Ijex - o Povo Das Guas
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Ijex - o Povo Das Guas
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Ijexá,
o povo das águas
Vilson Caetano de Sousa Jr.
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Ijexá,o povo das águas
Vilson Caetano de Sousa Jr.
Sumário
APRESENTAÇÃO 10
À GUISA DE EXPLICAÇÃO 12
INTRODUÇÃO 15
I | OS IJEXÁS NA CIDADE DE SALVADOR 19
O candomblé da Língua de Vaca
Baba Assiká
Majebassã
Eduardo Ijexá
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Salvador. Encontrará Severiano Santana Porto, o fundador do ter- Destaque no texto para as fotografias e ilustrações como forma de
reiro São Miguel e sua família nos agrupamentos e nas referências transportar o leitor para o lugar que está sendo falado.
Ijexás expostas por autores e informantes. A pesquisa documental
será fundamental para a constituição desta pesquisa, e o autor de- Sem apresentar aquilo que o povo de santo descreve como segredos,
monstrará toda a sua contumácia acadêmica ao trançar uma rede “fundamentos”, o Prof. Dr. Vilson Caetano de Sousa Júnior esclarece
de relações entre lugares, acontecimentos e personagens. A história as diferenças conceituais e matérias que constroem a identidade do
do terreiro virá à tona, também, através dos depoimentos daqueles Ilê Axé Kale Bokun, e o torna diferente de outras casas e nações.
que muito conheceram seu fundador e seus sucessores Claudionor
dos Santos Pereira e Estelita Lima Calmon. O texto não se propõe ser a história definitiva do Ilê Axé Kale Bokun,
nem quer contar as estórias de todos aqueles que passaram por
Chamá-lo de terreiro Alto do Sertão, terreiro São Miguel ou Ilê Axé aquela casa, mas é um consistente trabalho histórico/antropológico
Kale Bokun, dentre outros, é o mesmo que evocar discussões sagra- que sem sombra de dúvida fortalecerá a nação de candomblé ijexá a
das, históricas e culturais. Disso se serve o Prof. Dr. Vilson Caetano partir de seus principais autores e autoras. Tudo isso, o leitor irá en-
para brindar seu leitor com uma belíssima exposição. contrar percorrendo o caminho das águas, como o povo ijexá que
seguia os caminhos desenhados pelo rio Oxun e continuou fazen-
O texto apresentado torna visível a família de santo Ilê Axé Kale do assim, do lado de cá, no Novo Mundo.
Bokun e suas articulações religiosas e extra religiosas; a organiza-
ção civil e as nuances da organização religiosa; as particularidades,
o jeito especial de definir-se como povo e como expressão religiosa. Salvador, 16 de agosto de 2016.
O texto marca ainda a relação que o povo de ijexá possuía com ou-
tras casas não Ijexás, e como praticava seus cultos e rituais solida- Prof. Dra. Neivalda Freitas de Oliveira
rizando-se com a grande comunidade ijexá presente em Salvador. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Humanas, Campus I, UNEB.
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Igesha, Idjesha, igê-chá, igexá, ijesá, ogexá são as várias formas de Ifé. Primeiro foi Igbadaye onde ficou até morrer. Seus descenden-
escrita que encontrei do “lugar da Nígéria onde corre o Rio Oxun” tes intalaram-se em Ilowa. No reinado seguinte tomaram Ilemure
(VERGER, 2012, p.399) ou das terras que ficam ao norte de Ondo e a e trocaram seu nome para Ibokum, depois se mudaram para Ilaje
nordeste de Ifé, cercada de montanhas cobertas de florestas e cor- que em seguida passou a ser chamada Ipole Ijexa e finalmente um
tada por numerosos rios e seus afluentes. descendente de Obokun instalou-se em Ilesa, “a cidade das morin-
gas” e a fez capital do reino2. Pelas terras de Ijexá corre um afluente
Segundo um dos mitos, foi o próprio Oduduwá, criador do mundo rio chamado Oxun. Foi com este rio que um rei chamado Laro fez
e fundador de Ile Ifé quem criou o povo ijexá. “Ele mandou reunir um pacto e ergueu uma cidade consagrada ao orixá Oxun. Quando
um feixe de varas e transformou em pessoas1”. Os ijexás eram guer- este rio passa na cidade de Ilobu, recebe o nome de Erinlé, Inlé ou
reiros cujas mulheres eram admiráveis pela elegância. Depois dos Ibualama e por fim, quando chega em Edé, recebe o nome de Logun
vindos de ketu, eles eram os mais numerosos no século XIX no Bra- Edé, patrono da nação Ijexá.
sil. A origem desse reino é contada da seguinte maneira: diz-se que
um dos filhos de Oduduwá, chamado Ajacá, saiu para buscar água Neste trabalho, utilizaremos a grafia ijexá, seguindo a normatização
salgada no litoral para curar a cegueira de seu pai e ao retornar a Ifé, ortográfica do vocabulário afro-brasileiro, mesmo sabendo que os
ele já havia distribuído as riquezas entre os seus irmãos, restanto mais velhos do candomblé insistem em falar com orgulho: iguexá
para ele, uma espada de ferro. Ao chegar diante do pai, Ajacá disse: ou simplesmente gêxa. Ouvi pela primeira vez tal expressão de Mãe
“tenho a água do mar” – Mo B´okum. Ajacá lavou os olhos do pai, Elza de Oxun, hoje falecida, na sua casa de candomblé, o Oba Tonin,
restituindo-lhe a visão e a partir daí passou a ser chamado Obokun. ao se referir à nação de candomblé3 de sua avó, Julia Bugan. E lá se
Obokun tomou a espada e saiu conquistando as terras próximas a vão quase quinze anos. Depois de tudo que li e ouvi de tios e tias
1 Outra história sobre a origem dos ijexás, diz que este povo descenderia de antigos escravos Sobre esta história ver: SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada e a Lança: a África antes dos portugue-
ali criados, destinados aos sacrificios que perduraram até final do século XIX. Ijexá, significaria, ses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.p. 553.
“comida dos deuses”. Sobre isso ver: SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada e a Lança: a África antes Utilizaremos esta expressão no sentido proposto por Vivaldo da Costa Lima (2003, p. 29) –
dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.p. 553. “padrão ideológico e ritual dos terreiros de candomblé da Bahia”.
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octagenários, descendentes de africanas, de suas memórias inter- costumes editado em 1897 e publicado no foletim A Notícia, fala em
rompidas, lembranças de velhos e velhas obrigados a voltar no seu “cabaças vestidas de redes de búzios, prontos a rolar nas mãos fovei-
tempo de criança para falar sobre os seus pais e mães de santo, trago ras que as espalmavam”.6
aqui as memórias de um menino que quer ser velho para poder pe-
netrar no universo mágico dos candomblés do século XIX. A nação ijexá pode bem ser resumida como “a nação do povo das
águas”, aqueles que um dia, segundo história que ouvi de Egbomi7
No decorrer da pesquisa para construir este texto, cada vez mais Vânia de Oyá, chamou pelo orixá Ogun que lutou com as águas na
fui me afastando da ideia do ijexá como uma dança ou um ritmo, cintura para defender Ilesa. E quando o povo soube que Ogun estava
ao mesmo tempo em que fui ganhando consciência que ijexá é, na chegando, recuperou a sua força. Assim, acredita-se que, enquanto
verdade, um complexo sistema simbólico elaborado por africanos houver água, haverá o povo de ijexá. Haverá o povo de Ogun; o povo
e africanas que cruzaram o Atlântico, que mantêm-se vivo e con- de Einle8 ou Erinlé; o povo de Oxun; o povo de Oxalá; o povo que
tinua atribuindo significado à vida de pessoas do chamado “povo fez dançar outros orixás jeje-nagôs nos candomblés da Bahia como
do ijexá”, sobre os quais ainda ouve-se dizer que guardam “alguns Exu, Agué e Oyá. Ijexá é, por fim, o povo de Logun Edé, orixá patro-
assuntos”.4 no do povo de ijexá que segundo alguns orikis9, “é ciumento e anda
gingando.” Ou como ainda se ouve aqui nos candomblés da Bahia,
Ijexá é o povo que faz candomblé com um piano de cuia, parafrase- “é santo menino que velho respeita”.
ando Manuel Querino (1938, p.166), chamado aguê: “cabaça grande
envolta num trançado de algodão, a similhança de rede de pescaria,
tendo presos pequenos búzios nos pontos de intersecção das linhas”
6 http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=candomble
e tamborezinhos chamados ilu5. Xavier Marques no seu romance de 7 O irmão mais velho. Forma distintiva de tratar utilizada pelas pessoas do candomblé.
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A pesquisa foi realizada durante mais de seis meses e se desenrolou A pesquisa partiu de depoimentos que afirmavam ter o Ilê Axé Kale
nos estados da Bahia e Rio de Janeiro. Durante esse período foram Bokun se originado de um núcleo de africanos ijexás localizado na
ouvidas mais de 15 pessoas, com idade entre 50 e 85 anos. Além de região central da cidade de Salvador e que depois, parte deste grupo
pesquisa bibliográfica, foi realizado vasto levantamento documen- teria migrado para a Península de Itapagipe. O principal personagem
tal no Arquivo Público do Estado da Bahia – APEB, na Biblioteca Pú- do estudo é Severiano Santana Porto que teria dado continuidade
blica do Estado da Bahia – BPEB, no Arquivo da Cúria Metropolitana no Ilê Axé Kale Bokun ao candomblé fundado por seus “parentes”
de Salvador – ACMS, na Biblioteca Frederico Edelweiss e Centro de no bairro de Plataforma onde, no ano de 1933, se tem os primeiros
Estudos Bahianos da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Fede- registros do exercício de sua vida religiosa, iniciando duas pessoas
ração Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros – FENACAB, na Biblio- na tradição ijexá. Até o momento, o ano de 1933 era tomado como
teca Nacional Digital – BNDigital, na Biblioteca Virtual Consuelo referência da fundação do Ilê Axé Kale Bokun por alguns estudos
Pondé da Fundação Pedro Calmon do Estado da Bahia, no Setor de realizados anteriormente.
Documentação e Memória da Polícia Militar da Bahia e no Acervo
da Santa Casa de Misericórdia da Bahia (ASCMBA).
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Durante a pesquisa, as pessoas entrevistadas foram trazendo lem- A pesquisa histórica e o levantamento de fontes, bem como o cru-
branças de fatos do “seu tempo” e aos poucos, nos ajudando a des- zamento de alguns dados com os registros orais, nos permitem afir-
cortinar alguns acontecimentos referentes à vida desses africanos mar que o Ilê Axé Kale Bokun é uma comunidade terreiro que teve
que juntamente com os seus descendentes ajudaram no final do a sua origem no final do século XIX, acertadamente no ano de 1896,
século XIX, a reorganizar a nação de candomblé ijexá. período guardado pela comunidade através da referência ao “Santo
de Canudos”. Este recorte temporal, ou o interstício de 1893 a 1896,
Por outro lado, é digno de nota chamar a atenção para a rapidez que corresponde à fundação e destruição de Belo Monte, coincide
com que o povo de candomblé vem se apropriando dos escritos, com o nascimento e o batismo de Severiano Santana Porto.
informações, conceitos e opiniões veiculadas pelos estudiosos das
religiões afro-brasileiras, fenômeno facilitado pela internet através Se junta a isso alguns acontecimentos desenrolados na vida de
do Facebook, Instagram e outros instrumentos. pessoas que reaparecerão junto ao Pai Severiano, no bairro de Pla-
taforma nos anos 40. Estes fatos apenas reforçam a afirmação de
Este fato nos desafiou a ficar mais atentos a alguns discursos re- que, para além da Guerra de Canudos e o batizado de Severiano
produzidos pelos nossos informantes. Em linhas gerais, nossos in- Santana Porto por um padrinho egresso no Arsenal de Marinha e
terlocutores procuram sempre nos dar a melhor resposta, se não, Guerra no ano de 1879, algo mais estava acontecendo na vida des-
aquela que a maioria das vezes esperamos ouvir. Pais e mães de tes africanos ijexás.
santo sempre souberam disso e assim agiram desde “os tempos de
Nina Rodrigues”. Não obstante este fato, a história oral, as narrativas Durante os seus oitenta e três anos, situado no bairro de Plataforma,
atravessadas de lapsos e interrompidas pelo silêncio, às vezes pe- o Ilê Axé Kale Bokun tem mantido, preservado e perpetuado, o lega-
las lágrimas, continuam sendo para este tipo de trabalho a principal do histórico, cultural, social e religioso dos ijexás, sendo, na cidade
fonte, ao menos para o povo de candomblé, falar de si, de sua fé, de de Salvador, o principal representante desta nação de candomblé.
sua religião e dos seus orixás.
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É um pouco desta história que o leitor irá encontrar nestas páginas terlocutores e interlocutoras: Ekedi Ditinha de Oxumarê, Ekedi Ani-
sob o títuto: Ijexá, o povo das águas. ta de Yemanjá; Ogan Walter Amaral de Omolu; Pai Zezito de Oxun;
Mãe Beata de Yemanjá; Egbomi Gracinha de Oyá, Egbomi Vânia de
O trabalho está dividido em cinco momentos. O primeiro aborda a Oyá; Egbomi Márcia de Ogun; Pai Everaldo de Oxun; Pai Raimun-
presença dos africanos ijexás na cidade de Salvador e dá notícia so- do de Oxun, Ogan Walter Amaral Jr. de Oxalá (Bahia), Babá Pecê da
bre alguns terreiros fundados por eles. O segundo traz os números Casa de Oxumarê; Doté Amilton de Xangô do Terreiro Vodun Zô e
destas casas de candomblé ao longo dos estudos afro-brasileiros. ao Ogan Adilson Xavier de Ogun por ter nos conduzido pelos ca-
O terceiro momento, através do cruzamento de depoimentos orais minhos da Baixada Fluminense. Aos pesquisadores do Institito de
com alguns documentos, reconstrói a trajetória desses africanos Biologia da UFBA Geraldo Aquino, Maria Luíza e Thiago de Sá pelo
nas freguesias centrais da cidade de Salvador. O quarto momento laudo etnobotânico da comunidade. À Fábio Velame pelo cadastro
fala sobre a ida de algumas pessoas desse grupo para a Península das edificações e todo o trabalho de cartografia. E de forma especial
de Itapagipe, em especial a Ribeira e bairros como Uruguai e Mas- a Rodrigo Siqueira pelas fotografias e por ter dado cor e forma a al-
saranduba. O quinto e último momento fala sobre a consolidação gumas “memórias” através das ilustrações.
do Ilê Axé Kale Bokun a partir da Sociedade Beneficente Cultural e
Recreativa “São Miguel”. A casa para onde o pai Severiano de Logun Edé transferiu, no iní-
cio dos anos 40, os objetos pertinentes ao culto dos orixás da terra
Agradecimento especial a Urano Andrade pelo empenho na loca- de seus pais, preservou o seu conjunto monumental observando-se
lização de alguns documentos; Lisa Earl Castillo, Félix Ayoh Omi- poucas intervenções. Soma-se a isso a manutenção de uma biodi-
dirê e Neivalda Oliveira pelas enriquecedoras conversas, ao Capitão versidade de plantas utilizadas com fins terapêuticos e mágicos reli-
Raimundo Marins e ao Sargento Rosemério pela disponibilidade giosos no quintal do terreiro, morada dos antepassados.
ao abrir o Setor de Documentação e Memória da Polícia Militar da
Bahia, não obstante as limitações do espaço físico. Aos nossos in-
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Os Ijexás na
Cidade de Salvador
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Dentre nós, a expressão nagô, foi utilizada para designar os grupos Até o final do século XVIII, o poderoso Império de Oyó além de
étnicos da Costa dos Escravos que falavam a língua iorubá. No tem- submeter outros reinos iorubás, exigia tributos de estados vizinhos
po em que Nina Rodrigues realizou as suas pesquisas (1890-1905), como o Nupe, chamados de tapa, aqui na Bahia, e dos próprios habi-
os nagôs eram os africanos mais numerosos e influentes (RODRI- tantes iorubás do Baixo Daomé, chamados de ajeji, estrangeiros, ou
GUES, 1945, p.178). Sob a expressão nagô, reuniam-se: “escravos de jeje, invasores fons vindos do leste (LIMA, 2003, p.22). Numa nota do
todas as pequenas nações daquele grupo: de Oyó, capital iorubá, de trabalho intitulado: A família de santo nos candomblés jeje-nagôs
Ilorin, Ijesa, Ibadan, Ifé, Iebu, Egbá, Lagos, etc” (Idem, p.175). A pre- da Bahia, Vivaldo da Costa Lima (2003, p.45) lista autores como Sa-
sença majoritária dos africanos vindos de Oyó está relacionada à muel Johnson (1957), The history of the Yoruba; Parrider (1956) The
tomada de Ilorin pelos hauçás, seguida pela destruição da capital story of Ketu; Saburi Biobaku (1957), The Egba and their neibgours;
dos iorubás e depois pelo crescimento do Império do Daomé. Fage (1959), Introduction to the history ok West Africa, que elabo-
raram uma considerável literatura sobre as guerras entre iorubás e
daomeanos durante os séculos XVIII e XIX. Após a tomada da cidade
de Afonjá, como era conhecida Ilorin (REIS, 2003, p.171), os mulçu-
manos atacaram outras cidades e vilas, pulverizando aos poucos o
poder dos chefes locais. Segundo os historiadores, os moradores das
vilas mais distantes eram tranferidos para Ilorin. Os homens eram
obrigados a servir nas fileiras mulçumanas e algumas mulheres e
crianças eram vendidas e traficadas. Dentre estas cidades, está Ilesa.
Ijexá era “um reinado que estava a poucos quilômetros a nordeste
da cidade de Ile Ife, berço ancestral da cultura iorubá” (CASTILLO,
2015, p.14), ou nas palavras de Martiniano Eliseu do Bonfim a Donald
Ilustração do livro de SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza,
Pierson, “Ige-sha fica dois dias longe” de Lagos, Costa Oeste da Áfri-
mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
Ao menos na Bahia, a maioria dos nomes étnicos que se referiam a grupos numérica
e culturalmente representativos acabou por se transformar em formas auto-adescri-
com os demais grupos mantinham entre si e com os demais grupos que se integra-
24 Os Ijexás na Cidade de Salvador Composição baseada na Estampa III – Representante da tribu Igê-chá
Livro Costumes Africanos no Brasil
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ijexás. Este fato não significa uma total ausência deste complexo, No Animismo Fetichista dos Negros Baianos (1935, p.76), Nina Ro-
nem desconhecimento dele pelo povo de candomblé. drigues descreveu a iniciação de Olympia, que após encontrar uma
pedra, teria consultado a Livaldina que lhe indicou quem deveria
Em linhas gerais, os ijexás são conhecidos como aqueles que utili- se ocupar de sua iniciação. Participaram da iniciação de Olympia
zam com frequência pequenos atabaques que possuem duas mem- cinco mães e dois pais de terreiros, dos quais três eram africanos e
branas e uma cuia, chamada por Manuel Querino de aguê (1938, os demais crioulos. Olympia deveria ser filha de Thecla, africana de
p.166) ou piano de cuia. 80 anos. A descrição de “cinco atabaques pequenos e quatro caba-
ças cobertas de uma rede de malhas contendo grossas contas, uma
O livro Costumes Africanos no Brasil, ao menos as suas primeiras em cada nó” não nos deixa dúvidas, que se trata de um candom-
edições, está ilustrado com várias estampas que trazem como le- blé ijexá, sem falar que a neófita era filha do orixá Oxun, orixá que
genda: “representante da tribu igê-chá”. como falamos, anteriormente, é um dos mais importantes dentre
os ijexás. O fato de Livaldina ter lhe levado até outra mãe de terreiro,
Os ijexás, segundo Querino (idem, p.98), não tinham o rosto recor- teria sido para garantir os ritos ijexás. No século XIX isto era prática
tado de linhas. As mulheres se distinguiam pela correção escultural comum entre os primeiros candomblés.
e costumavam pintar a pálpebra inferior com uma tinta azul por fa-
ceirice ou enfeite.
Outra característica dos ijexás é o culto aos orixás Oxun, Logun Edé,
Ogun, Einlé e Oxalá. Verger (2012) reconheu em Ijexá uma série de
orikis relacionados a estes orixás.
O candomblé da Língua de Vaca o ano de 1959 conservou o nome do seu criador, o médico legista
A primeira vez que ouvi falar sobre o terreiro Ijexá da Língua de Vaca Raimundo Nina Rodrigues que no início do século XX organizou
foi numa das minhas entrevistas com o Sr. Sérgio Barbosa no ano uma coleção de objetos ligados à antropologia criminal. Ao lado de
de 2004, quando estava fazendo uma pesquisa sobre os “terreiros “anomalias científicas”, armas, utensílios, objetos relacionados ao
nagôs” situados na cidade de Cachoeira e São Félix, ao mesmo se cangaço e à saga de Canudos, das cabeças do bando de Lampião e
referir à iniciação de José Domingos de Santana, nascido no ano corpos mumificados, podiam ser encontrados também objetos ri-
de 1870 na cidade de Santo Amaro - BA, o famoso Zé do Vapor, que tuais apreendidos nas batidas policiais nos terreiros de candomblé.
segundo ele, teria sido iniciado na “terra de Ijexá” por uma africana, No ano de 1999, uma ação do Ministério Público retirou da exposi-
chamada Mariana. “Ele teria sido recolhido na Língua de Vaca”. Filho ção essas peças e por fim, no ano de 2005, o Museu foi fechado.
consanguíneo de Mãe Teófila de Oxun, iniciada por José Domingos
de Santana no ano de 1932, Sr. Sérgio, na ocasião à frente do Ter- Durante mais de cinco anos, passei na frente da Av. Centenário, à
reiro Viva Deus, fundado por Zé do Vapor na cidade de Cachoeira, porta das instalações do Departamento de Polícia Técnica em dire-
rememorava a história com orgulho10. Somente após algum tempo ção ao trabalho sem jamais deixar de lembrar um dia da informa-
fiquei sabendo que a Língua de Vaca era uma localidade do Gar- ção de que ali teria sido um terreiro de candomblé. Angustiava-me
cia, mas precisamente o local onde em meados dos anos de 1970 a pensar que uma “roça de candomblé” teria servido para abrigar e
Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia instalou o De- expor objetos sagrados apreendidos pelas delegacias e em especial a
partamento de Polícia Técnica composta por seus vários Institutos, Delegacia de Jogos e Costumes, criada no ano de 1938, sem falar no
dentre eles o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, criado no ano período que antecede à sua criação. Incomodava-me mais ainda o
de 1905 e transferido para o complexo do DPT no ano de 1979, e fato de que a maioria das pessoas que por ali passavam nem se quer
juntamente com ele o Museu Antropológico Estácio de Lima que até davam-se conta desta contradição.
10. Sobre o Terreiro Viva Deus e a nação nagô ijexá, ver JUNIOR, Vilson Caetano de Sousa. Nagô,
a nação de ancestrais itinerantes. Salvador: Editora FIB, 2005.
Donald Pierson (1971, p.306) durante suas pesquisas entre os anos Roger Bastide esteve pela primeira vez na cidade de Salvador de de-
de 1935 a 1937 em Brancos e Pretos na Bahia, como já citamos, refe- zembro de 1943 a fevereiro de 1944, segundo ele mesmo informa na
re-se ao candomblé Língua de Vaca como um dos “puros candom- nota de número 6 do livro Candomblé da Bahia (1978, p. 16). Bastide
blés nagôs, que foi organizado por pretos de origem igexá e egbá”. É segue descrevendo à sua maneira, ainda pouco familiarizado com o
provável que Pierson não tenha conhecido o candomblé. universo do candomblé baiano: “sob o sol ardente da tarde, ao longo
do caminho poeirento que vai da Língua de Vaca até o cemitério do
O Língua de Vaca estava próximo ao Gantois, terreiro onde Nina Rodri- Campo Santo, o caixão foi carregado por negros robustos, seguido
gues concentrou as suas pesquisas no tempo da fundadora, Maria Julia pela multidão de fiéis...”
Conceição Nazaré. Em várias passagens desse livro, Nina Rodrigues vai
remeter-se a um candomblé do Garcia, trazendo descrições de altares, A Língua de Vaca era uma localidade descrita por Roger Bastide
informações sobre assentamento de orixás, etc. Ele, todavia, informa o (1945, p. 64) como “lugar de disseminação irregular que ficava perto
nome de Isabel como a mãe que estava à frente da casa e tinha Yemanjá da Avenida Presidente Vargas”.
como seu santo, diferentemente do que informa a tradição oral.
O autor conta ainda que fez questão de acompanhar numa das noi-
É Roger Bastide, no livro Imagens do Nordeste Místico em tes as cerimônias dedicadas à D. Emília que conforme se informou,
Branco e Preto, publicado no ano de 1945, quem vai dar notí- era filha do orixá Xangô. Bastide adiante menciona o fato de que era
cias sobre o candomblé Língua de Vaca da seguinte maneira: D. Emília a responsável pela preparação do Presente a Yemanjá. Sobre
o presente de Yemanjá, Bastide nos oferece uma verdadeira etnografia:
Durante a minha estada na Bahia, morreu uma mãe de santo particularmen-
te estimada e assisti ao seu enterro. Evidentemente a cidade de Salvador já Soam os tambores, aqueles tamborizinhos os Ogexas, que se chamam
assistiu a enterros mais belos com acompanhamento de tamborizinhos cha- ilu e no meio de aplausos os negros saem do barracão tendo nos braços
mados “ilu”, mas o de D. Emília não deixou de ter um esplendor sombrio poderosos, o montão de presentes para a vaidade feminina. O cortejo des-
(BASTIDE, 1945, p. 100). ce entre os rochedos, deslizando ao longo do penhasco em direção à areia
barro cheia de oferendas para a Rainha das águas. No dia dois, antes do pre-
da finada Julia Bugan e Himilia da Língua de Vaca que vão recebendo os Xequerê | “piano de cuia”
presentes vindos do povo, arrumando cuidadosamente na porta da casinha.
Outra história sobre o candomblé ijexá da Língua de Vaca e da mãe Ainda jovem Egbomi Cidália presenciava a recepção a um grupo de sacerdo-
tisas que vinha do terreiro ijexa comandado por mãe Julia Bugan. Isso acon-
de santo Júlia Bugan nos foi contada por Cleidiana Ramos numa
tecia no quinto dia da festa em homenagem a Oxun, divindade a quem mãe
matéria do Jornal A Tarde do dia 29 de julho de 2007 sobre a resis-
Menininha era consagrada. Era uma espécie de cortesia entre terreiros de
tência dos terreiros ijexá na cidade de Salvador, após divulgação do tradições diferentes [...] Na década de 1940, de lá partia a procissão formada
Mapeamento dos Terreiros. Ela relembra um depoimento que ouviu por sacerdotisas, tocando pequenos tambores chamados ilubadami, além de
de Egbomi Cidália: uma cabaça totalmente preparada para a música: o xequerê, em direção ao
Gantois. Elas iam vestidas a rigor, dançando [...] Chegando ao Gantois, o gru- horas da noite, o candomblé era feito utilizando cabaças, segun-
po era recebido por Mãe Menininha do Gantois. Neste dia o terreiro deixava
do alguns depoimentos. O mesmo acontecia em outros terreiros.
o toque ritual ketu pelo ijexá11, adotado para tudo o que se tocava no Gantois
Podemos assistir assim, a nação ijexá dando suporte e ajudando
neste dia, em saudações aos orixás: era uma gentileza com a nação visitante.
a consolidação do candomblé com os quais foi contemporânea.
