Termo de Mariana História
Termo de Mariana História
Termo de Mariana História
TERMO DE MARIANA
Histria e Documentao
Histria e Documentao
Volume III
TERMO DE MARIANA
Volume III
.
Helena Miranda Mollo
Marco Antonio Silveira
(Organizadores)
TERMO DE MARIANA
Histria e Documentao
Volume III
.
2010
Editora UFOP 2010
Equipe de Apoio | lvaro de Arajo Antunes, Andra Lisly Gonalves, Renato Pinto Venncio
Ana Luza Ladeia Prates Correia, Nicole de Oliveira Alves Damasceno e Rafael Fanni Dias Resende
FICHA CATALOGRFICA
T319
Termo de Mariana : histria e documentao, volume III /
Helena Miranda Mollo, Marco Antnio Silveira (organizadores).
Ouro Preto (MG): UFOP, 2010.
280p.: il., color.; tabs.
Catalogao: [email protected]
Editora UFOP
Campus Universitrio Morro do Cruzeiro
35400.000 | Ouro Preto | MG
Tel.: 31 3559-1463 Telefax.: 31 3559-1255
Centro de Vivncia | Sala 03
DEDICAO
Apresentao 11
Normas de transcrio 13
I ARTIGOS
Modos de sociabilidade: os couranos em uma nova terra
Fernanda Aparecida Domingos Pinheiro 15
Estipulante e aceitante de direitos: o ofcio de tabelio nas Minas do ouro (Vila de Nossa Senhora
do Carmo)
Francisco Eduardo de Andrade 53
Honra, distino e limpeza de sangue: as habilitaes dos familiares do Santo Ofcio do Termo de
Mariana, sculo XVIII
Aldair Carlos Rodrigues 85
A civilizao das Letras: consideraes sobre as dimenses da cultura escolar em Mariana (1750-
1822)
lvaro de Arajo Antunes 99
Votos, fardas e carisma: as eleies dos oficiais da Guarda Nacional em Mariana (1831-50)
Flvio Henrique Dias Saldanha 145
O Termo de Mariana chega a seu terceiro volume. Criado por docentes do Departamento
de Histria da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) com o intuito de divulgar a pesquisa de
ponta e o excepcional acervo do Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM),
suas duas primeiras edies vieram a pblico em 1998 e 2004. Resultado do esforo de diversos
professores e alunos, o Termo deveu muito dedicao de Andra Lisly Gonalves, Jos Arnaldo
de Aguiar Lima e Ronald Polito, os dois ltimos profissionais estabelecendo o projeto grfico
tambm vigente neste nmero em muitos de seus aspectos. possvel dizer que a publicao de
coletneas voltadas, como assinala o subttulo do Termo , articulao entre histria e
documentao tem acompanhado o desenvolvimento do prprio Departamento de Histria, que,
neste momento, com a ampliao de seu corpo docente e o funcionamento de seu Programa de
Ps-Graduao, vem alcanando a maturidade expressa na qualidade da produo historiogrfica
de professores e alunos. Da mesma forma, deve-se ressaltar a importncia do convnio mantido
com a Cmara Municipal de Mariana, por meio do qual a documentao do AHCMM pde, pelo
menos em parte, ser catalogada, microfilmada e divulgada.
O volume que se apresenta agora expressa, acima de tudo, a expanso quantitativa e
qualitativa dos estudos atinentes Histria de Minas. O leitor, ao bater os olhos no ndice, perceber
de imediato a variedade dos temas referentes a Mariana: a escravido, as prticas judiciais e
administrativas, a criao da Catedral, os familiares do Santo Ofcio, a cultura escolar, a dinmica
econmica, a Guarda Nacional, os expostos, a fiscalidade, a construo do territrio e do espao
urbano, a imprensa etc. A dedicao dos historiadores criou, especialmente na ltima dcada, as
condies para que se possa escrever uma histria de Mariana que v alm de observaes gerais.
Indiscutivelmente, o Termo tem sua parcela de contribuio na busca desse intento. claro que o
que se procura no a realizao de abordagens estritamente microrregionais ou locais. O que
est em jogo a elaborao de uma nova escrita sobre as Minas Gerais, dado que esforos da
mesma natureza vem correndo em inmeras instituies universitrias e de pesquisa do Estado.
O entendimento de que as anlises localizadas possibilitam a comparao dos fenmenos que
presidiram colonizao e formao do Estado nos diversos rinces de Minas Gerais desdobra-
se ainda na percepo de que a Histria do Brasil precisa ser tambm a histria da variedade de
suas capitanias e provncias. A historiografia brasileira caminha, portanto, para a produo de novas
snteses e de novos problemas. Eis onde se insere mais um volume do Termo de Mariana: naquele
enfrentamento da multiplicidade dos aspectos histricos cujo sentido est em perguntar-se sempre
sobre o que o Brasil.
Este nmero do Termo segue, com poucas diferenas, o modelo adotado anteriormente.
Ele se divide em duas sees, Artigos e Estudos Crticos, que visam, respectivamente, divulgar
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 12
NOTAS
1
A reproduo fac-similar proposta acompanha uma composio tipogrfica com aparato crtico, com edio
contempornea que privilegia a atualizao da ortografia e da pontuao. Em ambos os casos o texto recebe
a interferncia de sinais (colchetes, parnteses, reticncias etc) para indicar a interferncia do transcritor ou
editor no original; tambm imprescindvel a presena de notas sumrias que assinalam variantes de cpias
do texto-base ou que esclarecem passagens e termos obscuros ou pouco usuais. Para melhor detalhamento
ver: ARAJO, Emanuel. Publicao de documentos histricos. Rio de Janeiro: Ministrio da Justia/Arquivo
Nacional, 1985. e BERWANGER, Ana Regina; LEAL, Joo E. Franklin. Noes de pelografia e de diplomtica. 2.
ed. Santa Maria: Editora da UFSM, 1995.
ARTIGO
Modos de sociabilidade:
os couranos em uma nova terra
Fernanda Aparecida Domingos Pinheiro1
A elite colonial impunha rgidas normas de domnio populao negra, mas tambm lhe
disponibilizava alternativas de convivncia, organizao e algum acesso a distines e honrarias.
Os nativos da frica que desembarcaram na Amrica portuguesa logo se depararam com essas
novas condies de sobrevivncia e, imediatamente, aprenderam a manejar os mecanismos de
manuteno e promoo social, entre os quais sobressaam as associaes fraternais nica forma
oficial de reunio permitida aos traficados.
Nas muitas instituies leigas de devoo catlica, os escravos e os alforriados recriaram
e criaram suas relaes de sociabilidade.2 Inserida nesse contexto, com a fundao da Irmandade
de N. S. do Rosrio da cidade de Mariana, os grupos forosamente migrados para essa localidade
iniciaram seu processo de reassentamento. Essa capela constitui espao privilegiado para a
observao da recomposio de alguns segmentos africanos Cobu, Fam, Lada, Sabaru, Cabo
Verde, Rebolo, Benguela, Congo e outros mais.
Em vista dessa possibilidade, empreenderei uma anlise detalhada de como se deu a
insero social de alguns dos confrades que apresentaram igual procedncia, a chamada Terra
de Cour. De fato, o meu interesse recai sobre os pretos couras, pois esses desfrutaram de
supremacia numrica e representaram, muitas vezes, o poder interno da sobredita Irmandade.3
Cabe antes esclarecer que essa uma identidade que remonta a um lugar especfico, um territrio
situado na Costa da Mina, frica Ocidental. Portanto, a nomenclatura coura/courano evoca uma
procedncia, reconhecida e consolidada no contexto da dispora africana, o que no significa
representar, concomitantemente, um grupo tnico, pois a documentao colonial no possibilita
qualquer interpretao continusta do ponto de vista da cultura. 4
Para vislumbrar os laos estreitos que tais indivduos teceram em Mariana, usei como
ponto de partida seus nomes registrados nos termos de entrada do Rosrio.5 A partir desse fio
condutor, debrucei-me sobre os registros paroquiais e cartoriais em busca de elementos
fundamentais e complementares que dessem forma e profundidade a essas pessoas.6 As lacunas
e a irregularidade dos dados contidos nos assentos, escrituras e processos foram os principais e
por vezes intransponveis - obstculos na coleta e organizao dos documentos. O grande risco
de engano diante dos homnimos reforou a necessidade de melhor esquadrinhar e confrontar
diferentes fontes. As diversas formas de classificao desses africanos mina, natural do Gentio
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 16
identifiquei apenas 24 couranos, sendo o primeiro registro datado de janeiro de 1728 e o ltimo,
de agosto de 1745.14
Certamente a populao courana de Mariana era bem maior, uma vez que, nos registros
sacramentais, muitos dos escravos adultos tiveram a origem encoberta pela a designao mina.15
O coadjutor Jos Pereira Barbosa, que assinou os assentos de batismo realizados na igreja matriz
da Vila de N. S. do Carmo de 1732 a 1739, assim identificou todos os escravos embarcados nos
portos da Baa do Benim; da mesma forma procederam os coadjutores Antnio Rodrigues da Cruz
e Luciano Pereira da Costa, responsveis pelos registros das dcadas de 1740 e 1750. Sem dvida,
a autoridade dos curas na classificao do conjunto da escravaria da cidade prejudicou a amostra,
mas o exame dessa documentao serviu, ao menos, para constatar que os couranos j estavam
nessa paragem na dcada 1720: em 23 de maro de 1723, foi batizada na igreja matriz uma
crioulinha por nome Josefa, filha de Ana Courana, escrava de Teresa preta forra, que foi escrava
de Antnio Teixeira.16
De fato, a presena desses africanos ainda nas primeiras dcadas do sculo XVIII, pode
ser atestada com o caso de Joana, a primeira referncia de couras nas cercanias da Vila do Carmo.
Aos 20 dias de junho de 1722, Joo Martins da Cunha, morador no Brumado, a caminho de
Guarapiranga, outorgou alforria sua escrava Joana de nao courana. O senhor afirmou que
esta preta o havia sempre servido com muito cuidado, zelo e diligncia, desde que dela se apossou
por dote de Casamento de Joo Francisco Pinheiro e, alm disso, j estava satisfeito com o
recebimento do valor de sua coartao 200 oitavas de ouro.17 Provavelmente, essa courana fora
escravizada e trazida para as Minas ainda na dcada de 1710 e, assim, alguns anos se passaram at
a ocasio do total ajuste do preo de sua liberdade e consequente concesso18 de sua manumisso.
Esse clculo se deve ao fato de que no era imediata a aquisio do peclio gasto na quitao das
parcelas da coartao, tampouco instantnea, ou mesmo fcil, a obteno do afeto, do
reconhecimento e da gratido do senhor que consentia gratuitamente a alforria.
Alm da alforria de Joana, outras noventa e oito, de moradores na sede e locais prximos,
foram escrituradas em cartrio19, e, portanto, o nmero de couranos alforriados identificados supera
em demasia o de couranos batizados (24), mesmo quando excludos da lista os escravos
beneficiados j na segunda metade do sculo XVIII.20 Comprovadamente, os assentos de batismo
no reproduzem com preciso a composio da escravaria marianense e, igualmente, as
manumisses no constituem fonte segura j que a iseno de cativeiro era um privilgio alcanado
ou oferecido a uma minoria. Alm disso, muitas alforrias eram passadas de prprio punho pelos
senhores que assim se isentavam do custo da feitura de contrato pblico e, tal como nos assentos
sacramentais, nas cartas de liberdades encontradas nos livros dos tabelies, muitos outros libertos
foram simplesmente identificados como minas.
Resumidamente, depois de ter em conta todas essas observaes, saliento que 53,1%
das alforrias dos couranos de Mariana, Passagem, Morro da Passagem e Santana foram expedidas
nas dcadas de 1730 e 1740, anos esses que correspondem ao auge da minerao e das mais altas
taxas de importao de escravos novos e, no coincidentemente, de concesso de manumisses.21
Por fim, acredito que as dcadas de 1730 e 1740 destacam-se como o perodo de entrada em
massa dos couranos em Mariana e seus arrabaldes. Trata-se de um momento de grande
concentrao, o que no significa a inexistncia de casos de indivduos que chegaram em datas
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 18
indivduos. Embora no tenha localizado informaes explcitas sobre as causas que determinaram
essa ao, diferentes documentos permitem entrever a montagem de diversas redes formadas
por pequenos grupos informais no interior da Irmandade que era, em ltima instncia, uma
instituio legitimada pelos poderes coloniais (temporal e espiritual). Explico assim o poder de
atrao sobre os confrades, em especial sobre os couranos. A partir dos encontros frequentes na
capela do Rosrio, esses indivduos consolidaram vrias relaes: senhoriais, familiares e de
cumplicidade. Tais vnculos, capazes de mobilizar os irmos da comunidade fraternal em sua
vivncia cotidiana, foram revelados com sutileza ou esto expostos nas cartas de alforria, nos
registros paroquiais, nos processos matrimoniais, em testamentos e inventrios, nos quais nossos
personagens se fazem presentes.
Feliciana de nao courana, escrava de Maria da Fonseca, foi comprada e depois coartada
por Vicente Francisco Ribeiro, morador na Vila do Carmo. Tendo satisfeito o preo de sua liberdade
(240 oitavas de ouro), em junho de 1736, recebeu sua alforria registrada pelo notrio em livro de
escrituras pblicas.29 Logo no ano de 1739, Feliciana Ribeiro retornou ao cartrio de 1 Ofcio e
desta vez reconheceu a manumisso de Rita courana a qual houve por ttulo de compra que dela
fez a Antnio Ferreira Romo e, por lhe fazer esmola pelo amor de Deus e tambm dela receber
quatrocentos mil ris pela sua liberdade, a forrou sem nenhuma penso ou objeo.30 O pouco
tempo em que Rita esteve sob o poder de Feliciana sugere que sua aquisio tinha por finalidade
a concesso da alforria (autocompra em menos de trs anos). Em vista dessa possibilidade, alguns
aspectos comuns da trajetria dessas duas mulheres mostram-se bastante relevantes: ambas
possuam a mesma procedncia, pagaram por suas manumisses valores muitos prximos e
pertenciam ao Rosrio de Mariana, sendo antigas irms, cujos assentos foram inscritos em
sequncia, aos 30 dias de maro de 1753, ressaltando suas primeiras participaes na mesa de
direo.31 Feliciana Ribeiro destacou-se como juza, em 1736, e elegeu-se irm de mesa em 1749,
1750 e 1751.32 Rita Ribeiro ocupou o cargo de juza, em 1746, e, como irm de mesa, continuou
participando da gerncia com grande regularidade, ocupando esse cargo em 1748, 1749, 1750,
1751, 1752, 1754, 1758, 1760, 1762, 1763, 1764, 1765, 1766, 1767.33
Usufruindo de sua liberdade, Rita Ribeiro transferiu-se da rua So Gonalo para a rua
Nova e tornou-se proprietria de escravos; adquiriu uma preta fam, chamada Rosa Maria, e esta,
talvez almejando alcanar a mudana de status conquistado por sua senhora, uma preta forra, ou
por determinao desta, inscreveu-se no Rosrio, em meados de 1755.34 Feliciana, a essa altura,
encontrava-se estabelecida na rua So Jos, dona de uma venda e com quase sessenta anos de
idade.35 Havia adquirido Ceclia courana, oficialmente matriculada na Irmandade de S. Benedito
em 1757.36 Passados alguns anos, a possibilidade de iseno do trabalho compulsrio tambm foi
apresentada a esta africana, que ento se envolveu em um demorado processo de coartao,
findo em janeiro de 1767, ao saldar totalmente a quantia de 136 oitavas de ouro. Feliciana Ribeiro,
efetivamente, outorgou a carta de alforria dessa sua escrava, a qual comprara do seu ex-senhor e
patrono, o supracitado Vicente Francisco Ribeiro.37 Com isso, as couranas, que provavelmente j se
relacionavam em cativeiro (sendo parceiras ou vizinhas prximas), se reuniram tambm na capela
do Rosrio comportando-se como ex-escravas e, por ora, como ex-senhoras, em uma estreita
relao de afinidade consolidada durante, pelo menos, quatro dcadas de convivncia.
Incontestavelmente, nesse templo sagrado, outras relaes tambm foram forjadas. Na
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 20
busca de uma esposa companheira, o courano, confrade do Rosrio Flix da Costa Chaves,38
prometeu casamento a muitas mulheres: Josefa do Rosrio e Rosa de Souza Leo, ambas pretas
forras. Promessas que no passaram de ofertas verbais, desfeitas ao dar incio s diligncias
necessrias para, de fato, contrair matrimnio com Teresa Botelho,39 mulher courana, liberta e
igualmente irm do Rosrio.40 Nos dias 16, 24 e 29 de julho de 1754, correram-se os banhos dos
quais no resultou impedimento algum, e, aps a tomada dos depoimentos dos contraentes, foram
os ditos julgados habilitados a se receberem face da Igreja.41 Isto, porm, no ocorreu; Teresa se
esquivou do compromisso e, por conta disso, foi presa na cadeia pblica at se fazer a quitao
dos esponsais.42 Para livrar-se do noivado, a preta courana pagou algumas dvidas assumidas por
Flix, que, de tal modo, se deu por indenizado.43 Assim, ele rapidamente se refez do contratempo
e, em julho de 1757, iniciou novo processo matrimonial, agora ao lado de Ana Teixeira,44 preta
mina e alforriada.45 Esta no pertencia Irmandade do Rosrio e nela apenas se inscreveu em
1758,46 quando ento se apresentou como esposa do dito courano, que na ocasio ocupava cadeira
da mesa de direo.47
Curiosamente, Flix s tratou de solenizar um contrato antenupcial depois de ter em
mos o registro de sua liberdade, conquistado por intermdio do alferes Jos Gonalves de Moraes,
pessoa de sua confiana que lhe arrematou em praa pblica desta cidade para efeito de lhe
passar Carta de Alforria dando-lhe a quantia de trezentos e trs mil ris os quais [essa] recebeu da
mo do dito courano.48 Flix e o envolvido em sua libertao possivelmente se conheceram ou
estreitaram relaes na Capela dos pretos, visto que o dito alferes e seu escravo, Sebastio mina,
tambm participavam da administrao do Rosrio em 1758, e, provavelmente, j frequentavam
essa Irmandade anos antes dessa nomeao.49 Talvez esse homem africano tivesse institudo a
obteno da alforria como uma condio primeira para conseguir alguma estabilidade conforme
o padro colonial e, o casamento viria em sequncia, como um projeto de vida. Finalmente, esse
segundo ato foi realizado em agosto de 1757, na catedral de Mariana, s oito horas da noite.50 Para
assim se receberem matrimonialmente, foi necessrio que Flix e Ana comprovassem serem
solteiros e desimpedidos, o que resultou na inquirio de testemunhas: Pedro Rodrigues da Costa
e Fabio Fernandes da Silva, ambos destacados irmos do Rosrio. O primeiro,51 forro de nao
mina, de trinta anos de idade, e que exercia o ofcio de sapateiro, declarou-se padrinho de Flix e
afirmou no haver objees que impedissem os justificantes de se casarem; o mesmo assegurou
o segundo, compadre de Ana Teixeira, preto Forro casado morador nesta cidade [Mariana], que
vive de seu ofcio de Barbeiro Natural da Costa da Mina Coura.52
O sobredito Fabio Fernandes da Silva distingue-se pela regularidade de sua presena
na mesa diretora do Rosrio, ocupando funes de grande credibilidade em vrias ocasies, como
rei, tesoureiro da fbrica e procurador-geral.53 Fabio assentou-se na Irmandade do Rosrio e
assinou o seu termo de irmo em dezembro de 1750,54 ano em que faleceu o seu senhor, Jos
Fernandes da Silva, respeitvel oficial branco dessa confraria de pretos.55 De todos os escravos
desse rico senhor, Fabio e mais trs africanos foram beneficiados; o primeiro, que assistiu ao dito
Jos Fernandes da Silva em sua doena, recebeu, em especial, uma vstia de seda encarnada e foi
coartado em 250 mil ris.56 Em 1752, com brevidade e no exato ano em que foi coroado pelos
confrades pretos do Rosrio, Fabio quitou o valor de sua liberdade e recebeu a sua alforria.57
Imediatamente aps essa conquista, corrido apenas 22 dias, ele e Joana Rabelo da Costa se casaram
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 21
na Igreja Catedral, s 4 horas da tarde, e foram suas testemunhas Joo da Costa Azevedo e Domingos
Pinto Pena,58 homens brancos que serviam, respectivamente, s Irmandades de Santa Efignia e
de So Benedito.59 Talvez por influncia ou exemplo de seu marido, Joana, forra mina, tornou-se
irm do Rosrio, em 1754, do mesmo modo que outros quatro escravos do casal matricularam-se
em datas diversas: Teresa Fernandes, mina (1758); Sebastio crioulo (1768); Ambrsio angola (1769)
e Lus Antnio, mulatinho (1786).60 Na Irmandade de So Benedito, igualmente se filiaram os ditos
cnjuges (Fabio, em 1751, e Joana, em 1757, como irm antiga) e Maurcia crioula (1768),
propriedade dos tais senhores confrades,61 que assim enfatizaram grande representatividade na
Capela dos pretos, estando amparados por seu poder aquisitivo favorvel.
Fabio Fernandes da Silva e sua esposa amealharam um patrimnio considervel. Ao
ditar seu testamento em 1785,62 Joana afirmou possurem no Monsus (rua na sede) duas moradas
de casas, sete escravos dois homens, quatro mulheres e um mulatinho, alm de vrios mveis e
trastes de casa.63 A obteno de todos esses bens, por certo, derivou do esforo e diligncia de
seus proprietrios. O barbeiro e sangrador Fabio sabidamente complementou seu oramento
executando outras atividades extraordinrias que lhe renderam algum capital. Com proeza e a
pedido do testamenteiro de seu ex-senhor, o preto courano administrou por seis anos e meio
uma lavra e a escravaria pertencente dita testamentaria.64 Por meio da sua qualificao e da
diversificao das tarefas desempenhadas medida das necessidades do mercado, organizou-se
financeiramente;65 e, sem dvida, esse fator, aliado ao seu conhecimento da escrita, lhe facultou o
acesso frequente gerncia confrarial. Em decorrncia do prestgio emanado por seu poder de
comando, o oficial Fabio Fernandes da Silva teceu uma estreita rede de relaes com os demais
confrades e membros da mesa de direo do Rosrio. Esse courano responsabilizou-se pela
testamentaria do supracitado capito Pedro Rodrigues da Costa, irmo e oficial do Rosrio; no se
eximiu dessa atribuio, mesmo ciente do trabalho que lhe exigiria o cumprimento de todas as
obrigaes e legados. 66 Seguindo o preceito da boa morte acompanhada por muitos
expectadores,67 Fabio presenciou os ltimos desgnios e preparativos fnebres que fez Diogo de
Souza Coelho, tambm confrade do Rosrio, e solidariamente manteve-se na casa do moribundo
at seu falecimento.68
Em razo de sua cegueira e analfabetismo, estando doente e na iminncia da morte, o
dito Diogo de Souza Coelho, preto forro, tambm morador no Monsus, pediu a Joo Dias Batista,
escrivo que foi do Rosrio, que lhe fizesse um papel de liberdade, no qual confessou o seguinte:
... por ter recebido de meu Sobrinho Domingos de nao Coura que havia comprado
a Manuel Ribeiro Moreira o importe do seu Corte, que foi uma libra de ouro, e no me
achar em tempo de lhe poder passar nas notas Carta de Alforria lhe passo em mo
que se apresente...69 (grifo meu)
O courano Domingos de Souza Coelho assim favorecido por esse seu familiar, j havia se
integrado mesa de direo do Rosrio como Juiz da Cidade, em 1769, e em outubro desse mesmo
ano, foi registrada a sua matrcula.70 Nessa ocasio, Domingos provavelmente encontrava-se sob
a obedincia e a companhia de Diogo de Souza Coelho, que ento se apresentava como um antigo
devoto e confrade, no s do Rosrio, bem como de So Benedito e Santa Efignia.71
Alm de Diogo e Domingos, outros tambm sustentavam relaes de parentesco
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 22
consangneo dentro da Capela dos pretos de Mariana. A courana Rosa dos Santos, matriculada
no Rosrio de Mariana, era irm de sangue de Gonalo dos Santos, courano e confrade de Santa
Efignia. Isso indica que laos estabelecidos no cativeiro, por vezes, davam nova forma aos antigos
vnculos que envolviam mesmo alguns casos de consanguinidade, que podem ter sido mais
frequentes no seio da comunidade africana do que a documentao parece registrar.72 Rosa e
Gonalo ocultaram o parentesco nos textos da carta de alforria e de seus testamentos, e, por isso,
tal vnculo s foi revelado pelos avaliadores do inventrio daquela liberta. Tamanha afinidade
explica as aes de Rosa a favor de Gonalo: depois que o comprou de Maria de Souza Tbora, o
isentou de toda a escravido para que, como forro, pudesse ir para donde muito quiser.73 Ele,
porm, permaneceu em sua companhia, residindo em sua casa, na ladeira de So Gonalo e, em
testamento, lhe deixou por esmola um moleque por nome Jos mina, metade de sua morada e
os trastes midos de casa, os quais lhe garantiriam a manuteno dos meios e modos de
sobrevivncia. Juntamente com os utenslios domsticos, Rosa transmitiu a Gonalo as ferramentas
de trabalho que, evidentemente, lhe haviam assegurado o sustento e a ostentao duas bacias
de arame de fazer doce, um tacho grande de cobre de fazer sabo, ps de ferro para forno, alm
de parte de um quintal repleto de bananeiras.74 O seu provvel envolvimento na atividade mercantil
possibilitou a essa courana vestir-se com esmero e ornar-se com joias75 Mas, entre todos os seus
bens, os de maior monta eram os escravos sete adultos (cinco mulheres edois homens) e dois
crioulinhos.76 Curiosamente, Rosaura, Mariana, Ana, Vitria e Jos eram couranos, assim como Rosa
dos Santos (e seu irmo Gonalo) que, de tal modo, rememorava a sua origem ao recriar em sua
casa uma pequena Terra de Cour, enquanto, concomitantemente, incorporava representaes
culturais dominantes, incluindo, sobretudo, as prticas crists.
Experincias compartilhadas
Como vemos, do regime de trabalho compulsrio livraram-se muitos couranos confrades
do Rosrio. A maioria deles inscreveu-se nessa confraria j isentos do cativeiro; outros tantos
adquiriram esse novo status social depois de participarem da referida organizao fraternal. Foi o
caso de Agostinho de Andrade, Antnio Fernandes da Silva, Francisca Ferraz de Azevedo, Francisco
Pinto Homem, Francisco Pinto Alves, Jos Jorge Pinto, Rosa Alves de Carvalho e Rita Batista.77
Curiosos so os casos daqueles classificados como libertos em suas matrculas, mas que s
receberam suas cartas de alforria aps tal inscrio: Fabio Fernandes da Silva assentou-se por
irmo do Rosrio como preto forro, em 1750, no entanto, sua manumisso foi lanada nas Notas
do tabelio pblico em abril de 1752.78 Flix da Costa Chaves teve sua liberdade reconhecida em
cartrio no dia 14 de agosto de 1753, e, antes disso, em abril desse ano, j havia ingressado na
Irmandade dizendo-se liberto.79 Domingos de Souza Coelho foi declarado forro em seu termo de
entrada no Rosrio de 1769, porm, apenas em fevereiro de 1774, recebeu em mos o seu papel
de liberdade.80 Essas ocorrncias denunciam a complexidade na determinao da condio jurdica
durante a coartao, assim como revelam o momento da libertao. H um espao temporal, um
verdadeiro perodo de transio entre a negociao da liberdade, sua quitao e seu
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 23
reconhecimento formal.
Por ele, certamente, passaram outros couranos irmos do Rosrio, uma vez que as alforrias
comumente resultavam de um oneroso processo. Rosa dos Santos declarou ser forra e liberta,
por ouro que deu ao seu senhor.81 Do mesmo modo pela da autoaquisio vista ou a crdito
libertaram-se do domnio senhorial todos os nossos personagens cujas manumisses foram
localizadas ou que em testamento aludiram a essa conquista. O valor de suas alforrias variou
bastante, provavelmente em funo da idade, sade, qualificao, merc conferida ou obstculo
imposto pelos senhores, que poderiam abaixar ou elevar o preo que um escravo deveria pagar
pela sua liberdade. Em mdia, foram avaliados acima de 250 mil e abaixo de 400 mil ris, com duas
nicas excees: Rosa Alves de Carvalho, que foi coartada pela menor quantia 60 mil ris;82
Francisco Pinto Alves, que, para se ver livre da escravido foi obrigado a recompensar o seu
proprietrio com a exorbitante soma de 912 mil ris (608 oitavas de ouro, como consta na sua
escritura de liberdade).83
Entre os poucos casados destacaram-se numericamente os homens forros. Ao que parece,
o mercado matrimonial lhes apresentou melhores oportunidades de escolha. Diferentemente de
suas esposas, mulheres libertas que esperaram anos e anos por um pretendente de igual condio
social, os homens, depois de alforriados, rapidamente contraram npcias. A courana Incia Freire
de Andrade, irm do Rosrio, residia na Passagem havia trinta anos, desde o seu batizado, e nos
ltimos onze anos vivia alforriada. Durante todo esse tempo se manteve solteira at que, finalmente
(em 1751), se casou com Jos de Oliveira Paes, tambm courano e confrade da referida Irmandade.
Esse fora traficado e trazido para o dito arraial em torno de 1741, e somente deixou de ser escravo
de Manuel de Oliveira Paes quando foi comprado pela mesma Incia, que o libertou um ms
antes de iniciado o processo matrimonial para com ela se casar.84 Alm de Jos de Oliveira Paes,
Lus da Mota e Agostinho de Andrade tinham esposas couranas, os demais se desposaram com
mulheres de nao mina e apenas Manuel da Silva era casado com uma angola. Em geral, os
cnjuges dos couranos confrades do Rosrio eram igualmente membros dessa associao fraternal
ainda que admitidos aps a consumao do casamento.
Nesse grupo de couranos, em razo do reduzido nmero de casados e da idade com que
os noivos se recebiam (sendo mais velhos, sobretudo no caso das mulheres), os filhos legtimos
praticamente inexistiam. Incia crioula, filha de Incia e Agostinho de Andrade, pretos coura e
casados em conformidade com as leis da Igreja, constituem o nico caso de legitimidade at o
momento encontrado.85 Toda essa famlia pertencia ao alferes Andr da Silva Freire at que o
marido86 pagou pela liberdade de sua esposa, ao prestar servios na lavra do arraial de Antnio
Pereira, propriedade de seu senhor, que, gratuitamente, tambm alforriou a filhinha do dito casal.87
Indiscutivelmente, o casamento no era requisito imprescindvel para a reproduo as pretas
couranas, irms do Rosrio, tiveram muitos filhos naturais. Certamente, muitas delas cuidaram de
libertar sua prole nascida no cativeiro, assim como fez Rita Batista que, aps tornar-se forra, logo
ajustou a compra e alforria de seus filhos, Incio e Antnia, nascidos quando era solteira.88
Quanto aos recursos materiais, esses foram desfrutados por alguns couras confrades do
Rosrio, que apresentaram melhores condies econmicas. Eles se tornaram senhores de escravos,
proprietrios de joias e de casas de morada. As escravarias eram compostas, em sua maioria, por
africanos adultos e crioulinhos, suas crias; entre os primeiros, muitos eram naturais da Costa da
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 24
Mina e, mais comumente, tiveram tal procedncia incorporada ao nome Maria Mina (alguns
outros foram identificados como couranos, ladanos e sabarus). As joias eram feitas para a devoo
como o fio de contas e o Menino Jesus de ouro que pertenciam a Rosa dos Santos,89 e para
enfeitar como o lao de diamantes cravados em ouro de Teresa Maria de Jesus90; em todos os
casos, serviram como demarcador da condio socioeconmica e, portanto, foram muito
valorizadas pelos africanos libertos. Suas casas no eram construes suntuosas, mas resistiam
aos rigores do tempo por serem feitas de pedra e cal, adobe e cobertas por telhas; eram trreas e
usualmente geminadas, o que explica as constantes referncias feitas aos vizinhos dos lados. A
existncia de quintal tambm era sempre ressaltada devido a sua importncia na complementao
alimentar dos moradores e no fornecimento de matria-prima empregada no comrcio
desenvolvido pelos mesmos proprietrios. Josefa da Mota residia em sua morada de casas trreas,
cobertas de telha, assoalhadas, com seu quintal (...) ao p do Carmo;91 Fabio Fernandes da Silva
e Joana Rabelo possuam duas moradas de casas sitas nos Monsus (...) que partem com Jos Alves
Moreira e de outra com Caetana Pinto, trreas, cobertas de telhas, com seus quintais.92
A aquisio de todos esses bens exigia muito trabalho e, para tanto, os couranos da
Irmandade do Rosrio dedicaram-se a diferentes atividades: prestao de servios, comrcio (fixo
e ambulante), agricultura e extrao aurfera. Fabio era barbeiro e sangrador; Antnio Rodrigues
da Costa era aprendiz de sapateiro na tenda de seu senhor; Rosa da Silva Valado tinha uma
estalagem; Feliciana Ribeiro e Maria Pinto da Silva eram donas de vendas; Rosa dos Santos
comercializava alimentos e outras pequenas mercadorias pelas ruas da cidade; Francisco Pinto
Homem era um pequeno sitiante; Jos Jorge Pinto garimpava ouro nos buracos do Morro de
Santana. Tambm eram mineradores Jos Martins de Arajo, Manuel Leite, Agostinho de Andrade,
Jos Fernandes da Silva, Lus Fernandes da Silva, Manuel Fernandes da Silva, Incio de Castro
Guimares e Miguel Pinto. Sem dvida, entre as ocupaes acima identificadas, os prestadores de
servio e os comerciantes participaram, com maior regularidade, da Mesa de Direo.
Dito tudo isso, torna-se possvel afirmar que as biografias desses indivduos conservam
particularidades. Assim reunidas, no entanto, ressaltam as caractersticas comuns de um grupo
composto por pessoas que fizeram diferentes escolhas e tiveram diferentes destinos. No obstante
os destaques individuais, os couranos formaram um grupo portador de um elo maior, uma
identidade consolidada a partir da memria de um passado, assentada em um territrio de origem
comum. Conforme observei, esta origem foi consolidada e resguardada dentro de uma associao
fraternal, a Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. De fato, tais indivduos reunidos em uma
mesma paragem da Amrica portuguesa usaram essa identidade como catalisador para organizar
uma instituio amparada pelas regras vigentes da nova terra, na qual foram forosamente inseridos
e onde, mais tarde, se estabeleceram. Para tanto, reconstituram antigas redes de sociabilidade e
tambm teceram outras novas, firmando assim os muitos laos que os uniam dentro daquele
espao confrarial. Dessa forma, mostraram-se capazes de articular o legado africano em um novo
meio. Sobreviveram e, na nova terra, firmaram suas existncias.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 25
NOTAS
1
Mestre em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
2
Cf. SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor. Identidade tnica, religiosidade e escravido no Rio de
Janeiro, sculo XVIII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000. p. 165.
3
Cf. PINHEIRO, Fernanda Aparecida Domingos. Confrades do Rosrio: sociabilidade e identidade tnica
em Mariana. Niteri: UFF, 2006. 206 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Departamento de Histria,
Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2006.
4
Para compreender melhor os termos grupos de procedncia e grupos tnicos ver SOARES, Mariza de
Carvalho. Indcios para o traado das rotas terrestres de escravos na Baa do Benim, sculo XVIII. In:______.
Rotas atlnticas da dispora africana: da Baa do Benim ao Rio de Janeiro. Niteri: EdUFF. 2007, p. 71.
5
Cf. GINZBURG, Carlo. O nome e o como. In:______. A micro-histria e outros ensaios. Lisboa: Martins
Fones, 1992.
6
Os diferentes documentos investigados dividem-se em dois conjuntos: um pertencente ao Arquivo
Eclesistico da Arquidiocese de Mariana (AEAM) assentos de batismo, casamento, bito, testamentos,
inventrios, processos matrimoniais; e o outro conservado no Arquivo Histrico da Casa Setecentista (AHCS),
tambm localizado na mesma cidade livros de notas (alforrias, escrituras de venda e compra, procuraes),
testamentos, inventrios e aes cveis.
7
Segundo Pierre Verger, os couranos eram pessoas conhecidas sob o nome de Curamo, nome dado lagoa
das proximidades de Lagos (ou Onim, porto no litoral da atual Nigria). Esse africanista definiu tais pretos
como inimigos do rei de Daom e fez meno a um documento datado de 1767 que divulgava uma invaso
de coiranos a Ajud. Cf. VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do trfico de escravos entre o golfo do Benin e
a Bahia de Todos os Santos dos sculos XVIII a XIX. 3. ed. So Paulo: Editora Corrupio, 1987. p. 207, nota
30, 209 nota 106 e 204. No Brasil, Lus Mott foi quem primeiro anunciou a presena desses africanos em
Minas Gerais ao escrever sobre a Dana de Tunda, um ritual religioso dedicado ao deus da nao Cour,
praticado no arraial de Paracatu, que teria sido desmobilizado por um batalho de capites-do-mato em
1747; dos vinte participantes indiciados, nove eram couranos. Cf. MOTT, Lus. Acotund: razes setecentistas
do sincretismo religioso afro-brasileiro. In: ______. Escravido, homossexualidade e demonologia. So
Paulo: cone, 1988. Diferentemente desse episdio, que no recebeu qualquer ateno do Tribunal de Santo
Ofcio, Mott escreveu ainda a mais extraordinria biografia de uma alforriada do sculo XVIII, a courana, ex-
prostituta e beata, Rosa Egipcaca, enviada para Portugal e efetivamente condenada pelos inquisidores. Cf.
MOTT, Lus. Rosa Egipcaca: uma santa negra no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Bertrand, 1992. Por assim se
defrontar com a nao Cour nos documentos setecentistas, Mott enfrentou o problema de localizar a
regio de origem desses seus representantes. Aps conjeturar vrias possibilidades, amparou-se na obra de
Verger e confirmou que os courana vieram mesmo dos arredores do lago Curamo, situado entre Lagos ao
sul e o porto de Jud ao norte. MOTT, Lus. Acotund: Razes setecentistas do sincretismo religioso afro-
brasileiro. In: MOTT, Lus. Escravido, homossexualidade e demonologia. So Paulo: cone, 1988. p. 103.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 26
8
O comrcio regular de escravos entre o interior e o litoral da Costa da Mina s conhecido e discutido na
historiografia a partir de 1730, quando Daom, depois de conquistar os reinos de Alada e Hueda (no litoral)
se volta contra Oi (no interior). A imposio dessa cronologia se deve associao que se faz entre escravido
e guerras, necessrias para abastecer o mercado com mercadorias humanas. Cf. LAW, Robin. The Slave
Coast of West frica, 1550-1750: the impact of the Atlantic Slave Trade on an African Society. Oxford:
Claredon Press, 1991.
9
SOARES, Mariza de Carvalho. Indcios para o traado das rotas terrestres de escravos na Baa do Benim,
sculo XVIII. In:______. Rotas atlnticas da dispora africana: da Baa do Benim ao Rio de Janeiro. Niteri:
EdUFF, 2007.
10
Ainda conforme Mariza Soares, pode-se estabelecer a seguinte relao entre os portos de embarque e
desembarque: de Ajud saam os couranos com destino a Pernambuco e Salvador; de Jaquem vieram os
traficados para o Rio de Janeiro. Cf. SOARES, Mariza de Carvalho. Indcios para o traado das rotas terrestres
de escravos na Baa do Benim, sculo XVIII. In: _____. Rotas atlnticas da dispora africana: da Baa do
Benim ao Rio de Janeiro. Niteri: EdUFF, 2000. p. 83.
11
Esse percurso era conhecido como o Caminho dos Currais do Serto, que possua diversos atalhos e desvios.
Cf. ANDREONI, Joo Antnio (Andr Joo Antonil). Cultura e opulncia do Brasil. Introduo e vocabulrio
por A. P. Canabrava. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
12
A viagem pelo Caminho Novo durava, em mdia, 45 dias e, embora tenha sido concludo apenas em
1725, por ele se fazia o comrcio e o transporte de carregamentos desde o incio da povoao nas minas.
Dos caminhos terrestres que ligava zona de extrao aurfera ao litoral, esse era o que apresentava melhores
condies estrada mais larga e mais frequentada. Cf. VENNCIO, Renato Pinto. Caminho Novo: a longa
durao. Varia Histria. Belo Horizonte, v. 21, p. 111-123, 2000; SOARES, Mariza de Carvalho. De escravos do
senhor a escravos de si mesmos. O trfico de escravos com destaque para o atual Municpio de Parati. Laudo
historiogrfico. Convnio entre a Fundao Palmares/MINC e o Instituto de Terras do Estado do Rio de
Janeiro/SP-RJ. Dezembro, 1998.
13
Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana (AEAM). Livros de Registros de Batismo, O-02 (1730); O-
03 (1719-1736); O-04 (1728-1797); O-05 (1731-1777); O-06 (1731-1807); O-07 (1732-1796); O-08 (1740-1752).
Nosso levantamento abrange a 1 metade do sculo XVIII, com incio em 1719 (o livro mais antigo encontrado
tem o seu primeiro assento registrado nesse ano).
14
Saliento que nove couranos batizados tiveram, como padrinhos e madrinhas, pretos de mesma
procedncia.. AEAM. Livro de Registros de Batismo, O-02, fls. 41v, 47v; O-04, fls. 23, 23v, 28v, 29v, 40v, 41, 41v,
45, 46v, 48, 49, 52, 55, 64, 65, 111v, 120v, 121v; O-05, fl. 92.
15
A nao mina foi considerada por Joo Jos Reis como um guarda-chuva, capaz de ocultar diversas
procedncias mais especficas e etnias. O mesmo afirmou Maria Ins Crtes de Oliveira. E Mariza de Carvalho
Soares, no lugar de guarda-chuva, aplicou o termo grupo de procedncia. Cf. REIS, Joo Jos. Identidade
e diversidade tnicas nas Irmandades negras no tempo da escravido. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 7-
33, 1997; OLIVEIRA, Maria Ins Crtes de. Quem eram os negros da Guin? A origem dos africanos na Bahia.
Afro-sia, Salvador, n. 19/20, p. 37-74, 1997; SOARES, Mariza de Carvalho. Descobrindo a Guin no Brasil
colonial. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Rio de Janeiro, a. 161, n. 407, p. 71-94,
abr./jun. 2000.
16
AEAM. Livro de Registros de Batismo, O-03, fl. 107.
17
Arquivo Histrico da Casa Setecentista de Mariana (AHCSM) Livro de Notas, 1 Ofcio, 19, fl. 105-106 (20/
06/1722).
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 27
18
Mesmo sendo a alforria o produto de um processo repleto de investimento pessoal do liberto o trabalho
executado para o ganho do peclio gasto na compra da liberdade, o modo de comportar-se e demonstrar
bons sentimentos ela sempre resultou, em ltima instncia, da vontade do senhor em disponibiliz-la (em
sua posio de total submisso, mesmo o escravo possuindo todas as condies favorveis, ele no se tornaria
um forro caso defrontasse com a oposio do seu senhor). Assim sendo, uma carta de alforria deve sempre
ser interpretada como uma conquista/concesso das partes interessadas. Cf. PAIVA, Eduardo Frana.
Escravido e universo cultural na Colnia: Minas Gerais, 1716-1789. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
19
Foram investigadas todas as alforrias expedidas entre 1711 a 1780 (1711 data que inaugura o mais antigo
Livro de Notas conservados no AHCSM). As escrituras, cujo escravo beneficiado era um courano, foram
metodologicamente separadas em duas sries concernentes ao local de moradia do senhor outorgante. A
primeira srie composta por 98 manumisses dos residentes em Mariana (Vila do Carmo), no Morro de
Santana (subrbio), na Passagem e seu Morro (arraial prximo) localidades onde habitavam os confrades
do Rosrio. A segunda srie rene 55 papis de liberdade dos habitantes das demais freguesias do termo de
Mariana, afastadas da sede.
20
importante ressaltar que as variveis das alforrias dos couranos seguem o comportamento padro da
prtica da manumisso em Minas Gerais: as mulheres formavam um grupo majoritrio entre os forros, e a
liberdade foi, muitas vezes, comprada pelos prprios pretos, sendo a coartao o mais frequente meio para
a sua aquisio. Entre os couranos alforriados, moradores em Mariana e em suas cercanias, as mulheres
representavam 72,4%; e do total de beneficiados, 85,7% pagaram o seu valor (68,4% foram coartados). Dos
libertos couranos que residiam nas freguesias do termo de Mariana, as mulheres constituem 78,2%; e as
alforrias onerosas correspondem a 70, 9% (47,3% de coartaes). Sobre manumisses em Minas Gerais, ver
GONALVES, Andra Lisly. Cartas de liberdade: registro de alforrias em Mariana no sculo XVIII. In: Seminrio
sobre Economia Mineira, 7, 1995, Belo Horizonte. Anais Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1995. p. 197-218;
MONTI, Carlo G. O processo de alforria: Mariana (1750-1779). So Paulo: USP, 2001. 177 f. Dissertao
(Mestrado em Histria) Departamento de Histria, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2001; PAIVA,
Eduardo Frana. Escravos e libertos nas Minas Gerais do sculo XVIII; estratgias de resistncia atravs
dos testamentos. So Paulo: Annablume, 1995. (Cap. II); PAIVA, Eduardo Frana. Coartaes e alforrias nas
Minas Gerais do sculo XVIII: as possibilidades de libertao escrava no principal centro colonial. Revista
de Histria, So Paulo n. 133, p. 49-57, 1995.
21
Sobre as atividades econmicas da regio mineradora, ver MACHADO FILHO, Aires da Mata. O negro e o
garimpo em Minas Gerais. So Paulo: Edusp, 1985; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alteraes nas
unidades produtivas mineiras: Mariana 1750-1850. Niteri: UFF, 1994. 220 f. Dissertao (Mestrado em
Histria) Departamento de Histria, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 1994. Sobre a estrutura
populacional, ver KLEIN, Herbert S. A populao de Minas Gerais: novas pesquisas sobre o Brasil colonial.
Estudos Econmicos, So Paulo, v. 15, n. 01, p. 143-147, 1985; BERGAD, Laird W.Depois do boom: aspectos
demogrficos e econmicos da escravido em Mariana, 1750-1808. Estudos econmicos. So Paulo, v. 24,
n. 3, p. 495-525, set./dez. 1994. Sobre a poltica de manumisso, ver os autores indicados na nota 19.
22
Curiosamente, em fevereiro de 1762, nos proclamas de seu casamento, Ana Gracs de Moraes, mulher
liberta e viva de Barnab de Souza, declarou no poder apresentar a certido de seu batismo e muito que
quisesse fazer se no poderia achar [assento de batismo] por estar nestas Minas h mais de cinqenta anos
e inda muitos brancos se lhe no fazia assento naquele tempo. Por assim ser verdade e em razo da grande
distncia temporal entre tais eventos batismo e casamento sendo j falecidos os seus padrinhos, a preta
courana foi desobrigada dos autos de justificao e, por fim, autorizada a receber o preto mina Teodzio da
Conceio, escravo de Maria de So Thom, como seu marido. AEAM. Livro de Registros de Batismo. Processo
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 28
Matrimonial. Armrio 01, Pasta 40, Registro 393 (data inicial: 25/11/1756; data final: 26/11/1756); Livro de
Registros de Casamento. AEAM, O-24, fl. 105 (data: 06/11/1756); Livro de Assentos de Entrada da Irmandade
de N. S. do Rosrio de Mariana. AEAM, P-28: Matrcula de Maria Pinto da Silva, fl. 04 (22/02/1753); Livro de
Assentos de Entrada da Irmandade de So Benedito de Mariana. AEAM, P-20: Matrcula de Maria Pinto da
Silva, fl. 10 (01/09/1757).
36
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de So Benedito de Mariana. P-20, fl. 14v (03/09/1757).
37
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 85, fl. 146v-147 (31/01/1767).
38
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 12 (30/04/1753).
Flix tambm era irmo de Santa Efignia, assim como o seu senhor Felipe da Costa Chaves, e outros seus
escravos. AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de Santa Efignia. P-21: Matrcula de Felipe da
Costa Chaves, fl. 19 (28/12/1738); Matrcula de Flix da Costa Chaves, fl. 20 (28/12/1740); Matrcula de Pedro,
fl. 23v (28/12/1740); Matrcula de Jos da Trindade, fl. 33 (28/12/1741); Matrcula de Caetano, fl. 35v (28/12/
1745); Matrcula de Miguel, fl. 36 (28/12/1745); Matrcula de Domingos da Costa, fl. 36 (28/12/1745); Matrcula
de Loureno, fl. 36v (28/12/1745); Matrcula de Joo, fl. 37 (28/12/1745); Matrcula de Antnio, fl. 37 (28/12/
1745); Matrcula de Salvador, fl. 37v (28/12/1745); Matrcula de Paulo, fl. 38 (28/12/1745); Matrcula de Ventura,
fl. 38 (28/12/1745); Matrcula de Bernardo, fl. 39v (28/12/1746).
39
Tal pretendente j havia acertado uma futura unio com um escravo angola do Vigrio Simo Caetano de
Moraes, mas tambm quebrou esse seu acordo. Assim consta no Termo de Seguimento anexado ao processo
matrimonial de Flix da Costa Chaves e Teresa Botelho.
40
Teresa Botelho tambm foi oficial dessa confraria, eleita juza da cidade em 1752. AEAM. Livro de Assentos
de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana., P-28, fl. 05v (30/03/1753); AEAM. Livro de Termos
e Atas da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana, P-27, fl. 11v-12 (1752).
41
AEAM. Processo Matrimonial. Armrio 02. Pasta 223, Registro 2229 (data inicial: 28/06/1754; data final: 06/
07/1754).
42
Esponsais Contrato nupcial mais ou menos equivalente ao noivado de hoje, mas era um compromisso
mais srio, jurdico e passvel at de ressarcimento, no caso de descumprimento. RODRIGUES, Cnego Flvio
Carneiro. Glossrio do Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana. (mimeografado).
43
Flix da Costa Chaves demandou contra Teresa Botelho para que esta lhe cumprisse palavra de casamento.
E somente por razo da mesma Teresa Botelho lhe ter dado plena e geral quitao de uma execuo em
nome de Francisco Tinoco da Silva (...), e de presente ela mesma Teresa Botelho igualmente o ter libertado
de duas execues que lhe faziam Bento da Silva Lima, e Antnio de Souza (...) ele dito Flix da Costa Chaves
foi dito que de sua livre vontade sem constrangimento de pessoa alguma, dava como com efeito d, de
hoje para todo o sempre a mesma Teresa Botelho plena e geral quitao dos esponsais que lhe movia. A
certido de quitao dos esponsais foi lavrada, em Juzo Eclesistico, aos 9 dias de dezembro de 1756;
posteriormente foi anexada ao processo matrimonial de Flix da Costa Chaves e Ana Teixeira.
44
Essa mulher tambm rompeu, em Juzo Eclesistico, um acordo de casamento anteriormente ajustado
com o crioulo Manuel da Costa Silva, escravo de Marcos Ribeiro da Silva. A certido de quitao dos esponsais
foi lavrada aos 13 dias do ms de julho de 1757 e anexada ao processo matrimonial de Flix da Costa Chaves
e Ana Teixeira.
45
AEAM. Processo Matrimonial. Armrio 02, Pasta 223, Registro 2228 (data inicial: 21/07/1757; data final: 28/
07/1757).
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 30
46
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 37v (06/01/1758).
47
Flix da Costa Chaves serviu direo confrarial por 9 vezes: Procurador para avisar os Irmos 1751;
Juiz da Cidade 1763; Irmo de Mesa 1756, 1758, 1761, 1765, 1767, 1768, 1769. AEAM. Livro de Termos e
Atas da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana, P-27, 1751, fl. 08v-09v (1751); 1756, fl. 18v-19 (1756); 1758,
fl. 23-23v (1758); 1761, fl. 25v-26 (1761); fl. 27-27v (1763); fl. 29v-31v (1765); fl. 36-37 (1767); fl. 41-41v (1768);
fl. 42v-43 (1769).
48
AHCSM. Livro Notas. 1 Ofcio, 74, fl. 68-68v (14/08/1753).
49
O alferes Jos Gonalves de Moraes foi procurador das caixinhas no Morro de Santana, onde residia; o seu
escravo Sebastio Gonalves de Moraes, preto mina, foi juiz do mesmo Morro. Em 1759, aps ocupar tal
posto de grande importncia na administrao confrarial, Sebastio oficializou sua matrcula, mas seu senhor
permaneceu sem obrigar-se s Leis do seu Compromisso. AEAM. Livro de Termos e Atas da Irmandade de N.
S. do Rosrio de Mariana. P-27, fl. 23-23v (1758); AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S.
do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 40 (02/01/1759).
50
AEAM. Livro de Registros de Casamento. O-24, fl. 110. As Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia
advertia aos procos que no celebrassem Matrimnio antes de nascer o Sol, nem depois delle posto sem
que lhes fosse concedida especial licena. VIDE, Sebastio Monteyro da. Constituies Primeiras do
Arcebispado da Bahia, aprovadas no Snodo de 1707. Coimbra: Real Colgio das Artes da Companhia de
Jesus, 1720, Livro Primeiro, Ttulo LXVIII, fl. 120-121. Com efeito, o bispo de Mariana emitiu despacho favorvel
ao pedido de Flix da Costa Chaves e Ana Teixeira de se casarem noite. Essa permisso, certamente, foi
amparada na contundente justificativa de que pessoas opositoras poderiam estorvar tal cerimnia. Apesar
de formalmente rescindidos os antigos esponsais e julgados aptos a se receberem como marido e esposa,
Flix e Ana temiam que a presena de pessoas no afeitas provocasse tumultuo ou mesmo impedisse a
realizao do casamento. (Talvez quisessem evitar o comparecimento de seus ex-pretendentes.)
51
Pedro Rodrigues da Costa era confrade e importante oficial do Rosrio, eleito juiz, procurador-geral e
irmo de mesa ao longo das dcadas de 1740, 1750, 1760, 1770 e 1780. Esse preto mina, morador na rua
Nova, possua um escravo, Antnio courano, admitido como irmo do Rosrio em 1770 (ano em o dito seu
proprietrio recebeu a patente de capito). Pouco tempo depois de sua entrada na Irmandade, aos 7 de
setembro de 1774, foi registrado o bito de Antnio. E o capito Pedro Rodrigues da Costa faleceu no dia 21
de fevereiro de 1788, deixando inscritas as suas ltimas vontades em seu solene testamento. Assim a
Irmandade de N. S. do Rosrio foi favorecida com a seguinte esmola: 1 caixa de guerra, 2 alabardas (arma de
fogo) e 6 oitavas de ouro. AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana.
P-28: Matrcula de Pedro Rodrigues da Costa, fl. 06 (30/05/1753); Matrcula de Antnio, fl. 61 (03/01/1770);
AEAM. Livro de Termos e Atas da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-27, fl. 04v-05 (1749 - Juiz); fl.
16v-17 (1754 - irmo de mesa); fl. 17v-18 (1755 - irmo de mesa); fl. 18v-19 (1756 - irmo de mesa); fl. 20v-21
(1757 - irmo de mesa); fl. 23-23v (1758 - irmo de mesa); fl. 24v-25 (1760 - irmo de mesa); fl. 25v-26 (1761 -
juiz); fl. 26v-27 (1762 - irmo de mesa); fl. 27-27v (1763 - irmo de mesa); fl. 28-28v (1764 - irmo de mesa); fl.
29v-31v (1765 - irmo de mesa); fl. 33v-34 (1766 - irmo de mesa); fl. 36-37 (1767 - irmo de mesa); fl. 61v-62v
(1782 procurador-geral e irmo de mesa); fl. 64v-65 (1783 procurador-geral); fl. 71-72 (1786 - irmo de
mesa); fl. 73-73v (1787 - irmo de mesa); AEAM. Termo de aprovao do procurador, o capito Pedro Rodrigues
da Costa. P-27, fl. 51-51v (15/01/1775); AEAM Livro de Registros de bito. Q-16, fl. 44; AHCSM. Livro de
Registros de Testamentos. 1 Ofcio, 66, fl. 177-179v (data de feitura: 16/11/1785; data de abertura: 21/02/
1788); AHCSM. Inventrio do capito Pedro Rodrigues da Costa. 1 Ofcio, Caixa 115, Auto 2380 (data de
abertura: 26/05/1789; data de concluso: documento incompleto).
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 31
52
AEAM. Processo Matrimonial. Armrio 02, Pasta 223, Registro 2228, Auto de Justificao de
Desimpedimento, fl. 03-04.
53
AEAM. Livro de Termos e Atas da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-27, fl. 11v-12 (1752 - Rei); fl.
16v-17 (1754 - irmo de mesa); fl. 17v-18 (1755 - irmo de mesa); fl. 18v-19 (1756 - irmo de mesa); fl. 20v-21
(1757 - irmo de mesa); fl. 23-23v (1758 - irmo de mesa); fl. 24v-25 (1760 - irmo de mesa); fl. 25v-26 (1761 -
irmo de mesa); fl. 26v-27 (1762 - irmo de mesa); fl. 29v-31v (1765 - irmo de mesa); fl. 33v-34 (1766 -
tesoureiro da fbrica); fl. 36-37 (1767 procurador-geral); fl. 41-41v (1768 procurador-geral e irmo de
mesa); fl. 42v-43 (1769 procurador-geral e irmo de mesa); fl. 61v-62v (1782 - irmo de mesa); fl. 64v-65
(1783 - irmo de mesa); fl. 65v-66v (1784 procurador- geral); fl. 67v-68v (1785 procurador-geral); fl. 71-72
(1786 procurador-geral). Em abril de 1769, Fabio Fernandes da Silva, como procurador-geral do Rosrio,
props aos demais oficiais a redao de um novo Compromisso que seria remetido a Portugal, com o objetivo
de ser aprovado pela Mesa de Conscincia e Ordens. AEAM Livro de Termos e Atas da Irmandade de N. S. do
Rosrio de Mariana. P-27: Termo para se fazer novo Compromisso, fl. 43v.
54
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 01 (25/12/1750).
55
Jos Fernandes da Silva era um destacado senhor de escravos e proprietrio de vrios buracos e guas de
minerar em Mariana. Serviu como oficial branco da Irmandade de N. S. do Rosrio e assim representou essa
associao fraternal em um litgio que esta moveu contra o ermito Matias Teixeira de Souza. AEAM
Testamentaria de Jos Fernandes da Silva, 719, fl. 09v, 16v. AEAM. Querela apresentada pelo Rosrio dos
pretos contra Matias Teixeira de Souza. Armrio 15, Pasta 4062, Auto 1742.
56
AEAM. Testamentaria de Jos Fernandes da Silva. 719, fl. 09v, 16v. No testamento e inventrio de Jos
Fernandes da Silva foram arrolados 25 escravos (todos homens africanos); entre eles, Antnio Cobu e Antnio
Toco Lada receberam alforria gratuita, e assim como Fabio, o preto Lus (outro courano Irmo do Rosrio)
foi coartado em 300 mil ris. AEAM. Livro de Assentos de entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de
Mariana. P-28: Matrcula de Lus Fernandes da Silva, fl. 13 (27/05/1753).
57
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 72, fl. 12 (08/04/1752).
58
AEAM. Livro de Registros de Casamento. O-27, fl. 100.
59
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 71: Escritura de dvida e obrigao que fazem os administradores das
Irmandades de Nossa Senhora do Rosrio, So Benedito e Santa Efignia dos pretos desta cidade a Jos
Pereira dos Santos, fl. 131-131v (24/01/1752); AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 79: Escritura de obrigao
que fazem os oficiais de Nossa Senhora do Rosrio, So Benedito e Santa Efignia dos pretos desta cidade a
Sebastio Martins da Costa e este queles, fl. 142-142v (02/05/1757).
60
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28: Matrcula de
Joana Rabelo da Costa, fl. 20v (06/01/1754); Matrcula de Teresa Fernandes mina, fl. 38 (02/11/1758); Matrcula
de Sebastio crioulo, fl. 56 (06/01/1768); Matrcula de Ambrsio angola, fl. 61 (03/01/1769); Matrcula de Lus
Antnio Fernandes da Silva, fl. 77 (07/07/1786). Lus Antnio inscreveu-se no Rosrio de Mariana por ordem
de seu senhor.
61
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de So Benedito de Mariana. P-20: Matrcula de Fabio
Fernandes, fl. 41 (10/01/1751); Matrcula de Joana Rabelo, fl. 08v (01/09/1757); Matrcula de Maurcia crioula,
fl. 48 (10/01/1768).
62
AHCSM. Livro de Registros de Testamentos. 1 Ofcio, 41, fl. 153v-155 (data de feitura: 30/11/1785; data de
abertura: 25/12/1791). Joana Rabelo da Costa fez seu testamento quando ainda estava com sade e de p,
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 32
e faleceu somente no dia 25 de dezembro de 1791, sendo ento acompanhada, encomendada e sepultada
na Capela de Nossa Senhora do Rosrio de Mariana. Obs.: O seu registro de bito foi datado com o atraso de
1 dia. AEAM. Livro de Registro de bitos. Q-18, fl. 64v.
63
Na ocasio, foram arrolados como escravos do casal Sebastio crioulo, Maria mina, Alexandre mina, Teresa
mina, Incio mina, Maurcia crioula e Lus Antnio mulatinho. Fabio Fernandes da Silva e Joana Rabelo da
Costa foram senhores legtimos de uma preta mina chamada Rosa que alforriaram em 1762 (coartao no
valor de duas libras e uma quarta de ouro). Alm dessa, marido e esposa serviram-se de outros escravos que j
haviam morrido na data de feitura do testamento da dita preta forra: Francisco faleceu confessado e ungido
em 1775; Antnio morreu com o sacramento da confisso em 1771; Maria inocente pereceu em 1779 e Ambrsio
(irmo do Rosrio) faleceu, em 1783, com os sacramentos da penitncia e extrema-uno. Outros 2 escravos
que foram relacionados entre os bens da testadora tambm faleceram no mesmo ano de 1791: Maurcia (irm
de So Benedito) com todos os sacramentos e Incia mina, que recebera a penitncia e a extrema-uno.
