Capitalismo e Democracia Wood
Capitalismo e Democracia Wood
Capitalismo e Democracia Wood
Titulo
Autor(es)
En:
Buenos Aires
Lugar
Editorial/Editor
2007
Fecha
Campus Virtual
Coleccin
Temas
Economia;
Captulo de Libro
Tipo de documento
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/clacso/formacion-virtual/20100715084411/cap18.p URL
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Reconocimiento-No comercial-Sin obras derivadas 2.0 Genrica
Licencia
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/deed.es
Capitalismo e democracia
Estados Unidos. Aquilo que pretendia e pretendo sublinhar aqui que nas condies do
capitalismo global atual e do novo imperialismo, a democracia pode ameaar converterse em algo mais que um regime meramente formal. Para me explicar, retomarei
brevemente um argumento sobre a relao entre o capitalismo e a democracia que
aparece em meu livro Democracia contra o capitalismo.
Interessa-me deixar claro desde o comeo que para mim, o capitalismo em sua
anlise final incompatvel com a democracia, se por democracia entendemos tal
como o indica sua significao literal, o poder popular ou o governo do povo. No
existe um capitalismo governado pelo poder popular no qual o desejo das pessoas seja
privilegiado aos dos imperativos do ganho e da acumulao e, no qual, os requisitos da
maximizao do benefcio no ditem as condies mais bsicas de vida. O capitalismo
estruturalmente antittico em relao democracia, em princpio, pela razo histrica
mais bvia: no existiu nunca uma sociedade capitalista na qual no tenha sido atribudo
riqueza um acesso privilegiado ao poder. Capitalismo e democracia so incompatveis
tambm, e principalmente, porque a existncia do capitalismo depende da sujeio aos
ditames da acumulao capitalista e s leis do mercado das condies de vida mais
bsicas e dos requisitos de reproduo social mais elementares, e esta uma condio
irredutvel. Isso significa que o capitalismo necessariamente situa cada vez mais esferas
da vida cotidiana fora do parmetro no qual a democracia deve prestar conta de seus
atos e assumir responsabilidades. Toda prtica humana que possa ser convertida em
mercadoria deixa de ser acessvel ao poder democrtico. Isso quer dizer que a
democratizao deve ir da mo da desmercantilizao. Mas desmercantilizao por
definio significa o final do capitalismo.
Essa minha posio e quero deix-la aqui assentada com clareza. Entretanto, em
nossos dias estamos acostumados a usar a palavra democracia em um sentido
diferente ao at aqui expresso, e o capitalismo o que tem feito esta redefinio
possvel na teoria e na prtica. De modo que me permitam umas palavras sobre este
processo de redefinio.
Em primeiro lugar, simplesmente direi uma ou duas palavras sobre o tratamento
mais usual do termo democracia. Estamos todos familiarizados com os usos mais
defeituosos aquele que, por exemplo, admite que o governo dos Estados Unidos
considera o Chile de Augusto Pinochet como um regime mais democrtico que o Chile
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ativo do poder popular, mas sim como a execuo de mais um direito passivo.
De uma maneira ou de outra, ento, as concepes dominantes de democracia
tendem a: substituir a ao poltica com cidadania passiva; enfatizar os direitos passivos
em lugar dos poderes ativos; evitar qualquer confrontao com concentraes de poder
social, particularmente se for com as classes dominantes, e finalmente, despolitizar a
poltica. Para contar como isto aconteceu tratarei de sintetizar o relato de uma longa
histria.
Comecemos, por retomar a idia original grega de democracia. Tomemos, por
exemplo, a definio do Aristteles: democracia uma constituio na qual os
nascidos livres e pobres controlam o governo sendo ao mesmo tempo uma maioria. O
filsofo grego distinguiu a democracia da oligarquia, definindo a segunda como o
regime de governo no qual os ricos e bem nascidos controlam o governo sendo, ao
mesmo tempo, uma minoria. O critrio social pobreza em um caso, riqueza e nobreza
no outro desempenham um papel central em ambas as definies e preponderante
ainda em relao ao critrio numrico.
