Ri HG B 1949 Volume 0205

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REVISTA [TRIMESTRAL]

DO

F O N D A D O NO R IO D E J A N E I R O EM 1 8 3 8

VOLUME 205

OUTUBRO - DEZEMBRO

1949

Hoc fácil ul longos durcnl bene gesta per annos


El possinl sera posleritate fruí.

C O M IS S Ã O D IR E T O R A

GENERAL ESTEVÀO LEITÀO DE CARVALHO


CLAUDIO GANNS
FEMÓ BITTENCOURT

Departamento de Imprensa Nacional


R io do J a n e iro - B r a s il - 1052

/
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO

DIRETORIA EM 194B-1949

Presidente Perpétuo

E mbaixador I)». J osé C arlos de Macedo S oares

1.* Pícr-PiTwrfcnfe

M inistro D r. A ugusto T avares de L yra

2.’ Vice-Presidente

D r. A lfredo N ascimento e S ilva

3. " Vice-Presidente

D r. J osé W anderley de Araújo P in h i

1.* Secretário

D r. V irgílio Corrêa F ilho

2* Secretário

D r. L eopoldo A ntônio F e ijó B ittencourt

Orador

D r . P edro C almos M u n iz de B ittencourt

Tesoureiro

C apitão d e mar e guerr » C arlos S ilveira C aixeiro


REVISTA(TRIMESTRAL)

DO

F U N D A D O NO DIO D E J A N E IR O EM 1 838

VOLUME 205

OUTUBRO - DEZEMBRO

1 9 4 9

Hoc fácil ut longos durem bene gesia per annos


Et possint sera posierilaie frui.

C O M IS S Ã O D IR E T O R A

G ENERAL E S T E V Ã O L E IT Ã O D E C A R V A LH O
C L A U D IO G A N N S
F E M Ó B IT T E N C O U R T

D epartam ento de Im prensa Nacional


R io do J a n e iro - B re e n - 1OB2
CURSO RUI BARBOSA

INSTALAÇÃO SOLENE. EM 29 DE SETEMBRO


DE 1949. DISCURSO DO EMBAIXADOR JOSÉ
CARLOS DE MACEDO SOARES. RUI E AS INS­
TITUIÇÕES NACIONAIS. CONFERÊNCIA DO
PROFESSOR PEDRO CALMON

Fazendo a abertura do Curso, proferiu o embaixador José Carlos


de Macedo Soares o seguinte e expressivo discurso :
“ Há certos homens cuia vida pública e particular se identifica
estreitamento com a Historia da Pátria. Sua obra reflete a alma
nacional com tudo que nela existe <le complexo. Xinguem, ate boje,
interpretou como o eminente conselheiro Rui Barbosa os .entintentos
c as inclinações do povo brasileiro. Dai a fascinação vertiginosa
(lite causa cm todos nós a grandeza de sua inteligência, profunda e
transbordante.
Rui Barbosa é no Brasil a expressão idealizada da maneira cole­
tiva de pensar e de sentir. Xa luminosidade deslumbradora de seu
|>odcr verbal, onde se encontram todos os matiz.es. desenv lver.am-se
os elementos indispensáveis para que éle pudesse captar os pensa­
mentos e as emoções de um ]>ov<> jovem, ainda em formação, inquieto
e contraditório. que se debatia como até hoje se deleite numa série de
crises espirituais e materiais.
Rui Barbosa não se contentou, porém, com explicar os fenô­
menos sociais e políticos de sua época. Ao lado do pensador se
achava o homttn de atuação política, que amava a luta c não sabia
temer nem recuar. O que Rui Barbosa linha em vista em todo o
curso de suas campanhas doutrinárias e política ^ — a a’sdicionísta,
jiela federação, e a civilista. — não era o efêmero fulgor do sucesso
ocasional, e sim a preparação do solo, para que nele germinassem as
idéias construtivas que descortinam novos horizontes e novas perspec­
tivas. O homem que pensa e qtte atua tiào vive só do presente :
vive também do futuro. E ' o que acontece a Rui Barbosa. Aqui
—4 —

estamos reunidos, <• conosco o Brasil inteiro, para comemorarmos


o centenário de seu nascimento. Neste curso, organizado peto Insti­
tuto Histórico e Geográfico Brasileiro, será estudada a personalidade
excelsa, sob varios aspectos, do grande apóstolo da razão, do direito
e da liberdade, daquele cuja biografia, na definição de Alcindo
Guanabara podia “ ser simbolizada por urna reta, traçada entre a
liberdade e o direito".
O homem particular, o jornalista, o parlamentar, o advogado, o
jurista, o filólogo, o diplomata, o conferencista, o educador, o político,
tudo isso que havia ent Rui. revive a toda hora na imaginação de setts
compatriotas. E ' justo, pois, que mereça desta casa tima carinhora
invocação em sinal do muito que o grande brasileiro representa para
nos.
E dando a palavra an Sr. Pedro Calmou o Sr. embaixador José
Carlos de Macedo Soares assim termina a sua oração :
Vai dar a primeira aula do Curso, focalizando “ Rui e as Insti­
tuições Nacionais”, o eminente orador oficial do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, o Magnífico Reitor da Universidade do
Biosíl”.
Tomando a palavra, o ilustre acadêmico e professor de Direito
discorreu sobre “ Rui e as Instituições Nacionais", pondo cm relevo
a grande e excelsa figura do eminente brasileiro.
Iniciando a sua conferência, disse o professor Pedro Calmou
da timidez que o assaltava, falando do imortal brasileiro, seu compro­
vinciano. Era que a sua palavra tinha três significações : era a voz
do Instituto na homenagem centenária, pelo órgão de seu orador
costumeiro ; era a voz do professor da Escola Nacional de Direito
da Universidade do Brasil ; e, ainda a voz do coestaduano, de quem,
como êle, era filho da velha provincia, que ele tanto amara. A
timidez, porem, por isso smesmo se casava com uma certa ttíania.
Traçou em largas pinceladas de mestre o perfil de Rui Barbosa,
o portentoso gênio brasileiro, e aludiu, desde logo, aos créditos de
orador que alcançara, ainda estudante, em São Paulo, quando saudou
José Bonifácio.
Em seguida pôs em rclêvo a identificação de Rui com as insti­
tuições políticas, mostrando que lhe não aprisionavam as formas de
governo, o seu nominalismo, pois que era essencial para ele o regime
que pudesse garantir as liberdades civis. Êssc é que seria o funda­
mento, o sólido e indestrutível alicerce do autêntico sistema de
goVêrno, e sê-lo-ia bom. dessa forma, qualquer que fosse n seu bati-
samento. Eis por que, afirm a o orador, pôde Rui definir-se ,io seu
famoso discurso, no Parlamento do Império, em 1879. já se mostrando
inclinado e cheio de entusiasmo pelo parlamentarismo vestido à
— 5—
feição inglesa. |>orque via nele uma forma feliz de assegurar aquelas
lilrcrdades. Mas, sem embargo disso, podia Rui manifestar-se favo­
rável ao radicalismo francês, com as suas virtudes políticas, e aos
regimes nosso e norte-americano — estes últimos porque cníeixavam
o seu ideal, que era o da federação, da qual se fêz o grande pregoeiro.
o invencível apóstolo.
Mostrou com rara felicidade, que a formação liberal de Rui.
a sua cultura jurídica, o seu civismo, foram as molas propulsoras de
sua ação politica. em favor das instituições, assim na monarqu a.
como na república. Xa monarquia já lobrigava a possibilidade de
um parlamentarismo adequado à nossa indole e propicio às liberdades
civis. Queria a neutralidade do imperador, a responsabilidade dos
ministros c o pronunciamento da opinião pública nos conflitos entre
os poderes politicos. O discurso de 1879 retrata a fisionomia de
Rui como pensador e politico Rui houvera se inspirado mais em
Fcnelon do que em Benjamin Constant o francês.
Queria a descentralização, e portanto o reforço autonómico das
provincias. Esse o seu ideario no plano da monarquia brasileira.
Em face fia república, salienta que Rui não tivera diversa atitude.
,\ república houvera o seu apóstolo em Benjamin Constam, o seu
arauto em Silva Jardim, a sua espada em Deodoro, e sua consciencia
na propaganda que se espraiou por todo o Brasil. Rui. fóra tudo
isso, ou mais do que isso tudo, porque fóra a alma da própria insti­
tuição republicana.
Rui nunca fóra um impaciente. nem um revolucionário, a quem
reduzisse o desmoronamento, o tufão da demagogia, a violência.
Surpreendido com o movimento da reclamação, quando o convi­
daram para nele colaborar, disse que estaria pronto a prestar-lhes <.s
seus serviços. Proclamada a república, c distinguido com a desig­
nação para dois ministérios e desfie logo redige o Decreto n.° 1. a
verdadeira Magna Gtrt.a do Brasil em qtte estrutura o regime, fix.*, os
pontos basilares da nova instituição : a federação, a nttião indis­
solúvel fios Estados, a forma republicana. Mo-tra em como, valendo-
se de seu vasto conhecimento rias instituições americanas, pódc
transplantar jxtra o Brasil o seu regime político, redigindo o ante­
projeto de Constituição, que vingou cm 91. Fóra o precursor dêsse
regime e tivera a antevisão de todo- os problemas nacionais que deve­
ríam encontrar raizes na sita primeira Constituição republicana.
Xotadamente, fixou-se naquilo que andava irmanado ao seu sonlm
á sua vida, á sua tradição, á sua cultura, à sua formação moral ;
a garantia das liberdades. Deve-se-lhe então o especial cuidado e a
sabedoria com que esboçou a parte dogmática : a declaração de
direitos e deveres.
— 6 —

Ent seguida. sempre coin exuberância <l<- argumentos impressio­


nantes e conceitos profundos, mostrou como a parte clássica, a parte
inviolável, intangível, iniudável da Constituição qne êle redigiu, passou
por herança ás demais Constituições : 1934 c 1946. file Rui quem
houvera a idéia magistral de obrigar aos Estados conservar nas suas
Constituições autônomas os principios liás'cos da Magna Carta.
Essa a parte da estruturação jurídica e política. Mas. dqwis. Rui
faz-se o invencivel defensor das próprias instituições, dos apostolado*
constitucionais. E ’ êle quem em 1892 vai Inter ás portas do Supremo
Tribunal em defesa das lilierdades. Sofre desilusões. Vem o exilio,
mas não transige, não arrefece, não descontinua. E’ o mesmo espi­
rito alto e combativo, perseverando nas idéias c afirniandu.se coerente
com os sem princípios. Q uer na parte doutrinária, quer na liarte
pragmática, não há quem o exceda em zelos na defesa da Constituição.
Quando foi compelido pelas circunstâncias a ser revisionista, fê-lo
cautelosamente, e apenas nos pontos que não eram os cardiais.
Cifraram-se os aspectos revisionistas cm reformas que visaram a dar
maior prestigio ao próprio regime, como a federalização da justiça,
c a unidade de direito. Um rasgo de vidente, fizera-o, ainda, em
1919 bater-se pela questão social, que sentiu estava às portas, pedindo,
¡mediatamente, solução constitucional a fim de que pudesse cia si r
tratada convenientemente e preservar o Brasil de miles., que vieram
depois pela improvidencia dos estadistas.
Patenteou o conferencista que Rui o liberal. Rui o jurista. Rui o
combatente, Rui o patriota 'cria de imprimir à sua olira e à sua
ação política os tons fortes c claros, construtivos e altos, de seu
próprio ideal. Ainda unia vez : não importavam figurinos polí­
ticos, rótulos de regimes, porem, valem muito, e essencialmente. as
idéias. Eis por que compreendera que ainda no império, que os
partidos dcv.'am organizar re cm tõrno de idéias e estas orientarem
os problemas do govérno c nacionais.
Teve ensejo de dar o seu depoimento pessoal da visita de Rui á
terra natal após a injustiça que sofrerá nas urnas, em 1919. Fá-lo
como artista, descrevendo o cenário de sua chegada a Salvador e os
efeitos da consagração que o arguardara, voltando à terra de seu
lierço. como quem leva uma mensagem nova de liberdade, de paz. e
de amor. Alude ao seu discurso no Politeama Baiano, aos fulgores
de sua eloquência, à fascinação de seu verbo, à contundência de sen
sarcasmo, à sua serenidade, à sua expressão veiled assombrosa e
à opulência de sua sinonimia que emprestava ás suas orações um
tom de magia, de deslumbramento, de ê x ta s e ...
Encerra a sua magistral conferência. referindo-se â sua gloriosa
e última viagem : aquela que o conduzia ao sono eterno. Teceu,
então, uma página de rara fulguração. com imagens que são de fino
esmero literário. Disse da saudade que ainda tinha do grande morto
do imortal brasileiro. Quando descreve o cemitério de S. João
Batista, ao anoitecer, melancólicamente, o negror da noite sobre os
mármores branco: , revela-se um primoroso paisagista, um requintado
artista.
Remata afimintulo que descrc dos monumentos, que se destinam
a guardar aqueles que se foram e ficam esquecidos : descrc das
apoteoses das biografias, das conferências, das várias formas de
encomios, que cercam a celebridade, porcin. acredita muito entranlta-
damente. na lição que éle deixa aos moços, nos ensinamentos que
irão servir ás gerações novas, nos exemplos <|ue irutificarão nessa
mocidade ansiosa e plena de vida e de esperança.
O orador foi entusiásticamente aplaudido c de sua conferencia
restará, sempre, uma impressão do maravilhoso.
RUI E O FOLCLORE

Conferencia realizada pelo professor JO A Q U IM R IB E IR O

Os centenários dos grandes escritores quase sempre provocam


curioso fenómeno de convergencia erudita. H á como que sulcnc
convocação de todos os estudiosos para a complexa c grandiosa
pesquisa da presença de cada dominio do espirito na obra do autor
celebrado.
E'. sem dúvida, uma desfiguração intencional de suas perspec­
tivas normais, mas nem por isso perde a personalidade consagrada
a nitidez de sita gloria, mais realçada aínda, com estes alongamentos e
ésses remigios, só perceptíveis aos olhos da posteridade.
E ' a contingencia dos séculos.
A imortalidade surge sentpro numa projeção de maior amplitude.
E nesses novos horizontes há lugar perdoãvcl para todas as indagações
c tõdas as curiosidades.
Assim aconteceu com todos os gênios da humanidade, Vergího,
Dante, Camões. Cervantes, Shakespeare. Moliere e Goethe. E assim
não poderia deixar de acontecer com Rui Barlwsa, o gênio da demo­
cracia brasileira.
Não se contentam os pósteros com a biografia normal a respeito
da arte ou do saber d" cada autor imortalizado. Exigem um comple­
mento subsidiário, um rastro bibliográfico que o ligue a outros domi­
nios da cultura. E ’ o arremate da exegese coiisagratória.
Eruditos c sábios, cada qual com o seu "background" cultural,
examinam, esmiuçam, pesquisam. dissecam c procuram na obra previ-
legiada os elos e os pontos de contacto com os seus respectivos países
espirituais.
Levanta-se tóda uma nova estrutura critica ao lado da interpre­
tação imediata da personalidade, agora, mais agigantada no tempo c
mais enriquecida nos devassamentos suplementares dc seu gênio.
— 9 —

Essas figuras excepcionais uunca se restringem às fronteiras de


sua obra. Enraizam-sc de tal sorte no mundo da cultura em que
vicejam, que passam a fazer parte déle, integradas na sua órbita,
estendendo o seu esplendor a todos os domínios e tornando-se. conse­
quentemente. a síntese da cultura que iluminam.
Não é derarrazoada, pois, a mobilização dos estudioso., dos
diversos ramos culturais para a grande c total pesquisa de apontar à
posteridade os liantes do gênio, com os múltiplos setores da criação
humana.
Essa convergência erudita é tanto maior quanto mais grandiosa
fõr a majestade da glória que se exaltar.
Creio que. nestas palavras, não desculpo, nta . justifico a presença
de um folclorista nesta comemoração cxcgética da glória de Rui
Barbosa.
Não foi Rui, por certo, folclorista. mas a vastidão de sua obra
verdadeiramente solar não podería deixar de atingir as raias obscuras
e humildes do folclore.
Não lhe faltavam caminhos para alcançar esse território humano,
tão despresado quanto esquecido.
E é natural que indagúeteos ; quais as rotas que o guiaram até
ao folclore ? Quais as estradas que o aproximaram da tradição
popular ? Quais os atalhos que o levaram até às manifestações
espontâneas c anônimas do povo ?

