Ciencias Sociais

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Ciências Sociais

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Bem vindo(a)!

Esta disciplina é um convite para que você conheça a Sociologia, a ciência que
busca interpretar as transformações sociais do mundo em que vivemos. Buscamos,
aqui, te incentivar a mobilizar as principais teorias e os principais conceitos
sociológicos para a sua formação pro ssional.

Esta disciplina é composta por três unidades, apresentaremos, inicialmente, de


forma introdutória, uma contextualização histórica do surgimento da Sociologia
como ciência. Veremos que a necessidade de se criar uma ciência social, a
Sociologia, é resultado de processos políticos e intelectuais, que proporcionaram
uma recon guração do sistema social vigente e promoveram a consolidação da
sociedade ocidental moderna, tal como a conhecemos na atualidade. Além disso,
buscaremos discutir quais são as principais características da disciplina, assim como
os objetivos, as possibilidades, as técnicas e os métodos de pesquisa da Sociologia.

Discutiremos, também, sobre como os primeiros pensadores desenvolveram


diferentes perspectivas de interpretação da realidade social. Primeiramente,
apresentaremos a ciência positivista de Auguste Comte, aquele que criou o termo
“Sociologia”, inicialmente inspirada por métodos e técnicas de pesquisa das ciências
naturais. Seguidamente, discutiremos a Sociologia de Émile Durkheim, sociólogo
que desenvolveu regras que zeram com que a disciplina fosse capaz de estudar os
acontecimentos sociais com o mesmo rigor cientí co das ciências naturais, tal como
anunciava Auguste Comte. Estudaremos, ainda, os teóricos alemães Max Weber e
Karl Marx – o primeiro desenvolveu uma teoria que busca compreender a sociedade
pelas ações individuais, e o segundo promoveu uma análise sobre a sociedade
capitalista e os problemas sociais provenientes de suas contradições. Nesta unidade,
perceberemos que ambos os autores buscaram, de diferentes maneiras, pensar
sobre a vida em sociedade.

Além disso, nos dedicaremos a conhecer os intelectuais que procuravam entender a


sociedade brasileira, as suas técnicas, os seus métodos de pesquisa e os seus
referenciais teóricos, e perceberemos a construção de uma Sociologia do Brasil, com
trabalhos de campo signi cativos e análises sociais pertinentes sobre a estrutura
social brasileira.

Compreender o mundo que nos cerca é um grande desa o, você se dispõe a


enfrentá-lo?

Bons estudos!
Unidade 1
A consolidação da
Sociologia como Ciência:
contextos históricos e
sociais, características
teóricas e metodológicas

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Introdução
Olá, aluno(a)! Esta unidade é um convite a conhecer a sociologia e o seu processo de
consolidação como ciência. Partimos de uma contextualização de movimentos
políticos e intelectuais que favoreceram o surgimento da sociologia, ciência que
busca interpretar as transformações sociais emergentes da constituição da
sociedade moderna.

Em um primeiro momento, a pergunta que pode surgir é: mas, a nal, o que é


sociologia? No decorrer da discussão, buscaremos compreender os objetivos, os
métodos e as possibilidades dessa ciência responsável por analisar fenômenos
sociais, que são os acontecimentos presentes na sociedade que podem in uenciar o
modo pelo qual nos relacionamos coletivamente.

A sociologia possui como principal característica oferecer condições de análise da


sociedade em que vivemos, para que seja possível compreendermos a nossa própria
experiência de mundo. Nesse sentido, a sociologia nos permite fazer re exões do
tipo: qual é a ordem que seguimos? Como nos organizamos? Existem diferentes
maneiras de se organizar socialmente? Como os acontecimentos exteriores
in uenciam na nossa vida? Pretendemos responder a essas questões de diferentes
maneiras, com variados métodos e técnicas de pesquisa, os quais você conhecerá
nesta unidade.

Compreender o mundo em que vivemos é um grande desa o, assim, aqui,


disponibilizaremos ferramentas para que você possa enfrentá-lo. E, então, você está
disposto(a) a entender melhor como a sociedade pode in uenciar sua trajetória de
vida social?

Bons estudos!
Movimentos políticos e
intelectuais que
possibilitaram o
surgimento da Sociologia

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
A consolidação das ciências sociais é resultado de movimentos políticos e
intelectuais que “atravessaram” o processo de constituição e de desenvolvimento da
sociedade moderna. Esses movimentos emergiram no contexto das discussões
sobre as relações humanas e as transformações sociais oriundas da industrialização.

Os movimentos políticos e intelectuais ocorridos entre os séculos XVI e XIX, período


de mudanças signi cativas no sistema social ocidental, tinham como principal
marcador a constituição da sociedade capitalista e dos valores liberais e burgueses.
O que aconteceu nesse momento não foi apenas a transição de uma organização
social para outra; muito mais que isso, foi uma mudança radical na maneira de
pensar e de agir de toda a sociedade ocidental, que passou a negar normas e valores
medievais, em razão da construção da modernidade.

REFLITA
O Conceito de Modernidade

Hoje, somos todos “modernos”. Só que nos tornamos modernos de


maneira muito diferente, e esses caminhos distintos rumo à
modernidade deram origem a mais uma camada de nossa construção
cultural. Modernus e modernitas são termos do latim medieval que
signi cam “presente”, tanto como adjetivo quanto como substantivo.
Costumavam ser utilizados para estabelecer contraste com “antigo” e
“antiguidade”, a era greco-romana clássica da civilização europeia.

Fonte: Therborn (2013, p. 79).

Para entendermos as transformações sociais derivadas desse contexto histórico,


precisamos observá-las de modo não isolado, uma vez que constituem o pano de
fundo das grandes mudanças na maneira com que a humanidade passou a explicar
a vida em sociedade. Diante disso, destacamos a seguir, como em uma espécie de
linha do tempo, os principais processos que in uenciaram na consolidação da
sociologia, ciência que tem como objetivo explicar uma sociedade em
transformação. São eles: a Reforma Protestante, o Iluminismo, a Revolução Francesa,
a Revolução Industrial e o Positivismo.

Pontualmente, todos esses acontecimentos históricos contribuíram para uma


quebra de paradigmas da sociedade feudal e aristocrática, promovendo o
surgimento de novos valores para o mundo ocidental. Tudo isso passa pela
consolidação da ciência em todas as suas especi cidades: ciências exatas, ciências
da natureza e ciências humanas. Esses conhecimentos constituíram o Estado-nação,
a concepção de direito e a democracia moderna, além disso, promoveram uma
dinâmica singular nas relações de produção e uma nova concepção de trabalho e de
sobrevivência.

A Reforma Protestante como uma das


Precursoras da Quebra de Paradigmas
Tradicionais (Século XVI)
A Reforma Protestante foi um movimento político e intelectual que questionou a
autoridade papal e a estrutura da Igreja Católica, no curso do século XVI, na
Alemanha. Sob a liderança de Martinho Lutero (1483-1546), teólogo e monge da
ordem de Santo Agostinho, a Reforma Protestante propôs mudanças à Igreja
Católica, contestando “o poder absoluto da instituição e as práticas de cobranças de
indulgências, abusos e corrupções, e defendendo o sacerdócio universal de todos os
cristãos, o livre acesso às Escrituras, entre outros” (BARBOSA, 2011, p. 869).

Um dos grandes marcos desse período foi quando Lutero, em 1517, elaborou 95 teses
e as a xou na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Suas teses traziam os
questionamentos que o teólogo tinha com relação às práticas da Igreja Católica,
consideradas abusivas pelo monge. Em 1520, o Papa escreveu uma carta a Lutero,
ameaçando-o de excomunhão caso ele não se redimisse quanto a seus
questionamentos. O monge não se redimiu e ainda queimou a carta papal.
Figura 1.1: Lutero queimando a carta papal, em 1520

Fonte: Fondo Antiguo de la Biblioteca de la Universidad de Sevilla / Wikimedia


Commons.

Excomungado no mesmo ano de recebimento da carta do Papa, Lutero recebeu o


apoio da nobreza alemã. Sob essa tutela, o monge divulgou seus escritos e fundou
uma nova ordem religiosa, a Igreja Luterana. Desse modo, o teólogo traduziu a bíblia
para a língua alemã (até então, a obra só tinha versões em latim, língua conhecida
apenas pelas autoridades religiosas).

Os protestantes incentivaram uma nova relação com a religiosidade e os meios de


produção e de acesso ao conhecimento, buscando difundir o entendimento sobre a
humanidade e suas complexidades por meio da razão. Ademais, eles propuseram a
dissolução da submissão absoluta da sociedade a uma autoridade divina,
representada pela Igreja Católica e sua liderança papal. O movimento iniciado por
Martinho Lutero tomou proporções outras que não apenas a reforma religiosa. O
teólogo apresentou em suas teses e outros escritos preocupações relativas ao acesso
universal ao conhecimento, propondo “mudanças que acabam envolvendo
alterações no desenvolvimento de seu país como um todo e, por isso, também na
educação” (BARBOSA, 2011, p. 869).

O movimento da Reforma Protestante foi precursor de debates cruciais relacionados


ao papel do Estado na condução e na organização da sociedade. Um exemplo
importante é a proposição da construção de um ensino educacional na Alemanha
liberto do
monopólio da Igreja, que, no âmbito geral, o restringia apenas a
alguns, mas também para que ele adquirisse o caráter de um dever do
Estado e um direito do cidadão, características que se tornaram
essenciais no mundo moderno, ao se discutir o direito à educação de
todos. (BARBOSA, 2011, p. 884)

A Reforma Protestante pode ser considerada um marco inicial do movimento de


contestação dos conhecimentos religiosos como os únicos dotados de “sentido” para
explicar a humanidade. Assim, surgiam o início da valorização da ciência e a
propagação do acesso universal ao ensino e à produção de conhecimento.

A Revolução Industrial (Século XVIII): O


Capitalismo em Curso, das Manufaturas
às Grandes Indústrias
A partir do século XV, com o advento das expansões marítimas (as grandes
navegações de comércio ultramarítimas), houve uma ampliação da concepção de
mundo para os colonizadores ocidentais, pois a exploração do comércio
proporcionou a acumulação de capital pela burguesia comercial (SOUZA, [201-]).
Conforme instalaram colônias na África, na Ásia e na América, os europeus viam
surgir a possibilidade de um mercado mais amplo, de alcance mundial.

A exploração de metais preciosos e o trá co de pessoas escravizadas, que serviam


como mão de obra nas colônias, impulsionaram o comércio e transferiram o poder
econômico das cidades-repúblicas aos comerciantes. Ou seja, a expansão comercial
e territorial muniu a classe de comerciantes, a burguesia, com capital nanceiro
su ciente para alçá-la a posições privilegiadas de poder, o que propiciou que
protagonizasse o processo de industrialização na Europa (inicialmente
protagonizado pela Inglaterra).

Iniciada em meados do século XVIII, a Revolução Industrial foi resultado de uma série
de fatores, a exemplo do desenvolvimento de uma nova tecnologia de produção, as
máquinas a vapor, que inovaram as relações de trabalho nesse período. Por sua vez,
essas relações de trabalho foram impactadas pelo movimento migratório de
trabalhadores do campo, que iam para as cidades em busca de trabalho e sustento.
Ademais, o protagonismo da classe burguesa, nanciadora da criação de fábricas,
favoreceu o surgimento de um novo mercado consumidor. Esse contexto alterou
signi cativamente a forma de se estabelecer as relações sociais nesse período,
principalmente no que diz respeito aos processos de produção de mercadorias.
Figura 1.2: Máquina a vapor

Fonte: Tacarijus / Wikimedia Commons.

A máquina a vapor foi uma revolução no modo de produção chamado


maquinofatura, centrado em fábricas, com máquinas movidas por energia de fonte
físico-químico. Esse modelo é baseado em etapas seriais e setorizadas, que dão
corpo ao processo de produção em série. A maquinofatura substituiu a manufatura,
trabalho via máquinas manuais, dependente, exclusivamente, ou primordialmente,
de mão de obra humana. Por um lado, o processo de produção em série da
maquinofatura gerou muito desemprego, mas, por outro, diminuiu o valor da
mercadoria e acelerou o ritmo de produção, o que pode alargar as margens de lucro
de líderes industriais.

O objetivo para se aperfeiçoar as técnicas de produção era ter menos trabalhadores


e, ainda assim, produzir mais (dessa forma, os lucros teriam um aumento
considerável). Segundo Martins (1994), a Revolução Industrial foi o triunfo do
capitalismo, uma vez que, aos poucos, os empresários concentraram máquinas,
ferramentas e grandes extensões territoriais em suas mãos, fazendo com que parte
considerável da população se transformasse em simples trabalhadores sem posses.
Dessa forma, surgiu uma sociedade dividida em classes, na qual o poder econômico
e de produção está concentrado nas mãos de pequenos grupos, a classe burguesa,
que utiliza a força de trabalho dos demais para a exploração e o acúmulo de capital.

É possível a rmar que as mudanças ocorridas na Revolução Industrial


estabeleceram uma nova ordem de organização social na sociedade ocidental,
assim como percebemos na atualidade, com a revolução das tecnologias da
informação e da comunicação. Mudanças radicais na maneira de se organizar o
mundo surgiram, e o que elas possuem em comum “é o fato de gerarem
descontinuidades profundas nos mais variados setores da vida em sociedade”
(NICOLACI-DA-COSTA, 2002, p. 194). Essas descontinuidades surgem no sentido de
romper os moldes anteriores de organização social.

O Iluminismo e a Revolução Francesa


(Século XVIII): O Processo de Instauração
da Ordem Liberal Burguesa
Marcando uma ruptura dos valores feudais e aristocratas da Idade Média, “o
Iluminismo constituiu-se sob a base de um programa fundado na construção
racional da sociedade” (GONÇALVES, 2015, p. 281), ao questionar a intolerância
religiosa e o poder absolutista da realeza europeia. A Idade Média, conhecida como
“período das trevas”, teve seu m quando os lósofos iluministas propuseram a
construção de uma “época das luzes”, em que o conhecimento cientí co e a razão
seriam adotados como fundamentos maiores de justiça. “Era a razão justa; re etia o
direito igual” (GONÇALVES, 2015, p. 281).

Figura 1.3: Filósofos iluministas reunidos no Salão de Madame Geoffrin. Óleo sobre
tela de Anicet Charles Lemonnier, 1812

Fonte: Anicet Charles Lemonnier [1812] / Wikimedia Commons.

Dentre os principais pensadores iluministas, podemos destacar Jean-Jacques


Rousseau. Em sua obra intitulada “O contrato social”, originalmente publicada em
1762, esse lósofo suíço explica que o contrato social é o acordo coletivo de
organização social e de adesão a um conjunto de regras, a m de garantir a
igualdade de condições de sobrevivência e o bom convívio social. Na leitura de
Rousseau (1978), o contrato social deve ser sedimentado em uma decisão geral que
legitima a liberdade de os indivíduos envolvidos escolherem a melhor forma de
organização coletiva. O pensamento desse lósofo foi a base para a construção das
democracias europeias, principalmente no processo de Revolução Francesa, o qual
trataremos mais adiante.

O movimento intelectual iluminista inspirou, de acordo com Gonçalves (2015, p. 281),

a concepção moderna de democracia, e também de direito, é produto


desta razão, moralmente universalizada: enquanto o racional
caracterizava-se pelo bem e pelas luzes, o irracional era identi cado
com o mal e o obscurantismo.

Nesse período, o principal objetivo dos intelectuais engajados nesse movimento era
difundir o ideal de que uma sociedade próspera é aquela que interpreta as suas
relações e complexidades por meio da razão e de argumentos legitimados pela
ciência.

