Feudalismo No Brasil-Questão e Polêmica
Feudalismo No Brasil-Questão e Polêmica
Feudalismo No Brasil-Questão e Polêmica
Sto
NATAL/RN
1997
JOSÉ ANTÔNIO RIBEIRO FILHO
NATAL/RN
1997
SUMÁRIO
I-INTRODUÇÃO
II - O FEUDALISMO CLÁSSICO
II. 1 - Caracterização
D. 3 - A servidão
II. 4 - O comércio
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
I - INTRODUÇÃO
No que se refere ao Brasil Colonial, existem várias interpretações que relacionam seu
sistema sócio-econômico com o capitalismo, feudalismo e até mesmo com o escravismo.
Boa parte dessas interpretações não são sólidas do ponto de vista marxista, não vendo senão
a superfície dos fatos.
Os historiadores marxistas brasileiros podem ser divididos, a partir de suas
interpretações com relação ao período colonial, em três grupos:
1) Há aqueles (como Caio Prado Júnior) que consideram o sistema econômico-social
do período colonial brasileiro como uma espécie de esboço do capitalismo, destituído de
uma forma específica, autônoma. Creio que isto se deva à tendência deste autor em
considerar primeiramente e como mais importante, a circulação e não o processo de
produção, o que é muito comum em trabalhos, mesmo marxistas, sobre a América colonial.
2) Outros ( como Nelson Werneck Sodré ) consideram que houve uma espécie de
"retorno ao escravismo", já que o modo de produção era escravista no período colonial. O
historiador não marxista Verlinden demonstrou perfeitamente que o escravismo se
conservou durante toda a Idade Média na Europa mediterrânea e que, mais que no
escravismo antigo é no sistema de colonização aplicado pelas cidades italianas no
Mediterrâneo oriental e no Mar Negro (baseado na grande propriedade com mão-de-obra
escrava) que os portugueses se inspiraram para realizar sua colonização das Ilhas Atlânticas
e do Brasil. Além disso não se poderia mesmo confundir o sistema econômico da
antigüidade com o do Brasil colonial uma vez que o escravismo de ambos se desenvolvem
dentro de diferentes estágios de desenvolvimento das forças produtivas.
3) Finalmente, a interpretação feudalista sobre o sistema colonial brasileiro, visão, em
geral, mais precisa que as demais, considerando-se que as superestruturas feudais
influenciaram bastante as da colônia, principalmente de início. As semelhanças são muitas,
inclusive no que se refere à relação entre a grande propriedade colonial e o domínio
medieval (autarquia no que se refere à alimentação e à manufatura mais simples, a grande
fazenda era um núcleo quase independente do ponto de vista de subsistência, seu
proprietário reunia poderes muito amplos sobre o conjunto dos habitantes, escravos ou
livres, incluindo sua própria família).
Como este trabalho procurará reforçar a teoria do feudalismo colonial no Brasil, é
importante que tenhamos um prévio conhecimento do que foi o feudalismo em sua ordem
mais pura, apresentando no próximo capítulo uma pequena síntese do que foi o feudalismo
na época medieval, para que, nos baseemos nas discussões posteriores na referida síntese.
É importante sabermos que, mesmo na época medieval, as formas feudais existentes
na Europa não se deram de forma homogênea, seus espaços possuíam especificidades, cada
caso era um caso. A partir daí estudaremos o caso próprio do Brasil colonial e suas
características específicas.
II - O FEUDALISMO CLÁSSICO
II. 1 - Caracterização:
Segundo M. Monteiro: "Por feudalismo devemos entender o modo de produção no
qual as relações sociais de produção estão baseadas na servidão; a propriedade dos meios de
produção está dividida entre a classe dominante (a nobreza feudal) e a classe dominada (os
servos), e o objeto fundamental da produção é o valor de uso."1
n. 2 - Origem do feudalismo;
O Império Romano na época das invasões germânicas encontrava-se em plena crise.
Pouco restava da unidade do século n. A parte ocidental, mais afetada pela crise,
demonstrava bem a decadência do modo de produção escravista.
O esgotamento das terras, a falta de escravos e a incapacidade de crescimento do
trabalho livre em compensação ao trabalho escravo determinava uma crise sem precedente
no Império Romano Ocidental às vésperas do século IV. O comércio e a produção artesanal
urbana retraíam-se. As cidades iam se despovoando. A fuga para os campos em busca de
condições de sobrevivência levava a população a voltar-se para o valor de uso. Observava-
se a atenuação das condições dos escravos para que novas formas de relações sociais se
implantassem. Surge o colonato.