Todos esses escravos foram sepultados da capela de Nossa Senhora do Rosrio. Livros de Notas. AHCSM, 1
Ofcio, 82: Escritura de Alforria de Rosa mina, outorgada pelos pretos forros Fabio Fernandes da Silva e Joana
Rabelo da Costa, fl. 179v-180 (21/05/1762); AEAM. Livro de Registros de bito. Q-16: bito de Francisco, fl. 52v
(17/08/1775); bito de Antnio, fl. 141v (14/05/1771); AEAM. Livro de Registros de bito. Q-17: bito de Maria
inocente, fl. 18 (03/05/1779); bito de Ambrsio, fl. 72v (25/12/1783); AEAM. Livro de Registros de bito, Q-18:
bito de Maurcia, fl. 58v (20/06/1791); bito de Incia mina, fl. 58v (03/08/1791).
64
Em petio anexada na testamentaria de Jos Fernandes da Silva, Fabio exige que o testamenteiro de
seu ex-senhor lhe satisfaa a poro merecida pelo seu trabalho 25 oitavas anuais. AEAM. Testamentaria
de Jos Fernandes da Silva, 719, fl. 421-421v (31/09/1769).
65
Outros barbeiros j foram identificados entre os africanos das irmandades, todos eles proeminentes em
suas confrarias e bem sucedidos em sua profisso. SOARES, Mariza de Carvalho. A biografia de Ignacio Monte,
o escravo que virou rei. In: VAINFAS, Ronaldo; SANTOS, Georgina Silva; NEVES, Guilherme Pereira das (org.).
Retratos do Imprio. Trajetrias Individuais no mundo portugus nos sculos XVI a XIX. Niteri: EDUFF-
Editora da Universidade Federal Fluminense, 2006. p. 47-68.
66
Os testamenteiros nomeados em testamento recusaram tal encargo em vista das dificuldades previstas
para o pagamento de todos os credores, sendo parcos os bens poupados pelo testador e avantajadas as dvidas
acumuladas; alm disso, a insignificante soma deixada como prmio para aquele que se ocupasse dessa funo
no os encorajaram. Ver nota 50 informaes detalhadas sobre o capito Pedro Rodrigues da Costa.
67
Cf. REIS, Joo Jos. A morte uma festa. Ritos fnebres e revolta popular no Brasil do sculo XIX. So
Paulo: Companhia das Letras, 1991. (Cap. IV).
68
Fabio Fernandes da Silva testemunhou os papis de corte que Diogo de Souza Coelho, acamado e
agonizante, outorgou a trs de seus escravos (uma famlia: pai, me e filho). AHCSM. Inventrio de Diogo de
Souza Coelho. 1 Ofcio, Caixa 103, Auto 2141 (tem testamento data de abertura: 28/02/1774; data de
concluso: 23/01/1779); AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana.
P-28, fl. 27 (26/12/1754).
69
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 97, fl. 53-53v (data de emisso: 13/02/1774; data do translado em Nota: 15/05/1779).
70
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 61 (23/10/1769);
AEAM Livro de Termos e Atas da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-27, fl. 42v-43 (1769).
71
Em seu testamento, Diogo de Souza Coelho declarou-se irmo das trs Irmandades de pretos da cidade
de Mariana: Rosrio, So Benedito e Santa Efignia. AHCSM. Inventrio de Diogo de Souza Coelho. 1 Ofcio,
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 33
Caixa 103, Auto 2141 (tem testamento data de abertura: 28/02/1774; data de concluso: 23/01/1779);
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de So Benedito de Mariana. P-20, fl. 14v (03/09/1757).
72
Consta no assento de entrada de Rosa dos Santos no Rosrio o registro de sua participao na direo da confraria:
<Juza em 1734>; e em seu testamento, afirmou ser tambm irm de So Benedito e Santa Efignia. AEAM. Livro de
Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 13 (27/05/1753); AEAM. Testamentaria de
Rosa dos Santos, n 1166 (Translado do Testamento - data de feitura: 07/09/1756; data de abertura: 10/09/1756). Em
testamento, Gonalo dos Santos apresentou-se como irmo de Santa Efignia. AEAM. Livro de Registros de
Testamento. R-17, fl. 86-88 (data de feitura: 14/09/1756; data de abertura: 20/09/1756).
73
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 75, fl. 58-58v (05/08/1754). Rosa dos Santos justificou a concesso da
alforria como sendo resultante de um processo de coartao: ... e como o dito escravo era bom (...) e dele
tinha recebido bons servios, o coartara para sua Liberdade em duas libras de ouro, as quais j tinha recebido
da mo do dito escravo.... No entanto, Gonalo reconheceu em testamento que sua liberdade lhe foi dada
por merc de sua senhora: ... esta alforria me fez pelo amor de Deus sem que eu lhe desse ouro algum...
Acreditamos que Rosa tenha mesmo beneficiado Gonalo com uma alforria gratuita e a falsidade daquela
sua declarao serviu-lhe de estratgia para melhor legitimar esta escritura. Por terem sido batizados em
diferentes locais Rosa em Mariana e Gonalo em Sabar , aventamos ainda possibilidade de Rosa ter se
deslocado em busca de seu irmo, como propsito de compr-lo e conserv-lo em sua companhia.
74
Outros utenslios que auxiliariam na venda de quitutes e demais alimentos foram tambm inventariados:
1 braa de balana de folha com oito pesos de duas libras a 7 quarta; 1 balana de pesar ouro de libra com
um marco de libra; 1 balana de quarta de pesar ouro sem marco e mais 1 balana de quarta sem marco.
Gonalo, porm, no recebeu e nem disps de tais utenslios, visto que faleceu imediatamente aps o
sepultamento de Rosa.
75
Dos poucos inventrios de couranos confrades do Rosrio que localizamos, o de Rosa dos Santos nos
impressionou pelo volume e requinte dos objetos. Saias de veludo, de camelo e baeta, macaquinhos, coletes,
caponas, panos finos e rendas completavam o seu guarda-roupa; fios de conta, anel, fivelas de sapato, pares
de botes de camisa, canutilho e argolinhas de prata lhe adornavam; e sua cama era aparelhada por colheres
e garfos de prata, louas finas e da ndia, espelho de parede com moldura, cortinas, toalhas de renda de
bretanha, travesseiros de linho e almofadinhas com suas rendas e crivos. Outros artefatos de ouro e diamantes
estavam empenhados nas mos de Manuel de Castro Guimares, oficial branco do Rosrio, e juntos (um
rocicler, um par de brincos e um cordo) perfaziam a quantia de meia libra de ouro (96$000). Em poder
desse homem portugus, tambm se encontravam empenhados uns brincos de ouro com o feitio de
amndoas que pertenciam a Mariana Borges de Carvalho, outra irm do Rosrio e de So Benedito. Essa
liberta, natural da Costa da Mina, era senhora de Ana Carvalho, preta courana e igualmente matriculada na
Irmandade do Rosrio. AEAM. Livro de Registros de bitos de Mariana. Q-10: Translado do Testamento de
Manuel de Castro Guimares, fl. 126v. (data de feitura: 15/01/1768; data de abertura: 15/02/1768); AEAM.
Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28: Matrcula de Mariana
Carvalho, fl. 08v (31/03/1753); Matrcula de Ana Carvalho, fl. 24v (22/11/1754); AEAM. Livro de Assentos de
Entrada da Irmandade de So Benedito. P-20: Matrcula de Mariana Carvalho, fl. 10 (01/09/1757).
76
Rosa dos Santos outorgou, em testamento, a alforria gratuita dos crioulinhos Manuel e Gregria; Joaquim
crioulo e Ana courana foram coartados, ele em 100 oitavas de ouro, por tempo de trs anos, e ela em 1 libra
e meia de ouro, durante quatro anos.
77
A mudana de status foi constatada por meio de diferentes documentos: Agostinho de Andrade -bito;
Antnio Fernandes da Silva testamentaria de seu senhor que o deixou coartado e processo matrimonial
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 34
no qual afirma ser forro; Francisca Ferraz de Azevedo matrcula de sua escrava na Irmandade do Rosrio;
Francisco Pinto Homem carta de alforria; Francisco Pinto Alves carta de alforria; Jos Jorge Pinto carta
de alforria; Rosa Alves de Carvalho carta de alforria; Rita Batista testamento.
78
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 01 (25/12/1750);
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 72, fl. 12 (08/04/1752).
79
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 12 (30/04/1753);
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 74, fl. 68-68v (14/08/1753).
80
AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de Mariana. P-28, fl. 61 (23/10/1769);
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 97, fl. 53-53v (data de emisso: 13/02/1774; data do translado em Nota:
15/05/1779).
81
AEAM. Testamentaria de Rosa dos Santos, n 1166 (Translado do Testamento data de feitura: 07/09/1756;
data de abertura: 10/09/1756).
82
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 85, fl. 07-07v (29/11/1763).
83
Na ocasio em que foi escriturada a sua alforria, Francisco havia satisfeito parte do valor total, 416 oitavas
de ouro, e, para garantir o pagamento das 192 oitavas restantes, seu patrono lhe passou crdito e exigiu a
apresentao de um fiador. AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 77, fl. 43v (05/06/1755).
84
Jos de Oliveira Paes tornou-se irmo do Rosrio em maro de 1753. Incia Freire de Andrade, apesar de
ser uma antiga frequentadora que cumpria a obrigao de pagar os anuais, formalizou a entrada nessa
confraria em junho de 1754; da mesma forma, satisfez o pagamento das taxas cobradas pela Irmandade de
So Benedito e regularizou a sua condio de irm. AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N.
S. do Rosrio de Mariana. P-27: Matrcula de Jos de Oliveira Paes, fl. 04 (24/03/1753); Matrcula de Incia
Freire de Andrade, fl. 23 (05/06/1754); AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de So Benedito
de Mariana. P-20: Matrcula de Incia Freire de Andrade, fl. 08 (01/09/1757); AEAM. Processo Matrimonial.
Armrio 05, Pasta 538, Registro 5373 (data inicial: 15/01/1752; data final: 27/01/1752); Livro de Registros de
Casamento. AEAM, O-24, fl. 100. (data: 18/01/1752).
85
AEAM. Livro de Registros de Casamento. O-24, fl. 74v (data: 02/12/1747).
86
O courano Agostinho de Andrade era confrade do Rosrio, foi o seu Rei em 1747; e tambm se inscreveu
na Irmandade Santa Efignia. AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de N. S. do Rosrio de
Mariana. P-28, fl. 06v (30/03/1753); AEAM. Livro de Assentos de Entrada da Irmandade de Santa Efignia de
Mariana. P-21, fl. 05v (28/12/1737).
87
AHCSM. Livro de Notas. 1 Ofcio, 85, fl. 138-138v (data de emisso: 15/05/1765; data do translado em
Nota: 15/11/1766).
88
AHCSM. Livro de Registros de Testamentos. 1 Ofcio, 51, fl. 285v-287v (data de feitura: 06/12/1772; data de
abertura: 08/12/1772).
89
AEAM. Testamentaria de Rosa dos Santos, n 1166 (Translado do Testamento data de feitura: 07/09/1756;
data de abertura: 10/09/1756).
90
AEAM. Livro de Registros de bito. Q-16: Translado do Testamento de Teresa Maria de Jesus, fl. 139v-141v
(data de feitura: 26/01/1758; data de abertura: 26/12/1770).
91
AHCSM. Livro de Registros de Testamento. 1 Ofcio, 58, fl. 93-97 (data de feitura: 07/10/1766; data de
abertura: 10/10/1766).
92
AHCSM. Livro de Registros de Testamentos. 1 Ofcio, 41, fl. 153v-155 (data de feitura: 30/11/1785; data de
abertura: 25/12/1791).
ARTIGO
Segundo o Dicionrio Morais e Silva, estar compadre de algum alm de significar o que
serve de padrinho a um menino tambm significa estar em boa amizade.9 Alm disso, o termo
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 37
Neste estudo, apresentamos vrias faces do compadrio e como ele foi apropriado pelos
moradores da Vila do Carmo. Tomamos os batizados cujas mes viviam em cativeiro. Assim , seus
pequenos infantes nasciam com as marcas da escravido. Acompanhamos as atas batismais da
matriz da Vila e outros corpos documentais para observar comportamentos dos habitantes negros
e de seus distintos companheiros em Minas Gerais entre 1715 e 1750, perodo-chave da constituio
e enraizamento das populaes e, de forma marcante, da escravido nos cenrios mineiros.
A anlise dos rituais de batismo na Leal Vila do Ribeiro do Carmo aponta que foram as
mes escravas as que mais estabeleceram laos de compadrio. Levaram mais de 1.125 filhos e
filhas para serem batizados na Matriz do povoado entre 1715 e 1750, perodo por ns privilegiado,
pois, a partir de 1715, os documentos da parquia relativos ao sacramento so contnuos e sem
muitas lacunas (Tabela 1). De tantas crianas levadas pia batismal, apenas 224 tiveram o nome
do pai anotado no livro da igreja. A presena do pai foi garantida particularmente nos casos de
casais escravos pertencentes a um mesmo senhor: 137 pais cativos, enquanto apenas 18 pais de
senhores diferentes dos das mes puderam estar presentes oficialmente, o que significa dizer
com participao ativa no ato da celebrao do batizado de seu filho. Os pais livres compareceram
ou foram declarados pelos seus compadres em 61 casos e apenas trs homens libertos fizeram-se
presentes na Igreja Matriz. Os cinco restantes so trs pais escravos sem referncia ao senhor e
dois homens sem identificao de sua condio social.
CONDIO
1715-1720 1721-1730 1731-1740 1741-1750 TOTAL
SOCIAL
Crianas expostas - 10 6 8 24
Filhos de forras e
13 39 56 105 213
desc. africano
Fonte: AEAM. Livros: O-2, O-3, O-4, O-5, O-8, O-10, Registros de Batismo da Matriz de N. S. da
Conceio de Mariana.
* Ausncia de dados para 1739.** As atas batismais de inocentes escravos apresentam sub-registros
de 1743 a 1746.
*** Os registros de batismos de cativos adultos de 1741 a 1750 apresentam lacunas, com a ausncia
de dados para os anos de 1742, 1743, 1744 e sub-registros nos anos de 1746 e 1745.
A conhecida e propalada alta ilegitimidade dos filhos de escravas e a ausncia do pai nas
atas batismais das terras garimpeiras e em outras povoaes da Amrica lusa tambm podem
indicar os limites e constrangimentos das mes escravas em declarar o pai no momento do batismo
dos inocentes escravos.18 No entanto, os dados colhidos nos assentos eclesisticos serviram a muitos
pesquisadores da escravido e da sociedade colonial para que marcassem o comportamento
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 41
feminino, de modo geral, como licencioso, desregrado e negativo frente aos valores morais do
Cristianismo.19 Tomar apenas a ausncia do pai como ndice de relaes espordicas e sem criao
de vnculo com a me e/ou a criana subestimar o comportamento dos atores sociais frente
paternidade e ao vnculo entre casais, mesmo que fossem casais com status social diferente, como
os formados por escravas e homens livres.
Ao lermos os registros da matriz da Vila do Carmo produzidos pelos procos e seus
auxiliares, podemos perceber limites impostos no apenas pelos senhores das escravas, mas
tambm pela prpria Igreja colonial, com maior ou menor intensidade. Apenas a partir de 1724, a
Coroa portuguesa, nas principais freguesias da recm-instituda capitania autnoma de Minas
Gerais, criou o cargo de proco colado, permanente e por concurso. Esse fato significa que at
aquele ano havia no territrio apenas procos encomendados, provisrios, nomeados pelo bispo
do Rio de Janeiro ou seu cabido para tempo determinado, geralmente um ou dois anos.
justamente at 1726, quando, ento chega Leal Vila do Ribeiro do Carmo o padre portugus
Jos Simes, seu primeiro proco colado que permanecer pessoalmente frente da freguesia
at 1741, que todos os pais escravos pertencentes a senhores diferentes dos da me foram
declarados e que a maioria dos pais livres tambm puderam constar do registro de batismo de
seus filhos, mesmo no sendo casados em face da Igreja.
O historiador Donald Ramos, analisando assentos batismais da freguesia de Antnio Dias,
em Vila Rica, relativos ao primeiro quartel do sculo XVIII, sugere que, numa poca de ouro aluvial,
com a menor presso do Estado e da Igreja, o nmero pequeno de mulheres livres brancas permitiu
que os senhores assumissem a paternidade dos filhos havidos com suas escravas. A partir de 1726,
com a organizao social mais slida e as proibies da Igreja, aumentou-se o controle sobre o
reconhecimento da paternidade senhorial.20
Aps de 1726, com a presena do proco colado, comeou a haver no povoado da Vila
do Carmo maior controle e punio aos casais que mantinham relaes tidas como ilegtimas,
com o chamado trato ilcito permanente ou espordico. As devassas eclesisticas, que eram
instrumentos de perseguio das prticas consideradas desviantes, eram conhecidas da populao
local desde, pelo menos, 1722-1723. O fortalecimento do aparato repressivo e fiscalizador das
prticas afetivas e sociais dos habitantes do Carmo incentivaram a dissimulao e o uso, pelos
casais, de certos mecanismos para escapar das punies e de maiores constrangimentos. Ao estudar
as relaes comunitrias dos moradores das Minas Gerais setecentistas, especialmente da comarca
de Vila Rica, Marco Antnio Silveira destacou que alguns senhores [...] passavam a vida jogando
com a ambigidade, ora assumindo publicamente a responsabilidade de pai e cristo, ora
esquivando-se das condenaes moralistas e legais.21
nesse cenrio que podemos ver a constituio de laos de compadrio e apadrinhamento
pelas mes casadas e solteiras, que mantinham relaes duradouras ou passageiras com seus
companheiros, homens escravos, livres e libertos. Quer isso dizer que mesmo que a grande maioria
dos assentos eclesisticos omita a presena do pai, isso no significa que ele estivesse ausente e
mesmo que no interferisse nas escolhas dos padrinhos de seus filhos. Quem sabe muitos desses
pais cujos nomes no constam nos livros da parquia, no estivessem na matriz do Carmo a
observar seu filho recebendo a gua do batismo cristo?
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 42
Como explicar ento, em uma sociedade colonial portuguesa com valores do Antigo
Regime, que valorizava tanto a distino e o enobrecimento, a escolha de indivduos ligados ao
cativeiro para padrinhos das crianas escravas? Em outras reas coloniais, vinculadas a atividades
agrrias e com grandes escravarias, as escolhas de padrinhos e madrinhas se davam especialmente
no prprio cativeiro pelas dificuldades de contato com indivduos extra muros. Em Mariana e
outros ncleos marcados pela escravido urbana, disseminada, a maioria da populao continuava
sendo escrava, entretanto, havia maior contato com mulheres e homens livres e libertos. Se
tomarmos apenas os casais escravos identificados nos assentos batismais e que levaram seus filhos
e filhas para receberem o primeiro sacramento cristo na matriz do Carmo, percebe-se que havia
certo equilbrio nas escolhas de padrinhos de diferentes estatutos sociais. Dos 153 inocentes
batizados que tiveram a condio social do padrinho anotada, temos 77 homens livres, 62 escravos
e 14 libertos. Considerar que a escolha de indivduos pertencentes ao cativeiro estava ligada apenas
questo dos laos de amizade e convvio o mesmo que colocar, hierarquicamente, todos aqueles
que vivenciavam o cativeiro como pessoas com poucas possibilidades de distino dentro do
prprio grupos, sem possibilidade de serem reconhecidas por indivduos livres ou mesmo de se
reconhecerem como mais capazes ou com recursos diferentes, com ofcios mais qualificados,
obtendo o respeito da comunidade e/ou de fora dela.
Independentemente da escolha de livres, escravos e ex-escravos, o compadrio tinha a
funo de unir ou reforar as alianas entre a famlia do batizado e os escolhidos como parentes
rituais. Para a Igreja, a natureza desse parentesco por aliana era declarada como lao sagrado,
sugerindo que os convidados para o ato batismal fossem reconhecidos pelos pais como pessoas
importantes nas relaes sociais. nesse sentido que o estabelecimento de relaes de parentesco
ritual com outros escravos e ex-escravos poderia tambm indicar uma aliana vertical, superior.
Ter um padrinho reconhecido por outros escravos ou por outros indivduos poderia representar
distino, apoio material, e principalmente, entrar na esfera de proteo do compadre e de suas
relaes. Foi dessa forma, que o alferes Antnio, escravo do mestre de campo Francisco Ferreira
de S, tornou-se compadre de Domingos e Teresa, pertencentes ao mesmo senhor.25 Para juntar-
se ao alferes, foi convidada como madrinha Catarina da Costa, preta forra. Josefa, escrava de Jos
Ferreira Mendes, orgulhava-se de ostentar e exibir para os seus que teve no batizado de sua filha
Vitoriana, nascida em 1730, a presena do padrinho Bernardo de Almeida, escravo do governador
da Capitania de Minas Gerais, Dom Loureno de Almeida, que residia em Vila Rica. 26 Para
acompanhar o padrinho escravo foi convidada a parda forra Acensa Pereira Dutra, moradora na
rua do Piolho e proprietria de escravas.27
A busca de prestgio e distino no prprio mundo do cativeiro, podendo representar,
ento, uma solidariedade tambm vertical, encontrada, ainda, nas escolhas de compadres em
rea agrcola. No estudo de Robert Slenes, j citado, os cativos trabalhadores nas lavouras das
propriedades rurais preferiam eleger os compadres entre os escravos domsticos ou entre os que
possuam algum tipo de qualificao mais destacada.28
Para alm da atuao da prpria me escrava, retomamos agora a participao do pai e
seus contatos comunitrios. Observamos acima, anteriormente, que os casais cativos tiveram
escolhas equilibradas entre livres e escravos como compadres. No entanto, ao analisar os casos
em que a me era escrava e o pai da criana era homem livre, encontramos dados reveladores da
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 44
forte influncia do pai nas escolhas dos padrinhos de seus pequenos infantes. Em todos os 61
casos em que o pai era livre, a criana teve padrinhos de mesmo estatuto social do pai. Claramente,
podemos dizer que as mulheres cativas acabavam circulando e tecendo relaes de parentesco
com os mesmos indivduos que as mulheres livres podiam mais facilmente convidar, entrando no
crculo de amizade e convvio de seus companheiros. Essa participao de homens livres revela
que, dos 61 indivduos que no omitiram ou no foram constrangidos a omitir a paternidade na
pia batismal, 42 eram tambm senhores da me de seu filho, mantinham contato permanente
com mulheres cativas, na propriedade em que vivia ou em outras propriedades suas.
O zelo e o cuidado dos homens livres com os filhos nascidos no cativeiro se refletem
diretamente nas escolhas dos padrinhos que pertenciam s suas redes relacionais e profissionais.
Muitas vezes demonstram esses convites o reforo de alianas que poderiam gerar ganhos futuros,
como proteo e promoes. Agostinho da Costa, como outros senhores, teve relaes com vrias
escravas, assumidas na pia batismal. Da relao com Teresa nasceu Antnio, batizado na matriz da
Vila do Carmo, em junho de 1715, tendo como padrinho o guarda-mor Antnio Rodrigues de
Souza, membro da nobreza da terra, observando-se a ausncia de madrinha. O segundo filho
registrado foi Manuel,29 nascido de Joana Mina, em 1723, tendo os seguintes padrinhos: Manuel
da Silva Preto e Manuel Coelho Varela. O pai, e senhor, reconheceu o filho e o declarou forro, sinal
evidente do lao afetivo do pai para com o filho.
O caso do alferes Santiago exemplar. Em dezembro de 1715, entregou Antnio, seu
filho com sua escrava Suzana, para ser batizado por Custdio da Silva Serra, capito-mor da vila
do Carmo, mantendo assim parentesco com uma das principais autoridades da vila, da mesma
forma que o capito-mor via maximizada a sua esfera de poder e clientela, podendo contar com a
fidelidade e gratido do alferes.30 Com compadre membro da elite local, no necessitou de
madrinha. A ausncia de madrinhas, bem mais frequentes que a dos padrinhos, poderia indicar
que a presena do homem seria muito mais representativa no sacramento. No podemos esquecer,
no entanto, as dificuldades de encontrar madrinhas livres, ou mesmo, as de um homem livre em
aceitar ter uma escrava para madrinha de seu filho, mesmo que a criana nascesse de ventre escravo.
Alm disso, havia constrangimento no convite de madrinhas livres, pertencentes elite da terra,
pois nem todas aceitariam ser parentes rituais de compadres concubinados.
Em Mariana, as cativas buscaram, para madrinhas, tanto companheiras de cativeiro, como
as que conseguiram se libertar ou, ainda, as mulheres livres. Levando-se em conta que as mes
tenderam a escolher comadres que conseguiram se alforriar mais de 28% ou as que nasceram
livres mais de 29% a busca por madrinhas significou algo mais do que os cuidados prticos
com os afilhados inocentes. O compadrio, na verdade, possibilitava construo ou reforo de redes
relacionais entre as cativas e suas comadres, o que poderia gerar benefcios presentes e futuros,
no s para os inocentes como para os pais. A busca por mulheres com status social mais elevado
sugere que os possveis benefcios gerados pelo ato do batismo cristo eram avaliados pelas mes
e pais dos batizandos.31
Alm de o convite recair nas esferas de relaes sociais do pai livre e senhor, em muitos
casos dois homens serviram para apadrinhar o filho, substituindo a figura feminina. Foi o que
aconteceu com o licenciado Andr Marinho. Fregus de So Sebastio, pertencente ao termo de
Mariana, veio, em 1721, Vila do Carmo batizar o filho Antnio,32 tido com sua escrava Luzia crioula,
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 45
e convidou dois moradores da Vila para compadres: o doutor Gonalo da Silva Medelha e o tambm
licenciado Augusto da Silva Medelha. Mas a prtica de nomeao de dois padrinhos no ficou
restrita a Mariana. Em outras povoaes de Minas Gerais, essa prtica tambm acontecia em vrios
segmentos da populao. Confirmando as concluses de Donald Ramos em seu estudo sobre
padres de compadrio em Vila Rica, Marco Antnio Silveira destaca que
Para alm da dinmica de poder com a ampliao de suas alianas, de suas redes sociais
e de reciprocidade, o comportamento do pai, em especial, ao escolher dois homens como
compadres, tinha, ainda, outros motivos: os novos parentes rituais colaboravam na ocultao da
paternidade. No declarando ser pai na pia batismal, o senhor Paulo de Medeiros manteve
relacionamento por muitos anos com sua escrava, me de sua filha. Ainda que omitisse o
concubinato e sua condio de pai, seus vizinhos e conhecidos acabaram por denunciar o casal
ao padre visitador em uma devassa que percorreu o territrio da Vila do Carmo em 1722-1723. O
carpinteiro paulista Francisco de Souza denunciou que Paulo de Medeiros
tem uma escrava mulher preta com venda nas Lavras Velhas a qual parindo duas
vezes fez convite a algumas pessoas para seu jantar e de homens brancos para
padrinhos de que resultou a suspeita e escndalo de ter com ela trato ilcito e por ver
que quando vem da Passagem onde est minerando assiste com ela na casa da dita
venda.34
Este foi o caso do senhor Domingos Pinto Machado, minerador e oficial de ferrador na
Vila do Carmo, que manteve continuada relao afetiva com sua escrava Joana Mina. Desse contato
amoroso nasceu a pequena Rita que, batizada na Matriz, teve por padrinho seu prprio pai que
ainda convidou um camarada, do seu crculo de amizade e convvio, para ser o segundo padrinho
e protetor da infante. Assim, o pai de Rita chamou para apadrinh-la Joo Fernandes de Oliveira,
homem livre, branco, minerador, sem a mcula de oficial mecnico. Tornando-se padrinho,
juntamente com seu camarada o pai poderia alforriar a filha sem maiores constrangimentos. No
entanto, ao escrever a ata de batismo, o pai acabou por registr-la oficialmente como filha, pois
Domingos Pinto Machado batizara sua mulatinha filha de uma sua escrava por nome Joana [...] e
ouviu dizer [...] Domingos Pinto que era sua filha e a tomou por afilhada com o pretexto de se
liberar [alforriar] [...] e que ele testemunha assistiu.41 A demonstrao pblica de afeto evidenciava
que o senhor era pai da criana, embora mantivesse comportamento que ia da dissimulao e
ocultao da paternidade ao reconhecimento dela.
No intrincado mundo colonial, os comportamentos dos atores sociais eram medidos e
confrontados nas diversas situaes comunitrias. Suas origens, estados, condio social refletiam-
se no ambiente criado, modificado e recriado, cotidianamente. Mltiplas relaes amorosas,
mantidas pelos escravos, libertos e livres, reforavam situaes peculiares e densas que, em sua
complexidade, eram engendradas pelo desejo e pelo contato em escolhas que colocavam prova
os limites possveis de uma sociedade colonial em formao, com atores oriundos de lugares
prximos e, a grande maioria, de distantes localidades da Europa, da frica, da sia ou da prpria
Amrica.
As identidades de origem, associadas importncia dos indivduos para os grupos no
cenrio local das Minas Gerais, tambm tiveram lugar nas escolhas de padrinhos e madrinhas dos
pais escravos. Deparamo-nos com nova questo ao tratar do casal Joo Mina e Teresa Courana.
Escravos do sargento-mor Pedro Teixeira Cerqueira, morador no stio do Monsus, na outra margem
do ribeiro que corta a Vila do Carmo, Teresa e Joo eram casados perante a Igreja. E convidaram,
para padrinhos de seus trs filhos, dois escravos e, para madrinhas, uma mulher liberta e outra
escrava, como pode ser observado no organograma do final deste artigo. Ao analisar a referncia
de origem da me e descobrir a procedncia de alguns dos seus compadres, confrontamo-nos
com a fora da identidade tnica em laos que remetiam ao outro lado do Atlntico, frica
Ocidental, de onde vieram, em sua maioria, os seus parentes rituais, assim como o casal.42 No
cativeiro americano, as identidades de origem se manifestaram, recriaram-se e se adaptaram. Para
vrios indivduos africanos que vivenciaram a escravido, foram elos de solidariedade e de
resistncia em novo contexto. Alm de evidenciar relaes intra tnicas, a famlia de Teresa manteve,
ao longo do tempo, convvio e laos duradouros com indivduos do seu grupo tnico
restabelecendo assim, os mesmos vnculos com outros cativos traficados.43
Como se pde ver, um nmero significativo de atores sociais, de diferentes estatutos,
participou do ritual do batismo de crianas cativas e estabeleceu vnculos muitas vezes duradouros
com seus compadres, comadres e afilhados. Passar pelo batismo, em particular para escravas e
escravos adultos africanos que aportaram em Mariana e em outras localidades da Amrica
portuguesa, era um rito importante que os faziam entrar na comunidade. Em sua bagagem, esse
rito de passagem servia como aprendizado. Quando necessitavam batizar seus filhos, apropriavam-
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 48
se do sacramento e de seu ritual e os ressignificavam. Por outro lado, aprenderam como a sociedade
colonial portuguesa valorizava o batismo e seus desdobramentos, como nomear compadres e
protetores para seus filhos e mesmo para a me ou o casal escravo, criando novos vnculos ou
solidificando laos preexistentes. As vrias relaes afetivas tecidas pelas mulheres escravas
mostram tambm as possibilidades de escolhas dos parentes rituais no cativeiro urbano. Quando
o casal era formado pela escrava e seu senhor, vimos a participao masculina no convite aos
padrinhos e no cuidado com os filhos, mesmo que, para isso, fosse preciso transgredir antigas
determinaes da Igreja para o sacramento. A vivncia do compadrio e do apadrinhamento tinha
lugar fundamental na sociabilidade do mundo colonial, pois resultava em proteo, visitas, cuidados
nos momentos de doena e em legados pios deixados por aqueles que fizeram do compadrio
uma prtica de eleio de prepostos que garantissem ao social mais efetiva para melhorar a
qualidade de suas vidas em uma povoao em processo de formao.
O batismo, o compadrio e o apadrinhamento impem-se, portanto, como objetos de
estudo fundamentais para os que desejam entender o universo colonial e as relaes entre seus
diversos atores sociais, embora no seja tarefa fcil reconstruir esses laos estabelecidos no
nascimento de crianas, filhas de ventre escravo, nas complexas e mltiplas relaes construdas
pelos moradores da Amrica portuguesa.
NOTAS
1
Mestre em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Esse artigo apresenta alguns resultados
da dissertao de mestrado: MAIA, Moacir Rodrigo de Castro. Quem tem padrinho no morre pago: as
relaes de compadrio e apadrinhamento de escravos numa Vila Colonial (Mariana, 1715-1750). Niteri:
UFF, 2006. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2006.
2
GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo
na Bahia do sculo XVIII. In: REIS, Joo Jos (org.). Escravido e inveno da liberdade. So Paulo: Brasiliense,
1988. p. 33-59.
3
A proibio aos pais de atuarem como padrinhos foi declarada no Conclio de Munique, em 813, e no
Conclio de Metz, em 888, os termos pais e patrocinadores (padrinhos) j aparecem separados. Cf. MINTZ,
Sidney; WOLF, Eric. An analysis of ritual co-parenthood (compadrazgo), Southwestern Journal of
Anthropology, 6, 1950, p. 341-368. Cf. GUDEMAN, Stephen. Spiritual relationship and selecting a godparent,
Man, 10. 1975. p. 221-237.
4
GUDEMAN, loc. cit.
5
VENANCIO, Renato Pinto. Compadrio e liberdade: a escolha de padrinhos entre ex-escravos de Ouro
Preto colonial... 2003. Trabalho apresentado na V Jornada Setecentista, Curitiba, 2003.
6
GUDEMAN, Stephen. Spiritual relationship and selecting a godparent, Man, 10, 1975. p. 234.
7
GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo
na Bahia do sculo XVIII. In: REIS, Joo Jos (org.). Escravido e inveno da liberdade So Paulo: Brasiliense,
1988. p. 46.
8
GUDEMAN; SCHWARTZ. loc. cit.
9
SILVA apud FARIA, Sheila de Castro. Compadrio. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionrio do Brasil Colonial
(1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. p. 126-127. O compadrio, segundo Silva, sugere ainda intimidade,
familiaridade, proteo exagerada ou contrria justia, favoritismo.
10
BLUTEAU, D. Rafael de. Vocabulrio portuguez e latino. Coimbra: Colgio das Artes da Companhia de
Jesus, 1712. p. 413.
11
AYMARD, Maurice. Amizade e convivialidade. In: CHARTIER, Roger (org.). Histria da vida privada: da renascena
ao sculo das luzes. Traduo de Hildegard Feist. So Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 455-499. v. 3.
12
CUNHA, Mafalda Soares da. A casa de Bragana 1560-1640: prticas senhoriais e redes clientelares.
Lisboa: Editorial Estampa, 2000. p. 431-432.
13
Cf. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. So Paulo: EPU, 1974; HESPANHA, Antnio Manoel; XAVIER,
ngela Barreto. As redes clientelares. In: MATTOSO, Jos (org.). Histria de Portugal. Lisboa: Editorial
Estampa, 1998. p. 347. v. 4.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 50
14
LEWKOWICZ, Ida. Herana e relaes familiares: os pretos forros nas Minas Gerais do sculo XVIII. Revista
Brasileira de Histria, So Paulo, v. 9, n. 17, p. 101-114, set.88/fev.89.
15
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 166. [Reais quintos e lista dos escravos
da Vila do Carmo de 1723], fl. 1 a 14.
16
RUSSELL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005. p. 167.
17
No se pode esquecer os constrangimentos e violncias senhoriais em ter a escrava de aceitar manter
contato amoroso com seu senhor. Da mesma forma, ela poderia em outros casos ter calculado os benefcios
dessa relao. Algumas vivncias no termo de Mariana so bons exemplos dos limites e possibilidades da
relao senhor-escrava: Joo da Cunha [...] tem de suas portas adentro uma escrava por nome Rosa da qual
tem um filho [...] e em certa ocasio [...] no querendo ela tornar para sua companhia andou com ela as
pancadas. Em outra situao Joo Ribeiro Filgueira mantinha relao continuada com Apolnia escrava e
os filhos do casal os tem visto ele testemunha mais bem tratados do que se fossem a escravos e a ela tem
visto tambm bem vestida e calada. Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana (AEAM) Testemunho.
Livro de Devassas 1722-1723 (1), fl. 87-87v.
18
A ilegitimidade nesse trabalho identifica os casos em que os casais eram solteiros ou mesmo que o homem
ou a mulher fossem casados e tiveram filhos fora do casamento.
19
Cf. MOTTA, Jos Flvio. A famlia escrava na historiografia brasileira: os ltimos 25 anos. In: SAMARA, Eni de
Mesquita. Historiografia brasileira em debate: olhares, recortes e tendncias. So Paulo: Humanitas/
FFLCH/USP, 2002. p. 235-254.
20
RAMOS, Donald. Community, control and acculturation: a case study of slavery in Eighteenth Century
Brazil, The Americas, 42, p. 419-51.
21
SILVEIRA, Marco Antnio. Fama pblica: poder e costume nas Minas setecentistas. So Paulo: USP, 2000.
357 f. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de
So Paulo, So Paulo, 2000.
22
SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: NOVAIS, Fernando A. (Coord. Geral);
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). Histria da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na Amrica
portuguesa. So Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 2, p. 271.
23
Nos anos de 1716, 1722, 1731 e 1741, os filhos de mulheres livres tiveram como parentes espirituais
predominantemente homens livres e apenas em um caso, em 1716, um homem livre e um liberto serviram
de padrinhos para uma criana livre. Os filhos de mulheres forras contaram, em sua maioria, com padrinhos
livres e, em raros casos, com escravos para parentes. Vale destacar que, embora livres e forros
predominantemente no escolhessem escravos como protetores de seus afilhados, eles serviram como
padrinhos e madrinhas de crianas cativas.
24
Citado por LEWKOWICZ, Ida. Vida em famlia: caminhos da igualdade em Minas Gerais - sculo XVIII e
XIX. So Paulo: USP, 1992. 351 f. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1992. p. 225.
25
AEAM. Registro de Batismo, Livro O-3, fl. 83.
26
AEAM. Registro de Batismo, Livro O-5, fl. 25.
27
Do total de padrinhos temos que mais de 22% eram homens escravos e mais de 3,9% eram libertos.
28
SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste Paulista. In: NOVAIS, Fernando A. (Coord. Geral);
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 51
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). Histria da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na Amrica
portuguesa. So Paulo: Companhia das Letras, 1997. v. 2. p. 269-271.
29
AEAM. Registros de Batismo, Livro O-2, fl. 4v; Livro O-3, fl. 35.
30
AEAM.Registro de Batismo, Livro O-2, fl. 7.
31
No decorrer das quatro dcadas iniciais dos setecentos, a presena de comadres forras aumentou,
chegando, na dcada de 1740, a serem as preferidas. Na dcada de 1720, representaram mais de 23% (103
libertas) das comadres escolhidas; na dcada seguinte, alcanaram 26% (94 libertas), chegando, em 1740, a
45% (115 libertas). A crescente participao de libertas como madrinhas pode ser, pois, um bom ndice para
medir a presena das mulheres que alcanaram a carta de alforria na localidade estudada.
32
AEAM. Registro de Batismo, Livro O-3, fl. 20.
33
SILVEIRA, Marco Antnio. Fama pblica: poder e costume nas Minas setecentistas. So Paulo: USP, 2000.
357 f. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de
So Paulo, So Paulo, 2000. p. 148. Cf. RAMOS, Donald. Social organization: compadresco relationships and
marriage patterns. In: ______. A social history of Ouro Preto: stresses of dinamic urbanization in colonial
Brazil, 1695-1726. The University of Florida, Ph.D, 1972. p. 242-257.
34
AEAM. Testemunho, Livro de Devassas 1722-1723 (1), fl. 86.
35
AEAM. Testemunho, Livro de Devassas 1722-1723 (1), fl. 87.
36
FIGUEIREDO, Luciano. Barrocas famlias: vida familiar em Minas Gerais no sculo XVIII. So Paulo: Hucitec,
1997. p. 119. Conferir precisamente o estudo do autor sobre as relaes entre compadres em Minas Gerais
setecentista, utilizando as devassas eclesisticas (p. 119-130).
37
GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo
na Bahia do sculo XVIII. In: REIS, Joo Jos (org.). Escravido e inveno da liberdade. So Paulo: Brasiliense,
1988. p. 41.
38
KOSTER apud GUDEMAN; SCHWARTZ (1988, p. 43).
39
GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart B. Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravo
na Bahia do sculo XVIII. In: REIS, Joo Jos (org.). Escravido e inveno da liberdade. So Paulo: Brasiliense,
1988. p. 45.
40
Citado por RODRIGUES (Mons.), Flvio Carneiro. Segunda coletnea das visitas pastorais do sculo XVIII
no Bispado de Mariana. Cadernos histricos do Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana. Mariana/
MG, Editora Dom Vioso, n. 2, 2005, p. 13.
41
Arquivo Histrico da Casa Setecentista de Mariana (AHCSM). Inventrio, caixa 50, auto 1144, fl. 4v a 5.
42
Pscoa courana, escrava da preta forra Fabiana Teixeira, foi madrinha do escravo adulto Jos courano, que
pertencia ao preto forro Antnio da Costa, do stio do Itacolomi, em dezembro de 1730. AEAM. Registro de
Batismo, Livro O-4, fl. 48. O vigrio Jos Simes, alm de identificar Pscoa e Jos como couranos, ao celebrar
o batismo e fazer o assento de Jos cobu, reconheceu Teresa courana e seu parceiro de cativeiro Bernardo,
da mesma etnia, escravos do sargento-mor Pedro Teixeira, que serviram como padrinhos, em agosto de
1731. Registro de Batismo, AEAM, Livro O-4, fl. 65.
43
Sobre as relaes intertnica e intratnicas estabelecidas no batismo de escravos adultos em Mariana
conferir o estudo: MAIA, Moacir R. C. O apadrinhamento de africanos em Minas Colonial: o (re)encontro nas
Amricas (Mariana, 1715-1750), Revista Afro-sia, n. 36, p. 39-80, 2007.
ARTIGO
comisso, expresso, por exemplo, do governo colonial das Minas, quando magistrados ou agentes
qualificados eram especialmente designados, atendendo aos propsitos de racionalizao
burocrtica, para causas ou funes determinadas.8
A teoria dos ofcios conforme as fontes jurdicas (direito comum e direito romano),
apresentada por Hespanha, revelou a complexidade dos fundamentos do poder do ofcio pblico
em Portugal, mas manteve, de certa forma, o confronto e a sucesso tipolgicas no tempo que
resultaram, ainda no sculo XVII, no domnio do modelo moderno (legal-racional).9
Schwartz tambm apontou as dificuldades nas aplicaes dos modelos de administrao
weberianos, inconvenientes para a anlise do imprio portugus. O historiador investigou um
segmento da administrao colonial brasileira os desembargadores do Tribunal da Relao da
Bahia e observou que, alm das adaptaes e mudanas ao longo do tempo (que fogem
linearidade das passagens entre estgios), as formas patrimonial e burocrtica de organizao
no parecem ser mutuamente exclusivas no caso brasileiro, mas, sim, variantes que podem coexistir
dentro da mesma organizao. Contudo, a sua preocupao diz respeito ao funcionamento real
dos ofcios e s prticas da magistratura, esclarecendo que enfatiza as relaes pessoais e no
categricas dos burocratas, opondo-as s impessoais e categricas da burocracia. O historiador
ainda detm o conceito de controle patrimonial do governo, fonte ltima de autoridade, cujos
funcionrios seguiam critrios pessoais e interesses particulares, e com isso justapunham os cargos
(notadamente dos nveis mais baixos da burocracia) aos valores do patrimonialismo (apropriados
pelos titulares). Isso influa na racionalidade do governo da Coroa, limitada pelo controle patrimonial
dos ofcios pblicos.10
No Brasil, Srgio Buarque de Holanda percebeu maiores limites ao exerccio burocrtico
do ofcio pblico de matriz ibrica, advindos do patriarcalismo colonial que resguardava a ordem
privada, ou familiar, do poder. Essa no admitia modificaes reais de dentro que produzissem
mudanas nas instituies polticas. O resultado era predominarem, em toda vida social,
sentimentos prprios comunidade domstica, naturalmente particularista e antipoltica, uma
invaso do pblico pelo privado, do Estado pela famlia.11
H, de fato, consenso nessa historiografia sobre o patrimonialismo (ou, ainda, sobre o
patriarcalismo) como uma estrutura de poder que afetava negativamente a densidade do poder
pblico ou a soberania do Estado nos domnios lusos. No entanto, para Rubem Barboza Filho, a
colonizao, com a expanso ultramarina, que deve ser considerada para compreender as relaes
de ambivalncia entre o pblico e o privado no mundo ibrico. Assim,
este pblico que ameaa nascer com a formalizao do poder e da soberania das
Coroas [de Portugal e da Espanha], no entanto, se v sempre apropriado pela forma
tradicional e patrimonialista com que os ibricos viam a sua expanso territorial. A
dimenso pblica no se coloca em contradio com a natureza privatista da tradio,
incorporando-a enquanto contedo e redimensionando o seu alcance. No nega a
natureza concilarista do poder, ou da Coroa, estratgia que o rei podia assumir com
tranqilidade.12
cria fronteiras, que se forjam sob o seu controle, sem permitir que a tradio jurisdicionalista
torne as terras indisponveis para a graa ou o favor real de nobilitao. Barbosa Filho, pretendendo
uma perspectiva mais difusa das redes de poder, observa que os valores honorrios no so
somente aqueles da jurisdio conferida pela tradio dos corpos sociais, mas devem-se tambm,
e cada vez mais, vontade do soberano que promove a hidalgua e contribui para o enriquecimento
dos seus sditos.13
Pode-se apreender os enfoques historiogrficos que ressaltam a mistura de princpios
dos comportamentos dos funcionrios quando se estudam as Minas do ouro, espao de fronteira
nas primeiras dcadas do sculo XVIII que foi especialmente institudo pela Coroa portuguesa a
partir dos atos polticos e possessrios de descobrimento. Esses agentes das Minas convinham
nas prticas de governo que atendiam s novas situaes coloniais, mas conduzindo-se ainda
pelo contedo e procedimentos prescritos pela tradio dos cargos. Isso, de fato, apresenta-se
nas funes jurdicas, no perodo, entre as quais salientamos as do notariado.
ofcios deviam ser exercidos nas casas das audincias ou dos juzes. Quando se suspeitava desses
oficiais em alguma causa, a lei determinava sua substituio, designando-se para os seus lugares
os tabelies de notas ou, ainda, os escrives da cmara. Estavam encarregados de escrever todos
os autos de devassas (ou gerais) e judiciais (ou especiais) crimes ou querelas, inventrios dos
defuntos sem herdeiros e de ausentes -, que passavam pelos juzes (juiz de fora ou juiz ordinrio).
A criao dos ofcios do tabelionato nos domnios ultramarinos portugueses, era atribuio
da Coroa, embora houvesse o direito dos donatrios das terras nomearem (ou proverem) tabelies
a partir dessa criao rgia. Os candidatos, que provassem origem honrada e limpeza de sangue
(isto , que no tivessem ascendentes judeus, mouros ou negros), precisavam ainda ser examinados,
o que comumente ocorria junto Mesa do Desembargo do Pao em Lisboa, para avaliao de
suas habilidades de escrita e leitura. A escrita inadequada podia levar suspenso do oficial pelo
corregedor (ou ouvidor) da comarca. Considerava-se m escrita quando havia letra encadeada,
que dificultava a leitura e a compreenso dos documentos. O uso de abreviaturas estava vetado,
prevendo-se nas Ordenaes Filipinas (e no denominado Regimento dos Tabelies). 18
Tradicionalmente, considerava-se habilitado o tabelio cuja escrita mostrava correo ortogrfica,
uso adequado compreenso dos recursos da pontuao, e conhecimento da gramtica da lngua.
Tambm devia ter prtica com os termos e atos jurdicos.19
A carta de nomeao para o ofcio tambm era passada pelo Desembargo do Pao, depois
do titular pagar os direitos rgios. A seguir, o candidato fazia o juramento de exercer o ofcio
conforme o seu regimento de tabelio - de notas ou do judicial -, que se apresentava no Cdigo
Filipino nos ttulos dos ofcios, perante o escrivo da Chancelaria-Mor do Reino. Em casos de
impedimento de um tabelio (devido ausncia, doena, suspenso ou fuga), o corregedor ou o
ouvidor da comarca podia nomear um tabelio serventurio, o que no dispensava o serventurio
de requerer o provimento do Desembargo do Pao. Os tabelies deviam ter, no mnimo, vinte e
cinco anos, e ser casados (ou casar no prazo de um ano).20
Para comear a atuar no ofcio, o tabelio era obrigado a apresentar fiana, cuja escritura
lavrada por outro tabelio copiava-se no livro da cmara da cidade ou da vila onde houvesse de
servir. Ele tambm devia registrar, no tribunal da Relao da qual fazia parte o distrito do ofcio,
um sinal pblico ou uma espcie de assinatura, cujo desenho dificilmente se possa imitar. Se
fosse serventurio, o oficial devia guardar o seu sinal pblico na chancelaria (ou junto escrivania)
da comarca. Com residncia fixa nas vilas ou cidades, os tabelies no podiam morar distantes
(mais de duas lguas) dos lugares das audincias ou das sedes dos governos locais (ou cmaras).
No podiam ainda exercer a funo de juzes, nem advogar ou representar interesses de outras
pessoas em nenhum juzo.21
A lei impunha ao tabelio a conservao dos livros de notas durante toda a sua vida. Tais
livros deviam ser numerados e rubricados pelo juiz. Se morresse o oficial, seus herdeiros deviam
transferir as notas para o seu sucessor, que devia guard-las, durante quarenta anos (a partir da
datao das escrituras), limpas, protegidas e encadernadas.22
Os tabelies de notas escreviam os diversos contratos (as escrituras) ajustados entre as
pessoas (vendas, dvidas, arrendamentos, aluguis), os instrumentos jurdicos, os termos de
instituio de patrimnio (morgados e capelas), os testamentos, os codicilos e os inventrios post-
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 58
ofcios que se tem conferido por propriedade, por se acharem comprados; ofcios
que se arremataram por donativos, por um ou trs anos, ou contribuem com a tera
parte dos rendimentos [no exerccio da funes]; ofcios dados por propriedade em
razo de sucesso, sem serem comprados; e ofcios dados por serventia, sem pagar
donativos.26
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 59
O termo de juramento e posse do novo tabelio do Arraial do Ribeiro do Carmo ainda foi lavrado
por um escrivo da Superintendncia, Salvador Cardoso Leito, que seguiu logo os passos do
primeiro titular do tabelionato, pois passou a exercer o ofcio de tabelio nestes primeiros anos da
governana.32
Em 9 de julho de 1711, j empossado o corpo camarrio, o governador criou um segundo
ofcio do pblico judicial e notas, para servir [assim como o outro] com os juzes ordinrios para
se dar melhor expedio s partes por ser grande aquele povo e distrito, quando ainda ordenou
que se desse posse a Pedro da Rosa de Abreu.33 No entanto, esse acabou no exercendo o cargo,
pois foi Cardoso Leito quem ficou servindo nesse segundo ofcio. No livro do cartrio deste
tabelio (que fez registros at 28/08/1713), apresenta-se tambm uma variedade de situaes
sociais (mais freqentes do que no livro anterior) que foram reduzidas s formas escritas do aparato
jurdico-poltico.34 A partir da criao dos dois ofcios do tabelionato com Gutierrez e Cardoso
Leito, que cumpriu o trinio de serventurio, seguem-se outros titulares na dcada de 1710:
Joo de Madureira Pinto (1712-1714), Garcia Gomes Pilo (1714-1721), Manoel Teixeira Carvalho
de Tvora (1714-1715) e Pedro de Souza da Fonseca (1716-1719).35
Nas Minas Gerais, a ligao do tabelionato com o cargo de escrivo da cmara, nas
primeiras dcadas dos setecentos, no parecia incomum, principalmente quando no havia agentes
habilitados disponveis, devido a ausncias ou afastamentos dos oficiais. Madureira Pinto foi
escrivo da cmara e, ao mesmo tempo, tabelio em 1712 e 1713, e Cardoso Leito, que havia sido
escrivo da superintendncia e tabelio, aparece, em 1725, como escrivo comissrio da Cmara.36
Isso contribua para o trnsito dos rituais, procedimentos e valores dos funcionrios, e a
sobreposio das esferas poltico-administrativa e judicial, como era prprio do Antigo Regime.
Os agentes do tabelionato, quando atuavam como escrives nas audincias de
julgamento, trabalhavam nas residncias dos juzes (tambm dirigentes do corpo camarrio), ou,
conforme determinao da lei, nas Casas da Cmara, onde havia sala das atividades de justia.
Nos primeiros tempos da Vila do Carmo, as audincias, assim como as vereanas, ocorriam nas
casas dos juzes ordinrios. Em 1715, o senado comprou uma morada de casas cobertas de telha
[e] feitas de taipa de pilo, assobradada37 - residncia e palcio de despachos do governador Brs
Baltazar da Silveira - para servir de Casa de Cmara Audincia e Cadeia.38 Mas, os camaristas no
tomaram posse do sobrado, que ainda continuou servindo de palcio do governo (conforme
indicao da despesa de 1718).39 O estabelecimento da sede prpria, que concentraria todas as
atribuies, no foi, com efeito, resolvido; novamente houve gastos com a compra de casas da
cmara e, em 1720, com aluguel das casas em que se faziam as vereanas.40 Provavelmente at o
incio da dcada de 1740, quando foram concludas as obras de uma nova casa de cmara (para
atender a funo de um agente rgio, o juiz de fora da vila), o exerccio dos ofcios camarrios em
moradias particulares, onde viviam as autoridades, no parecia incomum.41 Isso porque o prdio
antigo que abrigava o Senado, localizado em rea de enchentes, era ainda considerado pequeno
ou inadequado para as atividades, precisando de melhorias como sala livre e clara do auditrio,
casa de segredo.42 Nessas circunstncias, no se estranhava que as audincias ou reunies
(principalmente sobre temas urgentes ou nos casos de necessidade, como danos nas construes)
acontecessem na residncia do juiz ou presidente da Cmara. Os espaos pblico e privado, com
efeito, combinavam-se.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 61
Mas o que caracterizava o tabelio, nas vilas e cidades, era o ofcio de notas, quando o
agente atendia s solicitaes para fazer as escrituras pblicas ou os traslados de contratos ou de
direitos particulares. A ampliao das funes do tabelionato e o exerccio dos ofcios deram
tonalidades de vida urbana s minas do Ribeiro do Carmo. Alm dos mais notveis aparatos da
Vila o Palcio do Governo da Capitania, a Cmara Municipal, a igreja (ou matriz) paroquial e a
superintendncia das minas -, os cartrios dos tabelies marcavam a experincia urbana (ou de
cidados) dos moradores. Em 1712, um morador, numa escritura de dvida e hipoteca de bens,
alegou ainda garantir o seu pagamento com um rancho onde morava, na rua dos Tabelies.43
Normalmente, as pessoas que buscavam os servios dos tabelies dirigiam-se s casas
dos titulares, onde eram mantidos os cartrios (conforme a frmula introdutria: [...] em pousadas
de mim tabelio ao diante nomeado apareceram presentes [...]). Nesses locais, concebidos os
termos e as condies, os interessados (ou os seus procuradores) ajustavam-se, e estes, com
testemunhas, deviam ser reconhecidos (por ver) pelos oficiais no momento de lavrar o documento.
Uma casa que pertenceu a Cardoso Leito, localizada ao lado do crrego que fica no fim desta
dita vila indo para Ribeiro abaixo, apresentava alguns melhoramentos construtivos da poca,
como cobertura de telhas, paredes externas e internas feitas de taipa de pilo.44
Somente as autoridades, pessoas de maior qualidade ou incapazes de locomoo, e
mulheres cuja honra exigia certo recolhimento poderiam ser atendidas nos prprios domcilios.
Um exemplo disso, entre diversos outros, advm de uma escritura da venda de um stio com suas
terras: [...] em pousadas de Francisco Fernandes eu tabelio ao diante nomeado fui chamado e
sendo l apareceu Francisco Fernandes e sua mulher Catarina Nunes [...].45
O exerccio desses ofcios ainda obrigou os titulares a apresentarem fiadores, visando
garantir, quando necessrio, o ressarcimento de possveis prejuzos s partes, caso houvesse
descuido nas notas ou no se conservassem os documentos cartoriais.
O tabelionato da Vila do Carmo devia render bons lucros aos seus proprietrios, ou
serventurios, que negociavam a posse dos ofcios. A transao at complicava-se. Em 1747,
Catarina Tereza da Silva, querendo manter o direito de nomear o serventurio do ofcio de tabelio
de Mariana, observou que seu marido o comprara de Manoel Pinto de Mesquita, que, por sua vez,
fora agraciado pelo rei com a serventia do ofcio por um conto e oitocentos mil ris, valor alcanado
considerando-se a durao de nove anos do exerccio do ofcio duzentos mil ris cada ano. O
pleito no Conselho Ultramarino, no entanto, no teve resultado favorvel herdeira Catarina, pois,
morrendo o marido antes que pudesse nomear algum para o ofcio, e tambm o antigo detentor
Mesquita, entendeu-se que a pretenso voltara para a viva deste.46
Nos livros dos cartrios desses primeiros tabelies, foram apreendidos (nas prticas
narrativas dos agentes) os acontecimentos do vivido, e as relaes sociais, polticas e econmicas
dos ncleos no pas das minas. Alguns desses acontecimentos de urdidura da histria da
colonizao, dentre outros, podem ser aqui destacados: o sertanista (Gonalo Lopes de Camargo),
assistente nas minas, que veio at o tabelio, em julho de 1711, para nomear os parentes e aliados
como representantes dos seus interesses na Vila de So Paulo; o vigrio que alforriou um mulatinho
com idade de cinco meses (provavelmente seu filho, que teve com Maria Barbosa, sua escrava),
deixando ainda para o menino a prpria me e dois escravos; o negro de Angola, Gaspar, que foi
libertado depois de pagar ao senhor toda a quantia que se gastou na sua compra; o morador que,
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 62
pretendendo voltar para Portugal, vendeu ao scio a metade de um stio, incluindo os bens mveis
ferramentas e trastes, e nove escravos; e, ainda, o senhor (o reputado Antnio Pereira Machado)
que, comprando capoeiras, constituiu na vila,
roa com suas casas de vivenda cobertas de telha, roda e prensa de fazer farinha, um
forno de cobre, dez enxadas, nove foices, um catre e uma mesa e mais miudezas de
casa, uma olaria de fazer telha e loua na mesma roa, uma casa coberta de palha e
senzalas junto Igreja nova e o milho que est empaiolado reservando trezentas
mos e assim mais dois [alambiques] de cobre que havia mandado vir do Rio de Janeiro
por via do [ilegvel] Matias Barbosa e todas as plantas que se acharem de man[timento]
e canaviais.47
O herege e conspirador portugus, Pedro de Rates Henequim, que viveu nas Minas Gerais
no perodo compreendido entre as dcadas de 1700 e 1710, disse, quando interrogado pela
Inquisio, que a minerao permitia o estudo dirio das sagradas escrituras. Talvez Henequim
referisse ao fato de que a extrao do ouro de aluvio (a forma comum, e lucrativa, do incio do
sculo XVIII), ocorrendo durante a estao da seca, disponibilizava muito tempo para as leituras e
interpretaes, muitas vezes perigosas. Mas, tais interpretaes no deviam encontrar terreno
frtil simplesmente com a explorao minerria, mas sim quando tal experincia era pensada nos
termos ou com os recursos da cultura escrita, que se fomentava num ambiente mais ou menos
letrado. De acordo com a pesquisa de Adriana Romeiro, o herege no foi nas Minas Gerais apenas
um explorador de ribeiros aurferos, mas, ainda no governo emboaba de Manuel Nunes Viana, ele
foi escrivo da Superintendncia das minas do Rio das Velhas entre 1709 e 1710.48 Assim, nesse
momento da sua trajetria, ele fez a ligao entre prticas e normas, maneira dos outros escrives
e tabelies, concebendo um estilo da Amrica.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 63
NOTAS
1
Doutor em Histria Econmica pela Universidade de So Paulo (USP). Professor Adjunto da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP).
2
ANASTASIA, Carla M. Junho. Vassalos rebeldes: violncia coletiva nas minas na primeira metade do sculo
XVIII. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. p. 31-32; Arquivo Pblico Mineiro (APM). Seo colonial [Sc], Secretaria
de Governo (SG). Cdice 04, f. 439-442.
3
ANASTASIA, Carla M. Junho. Vassalos rebeldes: violncia coletiva nas minas na primeira metade do sculo
XVIII. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998. p. 100-101.
4
APM,/Sc/ SG. Cdice 09, Instruo para Pedro Gomes Chaves [9 de abril de 1714], f. 20v-22.
5
APM/Sc/SG. Cice 11, [19 de julho de 1718], f. 38-39
6
MACHADO, Alcntara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte: Itatiaia, So Paulo: Ed. USP, 1980. p.
243-244
7
COELHO, Jos Joo Teixeira. Instruo para o governo da capitania de Minas Gerais 1780. Revista do
Arquivo Pblico Mineiro, Belo Horizonte, v. 8, p. 535-543, 1903.
8
ANDRADE, Francisco Eduardo de. A administrao das minas do ouro e a periferia do poder. In: PAIVA,
Eduardo Frana (org.). Brasil-Portugal: sociedades, culturas e formas de governar no mundo portugus
(sculos XVI-XVIII). So Paulo: Annablume, 2006. p. 83.
