Ilê Axé Iyá Nassô Oká
Ilê Axé Iyá Nassô Oká
Ilê Axé Iyá Nassô Oká
Um estudo sobre o Ilê Axé Iyá Nassô Oká e suas relações em rede
PROFS.DRS. EXAMINADORES:
LUIS NICOLAU PARÉS
RENATO DA SILVEIRA
SERGIO F. FERRETI
ZWINGLIO M. DIAS
PPGCS – UFBA
2005
Resumo
Este é um estudo etnográfico sobre o Terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká, conhecido como
Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federação, ou simplesmente a Casa
Branca, e sobre a sua rede de relações com outros Terreiros. A literatura lhe dispensa
lugar de destaque: abunda em citações do “Terreiro da Casa Branca”; no entanto, a
verdade é que nessa bibliografia especializada contam-se poucos estudos sobre o tão
referido Terreiro. Este trabalho busca preencher, em parte, esta lacuna, trazendo
elementos atuais de sua história e de sua organização do espaço e do tempo, bem como
busca analisar seus modos de constituição como grupo étnico-eclesial e a configuração
das suas relações em rede com outros Terreiros de candomblé.
Abstract
This is an ethnographic study about Ilê Axé Iyá Nassô Oká [an African Brazilian temple
in Salvador, Bahia], known as Casa Branca do Engenho Velho da Federação, or simply
Casa Branca, and its network of relations with other African Brazilian temples. The
literature gives it special distinction: the “Casa Branca” temple is often mentioned in
the ethnographic studies; however, what really happens is that on this specialized
bibliography there are few studies about this much quoted temple. Is this work’s
intention to fill at least a part of this gap, bringing elements from Casa Branca’s history
and of its organization of time and space, as to analyze it’s ways of constitution as an
ethnic-ecclesiastic group and the configuration of it’s network of relations with other
African Brazilian temples.
II
Agradecimentos
Mas há outros que ajudaram a finalizar esta tarefa acadêmica e entre elas destaco a
amiga Jussara Rêgo Dias, com quem travei diálogos imprescindíveis para a elaboração
dos mapas constantes do texto.
Contam também com minha gratidão e apreço aqueles que, mais que amigos, se
tornaram meus irmãos no trabalho, pessoas que são os verdadeiros detentores dos
saberes que procurei decifrar nesses quatro anos de pesquisa. São os sacerdotes e
sacerdotisas do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, cuja lista dos mais freqüentes no Terreiro desde
2001 incluí em agradecimento a cada um no Apêndice, evitando repetir aqui todos os
nomes. Mas quero fazer destaques dentre tantos. Primeiramente à Venerável Iyalorixá
Altamira Cecília dos Santos, Mãe Tatá, por sua acolhida e carinho. Em segundo lugar, e
especialmente, sou grato à Venerável Equede Gersonice de Azevedo Brandão, Equede
Sinha com quem mantenho grande amizade, por suas pacientes e sempre sábias e
hospitaleiras orientações. E em terceiro lugar ao Venerável Ogan Antônio Marques,
Ogan Tonho, vigoroso defensor da grandiosidade do candomblé, com quem aprendi
sobre humildade e rigor.
E a Solange Simonato de Oliveira por seu companheirismo contra a solidão, bom humor
contra as ansiedades e a um misto de ternura e confiança contra as inseguranças do
caminho.
III
Sumário
IV
I - A CASA BRANCA NA ENCOSTA DA AVENIDA DO VALE
Convidado a visitar pela primeira vez a Casa Branca do Engenho Velho, tomei uma
em que chamá-lo de “canal” seria ofensa capaz de abalar seus vizinhos e fazer
estremecer divindades.
1
(transpirando ansiedade e fumaça poluída), e fez juntar-se à percepção dos sons
estridentes a imagem da poeira convivendo com o asfalto. Para ver mais, é preciso
translado, a roupa que se pode escolher para sair de casa, e outras escolhas, por si só
“naturais”, eu veria ali uma área insalubre constituída, de forma desordenada, pelo
muitas árvores.
chegavam, caso elas não fossem tão impactantes: os montes que ladeiam o vale são
põe de frente para a vazante do rio. A visão pode alcançar moradias de diversos tipos.
2
Marcas de habitações de famílias sem condições financeiras de reproduzir o padrão
Parado ali, a visualizar o vale, vi-me de costas para o endereço que buscava; no
3
Novamente, senti-me traído pelo hábito. Este me fez assumir uma (“naturalizada”)
linha de horizonte — e deparar-me, pela primeira vez, com um terreno que não
100 metros de grades brancas, sem qualquer identificação especial. Grades que nada
escondem ao transeunte: da calçada, este pode avistar aquilo que elas cercam. À
direita, surge um terreno cimentado de uns 200 m2, onde, próximo à parede que o
limita nessa direção, se encontra o que poderia ser um pequeno lago (se cheio d’água),
4
com os contornos semelhantes a um
comprimento.
Casa Branca.
5
À esquerda, no entanto, se avista
também de cimento.
semicírculo imperfeito, que segue desde a calçada até alcançar o barco. Em seu
interior, está toda uma área de cerca de 150 m2 de grama (e, por vezes, arbustos)
6
convivendo com uma touça de bambus de mais de 6 metros de altura; de perto, pode-
se ver que o bambuzal está cingido por um pano branco — como se lhe pusessem uma
faixa com laço na cintura. A touça de bambus, que ocupa um trecho de cerca de 25
m2, finda junto a um portão lateral, num dos extremos do gradil. Se avançarmos
terreno.
... Mas por que me afirmei traído pelo olhar mantido “em linha de horizonte”, na
7
Assim como pouco antes (na contemplação da avenida inteira), também nesse novo
direção ao aclive. Pois ali, encravadas na encosta, estão as construções maiores e mais
mato baixo, e vêem-se os caminhos que lhes dão acesso, pouco perceptíveis desde a
calçada da avenida. Detendo-me assim, a olhar para cima, logo me foi possível
comparar esta nova visão com o que antes já percebera, isto é, que no endereço da
encostas do vale. Reformulei a idéia que tivera de sua vizinhança: afinal, a quem as
pessoas que vivem naquelas encostas do sítio “espraiado” até a Avenida consideram
Aquele terreno cingido pelas grades, visto da calçada da avenida, enquanto acessível à
mirada direta do observador posto de pé a sua frente, era esdrúxulo em relação a seus
confrontantes laterais, mas começava a fazer algum sentido pensá-lo avistado do alto,
do outro lado do vale; ou, ao contrário, subindo-lhe a encosta, era significativo avistar
Disto logo me convenci. Mas por que, e como, aquelas habitações das encostas
vieram a espraiar-se até a calçada, no trecho que eu examinava? Como, e por que,
reservaram para seu campo um espaço distinto, em um endereço no ponto mais baixo
8
Estas e outras perguntas começaram a invadir-me desde os primeiros momentos em
que parei de olhar apenas horizontalmente: esse estranho modo de ver que, a
mirada preliminar, e o ponto de vista então assumido fosse o natural, a base de toda a
humano, em que os olhares separam tudo entre “nós” e “eles”, “nosso” e “deles”,
sempre relativo. Era necessário olhar horizontalmente, sim, mas, a cada vez, em um
nível de altitude diferente em relação ao rio/canal que corta (cortava) o vale (diriam os
comerciantes).
Segui pela calçada, beirando a grade, até atingir o portão de acesso pela ruela lateral...
...
1
Certamente é disso que os clássicos da antropologia falam ao se referirem ao termo etnocentrismo.
Trata-se do olhar que vê o outro a partir dos valores do seu próprio grupo social, em cujo convívio se
aprende e se gesta uma visão comum do mundo: as noções de certo e errado, bom e mau, feio e bonito,
semelhantes e diferentes, enfim referências de interpretação sobre o que se vê e se sente.
9
Dessa vez (nessa nova ocasião, tempos depois), eu integrava um cortejo, na chegada
de uma pequena multidão enfeitada com roupas de festa — suas melhores roupas,
seguindo a imagem do Santo, trazida da missa. A passagem pela frente da casa que eu
avistara da calçada, o trecho entre ela e o barco de cimento, levava as cerca de 400
pessoas à referida escadaria, que, logo no início, tem uma pequena construção à
direita, recinto onde se encerra uma fonte; em cada degrau cabem três, ou, no
leva, à direita, a uma segunda edificação, esta já um pouco maior que a primeira (tem
10
cerca de 10 m2); junto a ela, a maioria dos que chegavam arrastava os pés por três
vezes. Esta casa está sobre um platô; do lado oposto a este, à esquerda de quem sobe,
e num plano um pouco mais alto, pode-se ver outra casa maior, de mais de 20 m2 . Só
depois vim a saber que essa era a Fonte de Oxum, que a segunda casa era a de Exu e a
outra, maior (que se divisa daí olhando para o outro lado), era de Xangô Airá.
incorporando deuses logo acolhidos para dançar na grande casa só então tornada bem
final dos quase 80 degraus, branca, como as três edificações divisadas antes.
Pude pensar, ao seguir aquele rito processional, que após os 40 degraus de subida, ou
melhor, a partir do platô onde se instalava a Casa de Exu, havia uma linha
sagrado.
11
Detive-me no tal platô, e num giro de visão, de costas para a encosta, descortinei o
moradias... E pus-me a
compartilhavam da mesma
espaço ali instalado há anos, cheio de ritos, áreas verdes (principalmente abaixo da
grande casa e à direita de quem sobe) com árvores frondosas e uma capoeira cerrada a
Tempos depois, subi ao monte oposto e deparei com a vista que os vizinhos de vale
moradias como as suas, instaladas no campo divisado desde o nível da que chamei
espaços superiores desse trecho da encosta — mas somente a partir do nível da grande
casa branca (bem destacada nesse panorama), estendendo-se para a esquerda, rumo à
12
cumeada ... por um espaço que, em um croqui, mal comporia um “q” ou um “9”)2.
Vejamos tal esboço, assim como pude elaborar, sobre uma planta da área.
2
O fato de no mesmo espaço estarem também moradores, e não só monumentos sagrados, superou
imediatamente a hipótese de usar a dialética sagrado x profano para descrever o que percebia como
uma fronteira. Que fronteira estaria então percebendo? Que fronteira estaria identificando? O que e
quem lhe seria próprio intra e extra-limites? Quais seriam seus signos e símbolos, além do transe?
13
1. Pequeno lago encimado pela imagem de uma sereia (Oxum)
1a. Praça de Oxum
2. Bambuzal: Dankô
3. Barco: Iku iluaiê (ou Barco de Oxum)
4. Fonte de Oxum
5. Casa de Exu
6. Fonte de Oxumarê
6a. Assentamento de Ossain
7. Árvore sagrada: Iroko
8. Casa de Ogun
8a. Árvore sagrada: Apaoká
9. Casa de Xangô Ayrá
10. Praça de Obaluaiê: Casa de Obaluaiê e Nanã
11a. Barracão
11b. Partes internas: X (Xangô); O (Oxalá); R (Runcó); S (Saleta dos Ogans - entrada pelo Barracão);
M (Moradias); D (dispensa); C (Cozinha Ritual); I (Residência da Ialorixá)
12. Casa de Bale: assentamento dos ancestrais
13. Casa de Oxóssi
13a. Assentamento de Ibualama (qualidade de Oxóssi)
Segui, com o público, para o interior da grande casa, onde tive acesso a um salão de
teto, cingida, no alto, por uma grande coroa esculpida em madeira compensada
14
A estabilidade da coroa é garantida por quatro colunas menores, em madeira, postas
nos vértices de uma sustentação quadrada. Todas as colunas e a sustentação têm cor
branca. Era em torno deste centro que os oficiantes do culto giravam, ao som dos
15
14
13 12 9
8 6a
11 10 7 7 5
15
4
18a
19
6b
3
18 18b
16
2
20
16 2
17
1- Entrada
2- Bancos para os homens visitantes
3- Assentamento das imagens de santos católicos
4- Cadeira da Ialorixá
5- Porta do assentamento de Xangô e das Ayabás
6a- Área onde se coloca a cadeira de Ogans em seu primeiro ano de confirmação;
6b- Área onde coloca a cadeira de Equedes em seu primeiro ano de confirmação
7- Cadeiras reservadas a autoridades religiosas convidadas
8- Bancos reservados a convidados da Casa
9- Banco onde se sentam Ogans da Casa para tocar instrumentos
10- Assentamento de Logunedé
11- Cadeira da Iyá Kekerê
12- Assentamento cercado, onde se situa a orquestra ritual
13- Área reservada aos Ogans da Casa e a autoridades convidadas (geralmente homens)
14- Porta do fundo, de onde se pode saudar os assentamentos de Oxóssi
15- Janela lateral, de onde se podem saudar os assentamentos de Obaluaiê e Nanã.
16- Bancos para as mulheres visitantes
17- Assentamento de Exu
18- Coroa de Xangô
18a- Colunas de sustentação da Coroa
18b- Cadeiras reservadas às autoridades da Casa (pessoas mais velhas e com títulos)
19- Corredor de acesso a áreas internas (Assentamento de Oxalá, Runcó, Cozinha Ritual, aposentos da
Ialorixá de outras autoridades e de moradoras)
20- Saleta dos Ogans
16
Reproduzo também a figura da coroa que encima esse conjunto:
[Coroa de Xangô encimando Barracão e cadeiras de autoridades da Casa Branca do Engenho Velho da
sumariamente descrito até aqui. Mais do que indicado pelas placas, ocupado por
eventos litúrgicos.
que dali se aproximam3, mas isso não basta para revelar quem são aqueles que
3
Sentidos de que podemos nos apropriar por definição.Terreiro vem a ser um centro religioso e uma
forma tradicional de assentamento de um grupo eclesial estruturado segundo as normas de um rito afro-
brasileiro. A palavra é dicionarizada, tendo este sentido particular reconhecido e seu emprego verifica-
se comum na vasta etnografia especializada (cf. HOLANDA FERREIRA, 1986, s. v.; LÉPINE, 1982:
68, s. v., BECKER 1995, s.v.). O designativo candomblé, termo de origem quimbundo por cujo
emprego se identifica, hoje, uma modalidade de culto afro-brasileiro, pode também aplicar-se a um
centro onde esse culto é praticado: v.g. candomblé do Engenho Velho, candomblé do Gantois... (cf.
CACCIATORE, 1977; LÉPINE, op. cit., s.v.; BECKER, 1995: 374, s.v.; SALVADOR, 1982).
17
movimentam os acontecimentos no interior de tal espaço. Quem é a população de
ascendência negra bem visível4, e de origem pobre (renda familiar de até 4,5 salários
mínimos)5. Isto, porém, não traduz o perfil complexo das condições de vida e
por vezes, não mais ali moram, mas retornam episodicamente para rever os seus; e
ocupações rituais, precisamos de mais tempo para situá-las. Era bem possível deixar-
E mais:
4
Foi possível a essa altura supor que a chave de entrada na fronteira seria a marca racial. Mesmo com
as exceções havidas entre os freqüentadores, as características raciais de negros e negro-mestiços eram
comuns à totalidade dos moradores.
5
Esses dados puderam ser conferidos com o levantamento feito pelo Projeto Iyá Nassô (PACHECO,
1999), que teve como amostra as unidades residenciais no perímetro do Terreiro, cuja renda per capita
não ultrapassava um salário mínimo em 1999 (R$ 130,00).
6
Tomado pela evidência do contraste “racial”, notável e marcante à primeira vista, tendi a atribuir-lhe
um caráter essencial. Ou seja, supus que a entrada no mundo daquelas pessoas seria demarcada por um
signo de nascença. Negros e negro-mestiços teriam acesso ao grupo, característica essencial a sua
pertença. Mas, tomando essa premissa racial, percebi logo que não seria possível deduzir muitas outras
características do grupo: a menos que seguisse inconscientemente pelo caminho dos estereótipos e
preconceitos. Não era possível supor essências religiosas, tipos de comportamento social ou qualquer
perfil de valores como correlato da identificação assim feita. Só era possível reconhecer, grosso modo,
a (possibilidade da) alegação das origens comuns referidas a um passado de regime de escravidão de
negros africanos no Brasil. Por outro lado, se eu abandonasse o critério da marca racial, o que
18
Que regime de uso tinham todas aquelas habitações?
lugar de... moradia, culto, hospedagem, convívio... quiçá com outros usos, ainda por
se revelar.
Foi, então, por esse rumo que meu olhar e minhas interrogações seguiram.
Era preciso voltar àquele sítio muitas vezes, até que me fosse possível dialogar melhor
com meus estranhos olhares e perceber os enredos do que ali se passava como
mistério.
...
De volta à Casa Branca do Engenho Velho, após três anos de presença em seu espaço,
chamadas “Águas de Oxalá”), pude também hospedar-me ali. Nesta nova condição
constituiria aquelas pessoas como um agrupamento humano? Seria possível encontrar definições
19
(de hóspede), mais de uma vez me foi dado acompanhar, desde a véspera, um dia
... Desde o dia anterior, dos mais variados cantos do Brasil acorriam pessoas para
ouvira ser chamada por alguns de seus integrantes — em parte dispersa, mas ligada
que não podem ter a participação de todos, em ambientes sagrados a que não se
subgrupos ocupados nas mais diferentes tarefas. Algumas mulheres tratam de preparar
eram conduzidas de um modo a nunca ultrapassar um limite ainda invisível para mim,
cingindo conteúdos que não me eram revelados. Era contagiante a alegria dos
oriunda da Bahia (na maior parte, da Grande Salvador, com alguns poucos
provenientes do interior).7
descrito, todo aquele movimento me fazia pensar sobre o significado do que ali
No trato interno dado aos moradores da área total do Terreiro, foi possível discernir
em uma das moradias da área). Morar no perímetro do Terreiro não era garantia de
7
Pude contar 55 pessoas envolvidas nas ações da “comunidade”, onde somavam 16 os de fora de
Salvador.
21
pertença à “comunidade”. As conversas de que participei apontavam claramente quem
era contado como “da comunidade”, e quem não era. E se eu não podia identificar
exatamente todos os critérios de inclusão, ao menos ficava claro que estariam inclusos
sobrepunham. Ser morador era um critério possível, mas insuficiente. Por outro lado,
grande parte do grupo se mobilizava para ir à missa encomendada para Oxóssi. Uma
internas. A espera do grupo da missa por um ônibus para o translado até a igreja − de
8
Surgiam contrastes também no meu mais íntimo: as tensões entre uma clara convicção anti-racista, e
sentimentos obscuros de rejeição aos prováveis olhares que me identificassem como mais um no
cortejo. Contrastes reveladores, sem dúvida, de uma formação psíquica ambígua quanto à aceitação da
22
A missa transcorreu em clima solene, convivendo com elementos da renovação
percussão – o que eu sabia não ser uma orientação especial para o ofício então
entanto, senti ali que o conceito de “missa” para a “comunidade” era distinto. Em
conversa com gente mais antiga do Terreiro, ouvi que “se já levamos tanto tempo para
colocar a igreja do nosso jeito, nós não vamos sair, eles que nos ponham para fora”...
que eu apreendera até então) diante dos que se poderiam chamar de autoridades da
maior, produziu, para mim, alguma explicação, mas fiquei curioso por apurar as
minha volta ao Terreiro, que nem todos os que não foram ao templo católico se
abstiveram disso por causa de encargos em obrigações que, nesse ínterim, teriam
igreja”, em um tom de desdém que propiciaria uma nova reflexão teológica a ser
mestiçagem e da diferença racial; condição a ser superada somente com o longo tempo de convívio e
intenso contato.
23
comparada com as reflexões dos que foram... No entanto, mesmo sem os argumentos
pública, e mesmo os que diziam (com um quê de desdém) não ter costume de ir a
igreja participaram dos rituais internos dedicados aos que saíam para a “missa” e aos
Retornar da “missa” em meio ao cortejo então formado já não era novidade para mim,
nessa ocasião; menos ainda a quantidade de pessoas que se somara ao grupo vindo da
escada de acesso à grande casa, a partir do patamar daquela menor, dedicada a Exu. Já
no interior da sala maior da grande casa (chamada pelos fiéis de Barracão) as pessoas
transe, além dos que eu sabia ligados ao Terreiro. Era permitido a visitantes em transe
passava com a força de um momento público em que todos estão convidados a vir
Sem muita demora, os presentes adentraram as instalações da grande casa, onde lhes
foi servido um abundante café da manhã (café, leite, pães, queijos, bolos). Ali se
todos, destacavam-se alguns que eram tratados com deferência pelas autoridades da
24
O dia transcorrera rápido, em meio a muito trabalho interno. As atividades na cozinha
ritual se intensificavam, sem descuidar das visitas que chegaram no início da tarde
para comer o feijão de Oxóssi. Servir as visitas e os que trabalhavam, cuidar dos ritos
discernir...
Não demorou (no tempo medido por uma seqüência de diversos afazeres) para que
chegasse o momento de culto público noturno... Eram quase nove e meia da noite
cânticos, ritmos adequados eram executados, ora repetidos, ora novos ritmos, e a cada
O que ocorria à noite era semelhante, mas apenas semelhante, ao que se passara pela
aposentos internos da grande casa. Ficava claro que aquele ato público era expressão
manhã). Apenas algumas exceções eram aceitas, e justificadas por explicações que
aludiam a vínculo quase direto do privilegiado com o Terreiro, o que era o caso de um
9
A mera observação de um ritual como aquele leva qualquer leigo, ou estudante, como eu, a concordar
com as críticas feitas por Ordep Serra (SERRA, 1995) aos que supõem terem os grupos de candomblé
aprendido seu culto pela leitura das etnografias sobre os mesmos. Faltam a essas etnografias descrições
25
atabaques, numa fileira que compunha uma espécie de tribuna de honra. Nas laterais
hierarcas da Casa; mas sentar-se aí é permitido aos poucos líderes de outros Terreiros
sacerdotes da “comunidade”.
internos seguem como um fluxo crescente em direção à festa, ou culto público, que se
torna sua expressão e expansão. No dizer de uma das sacerdotisas mais antigas (mais
de 25 anos de sacerdócio) “os Orixás vêm à noite para dançar e comemorar conosco,
confirmar que a nossa comunidade tem axé, e que todos os nossos ritos do dia foram
Isto me faz dizer, por comparação com outros grupos eclesiais (de características mais
introspectivas), se é que posso arriscar exprimi-lo assim: na festa noturna se reza para
fora. A gente ali cresce em alegria e sente-se abençoada pela presença confirmadora
em espelho que refletem e brilham aos olhares de todos os presentes, que até ali foram
entendera ser a “comunidade” se, na mesma festa, não tivesse eu mesmo sido
coreográficas, notações musicais, análises lingüísticas e da ordem dramática dos ritos. Até mesmo uma
equipe interdisciplinar teria dificuldades de realizar uma descrição apurada do complexo dessa liturgia.
26
Oxóssi dançava em torno do barracão, na pessoa da sacerdotisa mais antiga de seu
culto na Casa Branca, quando fui apontado pelo mesmo; este me entregou um de seus
A partir daí, tornei-me mais um membro da “comunidade”, a qual não era mais
referida pelos que de mim se aproximavam dessa forma. Eu passei a ser tratado como
que, embora eu não tivesse acesso imediato a todo e qualquer assunto, o tratamento
dispensado a mim não era mais o que se dedica a um visitante ou amigo... “Há coisas
Ser suspenso não significara participação plena na “família”. Era necessário passar
sacerdotal. É isto: todos e somente os iniciados podem ter participação nos ritos com
litúrgico. A “família” é mais estrita que a “comunidade”, por designar o seu subgrupo
neófitos, admitidos como aprendizes, candidatos. O meu caso (de Ogan suspenso),
27
Os contornos da “comunidade” se tornavam mais claros. Havia o grupo sacerdotal (a
3 – SEGREDOS DE FAMÍLIA
melhor: uma seleção tradicional daqueles temas que se podem revelar a um Ogan
acumulava, aos olhos da “família”, mais que o papel percebido pelo conjunto maior
dos adeptos: para estes, ela tinha o papel genérico de intermediária dos humanos com
10
A idéia de “família”, por si, evoca naturalmente a estrutura estudada por Vivaldo da Costa Lima
(COSTA LIMA, 1977) como “família-de-santo”. No entanto, percebi algumas nuanças em meu
envolvimento prático. Primeiramente, esta noção de inclusão mais explícita no grupo sacerdotal como
entrada na “família”; nem todo adepto ou fiel é considerado da “família”, mesmo os abians. Só o
sistema iniciático (em suas gradações internas) permite a entrada na “família”; mas isto não é condição
para a adesão religiosa, como se poderia supor numa primeira leitura da obra de Costa Lima, da qual
cito o trecho seguinte, à guisa de exemplo (:61): “Sendo um sistema religioso - portanto uma forma de
relação expressiva e unilateral com o mundo sobrenatural - o candomblé, como qualquer outra
religião iniciática, provê a circunstância em que o crente poderá, satisfazendo suas emoções e suas
outras necessidades existenciais, situar-se plenamente em um grupo socialmente reconhecido e
aceito, que lhe garantirá status e segurança.” [grifos meus].
28
Ainda entre os momentos de convívio, foi inevitável ter notícias de namoros,
Engenho Velho, no meu entender, se exprime muito mais pelo controle hierático da
ascensão no círculo sacerdotal e de evitação, dão-se muito mais por meio de tabus
amálgama das relações e seus eixos hierárquicos são garantidos pelo desvelar
11
Assinalo aqui outra nuance, uma diferença relevante quanto à noção de família-de-santo de Vivaldo
da Costa Lima (COSTA LIMA, op. cit.) que dá relevo ao tema do tabu das relações simbolicamente
incestuosas entre filhos-de-santo. “Se os Orixás namoraram à vontade, por que nós, que somos matéria,
iríamos deixar de aproveitar?”, disse-me uma sacerdotisa da Orixá Oxum, iniciada há mais de 15 anos.
Ainda que identifique em sua obra quebras da regra do incesto, Costa Lima lhe dá o relevo de ordenar
as relações inter pares da “família”. De fato, pude observar que ainda se mantém alguma preocupação
em admitir publicamente que há pouca relevância no “incesto sagrado”, mas não ao ponto de minhas
observações corroborarem a idéia de que tal regra ordene as relações. Como identifico mais à frente, tal
29
não o fazem. As primeiras são adoxes [< adosu] e as seguintes são chamadas de
suscetibilidade ao transe. Apenas podem ser Ogans: ministros dos Orixás, nunca
extáticos. Os membros masculinos da “família” deste terreiro vêm a ser, pois, Ogans
crédito de regra ordenadora das relações eu tendo a confiar ao acúmulo de conhecimentos, ou à posse
de segredos rituais – fundamentos.
12
Tempo e hierarquia estão referidos desse modo ao conceito antropológico de seniority, o qual tem a
ver com a noção de distinção de gerações (oposição senior x junior); esta pode construir-se de modo
não automático (imediatamente “cronológico”), mas através de eventos ordenadamente transcorridos
em um grupo, rituais desenvolvidos em uma seqüência periódica dada, que estruturam posições de
status, definem um gradiente de hierarquia entre os que os vivenciam. Na Casa Branca (e como mostra
a literatura, no candomblé) esses eventos definem graus de iniciação, e coincidem apenas
nominalmente com uma simples marcação temporal: trata-se, antes, de uma forma de referir-se a uma
seqüência deflagrada a partir do começo iniciação, supondo um tempo mínimo até que o filho da Casa
possa se candidatar ao próximo evento [não se pode, por exemplo, fazer a obrigação de sete anos antes
deste tempo, mas é possível ultrapassar-se os sete anos em muito até que se venha a fazer dita
obrigação; o simples decurso do tempo, sem a realização do rito, não faculta a passagem à condição de
senior ]. A passagem por obrigações define a hierarquia entre os membros. Assim, pessoas etariamente
mais velhas podem estar subordinadas a outras mais jovens por serem mais novas “no santo” (de
iniciação e obrigações). Enfim: os status se definem segundo o grau de iniciação e estabelecem a
perspectiva de seniority. Aspecto muito bem abordado por Costa Lima (1977: 75), que retomarei
quando tratar da questão do tempo.
30
reduzir ao mínimo as atribuições de títulos aos seus sacerdotes e sacerdotisas13.
central do Terreiro.
4 – ARA KETU
Recapitulo: após algum tempo de convívio, nos primeiros dois anos, passei a ser
chamado de “da Casa”. Mas sentia-me confuso com relação aos significados de ser da
minhas vivências, pude identificar com que nuances estava sendo tratado.
santo, eu podia ser incluído no círculo dos da “Casa”. Falar em “da Casa” era referir-
Branca do Engenho Velho da Federação – Ilê Axé Iyá Nassô Oká (designativo em
ioruba de lugar de Axé, i.e., do lugar sagrado, do templo de Iyá Nassô). Assim, a
13
As diferenças que encontrei como as nuanças aqui apontadas, não superam a riqueza descritiva e
coincidência de nomenclaturas para os vários níveis de iniciação e inserção na família-de-santo
apontadas por Costa Lima (op.cit.). É possível seguir as correspondentes nomenclaturas estabelecidas
pelo autor para Adoxes, Equedes, Ogans e diferentes posições no barco de iniciação. Encontrei apenas
um uso tal qual o etimológico entre os mais antigos do Terreiro para a palavra ebómi. Este é um
tratamento apontado como apenas uma reverência que um(a) iniciado(a) faz a alguma mulher iniciada
antes de si (não configura uma titulação – como pude verificar em outros terreiros), não importando o
tempo de iniciação e sem conteúdo público nenhum, pois a informação sobre o tempo de iniciação
deveria ser matéria de domínio interno.
31
contração podia ser usada como referência ao templo, e os que a ele acorrem, se
passassem a ser usuários de seus serviços religiosos, poderiam ser chamados de “da
eclesial do Terreiro, dos outros moradores. Assim, estes não usavam “comunidade”
do Terreiro. “Comunidade” tinha um uso explicativo; por vezes, quando eu era apenas
“família” e “Casa”14, ainda que “família”, em geral, apareça como uma referência
indireta: é mais corrente ouvir falar, aí, de “irmãos” e “filhos” (e ver empregados
Mas não foram só as idas e vindas ao Terreiro que me envolveram nas relações com
...
Ecumênica e Serviço, uma ONG que desenvolve muitos projetos de ação social e, em
14
A expressão “Casa” se aproxima em muito da provável contração de casa-de-santo, sinônimo de
terreiro de candomblé de Costa Lima (COSTA LIMA, op. cit.: 3). O uso corrente que pude verificar na
Casa Branca tem o mesmo sentido atribuído por aquele autor; apenas destaco que casa é também nome
próprio para esse Terreiro, tanto em português como em ioruba, o que poderia confundir a compreensão
32
dos terreiros atingidos pelo Projeto Egbé foram reveladoras... Ali se encontram
oportunidade especial para ouvir e ver, por exemplo, como as outras Casas tratam os
uma advertência: “Que seja pela ordem!” Um dos participantes do encontro (de outro
antiguidade. Todos se puseram de acordo: aquele Terreiro era o mais antigo... Assim
Além disso, ficou logo evidente que, para alguns assuntos específicos de caráter
Casa Branca do Engenho Velho da Federação era de nação Ketu, e era considerada a
mais antiga desta nação. O reconhecimento desta dignidade se dava mesmo entre os
entre o que é genérico e o que é específico. Fica como curiosidade para outra pesquisa a dúvida: teria
surgido nesse grupo eclesial o sinônimo “Casa” = Terreiro?..
33
tamanho... mas também de prestígio e idade. A “Casa” era contada entre os “grandes”
e como a mais antiga. Outras (várias) reuniões desse Projeto vieram a confirmar essas
constatações16.
Engenho Velho referir-se ao “povo da Casa”, como quem usa uma gíria baiana para
outro sentido, mais ligado a “nação”. Imediatamente ela me corrigiu, dizendo que
falava das pessoas ligada à “Casa”; mas acrescentou que “Ketu é nossa nação, somos
A essa altura, eu ainda entrevia um cenário coberto por alguns véus. Algumas
Desde o meu primeiro encontro com a “Casa” até então, ela se tornara muito mais que
15
Apesar de não ter sido constituído para fins de pesquisa, o grupo constituído por 33 terreiros de
candomblé, que se reunia periodicamente, servia bem para o fim de testar o reconhecimento público da
Casa Branca e em que termos este se processa em meio ao “povo-de-santo”.
16
Foram três reuniões em média por ano, com uma participação de 25 em média do universo dos
seguintes 33 terreiros: Ilê Axé Oyá TunJá; Ilê Axé Jfocan; Terreiro de Oxum do Caminho de Areia; Ilê
Axé Kayó Alaketu; Ilê Axé Obá Nijó Omim; Vodunzô; Sociedade S. Jorge Filho da Goméia- Ilê Axé
Gum Tacum Wseré; Axé Abassá de Ogum; Mãe Graça; Tony Sholawio; Vintém de Prata/Ilê Ibiri Omi
Axé Airá; Terreiro de São Sebastião; Terreiro Filhos de Ogunjá; Ilê Axé Ogum Ladê Iyá Omim; Ilê
Omim Funkó; Terreiro Mucundeuá; Ilê Axé Obá Tadê Patiti Obá; Ilê Axé Taoyá Loni; Ilê Obá do
Cobre; Ilê Oxumaré Tuumba Junçara; Tuumbalagi Junçara; Ilê Axé Omim Lessy; Ilê Asse Omim
J’Obá; Casa Kanzo Mucambo; Ilê Asé Maa Asé Ni Odé; Terreiro Gidenirê; Ilê Axé Obatadê; Ilê Axé
Omim Oiá; Abassá de Amazi; Ilâ Axé Oyá Iogbe; Ilê Axé Oiá Iatolejê; Ilê Axé Loyiá; Onzó de Angorô;
Tuumbaenconconsara
34
renda, a qual habita as encostas de um vale. Às festas públicas desse centro de
papel decisivo o tabu dos segredos em torno das atividades rituais... A “Casa”
enredo.
...
35
Quando cheguei a este ponto, ainda não me era possível arriscar alguns porquês.
Afinal, que história estaria por trás de tanta dignidade simbólica atribuída àquela
“Casa”? Donde lhe viria o status de patrimônio histórico e etnográfico, que uma
placa, na entrada de seu terreno, apontava aos visitantes? O que significava mesmo ser
de nação Ketu? Por que uma área delimitada em uma Avenida de casas comerciais
grupo eclesial de gente de baixa renda? Que formas jurídicas assumiam todas aquelas
relações? E, enfim, como as notícias de suas festas atingiam a tantos, e tão distantes?
Terreiros que até ali acorriam, que a freqüentavam, que vínculos mantinham com a
necessária. Porém, mais que isso, eu carecia de depoimentos dos integrantes daquele
ou explicar alguma relação. Mas quando esses adquirem um poder de síntese decisivo,
36
“Na esfera civil, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho é representado pela
SOCIEDADE SÃO JORGE DO ENGENHO VELHO, fundada a 25 de julho de 1943 e
registrada (em 2 de maio de 1945) sob o número 518, no Cartório de Títulos e
Documentos, com o nome de SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA SÃO
JORGE DO ENGENHO VELHO. Esta entidade foi registrada, também, no
Departamento das Municipalidades, sob o número 428, às folhas 155 do Livro de
Registro, na forma do disposto no artigo sétimo do Decreto Municipal 16521 (de 28
de junho de 1956); preencheu as formalidades previstas no artigo quarto do referido
Decreto em 21 de agosto de 1958. Foi declarada de utilidade pública municipal pelo
Decreto 759 de 31 de dezembro de 195917. Tem sede no próprio Terreiro da Casa
Branca do Engenho Velho (Avenida Vasco da Gama, 463). Em abril de 1999, uma
Assembléia Geral alterou o Estatuto da que até então se chamara Sociedade
Beneficente e Recreativa São Jorge do Engenho Velho e passou a denominar-se
SOCIEDADE SÃO JORGE DO ENGENHO VELHO. O primeiro Presidente desta
Sociedade foi o Sr. João Capistrano Pires Dias. Seu atual Presidente é o Sr. Antonio
Agnelo Pereira. A Ialorixá do Terreiro da Casa Branca é também a Suprema
Dirigente da Sociedade São Jorge do Engenho Velho. Tem hoje este cargo a
Venerável Altamira Cecília dos Santos. A Sociedade São Jorge do Engenho Velho
não tem fins lucrativos e tem por finalidade, de acordo com seus Estatutos (Art. 1o.),
... manter ritos e preceitos do Culto dos Orixás segundo a liturgia nagô
instituída pelos fundadores do Ilê Axé Iyá Nassô Oká; defender os direitos e
interesses da comunidade religiosa do Ilê Axé Iyá Nassô Oká,
tradicionalmente designada como Egbé Iyá Nassô Oká.
Soma-se à referida uma outra área de 1316 metros quadrados (a Praça de Oxum)
também integrante do Terreiro. O imóvel como um todo goza de imunidade fiscal por
força do Decreto Municipal número 6666, de 08 de setembro de 1982, retificado pelo
Decreto Municipal 6830 de 17 de dezembro de 1982.
17
O registro de utilidade pública foi revalidado em 2003.
18
Essa legislação foi modificada pela lei 6.319, de 30 de setembro de 2003, que incluiu a área da Praça
de Oxum na APCP aí citada.
37
O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho foi tombado pelo INSTITUTO DO
PATRIMÔNIO ARTÍSTICO E CULTURAL, órgão do Ministério da Cultura, através do
Processo número 1.067-T-82, Inscrição número 93, Livro Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico, fls. 43, e Inscrição número 504, Livro Histórico, fls. 92. Data: 14. VIII.
1986. Este tombamento teve lugar em 31 de maio de 1984 e foi homologado em 27 de
junho de 1986 pelo então Ministro da Cultura, Celso Monteiro Furtado, nos termos da
Lei número 6292, de 15 de dezembro de 1975, e para os efeitos do Decreto-Lei
número 25, de 30 de novembro de 1937.
O terreno do Ilê Axé Iyá Nassô Oká acha-se demarcado, com limites definidos e
especificados em legislação que diz respeito à ASRE onde se encerra, com plantas de
localização e situação, levantamento planialtimétrico, planta baixa de seu monumento
principal (o Barracão). A área foi ainda objeto de estudos etnobotânicos conduzidos
por uma equipe técnica da Universidade Federal da Bahia [(cf. PACHECO, 1999);
ver também Laudo Etnobotânico em anexo].
Este trecho é parte de um laudo elaborado pelo Professor Doutor Ordep Serra, laudo
38
...
No ano de 1943, a “Casa” optara por ter uma representação civil. Em anos anteriores,
as formas de relação com a ordem legal vigente seguiam outros meios, menos
formais. A instituição de uma sociedade civil, a atual São Jorge do Engenho Velho,
recordava, ao falar-me, muitas de suas lutas em defesa do culto dos Orixás, entre os
relatos que ainda habitavam sua memória (debilitado que estava fisicamente por um
derrame); ele era ainda capaz de evocar sua entrada para a Polícia a fim de atenuar,
como policial, as atitudes repressivas contra a sua “Casa”... Falou de seus estudos de
ioruba, de como desejava que essa língua fosse ensinada nas escolas baianas... E de
seu ressentimento devido ao não reconhecimento, por parte do Estado, de seu diploma
de ioruba, para efeitos de promoções internas... Sorria ao lembrar-se das vezes em que
charlatães “que jogavam búzios com pedras para imitar o som”, fazendo prognósticos
39
alegremente, dos incômodos que causava aos apresentadores de rádio e outros que lhe
perguntavam “que é que o senhor, branquinho, tem a ver com essa gente? Como é que
o senhor sabe tanto?”... “Eu sou de lá, eu estudei” — respondia o Elemaxó (de posse
desse cargo desde 1947). Falar da “Casa”, da Vasco da Gama do tempo do bonde, e
ligava esse homem à vida (precariamente vivida então, em casa, na cama de seu
quarto), deixando-o com um brilho úmido nos olhos... Mas nenhuma história o
o terreno do Ilê Axé (de quase um hectare) fora mantido como arrendamento durante
anos sucessivos, desde a década de 1850. A área onde “toda a terra é de a Oxóssi e a
terreno, um espaço que se estendia desde a fonte — hoje protegida por uma pequena
na área da praça”.
(Faço aqui uma pausa. O que antes descrevera como área cimentada à direita, ladeada
por bancos de praça e com um pequeno lago encimado por uma sereia, chama-se, para
40
corresponde ao assentamento do Orixá Dakô, ou Dankô. Mais adiante se encontrará
A praça atual foi construída na área do posto, após uma longa luta de retomada,
conjunto habitacional que queria fazer na área [...]. Fiquei besta de ver, acabava com
tudo, e ficava só a casa do Barracão para o candomblé”. Era um plano ousado e foi
Velho, desde o primeiro ano da década de 1980, visavam a garantir e preservar a área
41
REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Estado da Bahia
DIÁRIO OFICIAL
ANO LXXII SALVADOR — QUINTA-FE1RA, 10 DE SETEMBRO DE 1987 N. 13.687
Waldir com a máe-de-santo: o abraço da gratidão e do reconhecimento... ... a quem devolveu a Casa Branca seu espaço sagrado perdido há muitos anos
42
Outros personagens, mais e menos ilustres, poderiam ser citados nessa luta, mas a
Sociedade, que tinha sua moradia na casa à beira do portão, ao lado do barco de
cimento (singular santuário de Oxum, chamado Okô Iluaiê). Ali situada, esta moradia
encarna a própria história de seu antigo habitante, líder das relações da “Casa” com as
A estranha relação que me intrigara, daquele espaço com a Avenida Vasco da Gama,
lógica manifesta nos dados sobre a história da Avenida20), e ocupado por um posto de
plano reincorporado ao trecho de encosta conexo, preservado, este, em seu uso mais
pela reconquista de um endereço “na rua” (“na avenida”): um espaço deles, antes
19
Advirto logo que esse uso de comunidade envolvente eu o fiz ad hoc, nos limites de uma pequena
metáfora de conveniência; não supõe isolamento do grupo em apreço, apenas conota a sua autonomia
relativa, sua singularidade enquanto grupo particular.
20
A propósito, é esclarecedora a pesquisa geográfica de Jussara Cristina Rêgo Dias, à época de nome
de solteira Jussara Cristina Vasconcelos Rêgo (RÊGO, 2000) sobre a evolução das ocupações na
região. A área da atual Av. Vasco da Gama era, à época da colonização, um sítio recoberto de mata
atlântica, de fontes naturais e cortada pelo Rio Lucaia, de cujo curso e margens se aproveitaram as
primeira populações ribeirinhas – ponto de partida da urbanização da área. Sua ocupação mais
sistemática se deu “com a implantação de redutos negros, formações quilombolas”(: 8). O mesmo
trabalho indica a área como lugar de ocupação “rito-territorial” por grande número de Terreiros (são
mais de 90, em dados atuais da autora) – dado que coincidiria com a evolução das anotações
geográficas presentes nas observações de Nicolau Parés (NICOLAU, 2002) em suas leituras do jornal
O Alabama. Um lugar assim ocupado, supõe-se, como de resto em outras formações urbanas
brasileiras, o crescimento desordenado e por expropriação e expulsão dos ocupantes tradicionais das
áreas nobres. Caso das beiras de rios.
43
...
Constituiu uma referência decisiva. Outros Egbé, contados entre os mais antigos, se
Nessa festa da Praça de Oxum, os Terreiros do Gantois e do Ilê Axé Opô Afonjá, em
Mas que testemunhos a etnografia reservara ao Terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká?
capacidade daquele grupo de estender-se para além dos limites estritamente religiosos,
Ainda que fique clara a eleição de alguns atores para o desempenho de papéis
públicos estratégicos, por meio de sua Sociedade Civil – como o foi, por muitos anos,
sobrepõem. Ao contrário, tais atores devem ser seus elementos integrados na sua
44
hierarquia... Manifesta esta lógica a atitude da mãe-de-santo, que encaminha a maior
...
Entre as coisas que revelara, a leitura do estatuto da sociedade trouxe-me uma dúvida.
O que era aquela referência à “liturgia nagô instituída pelos fundadores”? Nos
[gente da] “nação Ketu”. O que justificaria aquela referência à “liturgia nagô”? Seria
uma atribuição externa, fórmula de emprego em domínio público, que ali, no estatuto,
A literatura etnográfica poderia ajudar a elucidar melhor esse ponto... Quem sabe, ao
atribuída pertença à “nação Ketu” e suas ligações com a dita “liturgia nagô”.
