A Experiência Da Pintura - Beatriz Ruco (Web)
A Experiência Da Pintura - Beatriz Ruco (Web)
A Experiência Da Pintura - Beatriz Ruco (Web)
Beatriz Ruco
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA
FILHO”
INSTITUTO DE ARTES
BACHARELADO EM ARTES VISUAIS
A EXPERIÊNCIA DA PINTURA
Beatriz Ruco
SÃO PAULO
2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA
FILHO”
INSTITUTO DE ARTES
BACHARELADO EM ARTES VISUAIS
A EXPERIÊNCIA DA PINTURA
Beatriz Ruco
SÃO PAULO
2018
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
José Spaniol
_______________________________
Fernando Burjato
AGRADECIMENTOS
4
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
Manuel Bandeira
5
SUMÁRIO
Introdução 7
Primeiros anos: o embate com a pintura 9
Desdobramentos 26
A Experiência Hoje 41
Considerações Finais: Por que Pintura? 47
Bibliografia 51
6
INTRODUÇÃO
7
1. Maciej Kuciara, Concept Art de The Last of Us
8
PRIMEIROS ANOS:
O EMBATE COM A PINTURA
9
3. Still do filme Stoker, 2013
10
iluminação vermelha e amarela, da qual eu desconhecia a modelo, nem em
quais circunstâncias aquela foto foi feita, porém eu a usei pela sua composição
cromática. Para outro trabalho, usei um still do filme “Stoker”, do diretor
Park Chan-Wook, como motivo da pintura com maiores dimensões que até
então eu havia feito. Era uma das cenas finais que me agradavam pelo afeto
com o a história do filme. Em nenhum desses momentos eu me voltava para
como eu estava pintando, apesar de existir essa escolha pelo o que me agrada-
va, nada daquilo carregava um discurso que justificasse seu uso na tela, no uso
da tinta, na escolha de referências. Existia aqui um problema com a natureza
da imagem usada.
O ateliê, para além do espaço da produção, foi um ambiente de muita
conversa entre professores e alunos, sobretudo entre os alunos novos e vetera-
nos, que me auxiliaram a trazer para o centro do trabalho o questionamento
sobre o discurso que ele contém, utilizando como base a história da arte, fa-
zendo-o se voltar a discutir e explorar sua própria linguagem, sua própria na-
tureza. A fatura da tinta e o tamanho da tela, uma vez notados, começaram a
importar, e o trabalho começou a ser questionado a partir da imagem: minha
referência é banal ou um ícone - o que é amplamente reconhecido?
Veja bem, se é banal, a tinta ganha espaço de expressão autônoma,
ganha protagonismo de sua fatura e modo em que é posta, fala por si só e não
apenas como uma ferramenta que constitui a figura, enquanto o contrário
seria também verdadeiro, a imagem amplamente reconhecida teria uma força
maior que o material que a compõe, pois o olho do espectador se foca mais
no que a figura remete e menos em como ela é construída. O que a princípio
que se coloca como uma regra, vira reflexão para que o artista explore as pos-
sibilidades entre o motivo e o material e suporte usado para criar o quadro.
Abro aqui um longo comentário sobre essa questão da possibilidade
do motivo da pintura. O artista americano Jasper Johns trouxe muitas contri-
buições para o campo pictórico, seu trabalho causou desconforto e admiração
11
dos críticos da época que não sabiam como avaliar suas pinturas de bandeiras,
alvos, mapas, entre outros signos banais de objetos feitos pelo homem. Leo
Steinberg lembra da tentativa da crítica de contornar esse alvoroço cunhando
os trabalhos de neodadá, assim qualquer pessoa que estivesse desnorteada sobre o
que dizer a respeito de Johns podia então recitar tudo o que lembrava do dadá1,
mas isso é ter medo de confrontar o trabalho e toda a abertura de novas leitu-
ras sobre a Pintura. Sabe-se que Johns usa de figuras bidimensionais vindas de
lugares-comuns que já vinham prontas nas suas formas - como os números e
letras feitos por estêncil- e seus sistemas criavam uma tensão interna no qua-
dro. Sendo as coisas elas mesmas e não mais representações (a bandeira é ela
mesma), há uma resolução de uma das questões da arte moderna que é o rea-
lismo - no sentido de chegar perto das coisas como elas são e aproximar mais
a arte da vida. Cada vanguarda tentou resolver a sua forma esse problema: o
impressionismo pelo estudo da luz, a abstração pelas objetividade das formas.
