CP 020584
CP 020584
CP 020584
por:
Paulo Jobim de Campos Mello
volume 1
Porto Alegre, 2005
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
Doutorado Internacional de Arqueologia
por:
Paulo Jobim de Campos Mello
orientador:
Dr. Klaus Hilbert
(Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil)
co-orientador:
Dr. Eric Boëda
(Université de Paris X - Nanterre, França)
Dra. Maria Cristina dos Santos, pela acolhida e apoio que deu
sempre que estive em Porto Alegre.
RÉSUMÉ
Les études faits au Brésil central concernant des groupes chasseur-cuilleurs ont
concerné surtout les industries lithiques les plus anciennes, Qui appartiennent à la
phase Paranaíba. Peu d’attention a été dirigée vers les périodes postérieures,
peut-être parce que leur matériel lithique semble être peu investi au niveau
technique et par conséquent, ne pas se prêter convenablement aux études
typologiques alors en vogue.
A partir de matériel provenant de cinq sites de plein air Qui se trouvent dans la
vallée du fleuve Manso (état du Mato Grosso), nous proposons mieux caractériser
ces industries selon une perspective technologique. Étant donné que la
technologie peut être étudiée en tant qu’un système, c’est l’approche systémique
que nous permettra, par la mise en évidence des chaînes opératoires, analyser la
production de l’outillage lithique. Nous essaierons aussi de nous rendre compte de
l’evolution de ce système.
ABSTRACT
The studies made in the Brazilian Centro-Oeste region, in relation to the hunter-
collector groups, focused mainly on the oldest lithic industries belonged to the
Paranaíba phase. Very few attention was given to the previous periods, maybe due
to their lithic material show to be technologically little elaborated and so that it does
not fit very well to the typologically studies made.
By using material from five open-sky sities, located at Manso River valley (MT), we
intend by means of the technological studies characterize the best of those
industries. In view technology can be studied as a system, it will be the systemic
approaching that will allow the analise, through the ‘chaine operatoire’, of the
production of lithic instrument. We will also try to note how the system evolutes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
BIBLIOGRAFIA 290
INTRODUÇÃO
1
Projeto Paranaíba, Alto Araguaia, Complementar Centro-Sul, Alto Tocantins, Serra Geral, Médio Tocantins,
Ilha do Bananal e Extremo Norte, que abrangiam áreas que variavam de 35.000 a 70.000 km².
que foram trabalhados com intensidades diferentes2, e onde pode ser destacado a
área de Serranópolis, pertencente ao projeto Paranaíba, que compreende uma
concentração importante de sítios, na sua maioria em abrigos, ricos em vestígios
materiais, com estratigrafia clara e relativamente bem datados. Além disso, os
estudos ali realizados produziram um considerável volume de publicações.
Assim, os sítios descobertos e trabalhados em Serranópolis foram de
fundamental importância para a elaboração de um quadro crono-espacial das
culturas pré-históricas do Planalto Central Brasileiro3, sendo possível definir três
divisões temporais de ocupação. Sinteticamente, temos:
- o período mais antigo, denominado de paleoíndio, que se inicia por volta
de 11.000 AP e se estende até cerca de 8.500 AP, onde aparecem, como fósseis-
guias, os artefatos plano-convexos;
- o arcaico, onde os instrumentos unifaciais bem acabados desaparecem,
sendo substituídos por instrumentos menos elaborados, com uma indústria mal
definida;
- e o ceramista, surgindo por volta de 2.000 AP, primeiro, ao que parece,
com uma horticultura incipiente, caracterizado pela fase Jataí; depois por grupos
agricultores, habitantes de grandes aldeias (fases Aratu e Uru, principalmente).
2
Enquanto o Projeto Extremo Norte, por exemplo, nem foi iniciado, o Paranaíba contou com inúmeras etapas
de campo.
3
Apesar de termos iniciado essa introdução comentando sobre as pesquisas na região Centro-Oeste do país,
divisão, esta, estritamente política, a área de interesse do nosso trabalho é o Planalto Central, que será
caracterizado sumariamente no capítulo 1,
Porém, podemos perceber que, para o arcaico, onde os instrumentos que
aparecem são tecnologicamente pouco elaborados, os estudos tipológicos
tradicionais parecem não funcionar muito bem4. Talvez seja por isso que tão
pouca atenção tenha sido dada para a indústria lítica desse período (ver, entre
outros, Barbosa, 1981-2; Barbosa, 1985; Schmitz, 1981a; Schmitz, 1981b), tendo
ele sido definido, na verdade, muito mais pelas ausências: ausência de
instrumentos típicos, como as ‘lesmas’ do período anterior; ausência de cerâmica,
que caracteriza o período subsequente.
Se pretendemos conhecer melhor a indústria lítica do Arcaico5, acreditamos
que uma outra abordagem tem de ser utilizada: a abordagem tecnológica.
A tecnologia pode ser estudada como um sistema (Gille, 1978, entre
outros), o que significa que é possível formalizar as relações que a técnica
mantém com outros domínios, tais como o social, o econômico e o simbólico.
Tentaremos passar, portanto, de uma abordagem normativa para uma
sistêmica. Como podemos ver em Perles (1987a: 22):
4
Para uma crítica mais ampla aos estudos tipológicos ver, entre outros, Pèrles (1987a), Boeda (1997)
5
Na verdade não só do Arcaico, mas de todos os outros períodos, como esperamos mostrar no decorrer do
trabalho.
Assim, será a abordagem sistêmica das indústrias líticas pré-históricas que
permitirá, através da percepção das cadeias operatórias6, uma análise da
produção do instrumental lítico, bem como de suas implicações culturais,
espaciais e econômicas (Boeda et al., 1990).
No entanto, a cadeia operatória, assim como a noção de sistema, é
eminentemente sincrônica, o que não satisfaz as necessidades que o pré-
historiador tem de estudar a técnica no sentido da ‘longa duração’ – ou seja, da
evolução. Para isso, utilizaremos principalmente dois autores: Simondon (1985),
que estuda a individuação e a concretização dos objetos, e Deforge (1985), com a
noção de linha genética.
Tentaremos, ainda, seguindo as propostas de Rabardel (1995), estudar o
instrumento não somente pelo ‘objeto técnico’ que ele é, mas também pelo seu
esquema de utilização.
6
A definição de cadeia operatória será mostrada no decorrer do trabalho, o mesmo acontecendo com outros
conceitos expostos aqui.
7
Esse projeto foi financiado, respeitando a legislação vigente, primeiro pela Eletronorte e, depois, por
FURNAS Centrais Elétricas.
O capítulo 2 começa com a definição de técnica e tecnologia. Segue-se um
breve histórico sobre o estudo das técnicas, e a contribuição de quatro autores
(Leroi-Gourhan, Gille, Simondon e Rabardel) para o desenvolvimento desses
estudos. Ainda nesse capítulo é explicitado a metodologia de análise do material
lítico.
O capítulo 3 trata da área de estudo, que é caracterizada tanto em termos
físicos (geologia, pedologia, geomorfologia, recursos hídricos) quanto
vegetacionais. São mostradas, ainda, as metodologias utilizadas para a realização
dos trabalhos arqueológicos (prospecção e resgate), além dos sítios selecionados
para fazerem parte do presente trabalho.
No capítulo 4, os sítios são descritos, bem como os trabalhos realizados em
cada um deles. Também são descritas as análise realizadas no material lítico
coletado.
Por fim, são feitas algumas considerações sobre o sistema técnico utilizado
para a confecção do instrumental lítico do período denominado de Arcaico (uma
vez que as no único sítio em que foi possível realizar datações, elas encontradas
remetem para esse período, além do ceramista), comparado-o tanto com o do
Paleoíndio quanto do período cerâmico.
1. A OCUPAÇÃO PRÉ-HISTÓRICA DA BACIA DO RIO MANSO E O
CONTEXTO REGIONAL
8
Fora qualquer trabalho relacionado à obra da UHE Manso, havia, segundo o Cadastro Nacional de Sítios
Arqueológicos (CNSA) do IPHAN, o registro de 26 sítios pré-históricos, todos no município da Chapada dos
Guimarães (porém, como não é fornecida a localização dos sítios, não é possível saber se os mesmos
encontram-se na bacia do rio Manso).
Desses 26 sítios, 23 são em abrigos sendo que 21 deles apresentam pinturas e/ou gravuras e 4 apresentam
material arqueológico (lítico e/ou cerâmico). Dos 3 sítios a céu aberto, 2 apresentam material lítico, enquanto
que o outro refere-se a um lajedo com gravuras.
Ainda de acordo com o CNSA, apenas 3 sítios foram alvos de coleta de material: um dos sítios líticos a céu
aberto sofreu coleta de superfície, um dos abrigos, denominado de Morro do Grito (Letreiro dos Bugres), foi
escavado por J. Perie, e em outro, Boqueirão, foi realizado um corte estratigráfico por M. Simões.
9
O planalto Central Brasileiro abrange o estado de Goiás e parte dos estados do Mato Grosso do Sul, Mato
Grosso, Tocantins, Bahia e Minas Gerais (ver mapa 1.1). Ele se distingue das outras regiões do Brasil tanto
pelo seu relevo, regular e relativamente elevado (majoritariamente entre 500 e 1.000 m de altitude), que o
separa da planície amazônica, ao Norte, e do pantanal., à Oeste (ver mapa 1.2); por seu clima, semi úmido, se
distinguindo da Amazônia, ao Norte, e do Planalto Meridional., a Sul, que são mais úmidos, e do Nordeste,
mais árido (ver mapa 1.3); além de sua vegetação típica, o cerrado (ver mapa 1.4).
Como vimos mais acima, o estudo das indústrias líticas será de
fundamental importância para a nossa pesquisa, uma vez que elas constituem, até
o aparecimento da cerâmica, a categoria de vestígio arqueológico mais
abundante, e são indispensáveis para o estudo de grupos caçadores-coletores.
No presente capítulo será feita, também, uma crítica aos estudos
tipológicos, maneira pela qual o material lítico tem sido analisado.
Como podemos ver em Odell (1996), as tendências de análise do material
lítico, assim como de qualquer outro tipo de material pré-histórico, seguem, como
deveria ser esperado, a trajetória comum de análise da arqueologia em geral.
Assim é que a pré-história consagrou a maior parte de seus esforços no
estabelecimento de um quadro crono-espacial. Esse objetivo fez com que se
focalizasse o interesse sobre os testemunhos cuja intencionalidade era mais clara
e imediatamente acessível pela observação direta (como os instrumentos líticos
retocados, por exemplo), o que parecia tornar também mais clara a percepção da
mudança cultural. Desta maneira, os artefatos mais característicos de certos
estratos eram utilizados como ‘fósseis guias’, permitindo o reconhecimento e
ordenação da sucessão das fácies industriais e das culturas que eles
identificavam (Cahen & Karlin, 1980; Karlin et al., 1991, entre outros).
A maioria dos estudos das indústrias líticas pré-históricas, portanto,
restringia-se à descrição e classificação de somente uma fração dos testemunhos
(os instrumentos retocados), em detrimento de uma interpretação mais geral das
atividades técnicas nas quais esses testemunhos se inserem. Ou seja: a
metodologia para análise dos aspectos que antecedem a produção de artefatos,
que podem definir as estratégias de obtenção da matéria prima, os métodos de
lascamento e, finalmente, o retoque que não visa exclusivamente a obtenção de
formas padronizadas, é muito pouco explorada para a interpretação desses
vestígios. (Fogaça, 1995:148)
Assim, de acordo com Perlès (1987b:1), as indústrias líticas constituem um
material científico ainda largamente subexplorado uma vez que ficaram
aprisionadas durante dezenas de anos nesse quadro científico estreito de uma
abordagem estritamente tipológica (e portanto estática), limitada somente ao
material retocado.
Aqui no Brasil a situação não foi diferente, em especial na região Centro-
Oeste, onde a pesquisa arqueológica sistemática teve início na década de 1970,
dentro de uma perspectiva histórico-cultural, privilegiando-se a identificação das
semelhanças entre as culturas materiais, que podem ser percebidas através das
tipologias: ferramentas semelhantes vão significar culturas semelhantes em
ambientes semelhantes.
De acordo com Politis (2003), a abordagem histórico-cultural foi, não só no
Brasil mas em toda América Latina, quase que exclusiva até os anos 60, e
continua sendo o paradigma dominante que estrutura as pesquisas arqueológicas
na região:
10
O Prograna Arqueológico de Goiás foi desenvolvido em colaboração entre a UCG, o Instituto Anchietano
de Pesquisas - Universidade do Rio dos Sinos, de São Leopoldo. As pesquisas seguiam as linhas estabelecidas
pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) onde “procurava-se estabelecer padrões
tecnológicos, de abastecimento e de assentamento das sociedades humanas pré-históricas,sua distribuição no
tempo e no espaço, e a razão das mudanças, acomodações e migrações” (Schmitz et al., 1982:6). Previa-se,
inicialmente, a pesquisa em 5 grandes áreas (expandindo-se, posteriormente, para 8) espalhadas pelo então
estado de Goiás (que incluia o atual estado de Tocantins).
11
O Projeto Anhaguera foi realizado através de um convênio firmado entre a UFG e o Museu Paulista da
Universidade de São Paulo, com prospecções realizadas nos municípios de Hidrolândia, Nazário e Bela Vista
de Goiás. Seguindo a linha francesa, preocupava-se em escavar superfícies amplas (Andreata, 1977; 1978).
12
Realizado também pela UFG junto com o Instituto Superior de Cultura Brasileira (ISCB), seguindo,
também, as mesmas orientações do PRONAPA: “...são abertos um ou mais cortes para sondagem, com níveis
artificiais de 10 cm. O corte padrão tem 1 x 1 m.” (Mendonça de Souza et al., 1977: 17-8). Tinha como
objetivo “o estabelecimento de uma seqüência cronológica e cultural para as áreas estudadas” (idem, p:15-6).
Esse projeto encampou as pesquisas realizadas por Simonsen, um ano antes, na mesma região.
13
O abrigo do Sol, localizado nesse estado, foi escavado por Miller, também na década de 1970.
14
As pesquisas desenvolvidas pelos Vialou começaram em 1983 e se desenvolveram em duas áreas distintas:
uma na região do rio Vermelho, à Oeste do município de Rondonópolis, onde foram encontrados mais de 50
sítios com pinturas rupestres, e outra na Serra das Araras, a cerca de 150 km à Noroeste de Cuiabá, onde
localiza-se o sítio Santa Elina, que apresenta datações, na sua camada mais profunda, que chegam a 27.000
BP.
Têm-se, também, as pesquisas desenvolvidas por J. Perie, que trabalhou em toda porção sul do estado, dando
ênfase aos abrigos com arte rupestre (apenas pouco mais de 40 peças líticas foram descritas por ele para toda
essa área (ver Perie, 1984: 195 ss)).
15
O Prograna Arqueológico do Mato Grosso do Sul, seguindo o mesmo molde do Programa Arqueológico de
Goiás, foi elaborado em 1986, a partir de um convênio entre a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, o
Instituto Anchietano de Pesquisas e a Universidade do Rio dos Sinos, de São Leopoldo, tendo sido escolhidas
4 áreas para a realização das pesquisas: Alto Sucuriú, Campo Grande-Dourados, Bela Vista e Corumbá.
consequentemente, forneceram informações distintas para a compreensão do
povoamento pré-histórico da região.
Não é nosso objetivo, aqui, como já foi mencionado anteriormente, fazer
uma análise desses projetos nem traçar uma história detalhada da ocupação pré-
histórica da área16, mas apenas mostrar, em linhas gerais, como se deu essa
ocupação, através da sequência cultural definida, bem como as principais
características das fases que compõe essa sequência, dando ênfase ao material
lítico lascado.
Para isso utilizaremos principalmente as pesquisas realizadas por Schmitz
na região de Serranópolis17 (sudoeste de Goiás), pesquisas estas que fizeram
parte do Projeto Paranaíba, que é um dos projetos do Programa Arqueológico de
Goiás. Segundo o autor, Serranópolis
16
Inúmeros trabalhos tratam desse assunto. Podemos citar, entre outros: Wust, 1990, Prous, 1992; Robrahn-
Gonzalez, 1996; Oliveira & Viana; 1999/2000.
17
Também serão utilizados de uma forma mais intensa os trabalhos realizados na Bacia do Paranã por
Mendonça de Souza.
Os projetos Caiapônia e Alto Sucuriu, ambos coordenados por P. I. Schmitz, apresentam materiais
semelhantes à Serranópolis.
As pesquisas realizadas pelos Vialou (Vilhena-Vialou & Vialou, 1989, 1994, entre outros)
apesar de terem sido iniciadas há mais de 20 anos, e manterem certa periodicidade, não
tiveram muitos de seus dados publicados. Assim, as reclamações feitas por Wust, 15 anos
atrás, ainda continuam atuais: “Nenhum desses materiais arqueológicos [dos sítios Ferraz
Egreja e Santa Elina] até agora estão devidamente publicados, o que impede qualquer
estudo comparativo com as demais tradições arqueológicas” (Wust, 1990: 61).
Outros projetos, desenvolvidos na região ou nas proximidades, são mencionados para dar algumas pinceladas
no quadro de ocupação desenhado pelos autores acima citados.
abertura de poços testes), tendo sido coletadas e analisadas mais de 260.000
peças líticas.
Esses estudos tinham, como já mencionado acima, o objetivo não só de
estabelecer a sequência cultural, mas também de se ter uma idéia do ambiente
natural dentro do qual essas culturas evoluíram.
Os sítios arqueológicos, em sua, maioria estão situados em abrigos
rochosos amplos, que podem chegar até 1.500 m² de área, sendo que alguns
deles, como é o caso do sítio GO-JÁ-01, ‘o mais importante da região’ (Schmitz et
al., 1989:140), apresentam níveis de ocupação que atingem até 3 m de
profundidade, com datações que indicam que a ocupação humana no local vai
além dos 10.000 AP.
Nessa região a matéria prima é variada, abundante e de fácil obtenção. O
quartzito, ou arenito silicificado, cuja origem está no contato entre os arenitos da
Formação Botucatu com as lavas basálticas, é extremamente tenaz, útil para a
fabricação de instrumentos grandes, por percussão dura, direta. É a matéria prima
que predomina na indústria local, sendo que existem diversos afloramentos que
apresentam diferentes colorações, em geral clara. Os seixos dessa matéria prima
são raros (Schmitz et al., 2004:170).
A calcedônia pode ser recolhida nas proximidades dos abrigos, em
córregos ou eventuais frentes de erosão do basalto, e é trabalhada no espaço
abrigado. Aparece também em cores variadas.
Já o basalto é recolhido sob a forma de seixos e prismas, sendo usado sem
modificações intencionais ou transformado em instrumentos e artefatos de várias
utilidades.
Outras matérias-primas que estão disponíveis e que foram utilizadas, porém
com frequência bem menor, são os arenitos, os óxidos de ferro e os cristais de
quartzo.
Essas pesquisas desenvolvidas em Serranópolis, juntamente com outras
citadas mais acima (conforme notas 2 a 7 do presente capítulo. Ver, também,
mapa 1.5), puderam definir uma seqüência de ocupação da região, que
mostraremos, de maneira sucinta, a seguir.
Outras informações que se tem para esse período referem-se aos trabalhos
realizados por Simonsen (1975) principalmente nas nascentes dos rios Paranã e
Cocal, no Leste do estado de Goiás, onde foi definida a Fase Cocal.
A maioria dos sítios aí localizados ocupam as grutas (em número de 25) no
maciço de calcáreo da formação Bambuí, existindo ainda 9 sítios a céu aberto,
que foram caracterizados como oficinas líticas.
Apesar de não haver datações, devido à quantidade relativa de
instrumentos plano-convexos essa indústria foi considerada, por analogia,
contemporânea ao material da fase Paranaíba, pertencendo, portanto, à Tradição
Itaparica.
Além dos plano-convexos, tipologicamente foram definidos os seguintes
instrumentos:
- furadores-facas e furadores raspadores – sobre lascas e sobre núcleos;
- lâminas de machado lascadas – dimensões variadas, forma elipsoidal;
- raspadores – bordos ativos em metade ou maior porção da periferia, sobre
lascas e núcleos, apresentando dimensões e formas variadas (unguiforme,
triangular, elipsoidal, em ferradura, etc);
- Pontas de arremesso – unifaciais: foliaceas, com base reta e convexa;
plano-convexas com pedúnculos e aletas; biconvexa com retoque bifacial;
- furadores e buris – sobre lascas, com dimensões variadas.
De acordo com Fogaça (1990), quanto à tecnologia tem-se que os suportes
desejados eram lascas simples, de dimensões variadas, nada indicando a
presença de lascas laminares. A técnica utilizada é a mesma, de percussão direta;
e os retoques eram, predominantemente, diretos e unifaciais, com extensão e
ângulos variados.
Para o vale do Guaporé, no estado do Mato Grosso, tem-se o complexo
Dourado, definido por Miller (1987) através do material encontrado no Abrigo do
Sol, que é caracterizado por lascas de percussão dura, ocasionalmente
apresentando trabalho secundário por pressão; dentre os instrumentos foram
encontrados ‘lâminas de bifaces’ e diversos tipos de raspadores, sendo
preferencialmente confeccionados em basalto e arenito silicificado.
18
Outra pesquisa realizada próxima a essa área forneceu um número um pouco maior de material lascado: 57
peças (sendo 28 lascas; 5 fragmentos de lascas; 9 lascas bipolares; 9 núcleos, e 6 instrumentos, sendo um
plano-convexo) para 10 sítios da Tradição Aratu (Mello (org), 1996).
19
Não há nenhuma datação para esses sítios. Apenas no MT-SL-37, para uma ocupação anterior (nível 20-30
cm), sem a presença de cerâmica, tem-se a data de 2570 +- 70 BP (Wust, 1990: 374 – tabela 9). Mesmo
assim, a autora situa cronologicamente estes sítios entre 250 dC e 800 dC , provavelmente através do material
cerâmico (Wust, 1990:367).
autora citada acima faz uma distinção entre esses sítios, denominando-os de
‘sítios lito-cerâmicos’ em oposição aos cerâmicos: ‘sítios Uru’, ‘sítios Bororo’, etc.