E TX O S & DEMOS

Antes de tudo, Rui Barbosa foi um democrata E a democracia


foi o caminho que lhe apontou o povo.
Não se cingiu Rui a uma percepção puramente jwilitica da massa
popular. Ao lado do demos, élc divisou também o elnos, isto é.
percebeu o povo no seu caráter social, nos seus usos c costumes, nos
seus comportnmentbs coletivos, nas sitas atitudes tradicionais c nas
suas aspirações consuetudinarias. Via no demos o niiimus do |x>vn
e no cilios a anima das massas.
E por assim perceber, conhecia, períeitamente, a relatividade da
politização democrática do povo brasileiro.
Nunca se iludiu a respeito do marasmo social cm que. se encon­
travam as massas populares, p.le conhecia o Brasil, não o Brasil de
fachada dos grandes centros urbanos, mas o Brasil brasileiro, típico,
popular, rústico e tradicional.
— 10 —

Não foi sem razão que evocou Jeca Tatú, elevando-o a uni para­
digma da vida de renúncias c de apatismo de nosso homem rural.
Buscava, na interpretação de nossa psicologia étnica, a expli­
cação de nossos mates. <le nossas fraquezas e de nossas capitulações
vitais.
O folclore fomecia-Ihe a imagem desejada, fõsse respigada no
quadro épico de um Euclides da Cunha, fôsse por intermédio do pincel
pitoresco de um Monteiro Loliato.
Ifà. na verdade, uma profunda identidade no destino do demos
e do ctnos. E ’ a consequência de uma correlação, fácilmente veri­
ficável entre a Democracia e o folclore.
Por que o folclore somente, no século passado, adquiriu foros de
ciencia ?
Quais os motivos que determinaram, paradoxalmcntc, que seja
tão recente a tradição de uma ciência destinada justamente a estudar
as tradições do povo ?
ITá. sem dúvida, precursores, porém o trabalho desses pioneiros
nunca passou de intuição raga e imprecisa.
Por que não surgiram, há mats tempo, o- postulados ./erais que
conferem aos estudos c às pesquisas a dignidade de ciência ?
Por que se evitou a elaboração de tuna • istematização geral dos
dados folclóricos ? Por que ?
E ' que o folclore estava destinado a ser uma ciência de vanguar Ia
e só poderia florescer em pleno clima da Democracia.
Eoi o advento da ordem democrática que permitiu a derrulnda
lios preconceitos condenáveis que impediam o estudo dos fatos |>opu-
Inres, humildes e obscuros, que constituem o campo nuclear do
folclore.
O sentido eminentemente democrático da obra e da ação de Rui
Barbosa não o afastaria jamais da realidade folclórica, a que constan-
temenfê alude nos seus escritos.

RU I E AS A RTES PO PU LA R ES

O interesse que o grande democrata sempre revelou pela educação


nacional, levou-o a apreciar, nos devidos termos, o valor formativo
das artes populare- , a sua originalidade c. sobretudo, a :ta impor­
tância social na atenuação dos antagonismos de classe.
E o que disse a respeito possui tal cunho de palpitante atuali­
dade que nada é possível acrescentar para garantir a precisão do que
foi, por êle, enunciado
Nesse ponto, as suas palavras, além de incisivas, demonstran
admirável compreensão da arte como força fundamentai c irredutível
na criatura humana.
E ’ ele quem proclama :
"A faculdade de sentir, admirar e gozar o belo existe virtual­
mente em tõdas as almas ; é. em todos nós, apenas questão de
cultivo,
"A arte não tem jair missão exclusiva cingir com o friso panate-
naico a frontaria do Partenon. Ela aíormoseia a utilidade : tem
para as mais modestas condições humanas o tcx]uc de uma sedução ;
compraz-sc no colossal esplendor de Atcné Prómacos ou na beleza
inefável de Venus de Milo, como na concepção singela do mais
humilde objeto de uso comum. As linhas de um artefato ordinário
podem reyelar o dedo de uni artista. Utensilios que datam das boas
épocas da antiguidade, um cântaro, uma lâmpada, uma ánfora comum
do mais baixo valor intrínseco, impressionam, todavia. |>ela pureza
das formas, pela formosura do traço" (♦ ).
Estas palavra-, pronunciadas em presença dos pioneiros das
artes e oficios no Brasil, indicam, na sua verdade, a reabilitação da
arte popular que prejttizos tolos c desarrazoados relegara a tini
esquecimento dqdorável.
Eilho do norte, nascido na mais tradicional cidade do Brasil,
onde a vida popular representa grande parte de seu borborinho
urbano. Rui estava apto para compreender, na sua substância afetiva,
o milagre da arte espontânea e simples do povo.
No Recôncavo, por certo, já apreciara as maravilhosas "rendas
do norte", fabricadas pela sensibilidade das velhas praieiras que parece
terem ido se inspirar nas teias de espumas das ondas que nas praias
vêm morrer. Podería evocá-las, mas preferia voltar-se para a
Inglaterra como que para argumentar com o exemplo sugestivo d t
uma povo civilizado que nã< despreza as sins criações populares.
E exaltava o "ponto de neve” das rendeiras de Albion, indicando, de
modo expressivo, os elos telúricos da arte popular, com estas palavra-
entusiásticas c sinceras :
“ Ao seu toque as próprias aspereza» do inverno ártico desen­
cantam-se cm poesia ; e os cristais da neve fornecem â indústria
uma das mais gentis maravilhas da renda : o f<oitlo <ie neve, cujas
formas geométricas, de uma notável beleza intrínseca, de tima infinita
variedade, parecem estender, na gaze dos cortinados, a brancura <la
geada, onde vem poisar iludido o raio do sol estival, como asa de(*)

(*) Rui Barbosa, 0 Desenho c a arte industrial.


borboleta, ou afttlvar-se, na estação dos gelos, a chama alegre do
fogão”.
Não poderia ser mais líelo o louvor.
E ’ que Rui compreendia, na plenitude, o segredo telúrico da
arte que brota das sugestões fugidias do ambiente com a mesma
pujança com que desabrocham, da terra, a côr. o perfume e a forma
de uma flor.
Sabia que a arte, no seu poder mágico ,"ao próprio liarro comu­
nica o espirito e a eternidade".
Todo o seu discurso proferido, no século passado, no Liceu de
Artes e Ofícios, é nm convite a essa compreensão democrática da
arte,
E vai além. Não esconde que só esse caminho "representa um
dos auxiliares mais eficazes (são palavras, textuais, suas) no nivela­
mento crescente das distinções de classe entre o- homens, não depri­
mindo as superioridades reais, mas destruindo as inferioridades artifi­
ciais. que alonga dessa eminência as camadas laltoriosas do povo,
isto é, elevando a um plano cada vez mais alto a ação e o pensamento
do operário".
E, após fazer a apologia das "forças populares" sóbre as quais
deve se apoiar uma Democracia que não deseja ser apenas nominal,
conclui afirmando que "certamcnle, a arte é a mais poderosa propa­
gadora da paz. A nenhuma influência humana assiste porventura
tanto o direito de enastrar a fronte no ramo da planta simbólica que
a lira grega cantava em estrofes imortais, "a oliveira glauca, nutri-
dora da infância, que desvela os olhos de Zeus c a pupila azulada
de Atené”.
Esta é a lição de Rui. Atualissima no que tange ao valor educa­
tivo e social da arte popular, coincide |>crfeitamcnte com o ponto de
vista defendido pela Comissão Nacional de Folclore do ILECC na
última convocação de pedagogistas, promovida pela U N ESC O cm
nossa pátria.

RU I E A LINGUAGEM PO PULA R

Outro caminho que levou Rui até ao povo foi o idioma.


O renome que o excelso orador grangeou como vernaculista, a
fama que adquiriu de mestre do purismo no falar e no escrever, a
repercussão que merecidamente obteve de escritor castiço e o aplauso
que lhe não negaram de clássico excelente por certo, obumbraram
um aspecto Item sugestivo de sua obra : a atenção que demonstra
— 13 —

pela linhagem popular, reconlieçendo-a como lima das mais límpidas


fontis <la riqueza vocabular e fraseológica.
E' um engano julgar que Rui Barbosa. por ser prosador de alto
column, tinha desprezado o idioma do povo.
E se esse engano adquiriu foros de asserção generalizada só
podemos atribuido ao fato paradoxal de que. infelizmente, os grandes
escritores sáo louvados. mas não são lidos.
Quem entra em contacto com a maravilhosa c riquíssima linguagem
de Rni Barbosa não poderá jamais negar a grande soma de vocá­
bulos populares que o insigne vernacnlisüi incorporou ao seu magni­
fico espólio verbal.
Essa atenção que Rui dá ás fonte» populares do idioma confirma
a sua alta visão nesse campo linguista o.
F.lc sabia que todo idioma é como lano, a deusa |>agã da mito­
logia : ê liifromc. tem duas faces.
Xão há lingua do mundo civilizado que não apresente essas
duas modalidades esses dois aspectos. estas duas camadas funda­
mentais. liem vi iveis e definidas: a linguagem culta e a linguagem
jxqmlar.
De um lado, está a lingua que c falada pelo povo, com tu la a
espontaneidad, da criação coletiva e anônima. E de outro, :t lingua
literária, culta sujeita á disciplina do Imm gosto e dos cânone, grama­
ticais. Aquela revela as tendências espontâneas do idioma ao passo
que e»ta é obra da intervenção erudita e disciplinar dos escritores e
dos gramáticos
Há, sem dúvida, causas pie explicam essa d'Cotemia inevitável
Xo aspecto cubo — termo eruditos — predominam os fatores
culturais e unificad, ,re» que levam o idioma a mn nivelamento em
Eases puramente artificiais.
Já no aspecto popular — seriuo vulgaris — a lingua está sol a
sujeição direta dos fatores naturais e orienta-se nu sentido de interna
diferenciação.
Essas fôrças antagônica» determinam, naturalmente, «luas reali­
dades vivas, concretas, que não podem ser negadas sob pena dc
mutilar o próprio idioma.
E* tão pueril querer negar o direito de vida a lingua do povo
como tam bán tentar destruir a existência da língua literária.
Uma ê a unidade. A outra a diferenciação. Uma é a cultura.
A outra c a natureza. Uma e o progresso disciplinado. A outra
é a evolução livre. Uma universaliza. A outra regionaliza. Uma
só rave em função da literatura. A outra não precisa senão da
tradição oral |>ara viver. Enfim, uma é criação da elite pentante.
A outra c o povo quem a forja c modela.
— II —

Essa verdadeira “ luta de classe" iia linguagem viva apresenta


também certas peculiaridades em função do meio.
Nos centros urbanos, em virtude do vigor das forças culturais, a
linguagem erudita, literária, tem ação poderosa sobre a língua
vulgar.
Já o mesmo não acontece nas roñas rurais. Aí a linguagem
popular adquire indiscutível supremacia e manifesta-se livre cm todos
os seus movimentos. Justamente por isso, nessas zonas, o idioma
dcsintegra-sc fácilmente em linguajares regionais.
A cidade unifica a linguagem. O campo a diferencia. A
metrópole padroniza o falar. O meio rural gera variações dialcctais.
A “ urbs” nivela o idioma. O “ rus" o desintegra na variedade da
linguagem do povo. O burgo é o paraíso da língua literária, cu'ta.
erudita. O feudo é o reino da língua popular, rústica, inculta
Em função do meio, a lingua mostra, com maior nitidez, as
duns caras. A face citadina é a do semblante cultural do idioma.
A face campesina é a do perfil natural da língua. Nunca desaparece
êsse destino biíronte.
Reconhecida a existência dessas duas camadas, verifica-se qui­
etas não se encontram estagnadas ou paradas. Entre ambas, ao
contrário, há uma lula vertical facilmente reconhecível no inter­
câmbio vocabular que sc processa entre um campo e outro.
A linguagem popular, mais pujante nos seus impulsos naturais,
tenta invadir o espaço vital da linguagem literária. O fenômeno
inverso já c menor, emliora também visível.
Essa invasão do elemento popular. no entanto, não é infecunda
E ‘ nessa fonte inesgotável que o idioma se retempera c ressurge. mais
poderoso, na sua vitalidade e nas suas tendências criadora?..
Rui Barbosa compreendeu perfeitamcntc a função dessa mobili­
dade vertical como fator de enriquecimento linguístico e não trepidou
a incorporar à sua linguagem de cscol copiosa messe de termos c
expressões populares.
Um lexicógrafo do ext rano-norte, arguto devassador de áureos
filões do nosso idioma, o professor João l.êda no seu Vocabulário <ie
Rui Rarbosa, reuniu mais de um milhar de palavras perfilhadas
por nosso majestoso escritor. Grande parte dêsse espólio é consti­
tuida de brasileirismos.
O próprio Cândido de Figueiredo, argüido a respeito dessa
lacuna, confessa que dc'.xara de consignar, no seu inventário do
idioma, numerosos vocábulos, endossados pelo autor da Réplica, por
ignorar o seu significado deles.
— 15 —

O purismo. a vocação castiça c as excelencias literarias jamais


impediram que Rui Barbosa íóssc á língua popular colher, no garimpo
da tradição oral, a podra preciosa a ser nobilitada pela sua adoção.
O uso que. no scu entender, era o “ árbitro do talar” dava-lhe,
a mancheias, a materia prima desejada
Vocábulos populares, profundamente plebeus como batuqueiros.
cscangalhamciilo, cachimbar, chavc-pélas, ¡«yarar, maxixe etc. figuram
na prosa désse vcmaculista admirável como testemunhas expressivas
de que, ao lado de sua assombrosa cultura, não desprezava a linguagem
humilde das camadas inferiores de seu povo.
Embora senhor da boa sintaxe e do mais perfeito senso da
propriedade vocabular, Rui, além de clássico do idioma, é o glande
clássico do Brasil pelos tesouros de brasile'rismos que incorporou à
sua obra, tornando-a uma das mais significativas fontes dos nossos
estudos populares.

