Memoria Coletiva e Teoria Social - Preview

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS

MEMÓRIA COLETIVA
E TEORIA SOCIAL

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COEDIÇÃO
Imprensa da Universidade de Coimbra
URL: http://www.uc.pt/imprensa_uc
ANNABLUME editora . comunicação
www.annablume.com.br

PROJETO E PRODUÇÃO
Coletivo Gráfico Annablume

IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Coimbra Editora

ISBN
978-989-26-0264-6 (IUC)
85-7419-374-7 (Annablume)

DEPÓSITO LEGAL
350540/12

© OUTUBRO 2012
ANNABLUME
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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SUMARIO

9 PREFÁCIO À 2a EDIÇÃO

15 PREFÁCIO À Ia EDIÇÃO

21 INTRODUÇÃO

39 I. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA MEMÓRIA

101 II. A CRÍTICA DA SOCIEDADE PELA MEMÓRIA

165 III. MEMÓRIA E CONTRAMEMÓRIA

195 CONSIDERAÇÕES FINAIS

209 BIBLIOGRAFIA

227 ÍNDICE REMISSIVO DE TEMAS

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A
Rita
Maria Clara
Felipe

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PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO

Desde a publicação de Memória Coletiva e Teoria Social,


em 2003, inúmeras contribuições importantes ao tema da memó­
ria surgiram nos cenários nacional e internacional. Ao saber que
uma nova edição seria realizada, meu primeiro ímpeto foi o de
acrescentar novos capítulos ao formato original. Acabei por op­
tar pela manutenção do texto como fora publicado inicialmente
pelas três razões que serão explicitadas a seguir.
A primeira delas é que eu não modificaria nada do que foi
escrito. Este livro corresponde a um trabalho teórico realizado
entre 1989 e 1993, durante o meu doutorado, na New School for
Social Research, sob a orientação do professor Jeffrey Goldfarb,
mas também sob a influência de um conjunto importante de pro­
fessores com quem estudei, dentre os quais destaco Andrew Ara-
to, Agnes Heller e Richard Bemstein. Palestras, conferências e
cursos de professores convidados de outros departamentos e uni­
versidades, entre eles Charles Tilly, Edward Casey, Eric Hobsba-
wm, Reinhart Koselleck e Seyla Benhabib, marcaram o ambiente
em que me formei pelos debates e pela grande inquietação teóri­
ca. A minha pesquisa teve como objetivo analisar as diferentes
abordagens teóricas sobre a memória coletiva. A tese central que
permeia os capítulos e que ainda é aquela que me move no mun­
do das ciências sociais aponta para os limites das teorias sociais
nas suas explicações e interpretações. A memória é uma forma
de conhecimento em que emoções e sentimentos estão intrinca­
dos à razão de maneira muito forte, o que nos permite denunciar

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10 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

os reducionismos e absolutismos teóricos com maior facilidade.


Defendo a tese de que todos os paradigmas teóricos clássicos
são importantes à nossa compreensão do que sejam as memórias
coletivas, paralelamente à afirmação de que nenhum deles é su­
ficiente para explicá-las. Eles nos permitem visões parciais do
que seja e de como atua a memória coletiva. Contudo, uma vez
publicado, o livro e seu conteúdo ganharam autonomia.
A primeira parte deste livro tem sido a mais citada em tra­
balhos acadêmicos, pois ela traduz para muitos leitores a clássica
antinomia entre indivíduo e sociedade que está presente na fun­
dação das ciências sociais. Por um lado, encontramos os estudos
que associam a memória coletiva à continuidade dos laços de
solidariedade de um tempo a outro, o que acontece por meio de
rituais, comemorações, monumentos, museus e instituições di­
versas; estes são autores que, inspirados em Maurice Halbwachs,
compreendem as memórias coletivas por sua natureza e função
sociais, uma vez que não só sua génese é associada aos grupos fa­
miliares, religiosos e de trabalhadores, entre outros, como ainda
sua manutenção e transmissão. Por outro lado, destacam-se an­
tropólogos e sociólogos partidários das microanálises ao criarem
uma complexa rede de descrições analíticas sobre os sentidos
atribuídos pelos atores sociais às diversas memórias coletivas,
sentidos contraditórios entre si e em colisão com construções
oficiais. Em ambos os casos, a relação instável entre passado e
presente é colocada de lado, permitindo que sociólogos e antro­
pólogos utilizem os aparatos metodológicos de suas áreas disci­
plinares com relativo sucesso.
A segunda parte do livro, a que me é mais cara, por trazer
abordagens críticas e concepções de temporalidade que colocam
em risco a objetivação das memórias coletivas, quaisquer que
elas sejam, não teve a mesma repercussão. Walter Benjamin, Sig-
mund Freud, Herbert Marcuse e Jacques Derrida, entre outros,
são autores que não aceitaram a soberania do presente na cons­
trução do passado, pois deste último constatam sua permanência
e seu poder disruptivo, ainda que sob diferentes formas: arqui­
vos, imagens, ruínas, fragmentos, pesadelos, traumas, utopias e
heterotopias. Em todos estes casos, a autoridade do presente na

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reconstrução do passado é vista de forma crítica. Certamente en­


frentamos desafios e ganhamos recompensas quando escrevemos
um livro. A percepção de que a transmissão da memória é sempre
incompleta e fragmentada, pois há experiências passadas que fo­
ram irremediavelmente perdidas, requer uma crítica à razão que
atualmente controla o conhecimento, o que apenas começa a ser
delineado no nosso tempo. Ainda que a tese central não seja aceita
por diversos leitores, este livro me dá uma imensa alegria. Como
professora universitária que tem grande apreço pela tarefa de ensi­
nar, tenho a certeza de que transmito de forma clara e precisa uma
interpretação criteriosa sobre as contradições e os impasses que
existem no campo da teoria social. Nesse sentido, acredito que
este livro traz com ele uma experiência recompensadora.
A segunda razão de manter este texto na íntegra deve-se ao
fato de que os artigos e reflexões escritos por mim ao longo dos
últimos anos serão mais bem compreendidos ao serem apresen­
tados em novas publicações do que sob a forma de apêndices a
esta edição. A partir da premissa de que por memória coletiva
podemos nomear uma diversidade de fenômenos relacionados a
significados fragmentados do passado, eu tenho trabalhado com
temas diversos. Ao longo dos últimos oito anos, tenho desenvol­
vido três pesquisas básicas relacionadas ao tema da memória. A
primeira delas diz respeito à relação entre políticas de memó­
ria, museus, património e construção dos Estados nacionais, que
envolve análises sobre políticas públicas, nacionalismo, e pós-
colonialismo. Em outro contexto, contudo, o das prisões e pe­
nitenciárias, foram os traumas e esquecimentos os meus objetos
privilegiados de análise. Com base em arquivos e depoimentos,
tenho procurado analisar as histórias e memórias das antigas pri­
sões que foram instaladas na Ilha Grande. Meu terceiro campo de
pesquisa diz respeito às memórias relacionadas aos afrodescen-
dentes. Observamos uma mudança importante no tratamento de
aspectos do passado relacionados a todos aqueles que se identifi­
cam como pretos, negros, ou, mais recentemente, afrodescenden-
tes. No caso da escravidão, por exemplo, a historiografia oficial
esquece, cria estereótipos ou vitimiza os milhares de africanos
que foram trazidos para o Brasil durante o período colonial. Os

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Weber e Brentano sobre a possível influência da ética protestante


nas práticas capitalistas, Halbwachs afirmou que, para ele, não
importavam as apreciações sobre a origem das atividades lucra­
tivas, mas sim o fato de que estas atividades existiam. Para ele,
a tarefa a ser desenvolvida consistia na investigação da difusão
destas atividades (Halbwachs, 1994: 253). Tal como Durkheim,
ele estava preocupado em estabelecer práticas sociais, de quais­
quer que fossem as esferas da vida social, como fatos sociais e
investigá-los cientificamente. Eliminava, desse modo, da abor­
dagem sociológica, a tentativa de explicar causas e consequên­
cias dos fenômenos sociais.
Dentre os clássicos, somente Durkheim tinha insistido na
centralidade do significado inerente às construções coletivas de
sociedades seculares a partir da investigação de práticas coleti­
vas. Weber somente considerou comandos sociais peremptórios
ao analisar a autoridade carismática, e Marx, como sabemos, as­
sociou o determinismo histórico ao desenvolvimento de forças
produtivas. Halbwachs foi fiel a Durkheim ao procurar mostrar
que preços, valores económicos, práticas de consumo, rituais re­
ligiosos, crenças políticas e construções sobre o passado seriam
aspectos a serem estudados enquanto fatos sociais imbuídos de
significado. As diversas esferas da vida social deveriam ser redu­
zidas a fatos sociais que seriam então analisados a partir de vín­
culos de solidariedade encontrados na sociedade. Desenvolveu
ao longo de sua vida as teses estabelecidas por Durkheim sobre
fato social. Para ele, não era possível deduzir quadros sociais do
processo de interações interpessoais, pois os quadros sociais é
que representavam o pré-requisito na constituição da lembrança.
O compromisso de Halbwachs com a teoria durkheimiana
fica evidente no diálogo travado entre ele e alguns de seus cole­
gas de Estrasburgo. Embora, hoje, possamos apontar proximida­
des entre os historiadores da escola dos Annales e a sociologia
durkheimiana, principalmente no que diz respeito à relação entre
construções sociais e seus referentes, que respeita certa autono­
mia e pluralidade, na década de 30, as duas abordagens sempre
mantiveram suas especificidades. Marc Bloch escreveu sobre
memórias coletivas, sem que estas fossem associadas a práticas

