Maria Lacerda de Moura A Mulher É Uma Degenerada PDF

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M A R I A L A C E R D A D E M O U R A

"A Mulher é uma


Degenerada"

"Honni soií qvi mal y pense"

3.a Edição

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA EDITORA


Hun Lavradio, 180 1982 Rio «!«• Janeiro
DA AUTORA:

EM TORNO DA EDUCAÇÃO — 1918 — exgotado.


RENOVAÇÃO — 1919 — exgotado.
A FRATERNLDADE E A ESCOLA — 1922 (conferencia)
exgotado.
A MULHER MODERNA E O S E U PAPEL NA SOCIE-
DADE ATUAL E NA FORMAÇÃO DA CIVILIZA-
ÇÃO FUTURA — 1923 — conferencia — exgotado.
A MULHER E A MAÇONARIA — conferencia — ex-
gotado.
A MULHER E ' UMA DEGENERADA — 1924 — ex-
gotado.
A MULHER E ' UMA DEGENERADA — 1925 — ex-
gotado.
LA MUJER E S UNA DEGENERADA? — 1925 — Edi-
ção de Buenos-Aires, não revista pela autora.
LIÇÕES D E PEDAGOGIA — (volume I) — 1925 — ex-
gotado.
RELIGIÃO DO AMOR E DA BELEZA — 1926 — ex-
gotado.
RELIGIÃO DO AMOR E DA BELEZA — 2.* edição —
1929.
D E AMUNDSEN A D E L P R E T E — 1928.
CLERO E ESTADO — conferencia — 1931.
CIVILIZAÇÃO — TRONCO D E ESCRAVOS — 1931.

NO PRELO:
CLERO E FASCISMO — conferencia.
A MULHER E ' UMA DEGENERADA — 3/ edição.
AMAI E . . . NÃO VOS MULTIPLIQUEIS.
O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO NO PENSAMENTO E
NO IDEALISMO D E FERRER, O MÁRTIR DO ENSINO
LEIGO — conferencia.
A SAÍR:
HAN RYNER E O AMOR PLURAL.
A GRANDE ALMA — esboço da filosofia pratica de
Gandhi.
EM PREPARO:
FARIAS BRITO — METAFÍSICO L I V R E .
O INDIVIDUALISMO NEO-ESTOICO D E HAN RYNER. A CARLOS MOURA
GUERRA A' GUERRA!
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA c 2: volumes de L i - A primeira e a segunda edição deste
ções de Pedagogia).
KRISHNAMURTI E HAN RYNER.
livro te são dedicadas, meu grande amigo.
O PROBLEMA DO AMOR VISTO PELA MULHER: Geor- Tombem a terceira. As condições de nossa
ge Saini, Isadora Duncan, Alexandra Kollontai e Fe- vida conjugal modificai-am-se totalmente.
derica Montseny.
Somos hoje apenas dois grandes e verda-
deiros amigos. Somos apenas dois bons ir-
mãos, absolutamente solidários em todas as
contingências da existência trabalhosa e
cheia de surpresas, para as quaes nem sem-
pre estivemos preparados.
Entretanto somos hoje mais amigos que
hontem. A tua dedicação para comigo é no-
tabilissima e muita vez me tem comovido
profundamente.
Quero apresenta-la \ao meu publico,
como uma homenagem do meu coração
ao teu coração generoso e forte, á tua
alma estóica.
Que exemplo o teu, meu nobre amigo!
Esse é o meu verbo
de

Fraternidade

r
Esse é o meu

verbo de Fraternidade

Toda gente sabe avaliar o poder, a influencia be-


néfica exercida por uma mulher pura e de talento, num
circulo proporcional ao seu exemplo, aos seus predi-
cados.
(Alargar ainda mais essa influencia, esparzir cente-
lhas dentro de outros corações para a alegria de viver
a "vida intensa" e util e deixar, por aonde passar, um
traço de luz a iluminar outras sendas e outros corações,
é a tarefa desses espíritos de eleição.
Quem sente a Dòr Universal, deseja cxtravazar a
alegria intima de fazer algo em prol desse sonho do
bem pelo amor do bem, idealizando mundo melhor, vida
mais pura, sociedade menos egoísta e mais equitativa.
Fazer educadoras concientes desse sacerdócio, re-
nasce-las de si mesmas, revive-las num sonho maior,
quasi inaccessivel — seria trazer o céo á terra num al-
vorecer de outros sonhos para o amanhecer de novos
ideaes.
Como conseguir educar essas futuras mães espiri-
tuais, se tudo é preconceito na sociedade atual, se tudo
é repetição de princípios já envelhecidos pela ação do
tempo, pela evolução implacável na destruição de tradi-
ções empiricas, na substituição de formulas, carregadas
pelo vulgo como cadáveres ancestraes?
12 MARIA LACI [RDA Dfi MOURA 13
A MULHER É UMA DEGENERADA

Como educa-las?
como lenitivo á dòr universal! Essas vozes germinarão
Quantas cousas repetem as mais e as professoras em novos rebentos, alimentarão os embriões de outras
— inconcientes de que servem de esteios fortes na con- formas sociaes, quiçá distribuidoras de mais justiça.
servação da própria escravidão!
Trata-se, não da filantropia de um dia, sim da re-
E ' preciso abrir os olhos da mulher, embora mes- novação social para uma sociedade donde so excluirá
mo ela nos queira mal por isso, vendo em nós, intele- a caridade humilhante — que a solidariedade entre ir-
ctuaes, talvez, perigosas concorrentes... mãos afasta o gesto de proteção.
Generosa, confiante, ela se deixa levar pelo mais Sem arrancar a alma feminina desse sectarismo
forte, e "a razão do mais forte é "ainda" a que pre- ferenho que faz dela um balão cativo, oscilando apenas
domina". . . aos vae-vens das opiniões alheias, sem educa-la para a
Diz bem Henriette Roland-Holst: "A democracia vida, sem fazer dela criatura conciente, em vez de jo-
burguesa realizou, ou está em vias de realizar a igual- guete das forças do passado reacionario — impossível
dade politica e jurídica dos dois sexos: porém ela não pensar na sociedade nova.
poude acabar ainda com a escravidão domestica da mu- A escravidão feminina atravessou todas as gerações,
lher, para a qual vae cerrando os grandes horizontes, repercutiu cm todas as civilizações, percorreu as cida-
perpetuando nela as idéas estreitas, as tradições se- des antigas e modernas: — eis a razão por que antro-
culares e mantendo o seu estado de inferioridade, "vis- pologistas nos consideram como não tendo representado
a-vis" do homem, e entravando o livre desenvolvimento
papel algum na evolução social. Se o representámos foi
das suas faculdades". ("L'Humanité" — 10 abril —
por intuição, inconcientemente, muito longe estivemos
1921).
sempre da nossa missão social.
De que vale » igualdade de direitos, jurídicos e po- A historia regista maior numero de mulheres fatais
líticos para meia dúzia de privilegiadas, tiradas da pró- aos destinos dos povos, do que as capazes de alevantar
pria casta dominante, si a maioria~"TeTnjnina continua os reinos e as nações num ideal conciente.
vegetando na miséria da escravidão milenar? As outras, as heroinas, as estóicas, conservaram o
E ' preciso sonhar mais alto ainda e abranger todo seu anonimato, e muito mais teriam contribuído para
o mundo feminino no mesmo laço de igualdade social, a elevação moral da sociedade, si o preconceito, a es-
no mesmo beijo de solidariedade humana, no mesmo cravidão, os códigos e a timidez ancestral, o adinamis-
anseio para a Fraternidade Universal. mo, o egoísmo masculino não as privassem de agir, de
Enquanto houver uma só pária, enquanto houver trabalhar desassombradamente. O medo, a resignação
uma mulher sacrificada, enquanto houver crianças fa- passiva, a subserviência de escrava foram sempre as ar-
mintas, mulheres escravas do salário — nós, idealistas, mas do seu escudo. E com esse escudo quem já venceu
não temos senão o dever de pensar, de sonhar, de agir na vida?
para o advento de outra sociedade, em busca de outros A causa da mulher é como a causa das párias de
sonhos para a vida maior. todas as civilizações: é causa internacional.
Tantas vozes generosas na aridez das sementeiras. Vencerá quando o odio de raça, de preconceito, de
superstições nacionalistas ruir por terra com o estrondo
14 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 15

' das derrocadas, a golpes de audácia dos camartelos fe- Para cada criança surgida na sociedade temos um
cundos, avassaladores e fortes...
dever a cumprir,
O trabalho feminino tem sido, até aqui, todo dis- E a criatura nasce com direito á luz da vida, á
persivo: a própria beneficiencia leni esse carater.
aurora do pensamento, ao beijo do amor.
E a solução não é a caridade humilhante ou a filan- Cada coração feminino deve ser uma "creche"
tropia, mesma a mais altruísta, e sim a evolução, o des-
imensa, para conter a Humanidade. E , para agasalhar
envolvimento do cérebro feminino para a compreensão
todos os ventres fecundos — cada alma de mulher deve
do papel individual á mulher destinado na multiplicação
ser uma infinita maternidade.
do bem-estar.
A Terra arde num braseiro... E ' preciso um "ven-
A religião não solucionou o problema. A politica
daval de esperanças" e um "látego de sonhos" para
muito menos. As guerras mentiram-nos barbaramente;
varrer das conciencias os vendilhões da fraternidade.
a beneficência é uma gota d'agua no oceano da vida, no
Toda a Humanidade passa pelo berço, a quem em-
vácuo imenso das dores moraes, das misérias físicas.
bala o berço, quem canta as primeiras cantigas de ador-
Falta, portanto, a larga compreensão das quaestões
mecer, quem acorda as crianças para os arrebóes das
sociaes para solução mais alta.
primeiras alvoradas da alma — é a mulher.
E ' necessário empunhar o archote do incêndio for-
—— Quem devassa o coração do adolescente e faz lá
midável, destruir as velharias inúteis, extirpar do incon-
dentro nascer a angustia ou a alegria de amar — é_ a
cien coletivo a influencia ancestral dos prejuízos, substi-
mulher. —
tui-los por hábitos novos e enriquecidos de experiên-
cias, como é preciso empunhar o estandarte da Paz, pre- — Quem acompanha de mais perto o homem na ida-
gando a dedicação nos momentos decisivos, no virar de viril, levando-o aos paramos iluminados do sonho
das paginas do inexorável livro das causalidades... ou aos abismos do vicio e da degradação, ou ainda quem
Passou o tempo da beneficência caridosa. o pode adormecer na indiferença da mediocridade —
A mulher precisa aprender mais, para agir melhor. é a mulher. —•
A equidade está acima da caridade. E ' preciso, pois, eleva-la a alturas inconcebíveis,
Não podemos passar por uma mulher do povo, qua- dar-lhe coragem, estimula-la ante a responsabilidade
si selvagem na sua ignorância, sem lhe lançar um dessa missão de Beleza, missão regeneradora; fazer dela
olhar de fraternidade, clamando a incúria, protestan- o novo Evangelho da Redenção, pronta para o sacrificio
do contra o egoísmo dos povos, das nações. de si mesma, em busca de novas esperanças, para con-
E a iniquidade social é chaga aberta dentro do seio forto, para força moral dessas coortes de idealistas da
imenso da Terra. "Cidade Futura"...
E enquanto na Terra houver um só escravo, não Paz, Beleza e Bem-estar para todos deve ser a nos-
temos o direito de descansar os sonhos de equidade. sa divisa.
Todos as oprimidos nasceram de ventres femini- Esse é o meu verbo de Fraternidade.
nos, sufocados os corações num lampejo de dores e
bênçãos.
erA Mulher

é uma

Degenerada"
- E ' uma série de reflexões, e, como não tenho
a autoridade do cientista senão as minhas leituras e
as observações de cada dia — preciso apoiar-me nos
cientistas.
N ã o roubo: não faço como aqueles que não citam
porquanto copiam. . . N ã o sigo o exemplo numeroso
dos tais cientistas que nos dão como se fossem de
primeira mão — teses muitíssimo nossas conhecidas.
Reivindico os meus direitos: o que é meu — é mui-
to meu. — -

à
'A M U L H E R E' U M A DEGENERADA"

Miguel Bombarda, o conhecido psiquiatra, em


o livro A Epilepsia e as pseudo epilepsias", lan-
rr

çou sobre a mulher este anátema: A mulher é


re

uma degenerada".
E considera "ridiculo" qualquer esforço "em
prol da independência da mulher e da sua elevação
até o homem".
"O mal não seria grande, diz ele, si apenas se
tratasse de algumas dezenas de degeneradas maia
carregadas, que assim esterilizadas, inutilizariam
um elemento de degenerecencia da espécie". "Mas,
a propaganda, como as necessidades da existência,
arrasta cada vez, maior numero de mulheres; mais
um elemento de desfalque na população, porque,
pela maior parte se esterilizam, e, o que é pior,
mais um elemento para que se ateie o incêndio da
degenerecencia; os excessos e as fadigas intelectuaes
como que vêm dobrar o papel do homem na sua
A MULHER É UMA DEGENERADA 21
20 MARIA LACERDA DE MOURA

ação degeneradora. "E' muito do interesse das ra- dentro desta organização social de escravos e ma-
ças e da sua pureza combater a todo transe a in- quinas a serviço da mediocracia e do industrialis-
vasão das sociedades por esses modernos bárbaros, mo. Vamos muito mais longe.
do homem tão queridos. "E' necessário uma contra Ainda discutindo com a inteligência, tenho
propaganda, como uma defesa das posições toma- ouvido homens de valor real, convictos de que a
das. "Toda tolerância neste campo é um erro que mulher (pelo menos a mulher brasileira) é sempre
os nossos filhos terão de pagar". mais inteligente que o homem brasileiro. E ainda
Estudaremos por partes a teoria de Bombar- que nunca tivesse ouvido essa opinião insuspeita
da, teoria aceita por uma facção considerável da — estou de ha muito convencidíssima, pelas mi-
sociedade, combate-la-emos com as forças de que nhas observações, de que a mulher brasileira é mui-
dispomos — haurida da própria ciência de que se tíssimo mais inteligente que o homem brasileiro. O
fez apostolo um representante direto do anti-femi- que ela é é comodista... tira partido da sua situa-
nismo. ção, emprega a astúcia, a única arma que lhe dei-
xaram para a defesa própria. E' preguiçosa, insta-
Considera "ridículo" qualquer esforço em prol
la-se como pôde: quando se trata de cortar o cabelo
da elevação da mulher até o homem. De que ele-
ã la Garçonne", não como medida higiénica, po-
rf
vação se trata?... O que se vê hoje, é uma medio-
rém, em obediência a um preceito da moda, quan-
cridade alarmante por parte do "sexo alto"; nem
do se trata de se mascarar e ir com o marido aos
um vislumbre de mentalidade, cousa alguma que
cabarets elegantes, quando é hora de tomar "cham-
provoque desejo de imitação. Pelo contrario. E si
pagne" nos "reveillon" dos Hotéis chies e ser "ca-
a mentalidade masculina normal, comum, tivesse
marada" nas "pandegas" de concursos de pernas...,
algo de conciente, certamente a mulher não estaria
quando se trata de sair só — aí ela quer ser inde-
tão ignorante, tão atrasada. Pelo lado moral?...
pendente, feminista, livre, mas, si é preciso lutar
creio bem que não é disso que trata o sr. Bom-
pela vida, arranjar um emprego para ganhar o sus-
barda. Demais, é muito medíocre o anseio de ser
tento, ou sacrificar a moda ou os seus caprichos,
igual ao homem... de reivindicar os seus direitos,
22 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 23

então ela se encosta a uma muleta, prefere ser pro-


C Em Roma ainda não havia feminismo e por-
tegida... E harmonísa tudb: é independente quan-
que se corromperam e se degeneraram as civiliza-
do lhe convém, é "submissa estrige ternura", quan-
ções romanas? * P o ^ r ~ Z
do julga necessário. E as da "alta sociedade" vivem
E a sífilis? não foi inventada pelo feminismo
entre "ele e o outro", distribuindo caricias e pondo
nem nos tempos modernos das reivindicações femi-
em jogo todas as suas "virtudes" de dedicação, de
ninas e os inúmeros cérebros masculinos por ela
"sensibilidade"... E esses homens de quem nos sen-
atacados serão de tal altura que valha a pena pro-
timos "invejosas" e cuja mentalidade nunca pode-
curar alcançar?
ríamos atingir..., eles também sabem harmonizar
E esses homens gosadores falam de excessos e
todas essas situações, embora aos tapas, entre taças
fadigas intelectuaes — ou antes: de excessos e fa-
de "champagne" ou nos "cabarets", acompanhados
digas de outro género e as quaes degeneram mais
ou não das suas sempre "virtuosas consortes".
rapidamente?
Si o excesso é sempre prejudicial, convenha-
DEGENERECENCIA
mos que os trabalhos intelectuaes — si por um
lado trazem fadiga ao organismo, por outro —
Bombarda fala tanto em degenerecencia, mas, exaltam as energias latentes, e, daí nos veem forças
quem se degenera ou quem mais degenera a descen- novas, restauradoras, que não se põem em ação se-
dência: a meia dúzia de feministas modernissimas não quando ha vida interior, e, estão adormecidas
(isso é cousa de outro dia) ou os milhões de ho- si os excessos são provenientes dos bailes, dos di-
mens que usam e abusam do álcool, da morfina, vertimentos comuns, dos cabarets, das sensações
da cocaína, do ópio, e de vicios inconfessáveis? do jogo, ou de quaesquer vísceras, A
O feminismo nasceu hontem, criado pelas ne-
cessidades de defesa dentro da sociedade capitalis- ESTERILIDADE
ta e, é de hoje que as sociedades se vêm degene-
rando? Ainda mais: falam só na esterilidade feminina,
no entanto a medicina discorre sobre a esterilidade
A MULHER É UMA DEGENERADA 25

24 MARIA LACERDA DE MOURA


Toda essa desinteressante exposição tem por
masculina. H a mulheres que só teem filhos no se- fim provar que não foi a instrução primaria, o di-
gundo matrimonio. Mas, convencionou-se que ploma de normalista que me fez estéril, está claro.
umas tantas cousas são naturais para a mulher e Casada, durante 10 anos levei a vida que toda
deprimentes para o homem... recem-casada leva: — bordando, cosendo, pintan-
E daí uma serie de absurdos e prejuízos aco- do ornamentos de casa, tocando piano, passeando,
bertados não só pelo homem mas até protegidos conversando inutilmente, dormindo bem e comen-
pela "inocência ou pela submissão e inconciencia do melhor, lendo romancinhos, gosando saúde re-
da mulher". E o assunto é desviado como impró- lativa e — sem ter filhos.
prio, descomodo, mesmo porque os homens se "en- Ha apenas 10 anos (1924) que leio seriamente
crespam" e se sentem ofendidos na sua dignidade... e dentro desse período data (de 6 anos para cá)
a minha vida de escritora, de propagandista da
Bombarda considera a instrução feminina, a
emancipação feminina.
emancipação da mulher como poderosa força dege-
--*> • Podemos atribuir a essa atividade de hoje a
ncradora, como elemento de esterilidade, st tsétm^
minha esterilidade de ha anos atrás? Isso seria
Comecemos pelo meu caso uma vez que me
mais do que infantilidade, seria má fé.
chamaram leader da emancipação feminina no Bra-
zil. E porque me não vieram os filhos antes de
me dedicar a uma vida mais conciente e mais útil?
De fato e infelizmente nao tenho filhos, mas,
minha mãe que não estudou teve apenas duas f i - A mulher hotentote, dizem antropologistas, em
lhas. média tem apenas 3 filhos ou 4. De sorte que é
comum ela ter 1, 2, ou nenhum. Será a extraordi-
Quanto a mim, casei-me aos 17 anos: antes,
nária vida de pensamento (!) da hotentote que
estudei o que toda gente sabe para não ficar anal-
lhe vae provocando a esterilidade?
fabeta. As minhas colegas da Escola Normal de
Barbacena estão por aí abarrotadas de filhos, — Em ordem inversa: a mulher alemã é muito
tipos autênticos de criadeiras, de mães de família'; fecunda e é instruída.
minha irmã teve 5 e 3 prematuros.
26 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 27

As causas são outras, e o pior çégo £ agtiele


zado — para a satisfação da sua natureza infe-
que não quer yjr. Depois, se a mulher veio ao mun-
rior. Assim, gósa na sua mentalidade e gosa no
do só para dar filhos, que incoerência é essa da
natureza fazendo a esterilidade na mulher quando instinto. Para a mulher — restam apenas: a in-
é cousa tão excepcional nos animaes? Não se trata conciencia, a fraqueza sem defesa, a maternidade
de uma degenerecencia, de excessos ou de outras com o seu cortejo de dores e amarguras e o jugo
causas que poderiam ser evitadas ou desviadas, masculino. E vae tudo muito bem. E ai daquela
porquanto, a esterilidade feminina existiu em to- que protesta, ai daquela que tem coragem de dizer
dos os tempos: na Biblia o verificamos a cada pas- algo fora das normas estabelecidas.
so. Logo, não é resultado da civilização moderna No minimo: leu e não assimilou, não digeriu;
com os seus desregramentos. juntou palavras desconexas, tem desespero de cau-
Mas, tudo isso tende a materializar de mais a sa, etc.
vida. A sede da Verdade nos faz concientes, a ân- Por isso, comumente, me chamam de senhori-
sia de sonhos c de ideacs nos coloca em condições ta... E protesto sempre: sou casada e posso falar
de adorar os deuses que vivem no mundo interior em nome das solteiras. Não é desespero de causa:
das nossas visões superiores. nem sou velha, nem passei a vida em brancas nu-
vens, como já o supuzeram. Não trato de mim:
E si o homem voa, além do macho, até o in-
reivindico os direitos do meu sexo, de todas as mu-
cognoscível, porque ha de a mulher se conservar
exclusivamente, eternamente, inevitavelmente acor- lheres. Além de tudo, o ter filhos — não deve, não
rentada ao papel de fêmea? pôde impedir de pensar. Não são cousas incompa-
tíveis.
E' mais uma prova da brutalidade, do sensua-
Pelo contrario: é preciso até, é imprescindível
lismo, do egoísmo masculino: o homem quer ir
para o próprio beneficio dos indivíduos, conside-
longe nas suas especulações cientificas, filosóficas,
rados mesmo no seu organismo animal, que as duas
artísticas, mas, quando descer ao mundo — pre-
ideias se harmonizem.
cisa encontrar o derivativo materializado, concreti-
Chegámos á conclusão seguinte: se a hotentote
28 A MULHER É UMA DEGENERADA 20
MARIA LACERDA DE MOURA

selvagem não tem mais de 4 filhos e é comumente abaixo delas, entretanto, sujeitar-se-iam gostosa-
estéril ou se tem apenas 1 ou 2 filhos, — está vis- mente ao jugo da maternidade absorvente.
to que a mulher civilizada não pode atribuir a sua E' ao carater feminino que atacam, é o com-
esterilidade á instrução rudimentar que recebe — bate á rebeldia e á superioridade moral, á insub-
quando tem vontade forte para arrostar contra a missão, ao anseio de liberdade e Amor — na mais
avalanche da reação anti-feminista. ampla significação da palavra.

O que faz a mulher civilizada estéril é a ânsia DAS RAÇAS E DA SUA PUREZA
de goso e a luta pela vida, é o luxo e a exibição
dos salões e o comodismo dos homens e das mulhe-
Quanto a ser do interesse das raças e da sua
res sem mentalidade e sem conciencia, é o mercan-
pureza o combater-nos — é outra ingenuidade.
tilismo dos contrabandistas da saúde, desses mé-
Vejamos o que se pode saber a respeito da tão
dicos comerciantes e também libertinos, é a ânsia
de satisfações materiaes seja ao preço do assassí- decantada "pureza das raças".
nio dos próprios filhos indefesos (crime maior do As teorias das raças se apoiam no indice ce-
que o assassínio de homens que se podem defen- fálico, nas diferenças craneologicas, cor da pele, es-
der) ; marido, mulher e medico e enfermeiros — tatura, cabelos, etc, etc, sem bases justificadas
cúmplices nesses atentados de todos os instantes. porquanto tudo é falho.
O assunto merece grande expansão: não cabe
E porque a sociedade anatematiza a materni-
nos limites de umas paginas. Sintetizaremos. Que-
dade livre?
ro apenas justificar as minhas palavras de protesto
Quantas grandes almas femininas por este
á expressão de Bombarda.
mundo afora, desejam ardentemente o filho não
"Não ha raças, ha povos", prova-o Colajanni.
desejando absolutamente o marido!... E essas, jus-
A antropologia é uma "ciência mal definida e su-
tamente, são as chamadas "emancipadas", as in-
jeita a toda sorte de erros", diz Finot.
teligentes, as de carater, as que se não sujeitam ao
jugo do "senhor" mediocre e presunçoso, muito Comecemos por um exemplo: o indice cefálico
30 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 31

dos gregos modernos é de 76 a 81 "et ils ne peu- ao volume da cabeça. Na coleção de imbecis de
vent pas fournir de grands hommes!" e os antigos Parchappe, aquele cuja cabeça menor não tinha
gregos tinham de indice 76! senão 460 milimetros de circunferência horizontal
As contradições são flagrantes. — era o mais inteligente do grupo: era o único que
Aristóteles dizia que o homem chega a ser mais falava e conhecia o valor do dinheiro.
inteligente que os outros animaes porque sua ca- Sergi acha que, depois da medida do indice,
beça tem dimensões relativamente pequenas. tal craneo, que devia ser dolicocefalo pôde ser bra-
Os antropologistas das "raças" querem a pro- quicefalo e vice-versa.
porção entre a grandeza da cabeça e a grandeza E o craneo varia segundo a constituição física.
da inteligência. E as deformações craneanas como estética para al-
Parchappe e Broca contestam que a imbecili- guns povos?
dade e a idiotia correspondam á pequenez deter- Também se modificam as formas do craneo
minada da cabeça. Parchappe, em medidas compa- por efeito da alimentação, tanto no homem como
radas, sobre 50 cabeças de homens de inteligência nos animaes.
normal encontrou 7 de dimensões inferiores ás do Manouvrier acha dificil fazer corresponder as
imbecil observado, enquanto 13 dentre eles acusa- variações do craneo ás variações da inteligência, e
vam dimensões muito pouco superiores. diz: "c'est un pur égarement que de vouloir faire
Uma cabeça de mulher inteligente foi encon- de la variation de Pindice céphalique une sorte de
trada, pelo mesmo professor, com as dimensões da phrénologie des races, car aucun fait biologique
cabeça de um idiota! ne la justifie". "Bien au contraire, les variations de
E Parchappe é de opinião qtic a inteligência Pindice céphalique sont des plus insignifiantes, au
pode manifestar-se normal numa cabeça de volume point de vue physiologique. Dans la brachycépha-
inferior, igual ou apenas superior ao volume das Iie, le crâne gagne en largeur ce qu'il perd en lon-
cabeças de idiotas. gueur".
Para ele, nunca a inteligência é proporcional
32 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 33

é, a conclusões opostas ás dos pregadores da teoria


DoLICOCEFALOS E BRAQUICEFALOS dos delicocefalos superiores.
Finot sáe das normas estabelecidas pelos an-
O tipo ideal dos antropologistas das "raças" é tropologistas das "raças" dizendo: "La forme ar-
o dolicocefalo; pois bem — esse tipo é encontrado rondi (brachycéphalie) présentant cet avantage
frequentemente entre selvagens e povos primitivos. qu'elle peut, dans le moindre espace contenir re-
Finot cita cifras e mais cifras em favor desse lativement plus de masse cérébraie, 1'avenir est aux
caso. Com relação ao peso do cérebro conclúe com cranes larges, aux brachycéphales!"
um exemplo: um gato e um leão; no gato a pro- Enquanto isso, Ammon, sábio alemão, aconse-
porção do peso do cérebro com o corpo é de 1 para lha o álcool, "o deboche", toda sorte de vicios:
106, no leão é de 1 para 546. E o gato é então 5 pôr á disposição dos inferiores a cachaça, o desre-
vezes mais inteligente que o leão? Então daí se gramento, provocar rapidamente a sua degenere-
conclúe (mais o animal é pequeno mais vantajosa cencia para fazel-os desaparecer. Os inferiores, pa-
se mostra a proporção do cérebro com o corpo) — ra ele, são braquicefalos! E Kant, Laplace, Vol-
que os animaes pequenos são relativamente mais
taire eram braquicefalos.
iáteligentes que os animaes grandes?
O professor Langer, austríaco, anatomista no-
Broca acha ridícula a pretenção de se querer tável, acha que a modificação da estructura cra-
fazer depender o grão de inteligência das dimen- neologica não depende apenas do trabalho intele-
sões e por consequência das formas da cabeça. ctual e sim também do nosso aparelho de masti-
Broca, Parchappe e tantos outros afirmam que gação depende a forma do craneo.
o exercício intelectual aumenta o peso e o volume Com relação á cubagem muito se poderia ci-
do cérebro e a inteligência por consequência. tar.
A essas mesmas conclusões chegaram Lacassa- Morton, nessas experiências, tirou a conclusão
gne, Cliquet, Ferri, Vitalis, Galton, Vann, etc. de que os negros da Africa e da Oceania seriam
Nystrom chegou aos mesmos resultados, isto muito superiores aos americanos.
M MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA

O peso depende da estatura, da edade, do sexo. cia é proporcional ao peso do encefalo — também
E segundo "Finot: "nenhuma das teorias baseadas a inteligência deveria diminuir sensivelmente de-
sobre esse fator (craneologia) pode resistir, nesse pois dos 45 anos no homem e, antes dessa idade,
ponto de vista (peso do cérebro) á mais ligeira na mulher.
critica.
Isso nao se dá: exemplos e exemplos ás cente-
O mais interessante é o seguinte: " A mesure nas poderiam servir para o caso; limito-me ao
que nous veillissons, le poids de 1'encéphale diminue exemplo clássico — Rousseau. Depois dos 45 anos
d'une façon sensibíe. A partir de la quarente-cin- o homem produz muito e com toda a pujança da
quiême année le cerveau commence â décroitre; á inteligência. Alguns começam aí a sua carreira.
quatre-vingt-dix ans il a perdu jusqu'ã 120 gram- E, quanto á mulher, é opinião do celebre anti-fe-
mes chez 1'homme et moins de 90 chez la femme minista e antropologista justamente o contrario:
(calculs de Broca, Topinard, etc.) Le poids de 1'en- ela só poderá ser alguma cousa depois de entrar
céphale augmente également avec 1'exercice et di- na velhice...
minue à défaut de tout travail intellectuel". Que contradição!
Está aí uma lei antropologista com a qual to- , A proporção da perda desse peso do cérebro
dos os antropologistas concordam e que põe em entre o homem e a mulher também dá margem a
duvida as suas próprias teorias provando que acima muita dedução interessante. E como é que o peso
da matéria com a qual forjam e deduzem leis e do encefalo, depois de certa idade, diminue "à dé-
teorias, ha outras leis e outras forças desconhecidas faut de tout travail intellectuel"?
da ciência oficial, forças e leis e energias muito De que vale então o peso do encefalo?
acima dessa ciência presunçosa, desafiadoras das
E nas experiências ou na medida ou no peso
suas deduções levianas servindo a interesses pró-
do encefalo têm sido observadas essas leis, têm sido
prios, a opiniões pessoaes e apaixonadas.
observadas seriamente, sem ideia preconcebida, as
Si, á medida que envelhecemos o peso do ence- idades dos indivíduos — homens e mulheres —
falo diminue de maneira sensível e si a intelieen- tem sido feito o calculo proporcional dessa perda?
36 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA \7

Si depois dos 45 anos vae diminuindo sensi- franchi um bon quart de la distance que le separe
velmente e com ele, por consequência lógica, deve des Blancs".
diminuir a innteligencia (em ordem inversa: o pe- E Finot diz ainda: "Si nous disons européen,
so do cérebro crescendo a inteligência cresce) — ce n'est qu'une façon de parler. I I s'agit du crâne
como é que a idade de ouro do homem vae bem civilisé, que si distingue du crãne des peuples non
mais longe e como é que os intelectuaes, os sábios, civilisé, qui si distingue du crãne des peuples non
os pensadores chegam a edades avançadissimas ás civilisation et prives de Pexercice cerebral que ceíle-
vezes — com todas as faculdades e sentidos vivos ci impose". Si assim é, que é que impede a mulher
e penetrantes mais que o homem comum, e, pro- infantil de hoje de pensar amanhã?
duzindo ardorosamente? Está claro que aos 90 Ha provas de que os europeus são descenden-
anos houve um salto formidável de retrocesso, mas tes de negros da Africa em tempos imemoriaes. As-
não só no cérebro, em todo o organismo. E, em
sim pensam Sergi, Brinton, Verneau, Menton, Al-
ciência não ha exceçoes. A exceção é prova da exis-
bert Gaudry, Pittard, etc.
tência de uma lei desconhecida.
Sob o ponto de vista fisiológico não ha raças,
Seria preciso estudassem craneos e encefalos de observam ainda: a vida sexual, a fecundidade, o
medíocres, de anormaes, de pensadores e artistas. período de gestação — são sempre os mesmos, em
Depois disso chegaríamos a conclusão satisfa- toda parte, entre todas as criaturas humanas.
tória? Certa estou de que ainda não. Entre os animaes não é assim.
Ha leis desconhecidas para nós, imbuídos de Também para Buffon, raça não é senão uma
uma ciência falha, pretenciosa. variedade criada e fixada pelas influencias clima-
Continuemos o nosso raciocínio: téricas, a alimentação e os costumes.
"Les sauvages d'hier peuvent facilement deve- Outra cousa interessante observada pelos an-
nir des civilisés demain; et, dans Pespace de cent tropologistas: as medidas craneologicas dos judeus
cinquante ans, nous dira E. Réclus, le Nègre a austríacos correspondem ás dos homens intelectuaes
dos Estados Unidos; as medidas dos judeus do
38 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA

Cáucaso correspondem ás dos habitantes do meio- Vejamos, por ultimo, o que nos diz Oliveira
dia da Rússia: questão de ocupações. Martins em a sua "Antropologia": "Broca achou,
Os primeiros são usurários, calculistas, econo- entre os craneos da vala comum e os dos cemité-
mistas, negociantes, advogados, médicos; os últi- rios dos ricos em Paris, diferenças de capacidade
mos trabalham mais materialmente — em agricul- mais graves do que em raças antropologicamente
tura, etc. bem distantes: inferir-se-á d'aí que em Paris coa-
Ainda mais: a cor da pele corresponde ao ca- bitam duas raças naturaes — a dos pobres e a dos
lor, á alimentação, á humidade atmosférica, á abun- ricos? Não; são apenas, desgraçadamente, duas ra-
dância ou falta de florestas, á latitude. ças sociaes!" Isso basta para se conhecer a opinião
de Oliveira Martins.
Os abissínios são diferentes nos montes ou nas
planícies. Os árabes da Meca não são os mesmos Si assim é, não ha também raças puras. Gus-
árabes Yemen, do sul de Damasco ou da Núbia: tavo Le Bon contesta a existência das raças puras:
nos climas amenos são claros, em Meca são ama- "nos povos civilizados não ha já raças naturaes,
relo escuros e perdem os traços característicos dos apenas raças artificiaes criadas pelas condições his-
Beduínos; em Yemen têm o perfil clássico dos tóricas!" * ; v-, !

