Dicionário de Literatura Gay: 7.a edição (2022)
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Sobre este e-book
Gosta de literatura de temática LGBTQ+ mas não sabe o que ler a seguir? Procura um livro infantil ou juvenil sobre orientação sexual ou identidade de género para oferecer ao seu filho? Ouviu falar de um certo romance e quer saber mais antes de o comprar? Quer ficar a conhecer melhor um autor de que gosta muito? Gosta de história e quer saber quando foi escrito o primeiro romance queer de Portugal? Investiga sobre temática LGBTQ+ e pretende reunir bibliografia relevante?
Poderá encontrar respostas a estas e a muitas outras questões nas páginas da 7.a edição do Dicionário de Literatura Gay de Portugal, uma obra de referência inédita e indispensável, a primeira edição completa, de “A” a “Z”, que conta com 1016 verbetes principais, bem como inúmeros verbetes temáticos e aquela que será talvez a primeira proposta sistemática de uma cronologia da literatura LGBTQ+ de Portugal.
Neste dicionário, ambicionamos incluir todas as representações LGBTQ+ da literatura portuguesa, englobando não só aquilo a que Eduardo Pitta chama literatura homossexual e literatura gay, mas também a literatura queer, bem como todas as referências literárias históricas associadas a questões de orientação sexual e de identidade e expressão de género, aquilo a que, em conjunto, designamos por literatura gay ou literatura LGBTQ+.
Esta é a primeira edição completa do Dicionário de Literatura Gay, que inclui pela primeira vez todos os verbetes, de “A” a “Z”. Os verbetes estão organizados por ordem alfabética e são dedicados a livros, revistas, autores, temas, personagens, livrarias, editoras, prémios literários ou outras referências da literatura LGBTQ+ de Portugal.
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A INDEX ebooks é uma editora especializada em ebooks de literatura gay em língua portuguesa a preços baixos.A publicação de novas obras de literatura gay por autores portugueses, brasileiros ou de outros países de expressão portuguesa é muito reduzida, tal como a reedição de obras esgotadas e a oferta, em português, de literatura gay traduzida.Queremos facilitar a todos os leitores do português, espalhados pelo mundo, o acesso a este acervo de obras de literatura gay.
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Dicionário de Literatura Gay
Livros, Autores e Referências da Literatura Lésbica, Gay, Bissexual, Transgénero e Queer de Portugal
Sétima edição:
de A Alma Trocada até Zona Livre
INDEX ebooks
2022
Ficha técnica
Título: Dicionário de Literatura Gay: Livros, Autores e Referências da Literatura Lésbica, Gay, Bissexual, Transgénero e Queer de Portugal. 7.ª edição, de A Alma Trocada
a Zona Livre
.
Coordenação e revisão: João Máximo e Luís Chainho.
Foto da capa: detalhe de obra atribuída a Salvador Dali, por gentileza de Dulce Costa.
Edição 7.00 de 1 de agosto de 2022
Copyright © João Máximo e Luís Chainho, 2014, 2015, 2017, 2018, 2019 e 2022
Todos os direitos reservados.
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Lisboa, Portugal
ISBN: 978-1005456740
Introdução
Quando perguntámos a Richard Zimler se um dos seus livros poderia incluir-se na categoria de literatura gay, o autor respondeu que gostaria que a sua obra fosse avaliada apenas pela sua qualidade literária. Tal como Zimler, a grande maioria dos autores e editores prefere afastar-se de etiquetas que condicionam a leitura das suas obras. Harold Bloom, o reputado crítico norte-americano, afirma com contundência: Outro dia fui falar de cinco dos meus poetas preferidos: Whitman, Pessoa, Lorca, Hart Crane e o maravilhoso Luís Cernuda. São todos homossexuais, mas que me interessa saber se eles preferem dormir com homens ou mulheres?
No entanto, como refere Ana Cristina Santos: "Em contextos em que as sexualidades que escapam à normatividade heterossexual são remetidas para a invisibilidade e marginalidade (como nos meios mainstream portugueses), torna-se necessário reinvestir e consolidar categorias que lutem contra essa invisibilidade."
Com efeito, a literatura de temática gay, como categoria, depois de nos primeiros anos do século XXI ter emergido brevemente da longa noite sexual do Estado Novo
e dos primeiros anos do Portugal democrático
, nas palavras de Fernando Curopos, tem vindo a ser de novo remetida para a invisibilidade
nos catálogos das editoras, nas prateleiras das bibliotecas e livrarias, e nas secções dos jornais e revistas. Foi essa a razão que nos motivou a compilar um dicionário de literatura gay, que inclua todas as representações LGBTQ+ da literatura portuguesa, com as quais as pessoas LGBTQ+ se possam identificar, nas quais se possam rever e que as ajudem a compreender-se melhor ou a serem melhor compreendidas.
A literatura LGBTQ+ é, neste dicionário, vista pelos olhos de pessoas LGBTQ+, e a decisão de incluir, ou não, um certo livro ou autor só por esse prisma foi avaliada, nada significando obviamente em relação à orientação sexual ou identidade de género dos envolvidos. Com o objetivo de explicitar os critérios de inclusão de verbetes neste dicionário, incluímos um capítulo de Perguntas Frequentes nesta secção introdutória do dicionário, cujas respostas proporcionarão, de forma simples, informações mais detalhadas sobre este assunto.
Além de dar maior visibilidade à literatura LGBTQ+, compilar um dicionário como este traz o enorme benefício de proporcionar uma visão de conjunto sobre a temática dicionarizada, o que permite propor uma abordagem cronológica, possivelmente inédita, à literatura LGBTQ+ portuguesa. Sobre este primeiro esboço cronológico, que se inicia no séculos XII, com as cantigas de escárnio e maldizer dos cancioneiros medievais galaico-portugueses, em que surgem as primeiras referências a orientações sexuais e de género dissidentes, passando pelas cenas de sexo lésbico para excitar o prazer masculino cisgénero dos romances de literatura para homens
, e pelo longo período do armário literário português
que se manteve encerrado durante quase todo o século XX, com uma breve exceção, que ficou conhecida como o episódio da literatura de Sodoma
, recomendamos a leitura do capítulo Cronologia da literatura LGBTQ+ portuguesa.
Esta é a primeira edição completa do Dicionário de Literatura Gay, que inclui pela primeira vez todos os verbetes, de A a Z. Os verbetes estão organizados por ordem alfabética e são dedicados a livros, revistas, autores, temas, personagens, livrarias, editoras, prémios literários ou outras referências da literatura LGBTQ+ de Portugal. Em cada verbete incluímos um pequeno resumo ou apresentação da obra ou do autor, bem como algumas citações de fontes fiáveis que permitem colocar o assunto em contexto e explicar a sua relevância para o dicionário.
Para a elaboração deste dicionário contribuíram voluntariamente, ao longo dos últimos oito anos, diversos amigos e leitores entusiastas, nomeadamente os membros do Grupo de Literatura Gay Portuguesa do Goodreads, a quem estamos gratos. Agradecemos também a todos os autores citados e, muito em especial, aos nossos amigos Patrícia Relvas, Miguel Botelho, João Roque, Margarida Leitão, Claudino Moura, Filipe Serra Carlos e Vasco Arriaga, não só pelas suas contribuições informadas, mas sobretudo pelo encorajamento constante e amizade, que permitiram que levássemos a bom porto tão ambicioso projeto.
Bibliografia:
Harold Bloom, Agora temos obras-primas lésbicas esquimós
(Público, maio de 2001, citado em: Isabel Coutinho, Diz-me com quem dormes e eu digo-te o que escreves?
Público, 24 de agosto de 2007, ler aqui)
Ana Cristina Santos (citada em Anna M. Klobucka, "Was Camões Gay? Queering the Portuguese Literary Canon", artigo apresentado à convenção Modern Language Association, Chicago, 28 de dezembro de 2007, ler aqui)
Eduardo Pitta, Fractura, a condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea (Coimbra: Angelus Novus, 2003)
Fernando Curopos, Arsénio de Chatenay e seus mistérios
(Os Mistérios do Asfondelo, Lisboa: INDEX ebooks, 2020)
Cronologia da literatura LGBTQ+ portuguesa
Compilar um dicionário de literatura LGBTQ+ traz consigo o enorme benefício de proporcionar uma visão de conjunto sobre a temática dicionarizada, o que permite propor uma abordagem cronológica, possivelmente inédita, à literatura LGBTQ+ portuguesa, em que procuramos identificar grandes períodos e correntes literárias, de alguma forma homogéneos, de textos e autores portugueses que, ao longo da história, foram olhando para a sociedade, retratando os seus costumes, opiniões e tendências, e assim contribuindo para que possamos hoje compreender melhor o que foi e o que é ser LGBTQ+ em Portugal.