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sociais empíricas, pois, em seus escritos, representações coleti­


vas estavam mais próximas de uma construção simbólica deten­
tora de dinâmica própria do que dos quadros sociais descritos
por Halbwachs. Para aqueles que partiam do pressuposto de que
a ciência da história baseava-se na progressiva inteligibilidade do
mundo, a legitimidade das instituições sociais não era derivada
do que se observava no mundo empírico. Halbwachs, consisten­
temente, sempre associou o significado das representações cole­
tivas ao das práticas coletivas.
Como veremos, a teoria da memória de Halbwachs esta­
belece que indivíduos utilizam imagens do passado enquanto
membros de grupos sociais e usam convenções sociais que não
são completamente criadas por eles. Indivíduos não recordam
sozinhos, quer dizer, eles sempre precisam da memória de ou­
tras pessoas para confirmar suas próprias recordações e para lhes
dar resistência. La topographie légendaire representa a resposta
de Halbwachs a Marc Bloch e demais historiadores, enquanto
em La Mémoire Collective, Halbwachs responde diretamente às
críticas de Charles Blondel ao afirmar que não há inspiração, in­
tuição ou liberdade individual capaz de explicar as memórias que
estão presentes em cada indivíduo. Para ele, as correntes de pen­
samento social eram ordinariamente tão invisíveis quanto a at­
mosfera que respiramos (Halbwachs, 1968: 20). Nós não perce­
bemos, escreveu ele, que somos apenas um eco. As combinações
entre quadros sociais são extremamente complexas, não depende
de nós reconstruí-las, é necessário se fiar no acaso (Halbwachs,
1968:28-33).
Essas observações são importantes porque hoje o trabalho
de Halbwachs sobre a memória tem sido apropriado por uma
gama enorme de historiadores, antropólogos e sociólogos de di­
ferentes correntes teóricas. O interesse pela obra de Halbwachs
acompanha a redescoberta, nas últimas décadas, do legado de
Durkheim, que havia sido colocado à margem como apolítico,
arcaico e determinista. As correntes culturalistas pós-70 têm res­
gatado o caráter simbólico de estruturas seculares presentes em
Formas Elementares da Vida Religiosa. Afinal é de Durkheim a
afirmativa de que, sem símbolos, os sentimentos teriam apenas

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50 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

uma existência precária. A preocupação com representações co­


letivas foi desenvolvida por discípulos de Durkheim, cujos tra­
balhos também têm sido valorizados, como François Simiand e
Mareei Mauss. É compreensível, portanto, a existência de um
número crescente de estudos, nos campos disciplinares da teoria
literária, da sociologia, da antropologia e da história, que revisi-
tam Halbwachs. O sociólogo tem sido considerado responsável
pela consolidação e renovação do pensamento de Durkheim e
da própria sociologia francesa. A ele se atribui o mérito de re-
estruturar o pensamento durkheimiano de forma a transformar
a análise funcionalista das formas sociais em estudo de estru­
turas morfológicas dos grupos sociais. Para alguns, Halbwachs
chegaria mesmo a representar a consolidação da segunda era do
durkheimianismo na academia.5
Em que pese, portanto, o viés cientificista e unilateral de
suas análises, o sociólogo nos deixou algumas questões, con­
sistentemente desenvolvidas nos seus trabalhos, que podem ser
consideradas como pontos de partida para a compreensão da
construção social da memória (Santos, 1998). E dele a afirma­
ção de que lembranças do passado precisam ser pensadas a partir
de quadros sociais que antecedem os indivíduos. Esta abordagem
nos levará a algumas considerações sobre a dupla relação de au­
tonomia e dependência que pode haver entre os diversos níveis
de construções coletivas. A segunda afirmação a ser considerada,
e sobre a qual nos deteremos, é a de que o passado é continua-
mente reconstruído no presente, o que amplia as possibilidades

5. Segundo Namer, Halbwachs foi responsável pela renovação da sociologia francesa,


entre 1925 e 1945, ao rever as teses de Durkheim defendidas em O Suicídio, associan-
do-as a seu conhecimento sobre técnicas estatísticas e às contribuições dos grandes
sociólogos de seu tempo, em particular, as de Max Weber. Ainda segundo Namer, Em
Morphologie sociale, Halbwachs foi capaz de prolongar sua tese inicial defendida em
Les cadres sociaux de la mémoire ao apontar que a memória coletiva associa-se tanto
a correntes sociais quanto aos grupos sociais. O processo interativo toma-se mais
complexo à medida que ele passa a ser considerado na interação dos indivíduos com o
grupo e na interação do grupo com outros grupos através da mediação dos indivíduos
(Namer 1997: 14-15). Sobre a importância de Halbwachs para a renovação da teo­
ria durkheimiana, ver, ainda, Alexandre, 1968; Karady, 1972; Verret, 1972; Douglas,
1985; Namer, 1987, 1994, 2000; Hutton, 1993; Montlibert, 1997.

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epistemológicas da história e rompe com as narrativas que se


apoiavam em um desenvolvimento linear de fatos, grandes feitos
e atos heroicos.
OS QUADROS SOCIAIS DA MEMÓRIA

Se as imagens se fundem estreitamente com as lembranças, e se elas


parecem emprestar às lembranças sua substância, é porque nossa me­
mória não é como uma tábula rasa (Halbwachs, 1968:5).
Apesar de Halbwachs ter procurado construir sua teoria
da memória em termos estritamente sociológicos, gostaria de
mostrar que sua contribuição é fundamental a qualquer teoria da
memória, uma vez que esta necessita ser interdisciplinar e in­
corporar muitos dos elementos trazidos pelo sociólogo. Embora
não tenha intenção de entrar no debate filosófico sobre tempo e
espaço, há algumas questões que poderão ser úteis à compreen­
são da perspectiva defendida pelo sociólogo.
Aparentemente a maior parte da nossa memória repousa
sobre nossa capacidade de imaginar. Mas os filósofos têm pro­
curado mostrar que a memória enquanto forma de conhecimento
deve ser compreendida como parte dos nossos pensamentos e de
nossas ações. Talvez a melhor forma de nos darmos conta da pre­
sença marcante da memória seja pensar a vida sem a memória.
Seria possível? Como podemos explicar a sensação do passado
que orienta cada passo do presente?
Nas últimas décadas do século XIX, inúmeros laboratórios
de psicologia experimental voltaram-se para o estudo da memó­
ria, abrindo um novo campo de indagações e experimentações
ao examinarem os fenômenos associados à memória a partir da
pesquisa quantitativa. Os trabalhos do jovem psicólogo alemão
Hermann Ebbinghaus sobre experimentos com a percepção de
sílabas desconexas, no estudo da memória, trouxeram grande
impacto às teorias da época e alcançaram ampla divulgação.
Tendo Ebbinghaus como referência, os psicólogos procuraram
descobrir o funcionamento da mente através de estudos práticos
realizados em laboratório, em que estímulos eram simplificados

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52 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

e associados às respostas obtidas. Para o controle de aspectos re­


lativos ao aprendizado inicial e a estados variados de percepção,
como a fadiga, passou-se a utilizar como estímulo uma série de
sílabas sem sentido escolhidas aleatoriamente, com o objetivo de
medir a capacidade de memorização de cada indivíduo.6
Em 1897, o filósofo Henri-Louis Bergson publicou Matéria
e Memória, Ensaio sobre a Relação entre Corpo e Espírito, em
que postulava a ideia de que a memória não poderia ser redu­
zida a uma função mecânica do cérebro ou do sistema nervoso.
Escreveu em um período em que o pensamento filosófico estava
bastante influenciado por correntes positivistas e cientificistas.
Sem se contrapor radicalmente às tendências impostas pelas no­
vas ciências da natureza, o filósofo propôs uma nova abordagem
à relação entre corpo e alma. Segundo ele, a função do corpo hu­
mano não seria apenas a de imaginar as lembranças, como tam­
bém não se reduziria simplesmente a escolher, a trazer à cons­
ciência as imagens segundo um critério de utilidade; os homens
não se lembravam apenas de imagens que fossem mais úteis à
ação (Bergson, 1985: 199). A teoria bergsoniana pode ser com­
preendida como uma defesa da memória enquanto intuição hu­
mana em contraposição ao avanço das investigações biológicas,
que tinham a pretensão de reduzir as questões levantadas pelos
filósofos sobre a natureza da memória.7 Como veremos adiante,

6. Ebbinghaus publicou Úber das Gedchtnis. Untersuchungen zur experimentellen Psycho-


logie, na Alemanha, em 1885, traduzido para o inglês como Memory: Á Contribution to
Experimental Psychology, em 1913. Nestas primeiras investigações, o psicólogo definiu
o termo memória em seu sentido mais amplo, isto é, incluindo um conjunto de ativida­
des atribuídas à mente, como aprendizagem, retenção, associação e reprodução. Seu
trabalho deu início a um conjunto de pesquisas experimentais sobre atividades mentais
complexas. Pouco tem sido acrescentado às suas descobertas sobre os processos mentais
de memorização. Para dados biográficos sobre o autor, ver Shakow (1930).
7. Bergson nasceu em Paris, em 1859, e faleceu em 1941. Suas teses foram muito
bem aceitas na França, onde o filósofo consolidou uma brilhante carreira acadê­
mica, assumindo o cargo de mestre de conferências na École Normale Supérieure
em 1898 e, dois anos depois, a cátedra de filosofia no Collège de France. Em
1928, recebeu o Prémio Nobel de Literatura. Dentre suas publicações, destacam-se
L ’Évolution Créatrice, L 'Énergie Spirituelle e Durée et Simultanéité, à propos de
la théorie d’Einstein,, publicadas, respectivamente, em 1907, 1919, 1922 (Bergson
1966, 1920, 1922).