Um antigo historiador que conheo sugeriu inclusive que, ao menos para seus
oponentes (que podem ter sido aqueles que inventaram o termo), a democracia
significou algo anlogo ditadura do proletariado, em um sentido pejorativo do
termo. obvio, ele no quis dizer que existia um proletariado no sentido moderno na
Grcia antiga. Especificamente, o que apontava era sublinhar que para os oponentes da
democracia esta forma do poder do povo era uma forma de dominao, o poder da gente
comum sobre os aristocratas. Isto implicava a submisso da elite massa.
obvio, nesta trama, que devemos dizer que complexo aplicar a palavra
democracia a uma sociedade com escravido em grande escala e na qual as mulheres
no tinham direitos polticos. Mas importante compreender que a maioria dos
cidados atenienses trabalhava para viver; e trabalhavam em ocupaes que os crticos
da democracia consideravam como vulgares e servis. A idia de que a democracia
consistiu no imprio de uma classe ociosa dominando uma populao de escravos
simplesmente errnea. Esse foi o ponto central da oposio antidemocrtica. Os
inimigos da democracia odiavam este regime sobre tudo porque outorgava poder
poltico ao povo formado por trabalhadores e pobres.
Na verdade, poderamos dizer que o tpico que dividia os setores democrticos
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classes dominantes tiveram que adaptar-se s novas condies, tanto poltica como
ideologicamente. Com o incio das campanhas eleitorais de massas no final do sculo
XIX, os antidemocrticos dificilmente podiam ser abertamente honestos em relao a
seus sentimentos antipopulares. Que candidato podia dizer a seus votantes que os
considerava muito estpidos e ignorantes para escolher por eles mesmos o que era o
melhor em poltica e que suas demandas eram to absurdas como perigosas para o
futuro do pas? Perguntava-se Eric Hobsbawm. Assim, repentinamente, todos eram
democrticos.
Entretanto, h mais nesta histria. Muito ocorreu antes do sculo XIX que
habilitou a possibilidade desta nova estratgia ideolgica. Existiram mudanas materiais
e estruturais que modificaram o significado e conseqncias da democracia.
Precisamente estas mudanas asseguraram que, quando a democratizao moderna teve
lugar especialmente sob a forma do sufrgio universal no representasse tanta
diferena como a que poderia ter provocado previamente, ou como quem lutou por ela
tivessem esperado. Como tratarei de explicar, o capitalismo possibilitou que os direitos
polticos se convertessem em universais sem afetar fundamentalmente classe
dominante.
Consideremos as implicncias da democracia no mundo antigo. Em cada
sociedade prvia ao desenvolvimento do capitalismo, onde quer que a explorao tenha
existido foi alcanada pelo que Marx chamou meios extra-econmicos. Em outras
palavras, a capacidade de extrair mais-valia dos produtores diretos dependeu de uma
forma ou de outra da coero direta exercida pela superioridade militar, poltica e
jurdica da classe exploradora. Em muitas destas sociedades, os camponeses foram os
principais produtores diretos, e continuaram com a posse dos meios de produo, como
a terra. As classes dirigentes os exploravam essencialmente mediante a monopolizao
do poder poltico e militar, s vezes mediando alguma classe de estado centralizado que
cobrava impostos aos camponeses; ou inclusive mediante alguma outra classe de poder
militar e jurisdicional que lhes permitia extrair mais-valia destes por sua condio
dependente de serventes ou pees que lhes impunha aceitar um confisco na forma de
renda para seus senhores. Em outras palavras, o poder econmico e poltico se fundiam,
e houve sempre uma diviso, mais ou menos clara, entre dirigentes e produtores, entre
quem detinha o poder poltico e os que compunham a sociedade trabalhadora.
