12 - UFRJ, Tes. Fernandes 2017
12 - UFRJ, Tes. Fernandes 2017
12 - UFRJ, Tes. Fernandes 2017
INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
Rio de Janeiro
2017
OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)
Rio de Janeiro
2017
OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)
Banca Examinadora:
____________________________________________________________________
Prof.ª Dra. Andrea Casa Nova Maia – Orientadora.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Jayme Lúcio Fernandes Ribeiro
INSTITUTO FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (IFRJ)
___________________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Muniz Gonçalves Ferreira
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO (UFRRJ)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Knauss de Mendonça
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)
Rio de Janeiro
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram de alguma forma para a elaboração desta tese de
doutorado. Primeiramente à minha orientadora Prof. Dra. Andrea Casa Nova, que me acolheu
no PPGHIS, apoiou minha pesquisa proporcionando a possibilidade de autonomia e me
incentivou constantemente para encontrar o meu caminho através de dicas preciosas. Depois
de todos esses seis anos, desde o início do mestrado até agora, sei que encontrei compreensão,
motivação, carinho e parceria nos momentos necessários.
Às instituições nas quais pesquisei e pude acessar arquivos fundamentais para a pesquisa e
onde encontrei em seus funcionários a atenção, a gentileza e a solicitude que fizeram toda
diferença: Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro (APERJ), Arquivo da Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ), Biblioteca do
Museu Nacional de Belas Artes (MNBA).
Agradeço aos arguidores pela disponibilidade e pelos ensinamentos que levo para além desta
tese de doutoramento, para a vida de historiadora e professora. Ao professor Dr. Muniz
Gonçalves Ferreira e à professora Dra. Maria Beatriz de Melo e Souza que compuseram a
banca de qualificação apresentando sugestões de grande pertinência para a conclusão da tese e
que participaram de forma fundamental da banca de defesa. Ao professor Dr. Jayme Lúcio
Fernandes Ribeiro por sua leitura detalhada e palavras generosas na arguição.
Ao professor Paulo Knauss pelo carinho, gentileza e pelas preciosas contribuições que me
instigaram a importantes reflexões não apenas em sua arguição durante a defesa desta tese,
mas ao longo da minha formação acadêmica. Tive o prazer de contar com sua orientação no
desenvolvimento da monografia de conclusão da graduação e na realização do mestrado, no
qual compôs as bancas avaliativas. Mostrou-se sempre inspiração como professor e
historiador, por sua seriedade e serenidade. Obrigada por cada palavra ao longo destes quase
dez anos.
Aos amigos e amigas que ao longo desses quatro anos compreenderam os momentos de
distância e o cansaço, principalmente no último ano. Agradeço às amigas que estiveram
presentes também virtualmente, pelo carinho e incentivo. Aos que trocaram ideias sobre a
pesquisa e desenvolvimento da escrita. E um agradecimento especial aos que não desistiram
de mim e estiveram nos momentos de diversão, que foram fundamentais para aliviar as
tensões e renovar o espírito. De formas diferentes, a amizade de cada um contribuiu para que
esses anos fossem agradáveis e eu não perdesse a alegria e a satisfação que o trabalho me
proporciona. Obrigada Ana Gabriela Saba, Bruno Marques, Camilla Trajano, Caren Freitas,
Carla Corradi, Gianne Chagastelles, Hérica Carmo, Liége Dimon, Lívia Lamblet, Maicon
Campos, Moema Alves, Rose Silva, Thaís Leal, Thais Bosco e Victor Sabino.
Por fim, agradeço à minha irmã Fernanda, por fortalecer o sentido de família. À minha mãe
pelo apoio às minhas escolhas, compreensão com o meu isolamento constante para trabalhar e
pela parceria e amizade. Ao meu pai por todos os seus ensinamentos que carrego sempre em
minha memória.
OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)
RESUMO
Esta tese apresenta o estudo da relação entre os artistas plásticos e o Partido Comunista do
Brasil (PCB) entre 1945 e 1950, buscando compreender os possíveis limites à criação e
interesses de ambas as partes. O período abrange o momento de legalidade do partido (1945-
1947) e a transição para a radicalidade estabelecida a partir de agosto de 1950. Para tanto,
discute-se as propostas e embasamentos do período no PCB para a produção e atuação dos
artistas plásticos e que pudessem influir de alguma forma. Evidencia-se nesta pesquisa,
portanto, a expressão das artes visuais para o estudo histórico através do entendimento da
ideia de cultura visual. A análise é feita com base em fontes primárias diversas, abarcando
essencialmente documentos produzidos pela polícia política e pelo PCB, periódicos do
partido, cartazes, ilustrações e pinturas. Deste modo, é possível traçar o panorama das
contribuições artísticas e o aparato que as estruturava. A tese busca elucidar a repercussão da
militância dos artistas plásticos para o PCB, como parte de um momento de grande
crescimento do partido em expressão social, cultural e política.
ABSTRACT
This thesis presents the study of the relationship between visual artists and the Communist
Party of Brazil (PCB) between 1945 and 1950, with the aim to understand the possible limits
to the creation and interests of both parties. The period covers the moment of legality of the
mentioned party (1945-1947) and the transition to radicalism established from August 1950.
For this purpose, are discussed the proposals and fundaments of the period in the PCB for the
production and performance of the visual artists and that they could influence in some way. In
this research, therefore, the expression of the visual arts for the historical study through the
understanding of the idea of visual culture is demonstrated by. The analysis is based on
several primary sources, essentially covering documents produced by the political police and
PCB, party periodicals, posters, illustrations and paintings. In this way, it is possible to trace
the panorama of the artistic contributions and the apparatus that structured them. The thesis
seeks to elucidate the repercussion of the militancy of the visual artists to the PCB, as part of
a moment of great growth of the cited party in social, cultural and political expression.
Key-Words: Communist Party of Brazil; PCB; visual artists, socialist realism; USSR.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14
REFERÊNCIAS....................................................................................................................260
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Cartaz Soviético. “Kokorekin Alexei. Tudo para a vitória! Frente das mulheres da
URSS”. 1942. ...................................................................................................................... 41
Figura 2. Cartaz Soviético. V. Ivanov. “O grande Stalin é a luz do comunismo”. 1949. ........ 43
Figura 3. Cartaz soviético. Yuri Chudov. “E nós seremos pilotos!”. 1951. ............................ 45
Figura 4. Cartaz soviético. Boris Zelensky. “Ordenhadoras, vamos atingir altos rendimentos
de leite de cada vaca pela forragem!” 1950. ......................................................................... 48
Figura 5. Cartaz soviético. M. Soloviev. “Primavera, verão, outono, inverno. Se trabalhar duro
– o pão vai crescer!” 1947. ................................................................................................... 50
Figura 7. Óleo sobre papelão. Pedro Figari. “Nostalgias Africanas”. s/d. Museo Municipal
Juan Manuel Blanes, Montevideo. ........................................................................................ 94
Figura 8. Aquarela sobre papelão. Xul Solar. “Dança dos santos”. 1925. Coleção Marion e
Jorge Helft, Buenos Aires. ................................................................................................... 94
Figura 10. Mural. Diego Rivera. A história do México. 1935. Escadaria principal do Palácio
Nacional do México. ............................................................................................................ 99
Figura 11. Óleo sobre tela. David Alfaro Siqueiros. “A mãe camponesa”. 1929. ................ 100
Figura 12. Xilogravura. José Sabogal. “Índios de Pucará”. Fonte: Revista Amauta nº 10,
Lima. Dez 1927. P.20......................................................................................................... 101
Figura 13. Óleo sobre tela. José Sabogal. “Varayoc: Chefe índio dos chincheros”. 1925.
Museu de Arte de Lima. Peru. 109 x 169 cm. ..................................................................... 102
Figura 14. Óleo sobre tela. José Sabogal. “A mulher de Varayoc”. 1926. Museu de Arte de
Lima. ................................................................................................................................. 102
Figura 15. Óleo sobre tela. Eduardo Kingman. “Los Guandos”. 1941. Casa da Cultura
Equatoriana, Lima. 150x200cm. ......................................................................................... 103
Figura 16. Gravura. José Guadalupe Posada. “Calavera do editor popular Antonio Vanegas
Arroyo”. Livraria do Congresso, Washington D.C. ............................................................ 105
Figura 17. Gravura. José Guadalupe Posada. “O grande panteão amoroso”. La Gaceta
Callejera. 37,2 x 18,7. Museu Nacional de Arte, Cidade do México. .................................. 105
Figura 18. Linoleogravura. Leopoldo Mendéz. “Homenagem a Posada”. 1956. Coleção José
Sanchez Aguilar. ................................................................................................................ 106
Figura 20. Xilogravura chinesa. Shih Tze-Chin. “De quem a culpa?” Fundamentos, nº12. Fev
1950. .................................................................................................................................. 114
Figura 21. Xilogravura chinesa. Chen Yin Chiao. “Trabalhadores”. Fundamentos, nº12. Fev
1950. .................................................................................................................................. 115
Figura 22. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. “Tiradentes”. 1948-1949. 17, 70 x 3, 09
metros. Memorial da América Latina de São Paulo. ........................................................... 116
Figura 23. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. "Tiradentes". 1948-1949. Detalhe. ........ 117
Figura 24. Periódico. “Portinari coloca sua arte a serviço do povo”. Tribuna Popular, 25 ago
1945. Capa. ........................................................................................................................ 120
Figura 25. Periódico. “O latifúndio é a causa da miséria”. Tribuna Popular, 25 ago 1945.
Capa. ................................................................................................................................. 121
Figura 26. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Retirantes. Série Retirantes.”1944.
192x181cm. ....................................................................................................................... 123
Figura 27. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Enterro na rede”. Série Retirantes. 1944.
180x220cm. ....................................................................................................................... 123
Figura 28. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Criança Morta”. Série Retirantes. 1944.
182x190cm. ....................................................................................................................... 123
Figura 29. Fotografia. Rui Santos. "Clóvis Graciano". Acervo Rui Santos do Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro - APERJ................................................................................. 132
Figura 30. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Clóvis Graciano, um artista do povo”. Tribuna
Popular. 23 set 1945. P.9. ................................................................................................... 133
Figura 31. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Candido Portinari, artista do povo”. Tribuna
Popular, 11 nov 1945. P.9. ................................................................................................. 136
Figura 32. Periódico. “Hilda Campofiorito, Uma Artista”. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
.......................................................................................................................................... 138
Figura 33. Periódico. “Mais um notável artista ingressa no partido do povo”. Tribuna Popular,
09 jan 1946. Capa (detalhe). ............................................................................................... 140
Figura 35. Periódico. “Em benefício da Casa do Expedicionário”. Tribuna Popular. 21 ago
1945. P.8. ........................................................................................................................... 145
Figura 36. Gravura. Mario Zanini. “Família”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.167.147
Figura 37. Gravura. Mario Zanini. “Lavadeiras”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.168.
.......................................................................................................................................... 147
Figura 38. Periódico. “Criarão os artistas plásticos o seu sindicato de classe”. Tribuna
Popular, 16 dez 1945. Capa (detalhe). ................................................................................ 153
Figura 39. Periódico. “Os artistas à disposição do povo”. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3
(detalhe). ............................................................................................................................ 156
Figura 40. Periódico. “A entrega dos “carnets” aos intelectuais comunistas”. Tribuna Popular,
19 abr 1946. Capa (detalhe)................................................................................................ 164
Figura 41. Periódico. “Homenagem do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e
artistas”. Tribuna Popular, 21 abr 1946. Capa (detalhe). ..................................................... 168
Figura 44. Periódico. “Os artistas plásticos do Brasil ao povo espanhol”. Tribuna Popular. 24
mar 1946. ........................................................................................................................... 177
Figura 45. Periódico. “Prestes visitou, ontem, a exposição”. Tribuna Popular. 31 mar 1946.
P.3. .................................................................................................................................... 178
Figura 46. Periódico. “Grande contribuição dos artistas plásticos para a campanha Pró-
Imprensa Popular”. 12 out 1946. P.8. ................................................................................. 180
Figura 47. Periódico. “A grande contribuição dos artistas plásticos para a Campanha Pró-
Imprensa Popular”. Tribuna Popular. 25 out 1946. P.8. ...................................................... 183
Figura 50. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “A Roda”. 60x 73,5 cm. 1945. Coleção
Particular. .......................................................................................................................... 194
Figura 51. Periódico. “Uma exposição sem exemplo na história artística do país”. Tribuna
Popular. 26 out 1945. P.1. .................................................................................................. 197
Figura 55. Desenho. Cândido Portinari. "O Cavaleiro da Esperança". A Classe Operária.
Nº157. 1º jan 1949. P.16. .................................................................................................. 212
Figura 54. Desenho. Quirino Campofiorito. "O grande líder nacional Luiz Carlos Prestes".
Esfera. Jun 1945. P.9. ......................................................................................................... 214
Figura 57. Gravura. Clóvis Graciano. “Trabalhador”. Fundamentos. Nº6. Nov 1948. Capa. 216
Figura 58. Óleo sobre tela. Candido Portinari. "Café". 1934-1935.130x195cm. .................. 217
Figura 59. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.2. ............................................................................. 218
Figura 60. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.3. ............................................................................. 219
Figura 61. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.4. ............................................................................. 220
Figura 62. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.5. ............................................................................. 221
Figura 63. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.8. ............................................................................. 221
Figura 64. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.9. ............................................................................. 222
Figura 65. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.10. ........................................................................... 223
Figura 66. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.11. ........................................................................... 224
Figura 67. Quadrinhos. Percy Deanne. “História d'A Classe Operária”. A Classe Operária.
Nº1.09 mar 1946. P.9. ........................................................................................................ 227
Figura 68. Quadrinhos. Percy Deane." História d'A Classe Operária". A Classe Operária. Nº2.
16 mar 1946. P.11. ............................................................................................................. 229
Figura 69. Quadrinhos. Percy Deane. História d'"A Classe Operária". A Classe Operária. Nº3.
23 mar 1946. P.11. ............................................................................................................. 230
Figura 70. Qaudrinhos. Percy Deane. "O problema da terra". A Classe Operária. Nº87. 23 ago
1947. P.4. ........................................................................................................................... 232
Figura 71. Desenho . Percy Deane. “Numa localidade paulista, 40% dos camponeses
abandonaram a terra”. A Classe Operária. Nº10. 11 maio 1946. P.2. .................................. 234
Figura 72. Quadrinhos. Percy Deane. "Programa mínimo para os municípios". A Classe
Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6......................................................................................... 236
Figura 73. Desenho Percy Deane. “Liberdade para os trabalhadores da Light”. A Classe
Operária. Nº 19. 13 jul 1946. P.1. ....................................................................................... 239
Figura 74. Fotografia. Homenagem à FEB. Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1. ................... 241
Figura 75. Desenho. Paulo Werneck. "Glória aos heróis da FEB". Tribuna Popular. 18 set
1945. P.1. ........................................................................................................................... 242
Figura 76. Ilustração. Paulo Werneck. "São miseráveis os salários dos trabalhadores rurais do
Norte". Tribuna Popular. 09 abr 1946. ................................................................................ 243
Figura 77. Desenho. Paulo Werneck. "A ameaça de despejo pesa sobre o morro". Tribuna
Popular. 18 jan 1946. P.8. .................................................................................................. 245
Figura 78. Desenho. Paulo Werneck. "1º de maio pela democracia". Tribuna Popular. 1º maio
1947. P.8. ........................................................................................................................... 246
Figura 79. Ilustração. Paulo Werneck. Trabalhadores da construção numa justa campanha.
Tribuna Popular. 18 out 1945. P.8. ..................................................................................... 247
Figura 80. Desenho. Paulo Werneck. "Canto anônimo para o cinquentenário de Prestes".
Tribuna Popular. 26 dez 1947. P. 8. .................................................................................... 249
Figura 81. Desenho “Traço para A Classe Operária”. Acervo Iconográfico. Pasta Cartazes.
APERJ. .............................................................................................................................. 250
Figura 82. Ilustração. Paulo Werneck. "Zona Comercial". Esfera. Jun 1945. ..................... 252
INTRODUÇÃO
15
INTRODUÇÃO
Esta tese procura investigar as relações formadas entre os artistas plásticos e o Partido
Comunista do Brasil1 entre 1945 e 1950, período de transformações políticas no partido.
Desta forma, será estudada a participação e as contribuições de artistas plásticos membros do
partido, a apropriação dos diferentes discursos escritos e visuais do PCB em relação às artes
plásticas, bem como os interesses de ambas as partes nesta ligação. A delimitação temporal
abrange desde o retorno do partido à legalidade em 1945, passando pela perda dos direitos
políticos em 1947, até 1950, quando é lançado o Manifesto de Agosto, que marcou a mudança
da linha da sua linha política, seguindo por vias mais radicalizadas. O período entre 1945 e
1950 apresenta, portanto, especificidades na trajetória do partido que se refletiram na grande
atração de artistas plásticos.
Em 1942 o PCB começou a reestruturar algumas publicações periódicas e editoriais
mostrando os primeiros passos do que seria uma rede complexa de imprensa. Eram novos
tempos nos quais o partido se reorganizava, após muitos anos na ilegalidade devido ao
Levante de 1935. No episódio, a repressão ao partido levou vários de seus membros à prisão,
entre eles grandes líderes comunistas como Luiz Carlos Prestes. Neste momento, o Partido
Comunista do Brasil iniciou a reativação de núcleos e comitês, bem como de editoras para
publicação de obras políticas que divulgassem textos de Karl Marx, Vladimir Lenin e Josef
Stalin, por exemplo, atividade que já era feita desde o início do partido na década de 1920.
Foi neste período que os núcleos do PCB que estavam reaparecendo começaram a tentar
definir as estratégias de uma ação política central. Os impactos da Segunda Grande Guerra
trouxeram a oportunidade de mostrar a importância da ação do PCB em âmbito nacional, mas
também exigiram um posicionamento decisivo no tocante à dicotomia que se apresentava ao
1
É importante explicitar que o PCB era no período de 1945 a 1950, anos aos quais esta pesquisa é
especificamente dedicada, chamado Partido Comunista do Brasil. Esta denominação esteve vigente de 1922 a
1961. No entanto, com as denúncias dos crimes de Stalin, em 1956, tornou-se problemática, pois evidenciaria ser
uma extensão do Partido Comunista da União Soviética no Brasil. Em 1961 o PCB modificou suas diretrizes e
procurou mostrar seu distanciamento das praticas de Stalin, adequando alguns itens de seu programa com o
intuito de se legalizar, inclusive mudando o nome para Partido Comunista Brasileiro, mas mantendo a sigla:
PCB. Em 1962, João Amazonas e Maurício Grabois lideraram uma dissidência que, discordando dos rumos
tomados, sairia da organização e fundaria (ou “refundaria”, segundo os propositores) o Partido Comunista do
Brasil, usando a sigla PCdoB. O PCdoB defendia a herança de Stalin e se alinharia com a China, enquanto o
PCB de Luiz Carlos Prestes continuaria com a União Soviética de Khrushchev. Após 1964, o PCB defenderia
formas não-violentas de resistência política à ditadura militar, enquanto o PCdoB enveredaria pelo caminho da
luta armada. (SEGRILLO, Ângelo. Rússia e Brasil em transformação. Uma breve história dos partidos russos e
brasileiros na democratização política. 7 letras. Rio de Janeiro, 2005. P.113-114).
16
apoiar a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados contra o nazi-fascismo, e para isso
apoiar o Estado Novo de Getúlio Vargas em uma União Nacional 2.
Em agosto de 1943 foi organizada a Conferência da Mantiqueira em Engenheiro
Passos no Rio de Janeiro. No evento se definiriam as diretrizes que o partido seguiria dali em
diante e Luiz Carlos Prestes foi escolhido líder do Comitê Central, mesmo estando preso.
Desta forma, o Partido Comunista do Brasil se reorganizaria. Destarte, a partir do ano de 1942
o PCB foi crescendo em poder e em número de militantes. Nos anos seguintes, e com as
estratégias que começaram a ser traçadas principalmente a partir da Conferência da
Mantiqueira, o PCB conseguiu conquistar mais apoio às suas ideias e multiplicar o número de
militantes. O partido aumentou consideravelmente seus integrantes em um curto período de
tempo, entre os anos de 1942 e 1945, passando de cem membros para cinquenta mil no pouco
tempo de reestruturação. Em 1946 o PCB contaria com quase duzentos mil membros filiados,
um crescimento exponencial3.
No ano de 1945 a conjuntura internacional passou por transformações devidas ao fim
da Segunda Grande Guerra em maio daquele ano. Os nazistas foram derrotados pelos Aliados
e o papel da União Soviética foi decisivo. Assim como as ideias e a experiência comunista
soviética ganhavam respeito por conta da participação na guerra ao lado dos Aliados e a
efetiva derrota alemã através dos exércitos soviéticos em Berlim, no Brasil os comunistas
pressionavam o governo a mudar determinadas posturas de caráter ditatorial que cerceavam
os direitos políticos da população.
Este foi o momento estratégico no qual os militantes do PCB lideraram campanhas
nacionais privilegiando as questões relacionadas aos direitos sociais, liberdades várias e ainda
a anistia dos presos políticos. Isso só fez aumentar o prestígio que o partido vinha alcançando
com a União Nacional desde 1942 até então. Em 1945 o prestígio do partido crescia entre
várias camadas sociais, como era verificado nos comícios e manifestações pela anistia e
democratização do país que reuniam milhares de pessoas 4. O processo de redemocratização
alcançava o ponto alto. Logo em fevereiro foram marcadas eleições para a presidência, para
os governos dos Estados e para as assembleias legislativas dentro de noventa dias. Em abril,
foram anistiados os presos políticos que ainda estavam encarcerados ou exilados, como
Prestes, não possibilitando, porém, reaverem cargos militares ou civis que porventura
2
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.46.
3
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P. 46 e 48.
4
FILHO, Daniel Aarão Reis. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943
e 1964. In: RIDENTI, Marcelo; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs) História do Marxismo no Brasil. Unicamp.
São Paulo, 2002.
17
ocupassem. A atuação do PCB foi fundamental para a conquista desses avanços democráticos,
inclusive para o retorno da ampla liberdade de organização partidária 5.
Neste momento, o PCB também voltou à legalidade e conseguiu desenvolver uma
gama variada de publicações, que contaria com revistas e jornais voltados para setores
diversos. Para tanto, contou com intelectuais como Astrojildo Pereira, que retornou às fileiras
do partido após quinze anos afastado e passou a atuar não mais no Comitê Central, mas na
organização cultural. Ele foi responsável pela articulação da intelectualidade brasileira
comunista, simpatizante ou de aspirações democratas para atuar em revistas de literatura e
teóricas, sistematizando a atuação no campo político-cultural6.
A rede de periódicos recebeu o nome de Imprensa Popular7 e poderia ser dividida em
categorias: revistas quinzenais ou mensais, jornais semanais e jornais diários regionais. O
aparato de publicações diárias chegou a dez periódicos, com os quais o Partido Comunista do
Brasil pôde alcançar diversos Estados brasileiros. Estes jornais apresentavam estruturas
semelhantes e o objetivo em comum de alcançar cada vez mais leitores nas regiões onde
circulavam. As temáticas adentravam nas questões locais, mas também tratavam da economia
e da política nacional e internacional, de esportes, da cultura e das artes. Nesta categoria, se
destacaram o Tribuna Popular (1945-1947) do Rio de Janeiro, então capital federal, o Hoje
(1945-1952) de São Paulo8 e O Momento (1945-1957) de Salvador9.
Os outros modelos de periódicos abrangiam também questões político-econômicas e
culturais, mas em diferentes medidas. Algumas publicações se destacavam como as revistas
político-culturais mensais Fundamentos (1948-1955) de São Paulo, Seiva (1938-1950) de
Salvador, Horizonte (1949-1956) de Porto Alegre10, Esfera (1938-1950) e a quinzenal
Divulgação Marxista (1946-194-) do Rio de Janeiro. Relativo às problemáticas político-
sociais da mulher, mas também sobre questões domésticas, foi criado Momento Feminino
(1947-1956) no Rio de Janeiro. De caráter político-econômico se destacava a revista mensal
5
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P. 49 e 50.
6
A respeito da importante figura de Astrojildo Pereira como parte da intelectualidade do partido e ligado às
políticas culturais. Cf. ARIAS, Santiane. O intelectual comunista Astrojildo Pereira e a política cultural. 1945-
1958. Revista de Iniciação Científica da FFC, v4. N1, 2004. P.82.
7
A Imprensa Popular representou o ápice da estrutura de imprensa do PCB, a respeito das suas bases e
importância, Cf. SERRA, Sônia. Jornalismo político dos comunistas no Brasil: diretrizes e experiências da
“Imprensa Popular”. Anais do II Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação e
Política, 2007.
8
A respeito do Hoje, Cf. POMAR, Pedro Estevam da Rocha. Comunicação, cultura de esquerda e contra-
hegemonia: o jornal Hoje. (1945-1952). Tese de Doutorado. PPGCOM/ECA - Universidade de São Paulo –
USP, 2006.
9
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA,
1995.P.30.
10
A respeito de Horizonte, Cf. DUPRAT, Andréia Carolina Duarte. Revista Horizonte (1949-1956) Imagem
impressa e questões políticas. Monografia de Graduação. História da Arte – UFRGS, 2013.
18
Problemas (1947-1956) do Rio de Janeiro, dirigida por Carlos Marighela e depois por
Diógenes Arruda11. A Classe Operária foi das mais importantes publicações do PCB ao longo
de sua história e no período entre 1946 e 1949 se destacou como órgão oficial do partido,
circulando semanalmente. O jornal teve atividade irregular desde seu início em 1925 até seu
fim 1952 devido à repressão política, mas manteve sua relevância para o partido nessa
trajetória12.
De modo geral, os diferentes modelos apresentavam caráter educativo e buscavam a
organização das lutas políticas. Deve-se destacar o empenho financeiro e político dos
comunistas com estas publicações para inserir-se na política nacional de forma competitiva, o
que era garantido através da venda dos exemplares, mas também com arrecadação através de
campanhas, festas, leilões, rifas, doações e investimento dos recursos do partido. Estes e
outros periódicos ligados ao PCB mantinham especificidades, no entanto, compartilhavam
material jornalístico vindo da agência de notícias mantida pelo partido, a Interpress, sediada
no Rio de Janeiro. Além disso, alguns jornalistas, escritores, artistas e outros poderiam
contribuir para mais de uma destas publicações.
A rede de imprensa atrelada ao PCB promovia a circulação das suas perspectivas em
relação à história, à atualidade e às artes, bem como suas ideias presentes nos produtos
culturais que veiculava, como poesias, crônicas, desenhos e fotografias. O aparato montado
tinha grande alcance por todo o país e atuava de forma considerável na formação e expressão
política e intelectual de acordo com os preceitos defendidos pelo partido 13. Deste modo, a
imprensa mostrou-se fundamental para a expansão do PCB, especialmente neste momento
imediatamente pós-guerra. O Partido Comunista do Brasil contava, neste momento, com o
fortalecimento de suas editoras, retomadas desde 1944 com a organização da Editorial Vitória
(1944-1964)14, e ainda com a Edições Horizonte (1945-1948) que depois foi incorporada à
11
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA, 1995. P.
29-33.
12
A Classe Operária foi inaugurada em maio de 1925, circulando por três meses. Foi relançado em maio de
1928, mantendo-se até meados de 1929. Nestas duas fases foi fechado devido à repressão do governo. Em 1930
reabriu e circulou ilegalmente e de forma irregular até o fim do Estado Novo, passando por perseguições,
apreensões e retomadas. Em 1946, já depois do PCB retomar seus direitos políticos, voltou a circular legalmente
como órgão oficial do partido e com a direção de Maurício Grabois. Manteve-se com publicação semanal e
conteúdo variado sobre o cotidiano, além de textos teóricos. Com a cassação do registro do PCB em 1947, o
jornal passou a ser reprimido até ser fechado em 1949. Em 1951 voltou como publicação mensal e viés mais
teórico, sendo fechado definitivamente pelo PCB em 1952. A CLASSE Operária. Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional. <http://bndigital.bn.br/artigos/a-classe-operaria/> Acesso em: 08 jun. 2016.
13
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA, 1995.
P.38.
14
A respeito da Editorial Vitória, suas origens, estrutura, objetivos e levantamento de sua produção Cf. MAUÉS,
Flamarion. A Editorial Vitória e a Divulgação das Ideias Comunistas no Brasil (1944-1964). In: DEAECTO,
19
Vitória, a Edições Calvino que não pertencia ao partido, mas mantinha publicações afinadas
às editoras ligadas ao PCB. Estas e outras editoras contribuíam com a regular publicação de
obras literárias ou teóricas de autores soviéticos e de comunistas de outras nacionalidades.
Deste modo, eram publicados, por exemplo, tanto livros teóricos de autoria de Luiz Carlos
Prestes, quanto literários de Jorge Amado. Entre 1945 e 1964, o PCB manteve uma
distribuidora e várias livrarias em diversas cidades do país, o que demonstra a considerável
inserção na circulação de livros no Brasil15.
Entre 1945 e 1947, o Partido Comunista do Brasil obteve conquistas muito
importantes. O objetivo de alcançar “as massas” proclamado por Luiz Carlos Prestes em seus
discursos parecia ser alcançado, pois o número de membros aumentava exponencialmente ao
longo desses dois anos. Outro fator que demonstra essa expansão do partido é o número de
candidatos eleitos nos processos eleitorais dos quais participou no período ter sido
significativo, bem como o percentual de votos dos seus candidatos, mesmo dos que não se
elegeram. Nestes pleitos, foram eleitos nomes como senador Luiz Carlos Prestes e como
deputado federal Jorge Amado e Carlos Marighella. Candido Portinari, por exemplo, apesar
de obter muitos votos, não conquistou o cargo de senador por São Paulo, o que gerou
questionamentos quanto à lisura da apuração eleitoral. Em 1946, o Partido Comunista do
Brasil se fez presente na Constituinte através de uma pequena e minoritária bancada. No
entanto, se destacou diante das causas dos trabalhadores, como o direito à greve, a liberdade e
a autonomia dos sindicatos16.
O crescimento do partido e a estabilidade que parecia manter não foram suficientes
para evitar que fosse novamente cassado seu registro. Durante o Estado Novo todos os
partidos haviam sido proibidos e apenas em 1945 a livre organização partidária foi permitida
novamente, como foi visto. Contudo, desta vez, em 1947 apenas o PCB teve seu registro
cassado. Os motivos foram vários. A intensificação da Guerra Fria fortalecia uma atmosfera
de temor aos comunistas pelo mundo que se opunha a eles. A aliança do governo brasileiro
Marisa Midori; MOLLIER, Jean-Yves (Orgs). Edição e Revolução: leituras comunistas no Brasil e na França.
Cotia, SP: Ateliê Editorial/ Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2013. Pp. 121-152.
15
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA, 1995. P.
44-52.
16
Em 1946, o candidato à presidência apoiado pelo PCB, Yeddo Fiúza, alcançou 600 mil votos (cerca de 10%
do total), o que lhe garantiu o segundo lugar. Prestes foi eleito senador pelo então distrito federal, o Rio de
Janeiro, e também deputado federal e por diversos estados e suplente por outros. Para deputados federais o PSD
elegeu 151, a UDN 83, o PTB 22 e logo em seguida aparecia o PCB com 14, à frente de outros tantos partidos.
Em 1947, os resultados continuaram expressivos. Foram eleitos deputados estaduais e vereadores em diversos
municípios. SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.54 e
55; SEGRILLO, Angelo. Rússia e Brasil em transformação. Uma breve história dos partidos políticos russos e
brasileiros na democratização política. Rio de Janeiro: 7letras, 2005. P.208.
20
17
FILHO, Daniel Aarão Reis. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943
e 1964. In: RIDENTI, Marcelo; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs) História do Marxismo no Brasil. Unicamp.
São Paulo, 2002. P.75.
18
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.59.
19
A respeito do processo de cassação da legenda e dos mandatos do PCB Cf. REZENDE, Renato Arruda de.
1947, o ano em que o Brasil foi mais realista que o rei: o fechamento do PCB e o rompimento das relações
Brasil-União Soviética. Dissertação de Mestrado. PPGH/UFGD. Dourados, 2006. P79-106.
20
A este respeito Cf. SILVA, Héber Ricardo. A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do
político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa 1945-1948. São Paulo: Editora UNESP/Cultura
Acadêmica, 2009.
21
21
O Cominform (1947-1956) foi criado em 1947 por Stalin para retomar a centralidade nas concepções do
Partido Comunista da União Soviética na direção do Movimento Comunista Mundial após o fim da Internacional
Comunista.
22
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.61-62.
23
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.61-62.
24
PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de Agosto de 1950. Voz Operária. Rio de Janeiro, 5 ago 1950. P.1-4.
22
25
PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de Agosto de 1950. Voz Operária. Rio de Janeiro, 5 ago 1950. P.1-4.
26
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.64-65.
27
A respeito da relação entre intelectuais e o PCB na década de 1930 há diversos trabalhos, podendo-se destacar
um que reúne textos de relevantes estudiosos do assunto, a saber: Muniz Ferreira, Ana Paula Palamartchuk,
Dênis de Moraes, Marcos Napolitano, Marcelo Badaró Mattos, Jayme Lúcio Ribeiro, Valéria Lima Guimarães,
Rodrigo Czajka, Rosângela Patriota, Arthur Autran e os organizadores. Cf. ROXO, Marco; SACRAMENTO,
Igor (Orgs.). Intelectuais Partidos: os comunistas e as mídias no Brasil. Rio de Janeiro: E-Papers, 2012.
23
28
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao zdhanovismo. In: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do
Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume IX.
29
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
Rio de Janeiro, José Olympio 1994.
30
Vale ressaltar que a arte de cunho social já era produzida no Brasil anteriormente. Aracy Amaral trata do
desenvolvimento da arte com preocupações em relação a sua função social já desde a década de 1920, mas
ressalta que desde o início dos anos 1930 se delineou com mais clareza nas obras dos artistas plásticos. Cf.
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira, 1930-1970. São Paulo: Studio Nobel,
2003.
24
em meados da década de 1950, quando foram denunciados crimes de Stalin e deixou de ser
arte oficial na URSS também.