gregos; em Damasco são mais baixos e de cabelos E Collajani diz: "a superioridade e a inferio-
abundantes; na Núbia são negros. (Observações ridade das raças depende do momento em que se
de Escayrac de Lauture, citadas por Finot). as observam".
"A pigmentação da pele parece um condiciona- E, si antropologistas põem por terça a possi-
mento ou defesa á ação dos raios químicos ou ati- bilidade ou o mito da raça ariana ou da descen-
vos do sol, muito lesivos á substancia viva; de onde dência ariana dos europeus, toda a teoria das "ra-
á maior irradiação solar corresponde mais forte ças" tomba, é claro: "ces soi-disant Aryens n'ont
pigmentação". (A. Peixoto — Higiene). jamais existe sous forme d'un peuple primitif mais
Impossível citar tantas observações contra a an- sculement comme une invention des savants de ca-
tropologia das "raças". binet" ( H . Hartmann) ou "PAryen à Pétat d'uni-
40 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 41

té topique n'a jamais été découvert" (Virchovv); ve o órgão e a biologia nos diz da atrofia dos mes-
— toda a teoria das raças é, pois, saída dos gabi- mos órgãos pela inatividade. Modifique-se a causa,
netes dos sábios teóricos. e o efeito será alterado. Todas as grandes e pode-
Descendência dos Celtas, dos Gaulezes, dos rosas civilizações nasceram da barbaria, de grupa-
Germanos, — tudo isso é problemático. mentos e até de Ínfimos gregários da selvajaria
primitiva. O que se diz da mulher se deveria dizer
Bem, si não ha "raças" não ha homens vota-
da maioria dos homens, da massa, da incapacidade
dos eternamente á inferioridade — é questão de
mental dos vulgares, dos medíocres, dos ignoran-
desenvolvimento, de civilização. Tem razão Finot:
tes. O homem herdou a tendência autoritária en-
" U n savant qui oserait prononcer un verdict de
quanto cultivou a submissão feminina; continua a
barbárie ã perpétuité contre un peuple, quel qu'il
ser o senhor, o superior, o protetor, e, quer conser-
soit, mériterait d'être accueilli avec hilarité".
var o servilismo, a inferioridade, a dependncia da
Neste caso, a mulher não está votada perpe- protegida. O que ha é o interesse masculino e o co-
tuamente á inferioridade intelectual, a menos que modismo, a preguiça da mulher e a sua ignorância
constitua uma "raça" á parte. O que ha é o se- e servilismo cultivados calculadamente através de
guinte: "Si PEuropéen d'aujourd'hui exclut Ia fem- milénios.
me de tant de carrières utiles, sous pretexte que sa
nature n'est pas faite pour elles, cette logique
ressemble â la maxime esclavagiste, trop bien con- SÓ O OVULO SE SALVA NO GRANDE DESASTRE
nue, qui refuse à Pesclave ou ã Popprimé, en gé-
néraJ, Paptitude ã être livre, et conséquemment la Passemos a outro ponto do livro de Bombarda:
liberte, dans Pintérêt de Poppresseur". (Buchner " A degenecencia da mulher é parcial: o or-
—Uhótnme selon la science). ganismo inteiro é uma decadência; só o ovulo se
Como pode a ciência prejulgar fenómenos des- salva no grande desastre". P(XjZc^4^ f
sa ordem e consequentemente as suas leis? E' possível isso? — respondam-me os cientis-
O que está provado é que a atividade desenvol-
42 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 43

tas de boa fé. E' decadência ou não chegou ao ple- SUPERIORIDADE BIOLÓGICA E FISIOLÓGICA
no desenvolvimento? DA MULHER

A natureza "errou" em a metade do género


humano fazendo uma lei dessa "monstruosidade"? Vou argumentar com a obra do Dr. Alexandre
"Erro" benéfico na criação de duas metades Roster — citada no livro "Eve Réhabilitée" de
que se completam, indispensáveis uma á outra para ,t Claire Galichon, ("Femina Superior" 1906). Eis o
a vida do sentimento e para a multiplicação da es- fragmento: "La supériorité du sexe féminin est â
pécie. U m "erro" desses é o que podemos chamar fa fois biologique et physiologique. La potentialité
de "lei natural"..., lei biológica: dous individuos dynamique c'est-â-dire, la force qu'un organisme
diferentes essencialmente sob o ponto de vista fi- peut développer dans les meilleurs conditions est
siológico e psicológico — para a harmonia social, extrêmement grand dans le fcetus féminin et sa va-
para a criação de um terceiro que terá de procurar leur enorme. La cellule bien nourrie, exhubérante
a sua metade e assim sucessivamente. de matiêre nutritive, prompte ã se rompre en deux,
—- Continua Bombarda: "Não é preciso conheecr nous presente 1'ceuf mur, Pélément féminin, dans
muito a fundo os fatos embriologicos para se sa- son essence complete et dans sa valeur absolue.
ber que a sexualidade feminina simplesmente re- Par contre, la cellule misérable, affamée, in-
presenta uma suspensão do desenvolvimento; isto quiete, á peine revêtue de la membrane, avec peu
bastaria para caracterizar de teratologico (de mons- i i de traces de granules nutritives, inapte au dévelop-
truoso!) o organismo da mulher". O que o psiquia- pement par elle-même, nous designe, dans ses for-
tra chama de teratologico é o que constitue outra mes agiles, le spermatozoide, élément masculin.
lei biológica na formação do individuo encarre-
A cette contestation il nous faut ajouter que
gado de trazer o filho no seio.
1'embryon femelle, dans ses premières phases de
développement ovulaire est superieur au mâle, par-
ce que, outre qu'il est plus riche en matière nutri*
tive, il exige peur sa nutrition une plus grande
44 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 45

quantité de tissus plastiques (1) et fixe cette supe- A I N D A A QUESTÃO DO CÉREBRO

rior ité dans la période menstrue... et comme si ceei


ne suffisait pas, la nature donne à la femelle, Com relação ao peso do encefalo cáe a ba-
comme patrimoine, des qualités latentes qui la de- lança do Sr. Bombarda para o lado do homem.
viennent le centre d'attractions, capable d'attirer le Questão já debatida e da qual tratei em trabalhos
mâle dans son orbite et â le dominer plus tard en anteriores e neste mesmo livro, e, sem importância,
vue des fonctions reproductives déterminées." como vimos. Eis a opinião de Topinard: " I I n'ya
point de difference de sexe quant au développe-
"La femme represente le type et 1'homme la
ment cerebral, et Pon pourrait même soutenir en
variété." "Une fois que Pindividue est forme, le
tenant compte de celui que Panatomie comparée
mâle a les mamelles qui le raprochent de la femelle,
donne comme le vrai progrés de Pencéphale, que
mais dans le reste des caracteristiques de son sque-
la femme, dans Pévolution cérébrale est plus avan-
lette et de son epiderme, il rappelle la brute. Le
cée que Phomme". O que ha é o seguinte: "a ve-
bassin qui, chez les femelíes, a un type à part, res-
locidade da evolução cerebral da mulher não é cons-
semble chez les hommes au bassin des singes. La
tantemente inferior, mas inferior, igual e superior,
superficie du corps, couvert de poils, plus ou moins
em determinados períodos, á velocidade da evolu-
complètement, le rapproche de nouveau des ani-
ção cerebral do homem", e "para a superioridade
maux."
do volume cerebral adquirido post-natu pelo ho-
mem, concorre como um dos principaes fatores a
superioridade inicial adquirida na fase intra-uteri-
na", e ainda: " A mulher tem uma psicose infantil
(1) Nota: " O n a remarque, qu'une femme enceinte d'unc petite e um cérebro também infantil porque e só porque
filie, porte sur la figure beaucoup plus de traces de fatigues par ses
traits décomposés q u n e femme enceinte d"un petlt garçon. L e déve- foi submetida a uma seleção que procurou esse re-
loppenient du fietus féminin userait done davantage ses forces qui celui
du fettus masculin. A propôs nous lisions dans la "Revue" du 1. Jan- sultado" — (A Mulher e a Sociogenia — Tito
vier de cette année une opinion analogue. "11 sernble", dit M . Paul
Gesll, "que la femme soit une créature plu» précieuse que 1'lioinine, car
Livio de Castro).
la nature reclame des éléments plus riebes pour la former."
46 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 47

A "superioridade inicial" e esse "porque e só rangifer, o primeiro animal que o homem procurou
porque" contradizem-se flagrantemente. domesticar e o conseguiu — foi a mulher! Era-lhe
dificílimo lutar corpo a corpo com os primitivos
O TIPO HUMANO LEGITIMO O TIPO VARONIL animaes e tinha necessidade de quem lhe obedeces-
se, de quem o ajudasse com submissão: lutou com
" A feminilidade, diz o Sr. Bombarda, é uma a mulher, venceu-a, subjugou-a, domesticou-a.
variação do único tipo humano legitimo, o tipo t Distribuiu-lhe as ocupações, exigiu-lhe servi-
varonil; é uma variação de longa data, funda- ços, tarefas, castigou-a e repetiu o castigo brutal-
mente arraigada." mente até que ella se deu por vencida e começou
Eis uma cousa que me deixou perplexa. Vol- a admirar a força bruta... Ficou nas habitações,
tando aos tempos prehistoricos encontramos ou fa- cuidando dos primitivos serviços domésticos e, daí
zemos idéa do homem e da mulher com a mesma para cá, todos sabem o resultado desse atentado á
musculatura, a mesma selvajaria, a mesma bruta- liberdade feminina e da submissão, do servilismo,
lidade, em gregários, nómadas, quasi sem lingua- da falta de carater dos escravos, dos tutelados, dos
gem. Lutavam com as mesmas armas: a força fi- subalternos, — isso pelo lado moral. Pela parte
sica. Mas, nesse mesmo periodo já o homem era ho- física propriamente dita: a função desenvolve o
mem e a mulher era mulher. Não havia um único órgão — é uma lei biológica. As suas formas, o
tipo varonil legitimo ou um único tipo humano seu corpo, as dimensões dos seus membros, todo o
legitimo — o varonil. Todos os órgãos e as funções organismo não estando mais afeito ás lutas corpo
desses órgãos estavam em ação na mulher. Tinha a corpo com os homens nem com as feras — se foi
a força e a selvajaria do homem, mas fisicamente, adelgaçando, os músculos diminuindo em força e
fisiologicamente era mulher, está visto. aumentando em delicadeza. Sentiu-se protegida e
Agora, vejamos como houve variação do tipo tornou-se preguiçosa, comodista e, não tendo pro-
másculo para o tipo feminino de hoje. Antes do blemas sérios a resolver, não precisou do cérebro, fc
periodo neolítico, antes do homem domesticar o Mas, quanto a haver pertencido a um tipo hu-
48 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 4?

mano legitimo, um tipo único, varonil — não sei cies zoológicas, mostrando-nos tipos caracterizados
de outra explicação. O que nos diz a opinião insus- por igualdade de evolução nos sexos ou por supe-
peita de Tito Livio de Castro é que "a inferiori- rioridade feminina, refuta previamente a opinião
dade feminina é constante no presente e no pas- que se poderia formar de que a inferioridade femi-
sado humano", a evolução nos primatas é masculi- nina é um corolário da diferenciação sexual. Por
na", "nos antropoides como no homo sapiens o outro lado, a maior evolução cerebral é um carater
sexo masculino tem mais cérebro". Nesse caso nem perfeitamente distintivo em relação ao sexo; cara-
houve absolutamente dificuldade alguma para o cteriza quasi tanto o sexo masculino como as glân-
homem primitivo subjugar a mulher primitiva. Foi dulas mamares o sexo feminino." Eis como tudo é
a sua primeira presa. falho, incompleto. Das hipóteses, sem demonstra-
ção, fazem princípios e enunciam teoremas e co-
rolários imaginários, servindo a opiniões suspeitas,
A INFERIORIDADE FEMININA É CONSTANTE
a interesses pessoaes. Si o cérebro caracteriza o ho-
NO PRESENTE E NO PASSADO HUMANO
mem como as glândulas mamares a mulher — por-
que então não admitirmos a hipótese de que são
Raciocinando ainda com Tito Livio de Cas-
característicos dos sexos, corolários da diferencia-
tro — Se "o tipo masculino passou por mais va- ção sexual? Mas, tudo não passa de hipótese, o
riadas transformações e adaptações cerebraes que que está provado é que a mulher não tendo pre-
o feminino", e, "como a inferioridade feminina é cisado do cérebro, teve um órgão que se atrofiou
constante no presente e no passado humano, não se pela inutilidade, e que a atividade intelectual au-
pode admitir que o fenómeno embriologico tenha menta o poder mental tanto no homem como na
sua causa determinante em alguma condição social mulher. Está provado que o negro da Africa deu
dos primitivos tempos da espécie. A craneometria o cérebro do francês de hoje: Schuré, Romain Rol-
aplicada aos antropoides dá os mesmos resultados, land, Anatole France, Barbusse... etc, além de
demonstrando assim tratar-se de uma herança na Mme. Stael, George Sand, Clemence Royer e até
ordem dos primatas. O estudo minucioso das espe-
50 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 51

Mme. Curie... Assim sendo, que cousa impede a par um génio? Si a inferioridade do cérebro femi-
"elevação da mulher até o homem" (sic) ou o des- nino contribue para a degenerecencia da espécie sob
envolvimento da mentalidade feminina? Só ha uma esse ponto de vista (Tito Livio) ou pelo menos si
objecção: o comodismo, a indolência, os hábitos impede o máximo desenvolvimento, si a sua incapa-
servis da mulher de hoje, selecionada em vista des- cidade craneana e psicológica é um fato e si esse
se mesmo objetivo: a escravidão e a tutela social. fato tem importância no nascimento do novo ser,
Poderíamos ir mais longe: a que chamam in- si pôde atuar no organismo novo, — não seria na-
ferioridade? A ' diferença?!... tural que a Humanidade, no estagio em que está,
com as suas mulheres de cérebro infantil, não pu-
O PAPEL DOS PAIS É ABSOLUTAMENTE desse gerar um Edison, um Tarde, um Topinard,
EQUIVALENTE NA FABRICAÇÃO um Binet, uma Montessori, um Broca, um Poin-
DO EMBRIÃO caré, ou mesmo um Bombarda... porquanto a pres-
são feminina exercida para o mínimo o impedi-
Felix Le Dantec diz que o papel dos pais, sob ria?
o ponto de vista hereditário é absolutamente equi- t Sim, concordo já que a inferioridade femini-
valente na fabricação do ovo, do embrião; assim, na deve exercer influencia no embrião, mas tam-
não se cogita "d'une continuation d'un être dans bém não é a superioridade masculina que promove
un autre être, puis qu'il y a collaboration equiva- o aparecimento dos génios ou dos talentos. A*
lente de deux êtres différents", etc. etc. Quaes foram os ancestraes de Homero, de H i -
Como então a superioridade do cérebro mas- pathia, de Sócrates, de Dante, Victor Hugo, Geor-
culino pôde ser memoria orgânica, si também os ge Sand, Curie, Clemente Royer, de Comte, Schu-
embriões masculino e feminino são absolutamente it-, Rousseau, Michelet, Racine, Molière, Corneille,
iguaes, si não têm sexo ou mais exatamente — si etc? (para não falar sinão nos exemplos clássi-
têm ambos os sexos? *h cos) .
Como é que a memoria orgânica deixa esca* Contentar-me-ia com o saber da influencia an-
52 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 53

cestral masculina, pondo de parte a influencia ma- Nesse caso, psicologicamente, a mulher re-
terna deprimente. presenta a variedade e o homem o tipo.
'X A ciência oficial não explica o aparecimento Mais abaixo afirma haver nela "certo grau de
do génio e afirma presunçosamente cousas absur- anomalia mental que a torna meio antagónica com
das, não comprovadas, t o ambiente social".
Decretar peremptoriamente o que não está Digamos de passagem: ambiente social para
provado experimentalmente, equivale a negar em
o sr. riombarda é o ambiente masculino. / "
absoluto o que escapa á nossa compreensão, ou o .. i *•. •
que está além da mentalidade curta dos idiotas e " A degenerecencia que resulta de uma cons-
presumidos sob o rotulo da ciência oficial. Não é
trução cerebral defeituosa representa-se pela ausên-
assim que se consegue chegar ao conhecimento da
cia ou diminuição da faculdade de adaptação ao
verdade. O papel do cientista deve consistir em
meio".
agrupar fatos, observar, catalogar, formular hipó-
Si ela se não adapta ao meio (e, psicologica-
teses e... esperar.
mente voltou a ser o tipo) como é que "o homem
* # •*
faz dela o que quer, como se torna ela maleável
O Sr. Bombarda ou a opinião por ele susten- ao min imo sopro do homem que a domina pelo
tada discute com a mulher o que deveria discutir amor que ele lhe consagra"? "Pelo sentimento faz-
com a massa, com a mediocridade. se da mulher quanto se quer, uma criatura despre-
Diferentes são as naturezas excepcionaes — zivel, uma criminosa ou uma heroína."
os anormaes superiores e inferiores. E é o mesmo professor quem fala da "impo-
Cáe em contradições observando a "desigual tência do exemplo e da educação viciosa perante
resistência dos dous sexos á imitação das praticas organizações bem conformadas", (o que é grande
criminosas, de fatos emfim em que se vê a mesma verdade) e cita exemplos. E' caso de se lhe per-
mulher ser hoje uma criminosa de infima espécie, guntar: — ha ou não mulheres de organizações
amanhã uma esposa dedicada e terna mãe". bem conformadas, rebeldes ás influencias exter-
nas ?
54 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 55

E, podem nascer organizações bem conforma- tão e sonha eternamente com o paraíso de Maho-
das de pais degenerados? met...
A hereditariedade o explica? Parece-me foi Max Nordau quem observou:
O próprio autor põe em duvida o absoluto da em Paris as mulheres são delineadas, esculpidas,
hereditariedade, e, não ha remédio senão colocar feitas sob os moldes dos poetas, dos escritores.
um ponto de interrogação deante de tais factos. O romance francês dita o tipo da parisiense.
Todavia atira sobre nós o anátema formidá- Ela pensa, tem gestos e atitudes ao bel prazer
vel. dos intelectuaes franceses.
% * *
Os almofadinhas da literatura não visam ex-
A mulher foi escrava em todos os tempos é T clusivamente a gloria dos boudoirs galantes?
preciso repetir. Como exigir dos escravos as virtu- Os homens têm tido por objetivo conservar
des e a desenvoltura dos homens livres? a irresponsabilidade feminina, a eterna futilidade
A literatura dos almofadinhas, dos "faceira", do sexo, porquanto assim é mais fácil compra-la
a literatura dos Bois de Boulogne, dos boulevards, com bonbons e rendas e leques e pérolas...
das Avenidas não se empenha em conserva-la ir- E'-lhes agradável sob todos os aspectos carre-
responsável, dependente? ga-las ao cólo como crianças, engana-las com al-
O homem lá quer saber de ter para esposa guns metros de seda ou uma jarra de Sèvres ou
uma mulher de alma incorruptivel? — Não! Ele com um Gobelin e brincar com quantas crianças
a deseja sempre com o pé no abismo, deseja-a frá- lhes seja possível.
gil, inconciente, vigiada, leviana até, para crescer Quando a mulher pensar, será mais complica-
no seu papel de protector, de guarda, para acon- da a situação e o homem não se quer dar ao tra-
selhar, para ser respeitado, temido — influencia balho de examinar se essa situação traz ou não
ancestral, lembrança do gineceu e do harém... O mais bem estar, mais beleza e mais encantos na
homem tem em si, de permeio com as suas múlti- \i dos casaes.
plas e antagónicas naturezas — uma alma de sul- E' egoísta e vê num circulo limitado quando
56 MARTA LACERDA DE MOURA A MULHER é UMA DEGENERADA 57

se trata do seu maior interesse e dizem que as mu- Vêem apenas a forma, a matéria, as curvas
lheres é que vêm em um horizonte muito curto... sensuaes, o sexo e nada mais.
de ideias estreitas. E si ao menos a arte dessa gente plasmasse
Esse fato só pôde ser apreciado pelos homens mais bela forma envolvendo essa vibração num
superiores, pouquissimcs aliás. véu da fantasia idealista, ainda vá; mas, nem arte
E a verdade é que encontramos no nosso ca^ para mascarar o instinto.
minho muitos deles que se interessam pelas nossas Bombarda fala da "falta de vigor cerebral
reivindicações, que aceitam todas as nossas ideias que põe a mulher em nivel muito diferente do ho-
e até pregam-nas com entusiasmo, todavia, em de- mem", e, donde provém a falta de vigor cerebral?
terminados casos, quando podem ser feridos os Não será dos séculos de escravidão, da falta
interesses próprios — eles são por nós, porém, •— de educação ou da deseducação a que a subme-
com restrições... tem?
Todos sabem que os gregos do tempo de Só- Si puséssemos numa ilha, numa cidade fecha-
crates e da envergadura de um Xenocrates, de um da, certo numero de crianças — meninos e meni-
Demosthenes educavam as heteras ou hetarias pa- nas e os educássemos contrariamente ao que se
ra a volúpia da alma, para os altos torneios da faz — os homens para o serviço domestico e para
inteligência, e adoravam-nas, divinizavam-nas. obedecer e as mulheres para o serviço oficial e para
A muitos não pôde ser dado sentir o que vae a mteletctualidade e para mandar, no fim de al-
ser a sociedade futura quando a mulher reunir os gum tempo o cérebro do homem não se modificaria
tres aspectos da educação completa: — mulher in- para inferior? Q-^2CbiCu&^ /
telectual para as delicias do espirito, mulher per- E isso agora, depois da superioridade preten-
feição das formas para a perpetuação da beleza ciosamente indiscutivel do Sr. Bombarda, enquan-
fisica, mulher sentimento, força, moral para a es- to a mulher foi inferiorizada desde o seu nascimen-
calada do coração. to das costelas de Adão...
E então veriamos a mulher cogitando de cou-
58 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA

sas sérias, de problemas sociaes e aqueles homens rem energia de maneiras e de linguagem, têm cer-
se preocupando com as pequeninas minudencias da tas regalias que as moças não podem ter — sub-
vida, futilidades, briguinhas e arrufos, mexericos e jugadas pelo peso secular dos preconceitos sociaes,
tudo mais quanto atribuem á mulher. pelo olhar severo dos pais, pelo zelo dos maridos,
Mas não é preciso ir tão longe. O tipo d/mo- pelas exigências dos filhos: — a eterna tutelada!
fadinha, aí está ao nosso lado, brunindo as unhas, Depois de velha a sua ausência, a sua liber-
fazendo maçagens no rosto e nas mãos, pondo cre- dade de ação é não só tolerada como até muito
mes e pó de arroz, de olheiras, nevrotico, histe- desejada. _
rico, — sem ter sido criado segundo a hipótese Uma observação me ocorre: no Rio, os mari-
formulada. dos e irmãos zelosos não admitem sua mulher, sua
Continuemos com Bombarda: "Si alguma vez irmã só, nos lugares da elite, na Avenida, etc; e,
pela energia do espirito a mulher consegue levan- ás vezes quasi sempre o pretexto é o tomar o bond,
tar-se, é só depois que a vida sexual tem cessado; o desastre de automóvel, emfim todos os perigos de
só então também a sua organização fisica tende a uma grande cidade, movimentada... No entanto
aproximar-se da do homem, pela forma e numero- descem e sobem nos bonds e andam sós por toda
sos caracteres. parte, entre os automóveis e caminhões, as avozi-
nhas trôpegas, as velhinhas encarquilhadas, e, quan-
E é por isso que, desde muito, penso que de-
tas vezes algumas delas se perdem e os jornaes di-
pois da menopausa a mulher é um homem."
zem com a linguagem viril dos garotos fortes: —
Outra observação inexata, capciosa.
depois de velha voltou a ser criança...
Tudo quanto a mulher tem feito de enérgico,
de viril, é dos 30 aos 50 anos, salvo exceções. Ain-
* * •*
da acrescento: na vida moderna a ação enérgica "Qual o nome feminino celebre nas ciências
da mulher começa aos 20 anos. ou nas artes, na musica, na pintura ou nas letras?
Agora, as velhas — sem os ciúmes dos ma- U m século inteiro de liberdade feminina só dá mi-
ridos, sem o receio da maledicência, viajam, adqui- serável penúria como ultima medida do cérebro da
60 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 61

mulher", finaliza o autor "este rápido estudo que génios e dos talentos masculinos; não são as maio-
não é inútil digressão". rias.
Nem ao menos cita as inúmeras exceções, e, Em maior numero? — De certo. Nesse caso
não tem grandeza de animo para afirmar que, em a mulher apresenta vantagens.
ciência, não ha exceções: a exceção, repito, é a con- £T Para eles, a liberdade, as escolas, todas as fa-
firmação de uma lei desconhecida para o cientista. cilidades. Para ela, gineceus, a escravidão domesti-
As exceções femininas provam que a mulher ca sob todos os aspectos, o ridículo: a sociedade
se faz por si mesma e, para isso, precisa acotovelar na sua sabedoria masculina, ou melhor — os ho-
os preconceitos e voar o pensamento para além das mens na sua sensatez decretaram a inferioridade da
pequeninas minudencias da vida e das futilidades mulher, e, sob o protexto de que ela é mais pura
sociaes. (a liberdade não exclúe a pureza) exigem seu re-
E' o arrojo, o desassombro, a revolta. cato, que seja pouco vista, que respeite a voz do
Nunca o homem educou a mulher senão para mundo, que tenha receio do que possam dizer; em-
i o seu gôsq. E desde uma Hipathia de Alexandria fim: amarraram-lhe a razão, fizeram-na prisioneira
até uma Blavatsky e uma Curie, — mulheres as- social. N o fim de alguns séculos, quando ela pro-
sombrosas atravessando toda a escala das mate- curou a sua lógica, o senso, o raciocínio, — estava
máticas, das artistas, pensadoras que já se contam paralítica.
por muitos números, — todas elas se educaram, E, si lhe ataram a razão, deram asas á sua
se desenvolveram por esforço próprio, dando, mui- imaginação, deixaram-na adejar pelo mundo da
tas vezes, oh! quasi sempre, um empurrão formi- fantasia e bordaram a sua vida com lentejoulas,
dável nos prejuízos sociaes. brilhantes, purpuras e velludos e camafeus e, des-
Sim, foram exceções. Mas os homens quando sa espécie — nasceu a melindrosa.
perguntam pelos nomes celebres femininos não dis- Que querem! Foi obra do homem na sua sa-
cutem com as exceções masculinas? bedoria infinita...
Também se contam pelos dedos os nomes dos Agora, exigem os Bombarda que "num século
62 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 63

inteiro de liberdade feminina" (e que liberdade!) Ser mãe, ter um lar não pode ser fato antagó-
surgissem nomes e nomes de mulheres ilustres! nico com o idealismo conciente, com a vida do es-
Como cientista honesto não tem o direito de pirito, com a escarpada para mais belas aspirações.
exigir de um século a "ultima medida do cérebro". E para saber ser mãe deve a mulher abando-
Quantos séculos serão precisos para que ela nar o papel deprimente de criança amimada, de
acorde dessa letargia? animal de luxo ou de trabalho — para a missão
Quantos séculos ainda para que aprenda a de pensar, de raciocinar, de sentir, — afim de mais
pensar e descubra o mistério do Eterno Feminino? bem saber guiar a Humanidade ao passar pelo ber-
ço do seu filho.
E é o mesmo sr. quem nos fala da "escravi-
dão disfarçada em que vive a mulher casada, tan- Como estamos longe do Grande Ideal! Toda-
tas vezes agravada por sevícias e maus tratos, que via o optimismo regenerador dos apóstolos da so-
o beijo da hora seguinte vem fazer esquecer". ciedade nova divisa, ao longe, esse tipo de mulher
Eu não discuto com um homem apenas, com perfeita, encaminhando as sociedades para os no-
o sr. Bombarda, com Lombroso ou com Ferri: pro- vos arrebóes de alvorada precursora, entre os di-
testo contra a opinião anti-feminista de que — a luculos de agonia de uma civilização decadente e os
mulher nasceu exclusivamente para ser mãe, para hinos de rebeldia de outra civilização que vem
o lar, para brincar com o homem, para divertil-o. nascendo num batismo de fogo...
O sr. Bombarda foi o pretexto. _
Depois de impresso este capitulo recebi a opi-
SER MÃE. É MISSÃO, PORÉM nião de Rcquette Pinto, (por mim solicitada), a
NÃO É PROFISSÃO respeito da tão decantada superioridade intelectual
masculina.
E a mulher (que eu não pretendo tirar do Esta carta é, de ante-mão, a resposta aos cri-
lar, assim como ao homem) não está inhibida de n. oides de monóculo ou óculos de tartaruga, almo-
pensar. !.).linhas da "imprensa melindrosa", autores de
A MULHER É UMA DEGENERADA 65
MARIA LACERDA DE MOURA
64 sua brilhante ação péla cultura nacional e mesmo
versinhos chorosos e sensuaes e que se arvoram resumindo as questões tratadas, espero dizer-lhe,
em críticos de obras sérias quando a sua vida "sé- em poucas palavras o que penso a respeito dos as-
ria" se passa nas portas das confeitarias a ouvir suntos sobre os quaes lhe parece de alguma utili-
jazz-band, no cinema ou nos baihs dos hotéis ele- dade a minha desvaliosa opinião.
gantes, críticos que só entendem de colos ou de I — A diferenciação cerebral nos tipos mas-
pernas, de futurismo ou de sport, e se nomeiam culino e feminino é um fato perfeitamente bioló-
julgadores de obras feitas, pensadores de ultima gico em todos os primatas. Não implica nenhuma
hora — sem nunca haverem produzido sinão ver- superioridade de um sexo sobre o outro conforme
sinhos de pé quebrado ou idiotices ao sabor do se verá em seguida.
publico medíocre, os taes que detestam as mulhe- I I — Não posso deixar de reconhecer que a
res pensadoras, os que as consideram "ridículas" Espécie Humana se encontra diferenciada em raças
ou "odiosas", os que encontram "palavras descone- estabelecidas claramente por caracteres biológicos
xas" nos seus escritos meditados, os que lhes ar- indiscutíveis. Basta lembrar a V. Ex. que, ao nascer
rancam frases soltas para fazer espirito. japonezes e escoceses têm ambos 50 cm. de esta-
tura. Na idade adulta, o primeiro apenas atinge
lm,58 enquanto que o segundo se apresenta com
cerca de lm,74. Por que, si não fora o crescimento
Rio, 12 de Maio 1924. condicionado por fatores biológicos diferentes?
Minha Senhora. Mas, penso também que, no mundo moderno,
os supremos interesses da espécie exigem que os gru-
Sua carta do dia 2 do mês corrente, hontem
pos humanos sejam considerados principalmente á
recebida, chega em ocasião de intenso trabalho e vista dos seus carateres sociológicos que são os de-
sérias preocupações. terminantes dos povos. Não ha mal nenhum em
Não posso, só por isso, dar a esta resposta a que um poro seja formado por diversas raças. Essa
amplitude do meu desejo. Quero, porém, manifes- é mesmo a regra no Mundo Moderno.
tar a V . Ex. uma prova do muito em que estimo a
64 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 65

versinhos chorosos e sensuaes e que se arvoram sua brilhante ação péla cultura nacional e mesmo
resumindo as questões tratadas, espero dizer-lhe,
em críticos de obras sérias quando a sua vida "sé-
em poucas palavras o que penso a respeito dos as-
ria" se passa nas portas das confeitarias a ouvir
suntos sobre os quaes lhe parece de alguma utili-
jazz-band, no cinema ou nos bailes dos hotéis ele-
dade a minha desvaliosa opinião,
gantes, críticos que só entendem de colos ou de
pernas, de futurismo ou de sport, e se nomeiam I — A diferenciação cerebral nos tipos mas-
culino e feminino é um fato perfeitamente bioló-
julgadores de obras feitas, pensadores de ultima
gico em todos os primatas. Não implica nenhuma
hora — sem nunca haverem produzido sinão ver-
superioridade de um sexo sobre o outro conforme
sinhos de pé quebrado ou idiotices ao sabor do
se verá em seguida.
publico medíocre, os taes que detestam as mulhe-
I I — Não posso deixar de reconhecer que a
res pensadoras, os que as consideram "ridículas"
Espécie Humana se encontra diferenciada em raças
ou "odiosas", os que encontram "palavras descone-
estabelecidas claramente por caracteres biológicos
xas" nos seus escritos meditados, os que lhes ar-
indiscutíveis. Basta lembrar a V. Ex. que, ao nascer
rancam frases soltas para fazer espirito.
japonezes e escoceses têm ambos 50 cm. de esta-
tura. Na idade adulta, o primeiro apenas atinge
lm,58 enquanto que o segundo se apresenta com
Rio, 12 de Maio 1924. cerca de lm,74. Por que, si não fora o crescimento
condicionado por fatores biológicos diferentes?
Minha Senhora.
Mas, penso também que, no mundo moderno,
Sua carta do dia 2 do mês corrente, hontem os supremos interesses da espécie exigem que os gru-
recebida, chega em ocasião de intenso trabalho e pos humanos sejam considerados principalmente á
sérias preocupações. vista dos seus carateres sociológicos que são os de-
Não posso, só por isso, dar a esta resposta a terminantes dos povos. Não ha mal nenhum em
amplitude do meu desejo. Quero, porém, manifes- que um poro seja formado por diversas raças. Essa
tar a V . Ex. uma prova do muito em que estimo a é mesmo a regra no Mundo Moderno.
66 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 57

Ha raças humanas ainda puras? Perfeita- e o homem é mais macaco. Que lhe parece superior,
mente. Mas não... na Liga das Nações. minha Senhora, criança humana ou adulto simio?
Eu, por mim, não hesito...
I I I — A inteligência da mulher não é. infe-
rior á do homem, é diferente. E se é verdade que, O resto do que escreveu o psiquiatra portu-
postos em confronto, lado a lado, o cérebro mas- guês é um amontoado de frases impressionantes,
culino pesa mais que o feminino, isso é simples- sem lógica e sem ciência. Porque só o ovulo es-
mente devido á preponderância de altura e do peso capou no "grande desastre" biológico que é, para
total do organismo de que elíe faz parte. Mas o ele, a mulher?
que a antropologia tem, realmente apurado é que, Não lhe parece que, pelo menos, a diferencia-
proporcionalmente á sua estatura e peso de seu cor- ção do aparelho galactogeneo deveria escapar da-
po, a mulher tem de fato tanto ou mais substancia quela terrível sentença? Não lhe parece, minha Se-
cerebral que o homem. O próprio Broca que em nhora, que os seios da mulher sem os quaes o tal
1861 acreditava que a mulher fosse um pouco me-
tipo superior, ainda que vingasse o ovulo, feneceria
nos inteligente que o homem por ter menos peso
ao nascer, não lhe parece deveriam ser também ex-
cerebral absoluto, já em 1879 mudava de opinião
cluídos, mesmo aceitando o desastre?
declarando que a aparente superioridade inteletual
v A partenogenese humana que o ilustre e pran-
do homem era resultado puramente da educação
teado Ives Delage já aceitava, ha de ser talvez, em
particular, que a mulher em geral não recebe.
dia bem próximo, realidade verificada, para resga-
IV — As opiniões do conhecido medico por- tar o que tem sido usurpado á mulher. Porque a
tuguês Bombarda são absolutamente insustentáveis, verdade perfeitamente cientifica é esta: a Nature-
paradoxaes, e ilógicas. Incontestavelmente o tipo i nela fixou os mais decisivos carateristicos da Es-
feminino aproxima-se muito mais do tipo infantil; pécie. O homem, revoltado, diz Havelock Ellis,
mas, em compensação, distancia-se muito mais do tratou de dominar a natureza, e com ela a compa-
tipo simiesco. Aceito plenamente a opinião autori- nheira. Quem sabe o que poderá poduzir, uma vês
zada de Havelock Ellis: A mulher é mais criança livre, esse tipo sem taras simiescas?
68 MARIA LACERDA DE MOURA

Desde já o que sei, minha Senhora, é que si


a mulher não criou a Divina Comedia e nem des-
cobriu as leis a que obedecem os Mundos a rolar
pelo infinito, dela nasceram Dante e Kepíer. Ha
tanta cousa a descobrir na Espécie Humana! Como
se gera e cresce e morre o pensamento? e como
vive a memoria? Quem sabe si aos génios femi- DAS V A N T A G E N S D A E D U C A Ç Ã O
ninos que hão de surgir quando o meio social re- I N T E L E C T U A L E PROFISSIONAL D A
formado o consentir não está reservada a solução M U L H E R N A V I D A PRATICA DAS
dessas questões que os génios masculinos até hoje SOCIEDADES
não conseguiram decifrar!
"L'homnie a de 1'aversion pour 1'eifort. L e plus
Eu creio na mulher, minha Senhora. fort chcrce donc ã faire 1'effort par le plus faible et
à conserver la satisfaction pour lui. L e premier ètre
Queira aceitar os protestos de alta estima e qui se trouve dans ces conditions est la femme. L a
femme eommence par être 1'esclave de riiomme. L e
consideração. degré de la civilisation est en raison invcrse de la
Roquette Pinto. sujétion de la femme".