9
HESPANHA, Antnio Manuel. As vsperas do Leviathan. Instituies e poder poltico, Portugal sc. XVII.
Coimbra: Almedina, 1994. p. 501-506.
10
SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. A Suprema Corte da Bahia e seus juzes:
1609-1751. So Paulo: Perspectiva, 1979. p. XIV e XV.
11
HOLANDA, Srgio Buarque de. Razes do Brasil. 24. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1992. p. 49-50. A
passagem citada foi assinalada por FAORO, Raymundo. Srgio Buarque de Holanda: analista das instituies
brasileiras. In: CANDIDO, Antonio (org.). Srgio Buarque de Holanda e o Brasil. So Paulo: Fundao Perseu
Abramo, 1998. p. 60-62.
12
BARBOZA FILHO, Rubem. Tradio e artifcio: iberismo e barroco na formao americana. Belo Horizonte:
Ed. UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2000. p. 275.
13
BARBOZA FILHO, Rubem. Tradio e artifcio: iberismo e barroco na formao americana. Belo Horizonte:
Ed. UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2000. p. 275-276.
14
MACEDO, Deoclcio Leite de. Tabelies do Rio de Janeiro do 1 ao 4 Ofcio de notas: 1565-1822. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 13. Cf. SILVA, Francisco Carlos T. da. Os arquivos cartorrios e o trabalho
do historiador. Acervo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 6, jan.-jun. 1987. [Comentrio de Cndido Mendes] Cdigo
Filipino, ou, Ordenaes e leis do Reino de Portugal. Rio de Janeiro: Tipografia do Instituto Filomtico, 1870.
Livro 1, ttulo 78, p. 179.
15
SILVA, Francisco Carlos T. da. Os arquivos cartorrios e o trabalho do historiador. Acervo, Rio de Janeiro, v.
2, n. 1, p. 6, jan.-jun. 1987. p. 8-9.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 64
16
MACEDO, Deoclcio Leite de. Tabelies do Rio de Janeiro do 1 ao 4 Ofcio de notas: 1565-1822. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 13-14.
17
Ver, sobre os ofcios de tabelio de notas e do tabelio do judicial, Cdigo Filipino, op. cit. Livro 1, ttulos
78, 79, 80, 84. Cf. Aditamento ao Livro 1 das Ordenaes Filipinas, lei de 27 de julho de 1582, pargrafo 71.
18
TELLES, Jos Homem Correa. Manual do tabelio ou ensaio de jurisprudncia euremtica. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1850. p. 6-7.
19
Ibidem, p. 14.
20
TELLES, Jos Homem Correa. Manual do tabelio ou ensaio de jurisprudncia euremtica. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1850. Ibidem, p. 7-11.
21
Ibidem, p. 8-9.
22
Ibidem, p. 9-10.
23
TELLES, Jos Homem Correa. Manual do tabelio ou ensaio de jurisprudncia euremtica. Lisboa: Imprensa
Nacional. 1850. p. 13; HESPANHA, Antnio Manuel. As vsperas do Leviathan. Instituies e poder poltico,
Portugal sc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 174. No mesmo Manual do Tabelio explica-se o que se
entendia por instrumento, j no sculo XIX, distinguindo-o da escritura: no uso forense serve para designar
o testemunho de um ato judicial, ou extrajudicial, obrado por uma das partes, sem aceitao da outra, a que
ele diz respeito, e escrito por oficial de f pblica. Assim, dizemos instrumento de agravo, de dia de aparecer,
de posse, de protesto, de procurao bastante, de aprovao de testamento, etc. Dizemos escritura o
testemunho autntico dos contratos, ou atos extrajudicialmente feitos, outorgados pelas partes, ou pelo
tabelio em nome delas, os quais devem ser escritos no livro das Notas ibidem. p. 17-18.
24
MACEDO, Deoclcio Leite de. Tabelies do Rio de Janeiro do 1 ao 4 Ofcio de notas: 1565-1822. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 14-15. HESPANHA, Antnio Manuel. As vsperas do Leviathan. Instituies
e poder poltico, Portugal sc. XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 504, 522.
25
Ibidem, p. 511.
26
MACEDO, Deoclcio Leite de. Tabelies do Rio de Janeiro do 1 ao 4 Ofcio de notas: 1565-1822. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 16.
27
GOODY, Jack. Domesticao do pensamento selvagem. Traduo de Nuno Lus Madureira. Lisboa: Editorial
Presena, 1988. p. 26.
28
AHCSM (Arquivo Histrico da Casa Setecentista de Mariana). 1 Ofcio. Cdice 478/ auto 10660 [1709]; 2
Ofcio, Cdice 656/ auto 26080 [1710]. Agradeo a Ldia Gonalves Martins por ter feito as transcries dos
documentos dos arquivos de Mariana.
29
AHCSM, 2 Ofcio, Cdice 537/ auto 19309 [1710].
30
AHCSM. Livro de Notas 1(1711-1712)/ 1 Ofcio. Observam-se diferenas, entre os tabelies da dcada de
1710, nos desenhos de assinaturas. Garcia Gomes Pilo (1714-1718) destacava-se porque fez registro de notas
com sinal de rubrica.
31
Os guardas-mores das minas no deveriam, nos termos rigorosos da legislao, ter poderes jurisdicionais,
pois eram agentes da administrao das terras minerais, responsveis pela repartio e concesso das datas,
mas, na prtica, suas funes eram interpretadas de modo mais amplo.
32
AHCMM. Cdice 664. Proviso do tabelio do pblico judicial e notas Manoel Peres Gutierrez, f. 3v, 20v-21.
33
AHCMM. Cdice 664. Proviso do tabelio do pblico judicial e notas Pedro da Rosa de Abreu f. 19-19v.
34
AHCSM. 2o ofcio. Cdice 562/ auto 20740 [1712]; cdice 466/ auto 15057 [1713]. AHCSM. Livro de Notas
1(1711-1712)/ 1 ofcio, Livro de Notas 2 (1711-1714). Alm de Salvador Cardoso Leito, outros dois tabelies
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 65
escreveram no segundo livro de notas da Vila: Matias da Costa Pessoa (entre 10/10/1713 e 14/01/1714) e
Manoel Teixeira Carvalho de Tvora (entre 25/01/1714 e 21/05/1715).
35
AHCSM. Livro de Notas 3 (1712-1715), Livro de Notas 4 (1715-1716). Sobre o perodo de atuao de Manoel
de Tvora, ainda cf. Livro de Notas 4, f. 414-415, e sobre Pedro da Fonseca e Garcia Pilo, entre outros autos, cf.
AHCSM, 2 Ofcio, Cdice 441/ auto 13654 [ao cvel, 1716], 2 Ofcio, Cdice 225/ auto 5592 [Queixa crime,
1716]; AHCSM. Cdice 21/ auto 424 [Fragmentos de um livro de Notas (1717-1718) - Processos Avulsos], e
Livros de Notas 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14.
36
AHCSM. Livro de Notas 2 (1711-1714), f. 172v-173; AHCSM. Livro de Notas 3 (1712-1715); AHCMM. Cdice
664, f. 15.
37
AHCSM. Livro de Notas 4 (1715-1716), f. 284v-288v.
38
Apud GONALVES, Maria Tereza; SOUSA, Maria Jos Ferro de. A representao da sociedade e do poder
real atravs dos inventrios dos bens mveis e dos lanamentos de despesas da cmara de Mariana, sculo
XVIII. In: CHAVES, Cludia Maria das G. et al. Casa de vereana de Mariana: 300 anos de histria da Cmara
municipal. Ouro Preto: Ed. UFOP, 2008. p. 127.
39
AHCMM. Cdice 664, f. 76v-84v.
40
AHCMM. Cdice 664, f. 87, 102v.
41
AHCMM. Cdice 702, f. 216v-217v; cdice 679, f. f.4v-5.
42
Apud GONALVES; SOUSA, op. cit. p. 128.
43
AHCSM. Livro de Notas 2 (1711-1714), f. 18-18v.
44
AHCSM. Livro de Notas 3 (1712-1715), f. 311v.
45
AHCSM. Livro 1 (1711-1712), f. 45-46v.
46
Arquivo Histrico do Conselho Ultramarino (AHU)/ Capitania de Minas Gerais, caixa 48, documento 50,
[CD-ROM 15].
47
AHCSM. Livro de Notas 1 (1711-1712), [Procurao, 28/07/1711], Livro de Notas 1 (1711-1712), f. 88-89,
Livro de Notas 1 (1711-1712), [Escritura de alforria e liberdade, 31/05/1711], Livro de Notas 2 (1711-1714), f.
237v-238v, Livro de Notas 3 (1712-1715), f. 128v-129.
48
ROMEIRO, Adriana. Um visionrio na corte de D. Joo V: revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 184, 192-193.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 66
So Julio Bispo de Cuenca: detalhe do conjunto pictrico Barrete com os cnegos, de Manoel Rebelo de
Souza, 1760. S Catedral de Nossa Senhora da Assuno. Mariana, Minas Gerais, Brasil. Crditos da imagem:
Ivani Ferreira dos Santos.
ARTIGO
O triunfo e o vcio:
arte e conflito na criao da S Catedral de Mariana
Patrcia Ferreira dos Santos1
Introduo
O relato da entrada triunfal do primeiro bispo de Mariana deixa claro o privilgio entre os
organizadores, da escolha de representaes do poder episcopal que remetiam autoridade da
Igreja, prefigurada no seu dignitrio episcopal. A figura do sol, entre outros emblemas, simbolizava
legitimidade, utilizada tambm em sermes e poesias como antonomsia de Dom Frei Manoel da
Cruz. Esses discursos laudatrios tornavam-se antitticos, todavia, se comparados aos sucessos
do primeiro governo episcopal: o bispo no encontraria em seu novo bispado a bonana
preconizada nas homenagens. Ao contrrio, inmeras armadilhas o esperavam, tornando
insignificantes os perigos enfrentados por sua comitiva durante a travessia do serto do Piau at
as Minas.
Neste estudo, procuraremos compreender manifestaes barrocas como a Festa do ureo
Trono Episcopal, de 1748, e a pintura de 1760 das abbadas da S de Mariana, no conflituoso
contexto de fundao do Bispado de Mariana. A institucionalizao da Igreja em Minas Gerais
compreenderia um processo pautado por arte e conflito; noes coevas como triunfo e vcio
revelaram-se correntes na caracterizao dos feitos dos atores sociais envolvidos naquela empresa.
So Julio Bispo de Cuenca: detalhe do conjunto pictrico Barrete com os cnegos, de Manoel Rebelo de
Souza, 1760. S Catedral de Nossa Senhora da Assuno. Mariana, Minas Gerais, Brasil. Crditos da imagem:
Ivani Ferreira dos Santos.
doutrinal e elegante exortou ao nobre Cabido o quanto era para honra e glria de
Deus a exaltao daquela S, dando juntamente os parabns ao Senado da Cmara
que estava presente, pela alta merc, que Sua Majestade fez a esta terra, de a elevar
de Vila do Carmo Cidade Mariana
ureo Trono Episcopal, 1748
Os bispados eram escassos no Brasil quando Vila do Carmo foi elevada cidade episcopal.
O rei dom Joo V manteria sua deciso mesmo avisado das enchentes terrveis do
Ribeiro do Carmo2. Em carta de 1745 ao capito-general Gomes Freire de Andrade, decretava
que ali sediaria a diocese mineira, batizada Mariana em honra rainha, sua esposa, Maria Ana
Dustria. Sua centralidade geogrfica, altos ndices de rendimentos de capitao e o lugar de
sede da primeira capela de Minas Gerais constavam entre as razes para a distino. Pesara a
favor, ainda, a guarita fornecida ao conde de Assumar, quando da sedio de 1720 - evento que
influenciaria a fixao da sede administrativa e militar em Vila Rica3.
Sedio de Vila Rica, mansido de Vila do Carmo: a elevao de ambas rendia dbitos ao
levante. Dom Joo V prometera recompensa aos edis de Mariana pela proteo oferecida a Assumar.
Paralelamente, interesses geopolticos evidenciavam a convenincia de se criar bispados em Minas
e em So Paulo e duas prelazias em Gois e Cuiab: conquistava-se legitimao de fronteiras junto
ao papa, em contexto de negociao afim com a Espanha; lucrava-se com um curioso leilo entre
as vilas setecentistas aspirantes ao estatuto de cidade. Para provar capacidade de sediar sede
episcopal, algumas vilas ofereciam muito ouro s autoridades da Capitania. Em 1727, constatada
a vantajosa concorrncia, o rei luso agradecia efusivamente s cmaras, mas postergava sua deciso,
atribuindo a demora emisso da bula pontifical de criao do bispado. O esperado anncio viria
em 1745: Vila do Carmo era alada posio de escolhida, debaixo de protestos de vilas como So
Joo del-Rei e pareceres contrrios de dom Loureno de Almeida e de Gomes Freire de Andrade.
Dom Joo V ordenou a construo de uma nova cidade, com plano urbanstico das ruas para criar
um stio livre de inundaes, promovendo seu embelezamento e dilatao. Vila do Carmo
incorporaria o modelo coevo de ambiente urbano adequado investidura episcopal: casas
geminadas, constituindo fachadas contnuas, realando a retido das ruas e a regularidade das
praas.4
A construo da catedral seria, outrossim, tema de debates entre conselheiros, o
intendente da Real Fazenda e o Bispo. Tradicionalmente privilegiada, a igreja catedral um smbolo
episcopal. Por conter a ctedra, possua precedncia sobre as outras parquias, e sediando
paralelamente a parquia, como foi caso de Mariana, sua administrao seria dividida entre o
cabido e o proco. Quando no sediava parquia, o cabido se incumbiria da administrao da
catedral. O bispo teria o seu comando em qualquer dos casos, zelando pelos fiis e pelo clero,
como pai espiritual5. A partir de 1746, cartas de dom frei Manoel da Cruz Coroa requisitavam
listas de objetos de culto: ornamentos, livros de canto, rgo, sinos. Solicitava a planta da nova
igreja, ou a reforma da matriz, com as rendas da Fazenda Real e infra estrutura adequada ao
estabelecimento de um coro e cabido, capela-mor e sacristia. Dom Joo V, efusivamente, prometera
enviar luxuosas mitras pontifcias de ouro enriquecidas de gemas, candelabros de prata, alfaias,
vasos e utenslios sacros nas devidas cores. Mas, em 1759, o Bispo ainda reclamava alguns objetos6.
Um magistrado eclesistico daquela dignidade deveria residir, conforme o costume, em
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 69
cidades com terras emancipadas por soberanos.7 Mas os coevos receavam que Mariana casse no
ostracismo com a transferncia da sede administrativa para Vila Rica8. Impresses de viajantes se
referiam a tais preocupaes:
Alm dos debates em torno s obras e adaptaes no espao urbano, restritos ao crculo
dos ministros reais, na corte de Lisboa, esperava-se que a criao do novo bispado amalgamasse
a estrutura administrativa das Minas. O estabelecimento de uma rede paroquial, levando presena
eclesistica s freguesias, importava aos organismos fiscalizadores, quando a tarefa de controlar
politicamente o aglomerado desafiava seus agentes. Um bispo residente reforaria o sentido
metropolitano de estabilizao social, perseguindo e condenando excessos. A partir de 1748, o
fundador da diocese mineira foi convocado pela Coroa a cogitar medidas espirituais para
conteno dos abusos10.
No Reino, a partir de 1720, dom frei Gaspar da Encarnao atuaria como eminente ministro
do governo joanino, exercendo grande influncia na escolha de bispos ultramarinos. Dom frei
Gaspar dinamizaria um movimento espiritual de retorno interiorizao devocional: a jacobeia.
Os bispos alinhados a essa tendncia representaram um perfil do episcopado nomeado por dom
Joo V. Apesar de entender os prelados como peas-chave no controle das populaes das dioceses
ultramarinas, o rei no impediria que o plano religioso fosse considerado nas escolhas dos nomes.
Dom frei Gaspar apoiaria nomes de franciscanos, oratorianos e cistercienses11.
Uma vez no Ultramar, esses prelados deveriam desenvolver um trabalho de controle da
vivncia religiosa, com instrumento privilegiado nas Visitas pastorais. Malgrado, porm, seu
potencial disciplinador, as visitas no garantiriam controle completo sobre os costumes das diversas
populaes instaladas na regio. Alm da grande resistncia dos povos aos rigores da vivncia
sacramental catlica, estudos apontam significativa participao de representantes de altos estratos
sociais em atividades ilcitas como batuques e artes divinatrias e curativas12. Veremos, por
conseguinte, que os mecanismos de fiscalizao que se propunham complementaridade, com o
tempo, seriam concorrentes na administrao dos povos.
O quadro social do novo bispado revela-se, destarte, complexo. A ao pastoral e as
atividades polticas na regio mineradora eram tarefas que demandavam afirmao de autoridade
em meio hostil, sem prescindir de coero e persuaso. Autoridades coevas conheciam a eficcia
de mtodos outros, combinados ao aparato de vigilncia e punio: nas cerimnias pblicas,
lugares hierrquicos eram apregoados e reafirmados; forjavam-se iluses de convivncia pacfica13.
Ainda que as interaes cotidianas no se coadunassem com as representaes de harmonia, e
um cenrio conflituoso se insinuasse, urgia promover o chamado sossego dos povos. Importa
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 70
indagar quais arranjos se tornariam imperativos, e quais se verificariam na administrao dos povos,
inferindo-os de testemunhos histricos que incluem as manifestaes artsticas do contexto.
Dom frei Manoel da Cruz bem procurara esquivar-se da excessiva pompa preparada para
sua Entrada Triunfal. Ordens rgias, no entanto, ditavam que tudo fosse preparado com a mxima
solenidade14. No de se estranhar a exigncia de dom Joo V. Na Europa, vicejava longa tradio
festiva, que estabelecia a magnificncia como palavra-chave15. Montesquieu, Bossuet e outros
tericos polticos coevos atriburam importante funo poltica ao esplendor cerimonial: impactar
o observador, suscitar respeito e obedincia. Um estudioso alemo observara, altura de 1720,
que, entre as gentes do povo, a imagem e as impresses fsicas impactavam mais do que a prpria
linguagem, dependente que era esta ltima da razo e do intelecto16.
Decerto tais ideias influenciariam Francisco Gomes da Cruz importante organizador do
cortejo do ureo Trono Episcopal. O relato descreve rica sntese cerimonial, a combinar palavra e
cenografia. A chegada do Bispo ainda enfermo foi saudada com trs dias de luminrias na cidade;
em arquitetura luminosa eram projetadas cruz e estrela, ladeando mitra e bculo episcopal em
torno da Catedral. Dezenas de ministros rgios haviam ido receber o prelado e oficiais de
Ordenanas lhe fizeram as honras. Enquanto o bispo abstinha-se de visitas, a organizao cuidava
da elaborao do cortejo, que se abriu em 28 de novembro de 1748:
Essa dana de ndios sucedia um figurante que levava, sobre uma nuvem, uma Mitra
decorada de estrelas com a inscrio bblica Splendor ejus, ut lux erit 18. Outras passagens bblicas
se referiam ao esplendor da hierarquia celeste: Aulae esplendor e Conttulit ei splendor; Collatus
honore e Dabo tibi stellam19. Predominante entre os emblemas, o sol remetia luz, Suprema
Sabedoria, ao Princpio Divino e Doutrina a ser ensinada aos gentios da terra. Como antonomsia
do bispo, o sol, associado ao ouro, reforava a ideia de sua incorruptibilidade20.
O solene trduo em honra a Nossa Senhora da Assuno, padroeira do Bispado, seria outro
ponto alto. Na ocasio, o Dr. Jos de Andrade e Morais apresentara as justificativas teolgicas para
a transmutao do orago de Nossa Senhora da Conceio, da antiga igreja paroquial, para o de
Nossa Senhora da Assuno, tradicionalmente destinado a todas as igrejas catedrais. Seriam dois
fundamentos: cannico e teolgico. O primeiro, da bula Candor Lucis Aeternae, de 1745, na qual
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 71
Bento XIV sancionava a criao da Diocese de Mariana. O segundo, por ordem de sucesso: a
Graa, que acompanhava Maria desde a sua pura concepo, precedia a Glria Celeste da sua
Assuno aos cus. A construo se conclua com a exaltao da autoridade episcopal:
Senhores, quereis conhecer como a gerao de Maria foi pura? Pois olhai para a
gerao de Jacob. Jacob gerou doze filhos (...) e tanto os filhos como os pais parecem
coisa celeste. O pai um sol; porque assim como o Sol o maior astro, e a todos
comunica lustres, assim Jacob foi o maior Prncipe entre seus filhos e os encheu de
lustre a todos21.
saldo de mortos e feridos, seria dado como morto; fundao da Igreja em Minas, a necessidade
de justaposio organizao administrativa j instalada na Capitania levaria a impasses. Embora,
sob o Padroado, ouvidores e juzes de fora assumissem ambgua tarefa de interao e vigilncia
do clero, a Cria Episcopal buscava consolidar estrutura hierrquica prpria, com gradativo
aparelhamento da Diocese e distribuio de cargos e ofcios para efetivao da administrao
diocesana. As funes de evangelizao, administrao e justia eclesisticas se veriam, destarte,
imbricadas. Mecanismos como as visitas pastorais e as devassas se revelavam fundamentais nesse
trabalho de vigilncia. Detectadas infraes de procos ou fregueses, penas pecunirias previstas
pelas Constituies da Bahia podiam ser aplicadas em favor da fbrica da igreja, a qual no abria
mo do chamado Fisco Eclesistico38.
Com o tempo, desentendimentos que j despontavam durante a jurisdio dos bispos
fluminenses tenderiam a crescer. Cada segmento procurava persuadir o outro de sua autoridade:
o bispo, pela faculdade apostlica e cannica; os ouvidores, pelo Padroado. Malgrado o pacto de
cooperao, os atores disputariam campos de jurisdio como as irmandades, os resduos de
testamentos. Denncias Coroa se multiplicavam: o Bispo estaria obrigando pais de famlias e
solteiros que falecessem com ou sem testamento a rezar trs ofcios de defuntos. Dom frei Manoel
lembrava, em sua defesa, que moderara, em 1749, os valores dos ofcios fnebres, em ateno s
queixas ouvidas em visitas. Caetano Matoso, ouvidor de Vila Rica, reclamava que havia visitadores
conferindo os livros das Irmandades seculares, o que causava transtornos39. Em outra denncia,
o bispo estaria obrigando irmos da Irmandade de Nossa Senhora de Guadalupe, ereta h quatorze
anos, a assinar termo de sujeio jurisdio eclesistica, em troca de permisso para que
expusessem o Santssimo Sacramento. O bispo corrigira as informaes: no havia irmanda[de]
[n]em formalidade, nem tinham aqueles devotos livro de receita, e despesa, nem dava contas, e
s faziam algumas festas, quando lhes parecia s por devoo, e no por obrigao, ainda que
indevidamente se chamavam irmos, entre si sendo s na realidade devotos40.
Ironicamente, o prelado seria ru em representaes originadas do prprio clero
diocesano: os procos remunerados pela Coroa constestavam suas decises, em especial as que
tratavam de diviso de freguesias, com subsequente diminuio dos emolumentos paroquiais41.
O patrocinador da edio prncipe do ureo Trono Episcopal e locatrio da primeira residncia
episcopal, cnego Francisco Ribeiro, lideraria um partido de oposio no cabido diocesano. Esse
movimento levaria o autor do Sermo da Criao da S Catedral a tornar-se procurador do cabido
em questes judiciais contra o bispo em Lisboa42.
A essa altura, as denncias contra dom frei Manoel da Cruz pareceram atingir um pico.
Em maro de 1753, um aviso rgio o advertia duramente: por constar que o governo do bispado
era dirigido por uns clrigos seus sobrinhos. A oposio ao bispo envolvera outras frentes:
comandados pelo Dr. Juiz de fora Silvrio Teixeira, os edis das cmaras de Mariana engrossaram,
em 1755, a fila dos detratores do bispo. Coroa enviaram carta, esboando o seguinte retrato do
religioso: usurpador da jurisdio rgia, amante do dinheiro, de pouca caridade com os mais
pobres43. No ano seguinte, 1756, uma ordem rgia nomeava junta de ministros de diversos tribunais
para apurar as queixas e examinar as aes do bispo. mesma altura, ele relatava ao amigo Gabriel
Malagrida: subindo a sua real presena trs dias antes de partir a frota passada uma consulta
muito volumosa e cheia de mentiras, falsidades, e falsos testemunhos contra mim, me mandou o
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 74
dito Senhor ouvir por cima, insinuando-me os pontos, a que eu devia responder. Ao que explicava,
respondi na mesma frota com a verdade e sinceridade que costumo, vista da qual se viu uma
junta de ministros de vrios tribunais. Aprovada sua defesa, observara o bispo: Sua Majestade foi
servido mandar dizer-me que eu satisfizera plenamente todas as queixas. Queriam me macular,
mas ficou triunfante a minha verdade44. Recapitulando, porm, em 1757, os sucessos de seu
governo Sagrada Congregao do Conclio de Trento, o bispo resumia os eventos a uma tormenta
armada abatida sobre sua pessoa45.
Curiosamente, o ano de 1760 o marco de requisies de reparos para a catedral,
encaminhadas Provedoria da Fazenda: encomendava-se pintura lisa e uma pintura de santos
para ornamento das duas abbadas da S Catedral. O mesmo pintor arrematou os dois trabalhos46.
Fato curioso: ali se retrataram mrtires quase desconhecidos. Malgrado registro da participao
do cabido (sem especificao de nomes) na requisio dessa pintura, vale destacar duas coisas:
primeiro, a temtica representada coadunava-se com a pastoral de dom frei Manoel da Cruz;
segundo, que compndios legislativos seiscentistas adaptaram os decretos tridentinos arquitetura
sacra, condicionando a fabricao dos ornatos, pinturas, esculturas, mobilirio e configurao geral
do espao sagrado definitiva aprovao dos bispos. Garantia-se, dessa forma, o esplendor do
culto, mas centralizava-se na autoridade episcopal a vigilncia e o controle sobre a produo
artstica destinada ao espao sacro47.
Vista geral de uma abbada da S Catedral de Nossa Senhora da Assuno de Mariana. Pintura Barrete com
os cnegos, de Manoel Rebelo de Souza, 1760. Crditos da imagem: Ivani Ferreira dos Santos.
(sc. XII). Quatro dos santos retratados haviam sido martirizados por virtudes pregatcias: So
Torquato (sc. I), So Flix de Toledo (sc. III), So Flix de Braga (sc. III) e Santo Evncio (sc. IV).
Por fim, com biografia mais recente, encontra-se o mrtir inquisitorial So Pedro Arbus (sc. XV)54.
O contexto de produo do conjunto, como vimos, torna-o pouco inocente: alm de
inmeras contestaes ao bispo, a obra sucedia o alvio do prelado aps impasse com a Coroa,
em plena tenso aps a expulso dos jesutas. Essa situao gerara perseguio de sacerdotes e
panfletagem em seu Bispado, impedindo que algum santo eleito lembrasse a agora odiada
Sociedade denominada de Jesus, de to incorrigveis vcios55. Quase mesma altura, dom frei
Manoel da Cruz detectara que essa torpeza diversificada dos vcios estava na prpria sociedade
mineradora: os mineiros, atrados para o mal e impelidos pela cobia do ouro, eram apegados a
atitudes de ambio, vaidade, soberba, e aos perigosos prazeres da carne. E no exclua alguns
eclesisticos, tambm muito apegados a estes vcios, alm daqueles leigos interessados em incitar
agitaes facciosas na Jurisdio Eclesistica56
difcil no pensar, portanto, considerando essa dura condenao dos vcios, que a recente
desgraa da Companhia, o triste fim de Gabriel Malagrida, e o fugaz triunfo sobre seus inimigos
no influenciariam a composio do conjunto pictrico da S de Mariana. Ao que tudo indica, a
alegoria composta pelo conjunto57 apontava caminhos de salvao: espiritual, com a necessidade
de imitar Cristo; e temporal, com a tranqilidade no governo da Capitania e o reconhecimento da
autoridade episcopal. Smbolos como a cruz, exibida por dois santos, um em cada abbada,
lembravam o triunfo, ainda que pelo do martrio.
dos ofcios religiosos; a decorao da Catedral, igreja-smbolo do Bispado, por fim. Todos seriam
recursos de explicao dos tropos contra-reformistas, sem prescindir de regulamentao oficial:
obedeciam tradio, s concordatas do Reino, ao cerimonial dos bispos, aos decretos do Conclio
de Trento, s Instrues de Carlos Borromeo, s constituies sinodais. Isso os submetia aos escopos
dos poderes regulamentadores da Igreja e do Estado.
Estava o bispo, afinal, instalado em localidade central da regio mineradora. Cartas
particulares do indcios de que o religioso conhecia a necessidade de alguma negociao, com a
construo de arranjos satisfatrios com autoridades locais e da Corte, paralelamente sistemtica
afirmao de sua autoridade episcopal, ainda que as circunstncias do dualismo jurisdicional
impactassem a evangelizao e mesmo condenando as armadilhas do poder e dos vcios da
sociedade conformada na regio das Minas. Tais contradies, embates e discursos, contrapostos
imagem de submisso ao poder episcopal forjada no cortejo do ureo Trono, sugerem a viso
de dom frei Manoel da Cruz da sociedade na qual buscava intervir: cultora dos triunfos e marcada
por incorrigveis vcios.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 78
NOTAS
1
Mestre em Histria Social pela Universidade de So Paulo (USP). Agradecemos Parquia de Nossa
Senhora da Assuno de Mariana, nas pessoas do Proco Padre Paulo Barbosa e Sandra Carla Gomes,
Secretria Paroquial, pela autorizao das fotografias das abbadas da S Catedral de Mariana,
fundamentais na composio deste estudo. Ao prof. dr. Carlos de A. P. Bacellar, agradecemos a
leitura e sugestes, e Capes pelo apoio a esta pesquisa.
2
Arquivo Histrico Ultramarino de Lisboa (AHU/MG). Caixa 47, doc. 41. [Carta de Jos Antnio de
Oliveira Machado, ouvidor de Vila Rica, para dom Joo V, dando conta da incapacidade da Cmara
em evitar os danos que poderiam causar a enchente do ribeiro do Carmo na cidade de Mariana],Vila
Rica, 06/09/1746.
3
FONSECA, Cludia Damasceno. Des terres aux villes de lOr : Pouvoir e territoirs urbains Minas
G e ra i s a u x X V I I I e s i c l e. Par is: Ce nt r e Culturel C alouste Gulbenk ian, 2003. p. 334-336.
4
VASCONCELOS, Diogo de. Histria do Bispado de Mariana. Belo Horizonte: Edies Apollo, 1935.
(Biblioteca Mineira de Cultura), p. 24ss. FONSECA, Cludia Damasceno. Des terres aux villes de
lOr : Pouvoir e territoirs urbains Minas Gerais aux XVIIIe sicle. Paris: Centre Culturel Calouste
Gulbenkian, 2003. p. 213 ; 335-340; 502-505; 508-510.
5
NAZ, R. (Dir.) Dictionnaire de Droit Canonique: contenant tous les termes Du droit canonique
avec um Sommaire de LHistoire et des institutions et letat actuel de la discipline. Paris VI: Librairie
Letouzey et An, 1950. (Boulevard Raspail, 87). Fascculo XXV, p. 227, verbetes glises e glises
Cathdrales.
6
AHU [MG]. Caixa 48, doc. 12. [Consulta do Conselho Ultramarino sobre requerimento de dom frei
Manoel da Cruz 10/02/1747]; AHU[MG]. Caixa 47, doc. 88. [Petio de dom frei Manoel da Cruz 25/
12/1746]. [Copiador de algumas cartas Particulares do Excelentssimo e Reverendssimo Sr. Dom
Frei Manoel da Cruz]. Transcrio, reviso e notas de Aldo Luiz Leoni. Ouro Preto: UFOP, 2003, fl.
205. RODRIGUES (Mons), Flvio Carneiro (Org.). Os relatrios decenais dos bispos de Mariana
enviados Santa S ( Visitas Ad Limina ). Cadernos histricos do arquivo eclesistico da
arquidiocese de Mariana. Mariana: Editora Dom Vioso, 2005, v.3, pargrafo 1, p. 80.
7
KANTOR, Iris. Pacto festivo em Minas Colonial: a Entrada triunfal de dom frei Manoel da Cruz.
So Paulo: USP, 1999. 165 f. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1999.
8
SANTOS, Waldemar de Moura. Lendas marianenses. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1963. p.
59-66.
9
VON SPIX, J. B; VON MARTIUS, C. F. Viagem pelo Brasil (1817-1862). Traduo de L. F. Lahmeyer;
Reviso de B. F. R. Galvo e B. Magalhes. So Paulo: Melhoramentos, 1968. v. 4, p. 217.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 79
10
AHU[MG/Lisboa]. Caixa 62. Doc. 91. [Cpia de carta encaminhada a dom frei Manoel da Cruz,
bispo de Mariana, fazendo meno s medidas espirituais que podem ser tomadas contra os
descaminhos do ouro. 25/05/1753].
11
A jacobeia procurava, em sentido lato, estender a outros claustros e vida religiosa em geral, as
preocupaes da reforma iniciada pelos agostinhos: afervoramento da piedade e disciplina - com
exame de conscincia e orao mental diria, bem como freqncia regular aos sacramentos. Estes
seriam temas comuns s pastorais dos prelados alinhados jacobia. PAIVA, Jos Pedro. Os bispos
de Portugal e do Imprio . Coimbra: Imprensa Universitria, 2006. p.169-172; 507.
12
RAMOS, Donald. A voz popular e a cultura popular no Brasil do sculo XVIII. In: SILVA, Maria
Beatriz Nizza da. Cultura portuguesa na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995. p. 144-146.
13
Conforme Affonso vila, a metaforizao de um discurso de poder. VILA, Affonso. O ldico e
as projees do mundo barroco. 3. Ed. So Paulo: Perspectiva, 1994. v. 1, p. 140-141. (Debates,
35). SOUZA, Laura de Mello. Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no sculo XVIII. Rio de
Janeiro: Graal, 1982. p. 23.
14
ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos seiscentistas em Minas: textos do sculo
do Ouro e as projees do Mundo Barroco. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2,
p. 380-381.
15
KANTOR, Iris. Pacto festivo em Minas Colonial: a Entrada Triunfal de Dom Frei Manoel da Cruz.
So Paulo: USP, 1999. 165 f. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 1999. p. 69-70; 76.
16
BURKE, Peter. A fabricao do rei: a construo da imagem pblica de Lus XIV. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994. p. 21-22.
17
ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos seiscentistas em Minas: textos do sculo
do ouro e as projees do mundo barroco. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2,
p. 469-470.
18
Ser como luz o seu esplendor. ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos seiscentistas
em Minas: textos do sculo do ouro e as projees do mundo barroco. Belo Horizonte: Centro de
Estudos Mineiros, 1967. v. 2, p.454; 628.
19
Aulae Splendor (esplendor da corte); C onttulit ei splendor (Conferiu-lhe esplendor); Collatus
honore (Colado com honra) e Dabo tibi stellam (Dar-te-ei uma estrela). ureo Trono Episcopal. In:
VILA, Affonso. Resduos seiscentistas em Minas: textos do sculo do ouro e as projees do
mundo barroco. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2, p. 454; 620 ss.
20
RIPA, Cesare. Iconologia. Edizione pratica a cura di Piero Buscaroli da edizione di 1618. Prefazione
di Mario Praz. Milano: Tea, 1992. p. 53, verbete Chiarezza; p. 109, Dottrina; p. 165, Gloria; p.122,
Eternit; p. 463,Verit. Ver tambm: JORDO, Paulo Vicente da Veiga. Corpo Santo: Alegorias do
corpo mstico no Barroco Mineiro. Ouro Preto: UFOP, 1996. 97 f. Monografia (Especializao Lato
Sensu em Cultura e Arte Barroca) Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, Universidade Federal de
Ouro Preto, Ouro Preto, 1996. BURKE, Peter. A fabricao do rei: a construo da imagem pblica
de Lus XIV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. passim .
21
Sermo da Creao. ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos Seiscentistas em
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 80
Minas: textos do sculo do Ouro e as projees do Mundo Barroco. Belo Horizonte: Centro de
Estudos Mineiros, 1967. v. 2, p. 537-549.
22
ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos Seiscentistas em Minas: textos do sculo
do ouro e as projees do mundo barroco. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2,
p. 478.
23
Corpo doloroso e Corpo glorioso. JORDO, Paulo Vicente da Veiga. Corpo santo: Alegorias do
corpo mstico no barroco mineiro. Ouro Preto: UFOP, 1996. 97 f. Monografia (Especializao Lato
Sensu em Cultura e Arte Barroca) Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, Universidade Federal de
Ouro Preto, Ouro Preto, 1996. p. 18; 22-34.
24
O Cortejo ressaltava, ainda: Tenuiste manum dexteram mean et in voluntate tua deduxisti me
(Seguraste minha destra e me conduziste a tua vontade); Reficiam vos (Eu vos reconfortarei);
Firmabitur, et non flectetur (firmar-se- e no dobrar). ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso.
Resduos seiscentistas em Minas: textos do sculo do ouro e as projees do mundo barroco.
Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2, p. 453; 620 ss. Ver: RIPA, Cesare. Iconologia.
Edizione pratica a cura di Piero Buscaroli da edizione di 1618. Prefazione di Mario Praz. Milano: Tea,
1992. p. 42-43, verbetes: Benignit e Bont.
25
Julgas que sempre h de ter consolaes espirituais medida de tua vontade? Nem sempre as
tiveram os meus santos, passando ao contrrio por muitas penas [...] Mas eles suportaram tudo
com pacincia, mais confiados em Deus que em si, porque sabiam que no tem proporo os
sofrimentos desta vida com a futura glria (Rom 8, 18). Quereis obter logo o que tantos apenas
conseguiram s depois de copiosas lgrimas e grandes trabalhos?. KEMPIS, Toms de. Imitao
de Cristo . Traduo de Pietro Nasseti. So Paulo: Martin Claret, 2003. p. 106, obra do sculo XV;
LOYOLA, S. Igncio de. Exerccios Espirituais. Traduo de Joaquim F. Pereira. So Paulo: Ed. Loyola,
1990. Dom frei Manoel saa para pregar acompanhado de jesutas, e os Exerccios espirituais de
Santo Incio eram utilizados na preparao de candidatos ao ofcio de sacerdotes em Mariana.
RODRIGUES (Mons), Flvio Carneiro (Org.). Os relatrios decenais dos bispos de Mariana enviados
Santa S ( Visitas Ad Limina ). Cadernos histricos do arquivo eclesistico da arquidiocese de
Mariana. Mariana: Editora Dom Vioso, 2005, v.3, pargrafo 3, p. 83.
26
Mitra: insgnia pontifical utilizada pelos prelados ou mesmo o papa. a cobertura de cabea
prelatcia de cerimnia, simbolizando um capacete de defesa que deve tornar o prelado terrvel
aos adversrios da verdade. Lembra a descida do Esprito Santo descido s cabeas dos apstolos,
de quem os bispos so legtimos sucessores. Plio: espcie de colarinho de l branca bordada com
6 cruzes. Possui cerca de 5 cm de largura e apndices frente e s costas e expressa unidade com
o sucessor de Pedro. Originalmente exclusivo dos papas, seria estendido aos metropolitas e
primazes como smbolo de jurisdio delegada a eles pelo pontfice. Destinado, portanto, aos
bispos que assumem suas dioceses, o plio simboliza o poder na provncia, a comunho com a
Igreja Catlica Romana, o ministrio pastoral dos bispos e sua unio com o bispo de Roma. Bago
ou Bculo: bordo usado pelos dignatrios da Igreja Catlica, simbolizando o seu papel de pastores
do rebanho divino. Juntamente com a mitra, compe uma das principais insgnias dos bispos. Para
este estudo, consultamos diversos dicionrios; dentre os mais completos, ver: CHEVALIER, J;
GHEERBRANT, A. Dicionrio de smbolos . 13. Ed. Trad. V. da Costa e Silva et alii. Coordenao de C.
Sussekind. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1999.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 81
27
Era correntemente aceito que representar era, ao tomar o lugar de algum, torn-lo presente.
Representao termo que remete cenarizao presente em rituais e cortejos barrocos. BURKE
BURKE, Peter. A fabricao do rei: a construo da imagem pblica de Lus XIV. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994. p. 21-21.
28
Tradicionalmente, a Saudao dos bispos aos fiis, em suas cartas pastorais, citariam este
qualificativo: Dom Frei Manoel da Cruz, da Ordem do Melfluo Doutor So Bernardo, por merc de
Deus e da Santa S Apostlica, primeiro Bispo deste novo Bispado de Mariana e do Conselho de
Sua Majestade Fidelssima, que Deus guarde, vos sada. AEAM, Prateleira W, Cdice 41, fls. 7v-9, c.
1750. Para um estudo da representao do corpo mstico do Estado e da Igreja na iconografia
barroca, ver: JORDO, Paulo Vicente da Veiga. Corpo santo: Alegorias do corpo mstico no barroco
mineiro. Ouro Preto: UFOP, 1996. 97 f. Monografia (Especializao Lato Sensu em Cultura e Arte
Barroca) Instituto de Filosofia, Artes e Cultura, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto,
1996. 95 p. Para uma anlise das relaes entre dignitrios da Coroa portuguesa e de Roma nas
diferentes cerimnias pblicas, ver: KANTOR, Iris. Pacto festivo em Minas Colonial: a entrada
triunfal de dom frei Manoel da Cruz . So Paulo: USP, 1999. 165 f. Dissertao (Mestrado em Histria
Social) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo,
1999.
29
A festa cria um espao de neutralizao dos conflitos e diferenas, podendo funcionar como
mecanismo de reforo, inverso ou de neutralizao. DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros
e outros heris. Rio de Janeiro: 1979. Apud. SOUZA, L. M. Desclassificados do ouro: a pobreza
mineira no sculo XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982. p. 23
30
ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos seiscentistas em Minas: textos do sculo
do ouro e as projees do mundo barroco. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2,
p. 383ss.
31
Ibidem , p. 383ss.
32
CAMPOS, Adalgisa A. A mentalidade religiosa do setecentos: o Curral Del Rey e as visitas religiosas.
Vria histria. Belo Horizonte, n.1, p.11-17, 1985.
33
PERELMAN, C. O imprio retrico: retrica e argumentao. Porto: Edies ASA, 1993 op. cit, p.
37-38; MOSCA, L. do L. S. Poesia e argumentao: procedimentos persuasivos em Gil Vicente. Revista
do Centro de Estudos Portugueses, So Paulo, n. 3, p.107, 2000. TIN, Emerson. (Org.) A arte de
escrever cartas: Annimo de Bolonha, Erasmo de Rotterdam, Justo Lpsio. Campinas: Editora da
Unicamp, 2005. p. 122-128.
34
A carta pastoral intitulada Pastoral pela qual se patenteia Graas e Indulgncias que Sua
Santidade foi servido conceder constitui belo exemplo dessa temtica. Arquivo Eclesistico da
Arquidiocese de Mariana (AEAM). Prateleira W, Cdice 41, fls. 7v-9, [c. 1750].
35
TORRES-LONDOO, Fernando. (Org.) Parquia e comunidade no Brasil: Perspectiva histrica.
So Paulo: Paulus, 1997.
36
A Igreja at toleraria, em certa medida, as infraes - desde que no fossem escandalosas. TORRES-
LONDOO, Fernando. A outra famlia: concubinato, Igreja e escndalo na colnia. So Paulo:
Histria Social/USP/ Loyola, 1999. p.116; mas empreenderia, sob dom frei Manoel da Cruz, forte
campanha contra os batuques, com pesadas multas aos envolvidos. RAMOS, Donald. A voz popular
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 82
e a cultura popular no Brasil do sculo XVIII. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura portuguesa
na Terra de Santa Cruz. Lisboa: Estampa, 1995. p. 144-146.
p. 138-155.
37
Faetonte revoltara-se quando se duvidara que fosse filho de Apolo: exigira do pai autorizao
para conduzir o chamejante carro do Sol, que abastecia de luz a toda a terra. A morte catastrfica
e desastres naturais foram resultados dessa ousadia. GNEST, mile; FRON, Jos. DERMURGER,
Marguerite. As mais belas histrias da mitologia. Trad. So Paulo: Martins Fontes, 2000.
38
Fbrica da S de Mariana 1758. AEAM. Seo de Governos Episcopais - D. frei Manoel da Cruz.
Armrio 1, Gaveta 1, Pasta 28. Patrimnio Mariana. Aos 17 de dezembro de 1748, o bispo dom
frei Manoel daria provimento a vrios cargos eclesisticos nomeando o arcipreste da catedral, Dr.
Jos de Andrade Moraes, provisor e juiz das Justificaes; o arcediago, Dr. Geraldo Jos de
Abranches, vigrio-geral, juiz dos Casamentos e Resduos; o reverendo cnego doutoral, Joo
Martins Cabrita, procurador da Mitra e examinador sinodal; o cnego penitencirio Simo Caetano
de Moraes Barreto, examinador sinodal; cnego mestre em Artes Vicente Gonalves Jorge de
Almeida, escrivo da Cmara. O bispo proveria ainda, os cargos de escrivo para o Auditrio do
Geral e Resduos e um meirinho-geral. ureo Trono Episcopal. In: VILA, Affonso. Resduos
seiscentistas em Minas: textos do sculo do ouro e as projees do mundo barroco. Belo Horizonte:
Centro de Estudos Mineiros, 1967. v. 2, p. 428-429.
39
AHU. Caixa 55, doc. 33. [Carta de Caetano da Costa Matoso, Ouvidor de Vila Rica, para D. Joo V,
dando conta das visitas efetuadas por um visitador que conferia os livros das Irmandades, mesmo
as seculares, o que era contrrio ordem estabelecida e causava transtornos 23/03/1750].
40
Copiador de algumas cartas particulares do excelentssimo e reverendssimo Sr. dom frei Manoel
da Cruz. (1739-1762). Transcrio, reviso e notas de Aldo Luiz Leoni. Ouro Preto: Universidade
Federal de Ouro Preto, 2003, fl.131 .
41
SANTOS, Patrcia Ferreira dos. Procos: colados e contestadores. In: Poder e palavra: discursos,
contendas e direito de padroado em Mariana. So Paulo: USP, 2007. 305 f. Dissertao (Mestrado
em Histria Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo,
So Paulo, 2007.
42
Dom frei Manoel prevenira, na Corte, a dom frei Gaspar da Encarnao a respeito das intenes
do Arcipreste: Tambm vai o arcipreste desta Catedral, como procurador do Cabido a requerer
acres[centam]ento das suas cngruas com o exemplo do Cabido do Rio de Janeiro; e me [parece]
justo o seu requerimento, respeitando a grande carest[ia] [des]ta terra; consta-me, porm, que vai
com outras idias, que julgo impratic[veis] e em manifesto prejuzo das igrejas deste bispado.
Copiador de algumas cartas particulares do excelentssimo e reverendssimo Sr. dom frei Manoel
da Cruz. (1739-1762). Transcrio, reviso e notas de Aldo Luiz Leoni. Ouro Preto: Universidade
Federal de Ouro Preto, 2003 fl 119-119v; TRINDADE, R. (Cn.) Arquidiocese de Mariana: subsdios
para sua Histria. Belo Horizonte: Escolas profissionais do Lyceu do Sagrado Corao de Jesus, 1.
ed, 1928; 2.ed. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1953.
43
AHU[MG]. Caixa 67, doc. 75. [Representao da Cmara de Mariana a Dom Jos I, expondo os
vexames praticados pelo bispo dom Manoel da Cruz. 07/05/1755].
44
Copiador de algumas cartas particulares do excelentssimo e reverendssimo Sr. dom Frei Manoel
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 83
da Cruz. (1739-1762). Transcrio, reviso e notas de Aldo Luiz Leoni. Ouro Preto: Universidade
Federal de Ouro Preto, 2003. Fl.182-192v. Grifo nosso.
45
RODRIGUES (Mons), Flvio Carneiro (Org.). Os relatrios decenais dos bispos de Mariana enviados
Santa S ( Visitas Ad Limina ). Cadernos histricos do arquivo eclesistico da arquidiocese de
Mariana. Mariana: Editora Dom Vioso, 2005. v.3, pargrafo 6, p. 85.
46
Em 1760, Manoel Rebelo de Souza arrematou a pintura do teto da Catedral de Mariana. Recebeu,
nesse mesmo ano, 1:950$000 da pintura e mais 260$000 para a tarjeta da nave e os barretes com
os cnegos, conforme Arquivo Pblico Mineiro (APM), livro nmero 57, fls. 121v, Termos de
arremataes, Seo Colonial, D. F.; Cdice 75, fls. 121v e 122v. VASCONCELOS, Salomo de. Mariana
e seus templos: dos Institutos Histricos de Minas Gerais, Ouro Preto e Bahia. Belo Horizonte:
Grfica Queiroz Breyner, 1938. p. 49.
47
Captulo XVII: De las sacras imgenes o pinturas. In: BORROMEO, Carlos. Instrucciones de la
fabrica y del ajuar eclesisticos . 1. ed. Introduccin, traduccin y notas de Bulmaro Reyes Coria.
Mxico: Imprenta Universitaria da Universidad Nacional Autnoma de Mxico, 1985. p. XXII.
Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia. Feitas e ordenadas pelo Ilustrssimo e
Reverendssimo D. S. Monteiro da Vide. So Paulo: Tipografia 2 de dezembro, 1853. Livro I, Tt. VIII:
Do Culto devido s santas relquias e sagradas imagens, Pargrafo 27. Livro IV, Ttulo XX-XXI.
48
JAFF, Aniela. O simbolismo nas artes plsticas. In: JUNG, C. O homem e seus smbolos. 2. Ed.
Traduo de M. L. Pinho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964. p. 230ss. SILVA, urea P. Notas sobre
a influncia da gravura flamenga na pintura colonial do Rio de Janeiro. Revista Barroco, Belo
Horizonte, n. 10, p.53, 1979.
49
BORROMEO, Carlos. Instrucciones de la fabrica y del ajuar eclesisticos. 1.ed. Introduccin,
traduccin y notas de Bulmaro Reyes Coria. Mxico: Imprenta Universitaria da Universidad Nacional
Autnoma de Mxico, 1985. p. XVII. Ver tambm: BURKE, Peter. A fabricao do rei : a construo da
imagem de Luz XIV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, p. 21-22; GIRAUDY, D. Bouilhet, H. O museu
e a vida. Belo Horizonte: SEGRAC, SPHAN/PR-MEMORIA, p. 23ss.
50
Para uma anlise tcnica do trabalho do pintor Manoel Rebelo de Souza e da pintura Barrete
com os Cnegos, ver estudos de: ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. A pintura colonial em Minas
Gerais. Revista do patrimnio histrico e artstico nacional , Rio de Janeiro, n. 18, p. 11-74, 1978;
RIBEIRO, M. A pintura de perspectiva em Minas colonial. Barroco , Belo Horizonte, n. 10, 1978-1979.
51
RIPA, Cesare. Iconologia. Edizione pratica a cura di Piero Buscaroli da edizione di 1618. Prefazione
di Mario Praz. Milano: Tea, 1992. p. 53, Verbetes: p. 36, Autorit o potest; p. 522, Prelatura.
52
Donde se derivam no poucas dificuldades na pesquisa de seus dados biogrficos. Poucos destes
santos constam de hagiogrficos mais comuns, os quais descrevem dados dos santos mais
conhecidos como So Loureno. VARAZZA, Jacopo de. Legenda urea: vidas de santos . 2
reimpresso. Traduo do latim, apresentao, notas e seleo iconogrfica de Hilrio Franco Jnior.
So Paulo: Companhia das Letras, 2003; ATTWATER, Donald. Dicionrio de Santos . 2. Ed. Revista e
ampliada. Traduo de Maristela R. A. Marcondes e W. de O. Roselli. So Paulo: Art Editora, 1991.
verbete Loureno Mrtir, p. 190. Para as biografias dos santos retratados s abbadas da S de
Mariana, ver: MOTT, Luiz. Modelos de santidade para um clero devasso: a propsito do cabido de
Mariana, 1760. Revista do Departamento de Histria , Belo Horizonte, n. 9, p. 101ss, 1989.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 84
53
AEAM. Governos episcopais: dom frei Manoel da Cruz. Armrio 1, Gaveta 1, Pasta 13.
54
Cada santo teve o nome gravado ao seu balco respectivo. Em suas Instrucciones , So Carlos
Borromeu assim orientara para identificao dos bem-aventurados pouco conhecidos. BORROMEO,
Carlos. Instrucciones de la fabrica y del ajuar eclesisticos . 1 ed. Introduccin, traduccin y
notas de Bulmaro Reyes Coria. Mxico: Imprenta Universitaria da Universidad Nacional Autnoma
de Mxico, 1985. p. XXVI.
55
Conforme justificativa de dom Jos I, no texto da Lei da Expulso da Companhia denominada de
Jesus. In: Memrias secretssimas do Marqus de Pombal: Sebastio Jos de Carvalho e Mello.
Lisboa: Publicaes Europa Amrica, s/d. p. 124-125, grifo nosso.
56
RODRIGUES (Mons), Flvio Carneiro (Org.). Os relatrios decenais dos bispos de Mariana enviados
Santa S ( Visitas Ad Limina ). Cadernos histricos do arquivo eclesistico da arquidiocese de
Mariana. Mariana: Editora Dom Vioso, 2005, v.3, pargrafo 6, p. 84-85.
57
As alegorias visam, alm do deleite e da ao, instruo. Reunindo e processando vetores
mentais segundo regras retricas, fazem com que a imagem surja de uma sucesso de metforas
demonstrativas, com vistas totalidade do efeito final; compem enigmas barrocos a serem
decifrados. Estando o ornamento do espao da Igreja, pelo Tridentino, submetido aprovao do
Bispo diocesano, o conjunto pictrico das abbadas da S adaptam-se ao modelo da chamada
alegoria dos telogos: aquela que constitui um modo de interpretao dos telogos, um modo
de entender e decifrar. A alegoria dos telogos crist e medieval, e foi adaptada pelos padres da
Igreja, como simbolismo lingustico revelador de um simbolismo natural, desde sempre
estabelecido por Deus. HANSEN, J. A. Alegoria: construo e interpretao da metfora. So Paulo:
Hedra; Campinas: Editora da Unicamp, p. 8-12, 2006.
ARTIGO
cristos velhos de sangue limpo, sem a raa de Mouro, Judeu, ou gente novamente
convertida a nossa santa F, e sem fama em contrrio; que no tenham incorrido em
alguma infmia pblica de feito ou de direito, nem forem presos, ou penitenciados
pela Inquisio, nem sejam descendentes de pessoas, que tiverem algum dos defeitos
sobreditos, sero de boa vida e costumes, capazes de se lhe encarregar qualquer
negcio de importncia e de segredo; e as mesmas qualidades concorrero na pessoa,
que o Ordinrio nomear para assistir em seu nome ao despacho dos processos das
pessoas de sua jurisdio. Os oficiais leigos, convm a saber, Meirinho, Alcaide, e todos
os mais sabero ler e escrever; e, se forem casados, tero a mesma limpeza suas
mulheres e os filhos que por qualquer via tiverem.3
De todos os requisitos exigidos para que algum se tornasse familiar, aquele que dizia
que os candidatos deveriam ser cristos velhos de sangue limpo, sem a raa de Mouro, Judeu, ou
gente novamente convertida a nossa santa F, e sem fama em contrrio era, sem dvida, o mais
importante. Quem conduzia as diligncias do processo de habilitao no Santo Ofcio dava ateno
especial limpeza de sangue do candidato.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 86
Isto posto, o nosso objetivo neste trabalho elucidar o processo atravs do qual algum
se tornava familiar do Santo Ofcio. Nosso enfoque sobre os Familiares do Termo de Mariana,
cujo nmero, com seus respectivos processos de habilitao (depositados no Instituto dos Arquivos
Nacionais/ Torre do Tombo) compe um grupo de 111 agentes, habilitados sobretudo em meados
do sculo XVIII. Descreveremos a burocracia do processo de habilitao ao Santo Ofcio,
demonstrando como os habitantes do Termo de Mariana se submeteram a ela. Quais eram os
trmites4 e como os processos poderiam variar, em termos de custos e durao, de acordo com os
requisitos exigidos para a obteno do ttulo de Familiar? Analisaremos, pelo do processo de
obteno da familiatura, o impacto que o estatuto de limpeza de sangue teve naquela regio da
Amrica portuguesa.
O nosso pressuposto o de que a populao das Minas que se habilitou como familiar
do Santo Ofcio estava em busca de distino social. Sendo assim, discutiremos como o status
oferecido pelo ttulo de familiar estava ligado aos critrios excludentes adotados pela Inquisio
no recrutamento de seus agentes, com destaque para o principal deles: a limpeza de sangue.
Santo Ofcio, para o que pretendiam ser admitidos por familiar dele.8 Alguns poucos candidatos
destacavam suas posses. Cosme Martins de Faria (cujo processo no teve desfecho), por exemplo,
afirmou que ele suplicante deseja muito servir a Deus e a este Santo Tribunal no ministrio de
familiar para aumento e exaltao da santa f e porque na pessoa do suplicante concorrem todos
os requisitos necessrios e abastado de bens por ser um mercador rico (...).9
A petio era dirigida aos deputados do Conselho Geral e aps o despacho deste, iniciava-
se o processo de habilitao. Depois de com pedido de nada consta dos trs tribunais inquisitoriais
do Reino: Coimbra, vora e Lisboa. Aps verificar o repertrio de condenados, o notrio de cada
Tribunal deveria passar uma certido da existncia ou no de culpa referente ao habilitando e aos
seus ascendentes.
O passo seguinte eram as diligncias extrajudiciais (de ascendncia e de capacidade) e
as judiciais (de ascendncia e de capacidade).Era realizada uma extrajudicial no local de nascimento
do habilitando, de seus pais e avs. A nfase era na limpeza de sangue da gerao do candidato.
Diferentemente das judiciais, o nmero das testemunhas interrogadas nas extrajudiciais variava,
no havendo um nmero pr-fixado.
Em tal interrogatrio extrajudicial sobre a ascendncia do habilitando, verificava-se se
ele era legtimo e inteiro cristo velho, sem raa alguma de nao infecta; quem eram seus pais e
avs paternos e maternos; onde foram morar; se as ditas pessoas eram naturais e moradoras donde
se dizia na petio; que ocupao tiveram ou de que viveram, tambm era investigado se o
habilitando
antes de vir de sua ptria foi casado de que se ficassem filhos ou se consta que tenha
algum ilegtimo e se ele ou algum de seus ascendentes foi preso ou penitenciado
pelo santo ofcio ou incorreu em infmia pblica ou pena vil de feito ou de Direito.10
O comissrio deveria listar o nome das testemunhas com quem se informou e os dias
que gastou na diligncia, assim como os custos despendidos.Quando os ascendentes eram
provenientes de freguesias diferentes, era feita uma diligncia em cada local. Nesses casos, o mais
comum era que a via materna fosse de uma localidade e a paterna, de outra. Na maioria dos casos
de nossa amostragem, os ascendentes vinham de freguesias prximas, geralmente de um mesmo
concelho ou comarca, sobretudo no caso dos minhotos.
Depois de verificada a genealogia, em uma segunda etapa, outra diligncia extrajudicial
era realizada, porm, agora no local de moradia do habilitando, ou onde se pudessem encontrar
pessoas que o conheciam para que se verificassem sua capacidade e reputao. Nessa etapa, a
nfase era o seu cabedal; da as perguntas sobre de que e como vivia e se tinha capacidade para
servir o Santo Ofcio. Caso o pretendente fosse casado, os mesmos passos seriam seguidos para a
habilitao de sua esposa, que deveria ter os mesmos requisitos do candidato.
Concludas as diligncias extrajudiciais e no tendo sido encontrados problemas, era
exigido um depsito em geral por meio de um procurador, para cobrir as despesas do processo,
que variavam de acordo com uma srie de fatores, como veremos a seguir. Se, no decorrer do
processo, o custo superasse o valor do depsito inicial, era necessrio que se fizesse um novo.11
Em seguida, passava-se s diligncias judiciais. Essas, assim como as extrajudiciais, se
dividiam em duas etapas. Uma visava obter informaes a respeito da gerao e limpeza de sangue
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 88
do habilitando, de seus pais e quatro avs no local de seus respectivos nascimentos. A outra etapa
no caso do conjunto de Familiares que analisamos era realizada em Minas, no Rio ou em Lisboa,
entre as pessoas que conheciam o habilitando. A nfase dessa ltima parte era colocada na
verificao da capacidade do habilitando. Como vemos, as questes buscadas em cada etapa das
judiciais eram as mesmas das de cada etapa das extrajudiciais. A diferena residia na forma de
aplicao do interrogatrio.
Na primeira etapa das judiciais diferentemente das extrajudiciais, que no pr-fixavam
um nmero de testemunhas o nmero de pessoas a serem interrogadas era sempre 12, as quais
deveriam ser pessoas crists velhas, antigas, fidedignas e mais noticiosas. Antes de responder as
perguntas, o comissrio dava-lhes o juramento dos Santos Evangelhos para dizerem verdade e
terem segredo no que forem perguntadas. O que interessava Inquisio era saber se a testemunha
conhecia o habilitando, desde quando e qual a razo de tal conhecimento. Depois, se conhecia e,
desde quando, o pai, a me, e os quatro avs; de onde eram naturais; de que viveram e qual a
razo de tal conhecimento; se o habilitando era filho legtimo dos pais e avs que havia declarado
na petio ao cargo; se o habilitando, seus pais, avs paternos e maternos
foram sempre pessoas crists velhas, limpas e de limpo sangue e gerao, sem fama
alguma de Judeu, cristo novo, mouro, mourisco, mulato, infiel, ou de alguma nao
infecta, e de gente novamente convertida Santa F Catlica, e se por inteiros e
legtimos cristos velhos so e foram todos e cada um deles por si tidos, havidos e
geralmente reputados, sem nunca do contrrio haver em tempo algum fama, ou
rumor e se o houvera que razo tinha ele testemunha para o saber.