U PROBLEM .:. DA A R CA ICID AD E NO LING UA JA R


DO BR A SIL

A prodigiosa erudição vernácula que Rui Barliosa demonstrou,


sobretudo, na Réplica, considerada um dos mais notáveis monumentos
filológicos do idioma, Icvou-o a ventilar diversos problemas linguís­
ticos. com segura proficiência, além de proveitosa fundamentação
clássica.
Familiarizado com leituras de velhos autores c dotado de saber
filológico. Rui pôde observar, com n desejada amplitude, curioso
fenômeno da evolução da lingua portuguesa no Brasil.
Refiro-me ao problema da sobrevivência arcaica tia linguagem
popular do Brasil que, com a habitual largueza, o majestoso verna-
culista alwrdou na Réplica, documentando fartamente a sua obser­
vação.
Tais são as suas palavras :
"E n tre as formas clássicas há muito envelhecidas e extintas,
uma houve que, não sei porque, passou despercebida até hoje aos estu­
diosos c aos cientes. Costumam todos designar ]>or brasileirismo
(c eu ém tal coisa sempre o tive, até não ltá muito) o uso do pronome
pessoal cie, cia. cies, elas como objeto do verbo : “E u t i élc”;
“ Eu deixei ela". Dessa prática, entretanto, bastantes casos sc mc
deparam nos clássicos mais antigos”.
E cita, cm seguida, como costumava fazer, um rosário de
exemplos colhidos cm autores do século XV e XVI : Fernão Lopes
c Bernardini Ribeiro.
— 16 —

Na crónica de Dom Fernando, entre outros, colheu o sqrufrrtc :


" E as horas que o infante veio, foi recebido por urna mulher de
sua casa, c levado cscusamente onde D. Maria estava <• ele. quando
entrou, viu ela e seus corrcgimcntos assim dispostos a receber i>or
hóspede”. (1'iTiião Lopes. Dom Fernando, pág. 100).
Desse teor são as exemplifícações reunidas pelo provecto vertia-
culisla.
Tem razão Rui Barbosa quando aponta éste falo da linguagem
popular brasileira como uma sobrevivencia arcaica.
Não é ele o único. Outros fatos do igual índole arcaica podem
ser apontados em nosso linguajar.
E, nesse ponto, tenho a satisfação de verificar que fui meu pai.
o filólogo João Ribeiro quem primeiro ajtontoti. entre nós. esse fenô­
meno de arcaicidadc do português falado no Brasil. Já cm 1887
escrevia :
“ No século XV foi que se formou a linguagem que devia ser
popular e plebéia no século seguinte, o díi descoberta e primeira
colonização do Brasil. Os aventureiros, os exploradores e o povo
que emigrou para a América, não talavam a lingua culta do> quinhvn-
listns, eivados dc erudição latina e italiana, mas a linguagem documen­
tada pelo século XV. A conservação no Brasil de processos arcaico?
do português não é um fato anormal nem hipotético".
Isso dizia João Ribeiro cut sua tese de concurso »óbre " Morfo­
logía e colocação dos pronomes" (1887). onde a|tonta vários processo?
arcaicos de colocação pronominal que vigoram ainda no Brasil. Mais
tarde, na Seleta Clássica reforça a sua asserção e, por última. cm
J linguagem national estuda vários brasileirismos que nao píi>.im
dc persistências arcaicas em nosso falar.
Éste fato, como observou ainda João Ribeiro, não é um fenó­
meno exclusivo da evolução do português na América.
O mesmo se observa com <» inglês nos Estados Unido..
“ Certas sdv¿ajerias americanas (contenta João Ribeiro) só existem
na .¡maginaçâo dos inglése» p<.»r ignomínia deles quanto ã própria
’titgitá. Um critico inglês notou cm Rugert Hughe- (romancista
norte-americano) um vertió selvagem — tiptoe — mas a jialavra é
pura e inglesa c está no famoso romance Clarisse lhr¡o;ce do
século X V IIJ ( D c M c romance é que tomamos. e em tôdas as línguas
cultas, o tipo e <» nonte dc I^ovelace).
Ora. a m onta coisa acontece entre portugueses c brasileiros.
E ’ sabido que um crítico brasileiro. Pinheiro Chagas, estranhou em
José tie Alencar o adjetivo faceiro que, entretanto, é um vocábulo
arcaico. contemporáneo das sécias c peralta* de outro tempo (século
XVII a século X V H I).
— 17 —

Muilos dos nossos brasileirismus < muito de nossa gramática,


não passam de arcaísmos preservados na .America.
A estas observações de João Ribeiro podemos acrescentar :
igual fenômeno <ibserva-se mi espanhol e mi francés da América.
O filólogo espanhol Rafael Lapesa no livro História de la Iciii/iut
española. no cipitul ■ XA III em <|lie estuda “ El español de America"
afirm a :
"E l léxico americano abunda en («labras y acepciones arcii-
jantes".
Já filólogos hispano-americanos, como Rufino Cuervo, ¡filio
Ctdeaño. Juan 11. Selva. Augusto Malaret. etc., tinham documentado
esta verdade.
No francés da América latos semelhantes |»dem ser colhidos.
E ' do conhecimento do- romancistas europetu o caráter arcaico
do francés no Canadá. Consulte-se. a respeito, o livro /. 'Jrújine
iieulatiue. de Savv-Lopez.
Onde, porém, o francés antigo se conservou mais puro e arcaico
foi tias ilhas de Saint-Pierre e Migúelo». Nestas possessões fran­
cesas próximas á Terra Nova, no Atlámico-Nortc. justamente |H>r
estarem isentas de contatos amerindios ou negro-africanos, a arcaiei-
dade <lo francés é operada em largas exten ões. E ' o que nos ensina o
antropogeógrafo Edgar .Aubert de l . t Rué no capitulo "Le parlcr
saint-pierrais" de seu exaustivo estudo sobre o territorio de "Saint
Pierre et Miquelon", publicado no Journal de la Sociétc des .lincri-
conistes. tumo X X IX.
Como se vé. a observação de Rui Barbosa ñas Réplicas transpur-
tou-nos para inn dos fatos gerais da Lingüistica románica na América.
A expansão e desenvolvimento do portugués no solo americano teñí
os seas correspondentes isomórficos na América espanhola e francesa,
e. até mesmo, ira América inglesa.
E ' que Rui é um mundo que nos guia, atrnvés de stia ó rb ta espi­
ritual. a tóda» as direções do universo da cultura.

O SE N T ID O J H M A N O D o POLCLORE

Não foi apenas o culto i Democracia netn o culto ao Idioma a


encruzilhada que lhe apontou as fontes folclóricas da arte |x>pular e
da linguagem do povo,
O próprio sentido humano do folclore o envolveu como envolve
a qualquer criatura humana. O folclore está sempre onde estiver
o homem. E ' como a sombra tranquila do próprio espirito humano.
— 18 —

E ' o lado obscuro da vida que torios tiós vivemos incorporados,


como estamos, a uma comunidade. Ücla recebemos os racontos, as
historias, as cantigas, as lendas, as superstições, os usos e costumes
c mil coisas humildes, anônimas e tradicionais.
E ' a nossa herança oculta.
E por mais que quisermos rcnuneiá-la. déla nunca nos livraremos.
E ' II fantasma do passado que nos persegue. Está sempre presente,
cultora fugido, evanescente, variável e disforme nos seus traços
superficiais. A substância, o "leit-motiv” da tradição, ao contrário,
c permanente e. através de tóda a sita variabilidade no tempo e tio
espaço, se perpetua indefinidamente.
A tradição popular é essa fõrça que enraiza o homem 10S elos
remotos que não se perderam.
Rui não podia fugir a essa contingência.
Nos seus escritos, esparsamente. encontramos alusões c refe­
rências a tema folclóricos, sobretudo na sua fase jornalística.
Lembremos, aqui, dois exemplos : são amostras expressivas,
cabíveis nos limites de uma conferência.
Certa vez, num artigo do Diário tic Noticias, antes da queda
do Império, combatendo o barão de Guai. então na direção da pasta
da Marinha, denunciando, com veemência, as perseguições Jêssc
impassível argentário contra as "cercadas” dos humildes pescadores
do nosso litoral Rui Barbosa, desejando mover o ânimo do atra­
biliário barão, evoca a tradição, a tradição popular de seu povo. E
assim escreve :
“ Em pequeno, nos contavam a história dc Pedra Cem, e muitas
vezes arripiaram-se-nos os cabelos pensando nas angústias daquele
nvlionário reduzido à m isé ria ...
"Bem sallemos que não Itá males que o levem àquela desgraça,
mas é tom não deixar levar-se pelos encantos da sereia ou os contos
fascinantes da mãe d'ágtta.
"A existência de duas mil pessoas (conclui) vale muito mais
do que os dois mil contos do nobre ministro da M arinha” (Obras,
vol. XVI. tomo III. pág. 97).
Torios esses personagens folclóricos, a que alude, Pedro Cent, a
sereia e a mãe d ’ágtta. pertenciam ao mundo milico da infância dc Rui,
Não jxidia esquecê-los porque o grande brasileiro tinha raizes mergu­
lhadas no chão dc nosso tradicionalismo.
As toas leituras dc Rui levaram-no a folclores de outros países-.
Espirito universal por excelencia, desconhecia fronteiras e não sc
importava dc rememorar lendas muitos ou racontos exóticos, desde
— 19 —

que nesses motivos folclóricos algo encontrasse que pudesse funda­


mentar as suas invectivas profundamente humanas.
De outra feita, nesse mesmo jornal, comentando com o poder
dramático de um trágico de Helarle, a terrível peste que dizimava,
então, a cidade de Campinas, relembra esta impressionante lenda
eslava dos campônios do Dnieper :
"Diz que estava um déles, sentado tranquilamente ao pc tie
tuna árvore, quando se lhe apresenta uma virgem desgrenhada, desvai­
rada na expressão do semblante, olhos sombrios, rosto lívido. E n a
peste, a qual o exortou a carregá-la de aldeia cm aldeia, prometendo-
lhe. sob essa condição, |toupar-lhe a vida.
Eõrça era obedecer.
Carregado com esse fardo horrível, lá se foi êle peregrinando
<le região em região.
r*or onde pastava o triste romeiro do luto para logo se espalhar
a consternação, a morte fulminante, deixando após si desertos os
povoados, insepultos os cadáveres. E tie pousada cm pousada, a
virgem implacável o apressava n novas desgraças.
Afinal chegaram ao sopé tic uma colina coroada por um luga­
rejo. Ao vê-la, o mísero condutor da morte, caiu em convulsiva
tremura : quis deter-se, desviar-sc, mas a peste o senhoreava,
impelia irresistivelmente para aquele termo. Caminhou, pois, mas.
transpondo o rio que íaldejava a colina, atirou-se silenciosamente ás
águas e afogou-se. E ’ que sua mulher c seus filhos habitavam essa
aldeia, que êle não poderia evitar. A peste am ierou-se a êsse ra'go
de devoção, c renunciou a jornada".
A‘ evolução desta lenda eslava servia a seu propósito de condenar
a falta de espírito de sacrifício entre as autoridades que se mostravam
incapazes para dehelar a sinistra calamidade. E proclamava como
"debelador humano de todos os flagelos" o sentimento onipotente
que a liberdade robustece, que a civilização generaliza, que as tiranias
abominam : o altruismo, a caridade cristã, o espírito de sacrifício,
a energia do dever.
O folclore russo oferecia ao intrépido articulista exemplo expres­
sivo para realçar a sua veemente acusação contra os responsáveis
pela propagação, cada vez mais terrível, do tétrico flagelo nos alti­
planos paulistas.
A presença do folclore nos escritos de Rui Barbosa geralmente
surge assim : como elemento comparativo para dar ênfase e realce
a uma invectiva, a uma denúncia, a uma abominação.
Constitui uni <los setts Imrdões prediletos. E representa, na
sua prosa, um dos recursos mais sugestivos dc colorido c de viva­
cidade .

Rui. na sua grandeza espiritual, não desprezava o folclore,


elaltorado. na humildade, pelo espirito obscuro e anónimo do ctiifs.
E' positivei que o seu gênio solar visse nessas minúsculas criações
do povo a riqueza de um átomo, contendo, no seu intimo, um universo
infinitesimal.
A obra dc Rui Barbosa, já o disse João Mangabeira. <; um
m undo.
Xela se cóntém tollos os ¡silos da cultura nacional.
E na sua incomensurável grandeza não p< devia deixar de conter
a presença do povo no «pie êle possui de mais espontâneo, de mais
inocente. de mais sincero.
A verdadeira glória tem ê«se |»«lcr de aglutinação ; atrai, no
seu rastro luminoso, os grandes meteoros <- a humilde pocir.1 que se
encandece ao calor dc sua passagem triunfal.
RUI E A HISTÓRIA POLÍTICA DO IMPÉRIO
E DA REPÚBLICA
PROFESSOR AMÉRICO JACOBINA LACOMBE

t > lema que pretendemos estudar na presente aula diste curso,


cm tão boa hora organizado pelo benemérito presidente desta casa, é
o seguinte : na produção ciclópica de Rui Barbosa, que parte
compete á ciencia histórica. Rui foi sócio honorario do Instituto.
Seria mu devoto da deusa Clio, ou não terá dado jamais atenção
a êsse aspecto fundamental da cultura ? lá se tem dito muitas vêzcs
que na imensa produção dc Rui poder-se-ta compilar com um pouco
de paciência e atenção vários compêndios de direito, lá houve quem
extraísse uma gramática das páginas da Réplica. Seria fácil extrair
um ensaio sôhre o parlamentarismo inglés dos discursos na Cantara
Imperial. Será facilimo compilar uma obra inteira sóbre as fôrças
armadas c os problemas militares, outra sóbre as finanças da Repú­
blica (de que èle aliás publicou um volume), outra (isto já está
feito e a Casa Rui Barlxisa publicará em breve) acerca de higiene
e os problemas sanitários do Brasil, cxtrakla de seus artigos e
discursos; outra sóbre assuntos cariocas e problemas da cidade:
outra sóbre problemas americanos ; outra sóbre o divórcio (aliás
já publicada pelo professor Homero P ires). Sua obra pedagógica
pode-se estender em lions dez volumes e já foi cuidadosamente estu­
dada pelo professor Lourenço Filho no primoroso prefácio ás lições
de coisas. Fernando Ncri planejara um volume s:i com artig"s e
discursos sóbre assunto religioso. A questão do Acre, quer nos
discursos no Senado, quer nos artigos de imprensa, fornece material
para mais de um tomo.
E assim poderiamos organism* bibliotecas com o material imenso
que nos oferece o maior espólio literário da literatura brasileira e
certamente um dos maiores do inundo, sem nenhuma exageracãu.
A parte cabível à história é. como não |>odia deixar de ser,
imensa. Somente, como em tudo que saiu das mãos artistas de
Rui Barbosa, a produção histórica está revestida de um destino que
é sempre político.
— 22 —