21
Tema reconfirmado no livro comemorativo dos 60 anos de iniciação da Ialorixá Stella de Oxóssi, do
45
poucos estudos sobre o tão referido Terreiro. Quanto a isso, pode-se destacar, na
Projeto Iyá Nassô da UFBA (PACHECO, op. cit.) e do Projeto EGBÉ - Território
formalmente na literatura, na qual não falta referência aos casos exemplares das
Gantois, e da Ialorixá Eugênia Ana dos Santos, fundadora do Axé Opô Afonjá.
(CARNEIRO, 1979; SANTOS, 1993). Muitos outros terreiros, não apenas da Bahia,
mas também do Rio de Janeiro, de São Paulo e de outras partes do Brasil, originaram-
se da mesma matriz, da Casa Branca do Engenho Velho. Edson Carneiro (op. cit.: 63)
chegou a dizer que deste Ilê Axé se originaram, de um modo ou de outro, todos os
Brasil, de modo que cabe reconhecer grande exagero nesta afirmação; isto não nega,
generalizado.
obras que se contariam por dezenas. O difícil é achar estudos sobre o candomblé da
Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, em artigo de Cleof Martins (MARTINS, 2000).
46
Bahia, ou sobre o candomblé em geral, que não façam nenhuma referência a esse
“clássicas” — entre as quais merecem contar-se alguns estudos recentes. Assim foi
Engenho Velho (da Barroquinha). Este tem um lugar central nos estudos iniciais de
Édison Carneiro (CARNEIRO, 1937; op. cit.). Disso dava testemunho, no candomblé,
qual esses estudos estiveram referenciados a observações feitas “na convivência com
a Casa, que o doutor Édison freqüentou, antes mesmo de ligar-se mais a Aninha”
(referência a Mãe Aninha, Eugênia Ana dos Santos, fundadora do Axé Opô
“Casa Branca”; e as obras de Vivaldo da Costa Lima (COSTA LIMA, 1966; 1976;
1977; 1984) voltadas para o estudo de uma tradição histórica dos candomblés
22
Nessa referência do Elemaxó da “Casa” encontramos a provável explicação do uso do termo nago
nos estatutos da Sociedade São Jorge do Engenho Velho. Tratava-se de uma auto-atribuição
compartilhada por representantes do candomblé que ocupavam lugar de destaque nos diálogos com a
sociedade política e com intelectuais. É do que dá testemunho o professor Vivaldo (COSTA LIMA,
1977:20) no trecho Daí a falecida ialorixá ANINHA, pode afirmar, com orgulho: “Minha seita é nagô
puro” - em citação extraída de Donald Pierson (PIERSON, 1945: 357). Ialorixá conhecida por sua
aguerrida militância em favor da liberdade religiosa na Constituição de 1934 e em outras articulações
em que o presidente da Sociedade São Jorge se fez presente. Auto-atribuir-se nagô tinha um valor
interno (que ainda não pudemos esclarecer até esse momento) e público que parecem influenciar a
redação dos estatutos da Sociedade na década de 1940.
47
O mesmo se vê no trabalho Os Nagô e a Morte, de Juana Elbein dos Santos, que
culto Nagô [...]”. E continua a etnóloga: “Do ‘terreiro’mais antigo que se conhece
[...], o Ilê Iyé Iyá-Nassô [sic: refere-se ao Ilê Axé Iyá Nassô Oká], derivaram o Ilê
Oxossi nas terras conhecidas com o nome de Gantois e enfim o Axé Opô Afonjá”
a fonte ideal de referência seriam os cultos criados pelos negros nagôs. Neste debate,
Antes de seguir, farei uma pausa para expor uma chave de leitura da etnografia do
candomblé relacionada com o tema da “Casa”. Pode-se estabelecer esta chave (ainda
constituído o culto a que hoje se atribui o nome de candomblé, como dois grandes
pólos. De um lado, podem ser alinhados os que defendem a idéia de um “modelo jeje-
nagô” operante nas origens, ou num certo momento das origens do candomblé, e
ainda hoje definitivo de um paradigma básico do culto; e de outro, os que criticam tal
negros bantos “esquecidos” nessa história. No entanto, a leitura mais atenta desse
debate (que por vezes parece denotar facções em disputa política, mais que tudo)
23
Vivaldo da Costa Lima teve seu trabalho re-editado em livro no ano de 2003, no qual mantém os
conteúdos da edição anterior.
48
permite matizar a própria constituição interna dos referidos blocos. Tentemos fazê-lo
sucintamente.
Rodrigues, que certamente só viu negros nagôs na Bahia, seguindo, de certo modo,
suas convicções naturalistas: ele destaca esses negros com juízos de valor que
indicariam sua superioridade em relação aos outros. Essa linha é seguida, em parte,
por Édison Carneiro, que até vê negros bantos na Bahia, mas não lhes confere
prestígio: privilegia os nagôs. Esta linha, de certo modo, é também seguida por Roger
Elbein dos Santos: de seu mais importante livro extraiu-se a afirmação acima evocada,
tradicionais”) e destaca três terreiros nagôs: ela confere à noção de “modelo nagô”24 o
pró-“jeje-nagô”, pois não vai ser encontrada a defesa de uma tal idéia de “modelo”,
diria eu, “capaz de identificar o candomblé mais verdadeiro”, nas obras de Vivaldo da
Costa Lima e de Ordep Serra. Costa Lima não afirma tal “modelo” como forma ideal;
de uma taxionomia (cf. COSTA LIMA, 1977: 20). E Serra (1995: 40) explicitamente
49
O outro pólo de argumentação a respeito do candomblé concentra aqueles que negam
autores mais representativos desse pólo pode-se destacar Patrícia Birman (BIRMAN,
1992) e Stefania Capone (CAPONE, 1999). Como a chave de leitura aqui apresentada
vê constituído este pólo a partir da crítica que faz ao outro, é a partir dos conteúdos
dessas críticas que se lhe pode atribuir uma matização interna. Assim, destacam-se aí
aqueles que vão além da crítica de um etnocentrismo nagô (atribuída aos outros), e
aprendidas e usadas pelos hierarcas dos terreiros. Essa última formulação é uma das
mais criticadas, recentemente, nas disputas polares aqui evocadas. Alguns estudiosos
históricos, bastante difíceis de refutar (ver SERRA, op. cit.; FERRETI, 1992). A
continuidade do debate entre esses pólos poderá aportar rica contribuição à etnologia
brasileira, caso ele evolua para uma boa polêmica produtora de conhecimento.
como bem sugere o trabalho de Stefania Capone (CAPONE, op. cit.). Tal caminho
24
Na verdade, ela não dá muita atenção aos jeje: em seu caso, deve-se falar mesmo em um “modelo
nagô”.
25
Esta idéia se acha mais enfatizada nas obras de BIRMAN e DANTAS.
26
Como se vê ainda apud Capone (CAPONE, 1999:120), no que ela discute a história das origens jeje-
nagôs, no caso do Rio de Janeiro.
50
etnografia brasileira ainda está a dever um trabalho específico sobre o famoso
Terreiro.
A obra de Roger Bastide (BASTIDE, op. cit.) é muito importante para o estudo em
apreço, por ser o primeiro ensaio que incide sobre a “Casa Branca” no contexto de
“Casa”.
Como já se disse, os estudos posteriores sobre o Terreiro Iyá Nassô Oká constituem-
(PREFEITURA, op. cit.), pelo Projeto Iyá Nassô (PACHECO, op. cit.), pelo Projeto
Egbé de KOINONIA, e pelo Projeto Ossain (SERRA, 2003), desenvolvido este pelo
Uma viagem um tanto frustrante é mergulhar em tanta produção literária que valoriza
por demais a “Casa” sem lhe dedicar estudos mais específicos... Que razões levaram a
isso?... Bem, isso é tema por si mesmo para uma pesquisa a ser feita... Minhas
...
51
Foi esclarecedor ler Vivaldo da Costa Lima (COSTA LIMA, 1977: 21). Este diz que
jêjes, nagôs – sacerdotes e iniciados de seus antigos cultos, e que “nação”, antes um
ou seja, a Ketu Ilê, antiga cidade capital de Estado africana de onde (claro que não
apenas de lá) aportaram, na Bahia dos séculos XVIII e XIX, diversos negros
52
“cidades-Estado” nagôs (e, certamente, nações distintas poderiam ser citadas),
Pierre Verger e Vivaldo da Costa Lima, entre outros. Este último tenta dar a tal
sua crítica a Carneiro) e menos apologéticas (como se infere de sua crítica a Verger).
Ketu foi o que desde logo me interessou. Assim eu resumiria o que, na literatura
− O Ilê Axé Iyá Nassô Oká tem este nome devido à fundação deste templo por
IYÁ NASSÔ, que teria tido, para isso, a ajuda de outras sacerdotisas, vindas de
da dinastia ioruba que aí reinou, o seu primeiro soberano (Alaketu). Esta antiga
(Oyo Ile) era centro do culto de XANGÔ, considerado um seu antigo rei
27
Diversas são as fontes que se referem às origens dos negros iorubás-nagôs da Bahia, que identificam
as muitas proveniências de escravos nos séculos XVIII e XIX. Apenas registro a existência e
proveniência de Ketu Ilê, reconhecida na literatura pelo menos desde Nina Rodrigues (obras já citadas).
53
primeiramente, na Barroquinha (Centro Histórico de Salvador), mas veio a ser
vigentes no Terreiro, a primeira Ialorixá da “Casa” foi Iyá Nassô, sucedida por
Iyá Marcelina da Silva, Obá Tossi. Depois, veio a Iyá Maria Júlia
esta sucedeu, por sua vez, Iyá Maximiana Maria da Conceição (Oin
sucedida pela Iyá Marieta Vitória Cardoso, (Oxum Niquê), cuja sucessora é a
genealogia: importa menos sua exatidão factual que sua mítica força constituinte
de uma identidade.
resolver... Se, por um lado, pude dar por justificada, em tantas referências, a
28
Não faço o uso de mito (de origem) no sentido vulgar dado muitas vezes a mito, que lhe atribui o
sentido de história falsa, mentira, falsificação. Entendo o mito de origem a que me refiro como uma
tentativa, em síntese, de autocompreensão dos fragmentos de memória de um grupo. Pode haver, assim,
historicamente uns aspectos mais comprováveis e outros menos, por vezes necessários à coerência
entre o relato e os valores constituintes da identidade atual. A força do mito está em sua repetição e
continuada re-apropriação pelo grupo.
54
importância até mesmo nacional da “Casa” e sua “nação”, e organizar um conjunto
complementar de dados sobre sua genealogia, ainda não fora possível compreender
poder. Ou seja, não parecia que recursos financeiros (dadas as condições atuais do
grupo eclesial e as condições históricas de vida dos negros baianos, limitadas por
muitas carências) viabilizassem os processos que se reproduziram por tanto tempo, até
hoje.
...
O encontro com Renato da Silveira tornou-se para mim um marco. Pude entrevistar
esse autor, de quem obtive uma versão preliminar de um trabalho em construção, cujo
versão resumida (SILVEIRA, 2000); mas a versão ampliada, comparada com o que há
Tenho certeza de que, quando for concluída, a dita obra se tornará referência
obrigatória para quem quiser saber alguma coisa sobre a “Casa” do Engenho Velho.
que podem explicar algumas relações e processos vigentes hoje na dita “Casa”, no
29
O texto lança luzes próprias sobre os mitos de origem do candomblé da Barroquinha, e, portanto, da
“Casa”. Em diálogo com outras versões desse mito, lança mão de informações inéditas oriundas de sua
pesquisa histórica, chegando a novas interpretações. Quanto a esse aspecto de precisar a mitologia de
gênese da “Casa”, preferi manter-me no campo da auto-imagem e do discurso da “família”, como
sintetizei há pouco, e pelos motivos que já expus.
55
horizonte dela. Foi especialmente o aspecto político dos fenômenos focalizados por
Silveira que me interessou: a meus olhos, sua análise erigiu robustas hipóteses quanto
Vou fazer uma breve resenha do ensaio de Silveira, acrescida das críticas eventuais de
Nicolau, coisa que me permitirá também tomar posição quanto à etnografia pertinente
ao assunto.
freqüentar a Costa da Mina, também chamada Costa dos Escravos: daí, então, foram
trazidos naquele século, só para a Bahia, 460 mil negros (cf. SILVEIRA, op.cit.:26).
Este fato modificou a história demográfica e cultural da presença negra nessa parte do
30
O fio condutor desse item 7 é baseado nos estudos de Renato da Silveira. Contador de história,
aquele autor nos prende em um relato entremeado de dados e conexões suas, que percorrê-las todas
seria mal repeti-las. Arrisco-me, não sem intercalar alguma crítica, a um resumo, com a atenção voltada
56
Brasil. Foram essas pessoas que, aqui se reorganizando em meio a uma colônia
escravocrata, fizeram a fantástica história ancestral baiana do Ilê Axé Iyá Nassô Oká.
Conhecer a gênese da Casa Branca é conhecer tais origens... Quem eram aqueles
acobertava?...
escravidão não se pode deduzir dos limitados registros dos traficantes, que os
verdade, eram muitos povos distintos, de uma região onde já se registrou mais de 57
dialetos (na área gbe31); ainda assim, eram povos em sua maioria capazes de
cit.:26).
territórios: é o caso dos adjá-ewé ou gbe (“jeje” na Bahia), que tinham os ioruba a
ao que me pareceu principal, a sua dimensão política – redução necessária à exposição, desajeitado
dever da apreensão da produção de outrem.
31
Destaco em grande nota uma síntese de que me vali para essas informações etno-lingüísticas, de que
me pareceu terem consenso tanto Silveira como Nicolau Parés (entrevistado por Silveira) “A Costa da
Mina, ou Costa dos Escravos como a chamavam os ingleses, ou ainda Costa a sotavento da Mina, era
uma região do litoral ocidental da África entre as atuais repúblicas de Gana e da Nigéria, ocupada por
mais de uma centena de reinos independentes, a maioria de pequeno porte, os maiores sendo os reinos
de Alladá, mais para o interior (que nos mapas antigos aparece às vezes com o nome de Ardra ou
Ardres), e Uidá (Whydah para os ingleses, Ouidah para os franceses e Ajudá ou Judá para os
portugueses), na região costeira. Essas populações pertenciam a um grande grupo étnico denominado
adja ou ewé, ou ainda adja-ewé, e mais recentemente também chamado de gbe pela literatura
acadêmica, os “jejes” da Bahia, que falavam diversos dialetos da língua ewé ou ew-fon. O território
deste grupo étnico estava situado entre as terras dos povos de fala iorubá, a leste, e as dos akans, a
57
leste e os akans a oeste. Esse complexo cultural onde se destacavam os referidos
interação (cultural e de guerras) com o Reino de Oió, vieram a ser matrizes culturais
A diáspora negra, na Bahia, acabou por abrigar toda a diversidade dessa migração.
dirigidas por uma lógica de poder e territorialidade, gestadas com estruturas similares
às africanas, foram capazes de criar, em torno da Irmandade do Senhor Bom Jesus dos
oeste. As línguas desses três grandes grupos étnicos eram semelhantes, pertencentes à grande família
lingüística Niger-kordofaniana, subdivisões do grupo Niger-congo” (SILVEIRA, op. cit.: 22).
58
A história da irmandade dos Martírios32 está intimamente ligada à cobertura
um altar lateral da Igreja de Nossa Senhora do Rosário das Portas do Carmo; eles se
achavam instalados de forma secundária junto aos “angolas” que ali dirigiam a mais
antiga irmandade baiana de negros (op. cit.:10), a Irmandade do Rosário dos Homens
Pretos33. Já a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios deve ter sido fundada
entre 1740 e 1764 (op. cit.:10), ano em que o grupo dos “negros da costa” conseguiu
Esses movimentos iniciais já revelam que não estamos diante de opções acidentais e
recurso para acobertar um culto de origem africana, mas a forma era também muito
relevante. Existiam outros modos de articular os fiéis católicos de acordo com as leis
da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), tais como as devoções, por exemplo.
necessária uma aprovação especial da Coroa Imperial Portuguesa; isto porque elas
detinham atribuições legais civis diante do Estado. Sobre esse ponto, ainda, destaco a
ênfase de Silveira em que se organizar como irmandade exigia, da parte dos nagôs,
32
Devido a um incêndio que queimou seus documentos só se tem dados de terceiros sobre a
irmandade, que trazem alguma imprecisão quanto à data de sua fundação.
59
A irmandade ou confraria era uma instituição política básica na sociedade
colonial, uma organização pública plurifuncional, ou seja, tinha várias
funções sociais importantes, englobando vários aspectos da representação
política e da assistência social, enquanto que a devoção permaneceu
apenas uma organização privada. (op. cit.:15)
Oriundos de uma região africana onde se davam intensas atividades comerciais nas
33
Que conforme Silveira era a detentora das grandes iniciativas em favor dos negros e seus
descendentes desde 1704, e cuja capela fora usurpada por brancos e tomada de volta em 1740 (cf. op.
cit.:10).
34
Entre as suposições de Silveira também encontramos que essa gestão política pela autorização
também justifica o nome “...dos Crioulos Naturais da Cidade da Bahia”, que lhe supunha uma
composição mais palatável “considerada menos suspeita ou perigosa pelos senhores, pelo clero e
autoridades constituídas” (SILVEIRA, op. cit.:151), que omitia qualquer hegemonia étnica interna.
35
Muitos centros de culto religioso de origem africana eram organizados pelos negros até então de
forma dispersa na Bahia, nos chamados “calundus”, que buscavam situar-se em locais afastados do
60
base bem definida, aproveitando-se da experiência acumulada em anos de tradição do
Vejamos, pois, com minhas palavras, mais um pouco da reconstrução ensaiada por
Silveira:
bélica dos daomeanos a Iwoyê, por volta do ano de 1789. Vários membros da dita
família viviam naquela cidade natal da mãe do Alaketu. Devido à idade das
centro urbano. A ação dos negros da Costa da Mina foi diferente: evitaram a dispersão e buscaram estar
em um só centro, acobertado pela Irmandade.
36
Luis Nicolau Parés em seu texto aponta que “O que nos interessa destacar aqui é que certas
sociedades da África Ocidental, especialmente aquelas localizadas perto do litoral, desenvolveram
progressivamente complexas instituições religiosas, fundamentais para a sua organização sócio-
política. O caso do culto vodun, em Uidá, no século XVII, é um exemplo desse tipo de instituição
religiosa complexa, entendendo por complexidade um sistema organizado com base em: 1) espaços
sagrados estáveis dedicados às divindades (templos com altares); 2) um corpo sacerdotal hierarquizado,
na sua maioria homens, no comando de; 3) uma coletividade de devotos ou vodunsi, na sua maioria
mulheres; 4) uma série de atividades rituais periódicas, como procissões anuais, toques de tambor e
danças públicas com manifestações das divindades no corpo das vodunsi; 5) um culto iniciático e 6)
oferendas às divindades, sendo que essas duas últimas características encobrem a estratégia de troca de
61
fundadora do candomblé do Alaketu, o rito de fundação do candomblé da
Barroquinha deve ter sido executado por alguma sacerdotisa adulta, com auxílio
dessas princesas37.
migrações de escravos do reino de Oió para a Bahia, para onde, então, teriam
Bamboxê Obitikô. A primeira, conforme já elucidado por Costa Lima (cf. COSTA
LIMA, 1977: 24) era a sacerdotisa do Xangô do Rei: Iyá Nassô é um titulo dado à
dama que assume tais atribuições. O segundo é considerado por seus descendentes
na Bahia como um príncipe do reino de Oió. Outra personagem dessa história que
Obatossi, que consta, na tradição oral, como a suposta proprietária do escravo, por
recursos entre o poder civil e o poder religioso”. Houve, portanto, uma tradição que foi trazida e
influenciou a gestação do candomblé no Brasil.
37
Silveira baseia-se nas informações de Costa Lima (COSTA LIMA, op. cit.) e em tradições orais, e na
dedução de que não seria possível a responsabilidade dos ritos de fundação de um assentamento ritual
serem atribuídas a uma princesa de nove anos, a qual necessitaria, pois, de sacerdotes adultos a lhe
substituir ou orientar. Um outro dado importante para os fundamentos teológicos presentes nesse, diria
eu, mito de origem é a passagem em que a tradição oral atribui a um senhor, “o próprio Oxumarê” o ato
de alforria da princesa e seu séquito (cf. SILVEIRA, op. cit.: 53). Ora, há que se destacar a presença
nesse “mito” do senhor dos jêje Dan ou Dangbe o mesmo deus Oxumarê e senhor de Uidá – o que lhe
daria relevante destaque teológico nessa primeira fundação do Egbé da Barroquinha, pela família Arô.
38
Tendo em mente o decreto real português que proibia, desde 1831, a vinda ao Brasil de negros
libertos, Silveira supõe (levando em conta, também, a ocorrência da queda de Oió-ilê entre 1831-1835)
que Bamboxê foi confiado às duas sacerdotisas Marcelina Obatossi e Iyá Nassô, em sua vinda para o
Brasil. Aqui, entre os baianos, os representantes da realeza de Oió teriam proteção, e poderiam
completar a formação do futuro Êssa Obitikô. Nessa linha de raciocínio, Bamboxê teria vindo
disfarçado de escravo — e também assim pode ter vindo, suponho eu, a própria Iyá Nassô. Mas desta
que foi uma das pessoas mais poderosas no cerimonial do Império de Oyó sabe-se apenas que aqui
morava na Rua das Flores, próxima ao atual Pelourinho (Salvador Bahia), e era comerciante de carnes
no mercado de Santa Bárbara. Acolho tal hipótese em nota por não considerá-la essencial aos arranjos
políticos que selecionei como relevantes.
62
- Os migrantes do reino de Oió, na década de 1830, trouxeram para a irmandade da
baianos da família Arô (de Ketu); desde o início, porém, essa disputa foi decidida
processo político só foi possível por causa das condições materiais atingidas
XVIII.
39
Para Silveira, o fato de que Oió, à mesma época, estava em pleno processo de recomposição, na
África, e com uma estratégia de poder que incluía acordos com outros reinos, entre eles o Reino de
Ketu, enseja a hipótese de que, no Brasil, os líderes oriundos de Oió teriam ensaiado a mesma
recomposição. Bastante plausível, mas não se deve desconsiderar que a constituição de instituições
iorubanas foi fato corrente em outras partes do Atlântico Colonial – assunto que veremos mais adiante.
40
Luis Nicolau Parés lembra de suas pesquisas, em informação oral concedida em 2003, que o grupo
de “iorubanos” era ínfimo e minoritário entre os libertos. Isso pode denotar um número maior de
crioulos entre os irmãos da irmandade que estariam na disputa política sugerida por Silveira. O que não
reduz a hipótese de uma mexida política que a efetiva presença de uma Iyá Nassô deve ter causado nas
relações em apreço, conferindo-lhe sim outra hipótese de menor peso de presença de africanos e maior
de crioulos.
41
Referindo-se Silveira a informações obtidas nos trabalhos de João Reis (“The politics of identity and
difference among slaves and freedmen in nineteenth century Bahia”, p. 18. Ver tb. “A greve negra de
1857 na Bahia”, p. 16). Faço essa nota, assim de forma pouco convencional, no intuito de fazer justiça
aos vários autores evocados por Silveira, pois considerei além de meus objetivos revisitá-los,
especialmente àqueles dedicados aos estudos da história dos negros no Brasil como Robert Slenes,
Cortes de Oliveira, Manuela Carneiro da Cunha etc. e na Bahia como José Carlos Ferreira, Jocélio
Teles dos Santos e tantos outros que contribuem para a reconstituição criativa da história brasileira.
63
Homens e mulheres negras, libertos e libertas, compunham a liderança dos nagô-
articulações mais ousadas: caso da Irmandade de Nosso Senhor dos Martírios. Esse
Concordamos, até aqui, com o que diz Silveira sobre a história da Irmandade do
Senhor Bom Jesus dos Martírios, na medida em que seus registros e conjeturas
O Reino de Oió sofreu, por volta de 1830, um grande revés na luta contra
os muçulmanos, que destruíram sua cidade estado (Oyo-ile). O Alafin
(título equivalente ao de imperador) fundou outra capital 120 quilômetros
mais ao sul. Enquanto recompunha os seus conselhos, a sua corte,
posicionou Oyo-ile ao norte e articulou-se com a presença geopolítica de
outros reinos vizinhos nos pontos cardeais restantes: estratégia de
reconstrução do império. Mesmo período em que a articulação da
Barroquinha passava por uma recomposição política interna, que lhe seria
definitiva. O Reino de Ketu ocupou, no novo arranjo imperial de Oió, a
64
posição Oeste. Desse reino é que vieram, segundo as tradições orais, as
sacerdotisas fundadoras do Ilê Axé Iyá Nassô Oká: Iyá Adetá, Iyá Acalá
e Iyá Nassô 42. Ketu-Ilê, fundada por Edé, o sétimo Alaketu43, chegou a
contar, em 1851, com dez a quinze mil habitantes. O povo de Ketu era
pacífico, nunca investiu na formação de um exército profissional, nunca
se envolveu no tráfico de escravos, manteve-se à parte do dinamismo
mercantil (escravagista) que se instalara no litoral. Tudo indica que
nenhum europeu tinha conhecido seu território, e muito menos sua
capital, até 1851. (:37).
[Aqui sou obrigado a uma pausa nesse mergulho de certo modo inebriante, devido a
Silveira, naquele que tem sido meu texto de referência, discrepa de Costa Lima,
argumentos falem por si. Costa Lima, em sua dissertação de mestrado, a que já me
referi, repete a versão de Verger segundo a qual a cidade de Ketu (Ketu-ilê) fora
assolada por guerras seguidas (cf. COSTA LIMA, 1977: 23). Para o Silveira, porém,
Ketu-ilê sofreu ataques e ficou preservada mesmo após a sua integração, na década de
pelas tradições orais do reino de Daomé, diríamos que Ketu teria sido atacada por
volta de 1789. Mas não pela guerra civil: “segundo as tradições orais de Ketu (mais
confiáveis) [...] a cidade não foi atacada e [...]” não houve confronto direto entre os
42
Não me parece essencial à compreensão política das relações em torno da Barroquinha a hipótese
defendida por Silveira de que processos semelhantes ocorriam na África e no Brasil – como que
arquitetados intencionalmente. A existência de uma sacerdotisa com o título de Iyá Nassô (e ao que
tudo indica de auxiliares suas) me parece, por si só, um fato político gerador, tanto de tensões, como de
novos consensos de autoridade religiosa. Some-se a isso a recomposição em terras brasileiras de
organizações africano-iorubanas nas quais uma Iyá Nassô teria, sem dúvida, papel de destaque.
43
Título do monarca do reino.
65
civil só atingiu Ketu-ilê por volta de 1850 (Silveira, op. cit.:40 e informação oral do
autor, em 2003).]
instituições da cultura iorubana, e chama a atenção para uma sociedade gerida (de
com o que acontecia nas cidades irmãs de reinos vizinhos. O próprio monarca, o
Alaketu “... era escolhido pelo Conselho de Ministros do Estado” (:38), composto
militares, sem falar dos responsáveis pelos cultos públicos”(:38). Mesmo os africanos
islamizados tinham assento nas estruturas oficiais do Estado iorubano, com quem
existindo como estruturas que iam além da lógica das aldeias, com laços de
[...] eram dirigidas por uma elite selecionada que realizava, ao lado de grandes
festivais públicos, ritos fundamentais secretos, em virtude dos quais seus membros
44
Trata-se de um dado histórico importante para Silveira, que tornaria Ketu-ilê, na recomposição de
Oyó, na década de 1830, mais destacada por sua capacidade de preservar organizações sociais e
tradições religiosas que por seu potencial bélico. Por sua vez a expansão de organizações Iorubanas ao
longo do Atlântico Colonial não me parece devam ser todas creditadas às influências de Ketu-ilê –
assunto que ainda estamos por abordar com auxílio de outros autores.
45
Essas, ao meu ver, foram estruturas determinantes dos processos políticos havidos no Brasil da
Barroquinha, que sustentam uma hipótese de articulação política que não cai por terra, caso não se
mantenham as conjecturas de simultaneidade das intenções: de reconstituição de Ketu e de constituição
do Candomblé da Barroquinha, mantidas por Silveira.
66
desfrutavam de poderes e privilégios, podendo impor pesadas sanções sobre aqueles
que revelavam seus segredos e procedimentos. (SILVEIRA, op. cit.:78)
dessa história com o tabu do segredo, presentes, ainda hoje, nas regras sociais da
terras brasileiras – ao menos por grande parte do século XIX. A descrição, ainda que
Ogboni eram responsáveis pelo culto ligado à terra – fonte de toda a vida e
46
Assumo com Silveira a referência a uma cultura iorubana de uma região específica da África (a
iorubalândia), e não à identidade ioruba que só se constituiu no século XIX. É nesses termos que me
refiro às instituições iorubanas.
67
riqueza, conexão sagrada que lhe conferia tantos poderes. Pode-se comparar seus
nome desse conselho era Iwarefá. Um dos líderes do Iwarefá, era o Olúwo (Oluô,
título que, dizem alguns, foi, na Bahia, atribuído a Bamboxê), que também era o
Gueledé, responsável pelo culto das Iyami, as ancestrais femininas. Havia também
estreita ligação entre a sociedade Ogboni e o culto Egungum (ou Egun) dos
suas sociedades. Erelú era o cargo máximo a que chegava uma mulher ioruba-
nagô, título que Silveira traduz livremente como “senhora encarregada dos
negócios públicos” (por isso tinha assento na sociedade Ogboni) (cf. SILVEIRA,
68
cultos de fertilidade em geral: dos humanos e da própria terra. Uma de suas
atividades mais marcantes era um festival, que levava o nome da associação, com
Em Salvador, houve uma sociedade Ogboni, de acordo com o que pude constatar em
a esse respeito. O Ogan Antonio Agnelo falava com desenvoltura daquela sociedade,
que considerava ativa ao menos até o início do século XX, a partir das informações
que obteve no convívio direto com Tia Massi (Iyá Maximiana, quinta mãe-de-santo na
linha sucessória do Ilê Axé Iyá Nassô Oká; ela viveu até os 102 anos, tendo falecido
“do partido alto”, cujas máscaras foram preservadas entre altas sacerdotisas do
Engenho Velho até a década de 1960, mas que não pude encontrar. Na Irmandade do
Senhor Jesus dos Martírios, supõe Silveira, foram abrigadas essas organizações; ao
sob os auspícios dessa irmandade, uma devoção feminina que se sabe tinha
... Mas algo eu ainda não conseguira explicar no processo de compreensão de tão
69
organizações dos Estados e sociedades ioruba-nagôs foram, com as devidas
facilidade lingüística?...
É ainda Silveira que vai lançar luzes sobre estas dúvidas. Decidi reproduzir partes de
outro texto, em que o autor sintetiza suas hipóteses sobre o processo no qual o
mais ligado às origens de uma vertente da família Arô. Mudança operada, repito, por
político).
70
O candomblé da Barroquinha, teria sido, pois, uma composição ritual das vertentes
tradições já difundidas no Brasil pelos Jeje (cf. NICOLAU, 2002). É a partir dessas
se teria criado, entre outros ritos, a dança em roda, onde têm igual dignidade todos os
Orixás (o Xirê); o crédito por essa criação é dado pela tradição oral a Bamboxê
Obitikô47.
com os relatos que pude encontrar dos mitos de origem na “Casa Branca”.
47
Nesse ponto há um debate de caráter teológico-histórico entre o trabalho de Nicolau Parés
(NICOLAU, 2002) e o de Silveira (SILVEIRA, 2000). Parés tende a creditar ao “lado Jeje” a tradição
forjada desde a África do culto de multidivindades, inclusive com a “roda dos voduncis”. Assumindo o
papel importante do trabalho de Silveira na compreensão da dimensão política, não haveria nenhum
problema em ceder às críticas teológicas de Nicolau, haja vista que do ponto de vista teológico e
também histórico as informações que pude colher sobre as relações com os Jeje, em especial os Jeje-
Marrim, indicaram que houve mútuos aprendizados e incorporações de tradições. Isso se evidencia
quando os mais antigos tratam das relações entre a “Casa” e o Terreiro do Bogun (Jeje-Marrin):
“tínhamos toda a área junta e um sempre ia nas festas do outro”, compartilhavam de especialistas,
sábios de fundamentos de ambos os cultos – como é recorrentemente citado, como exemplo, o nome da
falecida Equede (de Obaluaiê) Jilú.
71
se no Engenho Velho da Federação, em um terreno arrendado (segundo depoimentos,
por decisão do Aramefá), onde veio a situar-se , pois, o Terreiro da Casa Branca, que
A ênfase “barroca” das anotações que percorri sobre a história dos afro-baianos que
identificadas na: Guiana Inglesa, Trinidad e Tobago, Sierra Leoa, Cuba e Jamaica,
48
Aqui ponho um ponto nesse resumo, que suponho tenha transpirado a ilação apenas alegórica que fiz
com o título “negros barrocos” - gente que buscou administrar poder, religião e sociedade por meio de
instituições complexas e criativas, movimento propício a um espírito culturalmente barroco. Caso não,
em nada se alteram os argumentos apresentados.
49
Ver, a propósito, os trabalhos de Peter F. Cohen (COHEN, 1999) e de J. Lorand Matory (MATORY,
1999), que ainda que não sejam historiadores estrito senso, dão, em minha humilde opinião, relevante
contribuição ao debate.
72
tendo todas seguido um certo padrão de articulação pública com a religião cristã
Jose Filipe Meffre (de Lagos), Tia Júlia (do Brasil), Mãe Aninha (do Brasil),
Isadora Maria Hamus (do Brasil), Martiniano Eliseu do Bonfim (do Brasil), a
Família Banboxe-Sowzer (de lagosianos) e há quem diga que a própria Iyá Nassô
Com esses destaques, recomeço meu caminho de volta à “Casa Branca”, da qual me
aproximei com certa ingenuidade, sem maiores informações prévias a seu respeito, e
73
9 – PRIMEIROS OLHARES DE INTERPRETAÇÃO
O que puderam revelar esses meus olhares (que agora revejo) sobre a Casa Branca do
Esta pergunta ainda me acompanha, desde o primeiro momento em que comecei essa
presente até o passado deixou claro que descrever é um processo cheio de lacunas.
Percebi, pelo grau de complexidade da história da “Casa”, que tive de escolher dados,
que deixei aspectos de fora por serem inacessíveis ou não divulgáveis... O que
Sob o símbolo Casa Branca estão em jogo feixes de relações entretecidas ao longo da
história, conectando fios de uma trama complexa: a da vida de negros “da Costa”,
século XVIII. Essas relações delineiam a imagem de um grupo (eclesial) que detém
MITO FUNDANTE.
74
Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho é a que credita essa fundação a três
mulheres negras, sacerdotisas vindas do Reino de Ketu: Iyá Adetá, Iyá Acalá e Iyá
Nassô, que deu nome à “Casa”, mas não a desliga das outras mães fundadoras.
Por uma percepção teológica do tratamento dado ao mito pelos mais antigos, eu o
água e do fogo...
O mito das mulheres fundadoras está bem vivo e presente — se alimentado por
não se pode apurar. Importa a sua capacidade constituinte de uma memória comum e,
isto porque não estou me referindo a um grupo isolado e totalmente iletrado, mas a
que se vinculam à “Casa”. É ali que se atualiza o grupo eclesial, quando se reúnem,
sob a égide de uma agenda litúrgica, aqueles que idealmente poderiam viver em
75
sonho da reconstituição de uma sociedade perdida. Sociedade [reino] em que
reúnem à comunidade dos vivos para realizar, nas terras brasileiras, ainda que em
escravidão.
“A Casa repete o que encontrou, não inventa” — é o que seus integrantes dizem, com
são repetidos quando se lida com o sagrado, e também assim se entendem as regras
que definem as posições de poder e de destaque para todos e cada um. Assumindo-se
regular sua transmissão por meio de tabu, os conhecimentos sagrados repassados por
Há sacerdotes da “Casa” que mantêm outros centros de culto, regidos pela tradição
mantida no dito Terreiro. Assim, o território por onde ele se estende inclui essas
76
unidades geridas por seus “filhos”50, e a área de influência do grupo pode talvez
Ketu.
dos fiéis e pela presença, nas festas públicas, de Terreiros que se consideram oriundos
encontrada por Franck Ribard (RIBARD, 1999), que considerou as conexões dos três
terreiros – a Casa Branca, o Opô Afonjá e o Gantois – com os blocos afro e com
50
As relações simbólico-culturais e os jogos de poder no interior de um espaço, e em relação ao espaço
exterior a ele, definem, a nosso ver, um território cujas fronteiras, caso não estejam bem delimitadas
fisicamente, estarão sempre bem determinadas simbólica, cultural e politicamente pelos indivíduos ou
grupos que o integram (cf. HAESBAERT, 1995). Sempre nesses termos me referirei a território.
77
O GRUPO ADMINISTRA UMA FRONTEIRA ENTRE “NÓS” E “ELES”.
reconhece por aí aqueles que são parte do “nós” e os que são “eles”. É possível
único marcador de fronteira. Ainda que a marca de origem negra seja (relativamente)
pouco significativa para definir hoje o grupo, não pode ser dada por desprezível, e não
de pertença ao “ser negro” por parte dos mais jovens, que repercutem as conquistas do
movimento negro (o que confirma as pesquisas de Ribard). Por outro lado, pode-se
dizer que mesmo os mais antigos “confiam menos” nos “brancos”; isto se acha melhor
Minha mãe dizia: não confie em brancos, e menos ainda naqueles que
fazem muitas perguntas!
[Isto poderia ser apenas um óbvio recado para que eu mesmo fosse devagar em
minhas inquirições; anotei a mensagem; mas dá-se que, no contexto no qual se deu
Concordemos que, pelas interpretações que fiz, é possível falar de uma fronteira entre
“nós” e “eles”, e que no lado “nós” de tal fronteira situam-se: um mito fundante e
uma história comum que este mito consolida; um espaço territorial com uma estrutura
78
simbólica marcante; tradições de comportamento, hierarquia e segredos rituais; redes
cedo para fazer tal mergulho teórico nas veredas das discussões sobre etnicidade;
talvez façamos isto mais à frente, quando tivermos mais dados que informem se a
grupo, de seu cotidiano – estas, sim, confirmariam a administração aqui ainda apenas
suposta.
Sigamos a travessia que tem sido esse descortinar de um grupo social, em busca da
79
II – TERRITÓRIO DE ORIXÁS, ORIS51 E AXÉ
É esperado que um arguto leitor me interpele imediatamente sobre o sentido que dei à
expressão vida comum, visto como esta expressão faz supor a existência de momentos
diferenciados, de vida incomum ou extraordinária. Mas foi pensar nessa oposição que
Encontrei-me com um espaço religioso em que, pelo descrito até aqui, se realizam
questionamentos continuam:
51
Ori significa cabeça em iorubá.
80
Os que se autodesignam como pertencentes à “Casa” (no sentido indicado páginas
Depois de formular esta questão, deparei com uma tarefa que poderia se tornar
De fato, isto seria demais... Não quis chegar a tanto. Apenas quis encontrar algumas
pistas, do tipo das que, se não desvelam o todo, revelam simbolicamente alguns
caminhos usados pelos integrantes do grupo para representar o seu viver a partir dessa
Retornar ao grupo eclesial, pensar seus elos a partir dessa relação de pertença
religiosa, foi a fonte de reflexão em que me baseei. Assim pude deixar em aberto a
1 – CALENDÁRIO RITUAL
Iyá Nassô Oká, ao longo dos últimos nove anos, deu-me a oportunidade de viver
diferentes momentos rituais públicos e assistir seus preparativos internos. Além das
81
festas52 para os Orixás Oxóssi e Oxalá, a que me referi, diversas outras ocorrem
naquela Casa de Culto, seguindo uma seqüência que se repete a cada ano. Nessas
Calendário de Festas
A seqüência das festas conforma-se no período aproximado de um ano, mas elas não
iniciam-se entre maio e junho, e encerram-se entre fevereiro e março do ano seguinte.
As referências que demarcam o início e o fim das festas são, no primeiro extremo, o
dias após a festa de Oxóssi —, e (por fim) da festa de Xangô Airá, realizada sempre
no dia 29 de junho (dia de São Pedro). Elas conformam um primeiro ciclo dentro do
Águas de Oxalá.
52
Festa é o nome dado ao ritual consagrado às divindades designadas como Orixás, no qual a cada vez
se elege como centro da celebração as homenagens a um Orixá ou grupo de Orixás. Esses rituais em
grande parte das vezes são públicos, mas não necessariamente.
53
Digo “me apressei” porque a definição de um calendário de festas me levara a imaginar todos os
rituais celebrados com caráter público. Isso representa, em parte, o que significa a realização dos
82
Este novo ciclo se estende até o sábado posterior ao Carnaval. [Mas com interrupções
Após a celebração das Águas de Oxalá, seguem-se três domingos festivos em que
“qualidades” distintas de Oxalá são homenageadas, tendo, a cada vez, uma delas
como a figura central do culto, mas sem descurar, em nenhuma dessas cerimônias, da
concelebração das outras “formas” deste ser divino: são, respectivamente, as festas
Olubajé, cerimônia dedicada a Obaluaiê e outros Orixás ditos seus “mais próximos”:
Oxumaré e Nanã (então homenageada como mãe de Obaluaiê) e chamados com ele
de “donos da terra”.
flexível (por volta da segunda quarta-feira), definida por critérios conjunturais. Doze
Orixás femininas chamadas de Aiabás: Iemanjá, Oiá (Iansã), Oxum, Obá, Euá...
rituais, mas pode levar a uma interpretação restrita, que nos levaria a supor que todos os rituais estariam
83
No último domingo de novembro iniciam-se as homenagens a Oxum, em dois
feira após a festa da Oxum do Barco. Segue-se um intervalo nos rituais públicos até a
segundo ciclo de festas, que ficam suspensas até o início do novo ano litúrgico, com o
relação daquelas que têm uma interface pública. No entanto, há Orixás que são
restrito aos membros da “família”. São elas as festas dedicadas a Dankô (24 de
junho), a Iroko (junto com Xangô Airá) e a Apaoká (homenageada um dia antes do
termo dos 17 dias da Oxum do Barco)54. O Orixá Exú, além de sempre ser
homenageado com as primícias de cada festa, recebe suas oferendas na abertura geral
de cada um dos dois ciclos. O mesmo se dá em relação aos ritos para os ancestrais,
um Orixá cultuado sempre. Pois “não há Orixá sem folha”. Ou seja, é condição para a
abarcados pela categoria festas, e de caráter público, o que se verá, não é o caso em apreço.
84
presença das divindades que as folhas que as representam sejam colhidas e consagrem
Além desses momentos que se pode identificar como, ou chamar de, festas, durante
todo o período religioso que compreende as atividades entre o dia de Corpus Christi e
54
Chamada por alguns do filhos da Casa de Apá Koká, mas apoio-me na versão da IalOrixá: Apaoká.
85
o primeiro sábado da Quaresma (calendário ICAR), há diferentes rituais realizados
chamar de calendário ritual, bem mais extenso, um todo que inclui outros momentos
além dos episódios públicos do calendário de festas, que é apenas uma parte do todo.
Percebi, assim, que o grande tempo ritual a que se pode referir um calendário se
encerra entre os extremos das datas de referência (Corpus Christi e primeiro sábado
cuidados, zelados”.
mantiveram.
Há origens de festas que são óbvias e outras nem tanto, muito menos a razão de sua
posição, na seqüência festiva: por que agora a homenagem a este e não a outro Orixá?
Por que um intervalo entre ciclos e entre calendários? Por que os marcos do
Conversar com as pessoas do Terreiro, hoje, sobre essas questões, gerou respostas as
mais diversas. Desde um “sei lá, já encontrei assim”, até tentativas improvisadas de
86
explicação como a que disse que “as festas seguem a ordem do Xirê”... Discernir entre
valorização de uma festa a ponto de torná-la pública, e desse modo sugerir uma chave
atual. Para meus propósitos, considerei esse caminho suficiente, ainda que não venha
papel de reunir toda a “família” para celebrar. A “família” que habita o imaginário
inclui aqueles que já morreram; reunir a todos em torno das homenagens aos Orixás é
uma atitude natural. Há explicações que passam pelo receio do caos e pela
necessidade de evitá-lo: trata-se de impedir que os ancestrais, por não terem sido
tratados com a devida dignidade, ou, ainda, “por se animarem” com os rumores da
festa, queiram co-habitar a cabeça das irmãs e irmãos presentes nos festejos.
equívoco quanto ao conceito de “família”. Até aqui, o uso que faço da categoria
55
Os trabalhos de Juana Elbein dos Santos (1986) e Stefania Capone (1999) abordam em detalhes
referências rituais ao Padê que se assemelham em muito ao que encontrei na Casa.
