Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Instituto de Artes Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

Andréia Carolina Duarte Duprat

CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE E REVISTA HORIZONTE (1949-1956):


ARTE E PROJETO POLÍTICO

Porto Alegre
2017
ANDRÉIA CAROLINA DUARTE DUPRAT

CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE E REVISTA HORIZONTE (1949-1956):


ARTE E PROJETO POLÍTICO

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do grau de Mestre em Artes
Visuais, ênfase História Teoria e Crítica, pelo
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
do Instituto de Artes da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Profa. Dra. Paula Ramos

Porto Alegre
2017
CIP - Catalogação na Publicação

Duprat, Andréia Carolina Duarte


Clube de Gravura de Porto Alegre e revista
Horizonte (1949-1956): arte e projeto político /
Andréia Carolina Duarte Duprat. -- 2017.
282 f.

Orientadora: Paula Viviane Ramos.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal do


Rio Grande do Sul, Instituto de Artes, Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, BR-RS,
2017.

1. Clube de Gravura de Porto Alegre. 2. revista


Horizonte. 3. arte social. 4. realismo socialista.
5. comunismo. I. Ramos, Paula Viviane, orient. II.
Título.

Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da UFRGS com os


dados fornecidos pelo(a) autor(a).
ANDRÉIA CAROLINA DUARTE DUPRAT

CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE E REVISTA HORIZONTE (1949-1956):


ARTE E PROJETO POLÍTICO

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do grau de Mestre em Artes
Visuais, ênfase História Teoria e Crítica, pelo
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
do Instituto de Artes da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul.

Aprovada em 31 de março de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________
Profa. Dra. Paula Viviane Ramos (PPGAV–UFRGS)
Orientadora

_______________________________________________________
Profa. Dra. Daniela Pinheiro Machado Kern (PPGAV–UFRGS)

_______________________________________________________
Prof. Dr. José Augusto Costa Avancini (PPGAV–UFRGS)

_______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Gomes (PPGAV–UFSM)
RESUMO

A presente dissertação, Clube de Gravura de Porto Alegre e revista Horizonte (1949-1956):


arte e projeto político, estuda a ação de um grupo de artistas vinculados ao projeto cultural do
Partido Comunista do Brasil que dedicou sua produção para a popularização da arte como
meio de conscientização política. Esses artistas, entre os quais se destacam Vasco Prado,
Glênio Bianchetti, Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves e Glauco Rodrigues, tinham na gravura
um meio privilegiado para essa difusão, procurando explorar temas da cultura popular e
vinculá-los a uma pauta de luta contra a exploração capitalista e o imperialismo norte-
americano. Enquanto o Clube de Gravura de Porto Alegre era o principal espaço de
articulação para esses agentes, a revista Horizonte colocava-se como veículo para circulação
de imagens e de promoção de debates vinculados a este projeto.
O primeiro capítulo deste trabalho trata do contexto em que se formou o Clube de Gravura de
Porto Alegre e sua inserção no campo artístico do Rio Grande do Sul. No segundo capítulo, é
realizado um levantamento da atuação desses artistas no ambiente cultural da capital sulina,
principalmente na Associação Francisco Lisboa, assim como são enfatizadas as ações
voltadas ao grande público, como a colaboração na campanha pela paz e as exposições de
gravura, que tinham como finalidade despertar a consciência crítica da classe trabalhadora por
meio da arte. No terceiro e último capítulo, são abordadas as influências recebidas, como o
realismo socialista, o zhdanovismo e a gravura chinesa, como também possíveis diálogos com
outros movimentos, tal qual o tradicionalismo gaúcho. Essa parte se encerra com o balanço da
produção do grupo ocorrida vinte anos depois, em um momento de críticas e análises
contraditórias em relação à sua proposta original.

Palavras-chave: arte social; Clube de Gravura de Porto Alegre; revista Horizonte; realismo
socialista; comunismo.
ABSTRACT

The present work entitled Clube de Gravura de Porto Alegre e revista Horizonte (1949-
1956): arte e projeto político, studies the actions of a group of artists related to a cultural
project of the Partido Comunista do Brasil which dedicated its artistic production to
popularize art as a mean to political conscientization. Among the artists involved in this
movement Vasco Prado, Glênio Bianchetti, Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves e Glauco
Rodrigues outstanded by using engraving as a privileged mean to difuse the ideas of the
movement exploring themes such as popular culture linking them as a way to draw attention
to the capitalist exploration and the North-American imperialism. The Clube de Gravura de
Porto Alegre was the main space for artistic production of the project and the Horizonte
magazine was its most important vehicle of image circulation and promotion of debates.
The first chapter of this work is about the context in which the Clube de Gravura de Porto
Alegre was created and its insertion in the Rio Grande do Sul artistic field. In the second
chapter, the insertion of these artists in the cultural environment of Porto Alegre is described,
mainly in the Associação Francisco Lisboa, as well as their actions for the great public as the
collaboration in a peace campaign and the engraving exhibitions whose purpose was to awake
the critical awareness of the working class through art. In the third and last chapter, the
influences which acted in these artists are addressed such as the socialist realism, zhdanovism
and the Chinese engraving, as well as a possible relation with other movements such as
regional culture. This part ends with an evaluation of the group production occurred twenty
years later at a time of criticism and contradictory analyzes regarding to its original proposal.

Key-words: social art; Clube de Gravura de Porto Alegre; Horizonte magazine; socialist
realism; communism.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora Paula Ramos, que aceitou ser minha orientadora e acompanha o
desenvolvimento da minha pesquisa; aos professores que integraram a banca avaliadora Paulo
César Ribeiro Gomes, José Augusto Costa Avancini e Daniela Pinheiro Machado Kern.
Sou grata ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, especialmente, às professoras que assumiram a Coordenação enquanto fui
estudante do curso de mestrado, Elaine Athayde Alves Tedesco e Ana Maria Albani de
Carvalho.
Aos colegas da Turma 22 do Mestrado, agradeço pela companhia nesta jornada.
Aos colegas de trabalho, servidores da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre (UFCSPA), agradeço pelo suporte durante meu período de estudo.
Agradeço aos colegas do bacharelado em História da Arte com os quais formei o coletivo
HACER: Rosane Vargas, Elvio Rossi, Cláudio Jansen, Ana Laura Benacchio e Marcelo de
Sousa Silva.
Pela ajuda e pelo estímulo na realização deste trabalho, agradeço especialmente à Rosane
Vargas.
Pelo companheirismo na luta, agradeço aos camaradas do Fórum Sindicalista da ASSUFRGS.
Pelo amor e pelo apoio incondicional, agradeço ao meu pai, Cezar Ramon Duprat; à minha
mãe, Vera Iracema Duarte Duprat; e aos meus irmãos, Ana Cristina Duarte Duprat e Paulo
César Duarte Duprat. A minha família é meu alicerce e minha fortaleza. Obrigada!
Ao meu namorado, meu companheiro e meu colega, Frederico Duarte Bartz, sou grata por não
me deixar desistir, por me animar, por me consolar e por estar ao meu lado nos momentos
tristes e alegres. Agradeço por sua enorme paciência, sua disponibilidade, sua ajuda e seu
amor.
Num dia, tão certo, tão claro, tão perto,
verei pelas ruas o povo ondulando,
marchando a cantar.

Nas mãos estandartes, a febre nos olhos,


nos lábios palavras de claro sentido:
Poder Popular!

LILA RIPOLL

No gritamos ni tratamos de sorprender a nadie; al


pueblo no se le sorprende con palabras sino con hechos.
Nuestra tarea es dura y larga pero la cumpliremos.
Debemos educar al pueblo haciendo obras que reflejen
en forma y en espíritu lo que es el paisaje y el hombre
de México. Tendremos una satisfacción muy grande si
logramos cumplir un programa de tal naturaleza.

LEOPOLDO MÉNDEZ
LISTA DE ABREVIATURAS

ABDE – Associação Brasileira de Escritores


AFL – Associação Francisco Lisboa
AKR ou AKRR – Associação dos Artistas da Revolução
ANL – Aliança Nacional Libertadora
APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana
CADEM – Consórcio Administrador de Empresas de Mineração
CAM – Clube de Artistas Modernos
CEF – Comissão Estadual de Folclore
CGB – Clube de Gravura de Bagé
CGPA – Clube de Gravura de Porto Alegre
CTG – Centro de Tradições Gaúchas
DEIP – Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda
EMBRAFILME – Empresa Brasileira de Filmes S/A
EUA – Estados Unidos da América
FEB – Força Expedicionária Brasileira
FORGS – Federação Operária do Rio Grande do Sul
FUA – Frente Única Antifascista
FUNARTE – Fundação Nacional de Artes
IBA – Instituto de Belas Artes
IC – Internacional Comunista
JUC – Juventude Comunista
LEP – Liga Eleitoral Proletária
MARGS – Museu de Artes do Rio Grande do Sul
MBPP – Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz
MTG – Movimento Tradicionalista Gaúcho
MUT – Movimento Unificador dos Trabalhadores
NAMOC – Museu Nacional de Arte da China
OCIAA – Escritório para Assuntos Interamericanos
PCB – Partido Comunista do Brasil
PCUS – Partido Comunista da União Soviética
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PRP – Partido de Representação Popular
PRR – Partido Republicano Rio-Grandense
PSD – Partido Social Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PT – Partido dos Trabalhadores
RAPP – Associação Russa dos Escritores Proletários
SPAM – Sociedade Pró-Arte Moderna
TGP – Taller de Gráfica Popular
TSE – Tribunal Superior Eleitoral
UPA – Universidade de Porto Alegre
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa do jornal A Classe Operária, 1 maio 1928 .................................................... 39


Figura 2 – Ilustração da capa do jornal A Classe Operária, 1 maio 1928................................ 39
Figura 3 – Capa do jornal O Homem Livre, 24 jul. 1933 ......................................................... 40
Figura 4 – Emiliano Di Cavalcanti. O espírito das leis acima de tudo, 1933 .......................... 41
Figura 5 – Paulo Werneck, Luiz Carlos Prestes, 1949 ............................................................ 41
Figura 6 – Capa da revista Fundamentos, jun. 1948 ................................................................ 43
Figura 7 – Capa da revista Problemas, ago.-set. 1948 ............................................................. 44
Figura 8 – Käthe Kollwitz. Guerra nunca mais (Nie Wieder Krieg), 1924 ............................. 46
Figura 9 – Käthe Kollwitz, Em Prol da Grande Berlim (Für Gross Berlin), 1912 ................. 47
Figura 10 – Käthe Kollwitz, Companheiros, [189-].. ............................................................... 49
Figura 11 – Käthe Kollwitz, A Marcha dos Tecelões, 1893–1897........................................... 49
Figura 12 – Fotografia de Dyonélio Machado no pátio da prisão de bananeiras em 1935 ...... 56
Figura 13 – Da esquerda para a direita: capas das edições 1 (mar. 1949), 2 (abr. 1949) e 3 (jul.
1949) da revista Horizonte ...................................................................................................... 70
Figura 14 – Lila Ripoll ............................................................................................................. 72
Figura 15 – Da esquerda para a direita, os irmãos Isaac, Manoel José e Henrique Scliar ....... 77
Figura 16 – Fábrica de confecções gerenciada por Henrique Scliar, que está em pé ao fundo,
em Santa Maria, RS, 1919. ....................................................................................................... 78
Figura 17 – Teatro Amador Israelita em Porto Alegre, RS, 1927. ........................................... 79
Figura 18 – Carlos Scliar, Hitler, 1934 .................................................................................... 80
Figura 19 – Ilustração de Carlos Scliar para As águas não têm memória, 1942 ...................... 82
Figura 20 – Ilustração de Carlos Scliar para As águas não têm memória, 1942 ...................... 83
Figura 21 – Ilustração de Carlos Scliar para Carlitos, 1943 .................................................... 83
Figura 22 – Carlos Scliar preparado para servir à FEB. Rio de Janeiro, 1944 ......................... 84
Figura 23 – Carlos SCLIAR. Composição, 1947 ..................................................................... 86
Figura 24 – Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Carlos Scliar na Fazenda Delícias, em
Bagé .......................................................................................................................................... 97
Figura 25 – Leopoldo Méndez. Aprende, América ¡El fascismo amenaza a los países
americanos!, 1938 .................................................................................................................. 114
Figura 26 – Xavier Guerrero. Franco prepara “sus ofensivas”, Se termina con la enseñanza,
1938 ........................................................................................................................................ 115
Figura 27 – Jésus Bracho. Carlos Marx, Creador del Socialismo Científico – 14 de março de
1883, 1938 .............................................................................................................................. 115
Figura 28– Pablo O’Higgins. Buitres Fascistas sobre España, 1938 ................................... 116
Figura 29 – Páginas com fotografias de El Libro del Terror Nazi em Europa, 1943 ............ 118
Figura 30 – Página de El Libro Negro de Terror Nazi em Europa, com ilustração de Alfredo
Zalce ....................................................................................................................................... 118
Figura 31 – Página de El Libro Negro de Terror Nazi em Europa, com ilustração de Leopoldo
Méndez ................................................................................................................................... 119
Figura 32 – Leopoldo Méndez. Deportación de la muerte, 1942 .......................................... 119
Figura 33 – Francisco Mora, Albe Steiner. Congreso mundial de intelectuales en favor de la
paz. Wroclaw, Polonia, agosto de 1948... los intelectuales y artistas de México saludan
cordialmente a sus colegas del mundo..., 1948 ...................................................................... 121
Figura 34 – Arturo García Bustos, Mariana Yampolsky. Congreso Continental Americano por
la Paz. México 5-10 de septiembre 1949. Ganaremos la paz si luchamos por ella, 1949. ... 122
Figura 35 – Alberto Beltrán. Conferência Continental por La Paz, 1951 ............................. 122
Figura 36 – Folheto do TGP. Corrido del Congreso de La Paz, 1949 ................................... 123
Figura 37 – Carlos Scliar. Sem título, 1950 ........................................................................... 126
Figura 38 – Alfredo Zalce. La Bomba Atómica, [entre 1945 e 1950] .................................... 128
Figura 39 – Carlos Scliar. União por uma Vida Melhor e pela Paz, 1951............................. 131
Figura 40 – Leopoldo Méndez. Mercado Negro (Acaparadores) .......................................... 131
Figura 41 – Vasco Prado. Soldado Morto, 1951 .................................................................... 133
Figura 42 – Contracapa da Horizonte, Nova Fase, n. 8, ago. 1951 ........................................ 133
Figura 43 – Fotografia da mesa do IV Congresso dos Escritores na qual se veem Lila Ripoll e
Graciliano Ramos (da esquerda para a direita). ...................................................................... 135
Figura 44 – Glênio Bianchetti. Apelo por um Pacto de Paz, 1951......................................... 136
Figura 45 – Danúbio Gonçalves, Apelo por um Pacto de Paz, 1951 ..................................... 137
Figura 46 – Leopoldo Méndez. Venciste, 1948 ...................................................................... 138
Figura 47 – Leopoldo Méndez. Retrato de Jorge Amado ...................................................... 140
Figura 48 – Os delegados da Conferência Americana pela Paz, em Montevidéu, em um quarto
de hotel ................................................................................................................................... 141
Figura 49 – Danúbio Gonçalves, Conferência Continental pela Paz, 1952........................... 142
Figura 50 – Glauco Rodrigues. Conferencia Continental por La Paz, 1952 ......................... 143
Figura 51 – Diego Rivera, Pesadelo de Guerra e Sonho de Paz, 1952.................................. 145
Figura 52 – Diego Rivera, Pesadelo de Guerra e Sonho de Paz, 1952.................................. 145
Figura 53 – Capa do Segundo Caderno da Imprensa Popular, Rio de Janeiro, n. 1017, p. 6-7,
30 mar. 1952 ........................................................................................................................... 146
Figura 54 – Danúbio Gonçalves. Mercadores da Morte, 1952 .............................................. 147
Figura 55 – Carlos Scliar. Assine o Apelo por um Pacto de Paz, 1952.................................. 148
Figura 56 – Glauco Rodrigues. Assine o Apelo por um Pacto de Paz, 1952 ......................... 148
Figura 57 – Vasco Prado. Discussão de um Comando de Paz, [1952?]................................. 150
Figura 58 – Glênio Bianchetti. Fazendo Marmelada/Cena Campestre, 1952. ...................... 151
Figura 59 – Anônimo. Guerrilheiros, [entre 1935 e 1952] .................................................... 152
Figura 60 – Fotografias do Festival Crioulo da Paz no Parque Farroupilha, em Porto Alegre,
em novembro de 1953 ............................................................................................................ 156
Figura 61 – Fotografia do calendário do ano de 1958 da Indústria de Chocolates Ernesto
Neugebauer, ilustrado por uma gravura de Glênio Bianchetti ............................................... 164
Figura 62 – Uma família e um menino votam nos seus trabalhos favoritos na exposição Por
uma Arte Nacional, no Parque Farroupilha ............................................................................ 170
Figura 63 – Estampa chinesa em papel recortado presente na exposição de gravuras chinesas
organizada pelo CGPA ........................................................................................................... 171
Figura 64 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição As Técnicas da Gravura Através
dos Tempos ............................................................................................................................. 172
Figura 65 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição de Daumier ........................... 173
Figura 66 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição de Carlos Scliar ..................... 174
Figura 67 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição Por uma Arte Nacional ......... 175
Figura 68 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição de gravuras chinesas ............. 176
Figura 69 – Reportagem do jornal A Hora sobre o curso de gravura de Iberê Camargo
organizado pelo CGPA ........................................................................................................... 178
Figura 70 – Isaak Brodsky. Lênin e a manifestação, 1919..................................................... 186
Figura 71 – Isaak Brodsky. Discurso de Lênin perante o Exército Vermelho, enviado ao front
polonês em 5 de maio de 1920, 1933...................................................................................... 187
Figura 72 – Vera Mukhina. O Operário e a Kolkhoziana/O Trabalhador e a Mulher da
Fazenda Coletiva, 1937 .......................................................................................................... 188
Figura 73 – Tatyana Yeryomina. As garotas dirigem o trator corajosamente e dão aos
soldados um seguro mandato: combatam brava e habilmente os fascistas, e nós faremos o
trabalho por vocês, 1941 ........................................................................................................ 188
Figura 74 – Fyodor Reshetnikov. Pela Paz, 1951 .................................................................. 189
Figura 75 – Fyodor Reshetnikov. Generalíssimo Stalin, 1948............................................... 189
Figura 76 – André Fougeron. Retour du marché, 1953.......................................................... 196
Figura 77 – Renato Guttuso. Campieri, 1949 ......................................................................... 197
Figura 78 – Página do jornal A Classe Operária, 1947.......................................................... 198
Figura 79 – Gravura de Carlos Scliar para a capa da Horizonte, 20 dez. 1950. ..................... 200
Figura 80 – Cópia da escultura de Vasco Prado do Negrinho do Pastoreio, 1943, em São
Francisco de Paula, RS ........................................................................................................... 201
Figura 81 – Vasco Prado. Liberdades Democráticas para o Povo, 1951 .............................. 204
Figura 82 – Li Hua. China ruge!, 1935 .................................................................................. 207
Figura 83 – Huang Yan. Uma Pessoa Cai, Milhares de Pessoas Se Levantam, 1948 ........... 208
Figura 84 – Liu Xian. Karl Marx, 1932 ................................................................................. 209
Figura 85 – Liu Xian. Vladimir Lênin, 1932 .......................................................................... 209
Figura 86 – Liu Xian. Máximo Górki, 1949 ........................................................................... 209
Figura 87 – Criancinhas escrevendo cartas e enviando presentes aos soldados, 1950.
Xilogravura colorida (nianhua) .............................................................................................. 210
Figura 88 – Capa da Fundamentos – Revista de Cultura Moderna, ano II, n.12, fev. 1950. . 212
Figura 89 – Chen Yin Chiao. Trabalhadores. ........................................................................ 212
Figura 90 – Anônimo. O Semeador, [de 1930 a 1950]........................................................... 214
Figura 91 – Cen Jen. Soldados da Liberdade, [de 1930 a 1950]............................................ 214
Figura 92 – Anônimo. Chegada do Exército de Libertação, 1949 ........................................ 215
Figura 93 – Anônimo. Ajudando o guerrilheiro, [de 1940 a 1952] ....................................... 215
Figura 94 – Glênio Bianchetti. Feira...................................................................................... 228
Figura 95 – Glênio Bianchetti. Mulher no Pilão. ................................................................... 229
Figura 96 – Glênio Bianchetti. Sem título .............................................................................. 229
Figura 97 – Glênio Bianchetti. Sem título .............................................................................. 230
Figura 98 – Glênio Bianchetti. Preparando o banho ............................................................. 230
Figura 99 – Danúbio Gonçalves. Salga (série Xarqueadas) .................................................. 232
Figura 100 – Danúbio Gonçalves. Colocando o carro nos trilhos, 1956. .............................. 234
Figura 101 – Danúbio Gonçalves. Série Os Mineiros de Butiá, 1956.................................... 235
Figura 102 – Vasco Prado. A Fundição, 1953 ........................................................................ 237
Figura 103 – Glênio Bianchetti. Lavadeiras, 1952 ................................................................ 237
Figura 104 – Edgar Koetz. Demolição, 1954 ......................................................................... 238
Figura 105 – Impresso do Projeto CULTUR – Grupo de Bagé, 1976 ................................... 243
Figura 106 – Vasco Prado, painel para a campanha à Presidência de Lula em 1989............. 249
Figura 107 – Danúbio Gonçalves, desenho sobre tapume do MARGS em 1996 .................. 250
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17

1 O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL E OS INTELECTUAIS – A GÊNESE DO


CGPA E DA REVISTA HORIZONTE ................................................................................ 30

1.1 APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE O PCB E AS ARTES NO BRASIL .................................... 30

1.2 A IMPRENSA COMUNISTA NO BRASIL ................................................................................ 37

1.3 O PCB E OS INTELECTUAIS NO RIO GRANDE DO SUL ....................................................... 51

1.4 O PERÍODO DA LEGALIDADE DO PCB (1945 A 1947) E O FORTALECIMENTO DOS


APARATOS CULTURAIS ............................................................................................................ 58

1.4.1 A atuação cultural do PCB no período de legalidade em Porto Alegre.................... 61

1.5 O SURGIMENTO DA HORIZONTE NO CONTEXTO POLÍTICO E CULTURAL DE PORTO


ALEGRE NA TRANSIÇÃO DOS ANOS 1940 PARA 1950 ............................................................... 63

1.5.1 O campo artístico do Rio Grande do Sul na primeira metade do século XX .......... 63

1.5.2 A criação da Horizonte e sua Nova Fase ...................................................................... 68

1.5.2.1 Personagens-chave da Nova Fase da Horizonte ........................................................ 72

1.5.2.1.1 Lila Ripoll – Poetisa, militante comunista e agitadora cultural ................................ 72

1.5.2.1.2 Carlos Scliar – Artista e Militante ............................................................................. 76

1.5.3 Intersecções entre a Horizonte e o Clube de Gravura de Porto Alegre .................... 86

1.6 HISTÓRIA DO CGPA CONTADA PELOS ARTISTAS.............................................................. 88

2 O CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE: A INSERÇÃO DOS ARTISTAS NO CAMPO


ARTÍSTICO LOCAL E OS ESFORÇOS PARA REALIZAR O PROJETO CULTURAL DOS COMUNISTAS

NOS ANOS 1950 ....................................................................................................................... 100

2.1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 100

2.2 A ATUAÇÃO DOS ARTISTAS DO CGPA NO CAMPO ARTÍSTICO LOCAL ............................ 102

2.2.1 A Associação Francisco Lisboa .................................................................................. 102

2.2.2 A agenda cultural de Porto Alegre na Horizonte ..................................................... 108

2.3 SCLIAR, VASCO E UMA INSPIRAÇÃO: LEOPOLDO MÉNDEZ E O TALLER DE GRÁFICA


POPULAR ................................................................................................................................ 110
2.3.1 O TGP e o combate ao fascismo e à guerra ............................................................... 113

2.4 O CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE E O PROJETO CULTURAL DOS COMUNISTAS


................................................................................................................................................ 124

2.4.1 O Movimento dos Partidários da Paz no Rio Grande do Sul .................................. 124

2.4.2 A repercussão do Movimento pela Paz na grande imprensa de Porto Alegre ....... 157

2.4.3 As exposições organizadas pelo CGPA ...................................................................... 161

2.4.3.1 Mostra de Gravuras Brasileiras ................................................................................ 165

2.4.3.2 As técnicas da gravura através dos tempos............................................................... 165

2.4.3.3 Mostra de Honoré Daumier ...................................................................................... 166

2.4.3.4 Exposição de Carlos Scliar........................................................................................ 167

2.4.3.5 Por uma Arte Nacional .............................................................................................. 168

2.4.3.6 Gravuras Chinesas..................................................................................................... 170

2.4.4. Atividades de formação artística organizadas pelo CGPA ..................................... 177

3 OS ARTISTAS GAÚCHOS LIGADOS AO PCB: INFLUÊNCIAS, DIÁLOGOS E BALANÇOS DE UMA


GERAÇÃO ................................................................................................................................ 180

3.1 INFLUÊNCIAS .................................................................................................................... 181

3.1.1 Realismo socialista, zhdanovismo e a concepção marxista da arte ......................... 181

3.1.2 O zhdanovismo na Revista Horizonte – realismo versus formalismo ...................... 199

3.1.3 Gravura revolucionária chinesa: uma tradição alternativa .................................... 205

3.2. DIÁLOGOS ........................................................................................................................ 215

3.2.1 Regionalismo e gauchismo – Seriam os gravadores do CGPA tradicionalistas? .. 215

3.2.1.1 Além do interior idealizado e da exaltação do folclore – o proletariado urbano e


rural em gravura .................................................................................................................... 235

3.3 BALANÇO DE UM MOVIMENTO ......................................................................................... 240

3.3.1 Os anos 1970 ................................................................................................................. 240

3.3.2 A avaliação do CGPA 20 anos depois ........................................................................ 241

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 252

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 256
APÊNDICE A – SALÕES DA ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA (1938 - 1957) . 277
17

INTRODUÇÃO

Após a Segunda Guerra Mundial, mudanças profundas ocorreram nos rumos do


processo histórico mundial. A ascensão da Guerra Fria e a consequente formação dos blocos
capitalista e comunista polarizaram as relações políticas, econômicas e sociais. No Brasil, o
fim do conflito coincidiu com a reabertura democrática advinda do término do Estado Novo.
As artes e a cultura, de modo geral, sofreram os impactos dessas transformações.
No Brasil, as artes visuais eram afetadas pela criação do Museu de Arte de São Paulo
(1947), iniciativa do empresário do setor de comunicações Assis Chateaubriand, e do Museu
de Arte Moderna de São Paulo (1948), encabeçado pelo também empresário Matarazzo
Sobrinho. A arte moderna ganhou defensores e detratores ferrenhos. A disputa se configurava
em torno do abstracionismo contra o realismo. A tomada de posição dos artistas e dos críticos
estava intimamente vinculada não apenas a uma visão de arte, mas também a concepções
políticas, ideológicas e partidárias. A arte abstrata recebia incentivos de grandes empresários,
como Matarazzo, que, com o apoio de Nelson Rockefeller, fundou sua instituição aos moldes
do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (AMARAL, 2003). No ano de 1948, duas
exposições fortaleceram a divulgação dessa corrente artística, a de Alexandre Calder, no Rio
de Janeiro, e a de Max Bill, em São Paulo, nomes referenciais para os artistas ligados ao
concretismo e ao neoconcretismo. Em 1951, as discussões se acirraram com a promoção da I
Bienal de São Paulo, que tinha por prioridade a difusão das correntes internacionalistas.
A polêmica entre o realismo e o abstracionismo prontamente tomou o contorno de um
debate acerca do nacionalismo e do internacionalismo1. De modo simplificado, pode-se dizer
que o realismo era associado ao humanismo, ao compromisso político e a obras nas quais a
forma serviria à comunicação do conteúdo, por isso, inclusive, a preferência pela figuração.
Os defensores do realismo eram, sobretudo, artistas e intelectuais de esquerda, filiados ou
simpatizantes do Partido Comunista do Brasil (PCB), que se engajaram em projetos de
democratização da arte e de conscientização política, ligados à ideia de desenvolvimento da
arte nacional voltada à classe trabalhadora e às tradições culturais locais. A esse grupo
pertenceram os artistas que formaram os Clubes dos Amigos da Gravura de Porto Alegre
(CGPA) e de Bagé (CGB) e os colaboradores da revista Horizonte, que circulou na capital
gaúcha dos anos 1949 a 1956. O projeto político e cultural desses artistas engajados são os
temas centrais da dissertação.

1
Uma análise mais aprofundada da questão pode ser encontrada no capítulo Realismo versus abstracionismo e o
confronto com a Bienal do livro Arte para quê?, de Amaral (2003).
18

Antes de prosseguir, há de se fazer uma ressalva: nem todos os marxistas eram contra
a arte moderna. Mário Pedrosa, por exemplo, que foi membro do Partido Comunista e aderiu
ao trotskismo na década de 1920, defendia o abstracionismo, o surrealismo, interessava-se
pela produção artística dos alienados e pelas teorias da Gestalt, isso já nos anos 1940. Em
1943, as exposições de Alexander Calder no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (Moma)
marcaram o movimento inicial de aproximação de Pedrosa em direção a tendências
modernistas (MAMMÌ, 2015). Apesar das diferenças de concepções artísticas entre os
integrantes da esquerda, existia consenso em um ponto: a necessidade da luta contra o
fascismo.
Outra questão interessante é a defesa do nacionalismo por parte dos comunistas, tendo
em vista o caráter internacional da revolução. Porém, no momento de acirramento da Guerra
Fria, essa postura se explica por se relacionar com o combate ao imperialismo, ou seja, era
uma estratégia para lutar contra a interferência das potências capitalistas nas demais nações.
Este trabalho não vai se deter nos embates internos do campo artístico e no debate
entre realismo e abstracionismo, tratado por Aracy Amaral (2003). A pesquisa se volta aos
fatores externos ao campo que não podem ser negligenciados ao estudar a história do CGPA e
da Horizonte. O papel da militância política comunista para a materialização do CGPA e da
publicação é de tal forma preponderante que é difícil conceber que elas existiriam se não
estivessem engajadas ao projeto cultural do PCB. Essa constatação poderá ser averiguada pelo
leitor desta dissertação. Em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em História da Arte,
de 2013, intitulado Revista Horizonte (1949–1956): imagem impressa e questões sociais,
apresentei brevemente a história do Taller de Gráfica Popular (TGP), entidade que serviu de
inspiração para o CGPA, e dos impressos de esquerda no Brasil até os anos 1950; portanto,
outras questões serão tratadas na presente dissertação.
Os Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé atuaram no Rio Grande do Sul na
década de 1950 e foram representantes do que Aracy Amaral (2003) chama de arte social 2.
Integrantes dessas associações colaboraram com a produção da revista cultural Horizonte.
O conceito de arte social abrange toda a produção artística que se volta aos problemas
sociais e políticos, que denunciam as mazelas sofridas pela classe trabalhadora e que apontam
novos caminhos rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Internacionalmente, a partir da
2
Aracy Amaral (2003), no livro Arte pra quê?, aborda a história da produção artística brasileira entre 1930 e 1970,
marcada pela preocupação social. A autora dedica um espaço para contar a trajetória dos Clubes de Gravura e seus
antecedentes, enfatizando a figura de Carlos Scliar. O artista gaúcho foi o primeiro coordenador de álbuns coletivos de
gravuras no Brasil e teve grande envolvimento com as causas comunistas. Amaral demonstra a importância do contato
de Scliar e Vasco Prado com Leopoldo Méndez na formulação do projeto de construção de uma associação de artistas
voltados às artes gráficas, do CGPA e na constituição da revista Horizonte.
19

Revolução de 1917 e da formação da União Soviética, vários artistas e intelectuais dedicaram-


se a trabalhos de denúncia das desigualdades sociais a fim de conscientizar o público
politicamente e estimular reações em prol de melhorias de vida e aproximaram-se do
socialismo, entendendo-o como o caminho para uma sociedade mais justa. O movimento
muralista mexicano se tornou a referência primordial de democratização e de engajamento das
artes para os latino-americanos (AMARAL, 2003).
No Brasil, os artistas, notadamente os ligados ao projeto de modernização das artes,
almejavam transformações sociais que impactariam no campo artístico. Nos anos 1930, o
progresso e as mudanças requeridas pareciam se realizar na temática social e na militância
política, principalmente no PCB (AMARAL, 2003).
O partido acolhia os intelectuais que se aproximavam e que acabavam por colaborar
com os projetos de divulgação e de educação política liderados pelos comunistas. Desde o
início da história dos movimentos de esquerda, as organizações se dedicaram a desenvolver
veículos de imprensa a fim de difundir seus ideais, incentivar a mobilização social, além de
propagar informações culturais (MARÇAL, 2004; RUBIM, 1995) 3. Diversos impressos
contaram com o trabalho de artistas visuais, tais como Lívio Abramo (1903–1992), Paulo
Werneck (1907–1987) e Emiliano Di Cavalcanti (1897–1976). Os vários períodos de
repressão aos comunistas tornaram a circulação e a continuidade das publicações bastante
irregulares. Durante o Estado Novo (1937–1945), dissiparam-se diversas associações e,
consequentemente, seus jornais e revistas.
A redemocratização trouxe novo fôlego na criação de periódicos do Partido
Comunista. Uma rede de imprensa, contando com sua própria agência de notícias, lançou
publicações por todo o país (MORAES, 1994; RUBIM, 1995). Porém, o cenário político
mundial e os novos direcionamentos do PCB alteraram a linha ideológica de grande parte
desses veículos. O mundo saía da Segunda Guerra, que acarretou graves danos não só para os
países cujos territórios foram o palco das batalhas. As ameaças do nazi-fascismo e das armas
atômicas pairavam como fantasmas. Os tempos eram de crise, e os artistas se sentiam ainda mais
impelidos em manifestar suas convicções e lutar por justiça social. O trauma da guerra ainda
vigorava quando novos embates pareciam se configurar devido ao início da Guerra Fria e ao
acirramento do antagonismo entre os blocos capitalista e comunista. Uma intensa campanha
anticomunista, liderada pelos Estados Unidos, teve seu lugar também no Brasil. As ofensivas
sofridas pelo partido – o PCB teve sua ilegalidade decretada em maio de 1947 – foi uma das

3
Essa afirmação vale tanto para o movimento comunista quanto para os movimentos que o precederam, como o
socialista, o anarquista e o sindicalista revolucionário.
20

razões que o levaram a adotar uma postura mais radical e enrijecer as orientações de postura dos
seus filiados. A doutrina do realismo socialista zhdanovista, teoria oficializada em 1934 por
Andrei Zhdanov, secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética
(PCUS), durante o I Congresso de Escritores Soviéticos, tornou-se predominante como
concepção artística comunista.
Os fundadores do Clube dos Amigos da Gravura de Porto Alegre (CGPA), Vasco
Prado (1914–1998) e Carlos Scliar (1920–2001), iniciaram suas trajetórias ainda nos anos
1930. Ambos estiveram na Europa para estudar as tendências de vanguarda do final de 1940;
porém, o debate entre os intelectuais de esquerda, na França principalmente, foi o que mais os
impactou. Vasco e Scliar já tinham se aproximado do PCB antes de embarcar rumo ao solo
europeu, e foi o Movimento pela Paz, organizado pelos comunistas, que encaminhou seus
futuros projetos. Em 1948, eles participaram do I Congresso Mundial dos Intelectuais pela
Paz, em Wroclaw, na Polônia. O clima de tensão entre os Estados Unidos e a União Soviética
parecia configurar a Terceira Guerra, agora, de proporções atômicas e devastadoras.
Na Europa, além da mobilização pela paz, havia muitas discussões sobre os
caminhos da arte e sua função social no ambiente de esquerda. Entre os marxistas, os debates
giravam em torno da liberdade de criação e do comprometimento com a revolução socialista,
mas a referência que sobressaiu foi o realismo socialista zhdanovista. As publicações culturais
brasileiras ligadas ao PCB que se comprometeram em seguir as diretrizes da doutrina estética
soviética foram, por exemplo, Literatura, fundada em 1946, no Rio de Janeiro; Fundamentos,
criada em 1948, em São Paulo; e Horizonte, lançada em 1949, em Porto Alegre.
O contato com artistas latino-americanos, ainda no Velho Continente, também foi
determinante para Vasco e Scliar. Eles conheceram o pintor e gravurista Leopoldo Méndez
(1902–1969)4 e o trabalho desenvolvido pelo Taller de Gráfica Popular (TGP), organização
mexicana voltada às artes gráficas aplicando o modo de trabalho coletivo 5. Os gravuristas
mexicanos seguiram a trilha dos muralistas no que diz respeito à arte pública e ao
engajamento político, mas eram ligados a diversas correntes ideológicas, ou seja, não se pode
dizer que eram artistas que se restringiam a determinações partidárias. O TGP foi o modelo

4
Leopoldo Méndez (1902-1969) iniciou sua trajetória no movimento estridentista em 1921. Dedicou-se à arte de
cunho social por toda a sua vida, e colaborou com diversas publicações como o jornal El Sembrador e a revista
estridentista Horizonte. Participou da Liga de Escritores y Artistas Revolucionarios (LEAR), criada em 1933, e
fundou o Taller de Gráfica Popular(TGP), em 1937, ao lado de Pablo O’Higgins (1904-1983), Luis Arenal
(1908-1983), Raúl Anguiano (1915-2006) e Ángel Bracho (1911-2005).
5
Para saber mais sobre o Taller de Gráfica Popular e sobre Leopoldo Méndez, recomendam-se os livros El
Taller de Gráfica Popular, de Humberto Musacchio (2007), e Leopoldo Méndez: revolutionary art and the
Mexican print, de Deborah Caplow (2007).
21

dos Clubes de Gravura no Brasil e em outros países latino-americanos. O CGPA foi,


inicialmente, criado para ajudar financeiramente a produção da Horizonte, mas tão logo a
publicação se sustentou com seus próprios recursos, o Clube expandiu suas atividades,
promovendo várias exposições e cursos.
A revista Horizonte teve duas fases: a primeira, dirigida pelo escritor Cyro Martins
(1908–1995), abrange os três exemplares de 1949; e a segunda, chamada de “Nova Fase”, de
1950 a 1956, sob o comando de Lila Ripoll (1905–1967), na qual se verifica o alinhamento
mais estreito com o realismo socialista adotado pelo PCB. Na Nova Fase, Carlos Scliar e
Vasco Prado integraram o Conselho de Redação. É notável a participação dos artistas,
principalmente, entre 1950 e 1952, na produção de textos e ilustrações para a publicação. Isso
pode ser explicado pela predominância de ações do Movimento pela Paz nesses anos. Em
seguida, percebe-se o incremento de eventos próprios do CGPA. Edgar Koetz (1913–1969),
Glênio Bianchetti (1928–2014), Danúbio Gonçalves (1925), entre outros, também têm
trabalhos reproduzidos na Horizonte.
O estudo de casos como o dos Clubes de Gravura e da Horizonte exige um olhar
crítico e desvencilhado de preconceitos que porventura possam aflorar quando se trata de uma
produção alinhada a orientações políticas e partidárias, o que dificulta, para alguns estudiosos,
a atribuição de valor artístico e de importância para a História da Arte (por extrapolar os
limites da arte, admitindo interferências externas e problematizando a autonomia do campo).
As razões mais contundentes da criação dos Clubes e do ingresso de artistas na Horizonte
precisam ser buscadas no contexto político e cultural do período inicial da Guerra Fria,
nacional e internacional, e no projeto cultural comunista do pós-guerra. O objetivo central
desta investigação é averiguar os vínculos políticos, teóricos, sociais e artísticos do CGPA e
da Horizonte, a fim de compreender sua história e suas ações na sociedade. O Clube de
Gravura de Bagé (CGB) está presente; porém, não será priorizado neste trabalho, pois o
enfoque maior está na associação de Porto Alegre.
Os Clubes de Gravura e a revista Horizonte foram tema de obras de diversos autores,
entre os quais: A gravura no Rio Grande do Sul – 1900-1980, de Carlos Scarinci (1982)6; O
Grupo de Bagé e a modernidade das artes visuais no Rio Grande do Sul, de Marilene Burtet

6
Carlos Scarinci (1982) escreveu uma das referências principais acerca dos Clubes – A gravura no Rio Grande
do Sul 1900–1980. O livro foi fruto de sua dissertação de mestrado, na qual Scarinci procurou, a partir da
produção em gravura, contar a história das artes visuais do Rio Grande do Sul. O pesquisador expõe a trajetória
do Clube de Gravura desde seus antecedentes – o “Grupo de Bagé”, a formação artística de Carlos Scliar e o
encontro entre esse artista e Leopoldo Méndez – comentando a produção de seus integrantes. Ele ressalta ainda a
importante inspiração de modelo de trabalho coletivo voltado às artes gráficas vindo do Taller de Gráfica
Popular e critica a opção pelo seguimento de diretrizes zhdanovistas (SCARINCI, 1982, p. 90).
22

Pieta (1997)7; A produção da Lila Ripoll na revista “Horizonte”, de Luciana Balbueno


(2001)8; Clube de Gravura de Porto Alegre: arte e política na modernidade, de Cassandra
Gonçalves (2005)9; Gravura na campanha – um estudo sobre a criação do Museu da
Gravura Brasileira, de Ana Quadros (2010); Intelectualidade brasileira em tempos de Guerra
Fria: agenda cultural, revistas e engajamento comunista, de Luciana Arbex (2012)10; A
poética de um artista engajado: as gravuras de Carlos Scliar junto ao CGPA (1950-1956), de
Thalita Motter (2015). O estudo dos Clubes de Gravura é fundamental para a compreensão de
parcela significativa das artes gráficas dos anos 1950 que contribuíram para a expansão e a
valorização da gravura. Apesar da diversidade de pesquisas, esta dissertação busca contribuir
agregando outras referências e perspectivas, incluindo a inserção da história do PCB, as
relações com outras manifestações culturais, como o tradicionalismo, as avaliações
posteriores sobre o CGPA e seu uso por um programa cultural governamental nos anos 1970.
A formação do campo artístico passou por um processo de depuração que lhe conferiu
uma autonomia relativa que prevê relações objetivas entre os agentes e as obras. Porém, como
nos lembra Pierre Bourdieu, a História da Arte se tornou possível:

[...] porque os artistas e os seus produtos se acham objetivamente situados,


pela sua pertença ao campo artístico, em relação aos outros artistas e aos
seus produtos e porque as rupturas propriamente estéticas com uma tradição
artística têm sempre algo que ver com a posição relativa, naquele campo, dos
que defendem esta tradição e dos que se esforçam por quebrá-la
(BOURDIEU, 2011, p. 72).

Bourdieu critica os equívocos do pensamento puro e a-histórico na abordagem das


artes. A experiência artística com uma obra só é possível pelas condições históricas, ou

7
Marilene Burtet Pieta, no seu texto O Grupo de Bagé e a modernidade das artes plásticas no Rio Grande do
Sul (1997), para o catálogo do projeto Caixa Resgatando a Memória, apresenta a história dos artistas integrantes
do chamado “Grupo de Bagé” (a saber: Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Glênio
Bianchetti).
8
Luciana Haesbaert Balbueno (2001) estudou a poesia e os artigos da poetisa Lila Ripoll em sua dissertação A
produção de Lila Ripoll na Revista Horizonte, procurando discutir a função social do escritor. Esse trabalho foi
particularmente importante por ter recuperado exemplares da publicação e instrumentalizado os próximos
estudos.
9
Em Clube de Gravura de Porto Alegre – arte e política na modernidade, Cassandra Gonçalves (2005) apresenta a
história do Clube de Gravura de Porto Alegre relacionando-a aos aspectos históricos e ao ambiente artístico estadual,
nacional e internacional. A autora percorre as edições da Horizonte e apresenta brevemente seu conteúdo, citando
algumas obras e textos reproduzidos em suas páginas.
10
As revistas culturais ligadas ao PCB Horizonte, Literatura e Fundamentos, publicadas entre 1946 e 1956,
foram o tema do mestrado de Luciana Arbex (2012). O objetivo da pesquisa foi conhecer quais eram as
atividades e os temas de interesse dos intelectuais militantes durante o período marcado pela radicalização do
PCB e pela adoção da doutrina do realismo socialista. A pesquisadora enfatiza os eventos promovidos pelos
intelectuais do partido, como os congressos e a campanha pela paz. Quanto à revista porto-alegrense, Luciana
preocupa-se principalmente em estudar seus artigos e apontar as aproximações temáticas com as publicações de
outros estados.
23

condições sociais de possibilidade, que a tornam possível, mesmo que, aparentemente, pareça
transpor essas condições e envolver apenas a subjetividade e ser universal:

A experiência da arte como imediatamente dotada de sentido e de valor é um


efeito de concordância entre as duas faces da mesma instituição histórica, o
habitus culto e o campo artístico, que se fundem mutuamente: dado que a
obra de arte só existe enquanto tal, quer dizer, enquanto objeto simbólico
dotado de sentido e de valor, se for apreendida por espectadores dotados da
atitude e da competência estética tacitamente exigidas, pode-se dizer que é o
olhar do esteta que constitui a obra de arte como tal, mas com a condição de
ter de imediato presente no espírito que só pode fazê-lo na medida em que é
ele próprio o produto de uma longa convivência com a obra de arte
(BOURDIEU, 2011, p. 285-286).

Segundo o autor, o próprio campo artístico estabelece seu modo de operar e a atitude
estética que permite que ele funcione. A emergência do artista como produtor especializado e
a obra de arte como produto específico que demanda saberes específicos é concomitante com
o aparecimento da crença no valor da arte, transmitida pelo próprio artista e pelos demais
agentes – instituições, críticos, compradores, etc. A invenção primordial que proporcionou o
surgimento do campo foi a linguagem artística, em seguida, veio a biografia do sujeito artista,
aclamado, por vezes, como um gênio. Os agentes do campo estão em constante disputa a fim
de legitimar sua visão de mundo e definir o que tem e o que não tem valor. Aqueles que
conseguem se impor são os que têm mais capital simbólico reconhecido por seus pares. A
concepção do olhar puro e a pretensa universalidade de juízo são também invenções do
campo que surgiram ao longo do seu percurso rumo à autonomia. Bourdieu chama a atenção
para as questões internas, o fechamento sobre si, de retorno reflexivo (BOURDIEU, 2011).
O retorno reflexivo do campo, a constituição da História da Arte e a conexão com o
passado foi o que permitiu as rupturas das vanguardas, visto que só é possível contestar os
cânones se se tem conhecimento deles. A recusa a admitir a importância do processo histórico
e a defesa de um pensamento “puro” das artes acarreta a ignorância das condições sociais de
possibilidade através de um discurso ingênuo e equivocado (BOURDIEU, 2011).
Apesar das ressalvas de Pierre Bourdieu a algumas concepções marxistas e
marxianas11, como o conceito de classe e o economicismo, percebe-se a semelhança entre
suas ideias e a tradição do materialismo histórico. Max Raphael (1946) expõe a ideia de
domínio, segmento derivado da divisão do trabalho. O trabalho intelectual e artístico se

11
Marxiano é o termo utilizado para as ideias do próprio Karl Marx, para suas elaborações teóricas e as
concepções presentes em seus escritos. Marxista é um termo mais amplo, sendo utilizado para um escopo maior
de referências teóricas e obras de autores influenciados por Karl Marx.
24

encontraria em um domínio próprio. Mesmo que os termos e a explicação sejam diferentes, é


tentador comparar domínio com campo. É possível também associar as condições sociais de
possibilidade de Bourdieu com o que Raphael expõe como condições de desenvolvimento da
produção material e da produção artística. Não tenho a pretensão de aprofundar um estudo
comparativo entre Bourdieu e os marxistas, porém, trago essas questões para reflexão e,
talvez, apontar que não exista uma oposição radical entre as duas linhas de pensamento, algo
que pode ser confirmado ou rejeitado em uma investigação mais profunda.
Max Raphael (1946) pretendeu sistematizar uma metodologia para o estudo das artes
baseada no marxismo. Como tal, a base econômica impera como principal fator determinante
em última instância. Raphael alerta que é um erro achar que os marxistas consideram a
economia como a única causa dos acontecimentos. Entre a base econômica e a produção
intelectual, existe uma série de intermediários, há reflexos políticos, jurídicos e morais. O
domínio ideológico (intelectual, artístico e religioso) segue um princípio de relativa
independência de essência e de desenvolvimento.
Para entender o conceito de intelectual e os vínculos estabelecidos entre a
intelectualidade e os grupos sociais, recorre-se às ideias de Antonio Gramsci. Ele elabora duas
principais categorias de intelectuais: o intelectual orgânico de um grupo social encarregado de
conferir “homogeneidade e consciência da própria função” nas áreas social, econômica e
política (GRAMSCI, 1982, p. 3); e o intelectual essencial proveniente de uma “categoria
intelectual preexistente” à qual confere continuidade. É o caso dos eclesiásticos que se
ligavam organicamente ao grupo aristocrático. Gramsci observa que “todos os homens são
intelectuais [...] mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de
intelectuais” (GRAMSCI, 1982, p. 7), por conseguinte, todos são conscientes e capazes de
desenvolver e propor pensamentos, critérios morais e comportamentos inovadores, entretanto,
a sociedade estabeleceu graus da atividade intelectual. Consolidaram-se os tipos tradicionais
de intelectuais representados pelo escritor, pelo filósofo e pelo artista. Sendo o intelectual
identificado com determinado grupo dominante e contribuindo para lhe dar distinção e lhe
garantir uma posição relativa privilegiada, Gramsci descortinou os seguintes papeis
desempenhados por ele:

Os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício


das funções subalternas da hegemonia social e do poder político, isto é: 1) do
consenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orientação
pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce
“historicamente” do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo
dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da
25

produção; 2) do aparato de coerção social que assegura “legalmente” a


disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente,
mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de
crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo
(GRAMSCI, 1982, p. 11).

Não se trata de uma obediência cega à classe dominante, o que existe é uma
dependência mútua, em certo grau, e interesses em comum. O intelectual orgânico partilha
valores e objetivos com os demais membros de seu grupo. A posição no campo e a função
organizativa no âmbito da cultura desempenhada pelo intelectual o tornam especialmente
importante na difusão de princípios e na execução do projeto político.
Neste trabalho, procura-se observar as orientações de Bourdieu e de Max Raphael
acerca da necessidade de se verificar o processo histórico no qual o fenômeno artístico
acontece. Buscam-se os fatores internos e externos ao campo da arte que propiciaram a
existência do Clube de Gravura de Porto Alegre e da revista Horizonte, entre os quais se
sobressaiu o vínculo entre o CGPA e a Horizonte com o projeto político para a cultura dos
comunistas e com o realismo socialista. A noção de projeto político é sintetizada por
Frederico Duarte Bartz (2014, p. 113) como “as diversas ações que se relacionam com um
projeto coletivo para a sociedade [...] poderiam ser entendidos por projetos políticos tanto a
fundação de um partido, como a divulgação de um programa ou mesmo a formação de um
sindicato, quando este não tivesse a estrita função de luta econômica”.
Além dos exemplares da Horizonte, as fontes primárias incluíram os jornais A Hora12
e Correio do Povo e a Revista do Globo, do período de 1946 a 1956, além de documentos. A
seleção desses veículos de imprensa considerou sua importância para a época. A pesquisa foi
realizada nos acervos do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (Porto Alegre, RS),
da Associação Francisco Lisboa (Porto Alegre, RS), do Museu de Arte do Rio Grande do Sul
(Porto Alegre, RS), do Núcleo de Pesquisa Histórica da UFRGS (Porto Alegre, RS) e do

12
O jornal A Hora surgiu em Porto Alegre em 30 de novembro de 1954, tendo na direção Waldyr Borges e, na
secretaria, Josué Guimarães. Trouxe novidades para os diários da capital, como o amplo uso de fotografias e de
ilustrações, de cores e uma diagramação diferenciada. Trabalhavam no projeto gráfico Josué Guimarães, Vitório
Gheno, Xico Stockinger, Nelson Boeira Faedrich, Gastão Hofstetter e Paulo Sampaio (o Sampaulo). O
departamento fotográfico era chefiado por Ernani Contursi e composto por onze fotógrafos e quatro
laboratoristas. Apesar de o diretor-presidente ter sido advogado de João Goulart por anos e ser filiado ao PTB, o
impresso pretendia assumir uma postura independente. Outra inovação foi a presença constante de humor em
charges, em crônicas e na coluna Diário de Porto Alegre, assinada por D. Xicote, pseudônimo de Josué
Guimarães. Na redação, as mulheres se destacavam – Maria Terezinha Rodrigues (a primeira mulher editora de
jornal do Rio Grande do Sul), Nydia Moojen, Iara de Almeida, Eunice Holleben, Gilda Marinho. Ainda era
incomum a carreira profissional de mulheres no jornalismo. Marinho, pelotense e comunista, trabalhara como
tradutora para a Editora Globo e assumiu a função de cronista e colunista social em A Hora (SCHIRMER, 2000).
Em março de 1957, o jornal foi vendido para os Diários Associados de Assis Chateaubriand, entrou em
decadência e foi fechado em 1962.
26

Arquivo de João Batista Marçal (Viamão, RS). Outras publicações comunistas


contemporâneas à Horizonte também foram consultadas, como as revistas Fundamentos e
Problemas.
A Revista do Globo circulou entre 1929 e 1967 e foi a mais importante revista de
variedades gaúchas no Rio Grande do Sul, na primeira metade do século XX. Os assuntos
tratados eram os mais diversos – música, teatro, moda, política, artes visuais, cinema,
literatura. Era um meio de divulgação importante dos autores e das obras editadas pela
Livraria do Globo (RAMOS, 2016).
Nos anos 1950, Carlos Scarinci (1932–2015) era o responsável por abordar os temas
das artes visuais na Revista do Globo. Ele tratava de artistas, exposições, incluindo as
organizadas pelo CGPA, e também havia textos, pode-se dizer, mais didáticos, a exemplo do
artigo Nossa discussão de todos os dias: a arte moderna (SCARINCI, 1955a), no qual
considerou o abstracionismo uma consequência natural da evolução dos movimentos da arte
moderna e elogiou seu caráter universal e não utilitário.
A Hora se mostrou um veículo interessante para a pesquisa pelas matérias sobre as
atividades do CGPA acompanhadas por fotografias. No jornal, havia um espaço diário
dedicado às artes (a cargo de Olmedo) e várias reportagens sobre o assunto de autoria de
Olmedo ou de Josué Guimarães que, às vezes, assinava como D. Xicote.
O Correio do Povo é um jornal tradicional de Porto Alegre, fundado em 1895. Na
década de 1950, ele despontava como o principal diário sul-rio-grandense. As artes ganharam
uma coluna especial denominada de Notas de Arte, a cargo de Aldo Obino (1913–2007).
Obino foi aluno dos colégios católicos Anchieta e Rosário e formou-se na Faculdade de
Direito da Universidade de Porto Alegre (GOLIN, 2002). Trabalhou no Correio do Povo de
1934 a 1984, dedicando-se a noticiar, comentar e criticar exposições artísticas e concertos
musicais. Ele também escreveu sobre trajetórias artísticas e sobre os debates culturais em
voga no momento. Colaborou, em algumas ocasiões, com textos para a seção Editoriais e
Colaborações (SIRENA, 2014). No suplemento cultural de sábado, o Caderno H, criado na
década de 1950, as artes visuais foram o assunto de outro colaborador, o bageense Clóvis
Assumpção, que atuou como crítico de arte no jornal entre 1948 e 1955, abordando, diversas
vezes, as atividades do CGPA e do chamado “Grupo de Bagé”.
O jornalismo cultural é um componente importante do campo artístico por conferir
notoriedade aos artistas e às obras de arte e, assim, interferir nas posições relativas dos
agentes. Ele procura mostrar que seus julgamentos e suas escolhas de divulgação estão de
acordo com critérios que são consenso (SIRENA, 2014). A fonte jornalística nos proporciona
27

informações relevantes para as tentativas de reconstituição histórica; porém, deve ser tratada
criticamente, porque está vinculada a escolhas baseadas em diversos fatores, como interesses
políticos, econômicos e de legitimação do próprio campo. Por conseguinte, os artigos de
época e posteriores utilizados para contar a história do CGPA no primeiro capítulo –
principalmente, a série de reportagens do Correio do Povo, em 1976, feita a partir de
entrevistas de Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues
concedidas a Antônio Hohlfeldt, Angélica de Moraes e Maria Helena Webster – precisaram
ser problematizados, a fim de se conferir as circunstâncias que estariam envolvidas nas
escolhas editoriais.
A revista Horizonte e o CGPA integraram um projeto político gerado pelos
comunistas. O primeiro capítulo é dedicado a contar a história do PCB e a trajetória de alguns
militantes envolvidos com a publicação e com os Clubes de Gravura. Enfatiza-se o período de
legalidade do partido dos anos de 1945 a 1947, marcado pelo florescimento de várias
atividades e da rede de imprensa partidárias. A dissertação De volta para o Presente: uma
história dos militantes comunistas de Porto Alegre e suas representações acerca da
democracia (1945-1947), de 2007, e a tese À Esquerda de Seu Tempo: escritores e o Partido
Comunista do Brasil (Porto Alegre – 1927-1957), de 2012, ambas de autoria da historiadora
Marisângela Martins, são as principais referências sobre a relação entre os intelectuais e a
militância no PCB. Nesse mesmo capítulo, é traçado um panorama do campo artístico do Rio
Grande do Sul na primeira metade do século XX utilizando-se os textos, por exemplo, de
Neiva Bohns (2005) e Maria Lúcia Bastos Kern (2007a, 2007b). As trajetórias de Carlos
Scliar e da escritora Lila Ripoll são brevemente formuladas, pois ambos são peças-chave para
explicar a adesão da Horizonte e do CGPA ao realismo socialista e seu vínculo com o PCB.
Trajetória, segundo Pierre Bourdieu (1998, p. 189), é a “série de posições
sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele
próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações”. A “história de vida”
construída em termos cronológicos, listando fatos a fim de conferir um sentido ao passado e
ao futuro de um indivíduo, e baseada somente em fontes institucionais é equivocada e
insuficiente para compreender uma vida. Bourdieu explica que os acontecimentos biográficos
são colocações e deslocamentos possíveis de acordo com o espaço social, ou “diferentes
estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em
jogo no campo considerado” (BOURDIEU, 1998, p. 190). Conhecer esses estados sucessivos
e as relações entre o agente e seus pares é requisito para o entendimento da trajetória. Outro
conceito importante é o de superfície social, que diz respeito à capacidade do agente de
28

ocupar várias posições, agindo em diferentes campos. Para exemplificar, pode-se pensar no
caso do intelectual que atua no campo literário, que milita em algum partido e é funcionário
público, acrescentando-se a isso seus afetos, sua vivência familiar e seu círculo de amizade. A
compreensão de uma trajetória envolve, por fim, a percepção de que ela não obedece a uma
sequência linear e a uma coerência constante, existem inúmeros fatores que a influenciam.
O espaço social é multidimensional, um campo de forças no qual se estabelecem
interações entre os agentes que resulta na posição que cada um ocupa. O espaço social
engloba as diferentes posições do agente nos campos cultural, social, simbólico, econômico,
etc. A posição relativa no campo determina “os poderes atuais ou potenciais nos diferentes
campos e as probabilidades de acesso aos ganhos específicos que eles ocasionam”
(BOURDIEU, 2011, p. 135). O sociólogo francês complementa:

O conhecimento do mundo social e, mais precisamente, as categorias que o


tornam possível, são o que está, por excelência, em jogo na luta política, luta
ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou de transformar
o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção
desse mundo (BOURDIEU, 2011, p. 142).

Ao se estudarem as histórias de vida e da formação de Scliar e Ripoll, verifica-se que


suas escolhas partidárias e profissionais envolvem questões subjetivas, familiares,
educacionais, afetivas e, obviamente, de consciência política. As trajetórias dessas pessoas e o
programa do PCB da época confluem para a gênese da Horizonte e do CGPA.
O segundo capítulo mostra a atuação social do CGPA e a inserção dos seus integrantes
no campo artístico a partir de registros na imprensa, principalmente. Quanto ao campo das
artes, ressalta-se o papel da Associação Francisco Lisboa (AFL) como meio de legitimação
das artes alternativo ao Instituto de Belas Artes (IBA) no qual os jovens artistas encontravam
um espaço para expor e conseguir visibilidade. A participação nos salões das duas instituições
eram vias de inserção e de propulsão de uma carreira artística, o que os artistas do CGPA
também almejavam.
O Movimento dos Partidários da Paz ocupou muitas páginas da Horizonte e mobilizou
os artistas a produzir diversas gravuras publicadas na revista. Nos dois primeiros anos do
CGPA, seus membros se viram imersos nas tarefas das campanhas pacifistas e na confecção
da publicação. Em seguida, a associação intensificou a promoção de exposições e cursos em
Porto Alegre. A execução de atividades voltadas para o público era uma prioridade do projeto
cultural comunista, que aspirava democratizar o acesso à arte e estimular o apreço pela
cultura. Fala-se aqui da arte próxima ao realismo socialista, voltada à classe trabalhadora, à
29

conscientização política e promotora da transformação social. Destaca-se a mostra Por uma


Arte Nacional, instalada no Parque Farroupilha, no final do ano de 1955, na qual o público foi
convidado a ser jurado na avaliação das gravuras.
No terceiro capítulo, trata-se, primeiramente, das influências teóricas e práticas que
balizaram a produção e as ações do CGPA. Distingue-se o realismo socialista do
zhdanovismo a partir dos estudos de Stefan Morawski (1977), Vitorio Strada (1987) e Dênis
de Moraes (1994). Elencam-se as possibilidades de uma estética marxista revolucionária. A
pretensão universalista do zhdanovismo é ofuscada pela investigação e pelo uso de elementos
das tradições locais, aos moldes da moderna gravura chinesa e do TGP. A temática regional
das obras do CGPA se confundiu com os preceitos do tradicionalismo gaúcho, também
problematizados nesse capítulo. Finaliza-se com os balanços de artistas, de estudiosos e
jornalistas acerca do CGPA, revelando ressignificações das iniciativas dos gravadores nos
anos 1950, o esvaziamento do teor partidário e político e o desligamento do projeto político
em que estava embasado. Porém, ainda permaneceram nos antigos gravadores militantes
princípios e anseios que marcaram sua atuação nos anos dos Clubes de Gravura.
30

1 O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL E OS INTELECTUAIS – A GÊNESE DO


CGPA E DA REVISTA HORIZONTE

1.1 APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE O PCB E AS ARTES NO BRASIL

O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado em 1922, em Niterói (RJ), por um
grupo de militantes do movimento operário oriundos do anarquismo e do sindicalismo
revolucionário que decidiram seguir as orientações da recém-fundada Internacional
Comunista, aderindo aos princípios do bolchevismo. Ao longo dos anos, o PCB tornou-se um
espaço de referência para pensadores da realidade brasileira, que impulsionaram e apoiaram,
por meio de sua estrutura partidária, publicações de revistas, periódicos e livros que tinham
por fim serem veículos de conscientização para a classe trabalhadora 13.
A existência de intelectuais engajados no movimento dos trabalhadores organizados,
assim como a criação de órgãos de difusão de conhecimento e debate político, não foi
invenção dos comunistas. Nos primórdios do século XX, jornais, semanários e revistas
visavam prover a formação política e divulgar os eventos das organizações e, mais do que
isso, consistiam em um espaço de sociabilidade no qual atividades de lazer e de integração
também se noticiavam (JARDIM, 1990). O público-alvo se diferenciava daquele dos demais
órgãos de mídia por ser o leitor também um potencial militante e colaborador. A dura rotina
de trabalho e a escassa educação formal dos operários exigiam que os veículos adaptassem a
linguagem e o conteúdo a fim de que a categoria se identificasse com as causas defendidas e
se sentisse envolvida por elas, tornando possível a mobilização coletiva. Outro ponto
particular desse tipo de imprensa está no propósito de unir a classe, de demonstrar a
comunhão de interesses de seus integrantes. Esse objetivo propõe extrapolar o contexto local
e incitar a solidariedade em relação aos trabalhadores do resto do mundo.
A manutenção dos impressos, considerados fundamentais para a politização e para a
articulação dos movimentos, era tida como tarefa imprescindível. Ao longo do tempo, a
repressão do Estado ocasionou o fechamento de muitos deles, mas se buscavam estratégias
para contornar a situação. Retomavam-se as atividades assim que possível, mudava-se o nome
da publicação e a sede da redação, criavam-se novos jornais. A tradição de uma imprensa
engajada e de intelectuais militantes, desenvolvida ao longo das últimas décadas do século
XIX e das primeiras décadas do século XX vai influenciar o recém-fundado PCB. No caso do

13
Sobre o processo que levou à fundação do PCB, ver BARTZ, 2014. Sobre os primeiros anos do PCB, ver
Karepovs (2002).
31

Partido Comunista, o empenho nessa área gerou uma rede de imprensa próspera nos períodos
democráticos (como entre os anos 1945 e 1964) e, nos tempos de ilegalidade (como entre
1935 e 1945), manteve-se clandestinamente (DEAECTO; MOLLIER, 2013)14. A revista
Horizonte, por exemplo, foi um dos veículos que seguiam a linha oficial do partido. A
trajetória dos colaboradores se mescla à história do comunismo no Rio Grande do Sul; assim
também é o caso dos Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé. Trata-se de projetos
políticos derivados da vontade de militantes de servir à causa política e que também
contribuíram com as carreiras profissionais dos envolvidos e incrementaram o campo cultural
do estado.
Nos primeiros anos de sua criação, o PCB não impactou de maneira relevante o meio
cultural brasileiro e sul-rio-grandense. Porém, no final dos anos 1920, com a crise de 1929 e a
Revolução de 1930, intensificou-se a busca pelas contradições sociais brasileiras e o interesse
pelo modelo de transformação social da Revolução Soviética (PALAMARTCHUK, 2001).
Era o período da proletarização do partido, seguindo a orientação da III Internacional, o que
ocasionou o afastamento de líderes importantes como Octávio Brandão e Astrojildo Pereira 15.
Na década de 1930, encontramos no chamado romance social dois exemplares dessa corrente
que tratam sobre a “proletarização” de modos distintos: Parque Industrial (1932), de Patrícia
Galvão, e Caminho de Pedras (1936), de Rachel de Queiroz. Galvão era uma entusiasta da
diretriz partidária e procurou, de fato, proletarizar-se; já Queiroz criticava o autoritarismo e as
restrições impostas pelo PCB e, por essa razão, retirou-se do partido, por não aceitar a censura
e as mudanças determinadas para seu livro João Miguel.
A busca por um caráter mais social da arte era uma questão que estava colocada para
os intelectuais desde a década anterior. A Semana de Arte Moderna de 1922 já mostra
indícios do aprofundamento de interesse por referências nacionais. Ao se afastarem dos
círculos acadêmicos, muitos artistas procuraram a temática social e acabaram por se
aproximar do Partido Comunista. Em 1931, Tarsila do Amaral visitou uma exposição na
URSS e, dois anos depois, realizou a mostra que exibiu a tela Operários e na qual proferiu a
conferência Arte Proletária na URSS no Clube dos Artistas Modernos (CAM). Na mesma
época, expuseram-se trabalhos de Käthe Kollwitz (1867–1945) e David Alfaro Siqueiros
14
Os estudos sobre edição e difusão de livros pelos comunistas brasileiros têm avançado bastante nas últimas
décadas. Um balanço importante com os resultados desses estudos, com abundância de dados e registros
compilados, pode ser encontrado na coletânea Edição e Revolução: leituras comunistas no Brasil e na Franca,
organizada por Marisa Mondadore Daecto e Jean-Yves Mollier, lançada em 2013.
15
Conforme Dainis Karepovs (2002), a partir de 1929, o PCB passou pelo processo de proletarização, que, no
Brasil, ficou conhecido como obreirismo e que “significou a promoção de militantes de extração operária, em
detrimento dos tidos como de origem pequeno-burguesa” (p. 49). Esse processo foi implementado a partir de
orientação da Internacional Comunista e resultou na substituição de quase todo o núcleo dirigente do partido.
32

(1896–1974), este último visitou o Brasil e proferiu palestras sobre o muralismo mexicano.
Emiliano Di Cavalcanti (1897–1976) se filiou ao partido em 1928, manifestando a ideia do
artista engajado na realidade social. Em 1933, Portinari produziu sua primeira obra de
orientação mais engajada, Retirantes (RUBIM, 1995).
Em termos de arte social na produção internacional, a alemã Käthe Kollwitz foi uma
referência importante para os artistas brasileiros que desejavam tratar da temática social e
política. A divulgação de suas obras se dava por impressos e exposições desde a década de
1920. Um exemplo é o artigo do jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, que em 1926 trazia dados
biográficos acerca da artista alemã e celebrava o caráter humanitário e a excelência técnica de
sua produção. Também em Porto Alegre, existem evidências (por depoimento de Carlos
Scliar) de que suas gravuras eram expostas na Livraria Internacional, de propriedade do
anarquista Friedrich Kniestedt (AMARAL, 2003).
Naquele mesmo período, outros artistas alemães também eram relevantes para a arte
engajada, como Otto Dix (1891–1969) e George Grosz (1893–1959). Theodor Heuberger, que
fundou a Sociedade Pró-Arte em 1931, organizou a Exposição Allemã de Livros e Artes
Gráphicas na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em junho de 1930, reunindo aquarelas e
água-forte de Dix e desenhos de Grosz pertencentes a Mário de Andrade. O Diário da Noite
noticiou a mostra e ressaltou as águas-fortes de Käthe, “a maior desenhista social da Europa”
(EXPOSIÇÃO..., 1930a, p. 2). A mostra seguiu para São Paulo, e na notícia do Correio
Paulistano, os trabalhos de Kollwitz novamente são exaltados: “[...] série ‘guerra campestre’,
editada em Dresde, constitue uma maravilha, pelos assumptos observados e executados com
gênio” (EXPOSIÇÃO..., 1930b, p. 2).
Em 1932, o Clube de Artistas Modernos surgiu em São Paulo, idealizado por Flávio de
Carvalho, Di Cavalcanti, Antonio Gomide e Carlos Prado. Também na capital paulista, havia
a Sociedade Pró-Arte Moderna, encabeçada por Lasar Segall. A Pró-Arte enviou obras
gráficas alemãs para o Clube a fim de que organizasse exposições. A dedicada a Käthe
Kollwitz, em 1933, foi a mais relevante e gerou a conferência de Mário Pedrosa publicada
com o título de As tendências sociais da arte e Kaethe Kollwitz em O Homem Livre16.
É importante caracterizar o início dos anos 1930 como um período marcado também
pela luta contra o fascismo e a influência crescente de sua variante brasileira, o integralismo.
16
Em 1928, houve dissidências dentro do Partido Comunista do Brasil (PCB), surgindo a Liga Comunista
Internacionalista, vinculada à Oposição Internacionalista de Esquerda; o crítico Mário Pedrosa tornou-se
membro. Pedrosa estudara, em 1927, na Faculdade de Filosofia da Universidade de Berlim, regressando ao
Brasil em 1929. Filiou-se ao PCB em 1931, mas se afastou por se vincular à corrente trotskista. A palestra Käthe
Kollwitz e seu modo vermelho de perceber as cousas é considerada o marco inicial de sua trajetória como crítico
de arte e fo proferida no Clube dos Artistas Modernos (CAM), em 1932.
33

Existia um movimento de engajamento dos intelectuais que buscavam justiça social na luta
contra o autoritarismo dos camisas-verdes e dos camisas-negras17. Nesse contexto foi criada,
em São Paulo, em 1933, a Frente Única Antifascista. A FUA foi dirigida por Francesco Frola
e era composta por membros do Partido Socialista Brasileiro, da União dos Trabalhadores
Gráficos, da Legião Cívica 5 de Julho, do Partido Socialista Italiano, do Grêmio Universitário
Socialista, do Bandeira dos Dezoito, da Liga Comunista e dos grupos Socialista Giacomo
Matteotti e Italia Libera. Os periódicos vinculados à FUA eram A Rua, O Homem Livre e O
Socialismo. O PCB não participou da fundação da Frente devido à presença de trotskistas;
entretanto, os comunistas estiveram em eventos como os comícios realizados em novembro e
dezembro de 1933 e janeiro de 1934 (CASTRO, 2005).
O CAM abriu a mostra individual de Kollwitz no mês de junho de 1933 e, no dia 16,
Mário Pedrosa proferiu a comunicação Käthe Kollwitz e seu modo vermelho de perceber as
cousas. Em julho, a conferência foi convertida em uma série de artigos publicada em O
Homem Livre. O redator-chefe do periódico, Geraldo Ferraz, exprimiu sua admiração à
artista:

Käthe Kollwitz é hoje a professora de arte gráfica expulsa da Alemanha pela


estupidez massiça (sic) do “Fuhrer” cretinizado. Mas os seus manifestos
formidáveis traduzidos na linguagem quasi concreta dos seus trabalhos,
correu mundo.[...] Kathe Kollwitz fotografou, parou no fundo inanimado dos
seus desenhos, os aspectos da vida trágica dos que serviram de carne de
canhão da guerra do último imperador alemão, dos que sofreram fome, dos
que ficaram desempregados, em torno da cama cheia de crianças – as
crianças pobres da Alemanha – onde a mulher doente olha para um futuro
sem nada.
Se é verdade que a técnica dessa artista é boa, por expressar de maneira mais
completa.
[...]
As crianças da Alemanha estão com fome enquanto o sr. Hugenberg enche a
pança e ajuda o palhaço do “ressurgimento” da Alemanha a equilibrar-se nos
pés de barro do social-nacionalismo, manchado de sangue e mergulhado no
obscurantismo de um novo medievo.
Um dia a Alemanha viverá de novo. É o que penso diante desta intérprete
maravilhosa da revolta dos miseráveis, dos oprimidos, das vítimas das
guerras (FERRAZ, 1933, p. 3).