Porém, até então, a pintura ainda esbarrava em técnicas de ilusão para mime-
tizar o mundo - Johns resolve isso quando desloca o motivo do trabalho da
natureza para a cultura, enquanto a bidimensionalidade do que ele escolhia
para pintar resolvia a questão da figura-fundo, dando aos elementos a tensão
interna que os fazem conviver no mesmo espaço por igual. Johns era prag-
mático e possuía uma ética própria de preservar o uso dos objetos originais,
diferentemente dos cubistas que transfiguravam suas apropriações para in-
cluí-las em seus trabalhos. Ainda assim, Johns opera dentro da tradição2, como
fala Paulo Pasta, mas dá um passo adiante trazendo, agora a contribuição que
mais me interessa, é que toda imagem é uma possível pintura, mais que isso,
toda imagem é pretexto para se pintar.
Logo em seguida, a Pop Art explorou o bombardeio imagético da
1 Steinberg, “Jasper Johns: Os Sete primeiros anos de sua arte”, Outros Critérios. p. 39.
12
5. Jasper Johns, Flag, 1954-55
13
propaganda capitalista como assunto da sua produção. Os trabalhos apare-
cem de maneira extrovertida acerca da ideia do American Way of Life, ora
vibrando com esse ideal, ora irônico com o desgaste das figuras pela repetição.
Um exemplo interessante para se comentar dos trabalhos dessa época são as
séries Brushstrokes do Roy Lichtenstein que coloca a pincelada do expres-
sionismo abstrato como um símbolo, uma convenção da pintura, retirando
seu caráter espontâneo para ser lido como um raciocínio linguístico cultural
pronto, colocando entre o homem e o mundo um véu que é esse raciocínio e
do qual o homem não consegue se livrar dele jamais. Outro exemplo impor-
tante a ser citado é o Andy Warhol, que tensiona o ícone e o banal. Diferente
de Jasper Johns que tentava ser indiferente nas suas escolhas de figuras, mas
falhava, seja pelos pedaços de corpos darem um ar mórbido ao trabalho, seja
pela bandeira ser questionada como símbolo nacionalista. Warhol escolhia
ícones, como a figura da Marilyn Monroe que se repetia até a exaustão cau-
sando um misto de morbidade (intensificado pela morte da artista à época) e
banalidade para aquele rosto. Pontuo aqui os dois conceitos que eu começava
a pensar enquanto fazia minha pintura: os signos culturais e a possibilidade
de tensão ao pensar a natureza da imagem.
14
7. Andy Warhol, Twenty five colored Marilyns, 1962
15
A pintura, que sempre foi refém da tradição, tem as discussões abertas
por Johns incrustadas em seus próprios discursos e lidam com ela a partir de
então, assim como diversos outros artistas pré-modernos e modernos, o que
torna difícil criar uma genealogia de caminho único dos trabalhos atuais. Por-
tanto, eu entendo a enorme variedade da produção pictórica, mas me permi-
to identificar e traçar características de uma pintura que nasce das influências
oitocentista e que vai reverberar na minha própria produção. Uma das mais
importantes referências dessa nova produção é Gerhard Richter, pintor dos
anos 1960, que vai pensar outro sentido para a imagem fotográfica, que ele
considera possuir uma sedutora obscenidade. A fotografia já era usada pelos
impressionistas para capturar o instante e desvendar o que o olho não conse-
guia perceber, mas nas mãos de Richter a pintura será colocada entre o olho
e a máquina, e o virtuosismo será usado para pintar até mesmo a retícula da
fotografia, bem como seus efeitos de luz e foco. Ele transforma a abstração em
imagem e a imagem em gênero, pinta imagens já prontas e diz que seu papel
se volta para a escolha do que pintar. Não é apenas apropriação, como ocorria
na Pop, existe um refinamento na fatura da tinta, nas técnicas de pintura que
dão grandiosidade para o trabalho, o trabalho é a escolha e o fazer pictórico.
É o uso de imagens prévias que dos interessa aqui, oriundas de outros supor-
tes de imagens, seja da fotografia ou da história da arte.
