Psicologia Transpessoal
Psicologia Transpessoal
Psicologia Transpessoal
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"Não apenas é o homem parte da natureza - e esta é parte sua -, como deve ser minimamente
isomórfico (semelhante a) com ela para nela ser viável. Ela o gerou. Sua comunhão com aquilo
que o transcende não precisa ser definida, portanto, como não-natural ou sobrenatural. Pode ser
vista como uma experiência 'biológica' ".
Abraham Maslow.
A grande maioria dos teóricos da personalidade toma por fundamento básico a consciência
em estado de vigília, ou consciência normal, como sendo a única possibilidade saudável
de nível de percepção congnitiva. As caraceterísticas básicas desta consciência normal,
segundo Fadiman & Frager, é que a pessoa sabe "quem é", tem perfeita noção de si mesma
como uma individualidade, e seu sentido de identidade é estável. Ou seja, a pessoa tem uma
idéia clara de ser uma individualidade diferenciada do meio que a cerca. Estudos vários
sobre a imagem corporal e do sentido do ego concluem que qualquer desvio desses limites é
um grave sintoma psicopatológico. Só que tal conclusão começou a ser seriamente
questionada com vários relatos e pesquisas sérias realizadas em várias partes do mundo.
Às vezes, experiências correlacionadas com um declínio de uma psicopatologia e com a
restauração da saúde psíquica podem muito bem expor experiências subjetivas que
ultrapassam e muito os chamados limites normais do ego. William James já o havia notado
em fins do século passado. O resultado de muitas destas pesquisas, muitas delas envolvendo
psiquiatras e psicólogos famosos, levantou uma séria questão: seria possível que algumas das
distinções que mantemos entre nós mesmos e o resto do mundo sejam arbitrárias e/ou
culturalmente condicionadas? Talvez a consciência humana seja um vasto campo ou espectro,
semelhante ao espectro eletromagnético, onde cada "freqüência" expressaria um modo de
percepção, muito mais que um conjunto firme de traços ou características rigidamente
definidas de expressão, já que em certas experiências - algumas delas envolvendo
psicodélicos ou drogas psicoativas - a consciência do sujeito parece abranger elementos que
não têm nenhuma continuidade com sua identidade do ego usual e que não podem ser
considerados simples derivativos de suas experiências no mundo convencional.
Vejamos esta descrição, feita por Stanislav Grof, de experiências correlacionadas com o
declínio de uma patologia (extraído, com comentários meus, de Fadiman & Frager, 1986,
página 168):
São, pois, estas experiências culminates e transuamas que são o foco central da Psicologia
Transpessoal.
Carl Gustav Jung pode ser considerado o mentor máximo e o primeiro psicólogo
transpessoal. As diferenças entre a Psicanálise Freudiana e as teorias de Jung são muito
bem representativas das diferenças entre uma psicoterapia mecanicista e biomédica e uma
mais humana e holística. Ainda que Freud e muitos dos seus discípulos tenham ido muito
a fundo nas suas revisões da psicologia ocidental, atingindo os limites do paradigma
cartesiano em Psicologia, apenas Jung questionou radicalmente seus fundamentos filosóficos:
a visão de mundo de Descartes e Newton. Jung salientou, de modo convincente, aspectos não
racionais e não lineares da psique, que inclui o misterioso, o criativo e o espiritual como meios
válidos, ou formas holísticas-intuitivas de conhecimento.
Jung via a psique como uma interação complementar entre elementos conscientes e
inconscientes, com uma constante troca de informação e fluidez entre ambos. O inconsciente
não seria um mero depósito psicobiológico de tendências instintivas reprimidas. Ele seria um
princípio ativo inteligente, que, em seu estrato mais profundo, ligaria o indivíduo à toda a
humanidade, à natureza e ao cosmos. Ele não seria governado apenas pelo determinismo
histórico, como postulado por Freud, mas também por uma ânsia evolutiva com uma função
projetiva e teleológica.
Jung não acreditava que o ser humano fosse uma mera máquina biológica. O
conceito de máquina é extremamente antropomórfico para ser um conceito natural. Além
disso, ele reconhecia que o processo de maturação psíquica pode, em certos casos, transcender
e muito os estreitos limites do ego e do inconsciente individual. Por isso ele é considerado o
primeiro representante da orientação transpessoal em psicologia.