(todos classificados como sítios habitação), podemos ver, em outros trabalhos,
que sítios dessa natureza (grande quantidade de lítico lascado, pouca cerâmica)
são tratados como se fossem duas ocupações distintas. Esse é o caso, por
exemplo, de alguns sítios encontrados no rio Tocantins (TO), em área afetada por
construção de uma barragem:
20
“Embora fosse desejável explicitar o material lítico a nível de cada um dos sítios, isso somente foi possível
onde as fases Paranaíba e Cocal seriam as mais antigas. Ainda dentro dessa
‘subtradição’ tem-se a fase Paranã, que apareceria em uma transição para o
período Arcaico, e a Terra Ronca, que já surgiria no Arcaico Superior;
- para o período arcaico, tem-se a indústria lítica da Fase Serranópolis,
onde é possível perceber uma discontinuidade em relação às fases anteriores:
desaparecimento das peças bem trabalhadas, dos finos acabamentos;
- por fim, no período horticultor, caracterizado pela presença de material
cerâmico, tem-se as fases Jataí e Palma (mais antigas), que estariam ligadas à
tradição Una, e onde aparece uma quantidade relativamente grande de material
lítico. Ainda no período horticultor (ou já no agricultor, como preferem alguns
autores, como Wust, 1999) encontra-se os grupos das ‘grandes aldeias’
(Tradições Aratu e Uru, principalmente) onde o material lítico lascado é escasso,
ou quando aparece em grande quantidade ele não é relacionado, pelos
arqueólogos, a esses grupos horticultores.
Como podemos ver, através dos dados publicados por Schmitz (2004),
nota-se claramente que, pelo menos para a região de Serranópolis, há uma
ruptura entre a fase Paranaíba e as demais ali encontradas, tanto no que se refere
à tipologia do material lítico como aos restos alimentares.
Quanto ao material lítico, as curvas referentes ao material da fase Jataí são
muito semelhantes às da Serranópolis (com a exceção de que esta última
apresenta uma menor porcentagem de talhadores), enquanto que o material da
fase Paranaíba apresenta uma maior porcentagem de lesmas e menor de
talhadores e instrumentos embotados.
100
90
80
70 Jataí
60 Serranópolis
50
%
40 Paranaíba
30
20
10
0
do
il
es
a
o
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sm
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a
de
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a
po
nt
po
Gráfico 1.2 - Tipologia dos instrumentos líticos lascadosdas fases culturais da região de
Serranópolis (dados retirados de Schmitz, 2004).
50
45
40
35 Jataí
30
25 Serranópolis
%
20
Paranaíba
15
10
5
0
do
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re
ra
a
de
nt
a
po
nt
po
Já quanto aos restos faunísticos, é possível perceber que na fase Jataí é
encontrada uma quantidade bem menor do que nas outras fases (devido,
provavelmente, à maior inclusão de alimentos de origem vegetal vindos da
horticultura).
Gráfico 1.3 - Total de restos faunísticos x fases culturais (dados retirados de Schmitz, 2004).
11,36%
36,52%
jatai
Serranopolis
Paranaíba
52,12%
Gráfico 1.4 – Porcentagem de restos faunísticos x fases culturais (dados retirados de Schmitz,
2004).
0,9000
0,8000
0,7000
0,6000
jatai
0,5000
Serranopolis
%
0,4000
Paranaíba
0,3000
0,2000
0,1000
0,0000
moluscos peixes anfibios répteis aves mamíferos
No entanto, pode-se notar, também, que as porcentagens encontradas para
a fase Jataí se assemelham àquelas encontradas para a fase Serranópolis, sendo
que a fase Paranaíba apresenta uma porcentagem maior de restos de mamíferos,
e menor de moluscos.
Gráfico 1.5 - Comparação dos restos faunísticos x fases culturais (dados retirados de
Schmitz, 2004).
Fauna x Fase
1,0000
0,8000
0,6000
jatai
%
0,4000 Serranopolis
Paranaíba
0,2000
0,0000
es
es
s
s
s
s
ei
io
ro
co
av
ix
pt
fib
ífe
pe
us
ré
an
am
ol
m
21
Objeto técnico é aquele objeto estudado através de uma análise tecnológica, como testemunho de uma
interação entre o homem e seu meio (Boeda, 1991), ou seja, aquele objeto que é estudado como resultado de
uma cadeia operatória (Geneste, 1991).
2. O QUE A TÉCNICA TEM A NOS ENSINAR?
22
A ‘cultura’ que falamos aqui é o conjunto de valores e de comportamentos que permite a elite se distinguir
do vulgar, sendo que essa distinção pode ser vista desde os gestos mais cotidianos até na entonação mais sutil
da linguagem (Sigaut, 1987)
constituída de sistema de defesa contra as técnicas. E isso é visto assim há muito
tempo.
Com efeito, tudo se passa como se existisse uma oposição irredutível entre
o que é relevante para a necessidade – o trabalho e as técnicas – e o que é
relevante ao gosto, à escolha, ao jogo livre e sutil do espírito – a cultura. A idéia de
cultura técnica aparece sempre como uma contradição de termos. O
conhecimento das técnicas não tem valor em si: somente um interesse pelos
resultados que podemos alcançar.
(...) est-il vrai que nous ayons besoin de connaîtrer les techniques pour
outre chose que pour nous en servir? Cela n’est certes pas évident.
Pourquoi donc aurais-je besoin de savoir comment on fait le pain si je ne
suis pas boulanger? Qu’ai-je à faire de la conduite des locomotives, du
fonctionnement des centraux téléphoniques ou de la culture des
asperges, si tel n’est pas mon métier? (Sigaut, 1987: 11)
Conforme Sigaut (1987:16 ss), para estudar esse assunto existem duas
etapas que interessam mais diretamente, as quais ele denomina, arbitrariamente
(conforme suas próprias palavras), de ‘aristotélica’ e ‘baconiana’.
Assim, segundo esse mesmo autor, é possível perceber que todos os povos
têm mitos relatando a aquisição das principais artes (técnicas) da sua civilização.
E, apesar das modalidades dessas aquisições serem variadas, um tema é
constante: o ardil, a esperteza.
Os heróis, os inventores, são frequentemente, ladrões, trapaceiros. É assim
na mitologia grega. O que surpreende é que em vez de se distender com o
desenvolvimento dos primeiros filósofos racionalistas, essa associação técnica /
esperteza parece se estreitar. “Une large parte des activités des ‘mécaniciens
23
Técnica vem do grego “tékhne”, que significa como “ars” (arte) na Idade Média, a habilidade para a
realização de coisas. (Echegoyen Olleta, s/d)
grecs’ a pour but de mettre au point des gadgets, des appareilages pour amuser
ou ébahir les foules” (Sigaut, 1987:16).
Essa associação vai se estender até a Idade Média, época em que ocorreu
um considerável desenvolvimento da magia, e que só terá fim no século XVII.
Apesar de, em geral, se admitir que a magia vem de uma forma de pensar
incompatível com a ciência e a técnica, podemos ver em Sigaut (1987) que
ciência, técnica e magia tiveram um progresso em conjunto, principalmente do
século XIV ao XVI, sendo que elas se distinguiam, então, muito pouco umas da
outras.
Essas indicações deixam transparecer claramente a noção negativa que a
técnica carregou. Quando ela não tem mistério, ela pertence à rotina e não vale a
pena menciona-la; quando, ao contrário, ela surpreende por suas novidade, pelas
habilidades que implica, ou pela característica inabitual de seus efeitos, ela se
torna embuste, ilusionismo, magia. Além disso, se a tecnologia é a teoria da ação
técnica, como conceber uma teoria da trapaça?
Assim, apesar de a técnica ser um mediador entre a natureza e o homem,
ela é vista, de acordo com essa etapa ‘aristotélica’, mostrada acima, como não
pertencendo, não tendo relação, com nenhum deles; ou seja, só haveria lugar
para a técnica entre esses dois aspectos (homem / natureza), e isso seria o fator
principal pela falta de reconhecimento da tecnologia.
Le mépris qu’on a pour les arts mécaniques semble avoir influé jusqu’à un
certain point sur leurs inventeurs mêmes (...) Cependant, c’est peut-être
chez les artisans qu’il faut aller chercher les preuves les plus admirables
de la sagacité de l’esprit, de sa patience et des ses ressourses . J’avoue que
la plupart des arts n’ont éte inventés que peu à peu, et qu’il a fallu une
assez longue suite des siècles pour porter les montres, par exemple, au
point de perfectionnement où nous le voyons. (Sigaut, 1987:22)
24
Além disso, de acordo com Jacomy (1996), também era uma das idéias da Encyclopedie romper com o
‘monopólio’ das corporações, que não se propunham a divulgar as inovações alcançadas.
Um último fator seria ainda mais importante: a integração das técnicas nas
explicações globais, com alguns economistas, por exemplo, começando a usar o
progresso técnico em suas teorias gerais.
Assim, até o final do século XIX aparecem vários trabalhos que, em sua
maioria, tratam de técnicas particulares: siderurgia, construção de máquinas, etc.,
e outros, em número menor, tratando de temas mais amplos, onde pode ser citado
‘Origenes de la Technologie’, de A. Espinas.
Esse texto, publicado em 1890 na Revue Philosophique, cunhou o termo
‘praxeologia’, uma ciência onde o objetivo principal seria o estudo da ação
humana, examinando as condições e as regras da eficácia dessas ações. Esses
estudos atualmente são aplicados em várias áreas: desde a psicologia, passando
pelas áreas esportivas, até a economia.
O início do século XX vai seguir esse movimento de intensa reflexão, sendo
marcado pela aplicação das ciências às técnicas. Há um intenso debate:
“(...) la mécanologie est une science sociale. Science des corps organisés
par l’homme, elle est une partie, extrêmement importane d’ailleurs, de la
sociologie." (Lafitte, apud Sigaut, 1987 :28).
25
A exceção pode ser feita ao Museu de Ciências britânico, que foi criado em Londres em 1857 (Gille, 1978:
7)
todos eles procurando por princípios gerais para explicar a evolução da técnica e
seu lugar na sociedade.
Dans ces conditions, il faut dire tout simplement: nous avons affaire à
des techniques du corps. Le corps est le premier et le plus naturel
instrument de l'homme. Ou plus exactement, sans parler d'instrument, le
premier et le plus naturel objet technique, et en même temps moyen
technique, de l'homme, c'est son corps. (...)
Avant les techniques à instruments, il y a l'ensemble des techniques du
corps. (...) (Mauss, 1934:10-11)
26
Conforme pode ser visto em Warnier (1999), o artigo ‘Técnica do corpo’, apesar de ter recebido pouca
atenção, é tão importante para o pensamento de Mauss quanto ‘Ensaio sobre a dádiva’, uma vez que permite
fundamentar uma teoria antropológica da cultura material.
Uma crítica que pode ser feita, ainda de acordo com Warnier (1999), é que Mauss exclui deliberadamente
todas as técnicas que são orientadas por objetos materiais. Todas aquelas que mobilizam um objeto, por mais
que se integrem às condutas motoras, são consideradas como “técnicas instrumentais” e, como tal, fora de seu
propósito, fazendo com que ele não levasse em conta a incorporação dinâmica dos objetos nas condutas
motoras. No entanto Mauss não consegue sustentar a distinção entre técnicas do corpo e técnicas
instrumentais: em seu ensaio, a cada página surgem vários tipos de instrumentos e objetos.
2.2.1 Leroi-Gourhan, o instrumento em movimento
Já o ponto de vista dinâmico é um estudo do comportamento humano
independente do meio natural e das necessidades do homem. Os objetos não são
mais considerados neles mesmos, mas como resultante de certos movimentos, e
os instrumentos como transformadores de instrumentos. O interesse será mostrar
as relações das técnicas tradicionais com o as ‘técnicas do corpo’ de Mauss.
Esse tipo de análise foi abordado pela primeira vez por Leroi-Gourhan, em
1936, no tomo VII da Enciclopédia Francesa, em um capítulo intitulado “L’homme
et la nature” (Haudricourt, 1987: 76).
Estudando as origens e o desenvolvimento das técnicas, Leroi-Gourhan
visava produzir uma ‘biologia das técnicas’, abordando-as como se elas
estivessem vivas e envolvessem seres vivos.
Considera o movimento de evolução, desde o protozoário até a tecnologia
da informação, como uma tendência lógica e inevitável, comum a todas as
matérias vivas. Essa concepção aparece claramente quando estuda a aparição
expontânea tanto da postura vertical nos seres humanos, como dos instrumentos
artificiais.
Assim, para Leroi-Gourhan, como podemos ver em Schlanger (1994), o
instrumento era considerado literalmente como uma “secreção” ou um
“exteriorização” do corpo e do cérebro, sendo lógico, portanto, aplicar a tal órgão
artificial as normas dos órgãos naturais: ele deve responder à normas constantes,
à um verdadeiro estereótipo.
Leroi-Gourhan qualifica, portanto, o surgimento dos objetos técnicos como
um processo de exteriorização, no qual o princípio da diferenciação vital
prossegue fora do próprio ser vivo. A vida é um processo de evolução que se
caracteriza, na verdade, por uma intensa diferenciação que pára no homem, no
nível fisiológico, porém prossegue fora dele. O que faz o dinamismo do homem é,
portanto, sua técnica, e não seu princípio de evolução corporal (Stiegler, 1996).
Elaborando o conceito de tendência técnica, Leroi-Gourhan formula a
hipótese de que existem, na morfogênese dos objetos técnicos, tendências
universais, e coloca, ainda, o princípio de uma universalidade tendencial da
evolução.
27
Quando estuda as atividades humanas, Leroi-Gourhan distingue um outro tipo de fenômeno além da
tendência: o fato. Enquanto a tendência relaciona-se à evolução, como visto acima, o fato está ligado ao meio
em que ocorrem as atividades. “(...) o facto é imprevisível e particular. Tanto é o encontro da tendência com
as mil coincidências do meio – isto é, a invenção – como é a adopção pura e simples de um outro povo (...). A
tendência e o facto são as duas faces (...) do mesmo fenômeno de determinismo evolutivo (...).” (Leroi-
Gourhan, 1984: 24).
28
O meio externo é “constituído pelas características geográficas, zoológicas e botânicas, assim como pelas
que decorrem da vizinhança com outros grupos humanos, é extremamente variável de um grupo para outro”;
já o meio interno, “contém as tradições mentais de cada unidade étnica, não é menos variável” Leroi-
Gourhan, 1984: 255).
Esses dois meios apresentam permeabilidade variável, estando cada elemento do meio interno constantemente
ligado aos restantes, ou seja, todos elementos reagem constantemente uns sobre os outros. Esse fato leva a
considerar como essencial a continuidade do meio técnico, pois para que as técnicas evoluam é preciso que a
evolução se prenda a qualquer coisa preexistente.
técnico, o gesto, o procedimento. Isso resultou na formalização dos ‘meios
elementares de ação sobre a matéria’29.
Há uma grande preocupação com a descrição dos movimentos
executados30, porém não é só isso que interessa, assim como não é só a
descrição dos instrumentos que interessa: o importante é a relação desses
movimentos com um objeto, com um ‘obstáculo’, ou seja, o contato entre eles.
29
Leroi-Gourhan dedica todo o segundo capítulo do “O homem e a matéria” a esse assunto, de onde podemos
pegar a seguinte definição: “Meios elementares são, antes de mais nada, as preensões nos diferentes
dispositivos que mediatizam a acção directa da mão humana, seguidamente as percussões, que caracterizam
a acção no ponto de encontro entre o utensílio e a matéria; são também os elementos que prolongam e
completam os efeitos técnicos da mão humana (...) Os utensílios, na sua parte actuante, são extremamente
solidários com o gesto que os anima (...)” (Leroi-Gourhan, 1984: 35)
Outro capítulo, nesse mesmo livro, trata das propriedades inerentes das matérias-primas, onde o autor propõe
“agrupar os aspectos técnicos segundo as propriedades físicas dos corpos no momento de seu tratamento”
(Leroi-Gourhan, 1984: 121)
30
O ensaio mais antigo de notação de movimento do corpo humano remonta ao final do século XV e está
relacionado à dança, sendo que, no século seguinte, é possível encontrar tentativas semelhantes em relação ao
esporte, principalmente à esgrima e à equitação. Essa idéia de notar os movimentos corporais foi retomada no
fim do século XIX, na época da racionalização do trabalho empreendido na indústria capitalista, com F.
Taylor e seu discípulo F. Gilbreth (Sigaut, 1987). Este último tentou encontrar as unidades elementares dos
movimentos, criando ideogramas que foram nomeados, em sua homenagem, de ‘therblig’. Esses ideogramas,
como notou Haudricourt (1987) apesar de recobrirem os movimentos mais diversos (transportar, procurar,
deixar, etc.), não são, de fato, unidades de movimentos, mas de intenções, pois não há nenhuma indicação
movimento, mais ou menos paralelo ao cabo, enquanto que no outro o corte está
perpendicular ao movimento do cabo.
O interessante nessa abordagem é que a pesquisa, como já foi visto mais
acima, vai mais além do que a simples descrição do objeto: não podemos estudar
o instrumento isoladamente, pois ele só existe com os gestos que o torna
eficiente.
Les objets fabriqués par l’homme peuvent être comparés dans une certaine
mesure aux êtres vivants produits par la nature. Mais l’objet tel qu’il se
présente dans un musée n’est comparable qu’au squelette de l’être
vivant ; pour le comprendre il faut mettre autour de lui l’ensemble des
gestes humains qui le produisent et qui le font fonctionner. Cet ensemble
joue le rôle des parties molles de l’animal que le zoologiste doit connaître
pour comprendre la morphologie des bêtes dont il étudie le squelette.
(Haudricourt, 1987b: 109).
Além disso, o objeto existe apenas no seu ciclo operacional, sendo que o
mesmo objeto pode ser produzido por diferentes atividades humanas. “A tecnica é
simultaneamente gesto ou utensílio, organizados em cadeia para uma verdadeira
sintaxe que dá às séries operatória a sua fixidez e subtileza” (Leroi-Gourhan,
1985a:117).
Os componentes e constituintes elementares da ação estão integrados em
um encadeamento lógico e necessário de estágios e sequências no processo de
transformação.
Assim, é introduzido o conceito de cadeia operatória31, que pode ser
definida como o encadeamento das operações mentais e dos gestos técnicos
sobre a maneira como os movimentos foram executados: por exemplo, ‘carregar’ não nos explica como o
objeto foi carregado: nas mãos, nas costas, na cabeça, etc.
31
Como pode ser visto em Desrosiers (1991), o conceito de cadeia operatória se formou somente no início
dos anos 50. No entanto, já em 1947 M. Mauss sublinhava a necessidade de uma pesquisa aprofundada sobre
as técnicas, de se estudar os diferentes momentos da fabricação, desde a matéria prima até o objeto acabado`,
mas ele parou por aí. Foi M. Maget, 1953, que começou a falar de ‘cadeia de operação’ ou ‘de fabricação’,
sendo que a introdução desse conceito dentro da análise tecnológica foi finalmente realizada por Leroi-
Gourhan.
É interessante, também, notar a similaridade que Sellet (1983) percebe entre a noção de cadeia operatória e a
de ‘cadeia comportamental’, proposta por Schiffer, onde “For analytical purposes, the activities in which a
durable element participates during its life (...) may be broadly divided into 5 processes: procurement,
manufacture, use, maintenance, and discard” (1972: 58).
visando a satisfazer uma necessidade (imediata ou não), segundo um projeto que
preexiste (Balfet, 1991a). Ela se opõe à simples sucessão, pois é colocada a
hipótese que as primeiras operações técnicas influenciam as seguintes, e
reciprocamente.
A cadeia operatória é, então, a totalidade dos estágios técnicos, desde a
aquisição da matéria prima até o seu descarte, e inclui os vários processos de
transformação e utilização. Também integra um nível conceitual e, assim, não
pode ser entendida sem referência ao conhecimento técnico do grupo.
Ainda segundo Sellet (1983:108), em relação ao estudo do material lítico, a cadeia operatória continua sendo
a abordagem predominante na França, uma vez que nesse país os arqueólogos se interessam em estudar o
É importante notar, portanto, que a mudança no material é intencional, isso
porque ela permite que identifiquemos essas mudanças como os fatores principais
que dão à ação técnica os seus significados. Em nenhuma sociedade os objetivos
sociais e materiais estão separados.
Na prática, o objetivo de cada ação é levar o sistema físico de um estado
para outro. Assumimos que a mudança é elementar quando é impossível
identificar qualquer estágio intermediário entre N e N+1; chamamos esse ato
técnico de ‘operação’. A ‘operação’, portanto, é alguém fazendo ‘alguma coisa’
quando esse algo é a menor mudança material que pode ser utilmente observada.
A operação assim definida é o primeiro tipo de fato técnico que pode ser
observado diretamente.
A cadeia operatória se apresenta, portanto, em relação aos fatos, como
nível conceitual revelado por ela, diferentemente do que acontece nos EUA, onde os arqueólogos se
preocupam mais com a organização do sistema lítico.
Além de definir a cadeia operatória ‘em ação’, Lemonnier delineia seus
componentes e estruturas. Definida a ação socializada na matéria, as técnicas
podem ser aprendidas através de três ordens de fatos: sequência de gestos e
operações (processo técnico), objetos (meios de ação na matéria) e conhecimento
específico (connaissances).
Outro ponto que temos é que, como regra, operações não podem ocorrer
isoladamente, mas como parte de uma seqüência que pode ser chamada de
‘caminho’. Caminho é uma noção intuitiva e muitos trabalhos técnicos contêm uma
ampla variedade de exemplos.
A noção de rede de trabalho é uma noção limite, cujo único propósito é
lembrar-nos que os caminhos não podem ser vistos como unidades isoladas,
assim como as operações. O que devemos fazer é localizar o fato técnico dentro
do espaço social: tais conceitos de ‘operações’, ‘caminhos’ e ‘redes’ são somente
instrumentos com os quais fazemos isso. A esse ponto retornaremos mais
adiante.
É possível perceber, ainda, que na grande maioria das vezes existirão
várias soluções satisfatórias para a resolução de um problema técnico ou para a
satisfação de uma necessidade, e essa ‘escolha’ entre as diferentes cadeias
operatórias possíveis se efetua em função de um saber técnico, que constitui a
tradição técnica do grupo (ele mesmo um dos elementos da tradição cultural). A
utilização dessas soluções alternativas, respondendo à necessidades análogas, é
o que permite um diagnóstico cultural. (Perlès, 1987a: 23)
32
O plano dinâmico é denominado de ‘progresso técnico’.
33
Gille (1978: 14) utiliza como exemplo, tomando emprestado o trabalho de Leroi-Gourhan, o ato de cortar
por percussão, onde aparecem três maneiras distintas: percussão pousada, que dá um corte preciso mas pouco
A estrutura e a hierarquia tratam a matéria desde seu início e a conduzem
até o produto consumível, sob qualquer forma que ele se apresente.
Outros dois conceitos são o de coerência e o de compatibilidade. É preciso
que haja coerência entre as diversas operações para que as estruturas, que se
organizam em um sistema global, não produzam distorções geradoras de
problemas (os chamados ‘gargalos’).
