê Ogunjá. O local fica tão
conhecido e acaba por dar nome a uma avenida e a uma localidade, o Ogunjá [Vale do]
(Dorea, 2006 p.36). Ele consegue ganhar respeito e prestígio, e durante sua existência o
terreiro passa a ser visitado por fiéis, antropólogos e estudiosos da cultura afro-
brasileira.
O barracão de Pai Procópio ganhou, em poucos anos de existência, grande
visibilidade. Em uma cerimônia na década de 50 do século passado, chegou a reunir
mais de 400 pessoas (Pierson, 1971 p.325). Por lá passaram e foram apontados como
37
A nível simbólico, Matory (1988) faz uma analogia entre gênero e a relação de
montaria. Os iniciados que recebem as divindades são chamados de cavalos, em ioruba
os iniciados são denominados de elegun, que quer dizer aquele que é montado. Logo
entre cavaleiro e cavalo, o que controla é o primeiro, e é a ele e não ao cavalo que se
atribui a vitória da batalha. O conceito de ser possuído através do transe desempenha
um papel central na ativação das relações sociais. Segundo a concepção ioruba:
continente africano. Em sua análise (Matory, 1988, p. 222) afirma que os sacerdotes
africanos são mulheres ou homens travestidos que usam as vestimentas nupciais iorubas
do século XIX.
Na década de 30 a homossexualidade passiva foi objeto de análise, e Landes os
entendia como elementos proscritos da sociedade e procurava analisar sua relação com
o comando de alguns templos do culto afro brasileiro como um possível esquema
utilizado para que esses homens reinventassem um novo lugar nessa sociedade:
acordo com as minhas observações, as mães não escondem dos seus filhos, e
até seus parceiros masculinos são cientes dela. A sua negação, por parte de
alguns pais ou mães-de-santo interessados em adquirir boa reputação frente
aos leigos que se aproximam do culto, deve-se a que eles sabem da
contradição existente entre este aspecto da tradição do Xangô e o sistema de
valores dominantes na sociedade brasileira. (Segato, 1989, p.76)
A autora reflete sobre questões de liderança nos núcleos familiares e sua influência
na formação estrutural das religiões afro-brasileiras:
Apesar da família patriarcal ter sido sempre característica das classes altas
brasileiras, entre as classes baixas e, particularmente, a população negra e
mulata, se encontram formas de organização familiar similares àquelas tidas
como típicas do parentesco afro-americano. O povo do culto reflete esta
tendência e muitos membros pertencem a famílias do tipo descrito na
literatura como ‘matrifocal’ (Smith, 1956), ‘família materna negra’ (King,
1945), ou ‘unidade doméstica consanguínea’ (em oposição à unidade
doméstica familiar’, Clarke, 1957). De qualquer maneira, a organização das
unidades domésticas apresenta uma variedade enorme de formas. (Segato,
1989, p.84)
Ruth Landes, cujo foco principal eram mulheres nos candomblés, pareceu não se
importar com essa temática, embora em sua pesquisa mencione, rapidamente e sem dar
importância, um incidente de cunho sexual ocorrido entre duas iniciadas no terreiro do
Engenho Velho da Casa Branca, envolvendo uma mulher de nome Totônia, uma das
candidatas a futura mãe de santo da casa, (Landes, 1967, p.54). Quando poderia haver
um questionamento sobre a sexualidade, Landes ignorava ou não percebia, mas nas
entrelinhas pode-se concluir uma tendência homossexual: “Eram de pele escura, fortes e
grandes, e nada tinham dos modos recatados que a classe alta considera femininos e
sedutores. De fato, pareceram-me homens vestidos com saias de baianas” (Landes,
1967, p. 55). Não podemos afirmar que de fato essas mulheres poderiam ser
44
enquadradas em uma classe de homossexuais femininas, mas como a autora deu tanta
ênfase à homossexualidade masculina, parece inconsistente essa invisibilidade sexual de
suas personagens.
A postura de Landes em atacar uma parcela da comunidade afro brasileira, no
caso alguns pais de santo, causou a indignação de antropólogos que já pesquisavam o
candomblé e que buscavam construir uma imagem positiva sobre a religiosidade negra,
como Ramos (1942, p.188) e Herskovits (1947, p.125).
Nota-se no artigo que a autora tenha uma tendência, talvez inconsciente, de no
decorrer do texto, fazer uma diferenciação sobre os pais de santo, que incluem
Bernadino, Procópio e, algumas vezes, Ciriáco:
Em geral os pais são de grande frieza com as mulheres, um fato mais notável
no Brasil do que seria nos Estados Unidos. Mas Bernardino e Procópio
cultivam estreitas ligações profissionais e pessoais com importantes
sacerdotisas de outras casas de culto. Esta atitude é surpreendente, em vista
da amarga rivalidade e desconfiança que existe, normalmente entre os chefes
de culto. Ela se baseia, provavelmente, numa espécie peculiar de amor
dessexualizado e de culto herói, ao mesmo tempo, garante ao pai a admissão
num pequeno e seleto círculo de eminentes sacerdotisas. Bernadino gosta de
oferecer presentes caros a essas amigas, mas também se desmanda de modo
chocante. (Landes, 2002, p.330)
Meu tio era muito reservado, não era de falar muito, mas a gente sabia que
ele gostava dessas coisas, mas nunca vi ele com alguém não, a gente sabia
que era mas não sabia se tinha alguém, as vezes ele sumia e a gente não sabia
45
aonde tava, mas nunca trouxe pra dentro de casa, se tinha era fora.
(Entrevista realizada no dia 07/07/2012)
sobre homens, e outras formas de vida. Criar alternativas para a imagem masculina de
poder e dominação é uma questão política e profundamente relevante, não somente para
as mulheres, como para os homens.
Mais delicado ainda é pensar a questão da homossexualidade, pois ao enaltecer
o mundo conforme sua gênese, onde a relação homem mulher é incontestável, e formar
a prole é uma questão de honra, a religiosidade ioruba reitera os significados sociais que
definem os papéis sexuais. Assim o candomblé ainda mantém certos entraves a
sexualidade, sendo em alguns terreiros muitas vezes um tabu. Por outro lado, o
candomblé é uma religião que se mostra mais aberta à homossexualidade.
47
CAPÍTULO III
guardas que acompanhavam Pedrito para uma batida policial no barracão, caem em
uma espécie de transe e se voltam contra ele. Este ainda tentou se impor, mas é vencido
pelo espírito que tomou o guarda, segundo a narrativa, o implacável orixá Ogum.
Pedrito fugiu para o carro e teve os pneus furados pelo povo do terreiro. Sem
alternativas, ele saiu furtivamente, correndo e humilhado pelas ruas de Salvador:
Ogunhê, gritou, e todos os já responderam: Ogunhê, meu pai Ogum! – Ogum
Kapê Dan meji, Dan pelú oniban! – repetiu Arcancho: - Ogum chamou as
duas cobras e elas se ergueram para os soldados!
