Breve Historia Da Pintura Contemporanea

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Breve História da
Pintura 2

Contemporânea

Breve História da
Pintura Contemporânea
Marco Giannotti
2020
Marco Giannotti

São Paulo – 2009-2020 (edição revista e ampliada)

Obs Direitos autorais? Cada imagem tem a fonte da onde foi


retirada, esta pequena, em pB, para um livro educativo…
https://support.google.com/legal/answer/3463239
3
© Copyright, 2009 – Marco Giannotti

Todos os direitos reservados.


Editora Nova Alexandria Ltda.
Av. Dom Pedro I, 840
01552-000 – São Paulo – SP
Fone/fax: (11) 2168-9961
Obs Direitos autorais: Cada imagem tem a fonte da onde foi
retirada, esta pequena, em pB, para um livro educativo.

Preparação de originais: Marco Haurélio


Revisão: Guilherme Laurito Summa
Editoração Eletrônica: Eduardo Seiji Seki
Capa e fotografia: Marco Giannotti

Edição em conformidade com o novo acordo


ortográfico da língua portuguesa.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

G372b

Giannotti, Marco, 1966-


Breve história da pintura contemporânea / Marco Giannotti. –
São Paulo: Nova Alexandria, 2020
104p. il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-88386-71-6

1. Pintura moderna – Século XX – História. I. Título. II. Série.

09-0280. CDD: 759.06CDU: 75.036”654”


Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro
pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização
expressa da editora.
4

Muitas vezes não dizemos mais do que palavras, e esse é o


grande risco quando falamos de arte. É também grande risco
quando falamos de tudo. Sócrates, a arte, compreender este
mundo e a vida que fazemos nele, juntar a pedra com a
pedra, a cor com a cor. A palavra recuperada com a
recuperação da palavra, acrescentar o mais que falta para
continuarmos a organizar o sentido das coisas, não
necessariamente para completar esse sentido, mas para
ajustar, unir a biela ao excêntrico, a mão ao punho, e tudo
ao cérebro.1

José Saramago, Manual de Pintura e Ccaligrafia.

Este ensaio surgiu a partir das aulas que ministro no


Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação
e Artes da USP (Universidade de São Paulo). Algumas
questões presentes em meu Doutorado – Desvio Para a
Pintura, 1998 – bem como minha tese de livre docência - A
sombra da Imagem – 2005, são retomadas, principalmente
trechos que foram publicados na revista ARS.
Sou muito grato aos alunos que me permitiram traçar
melhor minhas idéias a partir do diálogo e da necessidade de
uma nova argumentação. O viés do pintor, contudo, nunca
foi abandonado. As questões formuladas surgiram do embate
entre a prática da pintura e a necessidade de transmitir o
que pode ser dito. O apoio da FAPESP para uma estadia
como professor visitante em Nova York e em Yale foi
fundamental para o desenvolvimento deste projeto.
Agradeço a David Jackson pela cordial acolhida.

Ao rever este texto 10 anos depois de publicado me deparo


com o paradoxo presente no próprio título, pois o que era
contemporâneo então já não me parece tanto. Neste sentido,
pretendo atualizáa-lo mantendo o compromisso de ser breve.
Por outro lado, o leitor pode se perguntar por que tantas
referências à artistas do século XX. Embora a revoluçcão
tecnológica recente tenha mudado muito o campo da arte,
para compreender o momento atual é preciso se balizar nas
matrizes dos principais movimentos artísticos lançados no
século passado. Como diz o título, alem de ser breve, o
objeto da minha análise é a pintura. Ainda que as atividades

1
SARAMAGO, J. Manual de pintura e caligrafia. São Paulo:,
Companhia das Letras, 1983, p.195.
5
artísticas estejam cada vez mais entrelaçadas e vários
artistas façam arte em diversas maneiras, procuro focar na
pintura sem desmerecer outras linguagens contemporâneas.
Entretanto, algumas referências externas são necessárias
para entendermos a complexidade do lugar da imagem no
mundo contemporâneo. Ampliar o escopo artístico, dar
espaço a pintura feita atualmente no mundo todo e em
diversas culturas, classes e gêneros é algo que transcende
em muito o objetivo deste ensaio. Infelizmente o nosso
ensino ainda é muito pautado na Europa e na America do
Norte. Em Diario de Kyoto (2012) procuro discorrer sobre a
arte japonesa. Mas as lacunas sempre estarão presentes,
pois quando focamos em algo, sempre a outra parte fica na
penumbra ou na escuridão total 2. Por fim, esta versão revista
e ampliada contou com a revisão minuciosa e a colaboração
de Raquel Magalhães, que acaba de concluir seu mestrado
sob minha orientação.

Janeiro de 2020

Celmins, Night Sky No. 22, 2001,


Carvão sobre papel, 18 ¾ x 22",
MoMA, Purchase.
© 2010 Vija Celmins

Para meu pai, que certa vez me ensinou a ver uma pintura.
Para Emilia e Jack, uma recordação do aprendiz de
historiador.

2
AGAMBEN. Giorgio. editora Argos. O que é Contemporâneo e outros
ensaios. Chapecó: Editora Argos, 2009. “E como se aquela invisivel luz,
que é o escuro do presente, projetasse a sua sombra sobre o
passado, e este, tocado por facho de sombra, adquirisse a
capacidade de responder às trevas do agora”, p.72..
6

Sumário

1. A pintura contemporânea e seu lugar no tempo


2.Cor e espaço
3.O lugar do observador
4.Colagem e fragmentação
5.Imagem e conceito
6.Técnica e poética
7.Pintura e fotografia
8.Novas perspectivas
Bibliografia
Índice dos Artistas citados no texto
Sobre o autor
7

A pintura contemporânea e seu lugar no tempo

A consciência histórica (...) é um tipo de instrumentação do


espírito que está presente nos sentidos e determina
previamente a maneira de ver e realizar a experiência de
arte.
Gadamer 3

Dennis Adams, Maulraux’s Shoes (vídeo), 2012. Aby Warburg, Atlas


Mnemosyne4.

Andre Malraux foi um dos principais intelectuais da França após a segunda


Guerra mundial. Seu livro, Museu Imaginário, - um museu sem paredes -,
tornou-se uma referência. Um dos primeiros historiadores a procurar
relações entre imagens provenientes de culturas distantes a partir de
registros fotográficos foi Aby Warburg. Ao longo da sua vida ele criou um
“atlas da memória” (Atlas Mnemosyne)., Sseus estudos e biblioteca, hoje em
Londres, inauguraram os estudos sobre iconologia e iconografia 5.

3
GADAMER, Hans-.Georg. A atualidade do Belo: a arte como jogo,
símbolo e festa. Coleção Tempo Brasileiro, Diagrama, vol.14. Rio de
Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1985.
4
ADAMS, D. (captura de video) Malraux’s Shoes, 2012 (imagem) :
<https://neatlyart. wordpress.com/2013/05/30/andre-malraux-chez-lui-maurice-jarnoux-over-the-last/>.; PHAY, Soko. Aby
Warburg’s concept of artistic survival. Disponível em: <http://www. diptyqueparis-memento.com/en/aby-warburgs-
concept-of-artistic-survival/> Acesso em 2 de novembro de 2019.
5
Trata-se do célebre escritor francês cujo romance mias conhecido
é A Condição Humana. Tornou-se ministro da cultura após a
segunda Guerra Mudial com o presidente Charles de Gaulle, e
fortaleceu as instituições culturais e em particular os museus. Ele
escreveu um livro sobre a relação entre as imagens e o museu:
MALRAUX, .A. O museu imaginário. Arte e Comunicação; Edições 70,
Lisboa, 1989..
O museu impôs uma nova relação com a obra de arte. Este é um
fenômeno recente, que remonta ao período da Renascença. Esse
fenômeno retira a funcionalidade das obras, o que Malraux chama
de metamorfose. Em um o museu, não há [mais] lugar para mais
veneração, as imagens diferem entre si e que são confrontadas
como tal.

Esse confronto de contradições é uma consciência da busca de tudo


o que é possível na arte, uma recriação do universo que dá a mais
alta ideia de homem. Para Malraux, o homem conquista com a arte
o significado de sua vida contra o esquecimento e a morte. No
entanto, é o museu imaginário que convoca todas as obras-primas
no espírito. “As imagens estão fechadas em si mesmas, como
mônadas: elas se abrem para processo de constelação - que o atlas
Mnemosyne seria o exemplo perfeito: imaginando um diálogo de
imagens, e de uma forma que pudessem ser, a cada momento,
deslocadas e postas em outras posições, sugerindo novos diálogos
com novas imagens, em um processo infindo… O Atlas Mnemosyne
pretende, com seu material de imagens, ilustrar esse processo, que
se poderia designar como uma tentativa de introjeção na alma dos
valores expressivos préformados na representação da vida em
movimento”. WAIZBORT, L. APUD WARBURG, A.. Histórias de
8

Pode parecer paradoxal à primeira vista que se inicie um


ensaio sobre a pintura contemporânea escrevendo antes
uma introdução sobre a relação do artista com a história.
Entretanto, como realizar esta tarefa sem refletir sobre sua
dimensão no tempo? A pintura moderna e contemporânea
difere da pintura clássica justamente por uma denominação
temporal. Este ensaio me parece uma empreitada como a de
Sísifo, que foi obrigado a sempre levar uma pedra ao cume
da montanha sendo que sua nova queda era iminente 6. Ao
escrever sobre algo que acontece hoje, sempre se corre o
perigo de que isto se apague com o tempo. Se a pintura
contemporânea já tem uma história, ela continua atual?7
Artistas que já faleceram há mais de trinta anos, a exemplo
de Yves Klein, Andy Warhol, Mira Schendel e Helio Oticica,
estão mais presentes do que nunca no cenário
atual.contemporâneo Corre-se ainda o perigo de se realizar
uma genealogia da pintura contemporânea, o que seria algo
desprovido de sentido, pois não existe um caminho
primordial, mas sim váarias veredas que se apresentam a
partir da Ssegunda Guerra Mundial. Por outro lado, uma
concepção teleológica do tempo sempre nos leva a um fim
da história, onde a arte contemporânea fica numa espécie de
limbo aguardando o juízo final. Será que a pintura
contemporânea está fincada num eterno presente?8 Ao invés
de buscar novas denominações de movimentos artísticos
como rótulos de propaganda, creio ser necessário indagar
sobre a relação da obra de arte com o seu tempo atual.
Trata-se de empreitada difícil circunscrever uma atividade
que parece se esvair como prática especifica, até porque
muitos pintores são antes artistas que operam em várias
linguagens.

fantasmas para gente grande., São Paulo: Companhia das letras,


2015, p. 9 .

6
AGAMBEM, G. oOp. cCit., p. 58. Pertence verdadeiramente ao seu
tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide
perfeitamente com ele, nem está adequado às suas pretensões e é,
portanto, nesse sentido, inatual.
DamischAMISCH afirma que não há uma alternativa à arte do passado
que não seja vê-la através do presente. Ver Revista ARS, da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da USP, (volume 16, número 32, 2018).

7
”Quem não tem tradição e a deseja é como o amante infeliz. Deve-se dizer
algo novo e no entanto isto deve ser antigo. Deve-se falar sobre coisas
antigas e ao mesmo tempo isto deve ser novo.” WITTGENSTEIN, Ludwig.
Culture and Value. Chicago: University of Chicago Press, 1980.
8
Se a modernidade é uma simples conseqüência da passagem do
tempo – afirma Octávio Paz – escolher como simples denominação a
palavra moderno é resignar-se a perder de antemão e de repente
seu nome. Como se chamará no futuro a época moderna? (...) A arte
contemporânea sofre dos mesmos paradoxos: “Para resistir à
erosão que tudo apaga, as outras sociedades decidiram denominar-
se com um nome de um deus, uma crença, ou um destino:
Islamismo, Cristianismo, Império do centro. Todos estes nomes se
referem a um princípio imutável ou, pelo menos, a idéias e imagens
estáveis.
PAZ, O. Os filhos do Barro. Rio de Janeiro: Editora nova Fronteira,
1974.
9
É certo que a arte contemporânea passa por uma
reavaliação da própria arte moderna, mas muitos de seus
melhores artistas não continuam a metamorfosear imagens
do passado? Talvez a empreitada radical da arte moderna
em se diferenciar das outras épocas tenha se esgotado –
justamente porque ninguém mais tem dúvidas a respeito de
seu estatuto, visto que, a partir da década de 1960, a arte
contemporânea efetivamente se desprende do período
moderno. Atualmente é possível atestar o enorme impacto
das novas tecnologias na arte [bem como], na nossa vida
cotidianaarte. Os dispositivos eletrônicos digitais permeiam
nossas vidas, lemos, nos comunicamos, enviamos imagens
pela internet com uma rapidez inaudita. O universo do
Instagram demonstra como as pessoas preferem se
comunicar cada vez por imagens ou códigos. Câmeras e
computadores digitais criam uma informação com uma
acuidade visual que vai muito além da nossa visão.
Recorrem a sistemas binários matemáticos, distantes de
uma concepção da imagem como representação, um espelho
analógico de uma realidade exterior.

Situada entre a arte moderna e um futuro incerto, a arte


contemporânea parece questionada a cada instante, pois os
limites entre a arte e a vida parecem mais tênues. O
espectador, cada vez mais atônito, busca num texto uma
possível explicação para definir algo como arte. Aqueles que
qualificam e precificam a obra se tornam muitas vezes mais
importantes do que o artista. Curadores, galeristas e
colecionadores dominam o sistema da arte. Movimentos e
teorias se tornam rótulos que se desgastam com extrema
volatilidade. Grandes exposições se pautam em plataformas
políticas, como se a arte para se legitimar, tivesse uma
finalidade, uma ideia. O juízo estético, que depende de uma
apreciação não utilitária do objeto, parece não mais se
adequar às obras que cada vez mais se distanciam das belas
artes. Por isso, a fim de conhecer a arte contemporânea é
preciso se situar no tempo presente. Pensar a temporalidade
inerente a todo trabalho artístico se tornou uma questão
fundamental para entendermos o lugar efetivo da obra de
arte hoje em dia9. O advento das novas tecnologias mudou
radicalmente o cenário das artes 10.

9
A tradição do moderno encerra um paradoxo maior do que deixa
entrever a contradição entre o antigo e o novo, o moderno e o
tradicional. A oposição entre o passado e o presente literalmente se
evapora, pois o tempo transcorre com tal celeridade, que a
distinção entre os diversos tempos - passado, presente, futuro -
apagam-se ou pelo menos se tornam instantâneas, imperceptíveis e
insignificantes...
A tradição do moderno é a expressão da condição dramática de
nossa civilização, que procura seu fundamento, não no passado
(exemplaridade) nem em nenhum princípio imóvel, mas na
mudança. PAZ, O. oOp. cCit.
“Estético ou moral, o juízo é sempre um juizo histórico, porque não
é um pronunciado com base muma verdade científica, mas em
relação com uma determinada situação humana.” ARGAN.G.
História da Arte e como História da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1998, p.18
10
A polêmica relativa ao termo pós-modernismo, por exemplo,
também se transformou ao longo do tempo, pois o termo cunhado
tinha em vista equipamentos tecnógicos nos anos 80 que diferem
radicalmente do que temos hoje em dia. O filósofo Jean-François
Lyotard realizou no Centre Pompidou em Paris em 1985 uma
exposição polêmica intitulada Les Immatériaux (“O imaterial”) A
10
O problema recorrente de fazer uma análise mais
abrangente ou uma mais específica sobre a obra de arte
sempre reaparece. Neste sentido, escolhi algumas
referências artísticas como uma espécie de baliza para o
nosso percurso. Não é preciso dizer que muitos pintores
relevantes ficaram de fora. Estabelecer critérios sem cair
num subjetivismo não é facil, por outro lado, jamais
perdemos nosso ponto de vista. Impossivel esquecer que
estamos no Brasil, por isso uma atenção especial recai sobre
alguns de nossos artistas bem como sobre pintores
estrangeiros que tiveram uma particular reverberação aqui.

SLogo, sem uma dimensão crítica não podemos refletir sobre


a singularidade da experiência artística, principalmente em
um momento em que as fronteiras entre as artes, e mais do
que isso, entre arte e vida, parecem cada vez mais
confusas. Cada vez Pprecisamos contextualizar mais aà obra
para entender seu sentido. Afinal de contas, uma obra de
arte é um meio através do qual o homem revela sua
percepção do tempo e do espaço. Esta busca se faz através
de uma síntese temporal que implica a percepção do
presente, a memória do passado e antecipação do futuro.
Embora estejamos num mundo globalizado, movimentos
nacionalistas cada vez mais se fazem ouvir. Por outro lado,
como falar sobre Picasso, sem refletir sobre suas raízes
espanholas, Matisse sem a França, De Chirico sem a Itália,
Jasper Johns sem os Estados Unidos da América?
A percepção do tempo exige centros de perspectiva e
formas de relação que colocam sob suspeita seu caráter
unidimensional. Uma obra de arte aparece conforme
estamos preparados para vê-la, e isto depende dos critérios
que utilizamos para decifrá-la. O tempo está em cada gesto
do artista, na maneira como ele lida com formas e cores. Se
todo ato criativo se inscreve em um determinado tempo, seu
efeito muitas vezes transcende seu momento, antecipando
muitas vezes o futuro.

O artista, de maneira geral, tem uma abordagem da história


da arte diferente da do historiador.11. Enquanto este último
procura uma interpretação que parte do particular em
direção ao geral, de modo com que cada peça seja entendida
em função de um movimento mais abrangente, o artista
procura fazer recortes muitas vezes arbitrários, escolhendo

exposição mostrava o surgimento de uma nova materialidade


produzida pelo avanço das telecomunicações e da tecnologia. O
prefixo anunciou uma quebra da moderna concepção do material,
da linguagem, do corpo, da ciência e arte. A exposição mostrou
como o desejo da modernidade produziu uma atitude de negação
de como surge uma nova forma cultural que Lyotard nomeou pós-
moderno. A este respeito ver HUI, Yuk; BROECKMANN, Andreas (ed.). 30
years after Les Imamatetériaux: art, science , and theory. Disponível em:
<https://www.academia.edu/13133536/30_Years_after_Les _Immat%C3%A9riaux_-_Art_Science_and_Theory.>.
Acesso em 9 de jJaneiro de 2020.

11
“História é um conceito que não assume o mesmo sentido, o
mesmo significado, os mesmos usos, quando aplicado à política, à
economia, à religião, ao direito, e antes de tudo à ciência. A história
não é a mesma, a propria palavra não tem a mesma ressonância, o
conceito não opera da mesma maneira quando aplicada a tópicos
como arte ou ciência e todo o resto”. DAMISCH, Damisch., Uma
entrevista com Stephan Bahn. Revista ARS da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP, (volume 14,rs nnúmero. 27, 2016), p. 22.
11
para si obras onde encontra afinidades poéticas. O processo
criativo é uma viagem no tempo que recontextualiza
imagens passadas em uma nova escala e dinâmica. As
conexões desafiam a ordem do tempo cronológico. Toda
criação é uma espécie de colagem de tempos diversos.

Jose Nicephóre Niépce, Vista da janela em Lle Gras, (1826-7) de Jose


Nicephóre Niépce.
Giorgio De Chirico, Enigma de Uum Ddia,191412..

ÀA esquerda vemos o primeiro registro de uma imagem fotográfica de


Niépce., Aa imagem foi feita a partir de uma janela e, devido sua longa
exposição, as sombras percorrem todos os angulos das construções, dando
a impressão de uma solidez metafisica aos objetos. Ao mesmo tempo em
que ele desenvolvia um método para copiar desenhos para a litografia
usando a luz solar, conseguiu fixar uma imagem projetada por uma camera
obscura (da janela de seu estúdio) numa superfície, usando betume da
Judeia, o processo foi batizado de heliografia - "desenho com o Sol”.
Giorgio de Chirico realizou uma pintura metafísica, atemporal. Tudo está
parado num tempo eternizado no seu instante. Seu período mais fertil foi a
partir de 1914. O Museu de Arte Contemporânea de São Paulo tem uma de
suas obras mais valiosas desta fase. Este quadro que pertenceu a Oswald de
Andrade e Tarsila do Amaral. Posteriormente, de Chirico fez obras mais
passadistas e, de um modo um tanto surpreendente, falsifica suas pinturas
iniciais. Ele antecipa a sensação que temos que tanto o espaço como o
tempo podem ser manipulados. Segundo David Silvester uma composição
de de Chirico é uma espécie de colagem em que cada elemento foi visto de
uma posição diferente, um close up ou uma tomada a longa distâancia.

A internet é uma ferramenta genial neste sentido – temos


acesso a um mundo inimaginável de imagens e textos em de
qualquer período e origem. Entretanto, para realizar uma
pesquisa pode ser perigosa, pois tempo e espaço parecem se
achatar numa única plataforma. Certa vez recebi um convite
de um artista que se intitulava pós contemporâneo. Já um
aluno escreveu que Leonardo da Vinci era nosso
contemporâneo. Parece que tudo deve ser transmitido da
maneira mais rápida e superficial sem uma dimensão
temporal ou espacial.

12
NIÉPCE, N. Vista da janela em Le Gras, 1826-7 (imagem):
https://www.google.com.br/search?q=NI%C3%89PCE,+N.+Vista+da+janela+em+Le+Gras,+1826-
7&sxsrf=ACYBGNR8sK8gKnnjguXk26zeeRfkkVQ-
zA:1580065962716&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwjTqLez_KHnAhUMELkGHb_2DPEQ_AUoAXoECAwQAw&b
iw=1440&bih=744#imgrc=_
Fonte?. DE CHIRICO, G. Enigma de Um Dia, 1914: https://www.google.com.br/search?
biw=1440&bih=744&tbm=isch&sxsrf=ACYBGNTej76OTa-Eigx8Vrad1JdTPdrG9g
%3A1580066124581&sa=1&ei=TOUtXuSQI9S05OUP7eKDyA4&q=+MAC+%2C+DE+CHIRICO%2C+G.
+Enigma+de+Um+Dia%2C+1914+&oq=+MAC+%2C+DE+CHIRICO%2C+G.+Enigma+de+Um+Dia
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Acesso em 24 de janeiro de 2020
fonte?
12
Corre-se grande perigo em datar a produção de um artista
em uma determinada década - . bBasta evocar artistas como
Frank Stella, que produz atualmente pinturas muito distantes
do que fazia há 40 anos. Há casos antagônicos como o de
Soulages, que adquiriu plenitude em sua obra mais recente,
enquanto Johns já aos 24 anos realizava obras geniais. O fato
é que mesmo os pintores mais importantes do século
passado, Pablo Picasso e Henri Matisse tiveram altos e
baixos na carreira, especialmente entre os anos 30-40, mas
conseguiram recuperar na velhice uma força vital exemplar.
A obra do último Picasso, entretanto, só é devidamente
entendida nos anos 80 em um contexto onde a volta à
pintura é valorizada. .

As pinturas finais de Picasso demoraram em ser apreciadas.


Após sua morte em 1973, a arte Pop e o minimalismo, que
eram os movimentos dominantes na época, distanciavam-se
muito das pinturas do velho mestre. Mais uma vez, Picasso
revoluciona a pintura com uma gestualidade livre – foram
precisos cerca de 40 anos para que ele adquirisse tamanho
rigor e liberdade. Pinturas extremamente sensuais, muitas
delas claramente eróticas, mostrando belas modelos
espreitadas por um voyeur, onde toda sedução sublima-se
na pintura. Uma liberdade de reinterpretar tanto um macaco
como uma donzela, tanto um retrato religioso de El Greco
como uma banhista de Ingres, tanto o Minotauro como
Ariadne. Picasso demonstra uma variação formal notável,
revelando simultaneamente vários aspectos ou pontos de
vista que podem ser lançados em direção a qualquer objeto
representado. Vemos um rosto como se estivéssemos
caminhando ao seu redor durante certo tempo, embora
estejamos, na verdade, olhando frontalmente para a obra.
Através das várias faces vistas simultaneamente, Picasso
mostra como a nossa experiência perceptiva está
impregnada tanto por um sentido espacial como temporal. A
descoberta de uma imagem múltipla já aparece no Cubismo,
mas nestes últimos quadros, a pincelada parece se ajustar a
diferentes esferas temporais. Se no Cubismo o que parece
interessar é o ato de captar as múltiplas faces de um objeto,
nestas últimas pinturas as próprias imagens parecem aludir
a uma experiência temporal que escapa do presente
instantâneo. “Depois de Van Gogh, somos todos
autodidatas” afirma Picasso, não basta seguir os ditames das
academias, cada artista deve construir seu museu
imagináario se espelhando e se formando a partir de
algumas referências fundamentais para a pintura:
Para mim não há passado ou futuro na arte. A arte dos
grandes pintores que viveram em outros períodos não é uma
arte do passdo, talvez estejam mais vivas do que nunca13.

13
GELONCH-VILADEGUT, Antoni (org.). 200 citations de Picasso et sur
Picasso, 2013. Disponível em: <http://www.gelonchviladegut.com/wp--content/uploads/2013/06/200
_citations_Picasso.pdf .>. Acesso em 21 de janeiro de 2020.
13

Diego Velazquez, Las Meninas, 1656., Pablo Picasso, Las Meninas, 195714.

Entre 17 de agosto à 30 de dezembro de 1957, Picasso realizou 58 variações


de pinturas com formatos muito diversos. O fato de pintar quadros sobre
quadros, imagens sobre imagens, torna-se evidente nas pinturas sobre Las
Meninas de Velazquez (1656)15: Picasso não está recolocando o problema
da imagem e da percepção na medida em faz uma metamorfose do
paradigma clássico da representação?
O artista explora os diferentes aspectos das coisas, tornando-as visíveis e
reconhecíveis, não inventa arbitrariamente as formas. Faz uma
metamorfose, mas sempre as tornando visíveis e reconhecíveis. Escolhe um
determinado aspecto da realidade, mas esse processo de seleção é, ao
mesmo tempo, de objetivação. Uma vez que entramos em sua perspectiva,
somos forçados à olhar o mundo com seus olhos.16.

14
VELAZQUEZ, D. Las Meninas, 1956 (imagem): <https://www.google.com.br/search?
q=velazquez+las+meninas&tbm=isch&ved=2ahUKEwiBiZOUj9bmAhXhALkGHefjAkcQ2cCegQIABAA&oq=velazquez+las+
meninas&gs_l=img.3...281918.287450..287951...0.0..0.110.2044.13j8......0....1..gws-
wizimg.......0j0i10j0i30j0i5i30j0i8i30.ocI2g2BMiCk&ei =yR8GXsGAEOGB5OUP58eLuAQ&bih=742&biw=1440&tbs=isz
> Acesso em 20 de Novembro de 2019 .PICASSO,
%3Al&hl=pt-BR#imgr c=ur_NbZShf BOeYM
P. Las Meninas, 1957. PICASSO, P. Las Meninas, 1957 (imagem): fonte?
15
Sobre Las Meninas ver ainda Velásquez, ORTEGA Y GASSET, José.
Velazquez. São Paulo: Martins Fontes, 2016: “Las meninas vem a ser a críica
da pura retina. A pintura encontra assim, sua propria attitude ante o mundo
e coincide consigo mesma. Compreende-se por que Velazquez foi chamado
”o pintor dos pintores”, p. 36.
16

A obra de arte nos obriga a vê-la na perspectiva correta, mas, na


ausência de arte, o objeto é apenas um fragmento da natureza
como qualquer outro. WITTGENSTEIN, L.
apud PERLOFF, Marjorie. Wittgenstein’s Lladder: poetic language and
the strangeness of the ordinary. Chicago: University of Chicago Press 1999,
p.11.
“Os grandes revolucionários da arte negam o
antigo como preceito, mas colocam-no como
problema” ARGAN. Idem, p.37
14
Pode parecer paradoxal que neste breve ensaio artistas como
Marcel Duchamp e Pablo Picasso estejam ao lado de artistas
vivos como Jasper Johns e Gerhard Richter. Duchamp morreu
em 1968, Picasso em 1973. Assim como um livro atual sobre
física não pode dispensar Einstein, podemos dizer o mesmo
desses dois artistas, pois uma série de questões colocadas
por eles está presente no debate contemporâneo. Nada mais
perigoso do que ensinar exclusivamente a partir de
movimentos artísticos. Artistas deste calibre, operam numa
outra escala, que transcende um estilo único, um Picasso é
sempre Picasso.17.