A política cultural do PCB era parte da doutrina de expansão para as massas dos ideais
políticos comunistas. A tática da União Nacional junto à estratégia nacional-democrática
contribuiu para a grande adesão de novos militantes, e dentre eles intelectuais e artistas. O
desenvolvimento de uma interpretação do realismo socialista soviético foi promovida pelos
artistas militantes do Partido Comunista do Brasil. Deste modo, a apropriação feita do
realismo socialista para a sociedade brasileira enfocava a necessidade de a arte chegar à
classe trabalhadora através de temas brasileiros, especialmente aqueles que abordassem a vida
do trabalhador do campo ou da cidade. A imprensa teve papel fundamental para este fim,
divulgando artigos e debates acerca dos propósitos desta vertente artística travados entre
intelectuais, artistas, membros e não membros do partido. O PCB, assim como outros partidos
comunistas do mundo, se alinhou às diretrizes stalinistas e adotou o realismo socialista ainda
em 194531, mas de forma mais sistemática a partir dos manifestos de 1948 e 1950. A
apropriação do realismo socialista soviético por parte do PCB como parte de sua política
cultural contribuiu para a atuação na cena artística nacional e se modificou de acordo com o
contexto político que foi se apresentando.
Os fundamentos do realismo socialista alcançaram ao longo desses anos diferentes
âmbitos das artes 32. Embora de formas bem diferentes de acordo com os diferentes suportes
ou modos de expressão, artistas de renome podem ser apontados nas diversas áreas. Na
literatura33 Jorge Amado encontrou destaque, embora outros escritores procurassem em certa
medida temas e formas que coadunavam com as propostas do realismo socialista34. Na
arquitetura, Oscar Niemeyer; na música César Guerra Peixe (1914-1993), Cláudio Santoro
31
ARAUJO, Mônica da Silva. A arte do partido para o povo: o realismo socialista no Brasil e as relações entre
artistas e PCB (1945-1958). Dissertação de Mestrado. UFRJ/IFCS-PPGHIS. Rio de Janeiro, 2002.
32
A discussão sobre o realismo socialista em vários âmbitos da arte brasileira foi apresentada por Dênis de
Moraes em obra que procura estabelecer a relação da imprensa comunista com esta vertente artística soviética no
Brasil no período entre 1947 e 1953. Moraes traça um panorama do posicionamento dos artistas ligados ao PCB
e ao realismo socialista em relação às outras formas de arte divulgadas ou produzidas no Brasil neste período
citado. MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil
(1947-53). Rio de Janeiro, José Olympio 1994.
33
Sobre este assunto, no que diz respeito ao campo literário Cf. MATTOS, Marcelo Badaró (org) Livros
Vermelhos: Literatura, trabalhadores e militância no Brasil. Faperj/Bom Texto. Rio de Janeiro, 2010.
34
Sobre a relação entre Graciliano Ramos e Jorge Amado com o PCB e suas produções artísticas com as
diretrizes artísticas do partido Cf. ARAUJO, Mônica da Silva. A arte do partido para o povo: o realismo
socialista no Brasil e as relações entre artistas e PCB (1945-1958). Dissertação de Mestrado. UFRJ/IFCS-
PPGHIS. Rio de Janeiro, 2002; BARBOSA, Júlia Monnerat. Militância política e produção literária no Brasil
(dos anos 30 aos anos 50): as trajetórias de Graciliano Ramos e Jorge Amado e o PCB. Tese de Doutorado.
PPGH/UFF. Niterói, 2010, PALAMARTCHUK, Ana Paula. Os novos bárbaros: escritores e comunismo no
Brasil – 1928-1948. Tese de Doutorado. IFCH/UNICAMP. Campinas, 2003.
25
35
(1919-1989) e músicos de Escolas de Samba36; na cinematografia, Nelson Pereira dos
Santos, Alex Viany (1918-1992), Carlos Ortiz (1910-1995), Walter da Silveira (1915-1970),
Rodolfo Nanni (1924-), Oduvaldo Vianna (1892-1972) e Ruy Santos (1916-1989); no teatro
Jackson de Souza (1917-1996) e Antônio Bulhões37. Estes e tantos outros artistas ligados ao
PCB mostravam que os diferentes campos artísticos poderiam e deveriam ser um meio de
levar ao povo os ideais revolucionários, a consciência de se fazer parte de uma classe
operária.
A partir deste panorama é possível notar um pouco do grande alcance do PCB no meio
artístico e o envolvimento dos artistas com uma produção comprometida com questões sociais
e de caráter educativo, fundada nos preceitos do realismo socialista. Apesar dos artistas
plásticos apresentarem origens e tendências visuais diversas, comungavam da mesma linha
política38. Esteticamente essa flexibilidade se alteraria conforme os novos direcionamentos
políticos do partido, já podendo ser sentidas com o Manifesto de Janeiro de 1948 e enrijecida
com o Manifesto de Agosto de 1950. A atividade intelectual e artística passou a sofrer
progressivo controle de acordo com as determinações teóricas do partido, cada vez mais
alinhadas com o realismo socialista soviético. A rigidez aumentaria, assim como as acusações
de traição ou de aproximação com a burguesia39.
Para o desenvolvimento do presente trabalho faz necessária a compreensão da
importância do uso de imagens para a construção de um entendimento sobre o passado e
como objetos de investigação e intelecção. Há entre os historiadores, distintas formas de
entendimento daquilo que pode ser chamado de cultura visual segundo discussão apresentada
por Paulo Knauss40. O debate historiográfico em torno desta categoria tende a levar à
compreensão da imagem a partir do entendimento do figurado. Dessa forma, as imagens
surgem como objetos repletos de significados históricos e culturais. Knauss destaca que o
35
Cf. GIANI, Luiz Antônio Afonso. As trombetas anunciam o paraíso: a recepção do realism socialista na
música brasileira, 1945-1958. (da “Ode a Stalingrado” a “Rebelião em Vila Rica”). Tese de Doutorado –
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP, 1999.
36
Sobre a relação do PCB com o samba no período entre 1945 e 1950, especialmente nas páginas do jornal
Tribuna Popular Cf. GUIMARÃES, Valéria Lima. O PCB cai no samba: os comunistas e a cultura popular
1945-1950. Imprensa Oficial/APERJ. Rio de Janeiro, 2009.
37
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro, José Olympio 1994. P.186.
38
SCLIAR, Carlos. Depoimento a autora. 30-01-1982. Rio de Janeiro. Apud AMARAL, Aracy. Arte para que?
A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. Studio Nobel, 2003.P. 157.
39
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.66.
40
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. In: ArtCultura, Uberlandia,
v. 8, n. 12, p. 97-115, Jan.-jun. 2006.
26
41
BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Paz e
Terra. Rio de Janeiro, 1991.
42
ARGAN, Giulio. Clássico e Anticlássico. O Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Cia das Letras. São
Paulo, 1999.
43
BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção. A explicação histórica dos quadros. Companhia das Letras.
São Paulo, 2006.
27
É pertinente observar o quanto o uso das artes e de imagens em geral pode contribuir
para ampliar as possibilidades de compreensão e estudo historiográfico. Desta forma:
Pois, como diz ainda Schmitt: “Um duplo desafio – analisar a arte em sua
especificidade e em sua relação dinâmica com a sociedade que a produziu – apresenta-se
assim ao historiador da imagem” 46. A importância da análise da sociedade brasileira através
de imagens reproduzidas em massa em periódicos se mostra bastante pertinente neste estudo
que abrange a segunda metade da década de 1940. Neste momento, menos da metade da
população era alfabetizada 47, logo as imagens ganham papel expressivo na difusão de
informações e de ideais. Deste modo, percebe-se como a iconografia pode ampliar as
possibilidades do estudo historiográfico, pois deste modo, pode-se “Recolocar as imagens no
conjunto do imaginário social, com suas implicações de poder e de memória, sem negar a
contribuição específica dos historiadores da arte ao conhecimento das obras e das tradições
artísticas, eis qual deve ser atualmente nossa tarefa comum” 48. Assim, a partir deste ponto de
vista teórico-metodológico proponho uma abordagem de visão mais ampla da História Social
relacionada à perspectiva da cultura visual, na qual se operam diferentes tipos de imagens,
bem como contribuições da História da Arte, da História Cultural e da História Política.
Esta tese será desenvolvida com base nestes pressupostos, visto que a relação entre
artistas plásticos e o PCB passa necessariamente pela produção artística com finalidade
partidária e que se apresenta como um dos meios para a compreensão dos processos de
construção visual em diálogo com as diretrizes do partido. Deste modo, o estudo das imagens
como documentos para a construção de um entendimento sobre o passado e como objeto de
44
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007.p . 47.
45
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007.p.46.
46
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007. P. 33.
47
Dados do IBGE de 1940, mostram que cerca de 46% da população era alfabetizada. INSTITUTO Brasileiro de
Geografia e Estatística. Censo demográfico – população e habitação. Recenseamento Geral do Brasil (1º de
setembro de 1940). Série Nacional. Volume II. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1950.
48
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007. P. 46.
28
Por fim, o sexto capítulo mostra a militância dos artistas através das ilustrações para
periódicos do partido, tratando de casos em que artistas contribuíram eventualmente, mas
também da atividade regular de Percy Deane e Paulo Werneck para A Classe Operária e
Tribuna Popular, respectivamente. Desta forma, o aparato visual deve ser um dos meios para
compreender a complexa relação entre os artistas plásticos e o partido; e ainda conferindo
ressonâncias dos debates travados sobre as artes e a atuação dos artistas na URSS, América
Latina e no PCB no período analisado.
30
PARTE I
OS ARTISTAS PLÁSTICOS E AS NUANCES ENTRE A ARTE E A POLÍTICA
CAPÍTULO 1
A ARTE VOLTADA PARA O POVO
31
A preocupação com a arte e com o que deveria ser sua função social e política se
evidenciou na Rússia com a Revolução Bolchevique em outubro de 1917. A partir de então
passou a ser motivo de debates entre artistas e intelectuais o modo como a cultura deveria
servir à Revolução e qual o controle que o Estado deveria exercer sobre a vida intelectual da
32
49
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In: HOBSBAWM, Eric. (org.). História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
50
Kazimir Malevich (1878-1935) é considerado por muitos como o artista mais destacado do período,
produzindo obras que procuravam eliminar tudo que não fosse essencial para elas, desenvolvendo o método
suprematista em 1915, ano no qual publicou o livro-manifesto “O mundo não-objetivo: o manifesto
suprematista” e com a publicação em 1925 do livro escrito em 1915 com o poeta Vladimir Maiakovski “Do
cubismo ao futurismo ao suprematismo: o novo realismo na pintura”. Cf. MAIA, Rodrigo Reis. O Futuro está
atrás de nós: Futurismo e modernidade na Rússia e na União Soviética (1912-1932). Dissertação (mestrado).
Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHIS/IH-UFRJ, 2010; MAIA, Rodrigo
Reis. Morte à arte: o construtivismo e os desafios da formação de uma cultura soviética (1917-1932). Instituto de
História da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHIS/IH-UFRJ, 2014.
51
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.19.
52
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.19.
53
A Imperial Academia de Artes foi criada em São Petersburgo pela Imperatriz Elizabeth em 1757.
54
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.20.
33
A Revolução trouxe não só uma nova ordem política, mas dentre suas facetas estava a
proposta de uma nova sociedade pautada nas necessidades do proletariado. No período entre o
Outubro de 1917 e 1924 em que Vladimir Lênin esteve na liderança do Partido Comunista, se
evidenciou a ligação de parcela da vanguarda artística russa com o Estado. No entanto, a
partir de 1920 o Proletkult passaria a ser muito criticado pelo governo e o movimento seria
extinto por volta de 1923. Com a morte de Lênin em 1924 ocorreram modificações profundas
na direção política do Estado revolucionário e na sua postura diante da produção cultural. Em
1929, Alexander Fadeiev (1901-1956) intelectual ligado ao governo, formularia a essência
filosófica do que viria a ser o realismo socialista: a ideia de que o artista teria a função de
servir conscientemente à causa da transformação do mundo. Tratar-se-ia da submissão da arte
à política partidária55.
Na década de 1930, Josef Stalin (1924-1953) alcançava êxito no desenvolvimento
industrial, o que lhe fortalecia no poder. Stalin se cercou ainda de um aparato ideológico em
que o arrocho das liberdades e o controle da produção artística eram essenciais. Em 1932 já
não havia mais espaço para associações ou instituições artísticas, e as existentes foram
fechadas. Artistas eram excluídos de exposições e ainda neste ano seria cunhada a expressão
realismo socialista, estabelecendo um caminho cada vez mais estreito em direção a uma arte
única e oficial:
O termo realismo socialista, provavelmente ocorreu pela primeira vez na
imprensa em um artigo na Gazeta Literária em maio de 1932. Afirmando que:
"A massas demandam de um artista honestidade, veracidade e um
revolucionário realismo socialista na representação da revolução proletária".
Em 1933, Máximo Gorki publicou um artigo importante, "No realismo
socialista", falando de "uma nova direção essencial para nós - o realismo
socialista, que - é lógico - só pode ser criado a partir da União dos Escritores,
o realismo socialista foi proclamado como o método definitivo artístico
soviético”56.
Em 1934 o realismo socialista foi considerado doutrina oficial e deste ano até 1956 se
apresentou como único representante dos interesses da classe trabalhadora contra a arte
burguesa, capaz de mostrar uma arte em favor da revolução e definir a burguesia como
inimiga da classe trabalhadora. Vittorio Strada caracterizou a natureza dúplice do realismo
socialista no seu primeiro momento entre 1934 e 1945, quando a doutrina seria um
instrumento de poder, mas também proclamava a libertação das pessoas. Libertação esta
principalmente em relação à arte considerada burguesa. Desta forma, a verdadeira arte deveria
55
WILLETT, John. Arte e revolução. In: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do Marxismo. Paz e Terra, 1989.
Volume IX.
56
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.89. Tradução minha.
34
servir aos ideais da revolução estabelecidos pelos grandes líderes soviéticos 57. Neste momento
já havia certa repressão aos que não estavam de acordo com as proposições oficiais sobre a
arte produzida.
Desde o início da década de 1930, no entanto, o realismo socialista já havia
conquistado espaço pelo mundo à medida que o conceito tomava forma e se aprofundava. A
doutrina do realismo socialista passou a ser considerada uma grande possibilidade de união
de artistas por todo o mundo, que se preocupavam com a propagação do fascismo após a
ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933 na Alemanha. Deste modo, suas propostas
fizeram parte do movimento mundial de resistência ao fascismo, que visava unir pessoas de
diferentes posições sociais58.
Vittorio Strada59 acompanhou em seu estudo o crescimento da importância no cenário
artístico do realismo socialista até se tornar arte oficial, apresentando os problemas que
encontrou em relação à liberdade do artista e a sua função de acordo com a ideia de partiinost.
Este termo remete ao espírito de partido ou “partidarismo” e se torno um guia, a partir da
década de 1930, sustentando uma práxis do dever histórico do Partido Comunista de dirigir
toda a vida cultural do país60.
O termo partiinost fora cunhado por Lênin em seu texto intitulado “A Organização do
Partido e a Literatura do Partido” de 1905, mostrando que as bases do conceito de realismo
socialista podiam ser encontradas nas suas proposições e ainda nas anteriores, como o
Proletkult. Contudo, durante o período em que Stalin foi Secretário Geral do Partido
Comunista da União Soviética (1924-1954) estas concepções seriam apropriadas e
reinterpretadas em favor da elaboração das teses do realismo socialista. Uma das atribuições
de Stalin seria a de chefe dos críticos de arte da União Soviética:
Porque a arte era considerada um fenômeno ideológico, tanto refletindo e
quanto agindo nos interesses de um determinado conjunto de atitudes sociais,
então o seu maior árbitro não deveria ser o artista ou crítico, ou até mesmo a
opinião pública, mas o ideólogo. (...). Como Tvorchestvo colocou em 1939:
"As palavras do gênio camarada Stalin sobre arte soviética como a arte do
realismo socialista representam o pico de todos os esforços progressistas do
pensamento estético da humanidade"61.
57
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In: HOBSBAWM, Eric. (org.). História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
58
WOOD, Paul. Realismos e Realidades. In: FER, Briony; BATCHELOR, David; WOOD, Paul. Arte Moderna:
Práticas e Debates. Realismo, Racionalismo, Surrealismo: A Arte no Entre-Guerras. Cosac e Naif, 1998. p.257
59
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In: HOBSBAWM, Eric. (org.). História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
60
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao zdhanovismo. In.: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do
Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
61
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.89. Tradução minha.
35
A teoria que definia o realismo socialista foi elaborada de forma progressiva ao longo
da década de 1930, sendo acrescentada e reinterpretada pelo Partido Comunista da União
Soviética (PCUS) e pelos artistas a seu serviço. Isto demonstra que esta forma artística não
esteve paralisada, pois acompanhou o desenvolvimento da política e da sociedade soviética62.
Em 1934, ocorreu o “I Congresso dos Escritores Soviéticos”, evento que marcou a
oficialização do realismo socialista como linha artística, especialmente no que concerne à
produção literária, mas que logo se estenderia as outras formas artísticas. Nesta ocasião, o
conceito de Partiinost foi resgatado para embasar suas definições de realismo socialista para
a educação dos trabalhadores no “espírito do comunismo”.
Durante este encontro muitos teóricos do PCUS se pronunciaram, e tiveram
importante papel na formulação das teses que definiriam o realismo socialista. Andrei
Zhdanov63 foi um deles, e se destacaria, principalmente, por sua trajetória nos anos
posteriores como representante das ideias do partido e com papel importante no enrijecimento
da postura oficial em relação às artes. Após seu discurso no Congresso, a ideia de exigir que
os artistas fizessem “representações verdadeiras” da realidade e que adotassem a função
educacional da arte com base no comunismo foi progressivamente incorporada.
O realismo socialista se constituiria, então, a partir da concepção de que a realidade
deveria ser representada pelos artistas de forma verdadeira. No entanto, esta verdade partiria
da concepção ideológica determinada pelo PCUS. Desta forma, a interpretação tenderia a
favor da revolução bolchevique e seus feitos. Exigia-se a representação da realidade de acordo
com a relevância para a revolução. A partir desta requisição, o realismo socialista apresentava
a obrigação do otimismo. As descrições deveriam ser feitas a partir do ponto de vista do
advento da revolução bolchevique, que prometia um futuro ainda mais glorioso. Deste modo,
a imagem otimista se faria natural. Havia, então, uma equivalência entre a arte e a propaganda
do Partido Comunista da União Soviética que se concentraria nos eventos e pessoas reais,
mostrando o otimismo em relação à sua linha. A tarefa do artista seria a de convencer as
pessoas dos ideais revolucionários 64.
Após o ano de 1924 a União Soviética enfrentaria forte censura e terror com a
progressiva eliminação dos oposicionistas a Stalin, o que culminaria nos grandes Processos de
62
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.90.
63
O nome deste membro destacado do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) foi traduzido de formas
diferentes por alguns autores. Deste modo, Andrei Zhdanov, também pode ser referido nas citações como
Zdanov, Zdhanov ou ainda Jdanov.
64
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.90.
36
65
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao zdhanovismo. In.: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do
Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
66
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In.: HOBSBAWM, Eric. (org.) História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
67
De acordo com Dênis de Moraes: “O território cultural entrou em convulsão assim que foram assinados os
últimos tratados de rendição do Eixo. Crescera a influência de Jdanov desde que comandara com êxito a
ocupação da Estônia. Temendo que as Repúblicas bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia) pudessem se aliar a
Hitler, Stalin despachou o Exército Vermelho para derrubar os governos locais e anexá-las a URSS. Jdanov
também se destacara na mobilização de Leningrado durante o cerco nazista. Já nessa época integrava o birô
político, como secretário de organização. Stalin delegou-lhe poderes para eliminar eventuais focos de dissensão
na intelectualidade”. MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista
no Brasil (1947-53). José Olympio. Rio de Janeiro, 1994.
68
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). José Olympio. Rio de Janeiro, 1994.
69
ZHDANOV, Andrei. A Tendência Ideológica da Música Soviética. Problemas - Revista Mensal de Cultura
Política. nº 21 - Outubro de 1949.
37
A partir de então, podemos observar como esta dita segunda fase do realismo
socialista tornou tenso o ambiente de produção artística na URSS. Aleksandr Fadeiev (1901-
1956), também teórico do governo soviético, acompanhou as mudanças na postura do Partido
Comunista da União Soviética a respeito da arte e em 1950 defendeu que a cultura soviética
estaria “impregnada de espírito de partido, o que significa que ela se entrega de modo
consciente ao serviço do povo e do Estado socialista e se propõe conscientemente à educação
comunista do povo” 70.
De acordo com Bown, não haveria registros de que Stalin teria dito alguma vez
publicamente que as artes visuais deveriam seguir o realismo socialista, mas seus
funcionários do alto escalão declaravam estas diretrizes publicamente, sob conhecimento e
autorização do Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética71.
As propostas do realismo socialista traziam preocupação com o proletariado em
virtude de suas lutas e conquistas, a intenção era de fazer uma arte preocupada com questões
sociais e não apenas com beleza e decoração. As teses divulgadas eram sedutoras,
conquistavam pela ideia de uma arte engajada, comprometida com causas dos trabalhadores.
A proposta era “transcrever” as conquistas dos trabalhadores, sua luta e aspirações. Deste
modo, era estabelecida a dicotomia entre o “belo e o sublime” projeto para uma sociedade
socialista e o “feio e vil” sistema capitalista72.
No âmbito das artes plásticas podemos tentar visualizar o que estas teorias
representavam de fato. Já que se opunham à arte considerada burguesa e considerada vazia, o
abstracionismo e o subjetivismo estavam descartados como possibilidades, assim como o que
se assemelhasse. Defendia-se a interpretação do realismo crítico73 a partir dos princípios do
partido, buscando representar com nitidez as emoções dos homens. No entanto, deveria cuidar
para não se aproximar do expressionismo burguês e suas características ligadas ao
pessimismo e desespero que deturpariam a vida. A arte deveria ser figurativa, e de fácil
entendimento. O caráter pedagógico das obras era fundamental, pois as ideias comunistas
70
FADEIEV, Aleksandr. Sobre a cultura soviética, em Literatura soviética. Nº 2. Moscou, 1950.
71
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.91, 92. Tradução minha.
72
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
José Olympio. Rio de Janeiro, 1994. P 122-123.
73
A respeito do realismo crítico cf. BHASKAR, Roy. “Realismo” (verbete). In: BOTTOMORE, Tom;
OUTHWAITE, William. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. P.647-
649; HAMLIN, Cynthia Lins. Realismo crítico: um programa de pesquisa para as ciências sociais. Dados
vol.43 n.2 Rio de Janeiro, 2000. http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582000000200006 . Acessado em 14-11-
2016.
38
74
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
José Olympio. Rio de Janeiro, 1994. P. 124.
75
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.92-94.
76
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.94.
77
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.94,95.
39
1938 foi uma mostra de como seria esse controle da liberdade de criação dos artistas plásticos.
O evento foi organizado de forma que os artistas escolheriam um título dentre os oferecidos
em uma lista para só então produzir a obra. Os títulos especificavam com clareza o que
deveria ser representado na obra.
A primeira grande exposição sob os critérios do realismo socialista se intitulou “20
anos dos trabalhadores e camponeses do Exército Vermelho e da Marinha de 1938” e o KPDI
supervisionou a escolha de obras para esta e outras exposições de grande porte. Para este
evento em particular, o departamento de arte do Comissariado do Povo para a Defesa
elaborou a lista com mais de cem títulos variados para a escolha pelos artistas. Deste modo, a
comissão contava com militares e especialistas em arte que juntos elaborar as opções dentro
da estratégia política de propaganda soviética, configuradas nas propostas do realismo
socialista. O tema "Um trabalhador bolchevique diz a um soldado do exército do czar por que
ele deve ajudar na luta contra o czar" sob o título “É necessário entender” é um exemplo de
quão detalhadas e restritivas eram essas “opções” 78.
O público dessas exposições era consideravelmente grande, isso porque o Partido
Comunista da União Soviética promovia formas de incentivo. Para tanto, organizavam
excursões inclusive nas indústrias que atraíam a maioria do público, apenas uma pequena
parcela visitava a exposição por conta própria. Com essas estratégias a arte pautada no
realismo socialista efetivamente chegaria a um grande público:
Diretores de museus e suas equipes receberam belos bônus por exceder o número
previsto de visitantes em uma exposição individual ou em um ano completo. De
160.000 visitantes a grande exposição de 1939, “A Indústria do Socialismo”, durante
seus primeiros nove meses, 96.000 vieram em excursões organizadas e 23.000 nas
visitas em massa organizadas com interesses industriais (ou seja, apenas cerca de um
quarto veio sob seu próprio ânimo). O realismo socialista estava sendo projetado de
forma abrangente como uma arte de massas. O quanto era genuinamente popular é
difícil de dizer. A evidência disponível em cartas para a imprensa, livros de visitas e
assim por diante só pode dar uma visão limitada e arriscada do assunto. No entanto, a
familiaridade com as atitudes populares na URSS hoje sugere que, assim como no
Ocidente, existe um grande corpo de opinião conservadora entre o público em geral
cujos pontos de vista sobre a arte, tais como elas são, pode muito bem ter sido servido
por políticas culturais de Stalin. 79
Os pôsteres foram uma forma encontrada para levar as artes a um público cada vez
maior e através deles promover as ideias do Partido Comunista da União Soviética. A
produção destes pôsteres mobilizou muitos artistas plásticos, independentemente de suas
especialidades como pintores, ilustradores ou escultores. Muitos poetas se dedicaram aos
slogans, por vezes em forma de versos. A quantidade dos cartazes que já era grande durante a
78
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.95.Tradução minha.
79
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.95. Tradução minha.
40
Segunda Grande Guerra, aumentou logo quando teve fim o conflito. Desde então, cerca de
800 cartazes diferentes foram publicados em Moscou, outros 700 em Leningrado, além de
tantos mais em outras cidades. Foram milhares de cartazes diferentes que se espalharam pela
União Soviética e com o tempo suas imagens reproduzidas pelo mundo 80.
Os cartazes soviéticos apresentavam um povo vitorioso, forte e satisfeito durante e
após as vitórias na Revolução de Outubro de 1917, na Primeira (1914-1918) e na Segunda
Grande Guerra (1939-1945). Os conflitos exigiam a união entre a população e os cartazes
contribuíam para a mobilização para as lutas. Muitas obras mostravam o Exército Vermelho e
as batalhas que participou, além da indústria soviética e de perfis dos líderes do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS).
Na figura 1, o cartaz de 1942 mostra uma mulher vestindo um macacão marrom claro,
com uma ferramenta no bolso da frente indicando seu trabalho operário. Na cabeça um lenço
segura os cabelos, o olhar é sério e determinado. Sua mão direita apoia-se em um míssil
marcado com uma estrela vermelha, símbolo presente na bandeira da União Soviética junto ao
martelo e a foice e que também figurou nos uniformes do Exército Vermelho. Atrás deste
míssil há mais um, e do outro lado da mulher ao fundo há ainda uma fileira deles que dão a
impressão de haver uma quantidade ainda maior. A operária está em uma indústria bélica, na
qual parece trabalhar.
O cartaz foi publicado em meio a Segunda Grande Guerra, momento significativo para
tal reprodução. A representação feminina na produção de armas de guerra condiz com a
relevância da participação das mulheres soviéticas também neste setor. Deste modo, é
divulgada a produção em larga escala de armamentos ao passo que contribui para a
propagação da imagem da mulher soviética que atuou em diversos setores produtivos, além da
participação direta que teve nos combates. O título enfatiza: “Tudo para a vitória! Frente das
mulheres da URSS” ressaltando a mobilização de esforços de todos para a conquista da
vitória e a atuação das mulheres soviéticas nessa empreitada, como uma frente de ação.
Assim como nas outras manifestações artísticas, os cartazes se restringiam a
determinadas temáticas e os líderes Lênin e Stalin eram representados de forma recorrente,
juntos ou separados. Nota-se que durante o auge do poder de Stalin entre 1945 e 1953, o culto
a sua figura foi feito com maior destaque. Inclusive, neste período muitos esforços se
voltaram para a sua representação através de estátuas monumentais. A larga reprodução da
imagem de Stalin contribuía para reforçar seu prestígio e a admiração em meio à população.
80
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.145.
41
Figura 1. Cartaz Soviético. “Kokorekin Alexei. Tudo para a vitória! Frente das mulheres da URSS”. 1942.
42
81
A honraria era concedida a civis e militares por feitos destacados à União Soviética. Extraído da página dos
Museus do Kremlin em Moscou: http://www.kreml.ru/en-Us/exhibitions/moscow-kremlin-exhibitions/pamyat-o-
pobede-nagrady-vtoroy-mirovoy-voyny/
82
Sobre Stalin e a construção de imagens a seu respeito Cf. LOSURDO, Domenico. Stalin: história critica de
uma lenda negra. Revan, 2010; MARTENS, Ludo. Stalin, um novo olhar. Revan, 2003.
43
Através da arte eradivulgada uma versão oficial da história, na qual as pessoas eram
retratadas nos moldes pré-estabelecidos. Em geral, mostrava-se o êxito do método coletivo de
trabalho, ou o novo homem que o regime soviético possibilitava ser criado: pessoa positiva e
com o espirito revolucionário comunista, dedicado aos filhos e ao trabalho. Esta perspectiva
otimista baseava-se nas lutas vencidas e conquistas sociais.
A satisfação com o regime estabelecido e suas conquistas era mostrada em imagens de
pessoas felizes, em momentos de lazer e muitas vezes por crianças brincando. A felicidade
infantil é representativa, pois apela a sensibilidade do observador, bem como sinaliza a
construção bem sucedida do futuro.
A figura 3 mostra dois meninos sorridentes, bem vestidos, com roupas limpas, cabelos
penteados em um campo florido e ensolarado. Os dois olham para o céu sorrindo, enquanto
um deles aponta um avião de brinquedo na direção em que outros aviões de guerra voam. A
imagem apresenta além das crianças bem vestidas e felizes, uma força aérea potente com
muitos aviões sobrevoando o campo onde elas se encontram. Apresentando os dizeres “E nós
seremos pilotos!”, demonstra o estímulo às crianças a aspirar um futuro servindo à União
Soviética nesta atividade.
Nesta perspectiva, é reforçada também a grande capacidade aérea soviética, construída
a partir do investimento financeiro, mas também com a disposição dos soviéticos. Este é um
cartaz de 1951, publicado em meio a Guerra Fria e no desenrolar da Guerra da Coréia (1950-
1953), o que pode ser significativo para o conteúdo, com a grande presença de aviões e
incentivo a novos pilotos. E ainda, este momento pode apenas tangenciar a temática, visto que
o incentivo a formação das crianças em prol da União Soviética como um todo era constante,
mesmo que em alguns momentos mais evidente que outros.
45
83
Esse e outros discursos do I Congresso dos Escritores Soviéticos realizado em 1934 serão melhor tratados
mais adiante neste capítulo.
84
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
85
Extraído da página dos Museus do Kremlin de Moscou: http://www.kreml.ru/en-Us/exhibitions/moscow-
kremlin-exhibitions/pamyat-o-pobede-nagrady-vtoroy-mirovoy-voyny/ , acessado em 23-08-2016.
86
KALININ, Mikhail I. Sobre a educação comunista. Informe pronunciado na assembleia do ativo do Partido da
cidade de Moscou em 2 de outubro de 1940. Editorial Vitória Ltda., Rio, 1954. Pp. 86-111. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/kalinin/1940/10/02.htm , acessado em 23-08-2016.
47
destacada participação na guerra, ou outra honraria por contribuição à URSS, visto que havia
diferentes títulos entregues a civis e militares por diferentes méritos87.
A camponesa carrega um balde cheio de leite, destacando suas mãos e braços fortes à
vista por estar com as mangas dobradas. Ela está sorridente, demonstrando satisfação com a
produção que ergue. Nesta imagem, ao fundo, há um vasto campo com gado em fileiras a
perder de vista. À esquerda, outra mulher com traje parecido está diante de baldes cheios de
leite, que ela transfere para galões maiores com tampas. Denota-se, deste modo, fartura nos
campos, com muitas vacas e abundância na produção leiteira. O olhar e o sorriso da
camponesa em primeiro plano mostram o quão orgulhosa ela está em ter em mãos alimento
tão simbólico.
O cartaz traz a frase: “Ordenhadoras, vamos atingir altos rendimentos de leite de cada
vaca pela forragem!”. Este título convoca as camponesas responsáveis por ordenhar as vacas a
buscar extrair o máximo de produção de cada uma. Para tanto, incentiva a atenção com a
escolha e uso da forragem, pois a escolha entre gramíneas ou leguminosas e as proporções
oferecidas na alimentação dos animais têm impacto na produção leiteira. O cuidado com as
espécies de plantas forrageiras disponíveis para o gado implica a variação e equilíbrio dos
nutrientes, dos índices de carboidrato e proteínas ingeridos pelos animais. Deste modo, pode-
se contribuir para o fortalecimento do rebanho e consequentemente o aumento na
produtividade leiteira. É mostrada, assim, a fartura de produção ao passo que conduz o
observador a atentar para o tipo de pasto que é oferecido ao gado. Esta preocupação é passada
como um ensinamento,
O histórico de escassez de alimentos antes da Revolução de 1917 na região da então
União Soviética contrasta com a produtividade agrícola ostentada nos cartazes. A fome e
miséria de outrora foram substituídas por pessoas bem nutridas, vestidas com dignidade,
demostrando felicidade e esperança. A representação visual também contribui para a
afirmação desta nova fase.
87
Na página dos Museus do Kremlin de Moscou, há a grande variedade de medalhas e ordens concedidas a civis
e militares pela União Soviética. Cf. http://www.kreml.ru/en-Us/exhibitions/moscow-kremlin-
exhibitions/pamyat-o-pobede-nagrady-vtoroy-mirovoy-voyny/ , acessado em 23-08-2016.
48
Figura 4. Cartaz soviético. Boris Zelensky. “Ordenhadoras, vamos atingir altos rendimentos de leite de cada
vaca pela forragem!” 1950.
49
Na figura 5 há uma sequência que pode ser dividida em três planos. No primeiro
plano, uma mulher. Seu olhar é distante, mas seu rosto transmite serenidade, esboçando um
suave sorriso. Ela segura um grande pão sobre um pano branco com bordados azuis e
vermelhos na beirada. Ela veste uma blusa vermelha com gola e detalhes da estampa brancos
e usa um avental e um lenço azul com pontos brancos amarrado na nuca, prendendo os
cabelos. Em sua blusa, ostenta também uma condecoração que alude ao título de “Herói do
Trabalho Socialista”, assim como no cartaz anterior (figura 4), enfatizando sua destacada
contribuição para a produtividade.
No segundo plano, logo atrás da mulher, há um exuberante feixe de trigo,
ingrediente básico para a feitura do pão. No terceiro plano há quatro cenas com a indicação
das estações do ano. De cima para baixo, é indicada a primavera (весна) e uma máquina
colheitadeira dirigida por uma pessoa em um vasto campo. Em seguida é indicado o verão
(лето), no qual sacas da produção são carregadas em uma carroça conduzida por um homem e
puxada por um cavalo por uma estrada de terra parecendo sair do fazenda. O próximo quadro
é relativo ao outono (осень), no qual a produção chega ainda em uma carroça a algumas
construções, que poderia ser uma vila, entreposto comercial, ou apenas um depósito. E o
último se refere ao inverno (зима) com uma construção ao fundo e dois tratores de esteira de
saída, provavelmente para o preparo do solo para a etapa da semeadura. O ciclo de produção,
então, reiniciaria.
O cartaz mostra o trabalho por trás da feitura do pão, ressaltando as etapas
necessárias para alcançar a fartura de trigo até chegar às casas onde é preparado um dos
símbolos da alimentação básica popular. Essa apresentação do trabalho em suas fases, a
contribuição de diferentes pessoas e entendimento de todo processo até chegar ao produto
final, o pão, valoriza os trabalhadores envolvidos e o papel de cada soviético na construção
social. Os cartazes eram um meio de promover a educação comunista e ideias como a defesa
dos interesses coletivos acima dos interesses individuais. O estímulo era para que o espírito de
coletividade estivesse arraigado nos hábitos sociais, na conduta cotidiana de forma orgânica,
instintiva, mas também racional. Nesta perspectiva, buscava-se ampliar a capacidade de cada
trabalhador em dimensionar sua participação individual em meio ao trabalho coletivo, como
neste cartaz (fig.5) 88.
88
KALININ, Mikhail I. Sobre a educação comunista. Informe pronunciado na assembleia do ativo do Partido da
cidade de Moscou em 2 de outubro de 1940. Editorial Vitória Ltda. Rio de Janeiro, 1954. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/kalinin/1940/10/02.htm (Marxists Internet Archive), acessado em 23-08-
2016.
50
Figura 5. Cartaz soviético. M. Soloviev. “Primavera, verão, outono, inverno. Se trabalhar duro – o pão vai
crescer!” 1947.
51
89
KALININ, Mikhail I. Sobre a educação comunista. Informe pronunciado na assembleia do ativo do Partido da
cidade de Moscou em 2 de outubro de 1940. Editorial Vitória Ltda. Rio de Janeiro, 1954. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/kalinin/1940/10/02.htm (Marxists Internet Archive), acessado em 23-08-
2016.
90
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.145-146.
52
91
IAROCHÍNSKI, Ulisses. Realismo Socialista no Museu de Cracóvia. In: IAROCHÍNSKI, Ulisses. Jarosinski
do Brasil. 2009/2010. Disponível em: http://iarochinski.blogspot.com.br/2010/01/realismo-socialista-no-museu-
de.html , acessado em 19-01-2017.
53
92
Sobre a arte na Polônia neste período e a importância destes congressos Cf. PLANAS, Rosa Tarruella. Del
Gravat: una aproximacio al seu estudi en la Polonia contemporania. Programa de Doctorat Art I
interdisciplinarietat, Facultat de Geografia I História, Departament d’Historia de l’Art Ciences Humanes i
Socials, - Universitat de Barcelona, 1996.
93
GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on
Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
94
Andrei Zhdanov (1896-1948) se juntou aos bolcheviques em 1915 e durante o período de liderança de Stalin
55
avançada literatura) as mudanças que observava na sociedade soviética, com a abolição das
classes consideradas parasitárias, do desemprego, da miséria do campo e das situações
precárias de vida nas cidades. Desta forma, a mentalidade da população teria se alterado
também radicalmente. Sob a liderança de Stalin, o PCUS organizaria as massas para eliminar
os elementos capitalistas na economia, mas também na consciência das pessoas. Elementos
esses como a devassidão, vadiagem, laxismo, individualismo pequeno-burguês e
desonestidade relativa à propriedade pública. Os meios para alcançar tais objetivos seriam
através do Partido e dos Sovietes que encarnariam as doutrinas de Marx, Engels, Lênin e
Stalin. Em sua perspectiva, a arte teria também esta tarefa política e social95.
Nicolai Bukharin96 elaborou em seu discurso “Poetry, poetics and the problems of
poetry in the USSR” (Poesia, poética e os problemas da poesia na URSS) que a União
Soviética estaria amadurecendo o “homem novo” rapidamente, pois a mentalidade dos
trabalhadores se modificava diante das novas condições de vida e trabalho. A qualidade da
arte se ligaria à profundidade, à individualização e à diversidade de abordagens para questões
atuou como seu colaborador direto, principalmente no desenvolvimento da política cultural adotada. Esteve por
trás da criação da União dos Escritores Soviéticos e das formulações do realismo socialista, mostrando
conhecimento nas diferentes artes. Em 1935 foi nomeado Secretario do Comitê do Partido em Leningrado por
Stalin, contribuindo para a defesa da cidade na Segunda Grande Guerra. Foi membro do Politburô entre 1939 e
1948 e em 1947 organizou o Cominform (Bureau de Informação dos Partidos Comunistas e Operários) e teve
importante papel na política externa no período. Esteve à frente do expurgo de artistas e intelectuais que não
seguiam estritamente os pontos de vista estabelecidos oficialmente após a Segunda Guerra, bem como proibiu
revistas como a Zvezda. Essa política e as perseguições que se seguiram ficaram conhecidas como
“zhdanovismo”. Glossário biográfico disponível em:
https://www.marxists.org/glossary/people/z/h.htm#zhdanov-andrei (Marxists Internet Archive), acessado em 30-
08-2016.
95
Zhdanov exalta ainda a importância do congresso em um momento de estabilização da economia, do
desenvolvimento industrial e das fazendas coletivas. Passava-se a fase da guerra civil, a fase da restauração e
encontrava-se em um momento de reconstrução e vitória sobre os elementos capitalistas. Ressalta que a URSS se
tornava um espaço de desenvolvimento em “exuberante esplendor” da Cultura Soviética. ZHDANOV, Andrei.
Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN;
ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism.
Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
96
Nikolai Ivanovitch Bukharin nasceu em 1888 em Moscou e foi executado em 1938 na mesma cidade. Uniu-se
aos bolcheviques em 1906 e realizou importantes estudos econômicos, políticos e culturais já desde esse período
e ao longo de sua vida. Em julho de 1917 foi eleito para o Comitê Central do Partido, no qual permaneceu como
efetivo até 1934 e enquanto membro-candidato entre 1934 e 1937, entre embates de ideias e contribuições
significativas. Foi diretor do Pravda, jornal do Partido Comunista da União Soviética, entre dezembro de 1917 e
abril de 1929, quando foi afastado do cargo. No mesmo ano foi também afastado da direção da Internacional
Comunista, que ocupava desde 1926 e do Politburô do PCUS. Foi diretor do jornal Izvestia entre 1934 e 1937 e
participou da comissão de elaboração da Constituição Soviética de 1936. Em 1937 foi expulso do Partido e em
1938 foi julgado e condenado à morte por traição e espionagem no Grande Julgamento de Moscou.
JOHNSTONE, Monty. “Bukharin, Nikolai Ivanovitch” (verbete). In: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do
Pensamento Marxista. Zahar, 2012 [edição digital 2013].
56
97
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/bukharin/works/1934/poetry/index.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
98
Máximo Gorki (1868-1936) é considerado o fundador da literatura soviética e reconhecido como grande
referência na área já em vida e ainda hoje. Escreveu famosas obras como “A Mãe” (1906-1907) e “Infância”
(1913-1914) e “A vida de Klim Samgin” (1925-1936). Caracterizou-se por representar os mais pobres, os
excluídos e o proletariado urbano em sua produção. Uniu-se aos bolcheviques em 1905 e ajudou a organizar o
primeiro seu jornal oficial. Teve seu talento e importância reconhecido por Lênin, com o qual nutria forte
amizade e respeito, desde quando se conheceram em 1907. Afastou-se do partido durante a Primeira Guerra, se
opôs a Revolução de Outubro de 1917 e deixou a URSS em 1921. Retornou em 1931 se aliando à Stalin.
Glossário biográfico disponível em:
https://www.marxists.org/glossary/people/g/o.htm#gorky-maxim (Marxists Internet Archive), acessado em 19-
09-2016.
99
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
100
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
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referência a classes e independente de política social seria absurda. Máximo Gorki verifica
ainda que não importaria à burguesia que ideias fossem fabricadas, pois contribuiria para
manter a unidade social e o individualismo se transformaria em egocentrismo, gerando
pessoas supérfluas101.
São identificados, então em seu discurso, alguns que seriam os típicos heróis ao longo
da história russa: o homem que trabalha e seria positivo quanto a sua força, tipo comum do
folclore antigo; o conquistador feudal que entenderia ser mais fácil apropriar-se do que
produzir; o vigarista que preferiria roubar a trabalhar e seria admirado no período de domínio
burguês, oprimindo a humanidade mais do que nobres feudais, bispos, reis e czares102.
Deste modo, Gorki procura demonstrar que a literatura burguesa seria constituída por
uma maioria de escritores sem muito talento, mas que tratavam dos assuntos triviais que
agradavam seus leitores. Ao mesmo tempo, contavam também com algumas dezenas de
escritores mais talentosos, estes teriam criado o realismo crítico e o romantismo
revolucionário. Estes poucos seriam de origem burguesa ou pequeno-burguesa que
“desertaram” de sua classe e produziriam obras de grande valor por serem modelos de
execução técnica e documentos para o entendimento da constituição e decadência da vida,
tradições e feitos de sua classe, mas de forma crítica103.
Nesta perspectiva, Zhdanov defende que era preciso romper com o romantismo antigo
e valorizar o romantismo revolucionário. O romantismo de tipo antigo representaria vidas e
heróis inexistentes que distanciava o leitor dos antagonismos e opressão da vida real. O
método do realismo socialista pressupunha que o romantismo revolucionário deveria estar no
processo criativo como componente da história do Partido, da vida da classe trabalhadora e de
sua luta. Deste modo, combinaria o trabalho prático mais austero e sóbrio com os feitos
heroicos e grandiosas perspectivas. A luta do partido seria para a construção da sociedade
comunista e sua arte deveria ser capaz de representar seus heróis e vislumbrar um futuro
101
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
102
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
103
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
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planejado conscientemente104.
Em seu discurso, Zhdanov defende como a revolução proletária incomodava os
apoiadores do fascismo em meados da década de 1930, quando já alcançava grandes
proporções na Europa. De acordo com seus argumentos, já era possível notar aproximação de
tempos terríveis e selvagens para a história, em que se destruiria o trabalho das mentes mais
brilhantes da humanidade. A literatura burguesa mereceria, neste momento, certa atenção,
embora as obras produzidas na época (início do século XX) não pudessem ser consideradas
grandes criações artísticas, mas sim expressões em decadência. Reconhece-se, porém, o valor
da arte do período de florescimento do capitalismo subjugando o modo feudalista de produção
e exploração. As antigas qualidades não poderiam mais ser retomadas, pois os temas, talentos,
autores e heróis estariam em um momento de atrofia. A decadência da cultura burguesa estaria
na profusão de misticismos, superstições e na paixão por pornografia. Seus ídolos na literatura
seriam ladrões, prostitutas, detetives, desordeiros. Ainda assim, tentava-se transmitir a ideia
de que não há problemas no sistema capitalista, e que nada disso estaria ligado à decadência
desta sociedade. Os personagens, no entanto, representariam o estado em que se encontrava a
própria sociedade burguesa: absorvida pelo pessimismo, dúvidas, escuridão na teoria e na
prática artística105.
Zhdanov se posicionaria categoricamente contra qualquer tipo do que considerava
obscurantismo, misticismo, sacerdócio e superstição, características que seriam facilmente
encontradas em países de domínio burguês. A arte soviética se desenvolveria contra estes
elementos, pois seria oposta ao que fosse inerente aos capitalistas. A dicotomia que se
estabeleceria entre o que a arte soviética e a arte burguesa podem desenvolver é posta ao se
questionar o que os burgueses poderiam criar, sonhar e no que se inspirar além de exploração
ou decadência da sociedade resultante do colapso do sistema capitalista e a iminência de uma
nova guerra imperialista (era 1934 e a Segunda Grande Guerra já apresentava seus sinais) 106.
104
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
105
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
106
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
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109
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
61
A respeito dos seus contemporâneos soviéticos, Bukharin afirma que a arte produzida já
seria uma grande conquista, principalmente, diante do contexto capitalista de decadência
permeado por características como: “erotismo hipertrofiado e mórbido”, pessimismo, cinismo,
racismo, misticismo, solidão, dor, individualismo, revolta anarquista, “chauvinismo
zoológico”, “hinos de subjugação”, entre outros. Ao contrário, a arte soviética seria alegre,
criativa, dinâmica e otimista, além de fazer parte da luta de milhões de pessoas que buscariam
a construção de um novo mundo, com seus próprios heróis e temas. Para alcançar tal estágio,
a arte teria passado por processos difíceis como a luta de classes, o desenvolvimento
econômico-político-social e o conflito de ideias112.
Karl Radek defende que a Revolução de Outubro teria criado uma nova arte e uma
nova cultura e que o objetivo da revolução proletária não seria apenas destruir o sistema
capitalista, mas construir uma nova cultura humana. Nesse sentido, afirma que já seria
possível, neste momento, notar um papel considerável da arte no desenvolvimento do
proletariado, que ao herdar a cultura antiga selecionaria os elementos de maior qualidade,
remodelaria outros, e criaria uma nova arte. Radek enfatiza que a Revolução teria despertado
milhões de pessoas para uma nova vida cultural onde poderiam expressar suas aspirações e
pensamentos através da arte. Esta concepção partiria do ponto de vista do proletário militante
e tentaria contribuir na transformação do mundo113.
Andrei Zhdanov considerava que o crescimento e sucesso da arte soviética, e mais
especificamente da literatura, estariam atrelados ao sucesso da construção do socialismo,
expressando as conquistas alcançadas pelo novo sistema. Para ele, a literatura soviética era a
mais recente no mundo, mas, por outro lado, seria a mais rica em ideias e a mais avançada e
revolucionária de todas. Sua primazia estaria ainda na organização dos trabalhadores
oprimidos para lutar através da arte pela abolição de toda forma de exploração. Além disso,
considerava que a literatura soviética iniciava uma nova prática ante toda literatura mundial
ao ter como tema a vida da classe operária e do campesinato, e ainda sua luta pelo socialismo.
Segundo Zhdanov, as obras soviéticas defenderiam e manteriam o princípio da igualdade de
112
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
113
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
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em: 30-08-2016.
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114
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
115
As experiências artísticas no Brasil e na América Latina que dialogaram com a arte soviética serão apreciadas
mais adiante.
116
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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para então elevar o nível de um amplo número de artistas que representam um público de
milhões de trabalhadores118.
Bukharin atenta para o quanto a confluência entre forma e conteúdo se complexificaria
com o passar do tempo e com as novas conquistas soviéticas. A arte produzida desde a
Revolução já não satisfaria, pois necessitariam de mais diversidade e generalização, visto as
mudanças na concepção de realidade. O momento em que escreve, seria caracterizado pelo
interesse no conhecimento dos processos históricos, mostrando-se assim cada vez mais
necessária a arte “sintética”. Por esta razão, se refere a um trecho dos “Manuscritos
Econômico-Filosóficos” em que Marx procura demonstrar a necessidade de desfrutar da vida,
adquirindo conhecimento e desfrutando da arte119.
Na perspectiva de Bukharin, toda a diversidade da vida deveria servir para a criação
artística e para buscar uma unidade. Isto não significaria reduzir a arte aos mesmos tipos
ideais, vilões ou mesmo apagar as contradições sociais, mas que a construção do socialismo
deveria ser constante em toda obra. Deveria tratar das tragédias, conflitos, vacilações,
derrotas. Os temas deveriam ser diversos, mas sem perder de vista a luta proletária. No
entanto, Bukharin questiona o senso comum e as próprias noções de beleza da sociedade, que
distanciariam trabalho de beleza, relacionando pessoas que não são ricas à feiura120.
Para Zhdanov, os artistas soviéticos se inspirariam na vida e experiência de homens e
mulheres comuns para a realização de suas imagens, discursos e linguagem artística. As
histórias épicas, as experiências das fazendas coletivas e as ações criativas em todo o país
seriam material para a produção artística soviética. Zhdanov defende que os heróis da
literatura soviética seriam os construtores ativos de uma nova vida para os trabalhadores
homens e mulheres. Alcançariam também os que trabalhavam nas fazendas coletivas, bem
como membros do Partido, engenheiros, membros dos Juventude Comunista e dos
118
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
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08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
64
121
O Movimento dos Pioneiros era composto por crianças e adolescentes, enquanto a Juventude Comunista,
chamada Komsomol na URSS, acolhia os jovens entre 14 e 28 anos.
122
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
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08-2016.
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EDGLEY, Roy. “Realismo científico e dialética” (verbete). In: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do
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BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
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BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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com a comunidade. A individualidade, por outro lado, valorizaria o ser humano que durante
a revolução não poderia se ocupar muito com a personalidade, mas após esse estágio o
indivíduo poderia se destacar em sua riqueza interior. O "exército do comunismo" seria rico
em personalidades: camponeses ganhariam espaços que em outros lugares não se abririam a
eles, como comandantes de brigadas, professores universitários, filósofos ou artistas em
pouco mais de uma década 138.
A este respeito, Bukharin destaca que o individualismo seria expressão da divisão do
trabalho na sociedade capitalista, o que deveria ser combatido em prol do entendimento do
outro. Não haveria, porém, limites para a diversidade de personalidades, cultura e técnicas,
pois fariam parte do “novo homem” comunista. O realismo socialista deveria dar forma às
experiências do homem socialista que se formava, se afirmando a favor das personalidades,
autoconhecimento e individualidade, mas se apresentando como anti-individualista, pois a
sensação de vínculo coletivo seria uma das bases do socialismo. Estas concepções deveriam
refletir-se estilisticamente no realismo socialista139.
Deste modo, os heróis da arte socialista seriam os operários, soldados do Exército
Vermelho, da Revolução Chinesa mesmo com escassos recursos, os prisioneiros dos campos de
concentração alemães, entre outros grupos que não perderiam de vista o homem em suas
particularidades. Para Radek, seriam os únicos que dariam às massas do mundo as respostas às
perguntas mais vitais, que apresentariam corretamente a morte do capitalismo e o nascimento
do socialismo. O sucesso da arte estaria nas bases construídas pelo socialismo, e a intenção era
que os "camaradas" no exterior seguissem o exemplo soviético, e pudessem superar sua
qualidade e sucesso140.
Radek acreditava que a arte revolucionária poderia superar a do Renascimento, pois,
em seu entendimento, derivara dos modelos escravistas greco-romanos e representaria os
interesses do capitalismo que se estabelecia na modernidade. Ao contrário da arte
138
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
139
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
140
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
71
renascentista, a realista socialista teria como base a ideia de uma sociedade livre de
escravismos, de amor à mulher, a todas as "raças e cores", a todos os oprimidos, de repulsa
aos exploradores e luta por sua destruição. A arte deveria representar a alma, a paixão e o
amor do proletariado, com imagens poderosas que levariam a vitória do socialismo em todo o
mundo. A arte também serviria para ensinar outras realidades, através de imagens simples141.
O realismo socialista se diferenciaria de outras experiências artísticas por diversas
características, dentre elas a seleção do que seria descartado ou divulgado para as massas,
destacando alguns fenômenos e abordagens:
Realismo significa que nós fazemos uma seleção a partir do ponto de vista
do que é essencial, do ponto de vista dos princípios orientadores. E, como
para o que é essencial - o próprio nome do realismo socialista nos diz isso.
Selecionar todos os fenômenos que mostram como o sistema do capitalismo
está sendo esmagado, como o socialismo está crescendo, não embelezando o
socialismo, mas mostrando que ele está crescendo em batalha, no trabalho
duro, no suor. Mostrar como ele está crescendo em ações, nos seres
humanos. Não representar cada capitalista como ele tem sido representado
por brigadas de agitação e propaganda. (...) Fazer isso, baseando-se nos
critérios das leis do desenvolvimento histórico. Isso é o que significa o
realismo socialista142.
Para Máximo Gorki, as antigas composições artísticas não escritas dos trabalhadores
incorporaram ideias no imaginário e no estímulo ao trabalho do corpo coletivo. Já na URSS
eram desenvolvidos importantes valores em meio às dificuldades de se ter operários e
camponeses semianalfabetos. Estabelecera o objetivo de garantir a educação cultural e o
conhecimento igual em toda parte e para todos os seus membros, com vitórias e conquistas do
trabalho. As massas eram entendidas como ponto fundamental da cultura na promoção do
sentido revolucionário de justiça entre os proletários de todo o mundo. O principal herói da
produção artística, portanto, deveria ser uma pessoa organizada pelos processos de trabalho e
que com o poder da técnica moderna torna seu trabalho mais fácil e produtivo elevando- o ao
nível artístico. Deveria apreender o trabalho como criação elaborada a partir da memória que
o faz progressivamente mais preciso e compreensível. Na União Soviética, o trabalho seria
base para a atividade criativa da ciência e da arte. Diante de tais condições teria se revelado
141
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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um grande poder cultural e revolucionário de uma doutrina que uniria todo o proletariado do
mundo143.
Máximo Gorki considerava a literatura revolucionária ainda jovem para possuir muita
qualidade, pois o acúmulo de impressões e conhecimento dos escritores ainda não seria
grande o suficiente. Ressalta que até o fim do século XIX o tema principal da literatura
europeia e russa seria a personalidade em antítese à sociedade, ao Estado e à natureza. E
ainda, que os temas seriam centrados em pessoas que se sentiam supérfluas na sociedade e
buscavam conforto em si mesmas encontrando mais sofrimentos, suicídios, embriaguez ou
aceitando a hostilidade em que se vivia. Para Gorki, na URSS não poderiam haver pessoas
supérfluas, pois todo cidadão teria ampla liberdade para desenvolver suas habilidades, talentos
e faculdades; era exigida da personalidade apenas a honestidade com o trabalho heroico de
criação de uma sociedade sem classes. Os riscos de erros, de exibição da mesquinhez,
duplicidade e falta de escrúpulos estaria em todos, mas a autocrítica deveria ser constante,
concebendo um sistema de moralidade socialista regulador do trabalho desenvolvido e dos
relacionamentos144.
Algumas conquistas da Revolução ainda não estariam bem compreendidas por todos.
O propósito do trabalho, por exemplo, mudara e a diferença entre trabalhar para si próprio e
não mais para um explorador era aos poucos assimilada. As transformações nas formas de
vida e a conquista da dignidade do homem fariam parte de uma força que estaria mudando o
mundo, mas que ainda não seriam bem representadas nas artes. Gorki parte destas
considerações para justificar a forma como as mulheres ainda eram apresentadas nas
produções artísticas. Segundo ele, não eram adequadas à mulher soviética que deveria ser
destacada como agente livre em todas as esferas da nova vida socialista. A mulher soviética
seria igual socialmente ao homem, e provaria suas diversas habilidades e capacidades. Esta
igualdade estaria ainda mais na formalidade do que internalizada na sociedade. Gorki enfatiza
que por séculos a mulher fora criada para ser como um “brinquedo sexual” ou um “animal
doméstico”, relegada aos serviços da casa. Deste modo, esta seria uma dívida histórica que os
homens soviéticos deveriam pagar e que serviria de exemplo para todo homem do mundo. As
artes deveriam ser um meio de elevar a mulher a um patamar acima do que ela se encontrava
143
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
144
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
73
145
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
146
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
147
O realismo em geral, antigo ou burguês aqui se refere ao movimento surgido na França no século XIX, tendo
como um dos expoentes Jean François Millet. Os termos remetem à prática desenvolvida sob regimes
capitalistas, mesmo que as obras não fossem produzidas diretamente por membros da burguesia e embora
representassem visualmente as classes trabalhadoras do campo e da cidade.
148
Verificar os verbetes sobre materialismo, materialismo dialético e materialismo histórico em BOTTOMORE,
Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Zahar, 2012 [edição digital 2013].
74
deveria ser feita sem categorias de valor, base ou superestrutura, mas sim empregando
imagens sensoriais e elementos intelectuais para ser considerada arte149.
Bukharin se remete ao filósofo Benedictus de Spinoza (1632-1677) para através da
ideia de que “toda definição é a negação”, explicar o realismo socialista. Desta forma,
poderia-se dizer que os métodos do realismo em geral e do realismo socialista têm como
principal atributo negar tudo que fosse sobrenatural, místico ou idealismo, e isto os definiria.
Portanto, negar sublimações fictícias, diferentes versões do “espírito do mundo”, significaria
que a realidade sensorial e seu movimento, os verdadeiros sentimentos e a história real
forneceriam o material para a representação. Desta forma, os elementos utilizados também
seriam próprios, combinando imagens para reproduzir os movimentos reais dos sentimentos
da forma mais nítida e não como faria o simbolismo evocando uma realidade sobrenatural.
Quanto à forma, negaria, portanto, o emprego de metáforas. O material artístico empregado
diferenciaria o realismo em geral do realismo socialista, pois busca representar a construção
do socialismo, do novo homem, a luta do proletariado e as conexões no processo histórico. A
unidade ocorreria entre elementos intelectuais, emocionais e volitivos de forma indivisível
150
que lhe proporcionariam “significado social” .
Em relação à metodologia e à estilística, Bukharin defende que o realismo socialista se
diferiria do realismo em geral pelo conteúdo do material e intencionalidade ditada pela
posição de classe do proletariado. Desta forma, na sociedade socialista determinadas
diferenças entre trabalho intelectual e físico estariam se reduzindo, formando um “novo
homem” que conheceria o mundo e pretenderia mudá-lo. O objetivo estaria na busca pela
alteração do prático, ao contrário do naturalismo que se restringiria a descrever a realidade
como ela era. Porém, não se oporia à imaginação, pois o realismo socialista se basearia em
tendências reais para o desenvolvimento e para se permitir sonhar 151.
149
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
150
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
154
O discurso de Stetsky foi, senão o último, feito já no final do Congresso, por isso procurou trazer um
apanhado do que foi realizado no evento. Ressalta que os relatórios feitos pelos palestrantes não poderiam ser
tomados como cânones ou plataforma, pois não seriam inalteráveis e caso fossem afetariam a iniciativa criativa.
A. I. Stetsky foi Diretor da Seção de Cultura e Propaganda Leninista do Comitê Central do Partido Comunista da
União Soviética. Extraído de:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em 30-08-2016.
76
155
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
156
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
157
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
158
RESOLUTIONS. In: GORKY, RADEK, BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress
1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 271-290. Disponível
em: https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/resolutions.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
77
CAPÍTULO 2
O ARTISTA NA SOCIEDADE
78
A atuação dos artistas na sociedade foi uma das preocupações no debate sobre as artes
no I Congresso de Escritores Soviéticos em 1934. Na ocasião, era pensado como o
engajamento político e o envolvimento em questões inerentes aos soviéticos do artista. Do
mesmo modo, refletiam sobre como era feita a representação dos diferentes setores que
compunham a sociedade de então através das artes. Reconheciam a grande responsabilidade
dos artistas na execução das obras e na forma final que seria dada aos aspectos observados na
realidade. Por isso, a formação e o desempenho seriam analisados e acompanhados de perto,
buscando o comprometimento político-ideológico dos artistas com a Revolução e com a
União Soviética. Os teóricos procuravam definir o que entendiam serem as “tarefas” dos
artistas nessa sociedade e os meios para o exercício pleno desta importante atividade na
construção humana daquele momento em diante.
Karl Radek especificava que uma das tarefas dos artistas revolucionários seria ajudar a
criar uma imagem convincente da União Soviética para os trabalhadores estrangeiros,
inspirando a criação de grandes obras de arte em todos os países a partir dos feitos da
experiência socialista relatada. Deveriam também aprender com as experiências
revolucionárias em curso no mundo, retratar os trabalhadores que apesar da opressão estariam
preparando na ilegalidade o seu futuro e a união das pessoas em prol do socialismo, apesar da
79
159
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
160
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
161
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
80
Portanto, para Gorki, era importante que o artista conhecesse a história russa, o seu
período feudal, a política colonial dos príncipes e czares e o desenvolvimento do comércio e
da indústria, pois assim compreenderia a configuração da exploração do campesinato e a ação
dos atores sociais opressores. Também deveriam atentar para o desenvolvimento da
organização dos camponeses em fazendas coletivas e a libertação do jugo dos antigos
proprietários de terras, pois suas produções alcançariam grande número de pessoas162.
A este respeito, Radek considerava que a liberdade de criação exigiria respeito para não
dar espaço aos que apenas criticavam. Muitos que se aproximavam temiam que a revolução
proletária pudesse levar a ditadura, opressão e estereótipos na arte. Para ele, não seria o
momento do artista olhar para seu interior, mas de olhar para os tensionamentos do mundo e
para os preparativos para a guerra, a ascensão fascista, a opressão aos trabalhadores, a tentativa
de supressão da União Soviética, olhar para as ameaças da realidade contraditória do mundo 163.
Neste sentido, Zhdanov partia da lembrança de que Stalin chamava os artistas de
“engenheiros da alma”, e não à toa. A visão que se tinha era de que esses companheiros
poderiam transmitir os avanços e conquistas do desenvolvimento revolucionário em suas
produções. A história e concretude da representação artística deveriam ser combinadas com a
remodelação ideológica da educação no espírito do socialismo, o que configuraria o método
do realismo socialista. Um “engenheiro de almas humanas” deveria estar totalmente ligado à
realidade, a uma base materialista164. Nesta perspectiva, o artista se mostrava necessário para
mediar a construção humana e, no caso, na formação do novo homem na nova sociedade que
se dispunham a edificar.
Nicolai Bukharin comemorava o aparecimento de muitos artistas de varias
nacionalidades, entre minorias étnicas e sociais, valorizando que em comum tivessem o
propósito socialista no conteúdo e na forma. Reafirmava que os soviéticos seriam a vanguarda
dos trabalhadores e a principal força triunfante e por isso teriam grande responsabilidade
162
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
163
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
164
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
81
165
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
166
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
82
“críticos da vida”, mas sob os auspícios do realismo socialista era defendido um papel mais
amplo 167.
De acordo com Radek, na gênese do capitalismo os artistas foram obrigados a ignorar
os antagonismos e as explorações, o que gerou frustrações. Na União Soviética, o artista
poderia encontrar um novo mundo, que emancipara as mulheres, todo o povo e todos os
povos. Nessa concepção, os artistas da URSS e os artistas revolucionários de países
capitalistas desejariam representar as contradições do mundo. Para tanto, encontrariam no
realismo o caminho ideal, pois:
Realismo significa o retrato dessa realidade em todas as suas conexões básicas.
Realismo significa dar uma imagem não só da decadência do capitalismo e do
definhamento da sua cultura, mas também do nascimento dessa classe, dessa força,
que é capaz de criar uma nova sociedade e uma nova cultura. Realismo não significa
o embelezamento ou seleção arbitrária de fenômenos revolucionários; isso significa
que reflete a realidade como ela é, em toda a sua complexidade, em toda a sua
contrariedade, e não só a realidade capitalista, mas também outra nova realidade - a
realidade do socialismo168.
Karl Radek procura definir as preocupações que os artistas deveriam ter na produção
das obras. O artista deveria mostrar como o socialismo era construído a partir do processo
histórico, com materiais criados pelo proletariado que duramente trabalharia para moldar o
novo ser humano. Assim, os que tentassem representar o nascimento do socialismo e o
sistema que constituíra de forma idílica como um paraíso de pessoas ideais não conseguiria
convencer as pessoas, pois não seria realista. O artista não poderia se pautar em observações
casuais de certos perfis de realidade e não poderia perder a imagem do movimento mais
amplo, quando representasse alguma situação específica 169.
Para Stetsky, a URSS viveria o melhor momento das artes, devido ao desenvolvimento
da eletricidade, telegrafia sem fios e do socialismo que levavam a população conheceria seus
artistas, pessoas de todo tipo, origem e atividade. Muitos artistas surgiriam de origem operária
e de fazendas coletivas, tornando-se conhecidos já com seus primeiros trabalhos em toda parte
167
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
168
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016. Tradução minha.
169
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
83
170
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
171
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
84
para qualquer um que lhe acusasse de tendencioso as seguintes palavras: “Sim, nossa
literatura soviética é tendenciosa, e nós temos orgulho disso, pois o alvo de nossa tendência é
libertar os trabalhadores explorados, e dar liberdade toda a humanidade do jugo da escravidão
capitalista”172.
Zhdanov considerava que para os artistas tornarem-se “engenheiros de almas
humanas”, deveriam dominar as técnicas artísticas com suas peculiaridades e assimilar
criticamente a herança artística de todas as épocas. O artista soviético poderia valer-se de
diferentes artifícios: gêneros, estilos, formas e métodos de criação. O proletariado seria o
único herdeiro do que havia de melhor na arte mundial, visto que os burgueses desperdiçariam
toda a riqueza dessa história. E reiterava que as tarefas dos artistas comprometidos com a
construção do socialismo seriam: criar obras de grande alcance com conteúdo ideológico e
artístico, ajudar a remodelar a mentalidade das pessoas e estar à frente das fileiras na luta por
uma sociedade socialista sem classes 173.
O acesso à educação e a cultura era bastante valorizado por Gorki como um dos pilares
da estrutura soviética. Ele narra que desde a Antiguidade até então milhões de pessoas seriam
impedidas de compreender o mundo através da superexploração do trabalho. Desta forma,
gerariam pessoas divididas pelas ideias de raça, nacionalidade, religião, e mantidas sob
superstições e preconceitos de todo tipo. Para Gorki, o artista deveria ser autocrítico e estar
ciente da importância de representar o proletariado e do aumento das suas exigências sobre a
arte produzida conforme crescessem os índices de alfabetização. Para tanto, defendia a
proficiência dos iniciantes através do resgate da história das repúblicas soviéticas, produzindo
obras coletivas e exercitando a autocritica. A forma de conhecimento do passado também
estaria de acordo com os novos preceitos marxistas, leninistas e stalinistas. Os artistas
deveriam assumir a responsabilidade da organização e formação de jovens artistas, mostrando
a importância nacional para o pleno conhecimento do passado e do presente 174.
