Luciana Veloso Rocha Portolese Baruki

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 166

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

LUCIANA VELOSO ROCHA PORTOLESE BARUKI

SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR:


A PROTEÇÃO NORMATIVA INSUFICIENTE COMO ÓBICE PARA UM REGIME
JURÍDICO PREVENTIVO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS

São Paulo
2010
LUCIANA VELOSO ROCHA PORTOLESE BARUKI

SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR:


A PROTEÇÃO NORMATIVA INSUFICIENTE COMO ÓBICE PARA UM REGIME
JURÍDICO PREVENTIVO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientadora: Prof. Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin

São Paulo
2010
B295s Baruki, Luciana Veloso Rocha Portolese
Saúde mental do trabalhador : a proteçăo normativa
insuficiente como óbice para um regime jurídico preventivo dos
riscos psicossociais. / Luciana Veloso Rocha Portolese Baruki. –
São Paulo, 2011.

165 f. ; 30 cm.

Dissertação (Direito Político e Econômico) - Universidade


Presbiteriana Mackenzie - São Paulo, 2011.
Orientadora: Patricia Tuma Martins Bertolin
Bibliografia : p. 148-165

1. Saúde mental 2. Trabalho 3. Trabalhador : riscos


psicossociais 4. Doenças psíquicas : transtornos mentais I. Título.
LUCIANA VELOSO ROCHA PORTOLESE BARUKI

SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR:


A PROTEÇÃO NORMATIVA INSUFICIENTE COMO ÓBICE PARA UM REGIME
JURÍDICO PREVENTIVO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Direito Político e Econômico.

São Paulo, 1o de fevereiro de 2011.

______________________________________________________
Professora e orientadora Patrícia Tuma Martins Bertolin, Doutora.
Faculdade de Direito
Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________________________
Professora Darcy Mitiko Mori Hanashiro, Doutora.
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________________________
Professora Maria José Tonelli, Doutora.
Escola de Administração de Empresas de São Paulo
Fundação Getúlio Vargas
Para Renato e Amélie
Companheiros de todas as horas.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a meu marido Renato Portolese Baruki pelo apoio, amor
e compreensão, sem os quais não conseguiria ter terminado este trabalho, ao mesmo tempo
em que exercia minhas funções como Auditora Fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego.
Agradeço à minha mãe Laís Sarmento Veloso, por ter criado seus quatro filhos em
circunstâncias adversas como pessoas de bem e também ao meu irmão Lucas Veloso Rocha
Santos pelo incentivo quando conversamos sobre a possibilidade de ingressar no Mestrado.
À Doutora Patrícia Tuma Martins Bertolin, professora, orientadora e amiga,
externo minha admiração e agradeço pela ajuda na escolha de um tema pelo qual desenvolvi
verdadeira paixão e pela liberdade que me foi conferida no desenvolvimento desta
dissertação. Sempre disponível para me aconselhar, fez de cada um de nossos encontros uma
oportunidade de motivação e de descontração. A convivência próxima deu lugar a um
trabalho conjunto que resultou em três capítulos de livros publicados em coautoria. Não
poderia deixar de mencionar ainda os convites para falar sobre Saúde e Segurança do
Trabalhador a seus alunos da graduação, uma oportunidade única e de riqueza sem igual.
A Renato Santiago, pela forma carinhosa com a qual sempre lidou com prazos,
cobranças, recolhimento de assinaturas e cumprimento de requisitos os mais diversos.
A Ovídio Poli Junior, pelo trabalho de revisão, em especial pela paciência e ajuda
na padronização das mais de 400 notas de rodapé presentes no texto.
Ao Ministério do Trabalho e Emprego pela celeridade com que tramitou o
processo de autorização de afastamento do país, com ônus limitado, para apresentação oral do
paper “Strategies to address psychosocial risks at the corporate level” na 8a Conferência
Internacional sobre Saúde, Trabalho e Responsabilidade Social, realizada pela Associação
Internacional de Higiene Ocupacional (IOHA), em Roma, Itália, no período de 26 de
setembro a 03 de outubro deste ano.
À Associação Internacional de Higiene Ocupacional (IOHA) pela publicação do
trabalho apresentado nos anais da referida Conferência Científica, bem como pela divulgação
dos slides utilizados na apresentação no website oficial do Congresso.
Por fim, agradeço ao Mackpesquisa pelo financiamento recebido.
“A saúde não é um estado, mas um objetivo que se remaneja sem cessar. Não é
alguma coisa que se tem ou não se tem, mas que se tenta conquistar e que se defende, é como
a liberdade”. (DEJOURS, Christophe; DESSORS, Dominique; DESRIAUX, François. Por
um trabalho, fator de equilíbrio. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 33, n.
3, pp. 98-104, mai./jun.1993, p. 104)
RESUMO

Os problemas de saúde mental relacionados ao meio ambiente do trabalho atingiram, neste


início de século, patamares sem precedentes. Seja pela intensidade com que aparecem, seja
pela forma exponencial pela qual crescem, os transtornos mentais decorrentes da exposição
aos riscos psicossociais no trabalho representam um problema que, de tão expressivo, não
pode ser mais ignorado. Em uma primeira parte, através da abordagem psicossocial dos
chamados riscos ocupacionais emergentes, buscou-se entender em que medida eles se revelam
como categoria de interesse jurídico. Para tanto, foi necessário buscar as bases teóricas da
abordagem psicossocial, bem como dissecar as patologias em aumento. Em uma segunda
parte, travou-se uma discussão jurídica propriamente dita, a qual pretendeu, em termos
específicos, revelar como a proteção insuficiente se coloca como um obstáculo para a
implementação de um regime jurídico preventivo dos riscos psicossociais no trabalho. Em
termos mais genéricos, objetivou-se nunca perder de vista o quanto o sofrimento e o
adoecimento psíquico se inscrevem, no âmbito do Direito Político e Econômico, como um
problema essencialmente afeto à problemática da cidadania e à construção de uma pretensa
sociedade livre e justa. Para tanto, a ótica da psicodinâmica do trabalho serviu de apoio para o
enfrentamento do tema sob o ponto de vista da organização do trabalho, em detrimento do
enfrentamento individual do stress.

Palavras-chave: saúde mental do trabalhador – riscos psicossociais no trabalho – cidadania –


psicodinâmica do trabalho – trabalho decente – naturalização dos riscos – regulamentação –
proteção insuficente – regime jurídico preventivo.
ABSTRACT

Mental health problems associated with the work environment have achieved, in the
beginning of this century, unprecedented levels. The intensity by which these problems
appear, along with the exponentially pattern through which they have been growing, are
factors that have transformed mental disorders caused by the exposure to psychosocial
risks/hazards at work in such an expressive problem, which can no longer be ignored. In the
first part, by addressing the psychosocial called emerging occupational risks, we sought to
understand the extent to which they reveal themselves as a category of legal interest. It was
thus necessary to find the theoretical basis for a psychosocial approach of the occupational
risks so that we could dissect the pathologies increasing afterwards. In a second part, it was
developed a legal discussion itself, which was intended to reveal, in specific terms, how
insufficient protection stands as an obstacle to the implementation of a framework of
preventive psychosocial risks/hazards situations at work. More generally, there was an
intention throughout the whole text itself that was not to lose sight of how much suffering and
mental illness fall under the Political and Economic Law as a problem that affect primarily the
citizenship issues and the construction of a supposed free and fair and society. In this sense,
the optics of the psychodynamics of work served as a support for tackling the subject from the
viewpoint of work organization instead of the individual approach in coping with stress.

Keywords: worker’s mental health – psychosocial risks/hazards at work – citizenship –


psychodynamics of work – decent work – risks naturalization – regulation – insufficient
protection – preventive juridical regime.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – OS FATORES PSICOSSOCIAIS NO TRABALHO....................................31


LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - CIDS DO GRUPO "F" - NÚMERO DE CASOS EM 2008.......................79

GRÁFICO 2 - CATS EMITIDAS PELO CID F43 (1999-2008).........................................83


LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – CONTEXTO/CONTEÚDO DO TRABALHO X CONDIÇÕES QUE


DEFINEM O RISCO..............................................................................................................38

TABELA 2 – OS 10 RISCOS PSICOSSOCIAIS EMERGENTES MAIS


IMPORTANTES.....................................................................................................................40

TABELA 3 – QUADRO SINÓTICO DO CAMPO MULTIDIMENSIONAL..................54

TABELA 4 – COBRANÇA DE RESULTADOS POR PARTE DAS EMPRESAS AO


COMPARAR O TRABALHO ATUAL COM TRABALHOS ANTERIORES,
SEGUNDO RAMOS DE ATIVIDADE.................................................................................60
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................14

1 A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DOS FATORES DE RISCO


OCUPACIONAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS...............................................24
1.1 Algumas definições...........................................................................................25
1.1.1 Risco.................................................................................................................26
1.1.2 Stress............................................................................................................... 27
1.1.3 Riscos psicossociais no trabalho......................................................................29
1.2 Classificação dos riscos psicossociais no trabalho.........................................32
1.2.1 A classificação da OIT.....................................................................................32
1.2.2 A classificação do ISTAS................................................................................35
1.2.3 A classificação do HSE....................................................................................36
1.2.4 A classificação da EU-OSHA..........................................................................39

2 UMA NOVA MODALIDADE DE RISCOS ASSOMBRA O MEIO


AMBIENTE DO TRABALHO.................................................................................41
2.1 A emergência dos riscos psicossociais ocupacionais......................................41
2.1.1 Mudanças na organização do trabalho.............................................................43
2.1.1.1 Avaliações individuais de desempenho.........................................................45
2.1.1.1.1 Um caso ilustrativo: o produtivismo acadêmico.........................................49
2.1.1.2 A gestão pela Qualidade Total.......................................................................51
2.1.1.2.1 Entre americanismo e niponismo: os mitos mobilizadores.........................52
2.1.1.2.2 A Qualidade Total como um contrassenso téorico......................................54
2.1.1.2.3 Adeus ao (sentido do) trabalho....................................................................55
2.1.1.3 Mudança de status: agora um “risco de fato”................................................57
2.1.1.3.1 Novos conhecimentos científicos................................................................57
2.1.1.3.2 Uma nova percepção...................................................................................58
2.1.1.3.3 A intensificação do trabalho reafirma sua centralidade..............................59
2.1.1.4 Riscos psicossociais como riscos crescentes.................................................62
2.1.1.4.1 Crescem os custos associados aos riscos psicossociais no trabalho............62

3 AS PATOLOGIAS EM AUMENTO.................................................................65
3.1 As patologias de sobrecarga.............................................................................65
3.1.1 A síndrome de Burnout....................................................................................65
3.1.2 Karoshi.............................................................................................................66
3.1.3 Disfunções musculoesqueléticas......................................................................70
3.2 As patologias pós-traumáticas.........................................................................77
3.2.1 O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT)..........................................78
3.3 Violência e assédio no trabalho.......................................................................84
3.3.1 Assédio moral no trabalho................................................................................84
3.3.1.1 Definição jurídica de assédio moral no trabalho...........................................87
3.3.1.2 Depressões, tentativas de suicídios e suicídios..............................................90
3.3.1.2.1 Tentativas de suicídios e suicídios..............................................................91
4 A REGULAMENTAÇÃO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS COMO PEDRA
DE TOQUE NO QUADRO CONCEITUAL DA PREVENÇÃO.........................95
4.1 Saúde mental e meio ambiente do trabalho...................................................96
4.1.1 Natureza jurídica do direito ao meio ambiente do trabalho sadio....................97
4.1.2 Natureza jurídica do direito à saúde mental do trabalhador.............................99
4.1.3 Um direito frágil por excelência.....................................................................100
4.1.3.1 Trabalho e saúde mental: a análise etiológica sob a ótica da PDT..............101
4.1.3.2 O preconceito e a saúde mental: com o trabalhador não é diferente...........102
4.1.3.2.1 A hipertrofia do discurso de culpabilização da ‘vítima’...........................103
4.1.3.2.2 A naturalização dos riscos ocupacionais...................................................106
4.2 O papel do Estado de Direito no quadro conceitual da prevenção............108
4.2.1 Lacunas de governança: Estado tolerante, mercado atuante..........................109
4.2.1.1 A festa da globalização................................................................................109
4.2.1.2 O mercado como princípio estruturador da sociedade política....................111
4.2.2 O quadro conceitual da prevenção: a proposta de Ruggie.............................112
4.2.2.1 A tríade principiológica da prevenção.........................................................113
4.2.2.1.1 Proteger, respeitar, reparar........................................................................114
4.3 Riscos psicossociais no trabalho: a proteção normativa insuficiente como
óbice para um regime jurídico preventivo.............................................................118
4.3.1 O problema da proteção normativa insuficiente: por que devem ser
regulamentados os riscos psicossociais no trabalho?................................................118
4.3.1.1 A regulamentação dos riscos psicossociais no trabalho, pedra de toque no
quadro jurídico da prevenção....................................................................................121
4.3.1.2 O problema se tornou grande demais para ser ignorado..............................122
4.3.1.3 Dos princípios às regras sobre riscos psicossociais no trabalho..................124
4.3.1.4 A necessidade de uma política pública de Estado.......................................126
4.3.1.5 A proteção insuficiente à saúde mental no meio ambiente do trabalho
enquanto lacuna de governança.................................................................................128
4.3.1.6 A obsolescência das Normas Regulamentadoras de segurança e medicina do
trabalho......................................................................................................................132
4.3.1.6.1 Riscos físicos, químicos e biológicos: a tríade obsoleta da NR-9.............136

CONCLUSÃO..........................................................................................................139

REFERÊNCIAS.......................................................................................................148
14

INTRODUÇÃO

“(...) a ‘alma’ não é uma parte, mas o todo do corpóreo


ser-aí humano no mundo mais uma vez. Aristóteles sabia-o.
A alma é a vitalidade do corpo.” 1

O tema aqui anunciado é uma promessa. Seria falsa modéstia de nossa parte não
admitir que, na seara do direito, o assunto a ser enfrentado é, no mínimo, novidadeiro. Nesta
qualidade, mais do que uma longa pesquisa bibliográfica, foi necessário amadurecimento no
assunto – o que certamente só ocorreu após algum tempo. Os impulsos iniciais sugeriam uma
dissertação menos aprofundada em certos aspectos abordados de forma muito mais profunda
por disciplinas outras que não o direito. Na verdade a boa técnica dissertativa e metodológica
apontava para algumas regras que, sendo seguidas, redundariam em uma boa dissertação de
mestrado na área jurídica.
Em resumo, tais regras seriam basicamente a adesão à linha de pesquisa escolhida,
que deveria ser abordada de forma técnica, valendo-se do conhecimento acumulado e de
alguma reflexão lógico-argumentativa. Seguindo este script, esta dissertação se inscreveria
sem maiores dificuldades naquilo que decido chamar de ‘protocolo’, aproximando-se de um
discurso técnico tradicional e já estabelecido. No entanto, a lida com a ‘ciência’ do direito
sempre foi atividade geradora de incômodos e desconfortos – o que não foi diferente com este
trabalho.
Tal incômodo decorre da existência de uma lacuna na pesquisa em direito no
Brasil, especificamente no que tange ao diálogo com as diversas disciplinas que se colocam
na fronteira que separa as demais ciências humanas e o Direito. A concentração exclusiva na
produção e análise da norma, purificada de outras ciências, fez da “Ciência”2 do Direito a
totalização de opiniões sem fundamentação científica e desconectadas de análises
provenientes de um diálogo com ciências outras como sociologia, antropologia ou psicologia.
Oscar Vilhena reforça a ideia de que “a nossa Ciência do Direito é absolutamente
idiossincrática e focada em norma e inimizades pessoais”.3 Aspecto este que também é
apontado por Marcos Nobre, o qual acusa referida produção de Ciência no âmbito jurídico de

1
GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006, p. 174.
2
Ciência do Direito x Técnica. Diálogo de Marcos Nobre com Tércio Sampaio Ferraz para quem a
“decidibilidade” seria o traço que delimitaria o campo epistemológico de uma ciência jurídica.
3
NOBRE, Marcos et al. O que é pesquisa em Direito? São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 120-121.
15

certas máculas como “a falta de rigor científico, um ecletismo teórico e uma inadmissível
falta de independência em relação à moral e à política”.4
Foi neste contexto que se deu a escolha da linha de pesquisa. “Limites jurídicos ao
abuso do poder econômico” e “A cidadania modelando o Estado” eram as duas opções no
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu, em Direito Político e Econômico. Filiamo-nos à
segunda desde o início. A ideia que estava por trás de tal escolha era a crença de que haveria
mais liberdade nesta linha de pesquisa, por não estar atrelada à questão econômica, já que isto
poderia definir as opções teóricas de forma irremediável. Assim, tentou-se manter a maior
fidelidade possível à relação entre cidadania e Estado, sob o enfoque dos desafios jurídicos
em torno da proteção à saúde mental do trabalhador.
Contudo, é necessário reconhecer que, por vezes, a discussão travada no corpo
deste trabalho extrapolou os limites dentro dos quais deveria ficar. O consolo para o que
preocupava e parecia um erro de metodologia veio quando se percebeu que entre ambas as
linhas de pesquisa existe uma ‘zona gris’. Trata-se, na verdade, de um continuum, de modo
que à medida que se aprofundam as discussões sobre um dado tema, sob a ótica de qualquer
uma das referidas linhas, inevitavelmente há uma aproximação em relação à outra. Falar de
cidadania e de Estado pressupõe enfrentar a concepção deste último em suas diversas facetas,
dentre as quais a econômica emerge como uma das mais importantes.
De fato, as classificações e categorizações acadêmicas servem para facilitar,
orientar e sistematizar o estudo científico sobre um dado problema. Ocorre que, quanto mais
‘real’ o problema de pesquisa, mais indisciplinado ele é, pois tenta a todo momento fugir das
amarras metodológicas. Percebeu-se assim que investigar temas complexos sob a ótica de
uma única disciplina, sobretudo quando esta única disciplina é o Direito, constitui um desafio
constante. Espera-se tê-lo feito a contento e com a necessária dose de indisciplina que
diferencia um trabalho jurídico estéril de um trabalho jurídico engajado, por assim dizer.
Desta forma, a expansão do texto foi bastante consciente, tendo sido calcada em
premissas que não foram eleitas de forma ingênua. As pré-compreensões das quais partiu a
discussão ora empreendida são a justa medida de um desejo profundo de que esta dissertação
seja genuinamente mais do que um fim em si mesma. Colocados estes pontos iniciais, importa
agora revelar as mais importantes premissas que nortearam este trabalho, de modo a facilitar o
seu entendimento.

4
NOBRE, Marcos et al. O que é pesquisa em Direito? São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 25.
16

Conforme adiantado, a premissa e desafio que se fixa para esta investigação é a


necessária ruptura de isolamento do Direito com algumas disciplinas em princípio “estranhas”
ao Direito tradicional como “Teoria das Organizações”, “Sociologia do Trabalho”,
“Psicologia Social” e “Epidemiologia Psiquiátrica da Saúde Mental”. Acredita-se que tais
disciplinas representam referenciais obrigatórios para um debate jurídico acerca da saúde
mental do trabalhador. Neste contexto, convém destacar o Direito Sanitário como campo de
estudo multidisciplinar desde a sua concepção epistemológica.
Em artigo publicado em 1988, a partir da análise de experiências estrangeiras no
ensino do Direito Sanitário e das recomendações dos organismos internacionais de saúde,
Sueli Dallari demonstrou a urgência de se iniciar o ensino do Direito Sanitário no Brasil. Há
mais de duas décadas, referida autora chamou a atenção para a necessidade de se encontrar
professores com experiência em Saúde e em Direito para empreenderem o ensino do Direito
Sanitário no país de forma apropriada.
Sobre o Direito Sanitário enquanto disciplina que goza de autonomia, a autora
reputa tratar-se de um fato consumado ao mesmo tempo em que chama à responsabilidade
todas as instituições de ensino que formam algum tipo de profissional para a área jurídica ou
da saúde, “sob pena de serem atropeladas pela História”.5 Salta aos olhos a abordagem atual
que já naquela época discutia a questão da necessidade de o Direito dialogar com outros
campos do conhecimento:

Direito Sanitário, não pode também restringir-se ao jurídico, uma vez que a
regra de direito deriva da realidade social e nela encontra as condições de
eficácia. Não se pode ensinar direito abstraindo-o da moral e, a ambos, do
social. Deve-se, aqui, advertir para a virtual incapacidade do profissional do
direito de dominar o conhecimento relativo à moral e à sociologia. Fato
natural que requer o auxílio de filósofos e sociólogos.6

A segunda premissa ou pré-compreensão que orienta este texto diz respeito à


existência de estudos e saberes suficientes para demonstrar a relação de causa e efeito entre os
riscos psicossociais no meio ambiente do trabalho, de um lado, e as consequências negativas
sobre a saúde mental do trabalhador, de outro. Esta relação já fora ventilada pela doutrina há
algum tempo. Em artigo publicado em 2003 por Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, o autor

5
DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Revista de Saúde Pública, v. 22, n. 4,
1988, p. 333. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rsp/v22n4/08.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2009.
6
DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Revista de Saúde Pública, v. 22, n. 4,
1988, p. 333. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rsp/v22n4/08.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2009.
17

é assertivo ao afirmar que as pesquisas desenvolvidas no âmbito da psicopatologia do trabalho


comprovaram que “[...] não apenas a dinâmica relacional homem-máquina é capaz de afetar
a saúde mental [...]”, mas que também “as relações interpessoais, coletivas, inerentes à
organização do trabalho somadas ao próprio ambiente estético e à forma de exercício do
comando pelas chefias no local de trabalho [...]” repercutem de forma importante na
“autoestima e mesmo na sobrevivência do trabalhador, ocupando papel central no quadro de
composição da estrutura de sua personalidade”.7
Assim sendo, a elaboração de análises, questionamentos e respostas acerca dos
aspectos legais envolvidos no tema enunciado em nosso título deve então ser precedida pelo
reconhecimento de que a ciência avançou sobre a questão dos riscos psicossociais no trabalho.
Os conhecimentos produzidos por outras disciplinas que há muito já se debruçam sobre o
tema precisam, contudo, ser traduzidos, notadamente no que diz respeito à sua existência, sua
importância e seus efeitos sobre a saúde dos trabalhadores, para que se tornem palatáveis ao
jurista. Impõe-se transformar os saberes e conhecimentos acumulados sobre a questão da
saúde ou doença mental, notadamente sobre as causas etiológicas principais ou coadjuvantes
oriundas do ambiente de trabalho, em um instrumento que possibilite a restauração da
dignidade do trabalho.
A Constituição Federal de 1988 reputa ser a saúde um direito de todos e um dever
do Estado, que deve garanti-la “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”.8 Mas em que medida a Lei Maior é suficiente
para assegurar direitos fundamentais que são sistematicamente desrespeitados? Inquieta-nos
entender as razões de ser a saúde mental – no caso deste texto, a do trabalhador – tão
desprestigiada, a ponto de nem mesmo poder receber o rótulo de polêmica, tal qual acontece
com assuntos que são igualmente desprestigiados pelas leis, mas reconhecidos pelos cidadãos
de um modo geral.
Há uma questão anterior que está por trás da dúvida anteriormente suscitada. Esta
questão traduz-se em uma pergunta simples: por que saúde mental? É o que questiona Mary
Jane P. Spink, professora e pesquisadora no campo das construções sociais envolvidas no
processo saúde/doença. A autora defende a desconstrução da dicotomia físico/mental e de
seus pressupostos bem como a “adoção da categoria ‘sofrimento psíquico’ como categoria

7
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. Saúde mental para e pelo trabalho. Revista LTr, n. 67, ano 6, p. 670,
São Paulo, junho de 2003.
8
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 22 nov. 2010.
18

norteadora da prática”9. A separação da saúde em duas: a física e a mental, fez com que
construíssemos duas teorias jurídicas. A proteção à saúde física, mais robusta, e a proteção da
saúde mental, esta sim frágil, esquecida, desprestigiada e sobretudo incômoda.
À luz da crítica feita por Spink, a questão central que motiva esta dissertação é
problematizar a relação existente entre: a inércia normativa, fiscalizadora e repressora do
aparelho do Estado – notadamente no que diz respeito ao potencial lesivo de riscos
ocupacionais de cunho psicossocial – e as consequências trágicas sobre a saúde mental do
trabalhador como um problema jurídico. Este enfrentamento será feito de maneira sui generis
à medida que se tenta desvendar o quanto a cidadania ‘regulada’ aceitou, mesmo que de modo
inconsciente, aquela divisão entre a saúde mais importante (a saúde do corpo) e a saúde
menos importante (a saúde da alma).
Enquanto o objetivo geral é demonstrar a omissão normativa sobre aspectos
importantes pertinentes ao meio ambiente do trabalho, enquanto problema grave que macula o
exercício da cidadania, em termos específicos objetiva-se provar que a falta de proteção
normativa transmuta-se em fator impeditivo de um regime jurídico preventivo dos riscos
psicossociais no trabalho. Se não há parâmetros, não há como proteger, não há como se
fiscalizar, tampouco como reparar danos de forma minimamente adequada. O maior indicador
da pouca preocupação em proteger são as falhas estatísticas nacionais: se não há interesse em
medir, é porque não há interesse em avançar, em progredir.
Outra contribuição que se pretende oferecer com o presente trabalho consiste em
fixar os alicerces de uma questão que urge ser integrada ao mundo do direito. Infelizmente o
tema dos riscos psicossociais no trabalho ostenta características de tabu, e isto é
especialmente verdade no universo jurídico. Os problemas estão latentes, mas a grande mídia,
as discussões doutrinárias e os embates políticos passam ao largo da matéria. Obviamente há
espaços em que o tema é tratado com a importância que merece, mas eles ainda são poucos e
certamente restritos a um público pequeno e especializado.
Antes de passar a uma descrição do trabalho, parece salutar explicar o referencial
teórico e a metodologia de pesquisa que serviram de base para as reflexões elaboradas. Em
primeiro lugar, por considerar que o problema da saúde mental do trabalhador é mais amplo
do que o conflito ‘capital e trabalho’, não se pretendeu desenvolver uma análise fundada
nestes aspectos. Não é o objetivo, de maneira alguma, desprezar as contribuições de Marx. A

9
SPINK, Mary Jane P. O psicólogo e a saúde mental. Ressignificando a prática. Petrópolis-RJ: Vozes, s/d., p.
150.
19

este respeito, é apropriada uma espécie de digressão, que se faz propositalmente, com o
intuito de justificar as opções de referencial teórico do presente estudo.
Certa vez desabafou Darcy Ribeiro dizendo que nunca pôde “aceitar aquilo que
correntemente se atribui a Marx como sendo o centro de seu pensamento: a insistência de
que toda historia é feita só de luta de classes”.10 Acreditava que esta formulação teria sido
baseada em uma frase do “Manifesto do Partido Comunista” a qual não condizia com a
verdade. Suas colocações corroboram com o raciocínio construído de que a ótica
exclusivamente economicista não é apropriada uma vez que “milênios antes de haver classes,
havia lutas interétnicas e inter-raciais entre povos extremamente diferentes e com ânimos
mais hostis que solidários uns em relação aos outros”.11

Para mim, como para Marx, a verdade é que, uma vez que a sociedade
humana se estratifica em classes, opostas entre si ainda que
interdependentes, os conflitos entre seus respectivos interesses passam a ser
o principal motor da história. Ainda assim não há como negar que conflitos
inter-raciais, interétnicos e internacionais, irredutíveis aos antagonismos de
classe que contêm, continuam a motivar povos em lutas, motins, insurreições
e guerras. Só pondero nesta altura que estas questões devem ser vistas à luz
da concepção antropológica da cultura, que é aquilo que humaniza os
homens e lhes permite engendrar modus vivendi que viabilizam a
convivência humana dentro de toda essa conflitualidade.12

Diante destas constatações, quaisquer considerações que sejam feitas sobre o


mundo do trabalho ou mesmo sobre o trabalho em si não podem dissociar-se de uma reflexão
sobre os fundamentos do comportamento humano. Enfrentar a questão do ‘adoecimento pelo
trabalho’ sob o aspecto puramente econômico ou jurídico não constituiria apenas uma
abordagem reducionista, mas um verdadeiro erro. Não se trata de render homenagens ao
neoliberalismo, ao contrário, pois ele é alvo indireto da principal crítica a propósito desta
dissertação.
Em outras palavras, o que se pretende evidenciar é que não bastam análises
calcadas em fatos econômicos e argumentos jurídicos – embora estes tenham o seu papel. É
cogente que a máquina do Estado se sensibilize para o papel relevante que tem para um
processo que denomino de promoção da cidadania pela “desbanalização do mal”. Nesse
sentido, toda a obra de Christophe Dejours, enquanto fundador da Psicodinâmica do Trabalho
(PDT), foi sobremaneira importante.

10
RIBEIRO, Darcy. Testemunho. 4a ed. Rio de Janeiro: Apicuri; Brasília, DF: UnB, 2009, p. 151.
11
RIBEIRO, Darcy. Testemunho. 4a ed. Rio de Janeiro: Apicuri; Brasília, DF: UnB, 2009, p. 151.
12
RIBEIRO, Darcy. Testemunho. 4a ed. Rio de Janeiro: Apicuri; Brasília, DF: UnB, 2009, p. 151.
20

Assim, o desafio fundamental que se coloca é o enfrentamento da questão do


sofrimento do ponto de vista da inércia da atividade estatal. A superação deste óbice é
pressuposto para que os poderes da República possam diminuir o que John Ruggie nomeou
“lacunas de governança”.13 As pesquisas deste autor sobre as violações de direitos humanos
por empresas em nível nacional e transnacional foram de utilidade ímpar, pela sua qualidade,
e pelo seu alcance.
Em segundo lugar, no plano jurídico, o referencial teórico foi buscado no direito
canadense. Embora trabalhando sobre uma realidade diversa, é importante dizer o quanto foi
incentivadora a obra14 de Anne-Marie Laflamme15, pesquisadora do Centro de Pesquisas
Interuniversitárias sobre Globalização e Trabalho, e que também é integrante do
Departamento de Gestão da Saúde e da Segurança no Trabalho da Universidade de Laval,
onde leciona na Faculdade de Direito.
A jurista canadense abordou, em 2008, as implicações jurídicas em termos de
proteção à saúde mental do trabalhador frente às transformações recentes ocorridas no meio
ambiente do trabalho. Além de aprofundar a discussão acerca da teoria do direito da proteção
à saúde do trabalhador, justificou a defesa a um regime preventivo por uma ampla pesquisa
documentária e jurisprudencial encerrada em dezembro de 2007. Influenciado por suas ideias,
ainda que referentes a um outro contexto (no caso o Canadá e mais especificamente a
província do Québec), desenvolveu-se este trabalho com o intuito de colaborar para as bases
de sustentação de um modelo preventivo em saúde mental do trabalhador, aderente à
realidade institucional brasileira.
No que diz respeito à metodologia de pesquisa, seguiu-se um caminho
absolutamente teórico trilhado estritamente a partir de uma profunda pesquisa bibliográfica.
Neste contexto, foram utilizados artigos científicos que em maior ou menor escala se
reportaram ao tema. Obras jurídicas foram utilizadas em maior quantidade no Capítulo 4,
enquanto obras de sociologia e psicodinâmica do trabalho aparecem mais ao longo dos demais
capítulos. Não foi feito nenhum corte no que diz respeito ao conceito Qualis dos periódicos
consultados, tendo sido o conteúdo dos artigos o fator preponderante para a utilização deste
ou daquele periódico.

13
Este conceito será desenvolvido no Capítulo 4, item 4.2.1.
14
Resultado de uma tese de doutoramento defendida em 2008, na Universidade de Laval (Québec), sob o título:
“Proteção à Saúde Mental no Trabalho: a necessária passagem de um regime fundado na reparação dos danos
para um regime de gestão preventiva dos riscos psicossociais”.
15
LAFLAMME, Anne-Marie. Le droit à la protection de la santé mentale au travail. Canadá (Québec): Éditions
Yvon Blais, 2008.
21

O Capítulo 1 representa um esforço de revisão da literatura disponível no tocante


aos riscos psicossociais no trabalho, buscando dar conta de conceitos-chave envolvidos, bem
como das relações de causa e efeito estabelecidas em termos de ambiente de trabalho e
adoecimento psíquico. Deste modo, a abordagem psicossocial dos fatores de risco
ocupacionais constitui um ponto de partida para sensibilizar o mundo acadêmico de juristas de
que há saberes consolidados que vêm se desenvolvendo há muito tempo.
O Capítulo 2 congrega uma retomada histórica sobre as mudanças no ambiente
organizacional, bem como sobre as transformações nas formas de produção de bens e serviços
que são apontadas como fonte dos problemas de saúde mental no trabalho. Pretendeu-se
elucidar, grosso modo, quais foram estas mudanças e em que elas contribuíram para a
deterioração do meio ambiente de trabalho, dando lugar a efeitos deletérios sobre a saúde
mental do trabalhador. Também objetivou-se neste capítulo demonstrar que, embora os
problemas não tenham se iniciado nesta década, assumiram hoje uma grau de importância e
expressividade a ponto de permitir enquadrar as suas causas como riscos emergentes.
O Capítulo 3 foi objeto de descrição de um quadro medonho de adoecimentos e
mortes que passam despercebidos. Para tratar de uma questão invisível acredita-se ser
necessário retirá-la de uma tal invisibilidade. Afinal, para encontrar uma solução, é preciso
antes de mais nada reconhecer que existe um problema e localizar onde ele está. Assim, as
patologias em aumento entre os trabalhadores de nossa sociedade (o que, excluindo-se os
desempregados, crianças, velhos e outros grupos representaria quase a totalidade desta
sociedade) foram examinadas o mais profundamente possível, com um único objetivo:
requalificar o sofrimento de milhares de pessoas que padecem dia após dia.
Por fim, o Capítulo 4, o mais ambicioso deles, adentra aquilo que chamo de pedra
de toque no quadro conceitual da prevenção. Neste capítulo demonstra-se o quão insuficiente
é a regulamentação existente, o quão obsoleta é a Norma Regulamentadora nº 09 do
Ministério do Trabalho e Emprego, bem como o quanto esta inércia, omissão e
permissividade vai de encontro aos objetivos de um Estado que se diz Democrático e de
Direito e que tem por fundamentos a “cidadania”, “a dignidade humana”, “a valorização do
trabalho” e o “pluralismo político”. A riqueza do capítulo reside no fato de que tentamos – e
esperamos ter conseguido – revelar que a falta de regulamentação está intimamente ligada às
bases de legitimação de um discurso de naturalização dos riscos no ambiente ocupacional, de
fatalismo em relação às forças do mercado, bem como de culpabilização da vítima pelos
transtornos mentais os quais veio a enfrentar.
22

Assim, reputa-se de elevada importância o tema aqui enfrentado. E mais do que


isso, reputa-se necessário pensar formas de barrar um processo que já provou ser altamente
prejudicial até mesmo para quem, em princípio, se beneficiaria de uma tal estrutura. A
propósito, compartilhamos do mesmo sentimento externado pelo jurista Fabio Comparato:

A humanidade chegou, neste início do século XXI, ao apogeu do


capitalismo, no preciso sentido etimológico do termo. É este, portanto, o
momento crítico [...] em que se pode precisar a diagnose da moléstia e
traçar-lhe a prognose evolutiva.16 (original não grifado)

O “Apogeu do capitalismo” diz respeito a um processo que se acirrou nos últimos


50 anos em meio a grandes contradições. Tornaram-se possíveis “avanços incomensuráveis
na área da ciência, que vão desde os corações artificiais, os desenvolvimentos da robótica e
da mecatrônica, às comunicações entre os mais diversos cantos do mundo, em questão de
segundos”.17 Por outro lado, este “mesmo processo avassalador, que revoluciona espaço e
tempo, se materializa no cotidiano das classes menos favorecidas no fantasma do
desemprego e da exclusão social”.18
Uma “diagnose da moléstia” torna-se doravante plausível tendo em vista que o
momento é realmente crítico, assiste razão ao jurista em qualificá-lo assim. “Novas e
múltiplas formas de violações dos direitos humanos são perpetradas a cada dia” e o mundo
do trabalho não escapa a estas investidas.19 Para os seres humanos, o trabalho é uma questão
muito anterior ao capitalismo e, portanto, maior do que ele.
Em apertada síntese, o presente trabalho compreende uma reflexão, do ponto de
vista jurídico, para encontrar pistas de como tratar um tema que, de per si, constitui uma alta
indagação. Deste modo, “a assunção de uma postura ética e utópica diante da sociedade, e a
ideia de que a história é suscetível de intervenções intencionais de caráter transformador”20
alimenta a esperança de acenar com possibilidades de interferências na “prognose evolutiva”

16
COMPARATO, Fabio. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 536.
17
PRATES, Jane Cruz; ABREU, Paulo Belmonte de; CEZIMBRA, Leda. A mulher em situação de rua. In:
BULLA, Leonia Capaverde (Org.); MENDES, Jussara Maria Rosa (Org.); PRATES, Jane Cruz (Org.). As
múltiplas formas de exclusão social. Porto Alegre: Federação Internacional de Universidades Católicas -
EDIPUCRS, 2004, p. 167.
18
PRATES, Jane Cruz; ABREU, Paulo Belmonte de; CEZIMBRA, Leda. A mulher em situação de rua. In:
BULLA, Leonia Capaverde (Org.); MENDES, Jussara Maria Rosa (Org.); PRATES, Jane Cruz (Org.). As
múltiplas formas de exclusão social. Porto Alegre: Fundação Internacional de Universidades Católicas -
Edipucrs, 2004, p. 167.
19
COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. Proteção Internacional dos Direitos Humanos: a Corte Interamericana e
a implementação de suas sentenças no Brasil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 198.
20
RIBEIRO, Darcy. Testemunho. 4a ed. Rio de Janeiro: Apicuri; Brasília, DF: UnB, 2009, p. 151.
23

da moléstia – aqui tomado o termo em seu sentido original. É como se planeja integrar o
debate.
24

1 A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DOS FATORES DE RISCO


OCUPACIONAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS

A abordagem psicossocial representa a síntese de saberes que permitiu olhar a


realidade como um todo. Se as ciências são segmentadas e divididas em classes e subclasses,
a realidade sobre a qual elas se debruçam não apresenta soluções de continuidade separando o
ser humano, enquanto indivíduo, do ser humano enquanto membro de um grupo, enquanto ser
social. Da mesma maneira, os espaços em que a individualidade e subjetividade são vividas
são também espaços sociais. Família e trabalho são exemplos de espaços que encerram esta
natureza híbrida e complexa do ser humano indivíduo que também é um ser humano social.
Como em toda síntese, as partes individuais que formaram o todo deixam de
existir, não podendo mais ser percebidas individualmente. É sob uma perspectiva de soma que
se pretende evitar reducionismos e simplificações. Portanto, não se dará lugar a embates
científicos e doutrinários que possam existir acerca da autonomia científica de uma
abordagem psicossocial de per si. Não é uma preocupação deste estudo enquadrar a
Psicossociologia como ramo da Psicologia Social ou da Sociologia Clínica, pois “sua
emergência e seu crescente desenvolvimento provêm da incapacidade de a sociologia, ou a
psicologia, sozinhas, explicarem a integralidade das condutas humanas concretas”.21

É, com efeito (e nisso insistimos), esse cuidado de concretude e de


exaustividade que caracteriza a psicossociologia e seu papel de charneira22:
pois a sociologia, reduzida a si mesma, se limita ao jogo das estruturas
institucionais e das regulações coletivas. Assim também o aproche
puramente psicológico se aplica a “funções mentais” encaradas em sua
generalidade, ou sob seus aspectos diferenciais. Nem um nem outro está em
condições de assumir integralmente a descrição e a interpretação de uma
conduta em situação, seja porque esta é estudada sem personalizar os
sujeitos, seja porque se estudam os sujeitos sem situar-lhes suficientemente
as condutas.23

21
MAISONNEUVE, Jean. Introdução à Psicossociologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 2.
22
Substantivo feminino. Do francês ‘charnière’, que, no sentido figurado, significa ponto de junção, de transição,
de união de duas ou mais coisas.
23
MAISONNEUVE, Jean. Introdução à Psicossociologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 6.
25

Esclarecidas as bases da abordagem psicossocial, reputa-se necessário buscar


parâmetros conceituais sobre as interações que possuem caráter psicossocial. Para
Maisonneuve há uma convergência entre o psicossocial e o conceito de “interação social”
uma vez que
O domínio próprio da psicossociologia aparece, pois, essencialmente, como
o da interação [...] dos processos sociais e psíquicos ao nível das condutas
concretas; interação das pessoas e dos grupos no quadro da vida cotidiana;
junção, também, entre o aproche objetivo e o do sentido vivido, no nível do,
ou dos agentes em situação.24

Assim toda interação vista sob a ótica psicossocial seria, em última análise, uma
“interação social” entre: i) um indivíduo e outro; ii) um indivíduo e um grupo; iii) um
indivíduo e ele próprio. Do mesmo modo, todas as relações existentes entre um indivíduo e
objetos físicos inanimados não será consideradas um fator psicossocial, ainda que pertençam à
família ou ao meio ambiente em que o indivíduo trabalha. É desta maneira, portanto, que no
ambiente de trabalho se desenvolvem interações de naturezas diversas, inclusive
psicossocial.25 Superada esta questão, resta agora conhecer quais elementos permitiriam
enquadrar uma interação de natureza psicossocial como um risco.

1.1 Algumas definições

Conceituar risco psicossocial pressupõe estabelecer definições que lhe são


anteriores. É necessário assentar as premissas e firmar aspectos basilares sem os quais seria
difícil prosseguir, sobretudo do ponto de vista das ciências sociais aplicadas. Não apenas no
direito, mas também na economia, na administração, dentre outras, há uma preferência por
categorias de análise mais determinísticas – ou menos fluidas – por assim dizer.
Assim sendo, para uma abordagem jurídica apropriada dos riscos psicossociais no
trabalho, um estudo exploratório do alcance deste conceito em outras disciplinas é uma etapa
essencial. A partir de agora, passa-se então a enfrentar algumas questões teóricas e conceituais
consideradas prejudiciais a uma análise mais detida sobre os riscos psicossociais no trabalho.

24
MAISONNEUVE, Jean. Introdução à Psicossociologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977, p. 5.
25
Em oposição à interação psicossocial, a interação física pode estar relacionada a atributos, objetos e aspectos
da realidade estritamente físicos.
26

1.1.1 Risco

A palavra risco assumiu múltiplos significados ao longo da história. Nas últimas


décadas o termo vem sendo largamente utilizado pela mídia, o que contribuiu para a
popularização de seu uso nos espaços os mais diversos. Nas ciências humanas, o conceito de
‘sociedade do risco’, concebido pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, tornou a palavra
especialmente frequente em livros, artigos e no discurso acadêmico de um modo geral. Para
este autor, “na modernidade avançada a produção de riqueza é sistematicamente
acompanhada pela produção de riscos”26 – o que se coaduna com o aspecto emergente
verificado nos riscos psicossociais, altamente correlacionados com o ‘modo de produção’
atual.
O “risco surge como conceito quando o futuro passa a ser entendido como
passível de controle”.27 A seu turno, o risk assessment ou “cálculo de risco está intimamente
relacionado à conformação e valorização da segurança”.28 Por fim, fator de risco, por sua
vez, “é toda característica ou circunstância que está relacionada com o aumento da
probabilidade de ocorrência de um evento”.29 Richard Sennett anota que “a própria palavra
‘risco’ descende da palavra renascentista italiana para ‘desafiar’, risicare”.30
Nada obstante, importa assinalar que não se almeja aqui buscar um conceito
unívoco de risco. Além de hercúlea, a tarefa seria ingrata, pois nos distanciaria do problema
central deste estudo cujo foco está em qualificar os riscos psicossociais ocupacionais como
categorias de interesse jurídico que, nesta qualidade, merecem a tutela do Estado.