Pela sutil e cuidadosa análise de seus próprios sonhos, tal como antes fizera Freud, bem
como dos sonhos de seus pacientes e dos delírios de pacientes psicóticos, Jung descobriu que
os sonhos têm, algumas vezes, imagens e motivos que se repetem e que podem ser encontrados
não só nas diversas partes do mundo, como também em deferentes períodos da história.
Assim, ele chegou à conclusão de que, além do inconsciente individual, há um inconsciente
coletivo ou racial, comum a toda a humanidade, manifestação da criatividade universal. As
únicas fontes de informação sobre os aspectos coletivos do inconsciente seriam o estudo das
religiões comparadas e da mitologia universal. Para Freud, os mitos podem ser interpretados
em termos de problemas e conflitos característicos da infância e sua universalidade reflete o
conjunto da experiência humana compartilhada culturalmente. Jung rejeitou tal explicação
reducionista. Ele havia observado que os enredos mitológicos universais ocorriam em
indivíduos que não tinham, de maneira alguma, qualquer conhecimento deles. Isso lhe sugeriu
que haveria elementos estruturais formadores de mitos na psique inconsciente. Tais elementos
originariam tanto a fantasia viva e os sonhos pessoais quanto a mitologia dos povos. Assim, os
sonhos podem ser encarados como mitos individuais e os mitos, como sonhos coletivos. De
qualquer modo, estas matrizes primárias são como a expressão instintual do potencial
psíquico que cada indivíduo terá de, em seu crescimento, desenvolver.
Freud sempre demonstrou durante toda a sua vida um apaixonante interesse por religião e
espiritualidade, mas como expressão de recalques do desenvolvimento psicossexual do homem
expresso na forma da cultura religiosa. Ele acreditava que era possível uma compreensão do
processo irracional conflitivo, que viria das que fases do desenvolvimento psicossexual,
responsável pelo surgimento da religião. Jung, ao contrário, dispunha-se a aceitar o irracional
e o paradoxal como válidos em si mesmos. Ele estava convicto da realidade da dimensão
espiritual no esquema universal das coisas. Sua suposição básica era que o elemento espiritual
é uma parte orgânica integral da psique. A verdadeira espiritualidade, ou a sua busca, é um
aspecto pulsional do inconsciente coletivo, independente do condicionamento da infância e da
vida do indivíduo, do ponto de vista cultural e educacional. Assim, se a análise e a auto-
exploração alcançam suficiente profundidade, os elementos espirituais emergem
espontaneamente na consciência. A maior contribuição de Jung para a psicoterapia é seu
reconhecimento das dimensões espirituais da psique e suas descobertas nos campos
transpessoais .
O que faz de Jung um gênio na psicologia moderna é sua ampla visão, que vai bem além de
sua época, e o seu método científico. O enfoque de Freud era estritamente histórico e
determinísitco, bem ao gosto do paradigma cartesiano-newtonino; ele se interessava em
encontrar explicações lineares-racionais para todos os fenômenos psíquicos, seguindo uma
gênese histórico-biográfica. Jung estava convencido de que a causalidade linear não era o
único princípio mandatório na natureza. Ele criou um termo, sincronicidade, para designar
um princípio de ligação entre eventos de forma NÃO-causal, o que explicaraia as chamamdas
coincidências significativas de ventos separados no tempo e/ou no espaço. Também se
interessava intensamente pelo desenvolvimento da Física Moderna e mantinha estreito
contato com seus representantes mais proeminentes. Foi Einstein que, durante um encontro
pessoal, encorajou Jung a perseguir o conceito de sincronicidade, e Wolfgang Pauli, um dos
fundadores da teoria quântica, publicou um ensaio conjunto com Jung sobre sincronicidade,
bem como escreveu um estudo sobre os arquétipos na obra do físico Johannes Kepler. Não
deixa de ser tremendamente irônico o fato de que, embora Freud se orgulhasse de a
Psicanálise ser atrelada ao mecanicismo newtoniano e de que os psicanalistas serem
"mecanicistas incorrigíveis", ter sido a psicologia "esotérica" de Jung a que tenha exercido
maior impacto entre os gênios da ciência moderna.