Assim,
à la limite (...) toutes les techniques sont, à des degrés divers, dépendantes
les unes des autres, et qu’il faut nécessairement entre elles une certaine
cohérence: cet ensemble de cohérences aux différents niveaux de toutes
les structures de tous les ensambles et de toutes les filières compose ce que
l’on peut appeler un système technique (...). Et les liaisons internes, qui
assurent la vie de ces systèmes techniques sont de plus en plus
nombreuses à mesure que l’on avancedans les temps, à mesure que les
techniques deviennent de plus en plus complexes. (Gille, 1978: 19)
enérgico; percussão lançada, que dá um corte impreciso mas enérgico, e percussão pousada com a ação de um
percutor, que reúne a vantagem dos dois descritos anteriormente.
estruturam o ambiente social e econômico na qual deverão se inserir as técnicas
que virão. A irreversibilidade das técnicas não tem, portanto, nada de técnica.
Ou seja, um sistema técnico34, que é constituído por redes de cadeias
operatórias, se situa a um nível onde a sociedade desempenha um papel
primordial na escolha ou rejeição do produto, segundo as necessidades reais ou
imaginárias, onde o cognitivo cultural pode, eventualmente, ser mais importante
que outras considerações, mesmo econômicas. A esse nível parece perfeitamente
legítimo falar de barreiras ou aberturas sociais para desenvolvimento das técnicas.
(Creswell, 1996)
34
Para qualificar as técnicas como produção social é necessário alguma flexibilidade: é preciso distinguir
instrumento, processo e sistema técnico. “S’agissant d’un outil, il serait difficile de prétendre que la société
exige de chauffer une plaque de fer avant de la battre pour en forger une lame de houe. En revanche, un
processus technique, avec son unité de base qu’est la chaîne opératoire, la succession de gestes qui
transforment une matière première em produit, étant constituée d’eléments aussi bien sociaux que techniques,
subit directement bien qu’au niveau structural, les contraintes imposées par les règles du comportement
social, ou profit des possibilités offertes par ces mêmes règles.” (Creswell, 1996: 29)
du système technologique d’autre part. Cette conception du système
lithique conduit à admettre notamment que des transformations dans un
secteur quelconque de la technologie (travail du bois ou de l’os, par
exemple) peuvent avoir des répercussions sur le travail de la pierre
taillée. Cette conception n’est pas originale, mais elle est rarement mise
à l’épreuve des faits. (Perlès, 1987a: 22)
35
Concordamos com Boeda (2004) quando ele afirma que os argumentos de Simondon são suficientemente
heurísticos para serem aplicados às técnicas pré-históricas conhecidas.
36
A gênese de um instrumento dá conta dos processos que estruturaram o objeto, processos que concernem,
por sua vez, o instrumento e o sujeito (o utilizador).
37
Uma espécie técnica é definida pelo seu uso prático.
38
Boeda (1997: 30; 2001) define estrutura, também chamado concepção (assim não será confundido com o
conceito proposto por Gille, visto mais acima), da seguinte forma: “Par structure, nous entendons une forme
intégrant et hiérarchisant un ensemble de propriétés téchniques qui aboutissent à une composition
volumétrique définie. C’est une forme caractérisée par l’ensemble des relations hiérarchiques et
fonctionnelles des propriétés techniques”. Assim, de acordo com o mesmo autor, de um ponto de vista
estrutural, um objeto é um volume delimitado no espaço, composto de elementos técnicos interativos, capazes
de responder a um certo número de objetivos.
Ou seja, um mesmo resultado pode ser obtido por instrumentos diferentes,
os quais são feitos às custas de suportes diferentes, eles próprios obtidos por
métodos e estruturas diferentes.
Ainda para Simondon, a unidade do objeto técnico, sua individualidade, sua
especificidade, são características de consistência e de convergência de sua
gênese.
A individualidade corresponde a um estado técnico; somos capazes, assim,
de definir o objeto pelo lugar que ele ocupa no processo técnico de transformação.
Ele encontra sua coerência interna nas relações que o liga aos outros objetos: por
seus estados de transformações anteriores e pelos objetos que ele vai
transformar. Como indivíduo técnico ele resulta de um antes e vai produzir um
depois.
Quanto à especificidade, cada objeto constitui um estado técnico estável e
só tem razão de existir porque deve responder a um objetivo. Esse objetivo pode
ser o lugar que ocupa no processo operatório, ou seja, tanto pode ser as
consequências técnicas do objeto que são procuradas, e não o próprio objeto,
como pode ser o objetivo funcional que lhe é dedicado (Boeda, 1997: 16).
Assim,
39
Esses processos de individuação podem ser tanto social como biológico ou técnico.
processo de individuação, que aparece por meio da série dos objetos técnicos. É
também somente através de uma série que é possível entender a lógica evolutiva
dos objetos técnicos
A gênese e o desenvolvimento dos objetos técnicos respondem não só à
exigências funcionais, mas também, e sobretudo, à exigências estruturais, as
quais devem ser levadas em conta porque condicionam o porvir dos objetos.
Existiria, portanto, uma lógica do objeto que, ao fim de uma evolução, conduziria
do abstrato ao concreto (Boeda, 2004).
Para Simondon (1985), que compara o objeto à um organismo, ‘abstrato’ é
uma solução onde os elementos estão justapostos, uma solução composta,
enquanto o ‘concreto’ é uma solução cujos elementos estão integrados, fundidos
uns nos outros em uma sinergia de formas, de funções e de funcionamento, com o
fim sendo a integração total, o fechamento, a indivisibilidade e, eventualmente, a
redução das dimensões, bem como a redução do gasto de energia.
Assim, o princípio geral de evolução para os objetos técnicos é a evolução
de um estado ‘abstrato’ de elementos justapostos, para um estado ‘concreto’ de
integração de funções num modo sinérgico40. Nessa forma concreta o objeto
técnico pode se tornar tão especializado que não pode ser modificado para
responder mesmo às menores modificações, seja por motivos funcionais ou
ambientais. Esse fenômeno é chamado de ‘hipertélico’.
Portanto,
40
Para Deforge (1985) o exemplo mais marcante de sinergia funcional é o da micro-eletrônica, que conjuga a
integração das funções e da redução das dimensões até o limite do microscópico.
as divergências de direções funcionais aparecem como um resíduo de abstração
dos objetos técnicos.
É a redução progressiva dessa margem entre as funções das estruturas
(concepções) plurivalentes que definem o progresso de um projeto técnico; é essa
divergência que especifica o objeto técnico, pois não há, em uma época
determinada, uma infinita pluralidade de sistemas funcionais possíveis; as
espécies técnicas são em número muito mais restrito que os usos aos quais se
destinam os objetos técnicos; as necessidades humanas se diversificam ao
infinito, mas as direções de convergência das espécies técnicas são em número
finito.
41
Simondon (1985: 24) dá como exemplo o desejo individual de um automóvel ‘sob medida’. O construtor ,
em cima de um motor e de um chassi produzido em série, faz as modificações na carroceria: detalhes
decorativos, alguns acessórios, etc., que são os aspectos não essenciais e que podem ser feitos sob medida. No
pois o objeto técnico sob medida é, de fato, um objeto sem medida intrínseca:
suas normas vem do exterior, ele corresponde a um sistema aberto de
exigências.
No nível industrial, ao contrário, o objeto adquire sua coerência, e são as
necessidades que se moldam sobre o objeto técnico industrial, que conquista,
assim, o poder de modelar a civilização. É a utilização que se torna um conjunto
talhado sobre as medidas do objeto técnico.
Quais são as causas desse movimento evolutivo? De acordo com
Simondon (1985: 25-6), elas residem na própria imperfeição do objeto técnico
abstrato, pois ele emprega mais material, demanda mais trabalho de construção e
uma maior energia durante o funcionamento; além disso, apesar de ser
logicamente mais simples, ele é tecnicamente mais complicado, pois é feito do
relacionamento de vários sistemas completos.
Existe, pois, uma convergência de restrições econômicas e de exigências
propriamente técnicas. Desses dois tipos de causas, parece que são as últimas que
predominam na evolução técnica: com efeito, as causas econômicas não são puras; elas
interferem com uma rede difusa de motivações e de preferências que as atenuam ou
mesmo as subvertem (gosto pelo luxo, desejo de novidade, etc.).
É possível perceber, também, que a evolução do objeto técnico não se faz
nem de uma maneira absolutamente contínua, nem descontínua: ela comporta
degraus que marcam uma reorganização estrutural, reorganização esta que
permite que o objeto técnico se especifique, constituindo o que há de essencial no
devir desse objeto. Entre os degraus pode ocorrer uma evolução do tipo contínua,
que se dá pelo aperfeiçoamento de detalhes resultantes da experiência do uso.
(Simondon, 1985),
O princípio do progresso que permite a reforma estrutural é
entanto, a colocação desses acessórios pode chegar a um ponto que atrapalhe o rendimento do automóvel. Ou
seja, a característica ‘sob medida’, além de não ser essencial, vai contra a essência do próprio objeto técnico.
sous-ensemble, est le théatre d’un certain nombre de relations de causalité
réciproque.
Ce sont ces relations qui font que, à partir de certaines limites dans les
conditions d’utilisation, l’objet trouve à l’interieur de son propres
fonctionnement des obstacles: c’est dans les incompatibilités de la
saturation progressive du système de sous-ensembles que réside le seu de
limites dont le franchissement constitue un progrès (...) (Simondon, 1985:
27-28).
42
Deforge (1995:72) escreve micro e macro para micro-sistema, macro-sistema; micro-evolução, macro-
evolução, etc. Esta oposição é para relacionar as ‘tendências conjunturais’ e ‘tendências pesadas’
(estruturais). P. ex, o preço da energia pode baixar conjunturalmente, mas a tendência ‘pesada’ é tributária da
rarefação inelutável desse produto; semelhantemente os modelos de carros podem mudar a cada ano, mas
sobre um longo período as tendências pesadas aparecem, sendo que o mesmo pode ocorrer em qualquer
objeto, mesmo os pré-históricos. É o que ele chama de ‘lei de evolução’ a um nível macro de observação.
meio, os avanços ou regressões , as convergências ou divergências da linha só
serão micro-evoluções em torno de uma linha de evolução geral.
- o segundo instrumento é a noção de ‘lei de evolução’, a qual Deforge
utiliza (entre as várias existentes) aquela enunciada por Simondon – que é a
evolução ‘do abstrato para o concreto’, como vimos mais acima.
Em todas as hipóteses, as ‘leis de evolução’ são leis gerais, tendências
‘pesadas’ (cf. nota 21 do presente capítulo).
O terceiro instrumento proposto responde ao desejo de melhor conhecer o
que se passa em certos momentos da evolução, reconstituindo sinteticamente em
torno de um objeto, ou de vários, se várias linhas estão presentes
concorrentemente, as redes de relações recíprocas que o objeto mantém com o
sistema de produção, de consumo, de utilização e com seus congêneres; em
resumo: todos os subsistemas do sistema mais vasto.
Ainda segundo Deforge (1985: 74), o método proposto é familiar àqueles
que estudam os fenômenos que se estendem sobre longos períodos (e aqui,
logicamente, podemos incluir os arqueólogos); ele consiste, para algumas épocas
significativas de uma evolução, recriar pictural e dinamicamente o meio associado
ao fenômeno considerado.
A dificuldade de se por em marcha esse instrumento se dá porque a
informação sobre o sistema é frequentemente dispersa em seus estudos
específicos que deformam as perspectivas e valorizam tal ou tal tipo de relação.
As quatro visões propostas consistem em considerar sucessivamente os
objetos como:
43
Deforge chama de máquina todo o objeto utilizado pelo homem para a realização de um ato técnico.
44
Definida, pelo autor, como a reunião dos traços essenciais dos objetos.
Dentre as dificuldades, Deforge (1985: 96-7) levanta aquela relativa à
semântica: quando utilizamos termos polissêmicos: ‘isso serve para cortar’, que
tem um significado muito próximo a ‘secionar’, por exemplo, pode causar alguma
confusão, pois cortamos em atividades tão distintas como eletricidade e
jardinagem.
Outra é que o ‘isso’ da frase acima pode ser tanto um objeto bem delimitado
como uma parte, um detalhe, ou uma forma.
Como uma maneira de contornar essas dificuldades, foi elaborada a noção
de princípio, definida por Deforge (1985) como estando geralmente ligado ao
principal fenômeno físico-químico utilizado no objeto. Apesar dessa noção ser
apropriada para objetos simples, ela não é suficiente para aqueles complexos.
Assim, para Rabardel, tanto o objeto técnico como o sistema técnico são
impropriamente nomeados, pois eles não devem ser apreendidos somente através
das tecnologias que os fizeram nascer. Deveriam ser denominados de
‘antropotécnicos‘, uma vez que foram pensados e concebidos em função de um
ambiente humano.
Ou seja, “les produits de la technologie ne sont pas seulement techniques,
ils sont anthropotechniques et doivent pouvoir être compris et analysés comme
tels” (Rabardel, 1995: 10).
A crítica que ele faz às abordagens vistas anteriormente é que elas tem um
ponto de vista que ele denomina ‘tecnocêntrico’, onde o que é valorizado é a
perfeição do objeto técnico que, na sua evolução, no seu caminho para a
concretização, tende a se libertar do operador, a ganhar autonomia45.
É dada muito mais importância às atividades do homem que se relacionam
à concepção do objeto, do que àquelas de uso do objeto, ou seja, às atividades
dos homens quando mantém uma relação instrumental com o objeto: ‘n’auront
plus qu’une interprétation totalment unilatérale de l’objet technique dont les usages
ne seront plus envisagés que sous la forme des anticipation des concepteurs.‘
(Rabardel, 1995: 59)
É por esse motivo que Rabardel propõe a substituição do termo ‘objeto
técnico’ que, como vimos mais atrás, designa um objeto considerado pelo ponto
de vista técnico, pelo de ‘artefato’. No sentido antropológico, artefato significa
‘qualquer coisa que sofreu uma transformação de origem humana’; o referido
autor, no entanto, amplia o sentido do termo, sendo o que vai interessar é,
principalmente, o objeto suscetível de um uso.
45
Para Simondon desde que há leis de evolução (regras de concretização) há interferência entre o homem e a
técnica (não em relação ao objeto, mas à estrutura do objeto). Uma vez que o objeto evolui, esse fato vai ter
consequência para o homem, ou seja, há uma co-evolução de ambos. Simondon, porém, não se interessa sobre
o como desta relação entre o homem e o objeto. Quem se interessa por isso é Rabardel, como será visto neste
item.
Chaque artefact a été conçu pour produire une classe d’effets, et sa mise
en oeuvre, dans les conditions prévues par les concepteurs, permet
d’actualiser ces effets. Autrement dit, à chaque artefact correspondent
des possibilités de transformations des objets de l’activité, qui ont été
anticipées, delibérement recherchées et qui sont susceptibles de
s’actualiser dans l’usage. En ce sens l’artefact (qu’il soit matériel ou
non) concrétise une solution à un problème ou à une classe de problèmes
socialment posés. (Rabardel, 1995: 60).
46
Os outros dois pontos de vista mencionados por Rabardel são:
“O artefato como sistema técnico”, que vê os artefatos tendo suas próprias especificidades e sendo
considerado independente do homem. Nessa abordagem, é a lógica do funcionamento que é a organizadora da
relação com o artefato;
O ponto fundamental da definição de instrumento é que ele não pode se
reduzir ao artefato (ao objeto técnico, à máquina, etc.). É preciso defini-lo como
uma entidade mista: o instrumento é uma entidade composta que compreende
uma entidade artefactual (um artefato, uma função de artefato, ou um conjunto de
artefatos), e um componente ligado ao esquema (ou esquemas) de utilização47.
Essas duas dimensões do instrumento, apesar de estarem associadas uma
à outra, mantém uma relação de certa independência: a um mesmo esquema de
utilização podem corresponder diferentes tipos de artefatos, e a um mesmo tipo de
artefato pode corresponder diferentes esquemas de utilização.
Assim, amplia-se a noção de que o instrumento é todo objeto (artefato) que
o sujeito associa à sua função para a execução de uma tarefa. Não é somente o
objeto que é associado, e associável: também os são os esquemas de utilização
que irão permitir a inserção de um instrumento como componente funcional da
ação do sujeito. (Rabardel, 1995)
Isso significa, também, que a constituição da entidade instrumental é
produto da atividade do sujeito, pois o instrumento não é somente uma parte do
mundo externo do sujeito, um dado disponível para ser associado à ação; ele é
produção, construção, do sujeito.
Ainda de acordo com Rabardel (1995 :117 ss) o instrumento constituído
pode ser efêmero, ligado unicamente às circunstâncias singulares da situação e
às condições às quais o sujeito se confronta, mas também pode ter um caráter
mais permanente e ser objeto de uma conservação como totalidade, assim como
“O artefato do ponto de vista de suas funções” está centrado sobre a evolução dos objetos, principalmente em
como os artefatos produzem transformações nos produtos trabalhados. Aqui é a lógica do processo de
transformação das coisas que é levado em conta. (Rabardel, 1995: 60 ss)
47
Como podemos ver em Rabardel (1995: 99 ss), para Piaget os esquemas constituem meios do sujeito, que
os ajuda a assimilar as situações e os objetos com os quais ele é confrontado; eles são, também, a origem da
formação dos conceitos. O esquema de uma ação é o conjunto estruturado das características generalizáveis
da ação, quer dizer que permite repetir a mesma ação ou aplicá-la a novos conteúdos.
Os esquemas de utilização concernem duas dimensões de atividade:
- as atividades relativas à tarefas secundárias, ou seja, relativas à gestão das características e propriedades
particulares do artefato (apesar de diferentes das principais, as tarefas secundárias são funcionais e podem
compreender fins próprios);
- atividades principais, orientadas para o objeto de atividade, e para os quais o artefato é um meio de
realização.
meio disponível para ações futuras. Trata-se de uma totalidade dinâmica que
evoluirá em ralação com as situações de ação nas quais o instrumento será
engajado pelo sujeito.
É em função de sua finalização que o sujeito institui certos elementos de
seu universo em instrumento, quer dizer, em meios de ação.
A distinção entre sujeito e funcionamento tem um status na própria
atividade do sujeito, como pode ser visto nos processos de abstração, onde o
sujeito pega seus próprios esquemas como objeto.
Da mesma maneira, a posição instrumental do artefato é relativa ao seu
status no seio da ação. O artefato não é em si um instrumento, ou componente de
um instrumento, ele é instituído como instrumento pelo sujeito que lhe dá seu
status de meio para atingir os fins da ação. Assim, um mesmo artefato pode ter
status instrumentais bem diferentes segundo os sujeitos, e para um mesmo
sujeito, segundo as situações.
A permanência do esquema de utilização, especificando um ou vários
artefato cujas propriedades são definidas, permite definir uma das dimensões da
conservação do instrumento pelo sujeito. É certo que não há instrumento sem
artefato, mas a conservação do componente artefactual não é necessariamente a
de um objeto singular, ela pode ser a de uma classe de objetos, enquanto que o
sujeito pode encontrar em seu ambiente de instrumentos de ação de elementos,
artefatos tendo a propriedade necessária para serem associados aos esquemas
de utilização, e assim formar o instrumento necessário para a ação em curso. As
funções das ações é uma característica do sujeito, e não do artefato.
Um instrumento permanente, suscetível de conservação e, portanto, de
reutilização, consiste na associação estabilizada de duas invariantes que
solidariamente constituem um meio potencial de solução, de tratamento e de ação
em uma situação. No entanto, se coloca o problema de constituição do
instrumento permanente, de sua gênese: é o problema da constituição dessas
duas invariantes: esquemática e artefatual.
Quer seja do lado do esquema ou do artefato, essa construção não se
realiza ex nihilo. Os artefatos são, em geral, preexistentes, e são todos
instrumentalizados pelo sujeito. Os esquemas são, frequentemente, vindos do
repertório do sujeito e generalizados, ou acomodados, ao novo artefato; às vezes
esquemas inteiramente novos devem ser construídos. O conjunto desses
processos é caracterizado em termos de processos de instrumentação e de
instrumentalização:
Ainda de acordo com o mesmo autor, esses dois tipos de processo são
relativos ao sujeito. A instrumentalização por atribuição de uma função ao artefato
resulta de sua atividade, assim como a acomodação de seus esquemas. O que os
distingue é a orientação dessa atividade. No processo de instrumentação ela é
voltada para o próprio sujeito (através do esquema de utilização), enquanto que no
processo correlativo de instrumentalização ela é voltada para o componente
artefatual do instrumento (cf. fig. 2.4). Os dois processos contribuem
solidariamente à emergência e evolução dos instrumentos mesmo que um deles
possa ser mais desenvolvido, dominante.
48
É evidente que para os períodos cronológicos concernidos nós nos limitaremos à determinação das
são objetos que, apesar de diferentes, produzem o mesmo efeito, funcionam ou
não da mesma maneira. Para compreender cada objeto é preciso analisá-lo como
um indivíduo técnico, organizado por um conjunto de elementos técnicos em
interação, constituido em função de um fim. As interações entre elementos podem
tomar formas mais ou menos complexas. Essas relações são, elas próprias,
submetidas às regras de funcionamento que determinam o efeito esperado, sendo
que outras regras poderiam ser adotadas, produzindo efeitos diferentes. O
exemplo mais simples consiste na produção de uma lasca sem característica pré-
concebida: para obtê-la é necessário obrigatoriamente uma superfície de
percussão adjacente à uma superfície de debitagem (elementos técnicos
interdependentes) e um gesto provocando a fratura; do tipo de gesto ou do modo
de percussão (a regra de funcionamento) dependerá o tipo de lasca.
A análise organizacional do objeto mostra que toda estrutura possui um
potencial adaptativo capaz de responder às funções procuradas e aos modos de
funcionamento necessários para atingir os objetivos. Essa é sua condição de
existência no mundo. O objeto existe na medida em que ele é capaz de responder
a uma demanda e de satisfazê-la. Tal como, por exemplo, a lasca, a lâmina ou a
peça bifacial que são organizadas de modo que podem receber diferentes tipos de
retoques segundo suas necessidades. Mas isso não quer dizer que tudo é
possível sobre não importa o que. As impossibilidades podem ser devidas às
diferenças entre organizações volumétricas presentes, mas também a uma
sinergia impossível entre o efeito procurado sobre a matéria de trabalho, o gume
necessário e a estrutura que recebe esse gume, por exemplo. Com efeito, cada
organização condiciona o compromisso entre ela mesma e a matriz de trabalho,
de uma parte, e o homem de outra parte. Não se trata propriamente de falar de um
determinismo, pois existe a cada vez todo um campo de possibilidades,
evidentemente mais ou menos reduzidas segundo as organizações presentes.
Assim, segundo o objetivo e o modo de fazer obrigatório pelo grupo para
que o objeto/instrumento possua tais critérios técnicos frente a tal matéria prima, é
preciso que esses critérios possam ser integrados à organização volumétrica. Em
restrições técnicas
termos sistêmicos, esses novos critérios devem se tornar elementos de um novo
sistema que constitui o instrumento: de outro modo o instrumento não funciona.
Em outros termos, o objeto é uma estrutura que integra, em uma sinergia de
efeitos, suas próprias restrições organizacionais, ou restrições constituintes,
conferindo a possibilidade de integrar outras restrições inerentes à sua posição de
mediador entre o homem e o meio ambiente. O objeto resultante é um objeto que
é qualificado de parcialmente constituído. O objeto será realmente um objeto
constituído quando se integrar às restrições inerentes aos esquemas de utilização.