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 53

o filósofo defendeu um fluxo ou estado puro da consciência, uma


duração, incapaz de ser apreendida seja pela linguagem, seja pela
razão, com seus aparatos espaciais e quantitativos.
A influência de Bergson sobre Halbwachs tem sido aponta­
da por seus comentadores, mas ainda assim é pouco dimensiona­
da. Ambos os intelectuais criticaram a tentativa de a psicologia
explicar a memória a partir de experimentos físicos e científicos
com o corpo humano. O sociólogo, tal como Bergson, rejeitou a
ideia de que a memória fosse uma atividade meramente física,
passível de ser mensurada em laboratórios. A sua tarefa, entre­
tanto, foi a de defender a ideia de que as imagens não estavam
relacionadas ao espírito humano ou a uma consciência interna
pura, como supunha o filósofo, mas a representações coletivas
estabelecidas por grupos sociais. Ambos trabalharam com a no­
ção de que a linguagem e a razão eram capazes de nomear os
estados de consciência.
A objetividade atribuída às representações coletivas vai
marcar o trabalho do sociólogo. Em Les cadres* as principais
afirmações sobre a memória são três: a crença de que memó­
rias só podem ser pensadas em termos de convenções sociais,
denominadas quadros sociais da memória; a abordagem a estas
convenções a partir do mundo empírico observável - distante,
portanto, das intenções dos indivíduos; e a afirmação de que o
passado que existe é apenas aquele que é reconstruído continua-
mente no presente. Estes argumentos, embora flexibilizados mais
tarde, continuarão presentes ao longo de todo o trabalho de Hal­
bwachs.
Os primeiros estudos desenvolvidos por Halbwachs sobre
os níveis de vida da classe trabalhadora já podem ser compre­
endidos como uma primeira abordagem à definição de quadros
sociais da memória. A consciência de uma classe, bem como as
práticas desenvolvidas por ela não seriam resultado da determi­
nação de condições materiais de existência, mas das representa- 8

8. Les cadres sociaux de la mémoire e La topographie légendaire des Évangiles en


terre sainte serão denominados no restante do texto, respectivamente, como Les
cadres e La topographie légendaire.

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54 ECOLÓGICA

ções coletivas (Halbwachs, 1912). Podemos constatar que, nos


últimos três capítulos de Les cadres, há uma análise detalhada
da construção da memória coletiva a partir da inserção de indiví­
duos na família, em grupos religiosos e em classes sociais. Nas
palavras de Halbwachs, a memória coletiva da classe burguesa
adaptava-se às condições modernas. À medida que a sociedade
se modificava, indivíduos adquiriam novos valores, quer dizer,
eles passavam a utilizar tradições que melhor poderiam servir às
suas necessidades e tendências. Eles procuravam, portanto, no­
vos valores dentro do quadro de possibilidades a eles aberto; se­
ria a partir das ideias disponíveis que as novas concepções sobre
trabalho seriam elaboradas (Halbwachs, 1994: 222-272).
Halbwachs contribuiu para o entendimento do funciona­
mento da memória ao mostrar que elementos da tradição, isto é,
de quadros coletivos anteriores à tomada de decisão pelos indiví­
duos, eram incorporados às novas configurações que eram feitas
sobre o passado. A relação entre indivíduos e os quadros sociais
foi compreendida fundamentalmente como uma relação de ma­
nutenção de estruturas já dadas, embora houvesse uma grande
abertura em perceber a relação entre os diversos níveis em que
estas estruturas se formavam. Ainda que distanciado do campo
da psicologia experimental, defendeu novos parâmetros de cien-
tifícidade para as ciências sociais baseados sempre na crença de
que a sociedade era possível porque era funcional e decorrente
de construções passíveis de serem analisadas objetivamente. O
indivíduo não foi jamais pensado a partir seja da intuição, seja da
criatividade humana. Suas escolhas foram explicadas estritamen­
te a partir dos quadros estáveis que o mundo lhe oferecia. Como
veremos, a tentativa de explicar a memória, tanto individual
quanto coletiva, referenciada estritamente às representações co­
letivas, gerou alguns impasses no desenvolvimento de sua teoria.
Bergson havia procurado mostrar que as perdas ou diminui­
ções da memória não poderiam ser compreendidas somente a par­
tir da destruição de dispositivos físicos e corporais responsáveis
pela conservação da memória. O único caso, segundo ele, em que
poderia ser traçada uma relação direta entre problemas de com­
preensão da palavra escrita ou falada e lesão cerebral seria o da

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ANDRÉ GORZ 55

afasia. Mas, neste caso, não se observaria a destruição mecânica ou


definitiva da memória (Bergson, 1985: 197). Com esses argumen­
tos, Bergson refutava a doutrina que fazia da memória uma fun­
ção mecânica das atividades cerebrais, sem descartar, entretanto, o
componente material e biológico para explicar a memória.
Na crítica à concepção de que a memória seria uma função
mecânica do corpo, Halbwachs distanciou-se de seu mestre: ele
refutou um aspecto que, na verdade, é bastante controverso na te­
oria bergsoniana, isto é, a afirmação de que a totalidade das expe­
riências passadas seria fisicamente armazenada pelos indivíduos.
Para o sociólogo, não se tratava de limitar a materialidade do corpo
a partir da noção da intuição ou mesmo de procurar um ponto de
interseção entre corpo e mente. De acordo com Halbwachs, o fi­
lósofo não oferecia explicações plausíveis para que pudéssemos
compreender o que acontecia no sonho, na afasia ou na amnésia.
A famosa representação do cone, enquanto armazenamento de me­
mórias passadas, estava errada: se indivíduos guardassem em suas
terminações neurológicas todo o seu passado, eles sempre seriam
capazes de reconstruir qualquer aspecto do passado através de re­
cordações e sonhos. A grande tarefa da sociologia seria mostrar
que a materialidade não estava no corpo, mas na sociedade.
A crítica de Halbwachs às teorias cientificistas da memória
propostas por psicólogos da época estava correta, mas, eviden­
temente, o sociólogo ofereceu uma solução tão radical quanto a
dos cientistas criticados por ele. Ao analisar, nos dois primeiros
capítulos de Les cadres, a natureza dos sonhos e da afasia, teceu
argumentos que se contrapunham de forma radical não só à psico­
logia behaviorista e à filosofia bergsoniana, mas também às teses
freudianas sobre o inconsciente. Como veremos mais detalhada-
mente nos próximos capítulos, o alemão Sigmund Freud utilizou
a noção de inconsciente para explicar fenômenos psíquicos como
sonhos desconexos, a fragmentação da memória e problemas da
fala.9 Halbwachs negou a tese de Freud de que poderia haver

9. As teses de Freud relativas a esquecimento e trauma que aparecem, principalmente,


em Além do Princípio do Prazer (Freud 1968a) serão analisadas com maior detalhe
no segundo capítulo a partir de sua incorporação pelos autores Herbert Marcuse e
Walter Benjamin.

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56 ECOLÓGICA

tensões no interior da consciência, de que os sonhos poderiam ser


compreendidos como o resultado da ausência de repressão sobre
o inconsciente durante o ato de dormir. O sociólogo se opôs, nada
mais, nada menos, à noção de inconsciente.
Na sua tentativa de dar materialidade às construções sociais,
Halbwachs eliminou qualquer aspecto que estivesse relacionado
ao corpo, à mente ou ao indivíduo na explicação da produção dos
sonhos. Para ele, tal como a memória, os sonhos também deve­
riam ser compreendidos a partir dos quadros sociais constituídos.
É sua a análise de que sonhos não representam a emergência de
experiências profundas, submersas, que escapam da repressão à
consciência durante o sono; ou seja, sonhos não são resultado do
conflito entre consciente e inconsciente. Imagens presentes em
sonhos seriam imagens coletivas desconexas. Isso porque à me­
dida que indivíduos dormem, eles não são capazes de organizar
as imagens da mesma forma que o fazem quando estão acorda­
dos e em meio a um grupo social. Sonhos só existem porque
foram previamente formulados de acordo com estruturas sociais
coerentes. Seria incorreto apontar a fragmentação dos sonhos
como tentativa do inconsciente de burlar a consciência porque as
imagens são sempre fragmentadas. Indivíduos reconstroem suas
lembranças tendo como ponto de partida fragmentos de imagens
coletivas já existentes; quando estão dormindo, não contam com
todos os seus sentidos para organizar as imagens fragmentadas.
O mesmo fenômeno acontece estejam eles adormecidos ou em­
briagados.
A amnésia também foi explicada segundo o mesmo meca­
nismo. O estudante que perde a memória na hora de um exame
não o faz por problemas mentais ou por características próprias
à sua personalidade; ele bloqueia seu pensamento por condições
eminentemente sociais que, enquanto tais, podem ser entendidas.
Sem a tensão provocada pelo exame, sua memória estaria perfei­
ta. Afetividade, emoções, características individuais, repressões
e intenções - todos estes aspectos deveriam ser compreendidos a
partir das determinações sociais. Da mesma forma que sonhos e
amnésias temporárias, também a afasia, distúrbio da linguagem,
não poderia ser considerada um problema meramente orgânico,

