Este documento discute três abordagens para analisar o espaço geográfico: a fenomenologia, a semiótica e a geografia da percepção. A fenomenologia estuda a essência dos fenômenos materiais e imateriais. A semiótica analisa os signos e sua interpretação. A geografia da percepção estuda a organização do espaço por meio da percepção e significados dos signos, baseando-se na fenomenologia e semiótica.
Este documento discute três abordagens para analisar o espaço geográfico: a fenomenologia, a semiótica e a geografia da percepção. A fenomenologia estuda a essência dos fenômenos materiais e imateriais. A semiótica analisa os signos e sua interpretação. A geografia da percepção estuda a organização do espaço por meio da percepção e significados dos signos, baseando-se na fenomenologia e semiótica.
Título original
fenomenologia semiótica e geografia da percepção
Este documento discute três abordagens para analisar o espaço geográfico: a fenomenologia, a semiótica e a geografia da percepção. A fenomenologia estuda a essência dos fenômenos materiais e imateriais. A semiótica analisa os signos e sua interpretação. A geografia da percepção estuda a organização do espaço por meio da percepção e significados dos signos, baseando-se na fenomenologia e semiótica.
Este documento discute três abordagens para analisar o espaço geográfico: a fenomenologia, a semiótica e a geografia da percepção. A fenomenologia estuda a essência dos fenômenos materiais e imateriais. A semiótica analisa os signos e sua interpretação. A geografia da percepção estuda a organização do espaço por meio da percepção e significados dos signos, baseando-se na fenomenologia e semiótica.
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FENOMENOLOGIA, SEMITICA E GEOGRAFIA DA PERCEPO:
ALTERNATIVAS PARA ANALISAR O ESPAO GEOGRFICO
Lurdes Bertol Rocha 1
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de fazer uma relao entre a Fenomenologia, a Semitica e a Geografia da Percepo, campos do conhecimento que se apresentam como formas de anlise do espao geogrfico. A Fenomenologia o campo de anlise da essncia dos fenmenos, tanto materiais (naturais), quanto imateriais (culturais, ideais). A Semitica a rea do conhecimento que estuda os signos, ou seja, tudo aquilo que produzido e que possa ser interpretado. A Geografia da Percepo, baseando-se na Fenomenologia e na Semitica, estuda a organizao do espao atravs da tica da percepo, da vivncia do cotidiano, da significao dos signos. Palavras-chave: Fenomenologia. Semitica. Signo. Geografia da percepo.
ABSTRACT
PHENOMENOLOGY, SEMIOTICS AND GEOGRAPHY OF PERCEPTION: ALTERNATIVES FOR ANALYZING THE GEOGRAPHICAL SPACE
This paper aims to establish a relationship among three different fields of knowledge - Phenomenology, Semiotic and Geography of Perception - which are taken as ways of analyzing geographical spaces. Phenomenology analisys phenomenons essence, as far as materials (naturals) and inmaterials (culturals, ideals) subjets takes place. Semiotic is the knowledge area that studies the signs, i. e., all that is pruduced and can be interpreted. The Geography of Perception, based on the Phenomelogy, and on the Semiotic, studies the organizations of the space through perception of daly life and meening of sign. Key words: Phenomenology. Semiotic. Sign. Geography of perception.
INTRODUO O primeiro contato com o mundo se d atravs da sensao captada pelos rgos dos sentidos. A sensao leva percepo. Pela percepo formam-se imagens que tm significados diferentes para quem as capta, dependendo de sua cultura, tempo histrico, situao psicolgica, entre outros. A tendncia levar em conta apenas os aspectos concretos, objetivos, das imagens. Porm, os seres humanos so duais, isto , tm uma viso externa (mundo concebido) e uma viso interna (mundo percebido, mundo subjetivo) do mundo que os cerca. A percepo externa
1 Professora do curso de Geografia da UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhus-BA). Doutoranda em Geografia na Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]. Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003
de um signo, como uma esttua no meio de uma praa, por exemplo, tem caractersticas fsicas, captadas por quem as observa, que no deixam dvidas. O significado desta esttua, porm, pode variar muito de um observador para outro. Este fato se d pela leitura que cada um faz, levando- se em conta o conhecimento sobre o que a esttua representa, as caractersticas culturais do observador, sua disposio interna no momento da observao, alm de uma srie de outros fatores que podem interferir no resultado final do significado para cada um. No caso, por exemplo, das esttuas localizadas em frente ao correio central em Salvador, para os adeptos ou conhecedores da cultura afro-brasileira, no h dvida do que elas representam. Mas, para os que no so do grupo, ou no tm informaes ou conhecimento sobre o que representam, so imagens exticas para alguns, bonitas para outros, ou simplesmente nada significam para outros ainda. Levando-se em conta a viso do mundo concebido e a do mundo percebido ou subjetivado, Moreira (1993) trata da oposio entre o espao como campo conceitual e do espao como campo sgnico, apresentados no Quadro 1. De uns tempos para c, as noes de espao topolgico, espao vivido, espao percebido, espao produzido esto entre tantas outras noes que permeiam o discurso da Geografia, indo da dialtica fenomenologia. Em todas essas noes o espao o campo das formas dos objetos que nos circundam e se codificam em nossas mentes como um universo infindo de imagens (ibid., p. 48). Fenomenologia, Semitica e Geografia da Percepo so formas indissociveis de se conhecer o mundo. A fenomenologia veio para mostrar que o ser humano v o mundo e seus fenmenos de acordo com sua cultura, meio ambiente, formao educacional, estado emocional, entre outros fatores que formam seu entorno e seu interior. Atravs da Semitica, os fenmenos se nos apresentam por meio de signos que so percebidos e interpretados pela linguagem verbal e no-verbal (imagens, gestos, sinais, entre outros). A Geografia, apoiando-se na Fenomenologia e na Semitica, criou uma forma peculiar de interpretar os fenmenos humanos no espao: a Geografia da Percepo. Neste artigo, baseado na dissertao de mestrado sobre os Signos e significados do centro da cidade de Itabuna-Ba, defendida em julho de 2001 (BERTOL, 2001), farei um resgate histrico destas formas de interpretao do mundo, relacionando-as entre si, tentando, assim, justificar as aes humanas no espao como aes genuinamente humanas e no como aes de seres autmatos, destitudos de sentimentos e emoes no seu relacionamento com o espao em sua estruturao, construo, modificao, destruio, reconstruo.
