ANDERSON, Perry - Linhagens Do Estado Absolutista

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 4

ANDERSON, Perry. O Estado Absolutista no Ocidente in. ___.

Linhagens do Estado
Absolutista, Porto: Afrontamentos, 1984.

- “A longa crise da economia e da sociedade europeias durante os séculos XIV e XV


marcou as dificuldades e os limites do modo de produção feudal no último período da
Idade Média. Qual foi o resultado político final das convulsões dessa época no
continente? No decurso do século XVI emergiu no Ocidente o Estado absolutista” (13)

- “As alterações nas formas de exploração feudal sobrevindas no final da época


medieval estavam, naturalmente, longe de serem insignificantes. Na realidade, foram
precisamente essas mudanças que mudaram as formas do Estado. Essencialmente, o
absolutismo era apenas isto: um aparelho de dominação feudal alargado e reforçado,
destinado a fixar as massas camponesas na sua posição social tradicional, a despeito e
contra os benefícios que elas tinham conquistado com a comutação alargada das suas
obrigações” (16-7)

- “Por outras palavras, o Estado absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a
burguesia, ainda menos um instrumento da burguesia nascente contra a aristocracia: ele
era a nova carapaça política de uma nobreza atemorizada” (17)

- “A nova forma de poder da nobreza foi, por sua vez, determinada pela difusão da
produção e troca de mercadorias, nas formações sociais de transição do inicio da época
moderna” (17)

- “Mas as dimensões da transformação histórica acarretada pelo advento do absolutismo


não devem ser minimizadas. Pelo contrário, é essencial aprender toda a lógica e todo o
peso desta importante mudança de estrutura do Estado aristocrático e da propriedade
feudal , que produziu o fenômeno novo do absolutismo” (17-8)

- “O feudalismo como modo de produção definia-se na origem por uma unidade


orgânica de economia e política, paradoxalmente distribuída por uma cadeia de
soberanias parcelarizadas que atravessava toda a formação social. A instituição da
servidão como mecanismo de extracção de excedentes aliava a exploração econômica e
a coerção político-legal ao nível molecular da aldeia” (18)
- “Com a comutação generalizadas das prestações em rendas monetárias, a unidade
celular de opressão política e econômica dos camponeses foi gravemente enfraquecida e
ameaçada de dissociação [...]” (18)

- “Resultou dai um deslocamento da coerção político-legal, de sentido ascendente, para


uma cúpula centralizada, militarizada: o Estado absolutista. Difusa ao nível da aldeia,
ela tornou-se concentrada a um nível “nacional”. O resultado foi um aparelho reforçado
de poder real, cuja função política permanente era a repressão das massas camponesas e
plebeias na base da hierarquia social. Contudo, esta nova máquina política revestia-se
também, em função da sua própria natureza, de uma força coercitiva capaz de vergar ou
disciplinar indivíduos ou grupos dentro da própria nobreza. Assim, a chegada do
absolutismo, como veremos, nunca foi, para a própria classe dominante um suave
processo de evolução: ela foi marcada por rupturas e conflitos extremamente agudos no
seio da aristocracia feudal, cujos interesses coletivos em ultima análise servia” (18)

- “O enfraquecimento da concepção medieval de vassalagem funcionava em ambos os


sentidos: se conferia novos e extraordinários poderes à monarquia, emancipava ao
mesmo tempo os domínios da nobreza das restrições tradicionais” (19)

- “O efeito final desta redisposição genérica do poder social da nobreza foi a máquina
política e a ordem jurídica do absolutismo, cuja coordenação iria aumentar a eficácia do
domínio aristocrático, ao fixar os camponeses não-servos em novas formas de
dependência e exploração. As monarquias da Renascença foram antes e acima de tudo
instrumentos modernizados para a manutenção da dominação da nobreza sobre as
massas rurais” (19)

- “Simultaneamente, porém, a aristocracia tinha de adaptar-se a um segundo


antagonista: a burguesia mercantil que se desenvolvera nas cidades medievais” (19)

- “Na verdade, é significativo que os anos de 1450 a 1500 do aparecimento dos


primeiros indícios de monarquias absolutas no Ocidente, tenham sido também aqueles
em que foi superada a longa crise da economia feudal por meio de uma recombinação
dos factores de produção na qual, pela primeira vez, os progressos técnicos
especificamente urbanos desempenharam o papel principal” (20-1)
- “Todos estes rasgos técnicos, que lançaram os fundamentos da Renascença europeia,
concentraram-se na segunda metade do século XV; e foi então que a depressão agrária
secular finalmente terminou, por volta de 1470, na Inglaterra e na França” (21)

- “Precisamente nesta época registrou-se, de país para país, uma súbita e simultânea
renovação da autoridade e unidade políticas” (21)

- “Assim, quando os Estados absolutistas se constituíram no Ocidente, a sua estrutura


foi fundamentalmente determinada pelo reagrupamento feudal contra o campesinato,
após a dissolução da servidão; mas foi secundariamente sobredeterminada pela ascensão
de uma burguesia urbana que, no termo de uma série de progressos técnicos e
comerciais, desenvolvia agora manufacturas pré-industriais numa escala considerável”
(22)

- “A ameaça da instabilidade camponesa, incontestavelmente constitutiva do Estado


absolutista, conjugou-se, pois, sempre com a pressão do capital mercantil ou
manufactureiro sobre o conjunto das economias ocidentais, moldando os contornos do
poder aristocrático de classe na nova era. A forma peculiar do Estado absolutista no
Ocidente deriva desta dupla determinação” (23)

- “A dupla força que produziu as novas monarquias da Europa Renascentista encontrou


uma condensação jurídica singular. O reflorescimento do direito romano, um dos
grandes movimentos culturais da época, correspondeu ambiguamente as necessidades
das duas classes cujo nível e poder desiguais moldaram as estruturas do Estado
absolutista no Ocidente” (23)

- “No aspecto econômico, a recuperação e introdução do direito civil clássico foi


fundamentalmente propícia ao crescimento do capital livre na cidade e no campo, pois a
grande marca característica do direito civil romano fora a sua concepção da propriedade
privada absoluta e incondicional” (24)

- “O pleno reaparecimento da ideia de propriedade privada absoluta da terra foi produto


dos princípios da época moderna. Com efeito, só quando a produção e a troca de
mercadorias atingiu um nível geral, tanto na agricultura como nas manufaturas, igual ou
superior ao da Antiguidade, os conceitos jurídicos criados para codificar readquiriram a
sua verdadeira configuração” (25)
- “A aceitação do direito romano na Europa renascentista era assim um sinal da difusão
das relações capitalistas nas cidades e no campo: economicamente, ela correspondia aos
interesses vitais da burguesia comercial e manufatureira” (26)

- “Por outras palavras, ao incremento da propriedade privada na base correspondia o


aumento da autoridade pública no topo, corporizada no poder discricionário do
monarca. Os Estados absolutistas ocidentais baseavam os seus novos objetivos em
precedentes clássicos: o direito romano era a mais poderosa arma intelectual ao dispor
do seu programa típico de integração territorial e centralismo administrativo” (28)

Você também pode gostar