87
poderia deixar ao leitor a impressão de ser esta de todo equivalente à família-de-santo
conceito trabalhado por Costa Lima não é igual ao conceito a que cheguei; são
conjunto equedes e ogans (categorias que Costa Lima deixa à parte do sacerdócio e
considera do corpo executivo [cf: op. cit.:56; 95]), e assinalei que integram a “Casa”,
mas não a família, os “simples” fiéis, clientes e freqüentadores – que Costa Lima não
através dos ritos de iniciação (cf. op. cit.: 61) na família-de-santo. A meu ver, há uma
distinção clara entre “fiéis” e “sacerdotes”, logo é possível uma filiação religiosa sem
que haja iniciação (o que Costa Lima dá como corolário da filiação (cf. op. cit.: 62), e
honorários (cf. op. cit.: 56)). Os “sacerdotes” vivos compõem a “família”, mas não
tal como a pude apreender: ancestrais e Orixás. De fato, para as pessoas da “família”
da Casa Branca com quem falei, contam-se entre seus membros os iniciados já
tratados como “pais” e “mães” de seus membros (podendo mesmo receber, também,
88
A “família” da Casa Branca compõe-se dos filhos de Iyá Nassô, Iyá Adetá e Iyá
grupo56.]
Exu é o primeiro Orixá evocado, tanto para a abertura de qualquer festa como para a
de qualquer ciclo, haja vista a sua função divina de senhor de todos os movimentos.
“Não há movimento sem que Exu o permita”, logo nada pode ser feito sem a sua
festa...
Seguir o percurso explicativo por esses tópicos teológicos era minha intenção, porém
as explicações colhidas nem sempre mantiveram tal chave de interpretação; por vezes,
especulativa.
território do Terreiro, dignidade que divide com Xangô Ogodô, patrono, “dono” da
principal deste edifício. Iniciar o grande período ritual com as homenagens a Oxóssi é,
pois, de se esperar, dada toda a movimentação em seu território. Porque a sua data de
referência é o dia de Corpus Christi? Não consegui apurar a razão entre aqueles com
quem pude dialogar no Terreiro − pois mesmo o sincretismo com São Jorge, a
56
Tais diferenciações, em essência, não criticam ou corrigem quaisquer das conclusões do brilhante
trabalho a que fiz referência, apenas precisam o que verifiquei no Terreiro estudado, em particular.
Vivaldo da Costa Lima tinha outro objeto e outras intenções; ateve-se às “características principais da
família-de-santo: o respeito à autoridade paterna e ao princípio da senioridade [seniority] e a
solidariedade do grupo” (COSTA LIMA, op.cit.: 150-151), peculiaridades acordes às relações que
89
princípio, não justificaria tal data para essa vinculação. No entanto, há uma
informação histórica que pode elucidar tal conexão. O Príncipe de Avis, o Rei D. João
I de Portugal, adotou, em seu reinado, São Jorge como patrono, e determinou que a
propiciação a Oxóssi, cujo tempo se estende, geralmente, por 17 dias. Ao final desse
considerar-se este Orixá filho de Oxóssi com Oxum, logo, da famíla de Odé (outro
designativo para Oxóssi). Mas no mesmo dia é realizada, simultaneamente, uma outra
Orixá Ogum. Justifica-se tal duplicação com dizer que se segue a tradição deixada por
tenho encontrado; na minha análise, relativizei o papel do tabu do incesto e enfatizei o valor do segredo
na distribuição do conhecimento místico.
57
Sobre esse mesmo tema a obra de Silveira, já citada, anota o sincretismo do antigo culto de Odé com
o de São Jorge: “Por sincretismo com o culto anterior de Odé, Erinlé tornou-se o Orixá festejado no dia
de Corpus Christi e patrono dos ferreiros e serralheiros iorubás da cidade da Bahia, que desfilavam
debaixo da bandeira de São Jorge. É por isso que, hoje, os fiéis da Casa Branca falam da comemoração
da fundação do terreiro como ‘a festa de Erinlé’” (SILVEIRA, op. cit.: 43). Minhas informações
contrastam com essa porque o Oxóssi Patrono da Casa é Odé Oni Papô, e Erinlé, para os fiéis da
“família”, foi trazido posteriormente, não na “fundação”. Ehinle ou Erinlé tem origem Ijexá e é
festejado em novembro, não em junho como o é o fundador e Patrono Oni Papô. Mesmo com
ressalvas, para a origem histórica do sincretismo adotado na Casa Branca não vejo contra-senso supor,
com Silveira, que ferreiros e serralheiros tenham se somado a outros no culto a São Jorge, que
representa sincreticamente todos santos da família de Ode, e influenciado assim a conexão em Corpus
Christi.
58
A partir daqui chamarei de internas as celebrações reservadas aos membros da “família” e seus
convidados.
90
“Tia Massi” (Maximiana Maria da Conceição), a quarta Ialorixá na linha sucessória,
que tinha esse Orixá e “cuidava” dele no mesmo dia em que se cuidava de Logunedé.
[Aqui entre explicações de caráter teológico e histórico aparece, pela primeira vez,
especiais, ganhando sua celebração o status de festa pública – desde que a Ialorixá o
consinta. Tal festa pode permanecer pública após a morte da Ialorixá, ou não, fato que
na Casa.]
No dia 24 de junho são promovidas celebrações internas: a festa para Dankô, que se
decorações dos “arraiais” dos folguedos juninos, especialmente nas festas de São
João. Esta associação simbólica, apesar de inteligente, encontrei apenas uma vez, e
pareceu-me mera especulação. Já a ligação sincrética entre Dankô e São João foi
repetida diversas vezes, o que justificaria a data, sem, no entanto, explicar o fato de
esse Orixá, compreendido como “uma qualidade de Oxalá”, não ser cultuado em data
A festa de Xangô Airá tem sinais bastante claros de uma festa que se iniciou com a
força histórica que teve, junto ao público e às irmandades, a Festa dos Pais daquela
Igreja, São Paulo e São Pedro. Este último, detentor das chaves do céu, é visto
popularmente como um senhor da justiça divina, tal qual Xangô. O que não é fácil
decifrar é a motivação teológica para a sincretização com Airá (e não outra qualidade
91
de Xangô, por exemplo Ogodô, que detém a dignidade de patrono da Casa.)... Talvez
Orixá e episódios da mitologia associada a São Pedro – o que não tenciono fazer aqui.
[Cabe lembrar que as atividades rituais do Terreiro não param entre duas festas
regência (assim como foram da regência de Oxóssi os seus 17 dias); após essa festa,
há um intervalo.
Para esse intervalo entre o tempo de Xangô e o início do tempo de Oxalá encontrei
apenas explicações de uma reminiscência histórica... Seria o tempo de espera para que
o inhame crescesse... Explicação que encontrei entre as mais velhas e mais velhos do
59
Essa festa é também identificada por Nicolau Parés entre os terreiros brasileiros, que tenderam a criar
um calendário comum no século XIX. Conforme a página 68 de sua obra já citada “Seja como for, os
cultos de múltiplas divindades baianos comportavam cerimônias públicas, com toque de tambor,
danças e manifestação das divindades nos corpos dos devotos, que duravam vários dias. Finalmente,
essas congregações compartilhavam um calendário de festas relativamente homogêneo. Por exemplo,
depois do carnaval, no período de Quaresma, suspendiam as suas atividades rituais celebrando a ‘festa
do balaio’. Todavia, em novembro, alguns terreiros celebravam a ‘festa do inhame novo’ [grifo
meu], que consiste “na consagração dos primeiros fructos da colheita de cada anno ás divindades
africanas” e, em setembro, celebrava-se a festa dos gêmeos São Cosme e São Damião, sincretizados
com os ibejis nagô, os hoho jeje ou os mabaças angola. Os rituais funerários e os presentes às “mães
d’água” eram também atividades regulares em que podiam participar membros de diversas
congregações”. Como na Casa as celebrações se dão em agosto e setembro, a referência a novembro
não acrescentou novas explicações. O que ocorreu também, apesar da proximidade, com o dado
encontrado no texto de Roger Bastide (BASTIDE, 2002: 127) em que a referência é de uma festa
africana etnografada por ele em julho de 1958, em um grupo de predominância Jeje. De todo modo, os
dois exemplos denotam uma memória afra presente nesse ritual.
92
Ocidental da África. O inhame, de todo modo, também se tornou iguaria corrente nas
refeições mais aquinhoadas das manhãs nordestinas. Oxalá tem entre seus pratos
apontam para uma tradição mais rural, associada ao plantio e à fartura. Para a
simplificadas por uma conotação de hierarquia: vai-se do mais velho para o mais
jovem.
No entanto, pude registrar que a terceira festa de Oxalá (Oguian ou Oxaguian) foi
mantida pelas filhas de “Tia Massi” (entre as quais a atual Ialorixá). De fato, a origem
dessa festa pública foi motivada pela “obrigação” 60 de realizar festa para o segundo
Pelo que os indícios manifestam, a festa de Ogum ligada à festa de Oguian se deve, no
plano teológico, à forte ligação que se estabeleceu na Casa entre esses santos
guerreiros... Mas não consegui maiores explanações nesse nível. Ainda no âmbito dos
indícios, parece que tal festa é anterior à tradição da festa do Oxalá de “Tia Massi”...
E há outro indício ainda: o que associa tal proximidade ao fato de que a mesma
Ialorixá, quarta na cadeia sucessória, por “ter” aquele Orixá, teria “obrigado” a
A festa dos “donos da terra” é de tradição mais antiga. Vem da conexão das tradições
da Casa com a matriz Jeje, de onde vêm os Orixás Obaluaiê, Nanã e Oxumaré. O
60
“Obrigação” tem dois sentidos na fala corrente dos fiéis, significando: “imposição” e, como
contração da expressão de agradecimento, “estar obrigado a em agradecimento por”... Sentidos que
remetem a uma relação com os Orixás – usados conforme o contexto e o estado de espírito pessoal. De
93
vínculo entre o período do ano em que sua festa coletiva é celebrada deveria ser
encontrado nas tradições daquela matriz religiosa, talvez nos cultos africanos, talvez
atuais não corroboram essa hipótese – haja vista que os Terreiros Jeje, grosso modo,
Não me foi possível definir, a partir das reminiscências históricas presentes nas
informações atuais colhidas entre os membros da “família” a que tive acesso, uma
vínculo dessa seqüência com aquela do Xirê, foi possível concatenar. Não há
hipótese de uma distância cronológica maior no passado para tal decisão... Isso, a meu
ver, justifica a maior relevância dada à reflexão teológica. Explico. A distância dos
eventos no tempo não facilita o acesso a eles para serem usados como exemplos
definitivos; ela antes torna sua presença na memória mais reflexiva, mais abstrata, e
teológica que articula a série Olubajé - Xangô - Aiabás (em que a última vem a ser
94
[A esta altura é importante acrescentar aos critérios que podem tornar uma festa
investir nela (trabalhar e canalizar recursos para sua realização). Mas o mesmo pode
festivo público: para isso ainda contam a repetição ao longo de muitos anos e
provedor original já não estiver mais presente para sustentar a festa de seu Orixá de
devoção. Há casos desses, relatados pela “família” atual, que não me foi permitido
divulgar.]
Antes de comentar sobre a festa de Oiá (Iansã) em seguida à festa das Aiabás,
sublinharei que ficou evidente para mim, através de diversas informações, a grande
Massi”. Dela não só foram mantidas as festas públicas de seus Orixás, por suas filhas,
muitas ainda vivas, dignitárias da alta hierarquia da Casa, como também foi mantida a
festa de Oiá – mobilizada e estimulada por ela por diversos anos, e que hoje é
conferiu. É chamada por todos de “a festa do Acarajé” por manter, na face pública dos
95
rituais, a dança em transe da sacerdotisa de Oiá mais antiga, tendo à cabeça uma
Para as últimas festas do ano aparece uma seqüência de Orixás “de origem ijexá”.
(Tal foi a explicação geral que obtive para a seqüência). Nesse trecho do calendário
“do caminho de Oxum” (Ibualama64), que tem origem ijexá, terminando com Apaoká.
efetivamente duas, ou apenas uma festa pública (uma é certa: a do último domingo de
novembro).
O Oxóssi cultuado nesse “período ijexá” teve sua festa introduzida no calendário
público pelos esforços da filha conhecida como “Dona Eugênia, que, antes de vir para
a Casa Branca, era de um terreiro ijexá”. Este Orixá teologicamente atua como aquele
que abre os caminhos para a última festa de Oxum. Esta se realiza no barco (Okô
Figueiredo, terceira Ialorixá na linha sucessória. Ocorre que sua predecessora, Maria
Júlia Figueiredo, teria sido “a última a ter os títulos africanos de Ìyálóde e Erelú”
(SILVEIRA, 2001: 96), o que associaria a Casa aos ritos das sociedades Gueledés;
porém a memória oral identifica “Tia Luzia de Oxum” (bem posterior) como a última
63
Do tamanho de cerca de 25 cm de diâmetro principal do ovóide que aproximadamente se forma com
um acarajé.
96
secreta feminina. Essa tradição faz crer que a festa da “Oxum do Barco” foi uma festa
estimulada pelas Gueledés, que tinham Oxum como uma sua grande referência. Essa
Trata-se de um uma festa que “parecia um bloco carnavalesco que percorria as ruas do
bairro da Federação”. As máscaras deste “bloco” não se sabe onde foram parar, mas
Gueledé, que manteve aparência de festa profana, mas com raízes profundas em uma
tradição sacerdotal de críticas proféticas públicas. Hoje, “não faz muito tempo”,
dizem, “o Jacaré [o apelido do bloco] não sai mais”. A festa acontece no espaço do
O lugar no calendário próximo ao fim do ano também pode ser associado à festa
Oxum do Barco, em data escolhida pela Ialorixá. Nem mesmo apoiado nas tentativas
Passado outro intervalo até o Carnaval, apenas alguns rituais internos de limpeza,
compreende, segundo se afirma, o envio dos divinos para a guerra “contra o mal no
mundo”. Há quem diga, por isso, que os Orixás viajaram, ou que não estão no
64
Que também encontrei qualificado como Erinlé ou Ehinle pelos mesmos que citaram Ibualama, três
97
Orixás “com suas matulas [sacos de alimentos] e armas [simbolizadas no ritual]
estavam bem alimentados e preparados para nos proteger contra o mal do mundo”,
não precisando dos cuidados e zelo do resto do ano. A associação entre este tempo e o
nos rituais são internas ou públicas. A face pública do ritual dedicado a um Orixá
tem várias origens possíveis, segundo a “família do terreiro”. Uma festa pode ter
tido origem na África, ou na Bahia do século XIX; pode ser um culto público
obrigatório aos Orixás da Ialorixá em exercício, ou pode ter sido elevada a essa
origem de uma festa pode dever-se à tradição do culto público obrigatório aos
Orixás de uma mãe-de-santo falecida, isto é, a ritos que, mesmo após a sua
devoção,– cuja prática de festas pode ter sido assumida pela “família”. Tais
98
conviveu com uma negociação teo-sócio-histórica que estabeleceu a ordem do
“família”: ela tem acesso e diálogo direto com os Orixás, tanto nas manifestações
ser alterada ou acrescida sem uma consulta direta às divindades envolvidas. Por
isto assinalei que, para configurar o calendário ritual, tanto em seu aspecto
históricas.
tempo de abstinência e penitência que se impunha com a Quaresma, o que não se repete na memória
viva de hoje – a reclusão é ritual e não dos comportamentos pessoais.
99
2 – CALENDÁRIOS VIVOS
As relações dos fiéis com o calendário saltaram aos meus olhos; seguir seu caminho
Cabeça de santo
“frente” o “juntó” e Exu), mas em geral a regência é creditada ao Orixá “de frente” ou
principal, mas há os que são pródigos em número de Orixás que “olham por sua
dos humanos desde a criação. De acordo com os mitos, Oxalá cria cada ser humano;
quando da criação das cabeças, Ele é acompanhado por Iemanjá, com a presença de
que vai (vão) acompanhar a criatura no desempenho do destino que lhe foi traçado (o
criação. A primeira explica a recorrente ligação que os fiéis fazem entre “cuidar-se” e
regidos por um destino, para cujo desempenho conta-se com a companhia especial de
66
Esta é a explicação que colhi de diversas conversas entre idas e voltas em diálogos que me ajudassem
a ajustar uma versão sintética aceita por todos com quem pude me informar. Para tanto deixei de fora a
figura dos “Orixás apaixonados” - aqueles que sempre se dispõem a ajudar alguém em seu Odu sem
100
Iemanjá e Exu). Tais Orixás são os “pais” da criatura, a quem se recorre de modo
Cuidar é cuidar-se
Uma das formas de compreender como é que os filhos da Casa se relacionam com o
calendário ritual é falar sobre a ausência... Tanto os filhos que residem em outros
estados como aqueles que ficam impedidos de fazer-se presentes na Casa para os
rituais têm reflexões semelhantes nos relatos sobre essa ausência. São assolados pela
busca de informações sobre “se tudo correu bem” na festa, se estava bonita, se os
comportamento que reputo característico dos membros da “família”, daqueles que têm
algum vínculo sacerdotal, pois foi com esses que pude dialogar. Sua reflexão é de que
assim sentem-se “ligados [à Casa]”, e sabendo que os Orixás estão “satisfeitos, bem
intensas ainda, mesmo que à distância, quando o Orixá homenageado, “cuidado”, tem
mesmo ter sido um seu concriador – exemplo que me foi dado dos Orixás que terminam por escolher
fiéis como seus servidores, Equedes e Ogans.
101
(Adoxes, Equedes, Ogans) que relatam a nostalgia de não estar presentes para ajudar a
Orixá, a Casa também está cuidando da “cabeça” de seus filhos, que contam com
relação ao espaço do Terreiro, que, afinal, é o lugar especial onde todos os Orixás
todos os seus elos de pertença: criador e criaturas, pais e filhos, irmãos, vivos e
mortos.
— O candomblé invade a nossa vida toda, por isso não é necessário ficar
falando de religião todo o tempo...
Essas foram palavras que ouvi literalmente de um Ogan, fiel da Casa há mais de dez
anos; o mesmo sentido encontrei nas falas de gente mais antiga no Terreiro, no
contexto de diálogos que travei com eles sobre as atitudes de cada um nos períodos de
regência de um Orixá.
...
67
Ogans e Equedes passam a ser considerados “pais” dos Orixás que os escolheram para tal função (cf.
102
É bem conhecido o uso de roupas brancas por fiéis de candomblé às sextas-feiras, dia
regido por Oxalá. Mas, para os filhos da Casa, não é só nas sextas-feiras que Oxalá
vem solenemente reinar [cf. regere = reinar, raiz de regência] sobre os destinos do
mundo; seu domínio das efemérides se estabelece especialmente, para todos os seus
espaço do Terreiro. Como todos são filhos do Criador, todos os membros da Casa
estão obrigados aos gestos de respeito e honra a Seu reinado – mesmo que estejam
distantes fisicamente do Terreiro, onde, então, “as cabeças de todos estão sendo
Assim como Oxalá, outros Orixás, a seu tempo, no calendário ritual, são elevados à
especial, os designados como seus filhos. Estes se acham, então, mais “obrigados” que
todos; mas em sua regência, o Orixá celebrado também olha por todos os fiéis.
próprias, são elevadas a primeiro plano e habitam a memória da Casa, a tal ponto que,
individualmente...
... Pois, de fato, os que são da “família” vivem em consonância com o calendário
ritual, sem precisar destacá-lo como exterior a suas vidas cotidianas. A religiosidade,
sem dúvida, “invade” as vidas de todos os filhos; o desenho místico do calendário, das
103
impregnam. A fala que destaquei parece encerrar uma contradição: quem tem a
religião como referência intrínseca do viver, como pode não “estar[se] lembrando
[dela] o tempo todo? ”... Mas, se pusermos a ênfase na palavra “lembrando”, fica
claro que o que se quer dizer: é da relativa “naturalidade” que adquirem na vida dos
“da família” os rituais do candomblé, a ponto de não ser necessário trazê-la à tona da
[Paro neste colchete e reflito junto com o leitor crítico: este círculo de fiéis ao qual me
refiro (pode ele objetar-me) é o dos praticantes mais “fervorosos”, que, em geral, não
constituem a maioria dos adeptos de uma religião, ou centro de cultos... O leitor tem
pode generalizar: os valores são mais densos e mais rigorosos entre os sacerdotes que
entre os outros fiéis. Lembro, no entanto, que é este o meu foco: tenho procurado
todos os fiéis, que buscam incorporar em seus gestos e práticas a regência temporária
de um Orixá. A face pública mais visível dessa ligação é, sem dúvida, o uso de vestes
brancas, ou pelo menos claras, durante a regência de Oxalá... Mas há também o uso
sacerdotisas para que os oblatos sejam encaminhados aos Orixás da Casa... Expressar
em gestos semelhante vínculo é querer estar sob a proteção do Orixá durante todo o
104
As observações feitas acima deixam claro que o calendário ritual incorpora, ao
ainda que cada filho seja regido por seus pais divinos por todo o tempo, ele
recebe, por um certo período, outra regência especial e adicional. Mais que isso, é
O calendário ritual, por invadir as vivências cotidianas (sem que seja necessário
“lembrar de religião todo o tempo” — objetivá-lo a cada hora, diria eu) implica em
e de cerimoniais.
Assim como eu fui atingido por essa evidência da dupla relação com os calendários,
que denota mais um sentido, entre outros, de pertença à fronteira simbólica que a Casa
abrange, também o fui quando tocado, de um modo geral, pela reflexão sobre outros
A essa altura espero já ter acostumado meu leitor com as peripécias que faço (e sofro)
68
Para que não se perca o sentido da argumentação lembro que um período de homenagens,
celebrações e orações a um Orixá ou grupo de Orixás não se resume ao dia de sua festa pública (há
105
voltado para a longa duração, rumo a um passado contado em séculos, que precisa o
dado de hoje. Peço licença, pois, para tratar do assunto do tempo no próximo capítulo.
Casa Branca. Mas este recuo há de ser um avanço no tempo: nesse que se mede...
Vejo a necessidade de fazê-lo agora por dois motivos. Primeiro, porque a leitura
espacial antes feita deixou algumas brechas, inevitáveis para quem se propunha
monumentos do Terreiro.
celebrações que nem públicas são) – é esse tempo, esse período que constitui os dias especiais de
regência.
106
3 - ESPAÇO: TOMBADO, MUTANTE E TERRITÓRIO DE AXÉ
sentido para o seu cotidiano, o espaço do Terreiro da Casa Branca é o lugar que
palavras podem induzir, preservar não é manter imutável: é cuidar para que não se
perca o sentido, o valor simbólico — o que pode exigir mudança até mesmo do
espaço... É assim que se situa aquele Patrimônio Tombado – flexível a mudanças que
do Engenho Velho da Federação – o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, que, na “família”, é
...
69
As fotos a seguir são de Regina Serra, a quem expresso minha gratidão.
107
Se antes, no momento da minha primeira aproximação (descrita no começo do
agora, em 2003, esse olhar gera nova impressão: o lugar se impõe à vizinhança.
Aproximar-se do Terreiro é
confrontar-se imediatamente
de motivação afro-brasileira: a
de ferro, que substituiu o antigo gradil. São símbolos dos Orixás, em uma seqüência
que tenta lembrar o Xirê, a encerrar-se com o oxê, ou “machado de Xangô”, no novo
portão principal.
108
O fundo lateral por de trás de Dankô (o bambuzal) ganhou um muro no lugar do
obras de
recuperação
da Praça de
Oxum, com
109
a sereia que reina, restaurada, diante do pequeno lago — agora cheio e com águas em
movimento.
orientações de especialistas da
Casa.
Antes de chegarmos às já
conhecidas escadas de acesso, saltam aos olhos as obras de contenção das encostas e
processo.
110
Seguindo à esquerda da Praça, passando pelo Barco de Oxum (Okô Iluaiê), avista-se a
casa que protege a Fonte de Oxum – recuperada e com direito a placa de inauguração.
111
Subindo a nossa já conhecida escadaria, avista-se, à esquerda, um grande Oxê
O primeiro platô, de onde se avista a casa de Exu, recebeu o plantio de novas mudas
de plantas gratas ao Orixá. Daí se avistam a casa de Xangô Airá, protegida por uma
112
Ao lado da casa de Exu, à direita, avista-se a fonte Oxumaré, no caminho que leva ao
chegar ao Iroko, pode-se subir por uma rampa restaurada, à direita, que lhe dá acesso.
À esquerda de Iroko (para quem chegou aí e volta a face para a parte plana do terreno
abaixo), é possível avistar a praça de Ogun, caminho obrigatório de quem quer chegar
113
a Apaoká, em meio a pequeno trecho de mato ao lado da casa de Ogun.
principal.
114
Tomando como referência novamente a porta do Barracão, mas seguindo-se à direita,
desta vez, contorna-se a o edifício maior, subindo, a passar por moradias; pode-se
A recomposição dos passeios, dos pisos e dos sangradouros de águas, ao lado das
115
pela “família”, de um espaço disputado. As melhorias conquistadas somam-se à
Praça, hoje, após os melhoramentos recentes, começa a ser re-significada pelo grupo
de culto. Digo isso por que o espaço ainda não conquistara uma função clara para a
“família” até o ano de 2003. Talvez pelos longos anos de expropriação, com a
2003, com direito a festa e placa de homenagem ao lado da Fonte de Oxum, inspirou o
outras, uma Feira de Oxum e uma Feijoada dos Ogans (em homenagem ao Elemaxó
eventos não para por aí: outros já estão programados, muitos se sucederão.
fronteira das relações com a esfera pública, com a ordem institucional não religiosa,
antes percebida por mim como cingida à casa do Elemaxó Agnelo, à porta do
Terreiro, pela Praça de Oxum, se afirma perante a esfera pública, assim como sua
116
A outra grande fronteira, “interna”, circunda todos os assentamentos sagrados,
diferenciado que os filhos da Casa dão àqueles espaços permite discernir ali como que
Os Orixás (e seus assentamentos, entre eles suas hierofanias vegetais) são moradores
uma divisória não evidente entre as moradias dos humanos e as dos Orixás. Estes
moradores especiais, como acontece com outros, em todas as comunidades, têm, cada
qual, as suas manias e comportamentos, ora mais ora menos exigentes. Não se trata de
uma divisão unívoca entre sagrado e profano: o que seria sagrado para uns seria
ritual do Barracão constitui uma outra fronteira menor, em tamanho, mas especial. É
ali que os que chegam de fora são convidados a “esfriar o corpo da rua” e a entrar no
clima de um ambiente sacro. É nesse mesmo espaço que se dão as festas públicas e
onde habita o Xangô “rei”da Casa. Portanto, quem vem a uma festa pública está
70
Que passo a grifar em itálico a fim de lembrar do sentido metafórico que lhes estou atribuindo.
117
espaço do Barracão há diversos outros espaços, já descritos em um croqui de capítulo
anterior. Destaco entre eles a cozinha ritual, por seu efeito de interferência na lógica
meio da cozinha chega-se a quase todos eles. Dominar seus assuntos (de cozinhar e de
falar) habilita as mulheres (não é espaço de trabalho franqueado aos homens) nas
diferenciado, para si e para os seus pares – Obaluaiê (seus pares a que me refiro aqui
são Nanã e Oxumaré, sua mãe e seu irmão divinos). As fartas comidas de Obaluaiê
não podem ser preparadas na cozinha ritual comum. Para sua festa, uma cozinha é
montada em sua própria casa, e sua festa também se inicia em sua praça. É como já
disse: esse morador é dos mais exigentes72, e, portanto, seu território constitui uma
Espero ter dado uma visão global do Terreiro, complementar à que antes procedera,
71
Aqui passo a incluir como moradores da Casa não só os residentes efetivos que são membros da
“família” (há moradores do espaço do Terreiro que não pertencem a ela), mas todos os membros desta ,
inclusive os que aí poderiam morar ( compondo a moradia comum sonhada): os permanentes e os
transitórios, inclusive os hóspedes que chegam para as reverências aos Orixás.
118
meio de algumas fronteiras de sua territorialização: Praça de Oxum (espaço público x
Barracão como fronteira interna à dos moradores encantados; a Cozinha Ritual como
exceção dos “donos da terra” (Obaluaiê e seus pares), indicativo de outra fronteira
Espero não ter causado confusão com a metáfora de que me vali dos moradores e
vizinhos para poder me referir à ocupação do espaço, sem ter que descrever
viventes da “família”.
...
Feita essa apresentação sobre a dinâmica das relações, reflito sobre outro elemento
...“Esse terreiro tem Axé! Esse terreiro tem Orixá! Repetiam com orgulho algumas
evitou que uma das casas de moradores do Terreiro fosse invadida por ladrões.
72
Há quem diga entre as filhas mais velhas que a festa do Olubajé foi criada na Casa Branca, por causa
de seu morador ilustre, e hoje é repetida em outras casas de candomblé. No entanto outras sacerdotisas
119
No espaço do terreiro “tem Axé”... Dentre os significados desta palavra dicionarizada,
destaco elementos enfatizados pela “família”. Axé... “É o que segura tudo”... “Tudo
que há no mundo depende do Axé”73. Nas descrições por mim obtidas, ele é como
uma energia que a tudo penetra e garante a vida. “Axé se planta” ... e, sendo assim,
pode crescer, o que se consegue dando-se de comer aos Orixás; “assim como as
plantas respiram para nós” (isto é, se alimentam de gás carbônico e produzem nosso
de oferendas impregnando-as com seu Axé. Assim sendo, o Axé pode ser
materializado em objetos e comidas, que são ofertadas aos Orixás e retornam para o
consumo, apresentadas com a fórmula sintética “isso é Axé”; sendo assim, o axé é
algo que pode ser transmitido. Mas não só pela alimentação. Há muitos rituais que
transmitem Axé, tanto públicos como internos – todos administrados pela detentora da
transmissão do Axé, a Ialorixá [que é também Ialaxé]. “O Axé é um só, mas cada
Orixá tem seu Axé”; assim, para o Axé do todo ser mantido, se planta o Axé de cada
manter e fazer crescer o Axé, pois conta com a presença dos Orixás, que tiveram ali
Orixá ou uma árvore que é sua hierofania, estou me referindo ao Axé do Orixá ali
plantado por meio de um conjunto de objetos que lhe são gratos, por sacra que
120
estejam materializados e aprisionados. Significa que por ali passa sua “energia”74, que
disse-me uma sacerdotisa com mais de sessenta anos de iniciação... Assim ela
apontou uma particular relação entre aprender a ser da “família”, aludindo a saber
74
Encontrei o uso corrente na “Casa” da palavra “energia”, podendo ser positiva ou negativa, com a
qual pode-se ou não “entrar em contato”. Pareceu-me uma apropriação pelos viventes da “família” de
um conceito corrente nos movimentos de Nova Era. Em alguns casos referiram-se a Axé como “energia
positiva” do mundo.
121
III - O CANDOMBLÉ DE IYÁ NASSÔ: TEMPO DE SER
questões que registrei no transcurso descritivo do calendário ritual, mas que não
Essas questões iniciais, e outras derivadas, conduzem as reflexões que tento abordar
em seguida. Começo a pensar sobre o tempo desde o tópico do calendário; passo pelo
1 - OUTRO TEMPO
Lembro que os fiéis da Casa vivem sob dois registros de tempo. Um das “regências”
aprendizagem?
Creio que tal pergunta estava a me incomodar quando, sem percebê-la de imediato,
122
contagem dos dias, e outro para dar-lhe sentido, interpretá-lo — tempo para quê?: o
calendário ritual.
Na medida certa
Desde que fiz os primeiros contatos com o candomblé baiano, especialmente com o
Isso se dava por percebermos um razoável (se é que não o considerávamos irracional)
vezes em que se agendou um horário e foi necessário ficar esperando (até uma hora,
ou mais) para ser recebido! ... Mas sucedia, e sucede, também o contrário: por vezes,
auxílio nos egbé, por voluntários em ações sociais nos Terreiros, por ativistas
políticos, enfim por uma gama de agentes que coincidem naquele comentário sobre
“outro” tempo.
123
A indagação se impõe, desde quando não se fique satisfeito com a “explicação”
mais educação para “eles”, ou sobre a falta de referência a uma boa medida de tempo,
encontrei explicitado (ao menos no meio dos agentes a que me referi). Encontrei
celebrações no Barracão. Marcam-se festas (Xirê) para as 21h00, mas não se sabe
quando elas terão início, de fato. Na maioria das vezes, isto sucede mais tarde... Mas,
por vezes, sucede antes... às 20h30, por exemplo. Ora, a chegada ao momento público
de qualquer festa é precedida por rituais internos que se iniciam, em sua maioria, com
o nascer do sol. A festa pública passou por um longo tempo de preparação (como já
Entre os preparativos, rituais internos são realizados, orações são cantadas, e a esses
processam a maioria das atividades do dia, na elaboração de pratos que serão oferenda
e alimento.
124
A partir desse núcleo, a cozinha, é possível iniciar-se uma aproximação sobre a
atraso queima, a antecipação deixa cru... A espera do tempo propício a que todas as
coisas estejam prontas é o que marca o dia dos freqüentadores dos espaços internos do
Terreiro.
Assisti a uma cena que bem ilustra esse processo. Uma jovem filha-de-santo chegara à
Casa para a festa com todos os seus paramentos trazidos de sua residência. Para quem
não conhece, são anáguas, saias rodadas, blusa, torso, panos da costa, e adereços com
que o Orixá da iniciada há de vestir-se após o transe. Entre outros afazeres, essa filha
as. Era um longo e silencioso processo de preparação. Chegada a hora, banho tomado,
todos seus apetrechos ordenados, ela deu por falta de um adereço que trouxera para
substituir o adereço em questão por outro. Um intuito generoso, mas que ficou cingido
dançar para os Orixás. Ela não aceitava a substituição (ainda que o adereço
substitutivo fosse, até, mais bem acabado que o seu, como notei). Seus preparativos
estariam incompletos... Por isso, mesmo depois de horas de cuidados, ela não iria ao
125
Barracão... se não tivesse, depois de nova busca, encontrado entre seus pertences o
adereço perdido.
Decidi verificar as opiniões das irmãs que acudiram. Todas concordavam com a
atitude da aflita, ainda que tivessem, solicitamente, tentado ajudar... Havia um tácito
pessoas se consideram prontas se lhes falta algum preparo, até mesmo um pequeno
adereço escolhido.
Um outro episódio que testemunhei é ilustrativo. Um Ogan (de mais de dez anos de
Casa) fora chamado pela Ialorixá para uma conversa. Ele chegou ao Terreiro e já
aguardava a conversa por hora e meia... Percebendo isso, uma sacerdotisa da Casa
estava lá; indagou-lhe se não iria falar com ele, e obteve como reposta:
— Sei, sim! Ele já falou comigo! [a Ialorixá queria dizer, com isso que o
Ogan já a havia saudado]. Mas ele espera. Ainda não está na hora de eu
falar com ele...
sendo preparado) para a conversa... Esta aconteceu somente após duas horas de
126
Um tempo assim, cuja referência é a preliminar do correto preparo, é difícil de
marcar exatamente. Ele depende não só do evento como do término de sua pré-
Explico com mais exemplos. A parte pública de uma festa que se iniciou em horário
ser feito acontece. Daí também não ser possível marcar a hora para acabar: isso varia
com os convidados que aparecem, como o número dos que entram em transe para
serem “cuidados”; enfim, depende de muita coisa... Mas essa mesma face pública da
festa aponta para outra dimensão do tempo em que as preparações adequadas devem
ter acontecido: depois de prontos (todos e tudo), parte-se para a ação, sem hora para
acabar. É o que ocorreu no outro exemplo da conversa entre Ialorixá e Ogan: ela só
terminou quando tudo foi tratado, sem tempo marcado no relógio, sem qualquer tipo
de correria.
muitas. Estas têm seus preparativos no início do dia, mas não precisam começar com
o raiar do sol, pois as projeções feitas sobre o tempo previsto para que tudo seja feito
corretamente indicam que é possível iniciar mais tarde. O outro extremo ideal seria o
127
momento antes do pôr do sol; mas mesmo este pode ser flexibilizado, a depender dos
marcos do sol nascente e poente eram sempre repetidos como marcos de referência de
tempo obrigatórios: entre o início (sol nascente) das “obrigações” do dia e a entrega
pôr-do-sol são sempre considerados, mas não precisam ser rigorosamente obedecidos,
pois depende de quanto será necessário para que todos os afazeres propiciatórios do(s)
internos em cada caso, pode-se começar pouco antes ou pouco depois do sol nascer, e
até mesmo ultrapassar a hora do sol poente para que se façam as oferendas
“obrigatórias”.
de outras regras de duração dos eventos. Como já exemplifiquei no caso do Ogan que
saudar a todos os presentes, e só então dialogar livremente, são regras de etiqueta que
estabelecem um ritmo e a hierarquia das relações no espaço ... Nem sempre se pode,
de imediato, cumprimentar a todos segundo a hierarquia. Isso leva o fiel que respeita a
etiqueta a postar-se em silêncio, sem poder ainda conversar com todos... Isso acaba
128
por ser uma forma de aprendizado, pois o fiel é levado por tal rotina a lembrar-se do
Isso vale também para as roupas que traduzem respeito às normas da Casa, ou às
o tenha esquecido, o espaço prenhe de regras próprias vai lembrá-lo de que é preciso
assim como os frutos, que não se colhem verdes; é preciso que amadureçam para
compromisso. Para este, deve haver toda uma boa preparação. Logo, se há desprezo
aparente pela marcação das horas, há um cálculo efetivo de tempo, porque há uma
marcar, ou adiar, compromissos que eles não se sintam preparados para assumir. A
129
“Este ano não vai mais ser possível!” — foi o que ouvi, ao tentar, no mês de agosto,
mês de novembro...
deveria mobilizar para o ritual. Tal forma de estimativa se dá, também, para
com fórmulas como: “venha pela manhã”, “venha à tarde”, “venha tal dia”... Ou seja,
exigir. A imprecisão aparente não vem de um descaso pelo tempo; ao contrário, vem
Na reflexão sobre o que sintetizo como calcular adequado, há, por seu turno, uma
diferença entre os mais jovens e os mais velhos no trato do tempo; no entanto, isso
ao sentido do tempo, tal qual os mais velhos, apesar de jovens... Ao meu ver, o que
Dessa forma, ainda que pressionados por alguma ansiedade na tensão com os critérios
de relação com o tempo da Casa, os mais “novos” se submetem aos mais “velhos”.
130
Isso implica a noção de seniority, aplicável à “família”, conforme antes assinalei. Há
tomam como referência mínima de tempo mensurável a seqüência de um, três, sete,
cada estádio – este decorre de um equilíbrio entre o desiderato pessoal e o dos Orixás.
Assim, é possível encontrar mulheres no terreiro com mais de “30 anos de santo” (de
iniciação, pela medida cronológica comum) que, todavia, ainda não passaram ao
estádio dos sete anos, pois não fizeram a “obrigação de sete anos”. Afeiçoar-se a esse
Rememorando, faço, em seguida, algumas notas sintéticas, antes de abrir uma nova
questão.
131
A “família” vivencia uma perspectiva própria de tempo que é marcado por
períodos. São tanto períodos de regência dos Orixás como períodos necessários à
feitura de um prato, o tempo de cozimento deve ser respeitado (cada prato supõe
dualidade de relações com o tempo... Premidos por suas agendas da vida civil, por
fatores como horários de trabalho em dias úteis, falta de coincidência entre o período
dialoga com o Orixá em questão para definir que flexibilizações do tempo são
132
possíveis... Houve um caso, por exemplo, de negociação do tempo de reclusão
Terreiro antes de o sol se pôr, sob a condição de não se alimentar fora, e de tomar
Há, nota-se, uma tensão entre duas perspectivas de tempo. Ainda que, ao olhar dos
critérios da Casa, o que tenho chamado de “tempo civil” seja usado como simples
No ano de 2002, a Casa passou por reformas aprovadas pelo IPHAN e custeadas pela
obras sofreu algumas ingerências desde o início. O começo das obras obedeceu a uma
data marcada pela Casa. Mas depois disso, as pressões da empreiteira contratada no
sentido de acelerar a realização das obras foram até o limite de um conflito. Quando
após reiterados pedidos, avisos e advertências não obedecidos pela empreiteira, a qual
ainda ameaçava que “se parasse as obras, não iria terminá-las”. Ao que ouviram da
mãe-de-santo:
133
—Parem!
Esses dois casos apontam que o conflito entre as duas perspectivas de tempo tem a
possibilidade de resolução, mas que há condições para isso. Limites são estabelecidos
para a negociação, limites esses cuja fronteira não pode ser ultrapassada, sob pena de
pôr em risco o que garante o bom funcionamento das coisas, até da própria vida. A
de volta.
É possível dizer, pelos casos destacados, especialmente o da obra, que há uma disputa
Nessa perspectiva, não se pode dizer, por tudo até aqui descrito, que o tempo da Casa
máximas se estendem ao cotidiano dos fiéis que se querem reger, mesmo fora, pelo
134
Como, por outro lado, o tempo civil é hegemônico e majoritário no conjunto da
Cabe perguntar, diante disso − ao admitirmos que a perspectiva de tempo civil invade
manifesta em outras experiências, que não sejam religiosas, em que esteja em jogo o
estabelecimento de compromissos.
Engenho Velho, também presente em outros Terreiros? Tal fenômeno seria uma
contribuição dos negros à cultura [baiana] em geral? Parece que o descrito até aqui
indicaria uma resposta positiva. Mas o grau de generalização que isso exige me faz
limitar-me à amplitude do que observei. Assim, repito, para os fiéis da Casa, viver
movimento de disputa.
É importante notar que o acúmulo de capital simbólico do Ilê Axé Iyá Nassô Oká lhe
travou-se, de fato, uma disputa política. Um outro Terreiro, com menor cabedal de
revigorados, na memória do grupo, pela sua vitória recente na campanha pela retirada
135
num contexto de disputas que envolveram agências econômicas e políticas, privadas e
públicas. Isso lhe confere maior autonomia, mas não imunidade às tensões.
Ainda que eu evite fazer generalizações sem maior quantidade de pesquisas, pude
observar que essa representação de uma fronteira que é empurrada de lado a lado pode
Isso me induziu a supor impactos maiores na sociedade baiana dessas relações entre
do tempo.
75
Tive a oportunidade de visitar pequenos terreiros em Salvador, alguns limitados a um quarto de até
10 m2. As Ialorixás ou Babalorixás em questão mantinham, nos cuidados dispensados naquele
resumido espaço a definição dos períodos de regência de seus Orixás aos seus filhos, e o desejo de
acomodar-se em espaços maiores. A regência de Orixás em um calendário e a existência de filhos que
o respeitam denotam uma disputa simbólica de afirmação própria sobre o sentido do tempo, um
empurrar possível da disputas de fronteira de colonização a partir do limite mínimo de um quarto do
sacerdote máximo do terreiro.
76
Lembro daquelas anotações derradeiras do primeiro capítulo em que evitei adentrar o debate sobre as
definições de etnicidade e de fronteira étnica. Assim permaneço: agregando àquela síntese de final
capitular, sobre uma fronteira entre nós e eles, outros elementos característicos do lado “nós” daquela
fronteira.
136
anexar espaços, elementos e malhas de redes]; o da sístole, da pressão de fatores
O espaço pode servir, a partir do que vimos, como um marcador de tempo, mas há um
caráter adicional demarcado pela fronteira física do Terreiro, esse lugar onde se reúne
seus sacerdotes, implica “deixar seus títulos, suas vaidades, suas riquezas, suas
simbólica civil para (re)significar-se naquele espaço, sob o império de uma hierarquia
Isso, no entanto, não se verifica total ou plenamente... É possível ver nas relações
“família”. Essa tensão é negociada dentro de certos limites... A ponto de não atingir as
hierarquias máximas, nem a regência dos Orixás: têm de ficar intactas a autoridade
também denota uma mobilidade de fronteira [étnica]. No campo dos status sociais, a
negociações. Mas estas não atingem diretamente [a ponto de requerer sua intervenção]
o âmbito máximo dos oráculos e das consultas aos Orixás – como sucede nas questões
137
As regras internas são as demarcadoras de limites, ainda que sempre tenham de
reafirmar-se, e por vezes sejam burladas, por pressões de status externos a seus
trabalho ritual, esta, sim, passível de atualizações que repercutem no todo. Uma tal
sociais]77.
