DISSERTAÇÃO Diego Andrev de Aguiar Lacerda
DISSERTAÇÃO Diego Andrev de Aguiar Lacerda
DISSERTAÇÃO Diego Andrev de Aguiar Lacerda
Recife
2017
DIEGO ANDREV DE AGUIAR LACERDA
Recife
2017
DIEGO ANDREV DE AGUIAR LACERDA
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profª. Drª. Maria do Socorro de Abreu e Lima (Orientadora)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profº. Dr. José Bento Rosa da Silva (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profª. Drª. Marcília Gama da Silva (Examinador Externo)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
A Davinha e Eunice (in memoriam), por todo
o carinho e amor que tanto me concederam.
Por me acolher tantas vezes e contribuir para o
que sou. Por alimentar meus sonhos e
esperanças constantemente. A saudade não
tem tamanho.
Agradecimentos
Os anos 1960 no Brasil constituem momento de luzente análise histórica. Ligado a agitações
políticas e sociais das mais diversas é um período bastante versado pela academia. Em
Pernambuco, observamos que a partir da segunda metade da década de 1950, até a
promulgação do Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968, um movimento político
teve bastante relevância para compreendermos o processo histórico que envolveu uma fase de
grande conscientização e participação política no estado: o movimento estudantil. Esse
trabalho objetiva-se a buscar explicar, dimensionar e compreender a atuação dos comunistas
no movimento estudantil pernambucano, dos anos da constituição e primeira grande vitória da
Frente do Recife, a eleição de Pelópidas Silveira até a edição e promulgação do AI-nº 5, sob a
égide do regime empresarial militar iniciado em 1964. As vitórias de políticos progressistas
da Frente do Recife, num estado ligado a seculares tradições da monocultura do açúcar,
fizeram das campanhas eleitorais da cidade um verdadeiro experimento social que
demonstrava a debilidade e esgotamento do sistema político patriarcal e engessado da época.
A escola pública recifense congregava um verdadeiro buquê das mais diversas cores,
perfumes e matizes, concatenando em suas salas de aula jovens de diferentes bairros, famílias
e condições econômicas e sociais. O olhar sobre aqueles estudantes não pode ser feito
dissociado da participação dos comunistas, o que nos remete a questionar como era sua
formação teórica, sua relevância para a política local e sua atuação num momento chave para
compreendermos a suposta vocação vermelha do Recife, considerada como terceiro centro
comunista do país, diante de uma classe política conservadora e reativa, temerosa em ver
despedaçado seu status quo, num período de acirramento político que elevou
exponencialmente as relações sociais, políticas e econômicas em Pernambuco.
The 1960s in Brazil constitute a moment of historical analysis. Linked to the political and
social agitations of the most diverse is a period well versed by the academy. In Pernambuco,
we observed that from the second half of the 1950s, until the promulgation of Institutional Act
number 5, in December 1968, a political movement had a lot of relevance to understand the
historical process that involved a phase of great political awareness and participation In the
state: the student movement. This work aims at explaining, sizing and understanding the
actions of the communists in the Pernambuco student movement, the years of the constitution
and first great victory of the Recife Front, the election of Pelopidas Silveira until the edition
and promulgation of AI-5, Under the aegis of the military business regime initiated in 1964.
The victories of progressive politicians of the Recife Front, in a state linked to centuries-old
monoculture sugar traditions, made the city's electoral campaigns a veritable social
experiment that demonstrated the weakness and exhaustion of the system Patriarchal and
embedded politician of the time. The recifense public school congregated a true bouquet of
the most diverse colors, perfumes and shades, concatenating in their classrooms young people
from different neighborhoods, families and economic and social conditions. The look on these
students can not be made dissociated from the participation of the communists, which leads us
to question how their theoretical formation was, their relevance to local politics and their
performance at a key moment to understand the supposed red vocation of Recife, considered
as the third communist center of the country, faced with a conservative and reactive political
class, fearful of seeing its status quo shattered, during a period of political upheaval that
exponentially increased social, political and economic relations in Pernambuco.
1 Introdução ................................................................................................................... 14
2 Da semeadura do movimento estudantil dos anos 1950 ao seu alvorecer sob a égide
empresarial-militar ..................................................................................................... 29
2.1 Condições para o surgimento do Comunismo em Pernambuco ...................................... 29
2.2 Prólogo: a aurora obscura de 1º de abril de 1964. .......................................................... 53
2.3 Nos porões da clandestinidade: tempero nacionalista; linha política do PCB e as eleições
de Pernambuco .............................................................................................................. 60
2.4 O raiar dos anos 1960: desigualdades cruéis; Recife: prolífero de encarnados. ............... 76
3 O relógio marca a hora das esquerdas: as reformas, os estudantes e o golpe
avassalador .................................................................................................................. 82
3.1 Cidade vermelha: Arraes na prefeitura, os estudantes e o MCP...................................... 82
3.2 Arraes no Campo das Princesas, os estudantes com as reformas: o Golpe. ..................... 94
3.3 As diretivas do PCB de 1958 a 1962 ........................................................................... 108
3.4 Ilegalidades e inquietações no pós-64: o novo regime e as práxis políticas do movimento
estudantil de Pernambuco ............................................................................................ 114
4 Ponto de ebulição: o aquecimento das forças e suas dinâmicas. Os anos de 1967-1968
................................................................................................................................... 154
4.1 O acirramento das forças. Um olhar sobre a radicalização política. 1967: o cerco está
montado ...................................................................................................................... 155
4.2 O PCBR e suas nuances na política pernambucana ...................................................... 165
4.3 1968: 366 dias. Recrudescimento, criatividade e acirramentos políticos ...................... 174
5 Considerações finais.......................................................................................................205
1Introdução
Os anos 1960 no Brasil constituem período luzente para análise histórica. Envolvido
nas mais distintas controvérsias políticas, os movimentos sociais e de classe tiveram, naqueles
anos, papel expressivo nos processos históricos vividos pela sociedade brasileira. As intensas
lutas operárias de meados do século XX começavam agora a esquentar as relações do campo
brasileiro. O país experimentava uma democracia jovem, fortemente voltada ao projeto
populista desenvolvimentista de industrialização e modernização, com uma vigorosa abertura
aos interesses e ao capital internacional.
1
Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário funcional nº 7746. Recife-PE.
15
A escola pública recifense de meados dos anos 1960 era um buquê das mais diferentes
formas, cores e matizes, congregando jovens provenientes das mais diversas famílias,
envolvidos numa absoluta disparidade social, oriundos de bairros assustadoramente distintos
entre si, com problemas e especificidades próprios. Esses jovens amadureceram sua
personalidade no calor da Guerra Fria e num Recife pós Estado-Novo, e que, por um
dispositivo jurídico, continuou sem poder escolher seu prefeito até o ano de 1955. Aquele ano
especial traria como primeiro prefeito do Recife, após a Constituição de 1946, importante
liderança da esquerda, o progressista Pelópidas Silveira. Antes disso, nas eleições legislativas,
os comunistas e socialistas já obtiveram grande simpatia do eleitorado recifense. Que
condições tão especiais reunia o Recife para que sua população tivesse essa suposta tendência
por políticos progressistas? De onde então vinha a vocação avançada do Recife?
2
Colhido em entrevista com um de seus ativistas, o jornalista Marcelo Mário de Melo. Ver também Jacob
Gorender, (1987) e o Capítulo 03 deste trabalho.
3
MARTINS Filho, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar: 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987.
16
vinte anos depois. Nesse último trabalho o autor reafirma seu ponto de vista em muitos
pontos, em um deles, ele destaca a relevância do Rio de Janeiro, que mesmo sendo então ex-
capital brasileira “não perdeu o lugar de centro nervoso do país. (...)[e] Com sua pujança
econômica, São Paulo iria constituir o segundo cenário das manifestações estudantis pós-
golpe”4. No entanto, o autor é infeliz na afirmação de que “fora do eixo Rio-São Paulo, as
mobilizações em capitais como Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e na própria
Brasília não tinham uma dinâmica política própria, raramente criando acontecimentos de
repercussão nacional”5.
Curioso que ele cite justamente capitais – com exceção da jovem Brasília – com vasto
histórico em movimentações sociais e lutas de classe,séculos de formação social, urbanização
e comércio. Todas elas, quando dos dias imperiais, já nos anos de formação do Estado
brasileiro e de nossa identidade nacional eram infensas a qualquer tentativa de diminuição de
sua autonomia política como província6. Em Recife, as condições econômicas, políticas e
sociais apresentavam contradições das mais variadas e relevantes para a compreensão das
relações de poder, Estado e sociedade, num movimento curiosíssimo de forças políticas nesse
período.
4
MARTINS FILHO, João Roberto. O movimento estudantil dos anos 1960. In: REIS, Daniel Aarão &
FERREIRA, Jorge (orgs.). Revolução e Democracia (1964-...). 2007. p. 190-191
5
(Ibid.) MARTINS FILHO, João Roberto. O movimento estudantil dos anos 1960. In: Revolução e Democracia
(1964-...). 2007. p. 191
6
A Farroupilha no Rio Grande do Sul, região com tradição militarista e nacionalista. A Revolta do Malês e
Sabinada na Bahia. A Confederação do Equador e a Praieira em Pernambuco. Sobre as lutas por autonomia
provincial em importantes áreas do país no Brasil Império ver Dolhnikoff, Miriam. O Pacto Imperial – origens
do federalismo no Brasil. Ed. Globo. Rio de Janeiro, 2005.
17
Posto isso, não analisaremos aqui os intelectuais comunistas que inspiraram a atuação
dos estudantes pernambucanos, nem desses próprios estudantes como algo distante às
realidades nacional e local, mas como parte do processo histórico, buscando apreender em que
situaçãoestavam de “desenvolvimento real” e quais “determinadas condições” existiam à sua
volta, para então apresentar uma história vívida.
7
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo. Expressão Popular, 2009.p. 30.
8
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. 2009. p. 32.
18
Pode-se empregar o termo catarse – diz ele – para indicar a passagem do momento
meramente econômico (ou egoístico passional) para o momento ético-político. (...)
Isso significa também a passagem do objetivo ao subjetivo e da necessidade à
liberdade. A estrutura, de força exterior que esmaga o homem, que o assimila a si,
que o torna passivo, transforma-se em meio de liberdade, em instrumento para criar
uma nova forma ético-política, em origem de novas iniciativas10
Esta é uma visão inclusive fartamente propagada pelo próprio regime golpista, a
famosa tese de salvação nacional, na qual diante da inevitabilidade de um golpe comunista, o
exército como instituição de defesa da pátria age preventivamente, articulando a tomada do
poder, e, hoje, é defendida por historiadores como Daniel Aarão Reis 14, chegando este a
afirmar que tamanho foi o movimento de massas em apoio ao golpe que entre 1º de abril “até
setembro de 1964, marchou-se sem descanso no país. Mesmo descontada a tendência humana
de aderir aos vencedores, ou, simplesmente, à Ordem, tratava-se de um impressionante
movimento de massas de apoio ao golpe”. Seria esse “movimento impressionante de massas”,
realmente de massas? Seriam eles espontâneos? Sem que nos prendamos a essas perguntas,
podemos compreender “se pensarmos o conceito de Sociedade Civil a partir de Gramsci (...)
encontraremos os nexos causais a partir dos quais uma parte da sociedade brasileira apoiou a
ditadura contra outra parte da sociedade” 15.
Sendo assim, não precisamos responder se essas marchas eram das massas, elas eram
um sentimento de parte da sociedade. Um apoio de setores específicos como a CNBB –
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – ou a Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo – Fiesp, setores esses que exerciam influência em certas posições da sociedade e
não um apoio generalizadamente da massa. A CNBB, por exemplo, passados dois meses da
ação golpista a definia como um movimento que “atendendo à geral e angustiosa expectativa
do povo brasileiro, que via a marcha acelerada do comunismo para a conquista do poder, as
Forças Armadas acudiram em tempo e evitaram que se consumasse a implantação do regime
bolchevique em nossa terra”16. Isso quer dizer que parte da liderança católica apoiou o golpe,
e que sua influência e seus discursos ajudaram a fazer com que alguns milhares de seus fiéis
13
Espaço Plural, Ano XIII, N 27.2º Semestre 2012. P. 39-53.
14
Em artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, intitulado: O sol sem peneira. Disponível
em: http://revistadehistoria.com.br/secao/capa/o-sol-sem-peneiraacessado em outubro 2015.
15
MELO,Damian. Ditadura “civil-militar”?:Controvérsias historiográficas sobre o processo político brasileiro no
pós-1964 e os desafios do tempo presente. In: Espaço Plural, Ano XIII, N 27.2º Semestre 2012. P. 39-53.
Disponível em:
http://file.smetal.org.br/Publicacao/DITADURA/controverisas_histograficas_sobre_o_processo_politico_brasilei
ro_do_pe_64....pdf acessado em: outubro 2016.
16
LÖWY, Michael. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo da libertação. In: REIS, Daniel Aarão &
FERREIRA, Jorge (orgs.). Revolução e Democracia (1964-...). 2007. p. 305.
20
também acordassem e apoiassem a nova ordem posta. O que não significa que todos os
padres, nem todos os arcebispos, nem, muito menos, todos os fiéis presentes às marchas
estavam em apoio incondicional ou morrendo de amores ao novo regime, pois, se assim
pensarmos, podemos cair na visão reducionista propagada pelo próprio regime de que sua
ação foi legitimada pelo clamor social. Uma visão deturpada e golpista. Na realidade,
declarações de apoio ao novo regime instituído eram exatamente os carimbos que o
legitimariam para a grande massa social.
Demian Bezerra de Melo, no citado trabalho, nos lembra que Dreifuss não apenas
revelou a participação de setores da sociedade civil no golpe, mas delineou a origem social
desses civis: as elites. O historiador nos traz a fala de Carlos Fico em audiência pública
realizada pela Comissão Nacional da Verdade, no Rio de Janeiro, em 13 de agosto de 2012.
Na ocasião, segundo Fico, “o golpe de 1964 foi uma operação que contou não só com o apoio
de parte da sociedade civil brasileira, mas com uma ação efetiva de elites civis” [grifo nosso].
A alta burguesia nacional, interligada ao capital internacional monopolista teve vultosa
interferência na articulação da tomada do poder e, sobretudo, nas ações do regime constituído.
O caráter tecnicista adotado pelo governo militar selecionou profissionais que
desempenhariam papeis de gerência no funcionalismo público nacional, “os chamados
técnicos, nos ministérios e órgãos administrativos tradicionalmente não-militares”17
No entanto pela sua origem social a partir das classes mais abastadas, eram, a maior
parte desses civis, representantes da elite brasileira, por isso Demian Melo afirma que o golpe
pode ser chamado de civil-militar, mas não o regime. O regime que sucedeu o golpe é
empresarial-militar. Pois,
17
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. 1980. p. 417.
18
MELO,Damian. Ditadura “civil-militar”?:Controvérsias historiográficas sobre o processo político brasileiro no
pós-1964 e os desafios do tempo presente. In: Espaço Plural, Ano XIII, N 27.2º Semestre 2012. P. 39-53.
21
19
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. 1980. p. 161.
20
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1995.p.
14.
22
Essa função do partido como instituição capaz de moldar seu grupo orgânico de
intelectuais já nos despertaria interesse de análise da trilha dos comunistas em nosso estado,
em contraponto às ações das elites empresariais e militares golpistas no pré-1964. Aliás, ela
será posteriormente delineada quando analisarmos a recepção das teses do partido por seus
membros aqui no estado, sobretudo entre os estudantes. Porém, nos desperta interesse a
segunda característica atribuída aos partidos por Gramsci, como entidade capaz de ligar
pessoas que possam pertencer a classes econômicas distintas, no entanto identificar-se como
iguais dentro do partido. Estudantes filhos de pais atuantes nas mais distintas profissões,
moradores dos mais variados bairros da região metropolitana congregaram-se a outros, em
torno daqueles ideais que apreenderam como seus, nas reinvindicações de grêmios e diretórios
acadêmicos. Dentro dessa acepção, constituíra-se em Recife a práxis política do Movimento
Estudantil em Partido? Podemos assinalar alguns dos ativistas estudantis como intelectuais?
Qual seu nível de proximidade com as massas? Teria a escola capacidade de tornar um novo
indivíduo intelectual “que passa a fazer parte do partido [confundir-se] com os intelectuais
orgânicos do próprio grupo [e ligar-se] estreitamente ao grupo” como um partido?
21
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. 1980, p. 174.
23
Essa compreensão nos permite enxergar os meandros do jogo político em toda sua
sinuosidade. O Estado, em seu sentido amplo, seus recursos financeiros e de pessoas é
composto pela classe diretiva hegemônica, que conquista o poder a partir de uma guerra de
posição pela hegemonia política nacional e abriga-se na sociedade civil. Porquanto utiliza-se
de todo um conjunto de aparelhos sociais capazes de elaborar, programar e difundir suas
ideologias na busca dessa primazia política. A educação, a religião, os sindicatos, e os
partidos. Estes são conceitos fundamentais para compreendermos a atuação dos comunistas,
doutrinados e agrupados no Partido Comunista do Brasil23 em Pernambuco, no movimento
estudantil, visto que constituem importantes setores de elaboração e difusão de ideologia na
práxis política pernambucana dos anos 1960. Além disso, essa práxis é criada e disseminada
por umapessoa, ser-social, ser-político, com aspirações, carências e sonhos: o intelectual.
22
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro. Civilização
Brasileira, 1999.p. 127.
23
O PCB, fundado em 1922 tinha nome de Partido Comunista do Brasil, com sigla PCB. Acusado pela
incessante campanha anti-comunista de que ele representava um movimento comunista internacional sendo
apenas uma célula “do Brasil”. O Partido então passou a ser chamado de Partido Comunista Brasileiro, e partir
de 1962 a cisão com o grupo político Maoísta ocasionou o surgimento do PCdoB que então retomou para si o
nome Partido Comunista do Brasil. Neste trabalho, sempre a que for referido o nome “Partido Comunista do
Brasil” estamos fazendo referência ao PCB e seu nome original. A qualquer momento em que se tiver intento de
relatar algo acerca do PCdoB fundado em 1962, usaremos sua sigla e não seu nome por extenso para evitar
equívocos.
24
24
PORTANTIERO, Juan Carlos. O nacional-popular: Gramsci em chave latino-americana. In: Gramsci e a
América Latina. Org. Carlos Nelson Coutinho & Marco Aurélio Nogueira. São Paulo. Paz e Terra, 1988.p. 48.
25
Olhando dessa forma, a classe seria um conceito estático, engessado, “a esta altura,
ocorre que, com excessiva frequência, a teoria prevalece sobre o fenômeno histórico que se
propõe teorizar. É plausível supor que a classe seja levada em consideração não no quadro do
processo histórico, mas abstratamente”27. Afastando-se dessa análise muito semelhante à
práxis positivista, concentraremos atenção ao foco da luta de classe. O palco de nosso estudo
oferece as mais diversas nuances de luta de classe que permeiam a vida no Recife,
considerada a capital do subdesenvolvimento da América Latina nos anos 1960. 28 Segundo
Thompson, ao direcionar nosso foco para a luta de classe, caminhamos para observar a classe
a partir de suas relações sociais ou de produção, na qual está inserida. Ela não pode ser vista
como algo em separado e estático, mas como parte de um processo específico e vivido,
a classe se delineia segundo o modo como homens e mulheres vivem suas relações
de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do
“conjunto de suas relações sociais”, com a cultura e as expectativas a eles
transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível
cultural. De tal sorte que, afinal, nenhum modelo pode dar-nos aquilo que deveria
ser a “verdadeira” formação de classe em um certo “estágio” do processo. [grifo do
autor]29.
Para compreender a prática política dos estudantes comunistas no Recife dos anos
1960 faz-se necessário estabelecermos um breve olhar sobre o percurso trilhado pelo Partido
Comunista do Brasil no estado, estabelecendo como ponto de partida a redemocratização do
25
In: Thompson, Edward P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. (Orgs: NEGRO, Antonio Luigi &
SILVA, Sérgio. Campinas, SP. Editora Unicampo, 2001.
26
Thompson, Edward P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 2001. p. 269
27
Thompson, Edward P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 2001. p. 270
28
Termo usado por Robert Page, em sua obra sobre o nordeste brasileiro quando do Golpe Empresarial-Militar
de 1964. (PAGE, 1972)
29
Thompson, Edward P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. 2001. p. 277
26
Brasil em 1945. Pois não se pode falar na repressão sofrida pelo PCB30, nem realizar uma
crítica de suas resoluções, sem analisar o momento no qual vivia o Partido, para,assim,
compreendermossuas controvérsias e desacordos.
30
O PCB, fundado no Brasil em 1922 chamava-se originalmente de Partido Comunista do Brasil. Após sua
cassação diversas reformas internas buscaram os mais diversos meios de atuação política possíveis à época. Uma
dessas mudanças, foi o de sua nomenclatura para Partido Comunista Brasileiro, devido o fato de muitos de seus
críticos afirmarem ser o Partido Comunista ‘do’ Brasil’ apenas uma seção subserviente ao Partido Comunista
‘de’ Moscou. De maneira que agora seria o Partido Comunista agora ‘Brasileiro’. Em 1962, envolta em muitas
discussões e controvérsias apontadas por seus próprios membros, a já afamada cisão realizada no clima de tensão
política vivida no governo João Goulart deu origem então a um novo Partido Comunista do Brasil, de nova sigla,
o PCdoB.
27
31
Entre o Ministério da Educação e Cultura e a United StatesAgencyfor InternationalDevelopment (Agência
Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos), uma entidade que representava os interesses do capital e do
imperialismo estadunidense em diversas regiões do globo, sobretudo nas ações voltadas para ampliação dos
dispositivos de controle sobre os países subdesenvolvidos.
32
O termo é utilizado por Joaquim Nabuco para definir o movimento da Rua da Praia e citado por
VamirehChacon e melhor explicitado mais adiante nesse trabalho.
33
THOMPSOM, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
34
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. p.35.
28
após publicação da citada obra de Thompson, A Voz do Passado (1973), cada vez mais o
estudo da história nas universidades saiu do restrito âmbito das fontes escritas, para permitir-
se enveredar pelas fontes orais buscadas em campo, e não apenas já publicadas em jornais ou
similares, permitiu-se o aperfeiçoamento das técnicas como as formas de abordagem e de
entrevistas, as maneiras de se elaborar perguntas adequadas, os aspectos do esquecimento, ou
do silêncio, os debates e estudos em torno da memória, entre outros. Em meio a isso o
historiador não deve limitar-se a definir o melhor método de pesquisa, mas utilizar-se do
maior número deles para discutir suas fontes de maneira a levar o leitor a uma visão do
processo histórico que favoreça a análise dos documentos e a sua interpretação.
2 Da semeadura do movimento estudantil dos anos 1950 ao seu alvorecer sob a égide
Empresarial-Militar
“de Cuba em diante, outros países também iniciaram por distintas vias
e distintos meios a experiência de mudança;
a perpetuação da atual ordem das coisas é a perpetuação do crime”35
35
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011.
36
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes: memórias /
Paulo Cavalcanti. – 3ª edição – Recife: Guararapes, 1980.p. 42.
37
CHACON, Vamireh. História das Ideias Socialistas no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981.
30
a agricultura não abre uma saída à população oprimida pela indigência; porquanto,
as terras obtidas por seus primeiros donatários em porções gigantescas ainda hoje
estão divididas em grandes quantidades, cujos benefícios são usufruídos somente
por um pequeno número, que o monopoliza à pobreza por modo grandemente
nocivo à pequena indústria, que aliás tanto concorre para a subsistência do povo e
manutenção da classe média. Essa multidão que a aristocracia territorial exclui
assim da cultura do solo poderia ser empregada nela por meio do salário; mas aí é
espoliada pela preferência dos braços escravos. – É sempre a guerra eterna do capital
38
CHACON, Vamireh. História das Ideias Socialistas no Brasil.1981, p. 21.
31
contra o trabalho, vitória contra a qual reagem hoje na Europa civilizada todas as
diferentes frações do Socialismo [grifo nosso] 39
Grifamos nesta interessante citação revelada em Chacon, uma pertinente visão de luta
de classes. Fica claro que o autor nos idos de 1850 reconhecia no latifúndio um dos
catalisadores da pobreza e da indigência. Além disso, ele observara, como muitos outros de
sua geração, influenciados pelo socialismo, a espoliação de classe, pois “essa multidão” era
deliberadamente excluída pela “aristocracia territorial”, um “pequeno número” de pessoas,
mas com poder de “monopolizar [as massas] à pobreza”. Sem falar em sua análise econômica
e social de que esse monopólio aristocrático era “nocivo à pequena indústria” e a uma
multidão que “poderia ser empregada [na terra] por meio do salário; mas aí é espoliada pela
preferência dos braços escravos”.
Estas três palavras ficaram no domínio teórico, sem que pudessem encarnar os fatos:
apenas uma diminuta parte dos indivíduos que compõem as nações colheu o fruto
dos mártires: a sorte das massas foi piorando de mais e mais. (...) De efeito, que
papel podem representar a Igualdade, a Fraternidade e a Liberdade, nas nossas
sociedades modernas? Que é a Igualdade onde pequeno número de privilegiados
gasta na ociosidade o produto do trabalho de muitos milhares de seus irmãos? Que é
a Fraternidade num grêmio social que deificou o egoísmo sob todas as formas? (...)
Que é que pode significar o vocábulo Liberdade numa sociedade em que as massas
dependem de um pequeno número de homens que, de fato, exercem sobre elas um
direito de vida e morte, por mercê do capital [grifo nosso] (O Progresso, 20 de abril
de 1848)40.
39
CHACON, Vamireh. História das Ideias Socialistas no Brasil. 1981. p. 55
40
CHACON, Vamireh. História das Ideias Socialistas no Brasil. 1981. p. 35
32
Com tamanha sensibilidade para enxergar a luta de classes, não nos iludamos que, em
primeiro lugar, esses intelectuais fossem meros copiadores das teses advindas do repertório
ideológico europeu. Nem, ao outro lado, que eles tivessem absoluta razão e cientificidade em
utilizar-se dessas teses em suas leituras da realidade nacional e local. O próprio Chacon nos
esclarece como o Padre Lopes Gama, por exemplo, apesar da visão de luta de classe e defesa
do Socialismo não era um radical,não era adepto de atos insurrecionais, e não confiava em
delegar excessivo poder às massas – como muitos de sua geração –, apesar de –
contraditoriamente – defender a democracia, ou aquilo que imaginava dela.