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94 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

vas, aquela em que descreve as ondas do mar que se quebram em


um litoral rochoso é a melhor. A imagem que nos traz é a de que,
à medida que a maré sobe, cobre as rochas que ficam submersas;
mas à medida que desce, deixa em seu lugar pequenos e esparsos
lagos entre as formações rochosas. O mar avançando representa a
memória viva; e os pequenos lagos e rochas, deixados em seu re­
fluxo, representam o que dela restou. Ainda que não desprezas­
se os pequenos lagos, foi inegavelmente com as grandes rochas
que Halbwachs mais se preocupou. O passado só estaria presente
para nós nas marcas por ele deixadas em estruturas sólidas. As
marcas, objetos e fatos deixados pelo passado seriam capazes de
influenciar nossas construções do passado elaboradas no presen­
te (Hutton, 1993: 73-91).
Ao propor uma distinção entre história e memória, Halbwa­
chs acabou oferecendo aos historiadores uma nova abordagem
historiográfica. Em foco passaram a ficar as estruturas do co­
nhecimento ou das mentalidades que moldam ou determinam o
pensamento e o comportamento das pessoas. A definição funcio-
nalista de cultura como normas, valores e atitudes foi substituída
pela noção de cultura como a dimensão simbólica constitutiva
de todos os processos sociais. Sua análise tem sido retomada por
diversos historiadores, que se afastam do compromisso de narrar
eventos sobre o passado, segundo uma lógica externa aos proces­
sos constitutivos das formações simbólicas, e priorizam o estudo
das lógicas internas aos grupos aos quais se associam as diver­
sas representações coletivas. Estes são historiadores que criticam
as análises históricas baseadas em lógicas causais e evolutivas,
rejeitam a ênfase no encadeamento e na recorrência a elemen­
tos estruturais e propõem a incorporação de aspectos subjetivos
associados a aspectos políticos e culturais no estudo sobre o pas­
sado. Monumentos, hinos, bandeiras, exposições, autobiografias
e comemorações tomaram-se objetos privilegiados de investiga­
ção. O estudo de Halbwachs sobre a memória coletiva adaptou-
se perfeitamente à reorientação cultural por que passavam as ci­
ências sociais.
A contribuição deixada é a de que o material disponível para
nossa percepção do passado estaria nas rochas. A diferença entre

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 95

lembranças de um passado recente e de um passado remoto ex-


plicar-se-ia pelo fato de que a cada lembrança corresponderia um
quadro social distinto. Os indivíduos poderiam perceber o tempo
à medida que o percebessem espacialmente, isto é, eles traduzi­
riam experiências diretas em segmentos homogéneos do tempo
e os alocariam em uma linha contínua para poder localizá-los
mais tarde. A sensação de temporalidade em todos nós derivaria
do fato de que diversos momentos fariam parte de pensamentos
comuns a um determinado grupo, de um quadro social da memó­
ria. A nova historiografia trabalha não só com a morte do sujeito,
mas também com a morte da história; ela dedica-se, como men­
cionado por Hutton, ao trabalho de autópsia do passado.
O uso da memória pela história consolidou-se, nos primei­
ros anos da década de 80 do século XX, com a organização, pelo
historiador francês Pierre Nora, de uma grande coletânea de ar­
tigos sobre o que ele denominou de lugares de memória (Nora,
1984). Na introdução deste trabalho, hoje referência obrigatória
para os estudiosos do tema, Nora contrastou as abordagens ao
passado pela história e pela memória. Enquanto a história estaria
associada a narrativas lógicas e lineares, mas vazias de conteúdo
sobre o passado, as memórias coletivas seriam aquelas quq re­
sultariam de movimentos vivos e lembranças transmitidas entre
gerações. A proposta do historiador passa a ser a de estudar os
“lugares de memória”, ou seja, os lugares simbólicos constituí­
dos pela e constitutivos da nação francesa. Para ele, como para
diversos outros historiadores, fala-se muito em memória porque
nada mais restou do passado.19
Autores como Paul Ricceur e Roger Chartier defendem o
argumento de que os estudos sobre memória ou história esta­
riam transformando-se em estudos de representações e práticas,

19. O historiador francês organizou o que pode ser compreendido como a “história cul­
tural” da França - história que procura transcender tanto os limites da narrativa tra­
dicional quanto os dos depoimentos orais. Trata-se, pois, de uma história que não se
quer nem presa à arbitrariedade da razão, nem subordinada às emoções. Tendo como
ponto de partida a noção de que os indivíduos do presente são herdeiros dos lugares
de memória, toma-se possível construir uma nova narrativa sobre o passado. Sobre
o tema, ver ainda Davis (1989) e Hutton (1993)’

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96 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

lidando, portanto, com os temas da identidade e dos elos sociais


(Ricoeur, 2000; Chartier, 1988: 29-67). Enquanto representações,
os estudos sobre memórias coletivas deveriam preocupar-se com
três aspectos convergentes: as variações afetando os graus de efi­
cácia e coerção das normas sociais; os graus de legitimação em
curso nas múltiplas esferas de pertencimento, entre as quais se
encontram os vínculos sociais; e os aspectos não quantitativos
de escala de tempos sociais (Ricoeur, 2000: 280). Neste campo
teórico, Michel Foucault, Norbert Elias e Pierre Bourdieu são
alguns dos pensadores que contribuíram para que as categorias
de continuidade e descontinuidade pudessem ser consideradas
simultaneamente. Em suas obras estabelecem um amplo diálogo
com a história cultural e com a antropologia (Chartier, 1988).
Norbert Elias tem o mérito de ter construído em 1930,
quando a referência teórica na sociologia alemã já era a obra de
Max Weber, um modelo de interpretação sociológica baseado
nos conceitos fundamentais de configuração, interdependência
e equilíbrio de tensões (Elias, 1983). Compreendeu configuração
como uma formação social de fronteiras variáveis, caracterizada
pelos laços de interdependência mantidos pelos indivíduos, que
limitam a liberdade de cada um. Essas cadeias de dependência
recíproca situam-se tanto na escala macroscópica das evoluções
históricas, quanto no tecido diminuto das interações pessoais. As
relações sociais e, portanto, as instâncias da natureza humana,
não aparecem em seu trabalho como derivações nem de catego­
rias psicológicas, nem de categorias sociais; revelam-se, isto sim,
historicamente constituídas. As relações entre sujeitos ocorrem
de forma conflituosa e instável; daí a necessidade permanente
de se alcançar um equilíbrio entre as tensões dadas. Quando não
há equilíbrio entre forças antagónicas, o modo de perpetuação
da formação social pode ser quebrado dando lugar a uma nova
configuração. Seu trabalho possibilitou que as análises históricas
de longa duração pudessem ser associadas às práticas sociais co-
tidianas ao mostrar a relação entre a transformação do Estado e a
transformação da subjetividade (Elias, 1982).
O trabalho de Bourdieu destacou-se por sua tentativa de in­
tegrar e transcender as contribuições antinômicas dos teóricos

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 97

que estabeleceram os paradigmas centrais das ciências sociais.


Em sua obra, observamos uma preocupação maior do que a de
Giddens em incorporar os ensinamentos de Durkheim sobre a
génese e a função das formas simbólicas, a crítica de Foucault
à ordem do discurso, bem como a crítica à análise que prioriza
o caráter situacional de uma relação social, tal como percebido
pela corrente interacionista. Bem próximo das preocupações de
Elias, Bourdieu procurou não reduzir posições constituídas que
organizam interações a uma ordem momentânea, compreenden­
do que indivíduos trazem para a interação posições já adquiridas
na estrutura social. Ao procurar definir uma prática reflexiva,
portanto, conjugou os conceitos de campo, capital simbólico e
habitus20, em que o ator social é a um só tempo reflexivo, capaz
de disputar politicamente a hegemonia cultural, e reprodutor de
estruturas (Bourdieu, 1989). Em A Distinção, Crítica Social do
Julgamento, considerada uma das principais obras sociológicas
do século XX, Bourdieu defende a noção de que no princípio
do estilo de vida, ou seja, nas práticas sociais que constituem o
gosto, há concorrências e disputas responsáveis por exclusões e
hierarquias, o que equivale a dizer que as distinções são o resul­
tado de práticas culturais enraizadas nas disposições de agir de
cada grupo (Bourdieu, 1979: 193).
Ao defender que é necessário considerar uma condição his­
tórica, para além da epistemologia da história, e nesse sentido
uma abordagem dialética entre história e memória, uma vez que

20. Bourdieu procurou transcender o subjetivismo e o estrutural-funcionalismo presen­


tes nas teorias sociais através de conceitos que permitissem perceber que práticas
sociais seriam simultaneamente constituídas e constituidoras de significados. Neste
sentido, definiu habitus como um sistema de disposições partilhadas por indivíduos
que estejam submetidos aos mesmos condicionamentos; e campo como ambiente
reflexivo que permite a ação. Sua tentativa é marcada pelo afastamento das teses
kantianas e pela substituição da noção de moral pura e formal do dever por dispo­
sições duradouras constitutivas da moral realizada. Aproxima-se dos trabalhos de
Heidegger e Merleau-Ponty procurando uma relação de cumplicidade ontológica
com o mundo. Tal como apontado em Weber, agentes sociais só obedecem a regras
quando eles têm interesse em segui-las. Mas a diferença introduzida por Bourdieu
é que práticas sociais seguem princípios de classificação, hierarquias e disposições
corporais, entre outros códigos.

