Ética e Responsabilidade Social Na Administração

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Ética empresarial e responsabilidade social

É certo ligar o sucesso ou fracasso de uma organização ao seu comportamento


ético? Tenho convicção de que sim! Ser ético, hoje, não é mais uma opção. Para
pessoas e organizações, é questão de sobrevivência. Com a velocidade com que se
processam as transformações, há necessidade de valores internalizados para que
haja alinhamento no momento das decisões, que exigem rapidez. Hoje não se pode
avaliar uma empresa com os padrões tangíveis de ontem, pois referenciais
intangíveis, como marca, imagem, prestígio e confiabilidade, decidem a preferência
e garantem a continuidade.

A ética ganha respeitabilidade como forte diferencial de qualidade e conceito


público, mas será que já se formou a consciência ética no comando das
organizações?

Algumas questões básicas precisam ser devidamente equacionadas para um melhor


entendimento sobre a eficácia da ética nos negócios. A ética é determinada pela
cultura?

Numa tribo de canibais, é ético comer o semelhante. Por ser lei, é ético? Por ser
costume, é ético? Justifica-se uma ética de conveniência?

O discurso ético e a prática das organizações fazem lembrar o axioma popular: de


boas intenções o inferno está cheio.

No entanto, julgo estarmos vivendo um momento importante de renascimento


moral, no esboçar de uma nova conscientização. Nesse sentido, as boas intenções
são válidas como início de processo.

A conscientização tem esse mérito: provoca desconforto com relação às situações


negativas vigentes. É imprescindível, todavia, que existam alternativas concretas,
atitudes e comportamentos que denotem mudanças significativas. Surge daí o
compromisso das lideranças.

Como caracterizar a consciência ética?

Impossível a vida em sociedade e a continuidade de um grupo sem estrutura ética,


ou seja, de valores, princípios, limites, respeito à pessoa, sentido de bem comum.

Para tanto, é preciso distinguir...

1. Predisposição ética, que se refere a sensibilidade social, a percepção de


valor, a relevância do bem moral e a

2. Consciência ética, que corresponde a capacidade de avaliar e julgar.

A falta de predisposição ética está na indiferença e no fastio quanto ao


comprometimento dos preceitos morais e as restrições que afrontam os bons
costumes.

Hoje, as empresas em ritmo crescente introduzem programas de responsabilidade


social. Houve acréscimo real na predisposição ética?

E quanto à conscientização ética, que é o passo além, referente à compreensão e


decisão em ser ético?

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Exemplo de insensibilidade ética está no descomprometimento e desconscientização
da mídia televisiva promovendo programas totalmente deseducativos, verdadeiros
lixos morais, como...

 exploração patológica do grotesco e do monstruoso;

 exploração da criança em entrevistas e exibições maliciosas;

 vocabulário chulo e pornográfico;

 exibição de anormalidades sexuais e licenciosidades de todo tipo.

Tudo é permitido e bem patrocinado por empresas, cujo critério é o nível de


audiência. Será que o poder econômico está isento da ética?

Traços culturais

Há traços culturais em nossa realidade organizacional que exigem substancial


revisão...

1. Autoritarismo - concentração do poder, a dominação, a tendência à


fragmentação — ilhas de poder nas organizações.

2. Paternalismo - corrupção do poder, privilégios, assistencialismo opressor.

3. Individualismo - competição predatória, egoísmo, falta de visão social.

4. Consumismo - possessividade, canibalismo social, a ânsia de possuir sempre


mais.

Subjacente a essas manifestações egocêntricas está a desvalorização humana,


justificando manipulações tecnocráticas, tipo senhor/escravo, casa grande e
senzala, que hoje ganham colorações novas, mas que intrinsecamente revelam
uma mesma realidade. Daí a mudança ética tem que ser organizacional, passando
pela revisão dos valores culturais. O foco deve ser o homem, em dignidade e
oportunidades. O homem em equipes inteligentes, integrado e interagindo.

A consciência ética resulta dessa sinergia. O homem não subsiste sozinho. Sem a
equipe, sem o outro, torna-se uma abstração social, manipulável e excluído.

É a ética da solidariedade que dá sustentação a uma equipe e a torna indestrutível.


Não há vida social autêntica sem fundamentação ética.

Todo trabalho de conversão pessoal precisa estar apoiado por uma estrutura
cultural adequada, sem o que as recaídas serão fatais. Vale aqui, como ilustração, o
fato histórico envolvendo o Padre Anchieta e o terrível chefe canibal Cunhambeibe,
que se tornara o maior desafio ao santo evangelizador. Afinal, depois de várias
tentativas, o extraordinário jesuíta imaginou ter conseguido seu intento: converter
a tribo ao cristianismo. Mas só por algum tempo, pois, não tendo internalizado nos
indígenas o valor da abstinência de carne humana, logo a antropofagia ressurgiu
com toda a força.