No texto As tendências sociais da arte e Kaethe Kollwitz (1933), Mário Pedrosa


explanou a respeito da relação dos modos de produção e a civilização, as implicações entre
técnica e formas estéticas, fazendo uma retrospectiva desde a arte primitiva, passando pelos
gregos e pelos renascentistas. Sobre a arte de seu tempo, Pedrosa afirma:

17
Como eram conhecidos os integralistas e os fascistas, pelas respectivas cores de seus uniformes.
34

Si as chispas mágicas dos altos fornos e as formas audazes das máquinas


prodigiosas enchem o cérebro e a imaginação de uma parte dos artistas de
hoje, levanta-se por outro lado, como exigência de integralização do espírito
humano, como expressão necessária da sensibilidade moderna, uma outra
parte destes, que deixa o campo da natureza morta e das pesquisas
puramente técnicas para ver a sociedade em vivo, na sua dramática
fermentação. Esses vão buscar os elementos de uma expressão poética
também moderna nas relações sociais contemporâneas (PEDROSA, 1933a,
p. 3).

Pedrosa ressalta que a arte individual era uma invenção recente, mas havia aqueles que
resistiam à concepção da arte pela arte, que era o caso de Kollwitz, que visava ao proletariado.
Seu trabalho estava marcado por um “humanismo superior” e, acrescenta: “pela sua atitude
em frente à guerra, define-se a tendência social dominante em Kollwitz – a fidelidade à sua
classe” (PEDROSA, 1933b, p.4). Conforme observa Eliana Simone (2004), poderia ser um
erro de entendimento entre o termo construtor e pedreiro em alemão que fez com que Käthe
fosse considerada “filha de pedreiro” por Pedrosa, o que não era verdade, sua origem
burguesa, porém, não impediu sua aproximação e interesse pelas classes mais populares. O
crítico revela sua crença na função socializadora e transformadora da arte:

A arte social hoje em dia não é, de fato, um passatempo delicioso: é uma


arma. A obra de Kollwitz concorre assim para dividir ainda mais os homens.
A dialética da dinâmica social que as leis da lógica e da psicologia individual
não decifram, faz com que uma obra destas, tão profundamente inspirada de
amor e de fraternidade humana, sirva entretanto, para alimentar o ódio da
classe mais implacável . E com isto está realizada a sua generosa missão
social (PEDROSA, 1933c, p. 6).

No mesmo ano, Tarsila do Amaral (1886–1973) realizou a conferência A arte


proletária, na qual tratou da evolução do ideal de beleza nas artes e das suas mudanças em
uma sociedade revolucionada. No evento, executaram-se hinos e músicas soviéticas, para
onde Tarsila viajara dois anos antes. Ainda em 1933, David Alfaro Siqueiros visitou o Clube,
onde deu o relato acerca da arte revolucionária mexicana, particularmente, do muralismo.
Em 1935, o Clube de Cultura Moderna do Rio de Janeiro, inaugurou a Mostra de Arte
Social, organizada por Aníbal Machado, contendo cerca de 170 obras, entre as quais
predominaram as obras gráficas, entre elas, as de Goeldi, Santa Rosa, Ismael Nery, Di
Cavalcanti e Portinari. O desenho e a gravura traziam consigo um aspecto revolucionário
advindo de uma tradição que comportava Honoré Daumier (1808–1879), Francisco de Goya
(1746–1828) e Käthe Kollwitz. O tema da mostra foi objeto da conferência de encerramento,
35

de Aníbal Machado, reproduzida na revista Movimento de outubro de 1935 (AMARAL,


2003).
No plano político, em 1935, tem-se a formação da Aliança Nacional Libertadora
(ANL). Contava com a liderança dos comunistas, incluindo a participação de “tenentes” e de
Luiz Carlos Prestes como figura pública nacional, atraiu diversos intelectuais pelo caráter
revolucionário de seu programa18. O movimento foi duramente reprimido a partir de 1935,
principalmente depois da insurreição de novembro daquele ano. A repressão e a censura
contra os comunistas se intensificaram depois do Golpe do Estado Novo, em 1937, mas a
relação entre intelectuais e PCB logo iria novamente se fortalecer no âmbito da luta
antifascista durante a Segunda Guerra Mundial. Essa relação foi intensificada no final do
conflito, no período da redemocratização, quando o partido atuou legalmente, de 1945 a 1947.
Em 1945, no processo de redemocratização, o PCB se tornou um partido legal, com
atuação pública. Durante sua legalidade, o partido chegou a 300 mil filiados, contando em seu
quadro com destacados representantes da intelectualidade brasileira – Carlos Drummond de
Andrade, Oscar Niemeyer, Dorival Caymmi, Monteiro Lobato, Quirino Campofiorito e vários
outros. Todo esse entusiasmo dos intelectuais pelo partido se enfraqueceu a partir de 1947,
ano marcado pelo início da Guerra Fria e pelo processo de cassação do registro do partido,
levado a cabo pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A perseguição aos comunistas e o
enrijecimento das orientações partidárias sob influência soviética levaram à radicalização e ao
controle excessivo dos membros do PCB, o que, consequentemente, afastou muitos deles
(RUBIM, 1995).
Durante este período de crescimento e legalização, seguindo as orientações do
Kominform19, o PCB procurou estabelecer seus instrumentos culturais como sua rede de
veículos de imprensa, as escolas de partido, a Associação Brasileira de Escritores (ABDE) e o
Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz. Em 1945, foi fundada a União dos
Trabalhadores Intelectuais (UTI), cuja missão era participar da redemocratização e da qual
participaram pessoas de diversos segmentos, artistas, escritores, profissionais liberais, etc.
Após 1945, com o fim do Estado Novo e com a redemocratização, a simpatia de
artistas pelo partido pôde ser publicamente mostrada, como na exposição Artistas Plásticos do
18
A Aliança Nacional Libertadora foi formada a partir da união de tenentes de esquerda, intelectuais e militantes
comunistas. Um dos principais motivos para essa formação foi o combate ao avanço do fascismo e o caráter cada
vez mais conservador do governo de Getúlio Vargas. As primeiras reuniões para discutir a formação dessa frente
se realizaram no Rio de janeiro, em fins de 1934, mas o lançamento oficial da ALN só se daria em 1935.
19
Kominform é a sigla de Birô de Informação dos Partidos Comunista e Operário, criado em 1947 e dissolvido
em 1956, que visava coordenar as atividades dos partidos comunistas sob as orientações do PCUS. Um de seus
principais organizadores foi Andrei Zhdanov. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/c/cominform.htm>. Acesso em: 7 out. 2016.
36

Partido Comunista do Brasil, da qual participaram Sigaud, Bruno Giorgi, Pancetti, Portinari,
Burle-Marx, Santa Rosa, entre outros. Além desta exposição, as publicações partidárias eram
um dos principais espaços de atuação de artistas e intelectuais como militantes. Di Cavalcanti,
Paulo Werneck, Carlos Scliar e Renina Katz, por exemplo, ilustraram e contribuíram com a
programação visual de vários impressos.
Nesse contexto, o PCB incentivou a criação de clubes de gravura em várias cidades 20.
A arte gráfica poderia ser uma ferramenta importante para difundir os preceitos ideológicos
aos moldes das gravuras com temática revolucionária21. O Clube dos Amigos da Gravura de
Porto Alegre foi o pioneiro e o mais ativo, tendo surgido já em 1945. Os gravadores
defendiam a figuração e o conteúdo político nas artes, o que os distanciou das tendências
abstracionistas que passaram a dominar as vanguardas naquele momento, como pode ser
verificado nas bienais de São Paulo. Os comunistas se aventuraram inclusive no audiovisual,
organizando a Tabajara Filmes e cineclubes, como o Clube de Cinema da Bahia, encabeçado
por Walter da Silveira, pelo qual passaram Paulo Gil Soares e Glauber Rocha (RUBIM,
1995).
As revistas culturais dedicavam suas páginas ao cinema brasileiro e à crítica
cinematográfica, chegando a empreitada dos comunistas à produção de filmes. Oscar
Niemeyer e Rui Santos criaram a Liberdade Filmes, que lançou o documentário O comício de
Prestes do Pacaembu e 24 anos de luta, este sobre a história do partido. Os acontecimentos
partidários também eram o tema de Juventude e Atividades políticas em São Paulo, de Nelson
Pereira dos Santos, Esperança das multidões e Congressos, de Salomão Scliar. As produções
de maior projeção foram Estrela da Manhã (1950), dirigido por Oswaldo Marques de
Oliveira, conhecido por Jonald, com argumento de Jorge Amado e música de Radamés
Gnattali e Dorival Caymmi; O Saci (1953), dirigido por Rodolfo Nanni, da produtora
Brasiliensis Filmes, e Rosa dos Ventos, coprodução Brasil e República Democrática da
Alemanha (RUBIM, 1995).

20
O Clube de Gravura de Porto Alegre foi o pioneiro em sua experiência, tendo surgido em 1950. Nos anos
seguintes, organizaram-se os Clubes de Bagé, de São Paulo, de Santos, do Rio de Janeiro e o Ateliê Coletivo do
Recife (AMARAL, 2003, p. 175-190).
21
Uma das principais referências para os clubes de gravura eram os expressionistas alemães e os artistas do
Taller de Grafica Popular do México. Também havia uma considerável influência da gravura revolucionária
chinesa, que despontava naquele período como imagem da Nova China, onde os comunistas haviam saído
vitoriosos no ano de 1949 e onde se consolidava uma concepção de arte como arma política (AMARAL, 2003, p.
177-178).
37

1.2 A IMPRENSA COMUNISTA NO BRASIL

Desde os primórdios da história do comunismo no Brasil, percebe-se a preocupação de


proporcionar cultura e formação aos militantes. O partido promovia cursos, palestras e chegou
a construir escolas partidárias. Essa dedicação à formação se tornou mais evidente por meio
dos impressos (RUBIM, 1995).
A imprensa comunista brasileira encontrou no marxismo-leninismo seus preceitos.
Sabe-se que Karl Marx e Frederick Engels utilizavam os impressos como forma de combater
o sistema político autoritário e que os consideravam um meio de exercer a liberdade de
expressão e de tratar da luta de classes. Marx elaborou artigos para a Gazeta Renana de
Colônia, até seu fechamento, em 1843. Em sua estada em Paris e, posteriormente, em
Bruxelas, colaborou com diversos periódicos, propagando as ideias comunistas. Em 1848,
Marx e Engels escreveram o Manifesto do Partido Comunista, o conteúdo programático da
Liga Comunista. Logo depois, os dois militantes fundaram, na cidade de Colônia, a Nova
Gazeta Renana, que durou pouco tempo, pois foi decretado estado de sítio no final de 1849.
Vladimir Lenin também se envolveu com jornais antes da Revolução de Outubro,
como mostra sua preocupação com a importância de um periódico operário para toda a Rússia
em sua obra O Que Fazer?. Em um primeiro momento, o papel desse veículo seria articular o
partido, após assumir o Estado, informar e unir a população em torno dos valores soviéticos.
Os pensamentos de Lenin foram referência para o PCB. O jornal assumia a importante função
de transmitir os conteúdos revolucionários para o proletariado, de transformar a teoria em
ação; era, portanto, um órgão político da classe trabalhadora. Por meio da imprensa, seria
possível sintetizar a diversidade de pensamento na busca de metas comuns. Dênis de Moraes
(1994, p. 61) aponta que, conforme as concepções leninistas, um “jornal popular” precisaria
ter: “a) a seriedade da informação, o que significa ‘ir ao local, escolher os documentos,
organizar fichários, fazer estatísticas, não omitir data ou nome’; b) a interpretação marxista
dos fatos sociais; c) o vigor da expressão”.
A construção dos órgãos de imprensa partidários deveria seguir o estabelecido pelo
Komintern22, instituído em 1920, em Moscou, ou seja: as publicações teriam de ser dirigidas
por pessoas de confiança do partido e dedicar-se, principalmente, à educação política, à
mobilização dos trabalhadores e à difusão dos princípios partidários.

22
O Komintern (Kommunistsch Internationale) ou Internacional Comunista foi uma organização criada em
1919, em Moscou, para unificar e coordenar as lutas dos diversos PCs ao redor do mundo. Sua extinção se deu
no ano de 1943.
38

O nascimento formal do PCB foi antecedido pelo lançamento de O Movimento


Comunista, em janeiro de 1922, pelo Grupo Comunista do Rio de Janeiro, que visava
organizar o proletariado. Essa revista teve 24 edições e tiragem de 1500 exemplares, e sua
circulação foi até 1923. Na época, o anarquismo ainda era relevante no movimento operário, e
os jornais ajudavam a diferenciá-lo do comunismo. Além das publicações próprias, a seção
sindical de O País, um dos principais jornais do Rio de Janeiro, era elaborada pelo partido
(RUBIM, 1995).
Entre 16 a 18 de maio de 1925, no II Congresso do PCB, surgiu o semanário A Classe
Operária, cuja maior missão era auxiliar na formação das estruturas de funcionamento do
partido. A tiragem desse jornal variou de cinco a onze mil exemplares, e ele circulou até 1952,
com alguns períodos de interrupção. Dois anos depois, foi lançado A Nação, que circulou por
poucos meses, mas atuou na campanha das eleições para o Congresso Nacional em prol dos
candidatos do Bloco Operário (MORAES, 1994). Na capa da edição em homenagem ao Dia
do Trabalhador de 1928, ostentava-se o lema comunista “Proletários de todos os países, uni-
vos” e a imagem de um trio de homens abraçando o globo terrestre acompanhada pela legenda
“sem distincção de línguas e de raças, supprimindo a estreitez odiosa das fronteiras!”, a fim de
reafirmar a necessidade da união e da solidariedade entre os proletários de todo o mundo,
superando os limites geográficos dos Estados nacionais burgueses e capitalistas (Fig. 1 e 2).
Em 1929, o jornal parou de circular durante alguns meses devido à repressão do governo de
Washington Luís (1926–1930).
Também durante o II Congresso do PCB, ocorreu uma cisão no quadro dos militantes.
A linha majoritária defendia a bolchevização e o processo de proletarização dos filiados.
Entre os que se alinharam a essa corrente estavam os artistas Oswald de Andrade, Patrícia
Galvão e Flávio de Carvalho, criadores do periódico O Homem do Povo (1931). É desse
período a publicação O Boletim de Ariel, publicado no Rio de Janeiro, responsável por
veicular debates político-culturais.
É notável a participação de artistas nos impressos de esquerda. Lívio Abramo (1903–
1992), um dos precursores da arte política, ilustrou jornais brasileiro e italianos, por exemplo,
L’Arrotino, Lo Spagheto, Luta de Classes e O Homem Livre (Fig. 3). As exposições sobre o
expressionismo alemão dos anos 1920 foram importantes referências para Abramo.
39

Figura 1 – Capa do jornal A Classe Operária, 1 maio 1928, Segunda Phase, n. 1.


Fonte: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/classe_operaria/pdf/51_594.pdf>.

Figura 2 – Ilustração da capa do jornal A Classe Operária, 1 maio 1928, Segunda Phase, n. 1.
Fonte: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/classe_operaria/pdf/51_594.pdf>.
40

Figura 3 – Capa do jornal O Homem Livre, 24 jul. 1933.


Fonte: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/homem/pdf/09_24-07-1933.pdf>.

Outra figura de destaque foi Emiliano Di Cavalcanti. Além de colaborar com suas
obras, também se empenhou em escrever sobre a arte social, como demonstrado
anteriormente. Aracy Amaral (2003) exemplifica essa questão mencionando artigo acerca da
exposição de Tarsila do Amaral no Diário Carioca de 15 de outubro de 1933. O artista
defendia a necessidade de se perceberem a realidade e os problemas da sociedade. Em 1933,
Di Cavalcanti lançou o álbum A realidade brasileira (Fig. 4), uma obra crítica da política e
dos costumes.
A Aliança Nacional Libertadora (ANL) tornou-se um movimento de destaque dos
comunistas23, com caráter antifascista e popular, apoiado por Luiz Carlos Prestes. Muitos
intelectuais que almejavam mudanças na base da sociedade brasileira se aproximaram da
ANL, sendo a maioria proveniente da classe média urbana. A Aliança geria três diários: Folha
do Povo (Pernambuco), A Manhã (Rio de Janeiro) e A Platéia (São Paulo). Vários intelectuais
– Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Rubem Braga, Jorge de Lima, entre outros – escreviam

23
A ANL não era um movimento exclusivo do PCB, mas abrangia pessoas de diversas vertentes políticas
interessadas em lutar contra o fascismo.
41

para esses jornais, que continham ilustrações de Di Cavalcanti, Paulo Werneck e Santa Rosa
(RUBIM, 1995). Paulo Werneck colaborou com vários impressos comunistas, incluindo o
jornal A Classe Operária (Fig. 5).

Figura 4 – Emiliano Di Cavalcanti. O espírito das leis acima de tudo, 1933, do álbum A Realidade Brasileira
Fonte: Coleção Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.

Figura 5 – Paulo Werneck, Luiz Carlos Prestes, 1949


Capa do jornal A Classe Operária, ano IV, n. 157, 1 jan. 1949
Fonte: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/classe_operaria/pdf/51_766.pdf>.
42

A partir do levante de 1935, a repressão aos comunistas recrudesceu e as redações dos


seus jornais foram desmanteladas. Somente com a redemocratização de 1945 esse cenário
mudou. Entretanto, o partido continuou sua atividade de imprensa. Em 1937, apareceu a
revista Problemas, na cidade de São Paulo, que tratava de assuntos culturais, políticos e
econômicos. No ano seguinte, retomou-se a produção da Revista Proletária com o intento de
“[...] contribuir para a homogeneização ideológica do partido em torno de uma perspectiva
marxista-leninista-stalinista; da luta ideológica contra o trotskismo e fascismo, em um
patamar internacional e brasileiro” (RUBIM, 1995, p. 29). Voltadas para a área cultural,
criaram-se as revistas Leitura e Esfera.
Na fase de legalidade do partido, de 1945 a 1947, o conjunto de publicações
comunistas se destacou pela quantidade e pela qualidade devido ao prestígio de seus
colaboradores, entre os quais muitos artistas e escritores reconhecidos. Oito diários e diversos
semanários ligados aos comunistas circulavam, como: Tribuna Gaúcha (Porto Alegre),
Tribuna do Povo (São Luís), Tribuna Popular (Rio de Janeiro), Hoje (São Paulo), Folha do
Povo, (Recife), O Momento (Salvador), Folha Popular (Natal). Esses periódicos alcançavam
um grande público e contribuíram com a formação de jornalistas em diversas regiões do país
(RUBIM, 1995). A importância da imprensa foi reafirmada durante a III Conferência
Nacional do PCB, em 1946.
No Brasil, a adoção do realismo socialista se evidenciou após o fim da Segunda
Guerra Mundial em publicações culturais ligadas ao Partido Comunista. A revista Literatura,
do Rio de Janeiro, fundada e dirigida por Astrogildo Pereira em 1946, congregava
colaboradores de diversas tendências políticas e publicava textos de variados gêneros –
poemas, crônicas, notícias – visando tornar públicas as questões da cultura. Dois anos após
sua fundação, o conteúdo da publicação se restringiu ao procurar seguir a linha zhdanovista.
Semelhante é o caso da revista Fundamentos, de São Paulo, lançada em 1947 e dirigida por
Monteiro Lobato e Ruy Barbosa Cardoso (Fig. 6). Em suas páginas, encontram-se artigos em
que transparece a defesa dos princípios do partido e matérias sobre cultura em geral (ARBEX,
2012).
A adoção de posturas mais radicais pelo Partido Comunista do Brasil é explicada não
só em função da obediência às diretrizes do Partido Comunista da União Soviética, mas
também pela própria situação em que se encontrava no país. Os comunistas conseguiram se
eleger para alguns cargos nas eleições de 1947; porém, o PCB foi denunciado ao Supremo
Tribunal Eleitoral sob a acusação de ser um braço da União Soviética dentro do Brasil. Os
políticos do partido foram cassados, e o PCB foi considerado ilegal. Empurrado para a
43

marginalidade, tendo comícios encerrados a cassetetes e seus militantes perseguidos, a reação


do partido foi restringir as vertentes internas em prol da unidade de pensamento entre seus
membros. Além disso, os primeiros anos da Guerra Fria se caracterizaram pela propaganda
anticomunista e pela política intervencionista dos Estados Unidos na América Latina, o que
também afetou o Brasil.
A rigidez das diretrizes partidárias é percebida nas páginas dos veículos de imprensa
do PCB. A revista Problemas, criada por 1947, por exemplo, dirigida por Carlos Marighella e
Diógenes Arruda, continha textos sobre assuntos da cultura em geral, mas, quando o partido
intensificou seu propósito de formação ideológica por meio das publicações, passou a
publicar, sobretudo, traduções dos teóricos do marxismo-leninismo (Fig. 7).

Figura 6 – Capa da revista Fundamentos, jun. 1948


Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
Fonte: <http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=102725&pasta=ano%20194&pesq=>
44

Figura 7 – Capa da revista Problemas, ago.-set. 1948


Fonte: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/13/index.htm>

O II Congresso dos Escritores teve lugar em Belo Horizonte, de 12 a 16 de outubro de


1947, e marcou o conflito entre comunistas e não comunistas. O foco dos debates estava nos
direitos autorais, matéria de um projeto de lei, mas os militantes do PCB queriam que os
congressistas se preocupassem com a Lei de Segurança Nacional e a cassação do registro do
partido, sendo bastante impositivos nos trabalhos da Comissão de Assuntos Políticos, o que
gerou protestos. Carlos Drummond de Andrade reclamou da tentativa de partidarização da
ABDE e do evento. A mescla de assuntos político-partidários com profissionais – no caso, da
categoria dos escritores – tornou-se alvo de críticas que alegavam que isso prejudicaria
discussões intelectuais mais densas.
O PCB conseguiu impor sua linha à ABDE no ano de 1949 quando ocorreu a eleição
da diretoria. Duas chapas concorreram, uma ligada ao Partido encabeçada por Homero Pires;
outra, liderada por Afonso Arinos de Melo Franco. A concorrente “neutra” venceu, mas
conflitos agressivos com os membros do partido a levaram a renunciar e a sair da associação.
Na verdade, todos os associados não comunistas deixaram a entidade. Tudo isso ocasionou o
distanciamento entre os literatos por questões ideológicas e, de certa forma, determinou a
divisão polarizada do espaço de trabalho.
Sob a perseguição do governo de Eurico Gaspar Dutra, o PCB endurecia as
orientações a seus militantes. A reação à ilegalidade aos ataques decidida pelo partido seria a
luta armada. Isso era propagado nas publicações comunistas e no Manifesto de 1950
(MARTINS, 2012).
45

As revistas culturais se destacavam por envolver escritores e artistas renomados.


Literatura teve na redação Álvaro Moreyra, Graciliano Ramos e Manuel Bandeira.
Fundamentos contou com a colaboração de Monteiro Lobato, Mario Gruber e Caio Prado Jr..
Também foram lançadas Seiva (Salvador), Para Todos (Rio de Janeiro), Orientação (Recife)
e Horizonte (Porto Alegre). Essas publicações colaboraram com o campo cultural das
diferentes regiões do Brasil ao disponibilizarem ao público textos literários, reportagens,
poemas, reproduções de imagens artísticas e matérias sobre sociedade, política, cinema,
música, etc. Mesmo na fase mais radical, na qual a produção era mais controlada, essa
contribuição não pode ser desprezada, conforme conclui Antonio Rubim:

Em uma sociedade com reduzidíssimo número de instituições culturais; com


espaços de cultura inacessíveis, em razoável medida, pelo seu elitismo,
conservadorismo e formalidades; imersa em um processo de modernização e
mudança, marcado pela emergência e integração de (novos) grupos sociais;
sem uma divisão de trabalho nitidamente cristalizada no campo intelectual;
em uma sociedade transpassada por todas essas características, este aparato
político-cultural, configurado tão somente até aqui pela imprensa, funciona
como pólo e circuito gravitacional de importância – variada, a depender das
circunstâncias – da vida cultural e, de modo simultâneo, como espaço/tempo
de formação e realização dos intelectuais (RUBIM, 1995, p. 38).

Os artistas comunistas resgataram as obras de Käthe Kollwitz como modelo de artista


devido às gravuras de temas sociais, à técnica apurada e à preferência pela figuração. Os
trabalhos de Kollwitz podiam ser encontrados nas páginas de publicações ligadas ao PCB.
Temos o caso da Fundamentos – Revista de Cultura Moderna, que lançou seu primeiro
número em junho de 1948, tendo no cargo de diretor Ruy Barbosa Cardoso e no de redator-
chefe, Monteiro Lobato. No seu nono exemplar, a capa estampava Nie Wieder Krieg (“Guerra
Nunca Mais”), de Käthe Kollwitz. Trata-se de uma litografia feita em agosto de 1924 a pedido
da Juventude Alemã, ligada ao Partido Socialista Alemão, segundo o artigo sobre a artista
(Fig. 8). Na fase em que vigorou o realismo socialista zhdanovista, a produção de temática
política e social de Käthe foi tomada como exemplo de arte voltada à luta pelas causas do
povo e da revolução socialista24.
No corpo da revista, uma matéria (de autoria desconhecida) valoriza a história de vida
de Kollwitz e ressalta a rebeldia dos antepassados da artista 25. Seu avô, Julius Rupp, afastou-
se da Igreja Luterana oficial para criar uma comunidade de religião livre; seu pai desistiu da

24
Informações sobre o zhdanovismo serão aprofundadas no capítulo 3 desta dissertação.
25
Em revistas sindicais ou de movimentos de esquerda, era comum aparecerem matérias não assinadas, não
apenas por receio de perseguição policial, mas também porque isso pressupunha uma autoria coletiva do
movimento ou então a opinião da própria revista.
46

carreira de advogado para se tornar construtor e transmitiu à filha as ideias socialistas. Käthe
casou-se com o médico Karl Kollwitz, com quem morava em um bairro de proletários de
Berlim. O autor desse comentário ainda enfatiza o caráter de denúncia das mazelas sociais de
suas obras. Uma das causas mais caras à artista alemã foi a pacifista, até mesmo por questões
pessoais. Durante a Primeira Guerra, o filho de Käthe, Peter, alistou-se como voluntário e foi
morto em batalha cerca de um ano depois. Esse trauma fez com que ela se dedicasse ainda
mais às campanhas promovidas por socialistas e comunistas em defesa da paz, dos direitos
dos trabalhadores e das mulheres. A artista morreu em 1945, sem ver o fim do conflito
mundial, após ser obrigada a se retirar de sua casa, que acabou bombardeada, em Berlim.

Figura 8 – Käthe Kollwitz. Guerra nunca mais (Nie Wieder Krieg), 1924
Capa da revista Fundamentos, n. 9-10, mar.-abr. 1949
Fonte: Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional

No ano de sua morte, Käthe Kollwitz esteve representada por treze obras na Exposição
de Arte Condenada pelo III Reich, inaugurada em 10 de abril de 1945, na Galeria Askanazy,
localizada na cidade do Rio de Janeiro. A mostra reuniu trabalhos de 39 artistas banidos por
Hitler que pertenciam a refugiados de guerra. No texto para o catálogo, Hannah Levy
47

distribuiu as obras em três grupos – impressionistas, expressionistas, cubistas e abstracionistas


– e preocupou-se em explicar aquela produção ao público brasileiro. Levy dedicou algumas
linhas a Kollwitz, elogiando sua persistência na luta pelos oprimidos e a simplicidades de suas
obras (KERN, 2016).
A divulgação das obras de Kollwitz em impressos, partidários ou não, é característica
de sua trajetória. A revista alemã Simplicissimus publicou a série de desenhos Retratos da
Miséria entre 1908 e 1911. Ela cedeu trabalhos para cartazes de campanhas que denunciavam
as duras condições de trabalho, a exemplo de Trabalho Domiciliar (1909), e iniciativas da
Associação Grande Berlim por moradias populares, como Em Prol da Grande Berlim (1912)
(Fig. 9). Durante a República de Weimar (1919–1933), Käthe assumiu o cargo de professora
de artes gráficas da Academia de Belas Artes de Berlim, da qual foi expulsa devido a sua
ligação com entidades de esquerda após a ascensão ao poder de Adolf Hitler, em 1933. Em
1936, ela passou a ser vigiada pela Gestapo e ameaçada de ser enviada a um campo de
concentração pelas suas críticas ao fascismo publicadas na revista soviética Iswestija e
obrigada a se retratar publicamente. Käthe e o marido não deixaram a Alemanha no período
da guerra, mas tiveram de se retrair e emudecer seus protestos contra os horrores que
presenciavam (SIMONE, 2004).

Figura 9 – Käthe Kollwitz, Em Prol da Grande Berlim (Für Gross Berlin), 1912
Litografia, 72,7 X 95,8 cm, MoMA

Kollwitz se sensibilizava especialmente com os temas pacifistas. Pelo fato de a União


Soviética ter se colocado à frente da luta contra o fascismo, a artista a homenageou pelos seus
48

quinze anos com a obra Solidariedade (1931–1932). No ano de 1927, Käthe e seu marido,
Karl, visitaram a Rússia a convite da Associação dos Artistas Revolucionários Russos. O
casal integrou a delegação que participou do Congresso Mundial dos Amigos da União
Soviética, organizado pelos dez anos da Revolução. A relação de Kollwitz com a URSS não
foi de todo harmoniosa, pois a artista criticava os casos de violência e autoritarismo, como o
caso da prisão de Maria A. Spiridonova, em 1930, e a morte de intelectuais e cientistas
contrários ao regime (SIMONE, 2004). De qualquer maneira, a artista foi um dos principais
exemplos para os comunistas. O resgate dos trabalhos de temas pacifistas e revolucionários se
intensificou no período de atuação dos partidários da paz.
Reproduções de Kollwitz ilustraram as páginas da revista Horizonte e ela foi assunto
de algumas matérias. O artigo de E. Cary (1951), A Gravura Chinesa, ressalta o papel do
expressionismo alemão, do início do século XX, para o desenvolvimento da gravura
revolucionária chinesa. O escritor Jou Chen conhecia a produção de Käthe Kollwitz, e o
literato Lu Xun chegou a organizar uma exposição dedicada à artista (CARY, 1951).
Na sétima edição da revista, as obras da alemã estamparam a capa e várias páginas
(Fig.10). Nesse exemplar, publicaram-se as resoluções do Conselho Mundial dos Partidários
da Paz, reunido em Viena, e a notícia da reunião, em Porto Alegre, do Movimento Brasileiro
pela Paz, nas páginas centrais. Acompanhando os textos, encontram-se um autorretrato e a
gravura em água-forte A Marcha dos Tecelões/Weberzug (Fig. 11), da série A Revolta dos
Tecelões/Ein Weberaufstand (1893–1897).
O ciclo A Revolta dos Tecelões se inspirou na peça Os Tecelões, de Gerhard
Hauptman, sobre a revolta na indústria Zwanziger, em 1844, na Silésia (Prússia), a que
Kollwitz assistiu no ano de 1893, em Berlim (SIMONE, 2004). Naquela região prussiana,
passava-se por um processo de pauperização e de diminuição de salários. A rebelião eclodiu
no dia 3 de junho devido à detenção de um operário (SCHMICKL, 2008). O movimento foi
reprimido pelas forças militares, o que resultou na morte de vários trabalhadores. A gravura
de Käthe Kollwitz mostra vários tecelões em cortejo, dirigindo-se para um destino
desconhecido. O rosto fechado e as cabeças cabisbaixas manifestam as duras condições de
vida. A transmissão do clima tenso e triste é alcançada graças à expressividade conferida pela
artista à obra.
49

Figura 10 – Käthe Kollwitz, Companheiros, [189-]


Litografia. Capa da Horizonte, n. 7, ano II, jul. 1952
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

Figura 11 – Käthe Kollwitz, A Marcha dos Tecelões, 1893–1897


Gravura. Horizonte, n. 7, ano II, jul. 1952, p.184-185
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

A pretensão de ligar Kollwitz ao realismo socialista é perceptível, por exemplo, no


caso da Fundamentos. Na nona/décima edição da revista, encontra-se o artigo de Emiliano Di
Cavalcanti (1949, p. 241) Realismo e abstracionismo, que critica veementemente o chamado
“anarquismo modernista” ao se referir ao abstracionismo. Esse texto revela suas ideias sobre
50

arte influenciadas pelo realismo socialista zhdanovista e pode ser entendido, inclusive, como
uma declaração dos princípios estéticos da revista. Di Cavalcanti reclama do afastamento da
realidade de artistas como Kandinski, Paul Klee, Mondrian e Calders, cujas obras chama de
“especialização estéril”, “visões monstruosas” e “abortos estéticos” (DI CAVALCANTI,
1949, p. 242). Esse debate não estava restrito ao Brasil, mas também se realizava, naquele
momento, na Europa e tinha um caráter internacional. A defesa do realismo, para Di
Cavalcanti, passa por compreender que se encontra em um processo de evolução social e
artística. O artista deveria ter liberdade para criar, mas suas escolhas não deveriam fugir à
compreensão do público, e Di Cavalcanti remete a Kant, Hegel e Marx para basear sua
argumentação.

As teorias de arte como jogo, livre atividade individual, desinteressada e


gratuita vêm diretamente de Kant. Assim o valor e o sentido da obra de arte
residem unicamente na sua estrutura interior, tornando-a um todo
independente de qualquer condição histórica e social, livre de condições
exteriores. Hegel criticou profundamente Kant. Demonstrou que a obra de
arte possue evidentemente uma unidade orgânica (DI CAVALCANTI, 1949,
p. 243).

O artista deve submeter os meios que emprega a uma ideia, a um conteúdo. A arte
consistiria na forma superior do uso da natureza pelo homem, inclusive da natureza humana.
Di Cavalcanti prossegue em seu artigo escrito para a revista Fundamentos:

Marx enriqueceu e aprofundou essas noções, precisando a razão de


existência de existência das coisas, sua materialidade. Recebendo de Hegel a
noção de que o homem se criou por sua própria atividade no curso do
passado, assim continuará no curso imenso do futuro, de sorte que a história
não é mais do que a produção do homem pelo trabalho humano (DI
CAVALCANTI, 1949, p. 244).

A arte deveria contribuir para enriquecer as relações humanas e deveria representar


uma razão. A obra de arte seria o fruto de um processo de síntese: “O complexo da totalidade
das coisas vive nela idealmente por um lado e concretamente por outro, porque a obra de arte
é uma realidade, a única realidade que o homem (o artista) conhece totalmente porque foi o
seu criador” (DI CAVALCANTI, 1949, p. 245). Para Di Cavalcanti, o apego às
experimentações formalistas da arte pura, dos “anarquistas modernistas”, aproxima o artista
do individualismo e da satisfação ao gosto de uns poucos. O processo histórico e social de sua
época não se reflete em suas obras.
51

O sectarismo do partido persistiu até o IV Congresso do PCB, em dezembro de 1954 e


fevereiro de 1955, quando a luta armada e outras medidas radicais foram criticadas. Após a
morte de Stalin, em 1953, suas doutrinas foram aos poucos abandonadas, principalmente, a
partir do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956).

1.3 O PCB E OS INTELECTUAIS NO RIO GRANDE DO SUL

Durante a maior parte da Primeira República (1889-1930), os principais partidos no


campo político do Rio Grande do Sul eram o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e o
Partido Federalista26. Dado que o campo cultural praticamente não oferecia cargos que
sustentassem seus produtores, era comum que os intelectuais buscassem um emprego público,
o que os aproximava dos republicanos que geriam o funcionalismo do estado. A cultura e seus
agentes eram profundamente afetados por questões políticas e ideológicas, ou seja, falar em
autonomia da arte, em um campo fechado, independente, não faz sentido, ainda mais se
referindo àquele momento.
Na área das publicações, encontramos jornais político-partidários, empresariais e
religiosos. Entre as revistas culturais e de variedades, destacavam-se Máscara (1918–1928),
Revista do Globo (1929–1967), Kosmos (1926), Madrugada (1926) e Kodak (1912–1920),
nas quais se publicavam a agenda cultural da cidade, notícias sobre esportes e personalidades
da sociedade, ou seja, toda sorte de informações (RAMOS, 2007). Os jornais Correio do
Povo, Diário de Notícias e A Federação disponibilizavam espaço em suas páginas para
notícias sobre as artes e para a reprodução de textos literários. Esses impressos eram
fundamentais para a difusão do trabalho dos literatos.
Na Porto Alegre dos anos 1920, os cafés e as livrarias eram os pontos de encontro de
interessados em literatura. O “Grupo do Café Colombo” atraiu personalidades da cena
gaúcha. Eram historiadores, jornalistas, escritores, tais como Mario Quintana, Athos
Damasceno Ferreira, Moysés Vellinho, Raul Bopp, Erico Verissimo. Enquanto no Rio de
Janeiro e em São Paulo a reunião de artistas frequentemente resultava em inovações de
tendências modernistas, no Rio Grande do Sul, a maior motivação parecia ser a socialização e
o estabelecimento de relações entre pessoas de áreas afins. O modernismo no estado se
mostrou mais na poesia de quem se ligara ao Simbolismo e no romance regionalista.

26
O Partido Republicano, influenciado pelo positivismo de Augusto Comte, impôs-se no governo do estado logo
após a Revolução Federalista (1893-1895). A oposição que reunia antigos liberais, conservadores e republicanos
dissidentes se organizou no Partido Federalista, que tinha como principal defesa a implantação do
parlamentarismo e do federalismo.
52

Em relação à classe trabalhadora, existia uma tradição de mobilização e organização


que envolvia militantes socialistas e anarquistas. Estes militantes operários haviam criado
espaços para manifestações culturais dentro dos sindicatos, como festivais artísticos, saraus de
poesia e apresentações teatrais. A principal forma de difusão de informações e debates para
estes intelectuais da classe trabalhadora eram os periódicos produzidos pelos militantes, como
A Democracia Social, de Pelotas (1893), La Scintilla, de Porto Alegre (1896), O Echo
Operário, de Rio Grande (1897), A Luta, de Porto Alegre (1906), A Dor Humana, de Bagé
(1919), O Syndicalista, de Porto Alegre (1919), Spartacus do Sul, de Rio Grande (1919), e
Der Freie Arbeiter, de Porto Alegre (1920). Foi nesse contexto cultural, de uma
intelectualidade marcada pela ligação com a política, com o interesse cada vez maior pela
modernidade e por uma tradição de resistência dos trabalhadores influenciada por socialistas e
anarquistas, que o PCB começou a se formar no Rio Grande do Sul (MARÇAL, 2004).
A fundação do PCB ocorreu no Rio de Janeiro, em 1922. No Rio Grande do Sul,
porém, esse processo começou em 1918, com a fundação da União Maximalista de Porto
Alegre pelo militante libanês Abílio de Nequete. Com efeito, foi a partir de Porto Alegre que
partiram algumas das principais articulações para a fundação do PCB, devido à ligação de
Nequete com os grupos comunistas do Uruguai e da Argentina (BARTZ, 2008). Mesmo
assim, o partido demorou a se estruturar no estado. Durante o governo de Artur Bernardes, de
1922 a 1926, o partido tinha poucos militantes, possuía um Comitê Regional, mantinha a
União dos Ofícios Vários, vinculada à Internacional Sindical Vermelha, e o jornal bilíngue,
em alemão e português, Martelo e Foice/Hammer und Sichel. Os pioneiros do partido em
Porto Alegre foram, além de Abílio de Nequete, Samuel Speisky, Eduardo Budaszewski, F.
Haberland, H. Schondelmeyer, Manoel Pereira e Henrique Scliar, pai de Carlos Scliar. Nos
primeiros anos, os comunistas não se dedicavam muito a ações culturais, promovendo mais
atividades de âmbito educacional. Na capital, montaram uma biblioteca e fizeram
conferências.
Em 1927, o partido fundou a Liga Pró-México Anti-Imperialista, com o objetivo
expandir a influência comunista para além do estreito círculo de seus militantes 27. No III
Congresso do PCB, em outubro de 1927, decidiu-se pela criação de ligas de combate ao
imperialismo, causa comum de comunistas e dos integrantes da Coluna Prestes. Os eventos,
os textos e as informações da Liga eram publicados no Correio do Povo, de grande
circulação, pois suas reuniões eram abertas e queriam atrair público, por isso também

27
O México vivia um intenso processo de ebulição social e cultural desde o início da Revolução Mexicana, em
1910, atraindo campanhas de solidariedade e contra a ameaça de intervenção estrangeira.
53

ocorriam aos domingos. A pauta do debate incluía informes sobre o México, o imperialismo e
os problemas da classe trabalhadora. Durante seu segundo e último ano de existência, 1928,
cerca de cem pessoas participaram da instituição, cujos principais dirigentes foram o escritor
Jorge Bahlis, o dentista russo Nicolau Artzvensco, o advogado Hugo Ungaretti, Manoel Scliar
e Luiz Cuervo. Bahlis a presidiu e, devido ao seu conhecimento do funcionamento do meio
intelectual, possibilitou que a Liga se destacasse e fosse bem-sucedida.

[...] ao que as evidências indicam, Bahlis reunia os intelectuais – comunistas


e não-comunistas – que palestravam nos encontros da Liga a partir de sua
rede de relações. O escritor acionava o capital social incorporado a sua
breve, mas exitosa, trajetória nos meios intelectualizados da sociedade porto-
alegrense, recrutando aqueles que poderiam com a autoridade do
conhecimento que tinham para as atividades da entidade.
[...] Se as demandas de ordem política motivavam o escritor sírio a ativar
uma rede de relações consolidadas em outros âmbitos, na contraparte, a
atuação na Liga permitiu que ele estabelecesse novos e importantes vínculos
fora da esfera partidária (MARTINS, 2012, p. 76).

Jorge Bahlis reforçou os laços com seus pares e criou vínculos com o corpo de
diplomatas do México devido ao seu trabalho na Liga. O embaixador mexicano Ortiz Rubio,
pessoa das relações de Bahlis, retornou ao seu país, tornou-se ministro e presidente pelo
Partido Nacional Revolucionário, em 1930, e nomeou o escritor cônsul do México no Rio
Grande do Sul.
Em 1929, o PCB adotou o obreirismo ou proletarização, seguindo as resoluções da
Internacional Comunista. A proletarização, basicamente, pregava que os dirigentes do partido
deveriam ser proletários, abandonando a ideia de que os intelectuais pequeno-burgueses e o
operário poderiam se equivaler e formar uma frente única. Isso ocasionou o afastamento da
intelectualidade voluntária ou involuntariamente. O comitê sul-rio-grandense passou a adotar
a política de mais atenção à classe trabalhadora quando Marcos Piatigorski se tornou
dirigente; porém, por pouco tempo, pois foi preso e deportado. As prisões de comunistas
ocasionaram a radicalização do discurso e a defesa da luta armada. O resultado foi ainda mais
repressão e a desarticulação do partido.
Policarpo Hibernon Machado, barbeiro, assumiu a liderança do PCB gaúcho em 1933.
Os comunistas se dedicaram a construir o movimento dos trabalhadores e adentraram na
Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), criaram o jornal A Voz do Trabalhador e
a Liga Eleitoral Proletária (LEP), visando ao pleito de 1934 (MARTINS, 2012).
A ascensão dos regimes nazifascistas na Europa alterou as convicções da Internacional
Comunista, que voltaram a admitir a frente única, constituída pelos operários e pelos
54

intelectuais. O momento crítico exigia a concentração de forças contra o autoritarismo de


direita. Os considerados pequeno-burgueses passaram a integrar o quadro do partido
novamente.
Foi nessa conjuntura que surgiu, no Rio Grande do Sul, a ANL, que atraiu os
militantes ligados à FORGS e à LEP, pois era uma alternativa de atuação junto à classe
trabalhadora. A ANL possuía estrutura semelhante à do partido, contando com Diretório
Nacional e células regionais. O Diretório Estadual Provisório gaúcho era presidido por
Dyonélio Machado28.
Em 1935, houve o lançamento da ANL no Theatro São Pedro. O escritor ajudou a
organizar os núcleos da Aliança, participou de ações de formação e proferiu palestras que
despertavam interesse de muitas pessoas. Segundo os relatos encontrados por Martins (2012),
Dyonélio admitia sua condição de intelectual, porém, colocava-se na mesma posição dos
operários por perceber a importância do papel de todos na política. Porém, Prestes, liderança
da ANL, não valorizava propriamente a atividade intelectual e preferiu um combatente da
Coluna, Miguel Costa, no lugar de Caio Prado Júnior, para assumir a Aliança em São Paulo.
Os princípios básicos dos aliancistas eram: “suspensão do pagamento da dívida
externa; nacionalização das empresas estrangeiras; reforma agrária e proteção aos pequenos e
médios proprietários e lavradores; liberdade democrática para o povo brasileiro e os
trabalhadores; e constituição de um governo popular” (MARTINS, 2012, p. 104).
Obviamente, um movimento que pregava a distribuição de terras e a democratização alertou

28
Dyonélio Machado (1895–1985) exercia diversas profissões, escritor, jornalista e médico, além de político.
Seu nome completo é Dyonélio Tubino Machado, sua cidade natal é a fronteiriça Quaraí. Apesar de pertencer a
uma família tradicional republicana, tinha poucos recursos financeiros. Mudou-se aos 17 anos para Porto Alegre,
onde formou um círculo de amizade com interessados em literatura, leitores de clássicos como Eça de Queirós e
Flaubert (MARTINS, 2012).
Em meio a dificuldades financeiras, teve de retornar à sua terra e não pôde, no primeiro momento, cursar a
desejada faculdade de Medicina. Em Quaraí, conseguiu trabalho de redator no jornal oficial do Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR) e de professor municipal. No ano de 1920, de volta a Porto Alegre, Dyonélio
assumiu o cargo público no Almoxarifado Central na Secretaria de Obras Púbicas estadual. Ele publicou textos
ficcionais em periódicos, entre eles, Diário de Notícias e Correio do Povo. Nessa época, sua filiação política
ainda era republicana e chegou a fundar o jornal A Informação dessa linha partidária e a dirigir o Club
Republicano Borges de Medeiros. É interessante recordar que na década de 1920 existia a vontade de escritores
de produzir uma literatura que contribuísse com mudanças estruturais da sociedade. Pode-se considerar que
Machado compactuava dessa ideia e isso, juntamente com sua história familiar, explica a sua atuação no campo
da política, sendo que sua formação inicial foi castilhista e positivista (MARTINS, 2012).
A Livraria do Globo publicou o primeiro livro ficcional de Dyonélio, a compilação de contos Um Pobre Homem,
em 1927. Os anos seguintes foram dedicados à formação médica, mas Machado continuou a ter uma vida pública
notável e era reconhecido por seus escritos e por sua militância política. Quando a Revolução de 1930 eclodiu,
ele estava no Rio de Janeiro se especializando em Psiquiatria, mas não foi um feito que o entusiasmou, pois já
não acreditava no potencial de mudanças de “partidos burgueses”. Seus estudos culminaram na publicação da
tese Uma Definição Biológica do Crime, pela Livraria do Globo, no ano de 1933. No ano seguinte, seu livro
mais famoso veio a público, Os Ratos, um romance cujo enredo trata de questões sociais e psicológicas.
55

as autoridades. Flores da Cunha observava de perto suas atividades. Os opositores usavam a


grande imprensa para difundir suas críticas e a ideia de que a ANL, na verdade, queria instalar
o comunismo, considerado um perigo para os valores morais, em nosso meio. O resultado
disso foi o fechamento da Aliança pelo governo federal, em julho de 1937, e a difamação
pública de seus integrantes.
A ANL possuía núcleos de categorias profissionais e, portanto, voltou-se à defesa dos
direitos dos trabalhadores. Dyonélio se engajou na organização da greve dos gráficos de 1935,
o que acarretou sua prisão. A polícia perseguiu os aliancistas, e ocorreram vários assassinatos,
como o do advogado de defesa do escritor. Os sindicatos médicos nacional e estadual,
escritores, incluindo Erico Verissimo, e o Club de Cultura Moderna se mobilizaram para
defender Dyonélio (MARTINS, 2012). Naquele ano, Os Ratos foi publicado pela Companhia
Editora Nacional e o autor recebeu reconhecimento nacional, ou seja, gozava de status
cultural que poderia constranger excessos das autoridades. Marisângela Martins constatou que
foi no cárcere que Dyonélio Machado se tornou um convicto adepto do socialismo marxista, o
que ele mesmo registrou em Memórias de um Homem Pobre (1990). Ele conseguiu a
suspensão da pena em novembro, mas voltou a ser preso no mesmo mês, acusado de
participar da “Intentona Comunista”.
Transferido para Casa de Detenção do Rio de Janeiro, conviveu na reclusão com
Graciliano Ramos e outros presos políticos, civis e militares (Fig. 12). Apesar da perda da
liberdade e da árdua rotina, conseguiram promover atividades de educação política dentro da
prisão, sobretudo acerca do comunismo e do marxismo. As mazelas desse período na
clausura, de 1935 a 1937, atingiram muito a família de Dyonélio – sua esposa, Adalgiza
Martins, teve de voltar a Quaraí em busca de auxílio para subsistência da família, que ficou
estigmatizada pelo fato de o pai ser comunista. Infelizmente, a libertação coincidiu com a
ditadura do Estado Novo – o escritor precisou se esconder em Santa Catarina e mudar o nome
para Paulo Martins até receber anistia do interventor do estado (MARTINS, 2012).
56

Figura 12 – Fotografia de Dyonélio Machado no pátio da prisão de bananeiras em 1935


Fonte: DELFOS/PUCRS. Disponível em: <http://www.pucrs.br/delfos/?p=machado-galeria>.

A repressão do Estado Novo deixou a vida dos comunistas extremamente difícil. O


cumprimento das tarefas do partido ficou praticamente inviável. Havia agentes policiais
infiltrados. Alguns militantes tiveram de optar pelo exílio. Mesmo assim, ainda se procurava
manter a organização na clandestinidade. Em 1941, a União Soviética entrou na Segunda
Guerra, o que, parece, trouxe novo ânimo ao PC, que procurou se rearticular e agir,
principalmente, na área cultural. Justino Martins, diretor da Revista do Globo desde 1939, era
um dos intelectuais comunistas participantes dessas iniciativas e, por isso, investigado pelo
Estado. Justino alterou o conteúdo da publicação incluindo reportagens sobre política e
promovendo artistas e intelectuais de esquerda. Na equipe da Globo, encontramos conhecidos
militantes – Gilda Marinho, Juvenal Jacinto, Carlos Scliar e outros. A postura da editora se
assemelhava à do governo do estado; muitas vezes se “ignorava” a militância do artista ou do
escritor se ele pudesse trazer algum benefício econômico ou simbólico em função da
qualidade e do prestígio.

Alguns literatos ligados ao PCB tiveram sua produção sob a mira da censura
e da crítica desfavorável durante o Estado Novo. Coincidência ou não, o
peso da crítica se fez maior dependendo do quão declaradamente comunista
era o/a escritor/a. Dyonélio Machado e Ivan Pedro de Martins –
estigmatizados desde suas participações na ANL, o primeiro em Porto
Alegre, o segundo no Rio de Janeiro – foram atingidos mais diretamente,
enquanto Cyro Martins – de atuação discreta – não teve problemas nesse
sentido. Todos eles, juntamente com Lila Ripoll, foram publicados pela
Editora Globo entre o fim dos anos 1930 e a primeira metade da década
57

seguinte, contando ainda com o camarada Justino Martins na direção da


Revista do Globo (MARTINS, 2012, p. 143).

Ivan de Martins é autor de Fronteira Agreste, que foi editado pela Globo em 1943 e
que ficou por um período apreendido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A
Revista do Globo aproveitou o ocorrido para promover o debate entre os intelectuais a
respeito da neutralidade da produção artística, tema da reportagem Serão fascistas os
escritores gaúchos?, de 6 de maio de 1944, lembrando que Justino Martins ainda estava à
frente da publicação. O balanço das colocações revela que a maioria dos entrevistados
defendia a missão social da literatura, um dos principais temas abordados no I Congresso dos
Escritores, que aconteceria no próximo ano, em São Paulo29.
O I Congresso dos Escritores movimentou o campo cultural. O evento não tratou
apenas de literatura, mas também de teatro, direitos autorais, cinema, rádio, imprensa,
formação de público, cultura em geral. Os comunistas, que permaneciam na ilegalidade, não
foram majoritários no Congresso; porém, tiveram uma participação importante. Dyonélio
Machado coordenou mesa e comissão e também liderou a delegação sul-rio-grandense.
Os militantes do PC, embora não houvesse no momento um controle rígido partidário
sobre os escritos de seus membros, tentavam transmitir sua linha ideológica nas discussões.
Martins (2012) nos conta que encontros coletivos promovidos na casa de Jorge Amado, nos
quais estavam presente o dirigente Pedro Pomar, os escritores Vinícius de Moraes, Dyonélio
Machado, Moacir Werneck de Castro e outros. Eram o espaço de decisão sobre como os
escritores deveriam se posicionar, o que deveria convergir com as diretrizes tiradas na
Conferência da Mantiqueira de 1943, momento em que os principais dirigentes do partido se
reuniram para debater a posição do PCB em face à Guerra mundial e à situação política do
Brasil. Os princípios basilares eram a difusão da cultura e a conscientização da população.
Ao final, o I Congresso elaborou uma Declaração de Princípios. No documento, lê-se
que as maiores preocupações eram a defesa da democracia, a liberdade de expressão, o
comprometimento com os anseios do povo e com a transformação da sociedade para que suas
aspirações fossem satisfeitas.
Ainda em 1945, o PCB retornou à legalidade, surpreendentemente apoiando Getúlio
Vargas, e tratou de ter a maior visibilidade. O partido organizou sua rede de veículos de

29
Os participantes desta entrevista foram Antonio Barata, Athos Damasceno, Ciro Martins, Darcy Azambuja
Dyonelio Machado, Erico Verissimo, Limeira Tejo, Juvenal Jacinto, Mario Quintana, Emilio Kemp, Moises
Vellinho, Othelo Rosa, Waldemar de Vasconcelos, Reynaldo Moura, Telmo Vergara e Walter Spalding.
58

imprensa e suas instâncias de ação, assim como também se reorganizou sua atuação junto ao
movimento operário.

1.4 O PERÍODO DA LEGALIDADE DO PCB (1945 A 1947) E O FORTALECIMENTO DOS

APARATOS CULTURAIS

O período de 1945 e 1947 é marcado pela redemocratização, pela legalidade do PCB e


por sua participação bem-sucedida nas eleições de 47.
Os militantes do partido em Porto Alegre vinham de diferentes origens e, portanto,
possuíam experiências de vida e formação distintas. Martins contabilizou 581 membros do PC
através dos impressos Correio do Povo e Tribuna Gaúcha, além de relatórios policiais do Rio
Grande do Sul, sendo que 16% eram mulheres (MARTINS, 2007). Nota-se que
aproximadamente metade dos militantes exercia profissões no ambiente intelectual e cultural;
eram advogados, artistas, escritores, jornalistas e estudantes, e perto de 25% ocupavam
funções que exigiam mais habilidades manuais, por exemplo, padeiros, costureiros, operários,
etc.
Para se filiar ao PCB, era necessário aceitar as condições descritas em seu Estatuto de
1945, ser convidado por alguém que militasse há mais de um ano e pronunciar um juramento
de lealdade que destacava a luta pela democracia e pela paz, a construção do socialismo e
busca da derrota do fascismo. A vida pública e privada do filiado deveria ser regrada pelos
princípios partidários. De fato, o PCB funcionava de forma tal que as inúmeras tarefas
propostas envolviam de maneira intensa seus integrantes. Precisava-se estudar a teoria,
debater estratégias de ação, propagandear os preceitos e os eventos, atuar na formação de
quadros e da conscientização das massas. A estrutura hierárquica da organização facilitava o
controle da conduta dos comunistas e seguia a linha do PCUS.
A instalação do Comitê do Rio Grande do Sul, no Cine Imperial, localizado na Praça
da Alfândega, foi em 30 de julho de 1945 e contou com a presença de centenas de pessoas e
com a cobertura do Correio do Povo. Na ocasião, o secretário-geral era Abílio Fernandes. O
comitê estadual, sediado no edifício Malakof, era seguido pelos comitês municipais, e estes,
pelos distritais. A base da hierarquia era formada por células, que poderiam ser ligadas a um
bairro da cidade ou a uma categoria de profissionais. Cada uma dessas subdivisões era
gerenciada por um “secretário” (MARTINS, 2007). Havia também outros componentes do
partido. Por exemplo, a Sociedade Espanhola, no centro da capital, sediou o Clube de Cultura
Popular Euclides da Cunha, o Movimento Unificador dos Trabalhadores, a Associação
59

Brasileira dos Amigos do Povo Espanhol e a Liga das Donas de Casa. A política de
“centralismo democrático” garantiria a coesão ideológica e de prática de toda essa estrutura.
As decisões aconteciam, várias vezes, em reuniões ampliadas nas quais os militantes davam
os informes de suas ações. Analisando o relato do comunista e padeiro Edgar Curvello sobre o
encontro Pleno Ampliado, Marisângela Martins ressalta os seguintes pontos:

A unidade, em primeiro lugar, não seria forçada, mas um resultado da


vontade unânime dos militantes. Havendo um desejo comum (talvez um
pacto), não existiria espaço para discordâncias, atritos e fracionamentos no
seio do Partido. Assim, o esforço no sentido de se atingir o almejado não
encontraria obstáculos no sentido disciplinar, visto que todos estariam na
mesma sintonia, unidos em prol de um mesmo objetivo, porque guiados pelo
“espírito de responsabilidade” com a causa (MARTINS, 2007, p. 56).

O ano de 1945 foi bastante produtivo para o PC em Porto Alegre. Promoveram-se


vários comícios, assembleias e atividades culturais, destacando-se o mês de setembro, quando
Luiz Carlos Prestes visitou o município. Nas conferências e nas publicações dessa época,
vemos o crescente elogio à União Soviética, tomada por modelo de sociedade democrática e
igualitária. O mundo assistiu à queda do nazi-fascismo, e o Brasil, o fim da ditadura do
Estado Novo (1937–1945). A democracia e a paz eram o desejo e a esperança do povo. O
próprio Getúlio Vargas guiava a redemocratização e determinara eleições do final de 1945, o
que provocou críticas, por exemplo, de Dyonélio Machado.
A deposição de Getúlio Vargas ocorreu em 29 de outubro de 1945. Houve a formação
da Assembleia Nacional Constituinte, reivindicação apoiada pelos comunistas, e lançaram-se
as candidaturas dos membros das Forças Armadas Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes
para a Presidência da República. O PCB, cuja sigla foi oficializada em 10 de novembro,
concorreu com Yedo Fiúza. O partido se empenhou na campanha, e o programa do candidato
à presidência era tema de conversas em instâncias como o Clube de Cultura. O metalúrgico e
sindicalista Abílio Fernandes, concorrendo como deputado federal, propagava as ideias
partidárias no programa radiofônico Hora do Partido Comunista do Brasil recorrendo a suas
memórias de luta pela causa operária e defendendo a distribuição de terras. O
comprometimento comum dos candidatos comunistas era consolidar a democracia e combater
o fascismo. Enfim, nas eleições de dois de dezembro, o PCB conseguiu uma quantidade
expressiva de votos – Yedo Fiúza ficou em segundo lugar na capital, como mais de 30% dos
votos, e em terceiro no estado, com 8%. Luiz Carlos Prestes se elegeu senador e deputado
federal pelo Rio de Janeiro, por Pernambuco e pelo Rio Grande do Sul. Naquele momento,
uma pessoa poderia se candidatar por várias unidades da federação.
60

Dutra se tornou presidente e estabeleceu uma política de controle econômico e social.


Como de costume, os trabalhadores foram os mais afetados e, consequentemente,
fortaleceram-se os movimentos dessa classe. O PC passou a voltar sua atenção para as greves
e a apoiá-las. Elas chegaram a quatorze no Rio Grande do Sul, em 1946. Os pontos de pauta
das paralisações eram aumento salarial e não retaliação aos grevistas. O MUT se tornou uma
entidade essencial e mediadora das negociações entre os patrões e os proletários.
No parlamento e na Assembleia Constituinte, os deputados comunistas apresentavam
sua defesa dos direitos dos trabalhadores. A atuação parlamentar e junto aos grevistas
ocasionou acusações de que estavam promovendo badernas e desordens e conspirando contra
o Estado. O resultado foi a proibição de comícios organizados pelo PCB. A partir daí,
apareceu mais frequentemente o termo “reacionário” nas falas dos revolucionários para
designar os contrários às manifestações públicas políticas e dos trabalhadores. A repressão
aumentou – Dutra declarou o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) ilegal e
começaram a vir à tona intenções de cassar o registro do partido. A nova Constituição foi
promulgada em setembro de 1946 e o pleito de 1947 passou a ser organizado. Essa eleição
seria marcada pelas posições antagônicas “comunista” e “anticomunista”.
O Comitê Estadual do PCB realizou diversas reuniões para decidir os nomes que
iriam compor a chapa para concorrer ao Legislativo estadual. As deliberações chegaram a 25
candidatos, entre eles, Dyonélio Machado e Vasco Prado. O escritor se elegeu e também mais
dois camaradas, o professor Otto Alcides Ohlweiller e o jornalista Antônio Ribas Pinheiro
Machado Neto. Os comunistas apoiaram o candidato vencedor ao governo do estado, Walter
Jobim, representante da coligação PSD-PRP-PCB.
O mês de abril de 1947 foi tenso para os comunistas. Alguns acontecimentos
desfavoráveis abalaram o partido: Otto renunciou ao seu cargo, decepcionado com o trabalho
da Assembleia, e foi substituído por Júlio Teixeira; Dutra suspendeu a Juventude Comunista
(JUC); além disso, sobreveio o julgamento do processo de cassação do registro partidário. Em
meio a isso, havia a organização do IV Congresso, que seria realizado em maio e que não
aconteceu. Em 7 de maio, o PCB foi colocado na ilegalidade, cassado pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) e teve suas sedes fechadas pela polícia. A princípio, não houve reações
violentas a essa sentença por parte dos afetados. No dia seguinte, os acontecimentos da
Assembleia são narrados por Martins:

[...] a Assembleia Legislativa gaúcha reservou um momento para comemorar


a passagem do segundo aniversário da vitória das Nações Unidas na última
61

guerra mundial. O líder da bancada comunista fez longo discurso, aparteado


várias vezes, no qual falou não apenas acerca da vitória sobre o nazismo,
mas também da suspensão do registro do seu Partido. O escritor aproximou
os dois acontecimentos, afirmando que a “consigna” do nazismo havia sido o
“fantasma do comunismo”. Hitler, segundo ele, usara o anticomunismo
como arma para conquistar o mundo e, da mesma forma, o PCB tinha sido
fechado por meio do apelo anticomunista. Por isso, Dyonélio acreditava que
a melhor maneira de se comemorar a passagem dos dois anos da vitória dos
aliados na Segunda Guerra era alertando para o perigo da história se repetir.
Ele apelou para que não se deixasse que “a sombra sinistra de Hitler”
fechasse todos os partidos, que ela tirasse o direito da nacionalidade
brasileira governar-se a si mesma. Por último, convidou todos os democratas
com assento naquela Casa a resistir à luta que se travava contra a
democracia, cujo fechamento do Partido Comunista era apenas o começo
(MARTINS, 2007, p. 165-166).

Os comunistas utilizaram seus veículos de imprensa para protestar. A repressão


policial, dos governos federais e estaduais aumentava. Mesmo assim, lançaram-se candidatos
para as eleições municipais de final de 1947 em que se elegeram vereadores Marino
Rodrigues dos Santos e o metalúrgico Eloy Martins, sendo a operária Julieta Batistioli
segunda suplente.
Apesar da resistência e das denúncias públicas, o PCB foi completamente posto na
clandestinidade com a cassação dos mandatos dos parlamentares do partido em 10 de janeiro
de 1948. A Lei nº 648, de 10 de março de 1949 (BRASIL, [200-?]), no seu artigo primeiro,
determina que

[...] os lugares tornados vagos nos corpos legislativos, em consequência do


cancelamento do registro do Partido Comunista do Brasil, pela Resolução nº
1.841, de 7 de maio de 1947, do Tribunal Superior Eleitoral, caberão a
candidatos de outro ou de outros partidos, votados na eleição de que se
tenham originado os mandatos.

Naquele momento, o capital estrangeiro, principalmente norte-americano, entrava no


país em diversos setores e freava a indústria nacional. Essa abertura ao estrangeiro tinha o
apoio de Dutra e a oposição dos políticos comunistas. Além de satisfazer a campanha
anticomunista e imperialista, o presidente se livrou de incômodos adversários.

1.4.1 A atuação cultural do PCB no período de legalidade em Porto Alegre

No Rio Grande do Sul, alguns intelectuais filiados eram Dyonélio Machado, Cyro
Martins, Laci Osório, Beatriz Bandeira, Edith Hervé, Lila Ripoll e Plínio Cabral. O público
62

podia encontrar os textos dos militantes na Revista do Globo, dirigida, naquele momento, por
Justino Martins, o que facilitava o acesso à publicação aos seus camaradas. Outra importante
instância de legitimação para os literatos foi a Província de São Pedro30, fundada em 1945,
apesar de ter um grupo mais intelectualizado. O conteúdo da Província consistia de contos,
poesias e ensaios de temas diversos, por exemplo, o regionalismo. Lila Ripoll, Cyro Martins,
Beatriz Bandeira e Dyonélio Machado eram colaboradores da publicação. Verifica-se a
presença de escritores comunistas até 1947, quando o PCB entrou na ilegalidade novamente.
A revista cultural Libertação, fundada por Décio Freitas, passou a circular em 14 de
abril de 1945, dirigida por Alfredo Antônio Gerhardt e Sibilis da Rocha Viana. Vinculada ao
Comitê Municipal de Porto Alegre, o lema da publicação era “Democratização, Progresso,
pela Organização Unitária do Povo”. Os colaboradores e os leitores pertenciam à parcela
intelectualizada da esquerda. Os temas dos escritos privilegiavam o partido e figuras ligadas a
ele, destacando-se Luiz Carlos Prestes. A exaltação das personalidades pode se relacionar ao
culto da personalidade característica do realismo socialista. Prestes era elevado à categoria de
herói à maneira que se vê, posteriormente, nas páginas da Horizonte.
Os intelectuais se originavam, em sua maioria, da pequena burguesia; por conseguinte,
despertavam desconfiança porque não pertencerem à classe revolucionária, o proletariado.
Assim, deveriam demonstrar sua firmeza ideológica, seu comprometimento e sua lealdade
partidários. Martins (2012) destaca textos da Libertação que justificam a presença desses
pequenos burgueses, colocados na posição de amigos ao empregarem seu saber nas causas
dos trabalhadores, tornando-se merecedores de ocupar posições na hierarquia do partido.

O capital cultural que os intelectuais empenharam pela causa do proletariado


retornou a eles sob forma de capital simbólico: o reconhecimento público
desses “homens de letras” como legítimos representantes do povo, como
pessoas honradas e confiáveis, porque haviam dado provas de suas honestas
intenções. A ideia que se insinuava aqui e que se estendeu com mais força ao
longo da década seguinte, era a de que o intelectual, “por sua origem não-
proletária”, aderia e colaborava com uma luta que não era sua por estar
ciente da exploração do operariado e por solidar-se com ele (MARTINS,
2012, p. 179).

A preferência pela política persistiu no sucessor da Libertação, o jornal Tribuna


Gaúcha, dirigido por Otto Alcides Ohlweiller. Participaram do periódico militantes mulheres
que se sobressaíam em várias iniciativas do partido – Edith Hervé, Lila Ripoll, Beatriz

30
A Província de São Pedro circulou entre 1945 e 1957, tendo 21 edições. Seu diretor foi Moysés Vellinho; e
seu secretário, Carlos Reverbel. A revista visava divulgar o pensamento de intelectuais sul-rio-grandenses e
promover sua valorização, a fim de inseri-los no espectro da cultura nacional (RAMOS, 2016).
63

Bandeira e Eunídia dos Santos. O projeto do jornal tnha a tiragem diária e ampla, diversidade
de temas e de natureza das notícias, o que pode ser verificado nos exemplares dos primeiros
anos, de 1947 a 1949. O jornal, claro, colaborou na realização de tarefas do partido, uma delas
foi a busca de figuras do passado que se notabilizaram pela defesa dos desfavorecidos, tais
como o poeta abolicionista Castro Alves. A intenção era colocar os comunistas na posição de
herdeiros de sua luta. No centenário de nascimento, em 11 de março de 1947, o poeta recebeu
homenagens na página 8 da Tribuna Gaúcha que o exaltava pelo seu ímpeto combativo e por
ser um representante do desejo de libertação do povo. Há de se atentar que se tratava de um
escritor, ou seja, ia ao encontro da ideia do intelectual e sua missão social.
A atuação cultural do PCB não se limitava aos impressos. Na Sociedade Espanhola de
Socorros Mútuos, estabeleceu-se, em 20 de maio de 1945, o Clube de Cultura Popular
Euclides da Cunha, que promovia atividades variadas de educação, cultura e entretenimento e
até de assistência médica. A equipe da entidade apresentava os seguintes nomes: Jorge Bahlis,
Homero de Castro Jobim, Manoel Castilhos, Jorge Muller Mendes, Gilda Marinho, entre
outros. Em 1945, há registro de 45 conferências oferecidas, algumas ministradas pelos
escritores Cyro Martins, Jorge Amado, Dyonélio Machado e Álvaro Moreyra. A professora,
musicista e poetisa Beatriz Bandeira organizava apresentações de música e de teatro do
projeto Horas de Arte. O espaço do clube era cedido para eventos da Juventude Comunista.
Durante a fase de legalidade, o PCB gaúcho manteve dois programas de rádio, a Hora do
Partido Comunista do Brasil e o Programa Político do Comitê Municipal, nas emissoras
Rádio Difusora e Rádio Cruzeiro, respectivamente.