Mais do que um livro de história, este pequeno ensaio busca


uma reflexão do que significa fazer pintura atualmente. Ao
falar sobre determinados artistas pretendo estabelecer
“uma nova perspectiva”, um diálogo atual com obras
realizadas em um determinado período. Não pretendo busco
realizar uma análise histórica ou traçar o itinerário da vida de
qualquer pintor. As obras de arte só podem ser interpretadas
dentro do nosso contexto. Em suma, apóio-me nesses artistas
como balizas para uma reflexão atual sobre pintura. Acredito
que a arte sempre procura instaurar novas relações entre
tempo e espaço. Essas relações mudam a cada instante e se
apresentam de forma variada nas obras. Não pretendo
ireiassim tecer considerações gerais sobre a interação entre
espaço e tempo, mas apenas mostrar como essa relação se
apresenta de forma diversa em cada obra. À medida que uma
obra é capaz de instaurar um novo sentido, invariavelmente
nossa percepção do tempo e do espaço deverá ser
repensada. Entender a pintura contemporânea hoje em dia
implica em tomar pontos de vista diversos. Não temos,
efetivamente, um critério único para descrevê-las. É preciso
antes de tudo aprender a se situar no tempo, e acreditar que
o artista ainda tem algo a dizer sobre sua experiência no
mundo.

A história da arte deve ser entendida como algo vivo e em


contínuo processo de atualização, onde os artistas do
passado passam por uma reinterpretação18. É certo que a
arte contemporânea faz uma reavaliação da própria arte
moderna, muitos de seus melhores artistas continuam a
metamorfosear suas imagens como referências. Referências
mais longínguas, entretanto, sempre reaparecem: ao visitar as
ruínas de Paestum, ao sul de Nápoles no verão de 1959,
Rothko comentou que estava pintando, sem saber, fachadas
de templos gregos durante toda a sua vida. A integração entre
a pintura e o espaço arquitetônico sempre ocorreu ao longo da
história. Pintura e arquitetura muitas vezes parecem interagir
entre si ao formarem um lugar para a manifestação da luz.

A ausência de convenções na pintura obrigou o pintor


contemporâneo a espelhar seu trabalho na obra de outro
artista: assim fez Rothko com Matisse, Matisse com Cézanne,

17
SCHAPIRO, .Meyer. A unidade da Arte em Picasso . São Paulo: Cosac
& Naify, 2002. Ver ainda GINSBURG, .Carlo. Medo,R reverência e Tterror:
quatro ensaios de iconografia política. São Paulo, Companhia das Letras,
2014.

18
“Os grandes revolucionários da arte negam o antigo como preceito, mas
colocam-no como problema” ARGAN, G.C. op. cit., p.37.
15
Pollock com Picasso etc. Em 1936, ao doar uma obra de
Cézanne (Les Baigneuses, 1879-1882) para o Petit Palais,
Matisse comenta: “Há trinta e sete anos que a possuo,
conheço-a bastante bem, não totalmente, espero; apoiou-me
moralmente em momentos críticos da minha aventura de
artista; bebi nela a minha fé e a minha teimosia”19.

Mais do que procurar ocultar o passado, a atitude de


enriquecer o presente com nossas memórias talvez
represente uma boa saída para o impasse diante do qual a
arte contemporânea se depara. De certa forma, estamos
repetindo o mesmo movimento dialético de negação do
período que nos antecede. Se a arte moderna já está
consolidada, procura-se designar uma nova era para as
artes. A dimensão estética, expressiva, da obra particular de
cada artista parece se diluir numa forma de atuação pública,
dando-nos a impressão de que a “informação” se sobrepõe à
“expressão”. Em nome da chamada “contemporaneidade”,
muitas bienais, exposições e feiras de arte são realizadas
cada vez mais no mundo todo. Ditadas pelo consumo do
novo, as obras se perdem em um espaço destituído de
história20.

Após a Segunda Guerra Mundial, a busca pela retomada do


sentido da atividade artística se tornou uma questão crucial.
Em vários artistas como Robert Rauschenberg, Josef Beuys,
Yves Klein, e mais recentemente Anselm Kiefer e Gerhard
Richter, nota-se uma volta às origens, uma vontade de se
reconciliar com a história – a arte aparece como uma
genealogia. Segundo Plínio, a pintura surgiu ao se traçar um
contorno sobre a sombra projetada de um homem; já num
segundo estágio se inventou um método mais elaborado
feito a partir de uma única cor chamada monocromo.
Podemos de imediato associar esse texto às antropometrias
de Yves Klein e aos seus monocromos I.K.B. (International
Klein Blue), uma tinta feita a partir de um azul intenso que
ele chegou a patentear. Klein resgata o poder simbólico da
cor, seu azul flerta com o imaterial. Ele tem uma fascinação
religiosa, e realiza um ex-voto com três monocromos para a
igreja de Santa Rita de Cássia em 1961.21. Sua busca por

19
MATISSE, Henri. Escritos e Reflexões sobre arte. São Paulo:, Cosac &
Nnaify, 2007. Grandes artistas tendem ser grandes colecionadores,
como por exemplo Rubens, Rembrandt, ou Picasso.
20
“Cortadas as ligações com o passado, a arte só da sua atualidade
dispõe. Éé como se ela estivesse nascendo, para viver o instante
precário e tumultuoso da gestação. Nesse sentido de uma nova
existência que se afirma por si mesma, atualizando potencialidades
pertencentes a esta época, e que com ela estão nascendo e se
manifestando numa profusão desnorteante - na qual procuramos
ver claro, sem muitas vezes consegui-lo, é que a arte
contemporânea não existe. Ela ainda não é uma realidade, mas um
vir-a-ser, célere, tumultuoso. É com razão que Ortega y Gasset em
seu ensaio sobre a Desumanização da Arte observa que o esforço
artístico em nossos dias se processa em ritmo de laboratório, de
trabalho experimental, o que explicaria o fato que hoje ‘se
produzem mais teorias e programa do que obras”.
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte., São Paulo: Editora
Áticaedições Perspectiva, 1999.
21
O ex-voto de Yves Klein foi colocado em segredo em 1961 para
Santa Rita, no mosteiro de Cascia, onde fica guardada a relíquia de
seu corpo. Esse ex-voto foi redescoberto acidentalmente vários
anos após a morte do artista em 1962. Os danos causados pelo
terremoto de 1979 tornaram necessária a sua restauração. O
16
uma zona imaterial o leva a expor o vazio de uma galeria.
Portanto, ele não está mais interessado em investigar a
relação entre as cores, mas como uma única cor se
apresenta de forma diversa nos materiais, como a cor
interage nos corpos. Nas Antropometrias, por exemplo, os
corpos de várias mulheres são impregnados por esse azul e
são posteriormente impressos em uma tela. Essa nova
imagem é impressa na tela como uma imagem fantasma.
Elas remetem às primeiras pinturas rupestres, as imagens
primordiais do homem. O ato pictórico em si é performático,
sem tocar na tela Klein rege o movimento das mulheres ao
som de uma orquestra que emite um único acorde.

Fotografia do Reichstag em flamas, 193322. Anselm Kiefer,


Innenraum,198123.

A imagem a esquerda retrata a cena fatídica do Reichstag incendiado em


Berlim. Este evento marca simbólicamente a ascensão do Nazismo. Na
década de 1980, a relação primordial da pintura com o passado aparece
diretamente na obra Anselm Kiefer, que foi aluno de Beuys e que busca,
assim como seu mestre, resgatar o lugar do artista diante da traumática
história alemã. De maneira provocativa ele se fotografava fazendo a
saudação nazista em várias locações. Suas pinturas revelam um gesto
denso. Kiefer utiliza vários mateériais que detêm uma dimensão simbólica
como, por exemplo, o chumbo e a palha. Ele recorre a materiaiselementos
muitas vezes utilizados por um movimento italiano do pós-guerra intitulado
arte povera, que é bastante significativo até hoje. Através da colagem de

pintorrestaurador encarregado de fazê-lo precisava de ouro. As


freiras do convento lhe trouxeram a caixa colocada
anonimamente e mantiveram as outras ofertas. Foi então que ele [rO
pintor? Ele?] Reconheceu então o trabalhoa obra de Yves Klein. Foi
autenticado em 1980 por Pierre Restany e Daniel Moquay, que foram
para lá. http://www.yvesklein.com/fr/oeuvres/view/944/ex-voto-dedie-a-
sainte-rita-de-cascia-par-yves-klein/ O texto de sete páginas começa da
seguinte maneira: “ o azul, o ouro, o rosa, o immaterial, o vazio...”.
Ex- voto dédié à Sainte Rita de Cascia par Yves Klein, 1961. Disponível em:
<http://www.yvesklein.com/fr/oeuvres/view/944/ex-voto-dedie-a-sainte-rita-de-cascia-par-yves-klein/>. Acesso em 21 de
janeiro de 2020.

22
Fotografia do Reichstag em flamas, 1933 (imagem):<https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%
C3%AAndio_do_ Reichstag>. Acesso em 21 de janeiro de 2020.
23
https://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_do_Reichstag1982: Anselm
Keifer’s Innenraum. In: ARTFORUM (volume 41, número 7), março de 2003.
Disponível em: <
https://www.artforum.com/print/200303/1982-anselm-kiefer-s-innenraum-4306 >. Aacesso em 10 de janeiro de 2020.
17
diversos elementos sobre a tela, Kiefer desafia as convenções da pintura
plana com uma perspectiva vertiginosa. Mas, ao aplicar sobre fotografias de
paisagens que ressuscitam o romantismo alemão, materiais como o
chumbo, plantas secas, palha, areia, ele faz da paisagem uma terra
arrasada. Não há mais espaço para o cultivo do centeio como em Van Gogh
e Milliet. O artista busca uma grandiosidade operística, uma obra de arte
total, preconizada por Nietzsche e Wagner. Resulta daí a imensa resistência
aà sua obra na Alemanha, pois ele mexe com os fantasmas da história
alemã. Muitos matériais são orgânicos e efêmeros, e remetem ao ciclo da
vida. Basta nos aproximar das pinturas de Kiefer para vermos uma alquimia
onde tudo parece em transformação, metarmofose e erosão .

Ao invés de buscar uma técnica perene como faziam os


artistas até o século XIX, muitos pintores contemporâneos
parecem desafiar esta norma. Como consequência, um dos
campos que mais demandam restauração contínua é
justamente a arte contemporânea.

Por outro lado, pintores como Sigmar Polke e Richter,


oriundos da Alemanha Oriental24, falam das contradições de
realizar uma pintura figurativa advinda de uma prática
acadêmica do realismo socialista num mundo de consumo do
Ocidente. De fato, naquele período, tínhamos a sensação
evidente que estávamos vivendo um momento histórico com
uma cidade cindida em duas realidades culturais totalmente
distintas. Em Berlim sente-se ainda o peso da história e seus
artistas, cada um a seu modo, buscam fazer uma pintura que
dialogue com as contradições do seu tempo.
Na Itália, durante o mesmo período da década de oitenta, a
história aparecia sem essa perspectiva crítica e muitos de
seus artistas, como na chamada transvanguarda italiana,
faziam alusões ingênuas sobre o passado glorioso. Os
artistas da arte povera, que surgiram nos anos sessenta, por
outro lado, conseguiram conciliar com primor uma reflexão
sobre a história ao mesmo tempo em que ampliavam os
horizontes da arte ao empregar novos materiais. Atualmente,
vemos um novo revival da pintura da Alemanha com artistas
como Neo Rauch, que dialogam com a arte acadêmica com
certa ironia sarcástica, mas que não tem, a meu ver, uma
visão crítica da pintura e uma reflexão sobre o sentido da
história. Resulta daí simplesmente uma pintura acadêmica
mal realizada.

Não é à toa que a Alemanha seja um dos grandes centros da


pintura contemporânea. Certa vez estive em Cairo e o
edifício mais bem conservado, além das pirâmides, do museu
de arqueologia e dos hotéis de luxo era justamente o
Instituro Goethe, que também exerce forte influência aqui
em São Paulo. Afinal de contas, depois do Holocausto como a
Alemanha se renasceu? Através da cultura e educação. Para
isso, o País precisa refazer sua imagem e, nesse sentido, os
pintores ainda são uma referência vital.

24
“Eu estava sempre procurando uma terceira maneira pela qual o
realismo oriental e o modernismo ocidental seriam resolvidos em
uma construção redentora. Além disso, trabalhar na
clandestinidade, desafiadoramente desconhecido e isolado, nunca
foi para mim - isso não era coisa para mim”. RICHTER, Gerhard apud
ELGER, Dietmar.. A Llife in Painting. ELGER, DietmarChicago: University of
Chicago Press, , 2009. p.22.
18
Gerhard Richter é considerado por muitos um "pintor
conceitual", cujas "pinturas são declarações sobre ideias
para pinturas".
O próprio Richter dizia que queria expressar "a inadequação
com relação ao que se espera da pintura", da criação das
imagens. Busca deste modo realizar um exame crítico sobre
o estatuto das imagens. Ele é considerado um mestre na
"desconstrução" de convenções formais da pintura. Ele
manteve uma "distância cética daqueles como vanguardistas
e conservadores, sobre como a pintura deveria ser". De
acordo com Storr, todos os trabalhos de Richter apontam
para a "perda básica de orientação"; ele é um "poeta da
vigilância e contenção, da dúvida e da ousadia 25. Não há
dúvida que ele possui uma técnica pictórica magistral. Mas o
que mais incomôda é que se mostra capaz de realizar
pinturas com uma verosimelhança fotográfia e ao mesmo
tempo as expor ao lado de pinturas enormes onde uma
imagem primordial oparece apagada, esfacelada, desfocada,
destruída. Nenhum artista que conheça possui um site tão
organizado: www.gerhard-richter.com.
Temos acesso a todas as obras de todos os generos que
produziu, acompanhadas por um texto crítico e a sua última
cotação de mercado. Difícil ver um artista romântico tão
realista.

Na América do Norte, com sua história mais recente, o peso


da tradição não é tão grande, mas certos artistas recorreram,
de certa forma, à hHistória da aArte para reencontrar uma
dimensão crítica. Talvez por esse motivo artistas como Cy
Twombly e Rauschenberg fizeram uma viagem de formação à
Europa quando eram jovens, sendo que o primero lá
permaneceu por muito tempo. Visitaram Alberto Burri,
médico que se tornou artista após se tornar prisioneiro de
guerra no Texas. Ao trabalhar com diversos materiasi, é
considerado um dos pioneiros da arte povera. Burri
participou de quatro Bienais de São Paulo em1955, 1959,
1965 e 1979 com 34 pinturas26

25
Trechos da biografia de Gerhard Richter. “Visto que não há nada
como correção e verdade absolutas, nós sempre buscamos o
artifício/artificial, que conduz à verdade humana". RICHTER, G.
("Notes, 1962". Daily Practice:15)In: RICHTER, G. Gerhard Richter: text,
writings, interviews and letters 1961-2007. Londres: Thames & Hudson,
2009, p. 15. Gerhard Richter https://www.gerhard-richter.com/“Richter
lançou um desmembramento crítico da prática da pintura.
Desfazendo a unificação desta arte que tinha marcado sua história
desde Manet: separou-a em gêneros. Em categorias, às quais se
referiu uma a uma (o nu, o retrato, a natureza-mortaviva, a
paisagem, etc.. Mas a introdução da abstração, até então um outro
gênero, como um outro jogo de possibilidades históricas, deslocou a
irônica posição inicial: tornou-se clara para Richter, por todo seu
mistério dos códigos da pintura. Para todas suas intervenções
críticas sobre o legado da tradição, teve que aprender outra vez o
prazer pintar.”. , STORR, RRobert Storr. , Gerhard Richter: forty years of
painting (catálogo). Nova York: The Museum of Modern Art (MoMA) do
MoMA, 2002.
26
DE OLIVEIRA, Helder Manuel da Silva. Alberto Burri (1915-1995) e a Bienal
de São Paulo. Publicação para o XII Encontro de História da Arte (EHA)
Unicamp, 2017. Disponível em: < Helder Manuel da Silva de Oliveira. ALBERTO BURRI (1915-1995) E A
BIENAL DE SÃO PAULO.https://www.ifch.unicamp.br/eha/atas/2017/Helder%20Manuel%20da %20Silva%20de
%20Oliveira.pdf >. A acessado em 19 de Novembro de 2019.
19

Brice Marden, Homage to art, 1974. , Thira, 1980,27

Brice Marden é um dos pintores contemporâneos que investem no caráter


expressivo de cada matiz cromático. As cores aparecem como uma revelação
em seus quadros: Conturbatio, Cogitatio, Interrogatio, Humiliatio, Meritatio
(título de uma série de pinturas de 1978) são os momentos que fazem parte
da Anunciação à Virgem. A diferença de atitude da Virgem no decorrer da
Anunciação era facilmente reconhecida por um homem razoavelmente culto
durante o Renascimento. Mas, atualmente, se não fosse o livro de Bbaxandall
(O Oolhar Rrenascente: pintura e experiência social na Itália da
renascença, editora, Paz e terra, 1991), não seríamos capazes de captar a
sutileza de cada gesto. As pinturas de Marden são como um mistério revelado a
um olhar iniciado. Há nelas um jogo sutil de cores que só pode ser percebido
com tempo. Os pigmentos são misturados com uma base de óleo e cera, de
modo que a cor deve vencer a opacidade da cera para aparecer. Contudo,
justamente por esta dificuldade, seus quadros apresentam em alto grau uma
emoção contida.

Atualmente, podemos presenciar pintores de vários lugares


do mundo expondo em regiões distantes do seu local de
origem. É tanto possível encontrar um artista indiano numa
bienal de Yokomama no Japão, como uma artista japonêsa
numa Bienal de Instabul. No caso no Brasil,. um aArtistas de
origem gaucha como Carlos Vergara, de origem gaúcha,
ainda exibe todo seu vigor na experimentação com
pigmentos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde
reside. Artistas desconhecidos nacionalmente como o
curitibano Miguel Bakun aparecem numa nova dimensão
enquanto outros artistas muito talentosos desaparecem.

Pintar é uma atividade acessível a todas as camadas sociais e


ocupa desde becos das cidades com o grafitti até galerias
reclusas que mais se parecem com bancos de investimento.
As universidades de arte se democratizaram e
profissionalizaram o ensino, de modo que a cada ano surge
uma nova leva de alunos ansiosos para se firmarem no
mercado, alguns conseguem um alcance internacional que
muitos artistas com anos de carreira não conseguem. Se nos
anos 80 Ivald Granato jocosamente afirmava: “salve um
artista tire-o da universidade”, atualmente este fenômeno
parece ter se invertido. Mas, novamente a questão que se
coloca é como avaliar toda esta produção.

27
Brice Marden by Saul Ostrow. BOMB Magazine. (01/01/1988). Disponível
em: <https://bombmagazine.org/articles/brice-marden/ >. Acesso em 21 de janeiro de
2020. ; MARDEN, B. Thira (imagem):
<https://www.wikiart.org/en/brice-marden/thira-1980>. Acesso em 21 de janeiro de 2020.
20
A originalidade está, antes, na capacidade do artista de
transformar suas influências em uma linguagem nova, mas
para isso ele não pode recusar este diálogo com a tradição.

Sean Scully , Stones,ruínas de Aran 2005., Durango, 199028.

A relação da pintura com o passado ocorre a partir das fotografias que Sean
Scully fez das ruínas em Aran, uma ilha situada na Irlanda, em 2005.
Observamos em suas pinturas uma variação entre linha, cor, forma, espaço,
que não é apenas de ordem compositiva, é uma experiência poética. Por
isso é que seus quadros nunca são previsíveis, pois surgem de uma
experiência sempre renovada do exercício da prática da pintura. Embora
utilize um esquema aparentemente repetitivo, as formas geométricas
possibilitam sempre novas experiências pictóricas, parecem desgastadas
pelo contato com o mundo e revelam sempre rastros de luz contidos nas
suas frestas. Mas como diz Gombrich, “o artista não pinta o que vê, mas vê
o que o pinta”. O quadro Durango realizado em 1990 nos instiga a olhar
para estas ruínas de modo distinto.

Como afirma Sean Scully:


“Ffazer uma cultura destituída da sua própria história é algo
potencialmente perigoso, como não saber nada sobre o
Partenon, bem como do nascimento da democracia, do
iluminismo, da revolução industrial e do holocausto. É uma
forma pura de exploração capitalista. Há tantos Kunsthalles
no mundo atualmente, há tanta gente procurando preenchê-
los com coisas que chamam a atenção, sem nenhuma
reflexão sobre se elas serão interessantes em seis meses e
quanto mais em seis anos”29.

A inserção da pintura nesse contexto sempre é problemática,


e muitas vezes as obras só ganham espaço à medida em que
legitimam uma denominação a priori: arte latino-americana
etc. Noutros casos, além das demarcações geográficas, a
história aparece também como uma espécie de clichê.

28
SCULLY, S. Stones , 2005 (imagem): <https://www.google.com.br/search?q=Sean+
Scully+Aran&tbm=isch&ved=2ahUKEwjSm7Sn_-HlAhW7A7kGHT3yASkQ2-
cCegQIABAA&oq=Sean+Scully+Aran&gs_l=img.3..0i8i30.285691.289699..290415...0.0..0.167.1835.4j12......0....1..gws-
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fzI&ei=6T3JXZKDAruH5OUPveSHyAI&bih=742&biw=1440#imgrc=N8u7IT9Qn WAv2M>. Acesso em 8 de
janeiro de 2020. SCULLY, S. Durango (imagem):
< http://seanscullystudio.com/new-arts-holder/paintings/durango/ >. Aacesso em 8 de janeiro de
2020. Vver ainda, Entrevista com Sean Scully (concedida a Eric Davis) para
o Journal of Contemporary Art. Disponível em: < http://www.jca-
online.com/scully.html>. Acesso em 21 de janeiro de 2020.

29
SCULLY, S. apud INGLEBY, Florence. Sean Scully: . resistance and
persistence: selected writings.Selected writings: resitance and persistance.
Londres/ Nova York:Editora Merell, 2006.
21
Muitas obras recorrem a um universo de citações sem
assumir uma posição crítica. Instaura-se no cenário
contemporâneo uma antinomia entre uma defesa radical do
modernismo formalista e um ecletismo histórico, que só
parece se dissolver se formos capazes de rever nossos
preconceitos e nos atermos mais às particularidades poéticas
de cada artista.

Esta discussão não se resume ao âmbito da pintura. Basta


olhar para uma imagem de um vídeo de Bill Viola para
perceber como ele consegue impregnar suas imagens com
uma dimensão temporal que nos leva de volta ao
Renascimento.30. “O que Michelangelo e Rafael faziam era a
vanguarda, o que havia de mais original. A maioria deles
estava na faixa dos 20 anos, e estava fazendo trabalho de
vanguarda altamente experimental e radical. Eles estavam
criando novas formas de fazer suas obras, formas de ver. É
por isso que eu me sinto, como artista tecnológico, muito
conectado com eles”. Bill Viola31.

Pieve di San Michele Arcangelo, Carmignano; Kira Perov/Bill Viola


Studio/Performers: Angela Black, Suzanne Peters, Bonnie Snyder

30
Viola foi professor visitante do Instituto de Pesquisa Getty
juntamente com um grupo de historiadores de arte e estudiosos que
participaram de um programa de estudo intitulado "A
Representação das Paixões”. O ponto central de sua pesquisa foram
as questões que envolvem a expressão de emoções extremas. Viola
ja tinha em seus antecedentes o aprofundamento no misticismo
oriental, hindu e budista.
Estudou os místicos cristãos da Idade Média e a história da arte
medieval ocidental assim como as pinturas religiosas dos séculos XV
e XVI de Bout Dieric, Andrea Mantegna, Hieronimus Bosch e os
estudos sobre expressão do pintor francês Charles Le Brun. O
artista iniciou assim, novas abordagens em sua obra se inspirando
em pinturas clássicas para produzir belíssimas cenas em cinema
digital. (Guto Araújo, artigo inédito).

31
GAYFORD, Martin. The Odd Couple: Bill Viola/ Michelangelo at the RA
reviewed. Publicado para o The Spectator (02/02/2019). Disponível em:
<https://www.spectator. co.uk/2019/02/the-odd-couple-bill-viola-michelangelo-at-the-ra-reviewed/>. Acesso em
21 de janeiro de 2020.
22
Jacopo Carucci Pontormo,: Visitataçãoion, circa 1528–1529.; Bill Viola
The Greeting (captura de vídeo), a still from Bill Viola’s The Greeting, 199532

Bill Viola transforma a nossa maneira de ver uma pintura como a de


Ppontorno ao colocgar a imagem filmada em movimento., Aaliáas, uma das
grandes questões da pintura semprte foi como retratar o movimento. Viola
resolve esta questão ao transformar a pintura em vídeo e o vídeo em
pintura.

Atualmente, com a globalização no meio das artes a pleno


vapor, podemos encontrar várias culturas, com diferentes
tradições históricas, em um mesmo lugar. A questão que
devemos nos colocar é se os museus, bienais e feiras de arte
não procuram homogeneizar essas diferentes histórias numa
única perspectiva. Acreditar em uma história com um único
sentido não seria uma mera ilusão?
Neste sentido é importanto questionar o papel dos museus
na construção desta ideologia. 33.

32
PONTORMO J. C. Visitação, circa 1582-1529 (imagem): fonte? . VIOLA, B.
The Greeting, 1995 (imagem) : https://www.ft.com/content/8bd99930-1555-11e7-b0c1-37e417ee6c76,
acesso em 20 de janeiro 2020
fonte?
33
“A história cultural à qual Benjamin opões o materialismo
histórico é exatamente o que o museu oferece. Ele arranca os
objetos de seus contextos históricos originais não como um ato de
celebração política, mas com o objetivo de criar a ilusão do
conhecimento universal”. (CRIMP, Douglas. Sobre as ruinas de
museu. São Paulo: , Martins Fontes, 2005, p.181).
Com isto, ao contrário do que propunha Benjamin —de que a
consciência do presente recontextualizaria o objeto e portanto seria
a possibilidade de reescrever a história—, a coleção cria um circuito
mágico de petrificação do objeto ao afastá-lo do seu contexto
inicial, congelando-o numa imagem eterna do passado, e criando o
que Douglas Crimp chama de um falso continuuum da história.
Esse falso conhecimento, cria a distância entre o público em geral e
a arte e a cultura - enfatizada pelo espaço vazio, pelas lacunas. Os
cubos brancos e seus espaços vazios enfatizam o inacessível,
mistificam o mito, e com isso mantém a hierarquia social, da qual a
cultura é símbolo. É, justamente, essa alienação da obra de arte a
responsável pela falência da instituição museológica nos dias de
hoje, posto que reafirma o historicismo ao acomodar a arte
contemporânea como decorrência do moderno, e ao não deixar
espaço para as práticas artísticas contraditórias à essa versão
linear da história da arte.

Sem nenhum otimismo, Douglas Crimp resume a fase recente da


história do museu em três derradeiros gestos: “o momento da
exposição como uma forma de relações públicas, a redução final da
arte à propriedade privada, e a evolução das estratégias artísticas
para uma situação de puro alinhamento com o poder.”. (CRIMP, ibid,
2005, p. 201.) A partir deste ponto de vista as exposições servem,
mais do que para divulgar e permitir acesso à cultura, para
estabelecer a imagem ou identidade da instituição perante a
opinião pública.
Mas muito antes das críticas de Douglas Crimp, Adorno dizia, já em
1953, que o museu não passava de um mausoléu de obras de arte,
onde elas jaziam despojadas de seu contexto histórico num
cemitério de coisas mortas; coisas que perderam seu lugar original
e passaram a existir como resquício de memória, como partes de
uma história que se criava a partir de sua existência engessada ali,
incapazes de serem revolucionárias (1962, p. 188).
Adorno por sua vez, retoma este o pessimismo de Paul Valéry, que no
texto O problema dos museus publicado em 1931, imputa ao museu
o assassinato da potência criativa da obra de arte. De acordo com
Valéry, para sabermos o que é um museu ou o que ele representa, é
preciso perguntar o que as pessoas vão fazer nesse lugar.
23
Começamos o capítulo com a imagem de André Malraux
dançando sobre fotografias. Há uma discussão muito
instigante se o livro de Malraux - Oo Museu Imaginário - foi
importante para a montagem de cavaletes de vidro inédita
ndo MASP em 1968. A montagem de cavaletes de vidro . se
baseou na concepção deA que ao invés de uma leitura linear,
com o advento da fotografia, podemos estabelecer várias
conexões e caminhos. De fato, na primeira
montagemversão, todos os versos dos cavaletes continham
atrás m reproduções fotográficas, de modo que o
observador, ao fazer o percurso de volta, não se deparava
com as obras originais, mas com uma coleção de
reproduções fotográficas com texto como nas enciclopédias
da época.

Entretanto, Fábio Magalhães, que já foi curador do Museu


após Pietro Maria Bardi, afirma que por trás dana concepção
dos cavaletes de vidro existem dois pressupostos básicos do
Renascimento: a utilização do cavalete, que retira a obra da
parede e a referência à pintura como uma janela
transparente., Hhaveria neste caso uma concepção
totalmente eurocêntrica. Durante muito tempo a disposição
de pinturas em cavaletes vidro causaram polêmica, tanto é
que durante certo tempo foram retiradas e colocadas em
paredes tradicionais. O fato é que com a retomada da
montagem inicial, ao olhar para uma pintura, podemos
estabelecer conexões imaginárias e criar diferentes
conexões e caminhos sem uma leitura linear cronológica.34.