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est confinada a uma esfera puramente poltica e judicial aquilo que alguns
denominam democracia formal sem destruir os alicerces do poder de classe. O poder
social passou s mos do capital, no s em razo de sua influncia direta na poltica,
mas tambm por sua incidncia na fabrica, na distribuio do trabalho e dos recursos,
assim como tambm via os ditames do mercado. Isto significa que a maioria das
atividades da vida humana fica fora da esfera do poder democrtico e da prestao de
contas.
Todas estas transformaes, obvio, no aconteceram da noite para o dia, e o
processo no teve uma evoluo natural e inevitvel. Foi desafiado a cada passo do
caminho. Nos dias iniciais do capitalismo, no era to claro que os efeitos do poder
poltico estariam ao final to limitados. Naqueles anos iniciais, no sculo XVII e ainda
no sculo XVIII, muitos dos temas bsicos, especialmente vinculados com os direitos de
propriedade, ainda estavam irresolutos ou eram ferventemente desafiados. A massa da
populao no era ainda um proletariado despossudo sujeito ao mero poder econmico
do capital. Os grandes proprietrios ainda dependiam muito do controle do Estado para
sustentar o processo de acumulao da terra, a expropriao dos pequenos produtores, a
extino dos direitos consuetudinrios das gentes e a mesma redefinio do direito de
propriedade. Naqueles dias, a soberania popular poderia ter marcado uma diferena
muito mais ampla que a que pode obter na atualidade. Naquele tempo, ainda parecia e
na verdade era essencial para a classe dirigente manter a antiga diferenciao entre
governantes e produtores, entre exploradores, politicamente privilegiados, e classes
exploradas, sem direitos polticos.
De todas as formas, em meados do sculo XIX, quando o desenvolvimento do
capitalismo foi muito mais avanado na Gr-Bretanha, a luta pelo voto foi uma parte
importante das lutas da classe trabalhadora especialmente para os Cartistas na
Inglaterra. Mas o mais interessante foi que depois da tentativa frustrada do Cartismo, a
luta pelos direitos polticos ou democrticos deixou de ser central para as lutas da classe
trabalhadora. No quer dizer que o povo abandonou toda luta poltica, mas os
movimentos da classe trabalhadora cada vez em maior medida desviaram sua ateno s
lutas de carter industrial. Certamente em parte por motivo da represso exercida pelo
Estado. Entretanto, no meu entender, existe uma razo estrutural mais profunda. Para a
segunda metade do sculo XIX, o mapa social tinha mudado j o suficiente para
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uma categoria poltica antes que uma social. E o kratos foi tornado compatvel com a
alienao do poder popular; quer dizer, o oposto ao que significava para os antigos
atenienses. Ainda que deixemos de lado a excluso de escravos e mulheres, a
redefinio americana de democracia implicou diluir o poder popular, incluindo o poder
dos cidados vares que constituam o povo ou a nao poltica.
Permitam-me, nesta instncia, deixar algo bem claro. Na verdade, a democracia
desagradava aos pais fundadores da Constituio norte-americana e estes no queriam
construir uma. Em rigor, diferenciavam claramente sua repblica da democracia como
esta era entendida convencionalmente. Entretanto, a ingerncia de elementos mais
democrticos pressionou o debate e eles foram forados a uma mutao retrica, assim
em certas ocasies eles denominavam a sua repblica como uma democracia
representativa. Nesta nova concepo de democracia, o demos ou povo era
crescentemente despojado de seu significado social. As novas condies histricas
tornaram possvel dotar o povo de um significado puramente poltico. O povo j no
era a gente comum, os pobres, mas sim um corpo de cidados que gozam de certos
direitos civis comuns. Sua particular concepo de representao procurou expandir a
distncia entre as pessoas e o poder, atuar como filtro entre as pessoas e o Estado e
inclusive identificar a democracia com o governo ou mandato dos ricos como por
exemplo, fez Alexander Hamilton quando argumentou contra a representao atual e
insistiu em que os comerciantes eram os representantes naturais dos artesos e
trabalhadores.