Rui foi essencialmente político e disso se prezava. Quando


ajuntaram o qualificativo literário ao seu jubileu, festiva e oficial­
mente comemorado cm todo o Brasil, éle protestou vivamente contra
o que lhe parecia tinia deformação de sua vida, “ uma vida inteira
de ação, peleja ou apostolado", disse éle próprio, onde as letras
figuravam apenas incidentemente, “ como a beleza aparente que
reflete a beleza interior". Enumerou cerca de uma dúzia de produções
para concluir : “ Tudo o mais é política, é administração, é direito,
são questões morais, questões sociais, projetos, reformas, organi­
zações legislativas. Tudo o mais demonstra que esses cinquenta anos
me não correram na contemplação do líelo nos laboratórios da arte,
no culto das letras pelas letras. Tudo o mais está evidenciando que a
minha vida tôda se desdobra nos comícios e nos tribunais, na imprensa
militante ou na tribuna parlamentar, em oposições ou revoluções, em
combate a regimes estabelecidos c organização de novos regimes.
O que ela tem sido, a datar do seu primeiro dia, a datar do brinde
político a José Bonifácio, em 13 de agosto de 1868, é uma vida
rnteira de ação, peleja ou apostolado".
Tal profissão de fé, estranha c curiosa profissão dc rião-lilcra-
tnra, não impediu que a Academia Brasileira dc Letras o tivesse
feito seu presidente na sucessão do mais puro lionicm de letras do
Brasil que foi Machado de Assis. Porque as letras, mesmo a serviço
de um ideal c de uma vida política — instrumento de trabalho e de
campanha — atingiram em Rui Barliora a um grau de perfeição c dc
eficiência raramente alcançados por qualquer escritor brasileiro.
Esta mesma feição dominante do seu espírito, explica |xirque o
culto da história na pena de Rui Barbosa também obedeceu ao
mesmo rito. A ciência era para éle muito mais a magistra vitae, e a
testis temporum do que a nuniig reinstalls, se íõ r possível decompor
a definição de Cícero. O que éle procurava na História, acima
de tudo, era o precedente, a experiência, o depoimento. Mas neste
caso era sempre exigente ; obedecia àquele conceito que enunciou
na Politico e Finanças da República, quando apelava conforme éle
próprio anunciou : “ do ódio para a verdade, das facções, para a
nação, da confusão contemporânea para a serenidade himinon do
futuro”.
A um senador que o ameaçava com a narrativa de um fat» em
que éle tomara parte responde éle imediatam.-nte : “ Ameaça-me o
nobre senador com a história. Bem vinda seja ela. H á que tempo
lhe espero eu a hora, e com que ânsia 1 Mas advirta bem S. Excia.:
a história não é a nesga da verdade, que se espreita pela fisga das
portas ; não são as missangas suspeitas, que a curiosidade das ruas
escolhe nas mãos dos mascateadores de bisbilhotice; não são os
— 23 —

pedaços maculados de reputações, que se estracinham na dentuça


dos b o a to s ... Após a história cancanntèrc. a história de carnaval,
o escândalo fantasiado em história eu levantarei diante de vós a
verdade na sua sólida plenitude, na sua transparência cristalina, na
sua incorruptível sinceridade. A história, então, c que a te r e is . o
íato, o depoimento, o documento” .
lista preocupação de ter à sua disposição o material de que
precisava para a luta política, em que predomina o depoimento, orien-
lava-lhe as preferências na coleção de livros históricos, predominando
entre êlcs soberanamente as memórias, diários e correspondencias.
Acredito que poucas bibliotecas fora da Inglaterra possua uma co­
leção de Papers Memoirs e Letters dos politicos ingleses do sé-
culo X IX como a da Casa de Rui Barbosa. E todas com sinais
evidentes de leitura c de estudo.
E dos politicos franceses a lista não seria menor. Diante délas
pasmou o professor Fortunato Strowski. que honrou com a sua
sábia autoridade de erudito a tribuna da Casa de Rui Barbosa, pro­
ferindo ali uma preciosa dissertação sobre os livros franceses na
Biblioteca de Rui.
E ’ certo que aparecem grandes coleções famosas em seu tempo,
como ¡1 História de Lavisse c Rambaud. a História Geral do Times
c até obras de especialização cuino a diplomática de Gir; . Mas a
grande preferência ê evidentemente pelas memórias, desde os vo­
lumes completos do Cardeal de Retz até as figuras mais secundárias
da Revolução Francesa e da ¿poca napoleónica que Rui Barbosa,
aliás, conhecia a fundo.
"Donde vem esta predileção", pergunta o professor Strowski.
"O gênero de memórias devia agradar a um homem de ação, |>orque
é a história cm ação, antes de ter sido transformada em idéias gerais,
em símbolos e . . . em mentiras. Incontestâvclmente Rui Barbosa
preferia a éste simbolismo suspeito”, continua o mesmo professor,
“os depoimentos das testemunhas e dos atores, são ao menos vivos
e o êrro não ê sistemático.” “ E depois", termina o grande mestre,
"les memoires françaises ne manquent jamais de gentillesse et d'es-
p rit: à chaqué instant un mot charmant ou noble releve quelqtic
confidence ou quclquc indiscretion. Rui Barbosa a'mait cela” .
Está claro que não faltariam os magros volumes que possuímos
no gênero em nossa bibliografia. O s volumes do velho Reboliças,
de Pereira da Silva, e mesmo de alguns contemporâneos seus da
fundação da República apresentam sinais de alento exame e, âs
vezes, notas nem sempre muito amáveis. Êste gôsto pelo gênero
maivfesta-se até mesmo nos recortes de imprensa. As memórias de
— 24 —

Caetano Lopes <le Moura — aliás interessantíssimas. foram lidas c


marcadas num recorte do Jornol <io Comercio, de 29 de março de
1902. Tratava-se aqui de um duplo interesse — um conterrâneo,
provavelmente relacionado com seus parentes e versando a epopéia
napoleónica, em que o talentoso mulato baiano tomou liarte, c
brilhante.
F.ste apreço pelo depoimento e o valor dado ao documento his­
tórico punham Rui Barlxisa sempre pronto para um combate neste
terreno.
Respondendo a Ramiro Barcelos em 1892. tem éste trecho fun­
damental :
"Quando os acontecimentos dos meus inimigos llies parecerem
mais triunfantes, quando os seus botes campearem mais seguros do
alvo, hão de vê-los recuar spbré a leviandade do agressor, como as
investidas da serpe. golpeada nas vértebras e chumbada ao solo na
paralisia da sua raiva. Eu não temo a cabeça coleante do réptil que
uma cipoada vingadora da verdade bastará para deixar mutilado no
chão, esbravecendo na impotencia do seu veneno. Não temo porque
a minha consciência é forte, sã e inteiriça. Não c uma dessas
consciências sentidas de convicções de empréstimos e retalhos de
retórica. E ’ a depositária de um tesouro de fatos, que a prudência
me aconselha resguardar contra a luz. enquanto a petulância dos
difamadores não me transbordar a taça de indignação recalcada
pelas injúrias quotidianas. Mas, sc me violentam, se me colocam
entre os perigos de um silêncio vilmente interpretado pelos inimigos
e os inconvenientes de uma fraqueza antipática dos discretos, eu
rasgarei tódas as vendas; e então se verá que a história dos meus
decretos, se para outros pode ser fantasma, para mim talvez radie
como um troféu".
Para estar assim capaz de "rasgar tódas as vendas" e poder
exibir “ de uma hora para outra êsse tesouro de fatos" de que sua
memória fenomenal era depositária. Rui Barbosa precisava dispor
realmente de um aparelhamento imprescindível de mn homem púbjeo
ativo e alvejado como êle o era : o arquivo particular.
Neste ponto o material que reuniu e que é hoje patrimônio na­
cional é impressionante. Prevenido com o conhecimento da litera­
tura histórica de memórias e correspondências de que não há papel.
|ior mais simples c inocente que pareça, que não (Missa vir a tornar-se
mna peça histórica, com o mais inesperado dos acontecimentos. Rui
Barlxisa guardou cuidadosamente tudo que se referia à sua vida,
l á estão cadernos de apontamentos de leitura, recibos de assinaturas
de jornais acadêmicos, de sociedades acadêmicas, de aluguel da repú­
blica de estudantes, rascunlios de discursos, roteiros de pareceres
— 25 —

ou <ic conferências políticas, notas dc linguagem. cartões indicando


pêso em balanças automáticas, faturas de livros ou de alfaiates,
cartões de boas lestas, telegramas de aniversários, tudo juntamente
com a correspondência política nnis secreta c os originais das obras
mais famosas.
E ' uma delicia para o historiador, que poderá reconstituir todo
um periodo, tun mês. e até um dia da vida do biografado, através
dessa massa preciosa de documentos, aparentemente exagerada, mas
de fato atraente jtara quem tem. como dizia Dom Pedro II, o gosto
pelo papel — com os cinco sentidos — à vista, o saber, o cheiro, o
ruído e o tato — especialmente o tato dos bons papéis Cansou em
que está escrita quase tõda a nossa liistór-a do império e do principio
<la República.
A existência de utn tal acervo com a nossa habitual displicência
por papéis velhos, com o nosso clima e com a perseguição das
famosas arruinadoras, que costumam ser as donas tie casa, é real­
mente quase um milagre. Sc aludi a esta última espécie de obstáculo
é porque já ponto clássico cm livros de biblioteconomia a referência
á amipatia histórica das mulheres pelos livros e paliéis, ao menos
cm suas próprias casas. Ao menos a coleção de depoimentos - e
isso agora c história, meus senhores — a coleção de depoimentos
reunida na obra de Albert Cim é impressionante: " O melhor dos
maridos”, diz René Vallery Radot, “ pode confiar á mulher a chave
do cofre-forte — mas não raia m tolice de lhe confiar a chave da
biblioteca. \ ’ão se deve nunca deixar u'a mulher sozinha com um
livro. Tais deviam ser os principios dos bibliófilos casais s ”.

.dmour de femme el de botiquín


■Ve se rlinileot au mim e lutrin.

E' de Paul Eudcl aquela amarga observação que as coleções.


>Ic livros ou documentos, encontram sempre inimigas implacáveis,
na pessoa de nossas caras companheiras. O ra Rui Barbosa teve
sempre cm D. Maria Augusta a mais compreensiva das companheiras
na sua missão de criar para o seu marido o ambiente propicio liara
a sua produção intelectual. A "grande mulher de um grande
liomem” na frase feliz de João Mangalieira, jamais criou entraves
ao gõsto de Rui Barbosa |» r livros e papéis.
O S r. Homero Pires recorda cm excelente conferência sobre
Rui e os livros um diálogo que nos foi narrado a êle e a mim jxir
D. M aría Augusta, em uma das suas sempre lembradas visitas à
casa de São Clemente.
— 26 —

"A s vezes ao chegar da rua e ao subir a escada interior com um


empregado que o acompanhava carregando os volumes que adquirira
i>0 dia. divisava no alto a figura senhoril e carinhosa da esposa, a
quem docemente falava :
— Perdoa já c uma verdadeira mama !
E ela sempre previdente e magnânima :
— Não há de que perdoar. E ’ a tua ferramenta I"
E assim os livros e os papéis foram conquistando peça por peça
da velha casa de São Clemente ate dar-lhe o aspecto de um grande
palácio dos livros. Estante- c gavetas atulhadas de papéis oferecem
aos aluais funcionários um desafio para sua conveniente classificação
e catalogação. Só a massa bruta representada pela coleção de
jornais, desde o tempo da f,acuidade de São Paulo até os últimos
anos de vida, alguns deles anotados com a mesma tinta vermelha e
com o mesmo cuidado com que assinalava os seus livros, constitui
um material talvez único cm nossa história.
E já que falamos no arquivo particular de Rui Barbosa como
titulo seu ao respeito dos servidores da História, convém desde logo
abordar um tema que costuma sempre aproveitado para incompati-
bil'zá-lo com esta minha classe — o famoso caso da queima dos
arquivos da escravidão.
De nada Valeria tudo o que venho dizendo se este liomern tivesse
num puro acesso de lirismo e num rasgo de romantismo privado os
estudiosos de uma fonte tão séria de estudos sociológicos e históricos.
Já abordei algumas vêzes éste ponto, mas vejo que inútilmente porque
a acusação se repete, até com dados e indicações erradas, corno se
fósse preciso encontrar um responsável único fiara um ato que item
foi iniciativa do ministro, nem teve senão o alto, nobre e indiscutível
intuito de evitar um dos mais indignos golpes contra a fortuna pú­
blica, em nome de interesses não só sent fundamento, como deson­
rosos para um povo civilizado.
A primeira referência qtte encontramos ao fato é a que ocorre
em Nina Rodrigues, na sua obra clássica Os Africanos no Brasil.
l'ala o mestre baiano cm decreto que ordenando a destruição dos
(rapéis da escravidão cometera uma piedosa, mas ingênua mentira
histórica. “ Em nota de pc de página assinala a sua fonte : Circular
do Ministério da Buscada n.° 29. de 13 de maio de 1891, mandando
queimar os artigos da escravidão”. "A s consequências dêsse ato.
comenta Nina Rodrigues, foram " a destruição englobada de todos
os documentos relativos â imigração da raça negra que deviam existir
nas repartições aduaneiras. Pelo menos na Alfândega dêste estado
(a Bahia) não exstc mais nenhum”. Daí passou a queima a quase
todos os trabalhos modernos que versam o mesmo assunto, sempre
— 27 —

com referência a mesma fonte citada por Nina Rodrigues, a circular


do baiano conselheiro Rui Barbosa n.° 29, de 13 de maio de 1891.
Ora, já ai começam os equívocos. Em 13 de maio de 1891, já não
era Rui Barbosa ministro da Fazenda, cargo que deixara desde 20
de janeiro. O despacho de Rui Barbosa acerca do assunto é de 14
de dezembro de 1890. A circular n.° 29. de 13 de maio do ano
seguinte, foi subscrita pelo conselheiro Tristão de Alencar Araripe,
seu sucessor na pasta, como já o lembrou, com o espirito de exatidão
que o caracteriza, o S r. Otávio Tarquinio de Sousa analisando o
assunto.
Para medir tôda a extensão do malefício seria necessário co­
nhecer a relação das peças que foram entregues ao fogo em obediên­
cia à ordem ministerial, coisa que até agora não sc publicou, quer
n a capital, quer nas provincias. Duvidamos até que em tõdas cias
a ordem tenha sido cumprida. Com fogo, ou sem fogo, a maioria
dos nossos arquivos está desfalcada, pelo bicho e pelo desleixo, de
peças fundamentais. No Rio. contudo saltemos que houve queima.
O despacho de Rui Barbosa determinava a requisição dos livros das
tesourarias da Fazenda, livros e documentos existentes nas repar­
tições do Ministério da Fazenda, matriculas de escravos, dos ingênuos,
dos filhos livres de mulher escrava e libertos. Uma comissão, no
mesmo ato designada, dirigiría tal arrecadação procedendo, em
seguida, à queima na casa de máquinas da Alfândega desta Capital.
Uma placa de bronze existente nas oficinas do Loyde Brasileiro,
contêm, de fato, esta inscrição assaz lacônica : "13 de maio de
1891. Aqui foram incendiados os últimos documentos da escravidão
no Brasil." O noticiário da imprensa da época é abundante e entu­
siástico. Assinala os nomes dos funcionários que tomaram parte
no patriótico gesto, estando presente o inspetor da Alfândega o
engenheiro Sattamini, guarda-mor comandante Adolfo Uasselmann,
e o presidente da Confederação Abolicionista João Clapp.
A expressão da placa <lc bronze, porém, é vaga. Os últimos
documentos da escravidão não poderíam evidentemente ter sido des­
truidos totalmente. Seria preciso destruir a correspondência oficial,
as atas das câmaras municipais, os inumeráveis pleitos judiciários
versando sôbre escravos, os testamentos, os inventários, sem falar
na legislação. Mas é evidente que nada disso foi queimado. Numa
visita que fizemos expressamente para êsse fim ao Arquivo Nacional,
conduzidos pelo seu digno e .incansável diretor Dr. Vilhena de
Morais, verificamos pessoalmcnte a existência de montanhas de
livros e documentos sobre o assunto, com os quais se poderão realizar
importantíssimas pesquisas
— 28 —

