Agier, Michel. Antropologia Da Cidade (RESENHA)
Agier, Michel. Antropologia Da Cidade (RESENHA)
Agier, Michel. Antropologia Da Cidade (RESENHA)
(p. 36) do conceito na direo de sua dimenso relacional, inapreensvel da parte de qualquer concepo previamente formulada.
quando observamos por cima do ombro dos citadinos (p. 38), focando suas prticas e modos de significao (sempre circunstanciais), que
podemos encontrar a cidade de alguma maneira (em processo). Tal opo
epistemolgica, por sua vez, obriga-nos a substituir a pergunta acerca de
o que uma cidade?, onde adotamos como referncia uma concepo
prvia (a priori) do termo, na direo de outra, que pode ser traduzida pelo
questionamento sobre o que faz cidade? (pp. 38-39), quando a referncia
passa a ser as prticas decorrentes das astcias citadinas.
O livro se divide em nove captulos, organizados em trs partes: 1.
A Cidade dos Antroplogos; 2. Lugares e Fragmentos: A Cidade em
Processo; e 3. Situaes e Comunidades: A Cidade em Movimento.
Os captulos (um a trs) relativos primeira parte convergem para
as discusses em torno das condies que tornam a cidade num objeto
passvel de ser apreendido pelo conhecimento antropolgico. Nesta parte, Agier preocupa-se em posicionar seus argumentos frente literatura
das cincias sociais (sobretudo no campo da antropologia) que vem se
dedicando, particularmente desde a formao da chamada Escola de Chicago na dcada de 1920, a pensar a cidade como locus privilegiado para
a observao das dinmicas sociais.
Em relao ao contedo desenvolvido pela primeira gerao de autores vinculados a esta escola (sobretudo Louis Wirth, Robert Park e Robert Redfield), Agier considerando a especificidade do contexto scio
poltico de Chicago chama a ateno para o modo como o ponto de
partida destes autores que, em grande parte, haviam sido jornalistas ou
agentes municipais encarregados de questes urbanas4 surgiu de uma
percepo idealizada do mundo rural. Afinal, a cidade aparece como
matriz conceitual em seus primeiros trabalhos a partir de seu encaixe
como contraponto sociedade tradicional. em relao referncia
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Trata-se da realidade compartilhada por milhes de pessoas que vivem atualmente marginalizadas nos campos de refugiados, em zonas
porosas e liminares constitudas com a finalidade de gerenciar a vida
excedente dessas populaes indesejveis, que, medida em que se
veem pressionadas pelas diversas modalidades de zoneamento geopoltico que buscam cort-las dos mapas urbanos , passam a ter suas
vidas governadas por um sistema humanitrio, ao qual resistem cotidianamente. Tais resistncias, por sua vez, ao serem apreendidas pelo
olhar atento do etngrafo, tornam possvel a visualizao de verdadeiras
cidades que, ao nascerem de onde menos se espera, transformam-se
em uma espcie de espelho invertido da globalizao.
Na terceira e ltima parte (captulos sete a nove), so essas resistncias, agora convertidas em apropriaes ticas e estticas pelos citadinos
em suas variadas formas e contextos, que ganham relevo.
Valendo-se de uma apreenso situacional com a finalidade de evitar
uma concepo culturalista das relaes observadas , Agier analisa uma
srie de eventos que tm na cidade o seu teatro, na medida em que a mesma possibilita que a diferena cultural se torne no somente um objeto a
ser identificado, mas tambm um recurso poltico ou econmico. O ponto
defendido pelo antroplogo o de que, mais importante do que a adoo
de uma concepo focada na cultura, parece ser uma anlise voltada ao
processo criativo que d lugar prpria criao cultural. Para tanto, preciso, da parte do pesquisador, que sua ateno esteja voltada s situaes
reais de interao entre indivduos e sobre os significados criados pelos
atores nas relaes cotidianas (situaes normais), nos acontecimentos
(situaes extraordinrias, ocasionais), em situaes rituais e em espaos/
tempos intermedirios (situaes de passagem) (p. 147).
Tal modo de conceber a pesquisa etnogrfica o que possibilita compreendermos a forma como o passado atualizado em certos rituais
e por certas disputas contemporneas. Um exemplo magnfico neste
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Notas
Em ltima anlise, ser de um lugar, como o estrangeiro quer ser para se identificar
e compreender as marcas daqueles dos quais se aproxima, criar o holograma em
si mesmo uma totalidade em desconstruo. Dentro dela, cada um confunde-se
com sua prpria circulao e d sentido dos outros. [...] Se cada um forma assim,
a sua prpria cidade imaginria, sempre um pouco diferente daquela formada pelos outros, temos em comum o fato de estarmos todos em uma mesma unidade e
isto nos aproxima. Isto envia todos a um mesmo lugar, e esta projeo um local
comum de mediao que nos identifica uns aos outros, sem nos confundirmos. A
cidade permanece invisvel como totalidade, mas pode se tornar o modelo simblico compartilhado por todos aqueles que nela vivem (traduo minha).
2
Para mais detalhes ver: http://www.cienciaviva.pt/projectos/pulsar/hologramas.asp
(Acesso em 29 dez. 2012).
3
Um excelente resumo destes trabalhos pode ser encontrado no belo prefcio do
livro, escrito pelos professores Heitor Frgoli Jr., docente do Departamento de
Antropologia da Universidade de So Paulo (usp) e Graa ndias Cordeiro, antroploga ligada ao Departamento de Mtodos de Pesquisa Social do Instituto
Universitrio de Lisboa (iscte-iul).
4
Uma importante anlise da trajetria pessoal e intelectual desses autores pode ser
vista em Hannerz (2009 [1980]), particularmente nos captulos 2 e 3.
5
O estudo aqui referido e mencionado por Agier (p. 150) em relao as anlises
realizadas pelo antroplogo no carnaval de Tumaco, na Colmbia, foi realizado por
Abner Cohen no livro Masquerade Politics. Explorations in the Structure of Urban
Cultural Movements. Oxford: Berg, 1993.
6
Ver Revista de Antropologia (julho/dezembro de 2010, p. 838).
1
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Referncias bibliografias
Agier, Michel
2011 [2009] Antropologia da Cidade: Lugares, Situaes, Movimentos. Traduo de Graa
ndias Cordeiro. So Paulo: Ed. Terceiro Nome.
2004
La Sagesse de Lethnologue. Paris, Ed. Loeil neuf.
Frgoli Jr., Heitor; Aderaldo, Guilhermo; Damasceno, Janana; Oliveira, Isabela &
Fazzioni, Natlia
2010
As cidades da antropologia: entrevista com Michel Agier. In Revista de Antropologia, v. 53, n. 2, julho/dezembro de 2010, pp. 811-842.
Hannerz, Ulf
2009 [1980] Explorer la Ville. Paris, Ed. Les ditions Minuit.
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