26
“In advanced modernity the social production of wealth is systematically accompanied by the social
production of risks”. In: BECK, Ulrich. Risk Society: towards a new modenity. Londres: Sage, 1992, p. 19.
27
LUIZ, Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, nov. 2006, p. 2341. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 23 nov. 2010.
28
LUIZ, Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, nov. 2006, p. 2339. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 23 nov. 2010.
29
LUIZ, Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, nov. 2006, p. 2342. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 23 nov. 2010.
30
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 14ª ed.
Rio de Janeiro: Record, 2009, p. 94.
27

No ambiente ocupacional diferentes tipos de riscos coexistem e com maior


frequência do que em qualquer outro lugar. Sendo o ambiente de trabalho um espaço que, por
excelência, integra a vida humana mais do que o próprio lar, é manifesto o papel que
desempenha enquanto hospedeiro de agentes etiológicos que concorrem, de forma isolada ou
combinada, para causar os mais diversos danos à saúde do trabalhador.
Assim, interessa tratar aqui de riscos epidemiológicos de cunho psicossocial cuja
origem tenha relação direta ou indireta com o meio ambiente do trabalho. Em outras palavras,
o que é necessário conhecer são as circunstâncias que, presentes no ambiente de trabalho,
colocariam determinada interação psicossocial na categoria risco epidemiológico.31
É de se notar que os chamados riscos psicossociais no trabalho foram objeto de
várias classificações e definições. Embora algumas sejam mais sucintas do que outras, elas
parecem todas convergir para um mesmo ponto. A maioria dos conceitos toma o vocábulo
risco como sinônimo de interação entre o indivíduo, no caso o indivíduo que trabalha, e o
macroambiente no qual se desenvolve o seu trabalho.
Há ainda definições que indicam a organização do trabalho como fonte exclusiva
de riscos psicossociais no trabalho, enquanto outras adicionam o ambiente externo, aqui
entendido como as relações ou interações sociais alheias ao contexto de trabalho. Em todo
caso, antes que se inicie uma incursão teórica sobre as diversas definições doutrinárias de
risco psicossocial no trabalho, importa assinalar a existência de uma confusão terminológica
frequente entre o conceito de risco psicossocial no trabalho e a palavra stress.

1.1.2 Stress

A palavra stress é hoje um lugar-comum. A ele se atribui responsabilidade “por


inúmeros acontecimentos, desde a úlcera do executivo, ao acidente de automóvel de uma
personalidade”.32 O sentido conferido ao vocábulo stress nos dias atuais é de um “conjunto de

31
“Sinteticamente, risco epidemiológico pode ser definido como a probabilidade de ocorrência de um
determinado evento relacionado à saúde, estimado a partir do que ocorreu no passado recente”. In: LUIZ,
Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico. Cadernos de Saúde Pública, Rio
de Janeiro, v. 22, n. 11, nov. 2006, p. 2342. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 23 nov. 2010.
32
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 29.
28

reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço de
adaptação”33 – teve origem na engenharia de materiais. Este sentido moderno do termo foi
introduzido pelo psicólogo Hans Seyle no livro “Stress: a tensão da vida”34, publicado em
1956, por ocasião de uma analogia ao “grau de deformidade que uma estrutura sofre quando
é submetida a um esforço”.35
A palavra stress está presente em praticamente todos os artigos científicos que
tratam da relação entre saúde mental e trabalho. Tom Cox assevera que os riscos psicossociais
podem afetar direta ou indiretamente tanto a saúde física quanto a saúde psicológica, através
da experiência do stress. Destaca também que grande parte da atenção dos pesquisadores tem
sido dada aos possíveis efeitos indiretos, mediados pelo stress.36
Contudo “o termo stress é frequentemente apresentado de forma parcial e
distorcida”.37 É empregado como sinônimo de riscos psicossociais, em uns casos, e como
consequência dos riscos psicossociais, em outros. Esta distorção de conceitos não afeta
exclusivamente a matéria dos riscos psicossociais, conforme relatam Olinda Luiz e Amélia
Cohn:

Ocorre ainda uma fusão entre os sentidos de determinante (fator de risco) e


de seu efeito (risco), oriunda do discurso social comum, constituindo uma
inconsistência – figura de análise em que os significados são instáveis e
variáveis – e uma incoerência – transgressão da lógica fundamental do
discurso ao qual se incorpora o conceito.38

Não se pode confundir stress e riscos psicossociais. Ainda que no discurso


acadêmico a palavra stress seja utilizada sem tanto rigor científico, ora referindo-se à causa de
uma condição psíquica, ora referindo-se à condição psíquica em si, prefere-se evitar a sua
utilização. Além de o termo stress ser equívoco, seu emprego como sinônimo de riscos
psicossociais no trabalho contribui para o desgaste e banalização do tema “saúde mental

33
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 29.
34
SEYLE, Hans. Stress: a tensão da vida. 2ª ed. São Paulo: Ibrasa, 1965.
35
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 29.
36
COX, Tom. Stress research and stress management: putting theory to work. London: HSE Books, 1993, p. 34.
Disponível em: <http://www.hse.gov.uk/research/crr_pdf/1993/crr93061.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2010.
37
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 29.
38
LUIZ, Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, nov. 2006, p. 2343. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 23 nov. 2010.
29

ocupacional”, tendo em vista que a palavra é amplamente utilizada pela grande mídia e
sobretudo pelas pessoas em geral, isto é, fora do contexto acadêmico.

1.1.3 Riscos psicossociais no trabalho

Esclarecida a ambiguidade que gira em torno do termo stress, retorna-se à


pergunta central que norteia este tópico. Afinal o que são os riscos psicossociais no trabalho?
Para Alvarez Briceño “cabe definir riesgos psicosocial como aquellas características de las
condiciones de trabajo y, sobre todo, de su organización que afectan a la salud de las
personas a través de mecanismos psicológicos y fisiológicos”.39
Tom Cox assinala que são experimentadas como estressantes as situações de
trabalho que envolvem demandas importantes, porém desajustadas aos conhecimentos e às
habilidades do indivíduo. O stress sentido será tanto maior quanto menores forem o controle
sobre o trabalho e o suporte para realização das tarefas.40
Nas palavras de Liliana Guimarães, os fatores de risco psicossociais no trabalho
são “aquelas características do trabalho que funcionam como ‘estressores’, ou seja,
implicam em grandes exigências no trabalho, combinadas com recursos insuficientes para o
enfrentamento das mesmas”.41

39
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 369. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 jun. 2010.
40
Tradução livre de: “Work situations are experienced as stressful when they are perceived as involving
important work demands which are not well matched to the knowledge and skills (competencies) of workers or
their needs, especially when those workers have little control over work and receive little support at work”. In:
COX, Tom. Stress research and stress management: putting theory to work. London: HSE Books, 1993, p. 35.
Disponível em: <http://www.hse.gov.uk/research/crr_pdf/1993/crr93061.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2010.
41
GUIMARÃES, Liliana A. M. Fatores Psicossociais de Risco no Trabalho. In: Anais do 2º Congresso
Internacional sobre Saúde Mental no Trabalho – Artigos de Palestrantes. Goiânia, 2006, p. 99. Disponível em:
<http://www.prt18.mpt.gov.br/eventos/2006/saude_mental/anais/artigos/Liliana_A.M.Guimaraes.pdf>. Acesso
em: 15 nov. 2010.
30

Maria Maeno et al. informam que “os fatores psicossociais do trabalho são as
percepções subjetivas que o trabalhador tem dos fatores de organização do trabalho” 42 como
por exemplo, “considerações relativas à carreira, à carga e ritmo de trabalho e ao ambiente
social e técnico do trabalho”.43 “A ‘percepção’ psicológica que o indivíduo tem das
exigências do trabalho é o resultado das características físicas da carga, da personalidade
do indivíduo, das experiências anteriores e da situação social do trabalho”.44
Em sentido análogo posicionou-se o Instituto Sindical de Trabajo Ambiente y
Salud (ISTAS). Para a entidade espanhola:

Los riesgos psicosociales son condiciones de trabajo, derivadas de la


organización del trabajo, para las que tenemos estudios científicos
suficientes que demuestran que perjudican la salud de los trabajadores y
trabajadoras. PSICO porque nos afectan a través de la psique (conjunto de
actos y funciones de la mente) y SOCIAL porque su origen es social:
determinadas características de la organización del trabajo.45

Segundo se pronunciou a OIT, em um documento publicado há mais de duas


décadas, os fatores psicossociais no trabalho se originam de interações entre dois polos. De
um lado, está o meio ambiente de trabalho que compreende o conteúdo do trabalho e as
condições organizacionais como um todo. De outro lado, estão as habilidades, as
necessidades, a cultura e as circunstâncias pessoais (externas ao trabalho) dos trabalhadores
que possam, através das percepções e da experiência destes, influenciar a saúde, o
desempenho e satisfação no trabalho.
Conforme exposto, pode-se dizer que dois cenários distintos poderiam ocorrer,
pois o trabalho pode ser fonte de saúde e de doença, de pertença e de exclusão. A figura
abaixo retirada do documento produzido pela OIT e pela OMS em 1984 resume a definição
dada naquela ocasião para os chamados fatores psicossociais no trabalho:

42
MAENO, Maria et al. Lesões por Esforços Repetitivos (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho (DORT), Dor relacionada ao trabalho: Protocolos de atenção integral à Saúde do Trabalhador de
Complexidade Diferenciada. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2006, p. 13. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/protocolo_ler_dort.pdf> . Acesso em: 24 mai. 2010.
43
MAENO, Maria et al. Lesões por Esforços Repetitivos (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho (DORT), Dor relacionada ao trabalho: Protocolos de atenção integral à Saúde do Trabalhador de
Complexidade Diferenciada. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2006, p. 13. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/protocolo_ler_dort.pdf> . Acesso em: 24 mai. 2010.
44
MAENO, Maria et al. Lesões por Esforços Repetitivos (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho (DORT), Dor relacionada ao trabalho: Protocolos de atenção integral à Saúde do Trabalhador de
Complexidade Diferenciada. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2006, p. 13. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/protocolo_ler_dort.pdf> . Acesso em: 24 mai. 2010.
45
INSTITUTO SINDICAL DE TRABAJO AMBIENTE Y SALUD (ISTAS). Organización del trabajo, salud y
riesgos psicosociales: Guía del delegado y delegada de prevención. Barcelona, Paralelo Edición, 2006, p. 11.
Disponível em: <http://www.istas.net/web/abreenlace.asp?idenlace=2616>. Acesso em: 29 nov. 2010.
31

Figura 1 – Os Fatores Psicossociais no Trabalho


Fonte: International Labour Office (ILO). Psychosocial factors at work: recognition and control.
Report of the Joint ILO/WHO Committee on Occupational Health – Ninth Session. Genebra: 1984, p.
4.

O documento de 1984 é explícito ao dizer que um equilíbrio ideal entre fatores


humanos e condições ocupacionais sugeriria uma situação psicossocial no trabalho
influenciando positivamente, em especial a saúde do trabalhador. Todavia, as interações
sociais entre as condições do ambiente ocupacional e os fatores humanos também podem ser
de cunho negativo.
Ocorrendo tal situação, podem aparecer distúrbios emocionais, problemas
comportamentais, mudanças bioquímicas e neuro-hormonais, além de riscos adicionais de que
o indivíduo venha a desenvolver doenças físicas e/ou mentais, em um momento posterior.
Pode-se esperar também efeitos adversos no desempenho, bem como na satisfação percebida
com o trabalho.46 Este desvio é a preocupação central que norteia o presente estudo, pois o

46
(ILO) International Labour Office. Psychosocial factors at work: recognition and control. Report of the Joint
ILO/WHO Committee on Occupational Health – Ninth Session. Geneva; 1984, pp. 3-4. Disponível em:
<http://www.who.int/entity/occupational_health/publications/ILO_WHO_1984_report_of_the_joint_committee.
pdf>. Acesso em: 14 nov. 2010.
32

risco psicossocial aparece quando a natureza da interação social mediada pelo ambiente de
trabalho é do tipo negativa.

1.2 Classificação dos riscos psicossociais no trabalho

Os riscos psicossociais ocupacionais têm sido objeto de estudo e sistematização


há algum tempo. No entanto, dada a problemática emergente que circundou o tema nas
últimas décadas, pode-se dizer que foi mais recentemente que as classificações doutrinárias a
esse respeito amadureceram. Se outrora os riscos psicossociais no ambiente de trabalho se
reportavam a uma temática novidadeira e carente de bases teóricas, hodiernamente o cenário é
bastante diverso.
Os problemas trazidos pela assunção dos riscos psicossociais relacionados ao
trabalho emergem, neste início de século, como verdadeira questão de saúde pública.
Problemas psíquicos relacionados ao trabalho vêm crescendo de forma virulentamente
democrática, tanto nos países do ‘norte’, quanto nos países do ‘sul’. De qualquer maneira, o
assunto é de uma delicadeza sui generis, sendo absolutamente relevante conhecer as
classificações mais importantes elaboradas a seu respeito.

1.2.1 A classificação da OIT

Em 1984, o sueco Lennart Levi47 agrupou os diversas riscos psicossociais do


trabalho em quatro grupos: i) sobrecarga quantitativa; ii) carga qualitativa insuficiente; iii)
falta de controle sobre o trabalho; iv) falta de apoio social em casa e por parte da chefia e dos

47
Lennart Levi, M.D., Ph.D., é professor emérito de Medicina Psicossocial no Instituto Karolinska (Suécia). Foi
fundador e diretor da Divisão de Pesquisa em Stress no Instituo Karolinska e consultor temporário da OMS, OIT
e UNICEF. Publicou mais de 300 artigos científicos e livros, incluindo o Guia sobre stress relacionado ao
trabalho da Comissão Europeia. É Presidente da Seção de Psiquiatria Ocupacional da Associação Mundial de
Psiquiatria e Presidente da International Stress Management Association (ISMA).
33

colegas de trabalho48. Posteriormente, Levi escreveu o capítulo “Fatores Psicossociais,


Estresse e Saúde”, parte da Enciclopédia de Saúde e Segurança no Trabalho49 da OIT. Em
referido capítulo o autor atualizou as categorias iniciais de fatores psicossociais no trabalho
que passaram de quatro para seis: i) sobrecarga quantitativa; ii) carga qualitativa insuficiente;
iii) falta de controle sobre o trabalho; iv) papéis/funções conflitantes; v) falta de apoio social
em casa e por parte da chefia e dos colegas de trabalho; vi) estressores físicos.
A sobrecarga quantitativa corresponde à soma de determinados fatores típicos
como ter muita coisa para fazer, sofrer a pressão do tempo e ainda lidar com um fluxo de
trabalho repetitivo. Estas são, em larga medida, as características típicas de grande parte da
tecnologia de produção em massa e do trabalho de escritório baseado em rotinas nos dias
atuais.
A carga qualitativa insuficiente diz respeito ao conteúdo do trabalho que é
muito limitado e monótono. Trata-se de situações nas quais faltam: variações nos estímulos,
demandas que exijam o uso da criatividade ou que requeiram solucionar problemas. Além
destas circunstâncias, acrescenta-se o fato de a carga qualitativa insuficiente referir-se
também a uma situação na qual existem poucas oportunidades de interação social. Lennart
Levi observa que empregos com estas características têm se tornado cada vez mais comuns
com a automação que não foi projetada de forma otimizada, com maior uso dos computadores
em escritórios e processos de manufatura, embora possa haver casos em sentido contrário.
O conflito de papéis e funções pode surgir facilmente entre os diferentes papéis
exercidos pelo indivíduo. Todo ser humano tem várias funções atribuídas ao mesmo tempo,
como por exemplo: ser superior e subordinado, filho ou filha e pai ou mãe, marido ou esposa,
amigo e membro de um clube, de um sindicato ou de um órgão de classe. Não raras vezes, os
conflitos levam ao surgimento de estresse, como ocorre, por exemplo, quando o trabalho
exige confronto com um pai ou filho doente ou quando um supervisor é dividido entre a
lealdade para com seus superiores e lealdade para com colegas e subordinados.
A falta de controle sobre a situação instala-se quando é outra pessoa quem
decide o que fazer, quando e como. É o que acontece, por exemplo, em relação ao calendário
e aos métodos de trabalho quando o trabalhador não tem qualquer influência, controle ou voz.
Ou ainda quando há incertezas porque não existe um padrão evidente na situação de trabalho.

48
LEVI, Lennart. Stress in Industry: Causes, Effects and Prevention. Occupational. Safety and Health Series n.
51, International Labour Office, Geneva, 1984.
49
LEVI, Lennart. Factores psicosociales, estrés y salud. In: Stellman JM, directora de edición. Enciclopedia de
Salud y Seguridad en el Trabajo. Madrid: Organización Internacional Del Trabajo, 1998, v. 2, pp. 34-35.
34

A falta de apoio social em casa e por parte da chefia e dos colegas de trabalho é
um fator autoexplicativo. Diversas são as situações enfrentadas na família que demandam
apoio do chefe e dos colegas de trabalho e vice-versa, pois são igualmente comuns as
situações enfrentadas no trabalho que demandam apoio da família. Qualquer deficiência nesta
rede de solidariedade na qual se baseia o equilíbrio psicossocial do indivíduo qualifica-se
como interação social negativa e, nesta qualidade, como um risco psicossocial no trabalho,
quando relativa a este.
Os estressores físicos são fatores que podem afetar o trabalhador física e
quimicamente. Em psiquiatria ocupacional há uma diferenciação entre síndromes
psiquiátricas relacionadas ao trabalho, entre as não-orgânicas, de um lado, e as orgânicas, de
outro50. Lennart Levi menciona os efeitos diretos causados no cérebro pelos solventes
orgânicos51. Lembra o autor que é possível a ocorrência de efeitos secundários psicossociais
cuja origem resida no contato com substâncias que produzem cheiros, luzes brilhantes,
extremos de temperatura, ruído ou umidade, dentre outros. Estes efeitos também podem
resultar do fato de o trabalhador estar consciente, suspeitar ou mesmo temer a possibilidade de
estar exposto a perigos químicos que podem comprometer a sua vida diretamente ou
indiretamente, provocando acidentes.
Por fim, Lennart Levi observa que, na vida real, as condições enfrentadas no
trabalho ou fora dele geralmente envolvem uma combinação de exposições variadas (tempo e
intensidade) a riscos psicossociais diversos, conforme demonstram as sete categorias que não
são excludentes entre si. “A gota que faz o vaso transbordar pode ser decorrente de um fator
bastante trivial, mas incidente sobre um indivíduo que já suporta uma carga ambiental
anterior considerável”.52

50
Cf. CAMARGO, Duílio Antero de; CAETANO, Dorgival; GUIMARÃES, Liliana A. M. Psiquiatria
ocupacional II: síndromes psiquiátricas orgânicas relacionadas ao trabalho. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio
de Janeiro, v. 54, n. 1, 2005, pp. 21-33. Disponível em:
<http://maxipas1.tempsite.ws/principal/pub/anexos/20081117020956artig oocupacional1_05.pdf>. Acesso em:
29 nov. 2010.
51
Solventes orgânicos são compostos lipossolúveis (solúveis na presença de lipídeos ou gorduras), voláteis e
inflamáveis. São misturas de substâncias químicas capazes de dissolver outros materiais. No corpo humano, a
ação dos solventes orgânicos é semelhante ao efeito dos anestésicos: inibem a atividade do cérebro e da medula
espinhal, diminuindo a capacidade funcional do sistema nervoso central e a sensibilidade aos estímulos.
52
Tradução livre de: “La gota que colma el vaso puede ser por consiguiente un factor del entorno bastante
trivial, pero que se produce cuando ya se soporta una carga ambiental anterior muy considerable”. In: LEVI,
Lennart. Factores psicosociales, estrés y salud. In: Stellman JM, directora de edición. Enciclopedia de Salud y
Seguridad en el Trabajo. Madrid: Organización Internacional Del Trabajo, 1998, v. 2, pp. 34-35.
35

Portanto, as configurações que podem existir, enquanto resultados de exposições


cumulativas, ou sinergicamente associadas, são infinitas. A classificação de Levi tem dessa
forma importância como modelo teórico que possibilita a compreensão e a elaboração de
medidas de prevenção.

1.2.2 A classificação do ISTAS

O Instituto Sindical de Trabajo Ambiente y Salud (ISTAS) informa que a maior


parte dos estudos sobre o tema dos riscos psicossociais laborais identifica quatro grandes
divisões de tais fatores: i) o excesso de exigências psicológicas no trabalho; ii) a falta de
influência no desenvolvimento do trabalho; iii) a falta de suporte social e a baixa qualidade da
liderança e iv) a baixa remuneração do trabalho.53
O excesso de exigências psicológicas no trabalho configura-se de várias
maneiras. Ocorre por exemplo, quando se tem que trabalhar de forma rápida ou irregular, ou
ainda quando o trabalho impõe que se escondam os sentimentos e as opiniões ou obriga o
empregado a tomar decisões difíceis e de forma rápida.
A falta de influência no desenvolvimento do trabalho caracteriza-se por
algumas situações típicas. Uma delas é quando o empregado não tem autonomia para escolher
a forma pela qual irá conduzir o trabalho ou ainda quando fazer uma pausa. Igualmente,
também se tem a “falta de influência” quando o trabalho não oferece oportunidades para que
as habilidades e conhecimentos do indivíduo possam ser aplicadas, quando não tem sentido
ou não pode ser conciliado com as necessidades da família.
A falta de suporte social e a baixa qualidade da liderança dizem respeito às
situações em que o empregado tem que trabalhar sozinho, sem apoio de superiores
hierárquicos ou de colegas, com tarefas mal definidas ou sem a informação adequada e
oportuna.

53
INSTITUTO SINDICAL DE TRABAJO AMBIENTE Y SALUD (ISTAS). Organización del trabajo, salud y
riesgos psicosociales: Guía del delegado y delegada de prevención. Barcelona, Paralelo Edición, 2006, p. 11.
Disponível em: <http://www.istas.net/web/abreenlace.asp?idenlace=2616>. Acesso em: 29 nov. 2010.
36

A pouca compensação do trabalho ocorre quando há insegurança contratual.


Isto ocorre quando é dispensado ao empregado um tratamento injusto e por vezes
desrespeitoso ou quando não há reconhecimento pelo trabalho realizado (por exemplo, o
salário é baixo). Outra causa típica que pode ser citada é o fato de o empregado estar sujeito a
trocas de posto ou de função rotineiramente, ainda que contra a sua vontade.

1.2.3 A classificação do HSE

O Health and Safety Executive (HSE) é o Órgão Executivo para a Saúde e a


Segurança no Reino Unido. Trata-se de um órgão público não ministerial, responsável pelo
fomento, regulação e aplicação da legislação sobre segurança no trabalho, saúde e bem-estar.
O órgão acumula também a função de investigação sobre os riscos ocupacionais, na
Inglaterra, País de Gales e Escócia. Na Irlanda do Norte, esta responsabilidade pertence ao
Executivo de Saúde e Segurança da Irlanda do Norte.
O HSE foi criado pelo “Act 1974” sobre Saúde e Segurança no Trabalho e, desde
então, absorveu órgãos reguladores que existiam anteriormente, tais como a Factory
Inspectorate (Inspeção de Fábricas) e a Railway Inspectorate (Inspeção Ferroviária), apesar de
esta última ter sido transferida para o Office of Rail Regulation (Instituto de Regulação
Ferroviária) em abril de 2006.
O HSE é patrocinado pelo Ministério do Trabalho e da Previdência. Como parte
de suas prerrogativas, o HSE tem competência para investigar os acidentes industriais,
grandes e pequenos, incluindo os acidentes graves. Em 1993, o HSE publicou um relatório de
pesquisa elaborado por Tom Cox que foi objeto do Contrato nº 61/199354. O documento de
117 páginas, intitulado “Stress Research and Stress Management: putting theory to work” – o
que poderia ser traduzido como “Stress – pesquisa e gerenciamento: da teoria à prática” –
trouxe um apanhado da produção científica existente até então sobre o tema dos riscos
psicossociais ocupacionais.

54
COX, Tom. Stress research and stress management: putting theory to work. London: HSE Books, 1993.
Disponível em: <http://www.hse.gov.uk/research/crr_pdf/1993/crr93061.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2010.
37

Interessa registrar o fato de que Tom Cox reportou existir um consenso razoável
no que diz respeito às tentativas de rever e sistematizar a literatura que trata dos riscos
psicossociais no trabalho os quais são percebidos como estressantes e/ou potencialmente
danosos. Este consenso foi resumido pelo autor em duas categorias: o conteúdo do trabalho e
contexto do trabalho. Cada uma destas frentes foram, em seguida, subdividas em nove classes,
conforme ilustra a tabela abaixo55.

55
COX, Tom. Stress research and stress management: putting theory to work. London: HSE Books, 1993, p. 35.
Disponível em: <http://www.hse.gov.uk/research/crr_pdf/1993/crr93061.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2010.
38

Tabela 1
39

1.2.4 A classificação da EU-OSHA

A estratégia comunitária para o período de 2002-2006 previu a criação de um


“observatório de riscos” pela Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho (EU-
OSHA). A intenção era que a Agência pudesse ajudar a antecipar o conhecimento sobre os
chamados riscos ocupacionais novos e emergentes. Para tanto, o Observatório Europeu de
Riscos efetuou pesquisas com especialistas, através do método Delphi. Neste método, os
resultados de uma rodada anterior de determinada pesquisa realimentam os especialistas para
uma avaliação mais aprofundada, até que seja possível chegar a um consenso. O objetivo do
Observatório Europeu de Riscos é identificar os riscos emergentes no local de trabalho de
maneira precoce, para então adotar medidas preventivas adequadas.
Os resultados das pesquisas descritas foram complementados por uma análise da
investigação científica sobre os principais temas identificados pelos especialistas. A tabela
abaixo mostra os 10 riscos psicossociais emergentes mais importantes identificados na
pesquisa realizada pelo Observatório Europeu de Riscos56. São “riscos consensualmente
considerados emergentes” aqueles que apresentam valores médios ponderados, segundo
Escala de Likert57, acima de 4,0. Os “riscos considerados emergentes”, por sua vez, são
aqueles que apresentam valores médios, ponderados pela Escala de Likert, maiores do que
3,25 e menores ou iguais a 4,0.

56
Disponível em: <http://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/74>. Bélgica, 2007. Acesso em: 15 nov.
2010.
57
A Escala de Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica comumente usada em questionários. É hoje a
escala mais usada em pesquisas de opinião. Ao responderem a um questionário baseado nesta escala, os
entrevistados especificam seu nível de concordância com uma afirmação. Rensis Likert estudou as organizações
e o comportamento humano. Sua tese de doutorado foi defendida em 1932, na Universidade de Michigan. Na
ocasião, apresentou uma escala de pesquisa (Escala de Likert), como um meio de medir atitudes, mostrando que
a mesma captava mais informação do que os métodos concorrentes. Likert baseou-se em pesquisas intensivas
com empregados de companhias industriais, nas quais os interrogava sobre o comportamento dos seus
supervisores. As respostas permitiram-lhe definir vários perfis ou estilos de liderança, que posteriormente foram
associados ao nível de desempenho das empresas.
40

Tabela 2 – Os 10 riscos psicossociais emergentes mais importantes

RISCOS PSICOSSOCIAIS VALORES MÉDIOS


Contratos precários no contexto de um mercado de trabalho instável 4,56
Maior vulnerabilidade dos trabalhadores no contexto da globalização 4,38
Novas formatos de contratos de trabalho 4,25
Sentimento de insegurança no emprego 4,25
Envelhecimento da mão-de-obra 4,19
Horários de trabalho extensos/longos 4,13
Intensificação do trabalho 4,07
Produção decrescente e terceirização 4,06
Exigências emocionais elevadas no trabalho 4,00
Difícil conciliação entre a vida profissional e a vida privada 4,00

Fonte: Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho. Previsão dos peritos sobre os
riscos psicossociais emergentes relacionados com a segurança e saúde no trabalho (SST) – Fact
Sheet 74, Bélgica, 2007.

Em 2008, Silvia Helena Camelo e Emília Angerami publicaram os resultados da


revisão que fizeram a respeito da literatura produzida no período de 1984 a 2006, no tocante
às categorias de riscos psicossociais relacionados ao trabalho. Os resultados apresentados são
convergentes em relação à pesquisa do Observatório Europeu de Riscos. As autoras
identificam aspectos de organização, planejamento e gerenciamento do trabalho como as
principais fontes dos riscos psicossociais, os quais são todos aqueles que podem levar ao que
vulgarmente se denomina “stress”.58
Apontam ainda que o suporte precário para a resolução de problemas, a
ambiguidade, o conflito de papéis, as incertezas na carreira, a falta de controle sobre o
trabalho, o relacionamento interpessoal insuficiente, os conflitos e dificuldades na interface
trabalho-família, as tarefas monótonas, a sobrecarga e a organização do trabalho foram
identificados como os principais fatores de riscos psicossociais associados ao trabalho.

58
CAMELO, Silvia Helena Henriques; ANGERAMI, Emília Luigia Saporiti. Riscos psicossociais no trabalho
que podem levar ao estresse: uma análise da literatura. Ciência, Cuidado e Saúde. v. 7, n. 2, abr./jun., 2008,
pp.232-240. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5010/3246>.
Acesso em: 08 dez. 2010.
41

2 UMA NOVA MODALIDADE DE RISCOS ASSOMBRA O MEIO


AMBIENTE DO TRABALHO

Nas sociedades industrializadas, os problemas de saúde mental e os custos que


destes advêm atingiram uma amplitude considerável. Inúmeros estudos demonstram que estes
problemas são, em larga medida, imputáveis às transformações ocorridas no mundo do
trabalho. “Esse é, particularmente, o caso dos fatores relacionados à organização do
trabalho. O ritmo acelerado, a pressão por produção, os constrangimentos cotidianos e a
ameaça de desemprego”.59 Todas as transformações impingidas à organização do trabalho
influíram de forma consideravelmente negativa sobre a saúde mental dos trabalhadores.
A jurista canadense Anne-Marie Laflamme60 afirma que a epidemiologia do
sofrimento mental mediado pelo trabalho manifesta-se como uma verdadeira pandemia dos
tempos modernos, na medida em que apresenta um padrão similar quando se observa o
conjunto dos países industrializados. Portanto, o problema não diz respeito a este ou aquele
país em especial. Em termos mais amplos, mas em consonância com o pensamento de
Laflamme, também se pronunciou Amartya Sen: “vivemos igualmente em um mundo de
privação, destituição e opressão extraordinárias [...] muitas dessas privações podem ser
encontradas, sob uma ou outra forma, tanto em países ricos como em países pobres”.61

2.1 A emergência dos riscos psicossociais ocupacionais

Segundo a Agência Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho (European


Agency for Safety and Health at Work – EU-OSHA)62, riscos emergentes em Saúde e
Segurança no Trabalho abrangem todo tipo de risco que preenche ao mesmo tempo duas

59
SATO, Leny; BERNARDO, Márcia Hespanhol. Saúde mental e trabalho: os problemas que persistem. Ciência
& Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, dez. 2005. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000400011&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 04 dez. 2010.
60
LAFLAMME, Anne-Marie. Le droit à la protection de la santé mentale au travail. Canadá (Québec): Éditions
Yvon Blais, 2008, p. 2.
61
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 9.
62
Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho. Previsão dos peritos sobre os riscos psicossociais
emergentes relacionados com a segurança e saúde no trabalho (SST) – Fact Sheet 74. Disponível em:
<http://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/74>. Bélgica, 2007. Acesso em: 15 nov. 2010.
42

condições: ser novo e crescente. Dessa forma, é preciso colocar os chamados riscos
psicossociais à prova dos critérios definidos pela Agência para demonstrar o que, até este
momento, permanece uma indagação: os riscos psicossociais configuram uma categoria
emergente de riscos em saúde ocupacional?
Para a EU-OSHA, o risco ocupacional classificado como novo é aquele que
atende ao menos a uma de duas condições. Em um primeiro caso, o risco seria considerado
novo se, além de não existir anteriormente, tenha ainda se originado por processos de trabalho
novos, novas tecnologias, novas formas de organização do trabalho, transformações sociais,
ou ainda pelo fato de o trabalho se desenvolver em novos espaços. Para verificar a
aplicabilidade deste critério aos fatores psicossociais de risco, é necessário voltar um pouco
na história para identificar quando este assunto se tornou importante para aqueles que se
ocupam do tema da Saúde Ocupacional.
É mister reconhecer que o interesse a respeito dos aspectos psicossociais da saúde
ocupacional não é um fenômeno recente. Ao contrário, segundo Julian Barling e Amanda
Griffiths “os questionamentos sobre como a prática, as políticas, a supervisão e a liderança
no meio ambiente de trabalho afetam o bem-estar físico e psicológico dos empregados atraiu
parcela considerável de interesse durante boa parte do século XX”.63

O reconhecimento da importância dos aspectos mais intangíveis do trabalho


e seus efeitos sobre a saúde do indivíduo, tanto psicológicos como físicos,
começaram a surgir no século XIX, sobretudo após a Revolução Industrial.
Naquela época, a psicologia era tão somente uma jovem disciplina, que foi
confinada a questões puramente experimentais que lhe possibilitaram uma
pequena contribuição para as questões aplicadas. No entanto, indivíduos
provenientes das disciplinas com uma história mais substancial como a
filosofia, a política, a sociologia, a arte e a literatura, começaram a arejar as
preocupações sobre o impacto das transformações do mundo do trabalho
sobre a saúde física e psicológica dos trabalhadores. O mundo estranho e
desumanizante das fábricas e escritórios começou a aparecer não apenas nos
comentários sociológicos e políticos da época, mas também em romances
por toda a Europa, no final do século XIX e início do século XX, por
exemplo, nos escritos de autores como Kafka.64

63
BARLING, Julian; GRIFFITHS, Amanda. A history of occupational health psychology. In: QUICK, James;
TETRICK, Lois (Orgs.). Handbook of Occupational Health Psychology. Washington, D.C.: American
Psychological Association, 2003, p. 19.
64
BARLING, Julian; GRIFFITHS, Amanda. A history of occupational health psychology. In: QUICK, James;
TETRICK, Lois (Orgs.). Handbook of Occupational Health Psychology. Washington, D.C.: American
Psychological Association, 2003, p. 19.
43

Liliana Guimarães aponta que desde os anos 80 “pesquisas sobre fatores


psicossociais de risco no ambiente de trabalho têm produzido um grande corpo de pesquisa
empírica e teórica”.65 Sua afirmação encontra respaldo em um dos trabalhos de Töres
Theorell66 e no fato de que já em 1984 a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em
conjunto com a Organização Mundial de Saúde (OMS), chamaram a atenção da comunidade
científica para os fatores de riscos psicossociais no meio ambiente de trabalho. Isto ocorreu
através de um documento publicado em conjunto intitulado “Fatores Psicossociais no
Trabalho: Reconhecimento e Controle”.

2.1.1 Mudanças na organização do trabalho

Contudo, também é verdade que o meio ambiente do trabalho de hoje mudou


muito após a virada do século, de forma que existem hoje processos, tecnologias e mudanças
no mundo do trabalho que trouxeram situações inteiramente novas.67 Pesquisas de campo e
estudos bibliográficos mostram, por exemplo, que “os perfis etários da população activa
evoluem igualmente, assim como o equilíbrio entre homens e mulheres em muitos locais de
trabalho”. 68 De todo modo, há um consenso sobre o fato de que “os riscos psicossociais são
frequentemente resultantes de transformações técnicas ou organizativas [...]
socioeconómicas, demográficas e políticas, incluindo o actual fenómeno da
‘globalização’”.69

65
GUIMARÃES, Liliana A. M. Fatores Psicossociais de Risco no Trabalho. In: Anais do 2º Congresso
Internacional sobre Saúde Mental no Trabalho – Artigos de Palestrantes. Goiânia, 2006, p. 99. Disponível em:
<http://www.prt18.mpt.gov.br/eventos/2006/saude_mental/anais/artigos/Liliana_A.M.Guimaraes.pdf>. Acesso
em: 15 nov. 2010.
66
THEORELL, Töres. Working Conditions and Health. In: BERKMAN, Lisa; KAWACHI, Ichiro (Orgs.).
Social Epidemiology. Oxford: Oxford University Press, 2000, pp. 95-117.
67
O advento da internet e do mundo do trabalho virtual, bem como a entrada maciça de mulheres no mercado de
trabalho, são dois exemplos de como ocorreram profundas transformações na sociedade e na organização do
trabalho de modo geral em um passado muito recente.
68
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010, p. 1. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
69
Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho. Previsão dos peritos sobre os riscos psicossociais
emergentes relacionados com a segurança e saúde no trabalho (SST) – Fact Sheet 74. Disponível em:
<http://osha.europa.eu/pt/publications/factsheets/74>. Bélgica, 2007. Acesso em: 15 nov. 2010.
44

Em 2008, quase 30 anos depois de ser lançado, foi publicada na França a terceira
edição do livro “Travail usure mentale”.70 Mas sobre o que pretendeu Christophe Dejours
chamar a atenção do leitor com esta nova edição? O que há de novo acerca dos resultados das
pesquisas realizadas pelo autor sobre este tema que lhe é tão caro?71
Segundo Dejours, três elementos permearam a organização do trabalho nas
últimas décadas trazendo importantes consequências: i) a introdução e a generalização de
técnicas de avaliação individual de desempenho; ii) a generalização dos critérios de gestão
pela Qualidade Total e; iii) a tolerância do Estado vis-à-vis às transgressões em matéria de
direito e proteção da saúde no trabalho.72
No mesmo sentido posicionam-se Paulino José Orso et al. Segundo argumentam,
as causas para os problemas de saúde mental relacionados ao trabalho repousam sobre uma
“organização do trabalho que está voltada para a racionalização dos processos, para a
maximização dos lucros com o mínimo de custos possíveis, transformando o trabalhador num
meio para a concretização destes fins”.73

O termo mundo do trabalho em mudança engloba uma ampla gama de novos


padrões de organização do trabalho, em uma variedade de níveis: o
teletrabalho e o aumento do uso da tecnologia da informação e da
comunicação no local de trabalho; downsizing, terceirização, subcontratação,
demissões, reformas, fusões e globalização; mudanças associadas ao padrão
de emprego; exigências de flexibilidade dos trabalhadores em termos de
número, função ou habilidade; aumento do número de trabalhadores no setor
de serviços; crescimento da quantidade de trabalhadores mais velhos;
trabalho autorregulado; trabalho em grupos, etc.74

Sob esta perspectiva, a proteção à saúde mental do trabalhador passa,


necessariamente, pela vigilância dos riscos a ela associados – os chamados riscos
psicossociais no trabalho –, enquanto causas mediatas e imediatas de transtornos mentais
relacionados ao ambiente ocupacional. Parafraseando Yves Clot e Philippe Zarifian, “se
quisermos evitar os riscos psicossociais, é do trabalho que se deve cuidar em primeiro lugar.

70
A primeira edição da obra que se tornou um clássico foi publicada na França em 1980. Posteriormente a
versão em português foi publicada no Brasil pela Editora Cortez, sob o título “A loucura do trabalho”.
71
O autor se dedica ao tema há mais de 30 anos. A primeira pesquisa sobre o sofrimento psíquico dos
trabalhadores foi realizada por Christophe Dejours no setor automotivo em 1973, antes mesmo da introdução da
robótica. DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Paris: Bayard, 2008, p. 35.
72
DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Paris: Bayard, 2008, pp. 10-11.
73
ORSO, Paulino José et al. Reflexões acerca das Lesões por Esforços Repetitivos e a organização do trabalho.
Revista Online da Biblioteca Prof. Joel Martins, Campinas - SP, v. 2, n. 2, 2001, p. 50. Disponível em:
<http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/viewFile/395/374>. Acesso em: 20 mai. 2010.
74
GLINA, Débora Miriam Raab. Modelos Teóricos de Estresse, Estresse no Trabalho e Repercussões na Saúde
do Trabalhador. In: GLINA, Débora Miriam Raab; ROCHA, Lys Esther (Orgs.). Saúde Mental no Trabalho: da
teoria à prática. São Paulo: Roca, 2010, p. 17.
45

É o trabalho que deve se adaptar ao homem e não o inverso. É lá que as margens de


manobra são maiores”.75
Em que pese o fato de todos os três elementos apontados por Dejours serem
isoladamente bastante importantes, na prática agem em consórcio na produção de mazelas
relativas ao sofrimento psíquico decorrente do trabalho. Nesta vereda, importa agora elucidar
os elementos apontados por Dejours e tantos outros autores como determinantes do caráter
novidadeiro ostentado pelos riscos psicossociais no trabalho.
Em todo caso, a principal discussão que se pretende travar tem como pano de
fundo o direito político e econômico. Isto significa dizer que, no âmbito deste trabalho, o
terceiro elemento adquire especial importância, sendo esta a razão de as implicações de um
Estado conivente e tolerante serem objeto de um capítulo específico.

2.1.1.1 Avaliações individuais de desempenho

Não é tarefa simples formular um conceito do que seja “avaliar”. No dicionário


encontramos com frequência a correspondência com o ato de estimar o valor ou a importância
do objeto de avaliação. Em verdade, o termo é equívoco porquanto o ato de atribuir valor é
uma tarefa que pode ser feita em termos quantitativos ou qualitativos. Christophe Dejours
argumenta que “toda a ambiguidade da noção de avaliação resulta da distância entre
julgamento e medição”.76
Quando se trata de avaliar o trabalho, o conceito esbarra em outras limitações,
pois sabe-se que nem sempre trabalhar coincide com as oito horas diárias, mesmo que seja
este o tempo em que se está fisicamente no espaço considerado de trabalho. “Se o taylorismo
do homem o uso máximo de seu corpo, as novas políticas de recursos humanos tentam obter a

75
Texto original: “…si l'on veut prévenir les risques psychosociaux, c'est le travail qu'il faut soigner en priorité.
C'est le travail qu'il faut adapter à l'homme et non l'inverse. C'est là que les marges de manœuvre sont les plus
grandes”. CLOT, Yves; ZARIFIAN, Philippe. Souffrance en entreprise: quels remèdes? Le Monde, 9 de
dezembro de 2009, p. 3.
76
DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à prova do
real. São Paulo: Blucher, 2008, p. 89.
46

adesão do indivíduo e atuam no plano psicossocial”77 e o resultado é que não raras vezes, o
trabalho invade a residência, o lar, os sonhos e os pensamentos.
Destarte, “quando se diz que se produziu tantas peças ou tantos kilowatthoras,
realmente não se mediu o trabalho. O trabalho [...] não se limita ao tempo que se passa na
empresa. Entre o trabalho e o resultado do meu trabalho, não há medida comum”.78 Apesar
desta constatação, a adoção das “avaliações individuais de desempenho” encontra-se há muito
consolidada, sendo possível perceber seus efeitos negativos por toda parte.
Intimamente relacionadas com a busca desenfreada por objetivos e metas, as
avaliações individuais de performance no trabalho têm sido largamente empregadas tanto no
setor público quanto no setor privado, constituindo hoje uma ferramenta de ampla utilização.
“Praticamente para a totalidade dos empregados não resta dúvida de que a cobrança de
resultados hoje é maior do que antes. Na cabeça dos trabalhadores, o grau de exigência de
resultados impõe-se como uma espada de Dâmocles”.79
A verdade é que diversos problemas cercam a avaliação do desempenho
individual, enquanto instrumento de gestão. Seu uso em larga escala contribuiu diretamente
para o fenômeno da “intensificação do trabalho”. Contudo, de maneira indireta, o
fortalecimento da cultura da avaliação traduziu-se no ambiente de trabalho sob a forma de
“cobranças de resultados por chefes e administradores [...] controle sobre a quantidade e a
qualidade do trabalho realizado, pressão por parte das exigências da clientela que impõem
um esforço mental e um controle emocional sobre-humanos”.80
Inicialmente a avaliação do desempenho individual no trabalho redundou na
intensificação do labor, especialmente na sua forma imaterial (carga cognitiva)81. De forma
reflexa, esta intensificação da carga de trabalho provocou “efeitos sobre o lado psíquico e
relacional do trabalhador, que deixam marcas sobre o corpo [...] e que extrapolam o

77
RIBEIRO, Maria de Fátima; SILVA, Luiza Rosângela da. O tênue limite entre a gestão do desempenho
individual e a legitimação de assédio moral. III SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.
Disponível em: <http://ww.aedb.br/seget/artigos06/854_ribeiro%20m%20f%20seget.pdf>. Acesso em: 04 dez.
2010.
78
Entrevista Dejours. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=8563>. Acesso em:
04 dez. 2010.
79
DAL ROSSO, Sadi. Mais Trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 133.
80
DAL ROSSO, Sadi. Mais Trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 145.
81
Para Negri, o trabalho imaterial é “aquele que produz os bens imateriais como a informação, os saberes, as
ideias, as imagens, as relações e os afetos”. NEGRI, Toni. De l'avenir de la démocratie (débat avec Olivier
Mongin). Alternatives Internationales. Paris, v. 18, 2004, p. 44.
47

ambiente de trabalho com reflexo sobre a vida familiar e societária dos indivíduos”.82 Dessa
maneira, os achados de Dal Rosso confirmam as constatações de Dejours a propósito da
influência das avaliações individuais no adoecimento psíquico dos trabalhadores.
Um dos graves problemas das avaliações individuais de desempenho é o fato de
que elas pressupõem uma atitude de comparação que, no melhor dos casos, terá por objeto o
“resultado do trabalho [...] visível, quantificável e objetivável”.83 O objetivo da avaliação,
enquanto instrumento de gestão, é diferenciar os indivíduos, isto é, segregá-los de uma
maneira tal que, se um empregado estiver bem avaliado, isto implicará dizer que alguém não
está – ainda que a referência esteja em outros setores, ou mesmo em outras empresas.
Consequentemente, em um contexto organizacional qualquer (empresas, governo,
universidades), é automática a associação do vocábulo ‘avaliação’ com as ideias de punição
ou prêmio, o que gerou medo e fez com que as pessoas passassem a viver em função dela.
Não seria exagero dizer que os sistemas de avaliação e monitoramento da performance
individual, em especial aqueles focados em indicadores e métricas excessivas, colocam o
trabalhador em uma situação de constrangimento sem precedentes. A comparação entre pares
tornou-se uma constante. O que por si só já seria grave, por gerar tensão e stress, representa
ainda outras consequências deletérias.
“As exigências paradoxais, a dissolução do coletivo [...] bem como a pressão
imposta por uma competição sem limites [...] são sintomas de uma economia que parece
desenvolver-se à custa da sociedade”.84 “Uma característica marcante da nova organização
do trabalho é o fato de o indivíduo tornar-se rejeitável ao primeiro sinal de crise”85 de modo
que, ainda que despretensiosa, e eivada das melhores intenções, a utilização geral e irrestrita
de instrumentos de avaliação individual no ambiente de trabalho deu lugar a um clima de
relações sociais precárias, ao qual Dejours se refere como o domínio do “chacun pour soi”
(cada um por si).