O que os estudiosos hão de ter perdido deve ter sido os livros


de registro dos escravos, para o efeito do pagamento dos impostos
e os livros de entradas nas alfândegas. Os elementos estatísticos
dos primeiros constam, porém, dos relatórios dos ministros e presi­
dentes de provincias. A perda principal vem a ser, pojs, dos livros
alfandegários, precisamente aqueles a que se referiu Nina Rodrigues.
Há, porém. outros acervos que permaneceram intactos e que pederán
fornecer elementos essenciais ao estudo do assunto. Assim no
Arquivo Público da Bahia, no arquivo da Prefeitura do Salvador e
no da Câmara Estadual da Bahia encontrou n S r. Luis Viana Fdho
elementos preciosos com que elalmrott o seu excelente ensaio sobre
o Negro na Bahia, que mereceu tão amplos e merecidos louvores do
Sr. Gilberto Freire. Em todos os recantos do Brasil fazem precioso-
depósitos arquivais ricos de material sõbre escravidão â espera de
pesquisadores. E ' o que há algum lempo me confirmava, quanto
a Amazônia, o seu emérito conhecedor que é o nosso colega Senhor
A rtur César Ferreira Reis.
Não se deve. pois. perder a esperança d, ver surgir em dados
positivos, muitos ensaios que as desalentadoras expressões le Nina
Rodrigues julgavam para sempre impossíveis.
.Sem querer diminuir, |x>rém, a gravidade do golpe trazido á
historiografia, vejamos se é possível entrever a sua explicação.
A idéia da destruição dos ¡tapéis da escravidão é muito antiga.
Por mais curioso que nos pareça hoje, quando vivemos numa salutar
obsessão do documento, foi defendida por culminâncias da inteligência
c da cultura no Brasil, E veremos em breve porque. Quem
primeiro a enuncia de publico é Joaquim Nabuco na Câmara dos
Deputados cm discurso de 24 de julho de 1888. quando lê uma repre­
sentação de constituintes seus, para que "os, livros de matricida geral
dos escravos do Império sejam enneciados ou inutilizados de modo a
que não possa mais haver pedido de indenização”.
"O orador se associa a éste ¡ledido’’. dizem os anais, “ com tanto
mais convicção quanto, se os escravos tivessem sido desapropriados
[jtclo Estado para seu uso, devia êlc dar indenização ; mas como
o prejuízo resulta simplesmente de uma modificação da nossa lei. se
passasse neste caso o principio da indenização, teñamos de indenizar
todos aqueles interesses que são modificados por cada tarifa que
votámos, ou por cada alteração que fazemos nas leis do Império".
Note-se o trecho final que denota a intenção bem pouco lírica,
ou retórica, da medida. Tratava-se de evitar um contra golpe dos
antigos senhores de escravos, conseguindo a posteriori, a indenização
que os últimos projetos lhes negavam. Indenização monstruosa,
¡virque uma parte ponderável desses escravos eram africanos ilegal-
— 29 —

mente escravizados, já que haviam aportado ao Brasil posteriormente


á lei Feijó, de 7 de dezembro de 1831, e eram criminosamente con­
siderados escravos, como vinha sustentando Rui Barbosa desde 1869.
ainda estudante de direito, e como demonstrara irretorquivelmente
no parecer de 1884.
O reacionarismo, porém, havia derrubado o gabinete Dantas e
imposto a lei Saraiva, que compreendia a incrivel dispensa de decla­
ração de naturalidade nos registros de escravos, o que implicava na
legalização de um crime.
Feita a abolição, porém, em 1888. voltava-se a falar em indeni­
zação. O manifesto Paulino de 8 de julho de 1889. e que Rui
analisara Iongamente no Diário dc Noticias, apelava para os conser­
vadores no sentido dc não serem propostos candidatos que não
tivessem “ reconhecido o direito à indenização do valor da extinta
propriedade servil", “ homens que tomem t. peito a reparação da
injustiça sofrida".
O ministério Ouro Préto contornara o problema apelando para
os empréstimos à lavoura. “ E ‘ o mesmo Proteu", comentara Ru 1 no
Diário de Noticias, “ sob transfigurações variadas, com a diferença
em favor do S r. Paulino de Sousa, que a indenização direta estaria
subordinada, na sua distribuição, a um critério positivo, proporcio­
nando suas reparações à importância do dano".
Pois bem, cm pleno governo provisório, organizou-se um banco
que tinha por finalidade exatamente a indenização dos antigos senhores
de escravos, ou seus herdeiros, dos prejuízos causados pela lei de
13 de maio. E ra nova transfiguração do Proteu. com a agravante
de vir tal empresa encabeçada por elementos dc primeiro plano entre
os civis e militares que então pesavam seriamente na opinião gover­
namental.
Liguemos os fatos. Em novembro, dissemos nós, comparecem
os organizadores de tal banco perante o ministério da Fazenda. O
despacho do ministro corta-lhes qualquer esperança dc solução paci­
fica. Ei-lo : “ Mais justo seria, e melhor se consultaria o senti­
m ento nacional se se pudesse descobrir meio de indenizar os ex-
escravos não onerando o tesouro. Indeferido. 11 de novembro de
1890". Tal despacho apareceu na imprensa a 12. O Pais, publicou-o
na primeira página, fazendo-o preceder de uma nota vibrante. A
Confederação Abolicionista féz imprimir tal despacho em letras de
ouro, numa espécie de diploma, e ofereceu-o solenemcntc ao ministro
num documento que ainda se encontra na Casa de Rui Barbosa.
Os interessados agitaram-se. Em correspondência trocada com
Anfriso Fialho, um dos componentes do grupo indenizacionista vê-se
como o ministro temia a reação dos interessados.
— 30 —

A crdent de destruição dos livros de registro dos escravos,


exatamente aqueles sobre os quais se ]<oderia basear qualquer processo
de indenização, encerra definitivamente tinta questão que poderia
conduzir-nos a uma vergonha infinitamente mais grave do que esta
lamentável, mas — diante das circunstâncias. — eficaz defesa da
fazenda e da honra nacional.
Era exatamente o plano de Nahuco cm 1K&?.
Aliás o grande abolicionista Jcão Clapp, no discurso na ceri­
mônia da queima dos documentos, tal como consta da narrativa do
Diário de Noticias. pronunciou as seguintes e expressivas p..lavras :
" N a República Brasileira ninguém mais pod erá continuar a infamar
seus irmãos : fazendo bandeira politics e especulações mercantis de
semelhante crise”.
Como se vê não há só retórica e lirismo nesse ato revestido de
literatura para disfarçar o golpe que se descarregava em ponderosos
interesses.
Por ter entendido assim os acontecimentos que não jxxliam ser.
no momento, claramente expostos. é que a repercussão da ordem de
destruição foi a mais favorável possível. Poderia citar aqui os
inúmeros comentários de quase todos os jornais. E mais ainda.
Estava reunida a constitunte Republicana. A 20 de dezembro, seis
dias após o despacho de Rui, foi aprovada a seguinte moção : “ O
congresso nacional congratula-?'- com ò Gõvêmo Provisório por ter
mandado fazer eliminar dos arquivos nacionais os úl'ímos vestigios
da escravidão no Brasil”. Seus signatários são as maiores figuras
daquele conclave e alguns dos maiores expoentes da política da
l.“ república : .Aníbal Ealcão, Barbosa Lima. Serzedelo Correia,
Pedro Velho. Epitácio Pessoa, Teodtireto Sonto. Pais de Carvalho,
Lauro Müller. Aristides Milton. Marciano de Magalhães. Augusto de
Fre tas. Alexandre Stockler. Dionisio Ccrqucira, conde de Figuei-
tedo. Virgílio Damásio, Antônio Azeredo. Joaquim Murtinho. 1 auro
Sodrè. Indio do Bras>l. I.opes Trovão, .Artur Rios. J . J. Seabra,
Custódio de Melo, conselheiro Máirlnque, José Mariano. Pedro
.Américo. Zama. André Cavalcanti. João Barhalho c Meira Vascon­
celos.
Não se compreende pois que -e repita sempre este episódio
súmente para considerá-lo uma crise de retórica do discipuio de Vi­
eira. quando o ministro da Fazenda agiu cm harmonia com tóda a
imprensa e todos grandes leaders do momento.
Não foi pois um inimigo da história qu mandou destruir os
documentos da escravidão. .Amigo, e devoto da ciência era o ministro
da Fazenda — mas diante da onda de interesses que se erguia ameaça-
— 31 —

dirim ente armada de textos os elementos para n vitória sacrificou


éle um elemento parcial da pesquisa a uma vitória moral incompara­
velmente maior. Julgue-se agora como se entender o acontecimento.
Mas é preciso considerar os dois pratos da balança.
Resta ainda examinar outra queixa que o atual pesquisador poderá
enunciar diante do monumento que são as obr,as de Rui. forque
um tão assíduo leitor de memórias c de diários e um estadista tão
'tiento ã verdade acerca de si próprio não deixou diários (senão
apontamentos muito sumários de despesast e não escreveu memórias.
Homem tão moldado pelos estilos ingleses, porque não <is seguiu
também neste costume tão comunt entre estadistas britânicos— de
legarem ao‘i pesquisadore- depoimentos completos acerca dos aconte-
cine nlos em que tomaram parte ?
No entanto em tantas páginas deixou ele depoimento histó­
ricos impereciveis. Poder-se-ia recompor (e a idéia c de Pedro
Calmou) uma auto biogT,'it¡a de Rui através de seus inúmeros depoi­
mentos esparsos em artigos, conferências e até em discursos parla­
mentares.
As long.ts referências ao pai, na visita à terra nr.tal e no
discurso na Faculdade de Direito de São Paulo em 1909 : as
evocações da vida académica que se encontram neste discurso ; as
importantíssimas revelações do discurso sóbre José Bonifácio, o
prefácio da Queda do Império, são páginas que fazem prever o que
seria ê-te monumento que Rui não deixou H á mesmo algumas
lauda» no arquivo da Casa Rui Barbosa em que êle declarou que
■tia narrar aos filhos alguma coisa acérca do inicio da carreira mas o
documento interrompe-se curiosamente cm meio a uma palavra.
Os grandes depoimentos historic s de Rui terão, pois, que ser
laucados entre os seus trabalhos. Dê-nos Deus vagar c fórça. e,
apenas terminada a obra em que estamos empenhados, haveremos
de tentar um empreendimento que reputamos dos mais úteis à his­
tória brasileira — a recomposição dessa narrativa empolgante de
ttma vida inteira de lutas, de decepções e de sacrifícios — mas como
éle próprio disse — sem perder o ideal.
Pouca» páginas de memórias terão a vida daquela cvbntçâp de
José Bonifácki no discurso :le 1886.
"Discipulo, como fui. de José Bonifácio, seria orgulho se não
fósse gratidão, vaidade, sc não fórã dever, dar-vos aqui testemunho
do seu magistério. Foi em 1868 ; quando comece.’ a ouvi-lo. Vinha
ele dessa memorável sessão parlamentar, em que a -impotência da
coroa, por nnperscrutávi I mistério de sua graça, houve por bem.
vitimar à reabilitação de Timandro o partido de cujas simpatias
populares o dinasta se valera para a campanha do Prata. Quando
— 32 —

José Bonifacio assomou na tribuna, tive pela primeira vez a reve­


lação viva da grandeza da ciência que abraçavamos. A modesta
cadeira do professor trans figurava-se : uma espontaneidade esplên­
dida como a natureza tropical borbulhava dali nos espíritos encan­
tados ; um sópro magnifico animava aquela inspiração caudal,
incoércivel, que nos magnetizava de longe na admiração e :io êxtase.
Lembro-me que o primeiro assunto de seu curso foi a retreatividade
das leis. Nas suas preleções. que a hora interrompia sempre inopi­
nada como dique importuno, a suma filosofia jurídica, a jurispru­
dência romana, os códigos modernos, a interpretação histórica, o
direito pátrio passavam-nos pelos olhos transiubrados cm quadros
incomparáveis, inundados na mais ampla intuição cientifica, impe­
lidos por uma dialética irresistível".
Ou aquela outra página incomparável de reminiscencia.
“ E ntre as reminiscencias do meu curso jurídico nesta cidade,
nunca se me desfará da lembrança a recepção com que o acolheu,
depois do golpe de estado de 16 de julho, a juventude acadêmica de
1868, em um banquete político de grandes proporçõe:, que assinalou
data na memória de quantos o celebramos . Joaquim Nabuco, o
futuro orador do abolicionismo, ponto radiante que já se destacava
na coroa solar do nome paterno ; Barros Pimentel, merecimento
dos mais puros, envolvido tenazmente pela sua modéstia em um
casulo de sêda : Martini Cabral, grande liól.de fulgurante, que se
perdeu no horizonte da tribuna brasileira ; Gavião Peixoto um dos
testamentemos morais de José Bonifácio ; Salvador de Mendonça, o
publicista do Ipiranga : Américo de Campos, estoico ; Américo
Brasiliense. temperamento americano alienado para a república pela
rotina pervicaz da monarquia : Ferreira de Meneses im jclhetim
vivo, o boêmio da esperança, o fundador da Gazeta da Tarde :
Castro Alves o poeta dos escravos. José Bonifácio teve ali palavras
comovidas, que se fonografaram no espírito dos ouvintes : “ Os
comlatentes de hoje”, dizia, “ são as aves já em meio do caminho
poisadas nos ramos secos da floresta. A mocidade é o futuro, f.s
andorinhas em busca da primavera e da luz” . E Ferreira de Me.teses
de atalhar :
— “ A luz é V. Excia.”.
E o foi até o derradeiro dia.
Ou tqucla magnifica descrição da entrevista com o imperador
cm 1884, para conversar sobre os planos de reforma do ensino, que
aparece no prefácio da Queda do Império.
“ Estava outubro a terminar, em 1884, quando me veio às mãos
uma carta do presidente do conselho, o senador Dantas, onde, em nome
— 33 —

de sua majestade, me declarava, nalgumas linhas, que o imperador


queria ter comigo uma conferência especial e. para nos avistarmos e
marcar o dia. não me lembro se primeiro ou terceiro daquele mês
no paço da Boa Vista ao meio dia.
No praze dado, ali estava eu. juntamente curioso e cnleiado com
a reputação de terrível e pontilhoso argüidor, que t>nha Dom Pedro.
Disseram-me logo ã porta, que. naquele dia e aquela hora, êle não
recebia : mas. respondendo que eram ordens de sua majestade a
que obedecía; deram-lhe parte da visita a qual acudiu ¡mediata­
mente. Com insinuante afabilidade me tomou da mão, e, sem m a
deixar mais, me conduziu ao longo do vasto salão avarandado, onde
era costume dar. aos sábados, as suas audiências gerais, subiu comigo
a escada para o andar superior, e lã me levou a um gabinete cuja
vista dava para a bela avenida que da fr< ntar.a do palácio vai ter ao
grande portão exterior.
Ali. no meio do aposento, estava, como que já de propósito
arranjada para conversa intima, uma singela mesinha. coberta com
seu pano a que sua majestade me fêz sentar ; e. então, deixando-se
por instantes, volveu, trazendo sobraçadós os meus dois pareceres e
projetos acêrca da reforma dos três ensinos, que. havia dois anos,
dormiam na Cântara dos Deputados o sono, donde passaram ao mõio
e traçaria dos arquivos. Sentou-se : e. joelhos contra joelhos, numa
familiaridade que ¡tara logo me dissipou acanhamentos e receios
como em cavaco intimo entre iguais ou camaradas, percorrendo as
notas e tarjas, de que trazia margeada- e comentadas as páginas dos
dois livros, creio que encadernados, me submeteu a formidável saba­
tina, numa dobadoira continua de objeçôcs e perguntas, sarilltando,
uma trás outras, as questõe» e dificuldades, como iios de fusos em
movimento rápido entre os dedo- de amestrado Pandeiro.
Seriam, mais ou menos, três horas da tarde, (piando o imperador
se levantou, despedindo-me com a mesma sombra, cortesia e desceri-
móni.i. com que me reccliera. Dessa prática desafétada. mas niriçada,
como era, para a minha bisonharia em entrevistas régias, de trope-
cilhos e imprevistos ignoro que impressão terei deixado no juízo do
imperador. Não sei se êle o disse no senador Dantas. (Nunca
lhe perguntei). A minha era a de ter estado em contacto com um
coração abeno a excelentes sentimentos, um espirito accessivel às
idéias mais progressistas, uma admirável retentiva, um contraditório,
misto, em suma, de mediocridade e grandeza, artificio e simplicidade
larga erudição memorizada e míngua ou desenvolvimento imperfeit”
nas faculdades assimilativas e criadoras.”
Páginas como esfi fazem antever um memorialista soberbo.
- 34 —