Uma cronologia da literatura LGBTQ+, por outro lado, pode ser uma excelente ferramenta de orientação e enquadramento à leitura ou ao estudo e investigação, por colocar em evidência tendências, influências e evoluções, entre épocas, géneros e autores, tanto ao nível social, como político ou moral e religioso, que de outro modo poderiam de alguma forma passar desapercebidas.
Figura 1. Cronologia da literatura LGBTQ+ portuguesa
Nesta cronologia da literatura LGBTQ+ portuguesa que agora propomos, e cuja representação esquemática apresentamos na figura 1, distinguimos dois grandes períodos: no primeiro, desde os primórdios da literatura até finais do século XIX, surgem as primeiras representações LGBTQ+ na literatura portuguesa, ao passo que no segundo, de finais do século XIX em diante, a temática LGBTQ+ passa a ser central nas obras e na produção de alguns autores.
No primeiro período, quando surgem os primeiros apontamentos ou caricaturas de sexualidades e identidades de género divergentes na literatura, podemos identificar os seguintes grandes grupos:
Poesia fescenina, erótica e satírica: as primeiras representações de sexualidades não normativas, que surgem logo com os primeiros textos literários em português, no século XII, e continuam a poder ser observadas até às primeiras décadas do século XX.
Literatura para homens: romances de teor erótico ou obsceno, de autores portugueses, que começaram a circular em meados do século XIX e foram sendo publicados até inícios do século XX.
Realismo: corrente literária da segunda metade do século XIX, que se prolonga até ao início do século XX, na qual surgem os primeiros personagens homossexuais secundários, mas credíveis, da literatura portuguesa.
Já no segundo período, consideramos primeiro vários subconjuntos de livros, géneros e autores, daquilo a que chamamos de literatura de temática LGBTQ+:
Arsénio de Chatenay: um autor ímpar que, com quase cem anos de antecipação, escreveu romances queer já no último quartel do século XIX, criando personagens principais fortes e coerentes que apresentam sexualidades e identidades de género não normativas.
Scientia sexualis portuguesa: a medicina portuguesa, na senda da invenção da homossexualidade
pela ciência do centro da Europa, também se interessou pelas perversões e patologias sexuais
, entre finais do século XIX e inícios do século XX.
Romances sobre patologias sexuais e Decadentismo: a partir de 1891, com a publicação de O Barão de Lavos, de Abel Botelho, considerado o primeiro romance de temática homossexual de Portugal, e até ao primeiro quartel do século XX, a curiosidade do público pelas novas sexualidades desviantes
foi satisfeita na literatura com romances em que os personagens principais eram perversos, degenerados ou decadentes.
O armário literário: a instauração de regimes mais repressivos política e moralmente, no último quartel do século XIX, forçou os autores LGBTQ+ a esconderem-se por detrás de uma rede semântica
, nas palavras de António Fernando Cascais, que era decifrável pelas pessoas LGBTQ+ mas opaca para terceiros.
Literatura de Sodoma: um breve período de revolta
contra o asfixiante armário literário, nas décadas de 1920 e 1930, protagonizado por António Botto, Raul Leal, Judith Teixeira e Fernando Pessoa, que termina com a apreensão e queima de livros de temática LGBTQ+.
Masculinidades na Guerra Colonial: um corpo de literatura que encontra o seu tema principal na guerra colonial portuguesa (1961-1974), em que é colocada em causa a ideia de masculinidade e surgem diversos relatos de relações homoafetivas e homoeróticas.
Literatura LGBTQ+: a partir de finais do século XX, surge uma literatura que inclui já um sentido de identidade e comunidade, e impõe direitos de cidadania
, nas palavras de Eduardo Pitta.
Poesia fescenina, erótica e satírica
Quase desde o nascimento da literatura portuguesa, no século XII, que nela podemos encontrar representações de sexualidades diversas. Natália Correia revelou-nos, nos cancioneiros medievais, possivelmente aquilo que será a primeira representação do desejo lésbico na literatura portuguesa, uma Maria Mateus, que gosta mais de cono do que eu
. São sobretudo canções de escárnio e maldizer, que acossam e denunciam personagens da corte, como um certo meirinho Fernão Dias, que «se anda fodendo com outro». Mas nem todas estas canções sobre sexualidades não normativas são cáusticas e mordazes: entre elas há uma canção extraordinária, uma canção que poderá eventualmente descrever um amor entre dois homens: «Estas mágoas que de sofrer hei, / meu amigo, muitas e graves são; / e vós mui graves, e há muito tempo, / mágoas sofreis; e por isso não sei / de mim por vassalo e vós por senhor, / de nós qual sofre mais mágoas de amor".
Já no século XVII, Gregório de Matos continua a usar a poesia para fustigar a homossexualidade dos governadores, a sodomia dos padres, a fornicação das freiras
, tal como o fará depois, no século XVIII, Bocage, que nos seus sonetos eróticos, burlescos e satíricos não deixa, no entanto, de manifestar certos apetites sexuais: Putas, adeus! Não sou vosso devoto; / Co’um sesso [rabo] enganarei a fantasia, / Numa escada enrabando um bom garoto.
É ainda graças à poesia obscena de temática homossexual que conseguimos compreender hoje que já em finais do século XIX existia em Lisboa uma certa cultura homossexual masculina
e até um certo sentido de comunidade
, como afirma Fernando Curopos, autor que nos dá, em Versos Fanchonos, Prosa Fressureira, um panorama alargado da poesia homossexual erótica e satírica da época, na qual o Almanak Caralhal, publicado em 1860, surge em grande destaque.
Mais recentemente, continuamos a ouvir ecos da poesia satírica medieval e da poesia erótica e obscena dos séculos XVIII e XIX, como, por exemplo, em O Bispo de Beja, um forte manifesto anticlerical do início do século XX, e na poesia fescenina contemporânea de Fernando Correia Pina e J. J. Sobral.
Literatura para homens
Com a popularização do romance e da novela, no século XIX, a poesia deixa de ser o principal registo onde podemos encontrar representações de dissidências de género e sexualidade. Foi por esta época que começaram a circular clandestinamente em Portugal os primeiros romances de literatura para homens provenientes do estrangeiro, no idioma em que foram escritos ou em tradução. O primeiro romance português deste género literário terá sido Saturnino, Porteiro dos Frades Bentos, publicado em 1842, ainda assim uma recriação imaginativa e peculiar do romance francês Histoire de dom B... portier des chartreux (1741).
Estes romances eram destinados a alimentar e satisfazer o prazer erótico dos homens heterossexuais cisgénero e a encher as carteiras dos seus autores e editores, que se escondiam quase sempre à sombra do anonimato. Não tinham frequentemente grande pretensões literárias, chegando alguns a ser literalmente pornográficos. Um dos dispositivos de narração utilizados, por exemplo, era o de colocar o leitor na posição de voyeur, utilizando para isso um personagem que narra na primeira pessoa as cenas sexuais, de carácter sobretudo heterossexual, mas também lésbico e raramente homossexual, em que participa ou observa à socapa.
Numa época de forte anticlericalismo, os romances de literatura para homens são com frequência ambientados em conventos, onde freiras lúbricas se envolvem em cenas tórridas de sexo lésbico com outras freiras enclausuradas, ou com qualquer frade ou jardineiro que apanhem à mão. É o caso dos best-sellers da época, como foram Os Serões do Convento, que terá sido escrito anonimamente por António Feliciano de Castilho (ou pelo seu irmão José), ou Os Mistérios do Asfondelo, de Arsénio de Chatenay, autor a quem dedicamos um capítulo especial nesta cronologia.
No início do século XX, com o aparecimento sucessivo de novas tecnologias para a divulgação e comércio associados ao erotismo e à pornografia, inicialmente a fotografia e o filme, depois o áudio e o vídeo e, finalmente, a Internet, desapareceu quase por completo a prosa erótica e obscena para consumo masculino.