82
DAL ROSSO, Sadi. Mais Trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo:
Boitempo, 2008, p. 145.
83
Entrevista Dejours. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=8563>. Acesso em:
04 dez. 2010.
84
FREITAS, Maria Ester de; HELOANI, José Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral no trabalho.
Coleção debates em administração. São Paulo: Cengage Learning, 2009, p. 9.
85
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 187.
48

As temidas demissões em atacado, ou mesmo a disputa por cargos melhores na


estrutura hierárquica das corporações, tornaram o colega que senta ao lado um concorrente em
potencial. Os trabalhadores passam a olhar “o colega como alguém não confiável, não só pelo
fato do que o outro realmente é, mas, muito mais, pelo que representa: sofrimento e dor”.86
“Trabalhar, sob este ângulo, é malograr”.87
Desta forma, “rompe-se a regra, o consenso, o acordo, a fala compartilhada”.
Não há mais espaço para colaboração e solidariedade entre colegas de trabalho na medida em
que “a empregabilidade passa – sobretudo – pela retenção do conhecimento. Compartilhar
responsabilidades pode ser um mau negócio na batalha diária pela própria sobrevivência”.88
E como “a cooperação não é prescritível, ao contrário do que muitas correntes de gestão em
recursos humanos tentam praticar”89, “no final das contas, a avaliação no contexto de
enxugamento de pessoal e intensificação do trabalho age essencialmente como uma
ameaça”.90
Essas questões repercutiram de forma importante nas “resistências construídas
por um processo de alienação que exigem uma negação coletiva ou uma construção
fantasiosa coletiva sobre o mundo real e os reais problemas do trabalho”.91 É o que a
doutrina trata por “mecanismos de defesa coletivos”.
[...] enquanto o sujeito ainda está reclamando junto ao grupo de trabalho e
tomando a linguagem e o vocabulário do outro para falar sobre o sofrimento
e o medo próprios, escapa-se da possibilidade de ser enquadrado como e, até
mesmo, de se tornar doente ou deprimido. Medo e tristeza não viram
necessariamente, desta forma, fobia e depressão.92

86
HELOANI, José Roberto; CAPITAO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em
Perspectiva [online], v. 17, n. 2, 2003, p. 104. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v17n2
/a11v17n2.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
87
Entrevista Dejours. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=8563>. Acesso em:
04 dez. 2010.
88
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 187.
89
HALLACK, Fernanda Sansão; SILVA, Cláudia Osório da. A reclamação nas organizações do trabalho:
estratégia defensiva e evocação do sofrimento. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 17, n. 3, dez. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822005000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 dez. 2010.
90
DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à prova do
real. São Paulo: Blucher, 2008, p. 79.
91
HALLACK, Fernanda Sansão; SILVA, Cláudia Osório da. A reclamação nas organizações do trabalho:
estratégia defensiva e evocação do sofrimento. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 17, n. 3, dez. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822005000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 dez. 2010.
92
HALLACK, Fernanda Sansão; SILVA, Cláudia Osório da. A reclamação nas organizações do trabalho:
estratégia defensiva e evocação do sofrimento. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 17, n. 3, dez. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822005000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 dez. 2010.
49

A implementação em larga escala das avaliações individuais de desempenho


representou a aniquilação de tais mecanismos, levou à ruptura dos laços sociais no coletivo de
trabalho e ao aparecimento dos transtornos mentais e psicossomáticos chamados por Dejours
de ‘patologias da solidão’. Estes problemas se agravam ainda mais, quando o referencial de
performance passa a ser um ideal inatingível ou desprovido de qualquer sentido.
Ocorre que, ainda que o indivíduo ultrapasse seu colega, em termos de
produtividade, seu desempenho nunca será bom o suficiente, já que é sempre possível
produzir mais. Por isso “fala-se em corrosão do caráter porque ninguém, nem os que teriam
todas as razões para estarem satisfeitos com o sistema já que representam seu próprio ideal,
encara seu emprego num horizonte a longo prazo”.93

2.1.1.1.1 Um caso ilustrativo: o produtivismo acadêmico

Ao examinar o problema das avaliações de desempenho Christophe Dejours toma


como exemplo uma área muito peculiar: a da pesquisa científica e da produção acadêmica. O
autor insiste no fato de que “trabalhar é primeiramente fracassar, depois obstinar-se e,
algumas vezes, vencer a resistência do real”94, aqui entendida como o conjunto das
dificuldades que se apresentam na prática. Nesse sentido, “se a pesquisa científica é um
trabalho, cabe a ela mais que a qualquer outro segmento conceder um lugar essencial ao
fracasso”.95
No entanto, conforme desabafa Lucídio Bianchetti, não é isto o que ocorre.
Nostálgico de “um período em que, se o orientando concluísse ou não o mestrado ou o
doutorado, isso era problema dele, não interferia na vida do orientador, na vida do
programa, na sua avaliação”, o autor questiona o fato de que, quando se “entra na

93
HELOANI, José Roberto; CAPITAO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em
Perspectiva [online], v. 17, n. 2, 2003, p. 103. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v17n2
/a11v17n2.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
94
DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à prova do
real. São Paulo: Blucher, 2008, p. 89.
95
DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à prova do
real. São Paulo: Blucher, 2008, p. 89.
50

universidade e passa a atuar na pós-graduação, não há mais possibilidade de ocupar esse


espaço impunemente”.96

Hoje, está tudo tão amarrado, tão entranhado, que para se ter uma ideia, até o
início da década de 90, havia em torno de 45% de não conclusões no
mestrado e doutorado, hoje, esse número é de aproximadamente 15%,
porque a não conclusão do curso repercute na vida do orientador e na vida
do programa.97

Em outras palavras, conclui o autor que não há “mais como não ser produtivo e
ser incluído. Se você deixar de ser produtivo, você vai ser excluído, e esse produtivo é no
sentido de produtivismo mesmo, com todo o tom pejorativo que existe no sufixo ‘ismo’”.98 A
‘vedação ao fracasso’ aparece assim como corolário da ‘ditadura da avaliação’. Suas
implicações extrapolam o problema da justiça da avaliação em si, pois mesmo que as causas
de um eventual ‘fracasso’ escapem à esfera de ingerência daquele que não se enquadra, ainda
assim ele será sumariamente excluído.
“A corrida desenfreada por publicações e comunicações científicas, e
principalmente a multiplicação de revistas, suportes especializados e colóquios”99 revelam o
quanto o problema se tornou crônico, mas há ainda um outro aspecto do produtivismo
acadêmico que merece nossa atenção. A avaliação de artigos submetidos para a publicação,
cada vez mais “baseados em estudos pontuais de interesse local [...] e de baixa relevância
científica”, tem se tornado tarefa cada dia mais árdua100.
“No limite de sua capacidade de responder, face às múltiplas e sucessivas
demandas de pareceres não apenas dos periódicos como também das agências de
fomento”101, editores e consultores ad hoc se veem diuturnamente sobrecarregados. Deste
modo, a figura do professor/pesquisador passa então a acumular uma série de outras funções.
“Além do ensino e da pesquisa, este profissional passa a ser digitador, preenchedor de

96
BIANCHETTI, Lucídio. O espectro tomou conta da academia. Informandes Online, Brasília-DF, pp. 1-3, 23
out. 2007. Disponível em: <http://www.adufpa.org.br/detalha_noticia.php?id=190>. Acesso em: 05 dez. 2010.
97
BIANCHETTI, Lucídio. O espectro tomou conta da academia. Informandes Online, Brasília-DF, pp. 1-3, 23
out. 2007. Disponível em: <http://www.adufpa.org.br/detalha_noticia.php?id=190>. Acesso em: 05 dez. 2010.
98
BIANCHETTI, Lucídio. O espectro tomou conta da academia. Informandes Online, Brasília-DF, pp. 1-3, 23
out. 2007. Disponível em: <http://www.adufpa.org.br/detalha_noticia.php?id=190>. Acesso em: 05 dez. 2010.
99
DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à prova do
real. São Paulo: Blucher, 2008, p. 88.
100
COIMBRA JR., Carlos E. A. Efeitos colaterais do produtivismo acadêmico na pós-graduação. Cadernos de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 10, out. 2009. Disponível em <http://www.scielosp.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009001000001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 05 dez. 2010.
101
COIMBRA JR., Carlos E. A. Efeitos colaterais do produtivismo acadêmico na pós-graduação. Cadernos de
Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 10, out. 2009. Disponível em <http://www.scielosp.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009001000001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 05 dez. 2010.
51

formulários, avaliador, entre outros. Passou a incorporar funções que nem sempre são
remuneradas ou contabilizadas em suas horas de trabalho”.102

O professor ideal agora é um híbrido de cientista e corretor de valores.


Grande parte do seu tempo deve ser dedicado a preencher relatórios,
alimentar estatísticas, levantar verbas e promover visibilidade para si e seu
departamento. O campus vai se reconfigurando num gigantesco pregão. O
gerenciamento do meio acabou se tornando fim na universidade. A ideia é
que todos se empenhem no limite de suas forças.103

“Enfim, o que se visualiza nas universidades é que o trabalho dos professores


pesquisadores sofre o impacto dos processos de flexibilização do setor produtivo,
acompanhando as oscilações dos mercados”.104 E dessa maneira, as consequências sobre a
saúde dos atores envolvidos é tão grave quanto em outros setores.
Causa espécie o quanto a “cultura do produtivismo” encontra-se arraigada dentro
da academia – um espaço cuja natureza, em princípio, seria imune à implementação de
modelos utilitaristas. Analisando assim, as “avaliações individuais de desempenho”, enquanto
vilão apontado por Dejours, estão mais do que institucionalizadas. De tal sorte, não é por
outra razão que os problemas de saúde mental relacionados ao trabalho se multiplicam de
forma exponencial, também entre professores e pesquisadores.

2.1.1.2 A gestão pela Qualidade Total

Inicialmente, para aqueles que se dedicavam às ciências da administração, ter


qualidade significava estar em conformidade com as especificações. Em um segundo
momento, o conceito passou a incluir as expectativas e a satisfação dos clientes. Foram então
incluídos como medidas de qualidade de um produto ou serviço atributos como prazo,

102
SANTOS, Silvia Alves dos. A naturalização do produtivismo acadêmico no trabalho docente. Revista Espaço
Acadêmico, v. 10, n. 110, jul., 2010, pp. 147-154. Disponível em:
<http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/10195/5796>. Acesso em: 05 dez.
2010.
103
SEVCENKO, Nicolau. O professor como corretor. Folha de São Paulo, São Paulo, 4 jun., 2000. Caderno
Mais, pp. 6-7. Disponível em: <http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/journal/s/sevcenko1.doc>. Acesso em: 05 dez.
2010.
104
SANTOS, Silvia Alves dos. A naturalização do produtivismo acadêmico no trabalho docente. Revista Espaço
Acadêmico, v. 10, n. 110, jul., 2010, pp. 147-154. Disponível em:
<http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/10195/5796>. Acesso em: 05 dez.
2010.
52

pontualidade, condições de pagamento, dentre outros até que, finalmente, a busca por uma
definição do que seria Qualidade no ambiente organizacional culminou no desenvolvimento
do “Total Quality Management” (TQM) – Gestão pela Qualidade Total ou simplesmente,
“Qualidade Total”.
O TQM consiste em um conjunto de práticas e métodos de gestão das
organizações que os adotam com o intuito de garantir que as expectativas dos stakeholders
(consumidores/clientes/sócios) sejam sempre atendidas ou mesmo superadas. A Gestão pela
Qualidade Total coloca especial enfoque nos processos de mensuração e de controle como
meio principal de assegurar uma melhoria contínua.
As avaliações individuais, enfrentadas por esta autora, em momento anterior,
coadunam-se de maneira absolutamente sinérgica com os princípios da gestão pela Qualidade
Total. São os ditames desta filosofia que influenciaram a definição dos critérios de avaliação
do trabalho. Isto ocorreu, obviamente, em caráter apartado da dimensão humana envolvida no
ato de trabalhar. Satisfação, reconhecimento e sofrimento são categorias abstratas demais para
serem apreendidas em termos numéricos e estatísticos, métodos estes dos quais a Qualidade
Total é praticamente uma escrava.
A Qualidade Total vive em função do “mercado”. Esta entidade, cuja natureza
poderia ser objeto de um tratado, dado seu caráter sui generis, estabeleceu que o correto é que
as organizações obtenham, a qualquer custo, o maior número de certificações, chancelas e
premiações possível. Contudo, os custos associados a esta empreitada não são imputáveis ao
mercado, nem mesmo a seus representantes mais ou menos ilustres. Desse modo, seu poder de
influência destoa fortemente de sua capacidade de responsabilização o que não seria possível
sem um alto grau de cumplicidade do Estado105.

2.1.1.2.1 Entre americanismo e niponismo: os mitos mobilizadores

Após o boom tecnológico e a febre dos modelos de gestão americanos e


japoneses, novas práticas de produção, controle e avaliação surgiram como uma panaceia.
“Livros sobre temas como gestão eficaz, o fator humano impulsionador de negócios,

105
O problema do mercado enquanto estruturador da sociedade política será objeto de exame aprofundado no
Capítulo 4, item 4.2.1.2. De toda forma, quando se fala em “cumplicidade” por parte do Estado, para efeitos
desta dissertação, o termo deve ser entendido como omissão.
53

motivação e liderança, empresa com alma, capital intelectual da empresa, entre outros, ricos
em técnicas e certezas”106 difundiram ideias e receitas para uma utilização de recursos –
inclusive ‘humanos’ – de maneira cada vez mais eficiente. Dessa maneira os gestores
implementaram uma profunda metamorfose na organização do trabalho.
As modernas formas de gestão basearam-se em trabalhos científicos que
prescindiram de estudar o impacto humano de suas proposições, sob uma “dimensão ética,
fundamentalmente heterônoma em relação às ciências da natureza”.107 Assim, os efeitos
colaterais de uma cartilha que foi adotada aqui e ali, em maior ou menor escala, têm sido
percebidos de forma cada vez mais consistente.
A Teoria Clássica da Administração Científica baseou-se no conceito de homo
economicus108, isto é, do homem econômico. Idealizada por Taylor e Fayol, e levada às
últimas consequências por Henry Ford, esta doutrina preconizava a adoção de práticas que
pudessem levar à maior eficiência. A especialização, as linhas de produção e o trabalho
repetitivo, muito bem satirizado por Chaplin no filme Tempos Modernos, fornecem uma boa
medida do que significou a implantação de tais correntes para o mundo do trabalho.
Se o taylorismo/fordismo foi mais popular até meados do século passado, o
“ohnismo” ou “toyotismo” teve maior importância após a década de 1950. A esse respeito,
registre-se que, certa vez, Donald Reid referiu-se ao ‘fayolismo’ como sendo um ‘mito
mobilizador’. Isto porque, ao lado de outras teorias clássicas, o ‘fayolismo’ ostenta um caráter
de mito, capaz de estimular e orientar os gerentes, mobilizando-os.109

106
RIBEIRO, Maria de Fátima; SILVA, Luiza Rosângela da. O tênue limite entre a gestão do desempenho
individual e a legitimação de assédio moral. III SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.
Disponível em: <http://ww.aedb.br/seget/artigos06/854_ribeiro%20m%20f%20seget.pdf>. Acesso em: 04 dez.
2010.
107
DEJOURS, Christophe. O fator humano. 5a ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 53.
108
“Segundo esse conceito, toda pessoa é concebida como influenciada exclusivamente por recompensas
salariais, econômicas e materiais [...] o homem procura o trabalho não porque gosta dele, mas como um meio
de ganhar a vida por meio do salário que o trabalho proporciona. O homem é motivado a trabalhar pelo medo
da fome e pela necessidade de dinheiro para viver. Assim, as recompensas salariais e os prêmios de produção (e
o salário baseado na produção) influenciam os esforços individuais do trabalho, fazendo com que o trabalhador
desenvolva o máximo de produção de que é fisicamente capaz para obter um ganho maior. Uma vez selecionado
cientificamente o trabalhador, ensinado o método de trabalho e condicionada sua remuneração à eficiência, ele
passaria a produzir o máximo dentro de sua capacidade física”. CHIAVENATO, Idalberto. Administração
geral e pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, pp. 9-10.
109
REID, Donald. Fayol: excès d’honneur ou excès d’indignité? Revue Française de Gestion, set./out., n. 70,
1988, pp. 151-159.
54

Jean Lojkine afirma que as críticas que outrora se voltaram contra o


taylorismo/fordismo “cristalizam-se hoje num novo ‘mito mobilizador’: o modelo japonês
(‘toyotismo’, para uns, ‘ohnismo’, para outros)”.110 O autor assevera que “menos do que uma
oposição ao mito precedente” está-se diante de “uma espécie de inversão dele” a qual
evidencia-se de maneira simétrica, conforme ilustram as seis dimensões por entre as quais o
mito antigo e o novo não deixam de se mover.

Tabela 3

Fonte: LOJKINE, Jean. A revolução informacional. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 32.

2.1.1.2.2 A Qualidade Total como um contrassenso téorico

Christophe Dejours considera a Qualidade Total um contrassenso teórico. Ele


afirma tratar-se de um conceito falso, sustentado por uma teoria sem sentido, já que a
Qualidade Total não existe, seria tão somente um ideal estabelecido por entidades com
interesses próprios. O reinado deste discurso de verdade, propagado por aqueles que se
ocupam da gestão, vem provocando verdadeiras distorções que “já alcançaram os
departamentos de pesquisa e desenvolvimento na indústria, por meio das modalidades de
ação em qualidade, qualidade total e em certificações”.111

110
LOJKINE, Jean. A revolução informacional. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 30.
111
DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho submetida à prova do
real. São Paulo: Blucher, 2008, pp. 88-9.
55

O autor problematiza o fato de que o ideal de qualidade, tal qual vem sendo posto
pelas agências de certificação, impõe às organizações – e por ricochete sobre os seus
empregados – uma busca implacável pela obtenção de uma chancela qualquer que possa ser
capaz de lhe render frutos. É o que ocorre com as certificações ISO, com os rankings de
classificação de empresas socialmente responsáveis, apenas para citar alguns exemplos.
Quando a história da Responsabilidade Social Corporativa é resgatada sob esta perspectiva,
emergem de forma cristalina as motivações mais genuínas e pouco sinceras que nortearam a
concepção de tal movimento.
Ao mesmo tempo em que a concorrência por cargos e salários se acirra no mundo
do trabalho, é sobre os trabalhadores que passam a recair então as pressões pela conquista dos
parâmetros estabelecidos como ideais. E se a verdade da organização se distancia de uma
forma irremediável dos padrões ideais – o que não é difícil de acontecer –, começam a surgir
as fraudes. Inicia-se aí a gênese de um dos processos mais deletérios da atualidade do mundo
do trabalho: a corrosão do caráter.112

2.1.1.2.3 Adeus ao (sentido do) trabalho

Assiste razão a Christophe Dejours. A bem da verdade, é forçoso reconhecer que a


nova configuração dada à organização do trabalho trouxe ao meio ambiente laboral situações
patogênicas muito preocupantes e, vale dizer, particularmente improdutivas. E como em um
mundo regido pela Qualidade Total todas as perdas carecem ser mensuradas, com a
“improdutividade” da força de trabalho não poderia ser diferente. Assim, o descontentamento
de uma gestão míope com situações cada dia mais comuns de queda na produtividade deu
ensejo a conceitos como “presenteísmo” ou “presentismo”113.

112
Cf. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 14ª
ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
113
Termo forjado pelo Professor de Psicologia Organizacional e Saúde Cary Cooper, no fim da década de 90.
Cooper é americano e leciona atualmente na Lancaster Univeristy Management School, uma das instituições
líderes em pesquisa no Reino Unido. Possui diversos títulos e distinções, dentre os quais o de Comendador da
Ordem do Império Britânico (Commander of the Order of the British Empire, CBE, 2001).
56

Forma paralela ao vocábulo “absenteísmo” ou “absentismo”, o presenteísmo


refere-se à diferença entre o desempenho esperado do empregado e o que ele efetivamente
“rende” no trabalho. Enquanto no absenteísmo o desempenho cai por faltas ou atrasos, no
presenteísmo o empregado rende menos mesmo estando presente, devido a problemas de
saúde agudos, crônicos, permanentes ou sazonais114.
Nesta toada, fraudar balanços, estatísticas, maquiar relatórios de informações a
investidores, distorcer informações passadas aos clientes, mentir por uma boa causa, ou
mesmo agir contra seus princípios éticos, são todas posturas que se tornaram comuns no
mundo das organizações. Papéis são preenchidos em nome da Qualidade Total, reportagens
são publicadas, relatórios são impressos e isto é uma forma escrita de mentira que vem
acompanhada de sérias consequências para o sujeito.
Ser feliz no trabalho é ser reconhecido. O trabalho deve fazer sentido e ter valor.
A partir do momento em que o empregado se sente uma fraude ou é obrigado a agir contra
princípios éticos e convicções pessoais, a realização no trabalho torna-se altamente
comprometida, dando ensejo a um problema moral. O mesmo orgulho que se sente ao término
de um trabalho bem feito, assim entendido aquele que trouxe realização para o indivíduo,
deixa de existir quando ele passa a viver e a criar mentiras.
O espaço subjetivo, que em condições normais seria preenchido com sentido,
orgulho e valor, não permanece vazio (o que já seria ruim). Ao contrário, o espaço que antes
era preenchido com sentido tende agora a ser preenchido por sentimentos de remorso, de
culpa, de autocondenação e de baixa autoestima. Surgem então as bases para os transtornos
mentais relacionados ao trabalho. Em outras palavras, atitudes incongruentes, imorais e
muitas vezes ilegais, tomadas de maneira mais ou menos consciente, são apontadas como
elementos fundamentais de uma atmosfera organizacional insalubre que conduz as pessoas
por um caminho de adoecimento e exclusão.

114
Os problemas de saúde envolvidos no “baixo rendimento” ou presenteísmo são os mais variados. Contudo,
dentre os mais comuns figuram a fadiga crônica, a insônia, a hipersonia diurna, as dores na coluna, artrite, os
problemas cardíacos, hipertensão, problemas gastrointestinais diversos, cefaleias e enxaquecas.
57

2.1.1.3 Mudança de status: agora um “risco de fato”

Há um outro critério que permitiria incluir determinados fatores de risco


ocupacionais como na categoria de “riscos novos”. Referido critério pode ser definido da
seguinte forma: são novos aqueles riscos que, embora possam há muito ser conhecidos,
somente agora passam a ser considerados como um “risco de fato”, em função de novos
conhecimentos científicos e da alteração na percepção que o público tem sobre estes fatores.

2.1.1.3.1 Novos conhecimentos científicos

Poco a poco, los riesgos psicosociales han ido ganado entidad y relevancia,
incorporando formalmente nuevas manifestaciones atractivas para los
investigadores y estudiosos de esta materia. Su carácter pluridimensional,
que tanto se subraya, no ha hecho más que favorecer el análisis desde
múltiples perspectivas, en consideración a sus diversas facetas y efectos.115

Ao lado dos riscos físicos, químicos e biológicos, que em alguma proporção


também podem lesionar ou agravar a saúde psíquica, os riscos psicossociais emergem, neste
início de século, como uma prioridade nas investigações acadêmicas sobre saúde
ocupacional116 em diversos países. No Brasil também tem crescido de forma acentuada a
produção acadêmica sobre os ricos emergentes em Saúde e Segurança no Trabalho.
É digno de nota um estudo realizado sobre a epidemiologia das licenças do
trabalho por doenças mentais no Brasil, no período compreendido entre 1999 e 2002. Os
resultados discutidos resumiram-se em quatro conclusões principais.117 A primeira delas foi
de que as doenças mentais representam na atualidade causas de incapacidade para o trabalho,

115
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 369. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/993/99312516006.pdf>.
Acesso em: 02 jun. 2010.
116
NEW OSH ERA (New and Emerging Risks in Occupational Safety and Health) é composta por mais de vinte
agências de fomento e institutos de pesquisa que atuam em Segurança e Saúde Ocupacional.
117
BARBOSA-BRANCO, Anadergh; ALBUQUERQUE-OLIVEIRA, Paulo Rogério; MATEUS, Márcia.
Epidemiologia das licenças do trabalho por doenças mentais no Brasil, 1999-2002 (Palestra). Goiânia: I
Congresso Internacional sobre Saúde Mental no Trabalho, 2004. Disponível em: <http://www.prt18.
mpt.gov.br/eventos/saude_men tal_palestras/anadergh.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2010.
58

com elevado impacto social e econômico. Um outro ponto de consenso diz respeito aos
quadros patológicos, que se distribuem de forma bastante diferenciada entre os ramos de
atividade, sendo que, aqueles com maior participação do sexo feminino são mais atingidos
pelos distúrbios afetivos, enquanto os que apresentam uma predominância masculina sofrem
mais impacto dos distúrbios mentais desencadeados pelo uso de substâncias psicoativas.
Uma terceira conclusão tem relação com os custos previdenciários. O estudo
apontou que os distúrbios afetivos representam o grupo de causas de doenças mentais e
comportamentais mais importantes, tanto em quantidade, quanto em valor dos benefícios
concedidos. Contudo, os gastos previdenciários deveriam ser ainda maiores não fosse uma
situação de subnotificação de doenças psíquicas de cunho ocupacional constada pelo estudo
como quarta e última conclusão. Sobre este assunto, além de identificaram que a
caracterização das doenças psíquicas como doenças ocupacionais padece de forte
subnotificação, os pesquisadores concluíram também que este fato pode depender mais da
organização da classe do que dos fatores de risco enfrentados pelos empregados.118

2.1.1.3.2 Uma nova percepção

As alterações no mundo do trabalho, notadamente nas tendências do emprego,


encontram-se certamente na origem de riscos que, embora fossem um tanto evidentes até
pouco tempo, ainda se encontravam em um estágio de menor disseminação e notoriedade.
Fato é que ocorreu uma mudança de status no que diz respeito aos riscos psicossociais
ocupacionais. “Sabe-se hoje que tanto o trabalho, quanto a diversão em proporções
satisfatórias são critérios para avaliar um funcionamento psíquico saudável”.119 Assim, de
categoria inexpressiva e laboratorial, os riscos psicossociais foram alçados à condição de
problema de dimensões planetárias.

118
BARBOSA-BRANCO, Anadergh. Doença do Trabalho: Uma questão de risco ou de organização de classe.
Assessoria de Comunicação da UnB. Junho de 2004.
119
HELOANI, José Roberto; CAPITAO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em
Perspectiva [online], v. 17, n. 2, 2003, p. 102. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v17n2
/a11v17n2.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
59

O fato de a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ter publicado, em abril


de 2010, um documento intitulado “Riscos emergentes e novas formas de prevenção num
mundo de trabalho em mudança”120 confirma a hipótese mencionada. Conforme consta do
relatório, “numerosos trabalhadores encontram-se expostos a ‘novos’ riscos originados pela
evolução das formas de trabalho [...] pelo emprego precário ou por pressões acrescidas pelo
facto de se ter que fazer face às exigências da vida activa moderna”.121. Dessa maneira, uma
década após o início do século XXI, a OIT reconheceu a necessidade de serem adotadas novas
formas de prevenção, proporcionais e adequadas aos problemas que se apresentam.
É fato que há também riscos emergentes de natureza química, física e biológica,
mas estas categorias estão sendo apenas atualizadas, pois, em maior ou menor grau, já são
uma preocupação de instrumentos legislativos em um sem-número de países há bastante
tempo. Ademais, “os factores psicossociais são já reconhecidos como sendo problemas à
dimensão mundial, que afectam todos os países, todas as profissões e todos os
trabalhadores”.122

2.1.1.3.3 A intensificação do trabalho reafirma sua centralidade

Incomodado com teses equivocadas sobre o fim da centralidade do trabalho e o


surgimento de uma sociedade da informação, pós-industrial, sem trabalhadores, em 1994
Ricardo Antunes defendeu, perante o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
UNICAMP, sua tese de livre-docência em sociologia do trabalho. Seu inconformismo
decorria do fato de que alguns críticos da sociedade do trabalho, com honrosas exceções,
deduziram empiricamente ter se concretizado “a perda da relevância do trabalho abstrato na
sociedade moderna”. Não bastasse o método discutível de investigação adotado por tais
autores, Antunes questionava ainda a generalização de conclusões que se tornaram

120
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
121
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010, p. 1. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
122
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010, p. 11. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
60

verdadeiras premissas para uma falácia argumentativa sobre o “‘fim da utopia da sociedade
do trabalho’ em seu sentido amplo e genérico”.123
Em todo caso, o ‘fim do trabalho’, ou ao menos de sua centralidade, é um debate
que continua atual. Em 2008, portanto mais de uma década após a publicação do aludido
ensaio de Antunes, Sadi Dal Rosso publica os resultados de uma pesquisa que lhe permitiu
demonstrar, de forma irrefutável, que hoje “o trabalho é mais intenso, o ritmo e a velocidade
são maiores, a cobrança de resultados é mais forte, idem a exigência de polivalência,
versatilidade e flexibilidade”.124 A tabela abaixo é um excerto do estudo realizado por Dal
Rosso em Brasília-DF, uma cidade sem tradição de trabalho industrial na qual o sociólogo
pôde observar de forma privilegiada os fenômenos globais.125

Tabela 4 – Cobrança de resultados por parte das empresas ao comparar o trabalho


atual com trabalhos anteriores, segundo ramos de atividade.

Fonte: Amostra, Intensidade, Distrito Federal, 2000-2002. In: DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho! A
intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 134.

123
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do
Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1995, p. 85.
124
CATTANI, Antonio Davi. Apresentação. In: DAL ROSSO, Sadi. Mais Trabalho! A intensificação do labor
na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008, p. 9.
125
Foi perguntado a trabalhadores de vários setores se concordavam com a assertiva de que hoje há uma maior
cobrança por resultados. As respostas “sim”, “não” e “às vezes” foram computadas em termos absolutos e
relativos.
61

É preciso ressalvar, contudo, que o aspecto quantitativo não é e nunca foi a única
medida do quão central é o lugar do trabalho em nossa sociedade. O significado atribuído ao
trabalho, mais do que a quantidade de horas ou de anos que se passa trabalhando, é talvez o
mais importante indicador de centralidade do trabalho. Vivemos em uma sociedade que mede
rotineiramente as taxas de desemprego o que, de certa forma, é um meio de se medir a
exclusão, pois quem não trabalha está alheio ao que Robert Castel denominou “matriz da
integração social”.126

Muitos autores discutem a centralidade do trabalho no mundo social, sua


importância nas relações sujeito/sociedade e na constituição do próprio
sujeito. O trabalho é mais do que o ato de trabalhar ou de vender sua força de
trabalho em busca de remuneração. Há também uma remuneração social
pelo trabalho, ou seja, o trabalho enquanto fator de integração a determinado
grupo com certos direitos sociais. O trabalho tem, ainda, uma função
psíquica: é um dos grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede
de significados. Processos como reconhecimento, gratificação, mobilização
da inteligência, mais do que relacionados à realização do trabalho, estão
ligados à constituição da identidade e da subjetividade.127

Foge do escopo deste trabalho discutir em níveis profundos o significado do


trabalho nos dias atuais, seus determinantes e a forma pela qual se inter-relacionam. Isto
demandaria um esforço de pesquisa em todos os campos das ciências ‘sociais’ nos quais
foram produzidas teorias a respeito do assunto. De toda forma, seja pela necessidade de
pertencimento a grupos, seja pela representação social do ato de trabalhar, seja pelo
sentimento de culpa incutido pela “ética protestante”, o fato é que, em nossa sociedade, salvo
raríssimas exceções, aquele que não produz não tem valor.
Por ora, o que insistimos em afirmar é que as novas tecnologias e formas de
organização do trabalho não levaram ao fim do trabalho penoso. Ao contrário, conforme
pondera Selma Lancman, “acentuaram as desigualdades e a injustiça social e trouxeram
formas de sofrimento qualitativamente mais complexas e sutis, sobretudo do ponto de vista
psíquico”.128

126
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. São Paulo: Vozes, 1998, p. 532.
127
LANCMAN, Selma. Apresentação. In: LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal (Orgs.). Christophe
Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Brasília:
Paralelo 15, 2008, p. 31.
128
LANCMAN, Selma. Apresentação. In: LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal (Orgs.). Christophe
Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Brasília:
Paralelo 15, 2008, p. 33.
62

2.1.1.4 Riscos psicossociais como riscos crescentes

Por derradeiro, importa examinar ainda se os riscos psicossociais ocupacionais se


encaixam no perfil de riscos crescentes. O risco ocupacional é considerado crescente se o
número de situações de perigo que concorrem para a formação destes riscos estiver crescendo;
ou se a probabilidade da exposição às situações de perigo estiver crescendo; ou ainda, se as
consequências (efeitos) destes riscos sobre a saúde dos trabalhadores estiverem se agravando.

2.1.1.4.1 Crescem os custos associados aos riscos psicossociais no trabalho

“O número de trabalhadores que receberam auxílio-doença acidentário no


Brasil, em razão de adoecimentos relacionados direta ou indiretamente ao estresse, cresceu
acentuadamente em três anos”.129 Segundo o Ministério da Previdência Social130, os dados de
benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social em 2002 apontam as lesões e
envenenamentos, as doenças osteomusculares (LER/DORT) e do tecido conjuntivo, as
circulatórias e as mentais e comportamentais, como os quatro maiores grupos de causas de
benefícios concedidos a trabalhadores segurados no Brasil. Transtornos mentais como
depressão e ansiedade representam hoje no Brasil a terceira causa de afastamento do trabalho
por mais de quinze dias.131
É patente o aumento vertiginoso de problemas de saúde ocupacional, relacionados
aos riscos psicossociais. E a situação não é menos grave nos países europeus e em outros
países desenvolvidos. Em publicação recente, o Institute de Veille Sanitaire (Instituto Francês
de Vigilância Sanitária – InVS), em parceria com outros Ministérios disponibilizou a

129
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
180.
130
BRASIL. Anuário Estatístico da Previdência Social. Brasília: Ministério da Previdência e Assistência
Social/DATAPREV, 2003.
131
Reportagem. Disponível em ,http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2010/08/transtornos-mentais-sao-
terceira-causa-de-afastamento-do-trabalho.html>.
63

informação de que o sofrimento psíquico no trabalho foi a segunda patologia verificada nos
anos de 2006 e 2007.132
A OIT aponta o stress como “a segunda causa mais frequentemente registrada
dos problemas de saúde relacionados com o trabalho”133, sendo responsável por “50 a 60%
do total de dias de trabalho perdidos”.134 Informa ainda que:

[...] o número de indenizações decorrentes do estresse aumentou nos anos


recentes. De 1980 a 1989, as reclamações por enfermidades relacionadas
com o estresse triplicaram nos Estados Unidos, provocando aumento do
custo dos seguros. O Instituto de Compensação Trabalhista da Califórnia
(CWCI), entre 1979 e 1988, registrou um aumento de 700% das demandas
postulando indenizações por razões psicomentais. Na Austrália, os gastos
com reclamações relacionadas com o estresse já representavam, em 1990,
35% de todos os gastos decorrentes do acidente do trabalho e doenças
profissionais dos trabalhadores públicos.135

Um estudo realizado em 2000, em uma grande corporação americana, comparou


os gastos com o tratamento de episódios de depressão e de outras quatro doenças crônicas:
hipertensão arterial, diabetes, doenças da coluna e a doença coronariana. Os resultados
evidenciaram que a depressão implicou um tempo muito superior de afastamento do trabalho
quando comparada às outras doenças examinadas na amostra. Foi observado ainda que,
quando presente uma ou mais comorbidades136, tanto o tempo, quanto o custo do tratamento,
foram sensivelmente maiores para os casos de depressão.137

132
Résumés des communications. Santé mentale et travail. 4é Journeè Scientifique du Département Santé
Travail, 26 mars 2009, p. 4. Disponível em: <http://www.invs.sante.fr/publications/2009/journee_ sante_
mentale_travail/resumes_communications_journee_dst.pdf>. Acesso em 5 mai. 2009.
133
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010, p. 12. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
134
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010, p. 12. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
135
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
212.
136
O termo comorbidade é formado pelo prefixo latino cum, que significa contiguidade, correlação, companhia,
e pela palavra morbidade, originada de morbus, que designa estado patológico ou doença. Utilizado para
descrever a coexistência de transtornos ou doenças. Em epidemiologia psiquiátrica, a ênfase é dada ao risco
relativo (odds ratio), ou seja, as chances de um portador de determinado transtorno desenvolver outro como
comorbidade.
137
DRUSS, Benjamin G.; ROSENHECK, Robert A.; SLEDGE, William H. Health and Disability Costs of
Depressive Illness in a Major U.S. Corporation. American Journal of Psychiatry, v. 157, n. 8, ago./2000, pp.
1274-8. Disponível em: <http://ajp.psychiatryonline.org/cgi/reprint/157/8/1274>. Acesso em: 10 fev. 2010.
64

Em 2008, pesquisadores canadenses apresentaram resultados de um estudo


desenvolvido para aferir a carga global econômica excedente associada às doenças mentais no
Canadá no qual oferecem uma ideia acerca dos contornos econômicos assumidos pelo tema
aqui em foco. Foram levadas em conta a utilização dos serviços médicos e as perdas de
produtividade imputadas aos afastamentos do trabalho por curtos e longos períodos bem como
à diminuição da qualidade de vida em função do estado de saúde daqueles que sofrem de
problemas de saúde mental, diagnosticados ou não.138
Evidentemente, “se é necessário continuar as investigações para compreender
perfeitamente as implicações destes factores, admite-se, no entanto, que estes podem
desempenhar um papel importante no que diz respeito à saúde, ao absentismo e ao
desempenho dos trabalhadores”.139 Portanto, não restam incertezas de que os fatores
psicossociais de risco no trabalho são, de fato, uma categoria emergente de riscos que, nesta
qualidade, merecem um tratamento condizente com os desafios que representam.

138
K-L Lim, PhD; P. Jacobs, PhD; A. Ohinmaa, PhD; D. Schopflocher, PhD; C.Ss Dewa, PhD. A new
population-based measure of the economic burden of mental illness in Canadá. Chronic Diseases in Canadá, v.
28, n. 3, 2008, pp.92-98. Disponível em: <http://198.103.98.171/publicat/cdic-mcc/28-3/pdf/cdic28-3-2eng.pdf>.
139
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas formas de prevenção
num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010, p. 11. Disponível em:
<http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.
65

3 AS PATOLOGIAS EM AUMENTO

Christophe Dejours reuniu as patologias ocupacionais mentais que mais


preocupam na atualidade em quatro grupos: (i) as patologias de sobrecarga; (ii) as patologias
pós-traumáticas; (iii) as patologias do assédio e, por fim; (iv) depressões, tentativas de
suicídio e suicídios.

3.1 As patologias de sobrecarga

As patologias de sobrecarga são, segundo Dejours, as mais surpreendentes. Isto


porque o progresso técnico, a automação e, sobretudo, a robotização, foram vaticinados como
a mais pura evidência de que a humanidade caminhava rumo ao fim do trabalho, ou, pelo
menos, rumo a uma diminuição considerável da carga de trabalho. Curiosamente, tem-se
verificado exatamente o contrário, conforme discutido anteriormente. Assim, assiste-se a uma
escalada das chamadas patologias de sobrecarga, dentre as quais se destacam: o tecnoestresse,
o burnout, o karoshi e as disfunções musculoesqueléticas.

3.1.1 A síndrome de Burnout

Cristina Maslach, psicóloga social, e Herbert J. Freudenberger, psicanalista,


forjaram na década de 1970 o conceito de burnout. Esta definição desponta como “um dos
desdobramentos mais importantes do stress profissional, o que impõe sua apresentação em
qualquer texto que se dispõe a falar sobre stress relacionado ao trabalho”.140 O burnout pode
ser definido como uma “resposta emocional a situações de stress crônicas em função de

140
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 52.
66

relações intensas – em situações de trabalho – com outras pessoas”.141 No entanto, podem ser
igualmente acometidos aqueles “profissionais que apresentam grandes expectativas em
relação a seus desenvolvimentos profissionais e dedicação à profissão” e que, por diversas
razões, “não alcançaram o retorno esperado”.142
Quando se reflete sobre o trecho acima transcrito, chama a atenção o excerto “não
alcançaram o retorno esperado”. A esse respeito, parece inevitável deixar de criticar a
questão das metas impostas aos trabalhadores. Seja por uma avaliação individual de cada
trabalhador, seja por uma corrida pelo alcance de metas, a ‘organização do trabalho’143
aparece como principal fonte de alimentação de um circuito que, para usar uma metáfora,
parece operar sem disjuntor. Assim, como em uma roleta-russa, um ou mais trabalhadores
poderão funcionar como fusíveis, amortecendo os excessos de corrente.