Trabalhar a cultura das organizações é fundamental para que as pessoas possam se


converter autenticamente. O treinamento convencional, ministrado nas empresas,
sem que a cultura se transforme, significa rios de dinheiro jogados fora. Com a
agravante de reforçarem o sentimento de frustração e negativismo. Criam a
convicção: é muito bonito, mas não funciona.

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A ética pressupõe...

1. Liberdade - numa cultura de escravos, não há ética que resista.

2. Dignidade/responsabilidade - sem que se valorize o homem, abrindo


espaços à sua participação criativa, é inútil pensar na ética.

3. Igualdade de oportunidades - o estabelecimento de privilégios, decorrentes


de indefinições políticas e preferências, inviabiliza qualquer intenção ética.

4. Direitos humanos - sem que se regulem, com precisão e clareza, direitos e


obrigações, que consultem o bem comum, ser ético torna-se um milagre
que, graças a Deus, ainda existe.

Ser competente envolve ser ético. Você quer, para sua empresa ou relacionamento
pessoal, um indivíduo extremamente competente, mas sem ética? Profissionais
competentes e aéticos freqüentemente ganham negócios... e perdem a empresa. É
o oportunismo - aventureirismo - que mata a oportunidade. Realizam o feito
memorável, que não resiste ao desafio seguinte, pois não se respaldam em
credibilidade.

A visão imediatista é antiética, pois não respeita valores. Vale tudo para obter
resultados: o concorrente tem que ser eliminado, o cliente tem que ser encantado
a qualquer preço. Esses valores estão fortemente expressos no inconsciente do
marketing massificado. Daí os apelos publicitários que se veiculam na mídia e as
concessões à popularidade, na subversão dos valores transmitidos em novelas e
programas sensacionalistas. Embarca-se na onda do ganho fácil até o naufrágio
inevitável. Que ocorre, sem que se aprenda, por inconsciência ética.

A educação ética - certamente um pleonasmo, pois ambas são intrínsecas, senão


tornam-se excludentes - é condição imprescindível ao processo de renovação e de
continuidade civilizatória.

Ética do lucro

É condição à perpetuidade da empresa a ética do lucro, para que não viva as


contradições que atormentam seu espírito e a levam a toda sorte de equívocos
operacionais.

O lucro - fator de sobrevivência na dinâmica do modelo capitalista - é, em geral,


um valor mal resolvido, pois não claramente equacionado sob o ponto de vista
ético.

A ética do lucro importa em que se contemplem quatro condições essenciais...

Empresa - reinvestimentos que assegurem a sobrevivência e o seu


desenvolvimento — renovação contínua.

Capital - justa remuneração aos investidores, que bancaram o risco — retribuição


societária.

Trabalho - remuneração, com justiça, aos agentes produtivos — salário justo.

Comunidade - retribuição à sociedade pelo sucesso do empreendimento —


solidariedade social.

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A visão sobre a ética do lucro significa limpar a consciência empresarial da confusão
de conceitos e práticas distorcidas, responsáveis pelo fracasso em seus
posicionamentos. O conceito público tende a se deteriorar quando não há convicção
firme sobre a missão da empresa. E o lucro é a parte sensível do iceberg
organizacional.

A função da empresa, seu objetivo essencial, não é o lucro, mas prestar serviços.
Existe empresa, pois existe demanda: clientes que têm necessidades a serem
satisfeitas.

Para isso surge a empresa e a qualidade em servir é a sua responsabilidade básica.

O lucro é objetivo dos negócios, que a empresa desenvolve para realizar sua
missão de servir ao cliente. O lucro é exatamente isso: remuneração pelos serviços
prestados.

É importante que essa distinção seja clara, pois suas distorções são evidentes no
mercado. Muitos são os empresários que praticam o discurso radical: o objetivo de
nossa empresa é lucrar. Com isso induzem ao vale tudo pelo lucro Este conceito
introduz-se no espírito do empregado e torna-se princípio de cultura, e a ética vai
para o arquivo morto, desenterrada em momentos de festa, em arroubos oratórios.
Mas os tempos estão mudando.

Ética dá lucro?

Afirmo que sim, pois o bom conceito traduz-se em confiabilidade, e esta é


fundamental para efetivar negócios.

Vou querer trabalhar com pessoas e produtos não confiáveis?

Vou me arriscar a estabelecer vínculos com empreendimentos duvidosos?

Certamente não, se tenho bom senso.

O lucro, em geral, ganha força e significado puramente financeiro. Essa é uma


visão estreita que não contempla a riqueza social e psicológica do resultado
positivo, como indicador de saúde institucional.

O lucro, em sentido maior, referenda o projeto coletivo vitorioso, compartilhado,


mutuamente usufruído como bem comum. É a realização pessoal, onde está
embutida a auto-realização. Não estou falando de uma ideologia política
meramente socializante, mas de humanismo e cristianização da sociedade
empresarial.