FENOMENOLOGIA Edmund Husserl (1859-1938) foi o criador do mtodo fenomenolgico que deu origem a um movimento que atingiria boa parte da filosofia do Sculo XX, estendendo-se mais tarde a todas as reas das cincias humanas. A fenomenologia, segundo Bochenski (1968, p. 38), foi um movimento filosfico que permitiu a ruptura com o sculo XIX e a construo da filosofia contempornea. Para ele, a fenomenologia no se aplica s ao mtodo da doutrina de Husserl, mas se aplica tambm a todo o grupo de pensadores que representa esta tendncia. O fundador deste movimento foi Franz Brentano, de quem Husserl foi discpulo. O mtodo fenomenolgico criado por Husserl diz respeito principalmente anlise da essncia do dado, do fenmeno. Foi o mtodo filosfico que mais se espalhou aps a Segunda Guerra Mundial, ao lado do lgico-matemtico. A diferena entre os dois mtodos, segundo o autor, que a fenomenologia renuncia completamente deduo, ocupa-se pouco com a linguagem e no analisa os fatos empricos, mas s as essncias (p. 39). O mtodo de Husserl veio em oposio ao psicologismo, surgido do naturalismo, que supunha como fenmeno apenas as coisas naturais, estudadas pelas cincias da natureza, como a Geologia, a Fsica, a Qumica, entre outras. A tendncia do naturalismo era resolver o problema da teoria do conhecimento, explicar como possvel alcanar a objetividade, e como o sujeito
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I - Espao como campo conceitual II - Espao como campo sgnico 1.Percepo espa- cial e topologia a teoria do processo senso-percep- tivo como topologia. O mundo se arruma nossa frente em pares de lugares do tipo perto-longe, alto- baixo, esquerda-direita. 1. Percepo espacial e en- cantamento O homem o sujeito construtor de um mundo ordenado de acordo com sua cultura. Assentando-o a partir dos smbolos de sua utopia, o homem faz dele mais o modo da construo que a imposi- o de uma objetividade externalizada ao hist- rica humana. O mundo ordenado dessa ou daquela forma, mas poderia ser de outra maneira. Fenomenologia da percepo de Merleau-Ponty. O espao o mundo da ex- perincia levada a efeito pelo corpo. o mundo da cor- poreidade. Fenomenologia analtica existencial de M. Heidegger. O espao a intersubjetivi- dade, a relao su- jeito-objeto. 2. Percepo espacial e feno- menologia Fenomenologia do esprito de Hegel. O espao o mundo da autoconscin- cia, represen- tado pelo movimento da conscincia lutando para superar sua alienao mate- rial na direo de seu reen- contro com o sujeito-objeto idntico. 3. Percepo espa- cial e histria Neste conceito est includo o mar- xismo. O espao o historicamente construdo pelo prprio homem. o espao da relao do homem organi- zado em sociedade com a natureza. 2. Percepo espacial e antropologia da imagem. . Por este conceito, a imagem no nega o racional, mas no precisa da razo para se impor como realidade. A imagem deixa de ser o puro reflexo das formas do mundo objetivo e passa a ser subjetividade histrica que culturalmente se basta e se explica. Fonte: Moreira (1993, p. 46-50) Elaborao: Bertol (2000).
Quadro 1 - Espao como campo conceitual x Espao como campo sgnico
seria capaz de alcanar uma realidade que lhe exterior, anulando a dualidade, ou seja, anulando a diferena entre sujeito e objeto, j que na tica do movimento e do ser, o sujeito o objeto, da ento a realidade seria a Natureza. Para o naturalismo, tudo se resumiria em ser objeto fsico ou Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 69
natural; o conhecimento seria apenas o resultado da ao de objetos exteriores sobre o crebro e o sistema nervoso; os conceitos e leis cientficas seriam generalizaes abstratas, permitindo ao homem pensar de forma mais econmica a multiplicidade dos objetos exteriores. Os conceitos de sujeito, objeto, causa, princpio, coisa, efeito, entre outros, s teriam sentido se reduzidos a entidades empricas observveis. Para o naturalismo, a teoria do conhecimento seria uma psicologia, ou seja, a descrio do comportamento do sujeito na atividade do conhecer (CHAU, 1996, p. 5-6). A psicologia capaz de estudar e explicar fatos que podem ser observados, como o fazem as outras cincias, mas no pode oferecer os fundamentos e explicaes destes estudos, pois isto s a filosofia pode faz-lo. Para a fenomenologia, ao contrrio do que ocorre com as cincias naturais, fenmenos so tambm coisas que existem apenas no pensamento, coisas puramente ideais, assim como tambm coisas criadas pela ao e pela prtica humanas, como, por exemplo, valores morais, crenas, artes, tcnicas, instituies. Da porque Husserl chama de fenmeno tudo aquilo que vivncia, na unidade de vivncia de um eu: fenomenologia , por conseguinte, a doutrina das vivncias em geral, abrangendo tambm a doutrina de todos os dados, no s os genunos, mas tambm os intencionais, que podem ser evidenciados nas vivncias (HUSSERL, 1975, p. 182). Explicando a idia de Husserl, Chau (1995, p.238) completa dizendo que a fenomenologia a descrio de todos os fenmenos, ou eidos, ou essncias, ou significao de todas essas realidades: materiais, naturais, ideais, culturais. Para Husserl (op. cit. p. 180), o psquico se constitui em fenmeno, no em coisa, pois o fenmeno conscincia e a coisa algo fsico. Ele escreveu que:
[...] a maioria das percepes dos estados psquicos no pode ser evidente, j que eles so percebidos como localizados no corpo. Percebo que a tristeza me d um n na garganta, que a dor me di o dente de que a pena me corta o corao, no mesmo sentido em que percebo que o vento sacode as rvores, que esta caixa quadrada e pintada de marrom, etc. Aqui esto presentes, sem dvida, alm das percepes internas, tambm as externas; mas nem por isso os fenmenos psquicos percebidos existem tais como so percebidos.