49
Catacrese é um termo emprestado da linguistica, que designa o uso de uma palavra no lugar de outra, ou
além de sua própria acepção. Transposta para o campo do instrumental, é utilizado para designar o uso de um
artefato no lugar de outro, ou a utilização de um artefato em funções para as quais ele não foi concebido
(Rabardel, 1995:123).
diferença dos suportes, terá por consequência um esquema de preensão e de
utilização diferente.
- relação de restrição do homem, do instrumento e da matéria de trabalho
em uma relação de espacialidade: o lugar da atividade onde deve se realizar a
ação exercerá, em certos casos, restrições que necessitarão de uma adaptação
do gesto.
Assim, o instrumento será compreensível se nós pensarmos em integrá-lo
em uma perspectiva sincrônica, definindo seu lugar entre os outros objetos
utilizados por um grupo de indivíduos, e em uma perspectiva diacrônica, em
termos da linhagem técnica. Para chegar a isso, será estabelecido para cada
objeto um esquema diacrítico capaz de evidenciar as diferentes restrições citadas
precedentemente, inscritas no instrumento. É pela evidenciação de uma
organização particular de retiradas, cujas consequências técnicas agem em
sinergia para colocar uma característica técnica remarcável e coerente, que serão
determinadas as Unidades Técno Funcionais (UTFs), como será visto mais
adiante.
Podemos supor que haja certa liberdade de escolha, por parte do homem
pré-histórico, para a confecção de seus instrumentos, pois eles não podem ser,
simplesmente, o reflexo de um comportamento imposto pelos nichos ecológicos
que, por sinal, conhecemos tão mal. No entanto, essa noção de ‘escolha’ é um
pouco ambígua, sobretudo em relação à tradição cultural: em um dado grupo pré-
histórico, o lascador só dispõe, de fato, de opções limitadas.
A cada etapa de uma cadeia operatória, o lascador deverá, com efeito,
tomar uma decisão sobre a maneira de prosseguir seu trabalho. Mas, enquanto o
pré-historiador dispõe, graças a seus conhecimentos arqueológicos e aos
resultados da experimentação, de uma gama muito vasta de soluções que ele
sabe apropriada, o lascador pré-histórico só optará, na maior parte do tempo,
entre aquelas que já pertencem à tradição técnica de seu grupo. Nesse sentido, a
tradição fixa os limites estritos às escolhas que o lascador, teoricamente, poderá
fazer.
É entre vários grupos culturais que se desenham, então, as ‘escolhas
técnicas’. Mas o termo é pouco apropriado pois a ‘escolha’ não resulta
necessariamente de verdadeiras decisões: elas serão frequentemente o resultado
de processos históricos de origem variada e complexa.
É preciso, pois, distinguir dois níveis: de uma parte aquele das escolhas
conscientes – mas limitadas – do lascador que opta por determinada cadeia
operatória em vista da solução de um problema preciso; de outra parte, a
constituição de um saber técnico, ao nível do grupo, que nos permite distingui-lo
de outros grupos de tradições técnicas diferentes.
Podemos admitir, também, que tanto na escala individual como coletiva a
utilização de determinada solução não tem caráter obrigatório: outras opções
poderiam ser, teoricamente, encaradas. Isso torna possível descrever o conjunto
das decisões tomadas ao longo da cadeia operatória em termos de estratégia:
estratégias coletivas, emanadas do próprio grupo, que concernem a concepção
geral da indústria lítica e seu lugar no sistema econômico e técnico; estratégias
individuais, por ocasião de trabalhar determinada cadeia operatória face a um
dado problema.
Se a cadeia operatória é o conceito que fundamenta nossa abordagem de
análise do material lítico, permitindo reconhecer as opções sucessivas, o conceito
de estratégia será aquele que nos permitirá descrever, de maneira sintética, o
conjunto de decisões e de cadeias operatórias efetivamente utilizadas em um
dado contexto cultural. Por razões práticas, mas um pouco arbitrárias, essas
estratégias podem ser reagrupadas segundo o que elas concernem: a aquisição
da matéria-prima, a debitagem e, enfim, a produção, a utilização e o rejeito dos
instrumentos propriamente ditos.
A noção de estratégia deriva, pois, diretamente do postulado segundo o
qual existirá teoricamente, para cada problema, um leque de soluções possíveis.
Podemos, desde agora, nos interessar pela explicação dessas escolhas: porque
tal grupo ou tal indivíduo optou por tal estratégia em vez de outra? Nós abordamos
aqui o domínio da interpretação dos fenômenos observados, e precisaremos
agora o quadro teórico no qual nós nos situaremos a esse respeito. É assim que
Perlès (1987a: 24-5) utiliza os conceitos de economia de matéria-prima, de
debitagem e do instrumental:
- Economia de matéria-prima
Recobre toda a forma de exploração da matéria-prima em um dado sítio. O
conceito de economia de matéria-prima responde à uma problemática rica e que
rapidamente se mostra frutífera. Ela põe, com efeito, as seguintes questões: quais
foram as diferentes matéria-prima utilizadas, de onde elas provém, sob que formas
elas eram introduzidas nos sítios, com que fins elas eram levadas? Trata-se, pois,
de interpretar as diferentes estratégias utilizadas na exploração de matérias-
primas variadas em função de dificuldades de aprovisionamento, de sua qualidade
de lascamento e de utilização ao qual se destinava.
- Economia de debitagem
Visa, através do estudo da cadeia operatória, evidenciar a utilização
diferencial dos produtos de cada estado técnico. Em certos casos é preciso dispor
de análises funcionais do material, pois os produtos utilizados não são
forçosamente retocados. No caso de instrumentos retocados, essa abordagem
exige que sejam reconstituídas as cadeia operatória e que sejam identificadas os
suportes de origem do material retocado.
- Economia do instrumental
Conceito complementar aos dois precedentes. Podemos mostrar, com
efeito, que segundo a natureza do suporte e da matéria-prima os instrumentos de
mesma função inicial podem conhecer ciclos de utilização, de transformação e de
rejeito extremamente diferentes. Assim, aparece a noção de gestão diferencial dos
instrumentos retocados, apoiado sobre a natureza (e sem dúvida as dificuldades
de obtenção) das matérias-primas sobre as quais eles foram realizados. Tal
noção, no entanto, só pode ser testada graças aos estudos funcionais
microscópicos.
Quando se estuda cadeias operatórias não se pode ver cada uma das
etapas (aquisição da matéria-prima, debitagem, produção e utilização, como visto
mais acima) como se fossem independentes uma das outras, ou seja, não tem
sentido a comparação de porcentagem de tipos de talões, de porcentagem de
dimensões das lascas, etc., pois esse tipo de análise aceita implicitamente o
postulado segundo o qual a escolha técnica do artesão, em cada etapa de seu
trabalho, não influencia a seguinte, nem é influenciada pela etapa anterior, o
oposto do que propõe o estudo das cadeias operatórias.
É preciso ver como cada etapa da cadeia de transformação pode ser
explicada pelo conjunto do projeto proposto:
- a escolha da matéria-prima responde às necessidades específicas dos
instrumentos?
- as técnicas de debitagem utilizadas são próprias à matéria-prima utilizada
ou à natureza do suporte que se tenta obter?
- a própria produção de suportes é regida pela natureza da utensilagem
retocada que se vai utilizar?
- em que medida técnicas de retoque e transformação dependem das
matérias-primas e dos tipos de instrumentos?
50
Como podemos ver em Fogaça, (2001:241-2), algumas características dos estigmas registrados nas peças
permitem diferenciar com segurança as seqüências de gestos técnicos. Como exemplo, podemos citar que as
últimas retiradas de transformação dos suportes, normalmente de retoque, deixam negativos completos, em
muitos casos com contra-bulbos preservados. Já quando as porções proximais dos negativos de façonnage, ou
de retoque, são eliminados por retiradas subsequentes, perdendo-se assim os contra-bulbos, têm-se sempre os
ângulos formados com a face inferior, a curvatura das ondas de percussão e/ou o desenvolvimento da
topografia do negativo como indicativos dessas etapas. Os negativos anteriores à obtenção dos suportes
podem ser reconhecidos porque tendem a ser paralelos às faces inferiores. As lancetas preservadas,
encontradas adjacentes às nervuras, possibilitam a orientação dos negativos.
51
Tudo isso supondo-se que a coleta realizada tenha sido estatisticamente significativa, proporcionando uma
amostragem da diversidade de material existente no sítio.
2.3.2 Evolução, linhagem e concretização
(...) nous croyons les nucléus et les pièces bifaciales mieux à même de
montrer des évolutions et de démontrer leur sens. A notre avis, l’outil,
l’objet final fonctionnel, est moins porteur d’informations (Boeda, 1997:
145)
52
O termo façonage é aqui utilizado para indicar que houve intenção de esculpir, modificar, amplas parcelas
da superfície de uma peça. Essas modificações, no entanto, não precisam estar presentes em mais de uma face
da peça (Fogaça, 2001).
uma matriz cujos bordos serão, em um segundo momento, organizados para obter
vários instrumentos (cf. figura 2.5).
53
Existem, também, casos onde há uma combinação entre debitagem e façonnage, como na cadeia operatória
de peças trifaciais, que “(...) reposent en priorité sur un schéma opératoire de débitage. Mais en phase finale,
ce schéma inclut une éventuelle transformation de certains produits en outils (núcleus, par exemple). Cette
transformation doit être “programmée” dès le départ des opérations de taille. Si nous voulions résumer cette
situation, nous dirions que les hommes préhistoriques ont tout d’abord effectué une opération de débitage,
suivie d’une opération de façonnage, réalisée à partir de produits spécifiques obtenus au cours de la première
phase”. (Boeda et al., 1990: 44)
- Sistema C : trata-se da exploração das características de convexidade
presentes naturalmente sobre uma parte do bloco e da noção de recorrência,
permitindo produzir um gume mas também, pela primeira vez, uma pequena série
de retiradas com um controle sobre sua morfologia.
Quando dizemos que lascas vindas da debitagem tipo C são lascas pré-
determinadas, isso induz que os blocos de matéria-prima foram configurados de
modo específico ou apresentam uma configuração natural para produzir objetos
desejados. Dito de outro modo, a debitagem C responde à organização de um
certo número de critérios técnicos específicos. Esses critérios são organizados à
custa do volume inicial do bloco bruto de matéria-prima sem o reestruturar
inteiramente. Mas a inicialização dos núcleos C se dá somente sobre uma parte
do bloco inicial. Geralmente a superfície de debitagem é escolhida em função de
seus critérios de convexidade natural, afim de que não seja necessário organizá-
los. Só a superfície de percussão é organizada em função da superfície de
debitagem. O lascador introduz uma estrutura seguindo critérios técnicos precisos
que agirão em sinergia para obter o resultado previsto.
55
Em geral, para os instrumentos que analisamos, as UTFs receptiva e preensiva coincidem .
distal ou proximal, um bordo, um talão, etc, são alguns dos elementos levados em
conta. Um ângulo, um plano de secção, uma superfície, um gume, etc, constituem
características técnicas participantes da definição de uma UTF56.
A decomposição do instrumento em três partes distintas não significa que o
instrumento seja reduzido a uma dentre elas. Ao contrário, o instrumento é um
arranjo de relações entre essas diferentes partes, que produz uma nova unidade
possuindo qualidades que nenhuma dessas partes tem. Considerar
independentemente cada uma dessas partes, ou dar prioridade a uma antes das
outras faz perder toda a individualidade do instrumento.
As UTFs, como já foi dito mais atrás, serão determinadas através da
evidenciação de uma organização particular de retiradas, cujas consequências
técnicas agem em sinergia para colocar uma característica técnica remarcável e
coerente.
Assim, em cada instrumento serão identificados os ‘planos de corte’ e
‘planos de bico’ (Boeda, 1997: 66-7).
Planos de corte são aqueles criados pela intersecção de duas superfícies,
sendo que eles já podem apresentar-se favoráveis à utilização, ou, em certos
casos, são objetos de uma organização (retoques) em vista a uma funcionalização
do bordo. Nesse caso, essa modificação forma um novo plano, denominado de
plano de bico (cf. figura 2.9).
56
No presente trabalho foram definidas as estruturas dos suportes dos instrumentos e os tipos de UTFs (cf.
‘Convenção’, início do volume 2). O cruzamento dessas duas variáveis definem os tecno-tipos.
3. A ÁREA DE ESTUDO
A área escolhida para o presente estudo é aquela que foi afetada pela
construção da Usina Hidrelétrica de Manso (MT). A barragem da referida
hidrelétrica, foi construída no rio Manso, principal afluente do rio Cuiabá, e
localiza-se nas coordenadas UTM N8355.500 / S631.000), distante cerca de 80
km a nordeste de Cuiabá, capital do Estado (cf. mapa I -1).
A área impactada pela obra ocupa, aproximadamente, 429 Km² e abrange
parte dos municípios de Chapada dos Guimarães, Nova Brasilândia e Rosário do
Oeste.
Essa área, que era completamente desconhecida até o início dos estudos
para a implantação do empreendimento57, mostrou-se extremamente interessante
em relação ao patrimônio arqueológico pré-histórico, tendo sido ali localizados 81
sítios.
Ela é especialmente interessante no que tange às indústrias líticas
lascadas, uma vez que a matéria-prima para a confecção de tal indústria é
abundante por toda a área, sendo que o material lítico é também abundantemente
encontrado tanto nos sítios mais antigos, que datam de até 6.000 B.P. (cf. quadro
3.1), quanto nos mais recentes (300 a 400 B.P), estando, nesses últimos,
associados ao material cerâmico.
A seguir serão apresentados os dados ambientais da área, bem como os
trabalhos que foram ali realizados, tanto para a localização como para a
escavação dos sítios.
3. 1 Caracterização Ambiental58
Serão descritos, aqui, os elementos físicos (geologia, pedologia,
geomorfologia e declividade do terreno), além da flora, presentes na área de
57
As primeiras informações sobre sítios arqueológicos nessa área foram obtidas durante a realização do
EIA/RIMA (Sondotécnica, 1987)
58
O presente item está amplamente baseado no ‘Capítulo 3 – Caracterização Ambiental’, do relatório do
Projeto de resgate do Patrimônio Arqueológico da UHE Manso (MT) (Viana, Sintia et alli, 2001).
estudo, sendo que, dependendo do material de estudo disponível, cada variável foi
analisada com maior ou menor detalhe. Sempre que possível foram estabelecidos
relações entre os diversos fatores ambientais analisados.
3.1.1.2 Pedologia
Onze diferentes unidades de solo estão presentes na área de estudo:
(1) PE1 – podzólico vermelho-escuro distrófico, A moderado; textura
arenosa/média + areias quartzozas latossólicas distróficas, A moderado; textura
arenosa/média bem drenados e relevo suave.
(2) PV – podzólico vermelho-amarelo distrófico, A moderado; textura
arenosa/média e média + areias quartzozas latossólicas distróficas, a moderado,
textura arenosa/média bem drenados; relevo suave ondulado; vegetação de
cerrado; baixa fertilidade natural e acidez elevada.
(3) RL 5 – litossolo distrófico, A moderado; textura média substrato
metassiltitos + cambissolo distrófico pouco profundo, A moderado; textura argilosa
+ podzólico amarelo distrófico, A moderado, textura média; bem drenado e relevo
suave ondulado;
(4) AQL – areias quartzosas latossólicas distróficas, A moderado; textura
arenosa/média, de bem a excessivamente drenada; relevo suave ondulado;
vegetação característica de cerrado;
(5) AQ 1 – areias quartzozas distróficas + areias quartzozas latossólicas
distróficas; textura arenosa/média, de bem a excessivamente drenada; relevo
plano e suave ondulado; são os solos que se apresentam predominantes na
região; vegetação característica de cerrado;
(6) AQ 3 – areias quartzozas distróficas + litossolo distrófico, A moderado;
textura média + afloramento rochoso excessivamente drenado; relevo ondulado e
forte ondulado; vegetação de cerrado;
(7) RL 1 – litossolo distrófico, A moderado; textura média; substrato
metassiltitos + solos concrecionários distróficos, A moderado; textura média
cascalhenta/argilosa a cascalhenta + podzólico vermelho + amarelo de distrófico,
A moderado; textura arenosa/média; bem drenado; relevo suave ondulado;
(8) RL 2 – litossolo distrófico, A moderado; textura média; substrato siltitos
+ solos concrecionários distróficos, A moderado; textura média
cascalhenta/argilosa cascalhenta + cambissolo distrófico pouco profundo; textura
argilosa + afloramentos rochosos bem drenados; relevo suave ondulado e
ondulado, solos bem drenados, vegetação de cerrado;
(9) RL 3 – litossolo distrófico, A moderado; textura média substrato siltitos +
cambissolo distrófico, a moderado; textura média + podzólico vermelho amarelo
distrófico; textura média/argilosa + afloramentos rochosos moderadamente
drenados;
(10) RL 4 – litossolo distrófico, A moderado; textura média; substrato de
siltitos e arenitos + areias quartzozas latossólicas distróficas; textura arenosa,
arenosa/ média + afloramentos rochoso; bem drenado e relevo forte ondulado.
(11) C – complexo de solos das baixadas e dos cursos d'água, com solos
aluviais distróficos e eutróficos, A moderado; textura média + areias quartzozas
hidromórficas distróficas, A fraco + plintossolo distrófico, textura média + podzólico
acinzentado distrófico, A moderado; textura arenosa/média + litossolo distrófico;
textura média, imperfeitamente drenada; relevo suave ondulado e micro-relevo
forte; solo de ocorrência restrita, imperfeitamente drenado, com vegetação de
mata ciliar; sujeito a enchentes periódicas;
Quanto à distribuição dessas unidades pela área de estudo, é possível
perceber o predomínio do complexo de solos das baixadas e dos cursos d'água
(cf. tabela 3.2).
As unidades de solo podem também ser divididas em dois grandes grupos:
as da região do rio Manso, onde predominam as unidades RL (1, 2,3 e 5),
relacionadas ao processo pedogenético das rochas do Grupo Cuiabá; e as
unidades com amplo predomínio das unidades C, AQ1 e AQ2, ou seja, dos solos
aluviais e das areias quartzosas, estas últimas relacionadas à cobertura arenosa
residual.
3.1.2 Vegetação
3.1.2.1 Campo cerrado
Formação vegetal de fisionomia campestre, povoada com pequenas árvores
tortuosas geralmente raquíticas, que atingem em média 1,5 m de altura e são afetadas
pelo fogo anualmente. Caracterizado por um tapete gramíneo-lenhoso, com altura média
de 0,50m e podendo estar entremeado por touceiras de até 1 m de altura. Essa
fitofisionomia encontra-se associada a areia quartzosa: são profundas, derivadas de
arenitos da formação Bauru e Botucatu, relevo suave ondulado, e de baixa fertilidade e
solos litólicos.
3.1.2.3 Cerrado
Apresenta estrato arbóreo relativamente denso, com alturas de até 12 m. Os
exemplares têm aspecto retorcido e casca corticosa, freqüentemente marcada pelo fogo,
comum no local, com folhas, em geral, coreáceas, adaptadas às condições xeromórficas.
Pode ser observada a presença de sub-bosques discretos e a ocorrência de gramíneas e
ciperáceas formando um tapete menos denso que a do campo cerrado. Essa fisionomia
também encontra-se associada à areia quartzosa e a solos litólicos.
3.1.2.4 Cerradão
Formação vegetal florestada com árvores de pequeno e médio portes,
apresentando estrato arbóreo mais adensado que o cerrado e dossel atingindo até 25
metros de altura. Apresenta composição florística e localização semelhante à do campo
cerrado. Contudo, as árvores e os arbustos são menos tortuosos e os solos, mais férteis.
O cerradão surge como um gradiente entre o cerrado e a mata de galeria, principalmente
na bacia do Rio Manso, e aparece associado a solos litólicos (solos rasos e rochosos) e
podzólicos (textura dominantemente argilosa, solos rasos, drenagem boa, baixa fertilidade
natural e acidez elevada).
3.1.2.7 Floresta
Engloba os tipos de vegetação com predominância de espécies arbóreas e
formação de dosséis. Na escala espacial, essas formações seriam influenciadas por
variações locais em parâmetros como hidrografia, topografia, profundidade do lençol
freático e fertilidade e profundidade do solo (Ribeiro e Walter, 1998).
Conforme pode ser visto na tabela 3.5, as áreas de tensão antrópica predominam,
ocupando mais de um terço da região, seguidas pelas matas de galeria e florestas (cerca
de 19% para cada).
3.2 Metodologia do Levantamento Arqueológico
Uma vez que se tratava de uma região de grandes dimensões, e que se
tinha um tempo limitado para a realização dos trabalhos (tanto de levantamento
quanto de resgate dos sítios localizados), tornava-se claro, desde o início da
pesquisa, que o levantamento arqueológico não seria feito em toda a área. Ou
seja, apenas parte dela seria percorrida.
Assim, além da abordagem tradicional, que se vale das informações
prestadas pelos moradores da área, e da vistoria de locais que proporcionem boa
visibilidade do solo, resolvemos, seguindo a proposta inicial do nosso trabalho,
que a prospecção deveria ser feita também de uma maneira probabilista, onde
pudesse haver um controle do quanto e do que seria amostrado.
Já há muito tempo (Mueller, 1974; Plog et al. 1978, Nance, 1983, entre
outros) que a utilização de amostragem probabilista nos levantamentos
arqueológicos surge como importante recurso para alcançar o objetivo de se
conseguir uma cobertura representativa das áreas a serem estudadas, pois ela é
uma forma de se obter uma representação adequada da variedade total de
informações, sem que seja preciso lidar com todos os dados do universo. Outra
vantagem é que ela é uma excelente técnica exploratória, que força a observação
de dados, ou o caminhamento de áreas, mesmo onde não se espera obter
resultados.
O problema estava em definir qual a porcentagem da área deveria ser
percorrida, qual parte, e como se percorrê-la.
Como pôde ser visto no item anterior (3.1), a área a ser pesquisada
abrange uma grande variedade ambiental, a qual utilizamos para estratificar o
nosso universo, sendo que ficou definido que seriam percorridos ao menos 5 % de
cada um dos estratos paisagísticos59. Também ficou definido que estes estratos
seriam percorridos de uma maneira sistemática, através de ‘linhas de
caminhamentos’, os chamados ‘transects’ (ver Plog, Plog & Wait: 1978, entre
outros).
59
Uma vez que a área a ser trabalhada apresenta grandes dimensões, acreditamos que uma amostragem de 5%
seria suficiente, já que a fração da amostra deve ser inversamente proporcional ao tamanho do universo a ser
amostrado.