No entanto, há que se destacar sua relevância em promover o amadurecimento dessas
ideias, para que surgissem nos anos 1850 outros pensadores que refletiriam novas críticas ao
modelo político local e que,precedendo em cerca de quarenta anos da proclamação da
República no país, já tenhamos críticos do modelo Liberal, ainda jovem, e de suas
consequências nas desigualdades de classe.
Este tempo proporcionou também, ao passar das décadas, a maturação de infinitas
possiblidades a partir, dentre muitos outros, de eventos como a maior abertura comercial, o
início de uma incipiente industrialização, o surgimento das correntes filosóficas anarquista e
marxista, o estouro do modelo político positivista, o surgimento da ideia de nação e de defesa
do progresso, o nacionalismo, a abolição da escravidão e as contradições que envolviam o
trabalho livre, a instituição da República, e do voto, que contribuiriam para formar as bases,
especificidades e contradições que desembocariam nas agitações dos anos 1920 e 1930 do
comunismo em Pernambuco.
A vitória do socialismo na Rússia, em 1917, empreendeu, obviamente, profundas
alterações no movimento socialista mundial. O pensador José Aricó buscou compreender a
chegada das teses revolucionárias russas num continente tão distinto quanto a América Latina.
No Brasil, ativistas sindicais como Cristiano Cordeiro e Astrogildo Pereira, receberam o
41
CHACON, Vamireh. História das Ideias Socialistas no Brasil. 1981. p. 64
33
impacto das novas ideias de Lênin sobre a construção do primeiro Estado proletário com
entusiasmo,
num continente desagregado e colonial, uma ideologia que tendia a situar tudo no
terreno da política e que inspirava uma experiência social com a grandeza da
soviética não podia deixar de se transformar num componente forte de todas as
agregações políticas de tipo socialista ou nacionalista-revolucionária e populista, que
proliferaram na América Latina do anos 20 e 30. Portanto se possível falar nesses
anos de uma crescente difusão do marxismo, é só na condição de esclarecer que o
conhecimento das obras de Marx e Engels foi filtrado através da leitura leninista e
terceiro-internacionalista.42
Essa coalizão que chega ao poder federal em 1930 por meio de um levante armado não
estava interessada em mudanças estruturais no Estado brasileiro, ou ao menos, não em função
das classes desfavorecidas ou para redistribuir renda ou diminuir as desigualdades. As
42
ARICÓ, José. O Marxismo latino-americano nos anos da terceira internacional. In: História do Marxismo. Rio
de Janeiro. Paz e Terra, 1987.p. 436-437.
43
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castello. 2010, p. 44-45.
34
estruturas do Estado brasileiro sofreriam sim alterações, mas não nesse sentido, e sim para um
viés mais autoritário após 1937. No campo, a hegemonia dos senhores permanecia
praticamente intocada, assim como os direitos e as condições de vida de seus subordinados.
Naquele momento, Segundo o brasilianista Thomas Skidmore, a fraca industrialização
brasileira e
a cultura patrimonialista do país não tinham produzido nenhum movimento de
massa, nem sequer uma liderança política unificada de esquerda. O movimento
sindical trabalhista (de dimensões extremamente modestas em 1930) era dividido
por lutas entre anarquistas, trotskistas, comunistas e radicais. O Bloco Operário e
Camponês não teve nenhum peso significativo nos acontecimentos de 1930. O
Partido Comunista rejeitou a revolução chamando-a de “luta entre duas facções da
burguesia nacional, luta entre dois bandos do exército.44
Naquele ano, logo após sua fundação, a ANL é posta na ilegalidade, e seus
simpatizantes tornam-se “conspiradores”. A partir de então, seus militantes procuram meios
de se articular para um projeto que conquiste o poder de outras formas, iniciando um
movimento que aqui denominamos Levante Armado de 3546, ele ocorre como uma tentativa
44
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castello. 2010, p. 42-43
45
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980, p. 139-140.
46
O termo Intentona Comunista hoje remete a um tom pejorativo utilizado pelo próprio regime autoritário
varguista para minimizar a dinâmica e os reais intuitos do movimento. Em nosso trabalho utilizaremos o termo
Levante Armado de 35 para se referir ao relevante movimento.
35
de frustrar o avanço do fascismo, que seduzia civis, jovens e militares de todo o país ao
movimento de Plínio Salgado. Obviamente que, para muitos, o levante é visto como um
equívoco, por ser deflagrado antes que o programa da ANL atingisse um movimento de
massas, tornando-se uma força social. Ainda assim, com todos os desafios impostos à tarefa,
Entretanto, a ANL possuía sim bases por todo o Brasil. Parecia que “a esquerda
recuperara o ânimo. Mais de 1600 seções locais da ANL tinham surgido até o fim de maio de
1935. Os elementos progressistas dentro da classe média finalmente se juntavam aos
sindicatos militantes em apoio a um programa radical” 48. Talvez exatamente por isso a polícia
varguista invade a sede da Aliança, confisca documentos e põe o movimento na ilegalidade.E
aqui, há que se fazer justiça histórica com o ousado movimento que ficou pela historiografia
denominada como Intentona Comunista.O termo não reflete o arrojado movimento comunista
que, desde a Revolução de 1917 foi o primeiro levante armado e organizado pelas fileiras do
Partido nas Américas e que chegou efetivamente a pegar em armas e empreender, ainda nos
anos 1930, uma revolta articulada em partes diferentes do continental território brasileiro.
Além da nomenclatura, uma outra injustiça ocorre ao movimento, pois muitos livros ainda
afirmam que o levante iniciou com “militares revolucionários nas guarnições de Natal e
Recife [começando] uma revolta de quartel, assassinando oficiais superiores enquanto eles
dormiam”49. Estas são versões
47
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980, p. 141.
48
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castello. 2010, p. 53
49
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castello. 2010, p. 55.
36
Obviamente, como parte do plano repressor, a dimensão de crime ideológico era usada
para autuar as mais diversas figuras políticas, como militantes, intelectuais, operários,
professores, magistrados ou qualquer autoridade perniciosa ao regime autoritário constituído.
A pesquisadora Marcília Gama entende por crime ideológico os
53
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castello. 2010, p. 56.
54
O projeto que ficou conhecido como “Plano Cohen” tratava-se de um estratagema militar baseado numa
grosseira falsificação de um plano de batalha para uma revolução comunista. “O documento foi levado a Dutra e
Getúlio que aprovaram seu uso para preparar o [seu próprio] golpe” (SKIDMORE, 2010, p. 60), justificando seu
levante militar como uma defesa nacional contra um (falso e inexistente) levante comunista em execução.
55
SILVA, Marcília Gama. Informação Repressão e Memória. UFPE. 2014, p. 61.
56
SILVA, Marcília Gama. Informação Repressão e Memória. UFPE. 2014, p. 62.
38
Em Pernambuco, o ranking 58 dos candidatos foi o mesmo, sendo Fiúza votado por
cerca de 15% dos pernambucanos tendo pouco mais de 43 mil votos. Para senador, o
57
Um pequeno partido surgido com a abertura política do fim do Estado Novo, o Partido Agrário Nacional
lançou a candidatura do pouco conhecido Rollim Telles. Ele obteve vitória apenas no antigo Estado do Rio
Branco, hoje Roraima, onde apenas pouco mais de 500 eleitores votaram dos quais e ele obteve 237 votos.
58
Banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral, disponível emhttp://www.tse.jus.br/hotSites/pesquisas-
eleitorais/resultados_anos/1945.html- Acessado em 11 de dezembro de 2015.
39
candidato comunista Agostinho Dias de Oliveira obteve mais de 48 mil votos, e Luís Carlos
Prestes, também candidato ao Senado no Rio de Janeiro, pela legislação eleitoral da época,
recebeu outros 49 mil 244 votos em Pernambuco. Somados os votos para senadores
comunistas ainda não chegaria aos mais de 110 mil alcançados por cada um dos candidatos do
PSD e UDN eleitos no estado. O PCB alcançou resultados expressivos para os cargos de
Deputado Federal em Pernambuco, chegando a lançar a única candidata mulher ao cargo no
estado, Adalgisa Rodrigues Cavalcanti, que obteve 849 votos, insuficientes para a vitória.
Era um ideal excepcionalmente progressista uma candidata mulher nos anos 1940
numa sociedade tão marcada pelo patriarcalismo senhorial como a pernambucana. A ousadia
e luta de Adalgisa no Partido foi recompensada dois anos depois, quando ela foi eleita pelo
PCB a primeira mulher Deputada Estadual. Ainda em 1947 o PCB lançaria o nome de outras
duas mulheres, Júlia Pereira de França e Cândida de Carvalho Maranhão.
ainda que informalmente, data dos tempos da legenda ‘trabalhador ocupa teu posto’,
quando das eleições para Assembleia Nacional Constituinte de 1933. As forças de
esquerda e inúmeros democratas se juntaram, então, para sufragar o nome de
Cristiano Cordeiro a deputado federal, dando-lhe votos que, sozinho, o Partido
Comunista não teria condições de obter em seus próprios redutos. Nos pleitos
estaduais e municipais de 1934 e 1936, o fenômeno repetiu-se, o que dá uma ideia
da existência, como pressuposto, de uma “frente única” de esquerda, em potencial,
numa época em que o PC, quase exclusivamente, representava o pensamento
marxista59
59
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p. 279.
40
Portanto, nas eleições de 1947 já era possível notar a presença destas forças
esquerdistas e “o primeiro passo, o impulso decisivo para a formação definitiva da Frente do
Recife, ocorreu quando do lançamento da candidatura de Pelópidas Silveira ao governo do
estado, em 1946”60. Joseh Page também observa o movimento das forças que favoreceram o
surgimento da Frente
60
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p. 279.
61
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. O nordeste do Brasil 1955-1964. Tradução Ariano Suassuna.
Rio de Janeiro. editora Record, 1972.p. 22
62
PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães consolidação e crise de uma elite política.
Recife. Editora Massangana. 1984. p. 109.
41
63
Banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral, disponível em http://www.tse.jus.br/hotSites/pesquisas-
eleitorais/resultados_anos/1945.html - Acessado em 03 de outubro de 2015.
64
Apelido conferido a Luís Carlos Prestes, ainda nos tempos do tenentismo dos anos 1930.
65
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. O nordeste do Brasil 1955-1964. 1972. p. 79
66
Informação colhida em entrevista ao jornalista Marcelo Mário de Melo, em 25 de abril de 2016, estudante que
participou de uma dessas classes, em 1961, quando de sua filiação aos 17 anos de idade. Também em entrevista
42
1960. O deputado comunista atento aos problemas sociais de subnutrição e miséria das
margens do Capibaribe defendia em 1947:
ao ex-militante Marcelo de Santa Cruz quando afirma que o PCB “teve um papel muito importante na formação
da juventude” e citar o nome, dentre outros, de David Capistrano.
67
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. (Perfil parlamentar século
XX; v.6) Recife. A Assembleia, 2012. p. 43.
68
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. 2012. p. 50
69
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo.
Editora Ática, 1987.p. 21.
43
70
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. 2012. p. 52
71
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. 2012. p. 54
72
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE: 09 a 19 de setembro de 1947: da
tutela patriarcal a construção ambígua de sua autonomia. Recife : Editora Universitária, 2010.
73
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 107.
44
Se hoje se discute a dimensão elitizada das Universidades, nos anos 1940 então ela era
significativamente mais forte. Agrande maioria dos universitários era oriunda das classes mais
abastadas e possuía bom nível de instrução. Isso fica claro no raciocínio de suas
argumentações quando atrelam o cerceamento dos direitos do Partido ao modelo “moderno de
democracia” já “consolidado pelas Nações Unidas”. No entanto, o estudante Armando
Monteiro Filho concorda com a medida do Tribunal e apoia-se, assim como seus
concorrentes, na defesa de preceitos democráticos. Ele “interfere constantemente na fala de
um outro estudante, conforme a matéria, contestando-o: o colega quer então protestar contra a
74
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 109.
75
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 109
76
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 110.
77
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 110.
45
constituição; o colega deve então protestar contra os deputados que a elaboraram; deve então
o colega protestar contra o povo brasileiro que os elegeu.” 78
Os meses que se seguiram em 1947 foram marcados por intensa atividade da bancada
comunista pela legitimação e continuidade de seus mandatos e da escalada repressiva do
governo do general Dutra. Após a cassação do Partido seguiu-se “a cassação dos
parlamentares eleitos pela legenda. Perseguido e recolhido à clandestinidade passa a pregar a
derrubada do governo Dutra e a insurreição, refletindo posições firmadas no célebre
79
Manifesto de Agosto” . Esse manifesto, segundo Gorender, muda a pregação pacifista do
Partido para um posicionamento de revolução imediata, que o autor chama de “extremismo
ressentido”
Em crítica à agremiação a qual defendeu e fez parte, o autor expõe a ausência de uma
autocrítica por parte das lideranças centrais e conclui que “o desequilíbrio passional imprimiu
um catastrofismo apocalíptico no documento publicado a 1º de agosto de 1950”81. Além dos
erros na leitura da situação nacional – confiante no potencial revolucionário da burguesia e
num desenvolvimento capitalista nacional ainda incompleto – o Partido, quatro anos mais
tarde, em seu Quarto Congresso, reafirmou as posições do manifesto de 1950, e sem nenhuma
autocrítica trouxe como única mudança “à substituição da proposta de derrubada do Governo
Vargas – então já sepultado – pela derrubada do atual governo. O atual governo podia ser o de
Café Filho como o de seus sucessores.(...) O fiasco da linha política como guia da atuação
prática dos comunistas já se tornava clamoroso” 82.
78
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 109.
79
CASTRO, Josué. MELO, Marcelo Mário & NEVES, Tereza Wanderley. (organizadores). Josué de Castro.
Biografia. Brasília : Câmara dos Deputados, publicações, 2007. (perfis parlamentares n.52). p. 54.
80
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 22
81
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 22
82
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 23
46
Vivendo a expectativa da cassação por todo o ano de 1947, Capistrano fez uso da
palavra por diversas vezes para defender seu mandato e apontar a violência coercitiva dos
aparelhos estatais. Em outubro de 1947, da tribuna da casa, ele denunciava:
Na realidade, o Secretário estava com seus pés bem fincados no chão de seu gabinete
no Recife. Fincado num gabinete que atendia ao governo pessedista de Barbosa Lima
Sobrinho, que por sua vez estava fincado nas bases que o elegeram no interior conservador
dos sertões pernambucanos e ligado ao presidente da República, de mesmo partido, imbuído
em ideais fervorosos de anticomunismo e defesa da ordem. O Secretário, assim como o
Governador,sabiam muito bem que a “força eleitoral do PC aqui é maior que a de todos os
outros partidos” e por isso empregava todo um aparato repressivo condizente com o receio
que tinham em ter seu status quo despedaçado. A violência constante deixou Capistrano
indignado com a agressão, por parte de seis policiais, a um adolescente que fora entregar um
telegrama na A Folha do Povo, em 4 de dezembro, daquele ano:
Na cidade de Santos continuou sua incansável militância junto aos setores proletários
do Porto da cidade. Preso em 1952, foi solto no mesmo ano devido a insuficiências de provas.
Em 1953, “foi enviado para estudar Marxismo na escola de quadros do Partido Comunista da
União Soviética. Na sua ausência, foi confirmado no Comitê Central pelo IV Congresso do
84
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. 2012. p. 55
85
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. 2012. p. 48
48
PCB, realizado em 1954. De volta ao Brasil, em 1955, cumpre tarefas no Amazonas, Pará e
Ceará” 86.
o sufrágio universal é uma anemia, uma doença que foi enfraquecendo lentamente os
povos. As nações que esperam ainda que o sapateiro saia de sua tenda para escolher
os seus dirigentes, ou que o operário deixe sua oficina para os comícios eleitorais,
86
PERNAMBUCO, Assembleia Legislativa. David Capistrano: entre teias e tocaias. 2012. p. 70
87
A partir da página nº 112.
88
Expressão atribuída por Jacob Gorender ao momento do PCB logo após a sua cassação, pelo comportamento
mais hostil e radical adotado pelo partido, em defender a sua pauta com base na derrubada do governo
constituído e instauração de um novo regime. GORENDER, op.cit. 1987, p. 21.
49
Eleito pelo voto, Agamenom o considerava uma doença, um vírus horrendo que corrói
as nações que tem seus líderes escolhidos pelos insignificantes “sapateiros” e “operários”.
Discorrendo acerca da figura de Agamenon dos anos do Estado Novo, Evson Malaquias
afirma que,
A disputa de 1950, polarizada pelos partidos PSD e UDN, absorveu todos os votos às
duas chapas ideologicamente pares. Page observou os movimentos partidários na região, e,
segundo ele,
no nordeste, o jogo político constituía a preocupação dos ricos grupos familiares que
se envolviam nas bandeiras dos partidos, sem levar em consideração as posições
ocupadas pela liderança nacional. Quase não existia disciplina partidária. Se o seu
inimigo local pertencia à UDN, você se aliava ao PSD. Simplesmente isso. (...))
Embora teoricamente a UDN e o PSD fossem conservadores, e o PTB progressista,
nenhum destes partidos apresentava, uma ideologia clara. Suas tramas originaram-se
de conchavos ‘por baixo dos panos’ e de surtos personalísticos.91
89
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980. p. 179.
90
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 40.
91
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. O nordeste do Brasil 1955-1964. 1972. p. 72
50
92
PANDOLFI, Dulce Chaves. Pernambuco de Agamenon Magalhães consolidação e crise de uma elite política.
1984, p. 149.
93
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980.p. 283-
284.
51
Novas eleições se processariam no governo do estado dois anos mais tarde, 1954, data
em que terminaria o mandato de Agamenon, substituído por Etelvino por ocasião de sua
morte. As forças políticas daquele ano estavam preocupadas em apoiar uma figura tão ligada
ao Estado Novo e a Vargas como era Etelvino Lins. Era o fim do governo constitucional de
Getúlio e o clima antigetulista tomava conta das movimentações políticas e, por isso, foi
buscado um nome de consenso entre pessedistas e udenistas. Formalmente,
94
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980.p. 279
52
participou do golpe militar que afastou Vargas do poder e extinguiu o Estado Novo.
Em 1949 foi nomeado comandante da recém-criada Escola Superior de Guerra
(ESG). Em maio de 1950 foi derrotado nas eleições para a diretoria do Clube
Militar, em disputa marcada por forte conteúdo ideológico. Cordeiro representava a
corrente que defendia a participação do capital estrangeiro na exploração do petróleo
brasileiro, enquanto que a chapa vitoriosa, liderada por Newton Estillac Leal,
representava os setores nacionalistas das Forças Armadas. Deixou a Esg em agosto
de 1952 para assumir o comando da Zona Militar Norte, sediada em Recife. Em
1954 elegeu-se governador de Pernambuco, numa coligação envolvendo o Partido
Social Democrático, o Partido Libertador e o Partido Democrata Cristão, ocupando
o cargo entre 1955 e 1958. 96
mil e 315 votos. João Cleofas e a UDN totalizaram 204 mil 616 votos. Uma disputa apertada
para os parâmetros da época, principalmente, por ser uma diferença alcançável com os votos
da capital. Os números da eleição no Recife revelaram que novamente a Cidade Cruel sorriu
aos adversários de Agamenon. Mesmo não sendo a mais carismática das figuras políticas do
estado, Cleofas venceu no Recife, mas foi derrotado pelos currais eleitorais do interior, que
elegem o general Cordeiro de Farias.
Apreensivos, dois jovens jornalistas foram ao Palácio do Campo das Princesas, sede
do governo estadual, na busca por informações mais precisas na noite daquela terça-feira. Um
deles, Francisco de Assis Barreto, popularmente conhecido como Chico de Assis, era repórter
54
auxiliar da Agência Nacional com apenas 17 anos e já pertencia aos quadros do PC desde os
15. Acompanhando-o vinha o diretor local da Agência, seu irmão mais velho, Antônio
Avertano Rocha, militante estudantil já de fins dos anos 1950. Os jovens entraram no belo
edifício e subiram no velho elevador atormentados. As portas barulhentas do aparelho
abriram-se, era o andar correto.
imediatamente liguei o rádio e pude ouvir estações do interior de Minas dando conta
de operações de guerra, em linguagem francamente hostil ao Governo Federal. Logo
cedo comuniquei-me com Pelópidas Silveira e marcamos ir ao Palácio saber das
últimas notícias. Pelópidas havia passado a noite com Arraes e alguns de seus
auxiliares, tomando pé na situação. (...) A confusão era generalizada, com a escassez
de melhores e mais precisas informações. (...) Por volta das 10 horas, as rádios da
cidade começaram a transmitir um comunicado oficial subscrito pelo general Justino
Alves Bastos, em nome do IV Exército, e pelo almirante Augusto Roque Dias
Fernandes, do III Distrito Naval, aderindo ao golpe militar.99
97
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 52.
98
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014.p. 53
99
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980.p. 353
100
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014.p. 34.
55
tentativa golpista. Seu espírito combativo e anseio pela revolução levou ao desejo de se
voluntariar a uma provável resistência. A escassez de melhores e mais precisas informações
naquela manhã ficou evidenciada em suas palavras, quando afirma que
O futuro dirigente regional do PCBR era ali um jovem secundarista, aluno do Ginásio
Pernambucano, e já recrutado ao PC. Fica nítida em seu relato a aspiração de muitos de seus
colegas em pegar em armas contra a prisão de Miguel Arraes e a ocupação do Palácio Campo
das Princesas.Na ausência da distribuição dos recursos bélicos necessários à resistência,
Marcelo e outras centenas de estudantes buscaram o meio político legal para expressar sua
vocação jacobina e resistir àquela altura: a voz. Organizados, militantes e simpatizantes
escolheram, não por acaso, a Escola de Engenharia como ponto de encontro. O fervor já
erapalpável. O relógio batia às 12 horas. O sol do famoso pingo do meio dia tornava o
mormaço fatigante, a ebulição entrava tarde adentro. O caldeirão apuraria até às dezesseis
horas.
bandeiras. Nas escaramuças do passado, as tropas do Exército sempre respeitaram muito esses
símbolos. Sempre, quando se cantava o hino nacional, o Exército não avançava, ficava
perfilado.”103. Daquela vez seria diferente.
testemunhas de vista dos fatos afirmaram que os soldados se haviam negado a atirar
contra os estudantes em passeata, perto da rua Ubaldo Gomes de Matos, por trás do
edifício do IAPI e da SUDENE. O major Hugo Caetano de Almeida, conhecido na
caserna como Hugo Fodão, tomou das mãos de um praça uma arma automática e,
ele próprio, atingiu dois jovens estudantes, um nas costas, outro no rosto, matando-
os. (...) do tiroteio resultaram mortos Jonas de Albuquerque Barros, de dezessete
anos, e Ivan da Rocha Aguiar, de vinte e três, estudantes.107
Ivan havia militado como secundarista e era recém ingresso na Escola de Engenharia,
um prolífero de encarnados,local historicamente ligado a uma tradição democrática e infensa
a autoritarismos. Vinha de família de tradição comunista, seu pai, Severino Aguiar Pereira,
era membro do Partido filiado desde 1927 quando com 21 anos, um dos primeiros em
Pernambuco. “No Pronto Socorro, quando um militar tentou incriminar a mãe do estudante
Ivan pela responsabilidade moral da morte do filho, teria ela respondido: - vocês é que o
mataram. Tenho mais sete filhos para continuar a luta dessa criança”108. Já Jonas, era mais
jovem, estudante secundarista, muito letrado, o estudante era de um seleto grupo de
adolescentes que “tinham a preocupação em criar bibliotecas em suas casas para debate e
103
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014.p. 53.
104
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980.p. 355
105
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 53.
106
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014.p. 34.
107
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980.p. 355
108
Idem. CAVALCANTI, Paulo. 1980, p. 355.
57
discussão como ocorria com Jonas de Albuquerque Barros, que, na sua casa, ele tinha uma
biblioteca e emprestava os livros e tinha toda uma questão de discussão cultural no meio da
juventude.” Assim nos relatou em entrevista o militante Marcelo de Santa Cruz.Além de nos
conferir detalhes da comoção provocada pelos assassinatos, ele descreve o sepultamento dos
jovens
esse foi o primeiro contato que eu tive com a repressão, foi a morte desses dois
primeiros heróis brasileiros, depois deles houve outras e seguiram várias mortes
torturas e assassinatos. Tive a oportunidade no dia seguinte a ir ao sepultamento no
cemitério de Santo Amaro com os estudantes, e, presenciei uma cena que acredito
que tenha sido da mãe de Ivan da Rocha Aguiar, que ela teria gritado haviam morto
um filho dela mas que ela ainda tinha mais 7 ou 8 filhos, e que ele havia sido morto
pela liberdade e pela democracia. E, no entanto naquele enterro haviam muitos
policiais, tanto civis e havia um número que pela mobilização que existia era um
número pequeno, 100 pessoas a 150 pessoas no sepultamento de Jonas e Ivan
Aguiar.109
109
Marcelo de Santa Cruz. Entrevista concedida ao autor em 04 de agosto de 2014.
58
1963. Aqueles momentos são chave para compreender o sentimento em 64, apenas três anos
depois. Um segundo componente muito presente é o tempero nacionalista que apimentava as
relações de ambos os lados.
O nacionalismo já era pauta estudantil nas movimentações dos anos 1940, de repúdio
ao nazismo e de valorização nacional, tendo inclusive o prédio da UNE, no Rio de Janeiro,
sido confiscado anteriormente pelo governo brasileiro por ser sede do Clube Alemão na
capital110. A partir daí, nos anos 1950 o projeto desenvolvimentista no Brasil, com a abertura
ao capital internacional e extensa atividade industrial, e as campanhas envolvendo o Petróleo
acirrará o nacionalismo nas manifestações estudantis, como algumas ocorridas em Recife, na
mesma Praça da Independência em 1956.111Essa efervescência nacionalista também merecerá
um olhar particular no próximo tópico deste capítulo, pois ele estará presente nas mais
diversas discussões e práxis políticas.
110
Memórias Estudantis. 1937-2007 da fundação da UNE aos nossos dias. Rio de Janeiro. Ediouro, 2007.p. 60.