3.1.2 Karoshi

Karoshi, por sua vez, é uma palavra em japonês que significa morte súbita por
sobrecarga ou excesso de trabalho144. Estudos realizados no Japão relataram que os acidentes
vasculares cerebrais, os casos de insuficiência cardíaca aguda, entre outros quadros clínicos
guardam uma estreita relação com a sobrecarga de trabalho e o pouco tempo para repouso.145

141
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 52.
142
LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma abordagem
psicossomática. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 52.
143
O termo “organização do trabalho” é equívoco. No presente trabalho, o termo é utilizado à luz da
Psicodinâmica do Trabalho, escola de Psicologia do Trabalho que se edificou a partir das ideias e pesquisas de
Christophe Dejours, médico psiquiatra e psicanalista francês. Assim, é adotada como referência a recomendação
da Escola Dejouriana de descartar a literalidade e o real das prescrições para examinar o trabalho enquanto
processo intersubjetivo, isto é, enquanto processo que permite a gestão social e a interpretação do trabalho pelos
sujeitos.
144
Analisando a etimologia do termo temos: karô, que equivale a “excesso de trabalho” e shi cujo
correspondente em português é a morte.
145
MARTINEZ ALCANTARA, Susana; HERNANDEZ SANCHEZ, Araceli. Necesidad de estudios y
legislación sobre factores psicosociales en el trabajo. Revista Cubana de Salud Pública, Ciudad de La Habana,
Cuba, v. 31, n. 4, 2005, p. 342.
67

Nos casos tipificados como Karoshi, os agentes propulsores apontados incluem,


dentre outros, “o excesso de trabalho, o trabalho em turnos, com a alternância de
horários”146, mas ainda:

[...] o excesso de viagens a trabalho; as substituições de pessoal; as


transferências para outras localidades, as transferências para empresas
afiliadas e as transferências solitárias de trabalho, isto é, sem a companhia da
família; além da excessiva duração e “infernal” qualidade do trajeto entre
moradia e trabalho [...]. Portanto, os fatores intervenientes na produção do
Karoshi não repousam apenas nas longas horas trabalhadas.147

Segundo a Organização Mundial da Saúde, “existem evidências crescentes nos


países industrializados que atrelam a doença coronariana e a depressão ao stress
relacionado ao trabalho”.148 A respeito da primeira relação (doença coronariana e stress),
Anency Giannotti reporta existirem dois tipos de investigações.
Um primeiro grupo de estudos comprovou que “determinados estados emocionais
extremos podem provocar infarto e morte”.149 Por outro lado, um segundo grupo de pesquisas
mostrou que “os fatores psicológicos e o stress atuam através dos outros fatores de risco”150 –
isto é, no curto prazo, “podem elevar o colesterol, os triglicérides, a pressão arterial, e mais
tarde, a longo prazo, produzem a aterosclerose [...] as tais das placas de gordura que
entopem as artérias que levam sangue ao coração”.151

146
CARREIRO Líbia. Morte por excesso de trabalho (Karoshi). Revista do Tribunal do Trabalho da 3ª Região,
Belo Horizonte, v. 46, n. 76, jul./dez. 2007, p. 140.
147
FRANCO, Tânia Maria de Almeida. Karoshi: o trabalho entre a vida e a morte. Caderno CRH, Salvador, n.
37, jul./dez., 2002, p. 149.
148
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global health risks: mortality and burden of disease attributable to
selected major risks. Genebra: WHO Press, 2009, p. 25. Disponível em:
<http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/GlobalHealthRisks_report_full.pdf>. Acesso em: 5 jun.
2010.
149
GIANNOTTI, Anency. Prevenção da doença coronária: perspectiva psicológica em um programa
multiprofissional. Psicologia USP, São Paulo, v. 13, n. 1, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000100009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 mai. 2010.
150
GIANNOTTI, Anency. Prevenção da doença coronária: perspectiva psicológica em um programa
multiprofissional. Psicologia USP, São Paulo, v. 13, n. 1, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000100009&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 22 mai. 2010.
151
GIANNOTTI, Anency. Prevenção da doença coronária: perspectiva psicológica em um programa
multiprofissional. Psicologia USP, São Paulo, v. 13, n. 1, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000100009&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 22 mai. 2010.
68

No que concerne ao perfil de pessoas que fariam parte de um grupo de risco para
o karoshi, é relevante registrar importante conclusão publicada no livro “Karoshi”, em 1990.
Inicialmente, acreditava-se que o karoshi vitimava um maior número de trabalhadores de
turno noturno e motoristas152. Entretanto, Tânia Franco relata que, após estudarem
depoimentos colhidos pela Karoshi Hot-line67, Yoko Kuroiwa e Hiroshi Kawahito153
concluíram que o karoshi pode acometer “todos os tipos de profissionais, com um nítido
aumento dos ‘colarinhos brancos’ em geral, envolvendo principalmente o trabalho de
escritório e ‘management’”.154
Passadas duas décadas, o problema ainda persiste. Em 19 de novembro de 2007, o
Conselho Nacional de Defesa das Vítimas de Karoshi, com o intuito de evitar a morte de
médicos por sobrecarga de trabalho, bem como de melhorar as condições de trabalho
destes155, submeteu uma série de solicitações ao Ministro da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do
Japão.
Mas, “a questão da sobrecarga de trabalho e danos para a saúde está sendo
colocada por especialistas em todo o mundo, e sua ocorrência não é uma exclusividade
japonesa”.156 Também no Brasil se tem notícias de casos nos quais houve morte súbita por
sobrecarga de trabalho. “Em alguns lugares, os trabalhadores denominam por ‘birola’ a
morte provocada pelo excesso de esforço no trabalho”157 – seria a versão nacional do Karoshi
no meio rural. Segundo o Serviço Pastoral do Migrante de Guariba-SP, 18 cortadores de cana
morreram na região canavieira do Estado de São Paulo no período compreendido entre 2004 e
2007.158

152
Editado no Japão, pelo Conselho Nacional em Defesa das Vítimas do Karoshi, com o objetivo de informar a
população sobre os riscos potenciais do modelo japonês. Esta publicação foi organizada por advogados
integrantes do referido Conselho, por um acadêmico especialista em análises socioeconômicas, um médico (que
cunhou o termo médico-social Karoshi), um líder sindical e viúvas japonesas de vítimas do Karoshi.
153
KUROIWA, Yoko; KAWAHITO, Hiroshi. A female employee of a major bank. In: National Defense
Counsel for Victims of Karoshi. Karoshi: when the "Corporate Warrior" dies. Tokyo: Ed. Mado-Sha, 1990.
154
FRANCO, Tânia Maria de Almeida. Karoshi: o trabalho entre a vida e a morte. Caderno CRH, Salvador, n.
37, jul./dez., 2002, p. 148.
155
National Defense Counsel for Victims of Karoshi. Topics. Disponível em:
<http://Karoshi.jp/english/index.html>. Acesso em: 22 mai. 2010.
156
FRANCO, Tânia Maria de Almeida. Karoshi: o trabalho entre a vida e a morte. Caderno CRH, Salvador, n.
37, jul./dez, 2002, p. 141.
157
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Mortes e acidentes nas profundezas do ‘mar de cana’ e dos laranjais
paulistas. InterfacEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente, v. 3, n. 2,
abr./ago. 2008, p. 4. Disponível em: <http://www.interfacehs.sp.senac.br/br/artigos.
asp?ed=8&cod_artigo=146>. Acesso em: 22 mai. 2010.
158
FACIOLI, Inês; GARCIA, Antonio Peres. Histórico de cortadores de cana mortos no setor canavieiro.
Disponível em: <http://www.migracoes.com.br/artigos.php?tipart=44&start=4>. Acesso em: 17 mai. 2010.
69

Eram trabalhadores jovens, com idade entre 24 e 50 anos, migrantes, de


outras regiões do país (norte de Minas, Bahia, Maranhão, Piauí). A causa
mortis nos atestados de óbitos desses trabalhadores são muito vagas e não
permitem uma análise conclusiva a respeito do que causou as mortes. Nos
atestados de óbitos consta apenas que os trabalhadores morreram ou por
parada cardíaca ou insuficiência respiratória ou acidente vascular cerebral.
Amigos e familiares, porém, relaram que antes de morrerem eles haviam
reclamado de excesso de trabalho, dores no corpo, cãibras, falta de ar,
desmaios etc.159

A bem dizer, os cortadores de cana de Ribeirão Preto-SP não representam, na


realidade brasileira, um caso isolado em que a sobrecarga de trabalho tenha levado ao óbito.
Um acidente fatal ocorrido em uma indústria siderúrgica em Betim-MG foi atribuído a razões
semelhantes. O Auditor Fiscal do Trabalho da SRTE/MG (à época ainda DRT-MG160) que
relatou o processo de análise do acidente acusou “excesso de jornada, realização de horas
extras diárias e falta de descanso semanal remunerado”161 como causas da morte do
trabalhador. Desta forma, restaram evidenciadas circunstâncias equivalentes às que se tem na
tipificação do Karoshi.162
Reputam-se relevantes alguns desdobramentos do episódio mencionado que foi
objeto da Ação Civil Pública nº 00648-2006-028-03-00-9, ajuizada em 18 de setembro de
2006 pelo Ministério Público do Trabalho da Terceira Região (Minas Gerais). Em primeira
instância, a demanda citada foi julgada procedente pela 3ª Vara do Trabalho de Betim-MG.

159
ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 3,
set./dez., 2006, p. 91.
160
O Decreto nº 6.341 de 03 de janeiro de 2008 transformou as Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) em
Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego (SRTEs). Estas passaram a partir de então a supervisionar
todas as políticas públicas do Ministério do Trabalho e Emprego, no Distrito Federal e nos 26 estados da
federação em que se encontram instaladas. BRASIL. Decreto nº 6.341 de 03 de janeiro de 2008. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6341.htm>. Acesso em: 13 mai. 2010.
161
CARREIRO Líbia. Morte por excesso de trabalho (Karoshi). Revista do Tribunal do Trabalho da 3ª Região,
Belo Horizonte, v. 46, n. 76, jul./dez. 2007, p. 133.
162
Analisar acidentes de trabalho constitui uma das atividades funcionais dos Auditores Fiscais do Trabalho. Sua
importância vem sendo cada vez mais reconhecida uma vez que os relatórios resultantes estão sendo
aproveitados na formação de um banco de dados que está sendo organizado pelo Departamento de Saúde e
Segurança do Trabalho (DSST/MTE). Os mesmo relatórios também vêm sendo progressivamente utilizados
pelos procuradores do INSS na propositura de ações regressivas.
70

Em sede recursal, o caso foi julgado pela Primeira Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da Terceira Região que, preliminarmente, e à unanimidade, conheceu de ambos os
recursos interpostos pela empresa ré. Todavia, no mérito de tais recursos, os julgadores
entenderam por bem negar-lhes provimento, o que aconteceu sem quaisquer divergências e
determinaram ainda a aposição do selo “TEMA RELEVANTE” na capa dos autos.163
À guisa de conclusão, a comprovada relação existente entre fatores psicológicos
relacionados ao ambiente ocupacional e o aparecimento ou agravamento de doenças cardíacas
(incluída a morte súbita ou karoshi) vem adquirindo, contexto exposto, uma importância cada
vez maior. A saúde do trabalhador, sob este ponto de vista, manifesta-se como um campo de
saúde pública por excelência. Assim sendo, a prevenção emerge como uma questão que
reclama por soluções reais e urgentes.

3.1.3 Disfunções musculoesqueléticas

A incidência de doenças profissionais, medida a partir da concessão de


benefícios previdenciários, manteve-se praticamente inalterada entre 1970 e
1985: em torno de dois casos para cada 10 mil trabalhadores. No período de
1985 a 1992, esse índice alcançou a faixa de quatro casos por 10 mil. A
partir de 1993, observa-se um crescimento com padrão epidêmico,
registrando-se um coeficiente de incidência próximo a 14 casos por 10 mil.
Esse aumento acentuado deve-se, principalmente, ao grupo de doenças
denominadas LER ou DORT, responsáveis por cerca de 80 a 90% dos casos
de doenças profissionais...164

As disfunções musculoesqueléticas por traumas repetitivos são conhecidas pelas


siglas: LTC (lesões por traumas cumulativos), LER (lesões por esforços repetitivos) e DORT
(distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho). LER e DORT são termos adotados
pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, mas “a sigla DORT possui maior alcance

163
Nos termos do art. 6º da Resolução Administrativa nº 121 de 29 de novembro de 2007 do Tribunal Regional
do Trabalho da Terceira Região, é facultado aos magistrados formular proposta fundamentada de guarda
definitiva dos processos que julgarem representativos de temas cuja relevância histórica justifique sua guarda
permanente. BRASIL. Resolução Administrativa nº 121 de 29 de novembro de 2007, Tribunal Regional do
Trabalho da Terceira Região. Disponível em:
<http://www.trt3.jus.br/download/pgd/resolucao_administrativa_121_2007.pdf>. Acesso em: 19 mai. 2010.
164
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL/ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Doenças
Relacionadas ao Trabalho – Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Série A: Normas e Manuais
Técnicos, n. 114. Brasília, 2001, p. 22. Disponível em:
<http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/16_Doencas_Trabalho.Pdf#search=%22doen%C3%A
7as%20relacionadas%20ao%20trabalho%2>. Acesso em: 07 jun. 2010.
71

por incluir tanto as LTC como as LER”165. Contudo, tanto DORT como LER são rubricas
totalizadoras de conceitos, na medida em que “várias patologias estão englobadas nestas
siglas e podem ser agrupadas em afecções tendíneas, tenossinoviais, sinoviais, vásculo-
nervosas e musculares”.166
Convém assinalar ainda que a sigla DORT é preferida em detrimento de outras
porque afasta a exigência de que se tenha, obrigatoriamente, “uma lesão orgânica, ou, ainda,
que esta se restrinja a exclusivamente um segmento corporal”.167 Ademais ela permite “o
reconhecimento de uma maior variedade de entidades mórbidas causadas pela interação dos
mais diversos fatores laborais, retirando a falsa ideia de que o quadro clínico se deve a
apenas um ou dois fatores de risco”.168
Em que pese a preferência pelo termo DORT, dada a sua maior abrangência,
durante um tempo razoável persistiu como verdade científica uma crença bastante
reducionista de que a etiologia dos traumas musculares ocupacionais repousava tão somente
na “incompatibilidade entre as exigências do trabalho e as capacidades físicas do
trabalhador”.169 Segundo uma tal visão mecanicista, a ocorrência de DORT seria então
explicada basicamente por “duas causas: impacto e esforço excessivo”170, sendo que, para a
análise destes fatores, “podem vir a ser empregados uma série de instrumentos de
mensuração do aspecto biomecânico da atividade”.171

165
IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Blucher, 2005, p. 164.
166
CARVALHO, Marcus Vitor Diniz de; CAVALCANTI, Francisco Ivo Dantas; SORIANO, Evelyne Pessoa;
MIRANDA, Hênio Ferreira de. LER-DORT: doença do trabalho ou profissional? Revista Gaúcha de
Enfermagem (UFRGS), v. 30, 2009, p. 304. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/view/5110/6689>. Acesso em: 26 mai.
2010.
167
CAMARGO, Duílio Antero de; FONTES, Arlete Portella; OLIVEIRA, José Inácio de. Diagnóstico das
LER/DORT e saúde mental. In: GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães (Org.); GRUBITS, Sonia (Org.).
Saúde mental e trabalho, vol. III. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 148.
168
CAMARGO, Duílio Antero de; FONTES, Arlete Portella; OLIVEIRA, José Inácio de. Diagnóstico das
LER/DORT e saúde mental. In: GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães (Org.); GRUBITS, Sonia (Org.).
Saúde mental e trabalho, vol. III. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 148.
169
IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Blucher, 2005, p. 164.
170
IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Blucher, 2005, p. 164.
171
BONFATTI, Renato; MOTTA, Denise; VIDAL, Mario Cesar. Os limites da análise ergonômica do trabalho
centrada na identificação de riscos biomecânicos. Ação Ergonômica, Rio de Janeiro, v. 1, n. 4, out 2003, p. 76.
Disponível em: <http://www.acaoergonomica.ergonomia.ufrj.br/edicoes/vol1n4/artigos /39.pdf >. Acesso em: 25
mai. 2010.
72

A biomecânica compreende o corpo humano como una estrutura que


funciona segundo as leis da mecânica newtoniana e as leis da biologia; com
a finalidade de utilizar construtivamente o comportamento mecânico do
sistema osteomuscular como mecanismo de proteção para a saúde. No
entanto nem sempre esta forma de evidenciação é possível, e do ponto de
vista epidemiológico são comuns os casos de DORT em ambientes de baixo
nível de exposição a risco biomecânico.172 (original grifado)

De fato, “os modelos explicativos sobre os efeitos das demandas físicas no


sistema musculoesquelético, baseados nos conhecimentos da biomecânica, são discutidos há
mais de uma década”173, mas suas limitações, progressivamente reconhecidas, cederam
espaço para estudos mais recentes que se dedicaram a compreender “o estresse gerado pelas
demandas psicossociais no trabalho e seu impacto sobre o sistema musculoesquelético”.174
Não obstante, é mister relatar que, já em 1999, o psiquiatra Luiz Henrique Borges
defendia tese de doutoramento sobre o sofrimento psíquico em caixas bancários e as LER175.
Por ocasião deste estudo, iniciado em 1995, verificou “a presença e associação entre
distúrbios psicoemocionais e osteomusculares”176. Na mesma época, também Celso Barros e
Liliana Magalhães já advertiam que “em geral os portadores das lesões apresentam sintomas
de depressão, tais como: desânimo, baixa autoestima, irritabilidade, incapacidade de
visualizar perspectivas positivas, distúrbio do sono”.177

172
BONFATTI, Renato; MOTTA, Denise; VIDAL, Mario Cesar. Os limites da análise ergonômica do trabalho
centrada na identificação de riscos biomecânicos. Ação Ergonômica, Rio de Janeiro, v. 1, n. 4, out. 2003, p. 76.
Disponível em: <http://www.acaoergonomica.ergonomia.ufrj.br/edicoes/vol1n4/artigos/39.pdf >. Acesso em: 25
mai. 2010.
173
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 938. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
174
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 938. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
175
BORGES, Luiz Henrique. Sociabilidade, Sofrimento Psíquico e Lesões por Esforços Repetitivos em
processos de trabalho repetitivos: estudo de caixas bancários. Rio de Janeiro, 1999. (Tese de Doutoramento,
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
176
CHAVES, Maria Engrácia de Carvalho; VALADARES, Carlos Antônio Melgaço; LINO, Maria Lúcia Maia
Ribeiro; BUSSACOS, Marco. Lesões por Esforços Repetitivos e sofrimento mental em diferentes profissões.
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 28, 2004, p. 47.
177
BARROS, Celso Aleixo de; GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães. Lesões por esforços repetitivos –
LER: aspectos psicológicos. In: GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães (Org.); GRUBITS, Sonia (Org.).
Saúde mental e trabalho, vol. I. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999, p. 61.
73

Nos dias de hoje tem-se dois tipos de estudos. Um primeiro grupo de pesquisas
demonstra “que a organização do trabalho influencia diretamente os efeitos da exposição às
demandas físicas (aumento da duração ou intensidade da exposição à repetitividade, à força
e às posturas anômalas) sobre o sistema musculoesquelético”.178 Um segundo grupo de
investigações, por sua vez, destaca o modo pelo qual “a organização do trabalho” atuaria
“sobre as respostas ao estresse (fisiológicas, psicológicas e comportamentais)”179,
influenciando assim “a ocorrência dos DME, através dos mecanismos neuroendócrinos sobre
a atividade muscular”.180
Há ainda autores que, com finalidade exclusivamente didática, dividem o
diagnóstico das disfunções musculoesqueléticas em três etapas, conforme a qualidade do risco
sob análise: “diagnóstico clínico, com ênfase nos aspectos físicos, diagnóstico ocupacional,
com ênfase nos aspectos laborais e organizacionais e diagnóstico psicológico, com ênfase
nos aspectos psicossociais”.181
Por fim, para Dejours, a ‘epidemia’ de LER não pode ser compreendida sem uma
abordagem psicopatológica. Isto porque, segundo leciona, deve-se atentar para o fato de que
este quadro decorre da elaboração de defesas contra o sofrimento psíquico. Este surge quando
da realização de tarefas repetitivas sob a pressão do tempo. Inclusive, para o autor, reside
neste aspecto a pedra de toque desta patologia de expressão somática.182

178
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 938. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
179
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 938. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
180
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 938. Disponível em: <http://www.scielosp.org/
pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
181
CAMARGO, Duílio Antero de; FONTES, Arlete Portella; OLIVEIRA, José Inácio de. Diagnóstico das
LER/DORT e saúde mental. In: GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães (Org.); GRUBITS, Sonia (Org.).
Saúde mental e trabalho, vol. III. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 148.
182
DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Paris: Bayard, 2008, p. 265.
74

Tem-se revelado igualmente manifesta “uma forte associação entre LER e


sofrimento mental”183, porém em sentido inverso, isto é, o sofrimento mental não é
identificado como causa ou concausa das disfunções musculoesqueléticas, mas sim como uma
consequência adicional, além das tradicionalmente vividas pelos portadores destas síndromes.
Neste aspecto o problema reside na “condição limitante do adoecimento, que traz
consigo, repercussões sérias sobre o estado emocional e psíquico dos trabalhadores”.184 Os
estudos mais recentes continuam a confirmar o que alguns autores observaram ainda na
década de 1990, sem hesitar em reforçar a tese de que: “os distúrbios musculoesqueléticos
(DME) podem resultar da ação de múltiplos fatores do trabalho, sejam demandas físicas ou
psicossociais”.185 Portanto, é possível afirmar que vige na comunidade acadêmico-científica
hodierna um consenso de que:

Às exigências psicossociais não compatíveis com características


humanas, nas áreas operacionais e executivas adiciona-se o aspecto físico-
motor, com alta demanda de movimentos repetitivos, ausência e
impossibilidade de pausas espontâneas, necessidade de permanência em
determinadas posições por tempo prolongado, atenção para não errar e
submissão a monitoramento de cada etapa dos procedimentos, além de
mobiliário, equipamentos e instrumentos que não propiciam conforto.186
(original não grifado)

De tal modo, o reconhecimento pela doutrina de que os riscos psicossociais são


atribuíveis ao processo etiológico das DORT significa, sem dúvida, considerável avanço.
Neste aspecto, “o ritmo acelerado” aparece como “o fator de risco mais citado na literatura
especializada, especialmente associado aos DME em extremidades superiores”.187 Entretanto,
sem prejuízo do reconhecimento dos progressos realizados, a comunidade científica tem

183
CHAVES, Maria Engrácia de Carvalho; VALADARES, Carlos Antônio Melgaço; LINO, Maria Lúcia Maia
Ribeiro; BUSSACOS, Marco. Lesões por Esforços Repetitivos e sofrimento mental em diferentes profissões.
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 28, 2004, p. 47.
184
CHAVES, Maria Engrácia de Carvalho; VALADARES, Carlos Antônio Melgaço; LINO, Maria Lúcia Maia
Ribeiro; BUSSACOS, Marco. Lesões por Esforços Repetitivos e sofrimento mental em diferentes profissões.
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 28, 2004, p. 47.
185
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online], v. 15, n. 3, 2010, p. 931. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/csc
/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
186
MAENO, Maria; SALERNO, Vera; ROSSI, Daniela Augusta Gonçalves; FULLER, Ricardo. Lesões por
Esforços Repetitivos (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), Dor relacionada ao
trabalho: Protocolos de atenção integral à Saúde do Trabalhador de Complexidade Diferenciada. Brasília- DF:
Ministério da Saúde, 2006, p. 3. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_ler_dort.pdf >. Acesso em: 24 mai. 2010.
187
FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando Martins. Tarefas
repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e o trabalho industrial. Ciência & saúde
coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 931. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
75

constatado a ocorrência de sérios retrocessos no tratamento prático dado às disfunções


musculoesqueléticas.
A grande questão que se coloca é a existência de um movimento proposital no
sentido de descaracterizar o vínculo epidemiológico com o ambiente ocupacional, em casos
anteriormente atribuídos à sobrecarga de trabalho. Isto se verifica especialmente no que diz
respeito à fibromialgia188, uma síndrome que envolve um quadro crônico de dor
musculoesquelética, cujo diagnóstico “tem sucedido e, não raro substituído, o de lesão por
esforços repetitivos (LER) ou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho
(DORT)”.189
Ao serem ‘transformados’ em fibromiálgicos, pacientes anteriormente portadores
de distúrbios relacionados à sobrecarga de trabalho perderam a conexão de seus sintomas à
atividade profissional exercida. Esta manobra tem sido possível devido à ausência de um
posicionamento do INSS “quanto a uma possível etiologia ocupacional da fibromialgia”. Em
1998, por meio de uma Norma Técnica sobre as LER/DORT,o Instituto Nacional do Seguro
Social – autarquia previdenciária brasileira – reconheceu que “as fibromialgias são
predominantes em certos pacientes com LER, como os telefonistas”, podendo “ter ou não um
componente ocupacional importante”. Apesar disso, mais adiante, no mesmo documento, a
fibromialgia foi classificada como “patologia não ocupacional”.190
Esse posicionamento governamental vem sendo negativamente avaliado por
diversos autores, que o fazem sob um tom de indignação. Tatiana Álvares e Maria Elizabeth
Lima argumentam que “o fato desta condição surgir também em contextos de trabalho exige
um posicionamento do sistema de saúde e benefícios quanto à sua classificação, o que não
tem acontecido”.191

188
Segundo Roberto Ezequiel Heymann et al., a fibromialgia consiste em uma síndrome caracterizada por dores
crônicas e generalizadas, frequentemente acompanhadas de alterações no sono e/ou gastrointestinais, transtornos
de humor, fadiga, rigidez matinal, parestesias de extremidades, sensação subjetiva de edema e distúrbios
cognitivos, dentre outros sintomas. “É frequente a associação a outras comorbidades, que contribuem com o
sofrimento e a piora da qualidade de vida destes pacientes. Dentre as comorbidades mais frequentes podemos
citar a depressão, a ansiedade, a síndrome da fadiga crônica, a síndrome miofascial, a síndrome do intestino
irritável e a síndrome uretral inespecífica”. Cf. HEYMANN, Roberto Ezequiel et al. Consenso brasileiro do
tratamento da fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia [online], v. 50, n. 1, 2010, p. 56. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbr/v50n1/v5 0n1a06.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
189
ÁLVARES, Tatiana Teixeira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Fibromialgia – interfaces com as LER/DORT
e considerações sobre sua etiologia ocupacional, Ciência & saúde coletiva [online], v. 15, n. 3, 2010, p. 804.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a23.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.
190
ÁLVARES, Tatiana Teixeira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Fibromialgia – interfaces com as LER/DORT
e considerações sobre sua etiologia ocupacional, Ciência & saúde coletiva [online], v. 15, n. 3, 2010, p. 804.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a23.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.
191
ÁLVARES, Tatiana Teixeira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Fibromialgia – interfaces com as LER/DORT
e considerações sobre sua etiologia ocupacional, Ciência & saúde coletiva [online], v. 15, n. 3, 2010, p. 804.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a23.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.
76

Sabemos que o avanço em relação aos critérios diagnósticos é fundamental


nas duas condições; entretanto, enquanto isso não chega a termo,
independente da designação da doença, LER/DORT ou fibromialgia, não se
pode ignorar que existem muitas pessoas sofrendo e que boa parte delas
tem seus sintomas claramente vinculados à sua atividade profissional
[...]. O reconhecimento do seu caráter ocupacional permitirá que se adotem
medidas preventivas adequadas nos locais de trabalho, além de oferecer aos
que já foram atingidos pelo problema o apoio necessário para seu
enfrentamento.192 (original não grifado).

Foi a partir da década de 1990 que “a apropriação e articulação do discurso da


neurologia e da psiquiatria na análise das doenças osteomusculares relacionadas ao
trabalho”193 fez com que estas disfunções passassem a ser “cada vez mais, referendadas pela
neuropsiquiatria”.194 No entanto, conforme demonstram Marilene Verthein e Carlos Gomez
“essa referência às bases discursivas da neuropsiquiatria apresenta-se como uma armadilha,
servindo à instituição previdenciária para negar o nexo […] com o trabalho”.195
De fato, o progressivo reconhecimento da participação dos riscos psicossociais
nos adoecimentos mediados pela ocupação tem levado a situações opostas ao que se esperaria
observar. Considera-se inequívoco que a inexistência de um regime jurídico preventivo dos
riscos psicossociais no ambiente ocupacional está na origem desse paradoxo. Esta situação de
assunção de riscos conhecidos e antecipados deixa a “desejar quanto aos direitos trabalhistas
sociais conquistados pelos trabalhadores ao longo da sua história”.196 Na realidade, “não só
os trabalhadores que adoecem”197 estão sendo excluídos “da globalizada reestruturação
produtiva [...] mas a própria doença do trabalho”.198

192
ÁLVARES, Tatiana Teixeira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Fibromialgia – interfaces com as LER/DORT
e considerações sobre sua etiologia ocupacional, Ciência & saúde coletiva [online], v. 15, n. 3, 2010, p.811.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a23.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.
193
VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases discursivas da
neuropsiquiatrização das LER. Ciência & saúde coletiva [online], v. 6, n. 2, 2001, p. 458. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
194
VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases discursivas da
neuropsiquiatrização das LER. Ciência & saúde coletiva [online], v. 6, n. 2, 2001, p. 458. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
195
VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases discursivas da
neuropsiquiatrização das LER. Ciência & saúde coletiva [online], v. 6, n. 2, 2001, p. 458. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
196
VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases discursivas da
neuropsiquiatrização das LER. Ciência & saúde coletiva [online], v. 6, n. 2, 2001, p. 458. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
197
VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases discursivas da
neuropsiquiatrização das LER. Ciência & saúde coletiva [online], v. 6, n. 2, 2001, p. 458. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
198
VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases discursivas da
neuropsiquiatrização das LER. Ciência & saúde coletiva [online], v. 6, n. 2, 2001, p. 458. Disponível em:
<http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
77

3.2 As patologias pós-traumáticas

A segunda categoria apresentada por Dejours, compreendida pelas patologias pós-


traumáticas, não caracteriza um fenômeno inédito. Com o término da primeira guerra
mundial, inúmeros soldados retornaram apresentando um quadro clínico cujas origens eram
ignoradas pelos médicos militares. “Ao analisar os soldados afastados, Freud percebeu sua
relutância em retornar às suas funções militares e interpretou isso como uma defesa, ou seja,
como uma forma de se resguardar das consequências de suas condições de trabalho”.199
Freud concluiu então que as neuroses de guerra consistiam apenas em neuroses
traumáticas as quais “ocorrem em tempos de paz também, após experiências assustadoras ou
graves acidentes”.200 De tal maneira, o que há de novo é tão somente o aumento considerável
destas, nas mais variadas profissões.201
Isto posto, para melhor compreender as patologias pós-traumáticas, passa-se a
examinar o sentido técnico do vocábulo trauma. Etimologicamente, o vocábulo ‘trauma’
remonta ao grego traumatikos (τραυµα), que significa ferida. Mutatis mutantis, trauma
psicológico corresponderia então a uma ‘ferida’ psíquica. Trauma e traumatismo são termos
utilizados há bastante tempo em medicina e cirurgia.
Em psicanálise trauma é entendido como um “acontecimento da vida do sujeito
que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se encontra o sujeito de reagir
a ele de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca
na organização psíquica”.202 O traumatismo por sua vez, se caracterizaria, em termos
econômicos, “por um afluxo de excitações que é excessivo em relação à tolerância do sujeito
e à sua capacidade de dominar e de elaborar psiquicamente estas excitações”.203

199
DORIGO, Júlia Nogueira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. O transtorno de estresse pós-traumático nos
contextos de trabalho: reflexões em torno de um caso clínico. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho
[online]. 2007, v. 10, n. 1, p. 65. Disponível em:
<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpst/v10n1/v10n1a05.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2010.
200
FREUD, Sigmund. Introdução à psicanálise e às neuroses de guerra. In: Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 27. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 226.
201
DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do trabalho na pós-modernidade. In: MENDES, Ana Magnólia (Org.);
LIMA, Suzana Canez da Cruz (Org.); FACAS, Emílio Peres (Org.). Diálogos em psicodinâmica do trabalho.
Brasília: Paralelo 15, 2007, v. 1, p. 14.
202
LAPLANCHE, Jean; PONTIALIS, Jean Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. 4ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, pp. 522-523.
203
LAPLANCHE, Jean; PONTIALIS, Jean Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. 4ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001, pp. 522-523.
78

Pode-se dizer que o trauma surge então de “uma situação experimentada,


testemunhada ou confrontada pelo indivíduo, na qual houve ameaça à vida ou à integridade
física de si próprio ou de pessoas a ele afetivamente ligadas”.204 Quando relacionado ao
trabalho, o trauma decorre de agressões sofridas pelos trabalhadores, no exercício de suas
atividades profissionais.
No que tange aos sintomas, há que se reconhecer um espectro. As reações a
eventos traumáticos variam consideravelmente em espécie e grau, podendo oscilar entre
níveis de sintomas relativamente leves a reações bastante graves e incapacitantes. Esta
sintomatologia, de natureza heterogênea e intensidade dimensional, foi sistematizada pela
Organização Mundial da Saúde.

3.2.1 O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT)

A CID-10205 (Classificação Internacional de Doenças, atualmente na décima


revisão) agrupa sob a rubrica F43 cinco espécies de patologias, todas relacionadas à chamada
“reação a estresse grave e transtornos da adaptação”.206 O código F43.1 (Estado de Estresse
Pós-Traumático) merece destaque por ser o único caso em que os pesquisadores
“independentemente de sua filiação teórica”, são unânimes em reconhecer “uma relação de
causalidade direta com o trabalho”.207

204
CAMARA FILHO, José Waldo S.; SOUGEY, Everton B. Transtorno de estresse pós-traumático: formulação
diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira de Psiquiatria [online]. 2001, v. 23, n. 4, p. 222.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v23n4/7170.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2010.
205
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
206
Reação aguda ao estresse (F43.0); Transtorno de estresse pós-traumático (F43.1); Transtornos de adaptação
(F43.2); Outras reações ao estresse grave (F43.8) e; por fim, Reação ao estresse grave não especificada (F43.9).
Os critérios de divisão são a intensidade dos sintomas, bem como o prazo decorrido entre o aparecimento dos
mesmos e o evento traumático.
207
DORIGO, Júlia Nogueira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. O transtorno de estresse pós-traumático nos
contextos de trabalho: reflexões em torno de um caso clínico. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho
[online]. 2007, v. 10, n. 1, p. 65. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpst/v10n1/v10n1a05.
pdf>. Acesso em: 01 jun. 2010.
79

O Gráfico 1 ilustra o efeito positivo gerado por este consenso no que concerne ao
reconhecimento do status ocupacional da patologia. As CATs emitidas em 2008 sob o código
F43 (incluídas também as CATs sob a rubrica F43.2) representaram 40% em relação ao total
de CATs emitidas para o grupo F do CID-10 (transtornos mentais e comportamentais).

Gráfico 1 - CIDs do grupo "F" - número de casos em 2008

Fonte dos dados: BRASIL. Ministério da Previdência Social. Anuário Estatístico de Acidentes do
Trabalho 2008. Disponível em: <http://www.previdenciasocial.gov.br/arquivos/office/3_091028-
191015-957.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2010.

O termo “Transtorno por Estresse Pós-Traumático” (TEPT) foi cunhado apenas


em 1980, quando apareceu na terceira versão do Manual diagnóstico e estatístico para
transtornos mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-III)208. A sigla TEPT passa
a abranger, a partir de então, “os ditos diagnósticos sindrômicos de ocasião, como neurose
traumática, síndrome do trauma de estupro, fisioneurose, neurose de compensação e muitos
outros”.209 A patologia é caracterizada por uma “resposta tardia e/ou protraída a um evento
ou situação estressante (de curta ou longa duração) de natureza excepcionalmente
ameaçadora ou catastrófica”210 e que “causaria extrema angústia em qualquer pessoa”.211

208
American Psychiatry Association. Diagnostic and statistical manual for mental disorders. 3rd Edition.
Washington: American Psychiatric Press, 1980.
209
CAMARA FILHO, José Waldo S.; SOUGEY, Everton B. Transtorno de estresse pós-traumático: formulação
diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira de Psiquiatria [online]. 2001, v. 23, n. 4, p. 222.
Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v23n4/7170.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2010.
210
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL/ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Doenças
Relacionadas ao Trabalho – Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Série A: Normas e Manuais
Técnicos, n. 114. Brasília, 2001, p. 181. Disponível em:
80

Uma vez constada a exposição a um evento traumático, os critérios que orientam


o diagnóstico do TEPT perfazem uma tríade que passa a ter significado clínico se presentes
por mais de um mês.212 É necessário também que a perturbação cause sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
Além de grave e potencialmente bastante debilitante, importa acrescentar que o
TEPT apresenta uma alta taxa de comorbidade213, pois “ao menos um transtorno psiquiátrico
foi encontrado em aproximadamente 80% dos indivíduos com TEPT”214. Esta observação
adquire total relevância quando se comparam os indivíduos acometidos pelo TEPT puro e os
que sofrem de algum tipo de comorbidade, pois estes “são subjetivamente mais angustiados,
sofrem maior incapacitação e apresentam menor remissão dentro dos seis primeiros meses de
seguimento”.215
A relação das patologias pós-traumáticas com os riscos associados ao trabalho
somente foi estabelecida na década de 1970, a partir da observação de “altas taxas de
incidência [...] em seguranças, profissionais de urgência em saúde e bombeiros”.216 No
entanto, o estado dos saberes já se encontra hoje bastante evoluído e, no caso específico do
TEPT, também consolidado. Bucasio et al. afirmam que, se o evento típico ocorre em
circunstâncias de trabalho, estando excluídas causas de origem diversa do contexto de sua
realização, “o diagnóstico de TEPT [...] permite enquadrar esta doença no Grupo I da

<http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/16_Doencas_Trabalho.Pdf#search=%22doen%C3%A
7as%20relacionadas%2 0ao%20trabalho%2>. Acesso em: 07 jun. 2010.
211
MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL/ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Doenças
Relacionadas ao Trabalho – Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde. Série A: Normas e Manuais
Técnicos, n. 114. Brasília, 2001, p. 181. Disponível em:
<http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/16_Doencas_Trabalho.Pdf#search=%22doen%C3%A
7as%20relacionadas%20ao%20trabalho%2>. Acesso em: 07 jun. 2010.
212
Segundo o DSM-IV-TR, a tríade sintomática se caracteriza pelos seguintes sintomas: i) o evento traumático é
revivido persistentemente de uma ou várias maneiras (flashbacks); ii) há uma esquiva a estímulos que relembrem
o trauma, além de distanciamento afetivo (entorpecimento da reatividade geral, ausente antes do trauma), e iii)
sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (também ausentes antes do trauma). Cf. SADOCK, Benjamin
James; SADOCK, Virginia Alcott. Manual conciso de psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 260.
213
Ver definição de comorbidade na nota de rodapé 135.
214
BERLIM, Marcelo T.; PERIZZOLO, Juliana; FLECK, Marcelo P. A. Transtorno de estresse pós-traumático e
depressão maior. Revista Brasileira de Psiquiatria [online], v. 25, supl. 1, 2003, p. 51. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v25s1/a12v25s1.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2010.
215
BERLIM, Marcelo T.; PERIZZOLO, Juliana; FLECK, Marcelo P. A. Transtorno de estresse pós-traumático e
depressão maior. Revista Brasileira de Psiquiatria [online], v. 25, supl. 1, 2003, p. 52. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v25s1/a12v25s1.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2010.
216
NEGRI, Teixeira Luciana; FARCI, Maristela da Silva; SAMPAIO, Ana Lucia Prezio; GUIMARÃES, Liliana
Andolpho Magalhães. Transtorno por estresse pós-traumático relacionado ao trabalho. In: GUIMARÃES,
Liliana Andolpho Magalhães (Org.); GRUBITS, Sonia (Org.). Saúde mental e trabalho, vol. III. São Paulo: Casa
do Psicólogo, 2004, pp.119-20.
81

Classificação de Schilling217, ou seja, o ‘trabalho’ ou a ‘ocupação’ desempenham o papel de


‘causa necessária’. Sem eles, seria improvável que o trabalhador desenvolvesse esta
doença”.218
Não obstante os mais de 30 anos que se passaram, sabe-se que nos casos de
adoecimento relacionado ao trabalho a subnotificação ainda é um grave problema219. No
tocante aos transtornos psíquicos, a situação adquire contornos até mesmo mais preocupantes.
A despeito de apresentarem “alta prevalência entre a população trabalhadora, os
distúrbios psíquicos relacionados ao trabalho frequentemente deixam de ser reconhecidos
como tais no momento da avaliação clínica”.220 Tudo isto se deve às características próprias
destas entidades clínicas que, não raras vezes, são mascaradas por sintomas físicos
(psicossomáticos)221. Por fim, o ponto mais crítico repousa sem dúvida sobre “a complexidade
inerente à tarefa de definir-se claramente a associação entre tais distúrbios e o trabalho
desenvolvido pelo paciente”.222

217
A Classificação de Schilling (1984) divide as doenças, conforme a relação que podem ter com o trabalho, em
três categorias. O Grupo I relaciona patologias que têm o trabalho como causa necessária – seriam as chamadas
doenças ocupacionais stricto sensu; o Grupo II reúne as patologias que encontram no trabalho fatores
contributivos, mas não necessários; o Grupo III, por sua vez, é reservado às patologias que são agravadas ou
despertadas pelas condições/ambiente de trabalho.
218
BUCASIO, Erika et al. Transtorno de estresse pós-traumático como acidente de trabalho em um bancário:
relato de um caso. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 27, n. 1, jan./abr., 2005, p. 87.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082005000100011&l
ng=en&nrm=iso>. Acesso em: 06 jun. 2010.
219
“Estudos apontam que a subnotificação está relacionada a desinformação em relação aos riscos e aos aspectos
epidemiológicos e jurídicos que envolvem o acidente, a submissão dos trabalhadores às condições impostas
pelos serviços relacionados à falta de tempo para notificação e ao medo de perder o emprego, principalmente no
setor privado. A subnotificação pode relacionar-se, também, a valoração da importância dada ao registro da
Comunicação de Acidentes de Trabalho dada pelos profissionais responsáveis por essa atividade, os quais
privilegiam o cumprimento de normas burocráticas, mas não o envolvimento profissional com a questão do
acidentado, fazendo com que este fique desmotivado a notificar o acidente”. SOUSA, Jaqueline Vieira de;
CAMPOS, Luciana de Freitas. Relato de experiência quanto à orientação de conduta frente a acidentes de
trabalho com perfuro-cortantes e fluidos orgânicos. Cogitare Enfermagem, out./dez. 2008, v. 13, n. 4, p. 603.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/13124/8883>. Acesso em: 01 jun.
2010.
220
GLINA, Débora Miriam Raab et al. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o
diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2001, v. 17, n. 3, p. 614.
221
A etimologia da palavra “psicossomático” é composta pelos vocábulos gregos “psyché”, “soma” e “atico”.
Cuida-se de exprimir um fenômeno que é simultaneamente ancorado na alma ou espírito e ao corpo material.
Hodiernamente, o termo identifica, grosso modo, as enfermidades ou perturbações produzidas no corpo físico
por influência psíquica. Sintomas psicossomáticos comuns incluem: palpitações, cefaleias frequentes, cansaço
crônico, crises de asma, desordens gatrointestinais (incluídas as gastrites e úlceras), dores cervicais, insônias,
hipertensão, alergias, diarreias, alterações menstruais, dentre uma infinidade de outros.
222
GLINA, Débora Miriam Raab et al. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com o trabalho e o
diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2001, v. 17, n. 3, p. 614.
82

Diversos autores vêm insistindo nas repercussões positivas que derivam da


emissão da CAT, quando o TEPT tem origem no ambiente de trabalho:

Indica-se a emissão da CAT quando da ocorrência de um caso de TEPT


relacionado ao trabalho, pois este instrumento aciona a vigilância em saúde
pública, passo também importante para a prevenção primária. O
reconhecimento do TEPT no contexto do trabalho bancário é importante
para orientar serviços de saúde, administradores e profissionais de recursos
humanos a promover a prevenção de TEPT com intervenções na organização
do trabalho. Com isso, haverá maior proteção aos trabalhadores,
treinamentos adequados, suporte psicológico e acesso aos serviços de saúde,
visando à melhoria da qualidade de vida.223

Em sentido análogo, posicionou-se o Conselho Federal de Medicina. Ao


reconhecer a importância da atuação dos médicos, no processo de reconhecimento do nexo
etiológico entre inúmeras patologias e o ambiente de trabalho, estabeleceu a obrigatoriedade
para estes profissionais de “promover a emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho,
ou outro documento que comprove o evento infortunístico, sempre que houver acidente ou
moléstia causada pelo trabalho”. A prescrição consta do artigo 3º, inciso IV, da Resolução
CFM nº 1488/1998224 que, frise-se, determina que a emissão da CAT seja “feita até mesmo na
suspeita de nexo etiológico da doença com o trabalho” (original não grifado).
Em termos quantitativos, importa reconhecer que “situações traumáticas no
ambiente de trabalho devido à violência urbana vêm ocorrendo com maior frequência. Entre
elas, os assaltos a agências bancárias”.225 Paralelamente, também se verifica um sensível
aumento na emissão de CATs226, sob os códigos F43.1 e F43.2, nos últimos dez anos. O
Gráfico 2 traz uma série histórica que ilustra esta afirmação.227

223
BUCASIO, Erika et al. Transtorno de estresse pós-traumático como acidente de trabalho em um bancário:
relato de um caso. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 27, n. 1, jan./abr., 2005, p.87.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
81082005000100011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 06 jun. 2010.
224
Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1488 de 06 de março de 1998. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1998/1488_1998.htm>. Acesso em: 01 jun. 2010.
225
BUCASIO, Erika et al. Transtorno de estresse pós-traumático como acidente de trabalho em um bancário:
relato de um caso. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 27, n. 1, jan./abr., 2005, p. 86.
226
A Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991 determina em seu artigo 22 que todo acidente do trabalho ou doença
profissional deverá ser comunicado pela empresa ao INSS, sob pena de multa em caso de omissão. A
Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) foi prevista inicialmente na Lei nº 5.316 de 14 de setembro de
1967, com todas as alterações ocorridas posteriormente até a Lei nº 9.032 de 28 de abril de 1995, que foi
regulamentada pelo Decreto nº 2.172 de 5 de março de 1997.
227
Gráfico elaborado a partir de estatísticas oficiais de Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs),
disponibilizadas pelo Ministério da Previdência Social (Sistema Dataprev). In: MINISTÉRIO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. Estatísticas da Previdência Social. Disponível em:
<http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423>. Acesso em: 09 mar. 2010.
83

Gráfico 2 - CATs emitidas pelo CID F43 (1999-2008)

Fontes dos dados: Ministério da Previdência Social. Estatísticas da Previdência Social. Disponível
em: <http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=423>. Acesso em: 09 mar.
2010.