Com isso pretendíamos conseguir uma estimativa da freqüência e
distribuição espacial dos recursos arqueológicos existentes em todos os estratos
ambientais presentes na área estudada60.
A seguir será mostrado como o trabalho de prospecção foi realizado, bem
como os resultados alcançados.
60
A arqueologia de contrato, pela necessidade de desenvolver maneiras de se obter o máximo de informação
com o mínimo custo e mínimo impacto sobre estes recursos, utilizou amplamente esse tipo de abordagem, que
passou a ser usada também nas pesquisas ‘acadêmicas’.
61
Nessa abordagem o desvio amostral não pode ser mensurado e, devido ao desconhecimento do tamanho da
amostra, não é possível inferir a população.
Assume-se, nessa abordagem, que existem três fatores principais que
influenciam a descoberta de sítios.
O primeiro é a natureza da prospecção: a tradicional depende pesadamente
da exposição do solo para a localização da cultura material.
O segundo fator é o ‘conhecimento comum’, assimilados pelos
pesquisadores e usados como base para a localização dos sítios. Confiando na
experiência pessoal e na intuição, muitos arqueólogos têm desenvolvido, talvez
inconscientemente, uma lista de critérios para a localização de sítios (proximidade
de cursos d’água, certos ecótonos, etc.).
Infelizmente, esse ‘conhecimento comum’ é geralmente usado como base
para determinar a estratégia de prospecção, isto é, o arqueólogo concentra seus
esforços naquelas porções de áreas onde espera encontrar sítios, desprezando
aquelas que apresentam baixo potencial. Descoberta de sítios nos locais
previsíveis, de alta densidade, reflete o tratamento diferencial dados às distintas
áreas, reforçam o ‘conhecimento comum’ de que existem áreas completamente
estéreis, além de não refletir de maneira adequada como ocorre a distribuição dos
sítios pré-históricos.
Finalmente, o terceiro fator é que resultados sem desvios não podem ser
alcançados quando mudanças temporais são ignoradas. Usando dados
etnográficos e documentação histórica é geralmente possível reconstruir o padrão
de assentamento indígena do período proto-histórico. Esse conhecimento pode
influenciar o pesquisador a prospectar mais intensamente áreas ocupadas durante
esse período. Com o tempo, no entanto, os padrões de assentamento podem não
apenas mudar dentro do ambiente, mas o próprio ambiente pode sofrer
alterações. O efeito dessas mudanças na localização dos sítios deve ser
cuidadosamente considerado quando for feita qualquer prospecção.
40,74
dentro da área
fora da área
59,26
29,17
33,33
transect
inf. oral
vistoria
37,5
As vantagens da utilização de um levantamento sistemático é que podemos
utilizar seus resultados para ter uma idéia melhor do que ocorre na área, tanto em
termos quantitativos como qualitativos.
Como já foi visto, foram percorridos, por essa metodologia, 249,5 km, o que
corresponderia, utilizando um ‘efeito margem’62 de 100 m, a 24,95 km²
amostrados, ou seja, aproximadamente 5,9 % da área. Uma vez que foram
encontrados 16 sítios, pode-se extrapolar que, na área, existiriam 271 sítios que
se enquadrariam dentro daquelas dimensões (pelo menos 100 m de diâmetro), e
enterrados até aquelas profundidades (1 m), explicitadas mais acima.
É claro que essa é uma estimativa grosseira, pois se teria que levar em
conta vários outros fatores para se chegar a resultados mais confiáveis: a
combinação dos diferentes estratos ambientais; os diferentes tipos de sítios
existentes não só em relação aos distintos grupos, mas também em relação à
cronologia, e à função que esses sítios desempenhariam dentro do sistema de
assentamento.
Porém, uma vez que nosso principal objetivo aqui não é esse, mas sim
apenas sugerir o potencial dessa metodologia, esse refinamento não será feito
nesse momento.
62
Uma vez que a prospecção sistemática foi realizada através de ‘linhas de caminhamentos’, e que as linhas
só têm uma dimensão, para o cálculo da área amostrada utilizamos as dimensões dos menores sítios que
pretendíamos localizar (no caso 100 m de raio). A ‘linha de caminhamento’ não precisa passar no centro do
sítio para localizá-lo, mas em qualquer uma de suas partes; ela, assim, produz uma margem, que é igual a
dimensão desse sítio.
63
Para obtermos essas informações foi realizada, em cada sítio, uma sondagem de 1 x 1 m, com o material
sendo coletado por níveis artificiais de 10 cm. Apesar de em alguns sítios apenas uma sondagem ter se
Assim, do total de 60 sítios encontrados dentro dos limites da área a ser
impactada, foram selecionados 26 deles64 para resgate, sendo que a metodologia
utilizada para a coleta de material será descrita a seguir.
mostrado insuficiente para fazer uma caracterização segura, esse trabalho nos proporcionou uma idéia do que
poderia ser encontrado em cada sítio.
profundidade, estado de conservação do sítio, entre outros. Assim, a distância entre as
sondagens poderia aumentar ou diminuir, bem como as dimensões das sondagens
também poderia aumentar.
Em alguns sítios os trabalhos foram complementados com a escolha de locais,
onde apareciam materiais significativos, onde ampliou-se as áreas de coleta de material.65
Os sítios superficiais sofreram coleta total, com o material sendo separado por
grandes quadras (10 x 10 m).
Acreditamos que essa metodologia utilizada se adequa perfeitamente não só aos
objetivos propostos por nós, mas também às características do trabalho de contrato, onde
o tempo é, em geral, um dos problemas cruciais: ela permite que se realize a delimitação
do sítio, concomitantemente à coleta controlada do material ali existente.
64
Também foi selecionado um abrigo localizado próximo ao limite da área, o único nas proximidades que
apresentou sedimento e material arqueológico.
65
Ressaltamos que os materiais recolhidos nessas áreas não fizeram parte do cálculo de densidade de material
por sítio.
66
Inclui-se, nessa categoria, o sítio em abrigo.
67
Enquanto os sítios que apresentavam material lítico e cerâmico sempre associados tinham datações que
chegavam , no máximo, até 2.280 BP, as datas daqueles que apresentavam apenas material lítico nas camadas
mais profundas alcançavam, nessas camadas, até 6.000 BP (cf. quadro 3.1).
68
Dos quatro sítios dessa categoria, foram selecionados aqueles que mais se prestavam para os nossos
estudos: possuírem datações, separação mais visível das camadas que continham apenas material lítico
daquelas com cerâmica e lítico, e maior quantidade de núcleos e de artefatos.
4. OS SÍTIOS TRABALHADOS E A ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO
Uma vez que o principal interesse é pelo material lítico, a cerâmica, quando
aparece, é apenas sumariamente descrita.
1
Esse mesmo procedimento, pesagem, foi tomado para os fragmentos brutos de matéria-prima coletados nos
sítios.
2
A quantidade de córtex foi dividida em quatro categorias: 1) sem córtex; 2) reserva cortical, quando a lasca
apresentava pequena quantidade de córtex, 3) semi-cortical, quando cerca de metade da sua superfície externa
era coberta por córtex, 4) cortical, quando a totalidade, ou quase, era coberta por córtex. As lascas que
apresentavam dorso cortical foram colocadas em uma categoria aparte.
122
levados em conta para o controle das retiradas, bem como a existência de
interdependência entre as sequências de lascamento. Assim, seria possível
classificá-lo dentro da sequência evolutiva proposta (cf. item 2.3.2).
Por fim, foi feita uma divisão bem ampla quanto a qualidade da matéria-
prima (dos instrumentos retocados e dos núcleos): boas as que apresentavam
granulação fina, e ruim as com granulação grossa.
3
Os resultados da análise das demais variáveis são encontrados no volume 2, por sítios (cf.quadros 4.4 a
4.8a).
123
4.1 SÍTIO ESTIVA 2
No geral o sítio teve 0,086% de sua área escavada, sendo 0,079% pelo
método sistemático (cf. tabela 4.3).
125
fotointerpretação, indicam que esse sítio localiza-se em área de influência fluvial,
tendo em vista a distribuição gradacional dos sedimentos, associada ao
arredondamento dos fragmentos rochosos. Conforme se afasta do rio, as
espessuras dos perfis diminuem, assim como o número de camadas.
126
4.1.4 Análise do Material Lítico
4.1.4.1 Camada Superior
G r á f. 4 .1 .1 - D is tr ib u iç ã o p o r n ív e is
14
12
10
8
%
6
4
2
0
n10
n11
n12
n13
n14
n15
n1
n2
n3
n4
n5
n6
n7
n8
n9
sup
4
Foram coletados 550 fragmentos cerâmicos, desde a superfície até 150 cm de profundidade. O antiplástico
predominante é o cariapé B associado ao carvão, que aparece em mais de 80% dos fragmentos. A queima
varia de oxidante a redutora (com predomínio desta última). Os fragmentos apresentam espessura de 4 mm a
22 mm, com média de 10,1 mm, e a grande maioria deles encontrava-se alisado (o polimento aparece em
pequena quantidade, pouco mais de 1 %, tanto na face interna como na externa). Apenas um fragmento
decorado foi encontrado (tipo recortado). A forma predominante dos vasilhames é fechada simples.
127
1,12 Gráf. 4.1.2 - M atéria prima
0,29
21,22
arenito
0,58 quartzo
sílex
siltito
argilito
76,89
96,04
128
4.1.4.1.1 Núcleos
Os dez núcleos coletados (nove em sílex e apenas um em arenito) são
descritos a seguir:
129
cerca de 30 x 30 mm. A partir do plano B saíram mais três lascas, apresentando
as mesmas características.
130
destacadas mais duas lascas (b1 e b2) com talão liso, morfologia quadrangular e
dimensões de 32 x 25 mm, que utilizaram o mesmo plano de debitagem de A. O
negativo b1 serviu de novo plano de percussão, de onde foi retirada uma lasca
apresentando talão liso, morfologia quadrangular e dimensões de 40 x 35 mm.
É possível, ainda, perceber o negativo de mais duas lascas (d1 e d2) vindas
de um plano de percussão adjacente aos dois citados anteriormente, porém que já
não existe mais.
131
Em relação aos núcleos coletados, podemos perceber que aqueles em sílex
foram levados ao sítio na forma de bloco, enquanto que o de arenito foi na forma
de seixo.
250
200
150
vl (cm³)
sílex
arenito
100
50
132
Gráf. 4.5.6 - Dimensões prováveis das lascas saídas dos
núcleos
60
50
40
larg (mm)
sílex
30
arenito
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
133
na extremidade da peça (Pc retilíneo, 80o; Pb retilíneo, 85o) (UTFt) (figuras 4.15a e
4.23).
ES2 606 (sílex 1) – (53 x 48 x 19 mm) - Lasca talão liso, seção trapezoidal,
com um negativo na face externa vindo da mesma direção em que a lasca foi
retirada. Um quebra pega toda a extensão do bordo direito, formando um dorso. A
peça apresenta dois negativos de retiradas, que abarcam todo o bordo direito, e
um outro negativo na extremidade distal, interrompido pela quebra. Todos eles
foram feitos após o destacamento da lasca e as custas da face interna.
Na extremidade distal há uma seqüência de retoques inversos, longos,
semi-abruptos, formando um gume linear, denticulado (Pc retilíneo, 65o; Pb
côncavo, 60o) (UTFt1). No bordo esquerdo os retoques, inversos, curtos, abruptos,
formam um gume côncavo (Pc retilíneo, 60o) (UTFt2) (figuras 4.15d e 4.25).
134
da lasca) vindos de distintas direções. O bordo direito apresenta três negativos de
retiradas feitos após o destacamento da lasca, formando um gume denticulado (Pc
retilíneo, 70o) (UTFt) (figuras 4.16a e 4.26).
135
ambos os bordos: as do lado esquerdo abrangem toda a espessura da peça e é
seguida por uma seqüência de retoques diretos, muito curtos; seria,
provavelmente, uma UTFp, uma vez que não forma nenhuma superfície plana. Os
negativos do lado direito formam um gume retilíneo, terminando em uma
reentrância (Pc retilíneo, 75o) (UTFt1) (UTFt2) (figuras 4.17b e 4.30).
ES2 1021 (sílex 1) – (47 x 99 x 24 mm) – Lasca, seção triangular, com talão
cortical (bloco), formando um dorso (UTFp). Apresenta, na porção direita de sua
extremidade distal, algumas retiradas (as custas da face externa) que formam uma
concavidade (Pc retilíneo, 65o) (UTFt1), e no lado esquerdo dessa mesma
extremidade retoques inversos, curtos, abruptos, formando um gume ‘focinho’ (Pc
retilíneo, 35o) (UTFt2) (figuras 4.18a e 4.33).
136
destacamento da lasca (uma vez que foram retiradas a partir da face interna e
apresentam contra-bulbo): uma encontra-se na extremidade distal (Pc retilíneo,
85o) (UTFt1), outra na proximal (Pc retilíneo, 70o) (UTFt2), ambas formando uma
pequena reentrância, sendo que aquela da extremidade proximal é menos
pronunciada (figura 4.18b).
137
gume natural (Pc côncavo, 40o) (UTFt1), seguido por um retoque curto que forma
uma pequena reentrância (Pc convexo, 70o) (UTFt2).
138
porção esquerda forma um gume côncavo (Pc retilíneo, 80o) (UTFt3) (figuras
4.1.19c e 4.39).
139
ES2 2765 (arenito 2) – (49 x 56 x 26 mm) - Lasca com talão espesso, seção
trapezoidal, superfície natural no bordo direito. Apresenta um negativo de retirada
vindo da mesma direção em que a lasca foi destacada. A face externa apresenta,
ainda, mais seis negativos, onde é possível perceber as seguintes UTFs
transformativas: os negativos 3, 4 e 7, seguidos por retoques diretos, curtos,
abruptos formando um focinho (Pc côncavo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt1);
negativos 5 e 6, na porção distal do bordo esquerdo e extremidade distal,
formando um gume convexo (Pc retilíneo, 70o) (UTFt2) (figuras 4.1.19g e 4.42).
140
ES2 2096 (sílex 2) – (71 x 46 x 30 mm) - Fragmento de matéria-prima, com
seção trapezoidal, a não ser em uma das extremidades que apresenta seção
triangular, causada por uma retirada que pega toda altura da peça. Essa retirada é
seguida por duas outras, mais curtas, e por retoques curtos, abruptos,
escalariformes, que delineiam um gume levemente côncavo (Pc convexo, 50o)
(UTFt1), passando a retilíneo na extremidade distal (Pc convexo, 75o) (UTFt2)
(figuras 4.1.20c e 4.45).
141
pouco pronunciado. No bordo esquerdo aparece um outro bico. A extremidade
proximal apresenta negativos de retiradas, formando uma UTFp (figuras 4.1.22b e
4.47).
142
60o ; Pb retilíneo, 65o) (UTFt1). No bordo direito há um negativo, na face interna,
que forma uma reentrância (Pc côncavo, 75o) (UTFt2) (figuras 4.1.22f e 4.51).
ES2 1344 (sílex 2) – (48 x 45 x 24 mm) - Lasca com talão liso, seção
triangular. Córtex (seixo) por todo bordo direito, formando um dorso (UTFp). Existe
143
apenas um negativo na face externa, vindo de uma direção oblíqua ao que a
presente lasca foi retirada. O bordo esquerdo apresenta retiradas, à custa da face
externa, formando duas concavidades separadas por um bico. A UTFt é composta
pela concavidade que se encontra mais próxima à extremidade proximal e uma
parte do bico (Pc côncavo, 45o ; Pb convexo, 75o)
144
ES2 2302 (arenito 2) – (42 x 28 x 18 mm) - Lasca bipolar, de seixo, seção
trapezoidal. Apresenta três retiradas em uma das extremidades, formando um
pequeno bico (Pc retilíneo, 60o) (UTFt1).
arenito 1 s ílex 1
arenito 2 s ílex 2
145
Gráf. 4.1.9 - Dimensões dos instrumentos
120
100
larg (mm) 80
are
60
sílex
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
120
100
80 frag mp
larg (mm)
lsc bip
60
núcleo
40 lasca
20
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)
4.1.4.1.3 Lascas
0,63
Gráf. 4.1.11 - Matéria-prima
20
sílex
arenito
quartzo
79,37
147
Em relação às de arenito, 91 apresentam córtex, sendo 87 de seixo e 4 de
bloco; já as de sílex, 83 apresentam córtex, sendo 59 de seixo e 24 de bloco.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que as de arenito e as
de sílex apresentam dimensões que variam semelhantemente, enquanto que as
poucas de quartzo apresentam dimensões menores.
148
Algumas lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas
encontradas nos negativos dos núcleos, sendo esse fato mais claramente
perceptível no material em arenito.
70
60
larg (mm
50
40 lasca
30 neg núcleo
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
80
60
larg (mm)
lasca
40
neg núcleo
20
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
149
Em relação aos suportes utilizados para a confecção de instrumentos,
ocorre o mesmo fato: alguns instrumentos são fabricados em lascas de dimensões
maiores do que as maiores lascas coletadas no sítio. Novamente esse fato é mais
claramente perceptível no arenito.
90
80
70
60
larg (mm)
50 lascas
40 instrumentos
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
120
100
80
larg (mm)
lascas
60
instrumentos
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
150
Quanto à presença ou não de córtex, é possível perceber que, nas lascas
de sílex, aquelas que não possuem córtex (semc) predominam, concentrando-se
entre as que apresentam menores dimensões, mas também aparecendo entre as
maiores.
As lascas totalmente corticais aparecem em pequeno número (apenas três),
duas delas apresentando pequenas dimensões, enquanto a outra está entre as
maiores.
É possível perceber, também, um número significativo de lascas semi-
corticais e com apenas uma pequena reserva de córtex. Cinco lascas apresentam
dorso cortical.
70
60
semc
50
resr
larg (mm)
40 semi
30 cort
20 drso
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70 80
comp (mm)
151
Gráf. 4.1.23 - Córtex x dimensões (arenito)
70
60
50 cort
larg (mm)
40 drso
resr
30 semc
20 semi
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70
comp (mm)
Das nove lascas bipolares coletadas, oito são de arenito (sendo que a
menor mede 27 x 19 x 7 mm, e a maior 98 x 56 x 29 mm), e uma de siltito (51 x
32 x 14 mm). É possível notar que as dimensões de uma das maiores são
superiores aos instrumentos cujos suportes são lascas bipolares.
152
4.1.4.1.6 - Instrumentos não-modificados
153
4.1.4.1.8 - Instrumento modificado por picoteamento
5
O peso foi tomado sem distinção de camadas, ou seja, para todo o material do sítio. A porcentagem a que
esse peso corresponde refere-se, portanto, à totalidade do material encontrado no sítio.
6
Aqui o peso também foi tomado sem distinção entre as camadas, conforme nota anterior.
154
Tanto o sílex, como o arenito, foram utilizados na forma de seixo e de bloco,
sendo que o sílex aparece, ainda, em forma de nódulo. Para o arenito há um
maior uso do seixo, havendo presença de córtex desse tipo em um grande número
de lascas, assim como no único núcleo coletado. Já para o sílex podemos dizer
que o bloco predomina: apesar de o córtex de seixo estar presente em um número
maior de lascas, todos os três núcleos que apresentam córtex indicam origem de
bloco.
A lasca foi o tipo de suporte preferencialmente utilizado para a confecção
dos instrumentos retocados, sendo que no arenito aparece também a lasca
bipolar, enquanto no sílex é possível observar fragmento de matéria-prima e
núcleo sendo utilizados como suportes.
Várias lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas dos últimos
negativos que podem ser observados nos núcleos. Da mesma maneira, alguns
dos suportes utilizados são bem maiores que as lascas encontradas no sítio, o
que pode indicar que alguns núcleos maiores seriam trabalhados fora do sítio,
tendo sido levados para lá apenas as lascas que serviriam de suporte.
No entanto, a presença de lascas inteiramente corticais, e também as semi-
corticais, nos indica que a etapa inicial de debitagem, talvez utilizando núcleos um
pouco menores, acontecia no sítio, o mesmo ocorrendo com a etapa de debitagem
para a obtenção dos suportes.
O grande número de lascas sem córtex, principalmente com pequenas
dimensões, pode estar relacionado à atividade de retoque.
Algumas lascas com dorso cortical estão presentes na coleção, podendo
estar diretamente relacionadas aos instrumentos, também presentes, que
apresentam um ou dois dorsos.
As poucas lascas bipolares recolhidas apresentam dimensões suficientes
para servirem de suporte de instrumento, fato que ocorre no sítio (em relação ao
arenito).
Predominam no sítio UTFs transformativas em coche (com recorrência
sobre suportes com dorsos perpendiculares e adjacentes e suportes superfície
central plana) e UTFs transformativas retilíneas (com recorrência sobre suportes
155
não definidos). Os suportes predominantes são aqueles cuja estrutura apresenta
dois dorsos perpendiculares e adjacentes e aqueles que apresentam uma
superfície central plana.
156
4.1.4.2 Camada Inferior
A segunda camada do sítio Estiva 2 forneceu uma coleção de material lítico
composta por 351 peças, sendo que, em relação ao níveis artificiais, aparece
desde o nível 1 (0 – 10 cm) até o nível 25 (240 cm – 250 cm). Foram coletadas
três no nível 1; sete no nível 2; três no nível 3; uma no nível 4; duas no nível 6; oito
no nível 7; quatro no nível 8; duas no nível 9; cinco no nível 10; sete no nível 12;
42 no nível 13; 38 no nível 14; 44 no nível 15; 54 no nível 16; 25 no nível 17; 23
no nível 18; 20 no nível 19, 26 no nível 20; 14 no nível 21; oito no nível 22; oito no
nível 23, três no nível 24 e quatro no nível 25.
G r á f. 4 .1 .2 4 - D is t r ib u iç ã o p o r n ív e is
18
16
14
12
10
%
8
6
4
2
0
n1
n3
n5
n7
n9
5
n1
n1
n1
n1
n1
n2
n2
n2
157
4.1.25 - M atéria prima
0,57
arenito
45,3 quartzo
52,14 sílex
argilito
1,99
3,42 0,57
detr. unip.
detr. bip.
sup. m od. ret
sup. m od. pol.
ins tr ñ m od
93,45
158
4.1.4.2.1 Núcleos
Apenas três núcleos foram coletados (dois em sílex e apenas um em
arenito), que serão descritos a seguir:
ES2 2095 (arenito 1) – (93 x 80 x 50 mm) - Seixo onde foi utilizado uma de
suas superfícies corticais como plano de percussão (A), sendo que a partir dali foi
retirada pelo menos uma lasca (a1) com talão cortical, morfologia quadrangular e
dimensões de 50 x 70 mm. Seu negativo serviu de plano de percussão (B), a partir
de onde foram destacadas duas lascas (talão liso; morfologia triangular;
totalmente cortical, ou semi-cortical, e dimensões de 34 x 30 mm). Existe um
terceiro plano de percussão (C), de onde saíram lascas com talão liso, morfologia
quadrangular e dimensões de 65 x 60 mm (figuras 4.1.54 e 4.1.55).