GUYOT — " L a science économlque."

A vida social exige no homem e na mulher ca-


racterísticas especiaes, atributos definidos afim de
assegurar o bem estar coletivo.
O homem nasce com qualidades indispensá-
veis aos feitos de homem.
A mulher tem em si o gérmen hereditário
para preencher as suas funções.
Pondo de parte, porém, a questão dos sexos,
70 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 71

a multiplicação da espécie, pergunta-se, uma hu- do seu desenvolvimento quando não agiu sinão em
manidade só de homens seria completa? beneficio social — esquecendo-se da missão de pai
T~ Da mesma maneira raciocinaremos com rela- de família.
ção á mulher: fariam elas mundo harmionioso no A mulher falhou na vida si não teve ocasião
seu conjunto? de derramar em volta do lar os tesouros de amor
Não faltaria a essa humanidade algo de viril e carinhos reservados para um homem e para os
para completa-la? filhos.
O homem é homem antes de ser pai. Os dois se completam. São diferentes e in-
E' sábio ou generoso, filosofo ou operário, dispensáveis um ao outro.
politico ou guerreiro, inventor ou andarilho, inde- A educação tem portanto dous ramos:
pendente das funções de pai. — Educar o pai de famijia^para os deveres
do lar.
E por que razão nos dizem com arrogância
axiomática: a mulher nasceu para esposa e mãe, — Educar o homem para ser util á coletivi-
para o lar? dade.
— Educar a mulher para esposa e mãe.
Si o homem, socialmente falando, tem fins a
— Educar a mulher para colaborar na vida
preencher independente do sexo, a mulher não me-
social.
nos, é claro.
A enfermeira, a operaria, a cientista, a escri- A educação pôde então ser definida: o aper-
tora, a professora, a medica, a farmacêutica, a di- feiçoamento de todas as qualidades e faculdades
plomata, a filantropa, a diretora de hospitais e tendentes a um fim social sempre melhor em vista
creches, etc. etc, entregar-se-á mais bem aos deve- do futuro; o completo desenvolvimento»da indivi-
res sociais, si não tiver filhos. dualidade para a expansão, para a plenitude de
Assim, também a mulher, socialmente falan- toda a nossa vocação.
do, nasceu mulher antes de ser esposa ou mãe.
Não ha duvida: o homem não foi á plenitude
72 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 73

A obra da educação cientifica, racional para Igualdade na inteligência, na vontade, na ini-


ambos os sexos, é o mais perfeito instrumento de ciativa? — absurdo.
liberdade. E ' a extinção da miséria universal, é o
O que se quer, com energia indomável, é a
acumulo de riquezas, é a contribuição para a soli-
igualdade de deveres e direitos.
dariedade — a moral do futuro.
Essa, virá um dia.
Na arte, na literatura, na filosofia é propul-
A analise das questões sociaes é complexa por
sora do desenvolvimento de aptidões.
quanto, na sociedade, tudo se inter-penetra.
Faz desaparecer o preconceito de classes, ele-
Falar na educação intelectual da mulher sem
vando mentalmente o proletariado, dando-Ihe ideal.
tocar na higiene nervosa, sem dizer algo a respeito
A ciência verdadeira é tolerante, é a investi-
da solução económica, com relação aos direitos de
gação, o respeito á verdade, o beneficio coletivo.
igualdades dos sexos, sem encarar face a face o
A educação moderna deve ser cientifica, ra-
problema do amor, dos filhos, a educação religiosa
cional.
e tantos outros ramos da questão — é apenas olhat
Desde a escola primaria o objetivo da educa-
tudo de relance sem nada aprofundar.
ção, como dizia Diderot — é a utilidade.
Vejamos por partes:
Utilidade na educação é fazer do individuo
membro efetivo da energia social, capaz do pró-
EDUCAÇÃO INTELECTUAL DA MULHER
prio desenvolvimento, de acréscimo material, moral
e estético da sociedade. Aos poucos, um criador de A mulher é um atrasado pedagógico. Não é
Beleza, de Perfeição... mentalmente anormal: seu cérebro não foi desen-
Não poderá existir nunca a igualdade natu- volvido, não teve exercício.
ral — é lógico, e ninguém tem a pretenção de ir A mulher não é inferior, é ignorante, é in-
contra as leis naturaes: é a harmonia numa apa- fantil.
rente desharmonia. Sua sensibilidade exagerada é o resultado da
74 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 75

falta de adaptação, do pouco domínio sobre si Deu largas á irritabilidade nervosa; si o exer-
mesma, falta de self-control muscular talvez. CÍcio cerebral agora fôr repentinamente alem do
Se tudo vem do cérebro, tudo nela é rudi- que é possível, — novas diateses nervosas se suce-
mentar ou desviado porque seu cérebro pouco tem derão, quiçá provocando maiores desarranjos.
trabalhado ou se extraviou para um ponto de vista Si "a mulher tem um cérebro e uma psicose
inferior. infantil, porque e só porque foi submetida a uma
A histeria prova-o. Conquanto seja moléstia seleção que procurou esse resultado" na opinião
de ambos os sexos, é signal de predomínio medular, insuspeita de Tito Livio de Castro, claro está: terá
e, na mulher, "seu numero é legião". desenvolvimento cerebral e psicose superior quando
Sendo paralisia cerebral e hiperkinesia me- a seleção fôr operada nesse sentido.
dular ou seja a decadência do cérebro pela falta A mulher é fisiologicamente diferente do ho-
de exercicio c predomínio espinal, parece bem cla- mem — nao inferior,.
ro que — si procurarmos desenvolver, pela educa- Sua inferioridade é apenas economico-social,
ção racional, cientifica, o cérebro feminino, a histe- inferioridade de preconceito.
ria diminuirá progressivamente. Os séculos de escravidão fizeram dela ente
Esse exercicio, o modo de o regular, deve me- mais fraco fisica e mentalmente.
recer cuidados especialíssimos. A educação feminina cu melhor a deseduca
A fadiga, a estafa cerebral, na mulher, será ção da mulher tem retardado a civilização.
de consequências desastrosíssimas para a prole. A objeção de que a larga instrução feminina
'7- Sempre escrava, o cérebro abandonado nela é contra a fecundidade, não tem fundamento, pro-
como inútil, objeto de serviço ou de gôso, procurou vam-no a hotentote e a alemã.
armas como a astúcia e a mentira ,fazendo das A mulher alemã, bem mais desenvolvida men-
lagrimas, dos sentimentos, motivo de sedução; e, talmente, é também prolifera. A hotentote não é
por esse meio conservou o predomínio medular e inteletual (!) e não é prolifera.
não soube regular as emoções,^* Si assim sucedesse, era para não desejar mui-
76 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 77

to o desenvolvimento mental máximo do homem: educação — a espantosa faculdade de reprodução


a fecundidade não seria prejudicada? (da brasileira por exemplo) se regulará para dar
A instrução superior para a mulher certo não logar ao desenvolvimento do cérebro.
vae ser a causa do niilismo de Harttmann... E haverá mais higiene, mais saúde, menos
Si é verdade que se ganha em quantidade o mortalidade infantil, mais amor de mãe, menos
que se perde em qualidade, que "uma modificação "amor de macaca", acréscimo de população, sem
nas condições da existência influe em maior ou me- paradoxo. A Holanda o prova.
nor desenvolvimento da faculdade de reprodução, A escola está longe da sua missão.
si o homem procura dirigir e aproveitar as forças A educação feminina é lastimável.
da natureza — a população ha de ser regulada se- A mulher precisa sentir a verdadeira vida, vi-
gundo os interesses sociaes". ver pelo pensamento, ter clarividência moral.
Os fracos, os doentes, são prolíferos. Os for- £ Dar-lhe ideal conciente é substituir o seu amor
tes, os inteligentes, são menos fecundos. E' a lei á frivolidade pelo amor á humanidade, desconhe-
da compensação. cido para ela, é arrancar-lhe o sentimentalismo pie-
Tudo se equilibrará mesmo sem as praticas gas e fútil e dar-lhe o sentimento verdadeiro da
neo-maltusianistas. fraternidade humana, é fazer dela criatura util em
A ' medida que descemos na escala económico vez de boneca de salão ou escrava do trabalho e
social, mais notamos a fecundidade das mulheres, do homem, é finalmente salvar da corrupção a mo-
fecundidade motivada pela ignorância, tendo como cidade, é fundar indiretamente "a escola para for-
causa a esterilidade cerebral e pelo calculo burguês- mar homens" segundo o desejo de P. Dubois.>>
capitalista com tendência a acumular heranças para "L'homme moral est le seul vraiment libre"
poucos decendentes e a fazer braços que peçam tra- dizia Schiller, e, á parte um Epicteto, a hu-
balho... manidade só conhecerá o homem moral quando as
Que ponto de vista limitado e egoísta! mulheres tiverem a clarividência moral.
Si a inteligência feminina se desenvolver pela Longe estamos desse periodo áureo.
78 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 79

E' preciso ser radicalista ao encarar o pro- No vestuário, nos modos, na linguagem de
blema da educação feminina. giria, no procedimento, em tudo, fazem questão de
CF Quando teremos, pelo menos, o espirito forte não ter senso ou raciocínio: querem ser apenas a
e a iniciativa da inglesa, da americana, instigado- mulher, a fêmea, — e nada mais...
ra do protesto contra a regulamentação da prosti- A escola, o lar, a sociedade, contribuem para
tuição? ~ tanto. £~
C E' que as jovens americanas que lutam e se fc. E' exaltada a vaidade da menina. Depois, o
instruem, conhecem as misérias da vida, a vida real misticismo religioso bate-se de encontro ás leituras
sem a preocupação única de se divertir nos cine- de romances baratos e pouco dignos, leituras sen-
mas ou teatros pouco edificantes gosando cenas suaes num paiz tropical de flores selvagens... ^
eróticas, como nós outros latinos, A £ l As línguas, a pintura, o piano, a dansa —
E' que nos colégios lêm Balzac, Zela, Rous- tudo é motivo de exibição e concurrencia. ^
seau, Voltaire, Flaubert, Daudet, etc. etc, obras /F^ A mulher .não precisa pensar: indispensável
inglesas e alemãs em todos os géneros, para se edu- entretanto que seja chie, pernóstica e tenha pren-
car, naturalmente, sem preconceitos, sem maldade. das. V
Lêm livros realistas e lêm na escola da vida. £ seriedade do problema não é motivo para
Respeitam-se e se fazem respeitar quando que- desanimo. *7
rem^. CkSjyiy^ & f tJZ Não querendo encara-lo, dizem os comodis*
As nossas patrícias lêm tudo também, porém tas: eduquem-na, mas, no fundo, ninguém quer si-
não a educação artística e literária superficial, isso
Gosam voluptuosamente o mistério nos bou- mesmo que ha por ahi: "falar línguas como papa-
doirs, guardando cuidadosamente os livros proibi* gaios, sem pensar em nenhuma delas", tocar, can-
dos por entre as dobras de almofadas deliciosas. tar, dansar, pintar e... pintar,
E fingem, e se exaltam... e em vez de Flaubert Mesmo porque á maioria dos homens basta
lêem Mlle. Cinema!... o bibelot ou a dona de casa. ^
80 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 81

Os intelectuaes fazem como os gregos: deixam Agora, porém, escravizada por ele durante sé-
no lar as esposas com quem nao podem trocar culos, só o homem superior poderá liberta-la da tu-
ideias e palestram com amigos, vão aos clubs ou tela masculina procurando eleval-a, pela educação,
visitam as heteras modernas, finamente, deliciosa- ao nivel donde pontificará ás gerações vindouras.
mente nos palácios das Rambouillet... do século Mas, não nos esqueçamos de que a sua eman-
XX. cipação é um corolário da emancipação do homem.
Somos sexo á parte, nós as intelectuaes. Só noutro regimen social. E, depois disso, terá j
Não ha duvida que os homens nos admiram, mulher de lutar muitíssimo ainda contra o autori-
nos respeitam, têm por nós consideração especial, tarismo do Senhor absoluto, habituado a exigir e
mas — praticamente, injustamente, para esposas, a ser obedecido...
preferem as melindrosas.
Uma mulher invulnerável, incorruptível, é vi- Segundo Darwin a mulher representa a tradi-
rago para os homens. ção, a conservação, o equilíbrio, a estabilidade: o
Eles não querem a certeza, aceitam gostosa- homem — a evolução, a variedade.
mente a duvida: uma alma feminina deve ser tal Daí concluem a inferioridade da mulher "nas
qual tem sido decantada pelos poetas e psicólogos artes do progresso e superioridade em a não me-
baratos: esfinge, enigma, infantilidade, mixto de nos grande arte da conservação da espécie e na sua
escrava e rainha que se paga com uma joia e tem aquisição para a espécie".
exigências de cortesã. Em ultima analise o ilustre sociólogo Bunge
Uma alma de gata atirada ao mundo para o observa a mulher superior como tendo a faculdade
máximo proveito da vida. de adotar "facilmente aparências de sinceridade e
O homem não está, portanto, em condições de de inteligência original para atrair o homem e para
pensar seriamente na educação feminina. defender a prole" e chama a isso mimestismo se-
Ela virá fatalmente, porém por mimetismo, xual.
depois que atingir aos paises mais civilizados. Mostra-nos a facilidade e as vantagens das he-
82 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 83

terás gregas e da atriz atual sobre a mulher ho- quista e o mimetismo da mulher abrange toda sua
nesta para conquistar o homem. vida porquanto é preponderante a influencia do
CpjrnjLS3.o os homens ! instinto genésico na psiché feminina. E si na mu-
Não_ha vantagens aí. Toda mulher honesta lher é preponderante — o instinto genésico — per-
sabe como os seduz. E* tão simples! Elesjsão sem- guntemos de passagem: como é que o homem é
pre seduzidos... poligamo com a desculpa de ter mais necessidades?
A vantagem, se ha, está do lado da mulher e porque a sociedade (cujas leis e cujos costumes
séria. Aliás, que é ser honesta?... são decretados pelos homens) condena a mulher ou
a ridiculariza se ela segue o seu destino na escala
Si ela é instinto, si foi feita para o amor, pa-
zoológica?
rece que a inteligente, a que se não adapta ou não
segue as leis naturaes é a honesta. Aconselha então o favorecimento e a utiliza-
A atriz conquistadora, a hetera grega vão ção desse mimetismo na mulher, a sua adaptação
ao seu destino — a caça ao homem, ou melhor — para a idiosincrasia do esposo — meio de felicida-
a caça ao dinheiro. E essas justamente são as que de para ambos.
evitam a procreação. Esquece de que assim é possível a sua adapta-
A honesta se retrae, não aplica o mimetismo ção para todos os homens e não para o marido ex-
sexual, por superioridade moral, por pudor, pelo clusivamente...
respeito ao próprio ser, e, sem fazer paradoxo, para E' melhor nesse caso deixar as cousas como
a propagação da espécie, e... por Amor. estão: ainda ha mulheres honestas para as quaes
E pensa o citado autor que, por auto-suges- não existe mimetismo.
tão, a mulher do mimetismo chega a enganar a si Conservemo-las na ignorância, na escravidão;
mesma, a supor verdadeira a sua sinceridade, a crer do contrario, todas as mulheres do mundo se trans-
na originalidade própria. formarão em breve em heteras gregas ou atrizes
Fala também do mimetismo sexual masculino: modernas...
o homem se adapta exclusivamente quando con- Engraçadíssimo!
84 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 85

Quer dizer que as mulheres são honestas quan- Não ha duvida: toda mulher deve receber
do ignorantes ou pouco inteligentes. E por isso uma educação especial que a prepare para dona
mesmo Bunge, para conservar o eterno feminino de de casa, companheira e mãe.
Goethe, para evitar o terceiro sexo, acha que a edu- Também deve ser educada para ser a colabo-
cação moderna deve permitir e aproveitar as me- radora do homem na evolução social e para evitar
dicas, as advogadas, banqueiras, etc, porém não no futuro o terceiro sexo dos "almofadinhas", cujo
deve proporcionar a todas as mulheres as profis- cérebro ninguém pesou ainda...
sões liberaes e "viris". Voltando ao autor citado, o qual representa
Para que a sociedade evite o terceiro sexo "de- bem uma opinião, vemos a sua liberalidade dei-
xando acessivel á mulher toda carreira profissional.
ve manter na massa feminina o tipo médio da mu-
lher mera esposa e mãe, da mulher fêmea mamí- Não tem medo da concorrência porque a mu-
fera, da mulher mulher". E conclúe: "bem pôde lher tem uma "fisionomia própria", "não tem va-
riedade de idiosincrasias, de vocações" como o ho-
coexistir, esta, a mulher antiga e aquela, a moder-
mem.
na: o erro seria suprimir uma ou outra, dado que
esta é util e aquella indispensável..." E a má fé Diferente que é, dará uma feição feminina
é tanta que ele termina com reticencias. ao trabalho — util á civilização: si nada trouxer,
a competição com o homem arreda-la-á natural-
O eterno feminino é eterno, não desaparecerá
mente e ela voltará ao tipo fundamental. Sem du-
nunca.
vida nenhuma.
O typo mãe de família existirá por todos os
Não ha motivo então para temer o terceiro
séculos. E, qual a verdadeira accepção da palavra
sexo ou para proibir terminantemente á massa fe-
"honestidade"?
minina as profissões liberaes ou viris ou simples-
O génio, o talento, a inteligência ou a intuição mente a educação geral.
ou a perspicácia ou a pouca inteligência — tudo Bunge — a representação viva do egoísmo
isso é produto de todos os tempos.
A desigualdade natural não desaparecerá.
86 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 87

masculino, considerando pedagogicamente a mu- A coeducação se impõe. Que todas sejam edu-
lher sob tres aspectos: cadas ao lado do homem. As profissões liberaes ao
— a mulher esposa e mãe, alcance de ambos os sexos. O que é preciso é edu-
— a mulher carateristica e profissional, car a mulher para o lar e ao mesmo tempo para a
— a mulher mimante ou a do mimetismo se- sociedade, isto é, para a plenitude do seu desen-
xual, decreta: volvimento, para a sua individualidade. Uma cou-
para a l . (a familia) educação feminina
J
sa não exclue a outra. Não a coeducação com o
especial domestica; fito de acariciar idiosincrasias masculinas...
para a 2. (economia social) educação profis-
a
£ " Não é mau repetir sempre: ser mãe é missão
sional; mas não é profissão.
para a 3." (familia e economia) familia e eco- Não façamos confusões: ha ou não mulheres
nomia aqui, significam para goso e idiosincra>:ias que precisam trabalhar seja aonde fôr para não
masculinas... — a coeducação dos sexos.
morrerem de fome e não cairem na prostituição?
Assim, o ilustre publicista defende para todo A sociedade atual protege a mulher, dá-lhe
sempre a prostituição necessária, a instituição das conforto par aque ela fique em cara cuidando do
heteras gregas ou das atrizes sedutoras! lar e dos filhos?
Toda mulher deve ser educada tendo em vis- E todo individuo não tem direito a ser livre,
ta o bem estar individual e coletivo. a seguir os ditames das suas vocações, e á plena
A mulher mulher, a mamífera animal é inca- expansão dos seus desejos?
paz de exercer nobremente, num ponto de vista lar- Em conclusão — a sociedade tal como esta.
go, superior, toda a sua missão complexa. organizada — c mentira convencional, precisa ruir.
A mulher educada exclusivamente para cola- A satisfação das necessidades do individuo deve
borar na vida social, a medica, a engenheira arran- ir até aonde não possa lesar os outros indivíduos;
cada do lar, não tendo sido preparada para a vida quanto ao mais — que seja livre. ^
domestica — constituiriam sim o terceiro sexo. A educação feminina e masculina nessa so- m t l 0 m , %
88 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 89'

ciedade não pôde ser senão fraude: deve ser radi' Só a mulher conciente compreenderá porque
calmente atacada como imoral, como corruptora se afirma: as liberdades não se pedem — conquis-
da sociedade futura. tam-se.
Lamentável o grão de degradação a que che- O desenvolvimento inteletual da mulher fará
gámos. que ela revigore ou faça aparecer as qualidades la-
A mulher é exclusivamente pessoal, egoísta — tentes do seu carater. Não se deixará facilmente
é mister alargar os seus horizontes limitados, faze- espoliar.
la entrever o ideal, interessa-la na pesquiza da Ver- Sua submissão, docilidade, a resignação pas-
dade, na luta social em prol do bem estar para siva, com que se reveste na luta material pela exis-
todos. tência, serão substituídas pela energia e indepen-
Educada, evitará a sua própria escravidão eco- dência, uma vez compreendido o valor próprio,
nómica. equivalente a uma unidade. Saberá que não é obje-
to de exploração ou de goso. Reivindicará o direito:
Sua fraqueza física e mental é instrumento de
tortura, de exploração. a trabalho igual, salário igual. e
Terá mais cuidados consigo mesma, fortifica-
^ Precisa ser instruída para combater ao lado
rá o corpo para as exigências do trabalho, terá
dos idealistas de nova ordem social. Mas, como? O
mais farta e escolhida alimentação e evitará a ex-
homem é comodista e a mulher é incapaz de achar,
ploração da criança pelo salário.
por si, a solução: as peias se multiplicam... ^
No regimen atual a mulher é escrava porque O trabalho a domicilio, á noite, desaparece-
precisa da proteção masculina. O individuo pro- rá: a produção diurna de um individuo inteligente,
tegido vale menos, e está sob a dependência do forte, bem tratado é maior e esse individuo com-
protetor. Não pôde ter dignidade: a própria de- preende a necessidade do repouso, do sono e se
pendência já é aviltante. não deixa enfraquecer.
E o homem, não abre mão facilmente do seu A criança e a mulher proletárias são os entes
predomínio de protetor. mais prejudicados pelo capitalismo, pelo industria-
90 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 91

íismo moderno e são as maiores fontes de degene- contra a moral e os bons costumes, contra a insti-
recencia da geração futura. tuição da familia tão defendida em teoria, a pro-
A mulher educada será força de resistência
contra a avalanche devastadora e preparará o ad- E' profissão indigna da sensibilidade femini-
vento da verdadeira civilização na qual não haverí na mais, muito mais que qualquer profissão liberal
lugar para a exploração do homem pelo homem. ou a inteletualidade alta, si é que as julgam imo-
raes... j 5f|I§j |
E' voz geral que as mulheres não podem, não
As melindrosas se não lembram ou ignoram
devem exercer as mesmas profissões masculinas,
quantos desgraçados sucumbem na fabricação de
incompativeis com a sua sensibilidade e até com
um objeto de luxo e prazer: quantas mães vêem
o pudor.
os filhos morrerem no próprio seio — irremedia-
r Criticam a mulher medica, advogada, a escri- velmente perdidos quando elas transpõem a porta
tora, a concorrente afinal. Entretanto, a ordem das fabricas de espelhos.
moral da atualidade, obriga a mulher a se empre-
Ninguém cogita disso, e, a mulher votar, para
gar nas estradas de ferro, como carregadoras em
alguns homens, viajar só, emitir sua opinião a res-
docas, como construtoras, pedreiras, a trabalhar em
peito de assuntos sérios, lêr livros proibidos pela
fabrica de papeis pintados e na manipulação do
mercúrio. Igreja Católica — é crime de lesa-moral. £
Tudo hipocrisia. «fiv+J^cto
Será por gosto, por prazer que uma mulher
Vivemos de preconceitos e superstições. .
faz o carregamento de navios ou trabalha em fa-
£ A mulher, ignorante, contribúe para perpe-
brica de explosivos ou em laboratórios de gases ve-
tuar a mentira no lar, na escola, como mãe, educa-
nenosos?
dora, como mundana.
Triste perversão de gosto! E* preciso que o homem veja para que ela
Não ouço o mesmo protesto contra essa aber- veja.
ração assim como os homens não protestam contra E* necessário que ele escreva para ser o seu
os cabarets servidos por moças bonitas: é profissão repetidor. Ideias novas ela não tem. •*>
92 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 93

Não tem espirito combativo, não discute con- não dá absolutamente cousa alguma digna de sua
cientemente, não se revolta. E' pouco mais que a capacidade se fora coordenada em movimentos e
escrava antiga, dócil, meiga, submissa. ideias.
Si protesta, num lampejo de luz, não sabe Seu raciocínio acompanha a irritabilidade
bem o que quer, volta no mesmo instante ao fata- apaixonada e se extravia a ponto de não ter opinião
lismo da resignação passiva. formada a propósito de cousa alguma.
"La vie entière est une lutte d'adaptation" af- "A atividade emocional do cérebro tem neces-
firma a ciência, entretanto a psicose feminina per- sidade de um objeto", pois bem, educada a mulher,
manece estacionaria, desviada mesmo, indo de en- sua afeição, sua paixão desviada para gatos, cães
contro á natureza — provando até aonde pôde e cavalos se canalizará em vista de horizontes mais
vencer a vontade humana. E' um prodigio de equi- amplos — para a ciência , a filosofia, a arte. Essa
líbrio! mulher do futuro substituirá a sectarista prejudi-
Mas, a natureza não se deixa enganar. cial — cuja vida se passa na igreja entre as dobras
do temor, da superstição e do egoismo estreito.
Livros úteis, leituras sérias, como falar nisso Ha tanto que fazer em beneficio da humani-
na época do "Jazz-Band"? dade! .
Educar a mulher e o homem: faze-Ios sentir Mlle. von Wolfring, na Áustria, funda uma
que a natureza feminina, desenvolvida artificial- associação que se encarrega de adotar órfãos e
mente pela escravidão secular, — deve ser dé novo crianças cujos pais indignos são incapazes de velar
adaptada. pela sua educação e bem estar; entrega 10 crianças
Essa adaptação exige esforço tenaz contra a de ambos os sexos a cada casal sem filhos. Essas
rotina e será a salvaguarda das gerações vindouras. famílias artificiaes têm assegurada a residência e a
O cérebro feminino atrofiado produz esforço alimentação — fornecidas pela Federação. Todos
dispersivo. esses irmãozinhos pela humanidade, frequentam
Irritável, perde a energia em minudencias: escolas.
94 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 95

Imaginemos o que será a sociedade quando Quem nos dirá o horror á agricultura inspi-
se instituir uma única Federação nesse género!... rado aos jovens alunos pelo ensino das nossas es-
colas profissionaes?
Seria cousa tão excepcional dar resultado sor-
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL preendente o ensino profissional agrícola, ora em
çnsaio, e formar homens independentes do regimen
O ensino moderno nos países latinos não tem burocrático, neste Brasil aonde a lavoura é despre-
em vista o preparo do individuo para as necessi- zada e sem garantias para os nacionaes, que me
dades da vida. convenci da quasi inutilidade de nossos Aprendiza-
Muito longe disso. dos Agrícolas.
O ensino clássico absorvente é superstição co-
E ' preciso primeiro dar outra alma aos pro-
mo outra qualquer. A vida hoje é diversa.
fessores. Formar educadores e não transformar o
O desprezo que aparentamos ao trabalho ma-
bacharel no homem para tudo. E ' necessário edu-
nual prova os nossos prejuízos, a ignorância em
car os pais, extirpar o preconceito do carater na-
matéria de educação. Daí a decadência. Daí o pol-
cional, tirar os prejuízos das mães, transformar ra-
vo da burocracia.
dicalmente tudo.
A industria e a grande lavoura entregues ao
estrangeiro. A adaptação é inútil, antes — prejudicial por-
Resta-nos o comercio para corromper o cara- que retarda a solução definitiva.
ter e explorar todas as classes. As reformas de todo género, elaboradas nas
As escolas de agricultura num país essencial- secretarias de cada governo, com o auxilio de códi-
mente agrícola são como objetos de preço, o luxo gos e leis e regulamentos antigos e modernos, ex-
da nossa instrução. trangeiros e nacionaes, aumentam sempre o ridí-
Os alunos desses poucos aprendizados agrí- culo.
colas são, de certo, desde já candidatos a empregos O trabalho profissional obrigatório é de resul-
públicos... tados fartos: devia ser lei nas escolas. Só pôde ser
96 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 97

posto em pratica para toda gente — em um ttovo unos, ao passo que a aprendizagem no momento
regimen social. de ocupar o emprego exige do aluno, esforço maior
Já assim pensaram Saint Simon, Robert | (lias de trabalho não remunerado.
Owen, Rabeuf, Fourier, Cabet, etc. Atravessamos um estado transitório. A vida
Os filantropinistas, inspirados em Rousseau, cada vez se torna mais curta e agitada. O tempo é
tentaram-no na escola de Schepfenthal. pouco — deve ser bem distribuido.
Froebel, Montessori resolveram o problema A escola primaria carece de armas para desco-
nos Kindergarteri; nas Case dei Bambini. Resta brir as vocações, as tendências, os gostos, as moda-
agora formar as diretoras da psiquiatra italiana, as lidades de atividades — si tem por fim preparar
jardineiras do velho louco de Liebenstein. Falta tu- "para a vida completa" — segundo Spencer; si não
do portanto e me não parece fácil resolver a ques- quizer que o individuo falhe na vida, si pretender
tão. que ele deva ser utilidade e não parasitismo na co-
Na escola primaria nada principiado entre letividade.
nós e, o que ha é tão oposto ás nossas necessidades Devemos preencher o tempo de estudos com
que urge revolução no ensino para demolir e re- aquilo que nos vai servir para o completo desen-
construir. volvimento da individualidade para a obra comum.
A aprendizagem de um oficio, de uma profis- Tudo mais é adorno, é objeto de luxo, de pra-
são, convenientemente levada a efeito, conduz á zer: ficará para as horas vagas, para mais tarde,
educação geral, ao preparo para a vida. segundo os gostos.
A diminuição ou a falta de saber técnico con- A criança se deve familiarizar com as ocupa-
duz ao aumento de horas de trabalho ou á dimi- ções quotidianas.
nuição ou inferioridade da produção, diminuição Na escola primaria — o atelier de trabalhos
do salário, decadência das pequenas industrias, ex- manuaes; nas escolas normaes, cursos complemen-
ploração do operário pelo grande industrial. tares; nos ginásios, — as escolas profissionaes.
A aprendizagem técnica forma excelentes ope- Esses professores primários não serão encon-
98 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 99

trados ao acaso entre habilidosos ou curiosos, mes- Exige cuidados especiaes no programa escolar
mo porque não se trata só de ensinar um oficio: para evitar perturbações, diateses nervosas.
mais importante talvez, e se resume no axioma de
Não se trata aqui de trabalhos feminos.
Anaxágoras: o homem pensa porque tem mãos, é
E' indispensável preparar a mulher para pro-
o desenvolvimento das faculdades intelectuaes, das
ver a subsistência trabalhando em todas as profis-
faculdades inventivas, criadoras, pela educação dos
sões acessivas ao sexo, prepara-la para não ser para-
sentidos.
sita, objeto de luxo ou exploração.
A ciência experimental provou o desenvolvi-
O trabalho manual ao lado do trabalho in-
mento da mielina, dos neurones, o prolongamento
teletual.
dos filetes nervosos pelo exercicio dos sentidos, pe-
los movimentos das mãos, pelo esforço muscular, São os dois grandes braços da atividade hu-
Por todos os motivos se impõe o atelier na mana.
escola primaria. U m não é melhor nem mais importante que o
Rabelais, Commenio, Locke, Rousseau, o ima- outro — são diferentes, completam-se.
ginaram. São forças que se equilibram. Não ha aí su-
Pestalozzi considerava o trabalho manual perioridade nem inferioridade, nem antagonismo.
uma função social obrigatória e em Neuhof insti- O ideal é fazer do trabalhador manual, inte-
tuiu o trabalho agrícola e industrial. ligência esclarecida, capaz de resolver, por si, ques-
Mas, o trabalho de agulha, o ensino da cos- tões de técnica cientifica.
tura — essencial, indispensável para a mulher, não Formar o trabalhador inteletual em condi-
é só o que deve constituir o trabalho manual femi- ções de compreender e auxiliar o trabalhador ma-
nino. Essa ocupação, outrora motivo de horas e nual, dar ao pensador uma profissão manual que
horas escolares, obrigando a um esforço continua- lhe assegure a subsistência e o distraia e o descanse
do, a uma posição única, terrível, é causa de tantas durante os intervalos necessários ao equilíbrio men-
moléstias escolares, miopia, etc, causa de fadiga tal.
intelectual. Além de tudo — o individuo que não produz
100 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 101

fora das profissões liberaes necessárias — é parasi


CONCLUSÕES
ta dos produtores.
Forçoso é convir: daqui a pouso desaparecerá O homem preenche dous fins durante a exis-
de verdade a aristocracia do nome e a burguesia tência: nasce com caracteristicas especiaes para pai
do dinheiro e da sociedade ociosa. de familia e para membro da sociedade.
O proletariado constituirá uma classe única Sendo a mulher sua companheira indispensá-
por que toda a humanidade será produtora embo- vel na multiplicação da espécie e na vida social —
ra se conserve para todo sempre a aristocracia do é lógico: também a mulher tem duas funções a
pensamento e da arte, a desigualdade natural. preencher durante a existência — a de mãe e a de
Todos terão necessidade de uma profissão ma- colaboradora na coletividade humana.
nual e esse trenamento deve ser continuado na es- 2. Aí temos o individuo e a sociedade. Nem
cola primaria e superior uma vez iniciado nas esco- o individuo tem o direito de visar o próprio eu
las maternaes e jardins da infância. egoisticamente, sem olhar o interesse coletivo, nem
A oficina escolar além de segurar a criança a sociedade tem o direito de absorver o individuo.
mais tempo na escola ou assegurar a frequência, 3. Nascendo a mulher para a missão de mãe
estabelece união mais solida, maior camaradagem e para a ordem social, deve ser educada de modo a
entre alunos e mestres, desenvolve aptidões laten- exercer dignamente o papel de genitora, sobrando-
tes, aproveita melhor as crianças menos inteligentes lhe~ tempo suficiente para os deveres de colaborar
e vadias, estabelece igualdade na sociedade esco- com o homem em beneficio do proximq.__
lar —• elevando, em consequência, o nivel intele-
4. A mulher inconciente é incapaz de sentir a
ctual das massas, finalmente evita o exgotamento
sua missão. /h+HÍÁ> *oè***Ç' ,
nervoso cuja farta messe é colhida na atual escola
Considerando que a mulher, de qualquer con-
primaria.
dição, ao lado do homem representa a fascinação,
o amor, a força para o bem ou para o mal, — é in-
dispensável educa-la, instrui-la até aonde puder voar
A MULHER É UMA DEGENERADA 103
102 MARIA LACERDA DE MOURA

maternidade na razão das que ora se furtam a esse


a sua inteligência, afim de que ela seja o poder
conciente, a clarividência moral para beneficio da belo sacrifício.
sociedade humana em busca do bem estar para 7. Quando todas as mulheres souberem ser
todos. mães a humanidade será redimida pelo amor ma-
terno.
5. Considerando a escravidão secular femini-
na, o atrazo de seu cérebro submetido a uma se- 8. Considerando a experiência a única mes-
leção cujo resultado desastroso fez dela o bibelot, tra da vida, considerando a educação profissional
a melindrosa, a mundana, conservou-lhe a medula, como tendo base cientifica — toda escola deve ser
a psiché infantil: laboratório, oficina.
a) Considerando que a educação atual, inca- A iniciativa, a vontade, o ideal só é atingido
paz de lhe desenvolver aptidões e faculdades laten- pelo esforço, pela ambição de se realizar, pelo esti-
tes — deseduca, continua o prejuízo tradicional; mulo nascido das faculdades latentes, na escola da
b) Considerando que o progresso depende vida.
das duas facões humanas, — o homem só poderá 9. Considerando impossível no regimen atual
atingir ao apogeu da sua grandeza inteletual e mo- o trabalho profissional obrigatório, considerando a
ral quando a mulher tiver clarividência moral. educação intelectual-profissional o único meio de
Assim, é indispensável revolução na educa- educar para a vida completa, considerando que a
ção, afim de ruir todo o edifício antigo e recons- ociosidade vive do sacrifício de outrem.
truir novos alicerces mais sólidos, racionaes, cientí- E' preciso que a elite intelectual se convença
ficos. da grande renovação para novos ciclos em busca de
6. A verdadeira educação feminina não é em- outras civilizações.
pecilho á fecundidade, porem, equilibria as funções 10. Considerando a necessidade do esforço
genitoras: evita a fecundidade absorvente que mata em conjunto para o desenvolvimento mutuo, para
a mãe de fraqueza, inanição e trabalho, prejudica- evitar a estafa, as diateses nervosas, e para tornar
da pelo excesso de filhos, e faz nascer o desejo da o ensino atraente e salutar, para o preparo á vida
104 MARIA LACERDA DE MOURA

util para a melhor compreensão da existência, —


a coeducação se impõe: a mulher deve ser educada
ao lado do homem, como companheira.
11. Finalmente, si a mulher nasceu para per-
petuar a espécie, deve elevar-se á altura da beleza
interior a que possa atingir.
A I N D A A EDUCAÇÃO FEMININA
Deve instruir-se até poder conceber a finali-
dade da vida, realizando o seu mundo interior, cc-
SUMARIO: Os trabalhos femininos e a irri-
nhecer-se — "para aprender a amar".
tabilidade nervosa. — A degenerecencia da
Socialmente falando é fator da civilização espécie. — A questão do cérebro feminino. —
moral: deve caminhar e fazer caminhar a Humani-
A cHola-sociedade.
dade em busca da Beleza e da Verdade, que o seu m
cérebro ainda lhe não deixou entrever. " L e repôs de la femme et ses distractions ne de-
vraient pas consister en clabaudages, ni en plaisirs
luxueux et frivoles, mais en exercices corporels, en
un développement mental toujours plus élevé et en
une action sociale sérieuse et efficace."
A. F O R E L .
( L ' ã m e et le système nervetix).