Inspirada pelos ideais iluministas, a Revolução Francesa propôs a aplicação de uma


prática social com base no direito universal de toda a população francesa. Ocorrida
também no século XVIII, a Revolução Francesa foi um movimento contra o
absolutismo do rei Luís XVI e da rainha Maria Antonieta. O lema “Liberdade,
Igualdade, Fraternidade” possui forte in uência iluminista e busca incentivar um
conjunto de ações que visam à construção de uma sociedade mais harmônica e não
submissa ao poder absoluto (FURET, 1989).
Figura 1.4: “A liberdade guiando o povo”

Fonte: Eugène Delacroix [1830] / Wikimedia Commons.

A obra de Eugène Delacroix, “A liberdade guia o povo”, representa de forma


profunda o signi cado da Revolução Francesa para o povo francês. A liberdade seria
a libertação com relação ao poder aristocrático, e esse foi um período de transição
dos grupos em posição de poder. A burguesia francesa tomou a frente desse
movimento e, posteriormente, assumiu as instâncias de poder da França. A Tomada
da Bastilha, em 14 de julho de 1789, foi o marco dessa revolução.
Figura 1.5: “A Tomada da Bastilha” (no centro, se vê a prisão de Bernard-René
Jourdan de Launay, marquês de Launay, 1740-1789)

Fonte: Jean-Pierre Houël [1789] / Wikimedia Commons.

A Bastilha era uma fortaleza medieval para prisioneiros da época. Em 14 de julho de


1789, os revolucionários franceses ocuparam o espaço como símbolo de seu
rompimento com o poder monárquico do rei Luís XVI, que impunha um sistema de
taxação desigual para controlar a crise econômica que assolava o país. A Tomada da
Bastilha representa uma nova organização social, que seria difundida na França e
em boa parte da Europa. Nesse contexto, a burguesia (classe de comerciantes)
passaria a protagonizar as instâncias de poder.
CONECTE-SE
A Relação entre os Direitos Humanos e a Revolução Francesa

A Revolução Francesa pode ser considerada um dos processos sociais


que possibilitaram o surgimento da cidadania e dos direitos
democráticos. No pequeno artigo produzido pela Diretoria de Direitos
Humanos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), há a
tradução da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
elaborada durante a Revolução Francesa, de 1789. O material é
considerado o primeiro documento o cial dos direitos humanos na
sociedade ocidental.

Fonte: Elaborado pelos autores.

ACESSAR

Os ideais iluministas e a Revolução Francesa compõem o cenário de ascensão da


burguesia. Esses movimentos deram origem a um novo tipo de governo, o Estado-
nação, em que os representantes são escolhidos pelo povo, e não mais pelo direito
sagrado de poder, como era o caso das monarquias. É importante que você perceba
a substituição dos grupos de poder e de ideais promovidos nesse período, pois isso
contribuiu para a construção das instituições governamentais da modernidade.

O Positivismo e o Surgimento de uma


Ciência Social (Século XIX)
A Revolução Industrial promoveu mudanças na divisão social do trabalho, até então
inéditas, o que implicou nova organização econômica e política. Por sua vez, a
Revolução Francesa tinha como propósito dar um m aos privilégios herdados pela
nobreza e promover a igualdade de direitos e oportunidades. Todo esse contexto
social fez com que inúmeros pensadores procurassem compreender as
repercussões dessas revoluções nos moldes de organização social emergentes. Esses
estudiosos deram origem a uma herança intelectual que possibilitou o surgimento
da sociologia como ciência, no século XIX.

Ao mesmo tempo, a Europa Ocidental consolidava a sociedade capitalista, sistema


social vigente até os dias atuais. Porém, o capitalismo ocidental trouxe diversas
problemáticas. Com o surgimento de fábricas que abrigavam as máquinas, um
grande número de operários foi considerado desnecessário, fato que gerou
desemprego e extrema pobreza, inaugurando contexto de desigualdade social,
desconhecido até então.

Além disso, o êxodo rural rapidamente superpopulou as cidades. Houve uma grande
quantidade de trabalhadores que passaram a oferecer mão de obra em abundância
e cada vez mais barata. Assim, com as cidades superpovoadas, as pessoas em busca
de emprego nas fábricas e os indivíduos desempregados, o número de miseráveis foi
aumentando consideravelmente. Problemas de infraestrutura nas cidades,
aglomeração de pessoas miseráveis, sujeitos desempregados, esses e outros fatores
resultaram em miséria, fome, violência e condições de sobrevivência cada vez mais
precárias para os menos favorecidos pelo sistema capitalista.

Diante de todas essas mazelas sociais, o lósofo francês Auguste Comte (1798-1857)
procurou entender essa sociedade capitalista desigual e problemática em
consolidação. As principais questões desse pensador eram: como nossa sociedade
funciona? Quais são os motivos para os con itos e a desordem social? Comte, então,
começou a desenvolver um método para se pensar a sociedade por meio de uma
ciência positivista. Você sabe o que isso signi ca? Signi ca que Comte acreditava na
superioridade da ciência e no poder que ela tem de explicar os fenômenos sem a
utilização de parâmetros religiosos e míticos. Para esse lósofo, a ciência poderia dar
conta de oferecer soluções e estabelecer a ordem social.

Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo
dos fenômenos sociais, segundo o mesmo espírito com que são
considerados os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e
siológicos, isto é, submetidos a leis invariáveis, cuja descoberta é o
objetivo de suas pesquisas. Assim, ela se propõe diretamente a
explicar, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do
desenvolvimento da espécie humana, visto em todas as suas partes
essenciais. (COMTE, 1972, p. 86)

A ciência que poderia investigar os problemas sociais em pauta e propor iniciativas


de reordenamento social seria uma ciência social, a sociologia. Comte foi o primeiro
teórico a utilizar o termo “sociologia”, em seu curso de loso a positiva, em 1839. O
autor pretendia mapear os métodos já utilizados nas ciências naturais (física,
biologia, matemática) e aplicá-los ao estudo da sociedade. Surgiria, assim, uma física
social, um conhecimento cientí co das relações humanas e de suas instituições.

A física social seria uma ciência naturalista da sociedade, capaz de explicar o


passado da humanidade e predizer seu futuro por meio de métodos de investigação
já bem-sucedidos no estudo da natureza: observação, comparação e
experimentação

O Positivismo de Auguste Comte foi o movimento responsável por fundar a


sociologia como ciência. Foi nesse período que o avanço cientí co alcançou as
questões sociais, buscando interpretá-las. O surgimento da sociologia “sela” todo
esse processo de proposição de novos valores sociais para a construção de uma
sociedade moderna. Comte possuía muitos traços do pensamento losó co, por
esse motivo, não constituiu um estudo sociológico empiricamente fundamentado,
tal como buscamos realizar na atualidade. No entanto, é importante destacar que o
Positivismo, além de propor um novo método de pesquisa afeto aos problemas
sociais, in uenciou diversos movimentos de organização política no mundo todo.

REFLITA
“Ordem e Progresso”

Você já prestou atenção no lema da bandeira brasileira, “Ordem e


Progresso”? Você sabia que ele é inspirado no Positivismo? A frase
“Ordem e Progresso”, estampada na bandeira nacional, é inspirada no
seguinte lema positivista: “O amor por princípio, a ordem por base e o
progresso por m” (COMTE, 1972). A frase demonstra o principal objetivo
da loso a positivista: estabelecer a ordem social por meio do
conhecimento cientí co. O estabelecimento da ordem seria uma
sociedade em pleno progresso e desenvolvimento; já o amor é o
elemento que institui a solidariedade na convivência social, por isso, é
destacado como um princípio.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Diante de todo esse contexto histórico de formação da sociedade capitalista tal


como a conhecemos hoje, é importante destacar que os movimentos políticos e
intelectuais citados até o momento estão presentes nas principais obras de autores
canônicos das ciências sociais. Os fundamentos da sociologia, publicados por Émile
Durkheim, em 1895, no livro “As regras do método sociológico”, possuem forte
in uência de aspirações iluministas e positivistas, segundo a perspectiva de
depositar na ciência um valor privilegiado de leitura da realidade. Na obra “Da
divisão do trabalho social”, publicada em 1893, Durkheim analisa as relações de
trabalho na sociedade capitalista, tema que também foi abordado por Karl Marx em
“O capital”, de 1867. Ambos os autores consideram os processos de especialização do
trabalho durante o desenvolvimento da Revolução Industrial.

O trabalho tornou-se um tema essencial para a sociologia durante sua consolidação.


O sociólogo alemão Max Weber, por exemplo, relacionou a Reforma Protestante ao
estabelecimento de valores liberais nas relações sociais e à valorização do trabalho
assalariado como meio principal de vida, na obra “A ética protestante e o ‘espírito’ do
capitalismo”, de 1904.
Destacamos as relações dessas produções com seus contextos históricos para
rea rmar que a sociologia é resultado da necessidade de compreender e de
interpretar as transformações sociais que impactaram e ainda impactam no modo
de vida ocidental. Posteriormente, falaremos com mais calma sobre cada uma
dessas obras e respectivas teorias de seus autores. No entanto, a seguir,
apresentaremos brevemente os principais pensadores da sociologia.
Pensadores clássicos da
Sociologia

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Os clássicos da sociologia são pensadores que forneceram subsídios para a criação
de instrumentos de análise, além de perspectivas teóricas e contribuições re exivas
sobre o funcionamento de nossa sociedade. Os autores que se destacam como
clássicos dessa disciplina são: Marx, Weber e Durkheim. Consideramos suas
concepções teóricas como precursoras do pensamento sociológico, e é por esse
motivo que merecem destaque nesta unidade.

Émile Durkheim
O francês Émile Durkheim (1855-1917) inspirou-se na teoria positivista de Comte.
Para esse pensador, a sociedade é regida por leis exteriores e independentes da
vontade humana. Portanto, a sociedade orienta nossos comportamentos e ações. O
principal objetivo de Durkheim era tornar a sociologia um conhecimento cientí co.

Figura 1.6: Émile Durkheim

Fonte: M. Armando / Wikimedia Commons.

Max Weber
O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) centrou sua discussão teórica nas ações
individuais, com uma perspectiva oposta à de Durkheim. Para Weber, não existem
leis universais que regem a vida em sociedade. Além disso, segundo esse sociólogo,
a compreensão de um fenômeno social deve partir da análise do comportamento
individual perante a coletividade.
Figura 1.7: Max Weber

Fonte: ೕ / Wikimedia Commons.

Karl Marx
Karl Marx (1818-1883), revolucionário pensador alemão, inovou as discussões sobre as
relações de produção e de trabalho na sociedade capitalista. Sob uma perspectiva
socialista, Marx procurou analisar as estruturas de poder e as desigualdades sociais
com objetivo de transmitir à classe trabalhadora uma crítica política da sociedade
de seu tempo.
Figura 1.8: Karl Marx

Fonte: John Jabez Edwin Mayal [~1875] / Wikimedia Commons.

As bases para a compreensão da vida em sociedade que cada um desenvolveu


construíram diferentes concepções sobre a organização social, in uenciaram muitos
outros teóricos das ciências sociais e inspiraram a criação de diversas escolas de
pensamento na sociologia. No entanto, é importante destacar que todas essas
perspectivas teóricas emergiram de mudanças sociais relativas à consolidação do
capitalismo moderno, portanto, a busca pelo entendimento das relações humanas
durante o processo de modernização da sociedade ocidental é o fator comum entre
os interesses de investigação cientí ca e as diferentes metodologias desses autores.
A Sociologia como uma
forma de interpretar o
Mundo: objetivos e
principais características

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Agora que já compreendemos em termos gerais quais são os movimentos políticos
e intelectuais que possibilitaram a consolidação da sociologia como ciência, vamos
nos concentrar em debater quais são suas principais características.

É possível destacar até aqui que a necessidade de compreensão das transformações


sociais ocorridas no m do último milênio provocou um ímpeto de conscientização
sobre quais são as formas de organização da realidade social, bem como seu
impacto na vida em sociedade.

Ademais, percebe-se que a sociedade ocidental passou a centrar sua organização


em processos mais “racionais”, pautados no conhecimento cientí co, nos avanços
tecnológicos e na recon guração dos modelos de produção e das estruturas
políticas, o que resultou na criação de um sistema social totalmente novo. Para
mobilizar esse novo sistema social, de forma a organizá-lo e a projetar melhorias e
aperfeiçoamentos, o entendimento dos processos em curso tornou-se algo
essencial, e é por esse motivo que a sociologia surgiu como uma ciência capaz de
interpretar o mundo em que vivemos.

De acordo com Mills (1969), para compreender as próprias experiências sociais, é


necessário ser cônscio, lúcido e consciente com relação às possibilidades de vida
reservadas pela convivência social. Além disso, é preciso observar a trajetória de
quem nos cerca, sendo esta uma maneira de estimular a construção de um olhar
atento para os acontecimentos do mundo em que vivemos. Para Mills (1969), esta é a
principal contribuição da sociologia: fornecer a possibilidade de compreender o
mundo ao redor para além do que é tido como “certo”, sem prede nições. Nesse
sentido, ao desenvolvermos as nossas próprias percepções, será possível localizar o
nosso papel dentro da sociedade e planejar ações individuais e coletivas.

Essa lógica de pensar sociologicamente, proposta por Mills (1969), possibilita aguçar
a visão de que há uma ordem e uma estrutura exteriores aos seres humanos. Dessa
maneira, apenas quando nos tornamos conscientes desses processos de construção
social é que podemos intervir sobre eles ou, pelo menos, administrá-los, a rma Mill
(1969).
REFLITA

Compreender a Sociedade é Compreender a Própria


Experiência
“O indivíduo só pode compreender a sua própria experiência e avaliar o
seu próprio destino localizando-se dentro de seu período. Só pode
conhecer as suas possibilidades na vida tornando-se cônscio das
possibilidades de todas as pessoas nas mesmas circunstâncias. Sob
muitos aspectos, é uma missão terrível, sob muitos outros, magní ca”.

Fonte: Mills (1969, p. 12).

Segundo essa perspectiva, a sociologia possui um papel social essencial na


sociedade moderna, que é o de construir interpretações sobre a forma com que
funcionamos e nos organizamos coletivamente. Para Mills (1969), a capacidade de
produzir essas interpretações sobre o mundo não é exclusiva de cientistas sociais,
mas só é possível por meio do pensamento sociológico, que se constitui da
contextualização histórica e política de nossas estruturas sociais.

Esse movimento re exivo de interpretação da realidade é o que Mills (1969) chama


de “imaginação sociológica”. E, para mobilizá-la, devemos responder ao seguinte
conjunto de questões (MILLS, 1969, p. 13):
1) Qual a estrutura dessa sociedade como um todo? Quais seus
componentes essenciais e como se correlacionam? Como difere de
outras variedades de ordem social? Dentro dela, qual o sentido de
qualquer característica particular para a sua continuação e para a
sua transformação?

2) Qual a posição dessa sociedade na história humana? Qual a


mecânica que a faz modi car-se? Qual é seu lugar no
desenvolvimento da humanidade como um todo, e que sentido tem
para esse desenvolvimento? Como qualquer característica particular
que examinemos afeta o período histórico em que existe, e como é por
ele afetada? Como difere de outros períodos? Quais seus processos
característicos de fazer a história?

3) Que variedades de homens predominam nessa sociedade e nesse


período? E que variedades irão predominar? De que formas são
selecionadas, formadas, liberadas e reprimidas, tornadas sensíveis ou
impermeáveis? Que tipos de “natureza humana” se revelam na
conduta e no caráter que observamos nessa sociedade, nesse
período? E qual é o sentido que para a “natureza humana” tem cada
uma das características da sociedade que examinamos?