Ergueram-se os braços do orixá, as mãos de tenazes eram duas cobras: Zé
Alma Grande, Ogum em fúria, partiu para Pedrito... Depois, com toda força o
atirou no chão, de cabeça para baixo. A cabeça enterrou-se no pescoço, rotos
os ossos da espinha, fraturada a base do crânio defunto aos pés do delegado.
Zacarias da Goméia ia atirar, não teve tempo, levou um ponta pé nos
quimbas, no meio do urro desmaiou. Não serviu para briga nunca mais.
Zé Alma grande, cão de fila, assassino às ordens , homem de toda confiança,
virou Ogum e partiu para o delegado, Pedrito necessitou do orgulho inteiro
para erguer a bengala na última tentativa de se impor. De nada serviu. Os
pedaços de junco estalaram nos dedos do encantado- cabeça de serpentes
dirigidas contra o comandante da cruzada bendita, da guerra santa. Não
coube a Pedrito Gordo outro recurso se não correr vergonhosamente, em
pânico, gritando por socorro, em direção ao automóvel veloz que o levaria
para longe daquele inferno de orixás desatados em milagres. Mas, ai, os
macumbeiros haviam furado os quatro pneus. Nas ruas apinhadas todos
viram o delegado auxiliar Pedrito Gordo, a fera da policia, o sinistro chefe da
malta de facínoras, o mata mouros, o malvado sem alma, o terror do povo,
em triste fuga perseguido por um orixá de candomblé, pelo guerreiro Ogum
todo acesso em cobras. (Amado, 1995, p.309-311)
A violência com que era conduzida a apreensão comandada por Pedrito era tão
recorrente, que além de pilhagens, destruição de móveis e objetos, surrava os
participantes, tendo em pelo menos um caso, acabado em morte. Isso foi documentado
por Manoel Querino em um manuscrito de “Acontecimentos policiais nos candomblés
de 1920”:
No Matatu Grande, distrito de Brotas, nesta capital, uma casa, onde os
crentes do feiticismo festejam seus santos. Em noite de 18 de maio de 1920, o
delegado auxiliar, bacharel Pedro de Azevedo Gordilho cercou a dita casa,
com praças de cavalaria, e ahi commetteu as maiores arbritariedades
possíveis. Espancou os assistentes e levou presos, sendo que as mulheres
seguiram amarradas, acompanhando o trote dos cavalaríamos até a estação.
Os soldados, por ordem do referido delegado commetteram proezas: de
arrebentarem todo o vasilhame que encontraram, quebaram cadeiras, guarda
roupa, arrombaram os bahús e conduziram toda a roupa que encontraram,
dinheiro, objetos de prata, um anel de brilhante [ilegível] a mobília ficou em
estado deplorável. Foi mais um saque do que uma diligência policial. No dia
24 de agosto faleceu fulano de tal da Hora, proveniente da agravação de
moléstia que já tinha pelas pancadas que levou, sendo encontrado no
candomblé de Procópio. Em 16 de agosto do mesmo ano, a autoridade acima
cercou com o mesmo intuito a de Catharina na Barra e fez a mesma limpeza
nos objetos encontrados e mais cento e tantos mil reis que encontrou. Entre
outras coisas cand[rasurado] uma pequena caixa de 0,20 de altura por 0,40 de
[rasurado] comprido, tudo de metal. Em cima da caixa havia um pequeno
caboclo amarrado de arco e flecha rodeado por outros menores. A caixa
continha uma faca e diversos instrumentos agrícolas, todos de metal. [Em] 19
50
O homem que foi morto na batida policial na casa do Procópio, Inocêncio, era
ogã do Ogunjá, e com sua morte, Procópio cria seus dois filhos menores, Hélio e Edna,
que atualmente esta com oitenta e dois anos e é quem cuida do que restou dos objetos
sagrados do terreiro. O pai de Hélio e Edna e o pai Procópio tinham um relacionamento
um tanto quanto “ambíguo” (Lima, 2010, p.268). A filha relata as poucas lembranças
sobre o pai:
Quando eu nasci, com pouco tempo meu pai morreu, não conheci nem me
lembro dele, minha mãe também era da casa (Ilê Ogunjá), era ekede de
Oxum. Sei que meu avô também criou meu pai, e ele tava envolvido com o
negócio da policia... era muito ruim, porque derrubavam o Baixão, meu avô
sofria muito, eram tempos difíceis porque ele não tinha dinheiro, e vinha os
homens e derrubava tudo, batiam e levavam o pessoal preso, levavam e
quebravam os santos, roubavam as coisas, mas na minha época já não era
assim... eles respeitavam.. (Entrevista realizada no dia 17/09/2012)
Eu sempre ouvia meu tio falando que quando eles eram perseguidos tinham
de correr, mas Ogum ficava, não abandonava, era muita coisa... tinha muito
assentamento que era escondido no mato, pra neguinho não saber aonde
estavam. Minha mãe (Mãe Roxinha) contava que uma vez a polícia veio,
quando o telhado era de palha, tocaram fogo no Baixão a casa desabou.
Minha mãe tinha que se esconder no mato. Uma vez eles levaram embora o
Exu da porta, ai eles foram assentaram de novo, com a maior pedra que
acharam, no tempo que eles iam de carroça pra Boca do Rio, acharam uma
pedra enorme, ai eles não tinham como carregar mais ele....Mas marcou
muito, minha mãe sempre teve cuidado, porque a história da polícia ficou na
cabeça dela, uma vez a polícia parou um carro no candomblé aqui da gente, a
pressão subiu na hora...( Entrevista realizada no dia 12/08/2011)
Acho que já lhe escrevi que estou vendo si consigo a liberdade religiosa dos
negros. No dia 3 de agosto, vários ogans, Pais-de-santo e gente de
candomblé, convocados por mim, vão fundar o Conselho Africano da Bahia
(um representante de cada candomblé), que se proporá a substituir a policia
53
Após o período de repressão, o Ilê Ogunjá volta aos poucos a fortalecer sua
tradição, que não fora parada, mas se realizava sob uma áurea de medo e terror. Nas
décadas de 1940 e 1950, as cerimônias continuaram a acontecer, com um ciclo de festas
regular. O Ogunjá florescia numa época mais tranqüila. Além da festa de Ogunjá, eram
feitas em novembro a Feijoada de Ogum, seguida meses depois dos três domingos de
Oxalá (curiosamente com a distribuição litúrgica que é feito atualmente na Casa Branca
e Gantois), seguido pelo Olubajé e festividades de demais orixás.
Meu avô não ficou muito tempo doente, nem chegou ai no hospital, ele
morreu em casa, foi tudo de repente, deu um problema, os médicos que viram
falaram que era problema no fígado e nos rins ele trabalhou muito tempo
fazendo canoa, ai complicou e deu isso. Eu tava em casa, porque eu tava
55
Após sua morte, ninguém assumiu seu posto sacerdotal. Segundo alguns relatos,
esse posto seria assumido algum dia pelo jovem Assobá Helio de Oliveira, ficando o
terreiro nesse período sob os cuidado das filhas mais velhas da casa, Ebome Honória de
Oxossi e Maria da Natividade conhecida como ebome Iatu.