Os trabalhos femininos como costura, borda-


dos á mão ou á maquina, trabalhos de aplicação,
etc, fatigando os olhos, exigindo esforço, fazendo
vagar a imaginação, — dão em resultado a fa-
diga cerebral.
Contribuem para a excitação nervosa, a irrita-
bilidade peculiar á mulher.
São as pequeninas minudencias da vida que
nos desgastam a energia, a inteligência, o senso.
A MULHER É U M A DEGENERADA 107
106 MARIA LACERDA DE MOURA

tendência a irritabilidade patológica — causa de


. Metade do género humano está absolutamen-
te sacrificada impedindo o progresso das civiliza- tantas desgraças permanentes e evitáveis.
ções vindouras.
A fadiga, a estafa deve ser motivo de sérias
Uma sociedade bem organizada distribue au-
especulações cientificas. O esforço exagerado e
xiliares ás mães, assistência com amas, professo-
constante prejudica, mesmo quando seguido de re-
ras, etc. — individuos também educados e com
pouso longo.
vocação decidida, aptos a prestar serviços, por pra-
zer, quando necessários. A mulher cansar-se-á mais: pouco esforço ce-
lebrai ou nenhum tem feito. Si o faz é de modo
Impõe-se a educação que despreza as preo-
desastroso, prejudicial. Os programas e horários
cupações de estreitos horizontes.
ibiurdoi rompem o equilíbrio desde o inicio dos
A irritabilidade feminina vem da atrofia ct-
/-.nulos. A intoxicação escolar-livresca é constante
rebral, da sua atividade mal dirigida, mal apfc
A vida de trabalhos ou o mundanismo dos
cada
chás e recepções provoca novas perturbações, auxi-
~—-E as existências femininas se deslizam e se ex- lia a obra escolar.
tinguem entre costuras e bordados e limpeza de O sono não repara as perdas. As crianças
moveis e cuidados inconcientes aos filhos "não dormem menos que o necessário.
cuidados", vida sem ideal, sem noção do que pos-
As disposições hereditárias são acordadas por
sa ser a sociedade futura, sem visão de beleza, sem
efeito do desequilíbrio...
um olhar dirigido em prol da ação para maior
O desgosto pelo estudo sério é a reação ine-
bem estar. fluFk& ^V-LA^oícu cXx^ f
vitável.
Sempre a rotina.
O esforço precoce da criança e a sua falta de
E as pobres mulheres protestam, em coro, se
as queremos arrancar dessa escravidão do corpo e repouso são causas de tantas desilusões depois de
do espirito. fartas promessas.
Desde que, no Congresso de Higiene de Nu-
E continuam a se irritar, transmitindo á des-
108 MARIA LACERDA DE MOURA
109
A MULHER É U M A DEGENERADA

remberg, em 1877, Finkelburg demonstrou a im- saber de toda mulher inteletuai as sensações expe-
portância do alto problema pedagógico: — a fa-
rimentadas durante e após os estudo> e trabalhos
diga, a estafa, o "surmenage". começaram os in
mentaes, afim de contribuirmos nós, com um pe-
queritos e "tests" na Alemanha, Suécia, Dinamar-
quenino contingente experimental para o estudo
ca e Suissa.
cientifico do desenvolvimento cerebral da mulher
Não se pôde estabelecer, por ora, uma regra, — ha tantos séculos escravizada até no pensa-
base relativa á fadiga e o sexo. Expericncias ha que mento.
dão a menina como mais resistente e o rapaz me- A instrução feminina deve merecer especiaes
nos. cuidados afim de não prejudicar a futura geração,
Binet chegou a resultado oposto estudando a num desequilíbrio de forças diversas, desordenadas,
fadiga pela diminuição da acuidade táctil, — em nesse periodo de transição.
razão talvez da menor resistência do organismo fe-
minino, talvez por causa da sua atrofia cerebral.
Embora em caminho de experimentações, ain- Estou quasi com Tito Livio de Castro quan-
da que vagas, é de crer a menor resistência femi- do discute a questão da instrução primaria nas
nina comparando a mulher ao homem — cujo cé- mãos da mulher, da brasileira, mas, lamentaria
rebro mais trabalha pelas condições de vida, de também se ela resvalasse para as mãos dos nossos
liberdade, de exercícios, através dos séculos. patrícios — de cérebros, de certo, mais pesados e
idéas igualmente curtas...
A nossa educação ou a educação feminina é
Que a brasileira não está em condições de
diferente, quasi ou inteiramente oposta.
desenvolver racionalmente a psicose infantil, nem
O nosso esforço é muito maior, é formidável
se discute.
exetcicio contra a rotina, e, antes de mais nada ;
As mães, as professoras muito longe ou intei-
devemos trenar as células, atrofiadas pelos séculos
ramente longe se acham de alcançar o magno pro-
de quietação, de "deseducação".
blema. Não o sentiram porque o não compreen-
Julgo de grande valor uma "enquête" para
deram.
110 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É U M A DEGENERADA 111

Excetuando, porém, uma minoria apagada, Na escola, pinta o passado, esquece o presen-
onde estão neste país os homens capazes de o fazer te, não cogita do futuro. Limita-se a repetir com
concientemente? a autoridade dos livros e dos diretores espirituaes.
Que podemos esperar desses cérebros tanto de Que será da educação nas suas mãos, embora ge-
homens como de mulheres? Nas cidades, "para o nerosas? Que será da geração futura si a sua igno-
sexo masculino "preparatórios" que nada prepa- rância é cultivada?
ram; para o sexo feminino, o "quantum satis" pa-
O cérebro é tudo no individuo. E' o aparelho
ra vozear em um salão de baile".
registrador em comunicação com o mundo exte-
Eis a instrução desse povo que se diz civili-
rior. Opera c reage proporcionalmente ao meio, ao
zado.
exercicio. Por isso mesmo, todo cuidado é pouco
E das escolas, das academias saem indivíduos
na distribuição desse exercicio.
incapazes de lutar pela vida, incapazes de inicia-
tiva, capazes de "escroqueries" para obter, com o Entretanto, por ser difícil a sua aplicação, não
mínimo esforço, o máximo resultado. deve constituir motivo para conservar a estática
feminina, conservação que custa muito caro ao
A educação feminina entre nós é tudo quanto
quizerem, menos educação. progresso humano.
E a mulher continua irritável em vez de sensí- E' indispensável fazer trabalhar o cérebro da
vel (Sergi), chora e ri e bate palmas e aplaude ou mulher para chegar á psicose do adulto.
apupa com a mesma facilidade, inconcientemente: O homem está prejudicado também: ao na-
é a medula... scer de uma mulher de cérebro infantil, é roubado
Os poetas, os anti-feministas, graciosamente, na sua potencia cerebral. E' justo.
pregam o predomínio do coração feminino sobre a Ha até quem admire de Schopenhauer sus-
inteligência. tentar a idéa de que o carater é herança do pai,
Tradição, comodismo, ignorância. assim como a inteligência é herança materna. E
E ela vae perpetuando a influencia ancestral, quem havia de o dizer sinão o autor da celebre
a rotina. frase dos "cabelos longos e inteligência curta!"
112 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 113

Até hoje o trabalho inteletual, fonte mais alta vergencia de trabalho ao qual foi submetida, da
e nobre de prazeres, é reputado coisa digna apenas diferença de educação, do exercicio.
do homem. Emilio Faguet chega a dizer: "a mulher é um
E os defensores do "coração feminino", da homem capaz de maternidade".
"sensibilidade da mulher",, da "função materna" E tanto varia o peso do cérebro dos grandes
— desviam-nos desse único e imenso prazer, por homens que é inútil estabelecer uma lei "a priori".
egoísmo.
Segundo o professor Reclam, citado por Be-
Ao homem é agradável a inferioridade femi-
bei — "La Mujer", o cérebro de Cuvier pe-
nina, a infantilidade da mulher.
sava ... 1861 gr.
A corrente favorável ao nosso completo des- o de Bryon pesava 1807 ,,
envolvimento intelectual é, ainda hoje, extremamen- o do matemático Gaus pesava 1492 „
te pequena. o do filólogo Hermann pesava 1358 „
E por isso, a propósito de tudo vem á luz a o do sábio Hausmann pesava 1226 „
questão antropológica a respeito da diferença de
peso e volume do cérebro masculino e feminino. Pesando cérebros femininos:
Vejamo-la também:
Para Stuart Mill, por exemplo, o sexo femi- Nacionalidade Autores Peso
nino apresenta uma série de superioridades na sua
psicologia. Peacock 1260 grs.
34 inglesas e escocesas

Buchner considera o cérebro feminino mais 1232 ,
2 negras africanas. . ?

delicado na sua contextura. Bischoff acha a mulher


Parchappe 1210 „
menos intelectual pelo motivo do cérebro menor.
Spencer acha-a inferior no sentido da lógica abstra- Wagner 1209 .,
ta, da concepção ampla da justiça, etc. 19 austríacas . . . . Weisbach 1160
J. Finot acha que a diferença resulta da di- - • - - -». .
114 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É U M A DEGENERADA 115

Quadro de Davis: A' medida que a civilização avança, a diferen-


ça entre o cérebro feminino e masculino é maior,
Raças Peso dizem.
Isso mesmo, tomando por base os quadros ci-
1298 grs.
tados, é problemático ou mesmo inexato.
Negras do 1249 „
Buchner opina que a diferença dos cérebros
Esquimaus 1247 „ de homens e mulheres entre os povos civilizados
1222 „ não é a mesma.
A mais palpável é entre os holandeses e ale-
(A Mulher no Brasil — M . F. Pinto Pereira) mães, menos um pouco entre ingleses, italianos,
suecos e franceses.
Vemos que o cérebro de Hausmann tem menor Na França os cérebros masculinos e femini-
peso que o cérebro de negras africanas, menor que nos são quasi os mesmos.
o cérebro de mulheres esquimaus, chinesas ou ne- Por que? Não explica a razão.
gras do Dahomey, ao mesmo tempo essas mulhe- E' certo que as condições sociaes influem po-
res rudimentares têm cérebros mais pesados que derosamente na conformação craneana. Entre os
os das inglesas, austríacas, alemãs e francesas. povos primitivos a proporção dos dois cérebros é
Diante dos fatos caiu por terra a teoria an- quasi insignificante. E' que a função desenvolve o
tropologista defendida por alguns apaixonados da órgão, o exercicio o aprimora.
inferioridade feminina em razão do menor peso Tem razão o "joven sábio" quando diz: "O
do cérebro. cérebro feminino atual, com todas as suas imper-
O organismo da mulher é diferente. feições, não é órgão que dê o máximo de energias
Essa questão de tamanho e peso é ridicula. de que é capaz: sua energia ativa é inferior á sua
Alguém já se lembrou que o boi é menos in- energia potencial: ele pôde dar mais do que dá".
teligente que a abelha e a formiga... Além de tudo a gravidez absorve a seiva fe-
A MULHER É U M A DEGENERADA 117
116 MARIA LACERDA DE MOURA

"O exgotamento devido a uma vida miserável


minina por algum tempo e lhe ha de enfraquecer c insalubre, pôde fazer degenerar uma raça, mes-
as faculdades do entendimento em proveito das mo sem álcool", diz ilustre cientista.
funções vegetativas. E' lógico como é lógico o en- O alcoolismo dos ancestraes e o alcoolismo de
fraquecimento intelectual em proveito do desenvol- hoje, protegido pelo Estado capitalista, continua a
vimento orgânico nos periodos do crescimento hu- derrocada.
mano. A ociosidade de uns, a inanição de outros, a
A natureza opera segundo as necessidades da atividade excessiva de terceiros produzem os mes-
ocasião. mos resultados.
O que é preciso é dar tempo á mulher para A alimentação imprópria e mal feita acelera
recuperar as forças e fazer circular livremente san- a obra de destruição.
gue novo banhando o cérebro. A vida sedentária da mãp dp família e- n vida
E, atendendo ás leis da compensação, deverá mundana da mulher "chie" têm as mesmas conse-
estar apta ás elocubrações intelectuaes, com lucidez quencias*.
de espirito e inteligência arguta, depois do descan- As guerras, destruindo os fortes, os capazes e
so que se segue ao periodo laborioso. excluindo da chacina os inaptos, são fontes ex-
Mas, não é só a mãe e não é por ser mãe que traordinárias de degenerecencias.
a mulher deixa de produzir mentalmente: e a maio- O casamento consaguinio, casamento de al-
ria feminina não sujeita á fecundidade? coólatras, de sifiliticos e tarados e tuberculosos se
E' a falta de estimulo, de desenvolvimento, faz sem mais formalidades, sem que ninguém o
de educação, de liberdade. impeça.
Todas essas causas são acrescidas e decupli-
cadas com o excesso de esforço cerebral mal diri-
Muitas causas concorrem para a degenerecen-
gido, estimulando a precocidade, cujos resultados
cia nervosa da espécie.
prejudicialissimos e extenuantes só muito mais tar-
O álcool não é mais pernicioso que a miséria
de são deveras assinalados.
e o trabalho industrial das classes proletárias.
118 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É U M A DEGENERADA

A rotina oficial paralisa toda iniciativa. estudaram latim, por consequência — lógica, estu-
De que vale saber que está tudo errado, mal daram o grego, etc, entretanto á espera de coloca-
dirigido, mal feito e ser obrigado a baralhar o en- ção, pedindo por favor um lugarzinho de promotor
sino, a atropelar, correr, saltar por cima da razão, publico ou delegado de policia no interior e vão
não ter dó dos alunos mal adaptados, — porque preencher, pessimamente, quaesquer desses ou ou-
é preciso lembrar do exame no qual ha necessidade tros empregos subalternos e pouco lucrativos.
de pontos e programas exigidos pelos regulamen- Tantas academias em meio de tantos analfa-
tos decretados nas secretarias! betos! ~ ~"~
O esforço é ingente e o resultado péssimo, O ensino teórico como o pratico tem o seu
de consequências terriveis para as gerações vindou- lugar.
ras.
De certo, a medicina, a engenharia, o direito,
Anos e anos de estudos mnemotenicos pre- se baseiam em estudos especializados, fazem parte
judicando o raciocinio, desviando o pensamento de do ensino profissional.
assuntos sérios!
O que é impróprio e não tem razão de ser é
De que vale o diploma do bacharel, por exem- a escola profissional teórica, o ensino clássico teó-
plo, — as noções incompletas j e obscuras de uma rico sempre o mesmo, é a escola primaria teórica
academia de diplomas se o novo advogado vem pe- preparando para a vida.
dir explicações aos advogados provisionados ou a
E' indispensável tirar ao diploma o valor so-
funcionários do foro?
brenatural que ele empresta ao brasileiro e apro-
O individuo de iniciativa faz daquele diplo- veitar as capacidades, as vocações.
ma escudo para mostrar as suas aptidões: vence. Cada escola primaria, cada grupo escolar, ca-
Venceria também sem o diploma, porquanto não da academia deve ser oficina para a vida e não fabri-
foi o diploma que o elegeu entre os outros: foi a ca de diplomas.
energia, o vigor inteletual.
Odiploma — eis a grande questão neste país.
A cada passo esbarramos com individuos que
O pequeno industrial, o homem simples, o
120 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 121

agricultor, não passa de "Géca Tatu" desprezado, As ocupações infantis acordam instintos, ten-
ridicularizado. E, entre um moço bonito boémio, dências, vocações, dirigem para novo ponto de vis-
filho-faniilia, frequentador de "cabarets" e toma- ta, fazem atravessar obstáculos para chegar ao es-
dor de opio ou morfina e um honrado agricultor tado civilizado.
com a mesma pouca ou nenhuma instrução — é Assim, o fim da educação é fazer escalar to-
preferido para tudo o "almofadinha", oupor ou- dos os periodos da evolução até chegar a um grão
tra, o "almofadinha" é premiado com uma coloca- de aperfeiçoamento sempre maior em vista do fu-
ção de embaixada e vae paraoexterior gosar cinica- turo.
mente os impostos tirados das costas do homem sé- As primeiras noções fixadas no cérebro do
rio e trabalhador."" ~" homem primitivo são as de nutrição, vestimenta e
E' preciso chamar a atenção de toda gente abrigo: deve ser essa a base sobre a qual repousa
para esse estado de coisas lamentável, bater na mes- o programa de trabalhos manuaes na escola pri-
ma tecla, protestar, fazer sentir a necessidade de maria. E' a tese.
reação enérgica. Os processos de trabalhos manuaes têm fundo
cientifico e carater social.
Os resultados surpreendentes das escola de
M . Dewey, professor na Faculdade de Pe-
Reddie (Abbtsholme - Inglaterra), de Ferrer, de
dagogia da Universidade de Nova York (Tea-
Roches, de Robin, de Montessori, etc, provam-no.
chers College) e o professor Richards, da mesma
Universidade, defendem o principio da "School Na França, a escola industrial de M . Fichet,
and Society": — A evolução da criança sob a in- com admirável programa, contra o exame e o di-
fluencia da educação atravessa as fases por que ploma, é bem amostra do que será a escola futura.
passou a humanidade na sua evolução. Na America do Norte o processo técnico de
O ancestral manipulava as cousas no meio em origem russa — o "Sistema Della-Voss" e o pro-
que vivia — a criança é vivamente excitada ante cesso de Frcebel foram adotados, ampliados ás ne-
os fatos, o concreto, cessidades do povo.
122 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 123

A "Williamson free Scholl of mechanical tra- A fisica, a química, a historia natural, em re-
des", o "Girard College" de Philadelphia, o "Pen- sumo, pedem laboratório e museu.
sylvania Museum and School of Industrial Art", A caligrafia, a stenografia, dactilografia, ta-
o "Pratt Institute" em Brooklyn, o "Drexel Insti- quigrafia, — é ensino pratico.
tute" em Philadelphia, as escolas de Sao Luis, a A geografia deve ser desenho e modelagem e
"Normal Art School" de Boston, a "Young Wo-
assum tudo mais.
men's Christian Association" e tantas, tantas outras
A instrução não pôde ser o objetivo da escola
que seria ocioso enumerar, escolas prof issionaes que
primaria cujo fim é preparar a inteligência, forti-
são grandes museus, imensas oficinas, quasi Uni-
ficando-a, desenvolvendo-a.
versidades profissionaes espalhadas por toda parte
— é a origem da educação, do self-control daquele A escola primaria deve ser o atelier do pensa^
povo extraordinário. mento e não da instrução.
E para ensinar a criança a pensar não ha co-
O Congresso de Cassei (julho de 1882) foi
mo a natureza, os objetos que nos rodeiam, tudo
contrario ao trabalho manual na escola primaria,
que é concreto, o movimento, a ação.
alegando que essas escolas são escolas de estudo,
O livro fica para mais tarde.
"ateliers de trabalho intelectual" e "havia sérios in-
convenientes em sobrecarregar o programa escolar "Os nossos primeiros mestres de filosofia, di-
de maior numero de horas e lições e em reter as zia Rousseau, são os nossos pés, as nossa mãos, os
crianças afastadas do lar durante tempo mais con- nossos olhos".
siderável". A segunda objeção é que as crianças ficam
afastadas do lar durante muito tempo. E' séria, não
O numero de horas a aumentar, num horário
ha duvida.
bem organizado, é insignificante. E' só transfor-
Mas, as crianças, hoje, são criadas como ga-
mar o ensino teórico em ensino pratico.
rotos, na rua, ou incomodando os vizinhos e os
A jardinagem, a horticultura, silvicultura, api- amigos, ou presos em colégios, ou trabalhando em
cultura, sericicultura, são trabalhos práticos. oficinas e fabricas — com o fito de descanso para
A MULHER É UMA DEGENERADA 125
124 MARIA LACERDA DE MOURA

atelier escolar como problema capital para assegu-


os burgueses e uma boca de menos para os prole-
rar as maiores vantagens na vida pratica social.
tários.
As mães declaram francamente: — querem Não ha tempo nem necessidade de esboçar um
socego. programa de educação profissional ou do trabalho
Nas classes altas, as institutrices assumem to- manual na escola primaria, mesmo porque a ques-
da a responsabilidade. A criança é cousa á parte, tão a resolver, por ora, entre nós, não é de pro-
vê os pais apenas por protocolo... grama e sim da formação desses professores.

Assim, si as crianças burguesas e proletárias E' bastante dizer que o ensino moderno, pelo
vão aprender com garotos o que são as misérias seu carater cientifico, pela utilidade pratica, o exige.
da vida, com as amas ou em tavernas, si vão en- A ciência prova: entre os fatores do desenvol-
comodar outras pessoas, si as mães se querem ver vimento mental está o jogo, cujas diversas teorias
livres do trabalho ou si as horas do descanso são se completam dando-se vantagens múltiplas.
reservadas para outras aulas (também teóricas), Seja como motivo de recreio, seja a aplicação
porque não ficar na oficina escolar onde o ensino do supérfluo da energia (teoria de Shiller, apoia-
atraente alimenta a imaginação desenvolvendo a da e desenvolvida em Spencer, estudada por Rys-
camaradagem, aprimorando o instinto social de so- sen, etc.), seja a teoria da imitação de Wundt, Vie-
lidariedade? rordt, Wallascherk, etc, seja a teoria do atavismo
Na própria Alemanha, em... 1881, foi defen- de Stanley Hall, seja a teoria de Gross ou do exer-
dida a questão numa conferencia reunida em Ber- cicio preparatório — é certo que o jogo é tão ne-
lim. cessário, tão natural que pôde ser considerado ins-
U m jornal de Bremc, redigido pelo dr. Lam- tinto, quasi ato fisiológico.
mers — o Nordwest — abraçou-a. "Sem ele o individuo ficará mal preparado
para a maior parte dos atos da vida".
Mais tarde (1882) novo congresso em Leip-
E' como um preludio á iniciação na vida pra-
zig, sob o nome de Congresso para o ensino ma-
tica.
nual e industrial domestico, tratou a questão do
126 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 127

O trabalho manual é a continuação, sinão o vida social e quando o moço entra, imprevidente,
próprio jogo. no forte torvelino, sente o grande desequilíbrio.
Carr sustenta ainda a teoria do estimulo do Não é essa a missão da escola.
crescimento dos órgãos, provando que o jogo tem Finalmente, á mulher estão sendo entregues
alta função biológica. os destinos da educação popular. E a instrução e a
O jogo tem ainda poderosa função social além educação que recebe estão longe de tão alta respon-
de ser estimulo do sistema nervoso. sabilidade.
E' mais que tudo isso, "mais do que um pas-
CONCLUSÕES
sa-tempo, é também trabalho inteletual e por con-
seguinte uma escola de pensamento e de vontade".
E o atelier escolar não é sinão um amontoado de 1 — Os trabalhos femininos, embora neces-
jogos motores, de imaginação, jogos intelectuaes, sários, não devem absorver o cérebro, as aptidões e
o tempo da mulher.
sensoriaes, de atenção, artísticos e excitadores da
vontade. A irritabilidade feminina tem como causas
Embora se não deva substituir os jogos natu- primordiaes as pequeninas minudencias da vida, —
raes, os "sports" os brinquedos infantis pelo ate- desgastadoras da energia, criadoras do mau hu-
lier, este ultimo representará papel preponderante mor, fontes de degenerecencias e diateses nervosas.
na educação primaria. 2 — A fadiga do cérebro feminino, motivada
A escola deve representar a sociedade. pelos trabalhos domésticos, pelas preocupações mí-
Na familia a vida se desenrola naturalmente nimas ou pelo estudo — é problema digno de mais
e cada membro vê, em torno de si, a vida, o nasci- atenção, — tendo em vista a eugenia e o progresso
mento, a morte, o trabalho distribuído, inquieta- social.
ções e alegrias, os dias se sucedendo entre as alter- Etiquetes, tests, deveriam constituir objeto de
nativas dos prazeres e das necessidades. observação e analise antes da confecção de progra-
A escola, tal como é, não deixa entrever a mas e regulamentos escolares.
A MULHER í: UMA DEGENERADA 129
128 MARIA LACERDA DE MOURA

3 — A escola primaria nas mãos da mulher i l r Bclea i, de Perfeição capaz de arrastar a Huma-
irritável, ignorante, é prejudicial á civilização. iii<I.ide para novas trajetorias, em busca da Har-
i n o m . i , da Fraternidade Humana.
Mas, aonde estão também os homens capazes Impossível tudo isso no atual regimen social.
de dirigir, aptos a educar os nossos filhos? \, pois, engrossar as fileiras revolucio-
4 — O cérebro feminino não produz quanto narias...
a sua capacidade pôde dar.
5 — A educação popular resvala dia a dia
para as mãos da mulher: é urgente eleva-la á altu-
ra dos resultados a que é preciso atingir em vista
do futuro sempre maior.
6 — A educação deve ter por base o princi-
pio da SCHOOL A N D SOCIETY. O civilizado
atravessa as fases por que passou o ancestral.
Si a criança tem as características físicas e
mentaes do antepassado — sua educação deve di-
rigir-se em vista da evolução social por que atra-
vessou o homem primitivo.
Assim, a escola primaria deve ser manipula-
ção, não pôde ter por objetivo a instrução, porém
— a vida.
7 — Si o conciente pôde passar ao inconcien-
te, si o habito se transforma em segunda nature-
za, — a educação deve ter por primeiro objetivo
fazer nascer no subconciente da mulher um sonho
() A l i IAI, REGIMEN SOCIAL SOLUCIONA
0 PROBLEMA D A ASSISTÊNCIA
A' I N F Â N C I A ?

Mult i p l i t .un se ;LS creches, os orfanatos, as


I H . i i i mulíulfs, sinal evidente de que a infância con-

i i m i . i .» i i i peregrinação dolorosa pela miséria, pela

dôr, pelo vicio.


l i ' lógico: a caridade não soluciona o proble-
m.i da penúria. Por mais que os potentados abram
as bolsas em cornucopias fartas do supérfluo... não
conseguem minorar a via de sofrimentos dos des-
herdados.
Discutamos seriamente: ha sentimentos de
fraternidade?
Ha, de fato, ânsia de cousa melhor, dè mun-
do menos miserável, onde se não vejam crianças
famintas, mulheres cobertas de chagas, prostitutas
e ca f tens e ladrões e gananciosos?
As lagrimas que divisamos nos olhos das belas
damas e dos homens de sentimento ante o espeta-
132 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA

culo da miséria material e moral são produtos do glmofadinhas e melindrosas^ o adultério é norma
verdadeiro sentimento ou provêm apenas do sen- cniiT n gente que se preza... o snobismo, o cepti-
timentalismo piegas de momento, histérico, que ri climo, os vícios, o escândalo, o crime, — c chie
e chora ao mesmo tempo, sem querer encontrar a nitre os intelectuaes...
causa e minorar a dor?
Que mais queremos para completar o qua-
E'poca de fitas... cinematográficas e reaes. dro?
Fala-se, gesticula-se, sente-se de um modo e As panacéas desiludiram.
procede-se de outro, bem diverso. A violência, a lei do mais forte, é a domi-
Ninguém está contente, todos reclamam. nante.
Na hora de agir, de dizer, a coragem se ex- O meio de protesto contra essa violência c
tingue.
aponta-la a todos os homens e a todas as mulheres
Covardia e miséria! sedentos de solidariedade, afim de que nova dire-
Parodiando Blasco Ibanez poderíamos dizer: ção seja impressa ás sociedades.
— "O velho sistema já não vive, o que nós vemos Fundam-se associações de proteção á infância.
é seu cadáver, mas, um cadáver enorme, que custa- E si não houvesse crianças desprotegidas?
rá a remover e cuja conservação devora muito di- ^ Ha rodas porque ainda se enjeitam filhos.
nheiro.
E quando não houver filhos para ser enjei-
"Á Inquisição ainda vive em nós, não teme- tados?
mos a fogueira mas causa-nos pavor o que diriam
Isso se dá por preconceito e porque a carga
A sociedade estacionaria e refrataria a toda inova-
foi inteiramente atirada aos braços da mulher.
ção é o Santo Oficio moderno".
E quando as responsabilidades forem dividi-
Convençamo-nos de que a putrefação do ca- das c solucionadas?
dáver se dará fatalmente e será dolorosa a todos
Na sociedade futura a criança não será pro-
nós.
uyida, que a solidariedade cxcluc a proteção e a
As instituições caducaram, a educação — faz i aridade.
1** MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 155

A idtia de creches, asilos, etc. está natural-


Ir sempre ao mais alto: pregar, sentir, agir'em
mente associada á ideia da cooperação feminina.
favor de outra sociedade mais séria, mais frater-
Por sua vez as mulheres são guiadas pelo
nal, mais equitativa.
A proteção é dispersiva. cltto.
Uma ou outra associação de caridade é excep-
Permite a uns a situação de protetores e feli-
t lonalmente leiga. Todas elas têm a direção espi-
zes e a outros — de miséria e assistência, e destes
ritual de um credo religioso-catolico romano, na
se exigem ainda — gratidão e humanidade.
sua maioria, em nosso país.
E em volta dos filantropos, em volta dos hos-
A mulher é, portanto, instrumento a serviço
pitaes, das creches, dos hospícios, patronatos, ma-
de outras inteligências. Não delibera por si. Não
ternidades, está a dor, a miséria faminta, para a
raciocina.
qual nada é bastante e tudo falta.
Sente apenas e sente muitíssimo, entregando-
Lá dentro, cada assistido é um numero, cá
sc de corpo e alma ao serviço de um terceiro, cuja
fora contam-se os desherdados por milhares, são
autoridade lhe apraz aceitar, não a serviço do pró-
quasi todos, é a grande maioria.
ximo.
E a miséria e a doença se desdobram por este
Nem discute as ordens recebidas, é maquina.
mundo além.
Ora, todos sabem que os representantes da
E quando cada membro da humanidade se
religião, na sua grande maioria, não têm outro
convencer de que dentro de todos os corações deve
emprego senão a própria religião.
haver uma assistência imensa, uma creche para
As senhoras trabalham gratuitamente nas as-
todas as crianças?!...
sociações de caridade e os sacerdotes não o fazem
Nada disso se pode aplicar a este regimen so-
porquanto têm necessidade de viver, e, ás vezes, no
cial: é preciso destruir primeiro c reconstruir de-
fundo mesmo da imensa abnegação vamos encon-
pois.
trar o esboço de um grande interesse...
Entre os representantes religiosos ha lutas pe-
cuniárias.
136 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 137

Porque é que os padres católicos do Rio de RIMnde parte do produto foi dividida e empregada
Janeiro fizeram, pela imprensa, declaração de que riu toilettes para goso próprio e exibições?
não era dado aos católicos, socorrer ao abrigo The- "Esses dous processos são indispensáveis: evo-
reza de Jesus (espirita), outra instituição de ca- lução e revolução, a natureza e a conciencia", dizia
ridade? Silvio Romero na Historia da Literatura Brasi-
E a guerra entre católicos e protestantes? leira.
Haverá tanto desejo de empurrar para o céu, Não creio que a educação dessa gente se faça
mesmo á força, toda a humanidade, para que gose pela evolução, só mesmo pela revolução...
das bemaventuranças eternas?
O dinheiro — eis a questão! A sociedade atual não soluciona o problema
Quanto á filantropia: não ha duvida que al- da assistência á infância. O que deve fazer é com
guns individuos têm sede de fraternidade e dão bater as causas que tornam necessária essa pro-
tudo para a felicidade de terceiros: talento, ener- teção.
gia, mocidade, dinheiro. Trabalham durante toda
Não posso negar o serviço prestado pelas cre-
uma existência em proveito do ideal, e se sacrificam
ches e maternidades, etc. Pelo contrario, iniciati-
heroicamente.
va louvável e filantrópica, presta auxilio relevan-
Entretanto, em meio desses, ha os histriões da tíssimo, digno de todo nosso apoio material e mo
filantropia. ral.
Enriquecem-se á custa da caridade aos des- O que se discute é o seguinte:
herdados! A proteção é necessária nesta sociedade que
Ha pouco, no Rio, alguém contou-me que lhe reservou para uns a grande porção e caridosamente
foram pedir auxilio para uma nova creche, dizen- dá as sobras aos que morrem á mingua do pão
do: "o Dr. F. é moço, precisa ganhar a vida e fazer material e espiritual.
carreira, devemos estender-lhe a mão"... E' preciso destruir o silencio que envolve a
E quando, numa famosa festa de caridade. grave questão económica e social.
138 A MULHER É UMA DFGENFRAOA 139
MARIA LACERDA DE MOURA

Quem mais gosa e menos trablha é o potenta dos nos tendões da sociedade de agora: que os ho-
do, o acumulador de fortunas ilícitas. mens de amanhã os desconheçam.
As riquezas são obtidas á custa da miséria E' o trabalho da escola nova operando no in-
moral, á custa do sacrifício da maioria. conciente coletivo.