111
APEJE, Arquivo DOPS, prontuário funcional 7458, e mais tarde detalhadamente citado neste trabalho .
59
112
COUTINHO & NOGUEIRA, Gramsci e a América Latina. Org. Carlos Nelson Coutinho & Marco Aurélio
Nogueira. São Paulo. Paz e Terra, 1988.p. 50.
60
municipal e estatal e muitos outros são fatores que, a partir de agora, observaremos como
dialogaram com a atuação do movimento estudantil no Recife.
2.3 Nos porões da clandestinidade: tempero nacionalista; linha política PCB e as eleições de
Pernambuco
costumes políticos”. Eleições? “O voto portanto, não resolve, porque não se trata de
dar ao povo meios para escolher gente decente”113
113
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castello (1930-1964). Tradução Berilo Vargas. São Paulo.
Companhia das Letras, 2010. p. 183.
114
Informação nº 106. Prontuário funcional nº 7458, Arquivo DOPS, 1955. APEJE, Recife-PE.
115
Informação nº 106. Prontuário funcional nº 7458, Arquivo DOPS, 1955. APEJE, Recife-PE.
116
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. O nordeste do Brasil 1955-1964. 1972. p. 61.
62
117
CASTRO, Josué. MELO, & NEVES. (orgs). Josué de Castro. Biografia. 2010. p. 62.
63
movimentar-se no sentido de atendê-las. Esse esforço inicial seria o embrião que resultaria na
posterior criação da SUDENE, assunto que trataremos mais adiante. Para Luciana Jaccoud,
nos anos 1950
Essa efervescência política que apura agora, mas que entrará em seu ápice em 1963,
não por acaso aparece nos relatos das fontes orais quando indagadas sobre 1964. Veremos
logo em seguida como já em seus momentos iniciais na palestra, o entrevistado faz sempre
alguma referência nacionalista.Por que então isso recai no seu discurso, algumas vezes até
com certo entusiasmo?Para Rodrigo Dantas (2015), foi em 1954, após a morte Getúlio e “com
a criação em 1955 do ISEB, durante o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek
(1956-1961), que o nacionalismo passou a dar o tom da política nacional, servindo como uma
bandeira comum a unir diversas correntes políticas e classes sociais” 121.Observando essa
capacidade do nacionalismo em aglutinar pessoas de correntes e classes distintas, foi nesse
contexto
118
JACCOUD, Luciana Barros. Movimentos Sociais e crise política em Pernambuco (1955 - 1968). Recife:
Massangana, 1990. p. 13
119
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. O nordeste do Brasil 1955-1964. 1972. p. 65.
120
CASTRO, Josué. MELO, & NEVES. (orgs). Josué de Castro. Biografia. 2010. p. 60.
121
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco: ação e protagonismo do
Partido Comunista Brasileiro (1955-1962). UFPE, 2015, p.60.
64
122
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 64.
123
Informativo Unidade: II Semana Estudantil Nacionalista. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário funcional nº
7458. Recife-PE, 1956.
124
Informativo Unidade. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário funcional nº 7458. Recife-PE, 1956.
65
olhe, em minha base ideológica eu acho que eu cumpri todas as fases pra se chegar a
ser comunista. Primeiro eu fui um democrata, (...) aí depois eu virei um nacionalista
antiamericano extremado. Porque tinha um hóspede lá de casa – “Seu” Romeu – que
assinava um jornal ultranacionalista – O Semanário – que era Joãozinho da Fonseca
que escrevia e era um grande panfletário nacionalista, (...) [e que] escreveu um livro:
Que sabe você sobre o Petróleo, que eu li (...). Ele não era comunista, ele era
radicalmente nacionalista. Então eu tive uma grande influência nacionalista mesmo
(...). Aí entra a Revolução Cubana, aquela simpatia pela Revolução Cubana, mas
125
GROPPO, Luís Antônio. As novas esquerdas e o movimento estudantil no Brasil: 1961-1967.
66
ainda sem ter muita noção do que é que era aquilo. Era um sentimento de rebeldia
contra os EUA [grifo nosso].126
em 1964 houve um golpe no país. O que existia até então era uma ampla discussão
na sociedade a favor das Reformas de Base, a favor, do que representava a reforma
universitária, a reforma agrária, as reformas financeira e bancária, a questão da
limitação da remessa dos lucros para o exterior. E não era, conforme diziam, uma
ameaça para o país se tornar um país comunista. Era justamente uma luta pela
modernização do país. E na luta em defesa da modernização do país existia muito
forte naquela época a luta em defesa do próprio país, o sentimento de
nacionalidade. Então uma luta importante que foi travada naquela época, nos anos
1950 ainda, foi a questão da Petrobrás, o slogan era “o petróleo é nosso”.127
aos 15 anos, ele já integrava a juventude do PCB. “Evidentemente que não era uma
militância assim, muito comunista. Era uma militância mais festiva”, admite.
126
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
127
Marcelo de Santa Cruz. Entrevista concedida ao autor em 04 de agosto de 2014.
128
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014, p. 50.
67
Oto também era aluno do Ginásio Pernambucano, mas num prédio anexo que não
ficava no centro da cidade como a sede do colégio, mas no bairro da Torre, Zona Norte do
Recife. “No local, conheceu outros comunistas e engajou-se no movimento estudantil. O
combate ao imperialismo e a luta nacionalista por direitos trabalhistas e pela ampliação do
ensino público e de qualidade eram as motivações do jovem militante” 131. Mais uma vez, o
nacionalismo torna-se parte integrante do combate por direitos e reformas pelos quais a
sociedade de 1960 lutava.
129
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014, p. 50.
130
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014, p. 72.
131
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014, p. 72.
132
Informação 109. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário funcional nº7458, Recife-PE, 1956.
68
O bom humor destilava seu veneno também nos cartazes dos alunos de Veterinária,
que naquela passeata empunhavam os dizeres: “Farias, faz alguma coisa, Etelvino deixa?” e
ainda “Cassino das Princesas: Pif-Paf, uísque, Café Society, ingressos com o presidente
Cordeiro” uma alusão ao Palácio do Campo das Princesas transformado, segundo os
estudantes, em mesa de negócios ao capital internacional. Os alunos de Direito que também
participaram do ato, “conduziram duas maletas e as deixaram nas calçadas da residência do
Governador como oferta, para que o governador arrume as malas e vá embora. Outro cartaz
dizia:“Já vai tarde”. Essa maior conscientização política alcançada ao longo dos anos da
democracia vão consolidar-se na candidatura popular de Pelópidas à prefeitura do Recife, um
133
Informação 109. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário funcional nº7458, Recife-PE, 1956.
134
Informação 109. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário funcional nº7458, Recife-PE, 1956.
69
acontecimento especial para a cidade, pois, como já citado, esta não podia eleger seu prefeito
desde os tempos de intervenção varguista, impedimento que manteve-se mesmo após 1946.
Ainda que com seu registro cassado, o Partido funcionava de fato, com jornal diário e
direções atuando quase abertamente. Logo se formou uma frente popular de socialistas,
comunistas e trabalhistas para conceder apoio ao nome de Pelópidas Silveira. Nesta eleição a
Frente do Recife indicara um carismático nome para ocupar a cabeça da chave. Além da
tendência à esquerda da capital pernambucana, o nome de Pelópidas era muito fluido.
Simpático e popular, era um nome a ser temido pelos setores mais conservadores da capital, e
não tardou até que se mostrasse essa preocupação, desta vez, em forma de uma tentativa de
vitória jurídica buscando impugnar a campanha de Pelópidas.
Apesar da grande votação, a recém criada Frente Popular possuía muitas faces: assim
como quase todas as coligações políticas ela apresentava contradições e tensões internas
próprias e distintas a cada processo eleitoral. Para a escolha do nome para vice-prefeito de
Pelópidas, por exemplo,
135
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 78.
70
136
CASTRO, Josué. MELO, & NEVES. (orgs). Josué de Castro. Biografia. 2010. p. 60
137
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p.127.
138
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p.129.
71
A criação dessa frente única de oposição mobilizou, talvez pela primeira vez na
história política do estado, uma aliança de centro-esquerda patrão-operário. A aprovação do
projeto em novembro de 1957 então pingou centelhas de fogo em milhares de hectares de
mato seco e inflamável. No dia seguinte estourava uma paralisação que congelava atividades
de comércio e indústria,
139
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980. p.251
140
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. O nordeste do Brasil 1955-1964. 1972. p. 186.
72
olockout atingiu até bancas de jornais e fiteiros de cigarros. À reunião, nesse dia, da
Associação Comercial, compareceram mais de mil empresários, grandes, médios e
pequenos. Na crista da agitação patronal, despontou uma liderança nova, a do
usineiro Cid Sampaio, presidente do Centro de Indústrias de Pernambuco e homem
de temperamento combativo. (...) Um manifesto assinado por quase todos os
sindicatos de trabalhadores, com sede no Recife, hipotecando irrestrita solidariedade
à greve do comércio (...). A polícia de Cordeiro de Farias desandou-se em violência
(...) chegando a prender o Deputado Julião e alguns líderes camponeses, ao mesmo
passo em que o governador insinuava que as classes produtoras estavam aliando-se
aos comunistas, com “intuitos subversivos”. 141
usou da palavra o professor ARNÓBIO GRAÇA, que disse ser a reforma da Carta
Política do estado uma imoralidade, (...) dizendo com grande entusiasmo que
deviam expulsar o invasor que veio importado do Rio Grande do Sul, acoliado com
o assassino policial, hoje no Ministério do Tribunal de Contas [Etelvino] que nada
tem feito por Pernambuco, chegando ao ponto de querer rasgar o de mais sagrado, a
Carta Magna do estado. Em seguida falou o acadêmico JONAS FERREIRA LIMA,
dizendo que naquela praça, em 1945, o caçador policial e arbitrário ETELVINO
LINS, tinha morto DEMÓCRITO DE SOUZA FILHO e o carvoeiro MANOEL
ELIAS, numa campanha cívica como a que os estudantes de Pernambuco faziam
141
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da Coluna Prestes à queda de Arraes. 1980. p.288.
142
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p.83.
73
agora, quando o seu sucessor, que veio importado do Rio Grande do Sul, queria
cuspir na cara de Pernambuco para satisfazer caprichos pessoais pretendendo rasgar
a Carta Política, para aí fazer o jogo do vice-governador e logo depois aumentos de
subsídios e outras coisas mais, no entanto os estudantes e o povo de Pernambuco
saberiam repelir tais atitudes, não sabendo como um político fracassado da espécie
de ETELVINO, forjava com o general importado, uma reforma às caladas da noite
na Constituição do estado, em desrespeito à Constituição Federal.143
143
Relatório investigativo da Delegacia Auxiliar ao secretário de segurança pública. Ofício 073. APEJE, Arquivo
DOPS, Prontuário Funcional nº 7458. 1957.
144
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 82.
145
Relatório investigativo da Delegacia Auxiliar ao secretário de segurança pública. Ofício 073. APEJE,
Arquivo DOPS, Prontuário Funcional nº 7458. 1957.
74
humor dos estudantes também estava presente no cartaz “A reforma é tão imoral, que não se
faz a luz do dia”.
O comitê parecia saber das condições favoráveis à expansão de seus ideais para o
interior – dado os abismos sociais existentes e a ampla maioria camponesa –, das necessidades
de maior inserção ideológica no campo, de criar aparelhos de disseminação capazes de
produzir uma contracultura que favorecesse a posterior hegemonia de suas teses, e, por isso,
defendiam a consolidação de uma frente popular. Ainda além, para Dantas, a materialização
das Oposições Unidas era a consolidação de uma Frente policlassista entre patrão e
empregados já há muito “tão aspirada e tão eloquentemente propagada nos discursos e nos
documentos emitidos pelo PCB” 147. No entanto, mesmo esforçando-se ao máximo para
manter a unidade, houve divergências dentro do próprio Partido, bem como dissidências no
PSB para a candidatura de Jarbas Maranhão.
146
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 84
147
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 84
75
148
PORTANTIERO, Juan Carlos. O nacional-popular: Gramsci em chave latino-americana. 1988. p.49
76
2.4O raiar dos anos 1960: desigualdades cruéis; Recife: prolífero de encarnados.
A história nacional nos anos 1960 é repleta de conjunturas que nos permitem observar
diferentes aspectos da formação da sociedade brasileira. Desde as inconstâncias e insânias de
Jânio, passando pelas movimentações golpistas de 1964 até o fechamento total do regime
empresarial-militar a partir 1969, são, a cada dia, revelados pela historiografia diferentes
olhares sobre as relações de poder presentes nas contradições evidentes da nação no período.
Vivendo os dias quentes de uma guerra gelada, o jovem que acordava numa habitual
manhã de mormaço recifense, caminhava por suas ruas alagadiças até o precário transporte
público e seguia para sua escola observando na cidade vultosa disparidade social. Tamanha
desigualdade harmonizava-se apenas com o momento polarizante pelo qual passava o planeta.
As tensões existentes entre o imperialismo feroz norte americano e os anseios e as
possiblidades do socialismo levaram as sociedades a uma divisão política, ideológica e
econômica radicalizada em diversas partes do globo com ferozes conflitos armados.
O açúcar, que séculos antes proporcionara a Portugal imensa riqueza que lhe
concedeuas chaves para participar no sistema capitalista mundial em sua fase mercantil, não
conseguia agora harmonizar as forças sociais aviltadas, achatadas e oprimidas. No nordeste
como um todo, Joseph Page em sua obra A Revolução que nunca houve (1972), em que
aborda o contexto da situação do Nordeste brasileiro no pré-64, nos revela alguns dados
importantes para compreendermos como Pernambuco oferecia expressivas condições para ser
um celeiro de atividades esquerdistas
cerca de 2,5 por cento das pessoas no Nordeste recebem 40 por cento da renda total
da região. (...) Um levantamento feito em 1963, no estado de Pernambuco, revelou
que 690.000 famílias do meio rural estavam vivendo numa terra adequada para
manutenção de somente 110.000 famílias. O índice de analfabetismo é alto. Nas
áreas rurais, pode exceder os 80 por cento. Os dados contam apenas uma parte da
história. (...) a expectativa de vida é baixa: 35 anos para 80 por cento da população.
A mortalidade infantil durante o primeiro ano de vida foi estimada em 60 por cento.
(...) uma amostragem no setor sul da zona do açúcar em Pernambuco revelou a
existência de camponeses consumindo somente 1.299 calorias diárias.149
O autor revela ainda outros dados da região nordestina que demonstram suas
consideráveis incongruências. Na cidade do Recife, suas contradições ofereciam os mais
diversos matizes. Eram muitos os problemas urbanos na capital. A desigualdade de renda,
aliada ao êxodo rural proporcionava um grave problema habitacional, que levava milhares de
famílias a procurarem as áreas marginalizadas da região metropolitana: seus morros e beiras
de rio. O Recife possui em sua geografia curiosos recortes em seu território provocados pelos
rios Capibaribe, Beberibe, Jordão, Tejipió e Pina. Os rios tornam belas as paisagens do centro
da cidade e evidenciam um cenário que lhe atribui o apelido de ‘Veneza Brasileira’. Segundo
Joseph Page, nas áreas ribeirinhas de suas margens, abrigava-se “um constante fluxo de
150
camponeses da zona do açúcar e do interior [que] alimentava essas pústulas urbanas”.
149
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 31.
150
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 23.
151
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 23.
152
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 23.
78
Evson Malaquias de Moraes Santos ao escrever sua obra A primeira greve estudantil
da UFPE (2010), delineia o contexto social do Recife pós-Guerra, em que
A vida precária, paupérrima, desprezível sob os tetos de papelão e com os pés nos
manguezais alagadiços às margens dos rios levou o pensador Josué de Castro a refletir sobre o
problema e formular, de maneira marcante, a obra Geografia da Fome, publicada em 1946 e
que se tornou imenso referencial teórico por todo o mundo. Relacionando as questões
econômicas com os problemas da nutrição, o médico e pensador em entrevista à Revista
Manchete154 já em 1964, relata,
aos 21 anos escrevi O ciclo do caranguejo, que tanto impressionou tanta gente: “Os
mangues do Capibaribe são o paraíso do caranguejo. Se a terra foi feita para o
homem, com tudo para bem servi-lo, também o mangue foi feito especialmente pro
caranguejo. Tudo aí é, foi ou está pra ser caranguejo, inclusive a lama e o homem
que vive nela. A lama misturada com urina, excremento e outros resíduos que a
maré traz, quando ainda não é caranguejo, vai ser. O caranguejo nasce nela, vive
nela. Cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela, fazendo com lama a
carninha branca de suas patas e a geleia esverdeada de suas vísceras pegajosas. Por
outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber
os seus cascos até que fiquem limpos como um copo. E com a sua carne feita de
lama fazer a carne do seu corpo e a carne do corpo de seus filhos. São cem mil
indivíduos, cem mil cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que o organismo
rejeita volta como detrito para a lama do mangue, para virar caranguejo outra vez.155
Este relato, que nos traduz as condições sociais do Recife de meados do século XX,
tornou-se tese sociológica e ganhou adeptos e admiradores por todo o mundo. Disse Josué em
Homens e Caranguejos que “o fenômeno [da fome] se revelou espontaneamente a meus olhos
nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis da cidade do Recife: Afogados, Pina,
Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta foi minha Sorbonne: a lama dos mangues do Recife” 156. As
153
SANTOS, Evson Malaquias de Moraes. A primeira greve estudantil da UFPE, 2010. p. 43.
154
Revista Manchete Nº 625. Abril de 1964.
155
CASTRO, Josué. MELO, & NEVES. (orgs). Josué de Castro. Biografia. 2010. p. 41.
156
CASTRO, Josué. MELO, & NEVES. (orgs). Josué de Castro. Biografia. 2010. p. 32.
79
Pernambuco dos anos 1960 era ainda um reflexo do modelo econômico açucareiro
colonial e chegava ao limite de suas arcaicas estruturas sociais. Observe este fragmento
retirado da obra Formação do Brasil Contemporâneo, do historiador Caio Prado Jr, quando
analisa a organização social no país, após situar a escravidão, diz ele:
Uma segunda parte da população vegetativa da colônia é a daquele que, nas cidades,
mas, sobretudo no campo, se encostam a algum senhor poderoso, e, em troca de
pequenos serviços, às vezes até unicamente de sua simples presença, própria a
aumentar a clientela do chefe e insuflar-lhe a vaidade, adquirem o direito de viver à
sua sombra e receber dele proteção e auxílio. São então os chamados agregados, os
moradores de engenhos.158
157
CASTRO, Josué. MELO, & NEVES. (orgs). Josué de Castro. Biografia. 2010. p. 46.
158
PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Cia das Letras. 2011.p. 300.
159
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 35.
80
da ação política dos grupos dominantes, que procuravam meios de preservá-lo, tornando-se
esses senhores os chefes políticos de suas localidades.
uma força que existe fora deles, a qual não sabem de onde vem e a que se destina.
(...) Para que ela [alienação] se torne um poder insuportável, isto é, um poder contra
o qual se faça uma revolução, é necessário, que tenha criado uma grande massa de
humanidade absolutamente destituída de propriedade e ao mesmo tempo em
contradição com o mundo existente de riqueza e cultura, o que pressupõe um grande
aumento da força produtiva, um grau elevado do seu desenvolvimento – e, por outro
lado, esse desenvolvimento das forças produtivas é também uma premissa prática
absolutamente necessária.162
Nas zonas de seu plantio, os litorais ao norte e ao sul de Recife, o açúcar havia
produzido contradições e disparidades condizentes com o tamanho da glória, distinção e
relevo de outrora. As zonas da mata sul e norte possuíam os mais variados problemas sociais.
Fome e subnutrição, mortalidade infantil, endemias, analfabetismo e infortúnios. O
extremismo da situação social no nordeste esculpia, ao longo dos séculos.as condições
inflamáveis propícias ao incêndio inconformista das massas oprimidas há gerações. Não a toa,
durante o período democrático que estende-se desde o fim do regime varguista, em 1945, até
160
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 39.
161
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 38
162
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich.A ideologia alemã. 2009. p. 50.
81
o golpe em 1964, os comunistas e suas teses tiveram ampla recepção no estado e, sobretudo,
na sua capital.
163
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 22
82
Tabela 1 – Expansão do sistema de ensino superior. Dados: Teixeira, 1989. In: SAMPAIO, Helena. Evolução do
ensino superior no Brasil. 1991.
A ascensão das camadas médias da sociedade por todos os anos 1950 favoreceu a
chegada de toda uma nova geração à Universidade. Aos poucos, uma quantidade maior de
jovens de famílias simples chegam ao curso superior, sendo muitos deles ativistas já no
movimento secundarista. Na tabela acima é possível observar o crescimento vertiginoso de
novas Escolas de Ensino Superior de 1900 até 1968. Observem que o número de novas
Faculdades nos oito anos entre 1960-68 (375) é superior ao número surgido nos 30 anos entre
1930-60 (318). Obviamente, esse crescimento vinha para atender uma demanda cada vez
maior de novos alunos das mais diversas origens sociais. Dentro dessa perspectiva do boom
de escolas superiores surgido após 1960, analisemos o quadro de matrículas nessas
instituições em todo o país:
164
Poema “Mandarins e vagalumes” – Marcelo Mário de Melo. Publicada em Os colares e as contas – poemas
políticos. 2012.
83
Tabela 2 – Evolução do número de matrículas em estabelecimentos públicos e privados (1960-1980). Em Levy, 1986
In:SAMPAIO, Helena. Evolução do ensino superior brasileiro. USP, 1991.
Debates sobre as reformas nacionais, como veremos, eram comuns naqueles anos. No
entanto, além do interesse na realização dos debates sobre a LDB, discutia-se conceitos
educacionais como os presentes no informativo nos tópicos seguintes,
165
Informação nº186. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458, Recife-PE, 1961.
84
A FORÇA DO EXEMPLO – Educar não significa ensinar ao povo o que ele não
sabe. Significa ensina-lo a conduzir-se como ele não o faz. Não é ensinar à
juventude a combinação: das letras e o arranjo dos números, nem deixa-la aplicar
para o mal esses ensinamentos. Significa, ao contrário, instruí-la no exercício
perfeito e na modelação de seu corpo e sua alma. É um árduo, contínuo e difícil
trabalho, que deverá ser cumprido pela bondade, pela vigília, pelo conselho, pelo
preceito e pelo louvor, mas, sobretudo, pelo exemplo. [grifo nosso] – Ruskin.166
A frase de Ruskin deixa claro a capacidade intelectual dos estudantes, bem como seu
interesse em estar ligada à conscientização das massas, o que associadaà tradição jacobina de
Pernambuco possibilitava, segundo o conceito nacional-popular de Gramsci, maior
proximidade dos intelectuais com o povo-nação. Ou vejamos ainda o que se diz no ponto,
166
Informação nº186. Circular informativa Centro de Estudantes Secundários de Pernambuco. Nº 01/Gestão
60/61. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458 Recife-PE, 1961.
167
Informação nº186. Fundo: SSP/DOPS/APEJE Prontuário Funcional nº 7458, Recife-PE, 1961.
168
FERREIRA, Maicon. Nos interstícios do Golpe: resistência da juventude em Pernambuco à Ditadura Civil-
Militar. UFPE, 2014, p. 23.
85
Os grandes Colégios públicos, centros da agitação, possuíam em seu seio seres pobres,
médios e de famílias tradicionais da cena pernambucana. Conservadores, subversivos e
apolíticos. No entanto, aqueles que militavam estavam visivelmente preocupados em alertar
seus colegas para as mazelas sociais do nordeste e seu imenso abismo de desigualdades. A
conscientização era uma das palavras de ordem da época e seria colocada à prova no plano de
educação e conscientização política empreendido pelo Movimento de Cultura Popular nos
anos seguintes. E sobre esse contexto é que se corporifica o nome de Arraes na sucessão a
Pelópidas na prefeitura do Recife, àquela altura,
passeatas de 1960, que era campanha de João Goulart, mas quem perdeu a eleição
foi Marechal Teixeira Lott, e contra o golpismo, (...) ali eu começo a conhecer a
moçada do Ginásio Pernambucano também lá. Já filiados sem eu saber. Encontrei
alguns comunistas de Caruaru. Que eram alguns colegas de infância, de Caruaru. Aí
eu vou me aproximando da comunicidade.(...) Aí um belo dia me chamam para uma
reunião do Partido Comunista, eu vou, eu entrei no Partido Comunista em abril de
1961 [grifo nosso].170
170
Marcelo de Mário Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
171
Marcelo de Santa Cruz. Entrevista concedida ao autor em 04 de agosto de 2014.
87
compreender porque a população estava atenta a suas pautas mesmo após o início do regime
repressivo empresarial-militar.
Suas teses e seus experimentos eram realizados no âmbito de sua atuação como
professor da Universidade Federal de Pernambuco, e na direção do Serviço de Extensão
Cultural (SEC). Este órgão, segundo Luiz Costa Lima, que nele trabalhou, em entrevista ao
historiador Otávio Luiz Machado 173, era formado pelo “sistema de alfabetização concebido
por Paulo [Freire]. Além dele, o SEC era constituído pela Rádio Universitária, dirigida por
José Laurêncio de Melo, e a revista Estudos Universitários, de que eu era o secretário.”174
Segundo ele, apesar do grande viés popular do setor de alfabetização do SEC, a rádio e a
revista possuíam atuação e público alvo bem distintos, não constituindo uma ameaça
revolucionária e violenta ao regime político ou a ordem social, aceitando seu caráter político,
mas determinadamente inserido num movimento político não-partidário.
172
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p. 302.
173
MACHADO, Otávio Luiz. 2007 & ZAIDAN, Michel. Movimento estudantil brasileiro e a educação superior..
UFPE. 2007.
174
Luiz Costa Lima. O contexto da universidade do Recife do início dos anos 1960 até o golpe de 1964. In:
Machado, Otávio Luiz. 2007. p. 41-48.
