Exegese Do Antigo Testamento Fundamentos

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Exegese do AT. – Jovanir Lage ...

Exegese do Antigo Testamento


Fundamentos Básicos
Jovanir Lage1

Introdução:
A exegese é uma das principais ferramentas de pesquisa e interpretação usada para o
estudo da Bíblia, principalmente no âmbito religioso. O termo exegese vem do grego e
tem como sentido básico a interpretação ou a explicação crítica de um texto. É,
portanto, a arte de extrair do texto o seu sentido mais original. Encontramos no Novo
Testamento referência a esta palavra, sempre usada no sentido da explanação,
interpretação ou narrativa:

“E eles narraram εξηγουντο os acontecimentos do caminho... (Lc. 24.35)”

“... o Deus unigênito que está no seio do Pai é quem o revelou εξηγησατο (João 1.18)”

“E, havendo-lhes contado tudo εξηγησαμενος, os enviou a Jope (Atos 10.8).”

A explicação sistemática de um texto é assim, o sentido essencial da exegese. É tarefa


daquele que narra ou explica um acontecimento, comunicar a mensagem para seu
destinatário. Na dinâmica da narrativa bíblica o texto é o item mais fundamental nesta
tríade: narrador – narrativa ou texto – destinatário, pois ele é a razão de ser do intérprete
e do estudante.

Os métodos de interpretação da Bíblia


Antes de aprofundarmos neste tema, precisamos ressaltar alguns fundamentos
necessários ao estudo da Bíblia.

1. A Bíblia não precisa de pesquisa para a sua compreensão. Ela é antes de


qualquer coisa, um texto de fé e aberto à toda a humanidade como um
patrimônio de essência imaterial.

1
Doutorando em Ciências da Religião com ênfase em arqueologia e história do Antigo Oriente. Mestre
em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2016). Bacharel em Teologia
(UMESP - 2010).
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2. O texto bíblico está sempre além de seu sentido histórico. Ele é a palavra que
atesta a revelação e esta torna-se realidade no encontro com Deus e o ser
humano. O texto bíblico está, portanto, sempre aberto a novas interpretações e
releituras.
3. Nenhum evento humano chega a nós sem uma interpretação. Qualquer
experiência mediada pelo tempo, pelo espaço e pelos sujeitos, chegará até nós
mediada pela interpretação. Assim, é sempre possível que diante de um mesmo
texto e dos mesmos fatos, alguém possa encontrar a confirmação de sua fé,
enquanto outros possam desenvolver interpretações naturalistas sem qualquer
elemento de fé.

Dito isto, é preciso explicar que ao longo da história de interpretação da Bíblia,


foram criados muitos métodos exegéticos com a intenção de facilitar e sistematizar a
exegese dos textos da Bíblia. Muitas pessoas desenvolveram receios quanto à crítica
bíblica, por considerá-la ameaçadora da integridade da “Palavra de Deus”, no
entanto, esta forma de se fazer a análise dos textos, proporciona uma investigação
apreciativa dos fatos e circunstâncias que nos trouxeram o texto bíblico,
(SIQUEIRA, 2009 p.33-36).

O estudo da Bíblia usando um método exegético não a desvaloriza como “Palavra


de Deus”, pelo contrário, mostra o quanto somos pequenos e humildes diante desta
imensidão cultural, religiosa e social de povos tão antigos.

José Ademar Kaefer, citando (ARENS, 2007, p.68), ressalta que no


desenvolvimento da escrita, em transição com a tradição oral, ainda nas
comunidades do segundo testamento, o texto hebraico era lido pelos escribas nas
sinagogas e possuía um caráter sagrado. Como o hebraico não era mais a língua
oficial falada, fazia-se a tradução para o Aramaico (targum: tradução); em seguida
dava-se a explicação (darash: explicar, consultar), e por fim fazia-se a atualização
(midrash: atualizar).