Valéry confessa que depois de estar atordoado com tantas obras


distintas juntas e descontextualizadas, não consegue saber muito
bem o que foi fazer ali: “instruir-me, buscar encantamentos,
cumprir um dever ou satisfazer uma convenção”. Talvez todas ou
nenhuma delas seja a resposta, ele não sabe, porque a “fadiga” e a
“barbárie” o assolam, revelando para ele que o paradoxo do museu
é a incoerência na justaposição de obras descontextualizadas.
(VALÉRY, P. 2008, p.32). Trechos retirados da tese de Doutorado de
Deborah Alice Bruel Gemin, Museu Oscar Niemeyer: uma
históriaóteoria em três relatos e suas ficções, 2017. Disponível em: <
https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27159/tde-30052017-153352/pu blico/
DeborahAliceBruelGemin.pdf >. Acesso em 21 de janeiro de 2020.
34
Ver a este respeito PUPPI, Suely de O. Lina Bo Bardi éé o Museu
Imaginário de André Malraux. Publicação para o 9º seminário docomomo
Brasil (interdisciplinaridade e experiências em documentação e preservação
do patrimônio recente). Brasília, junho de 2011. Disponível em:
<http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/ 2016/01/169_M27_RM-LinaBoBardiEoMuseuImaginario-
Acesso em 21 de janeiro de 2020.
ART_suely_puppi.pdf>.
Suely de O. F. PUPPI:

Renato Anelli já estabeleceu o vínculo da experiência museográfica


de Lina com as experiências italianas dos anos 1930,
particularmente com o trabalho expositivo de Pérsico, que se
utilizando de expositores que destacassem as obras do solo e da
parede, tinha como objetivo a criação de um ambiente propício à
fruição da obra em seu primeiro momento, e somente depois o de
conhecimento . Internamente, o espaço de exposição do Masp é
totalmente livre de pilares, o que possibilitou um novo conceito na
organização das obras de arte, organização certamente norteada
por uma maior preocupação com a função didática dos museus.
Fixados em suportes verticais de vidro com base de apoio em
concreto, os quadros do museu de Lina, não obedecendo nenhuma
cronologia nem nenhum tipo de hierarquia, parecem flutuar no
grande salão. A intenção é de provocar ‘“o choque e a curiosidade
de investigação’”, como a própria Lina afirma, referindo-se às
instalações do Masp., O autor salienta a questão no Masp, uma vez
que a identificação das obras localiza-se na parte posterior das
mesmas.
24
Atualmente podemos ver no verso dos painéis a estrutura do
chassis de cada quadro, que nos mostra sua história,
proveniência, exposições de que fez parte ao longo de sua
trajetória.

MASP, , 1916, Foto-montagem de Marco Giannotti com obra


de Andrea Mantegna em primeiro plano, 201935

Malraux dança sobre as reproduções e nos diz como uma


história da produção artística humana pode ser
documentada, catalogada, exposta. As imagens reproduções
tornam-se referências importantes para livros, para o ensino
didático, e permitem um acesso a imagens jamais vistas.
Antes do advento da fotografia, a reprodução de uma obra
era feita mediante outro artista que fazia interpretações dos
quadros, preferenciamente em gravura em metal. Após a
digitalização das imagens na WEB, as reproduções
fotográficas de Malraux não são tão necessárias como antes.
Talvez por isso é que agora no MASP vemos não só imagens,
mas quadros que no seu verso nos mostram que são feitos
de madeira e lona, algo concreto neste mundo cada vez mais
virtual. Os cavaletes de vidro, por sua vez, não nos fazem
lembrar nas diversas janelas que podemos abrir agora numa
tela de computador?

Carlos Eduardo Comas já salientou que o diálogo de obras de


diferentes épocas parece concretizar no Masp o mMuseu iImaginário
de André Malraux”.
http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2016/01/169_M27_RM-
LinaBoBardiEoMuseuImaginario-ART_suely_puppi.pdf

35
Fotomontagem do MASP com imagem de Andrea Mantegna por Marco Giannotti.
25

O lugar do observador

Sou o pintor do espaço, para pintá-lo, coloquei-me no seu


lugar, no próprio espaço.
Yves Klein

Fotografia de Vaslav Nijinski, 1911. , Yves Klein,


Salto no Vazio, 196036.

Em 1911, Nijinski num salto magistral pula através de uma janela e


desaparece do palco37. Em 1960, Yves Klein salta de uma janela rumo ao
espaço e parece que irá se espatifar no solo após sua inevitável queda. Os
bombeiros que estavam com a tela de proteção bem como o ciclista que
percorria a rua são apagados do negativo da fotografia. O fato é que com
estes saltos Nijinsky parece desafiar os limites do palco italiano enquanto
Klein desafia os limites da pintura ao atravessar a janela, ambos os casos
deixam de ser um lugar de contemplação para se tornar um lugar de
transgressão. O espaço virtual parece ser invadido pelo observador-ator, que
parece por sua vez jogar com os limites do que é virtual e o que é real.

36
Fotografia de Vaslav Nijinsky (imagem): <https://alchetron.com/Vaslav-
Nijinsky>. Acesso em 22 de janeiro de 2020. KLEIN, Y. Salto no Vazio, 1960
(imagem): TORRES, Fernanda L. Yves Klein Ícaro do Modernismo. Revista
ARS, a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, (volume 11, número
21, 2013). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678--
53202013000100096 >. Acesso em 22 de janeiro de 2020.

37
Sobre o salta de Nijinski ver: BRANDSTETTER, Gabriele. Le Saut de Nijinski:
la danse en littérature, représentation de l’irreprésentable. Publicado na
revista Littérature (número 112), 1998. Disponível em:
<https://www.persee.fr/doc/litt_0047-480 0_1998_num_112_4_1596>. Acesso em 27 de dezembro de
2019.
26

Yve-Alain Bois nos diz que Courbet foi o primeiro artista que,
ao pressentir uma progressiva mercantilização da obra de
arte, posicionou-se contra a montagem fragmentada e
dispersa de suas obras durante a exposição universal de
185538. Ali as obras de artes eram expostas como máquinas
em busca de uma medalha de ouro. Num ato de rebeldia,
Courbet reúne suas obras em um pavilhão
independenteexterno ao salão; assim conquistava a
liberdade, e salvava a independência autonomia da arte.
Esse movimento de independência libertador frente aos
salões e ao mercado foi levado adiante pelos sociedade
impressionistas em suas exposiçõesdos artistas
independentes em sua exposição em 1884.
Além de Courbet, vários artistas como Monet, Matisse,
Rothko, grandes pintores coloristas, buscaram um lugar
específico para abrigar suas pinturas num conjunto. Ao invés
de disporem apenas obras dispersas em museus, realizaram
projetos para que espaços específicos fossem criados para
suas obras, um diálogo entre a obra e o ambiente, entre
pintura e arquitetura. Este diálogo a relação entre
arquitetura e arte sempre ocorreu, mas talvez tenha se
tornado esgarçado justamente pela revolução
industrialmercantil, que ressaltou o aspecto da pintura como
mercadoria, quando justamente a obra passa a ser feita em
cavalete e se torna móvel.

Talvez nunca se tenha discutido tanto sobre a construção de


novos espaços destinados às artes. Desde a década de 1950,
capelas especialmente concebidas por artistas – como no
caso de Matisse em Vence e Rothko em Houston – foram
criadas. Cada vez mais arquitetos de renome projetam novos
museus em todo o mundo. No Brasil, temos projetos como a
Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, projeto premiado
de Álvaro Siza; o Museu de Niterói de Niemeyer; a
reformulação da Pinacoteca e da Oca e a construção do
Museu Brasileiro de Escultura bem como do SESC 24 de Maio,
em São Paulo, por Paulo Mendes da Rocha entre outros.
Quais seriam os motivos para essa nova corrida para abrigar a
arte? Pois se desde Lascaux houve sempre uma integração
da obra com o espaço arquitetônico, visto que essa
integração entre arte e arquitetura sempre ocorreu, quais
seriam os motivos para essa nova febre? Durante o
Renascimento, a pintura se desprende do seu espaço religioso
e passa a ter maior capacidade de circulação principalmente
quando os pintores abandonam o suporte de madeira e
passam a utilizar a tela. O Louvre, que abre suas portas para o
público de forma permanente durante a Revolução Francesa,
se enriquece com o espólio confiscado dos nobres bem como
pelas conquistas napoleônicas. Fortalece-se a figura do
colecionador, que procura expor objetos de tempos e lugares
diversos em um espaço contínuo. Atualmente, o espaço
arquitetônico do museu tem um papel decisivo na maneira
como a obra é apresentada. Resta saber se com esses novos
projetos busca-se resgatar de alguma maneira um espaço
diferenciado, extracotidiano que assegura a credibilidade da
obra. Muitas vezes, a arquitetura tende a ocupar o lugar da
38
BOIS, Yves-Alain. A Pintura como modelo. São Paulo:, Martins Fontes –
WMF, 2009.
27
obra de arte, pois se torna um grande atrativo comercial. O
caso do Museu Guggenheim em Bilbau é paradigmático, na
medida em que ele reconfigura uma área decadente,
alavancando novos investimentos imobiliários e comerciais.

Walter Benjamin já nos alertava que a partir do momento em


que a obra de arte se tornasse reprodutível, ela perderia sua
aura, ou seja, seu espaço originário. A obra fica ao alcance
de todos nós. O museu se transforma em uma grande
vitrine, a obra cada vez mais é feita para ser exibida. O
museu nivela todos os estilos, o objeto é destituído de sua
função religiosa ou prática, torna-se imagem em uma
vitrine.para ser vista, não mais venerada.

Marcel Duchamp Fonte, 1917.


Marcel Broodthaers, Museu de Arte Mmoderna departamento de
águias, 196839.

Como nos mostra Duchamp, toda inserção de objeto em um museu


pode eventualmente tornar-se um ato artístico, mesmo no caso do
polêmico urinol4041. Duchamp coloca a autenticidade ironicamente
sob suspeita quando identifica o mictório pelo nome próprio fictício
“Rmut”, onde a primeira letra pode ser lida como A ou R. A fim de
satisfazer aàs necessidades do mercado, o artista hoje em dia é
obrigado a resgatar o valor mítico de sua própria assinatura quando

39
DUCHAMP, M. Fonte, 1917 (imagem): <https://www.khanacademy.org/humanities/ ap-art-

history/later-europe-and-americas/ modernity-ap/v/marcel-duchamp-fountain-1917>. Acesso em 22 de


janeiro de 2020. Marcel Broodthaers Museu de Arte Moderna, departamento
das águias, 1968 (imagem): MACHADO, Carolina. Musée d’Art Moderne,
Département des Aigles, por Marcel Broodthaers. Publicação online para
revista Umbigo (11/09/2018). Disponível em: < http://umbigomagazine.com/pt/
blog/2018/09/11/musee-dart-moderne-departement-des-aigles-por-marcel-broodthaers/>. Acesso em 22 de
janeiro de 2020.

40
“O neodada, que agora é chamado de novo realismo, pop arte, montagem,
etc., é uma derivação barata do que a DADA fez. Quando descobri o que
realmente havia feito, esperava desencorajar o carnaval da estética. Mas os
neodadaístas usam o ready-made para descobrir seu valor estético. Joguei o
porta-garrafas e o urinol na cabeça deles como uma provocação e agora eles
admiram a beleza estética”. DUCHAMP, M. Carta a Hans Richter
(10/11/1962). Disponível em: <http://dadasurr.blogspot.com/2010/02/blog-post_23.html>. Acesso
em 22 de janeiro de 2020.
41
O neodada, que agora é chamado de novo realismo, pop art, montagem
etc., é uma derivação barata que do que a DADA fez. Quando descobri o que
realmente havia feito, esperava desencorajar o carnaval da estética. Mas os
neodadaístas usam o ready-made para descobrir seu valor estético. Joguei o
porta-garrafas e o urinol na cabeça deles como uma provocação e agora
eles admiram a beleza estética.
28
a coloca num objeto produzido em série. O título “ fonte” faz com
que este objeto,artefato industrialmente fabricado, agora
desprovido da sua função original, passe a fazer parte das obras os
objetos nomeadaos como artísticaos
Já Broodthaers se apropria de uma concepção museológica do
século XIX para questionar a própria natureza do museu. Em sua
mostra na Documenta de Kassel de 1972, ele afirmava que seu
museu era uma ficção, que pode, por um momento, desempenhar o
papel de uma paródia política de eventos artísticos e, em outro
caso, , de uma paródia artística de eventos políticos. Ele joga
justamente com a dubiedade da reprodução fotográfica de uma
obra de arte e se pergunta em que medida é possível catalogar essa
reprodução como arte. Ela conserva ainda uma dimensão artística
ao ponto de ser plausível fazer um museu de reproduções?
Voltamos ao problema de Malraux.

O museu se torna uma verdadeira empresa de vender


cópias. Grandes exposições de arte estão sendo feitas a
fim de promover uma reaproximação do público com a arte
moderna. Infelizmente, cada vez mais a qualidade de uma
exposição é medida pelo fluxo de público e não pela
qualidade intrínseca das obras. O método utilizado para
promover a reaproximação entre a arte e o público tem sido
criar uma curadoria. Ou seja, o crítico de arte, antes
responsável por uma interpretação da obra de arte acabada,
começa a determinar a maneira de como ela deve ser
exibida.
Sean Scully nos diz que para continuar a apreciar uma
pintura “o observador tem que lutar agora em busca de sua
própria dimensão humana, o que anteriormente não era
necessário; isso é uma coisa devastadora a ser admitida. A
arte não apresenta mais um santuário como antigamente.
Ela o pode, mas você tem que lutar por isso, pois o inimigo já
está dentro das paredes... penso que a resistência é
componente muito importante para a cultura. Sem essa
capacidade humana de resistência, de ser minoria, não se
pode recuperar nada”42 .

A partir dos anos 1960, há uma reviravolta na maneira como


a obra interage com o observador. Se, durante o
modernismo, as obras parecem ser autossuficientes e
revelam a presença de um sujeito criador, surge então um
“novo modelo do sujeito, não transcendente, entrópico,
dividido e descentralizado”43. Miochael Fried, muitas vezes,
com razão, deplora a “teatralização” das artes plásticas, ou
seja, quando a obra não parece mais se sustentar mediante
suas qualidades intrínsecas (qualidades ópticas puras) e só
adquire significado na medida em que o espectador adiciona
à obra sua experiência tanto temporal como espacial.
Efetivamente, muitas instalações se tornaram tão teatrais
que acabaram se diluindo em performances efêmeras. Ao se
contrapor a uma experiência visual que se desenrola no
tempo do espectador e que torna a arte “teatral”, Fried se
apóia em certas obras que buscam uma autonomia e
aparecem de imediato para o espectador. Essas obras,
segundo Fried, reiteram um presente instantâneo, como se
não tivessem duração, algo que entra em choque com sua
42
SCULLY, Op. cit
43
FRIED, M. Art and Objecthood. Chicago:, University of Chicago
Press, 1998.
29
própria objetividade (objecthood). Embora radicalmente
abstratas, portanto, nada teatrais, muitas dessas pinturas,
como as de um movimento chamado hard edge, são tão
áridas que parecem expulsar o olhar. Os artistas que buscam
uma arte “resistente” à interferência do espectador muitas
vezes criam obras que resultam num formalismo vazio. A
experiência estética ou contemplativa torna-se nesse caso
rarefeita, pois não há nenhum mistério a ser desvendado,
tudo parece já decifrado de antemão. Fried recentemente fez
uma reavaliação crítica do seu pensamento, reconhecendo
que a arte caminhou para um sentido oposto daquele que ele
tinha previsto.

As obras de vários artistas dos anos 1960 incorporam essa


nova concepção visual, de modo que a mediação entre a
obra e o ambiente não é mais exclusivamente feita pelo olho,
mas também pelo corpo inteiro. Na arte contemporânea, a
relação entre a obra e o observador se transforma por
completo. O espaço não é mais concebido como um ideal a
priori, mas como algo que deve ser concebido como um
processo, um espaço aberto a novas experimentações.

Robert Rauschenberg desempenha um papel fundamental


nesse período. Segundo ele, o pintor deveria trabalhar no
espaço entre a arte e a vida. Rauschenberg trabalhou muitos
anos juntamente com John Cage e Merce Cunningham, e com
os artistas de vanguarda em música e dança, ele inventou o
conceito de performance tão em voga atualmente. Além
disso, tudo indica que foi um dos primeiros artistas a ocupar
um espaço industrial como atelier e moradia. O local era
pintado de branco, com pé direito alto e bem iluminado:
nasce o conceito de “lLoft” tão comomumente utilizado pela
especulação imobiliária. Vamos a um museu de arte moderna
e contemporânea e as parades são brancas, como se isso
fosse o procedimento hospitalar mais eficaz para exibir as
obras. Mas foi sempre assim? As paredes cinzas de Cézanne
em seu atelier já nos mostram que este procedimento de
pensar o espaço expositivo como um cubo branco é algo que
nem sempre existiu e que muito menos trata-se de um
espaço neutro.

Ao longo do século vinte vários artistas procuraram uma


integração da obra com o espaço arquitetônico, num
determinado momento esta relação tornou-se tão
potencializada que vários artistas implodiram os limites da
obra, seu formato e bidimensionalidade, e partiram para uma
arte que nasce de um diálogo primordial com o o observador
e o lugar.
Ao chegar ao “limite da pintura”, Hélio Oiticica, por exemplo,
busca superar as barreiras entre o subjetivo e o objetivo. A
própria noção de obra é questionada. A nossa estrutura
perceptiva passa a determinar o elo de significação entre a
obra e o espectador. Esse elo não se faz apenas mediante
uma relação visual, implica em um embate corpóreo entre o
observador e a obra.

A respeito dos penetráveis de Hélio Oiticica, Mário Pedrosa


nos diz: “Invadia-se de cor, sentia o contato físico da
cor, ponderava a cor, tocava, pisava, respirava a cor...
30
o contraste simultâneo das cores passa a contrastes
sucessivos de contato, da fricção entre o sólido e o
líquido, quente e frio, liso e rugoso, áspero e macio,
poroso e consistente... ele reduziu a cor a puro
pigmento”44..” Nos Parangolés, ele busca uma relação do
corpo com o ambiente cada vez maior. É o corpo que se
transfigura em obra, que sofre a intervenção do artista. A
obra de arte se torna para Oiticica um motivo para se agir no
mundo. Ao se tornar um meio de ação, a obra passa a ser
uma forma de comportamento, um processo. A vivência total
da cor45 acaba por desmaterializá-la na medida em que a cor
passa a ilustrar um ato artístico (impregnar os objetos) que
se torna independente da obra. Observador, artista e obra
parecem se mesclar de tal forma no mundo contemporâneo
que torna-se difícil ter um distanciamento critico.

A pesquisa cromática passa a envolver diferentes


matérias para além da superfície pictórica: “Os
materiais são mais enfatizados do que antes. Os
objetos são mais abertos, ambientais...Nos novos
trabalhos a forma, imagem, cor, superficie são
propriedades em si, não partes dispersas, eles não
são neutros”. Os limites da pintura, seu aspecto
bidimensional, novamente são questionados:
novamente: “Como está tudo tão claro agora: que a
pintura teria de sair para o espaço, ser completa, não
em superfície, em aparência, mas na sua integridade
profunda”46.

44
PEDROSA, M. In: ARANTES, Otília. (org.). Acadêmicos e modernos.
Textos escolhidos iii. São Paulo: Edusp, 1998., p.11.
45
JUDD, D. Objetos específicos , (1965). InTexto retirado do Livro:
FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (orgs.). Escritos de Artistas – Anos
60/70,. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, organização de Glória Ferreira e Cecília
Cotrim. (pgs.96-106).
46
OITICICA, Hélio. “Notas, 16/02/1961”. In: Aspiro ao grande
Labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. Ver mais à este respeito em
GIANNOTTI, M. (org) Reflexões sobre a cor. São Paulo: , Martins
Fontes, 2020 . "
Outras interpretações enfatizam o aspecto da cor comn a
organização bidimensional do espaço: a ênfase na cor também
reflete no âmbito do desenho. Em um universoe planar, apenas a
cor é capaz de decodificar as linhas com significado: as linhas
coloridas nos mapas distinguem as avenidas”. HALLEY, P. Peter
Hhalley Sselected Eessays  1981-2001. Nova York/ Paris: Published by
Edgewise Press, 2013, p. 172.
31

Colagem e fragmentação
32
O papier collé (papel colado) foi realmente o cerne da descoberta, mesmo
se, esteticamente, os quadros cubistas possam ser mais valorizados. Um
dos pontos fundamentais do cubismo visava deslocar a realidade: ela não
estava mais no objeto, mas na pintura... O objetivo da colagem era de
mostrar que materiais diferentes poderiam entrar na composição para se
tornar uma realidade no próprio quadro, uma realidade distinta da natureza.
Tentamos nos livrar do trompe-l´oeil (ilusão óptica) a fim de chegar ao
trompe l´esprit (ilusão da mente).
Pablo Picasso

Braque, papier collé e carvão sobre papel on paper, 1912, Georges Braque. Picasso47
Georges Braque, Fruteira e Vidro, 1912. Pablo Picasso, Natureza-Morta com
Cadeira de Palha, 191248.

“No instante em que o primeiro pedaço de papel de parede foi colado por
Georges Braque naquela que é considerada a primeira colagem da arte -
Fruteira e Vvidro (1912) - o plano da pintura, o espaço pictórico e o
préóoprio processo de construção de uma obra mudam radicalmente. A
superfície da tela se torna um espaço de operaçnãao, uma realidade per se,
na qual elementos da vida coitidiana “recortados” e “colados” tanto quanto
formas geométricas ou planos de cor, poderiam compor um novo tipo de
espacialidade. Uma espacialidade que surge exatamente das relações entre
os elementos que compõem o plano e onde a cor exerce papel
fundamental.”49

Raquel Magalhães50

Em um quadro cubista podemos, com algum esforço,


reconhecer uma série de imagens familiares: jarros,
guitarras, frutas, retratos. Mas sequer por um instante
podemos exigir do artista um compromisso com a
representação natural das coisas. ao nosso redor. A pintura
salienta o seu caráter construtivo, fala de si mesma, em
vez de falar sobre o mundo ao nosso redor. A partir do
cubismo, a obra de arte é concebida como realidade
concreta e material em detrimento da representação e da
aparência: a pintura não visa mais a impressão do objeto,
mas é em si um processo de construção do objeto. Vários
movimentos derivaram desta técnica, como o construtivismo

47
’A composição da colagem é distinta das colações do sec. XIX pelo fato
de que nem sempre implica a transferência de materiais de um contexto
para outro, ainda que o contexto original não possa se apagado.” Marjorie
Perloff, O momento Futurista, Edusp.
https://en.wikipedia.org/wiki/Papier_coll%C3%A9
https://br.pinterest.com/pin/434245589060759680/?lp=true
48
“A composição da colagem é distinta das colações do século XIX pelo fato
de que nem sempre implica a transferência de materiais de um contexto
para outro, ainda que o contexto original não possa ser apagado”. PERLOFF,
Marjorie. O Momento Futurista. São Paulo: Edusp, 2018, p. 102.
49
MAGALHÃES, Raquel. Cor e Colagem. In: GIANNOTTI, M. (org.) Reflexões
sobre a cor. São Paulo: Martins Fontes, 2020, p.119.
50
33
ou a arte concreta. Segundo Picasso, a grande novidade não
foi a invenção do cubismo, mais da colagem, pois é ela que
torna possível romper com uma espacialidade derivada da
perspectiva.
A colagem demarca a passagem do cubismo sintético para o
analítico, ou seja, substitui uma análise formal que
decompõe os objetos linha por linha, plano por plano, e
pensa o espaço a partir dos seus elementos mínimos, para
uma pintura que passa juntar, sintetizar, colar estes
elementos em uma nova composição. Com esta técnica é
possível obter arranjos distintos espaciais a partir da
fragmentação e da justaposição de diferentes materiais na
superfície da tela. Novos horizontes surgem para a arte
moderna com este novo raciocínio construtivo. Mediante a
utilização de materiais até então alheios à arte como jornal,
terra, vidro, a colagem alimentou a fusão entre a alta cultura
e o popular. Ao invés de criar imagens originais a partir da
tela em branco, o artista passa a manipular imagens pré-
existentes. O mito romântico do artista criador de uma
imagem única é assim questionado. Surge daí uma
investigação sobre a natureza do signo, sobre os elementos
específicos da pintura como linguagem. Ao invés de copiar a
realidade, a colagem permite a incorporação de pedaços de
mundo na própria obra.

A dimensão autoral do artista é claramente posta em cheque


no cubismo por Picasso e Braque, a tal ponto que muitas
vezes fica difícil distinguir uma obra de outra. Há uma
dialética entre expressão e construção, subjetivo e objetivo,
transcendência e literalidade, forma e conteúdo, consciente
e inconsciente.

Man Ray, . Homenagem a Lautréamont, circa 1935.51.

O ato de colar papel, aglomerar pedaços de madeira, fazer mosaico,


etc., não implica no ato de analiticamente desconstruir uma
imagem previamente dada para posteriormente a reconstruir. Na
verdade, uma coisa é fotomontagem, outra é colagem, que é uma
prática artística muito mais ampla. O caso do guarda chuva tão
apreciado pelos surrealistas explica este fenômeno de associação
mental. Ninguém encontra um guarda chuva e uma máquina de
costura numa mesa de dissecação ao não ser que recorra a
imaginação. Um objeto estranho pré-fabricado é encontrado para
ser dissecado e depois recosturado. Ora quem corta, recorta,
remonta as imagens é o nosso cérebro, com ajuda da nossa visão.
Quem corta, recorta e remonta as imagens e edita o texto agora é o
computador. Como afirma Isidore Ducasse, conhecido como conde
de Latréaumont: “

51
RAY, M. Hommage a Lautréamont, circa 1935 (imagem): <https://www.1stdibs.co.uk/
furniture/wall-decorations/photography/man-ray-surrealist-framed-black-white-photogr aphy-hommage-lautreamont/id-
f_8685473/>. Acesso em 22 de janeiro de 2020.
34
Belo como encontro fortuito entre um guarda chuva e uma máquina
de costura numa mesa de dissecação”52.

A colagem volta a ter um papel decisivo em meados


da década de 1950 quando Rauschenberg passa a
utilizar a colagem como uma forma de se opor ao
expressionismo abstrato, suas obras buscam ser
figurativas e não expressivas, impessoais. Ele retoma
assim a figuração a partir da fotografia e procura
dissolver o mito romântico do artista expressionista.
Em busca de outros critérios para definir a maneira
como a concepção do espaço pictórico é repensada,
Steinberg afirma que a partir dos anos 1960 vários
artistas buscam para a pintura uma nova forma de
configuração espacial, não mais virtual, mas
operacional, como máquinas de impressão.. Segundo ele,
quando o pintor passa a produzir quadros na posição
horizontal, não mais vertical, ele explicita o processo,
o fazer, e não mais apenas a imagem do quadro como
prolongamento de uma janela virtual. O plano vertical
da pintura renascentista está relacionado com o ver;,
o horizontal, com o fazer53. O espaço não é mais
entendido como fruto de uma experiência visual onde
o olho se espelha na tela, é antes algo construído por
operações artísticas que, de certa forma, questionam
a identidade renascentista entre o olhar, o quadro e a
janela.

Robert Rauschenberg, Factum I e II, 1957, Rauschenberg.54

52
Conde de LAUTREAMONT, Conde de. Os Caontos de Maldoror: poesias,
cartas (obra completa). São Paulo: Iluminuras, 2005. Disponível em:< .
https://books.google.com.br/ books/about/Cantos_de_Maldoror.html?
>. A
id=0U8oHL3B0BoC&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
acesso em 26 de dezembro de 2020.-
https://www.1stdibs.co.uk/furniture/wall-decorations/photography/man-ray-
surrealist-framed-black-white-photography-hommage-lautreamont/id-
f_8685473/
53
STEINBERG, Leo apud GREENBERG e o debate critico. Zahar, 1997, , op
cit., p. 205. [dê uma olhada na citação... não tem nenhuma referêencia
anterior a algum livro do Greenberg ao qual possamos nos referir aqui com o
op.cit.]