Mas o que tem a ver Física e Psicologia? Bem, os Físicos modernos têm muito a dizer sobre
a importância da consciência na definição do que seja realidade. Eles, juntamente com os
místicos genuínos, parecem estar cada vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas
para descrever o que seja o universo (ver os excelentes livros de Fritjof Capra e de Lawrence
LeShan). Os reseultados das experiências transpessoais sugerem que a natureza da gênese da
consciência podem ser mais realisticamente descritas por mísiticos e físicos modernos do que
pela mais estável e aceita linha psicológica acadêmica.
Muitos autores (Abraham Maslow, Pierre Weil, Stanislav Grof, Ken Wilber, Walsh,
Vaughan entre outros) oferecem a evidência de que os assim chamados "estados alterados"
são não só naturais, como também são necessários para o bem-estar e a saúde do indivíduo,
após atingir um certo grau de desenvolvimento cognitivo e ter atendido as necessidades
básicas mais urgentes. Maslow acredita que, a menos que tenhamos oportunidade de
mudarmos nosso estado de consciência, podem se desenvolver sintomas emocionais graves se
imperdirmos o afloramente dos níves transcendentes da personalidade. Da mesma forma
como existe uma pulsão para a experiência sexual, também parece haver uma pulsão para o
desenvolvimento de níveis de percepção.
Roberto Assagioli
Abraham Maslow
Foi AbrahamMaslow quem primeiro formulou, explicitamente, os princípios da psicologia
transpessoal como uma abordagem diferenciada. Uma de suas mais importantes
contribuições é seu estudo sobre pessoas que vivenciaram, espontaneamente, as chamadas
experiências místicas de "pico". Na psicoterapia tradicional, experiências místicas de
qualquer tipo são sempre taxadas como sérias psicopatologias. Em seu muito bem-feito
estudo, Maslow desmonstrou que as pessoas que tiveram experieencias espontâneas de "pico"
benceficiavam-se delas e mostravam um claríssima tendência para a auto-realização, que é o
objetivo da psicoterapia humanística. Ele julgou estas experiências como supernormais em
vez de subnormais. A partir desse fato, ele erigiu os fundamentos da nova psicologia.
Carl Rogers
Apesar de não ser incluído, pela maioria dos autores, como um psicólogo transpessoal, mas
como um dos mais significativos psicólogos humanistas, não escapou à Carl Rogers as
chamadas dimensões transcendentes ou espirituais que freqüentemente emergiam no contexto
terapêutico, especialmente em termos de Terapia de Grupo, na qual Rogers foi grande
pioneiro. E foi exatamente a partir do revolucionário trabalho com Grandes Grupos e em
Workshorps, na última fase de sua formulação teórica, que a temática transpessoal começa a
se delinear nos escritos do criador da Abordagem Centrada na Pessoa, e nos escritos de seus
principais colaboradores. John K. Wood, por exemplo, escreveu o seguinte comentário
(Rogers, 1983b) sobre as ocorrências transpessoais que costumam ocorrer em Grandes
Grupos:
O próprio Rogers se refere muitas vezes em suas últimas obras às percepções transpessoais
e fenômenos congêneres de estados sutis de consciência, e estabelece que estes são eventos
observáveis e inerentes ao trabalho bem sucedido com Grandes Grupos e Workshops:
O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos] com que tenho tido
contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há alguns anos eu jamais empregaria estas
palavras. Mas a estrema sabedoria do grupo, a presença de uma comunicação profunda quase
telepática, a sensação de que existe "algo mais", parecem exigir tais termos (Rogers, 1983a, p.
62).
Tenho a certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é vivido em alguns
grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na vida de alguns participantes. Um
deles colocou de forma eloqüente: "Acho que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que
havia uma comunhão espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns
pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não importa o que isso seja.
Senti sua presença sem as barreiras usuais do 'eu' e do 'você' - foi como uma experiência de
meditação, quando me sinto como um centro de consciência, como parte de uma consciência
mais ampla, universal. (Rogers, 1983a, pp. 47-48)
De certa forma, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele elaborada, junto com
seus colaboradores, estaria se desenvolvendo ao ponto de incluir as dimensões transpessoais
em seu arcabouço teórico, mas a sua morte o impediu de levar adiante seus insights:
Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam com o transcendente,
o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu, como muitos outros, tenho subestimado a
importância da dimensão espiritual ou mística (Rogers, 1983a, p. 53).