Achei necessário, então agregar, àquela definição da fronteira [étnica] (cf. final
atualiza o sentido de tudo, inclusive do tempo ... É no espaço do Terreiro que está
2 – DIÁLOGOS INTERPRETATIVOS
leitura do que postulo ter encontrado no Engenho Velho. Em princípio, haveria que
considerar tanto vertentes de reflexão sobre o tempo “em si”, enquanto duração (ao
modo “clássico”), como as que focalizam suas conexões com os processos da cultura
77
Estendo um pouco mais esse argumento. Antes de haver a hierarquia há a divisão de trabalho ritual.
Como os rituais estão sujeitos a alterações no tempo e nas interações com outras expressões religiosas e
sócio-culturais (caso amplamente comentado das origens e (re)configurações do candomblé), a própria
divisão de trabalho ritual pode vir a sofrer alterações. Nesse sentido, é certo que em um curto período
de tempo as tensões que remetem à autoridade hierárquica se solucionam imediatamente na própria
legitimidade da hierarquia, porém a hierarquia não é algo que se deve imaginar estático ao longo do
tempo. Com a renovação das conjunturas de tensões e jogos de sobrevivência pode ser necessário
alterar a própria hierarquia, o que implica em um processo de negociações entre humanos e oráculos-
Orixás, que atingirá a divisão de trabalho ritual.
138
(implicando seu investimento em um determinado espaço), sem perder de vista as
associações que estabeleci entre valor de tempo e fronteira [étnica] (para tratar desta
questão, bem mais adiante, sob o conceito de etnicidade). É claro que isso não pode
ser feito de forma exaustiva: exigiria a eternidade... Terei de fazer escolhas, por certo
Desejei navegar pelos sedutores caminhos de reflexão sugeridos por diferentes autores
Começo por comentar algumas reflexões de Norbert Elias (ELIAS, 1998). Em suas
considerações sobre o tempo, este apresenta uma teoria de evolução social a que deu o
nome de “abordagem sociológica evolutiva” (op. cit.:147). Para ele, assim como se
quinta variável (cf. op. cit.:106). Portanto, o conceito de tempo é uma simbolização,
nos termos do autor, que sofreu uma evolução de níveis menos complexos para níveis
mais complexos de síntese próprios do “universo simbólico que é o lugar de sua [dos
78
Ver por exemplo o número dedicado ao assunto da Current Antropology, em que seu editor destaca
139
contínuo e independente de marcadores de sentido é, pois, uma síntese complexa,
experiência do tempo como passagem de uma forma descontínua para uma contínua
— que seria a forma própria das sociedades [avançadas] atuais (cf. ELIAS, op.
cit.:151).
É muito difícil aceitar os argumentos do autor quando ele postula uma dimensão
“africana”, que ele usa como exemplo: vale-se de um texto de ficção quase
possível constatação sociológica evolutiva infensa a juízos de valor (cf. op. cit.:157)...
parece contaminar sua produção. Afinal, etnocentrismo nem sempre envolve uma
verificar qual delas melhor se desenvolveu quanto a isso... É o que contamina, sem
as sociedades (cf. op. cit.:98), toda a sua argumentação supõe que as sociedades onde
se verifica tal necessidade efetuam uma síntese mais elevada das determinações do
tempo.
que o tempo não é um construto natural ou individual, mas cultural e diferentes culturas o conceituam
140
A necessidade de estabelecer uma lógica evolutiva fez com que Elias buscasse algum
tipo de força motriz indicativa da origem de tal busca de superação: de sínteses menos
complexas para as mais complexas. Assim, ele acaba por recorrer a argumentos de
Mas é certo que todas as sociedades têm tal angústia? Por outro lado, que imagem de
“devida” marcação temporal (ou quase sem eles), e por isso angustiada, para outra
com tais símbolos, cada vez menos angustiada? Haveria mesmo aquele tipo de
sociedade humana “em situação de natureza”, tão carente de símbolos? Não, é o que
próprio Elias; mas, por querer uma sociologia evolutiva das complexidades
simbólicas, ele acaba por abrigar essa hipótese em sua estrutura lógica de pensamento,
européias, ao longo de anos, teriam, com elas, evoluído até uma síntese de natureza
incerteza e angústia meio que como forças motrizes universais, acaba Norbert Elias
141
desenvolvimento de marcadores, de referentes de continuidade, de datação e
medição...
(o que chama de personalidade originária) está a percepção do tempo (cf. op. cit.:
110). Admitindo tal postulado da forma como ele o enuncia , ficamos diante de uma
não se avança.
Elias não pensa as sociedades em disputa simbólica, isto é, não leva em conta a
disputa simbólica que ocorre no seio delas, nem mesmo considerando a problemática
da colonização, e acaba por atribuir a todas uma angústia (“temporal”) genérica. Essa
angústia até pode ter sido o motivo do desenvolvimento de tantas formas técnicas de
medir o tempo (externo aos conteúdos e sem significado que o qualifiquem). Mas ele
142
Tudo indica que é a sua, a européia.
sentimento de um tempo contínuo, sem mesmo considerar uma etnografia simples que
poderia descrevê-las a partir dos contrastes entre, por exemplo, o tempo do ócio e o
deles como negação do outro — apenas para dar um exemplo de duas formas de
como preconceito nos casos em que o olhar sobre o modo como outra sociedade lida
com o tempo obedece ao critério: “tudo que não é negócio é ócio...” Creio que não
preciso estender-me em exemplos; basta evocar algumas fórmulas correntes por aqui,
Sem essa crítica, Elias não deixa espaço para considerar a interação entre perspectivas
simbólicas como uma disputa em que uma tenta colonizar a outra (ou outras), e em
Termino por apontar, a partir daí, outro problema: evoluir simbolicamente não é,
143
que o caminho unívoco de elaboração de uma só perspectiva simbólica, o que também
um notável ensaio de E. R. Leach), farei uma breve passagem por outro campo, que se
2001:142):
O trecho reforça a crítica que fiz à tese de Norbert Elias no tocante à unificação da
fato, essa concepção unificada está nas formas de estabelecer as séries de tempo, o
144
O que acho necessário acrescentar a essa reflexão cinge-se à necessidade de pensar a
trabalho (mecânica) colonizou as outras... Neste caso, eu arriscaria dizer, dá-se que a
Ao fazer uma tipologia das formas em que experimentamos o tempo (cf. op. cit.: 204),
parte intrínseca da natureza” (op. cit.: 205), mas uma projeção que os seres humanos
fazem sobre ela [nisso, sua tese se harmoniza com a de Elias]. Se é assim, uma
79
O que se pode apresentar ao trecho como crítica à uma perspectiva que aponta a “modernidade”
como um processo amplo ligado a idéia de “civilização mecânica”, é a pergunta sobre qual seria a
abrangência cultural desse conceito e a extensão do número das sociedades que compartilham
integralmente dos valores e processos chamados de modernos?.. Esse debate não é entanto essencial a
nossa abordagem, diante do qual apenas tomo como consenso que o que se configura na diversidade
simbólica brasileira não poderia ser reduzida ao conceito de sociedade moderna.
145
projeção, porque o envelhecer e a morte são inexoravelmente regulares? Por que não
desejar que o tempo regular, produto de uma projeção, ande para trás?... Supõe Leach
por uma (outra) ansiedade (diferente da suposta por Elias): a ânsia de reverter a
sucessão inexorável dos eventos tal como biologicamente são experienciados nos
indivíduos: frear o tempo... Ou seja, converter morte e vida num mesmo significado,
abarcado numa sucessão pendular de eventos. Esta operação, diz ele, é realizada por
muitos povos, nisso apoiados, em grande parte, pela religião (cf. op. cit.:205 - 206).
Como, para o referido autor, o tempo e sua experiência vêm a ser a marcação da
209). Assim nas sociedades que “não possuem calendários”(...) “o curso do ano é
marcado por uma sucessão de festivais. Cada festival representa”(...) “uma mudança
pelo homem na natureza se dá por intervalos entre períodos profanos recortados por
períodos sagrados. O homem tem o período profano recortado por festivais sagrados.
146
Como se estabelece tal processo? A vida profana é cortada por um festival sagrado,
dá-se um rito de sacralização (purificação), o ser profano passa por uma suspensão da
vida profana, ele “morre”, o tempo social pára, e ele passa a viver um tempo sagrado:
vivo para o sagrado, morto para o profano. Ao final do festival ocorre outro rito, de
dessacralização, em que o homem morre para o sagrado e passa a viver para o profano
(cf. op. cit.: 207). Segue o estudo de Leach a vasculhar os ritos de sacralização e
ser profano. Nem é de se estranhar nas sociedades que o fim de períodos sagrados
sejam marcados por festas, comemorações, ritos fortemente profanos, realizando uma
passagem: os humanos despem-se de seu ser sagrado (dele morrem) e vestem seu ser
profano (nele renascem), tendo antes feito o caminho contrário de morte e nascimento
Aproximam-se mais das reflexões de Leach as que pude empreender sobre o tempo tal
continuum pendular entre a vida e a morte. Outrossim, o tempo ritual credita sentido a
toda a vida secular80 de tal forma que torna muito sutil a diferenciação entre o sagrado
Costa Lima (COSTA LIMA, 1977: 88) “(...) um limite preciso entre o campo
80
Minha compreensão da perspectiva existencial presente na religiosidade da Casa Branca coincide
com a de Nicolau Parés (NICOLAU, 2002: 2), que reflete sobre o candomblé como uma religião que
“se preocupa com a sutentabilidade da vida neste mundo, frente à ênfase das religiões de revelação
(Cristianismo, Islã, Judaísmo), mais interessadas na salvação eterna da alma no além.” Nesse sentido a
religiosidade, o sagrado, não é um corte de inversão do mundo profano, mas um meio de sustentar a
vida em sua totalidade, secular ou religiosa.
147
Os períodos dentro do calendário ritual podem ser complementares e não
contagem dos dias que não estejam regidos pelos Orixás. Como já identifiquei antes,
sob a regência de todos, e não sem regência), mas de qualquer forma obedecem a um
de comportamentos mais introspectivos (do Oxalá mais velho) até chegar ao mais
expansivo (do Oxalá mais jovem), que abre as portas para o breve, mas esfuziante
Para perceber as sutis distinções entre profano e sagrado foi preciso retornar ao espaço
do Terreiro.
precisam dos Orixás, e, assim como o resto do mundo, carecem de Axé para viver.
Alimentar-se de Axé é ato que, via de regra, implica em ir ao Terreiro, onde aquela
“energia” está concentrada. Os fiéis vão ao Terreiro a procura de Axé, e para este fim
148
um modo singular81. A ida do fiel ao Terreiro demarca um corte de tempo entre
próximo do Axé ali plantado (em seus vários assentamentos) e distribuído também em
concentração que atinge seu ponto máximo no assentamento, dentro do Terreiro, e vai
alimentar-se nega dialeticamente um outro, que não permite tal proximidade. Tempos
primeiro, e aquele que demarca mais claramente os cortes sutis entre um comportar-se
inverte em profano para outros), o tempo dedicado a alimentar-se de Axé define uma
outra fronteira maior, essa, sim, atribuível, sob condições particulares, aos pares
religioso/secular, sagrado/profano. Ainda que toda a vida esteja a ser mantida pela
secular, ou profana, em que o fiel se alimenta de Axé. Esses momentos, esses tempos,
81
Nesse aspecto, nas relações de aproximação e afastamento para o consumo do Axé, sintonizo-me a
149
de um território extenso da Casa). Estar no Terreiro, participar de rituais, inclusive os
cortes sutis entre a vida mais próxima do sagrado (sagrado) e a vida mais distante do
sagrado (profano), interiores à regência dos Orixás, que sustenta o existir. Esse tempo
de alimentar-se está sujeito a negociações entre a ordem secular da contagem dos dias
à descrita por este antropólogo (na seqüela de Van Gennep (VAN GENNEP, 1978:
místicas comuns que se efetuam no espaço do Terreiro: isto se reflete até mesmo no
mas encontrei mais alento para compreendê-lo nas reflexões de Vitor Turner
Mircea Eliade, no sentido de que profano e sagrado estão referidos a um centro onde se adensa a
150
...
Foi em Martim Heidegger (HEIDEGGER, 2001) que encontrei um melhor apoio para
pensar as descrições que tenho ensaiado sobre a vivência do tempo na Casa Branca do
Apenas no que toca a essa característica pública do tempo apresento uma ressalva. É
um tempo reconhecido, sim, por uma coletividade, mas não por todos os que a
151
circundam. Face à proposição do caráter público do tempo segundo a exegese
publicamente por um “quem” definido; logo, pode-se constituir um agora para uma
parte de um conjunto social, que não vale do mesmo jeito para o todo. A questão de
saber qual “agora” será reconhecido como “de todos” é a mesma incidente sobre as
exposição pela qual optei, ao dizer que na Casa Branca se vivencia uma experiência
aspecto de que o tempo faz parte do mundo das simbolizações humanas concordo com
152
Elias e com Leach, os quais chegaram a essa noção por argumentos diferentes... Esse
mesmo caráter de disputa simbólica, no entanto, foi o que me fez realizar novas
Pedagogia da “calma”
e até mesmo de todo o conjunto dos fiéis da “Casa”: o que comer, o que vestir, de
quem se lembrar, de quem cuidar, para que preparar-se, como preparar-se? Essas
dos membros mais antigos da família que podem chegar, em última instância, a
sacerdotisa...
dos eventos. Cada evento tem seu próprio desenrolar e envolve diferentes momentos:
culinário). Essa é a base que se usa para calcular a realização de um evento. Só são
153
passíveis de compromisso os eventos quanto aos quais se pode garantir, desde o seu
anúncio, que será possível uma preparação adequada para sua ocorrência e o seu
desfrute pleno, desfrute antes do qual não haverá o desfecho do evento, o seu
afasta-se das sugestões dos autores com que dialoguei. É uma leitura simbólica, mas
tem contrastes internos e não dicotomias rigorosas entre profano e sagrado; defende a
convivência de perspectivas distintas, mas não assume que tenha havido sempre a
solução em favor de uma delas: a fronteira da tensão muda de lugar conforme a força
simbólica de cada lado. No espaço do Terreiro, sim, o confronto pende para o lado da
perspectiva da “Casa”. O Terreiro pode ser visto como um marcador (ou à maneira de
aprendizado.
próximo passo...]
A escolha que fiz de pensar as relações da “família” e dos fiéis da Casa com o tempo,
apontou, ainda que parcialmente, para uma perspectiva própria deles e integradora de
religioso ocorra sob tensão (entre o que chamei de civil vs. religioso), esta não gera
154
uma dicotomia impermeável, uma irredutibilidade entre sagrado e profano: os
têm Orixás e oráculos para acessá-los... Por isso reafirmo a regência do lado religioso
realização de eventos).
generalização por que não há, nos termos da “Casa”, o tempo sem conteúdo. Para a
primeiro plano está o conteúdo: o para quê e para quem do tempo. Logo, enfrentar os
desafios de cada tempo é igual a enfrentar os desafios de cada evento: seu ritmo e seu
gozo. Essa perspectiva diante da vida, que exige um preparar-se para e um vivenciar
pleno dos eventos só é compatível com o acesso aos oráculos e aos Orixás. Mesmo as
aflições são eventos, e como tais não escapam da lógica geral do tempo (anúncio,
destino (o Odu).
Dos Orixás (afinal os oráculos são apenas um meio de acesso) espera-se, em última
tempo vigente para os da “Casa”, perspectiva que tenho buscado revelar, torna-se
mais importante do que saber qual evento ocorrerá (a adivinhação no sentido mais
155
comum do termo) ser orientado nos procedimentos adequados a preparar-se para o
vindouro, para vivenciá-lo. Destarte, os Orixás são uma fonte contínua de revelação
Passado e futuro, por tais mecanismos, são parte do presente. O passado é presente na
e dos Orixás para viver o calendário ritual. O futuro é uma dialética permanente entre
anúncio preciso, portanto não propicia o cálculo adequado, mas a revelação dos
não é saber de um rio suas pedras, bancos de areia, ameaças... Mas ter idéia de seu
curso, conhecer seu nome e em que leito suas águas rolam... É navegar sobre tal rio
com uma venda nos olhos em direção revelada, na incerteza de seus percalços, mas
156
certo modo, possível. Como espero ter deixado claro há pouco, não suponho uma
onividência do grupo, mas se falo de angústias, elas não me parecem estar orientadas
pela incerta informação sobre o futuro. Ter em seu repertório um conjunto de técnicas
sobre o futuro.
O problema é como preparar-se e vivê-lo. Para isso é fundamental o acesso aos Orixás
(por oráculo, ou por transe). A garantia do acesso aos Orixás é fundamental, é o que
quisermos atribuir ao grupo alguma angústia oriunda da sucessão dos eventos, arrisco
afirmar que esta, no fundamental, seria relativa à ameaça de abandono pelos Orixás –
...
Neste ponto, valho-me da discussão com um outro autor, Reginaldo Prandi (PRANDI,
1994), para elucidar minha posição retomando o exame do significado do “acesso aos
Orixás”.
Em seu artigo sobre o jogo de búzios, Prandi confere a esse oráculo um papel
157
predição, a ciência, que, segundo ele, tem estruturas semelhantes, embora tenha
infortúnio e propiciar a fortuna (cf. op. cit.: 123-127). Predizer o futuro é uma
dimensão das principais do oráculo; porém é preciso aprofundar a análise do seu uso
deve proceder com vistas ao melhor desempenho: um preparar-se para conviver com
Mas o oráculo, meio de acesso aos Orixás, não é usado para falar só sobre o futuro. É
rituais que o Orixá deseja receber, é uma instância de diálogo e, por isso, também de
negociação.
associada a uma incerteza plena quanto ao futuro cuja antevisão se busca — como
supõe o autor, ao afirmar que o recurso aos oráculos se dá depois que “o livre-arbítrio,
ou não lhe são institucional e culturalmente disponíveis” (op. cit.: 127). O oráculo é
158
Repito: se alguma angústia lhes pode ser atribuída no processo, essa deve ser
certifica-se o infortúnio.
...
criação a que me referi antes, evocando o momento em que cada “cabeça” criada
seu Odu. Para o enfrentamento do inexorável caminho que é viver, a companhia dos
uma base semelhante à usada por Prandi, para quem, no recurso ao oráculo, se trata da
religiosidade da África Central parece ter sido aplicada de forma genérica por Prandi
fórmula sumária dessa teoria é semelhante à que Prandi usa no trecho onde se refere
159
assim aos antigos oráculos: “dizer o presságio, apontar o auspício, antever a fortuna,
mostrar o vaticínio” (PRANDI, op. cit.: 123). A ressalva que faço à formulação
Por outras palavras (tentando pôr as coisas nos termos da “família”), eu diria que
Orixás. Portanto, é tarefa do Terreiro, e de todos os seus filhos, cuidar para que os
divinos sempre estejam próximos e satisfeitos. Assim, evitar o mal é buscar proteção,
e estar protegido é o que leva a superar o temor à inexorável incerteza dos eventos. A
pelos meios que conhece de diálogo – o transe e os oráculos. Tais meios são
regras... Quase tudo é flexível, menos a necessidade do recurso à consulta — que, por
A meu ver, uma melhor síntese, uma caracterização mais aproximada da perspectiva
quanto ao futuro, estaria representada pelo conceito de Sorge de Heidegger que pode
82
Sem tal especificidade uma formulação assim genérica pode reificar preconceitos derivados do
etnocentrismo cristão-europeu, que ao valer-se de fórmula de aparência tão pragmática decredenciaria a
religiosidade africana, considerando-a uma não religião, mero conjunto de atitudes e trocas simbólicas
para atenuar o temor ao desconhecido – distante assim de religiosidades “mais elevadas”, dirigidas às
relações entre o ser humano e a transcendência.... Matriz preconceituosa das inócuas definições
européias de magia e religião.
160
(...) ‘a preocupação que nasce de apreensões que concernem ao futuro e
referem-se tanto à causa externa quanto ao estado interno (INWOOD,
2002 apud FARREL, 1997)’. O verbo sorgen é ‘cuidar’ em dois sentidos:
(a) sich sorgen um é ‘preocupar-se, estar preocupado com’ algo: (b)
sorgen für é ‘tomar conta de, cuidar de, fornecer (algo para)’ alguém ou
algo. (INWOOD, op. cit.: 26).
empreendendo, insistir (basta aqui evocá-la mais uma vez) na importância que
entre outros entes (cf. INWOOD, op. cit.: 7), e Sorge é “sentimento” dessa ordem. No
ser” pode degenerar em “angústia” quando o vivente não consegue mais relacionar-se
Para encerrar essa breve reflexão, que lança algumas luzes sobre o cotidiano da
tempo”.
161
Communitas e “família”
Orixás.
...
Para ampliar o sentido das interpretações que tenho atribuído ao espaço do Terreiro —
162
teoria de Vítor Turner sobre “liminaridade e communitas” (TURNER, 1974) a partir
Os conceitos chave que Turner constrói ao longo desse texto são os de liminaridade
O termo liminaridade é por ele derivado do conceito de “fase liminar” empregado por
Arnold Van Gennep (VAN GENNEP, op. cit.) para caracterizar a transição de um
O autor toma os ritos de passagem como exemplos de mudança entre dois estados, os
quais ele define como mais amplos, conceitualmente, que status ou função. Os ritos de
163
características da fase de transição (“liminar”) que Turner constrói uma chave de
rituais de diferentes sociedades, não se restringe aos ritos de passagem etários, mas
este horizonte .83 Sua projeção em amplos contextos sociais se dá, para o autor, por
83
É até mesmo reivindicada por grupos sociais específicos em contextos mais amplos: ver o exemplo
dos hippies, dos monges Beneditinos e outros que Turner evoca, ao caracterizar o ideal da communitas.
164
Adiante, Turner precisa:
Por outro lado, ainda de acordo com Turner, a liminaridade se relaciona aos “poderes
dos fracos”. São estes que, nos diferentes sistemas, simbolizam as redes sociais da
communitas” (op. cit.: 133). Há grupos, segundo Turner, que mesmo que subjugados
Em resumo: os seres humanos vivendo em estruturas sociais podem sair delas através
depoimentos sobre o espaço do Terreiro que correspondem muito bem aos conceitos
de Turner. Veja-se a citação que já fiz sobre o ideal de que, no Terreiro, todos se
própria do Egbé. São várias as regras internas que levam a um comportamento ritual a
165
No entanto, o conceito turneriano de “communitas” baseia-se em um esforço de
próprias – que ao meu ver estão longe de serem “rudimentares”. Nesse sentido, em
fronteira, fazer um certo corte, em direção a uma “communitas”. Mas de que forma a
No caso do Terreiro da Casa Branca é possível, sim, falar de uma fonte ideal de
ancestrais, Orixás, a “família”, enfim. É nela que estão a fonte de valores, dos limites
a “família”: a dinâmica que conduzirá todos um dia a serem também ancestrais (status
166
disponibilizando status a que todos podem galgar um dia, mesmo que após a morte.
entre três condições: de saída das estruturas sociais extrínsecas para a “família”; de
últimas pelo aprendizado e pela ascensão interna na hierarquia rumo a uma igualdade
transcendental – a que todos podem galgar84. Esta última igualdade atualizada pela
O que Turner fala de “poderes dos fracos” pode ser exemplificado pelo jogo de
comentário dirá respeito ao senso comum (por vezes demonizador) que atribui às
maneira “oculta”. Esse é um capital simbólico que a “Casa” acumula mesmo que não
atribuídos tais poderes... Some-se a isso o fato de que ser reconhecido como o
84
Esta igualdade é atualizada pela crença na possibilidade do convívio fraterno com os ancestrais e os
Orixás. As relações com esses últimos são dramatizadas em uma igualdade possível na presença dos
Erês (entes sagrados “caricatos”, com feição infantil) de cada Orixá, que se apresentam como
“crianças” da “família”, invertendo as hierarquias e elevando os viventes a relações que supõem a
inversão da hierarquia, ou melhor, a vivência em ato da relação dos “pais” e “parentes” dos Orixás com
seus “filhos” e “irmãos” [para uma visão mais aprofundada da função ritual dos Erês, em termos muito
próximos ao que pude verificar na “Casa”, vali-me do trabalho de Serra (SERRA, 1980)].
167
profundos conhecimentos mágicos; estes cercam a “Casa” de uma aura de poder
Com isto, tangencio outro ponto crítico... Vejo-me obrigado a falar um pouco mais
[étnica] operado até aqui, ainda sem explorá-lo mais a fundo teoricamente. Vou
...
Começo por uma breve citação, colocando-a em epígrafe a essas considerações finais:
Evitei até aqui, em todo o meu trabalho, o emprego da palavra “identidade” para
caracterizar a fronteira [étnica] em que a “família” da Casa se cinge. Quis, com isso,
evitar os desvios que o conceito leva consigo por conta de uma história de afirmações
168
culturalismos, de teses essencialistas...). No entanto, na trilha que segui até este ponto,
com as várias pausas de síntese já feitas, sinto-me à vontade para usar a categoria
identidade evitando tantas confusões. Identidade, no caso, tem a ver com o sentido de
pertença a um grupo social, com uma fronteira simbólica comum; eu a digo “étnica”
por referir-se a uma herança afro-brasileira de que o grupo implicado tem uma
A adesão voluntária pode seguir motivações religiosas, mas não permite ao adepto
Ainda que tenha passado por um processo de adesão voluntária, a fronteira simbólica
a que a “Casa” me remete não é objeto de uma escolha minha, unilateral. Nem
grupo em que fui escolhido, agora e antes, desde a minha criação. Sociologicamente
sociais... Além de todos a que me referi, em sua maioria relativos aos acervos
há marcações atribuídas pelos “de fora” – através do temor do “saber mágico” por
senso comum, de que derivam categorias tais como: religião de negros, religião de
africanos, cultos do mal... Isso também compõem uma identificação. Sofro, pois,
das marcas simbólicas que incorporo, tanto os efeitos negativos como os positivos,
especialmente aqueles que terminam por ser re-significados nos embates históricos
169
colonização-negociação dos valores e símbolos85. [“Religião de negros” resulta para
mim um classificador positivo; para muitos dos que aplicam o rótulo, ele é negativo...]
Em suma, para mim, como adepto do candomblé, membro deste grupo de culto de que
entre outras coisas, acolher (responder a) tais estigmas e também (é o que quero agora
particular, e uma sua “publicidade” relativa, mais que uma sua datação (uma certa
teológicas que obtive sobre minha inserção no grupo. Ao ser suspenso ogan me foi
dado conhecimento, mas se pensarmos esse fato à luz do mito da criação... “na sua
[isto é, na minha] criação, Oxóssi, apaixonado por você, queria uma proximidade
maior de sua cabeça; ele lhe escolheu, lhe trouxe aqui e lhe suspendeu” (assim me foi
“família”]86.
85
Para exemplificar veja-se o que ocorreu com o uso pejorativo da categoria negro anterior a década de
1970, transformada em categoria positiva pelos movimentos negros baianos na década de 1970 (cf.
RIBARD, 1999: 49-57).
86
O trabalho de Fredrick Barth (BARTH, 2000: 141-165) em “O guru e o iniciador” descreve, entre
outros, aspectos importantes da economia das trocas de conhecimento envolvidas em religiosidade
iniciática da Melanésia; ali ele destaca, como aqui encontrei na Casa Branca, o papel do “segredo”
170
Não tenho traços fenotípicos bem visíveis de negro (especialmente a cor da pele) mas
passei a participar do mundo negro pela adesão a uma fronteira étnica, a uma herança
compartilhadas por uma maioria de negros, de gente com traços fenotípicos negróides
trouxeram da África. O efeito que causa esse consenso faz parte da identidade étnico-
mesmo que, hoje em dia, não resista a uma pesquisa histórica mais acurada qualquer
O acesso aos Orixás como núcleo da revelação permanente aos fiéis da “Casa” é o
Para manter esse vínculo mínimo é necessária a existência de Terreiros. E assim é por
sacerdotes são coisas que fazem parte de uma tradição religiosa específica, referida à
naquela dinâmica. Por enquanto adicionei, ao que antes constatara, a concepção teológica que alimenta
o valor sagrado dos conhecimentos “guardados” e sutilmente passados nas vivências das dramatizações
rituais. Mas assim como aquele autor, percebi efeitos não esperados e atitudes “marginais” que
171
África (a Ketu, a Oió...). E nisso não há “primordialismos”, há só um esforço no
específica de criar tradição por via de uma referência cúltica, de um modelo religioso
delineiam dinâmicas adicionais à constituição social do grupo, das quais tenciono tratar nos próximos
capítulos.
172
IV – O TECIDO DA GENTE QUE FAZ A CASA
despontam para quem compreende que os grupos sociais se formam em um meio dado e
por via de relações que o constituem. Assim, a Casa Branca pode ser vista não apenas
seria imaginar que um tal centro de culto operasse, em abstrato, pelo jogo de suas
que haja defensores deste ponto de vista, capazes de conceber assim qualquer espaço-
referência de um grupo eclesial como o Ilê de Iyá Nassô. Prefiro evitá-lo em favor de
argumentos que envolvam pessoas e suas relações, até mesmo porque, em lugar de tanta
abstração simbólica, seria muito melhor dar ouvidos à poesia contida nos postulados de
filhos do Axé. É, pois, nesses meandros relacionais que ela se tece, e se constitui a sua
173
“família”. Ela é feita de gente, relações e regras, que assim, apenas enunciadas,
...
A Casa de Iyá Nassô está situada em Salvador, de onde procedem majoritariamente seus
filhos. Convivi com o grupo eclesial que a estrutura, chegando a integrá-lo. Percebi a
notória maioria gritante de gente de fenótipo negróide na “família”. Logo supus que
seus adeptos seriam majoritariamente oriundos de um mundo negro baiano, ou, mais
precisamente, soteropolitano. Mas que mundo negro era esse que eu supunha? De que
forma se diferenciaria algo assim como um “mundo negro” em uma cidade como
Até o início do século XVIII, Salvador era a maior cidade européia fora da
Europa e a maior cidade negra fora da África (MOURA, 2003: 94)87
Seria possível separar um mundo negro em oposição a outro branco em uma Cidade em
87
Cita do livro “Panoramas Urbanos: reflexões sobre a cidade”, em que alguns ensaios importantes fazem
um apanhado da Cidade em diversos aspectos. Optei por valer-me do trabalho de Milton Moura por
encontrar nele formulações sintéticas que propiciam uma rápida introdução a aspectos culturais relevantes
de Salvador, que tenciono evocar em outras oportunidades.
174
municípios brasileiros, apontam para uma concentração relativa altíssima de negros e
Com efeito, logo vi que precisava refletir um pouco mais sobre esta cidade, esta
negro”, nuances, faixas diferentes; isso por certo ajudaria a compreender melhor a
Se convidado a visitar a Cidade de Salvador, um turista brasileiro (para não irmos muito
longe) já traria consigo uma imagem da cidade e de seus encantos elaborada pela mídia,
pelos órgãos oficiais de turismo: terra de magias e Orixás, de iguarias exóticas, de gente
linda de pele morena a dançar e cantar suas origens... Metrópole celebrada por seu
carnaval e por seus encantos litorâneos, a seduzir e a iluminar, com o Farol da Barra, os
Esse desavisado turista imaginário veria uma Salvador da democracia das cores, da
Mas esperemos dele um coração atento e um olhar inteligente. Se for tempo de carnaval
e ele quiser sair em um dos famosos blocos com direito a trio elétrico, começará por ver
175
menos misturas. A gente que sai com seus abadás, protegida por cordas, já não é tão
negra: do lado de fora estão muitos que não puderam pagar. As cordas são seguras por,
As cordas que separam os associados dos outros foliões existiam até nos
anos sessenta para identificar o grupo. Nos anos setenta e oitenta, eram
necessárias para proteger os associados contra as investidas das galeras e
para manter o próprio território. Na virada dos anos noventa, a corda
avança contra a multidão, tendo que conquistar o espaço folgado para seus
foliões de classe média. De modo a manter essas cordas, estrutura-se um
gigantesco aparato paramilitar, com coordenadores de segurança,
supervisores e cordeiros, podendo estes chegar a seiscentos numa só
entidade. (MOURA, 2003:102)
candomblé.
Esperemos que seus olhos não estejam fechados pelas imagens da propaganda. O
caminho de modo algum será alcançado pelo foco do famoso Farol. Os vizinhos do
terreiro visitado serão muito menos “misturados”. Serão negros e negro-mestiços, tal
vestidos e cheios de alegre compenetração religiosa: nada parecidos com certas imagens
da TV, cheias de corpos seminus e suados. Serão menos parecidos ainda com a maioria
dos que podem freqüentar os blocos de abadás, protegida pelos “cordeiros”. Muitos
destes, livres da lida com as cordas, podem estar ali no candomblé como lideranças, no
176
Verá nosso brasileiro de outras paragens que o candomblé de Salvador não é só de
negros, mas notará que nesse culto quase não há brancos... Poderá notar que a Salvador
retratada nos cartões postais esconde uma outra, todavia visível, a beirar, na sua faixa
mar, na altura da Barra. Toma então outros rumos, ganha espaços onde o turista não
chega.
É como se, desde o tempo da Colônia, quando se formou o Centro Histórico, até hoje,
de melhor infra-estrutura dos outros, de modo a roubar dos ainda filhos de “Todos os
Santos” a mãe que vive nas águas salgadas do mar aberto de Salvador, tirando-os da
faixa cujo apelido local é “a Orla”. Nessa outra Salvador, convivendo com as
Nosso turista pode contemplar os cartões postais de Salvador como retratos de uma
“vitrine da Cidade”. Aí não encontrará bairros em que estejam candomblés. Mas verá
“cartões” com figuras que se reportam a eles. Encontrará celebrada em postais a “cidade
dos Orixás”; verá o Dique do Tororó abençoado por um quase Xirê (com estátuas dos
deuses negros à beira do lago); verá as exageradas baianas de receptivo a tirar fotos
177
moradia da “baiana do acarajé”, ou mostrando seu trajeto até a chegada a seu ponto de
trabalho.
Nesta Salvador fora dos “postais” e do “plim-plim” da TV, tão bela e capaz de gerar
encantos e luz (sem “faróis”, mas com brilho, cantigas e atabaques), nesta grande cidade
ignorada por nosso turista é que sobrevivem muitos candomblés diferentes, a habitar-lhe
que bairros desta cidade tiveram terreiros de candomblé como núcleo histórico de sua
formação.
Não é comum que um turista saia à procura de dados capazes de ajudá-lo a pôr em
adjacências. Mas nós apostamos em seu coração e em sua inteligência. Vamos em busca
de informações que o esclareçam. Se não forem úteis para a ele, por certo o serão para
nossa vontade de decifrar o tecido social da maior fonte de integrantes do grupo eclesial
178
habitabillidade de Salvador pode ser dividida em “boa” e “deficiente”. À “boa”
mapeamento do espaço urbano com aplicação dessas categorias, e com dados novos
Salvador:
179
Um rápido exame deste mapa já pode evidenciar a existência de ao menos duas cidades
180
Gordilho buscou tornar reconhecíveis, em seu estudo, os habitantes desses diferentes
Salvador e adjacências segundo o Censo 2000, é fácil ver no mapa que as áreas de
deficiente”. Note-se que os dados censitários usados pela autora mais de dez anos atrás
181
No mapa de Salvador que se segue, registro os bairros nos quais a população que se
coincidem com as áreas de boa habitabilidade do mapa anterior, áreas que hachurei em
amarelo.
Estes dados não surpreendem. Não é novidade a desigualdade no Brasil. Mas eles
182
Os dados do Censo de 2000 dão ainda maior visibilidade a essa face de desigualdades
Tabelando dados por Áreas de Ponderação do Censo de 2000, criei índices que
ajudassem a uma visualização dos dois “mundos” de Salvador. Essas áreas determinam
fronteiras características que, embora não coincidam de modo exato com os Bairros
Metropolitanos, são a melhor aproximação que se tem dos mesmos; procurei fazer as
índices calculados. Cheguei assim a uma tabela de Índice de Segregação Social e Racial
em Salvador (Issr), que também tem dados de um índice de quão “Vitrine ”um bairro
pode ser (Ivf), assim como de comparação entre Pigmentação da Pele (Pg) e Qualidade
qualidade de vida e menor índice de segregação social e racial (coincidindo com a área
uma Área (Itapuã, por exemplo). Mas em se tratando de uma estratégia de visualização,
creio que os dados relevantes e demonstrativos devem ser vistos em suas variações de
88
Os dados que obtive de índice de desenvolvimento humano levavam em consideração apenas
expectativa de vida, renda e educação, sem considerar as diferenças quanto à pigmentação da pele e
outros de tipo de trabalho e ocupação principal que considerei relevantes.
183
escala decimal e não ponto a ponto, o que exigiria uma muito maior precisão no
trabalho geográfico89.
uma dinâmica de contínua exclusão dos negros de zonas nobres, e também de expulsão
deles das zonas que passaram a ser consideradas nobres: por exemplo, expulsão das
moradias da orla, quando as praias passaram a ser valorizadas pelos brancos; de áreas
mostra, em mapas, como evoluiu a mancha de ocupação da Cidade, desde 1925 até
89
Por exemplo, são muito óbvias as diferenças entre Áreas se compararmos aquelas com dez pontos de
Pg de diferença (veja os Pg de áreas de 80 comparados a áreas de 70 e depois 60 e assim sucessivamente
até visualizar os extremos), o mesmo ocorrendo com o Issr, em que se vê gritante segregação nos
extremos (veja Barra e Barra Avenida vs Curuzu, Issr 5 vz Issr 56 respectivamente, Curuzu é dez vezes
mais segregado que Barra e Barra Avenida).
90
“Trata-se, no caso de uma ocupação formal, dos parcelamentos planejados tecnicamente, cuja
documentação foi submetida para análise das instâncias municipais fiscalizadoras de projetos
habitacionais, após 1925... Por outro lado, a classificação ocupação informal abrange as invasões e
demais parcelamentos que foram realizados à revelia das normas e procedimentos urbanísticos. Nesse
caso, compreendem aquelas ocupações que não tiveram projetos urbanísticos prévios.” (GORDILHO
SOUZA, 2000: 235)
184
“formal” sobre as áreas expandidas de maior valor imobiliário (áreas nobres) e gera-se,
a partir daí, outra periferia de “informalidade”. Áreas desocupadas pelas elites brancas
podem vir a ser ocupadas pelos negros quando elas entram em decadência (outra forma
da elite gerar a “periferia”), como aconteceu com o centro histórico, onde, aliás, uma
afirmar que o processo de expulsão imobiliária não parou e ainda atinge a população
Enfim, sabemos agora de que falamos quando nos reportamos a um “mundo negro
soteropolitano” de hoje. Segundo vimos, nos espaços de que a indústria turística se vale
para compor uma “vitrine” atrativa de Salvador, ficam as moradias dos seus filhos que
Salvador da retórica sobre a “África no Brasil”, dos discursos sobre a “Cidade Negra”,
soteropolitano frente ao Brasil e ao mundo, de fato é uma cidade que esconde a trama
social onde os produtores destes símbolos, usados para ganho político e da indústria
185
Mas não identificamos ainda nesse mundo negro de Salvador seus matizes internos: a
que negritude está ele referido? Quais as suas origens, ou referenciais de origem? A que
identidade(s) se reporta?
2004), que discute a questão da negritude e demonstra que a gente se depara com um
que pertencem ao “mundo negro”. Não é possível, como demonstra o referido autor,
africanos, jamaicanos, rappers, funkers, soul etc. Variam de acordo com o local (Rio
mundo negro brasileiro cujas “negritudes” específicas vão dar ênfase a esse ou aquele
aspecto posto em destaque pela dinâmica de suas relações sociais, eleito como principal
ou privilegiado.
Meu encontro e minha parcela de contato com o mundo negro soteropolitano levou-me
àqueles que dão ênfase às origens africanas da suas tradições. Estamos, portanto,
186
referidos a negros que em seu repertório de auto-identificação, em sua negritude, dão
sim um mundo afro-soteropolitano delimitador de uma fronteira étnica, mundo este por
carnaval baiano. Ligado a esse mundo afro, mostra Ribard, está o mundo do candomblé
que vim a evidenciar, pelo menos em campo reduzido (sem pretender, isto é, levar em
culturais de carnaval nos bairros indicados por Frank Ribard (RIBARD, op. cit.: 363;
367). Desse modo eu quis evidenciar a integração entre o universo dos terreiros e o
universo abordado pelo referido autor, nota empírica de uma aproximação – ainda que
91
Dados coletados do cadastro de KOINONIA, Projeto Egbé em 2003 (KOINONIA, 2003).
187
parcial — capaz de sinalizar a concriação do mundo afro de Salvador por esses
XIX, conhecidos desde então, por seu caráter, influências musicais e religiosas
soteropolitana” (RIBARD, op. cit.: 249), e surgem dos trios elétricos, estruturas
de frevo (na década de 1950), realimentadas pelo “novo frevo” e pelos sucessos
modalidades de Trio que assumiram esse nome por iniciarem seus desfiles no
desfiles (Centro).
188
Cada uma dessas categorias compreende grupos carnavalescos de tamanhos diferentes;
esta diferença tem a ver com sua capacidade financeira, seu impacto na mídia, seu
alcance turístico.
recriação que não lhes tira o ethos de Blocos Afro. No entanto, eu diria, baseado em
origens de identificação com origens afro. Fazem o carnaval de rua nutridos no frevo
entre a produção cultural, a indústria turística e a mídia. Não que os grandes Blocos
Afro e os grandes Afoxés não se tenham valido dos mesmos interesses desses setores
que, em última instância, são econômicos, nem tenham conquistado espaço e ocupado
uma “vitrine” de Salvador no carnaval; mas esse é outro ponto, que podemos tocar
distribuições, que a seguir comparei graficamente a partir de uma tabela – ver Anexo 3.
189
Com as informações já acumuladas sobre a Cidade, é fácil ver que os Blocos Afro e os
Afoxés têm projeção em bairros marcados pelo maior presença negra (conforme seria de
esperar). O mundo afro baiano pode, pois, fazer-se reconhecer tanto pela presença
muito significativa de terreiros como pela igualmente significativa presença dessas duas
Afoxés. No entanto, esses casos terminam por confirmar a regra geral delineada por
190
mesmo depois dos grandes investimentos da restauração feitos na área, eles
permaneceram ali, num espaço de onde então foi removida população similar à
encontrável nas áreas segregadas de Salvador. A explicação é que esse Bloco e esse
turístico do Centro).
Ocupar a “vitrine” e ter nela seu endereço é um jogo de projeção econômica, que pode
mesmo levar a degenerar, quanto ao modo de fazer o carnaval, as tradições “afro” que
“diluição” ocorre com o distanciamento de alguns afros (Afoxés e Blocos) das áreas
pelas quais se distribui o mundo negro soteropolitano: há grande Bloco que começou
vezes, pelo menos no período celebrativo do carnaval, uma tal organização logra
exemplo do que faz o Bloco Ilê Ayê no bairro do Curuzu. Esses aparelhos culturais que
mantêm raízes territoriais no mundo negro e por vezes estão a ocupar a “vitrine” de
afros (30) e afoxés (11), conforme dados oficiais de registro do site do carnaval
191
(PREFEITURA, 2004), mas tenho notícia de alguns afoxés que não se registraram. Não
podemos aferir o tamanho da intersecção entre esses universos, mas as análises de Frank
Ribard apontam para uma ampla interpenetração deles. Conforme ele também verificou,
que tomei conhecimento corroboram essa análise, ainda que de forma incompleta.
constituintes do simbolicamente afro: são fonte da musicalidade dos Afoxés, origem das
referências culturais representadas nos Blocos Afro. Ribard tratou disso e procurou
...
... Devido aos festejos de Oxóssi em que estive por diferentes vezes envolvido, me vi na
idas aos mercados com vistas à aquisição de insumos para a grande festa do Terreiro de
Iyá Nassô. Nessa oportunidade, circulei a conduzir uma sacerdotisa entre a chamada
Feira de São Joaquim e o Mercado das Sete Portas, e por acidente me vi obrigado a
192
retornar pela chamada Orla de Salvador, até voltar ao Bairro do Rio Vermelho, e então
chegar à Avenida Vasco da Gama. Isso só ocorreu por que eu não conhecia bem os
caminhos internos de Salvador; para evitar perder-me nos entremeios dos acessos às
vias internas, apelei ao recurso de contornar pela Orla e dirigir-me por aí até a Casa.