54
RAUSCHENBERG, R. Factum I e II, 1957 (imagem):
35
Em Factum I e II, Rauschenberg claramente questionam o conceito
da originalidade. Até onde uma obra se distingue da outra? Não
bastam critérios exclusivamente visuais, que buscam indícios
expressivos na obra, para garantir a originalidade de uma obra
frente a outra. Se o Expressionismo Abstrato é um movimento
artístico que procurra ressaltar a capacidade expressiva do artista
por meio de uma linguagem abstrata, já os artistas alinhados do que
viria a ser chamado arte Pop, como contraponto, enfatizam uma
linguagem de signosmais impessoal os integrando com referencâs
simbólicas concretas da realidade, não apenas presentes na subjetividade
do artista a ser figurativos e não abstratos.. Mesmo a pincelaida torna-se
um signo no caso de Rauschenberg, e a própria originalidade é
colocada em questão diante dos fatos.
 

Esse processo se acentuou ultimamente com o


advento das novas tecnologias, como o computador,
pois, hoje em dia, é possível manipular imagens com
uma incrível facilidade. Frederic Jameson caracteriza a
pós-modernidade como a saturação total do espaço
cultural pela imagem, ou pela propaganda, meios de
comunicação, ou espaço cibernético. Essa saturação
da imagem na vida social e cotidiana faz com que a
experiência estética esteja atualmente em qualquer
lugar, expandindo-se culturalmente, o que não apenas
torna o trabalho individual problemático, como
também esvazia a próprio conceito de autonomia
estética”. 55. A utilização de imagens está cada vez
mais rápida e fragmentada. A colagem, que
revolucionou a arte moderna, aparece de forma mais
contundente na pintura recente. Colar e juntar é algo
que fazemos o tempo todo com o computador. Se a
arte moderna foi profundamente influenciada pelo
cinema, creio que a arte contemporânea tende para o
computador com sua incrível capacidade de
transformar as imagens. A questão que se coloca é:
como a pintura pode ser vista neste novo mundo?

Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol, Amoco — by Jean-Michel Basquiat and Andy Warhol, 1984 56 .

Muitas obras contemporâneas jogam com a colagem como uma


maneira de dissolver a noção da autoria. No final da vida de ambos,

https://www.semanticscholar.org/paper/%E2%80%9CJust-What-Was-It-That-Made-U.S.-Art-So-Different%2C-
Spicer/60450d28baba3555174fd7e0dae8c7f83a70453c/figure/61 acesso em 20 de janeiro 2020
fonte?
55
KRAUSS, R. A voyage on the North Sea: art in the age of the post-
medium condition. , Massachusetts: MIT Press, 1996, p. 56.
56
BASQUIAT, J.; WARHOL, A. Almoco, 1984 (imagem): < https://br.pinterest.com/pin/

.
458030224602907520/?lp=true >. Acesso em 22 de janeiro de 2020
36
Basquiat e Warhol fizeram quadros em conjunto, é interessante
notar como a atitude de um desafia a do outro. Warhol celebra o
mundo da propaganda numa instância idealizante, basta observar
como o cavalo remete, ainda, à figura de Pegasus. Basquiat utiliza o
recurso do grafite, da saturação urbana, para colocar ironicamente
o sentido das imagens em xeque : “Keep frozen” ( mantenha
congelado)

Olho para tela do meu computador enquanto escrevo


este ensaio e me lembro como foi escrever meu
doutorado há 21 anos atrás. Me recordo da tela preta
com letras verdes. Todo o trabalho de pesquisa era
feito por fichamento e o acesso às imagens era
realizado exclusivamente por meio dos livros raros
importados sobre arte. Uma outra maneira de lidar
com imagens ocorria por meio do projetor de slides.
No meu caso, as aulas eram muitas vezes
interrompidas devido ao slide invertido ou ao
travamento do projetor por qualquer outro motivo. A
descoberta do Power Ppoint foi realmente um
acontecimento. Acredito que Walter Benjamin ficaria
fascinado com toda esta tecnologia, pois poderia
editar com maior eficiência sua interminável coleção
de citações em pedaços recortados de papel.
Mediante este dispositivo é possível realizar um
fichamento contínuo das imagens da Iinternet e, ao
mesmo tempo, adicionar textos relevantes. Todo este
procedimento se faz pelo “cCut and pPaste”,57, pelo
ato de recortar e colar uma imagem. Este modo de se
operar tornou- se tão generalizadoa no mundo
contemporâneo que se tornou uma ferramente
disponivel não só nos computadores mas em
procedimentos genéticos de forma a alterar a própria
estrutura do DNA. Ou seja, àquilo que aparece como
um método construtivo em incorporar imagens
rReady- mMade na pintura, agora influencia a maneira
como se pode escrever um texto.

Atualmente é possível ter acesso a uma biblioteca


virtual com vários PDFs, Power Points, vídeos,
fotografias, gravações: babel virtual passível de
várias montagens em vários idiomas e imagens, as
mais distantes possíveis.
Contudo, Arthur Danto, ao diagnosticar o fim da
narrativa modernista, enfatiza a descontinuidade
entre o moderno e o contemporâneo e coloca a
colagem no centro da discussão sobre a arte
contemporânea, como princípio que permite
compreender a lógica implícita que a articula: “O
paradigma do contemporâneo é aquele da colagem tal
57
O paradigma de "cortar e colar" foi popularizado pela Apple
Computer partir de 1981 com a interface Lisa e 1984, com o
lançamento do Macintosh. A Apple associou a funcionalidade a
combinações de teclas, consistindo de uma tecla especial
pressionada simultaneamente a uma letra: X (para cortar), C (para
copiar), e V (para colar). A escolha das letras está associada a um
critério ergonômico, assim as teclas encontradas na parte esquerda
inferior de um teclado padrão QWERTY foram escolhidas.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cortar,_copiar_e_colar acesso em 10 de dezembro 2020

Adicionando-se a estas a tecla Z, para desfazer a operação tem-se: [parece que falta algo aqui?]
37
como foi definida por Max Ernst, com uma diferença.
Ernst disse que a colagem é “o encontro de duas
realidades distantes num plano estranho a ambas”.,
Aa diferença, insiste, é que “não há mais um plano
estranho às distintas realidades artísticas, nem são
essas realidades tão distintas umas das outras”.58.

No mundo de hoje, o que está em jogo não é mais a


contemplação da natureza, mas a utilização de imagens
cada vez mais artificiais.
Se a técnica conforma os sentidos, mais do que nunca as
novas tecnologias interferem na nossa maneira de ver e
interpretar o mundo. A natureza não é mais o anteparo
último que permite ao artista verificar se o seu esquema
representacional está correto ou não. Se pensarmos que
hoje em dia o computador é o museu imaginário por
excelência podemos estabelecer relações notáveis ao
colocar lado a lado duas imagens e poder compará-las entre
si.

Cor e espaço59

Uma grande conquista moderna foi ter encontrado o segredo


da expressão pela cor.
Matisse

Henri Matisse desenhando A dança,, 193160. , O atelier vermelho,


191161.

58
Danto, A. After the End of Art: contemporary art and the pale of
history. Princeton: Princeton University Press, 1997, p.5.

59
Questões que envolvem a cor na Arte Contemporânea são contempladas
com mais profundidade no livro Reflexões sobre a Cor organizado por mim
em parceria com o Grupo de Estudos Cromáticos da USP. , GIANNOTTI, M.
(org.) Reflexões sobre a cor. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2020.

60
Fotografia de Henri Matisse desenhando A Dança, 1931 (imagem):
<https://br.pinterest.com/pin/319896379780596891/ >. Acesso em 22 de
janeiro de 2020. MATISSE, H. O Atelir Vermelho, 1911 (imagem): fonte?
38
O Atelier Vvermelho de Matisse, de 1911, por exemplo,
“foi um marco na libertação moderna da cor, alcançava-se ali pela primeira
vez a dimensão planar mediante a força de estruturação da cor. O espaço
transformava-se em pulsação, inconstância, no mesmo lance adquiria uma
nova potência lógica, deixava de ser um a priori, ponto pacífico, para
emergir vivo e descontínuo, na vibração da luz” 62. Matisse nesse quadro
coloca definitivamente a cor antes da forma, pois os objetos são envolvidos
por um vermelho (a cor do espaço). Como ele mesmo afirma: “aA cor é
utilizada na sua qualidade aparente, como um fenômeno”.

O espaço contemporâneo na pintura surge como


desdobramento do espaço moderno ou como ruptura? Difícil
discorrer sobre tema tão vasto e que foi tão bem analisado
por Alberto Tassinari no livro O espaço moderno (2001). A
partir da arte moderna, há uma tendência na pintura em
colocar o espaço virtual em choque com uma nova forma
espacial calcada na superfície da tela. Esse jogo se efetiva no
espaço real, onde a pintura aparece como fragmento do
mundo. Esse novo espaço tem a superfície como ponto de
apoio. Na arte moderna, segundo Greenberg, o aspecto
óptico tende a se acentuar ainda mais: “A pintura abstrata
mais recente tenta consumar a insistência dos
impressionistas no óptico como o único sentido que uma arte
completa e plenamente pictórica pode invocar”.

Para o crítico, as obras modernas cada vez mais parecem


feitas no olho e para o olho:
“A planaridade para a qual a pintura modernista se
orienta jamais poderia ser absoluta. A sensibilidade
exacerbada do plano da pintura pode não mais
permitir a ilusão esculturaesculturall, ou o trompe-l’oeil,
mas permite e deve permitir a ilusão óptica. A primeira
marca feita numa tela destrói sua planaridade literal e
absoluta, e as configurações de um artista como
Mondrian continuam sugerindo um tipo de ilusão de
terceira dimensão. Só que agora se trata de uma
terceira dimensão estritamente pictórica. Enquanto os
grandes mestres criaram uma ilusão de espaço em
profundidade em que podíamos nos imaginar
caminhando, a ilusão criada por um pintor modernista

61
Fotografia de Henri Matisse desenhando A Dança, 1931 (imagem):
<https://br.pinterest.com/pin/319896379780596891/ >. Acesso em 22 de
janeiro de 2020. MATISSE, H. O Atelier Vermelho, 1911 (imagem):
https://www.moma.org/collection/works/78389 acesso em 24 de dezembro, 2020
fonte?
62
BRITO, Ronaldo. Desvio para o vermelho: Cildo Meireles. (cCatálogo
da exposição). São Paulo: mMAC/USPac-usp, nov.-dez. 1986.
Curiosamente, o caso paradigmático dessa atitude é o Ateliê Vermelho
(1911) de Matisse, que “balizou o surgimento de uma “arte do real”, pois
mostra justamente através da estrutura e da opacidade da cor “um espaço
interior hermeticamente fechado, maciçamente comprimido na superfície:
um mundo permanentemente vermelho, no qual a porta se fechou, a janela
foi vedada, o relógio parou – somente os quadros representados no quadro
indicam que ainda existe um outro lugar além dessa atmosfera
surpreendentemente densa”. Ou seja, o caráter fechado desse ‘espaço
vermelho’ é imaginário, recusa a referência a um mundo dado, abrindo-se
“tão somente para a relação entre o espectador e a superfície vermelha
como lugar da experiência”(ibid.). A Cf. SARTRESarte, J.P. Imaginaire, p. 240-
1; Merleau-Ponty, Phénomenologie de La Perception, p361 [alguma delas é
fonte aqui? Ou são outras referências?]. Ver ainda, KUDIELKA, Robert.
Objetos da observação - Lugares da experiência: sobre a mudança da
concepção de arte no século XX. Revista Novos Estudos (número 82),
nov.2008, p. 176.
39
permite apenas o deslocamento do olhar; só é possível
percorrê-la, literal ou virtualmente, com os olhos”63.

Enfatizar a bidimensionalidade pura e simplesmente pode


resultar num gesto dogmático, portanto, acadêmico, sem
falar na perda desta condição ambígua da pintura em afirmar
uma dimensão imaginária que sempre é negada pelo real. A
bidimensionalidade é uma ideia. É curioso notar como
Clement Greenberg, o próprio formulador dessa teoria, em
nenhum momento afirma que a bidimensionalidade é um
dogma:
“A bidimensionalidade, para qual a pintura moderna
se orienta, não pode jamais ser completa (...) A arte
moderna não participa do caráter de uma
demonstração. Nenhum artista esteve, ou ainda está,
consciente dessa tendência, e nenhum artista poderia
trabalhar com sucesso estando dela consciente”.64.

Leo Steinberg, que sempre criticou essa postura dogmática,


mostra que a tensão entre o potencial ilusório e a superfície
da pintura sempre esteve presente nos últimos seiscentos
anos. A conquista da superfície pictórica fez com que o
espaço virtual se tornasse incômodo para o artista. Como
lidar com a questão da profundidade sem fazer concessões
ao espaço virtual?
A pintura se torna um fragmento real do espaço. Ao invés de
reproduzir uma atmosfera em um espaço virtual, abre-se a
possibilidade de se criar um ambiente a partir da superfície
da tela. Essa experiência, ao invés de empregar-se da
perspectiva linear, recorre à cor para produzir uma nova
forma espacial.
“As cores não existem e, todavia, existem” nos diz Matisse.:
Nnos vitrais de sua capela de Vence, o amarelo em um vidro
transparente difere daquele que está em um vidro opaco, e,
embora tenham o mesmo matiz, são cores substancialmente
diferentes. Já as cores que se manifestam através dos vidros
são totalmente distintas daquelas que se apresentam no
ambiente: azuis, amarelos e verdes presentes nos vitrais se
transformam quando projetados no piso. Em alguns
momentos é possível notar manchas vermelhas
(complementares – cores produzidas na retina) ao lado das
manchas verdes. Matisse utiliza em todo o ambiente da
capela as cores de forma aditiva;, elas aparecem quando a
luz do sol é projetada no vidro colorido. O aspecto efêmero
das cores é intensificado ao máximo nesse jogo entre o vitral
e o ambiente. Os desenhos (com uma austeridade
dominicana) aplicados na parede são continuamente
animados por esse jogo entre cor e luz. É compreensível que
ele considere a capela como o resultado de toda uma vida de
trabalho. Matisse introduz na arte moderna uma intensidade
luminosa presente apenas nos vitrais de algumas catedrais
da Idade Média. “Voltemos a Vence: não se pode introduzir
vermelho nessa capela, todavia, esse vermelho existe e
existe por contraste de cores. Existe por reação no espírito

63
Vide GREENBERG, C. Clement Greenberg e o debate críeitico”. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1997,. pp.101-109.
64
Idem. Vide ainda STEINBERG, LLeo. Outros critérioas. São Paulo:
Cosac & Naify, 2008.
40
de quem observa”65. Cria-se um jogo entre a obra e o nosso
espaço circundante. O espectador torna-se cúmplice nesse
jogo onde “uma percepção deve conduzir imediata e
diretamente a outra percepção”, como num filme, onde a
nossa retina nos proporciona a sensação de um movimento
constante a partir da sequência de fotogramas.

A integração da obra com o espaço do mundo aparece de


modo sistemático na pintura com o expressionismo abstrato,
quando a cor efetivamente parece sair da tela e invadir o
espaço. As pinturas são de grande formato, de modo que o
espectador perde o olhar analítico, centralizado, sendo
obrigado a estabelecer uma relação física com o quadro.
Uma nova concepção de forma passa a ser expressa através
da cor: manchas cromáticas, dos mais variados matizes,
desafiam a geometria e escapam da tela. Recusando o
aspecto volumétrico criado por contrastes de valor
(chiaroscuro), as cores parecem pulsar no espaço à medida
que se expandem ou se contraem. A pintura cria um campo
de experiência, um espaço existencial; não cabe mais ao
artista descrever um mundo dado, mas transformá-lo a cada
instante. A percepção não deve ser mais contemplativa, e
sim ativa. O espaço não se constitui mais exclusivamente
através de contrastes de cores presentes na superfície da
tela, não é visto como uma realidade em si, mas como algo
que surge a partir da experiência humana. Cria-se desse
modo uma sensação física que escapa da superfície do
quadro: “um ambiente”. Cada vez mais a superfície da tela
confunde-se com a parede. O espaço que a pintura define
não é para além, mas para aquém da superfície pintada,
como os mosaicos das igrejas bizantinas que colorem o ar do
vão arquitetônico. Essas pinturas procuram criar um lugar.

Newman chega ao ponto de negar a ideia de ambiente a fim


de afirmar a radicalidade desse novo lugar que a pintura
oferece. Esses artistas não estão fazendo apenas uma
pintura para o ambienteespaço., pois Bbuscam revolucionar
a nossa relação com o a obra.espaço circundante: um lugar
diferente do ambiente em que nos encontramos. Essa nova
abordagem do espaço que transcende o formato das pinturas
nos faz pensar, antes de tudo, na nossa real dimensão
(escala). A cor não é um fim em si mesmo para esses
artistas, pois a sua utilização visa criar uma nova medida
entre o observador e o espaço circundante: “O artista
europeu está preocupado com a transcendência dos objetos,
enquanto o artista americano está preocupado com a
realidade da experiência transcendental”66. Ou seja enquanto
o artista europeu procurava realizar uma abstração dos
objetos, o artista norte americano procurava fazer com que
a obra produzisse uma experiência sensorial inédita no
espectador.. Por isso que os artistas do movimento chamado
expressionismo abstrato parcialmente eram também
chamados de cColor field painters (pPintores do campo
expandido da corcromático). O movimento subsequente, a
arte Pop, justamente vai questionar esta dimensão

65
MATISSE, Op. cit
66
NEWMAN, .B. Selected writings and Interviews.The Sublime is Now.
Nova York: Knopf, 1990.
41
puramente sensorial, retiniana, e vai explorar as relações
entre as cores e a nossa percepção, uma nova dimensão que
envolve não apenas o olho, mas a relação entre a mente, a
linguagem e a visão.

Imagem e conceito

Desde Courbet, acredita-se que a pintura é dirigina à retina. Esse foi o erro
de todos. Antes, a pintura tinha outras funções: poderia ser religiosa,
filosófica, moral... todo o nosso século é completamente retinal, exceto os
surrealistas, que tentaram sair um pouco dela.
Marcel Duchamp.
42
Desde Courbet, acredita-se que a pintura é dirigida à retina. Esse
foi o erro de todos. Antes, a pintura tinha outras funções: poderia ser religiosa,
filosófica, moral ... todo o nosso século é completamente retinal, exceto os
surrealistas, que tentaram sair um pouco dela.
Marcel Duchamp

Marcel Duchamp, L.H.O.O.Q. Duchamp, 191967.

A imagem acima é uma colagem de Marcel Duchamp, uma das versões que
mais causaram escândalo n éo século vinte. Afinal existe algo pmais ousado
do quee profanar a pintura mais conhecida de tosos os tempos? Bricar ainda
com a suposta homossexualidade de Leonardo da Vinci ao tornar uma
mulher uma figura ambígua com bigode? Mais enigmático é o título
L.H.H.O.CQ. Ao ler estas palavras em francês teríamos na versão em
português algo como “ela tem o rabo quente”. No Dadaísmo bem como no
Surrealismos, os tíintulos tendem a nos levar para regiões mentais distantes
da imagem apresentada, muitas vezes criando paradoxos. Duchamp é
considerado o gtrande mentor da arte conceitual, que tem seus seguidores
até hojJe. Mais do que um ato de profanação, o que mais nos instiga é nossa
incapacidade de constatar que Duchamp está interferindo não na obra
original, mas em uma reprodução. Com o advento da fotografia e agora com
os computuadores e celulares, cada vez mais lidamos com copias [e não
mais/ ao invés de] que como o original.

Curioso que a fama da Monalisa deve-se ao fato de ter sido roubada no


começo do século vinte, As pessoas iam ao Louvre não para ver a obra, mas
para não vê-la. Ele se tornou uma celebridade por que passou a se tornar
icônica:, uma marca de várias mercadorias,, um veículo extremamente
eficaz de propaganda. De volta ao Louvre, hoje em dias grandes filas são
feitas ao redor desta obra, não para ser contemplada, mas fotografada, de
modo que o observador possa afirmar “sua presença real diante da obra
original e documentar este acontecimento com uma foto ou até mesmo uma
selfie. Muitos chegam a ficar desapontados com a escala reletivamente
pequena da obra -, na imaginação de todos, a imagem parece não ter
tamanho. Duchamp já nos alertava que observar uma obra de arte não é
apenas um ato passivo, mas implica em numa participação ativa do
observador na construção do sentido da obra.68.

67
DUCHAMP, M.. L.H.O.O.Q, 1919 (imagem): <https://en.wikipedia.org/wiki/L.H.O.O. Q.>.
Acesso em 22 de janeiro de 2020.
https://en.wikipedia.org/wiki/File:Marcel_Duchamp,_1919,_L.H.O.O.Q.,_391,_n._12,_March_1920.jpg

68
O roubo aconteceu em uma segunda-feira, no dia 21 de agosto de
1911, um dia em que o museu estava fechado. A ausência do
quadro só foi notada na terça-feira. A polícia começou uma
investigação e o centro permaneceu fechado durante uma semana
em meio ao escândalo. ”
’"La Joconde’" (A Gioconda) - como os franceses chamam a Mona
Lisa - desapareceu por mais de dois anos e foi recuperada em 10 de
dezembro de 1913, quando Vicenzo Peruggia foi capturado ao
entregar a obra a Alfredo Geri, um vendedor de antiguidades de
Florença, na Itália. imagem começou a aparecer em noticiários
cinematográficos, caixas de chocolate, postais e anúncios
publicitários. De repente, ela se transformou em uma celebridade
como estrelas de cinema e cantores”". , escreveu o escritor britânico
43

Uma análise sobre a questão da percepção da obra de arte


no século XX nos remete inevitavelmente à questão da
linguagem. A presença da literatura nas artes parece ter se
transformado por completo. Para entender a pintura
contemporânea, é preciso analisar as transformações
ocorridas na relação entre a imagem e a palavra. Alguns
aspectos dessa relação, principalmente no que tange à
formulação de uma escrita poética, serão tratados a seguir.

Quando o artista se vê livre das convenções do naturalismo,


ele pode pensar na especificidade de seu meio de
expressão:, refletir a respeito de uma pintura sempre ser
feita sobre uma superfície bidimensional e, seus
instrumentos básicos serem desenho e cor. Vimos como na
arte moderna a superfície da tela não é mais concebida
como meio transparente e virtual, mas como terreno de
experimentação contínua. Nesse caso, o desenho de uma
letra escrita vale tanto quanto o contorno de um rosto, uma
mancha cromática pode valer por si mesma., Aa pintura é
uma forma de linguagem específica e autônoma.

Na arte moderna, a articulação entre a imagem e o texto vive


uma verdadeira revolução, uma revolução que pode ser vista
hoje em dia em qualquer revista ou outdoor de nossa
cidade: as palavras deixam de evocar seus respectivos
conteúdos e passam a valer por si mesmas como elementos
gráficos expressivos. Ao se liberar do compromisso narrativo
a palavra se torna, para a arte moderna, apenas uma imagem
ou um desenho. Não evoca nada além de si mesma, da sua
presença material. Um desenho passa a ser visto, antes de
tudo, como desenho e não como representação de algo. Ao
romper com o naturalismo, os artistas passam a entender a
visão como processo (e não apenas um mecanismo passivo
de captação de imagens) mediado pela cultura, pela palavra,
pela memória Cores e formas são entendidas como uma
operação construtiva que se distancia de um referente visual
previamente estabelecido..

Artistas como Marcel Duchamp se opõem a esta tendência e


realizam uma crítica ao olhar retiniano, e questionam qual
será o lugar que uma obra de arte deve ocupar no mundo
moderno. Cores e formas são entendidas como uma operação
construtiva que se distancia de um referente visual
previamente estabelecido. Fazer arte implica, portanto, em
uma operação mental. Segundo Duchamp, finalmente a
pintura está pronta novamente para suscitar outros tipos de
associações não puramente visuais. Sua crítica à autonomia
da imagem pura retiniana se baseia no fato de que nossa
percepção pressupõe a articulação com a linguagem. Faz-se,
desse modo, uma crítica radical à pintura como algo que se

LEADER, Darian Leader. , autor do livro Roubando a Mona Lisa: o que a


arte não nos deixa ver (2002). Apud SORREL-DEJERINE, Olivia. The
World’s Most Famous Missing Painting. Publicação online para BBC News
Magazine (09/12/2013). Disponível em: <
https://www.bbc.com/news/magazine-25241576 >.
Ahttp://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131221_
roubo_monalisa_os_cc
acesso em 28 de dezembro de 2019.
44
realiza exclusivamente na retina do observador. Essa relação
essencial entre imagem e palavra foi percebida por Duchamp
e, a partir dele, vários artistas reiteram o jogo entre texto e
imagem justamente para não subsumir um a outro: os títulos
são escolhidos de tal maneira a impedir de situar seus
quadros numa região familiar que o automatismo do
pensamento acabaria por suscitar.

Já se sabe que a partir do século XIX as obras passaram a


contar cada vez mais com a participação do observador, ou
seja, com a capacidade do espectador de completar o seu
sentido. Isso não significa que o observador inteérprete a
imagem apenas segundo o voo da sua imaginação. O artista
sempre parte de certas regras que induzem o espectador. Ao
fazer uma crítica da pintura como retiniana, como algo que
poderia se realizar apenas no olhar do observador, Duchamp
explicita os códigos inerentes a qualquer apresentação de
uma imagem. Ele escolhe títulos de tal maneira que estes o
impedem de situar seus quadros numa região familiar.
Estabelece novas relações entre palavras e objetos. Uma
palavra pode tomar o lugar de um objeto na realidade. Uma
imagem pode tomar o lugar de uma palavra numa proposição.
Esses dois planos se tornam evidentes à medida em que não
correspondem entre si: L.H.O.O.Q. não corresponde à
imagem da Monalisa, do mesmo modo que o título Nu
Ddescendo a Eescada evoca questões que estão além da
imagem figurada. Duchamp opera, assim, em dois níveis:, na
linguagem e na imagem. O atentado em relação à Monalisa
não está só em lhe impor bigodes, mas também em diminuí-la
de tamanho e mostrar que estamos vendo uma reprodução.
Existe imagem no mundo mais reproduzida do que a
Monalisa? E, no entanto, essa imagem sempre guarda consigo
um certo mistério que nos fascina. Será possível criar uma
imagem original em um mundo tomado por reproduções? A
operação artística está aqui antes em transfigurar o sentido
da imagem já existente do que criar uma nova imagem
original. Duchamp explicita o fato que o observador é antes de
tudo um voyeur - , por isso é que ele sempre recorre a
metáforas sexuais como no caso de L.H.O.O.Q.., quando a
soletramos em francês.

Duchamp descobriu essa mudança do observador em relação


à obra de arte. Segundo o artista, o aspecto retiniano da
imagem tende a ser demais valorizado a partir do realismo.
Em sua obra final, Étant donné, que permaneceu inédita até
sua a morte em 1968, Duchamp faz referência ao lado até
então obscuro da obra de Courbet, notadamente suas obras
eróticas, como, por exemplo, a célebre Origem do mundo, de
1866, que retrata apenas a região pubiana de uma mulher,
quadro que Lacan guardava a sete chaves. Em uma
exposição retrospectiva de Courbet no Metropolitan
Museum de Nova Iorque, em fevereiro de 2008, era possível
ver dispositivos óticos como o estereoscópio, que cria ilusões
óticas em três dimensões. As imagens eróticas ali presentes
supostamente teriam influenciado Courbet e foram utilizadas
posteriormente na concepção da grande obra final de
Duchamp.
45
Sua crítica àa autonomia da imagem pura retiniana se
baseia no fato de que nossa percepção pressupõe a
articulação com a linguagem. Faz-se, desse modo, uma
crítica radical à pintura como algo que se realiza
exclusivamente na retina do observador. Essa articulação
essencial entre imagem e palavra foi percebida por Duchamp
e, a partir dele, vários artistas reiteram o jogo entre texto e
imagem justamente para não subsumir um a outro: os títulos
são escolhidos de tal maneira a impedir situar meus quadros
numa região familiar que o automatismo do pensamento
acabaria por suscitar.
Ao introduzir no contexto da arte um mictório, um objeto
técnico, reprodutível mecanicamente em série, Duchamp
coloca questões estéticas além do objeto artístico, levando a
arte para regiões mais cerebrais do que retinianas. A
finalidade sem fim do objeto artístico se confunde com a
obsolescência técnica da mercadoria.

Essa dimensão crítica, entretanto, desaparece quando o


ready- made vem a ser estetizado -, contrariamente ao que
pensava Duchamp, para o qual o ready- made é, sobretudo,
antiestético. A prática contemporânea, porém, o transforma
num objeto Kitsch quando o repõe como algo reproduzido em
série. Ao invés do estranhamento criado por um objeto fora do
seu contexto, temos cada vez mais objetos que reiteram sua
funcionalidade perdida:
“Aqui reside o nascimento do Kitsch, da antiarte. A pessoa
ouve o que já sabe. Não se quer absolutamente ouvir
diferente e ir a esse encontro como um encontro que abate a
pessoa, mas a reafirma de modo pálido, isso significa o
mesmo que dizer que aquele que está apto a captar a
linguagem da arte percebe justamente a intencionalidade
desse efeito. Todo Kitsch tem algo desse esforço em si, muito
bem intencionado, benquisto, bem pensado e, entretanto, é
isso que destrói a arte. Pois a arte só é algo quando
necessita da própria construção do produto final, na
aprendizagem do vocabulário, das formas e conteúdos, para
que a comunicação realmente se realize.”69.