1.5 O SURGIMENTO DA HORIZONTE NO CONTEXTO POLÍTICO E CULTURAL DE PORTO


ALEGRE NA TRANSIÇÃO DOS ANOS 1940 PARA 1950

1.5.1 O campo artístico do Rio Grande do Sul na primeira metade do século XX

A constituição do campo artístico no Rio Grande do Sul foi marcada pelo debate a
respeito da adoção de tendências internacionais e da manutenção dos costumes e dos gostos
locais, conforme observa Maria Lúcia Bastos Kern (2007a). Um dos pilares da formação da
arte gaúcha foi a fundação do Instituto Livre de Belas Artes, em 1908, dirigido por Olinto de
Oliveira. Inicialmente, criou-se o Conservatório de Música, em 1909, e, no ano seguinte, a
Escola de Artes (SIMON, 2002). A Escola foi comandada por Libindo Ferrás, que seguiu
modelos europeus de ensino acadêmico tradicional (GASTAL, 2007).
64

Sendo as instituições de ensino conservadoras, o espaço para experimentações formais


e para a modernização foram as artes gráficas31, notadamente, os ilustradores e os gravadores
da Livraria Globo, orientados pelo diretor da Seção de Desenho, o alemão Carl Ernst Zeuner
(1895–1967), que chegou a Porto Alegre em 1922. No ano de 1926, melhorias tecnológicas
derivadas da aquisição de equipamentos de fotolitografia e autotipia possibilitaram maior
gama de trabalhos em cores. Passaram pela Seção de Desenho da Globo artistas importantes,
tais como Sotero Cosme, Edgar Koetz, João Fahrion e Nelson Boeira Faedrich (RAMOS,
2016). A ilustração de livros e revistas era uma alterativa de trabalho e de visibilidade para os
artistas, ainda mais em um mercado bastante restrito.
Os escritos sobre arte publicados em jornais como o Correio do Povo e o Diário de
Notícias dos anos 1920 e 1930 estavam alinhados com a ideia de constituição de uma
produção cultural nacional, mas suas avaliações se baseavam nos critérios conservadores e
idealistas. Angelo Guido veio de São Paulo em 1925 para instigar o cenário local ao proferir a
palestra Arte Moderna, na qual defendeu o modernismo nacionalista. Três anos depois,
mudou-se para a capital gaúcha e passou a escrever no Diário de Notícias (KERN, 2007a).
A Revolução de 30 levou Getúlio Vargas ao poder. O governo Vargas se caracterizou
por ser intervencionista e centralizador; porém, buscava o desenvolvimento econômico do
país incentivando a indústria e a urbanização. A modernização desse período abrangeu
também as artes – artistas e intelectuais foram cooptados para desenvolver a linha estética da
Era Vargas, que teria traços modernistas sob o viés nacionalista.
As artes plásticas do estado, na década de 1930, ainda estavam em um processo de
desenvolvimento. O público era pequeno, o mercado, diminuto, e os espaços de exposição,
raros. Segundo Neiva Bohns (2005), a estratégia eleita pelos artistas para incentivar o
crescimento do campo consistiu em tratar de temas regionais para atrair interesse da
população:

O público em geral, desacostumado com o movimento artístico das grandes


metrópoles, só aceitaria como legítimas as manifestações que se
identificassem com o imaginário sulino. Provavelmente, por estas razões,
artistas de envergadura como Pedro Weingärtner, Leopoldo Gotuzzo,
Libindo Ferrás e o próprio Angelo Guido preferiam trabalhar com temas de
fácil reconhecimento, que guardavam relações imediatas com a realidade e
mantinham vivos certos temas caros à memória coletiva (BOHNS, 2005, p.
207).

31
Sobre o assunto, ver Ramos (2016).
65

Na época, a produção da pintura não fugiu dos cânones acadêmicos e privilegiaram-se


a pintura de paisagem e o retrato (KERN, 2007b). Pedro Weingärtner e José Lutzenberger
eram dois grandes nomes e concentravam-se em representar cenas locais. Oscar Boeira e o
próprio Angelo Guido buscaram trabalhar ao ar livre e empregar uma gestualidade mais
aparente em suas telas, porém, não inovaram muito.
Paisagens e cenas campestres, locais conhecidos da cidade e tipos regionais
estampavam as telas de vários pintores. Porém, considerar que tinha de ser assim em função
do gosto do público é simplista. O público é heterogêneo, e a ideia do gosto único e
consolidado parece não abarcar por completo as escolhas dos artistas. É preciso ponderar a
respeito dos valores que desejavam ser transmitidos pelos que ocupavam posições
privilegiadas na sociedade. O poder econômico e político ainda permaneciam nas mãos da
elite agropecuarista. Pode-se entender que a difusão da ideia do gaúcho desgarrado, livre e
heroico como modelo de identificação da população convinha aos interesses dessa classe.
Quanto ao regionalismo, era mais evidente nas ilustrações, que, naturalmente,
deveriam seguir a linha dos escritos que acompanhavam. A literatura regionalista buscava a
apreciação das atividades do campo e das tradições, almejando, dessa forma, colaborar com a
construção de uma cultura legitimamente nacional. Interessante observar que o setor
pecuarista, naquele momento, começou paulatinamente a perder força para o setor industrial
das cidades e para a produção agrícola das regiões coloniais. Vale lembrar também que os
valores das classes dominantes se sobrepõem através dos agentes do campo artístico; dessa
forma, as mudanças sociais profundas que a sociedade gaúcha vivia também se expressavam
em disputas pela memória e pela legitimidade em relação ao passado.
Em decorrência do centenário da Revolução Farroupilha, 1935, temos o maior evento
das artes da década. Tendo o patrocínio do governo do estado, organizou-se uma grande
exposição de mais de mil obras distribuídas nos salões do Instituto de Educação nas
categorias artista, amador, colecionador e retrospectiva de Pedro Weingärtner. Angelo Guido
e Walter Spalding organizaram a mostra.
O governo de Getúlio Vargas estava empenhado na construção da arte nacional e agia
por meio de suas instituições e de apoio oficial. Em 1936, o curso de Artes foi incorporado à
Universidade de Porto Alegre. O Instituto de Belas Artes (IBA) passou a ser dirigido por
Tasso Corrêa, que empregou o modelo de currículo da Escola Nacional de Belas Artes,
sediada na capital federal.
A instauração do Estado Novo, no ano de 1937, seguiu a tendência política
internacional de Estado autoritário, em cuja frente estava um líder que personificava o regime,
66

derivada da crise gerada pela descrença no liberalismo. No Brasil, Getúlio Vargas assumiu o
papel de chefe que atenderia às demandas populares, resolveria os problemas sociais e, por
outro lado, exerceria forte controle sobre a população, reprimiria seus opositores e tentaria
coibir os socialistas. Empenhado em transformar a cultura e fazer um projeto de nação, o
Estado Novo atraiu uma série de intelectuais e artistas modernistas e tradicionais preocupados
com questões da brasilidade que acabaram por formular a ideia de pertencimento de cada
brasileiro a um povo. Virna Braga (2008, p. 9) delibera que: “Antes isolado pelo liberalismo,
o homem brasileiro passa a se integrar à vida popular por meio do Estado, ‘o verdadeiro
sujeito da liberdade’”. Todos são convocados para participar da construção da história do país
baseada no bem comum. O campo simbólico foi grande aliado na transmissão da ideologia
estadonovista.
Houve incremento de fluxo de informações sobre artes e artistas, profissionais e
amadores. Em abril de 1936, Tasso Corrêa assumiu a direção do Instituto de Belas Artes
(IBA)32 e inaugurou o Curso de Artes Plásticas, que substituiu a Escola de Artes fundada em
1910 (SIMON, 2002). Corrêa promoveu mudanças curriculares seguindo o modelo da Escola
Nacional de Belas Artes, inserindo disciplinas como Modelagem, Desenho e Escultura
(KERN, 2007b; SIMON, 2002), porém o IBA manteve um caráter elitista.
A fim de proporcionar outro caminho além da academia para artistas que desejavam
visibilidade, criou-se a Associação Francisco Lisboa (a Chico Lisboa), em 1938, da qual
participaram João Faria Viana, Carlos Scliar, Nelson Boeira Faedrich, Guido Mondin, Vitório
Gheno, Edla Silva, entre outros. Embora a proposta de Associação fosse proporcionar uma via
alternativa ao IBA, os temas e as linguagens artísticas empregados não eram muito diferentes
daqueles da academia. Verifica-se que o mesmo artista era premiado pelos salões de ambas as
instituições. Além disso, vários alunos, ex-alunos e docentes do IBA passaram pela Chico
Lisboa (SIMON, 2002).
Em 1939, o IBA recebeu auxílio dos governos federal, estadual e municipal para a
promoção do I Salão de Belas Artes do Rio Grande do Sul em comemoração ao
Cinquentenário da Proclamação da República Brasileira (BOHNS, 2005; SIMON, 2002).
Conforme Flavio Krawcyck (1997), o I Salão do IBA teria sido uma resposta ao Salão da
Chico Lisboa e também uma forma de legitimar o próprio Instituto. Sua comissão julgadora
contou com os professores da instituição, ou seja, Angelo Guido, José Lutzenberger, João

32
O Instituto Livre de Belas Artes foi substituído pelo Instituto de Belas Artes, sendo que as duas denominações
coexistiram entre 1934 e 1939. O IBA foi uma das entidades fundadoras da Universidade de Porto Alegre (UPA)
no ano de 1934. A UPA foi efetivamente instalada e reconhecida em 1936, quando se deu a posse do primeiro
reitor (SIMON, 2002).
67

Fahrion, Luiz Maristani de Trias e Ernani Dias Correa (KRAWCYCK, 1997, p. 39). A cidade
contava com poucos locais de exposição, havia o auditório do Correio do Povo, a Galeria da
Casa das Molduras e algumas lojas que dispunham suas vitrines para isso (KERN, 2007b).
Na década de 1940, os críticos de arte Angelo Guido e Aldo Obino promoveram um
debate sobre o modernismo e o antimodernismo. Os artistas modernos eram criticados pelo
abandono das tradições e dos valores clássicos e da beleza, além de serem vinculados ao
bolchevismo. Essas concepções encontraram adeptos no IBA e na AFL.
Em 1942, realizou-se o 1º Salão Moderno de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul, na
Casa da Cama Patente, cujo objetivo era ridicularizar a arte moderna. Participaram da mostra
21 artistas, entre eles, os organizadores do evento, João Faria Viana, Guido Mondim,
Oswaldo Goidanich e Edgar Koetz (RAMOS, 2016). Esses quatro artistas redigiram um texto,
publicado no jornal Diário de Notícias, que esclarecia que o Salão Moderno, na verdade, tinha
um caráter de crítica ao modernismo, que era responsabilizado pelo desvirtuamento da arte
(BOHNS, 2005). No ano seguinte, Edgar Koetz e Oswaldo Goidanich foram premiados no
Salão do IBA (KERN, 2007b).
Entretanto, o modernismo tinha seus entusiastas, como o diretor do Departamento
Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), Manoelito de Ornelas. Ele proferiu Elogio da
Arte Moderna, celebrando o retorno de Carlos Scliar a Porto Alegre, em 1941, e promoveu a
Exposição dos Novos, no ano de 1944. Carlos Scliar se destacou na defesa da modernização
das artes através de escritos, de palestras e por suas obras, mas sua atitude não agradou nem
mesmo seus colegas da Chico Lisboa (KERN, 2007a).
O Museu Nacional de Belas Artes, fundado por um decreto de Getúlio Vargas em
1937 e dirigido por Oswaldo Teixeira, a Escola de Belas Artes, integrada à Universidade do
Brasil (nome transitório da UFRJ) também em 1937, e o Salão Nacional de Belas Artes eram
considerados organizações conservadoras e modelos para as demais entidades do país. O
modernismo encontrava seu recanto no Ministério da Educação, pasta de Gustavo Capanema,
que agregou os artistas mais arrojados daquele momento, que elaboraram a Divisão Moderna
do Salão Nacional. Cândido Portinari era um dos mais reconhecidos entre os modernos. A
disputa não se limitava à atração por determinada tendência estética, mas extrapolava para
questões políticas e ideológicas. Portinari e Di Cavalcanti tinham simpatia pela esquerda,
Oswaldo Teixeira, pelo nazi-fascismo (KERN, 2007b). O governo também apreciava a
política do Eixo desde 1933, mas quando ela ameaçou o país e o Brasil entrou na Segunda
Guerra, isso, obviamente, modificou-se.
68

O panorama se modificou após o fim do Estado Novo e da guerra. A redemocratização


trouxe consigo a modernização de diversos setores da sociedade, incluindo o campo artístico.
No Rio Grande do Sul, o IBA novamente passou por uma reformulação curricular. Em
Pelotas, surgiu a Escola de Belas Artes em 1949. Surgiram novos locais para mostras, como o
Instituto Cultural Norte-Americano (1948) na cidade de Pelotas. Na cena porto-alegrense, a
Associação Francisco Lisboa ganhou mais projeção. A Lei Municipal nº 940, de 6 de
novembro de 1952, assinada pelo prefeito Ildo Meneghetti, criou o Salão Anual de Artes
Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre, que ficou a cargo da AFL. Os artistas ligados
à revista Horizonte e aos Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé participaram da
Associação, tornando-a um espaço em que poderiam atuar sem estarem vinculados
diretamente à militância política. No próximo capítulo, a inserção da AFL na agenda cultural
da cidade será brevemente abordada.

1.5.2 A criação da Horizonte e sua Nova Fase

No início da década de 1950, percebe-se o fortalecimento do Partido Trabalhista


Brasileiro (PTB) nos cenários políticos nacional e estadual. Sob essa sigla, elegeram-se o
presidente Getúlio Vargas, o governador Ernesto Dorneles e o senador Alberto Pasqualini.
Ex-militantes do PCB aderiram ao trabalhismo. A polarização política afetou a categoria dos
intelectuais, o acontecido na ABDE é evidência disso. As instâncias tradicionais de
consolidação na área de literatura e as publicações da Livraria do Globo, praticamente,
fecharam-se para os comunistas. Entretanto, eles mantiveram seus próprios aparatos – o jornal
A Tribuna, a Agência Farroupilha, a Livraria Farroupilha, a editora Cadernos da Horizonte e a
revista Horizonte – e trocaram a Globo pela Livraria Piratini como ponto de encontro.
Naquele período, em Porto Alegre, os principais impressos eram os jornais Correio do
Povo e Diário de Notícias; na área cultural e de variedades, a Revista do Globo, a Província
de São Pedro e a Revista Quixote. A Revista Quixote (1947–1952) pertencia ao Grupo
Quixote, que atuou de 1946 a 1961. O grupo foi criado pelos estudantes de Direito Raymundo
Faoro, Wilson Chagas, Silvio Duncan e Fernando Jorge Schneider. Os jovens literatos,
entusiastas do modernismo, questionavam a cultura vigente e se preocupavam em dar novos
ares à capital por meio de iniciativas voltadas, sobretudo, à poesia, tais como impressos,
recitais e festivais (BIASOLI, 1994).
A ilegalidade do PCB fechou, para os escritores, as portas de espaços consolidados de
legitimação na literatura, a Província de São Pedro e a Revista do Globo. Os veículos de
69

imprensa partidários adquiriram importância como espaço de trabalho para eles. Entre estas
estavam as revistas culturais ligadas ao PCB, criadas nas décadas de 1940 e 1950 33.
A Horizonte teve, no total, três diretores: Cyro Martins (1949); Lila Ripoll (1950–
1951 e 1954–1956); Fernando Guedes (1951–1954). Ela passou a circular em março de 1949,
sob a direção de Cyro Martins, tendo por secretários Zaira Martins e Flamarion Silva. Os
redatores haviam tido uma militância pública pelo PCB: Lila Ripoll, Dyonélio Machado,
Juvenal Jacinto, Edith Hervé, Flamarion Silva, Zaira Martins, Mario Escobar Azambuja e
Thereza de Almeida. As secções de música e de cinema ficaram a cargo de José Salanky e
Plínio de Morais, respectivamente. Segundo o editorial da primeira edição, a publicação
almejava incrementar a educação e a cultura da população e ser espaço para os literatos já
reconhecidos e novatos.

A nossa revista ambiciona ser um reflexo fiel da vida intelectual e artística


do Rio Grande do Sul. Não será um órgão de grupo. Portanto, não procurará
dividir, porém se esforçará por congregar em tôrno de sí todos os nossos
valores, os já reconhecidos como tais e os novos, que estarão certamente à
espera de um veículo como êste para embarcar na sempre atraente aventura
das letras e das artes (Horizonte, nº1, ano 1, mar. 1949, p. 1).

Embora feita por comunistas, no período em que Cyro Martins estava à frente, o
conteúdo da revista não tinha um viés panfletário. Havia notícias a respeito de personalidades
do partido, por exemplo, a participação de Vasco Prado no Congresso Mundial de Intelectuais
em Defesa da Paz, na coluna de Juvenal Jacinto, Notas e Notícias. As próprias capas
denotavam neutralidade, compostas por planos geométricos de cor, e o nome da revista em
caixa alta, sem chamadas. Essa fase teve apenas três exemplares, em março, abril e julho de
1949, cujas capas eram simples, compostas por planos chapados de cor e o nome da revista
em caixa alta (Fig. 13). Já Ripoll e Guedes seguiram a linha mais rígida do partido,
procurando empregar os preceitos do realismo socialista e criticando enfaticamente o
imperialismo estadunidense e os artistas “traidores do povo” (expressão usada pelos militantes
do PCB).

33
Por exemplo Literatura, do Rio de Janeiro; Fundamentos, de São Paulo; Seiva, de Salvador; e Orientação, de
Recife (RUBIM, 1995).
70

Figura 13 – Da esquerda para a direita: capas das edições 1 (mar. 1949), 2 (abr. 1949) e 3 (jul. 1949)
da revista Horizonte.
Fonte: Arquivo João Batista Marçal, Viamão, RS [reproduções fotográficas da autora]

A revista podia ser adquirida por assinatura e em bancas pela cidade. Era distribuída
pela Agência Farroupilha e impressa pela Tipografia Barata (MARÇAL, 2004). Talvez por
não dispor de um orçamento fixo para sua produção, não seguia uma periodicidade regular
(BALBUENO, 2001). A sede da redação ocupou salas nos logradouros de Porto Alegre: Rua
Tobias Barreto, número 181; Avenida 3 de Novembro, número 138/2; e Rua Marechal
Floriano, número 504/2.
Os anseios de democratizar o acesso às artes, conscientizar politicamente a população,
servir aos interesses do povo impulsionavam a equipe que assumiu o comando da Horizonte
no ano de 1950. O formato da revista se modificou – suas dimensões aumentaram para 23 por
31 centímetros, e a capa passou a ser ilustrada e a estampar parte do editorial ou chamadas
para os artigos. O texto de apresentação da Nova Fase, de autoria da nova diretora, Lila
Ripoll, revelava os preceitos que guiariam a revista. A posição era clara: admiração às
democracias populares da China e da União Soviética, engajamento no Movimento pela Paz,
repúdio ao imperialismo norte-americano, concepção da arte como instrumento de
transformação social:

Aqui estamos, em nossa nova fase e, à boa maneira gaúcha, digamos logo
quem somos e o que queremos.
<HORIZONTE> é uma revista de intelectuais de vanguarda. Nossa arte,
portanto, estará a serviço do que, na sociedade humana e em nossa terra,
represente o que há de novo, de progressista, que consulte às mais nobres
aspirações da Humanidade e do nosso povo.
Uma linha, nítida e tensa, divide o mundo de hoje em dois campos. De um
lado, os partidários da Paz, da cultura, de um mundo novo, com o qual
sonharam os grandes pensadores do passado e que já se ergue, a nossos
olhos, na gloriosa União Soviética, na Nova China e nas Democracias
71

Populares. Em tôrno dêste campo, se reúne o que há de melhor na


Humanidade.
[...]
Queremos que nossa arte seja mais uma arma, e poderosa, da Revolução
Brasileira e nos ajude a construir o grande Brasil democrático-popular, que
já antevemos.
Nossa revista estará aberta a todos aqueles que, com sua arte, quiserem
defender a paz e a independência nacional, a todos os que crêm em nosso
povo e se colocam a serviço de suas melhores aspirações. (Horizonte, 20
dez. 1950, n. 4, ano I, p.1).

As palavras tornam clara a linha político-partidária que se pretendia seguir. A


Revolução Socialista seria o exemplo de ideal, seria por meio dela que o Brasil alcançaria a
democracia e a justiça social. É preciso lembrar o período histórico no qual esses fatos se
passavam – eram os anos pós-Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria. Os
acontecimentos envolvidos no grande conflito e a possibilidade de que voltassem a
ocorrer atemorizavam grande parte da população, ainda mais devido ao surgimento de
ameaças do uso de armas atômicas e bacteriológicas. Vale também lembrar o papel
importante da União Soviética na derrocada de Hitler. A simpatia pelo regime soviético
também se justificava pelo fato de que não se sabia das mazelas e das arbitrariedades que
promovera.
Até aqui, este texto se deteve na ação dos comunistas, seus projetos culturais e suas
relações com intelectuais. Uma das formas – e forma privilegiada – de se observar como se
deu esse processo é através da vida de alguns sujeitos que estiveram diretamente ligados ao
projeto intelectual dos comunistas no Rio Grande do Sul. Claro, sempre se deve estar atento
aos efeitos do que Bourdieu (1998) chamou de ilusão biográfica, uma prática comum para
aqueles que pesquisam historias de vida, que surgem como um percurso pré-definido, como se
as pessoas não fossem passíveis de contradições e mudanças de atitude. Não se trata disso,
mas sim de observar como a trajetória desses sujeitos históricos pode abrir caminho para
compreendermos melhor a relação entre o comunismo e os intelectuais do período.
A trajetória de vida de Lila Ripoll mostra um profundo comprometimento com a
militância, assim como a importância do seu papel como agitadora cultural. Carlos Scliar foi
um artista voltado para o social, refletindo sobre debates que não se limitavam ao âmbito
estético. Outro colaborador de destaque da Horizonte foi Dyonélio Machado, do qual tratei
anteriormente. As histórias de vida desses personagens e suas relações pessoais e sociais
ajudam a entender o porquê da dedicação ao projeto político e cultural do PCB.
72

1.5.2.1 Personagens-chave da Nova Fase da Horizonte

1.5.2.1.1 Lila Ripoll – poetisa, militante comunista e agitadora cultural

Figura 14 – Lila Ripoll


Fonte: http://www.vermelho.org.

Lila Ripoll (Fig. 14) nasceu em Quaraí, no dia 12 de agosto de 1905, filha de
Florentino Ripoll e Dora Pinto Ripoll. Seus estudos iniciais se realizaram na escola da
professora Onda Talaia. Em 1927, Lila se mudou para Porto Alegre, onde completou sua
formação na Escola Complementar. Sua educação se assemelhava à das demais moças da
época: aulas de piano, de matérias básicas (Português e Matemática), formação moral e
religiosa. Formou-se pianista no Conservatório de Música de Porto Alegre. Interessante notar
que as escritoras comunistas – Esther Scliar, Adalgiza Martins Machado, Gilda Marinho,
Beatriz Bandeira – tiveram uma educação inicial similar. No Rio Grande do Sul, a doutrina
positivista influenciava a sociedade e, quanto às mulheres, a enfermagem e o magistério
seriam áreas adequadas, pois corroboravam a concepção de “mãe” e “cuidadora”, vocações
femininas “naturais”. A esposa do autor Dyonélio Machado, Adalgiza Machado, foi
professora de música; Beatriz Bandeira, de educação artística. Lila Ripoll deu aulas de Canto
Orfeônico no Grupo Escolar Venezuela a partir de 1930 (BORDINI, 1987).
Essas mulheres empregaram seus saberes em prol da militância. Beatriz Bandeira era
responsável por planejar as atividades culturais do Clube de Cultura Popular Euclides da
Cunha. Lila Ripoll esteve à frente do Departamento Cultural do Sindicato dos Metalúrgicos,
para o qual preparou peças de teatro, deu aulas de música e literatura e organizou o Coral dos
Metalúrgicos (MARTINS, 2012; BORDINI, 1987).
73

Waldemar Ripoll, primo de Lila, foi muito importante na inserção da parente no meio
intelectual. Waldemar se envolvera com política desde a juventude – participou do Centro
Acadêmico da Faculdade de Direito, da Revolução de 30 e da Revolução Constitucionalista.
Pelo ingresso na Revolução Constitucionalista, teve de se exilar em Portugal. Após um ano,
instalou-se no Uruguai e envolveu-se com a Aliança Popular Revolucionária Americana
(APRA). De muita firmeza de princípios, Waldemar apoiava a luta armada. Sua vida foi
intensa e curta: no ano de 1934, foi assassinado aos 28 anos de idade a golpes de machado,
em Rivera. Consta que o crime foi encomendado por Camilo Alves a mando do general Flores
da Cunha (MARTINS, 2012; BORDINI, 1987).
O comprometimento e a morte de Waldemar afetaram intensamente sua prima e
motivaram-na a militar pelo comunismo. Vários familiares exerciam papéis relevantes na
cidade de Quaraí. O pai de Waldemar, Raymundo Ripoll, fundou o Clube União Caixeral; seu
tio Pedro foi presidente do diretório do Partido Republicano. Assim, o ambiente em que
crescera era de pessoas inclinadas ao protagonismo na vida pública.
Lila Ripoll militou pelo comunismo quase sua vida inteira. Nos anos 1930, era
conhecida por suas posições políticas, embora ocupasse cargo no gabinete de Coelho de
Souza na Secretaria Estadual da Educação. O primeiro livro de poemas, De mãos postas, teve
edição pela Livraria do Globo, em 1938, e conseguiu boas críticas na imprensa, mesmo caso
de Céu Vazio, de 1941. Este último título foi agraciado com o Prêmio Olavo Bilac de
Literatura de 1943, concedido pela Academia Brasileira de Letras. Justino Martins dedicava
espaço para as poesias de Lila na Revista do Globo e rendia-lhe elogios comparando-a a
autores como Mário Quintana e Athos Damasceno. Dos seus colegas literatos, recebeu
homenagens em almoços e coquetéis. Não era usual ser dispendida toda essa receptividade a
escritoras por parte da grande imprensa da cidade – Diário de Notícias, Correio do Povo e
a Revista do Globo –, conforme consta em matéria da publicação da Globo, em agosto de
1943, na qual membros da Academia Feminina de Letras do Rio Grande do Sul, notadamente
a presidente da entidade, Lídia Moschetti, reclamam da falta de oportunidades de mostrar seu
trabalho. Marisângela Martins (2012, p. 221) propõe o seguinte para entender o caso de Lila
Ripoll:

Favorecidos pelo olhar a posteriori, podemos sugerir uma explicação. Um


primeiro fator que podemos levar em consideração: Lila Ripoll era
comunista, como Justino Martins, que [...] abriu espaço na Revista do Globo
para muitos camaradas dos meios artístico e literário. Além do diretor do
conceituado e conceituador impresso, Lila havia sido apresentada por
Waldemar [seu primo-irmão] a vários frequentadores da Livraria do Globo,
74

construindo um rico capital de relações sociais. E ela parecia saber da


importância de cultivar boas relações com amigos e conhecidos de projeção
pública. Um exemplo foi a posição que assumiu publicamente durante a
polêmica apreensão do romance Fronteira Agreste: a escritora recusou-se a
explicitar sua opinião por ser amiga das duas partes envolvidas, Ângelo
Guido e Ivan Pedro de Martins. Dos intelectuais que conheceu através de seu
primo, a poetisa tornou-se amiga pessoal de Cyro Martins, um grande
incentivador de seus escritos. Segundo Justino Martins, Cyro foi “culpado”
pela premiação de Céu Vazio, pois, restando dez dias para terminar o prazo
de inscrição, o romancista “obrigou” a amiga a procedê-la, empacotou os
exemplares e os enviou ao Rio de Janeiro. O jornalista cruz-altense ressaltou
que Lila vivia “dentro de sua humildade, aos empurrões dos amigos”, que
lhe furtavam os versos e os encaminhavam para um editor (a Globo)
(MARTINS, 2012, p. 221).

Os anos que seguiram à publicação de Céu Vazio marcaram a trajetória da poetisa. Em


1944, houve o casamento com Alfredo Luís Guedes, falecido apenas cinco anos depois. A
legalidade do PCB levou à intensificação da militância da escritora em diversas frentes.
Moysés Vellinho, diretor de A Província de São Pedro, publicou alguns poemas de Lila em
edições da revista. A cassação do registro do partido afetou sua atuação como militante e
como escritora, mas ela conseguiu lançar o livro Por quê? (1947), divulgado pela Revista do
Globo e pela Província de São Pedro. Porém, o maior baque foi na sua atuação política.
Justino Martins foi substituído na revista por Henrique Bertaso, que era mais cauteloso e
alinhado ao governo de Dutra, contribuindo, de certa forma, na construção da imagem
negativa do comunismo através da reportagem sobre a União Soviética e apoiando a cassação
do PCB. Provavelmente, a postura de Bertaso tem mais a ver com o cuidado em não se
indispor com os leitores conservadores e com o governo a fim de não afetar a popularidade da
publicação.
A camarada de Lila, Esther Scliar, era filha de Rosa Scliar e irmã de Leonor. Sua mãe
era comunista e, por isso, foi deportada, e a família teve de se mudar para o Uruguai.
Henrique Scliar, tio de Esther, fundou e dirigiu o PCB em Porto Alegre. Leonor Scliar casou-
se com outro expoente do partido, Plínio Cabral. Observando as relações afetivas e familiares
dessas militantes, pode-se pensar que esses laços contribuíram para desenvolver o interesse
pela política, algo que não era estimulado para as mulheres.
A presença feminina não indica, necessariamente, que os comunistas eram
progressistas em relação à igualdade de gênero. Homens e mulheres deveriam desempenhar
missões diferentes: aos militantes cabiam as posições de comando; às militantes, tarefas
ligadas a assuntos de proteção à família e às crianças. As concepções não se afastavam do que
vigorava no resto da sociedade.
75

Entre 1947 e 1960, diversos espaços serviram de cenário para a atuação legal
das comunistas: organizações de massa – como a Federação de Mulheres do
Brasil, a Solidariedade, a Associação Nacional de Mães, a Associação
Feminina de Porto Alegre –, associações de bairro da capital do estado e
departamentos femininos de alguns sindicatos. Nos núcleos menores, as
participantes desenvolviam atividades manuais (crochê, tricô); aprendiam a
ler e a escrever; promoviam festas, churrascos e chás para arrecadar recursos
para as campanhas; organizavam abaixo-assinados em favor da paz;
discutiam problemas de seu bairro (água, luz, transporte etc.) e alguns
aspectos da situação das mulheres e das crianças no Brasil (MARTINS,
2012, p. 235).

As mulheres conseguiram se inserir na vida partidária, mas dificilmente avançavam na


hierarquia. Lila Ripoll se empenhou intensamente nas tarefas políticas após sua viuvez. Era
uma figura-chave da frente intelectual, grupo dedicado às ações culturais, à produção artística
e às publicações. Outras funções legadas aos intelectuais envolviam campanhas de
arrecadação de fundos. Além disso, por vezes, os encontros do partido aconteciam em suas
casas. Como já apontado anteriormente, os intelectuais não pertenciam à classe revolucionária
a priori, o proletariado. O PCB estimava a filiação de escritores, artistas e profissionais
liberais porque se beneficiava com sua posição social, geralmente de prestígio e de
visibilidade.
Sobre as mulheres, novamente, a discriminação vinha de dentro e de fora do partido. O
comunismo, combatido fortemente a partir de1946, era pintado como destruidor dos valores
morais e cristãos. A Igreja Católica repudiava a exposição pública das mulheres; portanto, a
atuação das militantes reforçava a ideia de degradação da moralidade e da ordem natural das
coisas promovida pelo partido. Entretanto, os comunistas também seguiam a moral burguesa e
queriam impor regras de conduta às mulheres, que deveriam dedicar sua vida pública e
privada às causas partidárias, ser modestas, ter uma imagem sóbria e austera. Como era de se
esperar, nem todas correspondiam a essas expectativas. Exemplo notório é o da jornalista
Gilda Marinho, que tinha uma vida social intensa e era aclamada como uma figura de
“postura social avançada” para a época.
Em 1950, Lila se aventurou em uma candidatura malsucedida para deputada estadual.
Nesse mesmo ano, substituiu Cyro Martins na direção da revista Horizonte. Em seguida, a
editora Cadernos da Horizonte colocou em circulação seu livro Novos Poemas, agraciado com
o Prêmio Pablo Neruda da Paz. A escritora se empenhou nas campanhas do Movimento dos
Partidários da Paz, comparecendo a eventos e congressos. Porém, Lila não descuidou de sua
76

atuação literária: assumiu a presidência da seção regional da União Brasileira dos Escritores e
ajudou a organizar o IV Congresso Brasileiro de Escritores, em Porto Alegre.
Por ocasião do conflito travado entre trabalhadores e policiais na comemoração do Dia
do Trabalhador de 1954, em Rio Grande, Lila Ripoll publicou o poema Primeiro de Maio.
Naquele dia, integrantes da passeata foram metralhados por agentes de segurança do estado. A
escritora tornou-se colaboradora do jornal A Tribuna, tanto com textos quanto na parte
administrativa. Ela lançou Poemas e Canções em 1957, também pela Cadernos da Horizonte.
No final da década, Lila trouxe ao público outra faceta de sua produção com a peça
teatral Um Colar de Vidro, que estreou no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, sob a direção
de Luiz Carlos Saroldi. Ela também montou Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes.
Nos derradeiros anos de sua existência, Lila continuou ativa. Em 1961, publicou O
Coração Descoberto; em 1965, Águas Móveis. Promoveu recitais no Clube de Cultura e
participou de ações a favor do teatro na cidade. No início do regime militar, ela chegou a ser
presa; entretanto, por estar com câncer em estágio avançado, acabou por ser liberada. Seu
amigo e poeta Walmyr Ayala organizou Lila Ripoll – Antologia Poética, lançado poucos dias
antes de a escritora falecer, em 7 de fevereiro de 1967.

1.5.2.1.2 Carlos Scliar – artista e militante

No começo do século XX, os judeus da Ucrânia, pertencente ao Império Russo, eram


alvo de perseguição violenta, acusados injustamente de provocar as mazelas dos domínios
czaristas. Os judeus da Europa Ocidental ajudaram a financiar a migração judaica da Rússia
para o continente americano. No Rio Grande do Sul e na Argentina, Barão Moritz von Hirsch
(1831–1896) comprou terras para esse fim (SCLIAR, 1983). O Barão Hirsch foi um rico
empresário e considerado um dos maiores filantropos judeus por destinar grandes quantias em
prol da educação e da imigração.
A família Scliar era da cidade de Gorichkova, na Ucrânia. Esse país, apesar dos
problemas sociais, possuía uma rica cultura, destacando-se talentos na música erudita e na
literatura. Os Scliar partiram de sua terra natal entre 1913 e 1914, escapando da Primeira
Guerra Mundial (SCLIAR, 1983). A travessia da numerosa família se deu na terceira classe
de um navio de imigrantes. A viúva Ana Scliar tinha quatorze filhos, dos quais apenas nove
sobreviveram (SCLIAR, 2011) (Fig. 15).
77

Figura 15 – Da esquerda para a direita, os irmãos Isaac, Manoel José e Henrique Scliar.
Fonte: CARLOS..., 1983, p. 20.

A primeira rua em que Henrique Scliar viveu na cidade de Porto Alegre foi a Tomás
Flores, próximo à Igreja do Bom Fim, local que se tornaria um reduto importante da
comunidade judaica na capital. Em seguida, mudou-se para a Fernandes Vieira, caracterizada
pelas residências familiares. Henrique se tornou alfaiate, foi empregado dos irmãos Guaspari,
e esteve à frente de uma confecção. A maioria dos seus irmãos era marceneiro. Entre seus
irmãos estavam Isaac, pai da musicista Esther Scliar e da professora Leonor Scliar-Cabral, e
Manoel José, pai do escritor e médico Moacyr Scliar, que chegou a trabalhar para Henrique
(SCLIAR, 1983). Posteriormente, José casou-se com a professora Sara, originária da cidade
de Tomashpol, da região da Bessarábia, Rumânia, atual Moldava.
De espírito inquieto, Henrique viajou para Buenos Aires, onde trabalhou em
confecções, envolveu-se em movimentos grevistas e com anarquistas. De volta ao estado,
casou-se com Cecília Stechman em 1919. Cecília morava na colônia de Quatro Irmãos, uma
das áreas compradas pelo Barão Hirsch.
O casal se mudou para Santa Maria da Boca do Monte, e Henrique conseguiu o cargo
de gerente em uma fábrica de confecções (Fig. 16). Carlos Scliar nasceu nessa cidade em 21
de junho de 1920. Logo, a família migrou para Porto Alegre em função da frágil saúde do
primogênito prematuro. Dois anos depois, os Scliar se fixaram em uma chácara no morro
Santo Antônio, no bairro Partenon. No total, Henrique e Cecília tiveram três meninos: Carlos,
Marcos e Salomão. Salomão investiu na carreira de cineasta e fotógrafo.
78

Figura 16 – Fábrica de confecções gerenciada por Henrique Scliar, que está em pé ao fundo,
em Santa Maria, RS, 1919.
Fonte: CARLOS..., 1983, p. 21.

O pai de Carlos Scliar possuía uma chácara em Viamão, onde hoje se localizam os
bairros Cecília e Augusta, nomes de sua esposa e de sua nora. Era frequentada por
personalidades notáveis como Jorge Amado, Zélia Gattai e Pablo Neruda. Henrique 34
costumava oferecer à comunidade transporte gratuito de ônibus a fim que usufruísse de sua
propriedade. Os Scliar reuniam amigos e parentes para discutir assuntos diversos – política,
Israel, livros, teatro, música, as correntes de esquerda anarquista, stalinista, sionista. A
residência era simples, mas a cultura era estimada. Havia quadros nas paredes, livros. Faziam-
se apresentações de poesia e de música nesse ambiente doméstico, além de teatro amador na
comunidade (Fig. 17).

Era uma família cognominada progressista. Henrique era militante


anarquista, Carlos, amigo de Prestes e Jorge Amado, Leonor foi exilada no
Uruguai e muitos se dedicavam anonimamente a colar cartazes pedindo Paz,
Pão e Terra. O Clube de Cultura, cujo auditório tem seu nome, foi obra
liderada por Henrique e sediava uma organização laica, propulsora de
atividades teatrais, musicais, conferências e muitos e muitos debates aos
quais não faltaram Temperani Pereira, Rubem Maciel e mais um verdadeiro
time de intelectuais em evidência no Estado e no país (SCLIAR, 2011, p.
106).

34
Henrique Scliar foi o principal idealizador do Clube de Cultura, importante entidade judaica progressista
fundada em Porto Alegre nos anos 1950 e ainda hoje em atividade. O Clube de Cultura está instalado na Rua
Ramiro Barcelos, nº 1853. (AGUIAR, 2009).
79

Figura 17 – Teatro Amador Israelita em Porto Alegre, RS, 1927. Henrique Scliar à direita, de barba preta.
Fonte: CARLOS..., 1983, p. 21.

Carlos Scliar foi aluno do tradicional colégio Júlio de Castilhos. Desde criança, sua
paixão pela arte, primeiramente, e pela música chamava a atenção. As primeiras referências
em artes visuais do garoto foram as ilustrações de Di Cavalcanti, Santa Rosa, Portinari e
Paulo Werneck. Na Livraria Internacional, do anarquista alemão Friedrich Kniestedt, amigo
de seu pai, Carlos pôde manusear publicações germânicas nas quais viu reproduções de Käthe
Kollwitz e George Grosz. Carlos Scliar também era maravilhado por cinema. Quando criança,
via filmes projetados no Largo da Igreja de Santo Antônio, em Porto Alegre, durante as festas
juninas (SCLIAR, 2000). Assistiu às produções de Méliès e de Charles Chaplin, faroestes e,
na década de 1920, aos expressionistas alemães Fritz Lang e Murnau. Em 1934, teve a
oportunidade de estudar desenho e aquarela com Gustav Epstein, amigo de seu pai. Um marco
literário para o jovem Scliar foi O Lobo da Estepe, de Herman Hesse (SCLIAR, 1983).
A família de Scliar sofreu um baque financeiro no réveillon de 1930, quando a fábrica
de confecção de roupas de Henrique Scliar, que ficava ao lado de sua casa, pegou fogo. As
crianças foram salvas pelos operários que retornavam das festas. O pai precisou recomeçar
seus empreendimentos apesar dos grandes prejuízos. Carlos Scliar vivia, mesmo nas
dificuldades, em um ambiente motivador:
80

Tive a sorte de ter um pai excepcional, que sempre me estimulou. Era,


apesar de industrial, ideologicamente anarquista. Ele lia muito e me
estimulou para que fizesse o mesmo. Eu era muito inquieto e curioso, penso
que por teimosia; levava jeito para o desenho e queria ser pintor, mas meu
pai via nessa minha atividade uma vocação para a engenharia. Em toda a
nossa família os jovens estudavam algum instrumento musical. As meninas
tocavam piano e os meninos “deveriam” estudar violino. Confesso que o
violino eu não gostava nem de chegar perto; uma vez que tentei tocar, como
via meus primos fazerem, o som me parecia que estava matando um gato
desesperado. Preferia piano. Quando encontrava um, mexia naquele teclado
e achava que estava inventando sinfonias. Como não tinha piano na minha
casa, meus pais contavam que, com um pedaço de carvão, comecei a
desenhar nas paredes. Nunca mais deixei de desenhar (SCLIAR, 2000, p. 44-
45).

De fato, não foram as cordas e as teclas que conquistaram a preferência de Carlos


Scliar, mas sim o lápis, o pincel, o carvão e o buril. Aos 11 anos, já enviava desenhos para os
suplementos infantis do Correio do Povo e do Diário de Notícias. Seu primo Maurício era
amigo do ilustrador Nelson Boeira Faedrich, que convidou Scliar para conhecer a Seção de
Desenho da Editora Globo, na qual encontrou nomes importantes com Edgar Koetz, João
Fahrion e Gastão Hofstetter (SCLIAR, 2000).
Em 1935, a Exposição do Centenário da Revolução Farroupilha congregou artistas de
várias gerações. Carlos Scliar participou na categoria de amador com apenas 15 anos de
idade. Esse evento o aproximou ainda mais dos ilustradores da Globo. Isso o motivou a enviar
desenhos para a Revista do Globo (Fig. 18).

Figura 18 – Carlos Scliar, Hitler, 1934


Fonte: Revista do Globo, n. 22, ano VI, 17 nov. 1934, p. 46
81

Justino Martins frequentava a casa dos Scliar, no bairro Bom Fim, na sua juventude.
Justino se lembra de Henrique Scliar confeccionando acolchoados e estimulando o interesse
pela arte do filho. Na época em que Justino dirigiu a Revista do Globo, Scliar ilustrou contos
reproduzidos na publicação de diversos autores.
Em depoimento colhido por Roberto Pontual (1981), Carlos Scliar fala de seu apreço
pelas artes ainda bem criança. Quando tinha 12 anos, já enviava desenhos para suplementos
para o público infanto-juvenil e escrevia contos. Seus pais o incentivaram bastante:

Aos treze ou quatorze anos, meu pai conversou com seu amigo, o pintor
Epstein, e decidiu que eu trabalhasse sob suas ordens. Deu-me, o mestre,
reproduções para que eu as copiasse em aquarela. Trabalhei nisso poucos
meses. Creio que fui péssimo aluno, estava sempre contra, hoje nem me
lembro bem contra o quê. Em 1935 fiz meu primeiro envio para a Exposição
Farroupilha, que congregava artistas rio-grandenses de várias gerações. Eu
estava com quinze anos. Conheci outros jovens que, como eu, lidavam com
arte; um deles, Gastão Hofstetter, trabalhava no Departamento de Desenho
da Editora Globo. Lá encontrei diversos artistas que deveriam me influenciar
por certo tempo, como Nelson Boeira Faedrich, João Fahrion e Edgar Koetz
(PONTUAL, 1970, p. 117-118).

Da convivência dos jovens artistas surgiu a ideia de fundar a Associação de Artes


Plásticas Francisco Lisboa, concretizada em 1938.
Pela formatura no Ginásio (após três repetências no terceiro ano), em 1939, Scliar
recebeu de presente dos pais a viagem ao Rio de Janeiro e a São Paulo (SCLIAR, 2000). Na
capital paulista, participou do Salão de Maio e conheceu os artistas Flávio de Carvalho e
Joaquim Figueira, escultor. No Rio de Janeiro, conheceu a redação das revistas Diretrizes,
Para Todos e A Esfera. Naquele mesmo ano, retornou a Porto Alegre, decidiu dedicar-se à
pintura, largando o curso preparatório para a Engenharia, e retornou ao sudeste do país.
Conheceu Rubem Braga, que o convidou para ser planificador gráfico da publicação Cultura
de São Paulo (PONTUAL, 1970; SCLIAR, 2000).
Talvez o primeiro grande incentivador no meio intelectual da carreira de Carlos Scliar
tenha sido Rubem Braga (1913–1990). Carlos não completara 20 anos quando conheceu
Braga; porém, o escritor apostava em seu talento e dedicou-lhe uma coluna no jornal O
Estado de São Paulo, em 2 de fevereiro de 1940. Mais tarde, os dois atuaram na Força
Expedicionária Brasileira (FEB). Carlos foi pracinha; Rubem, correspondente.
A década de 1940 foi dedicada à gravura, experimentando a litografia e
linoleogravura. No início do decênio, residiu em São Paulo e conviveu com figuras expoentes
da arte brasileira: Roberto Burle Marx, Flávio de Carvalho, Oswald de Andrade, Mário de
82

Andrade, Jorge Amado, entre outros. Integrou a Família Artística Paulista e participou da
Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas-Artes. Portinari, Lasar Segall, Goeldi e Marcelo
Grassmann eram grandes referências das artes gráficas para Scliar.
O ano de 1940 foi marcado por acontecimentos marcantes para a carreira de Scliar: a
primeira exposição individual, o ingresso na Família Artística Paulistas e a medalha de prata
em pintura na Primeira Divisão de Arte Moderna do Salão Nacional de Belas-Artes. Jorge
Amado propôs que Scliar se estabelecesse no Rio de Janeiro. Durante 1941, residiu em Santa
Teresa, conheceu Axel Leskoschek, Arpad Szenes e Maria Helena Vieira da Silva. No ano
seguinte, realizou uma série para o livro Carlitos (Fig. 21), de Manuel Villegas Lopez, e
ilustrou o livro As águas não têm memória, de Clóvis Assumpção (Fig. 19 e 20) (PONTUAL,
1970; SCLIAR, 2000).

Figura 19 – Ilustração de Carlos Scliar para As águas não têm memória, 1942
Fonte: ASSUMPÇÃO, 1942, p. 6.
83

Figura 20 – Ilustração de Carlos Scliar para As águas não têm memória, 1942
Fonte: ASSUMPÇÃO, 1942, p. 22.

Figura 21 – Ilustração de Carlos Scliar para Carlitos, 1943


Linóleo e pochoir
Fonte: CARLOS..., 1983, p. 32

Posteriormente, a vida de Scliar sofreu uma grande mudança, quando convocado pela
Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar na Segunda Guerra (Fig. 22). Em 1943, ele
foi à Itália. Passou a servir em uma central de tiro de agosto de 1944 a julho de 1945. Quando
noticiou a convocação do artista para a FEB, em artigo para O Imparcial de 1943, Jorge
Amado não lhe poupou elogios e destacou o comprometimento social de sua obra. A arte pura
84

foi alvo da crítica do escritor baiano. Jorge exaltou a luta contra o nazi-fascismo em que se
engajara o jovem de 23 anos e afirmou que isso lhe serviria para transformar sua arte em arma
contra a opressão (CARLOS..., 1983, p. 44).

Figura 22 – Carlos Scliar preparado para servir à FEB. Rio de Janeiro, 1944
Fonte: CARLOS..., 1983, p. 45

O serviço militar na Europa colocou Carlos Scliar perante a triste realidade do front e
enriqueceu-o pelo contato com gente de diversas nacionalidades e da estada em várias
cidades. O componente afetivo e emocional derivado de suas origens intensificou ainda mais
a experiência:

Minha condição de descendente judeu já me levava, aos treze ou catorze


anos, a me identificar com aqueles que, na Alemanha, nos países fascistas e
por toda a parte, vinham sendo perseguidos em decorrência de razões raciais.
Eu nunca vira esse problema colocado em minha própria casa, por não
praticarmos qualquer religião e, com o maior respeito, por termos sempre
convivido com amigos dos mais diversos credos. Dizia-se, naquele tempo,
que os campos de concentração eram uma mentira inventada pelos
comunistas contra os nazistas (PONTUAL, 1970, p. 120).

No Brasil, havia políticos simpáticos ao nazi-fascismo. O cenário mudou devido à


reprovação da população aos atos cruéis dos nazistas que passaram a ser divulgados. O senso
de solidariedade aos seres humanos submetidos a atrocidades, especialmente por serem de seu
povo, comoveu o artista, agora pracinha.
A cabeça de Scliar fervilhava de ideias nos períodos de descanso de pracinha.
Formulava projetos de filmes, de revista, escrevia anotações e cartas, além de registrar em
desenhos o que via. Em meio a tudo o que vivenciava, ainda outro fato o impactou: a morte da
mãe, da qual soube por meio da crônica em uma revista pertencente a um colega. Sobre a
85

parte artística, além dos desenhos de figuras humanas, passou a pintar naturezas-mortas,
elegendo objetos simples do cotidiano como tema. Durante a guerra, esteve em Pisa,
Marzolara, Porreta-Terme, Scandiano, Alessandria, Florença, Roma e Veneza e registrou
notas e desenhos em um caderno e em papéis avulsos. Quando retornou ao Brasil, em 1945,
organizou a mostra Com A FEB na Itália, patrocinada pelo Instituto Brasil-Estados Unidos,
pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil e pelo Comitê Democrático Progressista dos Artistas
Plásticos. A exposição percorreu as capitais Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Scliar
foi morar no Rio de Janeiro e retomou o convívio com o casal de pintores estrangeiros Arpad
Szenes e Maria Helena Vieira da Silva. Fez incursões cinematográficas, produziu Escadas
(1943) e um documentário sobre Lasar Segall. Esses dois amigos o acompanharam a Paris em
1947 (PONTUAL, 1970).
Carlos Scliar ambicionava integrar-se à Escola de Paris (Fig. 23). Aproveitou ao
máximo os eventos culturais que a capital francesa oferecia, inclusive os debates: “[...] eram
as correntes abstratas impostas por galerias, tendo alguns bons pintores por bandeiras; eram as
discussões em torno do realismo socialista, muito discutido e mal aplicado por todos; era a
certeza de que tudo tinha que mudar, mas na sua essência, e não na fachada” (PONTUAL,
1970, p. 133). Alguns artistas, incluindo Scliar, formaram a Associação Latino-Americana
(AMARAL, 2003). Aumentava dentro de Scliar a percepção de que precisava se aprimorar e
aplicar-se ao desenvolvimento da arte no Brasil.
Na capital francesa, Scliar produziu 30 linoleogravuras para a versão francesa de
Seara Vermelha, Les Chemins de La Faim, de Jorge Amado, livro lançado em 1950 pela
editora da Associação Latino-Americana e publicado no ano anterior em Les Lettres
Françaises (PONTUAL, 1970). O desejo de aperfeiçoamento das técnicas diminuiu sua
relevância ao perceber que o aprendizado que acessou poderia fomentar preconceitos estéticos
e formais e menosprezar o conteúdo. Após três anos, Scliar voltou ao Brasil. Durante seu
tempo fora, a arte moderna ganhara impulso pela criação de museus no Rio de Janeiro e em
São Paulo. A opção por se estabelecer no Rio Grande do Sul se explica pela vontade de
executar o projeto de uma publicação e de uma entidade voltada à gravura e ao trabalho
coletivo, aos moldes do Taller de Gráfica Popular. Assim iniciou a trajetória da revista
Horizonte e do Clube de Gravura de Porto Alegre.
86

Figura 23 – Carlos SCLIAR. Composição, Paris, França, 1947.


Guache e colagem encerado sobre cartão, 51,5 x 37 cm.
Coleção Gilberto Chateaubriand, RJ.
Fonte: SCLIAR, 1991, p. 37.

A partir de 1956, Scliar se dividiu entre Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e Ouro Preto,
em Minas Gerais, e voltou-se à pintura. O trabalho em impressos continuou a ocupá-lo na
revista Senhor, da qual foi diretor de arte entre 1958 e 1960, e no suplemento do Jornal do
Brasil.
Antes de partirmos para o segundo capítulo, no entanto, é necessário fazer
apontamentos sobre o campo artístico do estado, no período, para entender conjuntura na qual
foram criados a revista Horizonte e o CGPA. Com efeito, a atividade cultural dos comunistas
se desenvolveu em um contexto bastante específico de mudanças políticas e econômicas que
impactou as instituições artísticas do estado. Dessa forma, temos de fazer uma
contextualização mais abrangente do campo artístico no extremo sul do Brasil, para
compreender onde se realizou a empreitada artística dos comunistas gaúchos.

1.5.3 Intersecções entre a Horizonte e o Clube de Gravura de Porto Alegre

As histórias do CGPA e da revista Horizonte estão estreitamente ligadas ao contexto


político e cultural marcado pelo estabelecimento da Guerra Fria e, por conseguinte, pelas
disputas entre capitalismo e comunismo. Os fundadores do CGPA, Vasco Prado e Carlos
Scliar, desde o princípio de suas trajetórias, mostraram vocação para a militância nas artes e
87

na política, pois se aproximaram do PCB e foram agentes articuladores na área da cultura. Os


artistas buscavam um fazer artístico que correspondesse aos seus ideais. Ambos puderam
passar pela Europa e estudar as tendências de vanguarda do final de 1940; porém, o debate
entre os intelectuais de esquerda, na França principalmente, teve maior impacto no curso de
suas vidas.
Em 1948, Vasco e Scliar participaram do I Congresso Mundial dos Intelectuais pela
Paz, em Wroclaw, na Polônia. O movimento pacifista, encabeçado pelos comunistas, surgiu
das preocupações acerca da Terceira Guerra Mundial, que parecia principiar a qualquer
momento devido às intervenções militares norte-americanas e às discordâncias entre as
grandes potências mundiais. Muitos intelectuais aderiram à luta pela paz e pela proibição e
controle de armas de destruição em massa.
Além do engajamento no Movimento dos Partidários da Paz, Vasco e Scliar puderam
se envolver nos debates sobre cultura, principalmente, dos intelectuais de esquerda. A
tendência defendida pelos partidos comunistas, seguidores do PCUS, era o realismo socialista.
Porém, havia diversidade de ideias. Os sul-rio-grandenses conviveram com artistas latino-
americanos que acreditavam que a arte tinha uma função social e que seria preciso se voltar à
realidade local e às necessidades da população para bem desempenhar o seu papel. A arte
como ferramenta de luta em prol do bem comum, pela conscientização política e pela
mobilização dos trabalhadores. Exemplo de pensamento e de prática nesse sentido foi o
mexicano Leopoldo Méndez. O TGP era uma entidade baseada no trabalho artístico coletivo
que visava produzir artes gráficas de cunho social e político. Vasco e Scliar conheceram
Méndez e o TGP, e isso os inspirou a instaurar uma associação semelhante em Porto Alegre, o
CGPA. O CGPA foi, inicialmente, criado para ajudar financeiramente a produção da
Horizonte, mas tão logo a publicação se sustentou com seus próprios recursos, o Clube
expandiu suas atividades, promovendo várias exposições e cursos.
Os intelectuais e os artistas do Clube de Gravura e da Horizonte tinham planos de
difundir seus ideais políticos através de sua arte, de promover a cultura e, quem sabe, gerar
uma reação popular às mazelas sociais. Não se pode generalizar que esses seriam os
propósitos de todos os que passaram pelo Clube, pois a instituição era também um ambiente
de formação artística e não exigia vínculo político-partidário dos participantes. A abrangência
e o sucesso das empreitadas da revista e do grupo liderado por Carlos Scliar e Vasco Prado
são difíceis de mensurar e serão temas do próximo capítulo.
88

1.6 HISTÓRIA DO CGPA CONTADA PELOS ARTISTAS

O resgate da história do CGPA nas páginas do Correio do Povo, nos anos 1970, é
utilizado como referência por vários pesquisadores. A quantidade de detalhes fornecidos pelos
artistas em entrevistas a Antônio Hohlfeldt, Maria Helena Webster e Angélica de Moraes não
podem ser desconsiderados ao se reconstituir suas trajetórias. A série de artigos do jornal foi
motivada pela realização do Projeto CULTUR, dedicado ao “Grupo de Bagé”, promovido
pela Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul. Evidentemente, é preciso problematizar a
situação do campo das artes, as implicações políticas do empreendimento governamental e o
próprio veículo de comunicação no qual se divulgam as informações, o Correio do Povo, a
fim de fazer um uso crítico delas. No capítulo 3, essas questões serão discutidas. Neste
momento, restringe-se a utilizar as reportagens jornalísticas como fonte para construir um
levantamento de dados sobre o CGPA, visto que foram elaboradas a partir da fala dos artistas
e amplamente usadas em pesquisas acadêmicas.
A primeira experiência de trabalho artístico coletivo de parte dos membros do CGPA
foi o chamado “Grupo de Bagé”, do qual participaram Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves
e Glênio Bianchetti, formado em torno da figura do escritor baiano Pedro Wayne e do pintor
José de Morais na década de 1940. Carlos Scliar não chegou a integrar o grupo na época, mas
teve uma passagem importante.
O literato Ernesto Wayne, filho de Pedro Wayne, lecionava no Departamento de
Letras de uma faculdade da cidade e integrara o Grupo de Bagé nos anos 40. Era amigo de
infância de Glauco, com quem convivera desde muito novo; ambos, inclusive, nasceram no
mesmo ano, 1929. Cursaram juntos o ginásio no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,
interessavam-se por cinema e revistas sobre o assunto, como A Scena Muda e Cine-Arte.
Infelizmente, a cidade não fornecia muitas opções de filmes, a maioria das projeções era de
musicais hollywoodianos. Em 1941, conheceram Bianchetti. Clóvis Assumpção e Carlos
Scliar eram frequentadores da casa dos Wayne. Scliar havia ilustrado o livro de Pedro Wayne
Almas penadas (1941) quando estava na Bahia, período em que também trabalhou em As
águas não têm memória (1942), de Clóvis Assumpção. Pedro era um entusiasta do
modernismo e da Semana de 22 e introduziu o assunto para seu filho e seus amigos. Na noite
do baile de formatura do ginásio de Ernesto Wayne, Glênio conheceu Ailema, sua
companheira de toda a vida. Assumpção contribuía para a formação dos meninos enviando
publicações, tais como a Revista Acadêmica, que continham reproduções de Lasar Segall e
textos de Mário de Andrade.
89

Glauco Rodrigues era vizinho de Pedro Wayne e amigo do seu filho Ernesto. Pedro
Wayne possuía telas de Carlos Scliar na parede e admirava a produção moderna artística,
tanto em artes plásticas quanto em música e literatura. Ele inspirou os jovens Glênio
Bianchetti e Glauco ao transmitir seu conhecimento e apreço pelo modernismo, sobretudo,
por Mario de Andrade e Oswald de Andrade.
O contato com a pintura era raríssimo na Bagé dos anos 1930 e 1940, o que se via
eram reproduções em impressos. Apesar da estagnação cultural, um caso curioso, relatado por
Scliar, é a existência de uma “bailarina expressionista” chamada Maria de Lourdes Collares,
para quem projetou cenários para um espetáculo de balé. Glauco Rodrigues revelou que só se
tornaram artistas graças a “forças da natureza” e às aulas de pintura da mãe de Ailema
Bianchetti (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976d). A precariedade era tal que uma
coisa simples como a troca de tampinhas de garrafa por uma paleta a fim de misturar as tintas
foi marcante para Glênio. O pai de Glênio era padeiro e o de Glauco, um empregado
assalariado, e ambos não tinham muitos recursos para investir em sua formação. A situação de
Glênio Bianchetti na juventude não apontava para uma carreira artística. Segundo ele:

[...] tínhamos uma diferença cultural. Era como se o Glauco morasse em


Porto Alegre, na capital, e eu na cidade do interior. Meu pai tinha um nível
um pouco acima de operário. Ele trabalhou muito, fez algum dinheiro, me
dava todo o conforto, pagava o meu colégio: nunca me faltou nada. Mas,
culturalmente, meu pai nunca dialogou comigo. Acho que ele até hoje não
entende por que eu sou artista. Mas é uma figura maravilhosa que respeita o
que eu faço. Já o pai de Glauco tinha outro nível social e cultural. Acho que
isso influi. O pai de Danúbio também era outra coisa: estancieiro, de família
que participara da Revolução Farroupilha... (HOHLFELDT; MORAES;
WEBSTER, 1976d, p. 15).

Apesar da origem de Danúbio – ele é trineto do general Bento Gonçalves da Silva


(1788–1847), um dos líderes da chamada Revolução Farroupilha – ter mais recursos e
prestígio, isso não quer dizer que a opção da carreira artística tenha sido fácil.
Tradicionalmente, seu pai o encaminharia para alguma profissão mais “adequada” à condição
social, política e econômica da família, que não era a de artista. Pode-se dizer que o mais
incentivado a desenvolver a propensão à arte foi Carlos Scliar. Naquela época, enquanto
passava as férias em Bagé, conheceu Pedro Wayne, que era amigo de seus tios. Wayne
escreveu uma crônica sobre Scliar na imprensa local, assim como Pelayo Perez, cujo texto
recebeu o título Um guri que veio de Porto Alegre. Scliar escrevia contos e os ilustrava e, em
meados da década de 1930, ingressou na lista de colaboradores da Revista do Globo,
coincidindo com o ingresso de Justino Martins na publicação.
90

O meio de tomar conhecimento sobre arte em Bagé eram as revistas, como a argentina
Para Ti, que publicava reprodução de obras clássicas e de surrealistas argentinos. Em 1944,
Danúbio fez uma exposição individual na cidade. Ele tinha grande interesse em histórias em
quadrinhos, que estavam em ascensão, e chegou a publicar caricaturas na imprensa carioca
aos 14 anos.

Preparei essa primeira exposição para Bagé com temas do morro. Eu ia às


favelas cariocas desenhar. Um irmão meu dizia que eu não conseguiria
vender nada, “porque está desenhando negro, isto é um absurdo”. Eu fiz a
exposição e vendi todos os negros em Bagé. Os quadros eram muito
baratos... Logo que o Pedro Wayne viu os trabalhos dessa exposição
escreveu uma matéria no jornal me estimulando muito. Voltei de novo para o
Rio... (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976g, p. 19).

No ano de 1945, Carlos Scliar é convidado para ir a Bagé a fim de falar sobre a
participação na FEB. Nessa ocasião, é apresentado a Glênio, Glauco e Clóvis Chagas. Glênio
admite o impacto positivo das obras de Scliar durante sua adolescência, na fase que ele chama
de “Tango”, a mais dramática (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976e).
A volta de Carlos Scliar a Bagé e suas visitas aos Wayne instigaram ainda mais os
aspirantes a artistas. Scliar explicou que a pintura se tratava de desenho e cor, o tema ou o
objeto de representação não era o mais importante, e tentava demonstrar o que era o
modernismo. Danúbio viajou a Bagé de férias e acabou aderindo ao “Grupo”. Ele trazia
consigo álbuns de Picasso, Rembrandt, Rubens, entre outros. Danúbio explicava que a tudo
deveria ser dado o devido valor, incluindo os clássicos e o estudo do modelo vivo.
No ano seguinte, 1946, outro fato relevante tem vez na formação do grupo, a chegada
do pintor José de Morais, que elegera Bagé como um dos destinos da Viagem ao País, prêmio
que recebera. Morais se hospedou na chácara dos Stechman, tios de Carlos Scliar, onde
montou seu ateliê, que foi aberto a Glauco e Bianchetti. Clóvis Chagas e Ernesto Costa
também se integraram ao “Grupo”. José Morais lhes ensinou como organizar um ateliê e a
apreciar a arte moderna. Morais foi aluno de Quirino Campofiorito e de Portinari. Quirino
fazia parte do grupo de “não acadêmicos” 35 dentro da academia, valorizava o desenho e
admirava Portinari. Morais aprimorou sua técnica e desenvolver o gosto pelo moderno, o que
passou para seus pupilos de Bagé.
Pedro Wayne (1946) conta a história de adolescentes bageenses aspirantes a artistas
que se interessavam pela arte moderna e pela arte tradicional, de Rafael e Goya a Manet e
35
O termo pintura acadêmica se referia à pintura francesa do século XIX que se opunha ao impressionismo. Seus
temas remetiam à antiguidade clássica e usava muita alegoria.
91

Portinari, nas páginas da Revista do Globo, em “Montparnasse” em Bagé. Eram eles: Clóvis
Chagas, Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues. Posteriormente, juntaram-se ao grupo
Danúbio Gonçalves e Deny Bonorino.
Os três moços apreciavam a pintura, mas lhes faltava orientação. Essa necessidade foi
em parte sanada pela chegada de José Morais, que se dedicou aos estudos de tipos populares,
dando maior atenção aos proletários e aos pobres. Generosamente, o pintor dividiu seu tempo
entre seu trabalho e a orientação artística para os principiantes. Clóvis Chagas, o mais velho
dos aprendizes, com 21 anos de idade, foi o que mais lera a respeito de arte e produzia
quadros que vendia. Provido de poucos recursos, tinha aparência humilde. Quando servira o
Exército, os oficiais lhe pediam retratos, desse modo, seu tempo no quartel pôde ser
preenchido com atividades mais aprazíveis para ele. Chagas aprimorou sua habilidade em
desenho com a ajuda de Morais. Aluno do primeiro ano do curso comercial do Colégio Nossa
Senhora Auxiliadora, Glênio Bianchetti, 18 anos, encontrou em Morais o exemplo de carreira
que o inspirava. Bianchetti era filho único e voltou-se para o estudo do comércio um tanto
contrariado. Desejava ir ao encontro de Danúbio Gonçalves, no Rio de Janeiro, e concentrar-
se apenas na arte.
Glauco Rodrigues era o mais novo dos três, tinha 17 anos. Suas primeiras referências
de pintura foram acadêmicas. O contato com Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves e José Morais
trouxe ao rapaz as possibilidades da arte moderna. Outro fator que ampliou seu horizonte
artístico foi a observação de obras reproduzidas em revistas, por exemplo, as de Lasar Segall.
José Morais seguiu para Porto Alegre e, depois, Pelotas. Sua passagem por Bagé marcou a
vida dos jovens (WAYNE, 1946). Clóvis Chagas foi o único que, aparentemente, não seguiu a
carreira artística.
Em 1948, Danúbio retornou para Bagé e organizou sua segunda exposição no
Conservatório de Música, com a ajuda de Glauco e Glênio, que estavam na sua “fase
terrorista” de pintura, conforme Glênio (1976): “Essa fase terrorista significava, para nós, a
quebra total, o rompimento com tudo. Mas nós não sabíamos nem o que era tudo em pintura”
(HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976g, p. 19). Era a primeira fase de sua formação,
na qual conheceram Pedro Wayne, interessavam-se pelo “antiformal” e pelo que viam de
Lasar Segall nos impressos. Na verdade, nunca tinham estado com pinturas “ao vivo”,
imaginavam e inventavam. O adjetivo “terrorista” , jocosamente, também alude ao “massacre
visual” que faziam quando pintavam coisas desastrosas.
Danúbio, Glauco e Glênio alugaram um imóvel da Rua Sete de Setembro, em Bagé,
para montar um ateliê coletivo. Em outubro de 1948, uma exposição de trabalhos de Danúbio
92

Gonçalves, Carlos Chagas, Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues e Deny Bonorino,


patrocinada por Clóvis Assumpção, foi montada no Auditório do Correio do Povo. A mostra
recebeu o apoio, na organização, do Grupo Quixote. Clóvis Assumpção era colaborador da
revista Quixote e, provavelmente, intermediou o contato entre os artistas de Bagé e os poetas
da capital (BIASOLI, 1994). Ao perceber que a carreira artística era uma possiblidade
factível, Glauco e Danúbio partiram para o Rio de Janeiro e Glênio, para estudar no Instituto
de Belas Artes, em Porto Alegre, em 1949. A estada de Glauco na capital federal não foi o
que esperava, pois os recursos que levara para se manter não foi o suficiente, e ele retornou a
Bagé no mesmo ano.
Danúbio Gonçalves teve uma história de vida diferenciada dos seus colegas do
“Grupo”, com mais oportunidades. Ele se mudou para o Rio de Janeiro aos 10 anos de idade,
dedicou-se à charge e à caricatura e, durante a Segunda Guerra, à pintura. Conheceu Portinari
e estudou com ele (pintura), com Tomás Santa Rosa (desenho) e com Carlos Osvaldo (gravura
em metal), com Axel Leskoshek (xilogravura). Danúbio não chegou a ser aluno de um curso
regular da Escola Nacional de Belas Artes, mas frequentava a Fundação Getúlio Vargas, o
ateliê de Zamovski e exposições na capital nacional. Assim, não se pode dizer que tenha sido
totalmente autodidata. Já Scliar, na ocasião em que encontrara Portinari 36, em 1939, assim se
denominava:
Naquele tempo, chamar-se autodidata era um título, uma maneira de nos
defendermos dos preconceitos difundidos pelas escolas acadêmicas.
Pretender ser artista naquele tempo sem ter cursado Belas Artes era o maior
desaforo aos padrões instituídos. Significava liberdade de expressão. Nós
vivíamos num país onde o academismo era oficial. [...] Osvaldo Teixeira era
o diretor perpétuo do Museu de Belas Artes. Todos os prêmios outorgados
no Salão dependiam das convicções pessoais de Teixeira. Esse fato ocorria
durante todo o Estado Novo. Ao mesmo tempo, Portinari era prestigiado
pelo ministro Capanema e o grupo de intelectuais e artistas do Ministério de
Educação. Portinari representava a tendência nacionalista ligada não só
àquilo que tinha sido tentado na Semana de Arte Moderna como ao
desenvolvimento posterior dessa proposição difundido através dos

36
Portinari era uma referência inicial importante para o Grupo de Bagé. Carlos Scliar o conheceu em 1939, e
Danúbio foi seu aluno de pintura em 1948. A obra de Portinari, naquele momento, alinhava-se aos princípios da
literatura que ia encontro da realidade nacional de José Lins do Rego, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, Cyro
Martins, entre outros. Dois anos depois, em 1937, Getúlio Vargas deu o golpe e surgiu o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), que censurou, principalmente, escritores. Talvez pelo fato de as artes plásticas não
terem tanto alcance de público e facilidade de propagação, Portinari permaneceu em suas temáticas, sendo
premiado nos Estados Unidos e convidado a integrar a equipe de Lúcio Costa na construção do pavilhão
brasileiro na Feira Mundial, em Nova Iorque, em 1939. O projeto acabou por ser liderado por Oscar Niemeyer, e
os painéis ficaram a cargo de Portinari, que obteve grande reconhecimento internacional a partir de então. Carlos
Scliar conheceu o pintor quando este produzia os painéis do Ministério da Educação, também em 1939.
Paradoxalmente, Osvaldo Teixeira e Portinari eram vistos como representantes da arte oficial, sendo Teixeira
mais próximo ideologicamente do Estado Novo (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976e).
93

Departamentos de Cultura criados por Paulo Duarte e efetivados por Mário


de Andrade (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976e, p. 15).