Pela sua forma, esse núcleo poderia ser confundido com um discóide,
porém não apresenta suas principais características (cf. figura 2.7).
159
Em relação aos núcleos coletados, podemos perceber que o seixo é a
forma de apresentação encontrada, tanto no sílex como no arenito.
400
350
300
250
vl (cm³)
sílex
200
arenito
150
100
50
0
160
Gráf. 4.1.28 - Dimensões prováveis das lascas saídas
dos núcleos
80
60
larg (mm)
sílex
40
arenito
20
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
4
Pela curvatura que o córtex apresenta, é possível inferir as dimensões originais do seixo: 15 x 8 x 5 cm.
161
ES2 665 (sílex 1) – (36 x 26 x 10 mm) – Lasca seção trapezoidal, talão liso.
Apresenta um negativo anterior que abrange grande parte da face externa (UTFp).
É possível ver retoques diretos por toda a periferia da peça, com exceção da
extremidade proximal: no bordo esquerdo, os retoques são subparalelos, curtos,
semi-abruptos, formando um gume retilíneo (Pc convexo, 50o ; Pb retilíneo, 75o)
(UTFt1); no direito são escalariformes, curtos, abruptos, formando um gume
ligeiramente convexo (Pc retilíneo, 65o ; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2), enquanto que
na extremidade distal também são escalariformes, curtos, abruptos, formando um
outro gume retilíneo (Pc retilíneo, 80o ; Pb retilíneo, 85o) (UTFt3) (figuras 4.1.56b e
4.1.58).
162
paralelos, semi-abruptos, no bordo esquerdo, formando um gume retilíneo, micro-
denticulado (Pc retilíneo, 55o; Pb retilíneo, 65o) (UTFt). A crista formada na face
superior da lasca apresenta uma série de retiradas, provavelmente para retirar o
corte (UTFp) (figuras 4.1.56e e 4.1.61).
80
60
larg (mm)
arenito
40 sílex
20
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
163
Os suportes utilizados foram as lascas (inteiras ou fragmentadas).
4.1.4.2.3 Lascas
1,85
Gráf. 4.1.30 - Matéria-prima
sílex
arenito
44,31
quartzo
53,85
164
Quanto às dimensões dessas lascas, podemos perceber que o arenito
apresenta lascas com dimensões um pouco maiores que aquelas feitas em sílex
ou em quartzo.
165
Gráf. 4.1.37 - Comparação entre as dimensões das lascas e
dos negativos dos núcleos - sílex
80
70
60
larg (mm)
50 lascas
40
neg dos núcleos
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
80
60 lascas
larg (mm)
166
Gráf. 4.1.39 - Dimensões das lascas e dos instrumentos - arenito
80
70
60
larg (mm)
50 lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
80
70
60
50
larg (mm)
lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
167
Gráf. 4.1.41 - Córtex x dimensões (mm) - sílex
70
60
cort
50
drso
larg (mm)
40 resr
30 semc
20 semi
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
80
70
60 cort
50
larg (mm)
drso
40 resr
30 semc
20 semi
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70
comp (mm)
168
4.1.4.2.5 – Núcleos bipolares
Apenas dois núcleos bipolares foram coletados, um de arenito (64 x 49 x 42
mm), e outro de sílex (93 x 106 x 21 mm).
169
As lascas foram os únicos tipos de suportes utilizados para a confecção dos
instrumentos retocados. Elas são encontradas em dimensões compatíveis tanto
em relação às dimensões dos últimos negativos que podem ser observados nos
núcleos, como às dos suportes utilizados para a fabricação dos instrumentos, o
que pode indicar que a etapa de debitagem para a obtenção dos suportes era,
provavelmente, ali realizada.
A presença de lascas inteiramente corticais também nos leva a levantar a
hipótese que a etapa inicial de debitagem também acontecia no sítio (apesar de
terem sido recolhidas apenas um pequeno número desse tipo de lasca, o mesmo
acontecendo com as semi-corticais).
O grande número de lascas sem córtex, principalmente com pequenas
dimensões, pode estar relacionado à atividade de retoque.
Apesar de haver um número razoável de lascas com dorso cortical, nenhum
instrumento foi confeccionado sobre esse tipo de estrutura. Dos seis instrumentos
retocados coletados não é possível perceber nenhum destaque tanto em relação à
estrutura do suporte (havendo uma predominância daqueles confeccionados em
pequenas lacas, onde não foi possível definir a estrutura), nem quanto ao tipo de
retoque.
170
norte do sítio (aqui também não há coincidência do aparecimento dessas
matérias-primas com as sondagens mais densas em termos de peças) (cf, figuras
2.1.2a e 2.1.2d).
Em relação às categorias do material, é possível perceber que os núcleos e
os artefatos também se distribuem homogeneamente pelo sítio: nas sondagens
onde há maior concentração de material, há maior quantidade dessas categorias.
Isso acontece em ambas as camadas (cf. figuras 2.1.2b e 2.1.2e).
171
4.2 SÍTIO SÃO JOSÉ
O sítio arqueológico São José, a céu aberto, foi localizado por meio de
vistoria, na Fazenda São José. Situa-se a cerca de 420 m de distância do
Quilombo, rio principal mais próximo, em cota de 257m e coordenadas UTM 21
635 881E / 8 339 420N (cf. mapa 3.1).
O sítio São José está situado próximo à confluência do ribeirão Bom Jardim
com o rio Quilombo, a cerca de 340 m do ribeirão Bom Jardim. Em um raio de
5.000 m ao redor do sítio ocorrem seis cursos d’água de primeira ordem, um de
segunda, um de terceira e um rio de quarta ordem, totalizando 9 cursos d’água,
perfazendo 35,5 km de extensão (cf. figura 4.2.1). A densidade hidrográfica é
0,057, e a densidade de drenagem é 0,226. (cf quadro 4.3 e tabelas 4.1 e 4.2)
172
encontra-se distribuído por uma área de cerca de 51.000 m2, com materiais
localizados desde a superfície até 300 cm de profundidade, sendo que o
predomínio do material ocorreu nos níveis 19/20 e 22/23 cm.
Os perfis estratigráficos do sítio São José são constituídos por duas ou três
camadas, com presença de material arqueológico. A estratigrafia caracteriza-se
por apresentar textura arenosa em todas as camadas, contato entre as camadas
não nítido e possuir a cor como o elemento diferenciador. (cf. figura 4.2.2a)
A primeira foi dividida em até sete níveis artificiais de 10 cm. A segunda foi
dividida em até 15 níveis artificiais de 10 cm. Os demais níveis artificiais ocorrem
na camada três. A escavação foi interrompida por questão de segurança devido à
consistência do pacote sedimentar.
Para efeito do estudo do material foram definidas duas camadas: uma, mais
recente, onde aparece material cerâmico e lítico (abrangendo a camada 1 e parte
da 2 do perfil estratigráfico comentado acima), e outra mais antiga, mais profunda,
onde aparece apenas o material lítico (abrangendo parte da camada 2 e a camada
3) (cf. figura 4.2.3).
173
4.2.4 Análise do Material Lítico
4.2.4.1 Camada superior
40
30
%
20
10
0
sup n1 n2 n3 n4 n5 n6 n7 n8 n9 n10 n11 n12
7
Foram coletados 30 fragmentos cerâmicos, desde a superfície até os 120 cm de profundidade (sendo que a
maioria encontrava-se entre 10 e 20 cm). O antiplástico predominante é o cariapé B associado ao carvão, que
aparece em mais de 85% dos fragmentos. A queima varia de oxidante a redutora (com predomínio desta
última). Os fragmentos apresentam espessura de 5 mm a 12 mm, com média de 10,1 mm, sendo que a quase
totalidade encontra-se alisada (somente dois fragmentos apresentaram-se erodidos)
Não foram registrados fragmentos decorados, apenas três deles apresentam engobo de cor vermelha.
174
Gráf. 4.2.2 - M atéria prima
0,76
31,06
arenito
siltito
sílex
2,27 argilito
65,91
17,42
detrito unipolar
detrito bipolar
suporte modificado por retoque
instrumento não modificado
74,24
175
ocorre no siltito e arenito, enquanto que o polimento ocorre apenas no siltito e no
argilito.
4.2.4.1.1 Núcleo
O único núcleo coletado é descrito a seguir:
176
observar uma UTF transformativa composta por duas reentrâncias uma formada
por um único golpe,e outra formada por retoques diretos, curtos, abruptos, que
moldam um focinho (Pc convexo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt2).
177
por retoques diretos, curtos, abruptos formando um gume retilíneo (Pc retilíneo,
75o; Pb retilíneo, 85o) (UTFt2)
100
80
larg (mm)
60 arenito
40 sílex
20
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
178
Os suportes preferencialmente utilizados são as lascas (inteiras ou
fragmentadas) para o sílex, enquanto que no arenito, um instrumento utiliza lasca
e outro utiliza fragmento de matéria-prima. É possível perceber que aquele que
utiliza fragmento de matéria prima como suporte é o que apresenta dimensões
maiores.
100
80
larg (mm)
60 lasca
frag mp
40
20
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
4.2.4.1.3 Lascas
179
Gráf. 4.2.6 Matéria-prima
18,75
sílex
arenito
81,25
80
70
60
larg (mm)
50 arenito
40 sílex
30
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60 70
comp (mm)
180
Gráf. 4.2.8 - Dimensões das lascas e do negativo do núcleo
80
60
larg (mm) lasca
40 neg núcleo
20
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
80
60
larg (mm)
lasca
40
instrumento
20
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
181
Gráf. 4.2.10 - Dimensões das lascas e do instrumento (arenito)
80
70
60
larg (mm)
50
lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
A grande maioria das lascas não apresenta córtex, sendo que estas se
concentram entre as que apresentam as menores dimensões. No material
confeccionado em sílex aparecem apenas duas lascas com reserva cortical e mais
duas com dorso cortical.
80
70
60
larg (mm)
50 dorso
40 resr
30 sem crt
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
182
Gráf. 4.2.12 - Dimensões x córtex (arenito)
80
70
60
larg (mm)
50 sem crt
40 cort
30 dorso
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
50
40
arenito
larg (mm)
30
20 siltito
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
183
4.2.4.1.5 – Núcleos bipolares
184
As incisões das gravações caracterizam-se em pequenos sulcos, bem rasos, de
dimensões que não chegam a ½ milímetro de profundidade
8
O peso foi tomado sem distinção de camadas, ou seja, para todo o material do sítio. A porcentagem a que
esse peso corresponde refere-se, portanto, à totalidade do material encontrado no sítio.
9
Aqui o peso também foi tomado sem distinção entre as camadas, conforme nota anterior.
185
matéria-prima. Em ambas as matérias-primas há a presença de lascas que
apresentam dimensões superiores às dos suportes.
Todas as lascas de arenito apresentam comprimento inferior ao do negativo
encontrado no núcleo; porém, a largura de pelo menos quatro delas é superior à
do negativo. A grande maioria delas tem pequenas dimensões e não apresenta
córtex. Quatro lascas apresentam alguma porção de córtex: duas são inteiramente
corticais e duas têm dorso cortical.
A maioria das lascas de sílex também é pequena e sem córtex: apenas
duas apresentam pequena reserva cortical e outras duas têm o dorso cortical (é
bom lembrar que, apesar de apresentar a mesma quantidade de lascas corticais
que o arenito, isso implica em uma proporção bem menor, já que há cerca de
cinco vezes mais lascas de sílex).
A pouca quantidade de material indica que não houve muita atividade de
debitagem no sítio. A presença de núcleo e de lascas corticais pode levar a crer
que, em relação ao arenito, todas as etapas foram executadas no sítio
(ressaltando-se que em pequena escala). Já para o sílex o material (falta de
núcleo, de lascas corticais ou semi-corticais) parece mostrar que apenas os
suportes eram levados ao sítio, e ali eram retocados.
186
4.2.4.2 Camada inferior
20
15
%
10
0
n10
n11
n12
n13
n14
n15
n16
n17
n18
n19
n20
n21
n22
n23
n24
n25
n26
n27
n28
n29
n30
187
Gráf. 4.2.15 - matéria prima
43,46 arenito
quartzo
54,23 sílex
2,31
detrito unipolar
detrito bipolar
suporte modificado por retoque
92,7
188
4.2.4.2.1 Núcleo
O único núcleo coletado é descrito a seguir:
4.2.4.2.2 Instrumentos
Os 18 instrumentos retocados coletados (nove em arenito e nove em sílex)
são descritos a seguir:
189
- retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um gume
ligeiramente convexo na porção mesial do bordo esquerdo (Pc retilíneo, 65o; Pb
retilíneo, 65o) (UTFt5);
- retoques diretos, curtos, subparalelos, abruptos, formando uma
reentrância na porção distal do bordo esquerdo (Pc retilíneo, 40o; Pb retilíneo, 70o)
(UTFt6). Esta foi a última UTF realizada, interrompendo tanto a UTFt1 como a
UTFt5.
190
formam um ‘focinho (Pc côncavo, 75o)’; UTFt2, reentrância na parte proximal do
bordo direito parte proximal do bordo direito (Pc retilíneo, 60o; Pb retilíneo, 70o); e
UTF3, gume retilíneo na parte proximal do bordo esquerdo, formado por retoques
diretos, curtos, semi-abruptos, escalariformes (Pc retilíneo, 55o; Pb convexo, 75o).
191
retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um ‘focinho’ (Pc
côncavo, 50o; Pb côncavo, 65o) (UTFt).
192
SJ 454 (arenito 1) - (figuras 4.2.13c e 4.2.22) – (64 x 60 x 31 mm) - Lasca,
seção triangular. Apresenta, na face externa, quatro negativos vindos do mesmo
plano de percussão de onde saiu a presente lasca, e dois vindos de um plano de
percussão oposto, com um deles formando um dorso no bordo direito (UTFp). A
extremidade distal apresenta quatro negativos às custas da face interna, seguidos
por retoques inversos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, formando um bordo
levemente convexo (Pc convexo, 70o; Pb retilíneo, 60o) (UTFt1). A porção mesial
do bordo esquerdo apresenta retoques diretos, curtos, escalariformes, semi-
abruptos, formando um gume retilíneo (Pc retilíneo, 50o; Pb retilíneo, 75o) (UTFt2).
193
possível identificar um focinho na porção direita (Pc retilíneo, 65o; Pb retilíneo, 70o)
(UTFt1).
194
Alguns dos instrumentos coletados ainda mantêm uma porção de córtex.
Naqueles fabricados em sílex o córtex remete à forma de bloco; já para o arenito é
possível perceber a presença de córtex de seixo.
A qualidade da matéria-prima é boa (com granulação fina) em 11
instrumentos (pouco mais de 60 %), sendo que essa proporção é maior no arenito,
chegando a 66,7 %, e menor no sílex, onde pouco menos da metade apresenta
granulação mais grossa (45,5%).
Os instrumentos apresentam dimensões que variam de 22 a 99 mm de
comprimento, entre 22 e 60 mm de largura, e entre 9 e 43 mm de espessura.
Aqueles de sílex apresentam tanto as maiores como as menores, dimensões,
aparecendo nas extremidades do gráfico.
70
60
50
larg (mm)
40 arenito
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
195
Gráf. 4.2.18 - Dimensões x suporte
70
60
50
larg (mm)
40 frag mp
30 LASCA
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
4.2.4.2.3 Lascas
sílex
arenito
quartzo
43,34 54,58
196
Em relação às de arenito, 14 apresentam córtex, sendo 12 de seixo e duas
de bloco; já as de sílex, 21 apresentam córtex, sendo 11 de seixo e dez de bloco.
Uma lasca de quartzo apresenta córtex de seixo.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que em todas as
matérias-primas há bastante variação, sendo que o arenito é que apresenta as
maiores lascas .
197
Gráf. 4.2.26 - Dimensões das lascas e do negativo do núcleo
(sílex)
70
60
50
larg (mm)
40 lasca
30 neg nucleo
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
70
60
50
larg (mm)
40 lasca
30 instrumento
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
198
4.2.28 - Dimensões das lascas e dos instrumentos (sílex)
70
60
larg (mm) 50
40 lasca
30 instrumento
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
A maioria das lascas não apresenta córtex, sendo que estas se concentram
entre as que têm menores dimensões. No arenito aparecem apenas seis lascas
com alguma porção de córtex: uma com reserva, duas semi-corticais, uma
totalmente cortical e duas com dorso.
70
60
sem crt
50
larg (mm)
reserva crt
40
semi crt
30
cortical
20
dorso
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
199
No sílex, o número de lascas que apresenta alguma porção de córtex é um
pouco maior, mas aqui também apenas uma delas é totalmente cortical. É
possível perceber, também, a presença de quatro lascas com dorso cortical.
70
60 sem crt
50
larg (mm)
reserva
40
semi crt
30
20 cortical
10 dorso
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
200
A lasca foi o tipo de suporte utilizado para a confecção dos instrumentos
retocados: representa a totalidade no sílex, enquanto que no arenito aparece
fragmento de matéria-prima (sendo um dos suportes que apresentam maiores
dimensões). Enquanto que no arenito as dimensões dos suportes, em geral, não
ultrapassam as das maiores lascas, no sílex pelo menos 1/3 dos suportes
apresentam dimensões superiores às das maiores lascas.
Ainda em relação ao sílex, é possível perceber que grande parte das lascas
apresenta dimensões superiores às dos negativos encontrados no único núcleo
coletado.
A grande maioria delas tem pequenas dimensões e não apresenta córtex.
Apenas uma inteiramente cortical foi coletada, sendo possível ver, também, a
presença de quatro com dorso.
Esse fato se repete nas lascas de arenito, onde aparece um número ainda
menor de lascas com alguma porção de córtex, sendo possível destacar duas com
dorso e duas inteiramente corticais.
O material, aqui, parece indicar que as etapas iniciais do processo de
debitagem não eram realizadas no sítio, sendo provável que os suportes tenham
sido levados para lá, onde eram retocados. È interessante notar que esse sítio
apresenta um artefato plano convexo, além de outros dois ‘esboços’.
Predominam no sítio UTFs transformativas retilíneas (com recorrência
sobre suportes com superfície central plana e suportes com um dorso oposto) e
UTFs transformativas em coche (com recorrência sobre suportes com superfície
central plana). Há predominância de suportes cuja estrutura apresenta uma
superfície central plana.
201
A camada superior apresenta baixa densidade de material., sendo possível
perceber que ele se espalha mais ou menos homogeneamente, aparecendo uma
pequena concentração na extremidade leste, e outra, um pouco menor, na
extremidade oposta do sítio. Quando observamos o sílex, essas concentrações
parecem se manter, sendo que os instrumentos coletados aparecem ali: dois em
cada uma (figura 4.2.2b).
Já no arenito, a densidade diminui muito, desaparecendo essas
concentrações O único núcleo coletado aparece na extremidade sudoeste,
exatamente oposto aos dois instrumentos encontrados dessa matéria-prima.
(figura 4.2.2a).
Já a camada inferior apresenta-se mais densa, sendo que a maior
concentração aparece na extremidade leste do sítio, contendo o maior número de
instrumentos, enquanto que o único núcleo coletado aparece isolado na
extremidade oeste. Essa concentração se torna mais nítida quando observamos
apenas o material de arenito (figura 4.2.2d), e menos clara no material de sílex
(figura 4.2.2e), talvez pela presença do núcleo, o que pode ter levado ao aumento
do número de lascas dessa matéria-prima.
202
4.3 – SÍTIO PEDREIRA
203
4.3.2 - Atividades de Escavação
204
4.3.4 Análise do Material Lítico
O sítio Pedreira forneceu uma coleção de material lítico composta por 376
peças, sendo que o material foi coletado desde a superfície até o nível 4 (30-40
cm). Foram encontradas 242 peças na superfície, 110 no nível 1, sete no nível 2,
onze no nível 3 e seis no nível 4.
70
60
50
40
%
30
20
10
0
sup n1 n2 n3 n4
arenito
sílex
quartzo
90,11
205
Em relação ao peso geral desse material, o arenito é o mais representativo,
com 50.955 g, representando 83,86% do geral do material do sítio, seguido do
sílex, com 9.765 g, representando 16,07% e do quartzo 45 g, representando
0,07%.
arenito
sílex
quartzo
83,86
1,87
Gráf. 4.3.4 -Classe
3,72
11,96
detrito unipolar
detrito bipolar
suporte modificado por retoque
instrumento não-modificado
82,45
206
aparecem em pequeno número e se reduzem à percussão unipolar.
4.3.4.1 Núcleos
Os dez núcleos coletados (três em sílex e sete em arenito) são descritos a
seguir:
PE 592 (arenito 1) – (113 x 73 x 90) – Núcleo com reserva cortical (seixo),
apresentando três planos de percussão (A, B e C). Do plano A foram retiradas
sete lascas (sendo utilizado dois planos de debitagem), todas com talão liso,
morfologia variada (triangular, quadrangular), e dimensões máximas de 60 x 50
mm. A partir do plano B (adjacente ao A) foram destacadas quatro lascas, todas
com talão liso, algumas podendo apresentar córtex na face externa, morfologia
variada (subcircular, quadrangular), e dimensões máximas de 80 x 60 mm, sendo
que um dos negativos foi utilizado como novo plano de percussão (C), tendo sido,
a partir dali, retirada duas lascas (talão liso, morfologia quadrangular, dimensões
de 40 x 40 mm), que utilizam um dos planos de debitagem do plano de percussão
A.
PE 442 (arenito 2) – (105 x 68 x 80) – Núcleo com uma das faces coberta
por córtex (bloco). Apresenta três planos de percussão (A, B e C), sendo que do
plano A foram retiradas duas lascas (a1 e a2), ambas com talão liso, morfologia
quadrangular e subcircular, dimensões máximas de 75 x 50 mm, sendo que a2
apresentaria córtex na face externa. O negativo de a1 serviu de novo plano de
percussão (B), tendo sido retirada apenas uma pequena lasca (talão liso, forma
circular, medindo 25 x 30 mm), o mesmo acontecendo com o negativo de a2
(plano C), que utiliza a superfície A como plano de debitagem, tendo sido
destacada apenas uma pequena lasca (talão liso, forma quadrangular, medindo 27
x 37 mm) (figura 4.3.3).
207
PE 307 (sílex 2) – (105 x 98 x 77) – Núcleo sobre lasca espessa. A face
interna de uma lasca serviu de plano de percussão (A), a partir de onde foram
retiradas cinco lascas (todas apresentando talão liso, forma quadrangular e
dimensões máximas de 60 x 45 mm) (figura 4.3.4).
PE 306 (sílex 2) - (92 x 71 x 75) – Seixo mantendo córtex por toda a sua
periferia. Foram abertos dois planos de percussão (A e B) opostos, sendo que
para isso foram retiradas duas lascas iniciais, uma em cada extremidade, com
dimensões aproximadas de 85 x 90 mm. A partir do plano A foram retiradas três
lascas, todas com talão liso, forma triangular e quadrangular, e dimensões
máximas de 45 x 45 mm. Do plano B foram destacadas duas lascas com
características semelhantes às anteriores, que utilizaram o mesmo plano de
debitagem (figura 4.3.7).