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98 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

nem uma abordagem distanciada do tempo, nem aquela que o re­


constrói a partir de interações intersubjetivas podem ser ignora­
das nos estudos sobre representações, Ricceur aponta nos traba­
lhos de Pierre Nora, Yerushalmi e Maurice Halbwachs exemplos
de abordagens que permitem que a história possa ser compreen­
dida como uma memória histórica (Ricceur , 2000: 512-535).
O trabalho que Halbwachs nos deixou sobre quadros sociais
da memória, portanto, embora definido por seu autor como so­
ciológico e não histórico, acabou por se tomar obra precursora
de uma série de iniciativas historiográficas. Nela o teórico pro­
curou lidar com o passado construído por gmpos sociais, já que
a história, com seus cortes e períodos artificiais, significaria a
esquematização e a arbitrariedade sobre o passado (Halbwachs,
1968: 68-79). O sociólogo francês não só abriu um caminho que
Posteriormente celebrizaria toda uma geração de historiadores,
como tomou bastante tênues as fronteiras entre história, socio­
logia, antropologia e crítica literária. Seu trabalho representou
uma contribuição importante também para todos aqueles que se
engajam no estudo de políticas de identidade. Através dele, pode­
mos compreender que lugares de memória, como monumentos e
constmções arquitetônicas, são representações coletivas que in­
fluem e determinam ações coletivas.
Em suma, a memória, seguindo as novas contribuições te­
óricas na área das ciências sociais, passou a ser compreendida
tanto como a ação de reescrever o passado, quanto como a re­
presentação formal deste por determinados atores ou gmpos so­
ciais (Fentress & Wickham, 1992:X). Constatamos, entretanto,
que aqueles que se voltam para o estudo de memórias coletivas,
ainda que considerando uma condição histórica com densidade
hermenêutica em lugar da narrativa linear de uma sucessão de
eventos, continuam a se dividir entre os que enfatizam ou a re­
construção cognitiva do passado, ou a análise das marcas deste
passado deixadas em mitos fundadores, imaginários nacionais,
práticas constitutivas e heranças patrimoniais.
Pesquisas empíricas e científicas tentam controlar as variá­
veis a serem analisadas. Para tanto, reduzem fenômenos comple­
xos a alguns eixos centrais estabelecidos previamente. Parte do

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 99

mesmo fenômeno, as diferenças surgem pelo viés do recorte e do


olhar de quem é responsável pela tarefa do conhecimento. Curio­
samente, Bartlett menciona este problema ainda na década de 30,
ao apontar uma solução pragmática e admitir que “princípios”
podem variar de acordo com as circunstâncias. Sugeriu que
onde organizações sociais só possuíssem um fraco conjunto de
interesses, a memória poderia ser compreendida como a maneira
“fraca” de recordar. Quando, ao contrário, existissem tendências
sociais fortes, o processo de recordar se mostraria consolidado
em “imagens”. Finalmente, quando tendências sociais fortes esti­
vessem sujeitas ao controle social, recordações sociais tomariam
um caráter construtivo (Bartlett ,1961: 267). Resumindo, Bartlett
trouxe, ainda que de forma rudimentar, a observação correta de
que as formas de recordar variam com as circunstâncias, a saber:
com pressões que podem ser oriundas ou de um grupo de interes­
ses ou de determinações sociais.
No capítulo que se segue, voltaremos às teses bergsonianas
para compreendermos as teorias sobre a memória defendidas por
dois representantes da teoria crítica, Herbert Marcuse e Walter
Benjamin. Estes autores trazem uma dimensão que até aqui não
foi abordada: os conflitos e as complementaridades existentes
entre memória voluntária e memória involuntária quando estas
são analisadas sob uma perspectiva histórica. Embora tais contri­
buições não tenham muito peso nas análises contemporâneas que
têm sido desenvolvidas sobre memória coletiva e só permaneçam
vivas de forma fragmentada, credito a elas imensa importância.
Os escritos que serão analisados nos permitem pensar a dimensão
histórica sob nova perspectiva, para além da forma excludente
pela qual a epistemologia da história e a noção de condição his­
tórica têm sido tratadas. Estes enfoques sublinham a simultanei­
dade de diferentes momentos históricos e a coexistência - ainda
que conflituosa - entre formas tradicionais e modernas. Para os
autores frankfurtianos, razão e história foram dois elementos que
continuaram em tensão na modernidade, implicando a contínua
reestruturação da elaboração crítica.

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II

A CRÍTICA DA SOCIEDADE PELA MEMÓRIA

A memória, como já foi mostrado, está presente nas cons­


truções do passado. O que recordamos não é exatamente igual
ao que já aconteceu, uma vez que, ao mesmo tempo em que
construímos o passado, ele também nos constrói. Temos bastante
segurança em afirmar que o passado aconteceu, mas não temos
muita certeza de como ele aconteceu. Reconhecemos, portanto,
que nossas memórias são incertas e confusas. Ainda assim, a me­
mória nos dá uma noção de distância no tempo que não surge de
imagens que construímos do passado.
As obras deixadas por Herbert Marcuse e Walter Benjamin
trazem alguns elementos que nos permitem pensar a memória
como mais do que uma pura construção social, ou seja, como
uma forma de conhecimento do mundo que a constitui. A memó­
ria deixa de ser objeto para tomar-se sujeito e objeto do conheci­
mento. Enquanto sujeito, a memória possibilita um conhecimen­
to crítico, em que a mitologia inerente às construções sociais é
decodificada tomando visíveis os processos de dominação ocor­
ridos ao longo da história.
Para esses autores, embora o passado seja sempre recons­
truído a partir dos interesses do presente, ele apresenta uma di­
mensão que não está contida nas constmções do presente. Pro­
curaram ambos os autores um significado implícito mas não
articulado pelos textos. Criticaram a perda dos laços entre gera­
ções, a sociedade de indivíduos isolados sem vínculos comunitá­
rios, a sociedade de massas, egoísta e unidimensional; e procura-

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102 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

ram alternativas à perda de significado inerente ao novo mundo.


Buscaram alternativas de conhecimento em meio ao controle e à
reifícação de categorias.
Nas páginas que se seguem, alguns conceitos esboçados por
Marcuse e Benjamin serão apresentados. Em ambos os casos,
a definição de memória pode ser compreendida a partir da ten­
tativa, comum aos diversos intelectuais que giraram em tomo
da Escola de Frankfurt, de reconstmir a dialética entre teoria e
práxis em sociedades ditas pós-industriais.1 A crença de Marx
de que no processo revolucionário a razão controlaria a história
pode ser considerada a grande fonte de inspiração de ambos os
pensadores. Fortemente presentes nestes estudos estão também o
diagnóstico da racionalização do mundo ocidental, descrito por
Max Weber, assim como as teorias sobre o consciente e o incons­
ciente, cunhadas por Freud.
Quando nos damos conta de que, para Marcuse e Benjamin,
não era possível acreditar nas palavras, pois eles acompanhavam
as determinações sobre a razão oriundas de um novo modo de
produção, de novas formas de racionalidade e do controle do in­
consciente, compreendemos do mesmo passo que a tarefa a que
se propuseram esses dois autores, a de tecerem uma teoria crítica
do conhecimento, vale dizer, uma teoria que transcendesse as de­
terminações apontadas, não poderia ser das mais fáceis.
Como o objetivo a ser alcançado neste capítulo restringiu-se
à análise das teorias sobre a memória, muitas das significativas
contribuições deixadas pelos diversos componentes da Escola de
Frankfurt não foram consideradas. Até mesmo em relação aos tra­
balhos de Marcuse e Benjamin, a tentativa aqui desenvolvida foi a
de explorar a contribuição destes autores em referência a questões 1

1. Embora tanto a escolha por temas considerados como da superestrutura, quanto a ên­
fase em diversos conceitos, como práxis, subjetividade e dialética possam ser ressalta­
dos como responsáveis por uma certa unidade teórica entre os frankfurtianos, gostaria
aqui de seguir a observação de Martin Jay de que uma das questões cruciais debatidas
por estes autores foi a relação entre teoria crítica e prática revolucionária (Jay, 1973).
A centralidade do debate pode ser compreendida por terem os frankfurtianos vivido
após a Primeira Grande Guerra, período em que o partido comunista encontrava-se
por eles desacreditado.

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140 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

MEMÓRIA E REALISMO MÁGICO

Se a modernidade implicava o isolamento crescente dos


indivíduos, a quebra de laços de companheirismo e a falta de
comunicação, havia elementos intrínsecos a ela, como as passa­
gens, que mostravam a contradição de seu devir. Nas passagens,
a vida pública, o interior da residência conviviam com o mundo
do indivíduo isolado. Da mesma forma que a passagem interrom­
pe o contínuo linear das ruas, a memória, compreendida como
mônada, rompe com o contínuo linear da tradição.
Em Teses sobre a Filosofia da História, Benjamin denun­
ciou aqueles que procuravam desvendar o passado através da fi­
losofia da história, através da ideia de tempo linear, contínuo e
direcionado pelo progresso. Para ele,
há um acordo secreto entre as gerações passadas e aquelas do presente
(Benjamin, 1968b: 254).
E, continuando, em uma de suas afirmações mais conheci­
das e divulgadas:
Não há documento da civilização que não seja ao mesmo tempo um
documento da barbárie (Benjamin, 1968b: 256).
Em um conjunto de passagens, publicado Posteriormente
como N. Re Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso, há
algumas reflexões sobre origem ou antecedente histórico que
apontam para um conceito muito diferente de uma essência an­
terior transcendental ou de um valor verdadeiro a ser descoberto.
Ele explicou que nem o passado ilumina o presente, nem o pre­
sente ilumina o passado. Diferentemente,
Uma imagem é aquilo em que o então e o agora se encontram em uma
constelação como o flash de um relâmpago (Benjamin, 1989b: 50).

Ou ainda:

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 141

O índice histórico das imagens não diz simplesmente que elas per­
tencem a um determinado tempo, ele diz, sobretudo, que as imagens
somente tomam-se legíveis em um determinado momento (Benjamin,
1989b: 50).