É possível que você, estudante, esteja um pouco atordoado com tantas questões.
Em um primeiro momento, parece difícil fornecer alguma resposta, no entanto, de
acordo com Mills (1969, p. 11), se o indivíduo utilizar a razão e a lucidez para tentar
compreender o que está ocorrendo no mundo e dentro de si mesmo, será capaz de
responder a essas questões.

O primeiro bloco de questões refere-se à compreensão da nossa estrutura social:


qual é a ordem que nos rege coletivamente? Nossa vida em sociedade é orientada
pela ordem de produção capitalista, portanto, ao compreender que isso é um dos
elementos norteadores da nossa organização social, será possível seguir para o
próximo bloco de questões, que busca explicitar quais foram as transformações no
tempo histórico que construíram a ordem sob a qual vivemos.

Por m, após esclarecer as bases do nosso sistema social, podemos seguir para o
último bloco de questões e buscar um entendimento sobre as diferentes formas de
vida em um mesmo meio: elas existem? Quais são os diferentes grupos existentes e
suas características?

As re exões de Mills (1969) sobre o pensamento sociológico são essenciais para


compreender as temáticas de pesquisa no âmbito das ciências sociais, bem como
seus métodos e técnicas. Ainda, a “imaginação sociológica” de Mills (1969) nos
mostra que, para sermos conscientes e avaliarmos a nossa própria experiência como
sociedade, devemos nos despir de prede nições. Para tanto, é necessário mobilizar
“um estado de espírito que permite entender a vida em sociedade como estando
submetida a uma ordem, produzida pelo próprio concurso de condições, fatores e
produtos da vida social” (FERNANDES, 2008, p. 10-11).
O que buscamos destacar, portanto, é que a sociologia primeiramente surgiu como
uma concepção de mundo. Somente depois é que foi estabelecida como ciência,
fato que torna impossível separá-la das condições históricas e sociais que precedem
sua existência. Nesse sentido, a pesquisa cientí ca nas ciências sociais,
especi camente na sociologia, deve seguir uma objetividade e avaliar todos os
elementos que constroem a ordem social e os conjuntos de regras e valores
culturais.

Abordagens Sociológicas: Temas


e Métodos de Pesquisa
Como discutimos anteriormente, o estudo da sociedade não é exclusividade da
sociologia. Muitos movimentos políticos e intelectuais se dedicaram a re etir sobre
as transformações do mundo em que vivemos, propondo formas de intervenção
nesse contexto. No entanto, a peculiaridade da sociologia está na maneira com que
esse campo de estudo lida com as questões sociais, ou seja, pela elaboração de
técnicas e de métodos de pesquisa próprios da investigação sociológica.

Atualmente, consideramos que a sociologia não é a única ciência que se dedica aos
estudos sociais. Ela é parte das ciências sociais, assim como a antropologia e a
ciência política. A antropologia dedica-se ao estudo de culturas, hábitos, costumes e
comportamentos coletivos; já a ciência política trata do “conjunto de estudos sobre
os fenômenos e as estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor,
apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos
racionais” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 164). Todos esses campos do
conhecimento possuem referenciais teóricos, além de metodologias e abordagens
cientí cas próprias para a investigação dos temas de pesquisa a que se referem.

Com relação à sociologia, é possível perceber um maior destaque para essa


disciplina, e isso se dá em razão de essa ciência ser a pioneira na consolidação de
uma metodologia especí ca para o estudo da sociedade.

Resumidamente, a sociologia dedica-se ao estudo do comportamento humano em


coletividade: como nos relacionamos uns com os outros? Como nos organizamos
socialmente e formamos sistemas sociais por meio de uma ordem que é exterior às
nossas vontades individuais? Como estabelecemos padrões de comportamento? A
sociologia é a ciência que analisa essas e muitas outras questões: relacionamentos
interpessoais, família, grupos sociais, escola, trabalho, religiosidade, Estado, justiça
etc. Diante da diversidade de temas de pesquisa, cabe ressaltar que não há uma
separação muito clara entre as diferentes áreas das ciências sociais, pois elas podem
se fundir e/ou compartilhar perspectivas cientí cas.

Assim como em qualquer outro campo cientí co, na sociologia e nas ciências sociais
como um todo há um conjunto de técnicas e métodos de pesquisa. Nesse sentido,
podemos destacar dois grupos principais: técnicas e métodos quantitativos ou
técnicas e métodos qualitativos. No primeiro caso, temos a coleta, a manipulação e a
análise de dados quantitativos, censos demográ cos, pesquisas eleitorais ou de
opinião, questionários de per l socioeconômico etc., instrumentos que utilizam,
normalmente, questões estruturadas, fechadas e de múltipla escolha. No segundo
caso, temos uma aplicação e uma análise mais subjetivas, mas isso não signi ca
falta de objetividade ou de rigor cientí co. Em ambos os casos, existem protocolos
de ética e procedimentos predeterminados pela literatura metodológica das
ciências sociais. As pesquisas qualitativas podem ser representadas por entrevistas
semiestruturadas, com questões abertas, histórias de vida, análise de documentos,
observação participante, estudos de caso etc.

CONSOLIDAÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO


CONHECIMENTO CIENTÍFICO
Movimentos políticos e intelectuais que in uenciaram o
surgimento da Sociologia
● Reforma Protestante (século XVI);
● A revolução Industrial (século XVIII);
● O movimento intelectual Iluminista e a Revolução Francesa (século XVIII);
● A ciência Positivista (século XIX).

Principais características, métodos e técnicas de pesquisa das


Ciências Sociais
●A Sociologia se dedica a estudar o comportamento humano seus valores e regras
coletivos;
● A Sociologia é uma das três áreas das Ciências Sociais, composta, também, pela
Antropologia e Ciência Política;
● As pesquisas quantitativas e qualitativas formam as principais técnicas de
pesquisa nas Ciências Sociais.

Segundo Fernandes (2008), o modo de agir e a capacidade de decisão e de


julgamento dependem do grau de consciência dos indivíduos com relação às ações
dos outros e/ou aos efeitos de possíveis alterações na estrutura e no funcionamento
de instituições. Para tanto, a sociologia desenvolveu diferentes métodos e técnicas
de pesquisa para auxiliar no entendimento das relações estabelecidas na vida em
sociedade, bem como da forma de estruturas e instituições sociais. Avaliar as
interferências exteriores sobre a nossa vida cotidiana é a maneira com que essa
ciência pode contribuir na nossa ação efetiva em sociedade.
Conclusão - Unidade 1

Caro(a) aluno(a), nesta unidade, conhecemos os contextos que possibilitaram a formação


do pensamento sociológico moderno. Tendo em vista os movimentos políticos e
intelectuais que impulsionaram o surgimento da sociologia, é possível a rmar que essa
disciplina deu início à valorização do conhecimento cientí co, em detrimento da
autoridade absoluta da religiosidade, característica da Idade Média e da elite
aristocrática. Além da ascensão do conhecimento cientí co, a constituição do Estado
moderno foi um marco importante para que questões sobre a organização social
passassem a fazer parte do escopo teórico da sociologia

Todo o contexto histórico e social apresentado nesta unidade demonstra que a


sociologia é um produto cultural. Vimos que a Revolução Industrial e a Revolução
Francesa proporcionaram a criação de um ambiente propício à intelectualização dos
conhecimentos relativos ao mundo então em emergência. Nesse sentido, a sociologia foi
uma disciplina que buscou responder aos anseios de compreensão dessa nova realidade.

Assim, a sociologia surgiu como uma forma de interpretação da realidade, buscando


compreender qual seria a ordem social que nos organiza coletivamente. Para tanto,
foram criadas diferentes especialidades para dar conta das diversas temáticas
concernentes à realidade social. Ademais, foram desenvolvidos métodos e técnicas de
pesquisa para avaliar as diferentes experiências em sociedade.
Livro
Unidade 2
Sociologia: a lente da
Ciência voltada para
sociedade

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Introdução
Estimado(a) aluno(a), a Sociologia, como uma ciência que surge das transformações
sociais emergentes da sociedade capitalista, constitui-se como um conhecimento
plural em suas perspectivas teóricas e metodológicas, tal como se apresenta a
consolidação do capitalismo em suas contradições.

Considerando esse contexto, esta unidade é um convite para que você compreenda
a diversidade de metodologias e de posicionamentos teóricos que foram
desenvolvidos pelos autores precursores da Sociologia. Buscaremos demonstrar
como a lente da ciência se voltou para a sociedade e o que ela nos revelou sobre
nossas condições sociais.

Começaremos apresentando o autor que cunhou o termo “Sociologia”, Auguste


Comte. Estudaremos sobre como esse teórico via, na Sociologia, uma possibilidade
de intervenção social para solucionar a crise da sociedade capitalista.

A seguir, partiremos ao entendimento da metodologia de Émile Durkheim, autor


que fundamenta regras e métodos de pesquisa que zeram da Sociologia um
conhecimento cientí co institucionalizado, capaz de estudar os acontecimentos
sociais com rigor cientí co equivalente ao das ciências naturais (matemática,
biologia e química).

Conheceremos, ainda, Max Weber, sociólogo que desenvolveu uma teoria que busca
entender a sociedade por meio das ações individuais dos indivíduos. Seguidamente,
apresentaremos as discussões de Karl Marx, responsável por promover uma análise
crítica sobre a sociedade capitalista, abrangendo as relações de produção e as
características estruturais, assim como a origem dos problemas sociais decorrentes
dessa organização social.

Bons estudos!
O papel dos precursores da
Sociologia na consolidação
da disciplina

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
As ciências sociais podem ser consideradas um campo de estudos emergente do
processo de formação da sociedade capitalista, representada, aqui, pela Sociologia.
Assim, apresentaremos diferentes posicionamentos teóricos e metodológicos que
expressam as contradições desse sistema social.

Desde o seu nascimento, a Sociologia debate-se entre tendências


teóricas, entre perspectivas produzidas por diferentes visões de
mundo. Essa diversidade fruti ca da própria diferenciação interna,
das tensões e das contradições que determinam a formação social
capitalista (MARTINS, 2008, p. 1).

Portanto, cabe a nós situar essa ciência em seu contexto histórico,


preferencialmente, referenciado pelo capitalismo.

Para isso, torna-se necessário apresentar os princípios lógicos de formação do


pensamento dos precursores da Sociologia, que, como referenciais teóricos,
possuem um papel fundamental na consolidação da disciplina e geram
repercussões no fazer sociológico até os dias atuais.

Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx são considerados como
autores basilares para a disciplina de Sociologia, atuando como referências
fundamentais para o desenvolvimento desta. Primordialmente, podemos destacar
três elaborações teóricas provenientes deles: o método funcionalista de Durkheim,
que é inspirado pelo positivismo de Comte; o método dialético de Marx; o método
compreensivo de Weber. Ressalta-se, ainda, que aprender as metodologias clássicas
nos permite dimensionar a diversidade de perspectivas do conhecimento
sociológico e compreender as ciências sociais não como um conhecimento
universal, e sim como uma produção cientí ca que apresenta possibilidades de
leitura e apreensão da realidade social.

A construção da Ciência
Sociológica por Auguste Comte
A Revolução Industrial é resultado da solidi cação da ciência e das inovações
tecnológicas na Europa Ocidental. Esse movimento de transformação social
impulsionou a formação de uma nova estrutura econômica e de estrati cação
social, a qual consolidou o que conhecemos atualmente como sistema capitalista.
Diante de tantas mudanças nos âmbitos político e econômico, a sociedade
ocidental enfrentou uma série de problemas sociais.

Veja só! Com a Revolução Industrial, surgiram fábricas que abrigavam um modelo
de trabalho de produção em série extremamente especializado. Assim, com a
adesão de máquinas, cada vez menos trabalhadores eram necessários no processo
de produção, ocasionando desemprego e miséria entre os que não possuíam poder
econômico e que dependiam do trabalho assalariado. Somando-se a isso, é de
extrema importância entender que, como a mão de obra é considerada uma
mercadoria, os trabalhadores vendiam suas forças de trabalho para os donos das
fábricas (capitalistas/burgueses), e estes tentavam pagar o menos possível,
resultando em baixos salários.

O desemprego, a fome e os problemas estruturais na organização das cidades se


multiplicaram nesse período, e, diante de tantos problemas sociais, um cientista, o
lósofo francês Auguste Comte (1798-1857), decidiu que a ciência poderia atuar
como uma forma de intervenção social. Pioneiro da ciência positiva, Comte, buscou
entender a sociedade capitalista, analisando o funcionamento desta e a forma com
que as relações sociais se estabeleciam nesse sistema. O objetivo do autor foi,
primordialmente, encontrar os motivos da existência de con itos e desordem social,
ou seja, estabelecer a ordem para atingir o progresso.

Para alcançar o objetivo de compreender a ordem estabelecida na sociedade e as


relações sociais, Comte desenvolve a ciência positiva, uma teoria do conhecimento
que considera que “[...] os procedimentos da ciência natural são diretamente
aplicáveis ao mundo social com objetivo de estabelecer leis invariantes ou
generalizações semelhantes a leis sobre fenômenos.” (WACQUANT, 1996, p. 597). De
acordo com Comte, “[...] o genuíno espírito positivo consiste em ver para prever, em
estudar o que é, a m de concluir o que será, segundo o dogma geral da
invariabilidade das leis naturais.” (COMTE, 1978, p. 131).

A ciência positiva buscou replicar os métodos e as técnicas das ciências naturais


para a investigação dos fenômenos sociais, campo de estudos que Comte intitulou,
inicialmente, de física social e que, posteriormente, foi desenvolvido como
Sociologia. Com o intuito de prever os acontecimentos da sociedade e de possibilitar
uma intervenção nos processos sociais, para que estes fossem ordeiros e
harmoniosos, o lósofo positivista buscou diminuir os con itos e os problemas
sociais. Atualmente, sabemos que a vida em sociedade não é previsível e passível de
controle igual a um experimento de laboratório; no entanto, durante o processo de
consolidação da disciplina, Comte acreditou nessa possibilidade.

O progresso social, que só seria alcançado por meio da ciência, foi um dos principais
norteadores da teoria de Auguste Comte. Para apresentar esse preceito, o autor
desenvolve a “lei dos três estados”, que se con gura em estágios de evolução das
concepções intelectuais humanas.

O primeiro, menos evoluído intelectualmente, é o estado teológico, baseado em


crendices populares e em crenças de religiões politeístas e monoteístas, além de ser
constituído por explicações de mundo que, segundo o lósofo, seriam fruto da
imaginação e das cções coletivas. O segundo estado seria o metafísico, de
evolução intermediária e transitória. De acordo com Comte (1978), tanto no estado
teológico quanto no estado metafísico, existe a busca de uma explicação para a
natureza da vida e para a origem de todas as coisas, porém, neste último:
[...] em vez de empregar para isso os agentes sobrenaturais
propriamente ditos, substitui-os cada vez mais por entidades ou
abstrações personi cadas, cujo uso, verdadeiramente característico,
amiúde permitiu designá-la sob a denominação de Ontologia.
(COMTE, 1978, p. 123).

O terceiro estágio, mais evoluído intelectualmente, foi denominado de estado


positivo e necessitou do processo de desenvolvimento intelectual dos estados
teológico e metafísico. Segundo Comte (1978), o estado positivo subordina a
imaginação e as conceituações abstratas sobre a realidade social, a observação e a
investigação empírica dos fenômenos sociais. Além disso, constitui-se como uma
concepção de mundo baseada no estudo social e permite “[...] perceber as
verdadeiras relações de cada parte com o todo, de modo a oferecer constantemente
um largo destino às mais eminentes pesquisas, evitando, entretanto, toda
especulação pueril.” (COMTE, 1978, p. 146).