Arsénio de Chatenay
Arsénio de Chatenay é um caso aparte na literatura portuguesa de temática LGBTQ+ do século XIX. Embora possivelmente também motivado pelos objetivos comerciais dos romances de literatura para homens, Chatenay será talvez o primeiro autor cujos personagens não se definem apenas pelos atos sexuais que praticam, mas antes apresentam uma identidade sexual própria, da qual estão conscientes e com a qual se identificam, e a quem o autor não condena, antes brindando com finais felizes. Os seus personagens principais são frequentemente mulheres fortes, que fogem às simples relações lésbicas para gozo do leitor-voyeur, envolvendo-se em complexas relações poliamorosas, como em Os Mistérios do Asfondelo (1886), ou ultrapassando situações de confusão de género, como em Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha (1877-1882).
Fernando Curopos considera que Arsénio de Chatenay está a par de tudo o que se faz a nível da scientia sexualis da época, mas discorda dela de certa maneira. Enquanto os médicos escrevem para condenar os atos contranatura das lésbicas (e dos homossexuais), ele demonstra a naturalidade da sexualidade humana, liberta de qualquer constrangimento. A sexologia que está a ser inventada pela medicina é castradora, passa a definir o que é a sexualidade (verdadeira = heterossexual, procriadora, genital) e os comportamentos patológicos. Chatenay sabe disso e escreve contra essa mesma scientia sexualis
. Logo, na periférica praia lusitana
, aparece um homem a escrever sobre sexo, servindo-se do discurso vindo lá de fora (Paris-Berlim), mas para escrever contra ele. E essa desconstrução só será feita um século mais tarde, a partir de Foucault... Na literatura finissecular (no naturalismo, como em Abel Botelho, ou no decadentismo, como em Villa-Moura), o que sobressai é o patológico e a condenação dos atos contranatura, nunca o narrador aparece a defender os perversos
. Têm que morrer, como o Barão de Lavos ou a Maria Peregrina, por serem seres abjetos. Joaninha, Raquel, Maria das Dores, e as outras ribaldas
de Chatenay, acabam bem, e isso é que faz com que Arsénio de Chatenay seja um autor ímpar.
O realismo
A literatura do século XIX foi dominada por dois grandes movimentos literários: o romantismo e o realismo. O romantismo olhou para o mundo e para a humanidade de uma forma idealizada e subjetiva, sentimental, romântica
, e talvez por isso nem sequer reparasse na diferença, no não normativo. Em oposição ao romantismo, surgiu na segunda metade do século XIX o realismo, que estava interessado na vida tal como ela era, objetiva e implacavelmente. Foi essa curiosidade pela realidade da vida que fez com que nos romances realistas surgissem os primeiros personagens homossexuais credíveis. São por norma personagens secundários e aparecem frequentemente em episódios curtos, que por vezes não ultrapassam um par de parágrafos, mas são os primeiros retratos que nos chegaram através da literatura dos homossexuais tal qual eram nessa época. Exemplo paradigmático destes relatos podem encontrar-se em Eça de Queirós, o grande mestre do realismo, com o seu Libaninho, de O Crime do Padre Amaro (1875) ou os pequenos apontamentos sobre Leopoldina, uma lésbica, em O Primo Basílio (1878), ou alguns diálogos soltos sobre António Moreno, conhecido em Coimbra por Antoninha Morena, em A Ilustre Casa de Ramires (1900). Acredita-se até que Eça estaria a planear escrever um romance que, pelo título, O Gorjão – Primeira Dama (mencionado pelo autor em correspondência de 1877), poderia ter como personagem principal um homossexual. Infelizmente, parece que este projeto de romance de Eça acabaria por nunca se materializar.
Mais tarde, já no século XX e já no seio de outras correntes literárias, encontraremos ecos destes personagens LGBTQ+ do realismo, como na série de romances de fundo autobiográfico A Velha Casa (1945-1966), de José Régio, ou no tio Ângelo, de Vitorino Nemésio, em Mau Tempo no Canal (1944), ou no olhar curioso mas não moralizador de Jorge de Sena, em, por exemplo, o Rufininho, de Sinais de Fogo (1979), ou ainda, já no século XXI, em Chalila Boé, o mulato adamado de O Pecado de Porto Negro (2014), de Norberto Morais.
Scientia sexualis portuguesa
Na segunda metade do século XIX, a heterossexualidade era considerada pela ciência e pela medicina como sendo a norma biológica natural, pelo que a homossexualidade que então era descoberta
, bem como as outras sexualidades e identidades que começavam a ser observadas, foram logicamente classificadas como patologias, passíveis de tratamento médico, ou degenerescências físicas, a eliminar cirurgicamente. Esta evolução do pensamento científico internacional acabou refletida na obra de diversos médicos e cientistas nacionais. Em 1886, Basílio Freire, em Os Degenerados, utiliza pela primeira vez o termo homossexual
em português, ao passo que Adelino da Silva prefere o termo inversão sexual
, escolhendo-o para título da sua obra pioneira, A Inversão Sexual (1896). Mais tarde, são também de mencionar a canónica A Vida Sexual (1902), de Egas Moniz, onde no segundo volume, justamente intitulado Patologias, o Nobel da Medicina português dedica um extenso capítulo à homossexualidade, bem como outras obras, tais como o Amor Sáfico e Socrático (1922), de Arlindo Camilo Monteiro, e a Evolução da Pederastia e do Lesbismo na Europa (1926), de Asdrúbal António de Aguiar.
Durante o regime autoritário do Estado Novo, em meados do século XX, a moral religiosa e conservadora impostas dificultaram a investigação e a publicação de obras sobre sexualidade, apenas circulando quase clandestinamente alguns títulos estrangeiros, poucos dos quais traduzidos. Só com o ativismo pelos direitos civis dos homossexuais do pós-25 de Abril, e a visibilidade tristemente trazida pela pandemia da SIDA, a legislação foi sendo progressivamente adaptada para satisfazer as reivindicações de despenalização (1982), de igualdade perante a lei (1995-2005) e do casamento civil (2010), por exemplo. E foi assim que nas últimas décadas voltaram a surgir na literatura obras de caráter científico ou de divulgação científica que abordam a temática LGBTQ+, agora sobre uma grande diversidade de perspetivas, nomeadamente social, antropológica, cultural, jurídica ou política, bem como livros de esclarecimento e autoajuda destinados aos homossexuais e suas famílias, escritos por psicólogos e psiquiatras.
Romances sobre patologias sexuais e decadentismo
Em Portugal, a representação da homossexualidade na literatura de ficção antecede o discurso médico com o personagem Libaninho, de O Crime do Padre Amaro (1875), de Eça de Queirós, e com o conto O Berloque Vermelho (1875), de Silva Pinto. No entanto, o interesse e a curiosidade que despertam na sociedade as novas ideias sobre sexualidade estabelecidas pela scientia sexualis acabará por ter reflexo na literatura de ficção portuguesa já nos finais do século XIX e princípios do século XX, com romances e contos em que os personagens principais são invertidos
ou degenerados
, que acabam por sofrer destinos nefastos (isolamento e desgraça social, doenças, morte ou suicídio). De entre estes romances naturalistas ou decadentistas que pretendem avisar contra os males e o declínio da sociedade, são de destacar os da série Patologia Social (1891-1910), em 5 volumes, de Abel Botelho, em que se inclui o primeiro romance português que toma para personagem principal um homossexual, O Barão de Lavos (1891), e os da série Tuberculose Social (1901-1905), em 12 volumes, de Alfredo Gallis, onde surgem os romances Sáficas (1902) e O Sr. Ganimedes (1906), bem como o romance do Visconde de Vila-Moura, Nova Safo (1912).