Danúbio se dedicou aos exercícios de desenho de modelo vivo na Sociedade de Belas


Artes, sob a orientação de Portinari, e no ateliê de escultura de Zamovski. Sobre o convívio
com o renomado pintor, Danúbio esclarece:

Eu não era bem um aluno dele naquela época. Ele emprestava o atelier para
trabalharmos na parte da manhã. Depois que ele levantava, recorria o que
tínhamos feito e dava opiniões sobre o trabalho da gente. Era eu, o Iberê
Camargo, o Cesquiatti e outros. Esse aprendizado não foi durante um
período longo, mas serviu muito para me dar uma sólida formação de
observação e anatomia [...] O movimento em artes em si era muito precário e
esparso. Portinari era tido como um monstro que deformava as figuras. Tudo
que se fazia de horroroso em arte era da “escola Portinari”. Ele tinha costas
largas... O público entrava nas exposições para rir ou cortar com gilete os
quadros (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976f, p. 11).

O público brasileiro ainda tinha certa resistência à arte moderna no início do decênio
de 1940. Scliar, que fora a Rio e São Paulo anos antes, vivenciou uma experiência difícil na
qual o grupo de artistas modernos era menor e a rejeição, ainda maior. Qualquer afronta à arte
acadêmica era fortemente combatida.
No fim de 1949, Danúbio partiu para uma viagem pelo continente europeu. Em suas
aulas na Academia Julien, Danúbio se empenhava em aprimorar o desenho, e isso era
considerado muito antiquado até por seu professor. O desejo de aprender as técnicas
tradicionais foi vista por ele como uma reação à liberdade que tinha. Ao rever Glauco e
Glênio, temeu ser considerado acadêmico pela sua postura e por seus pensamentos na sua
estada na Europa.
Scliar se impressionou com a arte europeia na sua primeira viagem ao Velho
Continente, em 1944, durante o serviço na FEB. Os pintores modernos italianos, como
Morandi e Gironi, impactaram-no mais do que os clássicos. Posteriormente, ele atribuiu essa
reação a sua falta de técnica e de conhecimento para analisar corretamente as obras clássicas.
A sua predileção era baseada na afeição aos modernos:

Cheguei na Itália em setembro de 1944 junto com o segundo contingente. As


tropas brasileiras sediadas nos arredores de Pisa. Lá eu tomei contato com a
arte pré-renascimento no Campo-santo, cemitério localizado ao lado da
catedral e da torre inclinada. Lá eu observei murais bastante destruídos e
descobri nomes que nunca tinha ouvido falar [...] Mesmo nas condições de
guerra – onde a maior parte das obras de arte estava escondida ou defendida
com muros de sacos de areia – eu pude ver Tiziano e Giogione, além de
94

outros. [...] Para mim, determinados pintores modernos – em particular um


Rouault, com sua pintura de carga social muito intensa, muito dramático em
suas obras sacras – me impressionava tanto que, quando vi o teto da Capela
Sistina, com o olhar eu ia corrigindo as figuras (HOHLFELDT; MORAES;
WEBSTER, 1976h, p. 17).

As preferências de Scliar, porém, modificaram-se. O artista explicou o processo que o


levou a desviar seu olhar dos referenciais europeus:

Em 1947 eu fui para a Europa para ficar morando em Paris. E voltei depois
de dois anos. Porque tomei consciência que era inúmeros países cheios de
problemas que não me tocavam. A arte que mais me interessava estava
terminando. Foi num processo intuitivo que constatei serem as minhas raízes
de Brasil muito mais profundas e sérias do que eu imaginava. Foi quando eu
senti que não era lá o meu lugar de trabalhar ( HOHLFELDT; MORAES;
WEBSTER, 1976a, p. 17).

Scliar se viu insatisfeito acerca do aprendizado e do que via na escola francesa. Sua
consciência política se acentuava e sentia necessidade de produzir algo de relevante para sua
terra. Influenciado pelos trabalhos do Taller de Gráfica Popular, sobretudo, os de Leopoldo
Méndez, resolveu editar um álbum de gravuras produzidas para a versão francesa de Seara
Vermelha, de Jorge Amado, a fim de arrecadar dinheiro para um ano de estada no México. O
livro recebera o título Les Chemins de La Faim e fora publicado em Les Lettres Françaises,
em 1949. Carlos Scliar já admirava o muralismo e ficou muito interessado também nas artes
gráficas mexicanas: “Toda essa experiência de arte ligada à manifestação popular, dirigida ao
povo, me interessava muito. É claro que via o mural como a linguagem natural para isso.
Assim como a gravura” (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976i, p.17). Havia também
outro atrativo: Hannes Meyer, ex-diretor da Bauhaus que trabalhava em publicações do
Taller. No fim das contas, Scliar não foi ao México. Ele voltou para o Brasil, para Porto
Alegre, e resolveu agir de acordo com suas maiores motivações – a luta pela paz e a arte de
caráter coletivo. Assim, entrou na equipe da revista Horizonte e fundou o Clube dos Amigos
da Gravura de Porto Alegre. Carlos Scliar conta como surgiu o Clube de Gravura de Porto
Alegre:
O Clube de Gravura foi criado em Porto Alegre, no final de 1950. Nós
buscávamos condições econômicas para a criação de uma revista dos
intelectuais gaúchos que não possuíam um veículo para expressar suas
ideias. O Clube seria uma forma de interessar o público e assim conseguir
dinheiro para a revista, bem como a futura edição de poetas e outros
escritores. Mas em pouco tempo ele se mostrou com tais possibilidades de
existir como resposta de uma espécie de indagação que todos nós tínhamos
que a revista Horizonte, que criamos, passou a se bastar apenas aos seus
95

assinantes. E este movimento tornou-se uma espécie de embrião para a


futura organização dos artistas plásticos na busca de refazer um caminho que
tentaria resolver a confusão em que vivíamos depois do nosso regresso da
Europa (SILVA, 1976, p. 31).

Vasco fora à capital francesa a fim de estudar escultura nos anos 1940. Ao retornar
para Porto Alegre, no final da década, passou a trabalhar com Edgar Koetz. Ele e Scliar
fundaram o CGPA, cuja primeira sede foi um sobrado na Avenida Farrapos ao lado do Hotel
São Luis. Bianchetti fazia uma exposição no auditório do Correio do Povo e aderiu à entidade
em seguida. A principal preocupação deles era a popularização da arte e a promoção de artes
gráficas.
Participaram mais ativamente da entidade Vasco Prado, Danúbio Gonçalves, Glauco
Rodrigues, Carlos Scliar e Glênio Bianchetti. Scliar contou que todos se preocupavam com
possíveis falhas da formação praticamente autodidata e se comprometiam a se aperfeiçoar.
Uma das estratégias foi visitar estâncias em Bagé para exercitar suas habilidades técnicas e
observar a realidade do campo. Um dos objetivos do CGPA era incentivar o interesse pela
arte e o gosto pela gravura por meio da realização de exposições – foram duzentas mostras em
cinco anos.
No ano de 1951, Scliar, Danúbio, Bianchetti e Glauco fundaram o Clube de Gravura
de Bagé, sediado no Teatro Espanhol. Eles se interessam, sobretudo, pelos aspectos da vida
campesina e buscaram registrar o cotidiano dos trabalhadores. O CGB inaugurou um clube de
cinema e uma galeria de arte. Porém, a iniciativa teve vida curta e o CGB se desmanchou no
início de 1952, pela partida de seus membros para outras cidades.
Muitos artistas brasileiros eram autodidatas. Não frequentar as escolas de Belas Artes,
por vezes, era uma forma de manifestar a contrariedade em relação ao método de ensino e aos
valores difundidos por elas (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976a). Nas primeiras
décadas do século XX, o reconhecimento ocorria precocemente no país, davam-se prêmios
para quem ainda estava em formação. Aos 20 anos, Scliar recebeu a medalha de prata no
Salão Nacional do Rio de Janeiro. Para ele, a melhor maneira de aprimorar o conhecimento de
arte seria através de um curso livre, que contasse com desenho de observação, modelo vivo e
muitas discussões em conjunto, como procuraram fazer no Clube de Gravura. Glauco
Rodrigues corroborou com essas informações:

Acho que todos nós tivemos essa formação autodidata. E não tem outro jeito
em termos de América Latina. Se fosse europeu, já tinha uma cultura vinda
de séculos. Aqui é tudo na base da improvisação, do mal feito, do grotesco,
96

do esbanjamento. O jeito que a gente come carne aqui no Sul dá uma noção
disso, uma noção do Brasil. Então é todo um outro modo de vida. Mas a
gente foi educado, sempre, para achar que o modelo europeu é o modelo
certo. Quando eu estava no segundo ano ginasial, meu sonho era fugir para
Paris, ter uma carreira e vencer na Europa. Hoje eu não tenho o mesmo
interesse nisso. Eu quero descobrir o Brasil. Exatamente o oposto. Mas essa
era uma mentalidade que existia até mais ou menos 1960: o importante era
fazer uma arte universal. Eu acho que o que é importante, hoje, é fazer uma
arte nacional (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976a, p. 17).

Os dois primeiros anos do Clube de Gravura foram intensamente dedicados ao


Movimento pela Paz. Todos se preocupavam com a possiblidade da guerra atômica e a
iniciativa buscava alertar as pessoas sobre a necessidade de construir a paz. O artista
participou dos congressos de Wroclaw e de Paris:

Nós sabíamos que a guerra atômica não pouparia ninguém, não haveria
vencedores, só vencidos. Então, a consciência desse problema com que eu,
voltando para o Brasil em 1950, me filiasse ao Movimento da Paz aqui. Eu
tinha a obrigação moral de participar, transmitindo a experiência adquirida
na Europa. Isso foi uma das coisas mais sérias que fiz na minha vida. [...] um
artista jovem era um homem que acreditava ser uma parte da consciência de
um povo (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976b, p. 14).

Sobre a atuação no Movimento dos Partidários da Paz, Glauco Rodrigues relatou que
os Estados Unidos difundiam a ideia de que os participantes do movimento eram todos
comunistas e estavam empenhados em combater as atividades dos “vermelhos”. Porém, o
desejo de um mundo pacífico não era exclusivo desse grupo, mas sim de toda a humanidade
(HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976b). Várias gravuras voltadas para o Movimento
pela Paz ilustraram as páginas da revista Horizonte.
Após as críticas sobre o Movimento pela Paz, vieram as distinções entre vanguarda e
não vanguarda. Glauco lembra que a arte geométrica era promovida pelo Jornal do Brasil, e
que eles eram desdenhados por serem figurativos:

Foi em 1955, me lembro bem. Eu mandei para o Salão do Rio aqueles


mogangos pintados aqui nas estâncias de Bagé. Foi um escândalo. Se eu
estivesse lá pessoalmente creio que seria linchado. Eu tenho um recorte da
manchete dando o depoimento dos artistas daquela época. Eles queriam
mudar o regulamento do Salão para evitar que houvesse esse tipo de
penetração como a que ocorreu com os mogangos gaúchos (HOHLFELDT,
MORAES; WEBSTER; 1976c, p.15).
97

Aproveitando-se de que o júri era isento em alguns casos da participação das obras, os
artistas gaúchos continuaram a enviar seus trabalhos gráficos. A intenção era provocar o
questionamento e posicionar-se frente ao abstracionismo.
O Clube de Gravura ia contra o que se considerava atual e arrojado no centro do país,
onde a figuração e a construção de uma arte voltada a aspectos nacionais pareciam ter sido
excluídas da ordem do dia. Em 1951, aconteceu a I Bienal de São Paulo. Sobre o
acontecimento, Scliar avalia: “[...] nascia o processo, na minha opinião, de desligamento ou
de desvalorização de toda uma arte anterior que surgira em 1922 com a Semana e sua
tentativa de redescoberta do Brasil” (HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976c, p. 15).
Os gravadores gaúchos receberam diversas críticas, mas também elogios, como os de Diego
Rivera sobre a exposição de 1953, no Chile, durante a Conferência Continental pela Paz. O
Clube acabou por incentivar a criação de outras entidades semelhantes no país e motivava a
valorização do que era típico de cada lugar, mas fugindo do que seria interessante ao
estrangeiro, ou seja, o exótico, o primitivo, o subdesenvolvido. Porém, Glênio observa que,
mais do que o gosto pelo exotismo, a postura dos grandes centros internacionais tinha a ver
com o mercado, a fim de preservá-lo para si, estimulavam a tal arte primitiva. Glauco
comenta que, quando morava na Europa, as pessoas que viam seu trabalho se admiravam por
ele fazer algo parecido com a arte abstrata e não se dedicar ao “primitivo”.

Figura 24 – Fotografia de Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Carlos Scliar na Fazenda Delícias, em Bagé.
Fonte: QUADROS, 2010, p. 54.
98

O processo de trabalho do CGPA se consolidou em 1953, ano em que passaram uma


temporada na Estância Delícias, de Ismael e Pepita Collares (Fig. 24). Lá, fizeram diversos
desenhos que serviriam de base para gravuras. A primeira ida ao campo ocorrera em 1951, e o
destino fora a propriedade de Ubirajara Moraes, Estância do Seival.
Ao diminuir a concentração de esforços no trabalho da publicação, o Clube expandiu
suas atividades, organizou seus ateliês e promoveu cursos, inclusive uma oficina de gravura
em metal ministrada por Iberê Camargo, e exposições, principalmente, entre 1953 e 1955. A
participação dos artistas em salões da Associação Francisco Lisboa, da Prefeitura de Porto
Alegre e até do Instituto de Belas Artes também aumentou. As obras eram enviadas aos
Salões de Arte Moderna, e não eram bem aceitas por serem figurativas em um momento em
que o abstrato queria ser hegemônico. Além disso, eram rotuladas, pejorativamente, como
realistas socialistas ou acadêmicas. Scliar comentou essa reação:

Esse xingamento de realismo socialista era mais sóbrio. Sim, porque naquele
momento a maneira mais violenta e agressiva de nos criticar era a de tentar
nos colocar como artistas primários. Resquícios da nossa campanha a favor
da Paz. Já na época desses adjetivos pouco airosos o Movimento pela Paz
tinha se tornado oficial. De repente, toda aquela força que eles combatiam
não podiam combater mais. Até o Papa aderira à causa pacifista
(HOHLFELDT; MORAES; WEBSTER, 1976c, p. 15).

A relação dos artistas comunistas com as tendências abstracionistas era tensa por
motivos ideológicos e políticos. Quando a Bienal de São Paulo apareceu, a tensão se acirrou.
Os integrantes do CGPA manifestaram sua reprovação ao evento e a seus promotores. Scliar
fala sobre o assunto:

É preciso dizer que em 1951 criara-se a I Bienal Internacional de São Paulo,


que respondia assim aos interesses dos comerciantes de arte, que tentavam
desenvolver aqui a ordem geral da vanguarda europeia que valorizava a
abstração como realidade última da obra de arte. E pobre de quem não se
guiasse por aquele espírito. Era atacado violentamente. Imagine-se, então,
nossa luta, ao nos propormos exatamente a uma posição contrária a esta
tendência. Não pensávamos o Clube de Gravura como uma saída única, mas
sim como redescoberta de uma base profissional que acreditávamos poder
vir a ter, principalmente levando-se em conta que as exigências do desenho
realista a que nos propuséramos revelara-nos inexistir em nós a verdadeira
aptidão para o desenho para que ele não se colocasse como empecilho para a
realização daquilo que queríamos fazer (SILVA, 1976, p. 31).
99

O artista considera que o desenvolvimento da temática gaúcha ajudou a expressar o


que gostariam para um público maior. A representação da realidade local (rural e urbana) nos
trabalhos era uma prioridade. Sobre o assunto, Danúbio Gonçalves explica:

Eu sempre tive meus pés muito ligados à terra, mas a gente esquece coisas, e
rever e reencontrar e poder saber de coisas ao lado da gente é um dado muito
importante. A lição dos mexicanos, devidamente preparada para a nossa
realidade, não pode ser esquecida. Nós temos, obviamente, formação
europeia, todos nós, mas é hora de pensarmos nossa realidade, é hora de
brigarmos para que possamos ser nós mesmos. (GONÇALVES apud
HOHLFELDT, MORAES, WEBSTER, 1976a, p.17).

A série de gravuras Xarqueadas, de Danúbio Gonçalves, foi exemplar nessa procura


pelas raízes. Glênio produziu cerca de 50 gravuras de temas locais, algumas feitas em
Curitiba, onde morou nos entre 1952 e 1953, após o casamento com Ailema. Glauco gravava
mais para acompanhar seus colegas e, ainda na época do Clube, os aspectos regionais
foram abordados na pintura. Esse apreço pelo regional, conforme Scliar, era um movimento
natural para quem, como eles, queria defender a paz, pois isso envolvia defender a vida de
modo geral: “a Vida é aquela vivência, aquele lugar que a gente mora e aquilo em que
acreditamos” (HOHLFELDT, MORAES, WEBSTER, 1976c, p. 15).
A defesa da arte nacional foi uma marca na trajetória do CGPA. A causa era constante
nos textos da Horizonte. Em 1955, o Clube realizou uma exposição no Parque Farroupilha
denominada de Por Uma Arte Nacional.
O término do CGPA ocorreu em seguida. Scliar deixou Porto Alegre rumo ao Rio de
Janeiro. A última iniciativa conhecida da entidade foi a mostra de gravuras chinesas no final
de 1955. No ano seguinte, não havia mais notícias de atividades e foi lançado o último
número da revista Horizonte. Glênio se mudou para Brasília, e Glauco foi ao encontro de
Scliar para trabalhar com ele na revista Senhor.
O CGPA participou de um projeto político para as artes ligado ao PCB. No próximo
capítulo, discute-se a atuação pública do Clube por meio de exposições, cursos e da revista
Horizonte, destacando-se o engajamento nas campanhas do Movimento dos Partidários da
Paz. A inserção no campo artístico de Porto Alegre dos artistas do CGPA ocorreu por meio
das mostras, da participação nos Salões e na AFL, o que também é abordado a seguir.
100

2 O CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE: A INSERÇÃO DOS ARTISTAS


NO CAMPO ARTÍSTICO LOCAL E OS ESFORÇOS PARA REALIZAR O
PROJETO CULTURAL DOS COMUNISTAS NOS ANOS 1950

2.1 INTRODUÇÃO

Este capítulo analisa a atuação dos integrantes do CGPA no campo artístico local,
assim como a ação social desses artistas, que estavam vinculados ao Partido Comunista do
Brasil durante a primeira metade da década de 1950. Essa atuação se deveu, em grande
medida, ao projeto político e cultural dos comunistas, que tinha como objetivo produzir uma
arte mais próxima da classe trabalhadora, dos operários e dos camponeses. Além disso, havia
também uma forte vinculação com os objetivos políticos do partido, o que não quer dizer que
essa produção se limitasse a essa função, mas a agenda política dos comunistas foi um
componente muito importante para se compreender a difusão das obras dos artistas ligados ao
PCB.
Os artistas tinham como espaço primordial de produção e formação o Clube de
Gravura de Porto Alegre e, em menor medida, o Clube de Gravura de Bagé, o que lhes
permitia uma distribuição periódica de seus trabalhos, além de garantir um espaço importante
de ensino e debates sobre as funções da arte na sociedade. Uma publicação fundamental para
a difusão de seus trabalhos e de seu pensamento era a revista Horizonte de Porto Alegre, na
qual as imagens eram estampadas e textos teóricos, políticos e sobre de cultura geral, eram
publicados.
Os Clubes de Gravura e a revista Horizonte se consolidaram como espaços de
produção, debate e difusão das obras (e ideias) dos artistas ligados ao PCB. Estas instâncias
foram muito importantes para viabilizar as intervenções públicas, ou seja, a ação social dos
artistas deste grupo. Entre essas ações se destaca a Campanha Mundial Pela Paz, iniciativa
fomentada por intelectuais comunistas no mundo inteiro para barrar uma possível hecatombe
nuclear no âmbito do recrudescimento da Guerra Fria. A Campanha pela Paz, no Rio Grande
do Sul, foi uma ação política e cultural de massa, que envolveu os artistas em uma série de
ações como exposições, festivais e campanhas de assinatura em busca de um pacto pacifista.
Também se destacavam os cursos e as exposições promovidos pelos Clubes de
Gravura. As mostras tiveram um papel particularmente importante. Na grande exibição de
gravuras no Parque Farroupilha, o público podia, inclusive, votar nos melhores trabalhos.
Evidentemente, as obras traziam valores ligados à cultura popular e à valorização da classe
101

trabalhadora, tanto do campo como da cidade, o que objetivava fomentar a consciência entre o
proletariado sobre o importante papel que ele exercia para a manutenção da cultura regional.
Por fim, cabe ressaltar que os artistas ligados ao PCB não abandonaram instâncias tradicionais
de legitimação. Prova disso foi a sua presença marcante na Associação Francisco Lisboa
quando esta retoma seus salões a partir de 1951. Claro, aqui o discurso partidário não estava
tão presente, mas a temática popular permanecia.
A inserção dos gravadores do CGPA no campo artístico se deu por outras vias além do
Clube. A gravura vinha ganhando impulso desde 1935 com a reprodução de xilogravuras e
linoleogravuras nas publicações Revista do Globo e Novela (1936–1938), ambas com o selo
da Livraria do Globo. Alguns dos componentes da Seção de Desenho dessa editora, Gastão
Hofstetter (associado do CGPA), Edla Silva, Edgar Koetz e Nelson Boeira Faedrich,
participaram de um curso de gravura ministrado pelo artista alemão Júlio Schmischke na
década de 1930 (SCARINCI, 1982). Além disso, o Clube não exigia dedicação exclusiva, e
seus membros tinham uma produção paralela em técnicas diversas. Por exemplo, Vasco era
um reconhecido escultor, e Glauco Rodrigues nunca abandonou a pintura. As obras expostas
nos salões da Associação Francisco Lisboa e do Instituto de Belas Artes de autoria de
integrantes do CGPA estavam presentes em várias seções, o que demonstra a produção em
outras técnicas e linguagens além da gravura. Detenho-me na presença desses artistas na AFL,
contando um pouco da sua história, já que um de seus fundadores foi Carlos Scliar e que ela
surgiu como instância de legitimação alternativa ao IBA.
Este capítulo se inicia, inclusive, com o levantamento da atuação desses sujeitos no
campo artístico local, dando ênfase à AFL como um espaço de legitimação onde poderiam
inserir sua produção. Em seguida, mostro como este grupo ligado ao CGPA teve como
referência de organização e de modelo estético os artistas do Taller de Gráfica Popular do
México, principalmente na figura de Leopoldo Méndez. Por fim, o texto se estende na análise
da ação social desses artistas, em um esforço de difusão de uma arte voltada para o povo, cuja
função não se delimitava ao campo artístico, mas procurava influenciar politicamente a
sociedade por meio de conscientização da classe trabalhadora.
102

2.2 A ATUAÇÃO DOS ARTISTAS DO CGPA NO CAMPO ARTÍSTICO LOCAL

2.2.1 A Associação Francisco Lisboa

A Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa surgiu no cenário porto-alegrense


em agosto de 1938, pensada e organizada pelo pintor João Faria Viana e pelos demais sócios
fundadores, Carlos Scliar, Guido Mondin, Nelson Boeira Faedrich, Edla H. da Silva, Mário A.
Monaco, Silvino Ott, Gastão Hoftestter e outros. A proposta era oferecer formação e
apresentar ao público os artistas que não integravam os quadros do IBA. Além de Scliar,
outros integrantes dos Clubes de Gravura se envolveram com a Associação, e essa relação se
intensificou na década de 1950. Desde sua criação, a Chico promoveu salões que receberam
atenção de importantes órgãos da imprensa local; portanto, logo conseguiu cumprir com seu
papel de espaço de divulgação artística alternativa à academia. O levantamento de dados das
mostras, de 1938 a 1957, e artigos de Aldo Obino e Clóvis Assumpção no jornal Correio do
Povo são expostos a seguir a fim de que se perceba os nomes que lá circularam e o tom dos
comentários. No apêndice 1, tem-se um quadro que sintetiza informações dos salões.
O I Salão ocorreu em 26 de novembro de 1938, na Casa das Molduras, Rua dos
Andradas, 1639. Os integrantes da comissão organizadora eram João Faria Viana, Nelson
Boeira Faedrich, Gastão Hofstetter e Carlos Scliar. No seu comentário sobre o evento, Aldo
Obino (1938) ressaltou a qualidade dos trabalhos e a presença de artistas conhecidos e
ignorados até então pelo público. Obino rendeu elogios à pintura de João Faria Vianna,
destacando a nitidez, o realismo e verossimilhança: “O bosquejo é de uma visão realista em
pinceladas que nos devolvem todo o quadro visado na sua essencialidade ambiental sem no
entanto, parece-me, esgotar na fixação do óleo a expressão em toda a sua nitidez”. O autor
seguiu apontando a diversidade de técnicas e materiais empregados por Vianna que poderiam
ser apreciados na exposição. Os desenhos de Nelson Boeira Faedrich receberam a atenção de
Obino por sua inventividade e características modernistas e foram comparados aos de Walt
Disney: “São em suma desenhos de cores alguns esplêndidos e os a nanquim cheios de
pathetismo e imaginação fina”. O colunista congratulou os artistas presentes no Salão de
modo geral, não se detendo em análises, valorizando o esforço e o ardor de todos.
O catálogo do II Salão da Associação de Artes Plásticas Francisco Lisboa, de 1939,
traz uma pequena biografia de Aleijadinho e a explicação sobre por que a entidade adotou seu
nome – a trajetória impressionante de tão talentoso gênio seria merecedora da homenagem.
103

Também se lê o programa da Associação, que incluía palestras e estudos em grupo de temas


da arte, buscando responder às demandas dessa área.

Grande era o número de artistas plásticos em nossa cidade. Viviam isolados,


ignoravam-se. Fazia-se mister uni-los, estimulá-los, para que se revelassem.
Não se cogitava do seu gráu capacitativo. O que importava era realizar
aquilo que uma reduzidíssima minoria insistia em conservar apagado aos
olhos de nós todos (ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES
PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA, 1939).

O interesse do II Salão seria mostrar à comunidade o balanço da produção do ano de


artistas que não frequentavam os ambientes tradicionais de legitimação da cidade, como o
IBA. Dessa edição do certame, além dos artistas locais participaram os paulistas Clóvis
Graciano, Flávio de Carvalho e Joaquim Lopes Figueira. A terceira edição do evento se deu
no ano seguinte.
Em abril de 1942, a Associação promoveu o I Salão Juvenil de Artes Plásticas,
iniciativa e execução de João Faria Viana, apoiado pelo secretário de Educação, José P.
Coelho de Souza. As empresas Livraria do Globo, Casa das Molduras, Touring Club do
Brasil, Bazar Krahe, A. J. Renner e Cia. e Cerâmica Artística Ltda. deram suporte ao evento.
No catálogo, nota-se a preocupação em dar informações sobre cada artista, o que não era
usual. Oito jovens talentos estavam nessa mostra. Vitorio Gheno tinha 18 anos na ocasião e
trabalhava desde os 14 na Livraria do Globo, onde também se aprimorava artisticamente.
Armando Arnildo Kuwer estava com a mesma idade de Gheno, era seu colega de trabalho e
foi aluno de um professor chamado Lobe. João Mottini, também de 18, era funcionário da
Globo havia três anos. Helena L. Machado, de 14 anos, estudava no Instituto de Belas Artes
desde os 11. Honório Nardin, de 17, havia dois anos era aluno de João Faria Viana e
trabalhava na Livraria. Plínio Petersen Pereira tinha 16 anos e estudava no Liceu Parobé.
Jayme Tongel, 16 anos, era pupilo de João Faria Viana e estava na Globo havia seis meses.
Como se pode perceber, o setor de artes da empresa dos Bertasso, de fato, era uma instância
de formação artística. Lembramos que os fundadores da Associação passaram pela Globo e
que ela patrocinou a mostra; esperava-se, por conseguinte, que pessoas ligadas ao círculo da
Editora/Livraria estivessem presentes, como, de fato, ocorreu.
No mês de outubro, a Associação, presidida, naquele momento, por João Faria Viana,
promoveu seu IV Salão, instalado no primeiro andar do edifício Vera Cruz. Aldo Obino
(1942) faz questão de comentar e enaltecer cada um dos artistas e afirmou que:
104

Idealismo, coragem e ação caracterizam o belo espírito da sociedade que


logrou congregar os artistas plásticos da cidade sejam nomes já consagrados
ou valores que se iniciam, e que estão transformando a Associação Francisco
Lisboa num verdadeiro manancial de afirmações artísticas destinadas a
enriquecer o Rio Grande. (OBINO, 1942).

O ponto alto do Salão, para Aldo Obino, foi Vasco Prado, cujo estilo foi considerado
exuberante e bem conduzido.
Os membros da Chico, embora quisessem a modernização e o desenvolvimento do
campo artístico porto-alegrense, eram adeptos ainda das tradições, e sua produção era pouco
inovadora, à exceção de Carlos Scliar, defensor da arte moderna. Em 1942, 21 artistas da AFL
decidiram demonstrar sua resistência ao modernismo promovendo o jocoso 1º Salão
Moderno, no qual figuraram obras que ridicularizavam as vanguardas modernistas e do qual
se tratou anteriormente. Uma delas era Souvenir de Isadora, de Fedor Kalinski, personagem
criado por João Faria Viana que era uma embalagem de goiabada usada para limpar pincéis.
Oswaldo Goidanich, Guido Mondim Filho, João Faria Viana e Edgar Koetz escreveram um
texto proferido no fechamento do Salão, o mesmo publicado no Diário de Notícias, em que
afirmavam que o modernismo subvertia, destruía os valores tradicionais, agredia o Belo e
estava comprometido com o socialismo. Esses artistas eram próximos ao movimento
integralista, de conotação fascista (KRAWCZYK, 1997).
Passados quase dez anos, o V Salão de Artes Plásticas da Francisco Lisboa aconteceu
no auditório do Correio do Povo durante os dias 3 a 16 de outubro de 1951.
Concomitantemente, a AFL inaugurou sua sede no décimo andar do edifício União, na
Avenida Borges de Medeiros, que possuía salas de reunião, ateliês e biblioteca. As
premiações do certame foram medalhas de ouro, prata e bronze e duas menções honrosas para
cada seção, Pintura, Escultura, Desenho e Arte Gráfica, Arquitetura, Gravura e Cerâmica. A
partir desse evento, percebe-se a presença significativa dos membros do CGPA nas atividades
da Associação.
Compunham o júri de seleção José Rasgado Filho, Clóvis Assumpção e Álvaro
Pereira. A visitação pública era diária, das 9h30min às 11h30min e das 16 às 22h. É
interessante notar que o horário das exposições incluía o turno da noite, possibilitando que os
trabalhadores pudessem frequentá-las.
Em sua coluna, Aldo Obino apontou a ausência de salões por nove anos e comemorou
a retomada das mostras da Associação. Enfatizou que a entidade tinha um papel aglutinador e
de reconhecimento dos novos talentos e que os professores antigos de artes plásticas não
expuseram.
105

O intervalo que marca o hiato nos empreendimentos da benemérita


Associação Francisco Lisboa marca a pausa em que Porto Alegre, muito
isolada, esteve pelas vicissitudes da guerra. Os automóveis foram
paralisados, a construção estagnou, a cultura da metrópole se ressentiu, com
a feita de intercâmbio com o país e o mundo. Não vinham obras da Europa.
O cinema entrara numa tremenda crise. A arquitetura estava ausente. O pão
era péssimo e faltava melhor alimento para a alma (OBINO, 1951d).

O V Salão conseguiu reunir dezenas de obras e restaurar a confiança no fazer artístico,


além de estimular o interesse do público. Aldo Obino elogiou a ascensão da gravura no país e
no Rio Grande do Sul e destaca o Clube dos Amigos da Gravura, Hans Steiner e Ermanno
Ducceschi. No V Salão da Francisco Lisboa, Obino registrou a participação dos seguintes
trabalhos em técnicas de gravação: Pequena Olaria, linoleogravura de Glênio Bianchetti;
Jogos Infantis, linoleogravura de Danúbio Gonçalves; Flores, monotipia de João Faria Viana;
Mulheres Trabalhando no Fumo, de Plinio Bernhardt; Ilustração para O Negrinho do
Pastoreio e Soldado Morto, linoleogravuras de Vasco Prado; Bumba Meu Boi, de Carlos
Scliar e Vasco Prado; gravuras de ponta seca de Clara Conti e Gastão Hofstetter. O colunista
fez questão de mencionar nomes importantes da história da gravura – Käthe Kollwitz,
Albrecht Dürer, Axel Leskocheck, Lívio Abramo, Goeldi –, a fim de mostrar a importância e
a qualidade dessa arte (OBINO, 1951c).
Aldo Obino se dispôs a tratar das diversas linguagens presentes. Nas áreas de
arquitetura, cerâmica e escultura, o Clube de Gravura foi representado por Vasco Prado, que
apresentou várias obras, entre as quais os baixos-relevos A Leitura e O Negrinho do Pastoreio
e a maquete em gesso O Camponês.
O júri do Salão de 1951, liderado pelo deputado e presidente da Chico Lisboa, Guido
Mondim, foi formado por José Rasgado Filho, Alvaro Pereira, Clóvis Assumpção, Cristina
Balbão (professora do Instituto de Belas Artes), Demétrio Ribeiro (representante dos artistas
expositores) e Osvaldo Goidanich. Edgar Koetz recebeu a medalha de ouro pelo conjunto de
obras participantes em desenho, pintura, escultura e arte gráfica. Vasco Prado ficou com a
medalha de prata em escultura; Danúbio Gonçalves, medalha de prata em desenho; Glauco
Rodrigues, medalha de bronze em desenho; Glênio Bianchetti, medalha de prata em gravura;
Carlos Scliar, medalha de prata em arte gráfica.
Sob a presidência de Carlos Alberto Petrucci, em meados de 1953, o VI Salão da
Associação se instalou nas dependências do Cinema Rex. Em agosto daquele ano, a
Associação promoveu um coquetel de confraternização na Confeitaria Renner em que foram
106

entregues o prêmio do Salão e homenageados o prefeito Ildo Meneghetti e o vereador Josué


Guimarães pela iniciativa de instituir o Salão Anual Municipal. Outras autoridades estiveram
presentes nesse evento: o major W. Fetter, representante do governador; o secretário de
Educação, Júlio Marino de Carvalho; o diretor do Instituto de Belas Artes, Tasso Corrêa; o
diretor do Museu do Estado, Dante de Laytano. Percebemos no início do ano 1950 uma
afinidade da Associação com o poder municipal, que patrocinava algumas de suas atividades.
O discurso de ser um espaço alternativo de artistas à margem, que se diferenciava das
instituições tradicionais, enfraquecia-se.
Sob a direção de Carlos Galvão Krobs, Francisco Riopardense de Macedo, Otto
Georg, instalou-se a sede social da Associação no Edifício União, na sala 1011. O Conselho
Deliberativo tinha Gastão Hofstetter, Carlos Alberto Petrucci e Wilbur Olmedo. No VII Salão,
estavam no júri Carlos Fayet, Carlos Mancuso, Glênio Bianchetti, Oswaldo Goidanich e
Nelson Boeira Faedrich. Os prêmios eram as medalhas de ouro, prata e bronze, menções
honrosas e prêmios de aquisição do Banco do Rio Grande do Sul, do Banco Industrial e
Comercial do Sul, da Companhia de Seguros Previdência do Sul, do Banco Nacional do
Comércio e do Banco Agrícola Mercantil.
Na Galeria Municipal, no Abrigo da Praça XV, inaugurou-se o VIII Salão em 16 de
julho de 1956. No mesmo mês do ano posterior, a Associação abriu ao público a I Exposição
de Arte Moderna. Dirigiam a entidade Francisco Stockinger (presidente), Cladis Aranha
(vice-presidente), Francisco Riopardense de Macedo (primeiro-secretário), Carlos Scarinci
(segundo-secretário), Carlos Cunha (tesoureiro), Trindade Leal (bibliotecário). No Conselho
Deliberativo, figuravam João Faria Viana, Aldo Malagoli, Alice Brueggemann, Leda Flores e
Joel Amaral.
Nos anos 1950, a Francisco Lisboa ficou incumbida de organizar os salões da
prefeitura. A Lei Municipal nº 940 de seis de novembro de 1952, assinada pelo prefeito Ildo
Meneghetti, instituiu o Salão Anual de Artes Plásticas Câmara Municipal de Porto Alegre,
dividido nas seções Escultura, Arquitetura, Pintura, Gravura, Desenho e Cerâmica. Os
prêmios das três primeiras seções listadas variavam de dois mil a cinco mil cruzeiros; das
demais, de quinhentos a três mil cruzeiros. As obras agraciadas passariam a pertencer à
municipalidade, e havia a intenção de incorporá-las ao acervo do Museu Municipal de Artes
Plásticas. A verba para realização do Salão, cuja inauguração seria na data de aniversário da
fundação de Porto Alegre, 5 de novembro, deveria ser prevista no orçamento a partir de 1953.
107

O I Salão da Câmara Municipal abriu, como previsto, no dia 5 de novembro de 1953 e


foi organizado pela Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. O II, III,
IV e V Salões ocorreram em 1954, 1955, 1957 e 1958, respectivamente.
O II Salão Municipal de Porto Alegre foi montado no primeiro andar do Instituto de
Belas Artes e abriu para o público dia 5 de novembro de 1954. A preparação do evento teve
uma reunião do júri da Associação Francisco Lisboa, formado por Carlos Galvão Krebs,
Clóvis Assumpção e Francisco Stockinger, que selecionou as obras participantes. Para o júri
de premiação, incluiu-se um membro indicado pelo diretor do IBA e outro escolhido pelos
artistas expositores (ASSUMPÇÃO, 1954a, p.2). Dos trabalhos premiados, destacam-se: Pipa
d’Água, terceiro lugar em Desenho, aguada de Carlos Scliar; Tropeiros Churrasqueando,
segundo lugar em Gravura, xilogravura de Danúbio Gonçalves; Natureza Morta, primeiro
lugar em Pintura, guache em papel de Glauco Rodrigues; Oleiros, primeiro lugar em Gravura,
linoleogravura de Glênio Bianchetti; Cabeça, segundo lugar em Desenho, aguada de Glênio
Bianchetti; Rua da Concórdia, terceiro lugar em Pintura, óleo de João Faria Viana; Retrato da
Sra. Noah Moura, segundo lugar em Escultura, gesso de Vasco Prado; Caminho da Roça,
segundo lugar em Cerâmica, terracota de Mery Berwanger; Páteo, segundo lugar em Pintura,
óleo de Saul Paiva Gomes; Painel, terceiro lugar em Cerâmica, esmalte estanífero de Pierre
Prouvot; Menina, primeiro lugar em Desenho, de Alice Soares; Casa de Campo em Pelotas,
terceiro lugar em Arquitetura, projeto de Luiz Esquenazi. Obino comenta que o salão “em
conjunto, denota muito critério, gosto e esforço razoável de um punha de vinte concorrentes,
numa mostra citadina razoável, na sua qualidade e nos valores diferentes que mobiliza”
(OBINO, 1954a).
A Associação Francisco Lisboa foi declarada de utilidade pública pelo decreto-lei nº
1852 de 1958. Na ocasião, o presidente da entidade era Francisco Stockinger; o vice-
presidente, Vasco Prado; o primeiro-secretário, Joel Amaral; o segundo-secretário, Francisco
Riopardense de Macedo; a tesoureira, Zoravia Bettiol; o bibliotecário, Henrique Fuhro.
Compunham o Conselho Deliberativo Cladis Aranha, Josué Guimarães, Francisco Ferreira e
Elisabete Rosenfeld. No Júri de Seleção do Salão, representando a Associação, estavam
Vasco Prado e Carlos Fayet e, pela prefeitura, J. Batistini. Por nomeação do Instituto de Belas
Artes, Alice Soares participava do Júri de Premiação, no qual o membro eleito pelos artistas
foi Enio Lipmann. Os certames de Porto Alegre colocavam lado a lado integrantes da
Francisco Lisboa e do Instituto de Belas Artes, que pareciam, naquele momento, comungar
interesses afins.
108

O embate original entre o Instituto de Belas Artes e a Chico Lisboa se atenuou com o
passar do tempo. Inicialmente, a Associação queria ser uma organização para promover
artistas que não possuíam formação oficial, diplomação, e contava com o incentivo do
jornalista e crítico de arte Aldo Obino. Na época, havia, podemos dizer, um confronto entre
Obino e o professor Ângelo Guido no que diz respeito a quem teria autoridade de falar sobre
arte (KRAWCZYK, 1997). Guido era a voz do IBA, e o surgimento de outra instituição era
oportunidade para os interessados em arte atuar tanto como produtores como críticos e
comentadores. As rivalidades todas se assentam e há mais similaridades de posturas do que
disparidades no final dos anos 1950.
O surgimento do Clube de Gravura de Porto Alegre traz para as artes da cidade
características do realismo socialista de referência expressionista. Os integrantes do Clube
participam dos salões com obras que representam suas opções estéticas; no entanto, não têm
um conteúdo político imediatamente apreensível. Há temas regionais, mas isso poderia ser
encarado como uma exaltação de temas folclóricos, e não como a representação da classe
trabalhadora do campo. Vê-se também que os artistas expõem trabalhos em outras técnicas
que não a gravura, por exemplo, desenho, aguada e pintura. Esse é o caso de Vasco Prado,
escultor reconhecido desde os anos 1940, que concorria e recebia prêmios na seção de
Escultura. A posição ideológica e partidária tinha mais vigor e era mais explícita na produção
feita para o Clube e para a Horizonte, principalmente.
O mercado de arte da capital sul-rio-grandense era muito limitado na década de 1950.
Os salões eram vitrines, e os prêmios, atestados de legitimidade. A oportunidade de obter
reconhecimento e visibilidade nas mostras da Chico e do IBA não era dispensável para os
jovens que queriam fazer carreira na arte. Em um ambiente conservador em que a oposição ao
comunismo preponderava, obras que defendessem os ideais de esquerda de modo explícito
teriam enorme dificuldade de aceitação.

2.2.2 A agenda cultural de Porto Alegre na Horizonte

Não foram somente as atividades do CGPA que integraram a pauta sobre cultura da
Horizonte. Nas páginas da revista, lê-se sobre cinema, literatura, teatro e música. A seguir,
exponho algumas matérias acerca de mostras individuais e salões de Porto Alegre.
No quarto número da Nova Fase, Carlos Scliar escreveu sobre a primeira exposição de
Vasco Prado após retornar ao país, que ocorreu no dia dois de maio de 1951, no Auditório
do Correio do Povo. Scliar analisou, principalmente, a escultura Negrinho do Pastoreio sob a
109

óptica do realismo socialista, citando o pensamento de Mao Tsé-Tung sobre a possibilidade


de uma realidade revolucionária: “o romantismo revolucionário reproduz nas obras literárias
(e na arte) os fenômenos, os acontecimentos da vida social, que podem ainda não existir na
realidade [...] mas que têm a tendência de tornar-se típico, com caráter de massa, no futuro”
(SCLIAR, 1951, p. 118). A obra de Vasco foi apontada como útil, um instrumento de luta
contra a opressão e de conscientização do público. O Negrinho seria a expressão de triunfo da
juventude. Scliar ainda destacou a presença na mostra das obras A Lavadeira e O Primeiro de
Maio no Rio Grande. No final de 1951, a revista apresentou uma retrospectiva dos fatos
culturais considerados mais importantes daquele ano: a exposição História da Gravura, no
auditório do Correio do Povo, o Salão da Associação Francisco Lisboa e a mostra de gravuras
ocorrida em razão do IV Congresso dos Escritores.
O Salão da Associação Francisco Lisboa de 1951 foi considerado um “triunfo
incontestável dos artistas mais avançados e progressistas” (ARTES..., p. 307), já que as obras
expostas continham conteúdo real e humano, revelando a vitalidade e a resistência da mostra
em contraposição à Bienal de São Paulo, subordinada aos interesses capitalistas.
A seção de Gravura foi especialmente elogiada, e a razão de sua qualidade foi
atribuída ao trabalho do Clube de Gravura. Alguns dos artistas premiados foram Edgar Koetz,
Glênio Bianchetti, Carlos Scliar, Vasco Prado e Danúbio Gonçalves. Segundo o autor da
matéria, as obras A Leitura e Soldado Morto de Vasco Prado se destacaram por seu realismo
exemplar.
A tradição da retrospectiva anual permaneceu em 1953. No artigo Salões de Porto
Alegre (1953), temos o apanhado desses eventos: o Salão Municipal de Porto Alegre e o IV
Salão da Associação Francisco Lisboa.
Durante o ano de 1954, foram divulgados o VI Salão da Associação Francisco Lisboa,
o II Salão da Prefeitura e o V Salão do Instituto de Belas Artes. Na edição de maio, a
reportagem A Greve das Cores abordava a movimentação dos artistas plásticos a respeito da
portaria que dificultava a importação de tintas, o que ocasionou o protesto no III Salão
Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no qual somente foram apresentadas obras em
preto e branco. Esse acontecimento causou grande comoção no meio artístico e foi assunto de
matérias de outros veículos da imprensa gaúcha – no Correio do Povo, Quadros? Só em Preto
e Branco!; na Revista do Globo, Revolta em Preto e Branco (DAMATA, 1954).
A retrospectiva do pintor Pedro Weingärtner de 1954, na Galeria da Casa das
Molduras, foi contemplada pelo artigo Pedro Weingärtner (1954). Na matéria, exaltam-se as
110

qualidades do pintor e reclama-se das poucas chances de apreciar seus trabalhos, que estavam
sendo depreciados por seus herdeiros.

2.3 SCLIAR, VASCO E UMA INSPIRAÇÃO: LEOPOLDO MÉNDEZ E O TALLER DE GRÁFICA


POPULAR

Como já foi dito anteriormente, o Clube dos Amigos da Gravura de Porto Alegre
nasceu no final de 1950, fruto da experiência de Carlos Scliar e Vasco Prado na Europa,
particularmente, do convívio com Leopoldo Méndez, do Taller de Gráfica Popular (SCLIAR,
1952). Méndez impressionou os sul-rio-grandenses pelas suas convicções políticas e artísticas
muito claras e firmes sobre o compromisso social da arte. Scliar teve a oportunidade de
organizar uma exposição do TGP na capital francesa e de obter álbuns editados por La
Estampa Mexicana – Álbum del Taller de Gráfica Popular, 85 Estampes de La Revolución
Mexicana – através do seu diretor Hannes Meyer, e outros materiais, como o livro Incidentes
Melódicos del mundo Irracional, ilustrado por Leopoldo Méndez, cartazes com gravuras de
Alfredo Zalce e cromolitografias de Jean Charlot (AMARAL, 2003).
O primeiro contato de Scliar com as obras de Méndez ocorreu em 1941, na casa do
escritor Jorge Amado, que possuía algumas de suas gravuras. Os trabalhos lhe despertaram o
interesse, mas não tiveram o impacto tão decisivo quanto o encontro com o artista mexicano
anos depois. Scliar confessa que, naquele momento, se voltava para a experimentação
formalista (SCLIAR, 1950). Em Wroclaw, Scliar teve a oportunidade de conversar
longamente com Méndez, pedir para que contasse sua história, falasse de sua opinião sobre a
função da arte e o realismo. Méndez foi categórico sobre o dever dos intelectuais em relação
ao engajamento nos movimentos pacifistas: “É uma responsabilidade que todos os intelectuais
progressistas de todo o mundo devem concretizar, frente ao povo, com um trabalho constante
de esclarecimento dos perigos incalculáveis, para o progresso e a vida humana, da ameaça de
uma nova guerra” (SCLIAR, 1950, p. 26).
Por intermédio de Leopoldo Méndez, Scliar pôde conhecer a contribuição dos artistas
na história de libertação do povo mexicano, notadamente, através de imagens feitas para
veículos impressos, como jornais, cartazes e panfletos, e vislumbrou a importância da tradição
gráfica do país de José Guadalupe Posada. É relativamente compreensível por que o TGP
tornou-se a entidade modelar para os Clubes de Gravura do Rio Grande do Sul – e do Brasil,
como um todo, aliás. Os comunistas favoreceram a produção de gravuras em função de sua
reprodutibilidade e do uso das imagens para ilustrar seus impressos e, após a Segunda Guerra,
111

as principais referências propagadas pelo partido eram os expressionistas alemães (Käthe


Kollwitz era o grande nome) e a gravura revolucionária chinesa. Os latino-americanos bebiam
dessas fontes, mas tiveram como uma de suas principais referências de artistas
comprometidos com as causas sociais e políticas os mexicanos; a princípio, os muralistas,
depois os gravuristas37.
Vasco e Scliar presenciaram diversas discussões sobre estética e as tendências mais
recentes da arte em solo europeu; entretanto, o entendimento de que deveriam voltar-se à
realidade nacional e procurar o melhor meio de representá-la do ponto de vista técnico e de
linguagem – no caso, a gravura e a figuração – fortaleceu a vontade de fundar a entidade
marcada pelo caráter de grupo e voltada às artes gráficas que foi o Clube de Gravura de Porto
Alegre. Tão ou mais importante do que a trajetória no campo da arte para determinar as
escolhas dos artistas foi o seu envolvimento com o Partido Comunista. Vasco concorreu a
deputado estadual pelo PCB para a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 1947.
Scliar saiu do Brasil rumo à França com uma carta de recomendação de Luiz Carlos Prestes
ao secretário-geral do Partido Comunista Francês (AMARAL, 2003). Os preceitos estéticos
do realismo socialista, indicados pelo PCB, correspondiam à intenção de produzir obras com
mensagens de fácil compreensão e que alcançassem o maior número de pessoas possível. A
constituição do Clube de Gravura e de outras organizações congêneres se associava ao
cumprimento do projeto político comunista, o qual abrangia a disseminação dos princípios
socialistas, da mobilização e da conscientização popular através da arte. A opção pela gravura
é coerente com a busca de uma técnica que possibilitasse a reprodutibilidade e fosse de baixo
custo e, assim, chegasse a mais pessoas por meio de impressos. As palavras de Carlos Scliar
expõem os objetivos iniciais do CGPA:

A criação de uma organização que levasse aos nossos artistas os meios para
transmitir suas mensagens parecia-nos da maior oportunidade, e com êsse
propósito nascia o Clube dos Amigos da Gravura de Pôrto Alegre. O
contacto dos artistas mais experimentados com os mais jovens só poderia
trazer os melhores resultados para o enriquecimento de nossas artes
plásticas. Aos que julgavam, minados por preconceitos, que o trabalho em
comum, as discussões em tôrno dos problemas mais vivos do nosso povo,
neutralizariam o talento e a personalidade dos diferentes artistas, sabíamos
que a prática responderia decisivamente. (SCLIAR, 1952, p. I).

37
A partilha do protagonismo do mesmo personagem em diferentes territórios (tais como Simón Bolívar, que
lutou pela independência de Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Panamá e Venezuela) e similaridades históricas e
culturais podem ser fatores que ajudem a explicar a simpatia e a empatia entre os latinos que os motivaram a
olhar para as práticas e os pensamentos uns dos outros em espaços de convívio e em encontros de diversas
naturezas nos países da América Latina.
112

A ideia não era criar uma escola em termos de estilo, mas sim formar um grupo que
tivesse pontos em comum, tais como a dedicação à gravura, o gosto pelo trabalho coletivo e
pela observação da realidade e o interesse em promover a arte nacional. O acesso do público
ao material produzido era um ponto fundamental e uma das razões de ser do Clube, como bem
salienta Scliar:

Tendo se originado o Clube de Gravura como uma forma capaz de congregar


os artistas e interessá-los na arte da gravura, simultaneamente com o
propósito de criar um público capaz de adquirir nossas obras por preços
acessíveis, sua orientação definiu-se com maior precisão quando o problema
do conteúdo foi colocado com mais precisão. Em torno dos temas nacionais
congregaram-se artistas e público. Temas que os artistas pudessem realizar
porque conhecessem, temas que o público pudesse admirar porque deles
participasse. (SCLIAR, 1954, p.24).

No final dos anos 1940, o mundo assistiu ao início da Guerra Fria. Por parte do bloco
capitalista, tem-se a Doutrina Truman, o Plano Marshall, a formação da Organização do
Tratado do Atlântico Norte e a difusão da propaganda anticomunista protagonizada pelos
Estados Unidos; por parte do bloco comunista, a articulação dos comunistas em campanhas
anti-imperialistas. O PCUS determinava as linhas de atuação para os partidos comunistas. Em
1949, o Kominform designou que a “luta pela paz” deveria ser prioridade. O argumento era
que as armas atômicas e bacteriológicas desenvolvidas e empregadas pelos Estados Unidos
representavam um grande perigo para a humanidade e que esse país do Norte era inimigo da
paz, promotor da guerra. Pretendia-se a proibição do uso desse tipo de armamento e a
diminuição do poderio militar das nações.
O Movimento dos Partidários da Paz realizou seu primeiro evento de destaque em
1948, no Congresso Mundial de Intelectuais em Defesa da Paz, em Wroclaw, na Polônia.
Várias personalidades das artes, da religião e da política compareceram. Durante os dias de
agosto no qual transcorreu o Congresso, houve desfiles nas ruas da cidade dos congressistas e,
inclusive, dos aprisionados em campos de concentração com seus uniformes listrados e a
estrela sobre o peito. A Europa recém-saída da II Guerra expunha seus traumas talvez na
tentativa de amenizá-los coletivamente. Não é à toa que as pessoas aderiram ao movimento,
tanto os que estiveram no conflito, a exemplo de Carlos Scliar, como aqueles que se
solidarizaram sem tê-lo vivido diretamente, como Vasco Prado.
No I Congresso Mundial, decidiu-se pela formação de um escritório internacional que
deveria estar de acordo com o Kominform da União Soviética (MILZA, 1987). Segundo a
visão do historiador Philippe Buton (1991), as campanhas pela paz, lideradas pelos
113

comunistas, teriam uma finalidade prática a favor da União Soviética, já que ocorriam
ocasionalmente e conforme os interesses do partido, por exemplo, a crítica ao armamento
atômico estadunidense só teria se dado porque, naquele momento, os países socialistas não
tinham domínio sobre essa tecnologia militar.
No II Congresso do Movimento pela Paz, estabeleceu-se o Conselho Mundial pela
Paz, cujo primeiro presidente seria Frédéric Joliot-Curie. O movimento seguia a estrutura
comum à das organizações comunistas, compostas, geralmente, por conselhos comunitários e
departamentais, comitês de base e secretarias. Entre os maiores empreendimentos dos
Partidários da Paz estavam o Apelo de Estocolmo e o Apelo por um Pacto de Paz, que eram
abaixo-assinados que pediam a abolição das armas nucleares e o fim dos conflitos entre as
grandes potências mundiais, respectivamente.
Vasco Prado e Carlos Scliar integraram a delegação brasileira do Congresso de
Wroclaw. Além do objetivo principal do evento, que era a causa pacifista, o congresso
proporcionou, paralelamente, a troca de ideias e experiências entre artistas de vários países.
Representando o México, lá estava Leopoldo Méndez, artista ligado à Vanguarda Estridentista
mexicana, nos anos 1920, bem como ao TGP, que provocou a admiração e inspirou os
brasileiros. Méndez era um exemplo de artista combativo e já se convencera do valor de falar
das coisas do seu povo, do trabalho coletivo, desde o começo de sua trajetória.

2.3.1 O TGP e o combate ao fascismo e à guerra

Como se podia esperar, pelo perfil e pelo histórico da instituição, o TGP se empenhou
em responder à convocação de Wroclaw e elaborou ilustrações para impressos de divulgação
do movimento pacifista do México. Assim também o fizeram os integrantes da Horizonte e do
CGPA, focando na divulgação dos abaixo-assinados pela paz e contra as armas atômicas. O
TGP era o modelo, a inspiração dos gravadores sul-rio-grandenses, portanto, é necessário
conhecer a sua produção.
Desde os primórdios do TGP, a denúncia das atrocidades da guerra e do nazi-fascismo
eram temas recorrentes nos trabalhos dos seus integrantes, lembrando que a instituição fora
fundada em 1937, período de avanço dos regimes totalitários. Naquele ano, a Itália de
Mussolini e a Alemanha de Hitler estreitam seus laços, o Japão invadiu a China e a Espanha
encontrava-se em guerra civil.
O primeiro álbum lançado pelo TGP foi La España de Franco (1938), que integrava a
coleção Nuestra Lucha e continha quinze litografias de Leopoldo Méndez, Xavier Guerrero,
114

Luis Arenal e Raul Anguiano. Somente 19 exemplares foram impressos. Pode-se supor que o
objetivo do TGP não era a difusão massiva, porém marcar uma posição contra o franquismo e
alertar sobre as tendências totalitárias que se alastravam na Europa. A litografia Aprende,
América ¡El fascismo amenaza a los países americanos! (Fig. 25), de Méndez, pode ser
entendida como um aviso da possibilidade de o fascismo atravessar o Atlântico. Verifica-se
que a linguagem caricata é empregada, principalmente, na representação dos ditadores e de
seus agentes de opressão, dando um tom ridículo e ao mesmo tempo monstruoso a esses
personagens. Quando se trata de construir cenas que remetem à situação de sofrimento da
população, percebe-se um tratamento mais realista encontrado em cenas dramáticas que
pareceram despertar maior respeito e solenidade do seu autor ao desenhá-las, como no caso de
Se termina con la enseñanza (Fig. 26), na qual se vê um professor morto e seus alunos em
frente à escola.
Para o ano de 1938, o TGP confeccionou o calendário da Universidad Obrera de
México, em que são destacados os dias nos quais ocorreram eventos políticos relacionados à
história mexicana, às personalidades de esquerda e a acontecimentos recentes para a época
que diziam respeito aos regimes totalitários. Jésus Bracho ilustrou a folha de março com um
retrato de Karl Marx em recordação de sua morte no dia 14 (Fig. 27). Para o mês de julho,
Pablo O’Higgins gravou a cena do golpe armado dos generais espanhóis comprometidos com
a classe reacionária, mostrados como abutres, contra o povo que tenta se defender (Fig. 28).

Figura 25 – Leopoldo Méndez. Aprende, América ¡El fascismo amenaza a los países americanos!, 1938
Litografia, 32,5 X 28,8 cm, álbum La España de Franco, editado pelo TGP em 1938.
Fonte: <https://www.fulltable.com/vts/t/ttf/tgp/franco/l.htm>.
115

Figura 26 – Xavier Guerrero. Franco prepara “sus ofensivas”, Se termina con la enseñanza, 1938
Litografia, 32,5 X 28,8 cm, álbum La España de Franco, editado pelo TGP em 1938.
Fonte: <https://www.fulltable.com/vts/t/ttf/tgp/franco/i.htm>.

Figura 27 – Jésus Bracho. Carlos Marx, Creador del Socialismo Científico – 14 de março de 1883, 1938
Litografia, 50 X 35 cm, folha do mês de março do calendário de 1938, produzido pelo TGP, com a gravura
Fonte: <https://www.fulltable.com/VTS/t/time/calendars/tgp/03.jpg>.
116

Figura 28– Pablo O’Higgins. Buitres Fascistas sobre España, 1938


Litografia, 50 X 35 cm, folha do mês de julho do calendário de 1938, produzido pelo TGP
Fonte: <https://www.fulltable.com/VTS/t/time/calendars/tgp/07.jpg>.

A obra mais significativa contra o nazismo que teve o envolvimento do TGP se


intitulou El Libro Negro del Terror Nazi en Europa, publicado pelo Editorial El Libro Libre,
em 1943, patrocinado pelo presidente do México, Manuel Avila Camacho; pelo presidente do
Peru, Manuel Prado; e pelo presidente da então Tchecoslováquia, Eduardo Benes, que saiu do
país após a invasão nazista, em 1938. A ideia do livro partiu de europeus exilados no México
que se sentiam ansiosos por denunciar as ideias falsas propagadas pela Alemanha de Hitler e
as atrocidades que eram cometidas. Nas suas páginas, encontram-se as reproduções de 164
fotografias e 50 desenhos, selecionados por Hannes Meyer, e artigos escritos por Thomas
Mann (escritor alemão), Andre Simone (escritor tchecoslovaco), Ernst Bloch (filósofo
alemão), Walter Janka (comandante do Exército Popular da República Espanhola), Ana
Seghers (escritora alemã), Lydia Lambert (jornalista francesa), entre outros. Os textos
analisam o que se passava na Europa naquele momento, as arbitrariedades do regime nazista,
a invasão dos países e o pesar das pessoas.
No início da década de 1940, começaram a circular as notícias dos extermínios e do
uso de câmaras de gás. Os refugiados na América obtinham fotografias e testemunhos sobre o
que acontecia através de parentes e conhecidos que ficaram no Velho Continente. É possível
que as fotografias, as gravuras e os desenhos desse livro tenham sido as primeiras imagens
117

amplamente divulgadas dos campos de concentração e do Holocausto, pois registros desse


tipo dificilmente sairiam da Alemanha (CAPLOW, 2007). São vários registros fotográficos
das vítimas dos nazistas e dos campos de concentração, como também do Gueto de Varsóvia,
onde judeus ficaram confinados sujeitos à fome e a enfermidades, sendo muitos deles
enviados a Treblinka, para o trabalho forçado ou para a morte (Fig. 29). No final da guerra, a
população de Varsóvia reduziu-se a 6%, dos mais de 350 mil judeus restaram apenas 11 mil e
500 (UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM). Alguns dos autores das
ilustrações são o cartunista político soviético Boris Yefimov (1900-2008); o trio de artistas
gráficos soviéticos Kukyiniksy, formado por Mikhail Kupriyanov (1903-1991), Porfiry
Krylov (1902-1990) e Nikolay Sokolov (1903-2000); Käthe Kollwitz, além dos membros do
TGP Ignacio Aguirre, Ángel Bracho, Leopoldo Méndez, Pablo O’Higgins, Alfredo Zalce e
Hannes Meyer.
Alfredo Zalce desenha uma mulher deitada que olha angustiada um pelotão de figuras
portando máscaras de gás e espingardas com baionetas. Ao seu lado, ela mantém uma criança
sob o lençol (Fig. 30). Junto à imagem, está o texto de Anna Seghers sobre a história de Fritz
Mueller, um oficial alemão responsável pela execução cruel de aldeães. Entre seus crimes,
destacou-se o caso da camponesa Iwanowna, que foi obrigada a assistir ao fuzilamento de
seus dois filhos ante de morrer.
A perseguição, o assassinato e o projeto de extermínio dos judeus foi o tema do ensaio
do Dr. Leon Weiss e da gravura de Leopoldo Méndez (Fig. 31). O ódio totalmente
injustificado do regime nazista à minoria da população de origem hebraica chocou o autor e
motivou o artista a representar a desoladora deportação de inúmeras pessoas em direção aos
campos de concentração. Méndez produziu essa obra em linóleo um ano antes da publicação
do livro (Fig. 32). Homens e mulheres abarrotados em um vagão, vigiados por um soldado
alemão, encontram-se visivelmente abatidos. No chão, um deles está deitado, provavelmente,
doente e sem forças, dando a crer que não chegaria vivo a seu destino, o que, de fato,
acontecia, devido às péssimas condições de transporte, aos maus-tratos e por, em várias
ocasiões, as pessoas já estarem bastante debilitadas quando capturadas e levadas aos campos.
118

Figura 29 – Páginas com fotografias de El Libro del Terror Nazi em Europa, 1943
Fonte: LEAL et al., 1943.

Figura 30 – Página de El Libro Negro de Terror Nazi em Europa, com ilustração de Alfredo Zalce.
Fonte: LEAL et al., 1943.
119

Figura 31 – Página de El Libro Negro de Terror Nazi em Europa, com ilustração de Leopoldo Méndez.
Fonte: LEAL et al., 1943

Figura 32 – Leopoldo Méndez. Deportación de la muerte, 1942.


Linoleogravura, 47,63 x 66,04 cm. Los Angeles County Museum of Art (LACMA).
Fonte: <http://collections.lacma.org/node/207472>.
120

Para o Congresso de Wroclaw, o TGP propagou os nomes dos representantes


mexicanos em um cartaz ilustrado por Francisco Mora que exibe a figura de pessoas, sob a
representação de um globo, saindo do México em direção à Polônia com os braços abertos,
demonstrando sua disponibilidade em atender ao convite proposto pelos Partidários da Paz
(Fig. 33). As Conferências Continentais também receberam auxílio em sua divulgação do
TGP, como vemos nos cartazes de 1949 e 1951 (Fig. 34 e 35). O Congresso Continental
Americano pela Paz, realizado no México, em 1949, foi tema do artigo de Luiz Carlos Prestes
de agosto de 1949. Prestes (1949a) ressaltava a vontade de paz de pessoas de diferentes
opiniões políticas e o desejo de união dos latino-americanos a fim de enfrentar a pobreza, o
atraso e o analfabetismo e de batalhar pela liberdade, pelo progresso e pela democracia. O
comunista criticava severamente a política intervencionista e imperialista dos ianques, que
prejudicariam ainda mais os desfavorecidos pelo aumento do custo de vida.
Nos dois casos, vemos membros da classe trabalhadora enfrentando bravamente, sem
qualquer proteção ou arma, as baionetas que se projetam contra eles agressivamente. As
imagens estão como a dizer que a dignidade e a vontade do povo podem derrotar a opressão e
a violência de seus inimigos. Pode-se afirmar que são trabalhadores porque em uma das
gravuras vê-se claramente que se trata de uma família camponesa e, na outra, vemos homens
de vestes simples com as mangas arregaçadas. Claro, tem-se de levar em conta a preferência
da classe do TGP, que frequentemente lhe dá um tom ainda maior de dignidade ao representá-
la, procurando dar um ar de firmeza moral às figuras.
O TGP comumente publicava corridos em folhetos, e não foi diferente com os feitos
para a campanha pela paz. Os corridos são poemas narrativos, geralmente musicados,
populares no México desde o século XIX e são elementos importantes da tradição oral
(LIRA-HERNÁNDEZ, 2013). A gama de temas tratados é ampla – eles podem ser uma ode a
um herói nacional ou uma paródia dos costumes. A diagramação dos panfletos dos corridos
seguia quase um padrão – uma folha, margeada ou não, ilustrada e, às vezes, figuras pequenas
entre as estrofes. Para O Corrido del Congreso de La Paz, Alberto Beltrán criou um cenário
luminoso no qual estão crianças correndo com flores nas mãos, rodeadas por aves
exuberantes, no horizonte, o sol radiante (Fig. 36).
121

Figura 33 – Francisco Mora, Albe Steiner. Congreso mundial de intelectuales en favor de la paz.
Wroclaw, Polonia, agosto de 1948... los intelectuales y artistas de México saludan cordialmente a sus colegas
del mundo..., 1948
Linoleogravura impressa em cartaz, 95 x 70 cm
Fonte: <http://www.graficamexicana.com/ImageViewer.asp?id=6846&level=2>
122

Figura 34 – Arturo García Bustos, Mariana Yampolsky. Congreso Continental Americano por la Paz. México
5-10 de septiembre 1949. Ganaremos la paz si luchamos por ella, 1949. Linoleogravura impressa em cartaz,
82 x 60 cm. Fonte: <http://www.graficamexicana.com/ImageViewer.asp?id=6852&level=2>.

Figura 35 – Alberto Beltrán. Conferência Continental por La Paz, 1951. Linoleogravura impressa em cartaz.
63 x 55 cm. Fonte: <http://www.graficamexicana.com/ImageViewer.asp?id=6883&level=2>.
123

Figura 36 – Folheto do TGP. Corrido del Congreso de La Paz, 1949.


47,24 X 34,8 cm, ilustrado por Alberto Beltrán.
Fonte: <https://www.fulltable.com/VTS/t/ttf/tgp/fl/02/05.jpg>.
124

2.4 O CLUBE DE GRAVURA DE PORTO ALEGRE E O PROJETO CULTURAL DOS COMUNISTAS

2.4.1 O Movimento dos Partidários da Paz no Rio Grande do Sul

Conforme já mencionado, o Movimento dos Partidários da Paz, liderado pelos


comunistas, era internacional. No Brasil, o PCB se empenhou na coleta de assinaturas, cuja
meta era chegar a quatro milhões de signatários. Envolveram-se todas as células partidárias38
e seus integrantes. Eventos populares, a exemplo de festivais, procuraram atrair a atenção das
pessoas e alcançar o objetivo posto. As campanhas pela paz ajudaram o partido a se articular,
pois, ainda na ilegalidade e impossibilitado de ter sedes, as reuniões e as atividades serviam
também para os militantes se articularem. As entidades pacifistas, como a Associação Rio-
Grandense pela Interdição das Armas Atômicas, atuavam legalmente, mas, por atrair os
“vermelhos”, eram constantemente vigiadas pela polícia (MARTINS, 2012).
A revista Problemas, órgão oficial de formação política do PCB, dirigida por Carlos
Marighella, cumpriu seu papel publicando reportagens sobre os Partidários da Paz, como a
entrevista concedida por Luiz Carlos Prestes no exemplar dos meses de abril e maio de 1949.
O líder comunista alertava para os fins da visita do general norte-americano Mark Clark ao
Brasil naquele ano: subjugar as forças armadas do país às ordens de Truman, apoiado pelo
marechal Eurico Gaspar Dutra, que pretenderia atacar a União Soviética e outros países. A
guerra imperialista seria devastadora, era preciso denunciar os provocadores dos embates
bélicos e mobilizar a população. A América Latina teria um papel fundamental, pois o povo
precisaria erguer sua voz legitimamente e superar a dos seus governantes submissos aos
Estados Unidos (PRESTES, 1949b). Três anos antes, no dia 26 de março, o senador Prestes
havia usado a sua palavra na tribuna da Assembleia Nacional Constituinte expondo seus
temores acerca de uma possível guerra entre Estados Unidos e Rússia (PRESTES, 1947).
A exemplo de outros veículos de imprensa comunista, a Horizonte disponibilizou
várias páginas para divulgar as campanhas e os apelos de paz. Na primeira e na terceira
edições da revista, o espaço denominado Quem quer a paz?, na seção Notas e Notícias, a
cargo de Juvenal Jacinto, dedicava-se ao Movimento. No primeiro exemplar, falou-se da
participação de Vasco Prado e de mais nove intelectuais representantes do Brasil em Wroclaw
e da repercussão disso em moções de apoio em defesa da paz, reuniões e debates estimulados
pelos congressistas em várias cidades quando retornaram. O artigo ainda informou as ações

38
Estruturas de base do partido.
125

dos partidários em outros países, como Polônia e Estados Unidos (JACINTO, 1949c). Em
abril, realizou-se o Congresso Nacional em Defesa da Paz a fim de elencar quem iria ao
Congresso Internacional de Paris, cuja convocação foi integralmente publicada (JACINTO,
1949b).
Em julho de 1949, Juvenal Jacinto noticiava o Congresso de Partidários da Paz,
ocorrido em abril daquele ano, e o Congresso Continental Americano pela Paz, que
aconteceria no 5 de setembro seguinte. Na comissão organizadora desse último evento,
constavam mandatários do México, Lázaro Cárdenas e Ávila Camacho; dos Estados Unidos,
Henry Wallace; e de Cuba, Fulgêncio Batista. Houve variedade entre os participantes: eram
políticos, militares, sacerdotes, artistas e escritores. A fim de eleger os representantes do
Brasil, promoveram-se várias conferências regionais – a de Porto Alegre foi em agosto. No
último parágrafo de texto de convocação do Congresso Continental, lê-se: “A paz é o caminho
da liberdade e da grandeza da América. Assegurando-a a América cumpre o seu destino mais
elevado e presta um serviço ao mundo [...]” (JACINTO, 1949a, p. 57). Nesse pequeno trecho,
percebe-se que a luta pacifista era associada às causas progressistas, democráticas e, para os
comunistas, socialistas.
Na Nova Fase da Horizonte, a diretora Lila Ripoll esmerou-se em convidar pessoas de
diversas correntes políticas para o Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz (MBPP) e
para assinarem as petições. O substituto de Ripoll na coordenação da revista, o médico
Fernando Guedes, manteve a publicação na mesma linha. Os artistas colaboraram com
ilustrações e artigos. Leonor Scliar Cabral e Maria Dinorah Luz do Prado escreveram poesias
em prol da causa da paz. Entre as escritoras envolvidas com a revista, Lila Ripoll era a mais
produtiva e escrevia textos em quantidade e de natureza diversa: reportagens, traduções,
poemas. É interessante notar esse espaço disponibilizado às mulheres, muitas vezes
desfavorecidas nas publicações locais, como também aos estreantes na literatura, como Laci
Osório e Heitor Saldanha (MARTINS, 2012).
No período de 1950 a 1952, a presença de matérias acerca do Movimento pela Paz é
constante nas páginas da revista. O editorial do primeiro exemplar sob o comando de Lila
Ripoll explicita os princípios da publicação. Em suas linhas, já se percebe que o Movimento
dos Partidários da Paz seria beneficiado:

Erguemos bem alto a bandeira da Paz, condição essencial para o


florescimento da arte e da cultura.
Enquanto trabalhávamos na confecção da nossa revista, reuniam-se, em
Varsóvia, milhares de homens, representando milhões de seres e uma só e
126

imensa vontade – a Paz. Saudamos, calorosamente, êste Congresso da Paz.