Posteriormente na história, Luc Tuymans, o pintor belga que vai ser
influenciado por Richter, utiliza da fotografia e do filme como ready-made
da pintura para fazer, não algo grandioso como o seu influenciador, mas uma
pintura introvertida de um mundo que se esvaece. Suas figuras e ambientes
são desbotados com detalhes que se perdem como uma memória antiga, pos-
suem uma mudez; os assuntos lembram os outros pintores aqui citados, mas
em Tuymans existe um esvaziamento, é violento e nauseante, seja na bandeira
desbotada e sem vida, seja na morbidez da câmara de gás feita com poucas
pinceladas. Essa tristeza que seu trabalho carrega vem muito de uma postura
16
8 e 9. Gerhard Richter, Annunciation after Titian, 1973
17
que o próprio artista tem com o humanismo, que em nome do progresso
trouxe a barbárie, ainda assim o pintor diz que sente felicidade no ato de pin-
tar e que isso está de alguma maneira dentro de seus quadros, talvez possamos
perceber essa graça no ato de pintar no refinamento com os quais suas telas
são feitas, um refinamento que vem de quem olhou El Greco, Monet, Ensor,
Spilliaert.
Ambos, Richter e Tuymans, lidam com a representação da represen-
tação, mas a presença de uma noção fílmica dos trabalhos do segundo pintor
é notável pelos enquadramentos escolhidos para seus trabalhos. Em uma en-
trevista que dá à Ana Calzavara, o artista conta que por um tempo deixou de
pintar e obteve uma super-8. Os assuntos das filmagens eram qualquer coisa
que lhe chamasse a atenção no dia-a-dia, que aos poucos foi se concentrando
mais para os enquadramentos e montagem das cenas do que a própria narra-
tiva em si, algo que vai influenciar as pinturas posteriores. A nossa existência
parece vir editada3, conclui o artista sobre a fragmentação das imagens que
sempre levam a outras e geram outras.
18
11. Luc Tuymans, Flag, 1995
19
da tela foi se tornando preferida, enquanto as faixas deixaram de dividir a tela
por igual e começaram a ocupar sua superfície de modo que o limite do su-
porte se tornava evidente. Eu pensava muito no desenho da moldura dentro
da tela, que propriamente dita é um objeto que dispenso até hoje. Gosto de
pensar o trabalho habitando o mesmo espaço do espectador, e evocar a mol-
dura dentro da tela é também falar sobre pintura.
20
13. Mark Rothko, Sem Título, 1968
21
ma, inclui letras e palavras como desenho e desenhos e palavras que remetem
um ao outro; depois explora esses papéis no espaço com os Objetos Gráficos,
decretando os desenhos e palavras como coisas, as Droguinhas que fazem a
bidimensionalidade do papel se retorcer em si mesma criando um emaranha-
do de dimensões e o Trenzinho que coloca as folhas seriadas unidas por uma
linha. Para Mira, o aprendizado do mundo é uma prática e para tanto se faz
necessário multiplicar os contatos com ele4 e é nesse movimento de explorar a
sistematicidade dos signos do mundo, de olhar o mundo de novo e de novo
e num gesto mínimo falar sobre esse mundo e dar uma dimensão mais ampla
da realidade que o trabalho da artista se tornou um rumo para o meu próprio.
22
16. Mira Schendel, Sem Título (da série Droguinhas), 1964
23
A tela então foi trabalhada em cima de três níveis de profundidade:
um nível virtual, que se estende ao infinito para dentro da pintura, e está li-
gada à perspectiva e à imagem naturalista; a superfície da tela no qual a tinta
se assume propriamente como tinta sobre tela, incluindo as laterais que não
serão cobertas por uma moldura; e por fim o nível de profundidade que se
expande para fora da tela, que pode se fazer presente pelas massas de tinta
espessa que criam grandes relevos na superfície, objetos colados ou cores que
refletem como uma aura para fora da tela, principalmente as fluorescentes
que rebatem no olho do espectador e no ambiente que habitam. A pintura se
torna objeto e os elementos podem ser dispostos a fim de coabitar esses três
níveis.
O Cacto II, minha primeira tela usando tinta a óleo, tenta aproximar
a figuração da abstração a partir de um recorte em close de uma figura da
planta, tornando seus detalhes um conjunto de cores e traços e componentes
que são colocados, retirados e organizados de modo a reforçar o caráter de
objeto para a pintura. A linha podia ser feita colocando tinta com a ponta
do pincel ou retirando-a com o cabo, uma construção que se dá, não por fi-
nas camadas, mas de maneira muito colocada, a tinta como objeto na tela, o
que remete a montagem de Tuymans, que aliás, descobri posteriormente sua
pintura Bloodstains parte do mesmo princípio de aproximar uma imagem o
bastante para ela existir no limiar entre figura e abstração.