Deste modo, para o caso das patologias pertencentes ao grupo F43, averigua-se
uma verdadeira sobreposição de tendências: de um lado o aumento do número de vítimas
anualmente atingidas devido a uma exposição progressiva aos riscos; de outro, o crescente
reconhecimento de uma demanda reprimida por décadas de subnotificação.
Em termos qualitativos, se o ambiente de trabalho pode ser protagonista no
processo de aparecimento do TEPT, também no tratamento desta patologia o entorno social
pode desempenhar uma função sobremaneira importante. Segundo Benjamin J. Sadock e
Virginia A. Sadock, professores de psiquiatria da Universidade de Nova York, “a
disponibilidade de apoio social também pode influenciar o desenvolvimento, a gravidade e a
duração do TEPT”.228Os autores esclarecem que, em geral, “pacientes com uma boa rede de
apoio social têm menos probabilidade de ter a condição e de experimentá-la em suas formas
graves, e chance de recuperação mais rápida”.229

228
SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Manual conciso de psiquiatria clínica. Porto Alegre:
Artmed, 2008, p. 263.
229
SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Manual conciso de psiquiatria clínica. Porto Alegre:
Artmed, 2008, p. 263.
84

3.3 Violência e assédio no trabalho

No ambiente de trabalho, a violência pode assumir a forma de agressão física ou


psicológica. “A violência física no ambiente de trabalho atinge o corpo do trabalhador e
desencadeia resposta firme do ordenamento jurídico que tipifica a conduta como crime”.230
Homicídio, lesão corporal, crime contra a organização do trabalho e estupro são algumas das
formas típicas que recebem a tutela penal, a mais grave forma de reação do Estado chamada
pela doutrina de ultima ratio.
É notório o fato de, no direito pátrio, a integridade física ser considerada um bem
jurídico digno de maior tutela, quando comparada à integridade psíquica. Contudo, as “formas
de violências psíquicas vêm recebendo progressivo repúdio da sociedade, em sintonia com os
padrões atuais de moralidade e tendo em vista a primazia do princípio da dignidade do ser
humano”.231 Por esta razão, o assédio alçou o posto de uma das patologias (lato sensu) mais
debatidas fora do âmbito acadêmico, sendo frequentemente objeto de reportagens em revistas
e jornais de grande circulação.

3.3.1 Assédio moral no trabalho

Os primeiros estudos sobre o que hoje se intitula assédio moral no trabalho


remontam à década de 1980. Foi neste período que o médico alemão Heinz Leymann, doutor
e pesquisador em psicologia do trabalho, começou a investigar o fenômeno. A divulgação de
suas pesquisas, todavia, somente ocorreu na década posterior, quando em uma publicação
Leymann utilizou pela primeira vez os termos em inglês “mobbing”232 e “psychoterror”.233

230
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
195.
231
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
195.
232
O termo mobbing descreveria as relações de assédio entre adultos, no contexto ocupacional, ao passo que
bullying descreveria situação análoga, porém entre crianças, no ambiente escolar. Cf. GUIMARÃES, Liliana
Andolpho Magalhães; RIMOLI, Adriana Odalia. "Mobbing" (assédio psicológico) no trabalho: uma síndrome
psicossocial multidimensional. Psicologia: Teoria e Pesquisa [online]. 2006, v. 22, n. 2, p. 184. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ptp/v22n2/a08v22n2.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2010.
233
LEYMANN, Heinz. Mobbing and Psychological Terror at Workplaces. Violence and Victims, v. 5, n. 2,
Springer Publishing Company, 1990, pp. 119-26.
85

Mais tarde, em 1998, Marie-France Hirigoyen, médica psiquiatra e psicanalista


francesa, tornou-se uma referência ao cunhar o termo “harcèlement moral” (assédio moral)234.
Em obra mais recente, a autora admite que a escolha do termo qualificador do assédio
(moral)235 foi proposital e, buscando fugir da caricatura implícita no binômio “agressor-
vítima”, revisita o conceito buscando dar conta de sua complexidade:

O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva


(gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou
sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma
pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
Qualquer que seja a definição adotada, o assédio moral é uma violência sub-
reptícia, não assinalável, mas que, no entanto, é muito destrutiva. Cada
ataque tomado de forma isolada não é verdadeiramente grave; o efeito
cumulativo dos microtraumatismos frequentes e repetidos é que constitui a
agressão.236

Ao contrário do que acontece com as patologias de sobrecarga, ou mesmo as


patologias pós-traumáticas, o assédio moral é uma ‘patologia’, tomado o termo em seu sentido
mais amplo, bastante debatida fora do âmbito acadêmico, sendo frequentemente objeto de
reportagens em revistas e jornais de grande circulação. A ampla divulgação do assunto na
grande mídia reflete a epidemia que se vive em relação aos casos de assédio moral no
trabalho. A esse respeito é fundamental trazer as conclusões de Dejours.
Para o autor, cuida-se de um fenômeno que sempre permeou as relações de
produção subordinadas, pois “é antigo como o trabalho. O que é novo, são as patologias, que
ocorrem hoje com muita frequência”.237 Assim, a perspectiva novidadeira hoje conferida ao
assédio no trabalho provém da maior suscetibilidade (ou sensibilidade) dos sujeitos,
decorrente não de características pessoais, mas de características da organização do trabalho.

234
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral, a violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000.
235
“A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que
se faz e do que não se faz, e do que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é possível estudar
esse fenômeno sem levar em conta a perspectiva ética ou moral”. In: HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no
trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 15.
236
HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2009, p. 17.
237
DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do trabalho na pós-modernidade. In: MENDES, Ana Magnólia (Org.);
LIMA, Suzana Canez da Cruz (Org.); FACAS, Emílio Peres (Org.). Diálogos em psicodinâmica do trabalho.
Brasília: Paralelo 15, 2007, v. 1, p. 15.
86

Não é por outra razão que a violência psicológica no ambiente de trabalho


também é tratada por alguns como violências da nova organização do trabalho na medida em
que “[...] não resultam apenas da necessidade de aumento de produtividade [...] mas,
também, de questões que passam ao largo dos ‘objetivos formais da organização’, como
redes de poder, ciúmes, inveja, lideranças narcisistas destrutivas”.238
Se os casos de assédio aumentaram, e passaram a incomodar mais, isto se deve a
condições deletérias que, como antecedentes, tiveram a mesma sorte. Para o autor, entre o
assédio, de um lado, e as patologias, de outro, é necessário reconhecer-se a existência de uma
fragilidade que se manifesta como uma baixa imunidade coletiva para o assédio.239
Em termos psicológicos, a fragilização aventada por Dejours está “relacionada à
desestruturação do que se denomina os mecanismos de defesa, em especial as defesas
coletivas e a solidariedade”.240 Estaria nesse ponto o fator chave da questão capaz de explicar
o sensível aumento das patologias sob análise. Em outros termos: as patologias do assédio
são, antes de tudo, patologias do isolamento ou da solidão. O autor recorre ao termo
“désolation”, no sentido que lhe é conferido por Hannah Arendt, quando refletia sobre o
sistema totalitário.241
Quando introduziu a noção de solidão, Hannah Arendt pretendeu distingui-la da
ideia de isolamento. Portanto, em sua obra, “o isolamento e a solidão não são a mesma coisa
[...] o isolamento se refere ao terreno político da vida” caracterizando-se, por vezes, por uma
necessidade de estar só, de pensar, de refletir, de deliberar, ou mesmo de agir.242 A seu turno,
“a solidão se refere à vida humana como um todo”243 impregnada pela “atenuação das

238
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 185.
239
DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do trabalho na pós-modernidade. In: MENDES, Ana Magnólia (Org.);
LIMA, Suzana Canez da Cruz (Org.); FACAS, Emílio Peres (Org.). Diálogos em psicodinâmica do trabalho.
Brasília: Paralelo 15, 2007, v. 1, p. 15.
240
DEJOURS, Christophe. Psicodinâmica do trabalho na pós-modernidade. In: MENDES, Ana Magnólia (Org.);
LIMA, Suzana Canez da Cruz (Org.); FACAS, Emílio Peres (Org.). Diálogos em psicodinâmica do trabalho.
Brasília: Paralelo 15, 2007, v. 1, p. 15.
241
“...les décompensations psychopathologiques consécutives au harcèlement ne sont pas seulement le résultat
du harcèlement lui-même, mais la conséquence d’une pathologie de la solitude (qu’on désigne souvent du nom
de pathologie de la « désolation » par allusion au concept qu’Hannah Arendt avait forgé pour son analyse du
totalitarisme)”. “...a descompensação psicopatológica em consequência do assédio não resulta exclusivamente do
assédio propriamente dito, mas sim de uma patologia do isolamento (à qual denominamos por vezes de patologia
da “solidão” em alusão ao conceito que Hannah Arendt forjou quando de sua análise sobre o totalitarismo”
(tradução nossa). Cf. DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Paris: Bayard, 2008, p. 25.
242
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pp. 528-29.
243
SOUKI, Nadia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, p. 65.
87

reações de indignação, de cólera e de mobilização coletiva para a ação em prol da


solidariedade e da justiça”.244
O fenômeno da fragilização das parcerias pessoais também tem sido amplamente
examinado em termos sociológicos. Zygmunt Bauman denuncia uma inédita fluidez nos
vínculos sociais e reconhece que tal fragilidade afeta “particularmente, e talvez de modo mais
seminal, o emprego e as relações profissionais”.245

Com o desaparecimento da demanda por certas habilidades, num tempo


menor do que o necessário para adquiri-las e dominá-las; com credenciais
educacionais perdendo valor em relação ao custo anual de sua aquisição ou
mesmo transformando-se em “equidade negativa” muito antes de sua “data
de vencimento” supostamente vitalícia; com empregos desaparecendo sem
aviso, ou quase; e com o curso da existência fatiado numa série de projetos
singulares cada vez menores, as perspectivas de vida crescentemente se
parecem com as convoluções aleatórias de projéteis inteligentes em busca de
alvos esquivos, efêmeros e móveis, e não com a trajetória pré-planejada,
predeterminada e previsível de um míssil balístico.246

Diante desse quadro, a pandemia do assédio no trabalho, ao lado das patologias


psíquicas que dele advêm desenvolvem-se, pari passu, “reações de reserva, de hesitação [...]
de perplexidade, inclusive de franca indiferença, bem como de tolerância coletiva à inação e
de resignação à injustiça e ao sofrimento alheio”.247

3.3.1.1 Definição jurídica de assédio moral no trabalho

Em termos jurídicos, Sebastião Geraldo de Oliveira ensina que o assédio moral


traduz-se por abusos “cometidos pelo empregador, seus prepostos ou colegas de trabalho,
que exponham o empregado a reiteradas situações constrangedoras, humilhantes [...] fora
dos limites normais do poder diretivo”248 249. Assim, conclui o autor que “o assédio moral no

244
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, p. 23.
245
BAUMAN, Zygmunt. Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2004, p. 112.
246
BAUMAN, Zygmunt. Amor liquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2004, p. 113.
247
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, p. 23.
248
Fundamenta-se no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho que prescreve onde o legislador prescreve
que ao empregador cabe dirigir a prestação pessoal dos serviços a serem executados pelo empregado.
249
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
200.
88

trabalho pode ser juridicamente conceituado como o conjunto de reiteradas atitudes


abusivas, degradantes do relacionamento digno no ambiente de trabalho”.250
No mesmo sentido, Mauricio Godinho Delgado define o assédio moral como a
“exacerbação desarrazoada e desproporcional do poder diretivo, fiscalizatório ou disciplinar
pelo empregador de modo a produzir injusta e intensa pressão sobre o empregado, ferindo-
lhe o respeito e a dignidade”.251 É igualmente possível a forma coletiva do assédio. Neste
caso, é preciso que ocorra uma “violação de interesses coletivos que pertençam a um grupo,
ou a uma categoria ou ainda a uma classe formada, por determinados indivíduos que são
passíveis de identificação”.252
De toda forma, independentemente das especificidades nas condutas que
configuram o assédio, as consequências são a “degradação do ambiente laboral, aviltamento
à dignidade da pessoa humana ou adoecimento de natureza ocupacional”.253
Apesar dos esforços nacionais e internacionais para eliminar o assédio sexual, não
há uma definição única acerca das condutas que configuram o comportamento proibido. Em
linhas gerais, os instrumentos internacionais definem o assédio sexual de forma mais ampla
como uma forma de violência contra as mulheres de origem discriminatória.
No plano internacional, a Recomendação Geral nº 19 das Nações Unidas diz
respeito à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as
Mulheres (CEDAW) e é um exemplo de instrumentos com definições mais abrangentes.
Olhando por este ângulo, de fato o assédio sexual é uma manifestação da violência de gênero
uma vez que, “o alvo mais comum do assédio sexual são as mulheres jovens, no início da
atividade profissional, quando são mais dependentes do emprego e contam com pouca
experiência para repelir as investidas indesejadas”.254
Por outro lado, as leis nacionais focaram maior atenção sobre a tipificação da
conduta ilegal. Este é o caso brasileiro que incluiu o assédio sexual no capítulo denominado
“Dos Crimes contra a Liberdade Sexual”. Alexandre Agra Belmonte definiu o assédio sexual
como o “conjunto de atos reiterados, de pressão psicológica, praticados por superior

250
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
198.
251
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
198.
252
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
253
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
200.
254
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
89

hierárquico para dominar, persuadir ou constranger a vítima à obtenção de favores


sexuais”.255 Todas as definições, no entanto, estão de acordo com o fato de que o
comportamento proibido é indesejável e provoca danos à vítima.
Os artifícios de ação são similares no caso do assédio sexual e do assédio moral.
Contudo, a motivação subjetiva das condutas é distinta. “No assédio moral o objetivo velado é
destruir ou, de alguma forma, afastar a vítima do convívio, enquanto, no assédio sexual, a
pretensão é no sentido de atrair a vítima e subjugá-la para obter favores sexuais”.256
As consequências do assédio sexual e do assédio moral são semelhantes.257 “O
assédio sexual, por ser mais explícito e direcionado, foi alcançado pela ciência jurídica antes
do assédio moral”.258A doutrina fala em duas espécies de assédio sexual. A primeira espécie
seria o assédio sexual por chantagem que é o tipo criminal previsto pela Lei nº 10.224/2001.
Em que pese o fato de toda relação de assédio pressupor algum grau de
subordinação – ainda que a relação de ascendência seja atípica, como ocorre no tempo
reverencial – é possível que ocorra “assédio sexual por chantagem por parte de colega de
trabalho ou mesmo de algum subordinado podendo ser citado, como exemplo, aquele que
exige os favores sexuais sob ameaças de revelar uma informação confidencial ou
comprometedora”. 259
A segunda espécie seria assédio sexual por intimidação que se caracteriza pela
intenção de coagir, sem motivo, a atuação do empregado, com o fito de criar uma
circunstância ofensiva ou abusiva no trabalho. Esta espécie de assédio sexual pressupõe
“intimidação com incitações sexuais: importunas ou humilhações reiteradas da vítima,
tornando o ambiente de trabalho ofensivo, hostil e prejudicial”.260 O objetivo final é a
prestação de favores sexuais pela vítima.

255
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010,
p.206.
256
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
257
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
258
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
259
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
260
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
206.
90

Nos casos em que a vítima resiste ao assédio sexual, este pode convolar-se em
assédio moral. Quando o assediador não consegue alcançar seus objetivos pode passar a
perseguir a vítima com o intuito de se vingar. A partir daí, o agressor passa a seguir a cartilha
do assédio moral, agindo de forma dissimulada e ardilosa. É o que afirma Regina Rufino:

A resistência da vítima ao assédio sexual pode ensejar a prática de atos


moralmente perversos por parte do opressor, o qual, sentindo-se rejeitado,
pode transformar a vida da vítima num inferno. [...] passa, ao mesmo, tarefas
mais complicadas, e o obriga a trabalhar numa jornada desumana, a fim de
vingar-se da rejeição sexual.261

Tanto o assédio moral quanto o assédio sexual configuram formas de violência


psicológica. Contudo, o ‘diagnóstico diferencial’ entre uma ‘patologia’ e outra deve-se às
implicações jurídicas. Ambas as formas dão ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho
e a indenizações. No entanto, o assédio sexual é crime, diferentemente do assédio moral cuja
conduta está tipificada no artigo 216-A do Código Penal.262

3.3.1.2 Depressões, tentativas de suicídios e suicídios

A saúde mental não é, seguramente, a ausência de angústia, nem o conforto


constante e uniforme. A saúde é a existência da esperança, das metas, dos
objetivos que podem ser elaborados. É quando há o desejo. O que faz as
pessoas viverem é o desejo e não só as satisfações. O verdadeiro perigo é
quando o desejo não é mais possível. Surge, então, o espectro da depressão,
isto é, a perda do tônus, da pressão, do elã. A psicossomática mostra que esta
situação é perigosa, não somente para o funcionamento psíquico, mas
também para o corpo: quando alguém está em um estado depressivo, seu
corpo se defende menos satisfatoriamente e ele facilmente fica doente.263
(original não grifado)

A última categoria proposta por Dejours agrupa as depressões, as tentativas de


suicídios e os suicídios. No caso das entidades mórbidas aqui agrupadas, existem muitos
indícios de inter-relação os quais permitem constatar uma tríade de entidades clínicas que, sob
o prisma ocupacional, perfazem um verdadeiro subgrupo.

261
RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr, 2006, p. 67.
262
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
209.
263
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
189.
91

“Uma revisão sistemática de 31 artigos científicos, publicados entre 1959 e 2001,


englobando 15.629 suicídios na população geral, demonstrou que em 97% dos casos caberia
um diagnóstico de transtorno mental na ocasião do ato fatal”. Botega afirma que “apesar de
o suicídio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosófico-existenciais
e ambientais, na quase totalidade dos casos um transtorno mental encontra-se presente”264.
Em tal contexto, “a associação entre o quadro clínico de depressão maior e
comportamento suicida tem sido largamente descrita...em diferentes desenhos metodológicos
e em distintas populações”265. Desta forma, estando claras as razões do porquê deste
agrupamento, passa-se examinar esta quarta categoria sob dois eixos principais: suicídios e
depressões.
A Organização Mundial da Saúde estima que a depressão será a primeira doença
incapacitante nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, por volta do ano 2030266. Em
relação à carga global a entidade estima que 8% dos casos de adoecimento por depressão são
atribuídos a riscos ocupacionais267.

3.3.1.2.1 Tentativas de suicídios e suicídios

Explicar um suicídio como consequência de “depressão”, por exemplo, é


uma forma bastante eficiente para camuflar os reais motivos que levaram o
sujeito a conduzir a própria morte. É bastante razoável esperar que um
suicida não estivesse em seu juízo perfeito antes de perpetrar o ato. O mais
importante, portanto, é ir além, é vasculhar os motivos que conduziram a
pessoa à desesperança e ao estado de torpor.268

264
BOTEGA, Neury José. Suicídio: saindo da sombra em direção a um Plano Nacional de Prevenção. Revista
Brasileira de Psiquiatria [online], v. 29, n. 1, 2007, pp.7-8. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v29n1/a04v29n1.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2010.
265
CHACHAMOVICH, Eduardo et al. Quais são os recentes achados clínicos sobre a associação entre
depressão e suicídio? Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 31, supl. l, 2009, p. S19. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v31s1/a04v31s1.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2010.
266
WORLD HEALTH ORGANIZATION. The Global Burden of Disease: 2004 Update, 2008. Disponível em:
<http://www.who.int/entity/healthinfo/global_burden_disease/GBD_report_2004update_full.pdf>. Acesso em:
07 jun. 2010.
267
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Healthy workplaces: a model for action: for employers, workers,
policymakers and practitioners. WHO Press: Genebra, 2010, p. 1. Disponível em: <http://whqlibd
oc.who.int/publications/2010/9789241599313_eng.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.
268
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 175.
92

“O discurso do suicídio, ao longo da história da humanidade, traz uma


multiplicidade discursiva que o torna, de alguma forma, um conceito polissêmico”.269 De toda
forma, a passagem ao ato270 consiste em um processo complexo que se choca com um suposto
instinto de sobrevivência. Nesse quadro também se inscrevem, por óbvio, as tentativas de
suicídio que, de per si, reputam-se extremamente graves.271

Portanto, no fundo, os suicidas do trabalho, de certa forma, são pessoas que


não transigem mais com a atividade profissional, não suportam mais que sua
atividade profissional seja tratada como ela é tratada em muitas situações.272

É “difícil compreender como alguém idealiza e planifica sua própria morte,


escolhe o método que vai utilizar para isto e o ponha em prática”.

Essas pessoas não são qualquer um. Em 80% dos casos, são pessoas que se
suicidam porque são apaixonadas pelo trabalho, são pessoas que não aceitam
que maltratem a sua atividade profissional, não são pessoas que estão
afastadas do trabalho, são pessoas que estão muito próximas do trabalho, que
não aceitam mais que seu trabalho seja maltratado.273

Nada obstante ao fato de que o comportamento suicida represente um tabu, hoje


“se inscreve no campo dos transtornos mentais (angústias, depressão, alterações de
comportamento, bipolaridade entre outros) adquirindo o status de patologia”274.

269
VENCO, Selma; BARRETO, Margarida. O sentido social do suicídio no trabalho. Revista Espaço
Acadêmico, v. 9, n. 108, mai. 2010, p. 3. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/
EspacoAcademico/article/view/10032/5583>. Acesso em: 05 jun. 2010.
270
Passagem ao ato é uma tradução literal da expressão em francês “passage à l’acte”. Optou-se por esta por
considerarmos a riqueza que ostenta na medida em que traduz o gesto de cometer suicídio como um processo,
cujo ato derradeiro é a “passagem ao ato”.
271
Entende-se por bem conferir às tentativas de suicídio um tratamento idêntico e simultâneo ao que será dado
ao suicídio. Isto porque consideram-se a tentativa e o suicídio consumado de trabalhadores faces de um mesmo
fenômeno, ao menos do ponto de vista etiológico, uma vez que suas causas imediatas ou mediatas são as
condições ambientais de trabalho, conforme se discute no presente trabalho.
272
CLOT, Yves. A Psicologia do Trabalho na França e a perspectiva da clínica da atividade. Fractal: Revista de
Psicologia, v. 22, n. 1, jan./abr., 2010, p. 230. Disponível em:
<http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/463/402>. Acesso em: 05 jun. 2010.
273
CLOT, Yves. A Psicologia do Trabalho na França e a perspectiva da clínica da atividade. Fractal: Revista de
Psicologia, v. 22, n. 1, jan./abr., 2010, p. 230. Disponível em:
<http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/463/402>. Acesso em: 05 jun. 2010.
274
ENCO, Selma; BARRETO, Margarida. O sentido social do suicídio no trabalho. Revista Espaço Acadêmico,
v. 9, n. 108, mai. 2010, p. 3. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/
EspacoAcademico/article/view/10032/5583>. Acesso em: 05 jun. 2010.
93

Quando a causa para o adoecimento psíquico, seguido de suicídio (consumado ou


tentado), é atribuída ao trabalho, ou está a ele relacionada, a situação torna-se ainda mais sui
generis.275 Por ora, é exatamente este aspecto singular que compete aqui examinar: o suicídio
como ato extremo que é, cometido ou tentado por trabalhadores que estiveram em profundo
sofrimento, determinado ou mediado pelo ambiente ocupacional.
Nem todos decidem ser criativos na repetição e na monotonia; nem todos toleram
as agruras de um trabalho sem sentido; nem todos suportam o vazio das ‘convivências
estratégicas’ que se estabelecem no âmbito das organizações. O suicídio no trabalho é a
própria patologia da solidão.276
No Brasil, inexistem números oficiais sobre suicídios relacionados ao trabalho
(qualificados como acidentes de trabalho fatais). Laerte Idal Sznelwar, Selma Lancman e Seiji
Uchida compartilham deste mesmo ponto de vista:

Apesar de as discussões no espaço público relativas ao suicídio no trabalho


não estarem tão presentes no Brasil como o são na França, não se pode
afirmar que seja um problema de menor monta. Aqui, como lá, não é
possível basear-se somente nas estatísticas oficiais, uma vez que, na maior
parte das vezes, não se estabelecem relações que liguem o ato do suicídio
com questões do trabalho. Este tema ainda está revestido de um véu, quase
um pacto de silêncio, uma espécie de tabu no interior das organizações e
instituições.277

De toda forma, forçoso é admitir que nenhum dado oficial a esse respeito será
confiável enquanto não for instaurado um regime preventivo dos riscos psicossociais nos
ambientes de trabalho. Quando não há um cuidado em proteger, também não há um cuidado
em medir. Assim sendo, enfrentar a questão das tentativas de suicídio e dos suicídios
relacionados ao ambiente de trabalho, sob a perspectiva nacional, conduz inevitavelmente a
duas hipóteses.

275
ABREU, Kelly Piacheski de; LIMA, Maria Alice Dias da Silva; SOARES, Eglê Kohlrausch; FACHINELLI,
Joannie. Comportamento suicida: fatores de risco e intervenções preventivas. Revista Eletrônica de Enfermagem,
v. 12, n. 1, 2010, p. 196. Disponível em: <http://www.fen.ufg.br/revista/vl2/nl/vl2nla24.htm>. Acesso em: 05
jun. 2010.
276
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 198.
277
DEJOURS, Christophe; BÈGUE, Florence. Suicídio e trabalho: o que fazer? Brasília: Paralelo 15, 2010, pp.
8-9.
94

Uma primeira conjectura se resumiria na ideia de que os brasileiros são mais


felizes do que outros povos, de modo que os casos em que os problemas psíquicos evoluem
para o suicídio, ou mesmo se manifestam diretamente como tal, não são um problema de
nossa realidade. Uma segunda suposição, por sua vez, nos parece mais plausível, qual seja: a
de que se enfrentam aqui, em alguma extensão, os mesmos problemas – sendo a falta de
informações nada mais do que um corolário da falta de prevenção ou de preocupação com o
adoecimento psíquico por exposição aos riscos psicossociais ocupacionais. “O transtorno
mental nem sempre é a causa imediata do suicídio: poderia ser a consequência de uma
sucessão de episódios traumáticos anteriores que desembocaram na perda do juízo”.278

278
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
pp. 175-176.
95

4 A REGULAMENTAÇÃO DOS RISCOS PSICOSSOCIAIS COMO


PEDRA DE TOQUE279 NO QUADRO CONCEITUAL DA
PREVENÇÃO

Cristophe Dejours incluiu a tolerância do Estado para com as violações de direitos


na seara trabalhista como um dos fatores para que os problemas de saúde mental no trabalho
tenham alcançado, neste início de século, proporções pandêmicas. É preciso entender em que
medida esta afirmação se aplica à realidade brasileira. Para tanto, mostra-se necessário
responder a algumas questões.
Primeiramente, sem perder de vista os problemas de cunho psicossocial, importa
situar no âmbito jurídico, os fundamentos jurídicos de proteção ao meio ambiente do trabalho,
enquanto corolário da proteção à integridade física e psicológica do trabalhador. Superadas
essas questões, é preciso buscar respostas para uma outra indagação: em que proporção o
direito pátrio auxilia o Estado nesse papel? Quais são os instrumentos de cunho jurídico dos
quais o Estado se utiliza em tal empreitada?
Por fim, é indispensável esclarecer em que grau os instrumentos jurídicos
tipicamente utilizados pelo Estado brasileiro em Saúde e Segurança do Trabalhador
respondem à situação que fora diagnosticada nos capítulos anteriores. Qual é a suficiência
destes instrumentos na seara da saúde mental do trabalhador?
Estas questões, sobretudo a última, constituem a problemática central sobre o qual
versa a presente dissertação. No entanto, o valor destes questionamentos não poderia ser tão
bem compreendido sem antes mergulhar no arcabouço teórico da abordagem psicossocial de
riscos, na emergência destes no mundo hodierno, bem como nos custos associados aos
mesmos.

279
A expressão pedra de toque é milenar. No dicionário Le Robert da língua francesa, encontramos a seguinte
significação para pedra de toque (pierre de touche): “fragmento de cerâmica utilizada para avaliar o teor de ouro
de uma liga de metal (ex jaspe preto); Fig. que mede o valor de uma pessoa ou uma coisa” (fragment de
céramique utilisé pour évaluer la teneur en or d’un alliage de ce metal (autrefois, du jaspe noir); fig. ce qui sert
à mesurer la valeur d'une personne or d’une chose). REY, Alain (Org.). Le Robert Micro: dictionnaire
d’aprentissage de la langue française. 3ª ed. Paris: LeRobert, 2008, pp. 984-985.
96

4.1 Saúde mental e meio ambiente do trabalho

A história do direito ao meio ambiente do trabalho seguro é a história do direito à


saúde do trabalhador. Durante a época da Revolução Industrial os acidentes de trabalho eram
vistos como um infortúnio, de modo que as pessoas vitimadas se viam relegadas à própria
sorte, dependendo da caridade alheia. É com o surgimento de normas sobre limites de
jornada, descanso semanal remunerado, férias, proibição do trabalho de menores, bem como
de normas sobre a salubridade do próprio ambiente de realização do trabalho que o Direito do
Trabalho surge como “um ramo do Direito diretamente vinculado à promoção da saúde e de
um meio ambiente sadio”.280
A disciplina se desenvolve pari passu a um processo de crise da ideologia liberal,
simbolizada pelo “laissez faire, laissez aller, laissez passer, le monde va de lui même”281 –
uma expressão que se tornou sinônimo de liberalismo econômico na sua mais pura forma.
Assim, à medida que a doutrina liberal vai perdendo força, começa a ganhar prestígio um
modelo econômico que ficou estereotipado pelas suas versões estatais: o État Providence
(Estado-Providência) ou Welfare State (Estado de Bem-Estar Social).
Assiste razão a Guilherme Figueiredo quando declara que não se incorre em
exagero ao “afirmar que o Direito do Trabalho nasce com a finalidade precípua de promover
a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores”.282 Não obstante, a verdade é que
atualmente a discussão central no Direito do Trabalho ostenta um caráter excessivamente
patrimonialista. Isto se deve ao fato de que, ao menos no Brasil, consolidou-se um modelo de
monetarização do risco e dos agravos à saúde.
O contexto descrito nos primeiros capítulos deixa transparecer que os valores
monetários foram alçados a um espaço de maior importância em detrimento da vida, da saúde
e da segurança do trabalhador. A esse respeito, posicionam-se Martinez Alcântara e
Hernandez Sanchez:

280
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2ª ed. São Paulo:
LTr, 2007, p. 23.
281
Em termos literais significa “deixai fazer, deixai ir, deixai passar”. De autoria do pensador francês Vincent
de Gournay (1712-1759), em sentido figurado.
282
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2ª ed. São Paulo:
LTr, 2007, p. 23.
97

No es posible que se siga creyendo que los trabajadores son mano de obra
reemplazable, una vez que se ha agotado por enfermedades o vejez. […]
Tampoco es posible que se monetarice la salud, es decir que se acepte
trabajar en condiciones insalubres por un poco más de dinero que
complemente el mísero salario devengado.283

A mercantilização da saúde é sintoma de um pensamento que tenha talvez


atingido seu ápice, assim como as críticas a ele relacionadas. As possibilidades de avanço, a
nosso ver, residem na busca pelo resgate do caráter inicial que permeou o surgimento do
Direito do Trabalho. Portanto, endossamos o discurso daqueles que defendem a recuperação
da ideia de que “los trabajadores tienen el derecho de desarrollar su actividad laboral en las
mejores condiciones y es obligación de los empresarios proporcionarlas”. Nolens volens, em
termos legais, “o bem jurídico tutelado é o direito ao meio ambiente do trabalho saudável, ou
seja, deve ser garantido ao trabalhador que a prestação de serviços ocorra com o devido
respeito à sua dignidade e seu bem-estar físico, mental e social”.284

4.1.1 Natureza jurídica do direito ao meio ambiente do trabalho sadio

Raimundo Simão de Melo leciona que “o meio ambiente do trabalho adequado e


seguro é um direito fundamental do cidadão trabalhador (lato sensu). Não é um mero direito
trabalhista vinculado ao contrato de trabalho”.285 Assim o autor observa que, de maneira
consentânea com a Constituição Federal:

[...] a proteção do meio ambiente do trabalho está vinculada diretamente à


saúde do trabalhador enquanto cidadão, razão por que se trata de um
direito de todos, a ser instrumentalizado pelas normas gerais que aludem à
proteção dos interesses difusos e coletivos.286

283
MARTINEZ ALCANTARA, Susana; HERNANDEZ SANCHEZ, Araceli. Necesidad de estudios y
legislación sobre factores psicosociales en el trabajo. Revista Cubana de Salud Pública, Ciudad de La Habana,
Cuba, v. 31, n. 4, 2005, p. 343.
284
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
200.
285
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades
legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 4ª ed. São
Paulo: LTr, 2010, p. 34.
286
MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades
legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 4ª ed. São
Paulo: LTr, 2010, p. 34.
98

As definições legislativas sobre o meio ambiente são muitas, sendo as construções


doutrinárias mais elucidativas e completas. Nesse sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo
brinda-nos com um conceito que descreve o meio ambiente do trabalho como um local

[...] onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam


remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e
na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica
dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou
mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos,
autônomos, etc.).287

“O primado da dignidade da pessoa humana exige, de modo basilar, a


concepção da proteção do trabalho. Do trabalho decente”.288 Desse modo, a definição acima
é consentânea com o conceito de trabalho decente, enquanto trabalho digno. Neste sentido,
são esclarecedoras as palavras de Ignacy Sachs289, principal teórico do ecodesenvolvimento e
autor da concepção de trabalho decente a qual elaborou a pedido da OIT. Para o autor,
decente é aquele trabalho “convenientemente remunerado, levando-se em conta o nível de
desenvolvimento do país, que se faz em condições de salubridade também aceitáveis e dá
lugar a relações humanas que respeitam a dignidade do trabalhador”.
Conforme visto, no que se refere ao campo da saúde ocupacional, a proteção dos
trabalhadores passa, necessariamente, pelo meio ambiente do trabalho que deve ser sadio. Isto
implica na eliminação de riscos à saúde e à segurança ou, ao menos no caso dos primeiros, a
sua redução, de modo que fiquem abaixo dos chamados ‘limites de tolerância’, isto é, dentro
de limites considerados seguros290. Também podem ser adotadas medidas de segurança como,
por exemplo, a utilização dos equipamentos de proteção coletiva e/ou individual.

287
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 22-
23.
288
ALVES, Marcos César Amador. Trabalho Decente sob a Perspectiva dos Direitos Humanos. In: PIOVESAN,
Flavia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de (Coordenadoras). Direitos humanos e direito do trabalho. São
Paulo: Atlas, 2010, p. 332.
289
Ignacy Sachs foi um dos principais teóricos do ecodesenvolvimento (termo que foi substituído pela noção
contemporânea de desenvolvimento sustentável).
290
Esta ideia é controversa. Há discussões doutrinárias em torno de opções aparentemente contraditórias, a
saber: controlar riscos versus eliminar riscos. Entendemos que o controle de riscos deve ser um continuum com
vistas sempre à sua eliminação. Contudo, considerando que se vive em uma sociedade na qual, conforme ensina
Beck, a produção de riquezas é acompanhada pela produção de riscos, acreditamos que a intervenção no meio
ambiente de trabalho deve ser no sentido de reduzir a exposição aos riscos, seja pela proteção dos trabalhadores,
seja pela atuação na fonte geradora de riscos.
99

4.1.2 Natureza jurídica do direito à saúde mental do trabalhador

Conforme preleciona Sebastião Geraldo de Oliveira, o termo saúde, quando


tomado em relação ao trabalho, “abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas
também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados
com a segurança e a higiene no trabalho”.291 Cabe a ressalva de que o termo trabalho, tal
qual foi utilizado pelo autor, deve ser entendido no sentido mais amplo possível. Em outras
palavras, deve-se compreender por trabalho não apenas o ato de trabalhar, mas também o
trabalho em si (significado), o ambiente em que se desenvolve o trabalho, bem como todas as
possíveis interações físicas e psicossociais que o indivíduo experimenta através do ‘trabalho’.
O direito à saúde mental está implícito no texto constitucional. Na legislação
ordinária ele se encontra expresso no artigo 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.080/1990: “dizem
respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam
a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social”.292
Em todo caso, não restam mais dúvidas de que nosso ordenamento ampara o
direito à saúde mental tendo em vista que, após a entrada em vigor no Brasil da Convenção nº
155 da OIT293, a questão foi superada. Por ocasião desta Convenção, o alcance do termo
saúde adentrou o direito interno com força normativa. Procedimento análogo ocorreu com a
Convenção nº 161 da OIT, igualmente ratificada pelo Brasil. Esta Convenção trata dos
Serviços de Saúde do Trabalho e assim dispõe:
A expressão ‘Serviços de Saúde no Trabalho’ designa um serviço investido
de funções essencialmente preventivas e encarregado de aconselhar o
empregador, os trabalhadores e seus representantes na empresa em apreço,
sobre:
I – os requisitos necessários para estabelecer e manter um ambiente de
trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma saúde física e mental
ótima em relação com o trabalho;
II – a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em
conta seu estado de sanidade física e mental.294

291
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
210.
292
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
210.
293
Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 2, de 17/3/1992, ratificada em 18/5/1992, promulgada pelo Decreto nº
1254, de 19/9/1994. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT.
Convenção nº 155 – Segurança e Saúde dos Trabalhadores, 1981. Convenções da OIT. Brasília: MTE, SIT,
2002, pp. 36-38. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/seg_sau/pub_cne_convencoes_oit.pdf>. Acesso em: 22
abr. 2010.
294
Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 86 de 14/12/1989, ratificada em 18/05/1990, promulgada pelo Decreto
nº 127, de 22/5/1991. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT.
100

4.1.3 Um direito frágil por excelência

A saúde mental do trabalhador foi durante muito tempo ignorada, até mesmo
pelos próprios sindicatos. A própria saúde física do trabalhador, muito mais palpável,
“permaneceu por muito tempo sem ser objeto de análise crítica por parte do Direito do
Trabalho e do Direito da Seguridade Social”.295 A bem dizer, é possível afirmar que o
ostracismo ainda persiste, vis-à-vis ao aparato legal e à tradição histórica de proteção à saúde
física do trabalhador.
Na doutrina, chama a atenção uma apreciação de Alice Monteiro de Barros. A
autora considera que “a integridade física do trabalhador é um direito da personalidade296
oponível contra o empregador”. Nesta esteira, enquanto direito da personalidade, a
integridade psíquica mereceria uma tutela apriorística, típica daquela reservada aos direitos
fundamentais, pois “devem ser respeitados, independentemente de qualquer formalismo,
positividade ou tipicidade”.297 No entanto, apesar de concordar e assim desejar, a fragilidade
que gira em torno da proteção à saúde mental do trabalhador pressupõe sejam adotados
formalismos e sanções, conforme discutido no item 4.3.1.1. Ora, mutatis mutantis, por
paralelismo de formas, arriscamo-nos em concluir que a integridade psíquica, enquanto bem
jurídico igualmente valoroso, também deveria gozar do mesmo status de proteção.298

Convenção nº 161 – Serviços de Saúde no Trabalho, 1985. Convenções da OIT. Brasília: MTE, SIT, 2002, pp.
34-35. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/seg_sau/pub_cne_convencoes_oit.pdf>. Acesso em: 22 abr.
2010.
295
FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores. 2ª ed. São Paulo:
LTr, 2007, p. 19.
296
“Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e
morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona.
Novo curso de Direito civil, v. I: parte geral. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 182.
297
PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Considerações genéricas sobre os direitos da personalidade. R. CEJ, n. 25,
Brasília, abr./jun. 2004, pp. 70-73. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/numero25/artigo09.pdf>.
Acesso em: 18 dez. 2010.
298
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5a ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 1063.
101

4.1.3.1 Trabalho e saúde mental: a análise etiológica sob a ótica da PDT

Dejours esclarece que a análise etiológica do meio ambiente laboral é o que


permite enxergar que a evolução da organização do trabalho está no cerne do aumento dos
transtornos psicopatológicos e das tentativas de suicídio299. Ele critica a análise com foco
exclusivo na “adaptação do homem ao trabalho”, a qual recusa qualquer ingerência no
sentido de promover uma “adaptação do trabalho ao homem”.300 Da mesma forma, Débora
Glina e Lys Esther Rocha problematizam a questão:

A ênfase nas abordagens individuais e reativas reflete as atitudes e valores


do gerenciamento empresarial. Há uma tendência dos dirigentes em explicar
sucessos e fracassos organizacionais através de características individuais
das pessoas envolvidas. Além disso, eles colocam grande ênfase na
personalidade e nos eventos estressantes da vida, minimizando o impacto
dos estressores no trabalho. Um risco grave ligado a essa visão é colocar
toda a responsabilidade da prevenção no trabalhador e a culpa na vítima,
negligenciando as ameaças potenciais do ambiente de trabalho.301

Desta forma, o conhecimento acerca da evolução dos constrangimentos e pressões


no ambiente de trabalho assume especial importância porque é de lá que vêm as mudanças
deletérias302. Para tanto, duas concepções encontram-se lado a lado sem que se verifique entre
elas uma zona de sobreposição. De um lado, sob a ótica da psicodinâmica do trabalho (PDT),
tem-se a análise do adoecimento psíquico e do suicídio relacionados ao trabalho em termos de
sofrimento. De outro, tem-se a análise em termos de stress.

299
DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Bayard: Paris, 2008, p. 10.
300
DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Bayard: Paris, 2008, p. 10.
301
GLINA, Débora Miriam Raab; ROCHA, Lys Esther. Prevenção do Estresse no Trabalho. In: GLINA, Débora
Miriam Raab; ROCHA, Lys Esther (Orgs.). Saúde Mental no Trabalho: da teoria à prática. São Paulo: Roca,
2010, p. 114.
302
Tradução livre de: “Si l’analyse étiologique se penche en priorité sur l’évolution de contraintes o travail c’est
parce que c’est de là que viennent les changements délétères”. DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale.
Bayard: Paris, 2008, p. 10.
102

A abordagem etiológica pela PDT suspende a questão acerca de uma


predisposição individual para a descompensação psicopatológica de qualquer espécie.
Ademais, o estudo do enfrentamento individual do stress, dissociado de toda a teoria
psicossocial, e de toda a teoria construída a respeito do trabalho, permite poucos avanços em
termos de proteções coletivas contra agentes cuja importância aumenta a cada dia, e de forma
bastante acentuada.
Dejours pondera ainda que as vítimas expostas a riscos psicossociais, e
acometidas por lesões psíquicas (por conta destes riscos), encontram-se também entre os
trabalhadores mais competentes, mais apreciados, mais gratificados, mais reconhecidos e
mais notados entre os colegas – o que diminui a importância da análise dos problemas sob
uma perspectiva individual.303

4.1.3.2 O preconceito e a saúde mental: com o trabalhador não é diferente

Ao tratar da depressão e do burnout no meio ambiente do trabalho, Gustavo


Filipe Barbosa Garcia fala do preconceito vivido pelo trabalhador no ambiente de trabalho,
“pois nem sempre a comunidade em que trabalha e vive, bem como a própria sociedade
reconhecem a seriedade e a gravidade da depressão como verdadeira doença”.304
A bem dizer, não se reputa exagero dizer que o tema constitui um verdadeiro tabu,
pois, diferentemente de outros temas que possam ser considerados controversos – união civil
entre pessoas do mesmo sexo, cotas para negros, dentre outros – o adoecimento psíquico
mediado de forma direta ou indireta pelo trabalho é um assunto que passa ao largo, não
apenas da grande mídia e dos programas de TV sensacionalistas, mas principalmente das
discussões jurídicas mais acirradas.