Quem incrementa as uzinas de álcool, as casas


de jogo, de imoralidades, os restaurantes dos As- Não ha preguiçosos, ha doentes.
sírios e dos hotéis elegantes, a volúpia carnavales- Não ha ladrões miseráveis: ha grandes la-
ca, as grandes negociatas entre as nações, os casca-
drões. Os primeiros são criaturas roubadas legal-
das pratas, senão os capitalistas e os representan-
mente pelos outros e procuram rehaver c seu bo
tes da Patria?
cado fora das leis, senão de acordo com as leis
E os satisfeitos, os que venceram na vida não naturaes.
se vão bater pelo bem estar dos outros. Não ha viciados: ha vicios que a sociedade
Os descontentes, os desherdados, os justos se- fina cultiva como sport e para aonde atira um seza
rão os construtores da civilização nova. numero de vitimas indefesas para depois gosarem
O interesse dos primeiros é que os outros se os ricos o prazer de fingir que as salvam, arrancan-
resignem e sejam conservados na ignorância. O li- do-as do lodo, — distribuindo miseráveis mil réis,
vre exame é um perigo... as suas sobras, para asilos de loucos (a consequên-
E a luta pela vida impede o progresso dos tra- cia do álcool que os enriqueceu) e para as creches
balhadores. de degenerados (os filhos dessas vitimas).
Todos as que pensam devem proclamar o Snobismo da alta sociedade...
ideal de liberdade, a educação racional, os princi
pios da fraternidade humana.
Construamos um dique que torne impossível, Não ha doenças: ha desleixos, miséria, falta
para o futuro, a passagem dos preconceito? infiltra- de asseio, degerecencia.
A tuberculose, a sífilis, o alcoolismo, — os
140 MARIA LACRRDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 141

tres grandes fatores da degenerecencia, são males ilo e util, talvez porque lhes faltasse a liberdade
perfeitamente evitáveis. para a amplitude das suas possibilidades...
E, de que valem asilos para tuberculosos si a Quem sabe — que almas infinitas de amor.
causa da tuberculose não é combatida? sedentas de justiça?
Curar, remediar, não é a solução. Oh! os flagelos da nossa infância!
Evitar, eis tudo. Qual de nós não tem uma ou muitas recor-
dações dolorosas da meninice?
Dizem os mestres que as birras das crianças Pouquissimos escritores, um numero limita-
são resultantes das energias musculares indiscipli- dissimo descreve, com cores alegres, as suas recor-
nadas. | dações infantis.
No individuo ha energias latentes, forças in E esses mesmos, quantos prodígios literários,
teriores desconhecidas. Paixões são energias desor- de certo, para conseguir impressionar a si mesmos,
denadas. tecendo rendilhados de fantasia em torno de tris-
Devem ser coordenadas como os movimentos tes recordações?
musculares. O desespero da criança acorda no homem.
E os homens maus são crianças grandes a
Os indiferentes? são os desiludidos para os quem é preciso a gente ensinar muitas cousas, com
quaes a filosofia do laisser aller é uma esperança quem é necessário exgotar muitas taças de paciên-
e um conforto. cia...
Para as crianças anormaes — casas de edu-
Não ha homens perversos: ha individuos sen cação.
Siveis, apaixonados, que julgam encontrar satisfa- Para os adultos doentes — colónias de traba-
ção na vingança. Desordens interiores... lho e de distrações.
Falharam na vida talvez porque os seus im- Não é de todo inútil sonhar ou fazer pensar
pulsos não fossem impelidos a um fim premedita- num mundo melhor.
142 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 143

Depois, tudo que tem passado pela mente do


Porque não vamos diretamente á causa em vez
homem tem sido realizado.
df ficarmos com paliativos e procurando efeitos?
E, si havemos de idealizar meio ideal — le-
E' por isso que um sopro rebelde agita as al-
vantemos logo o ideal inteiro, alto, escalando o céu-
mas grandes e videntes.
A injustiça que nos envolve é sinal evidente
de justiça — atributo do futuro. Que os intelectuaes do mundo inteiro se arre-
gimentem para a grande harmonia de um sonho
O oceano de lagrimas, derramado através dos
séculos pela humanidade sofredora, é que ha de precursor em busca do bem estar coletivo.
redimir essa mesma humanidade. "Que os mortos enterrem os seus mortos",
E' preciso que o trabalhador exija essa resti- que a massa ignara gaste forças em conduzir cadá-
tuição si o capitalismo não quer compreender o im- veres e lhes preste cerimonias como si a carne fos-
pulso da nova corrente regeneradora. se a vida, mas, aos que pensam, cumpre distinguir
Quando somos ameaçados de algum perigo melhor.
celetivo, que é que devemos fazer primeiro? — Ir Na atual sociedade as terras, os mares, as mi-
á causa, diretamente, sem pensar nas minudencias, nas, a esposa, os filhos, as massas trabalhadoras, —
salvar aquilo que mais falta faz ao todo, evitar tudo é propriedade legal.
tudo quanto possa prejudicar ao conjunto, por Só o ar e o sol é de todos porque seria im-
quanto nada seria empecilho á nossa ruína si fu- possível vender o ar medindo-o pela respiração de
gíssemos doidamente, salvando na aparência, a nos cada planta ou animal, e ninguém pôde reservar-
sa entidade. ^e ou conter toda a energia solar... sinão...
E que é a sociedade sem a cooperação indi- E ás vezes nem isso: nos cortiços não entra
vidual? nem uma nesga de sol ou um raio de luz...
A nova civilização tem como característica a Tudo deve ser de todos, e cada criatura é li-
U N I Ã O e o respeito á individualidade. Temos vre de se governar até aonde não prejudique o seu
que trabalhar por essa União si queremos velar por fimiíhante.
nós mesmos.
144 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 145

A criança não pertence aos pais e nem a nin-


Quando cada membro da sociedade não dis-
guém. Veio ao mundo por uma lei natural e ás ve
pender, capitães com a alimentação e educação dos
zes por um descuido... e tem direito á vida.
filhos, ninguém terá receio de familia numerosa c
A alimentação, os cuidados em que a devem
os tão pesados encargos e responsabilidades desapa-
envolver aqueles que mais a estimam — não são
recerão dando lugar ao trabalho grato de despen-
dispensados á criança e sim á coletividade.
der energias para as acumular duplamente.
Quanto mais força, saúde, vigor fisico e in-
A criança será então esperança e conforto,
teletual, quanto mais desenvolvidas e fortalecidas
uma doce alvorada. Tudo se engrinaldará para a
as suas faculdades morais, quanto mais respeitada
na sua liberdade — mais benefícios poderá derra- £.ua espera e não será como hoje que a chegada de
mar no meio em que nasceu. um lindo bebé é muitas vezes saudada com um tur-
bilhão de lagrimas quando não com blasfémias.
Os costumes de hoje nos obrigam, muitas ve
zes, á indiferença. Ninguém tem o direito de mal- E quando os jovens tiveram noções de euge-
tratar uma criança e quando qualquer individuo nia e responsabilidades morais e amor aos similhan-
se julgar com o direito de intervir numa cena bru- tes, não teremos filhos cegos de sifilis e cobertos
tal, entre a mãe e o filho, entre o homem e a crian- de chagas.
ça, a favor do mais fraco — teremos caminhado
para algo de melhor. Ninguém se propõe a trazer a felicidade á
E' preciso que se arranque dos braços de pais, terra: c por demais complexa e abrange outro lar-
que o não merecem, o impotente filho sofredor e go ponto de vista. Mas, podemos afirmar que a
infeliz. luta económica — a causa de todas as desgraças —
Quantas vezes, com repugnância e dor d'al- desaparecerá quando a grande minoria idealista e
ma, assistimos á espancamentos de crianças, sem perseverante se convencer de que a miséria c falta
poder intervir. E quantas vezes a mãe vae reagir de higine fisica e moral e "pecado fisiológico" co-
e também apanha porque o mais forte e o mais íetivo,
poderoso é o homem.
»
146 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER E UMA DEGENERADA 147

CONCLUSÕES lada sexo e a sociologia nas bases do reerguimento


do carater e da equidade, concluir de tudo isso
1 — Não é caridade e nem é justo darmos que cada criatura tem direito á vida e ao amor, e
caridosamente aquilo que nos sobra e que acumu- cada ente humano tem o dever de contribuir para
lámos, ás vezes, ou quasi sempre, á custa do tra- o bem estar social, — isso é pensar, é ter discerni-
balho e da miséria alheia. mento*.
Exijamos a restituição. E não é fácil á mulher, até aqui conservada
2 — Quem sonha com a fraternidade uni- na ignorância e na esterilidade do raciocínio, con-
versal deve desenvolver, em si, largo ecletismo e vencida de que é livre quando não passa de joguete
coragem enérgica e protestar contra o direito do dc conveniências na mão dos espertalhões — com
forte sobre o fraco, afim de abreviar a solução do ares de humildade e subserviência...
problema económico e suprimir a miséria do pão e 3 — A caridade não só humilha como é anti-
do vicio da face da terra. progressista. Caridosos, não; solidários, sim; egoís-
mo coletivo. A desgraça de A ou B me deve ferir:
Aprender a pensar — eis a grande questão.
somos todos irmãos; dentro de qualquer individuo
Analisar os problemas sociaes, "a frequência
existe latente essa mesma faúlha que ilumina a mi-
dos crimes e dos suicídios", esse "barómetro da de-
nha conciencia, a força cósmica, a energia univer-
generecencia nervosa da sociedade", observar de sal. Partindo desse largo principio a vida se nos
perto e cientificamente, os estragos produzidos pelo desdobra numa imensidade deslumbradora e o
álcool, pelas endemias, pela ignorância dos precei- amor cresce dentro do nosso peito...
tos higiénicos e moraes; analisar os destroços da
O mundo é de todos, igualmente.
miséria e da dor física e moral; estudar as questões
dc antropologia nas quaes salta aos olhos a impo- 4 — Educar a mulher, tirando-a da supersti-
tência do ideal de fraternidade enquanto estiver ção, da religiosidade, dos preconceitos, da ignorân-
dc pé o preconceito das raças; emfim, — estudar cia, para que seja elemento de progresso e não for-
o homem c a mulher nos característicos especiaes de ça dispersiva e prejudicial ao espirito de união.
148 MARIA LACERDA DE MOURA

5 — Extinção dos vícios.


6 — Educar racionalmente as crianças.
7 — Transformar radicalmente o ambiente
escolar.
8 — Abolição das cadeias e enxovias. As pri-
sões fazem criminosos. A cadeia humilha. A l i ex- LIBERDADE! I G U A L D A D E !
plodem degenerecencias. Para as crianças — so- FRATERNIDADE!
mente casas de educação e nunca a chibata, a pri- ORDEM E PROGRESSO!
são, o trabalho forçado ou o tribunal.
8 — Descanço para os velhos e inválidos. A desigualdade social!
10 — O trabalho para todos. Nas casas confortáveis o inverno chega a ser
11 — Proibição do trabalho de menores nas quasi uma benção.
fabricas e oficinas. Motivo de prazeres intensos — é a época das
1 2 — Assistência ás mães. compras, do luxo, das viagens, dos divertimentos
A miséria não diminue com a criação de um elegantes, de sensações novas.
patronato ou de uma creche. Uma iniciativa dessas O inverno para os pobres!...
é como a gota d'agua no oceano imenso da misé- E' a miséria na sua mais alta expressão de dor,
ria. é o tiritar das carnes insatisfeitas, é o protesto or-
A solução não é a creche e sim o combate sis- gânico na miséria fisiológica, é o depauperamento,
temático ás causas da miséria fisica c moral, da é morte dos que já não resistem, é o exgotamento
dor humana, evitável na maioria dos casos. de todas as provisões, de todas as esperanças, de
Protestar contra a exploração dos fortes, dos todas as energias, é, ás vezes, o acordar da fera
ricos, dos poderosos. rdormecida...
Auto educação da elite e educação das mas- As crianças!
sas para sentir e fazer sentir a necessidade da rea- E' angustioso o imaginarmos a magua de tan-
lização interior, para fins mais altos. tas mais por aí além, abrigadas apenas, nem sei
150 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 151

como, o filhinho ao colo, quasi nú, roxinho de frio,


pôde chegar a cidadão livre sinão na fórmula, na
o- pésinhos enregelados, lábios trémulos, choroso,
letra morta.
sem mesmo perceber de onde vem a dôr...
Direitos?
*" E essas mais esquálidas, miseráveis, o sangue Mentira.
paupérrimo, as faces envelhecidas precocemente, o Deveres apenas.
olhar perdido na inconciencia, os seios pendidos na
O seu direito é o trabalho estafante, a tarefa
pobreza de uma seiva já extinta de degenerecencia
de toda a vida, é o morrer debaixo do andaime,
— essas mais parecem estatuas vivas da indife-
sob as patas dos cavalos, soterrado nas minas, de-
rença... *
pauperado nas fabricas, arrebentado numa explo-
E outras, as ricas conservam a rijeza dos seios são, apertado entre as celas de uma cadeia, manie-
para ostentar o busto erecto aos olhares sensuaes
tando no pensamento, privado do raciocínio.
nos salões da fina flor social!... *•
E dizem que isso é a igualdade social...
E a isso se dá o nome de humanidade...
* * *
* ** Os representantes desse povo veraneiam nas
cidades elegantes, dão festas e festas para come-
O povo tem os seus representantes, dizem.
morar a entrada triunfal do inverno que solapa lá
O povo paga essa representação com o seu
fora muitas vidas — enfraquecendo o organismo
trabalho de Titan, dia e noite, inverno e verão, de
inocente das crianças, matando de dôr as mais, tor-
geração em geração, sempre escravo através dos
nando àecos os corações.
séculos de opressão e despotismo.
Os ricos também se corrompem, degeneram-se.
Essas gerações se extinguem, se degeneram,
Viciam-sc por "sport" — sem nem siquer se
corrompem-se porque a vida é insuportável, os so-
lembrar de que seus pobres filhinhos devolver-lhes-
irimentos inexcediveis, a luta gigantesca.
ão em taras os prémios dessas orgias provocadas
De pais a filhos se transmite a dôr de ser mi-
pela ociosidade do corpo e que corróe a alma.
serável — fórma-se a casta e o filho do pária não
152 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 153

E os nossos códigos rezam a palavra Frater- .1 crescer no odio de vós mesmas, no odio aos seus
nidade. I I mãos.
E' como diz Buchner: Foram as arvores iluminadas do Natal, os
"O excesso de pobreza e o excesso de rique- brinquedos, os "bonbons", os divertimentos dos fi-
za, excesso de força e o excesso de impotência, o lhos dos ricos que os iniciaram na senda do crime,
excesso de felicidade e o excesso de miséria, o ex- da brutalidade, da selvajaria para com as mulheres
cesso de supérfluo e o excesso de privações, uma e as crianças.
ciência fabulosa e uma ignorância fabulosa, o tra- Foi a falta de pão para o corpo, a carência
nalho mais penoso e o gôso sem esforço, todos os da verdadeira escola para a mente que abafou lá
géneros de beleza e de explendor e a mais profunda dentro do seu ser o "eu" divino e fez irromper o
degradação de existência e de ser — são esses tra- grito feroz da "besta" que reside em cada cria-
ços que caracterizam a sociedade atual que, pela tura.
grandeza de seus contrastes, excede ás piores épo- * #

cas de opressão politica e de escravidão". A escola de hoje não é para os pobres.


Oh! mais poderosas, o som da minha voz não Os agasalhos são apenas para os ricos.
chegará até os vossos ouvidos. Os doces, as frutas não chegam para os po-
Mas, amanhã, algumas dessas crianças que derosos.
tiritam de frio hoje, crianças lindas, ingénuas ain- Os cavalinhos de páo e as maquinazinhas, to-
da, como os vossos filhos, talvez, — transformar- dos os brinquedos são expostos nos mostradores
se-ão em almas sem entranhas. aos olhares cubiçosos das crianças famintas, atra-
E fostes vós mesmas, foi a vossa indiferença vés de um vidro que tem a seguinte significação:
criminosa ou a caridade humilhante, sportiva, do — "Passae adiante, isso não é para vós".
vosso mundanismo, foi a exposição que fizestes dos O pobre nasce miserável e acaba no hospital
vossos filhos nutridos c agasalhados que os levou ou na prisão. O seu divertimento é o trabalho e o
despedaçar dos membros nas polias das maquinas.
154 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 155

Isso é para as crianças ricas, aquelas cujos (íío do Belo, no êxtase para a perfeição — tudo é
pais herdaram ou ganharam á custa do esforço do proibido àqueles que não têm dinheiro.
povo, dos vossos pais talvez.
Para eles — o cinema, escola de vicio e latro-
Eles, os outros, têm ouro e o ouro é o meca- cínio c sensualismo, o álcool, o jogo — aquilo que
nismo de toda essa sociedade. degrada, que adormece a parte divina do homem,
Esse ouro, se foi adquirido ilicitamente, não Que o degenera nas suas fibras mais sensíveis.
cogito disso. Essa é a Liberdade que se lhes concede... de-
Sei apenas que o ouro tudo compra. pois, a cadeia, o hospital, os manicomios, os asi-
Vós não o tendes. los de inválidos, as escolas de anormaes, os lupa-
Passae — ide ao trabalho. Diverti-vos como nares.
puderdes, enquanto esperais aquilo que não vem Misérrima ordem social!
nunca..."
E as meninas? Quantas, por aí, numa promis-
E' isso o que dizem os mostradores de "bon- cuidade revoltante pelas vielas e brejaes — na boca
bons" e de brinquedos aos desherdados da vida. a gargalhada dos impuros, aptas para as mais bai-
E a revolta vae crescendo em cada célula des- xas torpezas, incapazes de corar um dia: não tive-
ses organismos, em cada fibra dessas almas de pá- ram tempo de conhecer o que fosse a inocência, a
rias da humanidade. candura. Nasceram e viram desde logo o lodo das
E a criança rebela-se no homem. impurezas humanas.
Não estranheis que, mais tarde, eles protestem Crianças vivendo os mais encantadores sonhos
na fúria das barricadas, lançando o fogo do seu da imaginação infantil, a mais formosa etapa da
desespero contra os cofres fortes da vossa reação. vida na pratica de atos poucos dignos.
Si se fizerem selvagens, a culpa é da sociedade Essa é a "Ordem e Progresso" dos nossos
que os isolou, como se fossem pestosos. tempos...
A arte, o teatro, as exposições, a musica, as
viagens, os livros, tudo que eleva na contempla-
156 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 157

E bracejando pelo portentoso litoral, atraves- in, Belisário Pena e outros escancararam as portas
sando e enroscando-se pelas matas virgens, disten- drstr "imenso hospital".
dendo-se vertiginosamente, paradoxalmente com a Euclides da Cunha descrevera em estilo de
civilização, as moléstias endémicas, estrangulando fogo a vida dos nossos sertanejos.
o país na sua vitalidade. Ninguém mais afirma concienciosamentc que
De que nos serve tanta riqueza? i pobreza e a doença é contingência natural, fa-
Si patriotismo é cantar hinos e promover pa- talismo.
radas, fundar ligas burocráticas, exaltar as belezas Não precisamos recorrer ás descrições mara-
naturaes desta terra estonteadora onde gorgolejam vilhosas de Zola e Gorki para nos certificarmos de
as cascatas de Paulo Afonso numa deslumbrante que os pobres não habitam casas e sim corredores
apoteose, si c mostrar a paleta gotejante, e rútila c mansardas sem luz nem ar, húmidos, sem exgo-
de estrelas deste céu opulento, si é descrever as mu- los, cheirando a podridões, rescendendo a torpezas.
nificencias das matas virgens ou margear expres- — Preguiça, álcool, — disseram-me muitas
sões candentes dc assombro ante o Amazonas sum-
vezes.
ptuoso ou escalar, num surto, as cordilheiras verdes
Concordo.
das nossas esmeraldas pagãs, então, senhores, so-
* Mas, que fez a União, o Estado, o Município,
mos bem patriotas.
o capital, os poderes competentes para desviar o
Mas, de que nos vale tudo isso? garoto da mendicidade, da taverna, da vadiação,
O álcool, a sífilis, a moléstia de Chagas, o do analfabetismo, das moléstias evitáveis? Que fez
impaludismo, as verminóses apertam num circulo para incrementar as escolas profissionaes, as ofici-
de ferro toda esta população exangue, enquanto nas, as pequenas industrias? <.
os poetas cantam, cantam, estourando como cigar- Que fez para impulsionar as culturas?
ras... E' fácil responder.
Ninguém quer ver. i Aumentou impostos, tirou, por sorte, para a
Carlos Chagas, Oswaldo Cruz, Miguel Perei- caserna, muitos braços da lavoura, reuniu os con-
II'..- - ^ = ^ ~ '" 1

158 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 159

gressistas de todo o ano, deu privilégios a magna- ( I lentimentalismo tolo da mulher precisa des-
tas, auxiliou a grandes industriaes, andou aos sal- PptlTirr dando lugar ao sentimento racional para
tos por A L T A S Q U E S T Õ E S da bolsa e do café rt icnovação do mundo inteiro.
com potencias extrangeiras e multiplicou leis. £ Depois, não faltam patriotas desses que gri-
O indiferentismo criminoso ou antes o egoís- i.uii Innos e ufanias a este Brasil excepcional, des-
mo pessoal por toda parte: nas rodas intelectuaes, nc* que revoam patriotismo de belas e retumbantes
entre os parvenus da politica, nas reuniões ultra ele- palavras mas que se deixam ficar consigo ou nos
gante.-. lugares dc diversões, incapazes de ação, de um sur-
Existe o ancilostomo duodenal mas também to digno em prol das causas verdadeiramente na-
existe, de certo, outro verme que corróe os nossos cionaes, ou melhor, internacionaes.
sentimentos e embota a conciencia nacional. E* tal- Quonto a esses poetas de segunda ordem, de-
vez um ameba iconoclasta de ideias e do carater... veríamos legislar como o divino Platão: "Coroai-os
* Enquanto o tracôma cega, a lepra, o barbei- dc rosas e expulsai-os em seguida".
ro, a sífilis, o álcool, a tuberculose degeneram, ma- A arte de hoje deve inspirar-se nas virtudes
tam, enlouquecem, — a mulher chie nos thé tango anónimas, na gente simples, elevando-se á altura da
e five-ó-clock-tea, fala francês, comparece com Lu- sua bondade desconhecida e ingénua.
lús da Pomerania ás exposições de cães, vae ás re- Voltar-se para as crianças que não têm direito
cepções das embaixadas onde conversa caridades á infância, para a mulher do campo cuja missão é
problemáticas e exibicionistas c acompanha os che- procriar apenas, envelhecendo precocemente, para
fes da Nação á abertura de exposições... de ca- esses moços degenerados pela hereditaridade do ál-
nários!... £ cool e da sífilis, para esses velhos cuja vida foi pe-
Enquanto o álcool deprime e a mortalidade sadelo em vez de sonho em busca do Ideal.
infantil assombra, nós, os civilizados, nos retraí- A arte, a literatura, a sociedade, o teatro, o ci-
mos dentro de um egoísmo sórdido, exibimos um nematógrafo, o professor — todos, tudo é fator
espirito religioso que não temos, caridade mundana educativo, tudo deve servir ao mais sério dos pro-
pretenciosa e quasi inútil. blemas: SANEAR!
160 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER E UMA DFCENFRADA 16]

A imprensa mercenária! O interesse — o motivo de quaisquer esforços.


Nunca imaginou Gutcemberg que ella fosse Que vergonha para nós o sucesso e a derro-
capaz de se prestar ás mais torpes ambições! cada das famosas companhias de auxílios mútuos!
E' mais fácil matar o necátor americanus — Só isso define a cobiça que se apossou de tan-
intoxicador do sangue, que aniquilar o valor do ou- ta» almas argentarias.
ro — envenenador de almas. Em matéria de explorações — dormimos as
Guerra sem tréguas á ancilostomíase, ao bar- llOlias mais belas faculdades, os melhores sentimen-

beiro, ao tracôma, ao álcool, mas, guerras sem tré- tos.


guas aos vendilhões do homem, da ideia, aos para- Razões tem o proletariado de reivindicar bem
sitas sociaes cuja vida desde o berço, é circunscrita alto os seus justos direitos.
a ambições. Os quadros com relação ás habitações coleti-
Ninguém visa senão o próprio eu e os pais v.i., á exploração pelos proprietários, provam ca-
ensinam aos filhos a sordidez e o desinteresse por balmente com a opinião de Bercarelli: "as ruas, o
tudo que é belo, justo e grandioso. pó, o trabalho, a alimentação, etc. — todos têm
A audácia para galgar o infinito num surto |Ua parte de responsabilidade, mas a casa, é o fa-
de arrebatamento e amor á causa comum, — me- tor determinante da tuberculose". A exploração pelo
rece o apodo dos que se locupletam á custa da misé- comercio e pelo salário completa o painel.
ria alheia. Quantos inconcientemente concorrem para a
tuberculose das classes produtoras?
E se um moço tenta voar mais alto num so-
nho á vida, numa deificação ao grande Ideal, en- O cinematógrafo desvendou-nos a lastima, a
contra, no caminho que ele estendeu de flores, por penúria dos habitantes ao longo do S. Francisco e
sobre as pétalas redoientes da imaginação tropical afluentes.
— a farpa que lhe sangra o coração rubro como Cada fibra de brasileiro deve soluçar ante tan-
uma alvorada de fogo. to devastação em meio de tais deslumbramentos.
As aspirações superiores — proscritas. Abençoado clima...
162 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 163

Sol maravilhoso...
Esplendida luz!... A mulher elegante soube que em Paris fundou-
No entanto, máu grado tanta civilização, ape- nr o obra das caminhas brancas e fez festas benefi-
sar dos sucessos da ciência e das especulações psi- i entes aderindo a associações extrangeiras. o

cológicas — não parece estarmos muito longe da ^ E as nossas crianças, cheias de verminose, de-
idade média em questões de higiene. generadas pelo barbeiro e pelo álcool, não conhe-
Bem perto, sim, nos conservamos de certos i em caminhas brancas, nem hospitais infantis, nem
vultos lendários — luminares e mártires e santos, Colónias de férias, nem o leite materno porque os
de eminentes reis e lindas cortezãs... Itiofl das mães pobres secam de miséria e dôr. *
Não é preciso respigar os mestres para dizer Outras mães, cobertas de pérolas, vão ao Mu-
que a nossa conciencia, os atos, o carater, a ener- nicipal exibir toilettes e ouvir bôa musica.
gia, o temperamento, a inteligência, tudo depende Os dirigentes mandam calar aqueles que apon-
ou está submetido ao nosso organismo, mormente tam a verdade com relação á escroqueric oficial.
ao estado do sistema nervoso. E os fazedores de anjos anunciam-se diaria-
Nós o experimentamos. mente nas colunas dos jornaes!
Não é preciso estudar ciências para saber que Civilização de preconceitos, de avidez, de cor-
qualquer orgam doente afeta a vida dos nervos e rupção! - :
células.
E só agora é que alguém viu que: "De todas
Daí toda serie de perturbações, mau humor, as energias que se tem descoberto e aproveitado nos
indiferença mórbida, indolência do corpo e do ca- últimos anos, a eletricidade, os raios X , a telegra-
rater.
fia sem fios, o radio, o magnetismo, a telepatia,
Com relação á criança, que se tem feito no etc, nenhuma possúe interesse, nenhum incidiu mais
Brasil? Pouquíssimo — inciativa particular. eficazmente no conforto, no bem da humanidade
Tudo dorme: velam a politica e o capitalismo. que a energia feminina.
A MULHER É UMA DEGENERADA 165
164 MARIA LACERDA DE MOURA

tutelada ao ambiente social, amarrada na sua ta-


E' a descoberta de que nos devemos orgulhar
lio através dos séculos de gineceus e de haréns?...
mais..." e de que nos devemos envergonhar mais...
Rsa é a Uberdade! Igualdade! Fraternidade!
Ha cousas que se não descobrem sinão quando Essa é a "Ordem e Progresso" da nossa^civi-
nos obstinamos em não ve-las.
lr/ação_de Wbaro^insaciaveis^
Não sentimos a atmosfera que nos envolve
num ciclone formidável de forças restauradoras.
Extasiadas, contemplativas, esperamos o si-
moun em meio do deserto de ignorância, da indife-
rença.
X A mulher é tres vezes escrava: escrava pela
subserviência, pela domesticidade, pela submissão ao
homem mais autoritário e superior. Z
Escrava do salário, do jugo do trabolho do-
mestico obrigatório para o sexo feminino, protegida
pelas leis e pelo homem que lhe exige trabalho in-
compatível com as suas forças e lhe paga menos e
compra ou vende-lhe o corpo dentro e fora do ca-
samento, tudo legalizado... Escrava, tutelada men-
tal, sujeita aos diretorcs espirituaes através da des-
educação milenar cujo objetivo é evitar-lhe o racio-
cínio, o livre exame, o desenvolvimento da menta-
lidade.
Que pode pensar da vida e da evolução social
a criatura escravizada á força e aos preconceitos,
A FRATERNIDADE PELA ARTE
E PELA M U L H E R

"Onde está o cantinho azul para o qual se volta-


rão os espíritos escalando o céo que esconde o futuro
aos nossos olhos hesitantes? Onde está o raio de sol
que fará derreter as neves do odio e deitará nos cora-
ções o calor vivificante da paz e do amor? N ã o é
essa desorientação da conciencia publica e essa an-
gustiosa hostilidade que caracterizam a nossa geração?
.Essa perturbação dos cérebros, esse desvario do pen-
samento, essa fraqueza das vontades produzem-se em
todas as épocas de transição, quando a humanidade
se encontra nos confins de um mundo que se vae e
de outro que nasce: é como a hora matutina em que
a madrugada começa a desenhar vagamente, sobre
um fundo sombrio, os objetos mal alumiados."