Qual não foi a minha surpresa quando, entre risos sobre a minha ignorância geográfica,
— Fazem uns 35 anos que não passo por aqui (referia-se à Barra, ao Farol,
a Ondina...)
percurso que se estendia desde a Casa, pelos acessos rodoviários internos, rumo ao sul,
até a igreja do Bonfim; que evitava o acesso à Orla e se ligava por vias internas (como a
por aquela sacerdotisa; ela se estendia a bairros pobres como Mussurunga, para onde
(em suas palavras de quem já passou dos setenta anos de idade) o acesso ficara “mais
O relato da venerável sacerdotisa, assim como o de outras companheiras suas que pude
193
Verifiquei esse circuito não só nos depoimentos dos mais velhos da Casa como também
econômica de Salvador.
até aqui acumuladas, nos leva a afirmar com certa segurança que há um território afro-
194
soteropolitano cujo desenho também desponta no espaço dos Blocos Afro e Afoxés, no
seio do (bem mais amplo) mundo negro da Cidade da Bahia, isto é, nos seus bairros de
mundo afro de Salvador, hoje reafirmado e revalorizado pelas luta dos negros, cabe uma
A memória coletiva que remete aos Terreiros de Candomblé está impregnada de belas
com a culinária... O encanto provocado pela força dos toques de atabaques, pelas cores,
Uma histórica perseguição aos cultos diferentes do aceito pelo Estado Brasileiro (um
transcendência.
A convivência com tal realidade adversa no âmbito religioso nos leva a dizer que ela
no mundo negro de Salvador passa pela demonização da origem afra; ou seja, a sua
92
As reflexões e dados anunciados nesse tópico são oriundas do Programa Egbé – Territórios Negros de
KOINONIA, Presença Ecumênica e Serviço, publicados por mim (OLIVEIRA, 2003).
195
auto-identificação se faz com o não afro: fórmula negativa de dialeticamente reconhecer
Outras reações mais amistosas que buscaram romper com os preconceitos, retirar os
signos malignos atribuídos àquelas religiões, por vezes as folclorizaram. Isso não evitou
informais.
espaços positivos (ainda que algumas conquistas sejam ambíguas, do ponto de vista
político). Entre as mais fortes conquistas na esfera política está a que se conseguiu
Desde os anos de 1980 conquistou-se, a partir do Terreiro da Casa Branca – Ilê Axé Iyá
de garantia territorial que só começa a ser amplamente mobilizado a partir do final dos
anos de 1990, mais de dez anos depois. No final da década de 1990, início dos anos
2000, a reivindicação por tombamentos cresceu e alcançou resultados. Já são três novos
93
Trata-se do processo em curso do Terreiro do Oxumaré em Salvador e do processo concluído em 1995
do Ilê Uopo Olojucan em Belo Horizonte – MG, que mantém filiação a uma sacerdotisa da Casa Branca
(Mãe Nitinha) e intercâmbios com a Casa Branca em períodos festivos. Houve também o caso do Terreiro
do Bate Folha, de nação angola, com processo concluído em 2003 no IPHAN, assim como o Terreiro de
Olga de Alaketu em 2004. Esses exemplos confirmam a estratégia e o sucesso que segue sendo buscado a
partir da primeira ação de tombamento, da Casa Branca.
196
O foco na questão cultural tem sido importante para o candomblé desde que abarque
Territórios negros
riqueza estética e ritual desta religião com muito trabalho comunitário. A produção de
Não há candomblé sem espaço. Parece uma afirmação tão óbvia que não seria
necessário repeti-la; é quase como dizer: não há cultos sem espaço. No entanto as
fragilidades, como que veias expostas das comunidades organizadas em torno dos cultos
aos Orixás, Voduns, Inquices, Caboclos e Ancestrais são muitas nesse aspecto.
Terreiros que ocupam terrenos urbanos há mais de cinco (e até há mais de 100 anos)
centros e (até mesmo no interior), e pela crescente deterioração ambiental (pois “sem
Salvador em direção a áreas de maior mancha verde, o que, grosso modo, pode se
Mais que um espaço de culto, um Terreiro é lugar (ainda que apenas desejado) de
94
Ver a esse respeito a Tese de Mestrado de Jussara Rego Dias (REGO DIAS, 2003)
197
de atendimento de saúde com o uso de plantas medicinais e um lugar de referência de
da ausência dos serviços do Estado, e com as regras de poderes locais, geradores de uma
paradoxal anomia.
hectare (10.000 m2). Isso não descaracteriza o fato de que constituem territórios –
lugares referidos a um passado histórico comum a um grupo social, que ali se reproduz
identidade negra conferida aos grupos sociais cingidos por esses territórios, ou porque
que pelo confinamento a que foram levados pela expropriação territorial, em muitos
Candomblé e direitos
Na esfera política em que nos deparamos com esses territórios negros misturam-se os
gestão dos bens culturais que aí se produzem; luta por melhorias de condições de vida,
198
Nesse último aspecto dos direitos há enormes entraves burocráticos, relativos às
identidade pública é uma necessidade presente em qualquer busca, por parte dos
candomblé.
segregações que atingem o conjunto dos negros do Brasil, preconceitos dos quais as
Um quadro como este, por si só, já indicaria a necessidade de políticas públicas voltadas
que todos os locais de culto religioso estão imunes, por força da Constituição Brasileira;
(2) as dificuldades de registro policial, nas delegacias, de agressões sofridas pelo povo-
199
de-santo por conta da intolerância religiosa; (3) a falta de conhecimento adequado dessa
problemática por parte das autoridades públicas, em especial do Ministério Público; (4)
função do uso sem contestação por mais de cinco anos (Usucapião): exigências de
citar só algumas.
Nesse contexto a mesma estratégia que se evidencia na análise das relações dos Blocos
Afro e Afoxés com as “vitrines de Salvador”, ou seja, com o mundo dos serviços de
impossível que terreiros, assim como blocos e afoxés se isolem na “vitrine”, num quase
Por enquanto destaquemos um aspecto da política cultural que se torna instrumento vital
200
visibilidade que provocou para outras casas de candomblé reafirmaram a importância da
responsável pela Cultura), todos os Ministros da Cultura foram ao Ilê de Iyá Nassô
(Gilberto Gil ainda não foi, mas já se fez representar lá); também lá foram todos os
aparecem. Isso mostra que a Casa tem um capital de prestígio que lhe permite conseguir
muitas coisas. O Tombamento foi decisivo para isso e por outros motivos ainda. Não
foi um ganho apenas simbólico no caso da Casa Branca (como parece estar sendo para
outros terreiros): só assim ela conquistou a propriedade do terreno, que estava sendo
Posto de Gasolina, primeiras obras da Praça de Oxum); pela Fundação Palmares (uma
contenção de encostas nos fundos da casa do finado Antônio Agnelo); pela Prefeitura
tudo, está entre os terreiros mais beneficiados pelo poder público. Posição que acaba por
forma de “nova vitrine” e da rede de relações com outros terreiros – nos termos de
201
Da geografia aos primeiros critérios de seleção e constituição da gente da casa
Essas reflexões me fizeram entender que se, por um lado, não se pode atribuir ao
candomblé como um todo, muito menos à Casa Branca, um papel definidor (em termos
absolutos) na marcação de uma fronteira étnico-racial, por outro lado não se pode
esquecer que essa fronteira existe, mesmo que seja como segregação não politizada pela
maioria, e que o candomblé (em sua face a mim revelada a partir das relações da Casa)
participa do campo que a fronteira configura; em vista disso, creio que é cabível, num
breve esboço feito a partir da Casa Branca (que identifico como um portal significativo
inclusão que podem ser manejados e compartilhados neste contexto – seriam assim os
Antes de entrar nesse tema dos critérios, sinto a necessidade de rever um pouco as
minhas posições.
negra, mas cheguei a me incluir no mundo negro da Bahia devido a minha adesão a tal
míticas e definições sociais compartilhadas por uma maioria de negros, de gente com
202
traços fenotípicos negróides (que por isso são discriminados). Não retiro ou nego essa
reflexão; apenas necessito aqui precisá-la com novos elementos, que se impuseram a
Entender que minha adesão aos códigos simbólicos de uma fronteira abundantemente
por ela, é a admissão de que a fronteira existe e de que um dos lados a significa
estigmas sociais. Faltava, no entanto, perceber o óbvio (mas talvez obliterado pela
preconceitos): perceber que há um outro lado atuante no processo, verificar que este
qualquer outro).
Dito agora, parece óbvio; mas o convívio que me imergiu nesse campo de relações,
privilegiado por uma generosa acolhida no candomblé, não me deixava notar que há
critérios de aceitação manejados por parte de quem acolhe. Pois a adesão não representa
qualquer favor95; não os obriga o fato de que eu os tenha escolhido como comunidade
avaliação.
95
Assim creio poder abrir outro viés crítico de minhas próprias posturas até aqui, aquele que poderia
beirar um certo romantismo, ou uma quase folclorização do outro a partir de meus valores de origem.
203
“ingresso” na “família” e a sua efetivação há regras respeitadas de “recrutamento” e de
Como antes, minha ênfase está mais nas dinâmicas cotidianas que garantem a
manutenção de uma fronteira e menos nos marcadores de identidade étnica, ainda que
eu tenha que reconhecer que nesse âmbito das marcas comuns encontrei critérios de
passado afro.
Mas efetivamente não se pode credenciar apenas aos marcadores de identidade étnica
candomblé. Esses, a meu ver, podem ser qualificados como critérios facilitadores de
entrada efetiva na “família” da Casa, que no limite podem prescindir das “facilidades”,
204
contrário não é verdade: os critérios facilitadores não garantem a entrada na família.
Antes faço uma pequena advertência, que se for óbvia demais já vem antecipada das
devidas desculpas. O termo critério, que tenho usado, pode evocar clareza e
sentido que me valho da palavra. Estou no campo das regras sociais que nem sempre
...
Critérios facilitadores de acesso à “família”
Nesse sentido posso afirmar com segurança que um indivíduo ou grupo terá menos
barreiras97 (o que quer dizer que outros terão mais dificuldades) em sua aceitação no
96
Para essa reflexão me pareceu que estive em vantagem, no sentido de ter alguma facilitação no
processo de trabalho de campo. Além de tornar-me exigente em termos de auto-reflexão, a minha própria
presença como neófito do candomblé e, simultaneamente, pessoa de fenótipo muito pouco negróide (e
visivelmente oriundo da classe média) me expunha às estratégias usadas pelos grupos, de inclusão e não-
inclusão.
205
candomblé da Casa Branca se tiver características denotativas de pertença ao mundo
soteropolitanos da Casa;
Se sua origem social for de classe social baixa ou classe média baixa:
sacerdotal da Casa;
Esse último critério aponta para outros mais rigorosos de inserção na rede de relações
intragrupais; mas nesse ponto ainda me atenho ao aspecto geral de facilitação do acesso
pela via do parentesco, que em geral se confunde com a proximidade racial com o grupo
(de maioria negra), critério compartilhado assim com a fronteira étnica mais geral: de
97
Parece que esses critérios iniciais estão impregnados de uma negatividade, embutindo uma dinâmica
prática de proteção, mais que de recrutamento... De fato, não há uma proteção revelada, mas eu diria que
quase velada, pois a Casa é efetivamente assediada por muitos: dinâmica que de alguma forma acabou por
impregnar minhas impressões, que revisando decidi não abandonar, pois formuladas assim se aproximam
dos processos efetivos de construção pela “família” de um “nós” e um “eles”.
206
O que sigo refletindo agora diz respeito às especificidades mais rigorosas da pertença à
“família” da Casa Branca do Engenho Velho da Federação, Ilê Axé Iyá Nassô Oká98.
fenômeno intermediário, quase que um “limbo” que aponta para uma forma de relação
Vejamos então essa quase-aceitação no grupo eclesial antes de pensar naqueles que
Eu já encontrara sinais de que a marca racial era um fator de aproximação com o mundo
que vêem conhecer o candomblé para publicar livros”, a essa “gente que se aproxima do
brancos, muitos deles profissionais liberais, que “eram ‘doutores’” e que “não
ajudavam o candomblé”: advogados, professores, “gente graúda” que “só queria falar
de candomblé, mas pouco se dispunha a ajudar”. Deu-se ainda que nas minhas visitas a
pequenos Terreiros cheguei a deparar com um Xirê representado para que os visitantes
98
Ela pode ser vista como travessia de entrada para o mundo do candomblé, mas mesmo assim não me
arrisco na tentação de generalizar para todo o candomblé o que pude perceber a partir da Casa. Por outro
lado, folgo em afirmar que a adesão à Casa, seguida de uma aceitação efetiva, é uma entrada no mundo
do candomblé viabilizado pelo poder simbólico da Casa e pela sua rede de relações que abordaremos
finalmente no último capítulo.
207
Pareceu-me incrível que uma comunidade se dispusesse a tal atitude, apenas para
não querem (ou ainda não querem) ver incluídos em seu grupo social.
Terminei por admitir a existência dessa prática (o Xirê para visitantes – um quase teatro)
quando fui informado que na própria Casa Branca já se fez uso de tal prática (chamada
mesa branca), e de que um dos seus mais ilustres freqüentadores fora o senhor Edson
Carneiro.
— Hoje não se faz mais isso por aqui, mas eu vi algumas “mesas brancas”
que se fazia para autoridades... Seu Edson Carneiro era um que sempre
vinha.
Isso me foi dito, assim mesmo, por senhora de mais de 80 anos de idade e reafirmado
Mas se hoje não se fazem mais mesas brancas (quase igual a “mesa de brancos”) não
quer dizer que não se acionem atitudes e práticas de uma dialética das aparências, que
estratégico fica a forte impressão de inclusão no grupo social, quando o processo leva
208
[Talvez haja algumas de que ainda não tenho notícia, mas espero poder reconhecê-las;
branca):
status nas relações com a Casa: pondera-se de quem são clientes, e se podem
Pode ser que alguém seja convidado a estar na Casa em num momento
99
Sobre o tema “clientes” falarei com mais cuidado adiante.
209
de generalidade das conversas, pela evitação da abordagem de temas
pessoas que ainda que iniciadas, não têm acesso aos awo. Esse é um tipo de
Segundo notei, é possível que até mesmo gente iniciada por filhos da Casa fiquem por
exemplo.
pessoas são colocadas, sem sabê-lo, até que lhes sejam abertas portas de integração nas
Pude comentar com alguns da Casa sobre essa dinâmica em que as pessoas são
Achei duras essas palavras, e são poucos aqueles com quem se pode falar sobre tal
“dialética”; creio que só pude abordar o assunto devido a minha ligação fraterna com
210
significado da “dialética da não-inclusão”. Voltarei a considerá-lo após a abordagem
existência constatei no mesmo diálogo), que alguns têm de ser colocados no “limbo”, ou
seja, de uma ora para a outra terem vetado o seu acesso aos awo da “família”, ou mesmo
de sofrer uma certa proscrição do exercício sacerdotal na Casa – o que seria um retorno
Outro aspecto é de que pude registrar rara exceção. Há ao menos um caso (só pude ver
um) em que as portas de entrada na “família” foram abertas, mas o indivíduo “não-
incluído” prefere manter-se aí, nessa condição – não que a “família” o impeça, mas por
sua consciência e escolha pessoal. Essa exceção apenas confirmou, a meu ver, a
Mas como dissemos, somente de posse dos critérios rigorosos de aceitação na “família”
da Casa, poderemos melhor vislumbrar o que é não estar incluído e quem são os
O que fica aqui registrado é que a “dialética da não-inclusão” define um lugar, uma
(visitantes, clientes, fraternos, iniciandos e até iniciados). É uma condição da qual não
211
alternativas... tanto de aceitação no grupo como de proscrição; é a fronteira dos “não-
incluídos”, lugar de onde poderão vir a ser convocados (ou reconvocados) membros
só, mesmo aqueles que têm a iniciação na Casa, vínculo indelével com a “família”,
podem vir a ser ali situados – configurando uma evitação, uma não admissão nos
Os retratos re-visitados que apresentei da Casa poderiam fazer pensar que somente
levasse a crer que o processo de iniciação por si só seria suficiente para atingir o clímax
significativo.
No entanto o convívio com uma comunidade iniciática como a da Casa está eivado de
outros processos sociais de inclusão que se somam àquele momento ritual decisivo.
à hierarquia.
212
Em suma: a convicção teológica de que o candidato foi escolhido pelos Orixás e por
inquestionável. Tal crença vale tanto para Adoxes como para Ogans e Equedes, com as
devidas nuances. Adoxes podem não querer a iniciação, mas é um desiderato dos seus
Orixás cuja negação, acredita-se, lhes trará sérios problemas100. Equedes e Ogans, por
não passarem por transe, supostamente podem negar-se por mais tempo à iniciação, mas
problemas por que passam na vida são vistos como conseqüência de suas negativas.
Inversamente, sucessos são vistos como dons dos Orixás, graças recebidas pela
iniciação. Logo essa abertura para a iniciação (na Casa) é o primeiro dos critérios
que se situa no campo dos valores rigorosos, e aponta para a final aceitação (plena)
Mas sociologicamente há outros fatores de aceitação que podem, em alguns casos, ser
localizar.
Um Abian (fiel assíduo no Terreiro) pode ter chegado à Casa como cliente religioso de
um seu membro, ou por ter com um seu membro relações de parentesco. No entanto, há
100
Ordep Serra em seu artigo “Caçadores de Almas” (SERRA, 1995a) disseca o tema do drama do
chamado, ou drama da conversão, que reforça a teologia de que sempre, e antes de qualquer um, os
Orixás escolhem o vocacionado, que só encontrará alento quando responder à vontade do Santo.
213
seniority, situação esta que lhes confere um status diferenciado. Assim, a graduação das
pessoas que medeiam a chegada de alguém na Casa interferem no grau de sua aceitação,
interação ao recém-chegado. É uma relação tanto mais ampla quanto mais elevado for o
Mas não é só da hierarquia ritual definida pela antiguidade na iniciação que se compõe
o núcleo de maior poder na Casa. Há uma outra hierarquia também muito respeitada que
Ialorixá.
Pude notar que se estabelecem entre a mãe-de-santo e algumas das sacerdotisas mais
seus poderes sagrados. Essas mulheres são como “braços direitos” (se é que posso falar
por meio de uma divisão de trabalho entre a Ialorixá e elas no tratamento de assuntos de
caráter religioso; a Ialorixá e esse núcleo busca manter o equilíbrio interno das relações
101
As selecionadas para o “núcleo de confiança” são sacerdotisas de mais de sete anos de iniciação, mas
não necessariamente são as mais antigas em iniciação na Casa.
214
sobre assuntos críticos, mesmo aqueles que envolvam impasses políticos supostamente
instabilidades nas relações com esse núcleo de sacerdotisas. Fica patente que o tamanho
faz com que a mãe-de-santo se estribe nesse apoio para o desempenho de funções de sua
aflora nas festas e se espraia nos contatos com o estado e a sociedade civil. Ocupar um
em certa medida, o seu poder. Em geral, essas são relações estáveis que não mudarão
governabilidade.
Nessas tramas da hierarquia encontrei ainda uma outra também intermediária. A mãe-
de-santo apóia e estimula o serviço de pessoas que, mesmo não se contando entre as do
círculo das mais antigas, despontam por seus méritos, e embora não sendo do “núcleo
uma condição rara e exige das pessoas selecionadas um comportamento sui generis: elas
particular. Aprender a situar-se nessa “corda bamba” acaba sendo uma forma de
aprendizado poderá ser útil; caso a pessoa se destaque, futuramente pode vir a constituir
102
Já pude abordar o quanto esse limite com o mundo secular depende de uma boa relação com o sagrado,
que o determina em última instância.
215
um componente do “núcleo de confiança” ou habilitar-se a assumir uma posição elevada
na hierarquia formal.
“núcleo de confiança da Ialorixá” (ou das pessoas que ascenderam por mérito) é uma
forma de vínculo que pode mediar fortemente a aceitação pela “família”. Dá-se também
o contrário: rusgas em relações com esse centro de poder podem inviabilizar o acesso do
clientes, por exemplo, podem ter esse tipo de acesso, especialmente os clientes da
própria mãe-de-santo.
Explico melhor.
mesmo essas pessoas sofrem avaliações. Por exemplo, alguém que tenha uma relação de
parentesco consangüíneo com gente das “hierarquias” tem a seu favor um critério
facilitador de acesso à “família”, mas que pode não ser manejado em favor do(a) Abian.
— Tenho sobrinha aqui (na “família” da Casa), mas eu não confio nesses
meus parentes, já me fizeram poucas e boas... Não dá para confiar neles.
216
De qualquer forma, mesmo ocorrendo esse tipo de avaliação, ela é muito mais
É possível que alguém passe pela iniciação sem levar longo tempo em convívio
repentinamente;
Um caso muito conhecido e já citado até na literatura é o da recém falecida Dona Nola,
iniciada em regime de urgência nos aposentos de sua casa, por Tia Massi, a contragosto
da família da abian, que cedeu aos desígnios dos Orixás com medo de que ela viesse a
morrer, mas exigiu que sua filha “branca” fosse recolhida em sua própria residência.
sua nova condição sacerdotal, ele passa a ser mais profundamente acolhido;
217
progressivamente (caso se empenhe nisso), conhecimentos rituais lhe serão ministrados
na prática. Deste modo pode vir a ser-lhe franqueado o acesso a “fundamentos”, desde
Esse item vai exigir uma abordagem mais demorada, e para introduzi-lo preciso me
valer de minhas peregrinações por outros terreiros, nas quais pude inferir pela primeira
vez as noções relativas ao que encontrei designado como “educação de Axé” na Casa
Branca.
olhar e ser olhado em várias dimensões avaliativas... Pois ali estava eu, nessa condição,
a passar entre os fiéis do culto e a reproduzir gestos e atitudes que meus pares me
orientavam a adotar.
apropriados. Em geral, os homens da comitiva (que na Casa Branca não são Adoxes) são
218
acomodados nas imediações dos atabaques. As mulheres, por sua vez, são convidadas a
Em meio a essa movimentação (rápida, mas nem por isso pouco expressiva), códigos de
avaliação são manejados, numa trama de olhares. Se a entrada foi correta, se as roupas
inquérito silencioso sobre o comportamento ritual; logo o percebi na minha leitura dos
Já falei do primeiro ponto a que nós (tanto os homens como as mulheres) deveríamos
Os olhares escrutam de alto a baixo as vestes dos visitantes. Reparam se são de cores
homenageados, mas, além disso, também coerentes com as cores do Orixá que, no
período, está na regência do tempo litúrgico da Casa Branca. Por exemplo: é visto como
desrespeito à própria Casa apresentar-se em outro terreiro com roupas que não sejam
alvas, em época de regência de Oxalá na Casa Branca. Trata-se, assim, de uma equação
a ser equilibrada: da qualidade das cores dos Orixás em festa no santuário visitado com
219
Estar em tal comitiva enseja diferentes aprendizados que os mais velhos – líderes da
comitiva – estão prontos a ensinar, observar e exigir. Não é apenas simples vigilância o
que se requer então dos iniciados mais antigos; é também um cuidado com relações
diplomáticas e com a imagem pública da Casa, especialmente por que as festas públicas
visitante, e até induzi-lo a uma reclusão paranóica marcada pelo receio de cometer
erros, de ser autor de gafes ali vigiadas... Mas os olhares que, inicialmente, perscrutam
suas roupas, seus gestos, sua movimentação no espaço do terreiro visitado, a medi-la, a
220
Sentado ali, próximo aos atabaques, ao lado dos meus pares da Casa, eu acompanhava o
ritual, envolto, já, em uma certa aura de autoridade acolhida, mas concentrado nos
eles se presta reverência com as mãos erguidas à altura do peito e espalmadas, em gesto
de acolhida e retribuição de Axé. Quando tocam músicas dos Orixás patronos da Casa
Branca, deve o membro da sua comitiva pôr-se de pé e saudá-los tocando com as pontas
dos dedos primeiro a terra, e depois a própria cabeça. Este gesto se repete quando tocam
autoridade mais antiga (em termos de iniciação) presente na comitiva. Também se fica
saberes cujo aprendizado acontece, em parte, nesses momentos de visitação, mas cujo
repertório maior é aprendido nas próprias festas da casa a que pertence o visitante — em
Outras coisas que depois pude ver na Casa se me revelaram antes naquele tipo de
visitação em comitiva, e mesmo em outras visitações nas quais não me apresentei como
— O candomblé hoje está muito mudado, essa gente nova não tem mais
aquela educação.
221
— É, as pessoas que têm educação de Axé não fazem essas coisas.
jovens e crianças que circulavam pelo seu Ilê. Indicavam que existe um tipo de
Axé.
O que compõe tal educação? O que lhe é específico, que elementos contém?
A visitação a um terreiro, que em termos amplos esbocei acima, expõe alguns aspectos
As vestimentas adequadas;
celebrações rituais.
Há, no entanto, mais aspectos da educação de Axé não revelados nessas circunstâncias e
nas críticas dos anciãos registradas pouco acima. Compõem também a educação de Axé:
222
A definição do comportamento adequado em dias, momentos e espaços de
rituais internos;
luto rituais;
Quero ater-me a esse último ponto, pois, por curioso que fosse expor o conteúdo dos
Sublinho, pois, como parte da “educação de Axé” um item que se destaca em meio aos
espiritualidade.
Os sacerdotes da Casa se referem à espiritualidade como “viver a fé” e como “ter fé”.
Expressões como: “nessa hora é preciso ter fé” ou “em paz com a minha consciência eu
vivo a minha fé” se repetem em diferentes contextos, querendo, a meu ver denotar
espiritualidade103.
103
Palavra que quer expressar um modo de vida orientado pela fé. Escolhi espiritualidade entre outras
palavras porque ela adquiriu significado amplo em muitas tradições religiosas e se aproxima do
paradigma de liberdade que lhe atribuem os sacerdotes da Casa a que me remeto. É um conceito assim
compartilhado com outros como “a liberdade no espírito” dos cristãos ou “liberdade espiritual em
oposição à escravidão material”: dos budistas, dos induístas, dos kardecistas e de outros.
223
Os gestos adequados aos diferentes momentos rituais não são muitos e podem ser
épocas litúrgicas: tanto nas festas como nos rituais internos. Outros conhecimentos
podem demorar mais e são assimilados mais facilmente pelas crianças e os jovens.
repertório básico delas, principalmente as que são próprias para momentos de oferendas
episódios rituais. Esse aprendizado é mais demorado e pode ser alimentado por muitas
oportunidades de escuta.
Vinculados a esses aprendizados está o das coreografias das danças dos Orixás, em que
ou no seu entorno se compõe o grupo). Esses aprendizados são mais árduos para os que
104
Lembro que não me alonguei no que antes chamei de “comportamento protocolar diante de músicas e
ritmos” nos destaques entre os conhecimentos necessários à educação de Axé. Mas agora me parece claro
notar que os aspectos aqui discriminados de conhecimento musical, rítmico e coreográfico, envolvem
conhecimentos prévios àqueles “comportamentos”. É preciso saber sobre quais músicas, quais ritmos e
quais Orixás estão a dançar, para o que conhecimentos sobre a devida indumentária de cada Orixá
também corroboram.
224
demoram mais a ingressar no Terreiro ou, como dizem alguns religiosos, os de
“vocação tardia”.
O domínio e bom exercício das regras da educação de Axé fazem com que abians
observância às regras são todo o tempo manejados pelas sacerdotisas e sacerdotes mais
candidato em seu estágio de iniciação. E o desacato às ditas regras, pelo contrário, pode
...
Além desse tipo de critério mais interno, a Casa, por sua longevidade e projeção
nacional, é assediada por adeptos de diferentes partes do país, e mesmo do exterior. Isso
relacionamentos especiais entre o seu e outros grupos eclesiais. Além disso, diferentes
225
Esses tipos de atores incorporados ou incorporáveis também constituem a “família” da
Casa, podendo situar-se nela segundo critérios próprios para tanto, discerníveis,
Ter Axé da Casa é uma marca, entre outras, de identificação explícita com o Terreiro do
Engenho Velho.
terreiros com a Casa Branca. Queria mostrar-me que o terreiro por ela fundado e
dirigido detinha um status diferenciado de outros que também eram, de alguma forma,
“filhos da Casa”. Segundo explicou, isto se devia ao fato de que, para os rituais de
fundação do seu terreiro, nas atividades de “plantio do Axé”, ela transladara alguns itens
plano das relações religiosas entre esta matriz e seu templo, um vínculo direto, através
de materiais sagrados.
suas relações com a referida matriz: ter Axé da Casa não quer dizer apenas que se trata
de um terreiro fundado por filha legítima do Terreiro de Iyá Nassô; além disso, quer
105
Mais uma forma de se referir à Casa.
226
dizer também que o terreiro em questão compartilha de sacra presentes no Axé da
Casa106.
filhos de uma casa que tenha Axé do Terreiro do Engenho Velho107. A iniciação nesse
tipo de terreiro é uma credencial irrefutável para quem postula acolhida no Ilê Axé Iyá
Nassô Oká, conquanto mais adiante vejamos que não impõe aceitação automática e
Essa noção de estar no Axé da Casa confesso que custei a alcançar. Isso só foi possível
por comparação com o tipo anterior. Trata-se de terreiros fundados por algum filho da
“família” da Casa, mas que, para as atividades de “plantio do Axé” do terreiro, não
transladaram sacra de assentamentos da Casa. Esse tipo de terreiro é menos raro que o
primeiro e é até mesmo resultado de uma prática esperada, depois de anos de iniciação
106
Foi impossível para mim, determinar que tipo de elemento consagrado, em que quantidade e de que
lugar exatamente se transladara do Axé da Casa para aquele terreiro (pude, sim, confirmar que a
afirmação era verdadeira). Isto inviabilizou o reconhecimento de subcategorias dessa classificação. De
toda forma, abria-se para mim um critério de discernimento de aproximações, assinalando uma condição
que depois se me apresentaria como elevada em um gradiente de legitimidade, embora essa condição não
garanta manutenção perpétua da legitimidade de quem a alega e o acesso à “família” dos iniciados num
tal terreiro.
107
Os casos históricos mais notórios, reconhecidos pela Casa e que reconhecem tal filiação, são os
famosos terreiros chamados na literatura de matrizes: o Ilê Axé Opô Afonjá e o Gantois já abordados nesta
dissertação.
227
A diferença básica determinada pela explicação teológica é de que esses terreiros filhos
estão sustentados pelo Axé da Casa Branca, e dela dependem para que se reproduza de
modo eficaz o Axé em seus espaços. Princípio lógico derivado do fato de que a cabeça
da pessoa que fundou o terreiro está sendo cuidada (no sentido amplo que já
abordamos) na Casa.
Apesar da sutil diferença (pois também um terreiro que tem Axé da Casa deve ter sido
fundado por um filho do Engenho Velho) o fato de conter sacra do mesmo Axé
simbólico confere uma maior autonomia relativa ao templo afiliado em relação à Casa
Branca... É o que pude depreender das conversas que travei buscando o sentido da
diferença entre essas duas categorias de terreiros filhos da Casa, das quais destaco uma
— Eu me cuido aqui na Roça, mas não preciso que se cuide de nada para a
minha casa aqui.
No modo de filiação que aqui designei com a expressão estar no Axé da Casa, a
referência é a pessoa envolvida na fundação: somente ela, sem sacra, foi portadora do
Axé.
“família”.
228
Há os filhos de filhos da Casa que assumiram funções sacerdotais de dirigentes de
terreiros e também iniciaram outros filhos. Toda essa sucessão pode ser admitida como
no Sudeste, para onde migraram muitos de seus filhos, é comum aparecerem no seio do
houve caso de afirmação pública, por exemplo, de homens se dizendo Adoxes iniciados
na Casa, mesmo sendo notório que no Terreiro do Engenho Velho não se iniciam
de dois anos para que a “família” começasse a aceitar melhor a sua adesão. Enquanto
foram alvo de maior aproximação por parte de alguns integrantes da Casa; foram
observadas quanto à sua educação de Axé, tiveram avaliada sua assiduidade e sua
229
demonstração de espiritualidade. De fato, não faltaram os outros critérios de
social... Na prática, elas foram envolvidas nas fainas em períodos de festas, convidadas
alguma deferência), foram visitadas (no Rio de Janeiro) e somente após quase três anos
foram convidadas a participar da dança no Xirê. A partir daí, ao que tudo indica, a
...
parte da “família”... Mas um grupo social cujo núcleo é composto através da assunção
do sacerdócio exige mais de seus filhos, integrantes que são de uma comunidade
iniciática.
108
Esse é o caso a que me referi, e agora me alonguei mais, ao tratar anteriormente da “dialética da não
inclusão”.
230
4 – FORJANDO A CASA: FORMANDO OS COMPETENTES
aquisição desta na Casa, voltemos àquela cena em que me vi, por diversas vezes, a
... Depois de termos sido acolhidos e instalados em nossos respectivos lugares, notei que
projeção, até se oferecem para esses desempenhos. Os convites servem para determinar
as devidas competências dos convidados no trato das funções litúrgicas, mas também se
prestam a outro significado: quando entre os integrantes da comitiva está alguém da alta
hierarquia da Casa Branca, o convite e a anuência se fazem de praxe. Resulta uma troca
no próximo capítulo.
orquestra do terreiro anfitrião – menos por falta de vontade que por incompetência — e
respondia pouco às poucas cantigas iorubanas que sei acompanhar. Mas não podia
evitar os olhares... A mirada avaliativa é sutil da parte dos mais velhos, mas entre os
231
jovens e adolescentes beira a censura, a acusação... Entre os recepcionados, os moços
anseiam por uma participação ativa, sequiosos, sobretudo, de qualquer oportunidade que
autoridades da casa anfitriã. Não que tocar e cantar errado não gerem o mesmo efeito,
digamos assim, uma ação mais administrável pelo terreiro anfitrião... De toda a forma,
Refletir sobre tais relações me levou a perguntar-me o quanto significava nas relações
...
Ter acesso ao mundo interno da Casa Branca, e ao mundo do candomblé baiano tendo
esse Terreiro como portal, supõe submeter-se à operação dos diversos critérios
evocados, tanto dos facilitadores da aproximação como dos mais rigorosos, decisivos
para a aceitação. Mas permanecer nesse mundo sentindo-se seguro requer demonstração
109
Uso aqui o que parece para a edição do Dicionário Aurélio que possuo seria um neologismo, mas já
virou termo corrente entre educadores, querendo significar procedimentos de aferição, testes, de
conhecimento – mesmo sentido de que faço uso.
232
Brincando, brincando... também se aprende
Aqueles que têm a oportunidade do convívio no âmbito do Terreiro desde a infância, ali
mesmo, e aos poucos, são introduzidos na educação de Axé. Sofrem repreensão quando
invadem espaços de culto interditos a eles, são avisados, em tom grave, da presença de
Orixás, são ensinados a cumprimentá-los, são ensinados a tomar a benção dos mais
velhos, acompanham e brincam com os Erês que todas as adoxes podem incorporar ao
As crianças têm seus muitos momentos de liberdade e circulação nos espaços da Casa,
Adoxes, Equedes e Ogans. Tocam o que sabem do Xirê, entoam cantigas sagradas,
toa que no papel de ialorixá geralmente fica a menina mais velha... São cenas hilárias
110
Erês são uma forma de Orixás com comportamento assemelhado ao infantil, mas considerados mais
próximos de forças primordiais da natureza. Nem todas as Adoxes que manifestaram seus Orixás de
cabeça são depois mantidas incorporadas e manifestadas em seus Erês de cabeça, “mas só Adoxes têm”,
conforme as reflexões teológicas da Casa. Algumas são preservadas devido à idade (pois em forma de Erê
geralmente correm, pulam, dançam, sobem e descem escadas, enfim se movimentem muito e podem
deixar a filha que o manifesta bastante cansada e dolorida quando retorna à consciência – estado pouco
recomendado a senhoras de mais de 70 anos – mas ainda assim em momentos especiais a vinda dos Erês é
permitida para qualquer uma. Tais decisões ficam ao encargo da dirigente máxima disponível, ou seja,
consciente).
233
para os mais velhos, que por vezes participam jocosamente dessas brincadeiras,
alabês111, alguns deles prodigiosos percursionistas, que demonstram sua vocação desde
uma tensão que a vida infantil não produzira: à vontade de maior aceitação no círculo
Todos querem sentir-se adultos e acolhidos no mundo adulto dos filhos da “família”. É
imprescindível para isso que tenham passado por uma inclusão sagrada no mundo dos
bebês113, mas quando isso não ocorre, a ansiedade por tal acolhida por parte dos Orixás
é grande: espera-se que o Orixá pelo qual se tem maior carinho o retribua também
fazendo a escolha do devoto para o sacerdócio... Mas nem sempre é o que ocorre. Por
vezes, um outro Orixá faz a tão esperada escolha, o que não é um desastre: segundo
111
Nome dado a ogans instrumentistas ou ao cargo do líder da orquestra ritual
112
Há casos de meninos de menos de cinco anos que já sabem todos os toques principais do run, runpi e
lé, e do gan. Run, rumpi e lé são os três tipos de atabaques usados na orquestra sacra e o gan é um
instrumento de metal em forma de um ou dois cones interligados, usado para a marcação do ritmo
(chamado de agogô em percussão profana).
113
Esses raramente não são consangüíneos de membros de famílias de presença já histórica na “família”.
234
Os meninos circulam desde cedo a mostrar seus préstimos durante as festas. Ajudam a
velhas em compras na Feira de São Joaquim ou Mercado das Sete Portas. Aí os mais
argutos aprendem que folhas, comidas e animais devem ser comprados para os rituais,
assim como são introduzidos nos critérios de qualidade da Casa: que barraqueiros são
Com o tempo, os mais jovens começam a evitar a disponibilidade para aquelas tarefas,
menos por preguiça (esta é uma das acusações que sofrem, quando “fogem do trabalho
tocar em momentos rituais internos, para o que, em geral, obtêm permissão; aí são
instrumentos. Isto para muitos serve de teste vocacional, pois se não têm ritmo,
“ouvido”, “jeito para a coisa”, esses momentos internos servem para desencorajá-los de
No Terreiro, os jovens sentem-se movidos por uma sede de conhecimento e são aos
poucos preparados para adquiri-lo, mas vêem-se contidos por um tempo cronológico
235
que pode ser estendido por toda uma vida de dedicação e paciência. Não há, para eles, e
demonstra.
que parecem atenuar um pouco a mesma ansiedade que atinge aos meninos. Caso
tenham vocação para adoxes, elas sofrerão, a seu tempo, os sinais de tal “chamado” em
seu corpo e serão cuidadas pela “família” para o cumprimento de seu destino. Caso
atingirem até a vida adulta (só após sete anos de iniciação se pode ter acesso a todos os
fundamentos, mesmo que se saiba que ainda assim alguns deles não são ensinados a
todas).
Se acaso não foram Adoxes, aguardam ser indicadas para o sacerdócio como Equedes.
Assim como os meninos, elas esperam ansiosas e prestativas a chegada desse dia. As
meninas têm alguns desejos atenuados em tempo mais curto que os meninos,
iniciadas. Mal comparando, alguns meninos têm também tal oportunidade, quando
mostram exímio talento para o exercício musical, mas de todo modo, em termos
responsabilidade dada às meninas de cuidar diretamente dos Orixás, de estar com Eles,
236
representantes do Orun a dançar em festa. As meninas podem obter tal permissão de
ação ritual pública na Casa. Isto não quer dizer que internamente elas possam assumir
atribuições sacerdotais nos cuidados aos Orixás que competem às Equedes iniciadas.
embora oficialmente não lhes sejam dadas, podem ser captadas em conversas e gestos
dessas iniciadas.
Já refletimos bastante sobre a perspectiva do tempo na Casa, e sobre o modo como ela
podem interferir.
Essa realidade marcada por uma particular visão do mundo e do tempo exige dos filhos
nem sempre são fáceis de admitir. Por vezes, especialmente entre os jovens, ocorrem
237
ascensão mais rápida no seio da “família”. Como já anotei antes, as meninas têm formas
de atenuação de tal ansiedade que não são da mesma ordem para os meninos.
mais que demanda de espaços de lazer (ainda que esta demanda seja grande). É uma
segurança de desempenho. São esses jovens que disputam espaço nas proximidades dos
atabaques das casas visitadas a oferecer-se para tocar, e depois de ter conquistado
prestados, passando a ser convidados, principalmente, por pequenos Terreiros que têm
poucos sacerdotes e são inseguros de sua competência ritual. Para esses jovens é um
Tal circulação dos jovens e meninos é um processo auxiliado pelo valor que os
candomblés dão ao tema da competência, e pela acolhida que têm por serem oriundos
da Casa.
238
...
momentos de culto e diante dos mais velhos que, se identificarem qualquer erro, tratarão
tocarem muito rápido: “Isso aqui não é música folclórica, acerte o ritmo, diminua!” ou
simplesmente “Saia daí que isso aqui não é folclore!”. De qualquer forma, nesse
exemplo, para o jovem que estava a testar seus limites, ficou o aprendizado do tempo
repetição na Casa e terminar aprendendo por mecanismos de censura acaba por acelerar
a aquisição de conhecimentos.
ser conhecido como Ogan do Terreiro de Iyá Nassô a ele podem ser abertas, em
pequenos Terreiros, portas às quais ele só com muito tempo teria acesso na Casa, ou
nem teria. Os jovens, por vezes, são instados a auxiliar na execução de fundamentos por
que são da Casa — sem que se confirme se são, ou não, iniciados. Para os iniciados do
Ilê de Iyá Nassô, esse processo de circulação também pode vir a antecipar
Perguntados sobre episódios desse tipo, os jovens tendem a negá-los; só depois de muita
239
de omissão recíproca. Os que convidam querem ver-se prestigiados pela presença ritual
se. Mas é tarefa que ocorre sem ultrapassar a lógica da competência. Inicialmente esses
“acasos” propiciam a observação de rituais aos quais eles não têm acesso na Casa, e
depois, por repetição, podem vir a ser executados pelos mais ousados — os “invocados
— Eu fui fura-runcó. Rodei e até hoje gosto de circular por aí por festas em
quase toda Salvador. Mas tudo que aprendi foi aqui na Casa... Foi aqui que
me ensinaram o que eu sei.
— É mesmo, a única vez que entrei num runcó foi em outra Casa.
Pude tomar esse depoimento com mais calma ao fazer a história de vida de um Ogan da
aprendizado. Foi ele quem me apresentou a essa categoria, os fura-runcó. Assim são
descrever. Vejamos. Aqueles que vão a festas sem serem chamados são identificados,
na Bahia, como “fura-festa”; aqueles que, como visitantes, em outros terreiros, têm
runcó como símbolo de um tabu a ser furado é também muito apropriada, desde quando
há um interdito muito forte de acesso à clausura por parte de mulheres não iniciadas, e
114
“Invocados” são nesse contexto de uso de dialeto baiano aqueles que não se satisfazem com pouco,
que buscam o envolvimento intenso e nesse sentido são mais “atrevidos”, “audaciosos”, não tendo a
palavra qualquer conotação relativa ao estado de espírito ou grau de rancor ou ira que a palavra
dicionarizada supõe.
240
uma proibição rigorosa o veda aos homens na Casa do Engenho Velho. Perguntado
disse que:
Os fura-runcó em sua maioria são meninos, mas há meninas também exercendo esses
— Esses meninos são fogo, vivem aprendendo o que não presta, depois
querem trazer pra cá!
Essa seria a fórmula síntese entre as diferentes condenações que ouvi. A prática, no
souberem administrar as tensões que provocam com seus conhecimentos muitas vezes
241
aprender, e manejando a educação de Axé terminam por ser aceitos nos círculos de
competentes da Casa.
Pode-se ver que não é tarefa fácil para os jovens esse tipo de jogos e de administração
de paciência e aprendizado. Para alguns se acirra a tensão de tal modo que procuram o
favor.
...
dinâmicas de relações na Casa, e de que forma mexe com elas? A que ponto essas
Há muitos lugares em que uma velha máxima querendo significar eficiência se repete, e
há meios sociais em que ela ecoa até mesmo para justificar outras afirmações, que não
são de eficiência e sim de status; estas, por sua vez, sustentam muito mais posições
242
em que a máxima tem valor efetivo, significado real e eficácia no campo dos critérios de
aceitação em um grupo, esse lugar é o mundo do candomblé a que tive acesso por meio
da rede da Casa Branca. Ali se pode repetir a máxima: “quem não tem competência
não se estabelece”.
competência sacerdotal. E para isso mecanismos de uma sensível forma de testagem são
convívio; todos são muito importantes, mas não superiores em relevância ao julgamento
da competência sacerdotal.
As relações internas da Casa estão da mesma forma entremeadas, e por que não dizer:
dela.