O domnio da fenomenologia pode ser considerado como ilimitado, j que tudo o que aparece fenmeno. De acordo com Dartigues (1992), o termo fenomenologia apareceu pela primeira vez no texto Novo rganon (1764), de J. H. Lambert, referindo-se teoria da iluso a partir de suas diferentes formas. Etimologicamente, fenomenologia significa, para o autor, o estudo ou a cincia do fenmeno. Pelo significado do termo, qualquer pessoa, segundo ele, pode ser um fenomenlogo, qualquer um que seja capaz de descrever aparncias ou aparies. Dartigues, ao citar Husserl, diz que o mundo, na atitude fenomenolgica, no uma existncia. Mas um simples fenmeno. J para Hegel, segundo o autor, a fenomenologia uma filosofia do absoluto ou do esprito, e tenta mostrar como o absoluto est presente em cada momento da experincia, seja ela esttica, jurdica, religiosa ou poltica. O fenmeno, portanto, segundo Hegel, citado por Dartigues, reabsorvido num conhecimento sistemtico do ser. Em sua introduo, Dartigues mostra como Kant, Hegel e Husserl concebem o fenmeno. Isto sintetizado no Quadro 2.
Kant Hegel Husserl Concebe o ser como o que limita a pretenso do fenmeno, ao mesmo tempo em que ele prprio permanece fora do alcance. A fenomenologia uma filosofia do absoluto ou do esprito. O fenmeno reabsorvido num conhecimento sistemtico do ser. Prope-se como fazendo ela prpria (a fenomenologia) de ontologia, pois o sentido do ser e do fenmeno no podem ser dissociados.
Fonte: Dartigues (1992, p. 1-3). Elaborao: Bertol (2000).
Quadro 2 - Concepes de fenomenologia: Kant, Hegel e Husserl Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 70
Chau (1997) compara o conceito de fenmeno, da mesma forma que fez Dartigues, apresentando informaes que o deixam mais compreensvel, apresentando a ampliao e renovao do conceito ao longo do tempo:
Kant Hegel Husserl Indicava aquilo que, do mundo externo, se oferece ao sujeito do conhecimento, sob as estruturas cognitivas da conscincia (isto , sob as formas do espao e do tempo e sob os conceitos do entendimento). Ampliou o conceito, afirmando que tudo que aparece s pode aparecer para uma conscincia e que a prpria conscincia, mostra-se a si mesma no conhecimento de si, sendo ela prpria um fenmeno. Mantm os conceitos anteriores, mas amplia a noo de fenmeno. Tudo o que existe fenmeno, e s existem fenmenos. Fenmeno a presena real de coisas reais diante da conscincia.
Fonte: Chau (1997, p. 237-238). Elaborao: Bertol (2000).
Quadro 3 - Conceitos de fenmeno - ampliao e renovao
Na realidade, a fenomenologia procura perceber o que humano em sua essncia, e que tem a ver com princpios, com as origens do significado e da experincia (RELPH 1979, p. 1). Um fato humano diferente de um fenmeno natural: um fato natural essencialmente objetivo, tratado pelas cincias fsico-matemticas, enquanto um fenmeno humano, para melhor ser estu- dado e compreendido, deve ser tratado na linguagem da experincia vivida. Que relao perma- nece entre o mundo de que fala o fsico e aquele de que fala o poeta ou do qual todos falamos na linguagem da vida cotidiana? (DARTIGUES, op. cit. p. 74). No mundo da objetividade pura, o homem est ausente. um mundo rido, s de conceitos. Quando se trata da reflexo fenome- nolgica, a objetividade cientfica no est ausente, porm procura trazer o mundo da cincia ao mundo da vida, das experincias humanas, do seu cotidiano. Nesse sentido, diz o autor que o mtodo fenomenolgico inaugurado por Husserl foi criado para modificar nossa relao com o mundo, para assim melhor extrair dele seu sentido (p. 167). Para a fenomenologia, no se pode separar a cincia do cientista, o sujeito do objeto, o criador da criatura (OLIVEIRA, 1999, p. 48).