88
Era sob o método de Freire que o MCP baseava suas ações, mas elas eram distintas em
diversos aspectos. Paulo Cavalcanti nos previne que aqueles não eram dias comuns vividos no
Recife,
era o ano de 1960, fértil em cometimentos dessa natureza por todo o território
nacional. Visava o MCP, agora, além da alfabetização, elevar o nível cultural das
massas, conscientizando-as paralelamente. Ao ensinar-se a ler a um adulto, não se
recorreria mais ao jogo simbólico de palavras e sílabas abstratamente situados em
seu universo social (...) pretendia-se alcançar uma meta mais ligada à vida, o homem
reencontrando na escola as suas raízes telúricas e culturais adormecidas, dentro de
um mundo social alienante, aprendendo a ler realisticamente, a educação fulcro para
elevá-lo e projetá-lo no seu meio. (...) Esse projeto inicial de Arraes, no entanto,
corporificou-se em algo muito mais complexo e abrangente quando o professor
universitário Germano Coelho foi chamado a colaborar com a iniciativa. Germano
defendia a alfabetização como uma iniciação à cultura, no vasto sentido da
expressão. (...) A partir de então o movimento buscou atuações das mais variadas
formas, além do teatro e das já referendadas praças de cultura a valorização dos
folguedos tradicionais, (...) a instalação de galerias de arte, de parques de recreação,
de atelier de artes plásticas e artesanais, do cinema, dos teleclubes, das ‘mesas-
redondas’ sobre cultura popular – despertando a comunidade para os seus
problemas, englobadamente.175
E se o objetivo era despertá-los para seus problemas, porque não dizer, os espaços do
MCP proporcionaram excelentes oportunidades para catarse de dezenas de pessoas acerca de
sua condição como ser ético-político. O momento vivido era tão singular que até mesmo a
CNBB criou o Movimento de Educação de Base, em 1961, caracterizando-o também como
um movimento de cultura popular tendo como base o pensamento humanista cristão.
há uma coisa sobre o método Paulo Freire que não é muito bem contada, porque
Paulo Freire era a favor da alfabetização através dos ciclos de cultura, ele era contra
a ‘cartilha’. Agora o problema é o seguinte, você tinha um ciclo de cultura, você
tinha que ter um cara que fosse bom pedagogo e bom comunicador, porque eu fiz o
curso Paulo Freire, não cheguei a trabalhar, mas eu fiz o curso. Rapaz, você tinha
que dominar o método técnico de alfabetizar, chegar numa comunidade e começar a
puxar temas a partir da situação daquela comunidade então você simplesmente não
tinha cartilha tudo dependia do debate cultural, só que isso aí, pra formar esses
quadros era muito difícil. Aí o pessoal que era do método Paulo Freire procuraram
adaptar as ideias e os métodos de Paulo Freire e criou uma cartilha, Paulo Freire foi
contra. Mas o grosso da alfabetização que ocorreu no Recife foi pela Cartilha. Uma
cartilha inspirada no método, mas não foram os ciclos de cultura.176
175
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p. 302.
176
Marcelo Mário de Melo, entrevista ao autor 25 de abril de 2016.
89
Essa cartilha, inclusive, não esteve envolvida apenas nesta polêmica, uma vez que “os
opositores de Arraes acusavam a cartilha de ser subversiva, e, no contexto das condições no
Recife e de todo o Nordeste, realmente era. A primeira lição ensinava que ‘o voto pertence ao
povo’. Na lição nº 24 que ‘um bom político sempre fica do lado do povo”177. A cartilha
continha ainda alguns temas controversos, sobretudo no contexto incendiário do Recife,
ensinar aos famintos que “‘fome, doença, desemprego e analfabetismo são alguns dos males
sociais do nordeste’; e que ‘um trabalhador, num sindicato de trabalhadores, é um homem
forte’; Que a ‘democracia é o governo do povo, pelo povo, e para o povo’” 178, atesta, portanto,
que estando num sindicato, dentro de uma democracia, poderia o faminto lutar contra os
‘males sociais’ que lhe afligiam.
177
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 137.
178
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 137.
179
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 138.
180
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 137.
90
o Sítio da Trindade, o MCP fez de seus amplos espaços o laboratório das mais ricas
experimentações no campo da cultura popular. A qualquer hora em que ali se
chegasse, dezenas de professores, estudantes e ativistas do movimento estavam
reunidos, cada qual em seu setor, a discutir planos e realizações, a par de aulas de
dança clássica, de balé, de frevo de rua181.
E Pernambuco, terceiro foco comunista do país será relevante palco desse fervilhar
cultural e político com o Movimento de Cultura Popular implementado pela administração
Arraes. Endossando a importância dos movimentos culturais na luta política dos estudantes a
historiadora Maria Paula Araújo, em trabalho de reconstituição das Memórias Estudantis – da
Fundação da UNE aos nossos dias (2007) – nos afirma que o
181
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p. 304.
182
FÁVERO, Maria de Lourdes. Os estudantes, o problema universitário e a política dos anos 1960. UFPE. 2007.
p. 87.
91
Para o MCP, assim como para o CPC da UNE, o intelectual era tido como guia das
massas. Embora essa concepção seja entre nós tão velha quanto o positivismo do
século XIX, sem dúvida sua base política era a política cultural stalinista. (...) Como
eu tinha aprendido, por meus anos na Espanha franquista, o que significava o
dirigismo cultural e como pouco se distinguia do fascismo, participei de uma linha
de resistência ao dirigismo oba-oba tanto do MCP, quanto do CPC da UNE.184
Então, enquanto o MCP buscava elaborar um programa que agregasse arte e cultura
popular a ser dirigido para as massas, a SEC acreditava na solidificação de uma cultura
popular já existente e rica em sua própria essência, capaz de despertar a compreensão do
educando e facilitar o seu processo pedagógico da alfabetização. A postura de Luiz Costa
Lima é interessante em se opor ao dirigismo cultural das massas, visto o órgão importante de
experimentos educacionais no qual ele trabalhava. O dirigismo é realmente perigoso e, sim,
uma característica de regimes fascistas e autocráticos. Apesar das divergências quanto aos
processos e práxis a serem utilizadas, a proximidade do ilustrado ao plebeu era um
fatorvisível aos participantes da época em ambos os projetos. O jornalista Marcelo Mário de
Melo observava que
183
ARAÚJO, Maria. Memórias Estudantis. 1937-2007 da fundação da UNE aos nossos dias. 2007, p. 110-111.
184
Luiz Costa Lima. O contexto da universidade do Recife do início dos anos 1960 até o golpe de 1964. 2007. p.
44.
92
Não era à toa a possibilidade de interação entre artistas populares e eruditos no MCP,
isso era um dos objetivos do projeto. Como se vê, as praças possuíam potencial de tornarem-
se excelentes espaços de sociabilidade e conscientização. A capacidade e vocação daqueles
que assumiam papel de instrutores conseguirem estabelecer uma mediação adequada com o
público geral, era algo muito difícil. Luiz Costa Lima relembra certa vez quando
Não estamos na tentativa de afirmar que o MCP estaria distante das necessidades
populares ou da práxis política da massa. Nem com intenção em afirmar que uma experiência
fosse melhor ou mais eficiente que a outra. Mas de expor o quão estava alto o nível de
ebulição não apenas social, econômico ou político, mas também educacional e cultural na
cidade do Recife. O MCP em seu pragmatismo inerente aos programas estatais buscava
maneiras de universalização daquilo que fosse absorvido de baixo. A SEC em seus
importantes experimentos no campo da educação e conscientização política procurava
utilizar-se cada vez mais da sabedoria popular.
185
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
186
Luiz Costa Lima. O contexto da universidade do Recife do início dos anos 1960 até o golpe de 1964.p. 45
93
Mas a vitória de Arraes para prefeito do Recife em 1959 teria muitas outras
consequências políticas reluzentes para o movimento estudantil em 1964, além do MCP. Após
vencer as eleições
houve boatos de que os comunistas iam tomar tudo (...). Apesar de Cid manter
distância do Partido após eleito governador, Arraes não o fez. Ele nomeou Hiram
Pereira para o cargo de secretário de Administração, e Aluísio Falcão, um membro
do Partido, como diretor da Divisão de Assuntos Culturais da cidade. A presença de
comunistas declarados dentro do governo municipal foi o ápice de um retorno
espetacular do Partido no Nordeste, e refletiu seu crescente poder e prestígio a nível
nacional. O que tornou este fato digno de nota foi que, 25 anos antes, o Partido
parecia ter cometido um erro de proporções suicidas, tanto em Pernambuco como
em outras partes do país.187
Mesmo após o Levante Armado de 35, isso não impediu que os candidatos comunistas
fossem votados pelos recifenses e que fizessem parte da administração de Arraes, um
autêntico legalista. Mesmo um dos principais protagonistas em 1935, o valente Gregório
Lourenço Bezerra, foi um dos principais deputados votados pelo povo pernambucano após
início do período democrático, além de ter atuação destacada na política local da mata sul do
estado. A presença comunista no governo seria determinante para contribuir com a atmosfera
de otimismo à esquerda demonstrada nos anos que antecederam o golpe empresarial-militar
de 1964. E há que se ressaltar também, que num momento de franca efervescência do cenário
cultural em Pernambuco com o MCP, a SEC, a UNE, Arraes nomeie Hiram Pereira, ícone
comunista, para a relevante secretaria de Administração, e, Aluísio Falcão, membro do
Partido, justamente para ocupar um cargo de direção de uma “Divisão de Assuntos Culturais”
da capital.
187
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 76.
188
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 73.
94
o contexto [de otimismo, que] foi levando Chico para dentro do PCB, ele diz. Além
do convívio que passou a ter com os membros ativos do Partido, havia o cenário
geral do País e do mundo, que provocava em alguns adolescentes uma empatia
imediata com as forças de esquerda. O Brasil saía do governo Juscelino
Kubitscheck, com uma perspectiva desenvolvimentista. Em Pernambuco, esse
conjunto de forças conquistava vitórias expressivas, a exemplo da gestão Miguel
Arraes na Prefeitura do Recife. No plano internacional, havia a mística envolvendo
“os barbudos que libertaram Cuba e instalaram lá o primeiro governo socialista da
América Latina”. Era a hora das esquerdas, muitos diziam [grifo nosso]. 189
189
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 51.
190
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 169.
95
Tão grande era o interesse ianque que, além das verbas viabilizadas pelo IBAD nos
mais diversos segmentos como associações, sindicatos e grêmios, a Aliança Para o Progresso
injetaria 01 milhão de dólares, não de Cruzeiros, mas de dólares, diretamente para as mãos do
Governo de Cid Sampaio, em pleno mês de junho, faltando pouquíssimo para as eleições
estaduais. Seus esforços foram tantos para impedir a chegada de Arraes ao poder, que quando
o governador do Rio Grande do Norte, um de nossos vizinhos na região nordeste, Aluísio
Alves, “ao visitar na Casa Branca, o Presidente Kennedy, ouviu do líder norte-americano a
seguinte pergunta, à queima-roupa: - o senhor acha que Arraes vai vencer as eleições em
191
DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado. 1980.
192
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972.
193
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 95.
96
Pernambuco?”194. Aquelas não seriam eleições comuns. Suas consequências também não. O
confronto em Pernambuco entre os dois projetos políticos postos em evidência em 1962 seria,
até então, o ápice da polarização política já vivida tanto aqui, quanto no país, como no
contexto mundial. Naquele ano,
Arraes tinha se inclinado tanto para a esquerda que os elementos conservadores que
compunham a base de apoio de Cid Sampaio estavam horrorizados com a
possibilidade de Arraes entrar no palácio do governo. Assim sendo, Cid tinha que
deter Arraes a qualquer custo. O jogo político que caracterizava as eleições
estaduais em Pernambuco foi muito mais frenético em 1962 do que de costume.
Desde o início, Arraes era o homem a ser derrotado. 195
uma das principais funções do IBAD era canalizar fundos para uma cidade ou
estado, com o objetivo de influenciar o resultado das eleições locais. Logo no
começo da campanha, o IBAD montou uma sede no Recife. Suas atividades não
constituíam segredo e forneceu a Arraes um bom assunto. Ele utilizou-o ao máximo,
queixando-se bem alto da presença do IBAD. Havia até rumores que as firmas
americanas que tinham negócios no Brasil canalizavam dinheiro para o fundo que o
escritório do IBAD no Recife tinha a sua disposição. 197
194
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p.315.
195
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 139.
196
DANTAS, Rodrigo. Formação e dissolução da Frente Popular em Pernambuco, 2015, p. 182.
197
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. 142.
97
pegou toda a polícia estadual colocou sob controle do estado. Desapropriou a fábrica
da Taurus, fabricante de armamentos, uma fábrica particular, apropriou-se do
armamento. Sequestrou os transmissores da Rádio Guaíba, que era uma rádio
privada, instalou-se no Palácio, criou a cadeia da legalidade, criou um voluntariado,
distribuiu armamento pra população e estabeleceu o slogan: “não daremos o
primeiro tiro, mas o segundo e o último!”. Isso foi que criou a polarização.
Terminou o comandante do III Exército, que era Exército de fronteira aderindo a
legalidade, aí desequilibrou.198
O ativista Marcelo de Santa Cruz relembra como naqueles anos, era possível enxergar
a influência polarizante exercida pelo IBAD, quando observa que
198
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
98
O IBAD, que fundado em 1959 já exercia suas atividades por todo o Brasil, era o
principal agente financiador das propostas do status quo vigente. Toda essa polarização e
ebulição política teve papel relevante na politização de muitos estudantes.No depoimento de
Marcelo Mário de Melo, que era àquela altura um recém-filiado ao Partido – ingressou em
abril e enfrentava em agosto as manifestações em favor da legalidade da posse de Goulart –
fica muito clara a relação daquele processo histórico com seu interesse e conscientização
havia essa efervescência política em torno dos temas ligado às Reformas de Base, e
muito ato público, tinha muito comício de rua, e publicações também. Então havia
uma efervescência do ponto de vista político, né?! Aí essa coisa se abre pra mim, eu
fico avidamente atrás de tudo isso (...), eu “piruei” em muita entidade e muitas
manifestações de rua. E quando chega em agosto tem a renúncia de Jânio Quadros,
que foi uma amostra grátis de golpe militar no Brasil, porque aqui, onde os
governadores de estado eram de direita houve golpe naquele momento. Os três
ministros militares dão uma nota pública dizendo que não é conveniente que ele
assuma e impõe. Então aqui em Pernambuco o governador era Cid Sampaio, o que é
que houve? Invasão de sindicatos, censura à imprensa, tropa na rua, não podia ter
mais de três pessoas na rua, ocupação de Diretório e prendendo um monte.
Ocuparam o jornal do Partido e prenderam Mário Alves, David Capistrano,
prenderam um monte de gente e mandaram pra Fernando de Noronha, prenderam
muita gente aqui [grifo nosso]. 200
199
Marcelo de Santa Cruz. Entrevista ao autor concedida em 04 de agosto de 2014.
200
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
99
O militante explica que inicialmente, após a posse de Jango, “num primeiro momento
ficou um alerta contra o golpe, foi mais a denúncia do golpismo. A denúncia”. Com o passar
dos meses “a gente fica participando, pichando muro, distribuindo panfleto por aí a fora. Aí
eu terminei preso na Avenida Manoel Borba. Estava pichando um muro, e fui preso, estava
sozinho. Passei um dia no IV Exército, foi minha primeira experiência de prisão” 201.
Miguel Arraes teria que utilizar de grande jogo de cintura e habilidade política para
arregimentar em torno de si apoios suficientes para quebrar a hegemonia conservadora do
interior do estado, baseadas na exploração dos currais eleitorais detidos sob as garras
inescrupulosas do patronato senhorial. Observando-se que, obviamente, se qualquer relato
advindo de uma pessoa possui seu caráter político, social e cultural de sua própria visão da
história, muito mais atenção, então, deve ser concedida ao relato de um militante. Mas
observemos a distinção com que esse relato de Cavalcanti descreve aquelas eleições de1962,
quando afirma que
201
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
202
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 1980. p.319.
100
Essa foto de Arraes rezando de joelhos um terço comunista é bastante marcante e teria
muita repercussão, sobretudo no campo. Na capital, os estudantes estavam vigorosamente
engajados na eleição. Marcelo Mário de Melo
Como líder estudantil fica evidente a euforia do jovem Marcelo, filiado ao Partido há
cerca de um ano, ser anunciador dos comícios da Frente do Recife nos efervescentes
subúrbios populosos da cidade. Sua juventude conciliava a militância e a posição de destaque
assumida dentro do Partido, com os namoros e romances aflorados e emocionantes da
adolescência. Na avaliação de Chico de Assis, então estudante do Ginásio Pernambucano,
aquela campanha
203
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 142.
204
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 32.
101
“foi muito densa e bonita, do ponto de vista da luta”, lembra. “Depois de governado
por Etelvino Lins (PSD), Pernambuco tinha elegido Cid Sampaio. Apesar de
comandar uma frente politico-partidária que aglutinava as forças de esquerda e as
correntes nacionalistas do estado, Cid era um representante da burguesia industrial
nascente”. A candidatura de Arraes se configurava então como “a primeira tentativa
de fato de eleger um cara que vinha dos quadros da militância política, com uma
posição mais consolidada à esquerda. Era o candidato real das forças políticas
progressistas”. Chico ressalta a importância da vitória e as qualidades do primeiro
governo Arraes, “o melhor governo dos três que ele fez”, defende [grifo nosso]. 205
E a vitória desse real candidato das forças progressistas teria muita representatividade
para o contexto político, econômico e social de Pernambuco. Quão fulgentes seriam aqueles
anos para a mobilização política e para a luta de classe. Novas forças políticas e sociais
colocavam-se em disputa. O nacionalismo contribuíra para o amadurecimento das discussões
em torno do imperialismo estadunidense e da autodeterminação dos povos. As mazelas sociais
no campo já eram enxergadas como consequência da manutenção de um sistema falido de
latifúndio e monocultura. Milhares de camponeses tiveram sua alfabetização associada às
questões a sua volta. Políticos, não apenas no executivo, mas, sobretudo, uma bancada
progressista no legislativo, mais atenta ao desenvolvimento social com programas de
alfabetização e distribuição de terra do que apenas ao desenvolvimento econômico
capitaneado pelas grandes indústrias de capital internacional ou a obras faraônicas a
empréstimos onerosos.
A vitória de Arraes seria então reflexo de um novo momento a ser vivido pela política
pernambucana? A Frente do Recife alcançara domínio sobre o eleitorado no interior, mesmo
sob o comando e coerção dos senhores no sertão? Fato era que essa vitória inauguraria um
período curto de agitação política muito interessante de se observar sob a perspectiva do
estudante recifense dos anos 1960 que estamos tentando apreender.
o PCB passou a ocupar espaços no governo e, segundo Marcelo, passou a haver uma
“crise hamletiana” dentro do partido, dividido no dilema entre defender uma
plataforma comunista ou ser governo. “A gente começou a sentir que alguns
comunistas agiam mais como homens de Arraes do que como membros do partido
205
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 51.
102
Naquele ano de 1963, seu primeiro no governo estadual, seria aprovada a legislação
nacional do trabalhador rural. Graças ao lobby inescrupuloso da classe senhorial, os direitos
do trabalhador do campo chegavam com imenso atraso. Arraes aproveitou então a legalidade
a seu favor para exigir das classes patronais o pagamento do salário e o cumprimento da lei. O
artifício da legalidade colocava Arraes como apenas cumpridor da Lei que vem de cima. Na
visão do militante secundarista Chico de Assis,
“Pernambuco foi o primeiro estado em que as massas camponesas, que até então não
apareciam na cena política, passaram a ter um papel real”. Ele lembra as
negociações encabeçadas por Arraes no sentido de garantir o respeito à legislação
trabalhista. “ ‘As manchetes, na época, eram assim: ‘Camponês de Pernambuco
come carne e bebe leite’. Como se fosse isso uma coisa do outro mundo. O radinho
de pilha começou a chegar lá no campo, todo camponês tinha um, por conta de
Arraes ter obrigado o pagamento do salário mínimo. Foi um governo que estimulou
mais ainda uma opção pela esquerda na minha trajetória”, avalia.207
Observe como esse período de acaloramento das discussões políticas foi decisivo não
apenas para a politização do militante secundarista, mas como estímulo a fazer a sua opção
pela esquerda. Aquele encontro de trabalhadores rurais com representantes das classes
patronais articulado por Arraes já é temática bastante versada na Academia e vista como um
dos ápices da negociação a partir da luta de classes no estado. Aquele encontro com
206
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 33.
207
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 2014. p. 51.
103
trabalhadores do campo, com suas roupas modestas e calos nas mãos de um lado e usineiros e
senhores de engenho com suas roupas caras de outro foi resolvido concretamente a partir da
greve dos canavieiros ocorrida em novembro de 1963. Assim uma nova tabela de tarefas208 e
seus respectivos preços pôde ser negociada e chegar-se a um acordo mais aprazível às classes
trabalhadoras.
Aquela reunião seria também pontapé inicial de um esforço coletivo capitaneado pelo
governo estadual de diminuição da violência contra o trabalhador rural no interior. Ao longo
das décadas, o poder coercitivo policial esteve sempre a serviço das classes senhoriais no
campo. Qualquer posse mínima de terra por um camponês era logo repreendida pela polícia
quando reclamada pelos senhores. Em muitas cidades do interior do estado a “lei ainda era no
braço do jagunço pau mandado do Coronel invasor”209, Arraes teria pela frente o desafio de
atuar na tênue linha entre as classes patronais, a violência contra o trabalhador rural e a força
de polícia estadual, contribuindo em muitas localidades para o acirramento das questões. Esse
era um problema que, para o militante Marcelo Mário de Melo era decorrente dos ânimos
exaltados da campanha,
tinha essa coisa de livros, tinha a imprensa do Partido – o Novos Rumos –, tinha o
jornal semanário, do Partido aqui, que era o A Hora – tratava da política estadual – e
você tinha também muita palestra, naquele tempo era moda: Semana de Realidade
Brasileira. Tudo quanto era de Diretório estudantil fazia, Semana de Realidade
Brasileira aí se discutia Reforma Agrária, Reformas disso, reforma daquilo. Tinha
muito debate público, tanto no colégio, que o colégio promovia, como tinha fora. Aí
212
eu ia pra tudo quanto era de comício, eu ia pra tudo quanto era canto. .
211
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
212
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
105
sendo saudado nos cabeçalhos dos jornais como quem estivera prestes a lançar uma
“Corrida para as Reformas”. Não interessava, pelo menos à imprensa, que os
Decretos presidenciais assinados no comício não dessem quaisquer poderes novos
aos governos estaduais. A euforia estava na ordem do dia. A esquerda exalava
confiança. O líder de uma Liga Camponesa relembrou: ‘nos fins de março um dos
213
FÁVERO, Maria de Lourdes. Os estudantes, o problema universitário e a política dos anos 1960. 2007. p. 87.
214
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
215
Marcelo de Santa Cruz. Entrevista concedida ao autor em 04 de agosto de 2014.
216
GROPPO, Luís Antônio. As novas esquerdas e o movimento estudantil no Brasil: 1961-1967.p. 10.
Disponível em:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario7/TRABALHOS/L/Luis%20antonio%20gr
oppo.pdf
106
comunistas me disse: ‘nós vamos tomar o poder’, e eu respondi: ‘com quê?’, mas ele
não escutou. Acreditava que o determinismo histórico estava prestes a deixar cair o
Brasil em seu colo. Os conservadores não falavam muito. Estavam muito ocupados
juntando armas.217
um movimento que começara no final dos anos 1950, e que estava ameaçando
alterar o equilíbrio entre o poder político e o econômico no estado mais importante
do Nordeste do Brasil, desmoronou no curso de um único dia como um castelo de
cartas.
Apoiada na cuidadosa preparação de um grupo de conspiradores civis, a força
militar prevaleceu, num golpe súbito e aparentemente fácil. As massas, que
supostamente apoiavam Arraes, não levantaram um dedo para ajudá-lo. (...) Isto
marcou o início de um tempo de grande angústia para a esquerda. Os novos
administradores teriam que justificar suas ações. A culpa teria que ser lançada sobre
aqueles grupos e indivíduos que haviam ‘provocado’ o golpe militar, o qual, agora,
em vista do seu sucesso, tinha sido transformado em ‘revolução’. A ventania do
revide ia começar a varrer o Nordeste do Brasil.220
220
PAGE, Joseph. A Revolução que nunca houve. 1972. p. 236.
108
analisaralguns dos atritos havidos no movimento estudantil recifense após o 1º de abril, suas
contradições e modos de atuação.
221
ARICÒ, José. O marxismo latino americano nos anos da Terceira Internacional. 1987. In: HOBSBAWN,
Eric. (org.), História do Marxismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra, p. 438.
109
sectário da orientação política do partido”. 222 Finalmente uma alteração da resolução política
do Partido era discutida. Gorender explica as condições daquela mudança ter se corporificado
após a subida de Giocondo Dias e Mário Alves para a Comissão Executiva. E relata como se
deu sua redação:
Não seria justo hoje, com a percepção e clareza que o tempo nos contempla, tecer
críticas ao simplismo que esta declaração, redigida cinquenta e oito anos atrás, apresenta em
certos momentos. O próprio Gorender o reconheceu em 1987, quando na continuação deste
mesmo parágrafo define alguns requisitos da mesma como “ilusórios”. No entanto, a
Declaração de Março aponta que
222
PCB. Resolução de Março de 1958. Disponível em:
https://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=151:a-declaracao-de-
marco&catid=1:historia-do-pcb atualizado em 26 de junho de 2016.
223
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 30
224
PCB, 1958.
110
Este era o passo a passo comum decorrente do dogmatismo determinista que muitos
PC’s adotaram em redor do mundo. Porém, a declaração não atenta para uma situação
bastante pertinente da realidade brasileira, ocorrida entre 1947-1957, nos governos Dutra,
Vargas e Juscelino, mas que é apontada por Carlos Nelson Coutinho quando analisa que
225
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 30.
226
COUTINHO. As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p. 106.
227
PCB, 1958.
111
comunistas de 1958 não tinham à sua disposição os textos de Gramsci, publicados no Brasil
em maior grau apenas a partir de 1976 e, que ofereciam um conceito bastante significativo
para a interpretação daquele momento da realidade nacional, o de revolução passiva. O autor
italiano usa esse conceito para compreender a formação do Estado burguês em seu país – a
Itália. Ofuscada a premissa da indissociável relação de Estado e sociedade civil, os
comunistas desprezaram a atuação desta “minoria ínfima dentro do Estado”, que contribuiu
para que o “caminho brasileiro para o capitalismo, [fosse] um caminho no qual o Estado
desempenh[asse] frequentemente o papel de principal protagonista” 228. “Todas as opções
concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o
capitalismo (desde a independência ao golpe de 1964, passando pela República e pela
Revolução de 1930) encontraram uma solução pelo alto, ou seja, elitista e antipopular”229, e
isso é algo muito pertinente de ser destacado.