Portanto, a Sociologia comporia, para Comte, a superioridade intelectual no


pensamento humano, ou seja, o estado positivo, em que a compreensão dos
processos sociais e a formulação de iniciativas que cooperam para o ordenamento
social são possíveis.

A teoria positivista de Auguste Comte


LEI DOS 3 ESTADOS

1) Teológico
Nesta concepção, as ideias utilizadas para a explicação do mundo real são baseadas
no sobrenatural. Segundo Comte, o primeiro estado (teológico) tem relação com a
inteligência humana.

2) Metafísico
Na segunda concepção, há presença das ideias naturais, porém as ideias baseadas
no sobrenatural ainda são usadas para explicar as coisas do mundo (é uma
concepção intermediária). Segundo Comte, o segundo estado (metafísico) tem
como função servir de transição entre o primeiro e o último.

3) Positivista
Neste momento, são as leis gerais de ordem positiva que explicam os fatos. Segundo
Comte, o terceiro (positivista) é o estado físico e de nitivo do ser humano.

Fonte: REALE, G. História da Filoso a. v. 3. São Paulo: Paulus, 1991. p. 118.


Para a ciência positivista, seria possível dominar e controlar a realidade social por
meio do conhecimento e do entendimento das relações sociais instituídas na
sociedade capitalista, o que possibilitaria mapear suas problemáticas e instaurar a
disciplina e a ordem social, garantindo o progresso da civilização moderna. Em
termos positivistas, “o progresso é regulado pela ordem” (MARTINS, 2008, p. 3), o que
signi ca que a Sociologia, por investigar de maneira aprofundada os processos
sociais, poderia dar instrumentos para o entendimento da realidade social vigente.
Émile Durkheim em busca
de atribuir à Sociologia
uma reputação cientí ca

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1971), inspirado, em alguma medida, na
ciência positivista de Auguste Comte, avança no desenvolvimento de uma ciência
social e busca atribuir à Sociologia uma reputação cientí ca. Quando ocorre a
publicação de “As regras do método sociológico” em 1895, Émile Durkheim inaugura
uma discussão sobre a metodologia própria da Sociologia.

Em busca de analisar a sociedade como um organismo, tal qual as ciências naturais,


Durkheim observa que, independente da vontade individual, a humanidade é
regida por causas exteriores e, portanto, sociais. Uma das grandes preocupações de
Durkheim é centrar o estudo da vida social como uma realidade objetiva. O autor
defendia que os acontecimentos sociais deveriam ser estudados como coisas ou
objetos.

Portanto, o sociólogo deveria desenvolver a capacidade de realizar uma observação


neutra, racional e livre de preconceitos e concepções prede nidas. O método para
estabelecer essa relação com um objeto de estudo na Sociologia, segundo
Durkheim, seria por meio do estudo do fato social, o objeto de estudo da Sociologia,
constituído pelos acontecimentos sociais que ocorrem independentemente das
manifestações individuais.

Para Durkheim (1971), os fatos sociais podem ser divididos em três categorias:

a) coercitivo – o fato social é uma imposição coletiva sobre o indivíduo, que se


con gura como uma obrigação a seguir um determinado comportamento
estabelecido pela sociedade por meio de grupos sociais e instituições, por exemplo,
religião, moda e crença;

b) exterior ao indivíduo – o fato social ocorre independentemente da vontade do


indivíduo, sendo imposto por determinações externas, ou seja, o fato social não se
expressa no comportamento de uma só pessoa, e sim na adesão de uma maioria de
pessoas envolvidas na determinação coercitiva de um comportamento,
padronizando as maneiras de agir, ser e pensar em sociedade;

c) coletivo/geral – o fato social é comum a todos os indivíduos da sociedade. Além


de ser externo às nossas vontades individuais e nos coagir a seguir padrões de
comportamento, o fato social é ditado pelo meio social em que convivemos.
REFLITA
O Fato Social

“É fato social toda maneira de agir xa ou não, suscetível de exercer


sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na
extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência
própria, independente das manifestações individuais que possa ter.”

Fonte: Durkheim (1971, p. 11).

O fato social, constituído como o objeto de estudo de Durkheim (1971), torna o autor
o primeiro sociólogo a desenvolver uma metodologia própria para a Sociologia, ou
seja, não é apenas uma réplica de métodos e técnicas das ciências naturais, como
pretendeu a física social de Comte, é uma metodologia sociológica pensada
especi camente para o estudo da sociedade. Pode-se resumir as propostas de
teoria sociológica de Durkheim por meio das seguintes características:

a) observação empírica – a análise por experiência, detida aos sentidos, e o contato


direto com sujeito e o objeto de estudo;

b) neutralidade cientí ca – apenas o que se pode comprovar e analisar


cienti camente, distanciando-se de prenoções e posicionamentos
predeterminados;

c) método comparativo – a comparação do fato social em diferentes situações,


considerando a diversidade de condições sociais existentes e, até mesmo, em outras
formas de organização social;

d) diagnóstico de função e causa social – a procura pela explicação das causas que
tornaram possível a existência do fato social e a busca pela função do fato social em
sua sociedade de origem;

e) indução – o resultado da análise de um fato social especí co deve servir para a


compreensão de uma lei geral.

O objetivo de atribuir uma reputação cientí ca à Sociologia se deu quando


Durkheim conseguiu, por meio das premissas citadas anteriormente, denotar um
rigor metodológico ao estudo da sociedade, de maneira a estabelecer conceitos
objetivos de investigação cientí ca.
Destaca-se que, além de ter contribuído para o projeto de ciência social, Émile
Durkheim colaborou para que uma lógica de pensamento importante se colocasse
nos estudos sobre a sociedade. O autor de niu seu método cientí co de modo a
considerar as imposições sociais sobre os nossos hábitos e modos de ser, agir e
pensar, em um movimento que determina uma relação do geral para o particular,
ou seja, do social para o individual.

CONECTE-SE
O padrão de beleza como um fato social

Os padrões de beleza no decorrer da história são um bom exemplo de


fato social, no que se refere à imposição exterior de modelos de
comportamento. No artigo indicado a seguir, é possível perceber que os
nossos gostos e as nossas preferências estéticas são construídos
socialmente e não possuem relações com laços genéticos e
determinações biológicas. O padrão de corpo considerado bonito pela
sociedade sofre modi cações de acordo com o nosso contexto histórico
e re ete em como a maioria dos indivíduos lidará com os padrões de
beleza de seu tempo.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

ACESSAR

Para re etir sobre as interferências que a sociedade impõe sobre a nossa trajetória,
Durkheim criou dois conceitos importantes: consciência coletiva e consciência
individual. Segundo o sociólogo, a primeira se trata do que é:

[...] comum a todo nosso grupo e, por conseguinte, não é a gente


mesmo, mas a sociedade vivendo e agindo em nós; a outra, ao
contrário, representa apenas nós mesmo, naquilo que temos de
pessoal e distinto, naquilo que faz de nós um indivíduo. (DURKHEIM,
2008, p. 27-28).
Ao dimensionar esses dois tipos de consciência, Durkheim inaugura uma série de
discussões sobre como lidamos coletivamente com nossos gostos, nossas maneiras
de ser, nossos pensamentos e nossas ações. Assim, reconhece-se uma dimensão
individual, proveniente da personalidade que possuímos, a qual é vinculada a
preferências como: cor favorita, tipo de comida preferida, entre outros aspectos
muito particulares. No entanto, demonstra-se uma atenção a como nossas ações,
também, estão condicionadas a fatores externos. Por exemplo, quando um
indivíduo que vai a um casamento pensa que deve vestir um terno, o dever, nesse
caso, não é porque há uma preferência por usar ternos, e sim porque, nesses
espaços, esse é o tipo adequado de vestimenta, estabelecido por imposições
coletivas.

Destacar as características que constituem o fato social como um objeto de estudo


e os conceitos de consciência individual e coletiva é essencial para aprender a teoria
durkheimiana, principalmente, no que se refere à interpretação de Durkheim sobre
uma sociedade que nos molda coletivamente como um organismo funcional.

Divisão Social do Trabalho


Agora que compreendemos, de maneira geral, as premissas do pensamento de
Durkheim, convém avaliar uma de suas obras que apresenta uma análise prática da
realidade moderna. Em 1893, Durkheim publicou sua tese de doutoramento “A
divisão social do trabalho”, que analisa a sociedade moderna e as relações de
produção do sistema capitalista. Para Durkheim:

[...] a divisão do trabalho não é especí ca do mundo econômico:


podemos observar sua in uência crescente nas regiões mais
diferentes da sociedade. As funções políticas, administrativas,
judiciárias especializam-se cada vez mais. O mesmo ocorre com as
funções artísticas e cientí cas. Estamos longe do tempo em que
loso a era a ciência única; ela fragmentou-se numa multidão de
disciplinas especiais, cada uma das quais tem seu objeto, seu método,
seu espírito. (DURKHEIM, 1999, p. 2).

O sociólogo compreende que a divisão social do trabalho possuía a função de


estabelecer coesão social e vínculos de solidariedade social, “[...] fenômeno
totalmente moral e que não pode haver uma observação exata.” (DURKHEIM, 1999,
p. 13). A coesão social se refere ao compartilhamento de ideais, valores, crenças e
modos de agir e pensar em uma sociedade, quanto mais coeso é o funcionamento
de uma sociedade, melhor a sua organização social.

“Para Durkheim, o progresso é o progresso da divisão social do trabalho que se


impõe pelo crescimento do volume e densidade moral das sociedades, pela
intensi cação dos contatos e das relações sociais.” (MARTINS, 2008, p. 3). Assim
como vimos anteriormente, a imposição de valores sociais e morais impacta
signi cativamente a vida das pessoas. A coletividade é determinante em muitas
instâncias da vida social, a qual depende do estabelecimento de vínculos de
solidariedade social para atingir uma melhor coesão em sociedade. Considerando
esse contexto, para o autor, existem dois tipos de solidariedade social: a mecânica e
a orgânica.

Solidariedade Mecânica
As sociedades com solidariedade mecânica são aquelas baseadas na divisão social
do trabalho simples, em que todos os seus membros reconhecem todos os
processos de produção. Esse tipo de organização advém de sociedades mais
elementares, em que há um forte senso de coletividade e não há muitos níveis de
individualidade.

Segundo Durkheim (2008):

As moléculas sociais cuja a coesão se dê dessa forma singular, só


poderão agir em conjunto se não tiverem movimentos próprios, como
as moléculas de corpos inorgânicos. Por isso nos propomos chamar
esta espécie de solidariedade mecânica. Com essa expressão não
queremos dizer que ela seja produzida por meios mecânicos
arti cialmente. Chamamo-la assim apenas por analogia com a
coesão que une entre si os elementos dos corpos brutos, em oposição
àquela que dá unidade aos corpos vivos. O que completa a
justi cação de tal denominação é que o laço que une os indivíduos à
sociedade é análogo ao que liga a coisa à pessoa. (DURKHEIM, 2008,
p. 28).

É comum perceber alusões a nomenclaturas das ciências naturais nas obras de


Durkheim, principalmente, em suas primeiras produções, dado a tentativa do autor
de adaptar os métodos desse campo de estudos para a investigação sociológica. Na
citação anterior, o autor justi ca o uso da expressão solidariedade mecânica, para
nos mostrar que a sua de nição se trata da relação dependente da coletividade em
sociedades que possuem esse tipo de divisão social do trabalho.
SAIBA MAIS
Povos caçadores e coletores são sociedades de solidariedade
mecânica?

Considera-se que as sociedades de solidariedade mecânica são


constituídas por modelos de produção com processos simples, como a
economia e a alimentação, que são baseadas em caça, coleta, pesca e
agricultura complementar, assim como vivem o povo Kaingang, uma
das maiores populações indígenas brasileiras. Para saber mais sobre o
tema e compreender melhor a dinâmica de solidariedade mecânica,
acesse o link a seguir.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

ACESSAR

Sociedades de solidariedade mecânica são aquelas em que o senso de coletividade


é maior do que o de individualidade ou, até mesmo, se impõe à individualidade,
sufocando-a.

Solidariedade orgânica
As sociedades de solidariedade orgânica constituem-se nos processos de produção
da modernidade, ou seja, no sistema capitalista. Esse tipo de divisão social do
trabalho se baseia no alto grau de especialização e no individualismo. Em uma
sociedade de solidariedade orgânica, os indivíduos possuem muita dependência
uns dos outros, complexi cando o sistema de relações sociais nos mais diversos
âmbitos, em instituições econômicas, políticas e culturais.

A solidariedade do tipo orgânica é um desenvolvimento do tipo mecânico, segundo


Durkheim:
[...] a passagem da sociedade de solidariedade mecânica para a
sociedade de solidariedade orgânica como uma lei histórica. Assim,
quando a maneira como os homens são solidários se modi ca, a
estrutura das sociedades acaba mudando também. A forma de um
corpo se transforma necessariamente quando as a nidades
moleculares não são mais as mesmas. Por conseguinte, se a
proposição precedente é exata, deve haver dois tipos sociais que
correspondem a essas duas sortes de solidariedade. (DURKHEIM, 1999,
p. 17).

Portanto, para Durkheim, quando a sociedade muda, os indivíduos dependem uns


dos outros, devido à especialização de funções ou mesmo à divisão do trabalho
social. Na realidade, o que causa interação entre as pessoas é o progresso dos meios
da especialização das funções que os indivíduos exercem entre si (DURKHEIM, 1999).

Logo, os indivíduos acabam se tornando independentes das atividades em


diferentes setores da vida social. Portanto, Durkheim postula que a divisão social do
trabalho não deve se reduzir ao seu papel econômico: “Ao contrário, a divisão do
trabalho social tem antes de tudo uma função moral, no sentido de que ela passa a
ser o elemento-chave para a integração dos indivíduos na sociedade.” (SELL, 2001, p.
144).

Sob essa perspectiva, Durkheim demonstra uma preocupação com a constituição


dos valores morais em sociedade, pois, para o sociólogo, nossas fragilidades estão na
perda, ou na falta de adesão, dessa dimensão coletiva de compartilhamento de
ideias, normas e valores, responsável por orientar as condutas dos indivíduos.

O nível de consciência individual é maior nesse tipo de sociedade, na qual a divisão


social do trabalho impele que os indivíduos sejam diferentes entre si:

Já com a solidariedade que a divisão social do trabalho produz [de


solidariedade orgânica], é tudo muito diferente. Enquanto a
precedente [de solidariedade mecânica] implica que os indivíduos se
pareçam, esta supõe que que eles sejam diferentes entre si. A primeira
só é possível na medida que a personalidade individual é absorvida
pela personalidade coletiva; a segunda só é possível se cada um tem a
esfera de ação que lhe é própria - uma personalidade, por
conseguinte. É necessário, então, que a consciência coletiva deixe
uma parte da consciência individual descoberta, para que aí se
estabeleçam as funções especiais que ela não pode regulamentar; e
quanto mais essa região se estende, mais forte é a coesão que resulta
dessa solidariedade. (DURKHEIM, 2008, p. 28).