Sobre os tempos que a casa ficou temporariamente sob os cuidados de Iatu,
Lima diz:
O terreiro de Ogunjá, do falecido pai de santo Procópio, ficou
praticamente sem qualquer atividade publica durante vários anos, com
seu calendário litúrgico interrompido desde a morte do babalorixá, em
1958. Entre tanto, depois de um longo interregno, a casa voltou a
funcionar; o barracão foi reparado; os santos comeram, a hierarquia se
recompôs; as ebomes da casa voltaram a ajudar nos seus postos e uma
delas, é, hoje, a Yalasé da casa. (Lima, 1998, p.45-46)
O plano era que as ebomes tomassem conta da casa até o dia que Helinho
estivesse pronto para assumir o terreiro. O destino porém, mexeu com os planos feitos
pelos membros do terreiro, Hélio de Oliveira morre três anos após a morte de Pai
Procópio, aos 33 anos de leucemia. Os rumores sobre a morte inesperada do herdeiro do
Ilê Ogunjá suscinta boatos entre o povo de santo.
Incentivado desde cedo pelo avô, que percebeu sua aptidão para a pintura, Hélio
aos 13 anos foi enviado a um amigo pessoal de Pai Procópio, Frei Thadeu, e trabalhou
por um tempo na tipografia do convento, posteriormente concluiu o ensino médio e
conseguiu ingressar na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia.
Com Pai Procópio aprendeu os segredos do culto aos orixás, e transmitia suas
visões através da xilogravura. Seu legado consiste em cerca de 50 obras concluídas,
algumas fazem parte de acervo de museus como o Museu de Arte Moderna da Bahia,
em Salvador, e o Museu Afro Brasil no Parque Ibirapuera em São Paulo, a maioria da
56
Foi nesse contexto, e entre idas e vindas ao hospital, amparado pela irmã Edna,
que no final de 1962, quatro anos após a morte de Pai Procópio, faleceu o jovem Hélio.
Segundo o diagnóstico médico a causa foi leucemia, e logo que foi identificada a
doença houve recusa de Hélio em começar o tratamento, o que dificultou sua cura e o
levou a óbito.
(...) Foi embora outro dia Hélio de Oliveira, jovem gravador em vias de ser
grande gravador, e, nas proximidades do cemitério, os homens da seita , os
velhos ogans vieram e tomaram do caixão levado pelo poeta Hélio Simões e
pelos plásticos da Bahia. Tomaram do caixão e o conduziram dentro de todos
os preceitos do candomblé, pois era o pai que morrera, o herdeiro de
Procópio”. (Amado, J. Hélio, Neto de Procópio. A TARDE, Domingo, 8 e
9/12/1962. Suplemento Literatura e Arte. p.6).
Ogunjá, mas ela (Dona Edna) queria acabar com tudo, vendeu muito terreno
do terreiro, ela não era feita, então se o Hélinho morreu, era a gente que era
da família que tinha de tomar de conta, mas ela é gananciosa, tanto que
acabou com tudo, e nem Ogum ela teve coragem de dar, mas assim que ela
morrer a gente vai pegar Ogum, pois ele tem de voltar pra familia que é
sangue, agora que ela acabou com tudo nem tem mais porque segurar
Ogum... Nos processos a gente ganhou, mas expulsaram a gente debaixo de
bala... foi coisa mandada. (Entrevista de pai Edinho colhida em 12/07/2012)
Sobre esse período, dona Edna prefere não comentar. O que consegui dela foi
apenas comentários de como esses parentes, segundo ela distantes, faziam confusão por
causa das terras. Em uma entrevista dada ao cineasta Geraldo Sarno, em 1983, ela
lembra de palavras de Pai Procópio:
Ele sempre falava comigo e com Hélio: Vocês peçam a Deus que antes de
Deus me chamar eu possa deixar a vocês tudo legalizado, porque tem muita
gente aqui com os olhos nisso. E se eu faltar vocês vão ficar feito barata no
terreiro de galinha. (Pereira, 2007, p.108)
Apesar destes conflitos, houve por parte de algumas filhas de santo a tentativa de
manter o terreiro em funcionamento. A princípio, temporariamente, quem ficou a frente
da funções religiosas foi Honória de Oxossi, uma das filhas mais antigas do Terreiro
mas ela faleceu logo após a morte de Hélio. Depois, o terreiro ficou sendo cuidado por
dona Maria da Natividade, conhecida como Iatu, que faleceu no fim da década de 1970.
Nenhuma das duas chegou de fato a serem empossadas como a mãe de santo do
Ogunjá, mas tomavam conta do terreiro provisoriamente. Em meio a essas disputas
auxiliadas por um pai de santo conhecido como Vicente de Matatu, conseguiram
cumprir as obrigações mortuárias do pai de santo, realizaram o rito do axexê que se dá
no dia da morte a 1, 3, 7,14 e 21 anos após a morte de um pai de santo ou pessoa
importante dentro de um terreiro.
Após a morte de Iatu, no começo da década de 1980, o pai de santo Domingos,
que freqüentava o Ogunjá na época de Pai Procópio, mas não tinha vínculo religioso
com o terreiro, tenta dar continuidade ao ciclo de festas da casa, mas é frustrado com a
caída do teto do barracão. É nesse período que o barracão é desativado definitivamente.
60
O grande espaço que era a propriedade do terreiro foi aos poucos sendo vendido,
tanto por Dona Edna quanto por Pai Edinho. Na época em que o teto do barracão
desabou, cerca de 300 metros do terreno, estavam preenchidos por casas em terras que
tinham sido vendidas, e que separava a casa de dona Edna do que restava do terreiro.
Sem recursos para levantar o teto do barracão novamente, é nesse período que ela leva
todos os objetos de assentamentos de Ogunjá e demais orixás para sua casa.
Segue em anexo no fim do trabalho os documentos do inventário, tanto o
primeiro que transferia os bens de pai Procópio para seus dois afilhados, Hélio de
Oliveira e Edna Souza Santos, quanto o inventario que oficializa todos os bens deixados
pra ela, já que era a única parente, ele não casou nem teve filhos.
Legalmente dona Edna sempre foi a herdeira das terras do Ilê Ogunjá, embora
ela não tenha assumido a parte religiosa, ela deixou que as iniciadas tomassem conta do
sagrado até quando o barracão desabou no começo da década de 1980.
61
É notável que havia uma preocupação por parte de dona Edna em não ficar
submissa aos membros do terreiro, porque existia da parte dela, outros interesses, como
manter seu próprio patrimônio e os de seus filhos por exemplo.