Duchamp percebe rapidamente a transformação do


observador em voyeur para o qual o prazer está em possuir
a obra de arte. Em Étant donnés, o acesso à imagem tão-só
se faz através de um olho mágico, como aquele colocado em
uma porta para controle dos visitantes. Entretanto, o prazer
inicial de ver secretamente a imagem pelo buraco do olho,
desfaz-se quando o observador descobre que o corpo de uma
musa (inspirada na Origem do mundo de Courbet) não passa
de um manequim. Cria-se uma espécie de jogo de inversões,
pois a imagem se torna bidimensional na lente do olho
mágico, enquanto a imagem virtual, no caso a mulher, é
montada tridimensionalmente atrás da porta;, ela é literal.
Disposto de tal maneira a criar uma ilusão ótica, Étant
donnés explicita os segredos da camêra ótica. Nesse
trabalho, tudo se desvela e se revela uma farsa: a mulher
que aparece desnuda é um molde construído em três
dimensões, mas pelo fato de somente poder ser visto através
do olho mágico, aparece como uma imagem virtual. O que
era objeto de desejo, a mulher de pernas abertas,
69
ADORNO., Theodor. Teoria estética. São Paulo: Edições 70, 2008. 0
ltda
46
transforma-se em uma experiência trágica, como no caso de
Casanova de Fellini que, após seduzir tantas mulheres, acaba
dançando com um manequim. Essa dimensão trágica foi, a
meu ver, totalmente deixada de lado. Atualmente Duchamp
se tornou o ícone de um tipo de arte onde qualquer objeto é
passível de ser estetizado. O prazer erotizado diante de uma
obra de arte se torna artigo de consumo imediato: o que
interessa é rapidamente fazer com que o observador projete
na obra suas sensações próprias. O espectador se transforma
em uma espécie de narciso, buscando reflexos em um
mundo reificado. Galerias se transformam em fachadas
luminosas produzindo sensações a todo instante. O artista
perde o monopólio de ser o construtor de imagens, cabendo-
lhe antes de tudo redimensionar imagens ready-mades., em
vez de fabricar imagens originais.

Jasper Johns foi profundamente influenciado pela crítica que


Duchamp faz da maneira como vemos um objeto de arte. O
que passa a constituir a obra não é mais o objeto em si, mas
a maneira como nos preparamos para vê-la: “
O ato de ver uma obra de arte é transformado em ato de
voyeurismo. Olhar não é uma experiência neutra: é uma
cumplicidade. O olhar ilumina o objeto. O contemplador é um
observador (...) Olhar é uma transgressão, mas a
transgressão é jogo criador”70.

Faz-se, desse modo, uma crítica radical à pintura como algo


que se realiza exclusivamente na retina do observador. A
arte existe no interior de uma linguagem artística já
desenvolvida. Ela se constitui agora mediante uma
linguagem e um pensamento visual previamente
estabelecidos. De certa forma, toda pintura explicita sseus
eus esquemas conceituais que moldam o nosso olhar.

Jasper Johns, Jubilee, 195871.

70
DUCHAMP, M. O ato criador (O ato criador Marcel Duchamp. 1965). In:
(em BATTCOCK, Gregory. A Nnova Aarte. Coleção “Debates (vol.73).
São Paulo: Perspectiva, 2013.”
47
Johns procura a todo instante questionar o que estamos vendo de fato, suas
obras sempre se apresentam como paradoxos visuais. Em Jubilee (1958)
olhamos para um quadro em preto-e-branco com variações de tonalidades
e, nos atentamos para a variação das pinceladas e pela relação de
contrastes na pintura. Mas se nos atentarmos para o fato de que sobre as
manchas novamente palavras cromáticas estão aplicadas em toda
superfície, conseguimos imaginar todo um universo de cores e formas que
está lá na pintura ao mesmo tempo em que não está. Johns joga
radicalmente com as diferentes maneiras de perceber as cores. Nessa
pintura, as manchas em variados tons do branco ao preto entram em
conflito com as palavras aplicadas coladas sobre elas: Johns denomina de
laranja uma superfície preta, uma mancha cinza tem o nome de azul e assim
por diante. A presença da cor na nossa sensação não mais corresponde ao
significado da palavra aplicada. A identidade da cor é posta em xeque, pois
dois critérios de identificação são utilizados simultaneamente, um se
contrapondo ao outro. Essa atitude atinge seu ápice crítico com essaaqui
pintura de Johns, onde o conceito que define o que são as cores entra em
choque com nossa capacidade de ver as cores. O resultado é aturdir e
desqualificar nossa percepção. As marcas da fatura carregam uma camada
espessa material que reitera a presença objetiva da superfície da tela, mas,
ao mesmo tempo, reduz seu potencial expressivo pela sua opacidade pelo
mediante o emprego da encáustica. A visão está imbricada com a
palavra e o conceito no mundo contemporâneo. Johns procura a todo
instante questionar o que estamos vendo de fato, sSuas obras sempre se
apresentam como paradoxos visuais. 72.

Essa presença sempre ambígua e instável da pintura - ,


objetiva e não objetiva ao mesmo tempo - , instaura um jogo
permanente entre ela e o espectador, criando assim
condições para que, através do nosso olhar, afirme sua
existência. Creio não ser mais possível pensar a pintura em
termos óticos, mas isso não impede que devamos abrir mão
da dimensão estética de uma obra. Segundo Duchamp, ao se
tornar exclusivamente ótica, não exploram-sem-se todos os
sentidos e significados que uma pintura pode suscitar no
espectador. A única maneira de se contrapor a essa
tendência, segundo ele, é se voltar para as particularidades
do signo;, justamente o que seus herdeiros Pop fizeram na
década de 1960. Johns coloca novos limites para o uso da
cor, quando a utiliza de forma cada vez mais objetiva e
impessoal. Não é de se estranhar que suas pinturas tenham
uma grande quantidade de cinza, uma cor a seus olhos
interessante porque evita toda qualidade emocional e
dramática. Ao buscar realizar uma pintura literal, a fim de
conduzir o espectador a regiões mais verbais do que
retinianas,

Johns evoca a atitude de Duchamp de buscar, através dos


títulos que atribui às obras, uma cor invisível 73. Porém,
71
JOHNS, J. Jubilee , 1958 (imagem): < https://www.google.com.br/search?q=
jubilee+johns&tbm=isch&ved=2ahUKEwjn6Mu_g-LlAhW8G7kGHe_LDxAQ2-cCegQIA
BAA&oq=jubilee+johns&gs_l=img.3..0i8i30.459900.466670..467382...1.0..0.316.1760.4j9j0j1......0....1..gws-
wiz-img.......0j0i67j0i131j0i19j0i8i30i19j0i5i30i19j0i5i30.Q3jiXKM
ZDSQ&ei=TULJXaeOHry35OUP75e_gAE&bih=742&biw=1440#imgrc=hNfGf09_HO4QOM>. Acesso em 22
de janeiro de 2020.

72
GIANNOTTI, Marco. A Imagem Escrita. Revista ARS, da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da USP (volume 1, número 1, 2003). Disponível
em: < (SãoPaulo) vol.1 no.1 SãoPaulo  2003http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
53202003000100009> .Acesso em 21 de Dezembro 2019.
73
“Marcel Duchamp, um dos artistas pioneiros deste século,
deslocou seu trabalho dos limites retinianos que foram impostos
pelo impressionismo para um campo onde a linguagem, o
pensamento e a visão interagem. Ele transformou deste modo a
forma por meio de um jogo complexo de novos meios mentais e
materiais. Introduzindo muitos aspectos técnicos, mentais e visuais
que podem ser encontrados recente mente”. JASPER JOHNS., J. “An
48
quando a cor se torna um fenômeno cada vez mais mediado
por outras formas de linguagem, não corremos o risco de
perder esse componente irredutível da representação? Será
possível resgatar, hoje em dia, uma experiência expressiva
da cor através da pintura? Experimentos cromáticos como os
de Carlos Cruz Diez são extremamente instigantes
cromaticamente e investigam a fundo a natureza da nossa
percepção. Como bem diz Braque, a pintura “apaga a ideia”.
A obra que não joga mais com a dimensão sensível pode se
tornar um jogo de palavras, uma mera ilustração de
conceitos. Este é um dos grandes dilemas da pintura
contemporânea.

Jasper Johns, The Ccritic Ssees, 1961, Sculpmetal on plaster with


glass. 8,2x16,5 x 5,4 cm74.

A imagem, liberada do discurso, efetivamente parece se


proliferar no mundo moderno de maneira desenfreada,
criando similitudes infinitas. A linguagem, em contrapartida,
parece cada vez mais se negar a exibir ou designar as coisas,
tornando-se efetivamente mais opaca para o mundo. Entre
esse vácuo abrindo-se entre a imagem e o texto faz-se
necessário estabelecer novos vínculos entre eles, visto que
ambos não podem mais estar subsumidos à representação. O
exemplo de Johns, responsável por criar novo espaço de
articulação entre o texto e a palavra, serve para mostrar
como isso se torna uma questão estética. Por sua vez,
atualmente não vivemos uma nova onda iconoclasta a
desconfiar da imagem, do jogo das aparências e a privilegiar
de maneira desmesurada o texto na captação do sentido de
uma obra?. Isso não nos leva a uma progressiva
desestetização da arte?

Uma obra de arte é sempre um enigma que paradoxalmente


deve aparecer. ’’A pintura jamais celebra outro enigma a não
ser o da visibilidade”75. A arte não reproduz o que vemos.
“Ela nos faz ver”, afirma Paul Klee. Sem exercer esse
mistério, a arte se torna um objeto qualquer. Nem todas as
formas de ilusão são enganosas, algumas podem ser

appreciation”. In: PIERRE CABANNE, Pierre. - Dialogues with Marcel


Duchamp. Novaew York:, Capo Press, 1987, p.109..

74
JOHNS, J. The Critic Sees, 1961 (imagem):
https://shop.royalacademy.org.uk/postcard-the-critic-sees-by-jasper-johns
fonte?
75
MERLEAU-PONTY,. Maurice. O Olho e o Eespírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
49
reveladoras. Quando uma obra se resume a um conceito, as
condições materiais mediante as quais a obra aparece
podem ser descartadas. Corre-se o risco de se interpretar
uma obra como mero suporte para ideias, como se ela não
fosse uma matéria aà procura de outra natureza, uma
alquimia transformadora do metal76.Nela, o jogo das
aparências se tece muitas vezes na cor, fenômeno instável e
efêmero. Entretanto, na arte contemporânea é possível notar
uma tendência de afirmar que basta uma obra revelar seu
conceito para mostrar sua validade. Alguns artistas chegam
a dizer que não importa como a obra de arte aparece! Não
seria melhor, nesse caso, permanecer no plano da palavra,
capaz de lidar muito melhor com os conceitos do que as
imagens? As artes plásticas, entretanto, sempre estiveram
ligadas a esse terreno ardiloso da aparência. Mas a arte em
geral nunca pode satisfazer o seu conceito, nunca prescinde
da aparência para revelar-se, pois ela se tece justamente
nesse jogo ambíguo de ser e não ser algo, de indicar uma
outra realidade e afirmar ao mesmo tempo sua autonomia.
Embora lute por firmar sua especificidade, a arte moderna
conquista sua autonomia arduamente, pois não temos mais
verdades divinas que atestem seu legítimo valor. Daí seu
aspecto crítico, já que sempre almeja uma dimensão mágica,
num mundo cada vez mais dessacralizado.

Pablo Picasso, O Touro, Pablo Picasso, 194177.

76
Luigi Pareyson nos diz que há três definições tradicionais da arte: ”
a arte como fazer, como conhecer ou como exprimir. Na antiguidade,
prevaleceu a primeira, a arte foi entendida como tekné. Mas o
pensamento antigo pouco se preocupou com teorizar a distinção
entre a arte propriamente dita e o ofício da técnica do artesão (...) A
distinção entre estética e poética é particularmente importante e
representa uma precaução metodológica cuja negligência conduz a
resultados lamentáveis. Se nos lembrarmos que a estética tem um
caráter programático e especulativo enquanto que a poética, pelo
contrário, tem um caráter programático e operativo.
A obra de arte não é simbólica, ela não representa nada além de si
mesma.”. PAREYSON, L. Os Problemas dae Estética. São Paulo: , Martins
Fontes, 2001, .p. 15-20. E ainda, Pierre Francastel em
FRANCASTEL, Art et Ttechnique, escreve: “não poderiamoas fazer da
artre a traduçnao fragmentária de um real daodo, a arte não é um
sombolo, é criação”. FRANCASTEL, P. Art et Technique. Paris: Gonthier,
1964.
77
PICASSO, P. O Touro, 1941 (imagem):
<https://drawpaintacademy.com/the-bull/>. Acesso em 22 de janeiro de
2020.
50
“ Em busca dea representar o mundo real, o cérebro (ou o artista) deve
descontar (“sacrificar”) uma grande quantidade de informação proveniente
que não é essencial a fim de representar o verdadeiro caráter dos objetos
(..) Penso que os artistas de alguma forma são neurologistas, estudam o
cérebro mediante técnicas que são únicas mesmo sem saber sua a
organização. Afinal foi Pablo Picasso que, num depoimento, quase antecipa a
mania por estudos sobra a capacidade cerebral de formar imagens quando
disse que seria muito interessante registrar fotograficamente (...) as
metamorfoses de uma imagem. Possivelmente seria possível descobrir o
caminho seguido pelo cérebro e materializar um sonho.” Semir ZeEkKiI78

Dizer que a arte não deva ser ilustração de um conceito não


significa negar que toda arte advenha de um conceito.
Gombrich mostra como os artistas partem sempre de um
esquema para retratar a natureza, por isso é que temos
tantos estilos distintos ao longo da História. Segundo ele,
justamente por se basear em determinados esquemas
conceituais, é que as representações podem ser
reconhecidas conforme determinados estilos. Não estamos
querendo dizer com isso que a natureza deva permanecer
como pano de fundo para se interpretar uma obra de arte,
principalmente nos tempos de hoje. Posteriormente veremos
como alguns artistas jogam com o artifício, sem, entretanto,
negar o potencial “ilusório” da arte.

Ao desconfiar do poder das imagens e procurar resolver o


problema da aparência no âmbito das ideias corremos o risco
de voltar a um platonismo, de tal modo que a passagem da
ideia para a matéria é sempre traumática e negativa. Por
outro lado, ao enfatizar apenas sua materialidade, ao reiterar
simplesmente sua superfície, corre-se o risco de submeter a
pintura a uma atitude dogmática, portanto, acadêmica, sem
falar na perda dessa sua vocação primordial de buscar uma
dimensão imaginária sempre negada pelo real.

A arte parece efetivamente cada vez mais falar de si mesma,


de seus esquemas de representação, de suas regras
espaciais, das maneiras como podemos captar um fenômeno
visual. Harold Rosenberg, em seu artigo premonitório, Art
and words (1969), afirma ser através do uso das palavras que
objetos, à primeira vista indiferenciados, transformam-se em
objetos artísticos: “Ao segregar objetos designados como
pintura ou escultura de todos os outros objetos da natureza, a
linguagem mantém o status sagrado ou mítico da arte sem
recorrer à religião ou ao mito”79. Na arte moderna, as palavras
adquirem um “aspecto mágico”, constituem elemento “vital,
capaz de transformar, entre outras coisas, qualquer material
em material artístico”. A pintura contemporânea é uma
espécie de centauro: meio material, meio palavras.

78
ZEKI, Semir. Inner Vision:, an exploration of aArt and the brain,
Oxford:
Oxford University Press, 2000, p.20.

79
ROSENBERG, Harold. The De- definition of Art. Chicago: University of
Chicago Press, 1972.
51
Doravante a linguagem se interpõe entre o quadro e o olhar,
que por si só não é capaz de discernir se um objeto é
artístico ou não. Isso modifica o rumo da crítica moderna,
que, ao invés de derivar princípios a partir do que vê, passa
a ensinar nosso olho a ver tais princípios. As consequências
nocivas desse processo hoje em dia se tornaram mais do que
evidentes, pois a criação artística muitas vezes passa a ser
ilustração de conceitos previamente estabelecidos. O fato de
uma imagem ser dependente de uma situação histórica, de
um contexto linguístico para ser decifrada não pode nos
levar a confundir interpretação com produção de uma obra
de arte.

Os artistas se tornaram de tal forma fascinados pelo


potencial imagético da palavra que tendem a desestetizar a
imagem ao máximo. O perigo está em cair nas malhas da
própria linguagem, ao se adentrarem se entrarem em esferas
discursivas distintas da prática artística. Arthur Danto nos
conta que ao visitar uma exposição recente, deparou-se com
uma mesa repleta de livros de Carnap, Russel, Wittgenstein
etc., ou seja, livros que faziam parte de sua profissão de
filósofo agora invadindo o mundo das artes: “Quando o
mundo da arte começou a se apropriar de livros filosóficos
austeros e técnicos... tive a impressão de que a consciência
artística havia sofrido uma transformação profunda”80. Para o
regojizo do filósofo a arte parece sucumbir à reflexão
filosófica à medida que se torna cada vez mais frágil
visualmente, pois depende cada vez mais do conceito para
se firmar como arte. Danto observa que essas questões
relativas ao lugar da arte em relação ao conhecimento já
aparecem na obra de Platão, em particular quando
argumenta contra a arte e a favor da reflexão filosófica.

Nessa lógica, a própria história da arte, primeiramente


formulada por Hegel, nada mais seria do que reiteração de
conceitos metafísicos como transcendentalismo estético,
coletivismo histórico, determinismo histórico, otimismo
metafísico ou o, relativismo, criticados por Gombrich. A
interpretação hegeliana leva, paradoxalmente, à própria
morte da arte, reduzida a mera etapa do processo de
autoconhecimento do espírito absoluto, cuja plenitude se
daria com a filosofia. Para escapar dessa concepção finalista,
justamente em um momento em que a arte está cada vez
mais reflexiva e distinta do evolucionismo modernista, Danto
dissolve a concepção histórica como um elemento
fundamental para a interpretação da obra, as obras de arte
contemporâneas ficam numa espécie de limbo atemporal. A
única maneira de inverter esse processo consistiria em
condicionar a própria interpretação da obra não mais a
conceitos absolutos, mas relativos a um determinado
contexto. Ao invés do conceito determinar o movimento da
história, a própria história deveria esclarecer o conceito
necessário para identificar uma obra.. De certa forma, toda
pintura explicita seus esquemas conceituais que moldam o
nosso olhar.

80
DANTO, Arthur C. A transfiguração do lugar- comum: uma filosofia da
arte. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.
52
O excesso de citações nas obras contemporâneas é notável.
Se, por um lado, a utilização cada vez maior de imagens
produz um impacto imediato no espectador, essa relação
está, entretanto, muitas vezes mediada por um texto
explicativo. Saímos da era da contemplação e entramos na
era da informação. O espectador busca decifrar o mais
rápido possível a imagem que tem diante de si. Warhol teve
um papel fundamental nessa mudança de paradigma da arte
contemporânea, onde a obra muitas vezes merece apenas
15 minutos da atenção do observador.

Técnica e poética81

A escolha de um material por um artista é


inevitavelmente expressiva.
Harold Rosenberg

Fotografia de Dudi Maia Rosa em seu atelier.

Impressão de mão feita na caverna de el Castillo na Espanha 82.

A fotografia acima foi feita especialmente pelo artista Dudi Maia Rosa para
este capítulo. A imagem de imediato nos leva a pinturas rupestres feitas
com o sopro de pigmentos sobre as mãos, criando uma imagem em
negativo. Com o avanço da tecnologia medida que a tecnologia, a datação
das pinturas rupestres se torna cada vez mais distante. Últimas pesquisas
indicam que foram realizadas a cerca de 40 mil anos atrás, onde quando os
homens ainda coabitavam com neandertais. Seu futuro, porém, é cada vez
mais mais incerto. Afinal, qual é o domínio que circunscreve esta atividade?
Pinturas feitas por robôs, neandertais ou símios teriam a mesma importância
para nós? Nesta imagem, ao invés de se apresentar como imagem negativa,
81
Temas abordados neste capítulo estão também presentes no livro
Reflexões Sobre a Cor São Paulo: Martins Fontes, 2020.
82
Fotografia de impressão de uma mão na caverna de El Castillo, Espanha (imagem):
https://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?id=262473&noticia=arte-rupestre-encontrada-na-espanha-tem-40-mil-anos-diz-estudo
fonte?
53
a fotografia aparece como um negativo da pintura, que aqui aparece apenas
como fragmento de uma superfície transparente. Este seu aspecto por sua
vez nos faz lembrar da analogia renascentista entre a pintura e a janela. Só
que ao invés de uma paisagem distante, vemos uma imagem invertida da
mão daquele que constrói a superfície. Dudi não colocou sua imagem de
perfil, preferiu mostrar talvez o que é mais importante ao pintor ou ao
pianista: a capacidade de manipular o som ou os materiais de um modo
único, de modo a transmutar estes fenômenos em experiência estética.

O domínio de certos materiais sempre está articulado com a


conquista de uma clareza do que o artista deseja dizer.83. Um
pintor deve ser capaz de criar novos espaços, novas relações
entre cor, linha, luz, matéria. O aprendizado de uma técnica
pode parecer desnecessário, à medida em que muitas obras
tendem a esconder o gesto do artista. Vivemos em uma
época em que a concepção da obra parece prescindir de sua
execução. Barnett Newman dizia, em tom provocador, que
qualquer um poderia realizar suas pinturas, desde que ele
estivesse no comando. Dudi Maia Rosa trouxe a técnica do
Epoxi e do Fyber Glass da indústria para suas pinturas. A
construção da sua identidade como pintor está não só na
escolha dos material, mas na maneira única com que sabe
dominar os processos químicos de modo a fazer com que
pareça uma pintura, um quadro.

É difícil ver algum artista significativo que não tenha domínio


sobre determinados materiais: a pedra, o feltro, o mármore,
a têmpera, o vídeo, etc. Não se trata de estetizar a matéria,
mas sim de utilizá-la a fim de expressar algo. Essa escolha já
reflete a opção tomada por uma certa linguagem. Toda
matéria artística detêm memória, um registro das
possibilidades de manipulação. Um pedaço de argila carrega
consigo as dançarinas de Degas, os potes gregos, a
modelagem de Rodin. Todo aprendizado implica em um
primeiro momento em olhar e se apropriar da técnica de um
artista maduro. Mas o artista só atinge seus objetivos quando
consegue que os materiais falem por si: sua maestria
consiste em decantar a matéria, reinventar a proporção dos
elementos, a ordem do concreto.
Pelo fato de serem construídas, as imagens surgem a partir
de seu meio material. A matéria define os meios de
apresentação das imagens. Estamos longe de uma
concepção da técnica como algo transparente e neutro.

A natureza de uma obra de arte não se desvia dessa regra.


Uma obra é um órgão vivo que permite várias interpretações.
Por esse motivo é que a palavra grega para quadro seja
zoon, vida. Foi Paul Valéry, um grande pensador e poeta, que
reintroduziu a palavra “poética” para se contrapor ao termo
“estética”.84. Ao contrário da poética -, atenta a uma reflexão

83
“A arte deve nascer do material e do instrumento, e deve
conservar vestígios do instrumento e da luta dele com o material. O
homem precisa falar, mas o instrumento e o material também
precisam.". DUBUFFET, Jean. Notas para oos finos letrados (1945). In:
LICHTENSTEIN, Jacqueline. , p.86. A Pintura: textos essenciais. Vol. 13: O
Ateliê do Pintor. São Paulo: Editora 34 Letras,, vol. 13, 2014, p.86..
84
“Mas o trabalho do artista, mesmo na sua parte mental, não pode
se reduzir às operações de um pensamento determinante. De uma
parte a matéria, os meios, o instante, e uma porção de acidentes
(os quais caracterizam o real, ao menos para aquele que não é
filósofo) introduzem na fabricação de uma obra uma quantidade de
54
sobre a produção da obra -, a estética nasceu de uma
reflexão filosófica sobre o ato de contemplar uma obra já
feita. A poética se distingue da história justamente por seu
caráter utópico, projetivo. Francastel sempre ressaltou esse
aspecto imaginário da arte, ao lembrar que os artistas do
Renascimento projetaram uma cidade ideal que só iria se
consumar posteriormente. Infelizmente a técnica tende a ser
vista apenas sob a ótica das novas tecnologias; nota-se a
ausência de um pensamento sobre as questões técnicas
vinculadas à imaginação como em Francastel. A pintura é
uma técnica que continua a ser atualizada pelos artistas
contemporâneos. É pela imaginação, e pela imaginação
artística , que se orientam as técnicas”.85
Análises restritas a procedimentos técnicos são raras e
muitas vezes decepcionam, pois ficam aquém dos estudos
teóricos sobre arte. A arte moderna obrigou o artista a
depurar sua técnica de modo solitário, até mesmo quando
assume declaradamente certas influências. A técnica não se
resume a um conhecimento sobre a fabricação homogênea
de objetos utilitários. Já há algum tempo procurou-se
estabelecer os critérios que distinguem a atividade do artista
da de um artesão, e, para isso, foi preciso reformular a noção
de técnica86. O artista, ao inventar novas regras e proporções
na arte, não está simplesmente reproduzindo um saber
artesanal: está criando uma nova técnica de abordar os
materiais, formulando, assim, uma nova linguagem.

Na arte moderna, a matéria torna-se expressiva, e a escolha


de determinadas técnicas já é um ato expressivo. Para Van
Gogh, pintar era uma verdadeira catarse, um jorro, uma
purgação de sentimentos; não é, contudo, um ato meramente
sentimental: a presença da massa corpórea da pintura
anula qualquer devaneio, sua presença material
garante essa ambiguidade necessária,
garantindoproporciona, assim,, uma tensão permanente
entre a cor como pigmento e simultaneamente, como

condições que não somente introduzem o imprevisto e o


indeterminado no drama da criação, como tendem a torná-la
racionalmente inconcebível, uma vez que a inserem no domínio das
coisas, pois ela se torna uma coisa, de modo que o pensamento se
torna sensível.(...) O artista não pode abrir mão de um sentimento
arbitrário. Ele procede do arbitrário em direção aà uma
necessidade, e de uma certa desordem em direção a uma certa
ordem...” VALÉRY, Paul. Valery, Oeuvres. Discusrso sobre a Estética.
Oeuvres (tomo I)., Paris: Pleiade, 1957, Oeuvres, p.1306.[é isso mesmo?]

85
FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade. São Paulo: Martins
Fontes, 1990, p.154.

86
“Ars, artis, palavra latina da qual da qual a nossa arte derivou,
corresponde ao grego tékné, que significa todo e qualquer meio
apto à obtenção de determinado fim, e que é o que se contém na
idéia genérica de arte. Quanto a poésis, de significado semelhante a
tékne, aplica-a Aristóteles, de modo especial, para designar a
poesia e também a arte, na acepção estrita do termo (...) A arte,
enquanto processo produtivo, formador, que pressupõe aquilo que
ordinariamente chamamos de técnica, e enquanto atividade prática,
que encontra na criação de uma obra o seu termo final é poésis”.
NUNES, B. op. cit.,enedito, Introdução a Filosofia da Arte, editora Ática
2000, p. 20.
55
emoção. Por isso é que ele nos diz que a pintura é o que
permitia o adiamento de um colapso iminente.

Cada época encontra sua própria técnica. Mesmo as técnicas


tradicionais passam por uma profunda alquimia no mundo
contemporâneo, caso contrário, apenas evocariam
melancolicamente um evento passado.
O artista, ao inventar novas regras e proporções na arte, não
está simplesmente reproduzindo um saber artesanal; está
criando uma nova técnica de abordar os materiais,
formulando, assim, uma nova linguagem.87.

Alfredo Volpi, Barco da Morte, 1960. , Mira Schendel, Sarrafo, 198788.

Volpi, por exemplo, passa a utilizar a têmpera a ovo quando sua pintura se
torna mais calcada na superfície da tela e a cor, por sua vez, passa a ter um
papel predominante na formação do espaço. A têmpera demarca o processo
de amadurecimento de Volpi, pois a transparência do óleo muitas vezes
tornava suas pinturas diáfanas em demasia. A têmpera ressalta a presença
corpórea do pigmento sobre a superfície da tela, faz o pigmento respirar,
produzindo uma intensa saturação cromática.
Mira Schendel escolhe a têmpera acrílica, menos acetinada que a têmpera
aàà ovo mas com mais capacidade de saturação. Devido a alta
pigmentação, a cor pulsa no espaço, a presença corpórea do pigmento é
enfatizada como elemento primordial da cor. Mira explora diferenças de
opacidade e brilho que cada cor pode ter -, uma alquimia cromática nos
materiais No caso desta série intitulada Sarrafos, a artista trabalha
especificamente com o preto e o branco., Ppoderíamos afirmar que há quase
uma economia de natureza oriental (zen) onde a linha assume uma
coporeadade que desafia o limite do quadro. A sombra projetada do sarrafo
sobre a superfície também confere um aspecto efêmero, pois muda a cada
instante. O quadro não se faz mais pela relação de cores. Mira sempre soube
utilizar a cor como afirmação da sua existência efêmera.