Isso signi ca que, quanto maior forem o nível de interdependência entre cada
indivíduo na sociedade, a diversidade de funções a serem exercidas socialmente e o
grau de especialização nos processos de produção, melhor será o nível de coesão
social. Quando essa coesão se perde e o nível de solidariedade social diminui, em
razão da não adesão, pelos indivíduos, de regras e valores coletivos, nossa sociedade
entra no que o Durkheim chama de anomia social.
O olhar de Max Weber para
entender o sistema
Capitalista

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) propõe uma Sociologia que busca
compreender e interpretar as relações entre indivíduos, isto é, a ação social. Para
Weber, a ação, sem seu sentido social, é puro fruto do comportamento humano, já a
ação social possui, como referência, o comportamento entre indivíduos, uns com
relação aos outros, constituindo o que chamamos de vida em sociedade.

Segundo Cruz (2004), a pesquisa histórica é, para Weber, essencial para a


compreensão das sociedades. A investigação sociológica deve se basear no esforço
interpretativo de avaliar as diferentes expressões de relações sociais.

REFLITA
A Ação Social para Max Weber

“A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pelas ações


de outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas como
futuras (vingança por ataques anteriores, replica a ataques presentes,
medidas de defesa diante de ataques futuros). Os ‘outros’ podem ser
individualmente desconhecidos ou então uma pluralidade de
indivíduos indeterminados e completamente desconhecidos (o
‘dinheiro’, por exemplo, signi ca um bem – de troca – que o agente
admite no comércio porque sua ação está orientada pela expectativa
de que outros muitos, embora indeterminados e desconhecidos,
estarão dispostos também a aceitá-lo, por sua vez, numa troca futura).”

Fonte: Weber (2008, p. 117).

Diferentemente de Durkheim, Weber não defende que há leis gerais ou exteriores


que se impõem sobre os seres humanos, pelo contrário, para Weber, todo fenômeno
social tem uma causa, um comportamento individual que o precede. Portanto, leis
universais que in uenciam o comportamento humano e o desenvolvimento
histórico são inexistentes, o que mantém o construto coletivo dado pelas relações
sociais estabelecidas no cotidiano.

Sob a perspectiva de Weber, deve-se compreender a realidade parcialmente, em


suas particularidades individuais, em um movimento do particular para o geral, do
indivíduo para a sua relação com a sociedade. O aspecto compreensivo signi ca,
segundo Cruz (2004):
[...] apreensão interpretativa do sentido ou contexto de sentido: a)
realmente visando no caso particular (à luz da apreciação histórica)
ou b) em média e aproximativamente visando (à luz da apreciação
sociológica de massas) ou c) a construir cienti camente para o tipo
puro (tipo ideal) de um fenômeno frequente (sentido ou conexão de
sentido “ideal” típico). (CRUZ, 2004, p. 588).

A análise sociológica proposta por Weber, diante da ação social como seu objeto de
estudo, presume um método que busca compreender as motivações individuais
que impulsionam determinadas ações sociais.

A ação social, como toda ação, pode ser:

1. racional com relação a ns: determinada por expectativas no comportamento


tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas
expectativas como “condições” ou “meios” para o alcance de ns próprios
racionalmente avaliados e perseguidos;
2. racional com relação a valores: determinada pela crença consciente no valor
interpretável como ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma -
próprio e absoluto de uma determinada conduta, considerada de per si e
independente de êxito;
3. afetiva: especialmente emotiva, determinada por afetos e estados
sentimentais atuais;
4. tradicional: determinada por um costume arraigado. (WEBER, 2008, p. 118, grifo
do autor).

As ações sociais, que possuem diferentes formas de expressão no cotidiano,


segundo Weber, são:

[...] como tipos conceituais puros, construídos para ns de pesquisa


sociológica, com relação aos quais a ação real se aproxima mais ou
menos ou, o que é mais frequente, de cuja mescla se compõe.
Somente os resultados que com eles se obtenham é que podem nos
dar a medida de sua conveniência. (WEBER, 2008, p. 119).

Ao mobilizar o conceito de ação social como objeto de estudo, podemos


dimensionar sociologicamente as ações, como nos seguintes casos: 1) um político
que busca ocupar uma posição de poder sob a nalidade de, supostamente,
cumprir promessas de campanha eleitoral (ação social do tipo racional com relação
a ns); 2) a ida a cultos religiosos, que só se justi ca quando se acredita nos valores
ali pregados (ação social do tipo racional com relação a valores); 3) atitudes
passionais, movidas por afeição a outro, crises de ciúmes, declarações de amor etc.
(ação social do tipo afetiva); 4) hábitos culturais e festas tradicionais, como o
Carnaval, a Folia de Reis, a festa do boi-bumbá e as festas juninas que acontecem
aqui no Brasil, podem ser pensados pela ação da tradição (ação social do tipo
tradicional).

Weber defende que a compreensão da sociedade se dá pelo olhar atento às relações


entre os indivíduos que a compõem e pelas ações efetivas desses indivíduos entre si.
Isso signi ca que, se quisermos entender como a instituição escola funciona, por
exemplo, devemos olhar para os indivíduos que fazem parte dela (alunos,
professores etc.) e veri car o modo como essas pessoas agem em relação umas às
outras, ou seja, a interação social; assim, esse processo é denominado pelo autor
como relação social.

A relação social é a reciprocamente dotada de sentido na ação, sentido esse que é


modi cado por uma pluralidade de agentes que se orientam por essa referência de
reciprocidade.

A Ética Protestante e o Espírito do


Capitalismo
Ao centrar sua atenção na ação social dos indivíduos, Max Weber defendia a
possibilidade de a rmar que a base inicial do sistema capitalista foi a ação social dos
indivíduos que seguiam a ética protestante calvinista, vertente do movimento de
Reforma Protestante iniciado no século XVI.

Sobre essa temática, o sociólogo publicou, em 1904, a primeira versão da obra “A


Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, na qual defendia que haveria um tipo
de conduta religiosa que contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo
moderno. Weber classi ca essa conduta por um conceito que ele chama de tipo
ideal, constituído como um instrumento metodológico que possibilita ao cientista
social a investigação de fenômenos particulares.

Segundo Weber, a ética de vida dos calvinistas era fortemente voltada ao trabalho e
com disciplinas rígidas, porque estes acreditavam que o trabalho, além de servir
como forma de glori cação divina, garantiria, também, a salvação. Em algum
momento de sua vida, você, caro(a) aluno(a), já deve ter ouvido a expressão “o
trabalho digni ca o homem”; é nesse sentido que a lógica calvinista colaborou para
a formação do espírito do capitalismo, criando uma condição humana divina para a
realização do trabalho, de forma que estaríamos, portanto, predestinados ao
trabalho.
REFLITA
Meritocracia

A lógica de pensamento protestante, que difundia um valor de


dignidade e recompensa celestial aos trabalhadores dedicados,
colaborou para que, na atualidade, nossa sociedade desenvolvesse a
meritocracia. De acordo com a de nição de Johnson, a “[...] meritocracia
é um sistema social no qual o sucesso do indivíduo depende
principalmente de seu mérito - de seus talentos, habilidades e esforço.”
(JOHNSON, 1997, p. 146). A crença na conquista meritocrática é uma
mentira que nosso sistema capitalista moderno criou para signi car o
esforço desmedido de trabalhadores e apaziguar as discrepâncias que
suas desigualdades sociais promovem, como uma espécie de
justi cativa para a manutenção do poder nas mãos de pequenos
grupos sociais.

Fonte: Adaptado de Johnson (1997).

Com o passar do tempo, essa ideia de predestinação foi deixada de lado, mas o
trabalho disciplinado e a busca por sucesso (acúmulo do capital) continuaram a
existir na teoria exposta no livro em questão. Isso, para Weber, resultou no
aparecimento dos primeiros capitalistas.

Na Idade Média, a religião motivava a vida das pessoas e dava sentido às suas ações.
Com o pensamento cientí co ganhando espaço na Europa Ocidental, a cultura
religiosa foi confrontada, porém, para Weber, a ciência não poderia ocupar, por
completo, o lugar que a religião tinha ao desenvolver concepções de mundo.

Nesse sentido, na concepção de Weber, a Reforma Protestante contribuiu para a


consolidação do sistema capitalista, pois surgiu como forma de ressigni car a leitura
religiosa sobre a sociedade. A extrema racionalização dos processos sociais seria,
segundo o autor, um elemento con ituoso, que causaria uma fragilidade no sistema
capitalista. Weber acreditava que os indivíduos, quando agem por meio de uma
racionalização extrema, conduzem-se a um desencantamento do mundo, que torna
as pessoas mais calculistas e frias. Esse processo de racionalização causaria uma
burocratização da vida, que aprisionaria a humanidade em sua própria organização
social.
Karl Marx e seu
pensamento crítico sobre a
Sociedade Capitalista

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Karl Marx (1818-1883) é considerado um dos pensadores mais revolucionários da
Sociologia, pois, além de um método cientí co, o autor propôs um projeto político
de atuação e organização social. Os estudos de Marx buscaram analisar a sociedade
capitalista em seu processo de consolidação e discutiram sobre as características do
trabalho nesse sistema e como as relações de produção que estavam se
estabelecendo in uenciam na estrutura social e na determinação de desigualdades
sociais.

Karl Marx e Engels (1998) entendiam que a burguesia, classe de proprietários,


comerciantes e industriais donos dos meios de produção, adquiriu poder econômico
e político durante a Revolução Industrial e a Revolução Francesa. Sob posse de um
maior poder econômico, a burguesia criou leis e regras sociais que visam proteger a
propriedade privada de seus bens e, assim, proporcionar a manutenção de sua
classe no poder. Em posição de exploração e subjugados à classe burguesa, a classe
proletária, composta por trabalhadores sem posses, era responsável pelo processo
de produção, por meio da venda de sua força de trabalho (mão de obra).

Dessa forma, Marx e Engels (1998) demonstram que a sociedade capitalista se


constituiu pela divisão social do trabalho baseada em duas principais classes sociais:
a dos capitalistas (burgueses), que detêm a posse dos meios de produção (as
máquinas, as matérias-primas, as terras e as fábricas); e a dos proletários
(operariado/trabalhadores), cuja única posse é a força de trabalho que seria vendida
à classe dominante, os burgueses.

REFLITA
A Sociedade de Classes

Em seu texto político do mundo moderno e contemporâneo, “O


manifesto comunista”, publicado em 1848, Karl Marx explica que “[...] a
sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da sociedade
feudal, não aboliu os antagonismos das classes. Estabeleceu novas
classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar das
antigas.” (MARX; ENGELS, 2001, p. 9).

Fonte: Adaptado de Marx e Engels (2001).

Para Karl Marx, a exploração da classe de trabalhadores possui, como principal


objetivo, a acumulação de capital. Dessa forma, o capital seria o acúmulo de bens e
lucros provenientes da exploração da mão de obra barata pela classe burguesa. Em
sua obra mais signi cativa, “O capital: crítica da economia política”, publicada em
1867, o autor descreve os processos de produção capitalista e aponta a forma com
que esse modelo aprofundava as desigualdades na sociedade que se consolidava e
mantinha uma parcela da população em condição de exploração.

Sobre a divisão de classes sociais, segundo Marx e Engels (2001):

Na mesma medida em que a burguesia – isto é, o capital - se


desenvolve, também o proletariado se desenvolve. A classe
trabalhadora moderna desenvolve-se: uma classe de trabalhadores,
que vive somente enquanto encontra trabalho e que só encontra
trabalho enquanto o labor aumenta o capital. Estes trabalhadores,
que precisam vender a si próprios aos poucos, são uma mercadoria,
como qualquer outro artigo de comércio e são, por consequência,
expostos a todas vicissitudes da competição, a todas utuações do
mercado. (MARX; ENGELS, 2001, p. 19).

Na teoria de Marx, os meios de produção é que transformam as relações de


produção e as formas de organização social, acarretando desigualdades sociais
profundas, que propiciam a luta de classes.

A luta de classes se trata dos embates políticos entre trabalhadores e burgueses.


Segundo o sociólogo alemão, é por meio do movimento de organização social de
questionamento à ordem dominante que a emancipação humana total seria
possível, bem como o m da exploração do trabalho, o advento da revolução
operária e a derrocada do sistema capitalista.

O Materialismo Histórico Dialético


Embora Marx estivesse muito mais preocupado em construir um projeto político de
sociedade, o sociólogo também desenvolveu uma metodologia cientí ca que
direciona uma longa tradição de estudos marxistas na Sociologia, o método do
materialismo histórico dialético. Para Marx, são as condições materiais que
determinam a sociedade, e não o contrário, portanto, devemos compreender,
primeiramente, o âmbito material, as estruturas e as relações efetivas que formam a
sociedade, o que é denominado, pelo autor, de materialismo:

[...] não partimos do que os homens dizem, imaginam ou representam,


tampouco do que eles são nas palavras, nos pensamentos, na
imaginação e na representação dos outros, para depois se chegarmos
aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens em sua
atividade real [...]. Assim, a moral, a religião, a metafísica e todo o
restante da ideologia, bem como as formas de consciência a ela
correspondentes, perdem logo toda a sua autonomia. Não tem
história, não tem desenvolvimento [...] (MARX; ENGELS, 1998, p. 19).
Para o pensamento materialista de Karl Marx, a essência do indivíduo é o centro das
relações sociais; por isso, ele compreende que o indivíduo não é um ser isolado, e
sim que sua existência é proveniente dos processos sociais em curso. Nesse sentido,
a pesquisa materialista histórico dialética é realizada por meio da análise dos
contextos históricos e processos sociais que solidi cam as relações sociais
materialmente, em sua aplicabilidade prática da vida em sociedade. O movimento
de pensamento dialético se dá na contraposição do campo das ideias com a
realidade efetiva. Essa contraposição possibilita a junção desses dois elementos,
constituindo, assim, uma concepção única, que é a análise da realidade.

Em síntese: o materialismo histórico dialético de Marx (MARX; ENGELS, 1998)


concebe a realidade social da seguinte maneira:

a) interação universal – todos os elementos da vida em sociedade estão


relacionados. Os fatos não podem ser considerados isoladamente;

b) a realidade em movimento universal – toda a realidade social está em constante


movimento, ou seja, as transformações sociais e as mudanças nas relações estão em
constante con ito e desenvolvimento;

c) unidade dos contraditórios – o ser social é construído com relação ao outro em


suas contradições e con itos, o que signi ca que nossa existência está condicionada
ao nosso constante desenvolvimento social.

Sob essa perspectiva, é possível a rmar que a existência de uma sociedade se dá


com relação à materialidade da vida. Assim, nossas relações são reguladas por
processos históricos, econômicos e sociais, principalmente, no que se refere às
relações de produção, pois, à medida que elas se transformam, a sociedade também
se modi ca.

Trabalho, Alienação e Sociedade Capitalista


Todo o método de análise de Karl Marx é baseado na preocupação em compreender
os processos de produção, mais especi camente, a nova concepção de trabalho que
se instaura na sociedade capitalista. Segundo o sociólogo, antes da modernização e
da exploração de classes, a dimensão humana do trabalho se constituía no processo
de transformação da natureza para a satisfação de nossas necessidades básicas.
Com a instituição da sociedade capitalista, o que se colocou foi uma espécie de
trabalho alienado, em que o trabalhador perde sua dimensão criativa e consciente
de produção intelectual.

Para Karl Marx: “[...] o processo histórico de alienação distancia o ser humano do
objeto que ele produz. Assim, a alienação do trabalho signi ca que o operário não
percebe que seu trabalho lhe pertence.” (MARX; ENGELS, 2001, p. 29). Esse processo
transforma o trabalhador em simples mercadoria, tornando-o um ser alienado, que
não possui intervenção criativa no produto do seu trabalho.