O olhar sobre as relações na Casa do ponto de vista desse alicerce pode esclarecer até
243
invisíveis a quem procura apenas os rótulos formais de status obtidos através da
olhar para algumas posições da hierarquia que já indicara antes, ao falar de critérios
figurando como graus de uma hierarquia paralela à mediada pela seniority. Seu exame
internamente estabelece uma hierarquia entre os mais capacitados que nem sempre
coincide com a ordem da seniority. O tempo de iniciação de alguns não significa que ao
antigas na Casa que não fizeram questão, ou não tiveram capacidade, de aprender muito
educação de Axé, mas se vê que sequer são convocadas para auxiliar nos trabalhos
sacerdotais internos (isto não se aplica às filhas de Tia Massi – todas competentes
115
Ser filha de Tia Massi é um sinal de status hoje na Casa, tal a importância que aquela sacerdotisa teve
em sua gestão... Mas mais que essa referência de status que liga à venerável ancestral é também uma
afirmação de competência sacerdotal, haja vista que todas as filhas de Tia Massi são contadas entre as
mais competentes da Casa.
244
especiais e maior grau de capacitação... Essa quase hierarquia paralela é administrada
pela Ialorixá, que deve, além de demonstrar domínio de saberes, cercar-se de pessoas de
mesmo sendo notório que, informalmente, pessoas “mais novas no santo” (na iniciação)
são consultadas para alguns afazeres, devido a sua comprovada competência, elas não
serão contestadas por outras “mais velhas”: estas, no máximo, demonstrarão algum
ciúme se a ialorixá não compartilhar com elas atribuições rituais. Explico mais. Há
funções rituais que devem ser desempenhadas por critério de antiguidade de filiação a
um Orixá, e isso é respeitado, mas nem sempre a pessoa que irá desempenhar as
à realização do ritual (seleção de folhas, por exemplo). A mãe-de-santo se vale das suas
correligionárias mais próximas, e corre o risco de receber críticas (de outras preteridas
auxiliares quanto na sua própria para estabelecer os dispositivos necessários aos ritos.
círculo mais próximo da ialorixá em exercício goza entre os filhos da “família”. Esse
círculo estrito de que já falei é tanto alvo de respeito e atenção por parte dos filhos,
como pode ser foco de tensões com aqueles que começam a ascender politicamente na
Outro tipo de desequilíbrio nas relações pode ocorrer quando alguma(s) entre essas mais
245
algumas crises de relações que, se bem administradas, podem (como notei
[Fiz afirmações genéricas sobre processos que vi desenvolverem-se nos dias de hoje na
Casa. Procedi assim por dois motivos. Um deles é o fato de que não fui liberado para
identificar envolvidos, nem para relatar publicamente conflitos. Outro motivo vem de
ialorixá foi prática de governabilidade em gestões anteriores, ao menos desde Tia Massi
até hoje – e com tensões semelhantes às que se processam atualmente. Outrossim, pude
verificar que em alguns outros terreiros a que tenho acesso tal círculo do(a)s mais
Ainda que não sejam parte do círculo mais próximo das relações de autoridade da mãe-
de-santo, há pessoas que desfrutam de grande prestígio na Casa por sua competência
aceita como forma de acesso à comunidade, e em geral, os que fazem isso cuidam de
116
Esta será a última vez que farei referência separada a competência e a educação de Axé o que é de
fato uma dicotomia que não tenciono repetir. O fiz até então porque essa separação pode ocorrer, entre a
competência sacerdotal e aquela educação, mas quem tem competência tem que ter educação, só o
contrário é admissível, pois educação de Axé se exige até de um Abian. Não mostrar educação de Axé é
sinônimo de incompetência, é estipular-se uma perda de prestígio e um limite para a sua ascensão
hierárquica, mesmo com todo saber sacerdotal possível.
246
seus indicados, procurando instruí-los o quanto antes na educação de Axé. O que se
critérios já enunciados.
Pode parecer, pela ênfase que atribuí às sacerdotisas, que o círculo de competência se
homens também ocupam lugar na hierarquia das competências, e alguns entre eles são
das atribuições femininas, há algumas que respeitam a realização pelos mais velhos, o
que não quer dizer que esses desfrutem de uma confiança automática no tocante ao
preparo e garantia de que nada falhará na condução dos ritos. A mãe-de-santo, em geral,
se cerca dos Ogans de sua maior confiança como garantia de que, caso falte um mais
velho, sempre haverá quem faça o necessário para o bom andamento da liturgia. Esses
não participam do círculo mais estrito das grandes decisões, que é um círculo feminino.
...
cria elos da, amalgama a, “família”. Tal evidência é vista também por outros membros
247
internos à Casa, olhar, que reconhecido, retorna para os membros da “família” como
6 – A ESCOLINHA DE CANDOMBLÉ
Posso, a esta altura, introduzir um apelido que a Casa Branca do Engenho Velho da
primeira em tudo que diz respeito aos saberes sacerdotais do candomblé Ketu. Por outro
lado, esse mesmo apelido também sofreu inversão do seu significado negativo, quando
foi articulado carinhosamente por simpatizantes da Casa, que elogiam os seus rigores
como lugar de formação sacerdotal: o cognome escolinha ou escola, assim usado, passa
verificando o assédio que a Casa sofre de religiosos, adeptos do culto dos Orixás, de
248
Esse valor agregado à identidade dos filhos da “família” da Casa, de serem da escolinha,
é realimentado na forma de algumas de suas relações com clientes, com outros terreiros
Os clientes são uma categoria de relação que se dá entre filhos da “família” e indivíduos
que os procuram por interesses religiosos (ainda que sejam líderes de outros terreiros).
O Terreiro, até onde pude verificar, não mantém uma clientela “da Casa”, mas os seus
filhos e filhas podem vir a ter clientes de serviços religiosos. Com o prestígio do Ilê de
Iyá Nassô e a procura da qual é alvo, é comum que entre o seu corpo sacerdotal mais
Foi também o prestígio obtido na formação de sacerdotes competentes que levou vários
atendimento de clientelas.
Mesmo que a Casa Branca não corresponda em ato a tudo que se diz ou espera dela
como referência, ou seja, mesmo que ela não atue como escola de candomblé, ocupa
117
Por vários interlocutores procurei confirmar essa diferenciação que aqui apresentei: entre ser cliente da
Casa ou de alguém da “família”. De fato não há clientes da Casa, mesmo aqueles que são atendidos pela
mãe-de-santo são vistos como clientes pessoais. Ao que parece e por suas características “clientes da
Casa” seriam os integrantes da “família”, porque a função que a Casa cumpre é de formação sacerdotal e
de cuidados com os sacerdotes (suas cabeças) – mas essa é uma ilação que fiz a partir de minhas
sistematizações. A Casa, em termos do cuidado com clientelas tem um tabu: não se pode usar o espaço
para ganhar dinheiro (segundo o venerável e falecido Ogan Antonio Agnelo, sob pena de risco de morte).
Trata-se de um impedimento que leva a que a Casa não constitua qualquer rotina de atendimento e que
muitos clientes sejam encaminhados para casas de familiares.
249
este posto no imaginário dos adeptos da religião dos Orixás com algum conhecimento
das histórias contadas no candomblé. Isto se cristalizou na literatura. Também entre fiéis
com a Casa de Iyá Nassô ali irão se deparar com referências afras essenciais,
[do Rio de Janeiro:] Se aquelas velhas não sabem, ninguém sabe (roda de
[de Belo Horizonte:] Venho sempre aqui, pois meu povo espera aprender
[de Porto Alegre:] A gente procura gente de lá [da Casa] porque sabe que ali
[de Miami] Há coisas que perdemos e queremos aprender aqui [na Casa]
(Sacerdotisa de Santería).
Não estou, deste modo, anuindo à imagem de que a Casa seja um tipo de “Meca” ou
“guardiã” do candomblé, mas posso confirmar que para um conjunto de fiéis no Brasil
(e no exterior) ela é vista assim, e que se não é o único reduto do mundo do candomblé
baiano que desfruta desse tipo de capital simbólico, é um dos que o têm no mais alto
grau.
250
Se há um prestígio externo conferindo alta dignidade à Casa, há também na “família”
se aplica, em especial, àquelas que não têm qualquer forma de vínculo com o Axé da
Casa.
Em outros candomblés
As conversas nesse nível são ambivalentes, pois muitas levam a crer que os familiares
terreiros que são muito estimados e considerados grandes conhecedores, “que têm muito
Axé”... Casos, nomes, histórias contadas de gente conhecida e amiga... Há como que
uma lista de destaques onde se incluem os que não têm o “Axé da Casa”, mas têm
“muito Axé”. Todos os que dela constam estão implicados em relações de proximidade,
251
visibilidade, com status elevado na escala da competência das pessoas ou dos terreiros,
atitude que aparenta ser um tanto desconfiada acaba por ser uma forma de manter o
prestígio; de fazer o serviço sem admitir a encomenda. Explico. Ainda que a Casa não
seja um lugar dedicado a avalizar a qualidade dos serviços de candomblé prestados por
outrem118, acaba por fomentar esta expectativa, ao acionar seus modos de aceitação e
algum modo, em sua rede de relações. Tais procedimentos, embora não planejados,
Esse caráter de prestígio público reconhecido, que eleva o valor da sapiência dos filhos
capacidade aos acadêmicos que estudam o candomblé. Esses não usufruem privilégios
alguma resistência em acolhê-los, a menos que acumulem outros atributos das diversas
sacerdotal. Os estudos acadêmicos ou não são lidos ou são criticados... E em geral tais
118
Nem admite ser, segundo a opinião de sua própria Ialorixá.
252
formulações dessas críticas em rodas de conversa em que me pareceu estar em jogo a
aos dos “doutores cientistas”. Os antropólogos são os que mais sofrem (também são os
que mais têm o candomblé por objeto), quando esse tipo de crítica ocorre em
semelhantes rodas.
são criticados, não só os acadêmicos; mas com os religiosos se costuma ser mais
condescendente, e as avaliações são das pessoas mais do que da obra. Como exemplo, já
Janeiro:
Anunciei desde o início desse capítulo que com ele buscava decifrar um enigma. Os
danados dos enigmas muitas vezes são indecifráveis e sempre esperam novas
253
interpretações. Espero vê-las um dia e humildemente compartilhar de outras versões...
passado afro, vividos, consumidos e propalados, onde ela se projeta como um dos
constituintes do mundo afro e como uma das estrelas da “nova vitrine” conquistada pelo
mundo do candomblé. É dessa Salvador ambígua que ostenta e explora sua negritude e
seus negros que a Casa Branca extrai a maioria de seus filhos. São, assim, negras e afro-
partir das tramas religiosas que se pode ver a conformação de aspectos essenciais da
identidade dos filhos dessa Casa e do próprio Terreiro do Engelho Velho da Federação.
O Ilê Axé Iyá Nassô Oká é visto como centro de excelência em formação sacerdotal
infantes até idosos, os que convivem no Terreiro desfrutam de uma formação (educação,
119
Há quem espere mais ainda dos sacerdotes da Casa, que por vezes foram e são envolvidos em
celebrações de outras nações: Caboclo, Jeje e principalmente Angola.
254
capacitação) que gira em torno da renovação do ethos em que se destaca o valor de
sapiência em candomblé.
ethos da Casa. Ser um fiel freqüentador do Terreiro é condição que leva a poucas
exigências. Por outro lado, há a entrada na “família”. Entre ser recrutado e tornar-se
candomblé (até mesmo para alguns setores da sociedade civil como dissemos) e,
portanto, o assédio e a vontade de ingresso não é coisa que se tenha em pequena conta.
repulsiva. Formas de garantir a hospitalidade sem permitir a invasão. Isso pudemos ver
proscrição. É nesse “nicho simbólico” transitório que se podem ver mobilizados todos
255
Assim, divisado retrospectivamente, o “nicho” que corresponde ao lugar administrado
pela sutil hospitalidade da “dialética da não inclusão” é de fato lugar por onde passam
todos, conforme ouvi e anotei. Naquele momento, eu não lhe atribuíra tal grau de
generalidade, mas agora o faço: todos os filhos da Casa um dia habitaram esse nicho
simbólico. Haja vista ser um lugar cujas portas são administradas pelas autoridades do
quais awo ministrar). Condição limiar que produz entre os jovens e adolescentes
Estar na “não-inclusão” é não ser ou ainda não ser da “família” posto que, no limite da
mas os awo. Segredos a que na Casa só têm acesso os que são considerados da
“família”. Tabu histórico que remete, como registrei antes, até a identidades de um
Enfim, esse “nicho simbólico”, lugar pelo qual todos passam um dia, também é
reservado aos visitantes... Cabe aos hóspedes que não são da “família”, caso sejam de
candomblé, mostrarem, por suas competências, que têm condições de sair daquela
condição – por meio de sinais que serão reconhecidos e cuja saída efetiva estará
informal120)... Mas esse assunto dos visitantes que não são da “família” nos levará ao
tema do próximo capítulo: da rede de relações da Casa. Rede que se faz dos fios
estendidos por seus filhos, e da admissão de outros que a ela buscam se ligar.
120
Quero dizer com formal e informal o mesmo que antes identifiquei, respectivamente, como “de
cargos” e de “competência”, ou derivada da seniority e “paralela”.
256
V - TECENDO REDES: DE RELAÇÕES DA “CASA” COM OUTRAS CASAS
Atingimos, no estudo sobre o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, um ponto de reflexão e descrição no
qual, ao mesmo tempo em que as relações visadas se revelam, elas se imbricam, de tal
forma que seus fios parecem conduzir a um emaranhado. Mas sigamos a destrinçá-las.
Tentei, também, revelar-lhe o ethos. Conforme adverti, as relações cuja trama constitui o
grupo, ainda que controladas, quanto a sua efetivação, por critérios intragrupais, não se
esgotam em tramas internas: elas também se compõem da interação como outros grupos, e
se afirmam nos mecanismos não só internos, mas também externos de reconhecer e ser
reconhecido nos termos do ethos da comunidade. Os mesmos processos internos que forjam
relacionais tramados fora dela, onde quer que eles sejam acolhidos como filhos
Até aqui, situei a Casa na sociedade que a compreende, identificando nichos não
detive nas relações da Casa Branca com outros Terreiros, ou pelo menos não as examinei
257
Conquanto, no capítulo anterior, ao tratar da dinâmica da constituição da “família”, eu
processos de inclusão, nessa altura eu me ative aos indivíduos, aos componentes da trama
grupal. Mas já então adverti que há filhos da Casa que vêm de casas fundadas por filhos da
“família”; que há Terreiros que têm o Axé da Casa e há outros que estão no Axé da Casa;
assinalei a existência de “netos e bisnetos” do Terreiro de Iyá Nassô... Além dessas, apontei
outras relações que se travam com base no reconhecimento dado a sacerdotes competentes
pesquisa das relações entre o Ilê Axé Iyá Nassô Oká e outros Terreiros de candomblé:
pessoas oriundas de outros Terreiros, como se relaciona a Casa com esses Egbé?
- Se há Terreiros com laços teológicos identificados com a Casa — por terem sido
“família” etc. — como se concebem esses laços, e em que medida eles definem
relacionamentos especiais?
258
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344
Bem, responder a essas perguntas será assunto de que me ocuparei ao longo de grande parte
deste capítulo. Espero abordar todas as nuances de respostas que obtive para elas na minha
pesquisa, no convívio com os sacerdotes do Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Advirto que as
flutuações e lacunas não foram poucas: nem sempre o que se vê diz tudo quanto o olho
relações pessoais. Não pude ver relações formalizadas por mecanismos institucionalizados
(1) De que modo relações aparentemente pessoais ocultam relações entre grupos?
121
Em poucos casos se intercambiam convites impressos para eventos litúrgicos, mas os mesmos não revelam
qualquer forma de relação privilegiada, são meros instrumentos de divulgação e visibilidade das casas
anfitriãs.
259
do grupo para ordenar as relações interpessoais mas, por outro lado, se afirmam para
além delas?
Antes disso, torna-se necessário esclarecer como é possível que relações pessoais
Para responder a essa pergunta, e para ir além, será necessário retomar alguns temas já
...
modo geral, os rituais de transmissão de Axé são muitos, e sempre presididos pela
sacerdotisa (ou sacerdote) máxima (o). Nesse ponto, a teologia da Casa Branca coincide
com o descrito por Juana Elbein dos Santos, para quem, em um Terreiro, “Tudo que é
utilizado e transmitido passa pelas mãos da Ialaxé”. 122 Cabe um reparo: há Terreiros que
iniciam homens Adoxes; estes podem ter por dirigentes sacerdotes do sexo masculino,
260
Nas cabeças dos filhos de um Terreiro também se planta Axé. Trata-se de um cultivo que
deve ser mantido e atualizado como vimos nos capítulos II e III. Cabe repetir: Axé se planta
e se transmite; com ele são alimentadas as cabeças dos iniciados. No Terreiro é que elas
são cuidadas pela mão do sacerdote máximo (cf. capítulo II). Por isto se diz que as cabeças
dos atabaques, no sopro das cantigas, nas palmas (paô), nos alimentos consagrados, nos
“energia” geral que o Axé representa para a teologia do candomblé. Nesse sentido teológico
amplo, da ligação com o Axé, todo sacerdote, sendo filho [de santo], é co-transmissor de
Axé de seu Terreiro, em uma linha hierárquica que se propaga a partir do sacerdote máximo
a quem ele se filia. Portanto, o sacerdote filho de uma “família” que tiver seu Axé mantido
(em seu Ori) por seu pai ou mãe-de-santo, no exercício de qualquer tarefa sacerdotal estará
transmitindo o Axé que recebeu. Isso pode ocorrer atuando ele como músico, como
dirigente em oferendas, como Adoxe, como Equede, como Ogan em qualquer atividade
litúrgica, sacerdotal. Há quem creia que em qualquer momento da vida todos os filhos-de-
santo são portadores de Axé. Há, portanto, uma “família” mantida pelo Axé cuja hierarquia
Seguindo esses pressupostos teológicos podemos refletir: o que ocorre com Terreiros cujo
Babá ou cuja Ialorixá tem a sua cabeça alimentada de Axé, “cuidada” em outro Terreiro?
261
Esse vínculo determina uma outra hierarquia, onde tem ascendência um Terreiro que é a
fonte do Axé transmitido no outro. Quem alimenta de Axé a cabeça do sacerdote máximo de
um Egbé sustenta, no limite, o próprio Terreiro que esse sacerdote (assim “cuidado”) dirige.
Essa teologia determina conexões entre a Casa Branca e outros Terreiros. Isto é
especialmente visível nas relações entre ela e os Terreiros de filhos da sua “família”.
Terreiros por filhos da Casa, que aí surgem relações de “cuidados” de e com cabeças de
Como ficou dito, a mão do sacerdote máximo “está” nas cabeças de seus filhos. Quando da
morte do Babá ou da Ialorixá, essa mão deve ser substituída, para que os cuidados de Axé
do finado, substituindo-o, nessa função, por um outro sacerdote habilitado, que, a partir
desse momento, se responsabilizará por tal cabeça. Tais responsabilidades são, com certa
freqüência, assumidas por filhos da “família” que aceitam ocupar-se da “retirada da mão”
123
Juana Elbein já apontara tal necessidade de substituição, a fim de que o finado desvincule-se totalmente
desse mundo dos viventes (Ayê) e viva plenamente no mundo dos mortos e Orixás (Orun) (ELBEIN DOS
SANTOS, op. cit.: 234) o que dá uma dupla finalidade ao processo de “retirar a mão” do sacerdote máximo:
liberar o finado e o vivente desse vínculo.
262
Isto será examinado mais à frente.
Creio que assim pude estabelecer uma base de compreensão: as relações pessoais que
envolvem vínculos hierárquicos desse tipo são, de fato, coletivas. Se a Casa Branca interage
com o líder máximo de um Terreiro, teologicamente falando, é com todo o Terreiro que
em um Terreiro, este só ocorrerá com a anuência do seu líder máximo, com a sua acolhida.
Se a atuação sacerdotal consentida for de alguém de outro Terreiro, deduz-se ter sido
permitido pelo acolhedor que no Terreiro onde este é regente o sacerdote de outra casa
transmita seu próprio Axé. Logo, o Axé da Casa Branca, de Iyá Nassô, está sendo
...
Foi um complexo de relações rico em nuances que pude detectar ao observar como a Casa
Branca se relaciona com outros Terreiros, quer através da admitida vinculação dos líderes
máximos destes, quer através do exercício de tarefas sacerdotais nesses Terreiros por parte
dos familiares do Ilê Axé de Iyá Nassô. Mas essas relações que em seu significado
Axé ligado à Casa Branca, não se mostraram suficientes para incluir todas as interpretações
das relações estabelecidas pela Casa. Observando a rede de circulação e manutenção de Axé
263
retornamos, por conseqüência lógica, ao tema do reconhecimento de competências124. Haja
vista que se faz necessária competência ritual, sacerdotal, para exercer as práticas em que
Esse assunto é de tal modo significativo para o ethos do Ilê de Iyá Nassô que se torna um
classificador próprio cuja aplicação aponta para um gradiente no qual se situam em maior
proximidade os Terreiros com que a Casa mais se identifica, e a maior distância ficam
aqueles com que ela menos se identifica, no limite situando-se os Egbé com que ela, no
circulação de Axé e outro que resulta de uma classificação própria da Casa, que distingue
Veremos que não são complexos estanques, nem muito menos impermeáveis um ao outro.
dois complexos segundo analogias simples. Assim busquei descrever de um modo sintético
124
Faço uso do recurso em negrito para registrar que “competência” tem o sentido que lhe conferi no capítulo
anterior.
264
complexo de circulação do Axé e se assemelha aos laços criados por relações de
ao Axé de Iyá Nassô, denotando um certo parentesco. Em seguida tratarei das relações em
...
Não é comum o uso de categorias que classificam os Terreiros do modo como fiz. Por isso,
colchetes uma classificação alfanumérica e a nomenclatura que usei. Esta indicação servirá
para a visualização no diagrama geral da rede que incluí ao final da exposição dos tópicos 1
e 2.
Outro aspecto importante a destacar é que nem sempre as formas de relação interterreiros
pelo grupo. Há formas heréticas que podem vir a tornar-se aceitas, a exemplo do que já
125
Como essa segunda forma deriva daquilo que defini como ethos da Casa, acaba por ser também uma
interpretação de elo – pois julga o quanto um terreiro pode ser considerado participante de uma mesma
identidade, de um mesmo status em termos de sapiência de candomblé – julgamento que se aplica a qualquer
terreiro ligado à Casa Branca, inclusive aqueles que estariam supostamente mais próximos por vínculos de
Axé. Do trânsito entre as classificações tratarei mais à frente.
265
mostrei no capítulo anterior, ao tratar do caso dos “filhos pródigos”. Vou abordá-lo no
1 - REDE DE PARENTESCO
Essa rede de relações que decidi chamar de “parentesco”, advirto, mais uma vez, foi assim
[1.1- Terreiros irmãos] Casas que têm o mesmo Axé do Terreiro de Iyá Nassô
Tive a oportunidade de refletir sobre essa forma de classificação no capítulo anterior. Como
é um tipo de filiação à Casa Branca que implica translado de sacra decidi considerá-la mais
independência do Terreiro assim classificado, no sentido de que seu Axé não carece de ser
As relações com os Terreiros, considerados grandes e nascidos da Casa Branca, são as que
se dão com o Terreiro do Alaketo, com o Ilê Axé Opô Afonjá e com o Terreiro do Gantois.
Essas duas últimas casas mantêm uma relação de visitações à Casa, procurando fazer-se
presentes em algumas celebrações especiais, as quais não coincidam com o seu próprio
266
calendário litúrgico. Nos anos de 2000 a 2003, em oportunidades que testemunhei, as
visitas se deram no dia da festa do Orixá da mãe-de-santo, a Oxum da Ialorixá, Mãe Tatá.
Pude notar, nesse período, que entre esses três Terreiros, hoje em dia, a Casa mantém
vínculos um pouco mais próximos com o Gantois, depois com o Opô Afonjá, e por último
propósito, ver o trabalho de Silveira já citado aqui) e também recentes, em disputas sobre
O caso do Gantois é diferente e não se dá por nenhuma escolha política declarada, mas sim,
ao que me parece, por três motivos. Primeiro, porque o Gantois está mais perto, quase na
“família” do Ilê Axé de Iyá Nassô, o Venerável Senhor Ogan Lourival, contraiu funções
sacerdotais naquela casa: é responsável, há anos, pelos cuidados com o Iroko (ou Roco),
árvore sagrada – gameleira, fícus doliaria –, Orixá da família de Xangô. Terceiro, porque
há um vínculo de parentesco de uma sacerdotisa filha de Tia Massi, com mais de 40 anos
de iniciação na Casa - Mãe Cutu de Ogun – com algumas das filhas do Gantois. Com o
Opô Afonjá havia vínculos mais fortes de amizade e compadrio com falecidos filhos
daquele Ilê Axé, a exemplo da relação com o Babá Moacir de Ogun (lembro que o Opô
Afonjá inicia homens), mas de qualquer forma há investimento nas relações com a Casa
Branca por parte de filhos e filhas daquele Terreiro situado no bairro do Cabula, em
Salvador.
267
Em todo o caso, a manutenção desses laços depende da contínua e assídua visitação mútua
em festas públicas, incluindo, às vezes, visitas entre suas líderes máximas – iniciativa que,
tomada fora de uma festa pública, pode tornara imperativa a retribuição nas mesmas
circunstâncias. De qualquer modo, uma visita desses Terreiros em uma festa pública é
sentida pelo outro como uma obrigação de etiqueta a ser retribuída. Reciprocidade de que a
hierarquia da Casa cuida e que pode mobilizar todo um grupo sacerdotal; retribui-se o
quanto antes, com toda a pompa disponível, coisa que apenas não se verifica assim no que
toca ao Terreiro do Alaketo por conta de um certo abalo ainda não superado: este recebe
retribuição, mas tanto quanto sei não se vai até lá em comitiva... Parece que um código de
conscientes de que é necessário cultivar a conexão ente eles, cultivo que atualiza o
[1.1.a- Terreiros irmãos recentes] Têm o mesmo Axé, mas são de histórico recente.
Entre esses casos de elos com Terreiros que têm o Axé da Casa encontrei três especiais.
O Terreiro fundado em Mussurunga pela Iyá Cutu de Ogum, já citada alta sacerdotisa do Ilê
Axé Iyá Nassô Oká, teve Axé transplantado deste para a criação de seu Terreiro,
identificando-se, pois, como portador do mesmo Axé da Casa, razão pela qual mantém
relativa autonomia (vide capítulo anterior) no tocante aos “cuidados” de Axé realizados
nesta. No trabalho de fundação do referido Terreiro, Iyá Cutu foi auxiliada por uma outra
sacerdotisa, Mãe Caetana, que não teve seus assentamentos na Casa Branca, mas cujo
268
parentesco e importância sempre a colocaram em lugar de alta dignitária no universo de
relações desta.
Essa mesma senhora era bisneta de Banboxê Obiticô, e por isso, além de ter alta relevância
na história da Casa, foi por anos a fio, responsável pelo jogo da Casa (Ialauô), ou seja,
cabia a ela a função das consultas oraculares com o objetivo de perscrutar os desígnios
gerais do Terreiro do Engenho Velho da Federação. Por isso e pela alta deferência que tem
Banboxê nos mitos de fundação do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, os Terreiros que ela fundou,
hoje sob a direção de seus sobrinhos, são contados entre aqueles que têm Axé da Casa. São
eles o Terreiro do Pilão de Prata, na Boca do Rio, e o Terreiro de Mãe Aidê (que herdou o
posto de Mãe Caetana), em uma ladeira paralela à Manoel Bonfim, numa via lateral à Casa
Branca.
Esses três Terreiros são deveras cuidadosos de suas relações com a Casa, o primeiro por
vínculos sacerdotais diretos de sua sacerdotisa máxima, os outros dois em freqüentes visitas
dirigir o culto quando convidados (teologicamente: a critério dos Orixás) como a terem sua
126
As Casas que aqui designei como irmãs são, na literatura, e também pelos filhos da “família” consideradas
matrizes do candomblé Ketu no Brasil. Mas esse designativo não é corrente no Terreiro do Engenho Velho;
alguns filhos o empregam, outros não; isto me fez pensar que já se trata de uma apropriação cultural ampla,
uma tradição que pode ter-se mesclado a fontes de mitos da Casa, ou advir de publicações e do senso comum
no mundo do candomblé. O uso dessa designação “matriz” na Casa Branca ocorre, por isso o usei, mas
sempre acompanhado da advertência de que a “nossa Casa é a primeira”.
269
São Terreiros cujos fundadores são filhos de Terreiros contados entre aqueles que têm o
De fato, não se dá tanta atenção a essa relação. A priori, não me parece que ela seja contada
em ligação com alguém da Casa, esse gesto costuma ser aceito. Assisti a esse tipo de
citado Babalorixá Moacir de Ogum, falecido filho do Opô Afonjá, apreço que se devia não
só ao fato de ser ele “sobrinho”, mas também às ligações pessoais do Babalorixá com filhos
da Casa e seu periódico comparecimento nesta. Hoje, a reciprocidade dessa relação ainda
não foi buscada nos mesmos termos em que antes pelos atuais dirigentes do referido
Terreiro “sobrinho”.
Celina de Logunedé127, sediado no Nordeste de Amaralina. Ialorixá que teve como mãe-
pequena128 a Equede Jilú e como mãe-de-santo Dona Anastácia de Oxum, filha do Terreiro
do Alaketo (por isso lhe atribuí o “parentesco”). Esse Terreiro, entre os “primos” se tornou
127
O ano de 2004 foi marcado por mortes inesperadas. Celina de Logunedé era amiga íntima de Mãe Tatá e
faleceu na véspera da festa do Olubajé da Casa. Devido ao choque emocional que tal morte causou, pela
primeira vez que se tem notícia, a Casa teve uma festa adiada aparentemente por luto. Mas registro aqui que o
adiamento não teve qualquer conotação de luto, que não é tradição da Casa, mas se deveu à impossibilidade
física e emocional da Ialorixá tomar para si a direção do culto dos Senhores da Terra.
128
Mães e pais-pequenos são auxiliares nos trabalhos rituais de cuidado do iniciando, mas não põem a mão
sobre a cabeça do iniciando. Nas práticas de iniciação do Terreiro do Engenho Velho só há mães-pequenas,
mas mesmo assim não há tabu proscrevendo que homens da Casa assumam a função de pai-pequeno em outro
terreiro. Essa relação, como adiante veremos ao tratar de “compadrio”, também é usada para estreitar laços
entre terreiros que estão no Axé da Casa, especialmente os que são “cuidados” por alguma filha.
270
especial por dois motivos. O primeiro se deve à importância, sabedoria e ousadia
reconhecidas à Equede Jilú na história da Casa, de tal forma que se atribui a essa sua filha-
Casa. Hoje, a finada Mãe Celina tem duas filhas adotivas que entregou aos cuidados da
Casa e são Adoxes iniciadas na “família” (Rita de Oiá e Simone de Nanã). Além disso,
manteve uma assiduidade e intercâmbio religioso por anos, de sua casa com o Terreiro.
Sem medo de errar, é o mais importante e dileto “sobrinho” da Casa (quase “filho” em
status moral) e que terá esse vínculo mantido ou alterado a depender do desempenho de sua
sucessora.
“família”.
A forma esperada desse tipo de Terreiro é a aquela que chamei de filiação “natural”, ou seja
de Terreiro fundado por algum filho da casa; mas encontrei outro tipo de vínculo ao qual
271
No entanto, esta classificação não esgota as formas encontradas. Em cada uma delas há
duas subcategorias: as aceitas (A) e as heréticas (H). Há relações com Terreiros que se
tornaram com o tempo aceitas, mas que em sua origem foram consideradas heréticas.
Como introdução, impõe-se uma informação preliminar sobre essa “forma aceita” de
relação.
A Casa, como iniciadora de mulheres, considera que aquelas que tiveram seus rituais
iniciáticos de sete anos completados, recebem uma titulação que as credencia a tornarem-se
mães-de-santo. Logo, é um privilégio sacerdotal feminino, daquelas com sete anos rituais
de iniciação130.
A relação das filhas que têm um Terreiro começou, aqui, por aquela já citada, Iyá Cutu, não
por importância maior ou seniority, mas porque classifiquei seu Terreiro em outra
129
As relações em que Equedes assumem o papel de mãe-de-santo, veremos noutro nível, à frente.
130
São obrigações iniciáticas, pela ordem, de um, de três, de sete – que já credencia ser Ialorixá –, e as
adicionais de 14 e 21 anos que podem ser vistas como rituais de celebração, agradecimento e entrega em
louvor, não lhes acrescentando novas titulações segundo o que pude ouvir de sacerdotisa de mais de 30 anos
de iniciação.
272
Outro e muitíssimo importante para o conjunto de filhos da “família”, é o Terreiro de
Miguel Couto, no Rio de Janeiro, fundado por Iyá Nitinha (atual Iyá Kekerê Ossi),
Terreiro de longa vida naquele estado do Sudeste, e sua Ialorixá é uma iniciadora de muitos
filhos, grande “parideira”, além de que é matriarca de uma extensa família de filhos
(consangüíneos), todos com funções sacerdotais na Casa – Ogans, Equedes, Adoxes, entre
os quais o Ogan Léo, atualmente o mais antigo Ogan da Casa – o Elemaxó ossi (até o
Outra casa é o Terreiro de Itinga, em Salvador, fundado por Mãe Antonieta de Ogun,
também mãe consangüínea e avó de diversos filhos e netos com funções sacerdotais na
Esses Terreiros que superpõem vínculos familiares místicos e carnais a ligá-los com a Casa
Branca do Engenho Velho têm a atualização de suas relações feita quase naturalmente,
haja vista a presença regular de suas sacerdotisas máximas nas relações internas do
Terreiro.
O primeiro caso a evocar remete a tensões que foram históricas na Casa: é o de Eunice de
Xangô, acusada por algumas de suas irmãs de fazer rituais de iniciação indevidamente, em
termos dos locais e das pessoas eleitas, desde quando não havia sido autorizada pela
273
Ialorixá. Residente no espaço do Terreiro, é acusada de ter assentado em sua morada o seu
próprio Ilê e iniciado filhos. É protagonista de algumas histórias em que lhe imputam
iniciativas heréticas, mal contadas e difíceis de repetir; insinua-se mesmo que sua morte se
deu por conta do abuso repetido de tais heresias... Hoje o testemunho vivo de uma aceitação
suas filhas, Ivone de Oxóssi e Cleonice de Obaluaiê. Esta última fundou o seu próprio
Terreiro e comparece e colabora com seus filhos em festas da Casa Branca; a manifestação
Dá-se, por vezes, que filhas da “família” da Casa Branca herdam um Terreiro por sucessão
caso, devido ao fato de que a filha responsável é feita (iniciada) na Casa, esse Terreiro,
mesmo não tendo sido fundado por ela, é sustentado pelo Axé da Casa. Os Terreiros
Nessa condição encontrei o Terreiro do Cobre, dirigido por Mãe Val, Valnízia de Airá,
filha da Casa Branca. Poderia dizer também de outro modo que Mãe Tatá “cuida” desse
Terreiro por ser mãe-de-santo de Valnízia, o que não estaria errado, mas não diferenciaria a
existência desse episódio da herança. Fiz questão de destacá-lo, pois foi nesse filão de
131
Afirmei que essa aceitação está em curso devido a algumas resistências que ainda persistem no seio da
“família”.
274
[1.2b.H- Terreiros herdados heréticos] Casas de Ogans “pais-de-santo”: proscritos ou
“filhos pródigos”
À guisa de introdução, lembro que no Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho homens
não são iniciados como Adoxes; logo, o fato de pessoas desse sexo assumirem o papel de
pais-de-santo embute uma dupla heresia – o fato de serem homens em função que, pelas
regras da Casa, deveria competir a uma mulher — a uma Ialorixá — e o fato de que tendo
sido iniciados como ogans (única iniciação masculina possível na Casa) assumiram um
papel para o qual não foram preparados, transformando-se por conta própria em
Babalorixás.
Os dois casos históricos mais significativos são os dos finados Cipriano e Álvaro, ambos
Segundo o que se conta, o Terreiro do Patiti Obá (ou Ipatiti O´Galo) vizinho ao terreno
atual da Casa, foi fundado por Manoel do Bonfim, pai do Sr. Cipriano, em parte do terreno
histórico do Ilê de Iyá Nassô, e com o tempo foi dele separado. Naquele Terreiro herdado
de seu pai, dizem, o venerável Alabê da Casa, Ogan Cipriano, assumia funções sacerdotais
de pai-de-santo, e justificava-se dividindo o “trono” da casa com a sua esposa, a quem ele
275
atribuía o papel de mãe-de-santo132. Esse Ogan não foi proscrito da Casa, mas a aceitação
de suas filhas, e daquele Terreiro, no âmbito da sustentação pelo Axé da Casa até hoje é
difícil. Elas são aceitas no convívio há décadas, mas não recebem um tratamento de
O outro Ogan que se tornou pai-de-santo justificou tal iniciativa alegando herança familiar
de um Terreiro; para o exercício da função terminou, segundo se diz hoje, sendo auxiliado
por filhas da Casa, com a anuência da Ialorixá que a regia à época (Tia Massi). O senhor
auspícios de filhas da Casa, o que alguns supõem ter resultado em que atribuições
femininas não eram por ele assumidas. No entanto, esse Ogan, mantendo seu Terreiro em
Salvador, migrou para a Cidade do Rio de Janeiro, onde fundou outro e se fixou como
Babalorixá. Ali iniciou vários filhos, tendo muito sucesso e influência sobre casas de Axé
daquela cidade.
Essa última iniciativa mais independente levou a que o Senhor Álvaro sofresse um certo
não o havia preparado e que ele passou a exercer plenamente no distante Rio de Janeiro.
Mas foram heresias passadas. Esse “filho pródigo” (tanto no sentido da parábola bíblica
como no de bem-sucedido) conseguiu ser de novo acolhido na Casa, e teve seus filhos
132
Os filhos da “família” que se referem a esse caso alegam, além do testemunho que tiveram de outros, que a
esposa do Ogan não tinha a mínima competência sacerdotal para assumir as funções de mãe-de-santo.
133
Soube por sacerdotisa de mais de 60 anos de iniciação que o Sr. Cipriano se desentendeu com Tia Massi, a
qual não o perdoou até o fim de seus dias... Divergência, que suponho, influencia a posição das filhas de Tia
Massi até hoje; logo os filhos do Sr. Cipriano sempre encontrarão dificuldades de aceitação na hierarquia
atual.
276
integrados no Axé da “família”, de tal modo que estes são respeitados, desfrutam do
Obaluaiê, Iraci de Iansã e Pai Adermã de Oiá são os filhos mais antigos de que se tem
notícia daquele Ogan Babalorixá da “família”. Pai Adermã consagrou-se como herdeiro de
Pai Álvaro, ficou responsável por seus Terreiros (no Rio e em Salvador) e se fez também
entre as formas “não aceitas” de relações com a Casa, mas por outro é a que se apresenta
como alternativa para um conflito que assinalei antes, relativo ao processo de formação e
suas dinâmicas internas, exemplificado pelos chamados fura-runcó. Não pude confirmar a
tornaram pais-de-santo e a hierarquia da Casa. Inquiridos sobre este assunto, todos alegam
que os Ogans em questão tinham cargos herdados a assumir. Verdade ou não, essa me
pareceu ser uma estratégia de justificação [a posteriori] da iniciativa. Passei a pensar assim
Terreiro de candomblé. Tal iniciativa já o teria proscrito totalmente das relações com a
Casa não fossem alguns atenuantes, que fazem com que ele se mantenha em equilíbrio
tenso nas relações com a hierarquia da “família”. Ele alega, como os anteriores, que passou
134
Esse Babalorixá faleceu no mês de julho de 2004. A Casa, com mais essa morte, além da de Dona Elza e
de Arnaldo, Ogan de Ogun, filho carnal de Antonieta de Ogun, a que se somou, mais tarde, a já citada morte
de Celina de Logunedé, sofreu intensamente no período; isto levou o Terreiro a respeitar um certo luto
“profano” – evitação de festividades profanas — sem cumprir luto religioso interno.
277
a assumir tais funções devido a uma herança de cargo (de uma tia avó), alegação
questionada por muitos, durante um bom tempo, mas ora já aceita oficialmente por algumas
das hierarcas do Ilê de Iyá Nassô. Além disso, apesar de não ter um cargo empossado como
Alabê da Casa, ele assume as funções de dirigente da orquestra ritual (função de que se
desincumbe com muita competência) e tem uma forte relação de parentesco: é afilhado
aceitação por alguns, de que as funções que ele assumiu por alegada herança, a sua
atividade de Babalorixá e seu Terreiro serão aceitos na fronteira das relações de Axé da
“proscrito”.
incomum, relutantemente aceita. Outra confirmação disso se deu pelas conversas com
conquistados na Casa, através de uma “beira de conversa” anotada aqui, de uma repreensão
ali... Enfim esses fura-runcó, já jovens e adultos135, assumiram incorporar-se à Casa nas
sacerdotais – ainda que tenham, na adolescência, tomado atalhos em sua busca de saberes
135
O sacerdote mais importante entre os que admitem ter sido, ou que, embora jocosamente, ainda aceitam ser
chamados de fura-runcó, é o Ogan Antônio Marques de Ogun, que optou por submeter-se aos rigores de uma
plena aceitação no grupo eclesial, grupo a que ele credita a consolidação de seus saberes.
278
[1.3 – Terreiros Netos] Casas de filhos de filhos da “família”
Nesta modalidade de relações, o esperado era que encontrássemos apenas filhos iniciados
E como antes, entre os mesmos deparei-me com a outra subdivisão entre aceitos(A) e
heréticos(H).
Com o designativo de “casas netas” eu quis situar as casas fundadas por pessoas iniciadas
A maior “parideira” de filhos contada entre as filhas de Tia Massi é Iyá Nitinha de Oxum.
De suas mãos saíram filhos que fundaram Terreiros no Rio de Janeiro, em São Paulo e até
Atualmente não tenho notícia de outros Terreiros nessa condição, de “netos”, fora da rede
genealógica que leva até à mãe-de-santo em Miguel Couto no Rio de Janeiro, a Iyá Kekerê
279
[1.3aH – Terreiros netos naturais heréticos]
Terreiro tenha sido iniciado por um herético às regras da “família” que não tenha sido
Cléo de Obaluaiê, filha de Eunice de Xangô. Essa “neta” da Casa fundou seu próprio Ilê e
tem trazido suas filhas e filhos às festas do Terreiro de Iyá Nassô, especialmente no
Olubajé (festa dos senhores da terra – Obaluaiê, Nanã e Oxumaré). Considero assim que
seu Terreiro é um filho natural e ainda herético, cuja aceitação final considero que se dará
visita em comitiva136.
[1.3bA – Terreiros netos adotivos aceitos] Casas cuidadas por filhas da Casa
Algumas filhas da Casa, também credenciadas por mais de sete anos de iniciação, podem
fundará um Terreiro138.
136
Há pessoas da Casa que conhecem, visitam e se relacionam em compadrio (ver à frente o que é compadrio)
com o terreiro de Cleonice (por exemplo,o Ogan Edivaldo), mas não é uma relação que gere reciprocidade
decidida pela hierarquia de poder da Casa.
137
Em geral, até aqui tenho usado o termo mãe-de-santo para designar a líder máxima entre as sacerdotisas de
um terreiro. No entanto, encontrei esse outro uso corrente na “família”: emprega-se mãe-de-santo para
designar a pessoa que pôs a mão sobre a cabeça do iniciando, ou sobre a de alguém já feito (em substituição
ao iniciador). Sendo assim, passei a grafar em itálico o termo mãe-de-santo quando me refiro a esta última
acepção, correspondente também a uma categoria reconhecida na “família”.
280
Para entender isso, é necessário que se leve em conta outra informação. Aquelas pessoas
(ou Terreiros) que procuram a Casa para serem “cuidadas”, em geral são tidas e atendidas
como clientes da Ialorixá. No entanto, esta pode exercer sua autoridade delegando a uma
das sacerdotisas da Casa (credenciada pelos sete anos de iniciação) a assunção de tais
solicitante;
O principal efeito simbólico de tal delegação de poderes é que os rituais sagrados contarão
atendida. A mão sobre a cabeça da pessoa “cuidada” será da sacerdotisa (da “família”)
indicada pela Ialorixá da Casa. Essa mão pode ter sido colocada: na iniciação da Ialorixá
138
A esse modo não “natural” de aquisição de um filho chamei de “adoção”. Como essa “adoção” mantém o
“adotado” subordinado a uma filha da “família”, qualifiquei a posição deste entre os “netos”.