Mark Rothko, por sua vez, utiliza a têmpera a fim de garantir


a presença luminosa do pigmento, pois a cor parece se
desprender dessa fina poeira e começa a habitar o espaço.89.

87
“Assim como o pensador tenta se defender das palavras e das
expressões prontas que dispensam os espíritos de se surpreender
com tudo e tornam possível a vida prática, do mesmo modo o
artista pode, pelo estudo das coisas informes, isto é, de forma
singular, tentar encontrar sua própria singularidade e o estado
primitivo e original da coordenação de seu olho, de sua mão, dos
objetos e de seu querer”. VALÉRY, Paul. Degas Dança Desenho. São
Paulo:, Cosac & Naify, 2003.
88
VOLPI, A. Barco da Morte, 1960 (imagem): <
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ obra1786/barco-da-morte>. Acesso
em 23 de janeiro de 2020. SCHENDEL, M. Sarrafo, 1987 (imagem): <
https://bergamingomide.com.br/exposicao/mira-schendel-sarrafos-e-pretos-
e-brancos/>. Acesso em 23 de janeiro de 2020.

89
ROTHKO, Mark.“ Você não pode projetar sua mente na tela porque
existem coisas concretas que interferem, coisa técnicas. É um
enfraquecimento da sua ideia original.”. ROTHKO, Mark. Writings on
56
Vários pintores contemporâneos procuram resgatar técnicas
tradicionais como a encáustica, a têmpera e o afresco; trata-
se de uma forma de bloquear a janela virtual que surge na
pintura mediante o emprego da velatura da pintura à óleo.
Aqui no Brasil temos o exemplo da pintura de Paulo Pasta,
que, com admirável habilidade, consegue uma vibração
cromática a partir da relação entre o óleo e o verniz de cera,
que coloca a estrutura formal, na maioria das vezes
arquitetônica, em suspensão.

A escolha de alguns materiais em detrimento de outros


reflete a opção de uma determinada linguagem e define a
postura do artista em relação ao mundo. A imagem de uma
bandeira americana, feita por Jasper Johns, é de certa forma
escamoteada pela opacidade da encáustica e da colagem
sobre jornal. Ela não é uma bandeira qualquer, mas uma
pintura de uma bandeira90.

:
Jackson Pollock, Detalhe de Nnumber Oone (detalhe), Jackson Pollock, 1948.
Jasper Johns, , Detalhe de Flag (detalhe),, Jasper Johns, 1954.91, Foto:
Marco Giannotti

O meio de expressão interfere na maneira como a qual as imagens se


apresentam. Johns usa a encáustica, técnica que mistura o pigmento com a
cera, a fim de ressaltar a opacidade entre nossas imagens e seus códigos de
apresentação.
Pollock aplica uma tinta veloz, automotiva, para implodir o gesto na tela.
Como afirma Jackson Pollock, ao ser questionado sobre o dripping – técnica
de respingar diretamente sobre a tela –, as necessidades atuais demandam
novas técnicas, o pintor moderno não pode expressar sua época, o avião, a
bomba atômica, o rádio, com formas renascentistas ou de qualquer cultura
antepassada.

É notório o distanciamento artístico de Warhol em relação à


fatura, à gestualidade. Warhol chega a dizer que gostaria de
ser uma máquina. Ele apaga resquícios expressionistas de
seus antecessores Rauschenberg e Johns. A utilização em
série da mesma imagem, por mais que ela apresente sempre
diferenças, contribuiu muito para a serialidade minimalista
posterior. Warhol incorporou grandes conquistas do
expressionismo abstrato -, por exemplo, a tinta metálica de

Art. New Haven: Yale University Press, 2006, p.38.


90
“Usar o desenho da bandeira americana me ajudou imensamente,
porque não tinha de o desenhar” comentou Johns a Steinberg em
1963,. “ Por isso passei para coisas semelhantes, como alvos –
coisas que a mente já conhece. Isso deu-me espaço para trabalhar a
outros níveis”. JOHNS, J. apud HESS, Barbara. Jasper Johns. Cologne: ( Hess
Bárbara, Jasper Johns, Taschen; 2008, p. 8.:08).
91
Fotografias de POLLOCK, J. Number One (detalhe) e JOHNS, J. Flag
(detalhe) por Marco Giannotti. [nota referente às imagens, veja se é isso
mesmo]
57
Pollock, transpondo-a para os grandes monocromos, confere
um aspecto simbólico e paradoxal a essas imagens
mecânicas. No caso do dripping, Warhol subverte o efeito
produzido pela gestualidade ritual de Pollock pelo gesto
comum de urinar sobre as telas produzindo oxidações. Essas
atitudes, deliberadamente irônicas, muitas vezes levam a
uma interpretação errônea do que o artista moderno entende
pela dimensão técnica.

Warhol foi capaz de criar o estranhamento necessário para


impregnar de mistério suas imagens rotuladas. Parece-me
que, ao negar a originalidade da imagem, buscava outra
imagem que não poderia ser representada. Se não residem
no plano ideal, temos a sensação de que apresentam algo
que não pode ser dito. A relação entre elas e o seu referente
parece perdida para sempre.

Warhol O artista começa a série sobre Marilyn no momento


em que passa a utilizar o silkscreen, criando uma
proximidade entre técnica e significação. Ao aumentar os
pontos da reprodução fotográfica, retira muito do imaginário,
da presença viva da estrela. Warhol começou as pinturas
poucas semanas após o suicídio da atriz em 1962.
Transformando a imagem na apresentação de uma ausência,
como nas antigas pinturas funerárias, liga seu sentido ao ato
de mourning, velar (mourning). A imagem da atriz aparece
como um ícone bizantino sobre um fundo dourado.

Além da morte trágica de Marilyn, dois acontecimentos


terríveis envolvendo mulheres marcantes do cenário
americano são retratados: a doença de Elizabeth Taylor, que
faz com que ela interrompa abruptamente a filmagem de
Cleópatra, e a trágica morte do presidente Kennedy, com a
consequente viuvez precoce de Jacqueline. Poderíamos dizer
que essas séries – sem falar no Tuna Fish Disaster de
1963, onde pessoas anônimas morrem ao ingerir uma lata de
atum contaminado –, se celebram alguma coisa, é a própria
morte.

Andy Warhol, Mariyllyin Monroe in Black and white, 196292.

92
Fotografia de Andy Warhol trabalhando na impressão em silkscreen de
Marilyn Monroe, 1962 (imagem): <https://www.google.com.br/search?q=warhol++working++
on+Marylin+Silkscreen&tbm=isch&ved=2ahUKEwjYts7HhuLlAhUPHLkGHTSSD14Q2cCegQIABAA&oq=warhol++working+
+on+Marylin+Silkscreen&gs_l=img.12...8269.12776..14262...1.0..0.129.1243.5j7......0....1..gws-wiz-img.d-
QE2XnyCkA&ei=g0XJXZjpJ Y-45OUPtKS-8AU&bih=742&biw=1440#imgrc=ZdQsYSmsaBAJCM&imgdii=MceW1a
G6Bk4B5M >. Acesso em 23 de janeiro de 2020. WARHOL, A. Marylin Monroe in
58

“Acredito que foi a pintura sobre o acidente de avião na primeira página de


um jornal, anunciando a morte de 129 pessoas (129 DIE!). Estava também
pintando as Marilyns e me dei conta que tudo que fazia se relacionava com
a morte. Era Natal ou Dia do Trabalho – um feriado – e toda vez que
sintonizava o rádio diziam algo assim: ‘“4 milhões irão morrer’”. Assim
começou, mas quando você vê uma pintura impactante muitas vezes, elas
não têm o mesmo efeito”. 93.
Efeito anestésico. Entretanto, o que une estrelas e pessoas comuns, se não
o destino inexorável da morte? Nos dípticos, Warhol coloca uma tela
monocromática e vazia ao lado de outra retratando a atriz, produzindo assim
uma dialética não resolvida entre a presença e a ausência, entre a vida e a
morte. Marilyn referia-se a si mesma na terceira pessoa, um modo
esquizofrênico de viver onde, para virar estrela, sua imagem se descola da
mulher anônima:, Norma Jean. A imagem aqui produz uma identidade
diferente do próprio referente. Em seus momentos mais intensos, Warhol
dotava a imagem de uma carga simbólica em atrito com a realidade. Se o
artista não conseguia fazer com que a imagem pudesse remeter ao
referente, ela ao menos se espelhava em outra imagem virtual. A realidade
para Warhol é sempre traumática e a repetição obsessiva da imagem indica
uma realidade que não pode ser representada, apenas repetida.94

Os quadros sobre Marilyn Monroe indicam outro aspecto a


ser explorado. O artista pinta ao mesmo tempo em que
maquia as imagens. Aspectos da atriz se transformam à
medida que são maquiados – pintados de modos distintos, a
ponto de termos numa tela apenas o registro do lábio
envolto em um batom vermelho. A maquiagem nos leva a
uma descrição conhecida de Baudelaire sobre o pintor da
vida moderna, texto onde se encontram semelhanças
notáveis entre Warhol e o pintor moderno. O poeta nos diz
que, na vida moderna, o movimento rápido das coisas leva o
artista a igual velocidade de execução., Eexatamente o que a
técnica de silkscreen propicia. É um pintor de modos, é um
observador, flaneur, filósofo, dândi, algumas vezes poeta, é
o pintor das circunstâncias., Nota-se em ambos os casos aA
dualidade entre o efêmero e o eterno, o fugitivo e o infinito,
analisada acima na série dos retratos de Warhol, já se
encontra em no livro O Pintor da Vida Moderna. O aAutor
afirma que gostaria de acreditar que monsieur G. não existe,
nada mais sendo do que um anônimo na multidão, como no
epitáfio desejado por Warhol. Baudelaire lembra ainda que o
artista moderno é viajado, cosmopolita, ligado a um jornal
inglês, o que nos remete à Death Series de Warhol que se
inicia com uma capa de um jornal. O pintor moderno tem a
sensibilidade de uma criança convalescente. O que sugere
Warhol com sua palidez “albina”? O artista moderno se
interessa vivamente pelas coisas, por mais triviais que
sejam, e o mundo é seu domínio.
“Se você quiser saber tudo sobre Andy Warhol, veja a
superfície das minhas pinturas, filmes e eu, isto sou eu. Não
há nada atrás”. A fábrica – ateliê de Warhol – tornou-se

Black and White (Twenty-Five Marilyns), 1962 (imagem): <


https://www.modernamuseet. se/malmo/en/exhibitions/warhol-1968/andy-
warhol-varumarket-som-svek/>. Acesso em 23 de janeiro de 2020.
93
WARHOL, .Andy. aApud STILES, Kristine;. &SELZ, Peter. ,Theories
ands Documents of Contempory Art: a sourcebook of artist’s writings.
Berkeley. University of California Press, 1996, p.346.
94
Ver a este respeito CROW,.Thomas,: “Saturday Disasters: tTrace
and reference in early Warhol”. In: October Files. Cambridge/,
Massachusetts: MIT press, 2001, p.52 e o artigo Andy Warhol ou a
sombra da imagem. GIANNOTTI, Revista ARS, da Escola de
Comunicações e Artes (ECA) da USP (volume 22 , número. 4,, 2004).
59
célebre como o spot, ponto de encontro da foule pop nova-
iorquina. Ele sempre se fascinou pelas massas: “Gostaria que
todos pensassem igual, a Rússia está fazendo isso com seu
governo, aqui tudo acontece por si só”. Ou na série sobre
Mao, onde o líder da revolução cultural é maquiado como
imagem de culto.
Por fim, Baudelaire afirma que o artista moderno atravessa
os longos desvios da high life e da low life – da mesma forma
que Warhol jogava continuamente ao fazer grande arte no
mundo da propaganda e fazer propaganda no mundo da
grande arte. No capítulo final, Baudelaire fala da
originalidade com que G. retrata os carros, assim como
Warhol, que transforma em máquinas mortíferas esse
símbolo máximo do consumo americano. Baudelaire afirma
que não podemos atribuir à arte a função estéril de imitar a
natureza, o artista moderno vive do artifício e para o artifício.
Warhol, por sua vez, é o ponto máximo desse artificialismo
levado às últimas consequências.

Embora registre cenas trágicas impressas de modo mecânico


e impessoal, Warhol não é um observador passivo, seja na
série sobre os levantes raciais ou na da cadeira elétrica, que
remetem aos protestos feitos na época contra o racismo e a
pena de morte. A cadeira vazia se torna incômoda, porque
qualquer um de nós pode acabar sentado nela. Há ainda
outra série de acidentes de carros, o símbolo máximo de
uma cultura produzindo mortes anônimas, sem falar sobre
outra, que retrata pessoas espatifadas no chão após terem
cometido suicídio. O que torna todos esses quadros tão
fortes e instigantes é a dualidade em representar uma cena
traumática que, por sua vez, rapidamente pode se tornar
comum, fazendo parte de nossas vidas. Warhol muitas vezes
jogou com valores comerciais num meio cultural que a
qualquer custo procura escamotear esses valores. Em
contrapartida, quando era um designer comercial, sempre
conferiu aos seus produtos, paradoxalmente, uma aura
artística. Ao fazer do ateliê uma fábrica, sabia que
dificilmente estaria produzindo outra coisa além de
mercadorias:
“A fábrica é tão conveniente como qualquer outro lugar. É um
lugar onde se constroem coisas, é um lugar onde faço meu
trabalho. No meu trabalho artístico, a pintura à mão tomaria
muito tempo, em todo caso, essa não é a época em que
vivemos. Meios mecânicos são atuais e ao utilizá-los consigo
mais arte para mais pessoas. A arte deveria ser para
qualquer um”95.

A originalidade de Warhol está em incorporar novas técnicas


de reprodução do mundo sem se deixar dominar por elas,
conferindo-lhes nova dimensão, nova virtualidade. Vivemos
em um mundo em que os objetos artísticos se tornaram cada
vez mais mercantilizados. Os museus, que antes guardavam
obras, tornaram-se grandes empreendimentos capitalistas.
Ao jogar com a dualidade perversa da obra da arte no
mundo, Warhol soube explorar novos rumos para a arte
95
WARHOL, A.. “An Interview with Andy Warhol (entrevista concedida a
Benjamin Buchloh (16/05/1985)”. In: MICHELSON, Annette (ed.). Andy
Warhol (October Files). . OpMassachusetts: MIT Press, 2001,. cit., p. 125.
60
contemporânea sem cair no niilismo estéril ou na
ingenuidade romântica. Como ele mesmo afirma: uma vez
que você entende a “Pop” nunca mais você vê o signo da
mesma maneira.

A arte Pop recupera a figuração a partir do emprego da


fotografia e da colagem, como se, em um mundo saturado de
imagens, figurar objetos pura e simplesmente não fosse mais
possível. Roy Lichtenstein disse certa vez que a Pop significa
um envolvimento com as características mais abusadas e
ameaçadoras de nossa cultura, coisas que odiamos, mas que
também são poderosas no modo como se impõem. Na série
sobre as pinceladas, assim como nas imagens em quadrinho
de amor e guerra, Lichtenstein pega temas com grande carga
emocional e lida com eles, como a arte comercial faria,
mediante um método muito distanciado. O modo com que
Lichtenstein brinca com aquilo que nos preocupa é o inverso
daquele que o faz Jasper Johns, o artista cujo uso irônico de
emblemas comuns mostrou o caminho para Lichtenstein e
para outros criadores da arte Pop. Johns pega temas frios e
os pinta com alma, ou o que parece ser alma. Lichtenstein
pega temas cheios de alma e os pinta com frieza, ou o que
parece ser frieza. As transformações técnicas recentes
alteraram a maneira de interpretar e fazer uma pintura
contemporânea. Conceitos clássicos como o de mimese e
representação, originalidade e reprodutibilidade devem ser
repensados sob essa nova ótica.
61

Pintura e fotografia

“Quando copiei as primeiras fotos, senti pela primeira vez que estava
fazendo algo especial e, acima de tudo algo por conta própria. No jargão do
dia, era “radical”. E aqueles que viram isso de repente não tiveram
argumentos, exceto o de que era inaceitável simplesmente ignorar as regras
e copiar uma foto.”
Gerhard Richter

Quando copiei as primeiras fotos, senti pela primeira vez que estava
fazendo algo especial e, acima de tudo, algo por conta própria. No jargão do
dia, era "radical". E aqueles que viram isso de repente não tiveram
argumentos, exceto o de que era inaceitável simplesmente ignorar as regras
e copiar uma foto.
Gerhard Richter

Gerhard Richter, Photographs from Newspapers, Books, etc. ( Atlas p.15),


1964-1967. Toilet Paper, 196596.
97

96
RICHTER, G. Photographs from Newspapers, Books, etc. (Atlas, p.15).,
1964-1967. E Toilet Paper, 1965 (imagens): fonte?www. Gerhard Richter.com
62
Em 1965 Gerhard Richter cria suas pinturas a partir de um banco de
imagens que ele intitula Atlas, uma homenagem a Aby Warburg como
vimos no começo deste ensaio. O problema que se coloca é quando vemos
as fotografias de papel higenico ao lado de um dos trabalhos seminais do
cubismo de Picassso, juntamente com um candelabro, uma cena tropical e
uma cena do Kremlin. Warburg procurava estabelecer conexões primordias,
internas e ocultas entre as imagens através des suas reproduções. Nesta
sequência de Richter, que claramente se ambienta no clima da crítica da
cultura de massa da década de sessenta, tudo parece ser descartável, um
jornal, um papel higiênico, parecem durar menos que 15 minutos, mas se
tornam perenes na pintura.

Iniciamos nosso pequeno ensaio sobre a pintura


contemporânea com a fotografia de Andrée Malraux
dançando sobre uma série de imagens fotográficas.
Ilustramos parciosamente o texto com reproduções
fotográfiacas de algumas obras basileiareas para nossa
reflexão. A fotografia de tal modo se apresenta imbricadao
com a pintura que, de acordo com o meio, muitas vezes mal
podemos diferenciar uma coisa da outra. Gerhard Richter,
certamente um dos pintores mais influentes da atualidade
joga muitas vezes com esta ambiguidade. Ele sai de Berlim
oriental antes do muro ser construído em 1961, onde teve
uma formação acadêmica que lhe confere, aliás, maestria
técnica. Até 1989, e mesmo depois da queda do muro, o
contraste entre Berlim ocidental e oriental era gigante. De
um lado uma cidade colorida infestada por cartazes e
vitrines com mercadorias coloridas, do outro lado, uma
cidade cinza de ponta a ponta, do vestuário às fachadas.
Richter se depara com entre estas duas realidades tão
distintas. Outro fator decisivo para sua formação foi o
período em que trabalhou em um laboratório fotográfico., Llá
pode presenciar o surgimento “mágico” das imagens após
processos químicos - algo muito distante do processo
imediato da imagem digital. Inclusive, no início de sua
carreira como pintor, realiza uma série de pinturas em preto-
e-m branco. Produziam assim, um estranhamento necessário
e evocavam inevitavelmente a relação primordial da pintura
contemporânea com a fotografia9899.

97
RICHTER, Gerhard.
Photographs from Newspapers, Books, etc

98
“Suas pinturas em preto e branco anteriores tinham uma qualidade
diferente para você, um significado diferente das cores? Por exemplo, o
preto e branco era uma maneira de se distanciar ou era um meio para você
tentar ilustrar a objetividade? Naquela época era incomum criar pinturas a
óleo em preto-e-branco, mas todos os jornais, cotidianamente quando
utilizavam material fotográfico, incluindo a televisão, era em preto-e-branco;
álbuns de fotos e fotografia – tudo era preto-e-branco, o que é difícil de
imaginar nos dias de hoje. É por isso que impregnou um senso de realidade
na pintura que representava algo completamente novo. Olhando para eles
agora, a semelhança com a fotografia, a qualidade do documentário, não são
tão evidentes, porque as pinturas parecem apenas pinturas. Mas a fotografia
em preto-e-branco conseguiu manter uma qualidade única; o F.A.Z.
(Frankfurter Algemeine Zeitung) ainda usa fotografias em preto-e-branco,
mesmo que a maioria provavelmente prefira que sejam coloridas”. RICHTER,
G. Interview with Babette Richter (2002). In: RICHTER, G. op. cit. p. 442.
Disponível em: <https://www.gerhard-richter.com/en/quotes/search/? keyword=photography&year-from=&year-
to= >. Acesso em 21 de Dezembro de 2019.
99
Suas pinturas em preto e branco anteriores tinham uma qualidade
diferente para você, um significado diferente das cores? Por exemplo, o preto
e branco era uma maneira de se distanciar ou era um meio para você tentar
ilustrar a objetividade?
63
Richter afirma que ficou surpreso com a fotografia que
usamos todos os dias de maneira massiva: “De repente, vi
isso de uma nova maneira como uma imagem que me
oferecia uma nova visão, livre de todos os critérios
convencionais que sempre associei à arte. Não tinha estilo,
nem composição, nem julgamento. Isso me libertou da
experiência pessoal. Pela primeira vez, não havia nada: era
pura imagem. Por isso que eu queria utilizar, não para
mostrá-la – não usá-la como um meio para pintar, mas usar a
pintura como um meio para fotografar”100.
Em seu livro sobre arte e fotografia, na conclusão, Aaron
Scharf afirma como a fotografia efetivamente permitiu um
enorme ecletismo das imagens. Tudo parece contemporâneo,
nada se apaga. Mesmo um afresco de Mantegna feito
durante o Renascimento. Embora tenha sido destruído por
bombardeios durante a Segunda Guerra Mundial, perdurar
como imagem fotográfica. Estranha ainda mais o estilo
eclético do artista, que num mesmo ano faz uma pintura com
uma semelhança “fotográfica” da imagem de sua filha e no
momento seguinte faz uma pintura abstrata que parece a
fotografia de uma pintura figurativa que se apagou. Tudo
pode ser reproduzido ad infinitum. Mas isso não nos coloca
uma questão ética se tudo pode ser reproduzido de fato?
Na capa deste livro podemos observar uma pessoa
fotografando com seu telefone celular a Marilyn Monroe de
1962 de Andy Warhol no Museu de Arte Moderna de Nova
Iorque enquanto escuta uma gravação eletrônica. O quadro
de Andy Warhol por sua vez, surge a partir de uma imagem
fotográfica de Marilyn Monroe.
Cada vez mais, o observador solitário se perde na multidão
do museu, sua relação com a obra de arte é inteiramente
mediada pela tecnologia. O ato de observar parece cada vez
mais se confundir com o ato de fotografar. De fato, vivemos
num mundo em que as reproduções podem ser mais úteis e
significativas do que uma imagem original. Neste caso o que
buscamos ainda numa pintura contemporânea? Sua
unicidade, sua originalidade?O ato de observar parece cada
vez mais se confundir com o ato de fotografar. De fato,
vivemos num mundo em que as reproduções podem ser
mais úteis e significativas do que uma imagem original.
Neste caso o que buscamos ainda numa pintura
contemporânea? Sua unicidade, sua originalidade?

Naquela época era incomum criar pinturas a óleo em preto-e-branco, mas


todos os jornais, cotidianamente quando utilizavam material fotográfico,
incluindo a televisão, era em preto e branco; álbuns de fotos e fotografia -
tudo era preto e branco, o que é difícil de imaginar nos dias de hoje. É por isso
que impregnou um senso de realidade na pintura que representava algo
completamente novo. Olhando para eles agora, a semelhança com a
fotografia, a qualidade do documentário, não são tão evidentes, porque as
pinturas parecem apenas pinturas. Mas a fotografia em preto e branco
conseguiu manter uma qualidade única; o F.A.Z. [Frankfurter Allgemeine
Zeitung] ainda usa fotografias em preto e branco, mesmo que a maioria
provavelmente prefira que sejam coloridas
https://www.gerhard-richter.com/en/search/?search=on%20photography
acesso em 21 de dezembro de 2019.

100
RICHTER, G. Interview with Rolf Schön (1972). In: RICHTER, G. Idem, p.
59. Disponível em: <https://www.gerhard-richter.com/en/quotes/search/?keyword=photo graphy&year-
from=&year-to= >. Acesso em 21 de Dezembro de 2019.
64
Pintura e fotografia não devem ser entendidas como modos
de produzir imagens concorrentes. Desde a exposição
impressionista dos recusados, que ocorreu no estúdio de
Nadar, o fotógrafo e o pintor antes cooperaram do que
competiram entre si. Degas foi um dos primeiros a entender o
que a fotografia poderia ensinar ao pintor e o que o pintor
deveria evitar tomar emprestado dela. A natureza que se
dirige à câmera não é a mesma que se dirige ao olhar. A visão
é transformada pela técnica. No caso célebre de como
Muybridge retrata o galope do cavalo, a fotografia nos mostra
como nenhuma tomada fotográfica em si é suficiente para
nos dar a ilusão do movimento. O que nós realmente
percebemos é uma sequência infinita de pontos estáticos.
Existem pintores como Francis Bacon que só pintavam a
partir de fotografias: Vejo imagens em série. Suponho que
poderia ir muito além do tríptico e fazer cinco ou seis juntos,
mas acho que o tríptico é uma unidade mais equilibrada”.
Bacon nunca pintou ao vivo e sempre trabalhou a partir de
fotografias. Ele tinha uma cópia do livro pioneiro de Eadweard
Muybridge dos anos 1880, A Figura Humana em Movimento,
que explorava o movimento através de uma série de imagens
ainda sequenciais de pessoas andando, correndo pulando e
lutando. As fotografias de Muybridge podem ser reconhecidas
como a fonte de muitas das figuras que aparecem nas
pinturas de Bacon. Outro livro a que o artista se referiu para
algumas de suas poses mais tortuosas foi Positioning in
Radiography (1939), de Clark101.

Após desfazer o mito de que a fotografia teria “liberado” a


pintura de seu compromisso com a verossimilhança, uma vez
que a própria pintura já estava se encarregando do
desmonte de uma visão naturalista, Susan Sontag afirma que
“pela sua natureza, a foto não pode transcender totalmente
seu motivo, como um quadro. Uma foto não pode
transcender o próprio domínio do visual, o que, de certa
forma, foi a maior ambição da modernidade na pintura” 102.
Para Sontag, o olhar da fotografia é eclético. Uma história
dos estilos é possível na pintura, não na fotografia. Na arte
contemporânea, contudo, fotografia e pintura tendem cada
vez mais a se miscigenar.
Ninguém duvida de que a fotografia já se tornou uma forma
de arte consolidada. Resta saber em que medida a fotografia
passou a mediar o nosso imaginário. Vemos hoje em dia cada
vez mais imagens através da fotografia, diante da tela de um
computador ou da televisão, sem ter que sair do lugar. A
multiplicidade imagética que ocorre nos novos meios
tecnológicos chega a ser inimaginável. Atualmente, é
possível remover montanhas com um Macintosh. Temos uma
visão cada vez mais artificial. As novas tecnologias,
principalmente as digitais, diluem as noções clássicas de
imagem e coisa, cópia e original. Baudelaire chegou a prever
101
LLOYD, Michael; DESMOND, Michael. European and American Paintings
and Sculptures 1870-1970 in the Australian National Gallery (catáalogo de
exposição). Canberra: The National Gallery of Australia, 1992, p. 402.
Disponível em: <https://artsearch.nga.gov.au/detail.cfm?IRN=36332>.
Acesso em 23 de janeiro de 2020.
102
SONTAG, Susan. Sobre a Ffotografia. São Paulo: Companhia das
letras, 2004.
65
que no mundo moderno a relação transcendente que se
tinha com a imagem passa a ser questionada. O próprio
sentido da palavra aura é desvirtuado pela ótica do mercado.
Exemplo disso é que, certo tempo atrás, a Fnac lançou o
“Cartão Fnac Aura”! Dez anos depois, a loja Fnac no Brasil
deixa de existir devido a predominância dos meios digitais.

Ao comentar a proliferação da reprodução de imagens em


livros de arte, Rosenberg se pergunta se isso não é um
sintoma de uma época onde a libertação do tema literário -,
de que se vangloriaram a pintura e a escultura modernas, -
cumpriu-se por sua transformação em literatura. À medida
que a interpretação consome a pintura, a disparidade entre
sua realidade física e sua imagem impressa desaparece. A
obra original torna-se mais cedo ou mais tarde somente o
modelo a partir do qual se fazem cópias manuseáveis.