172
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016. Tradução minha.
173
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
174
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
85
A importância dada pelo PCUS ao desenvolvimento das artes e das ciências foi mais
um ponto destacado por Gorki, pois levaria ao aumento das exigências em torno desta
produção e, desta forma, ao cuidado com a capacitação profissional entre trabalhadores destas
áreas. Caberia ao Estado proletário educar os milhares de “artesãos da cultura” ou
“engenheiros da alma”, oferecendo a possibilidade a toda a massa de trabalhadores o direito
de desenvolver seus talentos, inteligência e capacidades, afinal o público principal da arte
soviética era formado pelos operários das fábricas e os agricultores das fazendas coletivas.
Gorki apontava para a baixa quantidade de escritores por habitantes e defendia a importância
de aumentar esses índices. Haveria, no entanto, muitos iniciantes produzindo no âmbito local
e alguns aparecendo na imprensa, aos quais deveriam voltar a atenção. Independente da
qualidade das obras ficaria evidente que este crescimento quantitativo seria parte de um
processo cultural profundo o qual a população protagonizava. Milhares de jovens operários
que tratariam de temáticas locais produziriam peças teatrais, histórias e poesias, sendo tarefa
dos artistas mais experientes, como os presentes no Congresso, assumir a orientação,
organização e ensino desses iniciantes para canalizar suas forças na produção do
conhecimento sobre o passado e na construção do futuro175.
Ao tratar dos artistas proletários, Radek considerava que aprenderiam as técnicas para
servir as massas através da própria arte. Enfatiza que muitos teriam contribuído como
agitadores e soldados, mas que a arte poderia ser mais poderosa do que a força, pois, apesar de
não poder substituí-la, a arte mobilizaria e multiplicaria as forças brutas. E diante do novo
ciclo de guerras e revoluções que se aproximava a arte seria de grande necessidade e era
preciso que os artistas estivessem atentos a isso. Ressalta que quando eclodiu a guerra muitos
artistas que se consideravam acima das classes e representantes da arte pura se posicionaram a
favor do imperialismo que obrigou milhões de operários e camponeses a lutar em uma causa
imperialista. Poucos teriam se oposto à guerra e apoiado os prisioneiros, como Máximo Gorki
e Andersen Nexo, soviéticos, e Romain Rolland, francês. Isto não seria acidental, pois estes
seriam representantes da classe trabalhadora. Destarte, a guerra abriria os olhos de muitos
artistas que apenas nos momentos finais do conflito defenderam o encerramento e a restituição
da paz. Isto depois de extrapolados todos os limites do horror, mortes e destruições 176.
175
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
176
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
86
mundo entre os que apoiavam o fascismo e os que estavam contra. O exemplo dado foi o
ocorrido em 10 de maio de 1933 nas praças de Berlim, quando queimaram livros de Gorki,
Stalin, Ludwig Renn179 e outros escritores, ratificando que não haveria neutralidade possível
naquele momento. A expressão artística contra o fascismo seria de enorme importância
política e o declínio do capitalismo provocaria a crescente simpatia dos artistas europeus pela
União Soviética, dificultando, inclusive, as investidas imperialistas contra os soviéticos180.
Portanto, de acordo com Radek, os artistas teriam a tarefa de mostrar aos colegas de
todo o mundo que a Revolução de Outubro foi apenas a primeira e que deveria ser base para o
proletariado de outros países. Deveriam dizer aos artistas ocidentais que a URSS os teriam em
alta conta, mas que lembrassem que o inimigo estava em seus próprios países, bem como as
forças para combatê-lo. O artista que pretendesse contribuir para o socialismo e lutar contra o
fascismo e os perigos destas forças deveria encontrar seu caminho em direção ao proletariado,
mesmo que os revolucionários fossem poucos entre a classe trabalhadora de seu país.
Convocava os artistas presentes no Congresso para ajudar a luta da classe trabalhadora em
seus países, apoiando a minoria revolucionária a se preparar para lutar contra as opressões
sofridas, promovendo o acolhimento. Os que não compreendessem isso tenderiam ao campo
do fascismo. Os artistas revolucionários estrangeiros teriam uma importante tarefa: combater
o fascismo infiltrando sua arte nos seus países181.
Radek reconhece as dificuldades para o envolvimento político dos artistas nos países
capitalistas, mas reafirma a importância de serem conscientes de que como membros da
sociedade seus trabalhos expressariam as aspirações de uma classe ou outra, apesar de muitos
defenderem o caráter não-político do artista e se mostrarem contra os proletários
revolucionários que acreditavam destruir a arte. O artista imerso na sociedade capitalista
corrupta e em crise, muitas vezes se veria dividido entre uma solução revolucionária socialista
e uma opção fascista. A grande maioria dos artistas do mundo capitalista estaria
essencialmente ao lado da burguesia, afirmando que a política não era concernente a eles.
Tendências fascistas poderiam ser reconhecidas em obras artísticas na Inglaterra, Estados
179
Ludwig Renn (1889-1979) foi um escritor alemão e membro do Partido Comunista da Alemanha.
180
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
181
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
88
182
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
183
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
89
seria possível produzir uma arte verdadeiramente grandiosa e desenvolver sua força enquanto
artista184.
Com objetivo de atrair mais artistas estrangeiros para apoiar e expandir a experiência e
as ideias soviéticas, Radek acreditava que à medida que a luta proletária crescia e se
aprofundava em todo o mundo, a arte acompanharia as lutas operárias e do campesinato. A
contribuição de artistas de países capitalistas seria mostrar a realidade da luta, e os impactantes
motivos que impediriam os intelectuais de se aproximar das fileiras revolucionárias. A arte
proletária desenvolvida a partir de artistas de origem operária estaria se desenvolvendo e
atraindo artistas de origem burguesa para a causa. Isto seria positivo pela qualidade e
importância de muitos desses artistas já reconhecidos por seus trabalhos anteriores. Alguns
artistas de origem burguesa buscariam servir a causa operária, enquanto outros ingressariam
nos partidos comunistas visando conhecer a realidade ao fazer parte de suas fileiras e assim
representar, de fato, a sociedade185.
Radek apontava o individualismo como um dos problemas a serem enfrentados.
Lembra que para combater o individualismo deveria desenvolver a individualidade colocando-
a a serviço da classe, podendo assim destruir as bases do mundo capitalista. Para tanto,
deveriam estimular os artistas a superar o individualismo e a indecisão, e a compreenderem
que enquanto trabalhadores da mente não poderiam se submeter a qualquer ideia, mas sim
contribuir sinceramente para a revolução. Esta seria mais uma razão para a importante tarefa
de atrair os artistas para unirem-se com o objetivo de luta, pelo mesmo programa e mesmo
caminho, subordinando as considerações individuais pelo bem comum. A liberdade individual
do artista em relação à revolução seria um problema à medida que entendessem essa liberdade
para ir contra a linha geral do Partido Comunista. O artista deveria compreender o papel do
campesinato, dos povos escravizados e que suas divergências não seriam mera opinião, mas
implicariam questões mais fundamentais e inerentes à outra classe que não a trabalhadora.
Portanto, era importante o cuidado para não confundir a opinião própria com a divergência
184
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
185
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
90
dos interesses das massas, pois isso dividiria os revolucionários e contribuiria para o
capitalismo.
No tocante à questão da liberdade artística, Radek faz analogia ao caso das guerras, nas
quais o soldado não escolhe seu próprio caminho para o objetivo do conflito. No entanto,
defende que no caso soviético não seria imposto um caminho por uma tirania arbitrária de
algum partido ditatorial, mas determinado a partir dos ensinamentos de Marx e Lenin 186.
Deixa claro, deste modo, que os limites para a liberdade do artista seriam definidos pelo
alinhamento político, no que concerne ao conteúdo e à forma das obras. Os “caminhos” para
realização das obras deveriam estar de acordo com a interpretação marxista e leninista, que na
prática eram mediados pelo PCUS.
Radek observa que muitos artistas estariam se aproximando da causa socialista por
verem a tragédia da queda do sistema capitalista no qual a humanidade viveria e por poder
participar do nascimento de um novo sistema de sociedade. A possibilidade de estar ao lado
do povo nesse processo conquistaria os sentimentos dos artistas. No entanto, Radek
argumentava que se essa aproximação fosse apenas como um refúgio do vazio da vida que
tinham e não houvesse ligação afetiva com os militantes operários e camponeses o seu talento
seria anulado e não se desenvolveria. Grandes artistas poderiam ajudar muito a classe
proletária na luta, mas só seriam capazes de contribuir se a produção artística ecoasse o amor
pelas massas militantes, que sofrem e lutam por uma nova vida. O proletariado seria a base da
revolução e deveria ser a base da grande arte. Sem esta relação do artista com os trabalhadores
não poderia desenvolver uma arte de grande relevância 187.
Gorki ressaltava que os artistas sem partido do mundo estariam se tornando cada vez
mais simpáticos aos soviéticos por suas ações e na compreensão do significado para a
humanidade do trabalho do Partido Comunista e dos trabalhadores188. Zhdanov complementa
esta ideia destacando que em países capitalistas, apenas uma pequena parte distanciada e mais
186
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
187
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
188
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
91
honesta de artistas tentaria encontrar outros caminhos e direções para alcançar o proletariado e
sua luta revolucionária. O proletariado desses países já prepararia um exército de artistas e,
conforme a opressão aumentava, os artistas revolucionários e as forças da revolução proletária
cresciam. Zhdanov afirma que apesar de haver ainda algumas poucas dúzias destes novos
artistas estrangeiros, muitos deles estavam no I Congresso de Escritores, o que contribuiria
para a revolução proletária nos países capitalistas 189.
A respeito das apresentações dos participantes, o Congresso, em suas resoluções finais,
orientava a União dos Escritores Soviéticos a conceber medidas que auxiliassem os escritores
no trabalho criativo e a fortalecerem o vínculo entre artistas e trabalhadores, aumentando a
qualidade das obras imersas no “espírito do socialismo”. A respeito do relatório de Radek,
consideravam que apesar do crescimento do fascismo, que aprisionaria muitos dos mais
importantes artistas revolucionários, a arte revolucionária cresceria conforme aumentava a
força da classe trabalhadora, “despertando” os oprimidos contra o capitalismo. E convocava
os escritores revolucionários de todo o mundo para lutar contra a “opressão capitalista, a
barbárie fascista, a escravidão colonial, contra os preparativos para novas guerras
imperialistas, na defesa da URSS” 190.
O debate acerca das artes para os novos tempos de consolidação da Revolução de 1917
e para construção de uma nova sociedade comunista não se encerraria em 1934. O realismo
socialista se modificaria ao longo das décadas seguintes em que esteve em vigor. A prática
artística acompanharia as necessidades e demandas políticas que surgiriam com o tempo,
embora suas bases aqui traçadas fossem mantidas e propagadas pelo mundo. Nos discursos,
mostravam aos artistas de toda parte que participavam do Congresso a importância de
produzir uma arte antifascista. O intuito era atrair mais artistas, soviéticos e estrangeiros, e
encorajá-los a espalhar as ideias-força do realismo socialista. Desta forma, evidenciavam a
responsabilidade social dos artistas, conferindo-lhes “tarefas” perante a luta dos trabalhadores
contra o jugo capitalista. De todo modo, as reverberações tiveram tempos diferentes em cada
lugar, provocando interpretações específicas também. Na América Latina e no Brasil foram
189
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
190
RESOLUTIONS. In: GORKY, RADEK, BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress
1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 271-290. Disponível
em: https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/resolutions.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016. Tradução minha. .
92
sentidas em proporções distintas, mas mostraram significativo efeito nas artes até então
produzidas e no engajamento dos artistas.
191
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.190.
192
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.125.
93
Esteve ligada diretamente aos pintores muralistas, alguns tiveram as primeiras experiências
com xilogravura em suas páginas193.
A revista Amauta explicitava a ligação da política revolucionária com a vanguarda
artística e literária. José Carlos Mariátegui dirigiu a revista e no primeiro editorial em 1926
deixava claro que não estavam abertos a correntes e opiniões, pois eram militantes e
polêmicos. Mariátegui foi um grande pensador marxista, era também escritor e foi fundador
do Partido Socialista Peruano, que logo aderiria à Internacional Comunista e mudaria para
Partido Comunista Peruano. O espaço da revista era declaradamente destinado aos que se
comprometessem com mudanças, ou seja, aos vanguardistas, aos revolucionários e aos
socialistas. Nos números seguintes desenvolveu sua oposição às artes reduzidas a dedicarem-
se a novas técnicas. Para Mariátegui, as correntes e escolas eram revolucionárias à medida
que rejeitam a ideia burguesa de absoluto, a qual considerava ridícula. Amauta podia ser
considerada eclética dentro da enorme gama de correntes do internacionalismo de esquerda e
das vanguardas. Mostrava, por exemplo, apoio aos ataques dos dadaístas e dos surrealistas
contra as convenções artísticas e aos valores burgueses. Entre seus variados colaboradores,
contava com o autor inglês de teatro George Bernard Shaw, Cesar Vallejo, Dr. Atl, Bela Uitz,
Pettorutti, José Sabogal, George Grosz, que teve uma conferência sobre sociedade e arte
burguesas traduzida para a revista e José Vasconcelos, que foi ministro da educação mexicano
e responsável pelo projeto muralista 194.
No Uruguai se destacou o trabalho de Pedro Figari (1861-1938), que começou a pintar
em 1921 já aos sessenta anos de idade. Suas obras mostravam, por exemplo, festas de negros,
danças e canções populares, bandas locais pelas ruas, tambores, blocos de carnaval, pátios
internos, tecidos e cores brilhantes, árvores típicas locais como o umbu. Figari buscava
retratar acontecimentos e reuniões sociais de um mundo que desaparecia frente à
europeização. Formas resistentes como cenas do candombe, como se chamavam as reuniões
das populações negras do Uruguai e a dança de origem africana. A obra Nostalgias Africanas
(fig.7), representa a prática no final do século XIX e o contraste com as reuniões dos
descendentes europeus em ambientes pomposos. A forma como pintava era considerada
rudimentar e grosseira, generalizando as particularidades. No entanto, valorizava as maneiras
de se expressar de seu povo195.
193
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.126,132.
194
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.130-131.
195
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.137-141.
94
Figura 7. Óleo sobre papelão. Pedro Figari. “Nostalgias Africanas”. s/d. Museo Municipal Juan Manuel
Blanes, Montevideo.
Figura 8. Aquarela sobre papelão. Xul Solar. “Dança dos santos”. 1925. Coleção Marion e Jorge Helft,
Buenos Aires.
196
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997.p.143.
95
197
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.194.
198
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.143-144.
96
Figura 9. Muro. Joaquín Torres-Garcia. “Monumento Cósmico”. 1938. Parque Rodó, Montevidéu.
A ruptura com o passado e com a formação artística foi, para muitos artistas,
fundamental para iniciar-se no modernismo. Enquanto na Europa significava romper com a
tradição conservadora e acadêmica, na América Latina também se buscava o compromisso da
arte com questões sociais e políticas, o que gerou debates nas décadas de 1920 e 1930. O
objetivo era uma arte voltada para o povo, na linha das bases do realismo socialista, mesmo
que este não fosse a preocupação central. O muralismo mexicano, que apareceu depois de
1921 gerava divergências nos debates relativos aos materiais, técnicas e uso do estilo
expressionista, encampados, principalmente, por David Alfaro Siqueiros (1896-1974)199. O
destaque de Siqueiros se deu ainda por sua afinidade com as ideias marxistas. Em 1923 atuou
no Partido Comunista Mexicano e fundou o Sindicato dos Trabalhadores, Técnicos, Pintores e
Escultores. Em 1924 editou o semanário El Machete, que tratava da problemática artística e
social200.
199
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.126,130.
200
DAVID Alfaro Siqueiros (verbete) In: JINKINGS, Ivana; MARTINS, Carlos Eduardo; SADER, Emir;
NOBILI, Rodrigo (coord.). Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe.
Boitempo. Disponível em: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/s/siqueiros-david-alfaro , acessado em 10-02-
2017.
97
201
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.151.
202
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.115,
129,152,153.
98
203
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.152-154.
204
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.153-154.
205
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.195,198.
99
e para a reforma agrária foi mostrado nos murais do Ministério da Educação. A consciência
da sociedade mexicana se transformava, mas as condições de vida não acompanhava esse
ritmo, andavam lentamente 206.
Figura 10. Mural. Diego Rivera. A história do México. 1935. Escadaria principal do Palácio Nacional do
México.
206
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.201.
100
Figura 11. Óleo sobre tela. David Alfaro Siqueiros. “A mãe camponesa”. 1929.
207
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.201, 203.
101
Em A mãe camponesa (fig.11), Siqueiros mostra uma mulher com uma criança
acolhida em seus braços. Ambas estão descalças, envolvidas por um pano que as une. Ao
redor há cactos, denotando a solidão e sofrimento dessa mãe. A crítica à situação de
exploração e miséria nas áreas rurais mexicanas é evidenciada, embasando a luta por reforma
agrária encampada por Zapata e pelos revolucionários.
No Peru a situação dos índios era tão grave quanto no México, mas as perspectivas
eram muito mais modestas, pois não houve movimentos ou levantes políticos por reformas e
transformações como ocorrera após a revolução mexicana. Durante a ditadura de Augusto
Bernardino Leguía y Salcedo (1919-1930) foram fundados o partido Alianza Popular
Revolucionária Americana (PARA) e o Partido Socialista Peruano liderado por Mariátegui em
linhas marxistas, mas não no socialismo europeu. Mariátegui se baseava nas comunidades
nativas peruanas (ayllu) e nas estruturas sociais incas pré-colombianas. Era responsável pela
revista Amauta, na qual contava com a colaboração de artistas e escritores que
compartilhavam de suas ideias208. Sabogal foi um dos colaboradores da Amauta, para a qual
produziu xilogravuras como a Índios de Pucará (fig. 12), em 1927. Nesta obra, índios em
suas vestimentas características estão diante de produtos artesanais, são vasos, pratos e um
pequeno cavalo, que parecem exporem para a venda.
Figura 12. Xilogravura. José Sabogal. “Índios de Pucará”. Fonte: Revista Amauta nº 10, Lima. Dez 1927.
P.20.
208
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.203.
102
Figura 13. Óleo sobre tela. José Sabogal. “Varayoc: Chefe índio dos chincheros”. 1925. Museu de Arte de
Lima. Peru. 109 x 169 cm.
Figura 14. Óleo sobre tela. José Sabogal. “A mulher de Varayoc”. 1926. Museu de Arte de Lima.
209
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.205.
103
Figura 15. Óleo sobre tela. Eduardo Kingman. “Los Guandos”. 1941. Casa da Cultura Equatoriana, Lima.
150x200cm.
210
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.210-211.
104
211
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.206, 210.
212
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.205, 111.
213
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.112, 113.
105
Figura 16. Gravura. José Guadalupe Posada. “Calavera do editor popular Antonio Vanegas Arroyo”. Livraria
do Congresso, Washington D.C.
Figura 17. Gravura. José Guadalupe Posada. “O grande panteão amoroso”. La Gaceta Callejera. 37,2 x 18,7.
Museu Nacional de Arte, Cidade do México.
A linguagem visual simples e de efeito forte das gravuras e águas-fortes de Posada fez
parte de inúmeros jornais ilustrados, folhas volantes e imprensa satírica que surgiram na
virada do século XIX para o XX. Seus trabalhos para jornais como El Diablito Rojo (1990-
1910), que se declarava “do povo para o povo”, alcançaram mais diretamente os muralistas
pelos registros dos acontecimentos e comportamentos de seu tempo para um público amplo
(p. 119). Posada transformou a caricatura fantástica do século XIX e da tradicional calavera.
Esta figura já havia sido usada para tratar da revolução representando vários papeis, mostraria,
então, um lado sombrio do sacrifício humano na guerra civil 214.
Em 1910, Porfírio Díaz trazia uma grande exposição de arte da Europa para as
comemorações do centenário do início das guerras de independência lideradas por Hidalgo.
Neste momento, jovens pintores arriscavam-se no impressionismo e os artistas acadêmicos
dedicavam-se às alegorias e à história. Enquanto isso, Posada mostrou-se uma fonte rica e
diferente do que se apresentava no mundo da arte oficial e isto atraiu os muralistas que
buscavam uma ligação direta com a criação de uma arte popular e com o México
revolucionário. Posada mostrava-se atento às demandas imediatas, revelando os conflitos
214
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.122.
106
políticos e sociais, a corrupção e os efeitos das modernizações pelas quais passava o México.
Mesmo que não fosse sua intenção, contrastava o conflito de classes. Essas referências
acabaram sendo suporte para os muralistas no esforço de se aproximar e produzir uma arte
para o povo215.
O Taller de Gráfica Popular (Oficina Gráfica do Povo) se destacaria no envolvimento
com as contradições e problemas próprios do nativismo. Fundado por Leopoldo Méndez,
Pablo O’Higgins e Luis Arenal em 1937, se definia como um centro para produções práticas
de forma coletiva. Os artistas podiam contar com condições para a feitura das gravuras e com
orientações para as técnicas de gravação. As publicações e gravuras produzidas
comprometiam-se com os problemas revelados pelo nativismo denunciando-os. Arenal,
O’Higgins e Mendéz foram colaboradores da revista Frente a Frente ligada à Liga de
Escritores y Artistas Revolucionários (LEAR), fundada em 1933 e da qual Leopoldo Mendéz
foi diretor da divisão de artes plásticas 216.
Figura 18. Linoleogravura. Leopoldo Mendéz. “Homenagem a Posada”. 1956. Coleção José Sanchez Aguilar.
215
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.122-123.
216
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.181-182,
210.
107
217
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.181-182.
218
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.184.
219
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.184.
108
Figura 19. Periódico. El Machete. “Periodico obrero y campesino”. Edição especial, 1º de maio 1936. Cidade
do México.
220
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.185-188.
109
221
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.191,193.
222
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.228.
223
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.228. Tradução minha.
110
CAPÍTULO 3
O debate em torno da forma e do conteúdo nas artes plásticas envolvia artistas e críticos
que escreviam artigos para publicações ligadas ao PCB. Na edição de fevereiro de 1950 da
113
revista Fundamentos foi publicado o artigo “A arte como arma de combate – Os artistas
chineses e a gravura em madeira”, no qual é analisado um texto sobre a gravura chinesa e seu
papel na luta pela revolução. É feito, assim, um relato do processo histórico de aparecimento
e fortalecimento desta atividade considerada arma de propaganda revolucionária que
começara a ser desenvolvida por escritores de Xangai perseguidos pelo chamado Terror
Branco de Chiang Kai-Shek na década de 1930 e impossibilitados de escrever para um grande
público. Destarte, encontraram na gravura em madeira o caminho para alcançar as massas, em
sua maioria analfabeta. Além disso, a técnica apresentava baixo custo e fácil reprodução para
divulgação das ideias políticas. Jou Shi teria sido um desses primeiros gravuristas, inspirado
na produção revolucionária e reconhecida internacionalmente da artista expressionista alemã
Kaethe Kollwitz. Jou Shi fora preso e fuzilado pelo serviço de inteligência do Kuomintang,
mostrando que era considerado perigoso para o regime de Kai-Shek. A gravura chinesa era
deifinida, então, como “eficiente arma de combate contra o imperialismo, a opressão e a
miséria”, além de uma “afiada espada na luta do povo chinês pelo progresso e pela libertação
nacional” 224. Por esta razão,
(...) quando o povo chinês comemora a vitória da sua grande revolução agrária e anti-
imperialista, torna-se necessário destacar o papel que os artistas da gravura, na sua
maioria anônimos, desempenharam na grande luta. Foram eles que, junto aos outros
artistas, escritores, professores e estudantes, serviram com humildade e coragem o seu
povo e puderam, dessa forma, se transformar em verdadeiros “engenheiros de almas”,
em dignos e fiéis intérpretes das suas aspirações mais sentidas 225.
De acordo com a matéria, durante a luta revolucionária este método foi bastante
utilizado, embora no início tivessem pouca qualidade técnica apresentaram bastante conteúdo
ideológico. Ao passar dos anos, a gravura chinesa elaborou suas técnicas e aprimorou seu
conteúdo político. Provocaria forte efeito na população e se tornaria inimiga do regime
vigente levando muitos gravuristas a prisão e a tortura entre 1932 e 1937 pelo Kuomitang,
confirmando o poder que esta “arma de combate” teria na transformação social e política.
Entre professores, escritores, estudantes e outros artistas, os gravuristas chineses buscavam
representar as demandas mais caras à população, denunciando a miséria e a opressão sofridas.
Em alguns anos, as técnicas foram aperfeiçoadas e o teor ideológico e político aprofundados.
Os gravuristas são referidos na matéria como “engenheiros de almas”, valendo-se do termo
224
É indicado na matéria que este texto é uma resenha de artigo do crítico de arte Israel Epstein no número de
março de 1949 da revista marxista estadunidense Masses & Mainstream (1948-1963). A ARTE como arma de
combate. Fundamentos, nº2. Fev 1950. P.19.
225
A ARTE como arma de combate. Fundamentos, nº12. Fev 1950. P.19.
114
usado por Stalin, pois contribuíram para a luta do povo através da arte para o alcance da
revolução anti-imperialista e agrária na China226.
Na mesma página era apresentada a gravura de Shih Tze-Chin (fig.20), na qual destaca-
se em primeiro plano um homem ocidental desanimado, curvado e com os cotovelos sobre
uma bancada ou mesa amassando um papel, que parece um jornal. O olhar e o corpo
debruçado com uma das mãos apoiando o rosto enfatizam a expressão entediada. Ao fundo,
corpos pelo chão e nuvens de fumaça saindo das casas. O desprezo do homem em relação às
mortes e ao sofrimento que ocorrem em seu entorno são complementados pelo título “De
quem a culpa?”, que sugere o descaso ocidental, provavelmente imperialista, em relação à
opressão do povo chinês. O traço detalhado na feitura do homem, as rugas do rosto e das
mãos, e o papel que é amassado sem receber muito atenção ou provocar sensibilidade ao seu
conteúdo, destacam a figura a quem se designa a culpa dos males.
Figura 20. Xilogravura chinesa. Shih Tze-Chin. “De quem a culpa?” Fundamentos, nº12. Fev 1950.
226
A ARTE como arma de combate. Fundamentos, nº12. Fev 1950. P.19.
115
veste bermuda, enquanto os outros dois usam calças compridas. Os três têm o corpo curvado,
posição exigida pelo movimento de uso da enxada.
Figura 21. Xilogravura chinesa. Chen Yin Chiao. “Trabalhadores”. Fundamentos, nº12. Fev 1950.
A revista apresenta o breve conto “Os plantadores de arroz” de Li-Kian-Jo no qual são
relatadas as condições de vida dos trabalhadores rurais chineses. O primeiro parágrafo
enfatiza o teor da gravura: “O nosso povo é pobre e a nossa terra é grande. A terra está nua e
cada grão de arroz tem sede d’água”. Deste modo, o autor descreve situações em que,
enquanto camponês produtor de arroz, sofreu a exploração pelo governador da província e de
seus arrecadadores encarregados de recolher toda produção a despeito da baixa safra.
Consequentemente, a fome se intensificava e com o inverno o frio aumentava o sofrimento
fazendo com que muitos fossem mendigar por arroz na vizinhança 227.
O relato em forma de conto mostra o envolvimento do autor com a causa dos
trabalhadores rurais chineses, coadunando-se com a proposta da gravura apresentada na
mesma página (fig. 21): denunciar a exploração dos cultivadores de arroz que gerava grande
227
LI, Kian-Jo. Os plantadores de arroz. Fundamentos, nº12. Fev 1950. P.20.
116
miséria. A gravura a serviço do povo se mostrava também como “arma de combate”, meio de
transformação social.
O posicionamento político do artista, nessa perspectiva, deveria coadunar-se com a
forma adotada nas obras e com a relevância que teriam na sociedade. É o que procurava
defender o crítico de arte paulista Ciro Mendes, na edição de junho de 1948 da revista
Fundamentos. Em uma breve “Resenha de artes plásticas”, mostrou a oposição à arte voltada
para o comercialismo, que seria feita a partir de “improvisações disfarçadas” ou “tapeações”
que não mostrariam consciência artística. Acreditava que as artes plásticas passariam por uma
evolução, superando a arte acadêmica que estaria em decadência, visto o pouco público em
suas exposições. Opunha-se às expressões artísticas que se distanciassem do realismo, pois
entendia que quando o artista optava por se aproximar da estética abstracionista, se afastava
dos trabalhadores228. Em sua concepção, as produções artísticas motivadas por questões
sociais se materializariam em obras que buscavam expressões realistas.
O arquiteto e crítico de arte porto-alegrense Eduardo Corona (1921-2001) contribuiu
para este debate ao discorrer, em artigo para Fundamentos de janeiro de 1950, sobre o painel
“Tiradentes” (fig.22) de Cândido Portinari, feito para o Ginásio de Cataguazes projetado por
Oscar Niemeyer 229. A obra era dividida em cinco cenas, que representam a trajetória de
Tiradentes passando pela prisão, condenação, enforcamento e esquartejamento, a distribuição
das partes do corpo por postes e a exibição da cabeça em Vila Rica230.
Figura 22. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. “Tiradentes”. 1948-1949. 17, 70 x 3, 09 metros. Memorial
da América Latina de São Paulo.
Esta obra, a propósito, despertou interesse da polícia política em 1949, pouco depois de
sua inauguração. Em boletim interno, o painel foi analisado e denunciado por não fazer jus ao
inconfidente, fazendo referência a imagem de Prestes em seu lugar.
228
MENDES, Ciro. Resenha de artes plásticas. Fundamentos, nº1. Jun 1948. P. 62.
229
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 33-34.
230
AJZENBERG, Elza. Portinari, análise do painel Tiradentes, nos cem anos do grande artista brasileiro.
Disponível em: http://memorial.org.br/revistaNossaAmerica/20/port/mestre.htm , acessado em 10-03-2017.
117
A atenção recebida mostra um dos efeitos que a obra provocou à época e como serviu às
desconfianças da polícia política na perseguição aos artistas que tiveram ligação com o PCB.
A referência policial parece ser feita à primeira cena do painel na qual o personagem principal
aparece de pé em primeiro plano (fig. 23).
Figura 23. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. "Tiradentes". 1948-1949. Detalhe.
A polêmica obra suscitaria outras questões que Eduardo Corona desenvolveria. Para ele
haveria resistência na aceitação das contradições da sociedade. Por esta razão, os novos meios
de produção e de riqueza, representados pelas máquinas, causariam fascínio, ao passo que
provocam miséria e exaustão de tantos. Os avanços da arte de acordo com os interesses
elitistas seriam proporcionais a perda de caráter do artista. Nestes casos, acreditava que as
contradições sociais, o desenvolvimento econômico e as relações de forças materiais não
seriam acompanhados pela arte, pois a ideologia da classe dominante permaneceria em grande
parcela da sociedade que ainda lutaria por liberdade. A nova criação artística seria favorecida
231
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor DPS. Notação 01630. 04-08-1949. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
118
pelas novas condições sociais, nas quais um sexto da humanidade viveria no socialismo ou
sob democracias populares que emergiriam através da luta pela liberdade dos povos
oprimidos e explorados. Considera que “A arte já toma aspectos diferentes e a luta estética
que se trava, traz-nos, e isso sem vacilações, para o campo de uma profunda realidade
objetiva”. Para analisar obras como “Tiradentes” de Portinari, deveria estar “a par das
condições da arte no mundo inteiro, das condições materiais que dão origem a este momento
social e político, e que, por sua vez, vão caracterizar a expressão artística deste ou daquele
modo, neste ou naquele país”. Deveria considerar a divisão social em classes, e o “papel ativo
do indivíduo na evolução dessa sociedade”, e a necessidade de leis de relação e associação
que propiciem o estudo e compreensão das manifestações artísticas, ou seja, uma sociologia
da arte232.
Nesta perspectiva, a cultura deveria se aproximar da verdade através da arte e dos
artistas. Ao afirmar que a expressão artística deveria combinar forças materiais com forças
ideológicas, procura definir a obra de arte:
A obra de arte não será uma criação abstrata da intuição, da sensibilidade ou da
inteligência do artista, nem uma reprodução exata e mecânica da natureza e sim uma
representação, isto é, uma nova apresentação dos elementos da natureza, apresentação
que difere da mesma natureza pela transposição imposta pela matéria empregada e
pelo aporte inevitável da personalidade do artista, respondendo ele mesmo a todas as
condições e carregado de toda a experiência de seu ofício e do seu tempo (...)A obra
de arte produto de uma só vez das condições históricas e da consciência humana
revela o homem inteiro e principalmente o artista que a concebeu e executou e do qual
se encontram nela as virtudes e debilidades, contradições e lutas da época e do país
onde foi realizada; reflete, por fim, virtudes e debilidades, contradições e lutas da
condição humana233
Corona afirma, então, que o novo realismo, o realismo socialista, seria uma tendência
sincera, organizada e objetiva de expressão do mundo real em sua forma mais profunda. Deste
modo, se aproximaria da “verdade absoluta”, formada por “verdades relativas”, mas que
apresentaria conteúdo humano se tornando definitivo conforme sua justificativa histórica.
Superaria, assim, o abstracionismo no embate já estabelecido. A posição tomada por Portinari
nesta obra, seria por um “realismo edificante, sadio, completamente humano” 234.
É assim que pinta Portinari, consequente com as diretrizes que dirigem os destinos da
maioria. Daí a sua liberdade plástica, grandiosa, serena. Daí a crueza de suas cores,
sobre um desenho magnífico, ampliando suas possibilidades, completando sua
atmosfera, dando-lhe intimidade, caráter. É a pintura trabalhando na imaginação do
povo, ampliando seus horizontes, suas ideias, sua compreensão 235.
232
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 33-34.
233
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P.35.
234
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P.35.
235
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 35.
119
É evidente que a essas forças que transforma a sociedade, a essas novas condições de
vida, tenha que corresponder uma determinada expressão artística. E se o artista
estiver resoluto e confiante na revolução social e aplicar todo o seu trabalho na luta
em defesa da grande maioria, só terá um meio para exprimir sua arte: o realismo. O
novo realismo que caracteriza as novas condições para a grande arte que terá de ser
realizada em nosso século. A arte de uma nova sociedade sem classes, sem
perseguições, sem ódio238.