(S. F A U R E — " A Dôr U n i v e r s a l . " )

Somos C num
Fim de energias fossilizadas ao
I T I passar das correntes
.Mi istam-se reacionarias
loiças novas.
168 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 160
baixas, a atmosfera pejada dos desmoronamentos e
o fuzilar seco dos coriscos, estalando as superfícies A prudência quantas vezes serve de capa á co-
e ameaçando ruir até os alicerces. vardia?...
Duas formidáveis correntes se entrechocam e Eis porque a civilização atual tem duas faces:
se desafiam rudemente: o passado não cede, facil- uma voltada para os escombros da sociedade ago-
mente, o lugar ao porvir. nizante: outra em êxtase ante a beleza aurorai do
Forças igualmente grandes, igualmente pode- sol nascente.
rosas se arregimentam e se armam na defesa dos
seus princípios e vêm bater-se na arena social. LITERATURA BURGUESA

Estamos em frente de dous exércitos majes-


tosos. Eis porque a literatura se subdividiu como
tudo: ha uma literatura e uma arte burguesa e a li-
U m tem, forçosamente, de ceder tudo ao ou-
teratura e a arte rebelde, renovadora, tumultuaria
tro, em uma transmutação de valores moraes. São
incompatíveis o dogma e o pensamento livre, o prin- e grande.
cipio de autoridade e o principio de liberdade, o A Literatura burguesa é instrumento reacio-
preconceito e o bem estar individual. nario, adaptável, politico, capitalista, defende os
E' a encruzilhada. princípios autoritários e a "ordem social" constituí-
E' preciso decidir friamente e optar por um da sob bases injustas, ou, é indiferente ao bem es-
ou por outro dos dous exércitos combatentes. tar social e faz parte da "instituição do elogio mu-
tuo".
O meio termo, a adaptação, a indiferença, o
comodismo, não constituem neutralidade: são ves- Em suas mãos está a imprensa mercenária.
tígios do passado, incorporaram-se ao exercito da Vendem-se, compram-se uns aos outros.
retaguarda, são forças reacionarias, armas com que Atacam hoje o que defendem amanhã, escre-
as idéas fossilizadas pretendem enganar os hastea- vem a prestações e a soldos, desafiam-se na con-
dores de nobres idéas. currencia da vaidade, recebem-se oficialmente, cer-
ceam o caminho dos novos, fecham as portas do jor-
A MUI HER É UMA DEGENERADA 171
170 MARIA LACERDA DE MOURA
I i literatura oficial e oficiosa pôde ter for-
nalismo á verdade, encerram-se num circulo de fer- n i , i. i n não tem carater, falta-lhe a sinceridade, a
ro, e, ali, ninguém mais penetra. Mordem-se mas H t n y . i . i das convicções.
elogiam-se mutuamente num cerco indispensável ao
B, si algum desses artistas escreveu uma obra
seu êxito efémero de uma geração.
Iflttida, uma perfeita obra de arte, foi num mo-
São os jornalistas em cujas mãos está essa cri- mttlto feliz de liberdade, no qual se não lembrou
tica de elogios ou de ataques sem piedade, ou a ta- I I que podia fazer descer o seu talento aos panta-
tica do silencio, o mais formidável dos ataques. E' n.irs da adulação para adquirir proventos ou vito-
essa a literatura oficial de todos os povos. Essa a
rias oficiais.
que aparece, vem á tona no efémero dos aplausos
Mas, quando o artista se adapta, se ajoelha
das massas contemporâneas.
«ni patriotadas de gabinete ou se curva em arrancos
São esses artistas os subalternos dos governos
leligiosos ante o altar sectarista de qualquer seita
e se visitam levando credenciais e bajulação aos
e credo politico ou não, sem a coragem das con-
donos da terra c pregam nacionalismo e patriotis-
vicções que é a pedra de toque do carater, — trans-
mo de fachada, vendendo a sua palavra fácil, porém
forma-se no mais vil dos lacaios e seria enxotado
sem convicção.
da arena artística si os potentados dele não neces-
Essa literatura não pôde ser levada a sério. sitassem para a defesa dos princípios da autorida-
Isso não é arte. A arte é vida, é movimento, é reno- de, das instituições constituídas em favor dos for-
vação. E ser conservador é sufocar vibrações inti- tes e contra os fracos. Não é isso a
mas, transmutações vitaes, matar a sede interior de
Infinito aberta dentro de cada alma iluminada. O LITERATURA REBELDE
artista é criador. Criar é viver, é transformar-se.
Ser conservador é querer respirar com os ca- Na poesia, na musica, no romance, no ensaio
dáveres insepultos das idéas mortas por si mesmas dc critica social, na educação, na pintura, na escul-
através da evolução. Seria corromper, deteriorar os tura — ha burgueses e rebeldes.
vivos em contacto com podridões inevitáveis...
172 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 171

Os quadros históricos revelam o pintor. No m i fundo atalhos para deixar livres encruzilhadas
silencio das telas falam almas antigas ou sopros re- •tu, vindouros...
volucionários. O rebelde faz a "Arte Nova", a "Arte Reve-
No mármore ha um grito rebelde ou um aceno ladora" c grande, a "Arte criadora", a "Arte fe-
resignado. liz"
Ha castidades, purezas absolutas ou obcenida- Não essa pseudo-arte que diz nomes feios á
des nas telas ou nos mármores, na musica ou na HU i/a dc verdade, mas, a Arte fecunda, a Arte que
dança. Estoicismo não quer dizer adaptação. diviniza o sonho dos homens, os caminheiros nas es-
Ha estoicismo nas obras de arte como ha re- ii.alas da perfeição indefinida, num anseio doce de
signações passivas e gritos de revolta nos braços BOVOS e mais amplos horizontes.
pendentes das estatuas ou no colorido magico das O rebelde é Giordano Bruno depois de So-
telas célebres.
i rates.
O rebelde se revela em todas as suas cria- E' a verdade crucificada, exilada, queimada
ções.
nas fogueiras.
Pode ser estóico, porém, inadaptavel... E' Hipatia esquartejada, é toda a ronda dos
A literatura rebelde é criadora, tem um'alma martírios desde Cristo até Ferrer e Tiradentes, cru-
sensível e leal, é forte como a verdade, delicada co- < 11 içados no próprio Ideal de justiça, de Paz, de
mo a sensitiva e soluça o grito lancinante da dôr
Sabedoria e Amor.
universal.
O rebelde é Vitor Hugo fustigando em "O
O verdadeiro revolucionário não se vende, não Homem que r i " , vergastando em o "93", em os
se mutila para vencer, não se presta a papeis depri- "Miseráveis", cantando os seus poemas de dôr na
mentes, cria dentro de si mesmo a sombra do Ideal agonia das angustias humanas, fotografando e
e renova, a cada instante, os votos de fé no alvore- «liando um arrojo titânico de demolições para a
cer de outros sonhos, e caminha desassombrada- subida ciclópica das reconstruções a golpes de au-
mente pela floresta densa dos preconceitos sociaes, dácia...
174 MARIA LACERDA DÊ MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 175

O rebelde é Zola destruindo e refazendo com «oncientemente, para o advento de civilização


a alma de joelhos ante os sofrimentos e armado na Biaior.
realidade indiscutivel das misérias humanas con- Rebelde é o criador e o demolidor c constru-
tra a ferocidade dos próprios homens. tor, o pedreiro livre que edifica com a argamassa
O rebelde é Tolstoi compondo os seus Evan- «onsistente da fé c do entusiasmo, para um futuro
gelhos. E' Elisée Réclus, o grande Réclus, o santo, remotíssimo, sotcrrando-se debaixo das civilizações
o filosofo, o sábio. carcomidas, mas, gritando, a plenos pulmões, o seu
E' Dostoiewski, é Kropotkine, é Turguenéw, sonho de beleza, o seu anseio de perfeição e equi-
é Gorki, é Zamenhof contra a torre de Babel, é dade.
Istrati, é Pedro Gori, são todos os exilados das E assim, o artista vae desbravando caminhos
idéas correntes, são todos os heróes e mártires do e levando a esperança na romaria das suas telas ou
ideal renovador. na procissão dos seus mármores. Constróe nas flâ-
Rebelde é Faure, é Jean Grave, é Hamon, é mulas dos seus gritos rebeldes ou na iluminura da
Malatesta, é S. Faure demolindo e reconstruindo sua arte criadora ou nas criticas rubras contra o re-
todo o edifício da Pedagogia; é Ingenieros, são os gimen da opressão e da concurrencia cm que a má-
representantes das minorias concientes, as vozes vi- xima milenar foi substituída pelas expressões barba-
brantes dos corifeus da humanidade idealista. ras do meu e teu na ânsia de ouro e de gosos, de
Rebelde é o filho do povo que, num arremesso ociosidade e fartura para uns e miséria e trabalho
cicíopico, busca sentir os surtos dos grandes das obrigatório para outros, e, a exploração do homem
idéas e vae comungar com as suas almas na hora pelo homem na mais vil, na mais deshumana das
de repouso do corpo gasto, dilacerado. escravidões: a do salariato. Assim,
Rebelde é o homem do povo que dá cotovela-
E' PRECISO DEMOLIR PARA RECONSTRUIR
das na sociedade burguesa conservando a delicade-
za da sua alma sensível á dôr humana e se prepara,
E' ainda ao Artista, ao pensador, ao homem
de letras, aos emancipados, ás elites de todas as cias-
176 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 177

ses sociaes que vamos buscar para esse despertar de as bocas, carinho para todas as crianças, conforto
auroras. para todas as mais, agasalho para todos os velhos,
E' com a verdade imortal, a verdade crucifi- instrução para cada alma sequiosa de luz e de be-
cada em todos os séculos — através da ciência co- lezas inatingiveis.
mo através da fé, imolada no altar de todos os Mo- Essa é a obra de evolução social, revolução
loc, com a verdade rediviva que iluminaremos as nas mentalidades para a tomada dessa bastilha inex-
estradas a percorrer na vereda do porvir. pugnável...
Cada vez que os sacerdotes da verdade incor- A politica de partidos é sinonimo de farça,
ruptível morrem nas fogueiras, na cruz ou nas mas- astúcia, de ambição pessoal, de hipocrisia, de pre-
morras, nas bastilhas seculares da prepotência, a conceitos.
verdade despe uma túnica de pureza para cingir A Verdade é pura, não tem uma nódoa, des-
outra mais nivea e ser crucificada, sob outro pre- conhece os subterfúgios, assume responsabilidades,
texto, até que a humanidade evolucione em cada não foge aos compromissos e deveres.
civilização mais uma etapa e procure redimir-se, por A politica é o oposto.
si mesma, para a escalada transcendente da equidade Sobe com os que estão de cima, abandona os
para todos os seres e da beleza para as conciencias que se não conseguem firmar no "coche social",
adormecidas. tem desígnios inconfessáveis, forja pelos corredo-
E' a repetição para o acordar da letargia e do res, aspira a conchavos pouco recomendáveis, bate-
cinismo revoltante os domesticados, lacaios da pre- se pelo interesse de um homem em detrimento da
potência e verdugos dos oprimidos. coletividade. muda de nomes, troca de donos, as-
Eis porque a elite idealista e o proletariado sume caracteres de faces opostas, nega hoje o que
rebelde, conciente da sua escravidão disfarçada — afirmou hontem, faz gestos de comediante, diz fra-
são inimigos da Politica de partidos. Essa politica ses, representa a farça humana, veste-se de vestal,
é a antitese da verdade. chora piscando um dos olhos, faz, rindo, a trage-
Desejaríamos a transformação radical da so- dia e, soluçando a farça, cultiva o exercito dos bo-
ciedade vigente no sentido de haver pão para todas bos do rei.,.
A MULHER É UMA DEGENERADA 179
178 MARIA LACERDA DE MOURA
lon.iiiu- e o do porvir se encontram, face a face,
A verdade não se adapta a esses processos vul-
num inicio de luta tremenda e única porque uns
gares, não se imbeciliza, não se fossiliza, prefere
IteiM dentro dos olhos dos outros.
ser crucificada na cruz do seu calvário a ser rece-
Quantas vezes calamos para não ser indiscre-
bida e entronizada nos banquetes oficiais ou nos
palácios das embaixadas. to., mas, através das mascaras, assistimos á repre-
sentação das farças...
E o povo, cansado dc mudar de donos e pa-
E o proletariado se vae erguendo.
trões, farto de ser protegido e ludibriado, descobriu
E as elites se vão arregimentando.
a farça e detesta os comediantes dessa bacanal des-
E' o principio de um Grande Fim...
frutavel. E o proletariado se arregimenta e canta a
Mas, falta-nos a escola da rebeldia para o
Internacional, de pé, solenemente, desafiando o
bando dos salteadores da solidariedade humana. povo.
A Escola oficial, a Universidade é tradicio-
E vibra os seus clarins e transpõe muralhas
nalista, antiga, reacionaria, é a escola do passado,
criando mentalidades empolgantes na geração nova
com os seus erros, absorvente, cheia de velharias
dos trabalhadores concientes.
poeirentas, incapaz de um sonho inédito, incapaz
Ao longe, divisamos a flama sagrada, de mão
de um protesto conciente, incapaz de um surto re-
em mão, num turbilhão de anseios precursores, so-
novador.
nhando a Canaan da lenda...
O nosso estudante ainda tem arremettidas fu-
E as massas proletárias rebeldes separam a vul-
riosas de patriotadas, curva-se muito, repete luga-
garidade da originalidade.
res comuns, quer a mesma sensação de subir pelos
Ninguém mais nasce de olhos fechados...
mesmos processos, não vae ao encontro da solução
Os proletários descobriram os conformados e
por si mesmo, procura o trabalho já ruminado. Pre-
os acarearam com os revolucionários. Não se dei-
fere decorar e repetir a encontrar pelo esforço pró-
xam mais enganar facilmente. Eis porque atraves-
prio porque os tangos, os Jazz-Band infernaes, os
samos um periodo anormalissimo de transformação
cabarets, o foot-ball, as conquistas baratas, o sonho
social.
monetário e a concorrência o assaltam nos bancos
B os dous exércitos — o do passado desmo-
180 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER E UMA DEGENERADA

escolares e arroteiam a sua imaginação mórbida de gir novas e vibrantes vozes de combatentes para en-
fim de geração de uma civilização que tem por base toar o hino augusto de redenção social.
o ouro e por consequência a avariose... Também dentro da escola tem sido ultrajada
Chegámos ao auge e a selvajaria é tal que já a verdade.
se não ouve uma voz vibrante de académico senão E mudanças de governos, de formas estataes
para falar em defesa dos "sagrados princípios do nao solucionam o problema da felicidade humana,
direito e da justiça" palrante, bochechuda de liber- dentro, já se vê, das contingências da vida terrena.
dade, fraternidade, igualdade, em nome de palavras A escola é a força.
retumbantes, de emblemas gastos e rotos e vilipen- As revoluçeõs. degeneram em selvajarias si não
diados pelos próceres da mesma justiça e da mesma ha ideal, si as almas nao têm disciplina interior, si_
"ordem social" a qual se couraceia de indiferença as conciencias não estão á altura dos grandes so-
e_ comodismo. nhos renovadores.
O académico invulgar, emancipado, eloquente, E enquanto a percentagem de analfabetos fôr
idealista — é desviado, surrateiramente, posto de a que conhecemos em todos os países, e enquanto
lado, escorraçado mesmo, acuado para a possível a instrução permanecer o que é e acessível apenas
domesticidade em favor da reação. a uma parte da humanidade, enquanto o proletaria-
do não cuidar das suas escolas, da sua cultura, num
As vozes concientes morrem dentro das gar- surto titânico contra a exploração do homem pelo
gantas. E' o reinado da mediocridade. homem, — inútil pensar na equidade social por-
quanto haverá sempre uma facção mais esperta a
A ESCOLA MODERNA qual tomará as rédeas dos governos e os lugares
privilegiados, em detrimento de outros sonhos mais
A escola racional, idealista, guarda avançada altos. E' preciso, pois, a mentalidade individual, a
dos princípios ecuménicos de todos os séculos — k noção de responsabilidade.
revolucionaria, é apostolado, é daí que hão de sur- O nosso anseio vae bem mais longe. A edu-
182 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 183

cação é uma das mais extraordinárias energias con-


Si icnce ne peut pas donner et qu'elíe n'a d'ailleurs
ducentes ás grandes transformações sociaes, ou me-
lhor: é a mais poderosa força revolucionaria. jamais eu la prétention de donner".
Somos contrários ao triunfo da sociologia pu-
ramente cientifica, contrários á sociologia biolo-
" A HIGIENE SOCIAL É U M A OBRA DE CIÊNCIA
gia, — vitoria da força, do atletismo, da "aristocra-
E UMA OBRA DE MORAL"
cia procreadora", do super-homem o mais musculo-
so, fonte de guerras perpetuas, multiplicação da es-
Pensamos com Grasset: (Idées paramédicales
pécie e diminuição do espirito... e, "une société hu-
et médicosociales) "L'Hygiene sociale est une ceuvre
maine ne peut donc vivre, une sociologie féconde nc
de Science et une ceuvre de Morale". La Science ne
peut être fondée que si on complete et si on corrige
connait, n'étudie et ne démontre que Ia Vrai. Elie
les lois scientifiques de la biologie et de 1'hygiene
ignors le Bien. Elie n'est certes pas immorale; mais
par des lois morales du dévouement mutuei et du
elle est amorale. L'Hygiene sociale ne peut exister
sacrifice reciproque".
qu'avec la notion et Pidée du dévoir, que la Science
ignore et que la Morale seule peut denner. Si la Assim, o nosso programa se baseia na Ciên-
biologie, c'est-â-dire, la Science, gouvernait seule cia e na Ética, na Filosofia e no Amor.
la vie sociale, ce serait partout la guerre, la lutte
pour la vie; ce serait le triomphe de ce que Tarde A mulher deve transformar-se na criatura con-
appelíe "un vague pessimisme aristocratique et bru- ciente, na pitoniza do AMOR — para a larga con-
tal", ce serait le regne du plus fort, qui est une "sur- cepção da Maternidade clarividente, em busca da
vivance "et nous ramenerait ã l'âge des cavernes. regeneração humana, da renascença das almas.
A educação a que nos submetem, "deseduca-
Pour réaliser le véritable ideal du progrês so-
ção" melhor diriamos, não faz mulheres sensíveis á
cial, i l faut toujours revenir au grand précepte:
maternidade espiritual; essa educação, depois dc
"aimez-vous et aidez-vouz les uns les autres!". Or,
tantos séculos de sacrifícios, deu em resultado .1
c'est là un précepte obligatoire de Morale que la
"melindrosa".
A MULHER É UMA DEGENERADA
184 MARIA LACERDA DE MOURA
mens medrosos, nervosos, (efeminados, não!), de
Eu não chamo "melindrosa" ou "almofadi- formas arredondadas, incapazes de pensar, sibaritas
nha" os individuos que se vestem dessa ou daquela e precocemente envelhecidos de certo, constituindo
maneira, que se pintam ou que usam arrebiques: um "caso" á parte na evolução da espécie.
a moda exerce o seu circulo de ação num campo
Mulheres com o desenvolvimento fisico sus-
muito mais amplo; toda gente se submete ao seu
penso, de formas indecisas, com os mesmos caracte-
império: velhos e moços, estadistas e cientistas, ho-
rísticos patológicos do almofadinha, de cérebro em-
mens e mulheres.
botado por um cepticismo inconcientc, descrentes
Ha uma beleza, uma distinção no modo de de tudo e correndo por toda parte para ir ao en-
vestir e todos têm disso intuição. E' que a luta contro de uma cousa que não existe, sonhando uma
económica é mais forte que o desejo de parecer volúpia impossível, de olheiras gastas em insónias
bem, sentindo-sc bem. e pesadelos, voando para as diversões e saindo de-
Fazer desse motivo de elegância e distinção o las insatisfeitas, infelizes, sem idéas, sem pensamen-
fator unico_da vida é que é futilidade. Amar aos to, sem saber o que é dôr nem prazer e afectando
trapos é despresivel, denota pobreza de espirito. tudo sentir, deitando "pose" de intelectuaes e des-
Submeter-se cegamente aos rigores da moda ou cui- presando as outras mulheres, histéricas, híbridas, o
dar exclusivamente de si, numa preocupação absor- "caso" igual ao almofadinha.
vente, c fatuidade im perdoa vrj^ (y^c^^ /cJ São frutos temporões e desaparecerão certa-
(7 ' ~ mente.
A MELINDROSA E O ALMOFADINHA E' um dos tipos carateristicos das civilizações
decadentes.
A melindrosa ou o almofadinha são aqueles Por isso, pergunta-se: será a melindrosa o tipo
cujas degenerecencias mentaes, cujas taras e histe- perfeito da mulher perfeita, pura na distinção das
rismo acentuado, oriundos dos vicios ancestraes e suas virtudes de dedicação, pura na essência do
da educação ou melhor deseducação, constituem a Amor imortal, espiritual?
teratologia fisio-psicologica dos nossos dias: ho-
186 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 187
Ninguém me responderá afirmativamente.
nar a ver com o raciocínio, ensinar a pensar, a jul-
E são as mulheres sem ideal, e não aquelas
gar, educar o sentimento pela razão.
que lutam pela sua emancipação mental, as coureu-
ses de diversões de todo género, as que jogam nas ^. A educação das moças latinas, painel decora-
roletas, as que fumam e se exaltam nas mesas de tivo, trabalhos de aplicação, de pintura, trabalhos
jogo, as que se suicidam e as que produzem suici- manuaes, a própria musica, o estudo das línguas,
dios, as que entregam os filhos a quaisquer pessoas tudo isso que as moças aprendem não é o suficiente
para se verem livres, as que desgastam a sua digni- para que se dê o nome de educação. *-
dade e levam os maridos a quedas de carater, ás ruí- Não ha duvida que serve para épater les bour-
nas dos mais nobres sentimentos. geois, mas nada disso é Arte, nada disso é ensinar
Ha velhos almofadinhas como ha grandes da- a pensar, nada disso é capaz de formar uma alma
mas melindrosas: ambos carecem de senso, de ener- sensível de mulher si se cuidar da técnica somente,
gia, de fibra, do carater que muitas vezes brilha em ensino mnemotenico, superficial, rotineiro.
organizações de moços ou da gente do povo. E é á própria Arte que a educação moderna,
Assim, é preciso clamar contra o meíindrosis- racional, cientifica vae pedir auxilio.
mo e o meio é o ridículo e o protesto enérgico, mos- Através mesmo dos cursos de línguas, conhe-
trando á mulher a sua imortal beleza escondida nos cendo a literatura dos povos civilizados e as lendas
recessos das almas sensíveis. poéticas e sugestivas; através da declamação — pe-
Agora, em que consiste essa educação? netrando a alma dos bardos do idealismo; através
Será em continuar tudo aquilo que a escola de festas de Artes — percorrendo as estradas de
da atualidade ensina? Tal como o fez? dôr e de beleza por aonde passaram os pintores, os
escultores, os músicos e a euritmia sagrada da dan-
Seria deixar as cousas como dantes. Pot isso,
ça clássica de todas as épocas e de todos os povos,
apelamos para novos processos e temos por escopo
estudando as atitudes e as "poses" da estatuária, —
abrir os olhos para fazer sonhar acordadas e ensi-
podemos fazer compreender que, a mulher, mesmo
a da sociedade culta, embora pareça viver dentro das
188 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER Ú UMA DEGENERADA 180

preocupações da Arte, não sentiu a sua missão re- Essa educação é impossível dentro do caos,
generadora e isso a que chamamos Arte não é se- das ambições, da concorrência, da brutalidade da
não profanação do sentimento da Arte e é por isso civilização burguesa, da rotina oficial.
que a Humanidade custa tanto a marcar um passo Evolução? — E' lenta demais e cerceada por
na escalada evolutiva e retrocede e pára e vae e essa mesma civilização de contrabandistas do ideal.
volta nessa marcha ascendente. Revolução? — E quaes serão os ARJUNA,
Sonhamos com o despertar da mulher no sen- os P A N D A V A S que disputarão aos KURAVAS
tido de envolve-la na corrente da Harmonia Uni- o reinado do bem e da justiça sobre a terra?
versal e faze-la viver o cântico dos DEVAS, habi- Os homens são mais ou menos os mesmos.
tantes do mundo interior das criaturas concientes...
Os que censuram os desmandos dos detento-
Nada mais profundo do que o pensamento de res do poder seriam ditadores cruéis ou se deixa-
EMERSON: "o homem é um rei que abdica quan- riam levar pelos ambiciosos, seus sequazes...
do reina no mundo".
Só uma raça heróica de P A N D A V A S crescen-
E ela, ao acordar para essa reintegração no do dentro dos bons...
Cosmos, entraria na posse de si mesma. E voltamos ao desenvolvimento individual, á
E' o despertar para o encanto doloroso de ge- necessidade de tocar no intimo de cada criatura.
rar, para fecundar a Musa dos inspirados da "Arte E a interrogação formidável vem á tona da
Nova", da Arte revolucionaria e grande. nossa conciencia...
E a educação feminina se deve basear na Arte A revolução? Os nossos dias "melindrosos" e
inspiradora para que a mulher seja, concientemen- sensuaes ainda não são dignos delia.
te, o canal por aonde deve jorrar a linfa bendita
da Beleza. Solidariedade e não caridade.
Mas, volta-nos a interrogação formidável: A caridade sufoca, engana, mata a iniciativa,
como? faz resignados: é o remorso da injustiça social.
Os meios de ação nos parecem improfiquos. E, como as criaturas humanas são todas ir-
A M1MIIER É UMA DEGENERADA 191
190 MARIA LACERDA DE MOURA
«, IOIIII) du harmonia só pôde nascer o Amor, as-
mãs, viajoras nas mesmas estradas da vida, interpe- MIIH Mimo n odio só pôde gerar o odio, — nós, do
netradas das mesmas faúlhas do Kosmos, — somos «MM li.i« o, estendemos as mãos ao homem e não
internacionalistas porque o coração feminino deve
i|in MIMOS outra cousa sinão acordo, concessões mU-
estar em toda parte onde a dôr se acastela e por-
lll IM
que a moral ou o direito natural (não a moral de
I Vsrjamos apenas ser companheiras no ascen-
cada povo ou a moral arbitraria) lança as suas raí-
do formidável, queremos um lugar ao seu lado e
zes para um futuro no qual o interesse das coletivi-
IMO o papel deprimente de bibelots, de animaesi-
dades estará acima do interesse das Nações e o Di-
reito Humano acima do Direito das Pátrias. IIIIMÍ. domésticos ou simplesmente — instrumento
para a continuação da espécie.
E a moral futura assentará as suas bases por
Somos alguma cousa mais do que carne, do
sobre o terreno da PAZ, do trabalho fecundo e
que forma transitória.
alegre.
Reivindicamos o direito de pensar pelo pró-
E como o pensamento é a realidade mais po- prio cérebro, o direito de aceitar ou não as idéas
derosa da vida, é o ideal mais facilmente realizável,
daqueles que se arvoram em diretores espirituaes,
e o pensamento precede á ação e tudo quanto o ho-
que discutem a questão de ser á mulher indispensá-
mem sonha chega a se realizar no plano das for-
vel a tutela masculina, privilegio e prazer do sexo
mas, — queremos com o ideal, com o pensamento
forte...
vigoroso.
Abrir os ouvidos da mulher para ouvir e de-
O nosso trabalho principal é preparar o am- fender-se, os olhos para ver, a palavra para ter
biente e lançar a semente que o sol de outras gera- coragem das suas convicções, — esse é o nosso alvo.
ções e o orvalho de outros sentimentos farão germi-
. ti estou certa de que os meus leitores pensam "
nar um dia.
com aquele pensador: se é preciso o trabalho e a
E considerando que o mundo é do homem
preocupação de trancar a minha esposa, ela não
e da mulher, e toda felicidade adquirida por uma
vale a chave com que a seguro.
metade do género humano é partilhada pela outra,
192 MARIA LACERDA DE MOURA

E enquanto a mulher se sentir deprimida com


• A MULHER E UMA DEGENERADA

das musicas de dança da atuaíidade, não é na con-


193

essa tutela não pôde desenvolver em si o sentimento fusão do Jazz-Band — reflexo do nosso estado de
da responsabilidade e não pôde pensar pela sua ra- desordem num periodo tumultouoso de decadência,
zão, raciocinar pelo seu entendimento. — que se encetam reformas educativas.
Não queremos masculinismo feminino: detes- E não é em recepções ou por meio de chás ele-
tamos as mulheres viragos como os homens melin- gantes que se tratam das questões sociaes, e sim no
drosos^ ' . ..: recolhimento do pensamento idealista, no gabinete
E' preciso acordar as forças latentes da mu- de trabalho, revendo os processos de ação e com-
lher, essas energias criptopsiquicas e desenvolver as binando meios de propaganda libertaria, não fo-
suas qualidades de caracter para a verdadeira virtu- lheando os poetas da carne mas os pensadores, os
de, conciente, virtude que se não baseará no habito cientistas e os verdadeiros artistas, é junto ás angus-
ou nos costumes ou nas prisões a sete chaves e sim tias da humanidade, é em contacto com a Natureza
no sentimento do pudor conciente, racional (si é e não nos boudoirs galantes ou nas penumbras dos
possível), na responsabilidade que o dever impõe, salões iluminados pelo luar dos abat-jours que se
que o conhecimento indica, que a clarividência sabe encetam reformas ou que a vida se desdobra aos
fazer prevalecer. nossos olhos num concerto de energias assombrosas.
Essa é a mulher que sonhamos, num futuro E essa critica á educação não é feita sob a im-
quiçá remoto. pressão do programa restrito de um Estado ou um
Essa a educação que pregamos, esse o nosso País: ela parte do sonho de todos os idealistas da
anhelo. sociedade nova.
A Humanidade se encaminha para fins mais Na França, como na índia, como no Uruguay,
altos. «orno na Argentina, na Rússia como na Espanha,
Será demais a mulher aspirar á ilustração cien- n.i Suécia, por toda parte cogitam-se de reformas
tifica, filosófica e ética? _ - -c ues e toda renovação que se não basear no pro-
Não é, de certo, entre os tangos e a fanfarra
194 MARIA LACKRDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 195

blema da educação solida — não se assenta sob só- Mito. d.i meditação. A mulher não foi habituada a
lidos alicerces. observar, a refletir, a meditar: educam-na paia ser
A N A T O L E FRANCE, no Congresso dos bi I ' . para agradar, para brilhar, para conquistar
Sindicatos de Professores, de TOURS, pontificou: «» homem.
"Sim, de certo, torna-se necessário não deixar sub- B, a essa mesma mulher, a quem não ensina-
sistir, por um instante sequer, a educação que tor- t.nu a pensar, de quem fizeram apenas uma bone-
nou possível, que favoreceu (sendo quasi a mesma uma inconciente e leviana borboleta ou instru-
entre todos os povos que se apregoavam civiliza- mento de trabalho e submissão, sempre escrava e
dos) a espantosa catástrofe sob a qual ainda nos sempre odalisca, a essa mulher entregam os desti-
achamos, por assim dizer soterrados". nos das gerações — dentro das escolas e dentro
E G U S T A V O LE B O N , um dos expoentes da maternidade.
máximos da literatura oficial, cientifica e burguesa E quem não foi habituada a refletir — como
da França, condena a educação latina e aponta os pôde dar o habito da reflexão?
nossos erros e os nossos defeitos, numa comparação
E as sociedades só poderão levantar-se do caos
admirável, fazendo realçar a superioridade do an-
do vicio e da degradação moral quando as mulhe-
glo-saxão — devida quasi exclusivamente ou exclu-
res de todas as nações estiverem á altura da sua
sivamente aos seus processos educativos.
missão regeneradora para estenderem as mãos num
E' a corrente de idéas novas que invade o mun- gesto de perdão e estimulo.
do num turbilhão de energias fecundas, demolido-
Para isso queremos eleva-las á perfeição das
ras e construtoras.
suas qualidades latentes.
Até aqui a escola de todos os povos tem repre-
sentado paliativo de uso externo: não penetra no E a perfeição vem de dentro para fóra.
âmago, fica na superfície, não sacode as forças in- E cada alma que se purifica é uma irradiação
teriores do individuo para o discernimento. a mais nos portaes da vida.
O discernimento vem da observação, da refle- A ação é produto da vida interior, do pensa-
196 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 197

mento, das qualidades de reflexão. A ação concien- I talhemos revelações nos incensários das bele-
te, salutar, virá depois. Ml que transcendem ás exigências da carne.
Para isso queremos educar a mulher, emanci- I 'ma partícula de Amor, uma nesga de ideal
pa-la do sectarismo mesquinho das limitações, alar- renovador e conciente que se desprende da Imagi-
gar as suas concepções acerca da vida e faze-la ver n i' «o cm busca de almas para a resurreição da pu-
os vastos horizontes da inteligência humana, num reza perdida na involtição millenar, — não se
sonho de redenção bem maior que as pequeninas . I<mtróe no vácuo: renasce em formas, em ritmos c
minudencias da vida banal. l i< no espaço infinito — abrindo vagas, alargando
E' dar-lhe idéa da sua missão regeneradora. outras concepções.
E' faze-la mais feliz, mais bela, bem maior na "Nada se perde"... '
sua pureza conciente e não feita de preconceitos, Elevar-se em pensamentos delicados e ativos
bem mais formosa na fortaleza da sua individua- no sentido de ser util, amar como nos períodos áu-
lidade. reos da lenda, amar com os Devas nas trancenden-
E' transformar a tragedia da existência num »ias do Amor quasi inacessível ao nosso entendimen-
cântico sagrado. to, amar o amor dos anjos é reviver o paraíso per-
Eis o tormento do nosso Ideal. dido, é empreender, dentro mesmo das contingen-
Caminhamos para essas realizações estupendas (ias da carne, a peregrinação sagrada cm bu«ca de
com a coragem e a f é dos apóstolos das idéas novas. outras soluções para realizar a transubstanciação do
Vivemos das nossas visões. Amor e viver na imersão das almas, cantando a
Elas perpassam em nós como relâmpagos que equidade para todos os seres.
se perdem nos parques sumptuosos das mais caras E' sentir a revolta sagrada contra as opres-
aspirações, por entre a singeleza lirica dos nossos sões c os meios dc ação de uma sociedade decaden-
castos sonhos de amor e por entre os desenganos dc te c barbara, e agir para o advento de civilização
cada instante... mais doce.
E' encontrar as oportunidades de exercer a
198 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 199

Maternidade espiritual e buscar os arautos do So- Uva vitoriosa para a reintegração nesse paraíso per
nho e da Liberdade e aponta-los á Humanidade nas ilido das lendas e dos sonhos nostálgicos...
suas obras de Arte e nas manifestações diversas da Esse é o ditirambo que os nossos corações quei-
inteligência e dos sentimentos. III.un na pira do Ideal, lançando ás chamas sagra-

Eis porque se me afigura que a FRATER- das, como os Druidas da Gália e da Bretanha, as
N I D A D E não é realizável sem o concurso da mu- prtalas perfumosas de visões proféticas, numa
lher e sem a sensibilidade do Artista. nu nsagem de Fé na PAZ futura, em caminho da
E' pela Arte, é pela intuição que a vida se nos I l.umonia, da Beleza, iluminando as constelações
revela. de almas que erram pelos calvários da terra...
E' pela Mulher que o Artista se tornará o ho-
mem perfeito descrito em IBSEN, em TOLSTOI, Ouçamos os toques de clarins...
em R E N A N , em tantos outros, o super-homem: Ha um rebento novo em cada idéa. Tudo se
sábio, filosofo, sonhador e grande. transforma.
"A solução do enigma do Universo não se Trata-se de uma luta de gigantes, luta de for-
aprende: vive-se". A Arte é o reflexo da vida imor- ças morais antagónicas.
tal, do Sonho da Mente Eterna... E foi a própria guerra, armada pelo capitalis-
Mas o Artista, cujas células todas vibram nu- mo e pela hegemonia dos imperialistas, que come
ma apoteose de vibrações, sente, como RAFAEL, çou a derrubar e derrubará todo o parasitismo dos
mais do que ninguém, a luta ciclópica da alma que- magnatas do poder e do dinheiro.
rendo subir ao Olimpo e da carne despenhando-se Aquela mocidade ardorosa que seguia para a
para o charco da perversidade e do vicio. guerra cantando os hinos das suas nações, condu-
Luta titânica do Prometeu acorrentado, cru- zindo as bandeiras das suas pátrias, — aquela mes-
cificado na matéria! E' preciso que cada RAFAEL ma falange de moços aprendeu nas trincheiras a
encontre, não a Fornarina inconciente, a Kundn Internacional — apertando as mãos dos camarada*
tentadora, lúbrica e sim a Beatriz das escaladas, a inimigos, e, voltou conciente, angustiada, tendo des-
200 MARIA LACERDA DE MOURA A MUI IITR É UMA DEGENERADA 201

coberto, corajosamente, o novo roteiro nos sonhos Soluça dentro das nossas almas o anseio au-
e nos cânticos amargurados dos rebeldes, num anhe- gliMo, o grito vibrante, o protesto conciente, o sur-
lo mais vasto á procura da verdadeira solução para to rrvrl, a majestade do nosso lindo anhélo dc equi-
o bem estar social. llodr para todos os seres da grande Patria do U n i -
Surgiu de todo esse caos a Internacional do | • i RO.

Pensamento, o Pan-Humanismo, a Proletcultura e


I
— mas veremos quando uma grande minoria se
convencer de que caminhamos para os arrebóes de
novas alvoradas.
O que hontem foi utopia é a realidade de hoje.
Que mais nos estará reservado quando os ho-
mens se capacitarem de que não foram feitos para
se estrangularem como animaes ferozes?
O homem volta a ser o troglodita nas trinchei-
ras de guerra — cavadas phela hegemonia dos na-
cionalismos — o instinto coletivo de conservação
da ordem social constituída.
Ha, em cada um de nós, a centelha da Beleza
Universal. Porque não acender dentro desse altar
interior o desejo intenso de perfeição para um Ideal
mais alevantado?
Ouçamos os toques de clarins dos nossos so-
nhos revolucionários.
Domesticados? — Nunca!
A I N Q U I S I Ç Ã O DO PENSAMENTO
" T e r - s e á pois chegado realmente á conclusão
de que a ciência e o cristianismo romano Se re-
conhecem mutuamente incompatíveis; que eles não
podem coexistir; que um deve ceder 0 lugar ao
outro; que a humanidade deve escolher um deles?"