281
Devido à alta consideração de que desfrutam no seio do candomblé baiano, acontece de
informam a Ialorixá da Casa a que pertencem e contam com sua anuência; mas quando isso
se dá fora dos limites de Salvador, essas consultas à mãe-de-santo da Casa de Iyá Nassô por
vezes não ocorrem, e iniciações seguem sendo feitas com relativa autonomia por parte das
sacerdotisas migrantes — o que tem gerado netos da Casa a serem reconhecidos e aceitos.
Os Terreiros de Dona Branca e de Mãe Lourdes, ambas iniciadas pelo finado Babá e Ogan
Álvaro, hoje têm como mãe-de-santo a Iyá Tieta de Iemanjá, sacerdotisa com mais de 30
anos de iniciação na Casa Branca139. Originalmente esses Terreiros eram ambos situados,
Camaçari, e o segundo se mantém no mesmo lugar onde foi fundado. As Ialorixás desses
139
Este é um exemplo claro da aceitação das funções de Babalorixá do finado Ogan Álvaro.
282
O Terreiro de Mãe Elza140 também está neste caso: esta falecida mãe-de-santo tinha sua
cabeça cuidada pela atual Ialorixá do Ilê Axé de Iyá Nassô, Mãe Tatá — que foi, pois, sua
mãe-de-santo.
De resto, mesmo não tendo sua sacerdotisa máxima entre as filhas da “família”, o referido
Terreiro é outro com ligações muito próximas com a Casa: filhos consangüíneos da
dirigente dele atuam na Casa Branca com funções sacerdotais importantes, a saber, como
Ogans e Equedes. É, portanto um Terreiro que atualiza seus vínculos com a Casa Branca
Iyá Nitinha é, como já vimos, responsável por um bom número de Terreiros. De acordo
com uma distinção que fiz acima, ora me atenho apenas aos Terreiros de que ela “cuida”
Xangô, situado em Salvador (bairro do CIA). Este Babalorixá teve a mão da falecida Vovó
Conceição tirada por Iyá Nitinha. Carlos de Xangô e outros filhos de Vovó Conceição de
Nanã mantêm seus vínculos afetivos e místicos com a Casa, assim como cultivam laços de
respeito religioso e amizade com a filha e os netos carnais da referida sacerdotisa de Nanã,
muito considerada entre as filhas de Tia Massi. Há muitos outros casos em que Iyá Nitinha
Terreiros atualizam suas ligações com o Egbé da Iyá no Rio de Janeiro e não diretamente
140
Falecida em 30 de julho de 2004. Dos rituais funéreos celebrados quando de seu falecimento se incumbiu
Iyá Nitinha, por delegação de Mãe Tatá, impedida na ocasião de envolver-se em ritos fúnebres por conta da
regência de Xangô Airá no Ilê Axé Iyá Nassô Oká.
283
Há alguns casos de que tenho notícias de mulheres que na história exerceram essa função
de mãe-de-santo, e que por não fundarem casas, as notícias sobre seus filhos retornam
Vovó Conceição é uma dessas pessoas que circularam não só no candomblé baiano como
no paulista e no carioca. De outra pessoa que estava sob seus “cuidados” pude destacar o
atual Terreiro de Mãe Nicinha de Nanã em Salvador. Essa Ialorixá assumiu o cargo por
herança de sua mãe, de quem Vovó Conceição era mãe-de-santo. A assunção do cargo de
Mãe Nicinha de Nanã foi presidida por Mãe Tatá, Ialorixá da Casa Branca, e por Pai Air de
Oguian (Pilão de Prata – linhagem de Bamboxê) este substituindo Vovó Conceição; com o
gesto, Air de Oguian tornou-se pai-de-santo141 daquele Egbé, e assim se estreitaram os elos
entre os Axés do Terreiro de Mãe Nicinha e da Casa Branca (onde se insere a linhagem de
Bamboxê).
Outra senhora, filha de Tia Massi, considerada pródiga conhecedora de candomblé, que
viveu por muitos anos na Cidade do Rio de Janeiro, Ilha do Governador, foi Tia Marota de
Ogun. Ela não fundou Terreiro, mas se tem notícia de que circulava muito e “ajudava
muito Terreiros no Rio”. Sempre viajava entre Rio e Salvador e era conhecida em ambos os
mundos do candomblé. Isto indicaria que ela teve filhos por lá, o que um Ogan supôs, mas
não pude confirmar com exemplos e em entrevistas com suas irmãs contemporâneas. De
fato, pela imagem de seriedade religiosa que dela se transmitiu nas conversas que tive,
dificilmente ela teria filhos sem que a alta hierarquia da Casa soubesse, o que me levou a
141
Grafado em itálico, do mesmo modo que usei esse grafismo para mãe-de-santo, logo acima.
284
Outra entre as grandes filhas de Tia Massi é Mãe Teté de Oiá, atual Iyá Kekerê, que
cumpriu por algum tempo a função de Ialaxé na Casa, até que se definiu a escolha da atual
Ialorixá. Ela foi para a Cidade do Rio de Janeiro nos anos de 1980 e tentou a iniciação de
alguns filhos e a fundação de um Terreiro por lá, mas não levou à frente esse projeto por
problemas sérios de saúde. Não obtive notícia de filhos dessa sacerdotisa no Rio de Janeiro.
[1.3bH – Terreiros netos adotivos heréticos] Casa cuidada por Equede “mãe-de-
santo”142
Um caso de ousadia herética era o da finada e respeitadíssima Equede Jilu de Obaluaiê, que
dizem ter assumido funções de “olhadora”143, mantendo clientes no jogo de búzios144, e que
era especial conhecedora de rituais da nação Jeje. Infelizmente não pude confirmar se esse
uma presença rotineira. De suas atividades registro apenas que mantinha uma atenção
de perto pela Equede Jilú, que segundo se conta, era quem via o jogo para aquela Ialorixá,
o que levou seu Terreiro a manter fortes vínculos com a Casa; apenas devido aos seus laços
de Axé com o Alaqueto eu classifiquei seu Terreiro em outra categoria (ver “sobrinhos”).
142
Não acrescentei casos em que Ogans tenham assumido tal função, por não ter conseguido identificar
exemplos, mas circulam comentários de que isto tenha ocorrido. Não duvido, haja vista que aqueles que
assumiram papel de Babalorixás poderiam ter assumido, em algum momento, papel de pai-de-santo.
143
Entre aspas porque “olhadora” é termo popular, mas não usado na Casa, o correlato ioruba seria Iyalauô,
mas não consegui ver admitida tal função para mulheres que antes não fossem Ialorixás, título que precederia
à função de consulta oracular.
144
Essa função também é tida na “família” como tarefa a ser realizada por Adoxes.
285
Há uma das heresias que desde o inicio foi aceita totalmente na Casa, devido às
Equede de Oxóssi, Sinha, mãe-de santo do Pai Alabyi, de São Paulo. Essa função foi
Quando ela e um séqüito de sacerdotisas se deslocaram para São Paulo para os rituais de
retirada da mão da cabeça do referido Babalorixá, o Orixá Oguian exigiu que a Equede
Sinha assumisse o lugar de mãe-de-santo, quando então a mão daquela Equede foi devotada
aos cuidados da cabeça do Pai Alabyi. Esse episódio tornou a heresia aceita, muito embora,
no caso, uma Equede tenha assumido funções para as quais não fora iniciada. Os
subseqüentes tornaram aquele Terreiro (pelo vínculo de seu pai) visto como co-sustentado
pelo Axé da Casa. Além de o próprio Babalorixá freqüentar eventualmente a Casa, seus
filhos também o fazem, mantendo os elos prioritários com a Equede sua mãe-de-santo.
[1.4- Bisnetos]
encontrei Terreiros “bisnetos” tratados como tais. O que foi possível identificar foram
pessoas qualificadas como “bisnetas”. No capítulo anterior pude identificar duas netas do
Ogan e Babalorixá Álvaro, que, como já assinalei, passam por um período de aceitação em
práticas do que chamei “dialética da não-inclusão”. Como uma dessas filhas é Ialorixá pode
286
ser que, com o tempo, o seu próprio Terreiro seja assumido como parte das relações da
De todo modo, considero que, em princípio, os Terreiros “bisnetos” da Casa existem, e são
muitos. Mas todos carecem de atualizar esse seu “parentesco”; ou seja, não constam de um
rol conhecido, designado com esse rótulo. Tem-se notícia de alguns que poderiam
reivindicar tal condição; mas todos devem re-confirmar sua pertença (por enquanto virtual)
Nesse sentido, não cabe subdividi-los em “aceitos” e “heréticos”, haja vista que não há,
[1.5 – Compadrio] Mães pequenas, Pais pequenos, filhas pequenas e filhos pequenos.
Confesso que estive em dúvida, por um bom tempo, quanto a onde classificar essas
relações que chamei de “compadrio”. Se, de um lado, elas podem ser formalizadas entre
Terreiros “parentes”, de outro dá-se que qualquer Terreiro desejoso de estreitar laços com a
Mas vejamos do que se trata, que vem a ser esse compadrio místico do candomblé.
287
Como já assinalei antes, nas práticas de iniciação religiosa há serviços prestados aos
iniciandos que não são executados pela Ialorixá (ou Babalorixá). São aqueles delegados à
Exemplos desses tipos de serviços para os iniciandos são os cuidados com as roupas, os
cuidados como o preparo das comidas, os cuidados com asseio pessoal e banhos rituais, e
outros abrigados por segredos, Awo. A essas pessoas, os iniciandos tomam como um tipo
mãe ou pai ao longo de sua vida sacerdotal. A ascendência desses padrinhos sobre seus
“afilhados” não é diferente daquelas da seniority, mas define uma proximidade diferenciada
Nas práticas correntes no Ilê Axé Iyá Nassô Oká, não há pais-pequenos, só mães-pequenas.
Mas não há proibição de que homens exerçam essas funções em outro Terreiro.
filho do Terreiro anfitrião. Por meio desse mecanismo, vários sacerdotes da Casa têm
145
Internamente à Casa é raríssimo aceitar que sacerdotisas de outros terreiros assumam essa função junto a
seus filhos, mas o inverso é corriqueiro.
288
O credenciamento de um sacerdote (ou sacerdotisa) para exercer o papel de “padrinho” (ou
“madrinha”) é a iniciação completa, e para assumir tais convites os sacerdotes não precisam
passar por um rigoroso sistema de autorização interna pela hierarquia da Casa Branca.
Aqueles que buscam anuência da hierarquia para assumir tais papéis o fazem por motivação
particular, geralmente com o fito de manter-se “bem relacionado com os mais velhos”
(conforme pude registrar a partir de diferentes conversas com ogans, equedes e adoxes da
“apadrinhamento”; segundo o que pude observar, em geral é o Terreiro que teve um filho
relação.
Efetivada essa ligação entre o filho de um outro Terreiro e um filho da “família”, estreitam-
se relações entre esse Terreiro e a Casa. Com efeito, embora não envolva garantia de
relações, especialmente se a pessoa convidada para o papel de mãe pequena ou pai pequeno
for uma sacerdotisa ou um sacerdote da Casa bem posicionado (a) na alta hierarquia de
que pode atuar em dois sentidos. O mais usual é estreitar relações que já são reconhecidas
146
Foi observando isoladamente essa que é uma relação e ao mesmo tempo uma frágil ligação com a Casa
que me fez decidir por aproximar o “compadrio” das relações de “parentesco” em um nível quase equiparado
ao dos “bisnetos”, e assim representei no diagrama que se verá à frente.
289
Mas o “compadrio” pode ainda servir para a busca de uma aproximação ainda não efetivada
...
comum.
diálogo que suscitou sua reflexão teológica; para tanto, demorei-me em conversas com
Esta frase me pareceu representar uma síntese das reflexões que garimpei... Elas adotaram
guarida sob a sustentação do Axé da Casa, fonte espiritual a que todos os filhos da “família”
290
têm acesso pela iniciação e que só os Orixás podem retirar. Não há uma relação causal
entre a vontade e as pressões políticas dos filhos e o que ocorrerá com os Terreiros
fundados: proscritos ou não, poderão ser bem-sucedidos, de acordo com os desígnios dos
Tal posição teológica demarca um núcleo de relações de outros Terreiros com a Casa,
núcleo esse definido pelo que chamei de “parentesco”: assinala o conjunto dos Egbé
sustentados pelo Axé do Terreiro, o Axé de Iyá Nassô, com base no histórico de fundação
que, através de sua atividade mística, criam vínculos com outros Ilê Axé.
Há outras relações com Terreiros, que veremos a seguir, e que formalmente não se inserem
na cadeia de transmissão de Axé da Casa147, mas configuram uma dimensão de relações que
Engenho Velho e alguns deles mantêm com esta algum tipo de troca na esfera sagrada. São
147
Apesar de esse vínculo não dever ser descartado em uma análise acurada sobre o que seja transmitir Axé,
haja vista as formas sutis da transmissão em causa, procurei respeitar esta classificação, pois a generalização
teológica segundo a qual “sempre se está a transmitir Axé” não ajuda a identificar as formas diferentes de
relações não necessariamente determinadas por relações de “parentesco”.
291
candomblé baiano. Isto torna árdua a tarefa de identificar que Terreiros fazem parte dessa
trama específica, cuja imagem tento esboçar. O esboço, admito logo, está incompleto; de
qualquer modo, ainda que fosse o mais extenso possível, tratar-se-ia de um conjunto aberto
a inclusões.
Em vista disso, considerei, neste caso, mais importante que conseguir uma lista completa
A Casa basicamente qualifica o relacionamento (do tipo em foco) com outros Terreiros
identidade). No entanto esses limites não são um retrato estático. A qualificação das
relações embute uma dinâmica, uma mobilidade: as relações interterreiros são cultivadas e
de “identidade” criei uma classificação própria análoga ao que pude encontrar. No entanto,
148
Vimos no capítulo IV que para os indivíduos da “família” há um trânsito relacionado a seu grau de
inclusão, determinado por elos com a hierarquia e pela demonstração de competência. Veremos que no caso
dos elos de terreiros não é muito diferente.
292
diferentemente do tópico anterior apresentarei as categorias desse meu esquema de
1. Iguais: Terreiros considerados pela hierarquia do Ilê Axé Iyá Nassô Oká como de
alta sabedoria, de grande riqueza em conhecimentos de candomblé, demonstrada
por seu líder máximo e seus filhos. Suas visitas implicam em reciprocidade
decidida pela hierarquia da Casa.
2.1 Conhecidos: Terreiros de que se tem notícia, mas que não são reconhecidos pela
hierarquia de poder da Casa. Suas visitas em geral têm reciprocidade apenas por
parte de algum membro da “família” sem lugar na hierarquia de poder.
293
destacados e por competência adquirida, avaliação que também se aplica aos líderes de
quaisquer Terreiros, mesmo que não reivindiquem “parentesco” com a Casa. Aos mais
Casa serão acolhidos, sem rejeições. Mas o status dessa relação dependerá de avaliações, e
relações políticas que ele contrair (com a hierarquia) e do desempenho demonstrado, será
avaliação:
candomblé;
(pois simples práticas nessa área envolvem saberes a demonstrar, como, por
exemplo, no que toca ao adequado corte do quiabo); ou por sua perícia no toque
294
dos atabaques, pelo seu repertório de cantigas sagradas149; ou por seu
educação de Axé.
dela se pode ver em que status de “identidade” um Terreiro está qualificado pela Casa. Os
“iguais” têm reciprocidade decidida pela hierarquia máxima da Casa, que, em geral, nesses
casos, decide por visitações em comitiva150. Os “amigos” têm sua reciprocidade também
decidida por hierarcas, mas tais decisões se atêm ao círculo da hierarquia que tenha
sua reciprocidade garantida pelos filhos da Casa (sem lugar de destaque na hierarquia) com
149
Como se verifica no simples acompanhar de cantigas entoadas em momentos internos, ou no convite, feito
em plena festa, a que sacerdotes visitantes competentes cantem para os Orixás, no Barracão. Já vi isso
ocorrer diversas vezes e, de um modo geral, a prática é percebida pelo convidado como uma deferência
especial, que ele cumpre com alegria. No entanto, eu soube que no Rio de Janeiro a mesma praxe diplomática
é interpretada de modo diferente. Tomei ciência disso em função de um episódio inesperado ocorrido em uma
festa em que o convidado carioca cantou de modo um tanto belicoso. Entre os cariocas (disse-me um familiar
de mais de 30 anos de iniciação que mora no Rio) tal prática diplomática é tomada como um “desafio”, tanto
no sentido de desacato como de “repente musical”, onde se alternam dois interlocutores em cantos e
responsos até que um deles desista do “repente”. De qualquer forma, o resultado final é o mesmo: a
demonstração de competência.
150
A comitiva é um grupo liderado pela Ialorixá ou seu representante nomeado para a função, em geral a
sacerdotisa mais antiga do grupo.
151
Por vezes, organizam-se grupos para visitação por influência pessoal de um desses hierarcas. Mas não se
deve confundir: nem sempre que um Terreiro recebe um grupo da Casa trata-se de uma comitiva. Esta é
organizada por decisão da hierarquia máxima e é presidida pela Ialorixá (em pessoa ou através de
representante).
295
Em conseqüência, e de modo complementar às duas anteriores, há uma terceira forma de
Pois bem: a forma de acolhida e condução desses Orixás incorporados depende do status de
que goza o Terreiro de origem do (ou da) respectivo (a) Adoxe. Em festas com celebração
pública desde a manhã (missa, café etc.), no Xirê matinal qualquer Orixá que se manifestar
terá acolhida pelas Equedes e será conduzido a dançar no Barracão, para “tomar rum”152.
terão seus filhos em transe (“manifestados em Orixás”) acolhidos no Barracão. Outros que
sofram transe serão recolhidos aos aposentos internos e não tomarão rum. Em dias
Orixás153, somente os filhos e pais de Terreiros “iguais” têm a permissão para que seus
Suponho ter ficado claro que qualquer Terreiro pode ter suas relações com o Ilê Axé Iyá
Nassô Oká parametrizadas pelo código “diplomático”, e assim ter seu status de
“identidade” definido. Disto não escapam nem mesmo os “parentes”. Há “parentes” menos
e mais “iguais”, podendo um “filho” ser mais “igual” que um “irmão” etc.. Disto dei notícia
152
Significa dançar músicas específicas do Orixá, tocadas e cantadas pela orquestra ritual, cujo atabaque
principal é o rum. Quando acolhido no barracão, um Orixá só é recolhido internamente depois de tomar rum.
153
Por exemplo: dia de Oxoghian; dia do Orixá da Ialorixá; dia da Oxum do Barco.
296
Retomo uma atividade já explicitada, (re)valorizando-a, ainda que tenha estado óbvia todo
o tempo: para atualizar as relações, os Terreiros devem visitar a Casa Branca (pressuposto
conquistadas e cultivadas.
...
Mais uma vez, me vejo na condição de qualificar as relações com a Casa com uma marca
muito forte de um controle de acesso pela “família”. Mas não posso negar que é também
assim que as percebi: a Casa seleciona e dá status a relações... O que não parece atitude
conseqüência, ao meu ver, do real assédio a que a Casa Branca está sempre exposta.
Terreiros buscam relações com o Terreiro de Iyá Nassô, mais que o contrário. E isto, a meu
procedimentos que vão desde visitações em busca da “nova vitrine” (cf. capítulo IV) até a
Além da simples visitação ao Ilê de Iyá Nassô (em busca da “nova vitrine”), o mecanismo
mais imediato para perseguir a desejada ligação é a procura, por parte de Terreiros
297
interessados nisso, de serviços religiosos da Casa. Entre esses serviços contam-se os
Velho, cujo concurso se solicita para o desempenho musical e/ou outros procedimentos
litúrgicos... O vínculo se configurará tanto mais próximo quanto mais elevada for a posição
Entre tais recursos, o “compadrio” favorece um mecanismo especial pois cria um elo
permanente entre filhos do Terreiro em questão e filhos da Casa. Por isso tive dificuldades
Lembro mais uma vez o dinamismo dessas classificações de status de “identidade”. Por
exemplo, se os elos se dão também conforme o grau hierárquico do filho a que um Terreiro
se vincula na Casa, esse vínculo pode ascender de status no tempo, juntamente com a
do Terreiro postulante.
298
aceitos”. Os “netos naturais e adotivos aceitos” também são tratados como “iguais” 154; os
Os “sobrinhos” que listei têm o mesmo status dos “amigos”. Eu me arriscaria a classificar,
hoje, o Terreiro do Alaketo entre os “amigos” da Casa. Todavia, não pude confirmá-lo
Entre os considerados “iguais”, os primeiros que pude encontrar foram os vizinhos. Uma
categoria muito própria, haja vista não considerar a vizinhança geográfica como critério
todavia, não são contados na categoria vizinhos. Eles aparecem em outra forma de relação
que não a de vizinhança. Só alguns dos próximos me foram apresentados como vizinhos...
154
Mas notei que as deferências de tal reconhecimento são mais efetivas quando sua “mãe” está presente no
Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Porém isso me pareceu mais uma idiossincrasia, derivada de simpatias nas relações
internas que uma regra. É esperado que filhos de pessoas mais simpáticas sejam mais bem acolhidos, e
também o inverso, em qualquer situação.
155
Lembro que há “heréticos” historicamente já “aceitos” e que aqui considerei “aceitos”, logo estão entre os
“iguais”.
299
Pude destacar como vizinhos o Terreiro do Bogum, o Terreiro Tanury Junçara, o Terreiro
Tuumba Junçara, o Terreiro de Oxumaré e o Terreiro Ibá Ogun (de Luís da Muriçoca).
Salvador) cujo terreno já foi contíguo ao arrendamento original das atuais instalações da
Casa Branca. Essa relação de vizinhança é muito prestigiada e já foi alvo de intenso
intercâmbio (já encontrei notícias que datam da década de 1960 – outras anteriores se pode
esperar de estudos históricos como o de Luís Nicolau Pares, já comentado). Duas das mais
participações em seus rituais foram a finada Equede Jilu e a também falecida Adoxe Vovó
Conceição. Hoje este Terreiro participa das relações com a hierarquia da Casa e desfruta
O segundo e o terceiro Terreiros são considerados vizinhos da Nação Angola, com destaque
para as relações com o que é mais próximo (em termos geográficos) e que mantém mais
atividades públicas: o Tanury Junçara. O Terreiro angola Tuumba Junçara é contado entre
Brasil); ciente disso, a “família” dá aos seus representantes um tratamento destacado, mas
suas relações de proximidade são mais tênues – ainda que a resposta a convites de festas
nesse Terreiro sejam dadas por delegação definida pela mais alta hierarquia da Casa. O
Tanury tem sempre membros presentes em festas da Casa, e esta, quando recebe a visita de
300
[Antes de apresentar o próximo, com esse exemplo faço um destaque. As relações de
Propositadamente não comentei esse aspecto antes, para fazê-lo aqui, haja vista que a
exclusivamente ao campo da nação Ketu. É claro que essa declaração de pertença à nação
para comprovar minhas interpretações: temos um Terreiro de nação Jeje e dois de nação
O Terreiro de Oxumaré é uma casa vizinha que se conta especialmente entre os “iguais”.
Não só pelo respeito e deferência que se mantém nas relações recíprocas, como pela
recente repasto comum, em que foi consumido um bode... E mais do que isso, há casos de
filhas daquele Terreiro que são parentes de filhos da Casa, a exemplo de uma falecida irmã
de Iyá Cutu. Além dessa convivência histórica ainda há uma questão de desempenho. A
ritual, tanto no tocante à liturgia de sua nação, Ketu, como na liturgia jeje, e além disso
mostra ter, também, grande domínio do ioruba. Posso dizer sem receio que a verificada
entre a Casa de Oxumaré e o Terreiro de Iyá Nassô é uma relação de vizinhança especial e
301
O destaque aqui dado ao Terreiro Ibá Ogun deve-se mais ao passado, já que não é de tanta
morte recente do seu líder e fundador, o Venerável Luís da Muriçoca (nome devido a sua
Axé Iyá Nassô Oká e sacerdote tido em alta conta de competência como Babalaô, pois
mantinha intercâmbios nessa área com a finada Equede Jilú, a já citada alta sacerdotisa de
Obaluaiê do Engenho Velho. Seu substituto atual, conhecido como Geraldo Macaco, é filho
...
[2.1.1 – Terreiros Amigos]
A partir dos “amigos”, abre-se um grande leque de trânsito de status de “identidade” nas
independentes, para introduzir esse item recorro aos outros já examinados, e sugiro pensar
as posições como uma escalada que se galga, à maneira de um processo linear. Vou ilustrá-
302
Um Terreiro “simpatizante”, torna-se “conhecido” por obter serviços religiosos
de algum filho da Casa, e passa a ser “amigo” se o prestador desses serviços
tornar-se hierarca de prestígio reconhecido.
tendo em vista tornar-se “amigos”, buscam mães e/ou pais-pequenos entre os hierarcas da
Casa Branca. É um processo viável de aquisição de status na relação com a Casa. Mas volto
a registrar que tudo dependerá da competência demonstrada pelo líder religioso do Terreiro
São alguns exemplos desse vínculo de “amizade” o Terreiro do Babalorixá Júlio Braga e o
Venerável Ogan de Xangô Antônio Luiz, e o último, antes ligado a serviços da finada Vovó
Mas há um número bem maior de candidatos a “amigos” que não têm sido assíduos no
Terreiro do Engenho Velho. Isto se evidencia se contarmos todos os filhos pequenos que
foram apadrinhados por hierarcas da “família”, a exemplo dos filhos da venerável Mãe
Celina de Oxóssi (mais de 60 anos de santo) e de Mãe Tieta de Iemanjá (mais de 40 anos de
santo) que se contam em Salvador, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e ainda os filhos
pequenos da finada Vovó Conceição, que, segundo se sabe, era generosa nessas práticas...
Mas são relações que só se mantêm se forem alimentadas. Há muitos filhos pequenos de
303
que não se tem notícia na Casa hoje — e dos respectivos Terreiros, que demandaram tal
Podem ser muitos os que se contam entre os Terreiros “conhecidos”. Este é um tipo de
relação possível de dar-se até mesmo com Terreiros que a média de membros da “família”
Terreiros não escapam. Por vezes, aliás, os fura-runcó contam visitas de membros de tais
gesto. Estabelece-se, assim, com tais Terreiros, algo como uma “segunda faixa” de
reciprocidade, não planejada na hierarquia de poder: cumpre-se por meio dos fura-runcó.
Seus líderes não são reconhecidos por todos. Quando, em uma festa da Casa, o líder de um
Terreiro “conhecido” se fizer presente, ele será reconhecido por alguém que o tratará com a
distinção devida a sua autoridade religiosa, mas não necessariamente esta pessoa será
Desses Terreiros, diria eu que suas relações com o Ilê de Iyá Nassô são alinhavadas, tênues,
ainda não urdidas fortemente na rede da Casa. Podem ser até mesmo vizinhos físicos, mas
Por vezes, esses Terreiros apenas visitam o templo de Iyá Nassô por veneração religiosa,
da Casa (que lhes seria um palco de legitimação). Como? Tendo seus adoxes acolhidos para
304
a dança ritual no salão da Casa, ou tendo permissão para participar em cantigas ou toques
Os fura-runcó acabam por criar, com esses Terreiros, vínculos que progridem em direção a
uma maior aproximação com a Casa. Essas ligações, com o tempo, podem ganhar em
legitimidade, quando o fura-runcó que é o elo de contato se tornar um senior, portanto mais
os Terreiros objeto de sua ação “diplomática”. Há exemplo (mas não fui autorizado a
identificá-lo), de relação constituída por um fura-runcó, com um Terreiro que hoje evolui
É muito extensa a lista dos “conhecidos”: foram mais de 150 os que pude computar. É
grande, pois, sua ponderação no conjunto de Terreiros relacionados em rede com a Casa
Esta é quase uma categoria genérica. Em princípio, o rótulo pode aplicar-se a qualquer
Terreiro que busque relacionar-se com a Casa. Esta categoria diferencia-se da anterior por
156
Em todos os casos tive sempre o cuidado de perguntar: “Esse terreiro já foi visitado? E se o Babá ou
Ialorixá visitar a Casa, ele (a) será reconhecido (a)?” Consegui assim uma lista de “conhecidos”, e não uma
lista qualquer de terreiros de que se tem notícia. Esses são os 208 mais 31 contados no Anexo 5.
305
que os Terreiros nela inclusos não recebem (nunca receberam) serviços de alguém da
“família”. Em todo caso, esses Terreiros não ficam no patamar de indiferença onde se
confundem os desconhecidos. Dá-se que já foram visitados, algum dia, por alguém da Casa.
quase de lazer. Decidi anotar essas iniciativas porque geram contatos e criam um laço,
progressiva consolidação).
Estão entre tais “diplomatas” da “família” pessoas de algum prestígio que “gostam de
circular em festas de candomblé, que aproveitam e se sentem bem” [com isso], de acordo
com a definição de uma adoxe à qual, aliás, a definição bem se aplica — e também os
fura-runcó que amadureceram. Com sua “diplomacia” exercida a granel, essas pessoas
obtêm o desfrute de vantagens e o acúmulo de algum prestígio, que pode vir a fundamentar
um vínculo.
Para ser exato, devo dizer que esta dos simpatizantes é uma quase-categoria: resulta muito
uma condição à outra; para tanto, basta que o grupo interessado mostre assiduidade na
Casa, e receba algum serviço sacerdotal. Esta lhe garantirá a reciprocidade de um membro
Talvez se estime que fica faltando, no quadro que esbocei, uma forma lógica de relação,
todavia não apontada por mim: “Terreiros clientes”. Evitei essa categorização porque ela
306
seria muito aberta e transicional: a depender da natureza do atendimento implicado, ou da
ligação assim constituída, essa categoria (admitindo-se seu recorte), deixa logo de existir
como classe configurada através das relações “diplomáticas”. Pois, em princípio, todos
podem vir a ser “clientes”, bastando que o solicitem e tenham sua solicitação acolhida, mas
discriminadas.
Um estádio mínimo de relação com a “família” pode começar em um plano de todo pessoal
de resposta por parte da “família”. Assim sendo, este estádio mínimo caracterizar-se-ia
entre os “simpatizantes”.
Anotei dois casos extraordinários de visitantes que começaram a figurar como oriundos de
prestígio simbólico. Isto se dá na acolhida que recebem; mas nessas instâncias não se
verifica uma busca bem definida de serviços religiosos, e assim eles são mantidos apenas
como “simpatizantes”. São recebidos como comitiva de visitas estrangeiras, por ocasião da
festa das Águas de Oxalá, a mãe-de-santo Osseié, de uma Santeria em Miami, que, em
geral, vem com pelo menos duas filhas, as quais espera ver dançarem no Barracão em
rituais internos – nos ritos públicos elas permaneceram como visitantes especiais, junto à
Mãe Osseié).
307
O outro caso foi mais anônimo: um sacerdote máximo de uma Santería cubana, trazida por
Mãe Osseié, mas que não se hospedou [no Terreiro da Casa Branca] e apenas se comportou
...
308
Nesse ponto podemos retomar toda a rede até aqui apresentada, em síntese e na forma de
um diagrama:
permeabilidade entre os subconjuntos nelas contidos; quando fora delas, assinalam ligações
virtuais, não efetivas. As setas indicam movimento. E os dois traços na ligação de “1.5
Compadrio” representa uma aproximação com a família tão instável quanto a que concerne
309
Como últimos comentários, gostaria de referir-me ao vínculo pelo Orixá.
aos Orixás patronos de suas casas. Mas esta aproximação movida por interesse simbólico
ocorre todo o tempo, e é um dos motivos para que se vejam pessoas no Terreiro de Iyá
No entanto, no que tange à formação de redes, não encontrei nada que justificasse pensar
que haveria ligações prioritárias segundo um Orixá ou grupo de Orixás a norteá-las como
patronos (por exemplo, algo como uma rede de Terreiros filhos de Ogum, outra de filhos de
Oxóssi etc.). O que pude encontrar foi uma informação de caráter mais geral quanto a isso.
que não seja dedicada a Xangô, e digo eu, ao menos entre os grandes e mais
157
Cume da edificação principal ou do barracão, onde se assentam sacras do patrono do terreiro.
310
No Xirê, como já explicitei anteriormente, há um momento especial, em que se
Esses dois elementos simbólico-rituais indicam que Xangô vem a ser efetivamente o
dedicação de todas as cumeeiras (vi muitas, mas não posso confirmar todas) de barracões a
Embora não possa afirmar o quão generalizáveis são essas conclusões, os indícios apontam
vimos, ultrapassa até mesmo a Sua nação, na rede que se estabelece a partir da Casa Branca
158
Outro dado aproximativo advém de que os candomblés na região próxima e de influência de Pernambuco
ganharam o nome de Xangôs e não candomblés, o que confirmaria a hipótese da preeminência do patronato
do Rei de Oió... Somem-se a essas evidências os estudos de Renato da Silveira e outros históricos sobre o fim
de Oió e de Ketu-Ilê e teremos uma plataforma de pesquisa que ultrapassa os limites desse trabalho.
311
3 – REDE E TERRITÓRIO: UMA NOTA ÊMICA
Casa Branca) e
159
Valho-me aqui da noção de “mapa êmico” com que trabalham etnoecólogos, quando rastreiam as
referências de seus informantes para a “leitura” de um território. Ver a respeito Fabio Bandeira (BANDEIRA,
1993).
312
No mapa, registrei em uma linha a conexão entre Terreiros por bairro, cuja densidade de
Terreiros por bairro pode ser vista na tabela constante do Anexo 5. Propositadamente evitei
incluir na tabela informações sobre a classificação atual dos Terreiros segundo o tipo de
relações – evitando congelar um retrato de relações que são móveis. Estão assim
como as de “identidade”.
313
Como era de se esperar o “mapa êmico” se aproximou em muito daquele indicativo das
distante Arembepe, com isso o raio de circulação aumentou, mas o desenho territorial se
extensão da Rede.
Suponho, por esse trabalho, que outros mapas territoriais possam ser feitos em cidades
como Rio de Janeiro e São Paulo, e que ainda que não tão extensos quantitativamente
possam dar pistas e auxiliar a compreensão de aspecto tão importante daquelas realidades: a
visibilidade dos territórios de um mundo afro-brasileiro. Para tanto, outras redes deveriam
Reexaminando a rede aqui delineada, coloquei-me novas perguntas. Elas incidem sobre as
de propagação que o candomblé possui, e também sobre as condições que tem este culto de
Ao refletir sobre isto, encontrei na obra de Fredrik Barth uma via de interpretação com a
314
Em seu trabalho “O guru e o iniciador: transações de conhecimento e moldagem da cultura
seu significado nas relações desta Casa com o mundo do candomblé (em especial nas
relações que correspondem aos vínculos de sua rede), deparei-me com uma situação que
vi-me compelido a refletir sobre relações que tomam em conta transações de conhecimento,
que envolvem saberes sagrados. Tentarei, pois, resumir as contribuições de Barth e depois
buscarei assinalar as possíveis analogias com o caso do candomblé onde se articula em rede
Antecipo uma advertência: bem sei que Barth apresentou uma polaridade para discutir uma
oposição entre tipos ideais de propagação de conhecimentos (cf. op. cit.: 145). A sua
intenção não era encontrar estruturas sociais e papéis exatamente definidos a partir desses
315
Comparando as situações de transmissão de conhecimento sagrado, cuja ênfase é o domínio
de saberes especiais de caráter religioso, Barth encontrou no sudeste da Ásia uma forte
cultura de intelectuais nativos que se apresentam como gurus, em oposição aos intelectuais
ponto inicial e motriz de sua relação com um círculo restrito de pessoas (noviços etc.), para
o guru divulga, ensina... Mas vejamos, em suma, as características dessas duas formas tal
diz ele:
- “O guru160 é concebido de tal maneira que todas as suas trocas com outros
resultam na conversão de valor ‘para baixo’161; essa atividade, porém, é vista
como algo que eleva a posição social daquele que dá.
- O produto característico são palavras, uma forma altamente descontextualizada
de conhecimento.
- Com esse produto, contudo, [ele] estabelece relações intensas, recíprocas e
estáveis com numerosos discípulos, oferecendo conhecimento e recebendo
benefícios menos valorizados.
- Disso resulta grande multiplicação e elaboração dessas formas de conhecimento
e de produtos culturais a elas associados.
160
Grifo meu.
161
Essa lógica de “valor para baixo”, se comparada ao contexto cristão, equivale à noção de que ganha mais
quem ajuda aos necessitados, cresce mais quem ajuda aos pequenos etc.
316
transportabillidade, bem como relativamente limitada em termos de
massa.”(BARTH, op. cit.:160)
“modulação da cultura”) que tem o modo guru, capaz de transportar por uma única pessoa
modo “iniciador está preso ao seu contexto, e seu conhecimento só é transportado para os
(:154).
No destrinçar concreto das relações entre gurus e seus discípulos Barth encontra diferentes
doando “para baixo” objetos adequados aos “de baixo” – o que efetivamente é mais se
desfazer que doar... Em suma, o autor reflete sobre o modo como, nas ecologias específicas,
que seja o modo guru. O procedimento aplica-se também para compreender o modo
iniciador.
que supõe conhecimentos intocados; assinala seus modos históricos de concepção e verifica
317
a depender do contexto em que interagem, alterações criativas podem ocorrer em idéias, e
Essa foi para mim uma “deixa” metodológica. Eu tratara das relações da Rede da Casa
Branca, fortemente marcadas por uma tradição iniciática. Nelas, destaquei o papel
de transação de conhecimento definidos por Barth, que ganham novo conteúdo (ou
contornos eles teriam se aplicados, por analogia, ao contexto das minhas observações.
idealmente formuladas por Barth, com o que encontrei no candomblé da Rede da Casa
das qualificações sintetizadas por Barth para os contextos com que ele trabalhou.
Admito de imediato que meu primeiro movimento foi lógico e aparentemente natural: já
não foi tão simples de aplicar. Se o conteúdo que definia o que era um iniciador se
restringisse às características encontradas por Barth, essas eram insuficientes. Era preciso
318
considerar as pressões reais de contexto, as adaptações de desempenho e modos de
Seriam iniciadores?
cognominam como Escolinha, podemos perceber que estamos deveras mais próximos desse
Notamos nas relações da Rede da Casa que as performances individuais são formas de
prática, mais que por conteúdos verbalizados, abstraídos, coloca os nossos sacerdotes na
conta de iniciadores.
Como Barth advertiu, iniciadores necessitam da migração de um grupo social inteiro para
(com a qual já nos deparamos) como nas migrações internas brasileiras nordeste-sudeste[-
sul, com menor intensidade]. Filhos e filhas da “família” da Casa participaram desses
319
Mas algumas definições de Barth para o modo de iniciadores não são compatíveis com
- Da relação com os noviços: está longe de poder ser considerada efêmera, fraca
sempre atualizado ritualmente e que não se desfaz nem com a morte – são
necessários rituais especiais para retirar a ligação com o iniciador defunto (tirar
320
um projeto que temos de considerar contrário ao modo de iniciador que se
algumas delas se aproximam das qualidades encontráveis no modo de gurus; cabe então,
Seriam gurus?
extremamente complexas e densas a ser transportados por uma só pessoa (referida a uma
- Algumas filhas e filhos da Casa não se basearam na migração grupal intensa para
instalar seus centros de culto; arriscaram-se e começaram sozinhos (ainda que como
um novo grupo eclesial; assim, por seus amplos e excepcionais conhecimentos, foram
filhos.
321
Eguns), da sua de outras nações de candomblé (note-se que há Terreiros de diferentes
circulação por vias aceitas e reconhecidas, como por trilhas “heréticas”, com o no caso
- Aqueles que migram vêem-se desafiados a demonstrar conhecimento mais amplo ainda,
em função dos diálogos a que terão de dedicar-se com outras expressões do mundo
exerce entre o cotidiano e o sagrado; dele se espera o exercício da arte divinatória e que
fiéis candidatos ao sacerdócio que vive um líder religioso do candomblé, mas também
de “clientes” em busca de bem estar, que desejam obter resultados espirituais e até
materiais (se não principalmente esses) na sua relação com nossos gurus. Vivem estes
322
- As exigências modernas de acesso ao conhecimento e as disponibilidades reduzidas de
tempo para a assiduidade aos Terreiros afetam a muitos filhos-de-santo, que exigem
- Nossos gurus, filhos da Casa ou não, quando se referenciam e conectam à sua rede,
outro à linhagem mística da Casa Branca como um todo, vista como primeiro centro de
grande excelência em formação sacerdotal... Aqueles que não são “parentes”, mas são
Mas admitir que nossos intelectuais tradicionais, nossos elos de Rede, esses nossos
gurus é fechar os olhos para os contrastes, tais como aqueles que aparecem ao admitirmos
que:
- A iniciação é imprescindível;
162
Publicar é fato ainda inédito entre os filhos da Casa, mas encontrável em sua Rede.
163
Ou pelas mestras míticas Iyá Adetá, Iyá Akalá e Iyá Nassô, reunidas ao sábio Bamboxê Obitikô...
323
- É necessário um centro de culto e formação (ainda que minúsculo), de “plantio
Chegamos, portanto, a duas respostas a nossa indagação relativa aos modos de transação de
conhecimento no campo estudado, respostas estas que, nos contextos considerados por
Barth, seriam contrastantes. Mas isso não é um paradoxo, nem uma contradição, apenas o
Assim podemos afirmar que nossos protagonistas do jogo religioso do candomblé, elos de
ligação da Rede da Casa, são agentes que, por suas funções, merecem qualificar-se de
É natural, também, que nem todos os sacerdotes formados na Casa tenham tantas
competências quanto a tarefa de tornar-se multiplicadores lhes exige. Mas houve e há tais
164
Mãe Nitinha de Oxum é exemplo vivo desse tipo de intelectual com alta densidade individual de saber
(inquestionável nos meios afro-brasileiros a que tive acesso entre Salvador e Rio de Janeiro): além de ter
domínio de liturgias de um amplo espectro da religiosidade afro-brasileira, envolvendo, além do candomblé
324
Considerando especificamente a religiosidade e a centralidade dos ritos de iniciação para a
contamos com um tipo especial de iniciadores que, todavia, poderiam ser chamados de
passado e no presente, garantindo fôlego para toda uma formação cultural afro-brasileira a
ela referida.
importância do segredo e do mistério” (:144) mas “sempre que o papel de guru [g.m.] for
assumido, mesmo que por poucos, os efeitos de sua ação surgirão: como cupins, os gurus
protagonistas podem exercer as características que lhes atribuímos no retrato atual, mas
de nações, de caboclo e de eguns, a umbanda, de que ela é grande conhecedora. Guru e iniciadora, ela
cumpre os dois papéis com alto grau de competência.
325
também podem, como autoridades referenciadas, construir, com estratégias de adaptação,
novas respostas, em novos contextos. Sustentados e referidos a uma Rede, que também é de
repetição, mas também por agregação de novos elementos, por re-interpretação ...
Movimentos que apontam para a continuidade das partes e da própria Rede no futuro,
dinâmica de gurus.
Ao registrar esta conversa, indaguei por que os fiéis evitam ver-se refletidos no espelho de
Oxum, e foi-me explicado: porque este Orixá é Grande Feiticeira, e é a Senhora dos
326
— Quem olha para o espelho vai encontrar o que procura, mas não realizará
seu desejo mais escondido... Ficará iludido no feitiço de Oxum.
A ilusão leva o admirador a ver refletido no espelho o que seus olhos queriam ver; mas com
É esse feitiço que parece encobrir a Casa de Xangô, plantada em Território de Oxóssi, que
estive a perscrutar por tantos dias, durante anos. Evitando preconceber olhares, talvez eu
tenha chegado além do que o Terreiro de Iyá Nassô estava a ocultar: passando pela história,
sua Rede de relações com outros Terreiros... Ao menos assim me vejo atendido, no mais
profundo desejo... Mas reconheço, que como o Abebê, o Ilê axé Iyá Nassô Oká reflete o
feitiço de Oxum.
...
Desde minha chegada ao endereço para mim mais ilustre da Avenida Vasco da Gama, o
um espaço simbólico.