A festa religiosa era encerrada em clima de confraternização com um grande
A mudança de ritual ou “troca de nação”, como se costuma dizer, Delegacia de Jogos e Costumes do período de 25/05 a 25/09/1948,
através da mudança dos toques dos atabaques, é um dos ritos de no dia 1 de junho do Comissário Osório Vilas Bôas durante o seu
gentileza que ainda hoje se pode assistir em alguns candomblés. plantão de doze horas, que lançará luzes para descortinarmos a
“Pode acontecer que por delicadeza numa cerimônia gege um pai história o candomblé Língua de Vaca. Transcrevemos o registro:
nas está restrita ao culto ao orixá Oxun e à troca de gentilezas entre Em companhia do Comissário Osório Vilas Bôas encontrava-se o Sr. Dr. De-
legado que mandou acabar com o mesmo, fazendo apreensão de dois (2)
esta casa e o desaparecido terreiro da Língua de Vaca. A nação ijexá
atabaques os quais se acham a disposição de V. S neste Comissariado.
relaciona-se com a sua própria história de luta e enfrentamento da
perseguição policial nos anos 20 e 30 quando recaia sobre os ter-
Ainda hoje o lugar antes denominado Língua de Vaca está pró-
reiros de candomblé a proibição do temido chefe de polícia de Sal-
xima à Delegacia da 1ª Circunscrição Policial, que segundo o re-
vador, Pedrito. Diante da proibição de bater atabaques após as dez
gistro teria acionado a Jogos e Costumes por conta da festa e do
11. Grifo nosso
barulho. A comitiva, chegando ao local, além de observar a falta da posse12 , alegando que Manoel Duarte de Oliveira Junior, um mês
licença para a realização da festa, “constatou também a embriaguez atrás, havia invadido a sua posse, derrubando bananeiras, destruin-
e a desordem dos frequentadores”. Cessou a festa, apreendeu os ata- do a cerca nativa de gravatá que dividia os dois arrendamentos,
baques e certamente outros objetos, dentre eles, roupas e utensílios atravessando a sua parte com cercas de arame.
que nem se quer margeavam os registros nos Livros de Ocorrências,
muito menos as fichas de apreensão que as delegacias eram obri- Casado, carpinteiro de profissão, residente à Rua Língua de Vaca,
gadas preencher antes de enviar os objetos ao depósito. A bem da na Fazenda Garcia, Manoel Patrocínio da Conceição, requereu da
verdade, alguns desses objetos nem chegavam às delegacias. Justiça a gratuidade “de vez que é uma pessoa minimamente pobre,
pois recebe um salário diário de Cr.70,00 (setenta cruzeiros), susten-
Na lista dos “terreiros da Bahia reconstituída com o auxílio de da- tando quatro pessoas”. Constava na inicial que o autor era filho da
dos fornecidos pela polícia e por Afonso Monteiro”, apresentada por falecida D. Maria Emília da Conceição, “arrendatária desde o ano de
Bastide sob a forma de anexo no final do livro Imagens do Nordes- 1935 da Fazenda Garcia, cuja posse vem exercendo nos termos dos
te Místico em Branco e Preto, aparece listada no n° 19 à Rua Língua de recibos anexos”.
Vaca, o terreiro Ijexá, onde se lê também Terreiro de Xangô, sob liderança
de Mãe Emília que o autor faz questão de assinalar com uma cruz, sim- Foi anexado um total de 15 recibos referentes ao arrendamento de
bolizando que a sua responsável havia falecido. Isso significa que o can- 23,80 metros de frente e 30 metros de fundo do terreno n°11 ocu-
domblé da Língua de Vaca tinha registro na polícia, mas no ano de 1948, pado na Fazenda Garcia, à Rua Língua de Vaca, distrito da Vitória.
naquela terça-feira, batia sem autorização da Especializada. Deste total, treze são referentes à quitação do arrendamento feito
em nome de Maria Emília da Conceição, do ano de 1935 a 1944, to-
No Arquivo Público do Estado da Bahia, nada encontramos sobre dos pagos por Manoel Patrocínio da Conceição no dia 5 de junho de
Francisca Maria Costa. Porém, no dia 9 de junho de 1954, Manoel 1944 à D. Ursula Martins Catharino. Há um recibo de transferência
Patrocínio da Conceição entrou com um pedido de reintegração de 12. APEB. Judiciário. Posse. 108/44/08
referentes ao arrendamento a fim de garantir a continuidade do ije- no terreno de três casas de taipa, um barracão e plantações de árvo-
xá do Candomblé da Língua de Vaca. res frutíferas: mangueiras, bananeira, abacateiro e jaqueira. E seguiu
afirmando: “a cerca não só prejudicou o caminho antigo, impedin-
No processo, Manoel Patrocínio da Conceição foi representado pelo do a entrada e saída dos inquilinos para a rua, como também tomou
Dr. Osório Moreira Brandão Filho e testemunharam Adalgiza Siqueira parte do barracão de Manoel Patrocínio da Conceição.”
Campos, Angela Barbosa, Domingas Muniz Barreto e José Praziano.
Não precisa muita investigação para saber que Adalgiza Siqueira
Os limites do terreno eram feitos por uma cerca nativa de gravatá, Campos, Angela Barbosa e Domingas Muniz Barreto faziam parte
segundo Adalgiza Siqueira Campos, solteira e doméstica. Ela contou do candomblé da Língua de Vaca. No mínimo estas mulheres pos-
também que Manuel Duarte de Oliveira Filho derrubou a cerca de suíam algum laço ritual com ele. As duas primeiras disseram-se
nativo, passou uma cerca de arame, “impedindo o acesso ao barra- inquilinas. A última, pela própria idade, afirmou logo o seu senti-
cão do autor”. Este mesmo fato foi confirmado por Angela Barbosa, mento de pertença através da expressão: “desde que me entendo”.
segunda testemunha. Angela era viúva e lavadeira. A terceira mu- Embora não haja qualquer menção ao candomblé, as testemunhas
lher a ser ouvida era também viúva, engomadeira e possuía 69 anos, são unânimes em relatar o prejuízo causado para a comunidade re-
portanto teria nascido em 1915. Domingas Muniz Barreto, após ju- ligiosa ali estabelecida, bem como para o próprio culto através do
rar dizer a verdade, afirmou que “desde criança residia na Língua impedimento de acesso ao barracão.
de Vaca”. Isso equivale a dizer que Domingas conheceu a primeira
rendeira. Quando Júlia Bugan faleceu, ela tinha 14 anos. Domingas Das testemunhas, a única que não quis se envolver nas questões da
teria convivido boa parte de sua vida com Mãe Emília e disse isso ao posse do terreno foi José Praziano dos Santos. José era funcionário
afirmar que “desde que se entendia como gente, dona Emília mora- público estadual e como as demais morava na Língua de Vaca. Ele
va ali”. É esta testemunha que vai nos trazer mais informações sobre negou conhecer a cerca nativa de gravatá, afirmou andar por outros
a roça de candomblé da Língua de Vaca, confirmando a existência caminhos e disse desconhecer se a dita cerca prejudicava o acesso ao
terreno de baixo. Ele sugeriu também que o barracão teria sido cons- méstica segundo consta na sua guia de sepultamento no cemitério
truído por Manoel do Patrocínio, o que já sabemos não ser verdade. Ele Campo Santo no dia 23 de agosto de 1929. Através de um processo
cita, todavia, o nome de D. Júlia como “antiga proprietária do local”. civil na qual Júlia Maria da Pureza entrou com um requerimento so-
Em 25 de junho de 1954, o juiz julgou a causa a favor de Manoel Pa- licitando pagamento de quatrocentos e trinta mil réis que lhe é de-
trocínio da Conceição e expediu mandato de reintegração de posse. vedor o espólio da intestada Maria Francisca Cirqueira Lima, duzen-
Em sua defesa, através dos advogados constituídos por ele, Manoel tos e trinta mil réis referente à missa e funeral e duzentos mil réis às
Duarte de Oliveira Junior, requereu absolvição da instância, alegan- despesas médicas pagas ao Dr. Antônio Alves Pereira da Rocha no
do que Manoel Patrocínio da Conceição nem sequer havia provado ano de 190715 , podemos tomar conhecimento que ela residia com
a sua filiação à falecida Maria Emília da Conceição; alegou também a sua mãe, conforme o testemunho do Bacharel Marcos Francis-
que as terras as quais o autor se referia, teriam sido deixadas por co Rodrigues, nascido em 1864; Antônio Agostinho da Silva Lopes,
herança de seu falecido pai o Coronel Manoel Duarte e acusou as nascido em 1853 e Adolpho Alves Costa Falcão, nascido em 1876.
testemunhas de “suspeitas” por causa da relação de inquilinato que
possuíam com o autor. Marcos Francisco Rodrigues era oficial privativo de registro espe-
cial. Tinha cartório à Rua da Misericórdia, n°22, Distrito da Sé. Ele
A fim de provar a sua filiação, Manoel Patrocínio da Conceição ane- afirmou que conhecia Júlia Maria da Pureza porque frequentava a
xou ao processo a sua carteira de identidade na qual se lê que ele sua casa. Marcos, no seu testamento, afirmou ser casado eclesiasti-
nasceu em 9 de março de 1902 na cidade de Salvador, filho de Arge- camente com D. Jovina desde o ano de 1907, mas que viviam mari-
miro Francisco Lima e Maria Emília da Conceição, casado, carpin- talmente desde 1897 e que em 1903 haviam tido uma filha chamada
teiro, preto, olhos castanhos escuros, bigode preto e barba rapada. Mathildes Rodrigues16 . Ao falecer em 1913, seus bens foram avalia-
dos em cinquenta contos de réis. Uma fortuna, que foi a leilão a fim
Júlia Bugan
15. APEB. Judiciário. Civil. Justificação 72/2575/18
Júlia Maria da Pureza nasceu no ano de 1867, era preta, casada e do- 16. APEB. Judiciário. Inventário. 1/380/733/5
de pagar a seus credores, a maior parte da família Martins Catha- em terreno rendeiro aos herdeiros do Marechal Francisco Pereira de Aguiar
com seis cômodos internos e atualmente acomodados a casa de negócio
rino da Silva. Marcos Francisco Rodrigues era dono da Fazenda
(Taverna) tendo na frente transportes, dividindo-se pelo um lado com um
Calabar, distrito da Vitória que possuía sessenta tarefas de terras
beco e por outro com propriedade de Januário Maria de Sant´Ana.
quadradas, cercada de nativo e arame farpado, tendo altos, baixos
e planícies, com diversas árvores frutíferas, fonte de água natural
Na venda da casa, Dr. Marcos Rodrigues Pereira de Cerqueira, as-
e uma boa estrada que dava acesso à casa principal da fazenda,
sinou por Júlia não saber ler, nem escrever. Júlia Maria da Pureza
descrita como casa térrea em forma de chalé, sistema moderno,
teria comprado a referida casa no ano de 1902 em 10 de outubro18
circulada de janelas com venezianas, jardins, sala de visita, sala de
por quinhentos mil réis do Professor Alfredo Luíz Gonzaga e sua
espera, uma grande sala de jantar, sala de bilhar, dois gabinetes,
esposa D. Maria Emilia Matamba Gonzaga, “com portas e janelas de
seis quartos, despensa, cozinha fora, quarto para empregados, ba-
frente com seis cômodos havida por herança de seu pai”. Antônio
nheiro e latrinas. Era dono também de outros bens.
Honorato Hygino assinou pela outorgada compradora.
17. APEB. Judiciário. Escritura. Livro 1188. p.61 18. Idem Livro 1082, p. 15v-16.
O arrendamento foi feito pelo espaço de cinco anos por trinta mil
réis mensais. O contratante poderia fazer adaptações para negócios,
às suas custas, mas ao findar o contrato, deveria colocar tudo no
lugar. A cláusula três dizia que o contrato poderia ser renovado. A
quarta cláusula proibia a sublocação do imóvel e a quinta dizia que
a falta de pagamento por dois meses consecutivos implicaria na res-
cisão do contrato e sujeitaria o locatário às ações que de direito pos-
sa o locador usar a fim de despejar e reaver o prédio.
com a afirmação no processo de reintegração de posse, movido por da Paixão na sua Guia de enterramento no Cemitério do Campo
Manoel Patrocínio da Conceição contra Manoel Duarte de Oliveira Santo. Mãe Emília era preta e faleceu na sua residência à Rua Língua
Junior no ano de 1955, de sua defesa que “a dona das terras já teria de Vaca (Garcia) no Distrito da Vitória.
estado ali aproximadamente há cinquenta anos”. Desta maneira, é
pouco provável que Nina Rodrigues não tenha tomado conheci- Independente dos candomblés ijexás que nasceram da segunda
mento do candomblé ijexá da Língua de Vaca, situado no Garcia, sucessão, conforme dá notícias Roger Bastide (1945, p.122), passa-
mas também não podemos afirmar que o terreiro do Garcia citado dos quatro anos, lá estavam os atabaques ijexás tamborilando sob a
por ele seja o candomblé da Língua de Vaca. O fato é que Tia Júlia presidência de Francisca Maria Costa e Manoel Patrocínio da Con-
já batia candomblé na ocasião em que Nina Rodrigues fazia as suas ceição. Era o ijexá que resistia como a cerca nativa de gravatá que
pesquisas. O Língua de Vaca ficava no caminho do Gantois e de ou- fazia divisão entre as terras de cima e as terras de baixo onde ficava
tros terreiros situados na Mata Escura como a Casa de Oxumarê. o candomblé. Manoel Patrocínio da Conceição venceu a cerca, mas
seus descendentes não puderam lutar contra a desapropriação nos
No dia 23 de agosto de 1929, Cornélio Alexandre dos Santos comu- anos de 1970 da Língua de Vaca, hoje Avenida Centenário sem nú-
nicou ao Escrivão de Paz e Oficial de Registro Civil, do Distrito da mero, para a instalação no ano de 1976 do Departamento de Polícia
Vitória, o falecimento às 10 horas do dia anterior, de Júlia Maria da Técnica da Bahia. O bom mesmo é que os ilus ijexás continuam fa-
Pureza, natural da Bahia, residente no Garcia à sua residência. lando do outro lado do mundo e o melhor é que eles aceitaram nos
contar tudo isso agora para que a cerca nativa de gravatá permaneça
Como já sabemos, Maria Emília Conceição, que nasceu em 1883 su- sempre viva.
cedeu Julia Bugan após a sua morte no terreiro da Língua de Vaca.
Mãe Emília, responsável por organizar os festejos dedicados a Ye- Babá Assiká
manjá no Rio Vermelho, era solteira, vendedora ambulante e tinha O nome de Babá Assiká foi preservado pela tradição oral dos terrei-
61 anos de idade quando no dia 30 de janeiro do ano de 1944 faleceu ros de candomblé como um dos fundadores de umas das primeiras
de câncer na mama esquerda, conforme declarou Dionísio Manuel casas, o Ilê Iya Nassô Oká. A menos de dez anos o que se tinha era
a memória oral e os estudos afro-brasileiros que afirmavam que o de nascimento, certidões de casamento, processos judiciais e até
Engenho Velho, como também é conhecido, foi fundado por uma mesmo passaportes expedidos para ex-escravos e libertos.
africana, sacerdotisa de Xangô, de onde advém o título de Iya Nassô,
que teria viajado à África em companhia de Marcelina da Silva que Partindo do testamento de Marcelina da Silva, encontrado nos anos
no seu retorno a Salvador teria trazido outras pessoas. Outra versão 70 por Maria Inês Cortes de Oliveira, que informava a data e o ano
dizia que Marcelina havia retornado sozinha para dar continuidade de seu falecimento (27 de junho de 1885), além da sua nacionalidade
à comunidade fundada por Iya Nassô na antiga Ladeira do Berquò, (natural da Costa da África); a informação de que era liberta, casada
próximo à Igreja da Barroquinha. Os estudos de Lisa Earl Castillo com Miguel Vieira da Silva e que ainda solteira teve uma filha cha-
e Luis Nicolau Parés nos últimos dez anos realizaram uma extra- mada Maria Madalena da Silva, tendo como base a tradição oral so-
ordinária reconstrução histórica de figuras até então lendárias, nos bre a fundação do terreiro do Engenho Velho, os autores iniciaram
apresentando um estudo sobre as relações transatlânticas destes uma longa pesquisa documental.
africanos e ao mesmo tempo acontecimentos que marcaram a reli-
giosidade negra africana no Brasil20 . Um mergulho na vida de Marcelina da Silva revelou aspectos inteiramente
inesperados, como por exemplo, a posse de escravos e outros bens e as pri-
No século XX não era novidade a propriedade de escravos por li- condições destas cartas era que os libertos acompanhassem os seus
bertos. A institucionalização da escravidão era parte constitutiva da ex-senhores “a qualquer lugar que fossem”, sugerindo, segundo Pa-
estrutura social baiana. O cidadão abastado investia seu capital em rés, que nesta ocasião já se tinha prevista uma viagem, o que foi
escravos, da mesma forma que investia em propriedades imóveis confirmado com a emissão de um passaporte em outubro de 1837
e os libertos que tinham o poder aquisitivo necessário, também o contendo o nome de mais de vinte africanos e crioulos forros. Den-
faziam (idem). tre eles estavam os de José Pedro Autran e Francisca da Silva, ao lado
de Marcelina da Silva e sua filha Maria Madalena.
Lisa Castillo chama a atenção que José Pedro Autran e Francisca da
Silva não eram libertos comuns. O primeiro, após obter sua alforria Essa travessia para a Costa da África, realizada no fim de 1837 por Marcelina
da Silva e sua filha, Maria Magdalena, é, a todas as luzes, a mesma viagem tão
de seu senhor, um abastado francês, em 1822, continuou mantendo
zelosamente preservada na memória coletiva dos terreiros. Todavia, se des-
com ele relações amigáveis. Seu antigo senhor não apenas redigia
se retorno também participou Iyá Nassô como afirma a tradição oral, parece
documentos para ele como também servia como sua testemunha quase impossível não identificá-la com Francisca da Silva, a líder do grupo.
em cartório. Isso implicaria que essa africana, de que Marcelina lembrara no testamento
cinco décadas depois, era, além de sua senhora, também sua ialorixá.
forrias, dentre elas, a de Marcelina que comprou a sua liberdade em pode ser compreendido através de uma análise do contexto geral
8 de novembro de 1836 (idem, p.117). da repressão que se seguiu após a revolta dos Malês, ocorrida em
janeiro de 1835. Os filhos de Francisca, Domingos da Silva e Thomé
A pesquisa chama também a atenção que nesta mesma data foram José Alves foram denunciados como cúmplices na insurreição pelo
emitidos seis cartas de liberdade condicional, dentre elas, uma di- alfaiate Martinho Ferreira de Souza. Thomé aparece descrito no pro-
recionada à filha de Marcelina da Silva, Maria Madalena. Uma das cesso, já citado por Pierre Verger (Castillo apud Verger, 2007, p.120),
como nagô de Oyó, remador de saveiro e Domingos como tanoeiro. troca da absolvição dos filhos, o casal abandonou o território brasi-
O vizinho informou que “faziam grandes adjuntos de outros pretos leiro, liderando mais de vinte pessoas e pagando os custos da via-
dentro da mesma casa” e que “Thomé usava uma camisa branca [...] gem. Francisca da Silva e Pedro Autran teriam ficado na África em
com abertura de camisa de mulher debruada com pano vermelho qualquer um dos pontos de africanos retornados, mas Marcelina da
[...] e que depois de 25 [de janeiro] não viram mais o adjunto” (idem, Silva retornaria ao Brasil, como sugere a tradição oral, trazendo o
p.121). Juntou-se a esta denúncia, a fala de uma segunda testemu- legado espiritual de Iya Nassô para dar continuidade ao candomblé
nha que informou que havia “grandes encontros de africanos nos fundado por ela.
quais pretos nagôs e pretas dançando e cantando baixo na sua lín-
gua.” Também falou da roupa de Thomé: “uma camisa grande, com Na publicação online da Revista Religião e Sociedade21 ano de 2015,
gola redonda, debruada de pano vermelho” e implicou o sócio dele, intitulada: José Pedro Autran e o retorno de Xangô, Nicolau Parés e
comentando que “o preto Domingos deitava nestas ocasiões, ao pes- Lisa Castillo retomam a trajetória de José Pedro Autran, africano ca-
coço uma grande quantidade de miçangas penduradas” (idem, p.122). sado com Iya Nassô, sacerdotisa do culto de Xangô, que teria retor-
nado com ele para a África. Essa nova pesquisa demonstrou (2015,
Acertadamente, como sugerem Lisa Castillo e Nicolau Parés, alguns p.14) que José Pedro Autran na cidade de Uidá, na atual República do
elementos apresentados nos permitem dizer que na Ladeira do Car- Benin, havia fundado a semelhança de outros africanos retornados
mo, na casa de Francisca da Silva e José Pedro Autran funcionava uma coletividade familiar22 conhecida hoje como Villaça ou Kilofé.
um candomblé.
Diante da condenação de seus filhos a oito anos de prisão, Fran- 21. Relig. soc. [online]. 2015, vol.35, n.1, pp.13-43. ISSN 1984-0438. DOI: http://dx.doi.
cisca, conforme registrado pelo historiador João José Reis, enviou org/10.1590/0100-85872015v35n1cap01.
22. Sobre este termo, ver nota 3 dos autores no texto. “Uma unidade social heterogê-
petição à Assembléia Legislativa Provincial da Bahia em 13 de maio
nia e dinâmica, formada por um grupo doméstico de parentesco, com seus agrega-
de 1836 contestando a acusação. Após uma segunda tentativa, em dos, dependentes, inclusive escravizados”.
Essa coletividade reconhece como primeiro ancestral um retornado do Brasil zeram uso de sacramentos católicos, como o batismo, a fim de alargar
chamado José Pedro Autran, que cultuava Xangô e outros orixás. Os altares
estas redes, recrutando indivíduos para o culto recém-organizado.
dessa divindade, presumivelmente instalados pelo fundador da casa e quem
sabe, pela própria Iya Nassô estão preservados até hoje (2015, p.14).
É bem certo que José Pedro Autran tivesse alguma responsabilidade re-
ligiosa na comunidade recém-criada na Ladeira do Carmo que foi de-
Outro fato que se reveste de enorme significado no contexto do
nunciada em fevereiro de 1835. Como sugere Castillo, ele, ao lado dos
candomblé em formação no Brasil oitocentista é a informação de
filhos de Francisca, Domingos e Thomé, desempenharam papéis decisi-
que Pedro Autran era ijexá conforme verso de um oriki conservado
pela família Kilofé de Uidá: vos no momento da fundação do candomblé de Iya Nassô, confirman-
do a história oral que lembra a participação de um homem no momento
Em 1959, Casimir Agbo registrou o oriki da família Kilofé, fornecido pelo então da constituição desse candomblé. Este ancestral masculino continua
chefe da coletividade, Léonard Villaça, e por uma velha sacerdotisa da casa. sendo invocado até os dias de hoje com o nome de Babá Assiká.
Agbo identifica os versos como sendo de “uma tribo originária de Ijêcha [Ije-
xá] [...] O primeiro verso do oriki, Ara ilê Ichida, significa gente natural de Isida,
Instalado na Costa Africana (idem, p.24), José Pedro Autran inse-
capital do reino de Ijexá (2015, p.27).”
riu-se no mundo do pequeno comércio transatlântico realizado pelos
libertos africanos. Além de uma família extensa, cujos descendentes fo-
José Pedro Autran inseriu-se desde cedo nas redes sociais constituídas
ram encontrados por Parés e Castillo no ano de 2012, José Pedro Autran
pela elite negra da cidade de Salvador que incluíam outros africanos
levou consigo na segunda metade do século XIX alguns orixás já abrasi-
libertos bem sucedidos, membros de irmandades católicas, proprie-
leirados e juntou-os a outras divindades locais como alguns voduns re-
tários de imóveis e senhores de escravos (idem, p.15). Verdade é que,
gistrados por Christian Melo em 1940 ao estudar os templos localizados
africanos já muito antes, se deram conta de que da sua inserção na so-
no bairro de Boya. Na casa fundada por Pedro Autran (idem, p.32) foi
ciedade dependia não apenas o seu trânsito como homens livres, mas
possivel registrar a presença dos voduns Iyalode-Gu, Missa e Babalodjo.
também a manutenção de suas tradições. Assim, quando puderam, fi-
nome dado nas linguas gbe ao orixá Ogun. Missa é um Hevioso, ou seja, um
Se é verdade, como estamos chamando a atenção, que José Pedro Au- dissemos que Oxun é um dos orixás que gozam de maior prestígio
tran tenha retornado levando consigo a principal divindade de Oyó, dentre os ijexás. No terreiro da Casa Branca, o culto a este orixá
cuja maior representante no Brasil oitocentista foi Iya Nassô, é certo se reveste de particularidade, sobretudo, porque ele rememora as
também que ao inaugurar uma genealogia espiritual na Bahia, jun- “fundadoras que plantaram o axé” desta casa no Brasil. Este fato é
tamente com Francisca, introduziu orixás de suas terra e juntamente relembrado todos os anos na “festa do Barco”. Segundo Ekedi Sinha
com eles, formas próprias de cultuá-los que permitiram distinguir o (2016, p.94), a Festa do Barco é dedicada à Oxun e a todas as Mães
povo de ijexá dos demais nagôs. Como sugere Renato da Silveira (2006, Ancestrais. “O barco de Oxun é a representação da nossa vinda da
p.98) a presença de ijexá e efan numericamente expressivos não pode África.” O barco atual teria sido inaugurado em 15 de dezembro de
ser ignorada no momento da formação do candomblé. Para demons- 1959 e construído por Flóro Clarismundo do Amparo, Ogan da Oxun
trar isso, ele dedica parte de um capítulo do livro O candomblé da Bar- de Tia Luíza24 . Antes havia apenas a fonte de Oxun.
roquinha: processo de constituição do primeiro terreiro baiano ketu às
tradições ijexá. Silveira chama a atenção para a importância de orixás Outra presença marcadamente ijexá no terreiro da Casa Branca são
como Ibualama também chamado de Einlé ou Erilé, juntamente com o as bonecas. “No assentamento de Oxun, existem muitas bonecas.
orixá Logun Edé na liturgia do Engenho Velho e chama a atenção que: Nos dias de festas, elas recebem roupas novas e ajudam a embelezar o
barco. Elas são as representações das Grandes Mães25 (2016, p.95). As bo-
Os ijexás eram guerreiros famosos que algumas vezes foram subordinados a necas possuem significados a parte para os ijexás. Já houve quem tenha
Ifè, mas tinham tradições políticas, linguisticas e culturais próprias, embora
se referido à nação ijexá como “o povo das bonecas”. As bonecas rece-
muito próximas das da capital espiritual na nação iorubá (idem, p.467).
24. Tia Luíza foi a ultima Ialaxé da Sociedade Gueledé. A sociedade Gueledé era um tipo de so-
Vale também chamar a atenção, como também observa o autor, para a
ciedade secreta que exortava o poder ancestral feminino, ou das grandes mães através de festas
importancia do culto ao orixá Oxun, no terreiro da Casa Branca23. Já anuais marcadas pela presença de máscaras. Elementos desta festa permanecem vivos na “festa
do Jacaré” uma espécie de confraternização onde as mulheres se enfeitam com folhas e saem a
23. Também conhecida como Engenho Velho, sua organização acontece por volta de meados do cantar.
século XIX. Mais sobre isso ver Renato da Silveira, O candomblé da Barroquinha (2006). 25. Poder ancestral feminino.
Outra figura que nos ajuda ilustrar a participação dos ijexás no processo
de formação do candomblé é Majebassã.
Majebassã
O nome da africana Felicidade Silva Paranhos é, ainda hoje, dentro de
algumas casas de candomblé, uma verdadeira instituição. Ao longo dos
tempos, ao invés do nome de batismo, ou como se costuma dizer, “o
nome de branco”, conservou-se mesmo dela o nome africano. Além
dos depoimentos mantidos nas comunidades terreiros, o principal in-
FOTOGRAFIA | Marco Menezes
formante sobre a vida de Majebassã é o seu filho biológico, o lendário
26
bem culto especial e são “preparadas” através de rituais específicos. Martiniano Eliseu do Bofim28. Martiniano, ao lado de Mãe Aninha,
Por fim, outra presença dos ijexás no terreiro fundado por Marcelina no fundadora do Centro Cruz Santa do Axé Opô Afonjá, eram, na opi-
27
seu retorno ao Brasil e dedicado à sua ex-senhora, são os ilus du-
28. Sobre a vida e influência de Martiniano Eliseu do Bonfim, sugiro a leitura do trabalho de LIMA,
rante a Festa do Jacaré, o qual comentamos na nota cinco deste texto. Vivaldo da Costa e OLIVEIRA, Waldir. Cartas de Edison Carneiro a Arthur Ramos. Salvador: Corru-
pio, 1987; o texto de CASTILLO, Lisa Earl. Entre Memória, Mito e História: viajantes transatlânticos
da Casa Branca. In: REIS, João José. Escravidão e suas sombras (org.) Salvador: Edufba, 2012 e o
26. O mesmo que receber axé. Receber força para cumprir a função que lhe foi designada. texto de OMIDIRE, Félix Ayoh & AMOS, Alcione A. O Babalaô fala: a autobiografia de Martiniano
27. Atabaques pequenos, também chamados coigui. Eliseu do Bonfim. In: Afro-Ásia, n°46. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais, 2012. P. 221-261.
nião do professor Vivaldo da Costa Lima (1987, p.45), líderes religio- de Martiniano que a sua mãe era ainda mocinha “quando foi pe-
sos que exerciam, com maior ou menor influência comunitária, gada por um guerreiro na África”.
papéis importantes nos candomblés da Bahia dos anos trinta. Suas
personalidades transcendiam o ambiente dos terreiros e se impu- Ele queria vendê ela p´r um negociante de escravo em Dahomery. Nesse dia,
duas criança mais piquena ia junto, uma criancinha que ela carregava nas costas
nham, igualmente, à sociedade como um todo.
e outra mais grandinha que dava a mão p´ra ela (PIERSON, 1971, p.278).