A nova psicologia que surge, apoiada nuca concepção holística e sistêmica, considera o
organismo humano como um todo integrado que envolve padrões físicos, mentais, sociais e
espirituais. Assim, a base conceitual da Psicologia dever ser compatível tanto com a da
Biologia quanto da Sociologia, Antropologia e Filosofia. No modelo acadêmico moderno, a
estrutura voltada à especialização do conhecimento tornou muito difícil a comunicação entre
as disciplinas, e entre biólogos e psicólogos o entendimento era muito sofrido. E pior era a
comunicação, cheia de medos e ressentimentos, entre psicólogos e médicos. Mas a abordagem
sistêmica fornece um terreno propício para a compreensão das manifestações psicossomática
do organismo na saúde e na doença, permitindo um intercâmbio, desde que se queira, entre
biomédicos e psicólogos.
O foco central da psicologia está tendendo a se transferir das estruturas psicológicas para os
processos relacionais subjacentes. A psique humana é vista como um sistema dinâmico que
envolve uma variedade de fenômenos ligados à auto-atualização e crescimento contínuos.
Assim, a psique teria um tipo de inteligência intrínseca que a habilita a envolver-se a tal ponto
com o meio, que este processo pode levar não só a uma doença, mas também ao processo de
cura e crescimento, como a concepção de autortranscendência da teoria dos sistemas.
O Espectro da Consciência
Um dos sistemas didáticos, em psicologia, que procura integrar os diferentes insights das
várias escolas psicoterapêuticas do ocidente entre si, e estas com as várias abordagens
orientais, é a Psicologia do Espectro, proposta por Ken Wilber, como um modelo da
compreensão transpessoal das diferenças entre psicoterapias. Nele, cada uma das diferentes
escolas é vista como uma faixa que se dedica a um aspecto específico do total a que se pode
apresentar a consciência humana. Cada uma dessas escolas aponta para um estado de
consciência que se caracteriza por possuir um diferente senso de identidade, indo da pequena
identidade restrita ao ego até à suprema identidade com todo o universo, que é o nível
extremo da consciência transpessoal. Este espectro pode ser entendido a partir de quatro
níveis: o do ego, o biossocial, o existencial e o transpessoal.
No nível do ego, a pessoa não se identifica, a rigor, com o seu organismo, mas com uma
representação mental, ou com um conceito do mesmo, como uma auto-imagem construída, ou
egóica. É, pois, um problema de identificação com um modelo que a pessoa aceita, num
investimento, como sendo seu "eu". Existe - para ela - um "eu" que é diferente e
independente de tudo e de todos. A pessoa não se interessa muito em cultivar relações
interpessoas sem que haja uma vantagem específica para o ego, e muito menos se preocupa
com aspectos ecológicos ou sociais.
O nível transpessoal é o nível da expansão da consciência para além das fronteiras do ego,
correspondendo a um senso de identidade mais amplo. Elas podem encolver percepções do
meio ambiente, onde tudo está, de uma forma sutil mas muito presente, ligado - de forma
NÃO LINEAR - a tudo. É o nível do inconsciente coletivo e dos fenômenos que lhe estão
associados, tal como descritos por Jung e seguidores. É também neste nível de percepção que
podem - mas não necessariamente ocorrem ou são regra geral próprias de uma percepção
transpessoal - surgir, como eventos secundários, certos fenômenos parpsicológicos, como
telepatia, precognição ou - o que não tipifica um fenômeno parapsicológico, mas sim
psicológico - lembranças de vidas passadas. É uma forma extremamente sofisticada e não
ordinária de consciência em que a pessoa não aceita mais a crença uma separação rígida entre
ela e todo o universo, a não ser como uma forma de atuar praticamente sobre o meio em que
vive com outras pessoas. Essa forma de consciência transcende,e muito, o raciocínio lógico
concvencional, e aproxima-se das assim chamadas experiências místicas. E é este estado que é
objeto mais íntimo de estudo da Psicologia Transpessoal.
Bibliografia e Links: