12 - UFRJ, Tes. Fernandes 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)

KARINA PINHEIRO FERNANDES


DRE: 113118392
Tese de Doutorado
Orientadora: Professora Dra. Andrea Casa Nova Maia

Rio de Janeiro
2017
OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)

KARINA PINHEIRO FERNANDES

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


graduação em História Social (PPGHIS) do Instituto
de História da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutora em História Social.
Orientadora: Prof. Dra. Andrea Casa Nova Maia

Rio de Janeiro
2017
OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)

Karina Pinheiro Fernandes

Orientadora: Prof. Dra. Andrea Casa Nova Maia

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social (PPGHIS)


do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em História Social.

Banca Examinadora:

____________________________________________________________________
Prof.ª Dra. Andrea Casa Nova Maia – Orientadora.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Jayme Lúcio Fernandes Ribeiro
INSTITUTO FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (IFRJ)

___________________________________________________________________
Prof. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)

______________________________________________________________________
Prof. Dr. Muniz Gonçalves Ferreira
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO (UFRRJ)

______________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Knauss de Mendonça
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF)

Rio de Janeiro
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que contribuíram de alguma forma para a elaboração desta tese de
doutorado. Primeiramente à minha orientadora Prof. Dra. Andrea Casa Nova, que me acolheu
no PPGHIS, apoiou minha pesquisa proporcionando a possibilidade de autonomia e me
incentivou constantemente para encontrar o meu caminho através de dicas preciosas. Depois
de todos esses seis anos, desde o início do mestrado até agora, sei que encontrei compreensão,
motivação, carinho e parceria nos momentos necessários.

Ao Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), seus professores e


funcionárias.

Agradeço ao Conselho Nacional de Apoio à Pesquisa (CNPQ) que financiou o


desenvolvimento desta pesquisa durante três anos, contribuindo para maior dedicação.

Às instituições nas quais pesquisei e pude acessar arquivos fundamentais para a pesquisa e
onde encontrei em seus funcionários a atenção, a gentileza e a solicitude que fizeram toda
diferença: Fundação Biblioteca Nacional (FBN), Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro (APERJ), Arquivo da Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ), Biblioteca do
Museu Nacional de Belas Artes (MNBA).

Agradeço aos arguidores pela disponibilidade e pelos ensinamentos que levo para além desta
tese de doutoramento, para a vida de historiadora e professora. Ao professor Dr. Muniz
Gonçalves Ferreira e à professora Dra. Maria Beatriz de Melo e Souza que compuseram a
banca de qualificação apresentando sugestões de grande pertinência para a conclusão da tese e
que participaram de forma fundamental da banca de defesa. Ao professor Dr. Jayme Lúcio
Fernandes Ribeiro por sua leitura detalhada e palavras generosas na arguição.

Ao professor Paulo Knauss pelo carinho, gentileza e pelas preciosas contribuições que me
instigaram a importantes reflexões não apenas em sua arguição durante a defesa desta tese,
mas ao longo da minha formação acadêmica. Tive o prazer de contar com sua orientação no
desenvolvimento da monografia de conclusão da graduação e na realização do mestrado, no
qual compôs as bancas avaliativas. Mostrou-se sempre inspiração como professor e
historiador, por sua seriedade e serenidade. Obrigada por cada palavra ao longo destes quase
dez anos.

Aos amigos e amigas que ao longo desses quatro anos compreenderam os momentos de
distância e o cansaço, principalmente no último ano. Agradeço às amigas que estiveram
presentes também virtualmente, pelo carinho e incentivo. Aos que trocaram ideias sobre a
pesquisa e desenvolvimento da escrita. E um agradecimento especial aos que não desistiram
de mim e estiveram nos momentos de diversão, que foram fundamentais para aliviar as
tensões e renovar o espírito. De formas diferentes, a amizade de cada um contribuiu para que
esses anos fossem agradáveis e eu não perdesse a alegria e a satisfação que o trabalho me
proporciona. Obrigada Ana Gabriela Saba, Bruno Marques, Camilla Trajano, Caren Freitas,
Carla Corradi, Gianne Chagastelles, Hérica Carmo, Liége Dimon, Lívia Lamblet, Maicon
Campos, Moema Alves, Rose Silva, Thaís Leal, Thais Bosco e Victor Sabino.

Por fim, agradeço à minha irmã Fernanda, por fortalecer o sentido de família. À minha mãe
pelo apoio às minhas escolhas, compreensão com o meu isolamento constante para trabalhar e
pela parceria e amizade. Ao meu pai por todos os seus ensinamentos que carrego sempre em
minha memória.
OS TONS DA POLÍTICA: OS ARTISTAS PLÁSTICOS E O PCB (1945-1950)

RESUMO

Esta tese apresenta o estudo da relação entre os artistas plásticos e o Partido Comunista do
Brasil (PCB) entre 1945 e 1950, buscando compreender os possíveis limites à criação e
interesses de ambas as partes. O período abrange o momento de legalidade do partido (1945-
1947) e a transição para a radicalidade estabelecida a partir de agosto de 1950. Para tanto,
discute-se as propostas e embasamentos do período no PCB para a produção e atuação dos
artistas plásticos e que pudessem influir de alguma forma. Evidencia-se nesta pesquisa,
portanto, a expressão das artes visuais para o estudo histórico através do entendimento da
ideia de cultura visual. A análise é feita com base em fontes primárias diversas, abarcando
essencialmente documentos produzidos pela polícia política e pelo PCB, periódicos do
partido, cartazes, ilustrações e pinturas. Deste modo, é possível traçar o panorama das
contribuições artísticas e o aparato que as estruturava. A tese busca elucidar a repercussão da
militância dos artistas plásticos para o PCB, como parte de um momento de grande
crescimento do partido em expressão social, cultural e política.

Palavras-chave: Partido Comunista do Brasil; PCB; artistas plásticos; realismo socialista;


URSS.
THE TONES OF POLITICS: THE VISUAL ARTISTS AND THE COMUNIST PARTY OF
BRAZIL - PCB (1945-1950)

ABSTRACT

This thesis presents the study of the relationship between visual artists and the Communist
Party of Brazil (PCB) between 1945 and 1950, with the aim to understand the possible limits
to the creation and interests of both parties. The period covers the moment of legality of the
mentioned party (1945-1947) and the transition to radicalism established from August 1950.
For this purpose, are discussed the proposals and fundaments of the period in the PCB for the
production and performance of the visual artists and that they could influence in some way. In
this research, therefore, the expression of the visual arts for the historical study through the
understanding of the idea of visual culture is demonstrated by. The analysis is based on
several primary sources, essentially covering documents produced by the political police and
PCB, party periodicals, posters, illustrations and paintings. In this way, it is possible to trace
the panorama of the artistic contributions and the apparatus that structured them. The thesis
seeks to elucidate the repercussion of the militancy of the visual artists to the PCB, as part of
a moment of great growth of the cited party in social, cultural and political expression.

Key-Words: Communist Party of Brazil; PCB; visual artists, socialist realism; USSR.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14

PARTE I - OS ARTISTAS PLÁSTICOS E AS NUANCES ENTRE A ARTE E A


POLÍTICA

CAPÍTULO 1. A ARTE VOLTADA PARA O POVO........................................................30


1.1. O realismo socialista: desenvolvimento e consolidação na URSS....................................31
1.2 - Por uma arte nova e socialista..........................................................................................54

CAPÍTULO 2. O ARTISTA NA SOCIEDADE...................................................................77


2.1 - O artista e a sociedade soviética ....................................................................................78
2.2. Os artistas latino-americanos e a crítica social na arte gráfica e no muralismo................92

CAPÍTULO 3. O PCB, OS ARTISTAS PLÁSTICOS E UMA ARTE PARA O


POVO.....................................................................................................................................111
3.1. A arte como arma de combate.........................................................................................112
3.2 – O artista plástico e o povo brasileiro..............................................................................125

PARTE II - PRÁXIS DOS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB

CAPÍTULO 4. OS ARTISTAS PLÁSTICOS ENQUANTO CATEGORIA...................149


4.1- Os artistas plásticos se organizam..................................................................................150
4.2. Oficial e celebrada: a entrega dos carnês de membros do PCB aos artistas...................162

CAPÍTULO 5. A ATUAÇÃO COLETIVA DOS ARTISTAS PLÁSTICOS..................172


5.1. A política em exposição.................................................................................................173
5.2. A exposição “Os artistas plásticos ao PCB”....................................................................191

CAPÍTULO 6. A MILITÂNCIA ARTÍSTICA..................................................................209


6.1. Os artistas e a ilustração eventual para periódicos.........................................................210
6.2. A militância através da ilustração: Percy Deane e Paulo Werneck.................................226
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................255

REFERÊNCIAS....................................................................................................................260
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Cartaz Soviético. “Kokorekin Alexei. Tudo para a vitória! Frente das mulheres da
URSS”. 1942. ...................................................................................................................... 41

Figura 2. Cartaz Soviético. V. Ivanov. “O grande Stalin é a luz do comunismo”. 1949. ........ 43

Figura 3. Cartaz soviético. Yuri Chudov. “E nós seremos pilotos!”. 1951. ............................ 45

Figura 4. Cartaz soviético. Boris Zelensky. “Ordenhadoras, vamos atingir altos rendimentos
de leite de cada vaca pela forragem!” 1950. ......................................................................... 48

Figura 5. Cartaz soviético. M. Soloviev. “Primavera, verão, outono, inverno. Se trabalhar duro
– o pão vai crescer!” 1947. ................................................................................................... 50

Figura 6. Desenho polonês. Stefania Dretler-Flin. “Lato”. 1950. .......................................... 53

Figura 7. Óleo sobre papelão. Pedro Figari. “Nostalgias Africanas”. s/d. Museo Municipal
Juan Manuel Blanes, Montevideo. ........................................................................................ 94

Figura 8. Aquarela sobre papelão. Xul Solar. “Dança dos santos”. 1925. Coleção Marion e
Jorge Helft, Buenos Aires. ................................................................................................... 94

Figura 9. Muro. Joaquín Torres-Garcia. “Monumento Cósmico”. 1938. Parque Rodó,


Montevidéu. ......................................................................................................................... 96

Figura 10. Mural. Diego Rivera. A história do México. 1935. Escadaria principal do Palácio
Nacional do México. ............................................................................................................ 99

Figura 11. Óleo sobre tela. David Alfaro Siqueiros. “A mãe camponesa”. 1929. ................ 100

Figura 12. Xilogravura. José Sabogal. “Índios de Pucará”. Fonte: Revista Amauta nº 10,
Lima. Dez 1927. P.20......................................................................................................... 101

Figura 13. Óleo sobre tela. José Sabogal. “Varayoc: Chefe índio dos chincheros”. 1925.
Museu de Arte de Lima. Peru. 109 x 169 cm. ..................................................................... 102

Figura 14. Óleo sobre tela. José Sabogal. “A mulher de Varayoc”. 1926. Museu de Arte de
Lima. ................................................................................................................................. 102

Figura 15. Óleo sobre tela. Eduardo Kingman. “Los Guandos”. 1941. Casa da Cultura
Equatoriana, Lima. 150x200cm. ......................................................................................... 103

Figura 16. Gravura. José Guadalupe Posada. “Calavera do editor popular Antonio Vanegas
Arroyo”. Livraria do Congresso, Washington D.C. ............................................................ 105

Figura 17. Gravura. José Guadalupe Posada. “O grande panteão amoroso”. La Gaceta
Callejera. 37,2 x 18,7. Museu Nacional de Arte, Cidade do México. .................................. 105
Figura 18. Linoleogravura. Leopoldo Mendéz. “Homenagem a Posada”. 1956. Coleção José
Sanchez Aguilar. ................................................................................................................ 106

Figura 19. Periódico. El Machete. “Periodico obrero y campesino”. Edição especial, 1º de


maio 1936. Cidade do México. ........................................................................................... 108

Figura 20. Xilogravura chinesa. Shih Tze-Chin. “De quem a culpa?” Fundamentos, nº12. Fev
1950. .................................................................................................................................. 114

Figura 21. Xilogravura chinesa. Chen Yin Chiao. “Trabalhadores”. Fundamentos, nº12. Fev
1950. .................................................................................................................................. 115

Figura 22. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. “Tiradentes”. 1948-1949. 17, 70 x 3, 09
metros. Memorial da América Latina de São Paulo. ........................................................... 116

Figura 23. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. "Tiradentes". 1948-1949. Detalhe. ........ 117

Figura 24. Periódico. “Portinari coloca sua arte a serviço do povo”. Tribuna Popular, 25 ago
1945. Capa. ........................................................................................................................ 120

Figura 25. Periódico. “O latifúndio é a causa da miséria”. Tribuna Popular, 25 ago 1945.
Capa. ................................................................................................................................. 121

Figura 26. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Retirantes. Série Retirantes.”1944.
192x181cm. ....................................................................................................................... 123

Figura 27. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Enterro na rede”. Série Retirantes. 1944.
180x220cm. ....................................................................................................................... 123

Figura 28. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Criança Morta”. Série Retirantes. 1944.
182x190cm. ....................................................................................................................... 123

Figura 29. Fotografia. Rui Santos. "Clóvis Graciano". Acervo Rui Santos do Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro - APERJ................................................................................. 132

Figura 30. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Clóvis Graciano, um artista do povo”. Tribuna
Popular. 23 set 1945. P.9. ................................................................................................... 133

Figura 31. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Candido Portinari, artista do povo”. Tribuna
Popular, 11 nov 1945. P.9. ................................................................................................. 136

Figura 32. Periódico. “Hilda Campofiorito, Uma Artista”. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
.......................................................................................................................................... 138

Figura 33. Periódico. “Mais um notável artista ingressa no partido do povo”. Tribuna Popular,
09 jan 1946. Capa (detalhe). ............................................................................................... 140

Figura 34. Periódico. “Pela Assembleia Constituinte e contra a rearticulação do integralismo”.


Tribuna Popular, 28 ago 1945. Capa. ................................................................................. 143

Figura 35. Periódico. “Em benefício da Casa do Expedicionário”. Tribuna Popular. 21 ago
1945. P.8. ........................................................................................................................... 145
Figura 36. Gravura. Mario Zanini. “Família”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.167.147

Figura 37. Gravura. Mario Zanini. “Lavadeiras”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.168.
.......................................................................................................................................... 147

Figura 38. Periódico. “Criarão os artistas plásticos o seu sindicato de classe”. Tribuna
Popular, 16 dez 1945. Capa (detalhe). ................................................................................ 153

Figura 39. Periódico. “Os artistas à disposição do povo”. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3
(detalhe). ............................................................................................................................ 156

Figura 40. Periódico. “A entrega dos “carnets” aos intelectuais comunistas”. Tribuna Popular,
19 abr 1946. Capa (detalhe)................................................................................................ 164

Figura 41. Periódico. “Homenagem do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e
artistas”. Tribuna Popular, 21 abr 1946. Capa (detalhe). ..................................................... 168

Figura 42. Periódico. “Intelectuais militantes do Partido Comunista do Brasil”. A Classe


Operária. 1º maio 1946. P.7................................................................................................ 169

Figura 43. Periódico. “Demonstração popular contra a rearticulação integralista”. Tribuna


Popular. 09 jun 1945. P.8. .................................................................................................. 175

Figura 44. Periódico. “Os artistas plásticos do Brasil ao povo espanhol”. Tribuna Popular. 24
mar 1946. ........................................................................................................................... 177

Figura 45. Periódico. “Prestes visitou, ontem, a exposição”. Tribuna Popular. 31 mar 1946.
P.3. .................................................................................................................................... 178

Figura 46. Periódico. “Grande contribuição dos artistas plásticos para a campanha Pró-
Imprensa Popular”. 12 out 1946. P.8. ................................................................................. 180

Figura 47. Periódico. “A grande contribuição dos artistas plásticos para a Campanha Pró-
Imprensa Popular”. Tribuna Popular. 25 out 1946. P.8. ...................................................... 183

Figura 48. Periódico. Fernando Pamplona. “Massacre da Esplanada. 1º Prêmio”. Salão da


Escola do Povo em 1950. Reprodução de 15 jun 1952. ....................................................... 190

Figura 49. Periódico. “Grande exposição de artistas plásticos em benefício do Partido


Comunista”. Tribuna Popular, 16 out 1945. Capa (detalhe). ............................................... 192

Figura 50. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “A Roda”. 60x 73,5 cm. 1945. Coleção
Particular. .......................................................................................................................... 194

Figura 51. Periódico. “Uma exposição sem exemplo na história artística do país”. Tribuna
Popular. 26 out 1945. P.1. .................................................................................................. 197

Figura 52. Periódico. “Artistas plásticos de todas as correntes homenageiam o Partido


Comunista”. 11 nov 1945 (detalhe). ................................................................................... 201

Figura 53. Periódico. “Continua franqueada ao público na Casa do Estudante”. Tribuna


Popular. 16 nov 1945. P.4. ................................................................................................. 202
Figura 56. Desenho. Virgínia Artigas. "Retrato de Stalin". Fundamentos. Nº 11. Jan 1950.
P.25. .................................................................................................................................. 211

Figura 55. Desenho. Cândido Portinari. "O Cavaleiro da Esperança". A Classe Operária.
Nº157. 1º jan 1949. P.16. .................................................................................................. 212

Figura 54. Desenho. Quirino Campofiorito. "O grande líder nacional Luiz Carlos Prestes".
Esfera. Jun 1945. P.9. ......................................................................................................... 214

Figura 57. Gravura. Clóvis Graciano. “Trabalhador”. Fundamentos. Nº6. Nov 1948. Capa. 216

Figura 58. Óleo sobre tela. Candido Portinari. "Café". 1934-1935.130x195cm. .................. 217

Figura 59. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.2. ............................................................................. 218

Figura 60. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.3. ............................................................................. 219

Figura 61. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.4. ............................................................................. 220

Figura 62. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.5. ............................................................................. 221

Figura 63. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.8. ............................................................................. 221

Figura 64. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.9. ............................................................................. 222

Figura 65. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.10. ........................................................................... 223

Figura 66. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A
Classe Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.11. ........................................................................... 224

Figura 67. Quadrinhos. Percy Deanne. “História d'A Classe Operária”. A Classe Operária.
Nº1.09 mar 1946. P.9. ........................................................................................................ 227

Figura 68. Quadrinhos. Percy Deane." História d'A Classe Operária". A Classe Operária. Nº2.
16 mar 1946. P.11. ............................................................................................................. 229

Figura 69. Quadrinhos. Percy Deane. História d'"A Classe Operária". A Classe Operária. Nº3.
23 mar 1946. P.11. ............................................................................................................. 230

Figura 70. Qaudrinhos. Percy Deane. "O problema da terra". A Classe Operária. Nº87. 23 ago
1947. P.4. ........................................................................................................................... 232

Figura 71. Desenho . Percy Deane. “Numa localidade paulista, 40% dos camponeses
abandonaram a terra”. A Classe Operária. Nº10. 11 maio 1946. P.2. .................................. 234
Figura 72. Quadrinhos. Percy Deane. "Programa mínimo para os municípios". A Classe
Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6......................................................................................... 236

Figura 73. Desenho Percy Deane. “Liberdade para os trabalhadores da Light”. A Classe
Operária. Nº 19. 13 jul 1946. P.1. ....................................................................................... 239

Figura 74. Fotografia. Homenagem à FEB. Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1. ................... 241

Figura 75. Desenho. Paulo Werneck. "Glória aos heróis da FEB". Tribuna Popular. 18 set
1945. P.1. ........................................................................................................................... 242

Figura 76. Ilustração. Paulo Werneck. "São miseráveis os salários dos trabalhadores rurais do
Norte". Tribuna Popular. 09 abr 1946. ................................................................................ 243

Figura 77. Desenho. Paulo Werneck. "A ameaça de despejo pesa sobre o morro". Tribuna
Popular. 18 jan 1946. P.8. .................................................................................................. 245

Figura 78. Desenho. Paulo Werneck. "1º de maio pela democracia". Tribuna Popular. 1º maio
1947. P.8. ........................................................................................................................... 246

Figura 79. Ilustração. Paulo Werneck. Trabalhadores da construção numa justa campanha.
Tribuna Popular. 18 out 1945. P.8. ..................................................................................... 247

Figura 80. Desenho. Paulo Werneck. "Canto anônimo para o cinquentenário de Prestes".
Tribuna Popular. 26 dez 1947. P. 8. .................................................................................... 249

Figura 81. Desenho “Traço para A Classe Operária”. Acervo Iconográfico. Pasta Cartazes.
APERJ. .............................................................................................................................. 250

Figura 82. Ilustração. Paulo Werneck. "Zona Comercial". Esfera. Jun 1945. ..................... 252
INTRODUÇÃO
15

INTRODUÇÃO

Esta tese procura investigar as relações formadas entre os artistas plásticos e o Partido
Comunista do Brasil1 entre 1945 e 1950, período de transformações políticas no partido.
Desta forma, será estudada a participação e as contribuições de artistas plásticos membros do
partido, a apropriação dos diferentes discursos escritos e visuais do PCB em relação às artes
plásticas, bem como os interesses de ambas as partes nesta ligação. A delimitação temporal
abrange desde o retorno do partido à legalidade em 1945, passando pela perda dos direitos
políticos em 1947, até 1950, quando é lançado o Manifesto de Agosto, que marcou a mudança
da linha da sua linha política, seguindo por vias mais radicalizadas. O período entre 1945 e
1950 apresenta, portanto, especificidades na trajetória do partido que se refletiram na grande
atração de artistas plásticos.
Em 1942 o PCB começou a reestruturar algumas publicações periódicas e editoriais
mostrando os primeiros passos do que seria uma rede complexa de imprensa. Eram novos
tempos nos quais o partido se reorganizava, após muitos anos na ilegalidade devido ao
Levante de 1935. No episódio, a repressão ao partido levou vários de seus membros à prisão,
entre eles grandes líderes comunistas como Luiz Carlos Prestes. Neste momento, o Partido
Comunista do Brasil iniciou a reativação de núcleos e comitês, bem como de editoras para
publicação de obras políticas que divulgassem textos de Karl Marx, Vladimir Lenin e Josef
Stalin, por exemplo, atividade que já era feita desde o início do partido na década de 1920.
Foi neste período que os núcleos do PCB que estavam reaparecendo começaram a tentar
definir as estratégias de uma ação política central. Os impactos da Segunda Grande Guerra
trouxeram a oportunidade de mostrar a importância da ação do PCB em âmbito nacional, mas
também exigiram um posicionamento decisivo no tocante à dicotomia que se apresentava ao

1
É importante explicitar que o PCB era no período de 1945 a 1950, anos aos quais esta pesquisa é
especificamente dedicada, chamado Partido Comunista do Brasil. Esta denominação esteve vigente de 1922 a
1961. No entanto, com as denúncias dos crimes de Stalin, em 1956, tornou-se problemática, pois evidenciaria ser
uma extensão do Partido Comunista da União Soviética no Brasil. Em 1961 o PCB modificou suas diretrizes e
procurou mostrar seu distanciamento das praticas de Stalin, adequando alguns itens de seu programa com o
intuito de se legalizar, inclusive mudando o nome para Partido Comunista Brasileiro, mas mantendo a sigla:
PCB. Em 1962, João Amazonas e Maurício Grabois lideraram uma dissidência que, discordando dos rumos
tomados, sairia da organização e fundaria (ou “refundaria”, segundo os propositores) o Partido Comunista do
Brasil, usando a sigla PCdoB. O PCdoB defendia a herança de Stalin e se alinharia com a China, enquanto o
PCB de Luiz Carlos Prestes continuaria com a União Soviética de Khrushchev. Após 1964, o PCB defenderia
formas não-violentas de resistência política à ditadura militar, enquanto o PCdoB enveredaria pelo caminho da
luta armada. (SEGRILLO, Ângelo. Rússia e Brasil em transformação. Uma breve história dos partidos russos e
brasileiros na democratização política. 7 letras. Rio de Janeiro, 2005. P.113-114).
16

apoiar a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados contra o nazi-fascismo, e para isso
apoiar o Estado Novo de Getúlio Vargas em uma União Nacional 2.
Em agosto de 1943 foi organizada a Conferência da Mantiqueira em Engenheiro
Passos no Rio de Janeiro. No evento se definiriam as diretrizes que o partido seguiria dali em
diante e Luiz Carlos Prestes foi escolhido líder do Comitê Central, mesmo estando preso.
Desta forma, o Partido Comunista do Brasil se reorganizaria. Destarte, a partir do ano de 1942
o PCB foi crescendo em poder e em número de militantes. Nos anos seguintes, e com as
estratégias que começaram a ser traçadas principalmente a partir da Conferência da
Mantiqueira, o PCB conseguiu conquistar mais apoio às suas ideias e multiplicar o número de
militantes. O partido aumentou consideravelmente seus integrantes em um curto período de
tempo, entre os anos de 1942 e 1945, passando de cem membros para cinquenta mil no pouco
tempo de reestruturação. Em 1946 o PCB contaria com quase duzentos mil membros filiados,
um crescimento exponencial3.
No ano de 1945 a conjuntura internacional passou por transformações devidas ao fim
da Segunda Grande Guerra em maio daquele ano. Os nazistas foram derrotados pelos Aliados
e o papel da União Soviética foi decisivo. Assim como as ideias e a experiência comunista
soviética ganhavam respeito por conta da participação na guerra ao lado dos Aliados e a
efetiva derrota alemã através dos exércitos soviéticos em Berlim, no Brasil os comunistas
pressionavam o governo a mudar determinadas posturas de caráter ditatorial que cerceavam
os direitos políticos da população.
Este foi o momento estratégico no qual os militantes do PCB lideraram campanhas
nacionais privilegiando as questões relacionadas aos direitos sociais, liberdades várias e ainda
a anistia dos presos políticos. Isso só fez aumentar o prestígio que o partido vinha alcançando
com a União Nacional desde 1942 até então. Em 1945 o prestígio do partido crescia entre
várias camadas sociais, como era verificado nos comícios e manifestações pela anistia e
democratização do país que reuniam milhares de pessoas 4. O processo de redemocratização
alcançava o ponto alto. Logo em fevereiro foram marcadas eleições para a presidência, para
os governos dos Estados e para as assembleias legislativas dentro de noventa dias. Em abril,
foram anistiados os presos políticos que ainda estavam encarcerados ou exilados, como
Prestes, não possibilitando, porém, reaverem cargos militares ou civis que porventura

2
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.46.
3
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P. 46 e 48.
4
FILHO, Daniel Aarão Reis. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943
e 1964. In: RIDENTI, Marcelo; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs) História do Marxismo no Brasil. Unicamp.
São Paulo, 2002.
17

ocupassem. A atuação do PCB foi fundamental para a conquista desses avanços democráticos,
inclusive para o retorno da ampla liberdade de organização partidária 5.
Neste momento, o PCB também voltou à legalidade e conseguiu desenvolver uma
gama variada de publicações, que contaria com revistas e jornais voltados para setores
diversos. Para tanto, contou com intelectuais como Astrojildo Pereira, que retornou às fileiras
do partido após quinze anos afastado e passou a atuar não mais no Comitê Central, mas na
organização cultural. Ele foi responsável pela articulação da intelectualidade brasileira
comunista, simpatizante ou de aspirações democratas para atuar em revistas de literatura e
teóricas, sistematizando a atuação no campo político-cultural6.
A rede de periódicos recebeu o nome de Imprensa Popular7 e poderia ser dividida em
categorias: revistas quinzenais ou mensais, jornais semanais e jornais diários regionais. O
aparato de publicações diárias chegou a dez periódicos, com os quais o Partido Comunista do
Brasil pôde alcançar diversos Estados brasileiros. Estes jornais apresentavam estruturas
semelhantes e o objetivo em comum de alcançar cada vez mais leitores nas regiões onde
circulavam. As temáticas adentravam nas questões locais, mas também tratavam da economia
e da política nacional e internacional, de esportes, da cultura e das artes. Nesta categoria, se
destacaram o Tribuna Popular (1945-1947) do Rio de Janeiro, então capital federal, o Hoje
(1945-1952) de São Paulo8 e O Momento (1945-1957) de Salvador9.
Os outros modelos de periódicos abrangiam também questões político-econômicas e
culturais, mas em diferentes medidas. Algumas publicações se destacavam como as revistas
político-culturais mensais Fundamentos (1948-1955) de São Paulo, Seiva (1938-1950) de
Salvador, Horizonte (1949-1956) de Porto Alegre10, Esfera (1938-1950) e a quinzenal
Divulgação Marxista (1946-194-) do Rio de Janeiro. Relativo às problemáticas político-
sociais da mulher, mas também sobre questões domésticas, foi criado Momento Feminino
(1947-1956) no Rio de Janeiro. De caráter político-econômico se destacava a revista mensal

5
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P. 49 e 50.
6
A respeito da importante figura de Astrojildo Pereira como parte da intelectualidade do partido e ligado às
políticas culturais. Cf. ARIAS, Santiane. O intelectual comunista Astrojildo Pereira e a política cultural. 1945-
1958. Revista de Iniciação Científica da FFC, v4. N1, 2004. P.82.
7
A Imprensa Popular representou o ápice da estrutura de imprensa do PCB, a respeito das suas bases e
importância, Cf. SERRA, Sônia. Jornalismo político dos comunistas no Brasil: diretrizes e experiências da
“Imprensa Popular”. Anais do II Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação e
Política, 2007.
8
A respeito do Hoje, Cf. POMAR, Pedro Estevam da Rocha. Comunicação, cultura de esquerda e contra-
hegemonia: o jornal Hoje. (1945-1952). Tese de Doutorado. PPGCOM/ECA - Universidade de São Paulo –
USP, 2006.
9
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA,
1995.P.30.
10
A respeito de Horizonte, Cf. DUPRAT, Andréia Carolina Duarte. Revista Horizonte (1949-1956) Imagem
impressa e questões políticas. Monografia de Graduação. História da Arte – UFRGS, 2013.
18

Problemas (1947-1956) do Rio de Janeiro, dirigida por Carlos Marighela e depois por
Diógenes Arruda11. A Classe Operária foi das mais importantes publicações do PCB ao longo
de sua história e no período entre 1946 e 1949 se destacou como órgão oficial do partido,
circulando semanalmente. O jornal teve atividade irregular desde seu início em 1925 até seu
fim 1952 devido à repressão política, mas manteve sua relevância para o partido nessa
trajetória12.
De modo geral, os diferentes modelos apresentavam caráter educativo e buscavam a
organização das lutas políticas. Deve-se destacar o empenho financeiro e político dos
comunistas com estas publicações para inserir-se na política nacional de forma competitiva, o
que era garantido através da venda dos exemplares, mas também com arrecadação através de
campanhas, festas, leilões, rifas, doações e investimento dos recursos do partido. Estes e
outros periódicos ligados ao PCB mantinham especificidades, no entanto, compartilhavam
material jornalístico vindo da agência de notícias mantida pelo partido, a Interpress, sediada
no Rio de Janeiro. Além disso, alguns jornalistas, escritores, artistas e outros poderiam
contribuir para mais de uma destas publicações.
A rede de imprensa atrelada ao PCB promovia a circulação das suas perspectivas em
relação à história, à atualidade e às artes, bem como suas ideias presentes nos produtos
culturais que veiculava, como poesias, crônicas, desenhos e fotografias. O aparato montado
tinha grande alcance por todo o país e atuava de forma considerável na formação e expressão
política e intelectual de acordo com os preceitos defendidos pelo partido 13. Deste modo, a
imprensa mostrou-se fundamental para a expansão do PCB, especialmente neste momento
imediatamente pós-guerra. O Partido Comunista do Brasil contava, neste momento, com o
fortalecimento de suas editoras, retomadas desde 1944 com a organização da Editorial Vitória
(1944-1964)14, e ainda com a Edições Horizonte (1945-1948) que depois foi incorporada à

11
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA, 1995. P.
29-33.
12
A Classe Operária foi inaugurada em maio de 1925, circulando por três meses. Foi relançado em maio de
1928, mantendo-se até meados de 1929. Nestas duas fases foi fechado devido à repressão do governo. Em 1930
reabriu e circulou ilegalmente e de forma irregular até o fim do Estado Novo, passando por perseguições,
apreensões e retomadas. Em 1946, já depois do PCB retomar seus direitos políticos, voltou a circular legalmente
como órgão oficial do partido e com a direção de Maurício Grabois. Manteve-se com publicação semanal e
conteúdo variado sobre o cotidiano, além de textos teóricos. Com a cassação do registro do PCB em 1947, o
jornal passou a ser reprimido até ser fechado em 1949. Em 1951 voltou como publicação mensal e viés mais
teórico, sendo fechado definitivamente pelo PCB em 1952. A CLASSE Operária. Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional. <http://bndigital.bn.br/artigos/a-classe-operaria/> Acesso em: 08 jun. 2016.
13
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA, 1995.
P.38.
14
A respeito da Editorial Vitória, suas origens, estrutura, objetivos e levantamento de sua produção Cf. MAUÉS,
Flamarion. A Editorial Vitória e a Divulgação das Ideias Comunistas no Brasil (1944-1964). In: DEAECTO,
19

Vitória, a Edições Calvino que não pertencia ao partido, mas mantinha publicações afinadas
às editoras ligadas ao PCB. Estas e outras editoras contribuíam com a regular publicação de
obras literárias ou teóricas de autores soviéticos e de comunistas de outras nacionalidades.
Deste modo, eram publicados, por exemplo, tanto livros teóricos de autoria de Luiz Carlos
Prestes, quanto literários de Jorge Amado. Entre 1945 e 1964, o PCB manteve uma
distribuidora e várias livrarias em diversas cidades do país, o que demonstra a considerável
inserção na circulação de livros no Brasil15.
Entre 1945 e 1947, o Partido Comunista do Brasil obteve conquistas muito
importantes. O objetivo de alcançar “as massas” proclamado por Luiz Carlos Prestes em seus
discursos parecia ser alcançado, pois o número de membros aumentava exponencialmente ao
longo desses dois anos. Outro fator que demonstra essa expansão do partido é o número de
candidatos eleitos nos processos eleitorais dos quais participou no período ter sido
significativo, bem como o percentual de votos dos seus candidatos, mesmo dos que não se
elegeram. Nestes pleitos, foram eleitos nomes como senador Luiz Carlos Prestes e como
deputado federal Jorge Amado e Carlos Marighella. Candido Portinari, por exemplo, apesar
de obter muitos votos, não conquistou o cargo de senador por São Paulo, o que gerou
questionamentos quanto à lisura da apuração eleitoral. Em 1946, o Partido Comunista do
Brasil se fez presente na Constituinte através de uma pequena e minoritária bancada. No
entanto, se destacou diante das causas dos trabalhadores, como o direito à greve, a liberdade e
a autonomia dos sindicatos16.
O crescimento do partido e a estabilidade que parecia manter não foram suficientes
para evitar que fosse novamente cassado seu registro. Durante o Estado Novo todos os
partidos haviam sido proibidos e apenas em 1945 a livre organização partidária foi permitida
novamente, como foi visto. Contudo, desta vez, em 1947 apenas o PCB teve seu registro
cassado. Os motivos foram vários. A intensificação da Guerra Fria fortalecia uma atmosfera
de temor aos comunistas pelo mundo que se opunha a eles. A aliança do governo brasileiro

Marisa Midori; MOLLIER, Jean-Yves (Orgs). Edição e Revolução: leituras comunistas no Brasil e na França.
Cotia, SP: Ateliê Editorial/ Belo Horizonte, MG: Editora UFMG, 2013. Pp. 121-152.
15
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Salvador: CED-UFBA, 1995. P.
44-52.
16
Em 1946, o candidato à presidência apoiado pelo PCB, Yeddo Fiúza, alcançou 600 mil votos (cerca de 10%
do total), o que lhe garantiu o segundo lugar. Prestes foi eleito senador pelo então distrito federal, o Rio de
Janeiro, e também deputado federal e por diversos estados e suplente por outros. Para deputados federais o PSD
elegeu 151, a UDN 83, o PTB 22 e logo em seguida aparecia o PCB com 14, à frente de outros tantos partidos.
Em 1947, os resultados continuaram expressivos. Foram eleitos deputados estaduais e vereadores em diversos
municípios. SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.54 e
55; SEGRILLO, Angelo. Rússia e Brasil em transformação. Uma breve história dos partidos políticos russos e
brasileiros na democratização política. Rio de Janeiro: 7letras, 2005. P.208.
20

com os Estados Unidos sustentava o incômodo que o crescimento do Partido Comunista já


causava e impulsionava ações contra a ascensão dos comunistas. Dutra encontrou o apoio
necessário entre seus aliados reacionários e liberais. A volta do PCB à ilegalidade deve-se a
razões políticas junto ao medo do crescimento do comunismo. As campanhas anticomunistas
estavam ganhando força com o peso da Guerra Fria e as perseguições ao Partido levaram à
sua cassação17.
Acabava o período que parecia tão promissor, toda a estrutura partidária, a rede de
imprensa, nada resistiria à investida das forças repressivas amparadas na decisão judicial. De
imediato, as sedes foram fechadas, assim como os núcleos e vários periódicos, enquanto
alguns resistiriam por mais algum tempo. No final de 1947, é determinada pelo Senado a
demissão dos funcionários públicos suspeitos de serem comunistas. De todo modo, vale
ressaltar a atuação da polícia política ao longo do período de legalidade do PCB (1945-1947).
Este momento se insere no dito intervalo democrático brasileiro, iniciado com o fim do
Estado Novo em 1945 e encerrado em 1964 com o golpe militar. No entanto, a polícia política
monitorou ostensivamente membros do Partido Comunista e suspeitos de ligação com o
partido, bem como o conteúdo de seus periódicos que sofreram com empastelamentos antes
de serem fechados definitivamente18.
No ano de 1948 o impacto foi ainda maior e as conquistas do partido se esvairiam em
poucos meses. Em janeiro os mandatos dos parlamentares eleitos pelo PCB foram cassados e
assim, a lei que já impedira novos candidatos do partido, desta vez retroagia seus efeitos
retirando o direito adquirido de exercerem a função que conquistaram pelo voto 19. Muitos
protestos e denúncias contra as arbitrariedades foram feitas, mas não foram suficientes. As
sedes do partido foram fechadas pela polícia e o esforço para salvar os arquivos não evitou
que a maioria fosse perdida ou apreendida pela polícia política. A cassação do registro
político do PCB e dos mandatos de seus membros repercutiu na imprensa liberal que mostrou
apoio ao anticomunismo instaurado, revelando a preocupação com as questões empresariais,
apesar de declararem-se defensores de uma democracia20.

17
FILHO, Daniel Aarão Reis. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil entre 1943
e 1964. In: RIDENTI, Marcelo; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs) História do Marxismo no Brasil. Unicamp.
São Paulo, 2002. P.75.
18
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.59.
19
A respeito do processo de cassação da legenda e dos mandatos do PCB Cf. REZENDE, Renato Arruda de.
1947, o ano em que o Brasil foi mais realista que o rei: o fechamento do PCB e o rompimento das relações
Brasil-União Soviética. Dissertação de Mestrado. PPGH/UFGD. Dourados, 2006. P79-106.
20
A este respeito Cf. SILVA, Héber Ricardo. A democracia impressa: transição do campo jornalístico e do
político e a cassação do PCB nas páginas da grande imprensa 1945-1948. São Paulo: Editora UNESP/Cultura
Acadêmica, 2009.
21

Novamente, o Partido Comunista do Brasil estava na ilegalidade e neste momento suas


possibilidades já não eram mais as vias legais. Aos poucos uma nova postura seria adotada,
com mais radicalidade e novas estratégias de ação política. A resistência e os esforços para o
retorno à legalidade não seriam suficientes diante da progressiva perseguição aos militantes
do PCB, levando militantes e dirigentes a rever sua política. A recém-criada Agência de
Informação dos Partidos Comunistas (Cominform)21 provocou algumas mudanças na postura
política do PCB. O Manifesto de Janeiro de 1948 esboçaria uma nova tática política que
reconsiderava a posição adotada até então de colaboração dos operários e patrões e aliança
com a “burguesia-progressista” contendo a luta proletária e dando pouca atenção às lutas dos
trabalhadores rurais contra o latifúndio. Através desta autocrítica, assumiam a falta de firmeza
na oposição ao governo Dutra, o caráter reformista e a busca por ordem e tranquilidade. A
nova estratégia mirava no anti-imperialismo e na revolução agrária, considerando que assim
superariam as condições que entendiam ser de atraso22.
As mudanças no ambiente político e a exacerbação da repressão modificaram aos
poucos a postura do partido e em 1950 haveria uma maior radicalização no perfil e atuação do
PCB, postura esta que recrudesceria ao longo da década. Neste ano foi lançado o Manifesto
de Agosto que reelaboraria o que foi apresentado no manifesto anterior. A partir da denúncia
da miséria e fome crescentes, da exploração dos trabalhadores principalmente rurais e contra
o imperialismo norte-americano ao qual o governo brasileiro se submeteria. Na concepção
defendida, o Brasil caminhava para a perda da soberania nacional, o que favoreceria apenas
aos grandes latifundiários, banqueiros, comerciantes e industriais que permitiam intervenção
em troca de lucros financeiros23. O Manifesto de 1950 estabelece uma radicalização na
divisão política e social de forma dicotômica:
De um lado o Sr. Dutra, com a sua maioria parlamentar, com os latifúndios e
grandes capitalistas que o apoiam, com os dirigentes de todos os partidos políticos
das classes dominantes, que quer a guerra, a colonização, o terror e a fome do povo.
De outro, as grandes massas trabalhadoras, operários e camponeses, os intelectuais
honestos que não se prostituem aos opressores estrangeiros ou a seus agentes no
país, o funcionalismo pobre civil e militar, os estudantes, os pequenos comerciantes
e industriais, a maioria esmagadora de nosso povo enfim, que luta contra a miséria,
que quer paz e liberdade, que luta pela independência da pátria do jugo
imperialista24.

21
O Cominform (1947-1956) foi criado em 1947 por Stalin para retomar a centralidade nas concepções do
Partido Comunista da União Soviética na direção do Movimento Comunista Mundial após o fim da Internacional
Comunista.
22
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.61-62.
23
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.61-62.
24
PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de Agosto de 1950. Voz Operária. Rio de Janeiro, 5 ago 1950. P.1-4.
22

O Manifesto de Agosto de 1950 propunha a união de forças em uma ampla “Frente


Democrática de Libertação Nacional” que congregaria toda a classe trabalhadora em todos os
espaços para lutar, segundo o programa, “por um governo democrático e popular”, “pela paz e
contra a guerra imperialista”, “pela imediata libertação do Brasil do jugo imperialista”, “pela
entrega da terra a quem a trabalha”, “pelo desenvolvimento independente da economia
nacional”, “pelas liberdades democráticas para o povo”, “pelo imediato melhoramento das
condições de vida das massas trabalhadoras”, pela “instrução e cultura para o povo” e “por
um exército popular de libertação nacional” 25. A partir deste manifesto diversas publicações
enveredaram também para a defesa da luta armada.
Esta nova linha política foi posta em prática de forma gradual nos setores de atuação
do PCB, formando sindicatos ou associações independentes da subordinação ao estado e em
lutas de massas, nas quais o partido investia visando possíveis estopins revolucionários. Ainda
estiveram à frente de lutas pelo cumprimento das determinações da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT) e com campanhas pelo monopólio estatal do petróleo, pela paz mundial,
contra a carestia de vida ou o envio de soldados brasileiros para a guerra da Coréia. Apesar
das dificuldades, mantiveram na década de 1950 o trabalho de organização dos trabalhadores
rurais iniciado em 1945 e 1946 com as ligas camponesas. Marcadamente, em 1956 o XX
Congresso do Partido Comunista da União Soviética e o relatório de Kruschev em 1956
levariam ao processo de desestalinização do Partido Comunista do Brasil em 1958, quando
modificariam a linha política adotada até então26. Por tais mudanças que o manifesto propõe
levando o partido a uma linha política mais radicalizada, o recorte temporal desta tese se
encerra com o momento de sua divulgação.
A relação do PCB com intelectuais e artistas passou por diferentes fases ao longo de
sua história. Essa proximidade começou a ser expressiva já na década de 193027 e em 1945 se
intensificaria com o retorno à legalidade e a linha política adotada. Na década de 1940 o
Partido Comunista do Brasil procurou estabelecer uma relação com a cultura e com artistas de
diversas esferas, assim como membros da intelectualidade brasileira. Esta ligação foi benéfica
principalmente no que diz respeito ao modo como o partido era visto na sociedade. Artistas já
reconhecidos socialmente e que tinham suas declarações e posicionamentos divulgados por

25
PRESTES, Luiz Carlos. Manifesto de Agosto de 1950. Voz Operária. Rio de Janeiro, 5 ago 1950. P.1-4.
26
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.64-65.
27
A respeito da relação entre intelectuais e o PCB na década de 1930 há diversos trabalhos, podendo-se destacar
um que reúne textos de relevantes estudiosos do assunto, a saber: Muniz Ferreira, Ana Paula Palamartchuk,
Dênis de Moraes, Marcos Napolitano, Marcelo Badaró Mattos, Jayme Lúcio Ribeiro, Valéria Lima Guimarães,
Rodrigo Czajka, Rosângela Patriota, Arthur Autran e os organizadores. Cf. ROXO, Marco; SACRAMENTO,
Igor (Orgs.). Intelectuais Partidos: os comunistas e as mídias no Brasil. Rio de Janeiro: E-Papers, 2012.
23

diferentes meios de comunicação, ao se filiarem ao PCB amenizavam a visão que se poderia


ter de radicalidade no partido. Ao mesmo tempo estes artistas e intelectuais também
colaboravam levando os ideais e as propostas comunistas aos meios nos quais se inseriam.
A reestruturação do PCB e o estreitamento da relação com intelectuais e artistas ao
longo dos dois anos de legalidade e dos três anos imediatamente seguintes foram de grande
importância para o partido, pois contribuíam para o seu prestígio social e consequentemente
para a atração de mais membros e maior propagação de suas propostas. Destarte, textos de
intelectuais e artistas, bem como as produções artísticas também puderam alcançar muitas
pessoas, principalmente através da estrutura partidária de imprensa, de editoras e por
exposições. O fortalecimento que teve no breve período de legalidade e diante do cenário
político nacional o levou alcançar grande número de filiados de diferentes categorias sociais,
o que se manteve ainda nos anos subsequentes. Neste período se evidenciou a ligação do
Partido Comunista do Brasil com as resoluções soviéticas, inclusive no que diz respeito à
cultura e a atração de membros ligados às artes.
A arte oficial soviética neste momento era o realismo socialista e foi a única vertente
artística permitida na URSS desde 1932, ainda início da liderança de Josef Stalin (1924-
1953). Desta forma, toda expressão artística deveria seguir as diretrizes impostas pelo
realismo socialista: traços de caráter realista com fácil compreensão do observador, temáticas
que educassem o povo e, sobretudo, que se restringissem aos feitos do governo, às conquistas
e ao cotidiano do proletariado 28. No Brasil, o PCB promoveu uma apropriação desta vertente
e defendeu suas diretrizes, desenvolvendo uma versão do realismo socialista dos membros do
Partido nas produções artísticas voltadas para o próprio partido 29. O realismo socialista foi
importante suporte para a arte produzida por artistas ligados ao PCB. As ideias-força
chegaram ao Brasil em 1945 através do próprio partido e ao longo dos anos seguintes
encontraram artistas que as incorporaram, defenderam e que produziram suas obras a partir
das preocupações sociais trazidas por esta vertente artística 30. A partir de 1948, com as
mudanças políticas internas, o realismo socialista se fortaleceu no partido, mas perdeu espaço

28
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao zdhanovismo. In: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do
Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume IX.
29
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
Rio de Janeiro, José Olympio 1994.
30
Vale ressaltar que a arte de cunho social já era produzida no Brasil anteriormente. Aracy Amaral trata do
desenvolvimento da arte com preocupações em relação a sua função social já desde a década de 1920, mas
ressalta que desde o início dos anos 1930 se delineou com mais clareza nas obras dos artistas plásticos. Cf.
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira, 1930-1970. São Paulo: Studio Nobel,
2003.
24

em meados da década de 1950, quando foram denunciados crimes de Stalin e deixou de ser
arte oficial na URSS também.
A política cultural do PCB era parte da doutrina de expansão para as massas dos ideais
políticos comunistas. A tática da União Nacional junto à estratégia nacional-democrática
contribuiu para a grande adesão de novos militantes, e dentre eles intelectuais e artistas. O
desenvolvimento de uma interpretação do realismo socialista soviético foi promovida pelos
artistas militantes do Partido Comunista do Brasil. Deste modo, a apropriação feita do
realismo socialista para a sociedade brasileira enfocava a necessidade de a arte chegar à
classe trabalhadora através de temas brasileiros, especialmente aqueles que abordassem a vida
do trabalhador do campo ou da cidade. A imprensa teve papel fundamental para este fim,
divulgando artigos e debates acerca dos propósitos desta vertente artística travados entre
intelectuais, artistas, membros e não membros do partido. O PCB, assim como outros partidos
comunistas do mundo, se alinhou às diretrizes stalinistas e adotou o realismo socialista ainda
em 194531, mas de forma mais sistemática a partir dos manifestos de 1948 e 1950. A
apropriação do realismo socialista soviético por parte do PCB como parte de sua política
cultural contribuiu para a atuação na cena artística nacional e se modificou de acordo com o
contexto político que foi se apresentando.
Os fundamentos do realismo socialista alcançaram ao longo desses anos diferentes
âmbitos das artes 32. Embora de formas bem diferentes de acordo com os diferentes suportes
ou modos de expressão, artistas de renome podem ser apontados nas diversas áreas. Na
literatura33 Jorge Amado encontrou destaque, embora outros escritores procurassem em certa
medida temas e formas que coadunavam com as propostas do realismo socialista34. Na
arquitetura, Oscar Niemeyer; na música César Guerra Peixe (1914-1993), Cláudio Santoro

31
ARAUJO, Mônica da Silva. A arte do partido para o povo: o realismo socialista no Brasil e as relações entre
artistas e PCB (1945-1958). Dissertação de Mestrado. UFRJ/IFCS-PPGHIS. Rio de Janeiro, 2002.
32
A discussão sobre o realismo socialista em vários âmbitos da arte brasileira foi apresentada por Dênis de
Moraes em obra que procura estabelecer a relação da imprensa comunista com esta vertente artística soviética no
Brasil no período entre 1947 e 1953. Moraes traça um panorama do posicionamento dos artistas ligados ao PCB
e ao realismo socialista em relação às outras formas de arte divulgadas ou produzidas no Brasil neste período
citado. MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil
(1947-53). Rio de Janeiro, José Olympio 1994.
33
Sobre este assunto, no que diz respeito ao campo literário Cf. MATTOS, Marcelo Badaró (org) Livros
Vermelhos: Literatura, trabalhadores e militância no Brasil. Faperj/Bom Texto. Rio de Janeiro, 2010.
34
Sobre a relação entre Graciliano Ramos e Jorge Amado com o PCB e suas produções artísticas com as
diretrizes artísticas do partido Cf. ARAUJO, Mônica da Silva. A arte do partido para o povo: o realismo
socialista no Brasil e as relações entre artistas e PCB (1945-1958). Dissertação de Mestrado. UFRJ/IFCS-
PPGHIS. Rio de Janeiro, 2002; BARBOSA, Júlia Monnerat. Militância política e produção literária no Brasil
(dos anos 30 aos anos 50): as trajetórias de Graciliano Ramos e Jorge Amado e o PCB. Tese de Doutorado.
PPGH/UFF. Niterói, 2010, PALAMARTCHUK, Ana Paula. Os novos bárbaros: escritores e comunismo no
Brasil – 1928-1948. Tese de Doutorado. IFCH/UNICAMP. Campinas, 2003.
25

35
(1919-1989) e músicos de Escolas de Samba36; na cinematografia, Nelson Pereira dos
Santos, Alex Viany (1918-1992), Carlos Ortiz (1910-1995), Walter da Silveira (1915-1970),
Rodolfo Nanni (1924-), Oduvaldo Vianna (1892-1972) e Ruy Santos (1916-1989); no teatro
Jackson de Souza (1917-1996) e Antônio Bulhões37. Estes e tantos outros artistas ligados ao
PCB mostravam que os diferentes campos artísticos poderiam e deveriam ser um meio de
levar ao povo os ideais revolucionários, a consciência de se fazer parte de uma classe
operária.
A partir deste panorama é possível notar um pouco do grande alcance do PCB no meio
artístico e o envolvimento dos artistas com uma produção comprometida com questões sociais
e de caráter educativo, fundada nos preceitos do realismo socialista. Apesar dos artistas
plásticos apresentarem origens e tendências visuais diversas, comungavam da mesma linha
política38. Esteticamente essa flexibilidade se alteraria conforme os novos direcionamentos
políticos do partido, já podendo ser sentidas com o Manifesto de Janeiro de 1948 e enrijecida
com o Manifesto de Agosto de 1950. A atividade intelectual e artística passou a sofrer
progressivo controle de acordo com as determinações teóricas do partido, cada vez mais
alinhadas com o realismo socialista soviético. A rigidez aumentaria, assim como as acusações
de traição ou de aproximação com a burguesia39.
Para o desenvolvimento do presente trabalho faz necessária a compreensão da
importância do uso de imagens para a construção de um entendimento sobre o passado e
como objetos de investigação e intelecção. Há entre os historiadores, distintas formas de
entendimento daquilo que pode ser chamado de cultura visual segundo discussão apresentada
por Paulo Knauss40. O debate historiográfico em torno desta categoria tende a levar à
compreensão da imagem a partir do entendimento do figurado. Dessa forma, as imagens
surgem como objetos repletos de significados históricos e culturais. Knauss destaca que o

35
Cf. GIANI, Luiz Antônio Afonso. As trombetas anunciam o paraíso: a recepção do realism socialista na
música brasileira, 1945-1958. (da “Ode a Stalingrado” a “Rebelião em Vila Rica”). Tese de Doutorado –
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP, 1999.
36
Sobre a relação do PCB com o samba no período entre 1945 e 1950, especialmente nas páginas do jornal
Tribuna Popular Cf. GUIMARÃES, Valéria Lima. O PCB cai no samba: os comunistas e a cultura popular
1945-1950. Imprensa Oficial/APERJ. Rio de Janeiro, 2009.
37
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro, José Olympio 1994. P.186.
38
SCLIAR, Carlos. Depoimento a autora. 30-01-1982. Rio de Janeiro. Apud AMARAL, Aracy. Arte para que?
A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. Studio Nobel, 2003.P. 157.
39
SEGATTO, José Antônio. Breve História do PCB. Livraria Ed. Ciências Humanas. SP, 1981. P.66.
40
KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual. In: ArtCultura, Uberlandia,
v. 8, n. 12, p. 97-115, Jan.-jun. 2006.
26

estudo da construção social do visual, por um lado, e o da construção visual de um


entendimento do social por outro, são cada vez mais importantes para as ciências humanas.
A partir destas considerações é importante ressaltar que a utilização de imagens como
fonte historiográfica proporciona uma larga gama de possibilidades, mas há de se atentar para
a problemática que envolve esta opção. Ao analisar imagens torna-se necessário abranger o
seu entorno: as circunstâncias sociais e artísticas. Desta forma, procura-se compreender o que
Michael Baxandall chama de olhar de época, que seria a forma de se aproximar dos distintos
ambientes de feitura de uma obra 41. Este autor defende que as circunstâncias sociais têm
efeito particular nas decisões sobre a composição visual das obras: elas envolvem
expectativas da crítica, a lógica particular do mercado da arte e o mosaico sociocultural a
partir do qual as obras de arte são dotadas de significado. Ele não propunha uma metodologia
amplamente generalizável a outros estudos de história da arte, mas convida os estudiosos dos
objetos visuais a uma reflexão sobre o caráter sociocultural da produção de arte visual.
Entretanto, deve-se ressaltar que não é possível o descortinamento e a apreensão total
e o da obra, no entanto, fazem parte do esforço que se pretende aqui e de modo geral ao
historiador que se vale da arte como fonte historiográfica, como afirma Giulio Argan42. Este
autor observa ainda que não basta identificar os elementos da obra e relacioná-los ao que ele
representa na realidade deve-se atentar ao que se apresenta na obra, mas também como se
apresenta ao expectador e como este a percebe. Esta questão do efeito da imagem no
expectador é relevante, pois promove o diálogo entre a intenção do artista que a produziu e a
recepção. Baxandall sugere que logo após o reconhecimento dos efeitos que a obra causa em
nós, devemos fazer inferências sobre as razões para a imagem nos causar tais efeitos 43. A
compreensão dos efeitos de uma imagem está ligada ao entendimento da sua função e do local
onde foi veiculada. Jean Claude Schmitt afirma que:
Na relação entre a forma e a função da imagem, encontra-se expressa a intenção do
artista, do financiador e de todo o grupo social envolvido na realização da obra;
nesta se inscrevem de antemão o olhar do ou dos destinatários e os usos, por
exemplo litúrgicos, da imagem. Devem ser levados em conta não somente o gênero
da imagem, mas o lugar ao qual era destinada (bem diferente do museu ou da
biblioteca onde na maior parte das vezes encontra-se hoje), sua eventual mobilidade
(ela podia, por exemplo, ser levada em procissão) assim como o jogo interativo dos

41
BAXANDALL, Michael. O olhar renascente: pintura e experiência social na Itália da Renascença. Paz e
Terra. Rio de Janeiro, 1991.
42
ARGAN, Giulio. Clássico e Anticlássico. O Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. Cia das Letras. São
Paulo, 1999.
43
BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção. A explicação histórica dos quadros. Companhia das Letras.
São Paulo, 2006.
27

olhares cruzados que as figuras trocam entre si no interior da imagem e com os


espectadores fora da imagem44.

É pertinente observar o quanto o uso das artes e de imagens em geral pode contribuir
para ampliar as possibilidades de compreensão e estudo historiográfico. Desta forma:

Recolocar as imagens no conjunto do imaginário social, com suas implicações de


poder e de memória, sem negar a contribuição específica dos historiadores da arte ao
conhecimento das obras e das tradições artísticas, eis qual deve ser atualmente nossa
tarefa comum45.

Pois, como diz ainda Schmitt: “Um duplo desafio – analisar a arte em sua
especificidade e em sua relação dinâmica com a sociedade que a produziu – apresenta-se
assim ao historiador da imagem” 46. A importância da análise da sociedade brasileira através
de imagens reproduzidas em massa em periódicos se mostra bastante pertinente neste estudo
que abrange a segunda metade da década de 1940. Neste momento, menos da metade da
população era alfabetizada 47, logo as imagens ganham papel expressivo na difusão de
informações e de ideais. Deste modo, percebe-se como a iconografia pode ampliar as
possibilidades do estudo historiográfico, pois deste modo, pode-se “Recolocar as imagens no
conjunto do imaginário social, com suas implicações de poder e de memória, sem negar a
contribuição específica dos historiadores da arte ao conhecimento das obras e das tradições
artísticas, eis qual deve ser atualmente nossa tarefa comum” 48. Assim, a partir deste ponto de
vista teórico-metodológico proponho uma abordagem de visão mais ampla da História Social
relacionada à perspectiva da cultura visual, na qual se operam diferentes tipos de imagens,
bem como contribuições da História da Arte, da História Cultural e da História Política.
Esta tese será desenvolvida com base nestes pressupostos, visto que a relação entre
artistas plásticos e o PCB passa necessariamente pela produção artística com finalidade
partidária e que se apresenta como um dos meios para a compreensão dos processos de
construção visual em diálogo com as diretrizes do partido. Deste modo, o estudo das imagens
como documentos para a construção de um entendimento sobre o passado e como objeto de

44
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007.p . 47.
45
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007.p.46.
46
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007. P. 33.
47
Dados do IBGE de 1940, mostram que cerca de 46% da população era alfabetizada. INSTITUTO Brasileiro de
Geografia e Estatística. Censo demográfico – população e habitação. Recenseamento Geral do Brasil (1º de
setembro de 1940). Série Nacional. Volume II. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1950.
48
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. São Paulo:
Edusc, 2007. P. 46.
28

investigação e intelecção torna-se também minha preocupação. A interação do artista com o


partido é um ponto importante para uma reflexão mais ampla da forma como se dava a
atuação e entendimento social e cultural do PCB à época. A análise da relação com os artistas
plásticos possibilita o diálogo com diversas questões que a permeiam, relativos às artes ou as
dinâmicas políticas e sociais nas quais se inseriam.
A primeira parte da tese tratará das discussões sobre o engajamento dos artistas nas
questões políticas e da reverberação nas obras. A análise percorrerá as propostas e práticas na
União Soviética, pela América Latina e no Brasil, especialmente no imediato pós-Segunda
Guerra. No primeiro capítulo é analisado o processo de desenvolvimento do realismo
socialista na URSS, as formas como se estabeleceu e se apresentou na prática e a
consolidação enquanto arte oficial soviética e única permitida nos seus territórios no período
de Stalin. Em seguida procura-se traçar de forma mais específica as perspectivas dos
intelectuais soviéticos para definir as formas e funções das artes, seriam as bases que
permeariam o seu desenvolvimento e expansão inclusive mais tarde no Brasil, através do
PCB. O segundo capítulo trata dos debates travados entre os intelectuais soviéticos sobre a
atuação dos artistas no período de implantação do realismo socialista. Deste modo, busca-se
traçar as noções que pautavam a atividade e responsabilidades atribuídas aos produtores de
arte na União Soviética. Logo após, discute-se a crítica social na produção dos artistas latino-
americanos, buscando afinidades e divergências com as propostas soviéticas pautadas no
realismo socialista.
No terceiro capítulo procura-se mostrar a importância do debate sobre a função das
artes e dos artistas plásticos para o Partido Comunista do Brasil. Para tanto, são analisadas as
propostas e críticas formuladas em veículos da imprensa do partido sobre a atuação dos
artistas na sociedade e como a arte deveria se configurar em sua forma e conteúdo. Nesta
perspectiva, é discutida a relação entre artistas plásticos e o partido, mostrando a valorização
dos artistas por parte do partido e a forma como este vínculo era estabelecido.
Na segunda parte pretende-se esmiuçar o envolvimento dos artistas plásticos com o
PCB através das atividades e produções voltadas para o partido. Deste modo, no quarto
capítulo é analisada a organização dos artistas plásticos comunistas enquanto categoria, a
importância dada pelo partido ao envolvimento oficial dos artistas. O quinto capítulo trata de
exposições coletivas que contaram com os artistas plásticos do PCB em benefício do partido e
das bandeiras que levantavam. A reunião dos artistas e a contribuição através da arte encontra
seu melhor exemplo na “Exposição dos Artistas Plásticos do PCB” em1945, à qual é
conferida maior atenção.
29

Por fim, o sexto capítulo mostra a militância dos artistas através das ilustrações para
periódicos do partido, tratando de casos em que artistas contribuíram eventualmente, mas
também da atividade regular de Percy Deane e Paulo Werneck para A Classe Operária e
Tribuna Popular, respectivamente. Desta forma, o aparato visual deve ser um dos meios para
compreender a complexa relação entre os artistas plásticos e o partido; e ainda conferindo
ressonâncias dos debates travados sobre as artes e a atuação dos artistas na URSS, América
Latina e no PCB no período analisado.
30

PARTE I
OS ARTISTAS PLÁSTICOS E AS NUANCES ENTRE A ARTE E A POLÍTICA

CAPÍTULO 1
A ARTE VOLTADA PARA O POVO
31

PARTE I- OS ARTISTAS PLÁSTICOS E AS NUANCES ENTRE A ARTE E A


POLÍTICA

CAPÍTULO 1 – A ARTE VOLTADA PARA O POVO

As artes alcançavam destaque na pauta dos debates na União Soviética desde a


Revolução de Outubro de 1917 sob diferentes perspectivas, mas em grande parte voltadas
para as transformações pelas quais passavam nos âmbitos político, econômico e social. A
partir da ascensão de Stalin ao poder, em 1924, novas concepções se apresentaram e, na
década de 1930, a proposta stalinista para as artes começou a tomar forma. Em 1934 o
realismo socialista se configuraria como expressão oficial da arte soviética e única via
possível de produção artística. Durante a Segunda Guerra e a partir de seu desfecho positivo
para a União Soviética, o poder de Stalin se consolidou bem como a arte realista socialista se
fortaleceu.
As reverberações desta expressão artística se dariam em diversos países pelo mundo,
partindo de artistas engajados nas lutas sociais. Na América Latina, palco de grandes
desigualdades sociais, não seria diferente. No Brasil, também arena de largas disparidades
econômicas e conflitos sociais, teve suas experiências artísticas em diálogo com o que ocorria
no mundo, especialmente na URSS e nos países latinos.
Neste capítulo, pretende-se analisar a forma como este processo de estruturação e
fortalecimento do realismo socialista se deu na URSS e as implicações das resoluções
stalinistas para as artes plásticas. Para tanto, busca-se ainda determinar o que entendiam por
ser as formas e as funções das artes, bem como o que determinavam como o papel social do
artista. Será tratada ainda, a experiência das artes plásticas latino-americanas no período com
o objetivo de compreender as reverberações soviéticas e latinas na arte brasileira.

1.1. O realismo socialista: desenvolvimento e consolidação na URSS

A preocupação com a arte e com o que deveria ser sua função social e política se
evidenciou na Rússia com a Revolução Bolchevique em outubro de 1917. A partir de então
passou a ser motivo de debates entre artistas e intelectuais o modo como a cultura deveria
servir à Revolução e qual o controle que o Estado deveria exercer sobre a vida intelectual da
32

população49. No entanto, os artistas e escritores russos que mantiveram-se a par da movimento


moderno na Europa Ocidental desenvolveram suas versões de uma arte que rompia com o
passado e com os preceitos da tradição nobre e burguesa: era o futurismo russo, o
construtivismo e o suprematismo 50. Esta vanguarda cultural pôde estar junto e com uma visão
indistinta, mas poderosa, da essencialmente nova sociedade que se formava 51.
Em fevereiro em 1917, com a chamada revolução burguesa que levou o Czar a abdicar
do seu trono, houve uma efervescência no debate político aparecendo meses depois o
Proletkult, uma forma de organização da arte cujo nome significa “cultura proletária”. O
Proletkult foi concebida pelo comunista Aleksandr Bogdanov (1873-1928) que se inspirou
nas teorias estéticas do marxista Georgi Plekhanov (1856-1918), especialmente no seu texto
"O movimento proletário e arte burguesa", elaborado ainda em 1905. O propósito defendido
por Bogdanov era que a arte atendesse às necessidades dos trabalhadores. Para tanto, os
proletkults formavam núcleos em diferentes cidades e incentivavam o proletariado a participar
da produção artística. O acesso aos proletkults era livre e cresceu de tal forma que registros do
ano de 1920 mostram que contavam com 20 revistas e cerca de 400.000 membros, dos quais
80.000 estavam ativos em clubes e estúdios de arte52.
Contudo, esta forma de organização da expressão artística procurou manter-se afastada
dos partidos políticos que disputavam o poder, pois defendiam a ideia de uma arte proletária
independente do controle político direto. Promoviam a ideia de proizvodstvennoeiskusstvo que
denota uma arte de produção em massa utilizando-se de um sistema comparável ao fabril.
Este método produtivo se configuraria na arte de forma essencialmente proletária e se oporia
às instituições antigas, materializadas na Imperial Academia de Artes53 de caráter elitizado.
Bogdanov acreditava que a arte proletária alcançaria o comunismo por seus próprios
caminhos54.

49
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In: HOBSBAWM, Eric. (org.). História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
50
Kazimir Malevich (1878-1935) é considerado por muitos como o artista mais destacado do período,
produzindo obras que procuravam eliminar tudo que não fosse essencial para elas, desenvolvendo o método
suprematista em 1915, ano no qual publicou o livro-manifesto “O mundo não-objetivo: o manifesto
suprematista” e com a publicação em 1925 do livro escrito em 1915 com o poeta Vladimir Maiakovski “Do
cubismo ao futurismo ao suprematismo: o novo realismo na pintura”. Cf. MAIA, Rodrigo Reis. O Futuro está
atrás de nós: Futurismo e modernidade na Rússia e na União Soviética (1912-1932). Dissertação (mestrado).
Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHIS/IH-UFRJ, 2010; MAIA, Rodrigo
Reis. Morte à arte: o construtivismo e os desafios da formação de uma cultura soviética (1917-1932). Instituto de
História da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHIS/IH-UFRJ, 2014.
51
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.19.
52
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.19.
53
A Imperial Academia de Artes foi criada em São Petersburgo pela Imperatriz Elizabeth em 1757.
54
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.20.
33

A Revolução trouxe não só uma nova ordem política, mas dentre suas facetas estava a
proposta de uma nova sociedade pautada nas necessidades do proletariado. No período entre o
Outubro de 1917 e 1924 em que Vladimir Lênin esteve na liderança do Partido Comunista, se
evidenciou a ligação de parcela da vanguarda artística russa com o Estado. No entanto, a
partir de 1920 o Proletkult passaria a ser muito criticado pelo governo e o movimento seria
extinto por volta de 1923. Com a morte de Lênin em 1924 ocorreram modificações profundas
na direção política do Estado revolucionário e na sua postura diante da produção cultural. Em
1929, Alexander Fadeiev (1901-1956) intelectual ligado ao governo, formularia a essência
filosófica do que viria a ser o realismo socialista: a ideia de que o artista teria a função de
servir conscientemente à causa da transformação do mundo. Tratar-se-ia da submissão da arte
à política partidária55.
Na década de 1930, Josef Stalin (1924-1953) alcançava êxito no desenvolvimento
industrial, o que lhe fortalecia no poder. Stalin se cercou ainda de um aparato ideológico em
que o arrocho das liberdades e o controle da produção artística eram essenciais. Em 1932 já
não havia mais espaço para associações ou instituições artísticas, e as existentes foram
fechadas. Artistas eram excluídos de exposições e ainda neste ano seria cunhada a expressão
realismo socialista, estabelecendo um caminho cada vez mais estreito em direção a uma arte
única e oficial:
O termo realismo socialista, provavelmente ocorreu pela primeira vez na
imprensa em um artigo na Gazeta Literária em maio de 1932. Afirmando que:
"A massas demandam de um artista honestidade, veracidade e um
revolucionário realismo socialista na representação da revolução proletária".
Em 1933, Máximo Gorki publicou um artigo importante, "No realismo
socialista", falando de "uma nova direção essencial para nós - o realismo
socialista, que - é lógico - só pode ser criado a partir da União dos Escritores,
o realismo socialista foi proclamado como o método definitivo artístico
soviético”56.

Em 1934 o realismo socialista foi considerado doutrina oficial e deste ano até 1956 se
apresentou como único representante dos interesses da classe trabalhadora contra a arte
burguesa, capaz de mostrar uma arte em favor da revolução e definir a burguesia como
inimiga da classe trabalhadora. Vittorio Strada caracterizou a natureza dúplice do realismo
socialista no seu primeiro momento entre 1934 e 1945, quando a doutrina seria um
instrumento de poder, mas também proclamava a libertação das pessoas. Libertação esta
principalmente em relação à arte considerada burguesa. Desta forma, a verdadeira arte deveria

55
WILLETT, John. Arte e revolução. In: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do Marxismo. Paz e Terra, 1989.
Volume IX.
56
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.89. Tradução minha.
34

servir aos ideais da revolução estabelecidos pelos grandes líderes soviéticos 57. Neste momento
já havia certa repressão aos que não estavam de acordo com as proposições oficiais sobre a
arte produzida.
Desde o início da década de 1930, no entanto, o realismo socialista já havia
conquistado espaço pelo mundo à medida que o conceito tomava forma e se aprofundava. A
doutrina do realismo socialista passou a ser considerada uma grande possibilidade de união
de artistas por todo o mundo, que se preocupavam com a propagação do fascismo após a
ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933 na Alemanha. Deste modo, suas propostas
fizeram parte do movimento mundial de resistência ao fascismo, que visava unir pessoas de
diferentes posições sociais58.
Vittorio Strada59 acompanhou em seu estudo o crescimento da importância no cenário
artístico do realismo socialista até se tornar arte oficial, apresentando os problemas que
encontrou em relação à liberdade do artista e a sua função de acordo com a ideia de partiinost.
Este termo remete ao espírito de partido ou “partidarismo” e se torno um guia, a partir da
década de 1930, sustentando uma práxis do dever histórico do Partido Comunista de dirigir
toda a vida cultural do país60.
O termo partiinost fora cunhado por Lênin em seu texto intitulado “A Organização do
Partido e a Literatura do Partido” de 1905, mostrando que as bases do conceito de realismo
socialista podiam ser encontradas nas suas proposições e ainda nas anteriores, como o
Proletkult. Contudo, durante o período em que Stalin foi Secretário Geral do Partido
Comunista da União Soviética (1924-1954) estas concepções seriam apropriadas e
reinterpretadas em favor da elaboração das teses do realismo socialista. Uma das atribuições
de Stalin seria a de chefe dos críticos de arte da União Soviética:
Porque a arte era considerada um fenômeno ideológico, tanto refletindo e
quanto agindo nos interesses de um determinado conjunto de atitudes sociais,
então o seu maior árbitro não deveria ser o artista ou crítico, ou até mesmo a
opinião pública, mas o ideólogo. (...). Como Tvorchestvo colocou em 1939:
"As palavras do gênio camarada Stalin sobre arte soviética como a arte do
realismo socialista representam o pico de todos os esforços progressistas do
pensamento estético da humanidade"61.

57
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In: HOBSBAWM, Eric. (org.). História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
58
WOOD, Paul. Realismos e Realidades. In: FER, Briony; BATCHELOR, David; WOOD, Paul. Arte Moderna:
Práticas e Debates. Realismo, Racionalismo, Surrealismo: A Arte no Entre-Guerras. Cosac e Naif, 1998. p.257
59
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In: HOBSBAWM, Eric. (org.). História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
60
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao zdhanovismo. In.: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do
Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
61
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.89. Tradução minha.
35

A teoria que definia o realismo socialista foi elaborada de forma progressiva ao longo
da década de 1930, sendo acrescentada e reinterpretada pelo Partido Comunista da União
Soviética (PCUS) e pelos artistas a seu serviço. Isto demonstra que esta forma artística não
esteve paralisada, pois acompanhou o desenvolvimento da política e da sociedade soviética62.
Em 1934, ocorreu o “I Congresso dos Escritores Soviéticos”, evento que marcou a
oficialização do realismo socialista como linha artística, especialmente no que concerne à
produção literária, mas que logo se estenderia as outras formas artísticas. Nesta ocasião, o
conceito de Partiinost foi resgatado para embasar suas definições de realismo socialista para
a educação dos trabalhadores no “espírito do comunismo”.
Durante este encontro muitos teóricos do PCUS se pronunciaram, e tiveram
importante papel na formulação das teses que definiriam o realismo socialista. Andrei
Zhdanov63 foi um deles, e se destacaria, principalmente, por sua trajetória nos anos
posteriores como representante das ideias do partido e com papel importante no enrijecimento
da postura oficial em relação às artes. Após seu discurso no Congresso, a ideia de exigir que
os artistas fizessem “representações verdadeiras” da realidade e que adotassem a função
educacional da arte com base no comunismo foi progressivamente incorporada.
O realismo socialista se constituiria, então, a partir da concepção de que a realidade
deveria ser representada pelos artistas de forma verdadeira. No entanto, esta verdade partiria
da concepção ideológica determinada pelo PCUS. Desta forma, a interpretação tenderia a
favor da revolução bolchevique e seus feitos. Exigia-se a representação da realidade de acordo
com a relevância para a revolução. A partir desta requisição, o realismo socialista apresentava
a obrigação do otimismo. As descrições deveriam ser feitas a partir do ponto de vista do
advento da revolução bolchevique, que prometia um futuro ainda mais glorioso. Deste modo,
a imagem otimista se faria natural. Havia, então, uma equivalência entre a arte e a propaganda
do Partido Comunista da União Soviética que se concentraria nos eventos e pessoas reais,
mostrando o otimismo em relação à sua linha. A tarefa do artista seria a de convencer as
pessoas dos ideais revolucionários 64.
Após o ano de 1924 a União Soviética enfrentaria forte censura e terror com a
progressiva eliminação dos oposicionistas a Stalin, o que culminaria nos grandes Processos de

62
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.90.
63
O nome deste membro destacado do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) foi traduzido de formas
diferentes por alguns autores. Deste modo, Andrei Zhdanov, também pode ser referido nas citações como
Zdanov, Zdhanov ou ainda Jdanov.
64
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.90.
36

Moscou (1935-1938), e se intensificaria em 1945. A partir de então seria radicalizada a


postura soviética em relação às politicas e manifestações culturais65.
Ao fim da Segunda Grande Guerra e com os primeiros sinais da Guerra Fria, as
diretrizes em relação ao visual foram enrijecidas e explicitavam que a arte deveria mostrar a
vida do proletário urbano ou camponês, ou seja, a arte deveria ser didática e alcançar o
entendimento das massas mostrando sua realidade sofrida e sua superação, ideia fulcral da
Revolução66. Neste período o poder de Zhdanov aumentou ainda mais, a valorização da sua
atuação na guerra ajudou a afirmar seu papel como secretário do governo e deu destaque a sua
figura67.
Dênis de Moraes explicita a mudança no posicionamento do governo de Stalin em
relação à produção artística na União Soviética. Moraes reafirma a ideia de Vittorio Strada de
que a partir do fim da Segunda Grande Guerra o realismo socialista começa uma segunda
fase, na qual a censura, a repressão e a perseguição aos artistas se deram ostensivamente.
Muitos artistas desapareceram de forma suspeita ou foram presos e exilados, considerados
traidores da revolução ou por produzirem obras que não estavam totalmente de acordo com o
julgamento dos encarregados do Partido Comunista da União Soviética de acompanhar seus
trabalhos68.
O principal teórico do segundo momento foi Andrei Zhdanov e podemos notar o teor
de seu discurso em um texto em que se refere aos problemas de algumas músicas produzidas
na União Soviética no final da década de 1940:
Todos os nossos compositores devem mudar de posição e voltar-se para o
povo. Devem compreender que o nosso Partido, que exprime os interesses do
Estado e do Povo Soviético, apoiará somente uma tendência sadia e
progressista em música: a tendência do realismo socialista soviético. Se
aprecias o título honroso de compositor soviético, deveis demonstrar que sois
capazes de servir ao povo melhor do que haveis feito até agora 69.

65
STRADA, Vittorio. Do “realismo socialista” ao zdhanovismo. In.: HOBSBAWM, Eric. (org.) História do
Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
66
STRADA, Vittorio. Da “revolução cultural” ao “realismo socialista”. In.: HOBSBAWM, Eric. (org.) História
do Marxismo. Paz e Terra, 1989. Volume XI.
67
De acordo com Dênis de Moraes: “O território cultural entrou em convulsão assim que foram assinados os
últimos tratados de rendição do Eixo. Crescera a influência de Jdanov desde que comandara com êxito a
ocupação da Estônia. Temendo que as Repúblicas bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia) pudessem se aliar a
Hitler, Stalin despachou o Exército Vermelho para derrubar os governos locais e anexá-las a URSS. Jdanov
também se destacara na mobilização de Leningrado durante o cerco nazista. Já nessa época integrava o birô
político, como secretário de organização. Stalin delegou-lhe poderes para eliminar eventuais focos de dissensão
na intelectualidade”. MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista
no Brasil (1947-53). José Olympio. Rio de Janeiro, 1994.
68
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). José Olympio. Rio de Janeiro, 1994.
69
ZHDANOV, Andrei. A Tendência Ideológica da Música Soviética. Problemas - Revista Mensal de Cultura
Política. nº 21 - Outubro de 1949.
37

A partir de então, podemos observar como esta dita segunda fase do realismo
socialista tornou tenso o ambiente de produção artística na URSS. Aleksandr Fadeiev (1901-
1956), também teórico do governo soviético, acompanhou as mudanças na postura do Partido
Comunista da União Soviética a respeito da arte e em 1950 defendeu que a cultura soviética
estaria “impregnada de espírito de partido, o que significa que ela se entrega de modo
consciente ao serviço do povo e do Estado socialista e se propõe conscientemente à educação
comunista do povo” 70.
De acordo com Bown, não haveria registros de que Stalin teria dito alguma vez
publicamente que as artes visuais deveriam seguir o realismo socialista, mas seus
funcionários do alto escalão declaravam estas diretrizes publicamente, sob conhecimento e
autorização do Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética71.
As propostas do realismo socialista traziam preocupação com o proletariado em
virtude de suas lutas e conquistas, a intenção era de fazer uma arte preocupada com questões
sociais e não apenas com beleza e decoração. As teses divulgadas eram sedutoras,
conquistavam pela ideia de uma arte engajada, comprometida com causas dos trabalhadores.
A proposta era “transcrever” as conquistas dos trabalhadores, sua luta e aspirações. Deste
modo, era estabelecida a dicotomia entre o “belo e o sublime” projeto para uma sociedade
socialista e o “feio e vil” sistema capitalista72.
No âmbito das artes plásticas podemos tentar visualizar o que estas teorias
representavam de fato. Já que se opunham à arte considerada burguesa e considerada vazia, o
abstracionismo e o subjetivismo estavam descartados como possibilidades, assim como o que
se assemelhasse. Defendia-se a interpretação do realismo crítico73 a partir dos princípios do
partido, buscando representar com nitidez as emoções dos homens. No entanto, deveria cuidar
para não se aproximar do expressionismo burguês e suas características ligadas ao
pessimismo e desespero que deturpariam a vida. A arte deveria ser figurativa, e de fácil
entendimento. O caráter pedagógico das obras era fundamental, pois as ideias comunistas

70
FADEIEV, Aleksandr. Sobre a cultura soviética, em Literatura soviética. Nº 2. Moscou, 1950.
71
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.91, 92. Tradução minha.
72
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
José Olympio. Rio de Janeiro, 1994. P 122-123.
73
A respeito do realismo crítico cf. BHASKAR, Roy. “Realismo” (verbete). In: BOTTOMORE, Tom;
OUTHWAITE, William. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. P.647-
649; HAMLIN, Cynthia Lins. Realismo crítico: um programa de pesquisa para as ciências sociais. Dados
vol.43 n.2 Rio de Janeiro, 2000. http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52582000000200006 . Acessado em 14-11-
2016.
38

deveriam sempre ser reproduzidas e transmitidas às pessoas. A importância da educação


política para o Estado soviético era comumente defendida nos artigos e discursos74.
O “método” do realismo socialista era considerado o mais facilmente compreensível
pelas “massas”, e por isso o melhor meio de propaganda. A recomendação era que os artistas
retratassem os “típicos representantes dos grupos sociais”. A ênfase no realismo não foi
apenas uma exigência do Partido Comunista da União Soviética, também representou as
preferências de grande parte dos artistas soviéticos. Nas resoluções de abril de 1932, intitulada
“Sobre a reorganização das organizações artístico-literárias”, na seção de pintura onde
compareceram mais da metade dos membros de todo o país foi notória a aprovação do
realismo como melhor via a ser seguida75.
Não obstante o apoio da maioria dos artistas soviéticos e a determinação clara do
PCUS de uma linha para o desenvolvimento da arte, durante toda a década de 1930 houve
intensos debates acerca da natureza formal do realismo socialista. A produção artística para
promover o comunismo teve apoio dos artistas, no entanto, muitos se opunham a liberdade
criativa que esteve em vigor nos anos 192076.
Enquanto isso se deve atentar para o fato de que o apoio da classe artística não foi tão
espontâneo como pode parecer, pois o incentivo vinha do Estado. Assim como a arte nos
preceitos do partiinost, a quase totalidade da arte realista socialista no início foi feita com
temas elaborados por comissões do governo, aprovados pelos líderes políticos e
encomendados aos artistas. Logo em meados da década de 1930 este modelo foi modificado
de forma que os artistas deixaram de ser contratados durante um tempo para desenvolverem
determinado número de obras sobre um tema amplo, e passaram a ser chamados para
realizarem obras específicas sobre assunto apontado. Desta forma, os artistas perdiam
gradativamente a mínima liberdade de criação que poderiam ter, isso era especialmente
observado nas artes plásticas. Stalin procurou formar uma engenharia na qual o Estado guiava
os espíritos artísticos77.
Para resolver as questões relativas às artes plásticas foi criado em 1936 um comitê
específico submetido diretamente ao Comitê Central do PCUS. Denominado “Comitê para
Assuntos de Arte” (KPDI), este núcleo controlava a seleção de obras para as grandes
exposições, e na primeira exposição após a oficialização do realismo socialista ocorrida em

74
MORAES, Dênis. O imaginário vigiado. A imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-53).
José Olympio. Rio de Janeiro, 1994. P. 124.
75
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.92-94.
76
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.94.
77
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.94,95.
39

1938 foi uma mostra de como seria esse controle da liberdade de criação dos artistas plásticos.
O evento foi organizado de forma que os artistas escolheriam um título dentre os oferecidos
em uma lista para só então produzir a obra. Os títulos especificavam com clareza o que
deveria ser representado na obra.
A primeira grande exposição sob os critérios do realismo socialista se intitulou “20
anos dos trabalhadores e camponeses do Exército Vermelho e da Marinha de 1938” e o KPDI
supervisionou a escolha de obras para esta e outras exposições de grande porte. Para este
evento em particular, o departamento de arte do Comissariado do Povo para a Defesa
elaborou a lista com mais de cem títulos variados para a escolha pelos artistas. Deste modo, a
comissão contava com militares e especialistas em arte que juntos elaborar as opções dentro
da estratégia política de propaganda soviética, configuradas nas propostas do realismo
socialista. O tema "Um trabalhador bolchevique diz a um soldado do exército do czar por que
ele deve ajudar na luta contra o czar" sob o título “É necessário entender” é um exemplo de
quão detalhadas e restritivas eram essas “opções” 78.
O público dessas exposições era consideravelmente grande, isso porque o Partido
Comunista da União Soviética promovia formas de incentivo. Para tanto, organizavam
excursões inclusive nas indústrias que atraíam a maioria do público, apenas uma pequena
parcela visitava a exposição por conta própria. Com essas estratégias a arte pautada no
realismo socialista efetivamente chegaria a um grande público:
Diretores de museus e suas equipes receberam belos bônus por exceder o número
previsto de visitantes em uma exposição individual ou em um ano completo. De
160.000 visitantes a grande exposição de 1939, “A Indústria do Socialismo”, durante
seus primeiros nove meses, 96.000 vieram em excursões organizadas e 23.000 nas
visitas em massa organizadas com interesses industriais (ou seja, apenas cerca de um
quarto veio sob seu próprio ânimo). O realismo socialista estava sendo projetado de
forma abrangente como uma arte de massas. O quanto era genuinamente popular é
difícil de dizer. A evidência disponível em cartas para a imprensa, livros de visitas e
assim por diante só pode dar uma visão limitada e arriscada do assunto. No entanto, a
familiaridade com as atitudes populares na URSS hoje sugere que, assim como no
Ocidente, existe um grande corpo de opinião conservadora entre o público em geral
cujos pontos de vista sobre a arte, tais como elas são, pode muito bem ter sido servido
por políticas culturais de Stalin. 79

Os pôsteres foram uma forma encontrada para levar as artes a um público cada vez
maior e através deles promover as ideias do Partido Comunista da União Soviética. A
produção destes pôsteres mobilizou muitos artistas plásticos, independentemente de suas
especialidades como pintores, ilustradores ou escultores. Muitos poetas se dedicaram aos
slogans, por vezes em forma de versos. A quantidade dos cartazes que já era grande durante a

78
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.95.Tradução minha.
79
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.95. Tradução minha.
40

Segunda Grande Guerra, aumentou logo quando teve fim o conflito. Desde então, cerca de
800 cartazes diferentes foram publicados em Moscou, outros 700 em Leningrado, além de
tantos mais em outras cidades. Foram milhares de cartazes diferentes que se espalharam pela
União Soviética e com o tempo suas imagens reproduzidas pelo mundo 80.
Os cartazes soviéticos apresentavam um povo vitorioso, forte e satisfeito durante e
após as vitórias na Revolução de Outubro de 1917, na Primeira (1914-1918) e na Segunda
Grande Guerra (1939-1945). Os conflitos exigiam a união entre a população e os cartazes
contribuíam para a mobilização para as lutas. Muitas obras mostravam o Exército Vermelho e
as batalhas que participou, além da indústria soviética e de perfis dos líderes do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS).
Na figura 1, o cartaz de 1942 mostra uma mulher vestindo um macacão marrom claro,
com uma ferramenta no bolso da frente indicando seu trabalho operário. Na cabeça um lenço
segura os cabelos, o olhar é sério e determinado. Sua mão direita apoia-se em um míssil
marcado com uma estrela vermelha, símbolo presente na bandeira da União Soviética junto ao
martelo e a foice e que também figurou nos uniformes do Exército Vermelho. Atrás deste
míssil há mais um, e do outro lado da mulher ao fundo há ainda uma fileira deles que dão a
impressão de haver uma quantidade ainda maior. A operária está em uma indústria bélica, na
qual parece trabalhar.
O cartaz foi publicado em meio a Segunda Grande Guerra, momento significativo para
tal reprodução. A representação feminina na produção de armas de guerra condiz com a
relevância da participação das mulheres soviéticas também neste setor. Deste modo, é
divulgada a produção em larga escala de armamentos ao passo que contribui para a
propagação da imagem da mulher soviética que atuou em diversos setores produtivos, além da
participação direta que teve nos combates. O título enfatiza: “Tudo para a vitória! Frente das
mulheres da URSS” ressaltando a mobilização de esforços de todos para a conquista da
vitória e a atuação das mulheres soviéticas nessa empreitada, como uma frente de ação.
Assim como nas outras manifestações artísticas, os cartazes se restringiam a
determinadas temáticas e os líderes Lênin e Stalin eram representados de forma recorrente,
juntos ou separados. Nota-se que durante o auge do poder de Stalin entre 1945 e 1953, o culto
a sua figura foi feito com maior destaque. Inclusive, neste período muitos esforços se
voltaram para a sua representação através de estátuas monumentais. A larga reprodução da
imagem de Stalin contribuía para reforçar seu prestígio e a admiração em meio à população.

80
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.145.
41

Figura 1. Cartaz Soviético. “Kokorekin Alexei. Tudo para a vitória! Frente das mulheres da URSS”. 1942.
42

Na figura 2 Stalin é representado fardado e tem em evidência uma medalha no lado


esquerdo de seu peito. Esta medalha corresponde ao alto título de “Herói da União Soviética”,
concedido em 1946 a Stalin 81. O uso do uniforme, também recorrente em suas
representações, denota a sua posição militar e traduz sua postura de líder. A obra é de 1949,
pouco depois da vitória na Segunda Grande Guerra, na qual a URSS desempenhou papel
decisivo no combate aos nazistas. No cartaz nota-se a imponência do uniforme, o cabelo bem
penteado de forma alinhada para trás e o bigode característico do líder soviético e marcante
em suas representações. Em relação a sua expressão facial, pode-se destacar que o olhar não é
chapado, nem direcionado para frente. Seu olhar é altivo, como de quem vê além. Ele
apresenta olhar firme e sério, de forma a configurar-se em uma marca recorrente nas
reproduções de sua imagem.
O cartaz traz ainda os dizeres: “O grande Stalin é a luz do comunismo!”, destacando
sua liderança e papel intelectual na condução da URSS. Ao fundo da imagem uma estante de
livros ocupa todo o cenário e em suas mãos um livro, complementando a ideia de homem
dedicado a leitura. Stalin escreveu muitas obras a respeito das estratégias militares, políticas e
econômicas soviéticas, portanto sua imagem relacionada a dedicação intelectual ratifica sua
prática enquanto líder político bem preparado e também importante teórico82.

81
A honraria era concedida a civis e militares por feitos destacados à União Soviética. Extraído da página dos
Museus do Kremlin em Moscou: http://www.kreml.ru/en-Us/exhibitions/moscow-kremlin-exhibitions/pamyat-o-
pobede-nagrady-vtoroy-mirovoy-voyny/
82
Sobre Stalin e a construção de imagens a seu respeito Cf. LOSURDO, Domenico. Stalin: história critica de
uma lenda negra. Revan, 2010; MARTENS, Ludo. Stalin, um novo olhar. Revan, 2003.
43

Figura 2. Cartaz Soviético. V. Ivanov. “O grande Stalin é a luz do comunismo”. 1949.


44

Através da arte eradivulgada uma versão oficial da história, na qual as pessoas eram
retratadas nos moldes pré-estabelecidos. Em geral, mostrava-se o êxito do método coletivo de
trabalho, ou o novo homem que o regime soviético possibilitava ser criado: pessoa positiva e
com o espirito revolucionário comunista, dedicado aos filhos e ao trabalho. Esta perspectiva
otimista baseava-se nas lutas vencidas e conquistas sociais.
A satisfação com o regime estabelecido e suas conquistas era mostrada em imagens de
pessoas felizes, em momentos de lazer e muitas vezes por crianças brincando. A felicidade
infantil é representativa, pois apela a sensibilidade do observador, bem como sinaliza a
construção bem sucedida do futuro.
A figura 3 mostra dois meninos sorridentes, bem vestidos, com roupas limpas, cabelos
penteados em um campo florido e ensolarado. Os dois olham para o céu sorrindo, enquanto
um deles aponta um avião de brinquedo na direção em que outros aviões de guerra voam. A
imagem apresenta além das crianças bem vestidas e felizes, uma força aérea potente com
muitos aviões sobrevoando o campo onde elas se encontram. Apresentando os dizeres “E nós
seremos pilotos!”, demonstra o estímulo às crianças a aspirar um futuro servindo à União
Soviética nesta atividade.
Nesta perspectiva, é reforçada também a grande capacidade aérea soviética, construída
a partir do investimento financeiro, mas também com a disposição dos soviéticos. Este é um
cartaz de 1951, publicado em meio a Guerra Fria e no desenrolar da Guerra da Coréia (1950-
1953), o que pode ser significativo para o conteúdo, com a grande presença de aviões e
incentivo a novos pilotos. E ainda, este momento pode apenas tangenciar a temática, visto que
o incentivo a formação das crianças em prol da União Soviética como um todo era constante,
mesmo que em alguns momentos mais evidente que outros.
45

Figura 3. Cartaz soviético. Yuri Chudov. “E nós seremos pilotos!”. 1951.


46

Máximo Gorki ressalta em 1934, durante as formulações das bases do realismo


socialista83, que as sutilezas do desenvolvimento do novo cidadão soviético poderiam ser
vistas com clareza entre as crianças mesmo que ainda não fossem contempladas na arte. No
entanto, os cuidados com as crianças por parte dos pais estaria aumentando devido à
consciência da importância de prepará-las para o legado do Estado socialista84. O cartaz, em
1951, traz elementos que atentam às aspirações das crianças e estimula a mobilização de pais
e filhos na contribuição para o coletivo. A felicidade, a satisfação e as perspectivas de futuro
também têm seu destaque. Ao mesmo tempo, a União Soviética que neste momento já era
uma grande potência mundial, precisava da renovação constante de seus contingentes. Deste
modo, o preparo e também os estudos das crianças e dos adultos era constantemente
incentivado.
Neste sentido, eram comuns representações dos trabalhadores, que conquistaram o
regime comunista e colhiam os seus frutos. Uma das funções destes cartazes de propaganda
era divulgar as ideias do regime stalinista para a população e ainda promover a satisfação com
grandes avanços econômico-produtivos, políticos, sociais e culturais. A aplicação da arte
realista socialista pode ter cabido bem a este propósito visualmente e a restrição dos temas
mantinha o enfoque no fortalecimento da União Soviética.
Na figura 4 vê-se uma mulher em primeiro plano, trajando roupas brancas e com os
cabelos presos com um lenço. Suas vestes têm a gola vermelha à mostra e do lado esquerdo
do peito duas condecorações. A medalha em evidência alude ao título de “Herói do Trabalho
Socialista”, composta por uma faixa vermelha e uma estrela dourada com o símbolo do
martelo e a foice85. Esta é uma importante honraria dada aos trabalhadores que alcançavam
altos índices de produtividade, êxitos de tamanha distinção quanto os dos premiados com a
honraria de “Herói da União Soviética”. Deste modo, a dedicação ao trabalho recebia seu
reconhecimento e era valorizado enquanto meio de fortalecimento da União Soviética86. A
outra medalha não é possível identificar com exatidão, mas poderia ser uma referência à

83
Esse e outros discursos do I Congresso dos Escritores Soviéticos realizado em 1934 serão melhor tratados
mais adiante neste capítulo.
84
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
85
Extraído da página dos Museus do Kremlin de Moscou: http://www.kreml.ru/en-Us/exhibitions/moscow-
kremlin-exhibitions/pamyat-o-pobede-nagrady-vtoroy-mirovoy-voyny/ , acessado em 23-08-2016.
86
KALININ, Mikhail I. Sobre a educação comunista. Informe pronunciado na assembleia do ativo do Partido da
cidade de Moscou em 2 de outubro de 1940. Editorial Vitória Ltda., Rio, 1954. Pp. 86-111. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/kalinin/1940/10/02.htm , acessado em 23-08-2016.
47

destacada participação na guerra, ou outra honraria por contribuição à URSS, visto que havia
diferentes títulos entregues a civis e militares por diferentes méritos87.
A camponesa carrega um balde cheio de leite, destacando suas mãos e braços fortes à
vista por estar com as mangas dobradas. Ela está sorridente, demonstrando satisfação com a
produção que ergue. Nesta imagem, ao fundo, há um vasto campo com gado em fileiras a
perder de vista. À esquerda, outra mulher com traje parecido está diante de baldes cheios de
leite, que ela transfere para galões maiores com tampas. Denota-se, deste modo, fartura nos
campos, com muitas vacas e abundância na produção leiteira. O olhar e o sorriso da
camponesa em primeiro plano mostram o quão orgulhosa ela está em ter em mãos alimento
tão simbólico.
O cartaz traz a frase: “Ordenhadoras, vamos atingir altos rendimentos de leite de cada
vaca pela forragem!”. Este título convoca as camponesas responsáveis por ordenhar as vacas a
buscar extrair o máximo de produção de cada uma. Para tanto, incentiva a atenção com a
escolha e uso da forragem, pois a escolha entre gramíneas ou leguminosas e as proporções
oferecidas na alimentação dos animais têm impacto na produção leiteira. O cuidado com as
espécies de plantas forrageiras disponíveis para o gado implica a variação e equilíbrio dos
nutrientes, dos índices de carboidrato e proteínas ingeridos pelos animais. Deste modo, pode-
se contribuir para o fortalecimento do rebanho e consequentemente o aumento na
produtividade leiteira. É mostrada, assim, a fartura de produção ao passo que conduz o
observador a atentar para o tipo de pasto que é oferecido ao gado. Esta preocupação é passada
como um ensinamento,
O histórico de escassez de alimentos antes da Revolução de 1917 na região da então
União Soviética contrasta com a produtividade agrícola ostentada nos cartazes. A fome e
miséria de outrora foram substituídas por pessoas bem nutridas, vestidas com dignidade,
demostrando felicidade e esperança. A representação visual também contribui para a
afirmação desta nova fase.

87
Na página dos Museus do Kremlin de Moscou, há a grande variedade de medalhas e ordens concedidas a civis
e militares pela União Soviética. Cf. http://www.kreml.ru/en-Us/exhibitions/moscow-kremlin-
exhibitions/pamyat-o-pobede-nagrady-vtoroy-mirovoy-voyny/ , acessado em 23-08-2016.
48

Figura 4. Cartaz soviético. Boris Zelensky. “Ordenhadoras, vamos atingir altos rendimentos de leite de cada
vaca pela forragem!” 1950.
49

Na figura 5 há uma sequência que pode ser dividida em três planos. No primeiro
plano, uma mulher. Seu olhar é distante, mas seu rosto transmite serenidade, esboçando um
suave sorriso. Ela segura um grande pão sobre um pano branco com bordados azuis e
vermelhos na beirada. Ela veste uma blusa vermelha com gola e detalhes da estampa brancos
e usa um avental e um lenço azul com pontos brancos amarrado na nuca, prendendo os
cabelos. Em sua blusa, ostenta também uma condecoração que alude ao título de “Herói do
Trabalho Socialista”, assim como no cartaz anterior (figura 4), enfatizando sua destacada
contribuição para a produtividade.
No segundo plano, logo atrás da mulher, há um exuberante feixe de trigo,
ingrediente básico para a feitura do pão. No terceiro plano há quatro cenas com a indicação
das estações do ano. De cima para baixo, é indicada a primavera (весна) e uma máquina
colheitadeira dirigida por uma pessoa em um vasto campo. Em seguida é indicado o verão
(лето), no qual sacas da produção são carregadas em uma carroça conduzida por um homem e
puxada por um cavalo por uma estrada de terra parecendo sair do fazenda. O próximo quadro
é relativo ao outono (осень), no qual a produção chega ainda em uma carroça a algumas
construções, que poderia ser uma vila, entreposto comercial, ou apenas um depósito. E o
último se refere ao inverno (зима) com uma construção ao fundo e dois tratores de esteira de
saída, provavelmente para o preparo do solo para a etapa da semeadura. O ciclo de produção,
então, reiniciaria.
O cartaz mostra o trabalho por trás da feitura do pão, ressaltando as etapas
necessárias para alcançar a fartura de trigo até chegar às casas onde é preparado um dos
símbolos da alimentação básica popular. Essa apresentação do trabalho em suas fases, a
contribuição de diferentes pessoas e entendimento de todo processo até chegar ao produto
final, o pão, valoriza os trabalhadores envolvidos e o papel de cada soviético na construção
social. Os cartazes eram um meio de promover a educação comunista e ideias como a defesa
dos interesses coletivos acima dos interesses individuais. O estímulo era para que o espírito de
coletividade estivesse arraigado nos hábitos sociais, na conduta cotidiana de forma orgânica,
instintiva, mas também racional. Nesta perspectiva, buscava-se ampliar a capacidade de cada
trabalhador em dimensionar sua participação individual em meio ao trabalho coletivo, como
neste cartaz (fig.5) 88.

88
KALININ, Mikhail I. Sobre a educação comunista. Informe pronunciado na assembleia do ativo do Partido da
cidade de Moscou em 2 de outubro de 1940. Editorial Vitória Ltda. Rio de Janeiro, 1954. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/kalinin/1940/10/02.htm (Marxists Internet Archive), acessado em 23-08-
2016.
50

Figura 5. Cartaz soviético. M. Soloviev. “Primavera, verão, outono, inverno. Se trabalhar duro – o pão vai
crescer!” 1947.
51

As imagens de mulheres junto ao alimento (fig. 4 e fig. 5) são complementares a


imagem da mulher na fabricação de material bélico (fig. 1). Deste modo, mostra-se que a
mulher soviética estava em diferentes estágios e funções na sociedade. As condecorações nas
blusas das camponesas mostram a importância que se dava ao trabalho e o destaque para essas
mulheres na produção. O incentivo era fundamental, e o reconhecimento também contribuía
para o fortalecimento da mulher na sociedade.
A elevada produtividade seria importante para edificação comunista e para a luta
contra o capitalismo. A educação comunista deveria visar à valorização do trabalho e de
quem o realiza da melhor forma dentro de suas capacidades. Buscava-se transformar
radicalmente a atitude frente ao trabalho: o que no sistema capitalista ou anterior era
considerado vergonhoso se converteria em honra e glória, pois se daria então em prol do
coletivo. As condecorações, como a de “Herói do Trabalho Socialista” serviam a este fim e
eram concedidas aos que alcançavam elevados índices ou êxitos excepcionais em relação à
quantidade e à qualidade, premiando, assim, os que poderiam melhor representar o trabalho
socialista89.
As artes serviam para estimular e conduzir o trabalho, bem como promover os feitos
revolucionários. As artes gráficas se destacaram durante a Revolução e a Guerra Civil e o seu
desenvolvimento foi retomado com força na Segunda Grande Guerra, configurando-se em um
importante meio de divulgação dos sucessos comunistas nas batalhas. Para tanto, contavam
com uma oficina móvel de litografia enviada para o front. Os artistas eram enviados para
áreas liberadas para o trabalho nas regiões onde ocorriam os conflitos à medida que eram
alcançadas as vitórias e os desenhos produzidos eram usados largamente nos jornais, como no
Pravda, importante jornal ligado ao PCUS. A preferência aos desenhos em detrimento das
fotografias parecia ser uma estratégia para mostrar uma visão das cenas de acordo com os
interesses em voga, ressaltando as características mais pertinentes90.
Estes desenhos mostravam-se bastante apropriados às funções que lhes cabia: difundir
a versão oficializada dos acontecimentos e estimular a população a apoiar as políticas públicas
implementadas. E deste modo, demonstram a importância do realismo socialista na URSS
para a consolidação de determinadas perspectivas políticas.

89
KALININ, Mikhail I. Sobre a educação comunista. Informe pronunciado na assembleia do ativo do Partido da
cidade de Moscou em 2 de outubro de 1940. Editorial Vitória Ltda. Rio de Janeiro, 1954. Disponível em:
https://www.marxists.org/portugues/kalinin/1940/10/02.htm (Marxists Internet Archive), acessado em 23-08-
2016.
90
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Holmes & Meier. Nova York, 1991. P.145-146.
52

Obras de artistas poloneses no início da década de 1950 mostram como o realismo


socialista se materializava nas artes gráficas por toda a União Soviética. Em desenho de
Stefania Dretler-Flin (1909-1994) de 1950 (fig. 6) nota-se o personagem camponês amolando
uma foice que seria um característico instrumento de trabalho, e ao seu redor o
desenvolvimento industrial no campo e na cidade, bem como a promoção de atividades físicas
e de lazer 91. Há oito cenas que podemos observar mais detidamente a partir da parte superior
esquerda, em sentido anti-horário. Na primeira vê-se uma área portuária, com um navio
atracado, dois guindastes e grandes caixas provavelmente com produtos sendo retirados ou
abastecendo a embarcação. Na segunda cena há um complexo industrial, marcado por seis
chaminés que caracterizam a atividade fabril, em frente tem-se construções menores e
algumas árvores, que podem ser residências dos operários ou parte da indústria. Na terceira,
um grupo de pessoas usando bermudas e camisetas pratica ginástica ao ar livre. Na quarta
cena, quatro pessoas estão sentadas ao pé de uma árvore e uma delas toca um instrumento
musical parecido com um violão, enquanto outra pessoa de pé toca algo semelhante a uma
sanfona, mostrando um momento de descontração e diversão.
Já no lado direito, ainda no sentido anti-horário, vemos na quinta cena um grupo de
dez pessoas também se encontra sentado no chão de forma despojada, ao ar livre. Estão todas
voltadas para uma que parece contar histórias ou passar algum ensinamento. Na sexta cena,
duas pessoas conduzem um trator. A sétima mostra algumas mulheres, caracterizadas por
usarem um lenço na cabeça, recolhendo o feno e os agrupando em feixes; em torno delas há
três grandes montes de feno amarrados. Na oitava e última cena é mostrado o preparo para o
cultivo, com algumas pessoas estendendo redes de proteção que podem servir contra insetos
ou animais maiores, ao fundo outras fileiras de redes já estão dispostas, também erguidas e
fixadas por finas estacas.
Este desenho mostra o camponês cercado por diferentes atividades que se
complementam na sociedade. Os aspectos produtivos estão ao lado de atividades físicas e
culturais, mostrando a complexidade da composição das necessidades da vida humana. A
valorização do trabalho na arte dialoga com a representação dos momentos de lazer, educação
e cuidados com a saúde. Uma das críticas comunistas à exploração capitalista é a exigência de

91
IAROCHÍNSKI, Ulisses. Realismo Socialista no Museu de Cracóvia. In: IAROCHÍNSKI, Ulisses. Jarosinski
do Brasil. 2009/2010. Disponível em: http://iarochinski.blogspot.com.br/2010/01/realismo-socialista-no-museu-
de.html , acessado em 19-01-2017.
53

trabalho à exaustão visando o lucro de poucos, sem considerar as demandas do indivíduo


enquanto ser humano e a importância de momentos de descontração para sua felicidade.

Figura 6. Desenho polonês. Stefania Dretler-Flin. “Lato”. 1950.


54

Esta obra exemplifica o momento em que o alinhamento polonês à URSS se estendeu


às artes. Em 1949 ocorreram a Conferência Nacional de Artistas e Críticos de Arte de
Nieborów seguida pelo IV Congresso de Delegados da Associação de Artistas Visuais
polacos em Katowice. Nestes eventos ficou acordado que o realismo socialista orientaria as
artes, que deveriam ser pautadas na clareza, realismo, criatividade e temas sociais,
coadunando com temáticas que promovessem as conquistas do Partido Comunista da União
Soviética. Esta obra estaria, portanto, de acordo com os princípios do realismo socialista em
prática neste período92.
Nesta perspectiva, entende-se que embora a produção artística adotasse diferentes
suportes, visavam à larga reprodutibilidade como o caso exemplar dos cartazes. Do mesmo
modo, ilustrações que poderiam ser veiculadas em periódicos e em livros alcançavam grande
público, contribuindo para disseminar as ideias e olhar oficiais.

1.2 - Por uma arte nova e socialista

As diretrizes para o realismo socialista foram cunhadas no I Congresso de Escritores


Soviéticos em 1934, no qual foi apresentada sua definição, proposta e perspectiva da
conjuntura artística no período. O centro do debate foi a literatura, mas as considerações logo
alcançariam as outras formas de arte, como as artes plásticas. Deste modo, os discursos de
Máximo Gorki, Nikolai Bukharin, Karl Radek, A. Stetsky, Andrei Zhdanov e as resoluções do
evento são base deste debate em torno da formação de uma arte comunista revolucionária 93.
Estas bases seriam alteradas ou incrementadas ao longo do período de Stalin, mas dão o tom
dos princípios norteadores da construção do realismo socialista e do que, por conseguinte,
seria reproduzido com as devidas adaptações por outros partidos comunistas do mundo, como
no caso brasileiro com o PCB.
Andrei Zhdanov94 destacava em discurso intitulado “Soviet literature – the richest in
ideas, the most advanced literature” (Literatura Soviética – a mais rica em ideias, a mais

92
Sobre a arte na Polônia neste período e a importância destes congressos Cf. PLANAS, Rosa Tarruella. Del
Gravat: una aproximacio al seu estudi en la Polonia contemporania. Programa de Doctorat Art I
interdisciplinarietat, Facultat de Geografia I História, Departament d’Historia de l’Art Ciences Humanes i
Socials, - Universitat de Barcelona, 1996.
93
GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on
Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
94
Andrei Zhdanov (1896-1948) se juntou aos bolcheviques em 1915 e durante o período de liderança de Stalin
55

avançada literatura) as mudanças que observava na sociedade soviética, com a abolição das
classes consideradas parasitárias, do desemprego, da miséria do campo e das situações
precárias de vida nas cidades. Desta forma, a mentalidade da população teria se alterado
também radicalmente. Sob a liderança de Stalin, o PCUS organizaria as massas para eliminar
os elementos capitalistas na economia, mas também na consciência das pessoas. Elementos
esses como a devassidão, vadiagem, laxismo, individualismo pequeno-burguês e
desonestidade relativa à propriedade pública. Os meios para alcançar tais objetivos seriam
através do Partido e dos Sovietes que encarnariam as doutrinas de Marx, Engels, Lênin e
Stalin. Em sua perspectiva, a arte teria também esta tarefa política e social95.
Nicolai Bukharin96 elaborou em seu discurso “Poetry, poetics and the problems of
poetry in the USSR” (Poesia, poética e os problemas da poesia na URSS) que a União
Soviética estaria amadurecendo o “homem novo” rapidamente, pois a mentalidade dos
trabalhadores se modificava diante das novas condições de vida e trabalho. A qualidade da
arte se ligaria à profundidade, à individualização e à diversidade de abordagens para questões

atuou como seu colaborador direto, principalmente no desenvolvimento da política cultural adotada. Esteve por
trás da criação da União dos Escritores Soviéticos e das formulações do realismo socialista, mostrando
conhecimento nas diferentes artes. Em 1935 foi nomeado Secretario do Comitê do Partido em Leningrado por
Stalin, contribuindo para a defesa da cidade na Segunda Grande Guerra. Foi membro do Politburô entre 1939 e
1948 e em 1947 organizou o Cominform (Bureau de Informação dos Partidos Comunistas e Operários) e teve
importante papel na política externa no período. Esteve à frente do expurgo de artistas e intelectuais que não
seguiam estritamente os pontos de vista estabelecidos oficialmente após a Segunda Guerra, bem como proibiu
revistas como a Zvezda. Essa política e as perseguições que se seguiram ficaram conhecidas como
“zhdanovismo”. Glossário biográfico disponível em:
https://www.marxists.org/glossary/people/z/h.htm#zhdanov-andrei (Marxists Internet Archive), acessado em 30-
08-2016.
95
Zhdanov exalta ainda a importância do congresso em um momento de estabilização da economia, do
desenvolvimento industrial e das fazendas coletivas. Passava-se a fase da guerra civil, a fase da restauração e
encontrava-se em um momento de reconstrução e vitória sobre os elementos capitalistas. Ressalta que a URSS se
tornava um espaço de desenvolvimento em “exuberante esplendor” da Cultura Soviética. ZHDANOV, Andrei.
Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN;
ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism.
Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
96
Nikolai Ivanovitch Bukharin nasceu em 1888 em Moscou e foi executado em 1938 na mesma cidade. Uniu-se
aos bolcheviques em 1906 e realizou importantes estudos econômicos, políticos e culturais já desde esse período
e ao longo de sua vida. Em julho de 1917 foi eleito para o Comitê Central do Partido, no qual permaneceu como
efetivo até 1934 e enquanto membro-candidato entre 1934 e 1937, entre embates de ideias e contribuições
significativas. Foi diretor do Pravda, jornal do Partido Comunista da União Soviética, entre dezembro de 1917 e
abril de 1929, quando foi afastado do cargo. No mesmo ano foi também afastado da direção da Internacional
Comunista, que ocupava desde 1926 e do Politburô do PCUS. Foi diretor do jornal Izvestia entre 1934 e 1937 e
participou da comissão de elaboração da Constituição Soviética de 1936. Em 1937 foi expulso do Partido e em
1938 foi julgado e condenado à morte por traição e espionagem no Grande Julgamento de Moscou.
JOHNSTONE, Monty. “Bukharin, Nikolai Ivanovitch” (verbete). In: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do
Pensamento Marxista. Zahar, 2012 [edição digital 2013].
56

ligadas ao domínio da técnica da criação, ao artesanato e a assimilação do passado da arte e da


cultura97.
Máximo Gorki98, em discurso intitulado “Soviet literature” (Literatura soviética),
procurava analisar a genealogia da literatura na União Soviética. Segundo suas considerações,
não haveria, até então, estudos que se valessem das composições não escritas do povo e dos
testemunhos da mitologia, que seriam generalizações amplas e artísticas dos fenômenos da
natureza e da vida social, fazendo parte do folclore russo. O folclore, enquanto cultura popular
e “primitiva” russa, fora abandonado a partir do período cristão, enquanto a Igreja e seu
catolicismo teriam impregnado a história russa por séculos. Este folclore deveria ser
importante base de investigação e inspiração para a arte soviética 99.
Gorki ressalta que apesar de as pessoas que criavam sob o antigo folclore viverem com
muitas dificuldades, a produção artística não era, de modo algum, permeada pelo pessimismo
e o corpo coletivo mantinha sua positividade na garantia do triunfo sobre toda hostilidade. O
significado deste folclore ficaria claro quando nota-se que estaria pautado nas realizações do
trabalho enquanto a Igreja Cristã fantasiaria em torno do pessimismo, do épico e dos
romances de cavalaria criados pela nobreza feudal. Do mesmo modo, a arte burguesa seria
constituída por heróis conquistadores, os tipos supérfluos, de moral vulgar próprias dos gostos
reais100.
Para Gorki, estudar o passado mostraria que a arte europeia estava em decadência
criativa, e que a insistência em defender uma liberdade que prometeria desenvolver a arte sem

97
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/bukharin/works/1934/poetry/index.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
98
Máximo Gorki (1868-1936) é considerado o fundador da literatura soviética e reconhecido como grande
referência na área já em vida e ainda hoje. Escreveu famosas obras como “A Mãe” (1906-1907) e “Infância”
(1913-1914) e “A vida de Klim Samgin” (1925-1936). Caracterizou-se por representar os mais pobres, os
excluídos e o proletariado urbano em sua produção. Uniu-se aos bolcheviques em 1905 e ajudou a organizar o
primeiro seu jornal oficial. Teve seu talento e importância reconhecido por Lênin, com o qual nutria forte
amizade e respeito, desde quando se conheceram em 1907. Afastou-se do partido durante a Primeira Guerra, se
opôs a Revolução de Outubro de 1917 e deixou a URSS em 1921. Retornou em 1931 se aliando à Stalin.
Glossário biográfico disponível em:
https://www.marxists.org/glossary/people/g/o.htm#gorky-maxim (Marxists Internet Archive), acessado em 19-
09-2016.
99
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
100
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
57

referência a classes e independente de política social seria absurda. Máximo Gorki verifica
ainda que não importaria à burguesia que ideias fossem fabricadas, pois contribuiria para
manter a unidade social e o individualismo se transformaria em egocentrismo, gerando
pessoas supérfluas101.
São identificados, então em seu discurso, alguns que seriam os típicos heróis ao longo
da história russa: o homem que trabalha e seria positivo quanto a sua força, tipo comum do
folclore antigo; o conquistador feudal que entenderia ser mais fácil apropriar-se do que
produzir; o vigarista que preferiria roubar a trabalhar e seria admirado no período de domínio
burguês, oprimindo a humanidade mais do que nobres feudais, bispos, reis e czares102.
Deste modo, Gorki procura demonstrar que a literatura burguesa seria constituída por
uma maioria de escritores sem muito talento, mas que tratavam dos assuntos triviais que
agradavam seus leitores. Ao mesmo tempo, contavam também com algumas dezenas de
escritores mais talentosos, estes teriam criado o realismo crítico e o romantismo
revolucionário. Estes poucos seriam de origem burguesa ou pequeno-burguesa que
“desertaram” de sua classe e produziriam obras de grande valor por serem modelos de
execução técnica e documentos para o entendimento da constituição e decadência da vida,
tradições e feitos de sua classe, mas de forma crítica103.
Nesta perspectiva, Zhdanov defende que era preciso romper com o romantismo antigo
e valorizar o romantismo revolucionário. O romantismo de tipo antigo representaria vidas e
heróis inexistentes que distanciava o leitor dos antagonismos e opressão da vida real. O
método do realismo socialista pressupunha que o romantismo revolucionário deveria estar no
processo criativo como componente da história do Partido, da vida da classe trabalhadora e de
sua luta. Deste modo, combinaria o trabalho prático mais austero e sóbrio com os feitos
heroicos e grandiosas perspectivas. A luta do partido seria para a construção da sociedade
comunista e sua arte deveria ser capaz de representar seus heróis e vislumbrar um futuro

101
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
102
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
103
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
58

planejado conscientemente104.
Em seu discurso, Zhdanov defende como a revolução proletária incomodava os
apoiadores do fascismo em meados da década de 1930, quando já alcançava grandes
proporções na Europa. De acordo com seus argumentos, já era possível notar aproximação de
tempos terríveis e selvagens para a história, em que se destruiria o trabalho das mentes mais
brilhantes da humanidade. A literatura burguesa mereceria, neste momento, certa atenção,
embora as obras produzidas na época (início do século XX) não pudessem ser consideradas
grandes criações artísticas, mas sim expressões em decadência. Reconhece-se, porém, o valor
da arte do período de florescimento do capitalismo subjugando o modo feudalista de produção
e exploração. As antigas qualidades não poderiam mais ser retomadas, pois os temas, talentos,
autores e heróis estariam em um momento de atrofia. A decadência da cultura burguesa estaria
na profusão de misticismos, superstições e na paixão por pornografia. Seus ídolos na literatura
seriam ladrões, prostitutas, detetives, desordeiros. Ainda assim, tentava-se transmitir a ideia
de que não há problemas no sistema capitalista, e que nada disso estaria ligado à decadência
desta sociedade. Os personagens, no entanto, representariam o estado em que se encontrava a
própria sociedade burguesa: absorvida pelo pessimismo, dúvidas, escuridão na teoria e na
prática artística105.
Zhdanov se posicionaria categoricamente contra qualquer tipo do que considerava
obscurantismo, misticismo, sacerdócio e superstição, características que seriam facilmente
encontradas em países de domínio burguês. A arte soviética se desenvolveria contra estes
elementos, pois seria oposta ao que fosse inerente aos capitalistas. A dicotomia que se
estabeleceria entre o que a arte soviética e a arte burguesa podem desenvolver é posta ao se
questionar o que os burgueses poderiam criar, sonhar e no que se inspirar além de exploração
ou decadência da sociedade resultante do colapso do sistema capitalista e a iminência de uma
nova guerra imperialista (era 1934 e a Segunda Grande Guerra já apresentava seus sinais) 106.

104
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
105
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
106
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
59

Máximo Gorki discorre a partir do seguinte argumento: os mitos seriam inventados


pelo folclore russo, mas extraídos da realidade a partir do desejado, do possível. E segue na
defesa de que o romantismo estaria, então, na base do mito, e seria benéfico na medida em
que provocaria atitudes revolucionárias projetando mudanças práticas no mundo. A lógica do
romantismo burguês estaria na propensão às ideias fantásticas e místicas apesar de não
estimular a imaginação ou incentivar o pensamento. Baseado no individualismo se
distanciaria da realidade e seria construído através da “magia das palavras”. A literatura
ocidental contemporânea se aproximaria do niilismo de desespero, e por não ter motivos para
unir o proletariado revolucionário tenderia a aceitar o fascismo. Ainda de acordo com sua
perspectiva, o individualismo seria apropriado em Estados fundados sobre o sofrimento e
humilhação da maioria. Por tal razão, seriam comuns ideias como a de que todos seriam
déspotas por natureza, teriam prazer em torturar, almejariam a felicidade através de liberdade
irrestrita e por vantagens, e que permitiriam o perecimento de todo o mundo contanto que não
fosse atingido107.
Karl Radek108 ao elaborar o discurso intitulado “Contemporary world literature and
tasks of proletarian art” (Literatura do mundo contemporâneo e as tarefas da arte proletária),
observa que a arte, de modo geral, teria em relevo todas as tendências do parasitismo e
decadência burgueses. Deste modo, afirma que foram produzidas raras obras de grande valor
a partir da Primeira Grande Guerra, mesmo que não tenham rompido com a arte produzida
anteriormente. Em seu entendimento, este momento foi marcante para as artes, assim como
para toda a vida social. A Primeira Grande Guerra, a Revolução de Outubro e a conquista do
poder pelos fascistas em vários países seriam fundamentais para entender o conteúdo e
tendências da arte mundial no período. Radek enfatiza que a literatura seria reflexo da vida
social, e, portanto, dos fatores que levam a estes grandes eventos históricos. Mostra, assim,

https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),


acessado em: 30-08-2016.
107
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
108
Karl Radek (1885-1939) foi membro do Partido Operário Social-Democrata Russo desde seu início e aderiu
ao lado bolchevique em 1917. Posicionou-se contra a Primeira Grande Guerra e escreveu importantes estudos
analíticos sobre o desenvolvimento do socialismo na Europa Ocidental, na Rússia e posteriormente na URSS.
Foi expulso do Partido em 1927, retornou em 1930 e foi novamente expulso em 1936. Antes neste ano participou
da elaboração da elaboração da Constituição Soviética. Foi condenado no Segundo Julgamento de Moscou em
1937 e morreu na prisão. Glossário biográfico disponível em:
https://www.marxists.org/glossary/people/r/a.htm#radek (Marxists Internet Archive), acessado em 19-09-2016.
60

sua preocupação em analisar mais o contexto do que os cânones estéticos109.


Radek destaca o caráter imperialista da Grande Guerra de 1914 e que, por tal razão, a
literatura mundial manteria-se defendendo e glorificando o conflito, inclusive os escritores
que considerava os expoentes da literatura mundial. Da mesma forma que a arte burguesa não
poderia retratar a guerra imperialista de 1914 a 1918 como de fato ocorrera, não poderia
também expor os preparativos para a nova guerra que estava por vir. Assim, a literatura não
prepararia as massas para o que, como já previam anos antes, seria muitas vezes mais
destrutivo do que da última vez. Radek ressalta que apesar da aproximação de uma nova
guerra já ser certa e de prometer centenas de milhões de mortes, a arte burguesa continuava a
acobertar a iminência do que seria a Segunda Grande Guerra. A arte pacifista da burguesia
europeia não retrataria a realidade ameaçadora da vida, e não poderia fazê-lo
adequadamente110. Atenta-se para a convicção ainda em 1934 da ocorrência em breve da
guerra e ainda o conhecimento amplo das razões, perigos e estragos prenunciados. Além
disso, já mostrava ser notória a expansão do nazi-fascismo sob os olhos de toda a Europa.
Importante notar que eram preocupações de relevo no debate acerca do
desenvolvimento da arte na União Soviética. A discussão em torno da arte na região mostrava
a necessidade de analisar a produção na Europa Ocidental, visto ser referência e destaque para
artistas de todo o mundo. Deste modo, os países de sistema capitalista mostravam que a arte
representava, de modo geral, o domínio burguês e de seus interesses, salvo raras exceções.
Na concepção de Bukharin, a arte burguesa teria empobrecido os elementos do
conteúdo da pintura em busca da “pureza” que as obras teriam se reduzido a meros “pontos
decorativos”, o que considerava ser a decadência da arte. Nesta perspectiva, apenas quando o
proletariado criasse uma arte que sintetizasse as riquezas sociais humanas seriam criadas
obras primas111.

109
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
110
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
111
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
61

A respeito dos seus contemporâneos soviéticos, Bukharin afirma que a arte produzida já
seria uma grande conquista, principalmente, diante do contexto capitalista de decadência
permeado por características como: “erotismo hipertrofiado e mórbido”, pessimismo, cinismo,
racismo, misticismo, solidão, dor, individualismo, revolta anarquista, “chauvinismo
zoológico”, “hinos de subjugação”, entre outros. Ao contrário, a arte soviética seria alegre,
criativa, dinâmica e otimista, além de fazer parte da luta de milhões de pessoas que buscariam
a construção de um novo mundo, com seus próprios heróis e temas. Para alcançar tal estágio,
a arte teria passado por processos difíceis como a luta de classes, o desenvolvimento
econômico-político-social e o conflito de ideias112.
Karl Radek defende que a Revolução de Outubro teria criado uma nova arte e uma
nova cultura e que o objetivo da revolução proletária não seria apenas destruir o sistema
capitalista, mas construir uma nova cultura humana. Nesse sentido, afirma que já seria
possível, neste momento, notar um papel considerável da arte no desenvolvimento do
proletariado, que ao herdar a cultura antiga selecionaria os elementos de maior qualidade,
remodelaria outros, e criaria uma nova arte. Radek enfatiza que a Revolução teria despertado
milhões de pessoas para uma nova vida cultural onde poderiam expressar suas aspirações e
pensamentos através da arte. Esta concepção partiria do ponto de vista do proletário militante
e tentaria contribuir na transformação do mundo113.
Andrei Zhdanov considerava que o crescimento e sucesso da arte soviética, e mais
especificamente da literatura, estariam atrelados ao sucesso da construção do socialismo,
expressando as conquistas alcançadas pelo novo sistema. Para ele, a literatura soviética era a
mais recente no mundo, mas, por outro lado, seria a mais rica em ideias e a mais avançada e
revolucionária de todas. Sua primazia estaria ainda na organização dos trabalhadores
oprimidos para lutar através da arte pela abolição de toda forma de exploração. Além disso,
considerava que a literatura soviética iniciava uma nova prática ante toda literatura mundial
ao ter como tema a vida da classe operária e do campesinato, e ainda sua luta pelo socialismo.
Segundo Zhdanov, as obras soviéticas defenderiam e manteriam o princípio da igualdade de

112
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
113
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
62

direitos para os trabalhadores e entre homens e mulheres de todas as nações. Na sua


perspectiva, somente a literatura soviética estaria diretamente ligada à construção socialista e
teria as condições de se tornar mais rica em ideias, avançada e revolucionária 114.
O sucesso dos feitos e da arte soviética poderia ser medido pela ampla publicação de
obras por todo o mundo, despertando o interesse pelas conquistas do proletariado na URSS.
A reverberação dos debates, das ideias, das obras literárias e visuais foi sentida e teve
importante papel em diferentes experiências politicas e culturais, inclusive no Brasil e outros
países da América Latina115.
Para Máximo Gorki, a arte soviética iria além dos limites geográficos ou da língua,
pois ligaria diferentes pessoas de todo o mundo sob as mesmas ideias de união dos que
trabalham. Estariam criando uma cultura socialista que mostraria a força das habilidades
latentes e talentos da massa de cerca de 170 milhões de soviéticos de diferentes nações116. A
variedade de línguas, no entanto, é um exemplo dado por Radek para enfatizar as dificuldades
na difusão das obras literárias soviéticas dentro e fora da URSS. Apontava a necessidade de
ampla tradução e as limitações do acesso de muitos trabalhadores do mundo à alfabetização
como grandes obstáculos para a comunicação. As imagens seriam alternativas mais eficazes,
contando que sob influência de Marx e dos artistas do realismo. Portanto, em relação à forma,
o abstrato não poderia ser aceito, pois era considerado invenção técnica irracional, incapaz de
apresentar imagens concretas da vida, de pessoas, das classes 117.
Karl Radek também considerava a literatura soviética a melhor literatura no momento,
por representar a construção do socialismo e fornecer respostas para as questões básicas da
humanidade. No entanto, reconhecia que o alto nível do conteúdo ainda teria que ser
alcançado pela qualidade técnica. Para tal, julgava necessário dominar a cultura do passado,

114
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
115
As experiências artísticas no Brasil e na América Latina que dialogaram com a arte soviética serão apreciadas
mais adiante.
116
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
117
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
63

para então elevar o nível de um amplo número de artistas que representam um público de
milhões de trabalhadores118.
Bukharin atenta para o quanto a confluência entre forma e conteúdo se complexificaria
com o passar do tempo e com as novas conquistas soviéticas. A arte produzida desde a
Revolução já não satisfaria, pois necessitariam de mais diversidade e generalização, visto as
mudanças na concepção de realidade. O momento em que escreve, seria caracterizado pelo
interesse no conhecimento dos processos históricos, mostrando-se assim cada vez mais
necessária a arte “sintética”. Por esta razão, se refere a um trecho dos “Manuscritos
Econômico-Filosóficos” em que Marx procura demonstrar a necessidade de desfrutar da vida,
adquirindo conhecimento e desfrutando da arte119.
Na perspectiva de Bukharin, toda a diversidade da vida deveria servir para a criação
artística e para buscar uma unidade. Isto não significaria reduzir a arte aos mesmos tipos
ideais, vilões ou mesmo apagar as contradições sociais, mas que a construção do socialismo
deveria ser constante em toda obra. Deveria tratar das tragédias, conflitos, vacilações,
derrotas. Os temas deveriam ser diversos, mas sem perder de vista a luta proletária. No
entanto, Bukharin questiona o senso comum e as próprias noções de beleza da sociedade, que
distanciariam trabalho de beleza, relacionando pessoas que não são ricas à feiura120.
Para Zhdanov, os artistas soviéticos se inspirariam na vida e experiência de homens e
mulheres comuns para a realização de suas imagens, discursos e linguagem artística. As
histórias épicas, as experiências das fazendas coletivas e as ações criativas em todo o país
seriam material para a produção artística soviética. Zhdanov defende que os heróis da
literatura soviética seriam os construtores ativos de uma nova vida para os trabalhadores
homens e mulheres. Alcançariam também os que trabalhavam nas fazendas coletivas, bem
como membros do Partido, engenheiros, membros dos Juventude Comunista e dos

118
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
119
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
120
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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Pioneiros121. A literatura soviética seria impregnada com o entusiasmo e o espírito heroico,


mas o otimismo não era de instinto animal, mas na essência porque a literatura da classe
proletária seria a única de classe progressista e avançada. Neste sentido, Zhdanov afirma que
a literatura soviética era forte pela virtude de servir a uma nova causa: a construção do
socialismo 122.
Em relação aos personagens, Bukharin recusava a representação de tipos isolados, pois
deveriam ser mostrados de acordo com a multiplicidade da vida. Seria, então, possível
abordar temas de ângulos diferentes. Considerava absurdas as medidas proibitivas, pois a
unidade seria alcançada através do ponto de vista triunfante do proletariado para a produção
artística e não empobrecendo as obras. As formas de criação artística deveriam ser diversas,
mas unificadas pelo estilo ou pelo método no realismo socialista123.
A respeito da criação artística, Bukharin afirma que sua autenticidade se expressaria na
evocação de outras imagens e sentimentos a partir do que o artista passa indiretamente em sua
obra. Em relação ao conteúdo, define como inaceitáveis o idealismo e o misticismo, pois
seriam contraditórios a toda experiência científica. Em sua perspectiva, a ciência
proporcionaria uma diversidade qualitativa para o mundo, assumindo uma reflexão mais
adequada e verdadeira da realidade, ao contrário do pensamento e do discurso poéticos que se
valeriam de ideias como “mistério”, “feitiçaria” e “mágica” para distanciar o público de uma
percepção racional. Recusa, assim, qualquer “misticismo” na análise dos fenômenos, pois
deveria-se tomar a vida como experiência do imediato, sem abstrações, mesmo ao considerar
emoções como amor, raiva, alegria, terror e tristeza, sendo possível fundir essência e
fenômeno. A realidade apareceria na ciência por diversas formas de matéria como os elétrons
e os átomos, enquanto na arte através de imagens sensoriais como cores, odores, sons e
imagens, diferenciando-se do pensamento lógico. Teríamos arte na medida em que substitui-
se símbolos por unidades concretas sensorialmente, resultando experiências construtivas e

121
O Movimento dos Pioneiros era composto por crianças e adolescentes, enquanto a Juventude Comunista,
chamada Komsomol na URSS, acolhia os jovens entre 14 e 28 anos.
122
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
123
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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criativas, sem excluir o emocional. A arte extrapolaria os limites fenomenológicos,


humanizando a natureza124.
Bukharin defende, portanto, que a arte seria carregada de toda experiência humana,
estrutura socioeconômica, classes, grupos, experiências de trabalho, de luta social e cultural.
A arte seria a fixação de imagens sensoriais que resumiriam experiências sociais modificadas
ao longo do processo histórico. As imagens selecionadas para compor a obra deveriam vir dos
fenômenos sociais, fundindo o emocional com a riqueza intelectual, com ideias, conceitos,
normas, ideologias, sistemas filosóficos. Sendo, assim, a arte seria um produto social que
expressaria características específicas de seu tempo, de sua classe, enquanto existissem125.
Do ponto de vista de Bukharin, a compreensão da arte se daria a partir da análise das
conexões estabelecidas com a sociedade, por esta razão a arte não deveria ser transformada
em algo finito em si. A forma em si possuiria conteúdo, visto que as escolhas em torno dela
são feitas a partir da vida. No entanto, essa unidade apresentaria contradições e a fonte
ideológica do conteúdo seria propriamente o conteúdo e não sua transformação artística. A
solução para os problemas da arte estaria em uma ciência que elucidasse as leis de
desenvolvimento da arte de modo geral e de forma constante, a fim de dispor de legislações e
de elementos formais. Essa ciência analisaria e caracterizaria a classe social e o conteúdo
ideológico da obra, e então o artista126.
Esta discussão remete ao que Marx desenvolveu a respeito do realismo científico. No
que concerne à sua concepção de ciência, Marx se apropria e transforma a filosofia de Platão
ao afirmar que a observação empírica da natureza e da sociedade são superficiais e
contraditas. Isto porque, para Marx, a ciência deve penetrar nessas superfícies palpáveis para

124
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
66

descobrir as estruturas e as forças subjacentes, ou seja, as “relações reais” que geram os


fenômenos e as tendências históricas fundamentais da realidade127.
Karl Radek defendia que a arte proletária pelo mundo deveria passar a complexa
imagem do mecanismo de assassinato e destruição que o capitalismo moderno criara,
revelando os meios pelos quais o capital controlaria a diplomacia e impulsionaria os povos à
contenda. Considerava essencial que a arte refletisse a insatisfação e aspiração à luta do
proletariado, mostrando-lhes a saída possível: sobrepujar o poder da burguesia e estabelecer
uma república proletária, como fizeram os soviéticos. Os temas, portanto, deveriam denunciar
o colapso capitalista, a carência do proletariado europeu e americano em face à fraude da
democracia burguesa, mostrando a cisão entre a política da burguesia monopolista e as massas
exploradas que vivem como escravos. Apenas o proletariado poderia libertar a humanidade do
abismo capitalista imperialista128.
Na perspectiva de Radek, a arte no mundo estaria se dividindo em três grupos: a do
capitalismo decadente com tendência inevitável para o fascismo, à arte nova e proletária e a
dos que vacilariam entre os dois outros lados. Entre estes indecisos, alguns tenderiam para o
lado proletário enquanto outros se não superassem suas tendências fascistas iriam para o
fascismo. Os artistas deveriam estar atentos a esta divisão, principalmente em relação aos
vacilantes. A arte poderia ser uma arma social na expressão da luta de classes. A própria
população mostraria a importância das firmes e drásticas medidas tomadas para construir o
socialismo. Os intelectuais veriam, então, como as obras artísticas, literárias principalmente,
elucidariam as mudanças políticas e humanitárias que ocorriam 129.
De acordo com Radek, Lenin teria defendido a criação de uma arte proletária, e esta
estaria crescendo devido à busca dos trabalhadores por representar e serem representados nas
obras artísticas. O proletariado mundial deveria reagir em prol do desenvolvimento de uma
produção cultural que visasse suas aspirações e lutas, que o ajudasse a compreender o que
estaria acontecendo no mundo e expressar os sentimentos que o motivariam a lutar. Deste

127
EDGLEY, Roy. “Realismo científico e dialética” (verbete). In: BOTTOMORE, Tom. Dicionário do
Pensamento Marxista. Zahar, 2012 [edição digital 2013].
128
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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modo, a arte assumiria a tarefa de investigar e inquirir sobre as brutalidades do sistema


capitalista e defender diretamente os interesses do proletariado. A arte deveria abranger todos
os âmbitos da vida humana, refletindo a condição da burguesia e suas tendências, a posição
dos grupos sociais intermediários que poderiam contribuir para a luta do proletariado contra a
burguesia. Deveria descrever seu modo de vida, sua psicologia, desenvolvimento e aspirações,
além da luta de classes. Em toda parte do mundo, o proletariado desenvolveria a arte nestes
parâmetros130.
Neste sentido, Radek defendia que o controle da arte deveria partir do proletariado,
mantendo uma crítica honesta e aberta aos colegas, devido à arte ser uma de suas armas de
luta. Os partidos comunistas de outros países deveriam ter certos cuidados para a criação de
uma arte revolucionária, compreendendo que a educação e a formação dos artistas eram
difíceis e exigiam tempo e paciência. A falta de forças revolucionárias estruturadas em seus
países seria um grande obstáculo para o engajamento na causa, bem como a resistência ao
envolvimento na luta. O proletariado despertaria a criatividade latente nas grandes massas de
trabalhadores conforme avançaria na luta, e, por conseguinte, inspiraria confiança nos grupos
pequeno-burgueses na liderança proletária e convenceria círculos intelectuais a abandonar o
capitalismo. A liderança proletária na criação de sua própria arte, atraindo artistas honestos
que se libertariam do domínio burguês, seria o caminho para superar a crise do mundo
capitalista e "salvar" a cultura humana131.
A arte de abordagem comunista exigiria uma visão ampla da vida, com todas as suas
classes e estratos sociais, pois todos desempenhariam funções decisivas nas lutas da
humanidade. No entanto, a arte proletária ainda seria jovem e essas conquistas só seriam
alcançadas com o tempo. Radek enfatiza que os artistas deveriam estar atentos para não se
distanciarem das massas ou transformarem-se em expectadores dessa luta. Seria fundamental
estudar a arte dos grandes mestres do passado, muitos destes estariam aderindo à causa
comunista e ensinariam suas técnicas contribuindo para a aceleração da construção da arte
proletária com a fusão entre os melhores escritores do passado e os que surgiam em meio aos

130
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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trabalhadores. A expressão artística dos trabalhadores era valorizada, reconhecendo o


conhecimento que suas vivências poderiam trazer para a arte, e essa contribuição cresceria aos
milhares. Embora houvesse receios quanto à qualidade, acreditava-se que as massas criariam
essa grande arte, assim como teriam criado tudo na União Soviética 132.
Radek enfatiza que a arte seria de combate, internacional e enalteceria sua causa de
defesa dos povos colonizados contra o imperialismo. Através da arte, deveria-se defender a
União Soviética, o materialismo histórico e dialético, a libertação da mulher e ensinaria os
trabalhadores de todos os países a lutar por esses objetivos que seriam aspirações do
proletariado internacional. Acreditava que uma arte revolucionária estava sendo criada para
defender o proletariado em sua luta. O futuro da arte burguesa seria apodrecer com o
misticismo, o fascismo e a pornografia 133.
A respeito da forma, Radek considera que teriam muito a aprender com os clássicos,
inclusive do capitalismo que considerava atrofiado nas ideias, mas que compensaria com a
forma apresentada em muitas obras. A grande arte do passado teria sofrido desgaste e se
fragmentado, não podendo mais produzir imagens convincentes, pois, para isso, teriam que
mostrar a condenação do capitalismo. Embora tenham criado obras-primas sob o realismo, o
naturalismo e o romantismo, estes estilos não poderiam produzir bons trabalhos com
conteúdos que tradicionalmente tratavam. A vida e os assuntos deveriam ser tratados com
minúcia, sem omitir nada. No seu entendimento, o naturalismo seria uma redução da
observação crítica, e o romantismo e o simbolismo seriam delirantes 134.
A busca da arte soviética por seus próprios métodos criativos teria que superar as
antigas tradições e explorar novas possibilidades, representando a vida como ela de fato seria.
Este método teria sido encontrado e seria proporcional a grandiosidade das tarefas propostas
pela arte revolucionária. O conceito do realismo socialista pretendia ser simples e
compreensível como foram os dos sovietes, da industrialização e da coletivização da União

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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
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Soviética. Expressaria o amadurecimento dos requisitos da arte revolucionária sendo aceito e


compreendido imediatamente. No entanto, admitiam a necessidade de melhor elaborá-lo para
ser incorporado a grandes obras de arte135.
A base de apoio para a revolução proletária estaria nas profundas contradições do
capitalismo monopolista ao qual se opunha e estabelecia propostas para uma nova realidade.
Para Radek, essa oposição deveria ser tratada pela arte para informação e compreensão pelas
massas. O realismo socialista retrataria, então, os conflitos e suas contradições, ao contrário
de um realismo estático que apenas retrataria o estado das coisas. Realismo socialista
significaria conhecer a realidade e saber para onde ela estaria se movendo, ou seja, para a
conquista do socialismo pelo proletariado internacional. A obra de arte realista socialista
mostraria as experiências do artista e sua liderança, exigiria conhecimento e compreensão
exatos das contradições daquela época, de modo amplo 136.
Karl Radek procura definir o realismo socialista a partir da exigência de consciência
sobre o destino da humanidade e compreensão da posição do ser humano no planeta e do
planeta no universo para cumprir a missão de apresentar uma imagem do mundo. A
representação do mundo não seria para a curiosidade da humanidade, mas para participar da
luta por uma nova humanidade. Seria uma arte de total oposição ao capitalismo, de grande
amor pela humanidade que sofre e morre com a opressão. Radek defende o caráter
revolucionário e a abrangência do PCUS, que lutaria pela libertação de toda a humanidade,
compreenderia os pensamentos e sentimentos humanos de toda parte, e por esta razão, teria um
grande poder criativo. Quanto à homogeneização dos seres humanos na arte, ressalta que o
próprio mundo socialista em construção seria formado por milhões de novas individualidades,
desenvolvendo as qualidades humanas e tornando ricas suas personalidades 137.
A distinção entre individualidade e individualismo se faria necessária. Karl Radek
esclarece que o individualismo seria seguir seu caminho, uma incapacidade de sociabilidade

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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
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em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
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Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
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com a comunidade. A individualidade, por outro lado, valorizaria o ser humano que durante
a revolução não poderia se ocupar muito com a personalidade, mas após esse estágio o
indivíduo poderia se destacar em sua riqueza interior. O "exército do comunismo" seria rico
em personalidades: camponeses ganhariam espaços que em outros lugares não se abririam a
eles, como comandantes de brigadas, professores universitários, filósofos ou artistas em
pouco mais de uma década 138.
A este respeito, Bukharin destaca que o individualismo seria expressão da divisão do
trabalho na sociedade capitalista, o que deveria ser combatido em prol do entendimento do
outro. Não haveria, porém, limites para a diversidade de personalidades, cultura e técnicas,
pois fariam parte do “novo homem” comunista. O realismo socialista deveria dar forma às
experiências do homem socialista que se formava, se afirmando a favor das personalidades,
autoconhecimento e individualidade, mas se apresentando como anti-individualista, pois a
sensação de vínculo coletivo seria uma das bases do socialismo. Estas concepções deveriam
refletir-se estilisticamente no realismo socialista139.
Deste modo, os heróis da arte socialista seriam os operários, soldados do Exército
Vermelho, da Revolução Chinesa mesmo com escassos recursos, os prisioneiros dos campos de
concentração alemães, entre outros grupos que não perderiam de vista o homem em suas
particularidades. Para Radek, seriam os únicos que dariam às massas do mundo as respostas às
perguntas mais vitais, que apresentariam corretamente a morte do capitalismo e o nascimento
do socialismo. O sucesso da arte estaria nas bases construídas pelo socialismo, e a intenção era
que os "camaradas" no exterior seguissem o exemplo soviético, e pudessem superar sua
qualidade e sucesso140.
Radek acreditava que a arte revolucionária poderia superar a do Renascimento, pois,
em seu entendimento, derivara dos modelos escravistas greco-romanos e representaria os
interesses do capitalismo que se estabelecia na modernidade. Ao contrário da arte

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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
71

renascentista, a realista socialista teria como base a ideia de uma sociedade livre de
escravismos, de amor à mulher, a todas as "raças e cores", a todos os oprimidos, de repulsa
aos exploradores e luta por sua destruição. A arte deveria representar a alma, a paixão e o
amor do proletariado, com imagens poderosas que levariam a vitória do socialismo em todo o
mundo. A arte também serviria para ensinar outras realidades, através de imagens simples141.
O realismo socialista se diferenciaria de outras experiências artísticas por diversas
características, dentre elas a seleção do que seria descartado ou divulgado para as massas,
destacando alguns fenômenos e abordagens:
Realismo significa que nós fazemos uma seleção a partir do ponto de vista
do que é essencial, do ponto de vista dos princípios orientadores. E, como
para o que é essencial - o próprio nome do realismo socialista nos diz isso.
Selecionar todos os fenômenos que mostram como o sistema do capitalismo
está sendo esmagado, como o socialismo está crescendo, não embelezando o
socialismo, mas mostrando que ele está crescendo em batalha, no trabalho
duro, no suor. Mostrar como ele está crescendo em ações, nos seres
humanos. Não representar cada capitalista como ele tem sido representado
por brigadas de agitação e propaganda. (...) Fazer isso, baseando-se nos
critérios das leis do desenvolvimento histórico. Isso é o que significa o
realismo socialista142.

Para Máximo Gorki, as antigas composições artísticas não escritas dos trabalhadores
incorporaram ideias no imaginário e no estímulo ao trabalho do corpo coletivo. Já na URSS
eram desenvolvidos importantes valores em meio às dificuldades de se ter operários e
camponeses semianalfabetos. Estabelecera o objetivo de garantir a educação cultural e o
conhecimento igual em toda parte e para todos os seus membros, com vitórias e conquistas do
trabalho. As massas eram entendidas como ponto fundamental da cultura na promoção do
sentido revolucionário de justiça entre os proletários de todo o mundo. O principal herói da
produção artística, portanto, deveria ser uma pessoa organizada pelos processos de trabalho e
que com o poder da técnica moderna torna seu trabalho mais fácil e produtivo elevando- o ao
nível artístico. Deveria apreender o trabalho como criação elaborada a partir da memória que
o faz progressivamente mais preciso e compreensível. Na União Soviética, o trabalho seria
base para a atividade criativa da ciência e da arte. Diante de tais condições teria se revelado

141
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
142
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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um grande poder cultural e revolucionário de uma doutrina que uniria todo o proletariado do
mundo143.
Máximo Gorki considerava a literatura revolucionária ainda jovem para possuir muita
qualidade, pois o acúmulo de impressões e conhecimento dos escritores ainda não seria
grande o suficiente. Ressalta que até o fim do século XIX o tema principal da literatura
europeia e russa seria a personalidade em antítese à sociedade, ao Estado e à natureza. E
ainda, que os temas seriam centrados em pessoas que se sentiam supérfluas na sociedade e
buscavam conforto em si mesmas encontrando mais sofrimentos, suicídios, embriaguez ou
aceitando a hostilidade em que se vivia. Para Gorki, na URSS não poderiam haver pessoas
supérfluas, pois todo cidadão teria ampla liberdade para desenvolver suas habilidades, talentos
e faculdades; era exigida da personalidade apenas a honestidade com o trabalho heroico de
criação de uma sociedade sem classes. Os riscos de erros, de exibição da mesquinhez,
duplicidade e falta de escrúpulos estaria em todos, mas a autocrítica deveria ser constante,
concebendo um sistema de moralidade socialista regulador do trabalho desenvolvido e dos
relacionamentos144.
Algumas conquistas da Revolução ainda não estariam bem compreendidas por todos.
O propósito do trabalho, por exemplo, mudara e a diferença entre trabalhar para si próprio e
não mais para um explorador era aos poucos assimilada. As transformações nas formas de
vida e a conquista da dignidade do homem fariam parte de uma força que estaria mudando o
mundo, mas que ainda não seriam bem representadas nas artes. Gorki parte destas
considerações para justificar a forma como as mulheres ainda eram apresentadas nas
produções artísticas. Segundo ele, não eram adequadas à mulher soviética que deveria ser
destacada como agente livre em todas as esferas da nova vida socialista. A mulher soviética
seria igual socialmente ao homem, e provaria suas diversas habilidades e capacidades. Esta
igualdade estaria ainda mais na formalidade do que internalizada na sociedade. Gorki enfatiza
que por séculos a mulher fora criada para ser como um “brinquedo sexual” ou um “animal
doméstico”, relegada aos serviços da casa. Deste modo, esta seria uma dívida histórica que os
homens soviéticos deveriam pagar e que serviria de exemplo para todo homem do mundo. As
artes deveriam ser um meio de elevar a mulher a um patamar acima do que ela se encontrava
143
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
144
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
73

diante da sociedade, mostrando seu trabalho e capacidades145.


Não diziam ter pretensão de restringir a criação individual, no entanto, Gorki defendia
que a unidade ofereceria meios contínuos para um desenvolvimento mais poderoso. Para ele,
o realismo crítico teria se originado como criação individual de pessoas supérfluas,
desacreditadas em sentido para suas vidas, sem objetivos pessoais ou que não lutavam por
suas existências. Não seria possível, então, que entendessem haver um lugar para si na vida ou
sentido nos fenômenos da vida social e no processo histórico. O realismo crítico deveria ser,
no entanto, valorizado por suas realizações formais na arte da pintura e seu papel ao realçar os
resquícios do passado a serem combatidos e extirpados. Apesar de não ser considerado
adequado para educar a individualidade socialista. O individualismo era combatido nas
diretrizes socialistas, mas a individualidade deveria ser estimulada e só poderia se desenvolver
na coletividade do trabalho com o objetivo maior de libertar todos os trabalhadores do mundo
do capitalismo. Deste modo, para o realismo socialista a vida seria o desenvolvimento das
faculdades individuais, do domínio sobre a natureza, da preservação da saúde e longevidade,
da alegria de viver em um mundo conforme suas necessidades crescentes. Ou seja, o realismo
socialista pretenderia moldar o mundo em um lugar melhor para todos viverem unidos como
uma família146.
Bukharin procura definir as características do realismo socialista e em que aspectos se
difere do realismo em geral (antigo ou burguês)147. O realismo socialista teria como base
filosófica o materialismo dialético148, traduzindo-o em termos de arte e na configuração de
seu método. A diferença em relação ao que realiza a ciência estaria na própria essência da
arte, não representando a natureza em uma obra através de elétrons, ondas de luz ou calor,
mas com cores e outros elementos diretamente sensoriais. A representação da sociedade

145
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
146
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
147
O realismo em geral, antigo ou burguês aqui se refere ao movimento surgido na França no século XIX, tendo
como um dos expoentes Jean François Millet. Os termos remetem à prática desenvolvida sob regimes
capitalistas, mesmo que as obras não fossem produzidas diretamente por membros da burguesia e embora
representassem visualmente as classes trabalhadoras do campo e da cidade.
148
Verificar os verbetes sobre materialismo, materialismo dialético e materialismo histórico em BOTTOMORE,
Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Zahar, 2012 [edição digital 2013].
74

deveria ser feita sem categorias de valor, base ou superestrutura, mas sim empregando
imagens sensoriais e elementos intelectuais para ser considerada arte149.
Bukharin se remete ao filósofo Benedictus de Spinoza (1632-1677) para através da
ideia de que “toda definição é a negação”, explicar o realismo socialista. Desta forma,
poderia-se dizer que os métodos do realismo em geral e do realismo socialista têm como
principal atributo negar tudo que fosse sobrenatural, místico ou idealismo, e isto os definiria.
Portanto, negar sublimações fictícias, diferentes versões do “espírito do mundo”, significaria
que a realidade sensorial e seu movimento, os verdadeiros sentimentos e a história real
forneceriam o material para a representação. Desta forma, os elementos utilizados também
seriam próprios, combinando imagens para reproduzir os movimentos reais dos sentimentos
da forma mais nítida e não como faria o simbolismo evocando uma realidade sobrenatural.
Quanto à forma, negaria, portanto, o emprego de metáforas. O material artístico empregado
diferenciaria o realismo em geral do realismo socialista, pois busca representar a construção
do socialismo, do novo homem, a luta do proletariado e as conexões no processo histórico. A
unidade ocorreria entre elementos intelectuais, emocionais e volitivos de forma indivisível
150
que lhe proporcionariam “significado social” .
Em relação à metodologia e à estilística, Bukharin defende que o realismo socialista se
diferiria do realismo em geral pelo conteúdo do material e intencionalidade ditada pela
posição de classe do proletariado. Desta forma, na sociedade socialista determinadas
diferenças entre trabalho intelectual e físico estariam se reduzindo, formando um “novo
homem” que conheceria o mundo e pretenderia mudá-lo. O objetivo estaria na busca pela
alteração do prático, ao contrário do naturalismo que se restringiria a descrever a realidade
como ela era. Porém, não se oporia à imaginação, pois o realismo socialista se basearia em
tendências reais para o desenvolvimento e para se permitir sonhar 151.

149
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
150
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
151
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
75

Bukharin considera que, por um lado, o romantismo revolucionário teria dimensões


idealistas ou metafísicas, exaltaria o sublime e o belo, reduzindo-se ao contemplativo e a
temas heroicos. Enquanto que por outro lado, o realismo socialista se distinguiria por seu
caráter ativo, indo além de fotografias de um processo e projetando um mundo de lutas e
conquistas para os trabalhadores, fixando-se no ser humano, nas qualidades humanas, no
enriquecimento do conteúdo e buscando o fim da miséria entre as pessoas “destroçadas em
classes, profissões estreitas, suas cidades e países”. Seu objetivo seria registrar a realidade,
aproximar-se do desenvolvimento no presente e conduzir ativamente ao futuro 152.
Nesta concepção, o realismo socialista seria, portanto, um método de criação artística e
um estilo de arte socialista que se propunha representar o mundo real e os sentimentos
humanos de modo diferente do realismo em geral no que concerne ao conteúdo dos objetos
retratados e às características deste estilo em unidade com o material. Exigiria mais elevado
conhecimento artístico, cultural, filosófico e histórico dos artistas. Para atingir uma arte de
grandes proporções, poderosa e ativa para a humanidade e para a história da arte seria
necessário referenciar-se aos “grandes mestres” e, ao mesmo tempo, findar quaisquer disputas
entre “facções literárias”. Bukharin defendia, assim, a unificação da arte em torno do realismo
socialista.153.
A.I. Stetsky154 considera em seu discurso intitulado “Under the flag of the soviets, under
the flag of socialism” (Sob a bandeira dos sovietes, sob a bandeira do socialismo), que o
realismo socialista configurava-se em espécie de “linha mestra” através da qual toda
expressão artística deveria se orientar. Desta forma, seu apelo era para que o realismo
socialista não fosse tratado como um conjunto de ferramentas prontas para o artista fazer sua
obra. Criticava, inclusive, os que exigiriam uma teoria completa em todos os seus detalhes,

152
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
153
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
154
O discurso de Stetsky foi, senão o último, feito já no final do Congresso, por isso procurou trazer um
apanhado do que foi realizado no evento. Ressalta que os relatórios feitos pelos palestrantes não poderiam ser
tomados como cânones ou plataforma, pois não seriam inalteráveis e caso fossem afetariam a iniciativa criativa.
A. I. Stetsky foi Diretor da Seção de Cultura e Propaganda Leninista do Comitê Central do Partido Comunista da
União Soviética. Extraído de:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em 30-08-2016.
76

como uma fórmula155.


Contudo, Stetsky buscou definir o que considerava a verdadeira arte, ou como esta
deveria ser. Para ele, obras inspiradas na vida real seriam exemplos de arte, criando ou
homenageando heróis desconhecidos que de alguma forma contribuíam para a Revolução.
Estas obras mostrariam características como o heroísmo, a liderança e a disciplina revelados
na população, e que juntas teriam levado à realização de grandes feitos. Assim, o público
reconheceria sua própria imagem: o proletário heroico. Defendia que a importância do
conteúdo da arte e de não se prender ao formalismo. O conteúdo, porém, não poderia ser
relativo ao decadente mundo capitalista156.
A este respeito, Gorki advertia que a burguesia padeceria de uma impotência criativa
que refletiria na produção artística, mesmo que pudesse parecer um exagero tendencioso seu.
Para ele, a arte teria o dever de desenvolver a autoconsciência revolucionária do
proletariado157. Nas resoluções do I Congresso de Escritores Soviéticos é reafirmado, por fim,
que as verdadeiras obras de arte seriam criadas pelos mestres que protestariam contra as
opressões do capitalismo. Declara-se o firme convencimento de que uma arte revolucionária
internacional seria o futuro, pois ao aliar-se à classe trabalhadora libertaria a humanidade 158.
Deste modo, abria-se o caminho para o desenvolvimento do realismo socialista; suas
bases estavam aqui traçadas. Portanto, essas formulações de Máximos Gorki, Andrei
Zhdanov, Nicolai Bukharin, Karl Radek e A.I. Stetsky são representativas dos seus
posicionamentos em relação à arte e do que seria assimilado como arte oficial soviética. Nesta
perspectiva, a demanda pelo engajamento político e social os artistas aumentaria e este tema
teve espaço significativo no I Congresso dos Escritores Soviéticos de 1934.

155
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
156
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
157
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
158
RESOLUTIONS. In: GORKY, RADEK, BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress
1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 271-290. Disponível
em: https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/resolutions.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
77

CAPÍTULO 2
O ARTISTA NA SOCIEDADE
78

CAPÍTULO 2- O ARTISTA NA SOCIEDADE

Este capítulo pretende apresentar a análise do engajamento político dos artistas


plásticos e dos debates sobre a relação que estabeleceram com a sociedade na União Soviética
e na América Latina. Inicialmente são apresentadas as discussões no I Congresso dos
Escritores Soviéticos de 1934 a respeito da atuação dos artistas no período de implantação do
realismo socialista. Deste modo, busca-se compreender as propostas para a prática artística
visando à contribuição para as conquistas coletivas da Revolução na sociedade soviética. Em
seguida, é discutida a produção dos artistas plásticos latino-americanos que pautavam o
conteúdo de suas obras e seu posicionamento político nas problemáticas sociais. A atuação
destes artistas e os efeitos na produção artística são analisados buscando afinidades e
divergências com as propostas soviéticas de acordo com o realismo socialista.

2.1 - O artista e a sociedade soviética

A atuação dos artistas na sociedade foi uma das preocupações no debate sobre as artes
no I Congresso de Escritores Soviéticos em 1934. Na ocasião, era pensado como o
engajamento político e o envolvimento em questões inerentes aos soviéticos do artista. Do
mesmo modo, refletiam sobre como era feita a representação dos diferentes setores que
compunham a sociedade de então através das artes. Reconheciam a grande responsabilidade
dos artistas na execução das obras e na forma final que seria dada aos aspectos observados na
realidade. Por isso, a formação e o desempenho seriam analisados e acompanhados de perto,
buscando o comprometimento político-ideológico dos artistas com a Revolução e com a
União Soviética. Os teóricos procuravam definir o que entendiam serem as “tarefas” dos
artistas nessa sociedade e os meios para o exercício pleno desta importante atividade na
construção humana daquele momento em diante.
Karl Radek especificava que uma das tarefas dos artistas revolucionários seria ajudar a
criar uma imagem convincente da União Soviética para os trabalhadores estrangeiros,
inspirando a criação de grandes obras de arte em todos os países a partir dos feitos da
experiência socialista relatada. Deveriam também aprender com as experiências
revolucionárias em curso no mundo, retratar os trabalhadores que apesar da opressão estariam
preparando na ilegalidade o seu futuro e a união das pessoas em prol do socialismo, apesar da
79

escassez de recursos e da opressão. Os artistas estrangeiros deveriam ajudar a mostrar como


vivem os trabalhadores em seus países 159.
Radek enfatizava que muitos artistas estariam defendendo o fascismo pelo mundo,
mas ao mesmo tempo muitos outros estariam indo para o lado dos revolucionários socialistas.
Alguns artistas não produziriam trabalhos anticapitalistas por terem medo da revolução
proletária, mas exporiam sua posição antifascista, o que seria de extrema importância. Seria
de grande valor o apoio de "grandes porta-vozes" da arte mundial, conhecidos em todo o
mundo, defendendo a União Soviética e o socialismo. A nova tarefa seria aproveitar a divisão
que a arte mundial vivia para encontrar aliados, aprender com os mestres da arte e unir forças
com a pequena burguesia proletarizada, da qual muitos intelectuais faziam parte, em uma
frente de ação. Deveriam investir no fortalecimento das fileiras, em aprimorar as habilidades,
atrair artistas indecisos e que estariam rompendo com a burguesia, em aprender com suas
técnicas, criar obras de arte comunistas que exponham os ensaios para a guerra, ajudar os
artistas que se aproximavam, e chegar cada vez mais perto das massas 160.
Máximo Gorki analisou o período entre 1907 e 1917 e constatou que foi um momento
em que os artistas tiveram total liberdade de criação, gerando ideias que considerava
irresponsáveis, pois propagandeavam características da burguesia ocidental. Ressaltava a
origem destas práticas burguesas na Revolução Francesa (1789-1799) e nos desdobramentos
da Primavera dos Povos em 1848 e da Comuna de Paris em 1871. Seus argumentos eram
feitos a partir da comparação entre o que se abominava nas práticas capitalistas, ou burguesas,
e o que se pretendia para a nova sociedade que se construía sob as aspirações do comunismo.
Com essa liberdade, os artistas criariam obras que mostravam a desintegração da moral
ocidental e o empobrecimento intelectual. Para Gorki isto seria inevitável para os de origem
pequeno-burguesa, que não teria a determinação da massa proletária, pois estes já teriam a
missão histórica de mudar o mundo em benefício de todos que trabalhavam honestamente161.

159
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
80

Portanto, para Gorki, era importante que o artista conhecesse a história russa, o seu
período feudal, a política colonial dos príncipes e czares e o desenvolvimento do comércio e
da indústria, pois assim compreenderia a configuração da exploração do campesinato e a ação
dos atores sociais opressores. Também deveriam atentar para o desenvolvimento da
organização dos camponeses em fazendas coletivas e a libertação do jugo dos antigos
proprietários de terras, pois suas produções alcançariam grande número de pessoas162.
A este respeito, Radek considerava que a liberdade de criação exigiria respeito para não
dar espaço aos que apenas criticavam. Muitos que se aproximavam temiam que a revolução
proletária pudesse levar a ditadura, opressão e estereótipos na arte. Para ele, não seria o
momento do artista olhar para seu interior, mas de olhar para os tensionamentos do mundo e
para os preparativos para a guerra, a ascensão fascista, a opressão aos trabalhadores, a tentativa
de supressão da União Soviética, olhar para as ameaças da realidade contraditória do mundo 163.
Neste sentido, Zhdanov partia da lembrança de que Stalin chamava os artistas de
“engenheiros da alma”, e não à toa. A visão que se tinha era de que esses companheiros
poderiam transmitir os avanços e conquistas do desenvolvimento revolucionário em suas
produções. A história e concretude da representação artística deveriam ser combinadas com a
remodelação ideológica da educação no espírito do socialismo, o que configuraria o método
do realismo socialista. Um “engenheiro de almas humanas” deveria estar totalmente ligado à
realidade, a uma base materialista164. Nesta perspectiva, o artista se mostrava necessário para
mediar a construção humana e, no caso, na formação do novo homem na nova sociedade que
se dispunham a edificar.
Nicolai Bukharin comemorava o aparecimento de muitos artistas de varias
nacionalidades, entre minorias étnicas e sociais, valorizando que em comum tivessem o
propósito socialista no conteúdo e na forma. Reafirmava que os soviéticos seriam a vanguarda
dos trabalhadores e a principal força triunfante e por isso teriam grande responsabilidade

162
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
164
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
81

perante a história. Seria, então, necessário que os artistas ampliassem e aprofundassem os


conhecimentos para sentir as coisas em sua completude e poder transpô-las à forma artística.
Para isso, deveriam estudar o passado, o presente, e, sobretudo, as técnicas artísticas para
transmitir seus conhecimentos165.
Bukharin defendeu em seu discurso que o artista, bem como o cientista, não poderia se
afastar da prática, negar sua “função social” em prol de interesses próprios ou praticidade,
pois a sua arte deveria adquirir e transmitir experiência, educar, mostrando seu grande poder
de militância. O conteúdo da arte deveria ser de interesse geral e se vale como exemplos as
experiências de obras da antiguidade indiana, chinesa, grega e dos contos folclóricos russos
que seriam capazes de impulsionar e formar pessoas a partir de seus cânones e mandamentos,
como uma pedagogia social. Bukharin se opõe, ainda, aos que considera “idealistas
desinteressados” que esvaziariam o ser-social. O artista proletário deveria apelar às massas, ter
caráter popular e suas obras terem influência sobre muitas pessoas por seu sentido social. A
forma deveria ser adequada ao público, sendo simples, de fácil compreensão, afinada com a
vida, com linguagem popular, mas acompanhando o desenvolvimento cultural e o incremento
na complexidade e riqueza de conteúdo gradativamente. Deveriam ter cuidado para não
confundir com o populismo, que não distinguia as classes e englobava todos no conceito geral
de “povo”166.
Gorki ressaltava que o Partido Comunista da União Soviética, enquanto responsável
pela destruição do capitalismo e organização da sociedade livre de classes, objetivaria
eliminar os vícios provocados pela relação capitalista. A partir de então, a grande função dos
artistas soviéticos seria justamente partir deste entendimento para avaliar e organizar seus
trabalhos. Os artistas deveriam reunir o proletariado de toda parte por sua liberdade frente ao
capitalismo, e terem a consciência da responsabilidade coletiva por tudo o que acontecia no
meio artístico. O trabalho e o comportamento social do artista deveriam ser cuidados, pois
faziam parte da construção de uma nova vida em todo o mundo. Nesta perspectiva, defendia
que para os artistas realistas antigos, sua posição seria de “juízes do mundo e dos homens” ou

165
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
166
BUKHARIN, Nikolai. Poetry, poetics and the problems of poetry in the USSR. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 185-258. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/ (Marxists Internet Archive), acessado em: 30-
08-2016.
82

“críticos da vida”, mas sob os auspícios do realismo socialista era defendido um papel mais
amplo 167.
De acordo com Radek, na gênese do capitalismo os artistas foram obrigados a ignorar
os antagonismos e as explorações, o que gerou frustrações. Na União Soviética, o artista
poderia encontrar um novo mundo, que emancipara as mulheres, todo o povo e todos os
povos. Nessa concepção, os artistas da URSS e os artistas revolucionários de países
capitalistas desejariam representar as contradições do mundo. Para tanto, encontrariam no
realismo o caminho ideal, pois:
Realismo significa o retrato dessa realidade em todas as suas conexões básicas.
Realismo significa dar uma imagem não só da decadência do capitalismo e do
definhamento da sua cultura, mas também do nascimento dessa classe, dessa força,
que é capaz de criar uma nova sociedade e uma nova cultura. Realismo não significa
o embelezamento ou seleção arbitrária de fenômenos revolucionários; isso significa
que reflete a realidade como ela é, em toda a sua complexidade, em toda a sua
contrariedade, e não só a realidade capitalista, mas também outra nova realidade - a
realidade do socialismo168.
Karl Radek procura definir as preocupações que os artistas deveriam ter na produção
das obras. O artista deveria mostrar como o socialismo era construído a partir do processo
histórico, com materiais criados pelo proletariado que duramente trabalharia para moldar o
novo ser humano. Assim, os que tentassem representar o nascimento do socialismo e o
sistema que constituíra de forma idílica como um paraíso de pessoas ideais não conseguiria
convencer as pessoas, pois não seria realista. O artista não poderia se pautar em observações
casuais de certos perfis de realidade e não poderia perder a imagem do movimento mais
amplo, quando representasse alguma situação específica 169.
Para Stetsky, a URSS viveria o melhor momento das artes, devido ao desenvolvimento
da eletricidade, telegrafia sem fios e do socialismo que levavam a população conheceria seus
artistas, pessoas de todo tipo, origem e atividade. Muitos artistas surgiriam de origem operária
e de fazendas coletivas, tornando-se conhecidos já com seus primeiros trabalhos em toda parte
167
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
168
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016. Tradução minha.
169
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
83

da URSS, o que seria devido ao crescimento cultural, e a busca pela representação do


crescimento e luta pelo socialismo. Enquanto isso, os artistas que se isolavam em seus
escritórios ou ateliês desapareceriam gradualmente, muitos por passarem a aceitar o poder
soviético e sua plataforma tornando-se mais próximos da população .170.
Stetsky defendia que o artista “genuíno” deveria reconhecer a importância de criar e se
esforçar para atingir o coração do seu público, valendo-se de conteúdos que inspirassem,
desafiassem e os levassem adiante. Esperava que os artistas se esforçassem para criar novas
obras que estimulassem novos sentimentos e pensamentos, inspirando as pessoas com vidas
heroicas, trabalho. Clamava pela criação de uma nova arte, de um povo livre, uma arte do
socialismo. O público deveria poder compreender perfeitamente a obra, cada imagem deveria
ser direcionada a encontrar ressonância no seu observador. Para tanto, era necessário retratar
personagens e circunstâncias que fossem típicos. O artista deveria compreender e retratar os
personagens mostrando a trajetória de lutas, os obstáculos, os inimigos vencidos e então o
crescimento e conquistas. Produzir obras dignas de seu tempo seria de grande importância
para o artista e para a criação artística de modo geral. O artista não deveria se limitar a
“fotografar” os acontecimentos, deveria revelar a conexão entre os fenômenos, a origem das
qualidades do homem, as “maravilhas” da organização e da disciplina que teriam a admiração
do mundo inteiro171.
Para Zhdanov, o trabalho deveria ser incansável para formação e aperfeiçoamento dos
equipamentos ideológicos no espírito do socialismo, no intuito de remodelar a mentalidade do
público. Exigia-se um alto domínio e qualidade da produção artística, mas em consonância
com as demandas da época em que se vivia. Todas as condições necessárias já estariam postas
para produzir obras que responderiam ao que considerava serem as necessidades das massas.
Para ele, a arte soviética seria a única com condições de ser tão intimamente ligada com a
vida da população trabalhadora e com as conquistas do socialismo e não temeria a alcunha de
tendenciosa, pois seriam sim tendenciosos. Aponta que em uma época de luta de classes, não
haveria arte sem classe, não tendenciosa ou não política. Todo artista soviético poderia dizer

170
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
171
STETSKY, A.I. Under the flag of the soviets, under the flag of socialism. In: GORKY, RADEK,
BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 261-271. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/stetsky.htm (Marxists Internet Archive),
acessado em: 30-08-2016.
84

para qualquer um que lhe acusasse de tendencioso as seguintes palavras: “Sim, nossa
literatura soviética é tendenciosa, e nós temos orgulho disso, pois o alvo de nossa tendência é
libertar os trabalhadores explorados, e dar liberdade toda a humanidade do jugo da escravidão
capitalista”172.
Zhdanov considerava que para os artistas tornarem-se “engenheiros de almas
humanas”, deveriam dominar as técnicas artísticas com suas peculiaridades e assimilar
criticamente a herança artística de todas as épocas. O artista soviético poderia valer-se de
diferentes artifícios: gêneros, estilos, formas e métodos de criação. O proletariado seria o
único herdeiro do que havia de melhor na arte mundial, visto que os burgueses desperdiçariam
toda a riqueza dessa história. E reiterava que as tarefas dos artistas comprometidos com a
construção do socialismo seriam: criar obras de grande alcance com conteúdo ideológico e
artístico, ajudar a remodelar a mentalidade das pessoas e estar à frente das fileiras na luta por
uma sociedade socialista sem classes 173.
O acesso à educação e a cultura era bastante valorizado por Gorki como um dos pilares
da estrutura soviética. Ele narra que desde a Antiguidade até então milhões de pessoas seriam
impedidas de compreender o mundo através da superexploração do trabalho. Desta forma,
gerariam pessoas divididas pelas ideias de raça, nacionalidade, religião, e mantidas sob
superstições e preconceitos de todo tipo. Para Gorki, o artista deveria ser autocrítico e estar
ciente da importância de representar o proletariado e do aumento das suas exigências sobre a
arte produzida conforme crescessem os índices de alfabetização. Para tanto, defendia a
proficiência dos iniciantes através do resgate da história das repúblicas soviéticas, produzindo
obras coletivas e exercitando a autocritica. A forma de conhecimento do passado também
estaria de acordo com os novos preceitos marxistas, leninistas e stalinistas. Os artistas
deveriam assumir a responsabilidade da organização e formação de jovens artistas, mostrando
a importância nacional para o pleno conhecimento do passado e do presente 174.

172
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016. Tradução minha.
173
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
174
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
85

A importância dada pelo PCUS ao desenvolvimento das artes e das ciências foi mais
um ponto destacado por Gorki, pois levaria ao aumento das exigências em torno desta
produção e, desta forma, ao cuidado com a capacitação profissional entre trabalhadores destas
áreas. Caberia ao Estado proletário educar os milhares de “artesãos da cultura” ou
“engenheiros da alma”, oferecendo a possibilidade a toda a massa de trabalhadores o direito
de desenvolver seus talentos, inteligência e capacidades, afinal o público principal da arte
soviética era formado pelos operários das fábricas e os agricultores das fazendas coletivas.
Gorki apontava para a baixa quantidade de escritores por habitantes e defendia a importância
de aumentar esses índices. Haveria, no entanto, muitos iniciantes produzindo no âmbito local
e alguns aparecendo na imprensa, aos quais deveriam voltar a atenção. Independente da
qualidade das obras ficaria evidente que este crescimento quantitativo seria parte de um
processo cultural profundo o qual a população protagonizava. Milhares de jovens operários
que tratariam de temáticas locais produziriam peças teatrais, histórias e poesias, sendo tarefa
dos artistas mais experientes, como os presentes no Congresso, assumir a orientação,
organização e ensino desses iniciantes para canalizar suas forças na produção do
conhecimento sobre o passado e na construção do futuro175.
Ao tratar dos artistas proletários, Radek considerava que aprenderiam as técnicas para
servir as massas através da própria arte. Enfatiza que muitos teriam contribuído como
agitadores e soldados, mas que a arte poderia ser mais poderosa do que a força, pois, apesar de
não poder substituí-la, a arte mobilizaria e multiplicaria as forças brutas. E diante do novo
ciclo de guerras e revoluções que se aproximava a arte seria de grande necessidade e era
preciso que os artistas estivessem atentos a isso. Ressalta que quando eclodiu a guerra muitos
artistas que se consideravam acima das classes e representantes da arte pura se posicionaram a
favor do imperialismo que obrigou milhões de operários e camponeses a lutar em uma causa
imperialista. Poucos teriam se oposto à guerra e apoiado os prisioneiros, como Máximo Gorki
e Andersen Nexo, soviéticos, e Romain Rolland, francês. Isto não seria acidental, pois estes
seriam representantes da classe trabalhadora. Destarte, a guerra abriria os olhos de muitos
artistas que apenas nos momentos finais do conflito defenderam o encerramento e a restituição
da paz. Isto depois de extrapolados todos os limites do horror, mortes e destruições 176.

175
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
176
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
86

Esta seria a essência do pacifismo pequeno-burguês combatida por intelectuais e


artistas soviéticos e por Radek em seu discurso. Uma vez que a tranquilidade gerada por
exercer um trabalho útil seria ilusória e não apagaria os horrores da guerra ou todas as mortes.
A questão do pacifismo é relevante na medida em que implica o posicionamento dos artistas
em relação ao seu conteúdo. Radek defendia a necessidade de estar atento ao avanço da
belicosidade e do fascismo, pois por mais que se tentasse estar alheio à política, esta estaria
em todos os aspectos da vida social, inclusive dos artistas. Os artistas burgueses não
demoraram a reagir não porque não se abalaram até então, mas porque não poderiam
responder às massas a origem imperialista da guerra e tampouco a forma de lutar contra os
interesses de sua classe. Por outro lado, muitos jovens artistas proletários expressariam a
contrariedade à guerra ao refletirem a posição das maiorias proletárias177.
Muitos artistas estrangeiros perguntariam o que deveriam fazer em caso de guerra,
pois se dispunham a lutar ao lado do Exército Vermelho, mas Radek afirma que:
Estimamos - tais sentimentos muito bem, mas também temos de dizer-lhes: Não pense
no que você vai fazer em tempo de guerra, mas pense pela primeira vez sobre o que
vocês, como artistas, devem fazer agora, antes que a guerra estoure, a fim de mostrar
às mais amplas massas do povo o que o imperialismo reserva ao destino da próxima
guerra. O primeiro dever da literatura proletária é retratar os preparativos de guerra do
imperialismo, para retratar o trabalho pacífico poderoso da União Soviética, e mostrar
às massas do povo por que estão sendo empurrados para a guerra e como lutar contra
ela178.

A consequência, para Radek, seria todos no mundo notarem a profunda crise do


capitalismo e o tremendo crescimento do socialismo, o que poderia encorajar cada vez mais
artistas a pensar e a estar ao lado do proletariado. E apesar de muitos reconhecerem os feitos
soviéticos como a nova vida dos antigos servos e proletários explorados e a liberdade da
mulher, aos poucos grandes artistas já mudariam de lado por diversos países. Alguns se
posicionariam a favor da URSS como protesto pelas condições de vida no mundo capitalista,
enquanto outros ainda não conseguiriam cortar os vínculos. Por esta razão, Radek dividiria o

https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado


em: 30-08-2016.
177
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
178
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016. Tradução minha.
87

mundo entre os que apoiavam o fascismo e os que estavam contra. O exemplo dado foi o
ocorrido em 10 de maio de 1933 nas praças de Berlim, quando queimaram livros de Gorki,
Stalin, Ludwig Renn179 e outros escritores, ratificando que não haveria neutralidade possível
naquele momento. A expressão artística contra o fascismo seria de enorme importância
política e o declínio do capitalismo provocaria a crescente simpatia dos artistas europeus pela
União Soviética, dificultando, inclusive, as investidas imperialistas contra os soviéticos180.
Portanto, de acordo com Radek, os artistas teriam a tarefa de mostrar aos colegas de
todo o mundo que a Revolução de Outubro foi apenas a primeira e que deveria ser base para o
proletariado de outros países. Deveriam dizer aos artistas ocidentais que a URSS os teriam em
alta conta, mas que lembrassem que o inimigo estava em seus próprios países, bem como as
forças para combatê-lo. O artista que pretendesse contribuir para o socialismo e lutar contra o
fascismo e os perigos destas forças deveria encontrar seu caminho em direção ao proletariado,
mesmo que os revolucionários fossem poucos entre a classe trabalhadora de seu país.
Convocava os artistas presentes no Congresso para ajudar a luta da classe trabalhadora em
seus países, apoiando a minoria revolucionária a se preparar para lutar contra as opressões
sofridas, promovendo o acolhimento. Os que não compreendessem isso tenderiam ao campo
do fascismo. Os artistas revolucionários estrangeiros teriam uma importante tarefa: combater
o fascismo infiltrando sua arte nos seus países181.
Radek reconhece as dificuldades para o envolvimento político dos artistas nos países
capitalistas, mas reafirma a importância de serem conscientes de que como membros da
sociedade seus trabalhos expressariam as aspirações de uma classe ou outra, apesar de muitos
defenderem o caráter não-político do artista e se mostrarem contra os proletários
revolucionários que acreditavam destruir a arte. O artista imerso na sociedade capitalista
corrupta e em crise, muitas vezes se veria dividido entre uma solução revolucionária socialista
e uma opção fascista. A grande maioria dos artistas do mundo capitalista estaria
essencialmente ao lado da burguesia, afirmando que a política não era concernente a eles.
Tendências fascistas poderiam ser reconhecidas em obras artísticas na Inglaterra, Estados

179
Ludwig Renn (1889-1979) foi um escritor alemão e membro do Partido Comunista da Alemanha.
180
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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Unidos, França. Os artistas estariam sendo forçados a escolher entre a revolução do


proletariado e uma contrarrevolução preventiva do capital monopolista, mas deveriam refletir
sobre a quem cada lado serve e a que vai contribuir. O fascismo atenderia aos magnatas do
ferro, do carvão, que oprimiriam o proletariado, que preparariam uma nova guerra mundial e
que mesmo que se disfarçassem com demagogias sociais serviriam aos interesses apenas do
capitalismo monopolista. Não existiria fascismo "de esquerda". Ao fazer sua escolha, o artista
decidiria sua posição nas lutas e o destino da arte182.
Radek reitera suas ideias, afirmando que o artista consciente, com sentimentos e
capacidade de falar a verdade não poderia defender um sistema que torna dezenas de milhões
de pessoas desempregadas, que pauperiza os camponeses e coíbe o acesso à vida urbana, que
impede o acesso a empregos adequados a formação educacional, que matou milhões de
pessoas na Grande Guerra, mutilou outros milhões e preparava uma nova guerra. O fascismo
perpetuaria esse sistema, poderia comprar artistas e outras pessoas que defenderiam seu poder
e a guerra como uma panaceia. Mas defendia que nenhum artista poderia criar uma grande
obra de arte sem acreditar no que representa, ou defender uma causa que desprezaria enquanto
ser humano, pois a verdade e a vida seriam as bases para obras de grande qualidade. As obras
continuariam a ser produzidas, mas não encontrariam retorno de um público que buscaria vida
nova e melhor. No entanto, esses artistas ainda poderiam produzir obras com qualidade em
sua forma183.
Contudo, Radek considera que o fascismo significaria o fim da arte, pois a defesa da
exploração humana destruiria a sociedade a as artes, desta forma, não seria aceitável um
artista não ter consciência da gravidade de defender um sistema que estaria perecendo. Os
artistas que buscavam a qualidade na arte, com real valor, que pudesse alavancar a
humanidade ao seu desenvolvimento, preencher a vida das pessoas e mostrar criatividade,
deveriam juntar-se ao proletariado na luta contra o capitalismo e o fascismo. Apenas assim

182
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
89

seria possível produzir uma arte verdadeiramente grandiosa e desenvolver sua força enquanto
artista184.
Com objetivo de atrair mais artistas estrangeiros para apoiar e expandir a experiência e
as ideias soviéticas, Radek acreditava que à medida que a luta proletária crescia e se
aprofundava em todo o mundo, a arte acompanharia as lutas operárias e do campesinato. A
contribuição de artistas de países capitalistas seria mostrar a realidade da luta, e os impactantes
motivos que impediriam os intelectuais de se aproximar das fileiras revolucionárias. A arte
proletária desenvolvida a partir de artistas de origem operária estaria se desenvolvendo e
atraindo artistas de origem burguesa para a causa. Isto seria positivo pela qualidade e
importância de muitos desses artistas já reconhecidos por seus trabalhos anteriores. Alguns
artistas de origem burguesa buscariam servir a causa operária, enquanto outros ingressariam
nos partidos comunistas visando conhecer a realidade ao fazer parte de suas fileiras e assim
representar, de fato, a sociedade185.
Radek apontava o individualismo como um dos problemas a serem enfrentados.
Lembra que para combater o individualismo deveria desenvolver a individualidade colocando-
a a serviço da classe, podendo assim destruir as bases do mundo capitalista. Para tanto,
deveriam estimular os artistas a superar o individualismo e a indecisão, e a compreenderem
que enquanto trabalhadores da mente não poderiam se submeter a qualquer ideia, mas sim
contribuir sinceramente para a revolução. Esta seria mais uma razão para a importante tarefa
de atrair os artistas para unirem-se com o objetivo de luta, pelo mesmo programa e mesmo
caminho, subordinando as considerações individuais pelo bem comum. A liberdade individual
do artista em relação à revolução seria um problema à medida que entendessem essa liberdade
para ir contra a linha geral do Partido Comunista. O artista deveria compreender o papel do
campesinato, dos povos escravizados e que suas divergências não seriam mera opinião, mas
implicariam questões mais fundamentais e inerentes à outra classe que não a trabalhadora.
Portanto, era importante o cuidado para não confundir a opinião própria com a divergência

184
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
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dos interesses das massas, pois isso dividiria os revolucionários e contribuiria para o
capitalismo.
No tocante à questão da liberdade artística, Radek faz analogia ao caso das guerras, nas
quais o soldado não escolhe seu próprio caminho para o objetivo do conflito. No entanto,
defende que no caso soviético não seria imposto um caminho por uma tirania arbitrária de
algum partido ditatorial, mas determinado a partir dos ensinamentos de Marx e Lenin 186.
Deixa claro, deste modo, que os limites para a liberdade do artista seriam definidos pelo
alinhamento político, no que concerne ao conteúdo e à forma das obras. Os “caminhos” para
realização das obras deveriam estar de acordo com a interpretação marxista e leninista, que na
prática eram mediados pelo PCUS.
Radek observa que muitos artistas estariam se aproximando da causa socialista por
verem a tragédia da queda do sistema capitalista no qual a humanidade viveria e por poder
participar do nascimento de um novo sistema de sociedade. A possibilidade de estar ao lado
do povo nesse processo conquistaria os sentimentos dos artistas. No entanto, Radek
argumentava que se essa aproximação fosse apenas como um refúgio do vazio da vida que
tinham e não houvesse ligação afetiva com os militantes operários e camponeses o seu talento
seria anulado e não se desenvolveria. Grandes artistas poderiam ajudar muito a classe
proletária na luta, mas só seriam capazes de contribuir se a produção artística ecoasse o amor
pelas massas militantes, que sofrem e lutam por uma nova vida. O proletariado seria a base da
revolução e deveria ser a base da grande arte. Sem esta relação do artista com os trabalhadores
não poderia desenvolver uma arte de grande relevância 187.
Gorki ressaltava que os artistas sem partido do mundo estariam se tornando cada vez
mais simpáticos aos soviéticos por suas ações e na compreensão do significado para a
humanidade do trabalho do Partido Comunista e dos trabalhadores188. Zhdanov complementa
esta ideia destacando que em países capitalistas, apenas uma pequena parte distanciada e mais

186
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
187
RADEK, Karl. Contemporary world literature and tasks of proletarian art. In: GORKY; RADEK;
BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and
Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 73-182. Disponível em:
https://www.marxists.org/archive/radek/1934/sovietwritercongress.htm (Marxists Internet Archive), acessado
em: 30-08-2016.
188
GORKY, Máximo. Soviet literature. In: GORKY; RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet
Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp.25-
69. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/gorky-maxim/1934/soviet-literature.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016.
91

honesta de artistas tentaria encontrar outros caminhos e direções para alcançar o proletariado e
sua luta revolucionária. O proletariado desses países já prepararia um exército de artistas e,
conforme a opressão aumentava, os artistas revolucionários e as forças da revolução proletária
cresciam. Zhdanov afirma que apesar de haver ainda algumas poucas dúzias destes novos
artistas estrangeiros, muitos deles estavam no I Congresso de Escritores, o que contribuiria
para a revolução proletária nos países capitalistas 189.
A respeito das apresentações dos participantes, o Congresso, em suas resoluções finais,
orientava a União dos Escritores Soviéticos a conceber medidas que auxiliassem os escritores
no trabalho criativo e a fortalecerem o vínculo entre artistas e trabalhadores, aumentando a
qualidade das obras imersas no “espírito do socialismo”. A respeito do relatório de Radek,
consideravam que apesar do crescimento do fascismo, que aprisionaria muitos dos mais
importantes artistas revolucionários, a arte revolucionária cresceria conforme aumentava a
força da classe trabalhadora, “despertando” os oprimidos contra o capitalismo. E convocava
os escritores revolucionários de todo o mundo para lutar contra a “opressão capitalista, a
barbárie fascista, a escravidão colonial, contra os preparativos para novas guerras
imperialistas, na defesa da URSS” 190.
O debate acerca das artes para os novos tempos de consolidação da Revolução de 1917
e para construção de uma nova sociedade comunista não se encerraria em 1934. O realismo
socialista se modificaria ao longo das décadas seguintes em que esteve em vigor. A prática
artística acompanharia as necessidades e demandas políticas que surgiriam com o tempo,
embora suas bases aqui traçadas fossem mantidas e propagadas pelo mundo. Nos discursos,
mostravam aos artistas de toda parte que participavam do Congresso a importância de
produzir uma arte antifascista. O intuito era atrair mais artistas, soviéticos e estrangeiros, e
encorajá-los a espalhar as ideias-força do realismo socialista. Desta forma, evidenciavam a
responsabilidade social dos artistas, conferindo-lhes “tarefas” perante a luta dos trabalhadores
contra o jugo capitalista. De todo modo, as reverberações tiveram tempos diferentes em cada
lugar, provocando interpretações específicas também. Na América Latina e no Brasil foram

189
ZHDANOV, Andrei. Soviet literature – the richest in ideas, the most advanced literature. In: GORKY;
RADEK; BUKHARIN; ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress 1934: The Debate on Socialist
Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. Pp. 15-26. Disponível em:
https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/zdhanov.htm (Marxists Internet Archive) ,
acessado em: 30-08-2016.
190
RESOLUTIONS. In: GORKY, RADEK, BUKHARIN, ZHDANOV and others. Soviet Writers’ Congress
1934: The Debate on Socialist Realism and Modernism. Lawrence & Wishart, 1977. pp. 271-290. Disponível
em: https://www.marxists.org/subject/art/lit_crit/sovietwritercongress/resolutions.htm (Marxists Internet
Archive), acessado em: 30-08-2016. Tradução minha. .
92

sentidas em proporções distintas, mas mostraram significativo efeito nas artes até então
produzidas e no engajamento dos artistas.

2.2. Os artistas latino-americanos e a crítica social na arte gráfica e no muralismo

As singularidades dos países latino-americanos mostraram-se no desenvolvimento


político e econômico, bem como nas expressões artísticas diversas ao longo do tempo. A
forma como os novos movimentos artísticos europeus do início do século XX chegaram e
foram ressignificados também foi peculiar em cada país e por cada artista. O fauvismo, o
expressionismo, o cubismo, o dadaísmo, o purismo e o construtivismo contribuíram para uma
grande renovação nas artes latino-americanas a partir da década de 1920. As criações dos que
se pautaram no modernismo europeu se valeram, porém, de formas específicas das américas.
Artistas como o mexicano Diego Rivera (1886-1957) e o uruguaio Joaquín Torres-Garcia
(1874-1949), que viveram por curto tempo na Europa, contribuíram não só para o
modernismo latino-americano a partir de suas experiências no exterior, mas também para o
modernismo europeu191.
A Revolução Mexicana (1910) e a Revolução Russa (1917) causaram transformações
profundas na América Latina. Muitos artistas, escritores e intelectuais foram impactados, o
que suscitou debates relativos à cultura e à arte praticadas. A radicalização da arte se mostrou
atrelada à política revolucionária, promovendo os ideais de uma arte para o povo e
valorização da cultura nacional, como fariam os muralistas. As vanguardas latino-americanas,
bem como as europeias, eram heterogêneas, mas interagiam e divulgavam suas ideias através
de conferências, exposições, manifestos e revistas como: El Machete (1924) no México,
Martin Fierro (1924) em Buenos Aires e Amauta (1926) no Peru192.
Em Amauta e El Machete defendia-se a unidade orgânica da revolução na política e na
arte, enquanto outros grupos buscavam a autonomia artística. (p.125) Havia divergências
também quanto à ruptura ou não com o passado. Em geral, as tradições eram reavaliadas e a
cultura indígena fortalecida, enquanto rejeitavam as práticas herdadas do período colonial e da
Europa do século XIX. A revista El Machete representava o Sindicado de Trabalhadores
Técnicos, Pintores e Escultores e tornou-se órgão oficial do Partido Comunista Mexicano.

191
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.190.
192
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.125.
93

Esteve ligada diretamente aos pintores muralistas, alguns tiveram as primeiras experiências
com xilogravura em suas páginas193.
A revista Amauta explicitava a ligação da política revolucionária com a vanguarda
artística e literária. José Carlos Mariátegui dirigiu a revista e no primeiro editorial em 1926
deixava claro que não estavam abertos a correntes e opiniões, pois eram militantes e
polêmicos. Mariátegui foi um grande pensador marxista, era também escritor e foi fundador
do Partido Socialista Peruano, que logo aderiria à Internacional Comunista e mudaria para
Partido Comunista Peruano. O espaço da revista era declaradamente destinado aos que se
comprometessem com mudanças, ou seja, aos vanguardistas, aos revolucionários e aos
socialistas. Nos números seguintes desenvolveu sua oposição às artes reduzidas a dedicarem-
se a novas técnicas. Para Mariátegui, as correntes e escolas eram revolucionárias à medida
que rejeitam a ideia burguesa de absoluto, a qual considerava ridícula. Amauta podia ser
considerada eclética dentro da enorme gama de correntes do internacionalismo de esquerda e
das vanguardas. Mostrava, por exemplo, apoio aos ataques dos dadaístas e dos surrealistas
contra as convenções artísticas e aos valores burgueses. Entre seus variados colaboradores,
contava com o autor inglês de teatro George Bernard Shaw, Cesar Vallejo, Dr. Atl, Bela Uitz,
Pettorutti, José Sabogal, George Grosz, que teve uma conferência sobre sociedade e arte
burguesas traduzida para a revista e José Vasconcelos, que foi ministro da educação mexicano
e responsável pelo projeto muralista 194.
No Uruguai se destacou o trabalho de Pedro Figari (1861-1938), que começou a pintar
em 1921 já aos sessenta anos de idade. Suas obras mostravam, por exemplo, festas de negros,
danças e canções populares, bandas locais pelas ruas, tambores, blocos de carnaval, pátios
internos, tecidos e cores brilhantes, árvores típicas locais como o umbu. Figari buscava
retratar acontecimentos e reuniões sociais de um mundo que desaparecia frente à
europeização. Formas resistentes como cenas do candombe, como se chamavam as reuniões
das populações negras do Uruguai e a dança de origem africana. A obra Nostalgias Africanas
(fig.7), representa a prática no final do século XIX e o contraste com as reuniões dos
descendentes europeus em ambientes pomposos. A forma como pintava era considerada
rudimentar e grosseira, generalizando as particularidades. No entanto, valorizava as maneiras
de se expressar de seu povo195.

193
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.126,132.
194
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.130-131.
195
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.137-141.
94

Figura 7. Óleo sobre papelão. Pedro Figari. “Nostalgias Africanas”. s/d. Museo Municipal Juan Manuel
Blanes, Montevideo.

Também com temáticas singulares, pode-se destacar a obra do argentino Alejandro


Solari (1887-1963), conhecido por Xul Solar. Dedicou-se a um mundo misterioso e místico.
Depois de viver doze anos na Europa, voltou para Buenos Aires onde contribuiu para a revista
Martin Fierro, fez ilustrações para obras de Luís Borges, como Idioma de los argentinos de
1928 e foi assunto para Ficções de 1944196. A abordagem de Xul apresentava-se de forma
distinta, mas buscava elementos na cultura local para as temáticas que desenvolvia em suas
obras, como em Dança dos santos (fig.8):

Figura 8. Aquarela sobre papelão. Xul Solar. “Dança dos santos”. 1925. Coleção Marion e Jorge Helft,
Buenos Aires.

196
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997.p.143.
95

Os artistas e escritores atrelados a Martin Fierro compartilhavam de posicionamento


semelhante e eram reconhecidamente cosmopolitas e experimentais, ligados às áreas mais
elegantes e à vanguarda europeia. Por outro lado, outro grupo, marcava a ruptura entre as
vanguardas políticas e artísticas argentinas. Caracterizados pelo realismo social, “somente era
internacional em seu compromisso político, com esporádicas inserções de expressionismo que
davam combatividade e dinamismo” 197.
Enquanto Figari e Xul Solar não formaram “escolas”, Joaquín Torres-Garcia teve
importante papel no desenvolvimento do construtivismo na América formando muitos
seguidores desde que retornou ao Uruguai em 1933 depois de muitos anos vivendo na França,
na Espanha e nos Estados Unidos. Formou a Asociación de Arte Constructivo em 1935 e entre
1936 e 1943 a revista Círculo e Cuadrado, inspirada no movimento que também ajudou a
fundar em Paris: Cercle et Cerré. A revista obteve prestígio e contou com colaborações de
importantes nomes do construtivismo mundial, reproduzindo suas obras. Torres-Garcia
divulgava suas ideias através de escritos e conferências, alcançando repercussão na América
Latina. Em 1938 ergueu o Monumento cósmico (fig.9), obra que consiste em um muro sem
paredes em um parque ao lado do Museu de Belas Artes em Montevidéu com símbolos e
signos em referência às civilizações nativas americanas, principalmente andinas. Apesar do
grande destaque deste monumento, o artista já havia realizado outros trabalhos inspirados na
iconografia, formas, cores e estrutura pré-incaicas e de Nazca quando esteve em Paris 198.

197
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.194.
198
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.143-144.
96

Figura 9. Muro. Joaquín Torres-Garcia. “Monumento Cósmico”. 1938. Parque Rodó, Montevidéu.

A ruptura com o passado e com a formação artística foi, para muitos artistas,
fundamental para iniciar-se no modernismo. Enquanto na Europa significava romper com a
tradição conservadora e acadêmica, na América Latina também se buscava o compromisso da
arte com questões sociais e políticas, o que gerou debates nas décadas de 1920 e 1930. O
objetivo era uma arte voltada para o povo, na linha das bases do realismo socialista, mesmo
que este não fosse a preocupação central. O muralismo mexicano, que apareceu depois de
1921 gerava divergências nos debates relativos aos materiais, técnicas e uso do estilo
expressionista, encampados, principalmente, por David Alfaro Siqueiros (1896-1974)199. O
destaque de Siqueiros se deu ainda por sua afinidade com as ideias marxistas. Em 1923 atuou
no Partido Comunista Mexicano e fundou o Sindicato dos Trabalhadores, Técnicos, Pintores e
Escultores. Em 1924 editou o semanário El Machete, que tratava da problemática artística e
social200.

199
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.126,130.
200
DAVID Alfaro Siqueiros (verbete) In: JINKINGS, Ivana; MARTINS, Carlos Eduardo; SADER, Emir;
NOBILI, Rodrigo (coord.). Latinoamericana: enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe.
Boitempo. Disponível em: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/s/siqueiros-david-alfaro , acessado em 10-02-
2017.
97

A arte produzida pelos muralistas mexicanos teve caráter revolucionário, popular e


grande importância em toda América Latina. Considerados os mais criativos e atuantes da
vanguarda cultural revolucionária mexicana, os muralistas apareceriam junto à ascensão do
líder revolucionário Álvaro Obregón à presidência em 1920, após dez anos de conflitos que
levaram à Revolução. A luta de Zapata por reforma agrária, as fortes contradições sociais e
antigas estruturas de então passaram a ser vistas com outro olhar pelos pintores, bem como a
sociedade mexicana em suas nuances culturais, história e conflitos. Tomaram, assim, paredes
por todo o México e de variados espaços como fachadas de edifícios, igrejas coloniais,
palácios, pátios de prédios ministeriais, câmaras legislativas, museus e escolas 201.
O estabelecimento e o predomínio do muralismo deveram-se a muitas razões, mas o
projeto do governo de Obregón de produção de murais foi fundamental. Contou com o
compromisso do revolucionário José Vasconcelos como presidente da Universidade e
ministro da educação, destacando-se por não impor temas ou estilo. Fundamentava-se na ideia
de que a sensibilidade artística deveria ser estimulada para conquistar o avanço da sociedade.
Deste modo, buscou artistas jovens nas escolas de arte, nos ateliês, embora a formação dos
artistas não os preparasse para tal tipo de produção e os aproximasse mais dos afrescos
italianos. Foram atraídos também, artistas mais experientes de volta da Europa para o México,
como Siqueiros e Rivera, cuja experiência proporcionou-lhes ligação com obras de grandes
proporções do cubismo, de Delaunay e de Fernand Léger, este mais ligado ao popular. Rivera
se envolveu em debates teóricos sobre a arte ativamente e manteve-se próximo de Picasso,
Gris e Severini no período da Primeira Grande Guerra. Suas opções artísticas o afastaram de
determinado cubismo e o aproximaram de representações modernas e envoltas de realismo, o
que se veria mais tarde em seus murais fundamentados no modernismo e ideias do realismo
socialista202.
Murais do período pré-colombiano já cobriam paredes pelas cidades. De todo modo, a
questão do índio rondava os debates, principalmente após a Revolução. Discutia-se a
distância entre os índios e o restante da sociedade e o papel da arte nesta divisão, visto que os
índios se mantinham ligados a arte pré-colombiana enquanto a aristocracia voltava-se para a
arte europeia e a classe média ficava no meio termo mesmo que pendendo para a prática
europeia. As diferenças étnicas e econômicas já separavam as classes sociais mexicanas.
Acreditava-se que com o tempo e a ascensão financeira dos nativos essa distância se

201
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.151.
202
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.115,
129,152,153.
98

estreitaria fundindo etnicamente e culturalmente, consolidando uma consciência nacional e,


então, uma arte nacional. O muralismo se promoveu com base em ideias como esta, apesar de
os próprios artistas não entenderem assim seu papel e a mensagem de suas obras não
expressar essa concepção 203.
Dawn Ades destaca que, apesar das diferenças culturais, nessa abordagem os índios
ocupariam a posição que a classe trabalhadora ocupa no modelo marxista. Ressalta, no
entanto, que nem todos os índios compunham a classe trabalhadora e nem toda a classe
trabalhadora era formada por índios. Para além da fusão cultural proposta, os muralistas
exigiam a extinção da arte burguesa (pintura de cavalete) e defendiam o modelo de arte
aberta, voltada para o povo, educativa, aguerrida e ao alcance de todos. O recém-fundado
Sindicato dos Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores repudiou os séculos em que
dependeram e prestaram reverência à arte europeia. Em 1922 escreveram a “Declaração dos
Princípios Sociais, Políticos e Estéticos” em defesa de motivos visuais com inspiração nos
nativos locais. No entanto, a arte dos muralistas que se pretendia voltada “para o povo”, não
solucionou as contendas que mantinha com a arte nativa e de origem popular 204.
Durante as décadas de 1920 e 1930 o nativismo foi impulsionado com os
desdobramentos da Revolução Mexicana e caracterizado por reavaliar as tradições e culturas
nativas, pelo uso de temas deste caráter geralmente como protesto social. A valorização
indígena se deu, principalmente, através do ensino da história e da literatura pré-colombiana
nas escolas e universidades e também com as restaurações e escavações de grandes cidades do
período como Chichén-Itzá e Teotihuacán. Ambas as formas de caráter oficial e que levaram a
criação na Cidade do México do Museu de Antropologia em 1964. Além do reconhecimento
das heranças recebidas para preservação destes costumes na língua, na história, nos rituais, na
medicina e na culinária, a identificação do passado indígena em comum na sociedade trouxe
orgulho, afinidade e respeito a esses povos. As obras A Mãe camponesa de Siqueiros de 1929,
Dia de flores de Rivera de 1925 e Vatayoz: Chefe índio dos chincheros de José Sabogal de
1925 fizeram parte e se destacaram nesta grande corrente nativista205.
Diego Rivera atraiu-se pela vida dos índios por sua originalidade e entendia serem as
injustiças sofridas pelos povos indígenas devidas ao processo histórico. A conquista
espanhola em sua forma bruta foi representada nos murais do Palácio Nacional, como em
História do México (fig.10) enquanto o empenho revolucionário para a melhoria da educação

203
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.152-154.
204
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.153-154.
205
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.195,198.
99

e para a reforma agrária foi mostrado nos murais do Ministério da Educação. A consciência
da sociedade mexicana se transformava, mas as condições de vida não acompanhava esse
ritmo, andavam lentamente 206.

Figura 10. Mural. Diego Rivera. A história do México. 1935. Escadaria principal do Palácio Nacional do
México.

206
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.201.
100

Siqueiros assinou um manifesto no final de 1923 quando foi secretário-geral do


Sindicato Mexicano de Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores contra a crescente força
da burguesia que se dera após a rebelião dos conservadores com apoio militar no fim deste
ano. Apontavam para o risco destes setores se apoderarem das terras que a revolução havia
conquistado ao povo. O manifesto publicado em El Machete atentava para a superação destes
problemas políticos e sociais como fundamentais para o alcance de uma arte que
transcendesse raças e se aproximasse da arte nativa pré-colombiana. Após a revolução,
passava-se pelo longo processo de destruição da antiga ordem e construção de reformas que
garantissem o fim da exploração dos trabalhadores rurais e urbanos. Na concepção defendida
por Siqueiros, a arte deveria ser distinta da literatura, pintura ou música popular aprovada por
burgueses e crioulos, considerando estas corruptas e parte de um mundo do “pitoresco”.
Buscava uma arte que servisse de propaganda para o povo e em poucos casos de protesto
social pintou índios, diferente de Rivera, Goitia e Francisco Leal. Neste momento de
desenvolvimento da revolução e suas lutas, Siqueiros pintou A Mãe Camponesa (1929) e em
seguida Mãe Proletária (1930)207

Figura 11. Óleo sobre tela. David Alfaro Siqueiros. “A mãe camponesa”. 1929.

207
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.201, 203.
101

Em A mãe camponesa (fig.11), Siqueiros mostra uma mulher com uma criança
acolhida em seus braços. Ambas estão descalças, envolvidas por um pano que as une. Ao
redor há cactos, denotando a solidão e sofrimento dessa mãe. A crítica à situação de
exploração e miséria nas áreas rurais mexicanas é evidenciada, embasando a luta por reforma
agrária encampada por Zapata e pelos revolucionários.
No Peru a situação dos índios era tão grave quanto no México, mas as perspectivas
eram muito mais modestas, pois não houve movimentos ou levantes políticos por reformas e
transformações como ocorrera após a revolução mexicana. Durante a ditadura de Augusto
Bernardino Leguía y Salcedo (1919-1930) foram fundados o partido Alianza Popular
Revolucionária Americana (PARA) e o Partido Socialista Peruano liderado por Mariátegui em
linhas marxistas, mas não no socialismo europeu. Mariátegui se baseava nas comunidades
nativas peruanas (ayllu) e nas estruturas sociais incas pré-colombianas. Era responsável pela
revista Amauta, na qual contava com a colaboração de artistas e escritores que
compartilhavam de suas ideias208. Sabogal foi um dos colaboradores da Amauta, para a qual
produziu xilogravuras como a Índios de Pucará (fig. 12), em 1927. Nesta obra, índios em
suas vestimentas características estão diante de produtos artesanais, são vasos, pratos e um
pequeno cavalo, que parecem exporem para a venda.

Figura 12. Xilogravura. José Sabogal. “Índios de Pucará”. Fonte: Revista Amauta nº 10, Lima. Dez 1927.
P.20.

208
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.203.
102

O artista, no entanto, extrapolava sua atuação na revista. Preocupava-se com as


questões culturais e sociais no Peru, negando o academicismo que se afinava ao fauvismo
com o uso de cores fortes, contornos marcados e largas pinceladas. Incentivou a arte popular e
a feitura dos vasos de madeira esculpida feitos da mesma forma desde o período inca,
valorizando a tradicional prática. A luta indígena se prolonga, não só no Peru, mas em toda a
América Latina devido às disputas pela terra. O índio representado por Sabogal em Varayoc:
Chefe índio dos chincheros (fig.13) remete aos incas e ao problema da terra, ao mostrar ao
fundo a paisagem andina 209. A obra A mulher de Varayoc (fig.14) também realça as
características de vestimenta e adereços tradicionais indígenas. Os braços cruzados, as feições
duras, implicam insatisfação da personagem.

Figura 13. Óleo sobre tela. José Sabogal. “Varayoc: Chefe índio dos chincheros”. 1925. Museu de Arte de
Lima. Peru. 109 x 169 cm.
Figura 14. Óleo sobre tela. José Sabogal. “A mulher de Varayoc”. 1926. Museu de Arte de Lima.

209
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.205.
103

No Equador se destacaram Camilo Egas, Oswaldo Guayasamín e Eduardo Kingman,


que criticavam as más condições da sociedade em suas obras, recusando-se a separar o
protesto social do nativismo, assim como Siqueiros. Na obra Los Guandos (fig.15), Kingman
mostrava sua indignação com as condições humilhantes dos camponeses, mostrando figuras
amontadas210. Guandos é um termo de origem quechua usado em referência aos carregadores
nativos indígenas que tradicionalmente transportavam grandes cargas por rotas que
atravessavam o Equador desde tempos remotos. O artista representa em uma tela de um metro
e meio por dois metros o transporte sofrido feito por trabalhadores exaustos, enquanto um
homem de vestes vermelhas, em um cavalo branco ergue um chicote para controlá-los.
Denunciava, assim, a exploração e opressão dos camponeses equatorianos em busca de
direitos fundamentais.

Figura 15. Óleo sobre tela. Eduardo Kingman. “Los Guandos”. 1941. Casa da Cultura Equatoriana, Lima.
150x200cm.

As artes populares e o nativismo despertaram interesse por suas expressões originais,


mas isto se deu de forma seletiva. Rivera, por exemplo, não incorporava o nativismo, embora

210
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.210-211.
104

se cercasse da arte indígena de diferentes épocas e a admirasse intelectual e esteticamente. A


falta de características individuais e a retratação dos índios quase como símbolos na obra Dia
de flores (1925) pode ser interpretado como generalização, mas sua percepção mostrava
respeito e seriedade em relação à cosmologia, à medicina, à arte, à literatura e às ideias dos
habitantes nativos americanos. Rivera evocou um tempo utópico da civilização anterior à
chegada dos espanhóis na América pelas paredes do Palácio Nacional da Cidade do México
(fig. 10). Por outro lado, Frida Kahlo se destacou por incorporar formas populares como o
retábulo em sua pintura, mostrando uma expressão artística peculiar 211.
O nativismo mexicano foi diverso e o sindicato posicionava-se contra as preferências
burguesas na arte popular ao passo que acreditava na arte nativa. A intensificação, a partir da
década de 1920, da busca pela troca cultural entre grupos indígenas e a arte popular mexicana
seria uma forma de fortalecer a unidade nacional. No entanto, a crítica social fazia parte da
tradição da arte gráfica que se mostrou contínua e forte na América Latina, principalmente
através de gravuras com temáticas populares ou satíricas. Em parte, deve-se isso ao mexicano
José Guadalupe Posada e seu legado. Admirado por muitos muralistas que se inspiravam para
suas obras e crucial no desenvolvimento de gerações de gravadores, como os do Taller de
Gráfica Popular, criado em 1937212.
Os jornais populares na metade do século XIX eram carregados de sátira política e
social como Dom Simplício de 1845 e El Calavera de 1847, este com mais destaque às
ilustrações. A calavera (esqueleto) era um personagem caricatural e responsável pela moral e
pela crítica, denunciando o governo. Deste modo, os diretores do jornal foram perseguidos e
presos por atacarem as instituições de justiça, ridicularizar personalidades públicas e estimular
a oposição popular ao governo. O semanário ilustrado El Jicote de 1871 contava com Posada
como principal litógrafo. Foi publicado inicialmente em Aguascalientes e em seguida
transferido para León, mostrava-se a par da linguagem dos caricaturistas da capital mexicana,
como El Calavera e Escalante por estar voltado para a sátira e para a política. Durante o
governo de Porfírio Diaz (1876-1911), no entanto, houve forte censura, mas que não impediu
que aparecessem inúmeros jornais ilustrados e com este teor crítico. Em 1888, Posada foi para
a Cidade do México, onde contribuiu para mais de cinquenta panfletos e jornais diferentes ao
longo de vinte e cinco anos, ilustrando ainda livros e periódicos de todo tipo 213.

211
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.206, 210.
212
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.205, 111.
213
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.112, 113.
105

Figura 16. Gravura. José Guadalupe Posada. “Calavera do editor popular Antonio Vanegas Arroyo”. Livraria
do Congresso, Washington D.C.
Figura 17. Gravura. José Guadalupe Posada. “O grande panteão amoroso”. La Gaceta Callejera. 37,2 x 18,7.
Museu Nacional de Arte, Cidade do México.

A linguagem visual simples e de efeito forte das gravuras e águas-fortes de Posada fez
parte de inúmeros jornais ilustrados, folhas volantes e imprensa satírica que surgiram na
virada do século XIX para o XX. Seus trabalhos para jornais como El Diablito Rojo (1990-
1910), que se declarava “do povo para o povo”, alcançaram mais diretamente os muralistas
pelos registros dos acontecimentos e comportamentos de seu tempo para um público amplo
(p. 119). Posada transformou a caricatura fantástica do século XIX e da tradicional calavera.
Esta figura já havia sido usada para tratar da revolução representando vários papeis, mostraria,
então, um lado sombrio do sacrifício humano na guerra civil 214.
Em 1910, Porfírio Díaz trazia uma grande exposição de arte da Europa para as
comemorações do centenário do início das guerras de independência lideradas por Hidalgo.
Neste momento, jovens pintores arriscavam-se no impressionismo e os artistas acadêmicos
dedicavam-se às alegorias e à história. Enquanto isso, Posada mostrou-se uma fonte rica e
diferente do que se apresentava no mundo da arte oficial e isto atraiu os muralistas que
buscavam uma ligação direta com a criação de uma arte popular e com o México
revolucionário. Posada mostrava-se atento às demandas imediatas, revelando os conflitos

214
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.122.
106

políticos e sociais, a corrupção e os efeitos das modernizações pelas quais passava o México.
Mesmo que não fosse sua intenção, contrastava o conflito de classes. Essas referências
acabaram sendo suporte para os muralistas no esforço de se aproximar e produzir uma arte
para o povo215.
O Taller de Gráfica Popular (Oficina Gráfica do Povo) se destacaria no envolvimento
com as contradições e problemas próprios do nativismo. Fundado por Leopoldo Méndez,
Pablo O’Higgins e Luis Arenal em 1937, se definia como um centro para produções práticas
de forma coletiva. Os artistas podiam contar com condições para a feitura das gravuras e com
orientações para as técnicas de gravação. As publicações e gravuras produzidas
comprometiam-se com os problemas revelados pelo nativismo denunciando-os. Arenal,
O’Higgins e Mendéz foram colaboradores da revista Frente a Frente ligada à Liga de
Escritores y Artistas Revolucionários (LEAR), fundada em 1933 e da qual Leopoldo Mendéz
foi diretor da divisão de artes plásticas 216.

Figura 18. Linoleogravura. Leopoldo Mendéz. “Homenagem a Posada”. 1956. Coleção José Sanchez Aguilar.

A revista mostrava-se ligada a arte soviética de então, publicando fotomontagens


alinhadas ao construtivismo russo, como uma de Gustav Klutsis, A URSS é a tropa de choque
do proletariado do mundo. Eram publicadas também gravuras do Taller de Gráfica Popular
feitas em chapas de madeira, pedra ou linóleo. A utilização da gravura era comum, popular e
se adequava bem às obras dedicadas a questões sociais e políticas. Além disso, os artistas
consideravam dar continuidade a tradição típica no México desde o século XIX e ao

215
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.122-123.
216
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.181-182,
210.
107

destacado trabalho do pioneiro Posada217. Nesta perspectiva, Mendéz fez a gravura


Homenagem a Posada (fig.18) em 1956, na qual mostra o ambiente de trabalho do artista e de
seus colegas, enquanto pela janela ele observa a repressão da cavalaria policial acontecendo
nas ruas.
El Machete (fig.19) teve grande destaque entre os jornais à época. Apresentava
formato grande e era estampado com xilogravuras em preto, branco e vermelho. Financiado
pelo Sindicado dos Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, contou com ilustrações de
muitos artistas, entre os quais Siqueiros, Orozco e Guerrero. O envolvimento dos muralistas
com a gravura tinha o objetivo de divulgar suas mensagens, mas havia dificuldade na
execução da técnica o que interferia na coloração e alcançava resultados finais impactantes. El
Machete foi criado em 1924 e no final do ano passou ao controle do Partido Comunista que
fez modificações quanto ao seu formato e no uso de ilustrações de meia-tinta no lugar das
litogravuras218.
O Taller de Gráfica Popular, entre outros centros de ensino e produção de gravuras,
foi o com maior longevidade e relevância, marcando forte presença na imprensa. Sua sede era
formada por espaços separados destinados para exposições, para o ensino e para o maquinário
da produção. O grupo de artistas era formado por Ignácio Aguirre, Ângel Bracho, Raúl
Anguiano, Antonio Pujol, Alfredo Zalce, Jesus Escobedo, Isidoro Ocampo e Everardo
Ramirez, além dos três fundadores O’Higgins, Arenal e Mendéz. Com o tempo a quantidade
de artistas manteve-se em torno de doze ou quinze até a década de 1950219.
A produção para um jornal diário dos mais combativos era complementada pela
publicação de portfólios com xilogravuras e litografias denunciando os ataques aos direitos
dos camponeses e dos pobres e contra a permanência dos latifúndios. Tratavam ainda das
questões relativas à vida dos índios. Apesar das críticas ao uso de chapas de linóleo e madeira,
Mendéz as defendia por seu baixo custo. Enquanto os murais tratavam a sociedade mexicana
de forma alegórica ou genérica em sua grande escala, as gravuras exerciam um contraponto
forte e expressivo. O Taller foi também favorecido por programas governamentais, em
especial com as reformas durante a presidência de Lázaro Cárdenas entre 1934 e 1940, que
também deu continuidade ao programa de murais. Neste período o incentivo se estendeu a
produção de pôsteres com tom grotesco e satírico contra a exploração petroleira por

217
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.181-182.
218
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.184.
219
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.184.
108

companhias de domínio estrangeiro e contra o fascismo. Em 1944, os artistas contribuíram


para as campanhas contra o analfabetismo promovidas pelo governo 220.

Figura 19. Periódico. El Machete. “Periodico obrero y campesino”. Edição especial, 1º de maio 1936. Cidade
do México.

220
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.185-188.
109

As gravuras mostraram-se um recurso interessante às críticas políticas e sociais na


América Latina. No Uruguai, por exemplo, Carlos González produziu importantes trabalhos,
destacando-se entre 1935 e 1945 por tratar do mundo rural e de temas regionais em
detrimento da cultura de Montevidéu, urbana e europeizada. Seus desenhos apresentavam
caráter mais folclórico do que as gravuras mexicanas. González, apesar de isolado no cenário
artístico, declarava sua intenção de produzir obras didáticas, que tocassem no âmago da
realidade social e que conquistassem outros artistas em um esforço coletivo, o que não chegou
a ocorrer221.
A expressão artística latino-americana teve grande impacto nas décadas de 1920 na
arte que mostrava conformidade com a situação de então. A década de 1930 foi marcada por
fatores como a Crise de 1929 nos Estados Unidos da América, a ascensão do nazi-fascismo na
Europa que desafiou o comunismo e que culminou na Segunda Grande Guerra. Neste
contexto, as vanguardas se envolveram em movimentos afinados com o realismo socialista,
de caráter objetivo, sociológico e documental. Adiante, as tensões e contrastes políticos e
sociais, bem como as contradições históricas caracterizariam a arte latino-americana222.
Destacaram-se:
Pintores como Rivera, Torres Garcia ou Portinari, músicos como Cháves e Villa-
Lobos, arquitetos como Costa, Niemeyer e Villanueva, novelistas e poetas como
Vallejo, Huidobro, Mário de Andrade, Borges, Carpentier, Asturias e Neruda,
puderam , na era da cultura de massas, utilizar a relação dinâmica entre a cidade
moderna e o campo “tradicional” – mais lento em seus movimentos – entre sua
própria realidade americana e os modelos europeus, para criar formas de arte
distintas que estão no nível das mais importantes do século223.

A reverberação dos debates na Europa e na URSS encontrou adequações às questões


de cada país, sem perder de vista o que ocorria no contexto internacional. A causa social
motivava muitos dos artistas latino-americanos, como os mencionados, apesar da relação com
os partidos comunistas ser restrita a alguns poucos casos, como o de Siqueiros. O Partido
Comunista Mexicano não alcançou grande adesão no meio cultural. No México, as artes
foram motivadas pela causa social levantada pela Revolução Mexicana antes mesmo das
resoluções soviéticas sobre as diretrizes do realismo socialista. Não necessariamente os

221
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São Paulo: Cosac Naify, 1997. P.191,193.
222
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.228.
223
MARTIN, Gerald. La literatura, la música y el arte de América Latina, 19870-1930. In: BETHELL, Leslie.
História de América Latina. 8. América Latina: cultura y sociedade, 1830-1930. VIII. Barcelona: Editorial
Crítica, 1991. P.228. Tradução minha.
110

artistas se integraram ao movimento comunista associado à União Soviética e ao seu


programa artístico oficial, como Diego Rivera.
Vários dos artistas latino-americanos apresentavam programas que se identificassem
com o realismo socialista, a não ser pela fundamentação política. A causa política e social
marcou a produção artística dos anos 1920 aos anos 1960, mas apesar do engajamento
político, as opções artísticas e referências foram variadas. Comunistas brasileiros como
Cândido Portinari, Oscar Niemeyer e Villanova Artigas, estavam envolvidos nas
transformações pelas quais passava a América Latina também, mostrando a conexão e
identificação com as questões caras a outros países latinos. A experiência de artistas plásticos
brasileiros comunistas, portanto, apresentou singularidades e semelhanças com essas
expressões. No Brasil houve, nesse momento, muitos artistas se inspiraram nos latino-
americanos, mas o que singulariza o caso brasileiro é a expressiva adesão ao Partido
Comunista e a forma como esta ligação influiu na produção artística brasileira.
111

CAPÍTULO 3

O PCB, OS ARTISTAS PLÁSTICOS E UMA ARTE PARA O POVO


112

CAPÍTULO 3 - O PCB, OS ARTISTAS PLÁSTICOS E UMA ARTE PARA O POVO

A partir de 1945, quando do retorno do PCB à legalidade, intelectuais ligados ao PCB


mostravam em publicações periódicas suas posições em relação atuação dos artistas. Eram
jornalistas e críticos de arte que estavam distantes entre si por diferentes fatores, mas que
compartilhavam ideias semelhantes em relação às artes e aos artistas. A crítica de arte unia
nas publicações comunistas nomes como o escritor paraense Dalcídio Jurandir, Ciro Mendes
de São Paulo, o médico Plínio Ribeiro Cardoso, imigrante japonês e pintor Yoshiya Takaóka
que vivia em São Paulo e fez parte do Núcleo Bernadelli e o arquiteto Eduardo Corona que
era de Porto Alegre, mas estudara na ENBA no Rio de Janeiro e residia em São Paulo. Em
comum, defendiam a concepção de que a produção artística deveria ser direcionada para o
povo, coadunando forma e conteúdo para que acessassem esse público, entendido aqui como a
população trabalhadora e pobre em geral, ou seja, as classes não privilegiadas.
Em jornais e revistas do partido eram comuns matérias que tratassem de casos
específicos de obras ou de artistas ou que analisassem a questão de modo geral. Artistas de
grande prestígio como Clóvis Graciano, Tomás Santa Rosa, Candido Portinari, Mário Zanini
e Quirino Campofiorito e o trabalho que desenvolviam seriam temas para reportagens. Com a
ilegalidade em 1947 nota-se a mudança gradual da relação com as artes nas publicações. A
partir do Manifesto de Agosto de 1950 esses novos posicionamentos se mostraram mais
firmes.
Este capítulo tem por objetivo mostrar os debates sobre a relação entre artistas
plásticos e o PCB e a importância deste vínculo para ambas as partes. Para tanto, busca-se
discorrer sobre as propostas e críticas formuladas em veículos da imprensa do PCB a respeito
das funções das artes e dos artistas plásticos na sociedade de então, com suas problemáticas e
conflitos de classes. Nesta perspectiva, será analisada como se dava a relação entre partido e
artistas plásticos, mostrando a valorização dos artistas por parte do partido e a forma como
este vínculo era estabelecido.

3.1. A arte como arma de combate

O debate em torno da forma e do conteúdo nas artes plásticas envolvia artistas e críticos
que escreviam artigos para publicações ligadas ao PCB. Na edição de fevereiro de 1950 da
113

revista Fundamentos foi publicado o artigo “A arte como arma de combate – Os artistas
chineses e a gravura em madeira”, no qual é analisado um texto sobre a gravura chinesa e seu
papel na luta pela revolução. É feito, assim, um relato do processo histórico de aparecimento
e fortalecimento desta atividade considerada arma de propaganda revolucionária que
começara a ser desenvolvida por escritores de Xangai perseguidos pelo chamado Terror
Branco de Chiang Kai-Shek na década de 1930 e impossibilitados de escrever para um grande
público. Destarte, encontraram na gravura em madeira o caminho para alcançar as massas, em
sua maioria analfabeta. Além disso, a técnica apresentava baixo custo e fácil reprodução para
divulgação das ideias políticas. Jou Shi teria sido um desses primeiros gravuristas, inspirado
na produção revolucionária e reconhecida internacionalmente da artista expressionista alemã
Kaethe Kollwitz. Jou Shi fora preso e fuzilado pelo serviço de inteligência do Kuomintang,
mostrando que era considerado perigoso para o regime de Kai-Shek. A gravura chinesa era
deifinida, então, como “eficiente arma de combate contra o imperialismo, a opressão e a
miséria”, além de uma “afiada espada na luta do povo chinês pelo progresso e pela libertação
nacional” 224. Por esta razão,

(...) quando o povo chinês comemora a vitória da sua grande revolução agrária e anti-
imperialista, torna-se necessário destacar o papel que os artistas da gravura, na sua
maioria anônimos, desempenharam na grande luta. Foram eles que, junto aos outros
artistas, escritores, professores e estudantes, serviram com humildade e coragem o seu
povo e puderam, dessa forma, se transformar em verdadeiros “engenheiros de almas”,
em dignos e fiéis intérpretes das suas aspirações mais sentidas 225.

De acordo com a matéria, durante a luta revolucionária este método foi bastante
utilizado, embora no início tivessem pouca qualidade técnica apresentaram bastante conteúdo
ideológico. Ao passar dos anos, a gravura chinesa elaborou suas técnicas e aprimorou seu
conteúdo político. Provocaria forte efeito na população e se tornaria inimiga do regime
vigente levando muitos gravuristas a prisão e a tortura entre 1932 e 1937 pelo Kuomitang,
confirmando o poder que esta “arma de combate” teria na transformação social e política.
Entre professores, escritores, estudantes e outros artistas, os gravuristas chineses buscavam
representar as demandas mais caras à população, denunciando a miséria e a opressão sofridas.
Em alguns anos, as técnicas foram aperfeiçoadas e o teor ideológico e político aprofundados.
Os gravuristas são referidos na matéria como “engenheiros de almas”, valendo-se do termo

224
É indicado na matéria que este texto é uma resenha de artigo do crítico de arte Israel Epstein no número de
março de 1949 da revista marxista estadunidense Masses & Mainstream (1948-1963). A ARTE como arma de
combate. Fundamentos, nº2. Fev 1950. P.19.
225
A ARTE como arma de combate. Fundamentos, nº12. Fev 1950. P.19.
114

usado por Stalin, pois contribuíram para a luta do povo através da arte para o alcance da
revolução anti-imperialista e agrária na China226.
Na mesma página era apresentada a gravura de Shih Tze-Chin (fig.20), na qual destaca-
se em primeiro plano um homem ocidental desanimado, curvado e com os cotovelos sobre
uma bancada ou mesa amassando um papel, que parece um jornal. O olhar e o corpo
debruçado com uma das mãos apoiando o rosto enfatizam a expressão entediada. Ao fundo,
corpos pelo chão e nuvens de fumaça saindo das casas. O desprezo do homem em relação às
mortes e ao sofrimento que ocorrem em seu entorno são complementados pelo título “De
quem a culpa?”, que sugere o descaso ocidental, provavelmente imperialista, em relação à
opressão do povo chinês. O traço detalhado na feitura do homem, as rugas do rosto e das
mãos, e o papel que é amassado sem receber muito atenção ou provocar sensibilidade ao seu
conteúdo, destacam a figura a quem se designa a culpa dos males.

Figura 20. Xilogravura chinesa. Shih Tze-Chin. “De quem a culpa?” Fundamentos, nº12. Fev 1950.

Na página seguinte, era exibida a xilogravura “Trabalhadores” de Chen Yin Chiao


(fig.21), na qual há três pessoas com enxadas trabalhando a terra. Protegem a cabeça com uma
espécie de chapéu, usam calçados e roupas de mangas longas. A figura em primeiro plano

226
A ARTE como arma de combate. Fundamentos, nº12. Fev 1950. P.19.
115

veste bermuda, enquanto os outros dois usam calças compridas. Os três têm o corpo curvado,
posição exigida pelo movimento de uso da enxada.

Figura 21. Xilogravura chinesa. Chen Yin Chiao. “Trabalhadores”. Fundamentos, nº12. Fev 1950.

A revista apresenta o breve conto “Os plantadores de arroz” de Li-Kian-Jo no qual são
relatadas as condições de vida dos trabalhadores rurais chineses. O primeiro parágrafo
enfatiza o teor da gravura: “O nosso povo é pobre e a nossa terra é grande. A terra está nua e
cada grão de arroz tem sede d’água”. Deste modo, o autor descreve situações em que,
enquanto camponês produtor de arroz, sofreu a exploração pelo governador da província e de
seus arrecadadores encarregados de recolher toda produção a despeito da baixa safra.
Consequentemente, a fome se intensificava e com o inverno o frio aumentava o sofrimento
fazendo com que muitos fossem mendigar por arroz na vizinhança 227.
O relato em forma de conto mostra o envolvimento do autor com a causa dos
trabalhadores rurais chineses, coadunando-se com a proposta da gravura apresentada na
mesma página (fig. 21): denunciar a exploração dos cultivadores de arroz que gerava grande

227
LI, Kian-Jo. Os plantadores de arroz. Fundamentos, nº12. Fev 1950. P.20.
116

miséria. A gravura a serviço do povo se mostrava também como “arma de combate”, meio de
transformação social.
O posicionamento político do artista, nessa perspectiva, deveria coadunar-se com a
forma adotada nas obras e com a relevância que teriam na sociedade. É o que procurava
defender o crítico de arte paulista Ciro Mendes, na edição de junho de 1948 da revista
Fundamentos. Em uma breve “Resenha de artes plásticas”, mostrou a oposição à arte voltada
para o comercialismo, que seria feita a partir de “improvisações disfarçadas” ou “tapeações”
que não mostrariam consciência artística. Acreditava que as artes plásticas passariam por uma
evolução, superando a arte acadêmica que estaria em decadência, visto o pouco público em
suas exposições. Opunha-se às expressões artísticas que se distanciassem do realismo, pois
entendia que quando o artista optava por se aproximar da estética abstracionista, se afastava
dos trabalhadores228. Em sua concepção, as produções artísticas motivadas por questões
sociais se materializariam em obras que buscavam expressões realistas.
O arquiteto e crítico de arte porto-alegrense Eduardo Corona (1921-2001) contribuiu
para este debate ao discorrer, em artigo para Fundamentos de janeiro de 1950, sobre o painel
“Tiradentes” (fig.22) de Cândido Portinari, feito para o Ginásio de Cataguazes projetado por
Oscar Niemeyer 229. A obra era dividida em cinco cenas, que representam a trajetória de
Tiradentes passando pela prisão, condenação, enforcamento e esquartejamento, a distribuição
das partes do corpo por postes e a exibição da cabeça em Vila Rica230.

Figura 22. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. “Tiradentes”. 1948-1949. 17, 70 x 3, 09 metros. Memorial
da América Latina de São Paulo.

Esta obra, a propósito, despertou interesse da polícia política em 1949, pouco depois de
sua inauguração. Em boletim interno, o painel foi analisado e denunciado por não fazer jus ao
inconfidente, fazendo referência a imagem de Prestes em seu lugar.

228
MENDES, Ciro. Resenha de artes plásticas. Fundamentos, nº1. Jun 1948. P. 62.
229
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 33-34.
230
AJZENBERG, Elza. Portinari, análise do painel Tiradentes, nos cem anos do grande artista brasileiro.
Disponível em: http://memorial.org.br/revistaNossaAmerica/20/port/mestre.htm , acessado em 10-03-2017.
117

O “Mural Tiradentes, de PORTINARI, inaugurado, ontem, à tarde, com grande


sucesso, (...), atraindo gente das mais altas condições sociais e, ainda, diversos
comunistas, apresenta surpreendente detalhe de não corresponder tanto na
fisionomia como na estatura, com proto-mártir da Independência, mas sim com
LUIZ CARLOS PRESTES, cujos traços fisionômicos e mesmo o físico podem ser
observados, sem grande esforço na figura pintada por aquele artista bolchevista 231.

A atenção recebida mostra um dos efeitos que a obra provocou à época e como serviu às
desconfianças da polícia política na perseguição aos artistas que tiveram ligação com o PCB.
A referência policial parece ser feita à primeira cena do painel na qual o personagem principal
aparece de pé em primeiro plano (fig. 23).

Figura 23. Têmpera sobre tela. Cândido Portinari. "Tiradentes". 1948-1949. Detalhe.

A polêmica obra suscitaria outras questões que Eduardo Corona desenvolveria. Para ele
haveria resistência na aceitação das contradições da sociedade. Por esta razão, os novos meios
de produção e de riqueza, representados pelas máquinas, causariam fascínio, ao passo que
provocam miséria e exaustão de tantos. Os avanços da arte de acordo com os interesses
elitistas seriam proporcionais a perda de caráter do artista. Nestes casos, acreditava que as
contradições sociais, o desenvolvimento econômico e as relações de forças materiais não
seriam acompanhados pela arte, pois a ideologia da classe dominante permaneceria em grande
parcela da sociedade que ainda lutaria por liberdade. A nova criação artística seria favorecida

231
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor DPS. Notação 01630. 04-08-1949. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
118

pelas novas condições sociais, nas quais um sexto da humanidade viveria no socialismo ou
sob democracias populares que emergiriam através da luta pela liberdade dos povos
oprimidos e explorados. Considera que “A arte já toma aspectos diferentes e a luta estética
que se trava, traz-nos, e isso sem vacilações, para o campo de uma profunda realidade
objetiva”. Para analisar obras como “Tiradentes” de Portinari, deveria estar “a par das
condições da arte no mundo inteiro, das condições materiais que dão origem a este momento
social e político, e que, por sua vez, vão caracterizar a expressão artística deste ou daquele
modo, neste ou naquele país”. Deveria considerar a divisão social em classes, e o “papel ativo
do indivíduo na evolução dessa sociedade”, e a necessidade de leis de relação e associação
que propiciem o estudo e compreensão das manifestações artísticas, ou seja, uma sociologia
da arte232.
Nesta perspectiva, a cultura deveria se aproximar da verdade através da arte e dos
artistas. Ao afirmar que a expressão artística deveria combinar forças materiais com forças
ideológicas, procura definir a obra de arte:
A obra de arte não será uma criação abstrata da intuição, da sensibilidade ou da
inteligência do artista, nem uma reprodução exata e mecânica da natureza e sim uma
representação, isto é, uma nova apresentação dos elementos da natureza, apresentação
que difere da mesma natureza pela transposição imposta pela matéria empregada e
pelo aporte inevitável da personalidade do artista, respondendo ele mesmo a todas as
condições e carregado de toda a experiência de seu ofício e do seu tempo (...)A obra
de arte produto de uma só vez das condições históricas e da consciência humana
revela o homem inteiro e principalmente o artista que a concebeu e executou e do qual
se encontram nela as virtudes e debilidades, contradições e lutas da época e do país
onde foi realizada; reflete, por fim, virtudes e debilidades, contradições e lutas da
condição humana233

Corona afirma, então, que o novo realismo, o realismo socialista, seria uma tendência
sincera, organizada e objetiva de expressão do mundo real em sua forma mais profunda. Deste
modo, se aproximaria da “verdade absoluta”, formada por “verdades relativas”, mas que
apresentaria conteúdo humano se tornando definitivo conforme sua justificativa histórica.
Superaria, assim, o abstracionismo no embate já estabelecido. A posição tomada por Portinari
nesta obra, seria por um “realismo edificante, sadio, completamente humano” 234.
É assim que pinta Portinari, consequente com as diretrizes que dirigem os destinos da
maioria. Daí a sua liberdade plástica, grandiosa, serena. Daí a crueza de suas cores,
sobre um desenho magnífico, ampliando suas possibilidades, completando sua
atmosfera, dando-lhe intimidade, caráter. É a pintura trabalhando na imaginação do
povo, ampliando seus horizontes, suas ideias, sua compreensão 235.

232
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 33-34.
233
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P.35.
234
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P.35.
235
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 35.
119

A obra de arte se tornaria completa e imperecível ao tempo quando alcançasse a


compreensão do público, exemplo dado pela obra de Portinari que sintetizaria conteúdo e
forma superando a contradição entre decorativo e expressivo. Contrastando com o formalismo
abstrato e com o naturalismo. Após o artista escolher como representar figuras e paisagens,
teria buscado o equilíbrio das formas, e assim, a composição plástica seria o mais importante
na execução da obra.
A personalidade do artista e sua compreensão da composição estariam no uso de
formas verticais ao fundo, ou elementos como baús, cordas, aves, flores que facilitariam a
apreciação da obra. Portinari conseguiria narrar os fatos sem artifício de continuidade entre as
cenas, mas com escolhas que resolvem o entendimento. As cores vivas transformariam a
tragédia em alegria da esperança. Esta obra representaria a ideia de que os recursos plásticos
utilizados seriam a confluência da personalidade com a intenção plástica de composição e de
conteúdo. Eduardo Corona define, por fim a obra como resultado de: “(...) recursos plásticos
para o equilíbrio perfeito. É esta a força pictórica e o valor humano do homem que soube nos
integrar no herói da liberdade, atirando-se com ele no caminho do amor e da compreensão” 236
Eduardo Corona elogiava a ênfase no assunto dada na obra por Portinari, que seria
baseada na “verdade histórica”, apresentando os fatos e sendo coerente com sua arte,
ambiente social e consigo. Para Corona, os “verdadeiros artistas”, assim como os “verdadeiros
patriotas”, estariam ao lado da classe operária, das massas trabalhadoras, cujas lutas
libertariam nações. Portinari é considerado um “artista do povo”, que estaria na vanguarda do
progresso. Considera, então, que por buscar uma cultura própria e ajustada ao Brasil, Portinari
faria “parte de um meio social amplo, cuja evolução determina o grau de desenvolvimento de
seu pensamento, sua maneira de conceber a vida, de sentí-la e de analisá-la, isto é, um
indivíduo sob uma determinante social, fazendo parte do que se chama massa” 237.

É evidente que a essas forças que transforma a sociedade, a essas novas condições de
vida, tenha que corresponder uma determinada expressão artística. E se o artista
estiver resoluto e confiante na revolução social e aplicar todo o seu trabalho na luta
em defesa da grande maioria, só terá um meio para exprimir sua arte: o realismo. O
novo realismo que caracteriza as novas condições para a grande arte que terá de ser
realizada em nosso século. A arte de uma nova sociedade sem classes, sem
perseguições, sem ódio238.

236
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 35.
237
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P.34.
238
CORONA, Eduardo. Portinari, Tiradentes e o novo realismo. Fundamentos, nº11. Jan 1950. P. 35.
120

No dia 25 de agosto de 1945 foi publicada uma entrevista do jornalista e escritor


paraense Dalcídio Jurandir com Candido Portinari para o Tribuna Popular. No alto da página
de capa, destacava-se a frase: “Portinari coloca sua arte a serviço do povo” (fig.24),
mostrando a relevância do artista e de sua atuação para o jornal e para o partido.

Figura 24. Periódico. “Portinari coloca sua arte a serviço do povo”. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.

A reportagem apresenta mais três chamadas que destacam o conteúdo. O título principal
diz: “O latifúndio é a causa da miséria” e o primeiro subtítulo complementa: “Portinari fala à
Tribuna Popular como um artista que vem do povo e que ao povo pertence” 239 (fig.25). O
segundo subtítulo detalha o teor da entrevista:
Seus quadros reproduzem os estropiados e famintos do interior do Brasil – Filho de
meeiros de São Paulo, encheu-se de entusiasmo ante as palavras de Luiz Carlos
Prestes sobre a questão camponesa – “A Constituinte é o verdadeiro caminho da
democracia” – Portinari repele, indignado, a rearticulação nazi-integralista240.

Ao centro da reportagem, era apresentada uma fotografia com Portinari à esquerda e


entre seus quadros, o pintor colombiano Jaramillo ao centro e à direita o representante do
Tribuna Popular, conforme indica a legenda. Os três estão dispostos de pé e a atenção está
voltada para Candido Portinari. O texto narra a conversa que se realizou na antiga casa do
Cosme Velho, onde Portinari residia neste período 241. O caráter íntimo da matéria é
importante, pois mostra a proximidade com o artista e seu cotidiano. A ida de Dalcídio
Jurandir à casa do artista mostra descontração e contribui para desmistificar a figura de
Portinari para o público leitor.

239
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
240
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
241
Candido Portinari residiu entre 1942 e 1950 na já antiga casa situada na Rua Cosme Velho, nº 103 (hoje nº
343) próximo à Bica da Rainha, no bairro do Cosme Velho no Rio de Janeiro. Cf. Projeto Portinari:
http://www.portinari.org.br/#/acervo/historico/268/detalhes
121

Figura 25. Periódico. “O latifúndio é a causa da miséria”. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.

A conversa inicia tratando de uma visita de Portinari a Brodowsky, enfatizado a


origem do artista e filho de camponeses nesta cidade do interior paulista. O pintor relata que
levou quadros para mostrar aos rapazes, mas que ao deparar-se com a miséria das crianças
122

descalças e famintas, envergonhou-se: “Não podia mostrar pinturas a gente que precisava
antes comer, matar a fome”. A experiência de Portinari com o ambiente e o trabalho rural em
sua cidade natal o aproximou das questões da terra, identificando-se também com o
posicionamento de Prestes a este respeito242, como conta a seguir:
Explica-se o meu entusiasmo por Prestes quando falou da terra e dos camponeses.
Eu estava encostado à mesa ouvindo pelo rádio o seu discurso no Pacaembu.
Quando o homem falou dos camponeses e tocou no problema da terra dei um pulo.
Tinha tocado na ferida do Brasil. Era a vida de meu pai, de minha família, era a vida
de Brodowsky, era a vida da massa camponesa do Brasil. Devo a Prestes essa
emoção. Nas suas palavras senti todo o drama do homem brasileiro sem terra. Já em
Brodowsky, não precisa ir mais longe, eu sinto o drama do meeiro. O dono da terra
não vende a terra, faz a meia, lucra sempre e não deixa o camponês progredir. A
terra é dele. O latifúndio é a causa da miséria243.

Portinari se posiciona diante da questão da fome e da atuação do artista, ressaltando a


prioridade do combate à fome antes de proporcionar arte, embora reconheça o apreço que as
pessoas têm pela arte. Sugere, assim, que os pintores contribuam para a luta contra a fome
com a feitura de cartazes. Admitindo se adequar melhor à linguagem da pintura do que a das
palavras para expressar a vida campesina, para a qual dedica sua vida. Dalcídio Jurandir
exalta, então, o reconhecimento e fama que Portinari tem no Brasil e até maior em outros
países como Estados Unidos, Inglaterra, França, Canadá e Chile. Considerado por críticos de
arte nos diversos países um mestre da pintura moderna e uma glória nacional 244. Sobre a
produção do artista, Jurandir afirma:
Aquela mão poderosa que pintou “Café”, “Morro” 245, retratos, os espantalhos e toda
uma humanidade triste e sofredora que o cercou na sua infância e na sua juventude e
que o acompanhou na sua vida. Ao nosso lado está o maior pintor do Brasil, um dos
grandes mestres da pintura contemporânea. (...) Os maiores críticos de arte no
mundo são unânimes em afirmar que Portinari é um mestre da pintura moderna, uma
glória nacional do Brasil246.

O escritor destaca nos recentes quadros de Portinari a temática camponesa e os


problemas que a envolvem: a miséria e o latifúndio. Considera serem obras de grande
importância e as vê como depoimentos que acusam as condições dos que vivem nas áreas
rurais brasileiras. Assim as descreve: “São os retirantes, as lavadeiras, os meninos opilados e
deformados, os enterros na rede, as tristes mulheres rurais, os estropiados, os consumidos pela
fome, os mutilados pelo trabalho e pelas doenças”. Refere-se à série Retirantes, de 1944 e

242
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
243
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
244
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
245
As obras referidas são: “Café”, de 1935 e “Morro” de 1933.
246
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. Capa.
123

composta pelas obras “Retirantes” (fig.26), “Enterro na rede” (fig.27) e “Criança Morta”
(fig.28)247.

Figura 26. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Retirantes. Série Retirantes.”1944. 192x181cm.
Figura 27. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Enterro na rede”. Série Retirantes. 1944. 180x220cm.
Figura 28. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “Criança Morta”. Série Retirantes. 1944. 182x190cm.

Portinari procura mostrar-se próximo da temática de suas obras, justificando as


escolhas não só pela importância das questões abordadas, mas por sua vivência. A forma
utilizada também segue esta linha, a qual considera mais próxima da realidade presenciada.

Os que me acusam de deformar as criaturas que pinto, diz Portinari, desconhecem a


gente que eu trago para meus quadros, a gente estropiada pelo trabalho, pela miséria.
Conheço camponeses que não podem fechar a mão de tão deformada pelo trabalho.
Conheço meninos que têm o olho empolado porque um prego ou um pau o
machucou ou furou, e não houve médico que o tratasse. Na minha família três tias
morreram de opilação e uma morreu de parto. Se a vida fosse melhor, teriam
morrido de opilação? Pode-se morrer de opilação hoje em dia, quando a ciência sabe
os processos de eliminar esse mal?(...) Olhe, quando vejo um camponês com cinco
dedos do pe perfeitos penso que ele é um milionário. Gente de pé descalço não pode
ter pé acadêmico. Não acusem a minha pintura, que diz a verdade. Acusem a
realidade que me obriga a pintar assim. Se não pintasse, seria trair a minha arte e a
minha vida248.

A experiência de Portinari em Brodowsky embasa a construção da imagem do artista


preocupado com as questões sociais, próximo das agruras da população rural. Neste sentido,
reflete sobre as possibilidades de mudança partindo da sua atuação enquanto indivíduo:
“Muitas vezes em Brodowsky quero tentar alguma coisa. Mas tudo inútil. O que ganho é
unicamente de minha profissão de pintor e sustento uma grande família. Se posso ajudar
algumas crianças, vejo que logo aparecem inúmeras. O remédio está numa mudança geral” 249.

247
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
248
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
249
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
124

O artista encontrará o esteio necessário para a luta e transformação da sociedade em Prestes e


no Partido Comunista:
Essa gente que está aí nos meus quadros não deve existir mais. O Brasil precisa de
um povo sadio e feliz. Por isso acredito em Prestes, que fala para os camponeses.
Estes o compreendem. Prestes mostra qual o caminho dessa vida sadia e feliz. Ele
conhece a vida no nosso interior. (...) Podem discordar de Prestes, podem achar que
ele não tem razão, mas é necessário respeitá-lo. Trata-se de um grande homem do
Brasil. A Campanha anti-comunista que serve ao fascismo, deve pertencer ao
passado, é uma coisa que deve morrer. Atacar Prestes da maneira como o atacam,
não ajuda o nosso povo. Ao contrário favorece os inimigos da democracia. Uma
coisa que me comove no Partido Comunista é a sua preocupação pelos camponeses.
Isto me toca bem de perto250.

A respeito da contribuição dos artistas, Portinari mostra um cartaz eleitoral que fez
para o PCB e diante da surpresa do entrevistador com sua contribuição declara:
Claro, todos nós, artistas temos que contribuir, temos que ajudar o povo. Meus
companheiros e todos os rapazes meus amigos estão trabalhando e me sinto feliz em
pintar um cartaz para o povo. O Partido Comunista vem atuando dentro da ordem
como um partido que sabe o que quer e sabe quanto é responsável diante do povo.
As pessoas honestas e mesmo imparciais não podem deixar de administrar a posição
do Partido Comunista dentro de uma serenidade e de uma clareza de princípios
dignas de exemplo251.

O trabalho do artista é valorizado por Dalcídio Jurandir que ressalta a dedicação de doze
ou quatorze horas por dia entre pensamento, transposição das emoções e atividade braçal.
Destaca que a habilidade também era fruto de anos de aprendizagem, horas de trabalho e
domínio das dores físicas e emocionais. A atividade do artista e a origem camponesa e
simples são realçadas quando trata dos painéis para a Igreja São Francisco de Assis da
Pampulha de 1943 projetada por Oscar Niemeyer, também membro do PCB. Jurandir enfatiza
a simplicidade e humildade transmitidas pelas imagens dos santos misturados ao povo. Deste
modo, são traçadas características do artista preocupado com as questões sociais, e que traz
para suas obras elementos do povo252.
Por fim, o entrevistador volta-se para as questões em voga no momento político e que
contam com importante atuação do PCB. Ao ser perguntado sobre a rearticulação integralista,
Portinari afirma: “A desgraça que o fascismo deu ao mundo faz com que o povo não tolere
mais qualquer espécie de manifestação fascista”. E sobre a Constituinte, Portinari posiciona-
se a favor da formação da assembleia para discussão da Constituição, mostrando-se de acordo
com as campanhas do partido253.

250
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
251
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
252
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
253
JURANDIR, Dalcídio. O latifúndio é a causa da miséria. Tribuna Popular, 25 ago 1945. P.2.
125

Deste modo, além da importância da atenção ao conteúdo e a forma das obras de arte,
a postura política do artista mostrava sua relevância. Os críticos, embora distantes em diversos
aspectos, consideraram nestes artigos a atuação política e social do indivíduo estar
diretamente relacionada ao que realizavam. A figura do artista atuante politicamente e
preocupado com os problemas da maioria seria um passo para a construção de transformações
reais na sociedade. O engajamento dos artistas seria, então, tema para diversos artigos nos
periódicos ligados ao PCB.

3.2 – O artista plástico e o povo brasileiro

Em 1945 o PCB se impulsionava na política nacional. Ao sair da ilegalidade, o partido


conquistava cada vez mais espaço no cenário político e atraía grande número de simpatizantes
e filiados em diversos meios, categorias e classes sociais. Desde sua fundação em 1922,
muitos intelectuais e artistas compunham os quadros do partido e quando voltou a legalidade
essa ligação com a vida cultural se intensificou novamente. Vários fatores contribuíam para
esta grande atração do partido, mas o grande carisma de Luiz Carlos Prestes, o prestígio
global da União Soviética após a vitória sobre os nazistas na Segunda Grande Guerra e a
consciência antifascista nesse período podem ser os exemplos mais destacados. Muitos
artistas plásticos estavam vinculados ao partido neste momento de reestruturação e a
divulgação deste vínculo contribuía para a sua maior aceitação social, além de ser mais um
meio de divulgação de suas ideias254. De acordo com Antônio Canelas Rubim:
Os anos 1945/47 são quantitativa e qualitativamente o período de mais rica presença
de intelectuais no PC. A enorme e significativa pertença de renomados intelectuais da
geração de 20 e principalmente das gerações de 30 e 40, reunida ao aparato político-
cultural construído pelo PC e descrito nas partes anteriores configuram um potencial
inusitado de intervenção político-cultural dos comunistas no Brasil, facilitada ainda
mais pela existência, deliberada ou não, de uma ação cultural flexível e aberta em um
clima nacional e internacional de alegria e esperança do pós-guerra e da queda da
ditadura e retorno à democracia no país255.

Em 1945 os artistas membros ou simpatizantes do PCB eram chamados a contribuir


participando de exposições coletivas ou individuais, em campanhas para angariar fundos, na
produção de cartazes, entre outros. Rubim ressalta que “A imprensa e a atividade editorial
constituem-se no verdadeiro aparato para a inserção dos artistas plásticos no trabalho

254
Em 1947 o PCB voltou à clandestinidade, o que fez aumentar a perseguição que os seus membros já sofriam
pela polícia política, incluindo os artistas.
255
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 67.
126

partidário.” Isto se deve à colaboração eventual ou ao vínculo orgânico profissionalizado, nos


quais os artistas assumiam tarefas de diretores, colunistas ou ilustradores de revistas, jornais,
livros ou outros materiais do partido 256.
A relação entre o PCB e os artistas plásticos era de grande importância para os dois
lados. Para o partido, contribuía para a sua boa imagem na sociedade, visto que mostrava sua
intimidade com a produção da cultura nacional e ainda lhe proporcionava maior credibilidade
perante a sociedade que reconhecia e respeitava muitos destes nomes que atuavam no Partido
Comunista. Para os artistas, estar ligado a um partido de esquerda, como o PCB, de
reconhecimento internacional de suas ideias questionadoras do status quo, com propostas
revolucionárias para diversos âmbitos da vida, era estar em destaque por sua posição política e
relacionar sua arte a este engajamento, tornando-se mais atrativo e instigando o público a
conhecer seu trabalho e opiniões.
A atração de artistas, bem como de intelectuais, ao Partido Comunista pode ser
explicada por diversas circunstâncias individuais e sociais, considerando-se a conjuntura
nacional e a internacional, as vivências e área de atuação artística, seu reconhecimento social,
ideias e particularidades. Antônio Rubim destaca os principais motivadores para a atração dos
artistas, que seriam:
1- o PC parece ser o portador da tradição estatal brasileira, em um momento onde
estado e desenvolvimento aparecem como que amalgamados no imaginário brasileiro;
2- “... o partido se responsabilizou pelo acesso à modernidade”; 3-a forma específica
de conceber as “massas populares” e 4- a concepção da política como espaço de uma
afirmação nacional257.

Apesar destes fatores bem traçados, há muitas motivações, que mobilizavam tantas
adesões e aproximações. Os fatores conjunturais são fundamentais, como a repercussão
positiva das revoluções socialistas pelo mundo, e as experiências na URSS e em outros países.
A luta internacional contra o nazifascismo e a participação decisiva da URSS na derrocada do
Eixo e no fim da Segunda Guerra Mundial, a campanha pela paz mundial e contra o uso da
bomba atômica nos anos 1940 e 1950 foram fortes atrativos. Foram “tempos de intensa
demarcação ideológica, que, em um conjunto de países, cindem a intelectualidade,
empurrando parte dela para a esquerda (anos 30/40 e 60) e para o PC (anos 30, somente)”. No

256
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 55.
257
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 75-76.
127

Brasil, o PCB agiu defendendo e centralizando as ressonâncias dessas mobilizações


internacionais junto à intelectualidade 258.
As ações e posicionamentos do PCB diante dos acontecimentos internacionais e
nacionais atraíram artistas e intelectuais brasileiros. A postura do partido enquanto
questionador e propositor de mudanças sociais configurou um meio de atuação para a
intelectualidade em conformidade com as transformações da esquerda internacional. A
presença do líder mítico Luiz Carlos Prestes no partido também reforçou a atração exercida,
visto a magnitude da admiração e reconhecimento que ele mantinha no mundo e no Brasil
afora. Seu prestígio veio principalmente das vitórias da Coluna Prestes que comandou e
percorreu grandes extensões do território brasileiro, e enquanto Secretário Geral do PCB
levou muito do respeito por sua figura ao partido.
A relação entre o PCB e os intelectuais e artistas também está relacionada a raízes mais
culturais. A defesa da cultura, da valorização do nacional, da produção artística e intelectual e
da democratização do acesso são fatores de união entre estas duas partes. Deve-se levar em
conta, no entanto, alguns conflitos e ambiguidades nesta relação. Mas os esforços para difusão
das artes e produções culturais de modo mais amplo são de grande relevância no contexto
nacional259.
Rubim destaca que todo o aparato político-cultural estruturado na imprensa, funcionava
como centro gravitacional da vida cultural além de ser espaço de formação e produção dos
intelectuais. Ainda de acordo com o autor, este aparato era importante na sociedade brasileira
devido à carência de espaços dedicados a cultura, principalmente de modo democrático.

Em uma sociedade com reduzidíssimo número de instituições culturais; com espaços


de cultura inacessíveis, em razoável medida, pelo seu elitismo, conservadorismo e
formalidades; imersa em um processo de modernização e mudança, marcado pela
emergência e integração de (novos) grupos sociais; sem uma divisão de trabalho
nitidamente cristalizada no campo intelectual; em uma sociedade transpassada por
todas essas características 260.

A filiação de artistas plásticos era de grande importância para o partido, visto que dava
maior legitimidade e visibilidade para suas atividades. Esta relação transparece nos seus
periódicos, nos quais eram publicadas matérias sobre artistas de renome nacional e
internacional, bem como eram divulgadas exposições. O papel da imprensa na divulgação das

258
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 75-77.
259
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 78.
260
RUBIM, Antônio Albino Canelas. Marxismo, cultura e intelectuais no Brasil. Centro Editorial e Didático da
UFBA, 1995. P. 38.
128

artes plásticas e na valorização dos artistas plásticos membros do partido diante de um grande
público leitor teve grande importância.
O PCB preconizava um “artista do povo”, não necessariamente que tivesse origem
entre as classes trabalhadoras, mas principalmente que buscasse representar estas classes e
voltar suas obras para este público. Em publicações como Fundamentos e Tribuna Popular
procurava-se mostrar qual seria o papel do artista plástico preocupado com o meio em que
vivia, com a classe trabalhadora e seus anseios.
Nesta perspectiva, Yoshiya Takaóka (1909-1978) escreveu o artigo intitulado “Minha
dúvida sobre a pintura” na coluna Artes Plásticas de junho de 1948, no qual afirma que
muitos artistas contribuiriam para uma mística em torno de seu trabalho, e, ao colocarem-se
em um patamar privilegiado na sociedade, se beneficiariam. Para o crítico, os artistas não
deveriam agir desta forma, e diz: “Tenhamos coragem para reconhecer a verdade nua e crua: a
sociedade nunca precisou do artista. Pelo contrário, o artista, este sim sempre precisou da
sociedade”. O interesse de uma pessoa pela atividade artística estaria relacionado a sua
origem social. Defende que o artista deveria servir e dedicar-se à sociedade em que vive e que
não deveria produzir apenas com o egoísmo de suas “emoções primitivas”. Takaóka defendeu
que o artista se dedicasse a obras que extrapolassem as questões individuais, que por vezes
podem resolver a obra na sua plasticidade, mas que não deveriam encerrá-las em si. A
preocupação do artista deveria ser produzir obras que o mantivesse em contato com as
massas, do contrário se isolaria da sociedade. Criticava, assim, os que pintavam para si
mesmos de acordo com seus sentimentos, e não teriam compromissos com a sociedade, pois
sua arte se direcionaria aos que podiam pagar por ela. Desta forma, dizia desprezar o
isolacionismo de muitos artistas, inclusive jovens, que consideravam mais importante a
liberdade que permitiria fugir do compromisso ou da disciplina 261.
Plínio Ribeiro Cardoso analisou a origem social dos artistas em seu artigo intitulado
“Do impressionismo ao abstracionismo” na sessão Artes Plásticas da edição de março e abril
de 1949, além de discutir estas duas vertentes artísticas comparando-as em seus momentos
históricos de desenvolvimento. Para Cardoso, os intelectuais, artistas e cientistas desta época
seriam, essencialmente, da classe média, que define como um grande grupo social formado
pela pequena burguesia. Este grupo estaria entre a burguesia e o proletariado, se
caracterizando pela indecisão e por ser comprimido por conflitos que o dividiria. Ao longo
dos complexos processos sociais tenderia mais para o lado proletário, no entanto, se afinaria

261
TAKAÓKA, Yoshiva. Minha dúvida sobre a pintura. Fundamentos, nº1. Jun 1948. P. 60-61.
129

com a ideologia burguesa, que seria alterada conforme a situação econômica individual. Os
intelectuais seriam os porta-vozes desta classe, que em momentos de conflito social se
oporiam a excessos e limitações da classe dominante. Enquanto as lutas seriam por reformas
de interesse individual e não coletivo, sem pretensões a transformações da ordem social
vigente262.
Os conflitos e soluções para a sociedade e sua estrutura seriam base para a análise do
desenvolvimento das artes plásticas, pois defendia que o artista estaria vinculado ao seu meio,
atuando e transformando-o. Desta forma, considerava que:
Querer considerar o artista, unicamente como um agregado de qualidades estáticas, é
ferir o problema pelo ângulo escolástico, cuja predileção é arrancar o indivíduo
metafisicamente do meio, para assim quebrar, ao menos abstratamente a maravilhosa
cadeia de processos que na sua auto-evolução só estabelece vínculos e conexões de
toda ordem. O verdadeiro artista, é uma unidade dinâmica e não estática, onde suas
qualidades essenciais (sensibilidade, imaginação, técnica) só podem existir como um
todo em conflito dialético com o meio que o gerou. Isto, absolutamente não quer dizer
que o artista deva executar estereotipadamente uma arte de nítido aspecto social,
embora em certos momentos, se estiver realmente integrado na realidade, ele a
executará com o vigor de seu gênio. Se a ciência, com seus métodos experimentais,
procura atingir diretamente o conteúdo, a própria realidade exterior, a arte, mais sutil,
procura refletir através da riqueza das formas (sons cores, linhas, volumes) as etapas
da conquista dessa realidade que o artista ajuda a transformar. Fugir da realidade, é
separar por um jogo de abstrações, o conteúdo da forma, é esquecer que a forma é
apenas a maneira mais variada, rica e multifacetada da manifestação do próprio
conteúdo263.

Muitos artistas buscariam “ser modernos” e intuitivos em detrimento da tradição e da


técnica. Plínio Ribeiro Cardoso defende a necessidade de o artista ter profundo conhecimento
do seu ofício e que deveria fazer parte do processo do desenvolvimento social com toda sua
complexidade. Observa, no entanto, a necessidade de definir a liberdade para uma pequena
burguesia, afirmando que o artista estaria: “preso às classes ou grupos sociais cuja ideologia
ele mesmo inconscientemente reflete”, apesar de defender os princípios da liberdade,
compreendendo essa concepção como “abstrata e individualista” se assemelhando ao que
chama de uma “anarquia do alienado”. Neste sentido não se poderia abstrair o meio que se
vive e que se pretende transformar, pois ao fugir da realidade o artista se reduziria ao
individualismo que seria próprio da pequena burguesia 264. Neste sentido, definiria que:
A verdadeira liberdade é um processo que nos conduz ao conhecimento cada vez mais
perfeito da realidade que nos conduz ao conhecimento cada vez mais perfeito da
realidade que nos cerca. Isto não se consegue comodamente através da magia de
conceitos puros, abstratos e apriorísticos, mas pela árdua luta, onde o homem descobre

262
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949. P.
170-176.
263
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.171.
264
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.171.
130

as leis objetivas da natureza e da sociedade e com ela forja as armas que


progressivamente o libertam265.

A Semana de Arte de 1922, que foi considerada revolucionária para as artes por
muitos, na concepção de Cardoso, tal evento: “atuou sob a base falsa de uma liberdade
abstrata, e por isso mesmo até hoje não nos libertou”. Assim, considera que mesmo com
ideias que se diriam libertadoras, a ausência de interesse do artista na transformação social
levaria a consequências reacionárias. Para compreender o artista que adere ao abstracionismo,
disserta sobre as escolas pictóricas que considera predecessoras desse movimento, que seriam
o impressionismo, o fauvismo, o cubismo, o futurismo e o surrealismo. Entende que seriam
parte da pintura moderna e formadas por uma numerosa e intelectualizada pequena burguesia,
apresentando uma pintura de deformações, simplificações, alterações do real, com o mundo
mostrado através dos sonhos ou nos complexos freudianos dos surrealistas 266. Desta forma,
entende que:
Com o abstracionismo, a fuga é total; o artista foi arrancado metafisicamente do
mundo onde vive. É o idealismo pequeno-burguês, na sua mais extremada posição, o
subjetivismo total, que nega a realidade como causa primeira de tudo, para criar um
mundo ilusório interior, força mística dos que, não podendo controlar pelo
conhecimento esse mundo que lhes é hostil, querem criar um outro, mesmo abstrato,
mas livre dos conflitos que perturbam o seu comodismo. A pintura abstracionista, não
deve invocar pois o mundo visível, quer como meio, quer como fim. A forma, para
eles existe independentemente, é uma categoria metafísica, portanto estática, sem
relação ou conexão como o conteúdo. A forma vale em si e não deve ter qualquer
relação com o mundo exterior. Esta arte, puramente formal, começa a ser comparada
com a pintura de certos esquizofrênicos. Como os pintores abstracionistas, em geral,
gozam da mais perfeita normalidade psíquica, devemos procurar fora deles, os
motivos determinantes de tal semelhança. O denominador comum está no problema da
alienação. Ambos são alienados267.

A questão da adoção do abstracionismo permeou diversos artigos, no que tange a


análise da importância do engajamento político dos artistas. Di Cavalcanti escreveu na coluna
Artes Plásticas de agosto de 1948 o artigo “Realismo e Abstracionismo” no qual responderia
aos questionamentos e ao que chama de “mal-entendidos” suscitados por sua conferência no
Museu de Arte intitulada “Os Mitos do Modernismo”. O debate seria em torno de suas
opiniões sobre a “participação do artista na vida social do seu povo”. Para ele, a sociedade
seria dominada por uma casta que alcançou o poder através da exploração do homem, que
promove a guerra em todas as instâncias, seja comercial, industrial ou total, mas que se
265
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.172.
266
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.172.
267
CARDOSO, Plínio Ribeiro. Do impressionismo ao abstracionismo. Fundamentos, nº9-10. Mar, Abr 1949.
P.175.
131

considera humana. A intenção seria manter o conflito entre as pessoas, pois o entendimento
poderia ser perigoso e menos lucrativo. O estímulo seria a crueldade, a destruição, a
insensibilidade e “monstruosamente policiado”. Defendia que a luta pela democratização
passa pela luta contra essa “casta” dirigente. Desta forma, o artista deveria participar da vida
social da população através da luta pela dignidade do ser humano. Afirma que defende o
artista independente, e não a obrigatoriedade de estar ligado a uma corrente política
específica. Mas que, no entanto, queria que fosse consciente de si, e não “julgando-se livre
quando apenas goza da impunidade dos alienados, único privilégio que a sociedade dominante
lhe oferece”268.
A crítica ao que chama de “anarquismo modernista” é devida a concepção de que
teorias de subjetivismo cada vez mais hermético afasta o artista da realidade e o leva ao
desespero da solidão, pois outras pessoas não podem encontrar-se na sua arte. Di Cavalcanti
era filiado ao PCB desde 1928, mas nesse período suas contribuições são pontuais. Neste
artigo, o artista direciona as críticas aos aspectos morais e filosóficos, pois considera as
técnicas como “exteriorização do estado de espírito dos artistas dominados por uma
concepção estética, e essa estética decorre de uma concepção social”. Em relação às ideias de
liberdade e independência afirma que a liberdade de posição em relação às questões visuais
estaria condicionada ao grau de cultura, enquanto se oporia ao artista independente da razão
social da existência. O artista que envereda-se pelo abstracionismo e seu drama seria alguém
que desconheceria ou não compreenderia a totalidade do mundo, pois não o representa ao
reconhecimento de outros. Portanto, para uma arte que seja parte do desenvolvimento
histórico, o artista não poderia buscar uma concepção pura da arte, pois isso significaria
manter-se no individualismo 269.
No jornal Tribuna Popular também era recorrente tratar das artes e artistas plásticos.
No entanto, duas matérias específicas sobre Clóvis Graciano e Cândido Portinari,
respectivamente, condensariam os pressupostos do partido a respeito de como os artistas
poderiam coadunar suas trajetórias de vida pessoal e profissional com suas preocupações
político-sociais comunistas. Em 23 de setembro de 1945 foi feita uma homenagem ao artista
plástico Clóvis Graciano (fig.23). Era domingo e neste período circulava um suplemento
chamado “literatura e arte” no qual a matéria foi exibida. Além de ser um dia de maior
tiragem e estar em um suplemento especial, tomava uma página inteira e era
excepcionalmente assinada por Rui Facó e Rui Santos. Todos os elementos eram favoráveis a

268
CAVALCANTI, Emilio Di. Realismo e Abstracionismo. Fundamentos, nº3. Ago 1948. P. 241-246.
269
CAVALCANTI, Emilio Di. Realismo e Abstracionismo. Fundamentos, nº3. Ago 1948. P. 241.
132

uma grande visibilidade da homenagem ao artista. Clóvis Graciano era reconhecido por seus
trabalhos como pintor, desenhista, ilustrador de livros e cenógrafo. Como membro do PCB,
contribuía frequentemente com ilustrações e textos para publicações ligadas ao partido e tinha
sua participação e talento reconhecidos.
A página continha sete fotografias do artista trabalhando em suas obras, permeadas pela
matéria. Com a dificuldade técnica de reprodução das fotografias no jornal, as imagens ficam
escurecidas e nem sempre podem ser bem visualizadas. Na primeira fotografia, o artista, que
usava óculos, está junto de dois meninos sentados, possivelmente seus dois filhos, debruçados
sobre uma mesa com papéis espalhados. Ao centro uma imagem do rosto do artista e ao lado
direito uma imagem que não é possível ser identificada, bem como a que está logo abaixo. A
fotografia que está na parte de baixo, ao centro, mostra Graciano segurando um pincel com a
boca, parecendo estar em produção de suas obras. No canto inferior esquerdo Clóvis Graciano
está sentado diante de um quadro seu. A fotografia originalmente apresenta o contraste da
sombra do artista diante de sua obra (fig.29). O jogo de luz e contraluz marcou muitas das
fotografias de Rui Santos. No entanto, a comparação entre a fotografia original e da matéria
(fig.30), mostra como a reprodução no jornal fica prejudicada em certa medida, embora com o
conjunto seja possível reconhecer a proposta da homenagem.

Figura 29. Fotografia. Rui Santos. "Clóvis Graciano". Acervo Rui Santos do Arquivo Público do Estado do
Rio de Janeiro - APERJ.
133

Figura 30. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Clóvis Graciano, um artista do povo”. Tribuna Popular. 23 set
1945. P.9.
134

O texto em si não era extenso e esta homenagem ganhava bastante destaque nesta
edição de domingo com o título “Clóvis Graciano, um artista do povo”, mostrando qual o teor
da homenagem. No texto, o autor dizia as qualidades do pintor comumente destacadas pelos
“entendidos da pintura”, que seria então “profundamente humano e original”. No entanto,
enfatizava “sua identidade com o povo e com o seu tempo” e em seguida dizia que: “Sua
pintura é profundamente social, destina-se ao povo, a esse mesmo povo de onde veio esse
pintor (...)”. A matéria explicitava qual deveria ser a função dos artistas, e a importância em
destinar as obras ao “povo” e que fosse sobre o “povo” 270, afirmando que:
Clóvis Graciano, cuja arte vem do povo, inspira-se no povo e destina-se ao povo,
concorrerá dentro do Partido de Prestes, para elevar o nível cultural do nosso povo,
pois ele sabe que toda arte isolada do povo é uma arte em decadência, é o epitáfio de
uma classe que morre271.

Na homenagem, a origem de Graciano era ressaltada, seus ofícios e seu talento


revelados como um exemplo para todos. Estas palavras enfatizavam a relação estreita entre
Graciano e o povo, de grande importância para os ideais que o jornal defendia para seu
público leitor e que eram centrais para o partido. A importância de enfatizar a arte para o povo
e sobre o povo estava no cerne do que o partido entendia como arte e do que seriam objetivos
de produzir arte. Defendia-se uma arte que não se restringisse a circulação no interior de elites
intelectual ou artística. Objetivava-se ampliar a aproximação das artes com cada vez mais
pessoas e isso pode ser observado em diferentes âmbitos do discurso de então do PCB.
Engajavam-se na defesa da utilização de uma temática que representasse e interessasse a um
largo público, na divulgação de exposições que pudessem ser mais acessíveis, na reprodução
em grande escala das imagens das obras em periódicos, nas análises dos conteúdos instigando
o interesse das pessoas de um modo geral, enfim, na defesa da difusão das artes plásticas para
um público bastante amplo.
Pouco menos de dois meses depois, no dia 11 de novembro do mesmo ano, o mesmo
modelo de homenagem foi empregado em tributo ao artista plástico Candido Portinari
(Fig.31). O título era semelhante: “Candido Portinari, o artista do Povo” e também assinada
por Rui Facó e Rui Santos. As fotografias que ilustravam a matéria eram do artista
homenageado em diferentes aspectos. Logo acima uma fotografia de perfil de Portinari,
enquanto no meio da página do lado esquerdo, o artista aparece de pé com os braços cruzados
ao lado de uma de suas pinturas. Ao centro, uma imagem de Candido Portinari com sua

270
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Clóvis Graciano, um artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 23 set 1945. P.9.
271
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Clóvis Graciano, um artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 23 set 1945. P.9.
135

esposa olhando para um livro aberto nas mãos do pintor. Na parte inferior da página, da
esquerda para a direita, o artista está descontraído, apoiado em um muro e com a outra mão na
cintura. Em seguida, com o olhar para baixo e na imagem seguinte aparece abraçado a dois
meninos, que parecem ser seus filhos. À exceção da foto em que o pintor está com uma de
suas obras, todas apresentam o olhar de baixo para cima, dando altivez ao pintor.
A disposição das fotografias era similar a da página de homenagem a Clóvis Graciano,
a diferença seria que esta foi um pouco maior e precisou continuar na página seguinte. No
entanto o caráter e a aparência eram muito próximos. O texto destaca que apensar de diversas
revistas de arte na Europa, Estados Unidos da América e América do Sul falarem de Candido
Portinari, e algumas editoras estrangeiras publicarem biografias dele, no Brasil uma
“insignificante minoria” conhece seu trabalho. No Brasil especialmente não faltariam
“conservadores, reacionários e fascistas” que criticassem as obras de Portinari, pois segundo o
autor: “ (...) a “diferença” de Portinari é a criação artística revolucionária em ascenso
irreprimível, a técnica superior a serviço duma concepção cujo supremo subjetivismo é a
lancinante e terrível realidade da nossa existência social” 272.
O texto prossegue tratando das obras do artista e da melancolia presente nelas, que por
não mostrar alegrias estariam apenas representando a realidade brasileira.

A seriedade da obra de Portinari, esse tom quase trágico da maioria de seus trabalhos,
é outra reminiscência do campo brasileiro, de uma terra devastada pelo abandono em
que vive tudo, a começar pelo homem, e principalmente o homem.(...) Não é atitude,
não é intencionalismo do pintor. É a realidade brasileira que o pintor reflete(...)273.

Esses elementos demonstrariam a preocupação política do artista ao elaborar suas obras,


e acabavam por afirmar algumas das bases do realismo socialista, assim como na homenagem
a Clóvis Graciano (fig.30). A partir de então, procura-se relacionar essas características da
produção artística de Portinari com sua ligação ao comunismo, argumentando que esses
elementos já estavam presentes antes mesmo de sua filiação o partido, como a crítica já o
“denunciaria”. Estes fatores demonstrariam, de acordo com a argumentação proposta, uma
“inerência” do comunismo em Portinari, mesmo antes de ele assumir seu posicionamento
político274.

272
FACÓ, Rui; SANTOS, Rui. Candido Portinari, artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 11 nov 1945. P.9.
273
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Candido Portinari, artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 11 nov 1945. P.9.
274
FACÒ, Rui; SANTOS, Rui. Candido Portinari, artista do povo. Suplemento de domingo: Literatura e Arte.
Tribuna Popular. 11 nov 1945. P.9.
136

Figura 31. Periódico. Rui Facó e Rui Santos. “Candido Portinari, artista do povo”. Tribuna Popular, 11 nov
1945. P.9.
137

Toda a semelhança na estrutura das matérias em homenagem a estes artistas poderia


sugerir uma série que homenagearia outros artistas membros do PCB em outros números. No
entanto, isso não chegou a se repetir nem ao fim do ano de 1945, nem mesmo nos anos
seguintes. Porém, mostrou a importância que o jornal e o partido davam aos dois artistas,
exaltando suas obras, sua trajetória artística e enquanto militantes. Observa-se a partir deste
debate, o quão importante se fazia o posicionamento político do artista, a forma como
conduzia sua vida profissional com a militância política, e o modo como coadunava estas
percepções de mundo com sua produção artística. Desta forma, o artista poderia contribuir
para a sociedade, principalmente para as parcelas mais oprimidas.
A coluna “A mulher e seu lar” no Tribuna Popular publicou alguns perfis femininos e
em 15 de julho de 1947 a artista plástica Hilda Campofiorito foi escolhida para ser
homenageada (fig.32). Ela recebeu destaque em meio a algumas receitas culinárias, um
modelo de casaco de lã e respostas às dúvidas de leitoras sobre cuidados com a beleza e sobre
a atuação de mulheres na política. Embora a coluna possa direcionar, em certa medida, a
mulher para a atividades do lar, destaca a atuação de Hilda Campofiorito profissional de
relevo275. É contada a trajetória da artista que encontrou o desestímulo de um professor
quando iniciou seus estudos. Ele teria lhe dito pra apontar lápis, pois entendia ser limitada a
capacidade de mulheres para as artes. No entanto, a pintora do Andaraí passou a ter aulas em
Niterói com Georgina de Albuquerque que encorajava seus alunos. Hilda não se identificava
com as regras acadêmicas e, ao se mudar para Niterói, conheceu Quirino Campofiorito que a
levou para estudar na Escola Nacional de Belas Artes276. A matéria define a união do casal:

Começava a carreira de Hilda, ao lado de outro pintor para dar passos largos
realizando um ideal comum. Hilda Eisenlohr e Quirino Campofiorito construíram
um lar solidário para a vida, lar de artistas voltados por uma arte que refletisse as
aspirações de ambos, lutadores pelas conquistas populares277.

A narrativa seguia contando que Hilda e Quirino concluíram o curso na ENBA e


moraram na Europa por cinco anos, pois ele recebeu o premio de viagem da instituição. Lá
tiveram um filho e estudaram principalmente em Paris. Ao retornar, Hilda continuou a
produzir e recebeu um prêmio de viagem pelo Brasil no Salão Nacional 278. A matéria

275
Neste período as mulheres tiveram forte atuação no PCB, contando por exemplo com periódico O momento
feminino fundado em 1947 e figurando entre os candidatos do partido nas eleições de 1945 e 1947. A respeito da
militância de mulheres no PCB neste momento e mais especificamente na Bahia Cf. ALVES, Iracélli da Cruz. A
política do feminino: uma história das mulheres no Partido Comunista do Brasil – Seção Bahia (1942-1949).
Dissertação de Mestrado. PGH/UEFS. Feira de Santana, 2015.
276
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
277
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
278
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
138

engrandecia a trajetória profissional da artista, listando informações das diversas instituições


das quais ela fez parte, dos prêmios que recebeu, das galerias e museus no Brasil e no exterior
onde possui obras e dos locais onde expôs279, incluindo o Salão dos Artistas do Partido
Comunista do Brasil em 1945 280. A matéria enfatizava a temática da vida das mulheres e dos
operários na obra de Hilda
A arte de Hilda não revela a menor influência de seus antigos professores. Sua
sensibilidade encontra correspondência nos motivos proletários. O operário no seu
trabalho, as mulheres e seus filhos, o ambiente de luta da grande classe oprimida,
sobressaem com uma força que convence e comove. Consegue imprimir nos tipos
humanos um vigor de características profundamente revolucionárias281.

A fotografia de um de seus quadros, “O Oleiro” (fig.32) mostrava um homem em


primeiro plano de calça, camisa e descalço. Ele segura uma pá, que é parte de seus
instrumentos de trabalho. A pintura é representativa da ênfase dada ao conjunto das o de
Hilda Campofiorito.

Figura 32. Periódico. “Hilda Campofiorito, Uma Artista”. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.

279
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
280
Esta exposição será analisada no Capítulo 5.
281
HILDA CAMPOFIORITO, Uma Artista. Tribuna Popular. 15 jul 1947. P.5.
139

A entrada do artista Quirino Campofiorito no PCB foi comemorada com destaque para
o artista na capa da edição de 9 de janeiro de 1946 do Tribuna Popular. O número trazia a
matéria intitulada: “Mais um notável artista ingressa no partido do povo. O pintor Quirino
Campofiorito acaba de entrar no PCB e fala à Tribuna Popular”. Uma fotografia do pintor em
entrevista com o redator do jornal destacava a matéria na capa do jornal (fig.33). A entrevista
seguia tomando cerca de metade da quarta página da edição e enfatizava que o artista era
mesmo membro do PCB e seus objetivos em relação ao partido 282.
O texto era iniciado exaltando a entrada de Quirino Campofiorito nas fileiras do PCB, e
destaca que estará ao lado de Portinari e Clóvis Graciano, definindo-os como “artistas
plásticos que sempre voltaram sua arte para o povo e tão bem souberam fixar os problemas da
massa”. Logo em seguida, apresenta o artista nascido em Belém do Pará, que fora aluno e
figurava como professor da então Escola Nacional de Belas Artes. Ressalta-se a experiência
de estudos que teve na Itália, na França e na Alemanha 283. A primeira pergunta é relativa à
entrada no PCB, ao que Quirino respondeu:
Entrei para o Partido Comunista por um imperativo de minha própria consciência.
Naturalmente, foi necessário que se processasse em mim uma evolução que me
fizesse chegar a uma convicção sobre certas condições inatas de minha
personalidade, condições estas as quais eu não poderia continuar a negar, sem
prosseguir numa lamentável traição ao meu próprio instinto284.

A respeito de sua produção artística, Quirino afirmava se inspirar no povo e que


manter-se próximo dos trabalhadores, que eram seus semelhantes. Defendia a necessidade de
apoiar as ideias socialistas que construiriam o equilíbrio do mundo ao combater os grandes
egoísmos da humanidade. Quando o trabalho fosse respeitado e valorizado haveria justiça
entre os indivíduos que estruturam a sociedade. Afirmava que na condição de artista seu lugar
era ao lado do povo, pois via claramente as aspirações populares firmarem-se definitivamente
Para o artista, todas as razões levariam a inspiração no povo, sem perder os valores que dão
força e expressão a arte. Assim, defende que: “terá o artista a sua vida digna na exaltação da
realidade de um mundo proletário, um mundo onde o trabalho dará ao homem os seus mais
legítimos lauréis de glória e condenará a exploração que até hoje ainda ultrapassa todos os
limites da dignidade humana” 285.

282
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. Capa e p.6.
283
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. Capa e p.6.
284
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. Capa.
285
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
140

Figura 33. Periódico. “Mais um notável artista ingressa no partido do povo”. Tribuna Popular, 09 jan 1946.
Capa (detalhe).

Quirino Campofiorito justificou sua entrada para o PCB, ratificando sua concordância
com os ideais de progresso social. Enfatizava que sua consciência o levara a apoiar as
propostas defendidas pelo partido, em confluência com um movimento de luta contra o
racismo e o nazi-fascismo, que considerava “desajustamentos da sociedade”, hediondos e
desprezíveis286. Em relação às medidas para a popularidade das artes, defendia que:
Penso que se deveria estimular nos homens do governo o interesse pela criação, em
todos os centros apreciavelmente populosos, de liceus de artes e ofícios, onde o
povo pudesse, paralelamente ao aprendizado de uma profissão, ver cultivados seus
instintos de gosto e criação. Assim, todos os municípios com mais de quarenta mil

286
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
141

habitantes deveriam possuir o seu liceu, instalado em seu núcleo principal. Esse
liceu, convenientemente regulamentado, seria por um tempo sede de ensino
profissional gratuito e centro de irradiação cultural-artística, favorecendo ao seu
ambiente todas as possibilidades de contato com as cousas da arte. /Poder-se-ia
organizar bibliotecas, exposições e se providenciaria sobre a permanência nesses
liceus, de artistas que se destacassem, conseguindo-se assim que estes se
aproximassem do povo em todos os recantos do país, lhe auscultassem os
sentimentos e lhe dessem em troca os estímulos espirituais de uma inspiração franca,
natural e sem os desvios intelectuais que são fruto do retraimento das elites287.

O envolvimento do artista com as questões políticas mostrava-se amplo, no tocante às


artes. A respeito da discussão à época sobre a autonomia política da cidade do Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, se posicionava a favor argumentando ser esta a vontade majoritária dos
cariocas. Acreditava que a condição de capital propiciava ao Rio de Janeiro configurar-se
como maior centro artístico no Brasil e que a autonomia permitiria a ampliação do movimento
artístico e da atenção às necessidades locais. Problemas sociais do país também foram
abordados pelo artista que defendia a necessidade de assumir-se que oitenta por cento da
população era analfabeta, considerando assim, que as condições precárias de vida
impossibilitavam a conscientização dessas pessoas. Aproveitava o ensejo para expor sua
indignação com o fechamento de escolas de alfabetização no Estado do Rio de Janeiro,
mesmo diante do quadro apresentado. Apesar disso, atentava para a importância de oferecer à
parcela da população minimamente instruída a possibilidade do acesso à cultura artística 288. E
sua proposta era que:
Para isso seria preciso que obtivéssemos, pelo menos, a possibilidade de divulgar
livros de texto e de ilustrações, exposições de pintura, escultura e todas as suas
aplicações decorativas. Só isto. Mas livro é cousa de luxo em nossa terra e um artista
para levar uma exposição ao interior do país precisa despender uma fortuna. Aos
governos caberia facilitar a produção de livros de cultura e criar oportunidade de
exposições constantes, de norte a sul, de leste a oeste, em todo o país289.

A respeito da política internacional, Quirino Campofiorito se colocou a par do discurso


de Picasso pela mobilização dos artistas do mundo na defesa dos antifascistas. Posicionou-se
também a favor do rompimento de relações diplomáticas do Brasil com a Espanha de Franco,
enfatizando que “para que o mundo entre de vez no ritmo de paz que todos os povos
ambicionam é preciso agir com clareza em relação aos focos de perturbação do progresso da
humanidade. É preciso extinguir todos os resquícios da reação”. Concluía deste modo, sua
incompreensão da permanência de uma ditadura como franquista, diante de todos os esforços
que foram feitos para derrotar o nazismo. O artista finalizava seu depoimento ao jornal,
mostrando suas preocupações políticas e sociais, além do envolvimento com as propostas

287
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
288
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
289
MAIS UM NOTÁVEL artista ingressa no partido do povo. Tribuna Popular, 09 jan 1946. P.6.
142

defendidas pelo PCB. A posição de artista o levaria a refletir com mais propriedade sobre as
questões referentes às artes, mas sua inserção no Partido Comunista propiciava a aproximação
entre as artes e as questões políticas e sociais. Deste modo, o engajamento político declarado
por Quirino Campofiorito coadunava-se com o perfil de “artista plástico do povo” promovido
pelo partido em suas publicações.
A primeira entrevista do artista plástico Carlos Scliar 290 concedida ao Tribuna Popular
ocorreu no domingo, dia 28 de agosto de 1945 (fig.34). A matéria foi publicada na capa da
edição e recebeu grande destaque, sendo composta por uma foto do artista com os dizeres:
“Fala à Tribuna Popular, o pintor Carlos Scliar, ex-cabo da FEB. Um artista na guerra contra
o fascismo. Como expedicionário e como artista, está de acordo com o Partido Comunista” 291.
Em seu depoimento, contaria a experiência nas frentes brasileiras pelas cidades italianas,
ressaltando a importância da participação do Brasil na guerra. Em meio às destruições
causadas pelos conflitos, Scliar observou os locais por onde passou e relatou suas percepções
para questões correlatas à política e às artes. Em Milão, destacou a presença de muitos
cartazes pelas ruas:
Cartazes do movimento democrático que se espalha dentro do povo, o grande
movimento do povo italiano contra o fascismo. Os cartazes falavam na união entre
comunistas e os socialistas, a grande aspiração dos operários italianos. Vi cartazes
com os dizeres “União dos Trabalhadores” que mostravam a campanha pela fusão
dos dois grandes partidos do proletariado292.

Relatou que conheceu entre os companheiros italianos em batalha, estudantes de


Bologna, cidade tradicionalmente universitária. E que em seguida aos conflitos pôde
encontrá-los participando do governo da cidade “com a responsabilidade de verdadeiros
militantes do seu grande Partido Comunista”. Observou também que os artistas plásticos
italianos naquele momento estavam “tratando de sua unificação, de organizar-se, e os jovens
artistas que conheci, filiavam-se nos partidos comunista e socialista, pois a ascensão da
esquerda na Itália é um fato”. De acordo com sua percepção e a partir dessas experiências,
Scliar considerou que a população se mostrava ciente dos malefícios causados pelo fascismo e
procurava se distanciar dos antigos governantes, que de alguma forma permitiram ou
apoiaram a ascensão das forças fascistas. Deve a isso, o destaque de líderes socialistas e
comunistas, que se mantiveram na luta contra o fascismo. Notava que o fortalecimento do

290
A respeito da vida de Carlos Scliar desde a infância, passando pela experiência de guerra Cf. ARAUJO,
Emanuel. Carlos Scliar. Raízes, 1983.
291
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
292
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
143

Partido Comunista se daria também entre católicos, pois reconheceriam ser “um partido do
povo e luta realmente pela liberdade e pelo bem estar do povo” 293.

Figura 34. Periódico. “Pela Assembleia Constituinte e contra a rearticulação do integralismo”. Tribuna
Popular, 28 ago 1945. Capa.

293
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
144

A viagem entre os conflitos lhe rendeu contato com exposições de arte por onde passou.
A estadia na Itália entre os conflitos e as artes inspirou o artista a produzir diversos desenhos
que iria mostrar na exposição “Com a FEB na Itália”. Sobre o assunto declarava:
O contacto com a pintura primitiva desde o Camposanto de Pisa até a Pinacoteca do
Vaticano, e a guerra, foram de extraordinária influência para minha vida e para
minha obra. Hoje, que estou distante da Itália, sinto que foi fundamental essa
influência. (...) Os desenhos que vou expor são simples, uma maneira de contar as
coisas que me rodearam na Itália e na guerra. Os pintores primitivos que
influenciaram fundamentalmente na criação desses desenhos pela sua linguagem
espontânea e verdadeira que eles falam294.

Scliar também tratou na entrevista da democratização no Brasil e da satisfação de, em


seu retorno da guerra, encontrar seus amigos nos comitês democráticos. O artista justificava
essa adesão afirmando que: “A linha política do Partido Comunista conseguiu empolgar as
massas. Sua influência, por exemplo, entre as pessoas que conheço é real. O Partido, sob a
direção do grande líder Luiz Carlos Prestes, atende as necessidades do povo com a sua linha
política objetiva”. Por fim, frisava a necessidade de lutar pela Assembleia Constituinte, pois
essa seria a base para estruturar a democracia no Brasil. O posicionamento contra o
integralismo e suas manobras de caráter fascista seria essencial. Fundamentava-se em sua
experiência como expedicionário para afirmar os perigos da expansão desse tipo de
articulação295.
O vínculo de Carlos Scliar com o PCB, no entanto, pôde ser acompanhado a partir de
seu retorno da Itália em agosto de 1945, depois de servir como expedicionário da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Grande Guerra. Neste ano que entrava para o
partido, apoiou a Casa do Expedicionário, instituição de auxílio aos que haviam servido na
FEB e acabaram desamparados pelo governo e pelas forças armadas. Em uma nota do dia 21
de agosto de 1945 (fig.35), o Tribuna Popular mostrava a mobilização do artista e o leilão de
um desenho de sua autoria para angariar recursos para a Casa do Expedicionário, ressaltando
sua participação na FEB296. Scliar atuou, ainda, como Secretário de Publicidade da

294
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
295
PELA ASSEMBLEIA Constituinte e contra a rearticulação do integralismo. Tribuna Popular, 28 ago 1945.
Capa e p.2.
296
EM BENEFÍCIO da casa do expedicionário. Tribuna Popular, 21 ago 1945. P.8.
145

Associação dos Ex-Combatentes297, mostrando seu envolvimento com a causa, o que conferiu
grande atenção da polícia política às suas atividades298.

Figura 35. Periódico. “Em benefício da Casa do Expedicionário”. Tribuna Popular. 21 ago 1945. P.8.

Durante o período em que esteve na guerra, Scliar produziu vários desenhos que
visava publicar em álbum ao fim do conflito, o que, no entanto, só se realizou em 1969. Logo
que retornou ao Brasil promoveu a exposição destes trabalhos no Rio de Janeiro, em São
Paulo e em Porto Alegre 299. O caráter destas obras é analisado pelo crítico de arte Roberto
Pontual de forma contundente:
Scliar não se preocupava – diferentemente do que vinha ocorrendo na sua pintura,
desenho e gravura de antes – em amealhar os fatos infindáveis da primeira camada do
drama, recolhendo gritos, sangues, mutilâncias, desesperos, ar de plenos combates,
bélicas posturas, defrontagens, resíduos áridos e apodrecentes do que foi ficando,
armamentos, ruínas, escombros ou despojos. Não se dispusera a aceitar o papel de
repórter de heroísmos monumentalizáveis, de captador pomposo de grandiloquências
visuais. Mas, ainda assim e certamente por isso, subsiste um heroísmo sutil e
detonante permeando cada um desses desenhos, como se Scliar transmudasse a pura

297
A Associação dos Ex-Combatentes procurava amparar os ex-pracinhas que encontravam-se desempregados,
doentes ou hospitalizados, muitas vezes sem identificação. Promovia eventos para angariar fundos para estas
ações e para estruturação da Casa do Expedicionário. AS ATIVIDADES da Associação do Ex-Combatente .
Tribuna Popular, 7 dez 1945.
298
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar, GB. Nº 12244. Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (APERJ). No prontuário há documentos que repetem esta informação datados de: 03-02-1947,
03-07-1947, 13-11-1950, 17-11-1950, 09-1950 e 13-10-1964.
299
PONTUAL, Roberto. Scliar: o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1970.p. 18.
146

anotação de paisagens desoladas e anônimos soldados recolhidos à distância oblonga


de si mesmos em tarefa também de denunciar a máquina300.

A exposição foi intitulada “Com a FEB na Itália” e para a ocasião o artista escreveu
um texto no qual resume os momentos de execução e o caráter das obras que seriam exibidas.
Os desenhos desta exposição correspondem ao período em que estive com a FEB na
Itália. São trabalhos de horas diferentes. Das horas de folga da guerra de nervos,
quando a função da artilharia, onde eu atuava, era proteger as patrulhas e martelar
posições do inimigo, nesse período branco e gelado em que minhas primeiras
impressões da Itália tiveram mais tempo para fermentar e dar origem a uma serie de
preocupações de ordem técnica, todas finalizando no desejo de atingir o desenho mais
simples, mais caligráfico, tão natural que parecesse exprimir sem querer. Não fiz mais
do que desenhar o que me rodeava, nos vários lugares por onde passei e tive
oportunidade de trabalhar301.

O Tribuna Popular noticiou a realização da exposição no Instituto de Arquitetos do


Brasil, no Rio de Janeiro a dois de setembro de 1945. Na ocasião, ressaltava-se o convite do
Instituto e da Sub-Comissão de Recepção à FEB do Clube Militar para o coquetel no dia seis
de setembro próximo pelo encerramento da exposição de desenhos da série “Com a FEB na
Itália” de Carlos Scliar 302. As matérias davam conta da divulgação dos esforços de Scliar pela
causa dos ex-combatentes. A presença de Carlos Scliar nessa linha de frente era apoiada e
exaltada.
A valorização de artistas plásticos nacionais se fazia presente em Fundamentos também
através de homenagens. No caso de Mário Zanini (1907-1971), foi contado um pouco da
trajetória pessoal e artística. Na edição de março e abril de 1949, um artigo dedicava três
páginas ao artista e apresentava duas de suas gravuras: Família e Lavadeiras303. Na gravura
Família (fig.36) há um homem e uma mulher agachados e abraçados a uma criança. O homem
usa chapéu, calças, sapato e um terno com bolso lateral, enquanto a mulher e a criança
parecem usar vestidos simples. Os traços são largos e pouco detalhados, podendo-se notar
apenas a formação da família, título da obra. Em Lavadeiras (fig.37) observa-se a semelhança
na gravura também pouco detalhada, porém predomina o branco sobre o preto, com o entralhe
da gravura feito de forma a destacar sem tinta os contornos das figuras. São mulheres usando
vestidos, e dedicadas a lavagem de roupas. Enquanto uma mulher de pé carrega uma trouxa
equilibrada em sua cabeça, outras duas de joelhos esfregam roupas em um suporte no chão, e
outras duas mulheres ao fundo parecem enxaguar ou recolher as peças na água, com os corpos

300
PONTUAL, Roberto. Scliar: o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1970.p. 18.
301
SCLIAR, Carlos. Scliar falando – Texto para a exposição “Com a FEB na Itália”. In: PONTUAL, Roberto.
Scliar: o real em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1970.p. 133.
302
“COCK-TAIL” de homenagem à FEB no Instituto de Arquitetos. 02 set. 1945. Tribuna Popular. P.1.
303
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
147

curvados. A atividade mostra-se em ciclos, com as cinco personagens dedicadas ao ofício que
representava a realidade de muitas outras nesse período.

Figura 36. Gravura. Mario Zanini. “Família”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.167.
Figura 37. Gravura. Mario Zanini. “Lavadeiras”. Fundamentos nº 9-10. Mar-Abr1949. P.168.

De acordo com a matéria, era considerado um dos melhores artistas brasileiros.


Relatavam sua origem italiana, que lhe teria conferido afinidade com a tradição do artesanato.
Estudara no Liceu de Artes e Ofícios por três anos, mas por ter começado com apenas
dezessete de idade, consideraria pouco proveitosa a experiência. Em seguida teria tomado
aulas com George Elpons que teria tendências modernas. Em São Paulo não haveria nesta
época grande movimento artístico e o espaço para exposições seria mais para artistas afinados
com o “clássico”, que conseguiriam vender suas obras 304.
Mario Zanini teria começado a expor suas obras apenas no primeiro Salão Paulista de
Belas Artes. De acordo com o autor, “com a Família Artística, junto a Volpi, Bonadei,
Rebolo, Graciano e outros vêmo-lo definitivamente enquadrado no movimento moderno”. A
partir de então, teria se inserido com efetividade no meio artístico, expondo em muitos salões,
mostras coletivas, entre outros. Zanini se destacaria por cooperar com iniciativas artísticas
ajudando os mais jovens ou pintando cartazes. Sua obra é caracterizada por ter pequenas
dimensões, mas com destaque em seu colorido, traços ou pinceladas vigorosas. É reconhecido
que Zanini pesquisasse constantemente as artes e devido a isso teria passado por diferentes
estilos e fases, variando entre a delicadeza e a vivacidade no uso das cores 305.

304
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
305
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
148

A intensidade e o realismo aplicados em paisagens e outras temáticas brasileiras são


destacados como constantes em suas obras. A partir de 1944 realizaria exposições individuais,
e na década de 1940 receberia muitos prêmios importantes como a medalha de prata pelo
Salão Oficial do Rio de Janeiro em 1940, primeiro prêmio da Divisão Moderna da Exposição
Circulante do Departamento Estadual de Informações e prêmio no XI Salão do Sindicato dos
Artistas Plásticos. Estas premiações mostrariam sua qualidade reconhecida. No entanto, é
levantada a questão da dificuldade dos artistas brasileiros viverem exclusivamente de sua arte,
levando a maioria a lecionar, atuar em propagandas comerciais ou prover-se em atividades
distanciadas da arte. Mario Zanini trabalhara como letrista, e nesta época pintando ladrilhos
com finalidade comercial ou como pequenas obras, em gravuras como as desta matéria e em
composições de grande porte como os painéis do Hospital São Luiz Gonzaga em Jaçanã e na
Usina Tamoio em Araraquara. Ressalta-se que Mario Zanini se destacaria por não se reduzir a
um “estetismo estéril”, e que com o aprimoramento de suas técnicas expressaria cada vez com
mais qualidade “o retrato da realidade em torno de nós”, tornando-o interessante306.
Deste modo, a matéria em homenagem ao artista, procura aproximar o leitor da
trajetória profissional percorrida e das conquistas, exaltando os prêmios conferidos. A
valorização dos méritos de Mário Zanini reflete na ligação do artista com o partido e a
imagem que isso transmite para o público. Nesta perspectiva, estes periódicos do PCB dão o
tom da relação que se procurava estabelecer com os artistas plásticos, estreitando o vínculo ao
divulgar suas atividades políticas e artísticas. Com diferentes perfis, tanto o Tribuna Popular
quanto a Fundamentos são exemplos que como a imprensa do PCB mostrava a afinidade que
o PCB mantinha com o meio artístico. Procuravam atualizar o leitor com novidades quanto a
exposições e outros eventos artísticos, mas também sobre a organização política ou atividades
que enfatizassem a proximidade entre partido e artistas plásticos.
As matérias nos periódicos aproximavam os leitores dos artistas, de suas ideias e
obras, desmistificando-os. A caracterização como vindos “do povo” ou “a serviço do povo”,
por exemplo, seguia o objetivo de identificação da população com o partido e seus membros
mais destacados. Divulgar essas atividades incentivava os leitores a entenderem melhor os
propósitos artísticos e anseios político-sociais. O partido, e então suas publicações, assumiam
o papel de levar as artes a um público cada vez mais amplo, ou seja, “às massas”.

306
E.C.F. Mario Zanini. Fundamentos, nº 9-10. Mar-Abr 1949. p. 167-169.
149

PARTE II
PRÁXIS DOS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB

CAPÍTULO 4
OS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB
150

PARTE II - PRÁXIS DOS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB


CAPÍTULO 4 – OS ARTISTAS PLÁSTICOS DO PCB

A relação entre os artistas plásticos e o Partido Comunista do Brasil se fortalecia à


medida que se intensificava o envolvimento, a militância e a organização. Identificavam-se
entre si enquanto militantes comunistas e também como artistas, escritores e intelectuais.
Paulo Werneck, por exemplo, costumava reunir-se em seu ateliê no subsolo do prédio em que
morava em Laranjeiras com outros artistas membros do PCB como Candido Portinari, Carlos
Scliar, Chlau Deveza, Glauco Rodrigues, Israel Pedrosa e Oscar Niemeyer para debater sobre
arte, arquitetura, política internacional e nacional 307. Esta proximidade entre os artistas
mostrava afinidades e o entrosamento que contribuiriam para importantes atividades coletivas
que realizariam. A estruturação e o reconhecimento dos “artistas plásticos do PCB” enquanto
um grupo foram importantes para ambas as partes: partido e artistas.

4.1- Os artistas plásticos se organizam

A pertença ao Partido Comunista uniria os artistas plásticos, bem como a atividade


profissional e suas questões e objetivos em comum. Além da identificação com os problemas
do mundo e do Brasil, as condições brasileiras de trabalho não favoráveis estimulavam a
organização do grupo. O processo pôde ser acompanhado pelas publicações do partido e a
divulgação de eventos e atividades relativas aos artistas militantes do PCB.
O jornal Tribuna Popular abria espaço para a divulgação de notícias e matérias
referentes a artistas que estavam ligados ao PCB ou a partidos comunistas do mundo. Assim,
este periódico se constituía em um dos veículos do partido que servia ao propósito mediador
entre a arte, os artistas e um público mais amplo, principalmente pelo alcance de suas largas
tiragens. Ao longo dos anos de publicação do Tribuna Popular observa-se que “Os artistas
plásticos do PCB” tornaram-se uma categoria. A mudança na forma como eram reconhecidos
foi feita rapidamente e pôde ser acompanhada ao longo das edições. Nos primeiros meses, as
referências eram dadas aos “artistas, escritores, intelectuais”, ou ainda a algum artista de
modo particular: Picasso, Portinari, Carlos Scliar, por exemplo. De todo modo, os artistas
continuaram a ser referenciados de modo individual, pois escreviam textos sobre arte ou sobre

307
Durante um período de 1945 foi obrigatório construir abrigos antiaéreos em edifícios residenciais, devido às
tensões beligerantes internacionais, o que foi o caso do prédio onde Paulo Werneck morava com sua família.
Esta característica conferia privacidade, mas também discrição e segurança em vista a repressão da polícia
política à época. Cf. SALDANHA, Claudia. Paulo Werneck - muralista brasileiro. In: CATÁLOGO PAULO
Werneck muralista brasileiro. Paço Imperial, 2008. P. 5.
151

o comunismo, faziam exposições, enfim, seus nomes eram importantes para o Partido
Comunista do Brasil.
Em 31 de outubro de 1945 se realizaria o comício “O Povo Fluminense a Luiz Carlos
Prestes” no Estádio Caio Martins em Niterói, que tinha capacidade para trinta mil pessoas. A
organização do evento procurou mobilizar o público e o apoio de organizações culturais,
artísticas, comitês populares, sindicatos, entre outras. Foram formadas comissões específicas,
como a “Comissão Artística”, responsável pela ornamentação do estádio. O grupo era descrito
como “laureados artistas, que, certamente, darão um brilho excepcional à ornamentação do
grande comício”. Dentre os quais foram destacados Honório Peçanha, Raul Deveza, Quirino
Campofiorito e Silvia Chalreo 308. Os artistas reunidos na comissão contribuiriam em conjunto
para o partido, mostrando-se mobilizados para a realização do comício. Neste caso, os quatro
eram de Niterói, cidade em que o PCB fora fundado e que continuava a ser relevante para o
movimento comunista, reunindo muitos de seus membros destacados inclusive no âmbito
cultural. A aproximação entre os artistas niteroienses na composição da comissão
organizadora é importante para compreender alguns grupos que se formavam por afinidade
política, mas também pelas facilidades que a proximidade geográfica promovia para a
militância. Destarte, diversos artistas, entre outros membros, circulassem por outras cidades
próximas, como Rio de Janeiro e Niterói, ou mais distantes, estabelecendo redes que se
entrecruzavam.
Em outubro de 1945 começou a aparecer a denominação “artistas do povo”, e logo em
seguida “artistas plásticos do PCB”. No fim de novembro desse ano foi publicada uma nota na
terceira página do jornal intitulada “Com o candidato do Povo, os artistas plásticos do Brasil –
vibrante telegrama enviado ao eng. Yeddo Fiuza”309. Eram as vésperas da eleição de dois de
dezembro para a qual o PCB lançava o candidato à presidência da República. A nota era a
transcrição de um telegrama enviado a Fiuza, no qual declaravam:
Artistas plásticos do Brasil hipotecam seu inteiro apoio a candidatura de União
Nacional do engenheiro Yeddo Fiuza, pois sabemos que somente com a vitória do
candidato civil poderá a nossa Pátria marchar pelo caminho unitário da Democracia
e do Progresso. Nesse momento em que elementos desclassificados e amorais
procuram denegrir a sua honra, sentimo-nos satisfeitos de manifestar-lhe a nossa
solidariedade, pois a reação não poderia deixar de lançar mão dos meios mais torpes
310
para impedir a vitória do Candidato do Povo .

Era uma declaração oficial de apoio da categoria e divulgada no jornal de maior


alcance do PCB à época. Assinavam o telegrama cinquenta e cinco artistas, os quais:

308
GRANDE COMÍCIO “O Povo Fluminense a Luiz Carlos Prestes”. Tribuna Popular. 18 out 1945. P.8.
309
COM O CANDIDATO do Povo, os artistas plásticos do Brasil. Tribuna Popular. 29 nov 1945. P.3.
310
COM O CANDIDATO do Povo, os artistas plásticos do Brasil. Tribuna Popular. 29 nov 1945. P.3.
152

Sigaud, Deveza, Bustamante Sá, Lopes d’Azevedo, Roque Pinheiro, J.C. de


Miranda, Newton de Figueiredo, L. Rego, Tibério, Joaquim Tenreiro, Sylvio Pinto,
Walter Feder, Menezes, Moura Sodré, Chlau Deveza, Fernando Pamplona,
Francisco Acquarone, Emídio Magalhães, Brito, Sylvia Chalreo, Paulo Werneck,
Randolph, Duprat, Honório Peçanha, Orval Etel Waisman, Durval Serra, Zaque
Pedro, Luiz Silva, Miguel Torres, Antônio Cunha, G. Bueno, Murilo Souza, Alcides
Rocha Miranda, José S. Reis, Paulo Camargo, Orlando Campofiorito, Hermínio de
Andrade e Silva, Guttmann Bicho, Damasceno Oldack, Casemiro Ramos Filho,
Hugo Leite, Eduardo Corona, Alexandre d’Almeida, Telmo Pereira, Augusto Pinho,
Angenor Costa, Bibiano, Hilda Campofiorito, Gilda Gelmini, Fernando Fan, Inimá,
311
Pires Alves, Artur Soares, Jordão de Oliveira, A. Pacheco, Aôr Luiz Castelo .

A divulgação das assinaturas dos artistas em favor do candidato apoiado pelo PCB
mostrava a importância que tal ligação tinha para o partido e para as eleições. Divulgava-se a
formação de um grupo entrosado nas convicções políticas, embora o grupo não fosse
homogêneo, concordavam em alguns pontos relevantes para o partido. Neste sentido, a ideia
de uma categoria unida continuou a ser defendida. Em 15 de dezembro do mesmo ano foi
publicada uma notinha na segunda página que começava com as seguintes palavras: “Aos
artistas plásticos – convite à reunião da classe” e convocava para um encontro dos
profissionais ligados ao PCB312.
Começava o esforço para a organização do que já era considerada uma categoria
profissional. No dia seguinte, ganhou a capa da edição de domingo e ainda se estendeu para a
segunda página a noticia: “Criarão os artistas plásticos o seu sindicato de classe” (fig.38).
Todo esse destaque era acompanhado por uma foto, cuja legenda enfatizava os nomes de
artistas que participariam do esforço para organização do grupo. Eram artistas como: Candido
Portinari, Tomás Santa Rosa (1909-1956), Quirino Campofiorito, Percy Deane (1921-1993)
313
.
A matéria destacava a reunião ocorrida no dia anterior no Instituto dos Arquitetos, no
Rio de Janeiro. De acordo com texto, buscou-se a formação de uma entidade de classe que
lutasse pelos interesses dos artistas. Na ocasião, houve a reunião do recém-formado Comitê
Democrático dos Artistas Plásticos, na qual debateram a organização de um sindicato que
comportasse as diferentes atividades nas artes plásticas e do desenho profissional. Para tanto,
formou-se a “Comissão Provisória Pró-Sindicalização dos Artistas Plásticos”, composta por
Raul Deveza como presidente, Candido Portinari como vice-presidente, Tomaz Santa Rosa
como primeiro secretário, Quirino Campofiorito como segundo secretário, José Morais como
primeiro tesoureiro e Percy Deane como segundo tesoureiro. Formou-se também a Comissão

311
COM O CANDIDATO do Povo, os artistas plásticos do Brasil. Tribuna Popular. 29 nov 1945. P.3.
312
AOS ARTISTAS plásticos – convite à reunião da classe. Tribuna Popular. 15 dez 1945. P.2.
313
CRIARÃO os artistas plásticos o seu sindicato de classe. Tribuna Popular. 16 dez 1945. Capa e p.2.
153

de Estudos Sindicais, encarregada de contatar o Ministério do Trabalho para obter os detalhes


dos trâmites burocráticos para a institucionalização do Sindicato dos Artistas Plásticos do Rio
de Janeiro. Esta segunda comissão contou com Paulo Werneck, Francisco Landa e Sylvia
Chalreo. O texto é encerrado com o convite para nova reunião na semana seguinte de artistas
plásticos de fato interessados em defender os interesses da classe 314.

Figura 38. Periódico. “Criarão os artistas plásticos o seu sindicato de classe”. Tribuna Popular, 16 dez 1945.
Capa (detalhe).

314
CRIARÃO os artistas plásticos o seu sindicato de classe. Tribuna Popular, 16 dez 1945. Capa e p.2.
154

A formação de um sindicato consolidaria a organização do grupo e ainda afirmava os


artistas plásticos membros do PCB como uma classe organizada. A esta matéria se seguiram
algumas notas nas quais eram divulgadas o esforço pela formação de um sindicato, e as
reuniões que promoviam. No dia 19 de dezembro saiu uma notinha intitulada “Artistas
plásticos pró-sindicato”315, depois em 17 de abril do ano seguinte outra notinha divulgando
uma reunião e promovendo o “Comitê dos Artistas Plásticos” 316, em 22 de novembro outra
notinha chamava os “Artistas Plásticos” para a Assembleia da Associação Profissional dos
Artistas Plásticos do Rio de Janeiro 317.
A permanência ao longo do ano destas reuniões mostrava que o grupo se manteve
interessado e atuante de alguma forma. Mesmo que fossem notinhas discretas, tinham mais
destaque do que outras reuniões de outros sindicatos ou associações que eram divulgadas em
uma lista comum a todos, e, com certa frequência, atualizando os leitores e artistas a respeito
das reuniões seguintes. Desta forma, podemos notar a especificidade da categoria profissional
dos artistas plásticos, a atenção especial que o Partido Comunista do Brasil dedicava e
passava através do Tribuna Popular.
Em meio a essa organização setorial, a expressão “os artistas plásticos” enquanto sujeito
das ações e das frases ganhou espaço e se estabeleceu, fortalecendo a formação da categoria e
a identificação do leitor da real existência de um grupo embora não se falasse da diversidade
entre estes artistas, a intenção era justamente mostrar as afinidades entre eles. Esse é o caso de
uma matéria de 26 de março de 1946 com o título: “Os artistas à disposição do povo” (fig.39).
O objetivo era divulgar uma conferência sobre arte que ocorreria no auditório da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) e contaria com palestras de alguns artistas destacados do
partido318.
O debate foi noticiado no Tribuna Popular no dia anterior ao evento, exaltando a
“equipe verdadeiramente excepcional de pintores, arquitetos e escultores de vanguarda” que
reuniria Santa Rosa, Bruno Giorgi (1905-1993), Hanna Levy319 e Candido Portinari. A
matéria trazia, ainda, entrevistas com Santa Rosa e Carlos Scliar que foi apresentado como

315
ARTISTAS PLÁSTICOS pró-sindicato. Tribuna Popular, 19 dez 1945.
316
COMITÊ dos Artistas Plásticos. Tribuna Popular, 17 abr 1946.
317
ARTISTAS plásticos. Tribuna Popular, 22 nov 1946.
318
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
319
No jornal, seu nome é grafado Anna Levy. Hanna Levy Deinhard foi uma crítica de arte alemã, judia e
marxista que veio para o Brasil em 1937 e atuou no então SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional) criado neste ano e atualmente Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). KERN,
Daniela Pinheiro Machado. Hanna Levy Deinhard e os azulejos de Portinari: um pouco conhecido episódio da
história da crítica de arte brasileira. Anais do Seminário de Pesquisa na ABCA: Teoria e crítica de arte no Brasil
– diálogos e situações. 2014.
155

“uma das mais convincentes revelações da novíssima geração de artistas brasileiros.” Scliar
era destacado, ainda, na fotografia da matéria, na qual aparecia de perfil lendo um livro. A
imagem dava visibilidade ao artista, mas também a chamada para o debate no jornal 320. Nesta
ocasião Scliar tratou da arte em relação ao povo, que seria sua origem e destinação,
argumentando que:
(...) sendo o povo o manancial, origem de toda manifestação artística por mais
requintada que seja, esta não pode escapar a sua intuição, isto é, a uma forma de
entendimento muito mais certeira e completa do que o juízo intelectualizado. Há,
pois, – acrescenta o jovem artista – um ponto: um plano em que se encontram, pelo
entendimento recíproco, o artista e o povo. Voltar as costas a essa compreensão, ou
não facilitá-la, é negar-se ao pagamento, de uma dívida, é cuspir no prato em que se
comeu. Por isso, acolho sempre com entusiasmo o confronto com o público
continuamente ansioso de educar o seu gosto estético e de atentar às misérias de sua
vida quotidiana com os benefícios da cultura e da civilização321.

Deste modo, enfatizava a necessidade da compreensão recíproca entre o povo e o


artista, defendendo a realização do debate no qual o público poderia questionar os artistas a
respeito do assunto apresentado. O tema que Scliar escolheu para o evento foi a “Pintura
Mexicana”. Na entrevista explicou que analisaria os fatores sociais e econômicos e
apresentaria as etapas mais significativas do movimento. O assunto mostra o interesse do
artista em tratar de um movimento artístico que evidenciou temas sociais, da exploração e que
teve grande visibilidade e apelo nacional e internacional322.
Os outros participantes tratariam de assuntos diversos. Portinari falaria sobre a “Defesa
da Arte Moderna nas suas Relações com o Povo – A Arte nunca será gratuita”, Arpad Szenes
sobre “As duas tendências romântica e clássica da Arte Moderna”, Santa Rosa com o tema
“Cubismo”, Bruno Giorgi sobre a “Escultura Cubista”, Hanna Levy teria como tema
“Educação Artística do Público”, Oscar Niemeyer explanaria sobre “As tendências da
Arquitetura no Brasil”, Alcides da Rocha Miranda falaria de “Picasso entre os precursores da
pintura contemporânea” e Augusto Rodrigues debateria a “Divulgação de arte e ausência de
mercado”. Embora diversificados, o temário tinha em comum os assuntos em voga no
período, pertinentes à preocupação já mostrada por Scliar, de aproximar a arte e o povo 323.
Portinari, Santa Rosa eram reconhecidos pintores, Bruno Giorgi famoso escultor, enquanto
Oscar Niemeyer e Alcides da Rocha Miranda eram destacados arquitetos e circulavam em
meio às artes plásticas. Hanna Levy era crítica de arte ligada ao pensamento marxista, sendo
Rocha Miranda e Levy atuantes na preservação do patrimônio histórico nacional. A

320
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
321
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
322
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
323
OS ARTISTAS À DISPOSIÇÃO do povo. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3.
156

abrangência de especialidades e de temas das palestras mostrava o envolvimento de artistas de


diferentes origens e interesses reunidos em prol do evento.

Figura 39. Periódico. “Os artistas à disposição do povo”. Tribuna Popular, 26 mar 1946. P.3 (detalhe).
157

Três dias depois, na edição de 29 de março de 1946, era divulgada matéria sobre esta
conferência que ocorrera. A chamada citava a frase proferida por Portinari na circunstância:
“Pintura que se desliga do povo não é arte”. Definia-se o evento como a reunião de muitos
dos “mais notáveis artistas modernos” e destacava a participação de Portinari e o fato de
integrar o Partido Comunista. Em seguida, era reproduzido o discurso do artista no jornal.
Portinari iniciou sua fala assumindo a dificuldade que teria um pintor para se expressar
através de palavras, pois considerava a melhor forma de expressão do artista sua arte. No
entanto, afirmou que essas questões desapareciam quando convidado por companheiros para
um debate de interesse do povo, referindo-se à conferência que se realizava. Portinari
mostrava-se estimulado pelo interesse do público em seus pensamentos sobre determinados
problemas e se posicionava veementemente em relação à produção artística 324.
Penso que a pintura que se desliga do povo não é arte – mas sim passatempo – é de
pequeno percurso. Mesmo feita com inteligência e bom gosto, ela nada dirá ao nosso
coração. Uma pintura que não fala ao coração não é arte, porque só ele a entende. Só
o coração nos poderá tornar melhores e é essa a grande função da arte. Não conheço
nenhuma grande arte que não seja intimamente ligada ao povo. As coisas
comoventes ferem de morte o artista cuja única salvação é retransmitir a mensagem
que recebe. Eu pergunto quais as coisas comoventes neste mundo de hoje. Não são
por acaso as guerras, as tragédias provocadas pelas injustiças, pela desigualdade e
pela fome? Haverá outras, com temas que nos aflijam mais do que estas, duvido.
Não creio que possam existir coisas que gritem mais alto ao nosso coração. Tais
acontecimentos causam sensações diferentes em cada um, porque nada existe
exatamente igual (...). Entretanto os acontecimentos maiores afetam forçosamente a
todos325.

Portinari tratou das formas de expressão, defendendo que as diferenças eram


correspondentes à individualidade. Ao comparar Miró e Picasso, afirmou que de modos
diferentes, ambos representavam uma luta universal. Para ele, haveria uma causa universal
que uniria pessoas de todo o mundo e defendia essa posição. Deste modo, apesar das
diferenças entre os dois artistas europeus acreditava que os dois seguiriam para a mesma
direção: enquanto Miró era sutil, Picasso gritava sua mensagem de forma profunda. Apontava
que, em geral, os temas tratados por Picasso eram desagradáveis como as injustiças e
tragédias do mundo326. Demonstrou, então, sua admiração por Picasso:
Apesar desta Arte não ser compreendida pela maioria, ela não deixa ninguém
indiferente. Não deixa ninguém indiferente porque ela reflete as angústias do povo
que luta pelo direito de existência. Essa obra transborda de sentimento humano, ela é
bem a mensagem do gênio. Picasso como homem soube corresponder aos apelos do
povo e por isso nunca senti tanto como é verdadeira a frase: “O homem é a obra” 327.

324
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
325
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
326
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
327
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.3.
158

Para Portinari, cada artista respondia a seus apelos internos através de um meio que
refletia também seu entorno. Deste modo, argumentava que uma parcela variável do natural
servia à realização dos trabalhos. Concluía, então, que a arte é representação e não limitação,
ou cópia. Em sua perspectiva, não seria possível separar o intelecto do meio em qualquer tipo
de arte328. Neste sentido, analisava a obra de Picasso:
Para realizar uma obra de arte é preciso sentir o tema, e não copiar mecanicamente.
Picasso, quando lhe perguntaram por que não foi aos campos de batalha para pintar,
respondeu que não era fotógrafo. O termo fotógrafo no caso foi empregado para
designar o sentido naturalista. Ele mais do que ninguém pôde pintar a guerra.
Permaneceu ali e viu tudo. Sentiu o sofrimento. Viu os homens, mulheres, velhos,
jovens e crianças morrendo de tudo. Esteve sempre presente, e com o seu gênio e
com a soma de tudo o que viu e sentiu, pôde realizar os novos “Horrores da Guerra”.
O novo na Arte, Ciência ou Política causa sempre incômodo aos espíritos
vulgares329.

Concluía que as novidades causavam incômodo nos “espíritos vulgares” quando


ocorridas na ciência, na política ou na arte. Propondo, deste modo, a elaboração da
sensibilidade a estes segmentos, buscando artista e observador aproximar-se do que fosse caro
ao povo e suas questões. Não admitia a possibilidade de estar alheio às tragédias humanas,
mesmo que se revelassem sutilmente na produção artística 330.
De certa forma, quando Portinari discorreu sobre a atuação do artista, acreditava
representar muitos de seus pares, pois se entendia como parte dessa coletividade. O destaque
que recebeu em algumas matérias deveu-se à projeção individual, no entanto é identificado
em outros momentos como um dos “artistas plásticos do PCB”. O posicionamento declarado
na conferência compunha o conjunto de palestras de outros artistas que se colocaram “à
disposição do povo” no evento sobre a arte. Mesmo quando Portinari expôs suas perspectivas,
procurou sobrepor sua condição de parte do grupo dos artistas membros do Partido
Comunista.
Neste período após a Segunda Guerra, de expansão da área de atuação do Partido
Comunista, foram formados diversos comitês populares, que tinham por objetivo a reunião e
aproximação de pessoas da mesma vizinhança, categoria profissional ou social. Constituíam-
se por bairros, favelas, indústrias, atividade profissional, por grupos como o de mulheres ou
para campanhas específicas. Os comitês apresentavam grande importância para o
fortalecimento do partido, pois a organização de núcleos menores distribuía a atuação

328
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.6.
329
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.6.
330
PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P.6.
159

331
partidária por diferentes setores e áreas . A formação do Comitê dos Artistas Plásticos fez
parte dos esforços da categoria para reunir as demandas de seus pares e favorecer a atuação
em conjunto.
O Comitê dos Artistas Plásticos teve sede no Instituto dos Arquitetos, na Rua
Marechal Floriano no centro do Rio de Janeiro 332. Contou com a participação de diversos
artistas que tiveram a ligação relatada em seus prontuários ou outros dossiês na polícia
política. Dentre eles esteve Carlos Scliar 333, Alcides Rocha Miranda, Silvia Chalreo, Cândido
Portinari e Paulo Werneck 334. Em 27 de março de 1946, o comitê se mobilizou em defesa dos
pintores Raul e Chlau Deveza que haviam sido presos no dia anterior. Divulgaram no Tribuna
Popular um telegrama a Luiz Carlos Prestes no qual declaravam:
O Comitê Democrático dos Artistas Plásticos informa a V. Excia da prisão,
incomunicável, durante vinte e quatro horas, dos conhecidos artistas e pintores
Professor Raul Deveza e Chlau Deveza quando no exercício do livre direito de
opinião se manifestavam contra a Carta fascista de 37, expressando a estranheza e o
desagrado da grande classe. Pelo Comité – Candido Portinari, Alcides Rocha
Miranda, Silvia e Paulo Werneck335.

Deste modo, mostravam o esforço para união e apoio entre os membros da classe
artística. O comitê era mais um meio de integração entre os artistas e de facilitação para
mobilização. No dia oito de maio de 1946, jornalistas, técnicos, escritores e artistas enviaram
uma mensagem de solidariedade a Prestes. O conteúdo da carta mostrava a preocupação com
temas de grande relevância política, como os perigos à democracia e a perseguição aos
comunistas, constante mesmo durante a legalidade do PCB. A carta foi publicada na íntegra
no Tribuna Popular alguns dias depois, e pode-se destacar os seguintes trechos:

Sr. Senador Luiz Carlos Prestes, os setores culturais de nosso povo não podiam
deixar de trazer a sua livre manifestação de opinião, dentro do espírito da
democracia, em face da campanha que ainda se agita sobre a ameaça das guerras
imperialistas e a legalidade dos partidos políticos. Os abaixo assinados sentem-se no
dever de vos dirigir esta mensagem de aplauso patriótico pela vossa desassombrada
atitude, em defesa da nossa independência política e econômica, posta em jogo pelos
agentes internacionais e internos do imperialismo. Sob a pressão dessas forças, é
também a democracia que vemos em perigo, e com ela o futuro da cultura
nacional e da participação maior do povo nos bens da civilização. Desejamos por
isso participar da mobilização moral do povo brasileiro contra os pseudo-patriotas

331
PINHEIRO, Marcos César de Oliveira. O PCB e os Comitês Populares Democráticos na cidade do Rio de
Janeiro. 1945-1947. Dissertação. PPGHIS-UFRJ. 2007.
332
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Notação 3B. Folha 421. Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (APERJ).
333
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar, GB. nº 12244. 09-04-1946. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
334
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 26J. Folha 2305. Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro (APERJ).
335
PROTESTO contra a prisão dos pintores Raul e Chlau Deveza: Candido Portinari e outros artistas dirigem-se
a Luiz Carlos Prestes. Tribuna Popular. 27 mar 1946. P.3.
160

que nada mais são do que agentes do imperialismo econômico e provocadores de


guerras A vossa denúncia patriótica da questão das nossas bases mereceu a
solidariedade de todos aqueles que colocam a segurança e dignidade de nossa Pátria
acima de ideologias e disputas pessoais. Tão corajosa atitude veio alertar as
consciências honestas contra as chicanas e provocações de certa imprensa, mais
interessada em servir os patrões estrangeiros do que os interesses inadiáveis do
nosso povo e da própria soberania nacional. Somos solidários com as declarações do
eminente Senador, condenando as guerras de conquista de mercados, em obediência
a uma velha tradição política de nossa Pátria. O pretexto de tais declarações para
uma campanha contra a liberdade de organização partidária não pode ser acatado por
nenhuma consciência sinceramente democrática. (...) Mesmo aqueles que dentre nós
não possam subscrever todas as vossas ideias filosóficas, saberão render
homenagem à coragem de vossa atitude, clamando para que nos livremos de toda
pressão imperialista, capaz de pôr em perigo, como ficou evidenciado, até mesmo a
soberania nacional. Enquanto isso, os porta-vozes do pseudo-patriotismo,
financiados pelo capital estrangeiro e pelos inimigos da democracia, tudo fizeram
para ressuscitar o prestígio do “espantalho comunista”, até que a própria atuação
internacional os deixou sem assunto e desmascarados. (...) Mas estejamos vigilantes
porque tudo serve de pretexto à reação. Não será a última campanha contra a
democracia. Os traidores, agentes do imperialismo e do fascismo, tudo farão para
atraiçoar também o Governo, lançando-o contra o povo 336.

Ao assinar a carta, escritores, técnicos, cientistas, jornalistas e artistas se posicionavam


diante dos temas apontados e contra determinados setores opositores. No dia 14 de maio de
1946 foi divulgada no Tribuna Popular a lista de signatários de uma mensagem para a Luiz
Carlos Prestes. Duzentos e sessenta e três membros do PCB assinaram a carta de apoio pelos
discursos proferidos nos dias 22 e 24 de abril e 1º de maio do referido ano, respectivamente
no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Recife. A solidariedade dos signatários à Prestes seria
usada como fonte de informação. Os nomes relacionados fariam parte de fichas, relatórios e
dossiês da policia política sobre estas pessoas nas décadas seguintes, confirmando a ligação
estabelecida com o partido. De forma sistemática a lista foi importante para a formação de um
dossiê sobre o PCB337 no qual arrolaram os nomes dos signatários e os organizaram por
categorias. A divisão ocorreu da seguinte forma: 46 nomes foram classificados como
“cientistas e técnicos”, 114 entre “escritores e jornalistas” e 103 “artistas plásticos, atores e
músicos”338. No último grupo figuravam os artistas plásticos, destacados na lista:
José Pancetti, Oscar Niemeyer, Francisco Mignone, Candido Portinari, Alcides
Rocha Miranda, Jose Siqueira, Honório Peçanha, Clovis Graciano, José
Pedrosa, Eros Gonçalves, Eduardo de Guarnieri, Athos Bulcão, Arnaldo Estrela,
Aldo Bonadei, Claudio Santoro, Carlos Scliar, Paulo Werneck, Augusto
Rodrigues, Santino Partinelli, Werther Politano, Hans Briting, Sady Cabral, Ytalia
Fausta, Eugenia Álvaro Moreira, Aurora Aboim, Ely Sherrer, Rosina Bessa, Marino

336
MENSAGEM DE CIENTISTAS, escritores, artistas, técnicos e jornalistas a Carlos Prestes. Tribuna Popular.
12 maio 1946. P1 e 2. Grifo meu.
337
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Pasta 3B. Maço 3. Folhas 401 a 520. Dossiê 1.
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
338
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Pasta 3B. Maço 3. Dossiê 1. P. 437 a 440. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
161

Milone, Paulo de Oliveira, Severino de Souza Delgado, Waldomiro Alves, Ary


Paulo da Silva, Ranulfo de Oliveira Lins, Miguel Azevedo, Castelo Branco,
Joaquim Wanderley, Jose Lages da Rocha, M. Benzaquem, Geraldo Gomes, Pascoal
Perrota, J. Pinheiro, Gomercindo Melo, Otavio Canabrava, J. Waschitz, Lima
Siqueira, David Dias de Paiva, Siegfried Presner, Mario de Alencar Vale, Oscar
Meira, Iberê Camargo, Monteiro de Barros, Ruy Santos, Salomão Scliar, Vitor
Menechise, Silvia Leon Chalreo, Sostens Gonçalves, Durval Serra, Telon Pereira,
Guimarães Ferreira, Manoel Cantanhede, Fernando Pereira, Quirino Campofiorito,
Raul Devezza, Wilson Tibério, Pereira Ramos, Angenor Costa, Eugenio Sigaud,
Inimá de Paula, Milton Ribeiro, Vanberto Jarone, Hugo Leite, Amerino Vanique,
Orlando Campofiorito, Ozon Schalau Deveza, Santos Araujo, Dea Pereira, Norka
Schmit, Paulo Renol, José Guimarães, Rosane Galvão, Mario Cabral, Hilda
Campofiorito, Cândida Menezes, Ana Stela Shic, Berco Udler, Eunice Catunda,
Daria Garcia, Vilanova Artigas, Catulio Bianco, Marcelo Grasman, Luis Sacilotto,
Otavio Araujo, Manoel Martins, Alfredo Rizzoti, Bernardo Bationi, Vasco Prado,
Carlos Petrucci, José Moraes, Jose Luís Calazans, Francisco Aquarone, Jordão
de Oliveira e Leda Acquarone 339.

A grande participação das diferentes categorias demostra o envolvimento que tiveram


em causas como esta de importância para o partido. A mobilização dos artistas plásticos
representou uma pequena parcela dos signatários, no entanto, reuniu trinta e quatro artistas
plásticos, um número expressivo. Em junho de 1946, os artistas plásticos se uniram contra a
violência da repressão policial contra operários que lutavam por seus direitos. Enviaram,
então, um telegrama de protesto Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para
denunciar o Delegado de Ordem Social Coronel Augusto Imbassaí e o Chefe de Polícia
Pereira Lira340. A mensagem dizia:
Artistas Plásticos do Rio de Janeiro, tomando conhecimento dos métodos violentos e
verdadeiramente anti-democráticos da Polícia contra os trabalhadores brasileiros,
vêm a v. exa. apresentar o seu protesto contra as barbaridades praticadas nas pessoas
de indefesos operários, que reivindicam melhores salários e mais digno padrão de
vida. Os abaixo assinado, dirigem-se a essa Assembleia Constituinte demonstrando
assim a sua confiança na decisão da Comissão Parlamentar encarregada de apurar
tais crimes, que depõem contra os nossos foros de povo civilizado e ultrajam a
memória dos mortos do Brasil e de todas as Nações Unidas, que deram suas vidas
pela vitória dos ideais democráticos sobre as hordas da violência fascista em todo o
341
mundo .

O telegrama foi publicado no Tribuna Popular que destacou os seguintes artistas da


lista dos que assinaram:

A. Dalancourt, Jordão de Oliveira, Raul deveza, Carlos Scliar, Augusto Rodrigues,


Chlau Deveza, Solano Trindade, Bruno Giorgi, Quirino Campofiorito, Durval
Alvarez Serra, Alcides Rocha Miranda, Manoel Cantanhede Serra, José Zanine
caldas, Milton Martins Roberto, Vitor Menchire, Inimá José de Paula, Luiz Soares,

339
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Político. Pasta 3B. Maço 3. Dossiê 1. P. 437 a 440. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).; OS CIENTISTAS, escritores, artistas, técnicos e jornalistas que
assinaram a mensagem a Prestes. Tribuna Popular. 14 maio 1946. P.2.
340
PROTESTAM OS ARTISTAS plásticos contra as violências de Imbassaí e Pereira Lira. Tribuna Popular. 21
jun 1946. P.8. Grifo meu dos artistas plásticos que compunham a lista.
341
PROTESTAM OS ARTISTAS plásticos contra as violências de Imbassaí e Pereira Lira. Tribuna Popular. 21
jun 1946. P.8.
162

Israel Azaimbrum, Osdack de Freitas, Trinas Fox, Agenor Abreu Costa, Sebastião
Zaque Pedro, Fernando Fam, Bustamante Sá, Silvio Pinto da Silva, Jose Pancetti,
José B. Ribeiro de Menezes, Luiz Castelo, Claudio Lopes Damasceno, L. Rego,
Francismo Manna, Álvaro Almeida, Murillo de Souza, Randolfo Barbosa, Antônio
Barreto, Eugenio Proença, Sigaud, Silvia de Leon Chalreo, Paulo Werneck e
342
Francisco Aquarone .

O posicionamento dos artistas enquanto categoria apresentava certa recorrência, o que


demonstra o prestigio dos componentes, especialmente os que tinham os nomes destacados
nas publicações. O envolvimento dos artistas plásticos com o PCB proporcionaria visibilidade
às causas defendidas pelo partido o que contribuía para o engajamento de outros setores
sociais.

4.2. Oficial e celebrada: a entrega dos carnês de membros do PCB aos artistas

No dia 21 de abril 1946 ocorreu o ato público no Teatro Ginástico do Rio de Janeiro
para celebrar a entrada de artistas, escritores e intelectuais no PCB. Neste ato simbólico, Luiz
Carlos Prestes entregou pessoalmente carnês de membros a muitos artistas de renome
nacional e internacional presentes, ratificando o envolvimento que mantinham. Esse evento
foi noticiado em publicações do partido, mostrando o entusiasmo com a ligação estabelecida
com os artistas, escritores e intelectuais:

Com o referido ato o Partido do proletariado e do povo brasileiro homenageará aos


intelectuais que, honesta e consequentemente, puseram seus trabalhos a serviço da
causa da libertação do nosso povo, lutando com ele pelas suas reivindicações,
ajudando-o a construir um mundo livre, de fraternidade e progresso. Conforme tem
sido anunciado, usarão a palavra, na ocasião, o secretário geral do P.C.B., Luiz
Carlos Prestes, Pedro Pomar, da Comissão Executiva do Partido Comunista, além de
alguns escritores e artistas343.

No dia 19 de abril, na sexta feira, uma matéria de mais destaque foi divulgada na capa
do Tribuna Popular com o título: “A entrega dos “carnets” aos intelectuais comunistas”
(fig.40). A escritora feminista Lia Correa Dutra (1908-1989), Oswaldo Alves e o dramaturgo,
cronista e jornalista Joraci Camargo (1898-1973) estavam entre os homenageados e suas
fotografias apareciam na lateral direita da matéria 344. A matéria se destacava na capa do
vespertino e o texto enfatizava a importância dos homenageados, da ligação com o PCB e
suas razões:

342
PROTESTAM OS ARTISTAS plásticos contra as violências de Imbassaí e Pereira Lira. Tribuna Popular. 21
jun 1946. P.8.
343
ADIADA a entrega dos “carnets” aos intelectuais do PCB. Tribuna Popular. 17 abr 1946. P.3.
344
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa.
163

Os maiores representantes das artes e das letras brasileiras formam hoje nas fileiras
do Partido Comunista do Brasil. Ao lado de operários e camponeses, encontram-se
grandes romancistas, poetas, musicólogos e pintores, como também grandes nomes
da ciência em geral. Essa identificação dos mais notáveis escritores e artistas com o
Partido de vanguarda da classe operária, não é por mero acaso. É que o Partido
Comunista, em razão dos seus próprios objetivos, é o único que defende os
interesses e a dignidade da inteligência e da cultura. É sabido o desinteresse e até o
desprezo com que os partidos políticos da classe dominante, em todo o mundo,
encaram as artes e a literatura. As verbas oficiais, concedidas pelos Governos
burgueses, as instituições literárias, artísticas e científicas, são raríssimas e sempre
insuficientes. Na União Soviética, pelo contrário, o Governo estimula, por todos os
meios, o desenvolvimento da cultura e a vocação artística e literária, proporcionando
a todos as maiores oportunidades. Isso explica porque os maiores intelectuais em
todos os países ingressam em seus respectivos Partidos Comunistas345.

Deste modo, argumentavam que os partidos comunistas na Europa e nas Américas, a


exemplo do que ocorreria na União Soviética, contavam com artistas e intelectuais em seus
quadros políticos. Os exemplos dados tratam da presença das “maiores figuras da ciência, da
arte e da literatura” nos partidos comunistas dos Estados Unidos, Argentina, Paraguai,
Inglaterra. E outros do Chile, da França e de Cuba dos quais são destacados: Pablo Neruda,
referido como “o maior poeta da América”, Pablo Picasso como “o maior pintor do mundo” e
Nicolas Guilhen, como “extraordinário poeta negro”346. Embora estas e outras tantas figuras
estivessem ligadas aos partidos comunistas do mundo, a tão expressiva interação do Partido
Comunista do Brasil com o mundo da cultura só encontraria paralelo nos casos francês e
italiano, que contaram o fator favorável de atuarem na legalidade por décadas, ao contrário do
PCB que permaneceu a maior parte de sua história na ilegalidade.

345
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa.
346
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa e p2.
164

Figura 40. Periódico. “A entrega dos “carnets” aos intelectuais comunistas”. Tribuna Popular, 19 abr 1946.
Capa (detalhe).
165

O Partido Comunista do Brasil também estava afinado com as artes e as ciências, o


que era comprovado pela forte presença de destacados intelectuais e artistas em suas fileiras:
Também no Brasil, os intelectuais de maior relevo pertencem ao Partido Comunista.
Pintores de projeção internacional, como Portinari, cientistas da linhagem do prof.
Mário Schemberg, escritores do porte de Graciliano Ramos e Jorge Amado, sem
dúvida os maiores romancistas brasileiros vivos, grandes nomes da música como
Francisco Mignone e Arnaldo Estrela347.

A promoção do evento de entrega dos carnês valorizava e promovia essa parceria


perante a sociedade, além de reconhecer a importância desses membros para o partido neste
momento.
Agora que isto é possível, após a conquista da sua legalidade, o Partido Comunista
vai prestar uma homenagem a esses artistas e escritores, numa demonstração do seu
carinho por eles, entregando-lhes, em ato público e solene, os seus “carnets” de
membros do glorioso Partido de Prestes348.

Por fim, anunciava o local, o horário do evento e que falariam ao público o Secretário
Geral do PCB Luiz Carlos Prestes e o dirigente do partido Pedro Pomar. Contariam também
com representantes dos escritores e artistas 349. Uma lista com cinquenta e dois nomes foi
publicada ao final matéria, dos quais constavam:

Alcides da Rocha Miranda, Alina Paim, Álvaro Moreyra, Ana Stela Schic, Arnaldo
Estrela, Astrojildo Pereira, Aydano do Couto Ferraz, Brasil Gerson, Candido
Portinari, Carlos Scliar, Chlau Devezza, Clovis Graciano, Dalcidio Jurandir, Dias da
Costa, Dionélio Machado, Edison Carneiro, Egídio Squeff, Eneida de Moraes, Enio
Duarte, Floriano Gonçalves, Francisco Mignone, Francisco Aquarone, Graciliano
Ramos, Hildon Rocha, Honório Peçanha, Itália Fausta, James Amado, Jordão de
Oliveira, Jorge Amado, Jorge Medauar, José Guimarães, Jose Morais, Juracy
Camargo, Laura Austrejésilo, Leda Aquarone, Lia Correa Dutra, Mario Cabral,
Mario Schemberg, Melo Lima, Oduvaldo Viana, Oscar Niemeyer, Oswaldo Peralva,
Paulo Werneck, Pedro da Mota Lima, Quirino Campofiorito, Raul Devezza,
Raymundo de Souza Dantas, Rejane Oson, Ruy Facó, Silvia Leon Chalreo.

No dia 20 de abril, véspera do evento, foi publicada matéria no semanário A Classe


Operária, intitulada “A Homenagem de amanhã – aos escritores e artistas do Partido
Comunista”350. O texto ressaltava a ligação dos partidos comunistas com a intelectualidade,
especialmente devido às experiências causadas pela guerra, afirmando que:
O Partido Comunista do Brasil, como todos os Partidos Comunistas no mundo
inteiro, congrega hoje em suas fileiras figuras da mais alta expressão no campo
intelectual, nas artes e nas ciências. São homens que, ante o embate das forças da
reação com as forças do progresso, enxergaram claramente que o mundo não pode
parar, mas marchar sempre para a frente e que a humanidade não deve ficar

347
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. P.2
348
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. P.2.
349
A ENTREGA dos “carnets” aos intelectuais comunistas. Tribuna Popular. 19 abr. 1946. Capa e p2.
350
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
166

subjugada por grupos armados que, por agressão e guerras de rapinas, tentam impor
sua vontade aos povos.
Como era natural entre criaturas de alto nível intelectual, esses homens e mulheres
que se filiaram ao Partido Comunista aprenderam grandes lições na guerra da
independência e libertação travada contra as forças fascistas que expressavam o
desespero de uma classe que se liquida. Escritores, artistas, cientistas, viram então
que era impossível permanecerem atados aos interesses egoístas de uma minoria, a
menos que quisessem suicidar-se à causa dessa minoria. Compreenderam que a
ciência não pode ser um monopólio e que as artes devem servir aos interesses de
todo um povo, deixando de ser um simples deleite para se transformarem em
expressões vivas dos que lutam por uma vida mais humana351.

A preocupação do partido era que as produções científicas ou artísticas fossem


direcionadas ao povo. Deste modo, os interesses da coletividade eram postos a frente dos
interesses individuais ou de pequenos grupos. De acordo com o texto, artistas e cientistas de
grande expressão mundial se identificariam com essas ideias e por esta razão buscariam os
partidos comunistas:

Explica-se, assim, a filiação ao Partido Comunista francês de gênios como Picasso,


Juliot Curie, Marcel Prenant, Paul LanLangevin, Heur Wallon, Louis Aragon, ; ao
Partido Comunista norte-americano de escritores famosos como Dreiser e Michael
Gold; ao Partido Comunista da Inglaterra, sábios como Haldane; ao Partido
Comunista do Chile, poetas e cientistas como Pablo Neruda e Alexander Lupschiiz;
sem falar na legião de cientistas, romancistas, poetas, arquitetos, filiados ao partido
Bolchevique da URSS, homens conhecidos mundialmente como Alex Tolstoi,
Ehrenburgo, Kapitza, o sábio que conseguiu a liquefação do helium, o gênio musical
Schostakovich, o biólogo Lizenko, entre milhares352.

No Brasil, não seria diferente. Do mesmo modo, afirmava-se que:


O Partido Comunista do Brasil arregimenta hoje alguns dos nossos maiores
intelectuais, aqueles mais ligados ao povo, romancistas queridos como Graciliano
Ramos, Jorge Amado e Dionélio Machado; pintores famosos como Candido
Portinari; arquitetos como Oscar Niemeyer; músicos como Arnaldo Estrela e
Francisco Mignone, entre outros igualmente conhecidos no Brasil e no
estrangeiro353.

O destaque dado aos militantes do partido fazia jus à solenidade que preparavam e á
forma como era anunciada:

A festa homenagem que o Partido Comunista prestará amanhã aos escritores e


artistas do povo em suas fileiras demonstrará a solidariedade da mais alta expressão
intelectual de nossa Pátria à política seguida pelos comunistas na luta pela
democratização do país e, neste momento, pela soberania do Brasil ameaçada pelos

351
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
352
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
353
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
167

senhores do capital estrangeiro colonizados, de quem o nosso povo exige a retirada


354
de suas tropas do território nacional .

No dia 21 de abril o vespertino Tribuna Popular anunciava a realização do evento às


10 horas no Teatro Ginástico no Centro do Rio de Janeiro. Apresentava o título:
“Homenagem do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas” e trazia
fotografias de Quirino Campofiorito, Honório Peçanha e Dionélio Machado, alguns dos
homenageados (fig.41). O ato solene começaria com Pedro Pomar, que falaria em nome do
PCB. Em seguida, a contista Lia Corrêa Dutra, o pintor Candido Portinari, o romancista
Graciliano Ramos e o arquiteto Oscar Niemeyer falariam em nome dos homenageados. E
então, o Secretário Geral do Partido e senador Luiz Carlos Prestes encerraria a cerimônia 355.
A matéria, como a anterior, tecia elogios aos artistas e intelectuais que seriam agraciados
pelos carnês e ressaltava a ligação de suas obras com as causas sociais, mostrando a
relevância da ligação com as destacadas figuras.
Nessa ocasião, nomes os mais destacados das letras e das artes brasileiras, nomes
muitos dos quais já alcançaram o domínio internacional, receberão os seus “carnets”
de membros do Partido Comunista do Brasil. São figuras da nossa literatura e da
nossa arte, cuja formação se fez num contato íntimo com o povo, cujas obras são
sempre o reflexo das necessidades das massas brasileiras, das suas legítimas e mais
puras tradições, dos seus sofrimentos e alegrias. São, pois, escritores e artistas de
vanguarda, comprometidos unicamente com a classe operária e o povo. São artistas
e escritores do Partido Comunista356.

Ao final do texto, foram listados os que receberiam os carnês. Comparada à lista


divulgada anteriormente houve modificações não justificadas, mas que demonstram que a
lista não contempla a totalidade absoluta de intelectuais, artistas e escritores ligados ao partido
no período, mesmo que excluísse um número pequeno de pessoas que não pudessem
comparecer ao evento no Rio de Janeiro. Para a listagem final, foram retirados os nomes de
Astrojildo Pereira, Egídio Squeff, Hildon Rocha, José Morais, Mario Cabral e Rejane Oson.
Foram acrescentados os nomes de Almeida Cousin, Clovis Santos, Durval Serra, Eduardo
Guarnieri, Eugenia Álvaro Moreyra, Jayme Grabois, José Geraldo Vieira, José Luiz Calazans,
José Novaes, Leôncio Basbaum, Luiz Silveira, Mario Cabral, Miguel Costa Filho, Oswaldino

354
A HOMENAGEM de amanhã – aos escritores e artistas do Partido Comunista. A Classe Operária. Nº7. 20
abr 1946. P.8.
355
HOMENAGEM do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular. 21 abr 1946.
Capa e p.2.
356
HOMENAGEM do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular. 21 abr 1946.
P.2.
168

Marques, Oswaldo Alves, Otavio Dias Leite e Solano Trindade. A lista definitiva dos
homenageados contou com sessenta e um nomes 357.

Figura 41. Periódico. “Homenagem do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas”. Tribuna
Popular, 21 abr 1946. Capa (detalhe).

357
HOMENAGEM do Partido Comunista do Brasil aos seus escritores e artistas. Tribuna Popular. 21 abr 1946.
P.2.
169

Pouco mais de uma semana depois do evento, no dia 1º de maio, foi divulgada no
jornal A Classe Operária uma fotografia, cuja legenda assim descrevia: “o cliché fixa o
momento em que o pintor Cândido Portinari recebia das mãos de Prestes a caderneta de
membro do Partido Comunista do Brasil” (fig.42). O registro mostra os presentes sorridentes
e aplaudindo a entrega do carnê358.

Figura 42. Periódico. “Intelectuais militantes do Partido Comunista do Brasil”. A Classe Operária. 1º maio
1946. P.7.

358
INTELECTUAIS militantes do Partido Comunista do Brasil. A Classe Operária. Nº8. 01 maio 1946. P.7.
170

A legenda descrevia também a importância da solenidade e de alguns dos


homenageados, destacando que:
(...)foi um acontecimento inédito na nossa história política. Pela primeira vez,
publicamente, um Partido homenageava seus militantes na pessoa de algumas
dezenas de intelectuais – escritores, artistas, cientistas do povo – entre os quais
nomes de grande prestígio em todo o país, como o romancismo Graciliano Ramos, o
pintor Cândido Portinari, o arquiteto Oscar Niemeyer, o maestro Francisco
Mignone, o jornalista Pedro Mota Lima, o cronista Álvaro Moreyra, o pianista
Arnaldo Estrela, o cientista Mario Schemberg359.

Passada a solenidade de entrega dos carnês, a polícia política do Rio de Janeiro


utilizou largamente os dados divulgados como comprovação do vínculo estabelecido entre
artistas, intelectuais e escritores com o PCB. A lista divulgada com sessenta e um nomes pelo
Tribuna Popular no dia 21 de abril de 1946 serviu para a elaboração das fichas dos
investigados por diferentes setores da polícia política brasileira que trocavam informações
sobre supostos envolvidos com o comunismo. A lista foi usada como rico documento
comprobatório da militância de muitos artistas no PCB. No prontuário do artista plástico
Carlos Scliar, por exemplo, observa-se que esta informação constou por décadas em ofícios a
seu respeito, nos quais se referiam ao carnê como “espécie de condecoração por serviços de
alta significação”360. Em uma sindicância ao final de 1950, quando o PCB já se encontrava na
ilegalidade, Quirino Campofiorito prestou depoimento à polícia política:
(...) em mil novecentos e quarenta e seis, se não lhe falha a memória, recebeu, a
título de distinção, um pequeno cartão ou “carnet”, do senhor Luiz Carlos Prestes,
então chefe de um partido legal no paíz, “carnet” em que se considerava o declarante
como “intelectual”; que atribúe a distinção ao fato de procurar na ocasião o referido
partido captar simpatias entre os artistas; que nunca pertenceu a qualquer célula
comunista; que, como muitas outras pessoas nesta capital, foi abordado na rua para
contribuir com qualquer importância para o que chamavam de auxílio à imprensa
popular, não tendo, porém, contribuído com cousa alguma (...)361.

As condições da declaração afetam o posicionamento do depoente, não condizendo


necessariamente ou inteiramente com a posição do artista em relação ao partido em 1946. No
entanto, o depoimento demonstra a relevância da solenidade e a repercussão ao longo dos
anos. A “captação de simpatias entre os artistas” acarretaria suspeição por parte da polícia
política sobre os, então, homenageados.

359
INTELECTUAIS militantes do Partido Comunista do Brasil. A Classe Operária. Nº8. 01 maio 1946. P.7.
360
O repetido uso dessa informação pôde ser visto em documentos das polícias políticas que foram reunidos
gradualmente na composição do prontuário de Carlos Scliar. São documentos provenientes de diferentes setores
datados de 13-11-1950, 22-09-1950, 17-11-1955 e 13-10-1964. Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro.
Prontuário Carlos Scliar, GB. nº 12244. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
361
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
171

O evento, portanto, ratificou perante a sociedade a ligação que estes artistas,


intelectuais e escritores tinham com o Partido Comunista do Brasil. A solenidade representou
mais do que uma comemoração interna pelo envolvimento estabelecido, foi simbólica e
contribuiu para o fortalecimento do partido e dos homenageados. Embora de tendências
artísticas diversificadas, a ocasião mostrava o principal ponto que os unia: o engajamento nas
políticas do PCB. A declaração de apoio por parte de sessenta e um artistas, escritores e
intelectuais ao partido de forma oficial, pública e com ampla divulgação foi mais um
elemento usado pela polícia política e muitos sofreram perseguições mesmo no período de
legalidade (1945-1947) e principalmente depois do retorno à ilegalidade no ano seguinte.
Assim como outros membros, os artistas assumiam os riscos do envolvimento com o Partido
Comunista do Brasil. No entanto, teriam consciência, em certa medida, do prestígio que
proporcionavam e que recebiam, além das contribuições efetivas para o crescimento
partidário e a ampliação do espaço para produção artística devido à grande estrutura
proporcionada pelo PCB.
172

CAPÍTULO 5

A ATUAÇÃO COLETIVA DOS ARTISTAS PLÁSTICOS


173

CAPÍTULO 5. A ATUAÇÃO COLETIVA DOS ARTISTAS PLÁSTICOS

O Partido Comunista do Brasil encontrou autonomia para a difusão de ideias no


período de legalidade entre 1945 e 1947. Neste momento houve também um grande fluxo de
intelectuais e artistas para o partido e a política de massas promovida pela estratégia da União
Nacional o levou a atingir grande popularidade. Após esse período, algumas atividades se
mantiveram e paulatinamente foram perdendo espaço, visto a intensificação da perseguição
política que levou o partido à ilegalidade e a novos posicionamentos políticos, sinalizados
pelo Manifesto de Janeiro de 1948 e que culminaram com a radicalização promovida pelo
Manifesto de Agosto de 1950. Os artistas plásticos ligados ao Partido Comunista do Brasil
promoveram ações coletivas o longo do período de legalidade e ainda posteriormente,
colaborando de forma conjunta para projetos educacionais e campanhas, pautados nos ideais e
causas defendidos pelo partido. Para tanto, valeram-se de seus talentos artísticos para chamar
a atenção para questões políticas internacionais e nacionais, arrecadar fundos ou promover a
educação.

5.1. A política em exposição

Em oito de junho de 1945 foi realizada a “Exposição Anti-Integralista” na galeria


subterrânea do Tabuleiro da Baiana no Centro do Rio de Janeiro, promovida pela “Comissão
Organizadora da Campanha Contra o Integralismo”362. Antes da realização da exposição foi
publicada matéria no Jornal do Brasil, periódico sem ligação com o PCB, na qual foi relatada
a preparação da mostra e o envolvimento de artistas na organização. Aproveitavam o ensejo
para solicitar aos leitores que pudessem contribuir com materiais como “fotografias,
documentos, livros, jornais, papeletas de adesão, distintivos, camisas verdes, etc”, enviando
para a sede da UNE na Praia do Flamengo 363. O evento contaria com as seguintes entidades:

União Nacional dos Estudantes, Liga da Defesa Nacional, União de Trabalhadores


Intelectuais, Comitê Democrático Afro-Brasileiro, União Metropolitana de
Estudantes, Centro Democrático dos Bancários, Comitê Feminino Pró-Democracia,
Comitê Democrático dos Trabalhadores em Geral, Centro Mario de Andrade,
Comitê Pró-Reivindicações democráticas dos bairros de Botafogo e Flamengo,
Comitê Democrático da Gávea, Diretório Democrático dos Trabalhadores de
Geografia e Estatística364.

362
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
363
COISAS DA POLÍTICA. Jornal do Brasil. 18 maio 1945. P.6.
364
COISAS DA POLÍTICA. Jornal do Brasil. 18 maio 1945. P.6.
174

Esses grupos estavam ligados ao PCB de alguma forma, deste modo, membros do
partido se compunham as comissões formadas para facilitar o trabalho de organização. A
“Comissão de Coleta de Material” contava com treze membros e entre eles se destacavam
Mário Barata e a artista plástica Silvia Chalreo, militantes do PCB. A “Comissão de
Montagem”, responsável pela parte técnica, contava com quinze artistas e decoradores entre
os quais estavam Alcides Rocha Miranda e Oscar Niemeyer, também membros destacados do
Partido Comunista365. Em matéria no Tribuna Popular descreviam o ambiente da inauguração
da mostra:
Milhares de pessoas, em ondas sucessivas, percorreram aquele local, onde foram
expostas provas documentais das relações do Integralismo com o nazi-fascismo.
Pessoas de todas as camadas sociais, operários, comerciários, funcionários públicos,
estudantes, pintores, intelectuais, percorreram a galeria, demonstrando o grande
interesse despertado no seio do povo pelo desmascaramento do fascismo na nossa
366
pátria .

Os objetivos da exposição eram mostrados em um painel, no qual defendiam o


combate à rearticulação e às ideias integralistas no Brasil através da demonstração das
ligações com o fascismo 367. Em conformidade com a proposta, a exposição foi organizada da
seguinte forma:
No enorme corredor da galeria estão expostas numerosas provas fotográficas de
cartas, documentos, reuniões. Em todas vêem-se os emblemas nazista e integralista
riscados em cruz pelas armas democráticas.
Como fundo foram colocadas as bandeiras brasileira, soviética, americana, inglesa e
demais Nações Unidas.
Parte da Exposição é destinadas à correspondência nazi-integralista. Vêem-se
também as bandeiras nazista e integralista com a legenda – “Símbolos de uma só
doutrina”.(...)
Um dos mais tocantes painéis é dedicado aos mártires brasileiros, tripulantes e
passageiros dos navios torpedeados pelos nazistas. Lê-se neles a relação dos 28
navios torpedeados e as datas em que o foram. Outros painéis são dedicados aos
368
diversos matizes nazi-fascistas do integralismo .

Pela galeria foram espalhados muitos cartazes com caráter antifascista, com dizeres
que buscavam caracterizar os inimigos por suas roupas, gestos, cerimoniais. Destacavam que,
apesar de derrotados na guerra, continuavam buscando se rearticular com “novos rótulos”. Na
ocasião foram distribuídos volantes e cartazes com fotografias de documentos antinazistas. A
exposição pretendia transmitir uma mensagem de luta constante pela democratização do país
e combate a rearticulações integralistas. Duas fotografias (fig.43) mostravam cenas da
inauguração: em uma havia duas bandeiras com as insígnias nazista e integralista observadas

365
COISAS DA POLÍTICA. Jornal do Brasil. 18 maio 1945. P.6.
366
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
367
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
368
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
175

por um grupo de pessoas e outra apresentando um painel com o nome da exposição e um


grupo de pessoas na parte superior da escadaria de acesso à mostra369.

Figura 43. Periódico. “Demonstração popular contra a rearticulação integralista”. Tribuna Popular. 09 jun
1945. P.8.

369
DEMONSTRAÇÃO POPULAR contra a rearticulação integralista. Tribuna Popular. 09 jun 1945. P.8.
176

No dia 24 de abril de 1946 foi inaugurada uma exposição de desenhos em prol do


povo paraguaio no saguão do auditório da Associação Brasileira de Imprensa. A renda obtida
com o leilão dos quadros seria revertida em ajuda para a luta por um regime democrático no
Paraguai. Em nota de divulgação do evento, anunciavam a participação de Portinari, Clóvis
Graciano, José Pancetti, Devezza, Carlos Scliar, entre outros que se solidarizariam com a
causa de caráter antifascista370. Na ocasião, Pedro Motta Lima faria uma palestra intitulada:
“A solidariedade continental à luta democrática do povo paraguaio”, na qual falaria “ao povo
brasileiro do calor e do entusiasmo com que luta o nobre povo irmão contra o ditador
Morinigo”. A conferência era realizada pelos redatores do Tribuna Popular, dos quais Motta
Lima fazia parte. A entrada era franca e convidavam “o povo e o proletariado” 371. A
campanha seria reforçada por mais de trezentas mulheres militantes do PCB que enviaram
uma carta ao General Morinigo em protesto pela anistia dos presos políticos. Entre elas,
figurou a artista Silvia Chalreo 372.
Em 23 de março de 1946 foi inaugurada a exposição “Os artistas plásticos do Brasil ao
povo espanhol”. A exposição durou dez dias e a arrecadação seria revertida em benefício dos
“republicanos espanhóis, vítimas do governo terrorista do caudilho Franco e de sua
Falange”373. A mostra em homenagem ao povo espanhol ocorreu no Instituto de Arquitetos no
Rio de Janeiro com o intuito de homenagear e auxiliar “o povo espanhol em sua luta heroica
contra o assassino Franco”. Luiz Carlos Prestes visitou a exposição e conversou com os
artistas presentes “sobre artes e seu papel no desenvolvimento do povo” e os problemas da
classe artística374.
A mostra reuniria artistas membros ou simpáticos ao PCB. Foram expostas obras de:
Augusto Rodrigues, Alcides Rocha Miranda, Antônio Bandeira, Athos Bulcão, Arpad Bianco,
Arpad Szenes Bruno Giorgi, Clóvis Graciano, Heitor dos Prazeres, Iberê Camargo,
Lesbroschah, Meira Filho, Otávio, Paulo Werneck, Cândido Portinari, Roberto Burle Marx,
Sailoto, Thomás Santa Rosa, Carlos Scliar, Silvia Chalreo, Ubi Bava e Maria Helena Vieira
da Silva, Oscar Niemeyer, Luiz Ribeiro, Jan Zach, Rubem Navarra, Quirino Campofiorito,
Rui Santos, entre outros artistas375.

370
PELA ANISTIA dos presos políticos do Paraguai. Tribuna Popular. 06 jun 1946. P.3.
371
A LUTA do povo paraguaio. Conferencia de Pedro Motta Lima. Tribuna Popular. 19 abr 1946. P.3 e 5.
372
PELA ANISTIA dos presos políticos do Paraguai. Tribuna Popular. 06 jun 1946. P.3.
373
OS ARTISTAS PLÁSTICOS do Brasil ao povo espanhol. Tribuna Popular. 24 mar 1946. P.1.
374
PRESTES VISITOU, ontem, a exposição. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
375
OS ARTISTAS PLÁSTICOS do Brasil ao povo espanhol. Tribuna Popular. 24 mar 1946. P.1; PRESTES
VISITOU, ontem, a exposição. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
177

Em duas fotografias publicadas no Tribuna Popular no segundo e oitavo dias da


exposição é possível ver o salão cheio. Na figura 44 alguns homens sentados à mesa,
enquanto homens e mulheres de pé ao fundo. A figura 45 mostra Luiz Carlos Prestes falando
com cerca de onze pessoas diante de dois quadros expostos. A presença de Prestes no evento
mostra o prestígio que o partido conferia a sua realização e é destacada pela legenda da
fotografia.

Figura 44. Periódico. “Os artistas plásticos do Brasil ao povo espanhol”. Tribuna Popular. 24 mar 1946.
178

Figura 45. Periódico. “Prestes visitou, ontem, a exposição”. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.

Assim como nos casos do Paraguai e da Espanha, se mobilizaram contra os governos


ditatoriais e de cunho fascista, neste caso, apoiaram o movimento anti-salazarista português.
A “Exposição da Imprensa Clandestina Portuguesa” foi promovida por escritores, jornalistas e
artistas com o patrocínio da Sociedade Brasileira de Amigos da Democracia Portuguesa
(ABADP) 376. Essa associação foi criada em outubro de 1945 com o objetivo de apoiar os
exilados portugueses que vieram para o Brasil principalmente após a Segunda Grande Guerra,
contando com a mobilização de jornalistas, intelectuais e políticos. A cooperação entre os
comunistas portugueses exilados e o PCB se fortaleceu, o que levou a promoção de eventos

376
EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA clandestina portuguesa. Tribuna Popular. 24 dez 1946. P.3.
179

de propaganda anti-salazarista como a exposição sobre a imprensa clandestina de Portugal.


Esta exposição foi inaugurada em 25 de janeiro de 1947 na sede da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI) e contaria com a presença de Luiz Carlos Prestes na inauguração 377.
A divulgação da exposição no Tribuna Popular definia o evento como expressão de
solidariedade aos oprimidos portugueses. A mostra reuniria exemplares de publicações e
periódicos do movimento clandestino anti-salazarista e contavam com grande repercussão.
Convidavam cariocas, partidos políticos, associações de classe e outras entidades de caráter
democrático378. A organização, que prestava honras a ABADP, contava com:
o deputado Hermes de Lima, Guilherme de Figueiredo, Aníbal Machado, Aparício
Torelly, Rubem Braga, Matos Pimenta, Alcides Rocha Miranda, José Lins do Rego,
Jorge Amado, Mario Martins, Joel Silveira, Moacyr Werneck de Castro, Carlos
Scliar, Quirino Campofiorito, Raul Deveza, Carlos Drummond de Andrade,
Graciliano Ramos, Rafael Correia de Oliveira, Silvia Chalreo, Darcy Evangelista,
Vitor Espírito Santo, Alvaro Moreira, Paulo Werneck, João Mesple, Egydio Squeff,
Dalcídio Jurandir, Aydano do Couto Ferraz, Lelio Landucci, Oscar Niemeyer,
Origines Lessa, Dias da Costa e outros379.

A realização do evento mostrava a interligação de intelectuais, escritores, jornalistas e


artistas plásticos na mobilização. A exposição não contava com a doação de obras de arte,
mas com a preocupação e engajamento dos artistas e demais envolvidos com as causas
apoiadas pelo PCB. O partido seguindo, mesmo que com ressalvas, uma linha geral
determinada por Stalin em 1945, que promovia o apoio mútuo entre os partidos comunistas do
mundo. Assim, exposições em apoio aos paraguaios, espanhóis e portugueses que lutavam
contra regimes de caráter fascista faziam parte de uma proposta mais abrangente, contribuindo
para o fortalecimento de muitos partidos que sofriam perseguições ou lutavam na
clandestinidade.
Em outubro de 1946 foi promovida pelo PCB uma campanha para arrecadação
financeira em prol da Imprensa Popular, que consistia em uma rede de publicações do partido
em todo o país. A “Campanha Pró-Imprensa Popular” contou com larga divulgação do
Tribuna Popular durante todo o mês dos diversos eventos para angariar fundos para o
desenvolvimento e consolidação da estrutura física da rede, principalmente para a compra de
equipamentos. Contaram com a colaboração de diversos setores, inclusive entre os artistas.

377
PAULO, H. Exilados portugueses na América do Sul: republicanos e revolucionários (1926-1964). Actas de
la I Jornadas de Trabajo sobre Exilios Políticos del Cono Sur en el siglo XX. Septiembre de 2012. La Plata,
Argentina. En Memoria Académica. Disponível em:
http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/trab_eventos/ev.2556/ev.2556.pdf
378
EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA clandestina portuguesa. Tribuna Popular. 24 dez 1946. P.3.
379
EXPOSIÇÃO DA IMPRENSA clandestina portuguesa. Tribuna Popular. 24 dez 1946. P.3.
180

A contribuição dos artistas plásticos foi destacada em matérias que mostravam a


mobilização da categoria e apelava para o prestigio social que os cercava. Em 12 de outubro
anunciaram a “Grande contribuição dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa
Popular” (fig.46), na qual pintores, escultores e desenhistas se preparavam para uma
exposição de arrecadação. Na matéria eram apresentadas duas fotografias: uma com três
quadros que seriam expostos e outra com um jornalista do Tribuna Popular junto a Quirino
Campofiorito e Raul Deveza, membros da comissão organizadora380.

Figura 46. Periódico. “Grande contribuição dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular”.
12 out 1946. P.8.

380
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
181

Os dois artistas eram caracterizados como “laureados artistas do povo”. Na entrevista


procuraram explicar a proposta e a importância do evento:
A ideia desta exposição nasceu do entusiasmo espontâneo dos artistas frente à
Campanha Pró-Imprensa Popular. É que todos nós sentimos e compreendemos os
problemas do povo. O artista não pode viver num mundo à parte, indiferente aos
movimentos populares – principalmente no Brasil, onde, geralmente, ele tem poucos
recursos. Não obstante isso, todos com que falamos, cederam de boa vontade os seus
melhores trabalhos para a exposição que estamos organizando. Isto demonstra
perfeita compreensão das finalidades da Campanha em que estamos empenhados.
Como homem do povo, o artista reconhece a importância de uma imprensa
realmente livre, capaz de denunciar os traidores do povo, sob quaisquer disfarces.
Eis a razão que o leva a pôr de lado qualquer sutileza política, em favor de um
objetivo comum o combate ao fascismo e a defesa da democracia. Em troca disse,
381
esquecem-se inteiramente as rivalidades artísticas – é o que estamos verificando .

O reconhecimento do artista enquanto homem do povo é o que justificaria a


necessidade do envolvimento com as causas encampadas pelo PCB. As diferenças políticas ou
artísticas eram compreensíveis pela reunião dos vários artistas. Inicialmente, alguns foram
solicitados e doaram obras para a exposição:
Raul Deveza, Quirino Campofiorito, Pancetti, Scliar, Bustamante Sá, José Rascala,
Francisco Acquarone, Ahmes Paula Machado, Joaquim Teureiro, Iberê Camargo,
Chlau Deveza, Durval Serra, Silvia, Francisco Manna, Gutman Bicho, Murilo de
Souza, Jordão de Oliveira, J. Carvalho, E.P. Sigaud, Paulo Werneck, Randolfo
Barbosa, Celina Duarte, Alcides da Rocha Miranda, Sebastião Zac, Oldak de Freitas,
Honório Peçanha382.

A comissão organizadora da exposição era composta por Raul Devezza na presidência,


Eugênio Sigaud como secretário e Quirino Campofiorito como tesoureiro. Mostravam-se
abertos a receber doações de obras dos artistas que se solidarizassem. A “Exposição dos
Artistas Plásticos Pró-Imprensa Popular” pretendia reunir pinturas, esculturas, arte decorativa

e aplicada383. A realização, no entanto, encontrava dificuldades:


O atraso é devido à dificuldade que temos encontrado para arranjar um local de fácil
acesso à grande massa do público que irá disputar a aquisição dos belos trabalhos a
serem expostos. Acreditamos que a exposição será inaugurada, brevemente, em
Copacabana. Neste sentido inúmeras pessoas daquele bairro têm procurado esta
comissão. Copacabana oferece as vantagens necessárias para o êxito da Exposição
dos Artistas Plásticos Pró-Imprensa Popular: o bairro é populoso e bem situado na
zona sul384.

381
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
382
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
383
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
384
GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artistas plásticos para a campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna Popular.
12 out 1946. P.8.
182

Em 25 de outubro de 1946 outra matéria divulgava a realização da exposição e


Quirino Campofiorito concederia nova entrevista ao Tribuna Popular (fig.47). A matéria
enfatizava a relevância da campanha e o envolvimento dos artistas:
E os artistas nacionais, que vivem os problemas de todo o nosso povo, não se
poderiam conservar alheios ao grande movimento democrático. Assim é que, desde
os primeiros dias da campanha que empolga todo o Brasil, salientou-se nos mais
diversos setores o contingente de esforços dos nossos artistas plásticos para auxílio
aos seus jornais385.

Os organizadores anunciavam para breve a realização do evento, porém encontrava


dificuldades em encontrar um local adequado. Campofiorito afirmava ter cerca de duzentas
obras doadas por pintores de partidos políticos diversos. Ressaltava-se que a realização deste
evento, assim como as relações no meio artístico não eram limitadas pela filiação partidária.
Deste modo, a exposição não contava apenas com artistas membros do PCB, mas com
simpatizantes das causas promovidas386.
A mobilização dos artistas os levaria a promoção de um evento em Copacabana, que
chamariam de uma “excursão de artistas”. Na ocasião, “os artistas do povo pintarão e
desenharão, vendendo o produto do seu trabalho para auxílio aos jornais do povo”. O evento
fora adiado por uma semana devido ao mau tempo, mas o comprometimento dos artistas era
reforçado pela matéria que apresentava novamente a lista dos que confirmaram participação.
Esta seria a última semana da campanha e chamavam ao sacrifício de todos para alcançar as
metas de arrecadação. Muitos setores doaram parte de seus salários, como os estivadores de
Santos e os ferroviários de Sorocaba. Em entrevista, Quirino Campofiorito afirmava que os
“artistas compartilhavam do sacrifício do povo”387 e ressaltava a excepcionalidade do evento:

Apesar de não aparecer muito, devido à sua natureza, tem sido muito grande a
contribuição dos artistas para a Campanha Pró-Imprensa Popular. É que muitos de
nós pintam e desenham em festivais, passeios e solenidades, sendo o produto desse
trabalho encaminhado às comissões centrais através de entidades e organizações
diversas. Porém o nosso esforço tem sido bastante grande, nos mais variados setores,
quer em telas para leilões ou em cartazes para os mais diferentes fins. A realidade é
que os nossos artistas têm correspondido à expectativa, sendo de entusiasmar a sua
contribuição para a nossa campanha 388.

385
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
386
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
387
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
388
A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8
183

Após essa entrevista não houve mais menções a realização da exposição, que
provavelmente acabou não acontecendo. No entanto, o segundo evento anunciado: a
“excursão de artistas” a Copacabana ganhou o lugar de destaque.

Figura 47. Periódico. “A grande contribuição dos artistas plásticos para a Campanha Pró-Imprensa
Popular”. Tribuna Popular. 25 out 1946. P.8.

No dia 27 de outubro se realizaria a atividade no posto seis em Copacabana. A partir


das oito horas da manhã os artistas começariam a pintar e à medida que concluíssem os
quadros estes seriam vendidos pelo grupo de moças designado para esta função. Um alto-
falante seria instalado no local para informar os presentes ao longo do trabalho dos artistas e a
renda seria revertida em benefício da campanha. A grande expectativa sobre o evento foi
traduzida como: “Espera-se que esta excursão dos artistas plásticos à Copacabana, gigantesca
184

não apenas pelo número deles, estará bastante concorrida, para maior brilhantismo da mesma
como para a vitória da patriótica campanha que vai dar máquinas próprias aos jornais do
povo”389.
O evento foi caracterizado como uma “interessante excursão artística em benefício da
Imprensa Popular” e uma iniciativa sem precedentes no gênero. Logo em seguida, foi
publicada uma matéria relatando como fora o dia em Copacabana:
A nossa reportagem teve oportunidade de constatar a grande multidão e observar o
original método de venda de quadros que à metida que iam sendo concluídos eram
vendidos aos circunstantes, por uma turma de moças. À excursão teve início às 8
horas, tendo despertado enorme curiosidade e grande afluência de pessoas que
assistiam ao trabalho dos pintores que retratavam os motivos locais, enquanto que
um alto-falante anunciava aos presentes as finalidades da excursão. (...)
Foram adquiridos diversos quadros e muitas pessoas deram donativos em dinheiro
para a campanha que visa a consolidação financeira da Imprensa democrática390.
.

A “excursão de artistas” atraiu muitos interessados em colaborar de diferentes formas.


Um salão de beleza da região oferecera suas vitrines na Rua Francisco Sá em Copacabana
para expor os quadros restantes e encarregaram-se de vendê-los pelos valores estipulados
pelos artistas. Além disso, os que comprassem os quadros receberiam gratuitamente uma
ondulação permanente para algum membro da família. Deste modo, mostra-se que as
contribuições foram feitas das formas mais diversas, mobilizando as pessoas em prol de
publicações do PCB.
Foram mencionados nas matérias quarenta e um artistas entre os que se
comprometeram a ir e os que foram destacados no dia do evento: Almeida Junior, Bustamante
Sá, Casemiro Ramos, Chlau Deveza, Elza Arede, Eugênio Sigaud, Francisco Acquarone,
Francisco Manna, Gilda Collmini, Gutman Bicho, Hilda Campofiorito, Inimá José de Paula,
Isaac Pedro, Israel Zjajnbrum, J.C. Miranda. João Rescala, Joaquim Tenreiro, Jordão de
Oliveira, João Rescala, José Manhães, Leda Acquarone, Lopes Azevedo, Marcel Duarte,
Miguel Maura, Murilo de Oliveira, Murilo Souza, Oldack de Freitas, Orval Saldanha, Quirino
Campofiorito, Randolfo Barbosa, Raul Deveza, Rodolfo Barbosa, Roque Pinheiro, Rui
Campelo, Silvia Chalreo, Silvio Aragão, Silvio Pinto, Théa Pereira, Valdemar Aor, Walter
Feder, Zagupe Pedro391. Deste modo, nota-se a grande proporção da “excursão”, além da
variedade de origens e condições sociais, preferências e inspirações para a produção artística,
389
HOJE, INÚMEROS artistas plásticos pintarão ao ar livre, em Copacabana. Tribuna Popular. 27 out 1946. P.8.
390
CONTRIBUIÇÃO DOS ARTISTAS plásticos para a imprensa popular. A excursão artística em Copacabana
obteve pleno êxito – Adquiridos inúmeros quadros. Tribuna Popular. 29 out 1946. P.8.
391
HOJE, INÚMEROS artistas plásticos pintarão ao ar livre, em Copacabana. Tribuna Popular. 27 out 1946.
P.8; A GRANDE CONTRIBUIÇÃO dos artista plásticos para a Campanha Pró-Imprensa Popular. Tribuna
Popular. 25 out 1946. P.8; CONTRIBUIÇÃO DOS ARTISTAS plásticos para a imprensa popular. A excursão
artística em Copacabana obteve pleno êxito – Adquiridos inúmeros quadros. Tribuna Popular. 29 out 1946. P.8.
185

formando um grupo heterogêneo em diversos aspectos, porém reunido em apoio à campanha


em prol da imprensa do PCB.
A realização da “Excursão de Artistas a Copacabana” configurou-se em uma
exposição e leilão das obras que eram confeccionadas durante o evento. Deve-se destacar a
excepcionalidade da proposta, que contou com grande adesão de artistas. O engajamento na
campanha em prol da imprensa do PCB foi amplo em diferentes categorias e os artistas
encontraram dificuldades para realizar a exposição inicialmente proposta. A “excursão” foi,
então, uma solução para a contribuição dos artistas para a campanha promovida durante o mês
de outubro de 1946.
O envolvimento dos artistas plásticos alcançava diversas esferas da atuação do Partido
Comunista do Brasil. No entanto, primavam pelo uso das atribuições artísticas, ou seja, a
colaboração era feita principalmente a partir dos talentos dos artistas. O caso da Universidade
do Povo mostra como os diferentes setores puderam contribuir com suas especialidades. A
instituição foi concebida pelos intelectuais com respaldo do PCB e em 29 de março de 1946
foi fundada a instituição. O objetivo defendido era o ensino de acesso livre e gratuito de nível
técnico e profissionalizante, além de cursos de alfabetização. A aliança entre intelectuais,
artistas e partido se mostrava fortalecida. Ressalta-se que a aprovação dos estatutos da
Universidade do Povo ocorreu cerca de um mês antes da cerimônia de entrega dos carnês de
membro por Prestes no Teatro Ginástico em homenagem a artistas e intelectuais. Em 1948, já
com o PCB na ilegalidade, foi aprovado um novo estatuto, que modificou, inclusive, o nome
da instituição para Escola do Povo, mantido até a dissolução total em 1957 392.
No Tribuna Popular pôde-se acompanhar a formação e desenvolvimento da
Universidade do Povo. A descentralização dos cursos permitiu o alcance de diferentes bairros.
A nova instituição divulgava não pretender lucros, mas sim que os objetivos eram “elevar o
nível cultural e desenvolver a educação do povo através do ensino, da preparação técnica e do
alargamento da cultura de todas as camadas populares, especialmente da classe
trabalhadora”393. Para tanto, apresentavam um planejamento do que ofereceriam a princípio:

Inicialmente, a Universidade ministrará cursos regulares e avulsos de alfabetização,


científicos e profissionais; promoverá conferências sobre assuntos de interesse
nacional e audições de concertos de caráter popular; organizará bibliotecas no centro
da cidade e nos bairros; explorará o uso da radiofonia e do cinema, sob os aspectos

392
CARREIRO, Wagner Sant’Anna do Valle. Universidade do Povo: Projeto Educacional ou Político?
Monografia (Graduação em História). Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro-RJ, 2009.
393
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 26 mar 1946. P. 3.
186

educativo, recreativo, documentário e social; estimulará a formação de grupos de


pesquisadores e estudiosos dos problemas nacionais, etc394.

Jorge Amado apoiou a iniciativa e divulgou em sua coluna “Hora do Amanhecer” no


Tribuna Popular a mobilização em torno da Universidade do Povo. Destacou a participação
de Portinari, Niemeyer e Pascoal Leme, o que dava visibilidade a nova instituição e mostrava
adesão dos membros do partido de diversas vertentes 395. Os cursos seriam variados
abrangendo diferentes perfis: “Iniciação Antropológica” com o professor Artur Ramos,
“Noções elementares de Sociologia” com o professor Luiz de Aguiar Costa Pinto, “Prático de
Laboratório” com o Dr. Audidax de Azevedo, “Direito Trabalhista” com Oscar Saraiva,
“Piano” com Arnaldo Estrela 396, “Taquigrafia”, “Inglês”397, “Torneiro Mecânico, Ajustagem e
Técnica de Têmpera” com os professores Severino Costa e Henrique Covre398, “desenho
técnico de mecânica, arquitetura, desenho para construção civil” 399, “Tecnologia mecânica”
com o professor Pedro Silva, “Desenho Técnico de Maquinas” com o professor J. Penha 400,
“Corte e costura” com a professora Raquel Feinogold, “Modelagem e estucagem para
construção civil”, o “Curso Pré-Ginasial” que contaria com aulas de geografia, matemática e
português401, Topografia prática402, “Motores de Aviação”403, “Russo” com a professora
Raquel Feingold404, “Sociologia” com o professor e cientista social Luiz de Aquino Costa
Pinto da então Faculdade Nacional de Filosofia 405, “Prática Bancária” 406, entre outros.
Mais cursos surgiram ao longo dos anos de duração da instituição e outros formaram
novas turmas devido à demanda constante. A ampliação progressiva das opções e o alcance de
novas localidades eram importantes e estavam de acordo com a proposta inicial da
Universidade. Porém, a descentralização, a colaboração voluntária de profissionais e para a
cessão de espaços para realização das aulas dificultava a organização da instituição. Alguns
programas seriam remodelados ou sofreriam adiamentos, por conta das dificuldades na

394
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 26 mar 1946. P. 3 e 6.
395
AMADO, Jorge. Universidade do Povo. Hora do Amanhecer. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.
396
UNIVERSIDADE do povo. Serão inaugurados, dentro de poucos dias, alguns de seus cursos. Tribuna
Popular. 14 abr 1946. P.3. E depois replicado no dia 16 de abril de 2016, na página 3.
397
UNIVERSIDADE do Povo. Instalação de cursos. Tribuna Popular. 22 maio 1946.
398
NOVOS CURSOS na Universidade do Povo. Tribuna Popular. 12 jun 1946. P.3. O endereço teve a grafia
corrigida para Rua Newton Prado, 88 na edição de 19 de junho de 1946 à página 2 do mesmo jornal.
399
UNIVERSIDADE do Povo. Cursos em funcionamento. Tribuna Popular. 28 jun 1946.
400
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 02 ago 1946. P.8.
401
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 14 ago 1946. P.3.
402
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 05 set 1946. P.3.
403
CURSO DE MOTORES de Aviação na Universidade do Povo. Tribuna Popular. 17 set 1946. P.3.
404
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 22 set 1946. P.3.
405
UNIVERSIDADE do Povo. Curso de sociologia. Tribuna Popular. 15 set 1946. P.3.
406
UNIVERSIDADE do Povo. Curso de prática bancária. Tribuna Popular. 25 out 1946.
187

organização dos espaços, disposição de professores e alunos inscritos 407. Muitos cursos teriam
aulas práticas, utilizando-se maquinário ou material específico 408. A abrangência dos
programas mostrava a contribuição e preocupação de diversos profissionais para a construção
dos cursos e formação dos alunos.
Em 1946 foi lançada a “Campanha de Alfabetização do Povo” que mobilizou diversos
setores e membros do PCB, inclusive artistas plásticos. A “Comissão de Alfabetização da
Universidade do Povo” promoveria cursos voltados principalmente para adultos e receberia o
apoio dos comitês populares de toda a cidade do Rio de Janeiro e adjacências como Niterói,
São Gonçalo e Volta Redonda. Destaca-se que o índice de analfabetismo era de 54,5% da
população na década de 1940409, evidenciando a relevância da campanha para alfabetização
neste momento. O professor Moisés Xavier de Araújo elaboraria a cartilha “Chave da
410
Leitura” e coordenaria a preparação dos monitores que as aplicariam aos alunos 411. A
cartilha contou com a colaboração dos artistas plásticos Hudson Machado e Carlos Scliar que
ilustrariam o material. A tiragem inicial seria de vinte mil exemplares 412, o que dava a
proporção do alcance da campanha e consequentemente da importância do trabalho realizado.
No campo das artes seriam oferecidos cursos de teatro 413, música414 e nas artes
plásticas. O envolvimento de artistas plásticos no ensino pôde ser observado com o
oferecimento de cursos por parte Darwin Silveira Pereira, que ministrou Pintura 415 e Carlos
Scliar, que lecionou Desenho já na década de 1950416. Assim que foi formada a Universidade
do Povo, em 1946, foi divulgado que Candido Portinari ministraria o curso de “Pintura de
liso, mural e de cavalete”417. Porém, não houve mais notícias sobre o andamento do curso ou
abertura de novas turmas. Em sindicância aberta pela polícia política para investigar a Escola
do Povo em 20 de junho de 1958, Cândido Portinari depôs a respeito da instituição buscando

407
INSTALADA a sede da Universidade do Povo. Tribuna Popular. 02 junho 1946.
408
CURSOS DE TÊMPERA e torno na Universidade de Povo. Tribuna Popular. 19 jun 1946. P.2.
409
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico – população e habitação.
Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940). Série Nacional. Volume II. Rio de Janeiro: Serviço
Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1950.
410
UNIVERSIDADE do Povo. Campanha de Alfabetização. Tribuna Popular. 29 mar 1947. P.6.
411
UNIVERSIDADE do Povo. Curso de Torno. Tribuna Popular. 11 jul 1946. P.5.
412
AJUDE a campanha de alfabetização do povo. 01 fev 1946. Tribuna Popular. RJ. P.5; CAMPANHA de
alfabetização. Tribuna Popular. 03 abr 1946. P.4; Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos
Scliar, GB. Nº 12244. 09-04-1946. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
413
UNIVERSIDADE do Povo. Tribuna Popular. 08 jun 1946. P.5.
414
UNIVERSIDADE do povo. Tribuna Popular. 26 jul 1947. P.5.
415
CRESCE A ESCOLA do Povo. O Momento Feminino. Nº 30. 1948.
416
Essa informação consta em documentos de 13 de outubro de 1964 e de 1978, fazendo alusão a anotações de
1952 e pertencentes ao prontuário de Scliar. Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar,
GB. Nº 12244. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
417
UNIVERSIDADE do povo. Serão inaugurados, dentro de poucos dias, alguns de seus cursos. Tribuna
Popular. 14 abr 1946. P.3. E depois replicado no dia 16 de abril de 2016, na página 3.
188

se desvencilhar das suspeitas. Apesar de ser mencionado como docente da disciplina de


pintura, Portinari declarou que, após o convite:
(...) foi à sede da Escola do Povo, a fim de conhecer o local onde deveria lecionar,
que nessa ocasião depois de mostrada uma sala onde seriam dadas as aulas de
pintura, sala essa por demais acanhada, o declarante desistiu de lecionar pintura na
ESCOLA DO POVO, visto como a referida sala não permitiria a presença de um
número razoável de (...) alunos; que essa visita o declarante a fez sem estar (...)
acompanhado, não podendo dizer por quem foi recebido por não conhecer as
pessoas que ali se encontravam; que o declarante pertenceu ao PARTIDO
COMUNISTA DO BRASIL quando este se encontrava na legalidade; que após o
registro desse Partido ser cassado o (...) declarante embora não tenha feito qualquer
declaração desligando do mesmo, desinteressou-se pela política; que o declarante
atualmente se dedica exclusivamente a sua arte, isto é, a pintura; que pelo motivo já
declarado o declarante não chegou a dar uma só aula na Escola do Povo418.

Em janeiro de 1948 a instituição de ensino passaria a ser chamada Escola do Povo,


continuando a ocupar o mesmo espaço na Avenida Venezuela no Centro do Rio de Janeiro 419.
Os novos Estatutos mantinham o texto original e modificavam o nome e categoria da
instituição, de Universidade para Escola, e o cargo de reitor para diretor. Entre os oitenta e
oito sócios fundadores estava o artista Francisco Acquarone 420. As atividades da Escola do
Povo estavam sob constantes suspeitas e investigações da Polícia Política do Rio de Janeiro.
Em um dossiê, as instituições foram definidas como “educandários fundados em princípios
nitidamente comunistas”421. Em outra ocasião eram descritas como:

As diretrizes observadas no ensino de todas as matérias, são sempre decalcadas de


moldes comunistas (...). A ESCOLA DO POVO é um antro bolchevista destinado a
mais nefanda catequese de componentes da juventude brasileira que são atraídos
para suas classes que, por serem gratuitas, são muito concorridas, conforme se pode
verificar pelos seguintes dados estatísticos que datam de junho de 1948, portanto de
três anos passados: 2500 sócios (que contribuíram com 5, 10, 15, 20, 50, 100, 200
ou 500 cruzeiros, de acordo com suas disponibilidades) e acerca de 1200 alunos 422.

Entre os dias 15 de agosto e cinco de setembro de 1950 foi realizada a exposição “Os
Pintores à Escola do Povo”, no salão do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Belas
Artes da então Universidade do Brasil, na Rua Araújo Porto Alegre, número 80, no Centro do
Rio de Janeiro. Durante a exposição ocorreram conferências no mesmo espaço. Quirino

418
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
419
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 14. Folha 278. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
420
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Comunismo. Notação 23. Dossiê 03. Maço 05. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
421
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 33. Dossiê 13. Arquivo Público do Estado do
Rio de Janeiro (APERJ).
422
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 14. Folhas 278 e 279. Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
189

Campofiorito falaria sobre “Questões de arte moderna” no dia 25 de agosto423 e Ivan Pedro
Martins falaria sobre “Pintura e Vida” no dia 08 de setembro 424. Tais palestras foram
divulgadas respectivamente no Correio da Manhã e em O Jornal.
A polícia política abriu uma sindicância para apurar o caráter do evento na qual foram
interrogados artistas participantes e organizadores425. O processo era pautado no seguinte
posicionamento:

Continuam os comunistas do setor das artes plásticas a ganharem terreno no


programa de suas atividades. Graças ao processo metódico e persistente que pauta
sua forma de trabalhar. (...) Trata-se de uma realização de inspiração puramente
comunista patrocinada pela Escola do Povo, organização vermelha426.