208
PE 580 (sílex 2) - (130 x 120 x 90) – Seixo mantendo ainda uma reserva de
córtex. O seixo foi aberto, por percussão direta, formando um plano de percussão
(A), a partir de onde foram retiradas pelo menos duas lascas, que teriam talão liso,
forma quadrangular, dimensões de 85 x 80 mm e apresentariam córtex na face
externa. Adjacente ao plano A aparece um outro (B), tendo sido retiradas mais
duas lascas, ambas com talão cortical e face externa também apresentando
córtex, forma quadrangular e dimensões de 90 x 60 mm.
209
A partir de um terceiro negativo (a3) foram destacadas mais duas lascas
(talão liso, forma quadrangular, e dimensões de 40 x 40 mm), sendo que um deles
foi utilizado como novo plano de percussão, tendo sido, a partir dali, retirada mais
uma lasca (talão liso, forma triangular, dimensões de 40 x 43 mm). Apesar de o
núcleo apresentar uma forma discóide, ele não apresenta as características desse
tipo (cf. figura 2.7) (figura 4.3.9).
1600
1400
1200
1000
vl (cm³)
arenito
800
sílex
600
400
200
0
210
Metade deles apresenta dois planos de percussão, sendo que, em geral,
foram retiradas de duas a três lascas a partir de cada um desses planos.
100
80
larg (mm)
60 arenito
sílex
40
20
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
211
PE 272 (arenito 1) - (97 x 114 x 41 mm) - Fragmento de lasca, seção
trapezoidal, reserva de córtex (seixo) no bordo direito e em parte da extremidade
distal. A face externa apresenta negativos de retiradas por todo o resto da peça,
todas feitas após a retirada da lasca. No bordo direito é possível perceber duas
sequências de retiradas, a primeira, mais longa e larga, com o provável objetivo de
afinar a peça, e a segunda formada por retoques diretos, longos, subparalelos,
semi-abruptos. É possível observar três UTFs transformativas: uma na
extremidade distal do bordo, formando um gume denticulado irregular (Pc
côncavo, 55o, Pb retilíneo, 70o), outra na porção mesial, formando um gume
ligeiramente convexo (Pc côncavo, 50o, Pb convexo, 60o), e a terceira na porção
proximal, onde foi criada uma reentrância (Pc côncavo, 55o, Pb côncavo, 70o).
Ainda na face externa é possível perceber um negativo, paralelo à face interna,
vindo do mesmo plano de percussão utilizado para a retirada da lasca, forma uma
UTF preensiva (figuras 4.3.10 e 4.3.16).
212
negativos de retiradas vindas da face interna, que são seguidas por retoques
diretos, curtos, abruptos, e formam, junto com o negativo (2) descrito
anteriormente, uma UTF preensiva. A extremidade distal apresenta um negativo
vindo da superfície cortical do bordo esquerdo, estando obliquo ao plano de
percussão da lasca. É possível ver, ainda na extremidade distal, uma retirada
anterior (0) e duas retiradas menores vindas da face interna, seguidas por
retoques diretos, curtos, subparalelos, semi-abruptos, que formam um bico (Pc
côncavo, 60o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt) (figuras 4.3.13 e 4.3.18).
213
PE 532 (arenito 2) - (81 x 57 x 35 mm) - Fragmento de matéria-prima, seção
trapezoidal, com reserva cortical (seixo). Em um dos bordos é possível perceber
um negativo vindo da superfície plana, seguido por um retoque curto e abrupto,
formando uma reentrância (Pc côncavo, 60o) (UTFt) (figuras 4.3.15b e 4.3.20).
arenito 1
arenito 2
214
Gráf. 4.3.9 - Dimensões dos instrumentos
200
150
larg (mm)
100
50
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)
200
150
larg (mm)
lasca
100
frag mp
50
0
0 50 100 150
comp (mm)
4.3.4.3 Lascas
6,35
arenito
sílex
93,65
216
Gráf. 4.3.12 Gráf. 4.3.13
217
Algumas lascas apresentam dimensões muito superiores àquelas
encontradas nos negativos do núcleo, sendo esse fato mais claramente
perceptível no material em arenito (no sílex acontece só um caso desses).
140
120
100
larg (mm)
neg núcleo
80
60 lasca
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
120
100
80
larg (mm)
lasca
60
neg núcleo
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
218
Gráf. 4.3.19 - Dimensões das lascas e dos instrumentos -
arenito
180
160
140
120
larg (mm)
100 lasca
80 instrumento
60
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
140
120
sem cr
100
larg (mm)
resr
80
semi
60
cortical
40
dorso
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
219
maiores dimensões. Aqui não são encontradas lascas com dorso cortical.
120
100
80 sem cr
larg (mm)
resr
60
semi
40 cortical
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
220
Gráf. 4.3.22Dimensões das lascas bipolares
60
50
40 arenito
larg (mm)
quartzo
30
sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
120
100
80
larg (mm)
arenito
60
sílex
40
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
221
Os percutores (onze de arenito e dois de sílex), são sumariamente descritos
a seguir:
- Seixo oval de arenito medindo 93 mm X 56 mm X 39 m e pesando
225 g. Apresenta desgaste nas extremidades e em quase toda parte lateral;
- Seixo oval de arenito medindo 69 mm X 50 mm X 38 mm e pesando
175 g. Apresenta desgaste nas duas extremidades;
- Seixo arredondado de arenito medindo 87 mm X 85 mm X 51 mm e
pesando 410 g. Apresenta desgaste em ambas as faces e em toda lateral;
- Seixo alongado de arenito medindo 96 mm X 56 mm X 50 mm e
pesando 360 g. Uma de suas laterais apresenta-se bastante desgastada pelo uso;
- Seixo oval de arenito medindo 56 mm X 46 mm X 22 mm e pesando
65 g. Apresenta desgaste em toda parte lateral;
- Seixo alongado de arenito medindo 79 mm X 44 mm X 33 mm, e
pesando 155 g. Apresenta pouco desgaste em uma das extremidades e manchas
vermelhas em uma das faces;
- Seixo oval de arenito medindo 58 mm X 51 mm X 38 mm e pesando
145 g. Apresenta desgaste em uma das extremidades;
- Seixo alongado de arenito medindo 97 mm X 54 mm X 46 mm, e
pesando 310 g. Apresenta desgaste em uma das extremidades, sendo que a outra
apresenta-se fragmentada, provavelmente pelo intenso uso;
- Fragmento de seixo apresentando desgaste em uma das
extremidades;
- Seixo arredondado de arenito medindo 96 mm X 53 mm X 44 mm e
pesando 350 g. Apresenta desgastes nas extremidades e no centro.
- Seixo arredondado de arenito medindo 133 mm x 95 mm x 61 mm e
pesando 1.200 g. Apresenta marcas de utilização, na porção central de uma de
suas faces e nas extremidades, o que o caracterizou como percutor.
- Seixo oval de sílex medindo 87 mm x 52 mm x 34 mm e pesando 185
g. Apresenta desgaste nas duas extremidades;
- Seixo alongado de sílex medindo 76 mm x 38 mm x 23 mm e
pesando 90 g. Apresenta desgastes nas extremidades e em uma das laterais;
222
Gráf. 4.3.24 - Percutor - dimensões
100
80
larg (mm)
60 arenito
40 sílex
20
0
0 50 100 150
comp (mm)
1400
1200
1000
vl (cm³)
800 arenito
600 sílex
400
200
0
0 200 400 600 800 1000
peso (g)
223
4.3.4.7 Fragmentos de lasca unipolares
224
Várias lascas apresentam dimensões muito superiores àqueles dos últimos
negativos que podem ser observados nos núcleos; em relação aos suportes dos
instrumentos, as maiores delas apresentam praticamente as mesmas dimensões.
225
4.4 – SÍTIO BURITI
226
estratégia foi possível constatar a pouca espessura de sedimento arqueológico e a
boa visibilidade do material localizado, principalmente, na superfície, uma vez que
a vegetação, quando existia, era extremamente rala. Por isto foi realizado um
quadriculamento geral da área em quadrantes de 100 m2, perfazendo um total de
126 quadrantes, sendo que 35 delas apresentaram material lítico (cf. figura 4.4.2).
A área do sítio é de cerca de 12.200 m2, com materiais localizados desde a
superfície até 20 cm de profundidade. No entanto, o predomínio do material
ocorreu no nível 0/10 cm.
O único material arqueológico encontrado nesse sítio foi o lítico, com 134
peças.
227
4.4.4 Análise do Material Lítico
O sito Buriti forneceu uma coleção de material lítico composto por 134
peças, sendo que todo o material foi coletado praticamente somente na superfície
e no nível 1.
44,04 arenito
quartzo
52,98
sílex
2,98
228
Gráf. 4.4.2 - Matéria prima - peso
0,41
27,97
arenito
sílex
quartzo
71,62
detrito unipolar
detrito bipolar
51,11 suporte modificado por retoque
36,3 instrumento não modificado
229
4.4.4.1 Núcleo
Os três núcleos (um de sílex e dois de arenito) são descritos a seguir:
230
BU 68 (arenito 1) – (figuras 4.4.3a e 4.4.6) - (109 x 87 x 35 mm) -
Fragmento de seixo com seção triangular. Apresenta grande quantidade de
negativos de retiradas anteriores ao destacamento da lasca, vindos de, pelo
menos, dois planos de percussão distintos. Na extremidade distal apresenta
retoques diretos, curtos e longos, escalariforme, abruptos, que reforçam um gume
retilíneo (Pc retilíneo, 70o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt1). No bordo esquerdo aparecem
retoques diretos, curtos, escalariformes, abruptos, formando outro gume retilíneo
(Pc retilíneo, 60o, Pb convexo, 75o) (UTFt2).
231
BU 149 (sílex 1) - (figuras 4.4.4a e 4.4.9) – (70 x 57 x 23 mm) - Fragmento
de lasca, seção triangular. Apresenta dois negativos na face externa, anteriores à
retirada da lasca, sendo que um deles vem do mesmo plano de percussão (do
outro não foi possível identificar a origem). O bordo direito apresenta retoques
inversos, contínuos, paralelos, curtos, semi-abruptos, formando um gume retilíneo
denticulado (Pc convexo, 70o). O bordo esquerdo apresenta uma série de
negativos, diretos, curtos e longos, paralelos, semi-abruptos, formando um
‘focinho’ (Pc côncavo, 55o, Pb retilíneo, 75o) (UTFt1). (UTFt2).
232
outra há um negativo que abrange toda a sua extensão; enquanto que na terceira
é possível perceber pelo menos três negativos, vindos todos da face cortical,
seguido por retoques curtos, abruptos, escalariformes, que formam um gume
ligeiramente convexo (Pc retilíneo, 55o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt).
233
BU 143 (sílex 1) - (figura 4.4.5e) – (40 x 36 x 8 mm) - Ponta fragmentada
por flexão. Apresenta uma sequência de façonnage por toda a periferia, em ambas
as faces, seguida por uma de retoque bifaciais, curtos, semi-abruptos,
subparalelos, mantendo um ângulo de 50o, em média.
100
80
larg (mm)
60 sílex
arenito
40 quartzo
20
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
234
Os suportes preferencialmente utilizados para a confecção dos
instrumentos de sílex são as lascas (inteiras ou fragmentadas), sendo que
aparece, ainda, um fragmento de matéria-prima. Já no arenito cada instrumento é
sobre um suporte: fragmento de matéria-prima, lasca e lâmina. A única peça de
quartzo é sobre fragmento de matéria prima. Não é possível perceber nenhuma
relação entre suporte e dimensões.
100
80
lasca
larg (mm)
60
lâmina
40
frag mp
20
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
235
4.5.4.3 Lascas
sílex
31,25 arenito
quartzo
65,63
236
Gráf. 4.4.7 - Dimensões das lascas
70
60
50
larg (mm)
arenito
40
sílex
30
quartzo
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
70
60
50
lascas
larg (mm)
40
neg núcleo
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
237
Gráf. 4.4.9 - Dimensões das lascas e dos negativos dos núcleos -
sílex
45
40
35
30
larg (mm)
25 lasca
20 neg nucleos
15
10
5
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
80
larg (mm)
60 instrumento
40 lasca
20
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
238
No quartzo o único instrumento tem praticamente o dobro das duas únicas
lascas encontradas.
25
20
larg (mm)
lasca
15
instrumento
10
0
0 10 20 30 40
comp (mm)
G rá f. 4.4 .1 1 - D im e n s õ e s d a s las c as e d o s
in s tru m e n to s - s íle x
60
50
larg (mm)
40
in s tru m en to
30
20 la sc a
10
0
0 20 40 60 80
c om p (m m )
239
A maioria das lascas não apresenta córtex, sendo que no sílex aparece,
além desse tipo, apenas uma com pequena reserva cortical.
50
40
larg (mm)
30 sem crtx
20 reser. cort
10
0
0 10 20 30 40 50 60
comp (mm)
70
60
sem crtx
50
larg (mm)
reser. cort
40
30 semi cort
20 tot. cort.
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
240
4.4.4.4 Lascas bipolares
arenito
quartzo
sílex
91,02
70
60
50
arenito
larg (mm)
40
quartzo
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100 120
comp (mm)
241
4.4.4.5 – Núcleos bipolares
12
arenito
sílex
88
70
60
50
larg (mm)
40 arenito
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
242
4.4.4.6 Instrumentos não-modificados
300
250
200
peso (g)
150
100
50
0
0 50 100 150 200 250 300
vl (cm³
243
4.4.4.7 Fragmentos de lascas unipolares
244
alguns suportes que são bem maiores que as lascas encontradas no sítio (apenas
cinco lascas apresentam dimensões superiores a da mediana dos instrumentos).
A grande maioria das lascas não apresenta córtex: em toda a coleção
aparece apenas uma lasca totalmente cortical e outra semi-cortical (ambas de
arenito). Isso pode indicar (apesar da presença de alguns núcleos) que as etapas
iniciais de debitagem não ocorriam no sítio. Já a etapa de retoque parece estar
presente.
É interessante notar que a qualidade da matéria-prima é boa em todos os
instrumentos, assim como nos núcleos, demonstrando, pelo menos nesse sítio,
certa preocupação com esse fator (vale lembrar que foi coletado uma ponta
fragmentada, sendo que esse tipo de instrumento geralmente é feito em matérias-
primas de boa qualidade).
Predominam no sítio UTFs transformativas retilíneas, com recorrência
apenas sobre suportes com uma superfície central plana, esses últimos
predominam no conjunto do material.
245
fato de dois dos três núcleos coletados (um em sílex, outro em arenito) aparecem
em quadrantes contíguos (cf. figura 4.4.2b).
246
4.5 SÍTIO LAJE
10
No princípio da escavação, as sondagens foram abertas a intervalos de 10 m. No entanto, constatando-se as
247
ainda, uma área de 525 m2 para a realização de coleta de superfície. (cf. figura
4.5.2)
248
A segunda camada possui a mesma cor que a primeira, porém apresenta
fragmentos de até 10 cm de rocha alterada do embasamento (fititos e siltitos
foleados). Esporadicamente, observam-se, nesta camada, seixos rolados
alinhados, podendo representar influência fluvial nesta porção do sítio. Essa
camada limita-se pelo embasamento rochoso que se encontra parcialmente
alterado com fragmentos que se interpenetram no solo com material arqueológico.
249
4.5.4 Análise do Material Lítico
O sítio Laje forneceu uma coleção de material lítico composta por 441
peças, coletadas desde a superfície até o nível 8 (70-80 cm). Foram encontradas
198 peças na superfície; 122 no nível 1; 36 no nível 2; 31 no nível 3; 25 no nível 4;
20 no nível 5; quatro no nível 6; três no nível 7 e duas no nível 8. Percebe-se que
mais de 72% do material encontra-se até os 10 primeiros centimetros de
profundidade.
50
40
30
%
20
10
0
sup n1 n2 n3 n4 n5 n6 n7 n8
250
Gráf. 4.5.2 - M atéria prima
0,23
36,96 arenito
quartzo
sílex
62,36 magnetita
0,45
251
Gráf. 4.5.4 -Classes de material
6,8 1,13
detrito unipolar
detrito bipolar
32,2
suporte modificado por retoque
59,86 instrumento não modificado
4.5.4.1 Núcleo
252
comprimento. Na extremidade distal é possível observar três retiradas, sendo que
uma delas forma um gume côncavo (Pc côncavo, 60o) (UTFt1); as outras duas são
seguidas por retoques diretos, curtos e longos, escalariformes, abruptos, formando
um gume convexo (Pc retilíneo, 80o; Pb côncavo, 80o) (UTFt2). No bordo esquerdo
existem retoques diretos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, à custa da
superfície corticas, formando uma reentrância (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 60o)
(UTFt3) (figuras 4.5.3a e 4.5.36).
253
primeira formada por um gume convexo na extremidade distal da peça (Pc
convexo, 65/70o; Pb retilíneo, 80o); a segunda formando uma reentrância na
porção mesial do bordo direito (Pc retilíneo, 45o; Pb retilíneo, 75o) (figuras 4.5.3c e
4.5.9).
254
além de três negativos de retiradas anteriores ao destacamento da lasca, uma
delas paralela ao eixo de debitagem. Também é possível perceber que um
negativo na porção distal do bordo esquerdo, realizado após o destacamento da
lasca, forma um gume côncavo (Pc retilíneo, 50o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt) (figuras
4.5.4c e 4.5.12).
255
LJ 361 (sílex 2) – (74 x 30 x 20 mm) - Fragmento de lasca, seção
trapezoidal. A face externa apresenta um negativo paralelo ao eixo de debitagem
da lasca. É possível observar duas sequências de retoques por toda a
extremidade distal e parte do bordo direito: a primeira com retoques diretos,
contínuos, longos, paralelos, abruptos; a segunda com retoques diretos,
descontínuos curtos, abruptos subparalelos, formando um gume convexo (Pc
retilíneo, 70o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt) (figuras 4.5.6a e 4.5.16).
256
- UTFt1, na porção distal do bordo esquerdo, com a segunda sequencia de
retoques curtos, abruptos, subparalelos, avançam pela extremidade distal e
formam um gume convexo (Pc convexo, 65o, Pb retilíneo, 80o);
- UTFt2, na porção mesial do bordo esquerdo, onde retoques curtos, semi-
abruptos, subparalelos, formam um gume retilíneo (Pc côncavo, 60o, Pb retilíneo,
55o);
- UTFt3, na porção distal do bordo direito, com retoques curtos, semi-
abruptos, subparalelos, formando um outro convexo (Pc côncavo, 65o, Pb
retilíneo, 70o).
257
retoques diretos, curtos, abruptos, subparalelos, formando um gume retilíneo (Pc
retilíneo, 75o) (UTFt2) (figuras 4.5.7b e 4.5.21).
258
negativos anteriores à retirada da lasca, vindos de diferentes planos de percussão.
O bordo esquerdo apresenta um gume retilíneo natural, reforçado por retoques
diretos, curtos, escalariformes, abruptos (Pc retilíneo, 60o; Pb retilíneo, 75o)
(UTFt1); no direito há um negativo de retirada relativamente grande na porção
proximal formando uma reentrância (Pc côncavo, 65o; Pb retilíneo, 80o) (UTFt2) e,
adjacente a ele, é possível observar retoques diretos, curtos, abruptos,
escalariformes, formando uma UTF preensiva (figuras 4.5.7f e 4.5.25).
259
semi-abruptos e escalariformes, formando um gume irregular, denticulado (Pc
convexo, 40o, Pb retilíneo, 65o) (UTFt2) (figura 4.5.28).
260
LJ 182 (arenito 2) – (47 x 46 x 14 mm) - Fragmento de lasca, seção
trapezoidal. A face externa apresenta três negativos vindos do mesmo plano de
percussão utilizado para a retirada da lasca. No bordo direito é possível perceber
retoques diretos, curtos, semi-abruptos, subparalelos, formando um gume
denticulado irregular (Pc convexo, 40o; Pb retilíneo, 60o) (UTFt) (figura 4.5.33).
arenito 1 sílex 1
arenito 2 sílex 2
261
Os instrumentos apresentam dimensões bastante variadas: o maior
comprimento atinge 81 mm, a maior largura chega a 65 mm, enquanto a
espessura vai até 37 mm, sendo que aqueles de arenito se mostram um pouco
mais largos e espessos do que aqueles feitos em sílex.
70
60
50
larg (mm)
40 arenito
30 sílex
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
70
60
50
larg (mm)
40 frag mp
lasca
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
262
Os instrumentos podem apresentar seções tanto trapezoidal
(predominantemente) como triangular ou elipsoidal, sendo que esta última aparece
em apenas um instrumentos.
4.5.4.3 Lascas
0,38
Gráf. 4.5.9 - Matéria-prima
sílex
arenito
46,53 quartzo
53,05
263
Em relação às de arenito, 59 apresentam córtex, sendo 58 de seixo e uma
de bloco; já as de sílex 22 apresentam córtex, sendo 21 de seixo e apenas uma de
nódulo.
Quanto às dimensões das lascas, podemos perceber que as de arenito e as
de sílex apresentam dimensões que variam semelhantemente, enquanto que a de
quartzo apresenta dimensões menores.
264
A grande maioria das lascas de arenito apresenta dimensões muito
superiores àquelas encontradas nos negativos do único núcleo coletado no sítio.
80
70
60
larg (mm)
50
lasca
40
neg núcleo
30
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
80
70
60
larg (mm)
50
lasca
40
instrumento
30
20
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
265
Gráf. 4.5.18 - Dimensões das lascas e dos instrumentos - sílex
60
50
40
larg (mm)
lasca
30
instrumento
20
10
0
0 20 40 60 80
comp (mm)
1,04
arenito
quartzo
sílex
96,87
266
Gráf. 4.5.20 - Dimensões das lascas bipolares
60
50
40
areniyo
larg (mm)
30 quartzo
20 sílex
10
0
0 20 40 60 80 100
comp (mm)
100
80
larg (mm)
60
40
20
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)
267
4.5.4.6 - Instrumentos não-modificados
Foram coletados cinco instrumentos nesta categoria: sendo um do tipo
bigorna três do tipo percutor, todos em arenito, além de uma peça duvidosa, em
magnetita
A bigorna mede 65 mm x 60 mm x 42 mm e pesa 240 g.
Quanto aos percutores, um, em seixo de forma oval, apresenta desgaste
em uma das extremidades e no centro. Mede 63 mm X 51 mm X 42 mm e
pesa190 g. Outros dois percutores encontram-se fragmentados.
A peça em magnetita apresenta nítidas ranhuras em um sentido, podendo
ser um polidor. Também poderia ter sido raspado e servido de matéria-prima para
corante, já que produz riscos uma cor avermelhada.