Naquele momento, pós Estado Novo, as relações de poder entre as forças dominantes,
posteriormente denominada de populismo
228
COUTINHO. As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p. 106.
229
COUTINHO. As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p. 107.
230
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 16.
231
COUTINHO. As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p. 106.
112
características – presença das classes dominantes, exclusão das forças populares e forte
repressão policial – tanto com Dutra, quanto Vargas ou Juscelino, e ainda Jânio, em seu breve
suspiro presidencial.O conceito de revolução passiva de Gramsci nos auxilia a compreender
esses momentos de acomodação dos blocos de poder quando
Aqui usaremos o conceito de revolução passiva para observar o populismo dos anos
1950 e posteriormente, também, como se deu no momento do golpe empresarial-militar. A
232
Quaderni, 1324-5, apud COUTINHO,As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p.108.
233
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 30.
234
COUTINHO. As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p. 108.
113
revolução passiva não implica na inexistência de mudanças efetivas, mas que pode-se aplicar
a ela “o critério interpretativo das modificações moleculares que, na realidade, modificam
progressivamente a composição anterior das forças e, por conseguinte, tornam-se matriz de
novas modificações”235
Que também se revelou ilusório: a opção pelo caminho pacífico num país em que a
burguesia já era a classe dominante e tinha vinculação estreita com o imperialismo.
O caminho pacífico da revolução tornava-se impensável sem o consenso da
burguesia brasileira. Estava fora da objetividade política ganhar semelhante
consenso de uma burguesia que não precisava de nenhuma revolução.237
235
COUTINHO. As categorias de Gramsci e a Realidade Brasileira. 1988. p. 108.
236
PCB, 1958.
237
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. 1987, p. 31.
114
238
LUCENA, Fabíola. A comunicação clandestina usada na resistência ao regime militar brasileiro. UFPE. 2011..
115
A lei Suplicy de Lacerda, de novembro de 1964, apenas quatro dias após sua
publicação já provocava a oposição de estudantes recifenses. Estes publicam uma carta
dedicada aos universitários pernambucanos e assinaram como “Aliança Revolucionária
Estudantil [grifo nosso]”239. Àquela altura, os estudantes universitários já reconheciam que “o
golpe militar de 1º de abril implantou a ditadura das forças imperialistas e latifundiárias,
colocando-se em sentido contrário, objetivamente, à reestruturação social e econômica na
sociedade brasileira”. O documento ressaltava o furor existente em torno das reformas de base
na sociedade, todo o rico período de discussão e conscientização que a ação golpista veio
frear. Além disso, já enxergava pessimistamente que “com o golpe, foram destruídas as
nossas conquistas nacionalistas; e agora, nos impede de avançar PACIFICAMENTE”.240
Ressalte-se como na percepção dos estudantes o projeto social e econômico brasileiro barrado
pelas forças imperialistas e latifundiárias estava ligado às reformas de base e lamentavam a
destruição dessas “conquistas nacionalistas”.
239
Carta aberta aos universitários Pernambucanos. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29.096.
Recife-PE, 1964.
240
Carta aberta aos universitários Pernambucanos. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29.096.
Recife-PE, 1964.
241
ARAÚJO, Maria. Memórias Estudantis. 1937-2007. 2007, p. 155.
116
a deficiência do ensino brasileiro, mas é nítido observar que para uma ala significativa do
movimento recifense, o decreto 4.464/64 representou para muitos o fim da esperança numa
atuação legal. Parecia que o cerco havia se fechado de vez. Aqueles mesmos estudantes
estariam juntos a muitos outros ao longo dos próximos três anos a propor as mais
espetaculares e criativas formas de agir contra um aparato fortíssimo, bem assessorado,
treinado e equipado das classes imperialistas-empresariais-militares.
245
Carta da Aliança Revolucionária Estudantil aos universitários pernambucanos. Fundo: SSP/DOPS/APEJE
Prontuário Funcional nº 29.096. Recife-PE, 1964.
246
Pedido de Busca nº130. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29.096. Recife-PE, 1965.
118
Ao que parece, Djair estava realmente com receio de perder a vida. A Escola de
Engenharia, como já citado, esteve sempre ligada a uma tradição de participação política e
247
Auto de Queixa. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29.096. Recife-PE, 1965.
248
Auto de Queixa. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29.096.Recife-PE, 1965.
119
Todo aquele ano de 1965, aliás, estaria imerso em inquietações. O próprio afirmava
que as perseguições iniciaram-se após ele, como presidente do Diretório Central, se opor à
realização das últimas greves na Escola de Engenharia. E estas foram frutos de protesto contra
a prisão e sumiço de estudantes e exoneração de professores, o que era uma causa considerada
justa, ainda não violenta de combate ao regime empresarial-militar, e o posicionamento
covarde de Djair em não aderir a greve revoltou os seus colegas.
O documento cita nomes de três homens e três mulheres, de cursos distintos, Serviço
Social, Filosofia, Engenharia e Belas Artes. Entre eles estava Elimar Pinheiro do
Nascimento253, estudante de teatro, participante da Juventude Estudantil Católica (JEC)ainda
quando secundarista no Rio Grande do Sul, e que ao chegar em Recife foi estudar no Ginásio
Pernambucano, centro de influência vermelha, assim sendo cooptado para a JEC em fins de
1963 e para a AP em 1964 pelas mãos de Rui Frazão. Este era militante experiente, bastante
citado nos depoimentos de outros estudantes. Frazão era um grande exemplo e uma figura
calorosa dentro do movimento enão por acaso observamos a tensão provocada entre os
estudantes da Escola de Engenharia e o Presidente do DCE Djair após a sua prisão e de
Alexandre Magalhães, chegando inclusive a haver ameaças de agressão e morte.
Elimar nos explica como sua participação naquele Congresso UNE de 1965 mudou,
sem nenhum eufemismo, completamente a sua vida. Ele conta que
ainda na equipe regional de JEC entrei na Escola de Belas Artes, para fazer o curso
de teatro – formação de ator, em 1965. Era um curso que não exigia o ensino médio.
Desta forma, me tornei secundarista e universitário ao mesmo tempo. E, por esta
razão, fui ao Congresso da UNE em 1965, em São Paulo, e acabei apaixonado por
minha futura mulher, Cristina. Mas esta é outra história, uma bela história. O fato
251
Boletim investigativo IV Exército. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 1332. 1965.
252
Pedido de Busca nº 588-B-E/2. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 1332. 1965.
253
Entrevista concedida a Otávio Luiz Machado, In: MACHADO, Otávio Luiz. & ZAIDAN, Michel.
Movimento estudantil brasileiro e a educação superior. 2007. p. 105-117.
121
de ter ido para o Congresso da UNE me deu um rápido prestígio na AP. Isso me
permitiu também uma aproximação com o pessoal da JUC, onde nunca ingressei. A
aproximação devia-se em grande parte, porque alguns senão todos os seus membros
da direção regional e/ou local eram da AP, senão militantes, pelo menos grandes
simpatizantes.254
254
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. A Ação Popular no Movimento Universitário do Recife nos anos 1960. In:
MACHADO, Otávio Luiz. & ZAIDAN, Michel. Movimento estudantil brasileiro e a educação superior. 2007. p.
106.
255
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. A Ação Popular no Movimento Universitário do Recife nos anos 1960. In:
MACHADO& ZAIDAN. 2007. p. 107.
256
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. A Ação Popular no Movimento Universitário do Recife nos anos 1960. In:
MACHADO& ZAIDAN. 2007. p. 107.
122
É muito relevante nos atermos, por momento, à liderança da AP citada por Elimar.
Pois qual não seria nossa surpresa em observar que o José Carlos Moreira, líder de massas
citado por ele, apareceria na Informação 2676258, da Delegacia Auxiliar com dados de seu
prontuário. O estudante havia sido preso já em 13 de abril de 1964, pouco após o Golpe,
“acusado de agitação”, e posto em liberdade no mesmo dia. Em outubro do mesmo ano o
militante seria “preso e ouvido em termos de declarações, confessou que ingressara na “Ação
Popular” por intermédio do Dr. Antonio Othon Pires Rolim e chegou a assistir reuniões e
convencer alguns amigo sobre a existência do movimento “Ação Popular”. O nome do
estudante aparece também na Relação para Eleição do Diretório Acadêmico de Medicina em
1965 fornecida no Prontuário Funcional nº 7458259 do DOPS. A relação nos traz os nomes dos
membros candidatos a Presidente e Vice, além daqueles que concorreriam a representantes de
turma. Curiosamente, a relação não traz o nome de nenhuma mulher. Porém, ao lado de
alguns nomes observa-se uma marcação notificando os vencedores. Para Presidente, venceu a
257
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. 2007. p. 108.
258
Constante também no Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional , nº 7458.
259
Relação para Eleição do Diretório Acadêmico de Medicina.Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional
nº 7458. 1965.
123
eleição Jurandir Freire Costa, para Vice, nosso já citado líder de massas José Carlos Moreira.
Aquelas eleições já ocorreriam em 1965 sob os moldes da Lei Suplicy de Lacerda, aprovada
no fim do ano anterior.
Aquela eleição, por tudo que a cerca, seria observada de perto pelo regime. Um outro
prontuário do DOPS nos aponta que antes mesmo da realização do pleito os corredores do
largo sistema de inteligência militar já possuíam um relatório completo das atividades
comunistas inseridas no curso. Em seu primeiro parágrafo o relatório inicia afirmando que
260
Programação para Eleição do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade do Recife.
APEJE, Arquivo DOPS, Prontuário Funcional nº 7458. 1965.
261
Relatório das atividades Comunistas com respeito às eleições que serão realizadas no dia 3 de maio de 1965,
na Faculdade de Medicina da Universidade do Recife. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29
096. 1965.
124
citados era o 3º ano médico. Considerando que os estudantes, um ano antes, em 1964,
tivessem também adotado a mesma estratégia, eles estariam justamente nos 2º e 1º anos,
respectivamente. Resultando em, que um ano depois, a sala antes do 2º ano, agora em 1965, o
3º ano médico estaria com os preceitos políticos e democráticos mais consolidados que as
demais, sendo por isso, local de sua concentração.
262
Relatório das atividades Comunistas com respeito às eleições. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário
Funcional nº 29 096. 1965.
263
Relatório das atividades Comunistas com respeito às eleições. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário
Funcional nº 29 096. 1965.
264
Relatório das atividades Comunistas com respeito às eleições. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário
Funcional nº 29 096. 1965.
265
Relatório das atividades Comunistas com respeito às eleições. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário
Funcional nº 29 096. 1965
125
Aquele relatório conteria os nomes de muitíssimos outros jovens que viriam a exercer
papel de importância no movimento estudantil, como os já identificados na Informação
nº2076, datada de 30 de abril daquele ano, às vésperas das eleições do Diretório: eram eles
Gilson Vítor Alecrim Paes Barreto e José Arlindo Gomes de Sá, ambos “prontuariados no
arquivo da delegacia auxiliar, por terem pertencido à ‘Sociedade dos Amigos da União
Soviética’, conforme nota publicada no Jornal do Commercio de 3 de maio de 1964”. 266
Ambos tinham seus nomes como concorrentes a representantes de turma do 3º ano médico,
em disputa ainda contra Jomar Ferreira Neto, Cid Borges Rodrigues, Luiz Guilherme Faria
Petribu e José Humberto Frazão Menezes, estando apenas os dois primeiros marcados como
comunistas na lista presente no outro Prontuário Funcional DOPS nº 29.096, já citado.
Toda essa inquietação em torno das eleições para o Diretório de Medicina em 1965 e
1966 seria alvo de muitas atenções dos olhos e ouvidos do aparato repressivo do regime
empresarial-militar. Aqueles instantes estariam também presentes na entrevista concedida
pelo candidato a compor a cabeça de chapa do Diretório, Jurandir Freire Costa,267 candidato
acompanhado de perto pelo regime, como já visto anteriormente. Ele havia sido alfabetizador
com base em Paulo Freire. “Entrei para a faculdade de medicina em 1963. Até então não me
interessava por política, e sim por cinema, literatura, música, etc. Logo no início do curso
comecei a participar da alfabetização de adultos”. 268 Como já ressaltado, vale observar a
relevância desses espaços de alfabetização como áreas de sociabilidade e politização, pois no
caso de Jurandir, foi justamente
266
Denúncia por pertencer a Sociedade dos Amigos da URSS. Informação nº 2076. Fundo:
SSP/DOPS/APEJE.Prontuário Funcional nº 7458. 1965.
267
COSTA, Jurandir Freire. O projeto de mudança social da geração dos anos 1960. In: MACHADO, Otávio
Luiz. 2007 & ZAIDAN, Michel. Movimento estudantil brasileiro e a educação superior. 2007.p. 47-50.
268
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p. 47.
126
269
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p. 47.
270
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p.47.
271
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p.47.
127
estudantes a sua volta. Ainda mais além, a militância, segundo ele discutia, os problemas do
ensino e da prática médica apenas de forma marginal, concentrando-se essencialmente nas
questões políticas e sociais. O militante conta que a maior parte da atuação naqueles primeiros
momentos pós o dia da mentira de 1964 era no sentido de organizar manifestações contra a
ditadura, “lutar pela libertação de colegas presos, recrutar novos militantes para a causa social
e debater – em encontros, seminários e grupos de estudos – textos históricos, antropológicos,
sociológicos, filosóficos e teológicos sobre a construção do socialismo libertário”. 272
272
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p.48.
273
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p.48.
274
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p.48.
128
Mas não seriam apenas as eleições para o Diretório de Medicina que estariam
envolvidas em inquietações pela presença vermelha, mas quase todas realizadas naquele
primeiro ano em que estavam em vigor as normas da Lei Suplicy. A secretaria do curso de
Biblioteconomia redigiria à mão um comunicado destinado ao Secretário de Segurança
Pública solicitando apoio para as eleições de seu Diretório Acadêmico a serem realizadas em
agosto de 1965. A carta era categórica na denúncia a
275
COSTA, Jurandir Freire. In: MACHADO & ZAIDAN. 2007, p.49.
276
Carta do curso de Biblioteconomia a Secretaria de Segurança Pública. Prontuário Funcional nº 7458. Arquivo
DOPS. APEJE, Recife-PE. 1965.
129
277
Ata da Reunião Extraordinária (Assembleia Geral), da Academia Pernambucana Estudantil de Letras
(A.P.E.L.). Fundo: SSP/DOPS/APEJE.Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE. 1965.
278
Ata Assembleia Geral APEL. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE, 1965.
130
E partir daí inicia-se aapresentação de uma lista de alunos, parte da Diretoria, que
deveriam ser afastados e substituídos por outros do quadro de associados. A decisão de
afastamento dos membros que tentaram, segundo ele, “derrubá-lo do cargo” imprimia ares de
puro radicalismo. Até porque, a entidade ainda não tinha nem mesmo iniciado suas atividades
de fato, estava funcionando com uma diretoria provisória, e reformulando os estatutos. Sua
desconfiança em um provável piquete demonstra o nível de vigilância que estava sendo
imposto a seus membros. O trabalho cooperativo, ironicamente nas palavras do presidente
acima, tem por premissa a ideia de igualdade, de soma, mas suas ações eram de pura
intransigência. Semelhantes às do regime. Obviamente, por isso, “no andamento [da reunião]
o presidente foi aparteado pelo sócio Rinaldo Estelita Lins, incluso como faltoso, declarando
que tal atitude é considerada ilegal. Daí seguiram-se acaloradas discussões e dissidências por
parte de vários associados presentes.”280Um dos quais, Carlos Augusto Sá, pedindo a palavra,
“solicitou que fosse adiada a cassação dos mandatos dos diretores, para que se pudesse
encontrar soluções menos drásticas, mas os ânimos continuaram acalorados. O presidente,
solicitou moderação para chegar a um bom termo, dentro da ordem e disciplina.” Além disso
negou a proposta do colega e insistiu com a medida
279
Ata Assembleia Geral APEL. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE. 1965.
280
Ata Assembleia Geral APEL. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE. 1965.
281
Ata Assembleia Geral APEL. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE. 1965.
131
O clima tenso e de muita confusão naquela Assembleia contaria com a mediação hábil
e responsável do prestigioso militante Paulo Pontes. Figura proeminente do ativismo político
pernambucano e sempre citado nos depoimentos dos amigos entrevistados por nosso trabalho.
Sua figura na reunião foi essencial para que a Assembleia chegasse a um consenso. Sob a sua
batuta, finalmente
282
Ata Assembleia Geral APEL. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE. 1965.
283
Ata Assembleia Geral APEL. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE. 1965.
132
tendo em vista uma viagem de férias à cidade de Garanhuns, onde ficará hospedado
na colônia de férias do SESC, como convidado especial, e aproveitará o ensejo para
representar a APEL, no Congresso dos Estudantes Secundários (...) que se realizará
naquela cidade do frio.284
A folga solicitada pelo presidente entraria em vigor após a próxima reunião, que se
realizaria no domingo para apresentação dos estatutos da Entidade. Qual seria nossa surpresa,
durante a seleção de documentos, em encontrar uma carta de Carlos Artur de Andrade, escrita
durante aquela licença, ao dia 23 do mês de julho do mesmo ano. A carta tinha como
destinatário o Delegado Auxiliar Álvaro da Costa Lima com os seguintes dizeres, logo ao seu
início:
Senhor delegado,
Venho por meio desta carta ofício comunicar V.S. que os estudantes Paulo Pontes,
Viriato Xavier, Rinaldo Claudino e Cláudio Augusto de Miranda Sá, todos
implicados em subversão no meio estudantil deste estado, comprometendo a briosa
classe estudantil, estão registrados como sócios desta entidade cultural, mas,
cientifico-lhe que os citados nada puderam fazer dentro do órgão, porque, estavam
sob a minha mira, seus passos estavam sob meu controle, apenas faziam polêmicas,
no propósito de liderar grupos e ganhar novos adeptos, e eles observando claramente
que nada podiam fazer em nosso sodalício resolveram afastar-se, ficando apenas o
estudante Viriato Xavier de Melo Filho.285
O discurso raso e deturpado do fantoche golpista era característico das pessoas que
defendiam o regime. Todo regime autocrático se transveste com roupagens liberais. É comum
virmos alguns que defendem o regime, o fazê-lo ironicamente afirmando estar defendendo a
democracia, ou o território brasileiro das garras de Moscou.A determinação do adulador em
contribuir com o projeto golpista ia além das suas atribuições como presidente da APEL,
chegando a buscar interferir num processo de eleição de grêmio de uma Escola feminina,
buscando entendimentos com a Diretoria da escola, “tendo ela proporcionado o máximo apoio
e facilitando a atuação. Estou também supervisionando vários clubes literários para observar o
andamento dos mesmos”288.Na verdade estava buscando perpetuar a violência da caça às
bruxas, com vistasa “limpar o país” através da violência.
A carta encerra com o estudante informando que enviava em anexo uma ata da APEL
e esclarecendo que “o Departamento Particular [de] estratégia administrativa, é o órgão
responsável de observar a ideologia do sócio [grifo nosso]”.289Criar departamentos de
observação era uma medida incentivada pelo regime, em suas novas entidades resignadas,
287
Carta-Ofício ao Delegado Álvaro da Costa Lima. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458.
Recife-PE. 1965
288
Carta-Ofício ao Delegado Álvaro da Costa Lima. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458.
Recife-PE. 1965
289
Carta-Ofício ao Delegado Álvaro da Costa Lima. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458.
Recife-PE. 1965
134
Situação bem distinta ocorreu Universidade Federal Rural. Lá, em agosto de 1965
ocorreu um sério estremecimento entre o reitor e os estudantes. A informação contida no
prontuário funcional nº 7458 do Arquivo DOPS, intitula-se “Ata da reunião extraordinária do
Conselho de Representantes do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Rural de
Pernambuco”. A ata relata que no dia 20 de agosto de 1965, o Conselho foi convocado pelo
Presidente do Diretório, o estudante Francisco José Lapa Carvalho.
290
A exemplo do caso já analisado de Djair Barros Lima, que havia exercido presidência da UEP como
interventor e ocupava a direção do Diretório Central dos Estudantes da Universidade do Recife, exatamente por
seu papel não-combativo foi ameaçado de apanhar ou mesmo ser morto por outros universitários.
135
291
Ata Conselho de Representantes do DCE da UFRPE. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
7458. Recife-PE. 1965.
136
dos trotes”,292 mas,na nossa avaliação, sua principal realização foi “a ampliação da
representação estudantil no Conselho Universitário, que conta atualmente com mais dois
membros” em pleno regime ditatorial, essa realmente, uma grande vitória.
O Presidente então pretende encerrar seu mandato no prazo legal, e, em mais uma
demonstração de espírito democrático, propõe que a ata, após aprovada, “seja reproduzida e
distribuída a todos os alunos da URP”, fazendo conhecer seu posicionamento em não entregar
as chaves, e que mesmo que devolva as dependências do DCE, não entregará seu mandato a
um reitor que não representa os estudantes, sem dúvidas, esta Ata chegou as instâncias
superiores da Universidade, e provavelmente passou pelas mãos do Magnífico Reitor, uma
vez que hoje está disponível no extenso acervo do Arquivo DOPS.
292
Ata Conselho de Representantes do DCE da UFRPE. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
7458. Recife-PE. 1965.
293
Ata Conselho de Representantes do DCE da UFRPE. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
7458. Recife-PE. 1965.
137
Essa era uma prática já mencionada em nosso trabalho e comum ao governo ilegítimo,
buscar sua justificação através da tese do mal menor, de que o movimento golpista seria
impulsionado por uma reação, empreendida para evitar que o Brasil caísse nas mãos da União
Soviética. Uma tese comum e facilmente justificável diante do contexto de bipolarização
extremada, como o vivido naqueles dias de Guerra Fria. Essa atmosfera de acirramento
político era incentivado pelos governo estadunidenses do pós-guerra, pois “um
anticomunismo apocalíptico era útil, e portanto tentador. (...) Um inimigo externo ameaçando
os EUA não deixava de ser conveniente para governos americanos que haviam concluído,
corretamente, que seu país era agora uma potência mundial” 295. Aqueles que se
reconhecessem como aliados dos EUA deveriam então apropriar-se do seu discurso e
defender “pelo menos em suas declarações públicas, num cenário de pesadelo da
superpotência moscovita pronta para a conquista imediata do globo, e dirigindo uma
‘conspiração comunista mundial’ ateia sempre disposta a derrubar os reinos de liberdade” 296,
uma retórica com a qual vamos nos deparar constantemente daqui por diante. Segundo
Leandro Karnal, nos momentos de
294
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
295
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos. 1995. p. 232.
296
(Ibid.) HOBSBAWN, 1995.p. 229.
138
Um ano e quatro meses após golpe, o relatório do CENIMAR fazia um balanço do que
ocorria até aquele momento e prosseguia questionando a credibilidade das lideranças
estudantis e suas teses
O agente que produzia o relatório mostra-se irritado com a ironia dos estudantes em
diminuírem a “Revolução” de 01 de abril colocando-a entre aspas, porque foi um movimento
acusado de derrubar um governo “autenticamente popular” com o apoio de “fortes grupos
econômicos componentes de uma porcentagem ínfima do povo brasileiro, que a fim de manter
seus privilégios e regalias, provocaram a derrubada de um governo”, tese,aliás já há muito
discutida e referenciada299 na Academia. Para o agente era “preciso mostrar que
REALMENTE havia subversão e corrupção corroendo as bases democráticas do País, [era]
preciso mostrar, por exemplo, que o meio estudantil estava minado” e que “com a adesão dos
297
KARNAL, Leandro. Todos contra todos. O ódio nosso de cada dia. 2017. p. 12
298
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
299
Para compreender as forças presentes na articulação golpista de 01 de abril de 1964, ver a já citada obra
“1964: A conquista do Estado” RennéDreiffus.
139
estudantes teriam os agitadores profissionais um ponto de apoio fabuloso para levar o Brasil à
crise total, com a implantação de um novo regime”. Uma vez que “os estudantes estavam
sendo realmente manobrados por falsos líderes”, o movimento tinha seus objetivos
desvirtuados e as “finalidades que seriam primárias foram relegadas a um segundo plano,
dando-se prioridade a outros itens, alheios totalmente aos problemas estudantis de grande
interesse para outras conquistas, ditadas por organizações de ideologias estranhas à
democracia brasileira”300.
A partir de então, o agente prossegue o relatório com várias citações que buscam
comprovar a presença comunista no movimento estudantil e sua face perigosamente
revolucionária aos olhos do governo militar. Iniciando por Marx e Lenin, o relator apresenta
resoluções do Partido Comunista Soviético e brasileiro no que antecede o golpe empresarial-
militar, como por exemplo aquelas advindas da convenção nacional do PCB de 1960 na qual
advertia que “o proletariado e seus aliados não [deviam] jamais perder de vista que, em certas
circunstâncias, as suas forças podem ser necessárias para tornar a revolução vitoriosa por um
caminho não pacífico”303. Trazia ainda o papel dos militantes na pauta da reforma agrária e na
liderança do movimento, pois os “comunistas tem o dever de lutar à frente das massas
camponesas, por uma reforma agrária que liquide o monopólio da propriedade da terra pelos
latifundiários e fortaleça a economia camponesa, sob formas individuais ou associadas”. Na
apreensão dos militares, a participação comunista no movimento estudantil possuía papel
300
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965
301
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
302
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
303
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
140
central na práxis política do movimento, e por isso, o agente prossegue o relato abordando a
União Internacional dos Estudantes (UIE) e sua atuação política.
Desde sua origem, a UIE tem apoiado decididamente as lutas de libertação nacional
na Ásia, África e América Latina. No período que antecedeu ao movimento de
março de 1964, a UIE assinara convênio com a UNE de apoio à sua luta pela
emancipação econômica do país, contra a pressão do imperialismo norte americano
e na defesa da nacionalização de todas indústrias e setores básicos da Economia
Nacional. (...)