Ciente de sua obrigação com o Ogunjá de seu avô, ela reformulou sua própria
casa, que ficava abaixo do barracão, fez quartos de santos para Oxalá, Omolu, Exú e
Ogum. Fez um pequeno salão para festividade e através das últimas duas décadas faz
quase todos os anos a feijoada de Ogum nesse espaço sem, no entanto, tocar candomblé
devido a sua condição de não iniciada na religião.
Imagem 07. Visão da fachada do Ilê Ogunjá. Foto: Fátima Carvalho. 2014.
62
Ela se mudou para o Rio em 1920, já como mãe de santo acompanhada por seu esposo,
Teóphilo Pereira, ogan do Ilê Ogunjá.
Mãe Pastora faleceu em 2009, hoje quem assumiu o terreiro foi sua filha, que é
neta e tem o mesmo nome da fundadora, Cecília Soares e como a avó, também filha de
Obaluaiê.
Outra filha de Pai Procópio é a finada mãe Roxinha de Oxum , que inaugurou
seu terreiro de candomblé em 1942. O Ilê Axé Oxum Tadê atualmente tem por mãe
Ivonete da Mata Barreto, filha carnal da Yalorixá fundadora e sobrinha carnal de Pai
Procópio. Ivonete é irmã de dois dos principais informantes desta pesquisa. Porém por
ser a filha caçula de mãe Roxinha suas lembranças sobre o Ilê Axé Ogunjá não são tão
vivas quanto a de seus dois irmãos que viveram parte da infância e da adolescência
brincando nas dependências do terreiro e conviveram com o pai de santo.
65
CAPÍTULO IV
Outro trabalho elogiado por Lima (2010) foi escrito em 1939, por Sodré Viana
intitulado “Caderno de Xangô: 50 receitas de cozinha baiana do Litoral e do Nordeste”.
De acordo com Lima, “esse e o livrinho de Querino são os dois únicos trabalhos de
culinária baiana publicados, realizados com uma pesquisa de campo, como diríamos
hoje em metodologia de pesquisa” (2010, p. 61).
O sociólogo francês Roger Bastide publica, em 1947, o artigo A Cozinha dos
Deuses e faz um estudo sobre a readaptação da culinária africana no Brasil. Para ele, o
importante não era o prato em si, já que havia mudanças nos ingredientes, mas o nome
que eles mantinham que fazia com que os negros se lembrassem da África. Ele ainda
dizia que “Se a cozinha africana pôde manter-se fielmente na Bahia, contra a cozinha
portuguesa ou indígena, com base na mandioca, foi porque se encontrou ligada ao culto
dos deuses e que os deuses não gostam de mudar de hábitos”. (Bastide, 1960, p. 464). O
artigo levantou alguns questionamentos e críticas de Lima (2010, p. 55) e Souza (2009,
p. 57) contra seus métodos, fontes e raciocínio.
Outro momento importante da historia da antropologia alimentar legada pelos
negros foram o Primeiro e o Segundo Congresso Afro-brasileiro, em 1935 e 1937,
respectivamente. O primeiro aconteceu em Recife, organizado por Gilberto Freire e o
segundo em Salvador organizado por Edison Carneiro. Em Recife três autoridades do
candomblé, Oscar Almeida, Apolinário Gomes e a ialorixá Santa contribuíram
escrevendo duas listas sumárias de comidas sagradas. Já no Congresso de Salvador,
quem deu sua contribuição foi a ialorixá Aninha Obá Biyi, do Ilê Axé Opô Afonjá. Ela
listou vinte e cinco tipos de comidas e ingredientes usados na preparação da comida dos
orixás. A lista foi publicada nos anais do evento como “Notas sobre comestíveis
africanos”, porém ela não deu informações de como se dava o preparo dos pratos:
O feijão era visto como alimento para classes menos favorecidas, carregando
status de desprestigio social. As diferenças de classe, de homens livres e escravos, de
homens ricos e colonos pobres determinava a realidade alimentícia de cada grupo.
Considerado um alimento difícil de digerir e flatulento era alvo de especulações
negativas em relação a saúde, como nesse relato do Médico do rei D. João V em seu
trabalho denominado “Âncora medicinal: para conservar a vida e a saúde” (editado em
1721):
Legumes chamou Galeno às sementes cereais de que se não faz pão, ainda
que se faça farinha. E costumam ser o mais comum alimento da gente rústica,
posto que pela graça de seu sabor, também sobem muitas vezes a mesas
nobres. Estes são as favas, as ervilhas, os grãos, as lentilhas, os feijões, os
chicharros, os tremoços, o arroz e o gergelim. Todos eles são crassos, térreos,
melancólicos, flatulentos, principalmente sendo verdes, por cuja causa se hão
de temperar com condimentos e cebolas, como corretivo de seu prado suco e
da sua muita flatulência. (Henriquezh, 2005, p.159)
compartilhada por todos os presentes. Esse momento de socialização está não só ligado
ao ato de alimentar-se, mas embutido de valores míticos, de vivências de ritos que são
explicáveis através da concepção religiosa afro-brasileira. O alimento sagrado é parte
integrante de todas as cerimônias, é, pois, o ato de reviver certas práticas ancestrais
(Cornneton, p.70-71):
Imagem 12. Alimentos preparados para ritual de limpeza (ebó) no terreiro Ilê Asé Ojise
Olodumare. Fonte: Fotografia feita por Rychelmy Imbiriba.
Ingrediente básico das limpezas, grão base do acarajé, e de diversos pratos sagrados. É
utilizado em suas variantes, fradinho, mulatinho, branco e preto.
Para realidade de um povo onde o festejar e o comer são ações conjuntas, o
calendário e a importância de cada festa diferem de terreiro para terreiro. Em Salvador
cada terreiro ativo realiza ao menos uma dezena de festas por ano, e dependendo da
festa, as comemorações podem ser em um dia ou em semanas. E como existe uma
socialização, as festas são frequentadas por membros de famílias de santo de outros
terreiros construindo assim um ano cheio de atividades para os adeptos do candomblé.
Essas características das festas dos terreiros de serem constantes e repetitivas,
levou o candomblé a ser um laboratório para pesquisadores de grupos sociais e
religiosos. Para Rita Amaral (1992) o estudo das festas religiosas se insere no quadro
de análises de ritual, e não existe uma tendência para a sua queda, pois, cada vez mais
os grupos se organizam e produzem mais festas. A autora ainda afirma que nas festas de
candomblé não existe inversão de valores nem funções definidas e, por isso, servem
para tudo e para nada. Nesse contexto não são encontradas aspectos como o caos, a
violência e as transgressões de regras, comum em certos tipos de festa.
Cada festa tem seu grau de importância diferente para cada terreiro, se a festa é
do orixá dono da casa, ou do orixá da mãe ou pai de santo é provavelmente bem maior e
concorrida que as demais. Em casas de candomblé mais antigas esse processo é mais
complexo ainda, pois no decorrer de sua existência estiveram dirigindo o terreiro
diversas Yalorixás de orixás diferentes e seu poderio religioso continuou a ser
importantes mesmo após a morte da dirigente. No Ilê Ogunjá, os ciclos de festa eram
bem definidos. Dona Edna relata que o Ogum do pai Procópio já era festejado pelo
começo do ano, e era seguido de três domingos para Oxalá. Já o ritual da feijoada, nasce
depois deste arranjo fixo do ciclo de festas, e não é ligado a festa de Ogunjá, mas, sim, é
uma nova cerimônia com nova data no calendário para aquele orixá. Acontecia todo ano
no mês de novembro.