O armário literário português
Os estudos sobre sexualidade do século XIX, que permitiram constatar a existência de diferentes anatomias genitais e sexualidades, e de imediato procederam à sua classificação como perversidades, anomalias ou patologias, resultaram também na criação de um refúgio, o famigerado armário
, onde encontraram proteção, mas também isolamento e desespero, os dissidentes sexuais e de género. Da mesma forma, os escritores e poetas que então ganhavam consciência da sua sexualidade divergente se viram compelidos a fecharem-se num armário literário
, o qual, embora ocultasse do leitor comum a sexualidade dos autores e dos sujeitos ou personagens das suas obras, permitia, através pistas subtis e referências identitárias codificadas, que os textos fossem compreendidos na sua verdade intrínseca pelos leitores que se encontravam também mais ou menos oprimidos pelo mesmo armário
. António Fernando Cascais refere que, apesar de ser sobretudo um local de isolamento e proteção contra as agressões da sociedade, o armário literário foi, também, um veículo de comunicação, partilha e solidariedade entre iguais. Silva Pinto, com o conto O Berloque Vermelho, e o autor seu contemporâneo, António Nobre, alvo de críticas homofóbicas aquando da publicação do seu livro de poesia, Só (1892), terão sido dois dos primeiros autores portugueses forçados a encontrar refúgio no armário literário
.
Na primeira metade do século XX, com a instauração do regime conservador do Estado Novo (1933-1974), a repressão da expressão das sexualidades não normativas atingiu tais proporções que Eduardo Lourenço, citado em Sinais de Cinza
, chega a afirmar que toda a poesia portuguesa na segunda metade do século XX era homossexual. Casos paradigmáticos foram os de poetas como Eugénio de Andrade ou Pedro Homem de Mello, e mais tarde, Luís Miguel Nava ou Joaquim Manuel Magalhães. Ao contrário do que seria de esperar, a queda do Estado Novo e o advento da democracia e da liberdade em Portugal, depois da revolução de Abril de 1974, não escancarou de imediato as portas ao armário literário português, e alguns autores proeminentes, como Mário Cláudio ou Ana Luísa Amaral só se sentiriam confortáveis para assumir a sua sexualidade muitos anos depois.
Literatura de Sodoma
Uma breve exceção, prontamente reprimida, ao armário literário português ocorreu com a reedição em 1922 do livro de poemas Canções, de António Botto, que continha poesia de teor abertamente homoafetivo e homoerótico, o que causou enorme polémica nos meios conservadores e religiosos da época. Fernando Pessoa, com artigos em revistas, e Raul Leal, com o opúsculo Sodoma Divinizada (1923), que acabaria por dar nome ao episódio, saíram em defesa de Botto. Os livros de Botto e Raul Leal, bem como Decadência (1923), de Judith Teixeira, seriam apreendidos e queimados, e estes autores foram votados ao esquecimento do público, da academia e da crítica literária, só voltando a receber a atenção que mereciam já nos últimos anos do século XX.
Masculinidades na Guerra Colonial
A guerra colonial portuguesa, que decorreu em Angola, na Guiné-Bissau e em Moçambique, entre 1961 e 1974, envolveu sobretudo homens jovens, colocados perante uma realidade desconhecida, longe do seu ambiente social e familiar, num rígido ambiente militar e sob ameaça permanente. Este cenário de violência, ansiedade e tensão psíquica, em que a proteção mútua é vital para a sobrevivência de cada um, colocou em causa os modelos vigentes de sexualidade masculina e favoreceu o aparecimento de relações homoafetivas e homoeróticas entre os militares.
A necessidade de narrar experiências de guerra, quase sempre traumatizantes, deu origem a uma grande quantidade de contos, romances e textos dramáticos, onde frequentemente surgem personagens envolvidos em relações homossexuais ou homofóbicas, como é o caso de Capangala Não Responde (1978), de Jorge de Sena, Um Jeep em Segunda Mão (1982), de Fernando Dacosta, Fado Alexandrino (1983), de António Lobo Antunes, Até Hoje, Memórias de Cão (1986), de Álamo Oliveira, Os Navios Negreiros Não Sobem o Cuando (1993), de Domingos Lobo, ou Nó Cego (1995), de Carlos Vale Ferraz. Ainda tendo como pano de fundo a guerra colonial, mas escolhendo para personagem principal Guy, um homossexual, é de salientar o romance de Guilherme de Melo, A Sombra dos Dias (1981), uma saga familiar que começa antes do início da guerra colonial e se prolonga para além do seu desfecho, relatando o drama dos retornados
a Portugal após a independência dos novos países africanos.
Várias décadas depois de ter terminado, a guerra colonial continua a ser fonte de inspiração literária, como no conto Pena Capital (2009), de Domingos Lobo, e em Ilha de Metarica, Memórias da Guerra Colonial (2014), de João Carlos Roque, o primeiro livro de memórias narrado na primeira pessoa por um militar homossexual.
Literatura LGBTQ+
As promessas de liberdade da revolução de 25 de Abril de 1974, que pôs termos ao regime repressivo do Estado Novo, não se concretizaram imediatamente no que respeita às minorias sexuais. Com poucas exceções, de entre as quais se destacam a poesia queer de Al Berto, reunida em O Medo (1987), o já mencionado Guilherme de Melo, com A Sombra dos Dias (1981), e António Variações, com a sua A Canção do Engate (1984), entre outras, o armário literário português manteve-se de portas mais ou menos trancadas até ao princípio do século XXI. É por esta altura que surgem os primeiros textos literários nos quais os autores abandonam os subentendidos e expõem abertamente e conscientemente a sexualidade não normativa dos seus personagens, que passam agora a ocupar lugares de destaque na trama ficcional, libertos dos estigmas patológicos de outrora, ou da repressão institucional ou censura homofóbica social recentes, como é o caso do romance Pode Um Desejo Imenso (2002), de Frederico Lourenço, ou da antologia de contos Persona (2000) e do romance Cidade Proibida (2007), ambos de Eduardo Pitta, e, mais tarde, de Ara (2013), de Ana Luísa Amaral, e Astronomia (2015), de Mário Cláudio, as obras com que estes dois autores premiados selaram a sua saída do armário literário. Presentemente, a produção literária de conteúdo e temática LGBTQ+ é considerável, nomeadamente no campo da não-ficção e da literatura infantil, bem como no da reedição de obras esgotadas ou antes forçadas ao esquecimento.
Bibliografia:
Natália Correia, Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (Lisboa: Antígona/Frenesi, 2008)
Eduardo Pitta, Fractura, a condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea (Coimbra: Angelus Novus, 2003)
António Fernando Cascais, Apresentação de «O Berloque Vermelho» de Silva Pinto
(O Berloque Vermelho, Lisboa: INDEX ebooks, 2021)
Rodrigo Anes de Vasconcelos, Aquestas coitas que de sofrer hei
(Cancioneiro da Biblioteca Nacional, n.º B368, séc. XII a XIV, adaptação nossa)
M. M. Barbosa du Bocage,Que eu não possa ajuntar como o Quintela
(Poesias Eroticas, Burlescas e Satíricas, Lisboa, 1853)
Fernando Curopos, Introdução
(Versos Fanchonos, Prosa Fressureira: uma Antologia, 1860-1910, Lisboa: INDEX ebooks, 2019)
António Manuel Ferreira, Sinais de cinza: derivas homoeróticas na obra de Jorge de Sena
(Ler Jorge de Sena, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2009, ler aqui)
Perguntas frequentes
Um dicionário é acima de tudo uma coleção sistemática, ordenada, abrangente e normalmente não valorizada sobre um qualquer ramo do saber humano. A inclusão de certos artigos ou verbetes num dicionário depende sobretudo de decisões sobre a relevância dos mesmos para a temática dicionarizada. Estas decisões deverão ser, tanto quanto possível, coerentes e bem definidas, embora incluam obviamente alguma componente de avaliação subjetiva. Foi para tentar explicar de forma simples e descomplexada quais os critérios que nos serviram para compilar este dicionário de literatura LGBTQ+ de Portugal que preparámos o conjunto de perguntas e respostas que se segue.
O que é um livro gay, o que é a literatura gay, o que é a literatura LGBTQ+?
Eduardo Pitta distingue a literatura homossexual da literatura gay, afirmando que "a primeira reflete sensibilidades e experiências isentas de sentido político determinado, a segunda não dispensa nunca o lastro ideológico. O homossexual «coexiste». O gay impõe direitos de cidadania". Neste dicionário, ambicionamos incluir todas as representações LGBTQ+ da literatura portuguesa, englobando não só aquilo a que Pitta chama literatura homossexual e literatura gay, mas também a literatura queer, bem como todos os livros, autores, instituições e referências literárias associadas às questões de orientação sexual e da identidade e expressão de género, aquilo a que, em conjunto, designamos por literatura LGBTQ+.