De acordo com a sindicância, a exposição foi organizada pelos pintores “Quirino


Campofiorito, Darwin da Silveira, Di Cavalcanti e Santa Rosa, todos portadores do “carnet”
do PCB, entregue aos mesmos em mão por LUIZ CARLOS PRESTES”. Em depoimento,
Quirino Campofiorito, então professor da Escola Nacional de Belas Artes e da Universidade
do Brasil427, declarou:
(...) que na recente exposição feita na Escola de Belas Artes figurou como simples
expositor, a convite de outros pintores; que nessa exposição cada um responde pelo
trabalho exposto, tanto assim que o quadro MASSACRE DA EXPLANADA, de um
dos expositores, e por sinal recusado no recente SALÃO de 1950, é da
responsabilidade do respectivo autor; que pelo que sabe por informação a Escola do
Povo tem o propósito de ministrar ensino gratuito a pessoas pobres; que só se
preocupa com a sua arte, não se envolvendo em manifestações ou tomando parte em
propaganda subversiva do regime vigente no paíz428.

Devido às condições de coerção do depoimento e a então ilegalidade do PCB, deve-se


relativizar o que o artista disse sobre não ter qualquer relação com o partido. No entanto, se
posicionava afirmando que a obra fora recusada no Salão. Em publicação de 1952, a obra foi
reproduzida com a informação de que recebera o primeiro prêmio do Salão da Escola do
Povo429. A obra “Massacre da Explanada” (fig.48) do Fernando Pamplona (1926-2013),
recebeu destaque pelo caráter político mais explícito, já percebido pelo título e pelo o que se
vê da obra. Pamplona filiou-se ao PCB no em 1948 e a pintura foi uma atividade a qual o
423
CONFERÊNCIAS. Correio da Manhã. 25 ago 1950. P. 7.
424
CONFERÊNCIA de arte. O Jornal. Nº 9317. 08 set 1950.
425
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
426
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
427
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
428
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
429
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
190

artista se dedicava nesse período, com formação na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de
Janeiro, ganhou prêmios do Salão de Arte Moderna de 1956, 1959 e 1961. Atuou como
cenógrafo e chegou a ser professor da disciplina Escola Martins Pena de Teatro e trabalhou
como jurado dos desfiles de escolas de samba no Rio de Janeiro. Nas décadas de 1960 e 1970
se destacou como carnavalesco do Salgueiro por quatorze anos e por inovar ao trazer enredos
com temáticas baseadas na história brasileira não oficial, dando ênfase na cultura de origem
africana. Manteve paralelamente sua atividade acadêmica, lecionando na já Escola de Belas
Artes da UFRJ (antiga ENBA), da qual foi diretor430.
Sua contribuição para o Salão de 1950 da Escola do Povo ganhou destaque pelo apelo
político e social. A obra mostra ao fundo pessoas com faixas em protesto, enquanto em
primeiro plano outras estão correndo ou ao chão. O pintor alude a forte repressão policial a
um comício na Esplanada do Castelo no dia 22 de agosto de 1947, no qual foram agredidos
manifestantes e entre eles deputados e vereadores do PCB. A violência se tornava aberta
contra o partido, que já estava na ilegalidade desde sete de maio de 1947.

Figura 48. Periódico. Fernando Pamplona. “Massacre da Esplanada. 1º Prêmio”. Salão da Escola do Povo
em 1950. Reprodução de 15 jun 1952.

430
PAMPLONA, Fernando (verbete). Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em:
http://dicionariompb.com.br/fernando-pamplona/biografia , acessado em 26-04-2017.
191

Em continuidade à sindicância sobre a exposição da Escola do Povo de 1950, as


investigações se estenderam a própria instituição de ensino, buscando “apurar o
desvirtuamento das verdadeiras finalidades da ESCOLA DO POVO”, reunindo as declarações
de envolvidos com a instituição: “Letelba Rodrigues de Brito, Arthur Basbaum, Oscar
Niemeyer Soares Filho, Candido Portinari, Aladir Custódio, Dolores Prado, Dora Seljon
Braga, José Basbaum, Alfredo Eugênio Vervloet, Jayme Grabois, Maria Elisa Loretti
Sampaio Lacerda e as individuais datiloscópicas de Albuíno Ferreira de Lima, Zora Seljon
Braga e Arthur Basbaum” 431.
Letelba Rodrigues de Britto conta sua participação nos trâmites burocráticos da
fundação da Universidade do Povo, do curso de filosofia que ministrou, bem como de outros
cursos por outros professores entre os quais o de Desenho oferecido por Candido Portinari.
Letelba afirmou que se desligou da instituição quando esta mudou para Escola do Povo e
declarou que: “apesar de fazerem parte do corpo docente (...) vários elementos do PARTIDO
COMUNISTA DO BRASIL, (...) a UNIVERSIDADE DO POVO jamais fez propaganda da
doutrina marxista-leninista, nem recrutava adeptos para o mesmo Partido” 432
. Oscar
Niemeyer, em seu depoimento, procurou mostrar-se alheio às atividades da instituição e
afastado do PCB desde a sua ilegalidade. Declarou ter dado apenas três aulas de desenho
técnico na instituição a convite e que precisou se afastar por falta de tempo 433. E diante das
acusações afirmou que:

(...) ignorava que a UNIVERSIDADE DO POVO ou ESCOLA DO POVO tivesse


finalidades políticas além da instrução e que esta fora apenas um pretexto – para a
propagação da doutrina marxista; que durante o tempo que serviu como professor do
referido estabelecimento nunca notou que ali se fizesse propaganda comunista; que
o declarante não recebeu qualquer remuneração para lecionar na citada escola 434.

A Universidade do Povo e depois Escola do Povo, representou uma grande ação do


PCB em prol da educação. O envolvimento dos artistas plásticos foi mais expressivo na
realização da exposição em 1950 do que no ensino, apesar de ter alguns nomes divulgados por
oferecerem cursos. A mostra artística foi realizada enquanto o partido já havia perdido seus
direitos políticos e a perseguição a seus membros fora incrementada. A própria continuidade

431
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
432
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
433
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
434
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04. Arquivo
Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
192

da instituição demonstra sua relevância no campo educacional, que apesar do controle da


polícia política se manteve até 1958. A realização da exposição marca um momento de
transição na política do PCB e o acirramento da perseguição política a seus membros era
mostrado na sindicância promovida para investigação dos envolvidos.

5.2. A exposição “Os artistas plásticos do PCB”

Em 20 de outubro de 1945 foi inaugurada a exposição “Os artistas plásticos ao Partido


Comunista do Brasil” no Rio de Janeiro. Dias antes já era anunciada na capa do Tribuna
Popular a data, horário e local, visto que ocorreria na “Casa do Estudante” na Rua Santa
Luzia no Centro da cidade. Em nota publicada em 11 de outubro de 1945, convidavam “todos
os artistas plásticos – pintores, desenhistas, escultores, decoradores e gravadores – para
fazerem entrega de seus trabalhos até o dia 18 próximo” 435.

Figura 49. Periódico. “Grande exposição de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista”. Tribuna
Popular, 16 out 1945. Capa (detalhe).

435
ARTISTAS PLÁSTICOS ao PCB. Tribuna Popular. 11 out 1945. Capa.
193

A exposição se configuraria em um acontecimento de grande importância para o


partido, visto sua larga divulgação e repercussão. No dia 16 de outubro de 1945, cinco dias
após a nota citada, foi veiculada na capa do Tribuna Popular uma matéria intitulada “Grande
exposição de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista” (fig.49) que era ilustrada
por uma fotografia do encontro de Portinari com o pintor colombiano Jaramillo e um redator
do jornal. O jornalista procurava mostrar o prestígio que o PCB tinha entre os intelectuais, os
artistas, os comerciários e o proletariado urbano e rural. A exposição dos “artistas plásticos do
PCB” seria uma prova disto, principalmente por ser a reunião de artistas de tendências
variadas em prol de uma ideia em comum promovida pelo Partido Comunista do Brasil: “a
união nacional dos brasileiros para a Democracia e o Progresso de nossa Pátria.”. Destacava-
se a participação de pintores famosos internacionalmente, ilustradores, escultores e
gravadores que enviavam obras de várias cidades brasileiras. O autor sublinhava que a
exposição seria a oportunidade de estar entre expoentes das artes plásticas brasileiras em
evento de grandes proporções em benefício das finanças do Partido. Jornalistas do Tribuna
Popular foram até a residência do pintor Candido Portinari para entrevistá-lo a respeito da
exposição, foram tecidos elogios a sua obra e a sua receptividade 436:

Candido Portinari não é somente o grande pintor de fama continental e


internacional, o artista desse mundo estranho e fantástico povoado de criaturas
marcadas pela miséria e pelo desespero, de camponeses sem terra e sem pão, de
retirantes sem lar, de homens e mulheres deformados pela doença e pela fome, de
crianças inchadas, desse mundo de angústia e de sofrimento. Portinari é também o
homem voltado para a terra e o seu povo, o camponês. O artista, que sente a miséria
da grande massa dos seus irmãos, interessado pelo destino da humanidade e pela
felicidade de sua gente437.

Portinari falou de seu apoio a Prestes e à política do PCB pela Assembleia


Constituinte e destacou as críticas que recebia por isso. No entanto, entendia agir com
coerência entre sua vida e arte, considerando ser atacado por fascistas e filo-fascistas. Falou
com entusiasmo sobre a importância da iniciativa de reunir os artistas plásticos no momento
em que o PCB e Prestes recebem críticas de seus opositores.

Sei de artistas que nunca participam de exposições coletivas e que desta vez vão
figurar com diversos trabalhos na ‘Artistas Plásticos do PCB’. Estou certo de que
este vai ser um grande acontecimento no mundo artístico, e, como apresentação, será

436
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
437
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
194

a melhor que já se fez no Brasil, pois está a cargo de um time de gente de primeira
ordem, onde figuram valores como Oscar Niemeyer, o nosso grande arquiteto.(...)
Está claro que eu não poderia deixar de contribuir com trabalhos meus para uma
438
exposição em benefício do Partido Comunista. Eis ali o que eu vou mandar .

Neste instante, o artista teria apontado para uma obra sua descrita pelo jornalista
como: “um belíssimo quadro em que foi fixada uma ‘roda’ infantil, as crianças brincando de
mãos enlaçadas”439. Embora não tenha sido publicada uma reprodução nos jornais, a obra em
questão era “A Roda” (fig.50) e foi adquirida na inauguração da exposição por Edgar
Guimarães de Almeida440. A tela mostra uma cena de dez crianças de mãos dadas brincando
de roda, e pode ser considerada parte de uma fase do artista em que se dedicou a temática de
brincadeiras infantis comuns.

Figura 50. Óleo sobre tela. Cândido Portinari. “A Roda”. 60x 73,5 cm. 1945. Coleção Particular.

438
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
439
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
440
Extraído da página do Projeto Portinari da PUC-Rio: www.portinari.org.br/#/acervo/obra/1898/detalhes
Acessado em 20-03-2017.
195

Em continuação à matéria, foram entrevistados membros da Comissão Organizadora,


que finalizava os preparativos para o evento na sede nacional do PCB no centro do Rio de
Janeiro. No local já estariam diversos quadros de artistas de diferentes cidades brasileiras 441.
Um dos organizadores, o arquiteto Oscar Niemeyer declarou que:

A Exposição será inaugurada no próximo dia 20, na Casa do Estudante do Brasil, e é


grande o entusiasmo que reina em torno da mesma. O êxito está garantido pelo
número de figuras da maior projeção em nosso mundo artístico se se vem
interessando e que, além de contribuírem com vários trabalhos, têm estimulado e
442
auxiliado a organização desta iniciativa em benefício do Partido .

O pintor Alcides Rocha Miranda, também membro da Comissão Organizadora falou


do apoio que recebeu de diferentes setores artísticos nacionais, que enviaram suas
contribuições. O artista destacou a participação de colegas conhecidos, e que Portinari
contribuiria com um quadro e vários desenhos, cujos valores não precisavam ser
mencionados. O pintor Raul Deveza, parte do grupo, também foi interpelado sobre a
exposição e relatou que:

Esta é a primeira vez em que os artistas vão se reunir numa exposição coletiva, sem
brigas e sem discórdias, pois não haverá divisão entre modernos e clássicos, todos
com o mesmo objetivo e um ideal comum, que é o de contribuir para o Partido
Comunista do Brasil, servindo artisticamente ao povo. Todos têm aderido e dado
trabalhos com toda boa vontade. Aí estão Guttmann Bicho, Francisco Mamma,
Quirino Campofiorito, Gilda Gelmini, E. P. Sigaud e muitos mais443.

Desta forma, a exposição seria a união de artistas modernos e artistas mais ligados às
concepções artísticas acadêmicas em prol de um mesmo objetivo de contribuir para o PCB,
“servindo artisticamente ao povo”, como disse Devezza. A partir do depoimento do escultor
Honório Peçanha, que também era membro da organização da exposição, o jornalista
procurou demonstrar que assim como a união dos artistas foi possível, a União Nacional
também poderia ser444, pois:

Nela estão representados os artistas acadêmicos das mais variadas nuances,


juntamente com os representantes das diversas tendências modernas, e se tal é

441
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
442
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
443
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
444
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
196

possível no campo específico da arte, com mais razão o será no terreno político,
onde estão em jogo os sagrados interesses fundamentais do povo445.

O autor conclui a matéria reafirmando que esta exposição era um esforço de todos em
benefício das finanças do PCB, mas que também era uma manifestação cultural de interesse
de todo o Brasil, pois a quantidade e a qualidade das obras determinavam o sucesso desta
iniciativa446. De acordo com matéria do Tribuna Popular a exposição era inaugurada em 25
de outubro de 1945 e sua realização contaria com mais de cem obras, entre gravuras, quadros
e esculturas e atrairia o interesse dos meios artísticos da capital carioca. Destacou-se a
participação de:
Candido Portinari, José Morais, Ceschiatui, Pedrosa, Peçanha, Pancetti, Burle Marx,
Bonadei, Silvia Chalreo, Augusto Rodrigues, Alcides Rocha Miranda, Jordão de
Oliveira, Bruno Giorgii, Landucci, Jorge de Lima, Clovis Graciano, Campofiorito,
Carlos Scliar, Hilda Campofiorito, Biando, Rubem Cassa, Percy Deane, entre outras
grandes figuras das nossas artes plásticas447.

No dia seguinte à inauguração, foi publicada a matéria: “Uma exposição sem exemplo
na história artística do país” (fig.51). Três fotografias mostravam um pouco de como foi o
evento. Na fotografia à esquerda, estão os membros da Comissão Organizadora, que contava
com Oscar Niemeyer, Honório Peçanha, Alcides Rocha Miranda e Raul Deveza, Sampaio
Lacerda, Paulo Werneck, Jordão de Oliveira, José Morais, Salomão Scliar e Euzman
Cavalcanti. Na fotografia do meio, com uma visão de cima, estão alguns dos presentes
conversando em uma roda com Prestes no centro do salão, enquanto outros dialogam no
entorno. É possível ver parte das obras dispostas nas paredes 448, bem como alguns dizeres que
parecem ser a placa mencionada na matéria e que dizia: “Os artistas plásticos oferecem ao
Partido Comunista do Brasil a sua contribuição, afirmando, assim, sua solidariedade na luta
que o mesmo vem sustentando pela democratização do país e melhoria do povo brasileiro”.
Na fotografia à direita, Prestes observa uma das obras ao lado de cerca de oito artistas 449.

445
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
446
GRANDE EXPOSIÇÃO de artistas plásticos em benefício do Partido Comunista. Tribuna Popular. 16 out
1945. Capa.
447
ARTISTAS PLÁSTICOS ao PCB. Inaugura-se hoje, uma grande exposição. Tribuna Popular. 25 out 1945.
P.1.
448
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
449
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
197

Figura 51. Periódico. “Uma exposição sem exemplo na história artística do país”. Tribuna Popular. 26 out
1945. P.1.

A inauguração da exposição foi descrita como um “notável certame artístico” que


reuniu “artistas expositores e não expositores, estudantes das Escolas Superiores, escritores,
jornalistas, operários, militantes comunistas, etc”. A presença de Luiz Carlos Prestes foi
destacada pela expectativa e por ter prestigiando as contribuições examinado todas as obras
expostas, acompanhado pelos artistas da Comissão Organizadora450.
A importância desta exposição para as artes plásticas no Brasil era ressaltada, pois
contam com a participação de grandes artistas que se coadunam com a ideia de que a arte não
deve se restringir a poucos observadores. A inspiração da arte na vida seria necessária, mesmo
que significasse não representar o “belo” 451.
Este fato singularíssimo na história das artes plásticas brasileiras vem demonstrar
que os nossos melhores artistas compreendem, já, perfeitamente, que a arte não pode
ficar confinada entre os estreitos limites de uma Torre de Marfim. Seu talento
criador sente necessidade de ‘algo nuevo’. E saem então pela vida afora em busca
desse alimento para seu espírito. E constatam, enfim, que a vida é o trabalho e o
trabalho, nas condições em que o encontram, nada tem de ‘belo’, mas sentem a
necessidade imperiosa de transformá-lo em arte. E assim o fazem porque são
452
sinceros e porque são, na verdade, artistas .

Como exemplo, foi citada a obra de Eugênio Sigaud, presente na exposição e descrita
como eloquente e de inspiração “no cruento trabalho de um operário da construção civil”. A
variedade de obras foi sublinhada pelo escultor Lélio Landucci, cuja obra com a qual

450
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
451
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1.
452
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.1 e 2.
198

contribuíra fora uma cabeça em granito reconstituído: “Apesar de sua heterogeneidade, o


nosso ‘salão’ chega a ser harmonioso, em virtude do sentimento comum de todos os artistas
que o compõem”. O jornalista ressalta que o objetivo da exposição é a solidariedade ao
Partido Comunista do Brasil, o que superaria qualquer incompatibilidade visual ou
divergência artística, pois o partido seria o “mais poderoso instrumento de que dispõe o povo
para o completo esmagamento do nazi-fasci-integralismo”. A ligação entre arte e política era
defendida como fundamental, e afirmava-se que: “Um pincel, um escopro, um buril, numa
época como esta que vivemos, podem ser tão mortíferos como uma metralhadora de
mão...”453.
Em relação às obras expostas, foi citada a rápida venda de “A Roda” de Portinari
(fig.50) ao professor Edgar Almeida; e citou os renomados artistas que contribuíram para o
evento referenciando alguns por sua origem ou obras de destaque:

Notam-se alí, trabalhos de Pancetti, Burle Marx, Quirino Campofiorito, Bonadei,


Durval Serra, Manuel Serra, Iberê Camargo, Honório Peçanha, Landa, da
Bessarábia, autor de “Mãe”, da série “Refugiados”; Scliar, Inimá; F. Bianco,
italiano; Alípio Jaramillo, colombiano, autor de “Alfarera”; Rubem Cassa; Worms;
Santa Rosa; José Guimarães; Bruno Giorgi. Este artista, brasileiro, esteve preso
durante quatro anos na Itália fascista; Ceschiatti, com um bronze intitulado
“Expulsão do Paraíso”; Pedrosa, com o seu “Atleta”, em bronze; Joaquim Tenzeiro,
português; Iberê Camargo, Poty, Haroldo Barros, Raul Devezza, Augusto
Rodrigues, Silvia Chalreo e tantos e tantos outros454.

Por fim, relata que após a visita Prestes falou sobre assuntos artísticos e políticos, com
destaque a questões da atualidade e com a apreciação dos presentes que o cercaram para
ouvir. A importância dada à presença e ao prestígio de Luiz Carlos Prestes é reiterada com a
informação de que os pintores Quirino Campofiorito e Haroldo Barros apresentaram retratos
de Prestes, assim como o fotógrafo e cinegrafista Rui Santos contribuiu com uma fotografia
deste líder do PCB, obra descrita como expressiva e que teria dominado o salão da
exposição455.
No dia 11 de novembro o Tribuna Popular publicou mais uma matéria sobre o evento
artístico intitulada: “Artistas plásticos de todas as correntes homenageiam o Partido
Comunista” (fig.52). A fotografia mostrava a visita de Prestes, destacando a importância da
exposição “Os artistas plásticos ao Partido Comunista do Brasil”. Era destacada, ainda, a
grande frequência de visitantes e amigos do PCB na mostra, considerada inédita pela

453
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P.2.
454
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P. 2.
455
UMA EXPOSIÇÃO SEM exemplo na história artística do país. Tribuna Popular. 26 out 1945. P. 2.
199

qualidade e quantidade de artistas expositores456. Foram listados, em ordem alfabética, oitenta


e cinco artistas que apresentaram obras, provavelmente abarcando todos os participantes.

Aldary Toledo, Alcides da Rocha Miranda, Alfredo Ceschiatti, Aldo Bonadei, A. R.


Risotti, Aldemar Martins, Alípio Jaramillo, Antônio Augusto Gonçalves, Antônio
Bandeira, Athos Bulcão, Augusto Rodrigues, Berco Udler, Bruno Giorgi,
Bustamante Sá, Carlos Scliar, Candido Portinari, Casimiro Ramos, Chlau Deveza,
Clóvis Graciano, Darwin, Durval Serra, E. P. Sigaud, Erico Blanco, Eduardo
Canabarro Barreiros, Gilda Gelmin, G. Landa, Guttman Richo, Hilda E.
Campofiorito, Iberê Camargo, Inimá José de Paula, José Pancetti, José Alves
Pedrosa, Jorge de Lima, José Moraes, Jordão de Oliveira, Joaquim Tenreiro, J.
Carvalho, José Guimarães, José Menezes, Lélio Landucci, Lopes d’Azevedo, Maria
de Lourdes, Mario Zanini, Manoel Martins, Maria Leontina, Manoel Serra, M.
Correa, Manoel Gaspar, Mario Basbaum, Manoel Loureiro, Murilo de Souza, Oscar
Meira, Osvaldo de Andrade Filho, Otavio, Pedro Mandarino, Percy Deane, Poty,
Quirino Campofiorito, Raul Devezza, Randolfo Barbosa, R. M. Grimen, Roberto
Burle Marx, Rubem Cassa, S. Pinto, Silvia Leon Chalreo, Solano Trindade, Tomaz
Santa Rosa, Théa, Ubi Bava, Virgínia Artigas, Wamberto Jacome, Valdemar Aor,
Zaque, Peçanha, Rui Santos, G. Vormis, Manoel Queiroz, Edíria, Heitor dos
Prazeres, F. Salgado, Haroldo Barros, Fernando B., Luiz Jardim, Thiré e Paulo
Werneck457.

Assim como destacava o título da matéria, a listagem de mais de oitenta artistas


reforçava a reunião de artistas plásticos das mais diversas correntes em prol do PCB. Este
ponto é importante não apenas pela grande mobilização em torno do partido, mas também
pela divulgação orgulhosa de que para além das questões artísticas que poderiam distanciar
estes artistas, a exposição os uniria, ou melhor, o Partido Comunista do Brasil seria capaz de
aproximar “todas as correntes”.
Adiante, foram relatadas as impressões sobre a exposição dos artistas presentes no
salão da Casa do Estudante do Brasil: Paulo Werneck, Raul e Chlau Devezza, Oscar
Niemeyer e Alcides Rocha Miranda, membros da Comissão de Organização. Os artistas
falaram sobre as contribuições doadas espontaneamente e que alguns colegas doaram mais de
uma obra458. A exaltação do evento foi reforçada pelo depoimento de Oscar Niemeyer:
É a primeira vez – ressaltou Oscar Niemeyer – que vejo tão numeroso contingente
de artistas se reunir com tanta vontade e sem outros objetivos que o de mostrar sua
solidariedade ao povo por intermédio de seu legítimo representante que é o Partido
459
Comunista .

E ainda Paulo Werneck, teria frisado a importância da instituição que contribuíra com
a cessão do espaço para a exposição: “É preciso não esquecer a contribuição da Casa do
Estudante para o êxito desta exposição. Sua cooperação foi decisiva. É uma organização que

456
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
457
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
458
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
459
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
200

está sempre pronta para apoiar empreendimentos de caráter democrático, como o que ora
460
estamos realizando” . De fato, a Casa do Estudante cedia espaços de seu edifício para
diversos eventos promovidos pelo PCB.
A origem operária de alguns dos artistas, como Randolfo Barbosa, Heitor dos Prazeres
e José Pancetti foi sublinhada. Essa característica sobressaía também entre os visitantes, que
compunham uma “apreciável percentagem dos visitantes”. Afirmava-se ainda o sucesso do
evento ao dizer que a aquisição das obras estaria em um ritmo acima do comum, o que
reforçava a ideia de que esta exposição se destacou no meio artístico brasileiro à época. A
matéria mostrava a importância dos artistas plásticos para o partido, mostrando que eram
atuantes e estavam dispostos a contribuir com a exposição e com as causas encampadas pelo
PCB461. Deste modo, demonstrava-se a intenção de valorizar a presença de pessoas que foram
ou que ainda eram operárias, pois assim mostrava-se a estreita ligação do operariado com a
exposição, e com o PCB, que a promovia. A participação e presença destes artistas eram
valorizadas e o retorno da sociedade era positivo para a organização partidária. A exposição
“Os artistas plásticos ao Partido Comunista do Brasil” foi articulador, confirmando o grande
apoio recebido pelo partido por parte da classe artística.

460
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
461
ARTISTAS DE TODAS as correntes homenageiam o Partido Comunista. Tribuna Popular. 11 nov 1945.
201

Figura 52. Periódico. “Artistas plásticos de todas as correntes homenageiam o Partido Comunista”. 11 nov
1945 (detalhe).
202

Em uma fotografia divulgada no Tribuna Popular em 16 de novembro (fig.53) via-se


alguns quadros dispostos em uma parede, um deles o perfil de Prestes e ao lado uma natureza
morta com flores. Na legenda, sublinhavam o êxito da mostra e reforçavam o convite à
visitação, aberta diariamente: “Continua franqueada ao público na Casa do Estudante”. A
exposição era divulgada pela organização por parte dos artistas plásticos e a realização em
benefício do PCB462.

Figura 53. Periódico. “Continua franqueada ao público na Casa do Estudante”. Tribuna Popular. 16 nov
1945. P.4.

462
CONTINUA FRANQUEADA ao público na Casa do Estudante. Tribuna Popular. 16 nov 1945. P.4.
203

Durante a exposição, o crítico de arte Geraldo Ferraz escreveu um artigo sobre o


evento e que foi publicado no periódico Vanguarda Socialista em novembro de 1945463.
Geraldo Ferraz (1905-1979) foi jornalista e escritor mas se estabeleceu como crítico em vários
periódicos de São Paulo, Santos e no Rio de Janeiro e teve importante papel entre a Semana
de Arte Moderna (1922) e às Bienais de São Paulo (1951-1961). Viveu com Patrícia Galvão
desde 1940 e trabalhou com ela na revista Vanguarda Socialista de Mário Pedrosa que foi
publicada de agosto de 1945 a abril de 1948. A revista, bem como os que nela escreviam,
procurava combater a política do PCB e a orientação stalinista vigente na época 464. Deste
modo, o artigo de Geraldo Ferraz se insere em um contexto de oposição ao PCB, mas
contribui a análise sobre a exposição dos “Artistas Plásticos ao Partido Comunista do Brasil”.
Geraldo Ferraz buscou compreender as razões para a realização da exposição, para
além da arrecadação de fundos ao PCB, que sequer foi mencionada, afirmando apenas que
tinha caráter beneficente465. Caracterizou a reação e adesão dos artistas do seguinte modo:

É realmente difícil descobrir as origens desta exposição que no catálogo se chama


“Artistas plásticos do Partido Comunista do Brasil”, se se excluir delas a coceira dos
mesmos artistas plásticos no anseio de manifestar sua identidade com a “ideologia
avançada” desse agrupamento político. É claro que uns pensaram assim, outros se
afobaram para dar sua adesão e de uns e de outros saiu o golpe de laço para apanhar
os que se achavam mais distantes, os mais neutros e mais indiferentes. Por outro
lado, a seção intelectual e artística se agitou toda para demonstrar também este
aspecto da importância de um Partido, que tem dentro de si os melhores artistas
contemporâneos do Brasil – embora não se possa admitir que seja tão rotunda a
afirmação realizada466.

Para o crítico, era uma estratégia atrair artistas para o envolvimento mais próximo com
o partido e seria bem sucedida. Ressaltava o quão interessante era para muitos artistas ser
identificado com os grandes nomes da arte nacional que compunham o PCB. De todo modo,
Ferraz não deixava de ironizar a imagem do partido colocando entre aspas a caracterização de
portador de uma ideologia avançada por seus simpatizantes ou membros. Afirmava que

463
O artigo foi republicado em uma coletânea de textos da revista Vanguarda Socialista, na qual se encontra o
manifesto de André Breton e Diego Rivera “Por uma arte revolucionária independente” de 1938, publicado pela
primeira vez no Brasil por esta revista. Há ainda o texto de Geraldo Ferraz intitulado “O PCB e a liberdade de
expressão” e artigos de Mário Pedrosa e Pagú em diálogo com a temática. Cf.FACIOLI, Valentim (org). Por
uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985.
P.168 e 169.
464
HOFFMANN, Ana Maria Pimenta. Crítica de Arte e Bienais: as contribuições de Geraldo Ferraz. Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Plásticas. Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo- USP. São Paulo, 2007. P.130-132.
465
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
466
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
204

apesar da realização artística, a promoção do evento seria falsa, pois: “a manha dos espertos
timbra em cobrir com a desculpa de que faz arte, quando o que realiza é adesão ao Partido,
pretendendo jogar poeira nos olhos dos artistas, do público e dos crentes” 467. Geraldo Ferraz
reconhecia a relevância do evento artístico pela atração de um grande e variado público, ao
passo que ironizava sutilmente Luiz Carlos Prestes:

O que há, porém, de novidade na exposição reunida na Casa do Estudante é uma


oportunidade, e única, que já mencionei noutro lugar, de atração de gente que nunca
se interessou por uma exposição de pintura, para o recinto que a bandeira do Partido
cobre e prestigia... Os artistas modernos que, pelos retoques da organização e pela
maioria que constituem, conduziram esta mostra a sua concretização, deveriam, se
realmente cuidassem de arte, marcar com a sua presença uma forte e iniludível linha
divisória, para que a bandeira do Partido se visse por sua vez prestigiada pela
demonstração idônea feita em seu benefício. E poderiam usufruir sozinhos do outro
benefício, de informação direta e legítima ao público que pelos belos olhos do sr.
Luís Carlos Prestes pela primeira vez se aventura a tomar conhecimento das artes
plásticas468.

A reunião das diferentes vertentes artísticas em um mesmo salão era valorizada como
raro momento de confraternização. Lembrava que o Salão Nacional da Escola de Belas Artes
fora dividido, criando-se um Salão de Arte Moderna. Ferraz reconhecia a importância da
superação das divergências artísticas e conciliação que o colaboracionismo promoveu 469.
A respeito das obras apresentadas na exposição, Geraldo Ferraz trouxe mais
informações sobre as contribuições dos artistas, mencionando algumas que analisou
brevemente. Quirino Campofiorito e Haroldo Barros contribuíram com perfis de Luiz Carlos
Prestes, os quais foram assim descritos:

Há certo um bisonho ingenuísmo nos retratos de Luís Carlos Prestes, sendo


assinalável, por intencional, a sombra que cobre a face esquerda do líder e a luz que
lhe ilumina a direita, no quadro apressado de Q. Campofiorito. Em todo caso,
compreende-se mais essa obra do que as tentativas de um sr. Haroldo Barros, que
ora deu queixo demais ao herói, ora lhe alargou as mandíbulas, numa troça danada
em que não há o meio termo do retrato470.

467
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
468
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
469
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
470
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
205

A obra “A Roda" de Candido Portinari foi descrita como “difusa, esboçada, em que
ainda os reflexos do dinamismo plástico podem reclamar seus direitos, e na qual há uma
espécie de fogo de cobertura...”. Todavia, considerava o artista “a grande aquisição do
Partido”. Para Ferraz, se destacavam também as obras: “Cabra” de José Pancetti, “Paisagem”
de Aldo Bonadei, “Natureza Morta” de Roberto Burle Marx, e “Natureza Morta” de Oswald
de Andrade Filho, considerando parte de um conjunto de transição em confusão, pois não
eram compatíveis com a solução unitária a que se chegou 471. Geraldo Ferraz tratou das obras
de temática social expostas por artistas como Eugênio Sigaud:
Os quadros e desenhos de caráter “social” no entendimento da turma pululam por
aqui e por ali, desde a paisagem convencional das fábricas da “burguesia
progressista”, até os heróis da frente do trabalho, como na truculência de Sigaud, dos
estivadores, dos operários etc. Do conteúdo mesmo nada... se se quiser admitir como
certa a discutível teoria de Plakhânov472.

Georgi Plekhanov desenvolveu teorias aliando o marxismo aos problemas da estética,


aplicando o materialismo histórico a interpretação das manifestações artísticas. No que
concerne à arte de caráter social, Plekhanov discutiu o lugar e o papel da arte na sociedade e a
fecundidade do realismo enquanto método para que a arte alcançasse sua missão social 473. A
produção de Plekhanov nos primeiros anos do século XX inspirou as teorias desenvolvidas
após a Revolução Russa em busca de uma “cultura proletária”. Deste modo, as teorias de
Plekhanov estiveram nas bases dos debates sobre arte na União Soviética, inclusive no
desenvolvimento do realismo socialista e, logo, alcançaram os debates sobre arte no Brasil,
mesmo que de modo indireto.
Geraldo Ferraz questiona as obras que, apesar dos personagens e ambientes ligados ao
trabalhador, não apresentariam conteúdo de acordo com as teorias de Plekhanov. De certa
forma, o que se defendia nos textos sobre arte escritos por alguns dos artistas que expunham
na mostra não se aplicava às obras que produziam. No entanto, isso não era um problema em
si, visto que as relações com o PCB eram mais flexíveis do que poderiam parecer e a
exposição era um sinal disso. O debate sobre arte nas publicações do partido buscava a
preocupação social, o que na prática não limitava a produção artística, mas atentava para a
valorização da vida do proletariado urbano e rural, bem como para seus problemas. Outro

471
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
472
FERRAZ, Geraldo. Os artistas plásticos e o Partido Comunista. Vanguarda Socialista. Nº 10. 02 nov 1945.
In: FACIOLI, Valentim (org). Por uma arte revolucionária independente. Coleção Pensamento Crítico. São
Paulo: Paz e Terra: CEMAP, 1985. P.168 e 169.
473
Cf. PLEKHANOV, George. A arte e a vida social. São Paulo, Brasiliense, 1969 [1912].
206

ponto importante dizia respeito ao envolvimento dos artistas com as causas político-sociais e a
busca pela disseminação da arte a públicos maiores que os habituais das galerias de arte, o que
esta exposição dá indícios de ter alcançado.
Em 16 de março de 1946, em artigo no jornal A Classe Operária, Jorge Amado
apresentava qual o entendimento do PCB em relação à atuação de escritores e artistas, bem
como o que estes deveriam saber sobre as atividades partidárias.
É evidente que a legalidade do Partido, com a consequente vinda para as suas
fileiras de uma apreciável quantidade de escritores, artistas e sábio – alguns de
grande projeção na vida cultural do país – cria uns quantos problemas sobre os quais
o debate – fraternal e democrático como é de hábito no Partido – só pode ser útil.
Útil porque dará ao criador de cultura o caminho melhor para um maior rendimento
a serviço da causa do proletariado e do povo, através da atuação na sua vanguarda
esclarecida, e porque dará ao Partido a melhor maneira de utilizar esses elementos
com tantas características particulares. (...) Não coloca o Partido nenhuma restrição à
liberdade de criação dos seus escritores e artistas. Ao contrário, no contato mais
direto com a massa, possibilitado pela vida partidária, armado com a formidável
arma do materialismo dialético, o escritor e o artista ampliam de muito os limites da
sua criação e ampliam também a sua liberdade criadora. A vida do Partido, tão rica
de condições para um aprofundamento dos conhecimentos da realidade brasileira,
tão repleta também de fatos essencialmente poéticos capacita o escritor e o artista
para uma rápida madurez técnica nascida do enriquecimento do conteúdo da sua
obra, arma-o para tirar de cada acontecimento, transformado em tema de criação
artística, o máximo de emoção. O conhecimento do marxismo e a compreensão da
linha do Partido, por outro lado, dão ao criador de cultura uma formidável
independência de movimentos na análise dos fatos e na sua interpretação artística.
(...)

O escritor defendia o equilíbrio entre a atividade partidária e a artística, para ele:


“Nenhum escritor ou artista pode se limitar a ter vida partidária. Essa lhe dará sempre maior
amplitude, estenderá os limites mesmo da humanidade as suas fronteiras criadoras”. A
maneira como se daria a relação entre artistas e partido deveria ser estabelecida de forma
clara474.
São detalhes orgânicos mas que, num Partido que apenas inicia sua vida legal, por
vezes adquirem importância, exigindo dos dirigentes partidários uma justa
compreensão das condições especiais de trabalho dos criadores de cultura e exigindo
desses uma perfeita compreensão do que o Partido e dos seus deveres de militante.
É claro que um pintor pode ser facilmente confundível, para um homem pouco
afeito ao trato com as coisas artísticas, com um cartazista e um poeta ou romancista
com um articulista de jornal. É claro também – e de outra maneira não pensa o
Partido – que a maior tarefa a ser cumprida pelos escritores e artistas e o constante
enriquecimento do conteúdo desse trabalho e da forma em que são vasados. Essa
compreensão exige desde logo que o Partido crie tais condições orgânicas para os
escritores e artistas que não se sintam eles, em nenhum momento, limitados n tempo
e nas condições exigidas pelo trabalho de criação artística475.

474
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
475
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
207

Aliar a produção artística à militância política seria fundamental, pois as atividades se


complementariam. No entanto, os artistas e escritores não deveriam perder de vista os
preceitos comunistas:
Um verdadeiro escritor ou artista, para realizar algo de apreciável, terá que ser
fundamentalmente escritor ou artista. Essa não pode ser sua segunda profissão, nem
a sua tarefa secundária no Partido. (...) O que leva o Partido, naturalmente, a colocar
como tarefa primordial dos seus quadros escritores e artistas a criação artística
Criando-lhes tais condições de vida partidária que lhes garanta a necessária
liberdade de movimentos para a realização da sua obra. Já o nosso Partido cresceu
de tal maneira que se pode utilizar cada quadro na sua especialidade (...).
Por outro lado é necessário que o escritor ou o artista compreenda que essas
condições orgânicas não representam a porta de fuga (...) a criação artística não pode
separar o escritor ou pintor de uma íntima convivência como Partido. Se isso
acontecesse a obra desse escritor ou desse artista não adquiriria a condição
comunista que deve ser a marca de tudo que realizem os comunistas, escritores ou
artistas. (...) O respeito do Partido às condições específicas de trabalho do escritor e
do artista deve ser compensado por estes com uma permanente vida partidária na
célula e nos amplos movimentos de massas.

A liberdade de criação poderia trazer armadilhas, às quais o artista deveria atentar.


Jorge Amado ressaltava o risco de criar obras que servissem aos interesses reacionários e se
distanciassem dos temas relativos ao povo e ao proletariado. Deste modo, o partido não
restringiria a liberdade do artista, mas havia algumas orientações gerais 476.
O escritor e o artista devem ser em todos os momentos o escritor e o artista. Mas
sem se esquecerem de que, antes de tudo, são comunistas e não se pode
compreender um comunista fora do Partido. Uma compreensão sectária do problema
do quadro, escritor ou artista poderia levar a erros que afetariam do Partido figuras
de grande importância. Porém, da mesma maneira, um liberalismo falso em relação
ao problema só iria fazer com que, apoiados no Partido, se criassem obras de arte
que, em vez de servirem ao proletariado e ao povo, fossem instrumentos da reação.
Um falso liberalismo iria desservir aos escritores e artistas, pois não os ajudaria a
melhorar e a superar as suas obras iria conceber o estranho fenômeno de comunistas,
escritores e artistas cujas criações nada teriam a ver com o povo e o proletariado477.

Jorge Amado procurava convencer intelectuais e artistas a militar no Partido


Comunista do Brasil por sua proximidade com as massas e garantindo que a liberdade de
criação era respeitada no partido. O escritor defendia a importância da ligação entre o PCB e a
vanguarda artística e cultural, bem como de respeitar a atividade artística, enquanto outras
funções poderiam ser designadas a outros militantes. Os artistas deveriam ser aproveitados em
suas especialidades, prevenindo a instrumentalização do seu trabalho como se verificou em
outros momentos durante o “obreirismo” e depois entre 1948 e 1955478.

476
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
477
AMADO, Jorge. Escritores, artistas e o Partido. A Classe Operária. 16 mar 1946. P. 7.
478
FERREIRA, Muniz. Jorge Amado na imprensa comunista (1946-1955). In: SANTOS, Flávio Gonçalves;
RODRIGUES, Inara de Oliveira; BRICHTA, Laila (org.) Colóquio Internacional 100 anos de Jorge Amado:
História, Literatura e Cultura. Ilhéus: Editus, 2013. P.159-180.
208

A argumentação de Jorge Amado se mostrava coerente com a prática do PCB de


então, como se pôde ver na exposição “Os artistas plásticos do PCB” de 1945. Na ocasião foi
abertamente divulgado que congregavam artistas de “todas as correntes”. Ou seja, mostravam
que o partido estava aberto a diferentes tendências artísticas e isto contribuía para a grande
adesão de artistas às suas fileiras. Identificados principalmente com a linha política e social
comunista, poderiam produzir obras sem restrições quanto à visualidade e às finalidades, que
poderiam ser para sua subsistência ou para as causas do partido.
209

CAPÍTULO 6
MILITANCIA COM ARTE
210

CAPÍTULO 6. MILITÂNCIA COM ARTE

Os artistas plásticos do PCB contribuíram com ilustrações para publicações variadas


do partido. Apesar de ilustrarem livros de editoras do partido, revistas e jornais se destacaram
pela quantidade de obras e pela vasta circulação. Periódicos como Tribuna Popular, A Classe
Operária, Esfera e Fundamentos contaram com o apoio de diferentes artistas. Através do
levantamento e análise destas obras pode-se compreender como se dava a relação entre os
artistas plásticos e o partido. As ilustrações mostram o envolvimento com determinadas
temáticas, bem como a contribuição eventual ou regular dos artistas para determinados
periódicos. O engajamento na feitura cotidiana das publicações implicava dedicação e
comprometimento, demonstrados também através da forma como os diferentes temas foram
tratados nos desenhos de cada um. Tais obras destinadas ao PCB e a seus veículos de
imprensa, de forma eventual ou regular, não implicavam restrições nas obras para outras
destinações. Deste modo, haverá certa dualidade entre o que estes artistas produziam para
dentro ou para fora do partido, que embora pudessem parecer distanciadas visualmente,
mantinham uma linha coerente entre si em relação às convicções políticas envolvidas.

6.1. Os artistas e a ilustração eventual para periódicos

Alguns artistas militantes do PCB tiveram eventualmente ilustrações publicadas nos


periódicos do partido. Em certos casos, foram feitas diretamente para o jornal ou revista, em
outros a obra teve uma destinação diferente antes ou depois. Artistas como Virgínia Artigas,
Quirino Campofiorito, Clóvis Graciano, Cândido Portinari e Carlos Scliar se enquadram neste
perfil, mostrando também por esse meio o comprometimento com os ideais comunistas.
A artista Virgínia Artigas (1915-1990) foi pintora, escultora, cartazista, gravurista e
desenhista. Começou os estudos artísticos em 1937, em São Paulo, onde conheceu seu futuro
marido João Batista Vilanova Artigas, também membro do PCB na década de 1940. A artista
participou de diferentes manifestações em colaboração com o partido e dentre elas uma obra
de 1949 que foi publicado na revista Fundamentos em janeiro de 1950 (fig. 56). O desenho
ocupava uma página inteira e trazia um perfil de Josef Stalin. Feito com traços finos e
irregulares, mas com contornos precisos que compõem a figura do líder soviético de forma
característica e, portanto, de fácil identificação. A cabeça é levemente inclinada e o olhar
direcionado para a lateral. A edição em que foi publicada a obra de Virgínia Artigas
comemorava o 70º aniversário de Josef Stalin. A ilustração foi disposta entre três textos
211

subsequentes em homenagem ao líder soviético, antecedendo o segundo deles 479.

Figura 54. Desenho. Virgínia Artigas. "Retrato de Stalin". Fundamentos. Nº 11. Jan 1950. P.25.

479
O 70º ANIVERSÁRIO do generalíssimo Stalin. Fundamentos. Nº11. Jan 1950. P.23-24; GUILLÉN, Nicolas.
Uma Canción a Stalin. Fundamentos. Nº11. Jan 1950. P26; GUARNIERI, Camargo. Em louvor de Stalin.
Fundamentos. Nº11. Jan 1950. P.27.
212

Cândido Portinari entrou para o Partido Comunista do Brasil em janeiro de 1945 e


concorreu pelo PCB a deputado federal por São Paulo neste ano e para senador em 1947, mas
não chegou a ser eleito. A trajetória artística de Portinari abrangeu temáticas diversificadas,
incluindo retratos de figuras da elite paulista, por exemplo. Sua arte de cavalete, bem como
seus murais, em grande parte foi direcionada a grandes colecionadores do mundo, museus ou
pessoas abastadas que encomendaram suas obras. De todo modo, a temática social permeou a
produção do artista, mostrando a preocupação do pintor com tais questões 480.
O engajamento político de Portinari pode ser observado na participação de eventos e
nos artigos que escreveu para publicações do partido, especialmente durante o período em que
o PCB esteve na legalidade. Algumas pinturas de Portinari foram publicadas em periódicos
ligados ao PCB, assim como desenhos seus. Em janeiro de 1949, A Classe Operária
apresentou uma edição em homenagem a Prestes por seu aniversário. O número trazia artigos
de diferentes militantes e setores sobre a trajetória e atuação do líder comunista. Algumas
ilustrações ao longo do jornal endossavam a reverência a Prestes, como a de Cândido
Portinari (fig.55).

Figura 55. Desenho. Cândido Portinari. "O Cavaleiro da Esperança". A Classe Operária. Nº157. 1º jan
1949. P.16.

480
FABRIS, Annateresa. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva/EdUSP, 1990. P.19.
213

A obra fazia referência ao período da Coluna Prestes, mostrando o “Cavaleiro da


Esperança” de perfil, montado em um cavalo a galope. O animal salta de forma imponente,
com a cabeça erguida. Prestes está de barba, botas e com uma capa nas costas que o vento
levanta pelo movimento do cavalo. O desenho ilustra o texto de Álvaro Moreira, no qual
exalta a luta de Prestes e a esperança que ele representa para o povo: “o homem que tem, na
cabeça e no coração, a independência, a justiça, a verdade, a paz. O Cavaleiro da Esperança!
(...) não podem cassar a voz de Luiz Carlos Prestes, e o povo continua a ouvir Luiz Carlos
Prestes lutando pelo Brasil” 481. Vale ressaltar que na ocasião desta publicação o PCB já estava
na ilegalidade desde 1947, e os membros do partido que foram eleitos tinham perdido seus
mandatos em 1948, inclusive Prestes, que era Senador.
O artista niteroiense Quirino Campofiorito (1902-1993) foi membro destacado do
PCB. A entrada no partido foi divulgada na imprensa partidária bem como a participação na
organização de eventos artísticos em prol de causas do partido. Pintor, caricaturista,
desenhista, gravador e crítico de arte, Quirino foi também professor da Escola Nacional de
Belas Artes. Dentre outras contribuições, teve alguns de seus desenhos em periódicos ligados
ao Partido Comunista do Brasil. Em junho de 1946, um desenho do artista foi publicado na
revista Esfera.
A obra era um perfil de Luiz Carlos Prestes e trazia o título “O grande líder nacional”
(fig.54). O então Senador e Secretário Geral do PCB foi representado com olhar terno e
sorriso suave. Os traços destacavam sinais da idade e da expressão facial. O desenho ocupava
uma página inteira iniciando o número e antecedendo uma matéria sobre o líder comunista. A
matéria contava a biografia de Prestes e divulgava na íntegra o discurso pronunciado no
emblemático comício de maio desse ano no Estádio São Januário do Clube de Regatas Vasco
da Gama482.

481
MOREIRA, Álvaro. O Cavaleiro da Esperança. A Classe Operária. Nº157. 1º jan 1949. P.16.
482
TRAÇOS biográficos de Luiz Carlos Prestes e Discursos de Luiz Carlos Prestes. . Esfera. Jun 1945. P.9-12.
214

Figura 56. Desenho. Quirino Campofiorito. "O grande líder nacional Luiz Carlos Prestes". Esfera. Jun 1945.
P.9.
215

Clóvis Graciano (1907-1988) teve origem humilde em Araras, São Paulo, onde
trabalhou em uma oficina de carruagens como picador de carvão e se iniciou na pintura de
frisos e marcas comerciais em veículos. Ainda na juventude, foi pintor de placas e postes na
Estrada de Ferro Sorocabana. Apenas em 1934 se mudou para São Paulo aproximando-se de
intelectuais do ateliê de Waldemar da Costa (1904-1982) e da Escola Paulista de Belas Artes,
onde estudou desenho e pintura. O artista mostrou sua desenvoltura entre os artistas paulistas
ingressando em 1937 no Grupo Santa Helena e em seguida na Família Artística Paulista
(1937-1940), da qual foi presidente. A especificidade de Clóvis Graciano estava no destaque
da figura humana e na expressão de suas convicções políticas e sociais. O domínio de técnicas
de desenho, pintura a óleo e mosaicos, proporcionou a composição de murais, desenhos e
pinturas. As temáticas abrangiam acontecimentos históricos, mas também figuras de músicos
ou pessoas dançando, agregando instrumentos musicais e por vezes animais, que traziam
ritmo e movimento às obras. Embora tenha relevantes obras de cavalete em tamanhos
pequenos e médios, o artista se destaca entre os mais importantes muralistas brasileiros, com
obras notáveis483.
Graciano aderiu ao Partido Comunista do Brasil em 1945 e foi um dos diretores do
Hoje (1945-1948), diário do partido em São Paulo, junto a Jorge Amado, Milton Cayres de
Brito, Caio Prado Jr. e Nabor Cayres de Brito 484. Ilustrou Terras do Sem Fim de Jorge
Amado485 e Cancioneiro da Bahia de Dorival Caymmi486, obra incentivada e prefaciado por
Amado, de quem o artista era bem próximo. Participou de eventos do partido e teve algumas
de suas obras publicadas em periódicos ligados ao PCB. Uma de suas ilustrações foi capa de
Fundamentos em novembro de 1948 (fig.57). A obra mostra um homem negro carregando
três sacas de grãos apoiadas na cabeça. Os pés largos e descalços, os braços fortes que
sustentam o peso, mostram o trabalhador com roupas simples, com tecidos semelhantes ao
das sacas e que remetem às vestimentas dos escravos no Brasil. As formas curvilíneas ao
fundo, seguem o contorno do corpo do homem, como se ele saísse de dentro delas. A cor
negra do corpo se destaca entre os poucos elementos da obra. A edição trazia artigos variados
sobre literatura, artes plásticas, ciência, teatro, política e economia, temas habituais na revista,
não estabelecendo uma conexão precisa com a ilustração.

483
SACRAMENTO, Enock. Clóvis Graciano – Arte de Cavalete. Catálogo. São Paulo: Caixa Cultural, 2014.
P.4.
484
A respeito do periódico Hoje Cf. POMAR, Pedro Estevam da Rocha Pomar. Comunicação, cultura de
esquerda e contra-hegemonia: o jornal Hoje. (1945-1952). Tese de Doutorado. PPGCOM/ECA - Universidade
de São Paulo – USP, 2006.
485
AMADO, Jorge. Terras do Sem Fim. São Paulo: Círculo do Livro, 1942.
486
CAYMMI, Dorival. Cancioneiro da Bahia. São Paulo: Martins, 1947.
216

Figura 57. Gravura. Clóvis Graciano. “Trabalhador”. Fundamentos. Nº6. Nov 1948. Capa.
217

O desenho de Clóvis Graciano sugere inspiração na obra Café concluída em 1935 por
Portinari, a quem dedicava admiração e amizade. A relação entre os dois envolveu a
realização de alguns trabalhos em conjunto, como na produção em 1950 de Pescadores em
Paris, na qual Clóvis Graciano foi um dos auxiliares de Portinari, ao lado de Mário Gruber e
Luís Ventura487. Em Café (fig.58) dois homens, que estão localizados ao centro da obra,
carregam uma saca na cabeça e usam vestes parecidas ao representado por Graciano. Pode-se
destacar a semelhança na posição de uma das pernas mais a frente e das mãos e pés muito
grandes. O caráter expressionista que confere a desproporcionalidade é mais evidente em
Café, mas também ocorre na obra de Clóvis Graciano. A posição dos dois homens em questão
é também similar, porém os troncos estão levemente voltados para lados opostos, o de
Portinari para a esquerda e o de Graciano para a direita.

Figura 58. Óleo sobre tela. Candido Portinari. "Café". 1934-1935.130x195cm.

A temática do trabalho braçal remetia a um problema que permeou os períodos em que


as duas obras foram compostas: a exploração do trabalhador rural. A preocupação de Candido
Portinari na representação de trabalhadores foi compartilhada por Clóvis Graciano, como
demonstra sua inspiração nesta obra.
O artista Carlos Scliar se mostrava atuante em diversas esferas políticas e culturais que
tangenciavam seu envolvimento com o PCB à época. Scliar editou em 1942 seu primeiro
álbum de litografias intitulado Fábula, no qual, segundo suas palavras, confluiria suas

487
CATÁLOGO RAISONNÉ. Candido Portinari. Volume III. 1944 (2) – 1955(1). Rio de Janeiro: Ed. Projeto
Portinari, 2011. P.281.
218

influências e paixões. Em 1946, este trabalho seria reeditado, ampliado e publicado pelo A
Classe Operária no formato de história em quadrinhos e com texto de Jorge Amado 488.
Fábula foi apresentada em oito partes no jornal e era formada por vinte ilustrações
legendadas. A primeira ilustração (fig.59) mostra o sol em meio à escuridão e apresenta
poucos elementos. Na legenda relacionada perguntava-se porque há distinção entre as
pessoas, se o sol brilha e aquece a todos igualmente, se ao nascer do sol irrompe-se com as
trevas da noite para um novo dia iluminando sem diferenciação. Na segunda (fig.59) há
prédios e folhagens iluminados e na legenda questionava-se a razão para a restrição de bens
de mando, moradias e alimentos a poucos donos, enquanto tantas pessoas estão famintas, sem
onde morar adequadamente e humilhadas.

Figura 59. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.2.

A terceira ilustração (fig. 59) apresenta uma figura masculina com asas sobre prédios e
suas feições remetem a maldade e que representariam o “anjo mal do fascismo”, o que é
explicado pela legenda:
É que sobre as casas como árvores de cimento, sobre as fábricas como cemitérios ou
campos de concentração, sobre os frutos que amadurecem guardados por baionetas
sobre as rosas e o pão, a farinha e a arte, a música e os legumes, sobre os trens de
ferro e os aviões, estava o anjo mau do fascismo, nascido do egoísmo da maldade,
da avidez de uns poucos homens para a desgraça da maioria que sofre. Era ele quem
possuía pelo direito da força aquilo que, como o sol, como a luz e seu calor, devia
ser bem comum a todos os homens489.

488
SCLIAR, Carlos. Scliar falando – Depoimento sobre a década de 1940. In: PONTUAL, Roberto. Scliar: o real
em reflexo e transfiguração. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1970. P.143 e 146.
489
SCLIAR, Carlos; AMADO, Jorge. Fábula: Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. A Classe
Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.2-11.
219

Jorge Amado procura reforçar as maiores contradições da sociedade capitalista e a


desigualdade que promove, argumentando que por detrás estariam sentimentos provenientes
do fascismo. O texto segue sustentando essa perspectiva de análise social.
Na quarta ilustração (fig. 60), há um homem em primeiro plano magro, de rosto
afinado e orelhas protuberantes, com o semblante sério, olhos fundos e distantes. Ao fundo
apresenta-se uma edificação de grande porte com uma chaminé, representando uma fábrica
cercada por um muro. A legenda pontua que as fábricas possuem donos e que existem os
escravos das fábricas. A diferenciação entre os que trabalham nas máquinas e os que as
possuem é ressaltada, assim como a escravidão do trabalhador às máquinas seriam criações
capitalistas. A tristeza do homem na ilustração se coaduna com a constatação de que as
pessoas trabalham infelizes, muitas vezes doentes, extenuados, com fome para alimentar a
ganância dos patrões. Defende que a fábrica deveria ser um local alegre para o trabalho.

Figura 60. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.3.

A quinta imagem (fig.60) mostra três crianças amuadas, sentadas no chão com as
cabeças apoiadas em seus joelhos, de olhos fechados e aparência triste. Uma delas tem um pé
descalço em primeiro plano e ao centro, denotando a humildade destes meninos. Ao fundo
uma construção como uma coluna em formato arredondado. Na legenda defende-se que as
crianças deveriam admirar as belezas do mundo, mas o que ocorreria a muitas seria o contato
direto com o sofrimento, a falta de condições básicas para o desenvolvimento pleno de seus
corpos. Atenta-se para o abandono de muitas crianças que vivem nas ruas, sob os arcos de
pontes, enquanto seus pais foram tomados pelo trabalho ou por doenças. Estas crianças não
teriam acesso ao estudo, a alimentação suficiente e estariam expostas ao frio e aos perigos das
ruas. O “anjo do fascismo” rondaria sobre estes abandonados, ao passo que os que lutavam
contra essas condições eram presos.
220

A sexta ilustração (fig.61) mostra uma pessoa encolhida e deitada no chão, que remete
a uma rua com paralelepípedos. A legenda trata da morte de crianças por desnutrição, muitas
ainda antes de completar um ano de vida, devido à alimentação precária das mães que acabam
perdendo o leite. Muitos dos pequenos corpos seriam deixados nas ruas para a fiscalização
noturna os levar, e destaca que isso satisfaria o “anjo fascista” que se fortaleceria com os
milhares de cadáveres. Por fim, ressalta que logo viria a “aurora socialista”.
A sétima ilustração (fig.61) mostra uma mulher nua sentada, com olhar distante, triste,
e de pé um homem nu olhando pela janela. A legenda aborda a questão da prostituição como
consequência do capitalismo. O sistema capitalista transformara o valoroso amor em
mercadoria, leiloando os corpos das moças pobres. E diz que: “as meninas, cujos corações
apenas despertam para o amor, são vendidas para o açougue dos prazeres viciosos. O anjo do
fascismo degradou o amor e a visão das meninas prostituídas enche de alegria seu coração de
lama”. Deste modo, o capitalismo se satisfaria com a mercantilização dos corpos, a
prostituição serviria para alimentar esse sistema, enquanto destruía a vida das meninas.

Figura 61. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.4.

A oitava ilustração (fig.61) mostra quatro pessoas dormindo encolhidas no chão, ao


lado de um muro de tijolos, parecendo passar frio. A legenda trata da situação de casais, que
ao perderem seus empregos nas cidades são obrigadas a dormir nas ruas sob sol ou chuva.
Enquanto uns não têm onde descansar, do outro lado dos muros há mansões imensas, com
quartos sobrando, conforto e abundância. Esta seria mais uma característica do “império do
anjo fascista”.
A nona ilustração (fig.62) mostra uma mulher sentada no chão da rua e encostada em
um muro, e um homem descalço deitado encolhido ao seu lado. Os dois são bem magros, e
suas feições são tristes, desoladas. O texto se remete ao sofrimento de quem vive nas ruas,
passando frio e fome nas calçadas, enquanto os poucos detentores dos bens fazem grandes
221

festas com fartura e luxo para seus convidados. Centenas de milhares de pessoas morreriam
nas ruas, ao passo que outros poucos gozariam a vida.
A décima ilustração (fig.62) traz uma criança deitada no chão, enquanto uma mulher
triste está ajoelhada ao seu lado. A cena se passa no chão da rua. A legenda descreve as mães
que perdem seus filhos ainda pequenos e que em meio a todos os sofrimentos pelos quais
passam, já não teriam mais lágrimas para chorar. São tomadas pelo desespero de quem viu
morrer seus filhos e também suas esperanças.

Figura 62. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.5.

Na décima primeira ilustração (fig.63), há uma menina deitada encolhida no chão da


rua de olhos fechados. Ao fundo um muro, parecido com os dos outros quadros. Ao fundo há
ainda uma figura em formato humano, com os braços abertos, sem rosto ou mais
características, mas que parece estar voltado para o corpo no chão. A legenda dá conta de que
a menina é uma órfã que morreu de fome, mas que isso era devido ao “anjo do fascismo”, que
deve ser representado pela figura antropomórfica em segundo plano na ilustração. O texto
enfatiza que a luz do sol, ao brilhar pela manhã, revelará o corpo e servirá como mortalha e
companhia para a menina, pois o sol ainda é de todos.

Figura 63. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.8.

A décima segunda ilustração (fig.63) mostra cinco galhos ou troncos secos, enquanto a
legenda trata do alastramento da fome e das desgraças pelo mundo dominado pelo “império
222

do anjo do fascismo”. Ressalta as árvores que secaram e as terras que ficaram desertas, ao
passo que as pessoas perdiam as esperanças.
Na décima terceira (fig. 63), vê-se uma mulher desfalecida no chão em frente a uma
construção que parece em ruínas. Há apenas algumas paredes e uma janela. Legenda enfatiza
a eclosão de guerras promovidas pelo “anjo do fascismo” com o propósito de melhor
escravizar os homens e retirar-lhes os últimos direitos que possuíam, pois não se satisfaria
com a exploração das pessoas e dos bens da terra. Ao fim, sinaliza que houve reação.
Na décima quarta ilustração (fig. 64) há um homem velho, magro, com a barba grande,
os olhos amendoados, a testa franzida, sério, parecendo pensativo e tenso. Por cima de sua
cabeça há a ponta de um galho com cinco folhas. A legenda coaduna-se com a imagem ao
enfatizar a superação do fascismo: “... e de entre as ruínas e os cadáveres eles enxergaram,
pelos olhos dos velhos experientes e dos jovens cheios de esperança, as folhas das árvores
novamente nascendo sobre a derrota do fascismo”. Deste modo, dá significado à
representação visual de Scliar, relacionando a homem a sua experiência e o galho com folhas
em sua extremidade referindo-se ao renascer das árvores, que na décima segunda ilustração
são mostradas secas.

Figura 64. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.9.

A décima quinta (fig.64) mostra em primeiro plano um homem sentado à mesa com os
braços cruzados e um prato vazio a sua frente. Os olhos são amendoados e grandes, a
expressão séria mostra reflexão. Ao fundo, à esquerda há uma mulher de pé com um bebê no
colo e à direita um menino em frente à janela. A legenda descreve o momento como sendo da
reunião familiar para o jantar. Identifica o homem como um operário que aprendera a lição da
guerra e então questionava: “Como fazer país que não haja fome nem miséria? Somos a
imensa maioria, porque então estarmos escravizados?” Representava, assim, os trabalhadores
enquanto classe social, explorados por uma minoria detentora dos bens e meios de produção.
223

A décima sexta ilustração (fig.65) traz um homem e uma mulher de frente para um
muro lendo cartazes com informes. Estes cartazes apresentavam o símbolo do comunismo, a
foice e o martelo cruzados; o da esquerda trazia escrito “Partido Comunista do Brasil” e o da
direita um recado aos operários repetido na legenda: “Operários, organizai-vos. Nos vossos
sindicatos, nos vossos comitês, no vosso partido político. O povo organizado tudo pode. O
povo desorganizado é facilmente enganado e escravizado”. O homem que se indignava no
quadro anterior, agora encontrava o cartaz com a chamada. Ressaltava-se que era cartaz do
PCB, enfatizando o papel do partido na convocação dos operários a se organizarem em luta
por seus direitos.
Na décima sétima ilustração (fig.65) há três homens de pé, concentrados, dividindo a
leitura de um jornal. A legenda dá sequência as anteriores, dizendo que “E nos jornais, na
leitura dos discursos de Prestes, nas conferências, nos sindicatos, nas sabatinas, ele aprendeu”,
referindo-se ao operário.

Figura 65. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.10.

A décima oitava ilustração (fig.65) traz um homem com a boca aberta parecendo
discursar, com um dos braços com o punho fechado e levantado. Ele está à frente de um
grupo, aparecem dez pessoas, mas parece haver mais, pois alguns estão cortados dando a
impressão de ser uma parte de um aglomerado maior. O personagem central parece estar em
cima de algo, como um banco ou caixote, que o deixa mais alto que os outros e propiciando
ser melhor visto e ter maior alcance de voz. Ao fundo um muro, cercando os olhos atentos ao
discurso proferido. A legenda dá continuidade à trajetória do operário dos outros quadros,
contando que percorreu comícios e reconhecia nas palavras dos “líderes do povo” seus
pensamentos. Deste modo, “compreendeu a força que vinha da multidão em torno, reunida”.
A décima nona (fig.66) mostra uma multidão reunida carregando faixas com os
dizeres: “direitos”, “comitês democráticos” e “operários”. Estavam voltados para um
224

palanque ao fundo da ilustração no qual uma pessoa se destacava entre tantos outros,
parecendo ser um orador. A legenda segue o caminho do operário que teria se unido “à
imensa multidão dos que nada têm, mas que lutam por um mundo melhor e mais belo.
Multidão que levou e leva o anjo do fascismo de derrota em derrota...”.

Figura 66. Quadrinhos. Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. "Fábula". A Classe Operária.
06 abr. 1946. Nº5. P.11.