SEMITICA No sculo XX, relacionadas comunicao e linguagem, surgiram duas cincias: a Lingstica, cincia da linguagem verbal, e a Semitica, cincia de todo tipo de linguagem, seja ela a verbal, a que veiculada pela lngua, ou a no-verbal, constituda de smbolos, sinais, elementos arquitetnicos. Enquanto a Fenomenologia observa todos os fenmenos e, atravs da anlise, postula as formas ou propriedades universais desses fenmenos, a Semitica ou Lgica tem por funo classificar todos os tipos de signos logicamente possveis (VIEIRA, 1998, p. 29). Segundo Santaella (1983), a Semitica a cincia humana mais jovem e surgiu simultaneamente em relao ao tempo, mas em trs espaos geogrficos diferentes: Estados Unidos, Rssia e Europa Ocidental. Nos Estados Unidos ela teve incio com Charles Sanders Peirce (1839-1914); na Rssia, com dois fillogos, A. N. Viesse-Iovski e A. A. Potiebni; na Europa Ocidental com F. de Saussure, professor do curso de Lingstica da Universidade de Genebra. A autora d mais destaque para a fonte norte-americana, por entender que Peirce foi de fundamental importncia para o nascimento desta cincia humana que criou a teoria geral dos signos. A Semitica no se constitui em apenas uma cincia a mais, e sim numa filosofia cientfica da linguagem, cuja construo arquitetnica tem a fenomenologia como base. Para Peirce, de acordo com a autora, a fenomenologia a primeira instncia de um trabalho filosfico, visto ter ela como base a mera observao dos fenmenos e, atravs da anlise, postular formas ou propriedades universais destes fenmenos (p. 29). Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 71
A Semitica a rea do conhecimento que se dedica ao estudo dos signos, ou seja, de tudo aquilo que produzido e pode ser interpretado; a cincia que tem como objeto o estudo de todo tipo de linguagem. Para Deely (1990, p. 124), a Semitica o conhecimento sobre a semiose, a explicao terica sobre os signos e o que eles fazem. a histria das tentativas de se explicar aquilo que sustenta a semiose e a torna possvel, a saber, o signo. Em outras palavras, pode-se dizer que a Semitica tem por tarefa investigar a ao dos signos, e a funo dos signos, que, de acordo com Guiraud (1993), a de comunicar idias por meio de mensagens. O ser humano se comunica com seu semelhante sob vrias formas de linguagem. A mais antiga e utilizada pela humanidade, independente do status social, econmico, da raa, a linguagem verbal. Porm, entre as vrias formas de comunicao, os estudiosos buscam cada vez com mais freqncia a linguagem no-verbal, constituda de gestos, smbolos, sinais, como recurso de leitura e anlise de fatos histricos, sociais, polticos, culturais, econmicos de uma cidade, de uma paisagem, de um lugar. Quando se observa uma cidade, uma praa, um monumento, eles gritam uma mensagem inserida num texto no-verbal, espera de interpretao por parte de quem os observa. Estes elementos constituem o signo.
O signo, enquanto objeto, constitui-se para ns no ato do aparecer [...] este ato no ainda um ato que designa, ele precisa ligar-se a uma nova inteno, a um novo modo de apreenso, por meio do qual visado no o que aparece intuitivamente, mas algo novo, o objeto designado. (HUSSERL 1975, p. 51).
E o signo fala. Mas fala diferente para pessoas diferentes, em momentos diferentes. Isto porque a leitura de cada um dos atores sociais depende do conhecimento, do envolvimento emocional que tenha com o signo, seja ele uma rua, uma praa, um prdio, um monumento, uma cidade, uma pessoa. A leitura poder trazer sentimentos de amor, de carinho, a chamada reao topoflica; ou de dio, de medo, de ressentimento, a reao topofbica. Estas reaes surgem a partir da percepo e leitura de signos, objeto de estudo da Semitica. De acordo com Deely (1990), a Semitica surgiu na Segunda Guerra Mundial, como uma necessidade para interpretar os cdigos que permitiam a comunicao dos aliados, mas que eram um mistrio para os inimigos. A Semitica responsvel pela explicao terica dos signos e por aquilo que representam. Para o autor, o signo tem um significado e uma significao, e seu valor determinado por aquilo que est em seu entorno e depende da situao recproca da lngua. E d como exemplo a palavra tutu, que poderia significar tutu de feijo, um prato mineiro base de feijo, ou pode significar tambm dinheiro. Pode-se ainda citar a palavra manga, que pode significar manga de uma camisa, uma fruta, ou uma rea de pastos para bovinos, dependendo do contexto em que a palavra usada, ou seja, do seu entorno. Para o mesmo autor, a Semitica se ocupa da representao simblica do real, tenta captar o sentido do texto. E, neste caso, o mundo todo seria um texto, passvel, portanto, de interpretao. As idias desse autor com relao a signo, no que diz respeito a seu significado, significao e valor, esto sintetizadas no Quadro 4. Ao se usar, por exemplo, a palavra cruz, no domnio da lngua, seu significado o de duas traves perpendiculares. O significado do signo cruz refere-se denotao da palavra, quer dizer, constituda pelo significado concebido objetivamente e apenas como tal (GUIRAUD, 1993, p. 31). Este objeto, a cruz, pode ter significaes diferentes para pessoas diferentes. Sua conotao exprime valores subjetivos ligados ao signo, resultante da sua forma e da sua funo (ibid. p. 3). Para uns, o signo cruz tem a significao de sofrimento, de morte; para outros, de vitria, para outros ainda, significao religiosa. Para os nazistas, a cruz sustica o signo de sua ideologia poltica, mas para os judeus, o signo da tirania, do sofrimento, do terror. Para aborgenes da Amaznia, provavelmente no quer dizer nada. Quanto ao valor de um signo, ele depende de seu entorno, isto , do tempo e do espao. Por exemplo, para ns, brasileiros, levantar a mo espalmada, pode significar pare! espere!; para os gregos, um gesto obsceno; para os nazistas, na poca de Hitler, adeso incondicional a ele. Para Coelho Neto (1996, p. 10), signo aquilo que representa algo ou alguma coisa para algum. Este autor considera o signo como tendo trs interpretantes, ao invs de significado, significao e valor de um signo, como no caso de Deely (1990), mas que acabam tendo a mesma Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 72
Significado Significao Valor de um Signo Conceito ou imagem mental que vem na esteira de um significante (face perceptvel do signo). a efetiva unio entre um certo significado e um certo significante. Est no domnio da lngua. Est no domnio da fala. determinado por aquilo que est volta do signo, do seu entorno.
uma questo individual, localizada no tempo e no espao. Depende do sistema e est antes e acima do individual.
uma questo fenomenolgica, s sendo possvel de delimitao e descrio numa manifestao concreta e isolada. Depende da situao recproca dos elementos da lngua. Ex.: tutu: prato mineiro base de feijo; dinheiro. Fonte: Deely (1990, p. 23 Elaborao: Bertol (2000).