Então porque é que o dicionário se chama apenas de literatura gay?
Literatura gay é uma forma simplificada de nos referirmos à literatura LGBTQ+. Trata-se de uma designação com valia histórica, que se começou a utilizar em finais do século XX, por associação aos movimentos de libertação gay, nos Estados Unidos e, posteriormente, na Europa. Normalmente, quando falamos de literatura gay neste dicionário estamos de facto a referir-nos a livros, autores e referências da literatura lésbica, gay, bissexual, transgénero e queer de Portugal, tal como indica o subtítulo que escolhemos para o nosso dicionário.
O que é a literatura LGBTQ+ de Portugal?
Tradicionalmente, considera-se literatura portuguesa toda a produção literária escrita em português por autores portugueses. Mas, o que dizer, por exemplo, de uma obra de temática gay de Richard Zimler, um autor americano que tem dupla nacionalidade, é casado com um português e reside em Portugal há muitos anos, mas escreve originalmente em inglês? Ou de uma biografia de Fernando Pessoa, escrita em português por um brasileiro que contratou uma equipa de investigação de portugueses durante quase uma década para o apoiar no trabalho de pesquisa para a escrita do livro? As fronteiras que delimitam o que é a literatura portuguesa não são rígidas e definitivas, sendo frequentemente objeto de debate. O mesmo se passa com a literatura LGBTQ+ de Portugal. A nossa opção, neste dicionário, foi a de pecar por excesso, aceitando que é preferível errar para não correr o risco de deixar de fora nada de relevante para os leitores.
A literatura gay interessa apenas aos leitores gay?
Tal como todas as obras de grande qualidade literária, também as grandes obras da literatura gay atraem um extenso número de leitores. Mas não só entre a comunidade LGBTQ+! A boa literatura é um espelho da alma humana, e sentimentos como o amor, a amizade, mas também o ciúme ou o ódio, são indiferentes à orientação sexual ou à identidade de género dos seus protagonistas, e têm o poder de nos atrair e emocionar a todos. A literatura LGBTQ+ poderá interessar especialmente às pessoas LGBTQ+. Mas, de forma nenhuma, interessará apenas às pessoas LGBTQ+.
Só as pessoas LGBTQ+ escrevem literatura LGBTQ+?
Não! Caso contrário, só teríamos literatura policial escrita por detetives (ou criminosos!) ou literatura juvenil escrita por... crianças e adolescentes. Ah! e seguramente teríamos de passar sem a ficção-científica, pelo menos até se inventarem as viagens no tempo ou contactarmos com alguma civilização intergaláctica. Com efeito, estão presentes neste dicionário muitos autores que não identificamos nem se identificam a si mesmos como pessoas LGBTQ+, incluindo autores consagrados, tais como Eça de Queirós, Jorge de Sena, António Lobo Antunes, Rosa Lobato Faria ou Daniel Sampaio. Mais do que a orientação sexual ou identidade ou expressão de género do autor, interessam os seus personagens, os seus temas e os seus textos.
Todas as obras de um autor gay são de literatura gay?
Há quem diga que a orientação sexual e a identidade de género de um autor é uma condicionante tão forte na sua experiência de vida, nos seus comportamentos e reflexões, que não pode deixar de influenciar a sua obra. Defendem, por isso, que todas as obras de autores LGBTQ+ são parte integrante da literatura LGBTQ+, mesmo as que, aparentemente, não sejam explicitamente de temática LGBTQ+. No entanto, como consideramos que a perspetiva do leitor é a mais importante, trouxemos para este dicionário apenas as obras que possam ter uma leitura LGBTQ+.
Basta que haja um personagem LGBTQ+ para que a obra seja de literatura LGBTQ+?
Não. Por exemplo, no caso de A Porta ao Lado (Guilherme de Melo), o Ruizinho é um personagem menor, sem relevo no enredo, sem profundidade, pelo que não nos pareceu relevante criar verbetes específicos no dicionário para a obra ou para o personagem. Ao invés, tanto o Rodrigues como o Rufininho, de Sinais de Fogo (Jorge de Sena), são personagens fortes e marcantes, pelo que, mesmo sendo personagens secundários e não determinantes para a narrativa do romance, a sua relevância dicionarística parece óbvia. Neste dicionário, incluímos entradas mais extensas dedicadas aos personagens LGBTQ+ mais relevantes e breves verbetes de referência, sobretudo com o intuito de enquadrar e facilitar a indexação e pesquisa, para as obras em que esses personagens se inserem.
A opinião do autor é determinante?
Em entrevista a Isabel Coutinho, Ali Smith, uma autora escocesa premiada, afirma: eu não sou o meu livro, nunca serei o meu livro ou mesmo um livro. Sou uma pessoa e os livros têm que fazer o seu trabalho. Têm que ser livros e têm que ser donos da história que contam.
Não é raro encontrar um autor que se deixa surpreender pela interpretação que os leitores, críticos ou encenadores fazem da sua obra. Sendo que os leitores são os juízes últimos das histórias que os livros contam, foi a partir do ponto de vista do leitor, e não do autor, que tentámos ponderar a relevância de um determinado texto para este dicionário.
Como poderemos falar de literatura gay quando o conceito de gay só surge na segunda metade do século XX?
Com efeito, a designação gay
, com a carga de significado político e ideológico que acarreta hoje, só surgiu nos Estados Unidos na segunda metade do século passado. Do mesmo modo, a invenção do homossexual
, nas palavras de Michel Foucault, só aconteceu na Europa na segunda metade do século XIX. Quando falamos de literatura gay ou de literatura LGBTQ+ estamos de facto a generalizar e a referir-nos a todas as representações literárias de sexualidades, orientações e identidades de género com as quais as pessoas LGBTQ+ contemporâneas se possam identificar, nas quais se possam rever e que as ajudem a compreenderem-se melhor ou a melhor serem compreendidas.
Que mais poderei, então, encontrar neste Dicionário de Literatura Gay?
Para além de livros e autores, pensámos que seria interessante para os leitores deste dicionário poder pesquisar outras referências relacionadas com a literatura LGBTQ+, e foi por isso que incluímos também verbetes para personagens, editores, chancelas, livrarias e livreiros, concursos e prémios literários, bem como outras instituições, objetos ou pessoas associados ao universo da literatura LGBTQ+.
Bibliografia:
Eduardo Pitta, Fractura, a condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea (Coimbra: Angelus Novus, 2003)
Isabel Coutinho, Ali Smith, «Eu não sou o meu livro»
(Ípsilon, Público, 24 de agosto de 2007, ler aqui)
Michel Foucault, Histoire de la sexualité: la volonté de savoir (Paris: Gallimard, 1976)
Que há de novo?
Esta sétima edição do Dicionário de Literatura Gay é a primeira edição completa do dicionário, que inclui, pela primeira vez, todos os verbetes, de A
a Z
.
Para além dos novos verbetes correspondentes às letras de S
a Z
, de Saber ao Certo até Zona Livre, procedemos à atualização e melhoria de muitos dos verbetes constantes das edições anteriores e incluímos ainda as seguintes novidades:
A Gorda, romance, de Isabela Figueiredo.
A Bela Condessa, de Anónimo
A Canção do Engate, de António Variações
A Capital!, de Eça de Queirós
A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós
A Corja, de Camilo-Castelo-Branco
A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge
A Elipse, de Henrique de Vasconcelos
A Família Luxúria, de Fra Angélico
A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós
A Janela de Naná, de Gomes Leal
A Martinhada, de Caetano Souto Maior ou António Camões Souto Maior
A Mentira Vital, de Henrique de Vasconcelos.
A Nudez do Nosso Amor, de Daniel Soeiro Ribeiro
A Praga, de Francisco Manuel Cabral Metello.