Em 1962, quando o então Ministério da Educação se propôs a iniciar a Campanha de
Alfabetização, de inspiração nitidamente comunista, a UNE apresentou-se como um
dos principais órgãos de apoio à realização da tarefa; foi firmado acordo entre UNE
e UIE, em que a primeira se propunha a alfabetizar 50.000 mil pessoas por ano, em
troca de apoio material e financeiro da segunda. (...)
O 25º Congresso Nacional dos Estudantes realizado em 1962, apoiou por
unanimidade reforma na Constituição da UNE, segundo a qual, seria incrementada a
UNIÃO OPERÁRIO ESTUDANTIL CAMPONESA.
Em pleno ano de 1962, quando o MCP já atuava na capital pernambucana com seu
programa de alfabetização e sua polêmica cartilha, com conteúdo de cidadania e consciência
política, a UNE firma acordo com a União Internacional dos Estudantes para tornar a
alfabetização de pessoas um projeto de caráter nacional. Não por acaso encontramos tantos
militantes estudantis trabalhando nesses programas, ou ao contrário, vemos instrutores do
programa vir a cerrar fileiras no ativismo estudantil. Com todo o esquentamento de forças
vivido no Brasil entre os anos 1960 e 1964, os estudantes vão, a cada dia, ocupar um espaço
de atuação mais expressivo. A bipolarização política, a fragilidade econômica e as
contradições sociais do país elevavam a temperatura das relações de poder existentes a altos
níveis. E a cada grau elevado desse aquecimento parecia mais evidente a ciência de seu papel
como protagonista desse momento que antecedia à revolução brasileira. Em
304
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional
nº 29.096. Agosto, 1965.
141
Por isso àquela altura o movimento estudantil buscava unir forças numa Frente de
Mobilização política muito mais ampla em parceria com o movimento operário e suas
bandeiras. Por isso, muito além do debate em torno das questões essencialmente educacionais,
os líderes e seus adeptos buscavam conscientizar cada vez mais jovens e suas famílias de seu
papel preponderante na revolução, como afirmou o estudante de medicina, Jurandir Costa
anteriormente citado. Não por acaso, em 1963 foi organizado pela UNE em Salvador o
“Seminário do Mundo Subdesenvolvido. A este conclave compareceram organizações de 30
países subdesenvolvidos bem como representações de órgãos estudantis de todos os Estados
da Federação. E a que conclusões chegaram? Vejamos algumas de suas resoluções:”306
305
PRADO JR, Caio. A Revolução Brasileira. 7ª edição. São Paulo. Editora Brasiliense, 2000.
306
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
142
Sr Presidente,
A UNE, entidade máxima dos estudantes universitários brasileiros, comunica a este
sindicato que de 16 a 22 do corrente, no STADIUM caio Martins, em Niterói, fará
realizar o seu XXIV CONGRESSO NACIONAL DOS ESTUDANTES.
Ademais, faz questão de salientar que, tomando a iniciativa de prestigiar cada vez
mais a ALIANÇA OPERÁRIO-ESTUDANTIL que se concretiza em nossa pátria,
resolveu considerar TODO TRABALHADOR BRASILEIRO CONGRESSISTA
HONORÁRIO no conclave em tela.
A UNE, Sr Presidente – sentir-se-á envaidecida, portanto, com a presença de uma
delegação de seu sindicato à nossa Sessão Solene de instalação- dia 16 próximo
vindouro, as 20h no endereço supra.
AVANTE COM A ALIANÇA OPERÁRIO-ESTUDANTIL;
HERMANN BAETA- Presidente da Comissão Organizadora.
Rio, 11 – 7 - 61308
Esta articulação em torno de uma Frente Ampla de mobilização e luta seria usada
como estratégia mais uma vez nos primeiros anos após o golpe empresarial-militar, quando
era possível observar setores da sociedade e da opinião pública posicionarem-se contra o novo
regime. Os estudantes também atuariam em uma posição de vanguarda nesse sentido, sendo
durante os primeiros quatro anos de ditadura a principal força política mobilizadora
disponível aos militantes comunistas. Toda essa capacidade organizativa relatada pelo agente
307
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
308
Informação nº 211, Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 7458. Recife-PE, 1961.
143
governamental nos dias próximos ao golpe era realmente digna de nota. Além dos debates da
reforma universitária a partir de 1961, e do Seminário dos Países Subdesenvolvidos realizado
em Salvador em 1963, em janeiro de 1964,
Mais uma vez, as condições sociais, econômicas e políticas da cidade do Recife que
favoreciam a conscientização e a participação política, a existência de um governo popular, o
protagonismo de lideranças comunistas inseridos na administração Arraes e as características
do nacional-popular existentes na práxis política pernambucana, eram postas em evidência.
São fatores que beneficiavam a formação da atmosfera presente às vésperas do movimento
golpista. Os argumentos contidos no Relatório produzido pelo CENIMAR seriam utilizados
pelo novo regime para tornar a UNE um órgão extinto e ilegal e seus principais líderes,
“indivíduos”310 perseguidos e vigiados. O órgão de inteligência da Marinha também reuniria
informações acerca do I Congresso da UNE realizado no período de ditadura empresarial-
militar,
o que se vê atualmente são políticos com ambições de poder clamarem por volta de
“liberdades estudantis”.
Estudantes novamente se reúnem em Congresso fazendo relembrar
melancolicamente reuniões da extinta UNE. E nota-se que são os mesmos antigos
309
Relatório CENIMAR – Por que a UNE era subversiva? – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº
29.096. Recife-PE. 1965.
310
Nomenclatura policialesca utilizada nos inquéritos para descrever os estudantes, seus líderes ou respectivos
colegas de agremiação formada com palavras depreciativas como “indivíduo”, “elemento” ou “agitador”. Muitas
vezes os inquéritos possuíam informações de algum objeto agravante encontrado com o militante que
aumentasse seu grau de periculosidade à segurança nacional como, por exemplo, um punhado de panfletos,
cartazes, jornais ou qualquer outro material “subversivo”.
144
agitadores agindo por trás dos bastidores e mesmo liderando as reuniões. Quando
alguns desses “falsos estudantes” são detidos por conclusões de inquéritos, logo se
levanta vozes da imprensa tendenciosa que publica horrorizada tamanho abuso de
poder contra os “pobres” estudantes cuja a maior ambição é a liberdade de poder
estudar em paz. Criam-se então constrangimentos de difícil superação.
É necessária que se tenha bem viva na memória a atuação do extinto órgão
estudantil. É necessário que os estudantes tenham realmente liberdade, mas
liberdade de poder estudar em paz de ampliar seus conhecimentos sem se preocupar
com problemas que não são seus. É necessário afastar de seu convívio aqueles que
por tanto tempo agitaram preocupados em cumprir diretrizes externas e inclusive
tirando os estudantes de bons propósitos que são inegavelmente a maioria, condições
para exercerem corretamente a nobre missão em que estão empenhados.311
Uma prova desse esquentamento foi possível observar já em maio de 1966, quando o
Interventor da Residência Estudantil do Recife – R.E.R. – Flávio M. Baracho baixa a Portaria
311
Relatório CENIMAR – Congresso da extinta UNE 1965. – Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional
nº 7458. Recife-PE. 1965.
312
Jornal do Commercio 17 de setembro de 1965. Edital de Intimação IPM UNE-UBES-UEP. Fundo:
SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 29 096. 1965.
Ou Diário de Pernambuco 01 de setembro de 1965 e Diário da Noite 23 de agosto de 1965. Edital de Intimação.
145
006, na qual, no uso de suas atribuições, resolve declarar que quatorze de seus residentes a
partir daquela data perderiam automaticamente seus direitos na R.E.R. provocando revoltas e
tumultos. Pelo artigo 32 do regimento interno da R.E.R., os listados no documento teriam 03
dias para se afastarem da casa, porém a reação dos estudantesparece ter ocorrido
imediatamente, visto que a Presidente do Conselho Supervisor da Residência Estudantil do
Recife, Carmem Celso relatava estar
Este comunicado escrito por Carmem foi redigido no mesmo dia da publicação da
Portaria, ela relata que até ali, os “sócios constantes da aludida portaria (...) já agrediram o
Diretor da referida casa”, Flávio M. Baracho, além de atacar também Josualdo Barbosa e
diversos outros sócios. O clima era de tamanha agitação que foi necessário que Carmem
pedisse ajuda às autoridades para manter a ordem na residência. Àquela altura, o regime
apresentaria a cada mês um pouco mais de sua face autoritária.
313
Portaria 006 da Residência Estudantil do Recife. Inquéritos Estudantis. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário
Funcional nº 29.096. Recife-PE, 1966.
314
Informe Delegacia Auxiliar – Relação de Estudantes Presos em 23.9.66 – Fundo: SSP/DOPS/APEJE.
Prontuário Funcional nº 29.096. Recife-PE, 1966.
315
DP. 23 de agosto de 1966. Acervo online. Acessado em junho 2016.
146
governistas afirmavam não ser “ainda” o momento de se declarar “estado de sítio”, umafala
reacionária que claramente visava conferir solidez ao discurso continuísta.
Uma das facetas do debate em torno do movimento estudantil nas instâncias políticas
nacionais estava,de um lado, na defesa da existência de um plano internacional que visava
utilizar os estudantes para provocarem o clima de desordem social e, de outro, a defesa de um
movimento estudantil nacional autêntico, com dinâmica própria e desejoso por maiores
liberdades democráticas e condições de atuação política. Isso fica evidente quando analisamos
a fala do deputado de oposição João Herculino, já citado, na matéria do Diário de
Pernambuco, quando diante da gravidade da situação, ele acentuava que
316
DP. 23 de agosto de 1966. Acervo online. Acessado em junho 2016.
317
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
318
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
148
pontos de vista e posições, quanto à política governamental e no que lhes diz respeito, tudo
dentro do mais amplo espírito democrático”319.
319
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
320
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
321
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
322
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
323
DP. 23 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
149
324
DP. 24 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
150
somente findou quando a polícia, solicitada pelo próprio pároco, entrou na igreja e
retirou os invasores, contra alguns dos quais teve que agir violentamente, ante a sua
firmeza em permanecer onde estavam.325
325
DP. 24 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
326
DP. 24 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
151
mesma, ou contra ela.A matéria detalhava a assembleia ocorrida no dia anterior e comentava
acerca de alguns antecedentes da manifestação, e explicava que “quando os estudantes se
aproximaram da Praça da Independência, em dois grupos, um deles, deslocando-se pela Av.
Guararapes e o outro pela Rua Nova, o policiais entraram em ação, tentando dispersá-los. Os
manifestantes procuraram refúgio na matriz de Santo Antônio”327. O templo foi, então,
completamente cercado pelas tropas da PMP. Neste momento ouviu-se o repicar de um dos
sinos da matriz. Um estudante ou grupo deles havia ido até o campanário, fazendo o sino soar.
Talvez, na tentativa de chamar atenção dos populares ou da mídia, já que a Praça da
Independência é também sede do Dário de Pernambuco, possivelmente os estudantes estavam
no intuito de pedir ajuda. Enquanto isto, reunidos na nave principal, outros manifestantes
tentavam organizar uma assembleia, tendo um deles, inclusive, tomado a palavra. Foi quando
chegou o secretário de segurança Pública, tenente coronel Gabriel de Aguiar, que ordenou aos
policiais que “evacuassem a igreja usando de energia, porém sem violências a não ser que
houvesse resistência”. Uma ordem irônica e contraditória, pois era quase certo que os
estudantes se recusassem a serem retirados da Igreja, pois sabiam que seriam no mínimo
espancados e presos. Os soldados, então, cumpriram a ordem recebida, e o jornal justifica a
violência repressiva utilizada pelos policiais defendendo que
A matéria concedia tamanho destaque para a violência policial, que além dos relatos e
das imagens, a página concede considerável espaço a uma nota com título “Ex-miss PE viu
tudo e protestou”, na qual a aluna do 3º ano da Faculdade de Direito do Recife, Alda Maria
Simonetti Maia, que foi Miss Pernambuco em 1965, presente na Praça da Independência em
companhia de vários colegas participando da passeata, logo após a intervenção direta da
polícia “prudentemente procurou, com uma companheira de faculdade, o abrigo do Diário de
Pernambuco. Da sacada do segundo andar do prédio deste jornal, as duas estudantes viram
327
DP. 24 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
328
DP. 24 de setembro de 1966. Primeiro Caderno pág. 3. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online.
Acessado em junho 2016.
152
tudo. (...) e disseram à reportagem que exprimisse o seu protesto contra a ação policial” 329,
inclusive frisando que os estudantes que subiram a torre o fizeram para “badalar o sino, em
sinal de protesto pelo que consideravam violência policial”330.
Essa violência também fica exemplificada quando a matéria destaca que ao “início da
ação policial, grande parte dos estudantes tentou abandonar o prédio, às pressas, enquanto
outros, encurralados pelos soldados, entoavam o hino nacional, e alguns começavam a rezar
em voz alta”, uma prática também comum entre a comunidade estudantil, para buscar
proteção diante das ações policialescas. Após a repressão, diversos estudantes foram detidos.
Segundo matéria da página sete do primeiro caderno daquela edição do Diário de Pernambuco
de 24 de setembro a “Vigilância policial começou cedo: 52 manifestantes detidos em duas
horas”, uma nota na matéria traz uma longa lista com mais de vinte nomes. Dentre os que
permaneceram presos, o curioso é que aquele ‘lavador de carros’ presente no inquérito
policial aqui já citado constando o nome de pessoas presas em 23 de setembro com nome de
Ivan Gomes da Silva, édescrito no jornal como alguém que “encontrava-se promovendo
agitação no início da Rua Nova e contra ele pesa[va] a acusação de ser integrante do Partido
Comunista, sendo ainda fichado na Delegacia de Segurança Social por haver assinado
manifesto pedindo a legalização do Partido Comunista, no Brasil” 331.
329
DP. 24 de setembro de 1966. Primeiro Caderno pág. 3. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online.
Acessado em junho 2016.
330
DP. 24 de setembro de 1966. Primeiro Caderno pág. 7. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online.
Acessado em junho 2016.
331
DP. 24 de setembro de 1966. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Acervo online. Acessado em junho 2016.
153
devidos fins”, em outras palavras, após “contusões e escoriações generalizadas” o jovem seria
ainda arbitrariamente preso e violentamente interrogado. Mesmo diante da escalada repressiva
em todo o país, aliada a toda a truculência utilizada pelos agentes do Estado naquela
malfadada operação, a Polícia não consegue cessar os focos de manifestações da infensa
tradição jacobina da política pernambucana, e depois de todo o alvoroço nas ruas do centro da
cidade, por volta das 20h30 um vasto grupo de mais cem estudantes concentra-se na
Universidade Católica, na rua do Príncipe e realizam comício-relâmpago por pouco mais de
dez minutos.
Legenda:
1. Faculdade de Filosofia
2. Ciências Médicas
3. Odontologia (UPE)
4. Geologia
20 5. Enfermagem
6. Administração (UPE)
7. Serviço Social
8. Arquitetura
9. Economia
10. Direito
11. Administração(UFPE)
12. Filosofia
13. Seminário de Teologia
14. Ciências Políticas
15. Belas Artes
16. Biblioteconomia
17. Escola Politécnica
18. Odontologia (UFPE)
19. Casa do Estudante
20. Escola de Engenharia
332
O exílio - Moldávia Aguiar Cavalcanti. Poema escrito em maio de 1964 pela professora e poetiza irmã de
Ivan da Rocha Aguiar, fuzilado em 01º de abril de 1964 em passeata no Recife-PE e filha de Severino Aguiar
Pereira, membro do PCB desde 1927.
155
4.1 O acirramento das forças. Um olhar sob a radicalização política. 1967: o cerco está
montado
A Lei garantia aos estudantes a sua representação através dos Diretórios Acadêmicos e
Diretórios Centrais, desde que subordinados às “respectivas autoridades do estabelecimento
de ensino ou da Universidade”. Seu artigo 5º tornava o voto para eleições diretorianas
obrigatório, embora secreto, o que assegurava maior número de sufrágios disponíveis para os
candidatos pró-governo, uma vez que com o voto opcional, iriam às urnas prioritariamente
àqueles que o faziam por vontade própria ou por ideologia. Além disso, o decreto tornava
mais rígido o registro de chapas, delimitando a elegibilidade apenas ao “estudante
regularmente matriculado em série ou em disciplinas pelo regime de créditos, não repetente
ou dependente” na intenção de evitar a participação de “elementos estranhos” ao respectivo
curso no processo eleitoral; a chapa constando maior número de votos seria proclamada a
vencedora. O mesmo não ocorrendo para os Diretórios Centrais de Estudantes (DCE’s), que
segundo o artigo 7º da Lei seria eleito “por voto indireto através do colegiado formado por
delegados dos DAs na norma por que dispuser o Estatuto da Universidade”. O artigo 8º, logo
em sequência determinava que o mandato dos membros dos DA’seram de 01 ano sem direito
a reeleição para os mesmo cargos, promovendo anualmente a oxigenação das posições de
liderança das entidades de representação, além de não isentar “o estudante do cumprimento
dos seus deveres escolares, inclusive da exigência da frequência”, numa clara tentativa de
333
Congresso Nacional. Decreto-Lei nº 228, Fevereiro de 1967.
156
evitar a existência de alunos exclusivamente ativistas estudantis, mas garantindo que fossem
genuinamente estudante do curso e por conseguinte, militante.
É digno de nota e comentário, sem dúvidas, o artigo 11º daquele decreto, no qual
constava ser vedada às entidades estudantis qualquer ação, manifestação “ou propaganda de
caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar
ausências coletivas aos trabalhos escolares.(...) PARÁGRAFO ÚNICO – A inobservância
deste artigo acarretará a suspensão ou a dissolução do DA ou DCE”. Um artigo que deixava
muito claro os limites da atuação estudantil vislumbrado pela ditadura empresarial-militar.
Era proibido por lei às entidades qualquer ação política, bem como incentivar “ausências
coletivas”, leia-se, promover greves.
No mesmo dia de publicação daquela Lei, o Jornal do Brasil 334 anunciava manchete
com título “estudantes anunciam realização dos congressos proibidos”. Ao início de cada ano
era comum que membros das delegações de cada Estado se reunissem para debater acerca dos
pontos que deveriam compor a pauta do congresso anual, normalmente realizado em meados
de julho. Aquela matéria afirmava que dois diretores da Associação Metropolitana dos
Estudantes Secundários (AMES) asseguravam que “as delegações dos Estados já [estavam]
no Rio, tendo burlado a vigilância policial, e anunciaram ontem que será instalado hoje,
acompanhado de manifestações de rua e comícios-relâmpagos, o XIX Congresso da UBES-
AMES”. A informação coincidia com a divulgação de uma nota oficial “pelas extintas UNE,
UME, DCE-Livre e DCE da UEG, ter-se encerrado às 17 horas de ontem, o I Seminário sobre
334
Jornal do Brasil 28 de fevereiro de 1967. Info 583-D.Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE,
1967.
157
mantido em absoluto sigilo, seu XIX Congresso, que, embora não tenha data certa
para terminar, deverá encerrar-se com movimentos de rua, marcados para o início do
335
(Ibid.) Jornal do Brasil 28 de fevereiro de 1967.
336
(Ibid.) Jornal do Brasil 28 de fevereiro de 1967.
337
JC. 01 de março de 1967. Primeira página. A grande caçada. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS,
APEJE, 1967.
158
Figura 2 – “A grande caçada” – Matéria do Jornal do Comércio de 01 de março de 1967. Fundo: SSP/DOPS/APEJE.
Prontuário Funcional nº 1332. Info: 583-D. Recife-PE, 1967. – É pertinente observar que dos passageiros possíveis de
ver na foto, a maioria são jovens, talvez por isso despertando os olhos dos policiais.
338
(Ibid.) JC. 01 de março de 1967. Primeira página. A grande caçada.
159
339
Prontuário Funcional nº 29 096. Inquéritos Estudantis. Arquivo DOPS. APEJE, 1967.
340
DP. 25 de agosto de 1967. Primeiro Caderno pág. 3. Acervo online. Acessado em junho 2016.
160
341
DP. 25 de agosto de 1967. Primeiro Caderno pág. 3. Acervo online. Acessado em junho 2016.
342
(Ibid.) DP. 25 de agosto de 1967. Primeiro Caderno pág. 3
161
343
DP. 25 de agosto de 1967. Primeiro Caderno pág. 3.
344
Relatório CENIMAR, O PCB às vésperas do XXIX Congresso. Prontuário Funcional nº 29 680. Arquivo
DOPS, APEJE, Recife-PE, 1967.
345
(Ibid.)Relatório CENIMAR, O PCB às vésperas do XXIX Congresso. Prontuário Funcional nº 29 680.
Recife-PE, 1967.
162
Essa política de autodefesa nos foi também ressaltada pelo militante Marcelo Mário de
Melo em entrevista, que afirmou que
346
Relatório CENIMAR, O PCB às vésperas do XXIX Congresso. Prontuário Funcional nº 29 680. Arquivo
DOPS, APEJE, Recife-PE, 1967
347
Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Prontuário Funcional nº 30 198. Arquivo DOPS, APEJE,
Recife-PE, 1967.
163
Paulo. Para permitir o total sigilo desse encontro, seus participantes não tiveram informações
antecipadas do local de sua realização. “A partir de ‘pontos de contato’, parte dos
congressistas foi encaminhada inicialmente para o COLÉGIO NOTRE DAME, situado na
Estrada de Souzas, onde ficaram até o dia 24, quando então foram transportados para o
MOSTEIRO DE SÃO BENTO”. Como visto, essa preocupação com a segurança era
realmente ponto relevante da organização das ações estudantis já a partir de 1966. Para este
encontro, logo na chegada ao “Mosteiro, os estudantes eram recebidos pela ‘Comissão de
Segurança’ que os entrevistava e exigia as respetivas credenciais. Uma vez chegando a esse
local, os estudantes, por motivos de segurança, não podiam mais abandoná-lo, sob qualquer
hipótese”. O agente de investigação afirmava que antes mesmo do início do Congresso
propriamente dito, houve no Mosteiro de São Bento várias reuniões de bancadas estudantis.
Durante essas reuniões, foram tratados diversos assuntos dentre eles podemos citar os debates
havidos sobre a obra de Regis Debray: “A Revolução na Revolução”; A temática do controle
de natalidade e da esterilização de mulheres no norte e nordeste do país; As críticas em torno
do acordo MEC-USAID. A infiltração imperialista na América Latina e suas consequências.
A política de minérios do atual governo e a presença imperialista na Amazônia. A Guerra do
Vietnã; a elaboração da carta política da UNE e discussão do programa da Frente
Universitária Progressista. Segundo as fontes do relatório, “durante os trabalhos do Congresso
prevaleceram as teses da Ação Popular, Ala Dissidente do PCB e da POLOP, isto é, os grupos
da esquerda radical”348.
No dia 26, teriam início os trabalhos para o 29º Congresso da UNE, com uma
participação de mais de 400 estudantes. Esse protagonismo dos grupos estudantis
denominados pelo governo como “mais radicais” se confirmaria outra vez em mais uma
eleição para composição da diretoria da UNE, onde ao final da votação, o escolhido para
exercer o cargo de Presidente foi o estudante Luiz Gonzaga Travassos, da bancada de São
Paulo, com 171 votos, contra 168 conferidos ao estudante Daniel Aarão Reis Filho, da
Guanabara, tendo sido ainda computados 61 votos em branco, um número alto e que mostra a
diversidade de teses e grupos ideológicos diferentes presentes naquela Assembleia. Dos 10
estudantes eleitos para a composição da diretoria da UNE, quatro são da AP, quatro são da
Ala Dissidente do PCB e três são da POLOP, talvez por isso, o investigador “pôde observar
que a tônica predominante, entre a maioria dos congressistas, era a tomada do poder pelos
348
Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Prontuário Funcional nº 30 198. Arquivo DOPS, APEJE,
Recife-PE, 1967.
164
meios violentos através de uma Revolução Armada”349. O evento viria a terminar no dia 29
após a conclusão de todos os trabalhos e, a partir dessa data, os congressistas começaram a
abandonar o local, em pequenos grupos. O investigador não encerraria por ali seu relatório
sem antes denunciar que
Além da AP e da POLOP, nos idos de 1967 para a Ala Dissidente do Partido, que
elegeu três estudantes para diretoria da UNE de então, o movimento estudantil representava
349
Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Prontuário Funcional nº 30 198. Arquivo DOPS, APEJE,
Recife-PE, 1967.
350
Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Prontuário Funcional nº 30 198. Arquivo DOPS, APEJE,
Recife-PE, 1967.
165
351
(Ibid.) Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional
nº 30 198. 1967.
352
(Ibid.) Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional
nº 30 198. 1967.
353
(Ibid.) Relatório CENIMAR, O XXIX Congresso da UNE. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional
nº 30 198. 1967.
166
Esse aparente paradoxo entre a tradição doutrinária e a pressão pela luta armada,
reflexo deste ecletismo, era mais um dos desafios a ser enfrentados pela nova agremiação. De
fato, a partir de 67, as condições políticas do país começavam a oferecer um amplo campo de
atuação. Quando entrevistamos o ex-militante estudantil e uma das referências do PCBR em
Recife, Marcelo Mário de Melo explicava que o maior esforço, o “trabalho de formiguinha
vai de 64 até 66, mas aí quando chega mais ou menos 67 a coisa começa a aflorar por causa
do clima também nacional entende? Começa uma coisa de resistência intelectual, de imprensa
alternativa”355 e então começa a citar o papel dos jornais alternativos e a quantidade de
periódicos nas quais ele participava auxiliando de alguma forma: “A gente começa a fazer
jornais de colégio, mas procurando dar um caráter mais moderno, de estilo mimeógrafo. (...)
O jornal OPINIÃO, que era a resistência na área cultural aí lançam no Ginásio Pernambucano
o jornal Opinião”. Este jornal possuía grande alcance entre o meio estudantil, e era uma
expressão das bandeiras do movimento secundarista de Recife, também por se tratar do
Colégio Estadual de Pernambuco, um foco de atuação política e cooptação de militantes para
o movimento estudantil, como já vimos. O militante explica que quando chega
354
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 1987, p. 102.