Porque, afinal. não tão afeita ás narrativa histórica.' • mentali­


dade tão inclinada a este gênero de estudos não deixou a posteridade
uma obra no gênero das que êle tanto consultava e apreciava.
Sent dúvida porque na própria origem da resolução de escrcv-r
as memórias está o afastamento da vida polit'ca. ao menos tempo­
rário. Não se escrevem memórias — em regra senão quaudo
pára no caminllo e se olha para traz.
Este nosso grande patrono jiorcni nunca parou na sua gloriosa
contínua caminhada. Nunca se considerou um reformado ou aposen­
tado para a vidá política. Quando aos 71 anos iniciava uma cam­
panha politiva pelos sertões da sua terra, considerava—c em ativi­
dade tão intensa como o mais moço dos partidários de sua agre­
miação. Faltou sempre a Rui Barbosa esta semctção de considerar
encerrados os seus trabalhos. Ao menos nunca a nação consentiu que
êle se ausentasse do palco da política. Quando cm 1921 ele renun­
ciou á vida pública, as manifestações nacionais foram de tal ordem
que êle se viu constrangido a reassumir o seu pôsto nas bancadas do
Senado. Nunca pôde pensar na vida política cm termos de recor­
dações de um aposentado.
Encarando permanentemente a vida como um lutador sempre
cm forma, pode-se afirm ar que morreu lutando. Quando a paralis a
bulbar fulminou-o como remate de um ma! que o perseguia tenaz­
mente, ela o encontrou não somente ativo, mas tremente le entu­
siasmo e dedicação à causa política da terra natal. Suas memórias
são pois a sua vida. Grande e histórica lição: exemplo recolhido
pela posteridade. Quando um dos nossos mártires quiz- e dirigir ao
povo que o acompanhava ao catafalco só conseguiu m urmurar estas
palavras incompletas. "M orro pela l i b . .. " A mão piedosa do
frade impediu que a multidão ouvisse aquele derradeiro qtieixnme.
A voz de Rui Barbosa, porém, ressoou longamente aos ouvidos
da nação. Quando a mão do destáto implacável reduziu-o ao silêncio,
quase em meiu a uma vibrante apóstrofe politic» — a jwlitica de
sua terra — as palavras que êle ainda teria que pronunciar não
seriam um lamento sõbre o passado mas um incitamento ao futuro.
Esse era o seu feitio, a sua missão, a sua glória.
RUI, HOMEM DE LETRAS

PELO DR . R O D R IG O O T Á V IO F IL H O

Vivemos em unía Ierra de contradições milagrosas. Contrastes


e aparências perturbam o espetáculo da realidade. Onde esperantos
o descaso, vamos encontrar ouvidos atentos. E aqui estamos vivendo
um exemplo da afirmação.
Mais espectador do que ator, registro, satisfeito, o interesse coni
que a mocidade acompanha o desenrolar déste curso, no qual a obra
e a vida de Rui Barbosa se projetam no palco da cultura nacional.
Falar sobre Rui Barbosa, homem de letras, o que vale dizer —
do teor literário de sua obra — envolve materia de tal amplitude que
iiá” pu ( | e ser condensada no mesquinho espaço de urna hora ,E multo
menos poderá ser explanada com desejável feição didática, a não
ser que seja desdobrada em várias aulas.
Em Rui Barbosa, ap.mtado como o milagre da multiplicação de
um só homem em muitos homens, era notória a prevenção contra os
que o chamavam de literato.
Em 1918. por ocasião das festividades de seu jubileu, respon­
dendo á saudação de Constancio Alves, declarou só encontrar em
pouquíssimos de reus trabalhos, alguns que mereçam o titulo de lite­
rários. O de que fazia questão era ser politico, homem de estado.
O que se passou então, em tóm o de Rui. merece lembrança.
Poucas vezes. homem vivo terá tido, em nossa terra maior consa­
gração (1 ).
Em tômo dêle se reuniram todos os poderes. A religião, que
abençoa. O poder público, que agradece. O |>ovo. que glorifica.
No altar da missa campal, oficiou um cardeal. Ao lado de Rui.
ttida a Nação.
Saudou-o Coelho Neto, que proferiu discurso cm que o verlm
suplantou o pensamento. Aqueles que ainda se recordam da clari-

(1) Sobre as festividades Jubilares de Rui Barbosa vide : Revista da


eicad.-tma Brasileira de I.etras, vol. XXIII n.° 63.
— 36 —

dade de sua voz. lembram-se de que cie disse : “ A pena que lhe
destes. Senhor, é cetro com que êle governa, aqui e além, a tração
verbal fundada oelos trovadores sòbre a leira latina e que teve reis
como Camões, Vie'ra. Bernardas e. mais próximamente, êsse estor-
çado batalhador : Camilo",
"Baixastes sòbre êle em línguas de fõgo como sòbre os apóstolos
do Cenáculo e êle foi e é o jurista, foi e é o tribuno, o d’data, o
economista, o diplomata, o publicista, o Poeta enfim na acepção que
deu Carlyle a éste titulo de nobreza espiritual".
Respondendo a Coelho Neto, Rui. humildemente, se chamou de
"pobre suje'to”, "misero nada huntano", "vitima de sua ventura". E
fazendo o retrospecto de sua vida, pôde proclamar indelével verdade :
“ Eu, porént, nunca jamais não tive um momento de temor”.
Foi. no entanto, respondendo a Constancio Alves, quando cm 12
de agosto de 1918 lhe inauguravam o busto na Biblioteca Nacional,
que procurou definir-se, de si afastando a láurea de literato ou
homem de letras.
Em seu discurso — obra prima de equilíbrio, justiça, concisão e
estilo — Constancio Alves, lembra, de Rui. " o gênio literário".
Falando sobre o "homem de letras" não esqueceu o “ homem de
idéias”. E contrariando o próprio sentir do Mestre, disse, cate­
górico. que suprimir-lhe a Arte das produções que elevara às regiões
superiores da literatura, seria d e h arrancar o que a completa e
ilumina e equivalería a descornar a terra da abóbada celeste e
diminuir a sublimidade do mundo — apagando as constelações.
E ’ a Arte imortalizadora e transfiguradora. que coloca os escritos
e o verbo de Rui no plano superior das miragens que são a repre­
sentação idealizada da realidade, “ em que o aspecto das coisas se
poetisa pela colaboração do que é alto. — imaginação do homem ou
nuvem do céu, raios do gênio ou raios do sol”.
Constancio Alves acentuando-lhe o perfil de homem de letras,
depois tie lembrar que Sílvio Romero de Rui dissera ser o maior
talento verba! da nossa raça : depois de afirm ar que Rui sabia a
biografia dos vocábulos de que se servia ; depois de dizer que com
o tato e a moderação dos grandes escritores, criava palavra-'., ressus­
citava arcaísmos, apadrinhava neologismos : depois de proclamar
que os vocábulos dos clássicos são os que tem direito de cidade nas
letras e fazem a opulência e a formosura da linguagem corrente ;
depois de pedir ao próprio Rui que apontasse aos que dizem ser pobre
a nossa língua. — suas próprias obras onde, tão harmoniosamente
vivem e tão expressivamente soam multidões de vocábulos, velhos e
novos, desde os que já se aposentaram na poeira dos séculos, até os
que a nda labutam na poeira das ruas ; e. depot- de verificar que os
— 37 —

vocábulos, aos apelos <le Rui, saem dos volumes que se abrem traio
portas, "portas de mosteiros, de oficinas, de quartéis, de palácios, de
arsenais e de cidades", proclama a verdade das verdades, lembrando
que eles, cantam, dizem tudo, com eloqüi-ncia, gravidade, sutileza,
unção. raiva, sarcasmo, melancolia e riso — "quando evocados por
um Vieira, quando evocados por vós. — disse, enfrentando Rui —
que emprestais certa verossimelhança às lendas sobre as riquezas
escondidas dos jesuítas pois parece que achastes na Bahia, onde o
padre morreu e vós nascestes, o tesouro intelectual do maior dos
pregadores".
Finalmente, Constancio Alves, lavra a sentença definitiva, quando
diz — que Ru', homem de letras, não é um simples ourives da frase,
um escultor de imagens sem alma e sim um artista superior. em
cujas páginas o que c humano aparece transmudado.
Respondendo, Rui contestou por negação, perguntando : "M as
qual, na minha existência, o ato de sua consagração essencial ás
letras, onde o trabalho que assegure à minha vida o caráter de predo­
minante ou evidentemente literário ?" " J á me vai tomando a canséira
de repetir que não mereço tanto".
Cita, então, alguns trabalhos que. segundo o seu julgamento,
possam ser julgados literários : — o Plagio da Poeta, a respeito de
Castro Alves ; a Oração do centenário do Marquês de Tombai ;
o ensaio acerca de Swift ; a critica do livro de Balfour : o discurso
do Liceu de Artes e Oficios, sôbre o desenho aplicado á arte indus­
trial ; o discurso do Colégio Anchieta ; o discurso do Instituto
dos Advogados ; o parecer e a réplica acerca do Código Ci’dl ;
umas duas tentativas de versão homométrica da poesia inimitável de
J-eopard' : a adaptação do livro de Calkins, e alguns artigos esparsos
de jornais, literários pelo feitio ou pelo assunto. . .
E depois díste mundo de maravilhas, -.firma não lembrar-se de
outros. Tudo mais — disse — é política, é administração, é direito,
são questões morais, questões religiosas, questões sociais, projetos,
reformas, organizações legislativas. Tudo o mais — continua —
"demonstra que êsses cinquenta anos mc não correram na contem­
plação do belo nos laboratórios da arte, no culto puro das letras”.
Para Rui tudo mais está evidenciando que. sua vida se desdobra nos
comícios e nos tribunais, na imprensa militante ou na tribuna parla­
mentar, em oposições ou revoluções, em combate a regime» estabe­
lecidos e organizações de novos regimes Ela foi. a datar do brinde
politico a Jo»é Bonifácio, em 13 de agosto de 1S69 uma vida inteira
de ação, peleja e apostolado.
E como que a sacudir dos ombro» um pêso incômodo, afirma
que tima existência assim tecida e vivida não se desnatura da sua
— 38 —

substância, não se desintegra dos seus elementos orgânicos para e


apresentar desvestida e transmudada naquilo que ela tem menus, na
m era existência de um homem de letras.
Sua vida — boa ou má. é a de um soldado e não a de um
construtor : — Amei sempre as letras sent pretensão, apenas por
prazer de espirito, dissera dezoito anos ames, no artigo
quiserem publicado em .1 Imprenso. lam en ta não ter tido tempo
para ser artista e ambicionar entre artistas a sua admiração. Da
pena e da palavra só se servira como instrumento espontâneo de
luta.
João Mangabeira. seu discípulo e biógrafo, depuis de perguntar
se sobre si próprio Rui se equivocara. — tendo a imagem de Rui
diante dos ollios. escreveu : — " O que resta de ti e te faz imortal,
são as páginas de arte que escrevestes na pureza de um estilo, cuja
vernaculidade em teu idioma jamais foi ultrapassada, na beleza de
uma forma em lingua portuguesa até boje inigualada”. “ Tu te
chamas Rui, c tu es artista" (2 ).
Não importa que Rui tetilla declarado que “ na sua existencia
as letras entram, apenas, como a forma da palavra, que reveste o
pensamento, como a eloquência, que dobra o poder das idéias, como
a lielcza aparente, que reflete a bekza interior, corno a condição de
asseio, que lhe da clareza ás opiniões, que as dota de elegancia, que
as faz intel'giveis e amáveis”.
Já ai. nesse tropo, revela altíssimas qualidade literarias, e n! re­
tizadas no inconsciente julgamento de sua própria obra. E é ele
mesmo quem confessa que ró o influxo da arte comunica a durabi­
lidade á escrita humana, e quem ao saudar Anatole France, afirmou,
como verdade, que a furnia, na idcalãladc de suas linhas, é qua- •
sempre o que fica do pensamento, como ánfora de uma essência
perdida.
Homem de letras foi Rui, desde que abriu a boca para falar ou
pegou a pena para escrever.
Desde cedo colegas e amigos lhe reconheceram as tendências e
o valor literário, elegcndo-o. quando estudante e l"go após sua
chegada a São Paulo, orador do Ateneu Paulistano, presidido por
Joaquim Nabuco. Com Castro Alves e Nabuoo, integrou a comis-ôo
de literatura. No fim do ano. ao assumir-lhe a presidência,
pronunciou discurso notável, no qual confessa só acreditar "no futuro
como o asilo do direito e da liberdade", profecia de sua ação na vida
pública (3 ).

(2) João Mangalxirx Rui — O Estadista da R.'fíiNira, 1.' edição,


pâg. 21.
(3) Arquivo da Casa de Rui Barbosa.
— 39 —

A verdade é que Rui Barbosa. técnico da lingua, foi, pela magia


de sua expressão vocabular. uní auténtico hoinctn <le letras, opulento
c colorido, perfc’to, puro, clássico na escolha dos vocábulos e no
ritmo musical da frase.
Por julgá-lo assim, Xabnco registrou tro M uika Formação, ter
ele levado vinte anos a tirar o minério do sen talento, a endurecer e
temperar o aço admirável que é o seu estilo.
Falando, ou escrevendo, sobre falos transcendentes d i hora
que estava vivendo. Rui Irradiou, da adolescencia ao ocaso, conceitos
e normas que o tempo não deformou, nem deformará. Mas. o que
me parece deve ser acentuado de inicio, na obra de Rui Barbosa além
do seu evidente revestimento artist co c da pureza vernacular do
estilo c o cunho de universalidade do pensamento, que déla imana.
Dar a sua permanente atualidade.
O cerebro de Rtti fot lalmralório que refletiu no écran da inteli­
gência brasileira através do estilo que o ombreia e irmana aos gran­
des clássicos da lingua portuguesa, — uní monumento de cultura
jurídica, social, politica e literária, igual aos que, umversalmente, se
consagraram, A leitura, página a pagina, da obra publicada ou iné­
dita de Rui Barbosa, surpreende pelo fato de nela não se encontrar
jamais a queda da Imguagcm ou do pcn.samcrto. Ao contrário :
somos impelidos por ron entusiasmo quasc asfixiante, frente à cons­
tante ascenção daquela inteligencia, de incrível capacidade d- argu­
mentação. daquela cultura que parece impossível tenha sido adquirida
no limitado período de uma V'da humana.
E aqueles que, corno eu. na adolescência e na mocidade, corriam
atrás déle para ouvir-lhe à voz. c a palavra, embora os de minha
geração o considerassem — pela generalidade de setts conceitos, pela
sua formação espiritual — representante de um passado merto, reflexo
do liberalismo do século X IX - nunca se esquecerão da eloquência
sem arabescos, do gesto sobrio, da voz cheia e musical, da substância,
do intuito, do inédito, da grandiosidade do espetáculo que eram a '
suas pregações. Conquanto os de minha geração julgassem Rui tini
ausente de sua época, uma vez que a retórica agonizara e veio a
morrer com a guerra de 1914. embora à Rtti faltasse imaginação,
dado que nunca fora um criador, a verdade é que a todos empolgara
pela altura em que se colocava ao examinar fatos e idéias.
Em Rui Barbosa, as principais características são o amor e a
crença na ação do homem público. Xesse sentido, sua obra de
ação pessoal, corajosa e sincera é. por ceno, unta das mais belas de
nossa história.
Quanto ao orador Rui Barbosa, a impressão generalizada se
choca com a confessada desilusão de Humberto de Campos, para
— 44) —

quem "as orações formidáveis eram üdas marteladamente da sua


cadeira do Senado, dando todavia, fora dali a impressão de impro-
vizações magistrais" (4 ).
O grande escritor brasileiro fêz esta afirmação depois de comentar
a decadência da eloquência política brasileira através das páginas
de um livro do Sr. Fernando de Azevedo (5 ).
Nós somos — escreveu êle — um povo apaixonado pela ora­
tória ; e lamenta que. depois de termos tido na monarquia e na
infância republicana grandes tribunos, tenha o Brasil politico chegado
a "um ataque irremediável de afasia”.
Tenho para mim que Humberto de Campos, apenas, o ouviu
uma única vez, em discurso lido no Senado. De outra forma teria
pressentido, naquela época, no ambiente de decadência de noesa ora­
tória política, uma exceção — Riv Barbosa — que, lendo ou improvi-
zando, era sempre o mesmo forjador de entusiasmo, cuja eloqüência
se transformava no instrumento com que impunha seu sacerdócio
pela verdade e pela justiça.