A Primeira Vez, de Pedro Vidal
A Relíquia, de Eça de Queirós
A Representação das Minorias Sexuais na Informação Televisiva Portuguesa, de Clara Caldeira
A Uma Dama Que Macheava Outras Mulheres, de Gregório de Matos
A Verruga, de Fialho de Almeida
A Vida São 60 Segundos, de João Pedro Anjo
Afonso Reis Cabral (1990)
Alberto Pessoa (1883-1942)
Alberto de Oliveira (1873-1900)
Álbum de Famílias, de Susana Amorim e Rute Agulhas
Alfredo Cortês (1880-1946)
Alguns Livros Reunidos, de Joaquim Manuel Magalhães
Alma a Penar, de Henrique de Vasconcelos
Almanak do Frontão, de anónimo
Altisidora e Corisanda, de Júlio Dantas
Amar, Gozar, Morrer, de anónimo
Amor no Feminino, de Manuela Amaral
Antologia Ficção Especulativa Queer, de vários autores
António Botto & Fernando Pessoa, de Nuno Ribeiro e Margarida A. Bastos
António Botto e o Ideal Estético em Portugal, de Fernando Pessoa
António Camões Souto Maior (1694-1739)
António da Cunha Lemos de Azevedo Castelo Branco (1827-189-?)
António Feliciano de Castilho (1800-1875)
António Galrinho (1964)
António Lobo de Carvalho (1730-1787)
António Manuel Couto Viana (1923-2010)
António Moreno (personagem) de A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós
António Palolo, de Joaquim Manuel Magalhães
António Variações (1944-1984)
António Variações (livro de fotografia), de Teresa Couto Pinto
António Variações: Fora de Tom, de Manuela Gonzaga
António Variações: Uma Biografia, de Bruno Horta
Ao Lado de Clara, de David Mourão-Ferreira
Apologia cavilosa em defensa (...), de Gregório de Matos
Aquele Lustro Queer, de Bruno Horta
Arco Íris (fanzine)
Armando Côrtes-Rodrigues (1891-1971)
Armário literário português (tema)
Arsénio de Chatenay
As Duas Confidentes, de Petronius
As Noites Brancas do Papa Negro, de Manuel da Silva Ramos e Alface
Augusto Garraio (1845-??)
Basílio Freire (1857-1927)
Bâton, de Alfredo Cortês
Bocage (1765-1805)
Cabaret Repórter X / A Última Noite (...), de André Murraças
Caetano José da Silva Souto Maior (1694-1739)
Camilo Castelo Branco (1825-1890)
Camões do Rossio
Cancioneiro do Bairro Alto, de vários autores anónimos
Canis Dei, de Armando Silva Carvalho
Cartas de Olinda e Alzira, de Bocage
Cartas de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, organização de Manuela Parreira da Silva
Cartucho, de Joaquim Manuel Magalhães
Cena do Ódio, de Almada Negreiros
Cerebrais, de Henrique de Vasconcelos
Charlie (personagem) de Os Maias, de Eça de Queirós
Cinquenta. Orlando, Ouve, de André Murraças
Comédia de Bristo, de António Ferreira
Comédia do Fanchono, de António Ferreira
Contos, de Fialho de Almeida
Com’Out (revista)
Combustão, de Inês Marto
Constança, de Eugénio de Castro
Continua o poeta satirizando-o (...), de Gregório de Matos
Correspondência de António Nobre, organização de Guilherme de Castilho
Crispim (personagem) de Ursamaior, de Mário Cláudio
Crucificados, de Júlio Dantas
Dante, de Lince Rebelo e Rui Resende
David Mourão-Ferreira (1927-1996)
De Memória, organização de Rita Aires e Teresa Teixeira
De Noite, de Fialho de Almeida
Dedicatória extravagante que o poeta faz (...), de Gregório de Matos
Des(orientação): Assumir é o Caminho?, de João Geraldes
Devastação, de Eduardo Pitta
Diferente (revista)
Diogo Simões (1997)
Dislike, de Diogo Simões
Dissecação de um Cisne, de Miguel Bonneville
Divergentes, organização de Rita Aires e Sofia Sá
Do Corpo: Outras Habitações, organização de Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas
Doentes, de Júlio Dantas
É o Coração que Escolhe, de Ana Alegre
Eça de Queirós (1845-1900)
Elegia à Morte de Diogo Betancor, de António Ferreira
Enredos, de Rui Nunes
Ensaios de Santidade, de Miguel Bonneville
Entrevistas, de Francisco Manuel Cabral Metello
Episódios de um Baile, de anónimo
Eros Trágico, de Henrique de Vasconcelos
Erótica Pornográfica, de J. J. Sobral
Essa Dama Bate Bué!, de Yara Monteiro
Fado Alexandrino, de António Lobo Antunes
Feminina, de Mário de Sá-Carneiro
Fernan Díaz, este que and’aqui (cantiga), de Pero Garcia Burgalês
Fernando Campos (1924-2017)
Fernando Correia Pina (1954)
Fernando Curopos
Fialho de Almeida (1857-1911)
Fim de um Mundo, de Gomes Leal
Fisiologia do Fanchono, de anónimo
Florêncio, de Ladislau Batalha
Francisco Manuel Cabral Mettelo (1893-1982)
Free Spirits, de Marta Tasmânia
Galopam, de Joaquim Manuel Magalhães
Genealogia que o poeta faz do governador Antônio Luiz, de Gregório de Matos
Gervásio Lobato (1850-1895)
Gomes Leal (1848-1921)
Green God, de Eugénio de Andrade
Gregório de Matos (1636-1695)
Heitor - É Isto e é Bom!, de M. A. Vagos
Henrique de Vasconcelos (1876-1924)
Henriqueta, a Aventureira, de Augusto Garraio
Henriqueta Emília da Conceição, de Mário Cláudio
Henriqueta Emília da Conceição e Sousa (1845-1874)
Henriqueta, ou uma Heroína do século XIX, de António Joaquim Duarte Júnior
Hino a Pã, de Fernando Pessoa
Homens Sem Soutien, de Jorge Aguiar Oliveira
Homossexualidade (poema), de Joaquim Manuel Magalhães
Homossexualidade no Livro do Desassossego
de Fernando Pessoa, organização de Victor Correia
Homossexualidades, de Nuno Santos Carneiro
Idílio Triste, de Gomes Leal
Insubmissos, de Richard Zimmler
Irene Lisboa (1892-1958)
Isidro de Sousa (1973-2020)
Isto Não é um Glossário, de Teresa Teixeira e outros autores
J. J. Sobral
José Matias, de Eça de Queirós
Júlio Dantas (1876-1962)
Júlio de Melo Fogaça, de Adelino Cunha
Korpus (revista)
La Vendetta ou O Saldo de Contas, de Arsénio de Chatenay
Ladislau Batalha (1856-1939)
Lago, de Filipe Santos
Leopoldina (personagem) de O Primo Basílio, de Eça de Queirós
LES Online (revista)
Lídia Jorge (1946)
Lígia Silva (1985)
Lilás (revista)
Lisboa Galante, de Fialho de Almeida
Literatura de Sodoma (tema)
Literatura para homens (tema)
Livraria Aberta
Luís de Camões (1524?-1580)