Se o habilitando antes de sair de sua ptria foi casado, de que lhe ficassem filhos ou
se consta tenha algum ilegtimo.12
Por ltimo, interessava ao Santo Ofcio saber se tudo o que havia sido testemunhado era
pblico e notrio. No total, eram respondidas 11 questes. Quando se tratava de filhos de familiares
do Santo Ofcio ou de algum candidato que j tivesse um irmo habilitado, as questes sobre os
avs eram excludas, o que encurtava o processo em nmero de flios e custo.
O comissrio responsvel pela primeira etapa da diligncia judicial deveria pesquisar,
nos livros de batizados e casamentos, as certides de batismo do habilitando, de seus pais e avs,
assim como as de casamento destes ltimos.
Quanto segunda etapa das judiciais, quatro e cinco testemunhas eram interrogadas
por meio de seis questes cuja nfase era a capacidade do habilitando, ou seja, se
se vive limpamente e com bom trato, que cabedal ter de seu ou sido, se o negcio
de que trata tira lucros para passar com limpeza e asseio, se sabe ler e escrever e que
anos ter de idade.13
Era comum as testemunhas terem a mesma ocupao que o habilitando. Por exemplo,
no caso dos homens de negcio (o maior grupo ocupacional de contemplados pelas familiaturas
em Mariana18), grande parte dos depoentes de seus processos tambm tinha essa ocupao.
Os procedimentos que descrevemos anteriormente foram o padro adotado pela
Inquisio at 1773. A partir dessa data, quanto aos requisitos, uma mudana fundamental teve
impacto no processo de habilitao ao cargo de familiar do Santo Ofcio: a abolio da distino
entre cristos velhos e cristos-novos por Pombal.
Dos 111 processos que consultamos, 107 ocorreram antes da abolio da limpeza de
sangue. A procura pelo cargo de familiar cai vertiginosamente em todo o Imprio Colonial
portugus depois de 177319, pois o principal elemento de distino oferecido pelo ttulo de familiar
era o atestado de limpeza de sangue. A partir desta data, nos interrogatrios no se perguntava
mais sobre a limpeza de sangue, mas, em substituio, se o ru tinha cometido crime de lesa-
majestade20 ou contra a f catlica.
Passemos agora ao local de realizao das diligncias. Quanto s extrajudiciais e s judiciais
referentes aos pais e avs do habilitando, em 110 dos 111 processos consultados foram realizadas
no Reino ou nas Ilhas, j que apenas um habilitando tinha os pais e avs nascidos na Colnia.
Em relao s diligncias de capacidade, tanto as extrajudiciais como as judiciais eram
feitas em Lisboa, no Rio de Janeiro ou em Minas nesta ltima quase sempre na cabea civil ou
eclesistica da Capitania: Vila Rica ou Mariana. O comissrio era quem, na maioria das vezes, as
realizava, mas tambm encontramos vrias, em geral sob delegao dos comissrios, executadas
por vigrios da vara ou simples procos, principalmente nas freguesias mais afastadas da cidade
de Mariana e antes da criao de seu bispado.
Analisando os registros de correspondncias expedidas da Inquisio de Lisboa,
percebemos que os comissrios do Santo Ofcio andaram nas Minas muito ocupados com as
habilitaes de familiares, pois mais da metade das correspondncias enviadas para a regio
continham diligncias relacionadas familiatura, sendo 53 delas exclusivamente referentes
habilitao de familiares.21
No caso das diligncias judiciais de capacidade dos habilitandos de Minas executadas
em Lisboa, geralmente quem interrogava as testemunhas, recm-chegadas das frotas do Rio e
que conheciam o habilitando, eram os deputados ou notrios do Santo Ofcio.
de Mariana e verificar a influncia de duas variveis sobre o perodo gasto nas habilitaes. A
primeira era o fato de o postulante ter um parente habilitado o que colocava menos dvida
acerca de sua capacidade de atender s exigncias da Inquisio, agilizando assim seu processo. A
segunda, eram os rumores de crist-novice que, por sua vez, prolongavam o andamento dos
procedimentos. Essas duas variveis esto destacadas em duas colunas da tabela.
RUMOR DE
GERAL PARENTE FAMILIAR
CRIST-NOVICE
Fonte: IANTT/HSO.
Como vemos na tabela anterior, a maioria dos processos, 74, 77%, durava entre 01 e 06
anos. Essa mdia prxima da que Calainho, pesquisando um universo de 44 processos, encontrou
para o Rio de Janeiro: cerca de 6 anos23.
Os candidatos em cujos processos apareceram rumores de crist-novice tiveram de
esperar um pouco mais que a mdia geral de tempo para verem o desfecho de suas habilitaes.
Quase um tero dos processos com rumor duraram entre 9 e 12 anos, enquanto, no caso da mdia
geral, essa mesma faixa de durao representava menos de 12 %.
Comparando os que se habilitaram com rumores de crist-novice e os que no tiveram
esse problema, a diferena fica mais perceptvel na faixa de durao de 1 a 3 anos: 41,44 % dos
que no tiveram rumor duraram esse intervalo de tempo; j, no caso dos que padeciam da fama,
essa percentagem era de apenas 17, 64%.
Em relao mdia geral, o fato de ter parente habilitado no Santo Ofcio pouco
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 92
RUMOR DE CRIST-
GERAL PARENTE FAMILIAR
CUSTO NOVICE
55-60 00 0,00 00 00 00 00
60-65 00 0,00 00 00 00 00
65-70 00 0,00 00 00 00 00
70-75 01 0,90 00 00 00 00
Fonte: IANTT/HSO.
Como podemos notar, para quem j tinha um parente habilitado no Santo Ofcio, o custo
ficava mais baixo: 40 % dos habilitandos includos nessa faixa pagaram menos de 10 mil ris pelas
custas de seus processos. De 12 processos de habilitao que custaram at 10 mil ris, o candidato
tinha parentes habilitados no Santo Ofcio em 9 casos. Como j dissemos, isso ocorria porque, no
caso dos que tinham irmo ou pai habilitados, os avs no eram investigados, fato que significava
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 93
por serem muitos com os quais teve razes pesadas e contendas por defender o que
seu; como tambm o pe. Antnio Sanches da Silva e seu irmo Sebastio Sanches
pela mesma causa de trazer contendas com seu irmo Antnio Botelho de Sampaio
e por isso mal afetos do suplicante.
A parcialidade das testemunhas era uma preocupao do Santo Ofcio, tanto que um
dos itens do interrogatrio era se a testemunha tinha alguma razo de parentesco, dio ou
inimizade com os membros da gerao em questo. Portanto, independentemente de ter existido
um controle efetivo ou no da parcialidade das testemunhas, a Inquisio no ignorava os usos
que se poderia fazer de suas prticas e procedimentos nos conflitos locais.
Joo Botelho tinha razo em suas suspeitas, pois algumas das pessoas que ele citava
como inimigas realmente depuseram em seu processo, como o padre Antnio Sanches da Silva e
Manoel da Silva Vasconcelos. Assim como o habilitando, eram naturais da Ilha de So Miguel e
moradores em Passagem de Mariana.
Em 1739, nas extrajudiciais, eles informaram que Joo Botelho de Carvalho tinha sua
gerao infamada de serem cristos-novos porque alguns de seus ascendentes, que no
souberam individuar, concorreram de tempo antigo que uma procisso que se fizera com um
plio de esteiras e um nabo por modo de hstia. Uma testemunha da famlia Sanches afirmou ao
comissrio que tendo o sobredito Manoel da Silva Vasconcelos umas razes com o habilitando
presenciara a chamar lhe judeu e perso (sic).
Era um problema quando a ascendncia do habilitando tinha fama no Reino e os vizinhos
nas Minas eram seus conterrneos, pois traziam os rumores e estes que se alastravam pela regio,
sendo e eram usados como trunfos em conflitos locais para afetar a honra do inimigo, que, nesse
contexto, passava, dentre outras coisas, pelo mito do sangue puro. Trata-se aqui de uma das facetas
do complexo processo de enraizamento da Inquisio na sociedade. Depondo nos interrogatrios,
as testemunhas participavam da engrenagem institucional que sustentava o mito da limpeza de
sangue.
Apesar dos problemas descritos anteriormente, que fizeram o processo de habilitao
de Joo Botelho durar seis anos e trs meses e custar 16$549 ris, sua habilitao foi aprovada em
12 de fevereiro de 1744. As diligncias, no que toca aos rumores, receberam o seguinte parecer
dos deputados do Conselho Geral do Santo Ofcio:
antes de crer que foi malevolncia pelas contendas que teve com aquelas pessoas
como alega na petio ou seria inveja da sua muita riqueza; por todas as testemunhas
dizem que muito rico e uma que ter de cabedal meio milho. (...) e habilito para a
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 95
dita ocupao.
Este parecer deixa claras duas coisas: a primeira que a ascendncia cristnova do
habilitando foi ignorada se fosse verdadeiraa partir do argumento de que foi levantada pelos
seus inimigos e, sendo assim, o rigor do processo de habilitao do Santo Ofcio foi burlado. Outra
constatao que, se a fama fosse falsa, a Inquisio, atenta aos usos que se poderia fazer dos
mitos de limpeza de sangue, no acatou o depoimento de algumas testemunhas.
O ttulo de Familiar do Santo Ofcio devia significar muito para Joo Botelho de Carvalho,
o que explica seu empenho para obt-lo. Como o processo teve um desfecho favorvel, ele deve
ter se regozijado muito, pois passava a ter agora um atestado de pureza de sangue e a honra de
ser um agente da Inquisio.
A limpeza de sangue era algo to srio para Joo Botelho Carvalho que ele deserdaria os
legatrios que se casassem com pessoa de sangue infecto, como fica patente em seu testamento,
de 1751, quando declarou:
Depois de correr o risco de ter sua patente negadaj que em alguns casos a simples
fama, independentemente de ser falsa ou verdadeira, era motivo para o Santo Ofcio reprovar
uma habilitao, sobretudo no sculo XVII26, o ento familiar passava agora a impedir as pessoas
de sangue infecto de usufruir de seu morgadio.
Outro membro da famlia Botelho habilitado foi Incio Botelho de Sampaio, que enfrentou
os mesmos problemas do irmo no momento da sua habilitao27. Na diligncia extrajudicial de
capacidade executada pelo comissrio Jos Simes, em Mariana, no ano de 1741, novamente o
reverendo Antnio Sanches da Silva foi chamado a depor e falou sobre a ascendncia cristnova
dos Botelhos. Desta vez, ele deu mais detalhes:
que parentes colaterais do habilitando foram presos j antigamente pelo Santo Ofcio
por terem feito uma procisso ao ridculo com uma pessoa secular debaixo de um
cobertor ou coisa semelhante, que armaram plio, indo um diante, incensando com
um instrumento ridculo a semelhana do que a santa Igreja pratica.
Levantada a questo, a Inquisio quis descobrir, como era praxe, a origem da fama e
rumor que recaam sobre os Botelhos de Ponta Delgada. Pelas das diligncias judiciais feitas na
Ilha de So Miguel, verificou-se que tal fama teria surgido de uma desavena causada por heranas
entre o vigrio Lzaro da Costa Pavo e Manoel Botelho, casado com sua irm Maria Soeira.
Para vingar-se de seu cunhado, membro da famlia Botelho, o vigrio forjou o rumor por
ocasio da habilitao a ordens sacras de seu sobrinho, Jernimo de Macedo, filho do capito
Manoel Botelho e Maria Soeira, imputando ascendncia crist-nova quela famlia. Segundo o
que se verificou, tal fraude foi desdita pelo vigrio em seu testamento, o que, segundo as
testemunhas, era pblico e notrio.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 96
A fama dessa famlia era antiga, tendo seus membros movido libelos de injria contra
pessoas que os chamavam de judeus ou cristos-novos, como o caso de Jos Botelho, irmo do
pai do habilitando, que moveu libelo contra Tom Ferreira por esse o ter desonrado, chamando-o
de cristo-novo.
Tendo os dois filhos de Tom Botelho, Joo e Incio, provado suas respectivas limpezas
de sangue por meio da Carta de Familiar do Santo Ofcio, quando o terceiro filho, Antnio Botelho
de Sampaio, se candidatou familiatura, no houve mais rumor do lado dos Botelhos. Como
Antnio era casado, os rumores agora vieram do lado da ascendncia de sua esposa, Rosa Maria
de Andrade, e o problema no era de crist-novice, mas sim de mulatice.
Por via de sua av materna, a mulher do habilitando padecia da fama e rumor de mulatice.
No entanto, isso no impediu sua habilitao, j que, segundo o parecer dos deputados do Conselho
Geral, no se sabia princpio ou fundamento algum, nem se lhe descobrem sinais alguns do dito
defeito nos ascendentes desta famlia. Sendo assim, a habilitao foi aprovada e Antnio Botelho
de Sampaio se tornou familiar em 11 de setembro de 1747, e seu processo, iniciado em 1744,
levado bem menos tempo que o de seu irmo Joo Botelho, que tinha durado mais de seis anos.
Como vemos neste caso, a postura diante da fama de sangue mulato era diferente da de
sangue cristo-novo: buscavam-se os sinais exteriores do rumor, como, por exemplo, cor da pele
e tipo de cabelo.
Todos os trs irmos da famlia Botelho referidos anteriormente, tornaramse tambm
cavaleiros das Ordens Militares; Incio e Antnio se habilitaram na de Cristo e Joo na de Santiago.28
No caso dos dois primeiros, constam pedidos de ptria comum, isto , as autorizaes para realizar
os inquritos de um ou mais ascendentes, ou do candidato, fora dos locais de natalidade
tendencialmente em Lisboa 29 os quais foram atendidos. Em ambos os processos, no
encontramos o interrogatrio sobre a limpeza de sangue; teria se perdido no sismo de 1755, j
que era anterior quela data.
Esses trs familiares no foram os nicos que conseguiram se habilitar no Santo Ofcio
apesar da fama de cristos-novos. Como vimos no quadro da relao entre rumores, custos e
durao dos processos, 19 habilitaes das 111 analisadas foram aprovadas, apesar dos rumores.
Porm, diferentemente dos irmos Botelho, que tinham fama em Minas, os demais 16 habilitandos
da amostragem, suspeitos de sangue infecto, enfrentaram os rumores nas suas terras de origem
seja em Portugal, Aores ou Madeira.
Para concluir, podemos dizer que a distino e o prestgio oferecidos pelo ttulo de familiar
do Santo Ofcio estava ligada aos critrios segregacionistas adotados pela Inquisio no
recrutamento de seus agentes, sobretudo a exigncia de limpeza de sangue. Isso est diretamente
ligado ao fato de a distino entre cristos-velhos e cristos-novos ser uma das principais fraturas
da ordem social portuguesa do Antigo Regime30. Portanto, atuando na perpetuao da diviso da
sociedade entre pessoas de sangue infecto e sangue limpo, a Inquisio colocava os familiares do
lado positivo dessa fronteira social. Nas palavras de Hespanha, a limpeza de sangue reforava, no
plano simblico e ideolgico, a imagem elitista e aristocratizante da sociedade. 31 E no contexto
da sociedade escravista colonial, em que novas fraturas sociais ganham fora, nomeadamente,
senhor/ escravo, branco/ preto ou mulato, os familiares do Santo Ofcio novamente ficam do lado
dominante/positivo e consagrado pela ordem social, o que d ao ttulo ainda mais relevncia. Por
tudo isso, podemos dizer que a familiatura oferecia distino e prestgio social para os habitantes
das Minas que a obtiveram.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 97
NOTAS
1
Mestre em Histria Social pela Universidade de So Paulo (USP). Este artigo resulta de pesquisa realizada,
no Brasil, entre agosto de 2004 e julho de 2006, com o apoio da FAPESP (Fundao de Amparo Pesquisa do
Estado de So Paulo); e entre setembro de 2006 e fevereiro de 2007, com bolsa do Instituto Cultural Amlcar
Marins; em Portugal, entre fevereiro e abril de 2006, com bolsa do Instituto Cames/Ctedra Jaime Corteso
da FFLCH-USP.
2
Regimentos do Santo Ofcio (sculos XVI-XVII). Revista do IHGB, Rio de Janeiro, n. 392, p. 281-350, jan./
mar 1996. Regimentos do Santo Ofcio.
3
Regimentos do Santo Ofcio (sculos XVI-XVII). [Regimento de 1640]. Livro I, Ttulo I, 2.
4
Sobre uma anlise minuciosa da burocracia da habilitao no Santo Ofcio, com nfase na tipologia
documental e num enquadramento que situa o processo de habilitao dentro do sistema de comunicao
da Inquisio portuguesa, ver a dissertao: VAQUINHAS, Nelson Manuel Cabeadas. Da comunicao ao
sistema de informao: o Santo Ofcio e o Algarve (1700-1750). vora: UEVORA, 2008. Dissertao (Mestrado
em Histria) Universidade de vora, vora, 2008. Conferir sobretudo as pginas 19-65.
5
Instituto dos Arquivos Nacionais /Torre do Tombo (IANTT). Habilitaes do Santo Ofcio (HSO) Simo. m
09, doc. 2195.
6
No caso dos habitantes do Termo de Mariana, sempre por meio de um procurador.
7
IANTT/ HSO Bento, m 15, doc 216.
8
IANTT/HSO, Francisco, m 82, doc. 1429.
9
IANTT/Habilitaes Incompletas (HI), m 15, doc. 31. Grifo nosso.
10
IANTT/HSO
11
Em nossa dissertao de mestrado, acreditvamos que o depsito era realizado logo aps a obteno do
nada consta dos candidatos, obtido junto aos trs tribunais distritais da Inquisio, portanto, antes da
realizao das diligncias extrajudiciais. No entanto, em sua tese recentemente defendida, Nelson Vaquinhas
demonstrou que o depsito era realizado aps a concluso das diligncias extrajudiciais. Cf. RODRIGUES,
Aldair Carlos. Sociedade e Inquisio em Minas Colonial: os familiares do Santo Ofcio. So Paulo: USP,
2007. 229 f. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2007; VAQUINHAS, Nelson Manuel Cabeadas. Da comunicao
ao sistema de informao: o Santo Ofcio e o Algarve (1700-1750). vora: UEVORA, 2008. Dissertao
(Mestrado em Histria) Universidade de vora, vora, 2008. Conferir sobretudo as pginas 19-65.
12
IANTT/HSO.
13
IANTT/HSO.
14
IANTT/Conselho Geral do Santo Ofcio (CGSO), m. 12, doc. 28. Instruo que ho de guardar os Comissrios
do Sancto Officio da Inquisio nas cousas e negocios da fee e nos demais que se offerecerem.
15
IANTT/HSO. Caetano, M 4, Doc. 48.
16
Geraldo Jos de Abranches, quando era comissrio de Mariana, sempre chamava o familiar Antnio Freire
Mafra, homem de negcio, para convocar as testemunhas. Esse mesmo familiar tambm apareceu como
testemunha em diligncias extrajudiciais e judiciais.
17
IANTT/HSO. Joo. M 98, Doc. 1651.
18
Sobre o perfil sociolgico e prosopografia dos familiares de Minas, ver nossa dissertao de mestrado:
RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisio em Minas Colonial: os familiares do Santo Ofcio. So
Paulo: USP, 2007, 229 f. Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 98
ARTIGO
nas margens das culturas que as tenses se instauram, afirmou Fernand Braudel.2 A
ideia de mobilidade e trnsito s margens das culturas tambm no estranha historiografia
brasileira.3 Entretanto, a possvel consequncia dessa mobilidade, a tenso no campo da cultura,
parece algo mais operacionalizada em trabalhos recentes de Histria Cultural.4 Para essa influncia,
notvel em trabalhos recentes desenvolvidos no Brasil, a tenso no natural de categorias sociais
preestabelecidas, mas parte da prpria prtica, do canal privilegiado de trocas e resistncias. Pensar
as margens da cultura uma forma de tratar do indistinto, do hbrido, em funo daquilo que a
identidade, o prprio, reclama para si como caracterstica.
Nesse texto, apresento alguns comentrios sobre as dimenses da cultura escolar em
Mariana, entre os anos de 1750 e 1822. Problematizo-a ao analis-la como uma prtica capaz de
difundir um bem simblico para alm das margens das estruturas sociais e do mundo civilizado.
Apresento parcela dessa cultura escolar ao distinguir suas instituies, agentes, ambientes e funes
sociais, relacionando-os com uma proposta civilizadora. Esse tipo de anlise possui um carter
explanatrio e pode ressentir de um tratamento documental mais sistemtico. Ainda assim,
apoiando-me em alguns exemplos, espero fomentar alguns questionamentos quanto suposta
escassez de professores e quanto s investigaes que limitam a cultura letrada s camadas sociais
privilegiadas residentes nas vilas e cidades de Minas Gerais. A anlise das dimenses da cultura
escolar implica, decididamente, delimitar fronteiras, bem como reconhecer espaos de trocas,
como os muros transponveis da civitates.
Os muros da civitates
Civitates o termo latino que Raphael Bluteau, em seu dicionrio, empresta de Ccero
para definir cidade.5 Mais do que um ajuntamento de casas, pela definio, as cidades ou vilas
so o lugar da vida civil, dos cidados bemeducados, dos homens de bem.6 Por meio do
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 100
comportamento exemplar visvel, distingue-se uma posio social e d-se a expectativa favorvel
de uma conduta reta e disposta a fazer o bem: o ser corts. No obstante remeta vida na corte, a
razo da cortesia encontra-se no espao social, no lugar privilegiado das trocas, da visibilidade e
do cultivo das aparncias, enfim, na cidade, segundo o exemplo apresentado por Bluteau.
De fato, na cidade que a pluralidade das relaes sociais se complexificam e se
multiplicam em virtude da maior diversificao das funes sociais, das linguagens simblicas e
da ampliao das cadeias que ligam os indivduos entre si. na cidade que os principais rgos de
administrao se estabelecem, onde o monoplio do poder mais notvel e o autocontrole deve
estar mais presente.7 E o estmulo desse processo de interiorizao da ordem, como observou
Jean-Jacques Rousseau, o olhar do outro.8 Visvel, o espao pblico o palco do ordenamento,
da instruo.
Portanto, para que o olhar regulador do outro tenha efeito, necessria a interiorizao
dos valores, do bem e do mal. Isso instrudo das mais diversas formas e por diversos agentes de
transmisso: a famlia, a Igreja, a justia, a escola, a prpria vivncia no espao da cidade... Pelos
instrumentos externos e/ou arraigados da vergonha e do medo, a vida comunal busca excluir os
sentimentos e instintos animalescos, pacificar, polir, policiar, civilizar.
Do conjunto do que foi exposto distingue-se uma clara associao entre instruo e
civilizao que no estranha histria deste termo. Conforme Fernand Braudel, o termo
civilizao nasce na Frana, em meados do sculo XVIII, tendo como antpoda a barbrie e como
antecedentes o verbo civilizar e o adjetivo civilizado.9 No sculo XVIII, a civilizao trilharia o
caminho ideal e profano de progresso intelectual, tcnico, moral e social. Seria o avano das
Luzes, em ltima anlise, pois a civilizao implica a expanso de ideias, valores e interesses
de grupos colonizadores.10 Nesse processo, distingue-se a conscincia de uma identidade e a
proposta de expandir suas fronteiras geogrficas e estabelecer trocas culturais com um mundo
outro.
Braudel tambm definiria a civilizao como a base comum e impessoal de toda a
cultura particular. Se nos limitarmos aos sentidos que os conceitos de cultura e civilizao
adquiriram no sculo XVIII, notaremos, para alm de todo eurocentrismo, uma relao estreita
entre eles. Em ltima anlise, trata-se de uma implicao, pois o progresso da civilizao, como
observou Guizot, no prescinde do avano intelectual, da cultura particular.11 poca, cultura
designava tanto o cultivo da terra quanto o das artes e da cincia. Segundo dom Raphael
Bluteau, o adjetivo culto referia-se quele que era polido, estudado, falava com elegncia. 12
A definio do dicionrio escrito por Bluteau atrela, sem reduzir, o conceito de cultura a uma
esfera individual de instruo, bem como ao letramento, aos livros, escola... Sendo assim,
possvel considerar que a dilatao e a ampliao da cultura e da instruo letrada e escolar
impulsionariam a civilizao.
A relao entre instruo escolar, cultura e civilizao no se limita s definies dos
dicionrios. A funo ordenadora atribuda educao recorrente nos discursos das autoridades
do sculo XVIII e XIX. Logo aps debelada a sedio de Vila Rica, em 1721, o prprio rei de Portugal
emitiu uma carta rgia exteriorizando sua vontade de criar, nas Minas, uma escola para os filhos
esprios daquela canalha to indmita. Passados pouco menos que cinquenta anos, foi d. Jos I
a emitir o alvar que determinava que a lngua portuguesa deveria ser ensinada com correo,
pois dela dependia a cultura dos povos civilizados, a clara energia e a majestade com que devem
estabelecer as Leis, persuadir a religio [...] sendo pelo contrrio a barbrie das lnguas nacionais a
que manifesta a ignorncia das Naes. Passado outro meio sculo, um jornal de Ouro Preto
destacaria a importncia da educao, pois em toda parte, onde o povo vive submergido na
ignorncia, se observa a brutalidade, grosseria e barbaridade. 13 Nos trechos citados dos
documentos fica evidente que as autoridades e os membros da sociedade associavam a disciplina
escolar com o ordenamento e/ou civilizao da populao de Minas Gerais.
Difundir o ensino, ainda que de forma restrita e no democrtica, era projeto da Coroa.
Pombal reconheceu em suas reformas que da instruo letrada dependia o incremento das
estruturas administrativas e parte do controle social. A carta de lei de 6 de novembro de 1772
determinava que o ensino das primeiras letras deveria visar:
No somente a boa forma dos caracteres, mas tambm as regras gerais da ortografia
portuguesa e o que necessrio for da sintaxe dela, para que os seus respectivos
discpulos possam escrever correta e ordenadamente: ensinado-lhes, pelo menos, as
quatro espcies de aritmtica simples, o catecismo e as regras de civilizao.14
Dando-lhes suavemente a beber desde que neles principiar a raiar a luz da razo as
saudveis mximas do Direito Divino e do Direito Natural, que estabelecem a unio
crist e a sociedade civil e as indispensveis obrigaes do Homem cristo e do vassalo
e cidado, para cumprir com elas na presena de Deus e de seu rei e em benefcio
comum da sua ptria, aproveitando-se para esse fim dos exemplos, que forem
encontrados nos livros de seu uso[...]36
Medidas mais concretas para a reestruturao do ensino foram tomadas aps expulso
dos jesutas. No princpio da dcada de 70 do sculo XVIII, foi criado o cargo de professor rgio,
que seria financiado pelo Estado por meio de um novo imposto denominado Subsdio Literrio.
Mais ou menos nessa poca, providenciou-se um Mapa dos professores e mestres das escolas
menores e das terras em que se acham estabelecidas as suas aulas e escolas. Nele, constava a
existncia de dezessete mestres de primeiras letras na Amrica, sendo dois no Rio de Janeiro, dois
na Bahia, quatro em Pernambuco, e um em So Paulo, Par, Maranho, Mariana, Vila Rica, Sabar e
So Joo delRei. Completando esse quadro, em 1773, houve a nomeao de 167 mestres de
primeiras letras para todo o Reino.
Suspeita-se que grande parcela dos professores registrados no Mapa j exercia o ofcio
antes da reforma.41 Talvez esse seja o caso do senhor Joo Nunes Cruz, que atuou como professor
em Mariana na segunda metade do sculo XVIII. Antes de criarem o cargo de professor rgio, no
ano de 1771, Cruz apresenta-se Cmara de Mariana solicitando uma proviso para ensinar
meninos a ler, escrever e contar.42 A Cmara de Mariana obteve boa informao quanto
capacidade, utilidade pblica e bem comum do candidato, mas no foi possvel identificar nos
documentos consultados se Joo Nunes da Cruz foi agraciado com o cargo de professor rgio.43
Fato que seu nome no figuraria no quadro de professores rgios da Comarca de Ouro Preto
confeccionado em princpios do sculo XIX.
verdade que as cinco cadeiras vagas e os dez professores rgios elencados no quadro
no permitem uma perspectiva muito otimista para o ensino na Comarca que, a essa altura, contava
com cerca de setenta e dois mil habitantes.44 A ttulo de comparao, segundo registros dos
Institutos dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, somente na capital Lisboa, para o ano de
1818, havia mais de cinquenta professores rgios.45 No princpio do sculo XIX, o termo de Lisboa
comportaria cerca de cinquenta mil habitantes.46
Entre os documentos conservados no arquivo citado, foi possvel encontrar parcas
referncias aos professores rgios de Minas Gerais. Um deles foi Salvador Peregrino Aaro, professor
de retrica na Cidade de Mariana, intimado no ano de 1806 pelo ouvidor Antonio Lucas Monteiro
de Barros a ajuntar com as lies quotidianas da retrica as da Histria pelo compendio
ultimamente ordenado por Jernimo Soares Barboza, em dois tomos.47 No obstante haja registros
da presena e atuao dos professores em Minas Gerais em alguns fundos do Arquivo da Torre do
Tombo, tais referncias so relativamente escassas. Tambm no nada animadora a imagem
causada pela disperso de informaes sobre a educao em arquivos de Minas Gerais. Essas
dificuldades de pesquisa podem gerar a impresso de uma falta crnica de professores.
possvel, contudo, que o quadro seja mais positivo do que possa aparentar a anlise
centrada em determinadas sries documentais. necessrio um esforo conjunto e mais
abrangente de pesquisa acerca da histria da educao em Minas Gerais no sculo XVIII.48 A relao
apresentada, por exemplo, pode estar incompleta, pois, pelas contas apresentadas Real Fazenda
da Capitania de Minas, possvel conhecer que, no ano de 1814, a Cidade de Mariana contava
com uma cadeira de Filosofia e uma de Gramtica Portuguesa que no constam no quadro.49 Elas
estariam sem provimento de professores, teriam sido extintas nesse intervalo de quatro anos ou
no foram registradas no levantamento referente a 1818?
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 106
Quadro 1 - Relao das cadeiras dos professores rgios de Gramtica Latina e primeiras letras
existentes e vagas at o fim de 1814, Comarca de Ouro Preto.
Fonte: Dados sobre a Instruo pblica 1814. RAPM, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, ano 7,
fascculos III e IV, jul./dez., 1902. p 995.
Ademais, havia outras vias para aquisio do conhecimento letrado que no apenas a
dos professores rgios. A civilizao dos povos poderia ser operada pela escola, mas tambm por
prticas educativas no diretamente ligadas a essas instituies, mas integradas s aes de
corporaes de ofcios, associaes religiosas leigas, alm das prprias famlias.50 No interior de
Minas, a escola domstica parecia ser a alternativa mais vivel e talvez a mais tradicional. Alis,
para Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, a formao do esprito, do carter , sempre a grande
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 107
Aqui [nas proximidades da residncia do Tenente Jos da Caldeira Serra] foi o Senhor
Mestre de Campo ver lugar da capela que achou seria curral de gado; aqui se enfadou
contra a gente to brbara e endmita [sic], que abusavam de Deus [...] aqui mesmo
morava um homem por nome Valentim oficial de alfaiate, mui porco e munto [sic]
sujo, que se diz era quem encomendava os defuntos [...].58
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 108
em cada aldeia seria um privilgio incomum. Talvez a carncia de professores no fosse assim to
sria ou talvez a implementao das escolas no fosse efetiva. Essas suposies merecem um
trabalho documental abrangente o bastante para dar peso aos argumentos. Se na condio atual
das pesquisas no possvel afirmar a existncia e a atuao de escolas em todas as redues, ao
menos pode-se reconhecer que a educao, nas polticas propostas pelo Diretrio, foi um dos
instrumentos ideados pelo Estado para colocar fim ao flagelo da barbrie.68
No se sabe ao certo em que medida a instruo dos indgenas foi efetiva. Ao que tudo
indica, vrias localidades permaneceram sem a presena de procos, vigrios ou capeles. A
vacatura era explicada pelas distncias dessas reas de fronteira, pelo perigo dos caminhos e da
convivncia com os indgenas, e, principalmente, pelo fato de os padres no receberem cngruas
para a sua decente sustentao.69 Por isso, em finais do sculo XVIII, somente um padre se
apresentaria para preencher uma das vagas abertas nas igrejas de Nossa Senhora da Pena do Rio
Vermelho, de Nossa Senhora da Conquista do Cuiet, de Nossa Senhora do Piu, de Santo Antonio
do Pessanha e do Engenho.
Apesar de todos os empecilhos, alguns padres se candidatavam ou eram designados
para catequizao e instruo dos gentios. A experincia na catequizao dos indgenas poderia
render frutos, como aquisio de terras e mo de obra, ou ser invocada, em tom de caridade, para
a ascenso aos cargos maiores na hierarquia eclesistica. Em uma oposio a um canonicato vago,
o padre Janurio Jos de Lima apresentava em seu favor os doze anos que trabalharam na Freguesia
de Caet do serto dos ndios botocudos, na qual instruiu, batizou e casou os ndios, arriscando
sua vida, evidentemente, no s na passagem dos rios [...], mas ainda pela invaso daqueles
brbaros ndios.70 O mesmo alegou o padre Francisco da Silva Campos, que sacrificou seus bens
em benefcio da catequizao dos ndios rebeldes a Deus e Vossa Alteza Real, conseguindo por
isso a reduo dos ndios pataxs de Santa Cruz do Rio Casca e dos ndios coroados.71 A atuao
dos padres na difuso da f e das letras nos incultos sertes no se restringe a esses poucos
exemplos.
Na regio do rio Pomba e dorio Peixe, Bispado de Mariana, a reduo dos ndios crops e
croatos era administrada pelo capito Francisco Pires Farinho e seu irmo Manuel Pires Farinho.72
Em 1782, o padre Manuel de Jesus Maria, vigrio colado da Freguesia do mrtir So Manuel, situada
no serto dos rios Pomba e Peixe, pedia licena para o padre Pedro da Mota ensinar a ler, a escrever
e a doutrina aos ndios.73 Em 1789, foi o presbtero secular Jos Crisstomo de Mendona a solicitar
a licena para cristianizar e instruir o gentio do rio Pomba.74 Alguns deles alaram condies sociais
considerveis. O ndio Luiz Brando de Meneses Castelo Branco foi nomeado capito da Companhia
de Ordenanas de P dos Homens ndios.75 Outro tornou-se sacerdote e catequizou indgenas no
norte do Brasil. So esses alguns exemplos que parecem contrariar a ideia de gente e terra inculta.
Nas margens mveis de civilizao e cultura, brancos, rsticos e gentios promoviam trocas
e encetavam tenses. De um lado, os ndios eram instrudos, civilizados, conformados ordem,
policiados. De outro, ndios revoltosos lanavam mo da violncia ou mesmo de instrumentos
legalmente institudos para reivindicar interesses prprios. No ano de 1789, os ndios moradores
no Rio Pomba, solicitavam, encarecidamente, paz e sossego perdidos com a presena dos
europeus.76 Nas margens da cultura, as tenses se estabeleciam e (novas) identidades se forjavam.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 110
NOTAS
1
Doutor em Histria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor adjunto da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP). Este artigo resulta de pesquisa ainda em sua fase inicial, que teve o apoio do
programa de auxlio a pesquisadores estrangeiros da Fundao Calouste Gulbenkian. Foi financiada pela
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), integrando o projeto temtico Dimenses
do Imprio.
2
BRAUDEL, Fernand. Histria e Cincias Sociais. Lisboa: Editora Presena, 1972. p.210.
3
A ideia de mobilidade entre culturas central em Caminhos e fronteiras, de Srgio Buarque de Holanda e
Gilberto Freire. FREIRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 30. ed. Rio de Janeiro: Record, 1995; HOLANDA,
Srgio Buarque. Caminhos e fronteiras. 3.ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1994.
4
Tenso operacional conceito chave- em Roger Chartier. Em Michel de Certeau, a apropriao o cerne
das prticas sociais significativas e significadas, prticas culturais, portanto. CHARTIER, Roger. A histria
cultural: entre prticas e representaes. Rio de Janeiro: Bertrand, 1990. CERTEAU, Michel de. A cultura no
plural. So Paulo: Papirus, 1993.
5
BLUTEAU, Dom Raphael. Vocabulrio portuguez e Latino, ulico anatmico ... Coimbra: Coleo de
Artes da Companhia de Jesus, 1714. CD-ROM, p.309, v.2.
6
Ibidem, p.331, v.2.
7
ELIAS, Nobert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1993. p.193, 2.v.
8
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: ensaio sobre a origem das lnguas. So Paulo: Editora Cultural,
1999. p.15 e 22.
9
BRAUDEL, Fernand. Histria e Cincias Sociais. Lisboa: Editora Presena, 1972. p.159.
10
Ibidem, p.160.
11
Ibidem, p.171.
12
BLUTEAU, op. cit., v.3, p.635-637. BOSI, Alfredo. Dialtica da colonizao. 3.ed. So Paulo: Companhia das
Letras, 1992. p.17.
13
CARRATO, Jos Ferreira. Igrejas iluministas e escolas mineiras coloniais. So Paulo: Editora Nacional,
1968, p.96; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; CHAMON, Carla Simone. Educao elementar: Minas Gerais
na primeira metade do sculo XIX. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006. p.32.
14
Carta de Lei de 6 de novembro de 1772 apud. GOMES, Joaquim Ferreira. Estudos para a histria da
Universidade de Coimbra. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 1991. p.344.
15
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Cultura no Brasil colnia. Petrpolis-RJ: Vozes, 1981. p.132.
16
Alis, para Fonseca, todo o ensino de primeiras letras visava fundamentalmente, facilitar o aprendizado
da doutrina. Cf. FONSECA, Thais Nvia de Lima e. Segundo a qualidade de suas pessoas e fazenda: estratgias
educativas na sociedade mineira colonial. Vria Histria, Belo Horizonte, v.22, n.35, p.178, 2006.
17
GOUVEIA, Antnio Cames. Estratgias de interiorizao da disciplina. In: MATTOSO, Jos (org.). Histria
de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p.431.
18
Constituies primeiras do arcebispado da Bahia. (CPAB). So Paulo: Tipografia 2 de dezembro, 1853.
livro 1, titulo II, p.3.
19
CHERVEL, Andr. Histria das Disciplinas Escolares: reflexes sobre um campo de pesquisa. Teoria e
educao, Porto Alegre, n.2, 1990. CHERVEL, Andr. La Culture Scolaire: une approche historique. Paris:
Belin, 1998.
20
JULIA, Dominique. A cultura Escolar como Objeto Histrico. Revista Brasileira de Histria da Educao,
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 111
padre Nogueira. Ademais, os estatutos do seminrio reproduziam, segundo Carrato, o modelo jesutico de
outras instituies no Brasil. FIGUEIREDO, Ceclia Maria Fontes. Religio, Igreja e Religiosidade em Mariana
no sculo XVIII. In. Termo de Mariana: histria e documentao. Mariana: Imprensa Universitria da UFOP,
1998, p. 111-112; CARRATO, Jos Ferreira. Igrejas Iluministas e escolas mineiras coloniais. So Paulo: Editora
Nacional, 1968. p.102 et segs; o seminrio de Mariana em 1831. Revista do Arquivo Pblico Mineiro. Belo
Horizonte, n.1/2, p.374, jan./jun., 1904.
34
Os jesutas juntamente com o Marqus de Tvora, o Duque de Aveiro e o Conde de Atouguia , foram
responsabilizados pela agresso bala que o Rei D. Jos teria sofrido quando voltava Ajuda. Tal imputao
implicou em um amplo projeto de expulso de todos os irmos da congregao de Santo Incio que, h
muito, emperravam certas polticas pombalinas. AZEVEDO, Joo Lcio. O Marqus de Pombal e sua poca.
So Paulo: Alameda, 2004. p.185 et seq.; MAXWELL, Kenneth. Marqus de Pombal: paradoxo do Iluminismo.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p.71.
35
As refeies, por exemplo, seriam acompanhadas de prelees sobre lies edificantes e, aos sbados,
ocorreriam palestras para a formao da moral e o exerccio da oratria. CARRATO, op. cit., p.102 et seq.
36
Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (IANTT) Leis, m 5. no 24.
37
CARRATO, Jos Ferreira. Igrejas Iluministas e escolas mineiras coloniais. So Paulo: Editora Nacional,
1968. p.75.
38
Mas essa escassez merece ser relativizada. Como contraponto ao exposto por Carrato, pode-se mencionar
o trabalho de Renato Pinto Venncio que identifica, entre registros de ingressos em irmandades de brancos
e negros de Mariana, um significativo decrscimo, na segunda metade do sculo XVIII, da capacidade de
assinaturas, o que pode ser explicado pela diminuio de imigrantes portugueses para a regio. VENANCIO,
Renato Pinto. Migrao e alfabetizao em Mariana colonial. In: SILVA, Rosa Virgnia Mattos. (Org.). Para a
histria do portugus brasileiro.1.ed. So Paulo: Humanitas, 2001, v. II, p. 391-399. CARRATO, op.cit., p.26.
39
IANTT/Real Mesa Censria, Livro 23.
40
FERNANDES, Rogrio. Os caminhos do abc: sociedade portuguesa e ensino das primeiras letras; do
pombalismo a 1820. Porto: Porto Editora, 1994, p.69.
41
Para alguns autores, contudo, no ano de 1773, notrio o aumento do nmero de professores em todo o
reino, em relao ao ano precedente. GOMES, Joaquim Ferreira. O Marqus de Pombal criador do ensino
primrio oficial. In: AZEVEDO, Joo Lcio. O marqus de Pombal e sua poca. Lisboa: Imprensa Nacional
da Casa da Moeda, 1983. p.346.
42
Segundo Laerte Ramos Carvalho, a partir de 1759, aquele que desejasse ensinar deveria ser examinado e
obter licena junto ao diretor geral dos estudos, cargo criado por Pombal aps a expulso dos jesutas. No
ano seguinte, os exames j podiam ser feitos em qualquer cidade em que houvesse um professor de Retrica
e dois de Gramtica. Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM)- Registros de Patentes e
Sesmarias, Cdice 660 e CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instruo pblica. So
Paulo: Saraiva/EDUSP, 1978. p.117.
43
(AHCMM), Livro 192.
44
Conforme os dados Esschwege apresentados por Saint-Hilaire. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas
provncias do Rio de Janiero e Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1975. p.70.
45
IANTT/Fundo Ministrio do Reino (FMR), Junta e Diretoria Geral dos Estudos Consultas, Mao 3486.
46
SERRO, Jos Vicente. O quadro humano. In: MATTOSO, Jos (Org.). Histria de Portugal: o Antigo Regime.
Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p.54.
47
IANTT/FMR, Instruo Pblica, Mao 3518, Caixa II.
48
Nesse sentido, um projeto luso-brasileiro est sendo desenvolvido sob a coordenao da professora doutora
Thais Nvia de Lima e Fonseca e do professor doutor Justino Pereira de Magalhes.
49
Mais precisamente, a cadeira de Gramtica Latina da cidade de Mariana estava vaga por findar a proviso,
em 1795; a mesma cadeira, no distrito de Guarapiranga, vagou em 1797. A cadeira de Gramtica Portuguesa
do Arraial do Sumidouro foi desocupada por morte do professor, a de Gramtica Portuguesa de Furquim
vagou em 1797. Dados sobre a Instruo pblica -1814. Revista do Arquivo Pblico Mineiro, Belo Horizonte,
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 113
ARTIGO
Senhor ou campons?
Os estudos que buscam corrigir a ideia de decadncia generalizada de Minas Gerais, a
partir do contexto da crise da minerao, apresentam perfil produtivo, comercial e regional
diversificado para a economia mineira. As atividades mercantis de abastecimento tiveram
capacidade de acumulao suficiente para gerar uma hierarquia social e econmica; ou seja,
produziu uma elite social escravista responsvel pela grande circulao de mercadorias e riquezas
no perodo colonial e imperial. Ao mesmo tempo, o forte apego escravido pela agropecuria
mineira se fez acompanhar do robusto crescimento da populao livre. Dessa forma, uma
importante camada de livres pobres, no proprietrios de escravos, e de pequenos proprietrios
se formou nas vrias regies da Capitania/Provncia.
A identificao de tal perfil da sociedade mineira oitocentista provoca alguns
questionamentos fundamentais para o entendimento da sociedade escravista: qual seria o lugar
social desses homens e mulheres (os que no possuam ou tinham poucos escravos) na economia
escravista mercantil de abastecimento? Quais as caractersticas das unidades produtivas
tipicamente familiares e daquelas que utilizavam a pequena propriedade de escravos?
O estudo que apresentamos mergulhou nesse problema, trazendo tona as dificuldades
de definio do campesinato mineiro. Encontramos uma elite escravista, totalmente engajada na
produo abastecedora (incluindo o comrcio) e homognea em seus atributos demogrficos e
econmicos. Mas tambm homens e mulheres, moradores dos arraiais e dos campos, que viviam
no limite da pobreza e da sobrevivncia. No interstcio desses dois polos, pequenos artesos,
comerciantes e, principalmente, pequenos lavradores transitavam entre a prosperidade e a penria.
Eram eles donos de propriedades pouco complexas e que contavam com o trabalho escravo, seja
como complemento seja como principal brao da lide.
Os esforos de pesquisa se concentraram na abordagem de alguns povoamentos do
interior do Termo de Mariana, extenso municpio da regio central de Minas Gerais, onde
predominavam, na primeira metade do sculo XIX, as atividades agropastoris. Foram analisadas
listas nominativas de habitantes e inventrios post mortem de chefes de domiclios da Freguesia
de Furquim, no perodo de 1821 a 1850, quando a produo e a circulao de alimentos
consolidaram-se como eixo central da economia mineira.2
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 116
(...) as camadas sociais que formavam a pobreza agrcola, (...) apenas tangencialmente
se utilizavam do trabalho escravo e, fundamentalmente, no tinham suas lavouras e
criaes voltadas para a produo de excedente comercial e realizao de lucros.
Dedicavam-se antes, ao suprimento de suas necessidades de subsistncia, que, apesar
disso, pressupunham a troca, com a multiplicidade das pequenas vendas voltadas a
reduzidos mercados locais.3
(...) 1) acesso estvel terra, seja em forma de propriedade, seja mediante algum tipo
de usufruto; 2) trabalho predominantemente familiar (o que no exclui, em certos
casos, o recurso a uma fora de trabalho adicional, externa ao ncleo familiar); 3)
economia fundamentalmente de subsistncia, sem excluir por isto a vinculao
eventual ou permanente com o mercado; 4) certo grau de autonomia na gesto das
atividades agrcolas, ou seja nas decises essenciais sobre o que plantar e de que
maneira, como dispor do excedente, etc. 4
(...) desde que a contribuio dos de fora [escravos, servos domsticos, jornaleiros
etc.] seja inferior dos membros da famlia na produo. Nesse caso, portanto, a
presena do trabalho escravo na pequena produo de Minas no seria um elemento
suficiente para caracteriz-lo como escravista, sendo necessrio compar-la com o
peso do trabalho familiar.7
O que se deve avaliar no apenas o nmero, mas sim a funo daqueles cativos no
cotidiano do trabalho, na lgica de reproduo da economia e da estratificao social. Alm disso,
talvez no seja possvel definir com critrios fixos qual unidade produtiva seria escravista ou
camponesa. possvel encontrar fronteiras, mas onde os elementos sociais, culturais e econmicos
fluem sem uma definio exata.
O fato de os escravos no serem maioria dentro do sistema no confirma a inexistncia
de um escravismo voltado para o setor abastecedor. A escravido como forma de trabalho
predominante no diz respeito, necessariamente, ao predomnio numrico do elemento cativo,
mas, sobretudo, aplicao da mo de obra no centro dinmico da economia. bem verdade que
as inferncias de Fragoso sobre o campesinato mineiro privilegiam as regies Sul, Oeste e Alto
Parnaba, onde se destacava a pecuria abastecedora do mercado da Corte do Rio de Janeiro.
Nessas reas, predominaram as posses que no superavam 5 escravos. Seriam, dessa forma,
unidades camponesas engajadas no comrcio interprovincial, principal atividade econmica de
Minas Gerais no sculo XIX. Contudo, ainda assim permanece nossa indagao: como definir se as
unidades com 3, 4 ou 5 escravos eram, de fato, camponesas ou escravistas?
Apesar da dificuldade de distingui-las, as unidades camponesas estiveram disseminadas
em Minas Gerais e no interior do Termo de Mariana, nas primeiras dcadas do sculo XIX, assim
como a pequena propriedade de cativos, detida por roceiros, pequenos comerciantes ou artesos.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 118
No entanto, as unidades produtivas com maiores sinais de contato com o mercado possuam uma
estrutura diferenciada daquelas consideradas camponesas. Ou seja, o setor responsvel pela
reproduo da estrutura social era a fazenda/unidade escravista.8 Existem indcios de que os
grandes comerciantes tambm compunham a restrita elite da sociedade oitocentista mineira. Na
Cidade de Mariana (rea urbana), poucos homens ricos centralizavam o mercado atacadista de
gneros da terra e importados, o comrcio de escravos, alm do domnio do crdito informal,
principal investimento desse grupo social9.
O carter mais homogneo e estvel da elite socioeconmica contrasta com a dificuldade
de definio das classes nfimas e dos setores intermedirios das localidades mineiras. Dessa forma,
nossa abordagem sobre Furquim demonstra uma complexa hierarquizao social entre a
populao livre. Apresenta um grupo de indivduos que no tinham escravos (pretos, crioulos,
pardos e tambm brancos) e que se ocupavam como jornaleiros, artesos e lavradores. Para esses,
o trabalho da famlia era o principal esteio da sobrevivncia. J para um outro grupo, com
caractersticas ocupacionais e demogrficas tambm heterogneas, nem sempre a pobreza e a
excluso do acesso ao trabalho escravo marcavam sua vida. Esse grupo se confunde com o primeiro
no nvel de complexidade de suas propriedades, nas caractersticas sociodemogrficas, mas
poderia, em muitos casos, contar com o trabalho predominante do brao cativo ou mesmo ter
escravos e depender do trabalho familiar.
tinham 52 anos de idade, indicados como agricultores. Plantavam alimentos bsicos e, sobretudo,
a cana de acar para a produo de aguardente, alm de muitos desenvolverem a pecuria suna
e bovina.
J entre o grupo que conformaria a pobreza da regio estavam lavradores, jornaleiros,
fiandeiras, pequenos vendeiros e artesos que viviam no campo ou nos arraiais. Eles no possuam
escravos, na maioria das vezes. O que mais marca esse grupo sua caracterstica heterognea,
seja nas ocupaes, na cor, no gnero e no estado conjugal. Muitos desses chefes de domiclios
eram mulheres e homens solteiros, embora a tendncia da regio fosse para o casamento.
Apareceram brancos, pardos, crioulos, cabras, e pretos (provavelmente ex-escravos), mostrando
que a cor, de fato, acompanhava o nvel social e econmico.
O interesse pela formao da famlia visando prosperidade econmica, ao que tudo
indica, tambm foi comum entre os mais pobres. No entanto, sua condio de ex-escravo ou
descendente de escravo pode ter dificultado o enraizamento nas comunidades, principalmente
na regio da fronteira agrcola, onde surgiam as novas oportunidades.
Como apresentado, anteriormente, no existe uma distino exata, do ponto de vista das
caractersticas demogrficas e econmicas entre os setores mais desfavorecidos e aqueles que,
apesar de no estarem entre os mais ricos, tinham maior acesso s relaes comerciais e pequena
propriedade de escravos, seja no campo ou nos arraiais. Seria um grupo intermedirio, tambm
marcado pela heterogeneidade em seus aspectos sociais. A maior parte era de homens, mas
tambm havia mulheres, e de casados, apesar de aparecerem solteiros. Em se tratando da cor,
pode-se resumir esse grupo entre brancos e pardos, apesar de alguns elementos crioulos e pretos
tambm figurarem. Como vimos, eram diversas tambm suas ocupaes: lavradores, comerciantes
de pequeno e mdio porte, tropeiros, mas tambm profissionais autnomos e artesos, como
sapateiros, carpinteiros e ferreiros. Enfim, suas caractersticas no se distanciam fundamentalmente
dos mais pobres, o que nos sugere que no havia uma distino segura entre as camadas
heterogneas mineiras.
Iraci Del Nero da Costa, na anlise de vrias localidades do Brasil nos fins do perodo
colonial, notou que, apesar das diferenas demogrficas e econmicas, muitas caractersticas eram
comuns aos grupos de proprietrios e no-proprietrios e, portanto (...) no havia hiato absoluto
a distinguir proprietrios e no detentores de cativos.11 Em nossa anlise, pareceu-nos bvia a
distino entre escravistas, homens abastados que concentravam a posse de escravos, e os outros
dois grupos emtre os quais, percebeu-se permeabilidade e indistino. Assim, nessas condies, o
universo que colocamos em tela corrobora as concluses trazidas por Costa.
Camponeses ou escravistas
Da mesma forma que o perfil demogrfico denuncia uma indistino entre pequenos e
no-proprietrios de escravos, a aplicao do trabalho escravo comparado ao livre tambm se
revelou complexa. Para garantir prosperidade no ciclo campons, como j apresentamos, o trabalho
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 120
do ncleo familiar era de singular importncia. No entanto, difcil calcular quais os nveis de
participao da mo de obra livre e escrava quando falamos das pequenas propriedades de cativos.
Seria o nmero absoluto de escravos e livres em uma unidade produtiva que determinaria a
proporo de trabalhadores na lide? Muito provavelmente aqueles que contribuam diretamente
com o seu brao na lavoura ou em outra atividade desenvolvida pela unidade produtiva no eram
todos os moradores do ncleo domiciliar.
As Tabelas I e II constituem uma tentativa de aproximao da quantidade mdia de
indivduos que atuavam na lide agrcola, de acordo com o nmero de escravos representados
pela faixa de posse12. A primeira tabela calcula a mdia de pessoas livres (em idade produtiva) por
domiclio, de acordo com a faixa de posse em que se encontra. J a segunda expressa a mdia de
escravos em idade produtiva, tambm de acordo com a faixa de posse. Se considerarmos a idade
produtiva de livres e escravos entre 15 e 45 anos, teremos os seguintes resultados de mdias de
trabalhadores por domiclio, de acordo com a posse de cativos:
01 150 52 2,8
02 99 37 2,6
03 33 16 2,0
04 54 24 2,2
05 27 15 1,8
1 37 52 0,71
2 51 37 1,3
3 36 16 2,25
4 61 24 2,54
5 51 15 3,4
A primeira informao que salta aos olhos o fato de que, a partir da terceira faixa de
propriedade de escravos, o nmero de cativos supera a quantidade de livres, tanto se
considerarmos o nmero bruto de cativos quanto se levarmos em conta a comparao entre as
mdias, conforme as Tabelas I e II. Por outro lado, curioso que tenha havido uma importante
reduo na mdia de livres na faixa de 5 escravos (1,8) ,que, por sua vez, contava com 3,6 escravos
em idade de trabalhar.
Esses dados indicam que, ao contrrio do que j se cogitou, os domiclios que contavam
com 3, 4 ou 5 escravos, tinham, no trabalho livre o complemento ao labor cativo. Dessa forma,
em muitos casos, uma diminuta posse de trabalhadores escravos no significava que a unidade
fosse camponesa, mas que poderia ser caracterizada como uma pequena propriedade escravista.
evidente que a anlise subtrai outras variveis como a possibilidade de crianas com
at 14 anos e de adultos com mais de 45 anos participarem da produtividade, o que
provavelmente ocorria, assim como a possibilidade da vida produtiva de livres ser mais longa
que a dos escravos. O fato que as tabelas revelam que a definio do proprietrio como
campons ou escravista mais complexa do que os nmeros podem dizer. Em uma determinada
situao econmica, regional ou temporal, ter 3 ou 5 escravos poderia significar muito, ao passo
que esse mesmo nmero de escravos, dependendo das condies de sade, do funcionamento
da unidade ou da atividade desenvolvida, poderiam fazer pouca diferena no produto final
alcanado.
Assim, se de um lado podemos afirmar que a formao de um ncleo familiar estvel e
o acesso mo de obra escrava eram importantes para a prosperidade econmica da unidade
produtiva, de outro, no se pode definir com clareza quais os limites existentes, na estratificao
social e no perfil produtivo, entre aqueles que detinham nenhum ou poucos escravos.
De fato, no foram poucos os casos em que a definio do proprietrio como escravista
ou campons se mostrou fluda. Vejamos o caso de Joo Francisco de Macedo, lavrador, crioulo,
casado, pai de uma filha e sem escravos, de acordo com a lista de habitantes de 1821. J em
1831, possua uma unidade produtiva com uma certa estrutura: dois escravos africanos, um
crioulo, uma morada de casas, um rancho, um aporte de terra, uma foice, uma enxada, 10 bois,
dentre outros bens. O monte-mor de seu inventrio somou o pequeno valor de 649$080. Entre
os 3 escravos que possua, provavelmente, somente o nico adulto trabalhava na lavoura,
realidade tambm indicada pelo nmero de instrumentos de trabalho, 1 foice e 1 enxada.13 O
lavrador, que ao falecer deixou esposa e filha de 13 anos, parece fazer parte do grupo de
detentores de mo-de-obra escrava, mas que ainda dependiam do prprio trabalho (e tambm
da esposa) para o sustento da famlia. Por outro lado, se somente o seu nico escravo adulto
trabalhava na lavoura, como definir Joo Francisco, campons ou escravista? Talvez ele fizesse
parte de um grupo intermedirio, ao qual social e economicamente no se possa fazer
enquadramentos em categorias fechadas.
A anlise da aplicao do trabalho escravo em pequenas unidades produtivas se torna
ainda mais complexa quando analisamos o valor comercial dos cativos pertencentes a tais unidades
produtivas. A partir das listas de habitantes, foram selecionados 50 inventrios de chefes de domiclios.
Os bens desses homens e mulheres foram quantificados e o montante total de suas respectivas
riquezas classificados em 3 setores (pequenos, mdios e grandes proprietrios).14
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 122
TABELA III
Proporo do investimento em escravos na riqueza inventariada. Furquim 1821-1850.
1 22 39% 9%
2 14 57% 23%
3 10 56% 68%
1 170$550 203$529
2 192$829 250$123
3 236$860 255$040
bois e uma besta entre os seus bens, que no ultrapassavam 231$520. Lus Jos o proprietrio
mais pobre de nossa amostra de inventrios e sua trajetria mostra a dificuldade dos setores
menos abastados de alcanar e de manter a propriedade escravista.19
detinha 22% dos cativos africanos. A diminuta participao na posse de crioulos/pardos (14%)
tambm demonstra maior dependncia desse grupo em relao ao trfico, nesse momento. No
entanto, esses indcios no se mantm nos dados de 1831, quando a proporo de escravos
crioulos/pardos pertencentes a pequenos proprietrios (20%) supera a porcentagem de africanos
(18%).
Portanto, possvel inferir que, no limiar da dcada de 1830, o acesso dos pequenos
proprietrios ao trfico de almas africanas se tornou mais restrito. O aumento do preo do escravo,
notrio nesse momento pela anunciada restrio legal do trfico, talvez esteja nas razes dessa
mudana. Segundo Douglas Libby, ao analisar os assentos de batismos de escravos africanos de 5
parquias de Minas Gerais, depois de um interregno que durou de 1790 a 1813, houve um
importante crescimento da importao de africanos pela Capitania. A retomada da compra de
escravos no mercado internacional durou at, aproximadamente, 1830, quando foram injetadas
as ltimas levas legais de almas cativas. 25 A partir de ento, os proprietrios com maior capacidade
de acumulao podem ter concentrado, cada vez mais, a demanda no mercado de escravos.
O fato que diante da to propalada participao no trfico do chamado senhor-
campons, em 1821 e 1831, 63% e 64% dos africanos de Furquim, respectivamente, estavam em
plantis com mais de 10 escravos. Portanto, talvez o apego mais concentrado dos pequenos
proprietrios de escravos de Furquim ao trfico estivesse ligado conjuntura especfica que se
estendeu de meados da dcada de 1810 ao final da dcada de 1820, quando houve sensvel
ampliao do negcio negreiro, via porto do Rio de Janeiro.
Isso parece ter ocorrido tambm com o lavrador Manoel Alves Fragoso, branco, casado,
que tinha 3 escravos africanos e 3 escravos crioulos no ano de 1821. Dez anos mais tarde, fora
listados no seu inventrio um stio de terras, uma vaca, um cavalo, uma escrava velha e um
africano.26 Outro lavrador que, claramente, perdeu escravos foi Jos Pinheiro de Macedo, vivo,
listado em 1821 com 5 escravos africanos e 4 crioulos, e que, em 1829, tinha apenas dois africanos.27
Vale destacar tambm a manuteno, nas duas listagens populacionais analisadas, de
mais de 60% de escravos crioulos ou pardos sinalizando uma consolidao da reproduo natural
na regio. Alm do mais, o perfil da concentrao da propriedade de escravos em Furquim sugere
uma propenso constituio de famlias e ao crescimento interno dos plantis. Assim, a economia
agropecuria foi capaz de concentrar mdios e grandes plantis escravistas com a presena de
africanos, o que indica acesso ao mercado, mas principalmente a possibilidade de reproduo
interna. Essa realidade sugere, portanto, que o crescimento interno de cativos pode ter sido mais
comum nas regies onde foi marcante a agropecuria comercial, com especial importncia para
os mdios e grandes plantis. Os achados para Furquim corroboram as teses de Douglas Libby e
Mrcia Grimaldi acerca da correlao entre o crescimento natural e as importaes de africanos
na primeira metade do sculo XIX, o que explicaria o vasto plantel mineiro. Os autores buscaram
desmistificar a ideia de que a reproduo natural e as injees via trfico negreiro so mutuamente
excludentes. Portanto, na estabilidade verificada para as regies onde predominou a agricultura
diversificada e a pecuria que se encontraria o terreno frtil para o crescimento interno dos plantis
mancpios.28
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 126
Concluso
A estratificao social em Minas Gerais nos sculos XVIII e XIX se mostrou mais complexa
do que a relao bipolar senhor/escravo poderia explicar. Mesmo no perodo de auge da minerao
havia uma massa de artfices, vendeiros e roceiros na cidade e no campo que no viviam no
cativeiro e nem eram donos da mercadoria cativa. Essa parcela da populao, no decorrer do
setecentos e da centria seguinte, cresceu e ocupou, sobretudo, os campos das Gerais.