Era eu bem menino quando tive a oportunidade de avistar Rui


Barbosa, mais vêzes e de perto. Foi era 1907. na Haia, quando
chefiou a delegação brasileira â 2.” Conferência da Paz. da qual meu
pai era um dos secretários.
Rui. de compleição miúda, sempre sério, vestindo sobrccasaea ou
fraque cinza clara, pouca atenção chamava sõbre si. O que foi sua
atuação naquele amplo cenário internacional, contou-o Rodrigo Otávio,
melhor do que qualquer outro, em páginas da 2.a série de Minhas
Memórias dos Outros.
A surpreendente energia e a inesperada cultura de Rui Barbosa
deram uma reviravolta aos trabalhos da Conferência, depois de haver
revidado a desatenção do delegado russo Martens, que a presidia, e
que não se apercebera, ao contrariar aquele desconhecido brasileiro,
que remexia as cinza- aparentemente frias de um vulcão, aquele vulcão
que. na frase de José do Patrocinio. Dens acendera na cabeça de Rui
Barbosa.
De improviso e em francês, num conclave cm que os discursos
eram lidos e pronunciados na lingua de cada orador. Rui, pequeno,
humilde, com voz sumida, que depois se elevou e se tornou clara,
começou a proferir o discurso que foi. por errto. a peça oratória mais

(4) Humberto de Campos, Crftint, 2.* série, pág. 109.


(5) Fernando de Azevedo, Ensaios, 1929.
— 41 —

notável que a conferencia ouviu, c lhe proporcionou o «eu momento


de maior brilho intelectual (6 ).
Impôs, com a autoridade de sua palavra, rumo novo á confe­
rência. Ficou sendo uma das figura» centrais entre ns grandes
figuras que o cercavam. Sua voz passou a ser ouvida e acatada.
Delaten os assuntos em pé de igualdade com os lideres do gran iu
conclave. Fêz conhecido o desconhecido Brasil e. colocando cm sua
cabeça uma auréola de glória, transformou-a em consagração c
orgulho de todos os brasileiros.
Depois do sucesso de tão ampla rep .-rcussão, cu o vi mais de
uma vez, caminhando a passos lentos pelas ruas da capital da Holanda,
ao lado de Carvalho Moreira, seu inseparável amigo, seguido por urna
multidão de curiosos, que, apontando-o com o dedo, olhavam es­
pantados para aquele pequenino homem, aquele fenômeno desco­
nhecido, aquele assombro de inteligência e cultura, habitante de exó­
ticas e ignoradas terras sul-americanas i . .
Pois bem. Do momento em que Rui fêz ouvir o esplendor de
sua palavra, não mais se fizeram perguntas disparatadas sóbre nosso
pais.
Lembro-me de que. certa vez. perguntaram a uma moça inteli­
gente, filha de ttm dos membros da delegação e que tinha resposta
para tudo — se no Bras'1 as casas tinham portas como as demais
casas da Europa I . . . — Não. foi a resposta, — não, quando dese­
jamos sair de casa saltamos pelas jan e la s...
De outra feita, perguntaram como andavamos nas ruas, sem
sermos comidos pelas fe ra s ... E a mesma jovem respondeu : —
Não há perigo algum. Nós, brasileiros somos muito disciplinados.
Pela calçada da direita andamos nós e pela da esquerda os animais
ferozes. . .
Todas estas e outras indagações, filhas da curiosidade ignorante,
silenciaram. O ¡tais, que oferecia um exemplar humano como Rui
Barbosa, passou a ser respeitado por gregos e troianos. Foi na
H aia que Rui prestou ao Brasil c às Américas os serviços que lhe
glorificaram a vida, dando ao mundo uma lição de fraternidade
universal, quê ficará indelével na história do liberalismo interna­
cional.

Feita esta rápida digressão — ligeiro testemunho de um menino


curioso em frente á pequena estatura de um grande homem — devemos
relembrar que Rui Barbosa, que revestia todos os seus escritos e

(6) Rodrigo Otávio, Minhas Memórias dos Outros, 2.‘ série, pág. 306.
— 42 —

estudos da mais cuidada forma literária, produzia-os. quase todos,


ora como discurse, ora como conferencia cuja diferenciação devemos
investigar.
Para mim. conferencia não passa de um discurso sem ênfase,
lido ou falado, onde o conferencista, oit confercnte, expõe suas opi­
niões sôbre determinado tema.
O discurso, creio, caracteriza-se pela espontaneidade. pela impro-
vização. pela facilidade verbal c pelo aproveitamento da memória,
que. aliás, outra coisa não é senão a utilização de estudo? acumulados,
a exteriorização pública da enhura adquirida.
Os enciclopedistas são vagos no diferenciar, ott definir, o que
seja discurso e o que seja conferência. Ambos são armas de que
se servem os homens para discutir e dizer o que petisam. A palavra
oral <• alavanca que. movimentando os mundos do ]Xttsamento. imprime
sentido à vida das massas populares, desvia o cttrso politico das
nações, incute aos ignorantes os conhecimentos humanos. Discursos
e conferências sempre foram alvo de panegíricos e chacotas. Já
houve quem definisse a conferência como sendo uma reunião em
que um fala e muitos dorm em ...

Do discurso jã dizia Eticnc. cm versos cadenciados :

Lc plus beau discours ne vattí pes »rc aniuôiie.


E t quand uu malhcraix vient tou.r tendré la main,
Laissea la vos ccrits et donnrs lui du pain.

E foi por certo a indesejável ênfase, que levou Corneille a


versejar :

Ecs bravades, cnfiin. sent des discours fricóles


E t qui songe aux effets negliges les paroles.

Moliere depois de ouvir cncctis<: mo discurso, também em versos,


ironizou :

Toas les discours soul des sotises,


Partan! d’un honime sails i f la t ;
Ce scraicnt pe.rolcs exquises,
S i c'clait un grand qui parla!.
— 43 —

E o nosso Lúcio de Mendonça, talvez pensando nos oradores c


nos conferencistas, nos deixou êstes versos satíricos e cheios de
graçr. :

A natureza Iftn sanções felizes,


Ràdcia o mal de penas pouco leves,
Assim , tu tens que ouvir tudo o que dizes,
E tens de ler, tudo o que escreves.

A verdade é que Rui Barbosa em seus discursos politicos ou cut


suas conferências literárias, manteve em ambos as mesmas carac­
terísticas : desenvolvimento iógico do assunto, método na análise,
clareza na exposição, entusiasmo na defesa de seus pontos de vista,
energia no ataque ás idéias contrárias às suas convicções, impiedade
no revide, dogmático c categórico nas afirmações, nobre nas atitudes,
irônico e superior, seguro nas conclusões, linguagem literária, estilo
inigualável pela clareza e classicismo.
As orações, ou pregações de Rui. acumulam tanta grandeza,
tanta eloquência, que podemos compará-las a certos volumes orques­
trais de Wagner, onde se desenvolvem o mesmo motivo musical em
plétora de variações. Em Rui. vocação de advogado, cujo fim de
meta é convencer para vencer, a repetição dc argumentos é técnica
oratória e literária. O mesmo assunto, repetido, às vezes, no mesmo
jierkido, veste-o de tanta originalidade e diferentes forças de expressão,
que encantam os ouvidos e tornam quase tódas as suas páginas,
primores da língua e da dialética. Raras são suas orações curtas.
Sua resistência física era insuperável. Sua voz alteava-se, tornando-
se mais clara e convincente, quanto mais falava. Ternvnava suas
orações, de boras seguidas, sem manifestar cansaço.
Tilda a sua vida de luta intensa e rude, está gravada por palavras
ruas. E tão gallardamente resistiu aos embates da existência, que
pôde, cm carta, escrever à espõsa. D. Maria Augusta : “ Débil conto
pareço. tenho aguentado c vencido trabalhos, mora.s e materiais, que
organizações robustíssimas nunca experimentaram, nem seriam capazes
de vencer" (7 ).
Mas. tudo o que foi. Rui atribuiu à influência do pai — João
Barbo a — que cedo percebeu o seu irresistível amor ao estudo c
te-níveu, . o vèlo aprender, cm 15 dias, com o professor Ibirapitanga,

17) Luís Viana Füho, A tida dc Htti Barbosa. Ed. do Centenário,


pág. 129.
— 44 —

a ler c a conjugar verbos, déle fazer um erudito e um orador. Desde


êsse momento começou Rui a sentir o influxo das boas letras.
O par obrigava-o. segundo informa I.uis Viana Filho, a subir
sóbre uma mala, onde lhe ensinava a posição cm que deviam ficar as
mãos do orador, obrigando-o a declamar com voz forte e silaba a
sílaba, longos trechos, como se estivesse, de fato, em uma tribuna,
diante de numeroso auditório.
Nessa escola um tanto teatral, era Rui. aos 10 anos, uma criança
triste, que amava os livros, recitava Camões sabia Vieira e lia
Castilho (8 ).
Em pouco tempo estava em condições vantajosas para ingressar
no Ginásio Baiano, dirigido pelo D r. Abílio Borges, e instalado em
senhorial residência, que pertencera ao marquês de Barbacenú.
Foi nesse ginásio que, ao concluir o curso. Rui, pela primeira
vez, falou cm público, pronunciando, aos 18 anos, discurso tão bem
escrito e conceituoso, que João Barbosa ao responder à pergunta do
Dr. Abílio, se colaborara no trabalho do filho, respondeu-lhe: — A
mesma pergunta eu ia fazer-lhe.
Nessa oração itvcial, proferida em 26 de novembro de 1865. na
solenidade da distribuição dos prêmios. Rui emitiu, em bela forma
literária, conceitos que, depois de velho, ouviu repetidos por aqueles
que lite estudaram a obra. Lembrarei, apenas, ttm : “ À lenda de
Ahsvero — disse — c a vida da humanidade ; no seu incessante e
eterno caminhar arma ela a um fim que não conhece, não atende,
que lhe foge na obscuridade do mistério ; mas fim por certo vasto,
imenso, florido, com que a Providência lhe há de recompensar a
amargura e as lágrimas da jornada” .
Rui. animado por convicções puras, começou, desde então, a
iluminar o cenário intelectual do Brasil, com a clareza de seu verbo
e de sua inteligência.
Antes do discurso do Ginásio Baiano, falara sem maio.- sucesso,
nos outeiros, como chamavam os torneios literarios do colégio e
versejara. mal as mais das vezes, sonetos, alguns versos de amo
c uma tradução de Leopardi. Sem imaginação de vóo alto, aban­
donou o imprudente convívio tias musas, aprestando-se para ser.
como de fato alcançou ser aquilo que déle disse Capistrano de
Abreu. — o grande orquestrador da língua portuguesa.
Sóbre a evolução do estilo de Rui, desde os primeiros passos que
deu nas letras, o S r. Américo Jacobina Lacombe, trouxe ã luz

(8) Luís Viana Filho, Ob. ci!., pág. 17.


— 45 —

púbbca, em recente conferencia, a existência dos cadernos em que


desde menino ele anotava suas descobertas e preocupações filológicas,
as original.dades e sutilezas da lingua, de que se tornou o maior
mestre.
A leitura dos clássicos portugueses era sem dúvida o encarto c a
fonte dos estudos de Rui, que nela via a única fôrma de aquisição
da língua, de penetrar-lhe o sentido e de transformá-la, pelo uso
comíante, no instrumento de que se serviu com personalidade própria,
mas com o sabor dos próprios clássicos que lia.
Se considerarmos o homem de letras — o literato — o autêntico,
aquele que escreve com arte, veste idéias com frases elegantes, que
adjetiva com sobriedade, aquele que. despindo-a de inúteis arabescos
torna a língua musical e sonora, que a conhece em seus melindres
e orgulhos, que a ama e defende, que aceita a sua evolução, que a
conserva c purif'ca, que a lê, estuda e transm.tr, Rui Barbosa — que
fé» e foi tudo isso é um autentico c surpreendente homem de letras.
Tal era em Rui a preocupação da forma literária e da purera de
linguagem, que, depois dos trabalhos sõbre o Código Civil, quando
fêz os mais profundos estudos de linguística e filolog a, reviu,
paciente c cautelosamente, todo o seu acervo ciclópico de escritor,
para que o futuro nêlc encontrasse, pura e bela, a lingua que Deus
nos deu. e a nós transmitida pelo maior de nossos puristas.
Rui Barbosa, que cm nossa terra fei o mestre incontestido da
língua, criou, dentro de seu próprio dassicismo, utna variedade de
estilos.
Em sua obra jornalística, principalmente em sens artigos da
A Imprensa, atingiu a culminância. Lêde os seus trabalhos forenses
e encontrareis um estilo novo e diferente, jama<s aparecido em
folhas de autos, nos trabalhos oferecidos aos nossos tribunais pelos
maiores dc nossos advogados ou jurisconsultos. O estilo forer.se de
Rui é déle e só dêlc : ao lado da argumentação e da erudição ju rí­
dica, do impeto na defesa dos direitos que lhe eram confiados, a
forma literária dá brilho e fõrça aos seus trabalhos. Lembrarei que
na questão Minas-Werneck — na qual fui modesto auxiliar de meu
pa', como advogado do D r. Américo Wcnieck, Rui Barbosa, advo­
gado do Estado de Minas, inicia um dc seus arrazoados, epigra-
fando-o c<>m uma tirada de Cícero.
Seus discursos parlamentares, de exposição doutrinária, ou ataque
político, não seriam o que são, se não estivessem revestidos da mais
bela roupagem literária.
A propôs to dos discursos políticos de Rui. alguém. — creo
que Nabuco — proclamou-o, como o consolidador do estilo ; e Afonso
— 46 —

Celso, que também os ouvira e a quem Rui "assombrava como um


fenômeno”, escreveu algumas páginas que devem ser lembradas.
Descreve-o, baixo, franzino, de compleição mórbida, parecendo
insuscetível ao mais leve esforço e prestes a desfalecer. Espantava-se
Afonso Celso vendo-o falar duas, três, quatro horas consecutivas,
sem se servir de uma nota, sem molltar a garganta, sem afrouxar ou
empanar a voz extensa e mordente. Nos lances mais agressivos,
mantinha a mesma uniformidade,
E que discursos ! acrescenta Afonso Celso : — "Verdadeiros
tratados sôbre o assunto, obras exaustivas, edifícios maciços e colos­
sais 1”
Repletos de estupenda erudição — escreve ainda Afonso Celso, —
transbordantes de fatos, datas, leis, nomes, comentários, tudo enfim.
E ao referir-se mais diretamente ao ponto que interessa a esta aula,
disse : "A forma, mais que correta, burilada, com luxos de dassi-
cismo e termos raros, sempre literária e nobre dir-se-ia esmerada­
mente trabalhada".
A eloqiiência de Rui lembrava "um mar sem ondas, sem ventos
imenso, m isterio», infinito”. E ao final de suas recordações Afonso
Celso, que via na eloqüencia de Rui um lampejo permanente, aplica
à sua facundia incomparável, a reflexão de um viajante atônito ante
a exuberância c a magnificência da selva tropical: a profusão das
árvores não deixa apreciar a flo resta.. . (9)
Tudo isso, — o que foi e o que féz — Rui Barbosa, imbuído do
mais santo amor filial, atribuía á influência paterna.
Falando do pai, no discurso que proferiu na Faculdade de Direito
de São Paulo, em 17 de dezembro de 1909. gravou com palavras
bíblicas uma das mais belas e emocionantes páginas de nossa litera­
tura : *‘O que sou, menos o coração cm que minha mãe entrou,
grandemente, déle nasce quase exclusivamente, como a água que
corre da água que já correu. Esta palavra, de que eu uso em mim
diminuída, era dele, o maior orador que já conheci. Esta cabeça,
que eu tenho, não é mais que uma ajxtgada sombra da sua.
E sta paixão da liberdade e do direito e da justiça, herdou-m'a
êlc. a mais justa das almas, o mais irredutível liberal que eu nunca
vi, lilteral á inglesa e à americana. O amor da pátria, a intransigên­
cia da honra, a firmeza da vontade, o culto dos princípios, o desprezo
dos perigos, o fundo religioso dos sentimentos c das idéias, isso tudo

(9 ) A fo n s o Celso, O ito a n c j d< Parlam ento, p á g x , 91 e 92.