O nome de minha mãe era Manjegbasa, que qué dizê ‘Não deixe eu sózinha’
A tradição oral do povo-de-santo e as referências escritas de pesquisadores
Ela nasceu depois que a mãe tinha perdido os dois primêro fio. Tinha uma
e escritores como Édison Carneiro, Jorge Amado, Artur Ramos, Áydano do
cicatriz no rosto p´ra mostrá que era Ioruba, proquê todos Iorubas, home e
Couto Ferraz, Donald Pierson, Ruth Landes, E. Franklin e outros transfor-
muié, têm de tê esta marca. Ela casou com meu pai aqui no Brasil e quando
maram o velho Martiniano numa figura lendária do candomblé da Bahia .
eu nasci êles me chamaram Ogeladê (idem).
(LIMA, 1987, p.47).
Sobre o nome Majèngbásàn, que se pronuncia Majebassã, Costa infância. São nomes especiais que procuram exorcizar o espirito
Lima (1987, p.51) explica ser exemplo de “um antropônimo de uma abiku que ameaça a vida das crianças iorubás. Abiku significa nas-
longa série de nomes dados a crianças que nascem e vingam, isto cidos para a morte”.
é, sobrevivem, depois de irmãos natimortos ou mortos na primeira
Martiniano não chega a informar que sua mãe era ijexá, apenas diz que
ela trazia marcas no rosto como outros iorubás. Porém, ao relatar sobre
a sua viagem para Lagos, juntamente com o seu pai, acrescentou “Ige-
-sha fica dois dia longe” (PIERSON, 1971, p.278). Em Costumes Africa-
nos no Brasil, Manuel Querino trouxe uma estampa com uma legenda
“Tipo Ijexá”, a qual reproduzimos. Na coleção de Lorenzo Turner, esta
figura esta identificada como Felicidade Silva Paranhos, Majèngbásàn
(Omidire, 2012, p.235).
Composição baseada na Estampa XI – Typo Igê-chá. 29. Ver sua tese de doutorado: Encontros, Desencontros e (re) encontros da identidade religiosa
Livro Costumes Africanos no Brasil de matriz africana: a história de Cecília do Bonocô Onã Sabagi. Programa de Pós-Graduação em
Antropologia. Recife. 2009.
Um ano após o encerramento das pesquisas de Pierson, Martinia- blé do Engenho Velho, um primo de Martiniano chamado Felipe Néri.
no já estava dando entrevista a Ruth Landes, conduzida por Edison
Carneiro ao Caminho Novo, Taboão. Martiniano já possuia cerca de Felipe era filho de uma irmã da mãe do velho. [...] A mãe fôra sacerdotisa
ria estava a arrumar o vestido. A boneca iria participar do Rancho do ruas de dezembro a janeiro nas chamadas Janeiras: “festas em que
Robalo, Terno em que Felipe era presidente e demonstrava as suas gente de todas as classes das cidades litorâneas, branca e preta, ca-
tólica e pagã, educada e analfabeta, canta e dança e faz romarias em
trajes de fantasias. São tidas como ensaio para os três dias de Carna-
val”. Mary Del Priore em Festas e Utopias no Brasil Colonial chama a
atenção que as “janeiras” serviam também para realização de rituais
de feitiçaria por estar o ano se iniciando (1994, p.14).
morada de uma deusa, que a benção do padre faria dela um feitiche místico; e
ijexá à Mãe Menininha do Gantois33 . Os Ranchos ou Ternos saiam às
todos se sentiriam honrados por dar um presente ao fetiche [...].
32. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=rancho%20robalo.
33. Sobre isso ver texto História do Afoxé Filhos de Gandhy de J.Adeilson. In: Repertório, Salvador,
nº 19, p.215-220, 2012.2.
34. Sobre o assunto ver também Notas de folk-lore negro em QUERINO, Manuel. Costumes Afri-
canos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1938.
Detalhe de peixe em cadeira do Ilê Axé Kale Bokun
de Janaína, representada por uma boneca que é enfeitada e toda do pescoço e duas asas saindo-lhe da cabeça, representando os raios ou-
quando se tornava Xangô – representado um machado (LANDES, 1967, p.240).
preparada para sair às ruas. Entenda-se a expressão preparar, como:
“receber sacrifícios”. Daí Felipe preferir falar para Landes em “ba-
tismo” ou “despacho” da boneca e fazer menção à figura do padre. Não nos arriscaremos a interpretar as informações que Ruth Landes
Muito embora algumas dessas bonecas sejam levadas também para nos forneceu do quarto onde Martiniano ainda seguia sacrificando
assistirem o sacrifício da santa missa. Sobre a Mãe D’Água, Querino para os deuses de seus pais, todavia, além do culto a Iansã, orixá
(1938, p.161) resume: “é uma crença que os negros teem numa ‘di- a quem seu pai era consagrado, a presença de pedras embebidas
vindade que existe no fundo do mar e dos rios que exerce influência no azeite faz menção a assentamentos de orixás masculinos como
directa em todos os actos da nossa vida’”. Xangô e possivelmente Oxossi, ancestral a quem Martiniano era
consagrado. A presença de leques e peças em bronzes, geralmente
Retomando a figura de Majebassã, Landes teve a oportunidade de está relacionada ao orixá Oxun e Iansã. Quanto aos cetros com figu-
adentrar ao quarto onde Martiniano guardava as coisas que seus ras humanas de enormes órgãos sexuais, deve ser uma clara men-
pais lhes deixaram. Pena que muitas delas devam ter escapado do ção a uma espécie de opá, cajado ritual, onde se destaca a figura do
olhar estrangeiro de Ruth Landes. Mesmo assim, no “cômodo aba- orixá Exu.
Havia estatuetas de deuses em madeiras e em bronze, com suas contas, Universidade de Harward, que esteve por cinco meses em Salvador
leques e espadas sagradas [...] cetros reais de bronze, com figuras humanas e com o linguista Lorenzo Dow Turner entre os meses de outubro e
de enormes órgãos sexuais gravadas nos extremos. Havia pedras-fetiche,
dezembro na sua casa no Taboão, número 7 (OMIDIRE, 2012, p.230).
em que residia à força dos deuses, que nadavam em azeite, sangue e ál-
Segundo Félix Omidire, o desencontro de algumas datas não dimi-
cool [...] apanhando uma estatueta de madeira, o velho feiticeiro disse que
nui a importância desta entrevista como fonte histórica. Na entre-
pertencera ao pai e representava uma pessoa possuida por Iansã [...] era
uma figura feminina de saias, com os seios nus, contas sagradas em volta vista que concedeu a Turner, Martiniano informa o nome completo
de sua mãe e afirma que ela teria morrido há vinte e um anos atrás. Omidire ainda mantinha cerrado as portas de seu terreiro situado numa das
chama a atenção que de acordo com esta informação, Magebassã teria fa- ruas que liga o bairro de Brotas ao Bonocô. Eduardo era filho de Lo-
lecido em 1919, porém Martiniano teria informado antes a Frazer que gun Edé, principal orixá dos ijexás, e segundo Antônio Risério (1981,
sua mãe teria morrido em 1923 com 115 anos de idade. Baseando-se p.56) seu nome africano era Odé Baybi. Juntamente com Martiniano
na informação de Frazer, Felicidade teria nascido em 1808 e chegado Eliseu do Bonfim, Eduardo Ijexá colocava nas ruas o Afoxé Omadê
ao Brasil entre 1818 e 1823. Quando o africano Eliseu comprou a sua Omixirê. É inegável a relação entre os afoxés e o chamado “povo ijexá”.
liberadade, ela tinha em torno de 37 anos. Estes e outros fatos, não pas- Já houve até autores que lhes chamaram de “candomblé de rua”35. .
sam apenas de meras especulações. Infelizmente não encontramos até
o momento nada que nos informe sobre a africana de etnia ijexá, Fe- Referência histórica para os estudos sobre os afoxés é a matéria de
licidade, mãe de Martiniano. O nome Felicidade, como nos chamou a Cláudio Tuiti Tavares na revista semanal O Cruzeiro. O texto de 1948
atenção Lisa Castillo, era comum entre africanas. Assim, no Jornal Ala- é ilustrado com fotografias de Pierre Verger, recém-chegado a Salva-
bama, de 16 de fevereiro de 1869, onde são listados mais de cinquenta dor em 1946. Não obstante o título preconceituoso do autor: Afoche
nomes de pais e mães de terreiro da cidade de Salvador e Recôncavo – Ritmo Bárbaro da Bahia, o texto nos traz uma razoável etnografia
em que aparece o nome de Felicidade, nada nos prova tratar-se de Ma- dos primeiros afoxés. Do Cancioneiro da Bahia de Dorival Caym-
jebassã, embora se saiba que ela tinha grande trânsito no mundo dos candom- mi e do pintor Graciano, Tavares (1948, p.60) define afoxé como:
blés, a ponto de ser referendada por seu filho como uma grande mãe de santo.
[...] cordão organizado pelos negros na Bahia para sair no carnaval. Distingue-
-se dos outros cordões pelas roupas dos componentes onde predominam o cetim e
Eduardo Ijexá
o arminho, pelo instrumental e, mais que tudo, pela música estranha e bárbara, muito
Eduardo Mangabeira era filho de Rodrigues dos Passos Mangabeira,
semelhante à música ritual da macumba, de ritmo contagiante, a letra em nagô.
primo do ex-governador da Bahia, Otávio Mangabeira, com a afri-
cana Joana Gertrudes. Nasceu em 13 de agosto de 1881 e faleceu aos 35. Sobre isso, sugiro a leitura o texto de LODY, Raul. Afoxé, o candomble de rua do livro: O povo
de santo: religião, história e cultura dos orixás, vodus, inquices e caboclos. São Paulo: Martins
107 anos. Em 1988 quado faleceu, Eduardo Ijexá como era conhecido,
Fontes, 2006.
Tavares dava notícias sobre o Afoxé Filhos do Congo que segundo nagô, com um colar de contas brancas, de fantasia. Na face, traz
ele, estava ligado ao candomblé de Rodrigo da Costa Alves. O velho a circunscisão dos nagôs, três cortes profundos paralelos”.
Rodrigo como se referia, era filho de africanos e o seu candomblé
ficava no Engenho Velho de Brotas, “região próxima ao Dique do Anteriormente já havíamos falado sobre a presença destas bonecas
Tororó”. A partir de 1932, com o seu falecimento, o afoxé ficou sob nas ruas quando nos referimos à Mãe D’Águaou Janaína, do Rancho
a responsabilidade dos dois filhos. O autor ainda chama a atenção do Robalo de Felipe Xangô de Ouro, sobrinho de Majebassã. Verdade
que embora o candomblé fosse congo, havia influências jeje-nagôs é que cada grupo tinha o seu “deus protetor”. Essas bonecas passa-
“com batidas e santos ijexás.” O afoxé “é uma obrigação religiosa que vam parte do ano nos altares e saiam às ruas sempre que o afoxé,
tem de ser cumprida, mesmo rodando aqui por perto”, explica Dodó, rancho ou cordão era solicitado, ou quando alguma obrigação tinha
um dos filhos do velho Rodrigo ao autor do texto. de ser cumprida. Na rua, as principais honras eram mesmo para a
boneca, conforme chama a atenção Tavares:
O autor resume o afoxé à expressão: “um candomblé colossal”, ter-
A mesma figura de Babalôtin encontra-se bordada no estandarte do
mo utilizado por Nina Rodrigues ao assistir um dos afoxés de seu
afoxé. Babalôtin é objeto de função religiosa e de finalidade mística
tempo “perambular pela cidade”. Ou ainda: “um candomblé próprio
do afoxé filhos do Congo d´Africa [...] é conduzido nos braços de um
para o Carnaval”. O afoxé tinha, segundo ele, nas danças e cantigas menino de 10 anos. O menino é mesmo tratado por Babalôtin, sendo a
do candomblé sua principal expressão e cumpria alguns preceitos encarnação do orixá, e durante a cerimônia do afoxé, executa as mais
ruas, suas cantigas seguiam uma ordem que iam dos orixás je-
je-nagôs aos caboclos brasileiros. Destaque nas informações de No Afoxé Filhos do Congo DÁfrica, a boneca estava associada à Ibe-
Tavares para a figura do Babalôtin, ora referido por ele como “um ji, segundo informaram ao autor do texto, orixás protetores dos gê-
boneco correspondente à Calunga do Maracatu”, ora como “uma 36. Tipo de dança rápida, na qual o dançarino deve mostrar bastante habilidade com os pés que
são posicionados um à frente do outro como se estivessse passando uma rasteira em si próprio.
boneca de olhos saltados e fatais representando uma negra
meos. Não podemos saber até onde a informação procede. Além das
“marcas de nação” trazidas no rosto da boneca, é digno de nota é digna
de nota a informação: “Antigamente, os instrumentalistas do afoxé ba-
tiam um tipo especial de ataques, para cerimônias externas dotadas
de duas bocas encoiradas, os ilus37” (Tavares, 1948, p.62).
_E que do bando?
_Não vê aquelle taful caracterisado a macaco, enganchãdo n`uma palma de
pindoba, na frente d`uma tropilha de raparigas e rapazes, e a musica de bar- A expressão “taful” é utilizada para descrever um tipo cômico utiliza-
beiros batendo adiante?
da no século XVIII. A descrição não deixa dúvida que se trata de um
_Isso é a gente do terreiro de tia Julia, no Moinho, que subiu à pagode; não vê
mascarado que puxava o bando segurando nas mãos uma palma que
cada uma com sua insignia?
provavelmente poderia ser de dendezeiro. A presença de máscaras em
[...] _Vê aquella desesperada que quer furar o bombo?
É a Pulcheria, segunda mamãe do terreiro. acontecimentos que envolviam africanos na Bahia oitocentista não era
[...] _Sabe o que havemos de fazer? vamos tomar os nomes da sucia e levar novidade. No dia 15 de março de 1864, por exemplo, O Alabama denun-
para o Alabama. ciava a presença de um mascarado durante o enterro de um papai de
_V. Que os conhece, va ditando que eu escrevo.
terreiro chamado Turibio. Turibio tinha casa de candomblé situada à
_Pulcheria, Maria da Preguiça, Leolpoldina carrapato, Lourença fateira, Jo-
Rua da Poeira, conforme informação na edição de dois dias anterior à
anna Bago molle, Belmira, Anninha da Rua d´Ajuda, Maria Carolina, Valeria,
Maria Mãe de Filho, Juliana; as outras não conheço. primeira notícia. Era pessoa influente e teve à frente de suas exéquias
_Agora os homens. Maria Júlia, Constancia, Lucinda da Rua das Flores, Maria Theóphila e
_Faustino, Ambrosio, Salomão, Almeida carniceiro, Folô, Jorge, Darico, Gre- os Ogans Pedro, filho do finado Chico-papae. O Babalorixá Turibio teve
gorio, Miguel, Manuel Girota e Marcos.
missa celebrada no convento de São Francisco pelo capelão Frederico e
_Bem, por aqui se o chefe da polícia quizer pode mandar chama-los.
em seguida um “competente caruru e a nunca fastidiosa caxaça”.
Além da notícia sobre o folguedo, o autor do texto nos traz uma sé-
Voltando à noticia sobre o bando das ruas do Rio Vermelho, temos
rie de informações curiosas. Não temos dúvidas que se trata de uma
que chamar a atenção que Pulcheria referendada como “segunda
“brincadeira”, no sentido falado pelas pessoas mais velhas dos terrei-
mamãe do terreiro” de tia Julia do Moinho vinha também tocando
ros. Em outras palavras, algo repleto de significado religioso. Não é
um tambor. Pena que o jornal não nos informa o sobrenome de ou-
à toa que as pessoas do terreiro levam no pescoço as contas de seus
tras mães, pais e ogans de terreiros que tomavam parte da festa.
respectivos orixás. Chama-nos também a atenção a descrição “do ta-
ful caracterisado a macaco, enganchãdo n`uma palma de pindoba”.
Outro “brinquedo” organizado pelos africanos era o boi. Oito meses espanta moscas, nos candomblés aparecem associados aos orixás
após a notícia sobre o bando, o Alabama de 26 de setembro de 1868 caçadores liderados por Oxossi e a Iansã, por sua relação com este.
informava sobre este festejo num dia de domingo num terreiro do Em 16 de fevereiro do ano seguinte, mais um auto do boi estava sen-
Engenho Velho: do descrito pelo Alabama, dessa vez no contexto da celebração de
“fechar o balaio”, “obrigação realizada pelo candomblé que antecede
Vi bonitas creoulas, e como sou apaixonado pela fructa, quasi que me torno verme-
a quaresma”. É nesta matéria que os autores apresentam uma lista
38
lho , porque palavra de honra, tive vontade de trazer uma e conserval-a para mim.
que contém mais de cinquenta nomes de pais e mães de terreiros
da cidade de Salvador e do Reconcavo baiano: Cachoeira, São Félix,
Estavam elegantemente vestidas com umas saiêtas, umas toalhinhas com uns
chocalhos pela cabeça e uns rabos de cavallos na mão, e no meio dellas haviam
Maragojipe, Santo Amaro e São Felipe.
algumas pretas africanas que, como vundunças antigas, tomaram parte da folia.
Até a sua morte, Eduardo Ijexá manteve um culto particular, restrito à sua
Depois o papae de terreiro, acompanhado de outro preto velho, trouxe para o
família e a poucas pessoas. Gostava de falar um iorubá que teria aprendido
meio do circulo um boi todo enfeitado de fitas, contas, busios e uma capa
com a sua mãe e a sua avó. Fazia questão de corrigir: “É Iguexá”. Em matéria
vermelha, etiqueta do sacrificio, e deu-se logo principio ao brinquedo39.
do jornal A Tarde de 05 de março de 1976, a africana de raízes em Abeokuta,
Ana Alakija, resumiu Eduardo como “um nagô perdido no tempo”. Eduardo
Esta é outra notícia que merece atenção pela presença de detalhes
constituiu uma família formada por dois casais. No tempo da entrevista de
como mulheres vestidas de saetas, os chocalhos presos a toalhi-
Ana, já morava todos juntos: sua esposa, filhos e netos.
nas na cabeça e rabos de cavalo da mão. O rabo de cavalo é uma
insignia por excelência dos reis e rainhas africanas. Chamados de
No livro A Bahia de Todos os Santos: Guia das ruas e mistérios, escrito por
eruexin, rabo de cavalo ou erukerê, rabo de boi, ou simplesmente
Jorge Amado na década de quarenta, o autor demonstra familiaridade
38. O autor referia-se à vitória das eleições do partido vermelho naquele dia. Alusão àqueles que com Eduardo Ijexá e dedica um trecho do livro de crônicas sobre a ci-
se posicionavam contrários à escravidão.
EDUARDO MANGABEIRA, EM CUJAS MÃOS REPOUSA A TRADIÇÃO IJEXÁ na rente distante, o rei Ilèsà, que as recebeu das minhas mãos com muita emoção (idem).
Bahia, o último dos grandes babalaôs, zela pelos orixás em seu terreiro fechado, onde
va o axé, guarda o segredo, impede que o mistério seja violado e degradado [..] Anda
anos de fotografia, capítulo XXVII:
para os noventa anos. Parece uma árvore frondosa, parece um rei revestido de maior
dignidade. Eduardo de ijexá, pai de sua nação (AMADO, 1996, p.166). Ataoja, rei de Oshobo, cuja dinastia está ligada ao culto de Oxun ficou exul-
tante ao saber que um fervoroso culto era feito para esta divindade no Brasil
O único terreiro puro da nação ijexá é a casa do Babalorixá Eduardo Antônio e envia para Senhora, aos meus cuidados, pulseiras de cobre e seixos de rio
Mangabeira, Eduardo de Ijexá, personalidade eminente no candomblé. Fica provenientes do altar de Oxun (VERGER, 1982, p.258).
-santo Eduardo Ijexá, na qual ele o saudava com termos iorubás tão apropria-
Porto, Eduardo de Ijexá é referendado como amigo e irmão, não po-
damente escolhidos que lhe valeu uma resposta deste soberado que o tratava dendo ser diferente, ambos haviam sido consagrados a Logun Edé.
de primo” (BOULER, 2002. p.198).
40. Sobre isso ver também texto de Waldeloir Rego, A Bahia de Pierre Verger publicado na Revista
da Bahia v. 32, n°29 no ano de 1999.
Nos anos de 1950, Eduardo Ijexá enviou cartas redigidas em iorubá perfeito ao seu pa-
41. Oxogbo é capital do Estado Oxun na Nigéria.
Não estamos bem certos, de fato, quando o chamado “rito nagô contato com os candomblés da Bahia no ano de 1944, no livro As Re-
do ketu” “passou a significar o rito de todos os nagôs” (LIMA, 2001, ligiões Africanas no Brasil fez questão de assinalar que “na Bahia, onde
p.30). No entanto, já sabemos que para além das questões históricas as casas de candomblé são inúmeras e não estão todas registradas na
envolvendo os iorubás do oeste e os fons do leste durante os séculos polícia, as diversas nações se conservam bem separadas” (1971, p.270).
XVIII e XIX que tornaram possível o translado de sacerdotes, a exem-
plo dos fundadores dos terreiros do Engenho Velho e do Alaketu, já A preocupação com o número de candomblés e suas respectivas
tão bem estudados por alguns autores, tem-se que levar em conta nações esteve presente desde cedo nos estudos afro-brasileiros. O
a participação dos intelectuais nesta construção, a começar pelos próprio Nina Rodrigues informa no tempo que realizou as suas pes-
primeiros estudos realizados por Raimundo Nina Rodrigues que quisas (1862-1906) que ouviu dizer por algumas pessoas:
superestimou os nagôs, especialmente os vindos de ketu, acompa-
nhado por Edison Carneiro, Roger Bastide, Pierre Verger e outros. [...] que elevava a quarenta ou cinquenta, cálculo que me parece excessivo,
embora só na estrada do Rio Vermelho saiba da existência de seis principais.
O próprio Vivaldo da Costa Lima (LIMA, 2003, p.31) vai insurgir-se
Estão entre estes três dos mais afamados, o do Gantois, o do Engenho Velho e
contra esta ideia e dizer que “nada prova no atual estado da pesqui-
o do Garcia. É quase impossível calcular o número dos oratórios particulares
sa historiográfica e antropológica, que os africanos vindos de ketu
(RODRIGUES, 1935, p.62).
tivessem seus sistemas religiosos mais estruturados como teria ob-
servado Pierre Verger”. Vivaldo da Costa Lima estava revisando os
É bem provável que dentre esse número esteja alguns terreiros ije-
estudos afro-brasileiros na década de 60.
xás, ou que o terreiro do Garcia referido por ele, possa ser o mesmo
que Donald Pierson, que realizou pesquisa nos anos de 1935 a 1937,
Verdade é que o povo de candomblé sempre soube diferenciar as
numa nota de número 4 tenha se referido em Brancos e Pretos na
chamadas nações de candomblé, e esta diversidade, como suge-
Bahia como um dos “puros candomblés nagôs, o de Língua de Vaca,
re Bastide (1978, p.58), a maioria das vezes esteve mesmo ligada às
que foi organizado por pretos de origem igexá e egbá” (1971, p.306).
suas origens étnicas, ao menos no princípio. Roger Bastide, que teve
O Congresso Afro-Brasileiro da Bahia, realizado entre os dias 11 e Talvez nenhum outro estudioso tenha atentado-se à diversidade de
20 de janeiro de 1937, foi fruto dos esforços somados entre lideran- nações de candomblé do que Roger Bastide, isso é ao menos o que
ças religiosas como: Martiniano Eliseu do Bonfim, Eugênia Anna nos parece revisitando seus estudos. Ele, em várias passagens, refe-
dos Santos, Bernadino da Paixão, Manoel Falefá e intelectuais como re-se à nação ijexá, a qual descreve de forma poética, dizendo que é
Reginaldo Guimarães, Azevedo Marques, Aydano do Couto Ferraz a que se “toca o atabaque tamborilhando com as mãos” (1945, p. 65).
e, sobretudo, Edison Carneiro. Um dos seus maiores resultados foi Ao longo de outros trabalhos, Bastide vai nos fornecer outras carac-
sem dúvida a criação da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia. terísticas desta nação.
É o próprio Edison Carneiro que informa que havia na Bahia cerca
de cem candomblés conforme os estudos iniciados por ele em 1933. Já na apresentação do Candomblé da Bahia42 (1978, p.15), Bastide refe-
re-se à nação ijexá ou candomblé ijexá ao lado dos candomblés nagô e
Nos Candomblés da Bahia (1953, p.41), Edison Carneiro cita que do ketu “como os mais puros”. Nas Religiões Africanas no Brasil (1971, p.272)
total dos 67 inscritos na União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, o autor apresenta breve resumo das diversas nações: “[...] ketu (computei
examinados por ele, quatro chefes que declararam a si mesmos ije- dezesseis), igexá (oito), jeje (provavelmente três cuja principal é a cha-
xás. Temos que ficar atentos também às duas declarações “ilú-ijexá” mada Bogun), [...] angola uma dúzia”. Bastide reviu a sua lista e posterior-
que aparecem na lista de Carneiro, classificadas por ele como “desig- mente em Imagens do Nordeste Místico em preto e branco, no capítulo
nações vazias de sentido”. (1945, p.63) que dedicou ao “Mundo dos candomblés,” afirmou:
Em seguida, Carneiro afirma que os candomblés mais importantes Hoje existem na Bahia terreiros Ijesha, descendentes dos Ijesha yorubanos, mais
ou menos em número de cinco; terreiros “quete”43 , descendentes dos negros
são os de nação ketu (1954, p.43) e não obstante o número que en-
“ketu”, e que reúnem quase tudo que se convencionou chamar de cultura “nagô”
controu de candomblés ijexás, limita-se a dizer: “Entre os de ijêxá, o
42. O livro foi publicado em francês pela primeira vez em 1958. Depois tivemos Les Religions
de Eduardo Mangabeira, no X.P.T.O” (idem).
africaines au Brésil em 1960 e Images du Nordeste mystique en noir et blanc em 1978.
(São mais numerosos), cerca de quinze; terreiros “gêge” que seguem a tradição
dahomeana, em número de seis; terreiros angola (três); terreiros congo (um).
nação angola, os mais perseguidos, registrados com o nome de outra apenas o endereço seguido do nome do responsável e um único caso
nação, apenas para citar dois exemplos. É mais provável que o que que consta apenas o endereço. Para nós, todavia, interessa a informação
poderia ter sido um erro de Bastide e de Antônio Monteiro, possa ter dos pais e mães de santo que se auto declararam ijexás. Bastide, como já
sido uma estratégia de alguns sacerdotes a fim de proteger o seu citamos acima, dos 86 candomblés, chamou a atenção de 6 casas ijexás,
culto, afinal, os livros de notificações da Delegacia de Jogos e Costumes embora na sua lista apareça um total de nove casas. Bastide deixou de fora
demonstram que a polícia conhecia bem os candomblés e possuia fami- algumas casas que haviam se passado por ijexá e não contabilizou aquelas
liaridade com as suas festas44, conforme pode se ler na ronda noturna do onde aparecia a declaração ijexá/ketu e ijexá/angola/ketu. Antes de listar-
plantão das 8 horas do dia 19 às 8 horas do dia 20 de julho de 1953: mos os candomblés ijexás informados por Bastide, gostaríamos de chamar
a atenção para o fato de que o candomblé de Maria Genoveva do Bonfim
A ronda noturna foi iniciada a hora de costume sendo de início levada a efeito está identificado como ketu e ijexá. Maria Genoveva é a legendária Maria
uma fiscalização especial nos candomblés que hoje realizam festas. Foram
Nenem, uma das matriarcas do candomblé congo/angola da Bahia. Basti-
eles: o terreiro de Aninha em São Gonçalo, Rufino no Beiru e Pedro em Arma-
de teria se enganado? Talvez sim. Mas era comum também o trânsito de sa-
ção, isto porque uma grande caravana de turistas argentinos e paulistas visi-
taram estes candomblés; daí nossa preocupação em fazer com que referidas
cerdotes em outras casas com suas respectivas nações, investidas de suas
casas apresentassem aspecto sadio digno como mereceram aos visitantes 45. indiossincrasias. Isso dependia apenas do grau de afinidade dentre eles.
Desta maneira, aos poucos, iam-se construíndo teias que ultrapassavam
Nota-se ainda que Bastide não pode seguir à risca a ordem que es- laços consanguíneos e rituais compactuados pelos “primeiros africanos.”
tabeleceu inicialmente: endereço, nação, responsável e orixá prin- No ano de 1917 mesmo, Severiano Santana Porto subiu à casa de
cipal, pois as últimas anotações fogem desta tipologia. Constam Maria Nenem para lhe ajudar a colocar um “barco”46 onde teve uma
filha pequena47 . Como vemos ainda se tem muito a investigar sobre
44. Sobre o assunto ver também BRAGA, Julio Santana. Na gamela do feitiço: repressão e resis-
a lista de Bastide, bem como sobre estas relações entre pais e mães
tência nos candomblés da Bahia. Salvador: CEAO, 1995 e SANTANA, Edmar Ferreira. O poder dos
candomblés: perseguição e resistência no Recôncavo da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2009.
45. Arquivo Público do Estado da Bahia. Secretaria de Segurança Pública. Delegacia Especializada 46. Nome dado à iniciação no candomblé.
Jogos e Costumes. Livro de Ocorrências de 13/05/53 a 23/07/53. Caixa 13. p.97. 47. Espécie de afilhada.
de santo. Citaremos abaixo os candomblés ijexá: 2012, portanto depois de sessenta anos, na Coleção Nordestina. Valadares
está escrevendo entre finais dos anos 40 e início dos anos 50, no Governo
10- Estrada de Joaquim de Couros (Via R. Vermelho de baixo) Igexa. Mãe: D.
de Octavio Mangabeira. Sobre os candomblés, o autor afirma:
Joana de Ogun. Terreiro de Ogun48 .
11- Rua Presidente Vargas. Camarão. Igexa. Pai: Eduardo. Casa de Omolu.
Na Secretaria de Segurança Pública existe um registro de todos os candom-
19- Rua Língua de Vaca. Igexa. Mãe: D. Emília (+) Terreiro de Xangô49.
blés. São mais de uma centena. Nenhum pode dar festa pública sem pedir
23- Beiru ou Bauru. Queto e Igexa. Mãe: Maria Genoveva de Bonfim. Casa de Oxun.
50 licença à polícia. Daí a nescessidade de registro (2012, p.80).
40- Ponte de Manguera. Igexa e queto. Casa de D. Catarina .
48- Pedra de Mina-Coxe. Igexa. Casa de A.S.
49- Capelinha de São Caetano. Angola e igexa. Casa de Zé Pequeno. Sobre as nações de candomblé, o autor acrescenta:
50- São Caetano (Gomea) Igexa. Mãe: Idalice Santos. Casa de Omolu e Xangô.
57- Pilar n°30. Igexa. Mãe: D. Elesia. Casa de Oxalá. Esses organismos poderosos, guardando a tradição africana está dividida em
Outro trabalho que merece ser comentado é o de José Valadares. as diferenças estão na denominação e métodos de adoração. Principais: queto (de
origem sudanesa-nagô), jeje (idem) ijexá (idem) angola (de origem bantu); congo
A sua primeira edição teve tiragem de trezentos exemplares e foi
(idem) e caboclo (produto de mistura local) (Idem, p. 83).
publicada pela Livraria Turista Editora em parceria com a Livraria
Progresso Editora. O livro chamou-se Bêabá da Bahia. Uma segunda
Resguardamos-nos de fazer comentários sobre a compreensão d
edição foi feita pela Editora da Universidade Federal da Bahia em
nação jeje por parte do autor51 e do culto ao caboclo52 , pois na pági-
48. Joana de Ogun residia à Ladeira da Glória, 4 em Amaralina. APEB, Republicano, SSP- Delega- na seguinte, entre os 10 terreiros de nação ketu, 3 terreiros de nação
cia de Jogos e Costumes, queixa n°219. Periodo 14/11/56 a 13/12/57, p. 95.
jeje, 1 terreiro de nação congo, 7 terreiros de nação angola, 4 terrei-
49. Esse é o candomblé referido por PIERSON e BASTIDE entre os Ijexás puros. Bastide utiliza
uma cruz porque D. Emilia havia falecido durante uma de suas estadas em Salvador, o que lhe
permitiu fazer a etnografia, mesmo breve, do ritual ijexá que envolve a morte a presentado por 51. Sobre o assunto ver PARÈS, Luís Nicolau. A formação do Candomblé: história e ritual da nação
ele no livro: Imagens do Nordeste Místico em Preto e Branco (1945, p.101). Atualmente no local jeje na Bahia. 2ª edição. Campinas: UNICAMP, 2007.
funciona o Departamento de Polícia Técnica. 52. Sobre o caboclo ver: SANTOS, Jocélio Teles. O Dono da Terra: o caboclo nos candomblés da
50 .Conhecida como Catita Ijexá do Ponto da Mangueira. Bahia. Salvador: SarahLetras, 1995.
onde participaram 183 terreiros, 53 centros, 57 delegados e 3 terrei- Na linguagem de candomblé, entretanto, os termos nagô e ijexá são os mais
correntes. Este último ao ritmo de um toque especial de atabaque para os ori-
ros independentes, tortalizando 296 representantes. Por ocasião do
xás cultuados entre os ijexás da Nigéria Ocidental como Oxun, Ogun, Obatalá,
1° Encontro de Nações de Candomblé, Sr. Sérgio Barbosa informou
Logun Ede, etc. Um velho e respeitado pai de santo da Bahia, Eduardo Man-
que havia 660 terreiros ketu; 350 terreiros angola; 271 giro de cabo-
gabeira é mais conhecido pelo seu apelido que é o nome da terra de seus pais:
clo, 50 umbanda; 4 jeje; 1 mesa branca e 14 ijexá (idem, p.73). Palestrou Eduardo de Ijexá (idem).
mento da independência da Nigéria (1984, p.17). apresentados no Capítulo 5, intitulado: Os cultos afro-brasileiros e
o mercado informal de trabalho na região metropolitana de Salva-
dor (1983, p.61-65). O relatório chamado: O Gigante invisível: estu-
Pesquisas etnológicas e historiográficas tem mostrado a diversidade desses
do sore o mercado informal de trabalho na Região Metropolitana de
grupos de que nos ficaram etnônimos mais correntes, oió, queto, ijexá, egbá.
Salvador não traz, porém, um detalhamento das chamadas nações
de candomblé, o que vamos encontrar na página 19 do trabalho do coordenador da pesquisa, o professor Jocélio Teles54 . Dias após ter
professor Jocélio Teles dos Santos já citado. A distribuição está por sido divulgado os resultados deste levantamento, a jornalista Clei-
gênero. Nação ijexá aparece com 9 homens e 38 mulheres. Apa- diana Ramos já fazia matéria para o jornal A TARDE do dia 29 de
recem também a autodenominação angola/ijexá; ketu/ijexá; jeje/ julho de 2007 chamando a atenção para a resistência de terreiros
ijexá; angola/jeje/ijexá e caboclo/angola e ijexá. ijexás na cidade de Salvador e a sua preservação em alguns tem-
plos da capital da Bahia, a exemplo da casa fundada por Severiano
No ano de 1997, o Grupo Gay da Bahia realizou uma pesquisa em Santana Porto no bairro de Plataforma, subúrbio ferroviário da ci-
500 terreiros de candomblé da cidade de Salvador. A pesquisa fazia dade de Salvador.
parte de um projeto de prevenção à AIDS, intitulada “AIDS e Negri-
tude” realizado pelo Centro Bahiano Anti-AIDS, conveniado com
o Ministério da Saúde. Das casas distribuídas em 98 bairros da região
metropolitana (1998, p.13), 57% se auto denominaram ketu; 28% ango-
la; 3% jeje e 1,7% ijexá, o que corresponderia a 8 casas de candomblé.
O Santo de Canudos
e a Cidade de Palhas
A primeira escrita sobre o Ilê Axé Kale Bokun apareceu no ano de saído da região da Baixa de Quintas para bairros mais afastados
2006 e foi realizada pela antropóloga Neivalda Oliveira que num do centro e ido para regiões da Cidade Baixa como a Ribeira,
breve texto intitulado “Por todos os tempos, a Casa das Riquezas a Massaranduba e o Uruguai. Outro reduto de africanos ijexá,
Profundas, tendo como objetivo requerer à Fundação Cultural Pal- lembra Neivalda, era a região do Dique do Tororó, onde havia o
mares o registro desta comunidade como Patrimônio Imaterial, lan- terreiro de Majebassã, figura que nos ocupamos anteriormente.
çou luzes para uma etnografia mais atenta e apurada sobre o grupo
religioso cuja origem remonta aos finais do século XIX. A professora Outra versão sobre a origem da casa fundada por Severiano,
Neivalda gozava de uma posição previlegiada nessa casa de can- menos divulgada e desconhecida pela própria comunidade, é
domblé, pois além de fazer parte do grupo, contou com a memória encontrada no livro intitulado: Pai Zezito de Oxun, a chegada
de Estelita Lima Calmon, na ocasião, octagenária e Ialorixá do Ilê da nação Ijexá ao Rio de Janeiro. Trata-se de uma publicação
Axé Kale Bokun, função que exerceu até o ano de 2016, quando fa- comemorativa ao cinquentenário de iniciação de José Zeferino
leceu aos 97 anos de idade. O texto de aproximadamente sete lau- Aquino, ou Pai Zezito de Oxun, como é carinhosamente chama-
das logo ganhou as redes sociais e hoje é referência para se pensar do. Pai Zezito foi iniciado pelo Babalorixá Severiano Santana Porto
a presença da nação de candomblé ijexá no Brasil a partir da casa em novembro de 1956 e após cumprir o periodo de um ano, pres-
fundada por Severiano Santana Porto. De acordo com o texto ha- crito no seu tempo para os iniciados, chegou ao Rio de Janeiro
via um grupo de africanos ijexás que morava na Baixa de Quintas. em 1958, até que em 1960 em Belford Roxo fundou o Ilê Ti Oxun
À frente deste grupo estava uma liderança chamada Tia Cândida. Omin Ia Ila Obá Ti Odou Ti Ogun Alé. A publicação é de 2005 e
Tia Cândida era consagrada ao orixá Oxalá, vivia do comércio de sobre o breve histórico da nação ijexá no Brasil, pode-se ler:
miçangas africanas e tinha muitos parentes consanguíneos. Dentre
estes estava Tia Jerônima. Jerônima era filha do orixá Oyá, era tia A raiz da nação ijexá foi trazida da África para a Bahia, por Tia Aminã
D´Oxalá, africana irmã da mãe de Severiano Santana Porto, Pai Seve-
consanguínea de Severiano Santana Porto e teria sido a responsá-
riano, e mãe de santo dele. Os pais de Severiano, Tio Obebê e Mãe Tatá,
vel pela sua iniciação. Ela, juntamente com outros “parentes”, teria
também eram africanos. Tia Jerônima Aminã plantou o primeiro Axé Ijexá, a muns. Trata-se de uma comunidade que teve a sua origem num
sociedade Beneficente, Cultural, Recreativa São Miguel, em Quitandinha do
núcleo familiar africano de individuos que transitavam na região da
Capim, Barbalho, Salvador, Bahia. Quando ela faleceu, o Axé foi passado para
Baixa de Quintas, Quitandinha do Capim e Dique do Tororó e que
Pai Severiano, que o levou acompanhado de Tio Axupá para Plataforma, no
depois se deslocou para lugares mais afastados do centro da cida-
Bate Estaca e mais tarde para o Alto do Sertão n. 98, onde está até hoje (AQUI-
Outra dificuldade enfrentada era a questão sanitária aponta- Oxalá nos foi dado por Valdenita Santos Amaral, de 81 anos, Iamorô
da como uma das principais causas de doenças e epidemias do Ilê Axé Kale Bokun. Assim como um resumo da história recolhida
que acometiam a cidade. Após a abolição e outros movimen- por Neivalda Oliveira, Ekedi Anita faleceu no decorrer da pesquisa.
tos que impactaram na sua organização política, social e econô-
mica, africanos e seus descendentes continuavam transitan- As tias dele, disse que morava na Cidade Nova que se chamava Cidade de
Palha e vendiam coisa de africano e tal. Elas eram filhas né? Netas ou filhas de
do pela cidade. Eram os mesmos homens e mulheres, que
africano, por aí. E esta história quem falava, eu nem conhecia Severiano ainda,
agora sob o estigma de representarem um impecílio para a
já ouvia falar isso. Ele aprendeu as coisas com as tias. Elas que fizeram o santo
civilização, permaneciam, como chamou a atenção o his-
dele. A Quinta das Beatas é por causa do cemitério. Mas é aquilo tudo. Porque
toriador João José Reis (2003, p.351) nas três primeiras dé-
aquilo é enorme. Já ficou maior do que naquele tempo. A Cidade Nova já foi a
cadas do século XIX: “trabalhando ao ar livre como artesãos, Cidade de Palha. Quer dizer, a Cidade Nova já é o nome moderno 56.
lavadeiras, alfaiates, vendedores ambulantes, aguardeiros,
barbeiros, músicos, artistas, pedreiros, carpinteiros, esti- A Quinta dos Lázaros teria sido Vale com suficiente aguada doada por
vadores...”, ou simplesmente, como sugere Kátia Mattoso Tomé de Sousa aos padres da Companhia para ali fazerem lavouras à
(1992), “vivendo no limiar da pobreza”. meia légua da cidade (SAMPAIO, 1949, p.250).
Um recorte espacial sobre a comunidade de Tia Cândida de 56. Entrevista realizada no dia 23 de março de 2016.
justamete iquietas nos tem feito chegar esta noticia para que a divulguemos.
Velho, Campina, Quinta das Beatas, Engenho da Conceição, Matatu e outros, plos. A Quitandinha aparece citada no Alabama de 18 de março de
candomblés, onde se praticam os actos mais o ensivos à religião e à moral, 1865, ao lado dos Curraes Velhos e da Rua Direita de Santo Antônio,
servindo tambem de escondrijo à escravos fugidos, que ahi se acoitam por
como local onde negros sambam, cantam e dançam, incomodando
muitos anos.
os moradores.
despovoadas (NASCIMENTO, 2007, p.58). Viviam ali de roças, pes- A busca de notícias sobre Severiano e suas redes de relações
soas simples e descendentes de africanos. O Dique era uma espécie de A primeira notícia sobre Severiano Santana Porto nos chegou pelo Cô-
lagoa cercada por exuberante vegetação (MATTOSO, 1992, p.444) onde nego João Gonçalves da Cruz da pia batismal da Paróquia da Sé:
uma população rural extraia as suas riquezas do solo e algumas famílias
faziam piquiniques. Aos nove dias de setembro, batisei, digo batisei e pus os Santos Óleos a Severiano,
pardo, nascido a vinte e cinco de setembro de mil oitocentos e noventa e três, filho
natural de Africa Maria Geralda. Padrinhos: Zacharias Barbosa Porto e Dona Maria
Esse foi o cenário que encontramos quando iniciamos a pesquisa sobre
de Jesus, do que fiz este asento e assinei. Cônego João Gonçalves da Cruz.
a origem da casa fundada por Severiano Santana Porto. Juntou-se a isso
Setembro de 1896 60.
No século XIX a Sé já havia deixado de ser um lugar ocupado pela elite A presença africana e de seus descedentes na Sé no final do sécu-
e era formada cada vez mais por pessoas de camadas medianas e de lo XIX pode também estar relacionada não com uma “desintegra-
pequenas famílias empobrecidas. Verdade é que, desde cedo, africa- ção social”, como sugere Anna Amélia Vieira Nascimento, mas
nos circularam pela Sé e outras freguesias do núcleo central da cidade com o desejo de permanência desses grupos em alguns espaços
de Salvador, executando “todo serviço”. Agora ocupando grandes so- e de certa maneira demonstrava a ascenção social de populações
brados e lojas alugadas, famílias inteiras, constituídas através de uma consideradas inferiores, ou ao menos a vontade delas permanece-
complexa rede de parentesco, procuravam se reorganizar nos novos rem no local que foi o centro do poder por mais de duzentos anos,
modelos de organização habitacional urbano, como sugere Milton mesmo que fosse em sobradões e palacetes envelhecidos, abrigan-
Santos (2008). do no térreo um fluido comércio sob residências pobres.
No censo de 1855, por exemplo, de acordo com o Quadro 16 (Idem, Considerando a importância do apadrinhamento e suas múlti-
p.162) oferecido por Nascimento, africanos representavam 23,44%; plas funções como elemento de agregação, fortalecimento de la-
pardos, 28,77%; crioulos, 8,09%; cabras, 5,33% e brancos 34,37%. So- ços estratégicos com pessoas de poder, relações de amizade e até
mando os números da população preta e crioula, a população chama- mesmo, manutenção de “universos africanos”, saímos a investigar
da de cor ficava quase equivalente à população branca na freguesia da o padrinho de Pai Severiano, Zacharias Barbosa Porto, personagem
Sé. Em suma: havia uma maioria negra. que nos levou dos livros de assentamentos de batismo, matrimô-
nio e óbitos da Cúria Metropolitana de Salvador às correspondên-
Segundo Kátia Mattoso (1992, p.110), a Sé era a paróquia mais populo- cias e despachos do Diretor do Arsenal de Guerra da Bahia e aos
sa ao lado da de São Pedro, Santana, Santo Antônio Além do Carmo e Livros de Assentamento de Praças do Regimento da Bahia.
da Conceição, segundo o recesiamento de 1872.
Zacharias nasceu em 21 de novembro de 1870, portanto, conhe- aos trinta e cinco anos de idade65 . Virgínia Maria da Conceição, que
ceu os “tempos da escravidão.” No livro de batismo da freguesia da já aparece registrada como Sicília Maria da Conceição, deixou 5 fi-
Sé, aparece descrito como pardo e filho natural de Maria Virgínia lhos, dois meninos, Zacharias e Cosme que ficaram sob a responsa-
da Conceição62. Três anos antes, a sua mãe aparece na Freguesia bilidade de Victorino Barbosa Porto, e três meninas que haviam sido
da Conceição, batizando uma menina chamada Maria, crioula. Na distribuídas pela vizinhança, conforme pedido endereçado por Vito-
ocasião, a mãe de Zacharias ainda era escrava de Barbara Maria da rino Barbosa Porto em janeiro de 1879 ao Diretor Geral do Arsenal de
Conceição. No registro de batismo63 realizado no dia 8 de dezem- Guerra66 . As várias formas da escrita do nome da mãe de Zacharias
bro de 1869, seu nome está como Virgínia Maria Conceição. Bárbara encontradas nos documentos em curtos intervalos, revelam, antes
Maria da Conceição era filha de Veridiana Maria da Conceição, de- de mais nada, questões que envolviam a conveniência e vontade
crita no seu inventário como negra, negociante e natural deste Esta- dos clérigos na hora de ouvir e registrar nomes pronunciados por
do. Veridiana faleceu em 18 de novembro de 1906 e deixou uma casa uma população analfabeta, algumas vezes em situações adversas.
hipotecada à ladeira da Venerável Ordem Terceira de São Francisco,
nº 8, freguesia da Sé64 que na partilha o valor foi dividido entre a sua Victorino Barbosa Porto nasceu em 1833, e aos 43 anos aparece na
filha e os três orfãos de seu irmão. lista geral da Junta Municipal de qualificação dos cidadãos aptos
a votar e serem votados na Paróquia da Rua do Passo no terceiro
Zacharias, na verdade, era morador da freguesia do Santíssimo Sa- quarteirão67 . Vitorino era solteiro, artista e exercia a profissão de pe-
cramento do Passo. Sua mãe lhe deixou orfão aos quatro anos de dreiro, sabia ler e escrever. Era filho da africana Lucrecia Maria das
idade no dia 3 de setembro de 1874, acometida por moléstia interna Virgens e possuia renda presumida de trezentos mil réis.
62. ACMS Livro de Batismo da Paróquia da Sé 1868-1877. p.38. 65. ACMS, Livro de Óbitos da Freguesia do Santíssimo Sacramento do Passo. 1872-1896.p.171.
63. ACMS, Livro de Batismo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, 1863-1889.p.245. 66. APEB, Seção Colonial, Provincial. Série Militares. Maço 3440.
64. APEB, Judiciário, Inventário. Estante 1. Caixa 68, Maço 70, 1. 67. Tribuna da Bahia de 12 de dezembro de 1876.
69. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=704008&pesq=Zacharias%20Barbosa
acompanhou a africana Maria Geralda até a pia batismal da igreja da com a do Passo e a de Santo Antônio Além do Carmo, onde apare-
Sé a fim de batizar e consagrar com os Santos Óleos, seu filho com ce, o fato de ser referendado como crioulo significa mais do que a
quase três anos de idade. Cinco anos depois, Gasila Vitorino Barbosa sua condição de ter nascido no Brasil. Como em outros casos do
Porto, estava na matriz da Sé testemunhando o casamento de dois final do século XIX, pode também querer informar que João Braz
africanos sexagenários: Manoel Pacheco, com sessenta e oito anos já havia adquirido sua liberdade. É provável também que a acusa-
e Maria dos Santos, com sessenta e cinco anos70 , demonstrando no ção não tenha ido adiante, pois observando o mapa de presos do
mínimo que a família Barbosa Porto mantinha com alguns africa- período e as correspondências da polícia, nada encontramos nos
nos estreitos laços ou até mesmo relações de parentesco renovadas arquivos que indicassem que a acusação tivesse algum desdobra-
através de alguns sacramentos. mento. Como lembra Jocélio Teles no texto De pardos disfarçados
a brancos poucos claros: classificações raciais no Brasil dos séculos
Dos nomes informados por Severiano em 1949 para fazer o seu XVIII e XIX (2005, p.119): “o sentido dado a ‘crioulo’ era menos uma
registro de nascimento, apenas encontramos o de sua mãe Maria exclusividade do negro ‘nacional’ do que um designativo social de
Geralda, um que pode ser João Braz, seu avô paterno, que mesmo ‘cor’ aplicado aos descendentes de escravos, mas que também podia
sendo um nome comum, encontramos um crioulo na freguesia do ser atribuído àqueles escravos vindos de uma parte da África”. Na
Pilar no dia 7 de julho de 1878, colocado à disposição do subdelega- freguesia da Sé, por exemplo, no dia 14 de setembro de 1854, Ma-
do, com o pardo Joaquim Antônio de Farias, acusado de furto71. ria, nascida na Costa da África em 10 de junho de 1851, filha natural
de Marcelino Martins Silva e da africana livre Luscia, foi registrada
Acusações como essas não faltavam aos africanos. Se for ele mes- como parda pelo Cônego João José de Miranda72 .
71. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=303488&pesq=jo%C3%A3o%20braz 72. ACMS, Livro de Batismo da Paróquia da Sé. 1861-1868. p.32
maram a atenção de que a determinação da cor já havia sido obser- freguesias da Sé, Pilar, Santo Antônio Além do Carmo e Nossa Se-
vada no recesseamento realizado em 1855 na cidade de Salvador, a fim nhora da Conceição da Praia.
de definir “a qualidade” das pessoas. No século XIX, como nos chama
a atenção Jocélio Teles, mais do que algo relacionado à pigmentação, O Santo de Canudos
crioulo, cabra e pardo funcionavam como uma espécie de carimbo Resta-nos ainda chamar a atenção para a relação que existe entre a
“gramaticalmente inscrito no próprio sistema de relações sócio-raciais”. fundação de Belo Monte, no sertão baiano, pelo beato Antônio Con-
selheiro em 1893, e o nascimento de Severiano e as primeiras expe-
Em linhas gerais, crioulos e pretos dizia respeito também aos es- dições para destruir Canudos e o seu batismo em 1896. Soma-se a
cravos e forros recentemente. Quanto à designação pardo, vai isso a referência ao “Santo de Canudos” como sendo o orixá da li-
dizer a pesquisadora Hebe Maria Mattos: derança fundadora da comunidade, uma das tias consanguíneas de
Severiano. A referência ao “Santo de Canudos” ou “orixá de duzentos
Era usado antes como forma de registrar uma diferenciação social variável anos”, preservada até os dias atuais, informada à Neivalda Oliveira
conforme o caso, na condição mais geral de não branco [...] Todo homem
como o “mastro da casa”, abre-nos uma série de interrogações.
nascido livre, que trouxesse a marca de sua ascendência africana (1998, p.30).
buscava definir lugares sociais, nas quais etnia e condições estavam indisso- no ano de 1977 na casa de uma filha de santo sua. Pai Raimundo
ciavelmente ligadas (idem, p.98). de Oxun, hoje com cinquenta e oito anos nos apresenta mais uma
versão que teria ouvido de sua mãe de santo sobre o início da vida
Desta forma, não nos resta dúvidas de que estamos diante de um religiosa de Severiano Santana Porto73:
grupo de africanos e descendentes que possuem histórias de vida
comuns, que eram atualizadas durante as suas idas e vindas pelas
73. Entrevista realizada no dia 08 de maio de 2016.
Ela dizia que ele vinha do povo do ijexá e foi feito por uma senhora chamada Tanto na versão ouvida por Neivalda Oliveira, quanto na de Pai
Rosa. E essa Rosa era de Oxalá. Esse Oxalá que é o grande patrimônio do Kale
Raimundo, aparece a relação do orixá Oxalá com Canudos. Coin-
Bokun. E que é dessa Rosa que Sivi assumiu o cargo. E me falava da questão
cide também a informação da presença de um núcleo religioso em
de uma Iansã de duzentos e tantos anos. Esse Oxalá vem da época da Guerra
Itapagipe, se afastando apenas o nome, fato que retornaremos em
de Canudos. Ele teria sido feito na casa desta senhora pros lados da Ribeira.
breve. O certo é que o intervalo entre o nascimento e o batismo de
Severiano, contemporâneo a Canudos, é muito importante para a
comunidade. Mas há outra hipótese. A de que o “Santo de Canudos”
teria sido trazido mesmo do sertão baiano, das terras do Bom Jesus
e entregue a uma das tias africanas para ser consagrado. Nesta se-
gunda suposição, o padrinho de Severiano, Zacharias Barbosa Por-
to, que teria seguido carreira militar, teria sido o personagem prin-
cipal. A sua figura hoje estaria representada como o mastro da casa,
o santo de duzentos anos, dando força à comunidade, assim como
um dia ele pegou na mão de Severiano e Maria Geralda e lhes apre-
sentou na pia do batismo, conferindo-lhe identidade civil e inaugu-
rando a sua vida pública.
Composição feita com Ilustração de Itapagipe | Imagem APEB, Setor Privado, IMG 0005.
Como se pode perceber a partir de alguns jornais do século XIX e dos exercícios de feitiçarias e candomblé”. Três meses após, o mesmo
livros de notificações e queixas da Delegacia de Jogos e Costumes, jornal de 29 de junho, dava notícias sobre um africano e seu terrei-
o candomblé era algo bastante presente no centro da cidade, con- ro conhecido como Acou, situado à Rua do Paço, ser noticiado por
tradizendo a maioria dos estudos produzidos a partir dos anos 30 do incomodar diariamente todas as noites a vizinhança com tabaques,
século XX, que previlegiaram “as grandes roças” e criaram “modelos” congus, algazarras e gritos. Nem mesmo os sambas oferecidos aos
desses cultos baseados em conceitos que até os dias atuais tem cus- santos Cosme e Damião por Josefa, na freguesia da Sé, passaram
tado aos estudos sobre as religiões afro-brasileiras. Locais conheci- despercebidos. O Alabama de 5 de maio de 1864 os denunciaram
dos como a Ladeira do Carmo, o Marciel de Baixo, a Rua da Poeira, a “por reunir em sua casa, principalmente à noite, mulheres dissolu-
Rua das Laranjeiras, maioria situados na freguesia da Sé, são citados tas, homens perdidos, soldados da polícia e tout le mond” para al-
de forma recorrente. O sapateiro Martinho foi denunciado no Ala- gazarras e deboches. A Rua das Laranjeiras nos pareceu ser campeã
bama de 31 de março de 1864 por reunir na sua residência, situada das notificações conforme já havia observado Lisa Earl Castillo. Nas
à Ladeira do Carmo, “negros cativos, mulheres perdidas e toda cas- Laranjeiras “havia um preto africano que vivia de dar ventura, advi-
ta de gente, inclusive certo procurador negociante de baleias para nhar e curar de feitiços74 ”. Para seus feitiços até recorriam pessoas
de classes mais abastadas75. Sem contar que até a polícia consultava
um papae de terreiro para resolver questões76. No dia 21 de dezembro
de 1867 o batucajé que havia no Maciel de Baixo foi notificado pela
segunda vez em menos de um mês77. E a morte de um pai de santo
afamado, morador da Rua dos Ossos, chamou a atenção do jornal o
quanto a licença dada pela polícia para bater tabaques e fazer a festa Dendezeiro”, limite da armação do finado Francisco Lourenço per-
fúnebre. Freguesias que faziam fronteira com a Sé também não es- tencentes a uma africana de nação Angola, chamada Anna Maria e
capavam. No dia 30 de outubro de 1868, o Alabama remeteu ao sub- um negro conhecido como pai Francisco, foi denunciado no dia 8
delegado da Conceição da Praia, a denúncia de um importuno can- de novembro e no dia 11 pelo Alabama de 1864, por haver ali inúme-
domblé que fervia há oito dias na loja 45, à Rua da Preguiça. A princípio, ras mulheres presas em diversos quartos, a fim de cumprir certos
nada escapava, ou melhor, pouca coisa escapava aos olhares etnocên- preceitos. A denúncia completou, afirmando: “Aqui na cidade, às
tricos e preconceituosos da época, presentes nos discursos inflamados portas da Ribeira, uma parda de nome Pacífica é a principal agente.”
prol civilização. Já havia, pois a concepção de que o candomblé deveria É, pois, para esta região que iremos agora nos dirigir.
sair do centro da cidade, ou ao menos de que o centro não era local para
o candomblé. É bastante ilustrativo desse fato o pedido do Alabama de Já em meados do século XIX o periódico Marmota, de 27 de junho
18 de março de 1864 ao subdelegado de Sant´Anna: de 1849, registrava que às vésperas de domingos e dias santos, “se
costuma reunir uma sucia de marrécos no lugar denominado Bom
que mande chamar à sua presença o preto João, morador contiguo à casa Gosto, cujo fim é sempre lundú com grades voserios; e sendo um
do coronel M.J.de A. Couto para mandalo para o centro das areias das Arma-
tal divertimento importuno, e escandaloso e um prejuízo dos vizi-
ções para melhor poder desinvolver suas bruxarias, e não continuar a rotar
nhos que com semelhante batuque não podem dormir”, solicita provi-
civilisação desta terra com os adjuntos de africanos libertos e escravos, de
crioulos, pardos e brancos, que vivem toda noite a incommodar a gente com
dências das autoridades78 . Ao que parece, os batuques realizados pe-
algazarras e tabaques, bocas de potes e cuias &&. los africanos não cessaram no local, pois, transcorridos mais de vinte
anos, outro periódico chamado O Monitor de 9 de agosto de 1876 dizia:
produzida por numerosos batuques de pretos africanos em uma casa térrea Alguns destes exemplos nos ajudam pensar que a presença dos cul-
79
da mesma rua . tos organizados pelos africanos e seus descendentes nos subúrbios
da cidade, para além de questões relacionadas à perseguição poli-
No ano de 1915, o jornal A Notícia trazia a curiosa matéria intitulada: cial, está também atrelada à dinâmica e transformações da própria
Os candomblés e seus feitiços. Plataforma também tem os seus. No cidade, a começar por aquelas que dizem respeito à mobilidade, ao
corpo da reportagem trazia a seguinte observação: ir e vir desses homens e mulheres a partir de antigas noções de es-
paço por estes reconstruídos. Talvez seja isso mesmo que esteja por
Não é só pelos bairros afastados da cidade que se fazem os candomblés. Para
trás da ideia da migração de tios e tias africanas ijexás que iniciaram Se-
além Brotas, Garcia, Matta Escura e Rio Vermelho, nos subúrbios também
veriano Santana Porto nas regiões da Ribeira, Uruguai e Massaranduba.
campea à vontade a prática de embustes e malefícios. No rol desses subúrbios
80
vai Plataforma de ode nos vem a repostagem [...] .
Analisando o livro de assentos de óbitos da freguesia dos Mares
dos anos de 1871 e 1891, notamos que ao lado da localidade Calça-
Ainda sobre Plataforma, no mesmo ano, o periódico insistia haver
da do Bonfim, já aparecem locais como o Uruguai, Roma, Cami-
um candomblé “num local denominado Fonte das Bananeiras (São
nho de Areia, Pirajá, Boa Viagem, Tanque, Escada, Canta Galo, ao
Braz) de um tal Roque, canoeiro”, que adentra a noite. Além da pertur-
lado de freguesias como a de Cotegipe, fundada em 1880, a de Nos-
bação do sossego dos moradores do local, “diversas mocinhas que tra-
sa Senhora do Ó, de São Tomé de Paripe, Bom Jardim e Aldeia. Na
balham na fábrica de Plataforma são arrastadas ao tal candomblé a fim
Massaranduba situava-se o cemitério da Celestial Ordem Terceira
de assitir a cenas degradantes81 ”.
da Santíssima Trindade, fundado em 1855 (Vasconcelos, 2002, p.217).
A freguesia dos Mares foi criada em 1870 (Mattoso, 1992, p.253) como
79. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=704008&pesq=batuque resultado do desenvolvimento da área após a inauguração da ferrovia.
80. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=batuque
81. http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=720160&pesq=candom-
ble&pasta=ano%20191
Segundo Theodoro Sampaio (1949, p.143) as terras onde se situa a empreenderam uma guerra “com ânimo de assediar e aniquilar
região de Itapagipe e o suburbio ferroviário, referem-se à sesmaria a Pirajá ou Plataforma, a Itapoan e Rio Vermelho” (PINHO, p.92).
distribuida pelo donatário Francisco Pereira Coutinho, em 1534, a Três anos após o episódio, Mem de Sá, aproveitando ajuntamento
João Vellosa ou da Velosia. Ficavam do lado de dentro da baía. Ita- de grupos indigenas já existentes (Azevedo, p.152), mandou fazer
pagipe ou Tapagipe era no tempo do donatário uma das aldeias in- outras aldeias, dentre elas a de São João a duas léguas ao norte da
digenas ao lado de outras como Jiquitaia, Pirajá, Itacaranha, Piripiri, cidade ao esteiro de Pirajá onde hoje é Plataforma, chegando reu-
Ipiru (Tubarão), Paripe e Passé, ao lado de muitas outras espalhadas nir trezentos e sessenta cristãos segundo o Pe. José de Anchieta.
pelo continente e ilhas (SAMPAIO, 1949, p.130). Em 1635, segundo o professor Thales do Azevedo (1969, p.164), além
do núcleo central da cidade, já haviam prósperas povoações na praia
Itapagipe seduziu o fundador da cidade de Salvador, Thomé de Sou- em Itapagipe e no Rio Vermelho. Em Pirajá, Peroaçu, Tapuã e Ipitan-
sa. A região, todavia, não apresentava segurança. De fato, deste lugar ga surgiram os primeiros curraes, aldeias e povoações (Idem, p.372).
vão se ter notícias de sucessivas resistências dos povos indígenas.
No ano de 1555 (Idem, p.242), “do lado norte da cidade, distante cerca A Península de Itapagipe oferecia espaço para casebres e quintais,
de duas leguas e próximo do piscoso esteiro de Pirajá, no sítio onde porém, o deslocamento cansativo por caminhos de terra, de mar,
hoje é a Plataforma, liderados por Boyrangaoba, índios atacaram de a distância, dificultavam a ocupação da região. Ao passear pela
surpresa engenhos da região.” Depois, tupinambás que “domina- região do Bonfim, Gardner no século XIX, ao retornar referiu-se
vam as terras para além de Pirajá pescando na Costa até a entrada que havia passado por “uma pequena aldeia rente do mar e cujos
do esteiro de Matoim,” denominados Ipiru, em português Tubarão, habitantes, pretos, em sua maioria, se ocupam principalmente da
“investiram contra o engenho Pirajá, apoderando-se dele fazendo pesca da baleia” (AZEVEDO, 2002, p.206).
moradores prisioneiros e com poderosa frota atravessaram o braço
do mar e desembarcaram no Ponto Grande, atual porto do Bonfim A construção da ferrovia em 1860 fazendo a ligação entre a Cal-
onde se fortificaram a seu modo” (idem, p.269). Os índios em 1555 çada e Aratu, ao lado da primeira linha de bondes puxada por
animais, inaugurada em 1866 de Água de Meninos ao Bonfim e em Estes acontecimentos logo se fizeram refletir nas freguesias do Pi-
1868, uma linha locomotiva a vapor entre o Bonfim e Itapagipe (Vas- lar, dos Mares e da Penha e logo nestas se concentraram escravos,
concelos, 2002, p.220), contribuíram para o desenvolvimento da re- mulatos e libertos. Muitos escravos de ganhos que viviam separa-
gião. Juntou-se a isso, a instauração da fábrica de tecidos São Braz dos de seus senhores moravam nessas áreas (Mattoso, 2002, p.123)
do grupo Cia Progresso e União da Bahia da família Catharino em conhecidas por seus terrenos baldios aptos a serem ocupados com
1875 (Mattoso, 1978, p.280). casas de taipa.
Segundo Vasconcelos (2002, p.306) a partir de 1920, a península de Beneficente e Recreativa São Miguel. A constituição de sociedade
Itapagipe passou por uma série de transformações. De local preferi- civil foi um dos mecanismos utilizados pelo povo de candomblé,
do para o veraneio à região entre a Calçada e a Boa Viagem e entre o não para driblar, mas enfrentar a perseguição que recaiu sobre os
Bonfim e a Ribeira passou a ser ocupada por pequenos adensamen- cultos de origem africana, embora se soubesse que era preciso
tos. A inauguração do Hospital de Isolamento no Monte Serrat, a re- muito mais para enfrentar um jogo que envolvia poder, prestígio
forma do Forte, o primeiro loteamento no Bonfim e depois em 1941 e carisma dos próprios sacerdotes.
a “aprovação do loteamento Jardim Cruzeiro com 870 lotes, em 49
hectares, de Fernand J. Américo” (idem, p.303), mais a ocupação de Uma análise dos sócios fundadores da Sociedade Recreativa, Cul-
Massaranduba, são algumas das principais mudanças. Plataforma tural e Beneficente São Miguel, informados na publicação do ex-
se expandia desde a fábrica São Braz82. trato do Estatuto dessa Sociedade no Diário Oficial do Estado na
Bahia no dia 1 de agosto de 1943 sob número 3084, permite-nos
A Sociedade Beneficente, Cultural e Recreativa São Miguel perceber alguns “parentes” de Severiano Santana Porto referen-
Acertadamente, Severiano Santana Porto chegou ao ano de 1900 já dados pela oralidade, bem como o trânsito destas pessoas entre o
iniciado e também desde cedo dividiu regiões centrais da cidade centro da cidade, a Península de Itapagipe e Plataforma.
com a Península Itapagipana. Ou se achar melhor, pode-se afirmar
que Severiano fez santo logo após a Guerra de Canudos. Alfaiate de Segundo esta publicação83, a Sociedade teria sido fundada no ano
profissão, Severiano resolveu abrir casa de candomblé num dos pe- de 1940 tendo como finalidade, de acordo com o Art. 2°:
ríodos de maior perseguição policial aos cultos afro-brasileiros, o
intertício de 20 a 40 do século passado. Como outros do seu tempo, a) realizar estudos sobre as letras afro-brasileiras, em geral, e, em particular
82. http://www.amoahistoriadesalvador.com/fabrica-sao-braz-plataforma-a-
mantendo religiosa observância de todos os rítimos, toques, instrumentos, ri- tem aparece em segundo lugar, ao lado do amparo dos associados
tual e cerimonial, adotadas naquele culto, assim conservando com a máxima nos casos de enfermidade ou dificuldades de vida. Vários autores
veneração e absoluto respeito este legado histórico dos antepassados.
já se ocuparam com os ritos realizados em torno da morte. Dentre
os ijexás, eles são feitos de maneira diferente de outras nações de
Na elaboração do Estatuto, Osvaldo Basto, assentado como vice-
candomblé, como veremos adiante.
-presidente, e o Diretor Intelectual Geraldo Bernhs, tiveram parti-
cipação especial. Ambos eram funcionários públicos. É digno de
Severiano Santana Porto era o Presidente; Osvaldo Basto, o Vice-
nota chamar a atenção para o perfil intelectual que se quis impri-
-Presidente, como dissemos, era funcionário público e morador da
mir na Sociedade. O que seriam hoje estudos sobre as letras afro-
Calçada do Bonfim. Theophão Bahia, Diretor Intelectual, também
-brasileiras? Provavelmente algo que envolve a língua, mas não
era funcionário público e morava em Massaranduba. O 1° Secretário
apenas isso. Talvez por isso que o Estatuto especifica “em parti-
era comerciante e morava na Calçada do Bonfim, chamava-se Ge-
cular os costumes africanos e as religiões negras no Brasil.” Estes
raldo Bernhs. Feliciano Baptista Ferreira, o 2° Secretário, era maqui-
dois termos dispensam explicações, evidenciam a preocupação de
nista e morador da Soledade. A Tesouraria ficou por conta de The-
um grupo muito próximo aos africanos e seus costumes, além das
moteo Ferreira, carpina e morador de Massaranduba. Claudionor
religiões elaboradas por estes e seus descendentes no Brasil. É in-
Santos Pereira era o Bibliotecário Arquivista; operário, morava em
teressante também chamar a atenção que quando se falou sobre
Plataforma com Severiano. “Era como se fosse um filho de criação.”
essas religiões negras e suas nações, a saber: “Angola”, “Quetú” e
João Rocha, operário e morador à Pedra Furada (Bonfim) assumiu
“Gege”, o Estatuto não deu notícia sobre a nação ijexá, nação de
o cargo de Vigilante e Visitador. A Sociedade tinha três Relatores:
candomblé de Severiano. Era o culto que ele queria preservar. O
Juvêncio dos Santos que morava na Soledade; Nicanor Silva que
candomblé ijexá era o legado histórico dos seus antepassados ao
morava no Canto da Cruz, ambos eram operários, e o menor Carlito
qual o Estatuto referia-se como obrigação de veneração e abso-
Santos, alfaiate, morador da Estrada da Liberdade. A suplência da
luto respeito. No Estatuto, a preocupação com os ritos post mor-
Sociedade ficou com Sinval Almeida, mecânico, morador da Estra-
da da Liberdade; Roza Lima de Sousa, doméstica, moradora de São sição mediana. Foi credor do morador do 1° andar da casa de n° 4, à La-
Miguel; Enedina Maria da Conceição, doméstica, moradora da Ordem deira de São Bento, o qual lhe obrigou a entrar na justiça para receber
Terceira de Sâo Francisco; Maria Joaquina da Conceição, doméstica, valor correspondente a aluguéis vencidos84.
moradora do Engenho Velho; Laura Sirqueira, moradora da Soledade e
Maria Inocência de Sant´Anna, doméstica, moradora de Massaranduba. A posição das mulheres na suplência reflete muito mais do que a
mentalidade machista da época. É bem provável que esteja mesmo
Não nos restam dúvidas de que este era o núcleo principal da co- relacionada à preocupação em proteger essas mulheres, pois cer-
munidade fundada por Severiano Santana Porto. Como podemos tamente, dentre elas podia estar a sua mãe de santo.
observar, a maior parte das pessoas residiam na Cidade Baixa nos
bairros da Calçada, Bomfim e Massaranduba. Outra metade residia Das mulheres citadas apenas encontramos documentação refe-
no centro antigo: São Miguel, Ladeira da Ordem Terceira, Soledade rente a três delas: Enedina Maria da Conceição, Maria Joaquina da
próximo dali, a Estrada da Liberdade. A Soledade corresponde à re- Conceição e Roza Lima de Souza.
gião antes denominada Quitandinha do Campim. Do lado de dentro
oposto à cidade, temos menção ao Engenho Velho. Dentre os ofí- Enedina Maria da Conceição nasceu em 15 de maio de 189485 na
cios destacam-se os de operário da fábrica textil São Braz, responsá- Freguesia da Conceição no “becco dos Calafates”. Filha natural de
vel pela expansão do bairro de Plataforma. Maria José Bueno e neta de José Antônio Bueno e Caetana Maria
Roza, foi registrada por Cyrillo da Conceição. Orfã de pai e mãe,
Buscando informações no Arquivo Público do Estado da Bahia so- Enedina cresceu sob proteção de Raimuda da Silva Lima, à Rua dos
bre estas pessoas, os dados limitados que encontramos nos permi- Coqueiros, distrito de São Pedro. Na ocasião da publicação do ex-
tem concluir que em linhas gerais trata-se de um grupo pobre e de trato do Estatuto, tinha 49 anos de idade.
pessoas com poucas posses, que nas suas trajetórias de vida estão
84. APEB, Judiciário, Ação Civil. Estante 34/ Maço 1367/Documento 17.
arroladas em brigas e ações de despejos. Osvaldo Basto gozava de po- 85. APEB. Processo Crime. Estante 19/Caixa/790/Maço 07.
so Industrial da Bahia com quatro janelas de frente e nos lados janelas e portas,
da mesma Companhia e do outro com a casa de Valu de Tal e pela frente com a
272 situada à Rua dos Artistas na povoação de Plataforma, até o mo- A casa tinha na frente porta e janela, sala de visita, um quarto e uma sala de
87
mento é um dos documentos que atestam a presença de Severiano jantar que também serve de cozinha e um pequeno quintal .
como referência para a fundação do terreiro São Miguel. O Bate Es- imóvel, que vamos encontrar mais um dado sobre a localização da
taca ficava “lá em baixo, enfrente ao Boião”, diz Tia Ditinha, ekedi de casa. Lá se diz: Rua dos Ratos, na freguesia da Penha. A Rua dos Ratos
Iansã. Insiste ela: ficava na Ribeira. Rosa Lima de Souza pode ter sido, de fato, como
sugere alguns depoimentos, a responsável pela iniciação de Seve-
Mas ele não começou ali. Já veio sabeno. A casa não existe mais. Existe o lo- riano no orixá Logun Edé. Ela poderia ser a sua tia consanguínea,
cal. A casa dele ficava em frente ao Boião. Na marê, onde a gente vai botar o
irmã de sua mãe que veio de Ijexá, passou pela Baixa de Quintas, Ci-
presente. Né por isso que o presente daqui é no Boião? O presente daqui não
dade de Palha e depois seguiu para a Península de Itapagipe. Se não,
é no Monte Serrat! O presente daqui é no Boião.
algo importante estava acontecendo em 1896, pois quase um mês
antes do batismo e consagração de Severiano, ela estava vendendo
É, todavia, a figura de Roza Lima de Souza que reabre a discussão
seu imóvel. Se não foi o legado ancestral de Rosa que Severiano deu
sobre o Santo de Canudos e o legado ancestral de Severiano.
continuidade, em 1896 estava acontecendo algo particular dentro
deste grupo ijexá, relacionado à sua expansão e consolidação, o que
Por ocasião da publicação do Estatuto, Roza Lima de Souza, primei-
lhes permitiram guardar como memória “o Santo de Canudos”.
ra suplente da Sociedade citada, possuia mais de oitenta anos. Um
fato nos chama a atenção, o de que Roza em 1873 está comprando
de Vicente Barbacena uma casa na Travessa Bugari, Itapagipe, fre-
guesia da Penha. Em 20 de agosto de 1896, Roza aparece vendendo
esta casa a Elvira Rosa dos Santos por quatrocentos mil réis. 87. APEB, Judiciário, Livro de Notas. 984. p. 12v.
Severiano de Logun Edé fundou o seu terreiro sob o auspício de 1913. Tia Ditinha conta ainda que antes do Terreiro São Miguel, o lo-
São Miguel, um dos arcanjos cuja importância transcende o mundo cal já tinha abrigado outro candomblé, o que pode ser atestado pela
cristão. Príncipe e guerreiro, São Miguel89 é patrono dos fuzileiros presença de um pé de Iroko no fundo do quintal.
navais e dos marinheiros.
Edite Etelvina Costa de 86 anos, filha de Oxumaré e Ekedi de Iansã
De acordo com o Estatuto, a Sociedade Beneficente e Recreativa São é a memória mais antiga do candomblé fundado por Severiano de
Miguel funcionava desde o ano de 1940. A inscrição do terreno de Logun Edé ao lado de Beatriz Moreira Costa, Mãe Beata de Yeman-
1.217m² da Companhia Progresso e União Fabril da Bahia no nome já de 85 anos, e de José Zeferino Aquino ou Pai Zezito de Oxun �
de João Nepomuceno de Souza foi lançada no ano de 1942. João 86 anos, iniciado por Pai Severiano em novembro 1956, hoje resi-
alugou umas das casas, a de número 96 para Severiano conforme dente em Belford Roxo, estado do Rio de Janeiro, onde tem casa de
90
conta Tia Ditinha : candomblé91 . Tio Zezito de Oxun tem 84 anos. Tia Ditinha, como é
chamada carinhosamente a primeira, é “nascida e criada”, como ela
Sei que a casa era de João. A casa foi de João que construiu. Antes de João mesma diz, em Plataforma e frequentou a casa desde pequena:
morar, disse que morou uma pessoa de candombre antes de Siviriano. Porque
João fez a casa, mas não morou na casa [...] antes de João vender a casa, Sivi
Vinha desde pequenininha .... com minha mãe... porque minha mãe
veio morar. Porque antes Sivi morou de aluguel aqui. Depois foi que comprou
vinha dia de quinta feira conveusar com ele... porque dia de quinta
a casa. Ai disse que antes morou uma pessoa que também era de candombre.
feira ele não trabalhava. Ai minha mãe vinda de tarde, a gente ficava
aqui conveusando tudo aqui...
89. https://br.pinterest.com/pin/182255116148478819/
90. Etelvina Costa, 83 anos. Entrevista realizada no dia 27 de fevereiro de 2016. 91. Entrevista realizada em Belford Roxo no dia 05 de abril de 2016.
uma tia sua chamada Felicissima. Felicissima casou-se com Anísio dia de Logun Edé, Severiano não “passava água”, respeitava.
Agra Pereira, Sargento e músico do Corpo de Bombeiro, como ela
repetiu várias vezes durante a entrevista realizada no dia 05 de abril Ele saia todos os dias para trabalhar. Pegava a pastinha dele e atravessava lá para
a Ribeira. Só não saia dia de quinta-feira porque ele não passava água dia de
de 2016 em sua casa no Rio de Janeiro. Pai Anísio, “um branco bem
quinta-feira. Porque para ir de Plataforma para a Ribeira tinha aquelas barcas
magrinho que usava óculos de ouro”, também era iniciado para o
que passavam água. Se fosse pelo trem tinha que passar também porque o trem
orixá Logun Edé. Depois que o seu pai de santo faleceu, ele passou a tinha uma parte que passava água. Então, dia de quinta-feira que era um dia
frequentar a casa de Mãe Mariazinha de Oxun no Nordeste de Ama- consagrado a Oxossi, porque o meu pai era de Logun Edé, ele não saia. Então
ralina. “Minha avó Mariazinha era uma mulher gorda que tinha uma ele tinha esse negócio com ele. Ele, todo dia, saia de manhã e chegava de tarde.
Oxun muito rica que botava ouro até em cima no braço. Era filha de
santo de africanos. Depois que o pessoal dela morreu, Dona Dioní- Até finais dos anos 40, conforme explica o Sr. Walter Amaral93 de 82
sia do Alaketu passou a cuidar dela”. Mãe Beata teria conhecido Pai anos, o meio de transporte mais comum para Plataforma era a balsa
Severiano na casa de Mãe Mariazinha e convivido com ele à Aveni- que fazia a travessia da Ribeira.
da Ribeiro dos Santos, 18, Sete Portas, na casa de Pai Anísio e sua tia
Porque tinha uma fábrica ali. E ali você pegava transporte porque era barco, né?
Felicissima com quem morava. Aos 11 anos de idade, na casa de Pai
Pra Ribeira. A gente vinha, ia pra Ribera pra pegar a barca pra atrevessar pra lá,
Anísio, Mãe Beata tomou o seu primeiro obi de água92 na presença
pra a gente subir aquilo tudo. Tinha uma fábrica ali, eu não sei o que era. Eu era
de Pai Severiano, Eduardo Ijexá, também de Logun Edé e Vevé de
mininote ainda... eu não sabia o que era. A gente ia pra Ribera, pegava o ônibus
Yemanjá, “uma mulher gorda, branca, que foi uma das primeiras fi- de Ribera, pra Ribera a gente soltar pra atravessar na canoa pra ir pra Platafor-
lhas de santo de minha avó Mariazinha”. ma. Saltava da canoa, passava por uma fábrica que tinha ali... não sei o que era...
naquele tempo eu era mininote, meus 13 anos, 14 anos, 15 anos...Atravessava, ai
92. Ritual de adoração à cabeça. 93. Entrevista realizada no dia 3 de março de 2016.
O caminho para o Alto do Sertão de Plataforma era estreito. Tia Diti- tiga [...] Tinha a fonte... Ah que saudade daquela fonte. Siviriano de Prataforma
do Arto do Sertão.
nha resume: “Tudo era mato! Caminho só tinha para o lugar chama-
do Ilha Amarela, o do cemitério e um que dava para o rio de Mané
Dendê onde se lavava roupa”. Tia Ditinha conta que cajueiros eram Esta situação do transporte atravesssou os anos 50 conforme infor-
abundantes e havia muitas árvores que eram utilizadas como lenha: mado por Ekedi Valdenita Santos Amaral94, 81 anos:
E nesse tempo não tinha ônibus. A gente vinha pela Ribeira ou pelo trem.
Isso aqui não era rodage, era caminho. Não era rodage, não passava ônibus,
A gente vinha andando isso tudo até aqui. [...] Aí em baixo não tinha ainda
não passava carro... Não tinha rodage, era caminho muito estretio. Isso tudo
ônibus. Depois muito que veio aquela Ipiranga e era mato puro. Ai os ônibus
aqui era mato. Aqui só tinha o caminho que ia pra Ilha Amarelha, e o do cemi-
tinha problema. A gente andava no estreitinho do mato. Depois foi que fez a
tero. Tinha o caminha lá que era o caminho das Pedrinhas. Até hoje eu acho
Suburbana. A gente andava de canoa ou pelo trem. Porque ai era mato puro.
que chamam caminho das pedrinhas que a gente ia pro rio de Mané dendê
Vinha caminhando. Não tinha transporte. Era na lama quando chovia. Por
lavar. Lavar roupa. A minha mãe lavava roupa o dia todo.
que aqui chama o Sertão né? “Umbora, sobe pro sertão de Plataforma...” Até ali
Enquanto minha mãe estava lavano com as outra, a gente esta entrano dentro
onde sobe pro colégio.
do mato pra pegar caju. Aqueles cajuzinho que tava amadureceno em tempo
de caju, fim de ano... e era assim. E hoje os pé de caju acabou tudo. Até os rio
já terminou, não existe mais nem o rio mais. A gente ia pro mato catar lenha, Pai Zezito chegou em Plataforma em meados dos anos 50 e relembra:
pegar caju. Tudo aqui a gente fazia.
Salvador tinha um trêm. Não existia a Avenida Suburbana. Aquilo ali era tudo
Sobre a ida para Plataforma, Mãe Beata relembra: mato e era água. A gente muito foi catar marisco naquele lugar. Se ia de trêm.
Naquele tempo a gente atravessava a Ribeira, pra pegar pra subir aquela la-
dera. Aquela ladera chamava Ladera do Sertão. Lá em cima tinha uma casa
Até início dos anos 70, não tinha água. Egbomi Maria das Graças
grande, uma casa antiga... Lá em baixo tinha uma fonte, me lembro [...] Lá era
de Iansã, iniciada no ano de 1976, conta que no seu tempo, “a água
maravilhoso. Em noite de lua quado era tarde ia chegano aquelas mulher an-
94. Entrevista realizada em 23 de março de 2016.
subia no lombo do burro dentro de barris95 ” e na cabeça das pesso- Candomblé era de candeeiro de bibiano, porque aqui não tinha luz. Aqueles
bibiano pequeno que você vê na fêra. Aqueles bibiano. E tinha aqueles cande-
as. “Água de gasto” e “água de beber” eram recolhidas em cisternas,
ero de manga né, de vidro? Botava o gás com a manga. Aqui, sabe o que é que
fontes e rios próximos a casa.
tinha aqui pra o coisa, sabe como é que é o nome? Aquele comprido... carbo-
reto. Que botava assim no chão e... era desse tamanho assim e tinha aquela
96
Não tinha água. Naquele Pas Mendonça que tem ali... ali era um matagal. A coisa assim... as vezes era duas coizinha, uma pro lado, outra pro outro. (Edite
gente pra pegar água de beber, tinha uma estrada pequininha assim, para a
Etelvina Costa).
gente passar. E minha mãe Estelita ainda pagava também os barris. Em tem-
97
pos de festa a casa ficava cheia, pagava os barris. E eu era jovem , muder-
A casa de Severiano não passou por grandes modificações, apenas
na, ajudava carregar água. Muita água carreguei. Hoje ali em baixo que você
aumentou. Aos olhos das entrevistadas, ela está como era antes.
desce, que você ver ali negócio de depósito, queimado, ali na descida... ali era
uma cisterna que pegava água de gasto. E uma... ali onde tem aquelas casas,
“Nunca mudou”, diz Tia Ditinha, exceto o telhado que ganharam
onde tem aquela invasão98 ... ali tinha uma bica que se lavava roupa daqui. telhas novas e o atual barracão que foi acrescido após a morte de
Viu? Eu peguei esta parte. Isso aí eu tenho orgulho de contar a minha histó- Severiano. Alguns quartos de orixás também foram construídos a
ria. Quando eu cheguei pra qui. A água do barril vinha pelo burro, agora, eu partir de meados da década de 70. “Mas a casa não mudou”, insis-
carreguei muita água na cabeça. Muita água de gasto. Eu subia essa ladera. tem. A casa ficava sobre uma elevação. Por este motivo haviam três
pedras largas na entrada e três na porta dos fundos, servindo de ba-
Tia Ditinha também lembra que o candomblé no tempo de Severiano era tentes que davam acesso à cozinha, o mato e à casa de Omolu. Aos
de candeeiro e assim permaneceu durante trinta anos porque Egbomi Ma- poucos, o chão de massapê da casa de taipa, molhado para varrer e
ria das Graças conta que “no seu tempo” já havia luz elétrica, mas era fraca, a enfeitado com a mais alva e fina areia e folhas de pitanga em algu-
maioria das vezes pifava. E quando pifava, apelava-se para o aladin. mas ocasiões, que até finais da década de 70 sobreviveu em alguns
95. Entrevista realizada no dia 7 de maio de 2016. espaços da casa, foram substituídos pelo assoalho de cimento verde
96. Refere-se ao Hiper Bom Preço da Av. Suburbana.
e depois por cerâmica. Lembra Tia Ditinha:
97. Estava com 21 anos de idade.
99 ela, Oxun. Chamava ela, a menina... Oi, tal dia vai ter um aniveusário de uma
Essa casa era igual daqui para cá quando ele veio praqui. Depois que foi
100 menina muito querida. Faço questão que voce vá. Você, o senhor, depende da
aumentano. Mais daqui pra baixo, tudo era mato . Isso tudo ai era mato .
forma que ele lhe tratava porque ele era professor. Ele lhe tratava muito bem...