Para a construção dessa seção, utilizei como fonte – além de parentes ligados à
pai Procópio – três babalorixás, um deles, pai Valter Ezidio (pai Valtinho) que na
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adolescência foi frequentador do terreiro Ogunjá, e os outros dois, pai Fabio Mendes
Santos e pai Armando Tavares (Farodê) , que fazem em seus barracões a cerimônia da
feijoada.
Uma versão da feijoada de Ogum narra um contexto onde Pai Procópio tenta
explicar o seu cotidiano e daqueles que o rodeiam, através de um conflito interno de
uma ação exclusiva da vontade do orixá. Segundo um dos relatos de Mãezinha o ritual
nasce da seguinte forma:
A versão acima pode ser confrontada com entrevista realizada à mesma pessoa
(Mãezinha) para esta pesquisa, mostrando versões diferentes no decorrer do tempo. A
mesma afirma que a feijoada não surgiu a partir de um conflito com um filho de santo;
Relata que na verdade a feijoada tem sua origem por conta de um compromisso firmado
por Pai Procópio com o Orixá Ogum para que o mesmo auxiliasse na manutenção do
barracão (que passava por problemas na sua estrutura física).
Porém, a versão da briga do filho também foi coletada por Lima:
8
Entrevista realizada com Mãezinha, afilhada de Procópio, por Ricardo Oliveira de Freitas, dia
12/11/2004 disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Proc%C3%B3pio_d'Ogum.
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Ele (Procópio) fez quatro barracão... os três caiu entendeu? Ai ele fez a
feijoada (...) deu certo (....) as que tem por ai não acredito, e olha que sou
religioso...tudo que é religião eu acredito, mas a feijoada de Ogum só tem ela,
e essa ai ninguém sabe, Ogum veio na antevéspera e disse, que se ele fosse
fazer isso, o feijão dele, botasse bastante toucinho, ai o pessoal faz a feijoada
de Ogum e só põe um pedacinho de toucinho eu não acredito, e outra.. deu
certo e o barracão ficou em pé.
Dona Edna, filha adotiva de pai Procópio e herdeira dos objetos rituais, ainda diz
que:
Ele (Procópio) contava como foi um pouco assim da história... mas o pessoal
inventava tanta coisa (...) na verdade não houve nada de castigo nem nada.
Ele mesmo queria arrematar a festa e fez uma feijoada com todas as
comidas... mas foi uma coisa dele (...) não teve nada de castigo (...).
9
Nos relatos dos entrevistados fica claro também que a feijoada de Ogum oferecida por pai Procópio não
acontecia em concomitância com as obrigações e festas realizadas para celebração do seu orixá Ogunjá.
Eram, portanto, festejos distintos com intenções e modos rituais diferentes.
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momento no qual o terreiro abre suas portas para comunidade e sociedade em geral,
amigos e colaboradores. Tornando-se, então, uma oportunidade para o reconhecimento
público de seus dirigentes e dos próprios orixás homenageados. A característica
marcante é a fartura, todos devem comer bem e se possível deve sobrar para distribuição
aos colaboradores, ou mesmo para ser enviado àquelas pessoas que estão ligadas ao
terreiro, mas, que eventualmente não puderam estar presentes na festa.
O cozimento da feijoada começa um dia antes da festa, com a compra de todos
os ingredientes, geralmente é feito no fogo à lenha e carvão. É o próprio pai de santo ou
algum dos filhos de santo mais velhos que a preparam. A responsabilidade de cozinhar,
nesse momento, geralmente é um ato também de socializar, de aprendizado onde os
mais novos auxiliam os mais velhos. A preparação do fogo, catar o feijão, dessalge de
algumas carnes são feitos na véspera.
Da ritualística da feijoada no Ilê Ogunjá os mais velhos tem lembranças mais
consensuais. Fala-se que a feijoada era servida em uma esteira, forrada com um lençol
ou toalha branca, onde as filhas de santo sentavam e eram colocados seus pratos, essas
porém não chegavam a comer , pois no momento que iam levar o alimento a boca caiam
em transe, seus respectivos pratos eram postos no balaio, e levados para o mato.
Pai Valtinho relembra a feijoada:
Arrumava a mesa no barracão (...) de esteira, forrava com um pano branco
botava quantos pratos tinha de yaôs que iam dar santo e um balaio grande
forrado e rezava a reza de Yao comer, quando as yaôs pegavam, metia a mão,
o santo pegava, botava os pratos no balaio ninguém mexia naqueles pratos,
que a yaô virou e saia, era o santo que saia pra se vestir, depois botava a
comida no balaio, e o balaio saia pro mato. Tinha mato lá em cima do
Baixão Rezava o zambi lelê e tudinho, e os santos pegavam e depois dava ao
povo.
Desse modo, após o transe, a feijoada não era mais alimento do homem, mas,
parte do que devia ser ofertado, dentro do balaio, e para onde os convidados e até filhos
não sabiam aonde seria depositado.
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Depois das rezas e da chegada dos orixás, estes eram levados para os quartos de
santo, que tinham acesso restrito aos que eram de fora, e voltavam vestidos com sua
roupa de festas. Pai Valtinho relembra que Ogum vinha na frente, com seus acessórios
de metal, espada,escudo e capacete, seguido de Oxossi e demais orixás que estivessem
presentes na festividade.
O terreiro escolhido para uma etnografia no período de minha pesquisa foi teve
como critério de seleção não fazer parte das casas que descendem do Ilê Ogunjá. O
objetivo é analisar como uma tradição que nasceu naquela casa de culto, Ilê Ogunjá se
adapta em outros tempos e circunstâncias e se mantém viva através de décadas.
O Ilê Axé Ibú Oya é um terreiro de candomblé, liderada por pai Fabio Mendes
Santos. Ela começou a funcionar no bairro de Itapoan há duas décadas, e acerca de 10
anos está localizado em um ambiente residencial no município de Camaçari/BA. Está
localizado em Arembepe, região praiana de Camaçari/BA, especificamente em uma rua
com acesso pela pista da Linha Verde. A primeira rua, na entrada, ainda próximo a
estrada é asfaltada, mas as suas subsequentes incluindo onde o terreiro se encontra são
de barro.
O percurso da estrada até o terreiro foi sinalizado com laços verdes e brancos,
em cada poste durante todo o caminho a fim de sinalizar aos convidados que por
ventura não conhecessem a localização exata da festa e não viessem a adentrar em ruas
erradas até o local. A entrada tinha decoração de folhas de palmeira. Entramos no
ambiente do terreiro por um portão de madeira onde há alguns assentamentos de santos
logo na entrada bem como dois couros de bode colados a parede, provavelmente dos
animais que foram sacrificados aos donos da festa. O barracão é a primeira construção
avistada e os mesmo laços que foram avistados durante o percurso da estada até o
terreiro, eram também usados em sua decoração.