Aspectos da alienação:
1. alienação em relação às coisas – o indivíduo ca alienado ao mundo externo e
ao produto de seu trabalho;
2. alienação em relação a si mesmo – o indivíduo entende que sua força de
trabalho não lhe pertence, isto é, não é dominada pelo trabalhador;
3. a alienação em relação ao trabalho – o trabalho do ser humano deixa de ser
livre e passa a ser um meio de sobrevivência.

Em uma sociedade capitalista, regida pela produção de mercadorias, segundo Marx


e Engels (2001), o trabalhador e as suas possibilidades humanas só existem em
função do capital. O indivíduo que não tem trabalho ca sem salário e por isso
torna-se inexistente e dispensável para o sistema capitalista. Marx exempli ca: “Tão
logo o trabalhador é explorado pelo fabricante e, no m, recebe seu salário, ele é
atacado pelas outras porções da burguesia, o senhorio, o lojista, o penhorista etc”
(MARX; ENGELS, 2001, p. 21).

O trabalho é uma forma de sobrevivência, assim, o operário não se reconhece no


produto que criou. Dessa forma, o trabalhador torna-se uma extensão da máquina,
que tem operações simples e fáceis, e pode ser facilmente substituído por outro
trabalhador. Pelo caráter descartável denotado aos trabalhadores, o valor da sua
força de trabalho é mínimo, o su ciente para a sua sobrevivência. Sobre o salário,
Marx explica:

O preço médio do trabalho assalariado é o salário mínimo, ou seja, a


quantia do meio de subsistência que é requisito absoluto para manter
o trabalhador na existência simples como um trabalhador. O que o
trabalhador adquire por meio de sua atividade é, pois, o mínimo
necessário para a conservação e a reprodução de vida humilde. [...] o
trabalhador vive, meramente para aumentar capital e permitir-lhe
viver somente o quanto o interesse da classe governante requer.
(MARX; ENGELS, 2001, p. 32-33).

Entende-se, assim, que, ao manter o trabalhador em condições de alienação, o


sistema capitalista mantém o crescimento da riqueza dos donos dos meios de
produção, ou seja, da classe burguesa de industriais, proprietários e comerciantes.

Comunismo
Como destacamos anteriormente, o intuito de Karl Marx não era apenas desenvolver
um método cientí co, o sociólogo alemão propunha um projeto político, o
comunismo, um sistema social que superaria o capitalismo e acabaria com as
desigualdades sociais da divisão de classes. Considerada, por Marx, como a fase nal
da sociedade humana, alcançada somente a partir de uma revolução proletária, ele
tinha a ideia utópica de uma sociedade igualitária, que seria a socialista
(QUINTANEIRO; BARBOSA; OLIVEIRA, 2002). Assim, Marx trabalhava com a temática
de progresso das sociedades – lei de desenvolvimento das sociedades.
Na perspectiva de Marx, a organização social desenvolve todas as forças produtivas
que possui. Quando a necessidade de expansão das forças produtivas de uma
sociedade choca-se com as estruturas econômicas, sociais e políticas, gera con itos
sociais, o que dá início à sua desintegração e cria um terreno fértil para uma
revolução. Desse modo, Marx vê o desenvolvimento da sociedade capitalista de seu
tempo da seguinte forma:

Como o desenvolvimento do antagonismo de classe acompanha o


desenvolvimento da indústria, a situação econômica, como se
encontram, ainda não lhes oferece as condições materiais para
emancipação do proletariado. Eles buscam, portanto, uma nova
ciência social, novas leis sociais que criarão tais condições.
A ação histórica irá conduzir à ação pessoal inventiva; condições de
emancipação historicamente criadas conduzirão a condições
fantásticas; e a organização de classe gradual e espontânea do
proletariado conduzirá a uma organização da sociedade
especialmente planejada por estes inventores. A história futura
resolve-se, aos olhos deles, na propaganda e na realização práticas de
seus planos sociais. (MARX; ENGELS, 2001, p. 57-58).

É possível a rmar, portanto, que, para que ocorra a passagem para uma organização
social mais avançada, com um novo modo de produção, ou seja, uma sociedade
comunista, a classe emergente deve se impor à decadente, ultrapassando-a e
substituindo-a por outra mais apropriada a seu interesse e a seu domínio. Assim, os
trabalhadores tomariam as instâncias de poder e provocariam a decaída da classe
burguesa.

Dessa forma, compreende-se que, pela ótica de Marx, o modo de produção


capitalista é uma evolução do modelo de produção da sociedade feudal. Porém, a
partir do desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo e de suas relações
sociais, será favorecida a criação de uma nova estrutura superior, e isso conduzirá a
um processo revolucionário, isto é, uma revolução comunista.

Contribuições Metodológicas
Durkheim, Weber e Marx
Em linhas gerais, podemos a rmar que, devido às diferentes perspectivas dos
pensadores pioneiros da Sociologia, é possível perceber que o esforço para a
consolidação da disciplina como um conhecimento cientí co possuía um norteador
em comum para todos os autores citados até aqui, buscava-se compreender as
novas con gurações da sociedade moderna e as suas contradições e padronizações,
assim como as características das relações da humanidade com o meio social
emergente. Nesse sentido, Durkheim, Weber e Marx colaboraram signi cativamente
para o desenvolvimento de uma ciência social comprometida com uma leitura
orientada sobre a sociedade em que vivemos.
A teoria funcionalista de Durkheim, denominada assim devido ao objetivo do autor
de avaliar a função social que os fatos sociais exercem na organização da sociedade,
contribuiu para estabelecer uma perspectiva metodológica clara para a ciência
sociológica. Da mesma forma que Weber, ao instituir a ação social como objeto de
estudo, criou uma metodologia especí ca da disciplina; ou seja, essas metodologias
não seriam mais apenas reproduções dos métodos e das técnicas das ciências
naturais, assim como anunciou Comte.

Embora Durkheim tenha se inspirado fortemente no positivismo e, até mesmo,


tratado a sociedade tal qual um organismo vivo, o funcionalismo durkheimiano
inovou ao denotar uma reputação cientí ca à Sociologia. Weber construiu um
caminho parecido ao de Durkheim no que se refere ao rigor metodológico, no
entanto, sob outra perspectiva de análise, considerando não as interferências
exteriores da sociedade sobre os indivíduos, e sim as interferências das ações
individuais sobre a sociedade.

Apesar de muitos colocarem o pensamento de Karl Marx como muito distante das
con gurações teóricas de seus companheiros precursores, é possível considerar que
o mesmo objetivo, o de interpretar a sociedade moderna, era perseguido pelo
sociólogo alemão, que utilizou, porém, a sua ciência para intervir politicamente nas
lutas de classes provenientes dos con itos causados por essa sociedade.

Em suma, o que buscamos demonstrar no decorrer desta unidade é o mesmo que


a rmou o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes:

Todo fenômeno social é, por sua natureza, dinâmico e pelo menos


relativamente instável, apresentando-se à percepção e à observação
sistemática do investigador, portanto, nessa condição, qualquer
método de interpretação sociológica, para ser útil e produtivo, deve,
pois, compreender e representar os fenômenos sociais em sua própria
natureza, como fenômenos fundamentais e dinâmicos. (FERNANDES,
1962, p. 197.

Considera-se, nesse sentido, que a apreensão de diferentes métodos e técnicas de


pesquisa é essencial para que se possa estabelecer uma boa leitura sobre a
sociedade em que vivemos, pois conhecer diversas concepções de mundo e
interpretações da vida social nos proporciona um olhar mais atento sobre as
circunstâncias que devemos enfrentar em nosso cotidiano.
Conclusão - Unidade 2

Caro(a) aluno(a), nalizamos esta unidade que apresenta os precursores da Sociologia


e as suas concepções metodológicas e teóricas. Buscamos destacar as contribuições
de Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx para a consolidação da
disciplina.

Foi possível aferir que a Sociologia é uma ciência plural, com diversidade de
perspectivas teóricas e metodológicas desde o seu surgimento. O positivismo e a
concepção de progresso social de Auguste Comte colaboraram para que houvesse a
possibilidade de um estudo social. O funcionalismo de Émile Durkheim demonstrou
que a sociedade possui in uência sobre as nossas maneiras de agir, ser e pensar. A
sociologia compreensiva de Max Weber contribuiu para a consolidação da disciplina,
na medida em que destacou que as nossas ações cotidianas e decisões individuais
também podem intervir no meio social. A perspectiva de Karl Marx, que considera as
contradições do mundo moderno, nos ajuda a compreender que a vida em sociedade
produz desigualdades sociais profundas e que precisam ser superadas.

Todas as concepções teóricas e metodológicas apresentadas nesta unidade


cooperaram para a consolidação da Sociologia e dos fundamentos do pensamento
intelectual no ocidente moderno. Esse processo de constituição das ciências sociais
norteia a atuação de cientistas sociais no mundo todo até a atualidade; por isso,
destacamos a importância de retomar a leitura dos clássicos da Sociologia.

Esperamos que as discussões propostas até o momento possam colaborar para a


elaboração de boas percepções sobre a realidade social em que você, caro(a) aluno(a),
atuará pro ssionalmente em breve.

Bons estudos!
Livro
Unidade 3
A Ciência sociológica no
Brasil

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Introdução
Estimado(a) estudante, nesta unidade, conheceremos os caminhos da implantação
da Sociologia no Brasil e as suas principais teorias e autores.

Veremos que, inicialmente, mesmo havendo uma preocupação em entender a


formação da sociedade brasileira, os primeiros intelectuais que representavam esse
movimento de consolidação de um pensamento social brasileiro desenvolviam um
trabalho não muito além de um relato histórico, e seus estudos resultaram em algo
mais próximo da literatura do que da ciência.

No entanto, as leituras sobre a sociedade brasileira se desenvolveram com pesquisas


de campo signi cativas sobre o período colonial e a pós-colonização, revelando
características importantes da formação social e cultural do Brasil. Essas pesquisas
produziram trabalhos com o intuito de elaborar uma visão sobre o sujeito nacional,
isto é, o brasileiro, evidenciando uma percepção da identidade da nossa nação.

Por m, veremos que, a partir de 1930, uma geração de sociólogos,


institucionalizados nas universidades brasileiras, consolida a Sociologia como
disciplina acadêmica, ou seja, uma Sociologia cientí ca que visa pensar sobre a
realidade da sociedade brasileira diante de múltiplas perspectivas teóricas e
metodológicas, que resultaram em importantes estudos nas mais diversas áreas e
que permitiram o entendimento da população brasileira.

Você está preparado(a) para conhecer como a sociedade brasileira é retratada pela
Sociologia?

Vamos lá!
A Implantação da
Sociologia no Brasil:
interpretando a realidade
brasileira

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Dedicada a construir concepções de mundo e a investigar a vida em coletividade, a
Sociologia também possuiu uma grande repercussão no território nacional. Um
pouco diferente dos clássicos da disciplina, no Brasil, as relações de produção e de
trabalho na sociedade industrial não eram o nosso objeto de estudo principal, pelo
menos, não inicialmente. Dado a condição de colônia, o Brasil possui outras bases
no processo de modernização do país, dentre elas, as principais seriam a
escravização e a inferiorização étnica de povos africanos e indígenas. Por isso, a
miscigenação foi um tema tão importante para os precursores da Sociologia no
Brasil.

Como apresentaremos no decorrer desta unidade, a maneira com que construímos


as estruturas de poder da sociedade brasileira interfere signi cativamente em como
lidamos com a nossa vida social e em como nos constituímos culturalmente. Para
compreender como os teóricos brasileiros abordaram esses processos, teremos que
localizar o contexto de consolidação da Sociologia no Brasil.

Pode-se perceber, ao analisar o histórico do surgimento da Sociologia como um


conhecimento cientí co, que esta é uma ciência que emerge da modernização
durante sua consolidação na Europa, e no Brasil não foi diferente. A implantação da
Sociologia brasileira ocorreu quando, no início dos séculos XIX e XX, as
transformações sociais rumo à civilização se intensi caram em nosso país, e uma
ciência dedicada ao estudo social se tornou possível.

Consideramos, portanto, que:

[...] o saber racional oresce em sociedades estruturalmente


diferenciadas e estrati cadas, nas quais a divisão social do trabalho e
a especialização dos papéis de produção intelectual concentram nas
mãos de alguns indivíduos toda a atividade criadora na explicação da
origem e da composição do mundo (FERNANDES, 1958, p. 179).

O saber racional, cientí co e orientado pela investigação sistematizada só é possível


quando há condições sociais e culturais que fornecem um suporte favorável de
desenvolvimento. No Brasil, essas condições se consolidaram na decaída do poder
colonial.

“A ordem social escravocrata e senhorial foi, porém, solapada e desintegrada pela


própria força de sua expansão” (FERNANDES, 1958, p. 183). A partir disso, novas
concepções de mundo foram impelidas, e a necessidade de interpretar a sociedade
brasileira se difundiu entre os intelectuais do país.

Segundo o cientista social Octavio Ianni (2000), o Brasil tem, como peculiaridade de
seu pensamento social, a preocupação contínua e constante de avaliar os
momentos de rupturas históricas no país. É daí que surgem as interpretações que
podem priorizar determinados setores da sociedade e formular concepções sobre a
sociedade brasileira, buscando compreender as bases do desenvolvimento social e
histórico nacional.

Sob a perspectiva de Ianni (2000), o pensamento social brasileiro se consolida ao


pensar as con gurações de sua sociedade e cultura, que criam e recriam a
complexidade da realidade social. Assim, os intérpretes da realidade brasileira
podem ser de nidos a partir dos temas que os tocam ou por meio de seu
pioneirismo e inovação nos processos de análise e investigação.

Diante disso, poderíamos destacar que existem três diferentes fases na implantação
da Sociologia no Brasil: a primeira é representada por intelectuais que conduzem
uma leitura histórica sobre a realidade brasileira, compondo uma produção
considerável na literatura; a segunda fase se constitui de trabalhos que valorizam a
pesquisa de campo; por m, a terceira caracteriza-se por uma Sociologia em sua
consolidação institucional como disciplina acadêmica, sendo composta por uma
geração de sociólogos, pertencentes a diversas universidades,  inaugurando estilos e
tendências propriamente brasileiros.
Pensando a Sociedade
Brasileira antes da
Sociologia Cientí ca

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
Interessados em realizar um estudo histórico sobre a realidade do Brasil, literatos
criaram obras que retratam a sociedade brasileira de maneira signi cativa, e,
embora não houvesse, como grande objetivo, o desenvolvimento de uma ciência
sociológica propriamente dita nesse momento, suas leituras são importantes para o
pensamento social do nosso país. Os autores considerados como referências desse
processo de criação literária são: Joaquim Nabuco, um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras e autor de “O abolicionismo” (1883); o autor Euclides da Cunha,
criador da obra pré-modernista “Os sertões” (1902); o político e escritor Rui Barbosa,
responsável por colaborar na redação de documentos importantes para a sociedade
brasileira, como a Constituição de 1891.

No entanto, destacamos aqui, como principal representante desse movimento de


pensamento social brasileiro, apenas o engenheiro militar Euclides da Cunha (1866-
1909), que produziu a obra que retrata a sociedade de maneira mais relevante. Na
função de jornalista, Euclides da Cunha foi enviado para o interior da Bahia para
relatar a Guerra de Canudos, e, por meio dessa experiência, surgiu a sua maior
contribuição à Sociologia brasileira da época, o livro “Os sertões”.