Luísa, de Rabelais
M. L. (pseud.)
Manuela Amaral (1934-1995)
Margens de Mim, de Lígia Silva
Maria Bettencourt, de Henrique Levy
Maria Peregrina de Sousa (1809-1894)
Maríniculas, de Gregório de Matos
Masculina, de Júlio Dantas
Metamorfose, de Inês Marto
Miguel Bonneville (1985)
Miss Ellen, de Fialho de Almeida
Muda de Vida, de António Variações
Museu das Janelas Verdes, de João Miguel Fernandes Jorge
Na Rua do Volta Atrás (poema), de Fernando Pessoa
Narciso de Lacerda (1858-1913)
No Terraço, de Henrique de Vasconcelos
Noivos do Mar, de Henrique Levy
O Amante Japonês, de Armando Silva Carvalho
O Amor das Fêmeas, de Xavier de Carvalho
O Bispo de Beja e Afins, organização de Fernando Curopos
O Cancro, de Fialho de Almeida
O Capítulo Geral dos Franciscanos, atribuído a José Anselmo Correia Rodrigues
O Cavalo de Sol, de Teolinda Gersão
O Conde de Abranhos, de Eça de Queirós
O Fim do Mundo!, de Cézar Pensabundo
O Funâmbulo de Mármore, de Fialho de Almeida
O Futuro É Só Amanhã, de Miguel Agramonte
O Gorjão - Primeira Dama, de Eça de Queirós
O Homem dos Sonhos, de Mário de Sá-Carneiro
O Homem que Sabia a Mar, de Armando Silva Carvalho
O País das Uvas, de Fialho de Almeida
O Pauzinho do Matrimónio, de Rafael Bordalo Pinheiro
O Perdão da Puberdade, de Perry Nava
O Primo Basílio, de Eça de Queirós
O Rapaz da Camisola Verde, de Pedro Homem de Mello
O Rapaz da Camisola Verde (poema), de Pedro Homem de Mello
O Rapaz do Lilás, de Henrique Levy
O Táxi n.º 9297, de Reinaldo Ferreira
O Tentador, de Henrique de Vasconcelos
O Triângulo Mágico, de António Cândido Franco
O velho vendedor (personagem) de A Capital, de Eça de Queirós
O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/sida, organização de António Fernando Cascais e João Ferreira
Octávio, de Vitoriano Feio Braga
Oito Mulheres e Meia, de Hugo Vieira Costa
Órbita Gay Macho (revista)
Organa (revista)
Os Amantes e Outros Contos, de David-Mourão Ferreira
Os Degenerados, de Basílio Freire
Os Diários de C. C. Rausch, de Miguel Bonneville
Os Homossexuais nos Livros de Eça de Queiroz, de Alberto Pessoa
Os Jogos Lésbios ou Os Amores de Joaninha, de Arsénio de Chatenay
Os Maias, de Eça de Queirós
Os Mistérios do Asfondelo, de Arsénio de Chatenay
Os Mistérios do Porto, de Gervásio Lobato
Os Vestidos do Tiago, de Joana Estrela
Palavras Bonitas sobre Contas, de Valter Hugo Mãe e Cátia Vidinhas
Pão de Açúcar, de Afonso Reis Cabral
Para Comigo, de Joaquim Manuel Magalhães
Patologia Social (série), de Abel Botelho
Pedro (personagem)
Pedro Soriano, de Guerra Junqueiro
Pedro Vidal (1993)
Pepa, de Maria Peregrina de Sousa
Pessoa: uma biografia, de Richard Zenith
Poemas do Próximo Livro, de Henrique Levy
Poemas Eróticos dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses, de Victor Correia
Poesia, de António Botto
Poesia Humana, de Xavier de Carvalho
Poesias sem Decência, de anónimo
Pompas Fúnebres, de Eduardo Pitta
Povo Que Lavas no Rio, de Pedro Homem de Mello
Prémios dezanove: o melhor livro do ano
Proezas de Frade ou Mistérios do Confessionário, de anónimo
Quando os Medos Ardem, de Domingos Lobo
Queerquivo, organização de André Murraças
Qüir (revista)
Rabelais (pseud.)
Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905)
Raquel Afonso (1994)
Realidade Branca, de Raul de Carvalho
Reinaldo Ferreira (1897-1935)
Reinaldo Edgar Ferreira (1922-1959)
Retrato do governador (...), de Gregório de Matos
Rodrigues (personagem) de Sinais de Fogo, de Jorge de Sena
Romances sobre patologias sociais
Rufininho (personagem) de Sinais de Fogo, de Jorge de Sena
Com esta edição, o Dicionário de Literatura Gay - Livros, Autores e Referências da Literatura Lésbica, Gay, Bissexual, Transgénero e Queer de Portugal, passa a contar com um total de 1016 verbetes principais.
Contribua!
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A
A Alma Trocada
Romance.
Autor: Rosa Lobato Faria
1.ª edição: 2007
Páginas: 192
Editor: Edições Asa, Lisboa
Teófilo de Deus é concebido no mesmo dia em que o seu avô morre e suspeita que a sua alma não é sua, que lha trocaram, suspeita que se acentua quando é publicado um livro exatamente igual ao que ele escreveu.
É um lugar-comum dizer-se que determinada orientação sexual não é uma escolha, porque, se fosse, ninguém escolheria o caminho mais difícil. Foi esse caminho mais difícil que Teófilo teve de percorrer, desde a incompatibilidade com os pais, aos desencontros dentro de si próprio, chegando mesmo a acreditar que alguém lhe tinha trocado a alma...
(da contracapa)
Outras edições:
BIS: Lisboa, 2013, 176 p., livro de bolso
Na Web: Goodreads, BIS
À Beira do Mundo
Romance, o último livro da trilogia Pode um Desejo Imenso.
Autor: Frederico Lourenço
1.ª edição: 2003
Páginas: 208
Editor: Livros Cotovia, Lisboa
Esta edição deixou de ser comercializada a partir de 2006, tendo passado a ser publicada apenas como uma das três partes do romance Pode um Desejo Imenso.
Consultar: Pode um Desejo Imenso (trilogia)
Na Web: Goodreads
A Bela Condessa
Romance de literatura para homens, publicado na coleção Literatura Picante.
Autor: anónimo
Editor: Editor Cupido & Vénus, Rio de Janeiro
Fernando Curopos inclui uma fotografia que ilustra esta edição na sua antologia Versos Fanchonos, Prosa Fressureira, explicando que ao que tudo indica, o verdadeiro lugar de edição é Lisboa.
Consultar: Literatura para homens (tema)
Bibliografia:
Fernando Curopos, Introdução
(Versos Fanchonos, Prosa Fressureira: uma Antologia, 1860-1910, Lisboa: INDEX ebooks, 2019)
A Canção do Engate (canção)
Poema e canção.
Autor: António Variações
1.ª edição: 1984 (no álbum Dar & Receber)
Tu estás livre e eu estou livre / E há uma noite para passar / Porque não vamos unidos / Porque não vamos ficar / Na aventura dos sentidos // Tu estás só e eu mais só estou / Tu que tens o meu olhar / Tens a minha mão aberta / À espera de se fechar / Nessa tua mão deserta // Vem que amor não é o tempo / Nem é o tempo que o faz / Vem que amor é o momento / Em que eu me dou, em que te dás // Tu que buscas companhia / E eu que busco quem quiser / Ser o fim desta energia / Ser um corpo de prazer / Ser o fim de mais um dia // Tu continuas à espera / Do melhor que já não vem / E a esperança foi encontrada / Antes de ti por alguém / E eu sou melhor que nada // Vem que amor não é o tempo / Nem é o tempo que o faz / Vem que amor é o momento / Em que eu me dou, em que te dás.
Paulo Pepe refere que "dez anos depois do fim da ditadura de Salazar, a Canção do Engate apresenta-nos uma relação física entre dois homens, representativa da formação de uma identidade queer em Portugal."
João R. Figueiredo, realçando que António Variações recebeu e transformou a herança de Botto como ninguém
, concretiza, indicando que "na famosa Canção do Engate vê-se como a poesia portuguesa adquiriu vocabulário para dar expressão ao desejo homoerótico, reduzindo drasticamente a vagueza da linguagem figurada, e os meios expressivos já não excedendo os fins ao ponto de os asfixiar."
Bibliografia:
Paulo Pires Pepe, Queer Interventions in Amália Rodrigues e António Variações
(Estrema: revista interdisciplinar de humanidades, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, n.º 2, primavera de 2013, ler aqui)
João R. Figueiredo, Cânone 3
(O Cânone, Lisboa: Tinta-da-China, 2020)
A Capital!
Romance.
Autor: Eça de Queirós
1.ª edição: 1925
Páginas: 304
Editor: Livraria Chardron, Porto
António Fernando Cascais explica que "a literatura realista e naturalista de Oitocentos que principia a retratar de maneira séria a pessoa homossexual, e que, esta sim, participa com plena propriedade na moderna «invenção do homossexual», não deixa de ser menos danosa. No mesmo ano de 1875 em que surge O Berloque Vermelho, Eça de Queirós delineia em (...) A Capital! (escrito circa 1877 e dada postumamente à estampa em 1925), a [figura] do velho depravado que tenta em vão engatar o protagonista. A linguagem empregue nestas descrições (...) mantém um caráter fortemente derrogatório que se propõe suscitar a repulsa do leitor coevo."
Consultar: O velho vendedor (personagem)
Bibliografia:
António Fernando Cascais, Apresentação de «O Berloque Vermelho» de Silva Pinto
(em: Silva Pinto, O Berloque Vermelho, Lisboa: INDEX ebooks, 2021)
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A Chave do Armário
Não-ficção.