A identificao de um perfil predominantemente rural da economia mineira, no alvorecer
do oitocentos, trouxe novas indagaes, tais como a problemtica da convivncia do trabalho
familiar com o trabalho escravo no interior de unidades produtivas. As pesquisas no trouxeram
tona uma classificao esttica para o campesinato ou para os setores mais pobres da populao.
Foi possvel perceber que no apenas o nmero de escravos pode definir o status da unidade
produtiva como escravista ou camponesa, mas tambm o papel e o peso do cativo no trabalho da
propriedade. Mesmo em posses consideradas pequenas, os escravos poderiam compor a maioria
dos braos da lide. Por outro lado, essa mesma posse diminuta poderia se formar por escravos de
baixo valor que tinham participao restrita na reproduo econmica da unidade produtiva.
Alis, mais importante que a definio da unidade camponesa como aquela cujo trabalho
cativo , no mximo, complemento ao trabalho do ncleo familiar, a constatao de que o limite
dessa em relao unidade escravista era fludo e indistinto, ou seja, oscilava dependendo da
caracterstica da propriedade, do perfil dos cativos e at mesmo dos atributos da economia local.
Outra contribuio alcanada pela pesquisa a identificao de que eram as mdias e
grandes propriedades da regio que concentravam a maior parte dos cativos inclusive aqueles
oriundos do trfico mantinham contato com circuitos comerciais longnquos e possuam escravos
bem mais valorizados do que aqueles de pequenos escravistas. Dessa forma, o argumento de que
o chamado senhor-campons foi responsvel por parte significativa tanto das entradas de africanos
quanto do mercado abastecedor alimentcio no se sustentou. Referimo-nos aqui s afirmaes
contidas em O arcasmo como projeto de Joo Fragoso e Manolo Floreintino, e, sobretudo, no
segundo captulo de Homens de grossa aventura , de Joo Fragoso. Neste ltimo, o autor incluiu
Minas Gerais no mosaico das formas no capitalistas de produo, ao se vincular ao mercado
interno e no utilizar o escravo como principal brao da lavoura.
Pelo contrrio, o espao rural de Furquim no Termo de Mariana foi marcado pelo
predomnio econmico de grandes fazendeiros escravistas produtores e comercializadores de
alimentos, principalmente os derivados da cana de acar. Esse grupo social, diferente dos
pequenos sitiantes e artesos, se destacou pela estabilidade dos negcios, alm do domnio do
prestgio social e poltico da regio. Assim, apesar de o perodo estudado ter se caracterizado pela
ampliao das oportunidades econmicas no campo, a atribuio de traos democrticos
economia mineira oitocentista no se aplicaria em um ambiente em que a produo e a circulao
de mercadorias foi capaz de gerar significativa acumulao e hierarquizao social.
Vale destacar que essa investigao se inclui nos estudos que discutem o perfil social e
econmico de Minas Gerais no sculo XIX, trazendo opo de abordagem microrregional para o
estudo da consolidao de uma economia escravista, voltada para o setor abastecedor; ao passo
que abre espao para novas anlises de temas como a insero poltica e cultural dos setores
menos favorecidos da populao livre como os camponeses, artesos e vendeiros, mas tambm o
papel de fazendeiros e grandes negociantes nos rumos da poltica local e nacional.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 127
NOTAS
1
Mestre em Histria pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O texto apresentado deriva de
minha dissertao de mestrado: ANDRADE, Leandro Braga de. Senhor ou campons? Economia e
estratificao social em Minas Gerais no sculo XIX. Mariana: 1821-1850. Belo Horizonte: UFMG, 207. 206 f.
Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
2
ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alteraes nas unidades produtivas mineiras: Mariana 1750-1850.
Niteri: UFF, 1994. 220 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Departamento de Histria, Universidade Federal
Fluminense, Niteri, 1994.
3
Estudo sobre Capivary, regio cafeeira no-exportadora do Rio de Janeiro no sculo XIX. MATTOS, Hebe
M. Ao sul da histria: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. So Paulo: Brasiliense, 1987. p. 82.
4
CARDOSO, C. F. Escravo ou campons. So Paulo: Brasiliense, 1987. p. 52.
5
FRAGOSO, Joo Luz Ribeiro; FLORENTINO, Manolo Garcia. O arcasmo como projeto mercado atlntico,
sociedade agrria e elite mercantil no Rio de Janeiro. 1790- 1840. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001.
p. 53.
6
FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulao e hierarquia na praa mercantil
do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998. p. 131.
7
Ibidem, p. 133. Grifo nosso.
8
O espao rural do Termo de Mariana foi pesquisado por Francisco Andrade e tambm apresentou marcada
concentrao de terras e escravos e profunda desigualdade social que transparece nas distines de gnero,
raa e idade. ANDRADE, Francisco Eduardo de. A enxada complexa: roceiros e fazendeiros em Minas Gerais
na primeira metade do sculo XIX. Belo Horizonte: UFMG, 1995. 270 f. Dissertao (Mestrado em Histria)
Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1995.
9
ANDRADE, Leandro Braga de. Senhor ou campons? economia e estratificao social em Minas Gerais no
sculo XIX. Mariana: 1821-1850. Belo Horizonte: UFMG, 2007. 206 f. Dissertao (Mestrado em Histria)
Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.
10
Os distritos pertencentes freguesia de Furquim em 1821 eram Furquim, So Gonalo do Ub, Conceio
do Turvo e Ponte Nova. Este ltimo passou condio de parquia em 1832, porm para efeito metodolgico
foi includo no recorte espacial da pesquisa mesmo no perodo posterior a essa data.
11
COSTA, Iraci Del Nero. Arraia-mida. Um estudo sobre os no-proprietrios de escravos no Brasil. So
Paulo: MGSP Editores, 1992. p. 115.
12
A faixa de posse leva em conta todos os escravos, inclusive aqueles fora da idade produtiva. Por isso, a
necessidade de comparao das mdias de trabalhadores livres e escravos em idade produtiva.
13
Relao de habitantes da freguesia do Senhor Bom Jesus do Monte do Furquim do Termo da Cidade de
Mariana. Arquivo Histria da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Inventrios post mortem. Cdice 663.
[1821]. Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM). Cdice 58 Auto 1278 ano 1831.
14
Os bens desses homens e mulheres foram quantificados e o montante total de suas respectivas riquezas
classificados em 3 setores. O primeiro setor representa 22 inventrios em que a riqueza inventariada no
ultrapassou dois contos de ris, enquanto que o segundo abarca 14 documentos em que o monte-mor foi
menor que 5 contos e o terceiro reuniu 10 inventariados que possua riqueza superior a esse ltimo valor.
15
Esses dados referem-se a uma quantificao maior elaborada em minha dissertao de mestrado que
contou com a formulao de banco de dados com os valores, em ris, de todos os tipos de bens inventariados.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 128
Interessa-nos aqui somente os valores e propores investidos em escravos. ANDRADE, Leandro Braga de.
Senhor ou campons? Economia e estratificao social em Minas Gerais no sculo XIX. Mariana: 1821-
1850. Belo Horizonte: UFMG, 2007. 206 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e
Cincias Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. p. 98.
16
Preos em mil ris
17
A orientao dos preos de escravos sofreu maior ascenso a partir de 1830, conforme dados de inventrios,
pesquisados por Laird Bergad. BERGAD, Laird W. Escravido e histria econmica: demografia de Minas
Gerais, 1720-1888. So Paulo: EDUSC, 2004.
18
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma vila colonial. Sorocaba, sculos XVIII e
XIX. So Paulo: Annablume; FAPESP, 2001. p. 129.
19
Relao de habitantes da Freguesia do Senhor Bom Jesus do Monte do Furquim do Termo da Cidade de
Mariana AHCMM. Inventrios post mortem. Cdice 663. [1821]. ACSM. Cdice 108 Auto 2234 ano 1847.
20
Termo utilizado por Joo Fragoso e Manolo Florentino para se referirem s unidades produtivas familiares
que utilizavam o trabalho escravo, conforme citado na pgina 5.(A citao de Fragoso e Florentino est na
p . 4 .
Na p. 5, est somente a de Fragoso.)
21
LIBBY, Douglas C. Transformao e trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais sculo XIX. So
Paulo: Brasiliense, 1988. p. 106.
22
Na regionalizao proposta por Clotilde Paiva, as regies com maior concentrao de escravos so:
Mineradora Central Oeste (a qual pertencia a freguesia de Furquim), Mata e Sudeste. As faixas de posses
com mais de 20 escravos detinham 39,2%, 42,1% e 42,3% dos escravos das respectivas regies. PAIVA, Clotilde.
Populao e economias Minas Gerais do sculo XIX. So Paulo: USP, 1996. 229 f. Tese (Doutorado em
Histria Social) Universidade de So Paulo, So Paulo. 1996.
23
LIBBY, Douglas C. Transformao e trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais sculo XIX.
So Paulo: Brasiliense, 1988. p. 106.
24
FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro. Homens de grossa aventura: acumulao e hierarquia na praa mercantil
do Rio de Janeiro, 1790-1830. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998. p. 123-134.
25
LIBBY, Douglas Cole. O trfico negreiro e as populaes escravas das Minas Gerais. 1720-1850. Meeting of
the Latin American Studies Association, n. XXV, 2006, San Juan, Puerto Rico.
26
Relao de habitantes da Freguesia do Senhor Bom Jesus do Monte do Furquim do Termo da Cidade de
Mariana AHCMM. Inventrios post mortem. Cdice 663. [1821]. AHCSM. Cdice 17 Auto 485 ano 1831.
27
Relao de habitantes da Freguesia do Senhor Bom Jesus do Monte do Furquim do Termo da Cidade de
Mariana AHCMM. Inventrios post mortem. Cdice 663. [1821]. AHCSM. Cdice 54 Auto 1198 ano 1829.
28
LIBBY, Douglas Cole; GRIMALDI, Mrcia. Economia e estabilidade: economia e comportamento demogrfico
num regime escravista. Minas Gerais no sculo XIX. Papis avulsos, Rio de Janeiro, n. 7, p. 26-43. dez. 1988.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 129
ARTIGO
quantos foram os participantes na presa e onde estava o restante dos bens roubados.
Prosseguindo com a diligncia, o sargento chegou at uma determinada famlia, da qual
fazia parte um crioulo chamado Andr. Esse crioulo parecia no ter bons antecedentes, visto que
j tinha participado de algumas confuses no lugar. Tinha fama de valente pelas muitas que tinha
feito, como, por exemplo, ter desferido um golpe de navalha na cara de um crioulo chamado
Domingos Ribeiro, com pretenso de lhe separar a cabea, tendo sido necessrio fechar o ferimento
com oito pontos. Tambm havia dado um tiro noite em um homem chamado Luiz Correa, o qual
esteve beira da morte. 8 Andr, juntamente com seus irmos, no tempo do ouro, antes de surgir
a moeda, enganava os taverneiros com ouro falso. Alm disso, vrias eram as queixas contra ele
pelo roubo de gado e demais criaes. Dando uma busca na casa da Ana Arajo Barreiras, pessoa
particular do dito crioulo, o sargento, junto com algumas testemunhas, encontrou uma rs morta
e j quase toda esbanjada, a qual verificou ser roubada e abatida pelo crioulo Andr. Ao que tudo
indica, pelas informaes contidas no processo, fazia aproximadamente um ano que o sargento
rondava o distrito na diligncia de averiguar os at ento possveis delitos dos quais o crioulo
Andr era acusado.
O acusado, agora possivelmente culpado, estava pescando, e ainda na beira do rio, soube
que o sargento estava sua procura para prend-lo. Andr, aps ficar sabendo da diligncia em
sua busca, teve o atrevimento de esperar o sargento em um lugar deserto, em posse de armas,
para fazer uma tocaia. Encontrando o sargento, aproveitou que este estava s e desarmado para
lhe dar um aviso. Disse ao sargento que j lhe tinha feito outras tocaias e que toda a sua felicidade
foi no passar por elas. Porm, continuou Andr, que tivesse a certeza que ,se fosse com ronda at
sua casa para prend-lo, ele havia de matar algum, pois no se entregaria facilmente. O dito
crioulo acreditava que nunca seria preso, pois tudo que havia feito at aquele dia ficava impune. O
sargento afirmou em seu depoimento que nunca o prendeu, porque no poderia prender ningum
sem ordem da Justia. Para que fosse feita a Justia, o sargento deu parte ao juiz de todos os
desacatos sofridos, antes que esse acabasse morto.
O juiz ordenou que todos os envolvidos no roubo fossem presos. Logo o sargento
apresentou o respeitvel despacho de Sua Excelncia, e notificou a todos os envolvidos que
entregassem os trastes roubados na casa da suplicante, o que no fizeram sem antes protestar.
Para encerrar, o sargento declarou sua obedincia como sdito fiel a tudo o que por Sua Excelncia
for decretado.
O caso relatado anteriormente destaca alguns aspectos do cotidiano da populao de
Minas Gerais na primeira metade do sculo XIX, principalmente em relao ao das autoridades
locais frente ao crime e ao criminoso. A vtima do roubo, Ana Gomes Ribeiro, afirmou em seu
depoimento que j que havia presenciado o crioulo Andr dar tiros noite e furtar gado de
moradores prximos. No entanto, ela alguma vez denunciou o ocorrido s autoridades? Se ela
denunciou, por que as autoridades no tomaram as providncias necessrias para evitar futuros
delitos? Que imagem a populao tinha dessas autoridades? A vtima confiava realmente na priso
do tal crioulo que a havia roubado? O sargento responsvel pelo caso afirmou que o tal crioulo
no tinha bons antecedentes, visto que j tinha participado de algumas confuses no arraial, dentre
elas, ter desferido um golpe de navalha na cara de um crioulo chamado Domingos Ribeiro, ter
dado um tiro noite em um homem chamado Luiz Correa, enganar os taverneiros com ouro falso,
alm de ser acusado vrias vezes de roubar gado. Mesmo tendo cometido todos esses delitos,
Andr ainda estava em liberdade. Ao longo desse texto, discutiremos algumas questes referentes
ao da Justia que, possivelmente, nos permitam compreender por que pessoas como Andr
viviam em liberdade, desafiando as autoridades.
Quando pensamos no estudo do crime no Brasil, devemos ter em mente que as
disposies relativas aos crimes e s formas de punio, at a adoo da Constituio de 1824 e
do Cdigo Criminal do Imprio de 1830, encontravam-se estabelecidas no Livro V, das Ordenaes
Filipinas.9 Abrangia essa legislao questes as mais diversas possveis, como blasfmia, feitiaria,
benzimento de animais, moeda falsa, sodomia, incesto, adultrio, homicdio, injria, furto,
falsificao de mercadorias, vadiagem, batuques, resgate de presos, porte de armas, jogos,
ocultamento de criminoso, incendirios, mexeriqueiros, caas e pescarias, judeus e mouros,
deseres, etc. Ali estava prevista a pena de morte, nas suas diversas concepes, segundo a
legislao portuguesa; previa a pena de degredo para gals e degredo para outros lugares;
estipulava tambm penas corporais como aoites, queimaduras com tenazes, mutilao de mos,
da lngua, etc. O confisco de bens e as multas eram igualmente utilizados como pena. E havia
ainda um conjunto de penas que se destinava a expor ao ridculo ou condenao pblica os
infratores.
peculiar nas Ordenaes Filipinas , que por tanto tempo nortearam as aes do
corpo poltico-administrativo colonial, a distribuio das penas, segundo a condio social
do transgressor. O mesmo crime poderia ser punido, portanto, de formas distintas: se o
indivduo era peo ou escravo, poderia ser recolhido priso, pagar multa ou ainda ser
aoitado ou condenado morte. Porm, se fosse um indivduo de maior condio, pagava
apenas a multa ou ento era degredado para o Brasil ou a frica, recebendo sempre
tratamento distinto. 10
No Antigo Regime, julgar, legislar e executar eram facetas de um mesmo poder
pblico; da, as contendas envolvendo os tribunais. A Coroa acabava por exercer a maior
fora, pois realizava o que era da sua vontade. Tanto a Coroa quanto a administrao dos
rgos pblicos objetivavam fazer justia, mantendo os equilbrios sociais, sem interferir
nem mudar qualquer situao executivamente. A Coroa agia muito mais dentro da jurisdio
e, em casos extremos, utilizava seu poder de imprio quando os sditos solicitavam. Eis a
origem da graa. Essa era uma interferncia na justia por parte do prncipe, quando este
acreditava que o juiz no tinha condio de julgar determinados casos. Os rgos eram
criados com a funo de auxiliar o monarca; consequentemente, ocorreu um alargamento
da atividade jurisdicional. A ao jurisdicional era uma interveno de ltimo momento,
dificultando, portanto, a preveno dos delitos.
Observando a documentao referente s aes criminosas do Termo de Mariana
entre os anos de 1800 e1830, foi possvel verificar a falta de padro das informaes. Muitos
dados em relao ao preso eram omitidos e o cruzamento de fontes fez-se necessrio. 11
Um exemplo o caso que ilustra o presente artigo. No existe nenhum registro referente
priso do tal crioulo Andr na documentao da Cadeia Pblica de Mariana. No entanto, foi
gerado um processo-crime contra ele. O que aconteceu, ento, com Andr aps o processo?
certo que na Cadeia de Mariana ele nunca esteve, nem antes nem depois do processo.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 132
Mesmo no se sabendo o que aconteceu com ele, importa verificar, que, ao longo de trinta
anos, tendo cometido diversos crimes, Andr no entrou em qualquer estatstica criminal
proposta para o perodo. Vejamos a tabela a seguir:
Desordem 02 0,40%
Homicdio 48 10,80%
Mancebia 02 0,40%
Atravessamento 01 0,20%
6%
Querela 28
Outros
23%
No menciona 101
Podemos perceber, de acordo com a Tabela 1, que, entre os anos 1800-1830, ocorreram
445 crimes no Termo de Mariana, evidentemente crimes em que foi possvel a identificao dos
rus, resultando na priso deles mesmos. O nmero total de crimes no corresponde ao nmero
exato de presos, medida que alguns desses cometeram mais de um delito. possvel identificar
trs categorias definidas por ns para melhor classificao dos crimes: contra a ordem pblica,
12
contra a pessoa e contra a propriedade. Enquadrados nessas trs categorias, dispem-se os
tipos de crime, o nmero de ocorrncias desses crimes e a percentagem de cada um em relao
ao nmero total de delitos.
Fonte: AHCMM
Fonte: AHCMM
De acordo com Raimundo Jos da Cunha Matos, Mariana possua 336 fogos e 2.040 almas.
Somados aos 613 fogos e s 2.917 almas correspondentes aos pequenos lugares de Passagem
de Mariana, Morro de Santa Ana, Vrzea, Morro de Santo Antnio e Monsus, Mariana teria no total
949 fogos abrigando 4.957 almas. Logo, os distritos de Antnio Pereira, Sumidouro, So Caetano,
So Sebastio, Furquim, Camargos, Barra Longa, Guarapiranga, Cuiet, Infincionados, Catas Altas
do Mato Dentro, So Joo Batista do Presdio e So Manuel dos ndios da Pomba totalizavam
juntos 7.141 fogos e 45.234 almas. 13
Podemos visualizar no Grfico 2 que o nmero de crimes cometidos pelos habitantes de
Mariana consideravelmente maior que os cometidos pelos habitantes dos distritos. No total, 288
crimes foram cometidos pelos moradores de Mariana, portanto, aproximadamente 68% do total,
enquanto que, nos distritos foram 136 crimes, logo, 32% do total de ocorrncias. Uma chave para a
explicao desses dados pode ser a ineficincia da fiscalizao e a aplicao da Justia nos distritos.
O territrio a ser vigiado pela administrao carcerria era extenso, o que tornava
complicada a ao dos oficiais responsveis pelas prises. Como todo o corpo de oficiais da Cmara
e Cadeia se localizava em Mariana, a efetiva repreenso dos delitos cometidos nos distritos e arraiais
do Termo ficava prejudicada. No nos parece ser esse o motivo que impedia a priso do tal crioulo
Andr, visto que ele j tinha sido denunciado algumas vezes.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 135
Fonte: AHCMM
do cativo entregando-o ao crcere. Por isso, grande parte dos delitos pode no ter sido registrada
pela administrao carcerria.
Andr, o tal crioulo, era livre e poderia muito bem ter engordado essas estatsticas. Ele se
considerava to livre que parecia acreditar que poderia fazer tudo sem ter sua liberdade cerceada;
poderia ser enquadrado por ter cometido, pelo menos, sete delitos previstos nas Ordenaes
Filipinas: desordem, vadiagem, furto, agresso fsica, resistncia autoridade, pagamento com
ouro falso e tentativa de homicdio.
Fonte: AHCMM
Dentre os encarcerados da Cadeia Pblica de Mariana, pudemos notar, no que diz respeito
cor da pele, que 22% desses eram pardos; 14% crioulos; 6% cabras; 2% pretos; e 7% brancos.
Ainda de acordo com os assentos de priso, pudemos verificar que essa informao no consta
em quase metade das ocorrncias. Se desconsiderssemos os assentos em que a cor da pele no
foi mencionada teramos: 42% de presos pardos, 28% de crioulos, 11% de cabras, 5% de pretos e
14% de brancos. Juntos, negros e mestios representariam 86% da populao carcerria, enquanto
os brancos apenas 14%. Essa estatstica poderia ser usada pela Cmara Municipal de Mariana como
desculpa para afirmar o carter inferior dos negros e mestios. Contudo, a anlise estatstica nesses
moldes equivocada. O nmero de assentos em que no constava a informao referente cor
do criminoso prejudica esta anlise. No entanto, em todas as ocorrncias registradas pela
administrao carcerria, a cor da pele dos presos era informada quando esses eram pardos,
crioulos, cabras ou pretos. Alm disso, quando as prises eram referentes a dvidas, a cor da pele
do preso no era mencionada. A identificao da cor da pele dos presos, quando eram negros ou
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 137
mestios, funcionava como uma marca, distinguindo-os, assim, dos brancos. Os nicos assentos
que mencionam a cor da pele de presos brancos so os assentos de priso hbito e tonsura, porque
a lei assim determina. A anlise atenta das fontes nos faz crer que os assentos que no trazem
informao referente cor dizem respeito a pessoas brancas ou pessoas mestias que ascenderam
socialmente.
A preocupao da administrao camarria com os escravos e forros se estendia aos
mestios, sendo estes, alvo das queixas das autoridades locais. A discusso sobre a composio
racial de uma populao muito antiga e perpassa todos os perodos da histria. Minas Gerais do
incio do sculo XIX no era diferente, sendo os mestios considerados inferiores aos brancos.
Andr poderia muito bem estar representado nos 14% do grfico apresentado, no entanto, como
sabemos, isso no ocorreu.
Fonte: AHCMM
No rol de rus presos ordem da Casa de Suplicao, quase metade daqueles de que
se sabe o destino saem soltos, por perdo, fiana ou eventualmente, por falta de
culpas; e, em relao a muitos outros, corria livramento por meios ordinrios. Sua
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 138
Majestade manda advertir V. M., que as leis so feitas com muito vagar e sossego, e
nunca devem ser executadas com acelerao; e que nos casos crimes sempre
ameaam mais do que na realidade mandam [...] porque o legislador mais
empenhado na conservao dos Vassalos do que no castigo da Justia, e no quer
15
que os ministros procurem achar nas leis mais rigor que elas impem.
A Cadeia Pblica de Mariana, assim como todas as outras cadeias existentes em Minas
Gerais no sculo XIX, no possua nenhuma estrutura para abrigar os infratores da lei por um
longo perodo de tempo. Em sua estrutura fsica, a Cadeia de Mariana tinha doze palmos de
profundidade nos alicerces das paredes externas. Os alicerces foram feitos de pedra grande e bem
maciada a cal, os pisos foram lajeados na frente das chamins e das comuas em todo o
comprimento, e as janelas bem reforadas com quatro dedos de grossura. As enxovias se
localizavam abaixo das celas e o acesso a elas se dava por meio de alapes. Em cada enxovia,
existia ainda um fogo do qual o preso se utilizava. O abastecimento de gua, tanto da Cmara
quanto da Cadeia, se dava pela canalizao de uma fonte. 17
A viso da administrao local parecia comprovar a incapacidade da instituio em abrigar
detentos. Elizabeth Rouwe destaca dois pareceres referentes Cadeia Pblica de Mariana, um do
ano de 1834 e um de 1855, totalmente distintos. Enquanto o primeiro verificou timas condies
para a priso, o segundo condenou no somente sua estrutura fsica, como tambm o tratamento
que os presos recebiam. Essa segunda comisso afirmou que a casa de recluso se assemelhava
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 139
aos antigos calabouos da Inquisio. Alm disso, as paredes das celas, por serem de adobe 18,
necessitavam com urgncia ser forradas com espessas tbuas. Tambm as grades, o assoalho e o
lajeamento interno precisavam de reparos. O inspetor chamou a ateno, ainda, para as guas das
chuvas, que constantemente infiltravam-se nas paredes das celas. 19
Devemos considerar, ainda, a dificuldade encontrada por parte da Administrao Imperial
no que se refere falta de prises e oficiais responsveis pela manuteno da ordem nas cidades,
vilas e distritos. Nos Relatrios Executivos Provinciais podemos encontrar algumas queixas
referentes a esses problemas. 20 Eis a queixa do relator sobre a falta de cadeias na Provncia de
Minas Gerais:
Sendo j por vs bem conhecido que quase todos os Municpios da Provncia carecem
de Cadeias, e Casas de priso com tais cmodos, e segurana, que facilitem a exata
observncia das leis penais, s posso agora informar-vos, que a desta Capital est
quase concluda, e que as outras, que se acham em construo, no tiveram
adiantamento notvel no decurso do ano. V-se do Balano da Despesa provincial,
que sendo a consignao para este objeto de 25:000 $ ris, apenas se despenderam
2:429 $ 999 ris no ano [?] de1810 a 1841, no porque devesse o Governo deixar por
qualquer motivo de despender toda a consignao, mas no por haver fundos para
realizar os pagamentos pedidos, ou j prometidos s Cmaras, que no tm cessado
de instar por eles. pois da primeira necessidade, que igual consignao (visto que
21
no pode ser maior) se inclua na Lei do Oramento, do ano futuro.
Seria talvez suficiente o que acabo de referir [?] do emprego da Guarda Nacional no
servio da guarnio para convencer-vos da insuficincia da Fora Policial [?] decretada
para as diversas e numerosas diligncias, que esto a seu cargo: reconhecendo porm
que este um dos objetos, que exigem considervel dispndio da Fazenda Provincial,
que no deve ser autorizado sem poderosas razes, que o justifiquem; julgo necessrio
dar-vos a respeito mais minuciosas informaes (...). 22
No Relatrio do ano passado fez-se ver que contendo ento o Corpo Policial o nmero
efetivo de 400 Praas, no era possvel conservar nas diversas Comarcas
Destacamentos, que auxiliassem as autoridades locais no cumprimento de seus
deveres. A Lei Provincial n 218 de 13 de abril de 1841 reduziu a Fora a 400 Praas,
includas 40 de Cavalaria, e agora v-se pelo mapa, que vos ofereo sob n [?] que o
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 140
No contente com o nmero efetivo das tropas, o alvo das queixas agora a ineficincia
para o desempenho de algumas atividades e a falta de disciplina apresentada na realizao de
tarefas por parte destas Tropas, devido constante ausncia de seus comandantes, que nem sempre
podiam estar prximos.
O relator sugere ento a criao de um rgo que permitisse aos administradores o poder
de correo aos oficiais da Fora Policial. Ainda agradece a criao de uma fora de 1 linha que se
fazia necessria para um desempenho satisfatrio de funes necessrias e importantes para o
sucesso da administrao provincial.
Por fim, outro problema passa a ser abordado: a falta de pagamento aos soldados. O
relator reconhece que impossvel manter a disciplina sem pagar os vencimentos s Tropas. A
falta de pagamento e as difceis condies financeiras enfrentadas pelos soldados no so
problemas exclusivos das Minas Gerais, nem do sculo XIX, pois outras regies do pas, em outros
momentos, se defrontaram com uma situao semelhante ou at mesmo pior. 26
Como mencionado, o Termo de Mariana, alm da sede, acolhia outros 13 distritos, que
por sua vez, eram responsveis por 40 arraiais. Uma populao, estimada, no ano de 1821, por
Cunha Matos 28, em torno de 50.191 almas habitando 8.090 fogos. Portanto, a administrao
carcerria era responsvel por qualquer crime ocorrido nesse territrio, e consequentemente, pela
priso de todos os infratores. Revoltas e levantes escravos, a grande extenso do territrio das
Minas e a falta de oficiais nas regies mais distantes dos centros administrativos eram alguns dos
problemas que atormentavam os administradores locais.
Foi possvel vislumbrar, a partir das anlises dos grficos apresentados, uma imagem da
populao carcerria de Mariana entre os anos de 1800-1830. No entanto, essa anlise quantitativa
no nos permite dar conta das particularidades encontradas em cada uma das prises realizadas
pelas autoridades ao longo do perodo. A anlise dos processos-crime torna-se essencial para a
compreenso dos motivos que levaram as pessoas cadeia. O processo-crime referente ao crioulo
Andr, citado tantas vezes ao longo deste artigo, ilustra bem essa situao. Apesar de no pertencer
s estatsticas, ele nos permite desvendar particularidades da ao judicial no Termo de Mariana
nos primeiros anos do sculo XIX.
Esse caso apresenta uma questo interessante quanto s autoridades locais. Por mais
que os oficiais se sentissem acima da lei, nesse caso, podemos perceber que a lei havia sido
cumprida corretamente. Segundo o sargento, ele nunca tinha realizado a priso do ru porque
no possua ordem da Justia. Se isso era verdade, ou se ele apenas temia o ru, no podemos
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 142
descobrir, mas o certo que a lei foi cumprida. Parece-nos, tambm fazer parte do cotidiano das
autoridades o fato de serem desrespeitadas e agredidas quando tentavam cumprir seu ofcio no
incio do sculo XIX. No caso exposto, esse desrespeito flagrante, pois o ru ameaa a vida do
oficial. Alm disso, informa ao sargento que havia feito diversas tocaias para ele e que at ento a
sorte do oficial o tinha impedido de mat-lo.
Outro aspecto referente justia que o caso nos permite discutir a sua lentido. Os
moradores do local, pelo que o processo-crime nos informa, vinham sendo incomodados h
tempos pelos tais varredores, e a justia no se pronunciava em relao a isso. Foi necessrio que
a casa de Ana Gomes Ribeiro fosse roubada para que o ru fosse investigado. Contudo, no sabemos
se tal medida iria resolver o problema, visto que tais homens no tinham medo da Justia e
descumpriam a lei em suas vrias proposies. Enfim, tendo em vista os dados apresentados,
possvel verificar a eficincia da Justia no sculo XIX?
Quando falamos em eficincia, pensamos em algo que produz o efeito desejado e que
funcione bem. A Justia do sculo XIX parecia cumprir os trmites legais estipulados, no entanto,
estava longe de funcionar bem. A Justia cumpria seu papel na sociedade, mas carecia de melhor
estrutura fsica e de maior nmero de oficiais, como comprovam os Relatrios Provinciais. Para a
sociedade, a ao da Justia se estabelecia mais a cada dia. Prova disso a gama variada de
pessoas que se encontravam detidas na Cadeia Pblica e respondendo a processos. A sociedade
mineira do sculo XIX ainda se acostumava com a presena da Justia e entre tocaias e navalhadas
a estrutura judiciria tinha que multiplicar seus esforos, literalmente, para conter os conflitos.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 143
NOTAS
1
Mestre em Histria pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
2
Arquivo Histrico da Casa Setecentista de Mariana (AHCSM). Cdice 215, Processos-crime 2 ofcio, auto n 5375.
3
O nome do sargento do distrito de Infincionados no consta nos autos do processo.
4
Vadio aquele que chega a um lugar e deixa passar vinte dias sem tomar amo, ou aquele que no vive com amo, nem
tem ofcio, nem outro mister, nem ganha sua vida, nem anda negociando algum negcio seu, nem alheio, ou o que
tomou amo e o deixou, e no continuou a servir. BLUTEAU, Raphael. Vocabulrio portuguez e latino. Coimbra: Collegio
das Artes da Companhia de Jesus, 1712. p. 345.
5
Testada o espao de terra que entesta com a outra, ou seja, que fica de fronte a outra. Ibidem, p. 131.
6
O capito comandante da freguesia, assim que recebeu a queixa, deu ordem ao seu sargento para fazer a diligncia,
j que este tinha sido rogado vrias vezes pela suplicante e por outras pessoas do arraial para cumprir com essa ordem.
7
Lista dos trastes roubados: um balaio pequeno com trs pares de brinco de ouro e um sem companheiro; uma volta
de contas de ouro com bordas de fio de ouro; um corao de ouro; uma figa de ouro; um casilho de prata; um boto de
prata de abotoar camisa; um esprito santo de prata; uma saia branca com bucal; um leno branco; trs varas de renda
fina; meia quantia de algodo; um ferro de engomar; trs pratos finos; trs pratos de estanho sendo dois pequenos e
um maior; um tacho de cobre; uns pares de colheres de lato; um funil e uma lima de ao de limar.
8
Andr, juntamente com outros, varriam as portas das casas e vendas do arraial e se aproveitavam quando o proprietrio
estava ausente para adentrar na propriedade e realizar um roubo. O tal Luiz Correa, ferido por Andr, se desentendeu
com ele por no querer que a porta da sua casa fosse varrida em sua ausncia, com medo de ser roubado. Em meio ao
desentendimento, acabou levando um tiro.
9
LARA, Silvia Hunold. (Org.) Ordenaes filipinas: Livro V. So Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 29. Compiladas e
ordenadas, as diversas leis regulamentavam a estrutura hierrquica dos cargos pblicos, as relaes com a Igreja, a vida
comercial, civil e penal dos sditos e vassalos. Acima de tudo, porm, estava o monarca; ou, como expressa uma
passagem das Ordenaes filipinas: O rei lei animada sobre a terra e pode fazer lei e revog-la quando vir que
convm fazer assim.
10
SALLA, Fernando. 1822-1940. So Paulo: Annablume, 1999, P.34
11
Para se fugir de qualquer limitao quanto quantificao de dados, buscou-se cruzar uma gama variada de
documentos, dentre eles: os Assentos de priso, os Alvars de soltura e os Autos de priso hbito e tonsura do Arquivo
Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM); os Processos-crime do AHCSM; alm dos Relatrios Executivos
Provinciais. In: Subject Guide to Statistics in the presidential Reports of the Brazilian Provinces[1830-1889]. Austin/
Texas: Institute of Latin American Studies, University of Texas at Austin, 1977.
12
As Ordenaes Filipinas no apresentam divises claramente definidas quanto qualidade dos delitos. Essas divises
s surgiriam com a criao do Cdigo Criminal do Imprio em 1830.
13
MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia histrica da Provncia de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte:
Itatiaia; So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1981.
14
MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia histrica da Provncia de Minas Gerais (1837). Belo Horizonte:
Itatiaia; So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1981. p. 60.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 144
15
HESPANHA, Antnio Manuel. A Punio e a graa. In: MATTOSO, Jos. Histria de Portugal vol. 4
(O Antigo Regime 1620-1807). Lisboa: Editorial Estampa, 1992. p. 248.
16
SALLA, Fernando. As prises em So Paulo: 1822-1940. So Paulo: Annablume, 1999.
17
BARRETO, Paulo Thedim. Casas de cmara e cadeia. In: Arquitetura Oficial I. Mec, 1978.
18
Espcie de ladrilho grosso, no cozido ao fogo, mas seco ao sol.
19
SOUZA, Elizabeth Valria Rouwe. A administrao carcerria de Mariana no sculo XIX. Mariana: UFOP, 2003.
Monografia (Bacharelado em Histria) Departamento de Histria do Instituto de Cincias Humanas e Sociais,
Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2003.
20
Devemos ressaltar aqui que os Relatrios Executivos Provinciais comeam a ser confeccionados no incio da dcada
de 30 dos oitocentos, portanto, um perodo posterior ao recorte temporal de nossa pesquisa. Contudo, os Relatrios se
tornam uma fonte riqussima para os pesquisadores que tm como espao fsico de seus estudos as Minas Gerais. No
caso especfico desta pesquisa, sua utilizao se justifica pela caracterizao, por parte dos presidentes e vice-presidentes
de Provncia, da situao do sistema carcerrio e do corpo de oficiais responsveis pelas prises e pela cadeia pblica
de maneira geral.
21
Relatrios Executivos Provinciais. In: Subject Guide to Statistics in the presidential Reports of the Brazilian
Provinces [1830-1889]. Austin/Texas: Institute of Latin American Studies, University of Texas at Austin, 1977
22
Ibidem.
23
Relatrios Executivos Provinciais. In: Subject Guide to Statistics in the presidential Reports of the Brazilian
Provinces[1830-1889]. Austin/Texas: Institute of Latin American Studies, University of Texas at Austin, 1977.
24
Ibidem.
25
Relatrios Executivos Provinciais. In: Subject Guide to Statistics in the presidential Reports of the Brazilian
Provinces,[1830-1889]. Austin/Texas: Institute of Latin American Studies, University of Texas at Austin, 1977.
26
Kalina Vanderlei Paiva da Silva em O miservel soldo e a boa ordem da sociedade colonial: histria de homens,
militarizao e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos sculos XVII e XVIII busca discutir a utilizao de
criminosos e marginais na formao do aparato militar da Capitania de Pernambuco e as dificuldades enfrentadas
pelos soldados que lutavam pela sobrevivncia, devido falta de pagamentos. Segundo a autora, a tropa burocrtica,
que surge como um instrumento de centralizao de poder rgio na zona de acar assolada pelos poderes particulares
dos senhores de engenho, uma tropa mal gerenciada e desestruturada e que assume um carter de ferramenta de
controle social sobre os centros urbanos, medida que assimila os prias e marginais dessas povoaes aucareiras,
controlando assim os danos que esses poderiam causar sociedade, ao mesmo tempo em que os aproveita como
peas do sistema de defesa do Estado. O controle que a Coroa portuguesa exerce sobre essas tropas burocrticas e
marginais passa no tanto pela disciplinarizao dos corpos como pela subordinao dos espritos. Uma subordinao
que a fome, a misria e certa equiparao social aos escravos se encarregam de garantir.
27
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. O miservel soldo e a boa ordem da sociedade colonial: histrias de homens,
militarizao e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos sculos XVII e XVIII. Recife: UFPE, 1999. 204 f. Dissertao
(Mestrado em Histria) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999.
28
MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia histrica da Provncia de Minas Gerais (1837).
Belo Horizonte: Itatiaia; So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1981.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 145
ARTIGO
A Guarda Nacional foi uma milcia civil criada pelos liberais moderados durante a Regncia,
perodo marcado por revoltas intestinas e pela presena de brasileiros no comando poltico-
administrativo do pas aps a Abdicao de d. Pedro I. De modo geral, a Guarda simbolizava o
futuro da nao brasileira, cujos corpos e batalhes eram formados por cidados-soldados prontos
para defender a ptria, a monarquia e o jovem imperador d. Pedro II. Sendo assim, em cada
municpio do Imprio, foram criados corpos da corporao, cujos oficiais eram eleitos pelos prprios
milicianos.
No Termo de Mariana, tal procedimento no foi diferente. Nesse sentido, propomos
analisar o pleito eleitoral para o oficialato da Guarda Nacional naquela municipalidade, procurando
ainda demonstrar que tais eleies serviam como mecanismo de teste do prestgio social dos
milicianos eleitos oficiais.
Dessa forma, o processo eleitoral fazia-se mediante formao de uma mesa presidida
pelo juiz de paz, auxiliado ainda por mais dois guardas nacionais que, aprovados por aclamao
pelos demais guardas presentes, exerciam a funo de escrutinadores. As eleies realizavam-se
no interior das igrejas, locais pblicos por excelncia, e os milicianos, notificados por editais e
pelos seus respectivos comandantes, deviam comparecer desarmados para a nomeao dos
oficiais.2
O escrutnio comeava pela patente mais graduada at a menor, com maioria absoluta
de votos. No havendo maioria absoluta, entrariam em segundo pleito os dois guardas mais
votados e, caso houvesse empate, decidia-se por sorteio a nomeao do posto. A eleio por
maioria absoluta de votos estendia-se at a patente de 1 sargento, que formava a hierarquia dos
oficiais inferiores conjuntamente com as de 2 sargento e forriel.3 Estes dois ltimos postos, mais o
de cabo, eram, por sua vez, preenchidos por maioria relativa.4
O pleito para o Estado Maior do Batalho da Guarda Nacional tambm era realizado por
meio de eleies individuais e secretas e com maioria absoluta de votos. Entretanto, reuniam-se
apenas os oficiais comandantes, ou seja, os oficiais considerados superiores (capito, tenente e
alferes), mais o sargento e o forriel das companhias que compunham o batalho; serviam de
escrutinadores um oficial superior e um sargento, tambm aprovados por aclamao. Presidia a
eleio o juiz de paz do distrito em que fora marcada a parada do batalho.5
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 146
TOTAL
NOME DISTRITO ANO POSTO VOTOS
DE G.N.
Antnio Fernandes Santana do Deserto 1832 Cabo 27 52
Santa Cruz do
Antnio Fernandes 1834 1 sargento 62 69
Escalvado
Antnio Ferreira So Jos da Barra Tenente-coro
1832 -nel
26 37
Rabelo Longa
Antnio Ferreira So Jos da Barra Tenente-coro
1837 -nel
27 53
Rabelo Longa
Antnio Pires de
Furquim 1842 Alferes 55 65
Abreu
Antnio Pires de
Furquim 1847 Tenente 47 67
Abreu
Francisco Gomes da Santa Cruz do
1843 Alferes 96 124
Silva Escalvado
Francisco Gomes da Santa Cruz do
1847 Capito 85 -
Silva Escalvado
Francisco Xavier da So Jos da Barra Sargento-
1832 23 37
Costa Longa mor
Francisco Xavier da So Jos da Barra Sargento-
1837 27 53
Costa Longa mor
Inocncio Martins
Santana do Deserto 1832 Cabo 14 52
Valado
Inocncio Martins Santa Cruz do
1834 2 sargento 53 69
Valado Escalvado
So Jos da Barra
Joo Martins Vieira 1832 Alferes 26 46
Longa
So Jos da Barra
Joo Martins Vieira 1841 Tenente 49 85
Longa
Joo Paulo Ferreira da
Furquim 1835 2 sargento 37 42
Silva
Joo Paulo Ferreira da
Furquim 1836 Tenente 34 51
Silva
So Jos da Barra
Joaquim Ferreira Pinto 1832 2 sargento 26 46
Longa
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 148
TOTAL
NOME DISTRITO ANO POSTO VOTOS
DE G.N.
So Jos da Barra
Joaquim Ferreira Pinto 1836 3 sargento 41 62
Longa
Joaquim Jos de So Jos da Barra
1836 1 alferes 40 62
Barcelos Longa
Joaquim Jos de So Jos da Barra
1841 1 alferes 44 85
Barcelos Longa
Joaquim Martins
Santana do Deserto 1832 1 sargento 30 52
Valado
Joaquim Martins Santa Cruz do
1834 Alferes 56 69
Valado Escalvado
Jos Antnio de Lima
Furquim 1832 1 sargento - -
Rolim
Jos Antnio de Lima
Furquim 1842 Tenente 43 65
Rolim
Alferes
Jos Antnio de Lima So Jos da Barra
1832 porta-band- 20 37
Rolim Longa
eira
Santa Cruz do
Jos Joaquim da Silva 1836 Alferes 38 74
Escalvado
Santa Cruz do
Jos Joaquim da Silva 1841 Alferes 116 154
Escalvado
Jos Joaquim
Furquim 1832 Alferes - -
Gonalves Pereira
Jos Joaquim
Furquim 1836 Alferes - 51
Gonalves Pereira
Manoel Carvalho
Furquim 1832 Capito - -
Sampaio
Manoel Carvalho
Furquim 1836 Capito 50 51
Sampaio
Manoel Carvalho
Furquim 1842 Capito 56 65
Sampaio
Santa Cruz do
Manoel Lopes Chaves 1834 Tenente 59 69
Escalvado
Santa Cruz do
Manoel Lopes Chaves 1839 Tenente 50 78
Escalvado
Sebastio Pereira
Santana do Deserto 1832 Capito 33 52
Garro
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 149
TOTAL
NOME DISTRITO ANO POSTO VOTOS
DE G.N.
Sebastio Pereira Santa Cruz do
1836 Capito 59 74
Garro Escalvado
Sebastio Pereira Santa Cruz do
1841 Capito 154 154
Garro Escalvado
Venncio Jos So Jos da Barra
1832 1 sargento 25 46
Gonalves Longa
Venncio Jos So Jos da Barra
1836 1 sargento 48 62
Gonalves Longa
Venncio Jos So Jos da Barra
1841 2 alferes 46 85
Gonalves Longa
Fonte: Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM), cdices 372, 374, 455, 642,
724 e Arquivo Pblico Mineiro (APM). Seo Provincial, Presidncia da Provncia, srie 1, subsrie
16, caixa 56. 15/2/1850.
Pelos dados apresentados, podemos observar oficiais que foram eleitos em um distrito e
posteriormente, elegeram-se em outro, galgando ainda uma patente hierarquicamente superior
anterior. Foi o caso, por exemplo, de Antnio Fernandes, o primeiro oficial listado na tabela, que
se elegeu cabo no distrito de Santana do Deserto em 1832 e depois foi eleito 1 sargento no
distrito de Santa Cruz do Escalvado em 1834. Casos anlogos a este foram o de Inocncio Martins
Valado e Joaquim Martins Valado, ambos residentes no distrito de Santana do Deserto, quando
foram eleitos em 1832, o primeiro para o posto de cabo e o segundo para o de 1 sargento. Em
1834, quando residiam em Santa Cruz do Escalvado, elegeram-se novamente como oficiais,
Inocncio como 2 sargento e Joaquim como alferes.
Houve ainda oficiais que residiam no mesmo distrito e que se reelegeram com patentes
de maior graduao. o que podemos constatar, por exemplo, com os oficiais Joo Martins Vieira
e Joo Paulo Ferreira da Silva. O primeiro, morador em So Jos da Barra Longa, foi eleito alferes
em 1832 e tenente em 1841, e o segundo, residente no distrito de Furquim, elegeu-se 2 sargento
em 1835 e em 1836, foi eleito tenente.
Podem-se constatar ainda situaes de milicianos que moravam no mesmo distrito e
que foram reeleitos para o mesmo posto, como se procedeu com Antnio Ferreira Rabelo, eleito
tenente-coronel no distrito de So Jos da Barra Longa em 1832 e reeleito em 1837. Situao
similar foi a de Jos Joaquim da Silva, eleito alferes em Santa Cruz do Escalvado em 1836, e
posteriormente reeleito para a mesma patente em 1841.
Por fim, temos dois casos de oficiais que foram eleitos trs vezes para a mesma patente:
Manoel Carvalho Sampaio e Sebastio Pereira Garro. Ambos elegeram-se para o posto de capito. O
segundo obteve uma surpreendente unanimidade de 154 votos em 1841, no distrito de Santa Cruz
do Escalvado. Acreditamos, todavia, que mais oficiais tivessem sido eleitos em mais de um pleito,
assim como mais milicianos civis tambm teriam sido eleitos oficiais nas demais localidades do
municpio de Mariana. Contudo, faltaram-nos mais atas eleitorais que comprovassem tais escrutnios.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 150
Diante do que at agora foi exposto, convm esclarecer algumas questes. O fato de os
oficiais pesquisados se reelegerem significaria a deteno de certa parcela de prestgio social? Ou,
ao considerarmos o prestgio social como fator preponderante para a eleio, em que medida ele
era determinante?
luz dessas questes, consideramos o prestgio social uma varivel essencial no
momento em que eram realizadas as eleies do oficialato da Guarda Nacional, medida
que, segundo a anlise de Max Weber sobre o lder carismtico, os oficiais eleitos
demonstrariam, por assim dizer, a fora de seu carisma ou, em outros termos, os milicianos
civis eleitos oficiais configuravam-se como lderes carismticos no sentido de que a
legitimidade de sua autoridade provinha de uma superioridade pessoal baseada no bom
xito individual. Tais oficiais carismticos apareciam aos seus subordinados como
personalidades excepcionais e, quando muito, espetaculares. 12
evidente que o lder carismtico mantm sua autoridade enquanto prova a fora
de seu carisma. No entanto, sua autoridade revela-se extremamente instvel e o lder pode
perder seu carisma de uma hora para outra.13 Nesse sentido, nos termos em que conduzimos
a anlise, um oficial poderia perder seu carisma no momento em que deixasse de ser uma
personalidade excepcional perante seus subordinados, no se reelegendo ou, quando muito,
elegendo-se para um posto de patente inferior. Fato que podemos perceber quando da
realizao do pleito eleitoral do oficialato da Guarda Nacional no distrito de Santa Cruz do
Escalvado no dia 29 de maio de 1834. A ata em questo tinha por ttulo o seguinte: Ata da
eleio dos oficiais da Guarda Nacional deste distrito os quais se elegero por impublicidade
de outros.14
Uma deduo possvel, porquanto eram eleitos aqueles oficiais que desfrutavam
de prestgio social entre seus pares, ou melhor, aqueles que demonstravam possuir carisma.
Ademais, deve-se levar em considerao que, quando um oficial era eleito, sua eleio
acarretava o fascnio e/ou a inveja entre seus conterrneos, a exemplo do personagem no
conto machadiano O Espelho:
Tinha vinte e cinco anos, era pobre, e acabava de ser nomeado Alferes da Guarda Nacional.
No imaginam o acontecimento que isto foi em minha casa. Minha me ficou to orgulhosa!
To contente! Chamava-me meu Alferes. Primos e tios, foi tudo uma alegria sincera e pura. Na
vila, note-se bem, houve alguns despeitados; choro e ranger de dentes como na Escritura; e o
motivo no foi outro seno que o posto tinha muitos candidatos e que estes perderam. Suponho
tambm que uma parte do desgosto foi inteiramente gratuita: nasceu da simples distino.
Lembra-me de alguns rapazes, que se davam comigo, e passaram a olhar-me de revs, durante
algum tempo. Em compensao, tive muitas pessoas que ficaram satisfeitas com a nomeao;
e a prova que todo o fardamento me foi dado por amigos...15
Reunindo esses dados para anlise socioeconmica dos oficiais identificados nos
inventrios post mortem , foi elaborada a seguinte tabela:
TABELA 2 - Valores totais dos bens avaliados nos inventrios post-mortem dos oficiais
da Guarda Nacional, Municipal de Mariana, 1833-1866 (em libras)
Anastcio de
1872 64,39 751,77 1.380,20 68,12 - -
Souza Monteiro
Antnio Gomes
1862 9,86 36,18 1.523,95 93,19 666,78 1.255,29
Cndido
Antnio
Joaquim de 1867 102,69 594,49 883,50 231,86 226,16 887,43
Barcelos
Antnio Pires
1862 378,53 191,86 997,69 62,38 545,94 588,05
de Abreu
Antnio Toms
1867 29,94 81,33 65,44 3,73 13,74 46,74
Pereira
Claudino Jos
1886 11,48 123,91 56,84 36,98 6,61 -
Gonalves
Francisco
Ferreira de 1849 64,91 444,09 1.050,13 128,65 599,07 -
Oliveira
Francisco Xavier
1870 135,88 103,87 91,92 159,58 - 80,99
da Costa
Joo Lopes
1849 26,30 83,36 252,29 45,28 - -
Pereira
Joaquim Gomes
1841 7,35 74,76 285,42 2,52 - -
Ferreira
Joaquim
Marcelino de 1874 75,99 171,98 - 89,69 84,64 85,53
Freitas
Joaquim
1850 19,40 235,98 686,39 34,13 - -
Teixeira da Silva
Jos Agostinho
1867 136,68 1.055,53 1.805,34 135,09 870,27 -
Gomes
Jos Antnio de
1854 17 281,78 698,64 214,25 - -
Lima Rolim
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 153
Jos Caetano
1875 206,60 1.065,44 1.122,83 165,13 221,30 -
Freire
Jos Gomes
1840 62,35 387,75 347,45 6,58 - 13,62
Pereira
Jos Pio do
1862 19,05 76,74 745,53 - - 3,83
Esprito Santo
Manoel
Carvalho de 1862 392,79 2.135,73 12.078,89 1.609,80 7.428,31 -
Sampaio
Rafael Augusto
1862 152,50 101,23 1.008,66 95,87 - -
de Azevedo
Simo Jos de
1833 31,07 34,26 82,54 28,34 80,85 -
Faria
Fonte: Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM), inventrios do 1 e 2 ofcios. A converso dos
valores em libra foi feita com base na Tabela Curso do Cmbio na Praa do Rio de Janeiro 1822/1939.
Srie Estatsticas Retrospectivas/Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. Rio de Janeiro: IBGE,
v.1, 1986, pp. 63-4.
A Tabela 2 demonstra que os valores mdios dos escravos e dos bens de raiz
representavam os bens mais caros avaliados em cada inventrio. Com relao aos valores
representados pelos escravos, interessante observar na mesma tabela que a partir de 1850 o
preo avaliado para os cativos tende a ser maior do que o avaliado para os bens mveis. Tal fato
justifica-se em virtude da Lei Eusbio de Queirs, que aboliu o trfico negreiro, fazendo com que
o preo dos escravos se elevasse a quase o dobro na poca em que se comeava a vislumbrar o
fim gradual da escravido. Alm disso, devemos salientar a promulgao da Lei de Terras de 1850,
que regulamentava a posse das terras por meio da emisso de escrituras de compra e venda, o
que, por sua vez, impedia a constituio da pequena propriedade por parte dos imigrantes e ex-
escravos.20 Razo pela qual ao longo do tempo o preo das terras tendia a ser maior do que o dos
cativos, como bem demonstram os casos de Antnio Toms Pereira, Claudino Jos Gonalves e
Francisco Xavier da Costa. O segundo possua inclusive o menor valor do plantel escravo encontrado
entre os demais apresentados na tabela (56,84).
Com relao aos escravos, importante frisar que esses representavam o grau de riqueza
do inventariado, no sentido de que era o nmero de cativos possudos que media a sua fortuna. O
nmero mdio de escravos determinava a hierarquizao social entre fazendeiros e roceiros na regio
do municpio de Mariana, sendo os primeiros detentores de plantis com mais de dez cativos, e os
segundos, donos de um plantel inferior a esse nmero. 21
A propsito dessa questo, foi elaborada a Tabela 3, que permite visualizar melhor,
entre os oficiais pesquisados nos inventrios post mortem , quais seriam os fazendeiros e
quais seriam os roceiros.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 154
Total 352 13 9
Fonte: ACSM, inventrios do 1 e 2 ofcios, AHCMM, cdices 372, 374, 455, 642, 724 e APM, Seo Provincial,
Presidncia da Provncia, srie 1, subsrie 16, caixa 56. 15/2/1850.
*Este oficial foi eleito em mais de uma eleio (ver Tabela 1). Todavia, consideramos o posto de tenente por
ter sido o ano dessa eleio (1842) mais prximo ao de seu falecimento (1854).
Para uma melhor diferenciao entre oficiais superiores e inferiores, os primeiros aparecem grifados em
itlico.
contradies e nas tenses cotidianas de sua existncia material, no sentido de que, segundo
Carlo Ginzburg, a recomposio de biografias individuais, supostamente medocres e
destitudas de interesse, as tornam, por isso mesmo, representativas de todo um estrato
social em um determinado perodo histrico. 22 Trata-se, portanto, de investigar as
sociabilidades que esse oficial possua e que, por sua vez, encontravam-se inseridas em
uma sociedade hierarquizada, notadamente patriarcal e escravista, em que a violncia era
uma varivel constante no meio de vida da populao rural brasileira. 23
O oficial em questo chamava-se Sebastio Pereira Garro. Esse oficial, ao lado de
Manoel Carvalho Sampaio, foi eleito trs vezes para o posto de capito nos distritos de
Santana do Deserto e Santa Cruz do Escalvado. Porm, foi o nico a ser eleito por
unanimidade de votos entre os guardas nacionais reunidos (154), fato este que nos chamou
a ateno.
Ao que tudo indica, o prestgio social de Sebastio Pereira Garro no se confirmou
apenas na edilidade do oficialato da milcia cvica. A nosso ver, Pereira Garro configurou-se
como um lder carismtico graas sua participao bastante ativa na vida institucional da
Guarda Nacional do municpio de Mariana; foi membro constituinte do Conselho de
Qualificao da corporao civil em Santana do Deserto em 1833 e em Santa Cruz do
Escalvado em 1834, 1837, 1838, 1839, 1840 e 1845; foi ainda juiz de paz presidente do
Conselho de Qualificao em Santa Cruz do Escalvado em 1841, 1842 e 1847, e juiz de paz
presidente da eleio dos oficiais da Guarda Nacional no mesmo distrito em 1841, 1845 e
1849.24 Foi tambm eleito juiz de paz em Santa Cruz do Escalvado em 1844 e em 1848,
obtendo um total de 234 votos no primeiro pleito e trinta e seis no segundo. 25
Embora no tenhamos encontrado o seu inventrio post mortem no Arquivo da
Casa Setecentista de Mariana, Pereira Garro aparece como um dos louvados nomeados para
a avaliao dos bens de dois oficiais da Guarda Nacional, Joaquim Gomes Ferreira e Joaquim
Teixeira da Silva. 26 Desse fato, podemos atestar uma estreita familiaridade desfrutada no
s com os oficiais citados, mas tambm com os demais membros da comunidade,
perfeitamente compreensvel em assentamentos onde todos se conheciam.
Mas o que autentificaria o prestgio social desse oficial? Seria Pereira Garro um lder
carismtico que conseguia provar seu carisma perante seus subordinados? E mais, qual seria
sua situao socioeconmica? Seria, porventura, um fazendeiro ou um roceiro? A esse
respeito, as informaes so bastante escassas. Sabe-se ao certo que, ao se alistar na Guarda
Nacional no distrito de Santana do Deserto, em dezembro de 1831, Sebastio estava com
vinte e um anos de idade, era casado e exercia a atividade de lavrador.27 Todavia, por meio
de uma lista nominativa de habitantes obtida junto ao CEDEPLAR (Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional), podemos inferir alguns dados pertinentes para
o entendimento de sua composio socioeconmica.
A lista em questo diz respeito estrutura familiar de Sebastio. Este no era o
chefe do domiclio, mas seu pai, Thoms Pereira Garro, que tambm era lavrador. Alm disso,
dos cinco filhos de Thoms Garro, Sebastio era o mais velho e o nico casado. O mais
importante a ser levado em considerao, porm, diz respeito posse de cativos. O domiclio
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 158
possua trinta e seis escravos. Dessa forma, nos termos em que conduzimos a anlise, o pai
de Sebastio era um fazendeiro, uma vez que possua um plantel com mais de dez cativos.
Sendo assim, era Sebastio Pereira Garro um fazendeiro como seu pai?
No possvel responder a essa questo com certeza. Mas podemos admitir que
o mesmo teria sido um roceiro, medida que o plantel escravo pertencente ao seu pai
foi, no momento da partilha dos bens, dividido entre seus irmos. Alm disso, o
inventrio post mortem de seu irmo, Francisco Pereira Garro, acusou a posse de oito
cativos, o que faz crer que Sebastio teria sido realmente um roceiro. 28 Tal afirmao,
porm, necessita de dados mais precisos para uma anlise acurada sobre sua situao
socioeconmica.
Para essas questes, o Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana fornece
um outro tipo de pista, desta vez em relao sua atuao poltico-partidria. Deparamo-
nos em seu acervo com um documento intitulado Relao dos Oficiais da Guarda Nacional
do Municpio de Mariana, menos do 1 Batalho e da Companhia de Oliveira pertencente
ao 3 Batalho, no qual o capito Sebastio Pereira Garro aparece registrado com uma
punio de trs dias de priso. 29 Apesar de o documento em questo estar catalogado como
sem data, podemos deduzir que ele tenha sido redigido no ano de 1837, pois quase em seu
final h uma meno ao dia 3 de janeiro do mesmo ano. Mas qual seria essa sentena de
trs dias de priso com que o capito Sebastio foi punido?
A sentena de trs dias de priso proveio do artigo 19 do Decreto de 25 de outubro
de 1832. Esse artigo faz meno ao Conselho de Disciplina dos Corpos da Guarda Nacional. 30
Diante desse fato, perguntamos: Qual seria o motivo de sua aplicao? Essa priso possuiria
uma conotao de natureza meramente disciplinar ou poltica? Ao possuir uma aplicao
de carter poltico, qual seria ento o engajamento de Sebastio Pereira Garro no episdio
do qual resultou essa punio?
A suspeita de um provvel evento poltico como fator responsvel pela priso de
trs dias poderia ser atribuda Sedio Militar de Ouro Preto de 1833, ocorrida, portanto,
quatro anos antes da aplicao da sentena se levarmos em considerao o ano de 1837. A
anistia concedida aos sediciosos pelo governo regencial, em 1835, provocou uma srie de
boatos e intrigas de novas sedies, alm de acirrar os nimos entre caramurus e liberais
moderados na Provncia mineira. 31 Logo, podemos pensar na possibilidade de Sebastio ter
sido punido em virtude da suspeita de entabular uma nova sedio militar.