Quadro 4 - Conceitos de significado, significao e valor de um signo
conotao. Segundo Coelho Neto, os trs interpretantes do signo so: o imediato, que se refere ao sentido, o efeito que o signo produz de forma imediata na mente, sem necessidade de reflexo prvia, como, por exemplo, a palavra co no dicionrio. O dinmico, que se refere ao significado, o efeito concreto, efeito direto determinado pelo signo no intrprete, como, por exemplo, o significado de co, determinado pelo objeto co, numa rua escura. O final, que a significao, ou seja, o modo pelo qual o signo tende a representar-se, no fim de um processo, em relao a seu objeto. Voltando ao exemplo do co, diante deste co, nesta rua escura, que imagem de natureza psicolgica ou sociolgica representa para mim? (op. cit. p. 70-71). De acordo com Santaella (1995, p. 34), Peirce afirmou que algo possui potencialidade sgnica ou qualidade de acordo com trs modelos: qualidade interna, qualidade relativa e qualidade imputada. Segundo ela, esta diviso de Peirce deu nascimento diviso dos signos em ndices, cones e smbolos, ou seja, algo
[...] significante de seu objeto, possuindo potencialidade sgnica ou qualidade de acordo com trs modalidades: 1) quando a relao com seu objeto est numa mera comunidade de alguma qualidade (semelhana ou cone); 2) quando a relao com seu objeto consiste numa correspondncia de fato ou relao existencial (ndice); e 3) quando o fundamento da relao com o objeto depende de um carter imputado, convencional ou de lei (smbolo).
Portanto, um signo pode se distinguir em trs tipos: cone, ndice e smbolo, de acordo com sua fora e com seu contexto tmporo-espacial. Baseando-se no modelo de Peirce, Deely apresenta os conceitos de cone, ndice e smbolo, expressos no Quadro 5. O cone, portanto, um signo cujo significado tem uma relao de analogia com o que ele representa, ou seja, a imagem fotogrfica de uma rvore um cone, na medida em que se parece com uma rvore. Mas a semelhana pode ser no s de forma visual. O som imitativo do mugido do boi, o perfume sinttico de uma rosa, o gosto de morango de um caramelo, em teoria, podem ser considerados como cones. O ndice, por sua vez, um signo que mantm uma relao de causa com o que representa, como por exemplo, as faces vermelhas para a vergonha, fumaa para o fogo. Um ndice ou sinal implica uma reao por parte do usurio ou observador. Um sinal num cruzamento de linha frrea usado para induzir o motorista a parar quando um trem est para passar; implica uma reao por parte da pessoa que est dirigindo o carro. Um gesto de silncio a algum que est falando um sinal. Um sinal ou ndice, portanto, sugere ou induz uma dada reao em quem o v. Os smbolos falam uma linguagem universal; contudo, as nuanas e inflexes variam segundo a experincia e a percepo individuais. atravs dos smbolos que o homem, Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 73
cone ndice Smbolo Signo que tem alguma seme- lhana com o objeto represen- tado. Exemplo: escultura de uma mu- lher, foto de um carro, um dia- grama, um esquema. Signo que se refere ao objeto denotado em virtude de ser di- retamente afetado por esse ob- jeto. O signo inicial tem alguma coisa a ver com o objeto. Exemplos: Fumaa signo indi- cativo de fogo; um campo mo- lhado ndice de que choveu; uma seta colocada num cruza- mento ndice de caminho a seguir. Signo que se refere ao objeto denotado em virtude de uma associao de idias produzida por uma conveno. O signo marcado pela arbitrariedade. (Peirce diz que o smbolo de natureza geral tanto quanto o objeto denotado). Exemplos: Qualquer uma das palavras de uma lngua; a cor verde como smbolo de espe- rana. Fonte: Deely (1990, p. 58); Elaborao: Bertol (2000).