236
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 35.
237
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P.34.
238
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 35.
120
Figura 24. Periódico. “Portinari coloca sua arte a serviço do povo”. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
A reportagem apresenta mais três chamadas que destacam o conteúdo. O título principal
diz: “O latifúndio é a causa da miséria” e o primeiro subtítulo complementa: “Portinari fala à
Tribuna Popular como um artista que vem do povo e que ao povo pertence” 239 (fig.25). O
segundo subtítulo detalha o teor da entrevista:
Seus quadros reproduzem os estropiados e famintos do interior do Brasil – Filho de
meeiros de São Paulo, encheu-se de entusiasmo ante as palavras de Luiz Carlos
Prestes sobre a questão camponesa – “A Constituinte é o verdadeiro caminho da
democracia” – Portinari repele, indignado, a rearticulação nazi-integralista240.
239
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
240
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
241
Candido Portinari residiu entre 1942 e 1950 na já antiga casa situada na Rua Cosme Velho, nº 103 (hoje nº
343) próximo à Bica da Rainha, no bairro do Cosme Velho no Rio de Janeiro. Cf. Projeto Portinari:
http://www.portinari.org.br/#/acervo/historico/268/detalhes
121
Figura 25. Periódico. “O latifúndio é a causa da miséria”. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
descalças e famintas, envergonhou-se: “Não podia mostrar pinturas a gente que precisava
antes comer, matar a fome”. A experiência de Portinari com o ambiente e o trabalho rural em
sua cidade natal o aproximou das questões da terra, identificando-se também com o
posicionamento de Prestes a este respeito242, como conta a seguir:
Explica-se o meu entusiasmo por Prestes quando falou da terra e dos camponeses.
Eu estava encostado à mesa ouvindo pelo rádio o seu discurso no Pacaembu.
Quando o homem falou dos camponeses e tocou no problema da terra dei um pulo.
Tinha tocado na ferida do Brasil. Era a vida de meu pai, de minha família, era a vida
de Brodowsky, era a vida da massa camponesa do Brasil. Devo a Prestes essa
emoção. Nas suas palavras senti todo o drama do homem brasileiro sem terra. Já em
Brodowsky, não precisa ir mais longe, eu sinto o drama do meeiro. O dono da terra
não vende a terra, faz a meia, lucra sempre e não deixa o camponês progredir. A
terra é dele. O latifúndio é a causa da miséria243.
242
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
243
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
244
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
245
As obras referidas são: “Café”, de 1935 e “Morro” de 1933.
246
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
123
composta pelas obras “Retirantes” (fig.26), “Enterro na rede” (fig.27) e “Criança Morta”
(fig.28)247.
Figura 26. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Retirantes. Série Retirantes.”1944. 192x181cm.
Figura 27. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Enterro na rede”. Série Retirantes. 1944. 180x220cm.
Figura 28. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Criança Morta”. Série Retirantes. 1944. 182x190cm.
247
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
248
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
249
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
124
A respeito da contribuição dos artistas, Portinari mostra um cartaz eleitoral que fez
para o PCB e diante da surpresa do entrevistador com sua contribuição declara:
Claro, todos nós, artistas temos que contribuir, temos que ajudar o povo. Meus
companheiros e todos os rapazes meus amigos estão trabalhando e me sinto feliz em
pintar um cartaz para o povo. O Partido Comunista vem atuando dentro da ordem
como um partido que sabe o que quer e sabe quanto é responsável diante do povo.
As pessoas honestas e mesmo imparciais não podem deixar de administrar a posição
do Partido Comunista dentro de uma serenidade e de uma clareza de princípios
dignas de exemplo251.
O trabalho do artista é valorizado por Dalcídio Jurandir que ressalta a dedicação de doze
ou quatorze horas por dia entre pensamento, transposição das emoções e atividade braçal.
Destaca que a habilidade também era fruto de anos de aprendizagem, horas de trabalho e
domínio das dores físicas e emocionais. A atividade do artista e a origem camponesa e
simples são realçadas quando trata dos painéis para a Igreja São Francisco de Assis da
Pampulha de 1943 projetada por Oscar Niemeyer, também membro do PCB. Jurandir enfatiza
a simplicidade e humildade transmitidas pelas imagens dos santos misturados ao povo. Deste
modo, são traçadas características do artista preocupado com as questões sociais, e que traz
para suas obras elementos do povo252.
Por fim, o entrevistador volta-se para as questões em voga no momento político e que
contam com importante atuação do PCB. Ao ser perguntado sobre a rearticulação integralista,
Portinari afirma: “A desgraça que o fascismo deu ao mundo faz com que o povo não tolere
mais qualquer espécie de manifestação fascista”. E sobre a Constituinte, Portinari posiciona-
se a favor da formação da assembleia para discussão da Constituição, mostrando-se de acordo
com as campanhas do partido253.
250
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
251
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
252
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
253
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
125
Deste modo, além da importância da atenção ao conteúdo e a forma das obras de arte,
a postura política do artista mostrava sua relevância. Os críticos, embora distantes em diversos
aspectos, consideraram nestes artigos a atuação política e social do indivíduo estar
diretamente relacionada ao que realizavam. A figura do artista atuante politicamente e
preocupado com os problemas da maioria seria um passo para a construção de transformações
reais na sociedade. O engajamento dos artistas seria, então, tema para diversos artigos nos
periódicos ligados ao PCB.
254
Em 1947 o PCB voltou à clandestinidade, o que fez aumentar a perseguição que os seus membros já sofriam
pela polícia política, incluindo os artistas.
255
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 67.
126
Apesar destes fatores bem traçados, há muitas motivações, que mobilizavam tantas
adesões e aproximações. Os fatores conjunturais são fundamentais, como a repercussão
positiva das revoluções socialistas pelo mundo, e as experiências na URSS e em outros países.
A luta internacional contra o nazifascismo e a participação decisiva da URSS na derrocada do
Eixo e no fim da Segunda Guerra Mundial, a campanha pela paz mundial e contra o uso da
bomba atômica nos anos 1940 e 1950 foram fortes atrativos. Foram “tempos de intensa
demarcação ideológica, que, em um conjunto de países, cindem a intelectualidade,
empurrando parte dela para a esquerda (anos 30/40 e 60) e para o PC (anos 30, somente)”. No
256
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 55.
257
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 75-76.
127
A filiação de artistas plásticos era de grande importância para o partido, visto que dava
maior legitimidade e visibilidade para suas atividades. Esta relação transparece nos seus
periódicos, nos quais eram publicadas matérias sobre artistas de renome nacional e
internacional, bem como eram divulgadas exposições. O papel da imprensa na divulgação das
258
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 75-77.
259
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 78.
260
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 38.
128
artes plásticas e na valorização dos artistas plásticos membros do partido diante de um grande
público leitor teve grande importância.
O PCB preconizava um “artista do povo”, não necessariamente que tivesse origem
entre as classes trabalhadoras, mas principalmente que buscasse representar estas classes e
voltar suas obras para este público. Em publicações como Fundamentos e Tribuna Popular
procurava-se mostrar qual seria o papel do artista plástico preocupado com o meio em que
vivia, com a classe trabalhadora e seus anseios.
Nesta perspectiva, Yoshiya Takaóka (1909-1978) escreveu o artigo intitulado “Minha
dúvida sobre a pintura” na coluna Artes Plásticas de junho de 1948, no qual afirma que
muitos artistas contribuiriam para uma mística em torno de seu trabalho, e, ao colocarem-se
em um patamar privilegiado na sociedade, se beneficiariam. Para o crítico, os artistas não
deveriam agir desta forma, e diz: “Tenhamos coragem para reconhecer a verdade nua e crua: a
sociedade nunca precisou do artista. Pelo contrário, o artista, este sim sempre precisou da
sociedade”. O interesse de uma pessoa pela atividade artística estaria relacionado a sua
origem social. Defende que o artista deveria servir e dedicar-se à sociedade em que vive e que
não deveria produzir apenas com o egoísmo de suas “emoções primitivas”. Takaóka defendeu
que o artista se dedicasse a obras que extrapolassem as questões individuais, que por vezes
podem resolver a obra na sua plasticidade, mas que não deveriam encerrá-las em si. A
preocupação do artista deveria ser produzir obras que o mantivesse em contato com as
massas, do contrário se isolaria da sociedade. Criticava, assim, os que pintavam para si
mesmos de acordo com seus sentimentos, e não teriam compromissos com a sociedade, pois
sua arte se direcionaria aos que podiam pagar por ela. Desta forma, dizia desprezar o
isolacionismo de muitos artistas, inclusive jovens, que consideravam mais importante a
liberdade que permitiria fugir do compromisso ou da disciplina 261.
Plínio Ribeiro Cardoso analisou a origem social dos artistas em seu artigo intitulado
“Do impressionismo ao abstracionismo” na sessão Artes Plásticas da edição de março e abril
de 1949, além de discutir estas duas vertentes artísticas comparando-as em seus momentos
históricos de desenvolvimento. Para Cardoso, os intelectuais, artistas e cientistas desta época
seriam, essencialmente, da classe média, que define como um grande grupo social formado
pela pequena burguesia. Este grupo estaria entre a burguesia e o proletariado, se
caracterizando pela indecisão e por ser comprimido por conflitos que o dividiria. Ao longo
dos complexos processos sociais tenderia mais para o lado proletário, no entanto, se afinaria
261
TAKAÓKA, Yoshiva. Minha dúvida sobre a pintura. Fundamentos, nº1. Jun 1948. P. 60-61.
129
com a ideologia burguesa, que seria alterada conforme a situação econômica individual. Os
intelectuais seriam os porta-vozes desta classe, que em momentos de conflito social se
oporiam a excessos e limitações da classe dominante. Enquanto as lutas seriam por reformas
de interesse individual e não coletivo, sem pretensões a transformações da ordem social
vigente262.
Os conflitos e soluções para a sociedade e sua estrutura seriam base para a análise do
desenvolvimento das artes plásticas, pois defendia que o artista estaria vinculado ao seu meio,
atuando e transformando-o. Desta forma, considerava que:
Querer considerar o artista, unicamente como um agregado de qualidades estáticas, é
ferir o problema pelo ângulo escolástico, cuja predileção é arrancar o indivíduo
metafisicamente do meio, para assim quebrar, ao menos abstratamente a maravilhosa
cadeia de processos que na sua auto-evolução só estabelece vínculos e conexões de
toda ordem. O verdadeiro artista, é uma unidade dinâmica e não estática, onde suas
qualidades essenciais (sensibilidade, imaginação, técnica) só podem existir como um
todo em conflito dialético com o meio que o gerou. Isto, absolutamente não quer dizer
que o artista deva executar estereotipadamente uma arte de nítido aspecto social,
embora em certos momentos, se estiver realmente integrado na realidade, ele a
executará com o vigor de seu gênio. Se a ciência, com seus métodos experimentais,
procura atingir diretamente o conteúdo, a própria realidade exterior, a arte, mais sutil,
procura refletir através da riqueza das formas (sons cores, linhas, volumes) as etapas
da conquista dessa realidade que o artista ajuda a transformar. Fugir da realidade, é
separar por um jogo de abstrações, o conteúdo da forma, é esquecer que a forma é
apenas a maneira mais variada, rica e multifacetada da manifestação do próprio
conteúdo263.
262
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949. P.
170-176.
263
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.171.
264
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.171.
130
A Semana de Arte de 1922, que foi considerada revolucionária para as artes por
muitos, na concepção de Cardoso, tal evento: “atuou sob a base falsa de uma liberdade
abstrata, e por isso mesmo até hoje não nos libertou”. Assim, considera que mesmo com
ideias que se diriam libertadoras, a ausência de interesse do artista na transformação social
levaria a consequências reacionárias. Para compreender o artista que adere ao abstracionismo,
disserta sobre as escolas pictóricas que considera predecessoras desse movimento, que seriam
o impressionismo, o fauvismo, o cubismo, o futurismo e o surrealismo. Entende que seriam
parte da pintura moderna e formadas por uma numerosa e intelectualizada pequena burguesia,
apresentando uma pintura de deformações, simplificações, alterações do real, com o mundo
mostrado através dos sonhos ou nos complexos freudianos dos surrealistas 266. Desta forma,
entende que:
Com o abstracionismo, a fuga é total; o artista foi arrancado metafisicamente do
mundo onde vive. É o idealismo pequeno-burguês, na sua mais extremada posição, o
subjetivismo total, que nega a realidade como causa primeira de tudo, para criar um
mundo ilusório interior, força mística dos que, não podendo controlar pelo
conhecimento esse mundo que lhes é hostil, querem criar um outro, mesmo abstrato,
mas livre dos conflitos que perturbam o seu comodismo. A pintura abstracionista, não
deve invocar pois o mundo visível, quer como meio, quer como fim. A forma, para
eles existe independentemente, é uma categoria metafísica, portanto estática, sem
relação ou conexão como o conteúdo. A forma vale em si e não deve ter qualquer
relação com o mundo exterior. Esta arte, puramente formal, começa a ser comparada
com a pintura de certos esquizofrênicos. Como os pintores abstracionistas, em geral,
gozam da mais perfeita normalidade psíquica, devemos procurar fora deles, os
motivos determinantes de tal semelhança. O denominador comum está no problema da
alienação. Ambos são alienados267.
considera humana. A intenção seria manter o conflito entre as pessoas, pois o entendimento
poderia ser perigoso e menos lucrativo. O estímulo seria a crueldade, a destruição, a
insensibilidade e “monstruosamente policiado”. Defendia que a luta pela democratização
passa pela luta contra essa “casta” dirigente. Desta forma, o artista deveria participar da vida
social da população através da luta pela dignidade do ser humano. Afirma que defende o
artista independente, e não a obrigatoriedade de estar ligado a uma corrente política
específica. Mas que, no entanto, queria que fosse consciente de si, e não “julgando-se livre
quando apenas goza da impunidade dos alienados, único privilégio que a sociedade dominante
lhe oferece”268.
A crítica ao que chama de “anarquismo modernista” é devida a concepção de que
teorias de subjetivismo cada vez mais hermético afasta o artista da realidade e o leva ao
desespero da solidão, pois outras pessoas não podem encontrar-se na sua arte. Di Cavalcanti
era filiado ao PCB desde 1928, mas nesse período suas contribuições são pontuais. Neste
artigo, o artista direciona as críticas aos aspectos morais e filosóficos, pois considera as
técnicas como “exteriorização do estado de espírito dos artistas dominados por uma
concepção estética, e essa estética decorre de uma concepção social”. Em relação às ideias de
liberdade e independência afirma que a liberdade de posição em relação às questões visuais
estaria condicionada ao grau de cultura, enquanto se oporia ao artista independente da razão
social da existência. O artista que envereda-se pelo abstracionismo e seu drama seria alguém
que desconheceria ou não compreenderia a totalidade do mundo, pois não o representa ao
reconhecimento de outros. Portanto, para uma arte que seja parte do desenvolvimento
histórico, o artista não poderia buscar uma concepção pura da arte, pois isso significaria
manter-se no individualismo 269.
No jornal Tribuna Popular também era recorrente tratar das artes e artistas plásticos.
No entanto, duas matérias específicas sobre Clóvis Graciano e Cândido Portinari,
respectivamente, condensariam os pressupostos do partido a respeito de como os artistas
poderiam coadunar suas trajetórias de vida pessoal e profissional com suas preocupações
político-sociais comunistas. Em 23 de setembro de 1945 foi feita uma homenagem ao artista
plástico Clóvis Graciano (fig.23). Era domingo e neste período circulava um suplemento
chamado “literatura e arte” no qual a matéria foi exibida. Além de ser um dia de maior
tiragem e estar em um suplemento especial, tomava uma página inteira e era
excepcionalmente assinada por Rui Facó e Rui Santos. Todos os elementos eram favoráveis a
268
CAVALCANTI, Emilio Di. Realismo e Abstracionismo. Fundamentos, nº3. Ago 1948. P. 241-246.
269
CAVALCANTI, Emilio Di. Realismo e Abstracionismo. Fundamentos, nº3. Ago 1948. P. 241.
132
uma grande visibilidade da homenagem ao artista. Clóvis Graciano era reconhecido por seus
trabalhos como pintor, desenhista, ilustrador de livros e cenógrafo. Como membro do PCB,
contribuía frequentemente com ilustrações e textos para publicações ligadas ao partido e tinha
sua participação e talento reconhecidos.
A página continha sete fotografias do artista trabalhando em suas obras, permeadas pela
matéria. Com a dificuldade técnica de reprodução das fotografias no jornal, as imagens ficam
escurecidas e nem sempre podem ser bem visualizadas. Na primeira fotografia, o artista, que
usava óculos, está junto de dois meninos sentados, possivelmente seus dois filhos, debruçados
sobre uma mesa com papéis espalhados. Ao centro uma imagem do rosto do artista e ao lado
direito uma imagem que não é possível ser identificada, bem como a que está logo abaixo. A
fotografia que está na parte de baixo, ao centro, mostra Graciano segurando um pincel com a
boca, parecendo estar em produção de suas obras. No canto inferior esquerdo Clóvis Graciano
está sentado diante de um quadro seu. A fotografia originalmente apresenta o contraste da
sombra do artista diante de sua obra (fig.29). O jogo de luz e contraluz marcou muitas das
fotografias de Rui Santos. No entanto, a comparação entre a fotografia original e da matéria
(fig.30), mostra como a reprodução no jornal fica prejudicada em certa medida, embora com o
conjunto seja possível reconhecer a proposta da homenagem.
Figura 29. Fotografia. Rui Santos. "Clóvis Graciano". Acervo Rui Santos do Arquivo Público do Estado do
Rio de Janeiro - APERJ.
133
Figura 30. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Clóvis Graciano, um artista do povo”. Tribuna Popular. 23 set
1945. P.9.
134
O texto em si não era extenso e esta homenagem ganhava bastante destaque nesta
edição de domingo com o título “Clóvis Graciano, um artista do povo”, mostrando qual o teor
da homenagem. No texto, o autor dizia as qualidades do pintor comumente destacadas pelos
“entendidos da pintura”, que seria então “profundamente humano e original”. No entanto,
enfatizava “sua identidade com o povo e com o seu tempo” e em seguida dizia que: “Sua
pintura é profundamente social, destina-se ao povo, a esse mesmo povo de onde veio esse
pintor (...)”. A matéria explicitava qual deveria ser a função dos artistas, e a importância em
destinar as obras ao “povo” e que fosse sobre o “povo” 270, afirmando que:
Clóvis Graciano, cuja arte vem do povo, inspira-se no povo e destina-se ao povo,
concorrerá dentro do Partido de Prestes, para elevar o nível cultural do nosso povo,
pois ele sabe que toda arte isolada do povo é uma arte em decadência, é o epitáfio de
uma classe que morre271.
270
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Clóvis Graciano, um artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 23 set 1945. P.9.
271
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Clóvis Graciano, um artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 23 set 1945. P.9.
135
esposa olhando para um livro aberto nas mãos do pintor. Na parte inferior da página, da
esquerda para a direita, o artista está descontraído, apoiado em um muro e com a outra mão na
cintura. Em seguida, com o olhar para baixo e na imagem seguinte aparece abraçado a dois
meninos, que parecem ser seus filhos. À exceção da foto em que o pintor está com uma de
suas obras, todas apresentam o olhar de baixo para cima, dando altivez ao pintor.
A disposição das fotografias era similar a da página de homenagem a Clóvis Graciano,
a diferença seria que esta foi um pouco maior e precisou continuar na página seguinte. No
entanto o caráter e a aparência eram muito próximos. O texto destaca que apensar de diversas
revistas de arte na Europa, Estados Unidos da América e América do Sul falarem de Candido
Portinari, e algumas editoras estrangeiras publicarem biografias dele, no Brasil uma
“insignificante minoria” conhece seu trabalho. No Brasil especialmente não faltariam
“conservadores, reacionários e fascistas” que criticassem as obras de Portinari, pois segundo o
autor: “ (...) a “diferença” de Portinari é a criação artística revolucionária em ascenso
irreprimível, a técnica superior a serviço duma concepção cujo supremo subjetivismo é a
lancinante e terrível realidade da nossa existência social” 272.
O texto prossegue tratando das obras do artista e da melancolia presente nelas, que por
não mostrar alegrias estariam apenas representando a realidade brasileira.
A seriedade da obra de Portinari, esse tom quase trágico da maioria de seus trabalhos,
é outra reminiscência do campo brasileiro, de uma terra devastada pelo abandono em
que vive tudo, a começar pelo homem, e principalmente o homem.(...) Não é atitude,
não é intencionalismo do pintor. É a realidade brasileira que o pintor reflete(...)273.
272
FACÓ, Rui; SANTOS, Rui. Candido Portinari, artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 11 nov 1945. P.9.
273
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Candido Portinari, artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 11 nov 1945. P.9.
274
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Candido Portinari, artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 11 nov 1945. P.9.
136
Figura 31. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Candido Portinari, artista do povo”. Tribuna Popular, 11 nov
1945. P.9.
137
Começava a carreira de Hilda, ao lado de outro pintor para dar passos largos
realizando um ideal comum. Hilda Eisenlohr e Quirino Campofiorito construíram
um lar solidário para a vida, lar de artistas voltados por uma arte que refletisse as
aspirações de ambos, lutadores pelas conquistas populares277.
275
Neste período as mulheres tiveram forte atuação no PCB, contando por exemplo com periódico O momento
feminino fundado em 1947 e figurando entre os candidatos do partido nas eleições de 1945 e 1947. A respeito da
militância de mulheres no PCB neste momento e mais especificamente na Bahia Cf. ALVES, Iracélli da Cruz. A
política do feminino: uma história das mulheres no Partido Comunista do Brasil – Seção Bahia (1942-1949).
Dissertação de Mestrado. PGH/UEFS. Feira de Santana, 2015.
276
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
277
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
278
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
138
Figura 32. Periódico. “Hilda Campofiorito, Uma Artista”. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
279
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
280
Esta exposição será analisada no Capítulo 5.
281
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
139
A entrada do artista Quirino Campofiorito no PCB foi comemorada com destaque para
o artista na capa da edição de 9 de janeiro de 1946 do Tribuna Popular. O número trazia a
matéria intitulada: “Mais um notável artista ingressa no partido do povo. O pintor Quirino
Campofiorito acaba de entrar no PCB e fala à Tribuna Popular”. Uma fotografia do pintor em
entrevista com o redator do jornal destacava a matéria na capa do jornal (fig.33). A entrevista
seguia tomando cerca de metade da quarta página da edição e enfatizava que o artista era
mesmo membro do PCB e seus objetivos em relação ao partido 282.
O texto era iniciado exaltando a entrada de Quirino Campofiorito nas fileiras do PCB, e
destaca que estará ao lado de Portinari e Clóvis Graciano, definindo-os como “artistas
plásticos que sempre voltaram sua arte para o povo e tão bem souberam fixar os problemas da
massa”. Logo em seguida, apresenta o artista nascido em Belém do Pará, que fora aluno e
figurava como professor da então Escola Nacional de Belas Artes. Ressalta-se a experiência
de estudos que teve na Itália, na França e na Alemanha 283. A primeira pergunta é relativa à
entrada no PCB, ao que Quirino respondeu:
Entrei para o Partido Comunista por um imperativo de minha própria consciência.
Naturalmente, foi necessário que se processasse em mim uma evolução que me
fizesse chegar a uma convicção sobre certas condições inatas de minha
personalidade, condições estas as quais eu não poderia continuar a negar, sem
prosseguir numa lamentável traição ao meu próprio instinto284.
282
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. Capa e p.6.
283
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. Capa e p.6.
284
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. Capa.
285
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
140
Figura 33. Periódico. “Mais um notável artista ingressa no partido do povo”. Tribuna Popular, 09 jan 1946.
Capa (detalhe).
Quirino Campofiorito justificou sua entrada para o PCB, ratificando sua concordância
com os ideais de progresso social. Enfatizava que sua consciência o levara a apoiar as
propostas defendidas pelo partido, em confluência com um movimento de luta contra o
racismo e o nazi-fascismo, que considerava “desajustamentos da sociedade”, hediondos e
desprezíveis286. Em relação às medidas para a popularidade das artes, defendia que:
Penso que se deveria estimular nos homens do governo o interesse pela criação, em
todos os centros apreciavelmente populosos, de liceus de artes e ofícios, onde o
povo pudesse, paralelamente ao aprendizado de uma profissão, ver cultivados seus
instintos de gosto e criação. Assim, todos os municípios com mais de quarenta mil
286
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
141
habitantes deveriam possuir o seu liceu, instalado em seu núcleo principal. Esse
liceu, convenientemente regulamentado, seria por um tempo sede de ensino
profissional gratuito e centro de irradiação cultural-artística, favorecendo ao seu
ambiente todas as possibilidades de contato com as cousas da arte. /Poder-se-ia
organizar bibliotecas, exposições e se providenciaria sobre a permanência nesses
liceus, de artistas que se destacassem, conseguindo-se assim que estes se
aproximassem do povo em todos os recantos do país, lhe auscultassem os
sentimentos e lhe dessem em troca os estímulos espirituais de uma inspiração franca,
natural e sem os desvios intelectuais que são fruto do retraimento das elites287.
287
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
288
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
289
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
142
defendidas pelo PCB. A posição de artista o levaria a refletir com mais propriedade sobre as
questões referentes às artes, mas sua inserção no Partido Comunista propiciava a aproximação
entre as artes e as questões políticas e sociais. Deste modo, o engajamento político declarado
por Quirino Campofiorito coadunava-se com o perfil de “artista plástico do povo” promovido
pelo partido em suas publicações.
A primeira entrevista do artista plástico Carlos Scliar 290 concedida ao Tribuna Popular
ocorreu no domingo, dia 28 de agosto de 1945 (fig.34). A matéria foi publicada na capa da
edição e recebeu grande destaque, sendo composta por uma foto do artista com os dizeres:
“Fala à Tribuna Popular, o pintor Carlos Scliar, ex-cabo da FEB. Um artista na guerra contra
o fascismo. Como expedicionário e como artista, está de acordo com o Partido Comunista” 291.
Em seu depoimento, contaria a experiência nas frentes brasileiras pelas cidades italianas,
ressaltando a importância da participação do Brasil na guerra. Em meio às destruições
causadas pelos conflitos, Scliar observou os locais por onde passou e relatou suas percepções
para questões correlatas à política e às artes. Em Milão, destacou a presença de muitos
cartazes pelas ruas:
Cartazes do movimento democrático que se espalha dentro do povo, o grande
movimento do povo italiano contra o fascismo. Os cartazes falavam na união entre
comunistas e os socialistas, a grande aspiração dos operários italianos. Vi cartazes
com os dizeres “União dos Trabalhadores” que mostravam a campanha pela fusão
dos dois grandes partidos do proletariado292.
290
A respeito da vida de Carlos Scliar desde a infância, passando pela experiência de guerra Cf. ARAUJO,
Emanuel. Carlos Scliar. Raízes, 1983.
291
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
292
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
143
Partido Comunista se daria também entre católicos, pois reconheceriam ser “um partido do
povo e luta realmente pela liberdade e pelo bem estar do povo” 293.
Figura 34. Periódico. “Pela Assembleia Constituinte e contra a rearticulação do integralismo”. Tribuna
Popular, 28 ago 1945. Capa.
293
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
144
A viagem entre os conflitos lhe rendeu contato com exposições de arte por onde passou.
A estadia na Itália entre os conflitos e as artes inspirou o artista a produzir diversos desenhos
que iria mostrar na exposição “Com a FEB na Itália”. Sobre o assunto declarava:
O contacto com a pintura primitiva desde o Camposanto de Pisa até a Pinacoteca do
Vaticano, e a guerra, foram de extraordinária influência para minha vida e para
minha obra. Hoje, que estou distante da Itália, sinto que foi fundamental essa
influência. (...) Os desenhos que vou expor são simples, uma maneira de contar as
coisas que me rodearam na Itália e na guerra. Os pintores primitivos que
influenciaram fundamentalmente na criação desses desenhos pela sua linguagem
espontânea e verdadeira que eles falam294.
294
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
295
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
296
EM BENEFÍCIO da casa do expedicionário. Tribuna Popular, 21 ago 1945. P.8.
145
Associação dos Ex-Combatentes297, mostrando seu envolvimento com a causa, o que conferiu
grande atenção da polícia política às suas atividades298.
Figura 35. Periódico. “Em benefício da Casa do Expedicionário”. Tribuna Popular. 21 ago 1945. P.8.
Durante o período em que esteve na guerra, Scliar produziu vários desenhos que
visava publicar em álbum ao fim do conflito, o que, no entanto, só se realizou em 1969. Logo
que retornou ao Brasil promoveu a exposição destes trabalhos no Rio de Janeiro, em São
Paulo e em Porto Alegre 299. O caráter destas obras é analisado pelo crítico de arte Roberto
Pontual de forma contundente:
Scliar não se preocupava – diferentemente do que vinha ocorrendo na sua pintura,
desenho e gravura de antes – em amealhar os fatos infindáveis da primeira camada do
drama, recolhendo gritos, sangues, mutilâncias, desesperos, ar de plenos combates,
bélicas posturas, defrontagens, resíduos áridos e apodrecentes do que foi ficando,
armamentos, ruínas, escombros ou despojos. Não se dispusera a aceitar o papel de
repórter de heroísmos monumentalizáveis, de captador pomposo de grandiloquências
visuais. Mas, ainda assim e certamente por isso, subsiste um heroísmo sutil e
detonante permeando cada um desses desenhos, como se Scliar transmudasse a pura
297
A Associação dos Ex-Combatentes procurava amparar os ex-pracinhas que encontravam-se desempregados,
doentes ou hospitalizados, muitas vezes sem identificação. Promovia eventos para angariar fundos para estas
ações e para estruturação da Casa do Expedicionário. AS ATIVIDADES da Associação do Ex-Combatente .
Tribuna Popular, 7 dez 1945.
298
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar, GB. Nº 12244. Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (APERJ). No prontuário há documentos que repetem esta informação datados de: 03-02-1947,
03-07-1947, 13-11-1950, 17-11-1950, 09-1950 e 13-10-1964.
299
PONTUAL, Roberto. Scliar: o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1970.p. 18.
146
A exposição foi intitulada “Com a FEB na Itália” e para a ocasião o artista escreveu
um texto no qual resume os momentos de execução e o caráter das obras que seriam exibidas.
Os desenhos desta exposição correspondem ao período em que estive com a FEB na
Itália. São trabalhos de horas diferentes. Das horas de folga da guerra de nervos,
quando a função da artilharia, onde eu atuava, era proteger as patrulhas e martelar
posições do inimigo, nesse período branco e gelado em que minhas primeiras
impressões da Itália tiveram mais tempo para fermentar e dar origem a uma serie de
preocupações de ordem técnica, todas finalizando no desejo de atingir o desenho mais
simples, mais caligráfico, tão natural que parecesse exprimir sem querer. Não fiz mais
do que desenhar o que me rodeava, nos vários lugares por onde passei e tive
oportunidade de trabalhar301.
300
PONTUAL, Roberto. Scliar: o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1970.p. 18.
301
SCLIAR, Carlos. Scliar falando – Texto para a exposição “Com a FEB na Itália”. In: PONTUAL, Roberto.
Scliar: o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1970.p. 133.
302
“COCK-TAIL” de homenagem à FEB no Instituto de Arquitetos. 02 set. 1945. Tribuna Popular. P.1.
303
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
147
curvados. A atividade mostra-se em ciclos, com as cinco personagens dedicadas ao ofício que
representava a realidade de muitas outras nesse período.
Figura 36. Gravura. Mario Zanini. “Família”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.167.
Figura 37. Gravura. Mario Zanini. “Lavadeiras”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.168.
304
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
305
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
148
306
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
149
PARTE II
PRÁXIS DOS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB
CAPÍTULO 4
OS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB
150
307
Durante um período de 1945 foi obrigatório construir abrigos antiaéreos em edifícios residenciais, devido às
tensões beligerantes internacionais, o que foi o caso do prédio onde Paulo Werneck morava com sua família.
Esta característica conferia privacidade, mas também discrição e segurança em vista a repressão da polícia
política à época. Cf. SALDANHA, Claudia. Paulo Werneck - muralista brasileiro. In: CATÁLOGO PAULO
Werneck muralista brasileiro. Paço Imperial, 2008. P. 5.
151
o comunismo, faziam exposições, enfim, seus nomes eram importantes para o Partido
Comunista do Brasil.
Em 31 de outubro de 1945 se realizaria o comício “O Povo Fluminense a Luiz Carlos
Prestes” no Estádio Caio Martins em Niterói, que tinha capacidade para trinta mil pessoas. A
organização do evento procurou mobilizar o público e o apoio de organizações culturais,
artísticas, comitês populares, sindicatos, entre outras. Foram formadas comissões específicas,
como a “Comissão Artística”, responsável pela ornamentação do estádio. O grupo era descrito
como “laureados artistas, que, certamente, darão um brilho excepcional à ornamentação do
grande comício”. Dentre os quais foram destacados Honório Peçanha, Raul Deveza, Quirino
Campofiorito e Silvia Chalreo 308. Os artistas reunidos na comissão contribuiriam em conjunto
para o partido, mostrando-se mobilizados para a realização do comício. Neste caso, os quatro
eram de Niterói, cidade em que o PCB fora fundado e que continuava a ser relevante para o
movimento comunista, reunindo muitos de seus membros destacados inclusive no âmbito
cultural. A aproximação entre os artistas niteroienses na composição da comissão
organizadora é importante para compreender alguns grupos que se formavam por afinidade
política, mas também pelas facilidades que a proximidade geográfica promovia para a
militância. Destarte, diversos artistas, entre outros membros, circulassem por outras cidades
próximas, como Rio de Janeiro e Niterói, ou mais distantes, estabelecendo redes que se
entrecruzavam.
Em outubro de 1945 começou a aparecer a denominação “artistas do povo”, e logo em
seguida “artistas plásticos do PCB”. No fim de novembro desse ano foi publicada uma nota na
terceira página do jornal intitulada “Com o candidato do Povo, os artistas plásticos do Brasil –
vibrante telegrama enviado ao eng. Yeddo Fiuza”309. Eram as vésperas da eleição de dois de
dezembro para a qual o PCB lançava o candidato à presidência da República. A nota era a
transcrição de um telegrama enviado a Fiuza, no qual declaravam:
Artistas plásticos do Brasil hipotecam seu inteiro apoio a candidatura de União
Nacional do engenheiro Yeddo Fiuza, pois sabemos que somente com a vitória do
candidato civil poderá a nossa Pátria marchar pelo caminho unitário da Democracia
e do Progresso. Nesse momento em que elementos desclassificados e amorais
procuram denegrir a sua honra, sentimo-nos satisfeitos de manifestar-lhe a nossa
solidariedade, pois a reação não poderia deixar de lançar mão dos meios mais torpes
310
para impedir a vitória do Candidato do Povo .