A obsessão pelo lucro acaba por gerar o não-lucro, pois desgasta parceiros e inibe
clientes, de onde dificilmente a ética sai imune.

O lucro é motivação para o empregado?

O lucro, imprescindível para a continuidade da empresa, não é necessariamente um


motivador forte para o empregado, mesmo quando ele participa formalmente dos
resultados. Fica sempre, no inconsciente das pessoas, a suspeita de que os
verdadeiros beneficiários são eles e não nós

Mesmo porque há um sentido utilitarista desenvolvido que condicionou as pessoas a


pensar: o que eu ganho com isso?

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Quando a perspectiva de retribuição é dinheiro, sua aceitação é sempre restritiva.
Jamais alguém vai achar que está sendo remunerado à altura, fica sempre o
sentimento de que se é explorado.

O que motiva as pessoas é saber que estão comprometidas com um projeto de


vida. O que engaja vontades e inteligências são valores, sentimentos e idéias.
Preservados esses, o ganho financeiro faz sentido como estímulo positivo. Não é
mais a compensação à vamperização a que se sujeitam, na percepção distorcida do
trabalho como meio de morte, compelidas a empenhar a saúde e a alma na
conquista da remuneração. A materialidade dessa constatação é frequentemente
camuflada pela teatralidade das mordomias e dos altos ganhos.

Assisti um empresário afirmar para um alto executivo: você, aqui, vai ganhar muito
dinheiro, mas terá que deixar seu sangue e eu pensei: sua alma, também.

Ética aplicada

A prática da ética nas organizações vem se caracterizando por manifestações


concretas, dentre as quais destacamos...

1. Filosofia empresarial - clara conceituação de missão, princípios e


orientações.

2. Comitê de Ética - grupo definidor e de controle de políticas e estratégias.

3. Credos - divulgação das crenças institucionais para funcionários e clientes.

4. Códigos - coletânea de preceitos sobre comportamentos.

5. Ombudsman - ouvidores ao alcance dos clientes para atenderem aos seus


reclamos.

6. Auditorias éticas - avaliações periódicas sobre condutas empresariais.

7. Linhas diretas - circuito aberto à críticas, reclamações e sugestões.

8. Programas educacionais - aproximação da empresa com seus públicos


através de iniciativas que eduquem.

9. Balanço social - divulgação dos investimentos da empresa em benefício do


público interno e da comunidade.

Para que essas práticas tenham um sentido verdadeiramente ético e co-


responsabilizador é vital que se apóiem na atitude dos dirigentes. Se as lideranças
não confirmarem a lógica da atitude, a lógica formal não garante a necessária
credibilidade.

Ser ético, como atitude na gestão, significa, em essência: reconhecer necessidades,


reconhecer o desempenho funcional, propiciar participação nos resultados,
estimular o compromisso social e favorecer a educação continuada.

Ser ético no comportamento de gestor significa: dar a informação relevante, avaliar


e fornecer feedback, abrir espaço à contribuição criativa, institucionalizar canais de
comunicação, delegar, delegar e delegar – pois além de instrumento eficaz de
gestão, implica dignificação do homem, pelo poder decisório –, comemorar o
sucesso e recompensar.

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Tais práticas irão transformar a ambiência de trabalho numa cultura ética, na qual
se realiza a comunidade vivencial de aprendizagem, em que todos realizam função
educativa, num intercâmbio enriquecedor em que a solidariedade torna-se valor
espontâneo. Aí há equipe, pois exercita-se a liderança integrada.

Os desafios da era tecnológica exigem essa postura de liderança: todos são


potencialmente líderes, a serem motivados ao aprendizado contínuo.

Só assim a empresa responderá com eficácia aos múltiplos compromissos que


fazem de cada empregado um agente vivo da organização. Qualquer empregado,
ao decidir, está comprometendo a empresa como um todo. Caso não tenha
consciência ética, está agravando o conceito empresarial. E pondo a perder
conquistas importantes.

A ética na era tecnológica é a estratégia para tolher males que vêm minando as
organizações, como...

1. Robotização social - a tecnologia condicionando o comportamento humano.

2. Sociedade estressada - pela velocidade acachapante, é exigido esforço


redobrado para acompanhar as exigências de rapidez nas decisões.

3. Desemprego e violência - o ganho obsessivo como meta sacrifica valores


humanos e gera o comportamento violento.

4. Empresa infeliz - o ambiente de insegurança e injustiças induz à competição


predatória e à cultura egocêntrica.

5. Infelicidade social - o caos reinante, quando falta a consciência ética,


enfraquece o espírito.

Tais indicadores negativos mostram a importância vital das empresas investirem


em seu conceito público, através de manifestações concretas de responsabilidade
social.

Fonte
MATOS, Francisco G. Ética empresarial e responsabilidade social. Disponível em:
<http://www.iacat.com/Revista/recrearte/recrearte03/etica_soc-empr.htm>.
Acesso em: 24 jan. 2008.

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