(Conflitos da Ofenda com a ReHglfto —


J. DRAPER.)

" H a doloroso conflito entre o raciocínio e a


tendência sentimental. O meio de evitar esse con-
flito no futuro seria não desenvolver na criança, pela
educação, as partes da conciencia moral que nos pa-
recem hoje contrarias á -sã razão. N ã o devemos dissi-
mular a n ó s mesmos que velhos hábitos transformados
em nossos mais tirânicos sentimentos se nos foram,
sem duvida, por uma grande parte, transmitidos he-
reditariamente, nos são, por outro lado, inculcados
na meninice por nossos ancestraes; a tradição se
une á hereditariedade de tal maneira que não podemos
saber qual é, na génese dos sentimentos individuaes,
a parte provinda de um on de outro desses fatores."

(i.rs Influences ancestrales — F E L I X L E


DANTEC.)

A escola moderna tende, cada vez maw, a fa-


zer respeitar a individualidade do educando.
A criança precoce exige, de nós, explicações
acerca do Universo, da vida, e não aceita, de modo
204 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER È UMA DEGENERADA 205

algum, as fantasias que aos nossos pais ensinaram A CÁTEDRA


os ancestracs. R os contos de fadas vão sendo substi-
tuídos pelo realismo. Si ouvirmos numa escola, mesmo leiga, o dis-
Por que continuarmos o preconceito, apontan- curso de um positivista e si formos sugestionáveis,
do á criança realista de hoje o inferno, o purgato saímos quasi convencidos de que só as teor as de
rio, o céu, todo o cortejo dos anjos, a corte celes- (,'omte solucionam todas as questões sociaes: o pro-
tial da mitologia católica? blema é essencialmente religioso e só a Religião da
Por que tirar o valor do dever, do bem pelo Humanidade é capaz de coloca-lo no seu justo va-
amor do bem, acenado com recompensas futuras? lor.
O aqui mesmo, a ação, devem ser o objetivo Entremos agora na escola católica ou façamos
de todas as especulações escolares. Nada de voar por ouvir em qualquer parte o discurso de um pa-
au de lã de la vie as aspirações infantis. E' um dre ou de um católico ã ou trance.
crime. As religiões têm a preocupação de pregar a
A chave de todos os problemas sociais está
renuncia e acordam tristezas e nostalgias..
dentro da Igreja Romana.
E' uma blasfémia arrancar a criança da sua
Só ela se acha em condições de promover a
despreocupação.
realização da felicidade coletiva.
Engana-la, não. Mostrar o que a vida é, tal
qual, mas pregar o altruísmo ou o egoísmo superior, Depois, — um protestante: a verdade, está na
como queiram, pregar o amor, a fraternidade, apon- Bibíia e só os reformadores acharam a solução. Mais
tar as belezas do Universo e faze-la sonhar a m a ninguém. E assim sucessivamente.
arte, a ciência, a poesia. Com a revelação ou sem ela é sempre a mesma
Acordar em su'aíma toda a escah cromática cousa.
do prazer de viver a vida intensa, util, beía de Mas, não é só nos discursos que os represen-
ideaes. tantes das religiões se arrogam em propagandistas
Nunca prega-la, passivamente, numa cr iz pa- da sua fé: — é também dentro das salas de aulas,
ra redimir, problematicamente, a humanidade... embora a nossa Constituição reze, mentirosamente,
206 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 207

que a Igreja está separada do Estado (1). E a E' o ambiente.


preocupação de taes sacerdotes civis ou arregimen- O papel do educador deve resurr»?r-se no de
tados é angariar adeptos seja como fôr.
dirigente do aperfeiçoamento das faculdade.; mo-
A solução económica é tratada por alio, de rais, do desenvolvimento das faculdades intelectuais
modo obscuro, naturalmente.
— com o fito único do bem estar coletivo.
O que se prega ás massas é a humildade, a Desenvolver, aproveitar, substituir e não mo-
abnegação, o altruísmo, o desprezo aos bens mate- delar — eis a sua missão.
riais, ao conforto, resignação, desejo de bem servir
Não é assim que se procede na escola.
aos amos e patrões, respeito ás autoridades e ás
Em consequência, a desordem é infinita, a hi-
leis.
pocrisia uma força destruidora de todas as energias,
Nas escolas ensinam que o bem c reco npen-
o cepticismo o remédio que abre mais a chaga de-
sado e o mal castigado e quanta tolice ha para aque-
vastadora.
cer a imaginação da infância incauta.
A escola em vez de ser instrumento de pro-
Celebre educador definiu a educação um po- gresso transformou-se em oficina de homen.a sem
der de sugestão. Não devia ser, porém, é de fato. carater e mulheres que se degradam em futilidades.
Nas escolas primarias de religiosos todas as A religião católica, por exemplo, prega a gual-
crianças têm desejo de ser padres ou irmãs de ca dade, a fraternidade, e, os palácios dos arcebispos,
ridade e até sonham com martírios... dos núncios e dos cardeais ostentam sumptuosidades
Eu o desejei ardentemente!... Jurava, aos 9 e recebem governos e embaixadas.
anos, que ia seguir a minha vocação para irmã de A gente não espanta quando sáe da escola ca-
caridade!... E conheço alguns exemplos de moci- tólica e vê a teoria em desacordo com a pritica:
nhas, hoje irmãs e freiras, sem a minima tendência lá mesmo vae notando a hierarquia do dinheiro e
para a vida monástica. da posição social.
A sugestão porém produz o resultado deseja-
(1) Nota da 3.» edição: Isso foi eicrito muito antes da chamada
Republica N o v a . . . do: pouca gente é de fato católica hoje e o clero
208 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 209

sabe disso; entretanto, o que ele quer é vacinar o B( i-.tit iosos, promover a educação nova, não eivada
individuo. Nao sei quem afirmou: aquele que foi -Ir preconceitos e hipocrisias.
padre sempre o é. I i não nos revoltamos contra a inércia que, por
E o que foi católico romano não terá nunca «omodismo, passa á frente um conjurto de erros
mais outra religião: no fundo é sempre católico r (olices legadas pelos nossos tataravós des onhe-
romano; a tradição fez dele o homem do passado, < nlorcs de coisa melhor?
pronto a combater qualquer ideal renovador. A hereditariedade, o habito, o exemplo, a edu-
E a influencia ancestral manifesta o seu po- cação, não operam de uma vez, não cessam o seu
der despótico no domínio religioso. trabalho lento e implacável; não se extirpam de um
[ato os costumes e nem se os substituem de um
As SUPERSTIÇÕES golpe.
A educação cientifica, racional se impõe.
Rimo-nos das praticas dos selvagens e no en- Procurar saber o porquê das cousas, discutir,
tanto superstições as mais tolas são observadas rigo- duvidar, é carateristica do espirito critico da época.
rosamente por nós. Não as explicamos, não is no- Procurar anular a influencia jesuítica é dever
tamos. Passaram para o nosso inconciente e prati- da escola moderna.
camo-las insensivelmente. Não podemos mais admitir dogmas.
Os homens mais cépticos, os livres pensadores Além disso, na sociedade atual, cristi, existem
de verdade se submetem a costumes e observam tra- Torquemadas em estado latente: dêem forças ao
dições absurdas á voz da razão. E' preciso exami- clero e eles surgirão como cogumelos.
nar em nossa psicologia o que provem de lembran- Até as crianças já duvidam: não aceitam de
ças ancestraes, o que foi inoculado peía educação tão boa vontade explicações ligeiras ensinadas tam-
e o que ha no próprio individuo, e extirpar essas raí- bém a contra gosto.
zes, substituir por costumes racionais os hábitos su O povo vai compreendendo que entre ele e
210 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 211

Deus não ha necessidade do intermediário — o pa- E' o fundamento do bem estar social, é con-
dre. dição essencial para o egoismo coletivo.
Em todos os negócios o intermediário é o que
A EDUCAÇÃO MORAL
mais lucra.
E' a lei da concurrencia até no poder espiri- E a educação moral só se faz mediante a ex-
tual. periência, os fatos, e nunca por meio de regras de
O sentimento c a razão estão em conflito nesta conduta estudadas em catecismos.
época dc transformações e renascimentos. Pretender educar a criança pelos sentimentos
O respeito ás palavras, aos costumes é tirâni- apontando-lhe a perspectiva da vida fi-rura é ab-
co em nós. surdo igual ao ensino da moral pela memoria.
O terror supersticioso nos domina; temos re- A experiência e os exemplos são os unicoi mes-
ceio de arrostar com as tradições. E nos deixamos tres da vida.
ficar, repetindo ritos — magnetisados e com raiva E' pela experiência própria, é na escola social
de nós mesmos pela nossa fraqueza. Eis c estado de que a criança distingue a gradação entre o bem e o
espirito das gerações atuais. mal, a ideia do dever, o respeito a si mesmo, o res-
E, si um ou outro individuo, menos escravo, peito ao direito dos outros.
protesta contra o abuso, a maioria a ele se submete,
O horror á mentira, a confiança em si, a ini
reclamando em familia.
dativa, o pensamento de que vivemos para ser so-
E quantas vezes escrevem o protesto e praticam lidários com o próximo — tais são os preceitos a
o rito!
sé inculcar, pelo exemplo, nas individualidades in-
Nem a hombridade necessária para pregar e
fantis.
cumprir, para ver e se revoltar pela palavra e pela
As sugestões do meio influem mais con«. dera-
:
ação.
velmente.
A educação estética — a que chamamo* mo-
ral, é a base dc todo o edifício educativo. A imitação é característica da infância: a crian-
212 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER E UMA DEGENERADA 213

ça de quem se troça é ridicularizada p~r todas as veis a todas as nações, a todos os indivíduos, se de-
crianças que a rodeiam. Si uma criança é respeita-
finirmos a moral como sendo "o conjunto de leis
da, tratada com consideração especial — todas as
ás quais se devem submeter os indivíduos vivendo
outras lhe prestam homenagens.
em sociedade"; "é evidente que a melhor moral é
A educação moral é mais difícil proporcional- aquela que torna o individuo mais feliz o quanto
mente ao atrazo morai do meio. possível na sociedade mais prospera possível".
Os pais, a cada instante, reclamam a sua im-
Moral baseada na utilidade e na paz interior.
potência diante das crianças. E o ideal é sempre
Felix Le Dantec faz observar que confundi-
o colégio interno. Apelam para os mestres os quais
mos essa moral com a conciencia moral inata em
menos ainda podem fazer. E o colégio interno é
todos nós pela hereditariedade, "independente das
caserna, meio pouco edificante.
circunstancias que determinaram a sua aquisição".
Preferível é trazer os filhos fiscalizados e com
E chama a atenção para o raciocínio seguin-
aparência de inteira liberdade.
te: as condições da nossa vida estão inteiramente
A familia, o lar têm melhor influencia nos
mudadas; si se estabelecesse o principio ou novas
sentimentos.
bases de uma moral vantajosa, cheia de benefí-
E desde tenra idade a criança deve sonhar
cios para os indivíduos numa sociedade prospera
com o caminho a seguir em busca do amor que é
tanto quanto possível, chegaríamos á conclusão de
a solidariedade.
que essa moral estaria em desacordo, em muitos
Nos países católicos ou de maioria católica
pontos, com os ensinamentos da nossa conciencia
não se faz a distinção entre ensinamentos éticos e
moral hereditária.
preceitos religiosos-catolico-romanos.
E' preciso pois educar as novas gerações sob
A tradição não separa a Igreja do Estado nem
mais amplos princípios e convencer aos homens de
a moral da religião.
hoje de que vivem governados debaixo do jugo de
No entanto os preceitos morais a serem obser- prejuízos e absurdos. Assim, a escola moderna deve
vados nada têm que vêr com a fé: são indispensa-
214 MARIA ÍACFRDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 215

ser anti-sectarista de verdade e não apenas de no- derivam preceitos de conduta, regras de ética, in-
me. Laica, porém, sem o dogma do Estado. dependentes da religião.
E' a assistência moral ás gerações futuras. E'
o ideal do bem estar para todos.
A escola laica é produto da Revolução Fran-
As religiões são tradicionalistas, reacionarios
cesa — um dos motivos por que o jesuíta ensina
e cada vez mais, á proporção da perda de sua força.
(O Colégio de S. Fiel no Louriçal de Campo e o
Muita gente vive sem religião, porém todos
de Nossa Senhora da Conceição na Covilhã —
somos obrigados a respeitar os direitos dos outros.
França Amado) que "a Revolução Francesa foi
Na escola, os discursos e os mandamentos e um grande mal porque dela naceram todas as idéas
as regras de moral só servem para fatigar o espirito dc liberdade que desde então se tem espalhado
e fazer aborrecer o estudo.
por toda a Europa". (!)
Nada disso educa nem fortifica os sentimen- "La ensenanza confcsional, diz ilustre pen-
tos. sador, es própria dei clericalismo: la interconfesio-
Mostrar a vida em familia, as relações entre nal dc una aristocracia conservadora al modo dei
amigos, entre os membros da cidade, as vias de imperialismo inglês ó dei germânico: la laica, de
comunicação ligando os homens, estreitando os la- la democracia republicana".
ços do apoio mutuo — eis o papel da educação Para nós, a educação laica, porém, a revolta
moral. contra os novos dogmas protocolares governamen-
Todos temos deveres uns para com os outros. tacs, contra a hipocrisia religiosa.
Lá, bem longe, ha povos que precisam de nós Não se pôde transplantar o regimen educa-
como nós vivemos dependendo deles. tivo de um país para outro, só porque bons resul-
Por toda parte os homens se entendem por tados se fazem sentir no primeiro.
necessidade própria. E substituir o dogma religioso pelo dogma
Tudo isso constitue um conjunto de fatos que estatal — é seguir o mesmo rumo.
A escola cristã interconfessional da Inglater-
A MULHER É UMA DEGENERADA 217
216 MARIA LACERDA DE MOURA

de Gotama — o Buddha, reconstituir a moral de


ia, bastante liberal relativamente, só serve para os
Confúcio, conhecer Mahoma, Zoroastro, Luthero,
países protestantes, embora seja crista: o padre
Calvino, Kardec, Blavatsky, etc, estudar as cau-
católico não aceita governo ou direção espiritual
sas das lutas religiosas — é a educação clássico-fi-
dividida.
losofica necessária ao espirito de tolerância da in-
Ele a quer toda.
teligência amadurecida^
A escola defendida por Gladstone, o christian
Lamentamos em qualquer parte, em qualquer
gentlemen dc Thomas Arnold, a Univcrsity exten-
condição, a escola confessional ou o absolutismo
uou do artista Ruskin — trabalharam contra a "in-
católico o qual rege até os fins do século X I X ou
transigência sectarista" da Inglaterra, cuja escola
até hoje as republicas hispano-americanas.
nunca foi laica.
Que o diga José Rizei pelo seu "Noli me tan-
Mas, o povo inglês pôde ter escola intercon-
fcssional, liberalmente. ger e — "No país dos frades", que o digam tan-
tos outros mártires.
Na Alemanha ha concepção mais larga de to-
lerância: o culto católico c o protestante dispõem O clero, no Brasil, trabalha surdamente pela
dc elementos proporcionais. escola confessional.
Protestamos com toda a força dos nossos sen-
Alguém acha que a causa é o panteísmo idea-
timentos em nome da assistência que devemos aos
lista alemão ou o conceito dc Carlyle: — "todas
as religiões são símbolos". nossos filhos.

A escola interconfessional na Alemanha c um


O CATEQUISTA
fato porque c pensamento alemão: — "todas as
religiões encerram uma verdade, de outro modo os
Chego ao extremo de achar que o professor
homens não as haviam abraçado".
primário não deve ser catequista de religião algu-
Assim ainda se compreende o ensino religioso
na escola. ma mesmo fora da escola.

Estudar o ideal místico de Jesus — o Cristo,


218 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 219

E' que o habito se inocula facilmente: o pro- queria Jules Ferry no Parlamento Frances: "reli-
fessor, pelo fato mesmo de ser professor, tem já gião e ensino são duas cousas que é preciso res-
o todo de catequista, de moralista, fala de cáte- peitar sem as confundir".
dra, impõe. Facilmente se conhece um professor;
Mais ainda, si é possível, o racionalismo de
doutrina sempre.
Ferrer, extirpando de vez o preconceito, sem entre-
E si esse mesmo individuo se propõe a ensi-
tanto resvalar para o prosaismo da "filosofia do
nar religião, instintivamente a mistura ás lições es-
colares. desespero".
Idealismo, cogitações metafísicas e ação para
Eis aí a escola laica transformada em escola
a vida melhor, sem esperar recompensas futuras.
confessional. E' lógico. E a prova é a entroniza-
ção do Cristo nos Grupos Escolares, em Minas pe-
NEUTRALIDADE DA ESCOLA
lo menos, — campanha encetada pelos padres,
através dos professores primários.
" I I y a deux espèces de neutralité de 1'école,
Atrás do meigo Nazareno está a veste negra dizia o Ministro da Instrução Publica em França
do clero. A cruz de Cristo é o pretexto. discutindo a lei de 1882: i l y a Ia neutralité con-
O papel do professor é bem diverso. fessionelle et la neutralité philosophique. Et il ne
Não pode ter sectarismo nem politico nem s'agit dans cette loi que dc la neutralité confes-
religioso. sionelle".
O logar de professor, no futuro, ha de ser Sim, não são apenas as noções de leitura e
dado escrupulosamente aos mais belos caracteres, ás escrita, aprendidas mecanicamente, o objetivo da
almas mais brilhantemente emancipadas. escola.
Não é a neutralidade absoluta. Ninguém quer A criança precisa aprender a pensar e a jul-
privar o mestre de falar. Noções filosóficas e so- gar.
ciológicas precisam ser dadas na escola. A filosofia interpenetra a vida. O primeiro
E' a neutralidade em matéria religiosa como homem filosofou de certo e a criança filosofa tam-
220 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 221

bem. E, como ha dc o professor dirigir a alma i <"<, hão de ser pouco a pouco substituídos, porque
infantil para o bem estar coletivo e para a sua a vida se torna cada vez mais curta e o tempo é
própria felicidade sem apelar para os sentimentos, precioso e vôa.
sem filosofar? Hão de ser substituídos pela filosofia das re-
E, que é a moral sem filosofia? li)', iões, pela ciência da vida. E virá então a cadeira
A educação primaria deve ser racional, cien- r.vtetico-filosofica em todas as escolas.
tifica: nada de discussões religiosas ou politicas. O porquê da vida, o além ha de preocupar
Edgard Quinet, o apostolo do ensino leigo sempre os espiritos investigadores e a liberdade do
francês, não vê nisso dificuldade alguma. A edu- pensamento não pode ser extirpada na juventude.
cação moral é "toda de intuição", "é a cultura do A metafísica é uma necessidade do espirito hu-
senso moral por uma sorte de apelo simultâneo á mano. Metafísica como poema, nunca a revelação...
inteligência, ao coração, á imaginação c á vontade. E' preciso que as suas idéas voem por inter-
Tomando esse ponto de partida, a neutralidade con- médio dos sentidos — para mais tarde apreende-
siste simplesmente na separação dos dois dominios, rem o abstrato.
o da educação moral c o da educação religiosa". Ha tanta cousa bela para a infância amar!
Não sou partidária também das opiniões que As plantas, os pássaros, o sólo, e as estrellas,
querem basear o ensino didatico, basear as regras o mundo afetivo, a arte — tudo é motivo para am-
de moral num dogma filosófico, no "imperativo pliar a concepção do Universo no cérebro da
categórico" por exemplo. E substituem o catecismo
criança^
religioso por uma tradução popular da "Razão pra-
Não ha necessidade de apelar para a supersti-
tica" de Kant.
ção, para o mistério, para o poder sobrenatural.
E' sempre o dogma, é sempre o catecismo, a Depois, o altruísmo pôde existir sem a fé; tem
teoria.
existido.
E também os estudos das línguas mortas, con- A moral pôde ser profundamente religiosa e
denadas por tantos grandes pedagogos e educado-
A MULHER É UMA DEGENERADA 223
222 MARIA LACERDA DE MOURA

absolutamente independente da religião: a Beleza fino sob o qual se assenta: é a arma da Igreja
não obedece a dogmas, porém, ensina a rezar... Romana.
A coragem para enfrentar a morte não é pri- Quando se forma uma religião nova, ha per-
vilegio do individuo religioso de uma religião de- !.ii.i fraternidade entre os seus adeptos e tem acon-
terminada. te< ido mesmo viverem a principio, em comuna ou
< idade: é que se defendem contra o perigoso ini-
Essa coragem pode ser desenvolvida na es-
migo — a própria religião.
cola sem carater sectarista.
A educação verdadeira se impõe afim de fa-
Faz parte da estética.
zer desaparecer a intransigência e tornar a Terra
Os sentimentos superiores se desenvolvem uma imensa comuna, governada por uma única au-
mais pela imitação e pelo exemplo que pelos pre-
toridade — o Amor, dominada por uma só religião
ceitos.
sem dogma: a procura da Verdade.
A constituição do cérebro, modificada pela
E' preciso fazer sentir á criança que ela não
educação, com o correr dos tempos, segundo os
nasceu para pensar e agir somente em beneficio
extraordinários estudos de Gall, Spurzheim e seus
próprio e, como membro da grande sociedade, deve
discípulos ("L/excellence est dans la beauté de la
ser util a todos os seus irmãos.
forme"), ha de concorrer também para o aper-
A vantagem social sem prejuízo do individuo.
feiçoamento dos costumes, quem sabe? indepen-
Liberdade individual ao máximo.
dente das religiões. Estas procuram esmagar as ino-
Ha necessidade imprescindível da formidável
vações e são firmadas á custa de martírios infligi-
transformação de costumes de todo c mecanismo
dos aos seus pregadores revolucionários pelas re-
social da atualidade. Tudo se desmorona.
giões dominantes que se tornaram reacionarias.
A causa é que deve desaparecer.
 religião é sempre guarda avançada do re-
Não se corrige ou melhora a sociedade pro-
gimen vigente: o seu papel é o do protesto ou, em
curando apenas solucionar os effeitos.
ultimo caso, de adaptação quando vê perdido o ter-
Difícil encontrar um professor absolutamente
224 MARIA LACERDA DE MOURA 225
A MULHER É UMA DEGENERADA

imparcial, de carater independente e ideais amplos !o habito, sem saber mesmo a diferença ou a dis-
de tolerância. tancia entre o bem e o mal.
E, si entre os eruditos, os graves professores A ortopedia do cérebro, a ortofrenia do sen-
ha essa dificuldade — imaginemos em meio do
timento operar-se-á pela hereditariedade e pelo
nosso professorado primário!
meio.
E a neutralidade não existe: o professor faz A ação, a persuasão, a educação da vontade,
propaganda das suas idéas sempre que tem oca- o interesse, a imitação fazem nascer do próprio in-
sião.
dividuo um segundo individuo.
A nossa escola popular não pôde ser neutra A moral varia com as épocas. A humanidade
em matéria religiosa ou politica porque a educa- transforma-se constantemente.
ção é maquina do Estado, e o Estado dá as mãos Sendo a moral a teoria da conduta da vida,
á Igreja: são ambos proprietários e capitalistas... "a técnica da ação humana em sociedade" claro
Só um novo regimen social poderá solucionar está que os seus princípios hão de acompanhar a
a questão da neutralidade religiosa e politica na evolução social e, si "uma moral vale o que vale a
escola.
civilização da qual ela é um resumo", estamos con-
A pedagogia moderna se funda na concepção vencidos de que a moral atual caiu por si e a nos-
de que a ética não se baseia em autoridade ou con- sa civilização apela para outra moral.
sideração alguma fora da própria ética.
Vejamos: vivemos num regimen democrático
Fazer o bem pelo amor do bem e talvez mes- onde todos são iguaes como cidadãos da mesma
mo por egoismo próprio: eu sou pela igualdade Republica. E' isso verdade?
económica social porque a miséria do próximo me Igualdade, Fraternidade, Liberdade! Vivemos
causa dôr e a conciencia me inhibe de possuir um
de fato uma só dessas belíssimas concepções?
objeto de luxo porque em torno de mim ha crian-
A constituição mente dizendo que temos o di-
ças famintas.
reito de pensar livremente: provam-no as prisões e
O exemplo fará que a infância ame o bem pe- deportações de operários brasileiros.
226 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 22'

Os direitos são iguaes para todos? longe —- a necessidade do catolicismo roma-


ni.ii'.
A mulher é a rainha do lar? Ito para a mulher e as filhas.
Mentira, tudo mentira. E o que devemos en- Jil Igam-nos inferiores mentalmente, incapazes
sinar ou pregar na escola é a verdade, o preceito dl nos governarmos espiritualmente, de espirito
que convém a toda gente e não possa prejudicar a
fraco. E falam de um freio!...
uma só pessoa.
A educação hoje não pôde basear-se cm prin-
Diz tudo o exemplo. A imitação se encarrega i ipios dogmasticos, na fé, na lenda.
do resto.
Urge arrancar a alma feminina do confessio-
nário, sem o que nada se fará de proveitoso para
A base de toda reforma educativa é tirar a a sociedade.
mulher do domínio católico romano. O espirito é livre.
Por que regalias de escolas oficiais aos colégios Aos 12, aos 18 aos 20 anos o rapaz e a moça
de frades e freiras e irmãs de caridade, escolas es- têm o direito de exigir do professor o respeito á
tadoaes religiosas num país onde mentirosamente sua razão em procura da verdade.
se afirma que a Igreja é separada do Estado? Impor idéas a uma criança é tão absurdo co-
Enquanto durar esse prejuízo hereditário, o mo batisar as crianças recem-nascidas.
que convencionámos chamar, entre nós, educação
Depois, que é que se aprende em colégios ca-
feminina é acima de tudo — escola de hipocrisia.
tólicos?
Ainda mais: banido da escola o padre, resta
Dantes, as línguas antigas e principalmente
ainda o lar onde se aninha, se insinua, dominando
o latim nas escolas de rapazes, educação clássica
a familia por intermédio da mulher e da criança,
tendente a cair.
estabelecendo a discórdia e ás vezes a corrupção.
Nos colégios femininos — línguas c a religião
E' que livres pensadores e mesmo ateos, con-
< .itolica romana.
trários inteiramente á religião católica romana de-
A historia e tudo quanto ali se estuda c ba-
cretam a necessidade de uma religião e outros vão
< ulo na religião, c, nem a própria religião cato-
228 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 229

lica é de fato ensinada ou aprendida: o método é dofl antigos inquisidores, com poucas modificações
fazer decorar... pi elasticidade para adaptação...
O raciocínio não pode ir muito longe, é con- O código pedagógico jesuítico, Ratio studio-
tra a regra da Ordem jesuítica, cujo escopo é con- mni, (' farto em preceitos de inquisição do pensa-
servar a inteligência envolta em espesso véo de ma- mento.
rasmo e ignorância, "E' preciso ter cautela com o desejo de saber",
O ensino cientifico não deve ser divulgado diz o padre Jouvency.
porque a igreja anatematiza a ciência. O Retrato do perfeito estudante (João Bap-
Para que se possa governar as massas é neces- tista de Schultaus, depois membro da Ordem) pu-
sário conserva-las na mediocridade intelectual. blicado no século X V I (1599), estudado por Com-
O geral da Ordem, padre Beck, escreveu nu- payré, encerra todo o grande sonho da Companhia.
ma carta ao Ministro dos cultos do Império aus- E' a ultima palavra.
tríaco (1854): "os ginásios (liceus) permanecerão E' a obediência de cadáver a ponto de nao
o que são por natureza, uma ginastica do espirito considerar pecado matar o pai para servir a Deus,
que consiste muito menos na assimilação de mate- fazendo viver a máxima — os fins justificam os
riais reais, na aquisição de conhecimentos diversos meios.
do que numa cultura cie pura forma. O código permanece inalterável apenas com
"Os jesuítas parece terem encontrado o ponto a propriedade de elasticidade para os casos neces-
até aonde se pódc levar a cultura intelectual sem sários: aí está o segredo da inoculação nas classes
se chegar á emancipação intelectual", diz ilustre dirigentes.
pensador. Apezar das condenações do ensino laico pela
A educação na mão dos jesuítas é instrumen- igreja, nas palavras de Pio I X , de Leão X I I I , co-
to de propaganda religiosa c vantagem politica. mo sendo de "consequências funestas", "contrario
Eles, ainda hoje, toleram e animam a espionagem c á fé, aos bons costumes e ao bem social", "sistema
a delação. Seus processos de ensino são os mesmos mentiroso" a ponto da Igreja "preibir de frequen-
A MULHER É UMA DEGENERADA 231
230 MARIA LACERDA DE MOURA

fttitios de viver com suas mais e pensem em entrar


tar a escola neutra por causa dos perigos que a fé
e a virtude das crianças aí encontram", "em todo IH un convento.
o caso" "a Igreja tolera a frequência na escola 2." — Os filhos das viuvas serão tratados
neutra quando ha motivos sérios de o fazer", sob Com intimidade pelos nossos Fale-se das viagens
condições. (Buisson-Neutraíité scolaire). QUe os jesuítas fazem em diferentes países, dos seus
tratos com os príncipes e de tudo que possa cati-
E' a tal elasticidade assombrosa!
var os jovens.
Para o povo, o regulamento é também sem-
pre o mesmo e cifra-se no seguinte: "nenhum dos 4.° — Far-se-á todo o possível para que os
empregados nos serviços domésticos da Sociedade professores dos jovens sejam da Companhia, com
deverá saber ler e escrever, os que o souberem não o fim de vigial-os sempre, aconselhando-os. Porém,
devem aprender mais nada". si não fôr possível seduzil-os, procure-se prival-os
de alguma cousa, fazendo que suas mais lhes mani-
A "MONITA SECRETA"
festem os apuros e rigores da sua casa, para que se
cansem de tal género de vida e, finalmente, si não
A "Monita Screta" ou Instruções reservadas conseguirmos que, de suas livres vontades, entrem
da Companhia de Jesus, assim reza no capitulo 8.°, para a Companhia, trabalhe-se para envial-os a ou-
intitulado: Meios empregados para que os filhos tros colégios dos nossos ,como para estudarem,
de viuvas ricas abracem o estado de religioso ou de procurando impedir que suas mães lhes dêem mui-
devoção: to carinho, continuando por nossa parte a atraí-los
por meios suaves". E no cap. 13.°, intitulado: "Es-
"1.° — Para conseguir nosso propósito, de-
colha dos jovens que devem ser admitidos na So-
vemos fazer de modo que as mais tratem seus f i -
ciedade e modo de rete-los", lê-se:
lhos com rigor enquanto nós os tratamos amorosa-
mente Finalmente; convém manejar em termos 1.° — E' preciso muito tino e prudência na es-
que produzam nas filhas das viuvas verdadeiros colha dos jovens inteligentes, nobres e bem feitos
232 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 233

no fisico, ou, quando menos, que sobresaiam em 13." — Quando houver dificuldades, em
uma dessas qualidades. Vista da extrema juventude de alguns, deve-se fa-
4. " — Não serão castigados pelos nossos nem zei lembrar a suavidade do instituto que não con-
se os obriga ao cumprimento de seus deveres entre tem regras que se possam denominar austeras, a não
os demais educandos. ler a observância dos tres votos. Sobretudo, ne-
5. " — Deve-se entrete-los com pequenos pre- nhuma é obrigatória e nem sob pena de pecado ve-
sentes e privilégios nial".
9. ° — E' preciso íazer-lhes advertências para No Cap. 17.° "Meios para engrandecer a
que não revelem suas vocações a nenhum dos Companhia" —:
seus amigos, nem aos pais, antes de serem admi- 9." — Finalmente, quando a sociedade contar
tidos... com a autoridade e os favores dos soberanos, pro-
10. ° — Com respeito aos filhos dos grandes, curará quanto possível mostrar-se temível aos seus
poderosos e nobres, deve-se procurar persuadir os adversários".
seus pais, valendo-se da influencia dos nossos ami- E no "Prologo": E' necessário muito cui-
gos, de que conviria envia-los a outras províncias dado para que estas advertências não caiam em
ou universidades distantes, a cargo dos nossos pa- mãos extranhas, porque lh'as dariam um sentido
dres. Antes de tudo remctem-se aos professores as sinistro por inveja á nossa ordem. Si isso acontecer
instruções precisas acerca da qualidade e circuns- (o que Deus não permita!) deve-se negar que tais
tancias dos nossos alunos, com o fim de que pos- são os fins da Sociedade.
sam incutir-lhes afeição á Sociedade.
Que os superiores investiguem sempre com
12.° — E nas conversações privadas re- cuidado e prudência si alguns dos nossos revelaram
provaremos o máu emprego das riquezas, fazendo estas instruções a alguns extranhos, porque nin-
ver que não dar apreço ao dom de uma vocação guém as copiará, nem para si nem para outrem,
verdadeira, é condenar-se ás penas eternas do in- não se permitindo que tirem copias a não ser com
ferno. o consentimento do Geral ou provincial. E, caso
A MULHER É UMA DEGENERADA
234 MARIA LACERDA DE MOURA

0~— Nada se fará na renovação social sem a edu-


não sejam capazes de guardar tão grandes segre*
< .11,. 10 da mulher. ——
dos, que se lhes diga tudo ao contrario e os dis-
peça". E a emancipação vae mais alto ainda.
Ha grandes talentos, formidáveis erudições,
Ainda hoje é esse o código dos colégios reli- voando no pensamento humano sem atingir nunca
giosos. O objetivo tende para a Gloria da Socie-
a emancipação intelectual.
dade ou para a Gloria de Deus...
A mulher é força vencida pela Igreja: como
corolário, a criança está á mercê da educação cató-
lica — é portanto "vacinada".
Na ignorância é_que se aninha o seu grande
O rapaz educado carinhosamente, jesuitica-
poder. O padre não é instrumento de civilização,
mente pelo padre, não será talvez católico pela ra-
nao está, pois, em condições de assumir a direção
do ensino, muito menos da educação popular. zão ou de coração mas sel-o-á socialmente falando
e será incapaz de atacar a infalibilidade do papa
E' um entrave formidável na marcha do pro-
ou mesmo o luxo do Sr. Arcoverde ou Sebastião
gresso humano. A mulher precisa deixar de beber
a agua turva dos pantanaes seculares, e procurar Leme.
novas fontes para o conhecimento das leis naturais, U m freio lhe foi colocado de tal geito que ele
para o esforço coletivo e individual, penetradas do nem sabe se o traz.
fogo sagrado da curiosidade, em busca de ideaes Não crê, porém não discute, não raciocina,
mais vastos de solidariedade, embora não fundados receia aprofundar, não tem coragem de olhar de
em concepções religiosas, no sobrenatural, em re- frente.
compensas problemáticas para virtudes ainda mais Como consequência vem a fraude.
problemáticas... Que educação pode ser dada á prole por essa
O bem pelo amor do bem, pelo prazer de ser gente tibia, desconfiada do próprio senso?
util, ânsia de equidade, sonho de redenção humana A tudo isso si se juntar a concurrencia absor-
pela própria humanidade. vente, o desejo de subir á custa de papeis torpes e
236 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 237

baixezas, o descarater dos fracos e bajuladores — palio das suas próprias doutrinas de amor e re-
temos o tipo médio da geração, pusilânime, esper- nuncia.
to, — os parvenus da civilização. Revoltante!
Por outro lado as convenções, os "atos sérios" Ninguém pode pregar a verdade si tolera ou
na vida das melindrosas: comunhão, confissão, pra- estende as mãos á hipocrisia.
ticas religiosas diversas, etc, — completam a tela, E, si o individuo, que vae á cata da verdade,
da hipocrisia. sae com fervor, não pôde com o mesmo coração
Não acreditam, não sabem a significação dos olhar o estoicismo e o vicio.
ritos praticados, mas, em qualquer condição, na Amoldar-se á situação por tolerância, é crime.
sua vida, são incapazes de os abandonar — é tra- Si nós conhecemos, através dos séculos, a luta
dição passada ao inconciente coíetivo pelos ances- titânica da Igreja mentindo á razão — só porque
trais. no fundo do romanismo divisamos a centelha da
Ou como melindrosas, ou esposas adulteras e luz que ilumina o Cristianismo, devemos deixar os
até como hetairas vão á Igreja, mandam dizer mis- vendilhões de conciencias assestar as suas baterias
sas, _comLmga^ri _je^^
J
indignas e atravessar incólumes outras tantas ge-
Isso me não parece religião. CL^*v Qsc/c rações, atrazando o progresso humano na sua mar-
Em resumo: atos quasi instintivos pela influ- cha evolutiva?
encia do passado. Não!
Não ha raciocínio e muito menos emancipa- E' precisamente a figura angélica de Cristo
ção intelectual. que nos impele a erguer os braços, pedindo tréguas,
Eu não seria anti-clericalista por natureza, por num gesto enérgico.
educação, por sistema, quasi por instinto si não es- Si "cada ser humano tem necessidade de fe-
cravizassem a alma da criança, si não tentassem licidade e de condições que favoreçam a sua evolu-
macular o amor do Cristo vendendo, miseravelmen- ção e é dever da sociedade criar um ambiente que
te, os seus sonhos místicos de fraternidade, sob o hVo proporcione", é portanto dever de cada um de
MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 239

nós protestar contra o regimen da Igreja, a qual Tudo continua na mesma, sinão peior.
procura defender e acumular fortunas, favorecen- Não podemos mais ter confiança nas autori-
do e aumentando a fome, a nudez, o vicio. dades constituídas, e, entre elas, mui principalmen-
"O nascimento de um ser humano numa so- te, na Igreja romana.
ciedade, dá a esse recem-nascido um direito e á so- Todo o nosso magnifico iris de esperanças
ciedade um dever", é a bela fórmula do nosso ob- deve voltar-se para a Internacional do Pensamento,
jetivo. contra a superstição papal, em favor da livre con-
E, que direitos tem o pária nesta civilização ciencia.
de hierarquias economico-sociais cujo papel prin- Não tomeis como sendo de odio as minhas
cipal está nas mãos do Vaticano? palavras de amor: são elas a expressão máxima do
U m só: o direito ao trabalho obrigatório, á meu infinito sentimento ante a Dôr Universal.
miséria, á dôr, á vergonha, á degenerecencia. • Minha palavra não é de ataque, — é de re-
Ninguém lhe estende as mãos a não ser a ini- sistência.
ciativa particular, incrementada as mais das vezes Diante da ousadia de qualquer seita ou reli-
pelo próprio romanismo, com o fito de abrir a "ja- gião òu partido que procure, por todos os meios,
nela da conciencia" e para a conquista de outras dominar o pensamento humano, impor a sua auto-
almas convertidas sob o disfarce da caridade hu- ridade com ou sem diplomacia, envolver-se na edu-
milhante. cação da mocidade, tentar a União da Igreja com
Temos de arrostar com o odio implacável dos o Estado, c diante da imbecilidade ou comodismo
adversários, esmagadores da razão humana a peso dos faltos de coragem — é preciso contrapor pro-
de moedas. testo enérgico, audácia proporcional.
Todos se desiludiram após a guerra. A Humanidade está mutilada pela prepotên-
Fartas promessas foram feitas pelos estadis- cia clerical, pela superstição governista.
tas durante o perigo e não cumpridas passado o E tanta energia desperdiçada, tanta generosi-
momento de pânico. dade latente no ser feminino ainda o que nos pi
240 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 241

rece mais infimo, tanta ânsia dc elevação, tanto ^* "Origem dos crimes, arma do diabo! Quando
sonho de equidade abafado ao som dos harmónios virdes uma mulher, acreditae que não tendes dian-
das catedraes usurpadoras, catedraes que iluminam te de vós um sêr humano, nem ainda um animal
feéricamente as naves de mármore inconciente, dei- feroz, mas o diabo em pessoa. A sua voz é o silvo
xando os corações mergulhados em abismos de som- da serpente". ^\
bras, em infernos de duvidas... Santo Antonio. ^ .