Escreveu Diakov: "Tais colonos eram das mais diversas origens: escravos
assentados nas tenras, populações bárbaras que vieram se estabelecer em território
romano e, sobretudo, multidão de homens livres das cidades que arrendavam parcelas
baldias das grandes propriedades."2
Aproveitando-se da intranqüilidade e desorganização dos séculos finais do Império,
os grandes proprietários ampliavam suas terras e tornavam-se protetores da população livre
(o patrocínio). Essa população livre por sua vez tornou-se dependente dos grandes
proprietários rurais.
Os germanos quando invadiram o Império Romano já encontraram uma sociedade
em transformação e passaram a orientar a direção dessas mudanças.
A sociedade germânica, na época das invasões, também atravessava um processo de
mudança. Transformara-se de uma sociedade com base gentílica em uma sociedade de
diferenciações sociais internas. Apareceram os guerreiros que tornaram-se fiéis a um líder e
procuraram saquear terras, repartindo o butim. Esses guerreiros tiveram grande importância
na época das invasões, tomaram-se chefes e assumiram grandes poderes.
Escreveu Anderson: "O séquito pode definir-se sempre como uma elite que
transcende a solidariedade de parentesco, ao substituir os vínculos biológicos por
vínculos convencionais de lealdade, e indica a próxima desaparição do sistema de
clãs."3
Aos germanos, o Império Romano cedeu terras ao longo de suas fronteiras e
engajou-os nasfileirasde seu exército. Posteriormente tribos inteiras romperam as fronteiras
e penetraram em direção ao sul, dando início às 'Invasões bárbaras".
Escreveu Monteiro: "As duas sociedades que se chocam estavam em processo de
mudança. A fusão resultará na síntese, cujo produtofinalé o feudalismo."4
II. 3 - A servidão:
A servidão foi uma relação de trabalho sensivelmente superior à escravidão (que
predominou no Império Romano). O camponês, homem livre, vivendo numa economia
essencialmente agrária, onde a terra não lhe pertencia, estabeleceu entre ele e o proprietário
uma relação baseada em uma série de compromissos e obrigações. Por ser proprietário dos
instrumentos de trabalho, o camponêsficavacom parte da produção, como trabalha em terra
que não é de sua propriedade, entregava ao proprietário uma parte de sua produção, a título
de pagamento pelo seu uso. O proprietário tinha a obrigação de defender seus camponeses.
A base da economia era a pequena produção camponesa, e sobre o camponês, recaia todo o
peso da exploração
A hierarquização da classe dominante dava-se por meio de vassalagem e da
subenfeudação, parcelamento do poder central com a nobreza usurpando poderes e
atribuições pertencentes ao monarca. Essa situação, apesar de tender à fragmentação,
necessitava do poder central existente, para que a usurpação não se tornasse extrema no
tocante à submissão dos explorados. Daí a necessidade e importância da vassalagem que
garantia um mínimo de coesão e, assegurava a reprodução das relações sociais de produção
implantadas. Á igreja legitimava esta situação, constituindo-se um poderoso instrumento de
conservação e reprodução do sistema.
n. 4 - O comércio:
Apesar da historiografia tradicional enfatizar o "caráter fechado" da economia
feudal, não podemos de forma geral qualificar tal afirmação. Houve de feto uma retração
dessas atividades entre o século VI e DC, porém, a partir dos séculos X e XI, houve um
grande desenvolvimento urbano e mercantil. O modo de produção feudal não era
incompatível com o comércio e a indústria. Se quisermos atribuir ao feudalismo o caráter de
economia fechada, teríamos que situá-lo no tempo e no espaço. Não se deve confundir
economia voltada para o valor de uso (produção) com ausência do comércio.
Perry Anderson, Transiciones de la Antiguidad alfeudalismo, 1983, Editora Siglo XXII, pág. 106.
4
Hamilton M. Monteiro, O Feudalismo: economia e sociedade, 1987, Editora Ática, pág. 13.
III - A POLÊMICA DO FEUDALISMO NO BRASIL
NOTAS:
1
Roberto C. Simon sen, História ^Econômica do Brasil, 1937, Editora Nacional, págs. 124 e
seguintes.
2
 tese de Simonsen sofireu judiciosas refutações da parte de vários pesquisadores de nosso passado.