Era o começo do meu vocabulário, o ponto, a linha, a palavra, a cor
de fundo são elementos de um universo que fala sobre sobre a linguagem,
sobre os movimento mínimo do desenho e do pincel na tela.
24
18. Cacto II, 2014
25
DESDOBRAMENTOS
26
20. Vista da exposição POCKET SHOW, 2015
27
21. Sem Título (da série Copo Americano), 2015
28
e iguala a fazer um afresco. É como se assumisse: sou pintor, eu pinto. Suas
figuras são bandeirinhas, mas também são relações geométricas, utilizando-se
da reversibilidade da forma.
29
23. Alfredo Volpi, Bandeirinhas horizontais com mastro, 1970
30
paisagem suspensa é uma influência do Ukiyo-e7 ou na Europa, o japonismo
que fez parte do repertório moderno, que buscava soluções antiperspectiva, e
que foi influência de uma de suas inspirações, Matisse.
É possível perceber com mais clareza a influência de Matisse nas suas
pinturas de retratos e interiores, onde aparecem muitas ornamentações e co-
res mais sólidas, ao contrário do mundo difuso da pintura de paisagem.
Os desenhos de paisagem tem mais gestos mínimos que me chama-
ram bastante a atenção na época.
Olhando essas de paisagens, surgiu uma série de desenhos que depois
virou pintura chamado Paisagem Ponto e Linha. Os desenhos eram simples,
mas bem resolvidos, tinham força, enquanto o que veio a ser pintura não era
algo ideal, o fundo só preenchia o branco da tela e a linha da paisagem não
tinha intensidade para ser tinta - como linha sobre papel fazia mais sentido -
o que me causava bastante angústia, mas que eu sabia que algo bom poderia
ser extraído dali.
31
O Pepino Amarelo nasceu dessa má resolução da pintura anterior: um
sol que se confunde com um elemento comprido de cor amarelo-limão no
meio da tela e que carrega uma pequena montanha na base, essa flutuante e
sem linha do horizonte de suporte. Era uma paisagem-vocabulário que me
daria inspiração para as demais telas que se seguiram e disso eu tirei uma li-
ção valiosa de que pintura puxa uma nova pintura e assim o discurso vai se
fazendo.
32
alunos, os conteúdos por vezes eram repassados com alguns erros (como acre-
ditar numa rígida diferença entre arte moderna e contemporânea) e o período
anterior ao moderno era um pouco nebuloso para nós, por isso o grupo foi
tomando cada vez mais empenho em estudar conteúdos diversos no primeiro
semestre (o curso inicia em agosto) para suprir as deficiências do projeto.
Em 2015, o ano que deixei de participar do Prévia, fiz os cursos com
Tiago Mesquita sobre esse período moderno e contemporâneo e com Rodri-
go Naves que começa suas aulas a partir de Giotto, o que foi essencial para eu
trabalhar minhas dúvidas com o período pré-clássico, clássico e romântico.
No ano seguinte realizei cursos específicos de pintura com o artista Bruno
Dunley e com Paulo Pasta.
Com esses cursos complementares foi possível trabalhar num projeto
em paralelo da extensão L.O.T.E., o Curso Livre de História da Arte que, nos
mesmos moldes do Prévia, ensinava o conteúdo das provas para os vestibu-
landos, mas, por não possuir limite de vagas e também ser aberto ao público
geral, tinha a liberdade de trazer em suas discussões assuntos que iam além
para falar sobre o clássico e o romântico.
O constante estudo sobre diversos artistas e seus trabalhos, transfor-
mou a história da arte num catálogo aberto do qual eu poderia comentar, in-
serir e assimilar nas minhas pinturas, como o uso enciclopédico das imagens
utilizadas por Richter. Neste ponto é preciso fazer outro grande comentário,
pois é nessa época que começa a ser estabelecido um entendimento sobre o
que ocorre na pintura contemporânea, principalmente a pintura paulista, as
também de outras regiões nacionais e internacionais.