268
O sílex como o arenito foram utilizados na forma de seixo e de bloco, sendo
que o sílex aparece, ainda, em forma de nódulo. Para o arenito há um maior uso
do seixo, havendo presença de córtex desse tipo em um grande número de
lascas. Já para o sílex, nas lascas há o predomínio do seixo, enquanto que os
instrumentos que apresentam córtex remetem ao uso do bloco (isso poderia
levantar a questão de o sílex de bloco ser trabalhado fora do sítio, sendo levado
para lá apenas os instrumentos acabados).
A lasca foi o tipo de suporte preferencialmente utilizado: é o único tipo que
aparece no sílex, enquanto que no arenito aparece, também, o fragmento de
matéria-prima.
Muitas lascas de arenito apresentam dimensões superiores àquelas
encontradas nos negativos do único núcleo coletado. As maiores lascas têm
dimensões praticamente coincidentes com as dos suportes utilizados para a
confecção dos instrumentos. Já alguns instrumentos confeccionados em sílex
apresentam dimensões superiores às das maiores lascas encontradas no sítio.
Ainda em relação à essa matéria-prima, as lascas sem córtex são a grande
maioria, havendo, também, um números significativo daquelas com uma pequena
reserva cortical, sendo que ambos os tipos apresentam as mais variadas
dimensões (fato que segue na direção de o sílex ter sido, pelo menos nas etapas
iniciais de debitagem, trabalhado fora do sítio).
Já em relação ao arenito, as lascas sem córtex continuam sendo maioria,
porém não de forma tão ampla: é possível perceber um maior número de lascas
totalmente e semi-corticais, além daquelas que apresentam dorso. Isso pode
indicar que as atividades de debitagem, desde o seu início, fossem realizadas no
sítio (ressalvando-se o fato de apenas um único núcleo ter sido coletado).
É interessante notar que algumas lascas com dorso cortical, principalmente
de arenito, estão presentes na coleção, podendo estar diretamente relacionadas
aos instrumentos, também presentes, que apresentam dorso desse tipo.
Há uma grande quantidade de material bipolar de arenito que, ao que
parece, não foi utilizado para a confecção dos instrumento. Talvez tenham servido
para abertura de seixo ou para teste de matéria-prima.
269
Predominam no sítio UTFs transformativas em coche e UTFs
transformativas retilíneas (ambas com recorrência sobre suportes com superfície
central plana). Os suportes predominantes são aqueles cuja estrutura apresenta
uma superfície central.
270
4.6 RESUMO DA ANÁLISE
Matéria-prim a x sítio
100
90
80 arenito
70 sílex
60 quartzo
50
%
argilito
40
30 siltito
20 magnetita
10 0,23
0
Es2 - c1 Es2 - c2 SJ - c1 SJ - c2 Pe Bu Lj
271
Form a de trabalho do m aterial x sítio
100
90
80
70 unipolar
60 bipolar
50
%
polido/picoteado
40
30 não-modificado
20
10
0
Es2 - c1 Es2 - c2 SJ - c1 SJ - c2 Pe Bu Lj
272
Instrumento retocado x matéria-prima
0,84
40,34
sílex
arenito
quartzo
58,82
35
30
25 arenito
20
sílex
15
10 quartzo
5
0
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe
273
Matéria-prima x sítio (instrumentos)
100%
80%
quartzo
60%
sílex
40%
arenito
20%
0%
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe
30
25
20
mp boa
15
mp ruim
10
5
0
Lj Bu Sj c1 Sj c2 Est2 c1 Est2 c2 Pe
100%
274
Os instrumentos encontrados no Pedreira são os que apresentam as
maiores dimensões. É possível observar, também, que alguns poucos
coletados na camada superior do Estiva 2 apresentam larguras avantajadas
180
160 Buriti
140 Estiva2 - sup
120
Estiva2 - inf
larg (mm)
100
Laje
80
Pedreira
60
40 São José - sup
20 São José - inf
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)
180
160
140
120
larg (mm)
arenito
100
quartzo
80
60 sílex
40
20
0
0 20 40 60 80 100 120 140
comp (mm)
275
Esses instrumentos foram organizados em tecno-tipos, definidos pelo
cruzamento da estrutura do suporte com o tipo de retoque (cf. ‘Convenções’ –
volume 2). Isoladamente, a UTF que mais aparece é o retilíneo, seguido pela
coche
Tipos de retoque
3,37%
coche
11,24% 28,65%
coche dupla
convexo
retilíneo
35,96% 7,30%
focinho
13,48% bisel
276
As estruturas com um dorso e as com superfície foram as únicas que
receberam todos os tipos de retoques. As com um dorso recebem,
preferencialmente, retoques retilíneos, enquanto os suportes não definidos (em
geral pequenas lascas) recebem mais o retoque retilíneo e a coche (aquelas
com dois dorsos paralelos aparecem em pequeno número e receberam só dois
tios de retoques).
90
80
70
60
50 coche
%
40
30 c. dupla
20 convexo
10
0 retilíneo
)
focinho
)
0)
)
3)
2)
=2
46
=5
=3
=4
=5
(n
n=
(n
(n
(n
(n
bisel
e
j(
//
ad
f.
o
e
ad
os
de
rs
ci
id
rfí
rs
do
os
o
do
pe
nã
tre
rs
su
do
ex
2
Já quanto aos retoques também não foi possível tirar muitas relações: o
retoque em focinho utiliza a menor variedade de estruturas, enquanto é
possível ver que o convexo preferencialmente é feito em estruturas que
apresentam uma superfície (o mesmo acontecendo com o bisel, porém esse
tipo aparece em pequena quantidade), e a coche dupla em estruturas não
identificadas.
90
80
70
2 dorsos adj
60 1 dorso
50 2 dorsos //
%
40 superfície
30 extremidade
não def.
20
10
0
coche c. dupla convexo retilíneo nariz bisel (n=6)
(n=51) (n=13) (n=24) (n=64) (n=20)
277
A relação entre tipo de retoque e matéria-prima, não é muito evidente:
há apenas uma pequena preferência de retoques retilíneos e em focinho no
sílex, e de retoques convexos no arenito.
45
40
35
30
25 arenito
%
20 sílex
15
10
5
0
eo
a
l
e
o
o
se
pl
ch
nh
ex
ín
bi
du
co
til
nv
ci
re
fo
c.
co
45
40
35
30
25 arenito
%
20 sílex
15
10
5
0
.
j
//
ie
id
e
ad
rs
ad
os
íc
o
do
os
rf
id
nã
rs
pe
em
rs
do
1
su
do
tr
2
ex
2
278
A distribuição por sítios mostra que as UTFs retilíneas e em coche
predominam (cf quadros 4.11 e 4.12).
As primeiras aparecem associadas, predominantemente, tanto com
estruturas que apresentam um dorso oposto (caso de ambas as camadas do
Sítio São José), superfícies centrais (São José, camada inferior, Buriti e Laje),
como a suportes com estrutura não definida (camada superior do Estiva 2).
Á as coches aparecem associadas predominantemente às estruturas
que apresentam dois dorsos adjacentes (camada superior do Estiva 2) e
estruturas com superfície central (Pedreira e Laje).
279
CONSIDERAÇÕES FINAIS
280
Esse quadro foi elaborado, seguindo uma perspectiva histórico-cultural, a
partir principalmente da tipologia dos instrumentos. Apesar de a tipologia ser uma
poderosa ferramenta de descrição, permitir a síntese de dados em uma escala
regional e oferecer métodos para investigar áreas desconhecidas, ela pode ser
alvo de várias críticas: a principal é que, levando-se em conta apenas o
instrumento acabado, ou seja, apenas a fase final das operações técnicas, ela é
incapaz de abarcar o conjunto de conhecimentos posto em prática para se chegar
ao objeto.
Ou seja, o objeto não pode traduzir, por sua forma exterior, o tipo de
intencionalidade que foi investido por seu autor para confeccioná-lo. Portanto, é
preciso ir além do simples reconhecimento das formas, pois uma mesma forma
pode resultar de conhecimentos diferentes.
Só a consideração do objeto como objeto técnico é suscetível de dar
acesso a uma inteligência da técnica. Essa inteligência é definida através da
reconstrução do sistema (onde é preciso, para determiná-lo, fazer um cruzamento
dos usos, dos objetos e das matérias-primas), e pelas relações desse sistema
com outros componentes estruturais de uma sociedade.
Assim, passamos a estudar os objetos através da tecnologia, sendo que o
material lítico se presta muito bem a esse tipo de análise, uma vez que as rochas
guardam os estigmas de lascamento, estigmas, esses, que são resultantes de leis
universais de fraturação.
Além disso, a técnica pode ser estudada como um sistema, o que significa
que é possível formalizar as relações que ela mantém com outros domínios, tais
como o social, o econômico e o simbólico.
É essa abordagem sistêmica que permite, através da cadeia operatória, a
análise da produção do instrumental lítico. Tentamos, no presente trabalho,
identificar, para cada um dos sítios, quais matérias-primas foram utilizadas, assim
como quais etapas do processo de debitagem eram ali realizadas.
O material indicou que apenas em dois sítios (Pedreira e Estiva 2 - camada
inferior) todas as etapas de debitagem eram ali realizadas; isso também poderia
ocorrer nos sítios Laje e São José (camada superior) porém só em relação ao
281
arenito (com o sílex, provavelmente, as atividades iniciais eram realizadas fora do
sítio). Na camada inferior do Estiva 2 é provável que os núcleos maiores tenham
sofrido as atividades iniciais de debitagem fora do sítio, sendo que para o restante
do material todas as etapas ocorreriam dentro do assentamento. Já para o Buriti e
a camada inferior do São José é provável que só os suportes tivessem sido
levados para o sítio, e lá fossem retocados.
Também procuramos perceber que tipo de instrumento era procurado pelos
antigos artesãos.. Para isso, estudamos os instrumentos considerando-os como
uma entidade mista (o objeto strictu sensu e o esquema de utilização associado).
Partimos do pressuposto que sua fabricação não é feita ao acaso e, uma vez que
existem esquemas de produção, existem, necessariamente, esquemas de
funcionamento (de acordo com Rabardel (1995) o esquema de funcionamento é a
razão da existência do instrumento).
Para a realização desse estudo o instrumento foi decomposto em duas
partes: uma preensiva, que permite que o instrumento funcione; e uma
transformativa, que atua na matéria a ser trabalhada (uma terceira parte,
denominada de receptiva de energia, que põe o instrumento em funcionamento,
está, no presente estudo, sempre sobreposta à preensiva).
Cada uma dessas partes é constituída de uma ou de várias Unidades
Técno-Funcionais (UTFs), definidas como um conjunto de elementos e/ou
características técnicas que coexistem em uma sinergia de efeitos.
Essas UTFs são determinadas através da evidenciação da organização das
retiradas, e foram identificados nos instrumentos através dos ‘planos de corte’ e
‘planos de bico’.
Pelo cruzamento dos tipos UTFs com as estruturas dos suportes utilizados
foi possível definir 21 tecno-tipos (cf. quadro 4.11).
Apesar de não haver uma grande padronização (não é possível perceber
uma forte relação direta entre os suportes e os tecno-tipos, ou mesmo entre a
estrutura do suporte e as UTFs), não se pode negar que não haja uma lógica na
confecção desses instrumentos, e que essa lógica encontra-se dentro de um
determinado sistema técnico.
282
Por fim, pretendemos caracterizar esse sistema técnico e estudar a sua
evolução. Para isso utilizamos a idéia de Simondon (1969) que o objeto evolui de
um estado ‘abstrato’, onde os elementos estão justaposto, para um ‘concreto’,
onde os elementos encontram-se integrados, fundidos em uma sinergia de formas.
Nesse estado concreto o objeto técnico pode se tornar tão especializado que não
pode ser modificado para responder às menores modificações, seja de função,
seja do ambiente.
A compreensão de um objeto técnico passa pelo reconhecimento de sua
gênese, que pode ser analisada no plano sincrônico (o objeto é considerado como
indivíduo entre um conjunto de objetos; um indivíduo que tem uma especificidade)
e diacrônico (o objeto está em relacionado com os objetos que lhe são anteriores,
ou seja, estuda-se a dimensão evolutiva do objeto e do próprio sistema).
Para o estudo do plano diacrônico Deforge (1985) desenvolveu a noção de
linha genética, que é constituída por objetos que têm a mesma função de uso e
utilizam o mesmo princípio.
Assim, pretendemos perceber a evolução técnica do material lítico lascado
principalmente a partir dos núcleos. Boeda (Boeda et al. 2005) estabeleceu uma
escala que compreende cinco níveis capazes de responder à uma demanda de
instrumentos cada vez mais estruturadas, sendo agrupadas em dois subconjuntos:
- o primeiro é composto por sistemas técnicos de produção que só
necessitam de uma parte do bloco para realizarem seus objetivos, sendo que o
restante não desempenha nenhum papel técnico. Também as características
tecno-funcionais procuradas são limitadas à uma parte dos suportes retirados;
- o segundo agrupa os sistemas técnicos de produção que necessitam da
integralidade do bloco para realizarem seus objetivos. Ali os suportes produzidos
são cada vez mais próximos dos futuros instrumentos.
283
- o lascador vai, simultaneamente, levando em conta duas superfícies: a
superfície de debitagem e a superfície de percussão;
- a superfície de debitagem apresenta os critérios técnicos de convexidade
comuns a toda debitagem de retiradas pré-determinadas; para isso, o lascador
poderá utilizar dois tipos de superfície: seja uma superfície natural apresentando
todos os critérios técnicos procurados, seja uma antiga superfície de debitagem
preenchendo de novo todos os critérios técnicos necessários à obtenção de uma
nova série;
- quanto à superfície de percussão, ela pode ser igualmente uma superfície
natural ou organizada para preencher as condições de fraturação e de controle da
onda de choque provocado pelo percutor.
As restrições internas de tal estrutura de núcleo, em função das
necessidades de determinados instrumentos do lascador e dos acasos da
debitagem, fazem com que, mesmo se o lascador o deseje, a produção de um
algoritmo dado sobre um mesmo bloco não seja sempre possível.
284
Da mesma forma que os núcleos não apresentam uma padronização (sua
forma está diretamente ligada à forma do bloco utilizado), os artefatos também
não apresentam (como pôde ser visto pelos tecno-tipos definidos1). Há uma
variação grande dentro de cada um dos tipos, além de algumas peças ficarem
sem grupos definidos.
É interessante notar, também, que não é possível notar nenhuma evolução
no sistema técnico: tanto os sítios mais antigos (a camada inferior do Estiva 2,
com datas de até 6.000 AP, a camada inferior do sítio São José e, provavelmente,
os sítios Buriti, Pedreira e Laje) como os mais recentes, com presença de
cerâmica, apresentam o mesmo sistema, denominado de C.
Pela análise dos instrumentos do sítio Estiva 2 poderíamos tentar identificar
alguma evolução, uma vez que foi mais fácil de perceber alguma padronização
dos suportes na camada superior, fato que não ocorreu na camada inferior (não
acreditamos que tal fato se deva pela pouca quantidade de instrumentos ali
coletados, uma vez que a camada superior do sítio São José apresenta a mesma
quantidade de instrumentos e não encontramos esse tipo de problema). Ou seja,
os instrumentos parecem ser mais abstratos ainda (quem sabe seja o início do
sistema C?). No entanto, nos núcleos não é possível notar nenhuma diferença.
É importante notar, no entanto, que em vários outros sítios cerâmicos
pesquisados na mesma região foram encontradas quantidades significativas de
núcleos discóides e piramidais, pertencentes a um sistema mais avançado (D) (cf.
S. Viana, comunicação pessoal). A padronização dos instrumentos nesses
mesmos sítios, no entanto, ainda não parece se mostrar tão definida.
Assim, apesar de no material analisado por nós não ser possível perceber,
com o passar do tempo, nenhuma evolução clara, isso é perceptível pela presença
desses núcleos, conforme visto acima.
E quanto ao que aparece antes? Qual seria a relação desse material com
aquele associado ao paleoíndio?
1
As únicas exceções são as peças que poderiam servir de suporte para a confecção de plano-convexos,
encontrados no sítio Buriti e na camada inferior do sítio São José, além do próprio plano convexo encontrado
nessa mesma camada.
285
Vários autores (Schmitz, 1981a, 1981b, entre outros) já haviam percebido a
ruptura que existe entre a indústria do período paleoíndio e a do arcaico, notada,
principalmente pelo desaparecimento dos artefatos plano-convexos. Ou seja, no
paleoíndio havia instrumentos mais padronizados, certamente pertencentes a um
sistema mais ‘evoluído’ que o C, e que bruscamente desaparecem.
Discutiremos, rapidamente, dois pontos: a questão da padronização dos
instrumentos e a do seu desaparecimento brusco. Para isso utilizaremos o
trabalho de Fogaça (2001) desenvolvido na Lapa do Boquete norte de Minas
Gerais (área que, apesar de não se localizar na região Centro-Oeste, pertence ao
Planalto Central), trabalho pioneiro não só pela fina análise tecnológica realizada
no material, mas também pela introdução de idéias como ‘concepção volumétrica
do utensílio’, ‘adequação do instrumento a diferentes formas de preensão’,
‘movimento de utilização do instrumento’, além da utilização dos conceitos,
propostos por Simondon (1969) de objeto técnico abstrato e concreto.
As análises tecnólógicas realizadas por Fogaça (2001) demonstraram
indiscutíveis variabilidades entre os instrumentos plano-convexos, que podem ser
percebidas através de dois pontos: 1) criação de estruturas volumétricas distintas,
com seções triangulares, trapezoidais ou semi-elipsoidais, e 2) estratégias
utilizadas para a reestruturação dos instrumentos, causando mudanças de
volume, massa e forma, reestruturação que tinha por objetivo prolongar a vida útil
do suporte.
Assim, o que comumente são chamados de ‘artefatos plano-convexo’ na
verdade são suportes unifaciais: são matrizes que podem ser organizadas em
diferentes instrumentos (ou seja, podem receber diferentes UTFs transformativas
ao longo do seu bordo).
São essas matrizes que apresentam certa padronização, o que demanda,
também, uma padronização do núcleo para a retirada desses suportes2.
Ainda de acordo com Fogaça (conforme pode ser visto em Boeda et al.,
2005), é possível ver nesses instrumentos sinais de ‘concretização’:
interdependência das UTFs transformativas produzindo uma ação em sinergia,
286
imposição de um modo de preensão, e impossibilidade de se reorganizar o
instrumento sem que suas características técnicas predeterminadas sejam
modificadas.
Esse é, sem dúvida, um sistema mais ‘concreto’ do que o descrito no
presente trabalho, e que poderia ser classificado de sistema ‘D’.
Não há dúvida, também, que, em um determinado momento, esse sistema
para de ser utilizado. Ainda de acordo com o trabalho de Fogaça (2001, gráfico
3.1) é possível perceber a diminuição, porém gradual, da frequencia com que os
instrumentos aparecem: na camada VIII, a mais antiga da lapa do Boquete
(datação de 12.070 AP, para a base da camada), aparecem 17, diminuindo para
seis na camada VII (cerca de 10.000 AP), e apenas um na camada VI (cerca de
8.500 AP).
A proporção desses instrumentos em comparação ao que ele denominou
de ‘instrumentos de ocasião’3, também vai diminuindo gradualmente: na camada
VIII a proporção é de 1:1,9; na camada VII diminui para 1:10,8 , enquanto que na
camada VI é de 1:36,0 4. Ou seja, parece que essa ruptura não se deu de
maneira tão brusca
2
Infelizmente no material analisado por Fogaça (2001) não foi possível relacionar nenhum núcleo à
fabricação desses suportes.
3
Uma crítica que pode ser feito ao trabalho de Fogaça (2001) é quanto a definição de ‘instrumentos de
ocasião’: suportes não planejados antecipadamente, nem submissos a um ‘esquema conceitual préexistentes’.
instrumentos seriam definidos pelo ‘improviso circunstancial’, ou seja, seriam instrumentos ‘espontâneos’
(espontâneo aqui tendo o sentido oposto ao de ‘refletido’).
Esses ‘instrumentos de ocasião’ podem, a princípio, ser divididos em dois grupos: o primeiro, que teria uma
cadeia operatória ‘parasita’, ou seja, durante a confecção dos ‘instrumentos típicos’, alguns subprodutos
seriam utilizados para a fabricação dos ‘instrumentos de ocasião’ (Fogaça, 2001), e que, na nossa opinião
ainda fariam parte do sistema de debitagem ‘D’, uma vez que o artesão sabe exatamente o tipo de lasca que
vai sair em cada etapa de seu trabalho, podendo aproveitar algumas delas, para a confecção de outros
instrumentos; e um outro grupo, mais ‘abstrato’, pertencente ao sistema ‘C’, caracterizado pelos núcleos e
pelos alguns instrumentos que, por sinal, se mostram muitos semelhantes aos descritos aqui. Vale ressaltar
que ambos os grupos são confeccionados dentro de uma lógica, e não ao acaso.
4
Voltemos aqui à nota 1 do presente capítulo que menciona os instrumentos plano-convexos (ou suportes
unifaciais) encontrados nos sítios Buriti e na camada inferior do São José. Seriam peças intrusivas ou haveria
o sistema de debitagem ‘D’ nesses sítios?
287
onde ocorre uma transição climática entre uma fase quente e seca para uma fase
quente e úmida5. Uma das críticas, porém, que se pode fazer a essa hipótese é
que os estudos paleoambientais realizados até o momento são muito gerais. Só
recentemente estudos mais localizados estão sendo feitos, o que pode mostrar
importantes variabilidades existentes entre as regiões, em um mesmo período.
Outra hipótese que poderia ser levantada seria a da substituição de
populações. Segundo alguns autores (Neves et al., 1998; Blum & Neve, 2002;
Neves & Hubbe, 2004, entre outros) há fortes indícios que o continente americano
tenha sido ocupado, sucessivamente, por duas populações distintas: a mais antiga
apresentada por crânios dolicocéfalos (longos e estreitos, associados à face
baixa, estreita e proeminente), morfologia exemplificada por ‘Luzia’ (fóssil de
11.000 encontrado na região de Lagoa Santa – MG), e a outra, que aparece por
volta de 8.000 AP (data praticamente coincidente com a mudança encontrada no
sistema lítico), que apresentariam características mongolóides (crânio
braquicéfalos – curto e longo associado à face alta, larga e retraída). Essa
hipótese pode ser criticada pelo pequeno número de crânios antigos (anteriores a
8.000 AP) até agora encontrados.
5
É interessante notar que para o início da ocupação no planalto central também se levanta essa hipótese: a
indústria aqui existente é diferente daquela encontrada no hemisfério norte devido a uma adaptação a
ambientes mais abertos, que apresentariam caça mais diversificada.
288
ponto de vista tecnológico, como fazendo parte de um sistema, possa contribuir
para que isso se torne possível.
289
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