Em “Os sertões”, o escritor narra os acontecimentos da sangrenta Guerra de


Canudos, liderada por Antônio Conselheiro (1830-1897), que ocorreu no interior da
Bahia, durante os anos de 1896 e 1897. Com base em seus conhecimentos de ciência
e física naturais, Euclides da Cunha faz relatos sobre a terra e a paisagem de
Canudos e, principalmente, descreve a população resistente do sertão nordestino. A
obra refere-se a esse povo da seguinte forma: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral” (CUNHA,
2010, p. 94).
SAIBA MAIS
Antônio Conselheiro

Antônio Conselheiro, líder do movimento messiânico, que era um


movimento social com aspirações religiosas, articulado por milhares de
sertanejos no arraial de Canudos, no nordeste da Bahia, foi acusado de
difundir ideais subversivos e, junto de seus seguidores, sofreu repressão
do governo, o que culminou no grande embate da Guerra de Canudos.
Para conhecer um pouco mais sobre esse personagem tão importante
para a história brasileira, acesse o link.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

ACESSAR

Em sua escrita, Euclides da Cunha fazia revelações a respeito da organização da


República, que se consolidava naquele período no Brasil e que, segundo o autor,
mostrava-se incapaz de suprir as necessidades básicas de seu povo, feito que
Antônio Conselheiro buscava atingir em sua comunidade de Canudos, assim como
Cunha descreve:

[...] abria aos desventurados os celeiros fartos pelas esmolas e


produtos do trabalho comum. Compreendia que aquela massa, na
aparência inútil, era o cerne vigoroso do arraial. Formavam-na os
eleitos, felizes por terem aos ombros os frangalhos imundos,
es apados sambenitos de uma penitência que lhes fora a própria
vida; bem-aventurados porque o passo trôpego, rememorado pelas
muletas e pelas anquiloses, lhes era a celeridade máxima, no avançar
para a felicidade eterna (CUNHA, 2010, p. 132).

O governo federal republicano buscou destruir a comunidade de Canudos por


acreditar que aquele seria um movimento de rebelião ao estado. Após dois fracassos
em tombar Canudos, na terceira tentativa, reuniu exércitos de vários estados do
Brasil, promoveu um grande massacre em prol da República e destruiu a
comunidade de Canudos.

Embora seja considerada uma obra literária, “Os sertões” de Euclides da Cunha, ao
fazer grandes revelações sobre a sociedade brasileira, colocou-se como uma obra
referencial, um marco do início da consolidação de um pensamento social brasileiro.
A obra de Euclides da Cunha e as suas contribuições para a Sociologia brasileira
evidenciam que a literatura é um elemento importante para a análise da formação
cultural e da conjuntura política do Brasil. Muitos outros movimentos intelectuais de
literatos brasileiros cumpriram um papel parecido ao de Euclides da Cunha,
segundo Florestan Fernandes, “[...] a contribuição de Mário de Andrade ao folclore
brasileiro até hoje não foi convenientemente estudada” (FERNANDES, 1958, p. 309). A
obra “Macunaíma”, publicada em 1928, por exemplo, conta a história de um herói
sem nenhum caráter, como diria a sinopse do livro, e reúne elementos folclóricos e
questões emergentes da sociedade brasileira da época.

Obras literárias como “Macunaíma” e “Os sertões” cooperam para o entendimento


dos movimentos populares da sociedade brasileira e demonstram as características
políticas e estruturais de poder, os condicionantes de formação cultural e os
elementos de desigualdade social.

Seguida do movimento de literatos que buscavam pensar a sociedade brasileira, a


segunda fase de implantação da Sociologia no Brasil se caracterizou por aderir a
uma das principais perspectivas metodológicas da Sociologia, a pesquisa de campo.
Segundo Ianni (2000), os intelectuais desse período estavam preocupados com a
questão nacional e se empenharam em descrever detalhadamente o processo de
formação da sociedade brasileira, a constituição de estado e a construção cultural.
Para os intelectuais desse período: “[...] o Brasil é um país marcado pela ‘vocação’
agrária, cuja economia, política, sociedade e cultura enraízam-se na agropecuária e
mineração” (IANNI, 2000, p. 70).

Dentre os vários autores que compõem esse período, podemos destacar Gilberto
Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Elegemos esses dois pensadores, porque estes
desenvolveram dois conceitos importantes para a formação da Sociologia brasileira:
o primeiro formula o conceito de democracia racial, e o segundo, o conceito da
cordialidade, como uma característica da população brasileira.

Gilberto Freyre (1900-1987) foi um dos principais autores pós-1930, precursor do


pensamento social brasileiro com seu livro “Casa-grande & senzala”, escrito em 1933.
Nessa obra, Freyre busca demonstrar as características da colonização portuguesa, a
formação da sociedade agrária, o uso da mão de obra escravizada e a miscigenação,
como a mistura de três raças (portugueses, indígenas e negros) colaborou para
compor a sociedade brasileira, ou seja, as relações entre casa-grande, senhores de
engenho/colonizadores e senzala (pessoas escravizadas).
Figura 3.2 - Ilustração do livro “Casa-grande & senzala” de Gilberto Freyre

Fonte: GiFontenelle / Wikimedia Commons.

O conceito de democracia racial é desenvolvido por Freyre (1975) em “Casa-grande &


senzala”. Segundo o autor, havia, no Brasil, uma convivência harmônica entre essas
três raças, motivada pela miscigenação, que, sob sua perspectiva, ocorreu de
maneira pací ca. Claramente, caro(a) estudante, na atualidade, com o
desenvolvimento dos estudos das relações étnico-raciais, sabemos que o processo
de miscigenação não foi tão pací co e harmonioso, mas devemos considerar o
contexto em que Freyre escreveu e as suas perspectivas teóricas, pois o conceito de
democracia racial seria um contraponto à teoria evolucionista que hierarquizava, de
forma inferiorizada, a população negra.
CONECTE-SE
Democracia racial

O conceito de democracia racial é muito debatido e contestado por


movimentos sociais afetos a questões raciais no Brasil. A principal crítica
a posicionamentos teóricos como o de Gilberto Freyre em “Casa-grande
& senzala” é que, embora a população negra e a população indígena
tenham contribuído signi cativamente na construção econômica do
país e na formação cultural brasileira, não houve uma integração efetiva
dessas populações na sociedade brasileira, o que invalida o argumento
de que todas as expressões étnico-raciais convivem democraticamente
no país, pois elas possuem acessos diferentes a direitos básicos, como
educação, trabalho, entre outros, em razão de preconceitos enraizados
na nossa estrutura social. Para se inteirar sobre essa discussão, acesse a
matéria do Portal Geledés sobre a temática.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

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Freyre (1975) concebeu sua obra na década de 1930, período de transição entre a
sociedade escravocrata para a capitalista, momento em que o Brasil iniciava o seu
processo de industrialização. Além disso, deve-se considerar que Freyre foi lho de
uma família escravocrata, ele pertencia à casa-grande, e é sob essa perspectiva que
ele escreve a contribuição do negro na cultura brasileira:
Foi o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua
melhor alegria. O português, já em si melancólico, deu no Brasil para
sorumbático, tristonho; e do caboclo nem se fala: calado, descon ado,
quase um doente em sua tristeza. Seu contato só fez acentuar a
melancolia portuguesa. A risada do negro é que quebrou toda essa
“apagada e vil tristeza” em que foi abafando a vida nas casas-
grandes. Ele deu alegria aos são-joões de engenho; que animou os
bumbas-meu-boi, os cavalos marinhos, os carnavais, as festas de Reis.
[...] Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro da casa, nos
tanques de bater roupas, nas cozinhas, lavando roupa, enxugando
prato, fazendo doce, pilando café, carregando sacos de açúcar, pianos,
sofás de jacarandá de ioiôs brancos – os negros trabalhavam
cantando: seus cantos de trabalho, tanto quanto os de xangô, os de
festa, os de ninar menino pequeno, encheram de alegria africana a
vida brasileira (FREYRE, 1975, p. 462-463).

Percebe-se a visão um tanto romantizada das relações entre a casa-grande e a


senzala concebida por Freyre, no entanto, essa perspectiva contribuiu para que sua
obra constituísse um posicionamento combativo à ideia de que a miscigenação
seria a causa da formação de uma população pouco desenvolvida. Nesse sentido, o
autor contrapunha os ideais teóricos evolucionistas à produção dos antropólogos
brasileiros Oliveira Vianna (1883-1951), autor de “Populações meridionais do Brasil” de
1922, e Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), responsável pela obra “Os africanos no
Brasil”, escrita entre 1890 e 1905. Ambos os autores foram entusiastas de teorias
eugenistas, que visavam à puri cação das raças no branqueamento da população,
por acreditar na inferioridade dos povos africanos.

Portanto, na obra de Freyre (1975), valorizam-se as características dos povos negro,


indígena e miscigenado. O autor atribui à mistura de raças uma característica
positiva para cultura brasileira. Sobre isso, ele diz: “[...] todo brasileiro, mesmo o alvo,
de cabelo louro, traz na alma e no corpo – há muita gente de jenipapo ou mancha
mongólica pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro.”
(FREYRE, 1975, p. 283). O fato de todo e qualquer brasileiro possuir um traço
miscigenado, para o autor, faria com que houvesse uma maior identi cação entre
pessoas de diferentes características de cor, não precedida de preconceito racial.
Freyre (1975) considera, ainda, que, em razão dos lhos dos senhores de engenho
terem sido amamentados e cuidados por mulheres escravizadas, constituiria-se,
assim, uma lembrança carinhosa sobre o povo da África.

Sob essa perspectiva, Gilberto Freyre buscou elaborar uma nova percepção sobre a
construção da sociedade brasileira. O intuito do autor foi demonstrar a construção
harmoniosa e pací ca na união entre os portugueses, os negros e os índios,
fortalecendo a ideia de que a miscigenação atribuiu riqueza para formação da
cultura brasileira.

No que se refere ao outro autor referencial desse período, o historiador brasileiro


Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), sua colaboração também foi signi cativa
para a consolidação do pensamento sociológico brasileiro. Sob a in uência da teoria
de Max Weber, o autor publica, em 1936, o livro “Raízes do Brasil”.

Nessa obra, aspectos centrais da história da cultura brasileira são abordados. No


capítulo principal, o capítulo 5, intitulado “O homem cordial”, em que o autor
conceitua a cordialidade brasileira, retrata-se o papel que o brasileiro exerce na
esfera, por meio da cordialidade, pautando suas ações na afetividade. O conceito de
homem cordial é uma mobilização da construção metodológica de um tipo ideal,
desenvolvida por Weber.

REFLITA
O Tipo Ideal para Max Weber

“Qual é, em face disso, a signi cação desses conceitos de tipo ideal para
uma ciência empírica, tal como nós pretendemos praticá-la? Queremos
sublinhar desde logo a necessidade de que os quadros de pensamento
que aqui tratamos, ‘ideais’ em sentido puramente lógico, sejam
rigorosamente separados da noção do dever ser, do ‘exemplar’. Trata-se
da construção de relações que parecem su cientemente motivadas
para a nossa imaginação e, consequentemente, ‘objetivamente
possíveis’, e que parecem adequadas ao nosso saber nomológico
[nominação lógica de argumentos]”. Nesse sentido, para Weber, o tipo
ideal seria um instrumento metodológico que faz alusão à realidade
estudada.

Fonte: Adaptado de Weber (1992, p. 107).

De acordo com a teoria de Sérgio Buarque de Holanda (1995), o brasileiro, à mesma


medida que possui uma generosidade genuína, possui perversão, fazendo com que
ele seja passional e tome decisões à luz da emoção. Diante disso, Holanda a rma
que:
A exaltação dos valores cordiais e das formas concretas e sensíveis da
religião, que no catolicismo tridentino parecem representar uma
exigência do esforço de reconquista espiritual e da propaganda da fé
perante a ofensiva da reforma, encontraram entre nós um terreno de
eleição e acomodaram-se bem a outros aspectos típicos de nosso
comportamento social. Em particular nossa aversão ao ritualismo é
explicável, até certo ponto, nesta “terra remissa e algo melancólica”,
de que falavam os primeiros observadores europeus (HOLANDA, 1995,
p. 182).

A presença de valores religiosos, como a generosidade e a ajuda ao próximo, pode


explicar essa cordialidade do brasileiro. No entanto, segundo Holanda (1995), a
cordialidade endossa os equívocos que a sociedade brasileira instituiu entre as
esferas pública e privada, o que deu origem ao que conhecemos popularmente
como “jeitinho brasileiro”, ato de buscar vantagens individuais em âmbito público
por meio do tratamento pessoalizado. As negociações e os atalhos determinados
pelas relações interpessoais que in uenciam as decisões públicas são entendidos,
em termos sociológicos, como patrimonialismo.

Compreender as in uências do patrimonialismo nas relações sociais da população


brasileira expressa mais uma marca do pensamento weberiano na obra de Holanda
(1995), dado que esse conceito é uma criação de Weber para explicar os mecanismos
de poder e de dominação econômica, baseados na concepção de patrimônio, em
que o público e o privado se confundem ou, até mesmo, tornam-se indistintos. O
patrimonialismo se expressa em relações de trabalho nas quais os trabalhadores são
expostos a situações de senhorio e nepotismo nas indicações políticas, ao
clientelismo, ao “voto de cabresto” durante períodos eleitorais, entre outras
problemáticas ainda muito presentes na sociedade brasileira da atualidade.

“Raízes do Brasil” é uma obra em que Sérgio Buarque de Holanda (1995) denuncia as
problemáticas da formação cultural do brasileiro, por meio de uma sistematização
metodológica clássica das ciências sociais. A análise de Gilberto Freyre possui,
também, uma boa orientação metodológica, principalmente, no que se refere a
correntes de pensamento como o culturalismo antropológico.
Sociologia Cientí ca
Brasileira: desvendando
novos parâmetros para
entender a Sociedade
Brasileira

AUTORIA
Ma. Solange Santos de Araujo
Me. Josimar Priori
Esp. Fúlvio Branco Godinho de Castro
Ma. Daiany Cris Silva
A geração pós-1950 foi composta por sociólogos que vieram de diversas
universidades, inaugurando estilos e tendências, num momento em que a
Sociologia já estava mais consolidada como disciplina acadêmica, culminando no
surgimento de diversas escolas sociológicas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Brasília, entre outros lugares do país.

Conhecida como a etapa da Sociologia cientí ca, essa fase teve seu apogeu no nal
da década de 1950, mas, segundo o sociólogo Florestan Fernandes (1977), esta só se
con gurou plenamente no pós-guerra e possuía, como característica dominante,
uma preocupação de:

[...] subordinar o labor intelectual, no estudo dos fenômenos sociais,


aos padrões de trabalho cientí co sistemático. Essa intenção se revela
tanto nas obras de investigação empírico-indutivas (de reconstrução
histórica ou de campo), quanto nos ensaios de sistematização teórica
(FERNANDES, 1977, p. 28).

Isso signi ca que o trabalho dos sociólogos brasileiros estava centrado em uma
orientação metodológica mais acirrada com relação às teorias sociológicas.