308
GRANDE COMÍCIO “O Povo Fluminense a Luiz Carlos Prestes”. Tribuna Popular. 18 out 1945. P.8.
309
COM O CANDIDATO do Povo, os artistas plásticos do Brasil. Tribuna Popular. 29 nov 1945. P.3.
310
COM O CANDIDATO do Povo, os artistas plásticos do Brasil. Tribuna Popular. 29 nov 1945. P.3.
152
A divulgação das assinaturas dos artistas em favor do candidato apoiado pelo PCB
mostrava a importância que tal ligação tinha para o partido e para as eleições. Divulgava-se a
formação de um grupo entrosado nas convicções políticas, embora o grupo não fosse
homogêneo, concordavam em alguns pontos relevantes para o partido. Neste sentido, a ideia
de uma categoria unida continuou a ser defendida. Em 15 de dezembro do mesmo ano foi
publicada uma notinha na segunda página que começava com as seguintes palavras: “Aos
artistas plásticos – convite à reunião da classe” e convocava para um encontro dos
profissionais ligados ao PCB312.
Começava o esforço para a organização do que já era considerada uma categoria
profissional. No dia seguinte, ganhou a capa da edição de domingo e ainda se estendeu para a
segunda página a noticia: “Criarão os artistas plásticos o seu sindicato de classe” (fig.38).
Todo esse destaque era acompanhado por uma foto, cuja legenda enfatizava os nomes de
artistas que participariam do esforço para organização do grupo. Eram artistas como: Candido
Portinari, Tomás Santa Rosa (1909-1956), Quirino Campofiorito, Percy Deane (1921-1993)
313
.
A matéria destacava a reunião ocorrida no dia anterior no Instituto dos Arquitetos, no
Rio de Janeiro. De acordo com texto, buscou-se a formação de uma entidade de classe que
lutasse pelos interesses dos artistas. Na ocasião, houve a reunião do recém-formado Comitê
Democrático dos Artistas Plásticos, na qual debateram a organização de um sindicato que
comportasse as diferentes atividades nas artes plásticas e do desenho profissional. Para tanto,
formou-se a “Comissão Provisória Pró-Sindicalização dos Artistas Plásticos”, composta por
Raul Deveza como presidente, Candido Portinari como vice-presidente, Tomaz Santa Rosa
como primeiro secretário, Quirino Campofiorito como segundo secretário, José Morais como
primeiro tesoureiro e Percy Deane como segundo tesoureiro. Formou-se também a Comissão
311
COM O CANDIDATO do Povo, os artistas plásticos do Brasil. Tribuna Popular. 29 nov 1945. P.3.
312
AOS ARTISTAS plásticos – convite à reunião da classe. Tribuna Popular. 15 dez 1945. P.2.
313
CRIARÃO os artistas plásticos o seu sindicato de classe. Tribuna Popular. 16 dez 1945. Capa e p.2.
153
Figura 38. Periódico. “Criarão os artistas plásticos o seu sindicato de classe”. Tribuna Popular, 16 dez 1945.
Capa (detalhe).
314
CRIARÃO os artistas plásticos o seu sindicato de classe. Tribuna Popular, 16 dez 1945. Capa e p.2.
154
315
ARTISTAS PLÁSTICOS pró-sindicato. Tribuna Popular, 19 dez 1945.
316
COMITÊ dos Artistas Plásticos. Tribuna Popular, 17 abr 1946.
317
ARTISTAS plásticos. Tribuna Popular, 22 nov 1946.
318
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
319
No jornal, seu nome é grafado Anna Levy. Hanna Levy Deinhard foi uma crítica de arte alemã, judia e
marxista que veio para o Brasil em 1937 e atuou no então SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) criado neste ano e atualmente Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). KERN,
Daniela Pinheiro Machado. Hanna Levy Deinhard e os azulejos de Portinari: um pouco conhecido episódio da
história da crítica de arte brasileira. Anais do Seminário de Pesquisa na ABCA: Teoria e crítica de arte no Brasil
– diálogos e situações. 2014.
155
“uma das mais convincentes revelações da novíssima geração de artistas brasileiros.” Scliar
era destacado, ainda, na fotografia da matéria, na qual aparecia de perfil lendo um livro. A
imagem dava visibilidade ao artista, mas também a chamada para o debate no jornal 320. Nesta
ocasião Scliar tratou da arte em relação ao povo, que seria sua origem e destinação,
argumentando que:
(...) sendo o povo o manancial, origem de toda manifestação artística por mais
requintada que seja, esta não pode escapar a sua intuição, isto é, a uma forma de
entendimento muito mais certeira e completa do que o juízo intelectualizado. Há,
pois, – acrescenta o jovem artista – um ponto: um plano em que se encontram, pelo
entendimento recíproco, o artista e o povo. Voltar as costas a essa compreensão, ou
não facilitá-la, é negar-se ao pagamento, de uma dívida, é cuspir no prato em que se
comeu. Por isso, acolho sempre com entusiasmo o confronto com o público
continuamente ansioso de educar o seu gosto estético e de atentar às misérias de sua
vida quotidiana com os benefícios da cultura e da civilização321.
320
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
321
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
322
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
323
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
156
Figura 39. Periódico. “Os artistas à disposição do povo”. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3 (detalhe).
157
Três dias depois, na edição de 29 de março de 1946, era divulgada matéria sobre esta
conferência que ocorrera. A chamada citava a frase proferida por Portinari na circunstância:
“Pintura que se desliga do povo não é arte”. Definia-se o evento como a reunião de muitos
dos “mais notáveis artistas modernos” e destacava a participação de Portinari e o fato de
integrar o Partido Comunista. Em seguida, era reproduzido o discurso do artista no jornal.
Portinari iniciou sua fala assumindo a dificuldade que teria um pintor para se expressar
através de palavras, pois considerava a melhor forma de expressão do artista sua arte. No
entanto, afirmou que essas questões desapareciam quando convidado por companheiros para
um debate de interesse do povo, referindo-se à conferência que se realizava. Portinari
mostrava-se estimulado pelo interesse do público em seus pensamentos sobre determinados
problemas e se posicionava veementemente em relação à produção artística 324.
Penso que a pintura que se desliga do povo não é arte – mas sim passatempo – é de
pequeno percurso. Mesmo feita com inteligência e bom gosto, ela nada dirá ao nosso
coração. Uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. Só
o coração nos poderá tornar melhores e é essa a grande função da arte. Não conheço
nenhuma grande arte que não seja intimamente ligada ao povo. As coisas
comoventes ferem de morte o artista cuja única salvação é retransmitir a mensagem
que recebe. Eu pergunto quais as coisas comoventes neste mundo de hoje. Não são
por acaso as guerras, as tragédias provocadas pelas injustiças, pela desigualdade e
pela fome? Haverá outras, com temas que nos aflijam mais do que estas, duvido.
Não creio que possam existir coisas que gritem mais alto ao nosso coração. Tais
acontecimentos causam sensações diferentes em cada um, porque nada existe
exatamente igual (...). Entretanto os acontecimentos maiores afetam forçosamente a
todos325.
324
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
325
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
326
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
327
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
158
Para Portinari, cada artista respondia a seus apelos internos através de um meio que
refletia também seu entorno. Deste modo, argumentava que uma parcela variável do natural
servia à realização dos trabalhos. Concluía, então, que a arte é representação e não limitação,
ou cópia. Em sua perspectiva, não seria possível separar o intelecto do meio em qualquer tipo
de arte328. Neste sentido, analisava a obra de Picasso:
Para realizar uma obra de arte é preciso sentir o tema, e não copiar mecanicamente.
Picasso, quando lhe perguntaram por que não foi aos campos de batalha para pintar,
respondeu que não era fotógrafo. O termo fotógrafo no caso foi empregado para
designar o sentido naturalista. Ele mais do que ninguém pôde pintar a guerra.
Permaneceu ali e viu tudo. Sentiu o sofrimento. Viu os homens, mulheres, velhos,
jovens e crianças morrendo de tudo. Esteve sempre presente, e com o seu gênio e
com a soma de tudo o que viu e sentiu, pôde realizar os novos “Horrores da Guerra”.
O novo na Arte, Ciência ou Política causa sempre incômodo aos espíritos
vulgares329.
328
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.6.
329
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.6.
330
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.6.
159
331
partidária por diferentes setores e áreas . A formação do Comitê dos Artistas Plásticos fez
parte dos esforços da categoria para reunir as demandas de seus pares e favorecer a atuação
em conjunto.
O Comitê dos Artistas Plásticos teve sede no Instituto dos Arquitetos, na Rua
Marechal Floriano no centro do Rio de Janeiro 332. Contou com a participação de diversos
artistas que tiveram a ligação relatada em seus prontuários ou outros dossiês na polícia
política. Dentre eles esteve Carlos Scliar 333, Alcides Rocha Miranda, Silvia Chalreo, Cândido
Portinari e Paulo Werneck 334. Em 27 de março de 1946, o comitê se mobilizou em defesa dos
pintores Raul e Chlau Deveza que haviam sido presos no dia anterior. Divulgaram no Tribuna
Popular um telegrama a Luiz Carlos Prestes no qual declaravam:
O Comitê Democrático dos Artistas Plásticos informa a V. Excia da prisão,
incomunicável, durante vinte e quatro horas, dos conhecidos artistas e pintores
Professor Raul Deveza e Chlau Deveza quando no exercício do livre direito de
opinião se manifestavam contra a Carta fascista de 37, expressando a estranheza e o
desagrado da grande classe. Pelo Comité – Candido Portinari, Alcides Rocha
Miranda, Silvia e Paulo Werneck335.
Deste modo, mostravam o esforço para união e apoio entre os membros da classe
artística. O comitê era mais um meio de integração entre os artistas e de facilitação para
mobilização. No dia oito de maio de 1946, jornalistas, técnicos, escritores e artistas enviaram
uma mensagem de solidariedade a Prestes. O conteúdo da carta mostrava a preocupação com
temas de grande relevância política, como os perigos à democracia e a perseguição aos
comunistas, constante mesmo durante a legalidade do PCB. A carta foi publicada na íntegra
no Tribuna Popular alguns dias depois, e pode-se destacar os seguintes trechos:
Sr. Senador Luiz Carlos Prestes, os setores culturais de nosso povo não podiam
deixar de trazer a sua livre manifestação de opinião, dentro do espírito da
democracia, em face da campanha que ainda se agita sobre a ameaça das guerras
imperialistas e a legalidade dos partidos políticos. Os abaixo assinados sentem-se no
dever de vos dirigir esta mensagem de aplauso patriótico pela vossa desassombrada
atitude, em defesa da nossa independência política e econômica, posta em jogo pelos
agentes internacionais e internos do imperialismo. Sob a pressão dessas forças, é
também a democracia que vemos em perigo, e com ela o futuro da cultura
nacional e da participação maior do povo nos bens da civilização. Desejamos por
isso participar da mobilização moral do povo brasileiro contra os pseudo-patriotas
331
PINHEIRO, Marcos César de Oliveira. O PCB e os Comitês Populares Democráticos na cidade do Rio de
Janeiro. 1945-1947. Dissertação. PPGHIS-UFRJ. 2007.
332
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Notação 3B. Folha 421. Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (APERJ).
333
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar, GB. nº 12244. 09-04-1946. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
334
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 26J. Folha 2305. Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (APERJ).
335
PROTESTO contra a prisão dos pintores Raul e Chlau Deveza: Candido Portinari e outros artistas dirigem-se
a Luiz Carlos Prestes. Tribuna Popular. 27 mar 1946. P.3.
160
336
MENSAGEM DE CIENTISTAS, escritores, artistas, técnicos e jornalistas a Carlos Prestes. Tribuna Popular.
12 maio 1946. P1 e 2. Grifo meu.
337
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Pasta 3B. Maço 3. Folhas 401 a 520. Dossiê 1.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
338
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Pasta 3B. Maço 3. Dossiê 1. P. 437 a 440. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
161
339
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Pasta 3B. Maço 3. Dossiê 1. P. 437 a 440. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).; OS CIENTISTAS, escritores, artistas, técnicos e jornalistas que
assinaram a mensagem a Prestes. Tribuna Popular. 14 maio 1946. P.2.
340
PROTESTAM OS ARTISTAS plásticos contra as violências de Imbassaí e Pereira Lira. Tribuna Popular. 21
jun 1946. P.8. Grifo meu dos artistas plásticos que compunham a lista.
341
PROTESTAM OS ARTISTAS plásticos contra as violências de Imbassaí e Pereira Lira. Tribuna Popular. 21
jun 1946. P.8.
162
Israel Azaimbrum, Osdack de Freitas, Trinas Fox, Agenor Abreu Costa, Sebastião
Zaque Pedro, Fernando Fam, Bustamante Sá, Silvio Pinto da Silva, Jose Pancetti,
José B. Ribeiro de Menezes, Luiz Castelo, Claudio Lopes Damasceno, L. Rego,
Francismo Manna, Álvaro Almeida, Murillo de Souza, Randolfo Barbosa, Antônio
Barreto, Eugenio Proença, Sigaud, Silvia de Leon Chalreo, Paulo Werneck e
342
Francisco Aquarone .
4.2. Oficial e celebrada: a entrega dos carnês de membros do PCB aos artistas
No dia 21 de abril 1946 ocorreu o ato público no Teatro Ginástico do Rio de Janeiro
para celebrar a entrada de artistas, escritores e intelectuais no PCB. Neste ato simbólico, Luiz
Carlos Prestes entregou pessoalmente carnês de membros a muitos artistas de renome
nacional e internacional presentes, ratificando o envolvimento que mantinham. Esse evento
foi noticiado em publicações do partido, mostrando o entusiasmo com a ligação estabelecida
com os artistas, escritores e intelectuais:
No dia 19 de abril, na sexta feira, uma matéria de mais destaque foi divulgada na capa
do Tribuna Popular com o título: “A entrega dos “carnets” aos intelectuais comunistas”
(fig.40). A escritora feminista Lia Correa Dutra (1908-1989), Oswaldo Alves e o dramaturgo,
cronista e jornalista Joraci Camargo (1898-1973) estavam entre os homenageados e suas
fotografias apareciam na lateral direita da matéria 344. A matéria se destacava na capa do
vespertino e o texto enfatizava a importância dos homenageados, da ligação com o PCB e
suas razões:
342
PROTESTAM OS ARTISTAS plásticos contra as violências de Imbassaí e Pereira Lira. Tribuna Popular. 21
jun 1946. P.8.
343
ADIADA a entrega dos “carnets” aos intelectuais do PCB. Tribuna Popular. 17 abr 1946. P.3.
344
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa.
163
Os maiores representantes das artes e das letras brasileiras formam hoje nas fileiras
do Partido Comunista do Brasil. Ao lado de operários e camponeses, encontram-se
grandes romancistas, poetas, musicólogos e pintores, como também grandes nomes
da ciência em geral. Essa identificação dos mais notáveis escritores e artistas com o
Partido de vanguarda da classe operária, não é por mero acaso. É que o Partido
Comunista, em razão dos seus próprios objetivos, é o único que defende os
interesses e a dignidade da inteligência e da cultura. É sabido o desinteresse e até o
desprezo com que os partidos políticos da classe dominante, em todo o mundo,
encaram as artes e a literatura. As verbas oficiais, concedidas pelos Governos
burgueses, as instituições literárias, artísticas e científicas, são raríssimas e sempre
insuficientes. Na União Soviética, pelo contrário, o Governo estimula, por todos os
meios, o desenvolvimento da cultura e a vocação artística e literária, proporcionando
a todos as maiores oportunidades. Isso explica porque os maiores intelectuais em
todos os países ingressam em seus respectivos Partidos Comunistas345.
345
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa.
346
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa e p2.
164
Figura 40. Periódico. “A entrega dos “carnets” aos intelectuais comunistas”. Tribuna Popular, 19 abr 1946.
Capa (detalhe).
165
Por fim, anunciava o local, o horário do evento e que falariam ao público o Secretário
Geral do PCB Luiz Carlos Prestes e o dirigente do partido Pedro Pomar. Contariam também
com representantes dos escritores e artistas 349. Uma lista com cinquenta e dois nomes foi
publicada ao final matéria, dos quais constavam:
Alcides da Rocha Miranda, Alina Paim, Álvaro Moreyra, Ana Stela Schic, Arnaldo
Estrela, Astrojildo Pereira, Aydano do Couto Ferraz, Brasil Gerson, Candido
Portinari, Carlos Scliar, Chlau Devezza, Clovis Graciano, Dalcidio Jurandir, Dias da
Costa, Dionélio Machado, Edison Carneiro, Egídio Squeff, Eneida de Moraes, Enio
Duarte, Floriano Gonçalves, Francisco Mignone, Francisco Aquarone, Graciliano
Ramos, Hildon Rocha, Honório Peçanha, Itália Fausta, James Amado, Jordão de
Oliveira, Jorge Amado, Jorge Medauar, José Guimarães, Jose Morais, Juracy
Camargo, Laura Austrejésilo, Leda Aquarone, Lia Correa Dutra, Mario Cabral,
Mario Schemberg, Melo Lima, Oduvaldo Viana, Oscar Niemeyer, Oswaldo Peralva,
Paulo Werneck, Pedro da Mota Lima, Quirino Campofiorito, Raul Devezza,
Raymundo de Souza Dantas, Rejane Oson, Ruy Facó, Silvia Leon Chalreo.
347
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. P.2
348
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. P.2.
349
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa e p2.
350
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
166
subjugada por grupos armados que, por agressão e guerras de rapinas, tentam impor
sua vontade aos povos.
Como era natural entre criaturas de alto nível intelectual, esses homens e mulheres
que se filiaram ao Partido Comunista aprenderam grandes lições na guerra da
independência e libertação travada contra as forças fascistas que expressavam o
desespero de uma classe que se liquida. Escritores, artistas, cientistas, viram então
que era impossível permanecerem atados aos interesses egoístas de uma minoria, a
menos que quisessem suicidar-se à causa dessa minoria. Compreenderam que a
ciência não pode ser um monopólio e que as artes devem servir aos interesses de
todo um povo, deixando de ser um simples deleite para se transformarem em
expressões vivas dos que lutam por uma vida mais humana351.
O destaque dado aos militantes do partido fazia jus à solenidade que preparavam e á
forma como era anunciada:
351
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
352
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
353
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
167
354
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
355
HOMENAGEM do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular. 21 abr 1946.
Capa e p.2.
356
HOMENAGEM do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular. 21 abr 1946.
P.2.
168
Marques, Oswaldo Alves, Otavio Dias Leite e Solano Trindade. A lista definitiva dos
homenageados contou com sessenta e um nomes 357.
Figura 41. Periódico. “Homenagem do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas”. Tribuna
Popular, 21 abr 1946. Capa (detalhe).
357
HOMENAGEM do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular. 21 abr 1946.
P.2.
169
Pouco mais de uma semana depois do evento, no dia 1º de maio, foi divulgada no
jornal A Classe Operária uma fotografia, cuja legenda assim descrevia: “o cliché fixa o
momento em que o pintor Cândido Portinari recebia das mãos de Prestes a caderneta de
membro do Partido Comunista do Brasil” (fig.42). O registro mostra os presentes sorridentes
e aplaudindo a entrega do carnê358.
Figura 42. Periódico. “Intelectuais militantes do Partido Comunista do Brasil”. A Classe Operária. 1º maio
1946. P.7.
358
INTELECTUAIS militantes do Partido Comunista do Brasil. A Classe Operária. Nº8. 01 maio 1946. P.7.
170
359
INTELECTUAIS militantes do Partido Comunista do Brasil. A Classe Operária. Nº8. 01 maio 1946. P.7.
360
O repetido uso dessa informação pôde ser visto em documentos das polícias políticas que foram reunidos
gradualmente na composição do prontuário de Carlos Scliar. São documentos provenientes de diferentes setores
datados de 13-11-1950, 22-09-1950, 17-11-1955 e 13-10-1964. Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro.
Prontuário Carlos Scliar, GB. nº 12244. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
361
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
171
CAPÍTULO 5
362
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
363
COISAS DA POLÍTICA. Jornal do Brasil. 18 maio 1945. P.6.
364
COISAS DA POLÍTICA. Jornal do Brasil. 18 maio 1945. P.6.
174
Esses grupos estavam ligados ao PCB de alguma forma, deste modo, membros do
partido se compunham as comissões formadas para facilitar o trabalho de organização. A
“Comissão de Coleta de Material” contava com treze membros e entre eles se destacavam
Mário Barata e a artista plástica Silvia Chalreo, militantes do PCB. A “Comissão de
Montagem”, responsável pela parte técnica, contava com quinze artistas e decoradores entre
os quais estavam Alcides Rocha Miranda e Oscar Niemeyer, também membros destacados do
Partido Comunista365. Em matéria no Tribuna Popular descreviam o ambiente da inauguração
da mostra:
Milhares de pessoas, em ondas sucessivas, percorreram aquele local, onde foram
expostas provas documentais das relações do Integralismo com o nazi-fascismo.
Pessoas de todas as camadas sociais, operários, comerciários, funcionários públicos,
estudantes, pintores, intelectuais, percorreram a galeria, demonstrando o grande
interesse despertado no seio do povo pelo desmascaramento do fascismo na nossa
366
pátria .
Pela galeria foram espalhados muitos cartazes com caráter antifascista, com dizeres
que buscavam caracterizar os inimigos por suas roupas, gestos, cerimoniais. Destacavam que,
apesar de derrotados na guerra, continuavam buscando se rearticular com “novos rótulos”. Na
ocasião foram distribuídos volantes e cartazes com fotografias de documentos antinazistas. A
exposição pretendia transmitir uma mensagem de luta constante pela democratização do país
e combate a rearticulações integralistas. Duas fotografias (fig.43) mostravam cenas da
inauguração: em uma havia duas bandeiras com as insígnias nazista e integralista observadas
365
COISAS DA POLÍTICA. Jornal do Brasil. 18 maio 1945. P.6.
366
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
367
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
368
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
175
Figura 43. Periódico. “Demonstração popular contra a rearticulação integralista”. Tribuna Popular. 09 jun
1945. P.8.
369
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
176
370
PELA ANISTIA dos presos políticos do Paraguai. Tribuna Popular. 06 jun 1946. P.3.
371
A LUTA do povo paraguaio. Conferencia de Pedro Motta Lima. Tribuna Popular. 19 abr 1946. P.3 e 5.
372
PELA ANISTIA dos presos políticos do Paraguai. Tribuna Popular. 06 jun 1946. P.3.
373
OS ARTISTAS PLÁSTICOS do Brasil ao povo espanhol. Tribuna Popular. 24 mar 1946. P.1.
374
PRESTES VISITOU, ontem, a exposição. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
375
OS ARTISTAS PLÁSTICOS do Brasil ao povo espanhol. Tribuna Popular. 24 mar 1946. P.1; PRESTES
VISITOU, ontem, a exposição. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
177
Figura 44. Periódico. “Os artistas plásticos do Brasil ao povo espanhol”. Tribuna Popular. 24 mar 1946.
178
Figura 45. Periódico. “Prestes visitou, ontem, a exposição”. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
376
EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA clandestina portuguesa. Tribuna Popular. 24 dez 1946. P.3.
179
377
PAULO, H. Exilados portugueses na América do Sul: republicanos e revolucionários (1926-1964). Actas de
la I Jornadas de Trabajo sobre Exilios Políticos del Cono Sur en el siglo XX. Septiembre de 2012. La Plata,
Argentina. En Memoria Académica. Disponível em:
http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/trab_eventos/ev.2556/ev.2556.pdf
378
EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA clandestina portuguesa. Tribuna Popular. 24 dez 1946. P.3.
379
EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA clandestina portuguesa. Tribuna Popular. 24 dez 1946. P.3.
180
Figura 46. Periódico. “Grande contribuição dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular”.
12 out 1946. P.8.
380
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
181
381
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
382
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
383
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
384
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
182
Apesar de não aparecer muito, devido à sua natureza, tem sido muito grande a
contribuição dos artistas para a Campanha Pró-Imprensa Popular. É que muitos de
nós pintam e desenham em festivais, passeios e solenidades, sendo o produto desse
trabalho encaminhado às comissões centrais através de entidades e organizações
diversas. Porém o nosso esforço tem sido bastante grande, nos mais variados setores,
quer em telas para leilões ou em cartazes para os mais diferentes fins. A realidade é
que os nossos artistas têm correspondido à expectativa, sendo de entusiasmar a sua
contribuição para a nossa campanha 388.
385
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
386
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
387
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
388
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
183
Após essa entrevista não houve mais menções a realização da exposição, que
provavelmente acabou não acontecendo. No entanto, o segundo evento anunciado: a
“excursão de artistas” a Copacabana ganhou o lugar de destaque.
Figura 47. Periódico. “A grande contribuição dos artistas plásticos para a Campanha Pró-Imprensa
Popular”. Tribuna Popular. 25 out 1946. P.8.
não apenas pelo número deles, estará bastante concorrida, para maior brilhantismo da mesma
como para a vitória da patriótica campanha que vai dar máquinas próprias aos jornais do
povo”389.
O evento foi caracterizado como uma “interessante excursão artística em benefício da
Imprensa Popular” e uma iniciativa sem precedentes no gênero. Logo em seguida, foi
publicada uma matéria relatando como fora o dia em Copacabana:
A nossa reportagem teve oportunidade de constatar a grande multidão e observar o
original método de venda de quadros que à metida que iam sendo concluídos eram
vendidos aos circunstantes, por uma turma de moças. À excursão teve início às 8
horas, tendo despertado enorme curiosidade e grande afluência de pessoas que
assistiam ao trabalho dos pintores que retratavam os motivos locais, enquanto que
um alto-falante anunciava aos presentes as finalidades da excursão. (...)
Foram adquiridos diversos quadros e muitas pessoas deram donativos em dinheiro
para a campanha que visa a consolidação financeira da Imprensa democrática390.
.
392
CARREIRO, Wagner Sant’Anna do Valle. Universidade do Povo: Projeto Educacional ou Político?
Monografia (Graduação em História). Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro-RJ, 2009.
393
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 26 mar 1946. P. 3.
186
394
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 26 mar 1946. P. 3 e 6.
395
AMADO, Jorge. Universidade do Povo. Hora do Amanhecer. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
396
UNIVERSIDADE do povo. Serão inaugurados, dentro de poucos dias, alguns de seus cursos. Tribuna
Popular. 14 abr 1946. P.3. E depois replicado no dia 16 de abril de 2016, na página 3.
397
UNIVERSIDADE do Povo. Instalação de cursos. Tribuna Popular. 22 maio 1946.
398
NOVOS CURSOS na Universidade do Povo. Tribuna Popular. 12 jun 1946. P.3. O endereço teve a grafia
corrigida para Rua Newton Prado, 88 na edição de 19 de junho de 1946 à página 2 do mesmo jornal.
399
UNIVERSIDADE do Povo. Cursos em funcionamento. Tribuna Popular. 28 jun 1946.
400
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 02 ago 1946. P.8.
401
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 14 ago 1946. P.3.
402
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 05 set 1946. P.3.
403
CURSO DE MOTORES de Aviação na Universidade do Povo. Tribuna Popular. 17 set 1946. P.3.
404
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 22 set 1946. P.3.
405
UNIVERSIDADE do Povo. Curso de sociologia. Tribuna Popular. 15 set 1946. P.3.
406
UNIVERSIDADE do Povo. Curso de prática bancária. Tribuna Popular. 25 out 1946.
187
organização dos espaços, disposição de professores e alunos inscritos 407. Muitos cursos teriam
aulas práticas, utilizando-se maquinário ou material específico 408. A abrangência dos
programas mostrava a contribuição e preocupação de diversos profissionais para a construção
dos cursos e formação dos alunos.
Em 1946 foi lançada a “Campanha de Alfabetização do Povo” que mobilizou diversos
setores e membros do PCB, inclusive artistas plásticos. A “Comissão de Alfabetização da
Universidade do Povo” promoveria cursos voltados principalmente para adultos e receberia o
apoio dos comitês populares de toda a cidade do Rio de Janeiro e adjacências como Niterói,
São Gonçalo e Volta Redonda. Destaca-se que o índice de analfabetismo era de 54,5% da
população na década de 1940409, evidenciando a relevância da campanha para alfabetização
neste momento. O professor Moisés Xavier de Araújo elaboraria a cartilha “Chave da
410
Leitura” e coordenaria a preparação dos monitores que as aplicariam aos alunos 411. A
cartilha contou com a colaboração dos artistas plásticos Hudson Machado e Carlos Scliar que
ilustrariam o material. A tiragem inicial seria de vinte mil exemplares 412, o que dava a
proporção do alcance da campanha e consequentemente da importância do trabalho realizado.
No campo das artes seriam oferecidos cursos de teatro 413, música414 e nas artes
plásticas. O envolvimento de artistas plásticos no ensino pôde ser observado com o
oferecimento de cursos por parte Darwin Silveira Pereira, que ministrou Pintura 415 e Carlos
Scliar, que lecionou Desenho já na década de 1950416. Assim que foi formada a Universidade
do Povo, em 1946, foi divulgado que Candido Portinari ministraria o curso de “Pintura de
liso, mural e de cavalete”417. Porém, não houve mais notícias sobre o andamento do curso ou
abertura de novas turmas. Em sindicância aberta pela polícia política para investigar a Escola
do Povo em 20 de junho de 1958, Cândido Portinari depôs a respeito da instituição buscando
407
INSTALADA a sede da Universidade do Povo. Tribuna Popular. 02 junho 1946.
408
CURSOS DE TÊMPERA e torno na Universidade de Povo. Tribuna Popular. 19 jun 1946. P.2.
409
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico – população e habitação.
Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940). Série Nacional. Volume II. Rio de Janeiro: Serviço
Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1950.
410
UNIVERSIDADE do Povo. Campanha de Alfabetização. Tribuna Popular. 29 mar 1947. P.6.
411
UNIVERSIDADE do Povo. Curso de Torno. Tribuna Popular. 11 jul 1946. P.5.
412
AJUDE a campanha de alfabetização do povo. 01 fev 1946. Tribuna Popular. RJ. P.5; CAMPANHA de
alfabetização. Tribuna Popular. 03 abr 1946. P.4; Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos
Scliar, GB. Nº 12244. 09-04-1946. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
413
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 08 jun 1946. P.5.
414
UNIVERSIDADE do povo. Tribuna Popular. 26 jul 1947. P.5.
415
CRESCE A ESCOLA do Povo. O Momento Feminino. Nº 30. 1948.
416
Essa informação consta em documentos de 13 de outubro de 1964 e de 1978, fazendo alusão a anotações de
1952 e pertencentes ao prontuário de Scliar. Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar,
GB. Nº 12244. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
417
UNIVERSIDADE do povo. Serão inaugurados, dentro de poucos dias, alguns de seus cursos. Tribuna
Popular. 14 abr 1946. P.3. E depois replicado no dia 16 de abril de 2016, na página 3.
188
Entre os dias 15 de agosto e cinco de setembro de 1950 foi realizada a exposição “Os
Pintores à Escola do Povo”, no salão do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Belas
Artes da então Universidade do Brasil, na Rua Araújo Porto Alegre, número 80, no Centro do
Rio de Janeiro. Durante a exposição ocorreram conferências no mesmo espaço. Quirino
418
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
419
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 14. Folha 278. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
420
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Comunismo. Notação 23. Dossiê 03. Maço 05. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
421
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 33. Dossiê 13. Arquivo Público do Estado do
Rio de Janeiro (APERJ).
422
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 14. Folhas 278 e 279. Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
189
Campofiorito falaria sobre “Questões de arte moderna” no dia 25 de agosto423 e Ivan Pedro
Martins falaria sobre “Pintura e Vida” no dia 08 de setembro 424. Tais palestras foram
divulgadas respectivamente no Correio da Manhã e em O Jornal.
A polícia política abriu uma sindicância para apurar o caráter do evento na qual foram
interrogados artistas participantes e organizadores425. O processo era pautado no seguinte
posicionamento:
artista se dedicava nesse período, com formação na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de
Janeiro, ganhou prêmios do Salão de Arte Moderna de 1956, 1959 e 1961. Atuou como
cenógrafo e chegou a ser professor da disciplina Escola Martins Pena de Teatro e trabalhou
como jurado dos desfiles de escolas de samba no Rio de Janeiro. Nas décadas de 1960 e 1970
se destacou como carnavalesco do Salgueiro por quatorze anos e por inovar ao trazer enredos
com temáticas baseadas na história brasileira não oficial, dando ênfase na cultura de origem
africana. Manteve paralelamente sua atividade acadêmica, lecionando na já Escola de Belas
Artes da UFRJ (antiga ENBA), da qual foi diretor430.
Sua contribuição para o Salão de 1950 da Escola do Povo ganhou destaque pelo apelo
político e social. A obra mostra ao fundo pessoas com faixas em protesto, enquanto em
primeiro plano outras estão correndo ou ao chão. O pintor alude a forte repressão policial a
um comício na Esplanada do Castelo no dia 22 de agosto de 1947, no qual foram agredidos
manifestantes e entre eles deputados e vereadores do PCB. A violência se tornava aberta
contra o partido, que já estava na ilegalidade desde sete de maio de 1947.
Figura 48. Periódico. Fernando Pamplona. “Massacre da Esplanada. 1º Prêmio”. Salão da Escola do Povo
em 1950. Reprodução de 15 jun 1952.
430
PAMPLONA, Fernando (verbete). Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em:
http://dicionariompb.com.br/fernando-pamplona/biografia , acessado em 26-04-2017.
191
431
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
432
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
433
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
434
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
192
Figura 49. Periódico. “Grande exposição de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista”. Tribuna
Popular, 16 out 1945. Capa (detalhe).
435
ARTISTAS PLÁSTICOS ao PCB. Tribuna Popular. 11 out 1945. Capa.