Este processo foi aos poucos se oficializando como um modelo para o método de
interpretação bíblica. A exegese surge assim nesta dinâmica em que a inserção no
texto, passa por três etapas: 1. Leitura Diacrônica, onde se analisa o caráter
cronológico do texto e sua significação, é o momento onde mergulhamos no texto
para entender o pano de fundo de sua formação; 2. Leitura Sincônica, onde se lê e
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interpreta o texto a partir de sua realidade; 3. Interpretação, que se faz através da


hermenêutica, buscando entender o kerigma, (mensagem) do texto para hoje.
(CROATO, 1994, p.17-25)

Textos
É importante ressaltar que o pesquisador da Bíblia tem à sua disposição dois textos
originais: O texto Massorético que no Antigo Testamento está em grande parte escrito
em Hebraico e o texto Grego do Novo Testamento. Em se tratando do Antigo
Testamento, existem cerca de quatro versões consideradas de grande valor para o estudo
do texto original. São elas: a Septuaginta, tradução do hebraico para o grego; o Targum,
tradução do hebraico para o aramaico; a Siríaca ou Peshita, tradução do hebraico para a
língua síria; e a Vulgata, tradução do hebraico para o latim.

Há muitos outros textos de traduções tardias de menor valor para as pesquisas como a
tradução samaritana, Áquila, Teodocião e Símaco.

O referencial mais confiável para o estudo exegético hoje é o texto massorético


publicado pela Sociedade Bíblica Universal em Stuttgart, onde a Biblia Hebraica
Stuttgartencia concentra as notas e aparatos críticos dos massoretas (masorah =
tradição) e soferins (escribas). Estes aparatos são resultados de análises e comparações
feitas pelos estudiosos a partir de vários manuscritos, aglutinando as mudanças e
acréscimos que espelhavam diversas tradições em um único texto.

Exegese acadêmica e exegese pastoral


Apresentamos dois modelos principais para nosso estudo: a exegese acadêmica e a
exegese pastoral (SIMIAN-YOFRE et.al, 2000 p.13-18) . Enquanto a acadêmica estuda
o texto em todos os seus aspectos, fazendo dele seu objeto para o conhecimento, tem
como meta o texto em si e por si mesmo, a exegese pastoral limita-se aos aspectos do
texto para compreender seu conteúdo e atualizar sua mensagem.

A exegese acadêmica se utiliza de todos os meios humanos para a sua pesquisa,


excluindo ao máximo os elementos de fé considerados “não racionais” fazendo de seu
sistema científico uma pesquisa pura e objetiva.

A exegese pastoral carrega os elementos de fé, pois tem como destinatário o ser humano
religioso. Seu foco são os problemas concretos da vida e por isto prefere desenvolver
uma pesquisa aplicada e sua ênfase está no processo eventual que levou à constituição
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do texto canônico. Neste sentido, a Hermenêutica tem uma função muito especial que
faz da “Bíblia palavra de Deus, sempre atual e útil, tendo algo a dizer no dia a dia de
qualquer tempo” (KAEFER, 2014 p.117).

Métodos

A necessidade da Crítica Literária torna-se evidente para elucidar a mensagem, pois,


através dela, se determina como o autor obtém e utiliza suas fontes, permitindo chegar à
sua intenção e consequentemente a seu modo de vida.

Hermann Gunkel, conhecido como o Pai da Crítica da Forma afirmava: “quanto mais
desce a exegese ao pormenor, tanto mais incertos tornam-se seus resultados” (SIMIAN-
YOFRE, 2000, p.16). Um Exemplo é a descoberta dos documentos e tradições variadas
que precederam o Pentateuco, mostrando que muitos mitos fundantes de outros povos
antigos, se relacionam com a criação do mundo, assim como os muitos relatos sobre
dilúvios mesopotâmicos são consonantes com o relato bíblico.

O método Histórico-Crítico acaba produzindo assim, uma proliferação infrutífera de


resultados que se perdem por não produzirem sentido concreto na vida. Por não poder
avançar para além do propriamente histórico, tal método disseca o texto buscando
averiguar sua construção histórica, sem a interferência da fé.

A crítica da redação, ou crítica da Forma, torna-se, portanto, um caminho viável, se


pensarmos que este método, pode levar-nos ao estudo dos processos eventuais que
constituíram o texto canônico. Neste sentido, é, em essência, a ênfase da Exegese
pastoral.

No entanto, mesmo que o texto canônico seja sempre o centro, é preciso remontar à sua
fonte mais primitiva, pois como tais textos estão sempre passíveis de interpretação, as
fontes bíblicas de que dispomos em nosso tempo, são claramente mediadas por
circunstâncias diversas.