De modo que, os pais fundadores norte-americanos criaram um cidadania
passiva, uma coleo de cidados o povo concebido como uma massa de
indivduos atomizados no como uma categoria social como o demos ateniense mas
sim como um grupo de indivduos isolados com uma identidade poltica divorciada de
suas condies sociais, especialmente no que se refere a seu pertencimento de classe. As
eleies transformaram-se no todo as eleies aonde cada indivduo atua s, no
unicamente em termos de privacidade mas tambm em isolamento com relao a todos
os outros. Em tal circunstncia, o voto individual substitui qualquer tipo de poder
coletivo. Isso tambm, sem dvida, o que os governos trataram de obter com suas
propostas de reformas sindicais. Se os sindicatos devem existir, melhor que estejam
formados por membros isolados, sem contato entre si, em vez de membros que exercem
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A variao mais recente neste tema a proposta feita por Hardt e Negri em seu
livro Imprio. Eles nos dizem que o poder do capital imperial est em todas partes e em
nenhuma. O Imprio, dizem, um no-lugar. E devido ao fato de no haver pontos
tangveis de concentrao do poder capitalista, no pode existir realmente um
contrapoder. Neste sentido, que temos que pensar as polticas de oposio em termos
diferentes, embora os autores nunca deixem de todo claro o que isto possa significar.
Hardt e Negri so muito mais especficos sobre o tipo de lutas que no acreditam
possveis e entre elas incluem os conflitos locais e nacionais, as lutas dos movimentos
de trabalhadores e algumas outras. Muita gente no movimento anticapitalista v em
Imprio um manifesto otimista para suas polticas, mas no meu entender trata-se
justamente do contrrio. Na minha opinio, parece expressar um profundo pessimismo
sobre a possibilidade de uma luta democrtica e anticapitalista. Acredito que esto
equivocados. simplesmente falso que no existam pontos tangveis de concentrao
do poder capitalista. No verdade que o estado territorial que conhecemos encontre-se
em declnio frente economia global. Pelo contrrio, acredito que o capital depende
mais do que nunca de um sistema de Estados locais que administrem o capitalismo
global.
O problema do Estado no capitalismo internacional mais complicado dado que
o capitalismo global no possui um Estado internacional que o sustente e, at o
momento tampouco acredito que construa tal Estado. A forma poltica da globalizao
no um Estado internacional, mas sim um sistema de vrios Estados nacionais; de
fato, considero que a essncia da globalizao uma crescente contradio entre o
alcance global do poder econmico capitalista e o muito mais limitado alcance dos
Estados territoriais que o capitalismo necessita para sustentar as condies de
acumulao. Precisamente esta contradio tambm possvel e necessria por aquela
diviso prpria do capitalismo entre economia e poltica.
Em resumo, meu argumento sustenta que o que estamos presenciando no novo
imperialismo norte-americano um esforo contnuo para lidar com a contradio entre
a esfera de ao do poder econmico e a contnua dependncia do capital de um sistema
global de Estados territoriais. Isto , sem dvida um perigo para o mundo em seu
conjunto, mas, por sua vez, est nos dizendo algo mais. Aqui estive explicando o que
torna o capitalismo compatvel com certo tipo de democracia e o que torna possvel que
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Bibliografia
Aristotle 2003 Politics (Indianapolis: Hackett Publishing Company).
Hamilton, Alexander; Madison, James e Jay, John The Federalist (Indianapolis: Hackett
Publishing Company)
Hardt, Michael e Negri, Antonio 2000 Empire (Cambridge: Harvard University Press).
Hobsbawn, Eric 1987 A era dos imprios: 1875-1914 (Rio de Janeiro: Paz e Terra).
Wood, Ellen Meiksins 2004 Democracia contra capitalismo (So Paulo: Boitempo).
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