Quadro 5 - Conceitos de cone, ndice e Smbolo
consciente ou inconscientemente, vive, trabalha e tem o seu ser. O smbolo um signo que tem uma relao de conveno com seu objeto. o caso, por exemplo, da bandeira que simboliza um determinado pas, a Bblia, smbolo dos cristos (JOLY, 1996, p. 35-36). Pode-se usar ainda, neste estudo, o exemplo do ovo, como signo sagrado cosmogonia de todos os povos da terra, que foi reverenciado tanto por sua forma como por seu mistrio interior. Pelo que se sabe, desde as primeiras concepes mentais do homem, o ovo foi concebido como smbolo que melhor representava a origem e o segredo do ser. Os cristos, especialmente os das Igrejas Grega e Latina, adotaram plenamente este smbolo, e nele percebe-se uma comemorao da vida eterna, da salvao e da ressurreio. Este fato encontrado e corroborado pelo antigo e to apreciado costume de se presentear com ovos de Pscoa. Ainda como smbolo, idia produzida por uma conveno, pode-se tomar como exemplo algumas cores usadas na China: o vermelho e o laranja so utilizados para simbolizar alegria, festa; o verde, para simbolizar harmonia, e o branco, o luto. Resumindo as idias sobre cone, ndice e smbolo, pode-se inferir que o cone tem uma relao de semelhana com seu objeto, o ndice tem uma relao de causalidade com seu objeto e o smbolo tem uma relao convencional com seu objeto (EPSTEIN, 1991, p. 62-63). Semiologia, para Guiraud, (1993, p.9), a cincia que estuda os sistemas de signos: linguagens, cdigos, sinalizaes. Como Coelho Neto, Guiraud inclui, como fazendo parte da definio de semiologia, a lngua, mas acrescenta, citando Saussure, que a Semiologia o estudo dos signos no lingsticos, e que a cincia que estuda a vida dos signos no seio da vida social (op. cit. p. 9). De acordo com este autor, no h ainda um acordo quanto cincia semiolgica, pois, para alguns o sistema de comunicao por sinais no lingsticos, para outros, principalmente os que seguem Saussure, a noo de signo e cdigo se refere tambm a formas de comunicao social tais como os ritos, cerimnias, frmulas de cortesia. Ainda h os que consideram como signos as artes e as literaturas (op. cit. p. 13-16). Para Ferrara (1988, p. 41), semiologia, semitica, semntica estrutural, estruturalismo literrio, semanlise so as diferentes denominaes da atual cincia dos signos. Uma cidade repleta de signos e ela prpria um signo. Ferrara, indo nesta linha, trabalha a cidade como um texto no verbal, onde as pessoas interpretam de maneiras diferentes as marcas, os sinais, que se tornam pontos de referncia e identificam a cidade. Para a autora, o primeiro procedimento, a primeira chave da leitura da cidade enquanto espao no-verbal a recomposio, isto , acionar os signos com o fim de afetar os sentidos [....] para flagrar formas, volumes, movimentos. (p. 34). Ainda conforme a autora, ler a cidade fazer o estudo semitico do uso que, como sistema de signos, o usurio traou no seio do espao urbano. (p. 56). Para descobrir a cidade como linguagem, ser necessrio penetrar na concepo desse uso, aprender com ele. Afirma ainda que o estudo da transformao urbana o estudo da memria dos usos que a cidade faz de seus signos que dialogam, ao mesmo tempo, com o passado e o presente, aparentando-se com a tradio e englobando diversos cdigos e princpios de ordenao numa sntese singular. (p. 57). Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 74
Para Callai (1998), a leitura dos signos urbanos feita atravs do conhecimento de suas origens, pelo valor que seus habitantes atribuem ao fato urbano, na interpretao de suas formas e nos argumentos de suas funes transitrias. Portanto, esta leitura vai depender da percepo que cada um tem dos signos.
GEOGRAFIA DA PERCEPO O significado de um signo se d a partir da percepo de uma pessoa, de um grupo, de um povo, de uma cultura. O que a percepo? Qual sua essncia? Se o fato perceptivo for estudado pela Psicologia, ele ser baseado na observao e relaes causais de fatos mentais de comportamento, e ser classificado em dois tipos: os fatos externos, que podem ser observados, os chamados estmulos, como, por exemplo, luz, forma, cor; e os fatos internos, que s podem ser observados de forma indireta, as respostas. Em outras palavras, a Psicologia divide o fato perceptivo em estmulos externos e internos, que so os que ocorrem no sistema nervoso e no crebro. Tambm em respostas internas e externas, que se constituem nas operaes do sistema nervoso e no ato sensorial do sentir ou do perceber alguma coisa. J se o fato perceptivo for estudado pela Fenomenologia, ela procurar explicar o que a percepo, e no como ela ocorre. Para a filosofia fenomenolgica, a percepo
[...] um modo de nossa conscincia relacionar-se com o mundo exterior pela mediao de nosso corpo [...] um certo modo de a conscincia relacionar-se com as coisas, quando as toma como realidades qualitativas [...] uma vivncia. (CHAU, 1995, p. 236).
Desse modo, pode-se dizer que a percepo a forma como, atravs dos sentidos, as coisas do mundo natural ou humano chegam conscincia. a forma como as pessoas se relacionam com as coisas de um modo geral. Em sendo assim, o centro da cidade percebido de forma diferente por pessoas diferentes. Cada pessoa tem uma imagem de sua cidade, e isto tem a ver com a forma como ela a percebe, como nela vive, como nela se sente, pois, tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por cincia, eu o sei a partir de uma viso minha ou de uma experincia do mundo, sem a qual os smbolos da cincia no poderiam dizer nada (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 3). Relph (1979, p. 1) considera quatro significados para o termo geografia: como disciplina acadmica administrativamente distinta; como um corpo formal de conhecimento no qual so levados em conta os arranjos espaciais, as relaes homem-natureza; como a cincia que se dedica ao arranjo espacial e cartogrfico especfico das coisas, regies e naes; como o padro pessoal de atividades e encontros com lugares e paisagens. relacionado a este ltimo significado de geografia que est o objeto de estudo da Geografia da Percepo, pois tendo como embasamento a filosofia fenomenolgica, nela que busca seu mtodo, qual seja, ainda segundo Relph (p. 4-5): - a inteno, ao observar um fenmeno geogrfico de experincia, de contato, descrever, no explicar, a coisa experimentada; - ao descrever o fenmeno, colocar-se no lugar dos que o esto experimentando; - fazer uso do maior nmero possvel de fontes; - procurar consistncia e estruturas nos significados do fenmeno; - a partir da identificao e interpretao das estruturas de experincia (geogrfica), examinar onde essas estruturas se originam, como se desenvolvem e sofrem transformaes, procurando coloc-las num contexto de origem mais amplo. H vrias teorias sobre a percepo. Entre elas, de acordo com Chau (1999), as principais so a Empirista, a Racionalista Intelectual e a Fenomenologia do Conhecimento, conforme sumarizado no Quadro 6.