Se, por um lado, Pereira Garro realmente participou da Revolta do Ano da Fumaa
uma suposio que no podemos afirmar com rigor, por outro, o oficial em questo teve
participao ativa na Revolta Liberal de 1842 ao lado dos insurgentes liberais de Barbacena.
Uma participao que lhe valeu a suspenso de seu posto, aps o fim das hostilidades,
como bem atesta o ofcio transcrito abaixo:
Tenho a honra de responder a respeitvel portaria de V. Ex. de 15 do corrente em
que me ordena informar sobre a representao que faz o Coronel da Legio de Mariana
dos oficiais que se negaram ao servio na ocasio da rebelio e outros que se foram
incorporar aos rebeldes e tambm que Joo Paulo Ferreira est demitido. Sobre este
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 159
passo as ditas providncias [foram tomadas], enquanto aos outros sei que nenhum
esteve nas foras a[o] meu comando e por isso muito certo o terem-se negado ao
servio e sobre o Capito Garro que o Coronel diz que foi com a Companhia para os
rebeldes de Santa Brbara, creio ser verdade pelo alto conceito em que tenho o
Coronel e acho que muito convm ser atendida a representao do mesmo. V. Ex.
porm determinar o que entender justo.32
Embora tenha sido suspenso do seu posto em virtude de sua participao na Revolta
Liberal de 1842, Sebastio Pereira Garro, ao que parece, novamente se elegeu capito da
Guarda Nacional, logo aps a anistia decretada pelo governo imperial em 1844. Apesar de
no termos encontrado nenhuma ata que comprovasse a sua eleio, podemos considerar
essa afirmao como vlida, pois ao eleger-se juiz de paz em Santa Cruz do Escalvado em
1844, a ata da eleio registrava-o como portador da patente de capito. 33
Ao eleger-se novamente capito da corporao civil e exercer ainda o cargo de
juiz de paz logo aps a comoo poltico-militar de 1842, Pereira Garro provavelmente
valeu-se de alianas tcitas com as autoridades imperiais, pois tornar-se oficial da milcia
cvica implicava necessariamente um alinhamento poltico-partidrio com a Corte do
Rio de Janeiro. Ou ainda o prestgio social desfrutado por Sebastio e a fora de sua
autoridade carismtica faziam dele um impor tante aliado para a propagao dos
princpios de ordem, disciplina e hierarquia professados pelos saquaremas por todo o
Imprio brasileiro. Desse modo, em prol da propagao desses princpios, fazia-se mister
angariar acordos e troca de favores mesmo entre aqueles que haviam se insurgido contra
o governo imperial.
Na sedimentao da poltica de alianas e compromissos recprocos entre os
notveis locais e o governo imperial, serviu a Guarda Nacional como um instrumento de
intermediao entre as duas par tes, uma vez que ela era uma milcia cooptada
patrimonialmente em prol das instncias burocrticas do Estado em formao. Isto porque
a corporao militarizava o sdito brasileiro, tornando-o um miliciano civil, cujo desempenho
na corporao civil supria a falta de funcionrios burocrticos necessrios consecuo
racional do poder. 34 Nesse sentido, a prestao de servios na milcia dava-se de forma
honorfica e acessria, em que a expropriao dos recursos pblicos da administrao sob
a forma de uma compensao pecuniria era uma varivel que praticamente inexistia devido
debilidade das finanas pblicas. 35
A esse respeito, podemos supor que o capito Sebastio Pereira Garro teve
conscincia de sua importncia, no sentido de que era um oficial da Guarda Nacional e,
principalmente, um sdito do Imprio brasileiro. Um sdito de um Imprio situado nos
trpicos, patrimonial e escravista por excelncia, mas acima de tudo um sdito que possua
prestgio social entre seus pares, cuja autoridade carismtica poderia ser recrutada ou at
mesmo desejada para a constituio de uma rotina administrativa, por intermdio de
servios prestados gratuitamente na corporao civil, como forma de concretizar seus
interesses pessoais no meio em que vivia.
Sendo assim, podemos concluir, pelo caso reconstitudo e analisado que o oficial
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 160
em questo deixava-se guiar por uma relao particularizada com as autoridades pblicas,
no sentido de que tal relao constitua meio e forma de satisfao de seus prprios
desgnios pessoais no desempenho da gesto pblica. Isso no termo de Mariana na primeira
metade do sculo XIX.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 161
NOTAS
1
Doutor em Histria pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Professor Adjunto da Universidade Federal
de Tocantins (UFT).
2
Coleo de Leis do Imprio do Brasil (CLIB) Lei de 18 de agosto de 1831, art. 51
3
Forriel era o suboficial encarregado das forragens. Segundo o dicionarista Morais, esse posto situava-se
entre os de cabo e sargento. Para Raimundo Jos da Cunha Mattos, forriel era o oficial inferior que exercia as
funes dos antigos forriis-mores, mais tarde denominados quartis-mestres. CASTRO, Jeanne Berrance
de. A milcia cidad: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. So Paulo: Companhia Editora Nacional; Braslia:
INL, 1977. p. 252.
4
CLIB. Lei de 18 de agosto de 1831, art. 52.
5
CLIB. art. 54.
6
CLIB. art. 58.
7
CLIB. art. 59.
8
Sobre o carter no remunerado dos servios prestados pelos oficiais da Guarda Nacional, Cf. URICOECHEA,
Fernando. O minotauro imperial: a burocratizao do Estado patrimonial brasileiro no sculo XIX. Rio de
Janeiro; So Paulo: DIFEL, 1978. p. 150.
9
CLIB. Lei de 18 de agosto de 1831, art. 57.
10
CASTRO, Jeanne Berrance de. A milcia cidad: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. So Paulo: Companhia
Editora Nacional; Braslia: INL, 1977. p. 156. Especialmente a nota 49, p. 168. Ver tambm: FARIA, Maria
Auxiliadora. A Guarda Nacional em Minas Gerais (1831-1873). In: Revista Brasileira de Estudos Polticos,
Belo Horizonte, n. 49, p. 169, jul. 1979.
11
Pelas razes prprias deste artigo, tais tabelas no foram aqui reproduzidas.
12
WEBER, Max (1946). Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982. p. 286. Cf.
ANSART, Pierre. La gestion des passions politiques. Lausanni: Editions LAge dHomme. 1983. Em especial
os captulos III e IV.
13
WEBER, op. cit., p. 287.
14
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 455.
15
ASSIS, Machado de. Contos escolhidos. So Paulo: O Estado de S. Paulo/Klick Editora, 1999, p. 23.
16
WEBER, Max (1946). Ensaios de Sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1982,p. 284.
17
Sobre o carter patrimonial do Estado e a indistino entre pblico e privado na vida poltica brasileira do
sculo XIX, Cf. HOLANDA, Srgio Buarque de (1936). Razes do Brasil. 26 ed. So Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p. 146.
18
FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro; PITZER, Renato Rocha. Bares, Homens Livres Pobres e Escravos: notas sobre
uma fonte mltipla inventrios post mortem. In: Revista Arrabaldes. Petrpolis, ano I, n. 2, p. 32, set./
dez. 1988.
19
FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro; PITZER, Renato Rocha. Bares, Homens Livres Pobres e Escravos: notas sobre
uma fonte mltipla inventrios post mortem. In: Revista Arrabaldes. Petrpolis, ano I, n. 2, p. 32-4, set./
dez. 1988.
20
Cf. SILVA, Lgia Osrio. Terras devolutas e latifndio: efeitos da lei de 1850. Campinas: Editora da Unicamp,
1996; MARTINS, Jos de Souza. O cativeiro da Terra. So Paulo: Editora Cincias Humanas, 1979.
21
Para mais detalhes sobre a padronizao dessas duas categorias analticas, Cf. ANDRADE, Francisco Eduardo
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 162
de. A enxada complexa: Roceiros e fazendeiros em Minas Gerais na primeira metade do sculo XIX. Belo
Horizonte: UFMG, 1995. 270 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1995.
22
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisio.
So Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 26-7.
23
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho (1969). Homens livres na ordem escravocrata. 4 ed., So Paulo: Editora
Unesp, 1994. p. 27.
24
AHCMM. Cdices 374 e 455.
25
AHCMM. Cdice 435.
26
ACSM. Cdice 32, auto 760, 2 ofcio; cdice 131, auto 2739, 1 ofcio.
27
AHCMM. Cdice 455.
28
ACSM. Cdice 88, auto 1860, 1 ofcio.
29
AHCMM. Cdice 52. Sem data.
30
CLIB. Decreto de 25 de outubro de 1832, art. 19.
31
Cf. IGLSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Srgio Buarque de (org.). Histria geral da civilizao
brasileira. So Paulo: DIFEL, t. 2, v. 2, 1964. p. 403.
32
Arquivo Pblico Mineiro (APM). Seo Provincial, Presidncia da Provncia, srie 1, subsrie 17, caixa 2. 22/
12/1842. Grifo meu.
33
AHCMM. Cdice 435.
34
URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial: a burocratizao do Estado patrimonial brasileiro no
sculo XIX. Rio de Janeiro; So Paulo: DIFEL, 1978. p. 112.
35
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho (1969). Homens livres na ordem escravocrata. 4 ed., So Paulo: Editora
Unesp, 1994. p. 121.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 163
ARTIGO
Possveis caminhos:
os expostos de Mariana (1800-1850)
Cntia Ferreira Arajo1
Nos ltimos anos, tornaram-se cada vez mais presentes os estudos que abordam a histria
da infncia no Brasil, sobretudo da infncia abandonada. Essas pesquisas nos revelam que em
nossas terras, assim como em outras do domnio catlico, o abandono de criana foi uma prtica
aceita e muito comum. Esses trabalhos nos mostram o pequeno nmero de localidades que
contaram com um mecanismo formalmente institudo de amparo aos pequenos abandonados. E
revelam-nos, ainda, a alta taxa de mortalidade entre essas crianas.
A questo sobre a exposio de crianas foi tratada, tambm, para o caso de Mariana
(MG) durante a primeira metade do sculo XIX.2 No artigo ora proposto, objetiva-se vislumbrar
possveis destinos dos enjeitados marianenses oitocentistas que conseguiram sobreviver
mortalidade e chegaram idade adulta.3 Para isso utilizamos, principalmente, as listas nominativas
da Provncia de Minas Gerais dos anos de 1831-1832.4
No ano de 1831, o governo provincial solicitou em ofcio a relao nominal de todos os
habitantes residentes em cada distrito, vila ou povoado da Provncia de Minas Gerais, divididos
por fogos ou domiclios. Essas listas, elaboradas em 1831-1832, abrangeram 59% do total de
distritos de paz da provncia, englobando 242 localidades. E traz em informaes nominais sobre
a populao da provncia, data da lista, nome do distrito, nmero do quarteiro, do fogo,
informaes especficas sobre cada indivduo, sua relao com o chefe do domiclio, sexo, raa,
condio social (livre, cativo, forro), idade, estado conjugal, ocupao e nacionalidade.5
Segundo Cristiana Viegas de Andrade, embora essas listas correspondam a trs quintos
da populao, no se deve entend-las como uma amostra, pois, nas palavras da autora: (...)
observa-se uma grande heterogeneidade de cobertura, sendo que, em geral, as regies de nvel
econmico mais elevado apresentam coberturas melhores. (...).6
O recenseamento dos habitantes da Cidade de Mariana e seu termo foram feitos no ano
de 1831 e 1832 e abrangeu 38 localidades formadas por 4470 fogos, que somavam um total de
40328 habitantes distribudos como mostra a tabela 1. Desse total, 25609 (63,50%) eram livres7,
13301 (32,98%) cativos ou escravos, 1400 (3,47%) libertos ou forros e 18 (0,05%), quartados e 97,
expostos ou enjeitados.
Em nossa anlise, consideramos apenas o levantamento feito para o distrito paroquial da
S de Mariana (1831), no qual foram arrolados 596 fogos, dos quais 46% , ou seja, 274 domiclios,
eram chefiados por mulheres.
Esses domiclios somaram um total de 2972 habitantes, sendo destes, 1448 (48,7%)
homens e 1524 (51,3%) mulheres. Dentre eles, 1094 foram identificados como pardos, 606 crioulos,
548 brancos, 450 pretos, 164 cabras, 3 ndios, e em 107 casos a cor no foi revelada. Entre essas
pessoas, 556 foram classificadas como livres, 849 escravas, 5 quartadas, e em 1562 casos, a
documentao no registrou a condio. Se considerarmos que esse ltimo nmero tratava-se de
livres, teremos ento o seguinte quadro: 71,3% dos habitantes da S de Mariana eram pessoas
livres, 28,6% eram cativos e 0,2% estavam em processo de liberdade ou j teriam quitados as
parcelas de sua alforria.
Nesse ano, o distrito da S contava 40 expostos (21 mulheres e 19 homens), distribudos
em 33 fogos. Destes, 25 foram reconhecidos como brancos e 14 pardos (em um caso a cor no foi
informada) e metade era maior de 7 anos. Entre esses 33 domiclios que abrigavam os enjeitados,
21 eram chefiados por mulheres e 12 comandados por homens. Mais uma vez, pde-se constatar,
no ano de 1831, que a maioria dos domiclios de acolhida era humilde.
As informaes extradas dos fogos que acolheram os 40 enjeitados da S demonstram
que a maior parte dos expostos viviam em domiclios comandados por mulheres solteiras (11casos),
sete estavam sendo criados por vivas e apenas trs estavam sob o amparo de mulheres casadas.
J dos 12 abandonados sob a guarda de homens, trs estavam includos em domiclios de solteiros,
oito expostos estavam sendo criados por homens casados e um estava aos cuidados de um vivo.
Esses dados refletem a situao da sociedade marianense naquele perodo.
Como se sabe, a regio de Mariana caracterizou-se pelas altas taxas de celibato, isso devido a
uma srie de fatores que acabou propiciando um padro cultural no qual as relaes tidas como
irregulares foram bem mais aceitas. Dessa forma, pode-se dizer que a preocupao dos expositores
no estava na condio conjugal daqueles que poderiam vir a acolher seus infantes. Diante da
necessidade de abdicar dos filhos, os pais buscavam apenas algum que pudesse tomar a tarefa de
cri-los e na maioria das vezes os pequenos abandonados encontravam abrigo em domiclios humildes.
Os expostos poderiam, ainda, ser inseridos em famlias mais amplas atravs de relaes
estabelecidas por meio dos apadrinhamentos, uma vez que o parentesco espiritual desempenhava
um papel de grande importncia religiosa e social. O batismo, alm de marcar a entrada da criana
no mundo cristo, fortalecia ou estabelecia laos afetivos de solidariedade entre as pessoas que
dele participavam.
Aps o sacramento, padrinhos e afilhados estavam, ento, ligados por vnculos espirituais,
que tambm implicavam prestao de assistncia material. A esperana de melhorar as condies
de vida ou, ao menos de permanecer naquela em que se encontrava, levou muitos pais a
procurarem seus compadres e comadres entre os indivduos que tinham uma melhor condio
social. O compadrio abriu, dessa forma, espao para que se estabelecessem relaes entre
segmentos distintos da sociedade, sem, contudo, colocar em risco o patrimnio familiar, j que
no colocava em questo a partilha de bens.
A maioria dos estudos existentes sobre compadrio envolve escravos. Atravs desses
trabalhos, sabemos, por exemplo, que raros foram os proprietrios que apadrinharam seus prprios
cativos. Isso porque o elo do parentesco espiritual entrava em choque com os interesses escravistas.
Mas como se teriam dado essas relaes parentais no caso dos enjeitados? A escolha de padrinhos
e madrinhas teria exercido o mesmo peso que teve para as outras crianas? Para tentar clarear
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 165
essas indagaes, utilizamos as informaes sobre os padrinhos e madrinhas trazidas pelos registros
de batismos. Sublinhando que nos preocupamos, apenas, em estabelecer se os pais espirituais
coincidiam com os nomes dos criadores trazidos na documentao.
Na tentativa de buscarmos respostas a esses questionamentos, pesquisamos os registros
de batismos de expostos da S de Mariana do perodo de 1800-1850.8 Os assentos correspondentes
aos anos de 1800-1806 no foram encontrados. Para o restante do perodo, encontramos 348
assentos de batizados de enjeitados.
Desses 348 batismos de crianas expostas, 65 (18,7%) registraram criadores como sendo,
tambm, padrinhos ou madrinhas, sendo mais frequente o apadrinhamento quando o acolhedor
era homem, como ocorreu em 38 casos. Podemos dizer, ento, que para essas 65 crianas os laos
formados pelo parentesco espiritual poderiam ter lhes garantido uma melhor insero nos
domiclios, visto que a relao ritual estabelecia proteo dos afilhados por parte de seus padrinhos.
Mas e as 283 crianas restantes? Em 12 assentos, o escrivo no mencionou a presena
de padrinho e madrinha no momento em que o enjeitado recebeu as guas batismais. E em 35
registros foi a figura da madrinha que no apareceu. Somados com os 12 casos anteriores, perfaze
um total de 47 batismos sem indicao de madrinhas, o que indica uma nfase maior conferida ao
apadrinhamento masculino. Dentre os batismos, destacaram-se algumas pessoas pelo nmero
de vezes que compareceram pia batismal para apadrinhar expostos.
Parece claro que, em vrios casos, no houve muita preocupao em relao figura da
madrinha ou, at mesmo de padrinho e madrinha, na hora de a criana receber o sacramento.
Outra constatao que algumas figuras da cidade fizeram-se padrinhos de enjeitados por vrias
vezes. Como, por exemplo, o sacristo-mor da Catedral, Antonio de Pdua, que apadrinhou quinze
crianas. Alm dele, outros eclesisticos tambm estiveram envolvidos em batizados de, pelo
menos, mais de trs crianas abandonadas. Destacando, ainda, o cura Joo Paulo Barbosa
(apadrinhou sete crianas) e Jos de Souza Ferreira (seis crianas). Sugere-se que na eventualidade
de no se ter um padrinho para a criana abandonada, a prpria igreja fornecia um entre seus
membros.
Onze criancinhas tornaram-se afilhadas do tenente coronel Fortunato Rafael Arcanjo da
Fonseca que, no primeiro registro, apareceu, ainda, com a patente de capito. Sabemos que no
ano de 1814, Fortunato Rafael tinha sido vereador; em 1816, procurador e, em 1821, novamente
vereador. No ano de 1831, estava no topo da hierarquia social de Mariana e encontrava-se entre
os quatro proprietrios que tinham mais de 25 escravos. Era arrendatrio dos ofcios de 2 tabelio,
escrivo dos orfos, e estava estabelecido. Alm disso, tinha chcara e lavras, ou seja, era uma
figura de destaque e de muito prestgio na sociedade marianense daquele perodo.9
Uma caracterstica comum entre a maioria desses padrinhos de vrios enjeitados era a
condio social de destaque. Eram pessoas em evidncia na sociedade. E ao que parece, essa
condio fez com que fossem procuradas diversas vezes para se apresentarem como padrinhos
daquelas crianas que no tinham outras possibilidades. Alguns dos pequenos batizados acabaram
recebendo o nome de seus benfeitores, ao que parece, como uma forma de homenagem. Surgiram,
assim, para citar um exemplo, diversos Fortunatos e Fortunatas entre os muitos afilhados de
Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 166
TOTAL DOS
DISTRITO N DE FOGOS
HABITANTES
S 596 2972
Tapera 96 1267
So Gonalo 94 948
Na Sa de Oliveira 87 839
Sumidouro 78 507
TOTAL DOS
DISTRITO N DE FOGOS
HABITANTES
Camargos 65 352
Na Sa da Sade 30 1097
So Domingos 27 1308
Remdios 26 1337
So Caetano 26 989
Guarapiranga 25 2006
Passagem 25 918
Pinheiro 25 1113
No foi apenas a existncia desses padrinhos dos enjeitados que se fez presente na Cidade.
A documentao paroquial nos chamou a ateno para o fato de vrias crianas terem sido expostas
ao procurador da Cmara. Cabia a esse funcionrio, alm de outras funes, colocar essas crianas
na casa de algum, ou seja, era responsvel por arrumar interessados em criar enjeitados. As fontes
nos sugerem que as diversas pessoas que passaram, ao longo do perodo analisado, pelo cargo de
procurador da Cmara, eram reconhecidas pela populao como uma espcie de roda, ou seja,
acabaram tornando-se uma referncia queles pais que iriam abandonar seus filhos.
Nem sempre o comparecimento dos padrinhos, no momento do ritual, se fez concreto; o
apadrinhamento por procurao foi bastante comum. Como, por exemplo, no caso do capito
Jos Pedro Carlos da Fonseca e Ana [Rodozinda] [Vendelina] da Silva que, no ano de 1809, foram
padrinhos de Francisca, exposta Antonia Maria da Silva. Como no dia do batismo no puderam ir
a Mariana, pois moravam em Vila Rica, Jos e Ana fizeram-se presentes atravs de uma procurao.10
Podemos, ento, dizer que para a maioria dos expostos, diferentemente das outras crianas
livres, o batismo se restringia esfera religiosa, ou seja, de salvao da alma. A preocupao
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 168
primordial era que as crianas, nessa condio, recebessem as santas guas. A importncia social
estabelecida atravs da formao do parentesco espiritual no tinha o mesmo peso. Os laos
estabelecidos com o apadrinhamento tomavam, dessa forma, papel secundrio, o que pode
insinuar o lugar marginal que os expostos ocupavam na sociedade.
Possveis caminhos
Qual seria o destino daqueles expostos que resistiram mortalidade? Provavelmente, a
resposta a essa questo no apenas uma, mas vrias. Podemos sugerir algumas possibilidades,
como, por exemplo, a volta aos pais biolgicos. Como aconteceu com Rita, cujos pais se
encontravam em situao irregular no momento de seu nascimento. Posteriormente, com a
oficializao do matrimnio, procuraram legitimar a menina, como evidencia a transcrio abaixo:
da Costa Pereira e para constar fao este reformando o assento que se acha no livro
8 a folha 139 e declarando a esta Maria inocente filha da sobredita Antonia Maria da
Conceio. Aos 21 de fevereiro de 1826". 12
20$000 a uma afilhada e outros 20$000 a outra afilhada. Para construo da capela em Abre Campo,
foram destinados 50$000 ris, e o restante ficaria com a esposa e tambm testamenteira. Domingos
era uma pessoa de posses. O montante de seus bens formava um valor de 3: 815$000 ris (trs
contos, oitocentos e quinze mil ris), e instituiu como seus legtimos herdeiros seus treze filhos, que
teve com trs mulheres diferentes.
O testamento foi utilizado, tambm, para legitimar filhos nascidos fora do amparo oficial e
que, sem o reconhecimento necessrio, no poderiam herdar os bens deixados por seus pais. Foi
esse o caso de Mariana Anglica do Sacramento, que teve com Miguel Teixeira Romo, antes do
matrimnio, um filho de nome Joo, que foi exposto no Arraial de Passagem. Ele foi institudo seu
nico herdeiro. Como seu marido era falecido, nomeou seu av, tenente Manuel Teixeira Romo,
tutor do menino.15
Outros dois testamentos nos deixam uma interrogao a respeito da filiao dos expostos
que os testadores tornaram seus herdeiros. Os dois casos tm em comum a ocupao do testador:
tratava-se de dois cnegos.
No primeiro testamento, o cnego Joo Bonifcio Duarte Pinto declarou que no teve filhos
naturais nem antes, nem depois do sacerdcio, tendo, portanto, sua conscincia tranquila em relao
a isso. Instituiu como suas herdeiras suas primas e sobrinhas. No entanto, deixou um legado a duas
meninas (Eufrsia e outra) que foram expostas e criadas em casa de dona Clara, mulher do capito
Bento Gonalves, moradores no Cata Galo. Cada uma delas ganhou 200$000 (duzentos mil ris),
valor superior ao cedido a sua sobrinha dona Ana Gualbertina de Queiroz, que ficou com 100$000
(cem mil ris) de herana.16
O outro testamento diz respeito ao patrimnio do cnego Francisco Soares Bernardes que
declarou ser senhor de uma lavra denominada Cuiab, bem como de um stio ou fazenda, chamada
Monjalegoa, e escravos. E que tudo deveria ser mantido por tempo de dois ou trs anos para com os
rendimentos pagar suas dvidas. E depois do tempo vencido e as dvidas pagas, o restante deveria
ser legado, em partes iguais, dona Francisca Claudiana (mulher do capito Jos Gonalves Couto)
e a Jos Florncio da Silva, que foi exposto ao capito Joo Mendes da Silva. O exposto Jos, naquele
momento, estava estudando em companhia do cnego Francisco.
Aps o tempo vencido e o pagamento das dvidas, coube a dona Francisca Claudiana e a
Jos Florncio a quantia de 969$658 ris (novecentos e sessenta e nove mil, seiscentos e cinquenta
e oito reis) para cada um. O cnego ainda teve o cuidado de registrar que o catre dourado com o seu
cortinado no era dele, mas da referida dona Francisca. E teve tambm a preocupao de instituir o
testamenteiro como tutor do enjeitado Jos.17
Os dois documentos mencionados deixaram clara a preocupao dos testadores em relao
s crianas que foram expostas em outras residncias que no as suas. Francisco Soares no somente
foi bem generoso no valor deixado ao exposto Jos Florncio, como demonstrou preocupao quanto
ao futuro do menino. Anteriormente, em relao a seus estudos, e , depois, deixando certo o nome
de seu tutor. O que poderia estar por trs desses sentimentos to nobres? Bondade e generosidade
dos testadores? Ou toda essa grandeza encobriria outros fatos? Teriam sido essas crianas frutos de
relaes entre esses religiosos e donas casadas? Ou seja, frutos de unies que encontravam
impedimento dos dois lados e, por isso, seria to complicado assumi-los abertamente, mesmo no
ltimo momento?
Buscamos, ainda, o testamento de dona Catarina Clara de Jesus e Castro, que, em nosso recorte
temporal, foi a mulher que mais teve consigo expostos. Nos registros de batismos, ela apareceu como
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 171
criadeira de oito crianas, e, destas, apenas quatro meninas conseguiram ser inscritas no subsdio
camarrio.
Em seu testamento, dona Catarina Clara18 declarou que era natural de Mariana; filha
legtima de Domingos Correa Rabelo e dona Pscoa da Ressurreio Castro (ambos falecidos); e
sempre ter vivido no estado de solteira e ter tido seis irmos (uma mulher e cinco homens), dos
quais dois foram padres, mas todos eram falecidos. Foi herdeira e testamenteira de quatro deles e
somente herdeira dos outros dois. Essas informaes confirmam a condio social da testadora.
Dos quatro escravos listados como parte de seus bens em 1831, Catarina conservava
apenas Pedro Munjolo e Severino Coelho. Deixou, em seu testamento, a liberdade gratuita do
primeiro. E o segundo, para obter carta de alforria, deveria pagar 200$000 ou trabalhar por mais
quatro anos. E por no ter herdeiros forados, ou seja, aqueles que teriam direito herana devido
a grau de parentesco, dona Catarina Clara de Jesus instituiu como suas universais herdeiras Isidora
Teixeira e Sancha Quitria, que moravam com ela. A primeira, provavelmente, era a exposta Isidora,
que aparece no recenseamento de 1819 e 1831. Sancha era uma das expostas que apareceu na
listagem de 1831, j com 35 anos.
Deixou ainda 25$000 de gratificao a Ludovina por alguns servios prestados quando
esteve em sua companhia. Seria o termo em sua companhia uma indicativa de outra provvel
exposta que, por algum tempo, viveu em seu domiclio? Pois a no permanncia no domiclio dos
expostos batizados por ela pode ser indicativa ou de falecimento das crianas ou de sada de seus
domnios. Havia, assim, um movimento desses indivduos, comprovado pela presena de Sancha
que aparece, em 1831, em idade adulta.
Enfim, esses seis testamentos de criadores e criadeiras que beneficiaram, de alguma forma,
expostos na partilha dos seus bens, comprovaram o que se esperava, ou seja, que os enjeitados
no eram integrados formalmente nos domiclios de acolhida, salvo excees.
Em suma, sabemos que grande parte das crianas abandonadas no conseguiu resistir
mortalidade. Sabemos, ainda, que poucas trilharam o caminho de volta aos pais biolgicos ou
tiveram aceitao mais formalizada no abrigo das famlias acolhedoras. Sabemos, tambm, que o
amparo institucionalizado cessava quando a criana completava sete anos. Mas e aqueles que
conseguiram escapar da mortandade e alcanar o stimo aniversrio? Qual teria sido seu destino
mais frequente?
Para a maioria desses sobreviventes, entra nossa terceira hiptese: fazer do enjeitado um
trabalhador ou criado domstico, o que ampliava o nmero de agregados, contribuindo como
mo-de-obra, para a sobrevivncia do dia-a-dia dos domiclios.
A prpria legislao portuguesa valorizava a utilizao dos enjeitados nos servios dos
domiclios. Aqueles que aps a criao no estabelecessem laos com as criadeiras deveriam ser
encaminhados ao juiz de rfos. E estes ficavam encarregados de arrumar-lhes uma colocao
que consistia em buscar pessoas que se dispusessem a receb-los, educ-los, sustent-los, vesti-
los e, em troca, poderiam utilizar seus servios gratuitamente. No Brasil, mesmo com a
Independncia, a lei metropolitana foi mantida.19
Na dcada de 1830, mais uma vez seguindo as orientaes europeias, o ensino
profissionalizante destinado aos expostos criados em instituies de assistncia foi regulamentado.
Segundo as normas, eles deveriam ser enviados como aprendizes casa de mestres artesos ou
comerciantes em troca de abrigo, alimentao, vesturio etc. s meninas caberiam as lidas
domsticas como cozinhar, lavar, bordar. Em algumas casas de expostos, foram instaladas oficinas
destinadas a lhes ensinar uma profisso.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 172
Entre os expostos com idades superiores inocncia, 12 foram listados com uma
profisso. Como mostra a tabela 2.
OCUPAO N DE CASOS
costureira e rendeira 05
costureira 04
carpinteiro 02
estudante 02
Total 23
Fonte: APM. Listas Nominativas da S de Mariana, 1831 (disponvel em CD-ROM pelo CEDEPLAR/UFMG).
Daqueles com ocupao declarada, nove estavam de alguma forma ligados profisso
de coser. Nesse perodo, como demonstrou Douglas Libby, a tecelagem superava qualquer outra
atividade e era predominantemente exercida por mulheres de todas as idades e condies.23
interessante observar que a maioria desses nove expostos ligados a essa atividade exercia
nada mais que a mesma profisso que suas criadeiras como no domiclio de Catarina Clara de
Jesus, que exercia o ofcio de costureira e rendeira assim como seus quatro expostos (trs meninas e
um menino). Alm deles, outros dois ocupantes de seu fogo desempenhavam a mesma funo.
Outro fogo com essa caracterstica era o do alfaiate Joo da Mata de Carvalho. Sua mulher
era costureira e rendeira. Assim como essa, era a ocupao de mais outras cinco pessoas listadas no
domiclio que no tinham, aparentemente, nenhuma relao com Joo da Mata. Igualmente, a
exposta Francisca, residente no domiclio, se dedicava mesma funo. Na casa de Felizarda
Rodrigues, fiandeira por profisso, abrigava-se a enjeitada e costureira Francisca. Em outro recinto, a
costureira Joana de S Figueroa, de 70 anos, abrigava a exposta Constancia, 40 anos, de mesma
profisso.
O que esses fogos tinham em comum? Alm de a maioria ser chefiada por mulheres,
abrigavam expostos e, ao que tudo indica, sobreviviam da prtica de costura ou costura e renda.
Outra caracterstica era a participao dos expostos no mesmo ofcio de suas criadeiras. Ou seja, a
presena desses enjeitados significava a existncia de um brao a mais para o trabalho domstico,
especialmente naqueles fogos sem ou com poucos escravos, com um nmero pequeno ou sem
nenhum outro componente alm do chefe do domiclio.
Discutindo as hipteses possveis de destino para os expostos, acabamos por verificar,
atravs da documentao trabalhada, que os expostos que conseguiam chegar idade adulta
acabavam se integrando famlia criadeira ou a outras famlias (na condio de agregados),
constituindo parte importante da fora de trabalho dos domiclios. Sendo assim, o acolhimento
de uma criana abandonada poderia ser a garantia, por parte dos receptores, da manuteno de
mo de obra suplementar ao domiclio.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 174
NOTAS
1
Mestre em Histria pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
2
ARAJO, Cntia Ferreira. A caminho do cu: a infncia desvalida em Mariana (1800-1850). Franca: UNESP,
2005. 147 f. Dissertao (Mestrado em Histria) Faculdade de Histria, Direito e Servio Social, Universidade
Estadual Paulista, Franca, 2005.
3
Esse artigo constitui uma verso simplificada do item O domiclio receptor do trabalho: ARAJO, Cntia
Ferreira. A caminho do cu: a infncia desvalida em Mariana (1800-1850). Franca: UNESP, 2005. 147 f. Dissertao
(Mestrado em Histria) Faculdade de Histria, Direito e Servio Social, Universidade Estadual Paulista, Franca,
2005.
4
Arquivo Pblico Mineiro (APM). Listas Nominativas da Provncia de Minas Gerais. Essa documentao est
disponvel tambm em banco de dados elaborado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
(CEDEPLAR).
5
ANDRADE, Cristiana Viegas. Domiclios mineiros oitocentistas: uma caracterizao segundo o sexo da chefia.
In: Histria quantitativa e serial no Brasil: um balano. Goinia: ANPUH-MG, 2001, p. 70 (grifo nosso).
6
Ibidem, p. 70
7
Consideramos livres aqueles que vinham com essa denominao e aqueles que no tinham qualquer
informao quanto a sua condio.
8
Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana (AEAM). Registro de Batismo da S de Mariana. Prateleira
O, livros: 14, 15, 16, 17 e 19; Prateleira Q, livros: 18, 22, 23 e 24.
9
LEWKOWICZ, Ida. Vida em famlia: caminhos da igualdade em Minas Gerais - sculo XVIII e XIX. So Paulo:
USP, 1992. 351 f. Tese (Doutorado em Histria) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade
de So Paulo, So Paulo, 1992. p. 96 e 97.
10
AEAM. Registro de Batismo de Mariana. Livro 15 O, p. 55 v.
11
AEAM. Registro de Batismo de Mariana. Livro 17 O p. 106 v.
12
AEAM. Registro de Batismo de Mariana. Livro 17 O p. 130 r.
13
Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM). 1. Ofcio.Testamento de Maria Rosa de Jesus, 1855. Caixa
289, auto 5359.
14
ACSM. 1. Ofcio. Testamento de Domingos Alves de Souza, 1939. Caixa 279, auto 5026.
15
ACSM. 1. Ofcio. Testamento de Mariana Anglica do Sacramento. Caixa 189, auto 3684.
16
ACSM. 1. Ofcio. Testamento do Cnego Joo Bonifcio Duarte Pinto, 1851. Caixa 268, auto 4865.
17
ACSM. 1. Ofcio. Testamento do Cnego Francisco Soares Bernardes. Caixa 216, auto 4048.
18
ACSM. 1. Ofcio. Testamento de Catarina Clara de Jesus e Castro. Caixa 165, auto 3369.
19
VENANCIO, Renato Pinto. Adoo antes de 1916. In: LEITE, E. de O. (coord.). Grandes temas da atualidade:
adoo- aspectos jurdicos e metajurdicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 271- 282.
20
MARCLIO, Maria Luza. Histria social da criana abandonada. So Paulo: Hucitec, 1998. p. 290 (grifo nosso).
21
APM. Listas Nominativas da S de Mariana, 1831. Domiclio de Teodora Maria do Esprito Santo. Pasta 2,
documento 17, folha 1.
22
GUTIRREZ, Horcio; LEWKOWICZ, Ida. Trabalho infantil em Minas Gerais na primeira metade do sculo XIX.
Locus-Revista de Histria, Juiz de Fora, v.5, n. 2, jul./dez. 1999.
23
LIBBY, Douglas Cole. Transformao e trabalho em uma economia escravista Minas Gerais no sculo XIX.
So Paulo: Brasiliense, 1988. Ver tambm: GUTIRREZ, Horacio; LEWKOWICZ, Ida. As vivas em Minas Gerais
nos sculos XVIII e XIX. Estudos de Histria, Franca, v. 4, n. 1, p. 129-146, 1997.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 175
ARTIGO
Que lindo! Quantos anos tm? J est na escola? Esse um dilogo muito comum em
nossa realidade, mas no h cem anos. Por maiores que sejam os problemas, as crticas e o debate
sobre o que fazer na escola pblica brasileira atual, no h como negar o acelerado processo de
escolarizao vivido pelo Brasil ao longo do sculo XX. Ousamos afirmar que os problemas de
hoje so problemas de crescimento: cresceram o nmero de escolas, de professores, de alunos;
ampliou-se a responsabilidade da escola, dada a importncia da educao, da informao na
sociedade letrada e capitalista, que foi se consolidando ao longo do ltimo sculo. crescente o
volume de conhecimentos a ser transmitido aos alunos desde as sries iniciais; ampliou-se o
tempo de permanncia de crianas, adolescentes, jovens e adultos na escola. Os termos da equao
se ampliaram quantitativamente, mas os resultados qualitativos ainda no so os esperados.
Como era a escola no tempo dos nossos avs, bisavs? Como era a escola no final do
sculo XIX? Como era a Cidade de Mariana nas ltimas dcadas do sculo XIX? O que pensavam
sobre a escola os homens pblicos, os letrados, a sociedade marianense? O que significava ir para
a escola por volta de 1890? Como seria chegar escola por volta das 10h da manh, mas j tendo
almoado? Como seria estudar numa escola sem ter caderno ou livros? Em turmas apenas de
meninas ou de meninos? Pedir licena ao professor para entrar na sala? Levantar-se entrada de
qualquer visita em sala de aula? Pendurar o chapu no chapeleiro? Escarradeiras em sala de aula?
Continuidades e rupturas fazem parte do cotidiano escolar. No h como no reconhecer o prdio
do grupo escolar numa cidade mineira!
Essas perguntas e muitas outras tm norteado nossa pesquisa. Neste artigo, apresentamos
algumas respostas surgidas do dilogo entre o contexto poltico republicano, a legislao estadual
e as iniciativas da Cmara Municipal de Mariana no mbito educacional.
A necessidade do Governo da Repblica, proclamada em 1889, em organizar o ensino, a
fim de torn-lo mais eficaz e combater o alto ndice de analfabetismo, fez com que, logo em 1890,
a Reforma Benjamim Constant buscasse promover mudanas no ensino primrio e secundrio.
No entanto, essa primeira tentativa esteve distante da realidade brasileira, alterando em muito
pouco o cenrio educacional.
A instruo torna-se uma necessidade, principalmente porque passa a ser vista como
uma via de civilizao, capaz de formar o cidado para a democracia; alm de ser a credencial para
a efetiva participao poltica s tinham direito ao voto os alfabetizados. A Reforma Benjamim
Constant de 1890 e a Constituio de 1891 propem a laicidade e a gratuidade para o ensino
primrio no sentido de promover uma mudana na educao do pas. A bandeira dos republicanos
trazia como lema a democratizao do ensino, requisito para a modernidade e o progresso to
almejado para a nao. Segundo os positivistas, a ordem e o progresso seriam conseguidos atravs
da educao. Benjamim Constant, frente do Ministrio da Instruo, procurou promover as
mudanas sob essas orientaes.
A pouca eficcia da primeira tentativa de reforma nacional para a educao brasileira
motivou a iniciativa do governo mineiro, em 1892, com a Reforma Afonso Pena3. Essa reforma
respondia a princpios j estabelecidos na Constituio Estadual, promulgada em junho do mesmo
ano. Desta, destacamos alguns artigos que interessam ao presente trabalho. O art. 3. tratava dos
direitos dos cidados, nos mesmos moldes da Constituio Federal: 6o. O ensino primario ser
gratuito e o particular exercido livremente. Ao tratar da competncia exclusiva do Congresso
mineiro, inclua Legislar sobre o ensino secundario e superior, que ser livre em todos os graus e
promover no Estado o desenvolvimento da educao pblica...4 Quanto ao ensino primrio, no
era exclusividade do Congresso, ou seja, o municpio tambm tinha autoridade para definir
diretrizes para esse grau de ensino.
Ainda no mbito da Constituio Estadual, encontramos:
Atendendo a esse artigo, temos a Lei no.41, de 03 de agosto de 1892, conhecida como
Reforma Afonso Pena, por ser este o presidente do Estado poca. Estabelecia a responsabilidade
do ensino ao presidente do Estado, porm exercida pelo secretrio de Estado e pelas demais
autoridades criadas pela mesma lei. Dentre estas, o Conselho Superior, Presidido pelo secretrio
de Estado, que contava com a seguinte composio:
sentido da inspeo das escolas criadas, mantidas ou subvencionadas pelo Estado. Cabia a esses
conselhos a organizao estatstica das escolas, o recenseamento escolar e a garantia do
cumprimento da lei de instruo pblica, dentre outras atribuies cabia-lhes ainda
Tais conselhos eram eleitos no mesmo dia dos pleitos municipais, podendo votar os
responsveis pela educao das crianas em idade escolar e os contribuintes do fundo escolar;
desde que soubessem ler e escrever.7
Consoante com os ares democrtico e visando um maior alcance territorial tem-se a
nomeao, mediante concurso, dos inspetores escolares ambulantes, com a incumbncia de
fiscalizar e opinar sobre o ensino praticado nas escolas de sua circunscrio, averiguando o seu
funcionamento, fossem elas pblicas ou privadas, detalhando desde o estado da moblia da escola
postura dos professores, mtodos de ensino e frequncia de alunos.8
O cenrio educacional, no qual se inscrevia a Reforma Afonso Pena e do qual vamos tratar
aqui nos limites do municpio de Mariana, se bem que experimentavasse as mudanas ordenadas
pelos tempos de Repblica, ainda apresentava caractersticas do perodo imperial. Como exemplo,
temos as escolas isoladas, cujo funcionamento se dava em total revelia, ou melhor, de acordo com
as aptides e condies dos professores responsveis. As medidas educacionais tomadas ento,
enfrentando dificuldades que pareciam intransponveis, apontavam para um futuro sistema
educacional. Da as preocupaes expressas na criao dos inspetores e dos conselhos superior,
municipal e distrital, medidas destinadas a homogeneizar e dar uma identidade instruo pblica
estadual.
Assim como ocorreu no cenrio estadual, quando a Proclamao da Repblica exigiu um
reordenamento jurdico, os municpios tambm o fizeram, a seu tempo. Em Mariana, logo aps a
publicao da Constituio do Estado de Minas Geraes, foram promulgadas as leis orgnicas do
municpio. Embasadas nessas leis, tiveram origem as resolues, como a Resoluo n. 5, de 27 de
dezembro de 1892, que, no seu artigo 7., autorizava o Agente Executivo a confeccionar (...)
regulamentos da instruco publica municipal, creando escolas no maximo de seis cadeiras, com
ordenado nunca excedente a seiscentos mil reis anuaes ... Em 23 de janeiro de 1893, foi publicado
o Regulamento n. 1 da Instruco Publica9, cujo contedo, apesar de no se opor legislao
estadual, continha particularidades prprias conjuntura local.
Considerando os poderes do historiador, no possvel acompanhar os movimentos desse
perodo sem se ter como referncia o fim prximo do cenrio marcado pelas escolas isoladas.
Logo no incio do sculo XX, o governo de Joo Pinheiro estabeleceu uma reforma em 1906
que inaugurou a era do grupo escolar. Modelo de organizao escolar, deu origem ao que temos
hoje como escolas estaduais. Para alm do currculo, inmeras outras variveis eram controladas
por funcionrios de confiana do governo os inspetores escolares. O modelo grupo escolar trazia
o compromisso da modernidade, da homogeneizao e da racionalidade. A competncia do
professor, ou professora, como era a maioria (tambm diferente do que ocorria das escolas isoladas,
nas quais a figura do professor era mais frequente), era avaliada no s nos concursos, mas tambm
ao longo de toda a sua carreira. Algo da autonomia anterior que gozava o professor foi extinta.
At os horrios escolares distribuio das disciplinas, de acordo com as cargas horrias semanais
foram estabelecidos pela legislao.
Portanto, o cenrio aqui registrado sem qualquer pretenso de esgot-lo , sem dvida,
um cenrio de transio. E isso podemos observar na legislao local, que buscava conciliar foras,
pelo menos momentaneamente, em posies opostas: a Repblica e a Igreja. Entendemos que
Mariana e tambm Ouro Preto experimentaram particularmente esse conflito: Mariana como
sede da Arquidiocese, com poderes que se estendiam por todo o pas; Ouro Preto, capital do
Estado que, logo em seguida, se viu destituda de tal privilgio com a construo de Belo Horizonte.
A proximidade entre as duas cidades, os vnculos entre os habitantes, a fora poltica e a fora
religiosa traaram para essas cidades particularidades que tm nos instigado a melhor
compreend-las.
Podemos cotejar o Regulamento n1 da Instruco Publica, de 1893, com as proposies
da Reforma Afonso Pena, trata da compreenso do funcionamento das escolas isoladas atendidas
pela Cmara Municipal de Mariana.
Os artigos 1 e 2 do Regulamento estabeleciam a criao de escolas atendendo, em
cada localidade, a populao escolar e a renda arrecadada. As escolas poderiam ser mistas e
deveriam ter, no mnimo, 15 alunos. Consoante com a legislao estadual, que determinava que o
ensino primrio era obrigatrio para crianas de ambos os sexos, de 7 a 13 anos, o Regulamento
municipal estendia o limite de idade para ingresso na escola: idade de 6 annos no minimo e 16 no
maximo.
Agosto de 2008: as famlias comeam a procurar as escolas para matricularem seus filhos
para o prximo ano; reservas aqui e ali; seleo acol. No final do sculo XIX, o perodo de matrcula
se estendia ao longo de todo ano letivo. Deduz-se que, por um lado, a populao no encontraria
obstculos em matricular seus filhos; mas, por outro lado, denuncia-se tambm que a preocupao
com a formao escolar ainda no era predominante naquela populao.
A preocupao com as condies de higiene e sade determinava, como critrio de
matrcula, a vacina e que o aluno no sofresse de nenhuma molstia. A frequncia tambm era
critrio de garantia da vaga: seria eliminado o aluno que faltasse por mais de 15 dias sem
justificativa.
O ano letivo, segundo o Regulamento municipal, iniciava-se em 15 de janeiro e terminava
em 15 de dezembro, sendo que, nos feriados, domingos e quintas-feiras, no haveria aulas,
ampliando-se em um ms a legislao estadual, que previa o perodo letivo de 15 de janeiro a 15
de novembro.
Os exames finais constituam-se de um momento importante para o sistema escolar,
contando com a participao de convidados para comporem as bancas examinadoras. Na legislao
estadual, os exames ocorriam nos primeiros dias de frias10, durando quanto fosse necessrio. J
na legislao marianense, os exames ocorriam nos trs ltimos dias do desenvolvimento dos
trabalhos escolares. A municipal estabelecia que os exames deveriam ser realizados nos trs
primeiros dias de frias e a banca examinadora seria composta por trs membros nomeados pelo
Agente Executivo.11
Quanto ao horrio das aulas, a legislao estadual previa o funcionamento da escola em
dois turnos: pela manh, das 8h30 s 11h; e tarde, das 13h s 15h30. importante esclarecer que
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 179
a legislao estadual trabalhava com um cenrio de escolas urbanas, cuja demanda era maior. J
o Regulamento da Cmara Municipal de Mariana se inscrevia num cenrio de populao mais
rarefeita, seja nos distritos ou na rea rural. Por isso, o Regulamento municipal definiu o
funcionamento das escolas em apenas um turno: das 9h30 s 14h, havendo intervalo de 30 minutos
ao meio-dia.
Os edifcios escolares, segundo o Regulamento, funcionariam na residncia do professor
e deveriam ser, preferencialmente, centrais para auxiliar a freqncia dos alunos. O artigo 331 da
legislao estadual autorizava o governo a despender gastos na construo de prdios para o
funcionamento das escolas. As despesas deveriam ser divididas com as Cmaras Municipais que
providenciariam tambm as moblias necessrias. Mas o regulamento da cidade no previu gastos
com construes de prdios e ainda determinou, no artigo 5, que a povoao que necessitasse
de escolas deveria providenciar a casa e a moblia necessrias.
Cmara caberia conseguir os livros que, segundo o artigo 7, eram tambm escolhidos
por ela, e demais utenslios teis aprendizagem. Pela legislao estadual, o governo deveria
prover os prdios escolares com a moblia adequada, que, alm dos bancos e carteiras, consistia
em:
lousas e pedras para demonstraes mathematicas e mappas parietaes, globos
geographicos, livros didacticos, quadros commemorativos de acontecimentos
memoraveis, photographias, gravuras ou oleographias que recordem personagens
ilustres e benemeritos, ou representem factos e scenas, cujo conhecimento possa
despertar no espirito e corao da infancia idas nobres ou sentimentos generosos;
e ainda os simples ornatos das salas de aulas, jardins, pateos, etc., que possam
contribuir para torar a escola alegre, aprazivel e attrahente para os alumnos.12
O professor ficava responsvel pelo estabelecimento escolar e por seus objetos, ficando
determinado pela Cmara que os livros didticos deveriam ser utilizados somente nas aulas, sendo
posteriormente guardados pelo professor ou professora. Ainda quanto aos livros, s seriam
renovados depois de dois anos, a menos que se aumentasse o nmero de alunos.
Era de responsabilidade do professor manter a escriturao da escola em dia, ou seja,
atualizar e organizar, segundo orientaes da Cmara, os livros de matrcula, inventrio, ponto e
termo de exames.
Mas quem eram esses professores? Que requisitos deveriam cumprir para ocuparem esse
cargo? O Captulo III da Reforma Afonso Pena trata dos deveres e direitos dos professores. Havia
os professores efetivos, que eram nomeados pelo presidente do Estado, e os provisrios e os
substitutos, que eram nomeados pelo presidente dos Conselhos Escolares. O Regulamento
municipal, pelos artigos 27 e 28, determinava que tanto os professores quanto os inspetores
deveriam ser pessoas de reconhecida honra e moralidade. Para as cadeiras que estavam sendo
criadas pelo mesmo Regulamento, os professores seriam nomeados pelo agente executivo, mas
as prximas vagas seriam preenchidas por concurso.
O fato de serem ou no normalistas no havia essa exigncia expressa na legislao ,
distinguia os vencimentos dos professores eram distintos.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 180
No caso das escolas mantidas pela Cmara Municipal de Mariana, o pagamento dos
ordenados provinha da verba Obras Pblicas 600$000 independentemente de serem ou no
normalistas.
Os inspetores no recebiam salrio. Eram nomeados pelo agente executivo e deveriam
inspecionar a higiene das escolas, a regularidade do ensino moral, a conduta dos professores, e
revisar os mapas feitos pelos professores e encaminhados ao agente executivo.
Nesses mapas, cobrindo perodos trimestrais, estavam as informaes do movimento
escolar: data da matrcula, frequncia, a idade dos alunos, o grau de inteligncia atribudo aos
alunos pelos professores no havendo quantificao de desempenho, esse era medido
qualitativamente: nenhuma, pouca, bastante, alguma e o nvel de comportamento sofrvel,
bom, regular, excelente. Para a poca, um dado importante constante dos mapas escolares era a
frequncia dos alunos: essa era a garantia de a escola manter-se funcionando. A legislao estadual
determinava o nmero mnimo de alunos para que uma escola, rural, distrital ou urbana, se
mantivesse aberta. Na legislao municipal, o nmero mnimo de alunos era 15.
O sistema disciplinar apresentava, tanto na legislao estadual como na lei municipal,
uma interpretao bem diferente do modo como era administrado no perodo imperial. Tratava-
se de uma questo de honra a erradicao dos castigos fsicos. O texto da legislao estadual era
explcito:
Sobre as licenas do professorado, ficou definido que, para aquelas superiores a 15 dias,
poderia ser nomeado um substituto. As que durassem at 90 dias podiam ser nomeadas pelo
agente executivo, e o professor recebia metade de seus ordenados, destinando a outra metade ao
pagamento do professor substituto. Para as licenas superiores a 90 dias, cancelavam-se os
vencimentos do professor e, ultrapassando um ano, o cargo era colocado disposio. O fato de o
agente executivo ter a liberdade de conceder licena de at 90 dias outro fator que aponta o
carter descentralizador da reforma, pois at o momento a licena s podia ser concedida mediante
autorizao do governo estadual.
Quanto ao currculo ministrado nas escolas, a Reforma Afonso Pena era flexvel s
particularidades e aos diferentes interesses de cada regio. O Artigo 88 apresentava currculos
diferenciados para as escolas rurais, distritais e urbanas. Nas rurais, o contedo se restringia a
noes de aritmtica e lngua ptria, instrues de moral e cvica, agricultura e trabalhos manuais
para as meninas. J o das escolas distritais, acrescentava ao contedo o conhecimento de medidas
de rea e capacidade, regras de trs e de companhia, propores, Geografia e Histria de Minas e
do Brasil. O ensino nas escolas urbanas era o mais elaborado, como aponta Paulo Kruger:
NOTAS
1
Doutora em Histria Econmica pela Universidade de So Paulo (USP) e Professora Adjunta da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP)
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
MINAS GERAES, Lei no 41, de 3 de agosto de 1892. D nova organizao instruco publica do Estado
de Minas.
4
MINAS GERAES. Constituio do Estado de Minas Geraes. Ouro Preto, 15 de junho de 1892, Art. 30.
5
MINAS GERAES. Lei no 41, de 3 de agosto de 1892, art. 2.
6
MINAS GERAES. Lei no 41, de 3 de agosto de 1892, art. 32, 12.
7
MINAS GERAES. Lei no 41, de 3 de agosto de 1892, ttulo I, cap. II.
8
MINAS GERAES. Lei no 41, de 3 de agosto de 1892, ttulo I, cap. I, seo II.
9
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCCM). Regulamento no 1 da Instruco Publica
Municipal. L 156.
10
MINAS GERAES. Lei no 41, de 3 de agosto de 1892, art. 87.
11
AHCCM. Regulamento no 1 da Instruco Publica Municipal. L 156, art. 25.
12
MINAS GERAES. Lei no 41, de 3 de agosto de 1892, art. 332.
13
MOURO, Paulo Krger Corra. O ensino em Minas Gerais no tempo da Repblica. Belo Horizonte:
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, 1962. p.27.
14
MINAS GERAES. Lei no 41 de 3 de agosto de 1892, Art. 84.
15
AHCCM. Regulamento no. 1 da Instruco Publica Municipal. L 156, p.14.
16
MOURO, Paulo Krger Corra. O ensino em Minas Gerais no tempo da Repblica. Belo Horizonte:
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, 1962. p.28.
.
Estudos Crticos
.
ESTUDOS CRTICOS
A ausncia de estudos crticos sobre fontes ligadas fiscalidade3 gera uma srie de
dificuldades aos pesquisadores do perodo colonial nas Minas. De igual forma, a fragmentao
dessas fontes e o pouco conhecimento da organizao dessas informaes restantes e parciais,
bem como os contratempos ligados organizao dos arquivos, criam obstculos a novas
interpretaes sobre o tema e reflexes sobre o papel da Coroa nas regies de produo aurfera.4
O estudo das cobranas dos reais quintos, nesse nterim, de significativa relevncia e importncia
central para os recentes debates.5
Os livros de Recebimento, Receita e Lanamento dos Quintos de Ouro, existentes no
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana, constituem-se em preciosos instrumentos
de pesquisa sobre o perodo da minerao em Mariana, na primeira metade do sculo XVIII.
Esses cdices encontram-se nas seguintes classificaes do arquivo: 9 Impostos, Taxas e
Multas, 9.1 Livro de Quintos, e so os seguintes: Cdice 648 Livro de Recebimento dos
Quintos de Ouro: 17211735; Cdice 166 Lanamento dos Reais Quintos: 1723; Cdice 200
Livro de Quintos: 17231726; Cdice 150 / Quintos /: 1725; Cdice 421 Livro da Receita
da Cobrana dos Reais Quintos 17281739 e Cdice 652 Reunio de Listas de Escravos: 1735
(1723...[1735]).6
O que se pretende neste breve estudo crtico fazer uma detalhada descrio, tanto
quanto possvel, dos tipos de informaes registradas nesses livros, de forma a permitir o melhor
conhecimento de seu real contedo, bem como contribuir para uma delimitao adequada de
suas possibilidades de pesquisas sobre o perodo colonial nas Minas.
Primeiramente, faz-se necessrio destacar alguns problemas de tais fontes, sobretudo
no que se refere possibilidade de sua utilizao como base para o conhecimento da totalidade
da arrecadao dos quintos em Mariana.7 Os livros mencionados cobrem somente o perodo
compreendido entre 1721 e 1733 (apesar de um deles, na descrio do catlogo, se estender at
1739, o que no se verifica), sendo que o ano de 1726 uma lacuna nos registros.8 Acrescenta-se
tambm que os seis livros no formam um registro serial padronizado, ou seja, cada livro em geral
obedece a uma lgica de contedo prprio, no apresentando rigidamente as mesmas
informaes. Essa inexistncia de uma padronizao na organizao das informaes sobre o mais
importante tributo cobrado em Minas no perodo revela-nos bastante sobre a dificuldade, ou
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 188
melhor, sobre a forma especfica que a institucionalizao da presena da Coroa na regio assumiu.9
Levando-se em considerao, como destaca a historiografia sobre o perodo, que desde
o incio do sculo XVIII j teriam sido denominados oficiais responsveis pela cobrana dos quintos
em todos os recantos das minas10, nossa hiptese que a documentao mantida no Arquivo da
Cmara de Mariana somente resqucio de um corpus documental que provavelmente abrangia
a quase totalidade do perodo setecentista. Onde se encontram os demais cdices uma
informao de que infelizmente no temos conhecimento at o presente instante. Talvez estejam
perdidos em algum arquivo de Portugal ou tenham simplesmente desaparecido e/ou sido
destrudos no decorrer dos sculos por motivos que desconhecemos.
Contudo, apesar dos problemas destacados, que seguramente so os mesmos para a
maioria dos arquivos no Brasil, e dos obstculos pesquisa deles resultantes, fundamental
reconhecer que as potencialidades dessas fontes para estudos sobre o perodo colonial no so
de forma alguma desprezveis. Passemos ao detalhamento dos dados dos cdices, que tornar
certamente mais clara tal afirmao.11
O Cdice 648, de recebimento dos quintos para 1721 a 1735, segundo sua pgina de
abertura, deveria servir para se lanarem as cobranas e conhecimento ou recibos dos quintos.
Entretanto, para essa finalidade, s os anos de 1721 e 1722 so contemplados, e seguem o seguinte
padro da folha 2 para todos os distritos do termo:
Passajem
Em aos sete do mes de maro de mil setecentos e vinte e hum annos nesta Leal
Villa de Nossa Senhora do Carmo carrego em receyta ao Thesoureyro o Capito
Manoel Cardozo Crus duas mil sacenta e sete oitavas e meya de ouro que lhe
entregou o Sargento Mayor Jacintho Pinto de Magalhaens morador na Passajem
procedidas de oitocentos e vinte oito negros, e de coarenta e quatro vendas, que
as devia para o cmputo das vinte e sinco arrobas de ouro dos quintos do anno de
mil setecentos e dezenove para os de mil setecentos e vinte a respeito de duas oitavas
e coatro vinteis que tocou a cada escravo, e de sete oitavas que tocou a cada
venda, de que o lhe ditto foi cobrador, e assinou aqui comigo e com o juis mestre
de campo Manoel de Queyros, e a ditta parte se lhe passou certido desta entrega
para sua descarga eu Hillario Antonio de Araujo escrivam da Camara o escrevi.
(negrito nosso)
Desse trecho podemos retirar os seguintes dados: distrito sob cobrana, data, nome do
tesoureiro, valor recebido, nome do cobrador e local de moradia, quantidade de escravos e vendas
sobre os quais recaa a cobrana, valor para cada um deles, nome do juiz e do escrivo.
Em seguida ao registro de tais dados, um trecho na folha 18v., referente ao ano de 1721,
traz informaes significativas sobre o funcionamento da arrecadao:
duas mil duzentas e trinta e sinco oitavas de ouro que recebeo dos officiais da
Camara da Villa do Carmo por mo por mo do Thesoureyro della Manoel
Cardozo Crus por conta dos quintos da ditta Villa e seo termo pertencentes ao
anno que findou em julho de mil setecentos e vinte de que lhe passei este
conhecimento em forma feito por mim escrivam da Fazenda Real, e asignado pello
ditto Thesoureyro nesta Villa Rica aos des dias do mes de julho de 1721 (...). (negrito
nosso)
Segundo esse fragmento nos faz entender, os reais quintos, devidos Sua Majestade12,
eram cobrados pelos oficiais da Cmara (os cobradores dos quintos reais), que por mo do
tesoureiro da dita Cmara, no caso Manuel Cardozo Cruz, eram repassados para o tesoureiro da
Fazenda Real da mesma Cmara, Francisco de Almeida de Brito que, por sua vez, os remetia
Coroa. Ressalta-se que essa entrega de julho de 1721 referente ao quinto do ano decorrido
entre agosto de 1719 e julho de 1720, ou seja, durante todo esse perodo a Cmara seria a
responsvel pela cobrana e guarda dos quintos, os quais s seriam remetidos tempos depois
Fazenda Real.13
Logo aps tais registros, temos tambm nesse cdice as listas de cobrana para 1727 (e
algumas pginas para 1728) que obedecem a outra lgica de lanamento. Dessas listas possvel
extrair os seguintes dados: o nome do cobrador e a quantidade de escravos, vendas, lojas, ofcios
mecnicos e forros, para os quais se fez a cobrana e; em relao aos escravos, tambm sua
profisso e nao de origem e o nome do seu proprietrio. Finalmente, nesse mesmo livro h
registros de fianas e coimas para 1733-1736 (tendo em vista o alto preo do papel na poca, a
incluso dessa srie em um livro de recebimento de quintos indica provavelmente um
reaproveitamento das folhas em branco).14
O segundo cdice mencionado o 166, de lanamento dos quintos para 1723. Na folha
de abertura encontramos a especificao da sua funo:
Livro que ha de servir para registros das listas [ ] dos Reais quintos que se cobram
por esta camara da Leal Villa de Nossa Senhora do Carmo para sua Magestade
que Deos Senhor no mando Rublicado pello Juis Ordinario Mathias Barboza da Silva
este prezente anno de mil e setecentos e vinte tres com meu sobrenome Barboza.