Por fim, a vigésima ilustração (fig.66) traz em primeiro plano, homens sérios, com
expressão firme e sobrancelhas cerradas. Os rostos são semelhantes, tem formato triangular,
afinando em direção aos queixos, têm olhos e narizes grandes, testas retas e cabelos curtos.
Ao fundo, a mesma construção da quarta ilustração (4): uma grande fábrica protegida por um
muro alto. Na quarta ilustração, há apenas um homem à frente do muro, infeliz. Nesta agora
os homens estão reunidos lado a lado. A legenda procura descrever o novo momento:
...até que surja o dia em que os bens do mundo sejam de todos como o sol, quando já
nenhum anjo mau esteja sobre os homens alimentando-se da sua desgraça. O povo
unido vencerá as últimas batalhas contra o monstro como já lhe quebrou os dentes
na guerra. E então chegará a aurora e as fábricas serão jardins em vez de cemitérios
e os frutos serão de todos e as crianças terão comida e a alegria... E o amor já não se
venderá em balcões e as mães terão leite para alimentar seus filhos. E a felicidade
reinará sobre a terra490.

Entre tantas outras contribuições de Carlos Scliar ao PCB, “Fábula” recebeu destaque
nas investigações da polícia política sobre o artista, constando em seu prontuário como
comprovação da ligação com A Classe Operária491. Através desta publicação o trabalho
artístico de Scliar alcançava diferentes meios e servia para difusão das ideias, iniciativas e
publicações comunistas. Mostrava também as relações estreitas entre o artista e o escritor
Jorge Amado, com quem mantinha amizade. A afinidade entre muitos dos artistas, escritores e

490
SCLIAR, Carlos; AMADO, Jorge. Fábula: Desenhos de Carlos Scliar e legendas de Jorge Amado. A Classe
Operária. 06 abr. 1946. Nº5. P.2-11.
491
A informação é encontrada em documentos de 3 de fevereiro de 1947, 3 de julho de 1947, 22 de setembro de
1950, 13 de novembro de 1950,17 de novembro de 1950, 21 de dezembro de 1955, 13 de outubro de 1964, que
compõem o prontuário do artista. Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Carlos Scliar, GB. Nº
12244. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
225

intelectuais membros do PCB era um dos fatores que proporcionava o desenvolvimento de


trabalhos conjuntos como este e de atividades como as exposições que promoveram.
Os caminhos percorridos por Scliar não o impediram de manter em sua obra e em suas
palavras a ênfase na luta por uma vida mais digna para todos. Suas obras passaram a priorizar
o cotidiano e seus elementos mais singelos e não se afastaram da simplicidade do povo. Aracy
Amaral considera que Scliar foi um articulador entre artistas do Sul, São Paulo e Rio de
Janeiro, motivando-os na participação da vida social e dispondo sua produção artística às
alterações na estrutura. Neste sentido, é destacada sua responsabilidade pela coordenação dos
primeiros álbuns coletivos de gravuras no Brasil. A atração de Scliar pela gravura se daria
também por permitir a reprodução das obras de arte e, deste modo, alcançar um público mais
amplo A sua estadia em Paris no final da década de 1940 propiciou o contato com Leopoldo
Méndez, do Taller de Gráfica Popular do México. Isto teria contribuído com a vontade de
trazer uma experiência semelhante para aplicar no Brasil 492. A partir de então, ficaria claro
para Scliar e para outros muitos brasileiros “que o artista podia ter uma função social através
de sua arte, sua tarefa fica definida: criar revistas conscientizadoras do maior número de
pessoas – daí o nascimento da revista Horizonte (...)” 493.
No início, pretendia-se com a revista possibilitar a circulação das posições dos
intelectuais de esquerda, a divulgação da Campanha da Paz e com a politização dos seus
leitores nestas bases. A importância de Horizonte (1949-1956) à época seria devida à
movimentação dos debates sobre as artes e a política, e a divulgação dos eventos aos quais
estava ligada. Para Amaral, “Os artistas de preocupação política tinham aí uma tribuna eficaz
para a defesa de suas posições realistas (...)”494. Vasco Prado e Carlos Scliar receberam a
responsabilidade de reorganizar a revista cultural Horizonte junto a outros militantes495. Em
dezembro de 1950, Scliar ingressou no conselho de redação da Horizonte, junto a Vasco
Prado. Neste momento, a revista passava por uma reformulação na qual Scliar teve ação
decisiva. Nesta nova fase, a partir do quarto número, Horizonte passou a contar com a nova

492
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio
Nobel, 2003. P. 141-142.
493
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio
Nobel, 2003. P. 151.
494
AMARAL, Aracy. Arte para que? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970. São Paulo: Studio
Nobel, 2003. P. 183,185.
495
MOTTER, Talitha Bueno. Gravura, figuração e política: a obra de Carlos Scliar junto ao Clube de Gravura
de Porto Alegre (1950-1956). Monografia (Graduação), Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS. Porto Alegre, 2013. p.41.
226

direção de Lila Ripoll Guedes (1905-1967) e estreitou a relação estabelecida com o PCB,
assumindo a missão de divulgar as ideias do realismo socialista496.
O Clube de Gravura de Porto Alegre foi fundado em 1950 por Carlos Scliar e Vasco
Prado, com o objetivo de auxiliar financeiramente a nova fase da revista, que pretendiam
direcionar para a intelectualidade de esquerda. Eles contavam com um grupo de artistas
composto por Carlos Alberto Petrucci, Carlos Mancuso, Danúbio Gonçalves, Edgar Koetz,
Fortunato de Oliveira, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti, Plínio Bernhardt entre outros. O
Clube foi uma agremiação dedicada à gravura figurativa e apoiada pelo PCB, em seguida
surgiriam outras baseadas em seus moldes 497.

6.2. A militância através da ilustração: Percy Deane e Paulo Werneck

Os artistas Percy Deane (1921-1994) e Paulo Werneck (1907-1987) estiveram


presentes em diversos eventos e campanhas promovidos pelo Partido Comunista do Brasil,
como foi visto. Para além destas atuações em conjunto com outros colegas, os dois artistas se
destacaram por contribuírem de forma regular com ilustrações para o Tribuna Popular e para
A Classe Operária498, respectivamente.
O artista Percy Deane estudou arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes em 1938,
onde se aproximou das artes plásticas através de Quirino Campofiorito 499. A amizade com
Quirino o levou, posteriormente, ao contato com Cândido Portinari 500. O artista trabalhou
como ilustrador para alguns periódicos desde a década de 1930 501 e a partir de 1946 produziu

496
A primeira fase da revista é referente aos seus três primeiros números no ano de 1949 sob direção de Cyro
Martins (1908-1995). DUPRAT, Andreia Carolina Duarte. Revista Horizonte (1949-1956). Imagem impressa e
questões políticas. Monografia (Graduação), Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
UFRGS. Porto Alegre, 2013. P.15.
497
MOTTER, Talitha Bueno. Gravura, figuração e política: a obra de Carlos Scliar junto ao Clube de Gravura
de Porto Alegre (1950-1956). Monografia (Graduação), Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS. Porto Alegre, 2013. p.41.
498
Desenhos em vários dos jornais do PCB, como o Tribuna Popular, seu sucessor Imprensa Popular e A Classe
Operária, eram realizadas através do processo gráfico denominado clicheria. Esta técnica é similar à xilogravura
e tem como característica a impressão da rudeza da mão do artista nas gravuras. O processo de clicheria era o de
menor custo na época, e, a partir de tal método, os linotipistas – gráficos que organizavam os linotipos das
páginas do jornal – reuniam os textos dispondo-os no formato da página, assim como as ilustrações e fotografias;
a partir de então “imprimiam” à quente um clichê, espécie de carimbo em alto relevo em chapas de metal usando
prensas tipográficas, para cada página do jornal e que serviria de base para a reprodução destas. (Cf. MARTINS,
Ana Luiza; De LUCA, Tânia Regina. Imprensa e cidade. São Paulo: UNESP, 2006.
499
PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Texto Mário Barata, Lourival Gomes
Machado, Carlos Cavalcanti et al. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
500
DEANE, Percy, Depoimento ID 10466. 1983. Projeto Portinari. PUC-Rio.
501
A partir de 1938, Percy Deane foi ilustrador nos periódicos O Jornal, Dom Casmurro, Sombra, Diretrizes,
Cigarra e Rio Magazine, entre 1941 e 1951 ilustrou romances também em O Cruzeiro. Trabalhou também como
pintor, desenhista e arquiteto. Produziu murais, inclusive, para o Iate Clube da Pampulha de Oscar Niemeyer.
227

diversas ilustrações para A Classe Operária. Embora outros artistas tenham contribuído
eventualmente e muitas das ilustrações não tenham sido assinadas impossibilitando a
identificação dos artistas, o trabalho de Percy Deane predominou na publicação.
Em março de 1946 saía o primeiro número da nova fase do semanário na legalidade, o
que não ocorria desde 1929. Nesta edição de retomada foram publicadas algumas matérias
sobre A Classe Operária. Uma delas era intitulada “História d’A Classe Operária” escrita por
Rui Facó ocupava quase metade da primeira página e toda a segunda (fig. 67, fig. 68, fig. 69).
Contava detalhadamente a trajetória do periódico desde 1925502 e continuaria nos dois
números seguintes também ocupando grande espaço. Uma versão em quadrinhos com o
mesmo título contou com desenhos de Percy Deane e foi publicada dividida ao longo das três
primeiras edições do jornal. As ilustrações e as legendas procurava contar de forma mais
breve e didática com um total de dez quadrinhos.
O primeiro (fig.67) mostra quatro homens em círculo, conversando. Dois aparecem de
costas e os outros dois de frente, com roupas sociais. A legenda conta que o jornal nasceu de
uma reunião em 1925: “1- A “Classe Operária” foi projetada numa Conferência dos delegados
de célula e de núcleos do Rio e Niterói, realizada em conjunto com a Comissão Central
Executiva, em 22 de fevereiro de 1925”. O segundo (fig.67) já apresenta um homem de terno
e camisa de botões erguendo e lendo o jornal com as primeiras letras de A Classe Operária. A
legenda trata do primeiro número do jornal e seus responsáveis: “2- A 1º de maio de 1925 sai
o primeiro número d’A Classe Operária, com uma história do Hino dos Trabalhadores – A
INTERNACIONAL – letra e música. Diretores – Astrogildo Pereira e Otávio Brandão”503.

Figura 67. Quadrinhos. Percy Deanne. “História d'A Classe Operária”. A Classe Operária. Nº1.09 mar 1946.
P.9.

Cf. DEANE, Percy (verbete). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú
Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8861/percy-deane , acessado em 31-
03-2017.
502
A CLASSE OPERÁRIA. Nº1. 09 mar 1946.
503
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº1. 09 mar 1946. P.9.
228

No terceiro quadrinho (fig.67) há apenas a sombra de um soldado de perfil, fardado e


com uma baioneta apoiada no ombro. O quadro, maior que os outros, destaca a figura
iluminada em meio a escuridão que ocupa a maior parte do quadrinho. A legenda tratava do
fechamento do jornal em 18 de julho de 1925, totalizando apenas três meses de circulação
legal504.
O quarto quadrinho (fig.67) mostra uma cena em que um senhor de chapéu, um jovem
e uma mulher estão diante de um exemplar de “A Classe” pendurado em uma banca de
jornais. A legenda ressalta que a tiragem ultrapassou as expectativas e alcançou diferentes
espaços: “4- Tiragem prevista: - de 2 a 1000 exemplares. No número 11 tem atingido 9500
exemplares. Os primeiros números do jornal saíram em plena legalidade. Era lido em toda a
parte: - nos bondes, nos trens, nas barcas da Cantareira e vendida na Galeria Cruzeiro” 505.
Esta sequência de quatro ilustrações mostra a primeira fase da trajetória do jornal: a
concepção inicial, a publicação, a repressão e a aceitação de um variado público. A próxima
sequência conta com três quadrinhos e relata o momento subsequente da publicação: a
ilegalidade. A quinta ilustração (fig.68) da “História d’A Classe Operária mostra um homem
de frente para outro, ambos usando ternos. Um aparece de costas enquanto o que está de
frente segura o jornal “7 de novembro”. A legenda ressalta a importância da publicação nas
mãos do personagem:
5- Explicando o motivo de fechamento da CLASSE, circula a 7 de novembro de
1925, 8º aniversário da Revolução Bolchevique, o único número de um jornal
clandestino: “7 de novembro”.
Outros jornais operários que circulavam na mesma época: “O Internacional”,
“Trabalhador Gráfico”, “A Vida”, “O Sapateiro”, “A Abelha”, “Voz Cosmopolita”,
“Boletim de A.T.I.M.”, “Boletim da I.S.V.”506.

Em seguida, a sexta ilustração (fig.68) traz o rosto de Prestes, usando a barba


característica do período em que esteve na Coluna. A legenda marca o início da segunda fase
em 1º de maio de 1928, com tiragem média de vinte mil exemplares. E explicita os
acontecimentos de 1930, que mudariam novamente os rumos da publicação: “Em 1930 A
CLASSE analisa o manifesto lançado à Nação pelo antigo chefe da Coluna Prestes. Depois da
Revolução de 30 A CLASSE passa para a clandestinidade, sofrendo daí por diante anos
perseguida”507.

504
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº1. 09 mar 1946. P.9.
505
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº1. 09 mar 1946. P.9.
506
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946. P.11.
507
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946. P.11.
229

Figura 68. Quadrinhos. Percy Deane." História d'A Classe Operária". A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946.
P.11.

A sétima ilustração (fig.68) mostra um homem negro ao lado de uma caixa na qual
estava escrito para ter cuidado com o fogo. O jovem está em um ambiente com outras tantas
caixas. A legenda trata da nova fase na clandestinidade, dos perigos e cuidados dos militantes
para que A Classe Operária se mantivesse em circulação:
7- A distribuição da A CLASSE era uma das mais perigosas tarefas dos militantes
comunistas. A CLASSE era encaixotada juntamente com outros caixotes de maças,
laranjas, bananas, etc., e enviada para um camarada no Mercado Municipal de onde
saía para diversos pontos do país. Os caixotes destinados aos Estados eram
embarcados a cargo de companheiros da Marinha Mercante. Havia sobre eles
inscrições assim: “Cuidado. Não aproxime do fogo”. Essas inscrições eram
senhas508.

A terceira parte da história apresentava três quadrinhos (figura 69). A oitava ilustração
mostrava novamente Prestes, mas no então momento, já sem barba, cabelos alinhados e
usando ternoe gravata. A legenda cita a entrada de Prestes no PCB em 1934 e o amplo
destaque com que foi noticiada em A Classe Operária na ocasião. Relata também a atuação
política do jornal no ano seguinte: “Em 35 “A CLASSE” lidera a campanha em favor da ANL.
509
É também o jornal que encabeça a luta contra o Integralismo” . O jornal se posicionava
diante dos acontecimentos e movimentos de vulto nos âmbitos político e social.

508
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº2. 16 mar 1946. P.11.
509
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº3. 23 mar 1946. P.11.
230

Figura 69. Quadrinhos. Percy Deane. História d'"A Classe Operária". A Classe Operária. Nº3. 23 mar 1946.
P.11.

A nona ilustração (fig.69) mostra uma casa isolada de vizinhança, com muitas árvores
em seu entorno e uma montanha sem casas ao fundo. A legenda explica a relação que a
imagem teria com o jornal:
9- Em certa época a “A CLASSE” era impressa numa chácara em Jacarepaguá,
dentro do mato. Seus encarregados passavam por homens do campo. Por várias
vezes as oficinas ilegais de “A CLASSE” foram assaltadas pela polícia, sendo
presos seus responsáveis. Um deles morreu numa das devassas policiais510.

A décima e última ilustração (fig.69) mostra o rosto de três pessoas: um homem


branco, um homem negro e uma mulher branca que estão dispostos lado a lado. Uma faixa
atrás dos três traz uma inscrição incompleta, mas que é possível compreender que diz:
“Abaixo o fascismo”. A legenda explicita como se deu o novo fechamento do jornal:
10-Circulou até 1940, março. A guerra contra o nazi-fascismo exigia uma luta mais
ampla do que através de um jornal ilegal. Quando a A CLASSE foi apreendida, em
1940, no Engenho do Mato, a polícia levou todo o material e prendeu três
companheiros, que foram barbaramente espancados na Central, onde já estavam
detidos e sendo torturados outros militantes511.

A “História d’A Classe Operária” se encerra no momento em que a perseguição ao


jornal e a seus membros levou a mais uma paralização da edição em 1940. A publicação
retornaria apenas em 1946, como visto. A história em formato de quadrinhos torna mais
acessível a trajetória do jornal órgão central do PCB. As ilustrações mostram um pouco dos
percalços e conquistas pelos quais passou. As legendas apresentam uma versão sintetizada da
história que foi contada em detalhes nas mesmas três edições, alcançando diferentes tipos de
leitores.
A Classe Operária publicou outros quadrinhos com desenhos de Percy Deane. Em
agosto de 1947 “O problema da terra” era tratado através de uma sequência de dez quadros
510
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº3. 23 mar 1946. P.11
511
HISTÓRIA D'A CLASSE OPERÁRIA. A Classe Operária. Nº3. 23 mar 1946. P.11
231

(fig.70). O primeiro mostra um homem negro, sem camisa e o sol ao fundo, remetendo a um
ambiente rural. A legenda correspondente retornava ao fim da escravidão e a forma como se
deu como um dos fatores do problema da terra no Brasil: “1- A libertação dos escravos
negros, em 1988, em nada de fundamental modificou a continuação da miséria do trabalhador
do campo. A grande massa camponesa continuou explorada pelo latifundiário”512.
A segunda ilustração (fig.70) apresenta um homem de perfil e com o braço esquerdo
erguido. Ele é branco, de barba e veste roupas largas. A legenda trata da proclamação da
República, afirmando que: “2- A proclamação da República, em 1889, manteve a situação,
pois se Pedro II era um imperador dos escravocratas, os Presidentes continuaram a apoiar-se
no poder dos senhores feudais” 513. O ponto de vista aqui ressaltado compara os latifundiários
brasileiros aos senhores feudais 514. E, assim como a abolição da escravatura, o fim do Império
também não contribui para a melhoria da vida no campo.
A terceira ilustração (fig.70) apresenta um homem curvado, com um tipo de faca na
mão cortando cana de açúcar. A legenda enfatiza as más condições de vida dos trabalhadores
rurais: “3- Mais de meio século depois de abolida a escravidão, o camponês ainda é espoliado
em todos os seus direitos e vive a vida do servo medieval, sem terra própria, na miséria a mais
completa”515.
A quarta ilustração (fig.70) mostra um homem deitada na rede, com os olhos fechados
descansando com o braço direito para cima e com um chicote na mão esquerda. Uma mulher,
da qual não aparece o rosto, traz uma xícara de café como se fosse servi-lo. A legenda trata
dos latifundiários: “4- Enquanto isso, o senhor da terra constitui cada vez mais um
vergonhoso fator de atraso de toda a nossa economia, desde que o latifúndio é um dos grandes
males que impedem o nosso progresso”516. A imagem, portanto, representa o grande
proprietário de terras, que goza de privilégios e boa vida, enquanto os trabalhadores sofrem na
lavoura.
A quinta ilustração (fig.70) mostra alguém carregando um feixe de cana de açúcar. A
imagem mostra um recorte da cena: o grande feixe apoiado nas costas da pessoa que usa os
braços para equilibrar o peso, mas que precisa manter o corpo inclinado para frente para
suportar. A legenda remete à perspectiva defendida para compreender a forma de uso da terra
pelos trabalhadores: “5-O semi-feudalismo existente no Brasil se traduz na sobrevivência de

512
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
513
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
514
Alguns intelectuais à época defendiam a ideia de que o sistema fundiário brasileiro se encaixava no modo de
produção feudal, como Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães e José Carlos Mariátegui.
515
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
516
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
232

relações econômicas baseadas na meiação, pois geralmente não há trocas monetárias e a terra
é arrendada” 517.

Figura 70. Qaudrinhos. Percy Deane. "O problema da terra". A Classe Operária. Nº87. 23 ago 1947. P.4.

A sexta ilustração (fig.70) traz um casal e uma criança cabisbaixos caminhando


enfileirados. O homem à frente carrega uma trouxa pendurada em pedaço de madeira que
serve de apoio. Atrás dele um menino de camisa listrada, e, por fim, uma mulher, de vestido e
envolta em um xale. Ao fundo, algumas montanhas, remetendo à paisagem rural. A ilustração
representa o abandono das terras onde a família vivia e a legenda reafirma esse problema e
aponta suas causas: “6- O latifúndio gera a miséria generalizada, determinando o êxodo em
massa de camponeses de umas terras para outras ou, em último recurso, dos campos para as
cidades” 518.
A sétima ilustração (fig.70) apresenta a imagem de Prestes, sorrindo. A legenda traça o
papel do líder comunista na problemática agrária: “7- Foi Prestes quem primeiro colocou nos
seus devidos termos o problema da reforma agrária em nosso país, em vários documentos
seus e finalmente num memorável discurso na Constituinte, em junho de 46” 519. Deste modo,
Prestes simbolizaria o início da organização da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais.

517
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
518
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
519
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
233

A oitava ilustração (fig.70) mostra um homem com o braço direito erguido, e o dedo
indicador apontando para o céu, parecendo discursar com entusiasmo. Ele está sobre alguma
superfície mais alta que os outros que o assistem, se destacando. As outras pessoas aparecem
de costas e uma delas usa chapéu de abas largas e irregulares, característico do perfil do
trabalhador rural. A legenda ressalta a atuação do PCB na organização dos trabalhadores: “8-
O Partido Comunista, em contato com os camponeses, pôde levar-lhes a palavra de Prestes,
ensinando-lhes a lutar pelas suas reivindicações imediatas e pela reforma agrária” 520.
Na nona ilustração (fig.70), aparece parte de quatro pessoas, que remetem a um grupo
maior em reunião. Estão dispostas de pé, conversando em uma roda. A legenda faz referência
aos primeiros resultados da organização promovida pelo partido: “9- Em poucos meses
formavam-se as ligas camponesas, que floresceram principalmente em São Paulo, através das
quais a massa camponesa sem terra começou a unificar-se para a luta por seus interesses” 521.
A décima e última ilustração (fig.70) mostra um aperto de mão e apenas uma pequena
parte das duas pessoas. A legenda destaca os avanços nos processos de conscientização e na
parceria entre partido e trabalhadores rurais: “10- Hoje, uma grande massa camponesa já
compreende a importância da unidade nessa luta. E sabe que a seu lado formam os milhões de
522
operários das cidades, pois só a reforma agrária nos levará ao progresso” . A imagem
representa o acordo selado, o compromisso assumido de apoio à causa agrária no Brasil,
inclusive por parte dos trabalhadores urbanos.
Deste modo, os motivos para os problemas agrários seriam buscados no entendimento
do processo histórico. Apesar de todas as transformações políticas ocorridas no país, a
exploração do trabalhador rural se intensificou ao longo dos anos. Era ressaltado o papel de
Prestes e do PCB na luta pela reforma agrária e na organização social. De acordo com os
quadrinhos, a atuação de Prestes e do PCB levariam os camponeses a conquista de melhorias
em suas vidas.
A história em quadrinhos (figura 70) apresentava desenhos pouco detalhados, mas que
devido ao tamanho não interferem na compreensão das cenas da sequência. Diferentemente de
outra ilustração de Percy Deane (fig.71), também sobre a questão agrária que foi publicada
em maio de 1946523.

520
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
521
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
522
O PROBLEMA DA TERRA. A Classe Operária. Nº 87. 23 ago 1947. P4.
523
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
234

Figura 71. Desenho . Percy Deane. “Numa localidade paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra”.
A Classe Operária. Nº10. 11 maio 1946. P.2.

A obra apresenta um trabalhador rural em primeiro plano (fig.71). Ele usa uma camisa
clara de manga longa, calça comprida e cinto. As roupas têm as marcadas as dobras causadas
pelo caimento no corpo. Nas mãos uma enxada apoiada no ombro esquerdo e na outra um
pedaço de papel para o qual o homem olha entristecido. O rosto e o pescoço têm fortes marcas
de expressão e de dobras naturais da pele, reforçando o semblante desolado. Ao fundo da
cena, as figuras já são menos detalhadas. Uma casa modesta com marcas na parede e três
homens estão de pé na porta, um deles de costas. Eles usam chapéus, camisas de manga
longa, calças compridas e estão descalços. O ambiente do entorno mostra montanhas ao
fundo, uma delas cultivada 524.

524
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
235

A ilustração estava atrelada a uma matéria que tratava dos altos índices de
trabalhadores que abandonaram as áreas rurais em São Paulo. A miséria é uma das causas
apontadas, visto que embora estivessem cercados por canaviais e usinas de açúcar, muitas
terras eram improdutivas ao passo que muitos trabalhadores não tinham acesso à terra. O
problema se estendia dos trabalhadores sem terra aos pequenos proprietários, que perdiam
“seu pequeno sítio, sua granja, sua fazendinha para o latifundiário”. Muitos trabalhadores
migrariam para áreas que ainda não sofriam com os interesses dos grandes proprietários que
visavam apenas as exigências dos importadores estrangeiros. Atingido certo ponto crítico, a
falta de opções estaria levando inúmeros camponeses para a capital paulista. A matéria conta
casos específicos de diversas cidades do interior de São Paulo e a reação do governo que ao
invés de criar soluções para a melhoria de via no campo, tentava impedir o êxodo através da
força policial. Os problemas são esmiuçados, a situação dos sem terras era agravada pela
medida de tabelar os gêneros agrícolas a valores muito baixos, que poderiam favorecer apenas
os grandes produtores, pois impediam o pequeno agricultor de manter sua atividade lucrativa
ou mesmo autossustentável525.
A grave situação extrapolava os jornais comunistas, A Classe Operária citava A Folha
da Manhã, sem ligação com o PCB, que publicara uma análise técnica que mensurava cerca
de trinta milhões de camponeses vivendo em condições sub-humanas no interior do país.
Defendiam a distribuição de terras devolutas aos que estivessem dispostos a cultivá-la.
Usavam como justificativa a concentração de terras apresentando dados que mostravam que
apenas 15% das áreas cultiváveis eram de pequenos proprietários que produziam para o
abastecimento urbano, ou seja, a monocultura latifundiária agravava também o
desabastecimento de gêneros alimentícios nos grandes centros urbanos. Nos arredores da
capital paulista, constatou-se que cerca de 12, 65% das terras eram cultivadas, enquanto o
restante servia a especulação do mercado e ao arrendamento 526.
A matéria relatava que a conscientização do trabalhador rural de São Paulo era feita
por parte de células nas cidades do interior organizadas pelo PCB. A mobilização levou a
elaboração de uma carta dos camponeses destinada aos companheiros e ao senador Prestes, na
qual arrolavam estes e outros de seus problemas e reivindicações imediatas 527. O
entendimento da situação que envolvia a temática da ilustração contribui para o entendimento

525
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
526
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
527
NUMA LOCALIDADE paulista, 40% dos camponeses abandonaram a terra. A Classe Operária. Nº10. 11
maio 1946. P.2.
236

da importância, intenções e possíveis efeitos nos observadores.


A atuação do PCB abrangia diversos âmbitos da vida da população mais pobre do país
em diversas localidades. Em 1947 era publicado, por exemplo, um “Programa mínimo para os
municípios”528. A proposta foi apresentada em formato de história em quadrinhos e ilustrada
por Percy Deane (fig.72).

Figura 72. Quadrinhos. Percy Deane. "Programa mínimo para os municípios". A Classe Operária. Nº92. 27
set 1947. P.6.

A primeira ilustração (fig.72) mostra algumas pessoas reunidas em roda: quatro


homens de terno e gravata e uma mulher. A legenda complementa o significado da imagem,
explicando a proposta: “1- O nosso programa mínimo deve ser objetivo, especificar cada
reivindicação do povo”. A segunda ilustração (fig.72) mostra o corpo de um homem entre os
joelhos e o meio do tronco, o enfoque é na mão esquerda com algumas moedas e papéis. A
legenda explica o problema: “2- Os camponeses querem salário em dinheiro e não pagamento
de ‘meia’ ou ‘terça’” 529, recusando as cessões de terra ao invês do pagamento pelo trabalho,
pois prendia o trabalhador ao proprietário ao invés de possibilitar sua independência.
Na terceira ilustração (fig.72) uma professora aponta uma varinha par aum quadro
negro com um calculo matemático simples, enquanto aparece parte de uma carteira e de um
aluno sentado assistindo à aula. A legenda enfatiza a relevância do tema: “3- Necessitamos

528
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
529
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
237

urgentemente de tantas escolas para tantos crianças sem escolas”. A quarta ilustração (fig.72)
apresenta a cena de uma mulher de costas, uma criança pequena, da qual so aparece parte do
rosto, e um homem de óculos e usando uma camisa com um bolso na frente com uma caneta.
A legenda é necessária para compreender que a cena se remete a um médico atendendo uma
criança acompanhada de uma mulher: “4- As nossas populações precisam de um posto
530
médico, e não de ‘milagreiros’” . Exigia-se, desta forma, profissionais para os
atendimentos médicos.
A quinta ilustração (fig.72) mostra pilhas de sacas de grãos. A legenda denunciava a
situação: “5- A nossa produção está apodrecendo. Uma estrada de A a X resolve o problema”.
A sexta ilustração (fig.72) traz vários papéis sobrepostos com a inscrição “imposto” destacada
em cada folha. A legenda destacava: “ 6- Os impostos devem recair sobre a propriedade
territorial e não ao consumidor” 531.
Na sétima ilustração (fig.72) há um homem ao lado de uma grande caixa cheia de
produtos ensacados, que pode ser parte da carroceria de um caminhão. Ao fundo está a porta
de um entreposto comercial, com o letreiro destacado. A legenda reivindicava a necessidade
de entrepostos para que o abastecimento fosse feito diretamente entre o produtor e
consumidor. A oitava ilustração (fig.72) mostra uma casa simples, feita de palha e com mato
ao redor. A legenda trata da questão da moradia: “8- Os camponeses necessitam de casas e não
de choças infectas e sem conforto” 532.
A nona ilustração (fig.72) apresenta alguns morros com vegetação natural e uma
árvore do lado direito. A legenda ressalta a questão das terras devolutas, defendendo a
distribuição aos trabalhadores se terra. Por fim, a décima ilustração (fig.72) mostra uma mão
erguendo um panfleto com a inscrição: “O povo exige a legalidade do PCB”. Quando a
história em quadrinhos foi publicada o PCB já havia perdido seus direitos políticos há alguns
meses e a legenda explicitava a necessidade do partido:”10- O Partido Comunista tem sido o
nosso guia na luta por uma vida melhor” 533. A história em quadrinhos facilita a disposição
das propostas em textos breves e desenhos simples, com poucos elementos. Algumas
ilustrações apresentam detalhes de uma cena, mostrando o ambiente ou mesmo as pessoas em
partes. As legendas e os desenhos se complementam, permitindo a visualização de elementos
das propostas básicas para os municípios, bem como enriquecendo a mensagem transmitida
pelos desenhos.

530
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
531
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
532
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
533
PROGRAMA mínimo para os municípios. A Classe Operária. Nº92. 27 set 1947. P.6.
238

Em julho de 1946 foi publicada uma ilustração de Deane que apresentava pessoas
protestando e carregando duas faixas com os dizeres:“Liberdade para os trabalhadores da
Light!” e “Punição aos torturadores da polícia!” (fig.73). A obra mostrava oito pessoas, das
quais um homem à frente se destacava. De terno, de calça e camisa listradas, mantinha os
punhos cerrados e voltados para baixo. Do lado direito um jovem e a única mulher, do lado
esquerdo dois outros homens. Todos mantêm o olhar para a mesma direção e com o
semblante denotando a firmeza necessária ao protesto. A representação de individualidades
nas feições e nos perfis com idades e gêneros diferentes conota a variedade entre os
trabalhadores que se pretendia alcançar.
A ilustração acompanhava uma matéria que tratava da prisão de operários da Light por
meio da sentença de um tribunal militar que recorreu a leis de exceção. Os operários lutavam
por melhores salários e condições de vida, mas teriam sido torturados semanas antes e desta
vez levados à prisão preventiva. A denúnicia era contra as “violências legalizadas contra a
classe operária e o povo”, que eram relacionadas à práticas de caráter fascista e reacionário. A
mobilização seria feita através dos sindicatos, que reivindicaria em protestos a liberdade e os
direitos dos trabalhadores. É destacado o perigo deste tipo de repressão a todos que viessem a
reclamar seus direitos. Por esta razão, convocavam: “os trabalhadores de todo o Brasil, das
cidades e dos campos, homens e mulheres, que vêem seus camaradas presos por se recusarem
a morrer de fome”. A situação das mulheres era ressaltada como “a maior vítima da
exploração, dos baixos salários, dos salários desproporcionais entre homens e mulheres,
obrigadas a abandonar seu lar e seus filhos para poderem vê-los subsistir ante a depauperação
sem limites a que está condenado o povo brasileiro” 534. Deste modo, a ilustração estabelece
relação direta com a mobilização proposta pela matéria.

534
PELA LIBERTAÇÃO dos trabalhadores e o auxílio material às suas famílias. A Classe Operária. Nº 19. 13
jul 1946. P.1-2.
239

Figura 73. Desenho Percy Deane. “Liberdade para os trabalhadores da Light”. A Classe Operária. Nº 19. 13
jul 1946. P.1.
240

As ilustrações de Percy Deane para A Classe Operária ganham relevo pela


recorrência mas também pelo destaque nas páginas do periódico. As temáticas abordadas
envolvem questões políticas inerentes ao jornal e mostram o olhar do artista sobre os temas.
As ilustrações de Deane se destacavam na militancia do artista, que contribuía para a melhor
compreensão dos temas abordados, bem como para o maior alcance da arte através do jornal.

O outro artista que pode ser destacado é Paulo Werneck. É incerta a data de sua
entrada oficial no PCB, mas há registros de que colaborava com desenhos para o jornal A
Manhã, vinculado ao partido, já em 1933 e 1935535. A relação com o partido após a
restituição da legalidade em 1945 se apresentou mais abrangente, figurando, por exemplo, no
Comitê Democrático Artistas Plásticos536. O ateliê do artista, no subsolo do prédio onde
morava em Laranjeiras537, servia para encontros com outros artistas filiados ao PCB como
Candido Portinari, Carlos Scliar, Chlau Deveza, Glauco Rodrigues, Israel Pedrosa e Oscar
Niemeyer para debater sobre arte, arquitetura, política internacional e nacional 538.
A partir de 1945, então, sua atuação no PCB se intensificou, constando no seu
prontuário produzido pela polícia política do Rio de Janeiro que fora “recrutado pelo PCB na
campanha eleitoral de 1945”, na qual o partido obteve significativos resultados 539. Neste
período, se destacariam os desenhos para o jornal Tribuna Popular a partir de 1945 e para seu
sucessor Imprensa Popular de 1948 até 1958, de circulação diária e vinculados ao PCB. Ao
todo, entre 1945 e 1958, foram cerca de 300 ilustrações apenas para estes dois periódicos, que
mostram o relevo da contribuição de Paulo Werneck. A produção de ilustrações de Paulo
Werneck apenas no período estrito de 1945 a 1947 se destaca com mais de 60 ilustrações nos
breves três anos em que o Tribuna Popular circulou. Os conteúdos variados das ilustrações se
coadunam com os temas das matérias publicadas, e variam de tamanho e de destaque nas
páginas.

535
Consta ter contribuído para Correio da Manhã, Fon-Fon e Diário de Notícias como jornalista. Fundo Polícia
Política do Rio de Janeiro. Prontuário Paulo Werneck. Nº 21640. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
(APERJ).
536
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 26J. Dossiê 1. Folha 2305. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
537
Durante um período de 1945 era indicado construir abrigos antiaéreos em edifícios residenciais, devido às
tensões beligerantes internacionais, o que foi o caso do prédio onde Paulo Werneck morava com sua família.
Esta característica conferia privacidade, mas também discrição e segurança aos encontros em vista a repressão da
polícia política à época.
538
SALDANHA, Claudia. Paulo Werneck - muralista brasileiro. In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista
brasileiro. Paço Imperial, 2008. P. 5.
539
Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Prontuário Paulo Werneck, GB. Nº 21640. Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
241

Ao observar o conjunto das ilustrações nota-se que o contexto que as envolve é


concernente a questões gerais sobre política nacional e internacional, denúncias sociais
relativas à vida cotidiana, moradia, condições de trabalho, além de eventos e manifestações
políticas ou culturais promovidos pelo partido. Os desenhos se aproximam da proposta do
realismo socialista, mantendo o caráter didático, com clareza do conteúdo e explorando temas
concernentes ao povo e aos trabalhadores rurais e urbanos. Nas imagens a seguir é possível
perceber essas características.
Em setembro de 1945, era comemorada a chegada ao país do terceiro escalão da Força
Expedicionária Brasileira (FEB). Recepcionados nas ruas do Rio de Janeiro por moradores,
familiares, amigos e autoridades militares, os ex-combatentes contaram também com a
homenagem dos comunistas que desfilaram em “150 caminhões e carros de passeio”. Os
soldados marchariam no centro da cidade sob fortes aplausos540. A fotografia a seguir mostra
muitos militantes de pé sobre um veículo, erguendo faixas em homenagem a FEB e em defesa
da Constituinte (fig.74).

Figura 74. Fotografia. Homenagem à FEB. Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1.

540
RETORNAM À PÁTRIA os que lutaram na Itália contra o fascismo. Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1.
242

Através de uma ilustração, Paulo Werneck contribuía para a exaltação dos


expedicionários brasileiros no jornal (fig.75). A obra mostrava faixas com os dizeres: “Glória
aos heróis da FEB” e “Constituinte”. À frente, soldados marcham enfileirados e
uniformizados, carregando bolsas nos ombros. Ao lado direito, mulheres os recepcionam com
os braços erguidos parecendo comemorar a chegada ou entonar palavras de ordem, como as
escritas nas faixas. A abordagem do artista mostra a inspiração nas faixas presentes na
fotografia e o apelo diferente que a ilustração tem sobre o observador. A clareza não apenas
pela qualidade de reprodução no jornal, mas também pelos elementos escolhidos e a forma
como são representados.

Figura 75. Desenho. Paulo Werneck. "Glória aos heróis da FEB". Tribuna Popular. 18 set 1945. P.1.
243

Os problemas rurais também eram pauta do Tribuna Popular e destacados pelos


desenhos de Werneck. Na imagem a seguir (fig.76), o casal é destacado, usando roupas
simples e descalços. Eles têm os olhares direcionados ao horizonte, o que denota a saída do
ambiente rural onde estão em busca de outro lugar para viver. Ele está agachado e ela está de
pé e carrega uma trouxa aludindo à ideia de o casal estar deixando sua casa. A pequena
trouxa também traz a ideia de poucos pertences o que reafirma a pobreza destas pessoas. O
primeiro plano tem tons fortes em preto contrastando com o branco. As personagens têm o
desenho do corpo escuro e as roupas claras apenas com os contornos e dobras, o que dá ideia
de movimento pelo vento às roupas.

Figura 76. Ilustração. Paulo Werneck. "São miseráveis os salários dos trabalhadores rurais do Norte".
Tribuna Popular. 09 abr 1946.
244

A matéria à qual a ilustração (figura 76) está relacionada no jornal é relativa às


condições ruins em que vivem os trabalhadores rurais que os levavam a deixar suas terras e,
muitas vezes, as zonas rurais para migrar para as áreas urbanas. É apresentado o panorama de
alguns estados do Nordeste brasileiro, denunciando a concentração fundiária que implicava os
baixos salários, o pagamento por produtos. Muitos trabalhadores rurais eram submetidos,
então, à grande exploração e precárias condições de vida no interior do país541. A
problemática questão agrária no Brasil recebia destaque com uma matéria detalhada sobre
valores da terra e de produtos e a ilustração enfatizava o drama de muitos migrantes rurais.
Na imagem seguinte (figura 77) mulheres carregam latas de água na cabeça. Os traços
e sombreamentos escuros mostram a dureza nos rostos das mulheres, bem como os braços
fortes da mulher à frente que denotam sua atividade física de trabalho. O desenho chama
bastante atenção por seu tamanho, ocupando grande parte da metade superior da página do
jornal. No entanto, o maior destaque pode ser devido às próprias características da ilustração.
A obra é composta por quatro personagens principais dispostos enfileirados e retratados desde
os quadris ao alto da cabeça onde carregam latas. Os traços do artista são marcados e
escurecidos, destacando as peles negras e a rudeza nas expressões faciais. Essas
características saltam diante do fundo branco, com poucos elementos542.
A ilustração se referia a uma matéria sobre a ausência de distribuição de água na
favela do Jacarezinho, obrigando os moradores a buscar água em locais distantes de suas
residências. A matéria questionava a quem serviriam o governo e seus aparatos quando
buscava remover os moradores de um morro. Ressaltava a possibilidade de organização dos
moradores para defenderem suas casas contra as remoções. A autoria era do escritor paraense
Dalcídio Jurandir, que narrou o cotidiano difícil da favela. Os moradores contavam com
apenas duas bicas de água coletivas no acesso ao morro. Segundo o relato, as torneiras eram
disputadas principalmente pelos moradores do alto do morro que teriam que descer para
buscar água e depois subir carregando as latas ou outros recipientes. A falta de abastecimento
nas favelas, enquanto alguns bairros ostentavam jardins e água jorrando a vontade mostrava a
disparidade de tratamento por parte do governo 543.

541
MENEZES, Rui Simões. São miseráveis os salários dos trabalhadores rurais do Norte. Tribuna Popular. 09
abr 1946. P.8.
542
JURANDIR, Dalcídio. A ameaça de despejo pesa sobre o morro. Tribuna Popular. 18 jan 1946. P.8.
543
JURANDIR, Dalcídio. A ameaça de despejo pesa sobre o morro. Tribuna Popular. 18 jan 1946. P.8.
245

Figura 77. Desenho. Paulo Werneck. "A ameaça de despejo pesa sobre o morro". Tribuna Popular. 18 jan
1946. P.8.
246

Os problemas do cotidiano eram vários: ausência de fornecimento de luz, de escolas e


de postos médicos. Apesar disso, conforme aumentava a ocupação do morro apareceriam
supostos proprietários das terras, exigindo o despejo dos moradores. Ao final da matéria,
chamavam a população para um comício no alto do morro com o objetivo de organizar
comitês populares e associações para reivindicar seus direitos básicos 544. Alia-se, deste modo,
um problema grave do cotidiano da população mais pobre à expressão do artista de forma a
ser facilmente reconhecido pelo público.
O jornal Tribuna Popular promovia e apoiava a mobilização do proletariado em prol
de melhorias de condição de vida e trabalho. Imagens com cenas de pessoas unidas como em
marcha eram comuns. O trabalho de Paulo Werneck dava ênfase às propostas de mobilização
do PCB, acentuando a atenção às causas. A imagem seguinte (fig.78) apresenta traços finos e
os rostos detalhados, mostrando linhas de expressão e passando individualidade a cada
pessoa. O efeito de multidão é usado dando profundidade ao desenho.

Figura 78. Desenho. Paulo Werneck. "1º de maio pela democracia". Tribuna Popular. 1º maio 1947. P.8.

As pessoas trazem faixas com palavras de ordem pela democracia enquanto outras
marcham à frente, na maioria homens, em manifestação pela causa, alguns empunhavam

544
JURANDIR, Dalcídio. A ameaça de despejo pesa sobre o morro. Tribuna Popular. 18 jan 1946. P.8.
247

bandeirinhas do Brasil. O Comitê Nacional do Partido Comunista ressaltava as conquistas do


proletariado do mundo, superando ditaduras e fortalecendo a União Soviética. Destacavam a
possibilidade de comemorar o 1º de maio no Brasil em período democrático e pela primeira
vez sob um regime constitucional545. No ano anterior fora elaborada uma constituição de
forma democrática, com a participação efetiva de membros do PCB eleitos na Assembleia
Constituinte.
Já a imagem adiante (fig.79) se difere das outras pela sobreposição do branco sobre o
preto. A predominância da cor preta destaca ainda mais a ilustração no jornal e o contraste
com poucas partes em branco acentua alguns pontos dos rostos, dos tórax e das mãos.

Figura 79. Ilustração. Paulo Werneck. Trabalhadores da construção numa justa campanha. Tribuna Popular.
18 out 1945. P.8.

A obra apresenta um homem de costas segurando muitos panfletos na mão esquerda,


enquanto impunha a mão direita parecendo falar ao público. À sua frente e também de costas
há outro homem lançando panfletos para as pessoas aglomeradas. Entre as pessoas que
assistem há os rostos de uma mulher à direita e quatro homens. Ela usa um vestido de manga
curta e eles usam terno, se assemelhando ao perfil dos outros trabalhadores urbanos. Um dos

545
MANIFESTO do CN do PCB ao proletariado e a todo o povo brasileiro. Tribuna Popular. 1º maio 1947. P.8.
248

homens tem mais destaque por ser mostrado da cabeça aos joelhos. Ele usa chapéu e tem o
punho fechado sobre o peito segurando um papel enrolado, provavelmente um dos panfletos
distribuídos. Apesar dos poucos traços, os rostos têm certa individualidade.
A ilustração foi publicada pela primeira vez no Tribuna Popular, em outubro de 1945.
A matéria a qual estava relacionada era a respeito de uma campanha pela atualização dos
pagamentos dos trabalhadores da construção civil. A acusação era de que quem foi contratado
cinco ou seis anos antes não obteve aumento nos salários, enquanto os recém-contratados
receberiam salários maiores. Além disso, lutavam pela redução de horas de trabalho. Segundo
a matéria, a campanha seria justa e pacífica, contando com militantes experientes que
saberiam conduzir ao caminho da vitória os membros do sindicato através da união e
disciplina.
A obra abrangia situações diversas sobre a organização dos trabalhadores e promoção
de comícios. Por tal razão, não houve problemas quando foi publicada novamente em
dezembro do mesmo ano na revista cultural Esfera, também vinculada ao PCB . A imagem
trazia a legenda “Comício Popular” e acompanhava um pequeno texto intitulado
“Democracia” e que tratava da situação de então do país. A recém-conquistada democracia,
bem como a vitória sobre o nazi-fascismo com a contribuição da FEB, a formação da
Assembleia Constituinte, as eleições livres, a liberdade de imprensa, a legalidade do PCB. A
revista congratulava o proletariado e o povo pela democracia alcançada. A representação
visual de um comício era significativa por mostrar a organização social como caminho para a
democracia546.
A imagem adiante (fig.80) se refere a Luiz Carlos Prestes, mais destacada figura do
partido. A aparência do Secretário Geral do PCB, no entanto, faz alusão ao período em que
esteve na Coluna Prestes547, com longa barba, o uso do chapéu que está em sua mão e com
roupas militares. Ilustrava um canto em homenagem aos cinquenta anos de Prestes, que
destacava a trajetória e conquistas nos tempos da jornada percorrida e já enquanto líder do
PCB nas décadas seguintes548. Além da parte visual de fácil identificação dos traços, a
temática desta e de outras ilustrações do artista são próximas aos leitores do jornal.

546
DEMOCRACIA. Esfera. Dez 1945. P.9.
547
A Coluna Prestes teve grande participação tenentista e ficou famosa por promover comícios e manifestos com
denúncias às condições políticas e sociais do país. Unindo muitos tenentes percorreu longas distâncias à cavalo
pelo território nacional entre 1925 e 1927. Devido a esta empreitada, Prestes ficou conhecido como “Cavaleiro
da Esperança”. Cf. PRESTES. Anita Leocádia. A Coluna Prestes. São Paulo: Brasiliense, 1991.
548
CANTO anônimo para o cinquentenário de Prestes. Tribuna Popular. 26 dez 1947. P.8.
249

Figura 80. Desenho. Paulo Werneck. "Canto anônimo para o cinquentenário de Prestes". Tribuna Popular.
26 dez 1947. P. 8.
250

Paulo Werneck também colaborou para A Classe Operária, cujo desenho original
indica a destinação e tamanho que teria 549. A imagem apresenta Luiz Carlos Prestes à frente
de trabalhadores com ferramentas de trabalho (fig.81). Ao fundo, de um lado há homens e
mulheres em frente a uma fábrica com suas chaminés Um dos homens empunha um martelo,
símbolo do operariado. Do outro lado homens e mulheres 550 seguram uma enxada e uma
foice, símbolos do trabalho rural. Ao fundo, uma casa simples e campos cultivados. A figura
de Prestes aparece como a liderança das duas partes, unificando-as551.

Figura 81. Desenho “Traço para A Classe Operária”. Acervo Iconográfico. Pasta Cartazes. APERJ.

A publicação da ilustração foi feita em dezembro de 1947 com destaque na capa de


uma edição especial em homenagem ao cinquentenário de Prestes. A edição trazia nas duas
páginas centrais uma matéria intitulada: “Cinquenta anos de uma vida a serviço da pátria. No
549
O desenho original foi apreendido e faz parte dos arquivos da polícia política do Rio de Janeiro.
550
A respeito da forma em geral como a mulher foi representada visualmente na imprensa do PCB neste período,
Cf. TORRES, Juliana Dela. A representação visual da mulher na imprensa comunista brasileira (1945-1957).
Dissertação de Mestrado. PPHS/UEL. Londrina, 2009. 163-189.
551
Acervo Iconográfico. Pasta Cartazes. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).
251

cinquentenário de Prestes, intensifiquemos a luta em defesa de seu mandato”. No período em


questão, o PCB já retornara a ilegalidade e sofria com as ameaças de cassar os mandatos dos
seus membros que foram eleitos nos anos anteriores, o que ocorreria no início de 1948. A
matéria contava a trajetória de Prestes em longo texto e através de fotografias de momentos
marcantes. Por fim, tratava da questão dos mandatos e da necessidade de lutar para a
manutenção dos direitos políticos dos que foram eleitos democraticamente552.
Em 1945, um desenho de Paulo Werneck (fig.82) foi publicado na revista Esfera com
o objetivo de ilustrar um trecho do poema “Nosso Tempo” de Carlos Drummond de Andrade,
que neste período também esteve ligado ao PCB. Esta ilustração de Werneck diferia das
outras que o artista costumava publicar, pois apresentava elementos abstratos e figurativos.
Com contornos curvilíneos apresenta uma cabeça de perfil de um homem com a boca aberta,
dois prédios, duas pessoas sentadas abraçadas dentro de um espeço oval e ao fundo um avião
voltado para baixo. Alternando tons acinzentados, a imagem tem a legenda de “Zona
Comercial”.
O poema mostra o cotidiano na cidade, do trabalho burocrático, do expediente em
escritórios em edifícios que afasta as pessoas, mesmo que estas estejam em multidões. A hora
do almoço é um respiro no dia a dia mecânico.
Escuta a hora formidável do almoço
na cidade. Os escritórios, num passe, esvaziam-se.
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
Olhos líquidos de chão através do vidro devoram teu osso.
Come, braço mecânico, alimenta-te, mão de papel, é tempo de comida,
mais tarde será o de amor.
Lentamente os escritórios se recuperam, e os negócios, forma indecisa, evoluem.
O esplêndido negócio insinua-se no tráfego.
Multidões que o cruzam não o vêem. É sem cor e sem cheiro.
Está dissimulado no bonde, por trás da brisa do sul,
Vem na areia, no telefone, na batalha de aviões,
toma conta de tua alma e dela extrae uma percentagem.

Através do poema, é possível compreender o que a ilustração procura representar de


modo não linear: a rotina em prédios comerciais nas cidades, que transforma o ser humano e
subtrai parte de sua alma. A geometrização e fragmentação das formas, com inspiração
cubista, assim como a forma de caráter surrealista que sai da boca traz simultaneidade às
múltiplas narrativas da ilustração coadunando com a proposta do poema.

552
CINQUENTENÁRIO de Prestes. A Classe Operária. Nº 106. 30 dez 1947. P.1.
252

Figura 82. Ilustração. Paulo Werneck. "Zona Comercial". Esfera. Jun 1945.
253

A extensão da produção de ilustrações de Paulo Werneck mostra a intensa atividade


como militante para o partido. A preocupação com temáticas de apelo social, com conteúdo
ligado ao cotidiano do leitor predominava nesse tipo de trabalho do artista. O público alvo era
amplo, visto que o Tribuna Popular obteve grande tiragem no período de legalidade do PCB
(1945-1947), chegando a ser o segundo lugar no Rio de Janeiro com cerca de 150 mil
exemplares nos fins de semana e 80 mil nos dias úteis 553. O artista era consciente da grande
circulação de suas obras, alcançando pessoas que as viam como meras ilustrações das
matérias às quais se vinculavam, ou em sua singularidade. De toda forma, um grande público
estabelecia contato com o olhar de Paulo Werneck sobre os temas e suas intencionalidades,
ressignificando as obras a partir de suas vivências 554.
Concomitante a atividade de ilustrador, manteve a de desenhista técnico para
arquitetos, o que seria indispensável para sua subsistência 555. Dentre estes arquitetos estavam
os renomados Oscar Niemeyer (1907-2012) e os irmãos Milton Roberto (1914-1953) e
Marcelo Roberto (1908-1964), do Rio de Janeiro. Ao longo de sua carreira, produziu mais de
duzentos murais pelo país556. São obras de destaque nas edificações e com estética
predominantemente abstrata, embora alguns mostrem elementos indígenas e da natureza
brasileira. Do mesmo modo, as ilustrações eram obras que atingiriam um grande público. A
princípio, poderia parecer que seus murais abstratos destoavam de sua prática de ilustrador de
temas sociais aliada a suas convicções políticas. No entanto, todo o trabalho do artista foi
direcionado, de alguma forma, para a coletividade e teria alcançado essa expectativa,
atingindo diferentes camadas sociais e idades. Paulo Werneck preferiu se manter fora do
circuito de exposições e galerias e, ao contrário, optar pela arte aplicada alcançando o
cotidiano das pessoas557. A proposta era disponibilizar a arte para a população, e isto se daria
pelas dimensões de suas obras em locais públicos ou pela reprodutibilidade dos jornais,
revistas ou livros em que se apresentaram. A obra do artista mostra, portanto, sua

553
HONS, André de Seguin des. Os diários do Rio de Janeiro, 1945-1982. Dissertação de Mestrado.
IFCS/PPGHIS- UFRJ. Rio de Janeiro, 1982.
554
Cf. BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção: a explicação histórica dos quadros. Companhia das
Letras, 2006.
555
MARTINS, Carlos. Paulo Werneck- arte nos muros In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista brasileiro.
Paço Imperial, 2008. P. 19.
556
Werneck estudou com Niemeyer e Marcelo Roberto no final do período escolar e com eles iniciou uma longa
parceria, que na década de 1940 se estenderia a realização de murais para projetos arquitetônicos. De toda sua
produção muralista, cerca de noventa e oito ainda existiriam em cidades como Rio de Janeiro, Niterói, Brasília,
São Paulo, Belo Horizonte, Cataguases e Recife. SALDANHA, Claudia. Paulo Werneck- muralista brasileiro.
In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista brasileiro. Paço Imperial, 2008. P.7.
557
MARTINS, Carlos. Paulo Werneck- arte nos muros In: CATÁLOGO PAULO Werneck muralista brasileiro.
Paço Imperial, 2008. P. 25.
254

intencionalidade de alcançar grandes públicos, de levar a arte que produzia para o cotidiano
das pessoas.
As ilustrações mostravam importante papel nos periódicos, aproximando o leitor dos
debates e contribuindo para melhor compreensão dos temas apresentados. Além disso,
explicitavam o vínculo dos artistas plásticos com o PCB e o apoio que davam às propostas e
análises divulgadas nas publicações. A forma que se dava a relação entre os artistas e o
partido pode, deste modo, ser acompanhada nas diferentes nuances que poderiam levar a
regularidade ou eventualidade das colaborações. Assim como Paulo Werneck, outros tantos
artistas ligados ao PCB produziam obras de cavalete ou murais nos quais apresentavam
perspectivas artísticas diversas quanto à visualidade, aderindo a tendências ou apenas
elementos abstratos, expressionistas, entre outros. Vale ressaltar a abertura que o partido dava
às variadas atividades dos artistas militantes e que pode ser compreendida também com as
diferentes contribuições que faziam internamente.
Quanto às formas como cada artista conduziu sua carreira, algumas variantes devem
ser consideradas, como os interesses artísticos, experimentações de suportes e métodos,
demandas e para se manter financeiramente. Deste modo, aproximação com o realismo
socialista se fazia principalmente nas propostas relativas ao conteúdo, ou seja, nas
preocupações políticas. No entanto, se distanciavam no que concerne à forma, agregando
elementos do expressionismo europeu, sobretudo alemão. A ressignificação que os artistas
brasileiros fizeram das experiências da União Soviética, e das vanguardas de países da Europa
e da América Latina tiveram diferentes proporções nas produções de cada um.
255

CONSIDERAÇÕES FINAIS
256

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta tese procurou-se analisar a relação entre artistas plásticos e o Partido Comunista
do Brasil entre 1945 e 1950. Período que engloba o momento de retorno à legalidade do
partido e a transição para a radicalidade estabelecida a partir de agosto de 1950. Neste
momento o PCB obteve grande adesão de intelectuais, artistas e militantes em geral e isto se
deveu a diversos fatores. Entre eles o contexto político internacional no qual a União
Soviética ganhava prestígio após a vitória contra o nazismo na Segunda Grande Guerra e que
aproximou muitos intelectuais e artistas dos partidos comunistas pelo mundo. No caso
brasileiro, pode-se ressaltar a presença de Luiz Carlos Prestes como Secretário Geral do
partido, muito respeitado e admirado de modo geral por seus feitos na incursão que
empreendeu pelo país na Coluna Prestes devido a qual ficou marcado como “Cavaleiro da
Esperança”. Outro fator seria a política de União Nacional adotada pelo PCB quando de seu
retorno à legalidade, pois buscava atrair as grandes massas para suas fileiras e se mostrava
aberto a interlocução com os meios culturais. Após esse periodo, o enrijecimento proposto
pelo Manifesto de Janeiro de 1948 que culminaria no Manifesto de Agosto de 1950 , bem
como as novas condições de ilegalidade e perseguição da polícia política, coibiriam a
progressiva adesão ao partido e afastaria aos poucos muitos de seus membros.
Ao longo deste período pode-se observar que o expectro de artistas era muito amplo
quantitativamente, o que levava a abarcar diferentes tendências. O PCB naquela altura não
tinha um programa artístico delimitado, o que talvez tenha sido fundamental para a grande
adesão de uma gama diversa de artistas. A riqueza de inspirações, origens, produções
artísticas ganhava coesão no engajamento político que permeava suas preocupações e
atividades com as questões sociais. Buscou-se compreender quais os interesses de ambas as
partes nesta ligação e pôde-se observar que para o partido tal aproximação contribuía para o
prestígio e a aceitação na sociedade, além das colaborações com trabalhos artísticos para
ilustração de publicações, decoração de espaços, vendas e leilões para angariar fundos, entre
outras. A contrapartida é ainda mais subjetiva. Os membros em geral sofriam com a
perseguição da polícia política ainda durante a legalidade do PCB e mais intensamente
quando seu registro foi cassado. No caso dos artistas, pode ser ressaltada as restrições que
Candido Portinari passou por sua ligação com o PCB, ao ter sua entrada proibida nos Estados
Unidos da América, não podendo nunca ter visitado o painel Guerra e Paz que produziu para
a Organização das Nações Unidas em Nova York. Por outro lado, a abertura generosa do
257

partido à experimentação artística se mostrava bastante atrativa, pois permitia que as ideias
políticas fossem o fator que prevalecesse. Os artistas afinados com a causa comunista
encontravam no PCB um local de atuação política no qual se identificavam com as propostas.
Além disso, esse envolvimento promovia a maior interação entre os artistas que formavam ou
fortaleciam redes de amizade e interlocução, mesmo que a arte que produziam não
necessariamente estivesse de acordo com a ideologia defendida.
Para o desenvolvimento deste trabalho foi feita a análise das propostas e
embasamentos vigentes no período dentro do PCB e da produção e atuação dos artistas. A
tese foi dividida de modo a se desenvolver um estudo abrangente dos pontos que poderiam
confluir na relação estabelecida entre artistas e partido. Deste modo, inicialmente buscou-se
definir o realismo socialista e traçar como surgiu e se desenvolveu na União Soviética,
percorrerendo diferentes expressões das artes plásticas nas quais se aplicaram estes preceitos,
principalmente nas artes gráficas por sua grande difusão. A análise da forma como mostravam
pessoas felizes com o trabalho, vitoriosas nas guerras, dispostas a seguir a favor da situação
em que viviam foi importante para traçar um paralelo com o que foi produzido no Brasil pelos
artistas comunistas. No entanto, as reverberações das propostas do realismo socialista às
condições brasileiras proporcionaram particularidades, pois não poderia ser apenas transposto
para uma conjuntura outra. Entre 1945 e 1950, período desta análise, o PCB se reafirmava no
cenário nacional e sofreria com a ilegalidade a partir de 1947. Neste periodo, o PCB era um
partido atuante e que mostrava sua insatisfação com a política nacional e com as condições de
trabalho, miséria, moradia, transporte, educação e saúde da maioria da população rural e
urbana. O papel político desempenhado pelo Partido Comunista no Brasil era de denúncia dos
problemas do trabalhador, se apresentando como opositor do governo vigente, diferentemente
das condições soviéticas.
Após a compreensão do desenvolvimento da arte e do envolvimento político dos
artistas plásticos na URSS, foram analisadas as reverberações na América Latina e as
manifestações artísticas das esquerdas devidas a fatores internos, como no México
revolucionário. Deste modo, foi possível traçar ressonâncias destas expressões artísticas no
que viria a ser desenvolvido no Brasil no período delimitado. Em seguida, os debates sobre as
artes e os artistas desenvolvidos na imprensa comunista brasileira levaram à inserção da
atuação e produção dos artistas nas perspectivas que envolviam os membros do PCB. A
recorrência e a forma como se falavam dos artistas plásticos nos periódicos mostrou o
destaque que recebiam. Do mesmo modo, a entrega de carnês de membros em cerimônia
especial ratificou a importância que tinham para o partido e de tal divulgação.
258

A organização dos artistas enquanto categoria contribuiu para a compreensão da


relação que estabeleciam entre colegas e o engajamento político que esta mobilização
propiciou. A análise das exposições mostrou a organização dos artistas para a promoção dos
eventos e a mobilização em prol das causas levantadas pelo partido. As exposições foram
parte essencial da atuação dos artistas, que através delas puderam contribuir através das suas
áreas de atuação. A exposição “Os artistas plásticos ao PCB” foi o exemplo de maior
destaque, possibilitando o entendimento da forma como se deu o evento e a repercussão que
teve. Tais elementos agregavam artistas de tendências artísticas variadas, promoviam a maior
aceitação social do partido e levantavam fundos.
Em relação à experiência brasileira foram enfatizadas as produções publicadas em
revistas e jornais comunistas, que apresentavam conteúdo de acordo com as diretrizes do
partido. Deste modo, foi apresentado um expectro amplo das expressões artísticas divulgadas
pelos veículos partidários. A partir de então, percebe-se que as reverberações das propostas
soviéticas foram somadas às inpirações provocadas pelas práticas latino-americanas.
Enquanto na URSS exaltavam as condições de vida e as conquistas comunistas, na América
Latina e no Brasil o posicionamento não poderia ser outro senão de crítica social. A
experiência na América Latina tomou contornos da arte de cunho social, pois apesar de partir
de grupos diferentes e que não estavam conectados diretamente ou necessariamente com a
URSS, a produção artística apresentou elementos advindos e com afinidades com os debates e
discursos soviéticos.
A relação do Partido Comunista do Brasil com as artes e os artistas plásticos apresenta
muitas possibilidades para a historiografia. O desenvolvimento desta tese procurou contribuir
no que concerne ao período de maior efervescência cultural partidária e que contou com
grande número de artistas que apresentavam publicamente este vínculo. E ainda, buscou
compreender o momento de transição tática, entre 1947 e 1950, no qual a ilegalidade e
incremento da perseguição política foi modificando a forma de atuação do partido e de seus
membros de modo geral, mas que ainda contavam com intensa atividade cultural. Mostrou-se
que os artigos publicados nos jornais e revistas ligados ao partido sobre arte, artistas e
exposições procuraram construir um olhar sobre as artes e sobre os artistas engajados no qual
as preocupações sociais deveriam predominar. O envolvimento dos artistas plásticos com o
PCB repercutiu de diferentes formas para o partido e para os diversos artistas. No entanto,
pode-se destacar a contribuição na expansão de ideias comunistas e no uso da arte para tal
finalidade, bem como no espaço para a atuação política e maior interação entre artistas com
propósitos semelhantes em relação às questões sociais e por vezes artísticas.
259

REFERÊNCIAS
260

REFERÊNCIAS

Fontes primárias

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PINTURA que se desliga do povo não é arte. Tribuna Popular, 29 mar 1946. P 3 e 6.

PRESTES VISITOU, ontem, a exposição. Tribuna Popular. 31 mar 1946. P.3.

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artistas dirigem-se a Luiz Carlos Prestes. Tribuna Popular. 27 mar 1946. P.3.

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UNIVERSIDADE do povo. Serão inaugurados, dentro de poucos dias, alguns de seus cursos.
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Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 26J. Folha 2305. Arquivo Público
do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).

Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Geral. Notação 33. Dossiê 13. Arquivo Público do
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Fundo Polícia Política do Rio de Janeiro. Setor Informações. Notação 23. Dossiê 03. Maço 04.
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https://www.marxists.org/

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Projeto Portinari da PUC-Rio:


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