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Teorias Concepes Empirista - a nica fonte de conhecimento; - Est na origem abstrata formulada pelo pensamento; - Para Hume, h dois tipos de percepo: impresses (sensaes, paixes e emoes); idias (imagens das impresses); - A sensao conduz percepo como uma sntese passiva (que depende do objeto exterior); as idias so provenientes das percepes. Racionalista Intelectual - A percepo no muito confivel para o conhecimento; depende das condies particulares de quem percebe; - Freqentemente a imagem percebida no corresponde realidade do objeto. Por exemplo: vemos o Sol menor que a Terra, no entanto, o Sol que maior; ao olhar pela janela do carro em movimento, vemos as margens da estrada se deslocando, o que no real; - A sensao conduz percepo como sntese ativa (depende da atividade do entendimento); - A sensao e a percepo so sempre confusas e devem ser abandonadas quando o pensamento formula as idias puras; - O pensamento filosfico e cientfico deve abandonar os dados da percepo e formular as idias em relao com o percebido; trata-se de corrigir e explicar a percepo.
Fenomenologia do Conhecimento - A percepo considerada originria e parte principal do conhecimento humano, porm possui diferenas em relao ao pensamento abstrato: percebe-se por perfis ou perspectivas (nunca se percebe um objeto de uma s vez, s se pode perceber algumas de suas faces de cada vez); no pensamento, o intelecto compreende uma idia de uma s vez, sem precisar examinar cada face separadamente; - A fenomenologia considera que no existe a iluso (no verso de Mrio Andrade, uma pessoa percebida sob a neblina de So Paulo, vista como negra de longe e branca de perto, ou vice-versa); nesse caso, h quatro percepes diferentes, e isto ocorre porque, perceber sempre perceber um campo de objetos que permite corrigir uma percepo por meio de outra (p. 124); - No h iluses na percepo, pois perceber diferente de pensar, e no se constitui numa forma inferior ou deformada do pensamento: percepo a relao entre as coisas e ns, e entre ns e as coisas, pois as coisas so corpos e ns tambm somos corporais.
Fonte: Chau (1999, p. 120-125); Elaborao: Bertol (2000).
Quadro 6 - Principais teorias sobre a percepo: Empiristas, Racionalistas Intelectuais, Fenomenologia do Conhecimento
Desta forma, a partir das premissas fenomenolgicas, a Geografia da Percepo passou a estudar o espao, a paisagem e os lugares, tendo em vista tambm a experincia e a vivncia de seus moradores, conseguindo, assim, a imagem de muitas cidades dentro de uma cidade, por exemplo. Para se poder conhecer e entender qualquer coisa, a conscincia elabora uma forma de pensamento que faa a mediao entre o sujeito e os fenmenos. Esta forma o signo, atravs do qual tem-se a percepo das coisas. Perceber no seno traduzir um objeto de percepo em um julgamento de percepo, ou melhor, interpor uma camada interpretativa entre a conscincia e o que percebido (SANTAELLA, 1983, p. 51). Dardel, citado por Relph (1979, p. 1), afirma que a geografia no s uma forma de conhecimento, que a realidade geogrfica no apenas um objeto, nem o espao geogrfico um espao em branco esperando para ser colorido ou preenchido, mas que a cincia geogrfica pressupe um mundo que pode ser entendido geograficamente e, tambm, que o homem possa Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 76
sentir e conhecer a si como sendo ligado Terra. As pessoas tm experincias agradveis ou desagradveis dos lugares, espaos, paisagens, mesmo no conhecendo nada de Geografia, como uma cincia formal. Foi Lynch (nascido em 1918), urbanista, um dos pioneiros na questo da percepo urbana (VASCONCELOS, 1999, p. 342). Por ser um profissional ligado aos espaos e paisagens urbanas, dedicou-se ao estudo das imagens da cidade, e com isso inaugurou uma nova forma de ver e olhar para o ambiente urbano. Lynch (1980) considera cinco elementos da imagem urbana na percepo da cidade: as vias, canais atravs dos quais os observadores se movem; os pontos marcantes, constitudos por edifcios, lojas, montanhas, ou seja, objetos fsicos externos ao observador; os cruzamentos ou ns, que seriam os locais estratgicos da cidade, para onde e dos quais o observador se desloca; o quarto elemento so os limites, que seriam elementos no considerados pelos observadores como sendo vias, as quais so constitudas de locais que sofrem interrupo na continuidade, como por exemplo, a orla litornea, uma estrada de ferro que corta a cidade, uma via fluvial; considera os bairros, que seriam reconhecidos como tendo algo em comum e identificvel. Para o autor, a cidade existe mais do que a vista alcana, mais do que o ouvido pode ouvir (Ibid. p. 2). Para ele, deve-se considerar a cidade como objeto da percepo de seus habitantes. Yi-Fu Tuan (1980; 1983), nascido na China em 1939 e professor em universidades dos Estados Unidos, foi um dos primeiros gegrafos a garimpar na seara do mtodo fenomenolgico para estudar a organizao do espao pela tica da percepo, da vivncia do cotidiano, da significao dos signos. O autor analisa as diferentes maneiras de as pessoas sentirem e conhecerem o espao e o lugar e mostra como o homem, que est ao mesmo tempo no plano do animal, da fantasia e do clculo, experiencia e entende o mundo.
Percepo tanto a resposta dos estmulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenmenos so claramente registrados enquanto outros retrocedem para a sombra ou so bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para ns, para a sobrevivncia biolgica e para propiciar algumas satisfaes que esto enraizadas na cultura. (1980, p. 4).