Villa do Carmo 19 de Agosto de 1723. Mathias Barboza da Silva. (negrito nosso)
Mais uma vez, atravs desse fragmento, vemos o esclarecimento sobre a responsabilidade
institucional na cobrana dos quintos, que, ainda que devidos Sua Majestade, eram geridos
por esta Cmara.
A seguir, o livro contm as listas de matrcula dos escravos e vendas, com nome e nao
dos primeiros e seus proprietrios. Traz ainda o valor da arrecadao e o nome do cobrador para
cada distrito do termo. O nome do cobrador, quando mencionado, aparece tambm com a
especificao de provedor. A prpria documentao os retrata como sinnimos, como vemos nos
trechos das folhas 15 e 125, respectivamente:
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 190
Lista dos escravos e vendas do distrito de Nossa Senhora da Comseiam das Catas
Altas de que so Provedores o Cappam Mor Manoel Jorge Coelho e o Cappam Domingos
Nunes Neto.
Importou os escravos desta lista abatidos os fallidos mil e duzentos e sesenta e dous
entrando neste numero dezanove que o cobrador deu por cobrar cujo numero se
acha nesta mesma folha que cobrados a duas oitavas e catorze vinteis; e ds vendas
a onze oitavas e meya fas tudo a importancia de tres mil e duzentas e trinta e sete
oitavas e catorze vinteis de ouro. (negrito nosso)
1723 = Bacalhao
Em des de outtubro de mil settecentos e vinte e tres annos carrego em receita ao
Thezoureiro dos Reais quintos desta Va o Procor da Camara o Lecenciado Mel Ferras mil
quatrocentos e noventa e seis oitavas hum quarto vintns de ouro 1496
80r
Que recebeo da mam de Pedro de Almeyda Denis Provor dos quintos do destricto do
Bacalhao procedidas de quinhentos e secenta e dois escravos e onze vendas, que os
escravos a duas oitavas e quatorze vintns cada hum e as vendas a onze e meya como
sahiram nesta Camara fas a da quantia de que pasou Ro do do Provor e de como recebeo
asignou como e com o Vereador mais velho Belchior da Costa Soares, e eu Pedro
Jozeph Mexia escrivam da Camara e quintos o escrevi:
Manoel Ferras Belchior da Costa Soares
Em oyto de Abril do dito anno carrego em Rta do dto Cappam e Thzouro Mel Ferras secenta
e sete 8as tres quartos cento e vinte reis de ouro
67 / 120r
que Ro de Sargto Mor Mel de Pinho Provor dos qtos do destricto 1932 40
do Morro o qual oiro foi quintado por receber este recibo depois da Caza de fundio
posta e ajustou com este computo a sua conta tanto de principal como de qto d q se
lhe passou Ro e de como o Ro asignou como Pdo Jozeph Mexia escrivo da Camra o
escrevi. (negrito nosso) Manoel Ferras
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 191
1728
Passage e Moro de Mata Cavos
Em dezanove de Fevero de 1728 se caregou em Receite ao Thezro gal do Donativo Real
o Capitam Mel Feraz quinhentas e onze oitavas de ouro 511
que Recebeo do Sargento Mor Anto Gomes da Sylva Provedor da Passage e Moro de q
se lhe passou recibo o de como o Recebeo asinou Juis da Faza Ribro escrivo da Camara
e escreveu.
Manoel Ferras
Algo interessante nesse cdice que, nas ltimas pginas, h algumas referncias a
cobranas que se fizeram de donativos bem atrasados, que devio ao donativo de 728 e 29 e 30,
e de receitas de condenaes, corenta oitavas de ouro em que foi condenado por sonegar huns
escravos.
O Cdice 652, de reunio de listas de escravos, , na verdade, um rascunho. Os dados
existentes nos demais livros, como o nome do provedor e sua localidade de cobrana, no
aparecem neste; somente constam os nomes dos escravos. O livro no enumerado e no tem
nenhuma espcie de padro em comum.
Ressalta-se, finalmente, que, ainda que tais livros caream de uma unidade efetiva e
contemplem um perodo relativamente curto do sculo XVIII, no deixam de oferecer ao
investigador importantes informaes sobre o funcionamento da arrecadao de um direito rgio,
funcionando como uma primeira aproximao das conjunturas de curta durao da produo
aurfera. Alm disso, o conhecimento dos responsveis pelo dia-a-dia dessa cobrana permite o
aprofundamento da anlise das relaes entre as elites locais e a Coroa portuguesa.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 192
Transcrio
Livros de Recebimento, Receita e Lanamento dos Quintos de Ouro
Passagem 16 //
Em aos sete dias do ms de Maro de mil setecentos e vin/te um anos nesta Leal Vila de
Nossa Senhora do Carmo / carrego em receita ao Tesoureiro o Capito Manoel / Cardoso Crus
duas mil sacenta e sete oitavas e meia de / ouro que lhe entregou o Sargento Maior Jacinto / Pinto
de Magalhes morador na Passagem procedidas de oitocentos / e vinte oito negros, e de coarenta
[sic] e quatro ven/das, que as devia para o cmputo das vinte e cinco arrobas / de ouro dos quintos
do ano de mil setecentos e dezenove / para os de mil setecentos e vinte a respeito de duas /
oitavas e coatro [sic] vinteis que tocou a cada escravo, e de / sete oitavas que tocou a cada venda,
de que ele / dito foi cobrador, e assinou aqui comigo, e com o juiz / mestre de Campo Manoel de
Queiros, e a dita parte se / lhe passou certido desta entrega para sua des/carga eu Hilrio Antnio
de Arajo escrivo da / Cmara o escrevi. (negrito nosso)
Folha 54 do Livro da Receita que serve como Tesoureiro 17 / da Fazenda Real desta Comarca
Francisco de Al/meida de Brito lhe fico carregadas em receita / trinta e duas mil duzentas e trinta
e cinco oitavas / de ouro que recebeu dos officiais da Cmara da Vila / do Carmo por mo por mo
[sic] do Tesoureiro dela Ma/noel Cardoso Crus por conta dos quintos da dita / Vila e seu termo
pertencentes ao ano que findou / em julho de mil setecentos e vinte de que lhe pas/sei este
conhecimento em forma feito por mim escri/vo da Fazenda Real, e assinado pelo dito Te/soureiro
nesta Vila Rica aos dez dias do ms / de julho de 1721 (...) (negrito nosso)
Livro que h de servir para Registros das Listas [corrodo] dos 18 / Reais quintos que se
cobram por esta Cmara da Leal Vila de Nossa Senhora / do Carmo para sua Majestade que Deus
Senhor no mando rublicado [sic] pelo Juiz / Ordinrio Matias Barboza da Silva este presente ano
de mil e setecen/tos e vinte trs com meu sobrenome Barboza. Vila do Carmo 19 de A/gosto de
1723. //
Lista dos escravos e vendas do distrito de Nos19/sa Senhora da Conceio das Catas Altas
de / que so Provedores o Capito Mor Manoel Jorge Coe/lho e o Capito Domingos Nunes Neto.
// (negritos meus)
(...) Importou os escravos20 / desta lista abatidos os falidos / mil e duzentos e sesenta / e
dois entrando neste nmero/ dezenove que o cobrador deu por co/brar cujo nmero se acha
nesta / mesma folha que cobrados a duas / oitavas e catorze vinteis; e dez / vendas a onze oitavas
e meia / faz tudo a importncia de / trs mil e duzentas e trinta e sete oitavas e catorze vinteis / de
ouro. // (negritos nosso)
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 193
1723 = Bacalho21//
Em des de Outubro de mil setecentos e vinte e trs anos carrego / em receita ao Tesoureiro
dos Reais quintos desta Vila o Procurador da Cmara / o Licenciado Manoel Ferraz mil quatrocentos
e noventa e seis / oitavas um quarto vintns de ouro 1496 80r //
do Morro o qual ouro foi quintado por receber este recibo / depois da Casa de fundio
posta e ajustou com este com/puto a sua conta tanto de principal como de quanto de que se lhe
/ passou Ro e de como o Ro assinou como Pedro Jozeph Mexia / escrivo da Cmara o escrevi.
(negrito nosso)
Manoel Ferras
1728 23 //
Manoel Ferras
67 / 120r
1932
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 194
NOTAS
1
Doutor em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professsor Adjunto da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
Uma exceo so os estudos referentes ao Cdice Costa Matoso. Cf. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de
Almeida, CAMPOS, Maria Vernica (coord.). Cdice Costa Matoso. Coleo das notcias dos primeiros
descobrimentos das minas na Amrica que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral
das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749 & vrios papis. So Paulo/SP: Fundao
Joo Pinheiro, 1999.
4
O clssico estudo de Laura de Mello e Souza, por estes e outros motivos, deixou lacunas no que tange
s questes ligadas fiscalidade. Cf. MELLO E SOUZA, Laura de. Desclassificados do ouro: a pobreza
mineira no sculo XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
5
Destaca-se a importncia das atuais perspectivas prosopogrficas e suas consequentes inovaes
nas interpretaes sobre o Imprio portugus. Algumas obras: ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de.
Homens ricos, homens bons: produo e hierarquizao social em Minas Colonial: 1750-1822, tese de
doutorado em Histria, Niteri: UFF, 2001; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mnica Ribeiro
de. Nomes e nmeros: alternativas metodolgicas para a histria econmica e social. Juiz de Fora: Ed.
UFJF, 2006; FRAGOSO, Joo Lus Ribeiro de; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho d;, SAMPAIO, Antnio Carlos
Juc de. Conquistadores e negociantes: histrias de elites no Antigo Regime nos trpicos. Amrica
lusa, sculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007.
6
Livros com os quais comeamos um trabalho detalhado, atravs do incentivo de uma disciplina cursada
na UFOP, ministrada pelo prof. dr. Renato Pinto Venncio.
7
Ainda que outras fontes possam vir a facultar que se chegue a tais resultados, mesmo que tambm de
forma parcial e indireta.
8
H documentao da mesma natureza no arquivo do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro da Casa dos
Contos de Ouro Preto (originais no Arquivo Pblico Mineiro) para o perodo de 1718 a 1720, mas somente
para alguns distritos. As referncias so as seguintes: rolo 3,4, vol 24; rolo 5, vol 29 e 33; rolo 5,6, vol 34
e rolo 6, vol 35 e 36.
9
Destaca-se tambm que a prpria cmara tinha garantida pela coroa a prerrogativa de autogoverno.
HESPANHA, Antnio Manuel. A representao da sociedade e do poder. In: MATTOSO, Jos. (Org.)
Histria de Por tugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. p. 121-150.
10
Sobre as atribuies desses oficiais e a preocupao com a urgncia da sua nomeao, ver HOLANDA,
Srgio Buarque de. Metais e pedras preciosas. In: Histria Geral da Civilizao Brasileira A poca
colonial Administrao, economia, sociedade. Vol. 2. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1973. p.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 195
259-310; GOUVA, Maria de Ftima Silva. Dos poderes de Vila Rica do Ouro Preto: notas preliminares
sobre a organizao poltico-administrativa na primeira metade do sculo XVIII. Varia Histria, Belo
Horizonte, n 31, p. 123, janeiro 2004; BOXER, Charles Ralph. A idade de ouro do Brasil: dores de uma
sociedade colonial . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 75 e RUSSEL WOOD, A. J. R. O governo local
na Amrica Portuguesa: um estudo de divergncia cultural. Revista de Histria, So Paulo, v. 55, ano
XXVIII, p. 25-80, 1977.
11
Para nossa pesquisa de mestrado, cujo ttulo provisrio Entre a fidelidade e a estratgia: os
Cobradores dos Quintos Reais em Mariana Setecentista, tais livros (j trabalhados detalhadamente,
alis) foram ponto de partida fundamental.
12
O justo direito do rei, como soberano de suas conquistas, sobre o precioso ouro das Minas Gerais, era
uma prerrogativa constantemente afirmada desde as Ordenaes Filipinas. Ordenaes Filipinas. Rio
de Janeiro, Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1870.
13
Em correspondncia de Jos Peixoto da Silva, morador de Vila Rica, ao Conde de Assumar, em 28/06/
1720, fica claro tambm que para a cobrana dos quintos elegero as cmaras dois homens em cada
arraial ou os que necessrio forem. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida, CAMPOS, Maria Vernica
(coord.). Cdice Costa Matoso. Coleo das notcias dos primeiros descobrimentos das minas na Amrica
que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse
em fevereiro de 1749 & vrios papis. So Paulo/SP: Fundao Joo Pinheiro, 1999 p. 372. As informaes
que coletamos nesses cdices apontam, em geral, para dois cobradores em cada distrito realmente.
14
Os registros de coimas e fianas so respectivamente anotaes sobre multas agrrias, ou seja, penas
pecunirias por pequenos furtos e falta de licena para animais pastarem em propriedade alheia; e
informaes sobre atos de abonar, garantir o pagamento de uma obrigao assumida por outra pessoa.
15
As reutilizaes dos livros parecem ser constantes.
16
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 648. Folha 2. Transcrio: Simone
Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
17
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 648. Folha 18. Transcrio:
Simone Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
18
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 166. Folha de abertura.
Transcrio: Simone Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
19
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 166. Folha 15. Transcrio:
Simone Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
20
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 166. Folha 125. Transcrio:
Simone Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
21
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 200. Folha 4. Transcrio: Simone
Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
22
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 200. Folha 54. Transcrio:
Simone Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
23
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 421. Folha 5. Transcrio: Simone
Cristina de Faria. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 197
ESTUDOS CRTICOS
dos lotes. Na prtica, notam-se dificuldades por parte da Cmara para gerir as terras que lhe
pertencem, visto que h repetitivos editais sobre o mesmo tema. Em 1744, foi apregoado que
[...] todos os moradores desta Vila que por quanto h nelas algumas pessoas que tem
aforado terras no pasto da olaria sem estarem tapadas nem casas levantadas e sem
de algumas vezes darem-se por ignorar terem-se aforado a outras pessoas. Mandamos
que toda a pessoa que tiver aforado terras na dita paragem levantem nelas casas
dentro de um ms com pena de que no o fazendo ficarem [por] devolutas para quem
as pedir[...]14
Uma segunda preocupao por parte dos membros do Senado dizia respeito
fiscalizao das construes a serem feitas no espao em questo. Em 1751, os oficiais da Cmara
ordenam aos moradores da cidade e seus arredores que
[...] no metam esteios na frontaria das ruas casas nem abram janelas, e portas nem [hinda] nas
paredes dos quintais faam obra alguma sem estar presente o escrivo deste Senado, e o
arruador [...] e na mesma pena incorrero os oficiais de carpinteiro e pedreiro que fizerem as
ditas obras sem estar presente o dito escrivo e arruador.15
Indo a paragem achei que o suplicante pode aforar as terras que requer fazendo casas
no [a rente] do crrego deixando o caminho livre os do o que vai para Santa Anna
de largura de vinte palmos bem como na f[r]ente for o bem publico e se quis a
[tapuje] acompanhando a[s] caladas que sobe[m] para o pasto, e sem ofensa do
rego que [escrito] para cima.16
Transcrio17
ESTUDOS CRTICOS
Ambiguidades territoriais,
uma disputa de clientela
Afonso de Alencastro1
Transcrio
Registro de seis Editais que o Senado/ fez publicar aos moradores do con/tinente do
Xopet at a Se/rra do Mello do teor seguinte 6//
O Juiz Presidente mais oficiais da Cmara desta Leal Cidade Mariana / e seu termo
etc. fazemos saber aos moradores do Continente do / Xopet at a Serra do Mello, vertentes
dos burjaubas / grandes, e pequenos da parte do Norte, e igualmente as do ribei/ro da espera
e [a] todos os mais compreendidos dentro da / demarcao e divizdo [sic ] dos Termos da Vila
de So Jos do Rio das / Mortes como desta Cidade feita em observncia da Real / Ordem de
vinte oito de Novembro de mil setecentos e se/ssenta pelo tratado celebrado aos trs dias do
ms de Maio de mil / Setecentos sessenta e quatro com assistncia do Ilustrssimo e
excelentissimo Go/vernador e Capito General Luis Dias Lobo da dita Cmara / ministros das
duas Cmaras, Procuradores, e Medidores, e Pi/lotos do Reino; que no 7 obstante o morigerado
estabe/lecimento das justas, e acertadas divises mandadas fazer / por Sua Majestade de
Fidelissima para sossego dos Povos se in/trometero os oficiais da Cmara daquela vila
esquecidos da / inteira observncia delas, e ambicito [sic] de ampliarem os / limites da sua
jurisdio a praticarem atos jurisdi/cionais em territrios que lhe no eram permitidos conster/
nando com desordens os mesmos povos de tal sorte que // [ f.157v ] Que foi preciso aos
Ilustrssimo e Excelentssimo Senhor Conde Governador / e o Capito general desta Capitania,
e seu Supremo Tri/bunal da Junta dar em nome de Sua Majestade tome / as providncias
devidas em semelhantes fatos, man/dando abrir os marcos que se tenham metido por on/de
contorna da dita vila aqui seguardasse inviolavel/mente a mencionada demarcao desta sem
mais alterao alguma como o mesmo Senhor nos participou em carta de / vinte oito de
Fevereiro de mil setecentos setenta e dois, em vir/tude da qual mandamos a todos os
moradores que se acharem/ dentro das demarcaes declaradas no termo deste em trs de
Maio de mil setecentos sessenta e quatro conservem/ nas suas casas, e fazendas com a devida
observncia a Justia/ do Termo de Mariana e havendo quem queira praticar o contrrio/ o
Capito Comandante daquele distrito, ou seus oficiais subalter/nos nos daro parte para se
proceder contra ele como perturba / por do sossego pblico, e pouco observante das ordens
de/ Sua Majestade fidelssima e para que chegue a [notcia] de todos man/damos se fijae
[fixar] na parte mas pblica do dito continente Mariana em [?] / do primeiro de Junho de mil
setecentos setenta, e dois anos e eu Joo da Costa Azevedo escrivo da Cmara que o fio
escrever , sobescrevi e assinei.
ESTUDOS CRTICOS
As audincias gerais de correies que ocorriam na Cidade de Mariana, nos sculos XVIII
e XIX, encontram-se no cdice 173 do Arquivo Histrico da Cmara Municipal. O livro inicia-se em
1755 e vai at 1825, no havendo registro para os anos de 1801 e 1823.
As funes dos corregedores das comarcas so descritas no ttulo das Ordenaes do
Reino. O ouvidor assumia tambm os encargos do corregedor e, alm da sua ao no mbito da
administrao e da justia, podia ainda atuar em primeira instncia em determinadas causas (...)
promover correies nas vilas da comarca, estando atento s contas e aos procedimentos da
Cmara, etc.3 Cabia a ele o papel de fiscalizao da gesto municipal nos conselhos da sua comarca.
Uma das suas obrigaes era a correio anual em cada um deles. Sendo assim, as audincias
eram feitas anualmente por um ouvidor/ corregedor4 e por um escrivo.
As perguntas eram destinadas aos oficiais da Cmara (...) para efeito de nela dar as
providncias necessrias ao que por eles fosse requerido para utilidade do pblico (...).5 Os oficiais
eram o presidente/juiz, procurador e vereadores. Cabiam aos oficiais das Cmaras vrias funes e
nesse ponto essa passagem elucida o que Russel-Wood destaca a respeito do papel dos concelhos,
que, de certo modo, funcionavam como representante dos interesses locais e protetor do bem-
estar pblico.6 As perguntas feitas aos oficiais serviam como uma averiguao da Coroa sobre as
funes que a Cmara deveria cumprir.
Tanto as perguntas quanto as respostas quase sempre eram as mesmas. A primeira
pergunta destinada aos oficiais questionava de quem era a Cidade de Mariana e sua jurisdio, e
por quem se chamava nos autos pblicos e judiciais dela. A resposta segue at o ano de 1820, da
seguinte maneira: (...) do prncipe Regente Nosso Senhor,7 e que esta cidade se chamava Mariana,
ou (...) Nosso Senhor que Deus guarde, e que esta cidade se chamava Mariana. Menos de um ano
aps a Independncia, isto , em audincia de 29 de novembro de 1821, a resposta dada primeira
pergunta foi modificada, mantendo-se at o ano de 1825, ltima audincia que consta no cdice
aqui trabalhado. De acordo com os oficiais, a cidade no era de ningum e, sim, Patrimnio e
parte da Provncia de Minas Gerais, integrante da Nao Portuguesa. Em 1822, a cidade no era
patrimnio de ningum, mas pertencia ao Imprio do Brasil, e nos autos pblicos se chamava por
d. Pedro da Alcntara, primeiro Imperador do Brasil e seu defensor perptuo. Cabe ressaltar que,
no incio do texto, chamamos a ateno para o fato de no haver registro para o ano de 1823,
entretanto o documento em que consta audincia de 1822, na sua abertura, apresenta-se dessa
maneira: Audincia geral da Correio feita aos Oficiais da Cmara desta cidade o presente ano
de 1822. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oito centos vinte trs, dos
quatorze dias do ms de Fevereiro de dito ano (...). Fato curioso, pois apresentam o ano como
sendo de 1822, mas descrevem na abertura da audincia como sendo de 1823, perodo em que o
ouvidor geral da Comarca e corregedor era Francisco Garcia Adjuto.
A escolha da transcrio para o ano de 1803 deve-se ao fato de apresentar um nmero
maior de perguntas em relao s presentes nos primeiros anos de audincia. Questes como a
condio das cadeias, rendas do concelho, clrigos revoltosos e obras pblicas esto presentes
nessa documentao. Outra questo importante sobre a obrigao do segundo vereador de
apresentar Cmara a memria de estabelecimentos notveis dignos de histria sucedidos nesta
cidade desde a sua fundao, e se achava ou no registrada na forma da Ordem que veio em ano
de 1784(...).8
/
Transcrio
Audincia geral da Correio feita aos Oficiais da / Cmara desta cidade e o presente
ano de 1803. 11 //
Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oi/tocentos e trs; aos nove
dias do ms de Dezembro de mil oitocen / digo de Dezembro do dito ano nesta Leal Cidade
Maria/na Comarca de Vila Rica em Casas da Cmara, dela / aonde veio Doutor Ouvidor geral e
Corregedor atual / desta mesma Comarca, Lucas Antnio Monteiro de / Barros, comigo Escrivo
do seu cargo ao diante nome/ado ai se achavam presentes os Oficiais da mesma C/mara que
atualmente servem, aos quais fez o dito Mi/nistro audincia geral para efeito de nela dar as
pro [f.90 ] // as providencias necessrias ao que por eles fosse requerido / para utilidade do
pblico, fazendo-lhes as perguntas seguintes//
Foi lhes perguntado de quem era esta cidade e sua juris/dio, e por quem se chamava
nos autos pblicos e judiciais dela //
Responderam //
que era do Prncipe Regente Nosso Senhor, e que esta cidade / se chamava Mariana /
/
Foi lhes perguntado se nesta Cidade havia algumas competn/cias, ou bandos que
perturbassem o Sossego pblico e deles resul/tassem algumas pelejas, ou outros quaisquer
males, ou danos. //
Responderam que no //
Foi lhes perguntado se alguns oficiais daqueles, que se achavam / encarregados para
a arrecadao da Fazenda Real, como so / Meirinhos seus escrives gravavam ao povo no
modo da / cobrana dos mesmos direitos. //
Responderam que no //
Foi lhes perguntado se algumas pessoas poderosas, ou de ou/tra qualquer condio
embargavam os direitos do mesmo Senhor, ou / se os retm sem razo, ou impedem a que
sejam recadados [sic ]. //
Respon/deram que no //
Foi lhes perguntado se este Concelho traria algumas deman/das, com quem, e em
que as mesmas consistiam. //
Responderam //
que algumas trariam respeito as cobranas dos mesmo Concelho e ou / traz sobre
servides e terrenos usurpados ao concelho. //
Item se as Cadeias desta cidade estavam bem feitas de ma/neira que convm para
serem bem guardados os presos, / ou se as mesmas precisam de algumas obras conducentes
/ para a boa guarda dos mesmos. //
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 212
Responderam que por ora / estavam feitas com segurana para a guarda dos presos
//
Res // [f.90v. ]
Responderam que tem diminuio por causa dos Foreiros se/rem pobres, e no
existirem. //
Responderam que no //
Responde/ram que no //
Item se nesta Cidade h alguns Privilegiados, que o sejam por idade / malcia, ou engano.
//
Responderam que no //
Item se no termo desta Cidade h algumas terras baldias / prprias para nelas se plantarem
rvores, e se a Cmara / tem satisfeito a esta obrigao //
Responderam que no //
Foi lhes perguntado se o segundo Vereador atual apresen/tou em Cmara deste ano a
memria dos estabelecimentos / e casos mais notveis dignos da Estria sucedidos nesta / Cidade
desde a sua fundao, e se se acha ou no registrada / na forma da Ordem que veio em o ano de
1784 e se por eles / oficiais da mesma Cmara foi vista, e examinada /
Responderam que no //
E nesta // [f.91] E nesta forma houve ele dito Doutor corre/gedor por finda a presente
audincia que assi/na com os ditos Oficiais da Cmara e Eu Julio da Silva Tavares Escrivo da
Ouvi/doria que a escrevi //
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 213
Monteiro
Luiz de Jos Godoy Torres
Joaquim Santiago de Salazar
Francisco Jos da Costa
Jos Joaquim Gonalves Serra
NOTAS
1
Doutora em Histria pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Adjunta da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP).
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
MATOSO, 1999. p. 353-357 e 670-674. apud ANTUNES, lvaro Arajo. Administrao da Justia nas Minas
Setecentistas. In. RESENDE, Maria Efignia Lage; VILLALTA, Luiz Carlos. (Org). As Minas Setecentistas. Belo
Horizonte: Autntica; Companhia do Tempo, 2007. Vol. 1. p.169- 190.
4
Corregedores:1755-Francisco Angelo Leito; 1756/57/58- idem; 1759-Jose Pio Ferreira Souto;1760 a1764-
idem; 1765- Jose da Costa Fonseca;1767 a 1775 idem;1776 a 1782- Manoel Joaquim Pedroso; 1783 a 1787-
Thomas Antonio Gonzaga; 1791- Antonio Ramos da Silva Nogueira;1824- Francisco Garcia Adjuto.
5
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 173. Audincia de corregedores
[1803], p. 90-91.
6
RUSELL-WOOD, A. J. R. O governo local na Amrica Portuguesa: um estudo de divergncia cultural. Revista
de Histria, So Paulo, volume LV, n.109, ano XXVIII, p. 46, 1977.
7
Ou Do Rei Nosso Senhor ou Da Rainha Nossa Senhora. AHCMM. Cdice 173. Audincia de corregedores.
8
AHCMM. Cdice 173. Audincia de corregedores [1803], p. 90-91.
9
BOXER, Charles H. O imprio martimo portugus (1414-1825). Lisboa: Edies 70, 1992. p. 267.
10
Apud. GOUVA, Maria de Ftima. Dos Poderes de Vila Rica do Ouro Preto: notas preliminares sobre a
organizao poltica administrativa na primeira metade do sculo XVIII. Vria Histria, Belo Horizonte, n.
31, Janeiro 2004. p. 120.141.
11
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Audincia geral da Correio feita aos Oficiais
da Cmara desta cidade e o presente ano de 1803. Cdice 173, Folhas de 90 frente a 91 frente. Transcrio:
Dbora Cazzelato de Souza. Reviso: Quelen Ingrid Lopes.
12
Possivelmente trata-se de consistarem, termo derivado de consistrio, que designa reunio de pessoas.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 215
ESTUDOS CRTICOS
para os assuntos do juzo de rfos.9 Contudo, o Cdigo Processual do Imprio colocava o Juizado
de rfos sob a fiscalizao do juiz de direito, isto , subordinado a um cargo de nvel provincial.10
Nas mais de cem pginas que compem o documento, parte delas em branco, existe
uma srie de custas de feitos findos que diz respeito aos inventrios de rfos. O livro
cuidadosamente organizado por distritos, os quais aparecem elencados em um ndice logo na
primeira pgina. Em cada seo, esto relacionados os processos, as custas, os nomes dos pagantes
e as dvidas, quitadas ou no. Conforme possvel observar, o pagamento das dvidas era feito
no apenas em dinheiro ou ouro, mas tambm com milho e outros mantimentos no especificados.
Nem sempre havia esperana de receber o que era devido. Sobre a dvida do sargento-mor Igncio
Mendes de Magalhes, Cruz pronunciava: julgo perdido o que me cabe. Sem embargo das
excees, Cruz recebia pelas adies, arrazoados, certides e justificaes que redigia. muito
provvel que as peas jurdicas digam respeito, exclusivamente, aos processos de heranas e
tutorias dos rfos. Tais contas permitem identificar as transaes cotidianas no apenas do escrivo
de rfos, mas tambm de avaliadores, juzes e de outros serventurios do Juizado de rfos.
O cdice ainda revela uma srie de pessoas com as quais Jos Mariano da Cruz se
relacionou. Uma relao ambgua, ao mesmo tempo ntima e impessoal, que reflete os limites
imprecisos do pblico e do privado, o que, obviamente, trazia claras implicaes para a
administrao, patrimonial em pleno sculo XIX. O cdice revela que o controle das custas era
quase exclusividade do escrivo Cruz. Somente ele poderia dar claras notcias dos andamentos de
processos e das formas de quitao das dvidas. Em uma das suas notas sobre as dvidas de d.
Maria Ferreira da Silva, viva do sr. Jos Igncio Coutinho, l-se: precisa-se de averiguao a qual
s eu mesmo a posso fazer. Nem sempre a relao das custas apresenta a faceta do funcionrio.
Entre as notas, o aspecto privado aparece na forma de um bilhete em que consta a entrega de uns
arreios encomendados por Cruz. Ou ainda, o particular se insinua nas referncias de um Telmaco,
certamente um livro, emprestado pelo senhor Pita e que lhe deve ser entregue, conforme pode
ser visto no canto inferior esquerdo da pgina do cdice aqui reproduzida.
As relaes do escrivo no se restringiam aos herdeiros, clientes ou mesmo conhecidos
que lhe emprestavam livros, englobando tambm agentes da administrao. Nas custas, foram
discriminados alguns pagamentos a um escrivo que suspeitamos no ser Jos Mariano da Cruz.
A referncia sugere que Cruz fizesse meno a uma terceira pessoa. Instigados por esse aspecto
formal, nossas investigaes confirmaram que, no ano de 1838, Cruz havia contratado um outro
escrivo para auxili-lo, alegando excesso de trabalho. Em uma justificao, ele solicitava ao juiz
de rfos a substituio de um ajudante do mesmo oficio, sinal de que no era a primeira vez
que necessitava de escrivo auxiliar.11 Ainda no que tange s relaes entre os agentes da
administrao, outro nome que chama ateno o tenente-coronel Fortunato Arcanjo da Fonseca.
O tenente- coronel possua a Ordem de Cristo, ocupou o cargo de presidente da Cmara de Mariana
e exerceu outros ofcios administrativos importantes.12 Nas pginas do cdice 192, so frequentes
pagamentos dirigidos a Fortunato Arcanjo da Fonseca que, nos oitocentos, foi tabelio de notas e
proprietrio do cargo de escrivo de rfos.13 Possivelmente, Cruz teria arrendado do tenente
Fortunato o cargo de escrivo. O fato que a colocao de escrivo de rfos era cobiada, no
apenas pelos ganhos diretos, mas pelas possibilidades de gerenciar, juntamente com o juiz de
rfos, grandes somas em dinheiro.14 Se o cargo no fosse rentvel, como Cruz pagaria os servios
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 217
Transcrio18
[Custos de processos]
Remdios //Diviso / A cada hum / de 6 herdeiros // 3$397 //So Caetano //Do Xopot /
/Dito //Espera //Hoje mo/radores na / Pomba, ou no RioNovo //Emprestou-me o Senhor Pita hum
te-lenaco que lhe deveser entregue Os Senhores So Jos do Xopot, e Espera
Jos Pereira Machado, e seus Irmos e Cu/nhados custas do Inventrio de Manoel
de Machado / Guadro e Josefa Maria de Jesus 1 adio 4$025 // 2adio
16$360//De Escrivo por serem os mais que paguei ao Ministro / Partidores, e selo e Conta
5$110 //Recebi do Herdeiro Alexandre [Silva] 3$397 // Dito Felix
Gonalves 3$397 // Dito Jos Pereira 3$397 /
10$194 Devem-me os outros 3 / Escrevi ao Senhor Joo Antonio da Silveira pedindo-lhe, que
se lhe puder co/brar do 3 herdeiros, que fique por conta do que devo ao dito Senhor //
20$38510$19410$190
O senhor Manoel Dias Pereira da Sua Jus/tificao [V] Joo Matias de 19 Castro e
Sua Mulher folha 14// Recebi
// Resta //Escrivo, Rasa [ editais ]- 5$465 //
2
6$9203$6403$280Pago
A Senhora Dona Maria Felisbina de Jesus Viva do Senhor Joaquim / Jos de Arajo
do Inventario deste Folha 19 verso // Destas eram custas antigas que j pagou
//Dos 13$565 So custas do escrivo 3$025Restava-me // Recebi do Senhor
Tenente Coronel Fortunato // Resta-me//
2
28$48614$92113$565 5$080 8$485Pago
Os Senhores Joaquim de Arajo Padilha Antnio / Pita de Castro, Bernardo Antunes
de Siqueira herdeiros / Da senhora Dona Maria Porfria da Silva, Custas do Inven/trio desta quanto
aos embargos as partilhas folha 51verso-//Do separado alm do termo de vista, data, e o que
houver de / acrescer se acha contado folha 39 verso //Talvez fossem remetidos
estes custos para a Vila da / Piranga ou da Pomba, ou So Joo Nepomuceno, / Antes da deciso
final, o que s por favor do Senhor Es/crivo se saber e bem assim as custas se acrescero / no
inventrio, se as houve. Cruz 3$23023$25026$480
Fontes
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Pedro Eduardo A.; ARAJO, Bruno Assaf Bernardes de. O observador: cotidiano de
Mariana na viso de Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca. In: Simpsio Internacional de Cultura e
Identidade, n.3, 2007, Gois. Anais ... Gois: UFG, 2007.
MACHADO, Maria de Ftima. O central e o local: a vereao do Porto de D. Manuel a D. Joo III.
Porto: Edies Afrontamento, 2003.
PREZIA, Benedito A. A Cmara da Vila de So Paulo como Manifestao da Sociedade Civil nos
Sculos XVI e XVII. Revista Eletrnica do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo. So Paulo, n.
28, dez., 2007. Disponvel em: www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/
edicao29/materia01/texto01.pdf
SALGADO, Graa (Org.). Fiscais e Meirinhos: a administrao no Brasil colonial. Arquivo Nacional,
Rio de Janeiro: Nova Fronteira 1985.
NOTAS
1
Doutor em Histria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor Adjunto da Universidade
Federal de Viosa (UFV).
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
Arquivo Histrico Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 192.
4
FONTAINE, Laurence. A atividade notorial. (mimeo) Traduo indita de Beatriz Ricardina Magalhes.
Ttulo original: Lactivit notoriale. Annales, Paris, Mars/Avril, 1993.
5
SALGADO, Graa (Org.). Fiscais e meirinhos: a administrao no Brasil colonial. Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro: Nova Fronteira 1985. p.266; MACHADO, Maria de Ftima. O central e o Local: a vereao do Porto
de D. Manuel a D. Joo III. Porto: Edies Afrontamento, 2003. p.46.
6
Idem, p.262-266.
7
PREZIA, Benedito A. A Cmara da Vila de So Paulo como manifestao da sociedade civil nos Sculos XVI
e XVII. Revista Eletrnica do Arquivo Pblico do Estado de So Paulo. So Paulo, n. 28, dez., 2007.
8
Cdigo do Processo do Imprio do Brasil. Tomo II, Captulo 3, Artigo 38.
9
Coleo de leis do Imprio de 1828, p. 74
10
Idem, p. 82-84.
11
Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM). Cdice 164, Justificaes, 2 Ofcio, Auto 3883.
12
CARVALHO, Pedro Eduardo A.; ARAJO, Bruno Assaf Bernardes de. O observador: cotidiano de Mariana na
viso de Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca. In: Simpsio Internacional de Cultura e identidade, 3, 2007,
Gois. Anais ... Gois: UFG, 2007.
13
AHCMM. Cdice 651, Lista dos Habitantes de Mariana, fls. 66-72v.
14
Idem, p.46.
15
ACSM. Cdice 1, Registro de Testamentos, 1 Ofcio, fl. 113V.
16
Arquivo da Cria Metropolitana de Mariana (ACMM). Processo de Casamento, 111.218/44/11.122
17
AHCMM. Cdice 651, fls. 66-72v.
18
MARIANA. AHCMM. Cdice 192, Custos de processos, f.96. Transcrio: Juliana Godoy. Reviso: Quelen
Ingrid Lopes.
19
Estes campos esto riscados no original.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 221
ESTUDOS CRTICOS
No pano de fundo das reformas e dos perodos conturbados da vida poltica nacional no
Imprio, destacam-se as intensas discusses acerca da necessidade de alterao da justia e do
sistema administrativo vigente. Desde os anos de 1820, uma acalorada discusso perpassava o
discurso dos liberais, que identificavam o papel central ocupado pelo Imperador no exerccio da
justia, um resqucio colonial que precisava ser modificado. Entendia-se que essa mudana era
essencial para a prpria consolidao do Estado independente3. Decorrentes de tais debates, seriam
realizadas mudanas significativas na legislao no Brasil do sculo XIX, reordenando o
funcionamento da justia e da administrao entre os anos de 1822 e 1840.
Sob a gide de uma administrao colonial moldada por uma cincia prtica traduzida
em vasta estrutura de ordem poltico-administrativa portuguesa 4, bem como dotada da
multiplicidade de cargos e do acmulo de funes administrativas, legislativas, e judicirias, a
administrao local esteve em questo nos debates travados pela elite poltica no sculo XIX,
envolta pela poltica centralizadora e de tendncias absolutistas do Imperador d. Pedro I e, parte
dela, ansiosa pela continuidade dos poderes e influncias locais de perodos anteriores.
Com a transferncia da Corte em 1808, toda a estrutura judiciria portuguesa relativa aos
tribunais superiores foi transplantada com poucas alteraes para o Brasil. Alm dos tribunais
superiores que foram transferidos (Desembargo do Pao e Mesa da Conscincia e Ordens) e dos j
existentes que foram mantidos (Relao da Bahia e do Rio de Janeiro), outros foram criados, como,
por exemplo, o Supremo Conselho Militar e de Justia, a Intendncia Geral de Polcia e tambm os
Tribunais da Relao do Maranho e de Pernambuco. Todo esse aparato continuava muitas vezes
a se confundir com o exerccio efetivo da justia pelos poderes locais. De modo geral, entre 1808
e 1822 o que ocorreu foi, portanto, a transferncia da estrutura judiciria superior portuguesa e o
consequente aumento da mquina judiciria no territrio colonial, com um particular reforo da
estrutura judiciria do Rio de Janeiro.
Como um marco inicial da Monarquia Constitucional e como um aparato prprio para
servir ao Imprio do Brasil, em 1824, foi assentado o modelo do Estado brasileiro com a Carta
Constitucional. Embora a estruturao do Poder Judicirio s tenha, de fato, se iniciado em 1828,
um importante passo dado pela constituio nesse sentido foi o estabelecimento da independncia
do Poder Judicirio e a definio das funes dos seus principais funcionrios5. Para muitos autores,
a modificao mais substantiva ocorrida no que diz respeito ao sistema judicirio brasileiro foi a
instituio do cargo de juiz de paz. Thomas Flory chega a afirmar que o juiz de paz era o prprio
smbolo do liberalismo brasileiro, que reconhecia a autonomia municipal e, nesse aspecto, batia
de frente com os conservadores6. Na Carta Constitucional de 1824, destacamos os seguintes artigos
como indicadores de um discurso legitimador brasileiro no tocante justia e figura do juiz de
paz:
Art. 161. Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliao, no se
comear processo algum;
Art. 162. Para este fim, haver Juzes de Paz, os quais sero eletivos pelo mesmo tempo,
e maneira, por que se elegem os vereadores das Cmaras. Suas atribuies e distritos
sero regulados em L.i 7
A Justia de Paz citada nesta Constituio de 1824 foi fixada nas formas legais pela Lei de
1827. O projeto inicial, apresentado ao Poder Legislativo em 1826, tratava da administrao
municipal, incluindo as atribuies delegadas aos novos oficiais da justia, os juzes de paz. Tais
atribuies foram alvos de intensos debates no Parlamento Brasileiro8. A Lei de 15 de Outubro de
1827 regulamentou as atribuies desse funcionrio, as quais foram divididas em quatro categorias:
as conciliatrias, as judicirias, as policiais e as administrativas. Destas, as atribuies judicirias e
policiais foram gradualmente aumentadas a partir de 18309.
O artigo 5 dessa Lei revela preocupao em criar aparatos para a sustentao da ordem
e pelo apurado funcionamento da justia, pois como almejado desde 1824, com a justia
conciliatria, buscava-se uma maior agilidade nos processos judiciais e a gil resoluo de conflitos
locais. O artigo dispunha as competncias dos juzes de paz, entendidas como essenciais para o
pleno implemento da ordem: conciliar as partes antes do processo, julgar demandas, observar o
cumprimento das posturas policiais das cmaras municipais, vigiar para impedir desordem em
qualquer lugar onde essa ameaasse eclodir e ainda impor multas e penas de priso 10.
Concretamente, o juiz de paz era um magistrado sem formao especfica e sem salrio, eleito
pela populao para exercer nas parquias a funo de juiz em casos menores, visando, sobretudo,
a conciliar os litigantes11.
Outra medida tocante administrao local foi a Lei de 1 de Outubro de 1828 que
regulamentou as eleies das cmaras municipais e tambm dos juzes de paz. Suas Instrues
Eleitorais estabeleceram:
Tanto os vereadores como os Juzes de Paz e seus suplentes devem ser homens probos
e honrados, de bom entendimento e amigos do sistema constitucional estabelecido,
sem nenhuma sombra de suspeita de inimizade causa do Brasil.12
Tal Lei gerou discusses acerca da autonomia das cmaras, sendo mais um elemento a
somar na acalorada discusso acerca do poder de cunho centralizador e do universo da
administrao local. Liberais e conservadores tinham a mais um elemento para se estranharem. O
Artigo 24 dessa Lei, relembrado aos vereadores da Cmara de Mariana em Sesso Extraordinria
de 182913, cunhou a grande discusso da perda da autoridade das cmaras:
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 223
As grandes atribuies que se querem dar aos Juzes de Paz so incompatveis com o
estado da nossa instruo pblica; ns vimos a inabilidade com que servem os Juzes
Ordinrios, os quais no fazem nada sem o conselho do escrivo(...).15
Eu julgo que devemos dar aos Juzes de Paz toda a jurisdio que deles possam exercer,
e isto a fim de que recaia o cargo em pessoas dignas deles. (...) Portanto, sou de opinio
que os Juzes de Paz conheam daqueles crimes que so como encaminhamento a
outros ou dos atos que tendem a prevenir delitos.16
Por detrs das falas desses deputados, observamos os embates entre pensamentos de
matriz conservadora e liberal, que se posicionavam de modo dspar do no entendimento da
autonomia local. Por outro lado, nas correspondncias trocadas entre as Cmaras de Mariana e
Ouro Preto, fica evidente a dificuldade da aplicao prtica das leis do Imprio sob a ordem
monrquica constitucional. Os indivduos diretamente responsveis pela administrao local e
pela aplicao da justia se viam, por vezes, confusos diante do emaranhado de Leis que, como no
sculo anterior, geravam muitas imprecises, tornando-se em alguns momentos inexequveis.
Os documentos transcritos evidenciam um momento instvel da poltica e da ordem
administrativa e judiciria da primeira metade do sculo XIX. As inmeras novas leis e as constantes
mudanas implementadas geravam dvidas na populao. A Cmara de Mariana se mostrava
desejosa por saber das novas leis e de suas atribuies.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 224
Transcrio
[Correspondncia recebida pela Cmara Municipal de Mariana lembrando da importncia
das funes e da observncia das leis pelos Juzes de Paz.]17
[...]
Sendo-me dirigido pelo Capito Mor das Ordenanas do ter/mo dessa Cidade o ofcio
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 225
constante da cpia inclusa, as/sinada pelo Secretrio deste Governo, no qual expem os /
procedimentos do Juiz de Paz do Distrito de Arrepiados, e as / circunstncias, em que o mesmo se
acha, e se comprovam do man/dado tambm por cpia junto; considero justo comuni/car-lhe
estes documentos, para que na inteligncia de seu / contedo, e ainda de que o Requerimento
dos Povos daque/la Parquia, foi remetido Cmara dos Senhores Deputa/dos para resolver a
dvida ali suscitada sobre a posse / do Juiz de Paz, e suplente, expresso desde logo a providncia,
/ que mais prpria seja a semelhante respeito, para evitar / qualquer transgresso da lei. Imperial
Cidade do Ouro / Preto em 24 de Julho de 1829. //
Francisco Pereira de Santa Apollonia //
Senhores Vereadores da Cmara Municipal / da cidade de Mariana. // [f.16]
[...]
Ilustrssimo e Excelentssimo Senhor /
Sendo presente nesta Cmara o Respeitvel ofcio / de Vossa Excelncia com o [fecho] de
/ do corrente sobre os pro/cedimentos do Juiz de Paz do Distrito de Arrepia/dos e a providncia
que se deveria ao pedir, no / se pode escusar de representar com toda a / submisso e respeito
que ela sendo meramente / administrativa conforme o Artigo 24 da / Lei do 1 de outubro do ano
passado e no dan/do a mesma superioridade sobre os juzes de / Paz antes constando que aquele
Distrito est / dividido em dois partidos um a prol do / Juiz, e o outro do suplente, que ao presente
se / acha criminoso com outros muitos nessa Im/perial Cidade e no ocorrendo aos membros /
desta corporao meio algum de que se / lance mo para evitar-se algum mau / sucesso, s de
Vossa Excelncia pode dimanar qualquer / saudvel providncia, [perguntando-se] esta Cmara a
cumprir exatamente o que / Vossa Excelncia diretamente ordenar. Deus guarde a Vossa Excelncia
/ mesmo as [muna] Em Sesso Extraordinria / de 28 de Julho de 1829. //
Ilustrssimo e Excelentssimo Senhor Comendador Vice Presidente da Pro/vncia Francisco
Pereira de Santa Apollonia. // [f.21]
[...]
A vista do exposto no Ofcio, que me dirigiram / em data de 28 de julho,: relativamente a
pro/vidncia, que se faz mister no juzo de Paz do Distrito de Arrepiados; tenho a dizer-lhes que, /
alm da Carta de Lei e Regimento de 1 de Outu/bro de 1828 lhes cumpre observar a de 15 de Ou/
tubro de 1827, em cujo Artigo 4 positivamente se / trata da inspeo, que lhes cabe sobre impe/
dimentos, e substituio de Juzes de Paz e Suplentes, e no 10, Artigo 5 so eles obrigados a /
fazer executar as Posturas policiais dessa C/mara. Secretrio Cmara de Ouro Preto em 4 de Agosto
de / 1829. //
alertando ainda para o cuidado na escolha dos cidados que serviriam como Guardas Nacionais,
afastando os sediciosos.]19
2 Sesso Ordinria de 8 de Julho de 1834
Presidncia do Senhor Armonde. /
[...]
Leu-se um ofcio do juiz de paz de Antnio Pereira / do segundo ano alegando falta de
sade, pelo que no p/dia exercer o referido emprego; e posto a discusso se resolveu / oficiar
ao mesmo, que a Cmara no lhe podia conceder / a escusa pedida por serem frvolos os seus
motivos, e no docu/mentados e que a Cmara passava a ter mui [sic] em vistas / o procedimento
das autoridades de Antnio Pereira, a res/peito da captura do facinoroso Ozas, / e sobre a harmonia
que h entre ele e as mesmas autoridades, e que ele remetesse / quanto antes o resultado do
Conselho de Qualificao dos Guardas / Nacionais daquele Arraial, fazendo uma s/ria escolha
dos cidados apartando aqueles que fossem declara/dos inimigos do Brasil e mui [ sic ]
principalmente os sediciosos que a / existem. [...].
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 227
NOTAS
1
Doutora em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Adjunta da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF).
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
VAINFAS, Ronaldo (org.) Dicionrio do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.451.
4
HESPANHA, Antnio Manuel. As vsperas do Leviathan: instituies e poder poltico, Portugal sc. XVII.
Coimbra: Almedina, 1994, pp.277-287.
5
Idem, ibidem.
6
FLORY, Thomas. El juez de paz y e el jurado en el Brasil imperial, 1808-1871: control social y estabilidad
poltica en el nuevo Estado. Mxico: Fondo de Cultura Econmico, 1986.
7
VIEIRA, Rosa Maria. Os juzes de paz no Imprio. In: O juiz de paz: do Imprio a nossos dias. Braslia:
Universidade de Braslia, 2002, p.37.
8
Idem, pp.97-99.
9
Ibidem, pp.193-236.
10
No decorrer do Primeiro Reinado (1822-1831) e do Perodo Regencial (1831-1840), outras mudanas
ocorreram. O Cdigo do Processo Criminal de 1832 tratou da jurisdio criminal delegada aos juzes de paz.
A esses ficaram incumbidas funes policiais e investigatrias, tais como a formao da culpa e de corpo
de delito. A competncia mais relevante foi a de processar e julgar: para os crimes com penas inferiores a
multa de at cem mil-ris, aos juzes de paz cabia efetuar a priso, trs meses de casa de correo ou de
oficinas pblicas, dentre outras punies. As atribuies criminais tambm determinavam que esse juiz
possusse conhecimento regional e populacional das localidades da sua jurisdio. Antes do Cdigo de
1832, o juiz de paz podia impor penas de no mximo 30 mil-ris ou um ms de priso ou trs de correo
havendo o local. O Cdigo acrescentou ao juiz de paz a atribuio de obrigar suspeitos a assinar um termo
de segurana. Este constava de um livro especial em que o suspeito era obrigado a assinar comprometendo-
se a manter um bom comportamento e a pagar multa de at 30$000 (trinta mil-reis), priso at trinta dias e
trs meses de Casa de Correo ou de oficinas pblicas. VIEIRA, Rosa Maria. O Juiz de Paz: do Imprio a
nossos dias. Braslia: Universidade de Braslia, 2002. p.193-236 e p.208-224.
11
VAINFAS, Ronaldo (org.) Dicionrio do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.452.
12
Vieira, op. cit, p.172.
13
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Livro de Correspondncias. Correspondncias
1825-1837. Cdice 170. Folhas 21-22 frente. Transcrito por Joelma Aparecida do Nascimento em 04/03/2008.
14
VIEIRA, op. cit.
15
Idem, p.91.
16
Ibidem, p.92.
17
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Correspondncia recebida pela Cmara
Municipal de Mariana lembrando da importncia das funes e da observncia das leis pelos Juzes de Paz.
Cdice 587. Folhas de 226 frente a 226 verso. Transcrio: Joelma Aparecida do Nascimento. Reviso: lvaro
de Arajo Antunes e Quelen Ingrid Lopes.
18
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Correspondncia recebida pela Cmara
Municipal de Mariana lembrando da importncia das funes e da observncia das leis pelos Juzes de Paz.
Cdice 170. Folas 16, 21 e 22. Transcrio: Joelma Aparecida do Nascimento. Reviso: lvaro de Arajo
Antunes e Quelen Ingrid Lopes.
19
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Correspondncia recebida pela Cmara
Municipal de Mariana lembrando da importncia das funes e da observncia das leis pelos Juzes de Paz.
Cdice 221. Folha 92 frente e 93 verso. Transcrio: Ldia Gonalves Martins. Reviso: lvaro de Arajo
Antunes e Quelen Ingrid Lopes.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 229
ESTUDOS CRTICOS
que invadiam as terras alheias e destroavam as plantaes. A Justia era acionada para
solucionar tais impasses, impondo ao acusado a delimitao de sua propriedade e a conteno
de suas criaes. Da mesma forma, as questes referentes ao roubo de lenhas e animais so
tratadas pelos artigos 6 e 7. Os artigos 8, 11 e 12 tratam da situao das vendas e tavernas,
assim como do porte de armas pela populao e da proibio dos batuques ameaadores
da ordem, da moral e dos bons costumes. Nas vendas e tavernas, que eram frequentados
principalmente pelos escravos, forros e livres pobres, alm das desordens e cenas de violncia,
as prticas de prostituio e contrabando de mercadorias roubadas eram uma constante 8.
Antiga era tambm a proibio de batuques que geralmente aconteciam naqueles
estabelecimentos comerciais e nas casas de alcouce, expresso genrica utilizada para
designar os prostbulos e os demais locais onde ocorria a prtica da prostituio. As proibies
valiam para dentro ou fora das povoaes, sendo presos todos os que se acharem em
semelhantes ajuntamentos (...) e o dono da casa alm da priso ser multado como perturbador
do sossego pblico.
Atente-se tambm, para o artigo 9 que apresenta uma resoluo interessante: as
autoridades assumindo a responsabilidade pela vigilncia da educao dos jovens, outro tema
presente no discurso liberal que via, na educao, o instrumento para formar os cidados da
jovem nao. O sculo XIX foi, no Brasil, o sculo da instruo pblica, quando a educao
deixa de ter uma funo doutrinria. a partir de ento que surge o espao fsico da escola,
no lugar da igreja.
Finalmente, o artigo 10 remete ao esforo de mobilizao da populao e da criao
da Guarda Nacional pela Regncia Trina Permanente. As agitaes populares e os constantes
levantes militares ameaavam os interesses dos moderados. Como as tropas de linha eram
identificadas com o Primeiro Reinado, a criao da Guarda Nacional buscou resolver a
necessidade de uma fora armada para a imposio da ordem que fosse da confiana dos
liberais. Alm da questo da Guarda Nacional, nos deparamos novamente com o problema
de impor uma ocupao aos vadios, empregando-os nos servios de manuteno da ordem.
Para concluir esse breve alinhavado de comentrios, podemos dizer que, nesse
documento, temos condensadas as questes centrais que consumiram os esforos do Estado
no perodo regencial, em seu equilbrio precrio: o controle do poder e o controle da populao
subalterna para implementao de um projeto de Estado e de Nao.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 232
Transcrio9
Ata da 2 Sesso10 //
Aos 18 dias do ms de Janeiro de 1832 anos um / dcimo da Independncia, e do Imprio,
nesta / Leal Cidade de Mariana em sala das Au-/dincias do Juzo de Fora onde se acharam / reunidos
o Juiz Criminal pela Lei For- [f.2v.] // Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca e os / Senhores Juzes de
Paz para o fim expendido na / Ata da 1 Sesso. Feita a chamada se acha-/ram presentes 24 Senhores
Juzes de Paz a saber 22 / dos mesmos da 1 Sesso faltando dos dela / Jos Mariano da Costa Lana
com participa-/o, e sem ela Felisberto Gonalves Carneiro e Ant-/nio da Cunha Oliveira e
Joaquim Jos Fernandes Torres / tendo crescido a comparencia [sic] dos Senhores Joo Lei-/te de
Meireles, e Francisco Luis [Soares], e apresen-/tados pelo Juiz Criminal as justas escusas do / Alferes
Joo do Monte da Fonseca e Manuel da / Cunha Dias, e por isso convidou o Juiz Crimi-/nal aos
Senhores Juzes de Paz que formaram a Comis-/so para apresentarem os seus trabalhos. //
Neste ato compareceu o Senhor Juiz de Paz Joa-/quim Jos Fernandes Torres. //
A comisso apresentou os Artigos que organizou, e haven-/do a leitura, e discusso
sofrendo alguns artigos emendas / adies, e supresses, foi afinal aprovada a seguinte reso-/
luo //
Resoluo //
A junta de Paz em cumprimento a Lei de 9 de Julho / de 1831 depois de conferenciarem
a vista dos fatos, / e mais circunstncias ocorrentes nos seus Distritos, con-/forme o Artigo 2 da
mesma Lei, propondo os meios / adequados a manter-se a tranqilidade, e segurana / pblica,
Resolve //
Artigo 1 //
expressamente proibido espalhar-se qualquer voz ou / rumor por palavras ou por escritos
ou sejam rela/tivos ao quimrico, e inventando cativeiro de Cidados [f.3] // Cidados Pardos ou
sobre o infundamentado regres-/so do ex-Imperador Dom Pedro 1 Duque de Bragan-/a com
exrcitos armados propalando boatos aberra-/dores e envolvendo causa pblica, e contradio
ao atu-/al sistema de Governo, e outras sironias [sic] que costumam / espalhar homens dissidentes:
incorrero os infratores / nas penas do Artigo 85 do cdigo Criminal, sendo con-/siderados como
desorganizadores da ordem, e harmonia / social incendirios, e perturbadores da paz, e sossego /
pblico. //
Artigo 2 //
Igualmente proibido fazerem-se [sensuras] acris-/grosseiras [sic], e insultantes s
Autoridades despopula-/rizando-as com falsas imputaes, e destruindo / digo [grifado no original]
e deprimindo sua fora moral: os contraventores / desta contraveo digo [grifado no original]
desta determinao sofrero as / penas marcadas no Artigo 232 do cdigo criminal, e na / mesma
pena incorrero aqueles que fizerem a odiosa / distino entre brasileiros natos, e adotivos apelidan-
/do a estes = ps de Chumbo. //
Artigo 3 //
As autoridades policiais prestaro reciprocamente os / necessrios auxlios no
desempenho, e cumprimento das / Leis fazendo prender quaisquer indivduos que entrarem / em
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 233
seus Distritos sem passaporte que legitime sua con-/duta. Igualmente a todos os criminosos que
impunemente / vagam pelos Distritos tendo participao do respecti-/vo Juiz. //
Artigo 4 //
proibido transitar qualquer indivduo de um para / outro Distrito sem levar uma guia do
seu respectivo / Juiz em que se declare o fim a que se dirige suas / maneiras de vida nome idade,
e qualidade com a pe-/na de ser reconhecido vadio, e como tal incurso nas [f.3v.] // Penas do
Artigo 295 do cdigo. //
Artigo 5 //
Em terras de cultura ou campos onde no h os / chamados logradores pblicos os
moradores que no po-/ssuem um palmo de terra no podero ter criao al-/guma de animal
Vacum Cavalar, ou Cabrum, e como / tenha mostrado a experincia que no foi concebido com / a
necessria fora o Artigo 164 das posturas da Cmara / em adio ao mesmo o dono dos animais,
expressados / que no tiverem terras ou primisso [sic] de algum propri-/etrio ou mesmo tiver
maior nmero de cabeas do / que pode acomodar no terreno que possuem ser obrigado / a
vender a parte [desproporcionada], e no o fazendo se far / em hasta pblica do mesmo Juiz de
Paz, e sofrer a / multa imposta no mencionado Artigo de posturas / com as mais excees at o
Artigo 167 inclusive / e o mesmo se entender ainda a respeito de uma s / Vaca de leite uma vez
que no haja logrador pblico. //
Artigo 6 //
Todo o carreiro que no tiver matos ser obrigado quando / aparecer com lenhas ou
madeiras a apresentar uma / guia em que mostre expressa licena do proprietrio / com data, e
hora daquele dia com a pena de repor / a lenha ou madeira a seu legtimo possuidor, e de ser /
multado em dez tostes para as despesas do Munic-/pio. //
Artigo 7 //
Todo o indivduo que aparecer nos campos, e lugares / ermos com cabresto ou lao no
sendo reconhecido / dono [sic] de animal criador ou campista sem guia do [f.4] // Guia do possuidor
do animal que procura ou finge pro-/curar com hora do dia e declarao dos sinais / do animal
ser capturado, e reputado ladro, e / como tal sofrer a pena do Artigo 300 do cdigo.11 //
Artigo 8 //
So proibidas as vendas extra-rurais, e nos luga-/res destacados das povoaes salvo aquelas
que forem / denominadas estalagem ou rancho de tropa, e as que al-/guns fazendeiros quiserem
ter dentro da sua fazenda / os contraventores deste artigo sero obrigados a fecharem /
imediatamente o negcio, inabilitado para nunca mais ob-/ter licena de venda sofrendo alm
disso a multa / de dez tostes para as despesas do Municpio igualmente / sofrer estas penas
todo o taverneiro que for convencido / de negociar gneros furtados alm
da indominizao [sic]. //
Artigo 9 //
Convido muito desterrar o cio, e prevenir os males / em sua origem sero obrigados os
Pais de famlias / Tutores, e Curadores a mandarem para as escolas prim-/rias onde as houver os
filhos de idade de 7 anos / e de doze para cima a aprender ofcios ou artes libe-/rais proporo
de seus talentos, e propenses / com a pena de responderem pessoalmente pelo desleixo / e
indolncia sofrendo a multa de quatro mil ris / para as despesas do Municpio quando no for
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 234
por im-/possibilidade assim mais todos os meninos matri-/culados na escola no podero faltarem
a ela por / espao de trs dias sem motivo justo participado / ao Mestre pelos seus maiores , e no
caso destes o no / fazerem sero multados em seiscentos ris para as des-/pesas
do Municpio. //
Artigo 10 // [f.4v.]