Candomblé era aqui nessa sala. Iaô foi feita, dançou, nome, tudo aqui nessa
Era uma especialidade muito legal.
sala. Aí era mato, era quintal101. Não existia essa porta. Isso aqui era mato. Pra
descer pra ir no mato pegar uma folha, qualquer coisa que quizesse fazer lá
Outra lembrança destes aniversários nos vai ser trazida por Everaldo
embaixo tinha três pedra. Era três pedra na subida, na entrada e três pedra na
descida. Era isso aí. Costa Nogueira102, iniciado em 1985.
Eu passei um tempo morando com a tia de minha madrinha. Essa tia de mi-
O candomblé de Severiano era restrito. As poucas pessoas que to-
nha madrinha morava com uma pessoa e essa pessoa era de candomblé. E aí
mavam parte eram convidadas para um aniversário, a exemplo do
me convidou num final de semana para ir num aniversário na casa dele comer os
concorrido “aniversário da menina”. Segudo Pai Zezito, o seu pai de doces. Eu tinha na faixa de uns treze anos. E eu fui. Chegando lá, era candomblé.
santo lhe explicava que “não se chamava o nome do orixá Oxun no
sol quente para não queimar a pele dela.” Assim, ele resguardava-se Esse relato vem dela mesma e daquelas pessoas que conheceram meu avô Se-
veriano. Ele fazia as obrigações, mas ele não dizia que ia bater candomblé. Então
em chamar sempre “a menina”. Lembra Tia Ditinha:
ele dizia assim: ‘Ah, vá comer os doces!’. Assim, na festa de aniversário da menina
(que a festa da Oxun de meu pai Nozinho). Ai ele fazia aquele xirezinho... Nin-
Aniversário de Oxun, ele não lhe convidava. Ele dizia: Vá lá em casa que vai ter
guém sabia que era candomblé. E era de portas fechadas. E disse que ele ficava
uma reza de tarde. Vá lá em casa que vai ter uma menina que vai fazer aniveu-
na cabaça e também no agogô, sentado ali naquela sala e o candomblé era ali
sário tal dia.... Ai você vinha. Mas não tinha candombre, não tinha festa não
de porta fechada. Então quando chegava alguém perguntava: Quem convidou?
tinha nada. Era assim... uma mesa de doce.. coisa assim para o pessoal que
É convidado de quem? Pra aniversário, não era pra candomblé. Acho que por
vinha que ele chamava... Não tinha reza, não tinha nada. Nada de candombré.
conta daquela época, da perseguição [...] então ele deve ter vivido aquilo ali e se-
No dia do aniversário dela, de Oxun de pai Nozinho. E ele não chamava
gurou. Não era como hoje que se diz: Vai ter festa, vai ter iaô, vai ter candomblé
99. Menção à direção da porta principal até a sala que antecede o atual barracão. na casa de fulano... Então tia Ditinha dizia isso, que era na cabaça e no agogô.
100. Refere-se ao local onde está situado o atual barracão, a casa dos orixás e o espaço mato do terreiro.
101. Refere-se ao atual espaço onde foi construído o barracão. 102. Entrevista realizada no dia 15 de março de 2016.
Ah, meu filho! Eu já cheguei ver o soldado entrar aqui pra parar o candomblé
por causa da polícia porque era lá que tinha que tirar a licença. E ele não tava
com a licença. Só que tinha pessoas aqui que ajeitou e disse que no outro dia
a licença ia tá na mão deles e tal... Que eles deixaram continuar a festa. Isso
aí eu ainda alcancei aqui. Essa vez eu tava aqui. Não foi pior por causa dessa
pessoa que era do exército... Acho que era alguém dele que ele fez uma coisa,
Menino não entrava na festa. Menino não entrava pra ficar assim não. Não
vinha menino não, meu filho! Menino que vinha aqui era eu (risos).
Também não era atabaque. Era esses tabaque pequenininho. Mas sempre to-
cano no ijexá. Era os três pequenininho. E também tocava o gan. No tempo
de Sivi era só os pequenininho. Não tinha atabaque grande não. Era só ijexá. zito resume seu pai de santo como uma pessoa formidável: “Quan-
Aqui era ijexá. Aquilo era muito legal, muito bonito. E eu menina vinha assim do ele dava uma palavra, ele cumpria.” E Ekedi Valdenita completa,
e ficava espiano, olhano aquilo porque a festa era aqui . Nome de iaô era tudo
“era muito alegre”. É, todavia, Mãe Estelita que vai dar mais detalhes
103
aqui . Quando eu fui ficano, cresceno, crescenco, cresceno [...] ai já vinha
sobre a personalidade de seu pai de santo.
pra qui ver as coisa, mas não para entrar no preceito. Aí vinha pra qui, pra ficar
aqui e tudo [...] Quinta-feira era o dia que chovesse ou fizesse sol, minha mãe
Segundo Pai Everaldo de Oxun Mãe Estelita dizia:
tinha que vim aqui pra ficar mais ele conveusando.
Mãe Beata de Yemanjá completa: “a casa era tão arrumada naquele Ele era muito calmo, muito tranquilo. Ele ficava sentadinho ali na porta espe-
tempo. Era aqueles móveis antigo. A sala quando tinha festa tinha rando as pessoas chegararem. Era híper educado. Não falava alto, não gritava
ninguém. Quando tinha que chamar a atenção, ele chamava reservadamente.
muita comida”.
Segundo minha mãe Estelita falava, ele era uma pessoa muito, muito edu-
cada, mas não deixava de ser uma pessoa de pulso. Segundo ela, ela já ficou
Severiano do Alto do Sertão de Plataforma várias vezes, dias “virada” dentro do Kale Bokun por conta dela ter feito algu-
Discreto, reservado e exigente, estas são as três palavras que pare- ma coisa ou até mesmo porque ele gostava muito de minha Mãe Estelita. Ela
cem melhor resumir a personalidade de Severiano Santana Porto, falava muito bem dele.
daquelas que ouviram falar sobre ele. Alfaiate de profissão, Severia- sã104 que chegou criança no terreiro e conviveu com alguns velhos
no era tão educado que tia Ditinha insistiu: “ele era professor, mas iniciados por Pai Severiano, assim com a sua tia Estelita de Iansã:
nunca exerceu a profissão dele”. Mãe Beata nos disse: “Muito educa-
Eu me lembro que o povo falava que ele era muito carismático. Tinha um jeito
do... As coisa dele tudo era feito com aquele coisa. Muito exigente.
de tratar muito delicado. Ele era muito carinhoso. Foi um Babalorixá amigo
Meu pai era muito sábio. Ele não era coisa não. Era enjoado”. Tio Ze- dos filhos, muito próximo, muito sábio... Era uma pessoa que tinha um co-
103. Onde estava acontecendo a entrevista. 104. Entrevista realizada no dia 27 de fevereiro de 2016.
nhecimento de axé muito bom pra época dele, pra a prática religiosa. Porque
ele tinha filhos de santo e clientes. Ele era muito simpático e muito sutil no
agir. Eu lembro que meu pai Caçula dizia: eu era menino mesmo, o que segu-
Severiano era alto. Não era negro retinto, explica Mãe Beata de Ye-
manjá. Segundo Pai Everaldo Nogueira, Mãe Estelita falava num
“cabo verde muito fino”. Sr. Walter Amaral nos descreveu o pai Se-
veriano: “Usava calça de linho, calça diagonal, camisa de linho [...]
tinha uma pasta. Ele ía muito lá em casa no Carmo”. O Carmo refe-
re-se à casa de sua avó Maria da Conceição Correa Lima, que mora-
va à Ladeira do Carmo, 17. Chamada de Maricota, era filha de Oxalá
e mãe de Egbomi Nila de Oxun e Mãe Estelita de Iansã. A pasta de
Severiano aparece como algo inseparável dele, salvo na ocasião em
que as crianças a pegavam e saiam correndo, subindo a ladeira do
Alto do Sertão, conforme nos informa Pai Zezito:
Ele saia todos os dias de manhã e chegava de tarde. Na Ribeira ele tinha as
filhas de santo dele. Ele ia trabalhar como alfaiate lá. De tarde ele vinha, subia.
Tinha crianças que pegava a bolsa dele e saia correndo. Quando ele chegava
a bolsa dele já tinha chegado há muito tempo.
Doté Amilton Costa do Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe também refere-se à Bia de Omolu, amiga de Severiano que tinha barraca na
conheceu Pai Severiano105. Ele confirma o que as pessoas falaram a respei- feira Das Sete Portas onde ele passava, comprava peixe e levava para
to de Pai Severiano e acrescenta que ele foi decisivo para a sua vida: Felicissima, tia de Mãe Beata fazer moqueca. Bia de Omolu morava
no Caminho de Areia, explica Pai Raimundo. Pai Everaldo fala que
Era muito fechado. Jogava muito bem. Simpático, bonito, adorável, meigo e segundo a sua mãe de santo:
muito educado. Eu fui ser pai de santo, graças a um conselho dele. Ele disse
a mim que Xangô mandou me dizer que tinha três caminhos para mim. Que Pai Severiano era uma pessoa que ia onde os clientes dele estavam. Ele co-
era para eu escolher um dos três. Ele disse assim. “Meu filho você é tão bonito locava o buzio dele debaixo do braço e ia atender na casa do cliente. Ele foi
e jovem quer morrer?”. Você tem que cuidar do santo de sua família. Você fazer muitas obrigações na casa de fulano e sicrano, ia olhar em muitas casas,
não tem para onde correr. Ele mandou eu fazer um ebó no Parque de São nas casas de clientes, mas ele tinha um ponto de atendimento que era na
Bartolomeu. Ficar em pé no meio do rio e fazer. Ribeira.
Quando ele ía lá na casa de meu pai Anísio levava... Chegava com mocó com as
coisas dento. Às vezes ele vinha, sartava na Ribera, comprava peixe e vinha lá pra
7 Portas pra meu pai Anísio, pra minha tia fazer a muqueca com mamão verde.
Gostava de tomar café com banana cozida, sentado numa cadera de lona,
Quando o meu pai era vivo, que eu fiz santo, tinha uma prateleira que o povo
dava as coisas para ele. Ele ia jogando ali dentro, mas todos os dias, quando eu
estava novinho de santo, ele tinha que tirar o café para dar a Laura, a mulher
que tomava conta da cozinha, para dar o café para ela fazer da parte da manhã
tempo tinha aquelas goiabada [...] umas caixinhas de madeira. Mas ele via. Ele
fazia que não via. Aí eu dava a Marcelino, Marcelino guardava, passava para
Sobre o candomblé que pai Severiano fazia, Pai Zezito diz: “Meu pai
não era muito de tocar candomblé. Meu pai fazia as obrigações e
não tocava candomblé. Ele tocava muito pouco”. No entanto, quan-
do tocava, explica mãe Beata de Yemanjá: “Cantava muito, gostava Logun Edé de Pai Severiano foi um orixá que poucos tiveram opor-
muito de cantar pra Oxun e Logun Edé e Iewa. Ele gostava muito tunidade de ver, exceto mãe Beata de Yemanjá que descreve uma
de cantar pra Iewa quando tava lá na casa de meu pai Anísio”. O multa dada pelo orixá Oxun à sua avó Mariazinha.
entusiasmo pelo canto também é falado por Ekedi Valdenita que já
conheceu pai Severiano já velho e adoentado: Só vi uma vez, na casa de minha avó Mariazinha. Foi assim: a menina foi lavar
as louça, arrumar a casa e quebrou uma daqueles negócio suntuoso, que ela
era muito ... aí quebrou e a mulher era de Oxun. Minha avó Mariazinha fez
“Cantava muito. Ficava tocano o gan e cantano. Eu não sei se é por que ele
desfeita com a mulher e a Oxun dela veio e mandou quebrar a louça toda...
não podia descer porque era umas pedras... não era isso ai. Era degrau de pe-
mandou quebrar os prato dela tudo na ladera da fonte. Aqueles prato antigo,
dra. Aí a entrada era também três pedras, pedrona”.
aquelas louça fina quebrou tudo. Aquelas Egbomi foram levar os prato que-
brou esses prato na ladeira, na fonte. Aí as mulheres se enfeitou toda... Oxun
Não há notícias sobre parentes de Pai Severiano. Tio Zezito men- mandou as Egbomi botar aqueles balaio de louça na cabeça e chegar na ladei-
ciona apenas um possível sobrinho. Mãe Beata, no entanto, tem na ra abaixo e quebrar os pratos. Foi a primeira vez que eu vi meu pai Severiano
memória uma senhora de Oxalá chamada Talabi: tomar... Eu me lembro que esse povo tava...
Eu sei que tinha uma mulher alta que não tinha cabelo. Uma que eu fui passar Pai Zezito lamenta as coisas que seu pai falava, mas que foram per-
a saia dela e o ferro pegou, na casa de meu Pai Anísio, na véspera da festa de
didas. Ele procura relembrar do primeiro encontro que teve com
Logun Edé, uma D´Oxalá. Ela era bem alta, bem alta mesmo, mas a cabeça,
o seu pai de santo, da toalha que cobria a mesa onde pai Severia-
ela não tinha cabelo, chegava brilhar. Gostava muito de saia de palha de seda,
no lançava os búzios e falava: “mesa redonda grande e uma toalha
aquelas saias, aquelas unhonas [...] afinada... ela ia pra casa de meu pai Anísio,
ficava dias lá. Ela era chamada também com o nome de santo, era d`Oxalá. A grande muito bonita”. Já Ekedi Valdenita explica que esse jeito era o
gente chamava ela vó... ela era alta, a testa um pouco assim, mas o cabelo... fio jeito dos mais velhos, das pessoas antigas no santo e que Severiano
ou outro de cabelo... Talabi d´Oxalá. Era parente dele. Eu conheci ela na casa não prescindiu disso:
de minha avó Mariazinha, em Amaralina.
religiões de matriz africana, mas também para se proteger. “Severia- fazer um bori com ele. Ai ele foi dar um bori e chamou a gente para assistir
este candomblé na casa do finado Edvaldo de Angorô. Foi tanto que eu fiquei
no era muito querido. Vinham pessoas de todas as nações e ele dava
com amizade com este Edvaldo e tive até uma filha pequena na casa dele através
rum. Do angola então, vinha toda gente. E ele saia pra ajudar essa
de Severiano que me apresentou a ele. Ele era filho de santo do finado Ciriáco.
gente”, diz Ekedi Valdenita.
Os estreitos laços entre Pai Severiano e a nação angola vão ser de- próximo a um morro que fica perto do Restaurante Boca de Galinha. Ali era
monstrados em vários momentos da sua trajetória. Em 1917, diz-se uma roça de candomblé. Severiano tinha muita itimidade com esse pessoal
dali. Eu conheci a mãe de santo dali e a pessoa que tomava conta que também
que Pai Severiano subiu para a casa de Maria Genoveva do Bon-
era amiga de Edivaldo. Tinha Edivaldo, tinha um outro de Omolu que era cá
fim, a legendária Maria Nenen, fundadora do Tumbenci, matriarca
pra baixo mais e tinha esse do terreiro que era lá em cima que eu não sei se
da nação angola, para ajudá-la numa iniciação. Segundo Pai Zezito ainda existe.
de Oxun, seu pai de santo teria participado da obrigação de Mano-
el Circuncisão de Amaral, Manezinho Sandaió. Na década de 50, Severiano era amigo das pessoas. Ele respeitava as pessoas. Ele fazia amizade.
Ele tinha amizade com Sinhozinho de Omolu. Ele morava no Uruguai e de-
quando colocou o seu segundo barco no terreiro São Miguel, fala-se
pois comprou uma roça no Alto da Terezinha.
106. Expressão utilizada pelos velhos que significa segredo. Locução verbal que quer dizer: “calar
a boca”.
Ainda sobre o candomblé angola, ou de nação angola, tia Ditinha lembra: Morava ali onde é o Candeal, que hoje é o domínio de Brow. Lá embaixo, você
desceno desse lado, daqui, era a casa de meu pai Eduardo Ijexá. Ali tinha mui-
ta água. Dava muito jacaré, que aquilo tudo, entrano por dentro da mata, você
Aqui era o reduto do povo do Angola. Era Zé do Mocotó que foi morar lá na
ia sair no beco que eu morei [...] desceno o largo de Brotas, a Praça da Cruz
Ilha das cobras. Lá embaixo. Aqui tinha finado Benedito de Ossain, Cajado,
da Redenção. Tem a igreja. Bem na esquina você saltou na igreja aqui, você
Izo. Tinha Pedrina. Pedrina, essa morou no fundo de minha casa na 24 de
desse. Ali é o verdadero Candeal. Ali dento tinha um dos Exu mais antigo do
outubro. Esse pessoal todo...
Brasil. Conheci através do meu pai Eduardo Ijexá, lá dento, lá dento, lá dento,
lá dento... Aquilo foi um quilombo, no fundo daquela igreja que é um conven-
Otávio na Ilha Amarela era ketu, Idalice de Xangô era ijexá. Ficava
to que era de padres franciscanos. Tinha o fim de linha de Brotas, chamava [...]
na Formiga em São Caetano, lembra Ekedi Ditinha. O candomblé de O bonde só ia até ali. Beco do mulambo. Tinha a Praça da Cruz da Redenção,
Mãe Idalice vai aparecer na lista de Roger Bastide que comentamos. discia, saia lá na Pituba.
cida dentre os mais velhos do candomblé. relações de amizade como: Cesário d´Ogun; Vevé de Yemanjá, filha
de santo de Mariazinha de Oxun; Maria Joana de Oyadê; Procópio
É Mãe Beata de Yemanjá que vai nos trazer uma lista de pais e mães do Baixão; Rumana de Ogun, mãe de Sinhá que vendia fato na Sete
de santo, amigos de Severiano. Ela relembra sua avó Mariazinha de Portas; Alvaro; Nezinho do Portão; Tia Cândinha de Oxun que ven-
quem pai Severiano “era amicíssimo”. Mariazinha era de Oxun e fei- dia acarajé no relógio de São Pedro, na porta da loja Tecidos Bahia;
ta com africanos. “Depois que passou a se cuidar com a minha avó Joana de Ogun que vendia acarajé na porta da farmácia Santa Te-
Dionísia e o pessoal do Alaketu”. Anísio Agra Pereira, era amigo in- resinha, na esquina da Rua Chile; Everaldo de Oxossi de Amaralina;
separável de pai Severiano, continua ela. Outra companhia insepa- Marieta de Iansã que tinha candomblé no final de Cosme de Farias;
rável era Eduardo Ijexá. Sobre o pai Eduardo ela conta: o africano Agostinho que também tocava ijexá, morador do Beco
do Carvão na Ladeira do Tororó, n°11, pai de Railda de Ogun que
hoje mora no Rio de Janeiro; Bia de Omolu do Caminho de Areia;
operário da fábrica textil São Braz. É bem provável ter sido ele o res- blé. Era uma casa que fazia festa escondido da polícia. Disse que era ali perto
de uma fonte. Não disse que quando desce para Água de Menino não tem
ponsável pela presença de outros operários no candomblé do seu
uma fonte? Né fonte não, tem a bica. Quem desce do São José, sobre a Água
pai de santo a partir dos anos 30. Pai Nozinho de Oxun assumiu o
de Menino, pra subir pro Barbalho, disse que ali tem uma fonte pra quem
Terreiro São Miguel em 12 de abril de 1972.
desce à direita. E era por ali, a casa dessa tia. A tia de Estelita que se chamava
Emilia Ijexá. Aí o negócio foi se complicano, a velha foi atrás de Tia Massi e tia
Estelita Lima Calmon nasceu em 27 de maio Massi disse a ela: Vamos procurar outra pessoa ijexá porque essa Oyá não é do
de 1919. Filha de Alfredo Antônio Calmon e ketu. A velha é a mãe dessa daí 107. Ela foi procurar tia Massi, mas tia Massi já
Maria da Conceição Calmon, Mãe Estelita de estava com idade avançada. Você sabe que o santo espera, espera... Ela já fez
o santo com 30 anos de idade. Aí ela correu pra fazer porque tava pirigando
Iansã, “era a menina dos olhos de Pai Severia-
mesmo, mas Massi disse a ela que não podia fazer lá, mesmo porque ela tinha
no”. O encontro com ele aconteceu em finais
que ir pro ijexá. Aí acharam seu Severiano. Ela fez aqui nessa casa.
dos anos 40, quando a sua mãe, chamada ca-
rinhosamente de Maricota, chegou até Pai Severiano. Maricota era
Versão semelhante desta história foi narrada por Pai Raimundo de
Ekedi e filha do orixá Oxalá. Segundo os depoimentos, “foi feita pelo
Oxun, a partir de lembranças da fala de sua mãe de santo:
pessoal da Saúde”. O “candomblé da Saúde” é um dos candomblés
antigos que desapareceram, mas que permanece vivo na memória
Ela conta que ela foi feita por uma avó desde pequena quando ela nasceu.
do povo de candomblé. Ekedi Valdenita conta um pouco da história Ela teria feito o santo no igbá do santo. E que nessa situação ela foi feita, pe-
de Mãe Estelita, que teria motivado ela chegar até Plataforma. rerê, essa história toda. E que ela foi feita dentro do próprio igbá com meses
e que nessa situação o santo deu nome através dessa tia. Não sei como foi a
Foi assim. A família da mãe dela era do Dique do Tororó. Pessoal descendente história, mas que ela tinha o nome e tudo mais. Mas como a Mãe dela fazia
de africano mesmo. A velha dizia que ela tinha uma tia que era mãe de santo. parte de um candomblé, era Ekedi, ela teria que vim a fazer o santo. Porém as
E tinha feito qualquer coisa pra ela quando ela era bem criança. Cinco pra seis pessoas diziam que ela não precisava fazer santo, que ela já havia sido feita,
anos por aí. Foi uma coisa grande. E não foi no ketu, foi no ijexá. A tia de mãe
Estelita se chamava Emília. Emília Ijexá. Era ali no Barbalho. Não era candom- 107. Refere-se à Mãe Estelita.
mas minha avó Maricota achava que ela não deveria. Ela não queria que fos- teria se realizado para garantir estrutura mínima na casa alugada à
se dito depois que a filha dela era uma mãe de santo cabeluda. Teria que ser
Rua sertão, 96 A, geminada a outros domicílios do mesmo proprie-
feita, raspada e tudo mais. Porém, a intenção era de ser feita na Casa Branca
tário, onde funcionava o candomblé de Severiano. Ao longo de 21
onde ela convivia desde menina, mas as pessoas que estavam à frente da Casa
anos de convívio com o seu pai de santo, Estelita de Iansã foi dando
Branca naquele período dizia que ela não era para ser feita naquela nação. A
nação de Estelita não era aquela. E que a mãe dela veio buscando e foi através suporte econômico e realizando intervenções na estrutura predial
deste intuito que ela chegou [...] que desceu, pegou a balsa na Ribeira e que do imóvel, a fim de melhorá-lo cada vez mais. Uma delas foi con-
atravessou e veio à procura de uma casa e tudo mais. Quando ela passou, que cluir as paredes da sala de aproximadamente 10m² onde acontecia
ela chegou [...] como Plataforma, ali o Kale Bokun, tinha uma grande pedra
o candomblé. Lembra Ekedi Valdenita: “Ele ficou muito contente”.
que era a subida, pela altura [...] ela veio caminhando e que ela chegou na
É, sobretudo, em alguns momentos crucias que ameaçaram a per-
porta dessa casa com a mãe dela e que encontrou aquele senhor sentado com
uma varinha bateno no chão. Ai, que minha avó Maricota perguntou se ele mância do Terreiro São Miguel, no imóvel alugado, que Mãe Estelita
conhecia um pai de santo [...] e que ele respondeu: ô iá iá, eu estava aqui na irá intervir. Mesmo sendo assunto delicado dentro da comunidade,
porta e estava aqui esperando a sua chegada. Eu sabia que você viria. Através sabe-se que Mãe Estelita teria participado das renegociações da lo-
daí, foi que veio o processo de Estelita fazer santo com Sivi.
cação do imóvel ao tempo de seu pai de santo e da sua compra.
União Fabril da Bahia, conforme uma certidão de posse, realizan- Mesmo na condição de Iakekerê, Mãe Estelita permanecia a frente de
do o sonho de seu Babalorixá. Dez anos, depois, quando um filho todas as obrigações, embora todos insistissem que “ela nunca passou na
adotivo de Pai Nozinho reinvidicou a posse do lote, Mãe Estelita foi frente de Pai Nozinho. Sempre respeitou, mas ela era quem fazia tudo.
obrigada a idenizá-lo em quinze mil cruzeiros, pondo fim à questão. Quando ele chegava já estava tudo arrumado. Ele só se apresentava”.
Estava assegurada a permanência do Terreiro São Miguel.
Meu avô Nozinho, aqui, vivo. O barco quem botava era ela. Claro que por ele
ser mais velho do que ela, o irmão mais velho, ela tinha na hierarquia, No
À frente da comunidade com Pai Nozinho, Mãe Estelita tratou de
respeito, sempre botava ele na frente. Se você chegasse aqui, principalmente
inscrever o terreiro São Miguel na Federação Baiana dos Cultos afro-
na festa pública, no barracão você via que ela por ser a dona do cargo, nunca
-brasileiros, hoje Federação Nacional dos Cultos Afro-brasileiros,
ficava na frente dele por respeito109.
em 21 de dezembro de 1976. A matrícula de n°413 foi deferida dois
anos depois. Egbomi Vânia resume a história da seguinte maneira: Ela subiu para tomar conta da casa, mas nunca tirou o direito dele de suces-
sor. Ela sempre fez tudo! Você sabe aquela pessoa que faz tudo, lhe entrega o
Ela veio praqui na década de 70. Foi quando ela veio morar. Ela se mudou obi já aberto só pra você jogar? Era ela com ele. Então, tudo que ela fazia era
com a minha bisavó. O nome da minha bisavó era Maria da Conceição Cor- de comum acordo com ele. Todos os barcos são do meu pai Nozinho junta-
rea Lima. Ela veio, eu acho, no fim, dessa década. Quando isso aconteceu, o mente com ela110 .
fundador já havia morrido. Quem estava aqui, porque já morava aqui, foi meu
avô Nozinho, Claudionor. Ele já morava aqui. Então ele continuou morando e
Enérgica, dinâmica e decidida, Mãe Estelita “batia na mesa, fazia e
por isso, por minha Mãe Estelita não morar aqui, ele era quem cuidava do axé.
Então, quem fica cuidando do axé se chama Babalaxé, independente de que acontecia”, diz Egbomi Graça. Como o seu pai de santo não se limitou
alguém dê esse cargo, ou confirme o cargo. Então, ele era Babalaxé porque a cuidar das pessoas dentro do terreiro. Sabe-se do trânsito de Mãe
foi ele quem ficou cuidando do espaço físico, sagrado e também dos orixás. Estelita em outras casas de candomblé, ora como mãe pequena, ou
Minha Mãe Estelita quando subiu para aqui veio morar com a família dela.
Ela veio morar com a mãe biológica dela. Ela realmente se mudou para aqui
109. Egbomi Vânia de Iansã.
e está aqui até hoje. 110. Pai Everaldo de Oxun.
mesmo como mãe de santo. Egbomi Vânia observa: “ela tinha muitas
filhas de santo fora do Kale Bokun. Ela adorava as abian dela”.