O artista perde o monopólio da construção das imagens. Em


uma inversão do que é real e virtual, cada vez mais os
eventos são configurados para serem fotografados. Hoje em
dia todos tem um celular com uma câmara a mão.
Entretanto, para se tornar artista, é preciso fazer mais do
que captar uma bela imagem.

Jeff Wall, Dead Troops Talk .


(A vision after an ambush of a Red Army patrol, near Moqor,
Afghanistan, winter 1986), 1992103.

O artista Jeff Wall se tornou célebre ao retomar grandes temas da pintura


mediante a fotografia. Não somente pPela grandeza da sua composição -, as
imagens remeteiam a cenas heróicas da pintura de Delacroix, Gericault etc
-. mMas pelo fato de serem fotografias, teínhamos de fato uma reação de
compaixão e de desgosto que atualmente só temos diante das imagens
jornalísticas. Entretanto, tudo não passou de encenação: os mortos eram
atores e a cena foi inteiramente montada em estúdio.

103
WALL, J. Dead Troops Talk (A vision after an ambush of Red Army patrol, near Moqor, Afghanistan,
winter 1986), 1992 (imagem): https://www.tate.org.uk/whats-on/tate-modern/exhibition/jeff-wall/jeff-wall-room-guide/jeff-wall-room-guide-room-8.
Acesso em 20 de janeiro 2020
fonte?
66
No mundo de hoje, o que está em jogo não é mais a
contemplação da natureza, mas a utilização de imagens cada
vez mais artificiais. Se a técnica conforma os sentidos, mais
do que nunca as novas tecnologias interferem na nossa
maneira de ver e interpretar o mundo. A natureza não é mais
o anteparo último que permite ao artista verificar se o seu
esquema representacional está correto ou não. Não há mais
espaço para a “dúvida de Cézanne” como afirma Merleau-
Ponty em o Olho e o Espírito.. Interpretações que se apóiam
na mimese para dar sentido ao trabalho artístico se tornam
cada vez mais problemáticas. Temos dificuldade em aplicar
critérios fenomenológicos quando a pintura se torna cada
vez mais autorreferente e passa a comentar um mundo
virtual. Nesse sentido é que podemos entender que
inspirados na Pop, tantos pintores [hoje?] hoje em dia
realizam quadros a partir da fotografia e não mais da
natureza. :


Por que a fotografia é tão importante em seu trabalho?
Porque fiquei surpreso com a fotografia, que todos nós usamos tão
intensamente todos os dias. De repente, vi isso de uma nova maneira, como
uma imagem que me oferecia uma nova visão, livre de todos os critérios
convencionais que sempre associei à arte. Não tinha estilo, nem
composição, nem julgamento. Isso me libertou da experiência pessoal. Pela
primeira vez, não havia nada: era pura imagem. É por isso que eu queria tê-
la, para mostrá-la - não usá-la como um meio para pintar, mas usar a
pintura como um meio para fotografar.104

Por que estou mudando as qualidades da fotografia? Porque


ela é tão pequena. Sou um pintor e amo pintar. Utilizar
fotografias era a única maneira de continuar a pintar. Não
poderia ter utilizado simplesmente um modelo. Isso era
impossível e uma empreitada curta. Não posso fazer isso,
nem o senhor Lucian Freud pode fazer isso. Eu tinha que
utilizar fotografias. Elas criavam novos conteúdos que eram
relevantes para mim e para os outros. Essa era minha
convicção”.

Apesar de vivermos em um mundo prolífico em imagens e já


que nenhum meio é neutro e objetivo, transpor uma imagem
fotográfica para a pintura pode ser uma experiência
reveladora. Talvez seja por isso que Richter propõe que a
pintura deve voltar a apresentar imagens ideais de um
mundo melhor:
“Depois de Duchamp, nós só fabricamos ready-mades,
mesmo se o pintamos com a nossa mão... A invenção
do ready-made me parece ser a invenção da
realidade, trata-se de uma descoberta da mais alta
importância, visto que, contrariamente à visão
filosófica do mundo, a realidade é a quintessência.
Desde então, a pintura não mostra mais a realidade,
mas representa a si mesma. Um belo dia, o propósito

104
RICHTER.Entrevista com Rolf Schön, 1972 https://www.gerhard-richter.com/en/quotes/search/?keyword=photography&year-from=&year-
to=
67
será de negar essa realidade para realizar imagens de
um mundo melhor (como sempre)”105 .

Creio que essa realidade, cada vez mais impossível de ser


pintada, confere ao trabalho de Richter um aspecto trágico e
contemporâneo, algo que Balzac já havia pressentido em A
Oobra-prima Ddesconhecida, onde o pintor Frenhoffer
consegue apenas pintar um pé no meio de uma massa
amorfa pictórica. Seu insucesso o leva ao suicídio. Richter
pinta quadros figurativos que remetem a imagens
fotográficas. Por outro lado, quando pinta quadros abstratos
ele apaga uma paisagem. Sua força está nesse ecletismo um
tanto paradoxal, ao ponto de não sabermos ao certo o que
estamos vendo de fato.

Luc Tuymans estabelece uma relação totalmente distinta


com a fotografia. Ele é belga enquanto Richter é alemão,
duas culturas visuais distintasdiferentes. Richter é um pintor
engajado, suas pinturas muitas vezes discutem a situação
alemã, em particular com a série baseada em imagens em
preto- e- branco do grupo terrorista Baader Meinhof. Sua
obra é extremamente cerebral, onde o sentido da imagem é
sempre colocado em questão. Tuymans procura resgatar,
como um pintor flamengo, a beleza empírica do detalhe, do
fragmento. Ele leva a cabo a proposta de Braque quando
disse que uma pintura está pronta quando apaga a ideia.
Resulta daí uma pintura extremamente refinada e límpida. Se
o matiz é rebaixado, revela nuances cromáticas muito sutis,
ao contrário de Richter. Sua obra se tornou referência para a
nova geração que procura realizar uma pintura figurativa que
fale do seu tempo. A fotografia, nesse caso, é o lugar onde a
memória é ativada e, a pintura concretiza esse processo de
recordação. Ele Tuymans joga o tempo todo com a ideia de
fragmento e de escala, um quadro grande parece pequeno e
um pequeno parece grande. Não há o contraste gritante
entre figuração e abstração: toda imagem é ambígua e pode
ser interpretada de vários modos conforme o aspecto.

Com o advento da fotografia digital, as imagens ficaram ao


alcance de qualquer um. Tudo pode ser fotografado hoje em
dia, como Warhol já pressentia ao fazer dos seus filmes um
reality show. Entretanto, o que perdura com mais
intensidade em nós é a dimensão trágica por trás do sorriso
da Marilyn, as cenas de desastres aéreos e automobilísticos e
da cadeira elétrica vazia. O nosso fascínio pela dimensão
trágica da imagem parece cada vez maior. Atualmente,
somos mais atraídos por cenas catastróficas do que por
paisagens bucólicas. Somos levados a confundir um pôr -do
-sol com um conceito Kitsch, a experiência estética da
natureza sucumbiu diante da ideologia do turismo. A
natureza, em suma, não pode ser vista à revelia da cultura. À
medida em que a obra de arte se baseava na concepção do
Belo como manifestação sensível da Ideia, célebre definição
de Hegel, a obra de arte tendia a ser interpretada de
maneira idealista, como mero suporte ou meio de acesso ao
mundo suprassensível. Engendrando um sentido a partir de
105
RICHTER, G. Notes 1982. In: OBRIST, Hans-Ulrich (ed.). Gerhard Richter:
the daily practice of painting: writings and interviews 1962-1993. Londres:
Thames & Hudson, 2002, p.101.. https://www.gerhard-richter.com/
68
si mesma, a obra de arte proporciona uma maneira de
conhecer a nós ainda quando esse horizonte de significação
comum esteja desagregado. Segundo Gadamer, a obra de
arte contemporânea não conserva a legitimação ideal de sua
dimensão sensível fundada na natureza; possui antes a
propriedade de iluminar e projetar um mundo e de balizar
nossas ações. Nesse sentido, não podemos deixar de colocar
a questão ética106 sobre o que as imagens produzidas no
cenário contemporâneo de fato significam para nós e como
revelam novos dilemas para a arte.

O advento da tecnologia digital trouxe efetivamente novos


desafios para a fotografia contemporânea. Curiosamente ela
passa a dialogar com as linguagens artísticas tradicionais
como a estampa e a pintura em um outro patamar. Por
exemplo, o fato de que a imagem fotográfica possa ser
retrabalhada em vários layers ou camadas digitalmente
confere àa imagem uma temporalidade distante da
fotografia analógica, pois o instante fotográfico deixa de ser
necessariamente o que caracteriza a especificidade desta
linguagem.

O suporte tradicional da fotografia, o livro impresso, deixa


de ser o único meio de divulgar a imagem. As novas
tecnologias permitem que o processo de impressão a jato de
tinta se assemelhe a estampa, pois o pigmento é impresso
no papel; por outro lado, a possibilidade de se realizar
imagens em grande escala aproximam a fotografia do
pintura na medida em que pode ser colocada em uma
parede como um tableaux (qQuadro).107

A relação entre a fotografia é múltipla e se transforma a cada


instante, pois os meios de captação e reprodução da imagem
mudam com a tecnologia. [Como teria dito Andy Warhol,]
“Dizem que o tempo muda as coisas, mas na verdade é você
que tem que muda-las”. Andy Warhol108

106
“O conteúdo ético das fotos é frágil. Com a possíivel exceção
daqueles horrores como os campos nazistas, que adquiriram a
condição de pontos de referência éticos, a maioria das fotos nãop
conserva sua carga emocional. Uma foto de 1900 que, na época,
produziu grande efeito por causa do seu tema, hoje,
provavelmente, nos comoveria por ser uma foto tirade em 1900”.
SONTAG, S. op. cit.,Sobre a fotografia, Companhia das letras, p.63.
107
Ver a este respeito o lLivro “ Why Photography Mmatter Aas Nnever Before. FRIED,.
Michael. New Haven: Yale university Press, 2008
108
https://www.brainyquote.com/quotes/andy_warhol_109768
69
70

Novas perspectivas

Mas o que é pintura? É iluminação e experiência.


Robert Ryman

Robert Ryman trabalhando,, (captura de vídeo)1993109.

Robert Ryman, por exemplo, é um artista que trabalha sempre com a ideia
de limite. Ele utiliza usa os elementos mais simples para fazer uma pintura:
ele utiliza sempre a cor branca , e recobre as superfícies com uma trama.
Ele disseca o gesto, o suporte, a moldura e, ainda assim, consegue extrair
uma enorme força poética de elementos mínimos

Ao invés de buscar uma originalidade mítica, ao invés de


negar o passado, a interpretação de uma pintura
contemporânea se faz a partir de um confrontamento direto
com suas referências. Em um mundo saturado de imagens,
alguns pintores ainda buscam na prática, descobrir novas
relações formais, que resistem às impressões passageiras e
remetem a uma visão de mundo mais plena. Essa utopia, ao
invés de se projetar apenas para o futuro, evoca
simultaneamente o passado, o universo pictórico já habitado
por grandes pintores como Mondrian, Morandi, Rothko,
Newman, Warhol e, no caso brasileiro, referências locais mais
próximas e presentes como Volpi, Milton da Costa, Iberê
Camargo, Eduardo Sued, etc. A presença constante de
Giorgio Morandi no panorama cultural brasileiro é um
fenômeno que deve ser estudado. Creio que em nenhum
outro lugar do mundo, talvez apenas em sua terra natal, seu
trabalho exerça tanta influência sobre os artistas
contemporâneos, sejam eles pintores, escultores ou
gravadores.

109
Robert Ryman trabalhando (captura de video), 1993. KAPPELER,
Friedrich; LÄUCHLI, Marco. Robert Ryman: A Talk with the Artist, 1993.
Disponível em: <https://raussmueller-insights.org/ en/robert-ryman-a-talk-with-the-artist/ >. Acesso em
23 de janeiro de 2020.
71

Giorgio Morandi, Natureza-Morta de Vasos emu ma mesa, 1931. ,


Waltercio Caldas, Tridimensional, 1997110.

Há algum tempo bastava percorrermos aà Avenida Paulista para avistarmos


uma obra recente de Waltercio Caldas em frente ao Instituto Cultural Itaú, ou
encontrarmos as garrafas de Morandi reinventadas por cabos de aço que
recortam o vazio. As esculturas maquiadas de Tunga revelam encaixes tipo
macho-fêmea e remetem também ao jogo positivo-negativo das tigelas e
garrafas de Morandi. Sua pincelada é uma referência para pintores como
Eduardo Sued, Paulo Pasta e Sérgio Sister. Já sua trama com a água-forte,
que remete a uma grade, é uma forte referência para a gravura brasileira.
Talvez Morandi seja o artista que tenha exercido a maior influência benéfica
na arte brasileira, não como a de Picasso sobre Portinari, que acaba muitas
vezes em simulacros. Refiro-me antes a uma presença que, para ser
mantida, deve sofrer um processo contínuo de transformação.

Na obra de Waltercio Caldas pode se ver constantemente um


diálogo com questões pictóricas. Ele chegou a dedicar um
livro inteiro a Velásquez, explorando seus espaços na medida
em que apagava os personagens. Em sua versão sobre o
célebre quadro Las meninas (1656), o espaço vazio se
apresenta com um palco ou como uma câamara obscura
onde os personagens são as próprias pinturas em diálogo
com a arquitetura. Trata-se, como afirma o pintor barroco
Luca Giordano, de uma teologia sobre a própria pintura.
Nada mais punjante do que uma enorme tela vista no
primeiro plano de costas para o observador e que recorta a
parte esquerda da composição. Como afirma Lacan, pode ser
entendida como o reverso da própria pintura que esta diante
de nossos olhos, como uma carta de baralho escondida, mas
prestes a ser revelada. Vemos ainda um espelho, que antes
refletia a imagem do rei Felipe IV e da rainha Mariana de
Austria, e que, segundo Foucault refletia o espectador como
sujeito e que faz da pintura um jogo continuo de
representações, ou ainda a porta aberta que mostra a
ausência de outro personagem que não sabemos ao certo se
está de entrada ou de saída da cena, mas que, ao se
ausentar, revela o ponto de fuga da obra.

110
MORANDI, G. Natureza-morta de Vasos em uma Mesa, 1931 (imagem):
> . Acesso em 23 de
<https://www.estorickcollection.com/exhibitions/giorgio-morandi-lines-of-poetry
janeiro de 2020. CALDAS, W. Tridimensional, 1997 (imagem): <
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra38408/espelho-sem-aco>. Acesso em 23 de janeiro de
2020.
72

Waltercio Caldas, Velázsquez, 1994111.

Não importa se figurativa ou abstrata, a pintura


contemporânea instaura uma nova ordem no plano sensível.
A distinção entre pintura abstrata e figurativa perde cada vez
mais o sentido: existe a pintura que é capaz de revelar uma
nova ordem, uma nova forma de se abordar o mundo, e outra
que não procura transcender a si mesma, que se contenta
com jogos formais totalmente destituídos de vida. As figuras
nesse caso podem se tornar tão vazias quanto um gesto
inexpressivo de uma má pintura abstrata.

Na década de 1980 houve uma tentativa de recuperar o lugar


do sujeito na obra. Entretanto, esse esforço, em retomar a
expressão através da pintura, mostrou-se bastante ingênuo e
até mesmo superficial. A recuperação da pintura e de seu
passado foi feita na maioria das vezes de modo alegórico,
onde o artista se resumia a citar fontes. Durante os anos
1980 aqui no Brasil surge um pintor que, embora tenha
falecido muito jovem, logo se tornou uma referência para
uma geração. Jorge Guinle representava uma “volta à
pintura” de grande qualidade, ao contrário da “Bad Painting”
muito em voga na época. Guinle procurava um diálogo aberto
com a escola francesa de pintura, em particular com o último
Monet, Matisse e Bonnard. Suas pinturas exibem uma trama
cromática extremamente refinada, feita através de uma
aplicação rigorosa de pinceladas, formando um “all-over”,
onde cada gesto parece conter uma experiência diversa. O
diálogo com a tradição não o impediu de ter uma consciência
clara dos problemas de seu tempo, como, por exemplo, o
resgate do gesto expressivo frente ao impasse do

111
Na obra de Waltercio Caldas pode se ver constantemente um
diálogo com questões pictóricas. Ele chegou a dedicar um livro
inteiro a Velázsquez, explorando seus espaços na medida em que
apagava os personagens.: Segundo o artista: “No
livro Velázquez sugiro que as questões impressionistas foram
prematuramente tratadas por este artista (1599-1660), que pintava
imaginando que o espectador veria suas imagens de uma distância
maior. A pintura impressionista nublava ainda mais o olhar,
abstraía mais. Velázquez, de certa maneira, revelava um "desfoque"
peculiar em sua pintura - "desfoque" que o impressionismo utilizará
depois.”.
CALDAS. Waltercio, Meio-Ato: eEntrevista com Thiago HonórioWaltercio
Caldas (entrevista concedida a Thiago Honório). a Revista ARS , da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da USP (São Paulo) volume .4, noúmero .8,
2006). São Paulo, 2006
73
minimalismo, que retirava qualquer resquício de
subjetividade da obra de arte. Suas últimas obras, diáfanas,
representam uma reviravolta em seu percurso. Quadros
simples, com a tinta bem diluída em terebintina, recusam
qualquer concessão ao belo efeito cromático. Essas pinturas
revelam o desespero em atribuir sentido a cada gesto, como
se estivesse à procura de dissimular a morte. Jorge Guinle foi
capaz de juntar arte e vida com uma intensidade invejável,
sem cair nos clichês de uma expressividade fácil. Ele
conseguiu conciliar o rigor de uma boa pintura abstrata com
uma vontade figurativa sempre latente; em cada uma de
suas obras podemos sentir a afirmação de que a pintura
ainda pode representar uma visão de mundo e partilhar
experiências de vida. Há uma desenvoltura, uma busca
desenfreada por uma forma de liberdade.

A chamada “volta àa pintura” trouxe como tantos


movimentos, obras de grande qualidade bem como outras
duvidosas. Mas sem dúviuda nenhuma, na medida em que
jovens artistas amadureceram, criaram as bases do que seria
a pinturta brasileira atual. É importante recordar que o meio
artístico era pequeno e o acesso àa informação bastante
limitado, sóeo se fazia mediante os livros de arte que eram
trazidos do exterior. Não havia grandes editoras nacionais
que produziam livros ilustrados sobre o que estava
acontecendo mundo afora. Para fazer um panorama geral é
difícil não incorrer em generalidades, mas, ao meu ver, ao
tratar da geração 80 na pintura podemos abordar
rapidamente o que acontecia em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Naquele momento não havia uma arte em âmbito
nacional, com jovens artistas que surgem em vários estados,
como agora. Numa breve história, duas exposições podem
nos ajudar a mostrar os dilemas deste período de grande
vivacidade politica e cultural durante o final agonizante da
ditadura militar em 1985: Como vai você, Geração 80?112
que ocorreu no Rio de Jjaneiro e mostrou de uma maneira
geral e, com exceções importantes, artistas vinculados a

112
“" A pergunta, em tom casual, dá título a uma grande exposição
realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque
Lage) Jardim Botânico, Rio de Janeiro, aberta em 14 de julho de
1984. Os curadores da mostra, Marcus de Lontra Costa (1954), Paulo
Roberto Leal (1946 - 1991) e Sandra Magger, afirmam o caráter de
sondagem do empreendimento, que visa trazer à tona a produção
variada que tem lugar na década de 1980. Não se trata de lançar
manifestos, determinar modelos e/ou posturas unívocas, mas de
aferir algumas tendências artísticas que se manifestam no
momento. (...) Espécie de balanço realizado no calor da hora, a
exposição reúne 123 artistas de idades e formações distintas
como Alex Vallauri (1949 - 1987), Ana Maria Tavares (1958), Beatriz
Milhazes (1960), Cristina Canale (1961) e  Daniel Senise ( 1955). Ainda
que o título da exposição faça menção a uma "geração 80" genérica,
o fato é que dela participam majoritariamente artistas do Rio
de Janeiro e de São Paulo. Boa parte dos cariocas tem ligação com a
EAV/Parque Lage, na época coordenada por Luiz Áquila (1943). Os
paulistas, em sua maioria, formam um grupo oriundo dos cursos de
artes da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap)
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento83465/como-vai-voce-
geracao-80>. Aacessado em 10 de dezembro de 2019.
Certamente outros nomes devem ser acrescentados: Ester
Grinspum (1955), Frida Baranek (1961), Gonçalo Ivo (1958), Jorge
Guinle (1947 – 1987), Karin Lambrecht (1957), Leda
Catunda (1961), Leonilson (1957 – 1993), Luiz Zerbini (1959), Luiz
Pizarro (1958), Mônica Nador (1955),Sérgio Romagnolo  (1957),
Nelson Felix (1954) e Elizabeth Jobim (1957).
74
uma vertente Pop. Já a 18º Bienal de São Paulo que ocorreu
em 1985 mostrou em grandes corredores (intituladao Aa
Ggrande Ttela) artistas estrangeiros e brasileiros de uma
vertente neoexpressionista estrangeiros e brasileiros.113.
Neste movimento se destacava o grupo casa 7 formado por
Rodrigo Andrande, Paulo Monteiro, Nuno Ramos, Fábio
Miguez e Carlito Carvalhosa. Embora fortemente
influenciados pelo neo expressionismo alemão, estes jovens
artistas demontraram um apreço àa materialida de da
superfície pictórica que se faz presente na obra de vários
destes artistas atualmente e que inclusive, torna-se uma
referêiencia para os mais jovens. Certamente souberam
resisitir ao tempo na medida em que aprimoraram a técnica
pictórica, e desenvolveram, cada um a seu modo, uma
poética singular.114. Todos passaram pelo atelier de Sergio
Finguermann, artista que fez a passagem entre uma pintura
refinada de origem gráfica da chamada Escola Brasil115 para
uma pintura com uma carga mais lírica.

Não há pintura sem um trabalho de garimpo, que consiste


em cavar novas imagens e novas relações entre os
materiais. Nunca se cobrou tanto a marca pessoal, o estilo
inconfundível do artista., Ppor outro lado, os artistas cada
vez mais manipulam imagens pré--existentes. O movimento
Pop radicalizou ainda mais essa tendência de ocultar o gesto,
o ato expressivo se dilui frente os signos que permeiam
nossas vidas: uma bandeira, uma garrafa de cerveja ou de
Coca-Ccola. Onde encontrar uma imagem original?

Uma defesa da especificidade da linguagem pictórica pode


ser facilmente acusada de formalista. Mas basta ler
atentamente Greenberg para percebermos que, ao contrário
do que se diz, não se separa a forma do conteúdo de uma
obra arte. Um pintor já se expressa através do uso de
determinados materiais em detrimento de outros. Essa
escolha já reflete a opção tomada por uma determinada
linguagem.. O meio de expressão interfere na maneira em
que as imagens são apresentadas. Estamos longe de uma
concepção da técnica como algo transparente e neutro.

A obra deve ser entendida como a realização de um ato


expressivo e construtivo ao mesmo tempo, de modo que o

113
Para ver mais à este respeito:
<http://www.bienal.org.br/exposicoes/18bienal>. Acesso em 23 de janeiro
de 2020.
114
Havia dois modos distintos de formação artística então, aquele
que ocorria em ateliês de artista como no de Carlos Fajardo e Sergio
Fingermann e os que ocorriam em Faculdades de Arte como no
Departamento de Artes Plásticas da USP e na FAAP (Faculdade
Armando Alvares Penteado). Sem dúvida, naquele período, no que
concerne a pintura, a atividades nos ateliers e na Faap era bem
mais livre e menos engessada. Na USP o atelier de pintura era
praticamente vazio, pois a “morte da pintura” havia sido decretada.
Com o tempo estas anomalias foram sendo sanadas, de modo que
hoje em dia lá se formaram pintores de grande qualidade como
Eurico Lopes, Tais Cabral, Vitor Iwasso, Henrique Oliveira, Rafael
Carneiro, André Ricardo entre outros.

115
A respeito da Escola Brasil ver:
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao407326/escola-brasil
75
essencial na obra de arte não consiste no ser imagem ou
sinal, mas no ser uma coisa, um objeto, uma realidade. Fazer
arte significa, em primeiro lugar, realizar: é só
secundariamente que ela é significação, ou expressão, ou
qualquer outra coisa. Desvincular o conceito de expressão da
obra propriamente dita poderia nos levar a um espiritualismo
artístico.

A procura constante de simplificar a pintura, chegar até o


limite, muitas vezes tornou o ato pictórico em si mecânico e
impessoal. Mas os pintores inventam sempre uma nova
maneira de atribuir novo significado ao gesto mais simples.

Parece ter se esgotado o projeto moderno da pintura, que se


caracterizou pela busca por uma autonomia pura dos meios.
Como ir além de uma pintura monocromática que evidencia
cor e forma? Rodchenko já decretou a morte da pintura há
cem anos ao realizar seus monocromos116. De fato, não há
saída para uma pergunta que já contempla a sua resposta.
Entretanto, jogando com sua própria morte, como o cavaleiro
do Sétimo Selo de Ingmar Bergman, a pintura teve no
modernismo um dos momentos mais profícuos de sua
história.117. Mas, ao voltar para o velho dilema, a pintura
novamente se depara com duas possibilidades não muito
promissoras: ou volta-se ainda mais para si, realizando jogos
formais cada vez mais abstratos e estéreis, ou volta para
uma figuração de cunho tradicional. Os artistas citados neste
ensaio souberam, cada um a seu modo, escapar deste
dilema.

116
“A arte permanece na sua categoria, como o mar, que apesar do
fluxo e refluxo, continua no seu próprio leito. As investidas da anti-
arte não fazem mais que afirmá-la. Muitos são os arautos da
destruição da arte e, portanto. Do homem que morrerá com ela.
Vaticinam também o fim da religião e do pensamento filosófico. Com
o advento da bomba atômica, também apregoam o fim do mundo”.
CAMARGO, Iberê. Texto original no jornal Correio do Povo (24/12/1969), Porto
Alegre. In: LAGNADO, Lisette “Conversações com Iberê Camargo”. São Paulo:
Iluminuras, 1994, p 145.

117
“O discurso historico não nasce nunca. Sempre recomeça.
Constatamos isso: a história da arte (…) recomeça vez após outra.
Toda vez, ao que parece, que seu próprio objeto é vivenciado como
morto…é como renascendo”., DIDI-HUBERMAN, Georges. A Iimagem
Ssobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby
Warburg. Rio de Janeiro: , p.13. Contraponto, Rio de Janeiro, 2013, p.13.
76
Ingmar Bergman, O Sétimo selo, Igmar Bergman, 1959118.

Cabe ao artista encontrar sempre novas medidas que


balizem sua ação. Atualmente, a pergunta ética pelo sentido
do fazer não pode deixar de ser feita. O problema é que essa
medida parece estar sendo continuamente questionada e
refeita pelos artistas de hoje. Nesse momento torna-se vital
discutir sobre as novas possibilidades que se abrem para a
pintura contemporânea. Para isso, é necessário rever os
paradigmas teleológicos que levam a uma “morte” da
pintura.119. Ao invés de discutir sobre a decadência, devemos
antes discutir as novas possibilidades visuais e conceituais
que balizam a produção atual. 120. Atualmente, sem o amparo
da tradição, o artista não só deve aprender a falar, como
também deve descobrir sobre o que ele deve falar.

Lucas Arruda,
UntitledSem título ((da série from the Deserto-Modelo series), 2018121

Lucas Arruda é um jovem artista em evidência, tanto no Brasil, como no


exterior. O que faria uma pintura de motivos tão clássicos - o pôr do sol, o
nascer da lua - algo tão promissor? Talvez justamente porque este
movimento cíclico da natureza, que ainda evoca uma dimensão sublime, nos
mostre um céu tão carregado de matéria pictórica. A superfície é tão
saturada que a pintura transborda o formato de paisagem tradicional. Diante
118
BERGMAN, I. O Sétimo Selo, 1959 (imagem):
https://oglobo.globo.com/rioshow/mostra-reune-dez-classicos-de-bergman-dois-documentarios-ineditos-sobre-cineasta-
23085029 acesso em 20 de janeiro 2020
fonte?
119
“Éé o questionamento sobre a possibilidade de ainda existir
pintura que está no início do fim, e é esse início do fim que tem sido
nossa história, a saber, o que estamos acostumados a chamar de
modernismo. De fato, toda a aventura do modernismo, especialmente da
pintura abstrata – que pode ser tomada como seu emblema –, não teria
funcionado sem um mito apocalíptico”. BOIS, Yves-Alain. Pintura a tarefa do
luto. Tradução Taís Ribeiro. In: Revista ARS, da Escola de Comunicações e
Artes (ECA) da USP (volume 4, número 7, 2006), p 98.