355
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
356
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
167
Figura 3 – Capa da Primeira Edição de Luta de Classe, Ano I – nº I periódico do PCBR que tinha como um de seus
principais editores o dirigente Marcelo Mário de Melo, entrevistado em nosso trabalho.
levará aos militantes e aos aliados do PCBR no Estado, as tarefas e as posições mais
imediatas, sendo um porta-voz da direção estadual do Partido. (...)
fundamentalmente de resoluções e artigos curtos sobre tarefas de organização,
problemas políticos ou acontecimentos em foco. Não será, pois, um jornal teórico,
visto que não se dedicará a debates, atendo-se às questões imediatas, da política e da
organização do Partido, constituindo-se num jornal tático e prático. O lado teórico
da nossa imprensa, será preenchido por uma Revista mensal que pretendemos
lançar, por textos isolados que publicarmos (...). Inicialmente, foi anunciado o jornal
estadual do PCBR em Pernambuco, com o título de NOVOS RUMOS, mas por se
tratar de um nome que já fora dado a um periódico do PCB, antes de 64, resolvemos
mudar para Luta de Classe, atendendo às ponderações e às críticas de vários
companheiros.
357
Jornal Luta de Classe. Vol. I. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 6167. Recife-PE, 1968.
168
358
(Ibid.) Jornal Luta de Classe. Vol. I. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167. Recife-PE,
1967.
359
Resolução política PCBR. Julho/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS Prontuário Funcional nº 6167. Fundo:
SSP/APEJE/DOPS. Recife-PE, 1968.
360
(Ibid.) Resolução política PCBR. Julho/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167.
361
IANNI, Otávio. Classe e Nação. 1986. p. 21.
169
poderá ser consequente se nela o papel dirigente for desempenhado pelo proletariado
apoiado nos camponeses e em outras forças populares364.
364
Resolução Política PCBR abril/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6231. Recife-PE,
1968.
365
Resolução Política PCBR abril/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6231. Recife-PE,
1968.
366
Jornal Luta de Classe. Vol. I. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167. Recife-PE, 1967.
367
(Ibid.) Jornal Luta de Classe. Vol. I. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167.
368
(Ibid.) Jornal Luta de Classe. Vol. I. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167.
171
E essas eram questões presentes no Partido, a existência de pessoas que, devido sua
origem na militância do PCB defendiam muitas de suas bandeiras, ainda que justificadamente
ou pragmaticamente e isso tinha que ser combatido, na visão da liderança, pois o caminho da
Revolução Brasileira,
369
(Ibid.) Jornal Luta de Classe. Vol. I. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167.
370
(Op.cit.) Resolução Política abril/68. Prontuário Funcional nº 6231.
371
(Op.cit.) Jornal Luta de Classe. Vol. I. Prontuário Funcional nº 6167
172
tinha o grupo de ação armada. E o primeiro assalto a banco que o PCBR fez foi na
Paraíba, aí a gente comprou 200 revólveres calibre 38, comprou armas munição. Eu
não era do setor militar entendeu? Porque a diferença do PCBR é o seguinte, a gente
achava que devia ter tido a luta armada, devia ter uma frente de atuação militar mas
devia ser um Partido político de tradição Comunista, que não era posição de
Marighela. Marighela chegou disse “não, tá superado esse negócio de partido, o
negócio é o grupo guerrilheiro mesmo e pronto, acabou”. E os grupos que eram
oriundos do setor militar não tinha noçãodo partido, era grupo de ação armada e
acabou-se. “Negócio de partido é burocracia” isso e aquilo. Então a fantasia do
PCBR foi tentar tanto manter a ‘tradição dos Partidos Comunistas’ como ‘fazer a
luta armada’. Isso era o objetivo, terminou incorrendo no militarismo mesmo372.
Os estudantes, como vimos, faziam parte dos planos do PCBR como força política
revolucionária e de arregimentação. Uma das bases, sem dúvidas do movimento de massas, e
este por sua vez etapa fundamental na tese do partido. A luta armada teria que ser
372
Marcelo Mário de Melo. Entrevista concedida ao autor em 25 de abril de 2016.
373
Resolução Política PCBR julho/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167. Recife-PE,
1968.
173
374
Resolução Política PCBR julho/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167. Recife-PE.
375
Resolução Política PCBR julho/68. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 6167. Recife-PE.
376
ROZOWYKWIAT, Joana. Subversivos. 50 anos após o golpe. 2014. p. 36.
174
Ainda que não fosse uma ação armada, estavam todos armados, na espera de atingir a
massa trabalhadora saindo para o trabalho entre cinco e sete horas da manhã. O retrato preso
aos fios gerou problemas para ser retirado e passou boa parte do dia exposto a todos. Uma
panfletagem também foi realizada na região do comício, que foi estrategicamente escolhida,
por ser uma região de moradia e trabalho operário, e de saída para vários lugares, por aquela
fábrica do bairro da Macaxeira estar próximo à saída da cidade para a rodovia BR 101,
deixando várias opções de rotas de fuga.
(sob a liderança esquerdista da UNE) e com o Ministro da Educação, a fim de estudarem uma
composição de forças políticas estudantis e unificarem os trabalhos da luta pela classe”.
Quem também elaborava um programa de ação para aquele ano de 1968 e defendia
veementemente a realização do XXX Congresso Nacional da UNE eram os líderes estudantis
da chapa Luta, Trabalho e Participação, dirigentes do Diretório Acadêmico do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da UFP. O documento379 intitulado de Carta Política traçava
um perfil da realidade brasileira muito bem feito inclusive, elencando os aspectos
econômicos, sociais e políticos por que passava o país em começos de 1968. Os estudantes
conferiam fortes ataques ao imperialismo estadunidense expressado na exploração econômica,
na desnacionalização das explorações minerais e, principalmente, na política educacional do
Ministério da Educação grandemente influenciada pela USAID. Na visão dos estudantes, com
o golpe de 1964 o que se viu foi uma
As críticas aos acordos do MEC com a USAID são parte de um programa levantado
desde antes do golpe de 01 de abril, contra a influência norte-americana no planejamento do
ensino brasileiro, essa bandeira seria ainda mais energicamente defendida após os acordos
assinados em 1966 e 1967. O Diretório de Filosofia e Ciências Humanas explicava os
malefícios em se ter uma privatização do ensino superior além da sua precarização em favor
do ensino técnico, e defendiam“lutas por mais verbas, mais vagas, pela gratuidade do ensino,
pela reformulação de currículos, em síntese, pela transformação da Universidade arcaica em
uma que atenda aos interesses do povo, boicotando a implantação da Universidade
MEC/USAID proposta pela ditadura.” Os líderes apesar de defenderem a “derrubada da
ditadura, expulsão do imperialismo e instauração de um governo popular”, não expõem
nenhuma defesa a levantes armados, e na visão deles a “forma de luta que temos de pôr em
379
Carta Política – Luta, Trabalho e Participação. Prontuário Funcional nº 29 096. Arquivo DOPS, APEJE, 1968.
380
(Ibid.) Carta Política – Luta, Trabalho e Participação. Prontuário Funcional nº 29 096. Arquivo DOPS,
APEJE, 1968.
176
381
(Ibid.) Carta Política – Luta, Trabalho e Participação. Arquivo DOPS, APEJE, 1968
177
e suas bases, buscar através da estratégia de “Frente Única” 382 para somar o máximo de votos
dos delegados presentes à Assembleia Geral, e isso só seria possível com a realização do
XXX Congresso Nacional da UNE. Por isso a liderança defendia que “qualquer tentativa
divisionista dentro do ME como a realização de dois congressos ou a criação de duas UNEs
deve ser energicamente combatida como também as atividades de conciliação de cúpula
escondendo das bases do ME as divergências de posições políticas”, e como elencamos,
talvez estivesse nessas “divergências de posições políticas” exatamente a oportunidade do
PCB angariar votos, e realização de dois Congressos separados ou de pequenas seções
estaduais ou regionais impede “que a maioria dos estudantes possa discutir e decidir quais as
posições concretas que devem dirigir o ME”.
382
Como vimos no XXIX Congresso UNE a linha do PCB adotara uma estratégia baseada na Frente
Universitária Progressista, com um programa que procurava aglutinar militantes que origens políticas diversas
como membros advindos da AP, da POLOP ou do PORT.
383
Relação de estudantes presos no dia 27 de março de 1968. Prontuário funcional nº 29 096. Arquivo DOPS.
APEJE, 1968.
384
Eram elas Vania Maria Falcão Leão, Filosofia; Carmem de Castro Chaves, Medicina; Maria do Socorro
Lima, Filosofia; Maria José Amorim Lemos, História; Guilhermina de Souza Bezerra, Serviço Social; Maria
José Dias, Filosofia; Madalena Cavalcanti, Administração; Doris Moraes Cardoso, Filosofia; Cleia Maria
Fonseca, Medicina;
385
DP 27 de março de 1968. p.1. alunos da UFP ameaçam greve terça-feira. Acervo online. Acessado em agosto,
2016.
386
DP 27 de março de 1968. p.3. Recusa do reitor em dialogar motiva protestos dos estudantes. Acervo online.
Acessado em agosto, 2016.
178
aula até às 19 horas; instituição de café pela manhã; funcionamento de um restaurante central
aos sábados, domingos e feriados”bem como a manutenção do preço de NCr$ 0,20 por cada
refeição. Aquelas alunas estavam então em apoio a causa de seus colegas e acabaram o dia
presas, junto a outros camaradas.
Os estudantes elaboraram um relatório com suas demandas para ser entregue ao reitor,
mas ao chegar na reitoria, um de seus assessores informou ao presidente do DCE, Abdias
Vilar de Carvalho que “o reitor o receberia depois que fosse formada uma comissão composta
de três representantes de cada unidade da UFP”. O presidente retornou aos seus colegas e
formou a comissão, mas ao retornar para encontrar o reitor ele fica sabendo que a comissão
não terá direito ao diálogo, mas apenas o presidente. O clima então se exaltou e
387
DP 27 de março de 1968. p.3. Recusa do reitor em dialogar motiva protestos dos estudantes. Acervo online.
Acessado em agosto, 2016.
388
DP 27 de março de 1968. p.3. Recusa do reitor em dialogar motiva protestos dos estudantes. Acervo online.
Acessado em agosto, 2016.
179
389
(Ibid.) DP 27 de março de 1968. p.3. Acervo online. Acessado em agosto, 2016.
180
nos casos de barricadas levantadas pelos estudantes (são uma tradição na FRANÇA
e em Maio/1968 foram feitas principalmente com automóveis com as rodas
retiradas, paralelepípedo arrancados dos calçamentos e móveis pesados):
a) Verificar se podem ser utilizadas para isolar as áreas, em tal caso, trancá-
las (“virar a ponta do prego”).
b) Caso contrário, romper as barricadas, empregando veículos blindados (o
efeito psicológico é tremendo).
No tocante aos veículos automóveis, utilizados pela Polícia, as maiores baixas em
maio/68, foram devidas a pneus furados (pela disseminação de tachas, pregos,
tridentes metálicos, etc, na pavimentação) e a quebra, a pedradas, dos parabrisas:
a) Todos os veículos automóveis destinados à Action – de Frappe estão
equipados com pneus maciços;
b) Foi idealizada e construída uma grade forte, de arame grosso de 2x2cm
(...) defendendo contra as pedradas392.
É relevante observar nas medidas citadas a preocupação não apenas logística do agente
do governo, bem como seus efeitos psicológicos. As ações deveriam ser realizadas em
precaução aos prejuízos sofridos na Europa pelo comando policial. O documento trazia ainda
o resultado de um teste utilizado na França, no qual o “gás lacrimogênio não mostrou grande
eficácia nas grandes áreas, para dispersar a turba. Assim sendo, pensam que só é aconselhável
usá-lo como meio de apoio (atirado com morteiros, por cima ou além de um grupo), ou para
desarticular elementos em ambientes fechados” 393. Iniciava-se, quase cinquenta anos atrás, o
uso do gás lacrimogênio para dispersar multidões, um dispositivo ainda hoje não utilizado
com a devida sabedoria, naquele ano mostrava-se ainda ineficiente. Talvez a mais importante
lição do documento estivesse presente em suas primeiras linhas e em destaque: “É necessário
390
Folheto do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual de Pernambuco. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário
Funcional nº 29 096, Recife-PE, 1968.
391
Ensinamentos que tiraram dos choques de maio/68. Prontuário Funcional nº 28.801. Arquivo DOPS. APEJE,
1968.
392
(Ibid.) Ensinamentos que tiraram dos choques de maio/68. Prontuário Funcional nº 28.801.
393
(Ibid.) Ensinamentos que tiraram dos choques de maio/68. Prontuário Funcional nº 28.801.
181
não subestimar a capacidade dos estudantes para a improvisação”. Este é um ponto que já foi
enaltecido em nosso trabalho, a incrível capacidade que o movimento estudantil tem de se
reinventar, de agir sob pressão e uma enorme capacidade improvisação.
394
Relação de nomes de estudantes presos dia 23 julho 1968 em comício relâmpago. Prontuário Funcional nº 29
096. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
395
Encaminhamento nº 088. Operação Esvaziamento. Prontuário Funcional nº 1679. Arquivo DOPS. APEJE,
1968.
182
396
(Ibid.) Encaminhamento nº 088. Operação Esvaziamento. Prontuário Funcional nº 1679. Arquivo DOPS
397
(Ibid.) Encaminhamento nº 088. Operação Esvaziamento. Prontuário Funcional nº 1679. Arquivo DOPS
398
Informação 1797-D. Panfleto da Operação Esvaziamento. Prontuário Funcional nº 1679. Arquivo DOPS.
APEJE, 1968.
399
(Ibid.) Informação 1797-D. Panfleto da Operação Esvaziamento. Prontuário Funcional nº 1679.
183
Figura 4 – Cabeçalho do panfleto da Operação Esvaziamento empreendida pelo regime na busca de bases sociais
entre as classes operárias e populares. Notem o caráter de terror atribuído à luta armada como sinônimo direto da
morte, representada pela caveira ao lado. Classificada em seu próprio encaminhamento nº 88 de agosto, 1968 como
“Atividades Psicológicas”, o panfleto procura incutir um papel negativo à luta armada junto às classes operárias.
Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 1679. 1968.
400
Diário da Noite 17 de agosto de 1968. Prontuário Funcional nº 29 096. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
184
contra ela. Manoel teve 90 votos contra 28 e o seu vice 64 contra 49. A chapa foi eleita
integralmente e os derrotados abraçaram os vitoriosos”. A chapa defendia “eleições livres
para o Diretório Central dos Estudantes, reestruturação da União dos Estudantes de
Pernambuco, melhoria do currículo, participação de um representante discente em cada
departamento da Faculdade”, dentre outros. Em Química, a vitoriosa foi a chapa Luta,
integração e dinamismo vencendo com 106 votos contra 82 encabeçada por Marcos Tavares,
que defendia “um movimento estudantil como forte, se organizado pela base, ou seja, grupo
de trabalho em cada sala de aula levantando problemas e discutindo soluções, um DA sensível
às aspirações de todos os estudantes. Curiosamente, a eleição para o Diretório Acadêmico da
Escola de Administração que contava com chapa única teve sua apuração prolongada até altas
horas da madrugada, a “chapa Integração e Trabalho, encabeçada pelo aluno Gil Borges dos
Santos como presidente e Cristovam Souza Leão como vice. A chapa lutava pela criação de
um centro de integração escola-empresa e a realização de uma campanha de equiparação do
técnico em administração às demais profissões.
Já o Curso de Ciências Econômicas, contou com três chapas concorrentes ao seu DA:
Movimento Estudantil de Integração; Movimento de Renovação e Realização; e, Movimento
de Ação Realizadora, saindo vitoriosa a última. Foi esta chapa encabeçada por Ademir Alves
de Melo e Cláudio Maia Gomes para presidente e vice, respectivamente. A apuração findou às
altas horas da madrugada. Na Faculdade de Direito do Recife, consagrou-se vitoriosa a chapa
situacionista desde o ano de 1965, Aliança Renovadora Independente (ARI). Foram eleitos
para presidente e vice-presidente os alunos do 3º e 2º ano, José Thomaz Nonô Neto e Cláudio
Cezar de Andrade, respectivamente. A chapa eleita saiu vencedora em todas as turmas do
curso computando 362 votos contra 303 votos da chapa opositora. “O clima observado no
recinto da apuração, foi de agitação e disputa por parte dos eleitores, ouvindo-se à longa
distância vaias e palmas”401. A Informação 107402 da Delegacia de Segurança Social também
traz os nomes dos estudantes eleitos para cargos de Presidente e Vice dos Diretórios
Acadêmicos das Escolas Superiores do Recife. Além dos cursos já citados, o informe relata a
vitória da chapa Movimento e Ação para o Diretório Central da Universidade Católica, da
vitória de Romildo do Rego Barros e Cezar Augusto Sales para Presidente e Vice do curso de
Filosofia da UFP e de Vera Maria Rosa Borges e Ana Lúcia Lagman para os mesmos cargos,
respectivamente, na Faculdade de Filosofia do Recife, além da vitória da chapa Movimento de
401
Diário da Noite 17 de agosto de 1968. Prontuário Funcional nº 29 096. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
402
Informação nº 107. Relação dos novos dirigentes eleitos ontem para 21 órgãos de representação estudantil.
Prontuário Funcional nº 0431. Arquivo DOPS, APEJE, 1968.
185
Unidade Independente no Instituto de Matemática, com José Sérgio Sette para o cargo de
presidente e Hélcio de Matos, o vice.
403
Informação 27/68. Manifestações estudantis. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
404
Informação nº30/68. Ponto 3. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
405
Informação 28/68. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
186
aos estudantes que saíram num Jeep, a perseguição findou com a prisão de Luiz Carlos
Markman, comerciário, de 21 anos de idade, e Jairo Menezes Bezerra, de 20 anos de idade,
aluno do Colégio Estadual do Recife, que foram entregues ao DOPS.
Preocupados com a opinião pública, a nota faz questão de esclarecer que “a atuação
policial, em via pública, foi uma consequência de solicitações de inúmeros pais de várias
alunas e de professores do CER, preocupados com a agitação dos que punham em perigo a
segurança das jovens alunas”. Naquele mesmo dia 04, um grupo de 100 estudantes esteve
reunido no pátio interno da Reitoria, na rua do Hospício, “sob intensa vigilância de um
dispositivo policial. Com a dispersão normal do grupo, que não tentou manifestação de rua, a
tropa foi recolhida aos quartéis. O Reitor Murilo Guimarães, declarou que mais de 50% dos
manifestantes não pertencia a classe estudantil” 406. Uma estratégia reducionista comum às
autoridades militares, com intuito de comprimir o movimento estudantil com a ideia de que
aquelas movimentações eram realizadas apenas por militantes profissionais, alheios ao
movimento, atenuando sua capacidade política mobilizadora.
No mesmo dia, por volta das 18h, duas guarnições da rádio patrulha prenderam três
estudantes de medicina, quando pregavam cartazes e tentavam cobrar pedágios,
provavelmente em preparação às manifestações de 07 de setembro. O agente informava que
um membro da direção do Colégio Estadual de Pernambuco, solicitou a presença da polícia
nas proximidades do Colégio “tendo em vista uma série de distúrbios provocados por um
grupo reduzido de estudantes estranhos ao Educandário que estava impedindo as aulas e a
saída dos alunos, dizendo que somente permitiriam à volta a normalidade após a chegada da
Polícia”407. O Informe de nº 30 408 daquela Delegacia traria ainda mais articulações, agora
ocorridas em 05 de setembro. Realizou-se na praça 13 de maio uma reunião “com alunas do
CER e estudantes de Odontologia, a fim de falar e resolver os problemas dos colegas que
estão ou vão ser presos. Disse um dos rapazes que sairiam no dia 7 de setembro, de qualquer
maneira. Disse mais: ‘vamos fazer guerra de soldados para estudantes!’”. Mais uma vez, as
manifestações da práxis estudantil recifense colocavam em cena a participação e
protagonismo feminino.
Aquele grupo de jovens participando das articulações para o dia 7 de setembro era
cena comum na política local. O relatório trazia algumas informações de uma delas,
406
(Ibid.) Informação 28/68. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS.
407
(Ibid.) Informação 28/68. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS.
408
Informe 30/68. Agitação no Meio Estudantil. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
187
Giordania, aluna do 3º ano científico do Colégio Estadual do Recife, distribuía papéis “com
duas colegas e amigas, as quais se reúnem na casa de Jordania 409 que mora em Olinda; Uma
grande colega sua é a Jane. Os estudantes que estavam na praça, possuíam papéis
datilografados, falando sobre o governo e os cachorros do governo que são os policiais”.
Aquelas estudantes realizaram uma reunião da noite de 5 de setembro na Praça 13 de Maio, a
fim de discutir detalhes das manifestações, como o percurso da passeata. “Os cartazes estão
todos preparados. E também disseram que iriam pintar o muro do C.E.R. Segundo apurado,
uma secretária de uma faculdade e outra moça estudante que é bancária é quem faz com o
papel da própria faculdade os panfletos que são distribuídos pelas ruas”, mais uma vez, a
participação ativa das mulheres. Um boletim,410 datado daquele dia, trás uma relação de
estudantes presos constando o nome de Giordana Tenório Fontes e também da sua amiga Jane
Augusta da Silva e mais três outras estudantes, Márcia Maria Marques, Noeliza da Conceição
Nazareth e Elizabeth Barreto Silva.
409
O Informe nº30/68 consta denúncia contra Jordania, aluna do Colégio Estadual do Recife. Já a Info 133 da
Delegacia Auxiliar traz uma relação de cinco estudantes presas, a qual seu nome está escrito com outra grafia:
Giordana.
410
Boletim. Relação de estudantes presos em 5 de setembro de 1968. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo
DOPS. APEJE, 1968.
411
Atividades Estudantis. Informe 28/68. Prontuário Funcional nº 29 096. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
412
(Ibid.) Atividades Estudantis. Informe 28/68. Prontuário Funcional nº 29 096.
413
(Ibid.) Atividades Estudantis. Informe 28/68. Prontuário Funcional nº 29 096.
188
necessários para ida ao XXX Congresso UNE haviam realizado outra tentativa de pedágio, na
noite do dia 02 de setembro, em frente a Universidade Católica,“interrompendo o trânsito,
arrecadando fundos para o financiamento do Congresso da UNE. No mesmo local minutos
depois, passava uma Unidade Móvel da Polícia Civil, a qual foi vaiada pelos estudantes
esquerdistas, nada podendo fazer” 414. Os militantes conseguiriam levantar fundos e chegar a
até o Congresso UNE, despistando as investidas policiais, os bloqueios nas estradas e o forte
aparato burocrático de informação do governo, que com todo seu arcabouço não conseguiram
descobrir a cidade correta da realização do evento até o momento de sua realização.
414
(Ibid.) Atividades Estudantis. Informe 28/68. Prontuário Funcional nº 29 096.
415
Normas de segurança para a realização do trabalho de propagandas e finanças nas ruas para o 30º Congresso
da UNE. Prontuário Funcional nº 29 096. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
189
por isso editado e publicado aquele material com normas de segurança para as ações de
propaganda, pichações e pedágios. Dentre as instruções para a realização de ações estavam
programadas pichações nas ruas próximas à escola, pichações em bairros importantes,
comícios relâmpagos e panfletagens.
Um ponto do documento trata apenas das “Normas para pichações noturnas”, ele
determinava que elas deveriam ocorrer entre as 01h e 03 horas da madrugada e poderiam ser
feitas a pé (caso fosse comum moradores andarem no respectivo bairro naquele horário) ou de
carro (caso não fosse).Os grupos deverão ser constituídos por exatamente quatro pessoas, se
estiver a pé “deverão ser compostos de um casal que picha e dois olheiros. O casal joga fora o
spray com a chegada da repressão e simula um namoro. Os olheiros não estão fazendo nada
de mal, e por isso nada pode lhes acontecer, se conservarem a calma”. Os militantes
aconselhavam que os jovens portassem seus documentos de identidade (especialmente
carteira de trabalho) para evitar a prisão por vadiagem, além de ter uma boa desculpa já
premeditada para estar na rua àquela hora. De preferência uma não muito rebuscada. Em caso
de imprevistos, “conservar a calma, se a repressão chegar. Se o esquema de olheiros
funcionar, a repressão será ludibriada”. Por isso era de fundamental importância fazer bons
levantamentos da região, além de “importantíssimo uma boa discussão política antes e depois
da ação, pois dela, em grande parte, depende a segurança e a firmeza do grupo”.
Os jovens detidos seriam mandados de volta para seus respectivos estados, e no caso
da delegação de Pernambuco, o motorista responsável por trazê-los seria interrogado421
imediatamente após deixar os estudantes também nas proximidades do quartel. O motorista
afirmara “que partiu do Estado de SP quinta feira, dia de 17 do corrente, as 19horas,
418
Informe nº40/68. Manifestações estudantis. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 4209. Recife-
PE, 1968.
419
(Ibid.) Informe nº40/68. Prontuário Funcional nº 4209. Manifestações estudantis.
420
Informação nº 16: Estudantes pernambucanos envolvidos no Congresso da UNE em São Paulo. Fundo:
SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 0431. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
421
Depoimento: Estudantes procedentes do estado de São Paulo. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário
Funcional nº29 096. Recife-PE, 1968.
192
422
Ações estudantis nas capitais do nordeste. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332. Recife-
PE, 1968.
423
Ações estudantis nas capitais do nordeste. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
424
Ações estudantis nas capitais do nordeste. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
425
Ações estudantis nas capitais do nordeste. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
426
Ações estudantis nas capitais do nordeste. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
193
No dia 23 daquele mês, a Delegacia Auxiliar recebe um breve relatório com título
“Inquietação Estudantil” 427, constando informações de que “as atividades estudantis como
instrumento de processo revolucionário desencadeado pelos militantes, prosseguem em todo o
território nacional visando a conquista da opinião pública” e isso representava motivo de
grandes preocupações ao governo. O investigador reconhecia que o movimento até aquele
momento não conseguiu atingir a maioria dos estudantes e que “embora não se dediquem
inteiramente à baderna e agitação, mostram-se apáticos sem reações ao processo desagregador
desencadeado. Alguns que se deixaram sensibilizar por nossas atuais dificuldades, são
inocentes úteis sem consciência do papel que desempenham 428”. Novamente na estratégia de
afastar os estudantes de sua luta, o investigador afirmava que alguns se deixaram levar pelo
momento desafiador por qual passava o governo, inocentes do papel que desempenham sendo
“úteis” para os interesses estrangeiros de agitar o Brasil e criar condições de desordem e
desgoverno. Para o investigador, essa minoria restante são os que prosseguem “explorando o
sensacionalismo, consegue manter o estado de inquietação que estamos vivendo pelo anúncio
de determinadas ações a serem realizadas que, na maioria das vezes, não chegam a ocorrer”.