303
DEJOURS, Christophe. Nouvelles formes de servitude et suicide, Travailler, n. 13, 2005, pp. 53-73.
Disponível em: <http://www.cairn.info/load_pdf.php?ID_ARTICLE=TRAV_013_0053>. Acesso em: 05 jun.
2010.
304
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho. 2ª
ed. São Paulo: Método, 2009, p. 134.
103

O caráter novidadeiro desta dissertação está em tentar requalificar o sofrimento


psíquico do trabalhador, de modo a torná-lo merecedor da tutela jurídica, tendo em vista que
nem mesmo o status de questão polêmica ele ostenta. Portanto, o substantivo tabu foi
escolhido como sucedâneo para o tema deste capítulo tendo em vista que a conotação
pretendida foi exatamente a de tema-proibido, ou seja, tema em torno do qual há muito
preconceito.
A serviço deste preconceito está um discurso que é rotineiramente reproduzido
pelos que dele se beneficiam: a culpabilização da vítima. Trata-se do que se convencionou
chamar de “lógica de personalização dos problemas, ou seja, ela atribuirá o problema
experimentado à própria pessoa, a sua fragilidade, sua natureza, seu temperamento e suas
preocupações pessoais”.305

4.1.3.2.1 A hipertrofia do discurso de culpabilização da ‘vítima’

Durante muito tempo, por exemplo, tratou-se da questão dos acidentes de trabalho
como resultado, dentre outras circunstâncias, do chamado “ato inseguro”. Dessa forma, até
um passado recente, se determinado trabalhador despencava de um andaime e vinha a falecer,
a noção de ato inseguro fazia parte das explicações possíveis e aceitáveis. Em que pese a
noção de ato inseguro não ser mais empregada como termo técnico – espécie de causa ou
concausa que possa ter concorrido para acidente de trabalho – a mentalidade que o forjou
ainda está impregnada no inconsciente coletivo que lida com a saúde ocupacional em
primeiro plano: empregadores e agentes públicos.
Hodiernamente, a organização do trabalho se vale de estratégias que se
encarregam de incutir no trabalhador um sentimento de inferioridade. Estas corroboram ainda
como sustentáculos do discurso de ‘culpabilização individual’, conforme denuncia Marcelo
Augusto Finazzi Santos:

305
Tradução livre de: “...ce que l’on appelle une logique de personnalisation des problèmes, c’est-à-dire qu’elle
attribuera le problème exprimé à la personne elle-même, à sa fragilité, à sa nature, à son tempérament et ses
soucis personnels”. ROUAT, Sabrina; LAURENT, Philippe. Approche psychomedicale. In: GRASSET, Yves
(Org.); DEBOUT, Michel (Org.). Risques psychosociaux au travail: vraies questions, bonnes réponses. Paris:
Editions Liaisons, 2008, pp.109-110.
104

[...] a autoestima do funcionário se “arrasta no chão”, de forma que ele passa


a acreditar que, de fato, é incapaz, um mal empregado. Ele é levado a
acreditar que a culpa pela situação é somente dele e decorrente de sua
incompetência.306

“A prática odiosa de culpabilizar a vítima pelo próprio acidente é, infelizmente,


uma prática ainda corrente das empresas e, muitas vezes, dos serviços de medicina do
trabalho brasileiros”.307 No mundo empresarial é uma prática tão usual que “as pessoas que
têm alguma experiência nessa temática de saúde e trabalho têm uma sensação de ‘déjà
vu’”.308
O Estado colabora com este processo quando trata a questão da saúde
ocupacional, notadamente a da saúde mental ocupacional, como um problema que não lhe
pertence, isto é, com indiferença. O discurso predominante que “culpabiliza as vítimas por
seus ‘atos inseguros’, muitas vezes, também é sustentad[o] por agentes públicos,
perpetuando-se, assim, a impunidade nos acidentes do trabalho e a injustiça social”.309
O psicodinamista do trabalho Álvaro Roberto Crespo Merlo argumenta que “a
manutenção de mecanismos de alocação de responsabilidade baseados na ‘culpabilização
das vítimas’, descritos já há algum tempo pelas Ciências Sociais310, certamente contribui de
forma relevante para esse problema”.311 E acrescenta que, “no caso do Brasil, aponta para a
insuficiência da ação do Estado no campo da saúde do trabalhador atestada pelo grande
número de acidentes de trabalho notificados”. 312

306
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 186.
307
MERLO, Álvaro Roberto Crespo. Suicídios na France Télécom: as consequências nefastas de um modelo de
gestão sobre a saúde mental dos trabalhadores. Porto Alegre: Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho –
UFRGS, 2009, p. 4. Disponível em: <http://direitoetrabalho.com/2010/04/dossie-sobre-os-suicidios-na-france-
telecom/>. Acesso em: 04 jun. 2010.
308
MERLO, Álvaro Roberto Crespo. Suicídios na France Télécom: as consequências nefastas de um modelo de
gestão sobre a saúde mental dos trabalhadores. Porto Alegre: Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho –
UFRGS, 2009, p. 4. Disponível em: <http://direitoetrabalho.com/2010/04/dossie-sobre-os-suicidios-na-france-
telecom/>. Acesso em: 04 jun. 2010.
309
VILELA, Rodolfo Andrade Gouveia; IGUTI, Aparecida Maria; ALMEIDA, Ildeberto Muniz. Culpa da
vítima: um modelo para perpetuar a impunidade nos acidentes do trabalho. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, v. 20, n. 2, mar./abr., 2004, pp. 570-579.
310
DOUGLAS, Mary. Risk acceptability according to the social sciences. New York: Rusell Sage Foundation,
1985.
311
VILELA, Rodolfo Andrade Gouveia; IGUTI, Aparecida Maria; ALMEIDA, Ildeberto Muniz. Culpa da
vítima: um modelo para perpetuar a impunidade nos acidentes do trabalho. Cadernos de Pública, Rio de Janeiro,
v. 20, n. 2, mar./abr., 2004, pp. 570-579.
312
VILELA, Rodolfo Andrade Gouveia; IGUTI, Aparecida Maria; ALMEIDA, Ildeberto Muniz. Culpa da
vítima: um modelo para perpetuar a impunidade nos acidentes do trabalho. Cadernos de Pública, Rio de Janeiro,
v. 20, n. 2, mar./abr., 2004, pp. 570-579.
105

Não são apenas os empregadores e o Estado os únicos responsáveis pela


hipertrofia do discurso de culpabilização do indivíduo. No âmbito organizacional, a falta de
solidariedade entre pares decorre muitas vezes da crença coletiva de que aquele que se
fragiliza, que adoece e que é vítima de assédio é, na verdade, um fraco e, nessa qualidade,
portador de toda a responsabilidade pela situação difícil que lhe sobreveio.
Outra explicação possível sustentada por estes atores é a ideia de que se a pessoa
está em sofrimento no trabalho, é porque ela deu causa. Assim, “o assédio se torna possível
exatamente porque é precedido da desqualificação da vítima, aceita em silêncio pelo restante
do grupo”.313
É conveniente registrar que existem igualmente transformações sociais que
reforçam o discurso de culpabilização da vítima, tornando o problema ainda mais grave e
complexo:

Um dos aspectos mais atingidos foram as relações de gênero, na medida em


que muitas mulheres passaram a ocupar o lugar de provedoras das famílias.
É inegável a emancipação alcançada pelas mulheres com sua inserção
crescente no mundo do trabalho. No entanto, a substituição do trabalho do
homem pelo da mulher também se refletiu na identidade dos trabalhadores
homens, gerando situações de humilhação, de enfraquecimento da
autoridade paterna e o homem, quando desempregado, é responsabilizado
individualmente por sua condição: é visto como preguiçoso, inútil, omisso,
desinteressado e incompetente.314

Se no plano dos danos físicos o discurso de “culpabilização do indivíduo”, mesmo


rebatido, ainda se encontra tão presente, no caso dos danos psicológicos, das lesões e traumas
emocionais e do sofrimento invisível a situação é sobremaneira mais grave. Talvez seja esta a
razão pela qual, nos dias de hoje, determinados assuntos polêmicos sejam amplamente
tratados, nos mais diversos espaços, e pelos mais diversos públicos, ao passo que o
adoecimento e sofrimento psíquico em função das condições de trabalho, ao menos no campo
do direito, permanecem um verdadeiro tabu.

313
SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova
organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade de Brasília,
p. 185.
314
LANCMAN, Selma. Apresentação. In: LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal (Orgs.). Christophe
Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Brasília:
Paralelo 15, 2008, p. 32.
106

A persistência dos problemas de Saúde Mental e Trabalho pode ser


compreendida nos moldes propostos por Lacaz (1996): o contexto atual
congrega duas tendências opostas. De um lado a existência de
conhecimentos acumulados sobre o tema e, de outro, o “terceiro espírito
do capitalismo”, conforme Boltanski & Chiapello (1999), que propicia a
hipertrofia do discurso da culpabilização da vítima.315

A ‘culpabilização individual’ é um mecanismo que ostenta atualmente força


suficiente para privar o sujeito do apoio familiar, considerado por Serge Paugam como uma
das mais elementares formas de solidariedade.316 Assim, o trabalhador em sofrimento
psíquico é conduzido à ruptura dos vínculos que possui, não apenas no ambiente de trabalho
(lato sensu), mas também fora dele visto que “o indivíduo doente pode não ser mais
reconhecido pelo grupo e poderá ser rejeitado como ícone de um fracasso que o grupo não
deseja admitir”.317

4.1.3.2.2 A naturalização dos riscos ocupacionais

É inquietante um processo observado recentemente e denominado pela doutrina


de “naturalização dos riscos”. Uma pesquisa concluiu que “do modo como aparecem nos
discursos, os riscos ambientais são compreendidos como parte do processo de trabalho,
como naturais e inevitáveis”.318 Esta inferência é bastante grave porque revela o
comportamento promíscuo que se vive contemporaneamente no que tange aos riscos
ambientais de toda sorte.

315
SATO, Leny; BERNARDO, Márcia Hespanhol. Saúde mental e trabalho: os problemas que persistem.
Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, Dec. 2005, p. 876. Disponível em: <http://www.
scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000400011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 24
mai. 2010.
316
PAUGAM, Serge. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais: uma dimensão essencial do processo
de desqualificação social. In: SAWAIA, Bader (Org.), As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética
da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 78.
317
HALLACK, Fernanda Sansão; SILVA, Cláudia Osório da. A reclamação nas organizações do trabalho:
estratégia defensiva e evocação do sofrimento. Psicologia &.Sociedade, Porto Alegre, v. 17, n. 3, dez. 2005.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
71822005000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 dez. 2010.
318
Estudo de caso realizado em uma empresa metalúrgica com base em observações, conversas informais,
levantamento de documentos e entrevistas confrontativas com 20 operários. Constatou-se a presença marcante,
nos modos de compreensão dos chamados ‘atos inseguros’(ATs), da Teoria dos Dominós e a predominância das
explicações pelos atos inseguros, sustentadas pela naturalização dos riscos e por práticas institucionalizadas de
difusão. OLIVEIRA, Fábio de. A persistência da noção de ato inseguro e a construção da culpa: os discursos
sobre os acidentes de trabalho em uma indústria metalúrgica. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São
Paulo, v. 32, n. 115, 2007, pp. 19-27.
107

Conforme a história demonstra, quando inexiste sensibilidade em relação ao que


Hannah Arendt denominou por ‘atos do mal’ está-se diante de uma situação que pode a
qualquer momento evoluir muito rapidamente para situações de graves violações aos direitos
humanos. Assim, a naturalização do risco presente em nossa sociedade está certamente
compreendida no conceito de naturalização do mal o qual, por sua vez, também abarca a
naturalização das injustiças sociais como um todo. É nesse aspecto que Christophe Dejours
aproxima o neoliberalismo do nazismo:

Não me parece que seja possível evidenciar nenhuma diferença entre


banalização do mal no sistema neoliberal (ou num “grande estabelecimento
industrial”, nas palavras de Primo Levi) e banalização do mal no sistema
nazista. A identidade entre as duas dinâmicas concerne à banalização e não
à banalidade do mal, vale dizer, as etapas de um processo capaz de atenuar a
consciência moral em face do sofrimento infligido a outrem e de criar um
estado de tolerância ao mal. A elucidação de tal processo não se dá pela
análise moral e política, mas pela análise psicológica. Se há uma diferença
entre sistema neoliberal e sistema nazista, essa diferença não incide sobre o
processo psicológico de banalização do mal entre os colaboradores. Ela se
verifica a montante do processo. Situa-se entre os objetivos aos quais a
banalização se destina, ou entre as utopias a serviço das quais ela se
coloca.319

Ao aproximar o neoliberalismo do totalitarismo, o autor argumenta que, no


capitalismo neoliberal, “o lucro e o poderio econômico são, em última instância, o objetivo
visado”. Já no sistema totalitário, “a ordem e a dominação do mundo são o objetivo. Na
racionalização neoliberal da violência, a força e o poder são instrumentos do econômico”, ao
passo que no discurso totalitário “o econômico é um instrumento da força e do poder. A
diferença recresce também a jusante, no que se refere aos meios empregados: intimidação no
sistema liberal, terror no sistema nazista”.320 Em verdade, em meio à naturalização dos riscos
no ambiente ocupacional, a realidade que se tem hoje é de uma completa banalização do
sofrimento mental.

319
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 7ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, pp. 139-
140.
320
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 7ª ed . Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p. 139.
108

4.2 O papel do Estado de Direito no quadro conceitual da prevenção

A proteção jurídica à saúde do trabalhador orienta a concretização de direitos


fundamentais tais como o direito ao trabalho, o direito à saúde e seu papel na sociedade é
tanto de ampliação do conceito de cidadania quanto de efetiva limitação ao poder econômico.
No Brasil, a conquista e ampliação da cidadania pressupõem um fortalecimento do Estado,
notadamente de suas instituições, as quais devem ser capazes de se sobrepor aos interesses
privados.
Proteger a saúde do trabalhador é atividade cuja regulação e fiscalização não
podem fugir ao ente estatal e deve ser feita de forma séria, diligente e eficiente. Além de frear
os interesses do capital, normatizar sobre a saúde do trabalhador, especificamente sobre a
saúde mental, promove a dignidade do ser humano enquanto trabalhador, enquanto cidadão.
A compreensão da cidadania em relação ao Estado abrange com clareza solar o Direito do
Trabalho, sobretudo se analisado por uma ótica constitucionalizada.
No plano político, deve o Estado agir de maneira ativa, abrindo caminhos para a
ampliação da cidadania, através da promoção dos direitos fundamentais. “Para além de um
bem-estar individual e social, as construções jurídico-constitucionais caminham hoje no
sentido de garantir ao indivíduo e à comunidade como um todo o desfrute de um bem-estar
ambiental”.321
Nesse ponto, ganham importância as políticas públicas, bem como o
fortalecimento das instituições existentes – o que não seria possível sem a edição de portarias,
instruções normativas, editais, dentre diversos outros instrumentos regulamentares que
expressam a vontade do Estado e produzem efeitos jurídicos no mundo exterior. Segundo
Ricardo Fonseca, conquanto “a legislação já preveja cuidados decorrentes de enfermidades
psicológicas, psíquicas e psicossomáticas, com relação ao trabalho, nada dedica aos
cuidados preventivos”. 322

321
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e mínimo existencial
(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 12.
322
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. Saúde mental para e pelo trabalho. Revista LTr nº 67, ano 6, p. 670,
junho de 2003.
109

4.2.1 Lacunas de governança: Estado tolerante, mercado atuante

Como tem acontecido ao longo da história, a expansão do mercado a passos tão


rápidos trouxe consigo um sério ‘efeito colateral’: o aparecimento de lacunas de governança
em uma série de áreas próprias de atuação governamental. Os direitos humanos encerram uma
das referidas áreas nas quais lacunas se formaram por um descompasso entre a extensão das
atividades econômicas e seus atores e a capacidade das instituições políticas de gerenciar suas
consequências negativas.

Ora, justamente, o diagnóstico da crise atual aponta para uma espécie de


entropia ou desordem universal, causada por carência governativa, tanto no
interior das nações quanto na esfera internacional. A ressurreição da
ideologia liberal, reapresentada agora em nova embalagem propagandística,
levou a um enfraquecimento generalizado do poder de governação, com o
desbridamento das forças do mercado e das velhas rivalidades étnicas e
culturais. Os perdedores, como sempre, são fracos, os pobres, os humildes.323

Na medida em que lacunas de governança estão na raiz do problema da relação


nefasta que se estabeleceu entre os direitos humanos e o mundo empresarial, respostas
eficazes devem obrigatoriamente ter por objetivo a redução de referidas lacunas. Estas
adquirem na atualidade contornos expressivos na grande maioria dos países, ainda que em
proporções diferentes e estágios diferentes. Vive-se hodiernamente uma incongruência que
vem sendo diuturnamente apontada por diversos autores.

4.2.1.1 A festa da globalização

A globalização é certamente o motor que gera uma competitividade cada vez


maior no dia a dia da produção de bens e serviços. As condições de sobrevivência das
empresas traduziram-se em exigências de produtividade cada vez maiores o que fez com que
o meio ambiente ocupacional tenha sofrido uma verdadeira metamorfose. Nesta conjuntura,

323
COMPARATO, Fabio. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 535-536.
110

as empresas se viram obrigadas a desenvolver formas novas e mais flexíveis de produção,


bem como de organização do ambiente ocupacional.
Liszt Vieira observa que “a globalização da pobreza ocorre em época de notável
progresso tecnológico nas áreas de engenharia de produção, telecomunicações,
computadores e biotecnologia”.324 No mesmo sentido, sob a orientação de Antônio Augusto
Cançado Trindade, denunciou Rodrigo Coelho, em sua dissertação de mestrado:

Nunca se verificou tanto progresso e, ao mesmo tempo, tanta destruição.


Após mais de 50 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem
avanços significativos foram obtidos, mas se diversificaram e avançaram
também as violações dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e
culturais dos indivíduos.325

Ruggie326 atribui igualmente à globalização a responsabilidade pelo estágio atual


de absoluto desrespeito do mundo corporativo para com os direitos humanos. Segundo o
autor, a raiz do problema é delimitada pelas lacunas de governança criadas pela globalização
– o que significa dizer que existe um débito considerável entre o alcance e o impacto das
forças econômicas e a capacidade das sociedades para gerenciar as consequências adversas
correspondentes. Estas lacunas de governança respondem pelo ambiente permissivo de atos
lesivos por empresas de todos os tipos sem que ocorra sanção adequada ou reparação à vítima.
No Brasil, por características próprias de nosso desenvolvimento, as quais não se
pretende nesta ocasião enfrentar, “os efeitos da globalização foram ainda mais perversos:
todas essas mudanças ocorreram sem que tivéssemos atingido um estágio de formalização e
de direitos sociais equivalentes aos dos países desenvolvidos.327 E quanto ao mundo do
trabalho, em particular, o que se pode dizer é que a nova ordem “guiada pelo lucro,
fragmenta e destrói comunidades, apropria-se de bens comuns, produz vulnerabilidade [...]
insegurança [...]” e novos riscos.328

324
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 90.
325
COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. Proteção Internacional dos Direitos Humanos: a Corte Interamericana
e a implementação de suas sentenças no Brasil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 198.
326
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, p. 189. Disponível em:
<http://dx.doi .org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
327
LANCMAN, Selma. Apresentação. In: LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal (Orgs.). Christophe
Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Brasília:
Paralelo 15, 2008, p. 29.
328
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 66.
111

Fato é que a sociedade contemporânea ostenta em seu bojo uma contradição


abissal caracterizada por “formas extremamente desenvolvidas de produção e organização e,
em oposição, os processos agudizados de exclusão, miséria, condições de vida subumanas”.
329
Na festa da globalização o patrocinador é um Estado tolerante e servil.

4.2.1.2 O mercado como princípio estruturador da sociedade política

Fabio Freitas Minardi endossa as preocupações mais genuínas deste trabalho, ao


criticar a diminuição do papel do Estado e o aumento da atuação empresarial. Para ele, o
Estado brasileiro sinaliza de maneira cada vez mais contundente a sua pretensão em “voltar a
ser meramente mínimo, apenas guardião da segurança dos bens, das pessoas e dos contratos
[...] no melhor estilo de Estado-Vigia, garantidor dos direitos liberais clássicos, de cunho
individualista”.330

Na verdade, para a mentalidade capitalista, somente aquilo que tem preço no


mercado possui valor na vida social. Quanto ao arcabouço institucional do
capitalismo, a sua peça-mestra é o confinamento da atividade estatal à
proteção da ordem, do contrato e da propriedade privada, como garantias do
exercício da liberdade empresarial.331

Não obstante o fato de a “globalização da economia”, o “mercado mundial”, ou


mesmo o “capital volátil” serem diuturnamente invocados, dando margem a argumentações
fatalistas, é fato que ela (globalização) permanece um ente curioso na medida em que é
apontado como causa de uma série de catástrofes, mas incapaz de responder por qualquer uma
delas. “O conjunto das liberdades civis e políticas passa, assim, a exercer um papel
secundário nesse quadro institucional: elas podem ser preteridas diante da liberdade de
empresa, como se tem visto amiúde na Ásia, na África e na América Latina”.332

329
PRATES, Jane Cruz; ABREU, Paulo Belmonte de; CEZIMBRA, Leda. A mulher em situação de rua. In:
BULLA, Leonia Capaverde (Org.); MENDES, Jussara Maria Rosa (Org.); PRATES, Jane Cruz (Org.). As
múltiplas formas de exclusão social. Porto Alegre: Fundação Internacional de Universidades Católicas -
Edipucrs, 2004, p. 167.
330
MINARDI, Fabio Freitas. Meio ambiente do trabalho: proteção jurídica à saúde mental. Curitiba: Juruá,
2010, p. 178.
331
COMPARATO, Fabio. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 537.
332
COMPARATO, Fabio. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007, p.537-538.
112

A destituição dos direitos ou, no caso brasileiro, a recusa de direitos que nem
mesmo chegaram a se efetivar significa também a erosão das mediações
políticas entre o mundo social e as esferas públicas, de tal modo que estas se
descaracterizam como esferas de explicitação de conflitos e dissenso, de
representação e negociação; é por via dessa destituição e dessa erosão, dos
direitos e das esferas de representação, que se ergue esse consenso que
parece hoje quase inabalável, de que o mercado é o único e exclusivo
princípio estruturador da sociedade e da política, que diante de seus
imperativos não há nada a fazer a não ser a administração técnica de suas
exigências, que a sociedade deve a ele se ajustar e que os indivíduos, agora
desvencilhados das proteções tutelares dos direitos, podem finalmente
provar suas energias e capacidades empreendedoras.333

Individualmente não há como barrar este processo que eleva “o capital


desumanizado [...] à posição de pessoa artificial” e reduz “o homem [...] à condição de
simples instrumento de produção, ou [...] mero consumidor a serviço do capital [...]”.334 “O
produtivismo se tornou autoaplicável, ou seja, independentemente de governos, já que pode
335 336
ser caracterizado como uma política de Estado” , cujos efeitos adversos são
constrangimentos emocionais e cognitivos importantes dos quais padecem aqueles que
trabalham. Estas consequências foram examinadas no Capítulo 3.

4.2.2 O quadro conceitual da prevenção: a proposta de Ruggie337

O Conselho de Direitos Humanos da ONU acenou, em 2008, com uma


contribuição singular no que diz respeito ao preenchimento das lacunas de governança entre o
mundo corporativo e o universo dos direitos humanos. John Ruggie338, Representante

333
TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, pp.186-
187.
334
COMPARATO, Fabio. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 537-538.
335
“Política de Estado” é um conceito que se opõe a “Política de Governo”. Política de Estado é aquela que está
institucionalizada de uma tal forma que perpassa as diversas administrações (em nível federal, estadual e
municipal). As políticas de governo, a seu turno, são aquelas que como o próprio nome diz estão intimamente
ligadas ao programa de um determinado governo (federal, estadual e municipal).
336
BIANCHETTI, Lucídio. O espectro tomou conta da academia. Informandes Online, Brasília-DF, pp. 1-3, 23
out. 2007. Disponível em: <http://www.adufpa.org.br/detalha_noticia.php?id=190>. Acesso em: 05 dez. 2010.
337
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, pp. 189-212. Disponível em:
<http://dx. doi.org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
338
John Ruggie é professor de Relações Internacionais e Diretor do Centro Mossavar-Rahmani de Empresas e
Governo da Kennedy School of Government da Harvard University. É professor associado de Direito
113

Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos,


apresentou em 2008 um relatório contendo uma matriz conceitual que acena com uma
possível solução para as violações de direitos humanos cometidas por empresas.339
Ruggie340 rechaça a realização de ações individuais, seja por Estados, seja por
empresas, argumentando que aquelas podem ser, em larga medida, restringidas pela dinâmica
concorrencial do ‘mercado globalizado’. Por conseguinte, abordagens mais coerentes e
concertadas aparecem como opções mais acertadas.

4.2.2.1 A tríade principiológica da prevenção

A tríade “Proteger, Respeitar e Reparar” proposta por John Ruggie341 tem por
foco combater as violações de direitos humanos perpetradas por empresas em um contexto
nacional e internacional. O autor argumenta que, enquanto proliferam medidas e esforços que
não atingem uma escala significativa, persiste a necessidade de uma regulação capaz de fazer
frente aos desafios expostos, uma vez que os Estados e as empresas continuam a “voar abaixo
do radar”, para usar uma expressão que ele mesmo cunhou.342

Internacional da Harvard Law School e é o Representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para
Empresas e Direitos Humanos.
339
O desafio de seu mandato, enquanto representante especial, consistiu em identificar, esclarecer e investigar as
dimensões legais e políticas da agenda dos direitos humanos naquilo que é afetada pelo mundo dos negócios.
Assim, o relatório, cujos resultados são discutidos no presente capítulo, veicula opiniões e recomendações as
quais foram submetidas ao Conselho para considerações.
340
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, p. 192. Disponível em:
<http://dx.doi. org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
341
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, spring 2008, v. 3, n. 2, pp. 189-212. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
342
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, p. 190. Disponível em:
<http://dx.doi. org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
114

O quadro conceitual proposto por John Ruggie343 repousa em responsabilidades


diferenciadas, mas complementares. “Proteger, Respeitar e Reparar” são os três princípios
fundamentais de uma recomendação para efetivação dos direitos humanos que contempla
diversas facetas. Sua estrutura foi pensada com o objetivo de dar conta da complexidade do
problema representado pela violação dos direitos humanos pelas corporações, que, conforme
visto, ocorre em todo o mundo.

4.2.2.1.1 Proteger, respeitar, reparar

“Proteger” traduz a necessidade de cumprimento pelos Estados do dever que


possuem de coibir, por meio de normas, políticas e mecanismos judiciais, as violações de
direitos humanos cometidas por terceiros, incluídas neste grupo as empresas e as grandes
corporações em especial. O dever do Estado de proteger os direitos humanos contra abusos
cometidos por terceiros, inclusive empresas, está na essência do regime jurídico internacional
dos direitos humanos.
Apesar disso, é necessário reconhecer que os Estados, de um modo geral,
encontram-se sobremaneira atrasados no que concerne à sua função de proteção de tais
direitos. Nos resultados relatados por Ruggie344, chama a atenção o fato de que os governos
persistem indiferentes a um dever subjacente às responsabilidades que ostentam. Esta
situação, que pode ser descrita como um desequilíbrio, revela-se particularmente problemática
para países em desenvolvimento como o Brasil.

343
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, pp. 189-212. Disponível em:
<http://dx. doi.org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
344
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, pp. 189-212. Disponível em:
<http://dx. doi.org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
115

John Ruggie narra um estudo realizado em conjunto, por ocasião da preparação de


seu relatório, o qual mostrou que os contratos assinados em países não membros da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) restringiam
significativamente mais o poder regulamentar do Estado do que aqueles assinados em países-
membros da OCDE. Outra informação interessante é que as famosas classificações de risco
dos países, realizadas pelas agências internacionais de classificação de risco, não
apresentaram nenhuma correlação com a tal variação.345
O autor conclui então que os países em desenvolvimento encerram um grupo no
qual o amadurecimento e o desenvolvimento do poder regulamentar estatal pode ser mais
necessário. A conclusão do autor vem ao encontro de uma noção quase intuitiva de que nas
economias menos desenvolvidas e mais pobres os casos de violações aos direitos humanos
são mais graves e mais numerosos.
É bem verdade que a simples localização de muitos países em determinados níveis
de pobreza já faz com que sua população viva uma violação permanente de direitos humanos.
Ao discutir os principais desafios e perspectivas nesta seara, Flávia Piovesan sustenta que esse
enfrentamento revela-se um elemento essencial para que tais países assumam um papel
central na ordem contemporânea:

Se, tradicionalmente, a agenda de direitos humanos centrou-se na tutela de


direitos civis e políticos, sob o forte impacto da “voz do Norte”, testemunha-
se, atualmente, a ampliação dessa agenda tradicional, que passa a incorporar
novos direitos, com ênfase nos direitos econômicos, sociais e culturais, no
direito ao desenvolvimento, no direito à inclusão social e na pobreza como
violação de direitos. Esse processo permite ecoar a “voz própria do Sul”,
capaz de revelar as preocupações, demandas e prioridades dessa região. 346

A conclusão inevitável que se extrai desta discussão é que, se os países-membros


da OCDE estão em melhor situação, é porque o Estado nesses lugares está mais forte – ou
menos tolerante, para usar uma expressão de Dejours – e em melhores condições para exercer
o papel de resistência aos interesses desta entidade chamada “mercado”.

345
RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human Rights. Innovations:
Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2, spring/2008, p. 196. Disponível em:
<http://dx.doi. org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>. Acesso em: 01 mar. 2010.
346
PIOVESAN, Flavia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. Sur, Revista
Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 1, n. 1, 2004. Disponível em:
<http://www.surjournal.org/conteudos/artigos1/port/artigo_flavia.htm>. Acesso em 23 jul. 2010.
116

“Respeitar” exprime a possibilidade de se impor às empresas o dever de


cumprirem a legislação protetora dos direitos humanos. A responsabilidade das empresas pelo
respeito aos direitos humanos constitui uma expectativa básica que a sociedade tem em
relação a elas. Contudo, em algum momento de nossa história, foi plantada uma falsa verdade
calcada especialmente em ciências orientadas por um pensamento de curto prazo e por uma
visão economicista do homem. Trata-se de uma inverdade, pois sob a ótica da saúde mental
do trabalhador

É mais inteligente, ético e econômico adotar programas de prevenção, de


higiene mental, de qualidade de vida no trabalho e garantir ambiente
saudável com alta produtividade, do que enfrentar constantes insatisfações
profissionais, com volume crescente de ações judiciais com pedidos de
indenizações por danos diversos, inclusive por danos morais decorrentes do
estresse, violência física, assédio moral ou assédio sexual.347

“Reparar”, por sua vez, denota a necessidade de se garantir às vítimas de


violações os meios de acesso a uma reparação efetiva e adequada em relação aos danos
sofridos. Por mais que um Estado se aproxime de um modelo ideal, não se pode garantir que
as violações de direitos humanos desaparecerão por completo. O que se imagina é que,
mesmo existindo um regime jurídico preventivo de violações de direitos humanos bastante
eficiente, situações episódicas de violação poderão ocorrer. Nestes casos, estas situações
devem ter um encaminhamento condigno, isto é, deve ser dada a essas vítimas a devida
reparação e, se preciso for, devem encontrar guarida junto ao Poder Judiciário.
Sobre o terceiro e último princípio da matriz conceitual de Ruggie, observa-se
tratar de uma ferramenta da qual não se pode prescindir quando se pretende prestigiar os
direitos humanos. Hodiernamente, não raras vezes, o acesso aos recursos judiciais é difícil e
problemático. Os meios extrajudiciais também são limitados em número, alcance e eficácia.
Para auxiliar os Estados na aplicação da mencionada obrigação e na interpretação
das convenções de direitos humanos da ONU, os organismos de controle de tratados
geralmente recomendam que sejam tomadas todas as medidas necessárias para que se efetive
a proteção contra tais abusos. Esse aparato mínimo deve incluir naturalmente medidas para
prevenir, investigar e punir os abusos, sem prejuízo do acesso a meios idôneos de reparação.

347
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
212.
117

Portanto, a despeito de poderem ser envidados esforços os mais concertados no


que toca aos dois primeiros princípios, é necessário admitir que mesmo em um cenário
institucional ideal possam existir falhas dada a dificuldade de se impedir todos os abusos e
violações em todos os lugares e em todos os tempos.
Assim, cada princípio da tríade proposta é um componente essencial e tem o seu
papel no quadro mencionado. Eles formam um todo complementar em que cada um oferece
suporte aos outros com vistas a atingir um progresso sustentável.
A despeito de todo um aparato preventivo, em se tratando de violações de direitos
humanos, não se pode admitir a possibilidade de ocorrência de abusos, sem que o Estado
esteja preparado para reagir da forma adequada, proporcionando à(s) vítima(s) uma reparação
digna. Ainda que se trate de uma proporção de casos inexpressiva, os Estados devem possuir
condições de atuação repressiva como parte de um regime jurídico preventivo de modo geral.

Fatores culturais, ideológicos, religiosos, econômicos e políticos,


individualmente ou conjugados, representam os principais motivos das
transformações nos modelos jurídicos do Estado moderno. A visível relação
de causa e efeito entre esses ramos do conhecimento humano deve-se ao fato
de eles atuarem sobre a mesma base social, apresentando objetivos
convergentes [...].348

É bem verdade que o trabalho mantém o trabalhador afastado de sua casa durante
a maior parte do dia, e, assim sendo, impõe-se o respeito ao seu bem-estar. Os trabalhadores
permanecem produtivos e ativos por décadas, mas, ao tempo da aposentadoria, o que se
observa é que a saúde nem sempre fica preservada. Infelizmente, esta é uma conta que vem
sendo paga pela sociedade e não por aqueles que se beneficiam de processos que mediata ou
imediatamente causam ou concorrem para a ocorrência de danos.

348
FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 8.
118

4.3 Riscos psicossociais no trabalho: a proteção normativa insuficiente como óbice


para um regime jurídico preventivo

En este sentido los riesgos psicosociales, se debe encuadrar en las materias


señaladas en la Ley, imponiendo la necesidad de establecer las medidas
preventivas, con el fin de evitar factores de riesgos en el lugar de trabajo que
pueden poner en peligro la salud psíquica de las personas.349

Impõe-se transformar os saberes e conhecimentos acumulados sobre a questão da


saúde ou doença mental, com causas principais ou coadjuvantes oriundas do ambiente de
trabalho, em um instrumento que possibilite a restauração da dignidade do trabalho.
Os saberes a respeito da etiologia ocupacional devem estar refletidos na
regulamentação acerca da saúde e segurança no meio ambiente do trabalho – SST. “No dizer
de José Jairo Gomes, o sistema jurídico é uma realidade viva, encontrando-se em
permanente movimento ascendente”.350 Há, portanto, uma necessidade de permanente
atualização do marco legal que prescreve as medidas de SST, tendo em vista a emergência de
novos riscos.

4.3.1 O problema da proteção normativa insuficiente: por que devem ser regulamentados os
riscos psicossociais no trabalho?

O permanente intercâmbio entre o sistema jurídico e a realidade cultural


circundante, permitido pela abertura e vaguidão da linguagem jurídica, em
particular a constitucional, enseja que a cada passo velhas formulações e
concepções sejam negadas e superadas, chegando-se a novas soluções, mais
consentâneas com as necessidades do tempo presente.351

349
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 371. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 jun. 2010.
350
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
195.
351
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
195.
119

Conforme leciona Patrick Guyomard, “pode acontecer que uma lei existente não
seja humana, porque o que é legal se opõe, às vezes, ao que, por outro lado, em outro
registro, é considerado humano”.352 E completa:

[...] nessa oposição entre a Lei e as leis. Não se trata apenas de considerar
que as leis são insuficientes e que é preciso melhorá-las, para que cheguem
ao nível da Lei. Há aí uma tensão, uma crise, entre esses dois tipos de
referência, que se manifesta, por exemplo, no âmbito jurídico, na diferença
entre o que se chama habitualmente de direito natural e direito positivo, mas
que se manifesta também em todos os campos das ciências humanas, de uma
maneira ou de outra.353

Contudo, caso não se opere uma contínua e adequada atualização do que sejam
práticas corretas e, principalmente, medidas preventivas obrigatórias, no ambiente de
trabalho, começam a se instalar hiatos cujo potencial ofensivo é muito alto. É alto porque o
bem jurídico atingido é muito importante: a saúde do trabalhador não é um custo aceitável. E
esse custo não é financeiro, pois, por mais que nosso sistema previdenciário fosse
superavitário – o que sabe-se que não é – ainda assim tratar-se-ia de custo inaceitável.
Infelizmente, o direito brasileiro, sendo monopólio estatal, coloca o Estado como
portador do que Dejours denominou de tolerância para com violações à saúde no ambiente de
trabalho. É pesaroso, mas necessário reconhecer que a tão necessária atualização das Normas
Regulamentadoras não vem ocorrendo a contento. E isto é especialmente verdade quando se
trata dos riscos psicossociais existentes no meio ambiente do trabalho. São estas brechas, que
na verdade correspondem em diversos casos a largos espaços, que permitem com razoável
margem de manobra que atos criminosos, como a tortura psicológica no ambiente de trabalho,
não sejam qualificados como tal.
O conceito de “riscos psicossociais no trabalho” não guarda uma intimidade
considerável com o meio jurídico brasileiro. De certa forma, há uma lacuna no direito
brasileiro, e sobretudo no direito social. Isto porque a maneira como este fenômeno
estreitamente afeto ao meio ambiente do trabalho é tratado em outras disciplinas demonstra a
discrepância existente em relação ao direito, em termos de profundidade de análise.

352
GUYOMARD, Patrick. A Lei e as leis. In: ALTOÉ, Sônia. A Lei e as leis: Direito e Psicanálise. Rio de
Janeiro: Revinter, 2007, p. 4.
353
GUYOMARD, Patrick. A Lei e as leis. In: ALTOÉ, Sônia. A Lei e as leis: Direito e Psicanálise. Rio de
Janeiro: Revinter, 2007, p. 4.
120

Al día de hoy es cada vez más difícil encontrar autores que no hayan visitado
algún aspecto de los riesgos psicosociales, bien atendiendo a todos ellos o a
alguna clase en particular de los mismos; bien aludiendo a su incidencia en
general; bien con visión preventiva, reparadora, o sancionadora; bien
buscando el análisis en la doctrina judicial, en el tratamiento convencional o
en los criterios del Tribunal Supremo de Justicia.354

Se o Direito deve incorporar o ideal de justiça, aqui entendido o termo como a


expectativa de comportamentos ideais que os atores sociais devem dispensar uns aos outros,
“é natural que as normas jurídicas e a jurisprudência, sintonizadas com a dinâmica da vida,
absorvam aquilo que a consciência social já elegeu como normal, ou que classifica como
intolerável”.355 Mas como é possível a um Estado que se intitula democrático “de direito”
tolerar o que já se sabe intolerável, nocivo, danoso, insuportável? A resposta para esta
pergunta é talvez mais triste.
Conforme demonstrado exaustivamente nos capítulos anteriores, as condições de
trabalho se alteraram, práticas nocivas passaram a integrar o cotidiano de trabalho, novos
riscos já foram identificados por especialistas e os problemas de saúde mental relacionados ao
trabalho atingiram enormes proporções. O problema que se coloca então é hoje preocupação
de muitos juristas, dentre os quais Sebastião Geraldo de Oliveira:

[...] analisamos diversos agentes agressivos à saúde ocupacional, dentre eles,


o trabalho estressante, a violência física, o assédio moral e o assédio sexual.
Esses são os principais agentes das agressões psíquicas à saúde do
trabalhador, podendo gerar adoecimento e até incapacidade total. Cabe
indagar nesse passo quais são as respostas que o ordenamento jurídico
oferece para proteger a saúde mental no trabalho.356 (original não
grifado)

354
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 374. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 Jun. 2010.
355
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
195.
356
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
209.
121

4.3.1.1 A regulamentação dos riscos psicossociais no trabalho, pedra de toque no quadro


jurídico da prevenção

¿Por qué deben ser estudiados y legislarse sobre los factores psicosociales en
el trabajo?. El estudio de esta temática y sobre todo su regulación en las
diferentes legislaciones a nivel mundial, ha venido cobrando relevancia en la
última década y sin lugar a dudas se corresponde con la necesidad de dar
respuesta a fenómenos que se evidencian como complejos y novedosos. Las
consecuencias de los factores psicosociales y su estudio en estos momentos,
es una respuesta al impacto que la globalización, como fenómeno económico
y social, ha tenido en todos los ámbitos de la vida y donde el mundo del
trabajo no ha sido la excepción.357

A regulamentação dos riscos psicossociais, bem como de mecanismos


obrigatórios a serem observados para a preservação da saúde mental do trabalhador, serve
também para que os membros do Poder Judiciário possam, de forma mais assertiva, atuar em
conflitos correlatos que cheguem a sua esfera. Facilita para que o juiz decida, pois ele não
precisa ser um perito em riscos psicossociais no trabalho para ser juiz. Mesmo porque, não
poderia ser um perito em tudo. Daí o papel da legislação mais técnica, na qual se inscreve a
regulamentação. Nos casos de autos de infração, embargos, interdições, dentre outras medidas
de proteção coletivas, por vezes opostas aos empregadores, configuraria abuso de direito,358
atentatório ao Estado Democrático inaugurado pela Constituição de 1988, qualquer sanção
que não tenha amparo normativo descritivo ou de fácil determinação.

357
MARTINEZ ALCANTARA, Susana; HERNANDEZ SANCHEZ, Araceli. Necesidad de estudios y
legislación sobre factores psicosociales en el trabajo. Revista Cubana de Salud Pública, Ciudad de La Habana,
Cuba, v. 31, n. 4, 2005, p. 338.
358
O Poder Judiciário exerce o controle da legalidade dos atos administrativos. Isto significa dizer que não
apenas os atos cuja competência é vinculada, mas também os de competência discricionária serão avaliados pelo
Judiciário, quando levados ao seu conhecimento a respeito de itens como competência do agente, motivação e
finalidade da medida e objeto sobre o qual o ato tem influência. Em verdade, o poder discricionário do agente
administrativo, qualquer que seja ele, sempre terá como teto um ou mais dispositivos legais, sendo o mais
importante deles a Constituição Federal. Para usar uma expressão popular, o poder discricionário não é um
“cheque em branco”.
122

4.3.1.2 O problema se tornou grande demais para ser ignorado359

A relação entre saúde mental e ambiente do trabalho atingiu uma proporção tal
que não pode mais escapar ao controle estatal e em última análise ao Direito propriamente
dito.