Artigo 10 //
Todos os Cidados de 18 a 60 as [sic] de idade que no / foram contemplados na guarda
Nacional por fal-/ta de requisitos ficam sujeitos aos Juzes da Paz dos / Distritos na conformidade
do Artigo 292 do Cdigo / Criminal estes sero empregados nos servios Poli-/ciais e sero os
executores do disposto no edital / da Cmara deste Municpio de 30 de Setembro de / 1831, e de
outras diligncias bem como rondas / batida de quilombos leva de preso, e ofcios, e vence-/ro
pela captura de qualquer escravo fugido 4$000 / pagos por seu Senhor, e assim mais vencero
320 ris por / dia de caminho de ida, e volta lhe que seja en-/tregue o escravo a seu Senhor e
quando maliciosamente o reti-/ver ser obrigado a entreg-lo gratuitamente, e se o a-/preendido
for pessoa livre vencer 2$000 pagos / s expensas do mesmo capturado tudo na con-/formidade
do mencionado edital.//
Artigo 11 //
Sero obrigados todos os Juzes de Paz ou seus / Delegados a fazer rondas todas as vezes
que julgarem / necessrias: devero ser apalpados os que se encontra-/rem suspeitos, e os que
acharem com armas sem li-/cena legal sofrero as penas declaradas no Artigo / 3 da Lei de 26 de
outubro de 1831, e se forem es-/cravo = 25 aoites, e querendo seu Senhor [rem-lo] deste cas-/
tigo pagar 2$000 para despesa do Municpio. //
Artigo 12 //
Por ser contra a moral pblica ficam inteiramente / proibidos os batuques no s dentre
das povoaes [f.5] // Povoaes como fora delas, e quando acontea haver con-/traveno sero
capturados todos os que se acharem / em semelhantes ajuntamentos ainda mesmo espe-/ctadores
de qualquer sexo ou estado, e retidos em / priso por 24 horas na conformidade do Artigo 135 /
de posturas, e o dono da casa alm da priso ser mul-/tado, como perturbador do sossego Pblico
nas penas do / Artigo 230 do Cdigo, na falta de meios pecunirios so/frer mais as penas da Lei:
fica livre a qualquer oficial / de Justia ou guarda Nacional a capturao dos contra-/ventores
deste Artigo participando logo a competente / Autoridade; da mesma forma proibido o jogo de
/ bzios debaixo das mesmas penas, e autorizao / mencionado. //
So estes os Artigos que foram organizados pela Jun-/ta sobredita os quais sero levados
ao Excelentssimo Presi-/dente, e merecendo a aprovao sero executados em / cada um Distrito
depois de 8 dias de sua pu-/blicao. E desde j fica marcado o dia 16 do ms / de Julho s 9 horas
da manh para o futuro re-/unio, E como cada um dos Senhores Juzes de Paz a-/inda ausentes
ho de receber uma cpia des-/ta Ata por ela ficam inteirados da obrigao / de seu
comparecimento e para constar fao este encer-/ramento em que todos assinamos. Eu Bartolo-/
meu de Magalhes Queirs Juiz de Paz //
O Juiz Criminal pela lei. //
Fortunato Rafael Arcanjo da Fonseca //
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 235
os Justiniano [Carneiro] //
Jos Pires da Silva Pontes //
Antnio Pedro Vidigal de Barros [f.5v.] //
Jos Justino Gomes Pereira //
Francisco Manuel Pinto [Coelho] da Silva //
Brs Francisco da Cunha [ilegvel] //
Francisco Pires Veloso de S //
Jos Antnio de Freitas //
Francisco Luiz Soares //
Cipriano Celestino Augusto de Figueiredo //
Joaquim Jos Fernandes Torres //
Francisco Jorge Goulart //
Joo Leite de Meireles //
Bernardo Pinto Monteiro //
Manuel Joaquim da Rocha //
Antnio Alves de Magalhes //
Joaquim Caetano da Silva //
Joo Jos de Oliveira Pena //
Joaquim Alves [Magalhes] //
Joaquim Jos de Carvalho e Gama //
Joaquim de Castro Padilha //
Francisco Antunes de Siqueira //
Cludio Antnio Portilho //
Luis Rodrigues Silva //
Bartolomeu de Magalhes Queirs //
NOTAS
1
Graduado em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
2
Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Professor Adjunto
da Universidade Federal de So Joo del-Rei.
3
Decreto de 9 de julho de 1831, Coleo das Leis do Imprio. Disponvel em: <http://www2.camara.gov.br/
legislacao/publicacoes/doimperio>
4
VELLASCO, Ivan de Andrade. As sedues da ordem: violncia, criminalidade e administrao da justia
Minas Gerais, sculo 19. So Paulo: Edusc-Anpocs, 2004.
5
SILVA, Wlamir. Usos da fumaa: a revolta do Ano da Fumaa e a afirmao moderada na Provncia de Minas.
Locus: Revista de Histria, Juiz de Fora, v. 4, n. 1, p. 105-118, 1998.
6
A Estrella Marianense de 09/2/1831, n 40.
7
Ver GONALVES, Andra Lisly. A oligarquia tenebrosa: um perfil scio-econmico dos caramurus mineiros
(1831-1838). In: Anais do XII Seminrio sobre a Economia Mineira, Diamantina/MG, 2006; SILVA, Wlamir.
Usos da fumaa: a revolta do Ano da Fumaa e a afirmao moderada na Provncia de Minas. Locus: Revista
de Histria, Juiz de Fora, v. 4, n. 1, p. 105-118, 1998
8
Ver: FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. O avesso da memria: Cotidiano e trabalho da mulher em
Minas Gerais no Sculo XVIII. Rio de Janeiro: Jos Olympio; Braslia: DF: Edunb, 1993.
9
MARIANA. Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 224. Livro de Atas de Artigos
Policiais [1832], fls. 2v.-6. Transcrio: Wellington Jnio Guimares da Costa. Reviso: Nicole de Oliveira Alves
Damasceno. Esse documento foi anteriormente publicado no segundo volume do Termo de Mariana,
organizados por Andra Lisly Gonalves e Ronald Polito de Oliveira, p.267-70, mas sem comentrios ou
estudo crtico.
10
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Livro de Atas de Artigos Policiais de 1832.
Cdice 224. Folhas 2 verso a 6 verso. Transcrio: Wellington Jnio Guimares da Costa. Reviso: Nicole de
Oliveira Alves Damasceno.
11
Nota explicativa.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 237
ESTUDOS CRTICOS
suficiente mestre, a prprias expensas. Como interpretar essa preocupao? Seria o menino filho
do criador? Em caso positivo, a Cmara, com certeza, se recusaria a fazer o pagamento.
Por outro lado, mesmo se essa declarao for apenas retrica, ela no deixa de ser
interessante. sabido que, no rol das mencionadas medidas filantrpicas da segunda metade do
sculo XVIII, consta a instalao de institucionais educacionais destinadas a receber enjeitados.
Em Portugal, a primeira dessas instituies foi implantada em Lisboa, no ano de 1780, por iniciativa
de Diogo Igncio Pina Manique, intendente geral da Polcia da Corte e do Reino.
A ento denominada Casa Pia tinha por funo receber e capacitar meninos e meninas
nos mais diversos ofcios, pedreiros, pintores, carpinteiros, costureiras etc. Ao longo do tempo,
procurou-se difundir essa instituio em vrias partes do Imprio portugus6. Isso, no que diz
respeito a Minas Gerais, sabidamente ficou no plano das intenes. Contudo, a preocupao em
matricular uma criana abandonada na escola ou contratar professor particular para ela, constante
no atestado, sugere prtica provavelmente inspirada na perspectiva filantrpica presente na
referida legislao. Alis, como interpretar de outra forma tal iniciativa, numa poca em que boa
parte das crianas da elite no tinha acesso educao formal?
Tambm percebemos, no documento a seguir transcrito, que a Cmara de Mariana no
pagava rigorosamente os responsveis pelos expostos. Como mencionado inicialmente, essas
subvenes normalmente eram efetuadas at a criana completar sete anos e cada criador deveria
receber duas oitavas por ms 7. Porm, peties registrando atrasos de pagamentos foram
corriqueiras e comprovam que muitos criadores tiveram de recorrer a procedimentos jurdicos
para receber pela manuteno de meninos e meninas enjeitados.
Outro aspecto interessante do documento diz respeito rede de relaes dos criadores
dos expostos. Em anexo consta uma carta destinada a Joo Mariano Pinto, na qual Bernardino
Jos Alvares pede ao amigo que o ajude na resoluo do processo. espero em Vossa Senhoria
como amigo faz com o amigo ilustrssimo Senhor Capito Moutinho aquele arranjo que de Vossa
Senhoria... e ainda: julgo que mereo a Vossa Senhoria algum conceito adquirido pela mestra
experincia... Os trechos da carta sugerem que Bernardino tinha certa influncia junto Cmara,
o que nos faz suspeitar a respeito da existncia de critrios clientelsticos, na seleo de pessoas
que recebiam oitavas de ouro pela manuteno dos expostos.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 239
Transcrio
Atesto que reside neste distrito Sub ex/posto a Bernardino Jos Alves [sic], e que es/te
atem criado como que fora seu pr/prio filho, fazendo-o freqentar a escola / Pblica em Mariana
a tempo que ali / morou, e neste Distrito lhe procurou sufi/ciente mestre, a prprias expensas: o
re/ferido verdico, e juro sendo necessrio; / por esta me ser pedida a passo. Senhora / do Desterro
10 de novembro de 1835. //
Francisco Justiniano Alvares de Freitas //
Juiz de paz [f.1]//
Procurao Bastante que Faz Bernardino / Alvares de Freitas Digo, Bernardino / Jos lvares
/ de Freitas //
Oliveira //
Saibo quantos este pblico intrometo de pro/curao Bastante virem que sendo no Ano
/ do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de / mil oitocentos e trinta e cinco aos doze dias /
do ms de Outubro nesta aplicao de So Do/mingos Freguesia do Sumidouro em casas de mo/
rada de mim escrivo apareceu presente Bernar/dino Alvares de Freitas que reconheo pelo prprio
de / que trato dou f e por ele me foi dito que Fazia seu / Bastante procurador ao Senhor Capito
Vicente Maiti/nho [sic] de Moraes e Senhor Jos Mariano da Cruz para que / como se presente fora
possam a ajustar e liquidar / com a Cambra [sic] de Municipal da cidade de Mariana / a quantia
que tem vencido O Exposto [Job] consta / do Livro dos Expostos da mesma Cmara e os procu/
radores concedo todos os meus poderes podendo sob esta/belecer esta, Em outros a muitos
ficando lhe sempre os / mesmos Em vigor em f e testemunhas de Verdades / de como assim o
desse assina com as testemunhas / presentes Jos Pedro de Mesquita e Antnio Pereira / Eu Jos
Joaquim de Oliveira escrivo do Juzo de Paz / a Escrevi e assino em pblico e razo. //
Meu Amigo, remeto a Vossa Senhoria / a procurao e o atestado junto para / a cobrana
da Cmara, espero / em Vossa Senhoria como Amigo fao com / o Amigo ilustrssimo Senhor
Capito Moutinho / aquele arranjo que de Vossa Senhoria / e ela probidade do Senhor Capito
espero//
Ficando Vossa Senhoria certo / de que quelquer que for ser / sempre por mim aprovado,
julgo / que mereo a Vossa Senhoria algum conceito / adquirido pela mestra experin/cia, espero
em Vossa Senhoria o que / devo esperar Deus Guarde a Vossa Senhoria, como/ lhe deseja. amigo
de Vossa Senhoria. [ilegvel] //
Bernardino Jos lvares //
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 241
NOTAS
1
Doutor em Histria pela Universidade de Paris IV, Frana. Professor Associado da Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP).
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
Essa legislao analisada por: S, Isabel dos Guimares. A circulao de crianas na Europa do Sul: o
exemplo da Casa da Roda do Porto no sculo XVIII. Lisboa: Fundao Gulbenkian, 1995.
4
Essa evoluo analisada em: MARCLIO, Maria Luza. Histria social da criana abandonada. 2 ed. So
Paulo: HUCITEC, 2006.
5
Ver: ARAJO, Cntia Ferreira. A caminho do Cu: a infncia desvalida em Mariana, 1800-1850. Franca: UNESP,
2005. 147 f. Dissertao (Mestrado em Histria) - Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho,
Franca, 2005.
6
No Rio de Janeiro, tal instituio recebeu o nome de Seminrio So Joaquim, ver: VENNCIO, Renato
Pinto. Famlias abandonadas: assistncia criana de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador,
sculos XVIII e XIX. Campinas: Papirus, 1999. p.187.
7
At 1759, o valor recebido por ms para criar um exposto na cidade de Mariana era de trs oitavas, ver:
SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da histria de Minas no sculo XVIII. Belo Horizonte:
UFMG, 1999. p. 59.
8
MARIANA. Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Procurao de Bernardino Jos
Alvares de Freitas e o atestado comprovando a criao de um exposto. Coleo Avulsa. Caixa: Expostos.
Documento no numerado e indisponvel a consulta pblica. Transcrio: Nicole de Oliveira Alves
Damasceno. Reviso: lvaro Antunes.
9
Correspondncia anexada ao documento.
.
ESTUDOS CRTICOS
Esses versos, datados de 1788 e registrados nas Cartas Chilenas de Toms Antnio
Gonzaga, revelam as dificuldades de os senadores das cmaras mineiras honrarem seus
compromissos no pagamento da criao dos expostos. De fato, o levantamento sistemtico dessas
informaes revela que, poucos anos aps o estabelecimento do auxlio camarrio, multiplicam-
se as queixas de vereadores frente aos gastos excessivos com enjeitados.
O documento a seguir transcrito indica que, no sculo XIX, o problema continuou a existir.
Uma soluo encontrada foi a de transformar a dvida da criao em uma moeda paralela, atravs
da qual era possvel quitar impostos devidos Cmara. Foi dessa forma que procedeu Manoel de
Jesus Hortenciano Xavier, negociando o perdo de parte dos foros imposto pago anualmente
em troca dos gastos feitos com Hortenciana Herveguita do Brasil, menina exposta que, na poca
de elaborao da petio, contava com quatro anos de vida.
Esse testemunho sugere outras questes de pesquisa bastante interessantes. Uma delas
se refere manuteno do auxlio s crianas, mesmo quando as finanas camarrias estavam em
crise. De fato, o problema enfrentado pelas cmaras era complexo, pois a simples existncia da
caridade alterava por completo os padres do abandono.
Nos primeiros tempos, o auxlio foi institudo para evitar que bebs fossem deixados em
terrenos baldios e ruas, durante a noite, vindo a falecer sem o sacramento religioso. Ora, uma vez
a Cmara arcando com os gastos da criao, comeou-se a verificar o crescente envio de crianas
diretamente de um domiclio a outro, reforando laos de vizinhana e gerando uma nova forma
de circulao de meninos e meninas, que se justapunha a outras, relativas aos agregados ou aos
que haviam sado da casa dos pais para ser aprendizes.3
A persistncia do socorro pblico, mesmo nessas circunstncias, surpreendente e mostra
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 244
Transcrio
Manoel de Jesus Hortenciano Xavier, vem com o maior / acatamento, manifestar a Vossas
Senhorias, que esta respeitvel / Cmara, deve ao suplicante mais de 50$000, da criao da / exposta
Hortenciana Herveguita do Brasil, que s / conta 4 anos de idade. E por que o suplicante na /
qualidade de Administrador das Casas de Constancia Ermelinda / Matildes de Jesus, tem de pagar
de foros a quantia de / 16$000 Salvo erro: Requer o suplicante a Vossa Senhoria / com toda a
submisso, para que se dignem de mandar / que o muito benemrito Procurador desta ilustrssima
Cmara, haja / de encontrar esta quantia dos foros, naquela da criao / da exposta Hortenciana,
com quem tem gastado avul/tuada quantia o suplicante, em razo da atual enfermidade da /
predita exposta. //
Do livro 4 a folha 122v consta ter o Alferes / Manoel de Jesus Hortenciano Xavier /
matriculado a exposta Hortncia/na a 12 de maro de 1830, ter ven/cido 5 anos, e 9 meses, que
importaro em //
hum 165$600 //
Recebido em diversos pagamentos 98$000 //
Resta 67$600 //
Dito de foros at 1834 16$075 //
Abatendo-se - Resta-se lhe 51$525 //
Para a Vossa Senhoria hajo por bem deferir / ao suplicante dando este a quitamento / do
estilo, e lavrando-se as necessrias / cotas nos Competentes Livros. //
Receber Merc [f.1.r] //
ESTUDOS CRTICOS
Correspondncias imperiais:
a imprensa e os bens culturais
Gilson Csar Xavier Moutinho1
Transcrio
Registro do Decreto de 13 de Setembro / de 1829, sobre a inteligncia da / Lei que
atualmente regula a / liberdade da Imprensa.8 //
Decreto Tendo Eu Sancionado a Resoluo / da Assemblia Geral Legislativa sobre a in/
teligncia da Lei, que atualmente regula / a Liberdade da Imprensa: hei por bem / declarar. 1 que
a disposio do Artigo oi/tavo do Projeto de Lei, mandado observar / pelo Decreto de vinte e dois
de Novembro de / mil oitocentos e vinte e trs, compreende o a/buso da liberdade da Imprensa,
que for di/rigida a informar, ou a injuriar a cada / uma das duas Cmaras, de que se compe / a
Assemblia Geral Legislativa; a totalida / de, ou a maioria absoluta dos seus respecti/vos Membros.
2 que a infmia ou in/jria feita a todos ou a cada um dos Agen/tes do poder Executivo, no se
entenda, dis // [f.7] se, entende direta ou indiretamente feita ao / chefe deste Poder. 3 que os que
imprimirem / ou de qualquer modo fizer em circular as opi/nies enunciadas pelos Senadores ou
Depu/tados no exerccio de suas funes, no so / por isso responsveis. O Conde de Valena do
/ Meu Conselho, Ministro e Secretrio de Estado / dos Negcios da Justia, o tenha assim enten/
dido, e faa executar com os despachos necess/rios. Palcio do Rio de Janeiro em treze de Se/
tembro de 1827, Sexto da Independncia e / do Imprio. Com a Rubrica de sua Majes/tade Imperial.
Conde de Valena. Est com/forme. Mariana 7 de dezembro de 1829. //
O Secretrio da Cmara Antnio Jlio de Souza Novais. //
ESTUDOS CRTICOS
parte do trono iam por gua a baixo, enquanto a imprensa se configurava como um espao de
circulao de informaes mais rpido que os correios, fidedigno, e de maior autoridade do que o
boca a boca.
Alm da ameaa das rebeldias e as relaes de interesse entre cmaras municipais e Trono,
a correspondncia enviada por Fortunato Rafael e Antonio Jlio mostra a construo de um espao
de discusso com valor semelhante ao oficial e, de certa forma, mais afastado do controle imperial.
Os jornais no se reduziam a veculos de ideias ou valores polticos como o de nacionalidade nos
moldes do Imprio.
Nos anncios, a populao manifestava suas necessidades, sua indignao e at os efeitos
inesperados da legislao imperial. Exemplo disso que, medida que o movimento abolicionista
crescia, diminuam as referncias sobre escravos fugidos e as marcas fsicas de identificao.
Anunciando vendas dos mais variados utenslios, cobrana de dvidas, ameaas de exposio
pblica, os jornais tornaram-se, desde a Independncia, um importante elo entre a vida pblica
de uma regio e a necessidade privada de sua populao. 9
Mesmo afastados de um controle maior do centro, noticiando com notvel presteza os
fatos, os jornais ainda sofriam crticas das cmaras municipais. Mesmo que estas tenham perdido
boa parte de seus poderes a partir da Constituio de 1824, elas parecem fiscalizar os textos dos
peridicos a fim de defenderem seu posicionamento poltico, como aconteceu em Mariana (1831).
A folha, denominada Cartas das Liberdades Brasilleiras, redigida pelo ento secretrio da Cmara
e editor do jornal Estrella Marianense, Manoel Bernardo Acrcio Nunan, foi duramente atacada
pelos membros da Cmara.10 O teor de seu texto, tratado como federalista, causou uma srie de
discusses registradas nas atas da Cmara naquele perodo. Os vereadores fizeram questo de
lembrar que o secretrio sbdito da Cmara, e no arbitrrio censor se [de] suas operaes;
executor [...] das ordens, e no fiscal de seu procedimento.11
Isto mostra tambm as divergncias de opinio entre os membros da vereana que se
distribuam entre as faces e os partidos polticos que mais lhes conviessem. O espao criado
pela imprensa, a ameaa de fragmentao territorial e a insatisfao com o centro administrativo
favoreceram esse contexto de rebeldia durante o Imprio.
A Sabinada foi um movimento das mdias e baixas camadas da populao de Salvador
que, em 7 de novembro de 1837, proclamaram a separao da Bahia.12 O relativo rompimento
com o poder central do Imprio repercutiu nas outras provncias, e a notcia sobre a rebeldia baiana
logo se espalhou pelas demais regies do Brasil. Como o documento aqui transcrito nos mostra o
tempo que levou a notcia para chegar aos ouvidos dos mineiros e provocar uma resposta por
parte da Cmara de Mariana foi pouco mais de vinte dias.
Por seu turno, na outra rebelio citada na transcrio, a Revoluo Farroupilha, o papel
da imprensa no ficou aqum do desenvolvido durante a Sabinada. Dos cinquenta e dois jornais
que circularam na regio do Rio Grande do Sul entre 1827 e 1844, vinte e quatro possuam carter
partidrio bastante marcado.13 Destes, oito possuam tendncia esquerda liberal; um ao
liberalismo moderado; onze eram legalistas e; trs possuam tendncias farroupilhas.14
Como na Sabinada, o Federalismo era, na luta Farroupilha, centro do desacordo entre a
Corte e os revoltosos. Havia forte desequilbrio entre os poderes regionais (Rio Grande) e o poder
central no Rio de janeiro. Nesse sentido, em 1821, mandava-se cobrar dzimo sobre todos os
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 253
produtos que a Provncia exportava: charque, couros, erva-mate (...).15 Como se no bastasse, a
grande fora armada que a Provncia possua no deixou de ser solicitada em ocasies como a da
Guerra Cisplatina (1825 a 1828).
A fora da rebeldia chegara ao ponto do coronel Antnio de Sousa Neto, diante de sua
tropa de cavalaria, proclamar a independncia da Repblica Rio-Grandense ante as demais
provncias. Nas palavras de Neto,
Transcrio
[Correspondncia remetida pela Cmara Municipal da Leal Cidade de Mariana Sua
Majestade Imperial Dom Pedro II sobre os revoltosos da Bahia de 1837]
Senhor. //
A Cmara Municipal da Leal / Cidade de Mariana certificada pelas fo/lhas pblicas, que
inimigos do Brasil e de / sua prosperidade tinham levantado na / Capital da Bahia o pendo da
revolta, pre/tendendo aluir [sic] o Trono de Vossa Majestade / Imperial, e fazer baquear a
Constituio po/ltica do Imprio, [sic] no tem expresses para / significar Vossa Majestade
Imperial quanto lhe foi / doloroso um tal procedimento, filho / sem dvida da srdida ambio, do
capricho / e da criminosa indiferena com que olham / a desgraa de sua Ptria, que jamais /
poder ser feliz se a estabilidade do Trono / de Vossa Majestade Imperial, e das Instituies livres,
em que / ele repousa no for sustentada, e fielmente / defendida por todos os Brasileiros. //
A Cmara Municipal de Mariana / se ufana de representar um Munic/pio inteiramente
devoto Causa da Legalidade //[f.1] Legalidade, e que olha com horror para as / inovaes
perigosas com que espritos vertigi/nosos perturbam a paz, turbulentam [sic] o Pas, / e pretendem
em seu frenesi sepult-lo na vo/ragem da anarquia, e da desordem, e espera, / que o Patritico,
enrgico, e ilustrado Governo / de Vossa Majestade Imperial empregar todos os meios, ainda /
custa dos maiores sacrifcios, para conser/var a integridade do Imprio; a estabilidade / do Trono
de Vossa Majestade Imperial, e o Paldio de nossas / Liberdades, a Constituio, que felizmente
nos / rege; e se os esforos do Governo de Vossa Majestade Imperial em / Salvar a Provncia do Rio
Grande do Sul / tm sido aplaudidos por todos os Brasileiros, / que de corao desejam a felicidade
de sua / Ptria, eles sero coroados de duplicada / glria quando a Bahia for restaurada, / como a
Cmara espera, e ardentemente / deseja. //
Deus Guarde [f.1v] //
Deus Guarde os preciosos dias de Vossa Ma/jestade Imperial, como ao Brasil / mister.
Mariana, Pao da Cmara, em / 29 de Novembro de 1837. //
NOTAS
1
Graduado em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
2
Doutor em Histria Econmica pela Universidade de So Paulo (USP). Professor Adjunto da
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
A afirmativa vlida devido a alguns fatores que diferenciam o documento encontrado das
correspondncias geralmente registradas no livro de correspondncias expedidas do Arquivo Histrico
da Cmara Municipal de Mariana no mesmo perodo. Entre os principais elementos destacamos a
condio avulsa na qual o documento foi encontrado, as marcaes provocadas por dobras nas bordas
do papel em que ele escrito, caracterizando preocupao com a disposio espacial da caligrafia e
algumas frases truncadas ao longo do texto como: (...) fazer baquear a constituio po-/ltica do Imprio,
[sic] no tem expresses para / significar Vossa Majestade Imperial (...).
4
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cdice 222. Ata da Reunio Extraordinria
da Cmara Municipal de Mariana [29 de novembro de 1837], fl. 12f.
5
SOUZA, Paulo Csar. A Sabinada: a revolta separatista da Bahia 1837. So Paulo: Brasiliense, 1987. p.
11.
6
AHCMM. Cdice 222. Ata da Reunio Extraordinria da Cmara Municipal de Mariana [29 de novembro
de 1837], fl. 12f.
7
MOREL, Marco. As transformaes dos espaos pblicos: imprensa, atores polticos e sociabilidades
na cidade imperial (1820-1840). So Paulo: Hucitec, 2005. p. 99147.
8
Ibidem, p. 135.
9
Cf. FREYRE, Gilberto. O escravo nos anncios de jornais brasileiros do sculo XIX: tentativa de
interpretao... 2.ed. aumentada. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. (Coleo Brasiliana,
vol. 370).
10
Sobre as acusaes feitas ao senhor Manoel Bernardo Acrcio Nunan, confira: AHCMM. Cdice 206,
fls. 68v -69v; 77v 82v. Ou ainda: AHCMM. Cdice 640, fl. 77f. A saber, constituam essa Comisso os
vereadores: Luiz Gonzaga Gomes Pereira, Manoel Francisco Silva Costa e Jos Ferreira Oliveira. Na Ata
da 2 Sesso Ordinria em 1 de Maro de 1831. Cf. AHCMM. Cdice 206. Ata na qual se resolve montar
uma comisso para investigar as denncias contra o Secretrio da Cmara, fls. 66f. 66v.
11
AHCMM. Cdice 206. Ata na qual leu-se o parecer da comisso formada para investigar as denncias
contra o Secretrio da Cmara, fl. 68v.
12
SOUZA, Paulo Csar. A Sabinada: a revolta separatista da Bahia 1837. So Paulo: Brasiliense, 1987. p.
10.
13
MACEDO, Francisco Riopardense de. Imprensa Farroupilha. Porto Alegre: IEL/EDIPUCRS, 1994. p. 33.
14
Ibidem. p. 34. A saber, um dos jornais indicados pelo autor no possuiu indicaes acerca de sua
tendncia poltica.
15
SPALDING, Vlter. A Revoluo Farroupilha: histria popular do grande decnio, seguida das
Efemrides principais de 1835 1845, fartamente documentada. 3. ed. il. So Paulo: Nacional; Braslia:
Universidade de Braslia, 1982. p. 12.
16
Discurso de Antnio de Sousa Neto, coronel comandante da primeira cavalaria rio-grandense no
qual proclama a Independncia da provncia das demais do Imprio . Campo dos Meneses, 11 de
setembro de 1836. apud. In: SPALDING, Vlter. A Revoluo Farroupilha: histria popular do grande
decnio, seguida das Efemrides principais de 1835 1845, fartamente documentada. 3. ed. il. So
Paulo: Editora Nacional; Braslia: Universidade de Braslia, 1982. p. 119.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 257
ESTUDOS CRTICOS
exortando-os que empunhassem armas e que unindo-se a eles ficaro livres da escravido4.
As palavras de ordem proferidas pela multido realmente reuniam elementos inslitos,
como a associao entre a liberdade e o imperador Pedro I, acusado de absolutismo pelos que
apoiaram o 7 de Abril, bem como entre figura do mesmo imperador e escravos empunhando
armas em sua defesa e, por esses atos, ficando livres: ...gritavam viva a Dom Pedro Primeiro e viva
liberdade. E da saindo pela rua, gritavam que os cativos pegassem armas e se juntassem a eles
e que todos ficariam livres. Vendo nesta multido sediciosa um escravo de Jos Gonalves Ferreira,
tambm armado...5.
O fator tnico, como elemento desencadeador de distrbios e promotor de solidariedades,
foi potencializado pela criao da Guarda Nacional. Propalava-se que o verdadeiro objeto do
recrutamento era a escravizao dos mestios: Pois que, de modo algum, consentiriam na formao
das Guardas Nacionais, pois que esta s se formava para escravizar os pardos6.
Elementos de origem tnica informavam, portanto, os posicionamentos dos sediciosos
em relao milcia cidad. De um lado, havia a oposio firme sua instalao, sobretudo entre
os pardos, conforme considerado, atribuindo-lhe pretenses reescravizadoras. Outros, porm,
propunham solues intermedirias, condicionando sua instalao ao consentimento de pessoas
mais graduadas do Municpio, compostas por elementos brancos, muitos deles, no por
coincidncia, ligados aos antigos Corpos de Milcias que a Guarda Nacional vinha substituir. Foi
nessa direo que se manifestou Francisco Xavier ao afirmar que no estava para consentir em
semelhantes Guardas Nacionais e nem formao de companhias das mesmas, sem que primeiro
consultasse a seu amo, o capito-mor Manoel Jos Esteves7, uma das mais destacadas lideranas
restauradoras na regio.
Manoel Jos Esteves Lima, nascido em 1778 na Aldeia de Cordeiros, em Riba Mouros,
Provncia do Minho, Portugal, chegara ao Brasil no ano de 1801. Pouco tempo depois, fixou-se em
Santa Rita do Turvo, Termo de Mariana8. Proprietrio de engenho de cana e de escravos, foi o
nico personagem de que se tem notcia a participar dos distrbios ocorridos em 1831 e do
movimento, a eles relacionado, que ficou conhecido como Revolta do ano da fumaa. Dessa vez,
os insurrectos ocuparam o poder na Capital da Provncia, Ouro Preto, entre maro e maio de 1833,
depondo o governador e o vice-governador, Manuel de Incio de Mello e Souza e Bernardo Pereira
de Vasconcelos, este ltimo uma das mais importantes lideranas liberais moderadas do Centro-
Sul.
Mesmo quando se tornou claro, o malogro do movimento no qual os restauradores
assumiram o controle do poder em Minas Gerais, o capito-mor Manuel Jos Esteves Lima tentava
resistir. Para tanto, e segundo acusavam seus opositores, reunia homens das mais diferentes
camadas sociais, dentre os quais se incluam guardas nacionais, elegendo como foco de suas
operaes a Freguesia de Barra do Bacalhau, conforme ficou registrado por um camarista da Vila
do Pomba:
Agora acontece que este Manoel Jos Esteves seu comparsa e sedutor os chamou
novamente para sua casa dizendo-lhe que pegando armas ficariam, ou que j estavam
livres dos crimes, e estes, e com outros embustes desta natureza angariava um secto
entre os criminosos, vadios, malfeitores e gente de toda qualidade, entre os quais
muitos Guardas Nacionais deste Distrito que ficavam contguos quele malvado que
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 259
dizem uns excede a quinhentas pessoas, e outros por diferentes nmeros, e que com
este povo pretende hoje atacar o Distrito da Barra de Bacalhau e fazer com esta fora
ao seu dispor o que bem lhe parecer...9.
Transcrio
Ata da nomeao dos Oficiais, Oficiais Inferiores / e Cabos da Companhia de Cavalaria
das Guardas Nacionais / do Distrito da Barra do Bacalhau, Termo da Cidade / de Mariana.13 //
Aos seis dias do ms de outubro de 1832 um dcimo da / Independncia, e do Imprio,
na casa destinada para a dita / nomeao onde se achava presente o Juiz do Distrito de Domin/
gos Jos Martins Guimares para assistir a nomeao dos Ofi/ciais, Oficiais Inferiores, e Cabos da
Companhia das Guardas Nacionais / de Cavalaria deste Distrito na forma de Lei de 18 de Agosto
do / ano passado feita a chamada dos Cidados alistados para o Servi/o ordinrio das mesmas
Guardas, que compe esta Companhia, a/charam-se presentes 62. O Juiz de Paz props para
Escrutadores14 / os Guardas Nacionais Francisco Xavier Monteiro Nogueira da Gama, e / Felipe
Alves de Magalhes, foram aprovados por aclamao e toma/ram assento a frente junto Mesa.
Procedeu-se a recepo das Listas para a / nomeao do Capito, que contadas acharam-se 62, e
depois de apu/radas na forma da Lei, como nenhum dos votados obteve a maioria ab/soluta no
primeiro Escrutnio, entraram em segundo os dois Guardas, / que obtiveram a maioria relativa
Manoel Luis Alves Chaves Teixei/ra, e Francisco Xavier Monteiro Nogueira Gama, e apuradas as /
Listas reuniu a maioria absoluta de 44 votos o Guarda Nacional Manoel Luis / Alves Chaves Teixeira,
ficando com 18, votos o Guarda Nacional Francisco / Xavier Monteiro Nogueira da Gama. //
Procedeu-se ao recebimento das Listas para / a nomeao de Tenente, que sendo em
nmero de 62, tendo-se apu/rado na forma da Lei como nenhum dos votados obteve a maioria
ab/soluta no primeiro Escrutnio, entraram em segundo os dois Guardas / que obtiveram a maioria
relativa Francisco Xavier Monteiro Nogueira / da Gama e Serafim Ferreira de S e Castro, feita a
apurao [f.1] // das Listas reuniu a maioria absoluta de 45 votos o Guarda Nacional Francisco /
Xavier Monteiro Nogueira da Gama, ficando com 17 o Guarda Nacional / Serafim Ferreira de S e
Castro. //
Seguiu-se a recepo das Listas para a no/meao do Alferes, que achando-se 62, e
apurados, segundo a Lei, / no havendo maioria absoluta nos votados em primeiro Escru/tnio,
passaram-se a segundo o Guarda Nacional Jos Luis da Silva Via/na com 11 votos, e Felipe Alves
de Magalhes tendo 10, o Silves/tre Alves Chaves tambm com 10, a sorte decidiu aprovar a favor
do primeiro, / que entrando em segundo Escrutnio obteve a maioria absoluta / de 39 votos para
Alferes o Guarda Nacional Jos Luis da Silva Viana, / e o Guarda Nacional Felipe Alves de Magalhes
23. //
Procedeu-se a apurao das Listas para Primeiro Sargento / obtiveram a maioria relativa
o Guarda Nacional Luis Jos de Souza 24 / votos, Manoel Anastcio de Jesus 7, que entrando em
segundo / Escrutnio obteve a maioria absoluta o Guarda Nacional Luis Jos de Souza / 51 votos, e
Manoel Anastcio de Jesus 11. Recebendo-se as / cdulas para os Segundos Sargentos, apuradas
elas, obtiveram os Guardas Nacionais se/guintes Jos Felipe de Carvalho a maioria de 16 votos,
Poncia/no Jacinto Teixeira 14, Francisco Jos Gonalves 10, Manoel / Anastcio de Jesus 10, Serafim
Teixeira de S e Castro 9, Manoel / Pedro Gonalves da Fonseca 7, Candido Jos da Nactividade 7,
/ Antnio Luis de Carvalho 7, Modesto Antnio Gonalves Leal 6, / Antnio Jos Miranda 6, Francisco
Ferreira dos Santos 6, / Manoel Jos de Santa Ana 6, Francisco Marcelino de / Freitas 5, Manoel
Francisco de Santa Ana 5, Honrio / Gonalves da Silva 2, Joo Antnio Lopes 2, Luis Pinto Mo/
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 261
reira 2, Balthazar Luis 1, Francisco Loureno 1, Pedro / Jos de Souza 1, Silvrio Luis 1. [f.1v.] //
Comeando-se a apurao do Furriel, obteve a maioria / o Guarda Nacional Candido Joaquim da
Cunha e Castro de 25 / votos, e Manoel Pedro Gonalves da Fonseca 8, Antnio / Fidelis Pampalona
5, Manoel Anastcio de Jesus 5, / Candido Jos da Nactividade 5, Serafim Ferreira / de S 3, Modesto
Antnio Gonalves Leal 3, Fran/cisco Tomas Lopes 2, Pedro Jos de Souza 2, Ant/nio Jos de
Miranda 2, Lino Gonalves da Silva 1, Tibrio / Antnio de Carvalho1. //
Procedeu-se a apurao das Listas para a no/meao de 12 Cabos, obtiveram o Guarda
Nacional seguintes Joaquim / Mariano Machado 45 votos, Pedro Jos de Souza 33, / Antnio Jos
Miranda 31, Modesto Antnio Gon/alves Leal 29, Jos Joaquim Duarte e Castro 27, / Jos Batista
da Cunha e Castro 24, Jos Maria Pe/res Melgasso 24, Manoel Gonalves do Carmo 23, Jos / Luis
Pereira Martins 22, Silvrio Antnio de Carvalho 21, / Joaquim Luis de Carvalho 20, Francisco
Marcelino de / Freitas 20, Manoel Jos de Santa Ana 20, Jos Coelho / Leal 20, Manoel Anastcio
de Jesus 18, Manoel Francisco / de Jesus 16, Atanazio Francisco de Jesus 16, Candido Jos da /
Nactividade 16, Francisco Ferreira dos Santos 16, Lino Gon/alves da Silva 15, Nicolau Rodrigues
dos Reis 13, Severino / da Costa Monteiro 13, Severino Jos de Lana 13, Vi/tor Jos Simeo 13,
Manoel Luis Pereira Martins 13, Ma/noel da Costa Freitas 12, Manoel Pedro Gonalves da Fon/seca
12, Joaquim Lopes da Cunha 11, Silvestre Al/ves Chaves 11, Francisco Loureno dos Santos 10,
Francis/co Moreira da Cruz 9, Custodio Fernandes dos Santos 9, Bernar/do Jos Janurio da Fonseca
9, Antnio Francisco Ferreira 9, Fran [f.2] // Francisco Caetano da Silva 8, Francisco Gonalves Leal
8, / Honrio Gonalves da Silva 8, Jos Gomes da Silva 8, Manoel / Pinto Moreira 8, Luis Manoel de
Caldas 7, Joaquim de Go/doy 7, Balthazar Luis de Carvalho 7, Antnio Jos de Frei/tas 7, Antnio
de Carvalho 6, Domingos Gonalves Fontes 6, / Francisco Tomas Lopes 6, Manoel Francisco de
Santa / Ana 5, Antnio Fidelis Pampalona 5, Serafim de / Arruda [Camera] 3, Serafim Ferreira de S
e Castro 3, / Joo da Costa Viana 1, Jos Tristo de Freitas / 1, Jos Caetano Rigueira 1, Luis Pinto
Moreira 1, / Severino Moreira da Cruz 1, Joo Antnio Lopes 1, Ma/noel Moreira Sampaio 1, Maximo
Moreira Sampaio 1, / Manoel Rodrigues da Silva Negro 1. //
Concluda a apurao na forma mencio/nada, o Juiz de Paz deferiu Juramento ao Capi/
to Manoel Luis Alves Chaves Teixeira nomeado, e / o fez reconhecer pelos Guardas Nacionais
presentes, e Oficiais / Eleitos que foram igualmente reconhecidos,e presta/ram juramento na forma
de Lei, do que lavrou-se / Termo em separado. E para constar fiz esta / Ata em que se assinam o
Juiz de Paz Presidente, / e outro Escrutador nomeado comigo Francisco X/vier Monteiro Nogueira,
que subescrevi, e assino. //
O Escrutador Felipe Alves de Magalhes //
O Escrutador Francisco Xavier Monteiro Nogueira da Gama //
Domingos Joseph Martins Guimares Presidente //
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 262
NOTAS
1
Doutora em Histria pela Universidade de So Paulo (USP). Professora Adjunta da Universidade Federal de
Ouro Preto (UFOP).
* Graduando em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto ( UFOP ).
2
Arquivo da Casa Setecentista de Mariana (ACSM). Processo Crime. Cdice 217, Auto 5411, 2 Ofcio, [1833],
fl. 3.
3
ACSM. Processo Crime. Cdice 191, Auto 4780, 2 Ofcio, [1832], fl. 3v.
4
Idem, f.3.
5
Idem, f.16.
6
Idem, f.8. O argumento reiterado pelas vrias testemunhas, como s folhas 22, 26v.
7
Idem, f.9.
8
BRAVO, Carlos Magno Rodrigues. Nossas razes: o Alegre at o ano de 1920, fatos e biografias. Alegre:
Fundao Banco do Brasil/ Prefeitura Municipal de Alegre, 1998. p. 92-93.
9
RAPM, v. 7, 1902, p.167.
10
Idem, p.170.
11
Idem, p.187.
12
Idem, p.187.
13
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Ata da nomeao dos Oficiais, Oficiais
Inferiores e Cabos da Companhia de Cavalaria das Guardas Nacionais do Distrito da Barra do Bacalhau, Termo
da Cidade de Mariana. Coleo Avulsa - Caixa: Guarda Nacional. Documento no numerado e indisponvel
consulta pblica. Transcrio: Giovani Barbosa Prado. Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
14
Aquele, que recolhe os sufrgios ou que v e conta os votos afirmativos, ou negativos de uma ao capitular.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 263
ESTUDOS CRTICOS
Fiscalidade
Os vereadores da Cidade de Mariana tinham motivos de sobra para se preocuparem
quanto ao decrscimo das rendas do municpio em meados do sculo XIX e, a este respeito, estava
corretssimo o diagnstico que a Comisso de Contas elaborou naquela sesso da Cmara do dia
20 de janeiro de 1849. Sem dvida, as perdas pareciam considerveis. No ano financeiro de outubro
de 1849 a setembro de 1850, a Cmara orou a receita em 2:767$433 ris. No ano financeiro
seguinte, 1850-1851, a receita orada despencou para 1:821$530. E, no de 1851 a 1852, a situao
ficou ainda pior: 1:724$306 ris. Comparadas com as receitas de outros municpios no mesmo
perodo, as rendas de Mariana eram muito menores. Diamantina, Ouro Preto e So Joo del-Rei,
por exemplo, em 1851-1852, oraram suas receitas em 8:062$007, 7:038$651,5 e 7:120$743 ris,
respectivamente.
Como primeira causa desse problema, os camaristas indigitaram as frequentes
desmembraes. De fato, desde que foi criado em 1711, at as primeiras dcadas dos oitocentos,
o termo de Mariana se estendia por cerca de 30.000 km2. Grosso modo, correspondia ao atual
territrio da Zona da Mata de Minas, s excluda a microrregio de Juiz de Fora. A elevao vila
da Freguesia de Rio Pomba levou consigo a metade do territrio original do Municpio Mariana.3
Dez anos depois, foi a vez da antiga Freguesia de Guarapiranga, que, pela Lei n 202, de 1 de
junho de 1841 elevou-se tambm a vila. Com isto, mais 5.000 km2 deixaram de fazer parte do
Termo de Mariana.4 O golpe final se deu com a emancipao de Ponte Nova, a 11 de junho de
1857, que levou consigo mais 9.800 km2. Assim, em menos de vinte anos, Mariana viu seu termo
reduzir-se aos atuais 1.200 km2 de extenso, ou seja, cerca de 7% de seu tamanho original. Os
vereadores, portanto, pareciam ter razo. Desmembramentos municipais podiam mesmo dar
motivo a conflitos. Assim ocorreu, por exemplo, quando da emancipao da extensssima Freguesia
de Campanha do Termo da Vila de So Joo del-Rei. Mas resta investigar quais os elementos que
efetivamente estavam sendo jogados em cada caso. Alm disso, a perda de territrio est
relacionada tambm com a perda de populao. Uma rpida consulta aos dados oferecidos por
Cunha Matos para o ano de 1826 revela que dos 50.191 habitantes de Mariana, 16.682 viviam nos
limites daqueles 1.200 km2 a que o Termo se reduzira, ou seja, 33% da populao total.5 Essa
concentrao demogrfica 33% da populao residindo em 7% do territrio total no de
estranhar. antes um eco da realidade colonial, quando a concentrao era de fato muito maior,
em razo de as reas de minerao corresponderem quase exclusivamente s freguesias vizinhas
sede do termo. Mas preciso, contudo, manter uma atitude de cautela. Nada sabemos a respeito
da cobrana dos impostos nos antigos distritos. Logo, uma questo central a exigir investigao :
qual a participao das freguesias no conjunto da arrecadao municipal.
Um outro elemento assinalado seria a elevada dvida ativa, na qual deviam ser includos
tanto os impostos devidos por muitas casas de negcios quanto aqueles provenientes dos
aforamentos. E o problema aqui estaria no que os camaristas denominaram o intrincado labirinto
na contabilidade [e] escriturao. Aqui tambm haveria de se proceder a maior escrutnio. Algumas
prticas contbeis introduzidas no sculo XV, na Europa (a partida dobrada, por exemplo), s se
tornaram correntes na administrao fazendria da Capitania de Minas Gerais a partir da dcada
de 1760, mas demoraram muito mais para se tornarem rotineiras na administrao das receitas e
despesas municipais. A ausncia de registros precisos do que era devido Cmara ou do que a ela
j se havia pago tornava, sem dvida, as coisas muito piores do que j estavam.
Os problemas certamente se avolumavam tambm do lado das despesas, que se
compunham de rubricas limitadas: os gastos com as eleies em especial para as assembleias
provincial e geral, uma novidade introduzida a partir de 1835; com a procisso do Corpo de Deus,
com a iluminao e limpeza da Cadeia e com a folha de pagamentos (esta, de longe, a que consumia
metade das rendas: nas palavras dos camaristas, dois trimestres da receita). Mas no porque o
nmero de filhos da folha, como ento se dizia, era elevado. Ao contrrio, em 1851, a Cmara de
Mariana pagava os salrios de seu secretrio, do porteiro, do fiscal, do administrador do procurador
e de um mdico. Devamos acrescentar tambm as despesas com expostos. O problema estava
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 265
Transcrio
[O decrscimo das rendas municipais em Mariana no ano de 1849]
6. Sesso Ordinria em 20 de Janeiro de / 1849. 6
[...]
Foram apresentadas as Contas do / Procurador relativas ao quarto trimestre do / ano
financeiro, e aos do primeiro trimestre do corrente ano. Aprova/das pela Comisso de Contas /
cujo parecer do teor seguinte: / As rendas do Municpio tm / decrescido consideravelmente. As
/ causas so bem conhecidas. / Freqentes desmembraes, / que o tem reduzido a estreitos li/
mites. Taxa dos impostos a / que so devidos [os feixos] de muitas / Casas de Negcios.
Entorpecimento [f.55] // do Comrcio, que por toda parte / sentido, falta [escandalosa] de /
muitos impostos aos Votantes Elei/tores e Jurados que deixam de / comparecer sem justificado
mo/tivo, provenientes de aflies / pessoais, convenincias polticas, / e ainda mesmo pelo pouco
respeito que / se consagra Lei. O intrin/cado labirinto na contabilidade / escriturao dos foros
por fal/ta de tombamento etc. Tais so as / causas mais salientes do decres/cimento das Rendas
Municipais. / Na razo do decrescimento ter se au/mentado a despesa, Eleies po/lticas,
caminheiros, Custos/ Judicirios, para as quais / tm decretado a Lei as multas, / que seno fora
tanta imora/lidade cobririam estas despesas: / A Procisso de Corpo de Deus / que absorve 150$
ris anuais. / O pessoal, que consome dois trimestres / da Receita, e finalmente os 20 % / deduzido
das Afilaes e Ca/beas em favor do Administra/dor, e 16 % ao Senhor Procura/dor de toda a
Receita arrecada/da, alm dos 20 % ao Afe/ridor, so estas as despesas que [f.55v]// que pesam
sobre a Municipa/lidade alm de outras que so / bem conhecidas, como Enjeitados, / Expediente,
Caladas, Chafarizes, / Estradas, e Pontes Municipais. / A vista do que fica Exposto / claro que esta
Cmara no tem / meios para satisfao digo satisfazer / as mais urgentes necessidades ao /
Municpio. Pagos os Emprega/dos deduzidos os primeiros por cento aos ad/ministradores e
Procisso do Cor/po de Deus e iluminao da / Cadeia, seria exagerado se afirmar / que no sobram
200$ris para com/sertos de Caladas, Chafarizes, Pontes / e Estradas. Convir lanar no/vas
imposies para [defict] / no o meio nico seguramente / alguma subscrio pelo povo / para
aquelas obras que forem / mais dispendiosas e urgentes, como / esta Cmara j tem resolvido e /
ativar-se mais a cobrana dos / [preditos] pelos meios que forem mais / condizentes a este fim.
Mariana /
20 de Janeiro de 1849. Bhering.
Damasceno. Benfica. Duarte. Alves.
Barbosa. Tavares
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 267
NOTAS
1
Doutor em Histria Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Adjunto da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
2
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
A antiga freguesia de So Manuel dos ndios Crops e Croatos dos Sertes da Pomba e Peixe foi elevada a
categoria de vila em 13 de outubro de 1831, e sua cmara municipal instalada em 25 de agosto de 1832.
Para o histrico dos desmembramentos, cf. FRADE, Pelicano. Dicionrio corogrfico e estatstica
corogrfica de distncias do Estado de Minas Gerais. 2. ed., Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1917; MINAS
GERAIS. Secretaria de Agricultura. Servio de Estatstica Geral. Anurio demogrfico de Minas Gerais.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1928; BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionrio histrico-geogrfico
de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1995. Os dados relativos receita dos municpios citados, extrados
das Leis Mineiras, foram gentilmente cedidos por Fernanda Amaral de Oliveira.
4
O municpio de Piranga foi suprimido em 1865, pela lei 1.249, de 17 de novembro, mas novamente institudo
pela lei 1.537, de 20 de julho de l868.
5
MATOS, Raimundo Jos da Cunha. Corografia histrica da provncia de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1979. vol. 1, p. 81-2.
6
MARIANA, Arquivo Histrico da Cmara (AHCMM). Ata da Sesso Ordinria de 20 de Janeiro de 1849. Parecer
da Comisso de Contas sobre o decrscimo das rendas municipais. Atas das Sesses da Cmara. Cdice 215.
Folhas 53 verso a 56 frente. Transcrito por Ldia Gonalves Martins. Reviso: Nicole de Oliveira Alves
Damasceno.
.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 269
ESTUDOS CRTICOS
O regulamento do mercado:
comrcio e urbanizao na Mariana oitocentista
Rogria Cristina Alves1
Transcrio
Cpia do / regulamento do / mercado provis/rio da Cidade / de Mariana / 1893 9 // [f.1]
Cpia: //
O Regulamento nmero 2 que ex/plica a resoluo nmero 9 que cria o mer/cado
provisrio nesta Cidade. //
O Tenente Coronel Caetano Camillo d Almeida / Gomes, Agente Executivo e Presidente
da / Cmara Municipal da Cidade de Mari/ana, cumprindo o disposto no artigo 7 / da Resoluo
nmero5, de 27 de Dezembro de / 1892, organizou e manda que seja publicado / e cumprido o
seguinte regulamento. //
Do mercado: //
Artigo 1 - O mercado de Mariana criado / pela Resoluo nmero 9 de 27 de / Dezembro
de 1892, comear / a funcionar no dia 15 de Janeiro / de 1893. //
Artigo 2 - Todos os tropeiros ou conduto/res so obrigados a levar ao / mercado da
Cidade os gene/ros que trouxerem a venda / dentro de seu permetro e arre/baldes, e ai vendendo-
os pelo / estado do preo convencionado / far inscrever sua quantidade / e qualidade, preo,
nome do / comprador e pagar por cada // [f.2] cargueiro a taxa de sessenta / ris, do que receber
um cer/tificado ou talo da Guarda / permanente.//
nico - O tropeiro ou condutor que / contravir o disposto no arti/go 2, ficar sujeito a
mul/ta de 30$000 mil ris e ao / duplo na reincidncia. //
Artigo 3 - O mercado fica sob ime/diata inspeo e guarda / do Guarda permanente, e /
vistoria diria do Fiscal / para esse fim designado.//
Do Guarda permanente //
Artigo 4 - Ao Guarda permanente compete: //
1 - Zelar pela boa ordem e asseio do / edifcio e bem assim de todos / os objetos
pertencentes ao mesmo. //
2 - Fiscalizar a taxa e medida / das mercadorias e lanar em / livro especial a qualidade
e / quantidade de gneros vendidos,/ designando os nomes do compra/dor e vendedor. //
3 - Arrecadar dos tropeiros ou condu/tores a taxa de sessenta reis por / cargueiro de
mercadorias que / sejam vendidas no mercado. //
4 - Arrecadar dos tropeiros ou condu//[f.2v.]tores a taxa mencionada / (embora no
venda) de cada / uma cangalha10 que pernoitar / no mercado. //
5 - Arrecadar de cada condutor / de carro ou veculo que vem/der gneros no mercado
a / taxa de quinhentos ris. //
6 - Inscrever em livro especial a / arrecadao desses impostos / declarando a data,
nome / do tropeiro ou condutor, n/mero de cargueiros ou veculos. //
7 - No permitir que sejam ven/didos gneros deteriorados e / que possam ser
prejudiciais a / sade pblica. //
8 - No permitir que sejam ven/didos gneros a negociantes de / outro municpio que
no / tenham satisfeito as condies / da tabela B. da resoluo / nmero 6 de 27 de Dezembro de
189211, / a particulares ou por atacado / a um s negociante da praa / quando haja mais pretenden/
tes, antes de decorrer duas / horas depois da chegada / dos mesmos ao mercado.//
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 273
NOTAS
1
Graduada em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
2
LEMOS, C.L.;BOIS, M.C.M.S.; MARTINS, C.M.M. O sculo XIX na paisagem cultural ouro pretana: cotidiano,
arquitetura e modernidade imperial. Belo Horizonte: 2006. Disponnel em : <http://www.cedeplar.ufmg.br/
seminarios/seminario_diamantina/2006/D06A021.pdf >, consultado em 19/08/2008, s 13:59.
3
FONSECA, Cludia Damasceno. O espao urbano de Mariana: sua formao e suas representaes. In: Termo
de Mariana: histria e documentao. Mariana: Imprensa Universitria da UFOP, 1998.
4
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Livro de Atas das Assembleias da Cmara
[1893 a 1904], Livro 134, I 1.1.
5
AHCMM. Livro de Posturas da Cmara Municipal de Mariana. Livro 660 [1735].
6
CHAVES, Cludia Maria das Graas. Perfeitos negociantes: mercadores das minas setecentistas. So Paulo:
Annablume, 1999. p. 49.
7
AHCMM. Livro do Mercado de Mariana. Livro 283, 1893 - 1895.
8
CARRIO, Jos M. O Plano de Saturnino de Brito para Santos: urbanismo e planejamento urbano entre
o discurso e a prtica. Santos: 2006. Disponvel em: <http://www.canaisdesantos.com.br/arquivos/
saturnino.pdf> Acesso em 22 ago. 2008.
9
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cpia do regulamento do mercado provisrio
da cidade de Mariana (1893). Cdice 716. Folhas de 1 frente a 4 frente. Transcrio: Rogria Cristina Alves.
Reviso: Nicole de Oliveira Alves Damasceno.
10
Segundo o dicionrio Michaelis, cangalha seria um arreamento com carcaa de madeira, suadores de
capim ou rolha, coberto de couro, com cabeotes peitoral, retranca e acessrios, para animal cargueiro.
Cangalha serviria tambm para designar uma espcie de carro, puxado por um s boi. Diante do contexto
aqui mencionado, acreditamos que esse segundo significado seria mais pertinente.
11
Tal tabela se referiria, provavelmente, regulamentao do comrcio no mercado. Contudo, no localizamos
esse documento.
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 275
ESTUDOS CRTICOS
Transcrio
[Cpia da Ata eleio de Presidente e Vice-presidente da Repblica (1910)] 8
Ata da eleio de presidente e vice-presidente / da Repblica. / Ao primeiro dia do ms
de Maro do ano de / mil novecentos e dez, nesta cidade de Mariana, / municpio o mesmo nome,
na sala das sesses / da Cmara Municipal designado para fun-/cionar a primeira seo eleitoral
pela co-/misso do alistamento e para realizao da / eleio de Presidente e Vice-presidente da /
Repblica, s dez horas da manh, presentes o / presidente da mesa eleitoral Aristides Ferreira /
de Mesquita, e mesrios abaixo-assinados, / tomaram assento o presidente cabeceira da / mesa
e os demais mesrios indistintamente de / um e outro lado.//
O recinto da mesa era separado da sala de / unio [sic] dos eleitores, mas de modo que
estes podiam / fiscalizar a eleio. O Presidente da mesa / anunciou que ia se proceder chamada
dos eleitores. Em seguida o mesrio Amador de / Castro Queiroz, encarregado da chamada, proce-
/deu a mesma voz em alta, verificando-se terem / comparecido e votado duzentos e seis eleitores
que / exibiram seus ttulos entregando cada um duas / cdulas fechadas, soluladas [sic] e sem
distintivo al-/gum, deixando de comparecer quarenta e quatro / eleitores. Antes de depositar na
urna suas cdu-/las, assinava o eleitor o livro de presena / de maneira que cada linha da folha
corres-/pondia um s nome sendo este tambm por / ele numerada em ordem sucessiva antes de
/ laar a sua assinatura e do mesmo modo / assinava a lista que se destina ao Vice- // [f.1] Presidente
do Senado Federal. Finda a chamada / e logo em seguida a assinatura do ltimo / eleitor foram
admitidos a votar os fiscais Joo / Vicente Gomes, Candido Inocncio da Conceio, / Sinval dos
Santos, Jos Antnio da Silva e Ot-/vio Josefino do Esprito Santo eleitores do distrito / eleitoral
cujos nomes no se achavam na lista de / chamada por pertencerem a outras sees do mes-/mo
distrito. Terminada a votao, lavrou-se o / turno de encerramento das assinaturas dos eleitores. /
/ Em seguida, o Presidente abriu a urna, de onde / tirou as cdulas, que foram por ele contadas um
/ nmero de duzentos e onze (211) para Presidente / e um nmero de duzentos e onze (211) para
Vice-/Presidente e anunciou imediatamente esse / nmero, emmaando-as [sic] de acordo com
os rtulos / e recolhendo-as logo urna. O que feito, decla-/rou que se ia proceder a apurao
delas e / proporo que o secretrio as abria e o Pre-/sidente as lia em voz alta, passando-as aos
fis-/cais e mesrios para a verificao dos nomes / por ele lidos, os outros mesrios, entre os quais
/ se repartiram as letras do alfabeto iam cada / um, separadamente, escrevendo em uma relao /
os nomes dos votados e o nmero dos votos / por algarismo sucessivos da numerao na-/tural,
de maneira eu o ultimo nmero de / cada nome mostrava a totalidade dos votos / obtidos pelo
cidado sufragado e publicando / em voz alta os nmeros ao mesmo tempo / que iam
escrevendo. //
Finda a leitura das cdulas verificou-se / terem obtido votos para Presidente da Re-//
[f.1v.] pblica os cidados Marechal Hermes Rodrigues / da Fonseca duzentos e quatro votos (204),
e Dou-/tor Ruy Barbosa seis votos (6), e para Vice-presiden-/te da Repblica os cidados Doutor
Wences-/lau Braz Pereira Gomes duzentos e quatro votos (204) / e Doutor Manoel Joaquim de
Albuquerque Lins / sete votos (7). Deixou-se de apurar uma cdula encon-/trada entre as rotuladas
para Presidente da Rep-/blica por no conter a mesma os dize[r]es // Para / Presidente da Repblica
// havendo na mesma sim-/plesmente o nome Ruy Barbosa. Tornou-se de-/pois uma lista geral
TERMO DE MARIANA | Histria e Documentao 278
NOTAS
1
Doutor em Histria Social pela Universidade de So Paulo (USP). Professor Adjunto da Universidade Federal
de Ouro Preto (UFOP).
2
Graduando em Histria pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
3
VISCARDI, Cludia Maria Ribeiro. O teatro das oligarquias: uma reviso da poltica do caf com leite.
Belo Horizonte: C/Arte, 2001. p. 68.
4
RESENDE, Maria Efignia Lage de. O processo poltico na Primeira Repblica e o liberalismo oligrquico. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O tempo do liberalismo excludente: da
Proclamao da Repblica Revoluo de 1930. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. p. 113.
5
Fausto, Boris. Histria do Brasil. 2 ed. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1995. p. 264-265.
6
Idem, p. 271.
7
Fausto, Boris. Histria do Brasil. 2 ed. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1995. p. 271-272.
8
Arquivo Histrico da Cmara Municipal de Mariana (AHCMM). Cpia da Ata eleio de Presidente e Vice-
presidente da Repblica (1910). Coleo Avulsa Caixa: Atas de Eleies. Documento no numerado e
indisponvel a consulta pblica. Folhas de 1 frente a folha 2 verso. Transcrio: Carlos Eduardo Soffort. Reviso:
Pedro Eduardo Andrade Carvalho.
Esta obra foi impressa pela Imprensa Universitria da Universidade Federal de Ouro Preto,
composta na fonte Myriad-Pro e Ottawa,
em papel 100% reciclado, (capa) 380 g/m2 e (miolo) 90 g/m2,
em maro de 2010.
Volume III
TERMO DE MARIANA
Histria e Documentao
Histria e Documentao
Volume III
TERMO DE MARIANA