O Sr. Nestor Duarte, respondendo aos argumentos manejados pelo autor da História Econômica do
Brasil, demonstra exaustivamente que as características feudais não apenas estão presentes no
período inicial da colonização de nosso país, como se fixaram ao longo dos séculos seguintes: "O
sistema das donatarias nos transmitiu o estilo e a forma de uma ocupação do solo que é uma das
constantes de nossa sociedade e a própria condição de suas lindes territoriais que ainda hoje
perduram na configuração de muitos dos nossos Estadosfederados",(...) "Donatários, donos de
sesmarias, senhores de engenhos e de fazenda e de currais, embora só os primeiros detivessem, por
outorga legítima, a jurisdição civil e a governança, continuaram a desenvolver longe e indiferentes, ou
refratários a um poder do Estado tão distante, a índole feudal oufeudalizanteda sociedade". (A
Ordem Pjjvada e a Organização PolíticaNgcional, Editora Nacional, 1939, págs. 43 e seguintes).
Revela visão igualmente esclarecida do problema, o Sr. Alberto Ribeiro Lamego: "Roberto Simonsen
opina que não ofeudalismo,e sim o capitalismo caracteriza o sistema de donatarias no Brasil, desde
os tempos mais remotos. Do ponto de vistafinanceiropode ser correto. Considerando-o, porém,
integralmente, com toda a sua complexidade derepercussõessociais, mormente as compressivas do
pequeno proprietário que se proletariza e a crescente contração do capital em meia dúzia de mãos
afortunadas ante a grande massa paupenzada, o verdadeiro capitalismo é umfenômenoque,
particularmente em Campos, só penetra em nossa civilização rural com o advento dos engenhos a
vapor, e só atinge mesmo em cheio a indústria açucareira com a elasticidade artificial do crédito
bancário durante a Grande Guerra." {O Homem e o Brejo, Rio, 1945, pág. 107.)
Nelson Wemeck Sodré que em trabalhos anteriores admitira a tese do "capitalismo colonial" para
classificar o regime econômico da América Portuguesa (As Classes Sociais no Brasil, págs. 26 e 27)
reformulou seu ponto de vista, aduzindo com admirável lucidez argumentos irrefutáveis para
comprovar a existência das característicasfeudaisda economia e da sociedade do Brasil-Colônia, em
seu magnifico livro Formação Histórica do Brasil, Ed. Brasiliense, 2a edição, 1963, págs. 27 e
seguintes.
3
Friedrich Engels, O Mgterialismojfistórico, Londres, abril 1892.
4
Friedrich Eogels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, cap. IX.
5
Leo Weibel, "A Forma Econômica da Plantage Tropical", conferência pronunciada em 1932 na
Alemanha e incluída em Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil, Rio, 1958, págs. 31 e
seguintes.
6
Leo Weibel, As Zonas Pioneiras do Brasil, 1955, op. cit, pág. 263 e seguintes.
7
Sérgio Bagu, Economia de La Sociedad Colonial, Buenos Aires, 1949, cap. V.
g
Essa fórmula foi aplicada, como complemento do desenvohnmentismo, pelo governo do Sr.
Juscelino Kubitschek. O conjunto de medidas que compunham a "meta agrícola" desse governo tinha
por objetivo "a expansão da produção e a melhoria dos níveis gerais de produtividade", como se dizia
no Programa de Metas (tomo III, pág. 10), para o que se previam maciças injeções de dinheiro na
compra de tratores etc. Os resultados não sefizeramesperar: ofracassoda cultura do trigo e a crise
do
9 feijão.
De acordo com o Censo Agrícola de 1950 a terra-capital representa 78% do total dos capitais
aplicados na agricultura.
IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS
NOTAS:
1
Marx, Mamfes^Comunista^l 848. (
2
BAGU, Sérgio. Economia de la sociedade colonial. Buenos Aires: Ed. Esperanza, 1949.
DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organização politica nacional. 2. ed., São Paulo:
Ed. Nacional, 1996.
GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 5 ed., Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1981.
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 34. ed., São Paulo: Brasiliense,
1945.
REBOUÇAS, André. Diários e notas autobibliográficas encontrados na Biblioteca
Nacioijal do Rio de Janeiro, 1897.
SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil 5. ed., São Paulo. Ed. Nacional,
1967.
SODRÉ, Nélson Werneck. Formação histórica do Brasil. 3. ed., São Paulo: Brasiliense,
1964.