A festa da Feijoada ocorreu no dia 12 de março de 2014, e nesta mesma festa um
filho de santo, também de Ogum, estava “pagando” sua obrigação de 03 anos.
Chegamos ao terreiro ás 11 e 30hrs e o começo da festa estava marcado para 12hrs. O
clima era de movimento, algumas pessoas retocavam as decorações do lado de fora do
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barracão, alguns ainda estavam com roupas rituais mais simples e teriam que trocar de
roupa antes do inicio da festa.
Os tambores começaram a tocar por volta das 12 e 40hrs, o pai de santo entrou
tocando uma sineta seguido, em fila indiana, por doze pessoas entre homens e mulheres.
Foram entoados pelo pai de santo, três cânticos para Exu, três para Ogum e três para
Oxossi. Nesse momento, o filho de santo que estava recolhido para “pagar” obrigação
de três anos, sai de dentro do quarto de santo, descalço e todo de branco, em cortejo
com alguns dos filhos de santo mais velhos e duas ekedes. Ele roda o barracão, sob a
orientação do pai de santo e dos mais velhos, cumprimenta a porta da rua, o poste
central do barracão, os atabaques, da mais uma volta dançando no barracão e é
recolhido novamente.
Seguem-se mais uma seqüência de cantigas, para os orixás Ossain, Oxumare e
Omulu e novamente o filho de santo volta, dessa vez ele dança com todos na roda,
algumas cantigas são entoadas, e de repente Ogum toma conta do corpo do devoto, seu
corpo treme, cambaleia e ele assume uma outra fisionomia, mais séria. Outros filhos de
santo também começam a entrar em transe, as ekedes “tomavam conta”, tirando os
óculos, sandálias e amarrando os orixás que “chegavam”.
Imagem 13. Vista parcial da entrada do terreiro Ilê Axé Ibu Oyá. Fonte:
Fotografia de Andréa Magnoni.
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Imagem 14. Imagem da área central do barracão do terreiro Ilê Axé Ibu Oyá no dia da
feijoada de ogum. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni.
10
Mariô ou Mariwô, chamado de (igi ôpê), é o nome da folha do dendezeiro, nome científico "Elaeis
guineensis", desfiado, utilizado nas portas e janelas dos terreiros de candomblé. O mariô é consagrado
a Ogum, assim, é muito comum vê-lo nos assentamentos e nas vestes deste Orixá.A função do mariô é
espantar as energias negativas e espíritos perturbadores.
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O pai de santo, então, profere algumas palavras, pega uma vasilha de barro
maior e coloca uma quantidade significativa de feijoada. Aquele prato é o primeiro, e é
oferecido a Ogum.
Imagem 18. O babalorixá Fábio Neves carrega o primeiro prato servido que será
ofertado ao Orixá Ogum. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni.
Logo após colocar o prato nos pés do objeto ritual de Ogum, o pai de santo
separa mais sete pratos de barro, esse é um momento peculiar da cerimônia, pois não há
relatos desta parte da feijoada no Ogunjá, convida sete homens, iniciados ou não, para
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serem os primeiros a comer. Ainda neste momento, os filhos que “viraram” de santo
não voltaram ao barracão e não há transe de ninguém do lado externo, como havia no
Ogunjá. Sobre a razão do numero sete, o pai de santo afirma representar as sete
qualidades de Ogum e está ligado a um mito. Esse mito foi coletado por Prandi e
descreve o seguinte:
Antes de tornar-se esposa de Xangô, Oyá vivia com Ogun. Ela vivia com o
ferreiro e ajudava-o em seu ofício, principalmente manejando o fole para
ativar o fogo na forja. Certa vez Ogun presenteou Oyá com uma varinha de
ferro, que deveria ser usada num momento de guerra. A varinha tinha o poder
de dividir em sete partes os homens e em nove partes as mulheres. Ogun
dividiu esse poder com a mulher.Na mesma aldeia morava Xangô, ele sempre
ia à oficina de Ogun apreciar seu trabalho e em várias oportunidades
arriscava olhar para sua bela mulher. Xangô impressionava Oyá por sua
majestade e elegância. Um dia os dois fugiram para longe de Ogun, que saiu
enciumado e furioso em busca dos fugitivos. Quando Ogun os encontrou,
houve uma luta de gigantes. Depois de lutar com Xangô, Ogun aproximou-se
de Oyá e a tocou com sua varinha, e nesse mesmo tempo Oyá tocou Ogun
também, foi quando o encanto aconteceu: Ogun dividiu-se em sete partes,
recebendo o nome de Ogun Mejê, e Oyá foi dividida em nove partes, sendo
conhecida como Iansã, “Iyámesan”, a mãe transformou-se em nove. (Prandi,
2001, p. 305).
Imagem 19. Alguns dos sete homens que receberam os pratos de najé com
feijoada comem com as mão. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni.
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Imagem 21. Transe do Orixá Ogum nos filhos de santo. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni.
Imagem 22. Dança do orixá Ogum. Fonte: Fotografia de Andréa Magnoni.
Imagem 23. Momento de contato entre os fiéis e os orixás. Fonte: Fotografia de Andréa
Magnoni.
nossos informantes, qual destino ele tomaria no meio da cerimônia. Esse detalhe pode
parecer pequeno aos olhos desavisados, mas para aqueles jovens que viriam a se tornar
pais de santo, anos mais tarde, cada detalhe de uma cerimônia ou a falta de
conhecimento de um determinado ato, pode vir a comprometer todo o ritual, logo era
extremamente importante saber qual destino seria dado aquelas porções de alimento que
não tinham conseguido ser digeridos pelas filhas de santo.
Outro fator relevante e recorrente é a inserção dos sete homens dentro da
ritualística. O terreiro é um espaço onde gênero é relevante em diversos momentos, seja
no âmbito humano ou em âmbito espiritual. Existem funções especificas para homens e
mulheres por exemplo mulheres não tocam em atabaques e homens não carregam
esteiras nas cerimônias públicas de iniciação.
Ogum é a representação da virilidade masculina, o homem que guerreia, que
conquista as mulheres e que não teme a ninguém. O surgimento dessa nova faceta do
ritual pode estar ligado a uma tendência de exaltar o masculino. O modelo patriarcal
brasileiro, formado historicamente, se encontra nesse nuance, o dono da casa, o homem
que deve ser servido primeiro, esse modelo brasileiro tem raízes históricas:
Cabe ressaltar que o patriarcado não designa somente o poder do pai, mas sim o
poder do homem ou do masculino enquanto categoria social. Nesse modelo as mulheres
são hierarquicamente subordinadas aos homens e os jovens são subordinados aos
homens mais velhos.