Saudamos o movimento mundial dos partidários da Paz, um dos esteios do
novo mundo, ao qual nossa arte deseja servir.
Estejamos alertas, entretanto, pois, também no Brasil, os fazedores de guerra
cravam suas garras. Aliado às camadas corrompidas do nosso País, o
imperialismo americano desencadeia, no momento, tremenda ofensiva, que
visa fazer de nossa Pátria, base de operações para a guerra que prepara e de
nossa gente a carne de canhão a ser imolada na defesa da civilização... de
Wall Street. Para êste fim, se mobiliza a frente ideológica, são chamados
falsos artistas e intelectuais, que pretendem impingir ao nosso povo uma arte
que – a pretexto de ultra-moderna e avançada – sirva para afogar, em nossa
gente, todo e qualquer sentimento patriótico. É natural que assim seja. Uma
classe servil, que tem como única preocupação trair a sua Pátria, nunca
poderá desenvolver uma arte nacional e popular. (Horizonte, n. 4, ano I,
20 dez. 1950, p.1-2).

Figura 37 – Carlos Scliar. Sem título, 1950


Capa da revista Horizonte, n. 4, ano I, 20 dez. 1950.
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

O texto esclarece alguns posicionamentos da equipe da revista. Não só a paz estava


sendo defendida, mas também a soberania nacional e a luta contra o imperialismo norte-
americano. A gravura de Carlos Scliar que acompanha o editorial ilustra essas declarações
(Fig. 37). No primeiro plano, Scliar coloca um homem carregando uma bandeira contendo
dizeres pela paz, crianças brincando e uma mulher conduzindo um menino e uma menina que
carrega flores. Logo atrás dessas figuras, há um milharal e uma multidão amalgamada em
passeata. O clima é de otimismo e de harmonia. A multidão parece alegre ao se mobilizar pela
causa pacifista. Quanto à técnica, trata-se, provavelmente, de uma xilogravura, pela dureza
127

dos cortes. As matrizes em madeira e em linóleo eram as preferidas pelos artistas dos Clubes
de Gravura.
No mesmo exemplar, publicou-se o artigo, de autoria desconhecida, Os Povos do
Mundo em Defesa da Paz e da Cultura (OS POVOS..., 1950), que nos fornece informações e
dados sobre o Congresso de Varsóvia. Nessa ocasião, divulgou-se o número estimado de 500
milhões de assinaturas do Apelo de Estocolmo pela interdição das armas atômicas. O
encontro reuniu 1600 delegados de oitenta países que formularam resoluções como o pedido
de redução dos efetivos das forças armadas das grandes potências – Estados Unidos, União
soviética, República Popular da China, Grã-Bretanha e França – e a condenação da
intervenção militar norte-americana na Coreia. Pelo Brasil, lá estiveram os pintores Cândido
Portinari e Clóvis Graciano. Durante o Congresso, foram concedidos os Prêmios
Internacionais da Paz, incluindo uma medalha de ouro a Portinari pelo mural Tiradentes. As
resoluções e a Carta da Paz formuladas em Varsóvia seriam reproduzidas na íntegra na edição
de janeiro e fevereiro de 1951, respectivamente.
O Prêmio Stalin da Paz foi instituído na União Soviética a fim de “estreitar o
sentimento de paz entre os povos”. Uma comissão era responsável por conceder a distinção,
que, inicialmente, foi presidida pelo professor Dimitri Skobeltsin e composta pelo escritor
russo Fadeyev, pelo novelista Ylia Ehremburg, pelo escritor chinês Kuo Mo-Jo (presidente da
Sociedade Amigos da Rússia), pelo escritor e jornalista francês Louis Aragon, pelo escritor
dinamarquês Martin Andersen Nexo, pelo professor londrino John Bernal, pelo professor
polonês Jan Dembowski, pelo escritor alemão Bernhardt Kellerman, pelo deputado e
professor italiano Marquês de Concantto, pelo poeta chileno Pablo Neruda e pelo escritor
romeno Mikhail Sabodianu (PRÊMIO..., 1951).
Ainda na edição de dezembro de 1950, encontra-se a Mensagem dos Intelectuais
Gaúchos a Stálin (MENSAGEM..., 1950), assinada, entre outros, por Carlos Scliar, Vasco
Prado, Lila Ripoll e Flamarion Silva, publicada para celebrar o aniversário do líder soviético,
glorificado como “campeão da Paz, chefe e guia da Humanidade Progressista” (p. 19). Stalin
era identificado como um grande combatente pela paz e pelo socialismo no mundo. Na
contracapa, reproduziram-se a linoleogravura La Bomba Atómica, de Alfredo Zalce, e o texto
do Apelo de Estocolmo. Zalce apresentava o artefato nuclear como um cogumelo de fumaça
de onde saía um ser, meio soldado, meio caveira, portando um capacete com a insígnia nazista
e estampando um sorriso macabro (Fig. 38). Em 1954, essa obra integrou a série Coplas de La
Muerte H y La Vida Popular, publicada pelo TGP.
128

Figura 38 – Alfredo Zalce. La Bomba Atómica, [entre 1945 e 1950]


Contracapa da Horizonte, n. 4, ano I,
20 de dezembro de 1950.
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

No início da década de 1950, a batalha contra o comunismo, encabeçada pelos Estados


Unidos, foi oficializada pela Declaração de Washington, elaborada na Conferência de
Chanceleres, conforme alerta o Editorial da Horizonte de abril de 1951 (EDITORIAL, 1951,
p. 19). Essa batalha incluía a intervenção militar, como ocorria na Coreia. A opinião da revista
é de repúdio aos belicistas norte-americanos e ao apoio do governo brasileiro, que aceitou
ajudar militar e financeiramente os Estados Unidos enquanto o povo sofria com a falta de
recursos em saúde e educação. Na página 94, publicaram-se o Apelo de Berlim por um Pacto
129

de Paz e o pedido para que o leitor assinasse e enviasse esse documento para a redação da
revista ou para a sede do Movimento Estadual dos Partidários da Paz e contra as Armas
Atômicas, localizada na Rua Vigário José Inácio, 251, segundo andar, no Centro de Porto
Alegre (APELO..., 1951).
Em janeiro de 1951, foi lançada, no Rio de Janeiro, a “Quinzena Contra a Participação
do Brasil na Guerra”, por meio de um manifesto que repudiava o uso da arma atômica, a
convocação para o serviço militar de brasileiros de 16 a 45 anos e a guerra. Assinaram o
manifesto expoentes do Movimento, tais como Abel Chermont e Branca Fialho. No Rio
Grande do Sul, firmaram o texto, publicado no Correio do Povo, representantes da Comissão
Central da Associação Rio-Grandense pela Proibição das Armas Atômicas, Vitorio Veloso; da
ABDE, Lila Ripoll; do Centro Cívico Castro Alves, Luiz Carlos Brum; da União Estadual dos
Trabalhadores, Eloy Martins; Associação dos Servidores Estaduais, Jader Domingues; da
Federação das Mulheres do Rio Grande do Sul, Rita Guedes Brandão; da Liga de Defesa das
Liberdades, Julio Teixeira e Eloar Guazzelli; do Centro Estudos e Defesa do Petróleo, José
Morais Terra; e pessoas físicas como Carlos Scliar e Vasco Prado (AO POVO..., 1951).
No território coreano, travou-se o embate do Sul do país, apoiado pelos Estados
Unidos e pelo Reino Unido, contra o Norte, aliado à União Soviética e à República Popular da
China. A Guerra se estendeu de 1950 a 1953. No primeiro ano da guerra, foi firmado o
Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, que estipulava o envio de vinte mil soldados
brasileiros. Os comunistas, já preocupados com o desencadear da Terceira Guerra Mundial e
com a vida dos jovens militares, articularam a Campanha contra o Envio dos Soldados
Brasileiros para a Coreia (RIBEIRO, 2010). Os partidários da paz logo se engajaram nessa
empreitada.
A Horizonte de junho de 1951 reforça a Campanha através de artigos como O povo
coreano: sua história e sua cultura, de Georges Cogniot, e A Palavra Paz, da escritora
chilena Gabriela Mistral. A reflexão de Mistral disserta sobre a palavra “paz” e as venturas e
as desventuras a que se submetiam aqueles que ousavam expor publicamente suas objeções
contra a guerra. Ter a “paz” como tema e como estandarte era alvo de suspeitas naquele
momento, era coisa dos “vermelhos”. Parece mesmo que, em momentos de crise, certas
expressões são repudiadas e têm seu sentido deturpado, tais como democracia, justiça e
igualdade. Porém, Mistral transmite uma mensagem de ânimo:

Há palavras que, sufocadas, falam mais, precisamente pelo sufocamento e o


exílio, e a palavra “paz” está irrompendo até das pessoas surdas ou
130

distraídas. Porque, afinal, os cristãos extraviados de todos os ramos, desde o


católico até outro qualquer, têm de recordar-se logo, como os desvairados,
de que a palavra mais insistente nos Evangelhos é essa precisamente, êste
vocábulo riscado nos jornais, êste vocábulo metido num canto, êste
monossílabo que nos é proibido como se fosse uma palavra obscena. É a
palavra por excelência e que, repetida, está presente nas Escrituras como
uma obsessão.
É preciso continuar repetindo-a dia a dia, para que alguma coisa do conselho
divino flutue, ainda que seja como uma rolha de cortiça na heresia reinante.
Tenham coragem, meus amigos. O pacifismo não é a geleia adocicada que
alguns supõem: a coragem cria em nós uma convicção impetuosa que não
pode ser estática. Digamos essa palavra todo dia, onde quer que estejamos,
por onde quer que andemos, até que tome corpo e crie uma “militância de
paz”, que sature o ar denso e sujo até purificá-lo.
Continuem pronunciando essa palavra contra o vento e a brisa do mar,
mesmo que fiquem uns três anos sem amigos. O repúdio é duro, a solidão
costuma a produzir alguma coisa como o zumbido dos ouvidos que se sente
descendo às grutas... ou às catacumbas. Não importa, amigos: é preciso
continuar! (MISTRAL, 1951, p. 164).

Gabriela Mistral comparava a luta pacifista com a fé cristã. A perseguição aos


seguidores de Jesus, que pregava o amor ao próximo, estava presente no imaginário ocidental
e era um bom artifício para conscientizar e aproximar o leitor americano, para quem a
religiosidade, em sua maioria, ainda era um valor. As classes conservadoras, supostamente
identificadas com a moralidade cristã, atuavam contra os que querem um mundo de paz e
justiça social, exercendo o papel de perseguidores. Naquele momento, os partidários da paz
representavam o “perigo” de uma modificação radical nas estruturas sociais devido à sua
simpatia pelo socialismo, algo que importunava os reacionários.
A capa e a contracapa da revista oferecem seu espaço para a gravura União por uma
Vida Melhor e pela Paz, de Carlos Scliar. É a representação de uma multidão incontável,
composta por gente de várias idades, em passeata, carregando faixas com os dizeres “terra”,
“liberdade”, “paz”, “pão”, “Apelo de Berlim” (Fig. 39). Segundo Tavares (2009), o lema da
Aliança Nacional Libertadora, organização antifascista comunista de 1935, era “pão, terra e
liberdade”, palavras de ordem recorrentes nas imagens ligadas ao Movimento Brasileiro dos
Partidários da Paz. Entretanto, os dizeres eram comuns nos movimentos populares e
tornaram-se ainda mais difundidos a partir da publicação das cartas de Lênin em veículos
como o Pravda, em 1917. Trata-se, provavelmente, de um símbolo da unidade dos desejos do
povo que queria paz e uma vida melhor. Outra ilustração dessa edição é a linoleogravura de
Leopoldo Méndez Mercado Negro / Acaparadores, que acompanha a citação da fala do
mexicano sobre a responsabilidade que os intelectuais têm com o povo de se envolver na
causa pacifista e de denunciar os danos incalculáveis da guerra (Fig. 40). O Mercado Negro se
131

materializa na figura de um gigante morcego, vestido tal como se caracteriza um capitalista,


de terno, exibindo garras ameaçadoras. A criatura posa sobre um estabelecimento onde se
depositam grandes sacos no telhado. Nele, vê-se uma porta pela qual adentra uma fila de
pessoas. É a representação da prática dos acaparadores ou açambarcadores – especuladores
que acumulam para si determinado produto a fim de ter exclusividade de comercialização e,
assim, conseguir manipular os preços, geralmente, causando prejuízos ao pequeno produtor.

Figura 39 – Carlos Scliar. União por uma Vida Melhor e pela Paz, 1951
Capa e contracapa da Horizonte, Nova Fase n. 6, jun. 1951. Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

Figura 40 – Leopoldo Méndez. Mercado Negro (Acaparadores)


Horizonte, Nova Fase n. 6, p. 174, jun. 1951. Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.
132

No sétimo exemplar da Nova Fase da Horizonte, o editorial chama a intensificar a luta


pela paz e alerta sobre o envio da força expedicionária à Coreia, também anuncia a criação da
Comissão dos Intelectuais em favor da Paz por artistas do Rio Grande do Sul. O músico
Dimitri Shostakovitch39 afirma, em A arte a serviço da paz, que o intercâmbio cultural seria
fundamental na campanha pacifista internacional porque a cultura, autêntica e familiarizada
com seu povo, proporcionaria a compreensão entre habitantes de países diferentes. O autor
sugere a organização de excursões, festivais e exposições a fim de ampliar o alcance da arte.
Pela matéria A defesa de Prestes é a defesa da Paz (A DEFESA..., 1951, p. 200-201), fica-se
sabendo da declaração de prisão preventiva de Luiz Carlos Prestes e de outros dirigentes do
PCB decretada pelo Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de infração da Lei de
Segurança Nacional. Prestes era um dos principais combatentes partidários, por conseguinte,
pede-se aos leitores que se coloquem ao seu lado.
O Movimento dos Partidários da Paz já completava dois anos, e Antônio Pinheiro
Machado Neto (1951) avalia sua atuação em A Participação dos Brasileiros no Movimento da
Paz. O autor elogia a presença de partidários nos eventos estaduais, nacionais e
internacionais, e contabiliza quatro milhões e duzentas mil assinaturas do Apelo de Estocolmo
no Brasil, revelando que a campanha ficou conhecida em grande parte do território nacional.
Havia a esperança de que o enorme esforço do Movimento, que procurava mostrar a vontade
de paz da população, sensibilizasse os governantes. A contracapa estampa a gravura Soldado
Morto (Fig. 41), de Vasco Prado, e a mensagem de que a adesão ao Apelo de Paz ajudaria a
evitar a morte de militares em combate por uma causa que nem seria a do Brasil. Esse
trabalho foi utilizado no cartaz do III Congresso Gaúcho em Defesa da Paz e reproduzido no
álbum Gravuras Gaúchas, de 1952. No mês seguinte, a contracapa teve a mesma
configuração, mas a imagem foi substituída pelo Apelo por um Pacto de Paz (Fig. 42).

39
A grafia do sobrenome de Dimitri Shostakovitch está incorreta na revista Horizonte, sendo escrito
“Chostakovitch”. Esse trabalho adota a grafia da publicação por ser a referência original do texto.
133

Figura 41 – Vasco Prado. Soldado Morto, 1951


Contracapa Horizonte, Nova Fase n. 7, jul. 1951.
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

Figura 42 – Contracapa da Horizonte, Nova Fase, n. 8, ago. 1951.


Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.
134

O IV Congresso dos Escritores, promovido pela ABDE, aconteceu em Porto Alegre


em setembro de 1951, e a Horizonte tratou de divulgá-lo. No editorial, os intelectuais eram
chamados a defender a cultura, a liberdade e a paz. O texto recordou dois fatos que expressam
ameaças às liberdades democráticas: apreensão do livro O mundo da paz, de Jorge Amado, e a
negativa à cátedra de Oscar Niemeyer na Universidade de São Paulo devido ao seu
posicionamento político. O governo de Getúlio Vargas executaria uma “política de guerra”, e
os escritores do país deveriam se posicionar por uma “política de paz” (EDITORIAL, 1951b,
p. 251-252). A democratização da cultura era uma questão primordial para os colaboradores
da revista. A cultura deveria estar a serviço do povo, deveria ser querida e cultivada por todos
para, desse modo, contribuir para a construção de uma sociedade transformada, na qual se
findaria a exploração do homem pelo homem.
Voltando o olhar para outros veículos, constata-se, na edição da Problemas de outubro
de 1951, o artigo de Prestes que convocava os comunistas para que se empenhassem ainda
mais nas campanhas de assinaturas do Apelo do Conselho Mundial da Paz. A ideia era chegar
aos diversos setores sociais e envolver as massas na campanha para que manifestassem sua
contrariedade à militarização das nações e a uma nova guerra mundial, como também
constranger e isolar as camadas reacionárias. A revista reproduziu o texto do Apelo por um
pacto de paz, ou Apelo de Berlim, lançado em 25 de fevereiro de 1951, de autoria do
presidente do Conselho Mundial, Frédéric Joliot-Curie:

ATENDENDO às aspirações de milhões de homens do mundo inteiro,


qualquer que seja sua opinião sobre as causas que engendram os perigos de
guerra mundial;
PARA consolidar a paz e garantir a segurança internacional:
RECLAMAMOS a conclusão de um pacto de paz entre as cinco grandes
potências: Estados Unidos da América, União Soviética, República Popular
da China, Grã-Bretanha e França.
CONSIDERAMOS a negativa do Governo de qualquer das grandes
potências a reunir-se para concluir esse pacto de paz, como evidência de
desígnios agressivos por parte desse Governo.
FAZEMOS um apelo a todas as nações amantes da paz para que apóiem a
exigência de um pacto de paz aberto a todos os Estados.
COLOCAMOS nossas assinaturas ao pé deste Apelo e convidamos a assiná-
lo a todos os homens e a todas as mulheres de boa vontade, a todas as
organizações que aspiram à consolidação da paz. (JOLIOT-CURIE, 1951).

Naquele mesmo mês, a Horizonte ressaltava eventos em Porto Alegre, o IV Congresso


de Escritores e o III Congresso Gaúcho pela Paz, que teria reunido cerca de 300 delegados,
135

portadores do Apelo por um Pacto de Paz contendo duzentas e sessenta mil assinaturas. Lila
Ripoll assumira a presidência da ABDE, e Fernando Guedes a substituiu na direção da revista
a partir desse número. O IV Congresso recebeu atenção especial, contando com vários artigos,
reprodução de mensagens e de discursos, como também cobertura fotográfica que ocuparam
várias páginas (Fig. 43).

Figura 43 – Fotografia da mesa do IV Congresso dos Escritores na qual se veem Lila Ripoll e Graciliano Ramos
(da esquerda para a direita).
Horizonte, Nova Fase n. 10, out. 1951, p. 288
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

O Apelo por um Pacto de Paz foi mais uma vez publicado, juntamente com a lista de
nomes de intelectuais e artistas que o assinaram. Glênio Bianchetti ajudou a divulgar o apelo
em sua gravura da capa, na qual se veem pessoas trajadas à moda gaúcha em um ambiente
rural, tendo uma goleira de futebol ao fundo (Fig. 44). A menção ao esporte popular e os tipos
representados eram tentativas de aproximação com o público a partir de sua possível
identificação com a cena.
Entre as determinações do III Congresso Gaúcho pela Paz estão o pedido de paz na
Coreia, a condenação do acordo bilateral entre Estados Unidos e Brasil que resultaria na
participação de tropas nacionais em conflitos promovidos pelo país do norte, o combate à
promoção da guerra e a denúncia de que partidários e coletores de assinaturas dos Apelos do
Movimento pela Paz eram perseguidos.
136

Figura 44 – Glênio Bianchetti. Apelo por um Pacto de Paz, 1951


Capa da Horizonte, Nova Fase n. 10, out. 1951
Fonte: Arquivo João Batista Marçal, Viamão, RS [registro fotográfico da autora]

O aniversário de um ano da Nova Fase da revista é saudado como uma vitória dos
intelectuais de vanguarda, defensores da Democracia Popular e da Revolução Socialista
(EDITORIAL, 1955a, p. 315). O socialismo seria o caminho para o progresso cultural do
país, para a liberdade e para a paz. Stalin, Mao-Tsé-Tung e a Revolução de Outubro são
lembrados como referências no editorial. Na capa, vislumbra-se a linoleogravura de Danúbio
Gonçalves Apelo por um Pacto de Paz, que, posteriormente, integrou o álbum Gravuras
Gaúchas, de 1952 (Fig. 45).
Danúbio introduz o olhar do espectador para o interior de uma sala de aula de uma
escola rural. No primeiro plano, um homem portando um chapéu de barbicacho apoia uma
folha sobre a moldura da janela a fim de escrever. No alto da página, vê-se a palavra “paz”
escrita em caixa alta. Dentro da sala, as crianças estão acomodadas em bancos ou cadeiras,
não há as convencionais mesas de estudantes, e observam a professora e o quadro negro, no
qual também está escrito “paz”. A cena mostra o momento da assinatura do Apelo por um
camponês em um ambiente escolar no qual, provavelmente, a docente é uma partidária do
137

Movimento e ensina seus alunos sobre ele. Na parede, encontra-se um quadro de um homem
de bigode que pode ser uma menção a Stalin. Na imagem, podemos perceber o papel de
protagonismo da mulher na formação política40.

Figura 45 – Danúbio Gonçalves, Apelo por um Pacto de Paz, 1951


Capa da revista Horizonte, Nova Fase, n. 11 e 12, nov.- dez. de 1951
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

A imagem da educadora é recorrente na produção visual da esquerda no período, já


que a conscientização e a educação, fundamentais para o projeto político revolucionário, eram
ações desempenhadas, muitas vezes, por mulheres. Ao observar a produção do TGP, também
encontra-se essa imagem. Exemplo disso é a série de gravuras de Leopoldo Méndez elaborada
para o filme Río Escondido (1947), dirigido por Emilio Fernandez, e publicada em 1948 pela

40
A questão feminina merece uma reflexão à parte. As mulheres do partido se empenharam nas campanhas pela
Paz, contribuindo intelectualmente na produção de textos e nos debates e discursando nos palanques. O papel
feminino no PCB se modificou ao longo do tempo, ganhando destaque. Nos anos iniciais, observa-se que às
mulheres cabiam as tarefas ligadas à esfera assistencial das organizações de esquerda. O Comitê Central do PCB
não teve nenhuma mulher em sua composição até a década de 1940, embora houvesse militantes importantes e
diretoras em comitês municipais. A explicação da parca presença feminina na estrutura formal do partido pode
ser explicada pela discriminação sexual ou pelo fato de que a participação político-partidária das mulheres se
tornou mais expressiva somente nos anos 1930 e ainda era tímida e minoritária em termos quantitativos
(ALVES, 2015). Outro motivo que poderia ser cogitado é que os comunistas focavam no operariado urbano
industrial, cujo contingente de mulheres era pequeno. Apesar do papel fundamental das mulheres na trajetória do
PCB, somente nos anos 1970 o partido faria uma autocrítica mais profunda sobre a desatenção dada à questão da
mulher, visto que muitas vezes o feminismo foi considerado um movimento pequeno-burguês. Porém, as
comunistas foram protagonistas da história do feminismo no Brasil (ALVES, 2015).
As comunistas defenderam publicamente medidas emancipatórias para as mulheres em uma perspectiva de
classe. Embora se admitisse que a desigualdade de gênero fosse causa de sofrimento de todas, entendia-se que as
trabalhadoras e as que não dispunham de recursos financeiros eram ainda mais afetadas. Iracélli Alves (2015)
explica que a proletária sofria as consequências da subjugação econômica, social e afetiva. Além de não ser
tratada de igual para igual na relação com seu companheiro e na sociedade, as necessidades específicas de uma
mulher no ambiente de trabalho eram menosprezadas, como a oferta de creches.
138

editora La Estampa Mexicana com o título de Rio Escondido: diez grabados de Leopoldo
Méndez.
A película trata da história da maestra Rosaura Salazar, que se dispõe a lecionar em
um povoado distante onde o cacique Dom Regino domina e explora a população. A heroína
acaba por matar o algoz após uma tentativa de abuso por parte dele. Méndez representa esse
momento em Venciste (Fig. 46), quando a professora aparece quase como uma figura mística,
envolta por uma aura luminosa, no fundo, à esquerda, trajando um vestindo largo, os cabelos
soltos e com uma arma na mão. Ela está acompanhada por pessoas que se revoltaram contra
os capangas do cacique. A brutalidade investida contra a população por esses homens que
despencam do penhasco se volta contra eles e, assim, a justiça se concretizaria. O discurso do
caráter emancipatório da educação perpassa toda a película. Atitudes extremas e o uso da
violência podem ser entendidos como metáforas da capacidade de reação popular quando
adquirida consciência das causas de suas mazelas. Sánchez (2011) observa que tanto as
gravuras de Méndez quanto a fotografia do filme, de Gabriel Figueroa, empregam elementos
formais do muralismo, como horizontes estendidos e traços sintéticos. Os murais de Diego
Rivera também estão na película. O principal objetivo da produção é mostrar o drama do
povo, além disso, Río Escondido exalta a capacidade de liderança feminina e a importância
das mulheres na transformação da sociedade.

Figura 46 – Leopoldo Méndez. Venciste, 1948


Linoleogravura, 30,7 x 40,7 cm. Art Institute of Chicago
Fonte: <http://www.artic.edu/aic/collections/artwork/122484?search_no=12&index=129>.
139

O chamado da Conferência Continental Americana pela paz presente nas páginas da


Horizonte reforça o temor da possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial e do
alastramento do conflito coreano. Em uma parte, o texto parece dirigir-se à solidariedade
feminina ao ressaltar que “mães americanas choram seus filhos mortos na Coréia”
(CONFERÊNCIA..., 1951, p. 335). A lamentação dos pais pela morte dos jovens é um tema
presente em obras que visam despertar a atenção à causa pacifista; há exemplos de Käthe
Kollwitz, sendo que ela própria viveu a perda do filho em combate. A chamada da
Conferência convida todos os setores da sociedade a participar e é assinada pela Comissão da
iniciativa, composta por diversas personalidades americanas, tais como Gabriela Mistral,
Salvador Allende, Cândido Portinari e Oscar Niemeyer (CONFERÊNCIA..., 1951).
As edições de janeiro das publicações comunistas brasileiras daquele período eram
comumente dedicadas a Luiz Carlos Prestes em razão de seu aniversário, e assim foi com a
Horizonte de janeiro de 1952. Porém, deu-se continuidade a informações sobre os partidários
da paz. O MBPP, liderado por Abel Chermont e Branca Fialho, lançou uma mensagem de
congratulação a Jorge Amado pelo recebimento do Prêmio Internacional Stalin Pela Paz
concedido pelo comitê presidido por Dimitri Skobetsin (PAZ..., 1952b). Na contracapa, o
agradecimento do escritor baiano pela honraria é reproduzido sobre seu retrato desenhado por
Leopoldo Méndez (Fig. 47). Nessa edição, encontra-se também a notícia da III Conferência
da URSS de Partidários da Paz que ressalta a política exterior de paz da União Soviética e
saúda o “grande defensor da paz, o camarada Stálin” (III CONFERÊNCIA..., 1952, p. 5)41.
No editorial do mês seguinte, sabe-se que o ministro da Justiça do Brasil proibiu a
realização da Conferência Continental Americana pela Paz, considerada uma “manobra
moscovita” (1952d, p. 35). O evento aconteceria em março, no Rio de Janeiro. Na matéria
(não assinada) Paz, Esperança das Multidões (PAZ..., 1952a), anunciam-se as resoluções do
Conselho Mundial da Paz, reunido em Berlim: a formação da Comissão Internacional das
Relações Culturais e a continuação das campanhas a favor de um pacto de paz entre as
grandes potências mundiais. Divulga-se também a constituição da Comissão de Apoio à
Conferência Continental Americana pela Paz firmada por A. Temperani Pereira, presidente da
Câmara Municipal; João Pereira Sampaio, desembargador; Rubens Maciel, professor da
Faculdade de Medicina; Paulino de Vargas Vares, advogado; João Antônio Aranha,
advogado; Manoel Braga Gastal, vereador; Cândido Norberto, deputado estadual; C. Candal

41
Defensor da Paz foi um dos epítetos de Stalin, como aparece de forma recorrente nas páginas dos veículos
comunistas. Essa ideia era parte importante das campanhas que o movimento comunista internacional propagava
e que tinha como um dos objetivos caracterizar o Bloco Comunista com o pacifismo ao mesmo tempo em que
identificava o Bloco Capitalista com a violência e o espírito belicista.
140

dos Santos, médico; Cezar Ávila, professor da Faculdade de Medicina; Cláudio de Toledo
Mércio, presidente do Movimento Estadual de Defesa da Paz. O documento da fundação da
Comissão é exposto na contracapa da revista.

Figura 47 – Leopoldo Méndez. Retrato de Jorge Amado


Desenho reproduzido na contracapa da revista Horizonte, ano II, n.1, jan. 1952
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

A Horizonte correspondente aos meses de março e abril de 1952 dedicou-se à


Conferência Continental pela Paz, que ocorreu de 11 a 16 de março, em Montevidéu, capital
do Uruguai. A realização do evento foi considerada uma vitória dos povos americanos, pois se
concretizou apesar da repressão do governo uruguaio e das interdições de governos de outros
países. O editorial Uma Grande Vitória dos Povos Americanos (EDITORIAL, 1952) elegeu
como ponto alto da Conferência o reconhecimento da responsabilidade dos governantes norte-
americanos pela promoção da guerra. Destacou-se a participação numerosa de intelectuais na
141

Conferência e projetou-se maior sucesso para a próxima, que se realizaria em Santiago do


Chile.
O governo uruguaio proibiu que a programação da Conferência acontecesse em locais
públicos, assim como o ato de encerramento. Diversos setores sociais manifestaram
publicamente o repúdio a esse impedimento, incluindo órgãos de imprensa. As sessões, as
plenárias e os debates se concretizaram de qualquer maneira em quartos de hotéis,
restaurantes, sedes de sociedades recreativas e outros lugares. A delegação brasileira era
composta de 120 pessoas e foi coordenada pelo desembargador João Pereira Sampaio. O
registro fotográfico de uma reunião de delegados, em uma acomodação hoteleira, consta em
meio aos artigos da Horizonte (Fig. 48).

Figura 48 – Os delegados da Conferência Americana pela Paz, em Montevidéu, em um quarto de hotel. Da


esquerda para a direita: Maria Rosa Oliver e Hector Agosti (Argentina), Eunice Catunda, Lila Ripoll, Alina
Paim, Moacir Werneck de Castro e Carlos Scliar.
Fotografia de Salomão Scliar publicada na Horizonte, ano II, n. 3-4, p. 77, mar-abr 1952.
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

A Conferência Continental pela Paz, de Danúbio Gonçalves, ilustra a capa e a


contracapa desse número (Fig. 49). Gonçalves destaca as figuras de dois homens dando-se as
mãos; um deles é branco, de bigodes, e traja peças da indumentária gaúcha; o outro, negro,
veste uma boina e camisa de mangas curtas. A diferença do vestuário e das feições nos remete
à ideia de que são pessoas que desempenham atividades distintas – o gaúcho trabalha no
campo, e o negro pode ser um trabalhador urbano ou um mineiro – e, evidentemente, têm
origens étnicas diferentes. A mensagem transmitida é da união do povo em prol da paz,
enfatizada pela referência à Conferência que ocorre no segundo plano. Outras figuras que se
sobressaem são a mulher com a criança no colo, que parecem atrair as pombas sobre suas
142

cabeças, e o sol, ao fundo. Esses elementos conectam-se ao imaginário acerca da paz e da


esperança no futuro. A transformação da sociedade depende da classe trabalhadora, da cidade
e do campo, e que comparece na cena de Danúbio nas figuras do jornaleiro, da lavadeira, do
pedreiro, do mineiro, colocadas ao fundo. Na extremidade esquerda, o artista coloca lado a
lado as edificações de uma igreja e de uma fábrica. Essas escolhas de Danúbio podem
significar a valorização da religiosidade, importante ainda para grande parte da população,
apesar das críticas comunistas às instituições religiosas. Ou, fazendo-se um exercício de
especulação, pode-se inferir que a intenção da imagem na qual a chaminé industrial supera em
altura a torre do templo é demonstrar que o proletariado opera na realidade de maneira mais
eficaz e importante do que uma comunidade religiosa.

Figura 49 – Danúbio Gonçalves, Conferência Continental pela Paz, 1952


Capa e contracapa da Horizonte, n. 3-4, ano II, mar.-abr. 1952.
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

A Conferência também é título e tema do trabalho de Glauco Rodrigues que capta o


instante de um pronunciamento (Fig. 50). A oradora e os componentes do público não são
identificáveis, mas se reconhecem crianças, homens e mulheres. O importante é mostrar a
presença numerosa de participantes no evento. Danúbio e Glauco elaboram trabalhos
figurativos simples facilmente compreensíveis e ainda empregam palavras escritas em faixas e
cartazes – “pan”, “paz”, “Conferencia Continental Americana por La Paz” – a fim de que se
perceba de imediato do que se trata as imagens.
143

Na Associação de Mulheres do Uruguai, durante a Conferência, realizou-se uma


exposição de arte na qual estiveram trabalhos de Danúbio Gonçalves, Carlos Scliar e Glênio
Bianchetti sobre o tema da paz. As gravuras expostas iriam aos Estados Unidos, ao Chile e à
Argentina. Salomão Scliar, também delegado, mostrou uma série de fotografias na ocasião.

Figura 50 – Glauco Rodrigues. Conferencia Continental por La Paz, 1952


Horizonte, n. 3-4, Ano II, março-abril de 1952, p.71.
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS.

Alguns apoiadores do Movimento, entre eles Diego Rivera, não puderam comparecer
à conferência e enviaram mensagens à comissão organizadora e aos delegados. O caso do
artista mexicano se torna ainda mais interessante porque implica o episódio do roubo,
atribuído a agentes da embaixada norte-americana, do painel Pesadelo de Guerra e Sonho de
Paz do Museu de Belas Artes. O afresco móvel foi levado para o evento (MURAL..., 1952).
A ausência de Rivera fora motivada justamente porque ele trabalhava na confecção da obra
que, aliás, tivera sua exibição proibida pelo governo do México por meio dos diretores do
Instituto de Belas Artes Carlos Chaves e Fernando Gamboa: “[...] Trabalho nesse momento,
dia e noite, em uma pintura mural de ampla envergadura; todo meu esforço tem sido para
condensar nesse trabalho a expressão do Partidário da Paz que sou” (PESADELO..., 1952, p.
80-81). O governo mexicano encomendara o painel para uma exposição em Paris, mas, sob a
acusação de que fazia apologia ao stalinismo e atacava as potências ocidentais, foi recusado.
Os delegados brasileiros enviaram um telegrama a Rivera, publicado na Horizonte, a fim de
144

expressar sua solidariedade ao muralista e sua indignação com o que classificaram de


“atentado ao patrimônio cultural da humanidade” (PESADELO..., 1952, p. 80-81). A
fotografia da obra roubada, ainda não concluída, e os esboços chegaram ao público pela
Horizonte (Fig. 51 e 52). A descrição do mural presente no jornal Imprensa Popular dá ideia
de como ele seria:

O mural tem ao fundo três cenas: primeiro, uma alegoria que mostra Stalin e
Mao Tse Tung oferecendo a assinatura de um pacto de paz aos Estados
Unidos, Inglaterra e França; em seguida, cenas de horror e morticínio na
Coreia e no segundo plano a explosão da bomba atômica; finalmente, uma
visão do trabalhador pacífico e de progresso humano após a assinatura do
pacto entre os cinco grandes.
Ao longo de todo o painel, no primeiro plano, Rivera destaca cenas da luta
pela paz no México: operários, camponeses, gente do povo assinando o
apelo por um pacto de paz (O MURAL..., 1952, p. 6).

O Segundo Caderno de março de 1952 do jornal Imprensa Popular dedicou-se


exclusivamente à cobertura da Conferência, e a maioria das fotografias ficou a cargo de
Salomão Scliar. Durante o evento, os delegados estadunidenses denunciaram a produção de
armas bacteriológicas em seu país. As partidárias tiveram seu momento de trocas de
experiências sobre a luta paz de seus locais de origem. Nos Estados Unidos, as mulheres eram
protagonistas das campanhas e mobilizavam a população em iniciativas exigindo o retorno
dos marinheiros enviados à Coreia, por exemplo. As militantes da comunidade negra se
destacavam tanto no movimento pacifista quanto no feminino (CABRAL, 1952). O registro
de Elisa Branco e Lorraine Hansberry42 abraçadas na capa do suplemento é um indício da
união das mulheres americanas em suas lutas (Fig. 53). A costureira Elisa Branco (1912-
2000), presidente de honra da Federação das Mulheres do Estado de São Paulo e vice-
presidente do MBPP, recebeu o apelido de “heroína da paz” após ser presa no dia 7 de
setembro de 1950, durante comemorações oficiais da Independência do Brasil, no Vale do
Anhangabaú, ao protestar trazendo uma faixa com a frase “os soldados nossos filhos não irão
para a Coreia” (TAVARES, 2009).

42
A escritora e dramaturga Lorraine Hansberry (1930-1965) foi uma ativista política que participou das
organizações Young Progressives of America (YPA), Labor Youth League (LYL) e Jefferson School, e esteve à
frente do jornal Freedom. Foi a primeira mulher negra a escrever uma peça para a Broadway, A Raisin in the
Sun. Disponível em: <www.workers.org>. Acesso em: 3 jan. 2017.
145

Figura 51 – Diego Rivera, Pesadelo de Guerra e Sonho de Paz, 1952.


Fonte: HORIZONTE, mar.-abr. 1952, p. 80-81.

Figura 52 – Diego Rivera, Pesadelo de Guerra e Sonho de Paz, 1952.


Fonte: HORIZONTE, mar.-abr. 1952, p. 80-81.
146

Figura 53 – Capa do Segundo Caderno da Imprensa Popular, Rio de Janeiro, n. 1017, p. 6-7, 30 mar. 1952
Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

O envolvimento de norte-americanos no Movimento pela Paz não poupou, de forma


alguma, o país de duras críticas. Ainda na Horizonte de março de 1952, Danúbio Gonçalves
traçou o “Tio Sam”, armado com um fuzil e um chicote, vigiando uma fila enorme de
anônimos obrigados a alimentar um enorme crânio, cujo nariz é uma cifra de dinheiro (Fig.
54). Os mantimentos dados ao monstro se transformam em uma pilha de corpos mortos. A
alegoria dos Estados Unidos parece guardar ferozmente as caixas amontoadas que estão ao
seu lado. Nos rótulos delas, lê-se “Coca-Cola”, “Grandes Lucros”, “Nylon”, “Revistas
Infantis”, aludindo aos produtos, às “mercadorias da morte” pelos quais se tenta dominar a
economia e a cultura do mundo. Mercadores da Morte é uma das poucas obras, talvez a única,
dos integrantes do Clube de Gravura que utiliza práticas da caricatura política43 –
caracterizada pelos traços exagerados, pela retórica, visual e verbal e pela metáfora visual –
ao protestar contra o imperialismo e o mercado. Danúbio tinha intimidade com o gênero
caricatural desde a adolescência, pois iniciou trajetória profissional fazendo ilustrações e
caricaturas para as revistas A Scena Muda e Mirim, do Rio de Janeiro.

43
Para saber mais análise da caricatura, recomenda-se a tese de doutorado de Carlos Enrique Vilarreal Morales
(2013), “Estrategias y tácticas en el género discursivo de la caricatura política contemporânea: la primera época
de La Garrapata”.
147

Figura 54 – Danúbio Gonçalves. Mercadores da Morte, 1952


Horizonte, n. 3-4, ano II, março-abril 1952, p. 84-85
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

No início de 1952, espalharam-se as notícias da utilização de armas bacteriológicas


pelos Estados Unidos na Coreia. No mês de maio, o editorial Pela Interdição Imediata da
Arma Bacteriológica! (EDITORIAL, 1952b) alerta que a humanidade se encontra em perigo
devido a epidemias que poderiam se espalhar devido ao emprego desse tipo e arma. Os
partidários da paz são chamados a resistir e protestar contra o uso de microrganismos nas
intervenções militares ianques. A Campanha pela Paz deveria continuar e se intensificar.
Carlos Scliar e Glauco Rodrigues contribuem com as gravuras homônimas Assine o Apêlo por
Um Pacto de Paz (Fig. 55 e 56). Scliar opta por uma imagem sintética e colorida do rosto de
uma jovem segurando a folha do Apelo. Os efeitos de luz e sombra e o emprego das cores,
verde e vermelho nesse caso, diferenciam essa obra das demais gravuras do CGPA, nas quais
predominava o preto. Já Glauco Rodrigues segue a tradição cromática e temática e constrói a
uma acena de fácil identificação popular (jogadores de futebol, assim reconhecidos por suas
vestimentas, pelo campo ao fundo e pela bola do esporte logo em primeiro plano, fazem uma
pausa na partida para assinar o apelo). A presença de um homem vestido à moda gaúcha, à
esquerda, traz o caráter e reforça a intenção de aproximação com o público.
148

Figura 55 – Carlos Scliar. Assine o Apelo por um Pacto de Paz, 1952


Capa da Horizonte, n. 5, ano II, maio 1952. Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

Figura 56 – Glauco Rodrigues. Assine o Apelo por um Pacto de Paz, 1952


Horizonte, n. 5, ano II, p. 128, maio 1952. Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS
149

O Conselho Mundial da Paz se reuniu no início de julho de 1952 a fim de discutir o


aumento das forças armadas da Alemanha e do Japão, o encerramento da guerra da Coreia e o
pacto de paz. No dia 23 daquele mês, em Porto Alegre, a direção do Movimento Brasileiro
dos Partidários da Paz se encontrou para avaliar as ações no país. A Horizonte informou que
Lila Ripoll recebera o Prêmio Neruda; o presidente da Câmara Municipal, professor
Temperani Pereira, o Prêmio Joliot-Curie; os Clubes de Gravura de Porto Alegre e de Bagé, o
Prêmio Pablo Picasso, todas as distinções concedidas pelo Movimento (MOVIMENTO...,
1952). A principal resolução do Conselho Mundial, acatada pelo organismo represente
nacional, foi a construção do Congresso dos Povos pela Paz para dezembro de 1952, em
Viena.
Em agosto daquele ano, Jorge Amado viajou à capital sul-rio-grandense. Durante sua
estada, foi lhe oferecido um banquete no qual realizou um pronunciamento, reproduzido na
Horizonte, a favor da cultura e da paz. Para o escritor baiano, era dever dos intelectuais
defender e auxiliar o progresso da cultura nacional e fazer dela um “fator de amizade entre os
povos” (AMADO, 1952, p. 209). Para garantir o bem maior, Amado pregava que as
discordâncias entre as pessoas que queriam a paz deveriam ser relevadas.
Os partidários da paz ao redor do mundo foram convocados a promover o Congresso
dos Povos. A ideia era que o evento não se restringisse ao Movimento, mas que pessoas de
diversos setores e tendências políticas participassem. A Horizonte cumpriu seu papel
publicando artigos, destacando-se o de Hugo Madureira Objetivo: Viena (1952), e imagens
que remetiam ao evento. Vasco Prado ilustrou um possível momento de conversa entre
congressistas em Discussão de um comando de paz (Fig. 57). Sentados em bancos, em um
local aparentemente simples, homens e mulheres tomam notas enquanto ouvem uns aos
outros em um clima tranquilo e respeitoso.
A defesa da paz também foi abordada no discurso de Stalin durante o XIX Congresso
do Partido Comunista da União Soviética: “No que diz respeito à União Soviética, os seus
interesses são em geral inseparáveis da causa da Paz no mundo inteiro” (STÁLIN, 1952, p.
238). O líder soviético manifestava sua solidariedade aos partidos irmãos e seu
comprometimento na causa da soberania e democracia nacionais. Como pode ser visto, da
parte dos comunistas, havia um grande esforço para promover a imagem de Stalin como
referência de chefe político empenhado na luta pela paz e pelo progresso da humanidade, o
que se insere na lógica das disputas da Guerra Fria.
150

Figura 57 – Vasco Prado. Discussão de um Comando de Paz, [1952?]


Capa da Horizonte, n. 9, ano II, out.-nov. de 1952
Fonte: Arquivo João Batista Marçal, Viamão, RS [ registro fotográfico da autora]

A educadora Branca Fialho, membro do birô do Conselho Mundial da Paz e presidente


da Federação de Mulheres do Brasil, desejava agregar mais mulheres latino-americanas
cristãs ao Movimento a fim de atender ao pedido de ampliar a variedade de pessoas em
termos de ideologia e segmento social. A intenção de Fialho, exposta na reunião de Viena,
motivou o abade Jean Boulier, também membro do birô, a escrever-lhe um telegrama
encontrado nas páginas da revista gaúcha. O sacerdote lamentava os escrúpulos das mulheres
em erguerem sua voz contra a guerra e o dogmatismo dos que criam ser tudo “vontade de
Deus”. Boulier localizava nos líderes religiosos um grande empecilho para as católicas se
tornarem partidárias. Mas, no final das contas, ele declarou que

A vontade e a ação das mulheres católicas devem unir-se à vontade e à ação


das mulheres do mundo. Estou certo de que na América Latina as mulheres
católicas o compreendem, e eu auguro a seus esforços [de Branca Fialho]
para as esclarecer, unir e ensinar, todo o sucesso nesta cousa tão cara ao
coração das mães (BOULIER, 1952, p. 250).
151

A mobilização das mulheres passava por lembrar o risco a que estavam submetidos
seus filhos e seus maridos caso fossem enviados aos campos de batalha.
A gravura de Glênio Bianchetti não trata das campanhas pacifistas, mas serve para
ilustrar o texto do abade. Fazendo Marmelada (1952), denominada de Cena Campestre na
revista, mostra duas mulheres descascando frutas, trabalhadoras do campo, portanto, e um
jovem que mexe o grande tacho no qual se cozinha o doce (Fig. 58). Ao fundo, um cavaleiro
se aproxima de alguns bovinos. É um cenário bucólico, as pessoas, apesar da simplicidade,
parecem estar tocando suas vidas normalmente, tendo recursos para se manter. Tudo isso
cairia por terra se a tragédia da guerra atingisse suas famílias. O registro dos costumes
campesinos marcou a produção de Bianchetti no começo da década de 1950.

Figura 58 – Glênio Bianchetti. Fazendo Marmelada/Cena Campestre, 1952


Linoleogravura. Horizonte, n. 9, ano II, p. 249, out.-nov.de 1952
Fonte: Arquivo João Batista Marçal, Viamão, RS [registro fotográfico da autora]

A Nova Fase completou dois anos em dezembro de 1952. No editorial, era expressa a
satisfação com o trabalho feito pela cultura no Rio Grande do Sul. Ao longo daqueles meses,
a revista se voltou às campanhas pela paz, aos artigos sobre cinema, literatura, artes plásticas,
matérias sobre economia e política. Por vezes, a tiragem atrasou e dois números se
condensaram em apenas um por motivos de racionamento de eletricidade da oficina e de
dificuldades financeiras, conforme consta em nota da revista. A Horizonte pedia auxílio dos
intelectuais para angariar mais assinaturas, anúncios publicitários e contribuir com escritos
(EDITORIAL, 1952).
152

Nesse exemplar, Victorio Velloso (1952), no artigo Por que os povos lutam pela paz,
aborda o tema caro aos colaboradores da publicação, explicando que a população não tem
motivo algum para apoiar uma guerra e disserta sobre a ineficiência de organização como a
Liga das nações e a Organização das Nações Unidas na tarefa de preservar a paz no mundo. O
artigo do deputado Hélio Cabal (1952) Quadro Comparativo das Obrigações – a propósito do
Acordo Militar Brasil-Estados Unidos levanta as cláusulas do referido pacto e demonstra a
postura arrogante e imperialista do país do Norte em relação ao Brasil exigindo muito mais
obrigações econômicas e militares do que se dispõe a cumprir. A desigualdade de condições
era tamanha que o Brasil não poderia reclamar caso os Estados Unidos modificassem e
revogassem o acordo unilateralmente. Acompanhando a análise do parlamentar, acha-se a
gravura chinesa Guerrilheiros, de traços sintéticos. Trata-se, provavelmente, da técnica de
papel recortado. O efeito das linhas remete aos dos caracteres desenhados com as tradicionais
escovas de caligrafia (Fig. 59).

Figura 59 – Anônimo. Guerrilheiros, [entre 1935 e 1952]


Horizonte, n. 10, ano II, p. 281, dez. 1952
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

Os empreendimentos do Movimento dos Partidários da Paz não se resumiram a


congressos e à coleta de assinaturas. Em Porto Alegre, nos dias 14 e 15 de novembro de 1953,
realizou-se o Festival Crioulo pela Paz, de grande apelo popular, cujo lema era “Feliz do povo
que pode se divertir em paz!”. A iniciativa levou ao Parque Farroupilha concursos de
manifestações artísticas ligadas às tradições regionais – trovadores, gaiteiros, declamadores,
músicos e danças folclóricas. As atividades da lida de campo também lá estiveram, em
competições de tiros de laço e de cavaleiros. Também tiveram espaços as artes visuais, com
exposições de gravuras, pinturas e desenhos. A revista Horizonte divulgou o Festival, que
153

também apareceu na mídia tradicional e uma nota publicada a título de apedido no Correio do
Povo, na qual a Comissão Organizadora expunha as motivações para executar o evento:

É sempre no culto das tradições que se revela a permanente fidelidade do


povo aos seus históricos destinos. O folclore gaúcho – resguardando o
tesouro das lendas, crenças, canções e costumes de nossa gente – representa
um patrimônio riquíssimo confiado ao respeito carinhoso das gerações, que
se acostumaram a beber, nas mais puras fontes da história, a inspiração
artística, os ideais de beleza, as virtudes fortes e o entusiasmo criador de
nossos ancestrais.
Convencida de que a veneração pelas tradições populares fortalece os
vínculos do homem com a terra, de que resulta o vigoroso sentido de
unidade nacional, foi que a Comissão abaixo firmada decidiu patrocinar a
realização, nos dias 14 e 15 de Novembro vindouro, de um grande
FESTIVAL CRIOULO PELA PAZ a se desenvolver em um dos logradouros
públicos dessa capital (FESTIVAL..., 1953, p. 7).

Eram organizadores, qualificados conforme a nota, o advogado José Antônio Aranha,


o advogado e vereador Manoel Braga Gastal, o pintor Gastão Hosftetter, o deputado e
radialista Claudio Norberto, o poeta Heitor Saldanha, o pintor Glênio Bianchetti, o vereador e
jornalista Josué Guimarães, o arquiteto Demétrio Ribeiro, o cineasta Hilton Nascimento, o
jornalista P. F. Gastal, o arquiteto Enilda Ribeiro, o jornalista Rubens Vidal, o escritor
Reinaldo Moura, o escritor Marcos Iolovich, a poetisa Maria Dinorah Luz do Prado, o
teatrólogo Rubens Belém, o fotógrafo Nadruz, o pintor Carlos Antônio Mancuso, o arquiteto
Nelson Souza, o ator Edison Nequete, o compositor Lupicínio Rodrigues, o poeta Claudio
Mercio e o poeta Flamarion Silva. O lançamento do Festival ocorreu no dia 20 de setembro,
junto à piscina do Parque Farroupilha.
No último número de 1953, a Horizonte publicou uma reportagem sobre o Festival que
se iniciava com a reprodução da carta do presidente do Movimento Brasileiro dos Partidários
da Paz, Abel Chermont, endereçada à Comissão Organizadora. Ele justificava sua ausência
alegando que partiria para o congresso de Viena em breve, apesar de querer muito se fazer
presente: “O coração nos levaria ao vosso Festival e à vossa companhia para juntos nos
divertirmos em Paz e em Paz cultuarmos as tradições, usos e costumes do nosso povo
gaúcho” (CHERMONT, 1953, p. 80). O Festival contou com o apoio da prefeitura, que cedeu
o Parque Farroupilha, e o público compareceu em grande número. Em meio a apresentações
de artistas populares, como os Irmãos Bertussi, pronunciavam-se pelos alto-falantes textos
sobre a campanha pela Paz, contra a guerra e a favor de um plebiscito nacional sobre a
negociação com as grandes potências. Hugo Madureira, secretário-geral do Movimento
Estadual em Defesa da Paz, fez um dos discursos a fim de explicar as propostas da campanha.
154

Em meio ao público, os partidários convidavam as pessoas a assinarem o Apelo por um Pacto


de Paz. Desse modo, ampliou-se o alcance do Movimento entre diversas camadas da
população que lá estavam representadas. A ideia dos partidários era levar essa iniciativa para
o interior do estado, já que se constatou que eventos culturais públicos poderiam aproximar o
povo das causas pacifistas (O POVO..., 1953).
Além das apresentações artísticas, executadas em um palco coberto por uma estrutura
de folhagens, havia um local para expositores de produtos agropecuários e de mostruários de
indústrias da região. Outro espaço foi dedicado à exposição de gravuras de artistas do Clube
de Gravura. Podia-se apreciar obras de Carlos Scliar, Ailema Bianchetti, Vasco Prado,
Danúbio Gonçalves, Gastão Hofstetter, Carlos Mancuso, Glauco Rodrigues, Glênio
Bianchetti e Carlos Alberto Petrucci.
Pelo relato exposto na reportagem, os presentes se empolgaram com as interpretações
musicais variadas e feitas por cantores e músicos, adultos e crianças. Alguns já eram
conhecidos do público, como a dupla de cantoras mirins Rosaly e Sara Marly, de 9 e 7 anos,
que cantavam na rádio de Pelotas. As canções folclóricas e caipiras, como também os baiões
nordestinos, agradaram e receberam efusivos aplausos (Fig. 60).
O Festival ainda distribuiu prêmios para os artistas nas categorias canto, declamação,
trovadores, corais e gaiteiros. Os juízes responsáveis pelas avaliações e por divulgar o
resultado final foram Claudio Mercio, João Pereira Sampaio, Lila Ripoll, Vitorio Veloso,
Edson Nequete, Rubens Belém e Nelson Souza. Para fechar o evento, a Comissão
Patrocinadora lançou uma nova nota homenageando todos os que se dedicavam à cultura no
estado:
A influência dissolvente de culturas de importação, apátridas e cosmopolitas,
visivelmente dirigidas para o esquecimento das fontes e do sentido peculiar
da herança cultural do povo brasileiro, precisa ser detida e eliminada, em
cada Estado da Federação, por todos aqueles que se sentem responsáveis na
preservação do inesgotável tesouro regional das lendas, dos motivos, das
canções e dos costumes populares, fonte permanente da inspiração artística,
dos ideais de beleza, das virtudes fortes, do entusiasmo criador e do
acendrado amor à Paz das gerações que se sucedem (MENSAGEM..., 1953,
p. 84).

A proposta de um festival popular ia ao encontro das ideias expostas anteriormente por


Dimitri Shostakovitch (1951) de que era preciso oferecer ao maior número de pessoas o
acesso à cultura: a arte estaria a serviço do povo ou não estaria. A defesa de uma arte voltada
para o povo era complementada pelas duras críticas às tendências importadas, principalmente
as abstracionistas, entendidas como herméticas, desenraizadas e individualistas. Os militantes
155

do Movimento pela Paz viam nas artes a possibilidade de comunicação de uma mensagem,
uma arma de luta, sendo assim, elas deveriam facilitar o contato com a população, deveriam
ser um meio de identificação. As manifestações culturais de uma região, de um país,
permitiriam compreender os valores e a cultura daquele lugar. Tendo isso em mente, os
militantes concebiam os festivais e as exposições itinerantes como instrumentos de diálogo
cultural ente os povos que viria a possibilitar a compreensão mútua e facilitar a convivência
fraterna e o zelo pela paz.
O Festival Crioulo da Paz teve uma edição na Praça Dr. Fernando Abbott, na cidade
de São Gabriel, nos dias 20 e 21 de dezembro de 1953. Uma das maiores atrações foi o
torneio de trovadores, que teve a presença de Gildo de Freitas (indicado como “o maior
cantador do interior do Rio Grande” e “astro de primeira grandeza”), Geraldo Ribeiro,
Francisco Pastoriza, Rivadavia Correa Fogaça, entre outros. No segundo dia, no teatro
Vitória, a final da competição foi antecedida pela esquete sobre a campanha da Paz, encenada
por Lucio Vieira e Inez Carvalho (FESTIVAL..., 1954, p. 23).
O primeiro número de 1954 da Horizonte acrescentava na direção, além de Fernando
Guedes, os nomes de Demétrio Ribeiro, Lila Ripoll, Carlos Scliar e Nelson Souza. Essa
equipe permaneceu até janeiro do ano seguinte e produziu quatro edições da revista. Exceto
por um artigo de Hugo Madureira e um informe sobre o Conselho Mundial da Paz,
praticamente não se encontra mais produção de escritos e imagens ligadas ao Movimento dos
Partidários da Paz. Concomitantemente ao enfraquecimento das campanhas pacifistas,
verifica-se a diminuição da frequência e da produção da publicação: em 1954, foram quatro
números; em 1955, dois; em 1956, somente um, o derradeiro.
156

Figura 60 – Fotografias do Festival Crioulo da Paz no Parque Farroupilha, em Porto Alegre, em novembro de
1953. Da esquerda para direita, tem-se o registro do público, dos trovadores Sabiá e Sebinho, dos Irmãos
Bertussi e da dupla de cantoras infantis Rosaly e Sara Marly.
Fonte: HORIZONTE, nov.-dez. 1953, p. 80-84.
157

2.4.2 A repercussão do Movimento pela Paz na grande imprensa de Porto Alegre

O Movimento Brasileiro pela Paz promoveu diversos eventos públicos na primeira


metade de 1950. Os veículos de imprensa comunistas dispunham várias páginas para a
divulgação das campanhas em reportagens, artigos e imagens. Questiona-se como os jornais
da mídia tradicional da capital tratavam os partidários da paz. No Correio do Povo, textos
como o Ao Povo do Rio Grande do Sul (1951), contra as armas atômicas e a intervenção na
Coreia, e Festival Crioulo pela Paz (1953) foram publicados em forma de apedidos nas
seções livres. Nos outros espaços do jornal, não se localizaram notícias sobre conferências,
congressos e festivais do Movimento, e sim artigos críticos às iniciativas44.
A posição a favor dos Estados Unidos foi comprovada pelo tratamento dado aos temas
que envolvem aquele país e a União Soviética, notadamente nos editoriais e em artigos
importados. Na primeira página de 27 de junho de 1952, Os Estados Unidos e A Liberdade
Mundial, escrito pelo almirante norte-americano Alan G. Kirk (ex-embaixador em Moscou e
presidente do Comitê Americano pela Libertação dos Povos da Rússia), trata dos russos que
imigraram para a América em busca da terra de liberdade e justiça, que seria os Estados
Unidos. Kirk minimiza a importância dos soviéticos na Segunda Guerra. Para o militar,
haveria “duas Rússias”, a da propaganda comunista e a cristã, reprimida pelos déspotas
comunistas.
O anticomunismo foi tema de diversos autores45. Maristel Pereira Nogueira (2009)
estudou o anticomunismo nos jornais Correio do Povo, A Última Hora e Diário de Notícias e
formula esta definição:

[...] anticomunismo é um conjunto de representações muito amplo que serve


de pretexto para justificar as práticas contra tudo e contra todos que se
oponham às categorias conservadoras ou radicais, de direita ou de esquerda,
ao seu modo de agir e pensar sobre a sociedade. Independente de ser de
esquerda ou não, tudo que possa atingir os interesses e os ideais da
propriedade privada, liberdade, questões religiosas e familiares, serão
tachados de comunista. Neste conjunto de representações temos o
movimento sindical e o movimento estudantil por exemplo (NOGUEIRA,
2009, p. 45).

44
Não foram encontrados artigos sobre o Movimento pela Paz em outros veículos da grande imprensa de Porto
Alegre durante a pesquisa.
45
Recomenda-se o livro Capítulos da Guerra Fria: o anticomunismo brasileiro sob o olhar norte-americano
(1945-1964), de Carla Simone Rodeghero (2007).
158

Os escritos anticomunistas ocupavam com frequência lugar de destaque nos anos


iniciais da Guerra Fria. Pode-se citar, ainda em 1952, As Táticas Comunistas, na América
Latina, de Robert J. Alexander, sobre a influência dos comunistas nas organizações sindicais
e nos partidos políticos. É preciso apontar também os não tão frequentes artigos pró-URSS,
como a série que incluiu Marxismo no campo de batalha – a ciência e a arte militares
segundo a Enciclopédia Soviética (MARXISMO..., 1952) e A Tarefa da Estratégia e a
“Doutrina Staliniana”, de um correspondente não identificado do Manchester Guardian,
acerca da ciência militar da União Soviética, alicerçada no marxismo-leninismo e na
“superioridade do potencial econômico e moral” dos soviéticos, e a debilidade da arte militar
norte-americana e inglesa que induz a guerras injustas como a da Coreia (A TAREFA...,
1952, p.1).
O colunista responsável pela seção Notas de Arte, Aldo Obino, manifestou seu
desgosto pelo comunismo e sua contrariedade com a interferência do partido na cultura em
algumas matérias. Ao tratar sobre a revolução socialista na China em A Metamorfose Chinesa
(1951), afirmou que o povo chinês fora “seduzido por Mefistófeles” e contaminado.
Referindo-se à URSS, declarou que “os ressentimentos odiosos de Karl Marx foram tragados
pelos soviets”. Nas palavras de Obino, “a salvação só virá com o repúdio ao ódio marxista
pelo amor cristão” (OBINO, 1951e, p.4). Explicava, assim, seu ressentimento com os
“vermelhos” por defender a caridade e a fé em Jesus Cristo. Colocando-se a tarefa de abordar
o enfadonho assunto da filosofia marxista, segundo o colunista, Obino listou uma série de
livros americanos sobre o tema em A Filosofia do Comunismo (1954). Alegava que Hegel não
conseguiu compreender Aristóteles e que Karl Marx foi um discípulo infiel e antagônico do
filósofo alemão e incapaz de assimilar a lógica da natureza, o que resultou na formulação de
relações equivocadas sobre classe e luta – “o marxismo vive na confusão de fatores
determinantes, condicionantes e os liberalizantes” (OBINO, 1954b, p. 4).
Em Notas de Arte, são poucas as matérias que deixavam transparecer o
posicionamento político de Aldo Obino, exceto por rápidas observações. Esse é o caso da
mostra de gravuras, em junho de 1952, a cuja divulgação na coluna seguiu o comentário: “Os
trabalhos contrastados pelos autores, gêneros, técnicas, temas e tratamento dos motivos,
havendo vários que apresentam tendenciosa propaganda política, sem valor artístico
ponderável, em franco contraste com palpitantes e genuínas gravuras que não faltam a
montra” (OBINO, 1952, p. 7). Aparentemente, a arte engajada em causas partidárias não lhe
agradava. Quando o assunto foi a arte soviética, reclamou da censura e do dirigismo para a
cultura do governo soviético (OBINO, 1955e, p. 8).
159

Supõe-se que as contrariedades do colunista do Correio do Povo quanto ao


comunismo fossem as razões pelas quais nem sequer era sugerida a relação dos artistas do
CGPA com o PCB e o Movimento Brasileiro pela Paz. As notícias, inclusive em tom
enaltecedor, sobre as exposições e os cursos promovidos pelo Clube eram frequentes, porém,
quando versavam sobre o Movimento, por exemplo, o Prêmio Pablo Picasso por Gravuras
Gaúchas, elas não tinham espaço em Notas de Arte. A oposição de Aldo Obino ao
comunismo também é destacada por Mariana Sirena (2014), porém, a autora observa que essa
postura teve um limite:
Tais posicionamentos [anticomunistas] concentram-se no início da década,
sendo do início de 1954 o último texto que expressa um desacordo em
relação à arte social filiada ao que a União Soviética representava para o
mundo. Esse dado pode se relacionar com o momento de influência dos
Clubes de Gravura e dos seus artistas no circuito artístico local, que foi mais
localizado na primeira metade do decênio em questão (SIRENA, 2014, p.
110).

Na coluna Notas de Arte, o posicionamento político de Aldo Obino era mais evidente
enquanto o CGPA estava em plena atividade. Porém, ainda se localizam textos que
demonstram que o jornalista não modificou seus princípios. O exemplo do artigo sobre a
produção artística soviética é um exemplo disso.
A capa do Correio do Povo de 29 de dezembro de 1953 estampa uma nota vinda de
Londres, exclusiva do jornal, intitulada A campanha da “paz” e seu papel na estratégia
soviética, de Michael Padev. Ele afirma que o movimento visava sustentar a política externa
da União Soviética e que era uma arma da guerra fria. Os Congressos da Paz de Wroclaw e
Paris, segundo o autor, utilizavam uma falsa fachada de intelectualismo apartidário. Os
objetivos dos apelos e das campanhas era enfraquecer as defesas dos países ocidentais. Toda
vez que Padev emprega a palavra paz, ele a coloca entre aspas.
Logo após a morte de Stalin (5 de março de 1953), Mozart Victor Russomano
escreveu para o jornal A verdadeira campanha pela paz, em que acusava as campanhas
pacifistas de estratégia de arregimentação partidária e afirmava que elas fracassaram. A
verdadeira paz viria de sociedades reformadas e da distribuição de recursos financeiros e
econômicos. Russomano era categórico:

Fundadas no dogma da revolução permanente, da luta social e da destruição


do capitalismo, a doutrina e a ação comunistas não podem, por isso mesmo,
suportar uma campanha em prol da paz, da verdadeira paz, compreendida
perfeitamente por muitas correntes socialistas, mas inaplicável no quadro
ideológico do marxismo ortodoxo (RUSSOMANO, 1953, p. 4).
160

Embora tenha fortes ressalvas contra o Movimento pela Paz, contra o marxismo e,
principalmente, contra o stalinismo, Russomano não repudiava totalmente o socialismo e
admitia a necessidade da partilha dos meios de produção. Os Partidos Comunistas durante a
Guerra Fria, sobretudo nas três décadas do regime de Stalin, praticamente monopolizaram a
interpretação e a transmissão das teorias de Marx e do socialismo, obedecendo às diretrizes do
PCUS. Isso provocou insatisfações e o afastamento de quem se vinculava a outras tendências,
mesmo as de esquerda, haja vista os trotskistas.
Obviamente, a maior adversária dos partidários da paz era a burguesia, que dispunha
também de seus intelectuais. No final de 1952, ocorreu o Congresso pela Liberdade da
Cultura, que reuniu escritores, artistas e cientistas em oposição ao Congresso pela Paz. A
reunião resultou no manifesto Colocamos a Liberdade em primeiro lugar. O mote do
documento é expressar o repúdio aos Estados totalitários, uma referência aos países
socialistas, que se negavam a aceitar a autoridade internacional e tolhiam as liberdades
individuais, algo muito caro, na teoria, aos países do bloco capitalista. Compunham a
comissão executiva do Congresso o norte-americano Irving Brown, o inglês Arthur Koestler,
o francês David Rousset e o alemão Carlo Schmid; apoiaram a causa Bertrand Russel,
Benedetto Croce, entre outros (PAZ..., 1952a).
A revista Horizonte divulgou números expressivos de assinaturas do Apelo por um
Pacto de Paz e do Apelo de Estocolmo, de público presente no Festival Crioulo pela Paz e de
participantes e apoiadores dos congressos e conferências do Movimento pela Paz. Se os dados
são exatos, não é possível afirmar, porque não há meios de conferi-los. No entanto, parte
significativa da população deveria saber das campanhas devido ao fato de alguns eventos
acontecerem em praça pública, inclusive a coleta de assinaturas, e porque muitas
personalidades conhecidas estavam engajadas – parlamentares, escritores, artistas, etc.
Destarte, a ausência de notícias das ações dos partidários da paz no Rio Grande do Sul em um
de seus maiores jornais, o Correio do Povo, indica uma escolha referente a uma política
editorial.
As opções de um jornal estão condicionadas às possiblidades existentes no campo
jornalístico, no qual há dominantes e dominados. A posição de um periódico é relativa e
deriva do resultado da disputa de forças econômicas e simbólicas. O poder de um meio de
comunicação se mede pelos índices econômicos, sua cota de mercado e pelo seu peso
simbólico, que se relaciona ao lugar ocupado comparado a outros meios quanto ao domínio
técnico e econômico. O grau de dominação de um veículo de mídia pode ser medido por sua
161

capacidade de transformar o espaço ao seu redor e ditar a lei. O jornal não é autônomo e
neutro, visto que é influenciado por demandas de mercado e que depende financeiramente dos
assinantes, da publicidade e, às vezes, de verba governamental. Um fato se tornar notícia
envolve todos esses fatores (BOURDIEU, 1997).
O Correio do Povo, fundado em 1895, tinha tradição e queria transparecer que só
transmitia a verdade. Era um diário tradicional, de grande circulação e liderava as pesquisas
como o jornal mais lido (NOGUEIRA, 2009). No campo jornalístico porto-alegrense, estava
em posição de destaque, e isso também implica que estava comprometido com os grupos da
elite política e econômica do estado. Isso não significa, de uma maneira simples e direta, que
Obino fosse subserviente às diretrizes da direção do jornal, mas sim que suas posturas
conservadoras eram compatíveis com a tradição desse veículo de imprensa. Ao longo da sua
história, constata Maristel Nogueira (2009), o Correio do Povo adotou posturas
anticomunistas correspondentes às das classes conservadoras. Isso ajuda a explicar por que
Aldo Obino não mencionava a militância política do Clube de Gravura de Porto Alegre e por
que as atividades do Movimento Brasileiro pela Paz não constavam na pauta.