Autor: Miguel Vale de Almeida
1.ª edição: 2009
Páginas: 225
Editor: Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa
Este livro é o resultado de alguns anos de relação dinâmica entre antropologia, intervenção pública e ativismo. Debruçando-se sobre terrenos ocidentais – Portugal, Espanha, França e Estados Unidos da América – o objeto central é o casamento, a parentalidade e a família no que às pessoas homossexuais diz respeito. Na linguagem que foi sendo desenvolvida pelas formas culturais criadas pela experiência social da homossexualidade, o armário
é a expressão que designa o ocultamento e o silenciamento da identidade gay ou lésbica. Sair do armário
é o ato primordial de libertação, simultaneamente constitutivo do sujeito e politizador da identidade. Várias têm sido as chaves
moldadas e experimentadas para abrir o armário: resistências, revoltas, provocações, festas, manifestações, comunidades, redes, movimentos, criações artísticas, etc. Mas nunca como hoje – pelo menos nas democracias liberais euro-americanas – se usou tanto o ideário da igualdade, dos direitos humanos e da cidadania para exigir as condições de possibilidade para o fim definitivo do armário
. O debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo torna-se assim central para uma ciência social que pretenda fazer a etnografia e a análise das transformações sociais contemporâneas. (fonte: editor)
Para Margarida Moz, a chave deste armário, metáfora que remete para o segredo como forma de evitar as discriminações com base na orientação sexual, é também a chave para a compreensão das identidades LGBT, das suas reivindicações e da luta pela obtenção dos seus direitos, nomeadamente o acesso ao casamento civil e à constituição de família. Miguel Vale de Almeida começa por revelar a natureza deste livro ao dizer que ele resulta «de alguns anos de relação dinâmica entre antropologia, intervenção pública e ativismo.» Ao longo de sete capítulos vemos, de um modo mais ou menos óbvio, o autor na sua qualidade de antropólogo, deputado e ativista gay, mas mantendo também a distância possível entre os três, ao tratar o casamento entre pessoas do mesmo sexo na sua relação com os direitos humanos, as questões da cidadania e as teorias antropológicas do casamento e da família.
Bibliografia:
Margarida Moz, A Chave do Armário – Homossexualidade, Casamento, Família
(Análise Social, vol. XLVI, 2.º, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011, ler aqui)
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A Chave do Labirinto
Ficção autobiográfica.
Autor: Ricardo Sousa
1.ª edição: 2007
Páginas: 89
Editor: Papiro, Porto
À pergunta do dezanove.pt: "os dois primeiros livros A Chave do Labirinto e Calcorreando Percursos são compilações de vários textos onde faz diversas reflexões pessoais e retrata momentos da sua vida. O que tinha em mente ao publicar estes textos? o autor responde:
confesso que, antes de publicar o primeiro livro, vivi momentos de pânico, querendo voltar atrás em todo o processo e desistir, com medo da reação das pessoas mais próximas ao lerem partes da minha vida e da de todas aquelas pessoas com quem convivia, acima de tudo, profissionalmente. Depois de um grande processo de aceitação da publicação do livro, percebi que estes livros faziam parte de mim e do meu processo de aceitação, ou seja, só colocando em palavras e partilhando com o mundo é que eu seria visto, escutado, compreendido e amado, pois tudo aquilo que eu tinha sido incapaz de dizer e partilhar pessoalmente estava ali, naqueles livros, naquelas memórias, naquelas histórias."
Bibliografia:
Carlos Maia, Ricardo Fonseca: «A escrita ajudou-me a aceitar como era»
(dezanove.pt, 28 de agosto de 2015, ler aqui)
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A Cidade e as Serras
Romance.
Autor: Eça de Queirós
1.ª edição: 1901
Páginas: 307
Editor: Lello & Irmão, Porto
Numa manhã de um inverno frio e pessimista em Paris, o cosmopolita Jacinto decide regressar à sua Tormes natal, pacata vila das serras portuguesas, acompanhado por Zé Fernandes, narrador-personagem desta história. «Novela fantasista», assim lhe chamou Eça de Queiroz, A Cidade e as Serras faz um retrato dos contrastes entre a excitação da vida citadina e a genuína beleza da vida no campo. Escrita na fase final da vida do autor, esta obra viria a ser publicada apenas em 1901, um ano após a morte de Eça de Queiroz. (fonte: editor)
Fernando Curopos afirma que "a homossexualidade feminina só será muito ao de leve evocada por Eça de Queirós em A Tragédia da Rua das Flores (1877-78), A Capital! (1925, póstumo) e A Cidade de as Serras (1900), sendo que nesta novela o lesbianismo está associado à prostituição, como no caso de O Livro de Alda (1898), de Abel Botelho."
Em relação ao personagem Jacinto, José Carlos Barcellos refere que "em A Cidade e as Serras (...) temos a passagem de um estilo de vida efeminado a outro inequivocamente masculino como processo de regeneração pessoal e nacional".
Consultar: Eça de Queirós
Bibliografia:
Fernando Curopos, Introdução
(Versos Fanchonos, Prosa Fressureira: uma Antologia, 1860-1910, Lisboa: INDEX ebooks, 2019)
José Carlos Barcellos, Homossociabilidade masculina e homoerotismo na ficção de Eça de Queirós
(Literatura e Homoerotismo em Questão, Rio de Janeiro: Dialogarts, 2006, ler aqui)
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A Confissão (peça de teatro)
Peça de teatro.
Autor: Bernardo Santareno
1.ª edição: 1979 (em Os Marginais e a Revolução)
Em A Confissão, Bernardo Santareno coloca perante um mesmo padre, num confessionário, três mulheres em sucessão: uma mulher do povo aflita, a quem o marido bate e atraiçoa, o que a leva a aproximar-se da sua patroa comunista, e a quem o sacerdote apenas recomenda que aceite o marido e fuja do comunismo, rezando muito; Françoise, uma mulher em corpo de homem
, que a seguir ao 25 de Abril começou a fazer shows de travesti, e a quem o sacerdote ordena que deixe a homossexualidade, rezando muito; e D. Filipa, uma fervorosa devota... que não necessita de recomendações para rezar muito do sacerdote. Trata-se de uma sátira acutilante à hipocrisia da Igreja Católica.
Escrevendo sobre a segunda parte da peça, Paulo Pires Pepe indica que Françoise é "transgénero, mas também travesti. Françoise está à espera de mudar de sexo em Londres, tal como afirma «já tenho a operação marcada, em Londres». Vai à igreja confessar os seus pecados, após duas tentativas de suicídio, depois de ter sido deixada por Toni, o seu amante. Françoise confessa também que roubou uma peça de prata ao proprietário do clube onde trabalha como drag queen. Contudo, ao chegar [ao confessionário], hesita, porque era suposto sentar-se no lugar das mulheres, mas decide sentar-se no dos homens. Esta violação às normas do género irrita o padre (…) Este ato teatral de travestismo em A Confissão funciona como crítica ao pressuposto de que existe «um género certo, um género adequado a um sexo mas não ao outro, e que é, em certo sentido, propriedade cultural desse sexo» [Judith Butler]. (…) A Confissão propõe-se esbater a distinção entre o pessoal e o político, o homossexual recusa-se a ser fechado no armário, a peça mina a categoria do normal e questiona a rigidez e a estabilidade de todas as identidades sexuais."
Consultar: Os Marginais e a Revolução
Bibliografia:
Paulo Pires Pepe, Queerness in Bernardo Santareno’s Theatre
(Via Atlântica n.º 33, 11 de setembro de 2018, ler aqui, tradução nossa)
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A Confissão de Lúcio (conto)
Conto.
Autor: Mário de Sá-Carneiro
1.ª edição: 1913 ou 1914
Editor: edição de autor (impressão da Tipografia do Comércio)
O conto inicia-se com uma breve introdução em que o narrador, Lúcio, assumindo-se como autor, justifica o seu objetivo: confessar-se inocente após ter cumprido os dez anos de prisão a que fora condenado pelo assassínio do seu amigo Ricardo de Loureiro. O narrador promete dizer toda a verdade, mesmo quando ela é inverosímil
, sobre essa morte ocorrida em circunstâncias misteriosas e sem testemunhas, mas considerada, judicialmente, um crime passional
.
Fernando Curopos conclui que "se A Confissão de Lúcio não é o primeiro romance a tratar da homossexualidade em língua portuguesa, é o primeiro a mostrar a homofobia interiorizada e o ódio por si próprio que lhe é concomitante. Com efeito, como aponta Fernando Arenas, «Marta é necessária para manter a aparência de um