XX. Assim, era comum dizer: a casa de tal sacerdote. Vamos para a
casa de tal pessoa, assim por diante. Mãe Beata de Yemanjá relem-
bra: “a gente falava a casa de Siviriano do arto do Sertão”. Sertão era recidos pela Universidade Federal da Bahia, a partir dos anos 60,
o nome da Rua na qual o candomblé ou a casa de Pai Severiano através do Centro de Estudos Afro-Orientais influenciou sensivel-
estava localizado. O logradouro era assim chamado até os anos 80, mente a “linguagem do povo de santo”. Pais, Mães de santo, Ogans,
quando foi substituído pelo nome de Antônio Balbino. Ao conferir Ekedis e outras lideranças religiosas, foram presenças assíduas em
identidade civil à sua casa, Pai Severiano a registrou com o nome de cursos de língua e cultura iorubá e kicongo. Talvez este fato expli-
Sociedade Beneficente Cultural e Recreativa São Miguel. Tratava-se que não o nome, mas a modificação da ortografia de algumas pa-
na verdade do Terreiro São Miguel, nome que perdurou até o ano lavras, substituindo as letras “x” por “s” como podemos observar no
de 2001 ao menos nos registros referentes a esta casa, que estão nos caso do terreiro estudado.
arquivos da Federação Nacional de Cultos Afro-brasileiros. Em 1976,
ocasião em que ocorreu a solicitação de matrícula nesta associa- Em 1983 a II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura,
ção, foi o nome “Terreiro São Miguel”, o apresentado para se fazer alavancando discursos de ruptura com referenciais que remetiam
o registro. Não vamos entrar na discussão em torno de associações ao passado escravo e o distanciamento de práticas católicas em tro-
que desde cedo os cultos afro-brasileiros conseguiram fazer com o ca da afirmação de valores negro-africanos, contribuiu para algu-
catolicismo através de alguns santos. Fato é que por múltiplas razões mas casas de candomblé tornarem pública, nomes guardados atra-
Pai Severiano encontrou maneiras de homenagear o orixá a quem vés de fórmulas incompletas e frases interrompidas que compõem a
foi consagrado através do arcanjo São Miguel, ambos representados complexa línguagem do povo de candomblé.
como príncipe e guerreiro.
A língua do santo possui figuras de línguagem próprias. São elas:
Nos registros de solicitação de licenças para a realização de obri- o segredo, o fundamento e o fuxico, apenas para citar algumas.
gações existentes na FENACAB, a designação “Terreiro São Miguel” Embora tenha sido organizada a partir de antigos falares africanos,
é substituída por Ilê Asè Le Bokun no ano de 2001. É digno de nota como bem demonstrou a Professora Iêda Pessoa de Castro (2001,
chamar a atenção do fato de que os cursos de línguas africanas ofe- p.80), a língua do santo é mais do que fruto de um acordo linguís-
tico dos léxicos africanos do século XIX. É mais um veículo de ex- Pai Raimundo nos ajuda a entender um pouco sobre a história des-
pressão simbólica. A sua constituição é contemporânea a fatores tes nomes contando o seguinte:
relacionados às dinâmicas sócioculturais dos diferentes grupos e os
diferentes contextos nos quais estes estão inseridos. Desta maneira, Nos anos 90 começamos caminhar para alguns encontros onde tinham ou-
tros terreiros. Encontros para conseguirmos desenvolver projetos sociais. Aí
a língua do santo é dinâmica. A língua do santo ou liguagem do
eu voltei e perguntei à minha mãe se a gente não tinha um nome. Eu via que
candomblé é, na maioria das vezes, fruto mais de um acordo grupal.
lá muitos terreiros tinham nome. Aí eu fiquei insistindo. Até que ela um dia
Assim, o significado de palavras, termos e expressões só podem ser
disse: a casa sempre teve um nome. O nome da casa é Le Bokun.
encontradas a partir de determinado contexto. Em outras palavras,
faz parte do repertório específico de cada nação, de cada casa de
Le Bokun foi, assim, o primeiro “nome africano” da casa fundada
candomblé. Dito isto, podemos agora comentar sobre as designa-
por Pai Severiano, revelado por Mãe Estelita. Não podemos esque-
ções que a casa de Pai Severiano teve no decorrer de sua vida.
cer que ela assumiu como Ialaxé no ano posterior a morte de Pai
Nozinho de Oxun, ou seja, em 1995. Talvez, antes, a sua condição de
Dentro da comunidade, afirma-se que Mãe Estelita tenha aguarda-
Iakekerê não lhe permitisse fazer isso.
do a hora certa para tornar público o nome da casa. Verdade é que
ela teve participação decisiva na substituição do nome Terreiro São
Nos registros da Federação Nacional de Culto Afro-brasileiro, a
Miguel para Ilê Axé Le Bokun, escrito Ilê Asè Le Bokun.
expressão Kale Bokun vai aparecer a partir do ano de 2004. Este é,
pois, o “nome africano” que se firmou e foi popularizado. Segundo
A partir dos anos 90, a junção das palavras iorubás ilê +axé. Ilê, casa
Pai Raimundo, Mãe Estelita, após a primeira conversa teria dito: “As
e axé, força, poder, passou a substituir a expressão: “casa de fulano
pessoas ficam chamando: Le Bokun, Le Bokun, Le Bokun. Não é Le
de tal”. Assim, cada vez mais terreiros de candomblé foram aban-
Bokun. È Kale Bokun. Em outras palavras, Mãe Estelita se resguardou
donando antigas denominações católicas e fazendo uso de “nomes
de informar o nome completo da casa fundada por seu pai de santo
africanos”, preceditos das palavras Ilê Axé.
(SILVA,1996, p.552).
É provável que o nome revelado por Mãe Estelita seja parte dessa Em conversa com o africano Félix Ayoh`Omidire, o mesmo me su-
história (itan) ou de algum poema (oriki) preservado por sua comu- geriu que a pista para entender o nome da casa, seria mesmo a pala-
nidade. Ou mesmo da cantiga como a que canta a saga do orixá vra Bokun e relembrou que Owa Obokum é o título dos reis ijexás. O
lutando dentro das águas do lado do povo ijexá: Le Bokun seria, pois, uma forma de dizer “Ilê Obokun”, o que equiva-
le dizer casa ijexá. Outra pista é a referência ao orixá Logun Edé. Um
Ijexá ê ara ê ogun dos maiores lugares de adoração desse orixá está hoje no palácio do
Oyê ki bodô fio okan
rei Owa Obokum, na cidade de Ilêshá, capital dos ijexás da Nigéria.
Owa Obokun ori mim
Sobre a casa
O subúrbio ferroviário começou a ter crescimento populacional
significativo a partir dos anos 50. Isso coincide com o início da ace-
leração da expansão populacional e espacial da cidade de Salvador.
O subdistrito de Plataforma tinha em 1950, 8.427 habitantes e dez
anos depois, quase o dobro, segundo Vasconcelos (2002, p.339).
Somou-se a isso, a implantação de loteamentos populares e ocu-
pações como os Alagados, iniciada em 1948 na Vila Rui Barbosa.
“Grande fator de dinamização da área foi a construção, a partir de
A origem do nome do bairro divide opiniões. Segundo Serpa, o
1971, da Avenida Suburbana com 14 km de extensão, paralela à fer-
nome teria vindo das balsas flutuantes que faziam a travessia entre
rovia, terminando em Paripe” (Idem, p.374). Houve também a inva-
a Ribeira e o bairro. Eduardo Dórea (2006, p.257) vai buscar explica-
são de Novos Alagados em 1971, na baixada do Cabrito, que em 1997
ções mais distantes. Segundo ele, o nome estaria ligado à platafor-
já contava com 2.324 habitantes em terra e 1.213 palafitas. Platafor-
ma que fazia parte do desaparecido Forte de São Bartolomeu da Pas-
ma, Periperi e Paripe passavam a reunir 11% da população da cidade
sagem, responsável pela proteção da enseada do Cabrito. O nome
de Salvador.
completo, segundo o historiador seria plataforma de tiro. Era o local
onde se assentava uma bateria ou um canhão.
Ainda chega-se ao Ilê Axé Kale Bokun por água e por terra. A primeira op-
ção continua partindo do bairro da Ribeira, onde barcos coloridos oferecem
uma travessia nostágica contemplando parte da baía de Todos os Santos.
Pela via férrea, o trem parte da Estação Calçada e para na estação Platafor-
ma. Todos os ônibus utilizam a Avenida Suburbana e saem de diversos
bairros e terminais.
O Alto do Sertão permanece apenas na memória dos moradores an- Findada a ladeira que parte da Avenida Suburbana, do lado direito
tigos que teimam em conservar as velhas referências. Até a década sentido o bairro de Plataforma no número 98 A, está o Kale Bokun.
de 80, a Rua Antônio Balbino 111 contava com modéstias intervenções. A casa fica no alto, atualmente pintada de branco e está protegida
por um muro que às vezes lhe esconde de olhares menos atentos.
Rua Antônio Balbino Os poucos degraus que lhes dão acesso substituíram as três pedras
colocadas na entrada da casa por ocasião da instalação do terreiro.
Segundo os depoimentos, as casas geminadas que foram unificadas
a partir da compra para melhor acomodar o candomblé passaram por
poucas modificações desde o início de seu funcionamento nos anos 40.
A maior parte daquela casa dali é feita de adobe. Se você perceber... hoje até
não parece muito por causa da massa corrida, mas se você for ver ... cutucar...
se você for bater um prego, você vai perceber que aquela parede é de adobe,
aquela frente toda ali é adobe, aqueles quartos internos ali... Esqueci de dizer
isso. Aquela casa quando ele foi pra li, não era aquela casa total. Atrás onde a
minha mãe Estelita fica deitada tem mais dois quartos e aqueles dois quartos
ali era de uma outra casa. Aquela casa era dividida. Moravam duas ou três
famílias além de meu avô Severiano. O quarto do santo era onde está hoje.
Por que o homem colocou a placa de vende-se? Porque teve uma época que
a parede que dá para o vizinho caiu, fez um buraco. E aí o homem acho que
se desgostou e queria vender a casa toda. Foi aí que minha Mãe Estelita fez
essa compra e aí passou ser essa casa toda do candomblé porque antes ali era
112
dividido por família. Tinha mais duas ou três famílias .
“A casa não tinha o muro na frente. A frente era ampla. Era tudo aberto. guindo pelo corredor encontra-se os dois únicos quartos de santo
Aquela subidinha tinha. Você entrava na sala e depois subia para ir que estão dentro de casa. Do lado direito está o quarto de Logun Edé
para o barracão lá em baixo. Aquilo ali foi sempre assim. A casa era e Oxun e do lado esquerdo está o quarto de Oxalá. Vizinho ao quar-
pintada de azul. Aquele azul forte. Aquele azul pavão”, lembra Doté to dos santos que fica do lado direito está o axé, também chamado
Amilton. pelo nome de quarto de axé, camarinha, roncó, rudeme, etc. Trata-se
do local onde eram realizadas as iniciações até finais dos anos 70. Em
À frente da casa, do lado de fora há uma casa dedicada a Exu. O que frente a este recinto está uma pequena sala de aproximadamente 10 m²,
toma conta dos caminhos. utilizada como barracão nos dias de obrigações. Por dentro dessa
sala há acesso para dois quartos e a cozinha. Era na porta que dava
Adentrando a casa, à direita, atrás da porta principal, fica Aringui, uma acesso à cozinha que se tinha mais três pedras. Através da cozinha
boneca vestida de “roupa de baiana” toda branca que passa a maioria chegava-se aos fundos ou quintal da casa. Por dentro de um dos
das vezes despercebida pelo visitante. Diz-se que “Aringui é bonitinha, quartos há uma porta que dá acesso a outro quarto que possui uma
arrumadinha e responsável”. Ela toma conta da porta de entrada do janela para a frente da casa. Um corredor localizado no lado esquer-
Kale Bokun. Só chega à porta quem ela quer. Conforme podemos ver do faz a comunicação entre a porta da rua e os fundos do terreiro.
no croqui adiante, à direita de quem entra está uma sala que guarda Esta foi a casa de candomblé que o Pai Severiano deixou em 1970.
louças antigas dentro de cristaleiras e no centro há uma mesa de ja-
carandá. Uma pequena porta dá acesso a uma salinha utilizada para Pela divisão dos espaços é possível perceber outras casas dentro de uma
fazer jogo de búzios no tempo do fundador. casa. Ainda em finais dos anos 70, continuava-se fazendo um caraman-
chão, espécie de cobertura no espaço do quintal que ficava depois da
Do lado esquerdo da porta de entrada, em frente à sala que descre- sala. Lembra Egbomi Maria das Graças de Oyá: “Quando eu cheguei não
vemos há um quarto que foi transformado em sala e no seu fundo tinha ainda o barracão. Tinha muita descida. Não tinha aqueles quartos
foi instalada uma pequena e modesta biblioteca nos anos 90. Se- que eu lhe amostrei ali fora. Só tinha o quarto de Omolu e Ogun, ali”.
Casa de ExU
Segundo a história que a própria minha Mãe Estelita me contava, aquele bar-
racão foi para o nome do santo dela. Que não era aquele barracão que tem
hoje. Aquele barracão na época foi um carramanchão, que ela diz... que se fez
a lidar com aquilo porque ela ajudava muito. Antes quando eu fui feito, ali
O atual barracão fica após a sala que antes era utilizada nos dias de obri- A casa do orixá Exu fica reservada e geminada a uma cozinha, cha-
gações, no local onde antes se armava o caramanchão. Construído nos mada “cozinha de branco”. A cozinha de branco contrapõe-se à co-
anos 80, dez anos após passou por uma outra modificação. O telhado foi zinha do axé. É na cozinha do axé que se prepara a alimentação ritu-
substituído por lajes e novas acomodações foram construídas em cima. al. Por este motivo ela é atravessada de interdições. Fechada para “os
Essa intervenção é explicada por Ekedi Valdenita da seguite maneira:
A casa ficou muito grande. Precisa ter acomodação para muita gente. Lugar
longe, não pode voltar no mesmo dia. Passa não sei quantos dias indo e vol-
Barracão
como Ogan. Meu pai tem sete filhos, eu sou a única mulher desses sete filhos.
Aí então, por esse forte motivo, as coisas ficaram mais comigo por ser a filha
mulher. E é assim. Eu cheguei aqui no Ilê Axé Kale Bokun através dela, como
Mas aconteciam algumas coisas comigo, que minha mãe achava estranho, que
não era natural [...] e ela também não direcionava para problemas de orixá. Uma
vez mesmo, o meu beliche que eu dormia. Nós morávamos numa casa na Pre-
guiça [...] Eu não sei se eu estava brincando de fogo ou não sei o que foi [...] eu
só sei que o beliche pegou fogo, mas eu tenho isso na memória. Eu era criança,
mas eu lembro que eu tava com um vestidinho que o tecido era de bisoro ama-
relinho com uns detalhezinhos vermelho e essa cama pegou fogo, esse vestido
ficou todo chuviscado e eu não me queimei. São essas coisas assim [...].
Quando minha Mãe Estelita botou o segundo barco dela. Eu me lembro que
era uma de Oxalá [...] era Albertina que era filha de Oxolufan; depois tinha So-
lange, que era filha de Yemanjá Ogunté; depois tinha Gracinha, esta está viva,
que é filha de Oyá; depois veio Valdete que morreu como Ialorixá, que abriu
o terreiro dela que se chama Ilê Axé Iewa Olodumaré. Ela era de Iewa e tinha
Iroko
também uma menina que na época ela fez... se iníciou também jovem que o e cheguei numa casa onde havia uma pessoa na janela que disse: Bom-dia
nome dela era Lucinha, era de Omolu. Essa também está viva. Não frequenta meus mulatos! Eu perguntei a ele se ele sabia de uma pessoa que tinha por ali
hoje mais a casa. E foi justamente nesse barco que eu e Marcia de Ogun [...] que jogava os búzios e falava a vida das pessoas, e ele respondeu: entre meus
Na época aqui tinha uns banco que parecia aqueles bancos de igreja que tinha filhos, que a mãe de vocês já veio na frente.
encosto, que a gente se encostava e nesse dia tinha muita gente dentro desse ter-
reiro, nesse dia do nome dessas iaô. Ai nós subimos... porque nós se conhecemos
José Zeferino Aquino foi do tempo ainda em que a iniciação no Kale
aqui crianças e ficamos amigas como somos até hoje. E ai nós subimos para ver,
Bokun durava um ano. “Era seis meses dentro e seis meses fora”.
até porque a mãe dela estava nesse barco e a gente nunca tinha visto. O que era
nome de iaô. Então criança muito curiosa, aí a gente ficou [...] deixaram a gente
Chama-se barco o grupo de pessoas que foram iniciadas juntas,
subir no banco por trás de todo mundo... estávamos até segurando uma na outra mas também designa o período de uma iniciação. O primeiro barco
até para não cair porque as parede daqui do barracão era de cimento chuvisca- que se tem notícias foi colocado por Pai Severiano em 1933 no Bate
da, entendeu? Pra gente não cair ou pra não se arranhar nessa parede. Foi aí que
Estaca de Plataforma. Nesse barco ele iniciou Onorata e Claudio-
quando primeiro orixá pulou, disseram que a gente caiu. E que hoje a gente sabe
nor dos Santos Pereira, Pai Nozinho de Oxun, que lhe sucedeu em
que se chama “bolar” e aí foi daí que a minha família começou a se preocupar e
começou a me trazer pra dentro da casa de candomblé para que eu ter vivências,
1972. Não se tem notícias sobre o interstício de dezoito anos entre o
ter noção ficar mais próximo de uma comunidade. E aqui estou até hoje. primeiro e o segundo barco de Pai Severiano em Plataforma. Assim
como não sabe mais sobre o barco de 1951 onde se iniciou Estelita
Dentro da comunidade, cada pessoa tem uma história particular Lima Calmon, atual Ialaxé do Kale Bokun. Sabe-se, todavia, que uma
para contar sobre a sua iniciação. Pai Zezito de Oxun lembra que das iniciadas teria sido feita na nação angola. A presença de pais e
foi o próprio orixá Oxun que havia lhe levado em sonho até o seu mães de santo de outra nação de candomblé iniciando pessoas na
futuro pai de santo. sua nação dentro da casa de candomblé de outro sacerdote era prá-
tica usual entre os mais antigos. Pai Severiano foi chamado várias
Sonhei que eu apanhava um trem na Companhia Leste Brasileira, que pas-
vezes para “ajudar”, como se costuma falar, a pai e mães de terreiros
sava por cima da água do mar e ia até a Estação Plataforma. Via uma fábrica,
contemporâneos a ele. Em 1917, ele teria ido à casa da Nengua Maria
subia uma ladeira. Num dia de domingo sai na busca do caminho do sonho
Nenen participar de uma iniciação. Anos depois, segundo depoi- Em 1956 foi o barco de Marcelino Geraldo Santos, de Omolu; José
mentos orais, ele estaria iniciando Manoel Circuncisão do Amaral, Zeferino Aquino de Oxun e Raimundo Silva Santos de Omolu, cha-
conhecido como Manezinho Sandaió. mado tembém de Caçula. Fala-se que este teria sido o último barco
de Pai Severiano colocado por ele dentro do Ilê Axé Kale Bokun. Em 12
Sobre este segundo barco, diz Ekedi Ditinha: de abril de 1969 ele estava iniciando na casa de Marcelino Geraldo San-
tos, Antônia Cândida Teixeira conforme declarou Mãe Estelita à Fede-
114
“Ah! Tinha essa menina que era de Omolu que chamava... Tinha Pomba de ração Nacional de Culto Afro-Brasileiro em 03 de fevereiro de 1981.
Yemanjá. Tinha uma de Ogun. Teve uma de Oxoguian, mas eu não...
O segundo barco já foi cá em cima que foi o de minha mãe Estelita. Já foi O próximo barco é um dos que a comunidade mais tem memória.
naquela casa. Ela entrou com mais cinco. Eu lembro que ela falava muito de
É conhecido como “o barco das seis”. A partir deste período, a ini-
uma Nanan115 , uma de angola que tava no meio do barco... ela falava essas
ciação passou a se desenrolar durante seis meses. “Era três meses
coisas. Eu não lembro exatamente as que tinham no barco dela.
dentro e três meses fora”. Foi o barco de Albertina Silva Santiago de
Oxolufan, de 05 de dezembro de 1976; Solange Marques Rebouças,
Tia Ditinha informa ainda sobre uma senhora chamada Dedé, que
de Yemanjá; Maria das Graças Santos, de Oyá; Carly dos Santos de
era filha de Iansã que foi iniciada depois de 1951: “Eu bordei. Bordei ca-
Xangô, todas de 12 de dezembro de 1976; Antônia Lúcia Pereira, de
misa, bordei ojá, bordei tudo isso pra ela. Aqui. O nome ainda foi aqui”.
Omolu, de 19 de dezembro de 1976 e Valdete Maria Ferreira de Brito,
de Iewa, de 26 de dezembro de 1976. Em 1977, Mãe Estelita iniciou
fora do Ilê Axé Kale Bokun, Raimundo Passos Cesar de Oxun. Em
114. Segundo Doté Amilton se chamava Marta.
115. Eugênia.
1979, fez santo Iracy Fraga de Oxossi; depois veio o barco de Stella
Conceição de Oxun em 1980. No ano de 1985 se iniciou vários bar- ciação no Ilê Axé Kale Bokun mantém as regras do passado. Ekedi
cos. A partir dos anos 80, a iniciação passou a ser feita em 30 dias e Ditinha observa: “Aqui ninguém sai de quelê até hoje”. São três me-
assim está até os dias de hoje, explica Pai Everaldo de Oxun. ses. Pai Everaldo lembra:
Os primeiros barcos foram recolhidos com mais tempo, mas a partir da dé- Voltávamos a trabalhar, mas com resguardo de um ano. O quelê é de três me-
cada de 80, nós não podiamos ficar muito tempo recolhidos por conta de ses. Ia trabalhar de quelê. Eu na época trabalhava no Polo Petroquímico. E saía
trabalho. Os primeiros já foram seis meses. Nós ficamos trinta dias. do Polo, pegava um onibus, saltava, ia pra roça até um determinado tempo.
Depois ela deixou eu ficar com a minha mãe carnal que morava em Cajazeira
porque ela sabia que minha mãe era muito rígida, conhecia o que era candom-
Primeiro foi o barco de Vânia de Oyá, Vânia Amaral Santos e Vanes-
blé e não ia deixar eu pegar em certas coisas. A gente nem assistia televisão na
sa Amaral Santos de Xangô no mês de abril. Depois, Maria José Pal-
época de quelê. Então foi muito moderno na minha época, eu ter que ir traba-
ma Santos de Oyá e Everaldo Costa Nogueira de Oxun em setembro; lhar, pegar em telefone... eu ter que pegar um ônibus. Isso foi moderno e foi
sendo a primeira do dia 07 e o segundo do dia 22 e por fim, o de Sylvia quebrado pela nescessidade do trabalho.
quebra esse vínculo muito rápido [...] a pessoa tem que viver [...] quando você
Embora tenha restringido o período de reclusão conventual, a ini-
quebra rápido é perigoso. Porque as pessoas se desconectam muito rápido
também e não vivenciam o depois [...] você não sente [...] não vai conhecer os
cantinho pra depois você ter amor por este espaço sagrado, entendeu? Temos
Ijexá,
o povo das águas
Nação de Candomblé
“Ijexá mori bogun, Aguexá. Mori bogun ô”, era a música que os ori- aparece na lista de Roger Bastide no livro Imagens do Nordeste Mís-
xás eram “puxados” para a sala na nação ijexá, diz Doté Amilton. tico em branco e preto, Baba Pecê nos lembra dos nomes de Sinha
Quando questionados sobre a nação ijexá, não restam dúvidas a ne-
nhuma das pessoas com as quais conversamos que, ao contrário de
ser um ritmo e uma dança que se popularizou a partir dos anos 80
através dos novos afoxés e blocos afros (Risério, 1981, p.57), ijexá é
uma nação de candomblé. Trata-se de um complexo conjunto de ritos
elaborados a partir de visões de mundo de povos situados a nordeste de
Ifé e ao norte de Ondo em montanhas cobertas de florestas, chamados
ijexás. Ainda estão presentes na memória do povo de candomblé no-
mes de algumas casas ijexá que desapareceram por razões diversas. Si-
vanilton da Encarnação, ou Baba Pecê da Casa de Oxumarê116 lembra:
Desses terreiros mais antigos eu conheço alguns membros que estão velhos.
Tem uma senhora mesmo que é de Xangô que era do terreiro da finada Catita Alguns ogans do Ilê Axé Kale Bokun – Arquivo da comunidade
que eu ia escondido assistir uma obrigação. Era uma obrigação que acontecia
antes de iniciar as cerimônias que ela saia às ruas. Eu ali na Mangueira, eu Rita na Muriçoca, Júlia Bugan do terreiro Língua de Vaca, rememo-
menino, curioso, ia escondido, mas eu lembro que eu vi algumas vezes esta
rando que a Casa de Oxumarê já havia sido vizinha desse terrei-
obrigação, depois não com ela, mas com quem tentou dar continuidade tam-
ro antes de transferir-se definitivamente para o local onde é hoje. Fala
bém porque a família resolveu não dar mais continuidade e ai veio à extinção.
também numa senhora conhecida por Pequena, na Vasco da Gama e
no Ogunjá, um terreiro ijexá que Lokossi, que foi Gaiaku do terreiro que
Ao lado de nomes como Catita Ijexá, Maria Catharina Alves, que já
Ventura tomou conta por muitos anos, herdado de sua mãe e uma casa
116. Entrevista realizada no dia 12 de maio de 2016.
que tinha à frente dois homens. Hoje não existem mais, conclui. e Silva descreve Ekiti como uma região de montes rochosos e difí-
ceis (1996, p.550), “Reino de montanhas”. As dificuldades do terre-
Outro fato digno de nota é a observação de que a nação ijexá e a na- no isolaram os vilarejos e os protegiam da conquista militar. Havia
ção efan são irmãs. Representante desta nação é o terreiro Olorokê. vilarejos como o reino de Idanre, situado sobre 950 metros do monte
Para alguns entrevistados “são a mesma coisa”. O terreiro Oloroke, Orosum, que só podia chegar por uma escada de corda. Talvez esta
situado à Rua Antônio Costa, n° 12 no bairro do Engenho Velho de característica da região ajude-nos a explicar a origem e importância
Brotas foi fundado por dois africanos por volta de meados do século do culto à Olokê pelo povo ado ekiti aqui chamado efan orixá, a qual
XIX. Segundo a tradição oral, um africano vindo das terras de Ijexá, Maria Violão era consagrada. Oloke significa literalmente “Senhor das
José Firmino dos Santos e Maria Bernarda da Paixão conhecida pelo montanhas”, também chamado de orixá das alturas. No terreiro funda-
nome de Maria Violão, de Ado Ekiti, teriam fundado o terreiro Olo- do por José Firmino dos Santos e Maria Bernarda da Paixão, o culto ao
rokê. Fato é que Ijexá e Ado Ekiti tinham histórias em comuns que na orixá das alturas é realizado em Iroko, outro orixá das alturas. Segundo
verdade se reencontraram no Brasil. A princípio trata-se de pequenos Baba Pecê, o Iroko do terreiro Olorokê teria sido um presente da Casa
reinos militares que algumas vezes se fundiram ou aglutinaram-se de Oxumarê para aquele candomblé, o que lhes tornava irmãos.
para fazer resistência, ora a Oyó, ora a Ifé. Ou ainda, reinos que na
sua origem mítica teriam se originados dos filhos de Oduduwa como O parentesco relativo das instituições e organizações políticas entre os
Ijebu Ode, Ondo, Ake Akure e outros (SILVA, 1996, p.456). ijexás e os ado ekiti é explicada por alguns autores como Elikia M´Bokolo
(2009, p.437) como “algo que transcende as fronteiras linguísticas por tra-
Segundo Costa e Silva (1996) para negar a prevalência no passado tar-se de povos que viram multiplicarem-se reinos, a maior parte dos quais
do ancestral de Ilê Ifé chamado Oni, em Oyó, Ilêxá e Ijebu, desen- encontravam uma parte dos seus princípios no reino ioruba de Oyó”.
volveram-se tradições segundo as quais eles não descenderiam
de Oduduwa, mas de um escravo deste encarregado de cuidar do Conclui Costa e Silva (1996, p.550):
palácio quando os príncipes saíram a fundar novos reinos. Costa
Ekiti, Akoko e Ifé parecem um só complexo cultural em que é difícil distinguir Tamborizinho, ilus, ou mesmo coigui, são designações utilizadas
onde se originou cada um de seus traços e como se processaram as trocas e
para nomear os atabaques utilizados pela nação ijexá, ao menos na
influências. Numa e noutras regiões adoram-se os mesmos orixás [...].
sua origem ou ainda hoje por ocasião da iniciação de santos pró-
prios desta nação, em especial, Oxun e Logun Edé. Mãe Ditinha in-
Creio que esta ideia seja também pertinente para responder ques-
siste: “aqui era só ijexá” e explica: o gan e a cabaça. Sr. Walter Amaral,
tões que inquietam lideranças religiosas quando são interrogadas
Ogan confirmado no terreiro do Engenho Velho descreve emocio-
sobre o porquê de não se fazer apenas o candomblé no ijexá. O que
nado o candomblé ijexá no Kale Bokun em inícios dos anos 50:
pode ser interpretado como uma fragilidade deste rito é na verdade
fruto das relações históricas de parentesco originadas num comple- O candomblé era na sala e era na cabaça. Não tinha... Tinha os atabaques
xo cultural comum, do qual estamos falando. quando tinha obrigação, mas fora disso era na cabaça. Tiacatá, tiacatá, tiacatá...
porque lá é ijexá puro. Era na cabaça. Depois, que aí ele ganhou um presente,
trouxe uns coisa pequeno, a gente aí... E aí pronto. Ele ganhou de presente. Eu
A nação ijexá quando é definida, é resumida da seguinte manei-
tocava. Eu, o finado Jaguaraci, o finado Bia... Foi todo mundo da velha guarda.
ra: “candomblé de porta fechada, no gan e na cabaça”. As portas
cerradas podem ser explicadas por conta da perseguição da polícia
O gan é um instrumento de ferro em formato de cone. Quando pos-
que nem esses candomblés, “mais discretos”, escaparam. No dia 21
sui mais de um cone também chamado “boca”, recebe o nome de
de setembro de 1949, às 21h45min, “depois de vários telefonemas”, a
agogô. Trata-se de instrumento ritual ligado à fala, consagrado ao
polícia invadiu o candomblé da Rua Pacífico Pereira (Curva Grande)
orixá Ogun. A cabaça já descrevemos anteriormente.
e prendeu o pai de santo Oscar da Silva, tomou a sua licença para
bater candomblé e apreendeu: “um atabaque pequeno, um agogô e
No entender de Mãe Beata de Yemanjá, “a nação ijexá é mais cal-
um ganza117” .
ma”. Em outras palavras, as cantigas são mais cadenciadas. Ela vai ex-
plicar: “diferente da nação angola e do ketu”. Mãe Beata chama a atenção
117. APEB. Secção Republicana. Delegacia de Jogos e Costumes. Caixa 1. 29/06/1949 a
01/01/1950. também que era uma nação que possuia muitos homens à sua frente, a
exemplo de Eduardo Ijexá, Pai Severiano, Pai Anísio, todos de Logun Edé. Quando alguém faz uma obrigação à noite, não contamos o dia. Contamos
Falou também em Procópio de Ogunjá, que embora fosse ketu, o seu orixá a noite do dia seguinte. Se for num sábado, contamos a noite de domingo
Pai Manoel, para o orixá Oxun, história relembrada pelo Babalorixá orô é muito grande tanto nos bichos quanto nos cereais.