2.4.3 As exposições organizadas pelo CGPA

As primeiras exposições do Clube de Gravura aconteceram em 1951 nas cidades de


Porto Alegre e de Bagé, algumas delas montadas no Auditório do Correio do Povo e
anunciadas pelo jornal. O Clube de Gravura de Bagé, na sua curta história, de 1951 a 1952,
teve realizações de relevância na cidade fronteiriça. O CGB criou a Galeria Ovarzabal, nas
dependências de estúdio fotográfico na Rua Sete de Setembro, em frente ao Clube Comercial,
e a Escolinha de Arte Infantil. Além de trabalhos próprios, os bageenses expuseram
reproduções de gravuras japonesas e de Peter Bruegel, o Velho. Segundo noticia Ana Quadros
(2010), durante o ano de 1951, a galeria ofereceu ao público sete mostras. Os componentes do
CGB se agregaram ao CGPA em 1952.
A primeira exposição internacional do CGPA ocorreu por ocasião do Congresso
Continental pela Paz, em Montevidéu, em 1952. No mês de agosto daquele ano, a entidade
recebeu o Prêmio Pablo Picasso durante a reunião do Conselho Nacional do Movimento
Brasileiro dos Partidários da Paz pelas várias gravuras sobre as campanhas pacifistas. Na
ocasião, o vice-presidente da organização, o pianista Arnaldo Estrela, declarou sua admiração
pelos artistas que entenderam que a arte era um meio de congregação dos povos e que as
defesas da cultura e da paz eram inseparáveis. Logo em seguida, editaram-se cinco mil
162

exemplares do álbum Gravuras Gaúchas contendo uma série de trabalhos premiados. No


prefácio, Jorge Amado exaltava a escolha pela arte realista, na qual o personagem principal
era o povo.
Em setembro de 1952, os trabalhos do CGPA chegaram a Pequim e foram agraciados
por críticas que ressaltavam a simplicidade e o apuro dos entalhes, o estilo nacional e a
expressividade comovente. A Velha, de Glauco Rodrigues, Soldado Morto, de Vasco Prado,
Assine o Apelo por um Pacto de Paz, de Carlos Scliar, Mercadores da Morte, de Danúbio
Gonçalves, Retrato, de Carlos Mancuso, despertaram apreço especial pelo autor
(desconhecido) da resenha que, ao final, professou “sentimos que os povos chinês e brasileiro
estão unidos no coração” (SCLIAR, 1954, p. 25).
No mês seguinte, a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, recebeu a 1ª Exposição de
Gravuras Gaúchas. O escritor Augusto Meyer (diretor do Instituto Nacional do Livro), o
pintor Quirino Campofiorito e o crítico de arte Mário Barata elogiaram a mostra publicamente
apontando a unidade, o resgate das tradições e o aspecto humano vislumbrados nos trabalhos.
Em dezembro, essa mesma exposição foi montada na Biblioteca Municipal de São Paulo.
Durante o Congresso Continental de Cultura de Santiago do Chile, em abril de 1953, o
CGPA realizou uma mostra que lhe proporcionou grande visibilidade graças à presença de
artistas e intelectuais de todo o continente americano, sendo um deles Diego Rivera (SCLIAR,
1954). Conforme Scliar, o muralista mexicano se encantou pela qualidade plástica das
gravuras, semelhante à dos mexicanos e dos chineses, e notou características diferenciadas, o
conteúdo emocional e o profundo sentido humano.
Patrocinada pelo Clube de Gravura de Montevidéu, pela Comissão de Cultura da
Faculdade de Arquitetura e pelo Instituto Cultural Uruguaio-Brasileiro, a exposição Gravuras
Gaúchas chegou à capital do país vizinho em novembro de 1953. No ano seguinte, em
fevereiro, a produção dos gravadores esteve em Goiânia, no Congresso Nacional dos
Intelectuais; Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Itália e França, em março (SCLIAR,
1954).
Ao longo de sua história, o CGPA participou de dezenas de exposições e as promoveu;
somado a isso, seus integrantes se envolveram em exibições individuais e coletivas, além de
comparecerem a diversos salões, nos quais, muitas vezes, foram premiados. Abdias Silva
(1955) nos fornece o levantamento de alguns locais que receberam os trabalhos do Clube até o
final de do ano de 1955:
 1952 – Porto Alegre, Montevidéu, Pequim, Rio de Janeiro (Biblioteca
Nacional), São Paulo (Biblioteca Municipal), Viena;
163

 1953 – Santiago, Nova Iorque, Bucareste, cidades do Uruguai (mostra


itinerante);
 1954 – Praga, Goiânia (I Congresso dos Intelectuais), Moscou, cidades da
Índia (mostra itinerante), cidades do Chile (mostra itinerante), Porto Alegre,
Santa Maria (I Congresso Tradicionalista), cidades da Argentina (mostra
itinerante), Florianópolis, Curitiba;
 1955 – cidades do México (mostra itinerante), cidades da China (mostra
itinerante).
Abdias Silva (1955) considerou que o êxito do Clube devia-se à arte realista, útil e
popular. De fato, pode-se dizer que o CGPA foi uma instituição bem-sucedida, considerando
que concretizou várias de suas principais propostas que se guiavam por dois eixos principais,
o aprimoramento técnico-artístico, conduzido pelas premissas do realismo socialista, e a
democratização da arte. O primeiro eixo impulsionou os artistas a desenvolver um ambiente
de trabalho coletivo; excursionar ao interior e observar a cidade a fim de apreender os hábitos
e a realidade do povo; promover cursos; e estabelecer intercâmbios com outras entidades. O
segundo eixo tem relação mais direta com o projeto político comunista, no qual a arte é
fundamental pela sua capacidade de tocar a sensibilidade e a consciência das pessoas. O
trabalho artístico é uma arma de luta que pode ser um meio auxiliar de agitação, de
propaganda partidária e de educação política. A democratização da arte se entende como a
ampliação do acesso às obras realizado de várias maneiras. No caso do CGPA, a
disseminação de sua produção ocorreu por meio de impressos, da revista Horizonte e de
cartazes de eventos e de exposições que avançavam o turno da noite a fim de que os
trabalhadores pudessem frequentá-las. Na revista, era usual que as gravuras ocupassem uma
página inteira, e isso não era uma mera escolha de diagramação; a intenção era que o leitor
destacasse a folha e, assim, teria uma reprodução, uma obra de arte, que poderia dispor onde
quisesse. A divulgação das imagens chegou a produtos industrializados. Por exemplo, em
1958, a Fábrica de Chocolates de Ernesto Neugebauer, sediada em Porto Alegre, encomendou
e distribuiu calendários promocionais ilustrados com gravuras do Clube (Fig. 61).
164

Figura 61 – Fotografia do calendário do ano de 1958 da Indústria de Chocolates Ernesto Neugebauer, ilustrado
por uma gravura de Glênio Bianchetti.
Fonte: QUADROS, 2010, p. 59.

A exibição pública é a forma mais tradicional de dar visibilidade à arte e, portanto, era
uma maneira de o CGPA divulgar sua produção. Em seguida, são apresentadas as exposições
mais importantes do CGPA, informações sobre os artistas participantes, as temáticas e as
estratégias para atrair os espectadores. Enfatiza-se a proposta inédita e mais arrojada foi Por
uma Arte Nacional, a mostra do Parque Farroupilha.
A retrospectiva das realizações do CGPA, publicada em janeiro de 1956, no Correio
do Povo, está repleta de elogios. Nos quatro anos anteriores, contabilizaram-se cerca de 30
exposições do Clube pelo mundo, que estimularam a criação de entidades voltadas às artes
gráficas em Curitiba, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro, Recife, Lisboa e Montevidéu.
Castilhos (1956) afirmava que, segundo a crítica europeia, o CGPA só ficava atrás dos
chineses e dos mexicanos. Durante o ano de 1955, ocorreram mostras na Argentina, no
Uruguai, no Chile e na China. No interior do Rio Grande do Sul, as cidades de Rio Grande
(durante o II Congresso Tradicionalista), Novo Hamburgo e Caxias do Sul receberam as obras
de Honoré Daumier (1808–1879), selecionadas pelo CGPA. Em intercâmbio com a União dos
Artistas Plásticos da China, o Clube promoveu A Estampa Chinesa Contemporânea. A
exposição Por uma Arte Nacional teve duas montagens, uma no Parque Farroupilha; outra,
nas dependências pertencentes à Exposição Feira da Indústria, apoiada pela Sociedade Pró-
Melhoramentos, no 4º Distrito de Porto Alegre (CASTILHOS, 1956).
165

2.4.3.1 Mostra de Gravuras Brasileiras

De 2 a 28 de setembro de 1954, realizou-se na Galeria da Casa das Molduras, em


Porto Alegre, uma mostra que reuniu mais de 60 trabalhos dos clubes de gravura de Porto
Alegre, São Paulo e Recife. A exposição foi subdividida em secções correspondentes a cada
clube (ASSUMPÇÃO, 1954d). Para fins didáticos, colocou-se uma mesa com as ferramentas
empregadas pelos gravuristas (ASSUMPÇÃO, 1954c). Representando São Paulo, estiveram
obras de Renina Katz e Mario Gruber Corrêa; Porto Alegre, com trabalhos de Glênio
Bianchetti, Danúbio Gonçalves, Gastão Hofstetter, Edgar Koetz, Carlos Mancuso, Vasco
Prado, Glauco Rodrigues, Charles Meyer e Carlos Scliar; Recife, com gravuras de Yolando
Andrade Cavalcanti, Gilvan José Lins Samico, José Corbiniano Lins, Ladjane Bandeira do
Lira, Abelardo da Hora, Ivan de Albuquerque Carneiro, Wellington Virgulino de Souza,
Wilton Andrade de Souza (ASSUMPÇÃO, 1954c). Scliar e Danúbio apresentaram gravuras
das séries Estância e Xarqueadas. Clóvis Assumpção (1954b) considerou a mostra
representativa; porém, lamentou que artistas que não tinham ligação com o Clube ficassem de
fora, como João Faria Viana e Nelson Boeira Faedrich, e esse também era o caso dos que não
residiam no Rio Grande do Sul, a exemplo de Iberê Camargo.

2.4.3.2 As técnicas da gravura através dos tempos

As técnicas da gravura através dos tempos é apontada como uma das melhores
exposições do inverno de 1955 por Carlos Scarinci (1955c). Em reportagem para a Revista do
Globo, Scarinci reclama de lacunas de obras e artistas, mas elogia a exemplificação das
técnicas de gravação. A expressividade e a simplicidade de Matambreiros, de Danúbio
Gonçalves, a “graça sem transbordamento” de Pedreiros, de Glênio Bianchetti, e a bela
resolução de Composição, de Regina Yolanda, são-lhe dignas de elogios. Quanto ao apuro
técnico, destaca Carlos Scliar pelas gravuras em cores Perus e Patos e Ponche Emalado,
Serigote e Pelegos. As impressões do colaborador da Globo são positivas em relação a Moça
e Pombas, do português Julio Pomar, Paisagem, de Morandi e Fome, de Käthe Kollwitz.
Desagrada-lhe a presença de A Morte a Espreita, de Goeldi, Reconstrução de Varsóvia, de
Leopoldo Méndez, Vista do Cais, de Carlos Mancuso, Homenagem a Benito Juarez, de
Alfredo Zalce, e Carnaval, de Mario Avati. As avaliações parecem basear-se em critérios
subjetivos, já que não há uma análise profunda nem muitas explicações.
166

A exposição marcou a inauguração da sede do CGPA na Rua dos Andradas, número


1527, segundo andar, que dispunha de salas de exposição e de aula. O período da exibição foi
de 29 de junho a 15 de julho, e o horário de visitação era das 14 às 20 horas, de segunda a
sexta, e sábado e domingo das 10 às 12 horas. O Clube conseguiu reunir alguns dos artistas da
técnica da gravura – “gravura em madeira (no sentido da fibra), xilogravura de topo, em
cores, linoleogravura, em cores e pochoir, buril, água-forte, ponta-seca, verniz mole,
litografia, processo do açúcar” (OLMEDO, 1955c, p. 8).
A xilogravura no sentido da fibra pôde ser apreciada em Anjo com a chave, de Dürer;
a xilogravura em cores, em Duas Mulheres, do japonês Utamaro; a água-forte, em A Volta do
Filho Pródigo, de Rembrandt. O CGPA produziu um catálogo com a identificação das
técnicas e dos artistas. A iniciativa da mostra recebeu elogios por parte de Aldo Obino: “O
Clube de Gravura de Pôrto Alegre, desde que nasceu, tem mostrado real vitalidade e sentido
de agremiação, com mostras de sensível periodicidade” (OBINO, 1955d, p. 8).
A exposição retrospectiva despertou interesse da imprensa e do público. O CGPA
tinha o desejo de contribuir com a educação artística da população e estimular o gosto pelas
artes gráficas. A abordagem histórica da mostra possibilitou aos integrantes do Clube, a
visualização das técnicas e a observação das mudanças ao longo do tempo, como também
conhecimento sobre inúmeros artistas importantes que elegeram a gravura como meio de
expressão (Fig. 64).

2.4.3.3 Mostra de Honoré Daumier

Ao artista francês Honore Daumier (1808–1879) foi dedicada uma exposição


exclusiva organizada pelo CGPA que foi inaugurada em primeiro de agosto de 1955. As 48
reproduções de gravuras deram uma pequena mostra da imensa produção na qual se
destacavam as litografias e as xilogravuras, principalmente, as veiculadas por impressos como
Charivari e Caricature (D. XICOTE, 1955, p. 8). Daumier era um artista de seu tempo. Seus
traços representavam acidamente os costumes sociais, ridicularizavam figuras públicas. A
crítica era precisa e ferina. Bastava apenas alterar os semblantes de seus personagens, as
imagens serviriam para tratar de casos recentes, conforme o colaborador de A Hora que se
identifica pela alcunha de D. Xicote, Josué Guimarães: “Daumier, hoje, derrubaria governos e
faria revoluções” (D. XICOTE, 1955, p. 8). O comprometimento em abordar a realidade e
instigar a reflexão do público marca a obra de Daumier, que se tornou uma referência para as
artes gráficas de viés social, tal como a do CGPA (Fig. 65).
167

O colunista Aldo Obino (1955c), em tom elogioso, proferiu: “Eis uma mostra de
sentido social e artístico de crítica satírica”. Nesse mesmo mês, ocorreu a exposição de
gravuras de Vasco Prado no Círculo Bageense: “Vasco Prado, o mais significativo escultor
rio-grandense de sua geração, não deixa de lado o puro desenho e cultiva, com palpitante
plasticismo, o gravurismo, em que o senso do relevo das formas e dos volumes fica
otimamente sugerido, com a força vinculante do desenho e dos instrumentos de gravar”
(OBINO, 1955c, p. 8).
Clóvis Assumpção (1955b) forneceu ao leitor do Correio do Povo uma breve biografia
do artista francês. Nascido em Marselha em 1808, Daumier iniciou na litografia em 1825,
chegou a ser preso por suas caricaturas políticas em 1832. Introduziu a sátira dos costumes na
sua produção a partir de 1835. Conheceu Balzac, Baudelaire, Delacroix, Millet, Rousseau,
Corot e outros grandes nomes da cultura francesa do século XIX. Daumier passou por
dificuldades nas finanças e na saúde, quase ficou cego. Apenas em 1871, conseguiu sua
primeira exposição individual; faleceu oito anos depois. Assumpção ressalta a objetividade, o
realismo e o humor ácido das litografias expostas em Porto Alegre. Não havia tema da
sociedade da época que escapasse ao olhar crítico do francês.

2.4.3.4 Exposição de Carlos Scliar

Logo após receber o prêmio de viagem ao país no IV Salão Nacional de Arte


Moderna, realizado no Ministério de Educação no Rio de Janeiro, Carlos Scliar montou uma
exposição individual na sede do Clube de Gravura que durou de 1º de setembro a 12 de
outubro de 1955 (Fig. 66). Scliar já tinha uma trajetória considerável. Entre seus feitos até
aquele momento, pode-se citar que sua estreia se deu na Exposição do Centenário
Farroupilha, em 1935; foi um dos fundadores da Associação Francisco Lisboa, em 1938;
participou de mostras coletivas em vários lugares do mundo; foi presidente da associação dos
ex-combatentes da FEB; foi delegado nos Congressos de Wroclaw e de Paris; foi
representante brasileiro no Congresso Mundial de Cinema Documentário na Tchecoslováquia;
foi fundador do Clube de Gravura de Porto Alegre (OLMEDO, 1955b). Para a matéria do
jornal A Hora, questionou-se sobre o porquê da predominância da temática regional e
nacional no seu trabalho; Scliar explicou que o artista deve conhecer muito bem os assuntos
com os quais trabalha para poder transmiti-los com simplicidade. A arte deveria tratar de
aspectos da vida do povo e contribuir com a conscientização das pessoas acerca da sua
realidade e apontar caminhos para solucionar os problemas do presente. Para Scliar, as obras
168

deveriam ser compreendidas por todos, não fazia sentido produzir algo somente para si
mesmo ou para um pequeno grupo (OLMEDO, 1955b).
Scliar reuniu trabalhos produzidos entre 1942 e1955. Assumpção ressalta a sagacidade
e o aprimoramento constante da arte de Scliar. Observa que, mesmo procurando manter-se
atualizado, Scliar permaneceu coerente e não modificou abruptamente seu estilo, inspirado
pelo cubismo, pelo expressionismo e pelo “neo-realismo” e que nunca se afastou da realidade
ao seu redor. Assumpção (1955a, p. 9) observa a mudança no tratamento da cor ao longo dos
anos. De 1942 a 1947, o artista realiza experiências com cores, aplicando-a em largas
superfícies, como pode ser visto em A Mulher com Gato na Janela (1943) e Carlitos em Vida
de Cachorro. Scliar parece optar por zonas coloridas, no que Assumpção (1955d) chama de
“fase de Paris”, a que pertence Meu Quarto. O ano de 1951 é marcado na sua trajetória pelo
abrandamento da esquematização do desenho e pela representação mais objetiva das figuras.
Exemplo desse período é o Retrato do Escritor Plínio Cabral. O colunista acredita que a
tendência “neo-realista” se torna mais perceptível a partir de 1953, em obras de temática
regionalista em que há uma riqueza maior de detalhes das figuras, como visto em Carroça e
Arreios e na série Estância. As zonas de cor e o traço são mais trabalhados.

2.4.3.5 Por uma Arte Nacional

A mostra mais marcante do CGPA foi a Por uma Arte Nacional, instalada no Parque
Farroupilha. Ela foi assunto do Correio do Povo, do jornal A Hora e da Horizonte. É
interessante que todos os periódicos apresentaram fotografias acompanhando o texto. A Arte
Submetida ao Julgamento Popular (SILVA, 1955), matéria da Horizonte, indica que o
número de espectadores chegou a aproximadamente dois mil.
Por uma Arte Nacional teve 60 gravuras, o patrocínio de Serviço de Recreação
Pública Municipal, apoio da Editora Globo e foi aberta para o público no domingo, 2 de
outubro de 1955. O ineditismo da iniciativa ganhou a atenção da imprensa. No Correio do
Povo, Aldo Obino anunciou: “Teremos a primeira exposição no Rio Grande do Sul, ao ar
livre” (OBINO, 1955b, p.10). Os visitantes receberam um catálogo em que havia um espaço
ao lado dos trabalhos para que assinalassem o de que mais gostassem. Os artistas ganharam
como prêmios os volumes da Coleção Província fornecidos pela Globo, conforme sua
classificação, após o escrutínio. Participaram da mostra Ailema Bianchetti, Plínio Bernhardt,
Glênio Bianchetti, Manuel Francisco Ferreira, Nelson Boeira Faedrich, Fortunato, Gastão
Hofstetter, Danúbio Gonçalves, Edgar Koetz, Carlos Mancuso, Charles Meyer, Carlos Alberto
169

Petrucci, Vasco Prado, Glauco Rodrigues e Carlos Scliar. Os membros do CGPA se


dispuseram a conversar com o público durante a exposição. O evento foi filmado pela
empresa Produções Nilton Nascimento.
Das 9 às 18 horas, centenas de pessoas percorreram o parque e apreciaram as gravuras
expostas. Os artistas se submeteram de bom grado ao julgamento popular e lograram sucesso
na empreitada que visava despertar o interesse na arte: “Centenas e centenas de pessoas
desfilaram diante dos trabalhos expostos, demonstrando um interesse invulgar. Cada um que
por lá passou deu o seu voto consciente sobre o melhor trabalho, discutindo e interpretando as
obras. O Clube de Gravura lavrou um tento” (OLMEDO, 1955a, p. 8). O resultado do
concurso foi o seguinte:
 Primeiro prêmio (sete volumes da Coleção Província): Fim da Jornada, de
Glênio Bianchetti, 590 votos.
 Segundo prêmio (três volumes da Coleção Província): Clareira, de Carlos
Scliar, 588 votos.
 Terceiro prêmio (dois volumes da Coleção Província): Almoço, de Glênio
Bianchetti, 550 votos.
 Quarto prêmio (um volume da Coleção Província): Campeando o Boi Barroso,
Nelson Boeira Faedrich, 521 votos.
 Quinto prêmio (um volume da Coleção Província): No Galpão, de Carlos
Scliar, 467 votos.
O Correio do Povo parabenizou o Clube de Gravura pelo êxito da exposição e pela
resposta positiva do público. Todos se sentiram à vontade para contemplar e avaliar as obras:
“[...] O pai de família, com garotinha ao colo, quem sabe tão preocupado com problemas
caseiros, encontrou tempo para opinar sobre os gravadores gaúchos; o menino-moleque
abandonou a correria pelo Parque e veio também confessar seu encanto pela exposição” (POR
UMA ARTE..., 1955, p. 24) (Fig. 62). Não eram frequentadores de galerias, eram pessoas que
não faziam parte do público-alvo dos espaços expositivos devido à impossibilidade da maioria
delas de adquirir uma obra, ter tempo ou mesmo de sentir-se confortável nesses locais. A
educação artística, que incentivaria a procura do contato com a cultura, também não era para
todos.
Hoje, a estimativa do número de visitantes é requisito para a aprovação e para o
patrocínio das exposições devido aos benefícios de um bom marketing cultural para empresas
e governos. Isso, obviamente, nada tem a ver com a preocupação do CGPA ao aproximar-se
170

do público. Os artistas que organizaram aquela exposição não buscavam apenas uma
consagração pelo mercado ou pelo campo artístico, mas estavam colocando em prática ações
inspiradas por seu projeto político, que era promover a elevação cultural da população por
meio do acesso à arte, buscando despertar a consciência crítica da classe trabalhadora.
A consagração popular de Por uma Arte Nacional, segundo Abdias Silva (1955, p.
16), serviu para “[...] destruir e desmoralizar a tese reacionária de que a arte é um assunto da
elite e de entendidos pois exatamente os quadros que os entendidos julgavam melhores foram
os consagrados pela votação popular”. O povo seria perfeitamente capaz de apreciar a arte,
mas, para isso, seria necessário que a arte se aproximasse do povo, o que envolveria temas e
tratamento formal que participassem de experiências comuns entre o artista e o espectador, a
fim de estabelecer a comunicação. Seria também essencial que os locais de exposição fossem
acessíveis e que as pessoas se sentissem confortáveis ao visitá-los. O esforço para levar as
obras ao parque, no domingo, foi uma tentativa nesse sentido (Fig. 67).

Figura 62 – Uma família e um menino votam nos seus trabalhos favoritos na exposição Por uma Arte Nacional,
no Parque Farroupilha. Fotografia: Santos Vidarte
Fonte: CORREIO DO POVO, 9 out. 1955, p. 24 [registro fotográfico da autora]

2.4.3.6 Gravuras Chinesas

Em novembro de 1955, as estampas chinesas expostas pelo CGPA aproximaram o


público de Porto Alegre de uma cultura geograficamente distante (Fig. 68). A mostra levou
Josué Guimarães a rememorar sua viagem ao país asiático:
171

São pedras [as gravuras] que arrancamos da muralha da nossa indiferença.


Através delas ficamos conhecendo o espírito e o sentimento daquele povo
distante. [...] À disposição do nosso povo e dos nossos artistas estão quase
todas as técnicas utilizadas desde tempos imemorais pelos artistas chineses.
Desde o papel recortado – legitimamente arte popular hoje grandemente
difundida – até à tradicional gravura em madeira (GUIMARÃES, 1955, p.
8).

Os temas abrangiam elementos da natureza e cenas diversas. Guimarães observou o


tratamento estético ocidental em alguns trabalhos, devido, provavelmente, à influência da
técnica de Kollwitz na China. A União dos Artistas Chineses disponibilizou gravuras
vinculadas a sua herança cultural, como as de Ano-Novo e as de papel recortado. Já Aldo
Obino, contrariado com a Revolução Chinesa, noticiou assim o evento:

Trata-se de uma exposição com estampas variadas e de valores diversos,


com exemplares, alguns bem expressivos em relação à sensibilidade delicada
e feminil, hoje sob o impacto implacável do marxismo militante, que vem
transformando a face social e a compleição psicológica de um povo
milenarmente amigo da harmonia e da mansuetude humana (OBINO, 1955a,
p. 8).

Obino revelou a imagem idealizada que tinha da China e a insatisfação com o


comunismo; porém, não deixou de anunciar ao público que a mostra tinha valor, pois era
possível identificar traços autênticos da cultura chinesa nas obras. Entre as técnicas
tradicionais e populares representadas, estava a estampa de papel recortado (Fig. 63).

Figura 63 – Estampa chinesa em papel recortado presente na exposição de gravuras chinesas organizada pelo
CGPA
Fonte: A HORA, 26 nov. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]
172

Figura 64 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição As Técnicas da Gravura Através dos Tempos
Fonte: A HORA, 19 jul. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]
173

Figura 65 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição de Daumier


Fonte: A HORA, 4 ago. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]
174

Figura 66 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição de Carlos Scliar


Fonte: A HORA, 27 set. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]
175

Figura 67 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição Por uma Arte Nacional
Fonte: A HORA, 14 out. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]
176

Figura 68 – Reportagem do jornal A Hora sobre a exposição de gravuras chinesas.


Fonte: A HORA, 26 nov. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]
177

2.4.4 Atividades de formação artística organizadas pelo CGPA

Um dos eixos de atuação do Clube de Gravura era proporcionar o aprimoramento


técnico e artístico de seus associados. O trabalho coletivo e a troca de experiências faziam
parte de sua rotina. Sabe-se que na sede do CGPA havia salas de aula e que se promoviam
cursos para o público externo, sendo que o mais importante e com maior divulgação foi o
curso de gravura em metal de Iberê Camargo (Fig. 69).
Iberê Camargo, já um artista de renome, viajou a Porto Alegre para ministrar um curso
de gravura sobre metal e expor seus trabalhos no Clube de Gravura em julho de 1955. A
iniciativa e o patrocínio partiram de Cladis Aranha, tendo a ajuda do governo estadual. Em
entrevista a Scarinci, Iberê explicou que a gravura se igualava a outra práticas artísticas em
expressividade e originalidade. Sobre o ambiente artístico da capital do seu estado natal,
reclamou da carência de espaços expositivos e cumprimentou os jovens gravuristas:
“Sensibilizou-me a sensibilidade e a dedicação dos jovens componentes do Clube de Gravura
que segundo observei trabalham num ambiente de fraternidade e colaboração” (SCARINCI,
1955b, p.64).
Iberê se mostrou muito feliz e satisfeito em estar à frente do curso de férias e de
conhecer o grupo de jovens do CGPA, que não poupava esforços para concretizar seus planos.
Ressaltou a dificuldade de adquirir materiais e até a falta de luz na sede e a ineficiência da
companhia de energia elétrica em resolver a questão. O artista contou que, mesmo longe do
Rio Grande do Sul, o amor por sua terra crescia. Iberê residia no Rio de Janeiro e, lá,
despontava como uma liderança da classe artística, organizando campanhas como os protestos
contra os empecilhos em comprar tintas, que tiveram grande adesão de seus colegas e geraram
o Salão Miniatura (OLMEDO, 1955d).
O Salão Miniatura reuniu 200 quadros de artistas de renome, como Portinari, e
estudantes na Associação Brasileira de Imprensa. A mostra foi um protesto contra o alto custo
de vida, sobretudo contra os preços das tintas no quais recaíam altas taxas de importação
(MACHADO, 1955)46.
O curso de gravura de Iberê iniciou-se dia 5 de julho e teve turmas à tarde e à noite. As
inscrições eram ilimitadas aos associados. Mais de quarenta pessoas frequentaram o curso,
entre artistas, curiosos, jovens, idosos, estudantes, enfim, um grupo diverso (ASSUMPÇÃO,
1955c, p.8).

46
O termo “miniatura” se refere às pequenas dimensões dos trabalhos, alguns feitos sobre discos de vitro la e
caixas de fósforos.
178

Figura 69 – Reportagem do jornal A Hora sobre o curso de gravura de Iberê Camargo organizado pelo CGPA
Fonte: A HORA, n.187, 16 jul. 1955, p. 8 [registro fotográfico da autora]

Neste capítulo, foram analisadas as principais ações sociais dos artistas ligados ao
Partido Comunista, como eles intervieram publicamente, tendo como principais instrumentos
os Clubes de Gravura e a revista Horizonte. Esses artistas se engajaram em ações que tiveram
um efeito notável entre a população, como animar uma campanha de assinaturas que teve
ampla participação popular e organizar uma exposição pública de gravura com uma
excepcional assistência. Dessa forma, eles foram promotores de um projeto cultural que
179

procurava popularizar a gravura com temas regionais, mas também foram participantes de um
projeto político que buscava ganhar a classe trabalhadora para os ideais do socialismo.
Essas ações e intervenções públicas não se davam sem um lastro teórico que orientasse
a produção desses artistas. Uma das principais influências do grupo ligado ao PCB era o
realismo socialista, corrente artística que se desenvolveu na União Soviética na década de
1930 e que teve um profundo impacto em artistas de diversas partes do mundo. O próximo
capítulo vai ser dedicado a explicar essa corrente e seu impacto no Rio Grande do Sul, assim
como mostrar como essa orientação foi decisiva para moldar a imagem criada posteriormente
sobre esse grupo e enfraquecer o teor político-partidário do CGPA.
180

3 OS ARTISTAS GAÚCHOS LIGADOS AO PCB: INFLUÊNCIAS, DIÁLOGOS E


BALANÇOS DE UMA GERAÇÃO

No capítulo anterior, procurou-se apresentar a ação social dos artistas gaúchos ligados
ao Partido Comunista do Brasil durante os anos 1950. Essa ação, no entanto, não se dava
apenas a partir de concepções artísticas pessoais, mas carregava as marcas de uma orientação
teórica específica. Para se compreender melhor a produção realizada pelo grupo de artistas
estudado, é necessário investigar essas premissas e seus desdobramentos. A ideia mais
generalizada é que os artistas daquele período atuavam sob a orientação do realismo
socialista, que seria a linha adotada pelos intelectuais que estavam sob a influência da União
Soviética.
No período, entretanto, destacava-se um desdobramento dessa tendência, o
zhdanovismo, que se caracterizara por um enrijecimento das premissas do realismo socialista
por meio da orientação do PCUS. Mas, ao se analisarem as obras publicadas na Horizonte,
fica claro que esses artistas não atuavam apenas sob o cânone soviético, mas seguiam outras
influências que poderiam ter mais sentido para seu projeto político e cultural, que era produzir
uma arte com penetração popular. Por isso, neste capítulo também será vista uma outra
influência importante para esses sujeitos: a gravura revolucionária chinesa.
Além das influências, também é necessário abordar os possíveis diálogos que esses
artistas estabeleceram em um contexto em que a cultura popular e regional não era tratada
apenas pelos intelectuais de esquerda. Com efeito, a partir do final dos anos 1940, estruturou-
se com força no estado do Rio Grande do Sul o movimento tradicionalista, responsável pela
fundação de CTGs e pela difusão de uma cultura criada a partir de referências da vida no
campo. Mesmo que não se possam considerar esses artistas como “tradicionalistas”, sua
promoção de uma cultura popular e proletária os aproximava, em termos temáticos, dos
tradicionalistas, e a possibilidade de um diálogo deve ser levada em conta.
Por último, será analisado o balanço da produção desses artistas vinte anos depois,
quando o governo do estado promoveu seu reencontro e dedicou-lhes uma exposição de
destaque. A reação de parte do campo artístico, especialmente de jovens artistas
contemporâneos, foi de contestação e crítica, denunciando a produção desse grupo como
figurativa, comercial e conservadora. No final do capítulo, será realizada uma análise deste
balanço e das críticas ao grupo, contextualizando-se a forma como elas emergiram nos anos
1970, dando-se especial destaque ao modo como o tempo e o contexto distorceram a
importância que a produção desses gravuristas teve nos anos 1950.
181

3.1 INFLUÊNCIAS

3.1.1 Realismo socialista, zhdanovismo e a concepção marxista da arte

Paul Wood (1998) observa que o realismo socialista não é simplesmente uma “efígie
sem vida” como dizem alguns teóricos ocidentais, como também não era arte experimental.
Os seus limites eram definidos pela visão de responsabilidade social. A corrente do realismo
socialista oficializada pelo PCUS se sobrepôs à multiplicidade de possibilidades para a arte
revolucionária discutida em debates entre intelectuais e artistas. A burocracia partidária
elegeu uma doutrina rígida que encontrou opositores dentro do próprio partido e na esquerda
de modo geral.
Nesse estudo, adota-se a diferenciação entre realismo socialista e zhdanovismo
defendida por autores como Stefan Morawski (1977), Vitorio Strada (1987) e Dênis de
Moraes (1994). Saber distinguir essas duas tendências é fundamental a fim de compreender a
produção realista socialista e as peculiaridades do zhdanovismo e melhor avaliar os juízos
posteriores acerca delas.
O filósofo e professor de estética polonês Stefan Morawski (1977) observa que as
teorias da arte se conectam ao tempo das seguintes maneiras:
 os acontecimentos precedem a teoria, ela não propõe inovações, sua função é
explicar;
 a teoria e a prática artística se dão concomitantemente, a proposta teórica
direciona, consolida e dá significado às obras e distingue-as das precedentes;
 a teoria surge antes do fenômeno artístico, ela é normativa e indica o que deve
ser feito, é dogmática e, geralmente, fornece falsos critérios para a apreciação
das artes.
Existiriam dois tipos de teorias diferentes em se tratando da arte soviética. O realismo
socialista faria parte do segundo tipo apontado por Morawski, pois foi a formulação teórica
que preponderou entre os comunistas que seguiam as diretrizes do Partido Comunista da
União Soviética até o início da década de 1930. Essa corrente surgiu a partir de um processo
histórico de engajamento de intelectuais com as causas sociais durante o período de crise do
czarismo e teria se desenvolvido durante a Revolução Russa de 1917, expandindo-se na
primeira década de existência da União Soviética. Não foi plenamente planejado, mas foi se
desenvolvendo à medida que as condições de engajamento dos intelectuais em um processo
de mudança social também se modificavam. Essa corrente passou a ser denominada de
182

zhdanovismo entre as décadas de 1930 a 1950, encaixando-se no terceiro tipo apontado por
Morawski. Ela foi oficializada por Andrei Zhdanov, o primeiro-secretário do Comitê Central
do partido, durante o I Congresso dos Escritores em 1934, e chegou ao Brasil nos anos 1940,
adotada nominalmente pelos artistas e pelos intelectuais que colaboravam com veículos de
imprensa de esquerda, como é o caso da revista Horizonte de Porto Alegre. Basicamente, os
princípios defendidos incluíam:

[...] a denúncia da cultura burguesa decadente; a recusa do formalismo


estético; a necessária filiação intelectual à política revolucionária; a defesa
do marxismo-leninismo como doutrina de libertação dos povos; a
superioridade da URSS em todos os domínios; a submissão de escritores e
artistas não-comunistas à ordem dominante; o Partido como a principal força
na frente ideológica (MORAES, 1994, p. 153).

Lênin pensava que a intervenção do partido no campo das artes seria importante a fim
de haver a prevalência do partiinost, ou seja, o espírito de partido. Entretanto, seus escritos
possibilitavam interpretações ambíguas, porque tanto poderiam ser utilizados na defesa da
liberdade artística quanto do controle sobre os artistas e intelectuais (MORAES, 1994).
Vittorio Strada (1987a) aponta que a visão vulgar acerca do pensamento leninista levou ao
autoritarismo partidário, mas Lênin não restringia a liberdade da arte, mesmo havendo ligação
aos propósitos do partido.
Stefan Morawski (1977) afirma que o realismo socialista, no seu processo de
desenvolvimento, resgatou teorias e práxis passadas e originou uma nova arte,
correspondendo às necessidades da vida pós-revolução. O estudioso adverte que essa corrente
teórica não surgiu em 1934, junto com o zhdanovismo, mas que trabalhos foram feitos bem
antes disso, como A Mãe (1907), de Máximo Gorki, e que suas premissas nasceram de obras
como essa.
A Revolução Russa de 1917 foi um momento fundamental para a estruturação daquilo
que ficou conhecido como realismo socialista. A tomada do poder pelos bolcheviques alterou
profundamente a sociedade e os modos de relação entre as pessoas, o que exigiu novas
formulações filosóficas. O termo realismo remete à tradição, e socialista remete ao
engajamento dos artistas nos primeiros anos após a Revolução, destacando-se Gorki,
Maiakóvski, Eisenstein, entre outros.

É notável que os novos experimentos soviéticos com a forma, durante o


primeiro decênio pós-revolucionário, estiveram sempre respaldados por
argumentos sociais e políticos. Seus criadores queriam aqueles experimentos
183

servissem à revolução, refletindo sua essência e contribuindo para a


transformação radical do gosto em questões estéticas. Evidentemente, seria
absurdo afirmar que todas as obras criadas durante aquele período foram
realistas, no sentido dado ao termo “realismo” em 1932-34. Não obstante,
diversas correntes artísticas – o culto da máquina (a beleza da construção), o
culto das massas sociais, o culto da política-como-guia-da-arte – se fundiram
em obras que perduraram na história da arte: os poemas de Maiakovsky; O
Encouraçado Potemkin [...] a arte gráfica de Favorski e David Shterenberg;
a pintura revolucionária de Deineka e Pletrov-Vodkin; a escultura de
Shervoud, Shadr e Moukhina (MORAWSKI, 1977, p. 279).

O professor Morawski se dedicou ao estudo da formação do realismo socialista tendo


como fontes textos soviéticos dos primeiros decênios do século XX e afirma que a construção
dessa tendência foi um processo que gerou as seguintes ideias: o entendimento da realidade
soviética deve ser prioridade, a literatura é uma arma de classe baseada no materialismo
dialético, a literatura proletária deve tocar os sentimentos e pensamentos dos leitores através
de ficções (MORAWSKI, 1977, p. 283).
Entre 1917 e 1924, as prioridades de Lênin eram políticas e econômicas; entretanto,
ele não deixou as questões culturais de lado. O líder soviético queria a popularização da arte e
que as obras pudessem ser compreendidas pela população. Nos anos 1926 a 1929,
Lunacharsky assumiu o Ministério da Educação e quis pôr em prática as ideias de Lênin sobre
cultura, e ele próprio já havia escrito anteriormente textos sobre arte, como Tarefas culturais
a assumir pela classe operária (1918) e Arte e Indústria (1924), cujo ponto principal é a
cultura proletária, fruto da ação de artistas participantes da revolução e da consolidação do
socialismo (MORAWSKI, 1977).
Mas não havia uma visão única sobre a arte entre os artistas e os intelectuais
soviéticos, pois Lunacharsky admirava também a arte de vanguarda e defendia a
experimentação formal; além disso, difundiu o expressionismo, o cubismo e o pluralismo de
manifestações na União Soviética. Já Máximo Gorki, outro personagem influente, não era um
entusiasta da arte contemporânea que se ocupava de novas formas de expressão, e sim da arte
popular e proletária. O individualismo em oposição à coletividade já havia sido tema de Gorki
em 1909, em A aniquilação do indivíduo. Tempos depois, escreveu Sobre o escritor
proletário (1928) e Sobre o realismo do socialismo (1933), no qual denunciava o egoísmo e o
hedonismo da literatura burguesa e exaltava a literatura humanista voltada ao bem-estar
comum (MORAWSKI, 1977).
Mesmo com essas discordâncias e debates, é necessário apontar que o pensamento
sobre a função social da arte, na União Soviética, foi dando sinais cada vez mais fortes de
184

enrijecimento ao longo dos anos 1920. Segundo Morawski (1977), não se deve pensar que
Zhdanov propôs essa tendência espontaneamente apenas em 1934, mas sim a fez alicerçadas
em bases que já existiam. No início da década de 1920, surgiu a Associação dos Artistas da
Revolução (AKR ou AKRR), que dominou o cenário e direcionou a arte soviética para o
realismo socialista. A Associação não chegou a formular uma teoria estética, somente
divulgou uma declaração durante sua primeira exposição, em 1922, denominada de Pinturas
de Artistas de Tendência Realista em Auxílio dos Famintos. No texto, os artistas se
comprometiam a representar o realismo heroico, próprio da Revolução, e descartar o abstrato
(WOOD, 1998). Alguns integrantes da AKRR foram Abram Arkhipov, Ilia Mashkov e Boris
Kustodiev.
A partir da morte de Lênin, em 1924, e da ascensão de Stalin como principal liderança
soviética, os debates sobre política cultural se caracterizaram pela dominação das linhas mais
duras. Sobre a política do partido no campo literário (1925) trata da submissão das artes às
diretrizes do partido. A “representação verídica da sociedade” (ARBEX, 2012, p. 96) deveria
ser a meta da literatura na visão da Associação Russa dos Escritores Proletários (RAPP),
criada na época.
A institucionalização do realismo socialista deu seus primeiros sinais em 1929, quando
Aleksandr Fadeiev publicou Abaixo Schiller! na Literaturnaia gazeta. Em 1932, ocorreram
fechamentos de instituições desligadas do partido sob o argumento de que gerariam conflitos
entre os militantes socialistas, e criou-se a União dos Escritores Soviéticos da URSS. No texto
do editorial da Literaturnaia gazeta de 29 de maio de 1932, intitulado Ao trabalho!, cunhou-
se o termo realismo socialista: “As massas exigem do artista a sinceridade e a veracidade do
realismo socialista, revolucionário na figuração da revolução proletária” (STRADA, 1987b, p.
190). Dois anos depois, ocorreu o I Congresso dos Escritores, no qual o realismo socialista se
consagrou como a estética oficial da União Soviética (STRADA, 1987b).
Gorki e Zhdanov, em 1934, reuniram as concepções sobre a arte dos soviéticos e
elaboraram generalizações que culminaram na formulação de diretrizes básicas para o
realismo socialista existente até aquele momento. Dos discursos proferidos por eles, pode-se
retirar as seguintes formulações, expostas por Morawski (1977): o realismo extrai a essência e
transforma-a em imagem; ao se incorporar à imagem o que se deseja ver realizado, tem-se o
tipo de romantismo que pode ser útil à causa revolucionária; o trabalho deve ser o tema
principal do escritor. A realidade deveria ser representada em seu processo de evolução, para
isso, admitir-se-ia o uso de todas as formas e métodos artísticos. A verdade artística seria
pessoal e é alcançada pela síntese de dados reais:
185

[...] essas verdades são tendenciosas, porque também o é a realidade; e o


artista fica fundamentalmente obrigado a escolher entre o passado e o futuro
[...] prever o socialismo supõe intuir a forma da futura personalidade
humana, e descrever suas etapas incipientes no cenário do presente
(MORAWSKI, 1977, p. 287).

A eficácia da forma artística realista é positiva quando as ideias se tornam


translúcidas, quando há efeito estético e moral positivo: “esses efeito tem sua importância,
porque a arte pode desse modo ajudar-nos a entender melhor a vida e a vivê-la melhor”
(MORAWSKI, 1977, p. 288).
Durante o I Congresso de Escritores, em 1934, o clima era de segregação entre os
supostos verdadeiros e falsos revolucionários. A arte ficou submetida aos intentos políticos
para inibir possíveis críticas ao regime soviético. Zhdanov proclamava que a arte soviética era
de vanguarda porque a sociedade na qual nascera também o era, esquecendo, assim, o
princípio de Marx que trata do desenvolvimento desigual entre arte e sociedade. As
declarações de Zhdanov incitavam o menosprezo à tradição cultural do passado e à arte
contemporânea do Ocidente.
As propostas do secretário do partido tomaram feição de decretos, serviam para
designar o que era permitido e o que era proibido. O realismo socialista zhdanovista se tornou
institucional, oficial, a única corrente artística que seria própria para os soviéticos. Lembrando
que Lênin defendia a intervenção do partido na cultura, mas nunca mencionou que as
experimentações em arte deveriam ser proibidas. Lunacharsky também falava sobre a
liberdade de criação do artista e acreditava que a tomada de consciência das necessidades da
nova sociedade, naturalmente, e guiaria o criador ao encontro de uma arte, mesmo envolta em
sentimentos particulares, voltada aos anseios coletivos.
Durante os anos de 1936 a 1938, os documentos do Comitê Central do partido acerca
das artes revelam o abandono das ideias de Lênin e Lunacharsky. A arte progressista se
transformou em uma arte de propaganda, de exaltação às maravilhas do regime soviético e
reprimia qualquer tipo de crítica. Houve o resgate das formas da arte do século XIX sob a
alegação de que eram mais acessíveis ao povo, mesmo que isso significasse adotar a
linguagem de uma sociedade que ainda não passara pela revolução.
Morawski (1977) propõe chamar essa corrente autoritária de zhdanovismo. Não se
tratava mais de colocar a criação artística a serviço de uma nova sociedade, mas sim de torná-
la submissa aos interesses partidários. O zhdanovismo só tolerava o que era moldado segundo
seus preceitos. A arte passou a ser vigiada e supervisionada. Havia pessoas responsáveis por
186

orientar os artistas, os escritores e os teóricos, “uma hierarquia de vigilantes estéticos”


(MORAWSKI, 1977, p. 291).
Pode-se enumerar vários artistas soviéticos que fizeram escola e se tornaram exemplos
para o zhdanovismo, como Isaak Brodsky (1884-1939) que foi um mestre para os artistas
mais jovens. Em 1934, ele assumiu a direção da Academia Russa de Artes. O professor
Brodsky não se conformava em restringir o ensino ao ambiente acadêmico e organizava
excursões para que os alunos, a partir da observação, desenhassem e pintassem. Por vezes,
essas visitas eram nas aldeias natais dos alunos. O artista fundou um museu em Berdyansk
para o qual doou mais de 250 obras. Destacam-se na produção de Brodsky os retratos dos
líderes russos, especialmente de Lênin, e as manifestações populares (Fig. 70 e 71).

Figura 70 – Isaak Brodsky. Lênin e a manifestação, 1919


Fonte: <http://soviet-art.ru/socialist-realism-artist-isaak-brodsky/>.
187

Figura 71 – Isaak Brodsky. Discurso de Lênin perante o Exército Vermelho, enviado ao front polonês em 5 de
maio de 1920, 1933
Fonte: <http://soviet-art.ru/socialist-realism-artist-isaak-brodsky/>.

A escultura Vera Mukhina (1889–1953) produziu uma das obras-símbolo do realismo


socialista zhdanovista para o pavilhão da União Soviética na Exposição Universal de Paris,
em 1937 (Fig.72). O Trabalhador e a Mulher da Fazenda Coletiva é uma escultura
monumental que representa o vigor e a força dos soviéticos. Mukhina considerava que o
formalismo e o naturalismo da arte burguesa ocidental resultavam em maneirismos e
desprezavam a essência do homem, ser social, e da natureza. A arte deveria ser dinâmica,
impulsionar as massas para o novo e para deixar o individualismo de lado e pensar na
coletividade: “A realidade soviética cria heróis do trabalho, do pensamento e do sentimento,
que enriquecem a vida, que descobrem novas possibilidades de futuro desenvolvimento”
(MUKHINA, 1953, p. 67).
Destacam-se na cultura soviética os artistas gráficos dedicados aos pôsteres. Durante a
Segunda Guerra, tanto Tatyana Yeryomina (1912-1995) como seus colegas produziram
cartazes que homenageavam os soldados enviados para guerra contra o fascismo (Fig. 73).
Após o fim do conflito, a ênfase era a luta pela paz, a solidariedade internacional do
proletariado, o combate ao imperialismo e o empenho pela liberação e pela democracia dos
países. O empenho a favor dessas causas era agraciado pelo Prêmio da Paz, conferido pelo
Estado. Fyodor Reshetnikov (1906-1988) o recebeu pela pintura Pela Paz de 1951 (Fig. 74).
A figuração de Reshetnikov atendia às diretrizes zhdanovista e remetia às formas tradicionais,
como também pode ser visto no retrato de Stalin (Fig. 75).
188

Figura 72 – Vera Mukhina. O Operário e a Kolkhoziana/O Trabalhador e a Mulher da Fazenda Coletiva, 1937
Aço inoxidável, 25 m. Moscou
Fonte: <http://www.flogao.com.br/soviet/66463559>.

Figura 73 – Tatyana Yeryomina. As garotas dirigem o trator corajosamente e dão aos soldados um seguro
mandato: combatam brava e habilmente os fascistas, e nós faremos o trabalho por vocês, 1941
Fonte: <http://soviet-art.ru/soviet-artist-tatyana-yeryomina-1912-1995/the-girls-boldly-drive-tractor-and-give-
soldiers-secure-mandate-beat-fascists-bravely-and-skillfully-and-well-do-the-work-for-you-1941/>.
189

Figura 74 – Fyodor Reshetnikov. Pela Paz, 1951


Fonte: <http://soviet-art.ru/soviet-artist-fyodor-reshetnikov/>.

Figura 75 – Fyodor Reshetnikov. Generalíssimo Stalin, 1948


Fonte: <http://soviet-art.ru/soviet-artist-fyodor-reshetnikov/>.

O pensamento estético do stalinismo reduziu a possiblidade de uma estética marxista.


No início do século XX, houve diversas proposições acerca de uma teoria para a cultura
baseada nas ideias de Marx, sendo a representação e o realismo os principais tópicos de
190

discussão. Uma das ideias vigorantes foi a de que o realismo não seria a reprodução da
realidade – isso seria próprio do naturalismo –, mas sim a representação da realidade
percebida através de uma nova visão que proporcionaria a revelação da complexidade da
estrutura social que condiciona a existência de cada um (POSADA, 1970). Já o realismo
socialista em seu desenvolvimento posterior à institucionalização está vinculado a um projeto
de sociedade moldado pela vontade de líderes partidários, sem espaço para alternativas de
construção social. O objetivo do zhdanovismo era efeitos políticos rápidos, por isso, as obras
deveriam ser otimistas e deixar de lado sentimentos “negativos”, tais como o desamparo e a
tristeza.
Para uma compreensão mais ampla das ideias e das práticas dos artistas ligados ao
projeto comunista, é necessário ir além da simples identificação da constituição das correntes
artísticas na União Soviética; deve-se avançar nas noções e nas concepções marxistas sobre a
arte. Mesmo que os jovens artistas ligados ao PCB não tivessem, em sua maior parte, uma
profunda formação teórica marxista, conhecer esses conceitos é importante, pois se
constituíam em uma constelação de referências a partir do qual esses sujeitos se orientavam.
Leandro Konder (2013) reforça o predomínio, entre os marxistas, da concepção de arte
como “reflexo” da realidade e como forma de conhecimento particular de apreensão do real.
Ele explica a influência de Hegel sobre as teorias marxistas, destacando o modo com que esse
autor trata a mimesis de Aristóteles: “em sua forma vulgarizada, semelhante teoria [mimesis]
tem servido de escora a um naturalismo que empobrece a arte [...] a arte de se situar acima da
natureza, pois o espiritual é superior ao natural” (KONDER, 2013, p. 33).
A ideia da arte como reflexo da realidade está incluída no pensamento do materialismo
dialético. Porém, admite-se que o campo artístico tem várias peculiaridades se comparado
com outras áreas, por exemplo, a economia. György Lukács explica que essa concepção não é
inédita nem exclusiva dos marxistas:

A teoria do reflexo não é absolutamente nova em estética. A imagem


consubstanciada na palavra reflexo, como metáfora que exprime bem a
essência da criação artística, tornou-se famosa graças a Shakespeare, que, na
cena dos comediantes em Hamlet, indica essa concepção da arte como
constituindo a base da sua teoria e prática literárias. Mas a ideia em si é
muito mais antiga: ela já se constituía um problema central na estética de
Aristóteles (LUKÁCS, 2010, p. 23).

Lukács afirma que o critério qualitativo de avaliação de uma obra deve ser seu esforço
em representar a realidade. Os marxistas mais conscientes devem se sentir herdeiros da arte
191

progressista do passado, representada pelos gregos, pelos renascentistas, por Shakespeare,


Vitor Hugo, Tolstoi, entre outros. Deve-se também ponderar o que é a realidade a ser
refletida, “essa realidade não é somente a superfície imediatamente percebida do mundo
exterior, não é a soma dos fenômenos eventuais, causais, momentâneos” (LUKÁCS, 2010, p.
24). O naturalismo deve ser rechaçado por sua prática mecanicista e antidialética de
compreensão dos fenômenos, que se confundem com sua essência, reduzindo-a, assim como o
idealismo, pois contrapõe o fenômeno e sua essência, formando uma antítese que fragmenta o
real. A literatura e a arte decadentes unificam essas duas correntes, “substituem a verdadeira
busca da essência por um jogo de analogias superficiais que, tal como as concepções de
essência dos clássicos do idealismo, prescinde do real” (LUKÁCS, 2010, p. 25). A verdadeira
arte procura a essência, mas sem esquecer o fenômeno correspondente, nos momentos de
movimento dialético, integrantes de um processo contínuo, “fornece sempre um quadro de
conjunto da vida humana, representando-a no seu movimento, na sua evolução e
desenvolvimento” (LUKÁCS, 2010, p. 26). O tipo é uma das manifestações da síntese entre
fenômeno e essência, constituinte de obras realistas:

A meu juízo, além da veracidade dos detalhes, o realismo significa


reproduzir caracteres típicos em circunstâncias igualmente típicas. [...] A
resistência revolucionária que a classe operária oferece ao meio que a
oprime, os extraordinários esforços que realiza consciente ou
semiconscientemente para inscrever na história seus direitos humanos devem
ocupar, por este motivo, o seu espaço no campo do realismo. (ENGELS,
2010, p. 67-68).

Engels postula um dos traços básicos do realismo socialista, o tipo, e também seu tema
preferencial, a classe trabalhadora. Alguns equívocos foram realizados pelos artistas que
adotaram essa teoria ou pelo partido que os orientava quando o tipo se transformou em uma
massa de personagens uniformes, sem dissonâncias. A definição de tipo é dada por Lukács:

O tipo vem caracterizado pelo fato de que nele convergem, em sua unidade
contraditória, todos os traços salientes daquela unidade dinâmica na qual a
autêntica literatura reflete a vida; nele, todas as contradições – as mais
importantes contradições sociais, morais e psicológicas de uma época – se
articulam em uma unidade viva. A representação da média, ao contrário, faz
com que tais contradições que sempre são o reflexo dos grandes problemas
de uma época, apareçam necessariamente diluídas e enfraquecidas no estado
de espírito e nas experiências de um homem medíocre, com o que são
sacrificados os seus traços essenciais (LUKÁCS, 2010, p. 27).
192

O tipo seria, portanto, uma solução de síntese entre a essência e o fenômeno formulada
pela arte, capaz de refletir a realidade. A atividade criadora para alcançar os objetivos da arte
realista – o reflexo da realidade, a busca da essência no fenômeno – não poderia ser
subestimada, e a imaginação e a fantasia deveriam ser livres. Lukács adverte que essa
captação do real é um processo, não um ato, pois a totalidade não é plenamente apreendida
em uma ação determinada.
O realismo supõe a transmutação da realidade através de uma estrutura formal
organizada de acordo com o tema. Seus traços básicos são, segundo Stefan Morawski (1977):
a concepção se baseia em uma orientação filosófica com ramificações ideológicas; interesse
pelos recursos fundamentais e constantes da cultura, ou seja, o “essencial”; a vida social é
considerada em uma interpretação histórica concreta e social relativa. Supõe-se que surjam
novos modos consciência e novas circunstâncias que afetam o real.
O realismo não se confunde com o idealismo e o naturalismo. O naturalismo parte de
dados empíricos e da percepção imediata do fenômeno, observado, assim, superficialmente,
apenas toca a história social. O ser humano é entendido como uma entidade imutável, cujo
destino é determinado por suas condições biológicas e ambientais. O idealismo adota o
procedimento da idealização em detrimento com dados concretos, fundamenta-se em ideias
abstratas acerca dos seres humanos e das relações que estabelecem (MORAWSKI, 1977).
O pensamento de Karl Marx e Engels tem como elementar a questão de que o
processo histórico é unitário. As verdades absolutas e relativas se fundem em unidade. Dentro
desse processo, encontram-se também a cultura e as artes. Assim, a história da arte, sob o
ponto de vista marxista, pode ser construída segundo o materialismo histórico, cujo princípio
diretor é econômico (LUKÁCS, 2010). Porém, não há fixidez; em todas as áreas, o ser
humano goza de autonomia relativa, inclusive na criação artística. Isso explica a desigualdade
entre as obras e a sociedade que a produz:

No que diz respeito à arte, já se sabe que certas épocas de florescimento


artístico não estão de nenhuma maneira conformes ao desenvolvimento geral
da sociedade, nem, consequentemente, com a base material, com a ossatura,
por assim dizer, da sua organização. Por exemplo, os gregos comparados aos
modernos ou também a Shakespeare. Em relação a certas formas de arte, a
épica, por exemplo, admite-se diretamente que, uma vez surgida a produção
artística como tal , elas não podem produzir-se nunca em sua forma clássica,
na forma em que fizeram época mundialmente; admite-se, assim, que na
própria esfera da arte algumas de suas criações insignes são possíveis
somente em um estágio pouco elevado do desenvolvimento artístico. Se isto
é verdade no caso da relação entre os distintos gêneros artísticos no âmbito
da própria arte, é menos surpreendente que o mesmo ocorra na relação entre
193

o domínio total da arte e o desenvolvimento geral da sociedade. A


dificuldade consiste em formular uma concepção geral dessas contradições.
Logo que especificadas, elas se esclarecem (MARX, 2010c, p. 127).

Marx prossegue sua argumentação levantando a questão de que obras de tempos


distantes ainda tocam a sensibilidade do homem contemporâneo, como é o caso da arte grega.
Ele avalia que uma sociedade em grau evolutivo menor – considerando a explicação evolutiva
das sociedades humanas até o florescimento da burguesia e, posteriormente, do socialismo –
criou condições para sua produção artística que jamais se reproduziriam. A consciência do
valor estético de um objeto também tem a ver com essas condições:

A produção [...] não se limita apenas a oferecer um objeto material à


necessidade – também oferece uma necessidade ao objeto material. Quando
o consumo se libera da sua grosseria primitiva e perde seu caráter imediato
(e o fato mesmo de permanecer preso a ele seria ainda o resultado de uma
produção prisioneira de um estágio de grosseiro primitivismo), o próprio
consumo, como impulso, tem o objeto como mediador. A necessidade que
experimenta desse objeto é criada pela percepção dele. O objeto de arte –
como qualquer outro produto – cria um público capaz de compreender a arte
e de fruir sua beleza. Portanto, a produção não produz somente um objeto
para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto (MARX, 2010a, p.
137).

Os objetos artísticos, segundo a explicação de Marx, não fogem à lógica seguida por
outros produtos. Há de se despertar a percepção de valor, de necessidade, para se chegar ao
consumo e à apreciação. Os seres humanos são capazes de humanizar e socializar um objeto,
de acordo com as peculiaridades de sua força essencial, que não se limita apenas ao raciona,
ao pensamento, mas sim engloba todos os sentidos.

Somente através da riqueza objetivamente desenvolvida do ser essencial do


homem se cultiva ou nasce a riqueza da sensibilidade subjetiva humana (o
ouvido musical, o olho que descobre a beleza da forma; em síntese, os
sentidos capazes de gozos humanos, sentidos que se afirmam como forças
essenciais do homem). Porque não somente os cinco sentidos, mas também
os chamados sentidos espirituais – os sentidos práticos (vontade, amor, etc.)
–, numa palavra, o sentido humano – a humanidade dos sentidos – se
constitui pela existência do seu objeto, pela existência da natureza
humanizada. A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história
do mundo até nossos dias (MARX, 2010b, p. 135).

A percepção e a sensibilidade dependem de vários fatores e podem ser educadas. Essas


constatações de Marx vão ao encontro da crença de que arte tem uma função social. Uma
194

nova sociedade gera novos modos de pensar e de sentir, novas consciências que necessitam
ser incentivadas de novas maneiras.
A arte exerceria seu papel na transformação social na medida em que compreendesse
sua inserção nos modos de produção de sua época e apresentasse aos espectadores as
condições históricas em que viviam. Essas ideias são encontradas nos escritos de Walter
Benjamin e no teatro épico de Bertolt Brecht. Para Benjamin (2012), a arte tem uma função
política, e o autor deve se envolver de forma operante nos processos sociais. O teatro de
Brecht enfatiza o papel didático da obra que chama o público a refletir e conscientizar-se de
sua situação a fim de possa tomar atitudes em relação a ela. No centro, está o ser humano, em
seu tempo e seu espaço (BENJAMIN, 2012).
Em 1934, Benjamin (2012) pronunciou a conferência O autor como produtor, no
Instituto para o Estudo do Fascismo, acerca de como o escritor/autor poderia contribuir para
mudanças na sociedade. Ele alerta que o escritor não deve abrir mão de sua autonomia em
prol de uma “tendência correta” e que para que seu trabalho tenha efeitos políticos deve
prezar por sua qualidade. Os contextos sociais não são estanques, portanto, o objeto deve ser
considerado em meio a condições sociais dinâmicas, mas condicionadas pelas relações de
produção. A pergunta a ser feita, para Benjamin, é como a obra se situa dentro das relações de
produção de sua época. A consciência de onde e como se insere no sistema produtivo
possibilita ao autor, entendido como produtor, participar ativamente dos processos, deixando
de ser um agente passivo. Ele se torna “operativo”.
Benjamin destaca o procedimento de fusão de diversas linguagens e da montagem de
fragmentos encontrados no teatro épico de Brecht como exemplares de modos de
transformação do processo produtivo pelo autor. Aliás, a ideia de montagem está presente no
pensamento do intelectual alemão também quando trata da concepção da História, pois ela
seria formada por fragmentos que, unidos, poderiam alterar o contexto linear convencionado.
Outro aspecto fundamental do seu trabalho intelectual também aparece nesse texto, o
tratamento dialético.
O autor produtor, progressista e operativo, conforme Walter Benjamin (2012), visa aos
meios de produção e estimula os espectadores a serem colaboradores, incitando-os a tomarem
posições. Ele não se limita a omitir opiniões. Dessa perspectiva, olhando para os artistas do
Clube de Gravura criticamente e partindo da hipótese que eles seriam servis ao realismo
socialista, pode-se pensar que eles seguiam uma tendência considerada correta,
comprometendo a natureza e a qualidade do trabalho artístico. Por outro lado, eles
participavam e promoviam ações em prol das causas em que acreditavam, por exemplo, os
195

eventos e as campanhas do Movimento dos Partidários da Paz; seriam, portanto, “operativos”.


Além disso, organizavam exposições e cursos objetivando a promoção da arte.
Benjamin (2012) aponta como requisitos ao autor participante das lutas sociais a
necessidade de reflexão sobre sua posição, a busca por uma obra não ilusionista e uma atitude
de colaboração em relação aos demais produtores. O conceito de “especialista” é concebido
como alguém capaz de compreender e ajudar na construção da obra. Essa ideia se contrapõe à
noção de que o artista deva tentar ser um integrante do público – os operários, por exemplo.
Benjamin alerta:

[...] a proletarização do intelectual quase nunca faz dele um proletário [...]


porque a classe burguesa pôs à sua disposição, sob a forma da educação, um
meio de produção que o torna solidário com essa classe e, mais ainda, que
torna essa classe solidária com ele devido ao privilégio educacional
(BENJAMIN, 2012, p. 135-136).

O autor pertence a uma classe e precisa estar ciente disso a fim de “trair” seu modo de
operação e promover a transformação de seu aparelho em prol da “revolução proletária”.
Segundo as ideias marxistas, o artista deve se afastar da alienação, da arte pela arte e
estar ciente das relações que estabelece no seu meio. Nos textos da revista Horizonte,
percebe-se essa linha de pensamento. Conforme os colaboradores da publicação, a
preocupação com as pessoas e seus problemas se relacionava a uma continuidade do
humanismo originado no Renascimento. O formalismo das tendências modernistas era
considerado danoso, pois tratar-se-ia da fetichização da arte e do afastamento do mundo. O
público não poderia se identificar com trabalhos abstratos e eles em nada auxiliariam em seu
desenvolvimento pessoal e na conscientização política, pelo contrário. Desse modo, a
figuração seria o meio mais adequado.
Apesar dos julgamentos negativos formulados posteriormente, o modernismo e as
chamadas vanguardas históricas ambicionavam mudanças sociais por meio de novas formas
artísticas; entretanto, esse desejo foi frustrado. Em Da Vanguarda ao Pós-Moderno, Eduardo
Subirats defende que “a utopia social e cultural das vanguardas, de signo revolucionário e
emancipador, carregava implícitos os momentos de sua integração a um processo regressivo
de colonização tecnológica da vida, e racionalização coercitiva da sociedade e da cultura”
(SUBIRATS, 1987, p.2). A constatação do fracasso da utopia da modernidade se fez presente
ainda na primeira metade do século XX – a crença no progresso tecnológico contínuo e nos
benefícios da racionalização se mostrou falha perante os males causados pelos grandes
conflitos mundiais e pela ascensão de regimes totalitários.
196

Vários intelectuais consideraram o socialismo a base da construção de uma sociedade


mais justa. Muitos artistas, impelidos pela vontade de participar de um processo de mudanças,
colocaram seu trabalho a serviço de causas políticas e partidárias, como é o caso de
integrantes dos Clubes de Gravura de Bagé e de Porto Alegre. Para eles, o abstracionismo era
uma corrente que promovia um culto equivocado da forma e, além disso, era imposta em prol
de interesses imperialistas e de mercado. A solução seria adotar outro caminho – o realismo
socialista. Essa corrente estética não teve seu desenvolvimento limitado às fronteiras da União
Soviética, mas também encontrou representantes importantes em outros países da Europa,
reforçando a influência dessa concepção no panorama internacional. Entre destacados
representantes (Fig. 76 e 77) dessa corrente estão os pintores André Fougeron (1913–1998) e
Renato Guttuso (1912–1987).

Figura 76 – André Fougeron. Retour du marché, 1953. Óleo sobre tela, 19, 46 X 12,97 cm. Tate Gallery, Reino
Unido Fonte: <http://www.tate.org.uk/art/artworks/fougeron-return-from-the-market-t07705>.
197

Figura 77 – Renato Guttuso. Campieri, 1949. Aquarela, 52,1 x 68,9 cm. Tate Gallery, Reino Unido
Fonte: <http://www.tate.org.uk/art/artworks/guttuso-campieri-n05948>.

No Brasil, a adoção do realismo socialista se evidencia após o fim da Segunda Guerra


Mundial em publicações culturais ligadas ao Partido Comunista, entre elas, Literatura (1947),
do Rio de Janeiro, dirigida por Astrogildo Pereira. Naquele momento, a adoção de posturas
mais radicais pelo Partido Comunista do Brasil é explicada não só em função da obediência às
diretrizes do Partido Comunista da União Soviética, mas também pela própria situação em
que se encontrava no país. Os comunistas conseguiram se eleger representantes para alguns
cargos nas eleições de 1947; porém, o PCB foi denunciado ao Supremo Tribunal Eleitoral sob
a acusação de ser um braço da União Soviética dentro do Brasil.
Os políticos do partido foram cassados, e o PCB foi considerado ilegal (Fig. 78).
Empurrado para a marginalidade, tendo comícios encerrados a cassetetes e seus militantes
perseguidos, o partido reagiu restringindo as vertentes internas em prol da unidade de
pensamento entre seus membros. Além disso, os primeiros anos da Guerra Fria se
caracterizaram pela propaganda anticomunista e pela política intervencionista dos Estados
Unidos na América Latina, o que também afetou o Brasil.
198

Figura 78 – Página do jornal A Classe Operária, Rio de Janeiro, ano II, n. 73, p. 4, 17 mai. 1947, p. 4. A matéria
trata da cassação do registro do PCB pelo Supremo Tribunal Eleitoral em 7 de maio de 1947.

O sectarismo do partido persistiu até o IV Congresso do PCB, em dezembro de 1954 e


fevereiro de 1955, quando a luta armada e outras medidas radicais foram criticadas. Após a
morte de Stalin, em 1953, suas doutrinas foram aos poucos abandonadas, principalmente, a
partir do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. A Declaração de Março de
1958, elaborada pelo PCB, tem uma conotação pacifista, recuando as orientações combativas
de outrora.
Todo esse panorama influenciou a orientação dos órgãos culturais do PCB, fazendo
com que o zhdanovismo, dentro do escopo mais geral do realismo socialista
institucionalizado, oferecesse um discurso que foi apropriado para ser uma arma de
enfrentamento contra o conservadorismo e o avanço da cultura imperialista. Na próxima
seção, será visto como o zhdanovista se exprime em práticas e em um discurso específico na
revista Horizonte.
199

3.1.2 O zhdanovismo na Revista Horizonte – realismo versus formalismo

O debate nas artes plásticas girava em torno do realismo em contraposição à abstração.


O realismo seria a arte a serviço do povo e da causa nacional; o abstracionismo era
considerado uma tentativa de imposição imperialista e uma degeneração marcada pelo
individualismo. O artista deveria evitar se perder em demonstrações de virtuosismo técnico e
em sentimentalismo vazio.
O realismo socialista, em sua vertente zhdanovista, marcou a mudança na revista
Horizonte, em 1950, quando Lila Ripoll assumiu a direção e Carlos Scliar e Vasco Prado
entraram no Conselho de Redação. Passaram a ser publicados textos de artistas que defendiam
o realismo socialista e suas ideias sobre arte. No exemplar inaugural da Nova Fase, já se pode
perceber esse novo direcionamento na capa, na qual se tem um texto de apresentação e uma
gravura de Carlos Scliar. Lê-se:

Aqui estamos, em nossa nova fase e, à boa maneira gaúcha, digamos logo
quem somos e o que queremos.
<HORIZONTE> é uma revista de intelectuais de vanguarda. Nossa arte,
portanto, estará a serviço do que, na sociedade humana e em nossa terra,
represente o que há de novo, de progressista, que consulte às mais nobres
aspirações da Humanidade e do nosso povo.
Uma linha, nítida e tensa, divide o mundo de hoje em dois campos. De um
lado, os partidários da Paz, da cultura, de um mundo novo, com o qual
sonharam os grandes pensadores do passado e que já se ergue, a nossos
olhos, na gloriosa União Soviética, na Nova China e nas Democracias
Populares. Em tôrno dêste campo, se reúne o que há de melhor na
Humanidade.
[...]
Queremos que nossa arte seja mais uma arma, e poderosa, da Revolução
Brasileira e nos ajude a construir o grande Brasil democrático-popular, que
já antevemos.
Nossa revista estará aberta a todos aqueles que, com sua arte, quiserem
defender a paz e a independência nacional, a todos os que crêm em nosso
povo e se colocam a serviço de suas melhores aspirações (Horizonte, n. 4,
ano I, 20 dez. 1950, p.1).

As palavras tornam clara a linha político-partidária que se pretende seguir. A


Revolução Socialista seria o exemplo de ideal, seria por meio dela que o Brasil alcançaria a
democracia e a justiça social. É preciso lembrar o período histórico no qual esses fatos se
passavam – eram os anos pós-Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria. Os
acontecimentos do grande conflito e o surgimento de mais deles atemorizavam grande parte
da população, ainda mais devido ao surgimento de ameaças do uso de armas atômicas e
200

bacteriológicas. Vale também lembrar o papel importante da União Soviética na derrocada de


Hitler. A simpatia pelo regime soviético também se justificava pelo fato de que não se sabia
das mazelas e arbitrariedades do período stalinista.