A questão de serem sete homens servidos está intimamente ligada a natureza
desse orixá, como já foi mostrado na lenda coletada por Prandi, bem como a ligação do
número com ciclos rituais do candomblé. Para um terreiro, onde o poder centralizado
estava nas mãos de um homem, homossexual, que este era resistente a iniciar outros
filhos homens, talvez fosse impensável essa exaltação ao masculino, e parece que não
houve essa intenção na criação da feijoada. Porém os grupos dialogam e tentam cada
vez mais explicar o universo que os rodeiam, não estando imunes a transformações das
tradições no decorrer da história.
Mas se existem diferenças da feijoada nascida no Ilê Axé Ogunjá, existem
também similaridades mantidas através das décadas. A esteira coberta, o arriar a comida
no meio do barracão, a reza coletiva e a participação dos orixás são vivências que
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algum tempo se passou desde que comecei a pesquisa. No início, imaginava que
todos os fragmentos materiais desta história estivessem perdidos. Para minha surpresa
descobri que os objetos sagrados do Ilê Axé Ogunjá continuavam sendo cuidados no
mesmo Baixão, do qual ele nunca saiu, no bairro de Luis Anselmo.
Em um primeiro momento, coletei uma série de informações e dados sobre Pai
Procópio e o terreiro. A intenção era conhecer a história do pai de santo através dos
registros já produzidos, e mais do que isso, compreender como ele era visto e entendido
em um contexto que são as redes de sociabilidades da religiosidade afro baiana. Em um
segundo momento, passo a analisar pai Procópio do ponto de vista dos sujeitos que
fizeram parte da vida deste sacerdote.
Assim, essas pessoas que conviveram com o pai de santo, falavam de suas
memórias e lembranças, os dramas vividos ou ouvidos pelo próprio pai de santo. São
pessoas que frequentavam o terreiro e admiravam sua liturgia. Dos envolvidos
diretamente com este terreiro, podemos observar diversos sentimentos que vão desde a
frustração à mágoa com outros membros.
Nas idas e vindas, ouvi falar que os objetos rituais do Ilê Axé Ogunjá, ainda
existiam e que uma afilhada de pai Procópio era quem tomava conta dos orixás. Assim
me aventurei com a única informação que possuía, além do nome de sua afilhada, de
que a casa ficava próximo ao terminal de ônibus do bairro Luis Anselmo. Deste modo,
peguei o ônibus e fui me deixando guiar até seu terminal. Ao descer, perguntei a
algumas pessoas que passavam se conheciam dona Edna ou pai Procópio ou mesmo um
candomblé, ao qual deduzi que ficaria mais fácil dialogar, sem, no entanto, obter algum
sucesso.
Comecei então a andar às cegas pelas ruas que rodeavam o terminal. A primeira
opção foi me encaminhar para uma rua de barro, pois em minha cabeça o candomblé
ainda está voltado para essa tendência natural, de lugares arborizados. Andei por quase
uma hora, perguntando a quem encontrava se conhecia alguns dos meus personagens,
conseguindo sempre uma negativa das pessoas indagadas.
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através dos registros já produzidos. Aos poucos fui percebendo que mergulhar na
formação do candomblé baiano era relevante para minha pesquisa, entender como as
células do culto, os calundus, viriam servir de base para o desenvolvimento do
candomblé contemporâneo. As características sacerdotais foram mudando no decorrer
da formação de caracterização dos cultos afros em Salvador. Se no inicio os sacerdotes
eram homens, a liderança vai passando no decorrer do tempo para as mãos das
mulheres. Entender esse fenômeno era crucial, já que pai Procópio nasceu em um
contexto que se afirmava matriarcal.
Outro fator específico deste estudo foi a análise da trajetória de pai Procópio em
um contexto específico de culto de origem iorubá denominado pelos adeptos de
candomblé de nação ketu. As subdivisões de grupos de candomblé se deram a princípio,
pelo fator etnia, dividindo as modalidades de acordo com a língua e ou, região
demográfica. No decorrer da consolidação do candomblé esses laços perdem a
conotação hereditária e passam a englobar a iniciação de qualquer individuo em uma
determinada modalidade de culto, com parâmetros definidos e geralmente fiéis às
crenças ancestrais e aos mitos genéticos de seus respectivos grupos (Lima, 2010, p.123).
Essa dinâmica em um contexto mais amplo de desdobramentos de etnicidade
dificulta a fixação de uma identidade espontânea, porém, é um fenômeno comum na
diáspora em função dos deslocamentos, de novos encontros e da própria mestiçagem.
Logo o conceito de etnicidade produz um novo discurso que elimina o discurso de
pureza étnica. As representações sociais são móveis e estão suscetíveis a transformações
em relação ao contexto histórico.
Os estudos das religiões afro brasileiras exerceram, a princípio, um fascínio pela
conduta persistente de suas lideranças, e as pesquisas realizadas desde o final do século
XIX traduziam um interesse curioso em uma sociedade que estava enquadrada na
mentalidade escravocrata.
Os primeiros trabalhos sobre a temática étnico-raciais no Brasil foram feitas por
Nina Rodrigues, e apesar de diversos grupos étnicos africanos que compunham a
população de escravos e seus descendentes, o autor tende identificar a população
afrobrasileira a partir de um único modelo, o do grupo nagô. Os pesquisadores pós
Rodrigues, seguem a mesma linha de conhecimento de estudos afro brasileiros,
inclusive no plano da religiosidade.
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em manter um culto mais fiel possível a um modelo, que provavelmente não foi o de
sua iniciação. Porém, ao menos naquela época, sua iniciação só foi possível devido ao
desligamento de Marcolina das regras dos demais terreiros nagôs.
Outro fator interessante, é que ele se afirmava como pai de santo em um
momento em que o culto de caboclo tem um crescimento específico, e os homens um
grande destaque nessa modalidade que não vai contra o candomblé tradicional, mas, na
maioria das vezes se soma a ele, Teles (1995). Contudo, não é uma prática, pelo menos
pública, de candomblés tradicionais. Há uma negativa de que esse culto exista em certos
terreiros ortodoxos. O fato de pai Procópio não cultuar nem receber caboclo podem ser
resultados de sua busca pela pureza.
Contudo, pai Procópio ainda sempre preocupado em manter a tradição, não se
esquivou em deixar sua marca no candomblé. O nascimento da feijoada de Ogum é um
exemplo importante disso. A feijoada se legitimou nos terreiros, sofrendo alterações no
decorrer do tempo mais sem perder a essência do ritual que nasceu no Ilê Axé Ogunjá.
Os fragmentos de memória sobre a cerimônia, seus detalhes, se mantiveram vivos na
memória dos sujeitos que em sua infância foram às festas do terreiro.