327
Creio poder assegurar a quem quer que se aproxime daquela Casa de candomblé que ali
encontrará o que procura. É estranho, não? Sim, sem dúvida há de ser estranho que de um
lugar se possa esperar muito, que dele se aproximem vários desejos e diversificadas
vontades, e que todas obtenham as respostas procuradas, onde só poucos vêem decifrado o
segredo oculto... Seria uma Casa ocultada por feitiço em pleno calor urbano e frescor
Os estudiosos que procuram no Ilê Axé Iyá Nassô Oká as reminiscências de um passado
relações com o Reino de Oió, e de reafirmação de uma modalidade de culto que assumiu,
mais antigo do Brasil, ali vão encontrá-lo, com os mitos formadores dessa origem repetidos
vívidos que apontam essa preeminência. Se acaso a busca do visitante pesquisador for mais
teológica, em busca da matriz do culto dos Orixás, da roda do Xirê, haverá quem confirme
parceiras, das suas sucessoras... todos (con-)criadores da forma ritual repetida pela Casa
Branca do Engenho Velho da Federação. Mas outros interesses podem trazer um estudioso
ao encontro com esse Terreiro, com olhares atentos em busca de sinais materializados de
328
insaciáveis, os estudiosos podem pôr-se no encalço de contradições. Encontrarão
Um turista incidental levado à Casa Branca encontrará a pequena África que lhe
estética. Verá um lugar espacialmente ordenado e cercado, como que a se isolar do mundo
Outros, estudiosos ou não, capitulariam aos encantos de encontrar a expressão viva de uma
que a representam de forma tradicional. Mal informados ou não, verão uma religiosidade
adivinhações, mediação do mundo divinatório. Mas há quem busque ali os sinais explícitos
dos manuais da literatura, seus parâmetros e regras anotadas, para além da comunidade.
Pois se depararão com uma família-de-santo, tão próxima quanto possível das descrições e
329
Há mais olhares a visar o encontro com a Casa Branca, com outros fins...
distante de seus círculos de poder, capaz de lhes conferir um poder simbólico que não
conseguem agregar. Sem dúvida, sairão satisfeitos com o que encontrarão. Uma Casa
verão mais... A partir dessa referência, poderão imaginar-se partícipes da política cultural
dirigida aos negros soteropolitanos e, sem muito errar, aos negros do Brasil – tal seria o
negros baianos e brasileiros. Parece-me que esses também ficarão satisfeitos com o que se
lhes apresentará: um lugar de maioria de negros e negro-mestiços, onde brancos e ricos não
espaço que eleva a dignidade e auto-estima de uma parcela da população atingida por uma
330
Mas sigamos adiante nessa conjectura dos olhares a divisar o Terreiro de Iyá Nassô...
Indivíduos angustiados por sua qualidade de vida serão atendidos, ou ali ou serão
“plantio”, “cuidado” e “distribuição” de Axé... Assim como aqueles que vêm atrás de
conhecimentos religiosos se depararão com especialistas à altura das perguntas que fizerem.
eclesialidade iniciática, sentir-se-ão acolhidos para os ritos de sua iniciação, postos à espera
de um tempo cronológico que pode ultrapassar a passagem dos dias da suas existências
individuais.
Mas quem procurar uma Casa Branca do Engenho Velho da Federação em sua
unicidade e identidade última, esse cometerá um erro, pois isso não encontrará! Por
natureza e por definição, a forma cultural que a Casa representa só se realiza sendo
muitas... Mas a isso voltaremos, assim como às multifaces delineadas acima, retomando em
termos mais esquemáticos aspectos do percurso dessa tese: uma revelação do que se oculta
331
Multifaces necessárias a um modo de ser
De que modo se chega a tantas interfaces, e como se administra o assédio sem repúdio, a
respostas... É disso que temos falado nesta tese, e é disso que, esquematicamente, voltamos
aqui a falar.
Acúmulo Histórico
de ativistas, a Casa acumula a seu favor o título de Terreiro mais antigo do Brasil, e
administra esse crédito na interação com a sociedade e com o mundo negro, no “mundo
afro” dentro deste, e, aí, no mundo da religiosidade afro-brasileira. Esse título, para muitos
A Casa compartilha com outros Terreiros históricos o capital de referência modelar para
visitações turísticas. Lugar que representa, para o público principal com que se relaciona, o
332
papel de uma “vitrine”, ou, como eu já disse, de uma “nova vitrine” de visibilidade
franqueada aos negros e sua religiosidade e cultura de matriz afra. Assim como se deu e se
dá ainda com os Afoxés e os Blocos Afro, os candomblés também fizeram e fazem parte de
uma estratégia política voltada para garantir aos negros alguma visibilidade e acúmulo de
poder, proteção, melhorias, redução da segregação, enfim. Este papel tem sido
étnica que, nas tramas da sua constituição, estabelece diversificados mecanismos de trânsito
inter pares e desses pares com outros, diferentes. Se fosse possível separar o mundo do
candomblé de outros mundos “conexos” no universo social, a Casa Branca seria um portal
desse trânsito intermundos. Para chegar a tanto, ela exibe e aciona variadas formas de
referência.
Referência sagrada
O espaço do Terreiro de Iyá Nassô é referência de densidade de Axé. Seu calendário ritual,
e beleza, e pelos relatos de suas intervenções miraculosas em favor dos fiéis –, atualizam o
333
seu valor de referência em termos de Axé. Outrossim, espera-se da Casa poder sagrado de
intervenção na natureza e na vida de quem quer que seja, atraindo amor e temor.
Referência de saberes
músicas, coreografias e até mesmo sobre alguns procedimentos internos de outras nações.
Questionamento a tal imagem da Casa não é assunto que se ouça... Reparos, por vezes, são
Referência de rede
condensados em uma reputada casa de formação de sacerdotes leva os que trilham esse
caminho religioso a ter no Ilê de Iyá Nassô um modelo a ser seguido – um modelo
Assim, a Casa, além de ser referência para os Terreiros fundados por seus filhos e netos, é
vista como propagador e esteio para uma rede mais extensa de (con)criadores dessa forma
cultural religiosa. Nesse sentido, compartilha de um elevado status junto com outros
334
Para a manutenção de tal prestígio, o Ilê Axé Iyá Nassô cuida atentamente dos mecanismos
formais e informais.
mecanismos de inclusão aparente ou real, conforme o caso, de pessoas, no seio das trocas
relações e serviços com outros Terreiros – uns mantidos pelo Axé da Casa, outros pela sua
“identidade”.
sagrados, em instituições de homens e de mulheres, tal como pudemos ver na história das
sociedades secretas, nos festivais públicos etc. Recriados em terras brasileiras, os centros de
335
De qualquer sorte, criado aqui como centro de culto e formação sacerdotal, o Ilê Axé Iyá
Nassô Oká não pode ser visto como uma unidade cerrada. Reconhecendo que sacerdotes
formados neste Ilê Axé são eles próprios propagadores do seu rito, prestadores de serviço a,
e fundadores de, outros centros de culto e formação, deve-se avaliar que desde a fundação
da Casa ela embutia o projeto de ser muitas, de ter filhos e interconexões. Esse projeto se
análises e descrições propiciadas por essa tese, podemos afirmar que o Terreiro da Casa
Branca se atualiza como rede de relações com outros Terreiros, em uma fronteira étnica:
“família” e “nação”, mas mais ainda é garantia da reprodução de uma formação cultural
Faraimará!
336
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342
SANSONI, L. Negritude sem Etnicidade: o local e o global nas relações raciais e na
produção cultural negra do Brasil. Salvador: EDUFBA; Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
______. As Águas do Rei. Petrópolis, RJ: Vozes; Rio de Janeiro: Koinonia, 1995.
______. Caçadores de Almas. Revista USP. São Paulo, n. 25, p.130-143, mar-mai.
1995a
______. ILÊ AXÉ IYÁ NASSÔ OKÁ — Laudo Antropológico. Salvador: Koinonia,
2000. Mimeo.
______. Iyá Adetá, Iyá Akalá, Iyá Nassô, Babá Assiká e Bamboxê Obitikô: História
do Candomblé da Barroquinha,o ancestral da Casa Branca. Salvador: [s.n.], 2001.
Arquivo eletrônico do autor.
______.O dono da Terra: a presença do caboclo nos candomblés da Bahia. 1992. Tese
(Mestrado), SSLCH/USP, São Paulo.
343
Trad. CASTRO, N. C.
VERGER, P. Notes sur lê cult dês Orixsa et Vodun: à Bahia, la Baie de tous lês
saints, au Brésil et láncient cote dês Esclaves em Afrique. Dakar: IFAN (Mémoires de
l’IFAN), 1957.
344
ANEXO 1: DEFINIÇÃO DE PADRÃO DE HABITABILIDADE
Quadro Resumo 7
Bom Padrão do tipo formal, loteamentos registrados e licenciados na PMS, conforme normas
urbanísticas em vigor, com
Os atributos definidos pela Lei Nº 6.766, de 19/12/79 e demais normas municipais em
vigor para Salvador. Compreende, assim, áreas ocupadas com infra-estrutura adequada,
unidades de lote acima de 125,00 m2, existência de equipamentos coletivos de apoio, áreas
públicas e verdes suficientes e em bom estado de conservação desses atributos. Para essas
áreas, no geral, não há necessidade de intervenção para melhoria de condições de
habitabilidade básicas.
345
ANEXO 2: TABELA DA SEGREGAÇÃO
∗
Esta tabela foi criada a partir dos dados disponíveis do IBGE, Censo 2000, agregados por ÁREAS PONDERADAS para o Município de Salvador. É de conhecimento
público a falta de integração dos critérios de áreas de pesquisa entre União, Estados, Municípios e IGBE. Para alcançar uma aproximação visualizável, primeiro separei, nos
nomes das respectivas ÁREAS, por barras(/), os lugares a que se remetiam, pois no IBGE esses vêm simplesmente justapostos, e quem os desconhece não sabe a que área, ou
bairros, ou parte de bairros se referem. A seguir, identifiquei os Bairros de Salvador a que correspondiam as ÁREAS definidas pelo IBGE (na Coluna BAIRROS). Com isso,
creio ter criado uma tabela de referência capaz de orientar a identificação de características dos Bairros anotados nos Mapas das páginas 182 (“Vitrine de Salvador”) e 194
(“Caminhos da família em Salvador...”). Quanto ao tratamento dos dados do IBGE, primeiramente tratei de verter em porcentagens todos os grupos de dados que as tabelas
oferecem; depois, criei os índices de verificação; finalmente, para apresentá-los em grandezas visualizáveis, multipliquei os resultados dos índices Issr e Ivf por 100 (veja
abaixo suas respectivas fórmulas).
346
ANEXO 2: TABELA DA SEGREGAÇÃO
347
ANEXO 2: TABELA DA SEGREGAÇÃO
348
ANEXO 2: TABELA DA SEGREGAÇÃO
Área 82 Cajazeira Bico/Doce Palestina/Boca da Mata/Águas Claras CAJAZEIRAS, BOCA DA MATA, ÁGUAS CLARAS 86 120 72 139
Área 83 Nogueira /e Cajazeira III CAJAZEIRAS 83 151 55 182
Área 84 Cajazeira V/Cajazeira VI/Cajazeira VII CAJAZEIRAS 83 187 44 227
Área 85 Cajazeira VIII. CAJAZEIRAS 84 127 66 151
Área 86 Cajazeira X/Cajazeira XI. CAJAZEIRAS 83 201 41 242
Área 87 Fazenda Grande I/Fazenda Grande II CAJAZEIRAS 81 209 39 257
Área 88 Fazenda Grande III/Fazenda Grande IV CAJAZEIRAS 83 242 34 292
Essa legenda mostra os nomes dos índices que criei, valendo-me dos dados do IBGE 2000, e a fórmula de cálculo para cada um:
Qv – Qualidade de Vida = soma dos índices de Educação + Renda + Trabalho + Ocupação; sendo cada um deles assim calculados:
Educação = (%Pós-graduados + %Pessoas com 3o Grau + %Pessoas com mais de 15 anos de Estudo) ÷ (%Pessoas com menos de 15 anos
de Estudo + %Pessoas com até o Ensino Fundamental);
Renda = (%Pessoas ganhando mais de 3 salários mínimos) ÷ (%Pessoas ganhando menos de 3 salários mínimos)
Trabalho = (%Empregadores + %Empregados com Carteira assinada) ÷ (%Trabalhadores por Conta própria + %Empregados sem
Carteira Assinada)
Ocupação = (%Membros superiores do poder público, dirigentes de organizações de interesse público e de empresas e gerentes +
%Profissionais das ciências e artes) ÷ (%Técnicos de nível médio + %Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e
mercados + %Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais + %Trabalhadores do comércio, reparação de veículos auto-
motores, objetos pessoais e domésticos + %Serviços domésticos)
Ivf – índice que representa o quanto uma área pode ser considerada “vitrine ou fundo” de Salvador= Qv/Pg
349
Anexo 3 – Lista de dados de Ribard, 1999 e KOINONIA, 2003
350
Anexo 3 – Lista de dados de Ribard, 1999 e KOINONIA, 2003
351
Anexo 3 – Lista de dados de Ribard, 1999 e KOINONIA, 2003
352
Anexo 3 – Lista de dados de Ribard, 1999 e KOINONIA, 2003
OBS: Nota-se que nas RA em que há o maior número de Blocos Afro e Afoxés também cresce o
número de terreiros de candomblé. E inversamente, nas RA em que há maior número de Blocos
de Trio e Alternativos, decresce o número de terreiros. Essa proporção mostra uma tendência
que está exposta no Mapa e Gráficos, do capítulo 4.
353
ANEXO 4 - Relação de Terreiros de Filhos e de Filhas de Iyá Nitinha de Oxum,
Iyá Kekerê Ossi da Casa Branca
Segundo informações orais da Sacerdotisa de Oxum mais antiga da Casa Branca (70 anos
de iniciada), a contagem daqueles e daquelas que iniciou e dos feitos de que “tirou a mão”
[sc. do iniciador falecido: reconsagrou, tornando-se assim sua mãe-de-santo] ao longo de
sua vida de candomblé é de aproximadamente 2.800 pessoas, sendo 27 na Argentina
(Buenos Ayres) e o restante no Brasil. Dentre estas, há uma relação de filhos e filhas que
“abriram casa” e se tornaram Babalorixás e Ialorixás. Estes se mantêm em Rede com a
Casa de Miguel Couto da Ialorixá, ou diretamente com a Casa Branca do Engenho Velho.
Assim a lista que segue é uma lista desses filhos de Iyá Nitinha de Oxum, Iyá Kekerê Ossi
da Casa Branca que têm também os seus Terreiros.
Esta relação é resultado de anotações feitas pela própria Ialorixá, entregues para esta
pesquisa.
354
ANEXO 4 - Relação de Terreiros de Filhos e de Filhas de Iyá Nitinha de Oxum,
Iyá Kekerê Ossi da Casa Branca
355
ANEXO 5 – LISTA DE ALGUNS TERREIROS DA REDE DA CASA BRANCA
TABELA A – DADOS DE SALVADOR E ADJACÊNCIAS USADOS PARA DELINEAIO DO MAPA ÊMICO
Terreiros da Rede da Casa Branca por Bairro, identificados pela forma de tratamento de seus Titulares (nome,
Quantidade de apelido, filiação de santo, outro) e classificados por sua Tradição
Número Terreiros
Nome do Bairro Marcado no
no Mapa Identificados por Tradi
Mapa
Êmico Bairro de Salvador e Tradição Tradição Tradição Tradição ção
Tradição Ketu
Adjacências Jeje Angola Ijexá Caboclo Umba
nda
1 Pai Bel de Oxum, Pai Cordeiro, Mãe Dari, Mãe
Paripe/S. Tomé de Paripe 7 Eunice de Iemanjá, Pai Jessé de Logunedé, Mãe Lila,
Pai Vilson
2 Periperi 4 Pai Antonio de Ogun, Pai Dico, Mãe Rosa, Pai Vanju
3 Escada/Santa Terezinha 1 Mãe Terezinha
4
Plataforma 1 Mãe Estelita
5 Mãe Dedete, Pai Oquedirá [Finado], Pai Pereira
Lobato/Itacaranha 3
[Finado]
6 Pai Celestino, Pai Jorlando de Obaluaiê, Pai
Uruguai/Roma 5
Marcelino, Pai Robertinho, Pai Toti D'Oxum
7
Massaranduba 3 Pai Beto de Oxalá, Pai Cícero [Finado] Pai Dessivaldo
356
ANEXO 5 – LISTA DE ALGUNS TERREIROS DA REDE DA CASA BRANCA
* - sempre que o nome do titular do terreiro não foi identificado, mas ainda assim foi reconhecido, registra-se a sigla TNR
14 Mãe Dona
IAPI 4 Mãe Lúcia, Pai Regilton de Logunedé, Mãe Telma
Chaguinha
15
Mãe Dona Amália de Iansã, Pai Carlos de Oxalá, Mãe Mãe Alice,
Dilza de Oxossi, "TNR - uma senhora de Ewá", TNR - Mãe Fátima
Cidade Nova 9
um rapaz de Iansã"," TNR - uma filha de santo de D'Oxum, Mãe
Soboce" Gonga
16 Dois Leões 1 Pai Valtinho de Xangô
17 Pai
Mãe Irene Bamboxê, Mãe Olga do Alaketo, Pai Raimu
Matatu 4
Vicente ndo de
Xangô
18 Mãe Cecília de Omulu, Pai Marinho de Iemanjá, Pai
Mãe Detinha
Cosme de Farias 6 Marino de Omulu, Mãe Mirinha, "TNR - um de
do Barrau
apelido Camarão"
19
Mãe Maiamba
Mãe Bebé do Buraco da Gia, Pai Jorge Soboce, Mãe
D'Oxum , Pai
Brotas 8 Lourdes de Iansã, Mariinha D'Oxum, Mãe Odeci, Pai
Neve Branca
Ubaldo de Iansã, Pai Pipi de Omulu
[Finado]
20 Mãe Nicinha,
Bonocô 2 Mãe Nivalda
Pena Branca
21 Pai
Pai Adermã [Finado], Pai Antônio de Logunedé, Mãe
Engenho Velho de Brotas 7 Valdomiro
Baiana, Mãe Domingas, Pai Everaldo, Pai Geraldo
de Xangô
22 Mãe Joana
Volga, "Mãe
Vila América 5 Pai Camilo, Pai Dó de Ossain, , TNR[Finado] Iraildes do
Tuumba
Junçara"
23 Garcia 2 Pai Carlinhos de Logunedé Mãe Cléo
357
ANEXO 5 – LISTA DE ALGUNS TERREIROS DA REDE DA CASA BRANCA
24 Pai Alberto de Omulu, Mãe Ana das Quartinhas (ou
Ana de Iansã), Mãe Bárbara de Ogun, Mãe Carmem do Pai Olga
Federação 9 Pai Catita
Gantois, Pai Robson, Pai Babá Silvanilton (ou PC do Caloci
Oxumaré), Pai Xico de Xangô
25 Pai Galego, Mãe Helena de Iansã, Pai Luiz da Mãe Dona
Mãe Maria
Muriçoca 6 Muriçoca [Finado - agora substituído por Geraldo Pai São Pedro Maria
Pequena
Macaco] Caboclo
26 Cardeal da Silva Nenhum Terreiro do Bairro teve seu titular identificado na Rede de relações da Casa
27 Mãe Aidê (sobrinha de Caetana Banboxê), Pai Beto de
Oxalá, Mãe Dona Dete, Mãe Elsa do Obá Tony
Mãe Aice, Mãe Mãe Das
[Finada], Mãe India do Bogum, Mãe Lucinha de
Engenho V. da Federação 16 Bebé do Neves, Pai
Omulu, Mãe Val do Cobre, Pai Valdemar, Pai Valter
Tanury Junçara Walter Neves
Neves, Mãe Vanda, Pai Xico Monalê (substituído por
Pai Álvaro), Mãe Zinha das Neves
28 Mãe Daraína, Mãe Dona Massu D'Oxum [Finada],
Vila Matos 4
Mãe Jideuá, Pai José Raimundo de Ogum
29 Lucaia 1 Mãe Luzia da Lucaia
30 Mãe Helena de Xangô, Pai João Luiz, Mãe Mariinha,
Vale das Pedrinhas 4
Pai Virgílio de Ogum
31 Mãe Carmem, Mãe Celina de Logun [Finada], Mãe
Nordeste (Amaralina) 4
Edênia, Pai Everaldo
32 Amaralina Este foi identificado como um Bairro sem a presença de qualquer Terreiro
33 Pai Airzinho do Pilão de Prata (sobrinho de Caetana
Mãe Branca
Boca do Rio 4 Banboxê), TNR - perto do Ki Mukeka, TNR - pertinho
de Omulu
da Casa do Airzinho
34 Pituaçu Nenhum Terreiro do Bairro teve seu titular identificado na Rede de relações da Casa
35 Mãe Maria Chiclete, Pai Mestre Didi [Culto de Babá
Bairro da Paz 2
Egum]
36 Mãe Jussara
Mussurunga 3 Mãe Iyá Cutu, Pai Jaime de Oxalá
Congo
37 Mãe Zuzu ou
Est. Velha do Aeroporto 3 Pai Carlinhos de Omulu, Mãe Marlene
Zulmira
358
ANEXO 5 – LISTA DE ALGUNS TERREIROS DA REDE DA CASA BRANCA
38 Mãe Alaíde, Mãe Jaciara do Abassá de Ogum, Pai Pai José de
Itapuã (Abaeté) 5
Valtinho de Itapuã, Mãe Vera do Ranca Toco Bessen
39 Pai Adailton de Oxalá ou Malvado, Mãe Dadá de
São Cristóvão 5 Pai Toqui
Omulu, Pai Didi de Omulu, Pai Luciano de Ogum
40 Mãe Antonieta de Ogum, Mãe Jacira, Mãe Mida
Itinga 3
D'Oxum
41 Pai Carlos de Xangô, Pai Julio Braga, Pai Olavo de
CIA/ Estr. Pedreira Cassange 4
Ogum, TNR - terreiro do padre Gilson
42 Pai Augusto Cesar, Mãe Mirinha de Portão, Pai
Lauro de Freitas/Portão 5 Pai Valdemir
Obaraim, Mãe Dona Zulmira
43 Abrantes 1 Mãe Branca
44 Pai (ou Táta)
Laércio do
Jauá 1
Terreiro de
Jauá
45 Pai Alcides, Pai Aristides de Oshoguian, Pai Seu
Areia Branca 4
Benedito, Pai Flaviano
46 Arembepe 1 Pai Beto de Oxalá
47 Passagem dos Teixeiras 1 Mãe Raidalva de Omulu
48 Pai Carlinhos de Oshoguian, Pai Seu Domingos (Culto
Ilha 3 Pai Buia
de Babá Egun)
49 Paulo do Brongo, Valdir de Oxossi, Vovó, "PDNI -
Valéria 5
filho do Gantois", "PDNI - de Iansã"
50 Mãe Dulce de Oxum, Mãe Risoleta de Oxum, Pai
Cajazeiras/Águas Claras 3
Ubiraci,
51
Mãe Piedade
São Marcos 1
[Mina-Pôpo]
359
ANEXO 5 – LISTA DE ALGUNS TERREIROS DA REDE DA CASA BRANCA
53
Pai Eduarlindo
(e Mãe Olga)
Mata Escura 4 Mãe Lourdes de Iansã, Pai Roque de Xangô do Bate Folha,
Mãe Rose do
Viva Deus
360
ANEXO 5 – LISTA DE ALGUNS TERREIROS DA REDE DA CASA BRANCA
TABELA B - Dados de Terreiros da Rede da Casa Branca em outras cidades brasileiras
Alguns Terreiros da Rede da Casa Branca em outras
Quantidade de cidades: Identificados pela forma de tratamento de
Terreiros seus Titulares (nome, apelido, filiação de santo, outro)
Estado/Cidade e classificados por sua Tradição
Identificados
por Bairro
Tradição
Tradição Ketu
Jeje
Mãe Dona
Baratinha,
Pai Eli,
Bahia/Cachoeira 4 Mãe
Gaiacu
Luiza, Mãe
Mariá
Mina Gerais/Belo Horizonte 4 Pai Carlinhos de Oxum, Pai Harley, Pai Raoney, Pai Sidney
Pai Alabiy, Mãe Ana de Ogum, Pai Bobó de Iansã, Pai
Cabila, Mãe Cansarandé, Pai Carlinhos de Oyá, Pai
Francisco D'Oxum, Pai José Carlos de Ibualama, Pai José
São Paulo/São Paulo 14 Mendes, Mãe Odé Nirô, Mãe Omim Faloió, Pai Pérsio de
Ayrá, Pai Toninho de Oxossi, Pai Zaven.
TOTAL 31
* - sempre que o nome do titular do terreiro não foi identificado, mas ainda assim foi reconhecido, registra-se a sigla
TNR
361
APÊNDICE – PARTE I
APÊNDICE
Parte II – Lista de sacerdotes e sacerdotisas do Terreiro Ilê Axé Iyá Nassô Oká,
que, assíduos no Terreiro observado pela Tese, compõem grande parte da família
da Casa, e são os maiores responsáveis pelo calendário religioso, pelas
informações, pelas conexões em rede, pela manutenção das tradições e pela
constituição de um futuro para o grupo eclesial da Casa Branca do Engenho Velho
da Federação.
362
APÊNDICE – PARTE II
363
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
Ficha cadastral do Elemaxó de Oguian da Casa Branca = Antônio Agnelo Pereira Nascido a 14 de dezembro de 1919, no Município de Cachoeira
na localidade de São Francisco do Paraguassu. Filho de Secundino Estevão Pereira, criado em Salvador pelo Senhor Floro Clarismundo do
Amparo, Ogan de Oxum de Tia Luzia = Oxum Muyurá, Mãe Pequena da Casa Branca na gestão de Tia Massi, de quem era irmã de santo, filha
de Tia Sussu – Ursulina Maria da Conceição, que veio da África já feita de santo com 7 anos de idade, vinda pra o Brasil com a responsabilidade
de aprender tudo do Axé para suceder sua Tia de sangue, Maria Júlia da Conceição Iyá Nassô Oká.
Antônio Agnelo Pereira, foi apontado pelo Oxalá de Tia França no ano de 1936, suspenso e carregado no salão como Ogan de Oxaghian, no ano
de 1946. Sendo ele empregado de balcão pediu ao Santo que esperasse e ajudasse, que ele prometia se confirmar, e sentar todos os seus santos já
declarados pelos orixás e pelas Iyás Alawôs e Babalawôs que jogaram os búzios para afirmarem que eu teria antes de me confirmar como Ogan
de Oxalá, para que Mãe Iemanjá não tivesse de pegar seu filho quando confirmado para Ogan.
Cumprida a promessa - Em 9 de setembro de 1947, foi com a ajuda dos santos e o concurso que fez para o Estado, nomeado guarda civil, pelo
então Governador do Estado, o Dr. Otavio Mangabeira. Dois anos depois , tomaria férias regulamentares de 30 dias e mais (8) oito dias de
dispensa, para esse espaço de tempo sentar os santos e confirmar-se como ogan de Oxalá, fato que veio a se verificar no dia 04 de setembro de
1949, ano do Centenário de 400 anos da Cidade de Salvador.
Tendo saído pra as bênçãos aos 21 dias, e permanecendo dormindo na Casa do Candomblé durante todo o ciclo festivo ou seja: de setembro a
dezembro daquele ano.
Tendo feito obrigações de ano, de 3 anos, 7 anos, 14 anos, 21 anos e 25 anos, sempre com a diferença de um a dois dias conforme calendário
móvel e ano bissexto, quer dizer: sempre pelas festas de Oxalá, que caem na Casa Branca, em setembro, pois a Água de Oxalá cais sempre desde
que os africanos transladaram os otás da Barroquinha para aquele sítio, ou seja: sempre no segundo domingo de Oxalá.
Quanto aos cargos: morando com a mãe de santo Tia Massi, vivendo dentro do mesmo teto, juntamente com a Ekede Januaria da Conceição
(Janú) confirmada para Omulu. Foi eleito presidente da Sociedade Beneficiente e Recreativa São Jorge do Engenho Velho, no ano de 1956,
reeleito em 1958, nesta oportunidade, foi o mesmo perpetuado na presidência por ordem do Oxossi da Casa Padroeiro do Ilê..
364
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
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Salvador / Bahia
365
APÊNDICE – PARTE II
Barcos recolhidos muitos – Filhas de Santo que se destacaram, na gestão de Tia Susú: Maximiliana Maria da Conceição (Tia Massi de Oxalá),
moço, Oguian, Orukó (Oim) Iuim Funké, que teve a missão de substituir Tia Susú.
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Salvador / Bahia
Destacando-se como filha de Mãe Sussú, a filha do Oxum, conhecida como Luzia Maria de Figueredo, cujo orukó passamos a declarar: Omo
Oxum Muyurá, destacada negra do partido alto, que se destacou como a encarregada do Orô do Ipeté da Casa Branca, quando desfilam todas as
filhas do axé, com os preceitos do Ipeté, para o assentamento existente no navio simbólico, ali construído, recordando a chegada das primeiras
tias africanas de santo chegadas na Bahia.
Depois de Tia luzia, podemos com muita alegria e satisfação, lembrar a saudosa filha de Xangô de Tia Susú, que veio para elevar bem alto o
nome do Candomblé da Casa Branca, de onde era filha, a muito conhecida Maria Ana dos Santos (Tia Aninha) cujo orukó dado na Casa Branca
consta do seguinte: Oni Xangô, Iá Olá Biy, que se destacou, como o Xango mais bonito da Bahia, o pé lavado pra Xangô, conforme chamavam:
Tia Massi, Tia Susú, Tia Luzia e Dona Eugenia Sampaio Carrera, Iakekerê da Casa Branca. Tia Aninha quando sentiu que estava em condições
de se estabelecer, no Candomblé, como Iá experimentou a sensação de ser Iá, no próprio Terreiro de Tia Susú, aproveitando-se da ausência das
dirigentes do axé para recolher o seu primeiro barco, com a ajuda de outras irmãs e do Babalawô Tio Joaquim, fato que gerou sua saída daquele
axé.
Sobre o Gantois - Criado, instalado e aberto pela Tia Maria Julia da Conceição Nazaré. Sucedida por sua parenta Pulkeria Maria da Conceição
Nazaré, foi o Gantois progredindo, com muitas filhas de santo, inclusive tendo em certa oportunidade sido dirigido por uma junta de senhoras do
partido Alto, que substituira a Tia Pulkeria, em cuja gestão no século XVIII, foi fundada a Sociedade de Egbé Oxosse do Gantois.
Com o passamento desta junta, houve uma mortandade medonha, naquele Axé, a ponto de os filhos e filhas, Ogans e Ekédes, se absterem de ir ao
Gantois. Nesta oportunidade, foi que o Egumgum da Tia Pulkeria, respondeu, pedindo que todos se unissem e fossem procurar a sua neta e
afilhada Maria Esculástica da Conceição Nazaré, para assumir o cargo.
E daí, que começa o sofrimento da nossa mui querida Iá Menininha: sofrendo de dores atrozes, sem saber por que, perdendo o marido, não
podendo fazer venda para vender na rua, tendo dificuldades para criar as suas duas filhas: Cleuza e Carmem; mudando-se de uma casa para outra
sem ter solução, até que formou-se a Comissão de pessoas mais velhas da Casa entre Ogans e filhas de santo, e impuseram a Dona Esculástica
para assumir o cargo ou ter que morrer, conforme predizia o santo. Assim pe que Dona Esculástica veio a assumir o cargo de Yá do Gantois, teve
saúde, e o terreiro esta em franco progresso.
366
APÊNDICE – PARTE II
As mais velhas do Terreiro da Casa Branca, que nos encontramos foram filhas e ogans de Tia “Ursulina” Maria de Figueiredo (Tia Sussu)
De Tia Sussu:
- Maria Antonia dos Anjos – Ekede de Oxalá
- Etervina Moncorvo, Iamorô da Casa, ambas sobrinhas da Tia Sussu
- João Carpistana Pires Dias (João Viludinho) = Ogan de Ogum
- Juana Dias = Ekede de Omolu da Casa
- Luzia Maria de Figueiredo (Tia Luzia de Oxum – Mãe pequena da casa)
- Eugênia Sampaio Carrera / Mãe Pequena (sucessora de Tia Luzia)
- Ogans: Marcos, Mateus, Chico, Sena, Amâncio, Manoel do Bom-fim, pai de Cipriano
- Maria Crispiniana (Papai Maria Pequena de Oxalá)
- Isabel Flores (Bebe Ekede de Oxum de Tia Luzia)
- Maria Theodora do Nascimento (Dodó de Omolú)
- Amande Machado (de Omolu)
367
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
Relação dos Ogans de Tia Sussú (e de Tia Massi)
Sussu = Ursulina de Figueiredo
1) Tio Marcos da Conceição (mestre de canto, toque e dança)
2) Tio Mateus dos Santos (mestre de dança)
3) Tio Francisco Sena (Chico Sena) (Mestre de Cerimônia)
4) Libânio Petroninito de Araujo – Oxogum
5) Beijamim de ... calabê
6) Tio Amâncio – Mestre de Canto
7) Senhor Manoel do Bonfim
8) Amâncio Lopes – Ogan de Xangô
9) Miguel de Santana – Oga de Omolú (argo apagan)
10) Herminio – Ogan de Oxossi
11) Jacinto Gomes – Ogan de Oxalá
12) João Capristano Pires Dias – Ogan de Ogum (João Viludinho)
13) Elesbão do mercado modelo - Ogun Arayê - cuidava das casas da rua e do comércio.
Continuação de Ogans e Ekedes de Tia Susú: Ursulina de Figueiredo
1) Etervina Moncôrvo filha adotiva da Tia Susú, foi confirmado para Ekede, sendo uma das mais capazes, recebeu o posto de Iamarô da
Casa (para Oxalufan)
2) Marciana... - Ekede de Oxum
3) Maria da Purificação - Ekede de Oxum
4) Antonia Maria dos Anjos (Tia Totonha) sobrinha da Tia Susú.
5) Ekede – Gabina de ... (de Iemanjá)
6) Ekede – Hilaria da Costa (de Irôko)
7) Joana Dias (Ekede de Omolu – Joana)
8) Reinaldo Matos (Ogan de Oxalá)
9) Izabel Flores (Bebe ekede de Oxum) (Oxum Muiná) (Todos de Tia Sussú e Massi)
368
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
369
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
Ogans e Ekedes confirmados por Tia Massi
370
APÊNDICE – PARTE II
24) Luiz Pereira de Araujo (Ogan de Papai Oké – de Oxalufan)
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
RELAÇÃO DOS BARCOS RECOLHIDOS POR TIA MASSI
BARCO Nº 1
1) Amélia de Ogum
2) Adélia de Airá
3) Izabel de Oxossi
4) Apolinasia de Oxala – olufam
Este barco foi o primeiro a ser recolhido após sua posse no Axé em 1925.
371
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
BARCO 3º
1) Maria dos Reis Campos (Marota de Ogum)
2) Francisca dos Santos (Chica de Oxossi (Odé Iomim)
3) Marieta Cardoso (Marieta de Oxum – atual Iá da Casa (Tem casa no Rio de Janeiro))
4) Francisca Souza (conhecido Chiquinha de Oxossi)
5) Raimunda de Nãnã
6) Maricas da Conceição, Maricas de Omolú Jijimim
7) Dª Julia, conhecida como Julia de Oxum Omimariké)
BARCO 4º
372
APÊNDICE – PARTE II
BARCO 5o
1) Lindaura Souza (Lindaura de Iansã)
2) Maria José de Ogum
3) Mariazinha Costa (conhecida como Mamãezinha de Oxum)
4) Maria Brasilina (de Oxum)
5) Maria Damiana (de Ayrá) Xangô
373
APÊNDICE – PARTE II
BARCO 7o
1) Bila de Nanã
2) Marieta Pereira, de Omolo jidurô
3) Theodora Santos (Dodó de Ogum)
4) Antonia da Conceição (Antonia de Iemanjá)
5) Elizabeth de Airá / Bela
BARCO 8º
1) Elza de Iemanjá
2) Altamira (Tatá de Oxum)
3) Detinha de Xangô
4) Maria Clara (Clara de Logum Edé)
5) Margarida de Ogum
6) Nila de Oxum
7) .... (não lembro)
8) .... (idem)
374
APÊNDICE – PARTE II
BARCO 9o
Antes deste barco Tia Massi recolheu na residência da própria Iaô – Gorgeta Pereira de Araujo, conhecida por Nola de Iansã, cujo santo foi para
a Casa Branca para obrigação de 7 anos, onde ficou até hoje.
1) Nola de Iansã que entrou antes
2) Lurdes Lamartine de Andrade (Lurdes de Ogum)
3) Otarcilia Estevam Ferreira (Otarcilia de Ogum)
4) Antonieta de Iemanja (Tiêta de Iemanjá)
5) Luzia ((Luizia de Oxumarê) = Mãe de Gilberto)
6) Francisca Paixão (Chaguinha de Oxossi)
7) Romana ... de Iansã
8) Marionete de Omolú
BARCO 10º
1) Theodora Bitencurt (Dodô de Nanã)
2) Linha de Ogum
3) Zelia Bomfim (Zelia de Irôko)
375
APÊNDICE – PARTE II
BARCO 12º
1) Mariinha de Omolu
2) Dezinha de Iemanjá
3) Maria José de Ogum
4) Amalia de Omolu
5) Matildes da Cruz (Tide de Logum Edé)
6) Amanda de Oxalá (Manda de Oguian)
BARCO 13o
1) Durvalina Santos (Durvalina de Oxossi)
2) Jacira Estevão (Jajá de Oxum)
3) Célia Lamartine de Andrade (Célia de Oxalá)
BARCO 14º
1) Morena de Omolu
2) Didi de Iemanjá
3) Lurde de Iansã
4) Helenita ... de ...
376
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
BARCO 15º
1) Julia do Omulu
2) Detinha de Iansã
BARCO 16º
1) Lulú de Xangô (filha de criação de Raimunda)
2) Julieta de Oxum
3) Margarida da Anunciação (Cutú de Ogum)
4) Lidia de...
5) Hercilia Pereira (Hercilia de Omolu)
6) Jujú de...
7) Bela de...
BARCO 17o
1) Lindinha de Xangô
2) Cosma de Iansã
3) Augusta de Iansã
4) ... filha de Cipriano
5) Hyêda de Oxum
6) Aleluia de Iêmanjá
7) A garota de Oxossi Einle
8) Loló de Oxalá
9) ... de Oxalá
10) Dudinha de Oxum
BARCO 18o
1) Marlene de Ogum
2) Miuda de...
377
APÊNDICE – PARTE II
378
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
Gestão de Marieta Cardoso
Mãe Marieta de Oxum
Quando tomou o cargo?
1º Barco – Sua primeira filha, foi Marcelina de Xangô
2º Barco:
1) Maria de Omolú
2) Julieta de Omolú
3) Tania de Iansã
4) Confirmou o Ogam Mirabeau (Mirabou)
3º Barco de Marieta:
1) Confirmou o filho de Tide para ogam de Teté
2) Iaô de Airá Xangô
3) Iaô de Omolú
4) Iaô de Oxum
5) Rosa de Iansã
Faltam demais barcos de Marieta, bem como os Ogans e Ekedes que ela confirmou.
379
APÊNDICE – PARTE II
Federação Baiana do Culto Afro
Rua Carlos Gomes, 17 – 2º Andar S/214
Salvador / Bahia
Gestão de Altamira Cecília dos Santos
Mãe Tatá de Oxum
BARCO 1
1) Roseneide – de Oxumaré
2) Marinalva - de Oxum
3) Ana Célia – de Iemanjá
BARCO 2
1) Márcia – de Xangô Airá
2) Sandra - de Oxum
BARCO 3
1) Josenice (Jô) de Iemanjá
2) Ivone – de Airá
BARCO 4
1) Josilaide (Ladinha) – de Oxalá
2) Rita de Cássia – de Iansã.
3) Simone – de Nanã.
BARCO 5
1) Maria José (Masé) - de Oxum
2) Patrícia – de Iemanjá
380
APÊNDICE – PARTE II
LISTA DE SACERDOTES E SACERDOTISAS ASSÍDUOS (no período da Tese) NO TERREIRO ILÊ AXÉ IYÁ NASSÔ OKÁ
1. Altamira Cecília dos Santos - Mãe Tatá (+- 80): Mãe de santo da Casa
2. Mãe Teté (+- 80): Iyá kekerê
3. Nitinha (+-75): Iyá kekerê em exercício na Casa (Iyá kekerê ossi, a otum é Mãe Teté que está no Rio-RJ).
4. Celina (85): adoxe de Oxóssi.
5. Nem: ekédy de Ogum
6. Antônio Agnelo: Ogan de Oxalá, finado Elemaxó, em 2002.
7. Areelson - Léo (+-60): ogan de Oxalá, Atual Elemaxó (era o Ossi) filho sangüíneo de Nitinha
8. Augusta (+- 80): adoxe de Iansã
9. Cosma (+-75): adoxe de Iansã.
10. Tieta(+-75): adoxe de Iemanjá.
11. Cutu (+-75): adoxe de Ogum.
12. Geninho (+-40): ogan de Oxalá.
13. Bel (+- 60): ogan de Nanã, finado em 2002.
14. Cuiuba: ekede de Obaluiaê, finada em 2002.
15. Sinha (+-55): ekéde de Oxossi.
16. Junior(+-28): ogan de Nanã.
17. Roversom(+-60): ogan de Ogum.
18. “Esquerdinha” (+- 60): ogan de Oxossi.
19. Nice(+-60), Nicinha: adoxe de Iansã.
20. Lourival(+-70): ogan de Obaluaiê.
21. Lilinho: ogan de Oxalá.
22. Madalena (+- 75): adoxe de Nanã, filha de Seu Álvaro.
23. Antônia (+-70): adoxe de Oguian.
24. Antonieta (+-65): adoxe de Ogun.
25. Té (+-40): adoxe de Oxum.
26. Valnízia (+-40): adoxe de Xangô.
381
APÊNDICE – PARTE II
27. Neuza (+-30): adoxe de Xangô
28. Maria Célia(+-50): adoxe de Oxum.
29. Dalva (+- 70): adoxe de Iansã.
30. Dalva: adoxe de Oxossi.
31. Antonio Luis(+-40): ogan de Xangô.
32. Ana Alice - Liná (+-55): adoxe de Ogun, assentada por Papai Oké.
33. Terezinha (+-60): ekéde de oxum de Nitinha
34. Tânia (+-40): adoxe de Oyá.
35. Marieta (+- 60): adoxe de Oguian,filha de Mãe Nitinha em Salvador.
36. Cleonice: adoxe de Obaluaiê, filha da finada Eunice de Xangô.
37. Ivone: adoxe de Oxossi, filha da finada Eunice de Xangô.
38. Roseneide - Rose (+-30): adoxe de Oxumare.
39. Ana Célia(+-30): adoxe de iemanjá
40. Márcia (+-30): adoxe de Xangô Airá.
41. Mônica (+- 30): adoxe de Oghian.
42. Sandra (+- 30): adoxe de Oxum.
43. Ivone: adoxe de Xangô Ayrá.
44. Jô (+-30): adoxe de Iemanjá
45. Rita (+-30): adoxe de Iansã.
46. Simone (+- 30): adoxe de Nanã.
47. Ladinha (+-30): adoxe de Oxalá.
48. Arnaldo (+- 30): ogan de Ogum, finado em 2004.
49. Edivaldo(+-30): ogan de Iansã.
50. Antonio Marques - Tonho (+-30): ogan de Oxum.
51. Dalvinha (+- 50): Ekede de Oxossi.
52. Patrícia: adoxe de Iemanjá.
53. Maria José (Masé): adoxe de Oxum.
54. Géo (+-28): ogan de Xangô de filho de santo de Mãe Nitinha no Rio de Janeiro.
55. Eliete (+- 50): ekédy de Oxum.
382
APÊNDICE – PARTE II
56. Isa (+- 45): ekédy de Obaluaiê, filha de filha do finado Álvaro, confirmada na Casa Branca por Mãe Tatá
57. Ana Rita (+-30): ekéde de Ogum.
58. Neide – Neidinha: ekédy de Oxalá.
59. “Pingo” (+-20) : ogan de Ogum.
60. Willys (+-30): ogan suspenso de Oxum.
61. Paulo (+-30): ogan suspenso de Xangô (de Neuza) marido de Ana Rita
62. Liliane – Lili: ekedy suspensa de Oxum.
63. Nadja - Nai: ekedy suspensa de Oxum
64. Ulisses(+-18): ogan suspenso de Oxum.
65. “Pincel” (+-18): ogan suspenso de Ogum.
66. Débora (+- 25): ekédy suspensa de Iansã.
67. Ordep Serra (61): ogan suspenso de Iansã.
68. Nei (+-30): ogan de Oxum.
69. Rafael Oliveira (46): ogan suspenso de Oxossi.
70. “Meu” (+-30): ogan suspenso de Oxossi.
71. Totó (+-20) ogan suspenso de Ogun.
72. Chulipa (+-18) ogan suspenso do Ogun.
73. Jeam (+-4): ogan apontado de Xangô.
383