Não é nossa intenção aqui, priorizar um método em função de outro. O papel da


Exegese está em produzir certo equilíbrio entre a forma e o conteúdo, pois, uma vez que
o Método Histórico Crítico centraliza sua atenção no sentido original do texto e não se
interessa por suas formas e em sua reinterpretação em tempos subsequentes, a Crítica da
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Forma trás a essencial capacidade de apropriação e recriação de textos na história e em


culturas diferentes. (KAEFER, 2014, P. 119).

O texto bíblico tem a capacidade efetiva de de ser colocado sempre em circunstâncias


novas. Pode ser que o texto de um profeta, por exemplo, escrito no século VIII a.C,
tenha sido interpretado em determinado momento com outro sentido e chegando até
nós, traz consigo as marcas desta interpretação.

Portanto, temos as seguintes situações:

1. Há uma mensagem proferida (dito ou profecia antiga);


2. Em algum momento da história esta mensagem foi interpretada para
determinada circunstância;
3. Nada impede que esta mensagem seja interpretada para nosso tempo com
aplicações possíveis que podemos utilizar.

Exemplo prático:
1. Há uma profecia em Isaías 7:14-17

Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a mulher jovem (almanah)
conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel.
Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. (...)

2. A comunidade de Mateus lê a mensagem e aplica ao seu tempo:


Mateus 1:18-23
Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Que estando Maria, sua mãe, desposada
com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo.
Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la
secretamente.
E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José,
filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é
do Espírito Santo;
E dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos
seus pecados.
Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo
profeta, que diz;
Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, E chamá-lo-ão pelo nome de
EMANUEL, Que traduzido é: Deus conosco.

3. Consequências contextuais
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Em Isaías 7:14, o profeta Isaías, dirigindo-se ao rei Acaz de Judá, promete ao rei que
Deus destruirá seus inimigos. Como sinal de que sua profecia é verdadeira, Isaías
profetiza que uma moça em breve conceberá uma criança cujo nome será Emanuel (que
significa "Deus é conosco") e que a ameaça dos reis inimigos acabará antes que a
criança se torne adulta.

O Evangelho de Mateus, escrito originalmente em grego, usou a tradução grega pré-


cristã do Antigo Testamento conhecida como Septuaginta, que traduziu a
palavra hebraica almah como parthenos (que geralmente indica virgindade), em apoio à
sua ideia de que Jesus nasceu de uma virgem. Estudiosos concordam que almah não se
refere a virgindade.

Concluindo
A grande maioria dos cristãos hoje ainda julga aceitável a tradição de Mateus de acordo
com a forma com que esta comunidade trata Isaías 7.14. A beleza do texto bíblico está
justamente nesta capacidade de iluminar de maneira diferente as novas interpretações e
as novas determinações inerentes à vida.

A meta final da Exegese é, portanto, assumir o papel de buscar o significado


aproximado onde o texto foi gerado, uma vez que o significado autêntico é impossível.
A hermenêutica fará o trabalho essencial de tornar possível o sentido do significado
encontrado que determinará o poder do texto recriado a partir do interesse, da realidade,
do compromisso e da finalidade presentes na vida de cada intérprete.

Referências bibliográficas
CROATO, José Severino. Hermenéutica Bíblica: Para uma teoria de la lectura como
produccion de sentido. Buenos Aires: Lumen, 1994.

FINKELSTEIN, Israel; MAZAR, Amihai. The quest for the historical Israel: debating
archaeology and the history of early Israel. Atlanta: Society of Biblical Literature, 2007.

KAEFER, José Ademar. Hermenêutica bíblica: refazendo caminhos. São Bernardo do


Campo: Estudos de Religião, v. 28, n. 1 • 115-134 • jan.-jun. 2014 • ISSN Impresso:
0103-801X – Eletrônico: 2176-1078 DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-
1078/er.v28n1p115-134
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RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe (Org.). Antigo


Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2010.

SIMIAN-YOFRE, Horácio (org.). Metodologia Exegética do Antigo Testamento.


Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

SIQUEIRA, Tércio Machado. Exegese e teologia do Antigo Testamento Parte I. In:


Fundamentos Bíblico – Históricos. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de
São Paulo. 2009, p.33-38

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