Segundo Ianni (2000), os novos intelectuais desse período instituem outros


parâmetros de compreensão e explicação da realidade político-econômica e
sociocultural: “[...] esses parâmetros estão mais ampla e sistematicamente imersos
na cultura das ciências sociais, em alguns casos bene ciando-se dos padrões de
ensino e pesquisa desenvolvidos no âmbito universitário.” (IANNI, 2000, p. 71).
CONECTE-SE
Intérprete de um Brasil só

Estimado(a) aluno(a), para car por dentro das discussões atuais sobre a
Sociologia brasileira, veja a entrevista que o sociólogo brasileiro Jessé
Souza concedeu à revista eletrônica Cult, em março de 2018. Essa
revista é conhecida por sua independência editorial, o que a permite
tratar de temas poucos explorados por outros veículos do jornalismo
cultural. Jessé Souza é doutor em Sociologia pela Universidade de
Heidelberg (Alemanha) e professor da Universidade Federal do ABC
(UFABC). Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) entre 2015 e 2016, também coordenou pesquisas de amplitude
nacional sobre classes e desigualdade social. Além disso, Jessé Souza é
autor de 27 livros, incluindo “A ralé brasileira: quem é e como vive”
(2009) e “A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa
manipular pela elite” (2015). Fique por dentro, acesse.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

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Ianni (2000) pontua, ainda, que os intelectuais da emergente Sociologia cientí ca


possuíam o objetivo de realizar uma análise aprofundada da realidade brasileira,
considerando seus diferentes grupos sociais, suas formações históricas e suas
tradições culturais. Nesse sentido, esses intelectuais buscavam, portanto, bene ciar-
se “[...] amplamente das conquistas das ciências sociais, por suas pesquisas de
reconstrução histórica e de campo; combinando economia e sociedade, política e
cultura, com acentuado sentido de história e do contraponto entre as nações”
(IANNI, 2000, p. 71).

Dentre os vários autores que compõem essa fase, destacamos o sociólogo e


antropólogo Darcy Ribeiro e o sociólogo paulista Florestan Fernandes. O primeiro
analisa a formação cultural da sociedade brasileira e as particularidades da
população indígena no país. O segundo, sob perspectiva marxista, estuda as
relações raciais e de classe e as desigualdades da constituição do capitalismo
brasileiro.

FASE DE IMPLANTAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL


1ª Fase
Estudos literários com resgate histórico sobre o Brasil. Principais autores: Euclides
da Cunha, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa.

2ª Fase
Estudos empíricos com pesquisa de campo sistematizada. Principais autores:
Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

3ª Fase
Institucionalização da Sociologia como disciplina acadêmica, a Sociologia Cientí ca.
Principais autores: Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro.

Darcy Ribeiro (1922-1997), intelectual mineiro, conhecido pelos estudos que realizou
nas comunidades indígenas brasileiras, buscou compreender como poderíamos
construir uma identidade latino-americana. Ao contrário de Gilberto Freyre, que
defende a democracia racial, Darcy Ribeiro demonstra que, no Brasil, o processo de
miscigenação da população não foi pací co e marca uma série de desigualdades na
construção cultural da sociedade brasileira.

Uma das obras mais importantes do autor e que revela esse ponto de vista é “O povo
brasileiro”, publicada no ano de 1995. Nesse estudo, o autor alega que a formação do
Brasil e do povo brasileiro surge “[...] da con uência, do entrechoque e do
caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com
negros africanos, uns e outros aliciados como escravos” (RIBEIRO, 1995, p.19).
Observe, caro(a) aluno(a), que ele se refere ao português como “invasor”, destacando
o papel explorador dos colonizadores.

Darcy Ribeiro anuncia, logo na introdução de “O povo brasileiro”, que a pluralidade


cultural na formação social brasileira é o que nos une como nação, com uma
identidade própria:

Nessa con uência, que se dá sob a regência dos portugueses,


matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações
sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo
novo (Ribeiro, 1970), num novo modelo de estruturação societária.
Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada
culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada,
dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela de nição
de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si
mesmo e é visto como uma gente nova, ainda, porque é um novo
modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular
de organização sócio-econômica, fundada num tipo renovado de
escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo,
inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade,
num povo tão sacri cado, que alenta e comove a todos os brasileiros
(RIBEIRO, 1995, p. 19).
Portanto, Darcy Ribeiro demonstra que o Brasil, como nação e sociedade, é
resultado de uma mistura étnica, formando um “caldeirão de raças”, ou seja, um
povo multiétnico. No entanto, perceber esse processo de formação tão plural
culturalmente, segundo o autor, não nos pode cegar para os equívocos e as
desigualdades da dinâmica de constituição do povo brasileiro, que possui uma:

[...] unidade nacional, viabilizada pela integração econômica sucessiva


dos diversos implantes coloniais, que foi consolidada, de fato, depois
da independência, como um objetivo expresso, alcançado através de
lutas cruentas e da sabedoria política de muitas gerações (RIBEIRO,
1995, p. 22).

Dessa maneira, o autor destaca o caráter exploratório e desigual da colonização do


nosso país, que forjou a formação cultural de um povo miscigenado. Assim, pode-se
a rmar que a obra de Darcy Ribeiro contribui no sentido de delinear uma
identidade latino-americana, percepção que in uenciou muitos estudiosos da
região.

Ademais, Darcy Ribeiro realizou estudos denunciando as problemáticas da


integração, ou não, da população indígena na sociedade brasileira. O autor analisa
como o desenvolvimento e o progresso civilizatório excluem a cultura indígena,
acarretando a disseminação e o aniquilamento das comunidades indígenas, e alerta
sobre como a concepção moderna de civilização põe em risco essas comunidades.
SAIBA MAIS
Até quando a civilização é realmente um avanço social?

O conceito de civilização assombrou as teorias sociais durante muitas


décadas e ainda nos assombra, por assumir uma concepção de mundo
que inferioriza populações de origem cultural não hegemônica ou que
não se assemelhe à cultura europeia. O processo de colonização foi
uma grande prova desse movimento em que o processo de civilização
da sociedade ocidental se pautou na exploração de populações
indígenas e africanas, dando a esse povo um lugar de inferioridade na
tessitura social. No entanto, muito são os teóricos e os ativistas que
contestam o conceito de que a civilização é um avanço social
necessário. Davi Kopenawa Yanomami, líder indígena, ao relatar o
momento em que os brancos chegaram à sua aldeia, menciona que o
seu povo logo percebeu que os colonizadores seriam destruidores e
que essa civilização exploratória poderia levar a sociedade em que
viviam à ruína. Para saber mais sobre a posição do autor, leia o texto
intitulado “Descobrindo os brancos”, acesse.

Fonte: Elaborado pelas autoras.

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No que se refere a Florestan Fernandes (1920-1995), outro cientista social importante


para a consolidação da Sociologia no Brasil, o autor desenvolveu importantes
estudos sobre relações raciais e educação, participou de movimentos em defesa da
educação pública, foi militante político e investigou o processo de modernização do
Brasil e da América Latina. Portanto, pode-se a rmar que Florestan Fernandes é um
ícone no processo de consolidação e legitimação das ciências sociais no Brasil.

Florestan Fernandes possui análises sociais notórias e mobilizou estudos


funcionalistas nas publicações sobre a sociedade Tupinambá: “A organização social
dos Tupinambá”, de 1949, e “A função social da guerra na sociedade Tupinambá”, de
1951. Além disso, possui uma larga produção de perspectiva marxista, que se
observa, principalmente, na obra “A integração do negro na sociedade de classes”,
de 1964.

O sociólogo brasileiro possuía, como objetivo principal, produzir uma análise crítica
sobre a realidade brasileira, e a sua metodologia dialogou com a produção
sociológica clássica e com os pensadores brasileiros contemporâneos. Florestan
Fernandes propõe uma investigação dos movimentos e das lutas sociais,
principalmente aquelas travadas pelos setores populares.

Segundo Mazucato (2015), foi como professor da Universidade de São Paulo (USP)
que Florestan Fernandes alicerçou as bases teóricas das ciências sociais para os
estudantes brasileiros. Na década de 1950, deu-se a “[...] construção da sociologia de
Florestan Fernandes, assim como a organização chamada Escola Paulista de
Sociologia” (ARRUDA, 2010, p. 15). Fernandes defendia que era preciso de nir com
rigor e clareza os métodos de pesquisa, para de nir a Sociologia como disciplina
cientí ca (ARRUDA, 2010).

Nesse sentido, a produção acadêmica de Florestan Fernandes dialoga com teorias


clássica e modernas, incluindo o pensamento marxista, e “[...] compreende os passos
fundamentais, em termos lógicos, da teoria da explicação e da metodologia da
pesquisa. Vai desde as formas de explanação, caracterizadas como descritiva e
interpretativa, até as técnicas de pesquisa” (IANNI, 1996, p. 32).

Em “A integração do negro na sociedade de classes”, Fernandes (1965) defende que,


após a abolição da escravatura, não houve uma real inserção da população negra na
sociedade brasileira. Para fundamentar esse posicionamento, o autor realizou uma
pesquisa qualitativa, em que mobilizou diversas fontes, como:

[...] documentos escritos (jornais, manifestos, depoimentos,


questionários), gravações de entrevistas, procurando reter as
situações psicológicas e sociais que envolveram a mobilidade dos
indivíduos tanto ‘brancos’ como ‘negros’ no interior da sociedade de
classes em formação (CLAUDINO, 1973, p. 265).

Florestan Fernandes “[...] teve como problemática principal o processo da


diferenciação cultural, a marginalização do elemento de ‘cor’, as condições de
‘supremacia’ social, econômica e política dos brancos” (CLAUDINO, 1973, p. 266). O
cenário de investigação do autor é a metrópole paulista no período histórico entre a
abolição da escravatura, em 1888, e o processo de industrialização urbana.

O contexto de desigualdade racial na sociedade brasileira persiste, pois a população


negra ainda é marginalizada, ocupando o menor número de posições de poder e
possuindo os postos de trabalho com remuneração mais baixa. A análise atenta e
rigorosa do sociólogo paulista nos serve como referencial para muitas discussões
sobre a estrutura de nossa sociedade.

Compreende-se que o projeto cientí co construído por Florestan Fernandes


pressupunha uma agenda de pesquisa de rigor teórico e metodológico, que poderia
dar ao especialista “[...] condições de mobilizar os resultados das pesquisas para
alterar sistemas de relações, por meio de novas descobertas forjadas no embate
com questões sociais” (ARRUDA, 2010, p. 17).
Dessa forma, reconhece-se que Florestan Fernandes foi fundamental no
desenvolvimento da teoria sociológica brasileira, na medida em que realizou uma
obra de extrema importância. Segundo Mazucato (2015), o sociólogo desenvolveu,
durante sua trajetória, várias formas de diálogos intelectuais com muitos de autores
nacionais e internacionais, em especial, com Karl Marx. Consequentemente,
Fernandes fez um balanço crítico das diferentes ideias desses teóricos, realizando
contribuições originais e abrindo possibilidades de re exão para uma Sociologia
mais elaborada cienti camente.

Conforme Ianni (1996), em síntese, a obra de Florestan Fernandes marca, de forma


ampla, a sociologia brasileira, “[...] de tal maneira que está presente na formação
dessa sociologia” (IANNI, 1996, p. 30) e contribui para pensar a realidade social do
nosso país de forma sistematizada.

SAIBA MAIS
Dois olhares sobre Heleieth Saf oti

A socióloga brasileira Heleieth Saf oti, que foi orientanda de Florestan


Fernandes, foi uma das precursoras em incluir os estudos sobre as
mulheres na sociedade patriarcal capitalista no rol dos fenômenos
sociais estudados cienti camente na academia.

Sua tese de livre-docência, intitulada “A mulher na sociedade de classe:


mito e realidade”, tornou-se um livro best-seller, publicado pela editora
Vozes, em 1976. Esse livro, entre os demais já publicados pela autora, é
um referencial nos estudos de gênero.

Portanto, estimado(a) aluno(a), o texto da socióloga Bila Sorj, sugerido


neste Saiba Mais, fala sobre Heleieth Saf oti como professora
orientadora ou colaboradora em projetos intelectuais, salientando suas
contribuições, especialmente, no que diz respeito à mulher no trabalho
e no desenvolvimento. O intuito desta sugestão de leitura é instigá-lo(a)
a aprender mais sobre essa vertente da Sociologia, que se refere aos
estudos das relações de gênero. Para saber mais, acesse.

Fonte:  Elaborado pelas autoras.

ACESSAR
Portanto, imbuído em comprometer-se com as exigências lógicas e teóricas da
re exão cientí ca, Florestan Fernandes contribuiu para o amadurecimento da
Sociologia. O autor fez com que a ciência sociológica ingressasse em um processo
no qual todas as implicações teóricas e históricas de pensar a realidade social
fossem assumidas no cotidiano de ensino e pesquisa.

Florestan Fernandes foi um intelectual importante da Sociologia crítica no Brasil, por


colaborar para a institucionalização da disciplina. O sociólogo defendia que era
preciso de nir com rigor e com clareza os métodos de pesquisa. A sistematização e
a objetividade cientí ca eram os elementos principais dessa fase, que intitulamos,
aqui, de Sociologia cientí ca. Nesse sentido:

[...] simultaneamente, as pesquisas realizadas e suscitadas por


Florestan Fernandes, bem como por sua in uência, abrem novos
horizontes para a re exão sobre a sociedade e a história. Segundo,
cria um novo estilo de pensamento na sociologia brasileira (IANNI,
1996, p. 32).

Em síntese, os autores da última fase de implantação da Sociologia no Brasil, a fase


da Sociologia cientí ca, cumpriram uma agenda de pesquisa suscitada pelas
transformações ocorridas no Brasil durante seu processo de modernização. As
desigualdades sociais, apontadas tanto por Darcy Ribeiro como por Florestan
Fernandes, demonstram que o processo de colonização no Brasil, em seu caráter
violento e exploratório, deixou marcas na formação de uma nação fundamentada no
preconceito étnico-racial e na divisão de classes.

Interpretar o Brasil tem sido um desa o desde os primórdios da Sociologia brasileira,


e nós, cientistas sociais que atuam na atualidade, continuamos a enfrentá-los, mas,
agora, contamos com o apoio de muitos outros pro ssionais que colaboram para as
re exões sobre a nossa sociedade e incorporam os conhecimentos dessa disciplina
em sua atuação cotidiana.
Conclusão - Unidade 3

Estimado(a) aluno(a), chegamos ao m de mais uma unidade de estudos.


Apresentamos, aqui, a trajetória do desenvolvimento social brasileiro. Vimos que os
intérpretes da realidade brasileira podem ser compreendidos de acordo com as
temáticas abordadas e com as suas liações teóricas e metodológicas.

Inicialmente, aprendemos que Euclides da Cunha, assim como outros literatos,


contribuiu para a formação do pensamento social brasileiro, com a sua obra que
relata a guerra de Canudos em seu livro “Os sertões”. Nesse período, percebemos que
literatura e análise social caminham juntas, revelando muito sobre as estruturas
políticas do nosso país e das condições sociais que fundaram nossa organização
social e cultural.

Seguidamente, quando tratamos da fase de implantação da Sociologia no Brasil,


permeada por pesquisas de campo (metodologia sociológica que considera o
empirismo e as análises de experiência), conhecemos autores como Gilberto Freyre e
Sérgio Buarque de Holanda. Ambos buscam desenvolver conceitos essenciais para a
compreensão da formação da identidade nacional.

Posteriormente, aprendemos que houve uma geração de sociólogos provenientes de


diversas universidades que institucionalizaram a Sociologia como disciplina
acadêmica, constituindo o que conhecemos como Sociologia cientí ca.

Conhecemos o sociólogo e Antropólogo Darcy Ribeiro, que trata da


multiculturalidade na formação da sociedade brasileira e dos processos de
desigualdades na integração das populações indígenas e africana. Conhecemos,
também, o sociólogo paulista Florestan Fernandes, que resgata perspectivas da
Sociologia clássica e moderna, de modo a recuperar o ponto de vista crítico e
sistematizado sobre a realidade.

Esperamos que nossas discussões possam colaborar para a sua atuação pro ssional e
te façam compreender um pouco mais sobre a sociedade em que vivemos.
Livro

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