193
Sei de artistas que nunca participam de exposições coletivas e que desta vez vão
figurar com diversos trabalhos na ‘Artistas Plásticos do PCB’. Estou certo de que
este vai ser um grande acontecimento no mundo artístico, e, como apresentação, será
436
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
437
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
194
a melhor que já se fez no Brasil, pois está a cargo de um time de gente de primeira
ordem, onde figuram valores como Oscar Niemeyer, o nosso grande arquiteto.(...)
Está claro que eu não poderia deixar de contribuir com trabalhos meus para uma
438
exposição em benefício do Partido Comunista. Eis ali o que eu vou mandar .
Neste instante, o artista teria apontado para uma obra sua descrita pelo jornalista
como: “um belíssimo quadro em que foi fixada uma ‘roda’ infantil, as crianças brincando de
mãos enlaçadas”439. Embora não tenha sido publicada uma reprodução nos jornais, a obra em
questão era “A Roda” (fig.50) e foi adquirida na inauguração da exposição por Edgar
Guimarães de Almeida440. A tela mostra uma cena de dez crianças de mãos dadas brincando
de roda, e pode ser considerada parte de uma fase do artista em que se dedicou a temática de
brincadeiras infantis comuns.
Figura 50. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “A Roda”. 60x 73,5 cm. 1945. Coleção Particular.
438
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
439
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
440
Extraído da página do Projeto Portinari da PUC-Rio: www.portinari.org.br/#/acervo/obra/1898/detalhes
Acessado em 20-03-2017.
195
Esta é a primeira vez em que os artistas vão se reunir numa exposição coletiva, sem
brigas e sem discórdias, pois não haverá divisão entre modernos e clássicos, todos
com o mesmo objetivo e um ideal comum, que é o de contribuir para o Partido
Comunista do Brasil, servindo artisticamente ao povo. Todos têm aderido e dado
trabalhos com toda boa vontade. Aí estão Guttmann Bicho, Francisco Mamma,
Quirino Campofiorito, Gilda Gelmini, E. P. Sigaud e muitos mais443.
Desta forma, a exposição seria a união de artistas modernos e artistas mais ligados às
concepções artísticas acadêmicas em prol de um mesmo objetivo de contribuir para o PCB,
“servindo artisticamente ao povo”, como disse Devezza. A partir do depoimento do escultor
Honório Peçanha, que também era membro da organização da exposição, o jornalista
procurou demonstrar que assim como a união dos artistas foi possível, a União Nacional
também poderia ser444, pois:
441
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
442
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
443
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
444
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
196
possível no campo específico da arte, com mais razão o será no terreno político,
onde estão em jogo os sagrados interesses fundamentais do povo445.
O autor conclui a matéria reafirmando que esta exposição era um esforço de todos em
benefício das finanças do PCB, mas que também era uma manifestação cultural de interesse
de todo o Brasil, pois a quantidade e a qualidade das obras determinavam o sucesso desta
iniciativa446. De acordo com matéria do Tribuna Popular a exposição era inaugurada em 25
de outubro de 1945 e sua realização contaria com mais de cem obras, entre gravuras, quadros
e esculturas e atrairia o interesse dos meios artísticos da capital carioca. Destacou-se a
participação de:
Candido Portinari, José Morais, Ceschiatui, Pedrosa, Peçanha, Pancetti, Burle Marx,
Bonadei, Silvia Chalreo, Augusto Rodrigues, Alcides Rocha Miranda, Jordão de
Oliveira, Bruno Giorgii, Landucci, Jorge de Lima, Clovis Graciano, Campofiorito,
Carlos Scliar, Hilda Campofiorito, Biando, Rubem Cassa, Percy Deane, entre outras
grandes figuras das nossas artes plásticas447.
No dia seguinte à inauguração, foi publicada a matéria: “Uma exposição sem exemplo
na história artística do país” (fig.51). Três fotografias mostravam um pouco de como foi o
evento. Na fotografia à esquerda, estão os membros da Comissão Organizadora, que contava
com Oscar Niemeyer, Honório Peçanha, Alcides Rocha Miranda e Raul Deveza, Sampaio
Lacerda, Paulo Werneck, Jordão de Oliveira, José Morais, Salomão Scliar e Euzman
Cavalcanti. Na fotografia do meio, com uma visão de cima, estão alguns dos presentes
conversando em uma roda com Prestes no centro do salão, enquanto outros dialogam no
entorno. É possível ver parte das obras dispostas nas paredes 448, bem como alguns dizeres que
parecem ser a placa mencionada na matéria e que dizia: “Os artistas plásticos oferecem ao
Partido Comunista do Brasil a sua contribuição, afirmando, assim, sua solidariedade na luta
que o mesmo vem sustentando pela democratização do país e melhoria do povo brasileiro”.
Na fotografia à direita, Prestes observa uma das obras ao lado de cerca de oito artistas 449.
445
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
446
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
447
ARTISTAS PLÁSTICOS ao PCB. Inaugura-se hoje, uma grande exposição. Tribuna Popular. 25 out 1945.
P.1.
448
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
449
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
197
Figura 51. Periódico. “Uma exposição sem exemplo na história artística do país”. Tribuna Popular. 26 out
1945. P.1.
Como exemplo, foi citada a obra de Eugênio Sigaud, presente na exposição e descrita
como eloquente e de inspiração “no cruento trabalho de um operário da construção civil”. A
variedade de obras foi sublinhada pelo escultor Lélio Landucci, cuja obra com a qual
450
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
451
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
452
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1 e 2.
198
Por fim, relata que após a visita Prestes falou sobre assuntos artísticos e políticos, com
destaque a questões da atualidade e com a apreciação dos presentes que o cercaram para
ouvir. A importância dada à presença e ao prestígio de Luiz Carlos Prestes é reiterada com a
informação de que os pintores Quirino Campofiorito e Haroldo Barros apresentaram retratos
de Prestes, assim como o fotógrafo e cinegrafista Rui Santos contribuiu com uma fotografia
deste líder do PCB, obra descrita como expressiva e que teria dominado o salão da
exposição455.
No dia 11 de novembro o Tribuna Popular publicou mais uma matéria sobre o evento
artístico intitulada: “Artistas plásticos de todas as correntes homenageiam o Partido
Comunista” (fig.52). A fotografia mostrava a visita de Prestes, destacando a importância da
exposição “Os artistas plásticos ao Partido Comunista do Brasil”. Era destacada, ainda, a
grande frequência de visitantes e amigos do PCB na mostra, considerada inédita pela
453
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.2.
454
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P. 2.
455
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P. 2.
199
E ainda Paulo Werneck, teria frisado a importância da instituição que contribuíra com
a cessão do espaço para a exposição: “É preciso não esquecer a contribuição da Casa do
Estudante para o êxito desta exposição. Sua cooperação foi decisiva. É uma organização que
456
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
457
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
458
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
459
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
200
está sempre pronta para apoiar empreendimentos de caráter democrático, como o que ora
460
estamos realizando” . De fato, a Casa do Estudante cedia espaços de seu edifício para
diversos eventos promovidos pelo PCB.
A origem operária de alguns dos artistas, como Randolfo Barbosa, Heitor dos Prazeres
e José Pancetti foi sublinhada. Essa característica sobressaía também entre os visitantes, que
compunham uma “apreciável percentagem dos visitantes”. Afirmava-se ainda o sucesso do
evento ao dizer que a aquisição das obras estaria em um ritmo acima do comum, o que
reforçava a ideia de que esta exposição se destacou no meio artístico brasileiro à época. A
matéria mostrava a importância dos artistas plásticos para o partido, mostrando que eram
atuantes e estavam dispostos a contribuir com a exposição e com as causas encampadas pelo
PCB461. Deste modo, demonstrava-se a intenção de valorizar a presença de pessoas que foram
ou que ainda eram operárias, pois assim mostrava-se a estreita ligação do operariado com a
exposição, e com o PCB, que a promovia. A participação e presença destes artistas eram
valorizadas e o retorno da sociedade era positivo para a organização partidária. A exposição
“Os artistas plásticos ao Partido Comunista do Brasil” foi articulador, confirmando o grande
apoio recebido pelo partido por parte da classe artística.
460
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
461
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
201
Figura 52. Periódico. “Artistas plásticos de todas as correntes homenageiam o Partido Comunista”. 11 nov
1945 (detalhe).
202
Figura 53. Periódico. “Continua franqueada ao público na Casa do Estudante”. Tribuna Popular. 16 nov
1945. P.4.
462
CONTINUA FRANQUEADA ao público na Casa do Estudante. Tribuna Popular. 16 nov 1945. P.4.
203
Para o crítico, era uma estratégia atrair artistas para o envolvimento mais próximo com
o partido e seria bem sucedida. Ressaltava o quão interessante era para muitos artistas ser
identificado com os grandes nomes da arte nacional que compunham o PCB. De todo modo,
Ferraz não deixava de ironizar a imagem do partido colocando entre aspas a caracterização de
portador de uma ideologia avançada por seus simpatizantes ou membros. Afirmava que
463
O artigo foi republicado em uma coletânea de textos da revista Vanguarda Socialista, na qual se encontra o
manifesto de André Breton e Diego Rivera “Por uma arte revolucionária independente” de 1938, publicado pela
primeira vez no Brasil por esta revista. Há ainda o texto de Geraldo Ferraz intitulado “O PCB e a liberdade de
expressão” e artigos de Mário Pedrosa e Pagú em diálogo com a temática. Cf.FACIOLI, Valentim (org). Por
uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985.
P.168 e 169.
464
HOFFMANN, Ana Maria Pimenta. Crítica de Arte e Bienais: as contribuições de Geraldo Ferraz. Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Plásticas. Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo- USP. São Paulo, 2007. P.130-132.
465
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
466
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
204
apesar da realização artística, a promoção do evento seria falsa, pois: “a manha dos espertos
timbra em cobrir com a desculpa de que faz arte, quando o que realiza é adesão ao Partido,
pretendendo jogar poeira nos olhos dos artistas, do público e dos crentes” 467. Geraldo Ferraz
reconhecia a relevância do evento artístico pela atração de um grande e variado público, ao
passo que ironizava sutilmente Luiz Carlos Prestes:
A reunião das diferentes vertentes artísticas em um mesmo salão era valorizada como
raro momento de confraternização. Lembrava que o Salão Nacional da Escola de Belas Artes
fora dividido, criando-se um Salão de Arte Moderna. Ferraz reconhecia a importância da
superação das divergências artísticas e conciliação que o colaboracionismo promoveu 469.
A respeito das obras apresentadas na exposição, Geraldo Ferraz trouxe mais
informações sobre as contribuições dos artistas, mencionando algumas que analisou
brevemente. Quirino Campofiorito e Haroldo Barros contribuíram com perfis de Luiz Carlos
Prestes, os quais foram assim descritos:
467
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
468
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
469
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
470
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
205
A obra “A Roda" de Candido Portinari foi descrita como “difusa, esboçada, em que
ainda os reflexos do dinamismo plástico podem reclamar seus direitos, e na qual há uma
espécie de fogo de cobertura...”. Todavia, considerava o artista “a grande aquisição do
Partido”. Para Ferraz, se destacavam também as obras: “Cabra” de José Pancetti, “Paisagem”
de Aldo Bonadei, “Natureza Morta” de Roberto Burle Marx, e “Natureza Morta” de Oswald
de Andrade Filho, considerando parte de um conjunto de transição em confusão, pois não
eram compatíveis com a solução unitária a que se chegou 471. Geraldo Ferraz tratou das obras
de temática social expostas por artistas como Eugênio Sigaud:
Os quadros e desenhos de caráter “social” no entendimento da turma pululam por
aqui e por ali, desde a paisagem convencional das fábricas da “burguesia
progressista”, até os heróis da frente do trabalho, como na truculência de Sigaud, dos
estivadores, dos operários etc. Do conteúdo mesmo nada... se se quiser admitir como
certa a discutível teoria de Plakhânov472.
471
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
472
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
473
Cf. PLEKHANOV, George. A arte e a vida social. São Paulo, Brasiliense, 1969 [1912].
206
ponto importante dizia respeito ao envolvimento dos artistas com as causas político-sociais e a
busca pela disseminação da arte a públicos maiores que os habituais das galerias de arte, o que
esta exposição dá indícios de ter alcançado.
Em 16 de março de 1946, em artigo no jornal A Classe Operária, Jorge Amado
apresentava qual o entendimento do PCB em relação à atuação de escritores e artistas, bem
como o que estes deveriam saber sobre as atividades partidárias.
É evidente que a legalidade do Partido, com a consequente vinda para as suas
fileiras de uma apreciável quantidade de escritores, artistas e sábio – alguns de
grande projeção na vida cultural do país – cria uns quantos problemas sobre os quais
o debate – fraternal e democrático como é de hábito no Partido – só pode ser útil.
Útil porque dará ao criador de cultura o caminho melhor para um maior rendimento
a serviço da causa do proletariado e do povo, através da atuação na sua vanguarda
esclarecida, e porque dará ao Partido a melhor maneira de utilizar esses elementos
com tantas características particulares. (...) Não coloca o Partido nenhuma restrição à
liberdade de criação dos seus escritores e artistas. Ao contrário, no contato mais
direto com a massa, possibilitado pela vida partidária, armado com a formidável
arma do materialismo dialético, o escritor e o artista ampliam de muito os limites da
sua criação e ampliam também a sua liberdade criadora. A vida do Partido, tão rica
de condições para um aprofundamento dos conhecimentos da realidade brasileira,
tão repleta também de fatos essencialmente poéticos capacita o escritor e o artista
para uma rápida madurez técnica nascida do enriquecimento do conteúdo da sua
obra, arma-o para tirar de cada acontecimento, transformado em tema de criação
artística, o máximo de emoção. O conhecimento do marxismo e a compreensão da
linha do Partido, por outro lado, dão ao criador de cultura uma formidável
independência de movimentos na análise dos fatos e na sua interpretação artística.
(...)
474
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
475
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
207
476
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
477
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
478
FERREIRA, Muniz. Jorge Amado na imprensa comunista (1946-1955). In: SANTOS, Flávio Gonçalves;
RODRIGUES, Inara de Oliveira; BRICHTA, Laila (org.) Colóquio Internacional 100 anos de Jorge Amado:
História, Literatura e Cultura. Ilhéus: Editus, 2013. P.159-180.
208
CAPÍTULO 6
MILITANCIA COM ARTE
210
Figura 54. Desenho. Virgínia Artigas. "Retrato de Stalin". Fundamentos. Nº 11. Jan 1950. P.25.
479
O 70º ANIVERSÁRIO do generalíssimo Stalin. Fundamentos. Nº11. Jan 1950. P.23-24; GUILLÉN, Nicolas.
Uma Canción a Stalin. Fundamentos. Nº11. Jan 1950. P26; GUARNIERI, Camargo. Em louvor de Stalin.
Fundamentos. Nº11. Jan 1950. P.27.
212
Figura 55. Desenho. Cândido Portinari. "O Cavaleiro da Esperança". A Classe Operária. Nº157. 1º jan
1949. P.16.
480
FABRIS, Annateresa. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva/EdUSP, 1990. P.19.
213
481
MOREIRA, Álvaro. O Cavaleiro da Esperança. A Classe Operária. Nº157. 1º jan 1949. P.16.
482
TRAÇOS biográficos de Luiz Carlos Prestes e Discursos de Luiz Carlos Prestes. . Esfera. Jun 1945. P.9-12.
214
Figura 56. Desenho. Quirino Campofiorito. "O grande líder nacional Luiz Carlos Prestes". Esfera. Jun 1945.
P.9.
215
Clóvis Graciano (1907-1988) teve origem humilde em Araras, São Paulo, onde
trabalhou em uma oficina de carruagens como picador de carvão e se iniciou na pintura de
frisos e marcas comerciais em veículos. Ainda na juventude, foi pintor de placas e postes na
Estrada de Ferro Sorocabana. Apenas em 1934 se mudou para São Paulo aproximando-se de
intelectuais do ateliê de Waldemar da Costa (1904-1982) e da Escola Paulista de Belas Artes,
onde estudou desenho e pintura. O artista mostrou sua desenvoltura entre os artistas paulistas
ingressando em 1937 no Grupo Santa Helena e em seguida na Família Artística Paulista
(1937-1940), da qual foi presidente. A especificidade de Clóvis Graciano estava no destaque
da figura humana e na expressão de suas convicções políticas e sociais. O domínio de técnicas
de desenho, pintura a óleo e mosaicos, proporcionou a composição de murais, desenhos e
pinturas. As temáticas abrangiam acontecimentos históricos, mas também figuras de músicos
ou pessoas dançando, agregando instrumentos musicais e por vezes animais, que traziam
ritmo e movimento às obras. Embora tenha relevantes obras de cavalete em tamanhos
pequenos e médios, o artista se destaca entre os mais importantes muralistas brasileiros, com
obras notáveis483.
Graciano aderiu ao Partido Comunista do Brasil em 1945 e foi um dos diretores do
Hoje (1945-1948), diário do partido em São Paulo, junto a Jorge Amado, Milton Cayres de
Brito, Caio Prado Jr. e Nabor Cayres de Brito 484. Ilustrou Terras do Sem Fim de Jorge
Amado485 e Cancioneiro da Bahia de Dorival Caymmi486, obra incentivada e prefaciado por
Amado, de quem o artista era bem próximo. Participou de eventos do partido e teve algumas
de suas obras publicadas em periódicos ligados ao PCB. Uma de suas ilustrações foi capa de
Fundamentos em novembro de 1948 (fig.57). A obra mostra um homem negro carregando
três sacas de grãos apoiadas na cabeça. Os pés largos e descalços, os braços fortes que
sustentam o peso, mostram o trabalhador com roupas simples, com tecidos semelhantes ao
das sacas e que remetem às vestimentas dos escravos no Brasil. As formas curvilíneas ao
fundo, seguem o contorno do corpo do homem, como se ele saísse de dentro delas. A cor
negra do corpo se destaca entre os poucos elementos da obra. A edição trazia artigos variados
sobre literatura, artes plásticas, ciência, teatro, política e economia, temas habituais na revista,
não estabelecendo uma conexão precisa com a ilustração.
483
SACRAMENTO, Enock. Clóvis Graciano – Arte de Cavalete. Catálogo. São Paulo: Caixa Cultural, 2014.
P.4.
484
A respeito do periódico Hoje Cf. POMAR, Pedro Estevam da Rocha Pomar. Comunicação, cultura de
esquerda e contra-hegemonia: o jornal Hoje. (1945-1952). Tese de Doutorado. PPGCOM/ECA - Universidade
de São Paulo – USP, 2006.
485
AMADO, Jorge. Terras do Sem Fim. São Paulo: Círculo do Livro, 1942.
486
CAYMMI, Dorival. Cancioneiro da Bahia. São Paulo: Martins, 1947.
216
Figura 57. Gravura. Clóvis Graciano. “Trabalhador”. Fundamentos. Nº6. Nov 1948. Capa.
217
O desenho de Clóvis Graciano sugere inspiração na obra Café concluída em 1935 por
Portinari, a quem dedicava admiração e amizade. A relação entre os dois envolveu a
realização de alguns trabalhos em conjunto, como na produção em 1950 de Pescadores em
Paris, na qual Clóvis Graciano foi um dos auxiliares de Portinari, ao lado de Mário Gruber e
Luís Ventura487. Em Café (fig.58) dois homens, que estão localizados ao centro da obra,
carregam uma saca na cabeça e usam vestes parecidas ao representado por Graciano. Pode-se
destacar a semelhança na posição de uma das pernas mais a frente e das mãos e pés muito
grandes. O caráter expressionista que confere a desproporcionalidade é mais evidente em
Café, mas também ocorre na obra de Clóvis Graciano. A posição dos dois homens em questão
é também similar, porém os troncos estão levemente voltados para lados opostos, o de
Portinari para a esquerda e o de Graciano para a direita.
487
CATÁLOGO RAISONNÉ. Candido Portinari. Volume III. 1944 (2) – 1955(1). Rio de Janeiro: Ed. Projeto
Portinari, 2011. P.281.
218
influências e paixões. Em 1946, este trabalho seria reeditado, ampliado e publicado pelo A
Classe Operária no formato de história em quadrinhos e com texto de Jorge Amado 488.
Fábula foi apresentada em oito partes no jornal e era formada por vinte ilustrações
legendadas. A primeira ilustração (fig.59) mostra o sol em meio à escuridão e apresenta
poucos elementos. Na legenda relacionada perguntava-se porque há distinção entre as
pessoas, se o sol brilha e aquece a todos igualmente, se ao nascer do sol irrompe-se com as
trevas da noite para um novo dia iluminando sem diferenciação. Na segunda (fig.59) há
prédios e folhagens iluminados e na legenda questionava-se a razão para a restrição de bens
de mando, moradias e alimentos a poucos donos, enquanto tantas pessoas estão famintas, sem
onde morar adequadamente e humilhadas.
Figura 59. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.2.
A terceira ilustração (fig. 59) apresenta uma figura masculina com asas sobre prédios e
suas feições remetem a maldade e que representariam o “anjo mal do fascismo”, o que é
explicado pela legenda:
É que sobre as casas como árvores de cimento, sobre as fábricas como cemitérios ou
campos de concentração, sobre os frutos que amadurecem guardados por baionetas
sobre as rosas e o pão, a farinha e a arte, a música e os legumes, sobre os trens de
ferro e os aviões, estava o anjo mau do fascismo, nascido do egoísmo da maldade,
da avidez de uns poucos homens para a desgraça da maioria que sofre. Era ele quem
possuía pelo direito da força aquilo que, como o sol, como a luz e seu calor, devia
ser bem comum a todos os homens489.
488
SCLIAR, Carlos. Scliar falando – Depoimento sobre a década de 1940. In: PONTUAL, Roberto. Scliar: o real
em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1970. P.143 e 146.
489
SCLIAR, Carlos; AMADO, Jorge. Fábula: Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. A Classe
Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.2-11.
219
Figura 60. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.3.
A quinta imagem (fig.60) mostra três crianças amuadas, sentadas no chão com as
cabeças apoiadas em seus joelhos, de olhos fechados e aparência triste. Uma delas tem um pé
descalço em primeiro plano e ao centro, denotando a humildade destes meninos. Ao fundo
uma construção como uma coluna em formato arredondado. Na legenda defende-se que as
crianças deveriam admirar as belezas do mundo, mas o que ocorreria a muitas seria o contato
direto com o sofrimento, a falta de condições básicas para o desenvolvimento pleno de seus
corpos. Atenta-se para o abandono de muitas crianças que vivem nas ruas, sob os arcos de
pontes, enquanto seus pais foram tomados pelo trabalho ou por doenças. Estas crianças não
teriam acesso ao estudo, a alimentação suficiente e estariam expostas ao frio e aos perigos das
ruas. O “anjo do fascismo” rondaria sobre estes abandonados, ao passo que os que lutavam
contra essas condições eram presos.
220
A sexta ilustração (fig.61) mostra uma pessoa encolhida e deitada no chão, que remete
a uma rua com paralelepípedos. A legenda trata da morte de crianças por desnutrição, muitas
ainda antes de completar um ano de vida, devido à alimentação precária das mães que acabam
perdendo o leite. Muitos dos pequenos corpos seriam deixados nas ruas para a fiscalização
noturna os levar, e destaca que isso satisfaria o “anjo fascista” que se fortaleceria com os
milhares de cadáveres. Por fim, ressalta que logo viria a “aurora socialista”.
A sétima ilustração (fig.61) mostra uma mulher nua sentada, com olhar distante, triste,
e de pé um homem nu olhando pela janela. A legenda aborda a questão da prostituição como
consequência do capitalismo. O sistema capitalista transformara o valoroso amor em
mercadoria, leiloando os corpos das moças pobres. E diz que: “as meninas, cujos corações
apenas despertam para o amor, são vendidas para o açougue dos prazeres viciosos. O anjo do
fascismo degradou o amor e a visão das meninas prostituídas enche de alegria seu coração de
lama”. Deste modo, o capitalismo se satisfaria com a mercantilização dos corpos, a
prostituição serviria para alimentar esse sistema, enquanto destruía a vida das meninas.
Figura 61. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.4.
festas com fartura e luxo para seus convidados. Centenas de milhares de pessoas morreriam
nas ruas, ao passo que outros poucos gozariam a vida.
A décima ilustração (fig.62) traz uma criança deitada no chão, enquanto uma mulher
triste está ajoelhada ao seu lado. A cena se passa no chão da rua. A legenda descreve as mães
que perdem seus filhos ainda pequenos e que em meio a todos os sofrimentos pelos quais
passam, já não teriam mais lágrimas para chorar. São tomadas pelo desespero de quem viu
morrer seus filhos e também suas esperanças.
Figura 62. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.5.
Figura 63. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.8.
A décima segunda ilustração (fig.63) mostra cinco galhos ou troncos secos, enquanto a
legenda trata do alastramento da fome e das desgraças pelo mundo dominado pelo “império
222
do anjo do fascismo”. Ressalta as árvores que secaram e as terras que ficaram desertas, ao
passo que as pessoas perdiam as esperanças.
Na décima terceira (fig. 63), vê-se uma mulher desfalecida no chão em frente a uma
construção que parece em ruínas. Há apenas algumas paredes e uma janela. Legenda enfatiza
a eclosão de guerras promovidas pelo “anjo do fascismo” com o propósito de melhor
escravizar os homens e retirar-lhes os últimos direitos que possuíam, pois não se satisfaria
com a exploração das pessoas e dos bens da terra. Ao fim, sinaliza que houve reação.
Na décima quarta ilustração (fig. 64) há um homem velho, magro, com a barba grande,
os olhos amendoados, a testa franzida, sério, parecendo pensativo e tenso. Por cima de sua
cabeça há a ponta de um galho com cinco folhas. A legenda coaduna-se com a imagem ao
enfatizar a superação do fascismo: “... e de entre as ruínas e os cadáveres eles enxergaram,
pelos olhos dos velhos experientes e dos jovens cheios de esperança, as folhas das árvores
novamente nascendo sobre a derrota do fascismo”. Deste modo, dá significado à
representação visual de Scliar, relacionando a homem a sua experiência e o galho com folhas
em sua extremidade referindo-se ao renascer das árvores, que na décima segunda ilustração
são mostradas secas.
Figura 64. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.9.
A décima quinta (fig.64) mostra em primeiro plano um homem sentado à mesa com os
braços cruzados e um prato vazio a sua frente. Os olhos são amendoados e grandes, a
expressão séria mostra reflexão. Ao fundo, à esquerda há uma mulher de pé com um bebê no
colo e à direita um menino em frente à janela. A legenda descreve o momento como sendo da
reunião familiar para o jantar. Identifica o homem como um operário que aprendera a lição da
guerra e então questionava: “Como fazer país que não haja fome nem miséria? Somos a
imensa maioria, porque então estarmos escravizados?” Representava, assim, os trabalhadores
enquanto classe social, explorados por uma minoria detentora dos bens e meios de produção.
223
A décima sexta ilustração (fig.65) traz um homem e uma mulher de frente para um
muro lendo cartazes com informes. Estes cartazes apresentavam o símbolo do comunismo, a
foice e o martelo cruzados; o da esquerda trazia escrito “Partido Comunista do Brasil” e o da
direita um recado aos operários repetido na legenda: “Operários, organizai-vos. Nos vossos
sindicatos, nos vossos comitês, no vosso partido político. O povo organizado tudo pode. O
povo desorganizado é facilmente enganado e escravizado”. O homem que se indignava no
quadro anterior, agora encontrava o cartaz com a chamada. Ressaltava-se que era cartaz do
PCB, enfatizando o papel do partido na convocação dos operários a se organizarem em luta
por seus direitos.
Na décima sétima ilustração (fig.65) há três homens de pé, concentrados, dividindo a
leitura de um jornal. A legenda dá sequência as anteriores, dizendo que “E nos jornais, na
leitura dos discursos de Prestes, nas conferências, nos sindicatos, nas sabatinas, ele aprendeu”,
referindo-se ao operário.
Figura 65. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.10.
A décima oitava ilustração (fig.65) traz um homem com a boca aberta parecendo
discursar, com um dos braços com o punho fechado e levantado. Ele está à frente de um
grupo, aparecem dez pessoas, mas parece haver mais, pois alguns estão cortados dando a
impressão de ser uma parte de um aglomerado maior. O personagem central parece estar em
cima de algo, como um banco ou caixote, que o deixa mais alto que os outros e propiciando
ser melhor visto e ter maior alcance de voz. Ao fundo um muro, cercando os olhos atentos ao
discurso proferido. A legenda dá continuidade à trajetória do operário dos outros quadros,
contando que percorreu comícios e reconhecia nas palavras dos “líderes do povo” seus
pensamentos. Deste modo, “compreendeu a força que vinha da multidão em torno, reunida”.
A décima nona (fig.66) mostra uma multidão reunida carregando faixas com os
dizeres: “direitos”, “comitês democráticos” e “operários”. Estavam voltados para um
224
palanque ao fundo da ilustração no qual uma pessoa se destacava entre tantos outros,
parecendo ser um orador. A legenda segue o caminho do operário que teria se unido “à
imensa multidão dos que nada têm, mas que lutam por um mundo melhor e mais belo.
Multidão que levou e leva o anjo do fascismo de derrota em derrota...”.
Figura 66. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.11.
Por fim, a vigésima ilustração (fig.66) traz em primeiro plano, homens sérios, com
expressão firme e sobrancelhas cerradas. Os rostos são semelhantes, tem formato triangular,
afinando em direção aos queixos, têm olhos e narizes grandes, testas retas e cabelos curtos.
Ao fundo, a mesma construção da quarta ilustração (4): uma grande fábrica protegida por um
muro alto. Na quarta ilustração, há apenas um homem à frente do muro, infeliz. Nesta agora
os homens estão reunidos lado a lado. A legenda procura descrever o novo momento:
...até que surja o dia em que os bens do mundo sejam de todos como o sol, quando já
nenhum anjo mau esteja sobre os homens alimentando-se da sua desgraça. O povo
unido vencerá as últimas batalhas contra o monstro como já lhe quebrou os dentes
na guerra. E então chegará a aurora e as fábricas serão jardins em vez de cemitérios
e os frutos serão de todos e as crianças terão comida e a alegria... E o amor já não se
venderá em balcões e as mães terão leite para alimentar seus filhos. E a felicidade
reinará sobre a terra490.
Entre tantas outras contribuições de Carlos Scliar ao PCB, “Fábula” recebeu destaque
nas investigações da polícia política sobre o artista, constando em seu prontuário como
comprovação da ligação com A Classe Operária491. Através desta publicação o trabalho
artístico de Scliar alcançava diferentes meios e servia para difusão das ideias, iniciativas e
publicações comunistas. Mostrava também as relações estreitas entre o artista e o escritor
Jorge Amado, com quem mantinha amizade. A afinidade entre muitos dos artistas, escritores e
490
SCLIAR, Carlos; AMADO, Jorge. Fábula: Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. A Classe
Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.2-11.
491
A informação é encontrada em documentos de 3 de fevereiro de 1947, 3 de julho de 1947, 22 de setembro de
1950, 13 de novembro de 1950,17 de novembro de 1950, 21 de dezembro de 1955, 13 de outubro de 1964, que
compõem o prontuário do artista. Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar, GB. Nº
12244. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
225
492
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio
Nobel, 2003. P. 141-142.
493
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio
Nobel, 2003. P. 151.
494
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio
Nobel, 2003. P. 183,185.
495
MOTTER, Talitha Bueno. Gravura, figuração e política: a obra de Carlos Scliar junto ao Clube de Gravura
de Porto Alegre (1950-1956). Monografia (Graduação), Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS. Porto Alegre, 2013. p.41.
226
direção de Lila Ripoll Guedes (1905-1967) e estreitou a relação estabelecida com o PCB,
assumindo a missão de divulgar as ideias do realismo socialista496.
O Clube de Gravura de Porto Alegre foi fundado em 1950 por Carlos Scliar e Vasco
Prado, com o objetivo de auxiliar financeiramente a nova fase da revista, que pretendiam
direcionar para a intelectualidade de esquerda. Eles contavam com um grupo de artistas
composto por Carlos Alberto Petrucci, Carlos Mancuso, Danúbio Gonçalves, Edgar Koetz,
Fortunato de Oliveira, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti, Plínio Bernhardt entre outros. O
Clube foi uma agremiação dedicada à gravura figurativa e apoiada pelo PCB, em seguida
surgiriam outras baseadas em seus moldes 497.
496
A primeira fase da revista é referente aos seus três primeiros números no ano de 1949 sob direção de Cyro
Martins (1908-1995). DUPRAT, Andreia Carolina Duarte. Revista Horizonte (1949-1956). Imagem impressa e
questões políticas. Monografia (Graduação), Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
UFRGS. Porto Alegre, 2013. P.15.
497
MOTTER, Talitha Bueno. Gravura, figuração e política: a obra de Carlos Scliar junto ao Clube de Gravura
de Porto Alegre (1950-1956). Monografia (Graduação), Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS. Porto Alegre, 2013. p.41.
498
Desenhos em vários dos jornais do PCB, como o Tribuna Popular, seu sucessor Imprensa Popular e A Classe
Operária, eram realizadas através do processo gráfico denominado clicheria. Esta técnica é similar à xilogravura
e tem como característica a impressão da rudeza da mão do artista nas gravuras. O processo de clicheria era o de
menor custo na época, e, a partir de tal método, os linotipistas – gráficos que organizavam os linotipos das
páginas do jornal – reuniam os textos dispondo-os no formato da página, assim como as ilustrações e fotografias;
a partir de então “imprimiam” à quente um clichê, espécie de carimbo em alto relevo em chapas de metal usando
prensas tipográficas, para cada página do jornal e que serviria de base para a reprodução destas. (Cf. MARTINS,
Ana Luiza; De LUCA, Tânia Regina. Imprensa e cidade. São Paulo: UNESP, 2006.
499
PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Texto Mário Barata, Lourival Gomes
Machado, Carlos Cavalcanti et al. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
500
DEANE, Percy, Depoimento ID 10466. 1983. Projeto Portinari. PUC-Rio.
501
A partir de 1938, Percy Deane foi ilustrador nos periódicos O Jornal, Dom Casmurro, Sombra, Diretrizes,
Cigarra e Rio Magazine, entre 1941 e 1951 ilustrou romances também em O Cruzeiro. Trabalhou também como
pintor, desenhista e arquiteto. Produziu murais, inclusive, para o Iate Clube da Pampulha de Oscar Niemeyer.
227
diversas ilustrações para A Classe Operária. Embora outros artistas tenham contribuído
eventualmente e muitas das ilustrações não tenham sido assinadas impossibilitando a
identificação dos artistas, o trabalho de Percy Deane predominou na publicação.