A volta da pintura dos anos 80 no Brasil fez do expressionismo abs-
trato, a transvanguarda italiana e o neoexpressionismo a sua base, sendo a
Documenta de Kassel que exibiu Baselitz, Lupertz, Schnabel, entre outros,
um marco para os pintores da época, dentre eles, os integrantes da Casa 7. A
narrativa não-obvia, a agilidade na execução da pintura (one shot painting) e
33
a problematização do fazer em pintura são características que eles carregam,
ainda que cada artista tenha seguido sua própria poética posteriormente. Em
uma entrevista para a Escola da Cidade, Rodrigo Andrade fala em como os
artistas fazem seus trabalhos antes de tudo para seus pares e para o artistas com
quem se mantém diálogo8. A geração dele, por sua vez, vão ser artistas que vão
dialogar com geração mais jovens pintores que tem uma pintura ligada a ima-
gem e vão se agrupar no que foi nomeado de grupo 2000e8. Eles não eram
um coletivo, foi nomeado como grupo, após a jornalista Camilla Molina do
jornal Estado de São Paulo perguntar se assim se consideravam e entre olha-
res, Regina Parra e Rodolfo Parigi tomarem a dianteira e confirmarem que
sim. Faziam também parte Bruno Dunley, Rodrigo Bivar, Ana Elisa Esteja,
Marina Rheingantz, Renata de Bonis, Marcos Brias. Não fazia parte do grupo
2000e8, mas eram amigos e com um trabalho próximo os também pintores
Lucas Arruda e Ana Prata.
Todos se unem pela pintura, com uma forte influência, não só dos
pintores mais velhos (Bruno foi assistente de Sérgio Sister), como da pintura
de imagem síntese de Richter e Tuymans com a relação contemporânea de se
aproximar e se apropriar das imagens da internet, que nada mais é do que uti-
lizar a imagem digital para colocá-la no mundo físico da tinta, transpor para o
mundo material. Esses artistas estavam lidando com toda uma reorganização
do repertório da pintura e dando novos usos para as convenções de imagem
como por exemplo Ana Prata que nessa época utilizava de programas de edi-
ção de imagem para construir a cena, criando uma nova verdade com relação
a imagem. Tiago Mesquita em seu texto A pintura de imagem vai alertar que
toda a história da tradição da pintura e a liberdade que eles aparentemente
tinham em seus trabalhos, em contrapartida exigia deles, mesmo com um
34
trabalho jovem, uma intelectualização muito grande de seus discursos. Dizer
que a pintura pode fazer qualquer coisa é uma utopia a ser visada, mas na
prática, o peso da história é uma pedra no caminho.
35
também visível no trabalho da Ana Prata que comentarei mais para frente),
monocromos, pinceladas abstratas, imagens retiradas de enciclopédias, con-
venções da pintura, imagens de referência fotográfica com paleta de cor res-
trita e esmaecida. Grandes e pequenas. Ele estava falando da história da arte,
da pintura e da humanidade e a tela era seu plano esquemático. Eu queria isso
para mim também.
Lucas Arruda é mais reservado e não tem uma pintura tão diversifi-
cada. Pinta paisagens com uma perspectiva impessoal, utiliza técnica de ras-
pagem para dar refinamento e virtuosismo para o trabalho que é totalmente
36
romântico (a raspagem era bastante usada nas paisagens de William Turner).
Existe um tom religioso e emocionado nas telas, a técnica usada cria uma que
vem de trás da tela, do interior da paisagem e não apenas da luz que incide
sobre ela.
37
28. Marina Rheingantz, Chuvisco II, 2013
38
desacreditada pela forma de pintar, enquanto para mim e para meu grupo, o
que ela fazia era o que mais nos empolgava (e empolga) entre os jovens pin-
tores daquela geração.
39
É importante perceber aqui a passagem da pintura que vem de nomes
como Rodrigo Andrade, Sérgio Sister, Paulo Monteiro, Paulo Pasta passa por
esses nomes mais jovens e chega até a minha pintura e dos colegas de facul-
dade.
Entre os anos de 2014 até 2016 foram anos que eu testei as possi-
bilidades entre abstração e figuração e cheguei num resultado que ainda era
muito tímido, com soluções muito fáceis e rasas, o pragmatismo de como eu
colocava os elementos na tela vinha menos como discurso e mais como uma
limitação e eu queria vencer o quanto antes essa barreira.