Quando vim a Salvador pesquisar a trajetória de meu avô de santo, deixei em
Natal-RN minha própria casa de santo. Como relatei no começo deste trabalho, fui
iniciado no final de minha infância no candomblé, logo muito cedo meu orixá
determinou que eu abrisse um terreiro de candomblé. Com minha vinda, parei
temporariamente as atividades no meu barracão. Porém, os caminhos que o orixá trilha
ou o mero destino fizeram com que no decorrer dos últimos dois anos algumas pessoas
me procurassem com problemas espirituais. Logo no final do primeiro semestre levei
três pessoas, para Natal, que precisavam se iniciar no candomblé. Isso gerou mais
procura por ajuda de outras pessoas, e em abril de 2013 levei para Natal dez pessoas
para se iniciarem no candomblé, duas delas inclusive eram minhas colegas do mestrado.
Esse processo desencadeou mais procuras, e foi inevitável a mim, devido a
necessidade de cuidar dos orixás, abrir um terreiro na cidade de Salvador. No dia 17 de
agosto de 2013 inaugurei, no bairro de Itapuã o Ilê Axé Ojisé Olodumare, o qual os
freqüentadores chamam de “Casa do Mensageiro” devido ao atributo de mensageiro
entre os deuses e os homens ser característico de meu orixá, Exu. A casa tem o mesmo
nome de sua matriz na cidade de Natal.
93
feijoada que ela fazia todo mês de abril, quando tinha condições financeiras. A casa tem
cerca de 20 assentamentos de diversos orixás, todos de pessoas que já morreram,
incluindo o orixá de Hélio de Oliveira, Ebome Iatu, alguns do próprio pai Procópio e
outros de pessoas que dona Edna não lembra mais o nome.
Quando peguei Ogunjá para fazer o ossé, parecia que pegava o “peso” todo do
mundo, me passou pela cabeça flashes de tudo aquilo que esse pai de santo viveu, sua
iniciação, a perseguição policial, a feijoada de Ogum, as quedas do telhado do barracão,
diversas coisas que eu não vivi, mas que foram impregnadas em minha mente através de
minha vivência no candomblé e fortalecidas no decorrer da construção da pesquisa.
Cada peça daquela que eu pegava, que fazia parte do assentamento de Ogunjá,
me remetia a mais indagações, muitas daquelas ferramentas de ferro que compõem o
orixá estão enferrujadas, corroídas pelo tempo. No assentamento encontram-se moedas
que já estão tão desgastadas que é impossível saber o ano. Segundo Dona Edna,
Procópio fez santo na década de 60 do século XIX. Logo, Ogum estaria assentado há
mais de 140 anos. O que não sabemos é se essas peças que compõem o orixá são
originais daquele tempo ou se foram levadas e repostas na época das batidas policiais.
Os informantes não lembram ou não tiveram acesso a essas informações.
Desde o começo do ano de 2013 ajudo dona Edna a cuidar do Ilê Axé Ogunjá,
ela se prepara pra realizar algo para o qual Ogum a indicou há 60 anos. Sua confirmação
como Ekede, que ficou em segundo plano devido a falta de confiança dos membros do
Ogunjá, é decorrente das brigas pelos bens físicos e espirituais do terreiro. È uma
vontade dela, mesmo com a idade avançada, resolver sua pendência com o orixá. Eu,
como descendente, procurei ajudar como foi possível. Foi um dilema para mim assumir
essa responsabilidade, eu estava ciente de que ia encontrar pela frente problemas com
minha família de santo. A hierarquia diz que os mais velhos é quem devem estar à
frente dos rituais, porém se as brigas terrenas foram mais marcantes do que o
prosseguimento do sagrado, e as circunstancias levaram a meu encontro com dona Edna
e a missão de fazer a vontade de Ogum. Foi meu orixá Exu quem confirmou a Ekede
Edna para o Ogunjá no dia 20 de julho de 2014.
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Imagem 25. Dona Edna (Mãezinha) é confirmada Ekede do Ogunjá de Pai Procópio pelo
Orixá Exu (Babalorixá Rychelmy Esutobi). Fonte: Fotografia de Andréia Magnoni.
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Por coincidência ou não, só consegui concluir essa pesquisa, quando entrei para
o terreiro Ogunjá, para a iniciação de dona Edna.
Não deixo, apesar de todos os acontecimentos, de refletir qual a minha função
enquanto pesquisador. O papel da pesquisa científica tem como finalidade conhecer um
fenômeno e a partir disso, essa pesquisa foi desenvolvida, seguindo essa perspectiva. No
entanto, ouvir as narrativas dos indivíduos abriram um campo de possibilidades, tanto
para eles quanto para mim, porque ao narrar eles se debruçaram sobre os
acontecimentos e buscaram sentidos para as experiências vividas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BARROS, José Flávio Pessoa de. O banquete do Rei... Olubajé: uma introdução à
música afro-brasileira. Rio de Janeira: Intercom/ UERJ, 1999.
BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô . São Paulo, SP: Nacional, 1961.
370p. (Brasiliana. v.313).
CARNEIRO, Edison. Antologia do negro brasileiro. Rio de Janeiro: Agir, 2005. 510 p
COMAROFF, Jean & COMAROFF, John L. 2009. Ethnicity, Inc. Chicago: University
of Chicago Press. 234pp.
DANTAS, Beatriz Góis. Vovó nagô e papai branco. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 23ª
Ed. São Paulo: Cortez, 1989.
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“grossas, espessas, gordas”. Ateliê Editorial, 2004.
LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Editora UFRJ , 2002.
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103
ANEXOS
1. Como era Pai Procópio durante a sua infância? Como era como pai de santo?
5. Ela falava muito sobre sua mãe Marcolina? O que você lembra sobre?
17. Você lembra-se de alguém que foi iniciado ou conviveu com Pai Procópio?
105
5. Documento de Inventário 01
107
Termo de Fls. 7
Aos vinte e quatro (24) dias do mês de abril do ano de mil novecentos e cinqüenta e
nove (1959), Nesta cidade do Salvador, Capital do estado da Bahia, na sala das
audiências do juízo de direito da 2ª. Vara de família e sucessões do Juízo de Direito da
2ª. Vara de Família e Sucessões, no 4º. Andar do Edfício “ Forun Ruy Barbosa”, à
Praça D. Pedro II, onde se encontrava o Meritíssimo Senhor Doutor Antônio de Seixas
Salles Filho, Pretor da Aludida Vara, comigo escrivão do seu cargo, adiante nomeado
compareceu, em nome do inventariante Hélio de Souza Oliveira – P Senhor Doutor
Edgard Pitangueira, a quem o mesmo juiz deferiu o compromisso de inventariante no
presente feito, para que faça as necessárias declamações, promovendo todos os demais
atos e termos do mesmo inventário até final sentença.
6. Documento de Inventário 02
109
Helio de Souza Oliveira, dos quais é herdeiro universal, inventariante, afim de que
produza os seus devidos e legais efeitos, livrando-se, nesse sentido, o respectivo auto de
adjunção. Custas na forma do regimento. Publique-se e intime-se. Salvador, 24-01-66.
(AS.) Acy Ferreira Dias.==================