120
“Pode-se concluir então que, se a partida ‘“pintura modernista’”
está concluída, não significa necessariamente que o jogo ‘“pintura’”
está acabado: muitos anos virão para essa arte.
Mas a situação é ainda mais complicada, visto que a partida
‘“pintura modernista’” foi a partida do fim da pintura; isso foi
tanto uma reação ao sentimento do fim quanto um trabalhar o
fim, de ponta a ponta. BOIS, Y.Yves Alain Bois, idemIdem.

121
ARRUDA, L. Sem título (parte da série Deserto-Modelo), 2018. Cortesia do
artista e galeria Mendes Wood São Paulo (fotografia de Kristien Daem).
77
desta parede que parece feita de pedra, de matéria calcinada, buscamos
ainda um ponto de luz num resquício de tinta branca, uma esperança em
tempos tão turbulentos. Tons tão poucos avessos à atmosfera
impressionista, um céu amarronzado acinzentado diante de um horizonte
negro carrega por sua vez uma certa leveza. Não sabemos ao certo onde
estamos, perdidos num deserto sem fim, como alude ou título, ou diante dos
mares carregados de petróleo. O pequeno formato não deixa de produzir
uma sensação de grande escala, de algo tão distante e tão próximo ao
mesmo tempo. Se seu espaço é paradoxal, o mesmo vale para sua
temporalidade, presente no ardil em fazer da matéria alguma ilusão, mesmo
que perdida. Certamente não encontra espaço nos museus modernistas e, à
distância, devido ao gênero escolhido, não destoaria se estivesse à primeira
vista num salão do século XIX. E, no entanto, este descolamento temporal é
o que mais nos intriga, pois parece ter resistido a todos movimentos
demolidores da vanguarda e ainda mantêm um frescor contemporâneo. Joga
assim com as forças do passado, algo que o modernismo sempre procurou
negar em seus manifestos.

Jogar com as ilusões óticas é algo recorrente na arte; basta


citar como exemplo a perspectiva. Mas jogar com desilusões
é um fenômeno contemporâneo. Ao percorrer os museus e as
bienais sobre a arte contemporânea vemos dois
procedimentos básicos nas operações artísticas: a colagem e
a mistura dos gêneros e técnicas. As obras, de maneira
geral, utilizam materiais distintos e inusitados. Mas a
estratégia recorrente é desenganar o espectador. Quando se
espera ver uma pintura, na verdade depara-se com uma
fotografia simulando a pintura, e vice-versa. Mas, ao invés de
deixar o jogo em suspenso, tudo se revela em 15 minutos, o
espectador mais exigente sai frustrado por ter revelado a
estratégia do jogo.
Houve um tempo em que o olhar do pintor ou do público era
treinado para percebê-la. Grandes museus exibiam obras
exemplares para a nossa formação. Ao invés de buscar
sempre novos temas que legitimem a arte, não seria mais
interessante se voltar um pouco mais para as
particularidades de cada obra? A pintura atual tende a se
tornar por demais reflexiva.

Vitrine da loja do Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque 122

Atualmente, assistimos a um grande esforço para que a arte


volte a ter uma atuação política. A dimensão estética,
expressiva, da obra particular de cada artista parece se diluir
122
Fotografia da vitrine da loja do Metropolitan Museum of Art, NY (imagem):
foto fonte? Marco Giannotti?
78
numa forma de atuação pública, dando-nos a impressão de
que a “informação” se sobrepõe à “expressão”. Será que
somente através da política é que os artistas podem inserir
sua obra no mundo? Será que a pintura, atualmente, não
tem condições de oferecer um objeto para uma “experiência
coletiva”, como já suspeitava Benjamim? A relação do artista
com seu público está cada vez mais mediada pelo espaço
das galerias, bienais e feiras de arte. “A noção de museu
como guardião do patrimônio público cedeu à noção do
museu como entidade corporativa, com um acervo
altamente crescente”123.
“A noção de museu como guardião do patrimônio público
cedeu à noção do museu como entidade corporativa, com um
acervo crescente altamente”124

A questão que se coloca é como criar espaços institucionais


que alimentem e renovem a prática artística sem estar
sempre subserviente às regras do mercado125.126 Infelizmente
123
KRAUSS, R. The Cultural Logic of Late Capitalism Museum, 1990.
Publicado em October (volume 54). Massachusetts: MIT Press, 1990, p. 3-17.
124
KRAUSS, Rosalind. The Ccultural Llogic of Llate Ccapitalism Museum,
1990. Publicado em October (volume 54). Massachusetts: MIT Press, 1990, p.
3-17.
125
Cinco galerias controlam um terço das exposições nos Estados Unidos,
segundo Miguel Ángel García Vega. VEGA, M. A. G., Leonardo y Modligiani
Revelan el Lado Oscuro del Mercado del Arte. Publicado em El País
(05/04/2015). Disponível em: < http://blogs.elpais.com/con-arte-y-sonante/2015/04>. Acesso em
23 de janeiro de 2020. As cifras são um problema real e sério. Quase um
terço das grandes exposições individuais realizadas em museus nos Estados
Unidos correspondem a artistas representados apenas por cinco galerias.
Este é o título que sai do The Art Newspaper. A revista analisou as
exposições do primeiro nível (cerca de 600) que foram vistas no país entre
2007 e 2013 e afirma que Gagosian, Pace, Marian Goodman, David Zwirmer
e Hauser & Wirth colocaram seus artistas em 30% dos principais shows
programados em museus americanos. Esses cinco “pesos-pesados” da arte
planetária provocaram números sobre os quais pensarmos: mais de 90% (11
em 12) das principais exposições individuais do Guggenheim em Nova York
entre 2007 e 2013 foram preenchidas pelos criadores dessas galerias. No
caso do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), teríamos uma
pontuação de 45%, e para o Hammer Museum, em Los Angeles, e o Museu
de Arte Contemporânea, em Houston, falaríamos de 15%. Se considerarmos
que em 2011 foi estimados que nos Estados Unidos cerca de 200.000
artistas foram censurados, essa concentração ainda é perturbadora.
Também não deveríamos esquecer que algumas feiras como a Art Basel
acolhem 250 galerias em todo o mundo. Pelo que vemos apenas um
punhado parece contar.
126

Cinco galerias controlam um terço das exposições nos Estados Unidos


Segundo Miguel Ángel García Vega | El Pais, 5 de abril de 2015
http://blogs.elpais.com/con-arte-y-sonante/2015/04
As cifras são um problema real e sério. Quase um terço das grandes
exposições individuais realizadas em museus nos Estados Unidos
correspondem a artistas representados apenas por cinco galerias. Este é o
título que sai do The Art Newspaper. A revista analisou as exposições de
primeiro nível (cerca de 600) que foram vistas no país entre 2007 e 2013 e
afirma que:.Gagosian, Pace, Marian Goodman, David Zwirner e Hauser &
Wirth colocaram seus artistas em 30% dos principais shows programados
em museus americanos.Esses cinco pesos-pesados da arte planetária
provocaram números para se pensar: mais de 90% (11 em 12) das
principais exposições individuais do Guggenheim em Nova York entre 2007
e 2013 foram preenchidas pelos criadores dessas galerias. No caso do
Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), teríamos uma pontuação de
45%, e para o Hammer Museum, em Los Angeles, e o Museu de Arte
Contemporânea, em Houston, falaríamos de 15%. Se considerarmos que em
2011 foi estimado que nos Estados Unidos cerca de 200.000 artistas foram
censurados, essa concentração ainda é perturbadora. Também não
devemos esquecer que algumas feiras como a Art Basela acolhem 250
galerias em todo o mundo. Pelo que vemos, apenas um punhado parece
contar.
79
o mundo das artes está dominado por pessoas cada vez mais
ricas e que trabalham um jovem artista ou artista
desconhecido como um um “asset”, uma mercadoria, uma
ação com uma finalidade puramente especulativa. A nova
politica dos gêneros é bem vinda, mas não há nenhuma
discussão sobre a origem financeira dos grandes patronos
das artes. A Llava Jjato escancarou como o mercado de artes
ainda é um local de lavagem de dinheiro. Por outro lado, não
basta “demonizar a elite econômica”, pois como em todo
meio, há muita gente bem e mal-intencionada. O patrocínio
público parace cada vez mais distante, quando não é
motivado ainda por finalides políticas e eleitorais. A
universidade pública, que continuamente se vê ameaçada é
um dos poucos lugares onde esta discussão pode ser feita de
maneira franca e direta. É importante que profissionais
advindos desta esfera – artistas, técnicos, historiadores e
críticos- possam colaborar de forma critica e independente
junto aos grandes museus127 não só na parte educativa, mas
na equipe curatorial e nos conselhos administrativos. Em São
Paulo entidades como o SESC128 são muito importantes
justamente por não só abrigar aqueles que não entraram nas
universidades mediante cursos livres e bibliotecas de livre
acesso como também pelo fato de promover exposições para
artistas de todos os meios sociais e econômicos.

o mercado. A fim de evitar uma pintura alegórica, que


apenas cita sem reinventar o sentido das referências, é
preciso que o artista domine uma técnica, adquira um amplo
domínio dos materiais, e se torne expressivo. É um processo
de longa maturação, que só é bem-sucedido se resultar em
uma alquimia, que adquire vitalidade em justamente
atualizar a pintura com novos achados formais e cromáticos.
Ao iniciar o percurso entre grandes fantasmas, o mérito do
artista está justamente em confrontá-los, buscando
constantemente um caminho próprio a ser trilhado, uma
nova medida.

A pintura contemporânea lida com uma série de


contradições: o desenho e a cor, a figura e a abstração, o
futuro e o passado, o pessoal e o impessoal, a capacidade de
se expressar plenamente, a liberdade, e os percalços
inerentes a toda ação que pretende se superar a cada
momento. Penso que as mais variadas técnicas de pintura
estão sempre relacionadas a uma determinada época assim
como a uma experiência específica de vida. Contudo, um
artista é antes de mais nada um ser que compartilha
questões que transcendem a sua atividade. Cabe a ele fazer
com que a pedra ou o pigmento falem a sua linguagem,
tornando a matéria expressiva. Em um mundo onde as
ideologias parecem se desmanchar no ar, a arte perde sua

127
Esta discussão não ocorre apenas aqui, mas mundo afora, como
atesta a reportagem da folha de São Paulo “Como os super-ricos
assumiram o controle dos museus . MASSING, Michael. Como os super-
ricos assumiram o controle dos museus. (reportagem originalmente
publicada no New York Times). Publicado no caderno Ilustríssima, Folha de
São Paulo ( p.4, 12/01 de/ janeiro de 2020), p. 4.
128
Mais informações em: < http://www.sesc.com.br/portal/sesc/o_sesc>.
Acesso em 23 de janeiro de 2020.
80
dimensão utópica e incita o mundo da fantasia, que se
transforma em mercadoria. Nesse sentido, basta lembrar da
dimensão utópica e política na obra de Beuys para nos
sentirmos órfãos. Os limites da arte e da vida, de fato,
parecem cada vez mais se extinguir se não encontrarmos
certas medidas para refletir sobre a especificidade da
atividade artística. Se, por um lado, palavras como
autonomia, liberdade e expressão devem ser
redimensionadas no debate contemporâneo, por outro,
corremos o risco de perder as dimensões utópicas, projetivas
da arte, em detrimento de considerações sociológicas
primárias.

Jeff Koons nos coloca diante de um mundo imaginário onde o


que há de concreto são vestígios desse sonho de consumo
transformados em mercadoria. Ele faz de si mesmo a própria
obra. A série em que se fotografa junto com a rainha pornô
Cicciolina se tornou célebre. Nesse mundo sem gozo, como
ter alguma forma de prazer estético, ou pelo menos
intelectual? Atualmente, ele comanda uma verdadeira
fábrica artesanal com vários assistentes fazendo
manualmente imagens montadas no computador. Durante o
ápice do modernismo, não ter o que dizer ou o que figurar
assumia uma dimensão trágica. Vale lembrar Beckett e
Giacometti. Hoje em dia, não ter o que dizer pode nos levar a
nos alienar no nosso próprio imaginário, e, como num desejo
infantil, apenas imaginar o próximo brinquedo com que
podemos nos entreter. Muitos artistas jogam diretamente
com o mercado e com sua dimensão especulativa.
Recentemente, Damien Hirst vendeu para um fundo de
investimentos uma caveira incrustrada com diamantes.
Ironicamente, com um toque mágico, ele estetiza os objetos
ao seu redor, a obra volta a ser uma jóia, um objeto raro, um
tesouro.
O excesso de citações nas obras contemporâneas é notável.
Se, por um lado, a utilização cada vez maior de imagens
produz um impacto imediato no espectador, essa relação
está, entretanto, muitas vezes mediada por um texto
explicativo. Saímos da era da contemplação e entramos na
era da informação. O espectador não deseja mais se
confrontar com o inefável: busca, antes, decifrar o mais
rápido possível a imagem que tem diante de si. Os artistas
que fazem sucesso devem produzir imagens rapidamente
reconhecíveis. Quanto mais reprodutíveis, melhor e mais
eficientes. Mesmo artistas que produzem peças únicas
acabam reproduzindo seus trabalhos em catálogos e
distribuindo imagens virtuais via Internet.

A mediação do mercado cada vez se torna mais presente na


maneira como vemos e apreciamos uma obra de arte. Ao
invés de se discutir a qualidade intrínseca de uma obra de
arte, cada vez mais se discute o quanto uma obra de arte
vale. No caso brasileiro, a pintura de Beatriz Milhazes é um
fenômeno comercial inédito. Há uma fila de espera para a
compra de seus trabalhos, que superam a centena de
milhares de dólares. Pouco se fala sobre qualidade pictórica
indiscutível de suas obras. Antes, levanta-se a questão se a
artista pode continuar a exercer o seu potencial criativo e
satisfazer ao mesmo tempo a demanda do mercado. As
feiras de arte parecem dominar cada vez mais o mercado
81
das artes. As galerias tendem a se tranformar em grandes
bazares que viajam mundo afora com suas mercadorias. As
feiras tornam-se cada vez mais homogêneas e se impõem
como o paradigma atual da qualidade onde o que é mais
caro é sempre melhor.

Instagram de Bansy (captura de tela).

Um artista que tornou-se uma celebridade pelo caminho oposto é o artista


britânico Bansky. Para começar não sabemos qual é seu nome verdadeiro.
Não temos fotografias dele e o melhor meio de ter um pouco de informações
a respeito do artista é mediante o Iinstsagram, o dispositivo utilizadodo
preferencialmente pelos jovens. Com seus grafititis feitos com stencil e
aplicados nas nas ruas o artista realiza obras de grande impacto político.
Sua obra adquiriu tamanho valor que algumas vezes as paredes são
retiradas e comercializadas. Extremamente hábil na construção da sua
imagem, o artista chegou a colocar uma imagem sua em um leilão de arte,
que, após ser vendida com um valor alto, se auto destruiu em tiras, pois
estava em uma moldura com uma faca automática. Além do choque
fabricado, o ato adquiriu enorme repercução e, paradoxalmente, a obra foi
comprada mesmo assim.

Hoje em dia, além de procurar uma fama de pelo menos 15


minutos, o artista tem que criar uma imagem artificial e
célebre de si mesmo. Já vimos o perigo disso com artistas
principalmente no ramo da música do cinema com Mariylyin
Monroe, Michael Jackson, Amy Wine hHouse entre tantos
outros. De certa forma, todas estas pessoas reais não
conseguiram suportar a própria fama ou lidar com sua
persona.
82

Fotografia de um graffiti 129

Impossivel não mencionar atualmente a enorme presença da


pixação e do grafitti hoje em dia nas cidades, especialmente
em São Paulo. Como toda forma de manifestação artística,
há tantas obras de qualidade (vimos o exemplo de Bansky)
como artistas que se deixam seduzir pelo mercado.
Pessoalmente prefiro ver os grafitis dos Gêmeos nas ruas de
São Paulo do que enquadrados em galerias luxuosas. Já a
pichação, especialmente feitas com extintor de incêndio,
produzem grafias de grande impacto, mas infelizmente
ajudam a deterioraroriar a cidade, especialmente quando são
realizados sobre prédios antigos. O beco do Batman se
tornou um polo turístico em São Paulo e muitos grafiteiros
realmente assumem a sua atividade como uma forma de
vida e de comportamento.

A imagem parece se proliferar no mundo moderno de


maneira desenfreada, criando similitudes infinitas. A pintura,
por outro lado, parece cada vez mais irredutível em
simplesmente mostrar ou designar as coisas, tornando-se
efetivamente mais opaca para o mundo. Torna-se cada vez
mais comum ver pinturas se referindo a outas pinturas e a
outros jogos de linguagem. Entre esse vácuo, entre a
imagem e texto torna-se imprescindível estabelecer novos
vínculos justamente em um momento em que elas não
podem mais estar subsumidas à representação. Por outro
lado, atualmente não vivemos em uma tendência que em
desconfia da imagem, em especial da pintura, do jogo das
aparências (onde ainda muita coisa pode ser dita) e privilegia
de maneira desmesurada o texto na captação do sentido de
uma obra?130 Nas grandes exposições como as Bienais um
viés político (antropológico, sociológico etc.) sempre se
sobrepõe às obras, principalmente quando inventaram que
as mostras deveriam ter um tema. Isso não nos leva a uma
progressiva desestetização da arte?

As transformações técnicas recentes alteraram a maneira de


interpretar e fazer uma pintura contemporânea. Podemos
129
Fotografia de um graffiti por Marco Giannotti. [supus que era sua]
130
“Chega de significado em artes visuais. Vamos nos concentrar no
que é para ser visto, vamos olhar”. DAMISCH, Hubert. oOp. cit, p.31.
83
acessar pela Internet qualquer imagem não importa a
distância. Tudo está mediado pelo mercado, as imagens
aparecem prontas para serem consumidas seja na forma de
livros, pôsteres, camisetas, imagens no facebook e
Iinstagram131. Não devemos, contudo, ter nostalgia da aura
que envolvia um trabalho de arte, é preciso descobrir
criticamente o novo papel que a pintura terá nesse novo
mundo132.

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131
Em seu Inistagram Bansky postou auma citaçnãao do crítico inglês
Robert Hughes: “A arte deve nos fazer sentir de maneira mais clara
e inteligente, deveria prover sensaçcões coerentes que não
teriamos de outra forma. Mas o preço de uma obra de arte faz parte
agora da sua função. Seu novo papel é ser colocado na parede e
tornar-se mais cara. Ao invés de ser uma propriedade comum da
humanidade como um livro, a arte se torna propriedade particular
de alguém que tem meios para isso. Suponha que um livro valioso
custe um milhão de dolares, imagine o efeito catastrófico que
causaria”. Postagem do dia 3 de outubro de 2019.

132
“A arte é o invisível que se torna visível, não como um passe de
mágica, mas pelo próprio fazer do artista com a matéria, que se
torna obra.”. HÉLIO OITICICA, H. op. cit. p.2.
ASPIRO - AO GRANDE LABIRINTO seleção ..https://we.riseup.net/.../OITICICA,
+Helio+aspiro+ao+grande+labiri...
ASPIRO. - AO. GRANDE LABIRINTO seleção de textos. 1986
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Índice dos Artistas citados no texto

Alemães

Josef Albers – Bottrop, 1888 – New Haven, 1976.


Joseph Beuys – Krefeld, 1921 – Düsseldorf, 1986.
Anselm Kiefer – Donaueschingen, 1945.
Sigmar Polke – Oels, 1941 – Cologne, 2010.
Gerhard Richter – Dresden,1932.
Kurt Schwitters – Hanôver, 1887 – Kendal, Inglaterra, 1948.

Americanos

Jean-Michel Basquiat – Nova Iorque, 1960-1988.


Peter Halley – Nova Iorque, 1953.
Jasper Johns – Jr – Augusta,1930.
Jeff Koons – York (Pensilvânia), 1955.
Brice Marden – Bronxville, 1938.
Barnett Newman – Nova Iorque, 1905-1970.
Robert Rauschenberg – Port Arthur, 1925 – Flórida, 2008.
Mark Rothko–Daugavpils, 1903 – Nova Iorque, 1970.
Frank Stella Malden (Massachusetts), 1936.
Cy Twombly – Lexington, 1928 – Roma, 2011.
Bill Viola – Nova Iorque, 1951.
Andy Warhol – Pittsburgh, 1928 – Nova Iorque, 1987.

Belgas
90
Marcel Broodthaers – Bruxelas, 1924 – Colônia, 1976.
René François Ghislain Magritte – Lessines, 1898 –
Bruxelas, 1967.
Luc Tuymans – Morstel, 1958.

Brasileiros

Lucas Arruda – Guaçuí,1983.


Waltercio Caldas – Rio de Janeiro, 1946.
Iberê Camargo – Restinga Seca, 1914 – Porto Alegre,1994.
Hélio Oiticica – Rio de Janeiro, 1937 – 1980.
Jorge Guinle Filho – Nova Iorque, 1947 – Rio de Janeiro,
1987.
Paulo Pasta – Ariranha, 1959.
Beatriz Milhazes – Rio de Janeiro, 1960.
Mira Schendel – Zurique (Suíça), 1919 – São Paulo, 1988.

Canadenses

Jeff Wall – Vancouver, 1946.

Holandeses

Vincent Van Gogh – Zundert, 1853 – Auvers-sur-Oise, 1890.

Ingleses

Eadweard J. Muybridge – Kingston upon Thames, 1830-


1904.

Italianos

Piero della Francesca – Borgo San Sepolcro, 1416 – 1492.


Giorgio Morandi – Bolonha, 1890-1964.

Franceses

Gustave Courbet – Ornans, 1819 – La-Tour-de-Peilz, 1877.


Marcel Duchamp – Blainville-Crevon, 1887 – Neuilly-sur-
Seine, 1968.
Jean Auguste Dominique Ingres – Montauban, 1780 –
Paris, 1867.
Yves Klein – Nice, 1928 – Paris, 1962.
Henri Matisse – Le Cateau-Cambrésis – 1869 – Nice, 1954.
Jean-François Millet – Gréville-Hague, 1814 – Barbizon,
1875.
Pierre Soulages – Rodez (Aveyron), 1919.

Espanhóis

El Greco – Heraklion, 1541- Toledo,1614.


Pablo Ruíz y Picasso – Málaga, 1881 – Mougins, 1973.
Diego Velásquez – Sevilha, 1599-1660, Madrid.
91
Irlandês

Sean Scully – Dublin, 1945.


92

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Unicamp, 2009
Wölfflin, E. Conceptos Fundamentales en la História del
Arte. Espasa Calpe S. A., Madri, 1961.

Índice dos Artistas citados no texto ( REVER datas e


se estão vivos)

Alemães

Josef Albers – Bottrop, 1888 – New Haven, 1976.


Joseph Beuys – Krefeld, 1921 – Düsseldorf, 1986.
Anselm Kiefer – Donaueschingen, 8 de março de 1945.
Sigmar Polke – Oels, 1941.
Gerhard Richter –1932.
Kurt Schwitters – Hanôver, 1887 – Kendal, Inglaterra, 1948

Americanos

Jean-Michel Basquiat – Nova Iorque, 1960-1988.


Peter Halley – Nova Iorque, 1953.
Jasper Johns – Jr – Augusta, Georgia, 1930.
Jeff Koons – Nova Iorque, 1955.
Brice Marden – Bronxville, 1938.
Barnett Newman – Nova Iorque, 1905-1970.
Robert Rauschenberg – Port Arthur, 1925 – Flórida, 2008.
Mark Rothko–Daugavpils, 1903 – Nova Iorque, 1970.
Frank Stella Malden – Massachusetts, 1936.
Cy Twombly – Lexington, 1928.
Bill Viola – Nova Iorque, 1951.
Andy Warhol – Pittsburgh, 1928 – Nova Iorque, 1987.

Belgas

Marcel Broodthaers – Bruxelas, 1924 – Colônia, 1976.


René François Ghislain Magritte – Lessines 1898 –
Bruxelas, 1967.
Luc Tuysman – Antuérpia, 1958.
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Brasileiros

Lucas Arruda - 1983


Waltercio Caldas – Rio de Janeiro, RJ, 1946.
Iberê Camargo – Restinga Seca, 1914 – Porto Alegre - RS,
1994.
Hélio Oiticica – Rio de Janeiro, 1937 – 1980.
Jorge Guinle Filho – Nova Iorque, 1947 – 1987.
Paulo Pasta – Ariranha, 1959.
Beatriz Milhazes – Rio de Janeiro, 1960.
Mira Schendel – Zurique (Suíça), 1919 – São Paulo – SP,
1988.

Canadenses

Jeff Wall – Vancouver, 1946.

Holandeses

Vincent Van Gogh – Zundert, 1853 – Auvers-sur-Oise, 1890.

Ingleses

Eadweard J. Muybridge – 1830-1904.

Italianos

Piero della Francesca – Borgo San Sepolcro, 1416 – Borgo


San Sepolcro, 1492.
Giorgio Morandi – Bolonha, 1890-1964.

Franceses

Gustave Courbet – Ornans, 1819 – La-Tour-de-Peilz, 1877.


Marcel Duchamp – Blainville-Crevon, 1887 – Neuilly-sur-
Seine, 1968.
Jean Auguste Dominique Ingres – Mont auban, 1780 –
Paris, 1867.
Yves Klein – Nice, 1928 – Paris, 1962.
Henri Matisse – Le Cateau-Cambrésis – 1869 – Nice, 1954.
Jean-François Millet – Gruchy, 1814 – Barbizon, 1875.
Pierre Soulages – Rodez (Aveyron), 1919.

Espanhóis

El Greco (1541-1614)
Pablo Ruíz y Picasso – Málaga, 1881 – Mougins, 1973.
Diego Velásquez – Sevilha, 1599-1660.

Irlandês

Sean Scully – Dublin, 1945.


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Sobre o autor

Marco Giannotti nasceu no dia 4 de maio de 1966 em São


Paulo (SP). A partir de 1980, frequentou o curso de desenho
e gravura e metal do professor e artista Sérgio Fingermann.
Em 1982, morou dois anos em Nova Iorque, onde teve um
contato direto com a produção contemporânea e com os
acervos dos museus. Durante esse período, assistiu às aulas
de História da Arte no Metropolitan Museum of Art. Em 1986,
assistiu aulas sobre História da Arte na escola do Louvre. De
volta ao Brasil, iniciou a sua produção artística e, depois de
dois anos, expôs pela primeira vez no Salão Nacional
promovido pela Funarte, onde obteve um prêmio. Em 1988,
em Berlim, realizou a sua primeira exposição individual na
Galeria Paulo Figueiredo. No mesmo ano, graduou-se em
Ciências Sociais na USP. Em seguida, se inscreveu no curso
de pós-graduação em Filosofia da USP, estudando História da
Arte e Estética.
Em 1993, defendeu a Tese de Mestrado com uma tradução
parcial e apresentação crítica do livro Doutrina das Cores, de
Goethe, publicada pela editora Nova Alexandria. No MASP,
realizou a exposição intitulada Fachadas, e participou de
algumas exposições internacionais. No ano seguinte,
ingressou na Escola de Comunicação e Artes da USP no
programa de pós-graduação em Poéticas Visuais. Sob a
orientação da Prof. Dra. Carmela Gross, apresentou sua tese
de Doutorado no Paço das Artes com uma exposição e uma
reflexão crítica sobre o fenômeno cromático na arte
moderna. Desde então, desenvolve atividades de pesquisa
no Departamento de Artes Plásticas da Universidade de São
Paulo, onde é professor e ministra aulas sobre pintura,
estética, filosofia da arte, e poéticas visuais. Em 2007,
realizou uma exposição individual na Pinacoteca do Estado. O
livro Passagens foi editado pela editora Cosac Naify, reunindo
os últimos 20 anos de atividade pictórica. Participou de duas
versões da Bienal do Mercosul e do Arte Cidade, e de
algumas exposições coletivas internacionais. Por duas vezes,
recebeu o prêmio da melhor exposição do ano pela
Associação Paulista dos Críticos de Arte – APCA.  Um livro
pela editora espanhola Dardo foi publicado sobre suas
pinturas e fotografia. Convidado em 2011 para ser professor
visitante durante o ano letivo na Universidade de Estudos
Estrangeiros de KyKioto, foi ainda professor visitante das
Universidade Yale, New Haven, Cá Foscari , Veneza . Publica
o livro Diário de Kyioto pela Martins Fontes com apoio da
embaixada do Brasil em Tóquio. Em 2013 realizou uma
exposição com o nome do livro no Instituto Tomie Ohtake e
teve uma pequena retrospectiva no Macs de Sorocaba
curada por Fábio Magalhães. Em 2019 realiza uma
exposição, Através, na Galeria Raquel Arnaud. Em 2020
organiza o livro intitulado Reflexões sobre a cores publicado
pela editora Martins Fontes
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