O estudo das imagens dialéticas permitiria ao pesquisador


a percepção desta coexistência entre dois momentos distintos, a
percepção da origem. Teoria e práxis encontrar-se-iam interligadas
na construção das imagens dialéticas, pois essas se associavam a
um despertar histórico. O objeto do conhecimento não seria uma
verdade última, mas o cumprimento de uma dívida do presente
com o passado. Embora este não seja um aspecto consensual en­
tre os comentadores de Benjamin, pois, para muitos, como vimos,
Benjamin falhou na sua tentativa de articular teoria e práxis, Susan
Buck-Morss constrói estes elos com muita propriedade:
Seu objetivo foi destruir a instantaneidade mítica do presente, não
pela inserção do presente em um contínuo que afirma o presente como
seu ponto de culminação, mas pela descoberta de uma constelação
de origens históricas que tem o poder de explodir com o contínuo da
história (Buck-Morss, 1989: X).

A ideia de crítica redentora se refere a esta forma de conheci­


mento que traz no seu âmago a possibilidade de denunciar o mito
que se reproduz em imagens. Ela, sob a perspectiva do tempo his­
tórico, está em direto confronto com as afirmações de Marx sobre a
história. Para este último, a tarefa da práxis revolucionária era a de
conduzir os homens na direção de uma sociedade livre a ser con­
cretizada no futuro. A ideia de uma prática revolucionária dirigida
para redimir o passado foi compreendida como uma abdicação ao
conhecimento, uma submissão à dialética entre essência e aparên­
cia sem que esta tivesse um momento de superação. Horkheimer,
por exemplo, criticou duramente o caminho encontrado por Ben­
jamin. Em uma carta dirigida a ele, afirmou:
O pronunciamento de uma incompletude é idealista se ela não incor­
pora a completude também. A injustiça do passado está feita e acaba­

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142 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

da. Aqueles que foram espancados até a morte estão verdadeiramente


mortos. Definitivamente você está fazendo uma declaração teológica.
Se alguém considera a incompletude de uma maneira absolutamente
séria, então este alguém precisa acreditar no Julgamento Final. Meu
pensamento é muito contaminado pelo materialismo para aceitar isso
(apud Tiedemann 1989: 181).
Benjamin não aceitava a ideia de que o passado pudesse ser
associado à completude. Para ele, o passado estava presente no
presente e não como construção deste último. Portanto, era pos­
sível assumir as responsabilidades pelas barbáries realizadas por
gerações precedentes. Ele respondeu a Horkheimer que:
Para mim, uma questão importante tem sempre sido aquela de como
compreender uma figura do discurso estranha, ‘perder uma guerra ou
um caso na corte’. A guerra ou o julgamento não são os caminhos
de acesso para uma disputa, mas antes a decisão relativa ao acesso.
Finalmente, eu expliquei este acesso para mim mesmo desta forma:
os eventos relacionados a uma pessoa que perdeu a guerra ou o caso
na corte estão verdadeiramente concluídos e perdidos. Este não é o
caso para a parte contrária, que é o vencedor. A vitória mostra seus
frutos de um modo muito diferente da maneira pela qual a derrota é
acompanhada por suas consequências. Isso conduz ao oposto exato da
frase de Ibsen: ‘Felicidade nasce da perda, somente o que é perdido é
eterno.’(apud Tiedemann 1989: 182).
O aspecto importante a ser observado neste segmento é que
Benjamin manteve vivas as dimensões sincrônicas e diacrônicas
inerentes à experiência humana. Acreditou na possibilidade de
redenção dos males do passado porque, sendo o passado incom­
pleto, seria possível que ele fosse reiterado no presente. Seria
necessário manter distância dos tesouros da cultura, uma vez que
eles deviam sua existência
não apenas às grandes mentes e aos grandes talentos que os criaram,
mas também à labuta anónima de seus contemporâneos (Benjamin,
1968b: 256).

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 143

Devemos ter cuidado com o que herdamos do passado, ad­


vertiu-nos Benjamin, pois os vencedores é que herdam a tradição.
O passado com suas tradições continua, portanto,vivo no presente,
mesmo na sua ausência, pois vive das consequências de uma derro­
ta; ele traz para o presente o sofrimento e a opressão de muitos. O
filósofo compreendeu sua tarefa como a de alguém responsável por
ultrapassar a lógica interna de mitos, narrativas ideológicas, fantas­
magorias, através da montagem de imagens em conflito. Não con­
siderou que a história se constituísse a partir de uma sucessão de
eventos, mas de um conjunto de diferentes temporalidades. Como
vimos anteriormente, ao analisar a poesia de Baudelaire, Benjamin
afirma que o poeta francês traz consigo, interligadas e em conflito,
duas épocas: a da poesia lírica e a do romance. É esta condição de
dualidade que confere à sua poesia um potencial revolucionário.
Apesar de trabalhar com mitos e fantasmagorias, a contri­
buição de Benjamin está distante dos ensinamentos deixados, por
exemplo, pelo mestre do pensamento estruturalista e da deco-
dificação de mitos, Lévi-Strauss (1958). Isso porque no estru-
turalismo a grande preocupação é desvendar o acordo secreto
construído entre os indivíduos da geração do presente. Quanto
a Benjamin, ele acrescentou uma nova dimensão de temporali­
dade que permitiu mostrar o que está ausente na análise das es­
truturas inerentes aos mitos do presente: o acordo secreto entre
as gerações passadas e aquelas do presente. Indiferentemente às
categorias estéticas e morais, à sua estrutura interna e à razão
analítica, o texto passa a ser percebido por sua poética e política.
As determinações do mito não são procuradas em estruturas que
antecedem os indivíduos do presente, mas nas consequências não
estruturadas de acordos entre gerações. Benjamin atuou na inter­
seção da etnologia, da estética e da psicanálise, como se o mundo
observado fosse um texto alegórico, preso a seu significante, mas
sem capacidade de traduzi-lo.24
O sincretismo entre tradições populares e narrativas colo­
nialistas na América Latina tem sido estudado e analisado há

24. Seu trabalho tem sido utilizado por aqueles que trabalham com a interseção entre
história, crítica literária e etnografia (Fischer, 1986).

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144 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

algum tempo, mas recentemente antropólogos têm procurado,


através de Benjamin, mostrar o lado transgressor da permanên­
cia da herança colonial em discursos colonialistas dominantes.
Nas palavras de Taussig, um dos intelectuais contemporâneos a
desenvolver brilhantemente a abordagem defendida por Benja­
min, a associação entre história e memória representa uma técni­
ca de montagem, em que é possível obter um conhecimento não
discursivo da realidade social. Em momentos de perigo, a ver­
dade do passado surge em imagens proibidas. Taussig procurou
mostrar que a conquista europeia das sociedades “primitivas” e a
decomposição de suas culturas religiosas não acarretaram a sua
eliminação. Os mortos não foram enterrados, pois eles sobrevi­
vem em textos proibidos; Taussig se refere às diferentes formas
de xamanismo e de crenças que, embora aparentemente domes­
ticadas e obscurecidas pelos discursos dominantes, continuam
presentes e mantendo paralelamente à dominação a lembrança
de um passado brutal. Para ele, a tarefa não é a de explicar a
relação entre mito e prática, ordenar a desordem, mas, ao contrá­
rio, dar visibilidade à selvageria do passado, cujos traços podem
ser encontrados e denunciados nos rituais civilizados do presente
(Taussig, 1986).
Em suma, a história colocou a memória, lembrança do pas­
sado, a serviço dos colonizadores, mas a memória também foi
capaz de preservar com ela as barbáries dos colonizadores no
discurso que os legitima. Embora a memória não seja capaz de
nomear as injustiças anteriormente cometidas, ela as traz em suas
narrativas. Para compreender esta presença implícita do passado
no presente, os conceitos trazidos pela psicanálise se fazem ne­
cessários.
LEMBRANÇA, REMINISCÊNCIA E FANTASMAGORIAS

MEMÓRIA VOLUNTÁRIA E MEMÓRIA INVOLUNTÁRIA

Em A Interpretação dos Sonhos, escrito em 1900, Freud


afirmou que, enquanto o processo da consciência recebe e res­
ponde a um estímulo e dele não retém nenhum traço, aquele da

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 145

memória transforma uma excitação momentânea em traços per­


manentes dos quais não temos consciência (Freud, 1968a). Os
dois mecanismos seriam incompatíveis, embora partes de um
mesmo sistema. Seriam incompatíveis porque, quando o siste­
ma da consciência estivesse em funcionamento, ele não deixaria
para trás nenhum traço, e vice-versa.
Podemos fazer um paralelo entre a descrição de sistema do
consciente e do inconsciente por Freud e as descrições da me­
mória voluntária e involuntária em Benjamin, pois este último
também pensa a memória em termos de estruturas de subjetivi­
dade. A memória voluntária seria responsável pela reconstrução
consciente do passado enquanto a involuntária reteria traços per­
manentes que não são expressos pela linguagem.
Os filósofos procuraram definir o conhecimento a partir da
forma como conceberam a relação entre natureza humana, tempo
e espaço. A partir da forma com que cada uma destas dimensões
é definida, certa compreensão do que é a memória surge. Se­
gundo Casey, grandes pensadores como Aristóteles, Hume, Kant
e Husserl trabalharam com uma visão unidirecional de tempo:
os fenômenos temporais foram concebidos e agrupados em uma
sucessão unilinear, porque o tempo foi pensado a partir da sua
dispersão e desintegração; cada momento surge e desaparece
instantaneamente; nada do tempo permanece. Nesse caso, cabe
à consciência humana, seja como imaginação (Kant) ou ação in­
tuitiva (Husserl), a representação do que foi anteriormente vi-
venciado. Para Casey, esses filósofos compreenderam a memória
de uma perspectiva mentalista.25 Sobre a memória, Casey vai
afirmar que, apesar da suposta lucidez dos fenômenos men­
tais, é precisamente quando é construída como um fenô­
meno mental que a memória se mostra como alguma coisa
diferente do que alguém pressupôs que ela fosse.