Figura 79 – Gravura de Carlos Scliar para a capa da Horizonte, n. 4, ano I, 20 dez. 1950, p.1

O trabalho da capa de Scliar (Fig. 79) ilustra o pensamento presente no editorial da


publicação. Uma multidão é representada em um grande bloco compacto. Ela carrega faixas
nas quais foram escritas as frases “lutemos pela paz”, “a paz não se espera”, “a paz conquista-
se”. No primeiro plano, vislumbram-se uma figura masculina empunhando uma bandeira com
os dizeres “pela paz”, crianças brincando e uma mulher que guia um casal de crianças. A
plantação de milho remete ao trabalho no campo, e um grande sol ilumina todos, talvez
significando a esperança. Essa breve e simples descrição aponta elementos que podem ser
relacionados aos preceitos do realismo socialista: a obra figurativa, o clima positivo da
mobilização popular, o destaque aos frutos do trabalho e o uso de palavras para tornar mais
clara o conteúdo da mensagem. A união praticamente física do grupo de pessoas pode ser
entendida como uma referência ao apelo de unidade requerido pelo partido aos seus
militantes. Essa interpretação se baseia no que seria próprio do realismo socialista,
considerando que o artista procurasse demonstrar na sua obra os princípios que declarava
seguir naquele momento.
No artigo O Negrinho (PRADO, 1951b), Vasco Prado demonstrou sua preocupação
acerca da escultura representando o Negrinho do Pastoreio na passagem em que ele está preso
a um formigueiro por punição (Fig. 80). Seu patrão o castigou por ter deixado os cavalos
fugir. O sofrimento e a injustiça da cena não condiziam com o otimismo e a chamada prescrita
201

pelo realismo socialista. Se levar-se em consideração a exposição sobre realismo dos teóricos
marxistas exposta anteriormente, a escolha do episódio retratado por Vasco poderia ser
encarada como denúncia e crítica, o que caberia para uma obra realista. Vasco estava, naquele
momento, envolvido na onda do zhdanovismo, portanto, o sofrimento humano não deveria ser
o tema escolhido.

[...] eu posso constatar como artista que procura fazer de sua arte um
instrumento de luta contra a opressão, que vê na arte um meio de esclarecer a
consciência dos homens no caminho do progresso e do bem estar social,
posso constatar, repito, que aquele realismo que procurei imprimir ao
Negrinho não corresponde às necessidades sociais dos dias que
atravessamos, não representa a realidade completa desses dias de luta de um
mundo em marcha para o socialismo (PRADO, 1951b, p. 85).

Vasco Prado defende a arte capaz de representar a força da revolução e as glórias do


socialismo. Lamenta a dramaticidade dada ao Negrinho e explica que seu pecado foi ceder ao
formalismo. Possivelmente, ele achou ter tocado o naturalismo e se perdido na superfície do
fenômeno. O artista, então, promete se empenhar em reelaborar o Negrinho, dando-lhe um ar
triunfal que demonstre a força de um país democrático e popular. O zhdanovismo distorceu
algumas premissas do realismo socialista anterior e vulgarizou concepções marxistas sobre
estética. Os artistas foram levados a praticar um romantismo idealizado, bem mais do que a
síntese do fenômeno e da essência, como propôs Marx.

Figura 80 – Cópia da escultura de Vasco Prado do Negrinho do Pastoreio, 1943, em São Francisco de Paula, RS
Fonte: [registro fotográfico da autora]
202

Além da postura acrítica e enrijecida, o zhdanovismo incentivava a segregação entre


os verdadeiros e os falsos marxistas e o denuncismo. Osvaldo Peralva (1951), em Os
intelectuais que traíram o povo, fez uma lista de escritores e artistas que, supostamente,
teriam abandonado seus ideais, entre eles, Gilberto Freire, Sérgio Milliet, José Lins do Rego,
Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz e Carlos Drummond de Andrade. Na verdade, muitos
dos nomes apontados tinham ligações com Partido Comunista, mas se afastaram devido às
restrições impostas por ele. Os intelectuais eram convocados a aderir às diretrizes sem criticar.
Fernando Guedes (1951) escreveu Os Intelectuais e o Manifesto de Agosto a fim de divulgar o
documento de Luiz Carlos Prestes que continha um estudo da conjuntura brasileira e
orientações para os revolucionários. A arte progressista seria aquela empenhada em retratar os
conteúdos ditos revolucionários e construir a paz e a democracia.
Normas semelhantes para as artes estão presentes no artigo de Victor Leduc (1952)
Novos Problemas Estéticos de Artes Plásticas, em que o autor divulga os encaminhamentos
da Assembleia dos Artistas Plásticos Comunista. Leduc enfatiza a importância da facilidade
de comunicação do trabalho artístico. O conteúdo e a forma deveriam ser coerentes com o
propósito de transmitir uma mensagem plenamente compreensível. A arte é considerada uma
arma da luta revolucionária.
Os debates acerca da cultura não cessaram nos anos 1950, mas se deram em uma série
de restrições. Um dos frutos dessas discussões foi O método do realismo socialista e os
problemas da literatura e das artes (1953), documento gerado em uma reunião no Rio de
Janeiro. O texto reitera o realismo socialista como via da construção da revolução por meio da
arte. O realismo se refere à representação da “realidade em movimento” e o conflito entre as
ideias da classe dominante e as da classe operária. O termo socialista se refere como “a essa
representação verídica e típica da realidade (realismo) se alia à tarefa de transformação
ideológica e da educação dos trabalhadores no espírito do socialismo” (O MÉTODO..., 1953,
p. 70-71). O esquema do realismo socialista inclui o romantismo revolucionário, a arte de
partido e o caráter popular. Há rejeição da “arte pela arte” representada pelo formalismo e
pelas tendências abstracionistas.
A repulsa pela abstração se fortalece nas manifestações contra a I Bienal de São Paulo,
projetada por Francisco Matarazzo Sobrinho. Vilanova Artigas (1951), em A “Bienal” como
Expressão da Decadência Burguesa, associa a imposição do abstracionismo à política
anticomunista, já que ambos tinham a influência dos Estados Unidos. Artigas vai além,
considera que a Bienal tem um compromisso com o governo de Getúlio Vargas. O
abstracionismo estaria sendo imposto pelo capital, pela riqueza das classes dominantes,
203

almejando determinar os caminhos da produção brasileira. O atendimento ao mercado de arte


teria primazia sobre o projeto de desenvolvimento das artes. O autor declara o papel de
empresas e de governos na seleção de obras “decadentes e burguesas”. A Bienal seria uma
estratégia política para difundir valores imperialistas e mercantis no Brasil, submetendo a
cultura nacional aos seus ditames. Artigas tem a esperança de que tais trabalhos fossem
repudiados:
Os artistas que preferirem as miragens enganadoras que a burguesia
moribunda oferece a troco de não versarem os anseios populares, acabarão
sem obras, sem presença nos tribunais da História, acusados, repudiados pelo
povo donde vieram.
Ao lado do povo, os artistas têm um dever a cumprir! (ARTIGAS, 1951, p.
273).

Os integrantes do Clube de Gravura também concordam com a concepção de que a


Bienal tinha o papel de impor ideias capitalistas e imperialistas para os artistas. Danúbio
Gonçalves (1951) publicou Sobre a Bienal, no qual denuncia “os artistas afastados do povo”
participantes da grande mostra paulista. Vasco Prado reforça as objeções ao evento e explica
seu aceite inicial do convite de participação:

Se de início aceitei o convite para participara da Bienal, acreditando ser ela


uma mostra de arte contemporânea, logo a seguir – melhor informado dos
propósitos desse certame que é de exaltar as manifestações cosmopolitas e
anti-nacionais do abstracionismo – dela me retirei por considerar indigno de
um artista brasileiro a participação num evento decadente que procura
desfigurar e negar as melhores realizações de nossos artistas plásticos. Não
posso deixar, também, de lamentar que artistas progressistas ainda se deixem
iludir com os propósitos desses mecenas, sócios dos magnatas da guerra que
procuram escravizar a nossa pátria e levar à carnificina a nossa juventude
(PRADO, 1951a, p. 308).

Mais do que mostrar os anseios do povo, os artistas do Clube de Gravura almejavam


fazer de sua arte um instrumento de transformação social através da conscientização do
público. Essa meta passava pelo que Jacques Rancière (2012, p. 52) chama de “um modelo
pedagógico da eficácia da arte”, no qual se admite a existência de um continuum sensível
entre o artista e o espectador, ou seja, a concepção de que existe um consenso sobre as
questões apresentadas e de que “a arte nos torna revoltados quando nos mostra coisas
revoltantes”.
A produção do Clube de Gravura também apresenta um viés de propaganda ao
divulgar os eventos e temas caros ao Partido Comunista, tal como a exaltação dos líderes dos
movimentos de esquerda (Fig. 81). Caso se considere a revolução social do ponto de vista
204

utópico, ela não poderia ser indicada na forma positiva de um projeto como ocorreu, de um
dever-ser. A utopia seria uma transgressão, uma crítica da ideologia dominante, mas sem
suplantá-la por outra, pois trata de alternativas do real que não seriam predeterminadas.

Figura 81 – Vasco Prado. Liberdades Democráticas para o Povo, 1951


Gravura, capa da Horizonte, n. 5, 20 jan. 1951
Fonte: Arquivo João Batista Marçal, Viamão, RS [registro fotográfico da autora]

Alguns trabalhos dos gravuristas visavam à divulgação das atividades e dos líderes do
Partido Comunista. Porém, a maior parte da produção revela a busca por representar situações
locais. Encontra-se cenas de trabalho no campo e na cidade, a notação de costumes, de
artefatos e trajes típicos. Geralmente, as pessoas mais humildes são as retratadas. O realismo
das obras é marcado por referências ao expressionismo, como a grande parte da arte engajada
daquele período, segundo Aracy Amaral (2003), afastando-se do caráter positivo e objetivo
que pregavam as diretrizes de Zhdanov. Apresentar o real, modificado pela visão do artista,
pretendia a aproximação do espectador e a promoção de seu apreço pelas artes e de sua
conscientização política.
O trabalho artístico pode ter efeitos políticos se for capaz de produzir dissensos,
provocar conflitos nos regimes de sensorialidade por meio de novas formas de experiência
estética capazes de alterar referenciais. Ou seja, a obra não deve direcionar, mas pôr em crise
os modos passivos e convencionais de percepção. Rancière (2012, p. 63) indica que a arte
205

afeta a política quando proporciona uma “reconfiguração da experiência comum do sensível”.


O papel da arte na sociedade não é negado, mas encarado de maneiras diferenciadas. Os
intelectuais e os artistas do Clube de Gravura e da Horizonte tinham planos de difundir seus
ideais políticos por meio de sua arte, de difundir a cultura e, quem sabe, gerar uma reação
popular às mazelas sociais.
Além dos textos em impressos, a propagação do realismo socialista se dava pelo
trânsito de imagens. A gravura soviética, curiosamente, não era a mais importante, pelo
menos não no Brasil. Duas referências difundidas internacionalmente tiveram maior
repercussão: os trabalhos de cunho social de Käthe Kollwitz e a moderna gravura chinesa. A
produção gráfica da República Popular da China chegava ao país por meio de impressos e
exposições promovidas por entidades como o CGPA. A gravura revolucionária chinesa era
um exemplo importante do uso da arte como arma no embate pela transformação social. O
trabalho de Käthe Kollwitz e a influência do TGP mexicano já foram analisados em outras
passagens desta dissertação. O texto se aterá aqui com mais destaque à gravura chinesa
porque ela carregava preceitos teóricos importantes para se compreender a produção dos
artistas gaúchos no campo da gravura.
Como foi visto nesta seção, o zhdanovismo era uma referência teórica explícita para os
comunistas gaúchos, mas é muito evidente também que as obras destes não expressavam, em
todos os momentos, os preceitos do zhdanovismo. O exemplo soviético, que mostrava os
trabalhadores a partir de uma imagem universal acima das particularidades locais, não
encontrou eco tão evidente entre os artistas gaúchos. Para compreender de uma forma mais
completa as influências recebidas pelos membros do CGPA, deve-se analisar a gravura
chinesa a partir de uma perspectiva que busca a imagem como propaganda revolucionária e
que procura nas referências da cultura local uma forma concreta de se aproximar dos gostos
populares.

3.1.3 Gravura revolucionária chinesa: uma tradição alternativa

A gravura revolucionária chinesa se iniciou na década de 1930, quando um grupo de


artistas se reuniu em torno do literato Lu Xun (1881-1936), que conhecia o repertório gráfico
tradicional chinês e europeu. Lu Xun, opositor do feudalismo e das elites, procurou
popularizar a literatura, escrevendo em linguagem simplificada, e fundou a editora Flor da
Manhã, em Shangai, e a revista homônima, que publicou obras de Georg Grosz, Lionel
Feininger e Käthe Kollwitz, entre outros europeus. A jornalista norte-americana Agnes
206

Smedley, residente na China, intermediou a relação de Lu Xun com Käthe Kollwitz. Ela era
amiga da artista alemã, que lhe enviava obras, como a série Revolta dos Tecelões, as quais
eram repassadas ao escritor chinês, que promoveu mostras de trabalhos e de fac-símiles de
Kollwitz. Com as exibições e os cursos promovidos por Lu Xun, os chineses conheceram a
produção europeia, e parte da xilogravura moderna da China passou a empregar seu estilo
compositivo e suas formas (SIMONE, 2004). A cultura visual socialista buscava as formas
nacionais em vez das importadas. A concessão a Kollwitz e a outros artistas da Europa se deu
pelo cunho social de seus trabalhos e pelo uso da gravura em madeira.
A xilogravura moderna foi promovida por Lu Xun porque ele alegava que a inspiração
deveria vir das raízes tradicionais, nas formas populares e nas estampas dos camponeses. O
escritor expôs seus argumentos no texto Sobre o uso das velhas formas, publicado em 1934
(LAGO, 2011). O moderno se construiria a partir do antigo. Lu Xun tinha contatos no Japão e
vários de seus seguidores viajaram àquele país para acompanhar o movimento de renovação
da gravura japonesa e para conhecer mestres da técnica como Yamamoto Kanae. Em 1931,
Lu Xu promoveu um seminário sobre xilogravura ministrado por Uchiyama Kanzo, em
Xangai. A técnica ensinada pelo japonês derivava dos alemães Kollwitz e Max Klinger. Essa
tendência de gravação inspirada nos europeus se chamou de “xilogravura moderna” ou
chuangzuo banhua / sosaku hanga (LAGO, 2011, p. 227).
Depois de 1949, o Estado socialista empenhou-se em desenvolver uma arte própria
capaz de impulsionar a transformação cultural e propiciar a aceitação e a legitimação das
novas políticas. A cultura visual socialista era um componente crítico e propunha-se a ser uma
cultura de massa alternativa à produção artística dominante no Ocidente (TANG, 2015).
Em primeiro de outubro de 1949, Mao Zedong (Mao Tsé-Tung) fundou a República
Popular da China. Meses antes, em julho de 1949, ocorreu o Congresso dos Trabalhadores da
Literatura e da Arte de Toda a China, em Pequim, que reuniu mais de 800 delegados de várias
regiões e tradições e estipulou a organização nacional dos trabalhadores da cultura e a criação
da “literatura e arte do povo da Nova China”. Concomitantemente, realizou-se a primeira
exposição de artes da Nova China, com cerca de 550 obras, destacando-se as xilogravuras da
cidade de Yan’an.
Jiang Feng (1910-1982), um dos principais gravadores e instrutores da Academia Lu
Xun de Yan’an, declarou, no Congresso, que a arte deveria estar a serviço dos trabalhadores,
dos camponeses e dos soldados. A revolução veio do campo para a cidade, assim, a arte
também deveria se ocupar das demandas dos trabalhadores industriais. Para Jiang Feng, o
primeiro passo para a criação da nova arte era a autotransformação de artistas, artesãos e
207

tradicionais calígrafos em artistas revolucionários – processo chamado gaizao – por meio da


fusão de suas ideias e de seus sentimentos com os do proletariado e da busca de inspiração na
vida e na linguagem do povo. O segundo passo era produzir trabalhos de arte em grande
escala empregando meios tecnológicos a fim de inseri-los no mercado. Li Hua (1907-1994),
outro gravador importante, acreditava que o valor da arte residia no olhar do povo. O artista se
contrapunha às artes elitistas e às tendências ocidentais importadas.
Li Hua aprendeu a gravar em madeira após ter estudado arte no Japão, nos anos 1930.
Ele se correspondia com Lu Xun e engajou-se no movimento gráfico emergente. Ele foi
editor-chefe da revista Gravura Moderna. Durante a invasão japonesa na Manchúria, Li Hua
fez China ruge! (Fig. 82), a imagem de um homem nu, vendado, amarrado a um poste, que se
contorce de dor e parece estar prestes a reagir àquela situação. No canto esquerdo, vê-se um
objeto cortante que talvez o ajude a se livrar das cordas que o detêm. É a representação da
própria China, que resiste e luta pela sua libertação.

Figura 82 – Li Hua. China ruge!, 1935. Xilogravura, 20 x 15 cm. National Art Museum of China (NAMOC)
Fonte: <http://www.namoc.org/en/collections/201306/t20130619_254018.htm>

Outro nome importante da moderna gravura foi o professor e editor de arte Huang Yan
(1920-1989), proveniente do condado de Xing Ning. Suas atividades iniciais envolveram a
propaganda da guerra antijaponesa. Finalizado o conflito, morou em Taiwan e, em seguida,
em Hong Kong, onde se juntou ao ateliê de pintura Renjian, em 1948. A xilogravura Uma
Pessoa Cai, Milhares de Pessoas Se Levantam (1948), inicialmente intitulada A Chama da
Democracia, é uma homenagem aos mártires que lutaram pela democracia, especialmente,
Wen Yidou (Fig. 83). No plano de fundo, recorda-se o Incidente de 28 de Fevereiro de 1947,
208

no qual um conflito contra o governo chinês liderado pelo Kuomintang (Partido Nacionalista
da China) foi violentamente reprimido e milhares de civis taiwaneses, mortos. É notável a
riqueza de detalhes, os efeitos de luz e sombra e a complexa composição dessa gravura.

Figura 83 – Huang Yan. Uma Pessoa Cai, Milhares de Pessoas Se Levantam, 1948. Xilogravura
Fonte: <http://www.namoc.org/en/collections/201306/t20130619_253906.htm>

Liu Xian (1915-1990) se destacou entre os discípulos de Lu Xun, observando as


orientações do realismo, e tornou-se também pioneiro do movimento da gravura moderna em
madeira. Ele estudou artes gráficas no Japão com Hiratsuka Unichi, em 1934 (NAMOC). Liu
Xian exerceu o cargo de diretor do Departamento de Pesquisa do NAMOC. Desenvolveu um
estilo peculiar nas linhas, que poderiam ser mais econômicas ou mais suaves, como pode ser
visto nos retratos de Karl Marx, Vladmir Lênin e do escritor Máximo Gorki (Fig. 84, 85 e 86).
Nos dois primeiros casos, ambos do início dos anos 1930, é curioso observar os traços
orientais nos rostos da figura. Em Máximo Górki, no segundo caso, parece existir uma
referência maior às formas ocidentais.
209

Figura 84 – Liu Xian. Karl Marx, 1932. Xilogravura, 12 x 15 cm


Fonte: <http://www.namoc.org/en/collections/201405/t20140516_277243.htm>

Figura 85 – Liu Xian. Vladimir Lênin, 1932. Xilogravura, 31 x 19 cm


Fonte: <http://www.namoc.org/en/collections/201405/t20140516_277269.htm>

Figura 86 – Liu Xian. Máximo Górki, 1949. Xilogravura, 32,1 x 25,1 cm. NAMOC
Fonte: <http://www.namoc.org/en/collections/201405/t20140516_277264.htm>.
210

O programa para a cultura de Mao, divulgado no fórum sobre literatura e arte de


Yan’an de 1942, requeria a redescoberta dos recursos nativos do povo chinês, proclamado
pela Revolução sujeito histórico e protagonista da libertação nacional. O artista
autotransformado seria o responsável pelo processo criativo e capaz de sintetizar sua
subjetividade com as necessidades coletivas. O novo modo de produção tratava de adaptar
(gaibian) elementos familiares provindos das tradições folclóricas, não das elites. O objetivo
não era satisfazer desejos individuais, e sim formular estratégias sistemáticas de popularizar a
nova cultura nacional revolucionária. A produção em massa de arte visual também empregou
a adaptação de formas já existentes. A primeira empreitada nesse sentido foi uma campanha
nacional de modificação das populares gravuras de Ano Novo (nianhua), lançada pelo
Ministro da Cultura em novembro de 1949. A ideia era substituir os símbolos de boa sorte por
temas referentes à melhora de vida da classe trabalhadora e cenas que remetessem às
mudanças sociais, culturais e políticas (Fig. 87). O jornal Diário do Povo noticiou que mais
de duzentos artistas, de 26 regiões, aderiram à campanha.

Figura 87 – Criancinhas escrevendo cartas e enviando presentes aos soldados, 1950.


Xilogravura colorida (nianhua).
Fonte: <http://www.childlit.com/battledore/product/new-year-pictures-1950/>.

O projeto de reconfiguração das artes era pautado pela modernização das práticas
tradicionais e pela ideia de arte como experiência pública. Na fase inicial, entre os anos de
1949 a 1952, surgiram associações artísticas e publicações culturais por todo o país, as escolas
foram remodeladas, exposições foram montadas e vários artistas ingressaram no
funcionalismo público.
Já em 1950, a gravura entrou em crise, perdendo a competição para as reformuladas
nianhua, pôsteres e pinturas a óleo. O gravador Li Qun (1912–2012), da primeira geração da
xilogravura moderna chinesa, avaliou que as referências europeias e a falta de características
211

locais afastaram o público. Li Qun observou que, apesar da busca por incorporar elementos
nativos, a preocupação excessiva com aspectos formais e o viés naturalista das gravuras
levaram a trabalhos afastados da realidade e da classe trabalhadora e falharam ao optar pelos
modelos europeus. Lembrando que Käthe Kollwitz foi uma referência importante para a
geração de Li Qun. A ausência da representação do operário urbano também explicaria o
desinteresse nas xilogravuras. Para mudar esse quadro, o artista orientou seus colegas a
estudar as teorias marxistas a fim de compreender melhor o realismo crítico, conhecer
profundamente a vida do povo e procurar se basear nas artes folclóricas.
As publicações comunistas do Brasil divulgaram e comemoraram a Revolução
Chinesa. A edição da Fundamentos de fevereiro de 1950 dedicou várias páginas à Nova China
e a exaltou com o maior acontecimento na época da crise do capitalismo, uma vitória na
direção da libertação dos povos (Fig. 88). A luta e o combate do Exército Popular de
Libertação contra as tropas do Kuomintang, patrocinadas pelos Estados Unidos, eram motivos
de júbilo. A história de resistência chinesa deveria ser um exemplo. Durante o século XIX, o
país atravessou períodos de exploração de ingleses, norte-americanos, franceses, japoneses,
alemães e russos. A classe feudal estava aliada aos interesses estrangeiros. Em 1911, estourou
a revolução popular, liderada por Sun Yat-Sen, que derrubou a dinastia manchu. Em 4 de
maio de 1919, tem-se o importante levante nacionalista e, em 1921, a fundação do Partido
Comunista Chinês. Após episódios da traição da burguesia, que ascendeu ao poder, de Chiang
Kai-Shek, das baixas numerosas nos movimentos de resistência, finalmente, as forças
revolucionárias se consolidaram, tendo à frente Mao Tsé-Tung. A Revolução possuía três
princípios: acabar com os resquícios do feudalismo, livrar a China das intervenções
estrangeiras e estabelecer a democracia. Devido a todos os anos de luta contra o imperialismo
e contra a elite feudal e burguesa, a Nova China se tornou o modelo e representaria um
avanço democrático em direção à paz e à liberdade dos povos (A REVOLUÇÃO..., 1950).
Os gravuristas chineses desempenharam um papel fundamental para consolidar os
valores revolucionários junto à população. A xilogravura, sobretudo, serviu como um canal de
comunicação com a classe trabalhadora, a maioria era analfabeta. Um dos primeiros nomes
reconhecidos da moderna gravura em madeira foi Jou Shi, que muito se inspirou na obra de
Käthe Kollwitz. O artista foi preso e fuzilado por integrante do Kuomintang. Posterirormente,
Lu Xun organizou uma exposição dos trabalhos de Jou Shi em Xangai (A ARTE..., 1950).
Temerosa da influência sobre o povo, a polícia, entre 1932 e 1937, declarou a moderna
gravura inimiga da ordem. Em homenagem aos artistas da Nova China, a Fundamentos
212

ilustrou suas páginas com os trabalhos deles, “que constituíram eficiente arma de combate
contra o imperialismo, a opressão e a miséria” (A REVOLUÇÃO..., 1950, p. 19).
Na capa da Fundamentos, percebem-se as formas orientais para elaborar a cena do
grupo de pessoas que parece estudar e conversar. As linhas são limpas, não existe um plano
de fundo nem a marcação do chão. Já em Trabalhadores, percebe-se um tratamento realista, a
construção de texturas através dos entalhes na madeira, aspectos compositivos,
provavelmente, apreendidos das referências europeias (Fig. 89).

Figura 88 – Capa da Fundamentos – Revista de Cultura Moderna, ano II, n.12, fev. 1950

Figura 89 – Chen Yin Chiao (1911-1970), Trabalhadores


Fonte: FUNDAMENTOS, fev. 1950, p. 12
213

A revista Horizonte estampou gravuras chinesas em quatro capas dos trinta e dois
exemplares (Fig. 90, 91, 92 e 93) e publicou alguns textos de Mao Tsé-Tung – A Propósito de
Literatura (1951); Sobre A Contradição (1952), ensaio de 1937 sobre a dialética materialista;
o poema A Neve (1953), sobre a Grande Marcha47; e Perspectivas da Cultura Nacional
Chinesa (1954). O primeiro artigo é o resumo do discurso inaugural dos debates do fórum de
Yan’an, proferido em 1942, quando Mao era presidente do Partido Comunista da China. Ele
explica que há várias frentes de combate pela libertação nacional, entre elas, a frente cultural.
O escritor deveria se preocupar em produzir para a maioria da população, que era proletária, e
não cair no engano de pôr a classe média em primeiro lugar (muito menos as classes burguesa
e feudal), deixando de lado os operários, os camponeses e os soldados. O primeiro passo do
método para chegar à arte revolucionária seria aprender com o público o que o interessa; o
segundo, definir a matéria-prima a ser empregada, que poderia ser a tradição literária aplicada
de modo crítico. Para o líder chinês, “A função do escritor ou do artista é a de pôr a
experiência de cada dia numa forma organizada e sistemática, de dar relevo aos pontos
essenciais, de caracterizar os tipos, a fim de que o todo se transforme numa peça de arte ou de
literatura” (TSÉ-TUNG, 1951, p.62). As palavras de Mao se remetem às teorias marxianas e
marxistas sobre o tipo e sobre a busca da essência da realidade, que não se limita à aparência e
é capaz de suscitar a reflexão sobre a realidade.
Perspectivas da Cultura Nacional Chinesa integra um trabalho maior intitulado A
Nova Democracia na China, publicado na revista Cultura Chinesa de 1941. É um estudo de
Mao que procura adaptar os princípios de marxismo-leninismo aos países coloniais e
semicoloniais (1954, p. 60). O dirigente chinês declara que a cultura da Nova China participa
da cultura socialista mundial pelo seu caráter anti-imperialista e antifeudal, é a cultura da
Nova Democracia, ainda não é plenamente socialista. Ainda haveria traços da velha política e
da velha economia, a história da China deveria ser respeitada, mas olhando-se para frente,
para o desenvolvimento de uma cultura revolucionária liderada pelo comunismo e voltada
para o proletariado. Novamente, aparece a concepção de que a arte é capaz de mostrar
possibilidades de futuro a partir da realidade. A sociedade transformada pode ser antevista nas
imagens realistas.
A moderna gravura chinesa se tornou modelo de comprometimento social e político.
As concepções do protagonismo da arte na revolução e da busca de elementos tradicionais

47
A Grande Marcha se trata do percurso de 10 mil quilômetros, que atravessou onze províncias até o Norte da
China, de cerca de 100 mil combatentes do Exército Vermelho em apoio a Mao Tsé-Tung contra o governo de
Chiang Kai-shek. Iniciou-se em 27 de outubro de 1934. KOKOTOWSKI, Christa. Disponível em:
<http:/dw.com/p/45ZG>. Acesso em: 3 jan. 2017.
214

eram inspiradoras para os artistas militantes. O realismo socialista no Brasil estava embasado
teoricamente na doutrina soviética e na arte revolucionária da China comunista.
Esteticamente, as referências principais eram os mexicanos, os alemães (sobretudo, Käthe
Kollwitz) e os chineses.

Figura 90 – Anônimo. O Semeador, [de 1930 a 1950]


Gravura chinesa. Capa da Horizonte, Nova Fase, n. 7, jul. 1951
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

Figura 91 – Cen Jen. Soldados da Liberdade, [de 1930 a 1950]


Capa da Horizonte, n. 6, Nova Fase, n. 5, fev.-mar./1951, p. 57
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS
215

Figura 92 – Anônimo. Chegada do Exército de Libertação, 1949


Gravura chinesa. Capa da Horizonte, Nova Fase, n. 8, ago. 1951
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

Figura 93 – Anônimo. Ajudando o guerrilheiro, [de 1940 a 1952]. Capa da Horizonte, n. 10, ano II, dez. 1952
Fonte: Coleção do NPH – IFCH/UFRGS

3.2 DIÁLOGOS

3.2.1 Regionalismo e gauchismo – Seriam os gravadores do CGPA tradicionalistas?

As trajetórias dos Clubes de Gravura se concretizaram na mesma época em que o


Movimento Tradicionalista estava em ascensão. Sua preocupação em representar um tipo que
216

refletisse a realidade campesina sul-rio-grandense foi tomada como um elogio aos temas
folclóricos. Neste ponto do trabalho, procura-se investigar, brevemente, a história do
tradicionalismo, aspectos do regionalismo e suas motivações, na tentativa de esclarecer as
relações possíveis entre esses fenômenos e o CGPA.
Não é difícil encontrar textos de artistas e intelectuais dos anos 1940 e 1950 que
protestam contra a invasão estrangeira no país. A americanização da cultura dos países latino-
americanos, deliberada pelo governo dos Estados Unidos e fruto da Política da Boa
Vizinhança, ajuda a entender o porquê dessas manifestações. No caso dos tradicionalistas,
pode-se pensar que se trata da repulsa a novidades e do culto às tradições. Quanto aos
comunistas, a postura anti-imperialista e a favor da independência e da liberdade nacionais
que adotavam parece ser a melhor explicação. Em todo caso, a defesa da arte nacional e o
regionalismo voltam à pauta dos debates. Espera-se que as informações apresentadas a seguir
indiquem um caminho para elucidar essas questões.
Os Estados Unidos, desde o lançamento da Doutrina do Presidente Monroe, de 1823,
pregam o discurso da segurança da América e colocam-se na posição de garanti-la, já que se
dizem defensores da liberdade e da democracia. A principal ameaça, no século XIX, seria a
recolonização dos países recém-independentes. Sob essa alegação, os norte-americanos
poderiam afastar os rivais europeus e transformar o continente em uma zona de influência
quase exclusiva em que poderiam expandir suas atividades econômicas e intervir na política e
na cultura. As agressões cometidas contra as nações latino-americanas ao longo da história
foram justificadas não como constituintes de um programa expansionista, mas sim como
etapas de uma missão civilizatória baseada em valores “democráticos, liberais e
humanitários” (SANTOS, 2007, p. 24).
O capital norte-americano adquiria cada vez mais importância na América do Sul e
fazia-se necessário mudar parâmetros da relação com a região, também em função da crise de
1929 e da ascensão dos regimes totalitários. Na década de 1930, o presidente Franklin
Roosevelt estabeleceu o programa da Política da Boa Vizinhança, cujas bases eram o aparente
respeito à soberania dos países latino-americanos, acordos de cooperação mútua e facilidades
nas trocas comerciais. A intervenção dos Estados Unidos não era totalmente aceita, e a
indicação de que não haveria mais intromissão nas políticas internas foi uma tentativa de
manter a supremacia no continente.
Longe de ser um projeto desinteressado em prol da harmonia continental, a Política da
Boa Vizinhança visava conter os movimentos populares anti-imperialistas e assegurar a
satisfação dos interesses dos Estados Unidos sem o uso da força militar. O país se tornou a
217

principal economia capitalista influente na América, graças ao enfraquecimento das potências


europeias derivado da Primeira e da Segunda Guerra, e era fundamental bloquear a influência
das ideias do nazi-fascismo e do comunismo no “território dominado”. A execução da Política
da Boa Vizinhança contou com o auxílio da agência de Nelson Rockefeller Office of Inter-
American Affairs (OCIAA). A abertura econômica e a melhora da infraestrutura da América
Latina, patrocinada por grandes companhias norte-americanas, interessavam aos investidores
estadunidenses. O american way of life passou a ser ostensivamente difundido pela indústria
cultural – rádio, cinema, revistas.
A ideia era mostrar as maravilhas da vida moderna que os Estados Unidos seriam
capazes de propiciar, pois era o exemplo maior do progresso. Nos anos 1940, os filmes de
Hollywood tratavam de deslumbrar as audiências por meio de musicais, de romances e de
aventuras. Os mocinhos e as mocinhas das telas encantavam e ditavam moda. A OCIAA
possuía as divisões de Imprensa e Publicações, de Rádio, de Informação e Propaganda e de
Cinema. As empresas NBC e CBS enviavam material para as emissoras Cruzeiro do Sul,
Mayrink Veiga e Tupi, do Rio de Janeiro; Record, Cruzeiro do Sul, Cosmos, Cultura e Tupi,
de São Paulo; Radio Club, de Recife; Pampulha, de Belo Horizonte; Farroupilha, de Porto
Alegre (KONFLAZ, 2013). A cultura de consumo americana espalhava suas raízes por toda a
América.
A década de 1930 foi de inquietação em todo o mundo devido à guerra que se
configurava. Isso inflamava ainda mais os artistas a voltar-se à arte preocupada com a
coletividade. Em 1935, por ocasião da primeira exposição de arte social realizada no Club de
Cultura Moderna, no Rio de Janeiro, Aníbal Machado proferiu uma palestra sobre o caráter
popular da mostra que reuniu obras de Portinari, Goeldi, Di Cavalcanti, Santa Rosa, Noêmia,
Paulo Werneck, Ismael Nery, Guignard, Alcides Rocha Miranda, Teruz, Toledo, J. Barbosa e
Carlos Leão (AMARAL, 2003). As tendências modernistas, para Machado, levavam ao
isolacionismo por não conseguirem se comunicar com o público; ele analisa o porquê de a
produção artística não atingir a maioria da população: “os nossos artistas do colorido têm
estado a serviço apenas de uma classe, e contribuindo para organizar os deleites egoísticos da
parte morta da coletividade, justamente aquela incapaz de criar alguma coisa que nãos seja
morbidez, convulsão histérico-social ou exibicionismo ridículo” (AMARAL, 2003, p. 51).
Machado resgatou a ideia de arte a serviço da sociedade de Plekhanov e reprovou os artistas
que se concentram apenas no virtuosismo técnico.
Naqueles anos, um dos pintores que mais se destacavam era Cândido Portinari,
exaltado pelos críticos Mário Pedrosa e Mário de Andrade e convidado a trabalhar no exterior,
218

como na decoração da Biblioteca do Congresso, em Washington, e do Pavilhão do Brasil da


Feira de Nova Iorque. Em vista disso, pode-se questionar como os Estados Unidos viam essa
produção voltada ao nacional e ao social em plena vigência da Política da Boa Vizinhança.
Aracy Amaral (2003) conta que, no final dos anos 1930, ocorreu uma exposição de
Portinari no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Os artigos de Milton Brown para a
revista Parnassus sobre a mostra do brasileiro e a retrospectiva de Paul Klee fornecem
algumas indicações da posição de parte dos agentes do sistema artístico norte-americano. Klee
não trouxe problemas, falar dele era tranquilo. Já Portinari despertou certa insatisfação, pois a
instituição nova-iorquina tinha o poder de conferir importância aos artistas que exibia. Brown,
conhecendo a política estadunidense para a América Latina, admitiu que a presença de
Portinari tinha a ver com a demonstração de aparente interesse nos latinos. O crítico avisa que
o público do seu país podia se surpreender com o fato de haver gente disposta a pintar em
regiões tão instáveis. Ele pôs em dúvida a capacidade do brasileiro de inovar, o que poderia
levá-lo à superficialidade e a maneirismos, além disso, por pintar para o governo brasileiro,
apontado pelo norte-americano como semifascista, os ideais de Portinari também estariam em
xeque.
O meio artístico e cultural do Brasil se movimentou nos anos 1940. Houve várias
exposições internacionais e a difusão das tendências internacionais não era mais restrita ao
Rio de Janeiro e a São Paulo. Não se fechando nas questões do campo, os intelectuais
organizaram campanhas a fim de cobrar de Getúlio Vargas a entrada na Segunda Guerra ao
lado dos aliados para combater o nazi-fascismo. Enquanto isso, o Programa da Boa
Vizinhança seguia seu curso. Após o fim do conflito, percebem-se dois rumos diferenciados
na cultura – o primeiro, do grupo que aderiu às tendências internacionais; o segundo, que
optou pelo realismo voltado ao social (AMARAL, 2003). A história da formação do Museu
de Arte Moderna de São Paulo envolveu o desejo de modernização das artes e da participação
norte-americana no processo48. Sergio Milliet, então diretor da Biblioteca Municipal, trocou
correspondências com Nelson Rockefeller sobre como constituir uma instituição para a arte
contemporânea. O magnata contribuiu com lições sobre negócios e doações de obras. Em
seguida, o industrial Francisco Matarazzo Sobrinho tomou a frente do projeto.
A agressiva americanização da década de 1940 e a consequente invasão de produtos
da indústria cultural norte-americana incitaram reações de diversos setores. Celso Konflaz
(2013) julga que a intervenção estrangeira está por trás da criação do tradicionalismo

48
Para a história do MAM de São Paulo e a formação de sua coleção, ver Amaral (2006).
219

gaúcho49. Considerava-se que as culturas regionais estavam ameaçadas e necessitavam de


uma defesa institucionalizada. O Centro de Tradições Gaúchas “35” surgiu com esse
propósito: “o centro terá por finalidade zelar pelas tradições do Rio Grande do Sul, sua
história, suas lendas, canções, costumes, etc. [...] o centro não desenvolverá nenhuma
atividade político partidária, racial ou religiosa” (LESSA apud KONFLAZ, 2013, p. 59).
Em 1947, um grupo de alunos do interior da Escola Júlio de Castilhos, liderados por
João Carlos Paixão Côrtes e pelo universitário da Faculdade de Direito Luiz Carlos Barbosa
Lessa, criou o Departamento de Tradições Gaúchas, que promoveu a Ronda Crioula que
envolveu baile, palestras, apresentações de lidas de campo e o acendimento da Chama
Crioula. No ano seguinte, fundou-se o “35”. A primeira tarefa dos jovens tradicionalistas foi
“coletar tradições”, supervisionados pela Comissão Estadual de Folclore (CEF). A ruralidade
e o folclore são as matérias-primas para a construção dos costumes tradicionalistas. Note-se
bem que não são tradições no sentido de práticas culturais perpetuadas por um grupo ao longo
do tempo, mas sim tradições que demandaram, conscientemente, a criatividade dos atores que
as resguardaram. Este texto não se dedicará a tratar profundamente d o tema. Para melhor
entendimento, é resgatado o conceito de Eric Hobsbawm de “tradição inventada”:

[...] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou


abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam
inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o
que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado
(HOBSBAWM, 1984, p. 10).

O CTG “35” foi gerado na cidade, não na campanha gaúcha; entretanto, o rural
perpassava todas as manifestações tradicionalistas. O procedimento de coleta de
indumentárias, danças, música e costumes demandaram uma grande pesquisa. Porém, o
resultado foi uma montagem de fragmentos elaborada conforme critérios diversos. São
tradições inventadas. O próprio Barbosa Lessa admite e alerta que lacunas foram preenchidas
segundo a imaginação. Por exemplo, a “dança do pezinho” foi montada tendo por base uma
brincadeira de roda infantil vista em Palmares do Sul.
O desenvolvimento do gauchismo já passara por uma longa trajetória anterior. Paulo
Gomes (2008) aponta dois momentos do regionalismo artístico do Rio Grande do Sul: o
primeiro foi marcado pela criação do Partenon Literário, pela repercussão da Revolução
Farroupilha, pelo escritos de Apolinário Porto Alegre, Oliveira Belo e Cezimbra Ribeiro; o

49
Para uma análise crítica do tradicionalismo, indicam-se Golin (1983) e Oliven (1992).
220

segundo surgiu com o modernismo das vanguardas e da arte social das décadas de 1920 e
1930 e o projeto cultural de Gustavo Capanema, sobretudo com a literatura regionalista de
nomes como Darcy Azambuja, Vargas Netto e Simões Lopes Neto. Na literatura, percebe-se
que o “gaúcho” teve uma construção multifacetada, diferenciada conforme a época e o autor.
Encontram-se vários tipos de gaúchos: o romântico, de José de Alencar; o trágico, de
Apolinário Porto Alegre; o realista, de Oliveira Belo; o idealizado, de Simões Lopes Neto.
Quanto às artes visuais, os primeiros pintores que trataram em suas telas os cenários e os tipos
locais foram Guilherme Litran (1840–1897) e Pedro Weingärtner (1853–1929).
Durante a República Velha, no Rio Grande do Sul, a agropecuária e as charqueadas
eram as principais atividades econômicas e, portanto, eram a base econômica da classe
dominante local. Entre a intelectualidade, predominava o positivismo, que contemplava os
anseios dos pecuaristas de manutenção do poder; da classe média urbana, de ascensão
econômica; das classes populares, da defesa da questão social (PESAVENTO, 1980).
Destaca-se a tendência de glorificar a imagem do gaúcho, o que se aproxima do modo como
os senhores do campo gostariam de ser vistos, como também a de construir um passado de um
povo bravo, disposto a lutar por suas terras. Os personagens da Revolução Farroupilha, tais
como os generais Bento Gonçalves e Souza Neto, tornaram–se heróis. O gaúcho recebeu a
aura de um guerreiro da liberdade e defensor das fronteiras do país, bem diferente de como
era considerado em suas origens.
Sergius Gonzaga (1980) conta que o gaúcho ou gaudério é um tipo mestiço, errante,
socialmente marginalizado, que se ocupava em arrebanhar o gado. Esse indivíduo se
converteu em peão de estância, um subemprego contratado por um acerto entre ele e seu
patrão. Constituir as tropas que deveriam enfrentar os índios ou qualquer outra ameaça contra
as terras também era uma atividade sua. No século XVIII, gaúcho ou gaudério denotavam um
estigma social, como se vê nesse depoimento de Miguel Lastarria de 1805:

Esses homens não deixam de espantar a quem não esteja habituado a vê-los.
Estão sempre sujos; suas barbas sempre por fazer; andam descalços, e
mesmo sem calças sob a completa cobertura do poncho. Por seus costumes,
maneiras e roupas, conhecem-se seus hábitos; sem sensibilidade e muitas
vezes sem religião. Eles são chamados gaúchos, camiluchos ou gaudérios
[...] Trabalham apenas para adquirir o tabaco que fumam e a erva-mate
paraguaia que tomam em regra sem açúcar e tantas vezes por dia quanto é
possível (NICHOLS, 1946, p. 32, apud GONZAGA, 1980, p. 117).

Gonzaga também dá sua explicação de como a imagem do gaúcho se transformou e,


assim como Sandra Pesavento, encontra na Revolta dos Farrapos, em 1835, o divisor de
221

águas. A classe dominante rural almejava proclamar virtudes comuns entre patrões e peões
para estabelecer uma convivência favorável, deixando de lado a questão de explorador e
explorado. O gaúcho, inicialmente deslocado da sociedade, obtém toda uma carga de
significados na constituição do Rio Grande do Sul. No final do século XIX, as fronteiras já
estavam bem demarcadas e as propriedades, cercadas. Essa “paz no campo” determinou o fim
da necessidade dos serviços habituais do gaúcho e instaurou-se o saudosismo de um passado
romantizado. A literatura contribuiu imensamente na construção do imaginário desse gaúcho
virtuoso idealizado.
A produção literária popular apresentava versos acerca do homem sem terra, da
liberdade, do cavalo, da espada, de uma coragem e orgulho ilimitados. Sergius Gonzaga
(1980, p. 131) alerta que “tudo indica que os estancieiros formularam dentro da ‘práxis’
cotidiana a valorização da coragem sem peias, o desprezo pela vida e por todas as formas de
posse, a fim de eternizar a sua hegemonia e garantir a estabilidade do regime pastoril que
haviam implantado”. Quanto à literatura, em 1911, Ramiro Barcelos lançou Antonio
Chimango, um poema satírico sobre Borges de Medeiros, que apesar de crítico politicamente,
apontava para diversos traços constituintes do imaginário gauchesco.
Na década de 1920, a par dos debates sobre o modernismo, o regionalismo também
despontava como uma questão culturalmente importante, principalmente em relação ao
cosmopolitismo universalista que tinha em São Paulo uma de suas principais portas de
entrada no país. O modernismo da década de 1920 exaltava o regionalismo e o
tradicionalismo como estratégia para unir o país, mostrando a importância de cada lugar que o
formava. Realizaram-se o I Congresso Regionalista (1926), em Recife, e o lançamento do
Manifesto Regionalista, que defendia a conservação dos valores regionais e a região enquanto
unidade constituinte da nação. Gilberto Freyre estava no comando dessas iniciativas que
visavam propor uma maneira de reorganizar o país a partir da convivência das diferenças
regionais. A harmonia entre as identidades regionais era imprescindível para contemplar os
anseios de unidade nacional.
Entre os intelectuais sul-rio-grandenses, o regionalismo foi um ponto de disputa por
posições no campo artístico. A distinção do Rio Grande do Sul do restante do país foi
interessante na conquista da autonomia no período de Júlio de Castilhos, na passagem do
século XIX para o XX. Porém, logo se mostrou necessário que a união cultural se
restabelecesse para que os intelectuais conseguissem seu lugar, visto que não havia
mecanismos de consagração fortes o suficiente no estado. Os estudiosos gaúchos
necessitavam penetrar no mercado; tinham dificuldades de serem publicados em editoras
222

nacionais. A criação da Livraria do Globo veio suprir essa demanda ao forjar um regionalismo
editorial com projeção nacional (MARTINS, 2015; RAMOS, 2016). A questão regional
permaneceu na pauta dos intelectuais gaúchos, principalmente no âmbito da Revolução de
1930, quando a oligarquia do Rio Grande do Sul ocupou postos-chave do poder central:

[...] o regionalismo assumiria a função de eixo estruturante da agenda


intelectual, como “campo do pensável” ou “problemática legítima” de longa
duração, no meio intelectual rio-grandense. Esse eixo estruturante se
desdobrou, de acordo com a conjuntura, em dois sentidos: a) o regionalismo
como instrumento das lutas políticas das elites regionais (políticas e
intelectuais), até meados do século XX; b) o afastamento do regionalismo do
sentido de “missão política”, e aproximação ao sentido de “missão cultural”,
desde o final do Estado Novo. Nesses dois momentos, estão presentes as
contínuas disputas internas e externas pela (re)definição da identidade
regional e dos critérios legítimos regionalismo (MARTINS, 2015, p. 55)

O regionalismo era uma tendência nacional culturalmente forte dos anos 1920 e 1930
e também tinha seus representantes literários no Rio Grande do Sul. Naquele momento, o
gauchismo ufanista e idealizado se atenuava e apareceram romances sociais críticos.
Destacam-se as obras de Cyro Martins (1908-1995), escritor da “trilogia do gaúcho a pé”,
composta pelos livros Sem Rumo (1937), Porteira Fechada (1944) e Estrada Nova (1954),
que tocam em temas como o êxodo rural, a miséria e a exploração cometida pelos
estancieiros. Cyro Martins rejeitou a visão romântica da história do regionalismo e adotou o
localismo, um tipo de literatura preocupado com os temas locais, fundamentado na
consciência social, que evitava o uso de arquétipos positivos e voltava-se para a vida dos
trabalhadores (ZALLA, 2002).
Nos anos 1940, a gauchismo passou por uma nova fase. A iniciativa dos estudantes do
Júlio de Castilhos recebeu o aval de membros da intelectualidade interessados em preservar a
cultura regional; as ações iniciais foram descritas nas páginas anteriores. Manoelito de
Ornelas elogiou o que viu na Ronda Gaúcha de 1947, celebrando o entusiasmo dos jovens
que, mais do que resgatar os costumes gauchescos, enalteciam as virtudes morais do caráter
gaúcho (ZALLA, 2002, p.81). As motivações dos pioneiros do tradicionalismo incluíam a
rejeição aos elementos modernizadores e “americanizadores”, citados anteriormente, e o
estranhamento que o ambiente urbano provocava naqueles que vinham do interior. O quadro
que se configurava era o de conflito entre tradição e modernidade. Logo, apoiado pela camada
conservadora da sociedade porto-alegrense, forjou-se uma identidade regional calcada em
valores “rurais” adaptados, da cidade para o campo. Resgataram-se textos regionalistas para
reforçar os laços históricos da empreitada. Em 1949, Simões Lopes Neto foi reeditado. O
223

gaúcho voltou a andar a cavalo e surgiram novos “costumes antigos”. O próprio chimarrão,
originalmente tomado para amenizar o gosto ruim de águas salobras e ajudar na digestão da
carne mal preparada ao longo do percurso dos peões, passou por uma ressignificação e
consolidou-se como um hábito por todo o Rio Grande do Sul50. Entidades governamentais
tiveram a função de promotoras do tradicionalismo.
O papel do Estado na constituição da identidade cultural é preponderante: “Assim
como o Estado-nação procura delimitar e zelar por suas fronteiras geopolíticas, ele também se
empenha em demarcar suas fronteiras culturais, estabelecendo o que faz e o não faz parte da
nação” (OLIVEN, 1992, p. 20). A escolha do que é nacional e do que é regional não abarca as
múltiplas expressões de um país ou de uma região, mas sim a seleção de um grupo que tem o
poder de fazê-la. O regionalismo tem dimensões políticas e econômicas, envolve
desigualdades sociais, apesar de funcionar no sentido de suscitar a união despertando
sentimentos coletivos. Tanto o regionalismo quanto o nacionalismo envolvem as questões de
memória coletiva e de identidade que resultam da disputa de forças no campo simbólico pela
hegemonia. A disseminação do resultado dessa luta, vinculada à ideologia dominante, fica sob
a responsabilidade de outros agentes, os meios de comunicação, o sistema escolar e os
intelectuais. A historiadora Sandra Pesavento afirma que ideologia é

[...] uma concepção ou visão de mundo ligada a uma classe que traduz a
realidade objetiva e formula conceitos sobre ela a partir dos interesses desta
classe [...] a escala de valores desta classe se impõe sobre o conjunto da
sociedade, apresentando-se como verdadeira expressão da realidade.
(PESAVENTO, 1980, p.6)

Barbosa Lessa, um dos idealizadores do tradicionalismo, mudou-se para São Paulo e


tornou-se colaborador da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e produtor da TV Record e
da TV Excelsior, mas não se desvinculou do CTG. Em 1954, ajudou a organizar o I
Congresso Tradicionalista Gaúcho, na cidade de Santa Maria, no qual divulgou um texto-base
do movimento, O Sentido e o Valor do Tradicionalismo. Na época, já havia trinta e oito CTGs
espalhados pelo estado. No ano seguinte, em Rio Grande, ocorreu o II Congresso
Tradicionalista, que lançou A Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista do Rio
Grande do Sul. A federação Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) foi fundada em 1966.
Celso Konflaz (2013) procura explicar a grande e rápida adesão ao tradicionalismo.
Primeiro, verifica a influência do campo sobre a cidade e a importância do rural na formação

50
Em 1950, contabilizava-se que, dos 36 milhões de quilos de erva-mate produzidos no Brasil, 18 milhões eram
consumidos pelos gaúchos (ZALLA, 2002).
224

social e na economia do Rio Grande do Sul, o que atraiu para o movimento pessoas que
tinham raízes na campanha, porém, moravam na área urbana. O caráter popular e a ênfase na
prática dos costumes tradicionalistas, em vez da formulação de teorias, facilitaram o acesso
das camadas populares. A representação espetacularizada dos costumes dos peões e dos
colonos, própria da estética do galpão, seduzia os citadinos e proporcionava aos descendentes
de simples agricultores certo orgulho de suas origens. A ludicidade e o aspecto ritual e mítico
do tradicionalismo são propriedades relevantes para se entender o engajamento de parte
considerável da população, ávida por algo que a distinguisse culturalmente.
Os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), conforme indica Sergius Gonzaga, são
resultado de tentativas de enaltecer o passado idealizado e defendem uma identidade
vinculada a concepções de uma raça valorosa e livre. Isso, provavelmente, ocorreu pela
grande dificuldade de compreensão dos mecanismos do sistema de produção capitalista
contemporâneo, que destitui a possibilidade de integração de uma gente que requeria um
senso de comunhão. Letícia Borges Nedel, em seu texto sobre o regionalismo no campo
intelectual, também enfatiza o papel dos CTGs na formação de uma unidade cultural
imaginária:

[...] através da proliferação de CTGs, da promoção dos festivais gauchescos,


rodeios, desfiles, concursos e outras formas de inclusão de novos mediadores
não necessariamente ligados aos meios intelectuais, a figura emblemática do
gaúcho impôs-se no centro da reflexão coletiva sobre o passado, que já não
se limita a ser inventariado, mas é presentificado pelo culto ritual à tradição.
Ao lado da proliferação de encenações públicas da liturgia gauchesca, o
tradicionalismo integra-se ao aparto governamental de gestão da cultura e
impulsiona o desenvolvimento de uma indústria alimentada por potentes
veículos de mediação, como o rádio, o cinema e a publicidade. Tudo isso
colabora para promover a expansão social e geográfica do chamado
“gauchismo”, onda comemorativa que captura o discurso de exaltação
regional do ambiente restrito das academias históricas e literárias para
estendê-lo aos campos da propaganda, do espetáculo e do turismo (NEDEL,
2007, p. 401).

A institucionalização, as doutrinas rígidas e as regras do Movimento acarretaram no


distanciamento do folclore que foi sua referência primeira:

[...] o Tradicionalismo por assim dizer, na medida em que a sociedade se


modernizava e que o mundo rural antigo ia desaparecendo, desenvolvia seus
processos institucionais, e separava-se da vida cotidiana, tornando-se assim
um campo autônomo com suas próprias regras e expressões (KONFLAZ,
2013, p. 150).
225

Afastado dos elementos folclóricos, o caráter ritual (e dogmático) se radicalizou no


MTG. Apesar disso, o sentimento de pertencimento a um povo de tradições valorosas parece
ser o que leva aos adeptos do Movimento a minimizar ou a não questionar os critérios que
decidem o que é o que não é autêntico dos gaúchos. Outros pontos problemáticos nas
formulações tradicionalistas são a exaltação de personagens históricos de maneira ufanista e
pouco crítica, como é o caso dos farrapos; a distorção da história a fim de ocultar o que não
seria conveniente aos “heróis”; a ausência de relatos das violências contra os indígenas e
negros e a minimização do legado dos afrodescendentes. Exemplo disso é o episódio da
Revolução Farroupilha conhecido como a Batalha dos Porongos (1844), na qual o regimento
dos Lanceiros Negros foi atacado de surpresa e massacrado, com a concordância do general
David Canabarro, que ordenou a retirada das armas dos soldados às escondidas.
Apesar de todos os problemas levantados sobre o tradicionalismo, não se pode afirmar
que seja inverossímil, completamente fantasioso e falso, ou mesmo estático e cristalizado,
como afirmam seus críticos mais ferrenhos, conforme a análise de Celso Konflaz (2013). As
referências à realidade rural, aos costumes dos campesinos são concretas. São traços da
cultura interiorana, mesmo deslocados no tempo e no espaço e convenientemente
transformados.
O período de florescimento do tradicionalismo coincidiu com o aparecimento dos
Clubes de Gravura e da revista Horizonte, que, como sabemos, voltavam-se às temáticas
regionais. Isso incita a pensar se existiriam relações entre eles. É preciso atentar que as
motivações dos protagonistas à frente dessas entidades foram diferentes, como também os
projetos em que se inseriam. O tradicionalismo se vinculava aos propósitos de preservação de
costumes e de resgate histórico sob uma óptica idealizada, que acabou por contemplar
interesses governamentais e da classe dominante. É um movimento urbano de transposição e
modificação de elementos rurais. A metodologia de pesquisa desses elementos incluiu a
investigação de campo e também um peculiar procedimento de montagem e de preenchimento
de lacunas a cargo do heterodoxo folclorista.
A busca pela realidade local desempenhada pelos gravadores do CGPA pouco tem a
ver com isso. O programa cultural comunista demandava ir ao encontro do povo, observar sua
vida e utilizar o aprendido para fazer obras capazes de comunicar a mensagem socialista
através de aspectos familiares ao espectador e ao artista. Os integrantes excursionaram pelas
estâncias gaúchas para observar o dia a dia dos trabalhadores do campo, sendo que esse
cotidiano não era de todo desconhecido por eles, pois muitos deles vinham do interior. Em
1951, Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves, Carlos Scliar e Glênio Bianchetti se
226

hospedaram nas terras de Ubirajara Morais, em Bagé. Nos dois anos seguintes, o grupo
passou um período na Fazenda Delícias, de Ismael e Pepita Collares (QUADROS, 2010;
SCARINCI, 1982), com exceção de Bianchetti, que se mudara com sua esposa, Ailema, para
Curitiba, em 1952. Os objetivos do grupo eram aperfeiçoar o desenho e estudar a paisagem, as
pessoas e os artefatos empregados nas atividades corriqueiras. A estada no campo gerou
muitos trabalhos, como a série Estância, de Carlos Scliar.
Não se localizaram textos de autoria dos artistas sobre o tradicionalismo; entretanto,
pode-se supor que compartilhavam das opiniões de seus colegas da Horizonte. A criação do
“35” completava três anos em 1951. Os objetivos difusos da organização, que mais do que
cultivar o folclore se propunha a fundar o movimento tradicionalista, é tema de Mário Mattos
(1951, p. 134). Mattos observa que o momento exige mais clareza devido à invasão da cultura
importada, dos Estados Unidos, principalmente, que impõem a mesma feição a todos os povos
e cultua a guerra. O autor avalia que se deve sim preservar as tradições do Rio Grande do Sul,
mas não de forma generalizada; é preciso selecionar o que vale a pena. A história do estado
tem traços que em nada dignificam o ser humano, como a prática da degola de prisioneiros em
conflitos e a exploração e a submissão dos peões imposta pelo dono da terra. No “35”, o
presidente é chamado de “patrão” e os demais, de “peões”, e isso é alvo da crítica de Mattos,
pois exalta a exploração em vez de criticá-la. Os aspectos positivos da tradição, que deveriam
ser preservados, seriam aqueles que ajudariam o povo a compreender a realidade e construir o
futuro: “Fugir a esta realidade é cair no tradicionalismo vazio e sem consequências, no lirismo
infantil impotente contra os fatos, no saudosismo bolorento e no medo do futuro” (MATTOS,
1952, p. 134).
Para o autor, o verdadeiro regionalismo se encontra entre a gente simples, ele se volta
contra a opressão e visa à melhoria da vida do povo que habita os ranchos e que busca o seu
pedaço de terra e condições dignas de trabalho. O marxismo favoreceria o desenvolvimento
da cultura local e não prega dogmas e padrões e “e nos ensina que a tradição, surgida sempre
do seio do povo, é depois monopolizada e deformada pelas classes dominantes em proveito de
seu poderio” (MATTOS, 1951, p. 135). Mário Mattos chama a atenção dos integrantes do
“35” para que as tradições não sejam desvirtuadas e que sejam mantidas a fim de edificar uma
sociedade mais justa.
Sobre os episódios lamentáveis da história do estado, Sérgio da Costa Franco lembra
que a prosperidade das charqueadas estava fundamentada na exploração do trabalho dos
negros escravizados “disciplinados a chicotes e aquartelados nas senzalas” (FRANCO, 1956,
p. 6). Quanto aos pequenos camponeses, muitos deles de origem açoriana, há de se recordar
227

que estavam sujeitos ao recrutamento arbitrário do exército e ao confisco de sua produção, o


que lhes trazia prejuízos insuportáveis. Porém, foram nos locais em que a agricultura livre
conseguiu se desenvolver que se constituíram centros urbanos importantes no Rio Grande do
Sul, por exemplo, Taquari e Triunfo. Ao tratar dos índios, lembra que o sistema missioneiro
dos jesuítas do século XVIII, apesar de ser um plano de aculturação que respeitava em certo
grau os costumes indígenas, assemelhava-se ao feudalismo, em que os padres
desempenhavam o papel de senhores feudais, de classe dominante. Os constantes saques nas
regiões de Missões e a atuação de ladrões de gado foram um tormento durante muitos anos
para os índios. Isso provocou a imigração para o Uruguai e para o Paraguai e também o
extermínio indígena, como aconteceu na revolta contra o caudilho uruguaio Rivera, em 1831.
Devido a todos esses eventos, o Rio Grande do Sul necessitaria de uma história popular, que
se construísse mirando o povo, não a elite. Franco adverte que a historiografia burguesa
ignora as massas, que, quando constam nos escritos, aparecem como estatísticas e números,
como pano de fundo dos feitos dos “grandes”. Mesmo que as pessoas do povo não tivessem
grande expressão na cena política, elas foram o suporte e o material da infraestrutura do
sistema de produção e dos acontecimentos. Os peões, os soldados, os escravos e a gente
simples constituíram o proletariado urbano e rural, transmitiram suas experiências e seu
legado aos revolucionários do presente (FRANCO, 1955).
O tradicionalismo idealizado e ufanista quer congregar as diferentes classes sociais
como se a elite agrária e o camponês compartilhassem plenamente da mesma cultura e dos
mesmos sentimentos. As condições de vida e as relações de dominação já derrubam essa
crença. Os comunistas dos anos 1950 defendiam a arte nacional e a valorização das tradições
locais a fim de se aproximar das massas, visando a um projeto maior no qual a cultura
auxiliaria a fomentar os desejos de liberdade e de progresso. O regionalismo crítico e popular
não queria reafirmar velhas ideias e tornar o processo histórico estanque. Menos ainda pode-
se dizer tal coisa dos regionalistas comunistas, como Cyro Martins. O socialismo, conforme
as palavras de Ernst Bloch (2005), é a práxis da utopia concreta. A análise da situação
presente ou mesmo passada traz em si a prospecção de uma possibilidade de futuro. A arte
realista socialista (entendida para além do zhdanovismo) não se reduziria ao visível das
coisas, mas representaria uma “pré-aparência” pela fábula e pelo exagero, em suma, pelo
processo criativo, prolongando o existente, gerando “a imagem essencial da coisa
decididamente desenvolvida mediante instâncias exemplares” (BLOCH, 2005, p. 212), que se
refere ao tipo de Engels.
228

Ao falar das várias gravuras de Glênio Bianchetti sobre a realidade rural, Carlos
Scarinci afirma que o artista as executou aplicando uma “visão idealizante do homem do
campo sulino, pronunciando uma adesão involuntária, talvez, à ideologia conservadora do
movimento tradicionalista gauchesco” (SCARINCI, 1982, p. 91). Tal afirmação é discutível.
Imbuído da vontade de aprimorar a linguagem plástica e de conhecer a vida dos camponeses,
Bianchetti observou e anotou as tarefas diárias, as vestimentas e os hábitos. Não se percebe
nessas obras a retórica grandiloquente que representaria os trabalhadores do campo de
maneira heroica, com físicos fabulosos, com a altivez do herói positivo zhdanovista. As
mulheres não estão de “prenda” nem os homens trajam uma “pilcha” completa. Ao ver a
simplicidade das vestes da camponesa descalça que usa o pilão (Fig. 95), dificilmente se
poderia declarar que se trata de uma cena idealizada em prol de tornar aquela figura
fenomenal.
Em Preparando o Banho, peões juntam o material necessário para a higiene dos
cavalos, possivelmente. Percebe-se que seus rostos não aparecem, como se sua identificação
fosse irrelevante. Talvez Bianchetti quisesse demonstrar a falta de atenção dada a apenas mais
alguns campeiros, que deveriam ser menos considerados pelo patrão do que os animais de que
cuidavam. Como a vida não é só labuta e sofrimento, o artista também representa momentos
de divertimento. Na feira, as mulheres escolhem os vasos diretamente do oleiro; no pátio, as
crianças brincam com bolinhas de gude. Ao ar livre, o povo festeja tocando a gaita, o violão e
o pandeiro (Fig. 94, 95, 96, 97 e 98).

Figura 94 – Glênio Bianchetti. Feira


Fonte: Correio do Povo, Caderno H, 25 jul. 1953, p. 8 [registro fotográfico da autora]
229

Figura 95 – Glênio Bianchetti. Mulher no Pilão, 1951


Fonte: Correio do Povo, Caderno H, 10 abr. 1954, p. 8 [registro fotográfico da autora]

Figura 96 – Glênio Bianchetti. Sem título


Fonte: Correio do Povo, Caderno H, 24 jul. 1954, p. 9 [registro fotográfico da autora]
230

Figura 97 – Glênio Bianchetti. Sem título


Fonte: Correio do Povo, Caderno H, 10 jul. 1954, p. 9 [registro fotográfico da autora]

Figura 98 – Glênio Bianchetti. Preparando o banho


Fonte: Correio do Povo, Caderno H, 18 jun. 1953, p. 9 [registro fotográfico da autora]

O mundo do trabalho do Rio Grande do Sul e suas particularidades serviram de


inspiração para os gravadores. Danúbio Gonçalves (2003) defende que o regionalismo é uma
231

expressão criativa legítima e que os fatores sociais e ambientais podem inspirar artistas
talentosos. Ele é o autor de duas séries de xilogravuras importantes, Xarqueadas (1953) e
Mineiros de Butiá (1956), confeccionadas a partir da observação da realidade. Danúbio se
esforçou em registrar em inúmeros desenhos as atividades e as ferramentas dos mineiros e dos
charqueadores (STORI, 2000). Norberto Stori observa que o artista abdica do emocional lírico
e trabalha a partir de uma perspectiva realista em tom objetivo e trágico. As obras têm um
viés expressionista conferido pela dramaticidade dos efeitos de luz e sombra, mais notável em
Mineiros.
Danúbio utiliza a técnica da xilogravura de topo em Xarqueadas, mas sem se perder
no virtuosismo técnico, os entalhes são secos e é possível ver as marcas do buril (STORI,
2000). A série foi editada pelo CGPA e premiada no Salão Nacional de Arte Moderna de
1954. O trabalho nasceu de anotações feitas na cidade de Bagé e inspirou-se no romance
homônimo do escritor baiano Pedro Wayne. Algumas obras da série foram reproduzidas nas
páginas da Horizonte. Danúbio busca representar a realidade dos trabalhadores das
charqueadas do interior do Rio Grande do Sul. Tanto o livro quanto as gravuras podem ser
considerados representantes do realismo socialista, no entendimento mais profundo do termo,
além do zhdanovismo. Eis um trecho descritivo das atividades dos charqueadores presente na
obra de Wayne:

Carrinhos carregados de sal se derramavam no monte farto e branco que


clareava alto num canto da salga pronto para ser lequeado pelas pás ágeis
dos salgadores. Os largos portões abertos recebiam a ventilação da viração
que passava e entrava para ir lá dentro arejar a cancha. Os tanques limpos,
cheios de salmoura, borbulhavam bem dosados. As canaletas que cortavam a
cancha, para dar escoamento à águas , eram tapadas nas bocas para guardar
as salmouras que escorressem das carnes molhadas, depois de ganchadas dos
tanques em mergulhavam. Azeitava-se zelosamente o guincho a vapor que
arrastava os animais amedrontados para o sacrifício. Taravam as balanças.
As zorras sobre os trilos com o braço elo qual iam ser puxadas, estendido,
descansando no chão de cimento. As tinas de cozinhar os ossos destapadas.
Os experimentados para não rebentarem. As facas de dois gumes, com que
desnucavam as reses, sobre a parede alta as mangueira, ao alcance da mão do
desnucador. A instalação elétrica, revisada; não fosse faltar a luz. O nível da
água, cuidado; para que não faltasse água na cancha. E o capataz, lenço de
palha de seda no pescoço, revólver 38 atravessado na frente, ostensivamente,
tamancões pesados, calcando aquela arrogância que era uma figura nojenta,
ando ordem aos gritos, insultando, vexando (WAYNE, 1982, p. 35-36).

O romance Xarqueada, de Pedro Wayne (1904–1951), foi, originalmente, publicado


em 1937. O título, grafado com X, foi sugestão de Oswald de Andrade e Jorge Amado. A
história, ficcional, reporta o dia a dia de uma das mais importantes atividades econômicas do
232

Rio Grande do Sul, já em declínio na época da escrita do livro, a produção de charque. Pedro
Wayne participou ativamente do processo, pois trabalhou no boliche que fornecia suprimentos
aos empregados da charqueada de seu sogro, em Bagé. A busca pelos aspectos regionais era
característica dos intelectuais que queriam modernizar o campo artístico e viam na
valorização do que seria tipicamente brasileiro as bases da construção de uma arte nacional
nas primeiras décadas do século XX. Mais do que isso, havia a vontade de tratar dos
problemas sociais e de se afastar dos temas agradáveis às elites. Isso tudo se acentua quando
há o comprometimento com causas políticas, como é o caso do escritor Pedro Wayne e do
artista Danúbio Gonçalves.

Figura 99 – Danúbio Gonçalves. Salga (série Xarqueadas). Xilogravura, reproduzida na Horizonte, n. 9, ano II,
out.-nov. 1952, p. 260
Fonte: Arquivo João Batista Marçal, Viamão, RS [ registro fotográfico da autora]

Danúbio também não foi simplesmente um observador externo do que se passava nas
propriedades rurais, mas sim um dos personagens da história em certa medida. Seu pai
fornecia reses a charqueadas de Bagé (LEITE, 2011). Motivado pelo desejo de registrar os
trabalhadores mais humildes em sua obra, ele se dedicou a diversos estudos acerca da
produção do charque, o que resultou na série de gravuras mais importante de sua carreira.
233

O artista registrou as etapas da fatura da carne seca, nas quais cada peão tinha sua
função: o zorreiro, o carneador, o manteiro, o matambreiro, o picador, o lingueiro, o tirador de
carretilha e o mergulhão. Em Salga (Fig. 99), veem-se os mergulhões em ação. Esses
trabalhadores eram assim denominados porque sua função era manter as mantas de carne
mergulhadas na salmoura. Na cena, vários homens manipulam o produto com o que parecem
ser grandes varas de madeira em uma cancha dividida em tanques. Ao lado deles, operários
deslocam, presume-se, montes de sal. Ao fundo, figuras parecem estar em repouso.
A série Xaqueadas merece atenção não só por sua qualidade artística. Danúbio deixa
como legado o registro do final da “Era do Charque”, cujas marcas ainda podem ser
percebidas em muitas cidades do Rio Grande do Sul até hoje.
Para fazer Mineiros de Butiá, Danúbio desceu as minas do município sul-rio-
grandense a fim de experimentar o ambiente e estudar as condições de trabalho a que estava
submetida diariamente aquela categoria profissional. A realidade dos mineiros é registrada em
madeira de fio e de topo (STORI, 2000), e Danúbio emprega cores em algumas gravuras. O
artista descreve o que viu nos subterrâneos:

Sensação inesquecível ao percorrermos a galeria de uma mina carbonífera: o


ébano subsolo, tenuemente iluminado por minúsculo ponto do lampião a
carbureto, que vagarosamente vem se aproximando com o som cavernoso
das sincronizadas passadas do mineiro. Consciente da jornada implacável do
trabalho. Passos também direcionados para os alvéolos do pulmão
contaminado. Insalubre existência prisioneira na teia do enigmático cárcere,
impossibilitado de se desvencilhar... (GONÇALVES, 2000).