Ora, os fatos sociais estão diretamente conectados com a ciência jurídica,


como vasos comunicantes inseparáveis; não se pode compreender
efetivamente o Direito, dissociando-o da realidade fática que lhe dá
sustentação. Da mesma forma que o surgimento de uma doença canaliza
esforços no meio científico para a busca da vacina ou do remédio, no âmbito
do Direito a percepção de um fato anormal na sociedade incrementa a
fixação de regras de conduta para a coexistência harmoniosa (vacinas) e as
sanções como consequências dos desvios dessas regras (remédios), já que o
Direito visa ao equacionamento da vida social.360

Em que pese o Direito ser uma ciência social, antes de ser aplicada, é patente a
existência de uma séria dificuldade de diálogo entre a ciência jurídica e as diversas disciplinas
e demais ciências humanas. Isto se reflete na formação de graduação e pós-graduação em
Direito no Brasil. Nesse contexto, não seria exagero dizer que inexistem no Brasil análises
suficientemente densas, sob a ótica jurídica, a respeito dos riscos psicossociais no trabalho.
A proteção normativa insuficiente impede que se recorra ao Poder Judiciário para
obtenção de providências concretas. Não se pode exigir do Judiciário, tampouco transferir ao
mesmo uma responsabilidade que não lhe cabe. ‘Legislar’ sobre meio ambiente do trabalho
por meio de sentenças torna-se particularmente complicado, especialmente quando se pensa
na difícil tarefa de estabelecer um nexo causal entre os riscos psicossociais no trabalho e os
transtornos mentais. Seria a solução invocar a todo momento um perito?
Quando o Estado é omisso por um tempo muito longo, as convulsões que se
formam no meio social acabam encontrando alguma válvula de escape, ainda que esta solução
não seja a melhor. Expressões pejorativas como ‘ativismo judicial’ e ‘judicialização das
políticas públicas’ tornaram-se lugar-comum e demonstram o caráter polêmico assumido pela

359
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
180.
360
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
209.
123

questão na atualidade. A separação entre os Poderes da República torna-se tão mais


prejudicada quanto mais um deles se omite.
Outro fenômeno interessante é o reconhecimento dos transtornos mentais
relacionados ao trabalho como “doença ocupacional/acidente de trabalho”.

A lista das doenças ocupacionais do INSS, relacionada no Anexo II do


Decreto 3.048/1999, indica o grupo dos Transtornos mentais e do
comportamento relacionados com o trabalho (Grupo V do CID-10),
apontando, dentre outros fatores etiológicos [...] ritmo de trabalho penoso,
reação após acidente grave, reação após assalto no trabalho, desacordo com
o patrão e colega de trabalho, circunstâncias relativas às condições de
trabalho, má adaptação à organização do horário de trabalho etc.361

Chega a ser absurdo pensarmos que não há prevenção no que concerne aos riscos
psicossociais, mas que há cobertura previdenciária. Em termos objetivos, seria como se o
Estado, sabendo de uma nova epidemia, começasse a indenizar as famílias das vítimas sem
que este esforço se fizesse acompanhado da adoção de políticas públicas de prevenção.

Na pré-modernidade e na modernidade clássica, a prevenção e a aposta são


as duas modalidades da gestão de risco. Embora ambas sejam resultados da
crença na racionalidade, as formas de controle são distintas. Na prevenção,
a norma é o principal meio de controle do risco; já na aposta, este consiste
na tomada de decisão informada pelos cálculos de risco.362 (original não
grifado)

Dessa maneira, as “repercussões jurídicas do estresse, do assédio moral e do


assédio sexual já são intensas e não podem mais ser ignoradas”.363

361
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
212.
362
LUIZ, Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico. Cadernos de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, nov. 2006, p. 2341. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006001100008&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 23 nov. 2010.
363
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
212.
124

4.3.1.3 Dos princípios às regras sobre riscos psicossociais no trabalho

Dada uma especial necessidade de especialização das normas no que toca à


proteção de direitos que envolvem matéria técnica, entende-se que a ausência de um
tratamento jurídico acerca da prevenção epidemiológica dos riscos psicossociais representa
uma proteção insuficiente que impede a concretização de direitos os mais fundamentais. Isto
pressupõe admitir que os “factores psicosociales no pueden considerarse como elementos
secundarios, sino que son elementos reales e importantes de la organización del trabajo
cualquiera que sea el sector industrial de actividad”.364
Os constitucionalistas concordam com o fato de que princípios são conceitos
fluidos. Considerando-se esta característica que lhes é intrínseca, nasce necessária cautela ao
se argumentar, justificar ações, ou mesmo decidir com base em princípios. Regras, por sua
vez, são mais determinísticas, nesse aspecto a doutrina parece ter estabelecido um consenso, e
dessa forma se fazem muito necessárias, sobretudo quando se trata de situações em que o bom
senso ou a intuição não se mostram suficientes.
Sempre é preferível lançar mão de uma regra quando a mesma existir, de forma a
subsumir determinada situação concreta a um comando solucionador. No entanto, não raras
vezes, e a despeito da inflação normativa que vive hoje o Brasil, faltam regras que se adaptem
ao caso concreto. Em verdade, os princípios de direito, sobretudo os constitucionais, têm
inúmeras funções dentro de um ordenamento jurídico.
Princípios servem de parâmetro para a elaboração de novas regras. Um exemplo
recente que pode ser citado nesse sentido é a Súmula Vinculante nº 13 que veicula
expressamente a vedação ao nepotismo em homenagem ao princípio constitucional da
moralidade. Trata-se de dar solidez ao princípio de modo que seu conteúdo finalístico possa
atingir os casos concretos.

364
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n.3, 2009, p. 383. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 jun. 2010.
125

É patente a necessidade de constante integração e atualização dos supracitados


conceitos fluidos. A título ilustrativo toma-se o significado do que venha a ser dignidade
humana, mínimo existencial, direito à saúde. Esse exercício recorrente se faz necessário, sob
pena de as regras não mais servirem e os princípios assumirem um lugar que deveria ser por
elas ocupado. Na falta de uma regra, obviamente se recorre a um princípio. De igual sorte, na
falta de uma boa ou razoável regra, também não resta alternativa a não ser socorrer-se do
conteúdo axiológico compreendido em um princípio.
Dada a peculiaridade de determinadas normas, impõe-se a necessidade de
elaboração das mesmas por um grupo extremamente técnico em detrimento dos parlamentares
eleitos. Quando se trata dos autos de infração lavrados pela inspeção do trabalho, realizada
por Auditores do Ministério do Trabalho, não se pode esquecer que a infração é tipificada em
um ementário. Situações que violam os direitos mais fundamentais dos trabalhadores, se não
estiverem contempladas na redação das ementas, não são passíveis de autuação.

Muchos especialistas en la materia laboral propugnaban el reconocimiento


de los riesgos psicosociales, como enfermedad ocupacional, entendiendo por
ésta, aquellos estados patológicos imputables a la acción de agentes físicos,
condiciones ergonómicas, meteorológicas, agentes químicos, agentes
biológicos, factores psicológicos y emocionales, que se manifiesten por una
lesión orgánica, trastornos enzimáticos o bioquímicos, trastornos funcionales
o desequilibrio mental, temporales o permanentes, contraídos en el ambiente
de trabajo (art. 70, LOPCYMAT, 2005365).366

Os princípios constitucionais garantidores do meio ambiente do trabalho


equilibrado e também do direito à saúde (neste compreendida, além da saúde física, a saúde
mental ou psíquica), estabelecem tão somente diretrizes de pouca utilidade prática, por
exemplo, pelos Auditores Fiscais do Trabalho. Quando se pensa na fiscalização in loco, pelo
inspetor do trabalho, deve-se ter em mente que este não é necessariamente bacharel em
direito. É necessário conjurar os esforços por parte desses diversos atores tendo em vista a
força e a voracidade desse inimigo que vem se fortalecendo sem pudor.

365
Asamblea Nacional (2005). Ley Orgánica de Prevención, Condiciones y Medio Ambiente de Trabajo. Gaceta
Oficial nº 38236. Venezuela.
366
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 369. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 jun. 2010.
126

4.3.1.4 A necessidade de uma política pública de Estado

As medidas tendentes a assegurar direitos humanos [...] têm que fazer parte
das políticas de Estado e não meramente das políticas de governo, marcadas
pela descontinuidade, pois tais políticas precisam se sedimentar para serem
capazes de acelerar o processo de mudança cultural essencial para que uma
sociedade seja, de fato, inclusiva.367 (destaques em itálico são originais)

O fato de as empresas poderem afetar praticamente todos os direitos reconhecidos


internacionalmente faz com que elas devam atender aos chamados da responsabilidade
intrínseca que possuem de respeitar tais direitos. Embora alguns possam exigir maior atenção
em contextos específicos, há situações em que as empresas podem ter responsabilidades
adicionais, por exemplo, quando elas executam determinadas atividades de caráter público.
Outra possibilidade de responsabilização adicional ocorre quando a empresa assume
compromissos voluntariamente. Contudo, a responsabilidade em relação aos direitos
fundamentais é o mínimo que se espera de todas as empresas, em todas as situações.
Segundo Patrícia Anne Scott, os países em desenvolvimento possuem um longo
caminho pela frente o qual devem percorrer no sentido de fortalecer as instituições políticas
internas, o respeito aos direitos humanos e em especial os processos democráticos que urgem
amadurecimento.368
Do ponto de vista da saúde e segurança ocupacional, não é nada desprezível o fato
de que os modelos de prevenção da poluição não incluem variáveis específicas relativas à
saúde e à segurança humana no meio ambiente do trabalho. A preocupação com o meio
ambiente e com a saúde é vista frequentemente como fator de restrição ao desenvolvimento
econômico.
Importa ainda trazer a esta discussão o fato de que a inspeção do trabalho
compreende atores de fiscalização in loco que atuam como longa manus do Estado. Em que
pese presenciarem diuturnamente o impacto dos elementos apontados por Dejours nos itens i)
e ii) (item 2.1.1 deste trabalho), a inspeção do trabalho se vê desprovida de meios de

367
BARUKI, Luciana Veloso R. P.; BERTOLIN, Patrícia Tuma M.; DIAS, Vivian Christina S. F. Migrantes
clandestinos na região central de São Paulo: a inclusão perversa. In: BOGGIO, Paulo Sergio; CAMPANHÃ,
Camila. Família, Gênero e inclusão social. São Paulo: Memnon, 2009, p. 117.
368
SCOTT, Patricia Anne. Ergonomics in developing regions: needs and applications. Boca Raton: CRC Press,
2009, p. 438.
127

intervenção junto aos riscos psicossociais, conforme indica o item iii) (item 2.1.1 deste
trabalho). Esta situação implica frustração tanto para o Auditor Fiscal do Trabalho, quanto
para o trabalhador que resta relegado à sua própria sorte e a um sofrimento que por vezes é
invisível e, quando exprimido, desqualificado.369
Sobre aludida questão, a interpretação que se faz da responsabilidade que resulta
de comportamento passivo é muito bem ilustrada pelo que em 1903 Hans Jonas denominou
“situações em que a indiferença é claramente impossível”, ou o que é negado ou ignorado se
torna uma apreciação negativa, de desqualificação do evento-problema.
O autor elogia aqueles que ao menos não se aventuram em uma paradoxal e
ilusória ideia de neutralidade pela indiferença, e se permitem um propósito, em detrimento de
não ter nenhum e de não fazer nada. Segundo Jonas, mencionado propósito, em um primeiro
momento, nada mais é do que uma intuição que acena sobre o conceito formal do que é certo
e do que “deve ser”.370
O Estado não pode eximir-se de funções que lhe são precípuas. E certamente, uma
das mais importantes destas funções é garantir “uma vida saudável com qualidade ambiental,
o que se apresenta como indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao
desenvolvimento humano no seu conjunto”.371 Um esforço de regulamentação é condizente
com questões fundamentais que encontram respaldo tanto no plano político, quanto no
econômico.

369
A respeito, conferir: DROUET, Jean-Baptiste. Les maltraitances invisibles. Les nouvelles violences morales.
Paris: Le Cherche midi, 2008; BARBOSA-BRANCO, Anadergh. Saúde mental e trabalho: um problema quase
invisível. Brasília, Correio Brasiliense, 16 nov. 2003.
370
Tradução livre de: “Since indifference is clearly not possible here (what is denied becomes a negative value),
at least he who does not embrace the paradox of a purpose-denying purpose must concur in the proposition that
purpose as such is its own accreditation within being, and must postulate this as an ontological axiom. Now, it
follows already analytically from the formal concept of the good-in-itself that, whenever this first, self-validating
good happens, in any of its individuations, to come under the custody of a will, it addresses an "ought" to this
will. And the content of this first good (and at the same time the recognition of its rooting in reality) is nothing
else than what is affirmed in that first axiomatic intuition: the superiority of purpose as such over
purposelessness”. JONAS, Hans. The imperative of responsibility. In Search of an Ethics for The Technological
Age. USA: The University of Chicago: 1984, p. 80.
371
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e mínimo existencial
(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 12.
128

4.3.1.5 A proteção insuficiente à saúde mental no meio ambiente do trabalho enquanto


lacuna de governança

[…] creemos que es necesario que se reformen las distintas leyes que
regulan la vida laboral, con una visión preventiva y que reconozca el
conjunto de síntomas, molestias y trastornos ocasionados por el trabajo, pero
ignorados en la legislación. Entre otros deberían de aparecer los trastornos
del sueño, los cuales no son ningún secreto para los trabajadores que rotan
turno o tienen un trabajo nocturno, pero tampoco son secreto para ningún
empresario. Diversos trastornos psicosomáticos, por ejemplo úlceras,
migrañas e incluso el infarto del miocardio que nuestra legislación reconoce
pero como accidente de trabajo siempre y cuando suceda en el centro
laboral, también deben ser reconocidos por la legislación como
enfermedades profesionales ocasionadas por el trabajo y no esperar a que
imposibiliten la realización de las actividades para atenderlos.372

A ausência de regulamentação se coloca como um óbice para adoção de um


modelo preventivo pelo Poder Executivo. Por outro lado, o Poder Judiciário resta
impossibilitado de exercer qualquer papel de controle nessa área, uma vez que não pesa sobre
o empregador nenhum ônus específico para proteger a higidez mental do trabalhador.
Não há outra forma de facilitar o cumprimento, a fiscalização, bem como de se
efetuar, perante o Judiciário, a prova do descumprimento por parte de empregadores de
medidas tendentes a preservar a saúde mental de seus empregados.373

Los trabajadores tienen el derecho a una protección eficaz en materia de


seguridad y salud en el trabajo. En cumplimiento de este deber, el empleador
deberá garantizar la salud de los trabajadores en todos los aspectos
relacionados con el trabajo. Por lo tanto, desde una visión integral, los
factores de riesgo psicosocial cobran cada día una especial relevancia hasta
el punto de que en determinadas profesiones pueden llegar a constituir
el principal riesgo potencial, riesgo que por lo tanto debe ser conocido,
evaluado y en su caso controlado.374 (original não grifado)

372
MARTINEZ ALCANTARA, Susana; HERNANDEZ SANCHEZ, Araceli. Necesidad de estudios y
legislación sobre factores psicosociales en el trabajo. Revista Cubana de Salud Pública, Ciudad de La Habana,
Cuba, v. 31, n. 4, 2005, p. 343.
373
FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e mínimo existencial
(ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 12.
374
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 382. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 jun. 2010.
129

É imperioso que o Estado intervenha de maneira reativa, impondo limites


jurídicos a todo tipo de abuso de poder, como por exemplo, no meio ambiente do trabalho, do
poder diretivo do empregador. Isto pressupõe ser possível reparar danos consumados, ao
mesmo tempo em que se evita, de modo pedagógico, danos iminentes pelo binômio
norma/sanção375.
Os riscos psicossociais no meio ambiente do trabalho devem ser objeto de um
regime jurídico preventivo a ser estruturado dentro do Estado porquanto representa agente
etiológico agressor da higidez física e psíquica do trabalhador. Sem prejuízo dos casos
submetidos à apreciação do Poder Judiciário376, nos quais a atuação, quando possível, é quase
sempre repressiva, os fundamentos materiais para uma intervenção preventiva pela Inspeção
do Trabalho são inexistentes. Isto ocorre porque em que pese existirem riscos psicossociais
enquanto agentes etiológicos os mesmos passam ao largo da legislação brasileira concernente
à saúde e à segurança no trabalho.
Nessa toada, conhecer os aspectos que giram em torno do tema aqui debatido, tal
qual apresentado nos três primeiros capítulos, propicia uma releitura do direito positivo à luz
dos princípios constitucionais. Este procedimento é apontado por quase todos os
doutrinadores que cuidaram do tema do neoconstitucionalismo como uma característica de tal
fenômeno jurídico, a saber: “a mesma norma legal, com o tempo e o empenho dos seus
intérpretes, vai adquirindo densidades diferentes, permitindo que o parâmetro normativo
busque incessante aproximação do referencial daquilo que é justo”.377

375
No caso da saúde ocupacional, nos parece ser fundamental que, para toda obrigação relativa a medicina e
segurança do trabalho, exista uma penalidade correspondente ao seu descumprimento. Isto porque a norma desta
natureza, sem uma penalidade associada, traduz-se em mero conselho. Atualmente, o valor das multas aplicadas
pela inspeção do trabalho é, em geral, muito baixo. Isto é verdade para as infrações à legislação trabalhista
stricto sensu e também para as infrações às Normas Regulamentadoras. O valor pedagógico e o poder inibitório
dos autos de infração lavrados pela inspeção do trabalho estão sobremaneira comprometidos, especialmente
quando se trata de empregadores cuja capacidade econômica é mais elevada. Outro aspecto que enfraquece as
normas de proteção ao trabalho, no que diz respeito à fiscalização de seu cumprimento pelos Auditores Fiscais
do Trabalho, é o fato de que o trâmite processual das multas é demasiado lento. Assim sendo, a legislação que
protege a saúde e o patrimônio do trabalhador tende a revelar-se, de fato, um mero conselho.
376
O Poder Judiciário é pautado por diversos princípios e o princípio da “inércia da jurisdição” (também
conhecido por “iniciativa da parte”) figura dentre os mais característicos. Por este princípio tem-se que o Estado
só exercerá a atividade jurisdicional se ele for devidamente provocado por uma ação. O fundamento legal se
encontra no artigo 2º do Código de Processo Civil que traz a seguinte redação: “Nenhum juiz prestará a tutela
jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais”. Referido princípio é
excepcionado tão somente quando se trata de inventário, situação prevista no artigo 989 do Código de Processo
Civil, em que é facultado ao juiz agir de ofício, isto é, sem provocação.
377
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010,
pp. 209-210.
130

Por mais que sejam possíveis releituras, mais condizentes com a dignidade
humana, dentre outros princípios fundamentais de nosso ordenamento, a operacionalização de
um tal regime deve passar necessariamente por um esforço de regulamentação apropriada,
capaz de absorver o estado da arte das pesquisas científicas sobre o tema. Por fim, a
necessidade de enforcement carecerá ser desenvolvida, uma vez que, para as situações já
regulamentadas, o descompromisso dos empregadores ainda é muito grande.
É preciso, portanto, inserir “a proteção do ambiente na teia normativa construída
a partir dos direitos (e deveres) fundamentais, do princípio da dignidade (da pessoa
humana), assim como dos demais princípios [...] de um Estado Socioambiental”.
Por fim, nunca é demais registrar que não é ambição deste trabalho propalar a
ideia de que os regulamentos resolverão todos os problemas existentes entre as leis e a Leis,
sobretudo quando se cuida da saúde mental e sua relação com o trabalho. No entanto, é
preciso que se firme um consenso de que, sem a regulamentação e um tratamento normativo
condigno, qualquer esboço de regime jurídico preventivo não passará de um esboço.
José Carlos Francisco recorda que “as constituições estruturam a sociedade e o
Estado, são elas que primeiro acolhem e dão forma jurídica às transformações reveladas
pela realidade”. A seu turno, “a absorção dessas modificações está evidenciada na
elaboração periódica de novos ordenamentos constitucionais, bem como por interpretações
construtivas e de concretização do seu conteúdo”. 378
Dizem que é melhor prevenir do que remediar. Melhor ainda seria impedir
que o problema que leva à prevenção ocorresse. O primeiro caso é chamado
de prevenção secundária, o segundo, de prevenção primária. A prevenção
terciária envolve tentar implementar a contenção de dano depois de ocorrido
o problema para evitar que aquele se agrave

O modelo jurídico de atenção à saúde mental do trabalhador no Brasil é hoje


basicamente todo ele repressivo. Neste aspecto, o Judiciário tem desempenhado um maior
papel o qual assume forma ‘reparatória’, haja vista que a Inspeção do Trabalho, mesmo
quando atuando de forma repressiva, vale-se o tempo todo de normas, portarias, instruções
normativas, dentre outras espécies de regulamentos.

378
FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 8.
131

Contudo, questões para as quais o Judiciário não consegue oferecer respostas se


multiplicam à medida que os casos vão batendo às portas daquele Poder, sem que ele tenha
instrumentos jurídicos que espelhem o saber técnico desenvolvido por outras ciências.

Las diferentes investigaciones científicas que se realizan desde las


instituciones internacionales como la OIT y OMS y también las realizadas
por las universidades y la comunidad científica en general, han aportado
suficiente evidencia sobre el efecto nocivo que tiene sobre la salud y el
bienestar de los trabajadores, la exposición a los factores de riesgo
psicosocial. Por ello estos factores no deben ser olvidados ante otros factores
más conocidos tradicionalmente y, como en los demás casos, deben
prevenirse en todas las empresas tal y como lo exige la LOPCYMAT.379

Os operadores do direito, de modo geral, têm plena noção de que “os pilares e as
bases fundamentais para a construção do direito à saúde mental já estão fixados, permitindo
desde agora a sua aplicação”.380 E se a Constituição de 1988 previu expressamente o direito
à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança,
“conjugando essa previsão com o preceito do art. 196, pode-se concluir que também a saúde
mental é direito do trabalhador e dever do empregador”.381
Instrumentos normativos que legitimam o direito à saúde mental do trabalhador
existem em larga proporção. Cite-se a título exemplificativo o Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, internalizado em nosso país pelo Decreto
Legislativo nº 226/1991, e promulgado pelo Decreto nº 591/1992. No artigo 12-1 encontra-se
a previsão de que “os Estados-partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa
de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”.
Ocorre que, nem só de princípios sobrevive a ordem jurídica, mas também de
regras – o que no caso não se tem. Nesse contexto, torna-se sobremaneira custoso e até
mesmo frustrante para o Magistrado olhar os princípios basilares do ordenamento, e, depois
de olhar a situação concreta, reconhecer um problema jurídico cuja solução escapa-lhe às
mãos. Esta frustração também é compartilhada por Auditores Fiscais do Trabalho que

379
ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como enfermedad ocupacional:
consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11,
n. 3, 2009, p. 383. Disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf >. Acesso em:
02 jun. 2010.
380
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
210.
381
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
210.
132

somente podem autuar com base em um ementário, sendo que, o que lá não está previsto, em
princípio, não se pode contestar.
As questões, na prática, não são nada simples, assim como nunca foram com o
benzeno, com o amianto. Nesse sentido, é essencial que se tenha uma regulamentação que
reflita o estado da arte, de modo a encontrar respostas para indagações como:

O empregado tem direito de trabalhar num ambiente psicologicamente


saudável? O empresário tem obrigação de prevenir o estresse? Cabe
indenização para ressarcir os danos sofridos pelo empregado estressado? O
estresse deve ser considerado como atenuante no julgamento da falta grave
do empregado?382

“Não há dúvidas, portanto, de que nessa área conturbada, de situações


relativamente novas, há um campo propício para a atuação da ciência jurídica”, sendo o
tema dos riscos psicossociais no trabalho uma categoria de interesse jurídico por excelência
que precisa ser assim enxergada.383

4.3.1.6 A obsolescência das Normas Regulamentadoras de segurança e medicina do trabalho

A segurança e a saúde ‘física’ no trabalho implicam em medidas de prevenção


técnica cuja natureza é determinada, de maneira mais ou menos precisa, pela
regulamentação384. Esta regulamentação sobre segurança e saúde no trabalho informa
requisitos mínimos que orientam as autoridades competentes para inspecionar, tutelar e
proteger o meio ambiente do trabalho. Incumbe-nos realizar uma apresentação acerca das
principais disposições relativas à “segurança e medicina do trabalho”. Esta terminologia é a
mais precisa em comparação com outros termos, dentre eles “segurança e higiene do

382
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
209.
383
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.
209.
384
Tradução livre de: “La sécurité et la santé ‘physique’ au travail impliquent des mesures de prévention
technique dont la nature est déterminée, de façon plus ou moins précise, par la réglementation”. FERNANDES,
Antonio Monteiro. Les possibilités de mobilisation en droit portugais. In: LEROUGE, Loïc (Org.). Risques
psychosociaux au travail: Étude comparée Espagne, France, Grèce, Italie, Portugal. Paris: L'Harmattan, 2009,
p. 169.
133

trabalho”, o qual foi utilizado pela própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em um
dado momento. Atualmente, o artigo 154 do texto consolidado fala em “segurança e medicina
do trabalho” estando, portanto, mais adequado ao que pretende denotar.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 7°,
inciso XXII, assegurou o direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança”.385 Nesse sentido, as Portarias do Ministério do
Trabalho e Emprego, relativas à “segurança e medicina do trabalho”, têm a missão precípua
de integrar referido comando constitucional, dando-lhe a necessária capilaridade para atingir
situações em concreto.
Referidas Portarias são as chamadas Normas Regulamentadoras (NRs). Elas
foram introduzidas pela Portaria nº 3214/1978, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
São destinadas a desempenhar “o relevante papel de estabelecer condições que assegurem a
saúde e a segurança do trabalhador, prevenindo, protegendo, recuperando e preservando a
sua higidez física e mental no âmbito das relações de labor”.386
A propósito das NRs da Portaria nº 3214/1978, é relevante destacar que possuem
eficácia jurídica análoga à das leis ordinárias, pois foram editadas por força de delegação
normativa prevista nos artigos 150 e 200, do mesmo diploma, que assim dispõem:

Art. 155 - Incumbe ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de


segurança e medicina do trabalho:
I - estabelecer, nos limites de sua competência, normas sobre a aplicação dos
preceitos deste Capítulo, especialmente os referidos no art. 200387;

385
Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2010.
386
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho: direito, segurança e medicina do trabalho. 2ª
ed. São Paulo: Método, 2009, p. 22.
387
Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata
este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
(Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
I - medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção individual em obras de construção,
demolição ou reparos; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
II - depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e explosivos, bem como trânsito e
permanência nas áreas respectivas; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
III - trabalho em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo quanto à prevenção de explosões,
incêndios, desmoronamentos e soterramentos, eliminação de poeiras, gases, etc. e facilidades de rápida saída dos
empregados; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
IV - proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas, com exigências ao especial
revestimento de portas e paredes, construção de paredes contra-fogo, diques e outros anteparos, assim como
garantia geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e protegidas, com suficiente sinalização;
(Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
V - proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto, com provisão,
quanto a este, de água potável, alojamento profilaxia de endemias; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
134

II - coordenar, orientar, controlar e supervisionar a fiscalização e as demais


atividades relacionadas com a segurança e a medicina do trabalho em todo o
território nacional, inclusive a Campanha Nacional de Prevenção de
Acidentes do Trabalho;
III - conhecer, em última instância, dos recursos, voluntários ou de ofício,
das decisões proferidas pelos Delegados Regionais do Trabalho, em matéria
de segurança e medicina do trabalho.

Deste modo, as Normas Regulamentadoras emitidas pelo Ministério do Trabalho


e Emprego, embora veiculadas por Portaria, integram o Capítulo V, do Título II, do texto
consolidado, equiparando-se às demais disposições que o compõem, isto é: às leis ordinárias
cuja origem se dá no Congresso Nacional. É oportuno mencionar que, por mais de uma vez,
algumas entidades patronais tentaram sem sucesso obter a declaração de inconstitucionalidade
das NRs junto ao Supremo Tribunal Federal. Um exemplo a ser citado foi a ADI nº 1.347-5,
com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Confederação Nacional dos Transportes – CNT,
na qual insurgiu-se contra as Portarias nº 24 e 25/1994, baixadas à época pelo Secretário de
Saúde e Segurança do Trabalho388, as quais alteraram a NR-7, que trata do PCMSO, e a NR-9,
que trata do PPRA.389

VI - proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não ionizantes,
ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas
cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos limites máximos quanto ao tempo de exposição, à
intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites
de idade controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam necessárias; (Incluído
pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
VII - higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências, instalações sanitárias, com separação de
sexos, chuveiros, lavatórios, vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por ocasião
das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza dos locais de trabalho e modo de sua
execução, tratamento de resíduos industriais; (Incluído pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977)
VIII - emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive nas sinalizações de perigo. (Incluído pela Lei nº
6.514, de 22.12.1977)
Parágrafo único - Tratando-se de radiações ionizantes e explosivos, as normas a que se refere este artigo serão
expedidas de acordo com as resoluções a respeito adotadas pelo órgão técnico. (Incluído pela Lei nº 6.514, de
22.12.1977)
388
Na época da edição das referidas Portarias não existia a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), como se
tem hoje. Na verdade, existiam duas secretarias: a Secretaria de Fiscalização do Trabalho – hoje transformada
em departamento (DEFIT) – e a Secretaria de Saúde e Segurança do Trabalho, que também seguiu a mesma
sorte (DSST).
389
No mesmo sentido, menciona-se, a título exemplificativo, as ADIs de nº 996, 360-7, 1.258, 1.388, 1.670,
1.946 e 3.398.
135

Outro aspecto que merece ser discutido é o fato de que, por força do mandamento
do artigo 200, da CLT, a delegação da competência ao Ministério do Trabalho significou mais
do que, à primeira vista, poderia se pensar. Na verdade, o Ministério do Trabalho e Emprego
(denominação atual da pasta) possui o que a doutrina denomina de reserva regulamentar, em
oposição à reserva legal. Significa dizer que o órgão tem exclusividade para emitir
regulamentos relativos à segurança e à medicina do trabalho. José Carlos Francisco explica
que

Quando se fala em legalidade, há uma reserva genérica a atos do Legislativo,


não excluindo a atuação secundária e subordinada de outros poderes
(particularmente o Executivo, com a função regulamentar). A fórmula
adotada pelo art. 5º, II, da Constituição de 1988, ao mencionar que os
direitos e obrigações surgem “em virtude de lei”, aponta um sentido mais
amplo do que normalmente parte da doutrina reconhece.390

A explicação evidencia que a delegação de competência traduz-se como uma


delegação de poder, de direitos, de faculdades. Contudo, referida delegação vem
acompanhada de equivalente dose de responsabilidade. Isto é, não basta ter a competência
para editar normas, é preciso de fato realizar esta tarefa em caráter permanente e a contento.
Para tanto, pressupõe-se que ocorram permanentes atualizações, cancelamento de normas ou
mesmo de dispositivos que se tornaram inadequados por acontecimentos supervenientes,
dentre outras atividades que envolvem a função regulamentar.

[...] é importante ressaltar que a função regulamentar abrange a competência


para editar, modificar e revogar regulamentos, de modo que não se exaure
com o seu exercício. A relevância dessa atribuição em princípio permanente
(pois é possível competência transitória) se justifica até mesmo pela
efetividade (ou eficácia social) da norma regulamentar que deve ser
compatível com a conjuntura da realidade em face da qual é
instrumentalizada, pois os regulamentos devem comportar o processo social
de transformação, com ele interagindo.391

390
FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 315.
391
FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 212.
136

4.3.1.6.1 Riscos físicos, químicos e biológicos: a tríade obsoleta da NR-9

A ausência de um tratamento jurídico acerca da prevenção epidemiológica dos


riscos psicossociais, quer atuem como fatores determinantes, quer atuem como fatores
concorrentes para o adoecimento do trabalhador prejudica a cidadania. A bem dizer, a
inexistência de normas regulamentadoras ou de quaisquer outros parâmetros objetivos
capazes de traduzir o saber atual das ciências392 que, em alguma medida, contribuem para
esclarecer o complexo processo etiológico de adoecimento psíquico no trabalho, deixa um
espaço para pequenos abusos e grandes atrocidades.
Assim sendo, o exercício da cidadania resta gravemente maculado na medida em
que escapam aos termos de ajustamento de conduta, aos autos de infração, aos inquéritos
civis, às sentenças, aos acórdãos e, em última análise, ao Estado democrático de direito. Por
conseguinte, a normatização, em determinados casos, além de necessária se mostra
verdadeiramente salutar e benéfica para os diversos atores sociais.
A legislação brasileira é omissa a respeito do tema “riscos psicossociais
ocupacionais”. A Norma Regulamentadora nº 09393, do Ministério do Trabalho e Emprego,
impõe a todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados394
a obrigatoriedade de elaborar e implementar, sob pena de sanção, o Programa de Prevenção
de Riscos Ambientais – PPRA,

[...] visando à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores,


através da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente controle da
ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no
ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente
e dos recursos naturais.395 (original não grifado)

392
Sociologia, Psicologia, Medicina, Teoria das Organizações.
393
Com redação dada pela Portaria SSST nº 25, de 29 de dezembro de 1994 (NR-9), a qual alterou a referida
norma pela última vez.
394
Nos termos definidos pela CLT (art, 2º e 3º).
395
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
137

É de se notar que a obrigatoriedade acima descrita diz respeito, em princípio, aos


riscos ambientais em sentido amplo e irrestrito. O fato de existir uma previsão expressa sobre
a necessidade de reconhecimento de riscos futuros também dá a entender que o comando
destacado não pretendeu ser exaustivo – o que permitiria, em princípio, a atualização da
norma ainda que de modo informal. Assim, novos agentes mereceriam a preocupação
daqueles que possuem empregados, sob pena de serem aplicadas sanções.
Entretanto, em que pese o intuito ambicioso da NR-9 de tornar o PPRA parte
integrante “do conjunto mais amplo das iniciativas da empresa no campo da preservação da
saúde e da integridade dos trabalhadores”396 – dizendo até mesmo que ele deve “estar
articulado com o disposto nas demais NR, em especial com o Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional - PCMSO previsto na NR-7”397 – ao definir os riscos no ambiente de
trabalho de modo exaustivo, a norma valeu-se de um enunciado no qual os riscos
psicossociais foram solenemente ignorados:

9.1.5 – Para efeito desta NR, consideram-se riscos ambientais os agentes


físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em
função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição,
são capazes de causar danos à saúde do trabalhador. 398 (original não grifado)

A tríade obsoleta adotada não observou nem mesmo normativas internacionais


que, por ocasião de sua última alteração, já tratavam de riscos ocupacionais de forma mais
ampla. Dessa forma, a NR-9 define os agentes físicos, químicos e biológicos aos quais se
referiu de modo taxativo no item 9.1.5.
Segundo a literalidade da norma os primeiros seriam “as diversas formas de
energia a que possam estar expostos os trabalhadores, tais como: ruído, vibrações, pressões
anormais, temperaturas extremas, radiações ionizantes, radiações não ionizantes, bem como
o infrassom e o ultrassom.399 A seu turno, são considerados agentes químicos “as substâncias,

396
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
397
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
398
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
399
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
138

compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas
de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores”.400
A NR-9 também incluiu entre tais agentes aqueles que “pela natureza da
atividade de exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele
ou por ingestão”.401 Por fim, sobre os agentes biológicos a norma diz serem “as bactérias,
fungos, bacilos, parasitas, protozoários, vírus, entre outros”.402 Ora, ao lado dos riscos
físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidente, os riscos psicossociais constituem
riscos epidemiológicos ambientais de origem ocupacional.
A qualidade do meio ambiente de trabalho transcende os aspectos químicos,
físicos ou biológicos a este relacionados. Deve-se adotar uma visão holística, que se preste a
contemplar as múltiplas dimensões da vida social. A segurança e saúde no trabalho é uma
disciplina que é afetada por uma série de variáveis que circundam o mundo do trabalho.

400
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
401
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
402
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.
Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regulamentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22
nov. 2010.
139

CONCLUSÃO

A comunidade internacional está ainda nos estágios iniciais de construção de um


aparato de proteção dos direitos humanos sociais ou individuais, contra os danos causados por
empresas e corporações. O debate é atual e remonta à década de 1990, quando as empresas
passaram a operar em nível global, para desespero daqueles que se preocupam com os direitos
humanos e achavam que a humanidade se curvaria após Nagasaki, Hiroshima e Auschwitz.
A bem dizer, a situação hoje é diversa, talvez pior. Antes os vilões eram mais
facilmente identificados, portanto mais rapidamente enfrentados. Hoje em dia, lida-se com
inimigos ocultos. A sociedade do risco é também a sociedade do mercado, cuja fúria deixaria
assustados ditadores e vilões de um passado não tão distante. Nesse contexto se inseriu a
discussão aqui empreendida em torno da proteção insuficiente contra os riscos psicossociais
no trabalho, enquanto óbice para um regime jurídico preventivo em saúde mental do
trabalhador.
Os fundamentos teóricos da abordagem psicossocial, enquanto disciplina
charneira da qual se ocupou Maisonneuve, parecem responder bem ao que considera-se a
insuficiência da análise fundada na Psicologia Social ou na Sociologia Clínica com
exclusividade. A Psicossociologia representa assim a síntese necessária para compreender o
homem sujeito que também é homem social, e vice-versa. Sob a ótica desta disciplina, o risco
(psicossocial) surge como uma interação negativa. Dessa maneira, os riscos psicossociais no
trabalho seriam exatamente as interações negativas proporcionadas pelo ambiente em que o
trabalho se desenvolve (contexto do trabalho) ou pelo trabalho em si (conteúdo do trabalho,
de suas tarefas e de suas atividades).
Tais interações negativas (riscos), decorrentes do meio ambiente do trabalho,
geram efeitos sobre os trabalhadores. A palavra stress surge então ora designando os tais
riscos psicossociais no trabalho, ora designando as sensações experimentadas por aqueles que
estão expostos àquelas situações estressantes ou, conforme preferimos chamar, de risco
propriamente dito. Superadas algumas definições um tanto equívocas como risco e stress,
constatou-se que o tema dos riscos psicossociais no trabalho vem sendo examinado de forma
sistemática pela doutrina há algumas décadas. Diversas classificações, convergentes entre si,
140

provam o quanto a questão está avançada do ponto de vista médico e psicossocial. A fonte
dos problemas está portanto identificada. Os riscos psicossociais no trabalho não são uma
invenção, não são uma novidade e é preciso que o direito se dê conta disso.
Esclarecidas as bases da abordagem psicossocial dos riscos ocupacionais, não
restam dúvidas sobre seu caráter emergente. Na verdade, comprovou-se que os riscos
psicossociais no trabalho, embora não sejam recentes, apresentam-se atualmente sob uma
nova dimensão. Eles estão em franca expansão e funcionam como precursores de problemas
cujo ônus econômico e social não encontram precedentes. Estas características estão
intimamente relacionadas com o recrudescimento do processo de globalização da economia e
dos mercados, de modo que se verifica um padrão de comportamento similar. Não se trata de
uma problemática exclusiva da realidade brasileira. O fenômeno é, pois, sistêmico e
transnacional.
Desse modo, as mudanças pelas quais passaram as organizações – bem como as
mudanças pelas quais NÃO passaram alguns Estados nacionais como é o caso do Brasil –
aparecem como principais responsáveis pela deterioração do meio ambiente do trabalho e
pelo crescimento alarmante de transtornos mentais entre os trabalhadores. Isto ficou evidente
a partir do mergulho realizado em um pequeno recorte da realidade de adoecimento psíquico
em função do trabalho. Ao tratar das patologias em aumento, sob uma divisão didática,
percebeu-se o quão sérios e complexos são os problemas de saúde mental relacionados ao
trabalho que de forma virulentamente democrática atingem também os mais capacitados e
mais competentes.
O espectro sob o qual o sofrimento psíquico se manifesta vai desde problemas
psicossomáticos até as patologias de sobrecarga (disfunções musculoesqueléticas, karoshi,
burnout ou simplesmente stress), patologias pós-traumáticas, relacionadas ao assédio, à
depressão e ao suicídio. Infelizmente, a riqueza de detalhes e de manifestações assumidas
pelo sofrimento mental faz com que a gravidade do problema fique, aparentemente, diluída. O
fato de as pessoas responderem de formas diferentes, ou mesmo de os problemas associados
aos riscos psicossociais no trabalho se apresentarem sob formas diferentes, faz com que eles
pareçam pulverizados e observados de forma apartada, como se fossem resultado de causas
distintas.
Enquanto não forem reconhecidos os riscos psicossociais como tais, os problemas
psíquicos relacionados ao trabalho continuarão a não serem vistos como formas de expressão
141

de um mesmo mal, a saber: as interações negativas no ambiente de trabalho. Neste sentido, o


assédio moral, tão em voga atualmente, não aparece com tanta frequência associado aos riscos
psicossociais no trabalho, quando, na verdade, é a mais pura consequência daqueles.
Conforme constatado por Dejours, o problema do assédio é tão velho quanto o trabalho, o que
é novidade é o desmantelamento dos mecanismos de defesa coletiva contra as investidas do
capital. Cabe ao Brasil dar conta desta realidade e isto significa muito mais do que legislar
sobre o assédio moral, pois este é sintoma e não o mal maior.
Todo o exposto até agora são conclusões de uma atitude de diagnose,
empreendida em relação a um objeto de estudo específico. Contudo, dimensionar o problema
que representa a exposição aos riscos psicossociais no meio ambiente do trabalho, para a
saúde do trabalhador, é antes de tudo um problema que não pode ser mais ignorado,
principalmente pelo direito. O esforço de diagnóstico teve seu lugar para demonstrar o quão
grave é uma tal situação para que seja tratada com tanto descaso por autoridades, como se não
houvesse qualquer interesse do Estado, ou como se a matéria não fosse digna de interesse
jurídico.
Desta forma, a subsunção das situações constatadas a comandos os mais básicos
como “dignidade humana” e “direito a saúde” consistiu em uma homenagem ao óbvio, mas
um óbvio necessário, um óbvio que de tão óbvio não está aparente, e pior: vem sendo
reproduzido nos mais diversos espaços. Até mesmo a universidade, um espaço que à primeira
vista deveria ser neutro, foi contaminada pela lógica do ‘mercado’.
Aparentemente logrou-se êxito em demonstrar o quanto a proteção normativa
existente é insuficiente. A obsolescência das normas que reconhecem os tipos de riscos no
meio ambiente do trabalho é flagrante. Não há nem mesmo espaço para a construção de
raciocínios que possam incluir os riscos psicossociais, pois a Norma Regulamentadora nº 09
do Ministério do Trabalho e Emprego é certeira ao dizer que consideram-se riscos ambientais
os riscos físicos, químicos e biológicos, assim entendidos aqueles que por ela são
exaustivamente exemplificados. Esta limitação adquire contornos de um problema muito
maior do que ela própria na medida em que impede que se estabeleçam as bases de um regime
jurídico preventivo em saúde mental ocupacional.
Da forma como está redigida hoje a NR-09, até mesmo a reparação de danos
consumados, em relação a trabalhadores que foram sistematicamente expostos a situações de
risco psicossocial no trabalho, segue um curso altamente incerto. Seja junto à Previdência
142

Social, seja junto ao Judiciário, as pessoas que já estão psicologicamente doentes ou que
morreram em decorrência de transtornos mentais adquiridos por conta do trabalho acabam
sendo duplamente punidas, vez que a falta de regulamentação faz com que aqueles que não
são os responsáveis pela falta de regulamentação cruzem os braços diante dos problemas.
Ainda que o médico perito do INSS ou o magistrado do trabalho tentem atuar de maneira
mais incisiva, encontrarão consideráveis dificuldades devido à dificuldade de fundamentação
de suas decisões.
Logo, a regulamentação dos riscos psicossociais mostrou-se verdadeira pedra de
toque no quadro conceitual da prevenção, pois dela depende até mesmo a justiciabilidade de
direitos que não são facilmente arguíveis em sede de reclamações trabalhistas. Até mesmo as
condutas compensatórias e repressivas – que de certa forma funcionam como mecanismos
pedagógicos e inibitórios de novos casos, portanto preventivos – não funcionam a contento,
privadas de dispositivos mais concretos, no que diz respeito à prevenção dos riscos
psicossociais no meio ambiente do trabalho.
Restou comprovado que o direito à proteção da saúde mental no meio ambiente
do trabalho ostenta uma natureza dúplice: ao mesmo tempo em que é parte do direito à saúde,
enquanto direito fundamental, enquanto direito da personalidade é também parte do direito ao
meio ambiente do trabalho sadio, adequado e equilibrado. A natureza de “direito do cidadão
trabalhador” talvez exprima de forma mais sensata a riqueza envolvida no conceito de saúde
mental do trabalhador, pois é um direito individual e, ao mesmo tempo, um direito coletivo, é
uma obrigação do empregador, mas deve ser garantido, viabilizado e fiscalizado pelo Estado.
Este é, em última análise, o responsável pela efetividade ou não do direito à saúde mental no
trabalho.
Destarte, sendo o direito ao trabalho e o direito à saúde intrínsecos ao conceito de
cidadania, pois não se pode conceber um cidadão sem o pleno acesso e gozo de tais direitos, a
obsolescência das normas de preservação à higidez do trabalhador representa um grave óbice
à atuação do Estado na sua missão precípua de contribuir com a fixação das bases para uma
cidadania plena do brasileiro.
As conclusões deste estudo não poderiam resumir-se aos problemas da falta de
regulamentação adequada, enquanto verdadeiros empecilhos que são para a emancipação do
trabalhador, do cidadão, do ser humano que tem direito a ter direitos. Tratar somente disto
deixaria a questão no mundo das coisas ideais – o que certamente não é o caso. Ora, a
143

realidade é mais rica. Quando se rejeitou uma abordagem economicista, fundada


exclusivamente em teoria política e econômica, evitou-se reduzir a questão ao conflito capital
versus trabalho, mas também evitou-se colocar em grau de menor importância problemas
subjacentes à questão aqui tratada que consideramos serem da maior e mais absoluta
importância.
O neoliberalismo se aproxima do totalitarismo na medida em que, em ambos os
regimes, determinados fins justificam os meios, os quais são reduzidos a custos necessários,
como baixas naturais sofridas por um exército, ou simplesmente percalços necessários –
‘ossos do ofício’, para utilizar uma expressão popular. Portanto, a questão central neste caso
não diz respeito ao regime em vigor, mas sim aos mecanismos de aceitação que se instalaram
em uma sociedade que assim permitiu. Em algum momento, a sociedade alemã ‘comprou’ a
ideia do Terceiro Reich. Em proporções maiores, a sociedade mundial, ‘comprou’ a ideia dos
mercados e nesse sentido é urgente retroceder.
Dessa forma, ao investigar as circunstâncias que relegam a saúde mental do
trabalhador à condição de direito frágil por excelência, de justiciabilidade duvidosa, e de
reconhecimento difícil, foi dado lugar à análise etiológica sob a ótica da Psicodinâmica do
Trabalho (PDT). Esta escola aponta a hipertrofia do discurso de culpabilização da ‘vítima’
bem como da naturalização dos riscos ocupacionais como mecanismos que atuam em
consórcio com a letargia do Estado, para que este se furte a assumir o papel que lhe cabe no
quadro conceitual da prevenção. Portanto, os discursos revelados legitimam o comportamento
de um Estado que é tolerante e permissivo para com as lacunas de governança. Dessa forma, o
Estado está no centro das questões aqui tratadas, pois, não importa que a organização do
trabalho tenha se modificado e que hoje a sociedade seja a sociedade do risco. Importa sim o
fato de o Estado brasileiro patrocinar o que denominei por festa da globalização, coordenada
pelo seu mais ilustre representante: o mercado.
Nesta conjuntura, o quadro conceitual de prevenção de violações a direitos
humanos por empresas, proposto por Ruggie, acena com uma promissora tríade. Sua
aderência ao campo da saúde mental do trabalhador, ao menos no plano teórico, pareceu
bastante satisfatória. Em todo caso, independente de ser implementada uma tal tríade
principiológica, o fato é que a proteção da saúde mental dos trabalhadores passa
necessariamente pela imposição de regras a serem cumpridas pelas empresas, sob pena de
sanção. Da mesma forma, a proteção eficiente é aquela que garante que, nos casos em que a
144

fiscalização do Estado falhar, não conseguindo prevenir danos, devem ser assegurados aos
trabalhadores vítimas de sofrimento psíquico os meios adequados para que lhes sejam dadas a
justa e devida reparação.
Por todo o exposto, insistimos em reforçar que a principal conclusão deste estudo
é de que a proteção normativa insuficiente contra os riscos psicossociais no trabalho funciona
como um verdadeiro óbice para um regime jurídico preventivo. Por esta razão, urge serem
regulamentados os riscos psicossociais no trabalho. Esta medida é a pedra de toque no quadro
jurídico da prevenção, sem a qual, conforme dito no corpo deste texto, qualquer tentativa de
prevenção não será mais do que uma investida inócua e estéril.
Acredita-se ter restado claro e evidente que o problema se tornou grande demais
para ser ignorado, de modo que é preciso partir dos princípios para a regulamentação sobre
riscos psicossociais no trabalho. Regras são tão necessárias quanto princípios, pois se tomados
isoladamente a força dos mesmos é reduzida a ponto de serem inaplicáveis. A regra não se
sustenta sem o princípio e o princípio não consegue alcançar a realidade concreta senão por
meio das regras. E isto é essencial para fundamentar qualquer política pública de Estado sobre
um dado tema. No caso da saúde mental do trabalhador, o problema se inscreve no mundo dos
fatos como uma pandemia, um verdadeiro problema de saúde pública, merecendo, portanto, o
necessário arcabouço teórico para que, do ponto de vista jurídico, venha a legitimar ações
preventivas do Estado.
Em prol da cidadania, é preciso desenvolver em nossa sociedade um sentimento
de “intolerância” para com as injustiças de um modo geral e para com as injustiças
relacionadas ao meio ambiente do trabalho de modo específico. Também é necessário
requalificar o sofrimento mediado pelo trabalho, mormente o intangível, afeto aos “bens da
alma” – aqui utilizado o termo em oposição a “bens externos” e “bens do corpo” contidos na
Encíclica Rerum Novarum.403 Isto porque restou comprovado que, além de serem muitas
vezes invisíveis, as dores da alma são igualmente alvo de lamentáveis preconceitos. Estes
somente contribuem para que um problema que pertence ao direito ambiental do trabalho
continue subestimado e mal compreendido sob um discurso de verdade que culpabiliza
individualmente as vítimas, pessoas tidas como fracas e responsáveis por seus infortúnios.