Amorim Filho (1996, p. 141-142) chama a ateno para o fato de que a consolidao das pesquisas em percepo ambiental ocorreriam na dcada de 1970, quando da criao do Grupo de Trabalho sobre a Percepo do Meio Ambiente, pela Unio Geogrfica Internacional (UGI) e do Projeto 13: Percepo da Qualidade Ambiental no Programa Homem e Biosfera, da UNESCO. A UGI dedicou-se a estudos internacionais comparativos sobre os riscos do meio ambiente e os lugares valorizados, e a UNESCO, aos estudos sobre a percepo do meio ambiente como contribuio fundamental para uma gesto mais harmoniosa dos recursos naturais e dos lugares e paisagens de importncia para a humanidade. Este autor, em seu trabalho, alm de usar os conceitos de topofilia e topofobia de Yi-Fu Tuan, usa o conceito de topocdio, significando a destruio de paisagens naturais ou culturais, afirmando que o conceito de topocdio de grande significado para o futuro do meio ambiente [...] pois h muito se causam danos, muitas vezes irreversveis, aos lugares, s paisagens, aos espaos vividos e s pores significativas da natureza (p. 142). Na posio oposta ao topocdio, o autor sugere, a ttulo exploratrio, um novo conceito, o de topo-reabilitao, referindo-se s aes de resgate, reabilitao ou restaurao de lugares, paisagens e conjuntos ambientais (p. 142). Para o autor, atravs das aes de topo-reabilitao seriam neutralizadas ou superadas as foras topocdicas a fim de se alcanar a melhoria da qualidade de vida dos homens, manuteno de sua memria coletiva ou individual e preservao de sua identidade cultural e seus valores (p. 142). Como j se disse, a percepo depende do conhecimento e do tipo de relao que se tenha com o lugar. Ter diferena a forma de percepo de uma pessoa que more h mais ou menos tempo num lugar? Haveria diferena na intensidade do conhecimento do lugar por estas pessoas? Yi-Fu Tuan (1983, p. 203) faz a constatao de que o homem moderno, pelo fato de se movimentar muito, no tem tempo de criar razes e, como conseqncia, a apreciao e a experincia que tem dos lugares so apenas superficiais. Atravs da variedade dos meios de Revista da Casa da Geografia de Sobral, Sobral, v. 4/5, p. 67-79, 2002/2003 77
comunicao e da maior facilidade de viajar, rpido adquirir, em pouco tempo, um conhecimento abstrato sobre um determinado lugar. Mas este conhecimento abstrato diferente do conhecimento adquirido por sentir o lugar, que leva muito mais tempo, pois feito de experincias e vivncias. Diz o autor que sentir um lugar registrado pelos nossos msculos e ossos. Nesse caso, raramente se pode adquirir afeio por um lugar s pelo fato de passar por ele. Para isso, necessrio, de maneira geral, nele viver, sofrer, crescer, participar ativamente de seus eventos e criar razes, sentir-se como fazendo parte deste lugar. Mas pode ocorrer que uma pessoa more muito tempo em um lugar, porm fiquem poucas marcas que lhe venham lembrana e, por outro lado, uma experincia intensa de pouca durao pode modificar nossas vidas (TUAN, 1983, p. 204). Conforme a intensidade das experincias vividas pelas pessoas de um determinado lugar, elas podero ter os sentimentos de topofilia, ou seja, de amor ao lugar, ou de topofobia, isto , de repulsa, de medo ou dio ao lugar, e interferir de forma topocdica (destruio do lugar) ou de topo-reabilitao (recuperao do lugar). A percepo , por conseguinte, responsvel pela forma como se v o mundo. H tantos mundos quantas forem as percepes, pois cada um v o seu entorno e o mais alm, a partir de referenciais, de informaes, de conhecimentos adquiridos ao longo da vida. a percepo que vai determinar a forma de o indivduo ver, interpretar e interferir em seu meio. O centro de uma cidade, em geral, o ponto focal, o local das atenes e dos grandes negcios, alm de ser o espao mais visado e utilizado. Para Clark (1991), as reas centrais de uma cidade so percebidas com mais clareza, talvez porque a parte da cidade mais visitada pela populao urbana como um todo e sua percepo varia conforme o sexo, a idade, tempo de residncia, classe social e etnicidade. Sendra et al (1992) procuram mostrar que os lugares geogrficos no esto somente fora das pessoas, mas se encontram tambm em suas mentes, e que explorar a existncia mental dos lugares geogrficos com todas as caractersticas que os distinguem um objetivo prprio da geografia da percepo (p. 8). Afirmam ainda os autores que a experincia de andar pela cidade favorece pautas de aprendizagem que vo formar esquemas significativos da cidade (p. 12). Da a necessidade de se andar pela cidade para ver, sentir e captar a percepo dos que nela vivem, circulam, trabalham, passeiam, olham, esto. Gibson, apud Oliveira (1996, p. 206), deixa claro que o espao no qual as pessoas vivem, no qual se movimentam, um espao real, fsico, no abstrato, mas um espao de ruas, praas, quarteires, estradas.
CONCLUSO Fenomenologia, Semitica e Geografia da Percepo so mtodos utilizados para se captar de forma mais humana as questes humanas. Ou seja, todas as aes humanas originam-se de algum tipo de sentimento: amor, dio, avareza, destemor, afirmao, entre tantos outros. So estes sentimentos que determinaro a forma, o contedo e o fluxo dos elementos das paisagens geogrficas. O espao geogrfico configura-se, assim, de acordo com a vaso dos sentimentos humanos, sendo, portanto, o retrato das culturas que vo se sucedendo e deixando sua marca indelvel, que dar a identidade especfica de cada grupo que organizou determinado espao. Os sentimentos humanos se materializam no espao atravs de signos materiais (prdios, jardins, monumentos, pontes, escolas, hospitais, campos de concentrao etc.) e imateriais (frases, palavras, gestos, silncios, pensamentos). Cada um destes signos ser interpretado de acordo com a bagagem cultural, social, emocional de cada intrprete num determinado tempo e espao.
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