25. Citando literalmente Casey (minha tradução): “Por mentalismo, eu me refiro à visão
de que mentes humanas - ou substitutos para essas mentes, notavelmente os com­
putadores - fornecem o lugar definitivo, bem como o principal limite da experiência
humana. A consequência crítica desta visão é que tudo por que passamos precisa ser
representado no receptáculo da mente para que possa ser considerado uma experiên­
cia (Casey, 1987: 88).”

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146 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

Citando Heidegger, para quem a mente não seria capaz de


expressar toda a dimensão da temporalidade, e para quem o ser-
no-mundo adquire autenticidade apenas na repetição resoluta de
seu passado, Casey diferencia o ato de lembrar da reminiscência.
A reminiscência chega a nós, não é causada por nós. Ela não
pode ser reduzida à procura ativa de eventos passados pela me­
mória (rememorar, lembrar o passado) nem ao ato de reproduzir
o passado (recordar), pois ela significa reviver ativamente o que
não existe mais, tendo uma dimensão fenomenológica mais lar­
ga, que expressa a presença do passado no presente.26 Nesse caso,
revivemos o passado não como ele foi, o que é impossível, nem
como nós queremos, mas como ele foi capaz de ser rememorado
através das reminiscências.
Na terceira parte de seu livro, Casey procura mostrar que a
memória é um fenômeno que não está restrito a fenômenos men­
tais, sejam eles a lembrança ou a reminiscência. Ele refere-se ao
corpo, a lugares e a comemorações como outras dimensões da me­
mória (Casey, 1987: 144-260). Aqui a memória não estará mais
referida às duas subjetividades acima apontadas, mas à condição
de “ser” na dimensão espacial. Retoma, por exemplo, a noção de
habitus, tal como definida por Bergson, em que a memória ligada
ao corpo permite que o passado apresente-se ativamente no pre­
sente, havendo uma imanência do passado no presente e do pre­
sente no passado, coimanência, que demonstra a identidade entre
passado e presente. Também ao analisar a obra de Mareei Proust,
enfatiza que os objetos que fazem lembrar descritos por Proust le­
vam à conclusão de que uma das condições do “ser-no-mundo” é
o “ser-no-espaço”. O passado não é constituído nem por palavras,
nem por imagens; e é modificado continuamente pelo presente ao

26. Ao apresentar a percepção da dimensão densa de tempo, Casey vai se referir a um


fenômeno relacionado à dimensão de “adumbrar” (<adumbration), ou seja, a um
modo de manifestação no qual as partes já percebidas de um objeto sugerem a quem
percebe, em caráter de presunção, as partes que não foram ainda percebidas, sen­
do este mais um tipo de relação do que de manifestação. Essa relação referente
a uma percepção “sombreada” não seria nem indicativa do passado, nem icônica,
diferenciando-se, portanto, das explicações de Husserl sobre o caráter indicativo que
determinados objetos trazem em relação ao passado (Casey, 1987: 104-121).

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 147

mesmo tempo em que constitui o presente. Esta memória ineren­


temente corpórea ou espacial implica outra definição de tempo.
Casey critica a concepção de tempo considerada como um efeito
de abstração da relação irreversível de um passado sem volta e
resgata a noção de tempo que resiste em ser apagado. A memória
que envolve o corpo, o lugar ou práticas comemorativas e que é
constitutiva de nossas experiências, portanto, é aquela que é dife­
rente tanto da nossa capacidade de percepção do mundo físico que
nos rodeia, quanto da memória inerente a este próprio mundo.27
Em suma, Casey nos apresenta três correntes filosóficas em que
diferentes formas de compreensão da relação do homem com a
dimensão temporal são estabelecidas. Sua tentativa teórica é a de
mostrar que estas abordagens filosóficas podem ser complemen­
tares, uma vez que nos conectamos com o passado de múltiplas
formas (Casey, 1987:262-263).
Esta é justamente a perspectiva que está presente no tra­
balho de Benjamin quando ele não só trabalha com a memória
voluntária e a memória involuntária como duas estruturas dife­
rentes de subjetividade, duas formas de experiências, mas pro­
cura o passado também em outras dimensões materiais da vida,
admitindo que o passado não está contido pelas formas de intui­
ção, percepção e experiência pensadas até então. Em alguns mo­
mentos, Benjamin subordinará sua análise à dimensão temporal
quando aponta, por exemplo, as transformações das estruturas da
subjetividade no mundo moderno; mas em outros, ao enfatizar a
espacialização do tempo, ele aponta justamente a continuidade
ou a permanência do passado no presente. Será que há contra­
dição em suas formulações, como apontado por Jauss e outros?
Ou será que estas diferentes formas de lidar com os fenômenos
observados baseavam-se na sua ideia de que passado e presente
se encontram de múltiplas formas?
A contribuição de Benjamin sobre a memória é muito pouco
sistemática, mas algumas observações feitas por ele, principal­

27. Há aqui novamente uma crítica à abordagem filosófica de Husserl, para quem ob­
jetos que fazem lembrar são compreendidos como sinais indicativos de um passado
(Casey, 1987: 178-180).

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148 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

mente no artigo Sobre Alguns Temas em Baudelaire, artigo que


foi escrito como parte do Projeto das Arcadas, são importantes
para o desenvolvimento do argumento de que a memória tem
múltiplos aspectos, nem todos reduzíveis entre si (Benjamin,
1968c). A análise de sua contribuição será feita a partir do que
já foi enfatizado em relação ao conjunto de sua obra, ou seja, da
importância de sua concepção de história e dos limites que ele
apontou às diversas teorias filosóficas e sociais de sua época.
Benjamin analisou o significado da memória a partir das
reflexões deixadas pelo filósofo Henri Bergson, interessando-se,
principalmente, pela preocupação deste último com as relações
existentes entre matéria e memória (Bergson, 1985). De maneira
extremamente simplificada, poderíamos dizer que Bergson pro­
curou uma alternativa ao pensamento filosófico, que era forte­
mente calcado no conhecimento oriundo da razão e das regras
do pensamento, explicando a memória a partir do encontro entre
a intuição humana e a materialidade temporal presente em nós
(<durée). Benjamin defendeu algumas das reflexões de Bergson
sobre a memória, pois considerou o conceito de durée importante
por trazer a ideia de continuidade temporal.
Entretanto, Benjamin criticou a tentativa de Bergson de fun­
dir no seu conceito de memória dois tipos de experiência que não
se adequavam mais ao mundo moderno. Para Benjamin, Bergson
definiu a natureza da experiência de tal forma que apenas o poeta
poderia ser o sujeito adequado de tal experiência. Ele estava er­
rado, porque, somente em alguns aspectos excepcionais da vida
contemporânea, como na sobrevivência da aura, era possível a
ocorrência do tipo de experiência descrito por Bergson.
Benjamin procurou compreender a memória como parte da ex­
periência humana da modernidade; ele contextualizou a memória.
Poderíamos dizer que atrelou as reflexões de Bergson às condições
históricas atribuídas por ele ao momento em que vivia e, para isso,
considerou alguns outros trabalhos sobre a memória. Segundo ele, a
obra de Mareei Proust teria colocado a teoria de Bergson em questão:
O trabalho de Proust, À Procura do Tempo Perdido, pode ser vis­
to como uma tentativa de produzir experiência sinteticamente, como

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 225

YERUSHALMI, Yosef Hayim. 1982. Zakhor, Jewish History and Jew­


ish Memory. The Samuel and Althea Stroum Lectures in Jewish Stud­
ies. Seattle: University of Washington Press.
ZIZEK, Slavoj. 1992. Eles não sabem o que fazem. O sublime objeto da
ideología. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
----------------- 2000. Da capa senza fíne. In Contingency; Hegemony,
Universality: Contemporary Dialogues on the Left, ed. Judith Butler,
Ernesto Laclau & Slavoj Zizek: 213-262. London: Verso.