Especificidade da nação ijexá é a “contagem dos dias”. A contagem ras na contemporaneidade, doces, salgados, bolos e outras iguarias
dos dias refere-se ao período de duração dos rituais. Em outras pala- da chamada “cozinha de branco” nunca substituíram as comidas
vras, é o “tempo religioso” durante o qual se desenrola uma cerimô- de azeite ou as comidas rituais depositadas aos “pés dos orixás”, ao
nia. Esta maneira de “contar” diferente de outras nações de candom- contrário, tem convivido até os dias atuais com as segundas, tor-
blé, faz a nação ijexá ser considerada mais devagar, a que demanda, nando na maiora das vezes os rituais mais dispendiosos. A preocu-
de certa maneira, mais dedicação de tempo. Ijexá conta as luas, não pação com o detalhe, com o pormenor, explica Pai Everaldo, custou
conta os dias, explicam alguns pais e mães de santo. à nação ijexá, o apelido de ser “o pessoal do garfo e dos talheres”. “É o
pessoal chique, do narizinho empinado”. Na verdade não é. “É só aque- ções chaves que se fazia todo ano, mas não ciclo. Existia sempre a obrigação
das Águas de Oxalá, fazia-se sempre, épocas em épocas, a cabeça do boi; se
la coisa do detalhe, do ritual”, rebate Pai Everaldo.
dava comida à Logun, Olubajé [...] mas não era ciclo. O que se fazia todos os
anos eram Águas de Oxalá [...] E também a minha mãe Estelita passou a fazer
Outra característica é a ausência de um chamado ciclo de festas. Ou
a feijoada do Ogun. Para movimentar a comunidade ela foi trazendo algumas
como se diz: “Era um candomblé que não batia assim”. Tia Ditinha coisas. Mas ela não fazia um ciclo. A feijoada é de três em três anos.
Oxalá. Ficaram falano que às vezes as pessoas querem passar com o seu povo
mesmo ano.
e vinha depois carregar água pra Oxalá com o bafo de bebida... não achava
certo. Aí meu pai Nozinho e minha mãe fizeram reunião, depois foram para Através do levantamento nos arquivos da Federação Nacional dos
o jogo ver o que era que Oxalá respondia. Oxalá não queria ceder. Aá a minha
Cultos Afro-Brasileiros, na pasta do terreiro é possível ter conheci-
mãe conversou, fez uma promessa, eu acho... Minha mãe pediu tanto, tanto
mento sobre algumas festas, mesmo de forma limitada, realizadas
pra esta água ser na outra sexta-feira. Aí mudou porque antes era no dia pri-
por essa comunidade do ano de 1979 ao ano de 2005. Como expli-
meiro de janeiro. Aí começava as festas.
cou as pessoas, os orixás Oxalá, Oxun, Logun Edé ou Oxossi, Omolu,
Ogun e Iansã, nesta ordem, são os mais celebrados. A importância
Pai Everaldo conta que ciclo de festa nunca existiu dentro do Kale Bokun:
de Oxalá se explica pela história do próprio Kale Bokun. Egbomi Ma-
Ciclo não. Se meu avô Severiano já era muito simples, já era muito comedido ria das Graças explica: “Ave Maria! Meu velho! É muito importante.
em abrir a casa para receber as pessoas. Isso passou para a outra geração. Pai Ave Maria! É tudo. Nós sem esse pai, a gente não somos nada. E eu
Nozinho também não era disso. De fazer um ciclo. Existiam algumas obriga- adoro muito e tenho muita fé. É a fé que me traz”.
Quando minha Mãe Estelita começou a cair que veio essa minha geração, a
gente começou, eu mais meu irmão Everaldo de Oxun, a gente começou a
dizer: não, a gente tem que ter uma consciência... a gente tem que alimen-
tar esses ancestrais que ficou aí pra a gente. A gente vai ficar lidando com
eles somente com ossé? Não, a gente precisa alimentar. Já que faz as festa
em agosto. Aqui é [...] em junho ou julho minha mãe Estelita faz Ogunjá né?
Que sempre é outro que sempre tinha festa pra Ogunjá. Ai quando chega
agosto era sempre faz festa para Olubajé e pra Iroko, né? Mesmo que eram
internas, mas aí depois a gente começou a encaixar. Oxalá que aqui sempre
foi... o ciclo de Oxalá que sempre foi em janeiro, continua... é sempre na
primeira sexta-feira de janeiro. Aí começa o ciclo de Oxalá, a água, pa pa pa ele (1978, p.87) os candomblés ijexás vivenciavam o tempo sagrado
pa pa pa ... Depois vem Ogun, Oxossi e Ossain, aí para né? E aí, a gente volta
de maneira diferente. Isso já aparece na explicação de Pai Everaldo
em junho que tem a fogueira de Airá, depois em julho tem Ogunjá, daí depois
quando ele afirma que a nação ijexá conta o tempo de outra ma-
tem Oxossi da casa. Depois vem agosto que é o Olubajé, já disse. Depois vem
setembro. Xangô é com as Aiabás. A gente faz Xangô, doze dias a gente faz as
neira. Não conta os dias, mas as luas, por exemplo. Essa vivência de
Iabás. Aí depois a gente faz em outubro, que é o odu de Oyá de minha Mãe tempo sagrado de forma diferenciada vai ser evocada por Bastide
Estelita, então a gente deixou para fazer festa se Oyá em outubro que às vezes para explicar os ritos que envolvem a morte dentre os ijexá.
cai justamente no dia do odu dela.
Sobre a ausência de um ciclo de festas, ao menos na origem de al- “No meio da sala um pano branco cobria os objetos sagrados. Três tambores
gumas comunidades ijexá, podemos nos valer de uma observação esperavam pelo Babalaô e pelos tocadores de instrumentos. O Babalaô retirou
em finas membranas, em fios tênues. Os homens aproximam-se sucessi- característica da nação ijexá que só pode ser entendida a partir de
vamente dele, que liga os punhos de todos com a erva mágica; uma mãe de
sua concepção sobre a morte.
santo procede da mesma maneira com as mulheres [...] A cerimônia pode
começar então. Ninguém poderá sair antes que termine. Todo mundo está
Babá Pecê, embora não lembre o nome, fala sobre a riqueza do ritual
de branco, ou pelo menos com roupas claras. Levantando o pano, vê-se so-
bre a mesa uma bacia cheia de água, quatro pratos entre os quais há peque- fúnebre que presenciou no terreiro Olorokê e insiste: “Não é Axéxê.
nos montes de areia e dois pratos de alimentos sacrificiais. Dois círios são Tem outro nome. É diferente. As cantigas são diferentes”. Egbomi
acesos e uma filha pega num vasinho que estava diante da porta e sai com Maria das Graças explica: “Não faz Axéxê. É carrego grande, bem
ele com o mesmo passo dançante [...] quanto à orquestra, esta se compõe
arrumado. É muita comida”. Ela nos descreve um ritual semelhante
de duas cabaças revestidas de um tecido que amortece o seu som, já de si
ao que Bastide descreveu no terreiro Língua de Vaca: “É um dia só.
fraco, e nas quais batem com a mão. Os tambores estão de luto, dormem”
(BASTIDE, 1945, p.106). Ali se bate na cabaça, é com abano, pote, mas é um dia só. Se dança
[...] É carrego. Não faz sete dias não”.
Nos Candomblés da Bahia, Bastide resume esta particularidade ao rido. O carrego também chamado de iru é a própria pessoa. Acre-
que ele chama de “medo específico da morte dos ijexás”. Segundo dita-se que antes de enviar o carrego, ou “sair o carrego”, a morte
ele, este “medo”, explicaria a ausência de uma cerimônia fúnebre continua entre os vivos e o ente querido não encontra o caminho
que se desenrola durante sete dias seguidos após o falecimento de de volta para o mundo dos antepassados. Para os ijexás, o culto aos
um ente querido, como acontece em outras nações de candom- orixás não se mistura em hipótese alguma com o culto aos ante-
blé. Estamos certos de que o medo falado por Bastide é muito mais passados. Os segundos são restritos às sociedades secretas, algumas
uma categoria sociológica do que um estado psicológico diante de delas reconstruídas no Brasil. Fala-se também que por ocasião da
uma situação considerada perigosa. Trata-se mesmo de mais uma morte de um pai ou uma mãe de santo, os santos ijexás retornam
chamadas de “donas do pássaro” (eleye), ajé ou simplesmete Iya mi, Ialaxé da Sociedade Gueledé. Tia Luíza era filha de Tia Sussu, últi-
minha mãe, representam os poderes das mulheres. Ainda hoje nos ma africana a chefiar o terreiro da Casa Branca e faleceu em 1962.
terreiros de candomblé quando um destes nomes é pronunciado, Atualmente uma das festas mais concorridas dessa casa é a festa do
costuma-se encostar as pontas dos dedos na terra e fazer sinais. barco. Trata-se de uma cerimônia realizada para o orixá Oxun e de
Verger, no texto Grandeza e decadência do culto à Iyami Osoron- forma especial a Oxun de Tia Luíza, a última da Sociedade Guele-
gá, lembra como na sociedade yorubá e na sociedade tapa ou nupe dé. No terreiro do Engenho Velho, as Grandes Mães são reverenciadas
esse poder está associado à dirigente das mulheres. Na primeira, ela através da nação ijexá. Possui traços ijexás também a festa que se de-
recebe o título de ialodê e na segunda de lelu. Trata-se “da mulher senrola no dia seguinte chamada Jacaré. “O Jacaré é uma maneira de
que encabeça todas as mulheres” (Verger, 1004, p.23). A que dirige mostrar essa manifestação cultural do nosso povo, que foi proibido de
as mulheres do mercado e arbitra nas disputas entre elas. O motivo fazer nossa antiga festa das màscaras Gueledès” (Brandão, 2016, p.101).
dessa sociedade é “acalmar a possível cólera de Iya mi por meio de
cerimônias e danças executadas em sua honra” (idem, p. 26). Desta maneira, não é de se estranhar que o culto Gueledé, como é
chamado, tenha sobrevivido numa casa ijexá, uma vez que é através
Edison Carneiro em Candomblés da Bahia (1949, p.49) dá notícia da desta nação e do orixá Oxun que é o poder ancestral das grandes
festa das Gueledés no dia 8 de dezembro, na Boa Viagem, “exata- mães ainda hoje é lembrado. No Ilê Axé Kale Bokun, o culto a Guele-
mente no local onde hoje é a Vila Militar”. E informa que esta fes- dé explica-se através da presença de Mãe Estelita, filha de Oyá, orixá
ta era prescidida por Maria Júlia Figueredo que sucedeu Marcelina que em várias passagens aparece ligada à ancestralidade. A presen-
Obatossi no terreiro do Engenho Velho. Diz Carneiro: “Maria Júlia ça de Gueledé na comunidade é evocada para justificar ao mesmo
gozava de grande prestígio entre os negros e merecia o título honro- tempo, a singularidade de alguns ritos pós-morte e a ausência do
so de Iyalodê Erelu”. Segundo Ekedi Sinha (2016, p.100) “Maria Júlia culto aos Eguns, ancestrais masculinos que na sociedade secreta de
Figueiredo era a representante suprema das matriarcas africanas”. egungum retornam do mundo dos mortos sob tiras de pano.
Ela diz também que uma filha de Oxun, tia Luíza, teria sido a última
aqui na Mangueira na casa da finada Catita Ijexá. Era uma procissão que per-
Barracão em festa
corria as ruas do bairro. Tinha um menininho que saia na frente, que Cidinho
até replicou isso no Carnaval. Esse menininho tinha um nome. Ele saia pri-
meiro na frente e fazia vários atos. Tem a cantiga e tudo. Era tipo um presente.
O menino era tipo alguém que ia na frente abrindo a obrigação. Ele levava pai de santo. O último, segundo informações, foi realizado na déca-
tipo um bastão. Um bastão todo preparado, ele enfeitava com folha de murta.
da de 90 num determinado aniversário de morte de Pai Severiano.
E isso era antes de toda cerimônia pra uma abertura da casa. Mas atrás vinha o
O Otum é uma procissão que sai do quarto de Omolu, o dono da
toque e um presente que era uma oferenda para os orixás ijexás.
terra. É como se fosse um pedido de licença aos ancestrais da terra
para o povo ijexá continuar cultuando os seus orixás. À frente do
Obrigação que também vai ser lembrada por ele era a procissão que
cortejo vem os ilus, acompanhado os assentamentos de Omolu e de
algumas mulheres do Terreiro Língua de Vaca organizavam todos
Logun Edé e em seguida vem o orixá Oxun, representada através de
os anos em direção ao Terreiro do Gantois no dia da Oxun de Mãe
dezesseis quartinhas. O cortejo é finalizado no quarto de Logun Edé.
Menininha.
Explica Pai Everaldo:
Airê unmalê airô, vestida com anagueta, com saieta e tinha um abebé de metal que saia da tampa.
Oxun ibo rê. Então só as Iabás carregavam aquelas representações. Não teve matança nesse
Airê unmalê airô, dia. Era somente o orô e mesa de doces, essas coisas assim, finas... E aí saia este
Ode ibo rê cortejo de dentro da casa de Omolu ia para o barracão, dava aquela volta e subia
Airê unmalê airô, e colocava lá no quarto principal que era o quarto lá da frente, que é o quarto
Logun ibo rê ô. onde tá Logun. Aí transcorria a festa... vestia orixá como em todas outas festas.
Há ainda no Ilê Axé Kale Bokun, a cerimônia do Otun. O Otun é festa A cerimônia do Otun, que foi reproduzida na capa do livro, é uma
restrita realizada após ter transcorrido alguns anos da morte de um espécie de sintese dos elementos ritualísticos do Ilê Axé Kale Bokun.
Ela rememora várias passagens históricas em que alguns povos io- ijexás. Omi lorewa, ou Omimolê significa águas brilhantes. As águas
rubas tiveram que render homenagem aos donos da terra, ancestrais são a morada de Oxun. Diz que ela vivia o tempo todo nelas. Oxun
locais, anteriores à sua chegada, sem a qual seria impossível a sua é um estado da Nigéria e Oxogbô é a sua capital e cidade mais po-
consolidação. Ela é ainda momento de afirmação da identidade ijexá pulosa. Anualmente se realiza uma grande festa em homeagem a
através da presença de Oxun, orixá cuja história se confunde com este orixá. Esta festa anual a Oxun, realizada no seu rio, rememora o
a do povo Ado-Ekiti e Ijexá e do Orixá Logun Edé, o dono da nação pacto entre ele e a sua divindade e o ancestral do rei chamado Laro.
ijexá, o orixá, filho das águas. Conta-se que este ao se estabelecer às margens do rio Oxun, uma
de suas filhas desapareceu quando se banhava no rio e ao retornar,
“Enquanto houver Oxun existirá o povo ijexá”, diz a cantiga entoa- voltou coberta de jóias, contando sobre o que havia visto. História
da no Ilê Axé Kale Bogun, hoje conhecida pelos demais terreiros da semelhante vamos encontrar em algumas comunidades negras ru-
cidade de Salvador. Trata-se de um oriki que narra a saga do povo rais. Como gradidão, o rei fez oferendas ao rio de comidas de milho
de ijexá às margens do rio Oxun. De acordo com alguns africanis- e inhame, as quais os peixes, mensageiros de Oxun, vieram recom-
tas, como Onadele Epega, citado por Verger, o rio Oxun nasce em pensá-lo. A palavra Oxogbô significaria: “Oxun encontra-se em es-
Ekiti Efon e é ao mesmo tempo uma divindade. Nestas terras, Oxun tado de maturidade”, segundo Verger apud Frobenius (2012 p.395).
é a mãe do rei de Ijebu Ere que se chama Awujale (VERGER, 2012,
p.392). O rio Oxun, corre em várias partes da Nigéria e por onde ele
passa é divinizado. Assim, é verdade, como diz a música, “enquanto
houver Oxun, haverá o povo ijexá”. Enquanto houver água, haverá o
povo ijexá, pois a história das águas do rio Oxun, confunde-se com
a história dos rios, riachos, lagos, marés, enseadas, etc. Talvez tenha
sido por isso que o Pai Severiano atravessou para Plataforma, a fim
de que as pessoas nunca esquecessem a relação entre as águas e os
Para os ijexás, Oxun habita em todos os lugares profundos dos rios. nhece o lugar aonde vai Oxun”. Erinlé é um caçador e ao mesmo
Iá Omi nibu. Mãe das águas profundas. Peixes e jacarés são seus tempo um rio que passa em Ilobu e vai desaguar no rio Oxun. É
mensageiros. A maior obrigação para as águas chama-se Ibo-o- isso que o oriki quer quizer. Em vários mitos, este caçador aparece
soun, chamado dentre nós de êbun, o presente que colocamos anu- associado às águas ou às profundezas dos rios, quando é chama-
almente nas águas. Oxun adora receber cânticos, mas não abre mão do pelo nome de Ibualama. Inlé, outro nome de Einle e Ibualama,
de presentes, como sabiamente um dia ouvimos: “se deixarmos de como Oxun, adora metais amarelos como o latão. Diz-se que Oxun,
dar comida às águas, as águas vão começar a comer gente”, como encheu Ibualama de idés, suas inseparáveis pulseiras. As histórias
antes, de tempo em tempo, acontecia no Dique do Tororó, morada entre Einlé e o rio Oxun se multiplicam. Fala-se que ele teria se en-
não apenas de Oxun, mas de outros orixás de água como Yemanjá e Na- cantado com as águas do rio e desaparecido nelas, outras histórias
nan. Dos presentes, Oxun adora as bonecas. Nos terreiros de candom- afirmam que assim como aconteceu com a filha do rei Laro, Oxun
blé, Oxun veste-se de boneca e muitas vezes é no interior delas que se teria levado Einle consigo, ou ainda, cansando de vagar procuran-
guarda o segredo das Grandes Mães Ancestrais. Bonecas de madeira e do caça dentre as florestas e rios que cortam as terras de ijexá, Inlé
de pano, à semelhança da kalunga dos afoxes, dissimuladas entre laços, saiu levando consigo a cabaça que levava água e suas armas. Após
panos e fitas nos altares das divindades, protegidas de olhares curiosos. alguns dias, não vendo retornar, seus filhos sairam à sua procura,
quando se depararam com a cabaça e algumas armas do caçador.
Oxun está ligada também aos pássaros e em Ilêxá, Verger (2012, Os filhos de Ibualama pediram que a água trouxesse o seu pai de
p.403) registrou um oriki que diz que ela agita as pulseiras para ir volta para casa, porém neste momento, as águas do rio Oxun pas-
dançar. Dança nas profundezas da riqueza. “Oxun faz por alguém savam pela cidade de Ijemu e diz que Einle e Oxun se encontraram
aquilo que o médico não fez”. É, pois, seguindo o percurso das águas próximo a Edé, originando outro rio chamado Logun Edé. Nos ter-
do rio Oxun, que vamos encontrar Erinlé, Inle ou Ibualama. reiros de candomblé, Einlé, Inlé ou Ibualama, segura nas mãos uma
insignia designada pelos nomes de amparô ou bilala. É um chicote
Diz um oriki catalogado por Verger (2012, p.272) que “Erinlé co- que possui nas pontas tiras de couro.
encontrando em Ede. Outra imagem preservada nos terreiros para não iriam mais resistir. Ogun, assim que soube, saiu para ajudar ao
este orixá é a do pescador. Grande acerto também do povo de santo, povo de ijexá. Fala-se que foi uma das poucas vezes que “Ogun caiu
pois o pescador divide o seu tempo entre a terra e o mar. na água”. Sabendo o povo de ijexá, que Ogun estava vindo lutar do
seu lado, recuperaram as forças e venceram os inimigos. Em Ilêxa
Ogun é outro orixá importante para a nação ijexá. Isso se explica se diz: Ogun Alakaiye Osinimale. “Ogun é proprietário do mundo,
certamente pelo aspecto guerreiro do povo ijexá, ao qual nos referi- anda adiante dos orixás” (Idem, p.160). A fim de reforçar a união
mos. A cidade de Irê, cidade fundada por Ogun, fica próxima à Ijexá. entre o povo de ijexá e este orixá, todos os anos realiza-se em Ilê-
Em Ilêxá, acredita-se que Ogun teria vindo do céu em plena noite, xa uma cerimônia chamada Ibegun. Trata-se do oferecimento de
tornou-se ferreiro e fabricou facões, enxadas e todas as coisas de um cachorro ao orixá Ogun pelo rei. Nos terreiros de candomblé
ferro (VERGER, 2012, p.155). No Ilê Axé Kale Bokun, há uma cantiga o cachorro é animal votivo consagrado ao orixá Ogun. De forma
que retrata esta ligação entre o orixá Ogun e o povo ijexá. A partir de especial a um tipo de Ogun chamado Ogunjá. Procópio Xavier de
vários orikis, sabe-se que Ogun é averso a água. O aspecto guerreiro Sousa ou Pai Procópio, foi o filho desse orixá mais conhecido
e conquistador de Ogun é retratado no oriki que diz: “Ogun é o orixá na cidade de Salvador. Procópio tinha candomblé no lugar de-
que tendo água em casa, se banha com sangue”. Todavia, conta-se nominado Baixão no bairro de Brotas e como lembrou Mãe Be-
que um certo dia, o povo de ijexá encontrava-se cercado pelos ini-
migos. Após vários dias de luta homens e mulheres pareciam que
ata de Yemanjá, talvez a sua casa não fosse ijexá, mas o seu orixá que vai à frente das matilhas. Todos os caçadores conhecem essa
era. Segundo o professor Vivaldo da Costa Lima, teria saído do história e respeitam o interdito de não atirar no primeiro animal.
terreiro de Procópio a “obrigação” chamada feijoada de Ogun, Agué é o “espírito” da natureza. É o elo entre os reinos animal e vegetal.
realizada hoje em boa parte dos terreiros. No Ilê Axé Kale Bokun, Outro orixá importante para a nação ijexá é Xangô. Oxun, segundo
a feijoada de Ogun foi introduzida por Mãe Estelita de Iansã e é os mitos, teria sido a segunda esposa do ancestral do Alafim de Oyó.
realizada a cada três anos. Verger registra vários orikis de Xangô em Oxogbô.
Na nação ijexá, Exu é um orixá que está ligado à casa e a Oxun. Fala-se Na nação ijexá, Oyá ou Iansã aparece ligada a Logun Edé e a Oxun,
que Exu é filho de Oxun e que mora em todos os cantos da casa, inclu- relação que com o passar dos tempos foi se perdendo, assim como
sive junto á determinados orixás. Tempos atrás, Exu saia para dar voltas desapareceu a referência deste orixá com as águas. Oyá é o próprio
pela cidade “porque Exu gosta de passear”. Há ainda locais na cidade Niger chamado literalmente de Odo Oyá. Em Ilêxá, Verger regis-
que são considerados lugares de culto a esse orixá como o apontado trou uma história que diz que Oyá ia à frente de Xangô com uma
por Mãe Beata no antigo Candeal, quando antes se resumia a mato. vassoura limpando o caminho por onde ele ia passar (idem, p.387).
Mãe Beata interrompeu a sua entrevista para dizer: “isso aqui que eu Essa ideia de proteção está presente em outras passagens que falam
tenho no meu pescoço (referia-se a uma bolsinha que carrega consi- sobre Oyá\Iansã. Nos terreiros de candomblé Iansã dança fazendo
go dependurada numa espécie de corrente) é um Exu. Exu anda co- movimentos com as mãos ou com uma espécie de espanta moscas,
migo e eu carrego ele para onde eu vou”. Concepção semelhante nos chamado erukerê. Oyá surge, em alguns mitos, ligada diretamente
foi trazida pela Ekedi Valdenita Amaral na ocasião, Iamorô do Ilê Axé a Logun Edé, assim como também a Oxossi. De qualquer maneira,
Kale Bokun: “porque antigamente se dizia que Exu era o diabo. Mas Exu como Einle e Logun Edé, Oyá é uma caçadora e também como es-
nunca foi o diabo. Aí as pessoas tinham que esconder muitas coisas”. tes, um rio, como o caudaloso rio Oxun.
Orixá presente na nação ijexá é Agué. Agué é um vodun da nação
jeje. Na nação ijexá, Agué confunde-se com um caçador encantado
Nas terras de ijexá diz-se que Oxalufan veio de Ifon e era o ancestral
da mãe de Obokun. É indiscutível o lugar, papel e significado des-
te orixá dentro da mitologia iorubá. Oxalufan está ligado à criação
e é chamado também de orixá das alturas. Na cidade de Salvador,
Oxalufan foi reverenciado numa colina situada em Itapagipe, onde
o mesmo recebeu o título de Babá Okê. Sabe-se que Okê signifi-
ca literalmente a montanha. Nas terras de Ekiti Efon ou Ado Ekiti,
parente próximo dos ijexá, há o culto ao ancestral Olokê, “Senhor
das montanhas”. Como já observamos, o culto às montanhas reflete
bem Ado Ekiti, descrita como “região de relevo acidentado, marca-
da por formações rochosas e montanhas”. Montanhas que durante
muito tempo protegeram o povo de Ado Ekiti. No Brasil, o Senhor
das montanhas foi cultuado também em Iroko. No terreiro do Olo-
rokê situado no Engenho Velho de Brotas em Salvador, os dois cul-
tos parecem até que se confundem. Verdade é que em vários mitos,
como Okê, Iroko está socorrendo a humanidade e unindo o céu e a
terra, ou oferecendo proteção sob suas alturas.
Posfácio
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A BENÇA VÉA...! Esse povo antigo todo... E eu, era menina, só vivia no meio,
sabia as histórias todas. Aquele negócio de “menino ta cuchi-
Siviriano do Alto do Sertão em Prataforma. Naquele tempo a gente lano”. “Menino, compre uma cachacinha pra mim”. “Menina,
atravessava a Ribeira pra pegar, pra subir aquela ladera. Aque- vá comprar uma cachaça” e a gente vinha com a garrafinha da
la ladera chamava Ladera do Sertão. Lá em cima tinha uma casa cachaça entre as perna... “ A bença véa, eu já trouxe o fumo que
grande, uma casa antiga... Lá em baixo tinha uma fonte, me lem- o senhor ou que a senhora mandou comprar.” “ Bote lá atrás do
bro... Eu conheci ele através de meu pai Anísio. Anísio Agra Pe- fogão” ou “bote lá atrás do pilão.” Aí a gente ia andano, metia a
reira. Sargente, músico do Corpo de Bombeiro que também era de garrafinha da cachaça que tava entre as perna e lá botava, e aí a
Logun Edé. Eu indo para a casa de minha Tia Felicíssima e depois gente ia aprendeno.
no candomblé de minha avó Mariazinha de Oxun do Nordeste que
tinha uma Oxun muito rica que as pulseiras vinham até cá em
cima do braço. E meu pai Siviriano era amicíssimo de Dona Ma- Beatriz Moreira Costa
Mãe Beata de Yemanjá
riazinha, do pessoal do Alaketu, minha avó Dionísia e de meu pai +27/05/2017
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o povo das águas
Vilson Caetano de Sousa Jr.
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Essa obra foi impressa em
papel Supremo IMUNE 350g e laminação fosca (capa),
Couche fosco IMUNE 170g (guardas) e
couche fosco IMUNE 115g (miolo)