403
Em português significa “Das Coisas Novas”. Trata-se de uma encíclica escrita por sua santidade – o então
Papa Leão XIII, em 15 de maio de 1891, sobre a condição dos operários. Surgiu como um complemento a outros
manifestos elaborados durante seu papado (Diuturnum, sobre a soberania política; Immortale Dei, sobre a
constituição cristã dos Estados e Libertas, sobre a liberdade humana) – todos parte do que se convencionou
chamar Doutrina Social da Igreja.
145

O desprestígio que contorna o tema “saúde mental do trabalhador” é


absolutamente crítico naquilo que considero o núcleo duro das ciências sociais: aquelas que
carregam o adjetivo de “aplicadas” (administração, economia, direito). Nestas ciências, o
atributo da aplicabilidade, que poderia ser bem substituído por praticidade, faz com que exista
pouca permeabilidade para assuntos mais frágeis e mais delicados a exemplo da saúde
psíquica daqueles submetidos a um determinado ambiente organizacional.
É fácil compreender que componentes abstratos como satisfação, reconhecimento,
solidariedade não são facilmente computados em modelos determinísticos, em planilhas de
excel, em calculadoras científicas. Por outro lado, códigos rígidos de conduta, prescrições
envelhecidas e obsoletas revelam ser bastante consequente a obra de autores como Kelsen,
que excluíram a justiça da noção de direito. Isto porque, ouso dizer, não há um compromisso
do direito – aqui entendido o direito posto – com a justiça. Reconhecer esta impropriedade é,
a nosso ver, talvez a maior possibilidade de se evoluir com os instrumentos que hoje temos a
serviço daquilo que se denomina esfera jurídica.
É nesse momento que ganha importância a questão dos princípios – o grande mote
das discussões jurídicas atuais – pois são apontados como possíveis salvadores do Direito.
Uma entidade que poderia aproximar o direito do ideal de justiça. A verdade é que os
princípios têm o condão de revigorar as leis e a jurisprudência. Como uma lanterna em uma
estrada escura, os princípios ajudam a enxergar a direção correta. No entanto, se não existirem
pressões para que a direção correta seja tomada, os princípios de nada servem e continuarão a
conviver com regras que lhes são nocivas, incongruentes. Dessa forma os critérios
informadores de um ordenamento fundado em 1988 vêm sendo abandonados, perderam força,
vigor. E era de se esperar, pois à medida que são sistematicamente descumpridos, os preceitos
constitucionais que outrora pareciam um alento, apos décadas de ditadura militar, traduzem-se
hoje em elementos simbólicos daquilo que um dia uma Assembleia Constituinte sonhou: uma
sociedade livre, justa e solidária.
Hodiernamente, o Estado exerce sua função regulamentar com uma letargia e
morosidade tão grandes, a ponto de as normas atualizadas já nascerem obsoletas. Dessa
forma, um princípio como o da dignidade humana acaba sendo realmente uma moldura que
pode estar mais ou menos preenchida, e com conteúdo mínimo altamente relativizado – daí
falar-se em direitos humanos frágeis. Este processo precisa ser interrompido. E o caso dos
riscos psicossociais no trabalho é paradigmático neste sentido. Reconheçamos que sua
146

resolução pressupõe uma mudança de postura, pois neste estágio não há mais espaço para a
ingenuidade. E é assim que encerro, otimista e esperançosa de que o Direito-técnica seja
eventualmente abandonado, dando lugar ao Direito-arte, reconciliando-se com as demais
ciências, para cuidar dos indivíduos que hoje se encontram relegados à própria sorte.404
O ordenamento jurídico precisa ter efetividade e concretude, notadamente no que
diz respeito aos direitos fundamentais. A regulamentação acerca da exposição aos riscos
psicossociais no trabalho mostrou-se uma ‘lacuna de governança’ cujo preenchimento é pré-
requisito para um regime jurídico preventivo em saúde mental ocupacional. Há um óbice
insuperável em relação ao controle dos riscos psicossociais no meio ambiente do trabalho por
parte do Judiciário, quando provocado, bem como pelo Ministério Público e outros órgãos
imbuídos em maior ou menor extensão da missão de vigiar e fiscalizar as condições
ambientais em que atuam os trabalhadores.
Seja pela complexidade, delicadeza ou sofisticação, o fato é que um regime
jurídico preventivo à saúde mental do trabalhador carece de um formato e de um conteúdo
próprio por parte de nosso ordenamento, notadamente no que diz respeito ao seu conteúdo
mais técnico que urge ser regulamentado. É preciso portanto tratar os riscos psicossociais com
o respeito que o tema merece, isto é: a partir da requalificação do sofrimento. O Estado tem
enorme papel na desconstrução do discurso que legitima a “culpabilização individual”. Isto
porque, à medida que ele não se “intromete” no assunto está relegando a questão ao plano
privado, ao mesmo tempo em que legitima um discurso cruel, excludente e indecente.

404
Convivemos hoje com situações tão teratológicas cuja solução de tão óbvia passa a ser ignorada. Um exemplo
é a questão da interrupção da gravidez, quando o feto é anencefálico. Ora, existem estudos mais do que
suficientes que comprovam que este tipo de gestação não precisa ser levada adiante. A segurança do diagnóstico
e a simplicidade do exame necessário, a certeza da letalidade em 100% dos casos, os riscos para a saúde da
gestante, a impossibilidade de aproveitamento dos órgãos para transplante, a necessidade de legislação que
garanta o exercício profissional e a não obrigatoriedade de interrupção da gravidez foram consenso entre os
cientistas que apresentaram estudos, estatísticas e laudos médicos para defender a antecipação terapêutica do
parto nos casos de Anencefalia, debatida em audiência pública no Supremo Tribunal Federal nos dias 26 e 28 de
agosto de 2008. Se a mulher deseja por quaisquer razões levar a gravidez adiante é um direito que ela tem. Mas
se a mulher não deseja concluir uma gestação que só lhe trará sofrimentos por que ela deveria ser obrigada a
fazê-lo? O bem jurídico tutelado não é, em última análise, a vida? Como se falar em bem jurídico quando não há
vida? Certamente há aí o descumprimento de um preceito fundamental, conforme a belíssima argumentação
declinada na Arguição de Descumprimento Fundamental (com pedido de Medida Liminar) nº 54, ajuizada em
17/06/2004 e assinada pelo eminente constitucionalista Luís Roberto Barroso.
147

Regulamentar os riscos psicossociais está longe de constituir uma panaceia.


Longe de ser uma solução mágica, a atenção do direito deve ser dada a este tema como um
primeiro e absolutamente necessário passo para que se possa romper com a banalização do
sofrimento causado por fatores psicossociais nocivos no ambiente laboral. Somente assim será
possível avançar e fundar as bases para um regime jurídico preventivo dos riscos
psicossociais ocupacionais no Brasil. A saúde mental do trabalhador urge perder o status de
direito humano frágil. Acredita-se que a regulamentação dos chamados ‘riscos psicossociais
no trabalho’ pode favorecer sua tutela, em medida adequada – e sobretudo isonômica em
relação ao “corpo físico” – seja um enorme alento, capaz de contribuir para a sua necessária
eficácia.
Isto posto, espera-se que este trabalho seja de utilidade para sindicatos,
organizações não-governamentais, grupos de pressão, membros do poder legislativo os quais
podem encontrar aqui não apenas fundamentos para uma reflexão, mas um verdadeiro
conteúdo para a ação. É importante sensibilizar aqueles que têm alguma ingerência sobre a
questão tratada, demonstrando que o trabalhador é o maior prejudicado pela proteção
insuficiente que decorre de um sistema normativo omisso. A ideia desta dissertação não ser
um fim em si mesma está exatamente aí calcada. Afinal, não seria esta a finalidade de toda
pesquisa?
148

REFERÊNCIAS

ABREU, Kelly Piacheski de; LIMA, Maria Alice Dias da Silva; SOARES, Eglê Kohlrausch;
FACHINELLI, Joannie. Comportamento suicida: fatores de risco e intervenções
preventivas. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 12, n. 1, 2010, p. 196. Faculdade
de Enfermagem. Universidade Federal de Goiânia. Disponível em: <http://www.fen.
ufg.br/revista/vl2/nl/vl2nla24.htm>. Acesso em: 05 jun. 2010.

AGÊNCIA EUROPEIA PARA A SEGURANÇA E A SAÚDE NO TRABALHO. Previsão


dos peritos sobre os riscos psicossociais emergentes relacionados com a
segurança e saúde no trabalho (SST) – Fact Sheet 74. Disponível em: <http://osha.
europa.eu/pt/publications/factsheets/74>. Bélgica, 2007. Acesso em: 15 nov. 2010.

ÁLVARES, Tatiana Teixeira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Fibromialgia – interfaces


com as LER/DORT e considerações sobre sua etiologia ocupacional, Ciência e saúde
coletiva [online], v. 15, n. 3, 2010, p. 804. Associação Brasileira de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v15n3/v15n3a23.
pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.

ÁLVAREZ BRICEÑO, Pedro. Los riesgos psicosociales y su reconocimiento como


enfermedad ocupacional: consecuencias legales y económicas. Telos – Revista de
Estudios Interdisciplinarios en Ciencias Sociales, v. 11, n. 3, 2009, p. 383.
Universidad Dr. Rafael Belloso Chacín - URBE. Maracaibo – Venezuela. Disponível
em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/9 93/99312516006.pdf>. Acesso em: 02
jun. 2010.

ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana? Saúde e Sociedade. São Paulo, v.
15, n. 3, set./dez. 2006, p. 91.

ALVES, Marcos César Amador. Trabalho Decente sob a Perspectiva dos Direitos Humanos.
In: PIOVESAN, Flavia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de (Coordenadoras).
Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2010, pp. 328-348.
149

AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual for


mental disorders. 3rd edition.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade


do Mundo do Trabalho. 2a ed. São Paulo: Cortez, 1995.

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

BARBOSA-BRANCO, Anadergh. Doença do Trabalho: uma questão de risco ou de


organização de classe. Brasilia: Assessoria de Comunicação da UnB, jun. 2004.

BARBOSA-BRANCO, Anadergh. Saúde mental e trabalho: um problema quase invisível.


Brasília, Correio Brasiliense, 16 nov. 2003.

BARBOSA-BRANCO, Anadergh; ALBUQUERQUE-OLIVEIRA, Paulo Rogério;


MATEUS, Márcia. Epidemiologia das licenças do trabalho por doenças mentais no
Brasil, 1999-2002 (Palestra). Goiânia: I Congresso Internacional sobre Saúde
Mental no Trabalho, 2004. Disponível em: <http://www.prt18.mpt.gov.br/eventos/
saude_mental_palestras/anadergh.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2010.

BARLING, Julian; GRIFFITHS, Amanda. A history of occupational health psychology. In:


QUICK, James; TETRICK, Lois (Orgs.). Handbook of Occupational Health
Psychology. Washington, D.C.: American Psychological Association, 2003, pp. 19-
33.

BARUKI, Luciana Veloso R. P.; BERTOLIN, Patrícia Tuma M.; DIAS, Vivian Christina S.
F. Migrantes clandestinos na região central de São Paulo: a inclusão perversa. In:
BOGGIO, Paulo Sergio; CAMPANHÃ, Camila. Família, Gênero e inclusão social.
São Paulo: Memnon, 2009, pp.107-118.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5a ed. São Paulo: LTr, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BERLIM, Marcelo T.; PERIZZOLO, Juliana; FLECK, Marcelo P. A. Transtorno de estresse


150

pós-traumático e depressão maior. Revista Brasileira de Psiquiatria [online], v. 25,


supl. 1, 2003. Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/rbp/v25s1/a12v25s1.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2010.

BIANCHETTI, Lucídio. O espectro tomou conta da academia. Informandes Online,


Brasília-DF, pp. 1-3, 23 out. 2007. Disponível em: <http://www.adufpa.org.br/detalha
_noticia.php?id=190>. Acesso em: 05 dez. 2010.

BONFATTI, Renato; MOTTA, Denise; VIDAL, Mario Cesar. Os limites da análise


ergonômica do trabalho centrada na identificação de riscos biomecânicos. Ação
Ergonômica, v. 1, n. 4, Rio de Janeiro, out. 2003, p. 76. Disponível em: <http://www.
acaoergonomica.ergonomia.ufrj.br/edicoes/vol1n4/artigos/39.pdf>. Acesso em: 25
mai. 2010.

BORGES, Luiz Henrique. Sociabilidade, Sofrimento Psíquico e Lesões por Esforços


Repetitivos em processos de trabalho repetitivos: estudo de caixas bancários. Rio
de Janeiro, 1999. (Tese de Doutoramento). Instituto de Psiquiatria da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.

BOTEGA, Neury José. Suicídio: saindo da sombra em direção a um Plano Nacional de


Prevenção. Revista Brasileira de Psiquiatria [online], v. 29, n. 1, 2007. Associação
Brasileira de Psiquiatria (ABP). Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v29n1/
a04v29n1.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada


em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/const
ituicao/constituiçao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2010.

BRASIL. Decreto nº 6.341 de 03 de janeiro de 2008. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6341.htm>.
Acesso em: 13 mai. 2010.

BRASIL. Resolução Administrativa nº 121 de 29 de novembro de 2007, Tribunal Regional do


Trabalho da Terceira Região. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/download/pgd/re
solucao_administrativa_121_2007.pdf. Acesso em: 19 mai. 2010.
151

BUCASIO, Erika et al. Transtorno de estresse pós-traumático como acidente de trabalho em


um bancário: relato de um caso. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, v. 27,
n. 1, Porto Alegre, jan./abr. 2005. Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-810
82005000100011&lng=en&nrm=iso>.

CAMARA FILHO, José Waldo S.; SOUGEY, Everton B. Transtorno de estresse pós-
traumático: formulação diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira
de Psiquiatria [online], v. 23, n. 4, 2001, p. 222. Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP). Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbp/v23n4/7170.pdf>. Acesso em:
31 mai. 2010.

CAMARGO, Duílio Antero de; CAETANO, Dorgival; GUIMARÃES, Liliana A. M.


Psiquiatria ocupacional II: síndromes psiquiátricas orgânicas relacionadas ao trabalho.
Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 54, n. 1, Rio de Janeiro, 2005, pp. 21-33.
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://maxipas1.tempsite.ws/principal/pub/anexos/20081117020956artigoocupaciona
l1_05.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2010.

CAMELO, Silvia Helena Henriques; ANGERAMI, Emília Luigia Saporiti. Riscos


psicossociais no trabalho que podem levar ao estresse: uma análise da literatura.
Ciência, Cuidado e Saúde. v. 7, n. 2, abr./jun. 2008, pp. 232-240. Departamento de
Enfermagem e Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade
Estadual de Maringá – PR. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/
CiencCuidSaude/article/view/5010/3246>. Acesso em: 08 dez. 2010.

CARREIRO Líbia. Morte por excesso de trabalho (Karoshi). Revista do Tribunal Regional
do Trabalho da 3ª Região, v. 46, n. 76, Belo Horizonte, jul./dez. 2007.

CARVALHO, Marcus Vitor Diniz de; CAVALCANTI, Francisco Ivo Dantas; SORIANO,
Evelyne Pessoa; MIRANDA, Hênio Ferreira de. LER-DORT: doença do trabalho ou
profissional? Revista Gaúcha de Enfermagem (UFRGS), v. 30, Porto Alegre, 2009,
p. 304. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/
article/view/5110/6689>. Acesso em: 26 mai. 2010.
152

CATTANI, Antonio Davi. Apresentação. In: DAL ROSSO, Sadi. Mais Trabalho! A
intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.

CHACHAMOVICH, Eduardo et al. Quais são os recentes achados clínicos sobre a associação
entre depressão e suicídio? Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 31, supl. l, São
Paulo, 2009, p. S19. Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbp/v31s1/a04v31s1.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2010.

CHAVES, Maria Engrácia de Carvalho; VALADARES, Carlos Antônio Melgaço; LINO,


Maria Lúcia Maia Ribeiro; BUSSACOS, Marco. Lesões por Esforços Repetitivos e
sofrimento mental em diferentes profissões. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional, v. 28, São Paulo, 2004. Fundação Jorge Duprat Figueiredo de
Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

CLOT, Yves. A Psicologia do Trabalho na França e a perspectiva da clínica da atividade.


Fractal: Revista de Psicologia, v. 22, n. 1, jan./abr. 2010, p. 230. Disponível em:
<http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/463/402.
Acesso em: 05 jun. 2010.

CLOT, Yves; ZARIFIAN, Philippe. Souffrance en entreprise: quels remèdes? Le Monde, 9 de


dezembro de 2009, p. 3.

COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. Proteção Internacional dos Direitos Humanos: a


Corte Interamericana e a implementação de suas sentenças no Brasil. Curitiba:
Juruá, 2007.

COIMBRA JR., Carlos E. A. Efeitos colaterais do produtivismo acadêmico na pós-graduação.


Cadernos de Saúde Pública, v. 25, n. 10, Rio de Janeiro, out. 2009. Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz Disponível em <http://www.scielosp.org/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2009001000 001&lng=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 05 dez. 2010.

COMPARATO, Fabio. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva,
2007.
153

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1488 de 06 de março de 1998.


Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1998/1488_1998.
htm>. Acesso em: 01 jun. 2010.

COX, Tom. Stress research and stress management: putting theory to work. London:
HSE Books, 1993, p. 35. Disponível em: <http://www.hse.gov.uk/research/crr_pdf/19
93/crr93061.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2010.

DAL ROSSO, Sadi. Mais Trabalho! A intensificação do labor na sociedade


contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.

DALLARI, Sueli Gandolfi. Uma nova disciplina: o direito sanitário. Revista de Saúde
Pública, v. 22, n. 4, 1988, pp. 327-334. Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v22n4/08.pdf>. Acesso
em: 05 fev. 2009.

DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. 7a ed. Rio de Janeiro: Editora


FGV, 2006.

DEJOURS, Christophe. Nouvelles formes de servitude et suicide. Travailler – Revue


Internationale de Psychopathologie et Psychodynamique du travail., n. 13, 2005,
pp. 53-73. Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM). Laboratoire
Psychologie du travail et de l'action. Paris. Disponível em: <http://www.cairn.info/loa
d_pdf.php?ID_ARTICLE=TRAV_013_0053>. Acesso em: 05 jun. 2010.

DEJOURS, Christophe. O Fator Humano. 5a ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

DEJOURS, Christophe. Trabalho, tecnologia e organização: avaliação do trabalho


submetida à prova do real. São Paulo: Blucher, 2008.

DEJOURS, Christophe. Travail, usure mentale. Bayard: Paris, 2008.

DEJOURS, Christophe; BÈGUE, Florence. Suicídio e trabalho: o que fazer? Brasília:


Paralelo 15, 2010.
154

DORIGO, Júlia Nogueira; LIMA, Maria Elizabeth Antunes. O transtorno de estresse pós-
traumático nos contextos de trabalho: reflexões em torno de um caso clínico.
Cadernos de Psicologia Social do Trabalho [online], v. 10, n. 1, 2007. Centro de
Psicologia Aplicada ao Trabalho. Universidade de São Paulo. Disponível em:
<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/cpst/v10n1/v10n1a05.pdf>. Acesso em: 01
jun. 2010.

DROUET, Jean-Baptiste. Les maltraitances invisibles. Les nouvelles violences morales.


Paris: Le Cherche Midi, 2008.

DRUSS, Benjamin G.; ROSENHECK, Robert A.; SLEDGE, William H. Health and
Disability Costs of Depressive Illness in a Major U.S. Corporation. American
Journal of Psychiatry, v. 157, n. 8, ago. 2000, pp. 1274-8. Disponível em:
<http://ajp.psychiatryonline.org/cgi/reprint/157/8/1274>. Acesso em: 10 fev. 2010.

FACIOLI, Inês; Garcia, Antonio Peres. Histórico de cortadores cana mortos no setor
canavieiro. Disponível em: <http://www.migracoes.com.br/artigos.php?tipart=44&sta
rt=4>. Acesso em: 17 mai. 2010.

FENSTERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Estado socioambiental e mínimo


existencial (ecológico?): algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang.
Estado socioambiental e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2010.

FERNANDES, Antonio Monteiro. Les possibilités de mobilisation en droit portugais. In:


LEROUGE, Loïc (Org.). Risques psychosociaux au travail: Étude comparée
Espagne, France, Grèce, Italie, Portugal. Paris: L'Harmattan, 2009.

FERNANDES, Rita de Cássia Pereira; ASSUNÇÃO, Ada Ávila; CARVALHO, Fernando


Martins. Tarefas repetitivas sob pressão temporal: os distúrbios musculoesqueléticos e
o trabalho industrial. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2010, v. 15, n. 3, p. 938.
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Disponível em: <http://
www.scielosp.org/pdf/csc/v15n3/v15n3a37.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010.
155

FIGUEIREDO, José Guilherme Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores.
2a ed. São Paulo: LTr, 2007.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2002.

FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. Saúde mental para e pelo trabalho. Revista LTr, ano
67, n. 6, São Paulo, junho de 2003, p. 670.

FRANCISCO, José Carlos. Função regulamentar e regulamentos. Rio de Janeiro: Forense,


2009.

FRANCO, Tânia Maria de Almeida. Karoshi: o trabalho entre a vida e a morte. Caderno
CRH, Salvador, n. 37, jul./dez. 2002, p. 149.

FREITAS, Maria Ester de; HELOANI, José Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral
no trabalho. Coleção debates em administração. São Paulo: Cengage Learning, 2009,
p. 9.

FREUD, Sigmund. Introdução à psicanálise e às neuroses de guerra. In: Edição Standard


Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 27. Rio de
Janeiro: Imago, 1996, p. 226.

GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Meio ambiente do trabalho: direito, segurança e


medicina do trabalho. 2a ed. São Paulo: Método, 2009.

GIANNOTTI, Anency. Prevenção da doença coronária: perspectiva psicológica em um


programa multiprofissional. Psicologia USP, v. 13, n. 1, 2002. Instituto de Psicologia.
Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=s
ci_arttext&pid=S0103-65642002000100009&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 22 mai.
2010.
156

GLINA, Débora Miriam Raab et al. Saúde mental e trabalho: uma reflexão sobre o nexo com
o trabalho e o diagnóstico, com base na prática. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, n.
3, Rio de Janeiro, 2001, p. 614. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo
Cruz.

GLINA, Débora Miriam Raab. Modelos Teóricos de Estresse, Estresse no Trabalho e


Repercussões na Saúde do Trabalhador. In: GLINA, Débora Miriam Raab; ROCHA,
Lys Esther (Orgs.). Saúde Mental no Trabalho: da Teoria à Prática. São Paulo:
Roca, 2010.

GLINA, Débora Miriam Raab; ROCHA, Lys Esther. Prevenção do Estresse no Trabalho. In:
GLINA, Débora Miriam Raab; ROCHA, Lys Esther (Orgs.). Saúde Mental no
Trabalho: da Teoria à Prática. São Paulo: Roca, 2010.

GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães. Fatores Psicossociais de Risco no Trabalho. In:


Anais do 2º Congresso Internacional sobre Saúde Mental no Trabalho – Artigos
de Palestrantes. Goiânia, 2006, p. 99. Disponível em: <http://www.prt18.mpt.gov.br/
eventos/2006/saude_mental/anais/artigos/Liliana_A.M.Guimaraes.pdf>. Acesso em:
15 nov. 2010.

GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães (Org.); GRUBITS, Sonia (Org.). Saúde mental
e trabalho, vol. I. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães; RIMOLI, Adriana Odalia. "Mobbing" (assédio


psicológico) no trabalho: uma síndrome psicossocial multidimensional. Psicologia:
Teoria e Pesquisa [online]. 2006, v. 22, n. 2, p. 184. Instituto de Psicologia.
Universidade de Brasília. Brasilia – DF. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp
/v22n2/a08v22n2.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2010.

GUYOMARD, Patrick. A Lei e as leis. In: ALTOÉ, Sônia. A Lei e as leis: Direito e
Psicanálise. Rio de Janeiro: Revinter, 2007, pp. 3-59.
157

HALLACK, Fernanda Sansão; SILVA, Cláudia Osório da. A reclamação nas organizações do
trabalho: estratégia defensiva e evocação do sofrimento. Psicologia & Sociedade, v.
17, n. 3, dez. 2005. Associação Brasileira de Psicologia Social. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822005000300011
&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 dez. 2010.

HELOANI, José Roberto; CAPITAO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho.
São Paulo em Perspectiva [online], v. 17, n. 2, 2003, p. 104. Fundação SEADE. São
Paulo – SP. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v17n2 /a11v17n2.pdf>.
Acesso em: 07 jun. 2010.

HEYMANN, Roberto Ezequiel et al. Consenso brasileiro do tratamento da fibromialgia.


Revista Brasileira de Reumatologia [online], v. 50, n. 1, 2010, p. 56. Sociedade
Brasileira de Reumatologia. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbr/v50n1/v5
0n1a06.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral, a violência perversa no cotidiano. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Rio de


Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.

IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Blucher, 2005.

INSTITUTO SINDICAL DE TRABAJO AMBIENTE Y SALUD (ISTAS). Organización


del trabajo, salud y riesgos psicosociales: Guía del delegado y delegada de
prevención. Barcelona, Paralelo Edición, 2006, p. 11. Disponível em: <http://www.
istas.net/web/abreenlace.asp?idenlace=2616>. Acesso em: 29 nov. 2010.

INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Psychosocial factors at work: recognition and


control. Report of the Joint ILO/WHO Committee on Occupational Health – Ninth
Session. Geneva, 1984, pp. 3-4. Disponível em: <http://www.who.int/entity/occupatio
nal_health/publications/ILO_WHO_1984_report_of_the_joint_committee.pdf>.
Acesso em: 14 nov. 2010.
158

KUROIWA, Yoko; KAWAHITO, Hiroshi. A female employee of a major bank. In: National
Defense Counsel for Victims of Karoshi. Karoshi: when the "Corporate Warrior"
dies. Tokyo: Ed. Mado-Sha, 1990.

LAFLAMME, Anne-Marie. Le droit à la protection de la santé mentale au travail. Canadá


(Québec): Éditions Yvon Blais, 2008.

LANCMAN, Selma. Apresentação. In: LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal


(Orgs.). Christophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. 2a
ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; Brasília: Paralelo 15, 2008.

LAPLANCHE, Jean; PONTIALIS, Jean Bertrand. Vocabulário da Psicanálise. 4a ed. São


Paulo: Martins Fontes, 2001.

LEVI, Lennart. Factores psicosociales, estrés y salud. In: Stellman JM, directora de edición.
Enciclopedia de Salud y Seguridad en el Trabajo. Madrid: Organización
Internacional Del Trabajo, 1998, v. 2.

LEVI, Lennart. Stress in Industry: Causes, Effects and Prevention. Occupational. Safety
and Health Series n. 51, International Labour Office, Geneva, 1984.

LIMONGI FRANÇA, Ana Cristina; RODRIGUES, Avelino Luiz. Stress e trabalho: uma
abordagem psicossomática. 4a ed. São Paulo: Atlas, 2009.

LOJKINE, Jean. A revolução informacional. 3a ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.30.

LÖWY, Michael. A filosofia da história de Walter Benjamin. Estudos Avançados, v. 16, n.


45, São Paulo, 2002, pp. 199-206.

LUIZ, Olinda do Carmo; COHN, Amélia. Sociedade de risco e risco epidemiológico.


Cadernos de Saúde Pública [online], v. 22, n. 11, nov. 2006, pp. 2341-2. Escola
Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X200600110000
8&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 23 nov. 2010.
159

MAENO, Maria et al. Lesões por Esforços Repetitivos (LER), Distúrbios


Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), Dor relacionada ao
trabalho: Protocolos de atenção integral à Saúde do Trabalhador de
Complexidade Diferenciada. Brasília-DF: Ministério da Saúde, 2006, p. 13.
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/protocolo_ler_dort.pdf>.
Acesso em: 24 mai 2010.

MAISONNEUVE, Jean. Introdução à Psicossociologia. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 1977.

MARTINEZ ALCANTARA, Susana; HERNANDEZ SANCHEZ, Araceli. Necesidad de


estudios y legislación sobre factores psicosociales en el trabajo. Revista Cubana de
Salud Pública, Ciudad de La Habana, Cuba, v. 31, n. 4, Editorial Ciencias Médicas,
2005.

MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador:


responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização
pela perda de uma chance, prescrição. 4a ed. São Paulo: LTr, 2010.

MERLO, Álvaro Roberto Crespo. Suicídios na France Télécom: as consequências nefastas


de um modelo de gestão sobre a saúde mental dos trabalhadores. Porto Alegre:
Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho – UFRGS, 2009. Disponível em:
<http://direitoetrabalho.com/2010/04/dossie-sobre-os-suicidios-na-france-telecom/>.
Acesso em: 04 jun. 2010.

MINARDI, Fabio Freitas. Meio ambiente do trabalho: proteção jurídica à saúde mental.
Curitiba: Juruá, 2010.

MINISTÉRIO DA SAÚDE DO BRASIL/ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA


SAÚDE. Doenças Relacionadas ao Trabalho – Manual de Procedimentos para os
Serviços de Saúde. Série A: Normas e Manuais Técnicos, n. 114. Brasília, 2001.
Disponível em: <http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/instrumento/arquivo/16_Doenca
s_Trabalho.Pdf#search=%22doen%C3%A7as%20relacionadas%20ao%20trabalho%2
>. Acesso em: 07 jun. 2010.
160

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos


Ambientais. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/legislacao/normas_regula
mentadoras/nr_09_at.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2010.

NATIONAL DEFENSE COUNSEL FOR VICTIMS OF KAROSHI. Topics. Disponível em:


<http://Karoshi.jp/english/index.html>. Acesso em: 22 mai. 2010.

NEGRI, Teixeira Luciana; FARCI, Maristela da Silva; SAMPAIO, Ana Lucia Prezio;
GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães. Transtorno por estresse pós-traumático
relacionado ao trabalho. In: GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães (Org.);
GRUBITS, Sonia (Org.). Saúde mental e trabalho, vol. III. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004, pp.119-20.

NEGRI, Toni. De l'avenir de la démocratie (débat avec Olivier Mongin). Alternatives


Internationales. Paris, 2004, v. 18.

NOBRE, Marcos et al. O que é pesquisa em Direito? São Paulo: Quartier Latin, 2005.

OLIVEIRA, Fábio de. A persistência da noção de ato inseguro e a construção da culpa: os


discursos sobre os acidentes de trabalho em uma indústria metalúrgica. Revista
Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 32, n. 115. Fundação Jorge Duprat Figueiredo
de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO, São Paulo, 2007, pp. 19-
27.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5a ed. São
Paulo: LTr, 2010.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Riscos emergentes e novas


formas de prevenção num mundo de trabalho em mudança. Genebra, Suíça, 2010.
Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/28abril_
10_pt.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-10. São Paulo: Editora da Universidade de


São Paulo, 2007.
161

ORSO, Paulino José et al. Reflexões acerca das Lesões por Esforços Repetitivos e a
Organização do trabalho. Revista Online da Biblioteca Prof. Joel Martins,
Campinas - SP, v. 2, n. 2, 2001, p. 50. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/
revista/index.php/etd/article/viewFile/395/374>. Acesso em: 20 mai. 2010.

PAUGAM, Serge. O enfraquecimento e a ruptura dos vínculos sociais: uma dimensão


essencial do processo de desqualificação social. In: SAWAIA, Bader (Org.). As
artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social.
Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 67-86.

PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Considerações genéricas sobre os direitos da personalidade. R.


CEJ, n. 25, Brasília, abr./jun. 2004, pp. 70-73. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br
/revista/numero25/artigo09.pdf>. Acesso em: 18 dez. 2010.

PRATES, Jane Cruz; ABREU, Paulo Belmonte de; CEZIMBRA, Leda. A mulher em situação
de rua. In: BULLA, Leonia Capaverde (Org.); MENDES, Jussara Maria Rosa (Org.);
PRATES, Jane Cruz (Org.). As múltiplas formas de exclusão social. Porto Alegre:
Federação Internacional de Universidades Católicas - EDIPUCRS, 2004, p. 167.

REID, Donald. Fayol: excès d’honneur ou excès d’indignité? Revue Française de Gestion,
n. 70, set./out. 1988, pp. 151-159.

Résumés des communications. Santé mentale et travail. 4è Journeé Scientifique du


Département Santé Travail, 26 mars 2009, p. 4. Disponível em: <http://www.invs.
sante.fr/publications/2009/journee_sante_mentale_travail/resumes_communications_j
ournee_dst.pdf>. Acesso em 05 mai. 2010.

REY, Alain (Org.). Le Robert Micro: dictionnaire d’aprentissage de la langue française.


3a ed. Paris: LeRobert, 2008.

RIBEIRO, Darcy. Testemunho. 4a ed. Rio de Janeiro: Apicuri; Brasília, DF: UnB, 2009.
162

RIBEIRO, Maria de Fátima; SILVA, Luiza Rosângela da. O tênue limite entre a gestão do
desempenho individual e a legitimação de assédio moral. III SEGeT – Simpósio de
Excelência em Gestão e Tecnologia. Disponível em: <http://ww.aedb.br/seget/ar
tigos06/854_ribeiro%20m%20f%20seget.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2010.

ROUAT, Sabrina; LAURENT, Philippe. Approche psychomedicale. In: GRASSET, Yves


(Org.); DEBOUT, Michel (Org.). Risques psychosociaux au travail: vraies
questions, bonnes réponses. Paris: Editions Liaisons, 2008, pp. 109-110.

RUFINO, Regina Célia Pezzuto. Assédio moral no âmbito da empresa. São Paulo: LTr,
2006.

RUGGIE, John. Protect, Respect and Remedy: A Framework for Business and Human
Rights. Innovations: Technology, Governance, Globalization. MIT Press, v. 3, n. 2,
spring/2008, p. 189. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1162/itgg.2 008.3.2.189>.
Acesso em: 01 mar. 2010.

SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Manual conciso de psiquiatria


clínica. Porto Alegre: Artmed, 2008.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política.
Coleção para um novo senso comum, v. 4. São Paulo: Cortez, 2006.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do


cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi. Patologia da solidão: o suicídio de bancários no


contexto da nova organização do trabalho. Brasília, 2009. Dissertação (Mestrado
em Administração) – Universidade de Brasília.

SANTOS, Silvia Alves dos. A naturalização do produtivismo acadêmico no trabalho docente.


Revista Espaço Acadêmico, v. 10, n. 110, Rio de Janeiro, jul. 2010, pp. 147-154.
Disponível em <http://www.scielosp.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2009001000001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 05 dez. 2010.
163

SATO, Leny; BERNARDO, Márcia Hespanhol. Saúde mental e trabalho: os problemas que
persistem. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 4, Rio de Janeiro, dez. 2005.
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. Disponível em: <http://
www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232005000400011&l
ng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 dez. 2010.

SCOTT, Patricia Anne. Ergonomics in developing regions: needs and applications. Boca
Raton: CRC Press, 2009.

SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo


capitalismo. 14a ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.

SEVCENKO, Nicolau. O professor como corretor. Folha de São Paulo, São Paulo, 4 jun.,
2000. Caderno Mais, pp. 6-7. Disponível em: <http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/
journal/s/sevcenko1.doc>. Acesso em: 05 dez. 2010.

SEYLE, Hans. Stress: a tensão da vida. 2a ed. São Paulo: Ibrasa, 1965.

SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Mortes e acidentes nas profundezas do ‘mar de cana’ e
dos laranjais paulistas. InterfacEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do
Trabalho e Meio Ambiente, v. 3, n. 2, abr./ago. 2008, p. 4. Disponível em:
<http://www.interfacehs.sp.senac.br/br/artigos. asp?ed=8&cod_artigo=146>. Acesso
em: 22 mai 2010.

SOUKI, Nadia. Hannah Arendt e a banalidade do mal. Belo Horizonte: Editora UFMG,
1998.

SOUSA, Jaqueline Vieira de; CAMPOS, Luciana de Freitas. Relato de experiência quanto à
orientação de conduta frente a acidentes de trabalho com perfuro-cortantes e fluidos
orgânicos. Cogitare Enfermagem, v. 13, n. 4, Curitiba, out./dez. 2008, p. 603.
Revista do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná.
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/cogitare/article/view/13124/888
3>. Acesso em: 01 jun. 2010.
164

SPINK, Mary Jane P. O psicólogo e a saúde mental. Ressignificando a prática. Petrópolis-


RJ: Vozes, s./d..

TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999, pp. 186-187.

THEORELL, Töres. Working Conditions and Health. In: BERKMAN, Lisa; KAWACHI,
Ichiro (Orgs.). Social Epidemiology. Oxford: Oxford University Press, 2000, pp. 95-
117.

VENCO, Selma; BARRETO, Margarida. O sentido social do suicídio no trabalho. Revista


Espaço Acadêmico, v. 9, n. 108, mai. 2010, p. 3. Disponível em: <http://www.
periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/10032/5583>. Acesso
em: 05 jun. 2010.

VENEZUELA. Asamblea Nacional (2005). Ley Orgánica de Prevención, Condiciones y


Medio Ambiente de Trabajo. Gaceta Oficial nº 38236.

VERTHEIN, Marilene Affonso Romualdo; GOMEZ, Carlos Minayo. As armadilhas: bases


discursivas da neuropsiquiatrização das LER. Ciência & Saúde Coletiva [online], v.
6, n. 2, 2001, p. 458. Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/csc/v6n2/7016.pdf>. Acesso em: 07 jun.
2010.

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2005.

VILELA, Rodolfo Andrade Gouveia; IGUTI, Aparecida Maria; ALMEIDA, Ildeberto Muniz.
Culpa da vítima: um modelo para perpetuar a impunidade nos acidentes do trabalho.
Cadernos de Saúde Pública, v. 20, n. 2. Escola Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, mar./abr. 2004, pp. 570-579.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global health risks: mortality and burden of


disease attributable to selected major risks. Genebra: WHO Press, 2009, p. 25.
Disponível em: <http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/GlobalHealth
Risks_report_full.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2010.
165

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Healthy workplaces: a model for action: for


employers, workers, policymakers and practitioners. WHO Press: Genebra, 2010,
p. 1. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789241599313_
eng.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. The Global Burden of Disease: 2004 Update, 2008.
Disponível em: <http://www.who.int/entity/healthinfo/global_burden_disease/GBD_
report_2004update_full.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2010.

Você também pode gostar