427
Inquietação Estudantil. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
428
Inquietação Estudantil. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
429
Inquietação Estudantil. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 1332.
194
publicação de uma suposta permissão do governador para a passeata, porque no ano de 1968
houve caminhadas reprimidas, mas também algumas consentidas, quando a ditadura
procurava, devido a pressões da opinião pública, fazer alguns acenos “democráticos”.
Informe431 da Delegacia Auxiliar trazia o título “Eleições para o UEP (órgão extinto
pelo governo)”, relatando que no dia 30 de outubro (quarta-feira), três chapas de “esquerda”
concorriam para a presidência da Entidade e cujas plataformas eleitorais “combatem a
ditadura”. Naquela data também ocorreriam eleições para o DCE da UFP e da FESP, atual
UPE.Vencedor daquelas eleições,num pleito muito disputado entre o PCBR e a AP, Cândido,
àquela altura, já havia desenvolvido
430
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 263.
431
Informe: Eleição para a UEP. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 29.096. Recife-PE, 1968.
432
FERREIRA, Maicon. Nos interstícios do golpe: resistência da juventude em PE à Ditadura Civil-Militar.
UFPE. 2014.
195
Cândido Pinto de Melo era um líder com bastante influência na Escola de Engenharia,
que como já vimos, era um centro relevante de conscientização e debate político. As eleições
para a UEP daquele ano trariam uma condição distinta de ser observada, pois pelo menos
A posse de Cândido foi um evento especial para o movimento estudantil, por se tratar,
primeiro, de ter sido o primeiro pleito direto para presidência da UEP após o golpe de 01 de
abril, e segundo, para o PCBR, que naquela eleição alcança a hegemonia e conquista a
presidência da entidade retirando do PCB a primazia sobre uma das suas bases mais fieis. O
esquentamento político iniciado em 1961 com o governo Arraes na prefeitura, o MCP, as
reformas de base, alcançara em fins de 1968 o ápice de atritos das relações sociais, políticas e
433
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 76.
434
DP. 07 de novembro de 1968.
196
econômicas. A temperatura desse esquentamento coercitivo levou ano após ano a novas
dissidências na esquerda, bem como a representação delas no Movimento Estudantil. A
vitória do PCBR na UEP demonstrava algumas tendências interessantes, primeira no que diz
respeito à radicalização social e política que o Brasil vinha passando como um todo, devido
ao recrudescimento do regime desde fins de 1966, levando os movimentos sociais a crerem na
violência política como único recurso para se articular o fim do regime ditatorial, segunda
como uma característica positiva dessas dissidências, evidenciando a busca dos movimentos
sociais por um modelo que atendesse às suas necessidades reivindicadas.
A vitória do PCBR demonstrava também como parte considerável das bases do PCB
no movimento estudantil recifense optou pelo caminho radical, fazendo com que os
comunistas revolucionários na nova legenda tomassem do PCB a União dos Estudantes de
Pernambuco, uma das últimas no país que permaneciam sob a égide dos comunistas. Na
UNE, a Ação Popular já era o grupo majoritário. Essa radicalização não pode ser explicada
genericamente pela tese do revide, onde o regime endureceu devido aos atos “terroristas” de
manifestantes, nem de que os movimentos esquentaram em revide ao recrudescimento da
ditadura. A pesquisadora Marcília Gama determina que as práticas repressorasda ditadura vão
se moldando a suas necessidades com o passar dos anos, sendo a repressão
A violência do Estado tinha como objetivo seus interesses econômicos e de seu bloco
aliado: as alites empresariais brasileira e o capital monopolista financeiro estadunidense. Já
por parte dos manifestantes, essa valorização
da violência como forma de atuação política tem seu berço na experiência das lutas
anticoloniais, sobretudo Argélia e Vietnã. O contexto de violência dessas guerras
engendrou um conceito de “violência justa”, “violência de resposta”, “violência do
oprimido contra o opressor”. Uma violência que não seria apenas um recurso
extremado de defesa, mas um ato valorizado em si próprio, um gesto construtor de
identidade, um ato libertador.436
435
SILVA, Marcília Gama. Informação Repressão e Memória. UFPE. 2014, p. 56.
436
ARAÚJO, Maria Paula. In: FICO, Carlos [et.al]. Ditadura e Democracia na América Latina. 2008, p. 252
197
Esse caminho da violência justa tornou-se resposta para muitos militantes estudantis,
sobretudo os provenientes de cisões com o PCB, descontentes com seu posicionamento
legalista diante de um regime violento e opressor. Argélia e Vietnã davam exemplos de luta
contra o colonizador. Cuba e China mostravam caminhos “que pareciam apontar o primado da
ação, da vontade e das armas para o caminho da transformação social – em detrimento do
moroso e viciado jogo de negociações parlamentares, no qual pareciam submergir até mesmo
os partidos comunistas e socialistas” 437. O discurso radical estava presente em praticamente
todas as publicações das esquerdas brasileiras, à exceção do PCB que recebia da “esquerda
dissidente, crítica ferrenha [por ser] visto como imobilista, pacifista e reformista”, no entanto,
Gorender nos aponta que essa
Vimos algo parecido quando o militante e dirigente Marcelo Mário de Melo nos
aponta como uma “fantasia do PCBR [em] tentar tanto manter a tradição dos Partidos
Comunistas como fazer a luta armada”. Ainda assim, o partido toma as rédeas da política
estudantil em Pernambuco com Cândido Pinto assumindo a presidência da entidade. Logo em
seguida a posse da nova presidência da UEP, um Informe 439 da Delegacia Auxiliar relatava a
chegada de 72 Universitários provenientes da Faculdade de Direito da Bahia, sendo alguns
deles, participantes do Congresso UNE de Ibiúna estavam hospedados em diferentes lugares
da cidade. Segundo a Informação, a presença dos estudantes tinham como justificativa uma
promessa do “Governador Nilo Coelho, através de seu assessor, que lhes prometera,
terminariam o ano letivo universitário em Faculdade do Recife (o da Bahia se encontra
fechado)”. Mas a preocupação maior dos órgãos de informação era a desconfiança que o
motivo real da visita fosse de “os estudantes [estarem] no propósito de encerrarem o XXX
Congresso da UNE, interrompido em São Paulo pela Polícia e que, já estaria praticamente
acertado seria na cidade de Caruaru-PE, no dia 5 passado”440. Já vimos em muitos outros
437
ARAÚJO, Maria Paula. In: FICO, Carlos [et.al]. Ditadura e Democracia na América Latina. 2008, p. 255
438
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas. 1987, p. 49.
439
Informação nº256 – B-E/2. Fundo: SSP/APEJE/DOPS. Prontuário Funcional nº 29 096. Recife-PE, 1968.
440
(Ibid.) Informação nº256 – B-E/2. Prontuário Funcional nº 29 096.
198
momentos a importância que tinha Pernambuco no cenário político nacional, como uma das
expressões de muitos movimentos políticos.
441
(Ibid.) Informação nº256 – B-E/2. Prontuário Funcional nº 29 096.
442
Informação 49/68 Visita de grupo de agitadores ao grupo escolar José Mariano. Prontuário Funcional nº 1332.
Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
443
(Ibid.) Informação 49/68. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE, 1968
199
Então pode-se pensar que havia uma articulação para realização do XXX Congresso
UNE em Pernambuco, mas apenas para apuração dos votos da delegação pernambucana e seu
444
DP 21 de novembro de 1968. Prontuário Funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE, 1968.
445
(Ibid.) DP 21 de novembro de 1968. Prontuário Funcional nº 1332.
446
DP 21 de novembro de 1968. Prontuário Funcional nº 1332.
200
Ao final daquele ano, o governo daria seu último passo para tornar-se um regime de
ditadura totalmente cerrado e obscuro. De cerceamento integral de direitos democráticos e
políticos à população. De caça, assassinatos e violências das mais diversas formas
imagináveis. De perseguições, exonerações e arbitrariedades. O Ato Institucional nº 5, que
deu ao Presidente da República poder para decretar a intervenção nos estados e municípios,
sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer
cidadão pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Aquele decreto seria o mais duro golpe desferido contra o povo brasileiro. A odiosa lei é tão
esdrúxula que traz logo em seu cabeçalho uma série de justificações, antes do seu artigo
primeiro.
447
Informação 50/68. Festival de Música Universitária. Prontuário funcional nº 1332. Arquivo DOPS. APEJE,
1968.
201
Só a partir de todos esses pretextos rasos é que vinha então o artigo 1º da lei. Em seu
primeiro parágrafo, quando afirma que o “processo revolucionário em desenvolvimento não
pode ser detido” não deixando de representar um golpe dentro de um golpe, era exatamente
como estudavam e discutiam os estudantes a obra de Debray, justamente nos Congressos
UNE de 1967 e 1968, como vimos. Mas particularmente, é muito instigante observar a
segunda justificativa listada na citação acima, pois ela poderia servir exatamente para explicar
o porquê dos atos contra o governo estarem se perpetuando e se propagando por todo o Brasil,
pois afirma que os “atos subversivos” são “oriundos dos mais distintos setores políticos e
culturais”, o que significa que os atos contra o governo, e o modelo de país por ele proposto,
não vinha sendo aceito pela população em geral, dos “mais distintos setores”. Aliás, a própria
lei diz isso em outras palavras, afirmando que a existência desses atos “comprovamque os
instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação (...)estão servindo de
meios para combatê-la e destruí-la;” Ora, isso era algo óbvio, até para o próprio cabeçalho do
Ato Institucional nº 5, os instrumentos jurídicos que o regime empresarial-militar empurrou
goela abaixo da nação, não eram aceitos por ela, e eram esses instrumentos a razão maior das
manifestações e inquietações políticas havidas no país. A partir daí, para os militares “se torna
imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da
Revolução”, ao invés da adoção de reformas nos instrumentos jurídicos “outorgados à
população”, o regime prefere usar a violência, ainda mais. A partir dali
448
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 263.
203
legalmente, às escancaras, nada se podia fazer, sem os riscos de represálias policiais” 449. À
espera do coletivo naquela calçada, subitamente
uma camioneta de cor verde escura parou diante de Cândido, dela descendo, rápido,
um indivíduo corpulento, com uma máscara de meia de mulher envolvendo-lhe o
rosto. Ágil, com um revólverna mão, parecendo acostumado a manejá-lo, dirigiu ao
estudante breves palavras, algo semelhante a “não reaja, senão eu atiro”, ao mesmo
tempo em que tentava empurrar Cândido para dentro da viatura, onde se achavam
outras pessoas. Pouco adiante, dois indivíduos, em atitudes suspeitas, davam
cobertura ao agressor.
Ao verificar que o estudante reagia valentemente ao sequestro, o assaltante fez
posição de tiro e deflagrou sua arma, o primeiro disparo raspando o rosto da vítima,
o segundo atingindo-o no ombro esquerdo, a bala perfurando o pulmão e alojando-se
na espinha dorsal.[...]450 Caído ao chão, o presidente da União dos Estudantes de
Pernambuco foi imediatamente socorrido por populares, que desciam de um ônibus
elétrico e aos quais, tentou falar, acusando de logo, a polícia. 451
Nem mesmo a censura do regime empresarial-militar já em 1969, pós- AI-5 foi capaz
de fazer calar a opinião pública e os jornais em relação ao ocorrido. Apesar de os jornais do
dia seguinte minimizarem ao máximo a ação violenta da polícia, “publicando um pequeno
noticiário, quase escondido, [...] prova de que havia ‘ordens superiores’ no sentido de não se
dar destaque ao atentado, tal como um luzir de relâmpago, a agressão a Cândido alastrou-se
pelo Recife afora”452 e no dia seguinte o revide do movimento quase imediato: greve geral
estudantil de 24 horas. Todas as escolas superiores das três universidades pararam suas
atividades.
Durante o período 1964-68, os estudantes procuraram meios legais para atuar “nas
brechas” deixadas pelo regime autoritário. Com a permanência dos militares no poder, as
449
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 268.
450
“outro tiro alcançou o barbeiro José Honorato da Silva, provocando-lhe ferimento na coxa. Honorato
encontrava-se no local por acaso, à espera de transporte”. (CAVALCANTI, 1980, p. 268.).
451
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 268-269.
452
(Ibid.) CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 269.
204
453
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. 2º volume. 1980. p. 273
205
5 Considerações finais
As bases desse processo histórico não podiam ser dimensionadas sem que
observássemos o percurso das ideias socialistas em Pernambuco, desde os jornais publicados
pela incipiente elite intelectual da “escola do Recife”,454 no século XIX, passando pela
chegada do marxismo e do anarquismo em finais do século e início do século XX, já em
tempos republicanos, até as agitações provocadas pelo Partido Comunista nos anos 1920 455.
Estado com pujança econômica desde os primeiros momentos da ocupação portuguesa em
território americano, vimos que, desde 1848, temas como latifúndio e desigualdades sociais
são abordados em jornais da capital, por lideranças ainda desconhecedores da essência da
problemática, crentes num socialismo romântico e sem participação popular. Ainda assim, a
existência desses assuntos nas pautas de debate político vão se desenvolvendo ao longo de
cem anos e se aperfeiçoando com o passar das décadas até chegarmos aos anos 1950, onde o
acirramento político de Guerra Fria, o tempero nacionalista, a crise econômico-social e o
esgotamento das relações de trabalho no campo serão cruciais para a disseminação e o
alastramento dos ideais comunistas e socialistas na política pernambucana, na qual diversas
correntes de esquerda ganharão espaço e adeptos no estado.
A partir daí, é que se fará determinante a análise dos comunistas para melhor
compreensão do movimento estudantil de Pernambuco, devido ao número de seus
454
Expressão utilizada por Ângela Alonso na obra Ideias em movimento – a geração de 1870 na crise do Brasil-
Império. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2002.
455
Alguns exemplos de mobilizações articuladas pelo Partido Comunista anteriores a 1930 nos são trazidas pelo
ex-dirigente Paulo Cavalcanti como a conspiração para um movimento armado que contou com a participação de
militares, intelectuais, médicos, jornalistas e lideranças sindicais e ficou conhecido como “os 12 da Rua Velha”,
em 1925 (CAVALCANTI, 1980, p. 42-43).
206
O golpe empresarial militar viria solapar quase por completo todo esse avanço político
intelectual vivido na sociedade pernambucana naqueles anos, bem como movimentos
culturais de música, teatro e cinema da época. Cidadãos críticos de sua própria realidade
seriam criminalizados como subversivos à ordem instituída e a segurança nacional.
Professores, atores, médicos, militares, poetas, músicos, artesãos, compositores e tantas outras
talentosas pessoas tiveram cerceados seu direito à liberdade ou mesmo a vida. Quantos
excelentes futuros profissionais viriam a se tornar estatísticas de mortos e desaparecidos
políticos. Ainda assim, foi com bastante criatividade e capacidade de resistência que mesmo
depois do golpe, das intervenções em diretórios e entidades estudantis e da lei Suplicy de
1965 os estudantes encontrariam variadas maneiras de atuar contra as violências do regime,
sua política econômica subserviente aos interesses imperialistas estadunidenses esua política
educacional em consonância com os acordos entre o MEC e a USAID, bem como denunciar a
repressão praticada aos direitos e liberdades democráticas.
Ontem, verificou-se a existência de várias frases escritas nas paredes dos diversos
pavimentos do prédio destinado às atividades didáticas desta Escola, e, ainda de
cartazes fixados com fita adesiva, concitando (tanto as freses escritas nas paredes
como nos cartazes) os estudantes a unirem-se para combater atos administrativos de
autoridades constituídas.
Como em casos semelhantes e em ocasiões anteriores, os membros do Diretório
Acadêmico, quando interpelados alegam desconhecerem os responsáveis por tais
atos, resolvi ir fazer pessoalmente uma verificação nas dependências ocupadas pelo
Diretório
Acompanhado do Prof. Rômulo Maciel Diretor do Instituto de Física desta
Universidade e do Secretário desta Escola, Oficial de Administração, Ernani Alves
Pereira, dirigi-me ao 6º pavimento onde se acham localizadas pequenas salas
cedidas aos Diretório Acadêmico e cuja aberturas para ser procedida uma
verificação, havia minutos antes, solicitado ao Presidente do Diretório Roberto Rosa
Borges de Holanda.
Com surpresa foram encontrados numa das salas referidas, os estudantes Roberto
Borges de Holanda, Alberto Vinícius Melo Nascimento, Vice-Presidente do DA e
Antônio de Souza Filho, providenciando a retirada de cartazes semelhantes aos
afixados na Escola.
Resolvi, então, como medida preliminar destituir a Comissão Executiva do DA desta
Escola, suspender as suas atividades e designar uma Comissão de Professores para
receber o acervo e proceder a tomada de contas do referido Diretório.
Ao presente junto 13 (treze) exemplares de cartazes e etiquetas do Jornal da UEP,
pelos quais pode ser constatado o caráter subversivo da propaganda458 [grifo nosso].
457
Portaria nº 17 /69. Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 0431. Recife-PE, 1969.
458
Ofício nº 56/69. Fundo SSP/DOPS/APEJE. Prontuário Funcional nº 0431. Recife-PE, 1969.
209
alunos de realizarem sua mobilização sem que mostrassem seus rostos e tivessem sua
identidade revelada e autuada no decreto-477.
459
Como o documento explorado em nosso 3º Capítulo constante no Fundo: SSP/DOPS/APEJE. Prontuário
Funcional nº 1679 – Operação esvaziamento, debatendo estragégias e contendo folhetos com conteúdo
antirrevolucionário.
210
460
Dentre os quais podemos citar a preponderância dos escritos de Gramsci na Academia brasileira a partir de
1976, muitos deles trazidos a luz e discutidos pelo pensador brasileiro Carlos Nelson Coutinho.
211
Referências
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1960 e 1970. In: FICO, Carlos. [et al.] Ditadura e democracia na América Latina: balanço
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(1955-1964). Recife: UFPE, 2009.
SILVA, Marcília Gama da.Informação, repressão e memória. A construção do Estado de
exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife: UFPE, 2014.
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castello (1930-1964). São Paulo: Companhia
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THOMPSOM, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. (Orgs.)NEGRO,
Antonio Luigi &SILVA, Sergio. São Paulo: Editora Unicamp, 2001.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
214
Nosso trabalho por possuir seu foco na atuação dos militantes comunistas no movimento
estudantil pernambucano analisou componentes comuns nas falas de diversos atores que
testemunharam importantes momentos do processo histórico em cena, presentes em diversos
depoimentos. No trabalho de pesquisa foram utilizados relatos concedidos a outros
pesquisadores, além da coleta de entrevista com dois relevantes militantes do movimento
estudantil pernambucano, Marcelo Mário de Melo e Marcelo de Santa Cruz. Ambos possuem
extensa luta política ao longo de suas respectivas jornadas e esta pequena biografia é apenas
uma introdução sintetizada de suas atuações a título de ilustração para facilitar a elucidação
dos processos descritos neste trabalho. Outras obras461 da historiografia pernambucana trazem
maiores detalhes acerca de suas respectivas vidas. A escolha dos dois, deu-se ao fato de
Marcelo Mário de Melo iniciar sua militância como secundarista ainda no pré-64 até ser preso
em 1971, além de obter extensa experiência partidária e de luta armada, enquanto Marcelo de
Santa Cruz,advindo da Ação Popular, obteve maior atuação no movimento universitário,
chegando a ser cassado como estudante da UFP em 1969, e, após concluir sua formação obter
atuação direta próximo a famílias que tiveram seus entes queridos suprimidos de seu
convívio. Há que se fazer uma ressalva ainda a uma terceira entrevista, realizada com a
militante Teresa Neves, que iniciou sua militância como secundarista entre os anos 1967 e
1969, na qual nos relatou sua atuação como Secretária de Comunicação Clandestina do
grêmio de sua escola e algumas táticas para propagação de panfletos, como jogá-los de
prédios estratégicos em grandes avenidas da cidade ou a dispensa de uma pilha de panfletos
molhados nas calçadas das praças, para que a medida que secassem fossem espalhados pelo
vento. Seu depoimento era de extrema relevância para captarmos alguns aspectos da
militância feminina em meio a tudo que ocorria no cenário político mundial e brasileiro, no
entanto, devido a problemas técnicos no áudio, a transcrição de suas palavras tornou-se tarefa
de extrema dificuldade. Por isso gostaria de emitir minha gratidão aos três militantes pela
disponibilidade, simpatia e cumplicidade demonstradas nos encontros. Muito obrigado!
461
Ver: ROZOWYKWIAT, Joana G. Subversivos: 50 anos após o golpe. Recife: Cepe, 2014.; e JÚNIOR, João
Luiz da Silva (org.). Retratos (Legislatura 2009-2012) Casa de Vereadores de Olinda Casa Bernardo Vieira de
Melo. Recife: Nossa livraria, 2012.
216
Marcelo cresceu numa casa com mais 10 irmãos. Ativista estudantil desde os tempos de
secundarista ingressou na Faculdade de Direito da UFP, no Recife, em 1966. Simpatizante da
Ação Popular, logo, chegou a fazer parte do Diretório Acadêmico do curso, considerando
como experiência mais marcante o atentado a vida do estudante Cândido Pinto, então
presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, em 1969. Àquele momento, Marcelo
relata vividamente o telefonema que recebeu com a notícia, e a repercussão havida na cidade.
O militante estava junto ao grupo de estudantes que foram ao Pronto Socorro da cidade visitar
o estudante ferido, bem como ao encontro com o arcebispo de Recife e Olinda, Dom Hélder
Câmara, que pediu providências e moderação aos militares, além da greve geral decretada na
Faculdade de Direito e as manifestações em oposição ao assassinato do Padre Henrique,
ocorrida 45 dias após o atentado à Cândido, e que levou os estudantes a novas manifestações
de rua. Seu ativismo recebeu atenção dos militares, levando o estudante a ser enquadrado no
decreto-Lei 477 que cassou seus direitos estudantis e o proibiu de finalizar o curso de Direito
em nome da Segurança Nacional. Mais tarde em 1974, seu irmão, Fernando Santa Cruz,
importante dirigente da Ação Popular, quando residia no Rio de Janeiro entrou para o rol dos
militantes desaparecidos iniciando uma árdua peregrinação de sua mãe, D. Elzita Santa Cruz,
na luta para descobrir o paradeiro do seu rebento nos órgãos de repressão política do Estado.
Após conseguir concluir seu curso superior em Lisboa, graças a uma liminar judicial, Marcelo
Santa Cruz inicia um esforço em trabalhar com casos de pessoas presas e desaparecidas
políticas. Dezenas e dezenas de mães, esposas, filhos e/ou parentes em condições similares à
de sua própria mãe, D. Zita. Na atualidade, Marcelo continua ativista político na cidade de
Olinda, onde exerceu quatro mandatos como vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Além disso, Marcelo enaltecia na entrevista o papel de fundamental importância da Comissão
Nacional da Verdade e da Comissão Estadual Dom Hélder Câmara, criada para apurar os
casos de abusos praticados pelo Estado militarizado instituído em 1964. Na ocasião mostrou-
me documentos entregues a ele pela comissão onde agentes de investigação do Estado o
perseguiam ainda adolescente, aluno secundário do Colégio de São Bento. Ressaltavam que
devido a relevância da Comissão, uma nova edição do livro Onde está meu filho (2012)
estava sendo publicada para trazer a luz o esforço empreendido por sua mãe na busca do
paradeiro do filho contendo transcrições de diversos documentos enviados a diversos
representantes civis e militares de órgãos executivos, judiciários na esperança de obter ao
menos respostas, um caso que é análogo a centenas de outros em todo o país.
217
Nascido em Caruaru, agreste de Pernambuco, seu pai José Ferreira de Melo foi revolucionário
de 1930 apoiador de Luiz Carlos Prestes e simpatizante do PCB. Mudou-se para o Recife aos
nove anos de idade, onde seu irmão mais velho José Fortuna de Melo envolveu-se com o
movimento estudantil nos anos 1950. Sua família montou um pensionato que recebia muitos
estudantes do interior e ficava a três casas da sede da UEP. Foi ao entrar no Colégio Ginásio
Pernambucano que, aos 17 anos, Marcelo ingressou num curso de iniciação aos jovens
comunistas ministrado em sete aulas com o relevante dirigente David Capistrano. A partir de
então o estudante participou avidamente das campanhas eleitorais do Recife e da
efervescência política havida no Recife no pré-64. A partir do golpe Marcelo teve relevante
papel em organizar e articular os jornais e a imprensa partidária e estudantil em Pernambuco e
região. O militante, assim como muitos outros da política pernambucana, ingressa na sigla do
PCBR, ala dissidente radical do PCB. Com as movimentações havidas e articuladas no grande
Recife, Marcelo teve sua prisão preventiva decretada e viria a ser encarcerado em 9 de abril
de 1971. A partir de então, um novo tipo de militância se inicia, a resistência à tortura para
não delatar os colegas, os movimentos de protestos contra as condições desumanas nas
prisões, as greves de fome, as formas criadas para se comunicarem entre si e com o mundo
exterior, os tormentos psicológicos e o apoio mútuo entre os militantes além da relação de
afeto e companheirismo desenvolvido com as famílias dos companheiros presos e a luta pela
Anistia. Após mais de oito anos em reclusão, a mercê da repressão e violência do Estado,
Marcelo Mário de Melo foi solto e retornou a vida pública e legal. Voltou finalmente a poder
usar de seu talento com as palavras para propagar reflexões e ideias. Publicou diversas obras
sozinho ou em colaboração com colegas e atuou como colunista dos principais periódicos do
estado. Como ele próprio se define hoje, o militante político, jornalista, escritor e poeta se
define como “plebeu, republicano, democrata-popular, cidadão de esquerda, socialista,
pluralista e seguidor do Detran, sempre à esquerda, não ultrapasse pela direita”. Exerceu
cargos públicos em diferentes instituições, sempre no setor de comunicações, além de
acompanhar os trabalhos da Comissão Nacional e Estadual da Verdade em atuação no
momento da entrevista realizada em 2015. Em nosso encontro o dirigente relatou alguns
exemplos de audiências em que esteve presente e a importância dos trabalhos da mesma para
a sociedade.