"A mulher é similhante ao escorpião, sempre


Quem contribuiu para mergulhar a mulher
no sono de si mesma através de tantos séculos, quem pronta para morder".
S. Boaventura.
a deprimiu?
— O cristianismo dos homens.. — não o Cris-
tianismo doce de Jesus — o super-homem, o 1." K " A mulher é a peste das pestes! Dardo do
verdadeiro feminista que a terra viu nascer. demónio!"
S. João Crisóstomo.
Cristo alevantou a mulher e a Igreja romana
deprimiu-á de novo na ginofobia dos seus maiores.
Senão vejamos em duas palavras: "... a ferida que sangra e cheira mal".
... alguma coisa achei, mais amarga do que a S. Thomaz de Aquino.
morte: é a mulher, cujo coração é um laço, c cujas
mãos são armadilhas". "... Porque também o varão não foi criado por
Eclcsiastes. causa da mulher, sujeitae-vos a vossos próprios ma-
ridos, como ao Senhor; Porque o marido é a cabe-
"Todo o pecado proveio da mulher c por cau- ça da mulher; como também Cristo a cabeça da
sa dela morremos todos". Igreja, e ele c o salvador do corpo. Dc sorte que,
Eclesiastes. assim como a Igreja está sujeita a Cristo, iv.im
também as mulheres estejam em tudo sujeitas a
242 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER E UMA DEGENERADA 243

seus próprios maridos". "O homem não é da mu- rt-m, se alguém quizer ser contencioso, nós não
lher, mas a mulher é do homem; e o homem não temos tal costume, nem as igrejas de Deus".
foi criado para a mulher, mas sim, a mulher para Primeira epistola de São Paulo aos Corín-
o homem". tios, 11.
São Paulo. Que dizem a isso todas as católicas ã la Gar-
çonne?
Tudo isso é muito cómodo ate mesmo para E, na luta da Igreja romana para vencer nos
positivistas, ateus, Iivres-pensadores, judeus, e toda seus principios, nos privilégios, no autoritarismo di-
casta de maçons e de homens generosos E a plomata, nas riquezas, foi seu instrumento podero-
eterna idiota bate palmas e se chega cada vez mais so a escravidão mental feminina.
para a sacristia, e, por comodismo, por preguiça, Não é tempo de quebrar as cadeias do dogma-
por instinto, não quer ver. Entretanto é incoerente tismo para que a imaginação da mulher voe até o
a cada passo e não obedece a São Paulo com rela- raciocínio conciente?
ção á moda, vejamos: "Todo homem que ora ou Que saiba pensar para melhor escolher, para
profetiza com a cabeça coberta, deshonra a sua ser conciente de si mesma e conduzir a Humanida
própria cabeça.
de para vida maior.
Mas toda a mulher que ora, ou profetiza com O saneamento do mundo estaria nas mãos da
a cabeça descoberta, deshonra a sua própria cabe- mulher.
ça, porque é o mesmo que se estivesse rapada. Mas, CONCLUSÕES
se para a mulher é coisa indecente tosquiar-se ou
rapar-se, cubra-se. Portanto a mulher deve ter so- A escola não pôde ter preocupação religiosa.
bre a cabeça signal de poderio, por causa dos anjos. Que os professores conheçam os fundamentos
E' decente que a mulher ore a Deus descoberta? das religiões para pregarem o principio da tole-
Mas, ter a mulher cabelo crescido lhe é honroso, rância.
porque o cabelo lhe foi dado em logar de veu. Po- As escolas de professores necessitam portanto
244 MARÍA LACERDA DF MOURA

um curso dc religiões sem a minima idéa preconce-


bida ou de sectarismo. O educador não pôde ser li-
vre pensador de rebanho.
Pregar para o futuro — sempre maior que o
presente, um futuro em que não haja rivalidades
exclusivistas de seitas em constante concurrencia. "L'ANIMA DELLA DONNA"
Podemos afirmar, sem paradoxo: as religiões H * •*>
foram sempre inimigas da fraternidade universal. Gina Lombroso, com o seu livro triste, re-
A historia da Inquisição nol-o diz. signado, passivo, cujos aplausos ecoaram por toda
A solidariedade humana, o espirito de união parte, nos vem dizer que, "as injustiças (aparen-
— característica da civilização que vamos penetrar tes) contra a mulher, dependem de qualquer cousa
— exige da escola o largo espirito de tolerância mais alta e fatal que uma prepotência ou uma in-
que abraça todos os indivíduos e todas as idéas com justiça social".
o fito único do progresso humano, para o bem es- Que a mulher é diferente do homem, que a
tar coletivo. missão dela é bem diversa, que essa diferença é
O sectarismo é apaixonado. A paixão cega e a condição essencial para a harmonia da vida cole-
odeia. tiva — é um fato sabido, indiscutível.
A religião é pedra de toque — já provou a Agora, pela natureza mais delicada da mulher,
sua própria incompetência para assegurar a paz e pelo seu papel de dedicação e sacrifício, pela sua
a felicidade entre as nações. missão de educação, missão regeneradora, pelo fato
O racionalismo não excíue a analise de forças de trazer no seio o gérmen das gerações successivas
ou energia cósmica. — fatalmente, inevitavelmente, naturalmente ha dc
As leis naturais e não o milagre. ser a escravizada eterna, a tutelada social?
A escola moderna deve ser cientifica, rácio- Gina declara no prefacio que o seu livro "non
nalista. vuol essere un libro scientifico", embora escrito "da
246 PEARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 247

un modesto cultore delia scienza". E' imperdoável


sogno di lui, ha bisogno di questo punto fisso, il
que uma cientista, uma medica escreva sobre "L'A-
quale non si smuova e commuova continuamente
nima delia donna" um livro sem nenhuma preo-
come tenderebbe a muoversi lei, che non la Lr,< i
cupação scientifica. Mal comparando, até me faz
preda alie correnti di tutti i venti che ne disperda-
lembrar o livro do Prof. Austregésilo: "Perfil da
no le forze, come tenderebbe a cadere lei, ha biso-
Mulher Brasileira..."
gno di una forza che ne concentri Pardore e lo di-
O livro da eminente italiana conserva as tra- riga in una data direzione".
dições da sua educação, lembranças ancestraes, in-
Ora, não era preciso o livro de uma cientista
fluencias lombrosianas. E' natural.
para nos repetir a lenda de Eva e nos dizer que
E' admirável de observações psicológicas sobre saímos das costelas de Adão adormecido... e por
a mulher: aliás, ninguém mais competente que a isso dependemos fatalmente do amor e do objeto
mulher para falar dos individuos do seu sexo.
amado...
E' um livro que traduz perfeitamente todas
Para Gina a vida da mulher "é nellc mani dei
as subtilezas de uma alma de mulher, escravizada
caso", do amor, do instinto.
secular, tráe a sua autora, descreve-lhe os senti-
"Non sono dunque le circostanze avversc, non
mentos e até as amarguras intimas.
le leggi umane, non la malvolenza degli uomim,
Entretanto não sáe do tema — o amor —,
che determinano le maggiori tragedie di cui la don
não sáe da passividade feminina, da fatalidade do
na é vittima; ma la sua missione che la fa dipen
destino da mulher, do seu altruismo em contrapo-
dere dagli esseri vivi, di cui ha bisogno, per amarll
sição ao egoísmo masculino, de todas essas chapas,
e per essere amata".
sem trazer uma só novidade, uma só centelha de
Como a mulher é indecisa, Gina Lombroso,
esperança ou um gesto enérgico em busca de melho-
condena até a liberdade feminina e conclúe: "Piú
res dias para a explorada millenar.
che emancipare la donna io insisterei per renderc
E diz: "La donna manca delia spina dorsale
piú cavaíleresco Tuomo, il che avrebbe il «loppio
che 1'egoismo concede alFuomo; per questo ha bi-
248 A MULHER É UMA DEGENERADA 249
MARIA LACERDA DE MOURA

vantaggio di ingcntilire 1'uomo e di soddisfare la generale, tale e quale come quella dei medico, dei
donna". maestro, delPartigiano, dei soldato".
Que ilusão! E como facilmente se satifaz Gi- Não será preciso citar mais para demonstrar
na Lombroso! o quanto é prejudicial, o quanto deprime a educa-
Que solução para os problemas da felicidade ção oficial, rotineira, em todos os países, formando
humana! medicas incapazes de achar uma saída nas intrinca-
"L'armonia sociale ha dunque lucro cessante das vUts crucis da mulher.
e danno emergente dalPemancipazione femminile, Gina Lombroso não vê a escravidão social fe-
mentre che Ia società e donne han tutto da gua- minina: vê apenas a tragedia, a fatalidade inheren-
dagnarc a constringere 1'uomo ad essere cava 11c- te á sua missão, ao seu altruísmo necessário, e, cau-
resco, a prestar aiuto alia donna, i l che migliora sador da própria escravidão.
1'uomo e porta grato soílievo al mondo femmini- Não cogita do seguinte: "O leão, não só de-
le". fende a fêmea em caso de perigo, mas, como conta
E Gina não perscruta por que razão a mulher Brehm, vai á caça para ela, levando a sua delica-
c assim e não dc outro modo, não vae aos séculos deza até o ponto de deixar a presa á disposição dela,
de escravidão, aos gineceus c haréns, não vê a igno- e de começar a comer só depois de ela estar sa-
rância calculadamentc cultivada da mulher, só vê tisfeita".
as consequências, o seu estado psicológico deprimi- Entretanto, em algumas tribus da Africa, a
do, não cogita se o foi através da tutela c do ser- mulher só tem licença de comer depois do homem;
vilismo milenar. o mesmo entre os indios.
Acha justo que a sociedade exija "che la sua Entretanto, "os habitantes da Terra do Fogo
croina sia prima di tutto bclla c buona" "perche devoram as próprias mulheres, como fazem muitas
questa 6 la missione che inconsciamente le asse- tribus africanas, mas poupam os cães, porque para
gna", "una funzione sociale che ha una importanza eles, têm mais valor". "Na Austrália não se en-
contram sepulturas de mulher". "Perante a an-
250 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA

tropofagia, um animal ou um inimigo é um ente


feias e menores que eles. E a razão é porque vi-
superior, a mulher é uma alimento, uma caça, nem
vem sobrecarregadas de trabalho e mal alimenta-
mais nem menos".
das.
"Em quasi toda a Africa a mulher adultera
"E' uma verdadeira adaptação degenerativa".
é punida com a morte; em quasi toda a Africa os
Diz o mesmo autor: "Spencer continua de-
maridos alugam, emprestam e vendem as mulhe-
res". (Tito Livio). E' a propriedade, como a terra monstrando que a seleção na mulher acumulou
ou a colheita. também um sentimento exagerado do poder e da
autoridade, o que a tornou supersticiosa em maté-
Em muitas tribus selvagens o homem atira á
ria de religião, e, cheia dc respeitos pelos símbolos
mulher os restos das suas refeições com o mesmo
da autoridade governativa e social. Isto basta, ao
gesto com que se atiram bocados aos cães.
que me parece, para provar que a opressão da mu-
E Gina Lombroso, deante da historia, da an-
lher produziu a sua degeneração fisica e psíquica".
tropologia afirmará, concientemente, que não ha
E' feliz a expressão adaptação degenerativa,
injustiça social, que essa injustiça é aparente, e
degeneração fisica e psíquica, encarada a questão
que a situação da mulher é uma fatalidade necessá-
sob o ponto de vista da escravidão social. Aceito-a
ria á harmonia social?
com Vaccaro, devolvo-as aos inúmeros partidários
"Os maus tratos crónicos produzem a inferio- da pseudo-ciencia dos Bombarda...
ridade fisica, e a inferioridade fisica tende a ex-
Acho imperdoável no livro de Gina Lombro-
cluir os sentimentos que poderiam impedir esses
so a idéa de que falta a espinha dorsal na mu-
maus tratos", nos diz Spencer.
lher.
M . Angelo Vaccaro em " A Luta pela vida",
Além de ser deprimente, humilhante, é extre-
diz mais: "Geralmente as mulheres das raças infe-
mamente ofensivo: c a ultima cousa que se pode
riores são mais feias que os homens." "Os Put-
dizer a uma criatura. E' a prova cabal do servilis-
toachs são feios e de pequeníssima estatura, mas a
mo dc quem o afirma cm relação ao seu próprio
palma da fealdade cabe ás mulheres, ainda mais
sexo.
252 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 253

Cursar uma academia de Medicina para nos maguas, passivamente, não escreva livros para vir
vir dizer, a todos nós, cousas tão pouco agradá- dizer que uma tragedia, a fatalidade nos impede o
veis e incapazes de nos elevar, expressões que ten- direito de respirarmos livremente no ambiente do-
dem a conservar religiosamente a nossa irrespon- mestico e social.
sabilidade, a tutela e até os maus tratos do homem E como pretender fazer o homem mais cava-
para a mulher, vir pregar a resignação passiva, o lheiresco conosco si nós mesmas nos damos pouca
servilismo, o despudor, o descarater, vir apontar importância?
uma única saída á sua irmã sofredora: o entregar- Si não sabemos conquistar para nós, a con-
se ao amor, á dedicação ao primeiro homem que sideração dos indivíduos do outro sexo!
impressiona os seus sentidos — porque tem espinha Como exigir, dos nossos filhos homens, o res-
dorsal, o ponto fixo que falta á mulher! peito, a homenagem, a admiração — si nem ao
Dizer-se que é preciso a mulher se submeter, menos temos a espinha dorsal?...
que é inevitável sofrer humilhações, até talvez apa- Como nos podemos arrogar em educadoras dos
nhar, perdoar sempre, suieitar-se ás imposições de nossos filhos si elles sabem tanto da nossa inferio-
qualquer bruto — só porque tem a forma huma- ridade e os preparámos para rirem-se de nós, a
na, e o sexo oposto ao nosso e a maravilhosa es- cada conselho, nós, a quem falta o ponto fixo que
pinha dorsal que nos falta! o nosso filhinho de 10 anos tem conciencia de
Si Gina não se quer revoltar, si atura, si se possuir?
submete gostosamente ao jugo do ponto fixo, si Esse ponto fixo, a espinha dorsal será a arma
abaixa a cabeça á autoridade máscula do homem com que nos afastarão a todo instante.
(ainda mesmo que não tenha razão ou lhe seja Não me espantarei si um descendente de Gi-
inferior), que culpa tem a mulher? na Lombroso lhe disser c a nós todas — cousas
Deixe ao menos que a coluna vertebral de mais desagradáveis ainda.
outras mulheres prove o contrario. Deixe que pro- Ha quantos séculos a lend.-* de Adão e Eva
testem, e, chore silenciosamente, sosinha, as suas é ^ima peia para a mulher!
254 A MULHER É UMA DEGENERADA 255
MARIA LACERDA DE MOURA

E, si as cientistas modernas, as mulheres es- do vestuário — vae, de certo, a multidão incon-


tudiosas continuam contentes com os maus tratos CÍente e louca das que buscam o gôso, o conforto
e o pouco caso dos homens, com o papel subalter- material, o luxo, a vaidade, a satisfação do instin-
no de fêmea mamífera na escala zoológica, apenas to. Tudo consequência do regimen capitalista, da
instrumento de goso e trabalho, si acham desculpa organização de previlegios e preconceitos em que
para a brutalidade dos homens da Terra do Fogo a mulher não passa de cousa.
ou dos negros da Africa ou das tribus da Austrá- Examinando a questão á luz da razão e do
lia — é porque a domesticidade milenar foi além sentimento, veremos que os horizontes são muito
do normal e a incapacidade para ver a própria mais amplos, não se limitam aos direitos do par-
espinha dorsal inhibe de ir mais além... lamento — uma burla, nem á simples entrada da
E' desolador ver até aonde vae a influencia mulher nos dominós das ocupações masculinas.
deprimente do homem do passado sobre a mulher A guerra abriu-nos novos horizontes: foi um
— instrumento reacionario na mão dos comodis- rasgão colossal nas conciencias, e, ilimitadas ener-
tas, dos espertalhões, dos superiores, dos donos e gias despertaram a inteligência humana num an-
únicos proprietários da espinha dorsal... seio bem mais vasto em busca de ideaes mais lar-
Por tudo isso Gina Lombroso limita a ques- gos.
tão. E' anti-fcminista porque vê nas reivindicações Deste caos, em que os partidos se arregimen-
femininas o arrojo, o desassombro de bárbaros mo- tam em busca de outras soluções, surgirão novos
dernos querendo tomar, assaltar as posições dos destinos, novas formas, novos regimens sociais;
homens, abandonando o lar pelo emprego publico, dêem o nome que quizerem, certo é que a solida-
pelo parlamentarismo, etc. riedade, a equidade, a justiça, o bem estar — são
Não vê que tudo isso é consequência inevitá- incompatíveis com o atual regimen de concurren-
vel da organização social moderna: é a luta pela cia esmagadora e violência e despotismo e latrocí-
vida, é a ânsia dc volúpia. nios oficiais á cata da independência económica,
Atrás daquelas que saem em busca do pão c .unda que custe os olhos do próximo.
A MULHER É UMA DEGENERADA 257
256 MARIA LACERDA DÊ MOURA

A própria burguesia conta a historia dos rei- nheiro, é o maldito ouro a causa de todos os males
nos que se foram, das mudanças dos Estados, das evitáveis, o assegurador da ociosidade da classe
transformações sociais inevitáveis, das quedas de parasitaria vivendo á custa do sacrifício da grande
classes e castas através da evolução histórica, e, no maioria humana.
entanto se agarra como ostra á democracia federati- A causa de todas as misérias, o álcool, a sifi-
va ou parlamentar, como si isso fosse a ultima etapa les, a tuberculose, a prostituição, os crimes da ma-
de todas as civilizações, de todos os séculos por aí ternidade, a exoloração da mulher e da criança, a
além. O Estado burguês e capitalista tem os dias exploração do fraco pelo forte, a voragem acam-
contados, está claro. Tudo passa, e, já é tempo barcadora de tantas vidas na oficina, nos cortiços,
de passar essa republica e esse Estado governado na penúria, — tudo, tudo nasce do atual reeimen
por meia dúzia de donos e espadachins — cujas social cuja máxima se resume nestas oalavras: —
mãos se entrelaçam nos maquinismos dos indus- Si eu não arrancar os olhos do próximo, ele arran-
triais magnatas, do clero capitalista, em detrimento cará os meus.
da grande maioria de famintos e opilados deste e
Está visto aue esse* privilégios odiosos fatal-
de outros países sem igual, de cachoeiras eston-
mente hão de ser derrubados como o foi a Basti-
teantes e minas de ouro e montanhas de esmeral-
lha inexpugnável da aristocracia francesa e a bas-
das... nas mãos dos extrangeiros mais capazes, des-
tilha feudal da Rússia tsarista.
te país onde tudo é grande e os homens são edu-
cados para não passarem da mediocridade. E, quanto pior, melhor...
A morfina, o opio, a cocaína, o champagne
Ninguém quer vêr que a causa da concurren- e o álcool barato preparam a deva.«*a nas classes
cia, do açambarcamento, do egoísmo pessoal, da altamente parasitarias; o togo é iá chie na socieda-
sordidez, da cobiça insaciável, dos crimes comer- de fina, na boa sociedade: trrandes damas, senho-
ciais, dos privilégios, toda a tristeza infinita pro- ras de políticos, diplomatas, capitalistas, indus-
veniente da luta pela vida tem o seu ponto dc triais e até pequenas burguesas que querem parecer
apoio na atual organização capitalista. E' o di- l><»i — frequentam as roletas e a mesa verde e
258 MARIA LACERDA DE MOURA
A M l U I ll-lí I U M A Dl '.I N I RADA

fazem paradas colossaes nos Casinos das grandes ii m i M i i . i nos acirra, é inútil recorrer a uma patri-
cidades. i M rl.i nao irm noção da caridade (que eu diria,
Nos "reveillon" já são vistas — senhoras e nolid.u iedade), do dever humano, e só protege em
senhoritas da melhor sociedade, da alta, embriaga- di.r. Jetei-minados, por meio de chás, concertos e
das, saírem, como rapazes, carregadas para os au- ir.[uebros de tango; para elas a desgraça sempre é
tomóveis luxuosos. nioi ivi) de divertimento".
E nos reveillon e nas roletas, (convém repe-
I", enquanto a mulher permanecer dentro dos
tir sempre) não encontramos senão as coureuses de fwtojo.s da manicure, dentro dos estofos, dos c<>
gosos de toda espécie, e, não as idealistas, as mu- fie-, de jóias, nas salas dos hotéis chies ou nos chás
lheres emancipadas, as que se batem pela felicida- dai casas de modas, absorvida pelos tangos
de humana, as que sabem o que é a luta pela vida, r pela fanfarra louca do Jazz-Band infernal —
o trabalho e o salário. Lá, estão as religiosas, as pa- meio seguro de abafar as vozes interiores, — en-
triotas..., as que vivem para o lar e dentro do lar, quanto respirar religiosidades supersticiosas supon-
as que são protegidas pelo homem... do ser impossível e até imoral viver a mulher sem
E, si o homem vae para o Club, para o jogo, •se ajoelhar aos pés de qualquer divindade ou dos
para a vida noturna — que quer a mulher alta seus representantes, enquanto achar indispensável^
sociedade, religiosa, caridosa, piedosa, senão a re- i tutela social ou quando menos — a tutela mas-
cepção, a toilette, o colar de pérolas, a exibição, os i níina, enquanto se alimentar de preconceitos, me-
chás de caridade e até os admiradores muito ínti- rece mesmo ser tratada desse modo, com tanto des-
mos? preso, como si fosse cousa, como objeto do qual se
O luxo feminino é absorvente. Essas mulhe- gosa e se atira para longe como imprestável, objeto
res levam a vida a brunir unhas, a se vestir e a se que "se compra ou vende, animalzinho de luxo, bi-~__
despir, incapazes de imaginar algo além do corpo. bclot, ou... besta de carga, remea mamífera... / /
Repito as palavras de Gilka Machado quan- E dizer-se que a operaria, aquela que podia
do escreveu impressões sobre meu livro: "Quando .1 .pirar a uma nesga de liberdade e conciencia —-
260 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 261

porque é independente pelo seu trabalho, porque é


capaz de se nutrir e se vestir com o seu salário — Poderíamos dizer: — decaída, deshonesta,
dizer-se que essa mulher, quasi sempre, abandona imoral, — tudo o que quizessemos, mas, por que
as prerogativas que lhe oferecem as suas condições perdida?
económicas, para imitar a burguesa, para cair nos Por acaso alguém diz que o homem é per-
laços que os burgueses lhes armam; dizer-se que dido?^
aspiram a ser senhoras quando, não passarão de Por acaso o mais abominável dos homens, o
escravas; dizer-se que se esquecem das suas condi- viciado, o libertino, o escroque, o que ha de vil se
çÕes de mais livres dos preconceitos para se atira- torna um homem perdido si tiver dinheiro ou po-
rem na inconciencia, no servilismo, na subserviven- sição social?
cia da protegida, da tutelada!... Que diferença en- Si fôr um duque, um conde, um príncipe,
tre o esforço titânico, rebelde, revolucionário do um herdeiro de qualquer titulo idiota comprado
operário conciente, lutando com a burguesia rea- á custa da exploração de outros homens — não
cionaria, com o salariato, lutando no lar com a frequentará a intimidade das famílias da chamada
reação tremenda da familia religiosa, resignada, boa e alta sociedade?
ignorante, c o esforço tenaz da operaria desejando E por acaso o homem mais honesto, mais vir-
apenas as comodidades e o luxo e o goso das bur- tuoso, mais puro, si é possível, será melhor que a
guesas! E mais: mulher mais deshonesta, estará mais elevado que
Todas as mulheres, desde as classes mais abas- a mulher perdida?
tadas até as mais humildes classes sociais, todas Que covardia!
elas foram arregimentadas para excluir da humani- E como está jesuiticamente organizada a boa
dade como cousa indigna, como a causa de todos sociedade!
os males, como a peste das pestes, — a mulher Creio na influencia decisiva da palavra vigo-
perdida. Mulher perdida! rosa, do protesto enérgico, da revolta do verbo can-
Perdida, por que? dente de indignação — arremessando dardos de
logo nas conciencias adormecidas sob a influencia
262 MARIA LACERDA DE MOURA
A MULHER É UMA DEGENERADA 2(f'>

ancestral, contra o peso hercúleo do passado. E* o (•rente, fora das lutas quotidianas exaustivas ou da
despertar... ex losidade farta. Não lhe basta uma espinha dorsal
Não cogitamos de leis: mais vale repetir sem .i penas...
tréguas. E' a passagem para o inconciente... E a religião tranca-lhe a razão e ela fecha os
ouvidos a quaisquer outras vozes.
Não me move o aplauso nem o ataque. E os ideais femininos não vão além da cari-
Resolvi conquistar, para mim, o direito de di- dade mundana. Essa é a questão social máxima,
zer alto das minhas convicções. definitiva para o cérebro da mulher.
A vida é um minuto e mais vale, nesse instan- A escola oficial, o mundanismo e a religião
te fugaz e doloroso, falar uma verdade, ainda que exercem sobre ela a ditadura implacável.
custe caro a ousadia, do que encurralar-se no co- Contra essa resistência, muitas vezes secular,
modismo ou no cinismo dos domesticados e servis e é preciso o estilete agudíssimo que fere sem pie-
viver a hipocrisia oficial e oficiosa.
dade deixando, lá dentro, o espinho subtil da duvi-
Tenho o direito de deixar um traço do meu da, a incerteza, o desequilíbrio torturante, a amar-
protesto conciente: não faço parte da mentira le- gura dos desmoronamentos, castelos desabados, o
galizada e social. desespero da causa perdida, a falta de fé, toda a
As criticas acerbas, os tiroteios de ironias e os ruina das cousas gastas, passadas e a necessidade
ataques inconcientes ou calculados chovem-me de de procurar asilo em terreno mais firme...
todos os lados. Até e principalmente a mulher! E' a sementeira...
Também desconfia de nós: quer continuar a Que nos cerceiem mais o campo de ação na
sonolência milenar, apraz-lhe o diretor espiritual, sociedade, na escola oficial, na imprensa.
a tutela masculina. E extremamente sensivel, não E' justo.
pôde viver sem afeições e o sacerdote e as praticas Resta-nos o espirito combativo: acotoveltrc
religiosas enchem-lhe o coração, de algum modo, mos as contingências da vida e deixaremos pau as
fora das exigências do marido grosseiro ou indi- gerações vindouras o exemplo do carater incorfU
264 MARIA LACERDA DE MOURA A MULHER É UMA DEGENERADA 265

tivel, a coragem das convicções, o protesto enérgi- ces de todas essas conveniências sociais, aos poucos,
co e o grito de entusiasmo por todas as causas jus- cie vagar, confiando noutras vozes, noutras semen-
tas, entre as quais destacamos, neste volume, o li- teiras... que o sói fecundo de novas gerações e o
vre exame para a mentalidade feminina. O que eu orvalho de outras madrugadas hão de amadurecer
desejo é muito: anseio pelo bem estar social, pela para fartas messes.
educação racional, pela Arte, por todas as emoções
do Belo e da Verdade Cientifica.
E estou convencida de que os nossos dias "me-
lindrosos" cobrarão caro essa aspiração dos seus
idealistas, dos precursores, dos seus maiores.
Dentro do meu amplo ponto de vista me en-
castelo, me escudo, me armo para me amparar
contra os ataques possiveis e talvez o ridículo com
que pretendam receber o meu livro.
Só devo contas á minha conciencia.
Mas, para que dizer todas essas cousas?
Estamos num país, onde, desgraçaçlain^te^^
mulher nem tem o direito de ser responsável!
E' sempre menor e tutelada; pôde ser louca
ou tarada ou engraçada ou original, mas, eterna-
mente infantil: recebem-nos com o sorriso benévo-
lo... dos superiores.
E essa irresponsabilidade é também uma ar-
ma, embora preferíssemos a responsabilidade di-
reta: iremos solapando, por nossa parte, os alicer-
ESSE E ' O MEU VERBO DE FRATERNIDADE . 11

"A MULHER E ' UMA DEGENERADA" . . . . 19


a) Degenerecencia 22
b) Esterilidade 23
c) Das raças e da sua pureza 29
d) Delieocefalos e Braquicefalos 32
e) "Só o ovulo se salva no grande desastre" . . 41
f) Superioridade biológica e fisiológica da mu-
lher 43
g) Ainda a questão do cérebro 4">
h) O tipo humano — O tipo varonil . . . . 16
i) "A inferioridade feminina é constante no
presente e no passado humano" . . . . 48
j) O papel dos pais é absolutamente equivalente
... na fabricação do embrião 50
k) Ser mãe é missão, porém, não é profissão . 62
1) O que diz o Dr. Roquette Pinto 61

DAS VANTAGENS DA EDUCAÇÃO I N T E L E -


CTUAL E PROFISSIONAL DA MULHER NA
VIDA PRATICA DAS SOCIEDADES . . . 69
a) Educação intelectual du mulher . . . . 73
b) Mimetismo sexual .SI
)
I) o catequista 217
c) Educação profissional 94 f) Neutralidade da escola 219
d) 0 homem pensa porque tem mãos . . . . 98 II) 0 freio! 226
e) Conclusões 101 lu \a Secreta" 23'»
ii \a dos Santos 2K)
AINDA A EDUCAÇÃO FEMININA 105 J) S. Paulo em a primeira epistola aos Corín-
tios e... os cabelos "à la Garçonnc". . . . 212
a) Os trabalhos femininos e a irritabilidade i> i Conclusões 243
nervosa..!^ 105
b) A questão do cérebro feminino . . . 111
c) A degenerecencia da espécie 116 'I/ANIMA DELLA DONNA" 245
d) A escola — sociedade 118
e) Conclusões 127

O ATUAL REGIMEN SOCIAL SOLUCIONA O PRO-


BLEMA DA ASSISTÊNCIA A' INFÂNCIA? . 131
Conclusões 146

LIBERDADE! IGUALDADE 1 FRATERNIDADE!


ORDEM E PROGRESSO! 149
A FRATERNIDADE PELA ARTE E PELA MULHER 167
a) Literatura burguesa 169
b) Literatura rebelde 171
c) E ' preciso demolir para reconstruir . . . 175
d) A escola moderna 180
e) "A higiene social é uniu obra de ciência e
uma obra de moral" 182
f) Á "melindrosa"* e o "almofadinha" . . . 181

A INQUISIÇÃO DO PENSAMENTO 203


a) A cátedra 205
b) As superstições 208
c) A educação mora! li11
d) A escola laica 215

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