Não foi à toa que os mineiros chamaram a atenção de Danúbio. A mineração era uma
atividade econômica relevante que, sabidamente, sacrificava os trabalhadores51. Em 1955, o
jornal A Hora publicou uma reportagem sobre os operários das minas da cidade de São

51
A mineração de carvão iniciou-se no Rio Grande do Sul no século XIX e recebeu grande impulso durante a
Primeira e a Segunda Guerra devido às dificuldades de importar o produto. Em 1936, as empresas exploradoras
do combustível de São Jerônimo e de Butiá formaram o CADEM (Consórcio Administrador de Empresas de
Mineração). No princípio da década de 1940, o carvão era o principal produto de exportação, em volume, do
estado. As minas atraíam muitos trabalhadores que se sujeitavam aos perigos de explosões, de desabamentos e
de moléstias como a pneumoconiose. A insegurança, a insalubridade e a insatisfação com os proventos
miseráveis motivaram a mobilização dos mineiros e a promoção de piquetes e greves, como a de 1946, que
deixou Porto Alegre às escuras e prejudicou a produção e os transportes. Foram 36 dias parados, sem receber,
sob forte pressão (SPERANZA, 2012). A Lei nº 9070, de 15 de março de 1946, do presidente Eurico Gaspar
Dutra, inviabilizava as paralisações e muitos confrontos entre operários e a polícia ocorriam, bem como
processos judiciais e perseguições contra os líderes sindicais (CHASSAVOIMAISTER et al., 2005). O PCB
participava e organizava o movimento paredista, geralmente, através do Movimento Unificado dos
Trabalhadores (MUT). A ida de Danúbio Gonçalves às minas para registrar o dia a dia dos trabalhadores gerou
uma série de gravuras, em que o drama da experiência transparece nos cortes da madeira, que serviram de
testemunho, de denúncia da injustiça e da opressão sofridas pessoas que geravam a riqueza gaúcha.
234

Jerônimo baseada no discurso e no levantamento feitos pelo deputado estadual Walter


Giordano Alves, que visitara a região. O texto informa que a média de idade de ingresso no
trabalho era 12 anos e a de aposentadoria, 35. Os mineiros ficavam à mercê de grande risco de
acidentes e de doenças incapacitantes, sendo que as respiratórias correspondiam a mais de
40% (TRABALHO..., 1955).
Na xilogravura Colocando o carro nos trilhos (Fig. 100), vislumbra-se o que Danúbio
conta acerca da parca luz vinda de um lampião na escuridão dos túneis. As figuras esguias, de
musculatura bem marcada, dispendem uma grande força para encaixar o vagão carregado do
material de uma longa e penosa jornada de trabalho. Os semblantes dos homens são
indistintos, talvez para mostrar que compartilhavam da mesma custosa existência e do mesmo
destino. Os olhos entreabertos e cansados parecem expressar a falta de ar, de vida, daquelas
pessoas para as quais o fazer diário era uma sentença de uma morte dolorosa que viria em
breve.

Figura 100 – Danúbio Gonçalves. Colocando o carro nos trilhos, 1956. Xilogravura, 20 X 25 cm
Fonte: DANÚBIO, 2000, p. 78

Às mulheres e às crianças cabiam as etapas da mineração ao ar livre. A cata e a


peneiração exigiam grande esforço físico e gerava uma quantidade considerável de material
particulado que se depositava nos pulmões. As imagens das figuras curvadas de Danúbio,
compenetradas, transmitem a sensação de pesar da labuta das mulheres e daqueles pequenos
que tinham seu futuro seriamente comprometido. Clarice Speranza (2012) constata que os
235

menores se machucavam no serviço e não conseguiam frequentar a escola como deveriam, e o


registro de Danúbio vem atestar a presença do trabalho infantil (Fig. 101).

Figura 101 – Danúbio Gonçalves. Série Os Mineiros de Butiá, 1956. Xilogravura, 20 x 26 cm


Fonte: <http://gravuraulbra.blogspot.com.br/2011/06/danubio-goncalves-mineiros-de-butia.html>.

3.2.1.1 Além do interior idealizado e da exaltação do folclore – o proletariado urbano e


rural em gravura

O tradicionalismo e os Clubes de Gravura pertencem a dois projetos distintos.


Entretanto, por tratarem do regional, os dois se confundem e parecem se aglutinar se forem
vistos desatentamente. Houve ocasiões em que, de fato, o CGPA e os tradicionalistas se
aproximaram. É sabido que ocorreu uma mostra de gravuras durante o II Congresso
Tradicionalista. Além disso, o Festival Crioulo pela Paz, tanto na edição de Porto Alegre
quanto de outras cidades, congregou os partidários da paz e cantores populares e gauchescos.
A reportagem do jornalista piauiense Abdias Silva (1953, p. 40) Retornam aos Temas
do Folclore os Artistas da Nova Geração Gaúcha, publicada no Correio do Povo, inicia sua
argumentação tratando da receptividade da empatia dos chineses quanto às gravuras do CGPA
expostas em setembro de 1952, na cidade de Pequim. Silva se pergunta os motivos que
levaram habitantes de longínquo Oriente a se sentirem unidos aos brasileiros por meio das
imagens das malocas do entorno do arroio Dilúvio ou de um peão de Bagé; e ele mesmo
responde: “o que isto prova é que nada de existe de mais universal do que o folclore e que
uma obra de arte, quanto mais regional, mas tem de duradouro”. O CGPA divulgou os
motivos regionais sul-rio-grandenses em várias exibições no país e no exterior, e isso foi
236

positivo não somente para a promoção do estado, mas por motivar artistas de outros locais –
São Paulo, Santos, Curitiba, Rio de Janeiro – a criarem entidades semelhantes (SILVA, 1953).
O jornalista, também colaborador da Horizonte, exaltava a gravura em madeira e
linóleo como fator de democratização artística. A técnica envolve a criação artística e práticas
artesanais e possibilita a confecção de múltiplas cópias. Todo mês, o CGPA escolhia um
trabalho a ser distribuído aos associados, que, até aquele momento, chegavam ao número de
cem. Em agosto de 1953, o Clube registrou seu estatuto no qual constava como sua principal
finalidade difundir e ensinar a arte da gravura. Outros projetos em andamento destacados por
Silva são os álbuns Xarqueadas, de Danúbio Gonçalves, Antonio Chimango, de Glênio
Bianchetti, e Estância, de Carlos Scliar.
O CGPA possuía duas categorias de sócios, os contribuintes e os artistas. No segundo
grupo, estavam Plínio Bernhardt, Glênio Bianchetti, Ailema de Bem Bianchetti, Fortunato
Oliveira, Gastão Hofstetter, Danúbio Gonçalves, Edgar Koetz, Carlos Mancuso, Carlos
Alberto Petrucci, Vasco Prado, Glauco Rodrigues e Carlos Scliar. O contribuinte pagava a
mensalidade de 50 cruzeiros e tinha direito a uma gravura por mês. O Clube tinha a proposta
de confeccionar uma edição de luxo de doze obras em duplicata por ano.
Silva cita as palavras de Sérgio Milliet para explicar que a gravura implica a vontade
de transmitir a “mensagem realista, de fé no homem do trabalho, no construtor da riqueza
gaúcha, uma mensagem também de amor à terra” (MILLIET apud SILVA, 1953, p. 17). Em
um rompante entusiasmado, o jornalista finaliza o texto declarando que o trabalho dos Clubes
de Gravura “representa um esforço de divulgação e exaltação aos motivos eternos do nosso
folclore, como se fosse um verdadeiro sindicato de amor ao Rio Grande” (SILVA, 1953,
p.17).
É evidente a valorização dos temas regionais pelos gravadores; entretanto, por tudo o
que já foi dito até aqui, não se pode concordar plenamente que se tratava de mera exaltação ao
folclore. Existiu a deliberação de empregar uma linguagem que se afinasse ao gosto do
público e que permitisse a conexão entre o espectador e a obra. Nem todos os sócios artistas
tinham interesse em se focar na vida campesina. Em entrevista a Susana Gastal, Vasco Prado,
que não participou das excursões às estâncias, declarou o seguinte a respeito da preferência
pelo mundo rural: “Eu era contra isto. Tanto que no meu trabalho apresentei o tipógrafo, fiz o
oleiro, personagens da cidade. A vida da cidade sempre me interessou mais, dos jogos na
cidade, do futebol” (GASTAL, 1994, p. 97). Edgar Koetz e Glênio Bianchetti compartilhavam
do interesse nas paisagens e no proletariado urbano. Prado retrata homens em uma fundição
na xilogravura utilizando a cor laranja a fim de remeter ao brilho característico do metal a
237

altas temperaturas (Fig. 102). Em Lavadeiras (Fig. 103), Bianchetti mostra a pobreza e o
serviço árduo das mulheres encarregadas da roupa suja e localizadas em um ponto baixo da
cidade, tanto geográfico quanto econômico e social. Koetz volta o seu olhar aos operários da
construção e registra o momento em que se empenham no desmonte de uma casa (Fig. 104).

Figura 102 – Vasco Prado. A Fundição, 1953. Xilogravura, 1953, MARGS


Fonte: <http://www.margs.rs.gov.br/catalogo-de-obras/V/16723/>

Figura 103 – Glênio Bianchetti. Lavadeiras, 1952. Linoleogravura, 15 x 26 cm


Fonte: CORREIO DO POVO [suplemento], 4 jul. 1953, p. 8 [registro fotográfico da autora]
238

Figura 104 – Edgar Koetz. Demolição, 1954. Xilogravura, MARGS


Fonte: <http://www.margs.rs.gov.br/catalogo-de-obras/K/16546/>

Os intelectuais comunistas, embora críticos da falta de metas claras e da associação


com os interesses da classe dominante por parte do movimento tradicionalista, talvez não se
opusessem radicalmente a realizar ações conjuntas devido à aceitação e à rápida disseminação
das práticas tradicionalistas entres as camadas populares. Tem-se o caso já citado da
exposição do CGPA concomitante ao Congresso Tradicionalista de Rio Grande. Não se pode
precisar como foram as tratativas para a realização desses eventos. Não foram localizadas
mais informações que permitam afirmar se foi a convite, se a ideia partiu do CGPA ou outra
situação. Mesmo assim, o fato é que o CGPA nunca fez parte do Movimento Tradicionalista.
Os integrantes dos Clubes de Gravura e os demais artistas comunistas da época
defendiam a arte nacional, democratizada e que se voltasse ao contexto social no qual se
inseria. A arte seria uma arma na luta pelo socialismo e contra a exploração capitalista. Os
principais centros de acumulação e controle do capital visados eram os Estados Unidos e, no
Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo. A manutenção do poder político e econômico reivindicava
a conquista da hegemonia ideológica e cultural. Nos anos 1950, a Bienal de São Paulo
representava a execução da estratégia imperialista de dominar a arte brasileira impondo
tendências internacionalistas e tornou-se o alvo de reprovações duras por parte dos artistas
comunistas. A recusa pela intervenção dos “centros” e a atenção ao regional tiveram uma
consequência inesperada: a atração de indivíduos de vertentes políticas totalmente opostas.
No Rio Grande do Sul, a classe dominante se preocupava com questões regionais a
fim de garantir seus rendimentos e era desejosa da construção de uma cultura local
239

autorreferenciada, resistente a inovações vindas de fora. A criação de publicações e de


instituições como a Revista do Globo e o Instituto de Belas Artes contempla o anseio de
elaborar “centros formuladores e integradores de um sistema de valores, cujo eixo principal
reside na formação e na defesa de uma relativa autonomia para a região, enfatizando seus
costumes rurais e urbanos” (AMARAL, 2000, p. 264-265). Em 1957, Meneghetti discursou
sobre o imperativo de concentrar-se na vida dos homens simples das lavouras em vez de
preocupar-se com o que vinha das metrópoles.
Esses pontos de intersecção dos discursos do CGPA, dos tradicionalistas e de
representantes da classe dominante acarretam conclusões equivocadas, manipulações e
distorções. A produção sobre a realidade rural do CGPA poderia ser facilmente incorporada
ao ideário conservador da “arte gaúcha”, esvaziando-se a carga política e revolucionária que
animava os artistas, e isso aconteceu em determinadas situações. A profusão do
tradicionalismo absorveu as noções do regionalismo, provocando a rejeição a esses assuntos
por parte da intelectualidade que só os aborda se for para denunciar o saudosismo e o
conservadorismo “inerentes” a eles. Cyro Martins expôs sua opinião acerca da ausência de
debates sobre essas questões nos meios de comunicação: “Explica-se essa omissão, se
considerarmos a desfiguração da campanha tradicional, por um lado, e, por outro, a
subordinação crescente da nossa atividade intelectual aos fatos e doutrinas de transcendência
nacional e internacional” (MARTINS, 2000, p. 80). O escritor se remeteu aos costumes
regionais para produzir seus romances, mas não se considerava um regionalista, pois evitava o
ufanismo e dedicava-se ao realismo crítico.
As intenções dos artistas sofrem processos de apagamento ou de novas interpretações
ao longo do tempo. O componente crítico das gravuras e o projeto de transformação social por
meio da arte do CGPA se transmutaram no discurso posterior de jornalistas, acadêmicos,
críticos e políticos. A produção dos gravadores passou a ser vista criticamente como “arte
gaúcha” ou “arte partidária” obediente a fins mercadológicos, governamentais ou a doutrinas
sectárias. Na década de 1970, o Projeto CULTUR, do governo estadual, explorou as gravuras
de temática rural e alçou o “Grupo de Bagé” à posição de legítimos representantes da cultura
brasileira. Essa postura e a verba considerável do projeto provocaram a revolta de jovens
artistas dedicados à arte contemporânea que queriam espaço e incentivo, como será mostrado
a seguir na demonstração de avaliações do CGPA.
240

3.3 BALANÇO DE UM MOVIMENTO

3.3.1 Os anos 1970

No início da década de 1970, ainda transcorria a expansão econômica decorrente do


“milagre brasileiro” (1968-1973), política econômica baseada no modelo expansionista
industrial e agrícola-exportador que acarretou um PIB de 14,4% ao ano, em 1973, e o declínio
da taxa de inflação de 25,5% a 15,6%, incentivando-se a produtividade da agropecuária e da
indústria (VELOSO, 2008). Esses resultados foram obtidos não só pelas estratégias dos
governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1974), como também pelo cenário
internacional favorável. O superaquecimento da economia gerou a escassez de matérias-
primas e insumos, e o discurso ufanista passou a ser a postura adotada pelo general Médici e
pelo ministro de Fazenda, Delfim Netto. As medidas referentes ao combate à inflação, à
redução das taxas de juro, às políticas de crédito, ao aumento do prazo de recolhimento de
impostos da indústria foram insuficientes ou equivocadas para evitar a falência daquele
projeto de desenvolvimento acelerado, pois se baseava em grande medida no arrocho salarial
e massiva exploração da classe trabalhadora.
O mercado de arte colheu os frutos do “milagre” e expandiu-se, porém, gerando
conflitos no campo entre as tendências contemporâneas e as tradicionais. Desde os anos 1960,
artistas promoviam rupturas estéticas através da proposta da antiarte e da interação da arte
com a vida, na qual o espectador seria o participante do processo e a obra já não necessitaria
de um referente material (CARVALHO, 1994). Também nos anos 1970, o Estado se tornou
um importante investidor na cultura, inclusive, criando instituições como a EMBRAFILME
(1969) e a FUNARTE (1975). A ampliação de recursos para as artes e para a educação
contrastou com o recrudescimento da repressão. De qualquer forma, houve um crescimento
do número de potenciais compradores de bens culturais e a estruturação do mercado, mesmo
na periferia econômica do país, como em Porto Alegre. Porém, a crise que se instaurou na
metade do decênio acirrou as disputas de diferentes propostas estéticas e ideológicas.
Segundo a professora e pesquisadora Ana Carvalho (1994), na década de 1970,
verifica-se a estruturação do campo artístico sul-rio-grandense. O MARGS incrementou seu
acervo, principalmente, por meio de doações; realizaram-se salões e leilões, abriram-se
galerias. Por influência governamental, ocorreram eventos que privilegiavam a questão do que
seria legitimamente nacional e gaúcho. Em 1974, ocorreu a exposição Arte Gaúcha/74 e, em
1976, as secretarias de Turismo e de Educação lançaram, nas dependências da UFRGS, o
241

Projeto CULTUR “Por uma Arte Brasileira: Grupo de Bagé”. As concepções por trás da
iniciativa e a grande verba implicada provocaram uma reação dos jovens artistas Carlos Asp,
Romanita Martins, Telmo Lanes, Vera Chaves Barcellos, Mara Alvares, Clóvis Dariano,
Jesus Escobar e Carlos Pasquetti, que organizaram uma “exposição-manifesto” Atividades
Continuadas, no MARGS, nos dias 9 e 10 de dezembro.
O discurso sobre “raízes culturais” pregava que havia elementos unificadores,
históricas e culturais que superavam as discrepâncias econômicas, sociais e ideológicas. A
ideia de que haveria objetos que corresponderiam a um gosto compartilhado e a um consenso
satisfazia os investidores que queriam aplicações seguras. O Grupo de Bagé, considerado
autêntico representante da cultura gaúcha, foi a escolha dos que estavam à frente do Projeto
CULTUR. Primeiro, promoveu-se o Encontro de Bagé, que reuniu os ex-integrantes do
CGPA Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e artistas
convidados – Anna Letícia, Antônio Maia, Darcy Penteado, João Henrique, José Lima, Maria
Luisa Leão, Norberto Sarttori, Anico Herskovitz, Armando Nogueira e Clébio Sória – a fim
de passar uma temporada na cidade fronteiriça e elaborar obras inspiradas na observação da
paisagem local e trocar experiências.
No Salão de Atos da UFRGS, o público pôde ver mais de 80 obras contemporâneas e
da época do CGPA. A mostra gerou uma publicação na qual se reproduziram fotografias dos
locais que serviram de referência para os trabalhos a fim de estabelecerem-se comparações. O
propósito era transmitir a ideia de continuidade daqueles ambientes e das relações entre as
pessoas e sua terra. No texto de apresentação do catálogo, os secretários de Turismo, Mario
Ramos, e da Educação e Cultura, Aitton Vargas, afirmavam que o Projeto CULTUR era uma
tomada de posição pelo nacionalismo, pela defesa das raízes e do folclore. Os secretários
declaravam que se constituiu a união entre o governo e os artistas em prol da luta pela arte
brasileira (CARVALHO, 1994).

3.3.2 A avaliação do CGPA 20 anos depois

Uma série de reportagens e entrevistas de Angélica de Moraes, Maria Helena Webster


e Antônio Hohlfeldt publicadas no Correio do Povo tratou do evento e resgatou parte da
história do CGPA. Esse material se tornou uma referência para grande parte das pesquisas
acadêmicas sobre o CGPA. Pode-se citar como exemplos Clube de Gravura de Porto Alegre:
arte e política na modernidade, de Cassandra Gonçalves (2005), e A Poética de um Artista
Engajado: as gravuras de Carlos Scliar junto ao CGPA (1950-1956), de Talitha Bueno
242

Motter (2015). Esses artigos serviram de base para reconstituição da história do CGPA do
primeiro capítulo.
A história exposta no Correio do Povo é contada pelos próprios protagonistas, Carlos
Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e, em uma entrevista à parte,
Vasco Prado. Porém, é importante apontar os seguintes aspectos: as parcas menções sobre o
teor político e partidário do CGPA; a falta de aprofundamento sobre o tema do realismo
socialista; a escolha pelos quatro componentes do “Grupo de Bagé” como representantes do
CGPA; o destaque para as obras sobre o interior gaúcho.
Acredita-se que a escolha editorial pela omissão acerca dos laços dos artistas com o
comunismo recai nas mesmas questões discutidas no capítulo anterior. A postura
conservadora e, por vezes, anticomunista do Correio do Povo se explica pela posição que
ocupava no campo jornalístico e seu compromisso com leitores, empresas publicitárias e seu
papel de porta-voz da ideologia da classe dominante. Não seria durante a ditadura militar que
se revolucionaria a conduta em relação à política. A respeito do realismo socialista e do
zhdanovismo, apesar de fundamental para entender a produção do CGPA, o assunto nunca foi
pauta de investigação dos colaboradores do jornal, nem mesmo quando estava em evidência
nos anos 1950.
A restrição do CGPA ao Grupo de Bagé é uma tentativa de resgatar os precedentes da
entidade na década de 1940. Clóvis Assumpção apelidou o grupo de artistas formado por
Danúbio Gonçalves, Carlos Chagas, Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues e Deny Bonorino
de Novos de Bagé ou Grupo de Bagé e realizou a conferência de abertura da mostra na qual
enfatizou que era a primeira vez que pintores de Bagé expunham e quão excelentes eram as
realizações daqueles jovens (ASSUMPÇÃO, 1953, p. 8). Os propósitos do Grupo de Bagé
original incluíam o aprendizado em pintura e a apropriação dos preceitos da arte moderna.
Apesar de eles ingressarem no CGPA anos depois, seus objetivos na época eram outros. A
gravura e a arte de cunho social entraram nas suas vidas posteriormente.
Durante os anos 1950, em suas colunas do Correio do Povo, Assumpção continuou a
utilizar a expressão Grupo de Bagé ao escrever sobre os integrantes do CGPA vindos da
cidade da fronteira. Isso se justifica pela intenção de valorizar seus conterrâneos, e não de ser
sinônimo de CGPA. Clóvis Assumpção foi presidente do Círculo Social de Bagé ou Círculo
Bageense, localizado na Rua Coronel Vicente, número 515, em Porto Alegre, que recebia
verbas do município de Bagé, conforme disposto na Lei Municipal nº 624, de 29 de outubro
de 1955. O objetivo da entidade, inaugurada em abril de 1955, era oferecer um local de
243

encontro das pessoas vindas daquela cidade. Na sede, promoveram-se algumas


exposições (ASSUMPÇÃO, 1955c).
A expressão “Grupo de Bagé” se consagrou na imprensa para determinar o que seria o
núcleo do CGPA: Glênio Bianchetti, Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Carlos Scliar
(natural de Santa Maria). Essa indicação “de Bagé” induz a pensar que os artistas tratavam de
coisas gauchescas e campeiras. No Projeto CULTUR, estabelecer essa conexão parecia ser
intencional. No impresso do evento, estampava-se uma cena da campanha (Fig. 105). Uma
das atividades do projeto foi a estada de três semanas dos artistas em fazendas da fronteira,
incluindo a dos Collares, a fim de produzir obras sobre os tipos e os costumes locais durante o
I Encontro Nacional de Artes Plásticas. A ideia era de retorno às origens, repetindo as viagens
dos anos 1950. A utilização de “Por uma Arte Brasileira” refere-se à exposição no Parque
Farroupilha “Por uma Arte Nacional”, de 1955. Essas iniciativas de refazer o passado
pretendiam sugerir permanência, que a cultura regional era perene e sustentada por fortes
raízes.

Figura 105 – Impresso do Projeto CULTUR – Grupo de Bagé, 1976.


Fonte: MARGS; registro fotográfico da autora.

O secretário de Turismo, Mário Ramos, compareceu ao I Encontro, participou de


mesas-redondas e visitou as fazendas onde se hospedaram os artistas. Os participantes do
evento foram convidados para um churrasco e para demonstrações gauchescas no CTG 93. O
governo estadual, promotor e financiador do Projeto CULTUR, incentivava o movimento
tradicionalista. Em 1964, oficializaram-se as comemorações da Semana Farroupilha. A sede
244

do CTG 35 foi construída em um terreno doado pelo estado em 1971. Três anos depois, criou-
se o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, órgão da Secretaria de Cultura Desporto
Turismo do Rio Grande do Sul.
A década de 1970 assistiu à ascensão do nativismo, tendo como marco a 1ª Califórnia
da Canção Nativa de 197152. Os festivais nativistas eram essencialmente musicais e se
notabilizaram pela participação de jovens da classe média urbana (FERRARO, 2013).
O gauchismo ganhou um novo ânimo no período de abertura do final dos anos 1970 e
começo dos 1980. A sociedade civil se reorganizava em partidos, sindicatos e movimentos de
grupos específicos – feministas, ambientalistas, etc. Ruben Oliven (1992) explica que, apesar
de alguns considerarem o gauchismo uma ideologia ultrapassada, a sua retomada pode ser
compreendida por dois fenômenos: a dificuldade em lidar com a diversidade brasileira, que
leva à defesa da identidade regional; e o retorno das discussões em torno do nacional que
ocorriam internacionalmente, apesar da ascensão da ideia de globalização. A interferência do
Estado na definição da identidade cultural, mencionada anteriormente, manifestava-se nas
iniciativas do governo estadual dos anos 1970, que privilegiava o gauchismo.
Ana Carvalho (1994) analisa a intervenção governamental na área cultural através do
Projeto CULTUR da Secretaria de Turismo. Chama atenção a verba de 600 mil cruzeiros para
o evento que envolveu encontros, produção de catálogo e de audiovisual e exposição. Para o
ano de 1976, o orçamento do MARGS foi de 100 mil cruzeiros, o que dificultou o bom
desempenho da programação da entidade. Essa gritante diferença de valores incomodou os
artistas que consideraram que os recursos para a cultura eram decididos por outros setores.
Um grupo de artistas Artes – Mara Alvares, Clóvis Dariano, Carlos Pasquetti, Telmo
Lanes, Carlos Athanázio, Carlos Asp. Ana, Luisa Alegria, Elton Manganelli, Jesus Escobar e
Vera Chaves Barcellos – realizou reuniões no MARGS e no Instituto de a fim de discutir a
distribuição de verbas públicas e o poder do mercado para as artes. O Projeto CULTUR foi

[...] considerado exemplar de uma situação que se tornava cada vez mais
desfavorável ao desenvolvimento de uma produção artística de cunho
“experimental”, ou que simplesmente não se encaixasse nos critérios
estabelecidos pelo mercado para comercialização de obras de arte, tais como
caráter decorativo da imagem, materiais nobres e duráveis (CARVALHO,
1994, p. 162).

As conversas geraram o Manifesto, que criticava, principalmente, a mercantilização da


obra de arte. O texto foi publicado em jornais e divulgado em formato de um painel

52
Para saber mais sobre o nativismo, ver Ferraro (2013).
245

fotográfico na exposição-relâmpago Atividades Continuadas, realizada no MARGS nos dias 9


e 10 de dezembro de 1976. As críticas ao Projeto CULTUR levaram o secretário Mário
Mattos a convidar os signatários do Manifesto a produzirem algo semelhante ao realizado com
o Grupo de Bagé. Porém, os artistas recusaram e preferiram apostar nos próprios recursos
para se promover, buscando se afastar do mercado e das instituições. Em março de 1977,
formava-se o coletivo Nervo Óptico. A mostra Atividades Continuadas e o Manifesto
marcaram publicamente a posição dos futuros integrantes do Nervo Óptico a favor da arte
experimental, em que se usava uma grande variedade de materiais e de suportes
(CARVALHO, 2004).
Em um trecho do Manifesto, faz-se uma alusão crítica ao Grupo de Bagé:
“manifestações que sob o rótulo de arte nacional têm como interesse primeiro o mercado de
seus produtos, confundem ainda mais o público, quanto a discernir entre manifestações
culturais legítimas e interesses de caráter comercial e promocional” (CARVALHO, 2004, p.
61).
Carlos Scliar, Vasco Prado, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e Danúbio
Gonçalves eram artistas consagrados e suas obras eram comercializadas com certa frequência.
O mercado de arte porto-alegrense, nos anos 1970, estruturou-se de maneira desequilibrada,
com muita oferta e pouca demanda. Havia muitos artistas e produtos reconhecidos em que
investir (CARVALHO, 1994). Os novatos, que buscavam um lugar ao sol e desejavam
inovar, entravam em conflito com os já estabelecidos. A arte de temática regional se
encaixava no discurso da valorização de raízes regionais, em voga naquele momento. A arte
contemporânea ainda tinha dificuldades de colocação.
A avaliação que se fez do Grupo de Bagé nos anos 1970 passou por um processo de
descolamento do contexto cultural, social e político no qual o CGPA atuou. Praticamente se
ignorou o empenho dos gravadores em fazer uma arte conectada com o povo, não com o
mercado e menos ainda com o poder estabelecido, e esse propósito os motivou a pesquisar o
cotidiano dos trabalhadores do campo e da cidade. O projeto de democratização da arte por
meio do uso de uma técnica que possibilitasse a reprodutibilidade, a gravura, e a
transformação de elementos populares e tradicionais era a razão de ser dos Clubes de Gravura.
Essas questões tiveram sua importância diminuída ou ignorada em avaliações posteriores. O
esvaziamento do conteúdo crítico e político do CGPA serviu aos propósitos daqueles que
gostariam de reduzi-lo ao Grupo de Bagé e a um modelo de “arte gaúcha”, mas também aos
artistas ligados à arte contemporânea que gostariam de invalidar o caráter artístico de uma
produção figurativa e de cunho social.
246

Outro ponto do passado difícil de lidar é a conexão entre o CGPA e o PCB, mais
especificamente, às orientações do realismo socialista soviético. Adotaram-se diversas
atitudes quanto a isso: o desprezo, a negação e a ignorância. Alguns estudiosos preferem
diminuir a qualidade artística do CGPA alegando que se tratava de uma produção limitada
demais:

O resultado dessa concepção autoritária do que é nacional é que ela se


confunde com o ponto de vista das classes dominantes (o gauchismo sendo
assumido como caráter heróico), desconhecendo-se, mais uma vez, o
fundamento de todo ponto de vista socialista que é a luta de classes. É isso
que demonstra a falsidade das tomadas de posição dos intelectuais de
esquerda da década de 50 e, talvez, das décadas seguintes, interessados
exclusivamente em substituir os detentores do poder e não em instaurar um
poder verdadeiramente popular. A arte assim atrelada a estes propósitos
políticos, obediente às diretivas internacionais do realismo jdanovista,
arriscou-se em ser uma falsa arte, tendendo, no melhor dos casos, a
transformar o popular em folclore, em um objeto exterior de estudo; ou, nos
piores, em modelo idealizado do dever ser social, tal como o deseja o
oficialismo burocrático, ou ainda, em objeto de consumo elitista de uma
burguesia nacional ou estrangeira (SCARINCI, 1982, p. 90).

Carlos Scarinci (1982) considera que o CGPA, assim como os demais


empreendimentos culturais comunistas dos anos 1950, era o mero cumprimento de um dever
partidário que falseava seus reais propósitos de poder. O problema do engajamento partidário
também é apontado por outros autores. Otílio Tavares de Araújo prefere diminuir a influência
do realismo socialista zhdanovista na arte de Glênio Bianchetti no CGPA:

Pela sucinta descrição de sua gravura antiga, há o risco de imaginá-la


contaminada pelo realismo socialista, o estilo oficial soviético triunfante e
aclamado na mesma época, que também mostra operários e mulheres no
trabalho. No entanto há entre uma e outra uma enorme diferença. Feita num
país onde a Revolução não aconteceu, a gravura de Bianchetti é anelante,
esperançosa, solitária e vê a realidade com simpatia, no sentido grego da
palavra: sym+pathos, sentimento junto com. Por isso se torna estética e
eticamente convincente. Já no realismo socialista, feito num país onde a
Revolução trouxe algumas de suas soluções, mas também suas perversidades
embutidas, há desencanto, mesmo que – obviamente – jamais explicitado,
verbal ou visualmente. O artista está na verdade menos confiante no ser
humano e mais distante da realidade que apresenta. Por isso erra na medida e
se torna meramente grandiloquente, retórico e vazio. Não se envolve e não
transmite nenhuma emoção (ARAÚJO, 1999, p. 46).

Araújo critica o zhdanovismo tentando adivinhar os sentimentos dos artistas


soviéticos. Ele tem razão ao falar da grandiloquência vinculada à estética oficial stalinista;
247

porém, não se pode menosprezar a referência ao realismo socialista nos trabalhos dos
gravadores gaúchos.
Não só pesquisadores e críticos reprovaram a ligação dos artistas de esquerda com o
programa cultural comunista. Os próprios protagonistas das ações negaram a relevância dele
em seus projetos posteriores. Vasco Prado afirmou que: “Eu nunca recebi uma cartinha ou
notinha de dinheiro: nem sabiam o que estávamos fazendo aqui. Foi através do exemplo
mexicano que realizamos a experiência [...] quanto às normativas, isto é lenda” (GASTAL,
1994, p. 98). Danúbio Gonçalves, designado pelo PCB, participou da delegação que fora à
União Soviética em 1953. Anos mais tarde, negou sua ligação com o partido:

Há uma coisa que não é certa. Tinham pessoas que eram engajadas
politicamente, até militante, o Scliar, o Vasco, de esquerda, tinha jornal
naquela época, agora, os outros não eram, apenas a temática do Rio Grande
do Sul interessava; a gente não impunha nada, era livre, não tinha uma
doutrina, um tipo de arte. Tem gente que acha que tinha, não tinha.
(GONÇALVES, 2005, p. 108).

A desilusão com Stalin levou alguns artistas a repensar seus posicionamentos quanto
ao zhdanovismo. Carlos Scliar, em determinado momento nos anos 1950, procurou se
empenhar no seu aprimoramento artístico do que em seguir as diretrizes partidárias, e revelou
desavenças com outros militantes:

No Partido Comunista [...] fui chamado de “espírito de porco”, nos últimos


tempos de tanto que brigava lá dentro. No dia em que achei que não
adiantava mais brigar, afastei-me. Nunca rompi publicamente porque eu
também era responsável por algumas das besteiras que foram a razão de meu
afastamento (GONÇALVES, 2005).

Scliar viajou à URSS na mesma delegação de Danúbio. Lá, os trabalhos do CGPA


foram submetidos à análise de membros da Academia de Belas Artes que criticaram o
decorativismo que prejudicava o humano presente em alguns deles. O decorativismo apontado
eram os elementos regionais e narrativos das gravuras (GONÇALVES, 2005). O desgosto, a
falta de debate e as dúvidas de Scliar se intensificaram naquele momento.
Após a morte de Stalin (1953), a rigidez na área cultural se amenizou. O CGPA sentiu
a mudança, e os artistas se sentiram mais à vontade em experimentar os temas que quisessem,
mas mantiveram-se fieis ao realismo.
O marco da mudança no direcionamento do PCB foi a divulgação das denúncias dos
crimes e a violenta repressão do regime stalinista por parte de Nikita Kruschev durante o XX
248

Congresso do PCUS, no ano de 1956. O impacto nos militantes ao redor do mundo foi
tremendo. A imagem do líder pacifista e humanista se estilhaçou. Muitas pessoas se afastaram
do Partido Comunista e, consequentemente, interromperam-se inúmeros projetos, incluindo
publicações. A Horizonte tem sua última edição em janeiro de 1956. O CGPA se desfez
também naquele ano. O PCB levou pelo menos dois anos para iniciar sua reestruturação,
adotando uma postura menos agressiva (GONÇALVES, 2005). A reação dos intelectuais, de
adesão e de distanciamento quanto à doutrina do partido, pode ser compreendida pela busca
de espaço para desenvolver seu trabalho e pela consciência política:

Uma vez aderido ao PCB, os escritores reproduziram no interior da


militância a lógica das trocas sociais, potencializada pela incorporação do
conjunto de disposições que caracterizavam o complexo da dívida e pelo
realismo socialista como parâmetro oficial da produção cultural comunista.
Eles doaram seu tempo, sua reputação, suas relações, sua sensibilidade e
capacidade criativa – arcando com prejuízos simbólicos consideráveis e
perduráveis decorrentes da estigmatização – àquele que lhe havia
proporcionado condições para produzir e espaço para divulgar sua literatura,
mas, mais importante que isso, que havia lhe oferecido consciência política,
conhecimentos teóricos e orientações para transformar o mundo. A
autopercepção do escritor como um devedor do Partido foi mais marcante na
década de 1950 do que em qualquer outro momento na história da sua
relação com a organização no Rio Grande do Sul. Para alguns, como Plínio
Cabral, as denúncias [contra Stalin, no XX Congresso do PCUS, em 1956]
bastaram para fazê-lo desacreditar do PCB e do comunismo, a ponto de
renegá-los e de se vincular ao governo de Ildo Meneghetti, do PSD, no início
dos anos 1960. Já para Lila Ripoll, nem mesmo a revelação dos crimes
cometidos no regime stalinista foi suficiente para abalar sua convicção.
(MARTINS, 2012, p. 304).

Os integrantes do CGPA seguiram seus rumos. Cada um desenvolveu seus projetos


separadamente. Ao olharem-se os caminhos que trilharam esses artistas (suas trajetórias não
serão abordadas aqui) pode-se ver que valores cultivados nos Clubes de Gravura
permaneceram vivos ao longo do tempo. Nenhum deles abandonou a figuração e o humano
em suas produções. A crítica social e a defesa da arte nacional continuaram suas bandeiras.
Alguns deles se engajaram em projetos políticos. Vasco Prado participou de campanhas em
prol da cultura, como o Movimento Gaúcho em Defesa da Cultura de 1981, e até eleitorais.
Vasco pintou painéis para a candidata a deputada estadual professora Nayr Tesser (PMDB),
em 1986, e para o presidenciável Luís Inácio Lula da Silva (PT) em 1989 (A ARTE..., 1989)
(Fig. 106). Glênio Bianchetti participou da criação da Universidade de Brasília e, junto com
sua esposa, Ailema, professora de Artes, desenvolveu o Cresça, o Centro de Realização
249

Criadora, uma escola para crianças a partir dos 3 anos apoiada pelo MEC e pela Secretaria de
Educação (RIBEIRO, 2010).

Figura 106 – Vasco Prado, painel para a campanha à Presidência de Lula em 1989
Fonte: ZERO HORA, 11 dez. 1989, p. 10 [registro fotográfico da autora]

Carlos Scliar se envolveu com iniciativas de preservação ambiental e patrimonial em


Ouro Preto (MG) e Cabo Frio (RJ). O artista sempre se manifestou pela defesa da arte
nacional e pela sua função social:

Partimos do princípio de que nossa obra pode influenciar. E tudo


equacionado em termos amplos de utilidade. O que não é útil em termos
artísticos, que não participa de todo um processo cultural de consciência de
um povo, torna-se elemento meramente circunstancial, decorativo, de
consumo. Em suma, é o mesmo que nada (ROSE, 1976).

Para Scliar, o artista precisa estar atento à situação da política e da cultura do lugar em
que se encontra e sua obra precisa, de alguma forma, contribuir para o pensamento crítico. O
artista deve ser uma agente da nacionalidade, do povo, e, pensando no futuro, ter os pés no
chão (ROSE, 1976).
Danúbio Gonçalves se tornou um crítico da arte contemporânea e persistiu defendendo
o valor da gravura e da arte regional, como pode ser verificado no seu livro Ser ou Não Ser
Arte (2003). Dirigiu por anos o Ateliê da Prefeitura de Porto, onde lecionou, e foi professor
do Instituto de Belas Artes. Em algumas ocasiões, manifestou-se publicamente pelo descaso
250

do poder público com a cultura. Em 199653, protestou nos tapumes do MARGS contra a falta
de verbas destinadas ao Museu e o grande montante destinado à Bienal do Mercosul, durante
a exposição Grupo de Bagé: Trajetórias, do Projeto da Caixa Econômica Federal Resgatando
A Memória (Fig. 107). Junto à manifestação gráfica de Danúbio, Carlos Scliar publicou uma
carta aberta ao governador Antônio Britto reclamando das condições da instituição (SCLIAR,
1996).

Figura 107 – Danúbio Gonçalves, desenho sobre tapume do MARGS em 1996


Fonte: ZERO HORA [Cultura], 9 nov. 1996, p. 2 [ registro fotográfico da autora]

O CGPA e a revista Horizonte decorreram do desejo de militantes políticos de


concretizar um projeto de transformação social pela cultura. A aproximação dos artistas e dos
literatos com o comunismo se intensificou no momento de busca pelo desenvolvimento de
uma cultura nacional. O intelectual nacionalista e progressista era, naturalmente, um oponente
da ordem dada e assim, como observa Rubim (1997, p. 77), “as concepções do ser intelectual
sugerem uma condição de pré-disposição para o engajamento político que pode, na situação
do PC, ser preenchida de modo fácil pela convergência de qualificações: revolucionário,
subversivo, fora da lei e portador de um projeto nacional”. Há de se levar em conta que o
socialismo se apresentava como um caminho para a justiça social e para a minimização do

53
No ano de 1996, o Projeto Resgatando a Memória, da Caixa Econômica Federal, lançou Grupo de Bagé:
Trajetórias, uma série de eventos que homenagearam a história de Carlos Scliar, Danúbio Gonçalves, Glauco
Rodrigues e Glênio Bianchetti. Realizaram-se exposições na Galeria da Caixa, no Centro Municipal da Cultura,
na Galeria de Arte Mosaico, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul e no Museu da Gravura Brasileira (Bagé).
251

sofrimento e da exploração da classe trabalhadora, ou seja, atendia aos anseios de parte da


intelectualidade brasileira.
252

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As obras de arte, invenções humanas, são meios de expressão de pensamentos e de


sentimentos que podem se materializar em uma pluralidade de suportes, técnicas, linguagens e
manifestações conquistada ao longo de um processo de depuração, de acumulação de
experiências que é objeto da História da Arte. Como nos lembra Pierre Bourdieu (2011), a
valorização e a posteridade do trabalho artístico dependem das iniciativas de inúmeros
agentes: curadores, colecionadores, historiadores, críticos. Apesar da autonomia relativa, o
campo artístico não funciona por mecanismos completamente independentes. O processo
histórico em curso, fatores econômicos, sociais e políticos afetam as escolhas que definem os
rumos das artes. Isso é notável e agudo em meados do século XX.
Ao estudar as disputas estéticas dos anos 1950, é preciso atentar que elas se
estabeleceram no contexto da Guerra Fria, no qual as contendas entre o capitalismo e o
comunismo atingiram todos os campos sociais. Para os artistas de esquerda, defensores do
realismo, a arte deveria estar a serviço do bem comum e não ser, simplesmente, objeto de
exibição individualista e de distinção para os mais endinheirados. Vários desses artistas
aderiram ao projeto político do Partido Comunista do Brasil (PCB), como o fizeram os
integrantes do Clube de Gravura de Porto Alegre (CGPA) e os produtores da revista
Horizonte.
As possibilidades para a arte revolucionária e socialista eram inúmeras; porém, o
realismo socialista zhdanovista se impôs. O zhdanovismo convinha ao regime stalinista,
caracterizado pelo centralismo partidário, que visava à unidade internacional dos comunistas e
à homogeneidade de pensamento. A pretendida coesão não logrou total sucesso, pelo
contrário, houve dissidências e afastamento de militantes do partido. Além disso, as nuances
do realismo socialista despontaram nas escolhas dos artistas. Os elementos visuais folclóricos,
o resgate de técnicas tradicionais e os temas locais distanciaram grande parte da produção de
imagens dos comunistas, supostamente, vinculada ao programa de Zhdanov.
O projeto comunista para a cultura incluía aproximar a arte do povo e possuía
demandas diferenciadas de acordo com o lugar onde se punha em prática, sendo preciso
procurar as formas familiares (para os artistas e para o público) que permitissem se comunicar
com as pessoas daquela região. O Taller de Gráfica Popular (TGP), a moderna gravura
chinesa e trabalhos do CGPA desafiaram, conscientemente ou não, a orientação zhdanovista a
respeito da elaboração de representações universais, nas quais os trabalhadores eram do
mundo, sem laços com um lugar específico. O TGP e os chineses buscaram na tradição
253

gráfica de seus países a inspiração. O CGPA fez um trabalho de observação de realidade a fim
de que seu público pudesse se identificar e, a partir daí, estar disponível para compreender a
mensagem política das imagens. Nos três casos, entretanto, verifica-se a mesma influência
estrangeira: os expressionistas alemães, principalmente Käthe Kollwitz.
Os primeiros anos do CGPA e a Nova Fase da Horizonte foram intensamente
dedicados às iniciativas comunistas, destacando-se o Movimento dos Partidários pela Paz. Os
artistas colaboraram com as campanhas por meio de gravuras veiculadas na revista, coletando
assinaturas do Apelo por um Pacto de Paz e do Apelo de Estocolmo, assumindo a função de
delegados em reuniões e organizando exposições concomitantes aos eventos partidários, como
o Festival Crioulo pela Paz. Além do cumprimento da tarefa política, a participação no
Movimento rendeu uma contrapartida interessante, a visibilidade da produção do CGPA. A
rodada intensa de congressos e conferências internacionais se tornou uma oportunidade para
os gravadores mostrarem seu trabalho e serem conhecidos por pessoas de várias partes do
mundo.
Para as artes do Rio Grande do Sul, o principal legado do CGPA foi a valorização da
gravura. A associação promoveu cursos das diferentes técnicas de gravação e estimulou
artistas jovens e experientes a dedicarem-se às artes gráficas. As exposições organizadas pelo
CGPA oportunizaram ao público porto-alegrense visualizar obras com que, provavelmente,
nunca tiveram contato. São os casos das mostra dos gravadores chineses, da história da
gravura, de Honoré Daumier. A inovação de uma mostra em praça pública, a Por uma Arte
Nacional, certamente, agitou o meio artístico e entusiasmou os frequentadores do Parque
Farroupilha que, talvez, nunca ousassem ir a uma exibição de arte e, muito menos, julgar os
trabalhos expostos.
A estratégia de atrair os espectadores pelo emprego da temática regional gerou uma
querela – a suposta ligação do CGPA com o tradicionalismo gaúcho (abordada no terceiro
capítulo). Se essa contenda não se deu explicitamente na década de 1950, vinte anos depois
isso aconteceu. Integrantes do CGPA, reduzidos ao “Grupo de Bagé”, participaram do Projeto
CULTUR do governo do estado, ao qual foi destinado um montante considerável de
investimento. O destaque aos “autênticos representantes da arte gaúcha” gerou a insatisfação
de artistas contemporâneos que tinham outra visão da arte e queriam seu espaço. Este grupo,
que posteriormente fundou o Nervo Óptico, questionou a distribuição de verbas públicas para
a cultura tradicional e a permanência de critérios conservadores para a produção artística.
Esse caso ilustra bem a questão da interferência do Estado no campo artístico e na
constituição da identidade cultural, que, tratando-se do Rio Grande do Sul, se ligava (e se liga
254

se) aos costumes tradicionalistas. O quanto os artistas do “Grupo de Bagé” estavam cientes do
projeto da “arte gaúcha” é difícil dizer. O tom das reportagens do Correio do Povo baseadas
em entrevistas dos artistas, de 1976, leva a crer que o interesse era resgatar a história do
CGPA e homenageá-lo. Entretanto, a ênfase nos trabalhos sobre o mundo rural e o retorno às
estâncias de Bagé atenuaram a relevância da produção de gravuras ligadas ao proletariado
urbano, às campanhas pela paz e à propaganda comunista (como os retratos de Luiz Carlos
Prestes). Houve uma minimização do potencial crítico e político das obras. A ideia de arte
para o povo que guiou a atuação do CGPA parece não ter alcançado os jovens artistas dos
anos 1970, que viam nas “gravuras gaúchas” uma conivência aos interesses do mercado.
Talvez a concepção original do CGPA não tenha sido transmitida de forma eficaz ou não
tenha resistido a ressignificações construídas ao longo do tempo.
A militância comunista no período stalinista de integrantes do CGPA foi,
aparentemente, motivo de desconforto posterior. Nas falas dos artistas editadas e reproduzidas
nos veículos de imprensa e nos trabalhos acadêmicos, constata-se que eles procuraram
minimizar a influência soviética sobre seu trabalho, mas assumiram a sua adesão ao realismo
socialista. Obras de arte vinculadas diretamente a um programa partidário se tornam um
incômodo também para os estudiosos que creem que o valor artístico está alicerçado na “arte
pela arte”, na renúncia a exigências externas. Uma saída para contornar o “problema” gerado
pela arte partidária é abordar essa produção procurando elementos nas imagens que revelem o
indivíduo, o estilo único e criativo do artista. Não foi esse o caminho escolhido aqui.
Nesta dissertação, admitir que o CGPA e a revista Horizonte surgiram da adesão ao
projeto político comunista não é um problema, mas sim consideração ao processo histórico no
qual despontaram. A valorização da produção gráfica comunista como arte não requer que ela
seja apartada de seus intentos originais. Caso os artistas gaúchos estivessem em um contexto
histórico, social e político mais favorável, de maior abertura democrática, e obtivessem maior
embasamento teórico, talvez a Horizonte e o CGPA sobrevivessem por mais tempo. Essa
ideia corrobora o que disse Vasco Prado há mais de 40 anos:

Todo o problema de extinção do Clube de Gravura, a meu ver, foi político.


Quando Scliar saiu, eu fiquei mais ou menos sozinho para manter a coisa, já
que os outros do grupo também começaram a seguir seus próprios caminhos.
Eram momentos difíceis no Brasil, os anos de 55, em que havia um
fechamento muito grande, com pressão sobre os partidos políticos de
tendência esquerdista. A revista que fundáramos, Horizonte, tinha um nítido
cunho político socialista, embora falasse de arte, e embora eu veja, hoje, que
fosse um pouco sectária na maneira de ver as coisas, devendo ter tido maior
abertura para sobreviver. O realismo socialista, então, era a moda, e alguns
255

de nós, nesta ânsia de descoberta das coisas, talvez tenhamos nos perdido um
pouco, aplicando mal os seus princípios. Aliás, outro problema sério que não
se pode esquecer e que persiste até hoje, é que em geral o artista plástico no
Brasil lê pouco, é ignorante das coisas que o rodeiam, não tem teoria. Então,
se o Clube supriu a lacuna da disciplina e do aprendizado técnico, não
chegou a suprir para todos nós a lacuna da teoria, o que foi muito prejudicial
mais adiante (VASCO..., 1976, p. 31).

A vinculação ao projeto político do PCB ligado a propostas stalinistas determinou o


tempo de vida de entidades como o CGPA e a revista Horizonte. O descrédito em que caiu o
zhdanovismo provocou o distanciamento dos intelectuais. Porém, o impacto social e artístico
do CGPA foi tal que de tempos e tempos se busca resgatar a sua história e mostrar as suas
obras. Os frutos foram perenes. A gravura conquistou sua valorização no campo artístico do
estado tanto pelo mercado quanto pela academia. Coletivos voltados às artes gráficas
continuam a surgir. Porém, ainda não se conseguiram reproduzir as iniciativas vigorosas de
democratização da arte protagonizadas pelos gravadores dos anos 1950. A gravura, por suas
peculiaridades (reprodutibilidade, custos), é um meio que favorece a produção de trabalhos de
cunho social que possam atingir um público amplo e provocar a reflexão, a indignação e a
consciência política do observador. A maior e a mais sonhada finalidade da obra engajada é
ajudar a construir a mobilização popular em prol da luta pelos direitos e pela dignidade da
classe trabalhadora. De fato, é esse o coração da arte social e revolucionária.
256

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Povo, Porto Alegre, ano 81, n. 297, p. 14, 17 set. 1976b.

HOHLFELDT, Antônio, MORAES, Angélica de, WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– III. A necessidade de preservar a vida em todos os lugares e manifestações. Correio do
Povo, Porto Alegre, ano 81, n. 298, p. 15, 18 set. 1976c.

HOHLFELDT, Antônio; MORAES, Angélica de; WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– IV. As primeiras noções de pintura e o ambiente do Estado nos anos 40. Correio do Povo,
Porto Alegre, ano 81, n. 300, p. 15, 21 set. 1976d.

HOHLFELDT, Antônio; MORAES, Angélica de; WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– V. Portinari era a continuidade da busca de um conteúdo brasileiro. Correio do Povo, Porto
Alegre, ano 81, n. 301, p. 15, 22 set. 1976e.

HOHLFELDT, Antônio; MORAES, Angélica de; WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– VI. A Arte Moderna: o público ria ou cortava as telas com gilete. Correio do Povo, Porto
Alegre, ano 81, n. 304, p. 11, 25 set. 1976f.
269

HOHLFELDT, Antônio; MORAES, Angélica de; WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– VII. A grande fidelidade temática da obra de Danúbio Gonçalves. Correio do Povo, Porto
Alegre, ano 81, n. 306, p. 19, 28 set. 1976g.

HOHLFELDT, Antônio; MORAES, Angélica de; WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– VIII. Bases formais vêm da Europa ou do modernismo brasileiro. Correio do Povo, Porto
Alegre, ano 81, n. 307, p. 17, 29 set. 1976h.

HOHLFELDT, Antônio; MORAES, Angélica de; WEBSTER, Maria Helena. Grupo de Bagé
– IX. Aos poucos nasceu a consciência de que o lugar de todos era aqui. Correio do Povo,
Porto Alegre, ano 81, n. 308, p. 17, 30 set. 1976i.

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e Notícias, ano I, n. 1, p. 34-36, março de 1949.

JACINTO, Juvenal. Quem quer a paz?. Horizonte, Notas e Notícias, Porto Alegre, ano I, n. 1,
p. 33-34, março de 1949.

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Alegre, ano I, n. 2, p. 7-8, abril de 1949.

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MENSAGEM dos Intelectuais Gaúchos a Stálin. Horizonte, Porto Alegre, ano I, n. 4, 20 dez.
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O MÉTODO do Realismo Socialista e os problemas da literatura e das artes. Horizonte, Porto


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137, p. 8, 16 mar.1955e.

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OBINO, Aldo. Mostra de Gravuras Gaúchas. Correio do Povo, Notas de Arte, Porto Alegre,
ano 57, n. 224, p. 7, 28 jun.1952.
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OBINO, Aldo. V Salão de Artes Plásticas – Conferida pelo júri a medalha de ouro ao artista
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OBINO, Aldo. As artes a 3 dimensões na galeria da Assoc. Francisco Lisboa. Correio do


Povo, Notas de Arte, Porto Alegre, ano 57, n.7, p. 8, 9 out. 1951b.

OBINO, Aldo. A Gravura no certame da Associação Francisco Lisboa. Correio do Povo,


Notas de Arte, ano 57, n.6, p. 10, 7 out. 1951c.

OBINO, Aldo. Associação Rio-Grandense de Artes Plásticas. Correio do Povo, Notas de


Arte, Porto Alegre, ano 57, n. 4, 5 out. 1951d.

OBINO, Aldo. A Metamorfose Chinesa. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 4, 23 fev. 1951e.

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OLMEDO. Arte em praça pública. A Hora, Porto Alegre, ano I, n. 259, p. 8, 14 out. 1955a.

OLMEDO. As Gravuras de Carlos Scliar. A Hora, Porto Alegre, ano I, n. 247, p. 8, 27 set.
1955b.

OLMEDO. A Arte da gravura através dos tempos. A Hora, Porto Alegre, ano I, n. 189, p. 8,
19 jul. 1955c.

OLMEDO. Um pintor visita os pagos – Iberê Camargo. A Hora, Porto Alegre, ano I, n.187, p.
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PADEV, Michael. A campanha da “paz” de estratégia soviética. Correio do Povo, Porto


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PAZ: Esperança das multidões. Horizonte, Porto Alegre, ano II, n. 2, p. 48-50, fev. 1952a.

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PERALVA, Osvaldo. Os intelectuais que traíram o povo. Horizonte, Porto Alegre, n. 4, Nova
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64, 23 jun.-5 ago. 1955b.

SCARINCI, Carlos. Uma Excelente Exposição de Gravura. Revista do Globo, Porto Alegre,
ano XXVI, n. 643,p. 14-15, 23 jun.-5 ago. 1955c.

SCLIAR, Carlos. Méndez, O Índio. Revista Guaíra, Curitiba, p. 24-27, 56, nov. 1950.

SCLIAR, Carlos. A Exposição de Vasco Prado. Horizonte, Porto Alegre, Nova Fase, n. 4, p.
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SCLIAR, Carlos. Notícias do Clube de Gravura. Horizonte, Porto Alegre, n. 6, ano II, p. I-
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SCLIAR, Carlos. Das atividades e perspectivas do Clube de Gravura. Horizonte, Porto


Alegre, ano IV, n. 26, p. 24-25, jan.fev. 1954.

SILVA, Abdias. Retornam aos Temas do Folclore: Os Artistas da Nova Geração Gaúcha.
Correio do Povo, Porto Alegre, ano 58, n. 267, p. 17 e 40, 16 ago. 1953.

SILVA, Abdias. A arte submetida ao julgamento popular. Horizonte, Porto Alegre, ano VI, n.
31, p. 16-17, nov. 1955.

SILVA, Paulo Jefferson de. Scliar: “Somos quatro amigos, quatro pintores, quatro caminhos
diferentes”. Correio do Povo, Porto Alegre, ano 81, n. 81, p. 31, 4 jan. 1976.

STÁLIN, José. Discurso no XIX Congresso do Partido Comunista da União Soviética.


Horizonte, Porto Alegre, ano II, n. 9, p. 238, out. nov. 1952.

TRABALHO no carvão: para eles a vida é uma coisa preta – Vida e Morte dos Mineiros de S.
Jerônimo. A Hora, Porto Alegre, p. 8, 16 set. 1955.

TSÉ-TUNG, Mao. A Propósito de Literatura. Horizonte, Porto Alegre, Nova Fase, n. 3 (n. 6),
p. 60-65, fev.-mar. 1951.

TSÉ-TUNG, Mao. Sobre A Contradição. Horizonte, Porto Alegre, ano II, n. 10, p. 284-293,
dez. 1952.

TSÉ-TUNG, Mao. A Neve. Horizonte, Porto Alegre, ano III, n. 3, p.79, nov. dez. 1953.

TSÉ-TUNG, Mao. Perspectivas da Cultura Nacional Chinesa. Horizonte, Porto Alegre, ano
IV, n.27, p. 60-61, mar.-abr. 1954.

VASCO Prado: importância do Clube de Gravura se mede na repercussão atual. Correio do


Povo, Porto Alegre, ano 81, n. 87, p. 31, 11 jan. 1976.

VILANOVA ARTIGAS, J. A “Bienal” como Expressão da Decadência Burguesa. Horizonte,


Porto Alegre, Nova Fase, n. 9, p. 272, set. 1951.
274

VELLOSO, Victorio. Por que os povos lutam pela paz. Horizonte, Porto Alegre, ano II, n. 10,
p. 276-277, dez. 1952.

WAYNE, Pedro R. “Montparnasse” em Bagé. Revista do Globo, Porto Alegre, p. 32-33, 71,
26 out. 1946.

Lista de exemplares da Horizonte

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 1, ano 1, mar. 1949

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 2, ano 1, abr. 1949.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 3, ano I, jul. 1949.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 4, ano I, 20 dez. 1950.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 5, 20 jan. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 6, Nova Fase, n. 5, fev.-


mar. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 4, Nova Fase, abr. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 5, maio


1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 6, jun. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 7, jul. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 9, set. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 8, ago.


1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 10, out.
1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), Nova Fase, n. 11-12, nov.-
dez. 1951.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 1, ano II, jan. 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 2, ano II, fev. 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 3-4, ano II, mar.-abr.
1952.
275

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 5, ano II, maio 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 6, ano II, jun. 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 7, ano II, jul. 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 8, ano II, set. 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 9, ano II, out.-nov.


1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 9, ano II, out.-nov.


1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 10, ano II, dez. 1952.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 1, ano III, jul. 1953.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 3, ano III, nov.-dez.


1953.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 26, ano IV, jan.-fev.
1954.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 27, ano IV, mar.-abr.
1954.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 28, ano IV, maio-ago.
1954.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 29, ano IV, nov.-dez.
1954.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 30, ano VI, jan.-abr.
1955.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 31, ano VI, nov. 1955.

HORIZONTE. Porto Alegre: Agência Farroupilha (Distribuidora), n. 32, ano IV, jan. 1956.

Catálogos da Associação Francisco Lisboa

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. II


Salão da Associação de Artes Francisco Lisboa. Porto Alegre, 1939. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA.


1º Salão. Câmara Municipal de Porto Alegre. Porto Alegre, 5 nov. 1953. Catálogo.
276

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. II


Salão de Artes Plásticas. Câmara Municipal de Porto Alegre. Porto Alegre, 5 nov. 1954.
Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. III


Salão. Câmara Municipal de Porto Alegre. Porto Alegre, 24 nov. 1955. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. V


Salão. Câmara Municipal de Porto Alegre. Porto Alegre, nov. 1958. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. Iº


Salão da Associação de Artes Francisco Lisboa. Porto Alegre, 26 nov. 1938. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. III


Salão. Oficializada pelo Departamento Central do Bi-Centenário. Porto Alegre, 1942.
Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. IV


Salão. Porto Alegre, out. 1942. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA.


Catálogo do V Salão de Artes Plásticas. Porto Alegre, 3 a 16 out. 1951. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. VII


Salão. Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa. Porto Alegre, out. 1958.
Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA. 1º


Salão Juvenil de Artes Plásticas. Porto Alegre, abr. 1942. Catálogo.

ASSOCIAÇÃO RIOGRANDENSE DE ARTES PLÁSTICAS FRANCISCO LISBOA.


Exposição de Arte Moderna. Porto Alegre, jul. 1957. Catálogo.

Arquivos

Arquivo João Batista Marçal, Viamão (RS)

Associação Francisco Lisboa, Porto Alegre (RS)

Coleção do Núcleo de Pesquisa em História do Instituto Federal de Ciências Humanas: NPH


– IFCH/UFRGS, Porto Alegre (RS)

Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, Porto Alegre (RS)

Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), Porto Alegre (RS)


277

APÊNDICE A – SALÕES DA ASSOCIAÇÃO FRANCISCO LISBOA (1938 - 1957)

Salões da Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa (1938–1957)

Ano / Edição Participantes Outras informações


1938 Alceu Masson, Carlos Comissão organizadora:
I Salão Scliar, Edla H. da Silva, João Faria Viana, Nelson
Ernesto Bôs, Gastão Boeira Faedrich, Gastão
Hofstetter, Gustavo Hofstetter, Carlos Scliar
Epstein, João Faria Viana, Local: Casa das Molduras,
João Fahrion, J. Fontana, Rua dos Andradas, 1639
Julia Felizardo, Julio Abertura: 26 de novembro
Gavronski, Luise Höpfe- de 1938
Endter, Marina Centeno
Portas, Mario Alexandre
Monaco, Mondin Filho,
Nelson Boeira Faedrich,
Thomas Matthiesen,
Adolfo Bernhauser, Walter
Radesey, José Rasgado
1939 Adolf Bernhauser,
II Salão Armando Arnildo Kuver,
Carlos Scliar, Clóvis
Graciano, Edla H. da Silva,
Edgar Koetz, Gastão
Hofstetter, Guido Mondin
Filho, Ercy Brino, Flávio
de Carvalho, Hugo
Lunardi, João Faria Viana,
João Fahrion, Martha de
Wagner Scgidromitz,
Thomaz Carlos Matthiesen,
Joaquim Lopes Figueira,
Julia Felizardo
Wolfdietrich Wickert,
Walter Radesey
1940 Duilio Bernardi, Adolf
III Salão Bernhauser, João Azevedo
Braga, Benito Mazon
Castañeda, Teodoro de
Bona, Julia Felizardo, João
Faria Viana, Guiomar
Fagundes, Gastão
Hofstetter, Edgar Koetz,
Hugo Lunardi, Guido
Mondin Filho, Thomás
Matthiesen, Gilda
Marinho, Marcio Nery,
278

Adolf Otto Nowicki,


Martin Obermeyer, Vasco
Prado, Maria Reis, Walter
Radzey, Romano Reif,
Edla H.da Silva, Martha de
Wagner Schidrowitz,
Helios Seelinger,
Wolfddietrich Wickert,
Ernest Zeuner
1942 Vitorio Gheno, Armando
I Salão Juvenil Arnildo Kuwer, João
Mottini, Helena L.
Machado, Honório Nardin,
Plínio Petersen Pereira,
Jayme Tongel
1942 Ana de Lourdes, Carlos Local: primeiro andar do
IV Salão Alberto Petrucci, Edgar edifício Vera Cruz
Koetz, Gastão Hofstetter,
Gilda Marinho, Guido
Mondin Filho, Hans
Thofern, Hilda Goltz,
Honório Nardim, Itamar
Guimarães, Jayme Tongel,
João Faria Viana, João
Mottini, João Raminelli,
Julia Felizardo, Morena
Mourgues, Osvaldo
Goidanich, Thereza
Gomes, Vasco Prado,
Vitório Gheno
1951 Alfredo Valentim Ely, Júri de seleção: José
V Salão Alice Fortes, Carlos Rasgado Filho, Clóvis
Alberto Petrucci, Carlos Assumpção, Álvaro Pereira
Antonio Mancuso, Carlos Local: Auditório do
Scliar, Clara Conti, Glauco Correio do Povo
Castilhos Rodrigues,
Danúbio Villamil
Gonçalves, Dorotea Pinto
da Silva, Edgar do Valle,
Edgar Graeff, Edgar Koetz,
Edla H. da Silva, Elisabeth
Rosenfeld, Érico Hauck,
Fernando Corona,
Francisco Brilhante,
Gastão Hofstetter, Georg
Schrage, Glênio Bianchetti,
Guido Mondim, João Faria
Viana, João Genehr, João
Medeiros, Joel Amaral,
Jouraldo Sieber, José de
279

Francesco, Leonor Genehr,


Lora Elly Panitz, Luiza
Prado, Margarida
Gottschalk, Maria Pereira
Prestefelippe, Olintha Von
Bock, Osvaldo Goidanich,
Otto Georg, Plinio Cesar
Bernhardt, Raul Edmundo
Daudt, Raul Fernandes,
Vasco Prado, Vitorio
Gheno, Wilbur Soares
Olmedo
1953 Aldo Malagoli, Aglaé Local: Cinema Rex
VI Salão Machado, Aldoir de
Oliveira, Alice Soares,
Alice Brueggemann,
Arakem Fortes, Bruno
Visentin, Carlos Petrucci,
Carlos Scliar, Clara Conti,
Danúbio Gonçalves,
Ernesto Moser, Gastão
Hofstetter, Glauco
Rodrigues, Glênio
Bianchetti, Irineu
Breitman, Pedro Gus, João
Sampaio, João A. Vieira,
Leda Flores, Leonor
Genehr, Ludiennes César,
Luiza Prado, Marília
Denovaro, Meri
Berwanger, Miguel Pastor,
Neusa Mattos, Otávio
Pereira, Olintha Von Bock,
Plínio Bernhardt, Ricardo
Maldonado Ranger, Mira
Hargesheimer, Sérgio
Melo, Trindade Leal,
Vasco Prado, Walter
Tumis, Wilbur Olmedo
1955 Alice E. Brueggemann, Júri: Carlos Fayet, Carlos
VII Salão Alice Soares, Carlos Mancuso, Glênio
Alberto Petrucci, Claudio Bianchetti, Oswaldo
Carriconde, Gastão Goidanich, Nelson Boeira
Hofstetter, Gizah N. Faedrich
Tavares, Glauco
Rodrigues, Joel Amaral,
Leda Flores, Neusa Amélia
Mattos, Vasco Prado
Carlos Scliar, Danúbio
Gonçalves, Edgar Graef,
280

Glênio Bianchetti, Manoel


Francisco Ferreira,
Marialeda S. Marins, Plinio
Cesar Bernhardt, Aglaé
Machado, Celia Porto,
Luiza Prado, Mery
Berwanger

1956 Ado Malagoli, Alice Local: Galeria Municipal,


VIII Salão Soares, João Fahrion, Abrigo da Praça XV
Amaury Costa, Antenor Abertura: 16 de julho de
Gomes, Gastão Hofstetter, 1956
Arakin Fortes, Carlos
Alberto Petrucci, Cláudio
Carriconde, Danúbio
Gonçalves, Ernest Moser,
Francisco Riopardense de
Macedo, Francisco
Nielsen, Glênio Bianchetti,
Guido Mondin, João
Medeiros, Joel Amaral,
Leda Flores, Luiza Prado,
Mário Ferreira, Marialeda
Martins de Macedo, Paulo
Ruschel, Vasco Prado,
Wanda Stoduto, Waldy
Elias, Wilbur Olmedo e
Trindade Leal
1957 Ado Malagoli, João
I Exposição de Arte Fahrion, Alice Soares,
Moderna Alice Brueggemann,
Glênio Bianchetti, Glauco
Rodrigues, Trindade Leal,
Claudio Carriconde,
Araquen Fortes, Danúbio
Gonçalves, Gastão
Hofstetter, Carlos Petrucci,
Carlos Scliar, Vitorio
Gheno, Cristina Balbão,
Leda Flores, Joel Amaral,
João Faria Viana, Vasco
Prado, Fernando Corona,
Dorotéa, Vicentini,
Francisco Stockinger, Vera
Miriam Scherer, Francisco
Ferreira, Gisáh Tavares,
Mancuso, Hilda Matos,
Merloti, Ana Maria
Ribeiro, Neusa Matos,
Francisco Riopardense de
281

Macedo, Waldeny Elias e


Carlos Scarinci, Berenice
Valéria Yara Gorini,
Suzana Mentz, Regina
Scalzilli Silveira, Walter
Chagas Silveira, Dita Uhr,
Zoravia Bettiol, Maria
Pereira Prestefelippe,
Regina Scalzilli Silveira,
Alice Soares, Vasco Prado,
Marialeda Martins
Macedo, Francisco
Riopardense de Macedo,
Wilbur Olmedo, Luiza
Prado.

Salão Anual de Artes Plásticas Câmara Municipal de Porto Alegre organizado pela
Associação Francisco Lisboa (1953–1958)

Ano / Edição Participantes Outras informações


1953 Mery Berwanger, Glênio Abertura: 5 de novembro
I Salão Bianchetti, Alice de 1953
Breuggemann, Oscar de
Camillis, Claudio Moreira
Carpes, Vitorio Gheno,
Danúbio Gonçalves,
Gastão Hofstetter, Carlos
Antonio Mancuso,
Fortunato Câmara Oliveira,
Wilbur Almoedo, Carlos
Alberto Petrucci, Luiza
Prado, Vasco Prado, Maria
Pereira Prestefelippe,
Glauco Rodrigues, Judith
Schapke, Carlos Scliar e
Alice Soares
1954 Aglaé Machado, Aldoir
II Salão Vaz de Oliveira, Alice
Adorhain Soares, Araken
Fortes, Bruno Visentin,
Carlos Alberto Petrucci,
Carlos Scliar, Celia de
Aquino Porto, Claudio
Carriconde, Danúbio
Gonçalves, Gastão
Hofstetter, Glauco Octávio
Castilhos Rodrigues,
282

Glênio Bianchetti, João


Faria Viana, Luis
Esquenazi, Mery
Berwanger, Pedro Prouvot,
Saulo Paiva Gomes, Vasco
Prado, Wilbur Olmedo

1955 Alice Brueggemann, Prêmios


III Salão Carlos Scliar, Danúbio Pintura:
Gonçalves, Glauco primeiro: Dia de Garôa de
Rodrigues, Gastão Edla H. da Silva
Hofstetter, Judith Schapke, segundo: Garoto de Carlos
Lorena Thiessen, Rubens Scliar
Galant Costa Cabral, terceiro: Praça Pinheiro
Rubens José Martins de Machado de Gastão
Abreu, Edla H. Silva, Hofstetter
Franz Stockinger, Vasco
Prado, Carlos Alberto
Petrucci, Carlos Mancuso,
Manoel Francisco Ferreira,
Terezinha Alves de
Oliveira, Iara de Matos
Rodrigues, Luiz Carlos
Cunha, Avatar Moraes,
Célia de Aquino, Luiza
Prado, Maria Annita Linck,
Wilbur Olmedo.
1957 [não localizado]
IV Salão
1958 Alice Brueggemann, Alice Júri de seleção:J. Batistini,
V Salão Soares, Carlos Alberto Vasco Prado e Carlos
Petrucci, Carlos Fabrício Fayet
Marques Soares, Diva Uhr, Júri de premiação: Alice
Glênio Bianchetti, Rubens Soares, Ênio Lipmann
Galant Costa Cabral,
Cristina Balbão, Francisco
Stockinger, Manuel
Francisco Ferreira, Zoravia
Bettiol, Francisco
Riopardense de Macedo,
Léo Dexheimer, Terezinha
Alves Tabajara

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