30. Ana Prata, vista do stand na Art Basel Hong Kong, 2017
40
A EXPERIÊNCIA HOJE
41
a UNESP. Eu já tinha estado lá como assistente do trabalho de José Spaniol
em 2016, mas apenas como residente eu tive tempo de fazer caminhadas pela
fazenda a fim de chegar a soluções artísticas. As caminhadas eram diárias, en-
volvia desenhos de observação, fotos e vídeos dos lugares. Desse ritual diário
saíram alguns projetos de site specific e de instalação que não saíram do papel,
enquanto todos os cenários observados não viraram pintura diretamente, mas
uma reorganização da memória criando esquemas de paisagens.
Sobre isso, Bruno Dunley, em seu curso de pintura observa que pro-
curamos soluções pictóricas no lugar de olhar o mundo real. Claro que olha-
mos o mundo real, mas o ultimato é olhar para a história da arte.
Não é de se estranhar que tenha aparecido projetos fora do suporte
tradicional da pintura. Nessa época, além de estar olhando a obra Raoul de
Keyser, me voltei para alguns artistas que lidavam com o espaço como James
Turrell e, por quem me apaixonei pelo trabalho, Richard Tuttle que faz da
sua montagem pontos de ativação onde as obras se encontram. Eu quis então
42
realizar trabalhos que se forem pintura, usem material e suporte não conven-
cionais.
Tuttle usa materiais simples di-
versos, madeira, tecido colorido, tinta,
papel, papelão, às vezes tudo isso jun-
to num emaranhado compositivo que
ele espalha pelo cubo branco ativando
centros, cantos, quinas. Algo do traba-
lho em construir esses objetos inúteis,
quase brinquedos, me chamava a aten-
ção. Existe um indício de que a mão es-
colheu,uniu e pintou esses objetos que
me agrada muito, porém queria desta- 32. James Turrel,
car aqui sobre o conceito de ativação do Tewlwolow Kernow, 2013
espaço, algo que fazia com que a minha
pintura pensasse fora de sua organização interna. A tela como pensamento
deveria, para além de suas próprias questões, ativar o espaço no seu entorno e
ser consciente dessa possibilidade para a dar potência ao trabalho.
33. Richard Tuttle, Formal Alpha- ção Looking for the Map, 2014
bet K, 2015
43
35. Richard Tuttle, Hello, The Roses 6, 2012
44
O modo como as telas devem ser expostas não é mais uma ao lado da outra
com distanciamento igual, os trabalhos devem se aproximar ou se afastar,
estar dispostos dos cantos, centros e quinas se couber a elas ativar esses es-
paços. Parte disso já estava presente quando eu pensava nas profundidades
da tela, mas eu ainda me prendia no limite do chassi, pensava sobre uma cor
que pudesse refletir no espaço, algo como o dourado transcendental da arte
bizantina, mas estava me privando de pensar as telas como objetos no espaço.
A consolidação de um vocabulário próprio na pintura, naturalmente
já me instiga a tentar novas configurações: telas maiores, telas orientadas na
horizontal, outros materiais, novas cores a serem usadas. Éden, um dos traba-
lhos mais recentes, veio de uma dessas necessidades, onde a pintura do paraí-
so deveria tomar um espaço maior, de ser feita com maior embate corporal e
de ser grande no gesto mínimo.
Todos os trabalhos vem mais ou menos de rascunhos rápidos que faço
em qualquer pedaço de papel ou com ajuda do celular, de memorizar uma sé-
rie de imagens da memória, real ou imaginária. Por vezes os trabalhos tomam
seus próprios rumos, fugindo do planejamento inicial, o que é normal, já que
a tela pede coisas e o artista escolhe como responde a esses pedidos. Atual-
mente, para escrever esta monografia e por uma série de eventos no ano, fiz
uma pausa em toda a produção, mas no fim isso não me ajudou em nada. A
distância não me fez ter um olhar mais analítico sobre o trabalho, pelo menos
conclui que esse olhar não viria de mim, já que nunca podemos fugir de nós
mesmo e os trabalhos nascem de uma série de operações mentais e sentimen-
tais. Inevitavelmente, desenhos de imagens mentais foram aparecendo, ainda
que ausente da rotina de ateliê, que espero retomar para colocar no mundo
esses novos trabalhos.