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ÍNDICE REMISSIVO DE TEMAS

Ação prática, 27
Ação social, 83, 87, 159
Adorno, Theodor, 103-109, 123, 129, 139
Agostinho, 31-32
Alegoria, representação alegórica, 123, 128-131, 132, 135, 138, 153-
154, 158, 167, 174
Alienação, 34, 109-110, 120-121, 158-159, 182
Amnésia coletiva, 55-57,115, pesadelo da amnésia coletiva, 21,24-25, 34,
amnésia infantil, 112-113
Antropologia social, 41, 50, 62, 96, 98, 186
Arendt, Hannah, 21-25, 88
Arqueologia do saber, 165, 188
Autobiografias, 94
Aura, 132-135, 148, 151

Bachelard, Gaston, 32
Bartlett, Frederic Charles, 26-27, 39-40, 59-101, 113-117, 197
Bataille, Georges, 36, 122
Baudelaire, Charles, 125, 132, 135-136, 143, 148, 157
Bauman, Zygmunt, 196, 200
Beck, Ulrich, 83, 86-87
Benjamin, Walter, 33-35, 80, 101-103, 106, 122-165, 204-207
Bergson, Henri-Louis, 25-26, 42, 51-59, 88-101, 146-151, 171
Blasé, homem blasé, 157

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228 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

Borges, Jorge Luís, 36


Bourdieu, Pierre, 29, 96-98, 198, 201
Burguesia, 123
Burke, Peter, 29, 85

Capitalismo, 48,81, capitalismo liberal, 106, capitalismo pós-industrial,


105, 106, 107, capitalismo de estado, 106, capitalismo avançado, 112
Casey, Edward S., 25, 32, 72, 145-147, 200
Catástrofe, 36, 202
Cenário, 67-68
Chartier, Roger, 95-96
Civilização, 110-112, 115, 118, 121, 139, 193, 201
Comemorações, 94, 146
Complexo de Édipo, 178
Consciência espaço-temporal, percepção espaço-temporal, 85, 166,
consciência histórica, 86, 170
Convencionalização, processo de, 49, 53, 59-68, 82
Construção social, 30, 34, 39, 76-101
Crítica redentora, 123, 139, 141
Culturalismo, 27, 49, 58, 116

Derrida, Jacques, 35, 165-183, 202


Desconstrução, 158, 166, 186, 189
Desencantamento do mundo, 81, 134
Destradicionalização, 86, 159
Dialética do esclarecimento, 105
Différance, 35, 172, 175-177, 180
Dilthey, Wilhelm, 149-153
Dimensão espaço-temporal, 80, 83
Douglas, Mary, 58-59, 62, 66, 78, 199
Durée, 52, 90-91, 148, 171
Durkheim, Émile, 26, 39,42-51, 80, 83, 97,195

Ebbinghaus, Hermann, 51, 60, 70


Edwards, Derek, 71, 84

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 229

Elias, Norbert, 96-97, 198


Ética protestante, 48
Esclarecimento, dialética do esclarecimento, 105
Escola de Frankfurt, 33-34, 99, 101-109, 120, 123, 129, 137, 153, 187,
204-205, 207
Esquecimento, 25-31, 35-37, 57, 69-70, 73, 88, 89, 114, 115-122, 138,
152, 158, 173, 197
Esquema, schema, schemata, 59-76
Estruturalismo, 27, 29, 34, 83, 143, 183,192
Estrutural-funcionalismo, 80, 97
Experiência, Erfahrung, Erlebnis, 106, 126, 150-151
Fantasmagorias, 33, 123
Fato social, 44, 48, 117
Fenomenologia, 34, 72, 83, 88, 109, 138, 146, 149, 166
Fenômeno arcaico, ur-fenômeno, 139
Filosofia da linguagem, 207
Filosofia da história, 109, 131, 140
Filosofia do sujeito, 34, 207
Flâneur, 136, 157
Freud, Sigmund, 42, 55, 57, 67, 91, 102, 106-114, 117-122, 144-165,
171, 174-183,205
Foucault, Michel, 34, 36, 59, 93, 96-97, 163-166, 183-195, 201-202
Funcionalismo, 26, 41, 46, 83, 197
Gadamer, Hans-Georg, 151
Genealogia, 184-185, 193
Giddens, Anthony, 83, 86-87, 97, 159
Habermas, Jurgen, 34, 129, 139, 159, 201
Halbwachs, Maurice, 25-27,39-101, 116-117, 152-153, 191, 196-197
Heelas, Paul, 159
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich, 109, 137, 139, 166, 168-171
Heidegger, Martin, 109, 138, 146, 166, 171-172
História cultural, 95-96, história da cultura, 203
Hobsbawm, Eric, 21, 85, 195, 199, 207
Holocausto, 36, 163

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230 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

Horkheimer, Max, 104-108, 123, 141-142


Husserl, Edmund, 83, 87, 109, 138, 145, 166, 170-171
Hutton, Patrick H., 93-95, 191
Huyssen, Andreas, 86
Identidade, 13, 71, autoidentidade, 178, identidade coletiva, 17,
identidade construída, 18, identidades nacionais, 198, políticas de
identidade, 84-85, 96, 98, 134, perda de identidade, 157
Ideologia, 139, 182, 199, 202-204
Imagens dialéticas, 131-140
Interacionismo, 26, 41, 57, 59-76, 83, 159, 162, 197
Intemalização, 70, 106, 111, 113, 115
Interdisciplinaridade, estudos interdisciplinares, 13, 29, 71, 73, 83
James, William, 42, 71-72, 83
Jay, Martin, 103-109, 205
Kant, Immanuel, 80, 82, 127, 137, 145, neokantianismo, 87
Koselleck, Reinhart, 86
Kundera, Milan, 28
Lacan, Jacques, 165, 177-183, 188, 193, 202
Le Goff, Jacques, 86
Lévi-Strauss, Claude, 143, 192
Lukács, Gyorgy, 104-105, 128-133, 187
Marcuse, Herbert, 33-34, 101-122, 153, 157, 165-166, 182, 187,
204-205
Marx, Karl, 48, 80-83, 102, 104-106, 109-115, 131-132, 136-137, 141
Mauss, Mareei, 50
Memória, arte da, 21, fragmentos de, 23, perda de, 21-25, memória e
liberdade, 24,27,35-39,115-122, memória coletiva, 25,39-51, memória
social, 30, memória e conhecimento, 31, memória e história, 31-35, 88-
101, lugares da, 51-59, 93, construção da, 59-68, memória episódica
e memória semântica, 68-76, memória individual e social, 76-88,
dualidade da, 80, pluralidade da, 28, 158-165, memória e conhecimento
crítico, 101-103, 115-122, memória e redenção, 144-154, memória e

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 231

trauma, 154-158, memória-hábito e memória-lembrança, 204, 206,


memória voluntária e involuntária, 144-154, memória autobiográfica,
114, memória e narrativa, 166-174, em memória de, 174-177, pós-
memória, 13, quadros sociais da, 44, 46, 51-59, 76, 78, 98, 197
Middleton, David, 71, 84
Modernidade, 24, 34, 81, 83, 84, 86, 99, 123, 125, 126, 131-140, 148,
153, 156-166, 196, 205
Montagem, trabalho de montagem, 122, 132, 138-139, 143-144, 153
Morfologia social, morphologie sociale, 41-51
Monumentos, 94, 98, 152, 160, 183-184
Nacionalismo, 11, 84, 198
Namer, Gérard, 47
Neisser, Ulric, 27, 68-76, 113-114, 152, 180
Nietzsche, Friedrich, 35, 105, 183-185
Nora, Pierre, 86, 95, 98
Parsons, Talcott, 159
Percepção espaço-temporal, consciência espaço-temporal, 85, 166
Pomian, Krzysztof, 85
Positivismo, 43
Pós-estruturalismo, 34, 201
Pragmatismo, 83
Princípio do prazer, 55, 118, 160
Proletariado, classe trabalhadora, 107, 110, 119, 123, 135
Proust, Mareei, 42, 80, 131-140, 146, 148-151
Pulsão, instinto de morte (death insíinct), 110-111, 118, 155, 158-165, 175
Ranger, Terence, 84-85
Razão instrumental, racionalidade instrumental, 103-109, 166
Reconhecimento, teoria do, 61, 64, 67, 68, 69, 91, 129, 151, 165, 180
Redenção, crítica redentora, 140-144
Ricoeur, Paul, 33, 95, 98, 161-162, 171
Roth, Michael, 86
Samuel, Raphael, 80, 86

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232 MEMÓRIA COLETIVA E TEORIA SOCIAL

Schachtel, Emst, 112-119


Scholem, Gershom, 124, 129
Schutz, Alfred, 83, 87, 93
Simmel, Georg, 82, 157
Símbolo, representação simbólica, 128-129
Sociedade unidimensional, 103-115
Suicídio, 44, 50
Surrealismo, movimento surrealista, 138-139
Swazi, Swaziland, 62-65

Taussig, Michael, 144, 192, 206


Tempo social, 27, tempo linear, 85, 140, 169, tempo e subjetividade,
72, tempo e espaço, 46, 51, 145, tempo histórico, 141, dimensões
diferenciadas do tempo, 88, tempo vivido, 90, tempo de agora (Jetztzeit),
139, tempo e différance, 174-177
Teologia judaica, 124
Teoria crítica, 13, 33, 99, 101-103, teoria do choque, 156, 162, 203,
teorias da linguagem 29, 122-131, 166-174, 177-183, 197, 207,
teorias do reconhecimento, 61, 64, 67, 68, 69, 91, 129, 151, 165,
180, teorias estruturalistas e estruturais-funcionalistas, 27, 29, 34,
80, 83, 97, 143, 183,192, teorias funcionalistas, 26, 41, 46, 83, 197,
teorias interacionistas, 26, 41, 57, 59-76, 83, 159, 162, 197, teoria
pragmatista, 83
Tragédia da cultura, 122, 123
Thompson, John B, 86
Tradição, perda da, 21-25, 122-131, tradição cristã, 46, elementos
da, 54, tradição inventada, 84-88, tradição e costume, 85-88,
tradição e modernidade, 126, tradição e hermenêutica, 151, 171,
destradicionalização, 159
Trauma, experiências traumáticas, 36, 55, 67, 111, 119-121, 154-165,
175, 195,203
Tulving, Endel, 68-71, 78
Weber, Max, 47-48, 80-82, 88, 96, 102, 106
Wittgenstein, Ludwig, 83
Wood, Nancy, 163
Yates, Francês - 21, 24, 32

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MYRIAN SEPÚLVEDA DOS SANTOS 233

Yerushalmi, Yosef Hayim, 98


Zizek, Slavoy, 182, 192, 201-202, 205-206

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