Em março de 1946 saía o primeiro número da nova fase do semanário na legalidade, o
que não ocorria desde 1929. Nesta edição de retomada foram publicadas algumas matérias
sobre A Classe Operária. Uma delas era intitulada “História d’A Classe Operária” escrita por
Rui Facó ocupava quase metade da primeira página e toda a segunda (fig. 67, fig. 68, fig. 69).
Contava detalhadamente a trajetória do periódico desde 1925502 e continuaria nos dois
números seguintes também ocupando grande espaço. Uma versão em quadrinhos com o
mesmo título contou com desenhos de Percy Deane e foi publicada dividida ao longo das três
primeiras edições do jornal. As ilustrações e as legendas procurava contar de forma mais
breve e didática com um total de dez quadrinhos.
O primeiro (fig.67) mostra quatro homens em círculo, conversando. Dois aparecem de
costas e os outros dois de frente, com roupas sociais. A legenda conta que o jornal nasceu de
uma reunião em 1925: “1- A “Classe Operária” foi projetada numa Conferência dos delegados
de célula e de núcleos do Rio e Niterói, realizada em conjunto com a Comissão Central
Executiva, em 22 de fevereiro de 1925”. O segundo (fig.67) já apresenta um homem de terno
e camisa de botões erguendo e lendo o jornal com as primeiras letras de A Classe Operária. A
legenda trata do primeiro número do jornal e seus responsáveis: “2- A 1º de maio de 1925 sai
o primeiro número d’A Classe Operária, com uma história do Hino dos Trabalhadores – A
INTERNACIONAL – letra e música. Diretores – Astrogildo Pereira e Otávio Brandão”503.
Figura 67. Quadrinhos. Percy Deanne. “História d'A Classe Operária”. A Classe Operária. Nº1.09 mar 1946.
P.9.
Cf. DEANE, Percy (verbete). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú
Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8861/percy-deane , acessado em 31-
03-2017.
502
A CLASSE OPERÁRIA. Nº1. 09 mar 1946.
503
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº1. 09 mar 1946. P.9.
228
504
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº1. 09 mar 1946. P.9.
505
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº1. 09 mar 1946. P.9.
506
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946. P.11.
507
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946. P.11.
229
Figura 68. Quadrinhos. Percy Deane." História d'A Classe Operária". A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946.
P.11.
A sétima ilustração (fig.68) mostra um homem negro ao lado de uma caixa na qual
estava escrito para ter cuidado com o fogo. O jovem está em um ambiente com outras tantas
caixas. A legenda trata da nova fase na clandestinidade, dos perigos e cuidados dos militantes
para que A Classe Operária se mantivesse em circulação:
7- A distribuição da A CLASSE era uma das mais perigosas tarefas dos militantes
comunistas. A CLASSE era encaixotada juntamente com outros caixotes de maças,
laranjas, bananas, etc., e enviada para um camarada no Mercado Municipal de onde
saía para diversos pontos do país. Os caixotes destinados aos Estados eram
embarcados a cargo de companheiros da Marinha Mercante. Havia sobre eles
inscrições assim: “Cuidado. Não aproxime do fogo”. Essas inscrições eram
senhas508.
A terceira parte da história apresentava três quadrinhos (figura 69). A oitava ilustração
mostrava novamente Prestes, mas no então momento, já sem barba, cabelos alinhados e
usando ternoe gravata. A legenda cita a entrada de Prestes no PCB em 1934 e o amplo
destaque com que foi noticiada em A Classe Operária na ocasião. Relata também a atuação
política do jornal no ano seguinte: “Em 35 “A CLASSE” lidera a campanha em favor da ANL.
509
É também o jornal que encabeça a luta contra o Integralismo” . O jornal se posicionava
diante dos acontecimentos e movimentos de vulto nos âmbitos político e social.
508
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946. P.11.
509
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº3. 23 mar 1946. P.11.
230
Figura 69. Quadrinhos. Percy Deane. História d'"A Classe Operária". A Classe Operária. Nº3. 23 mar 1946.
P.11.
A nona ilustração (fig.69) mostra uma casa isolada de vizinhança, com muitas árvores
em seu entorno e uma montanha sem casas ao fundo. A legenda explica a relação que a
imagem teria com o jornal:
9- Em certa época a “A CLASSE” era impressa numa chácara em Jacarepaguá,
dentro do mato. Seus encarregados passavam por homens do campo. Por várias
vezes as oficinas ilegais de “A CLASSE” foram assaltadas pela polícia, sendo
presos seus responsáveis. Um deles morreu numa das devassas policiais510.
(fig.70). O primeiro mostra um homem negro, sem camisa e o sol ao fundo, remetendo a um
ambiente rural. A legenda correspondente retornava ao fim da escravidão e a forma como se
deu como um dos fatores do problema da terra no Brasil: “1- A libertação dos escravos
negros, em 1988, em nada de fundamental modificou a continuação da miséria do trabalhador
do campo. A grande massa camponesa continuou explorada pelo latifundiário”512.
A segunda ilustração (fig.70) apresenta um homem de perfil e com o braço esquerdo
erguido. Ele é branco, de barba e veste roupas largas. A legenda trata da proclamação da
República, afirmando que: “2- A proclamação da República, em 1889, manteve a situação,
pois se Pedro II era um imperador dos escravocratas, os Presidentes continuaram a apoiar-se
no poder dos senhores feudais” 513. O ponto de vista aqui ressaltado compara os latifundiários
brasileiros aos senhores feudais 514. E, assim como a abolição da escravatura, o fim do Império
também não contribui para a melhoria da vida no campo.
A terceira ilustração (fig.70) apresenta um homem curvado, com um tipo de faca na
mão cortando cana de açúcar. A legenda enfatiza as más condições de vida dos trabalhadores
rurais: “3- Mais de meio século depois de abolida a escravidão, o camponês ainda é espoliado
em todos os seus direitos e vive a vida do servo medieval, sem terra própria, na miséria a mais
completa”515.
A quarta ilustração (fig.70) mostra um homem deitada na rede, com os olhos fechados
descansando com o braço direito para cima e com um chicote na mão esquerda. Uma mulher,
da qual não aparece o rosto, traz uma xícara de café como se fosse servi-lo. A legenda trata
dos latifundiários: “4- Enquanto isso, o senhor da terra constitui cada vez mais um
vergonhoso fator de atraso de toda a nossa economia, desde que o latifúndio é um dos grandes
males que impedem o nosso progresso”516. A imagem, portanto, representa o grande
proprietário de terras, que goza de privilégios e boa vida, enquanto os trabalhadores sofrem na
lavoura.
A quinta ilustração (fig.70) mostra alguém carregando um feixe de cana de açúcar. A
imagem mostra um recorte da cena: o grande feixe apoiado nas costas da pessoa que usa os
braços para equilibrar o peso, mas que precisa manter o corpo inclinado para frente para
suportar. A legenda remete à perspectiva defendida para compreender a forma de uso da terra
pelos trabalhadores: “5-O semi-feudalismo existente no Brasil se traduz na sobrevivência de
512
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
513
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
514
Alguns intelectuais à época defendiam a ideia de que o sistema fundiário brasileiro se encaixava no modo de
produção feudal, como Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães e José Carlos Mariátegui.
515
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
516
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
232
relações econômicas baseadas na meiação, pois geralmente não há trocas monetárias e a terra
é arrendada” 517.
Figura 70. Qaudrinhos. Percy Deane. "O problema da terra". A Classe Operária. Nº87. 23 ago 1947. P.4.
517
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
518
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
519
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
233
A oitava ilustração (fig.70) mostra um homem com o braço direito erguido, e o dedo
indicador apontando para o céu, parecendo discursar com entusiasmo. Ele está sobre alguma
superfície mais alta que os outros que o assistem, se destacando. As outras pessoas aparecem
de costas e uma delas usa chapéu de abas largas e irregulares, característico do perfil do
trabalhador rural. A legenda ressalta a atuação do PCB na organização dos trabalhadores: “8-
O Partido Comunista, em contato com os camponeses, pôde levar-lhes a palavra de Prestes,
ensinando-lhes a lutar pelas suas reivindicações imediatas e pela reforma agrária” 520.
Na nona ilustração (fig.70), aparece parte de quatro pessoas, que remetem a um grupo
maior em reunião. Estão dispostas de pé, conversando em uma roda. A legenda faz referência
aos primeiros resultados da organização promovida pelo partido: “9- Em poucos meses
formavam-se as ligas camponesas, que floresceram principalmente em São Paulo, através das
quais a massa camponesa sem terra começou a unificar-se para a luta por seus interesses” 521.
A décima e última ilustração (fig.70) mostra um aperto de mão e apenas uma pequena
parte das duas pessoas. A legenda destaca os avanços nos processos de conscientização e na
parceria entre partido e trabalhadores rurais: “10- Hoje, uma grande massa camponesa já
compreende a importância da unidade nessa luta. E sabe que a seu lado formam os milhões de
522
operários das cidades, pois só a reforma agrária nos levará ao progresso” . A imagem
representa o acordo selado, o compromisso assumido de apoio à causa agrária no Brasil,
inclusive por parte dos trabalhadores urbanos.
Deste modo, os motivos para os problemas agrários seriam buscados no entendimento
do processo histórico. Apesar de todas as transformações políticas ocorridas no país, a
exploração do trabalhador rural se intensificou ao longo dos anos. Era ressaltado o papel de
Prestes e do PCB na luta pela reforma agrária e na organização social. De acordo com os
quadrinhos, a atuação de Prestes e do PCB levariam os camponeses a conquista de melhorias
em suas vidas.
A história em quadrinhos (figura 70) apresentava desenhos pouco detalhados, mas que
devido ao tamanho não interferem na compreensão das cenas da sequência. Diferentemente de
outra ilustração de Percy Deane (fig.71), também sobre a questão agrária que foi publicada
em maio de 1946523.
520
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
521
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
522
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
523
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
234
Figura 71. Desenho . Percy Deane. “Numa localidade paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra”.
A Classe Operária. Nº10. 11 maio 1946. P.2.
A obra apresenta um trabalhador rural em primeiro plano (fig.71). Ele usa uma camisa
clara de manga longa, calça comprida e cinto. As roupas têm as marcadas as dobras causadas
pelo caimento no corpo. Nas mãos uma enxada apoiada no ombro esquerdo e na outra um
pedaço de papel para o qual o homem olha entristecido. O rosto e o pescoço têm fortes marcas
de expressão e de dobras naturais da pele, reforçando o semblante desolado. Ao fundo da
cena, as figuras já são menos detalhadas. Uma casa modesta com marcas na parede e três
homens estão de pé na porta, um deles de costas. Eles usam chapéus, camisas de manga
longa, calças compridas e estão descalços. O ambiente do entorno mostra montanhas ao
fundo, uma delas cultivada 524.
524
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
235
A ilustração estava atrelada a uma matéria que tratava dos altos índices de
trabalhadores que abandonaram as áreas rurais em São Paulo. A miséria é uma das causas
apontadas, visto que embora estivessem cercados por canaviais e usinas de açúcar, muitas
terras eram improdutivas ao passo que muitos trabalhadores não tinham acesso à terra. O
problema se estendia dos trabalhadores sem terra aos pequenos proprietários, que perdiam
“seu pequeno sítio, sua granja, sua fazendinha para o latifundiário”. Muitos trabalhadores
migrariam para áreas que ainda não sofriam com os interesses dos grandes proprietários que
visavam apenas as exigências dos importadores estrangeiros. Atingido certo ponto crítico, a
falta de opções estaria levando inúmeros camponeses para a capital paulista. A matéria conta
casos específicos de diversas cidades do interior de São Paulo e a reação do governo que ao
invés de criar soluções para a melhoria de via no campo, tentava impedir o êxodo através da
força policial. Os problemas são esmiuçados, a situação dos sem terras era agravada pela
medida de tabelar os gêneros agrícolas a valores muito baixos, que poderiam favorecer apenas
os grandes produtores, pois impediam o pequeno agricultor de manter sua atividade lucrativa
ou mesmo autossustentável525.
A grave situação extrapolava os jornais comunistas, A Classe Operária citava A Folha
da Manhã, sem ligação com o PCB, que publicara uma análise técnica que mensurava cerca
de trinta milhões de camponeses vivendo em condições sub-humanas no interior do país.
Defendiam a distribuição de terras devolutas aos que estivessem dispostos a cultivá-la.
Usavam como justificativa a concentração de terras apresentando dados que mostravam que
apenas 15% das áreas cultiváveis eram de pequenos proprietários que produziam para o
abastecimento urbano, ou seja, a monocultura latifundiária agravava também o
desabastecimento de gêneros alimentícios nos grandes centros urbanos. Nos arredores da
capital paulista, constatou-se que cerca de 12, 65% das terras eram cultivadas, enquanto o
restante servia a especulação do mercado e ao arrendamento 526.
A matéria relatava que a conscientização do trabalhador rural de São Paulo era feita
por parte de células nas cidades do interior organizadas pelo PCB. A mobilização levou a
elaboração de uma carta dos camponeses destinada aos companheiros e ao senador Prestes, na
qual arrolavam estes e outros de seus problemas e reivindicações imediatas 527. O
entendimento da situação que envolvia a temática da ilustração contribui para o entendimento
525
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
526
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
527
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
236
Figura 72. Quadrinhos. Percy Deane. "Programa mínimo para os municípios". A Classe Operária. Nº92. 27
set 1947. P.6.
528
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
529
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
237
urgentemente de tantas escolas para tantos crianças sem escolas”. A quarta ilustração (fig.72)
apresenta a cena de uma mulher de costas, uma criança pequena, da qual so aparece parte do
rosto, e um homem de óculos e usando uma camisa com um bolso na frente com uma caneta.
A legenda é necessária para compreender que a cena se remete a um médico atendendo uma
criança acompanhada de uma mulher: “4- As nossas populações precisam de um posto
530
médico, e não de ‘milagreiros’” . Exigia-se, desta forma, profissionais para os
atendimentos médicos.
A quinta ilustração (fig.72) mostra pilhas de sacas de grãos. A legenda denunciava a
situação: “5- A nossa produção está apodrecendo. Uma estrada de A a X resolve o problema”.
A sexta ilustração (fig.72) traz vários papéis sobrepostos com a inscrição “imposto” destacada
em cada folha. A legenda destacava: “ 6- Os impostos devem recair sobre a propriedade
territorial e não ao consumidor” 531.
Na sétima ilustração (fig.72) há um homem ao lado de uma grande caixa cheia de
produtos ensacados, que pode ser parte da carroceria de um caminhão. Ao fundo está a porta
de um entreposto comercial, com o letreiro destacado. A legenda reivindicava a necessidade
de entrepostos para que o abastecimento fosse feito diretamente entre o produtor e
consumidor. A oitava ilustração (fig.72) mostra uma casa simples, feita de palha e com mato
ao redor. A legenda trata da questão da moradia: “8- Os camponeses necessitam de casas e não
de choças infectas e sem conforto” 532.
A nona ilustração (fig.72) apresenta alguns morros com vegetação natural e uma
árvore do lado direito. A legenda ressalta a questão das terras devolutas, defendendo a
distribuição aos trabalhadores se terra. Por fim, a décima ilustração (fig.72) mostra uma mão
erguendo um panfleto com a inscrição: “O povo exige a legalidade do PCB”. Quando a
história em quadrinhos foi publicada o PCB já havia perdido seus direitos políticos há alguns
meses e a legenda explicitava a necessidade do partido:”10- O Partido Comunista tem sido o
nosso guia na luta por uma vida melhor” 533. A história em quadrinhos facilita a disposição
das propostas em textos breves e desenhos simples, com poucos elementos. Algumas
ilustrações apresentam detalhes de uma cena, mostrando o ambiente ou mesmo as pessoas em
partes. As legendas e os desenhos se complementam, permitindo a visualização de elementos
das propostas básicas para os municípios, bem como enriquecendo a mensagem transmitida
pelos desenhos.
530
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
531
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
532
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
533
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
238
Em julho de 1946 foi publicada uma ilustração de Deane que apresentava pessoas
protestando e carregando duas faixas com os dizeres:“Liberdade para os trabalhadores da
Light!” e “Punição aos torturadores da polícia!” (fig.73). A obra mostrava oito pessoas, das
quais um homem à frente se destacava. De terno, de calça e camisa listradas, mantinha os
punhos cerrados e voltados para baixo. Do lado direito um jovem e a única mulher, do lado
esquerdo dois outros homens. Todos mantêm o olhar para a mesma direção e com o
semblante denotando a firmeza necessária ao protesto. A representação de individualidades
nas feições e nos perfis com idades e gêneros diferentes conota a variedade entre os
trabalhadores que se pretendia alcançar.
A ilustração acompanhava uma matéria que tratava da prisão de operários da Light por
meio da sentença de um tribunal militar que recorreu a leis de exceção. Os operários lutavam
por melhores salários e condições de vida, mas teriam sido torturados semanas antes e desta
vez levados à prisão preventiva. A denúnicia era contra as “violências legalizadas contra a
classe operária e o povo”, que eram relacionadas à práticas de caráter fascista e reacionário. A
mobilização seria feita através dos sindicatos, que reivindicaria em protestos a liberdade e os
direitos dos trabalhadores. É destacado o perigo deste tipo de repressão a todos que viessem a
reclamar seus direitos. Por esta razão, convocavam: “os trabalhadores de todo o Brasil, das
cidades e dos campos, homens e mulheres, que vêem seus camaradas presos por se recusarem
a morrer de fome”. A situação das mulheres era ressaltada como “a maior vítima da
exploração, dos baixos salários, dos salários desproporcionais entre homens e mulheres,
obrigadas a abandonar seu lar e seus filhos para poderem vê-los subsistir ante a depauperação
sem limites a que está condenado o povo brasileiro” 534. Deste modo, a ilustração estabelece
relação direta com a mobilização proposta pela matéria.
534
PELA LIBERTAÇÃO dos trabalhadores e o auxílio material às suas famílias. A Classe Operária. Nº 19. 13
jul 1946. P.1-2.
239
Figura 73. Desenho Percy Deane. “Liberdade para os trabalhadores da Light”. A Classe Operária. Nº 19. 13
jul 1946. P.1.
240
O outro artista que pode ser destacado é Paulo Werneck. É incerta a data de sua
entrada oficial no PCB, mas há registros de que colaborava com desenhos para o jornal A
Manhã, vinculado ao partido, já em 1933 e 1935535. A relação com o partido após a
restituição da legalidade em 1945 se apresentou mais abrangente, figurando, por exemplo, no
Comitê Democrático Artistas Plásticos536. O ateliê do artista, no subsolo do prédio onde
morava em Laranjeiras537, servia para encontros com outros artistas filiados ao PCB como
Candido Portinari, Carlos Scliar, Chlau Deveza, Glauco Rodrigues, Israel Pedrosa e Oscar
Niemeyer para debater sobre arte, arquitetura, política internacional e nacional 538.
A partir de 1945, então, sua atuação no PCB se intensificou, constando no seu
prontuário produzido pela polícia política do Rio de Janeiro que fora “recrutado pelo PCB na
campanha eleitoral de 1945”, na qual o partido obteve significativos resultados 539. Neste
período, se destacariam os desenhos para o jornal Tribuna Popular a partir de 1945 e para seu
sucessor Imprensa Popular de 1948 até 1958, de circulação diária e vinculados ao PCB. Ao
todo, entre 1945 e 1958, foram cerca de 300 ilustrações apenas para estes dois periódicos, que
mostram o relevo da contribuição de Paulo Werneck. A produção de ilustrações de Paulo
Werneck apenas no período estrito de 1945 a 1947 se destaca com mais de 60 ilustrações nos
breves três anos em que o Tribuna Popular circulou. Os conteúdos variados das ilustrações se
coadunam com os temas das matérias publicadas, e variam de tamanho e de destaque nas
páginas.
535
Consta ter contribuído para Correio da Manhã, Fon-Fon e Diário de Notícias como jornalista. Fundo Polícia
Política do Rio de Janeiro. Prontuário Paulo Werneck. Nº 21640. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
(APERJ).
536
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 26J. Dossiê 1. Folha 2305. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
537
Durante um período de 1945 era indicado construir abrigos antiaéreos em edifícios residenciais, devido às
tensões beligerantes internacionais, o que foi o caso do prédio onde Paulo Werneck morava com sua família.
Esta característica conferia privacidade, mas também discrição e segurança aos encontros em vista a repressão da
polícia política à época.
538
SALDANHA, Claudia. Paulo Werneck - muralista brasileiro. In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista
brasileiro. Paço Imperial, 2008. P. 5.
539
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Paulo Werneck, GB. Nº 21640. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
241
Figura 74. Fotografia. Homenagem à FEB. Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1.
540
RETORNAM À PÁTRIA os que lutaram na Itália contra o fascismo. Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1.
242
Figura 75. Desenho. Paulo Werneck. "Glória aos heróis da FEB". Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1.
243
Figura 76. Ilustração. Paulo Werneck. "São miseráveis os salários dos trabalhadores rurais do Norte".
Tribuna Popular. 09 abr 1946.
244
541
MENEZES, Rui Simões. São miseráveis os salários dos trabalhadores rurais do Norte. Tribuna Popular. 09
abr 1946. P.8.
542
JURANDIR, Dalcídio. A ameaça de despejo pesa sobre o morro. Tribuna Popular. 18 jan 1946. P.8.
543
JURANDIR, Dalcídio. A ameaça de despejo pesa sobre o morro. Tribuna Popular. 18 jan 1946. P.8.
245
Figura 77. Desenho. Paulo Werneck. "A ameaça de despejo pesa sobre o morro". Tribuna Popular. 18 jan
1946. P.8.
246
Figura 78. Desenho. Paulo Werneck. "1º de maio pela democracia". Tribuna Popular. 1º maio 1947. P.8.
As pessoas trazem faixas com palavras de ordem pela democracia enquanto outras
marcham à frente, na maioria homens, em manifestação pela causa, alguns empunhavam
544
JURANDIR, Dalcídio. A ameaça de despejo pesa sobre o morro. Tribuna Popular. 18 jan 1946. P.8.
247
Figura 79. Ilustração. Paulo Werneck. Trabalhadores da construção numa justa campanha. Tribuna Popular.
18 out 1945. P.8.
545
MANIFESTO do CN do PCB ao proletariado e a todo o povo brasileiro. Tribuna Popular. 1º maio 1947. P.8.
248
homens tem mais destaque por ser mostrado da cabeça aos joelhos. Ele usa chapéu e tem o
punho fechado sobre o peito segurando um papel enrolado, provavelmente um dos panfletos
distribuídos. Apesar dos poucos traços, os rostos têm certa individualidade.
A ilustração foi publicada pela primeira vez no Tribuna Popular, em outubro de 1945.
A matéria a qual estava relacionada era a respeito de uma campanha pela atualização dos
pagamentos dos trabalhadores da construção civil. A acusação era de que quem foi contratado
cinco ou seis anos antes não obteve aumento nos salários, enquanto os recém-contratados
receberiam salários maiores. Além disso, lutavam pela redução de horas de trabalho. Segundo
a matéria, a campanha seria justa e pacífica, contando com militantes experientes que
saberiam conduzir ao caminho da vitória os membros do sindicato através da união e
disciplina.
A obra abrangia situações diversas sobre a organização dos trabalhadores e promoção
de comícios. Por tal razão, não houve problemas quando foi publicada novamente em
dezembro do mesmo ano na revista cultural Esfera, também vinculada ao PCB . A imagem
trazia a legenda “Comício Popular” e acompanhava um pequeno texto intitulado
“Democracia” e que tratava da situação de então do país. A recém-conquistada democracia,
bem como a vitória sobre o nazi-fascismo com a contribuição da FEB, a formação da
Assembleia Constituinte, as eleições livres, a liberdade de imprensa, a legalidade do PCB. A
revista congratulava o proletariado e o povo pela democracia alcançada. A representação
visual de um comício era significativa por mostrar a organização social como caminho para a
democracia546.
A imagem adiante (fig.80) se refere a Luiz Carlos Prestes, mais destacada figura do
partido. A aparência do Secretário Geral do PCB, no entanto, faz alusão ao período em que
esteve na Coluna Prestes547, com longa barba, o uso do chapéu que está em sua mão e com
roupas militares. Ilustrava um canto em homenagem aos cinquenta anos de Prestes, que
destacava a trajetória e conquistas nos tempos da jornada percorrida e já enquanto líder do
PCB nas décadas seguintes548. Além da parte visual de fácil identificação dos traços, a
temática desta e de outras ilustrações do artista são próximas aos leitores do jornal.
546
DEMOCRACIA. Esfera. Dez 1945. P.9.
547
A Coluna Prestes teve grande participação tenentista e ficou famosa por promover comícios e manifestos com
denúncias às condições políticas e sociais do país. Unindo muitos tenentes percorreu longas distâncias à cavalo
pelo território nacional entre 1925 e 1927. Devido a esta empreitada, Prestes ficou conhecido como “Cavaleiro
da Esperança”. Cf. PRESTES. Anita Leocádia. A Coluna Prestes. São Paulo: Brasiliense, 1991.
548
CANTO anônimo para o cinquentenário de Prestes. Tribuna Popular. 26 dez 1947. P.8.
249
Figura 80. Desenho. Paulo Werneck. "Canto anônimo para o cinquentenário de Prestes". Tribuna Popular.
26 dez 1947. P. 8.
250
Paulo Werneck também colaborou para A Classe Operária, cujo desenho original
indica a destinação e tamanho que teria 549. A imagem apresenta Luiz Carlos Prestes à frente
de trabalhadores com ferramentas de trabalho (fig.81). Ao fundo, de um lado há homens e
mulheres em frente a uma fábrica com suas chaminés Um dos homens empunha um martelo,
símbolo do operariado. Do outro lado homens e mulheres 550 seguram uma enxada e uma
foice, símbolos do trabalho rural. Ao fundo, uma casa simples e campos cultivados. A figura
de Prestes aparece como a liderança das duas partes, unificando-as551.
Figura 81. Desenho “Traço para A Classe Operária”. Acervo Iconográfico. Pasta Cartazes. APERJ.
552
CINQUENTENÁRIO de Prestes. A Classe Operária. Nº 106. 30 dez 1947. P.1.
252
Figura 82. Ilustração. Paulo Werneck. "Zona Comercial". Esfera. Jun 1945.
253
553
HONS, André de Seguin des. Os diários do Rio de Janeiro, 1945-1982. Dissertação de Mestrado.
IFCS/PPGHIS- UFRJ. Rio de Janeiro, 1982.
554
Cf. BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção: a explicação histórica dos quadros. Companhia das
Letras, 2006.
555
MARTINS, Carlos. Paulo Werneck- arte nos muros In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista brasileiro.
Paço Imperial, 2008. P. 19.
556
Werneck estudou com Niemeyer e Marcelo Roberto no final do período escolar e com eles iniciou uma longa
parceria, que na década de 1940 se estenderia a realização de murais para projetos arquitetônicos. De toda sua
produção muralista, cerca de noventa e oito ainda existiriam em cidades como Rio de Janeiro, Niterói, Brasília,
São Paulo, Belo Horizonte, Cataguases e Recife. SALDANHA, Claudia. Paulo Werneck- muralista brasileiro.
In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista brasileiro. Paço Imperial, 2008. P.7.
557
MARTINS, Carlos. Paulo Werneck- arte nos muros In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista brasileiro.
Paço Imperial, 2008. P. 25.
254
intencionalidade de alcançar grandes públicos, de levar a arte que produzia para o cotidiano
das pessoas.
As ilustrações mostravam importante papel nos periódicos, aproximando o leitor dos
debates e contribuindo para melhor compreensão dos temas apresentados. Além disso,
explicitavam o vínculo dos artistas plásticos com o PCB e o apoio que davam às propostas e
análises divulgadas nas publicações. A forma que se dava a relação entre os artistas e o
partido pode, deste modo, ser acompanhada nas diferentes nuances que poderiam levar a
regularidade ou eventualidade das colaborações. Assim como Paulo Werneck, outros tantos
artistas ligados ao PCB produziam obras de cavalete ou murais nos quais apresentavam
perspectivas artísticas diversas quanto à visualidade, aderindo a tendências ou apenas
elementos abstratos, expressionistas, entre outros. Vale ressaltar a abertura que o partido dava
às variadas atividades dos artistas militantes e que pode ser compreendida também com as
diferentes contribuições que faziam internamente.
Quanto às formas como cada artista conduziu sua carreira, algumas variantes devem
ser consideradas, como os interesses artísticos, experimentações de suportes e métodos,
demandas e para se manter financeiramente. Deste modo, aproximação com o realismo
socialista se fazia principalmente nas propostas relativas ao conteúdo, ou seja, nas
preocupações políticas. No entanto, se distanciavam no que concerne à forma, agregando
elementos do expressionismo europeu, sobretudo alemão. A ressignificação que os artistas
brasileiros fizeram das experiências da União Soviética, e das vanguardas de países da Europa
e da América Latina tiveram diferentes proporções nas produções de cada um.
255
CONSIDERAÇÕES FINAIS
256
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta tese procurou-se analisar a relação entre artistas plásticos e o Partido Comunista
do Brasil entre 1945 e 1950. Período que engloba o momento de retorno à legalidade do
partido e a transição para a radicalidade estabelecida a partir de agosto de 1950. Neste
momento o PCB obteve grande adesão de intelectuais, artistas e militantes em geral e isto se
deveu a diversos fatores. Entre eles o contexto político internacional no qual a União
Soviética ganhava prestígio após a vitória contra o nazismo na Segunda Grande Guerra e que
aproximou muitos intelectuais e artistas dos partidos comunistas pelo mundo. No caso
brasileiro, pode-se ressaltar a presença de Luiz Carlos Prestes como Secretário Geral do
partido, muito respeitado e admirado de modo geral por seus feitos na incursão que
empreendeu pelo país na Coluna Prestes devido a qual ficou marcado como “Cavaleiro da
Esperança”. Outro fator seria a política de União Nacional adotada pelo PCB quando de seu
retorno à legalidade, pois buscava atrair as grandes massas para suas fileiras e se mostrava
aberto a interlocução com os meios culturais. Após esse periodo, o enrijecimento proposto
pelo Manifesto de Janeiro de 1948 que culminaria no Manifesto de Agosto de 1950 , bem
como as novas condições de ilegalidade e perseguição da polícia política, coibiriam a
progressiva adesão ao partido e afastaria aos poucos muitos de seus membros.
Ao longo deste período pode-se observar que o expectro de artistas era muito amplo
quantitativamente, o que levava a abarcar diferentes tendências. O PCB naquela altura não
tinha um programa artístico delimitado, o que talvez tenha sido fundamental para a grande
adesão de uma gama diversa de artistas. A riqueza de inspirações, origens, produções
artísticas ganhava coesão no engajamento político que permeava suas preocupações e
atividades com as questões sociais. Buscou-se compreender quais os interesses de ambas as
partes nesta ligação e pôde-se observar que para o partido tal aproximação contribuía para o
prestígio e a aceitação na sociedade, além das colaborações com trabalhos artísticos para
ilustração de publicações, decoração de espaços, vendas e leilões para angariar fundos, entre
outras. A contrapartida é ainda mais subjetiva. Os membros em geral sofriam com a
perseguição da polícia política ainda durante a legalidade do PCB e mais intensamente
quando seu registro foi cassado. No caso dos artistas, pode ser ressaltada as restrições que
Candido Portinari passou por sua ligação com o PCB, ao ter sua entrada proibida nos Estados
Unidos da América, não podendo nunca ter visitado o painel Guerra e Paz que produziu para
a Organização das Nações Unidas em Nova York. Por outro lado, a abertura generosa do
257
partido à experimentação artística se mostrava bastante atrativa, pois permitia que as ideias
políticas fossem o fator que prevalecesse. Os artistas afinados com a causa comunista
encontravam no PCB um local de atuação política no qual se identificavam com as propostas.
Além disso, esse envolvimento promovia a maior interação entre os artistas que formavam ou
fortaleciam redes de amizade e interlocução, mesmo que a arte que produziam não
necessariamente estivesse de acordo com a ideologia defendida.
Para o desenvolvimento deste trabalho foi feita a análise das propostas e
embasamentos vigentes no período dentro do PCB e da produção e atuação dos artistas. A
tese foi dividida de modo a se desenvolver um estudo abrangente dos pontos que poderiam
confluir na relação estabelecida entre artistas e partido. Deste modo, inicialmente buscou-se
definir o realismo socialista e traçar como surgiu e se desenvolveu na União Soviética,
percorrerendo diferentes expressões das artes plásticas nas quais se aplicaram estes preceitos,
principalmente nas artes gráficas por sua grande difusão. A análise da forma como mostravam
pessoas felizes com o trabalho, vitoriosas nas guerras, dispostas a seguir a favor da situação
em que viviam foi importante para traçar um paralelo com o que foi produzido no Brasil pelos
artistas comunistas. No entanto, as reverberações das propostas do realismo socialista às
condições brasileiras proporcionaram particularidades, pois não poderia ser apenas transposto
para uma conjuntura outra. Entre 1945 e 1950, período desta análise, o PCB se reafirmava no
cenário nacional e sofreria com a ilegalidade a partir de 1947. Neste periodo, o PCB era um
partido atuante e que mostrava sua insatisfação com a política nacional e com as condições de
trabalho, miséria, moradia, transporte, educação e saúde da maioria da população rural e
urbana. O papel político desempenhado pelo Partido Comunista no Brasil era de denúncia dos
problemas do trabalhador, se apresentando como opositor do governo vigente, diferentemente
das condições soviéticas.
Após a compreensão do desenvolvimento da arte e do envolvimento político dos
artistas plásticos na URSS, foram analisadas as reverberações na América Latina e as
manifestações artísticas das esquerdas devidas a fatores internos, como no México
revolucionário. Deste modo, foi possível traçar ressonâncias destas expressões artísticas no
que viria a ser desenvolvido no Brasil no período delimitado. Em seguida, os debates sobre as
artes e os artistas desenvolvidos na imprensa comunista brasileira levaram à inserção da
atuação e produção dos artistas nas perspectivas que envolviam os membros do PCB. A
recorrência e a forma como se falavam dos artistas plásticos nos periódicos mostrou o
destaque que recebiam. Do mesmo modo, a entrega de carnês de membros em cerimônia
especial ratificou a importância que tinham para o partido e de tal divulgação.
258
REFERÊNCIAS
260
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