45
33. Éden, 2018
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
POR QUE PINTURA?
47
A pintura é então um problema? Não, o problema não é sobre a na-
tureza da linguagem, mas existem problemas na pintura atual que é aquela
pintura que não passa de um comentário, uma citação da história da arte, é
uma anedota e não diz mais nada além disso, é confortável em sua situação.
Tenho medo do meu trabalho, que usa a história da arte como base, caia nesse
problema e é algo que penso muito sobre. Isso é um problema levantado por
diversas figuras, mas destaco Paulo Pasta que fala isso tanto no seu curso de
pintura, como também indica esse torcer de nariz no seu livro A educação pela
pintura quando vai falar de Tuymans.9
Mas também é Paulo Pasta que destaca que não pintamos o que ve-
mos e sim vemos o que pintamos. A pintura vem de uma necessidade interna
de querer ampliar a relação com o mundo, suspender certezas para talvez
revelar novas interações e isso não é possível sem o embate do pintor com a
tela. A resposta para a pergunta porquê pintura não poderia ser mais tosca do
que pinta-se porque precisa pintar.
Respostas mais elaboradas que isso requerem o tempo da vida para
serem respondidas. O tempo da vida, que é o mesmo tempo das coisas de
Volpi, aquele que admite desgastes, que faz do fazer uma poética, é a antítese
do tempo da informação, levantado por Lorenzo Mammì:
sintéticas e facilidade de circulação, tornam-se [as obras de arte] obscuras, tortuosas, irri-
significados por séculos, talvez ao infinito - uma qualidade com que o mundo da mídia não
48
Apesar do texto supracitado caminhar para uma conclusão de inter-
dependência da arte com a indústria cultural, gostaria de me ater a separação
que Mammi percebe sobre a temporalidade.
O tempo da informação é rápido demais, frio demais, consome arte
como tendência da moda e não a encara como reflexões humanas acerca do
mundo. Esse é o tempo que pede uma intelectualização violenta dos trabalhos
jovens a fim de lançá-los como marcas, é esse o tempo que causa a ansiedade
infantil de querer fazer parte do mercado, é esse o tempo que pede respostas
prontas para a condição da pintura. Porém, no tempo da vida, que é o tempo
que a arte habita para produzir seus significados mais importantes, as coisas
são lentas e não respondem diretamente a vaidade fashionista ou o próprio
tempo mostra a fraqueza de discurso. Esse tempo não nega os desgastes e não
é melancólico, não encara suas mortes com angústia e também não é sobre
evolução, pois seu caminho não é linear.
O tempo da vida, o tempo das coisas, meu embate subjetivo com a
tela e a história da arte como vitrine do humanismo são os elementos que ro-
deiam o desejo de pintar, que é apontado por Yve-Alain Bois, como algo que
não está inteiramente subordinado ao mercado e aponta que com esse desejo,
a morte da pintura apenas precede sua ressureição de um lugar inesperado.
Para mim, gostaria de utilizar esse tempo da vida para experimentar
novas possibilidades de se relacionar com o mundo e faço das palavras de
Mira as minhas:
49
O que me preocupa é captar a passagem da vivência imediata, com toda a força
empírica, para o símbolo, com sua memorabilidade e relativa eternidade. Sei que se trata,
no fundo, do seguinte problema: a vida imediata, aquela que sofro, e dentro da qual ajo, é
minha, incomunicável, e portanto sem sentido e sem finalidade. O reino dos símbolos, que
procuram captar essa vida (e que é o reino das linguagens), é pelo contrário, antivida, no
fazer coincidir esses dois reinos teria articulado a riqueza da vivência na relativa imortalida-
11 apud Naves, Mira Schendel: o presente como utopia, O vento e o moinho, p. 104.
50
BIBLIOGRAFIA
BOIS, Yve-Alain. A pintura como modelo. 1. ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2009.
CANONGIA, Ligia. Anos 80: embates de uma geração. 1ª ed. Rio de Ja-
neiro: Francisco Alves, 2010.
51
DELFIM, Sardo. “Todas as imagens são pinturas possíveis”. In. O Exercí-
cio Experimental da Liberdade: dispositivos da arte no século XX. Orfeu
Negro, 2017.
MAMMÌ, Lorenzo. O que resta: Arte e crítica de arte. 1ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012.
PASTA, Paulo. A Educação pela Pintura. 1ª ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2012.
52