— 47 —

é scu. De modo que, a cada passo de minha vida, o que cu sinto


dentro do mais intimo de mim mesmo, é meu p ai. 61e não m orreu:
em mim vive, e reviverá enquanto alguma coisa de mim restar” ,
O amor do pai levou Rui a amesquinhar-se a si próprio.
Diante de João Barbosa, foi o bom filho, justo e amoroso —
que, do cume a que chegou, iluminado pela mais intensa cultura
que já floresceu em terras brasileiras, santificado em constantes
pelejas, amargurado pelas decepções, cansado pelo estudo, glorifi­
cado pela glória, continuou a ver o pai, como a luz guiadora do que
fõra e do que era.
Do dito até aqui, se conclui que Rui Barbosa jamais divagou
pelos subúrbios da inteligência.
Para informação dos que me ouvem, para que possam beber
água fresca na própria fonte, recomendo a leitura dos Ensaius Lite­
rários de Rui Barbosa, volume que acaba de sair dos prelos, no
qual o S r. Américo Lacombe, jovem e apaixonado diretor da Casa de
Rui Barbosa, selecionou e prefaciou os melhores e mais legítimos
trabalhos literários do Mestre (1 0 ).
Nesse volume, encontrareis o discurso que Rui pronunciou por
ocasião da morte de Alexandre Herculano, no Teatro São João, da
Bahia, em 1877. Sabidas são as afinidades de Rui com Herculano.
Religiosos c cristãos, ambos, intransigentemente atacavam o catoli­
cismo de Pio IX, que consideravam contrário às velhas e verdadeiras
crenças. E* uma página literária a serviço de categóricas afirmações
de consciência religiosa.
O Elogio de Castro .'Uves que todos conhecem, lido dez anos
após a morte do poeta e. na frase do Sr. Américo Ijcom lie. ardoroso
revide aos inimigos literários do antigo colega e amigo.
Para demonstrar a profundeza da influência da obra do grande
poeta, achava modestamente Rui que "a voz que a houvesse de
atestar, devia partir, não dos cimos mais próximos do astro, deslum­
brados pelo seu esplendor, escaldados pela sua irradiação, mas cá da
humildade do vale, que de tão longe contempla”.
De Castro Alves, diz que sua musa roçara os lábios no mel de
todas as doçuras e na essência amarga de tôdas as agonias. São
páginas de defesa e critica. Da mais justa das defesas, da melhor
das criticas.

(10) Rui Barbosa. Ensaios Literários, 1949.


— 48 —

N o célebre discurso a José Bonifácio, o moço, urna das maiores


e melhores peças literarias de Rui, pronunciada cm São Paulo, cm
18<86, centraliza a tese da sua oração, "n a necessidade da aliança da
política ao culto da forma”, isto é. julga que a preocupação dos temas
estéticos é um sinal de superioridade no homcm público (11).
E quem não leu o ensaio sobre Swift — admirável, profunda e
erudita ]>ágina de historia literaria? Nélc Rui ainda coloca em
frente ao leitor o problema das relações da estética com a vida
pública.
E o que disse Rui Barbosa de Machado de Assts, cm nome da
Academia Brasileira de Letras, em 30 de setembro de 1908, diante
do cadáver do grande romancista ?
— “ Não é o clássico da lingua : não é o mestre da frase :
não é o árbitro das letras ; não é o filósofo do romance ; não é o
mágico do conto ; não é o joalheiro do verso, o exemplar sem rival
entre os contemporáneos da elegancia e da graça, do aticismo e da
singeleza do conceber c no dizer ; é o que soube viver intensamente
da arte, sem deixar de ser bom”. E ressaltando que Machado de
Assis nascera com uma dessas predestinações sem remédio ao sofri­
mento, disse que “ a amargura do seu quinhão nas expiações de nossa
herança o não mergulhou no pessimismo dos sombrios, dos mordazes,
dos .invejosos, dos revoltados”.
Dizendo adeus a Machado dc Assis a quem iria substituir, pelo
resto da vida, na presidência da Academia Brasileira, da qual fora
um dos fundadores, pronunciou a nda estas suavíssimas palavras :
“ A dor lhe aflorava ligeiramente aos lábios, Ibe roçava ao de leve
a pena, lhe ressumava sem azedume das obras, num ceticismo entremeio
dc timidez c desconfiança, dc indulgênca e receio, com os seus toques
de malicia a sorrirem, de quando cm quando, sem maldade, por entre
as dúvidas e as tristezas do artista. A ironia mesma se desponta,
se embebe de suavidade no intimo dêsse temperamento, cuja com­
pleição sem desigualdade, sem espinhos, sem asperezas, refratária aos
antagonismos e aoa conflitos, dir-sc-ia mersa das mãos da própria
Harmonia, tal qual essas criações da Hélade. que se Lavraram para
imortalidade num mármore cujas linlias parecem relevos do ambiente
c projeções do céu no meio do cenário que os circunda”.
fiste o Machado dc Assis de Rui Barbosa. O Machado que
tinha o sentimento da lingua pátria, "em que prosava como Luis de
Sousa c cantava como Luis de Camões”.
Onde encontrar, meus amigos, cm nossa literatura, páginas que
a estas se irmanem, na emoção, na forma e na verdade ?

(11) V. Prefácio de Américo Jacobina Lacombe, in Rui Barbosa —


Ensaiai Literários.
— 49 —

Talvez algumas do próprio Rui, ua Oração aos Moçor, testa­


mento e legado, qúe não pôde êle mesmo pronunciar, porque as
forças que se esvaiam, não mais lhe permitiam movimentar ós
lábios.
Nessa altissima oração que no dizer de Sousa da Silveira, o
mestre perfeito, é tia sua contextura verbal, modelo da mais pura
veniaculidade c, convenientemente lida e estudada, constitui precioso
fator de representação da grande língua literária comum ao Brasil e
Portugal (12).
Rui Barbosa fala aos moços na linguaguem da experiência e da
sabedoria :
“ Estou vos abrindo o livro da minha vida", disre êle.
“ Se me não quizerdes aceitar como expressão fiel da realidade
esta versão rigorosa de uma das suas páginas, com que mais me consolo,
recelici-a, ao menos, como ato de fé, ou como conselho de pai a filhos,
quando não como o testamento de uma carreira, que poderá ter discre­
pado, muitas vezes, do bem. mas sempre o evangelizou com entu­
siasmo, o procurou com fervor e o adorou com sinceridade” ,
Talvez naquele discurso de Campinas (19141 onde o verbo
de Rui é harmonioso c belo como o vôo daquelas andorinhas que eram
o encanto da velha cidade paulista. Sobre o “ incomparável quadro
vespertino" que ê a volta delas à casa em que moram. Rui se emociona
e escreve uma de suas mais belas páginas literárias. Eis dela, um
pequeno exemplo :
“ E u não canto, nem pinto ; mas revejo e recordo.
Pelo ¡impido azul já sem sol, antes que se lhe esvaia de todo o
ouro dos seus átomos de luz. mas quando o crepúsculo entra a des­
maiar do seu brilho a safira celeste, um ponto retinto, perdido nos
longes mais remotos, se acentua em negro na cúpola do firmamento,
lá. bem no alto, bem de cima, como se a ponta de uma seta, desfe­
chada perpendicularmcnte de além varasse aü a redondeza añilada".
Talvez no Discurso do Colégio Anchieta, (1913) — quando
avisava aos jovens bacharelando», que a pátria não é ninguém, são
todos e os que a servem são “ os que não invejam, os que não infamam,
os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam,
os que não emudencem, os que não se acovardam, mas resirtem, mas

(12) V . R ui B arbosa. Oração aos M oças. Edição N acional — C asa de


R u i Barbosa, t>ág. IX (1949).
(13) 24 de julho de 1914.
— 50 —

ensinam, mas esforçam, mas pacificam, mas discutem, mas praticam


a justiça, a admiração, o entusiasmo". Talvez na saudação a Anatole
France. Talvez — que sei eu ? — que posso eu aconselhar-vos se
não existe joio nesse trigo ?

■!< * *

Na obra de Rui Barbosa entremeados, vivem, juntos, numa varie­


dade de estilos literarios, o que nos leva por analogia a êle aplicar o
conceito e a diferenciação que Joubert fazia de Voltaire e de
Boussuet:
— Voltaire est clair comute 1’eau, Bossuet est clair a in m c le
vi» (14).
Realmente, Rui que é sempre claro, atingiu a plenitude da
expressão. Trincou " a carne viva da linguagem", a que se referiu
John Mideleton-Murry. Foi entre nós o esplendor do Verbo. Fogo
de artificio, sem foguetes de estampidos ruidosos ou inúteis. Luz e
cõr. O exame e o estudo de sua obra, mostram que êle além de
de tudo o que foi — político, estadista, diplomata, administrador,
jornalista, jurista, advogado, filólogo, tribuno, sábio — foi, também,
um autêntico homem de letras.

(14) Charles de Bos, Qli’est-se que lá lilteralure?, pag. 87.


RUI E OS ESCRITOS RELIGIOSOS
C O N F E R Ê N C IA R E A L IZ A D A P E L O SR . M A R IO PE N A
DA RO CH A

“ Antes de iniciar a palestra que me cabe fazer neste curso de


homenagem a Rui Barbosa, no transcurso da data centenaria de seu
nascimento, cumpro um dever de consciencia ao declarar lealmente a
este nobre auditorio que a carencia de tempo, intransferíveis obri­
gações cotidianas, e certa estafa mental impedem-me, nesta hora, de
corresponder de maneira menos imperfeita á honra do convite e à
relevancia do tema, de tanta responsabilidade, qual reja a de exami­
narmos os escritos religiosos de Rui Barbosa, documentário de sitas
convicções, expressão de seus sentimentos de fé, sustentados, como
era de seu prolio e reto feitio moral, com vigilância e energia, com
intrepidez, sinceridade c desassombro, com a espada de fogo de sen
verbo inflamado ou os am aró» das mais suasivas expressões de «cus
vastos recursos vertíais.
Materia entre todas delicada, essa de ler na pahvra do homem a
profundeza de seu pensamento, o ámago de seos sentimentos, desbas­
tados. uns e outros, de tôda eiva da paixão, do tumulto c da violencia,
mormente quando se cuida de figura primacial, como a de Rui. no
íorum da inteligencia nacional, sent que se possa acompanhar a rota
retilínea de convicções espirituais e religiosas.
Ncsse ponto, é ele próprio que nos adverte da atitude moral de
quem busca os rumos certos do espirito :
"N ão peqtiei de propósito ; terei pecado por erro, ignorancia,
ocasião, falibilidade incurável dos juizos humanos’' (1 ).
“ Pelo qtic toca ao variar das opiniões, deixem-me ter, ntais urna
vez, o consolo de trazer à praça, como coisa de que me prezo. e nao
me pesa, a deliciosa culpa dos homens de consciencia, 3 única em
que Itei-de morrer impenitente. Beata, l'cata, beatíssima atipa !
Não mo tenltam a mal os imutávc's. Detis os desenertte. D ais os
reverta da pedra c cal em homens. Deus os ensine a mudar. Porque

(I) Queda do ftupM a — (Obras Completas), ¡>ág. LXXXV.


— 52 —

todo o aprender, todo o melhorar, todo o viver é mudar. De mudar


nem mesmo o céu, o inferno ou a morte escapam. Mudar é a gloria
dos que ignoravam, c sabem, dos que eram maus, c querem ser justos,
dos que não se conheciam a si mesmos, e já melhor se conhecem, ou
começam a conhecer-se.
O que, no mudar, se quer é que se não mude para tras, nem do
bem para o mal, ou do mal a pior. Se me achassem, hoje, menos
tolerante, menos liberal, menos amigo da justiça, menos dedicado às
leis, menos humano, menos dado ao trabalho. menos cristão do que
ontem, ai, sim, bem era que mo imputassem a culpa, vergonha, ou
crime.
Mas, em todos ésses pontos, é sempre do menos [jara o mais.
suponho eu. do mal para o bem, ou do bem para o melhor que tenho
mudado, ou feito por mudar, com especialidade nos trinta e três anos
que vêm da agonia do outro regime a isto, que não sei como se
chame, do atual.
Onde, porém, creio se perceberá diferença mais sensível, é nos
sentimentos religiosos. Profunda c inalteràvelmente cristãos foram
eles rempre. Mas quem ler o Diário de Noticiar, como quem leia
O Papa c b Concilio, ou o Discurso da Maconaria, verá quanto vai
do homem dc 1876 e 1889 ao de 1903, 1919 e 1921 : o da oração do
paran nfo no Colégio Anchieta, o da oração do jubileu na Missa
Campal e o discurso paraninfico em São Paulo" (2 ).
Permitir-me-âo os generosos ouvintes que eu me escravize às
minhas laudas, não só pela necessidade de, a miúdo, termos de ouvir
a Rui, de onde brota, sempre, serena ou impetuosa, a linfa da verdade,
como também por faltar-me desempeño e segurança, em matéria que
requer tamanha ponderação, para deixar-me conduzir, sem seguro
roteiro, por entre os imprevistos das traições da memória e os choques
da emoção que assaltam os oradores de minha têmpera.

F O I R E A L M E N T E R U I UM H O M EM D E FÉ ?

Dos homens de inteligencia que vencem os caminhos da cultura,


naquilo que diz com a fé, uns a têm cómo a do carvociro, crença
simples, à margem de tóda indagação, isenta de dúvida e preocupação ;
fc humilde, sombra amena às árduas lucubrações do pensamento
humano; outros a sustentam, vencendo conflitos, pendidos, por
vêzes, sob a túnica de Nesso da dúvida, descendo a angustiosas e
extenuantes indagações ; estes a riscam, em gesto largo, dos quadros
dc sua formação mental, à fôrça da própria razão ; aqueles afastam-

(2) 01. ãt„ págs. LXXXV e I.XXXV1.


—53-

na do seu rumo, despreocupados, sem lhe sentirem a íalta. Uns


creem em Deus ; outros o negam ; e a>nda outros — c estes são
os autênticos não religiosos — não o afirmam nem o negam ; de
nada indagam. Afirmar-se-á que erta atitude não se compadece com
a inteligência trabalhada ]>ela cultura: o problema da morte é da
economia da vida, e esta inqxjc a solução do dilema — ser ou não ser.
depois do último sopro da existência humana. Se a alma tem um
mecanismo só para servir ao corpo, e em função déle : ou se a alma
habita o corpo como sua morada terrena, e se dele, liberta pela morte,
sobe a seu eterno destino.
Não cabe, nesta hora, balancear idéias f.losóficas sòbre a fé . o
caráter anti-intelectual, que lhe apontam alguns doutores do protes­
tantismo liberal (3 ). ou do "ato da inteligência, a adesão prestada a
uma verdade revelada", consoante o ensino católico, em que sobre-
paira a sua sobrenaturalidade, que assenta no próprio magistério
de Deus. Para a filosof a da Igreja, “ a fé é um ato da inteligência
pelo qual se admite como verdadeira uma doutrina atestada |x la
autoridade divina : c é um ato livre, dependente da vontade, c, por
isso, sob o dominio da responsabilidade moral do homem".
H á que distingurr-se entre fé — fato moral — c crença, estado
de alma, e um de seus elementos. A fé, na definição católica, exclui
a dúvida, o livre exame, o exame individual, o sentido opinativo da
crença : não lhe cabe indagar e definir, pois que a verdade, fruto da
Revelação, lhe foi integralmente comunicada ; ao homem cabe, livre­
mente, aceitá-la ou recusá-la, total e plenamente. Se aceitamos a
palavra divina, em tóda a sua amplitude — somos homens de fé ;
se a examinamos, para restringi-la. para encará-la à luz. da nossa
inteligência, e enquadrá-la nos limites de nossa filosofia, aberramos
da doutrina da Revelação, e a Igreja nos tem por heréticos.
“ A fé, ato intelectual, — define o padre Leonel Franca — é o
assentimento prestado a uma verdade, não por lhe penetrarmos a
< razão intrínseca, mas pela palavra autorizada de outrem que no-la
afirm a. E ’ éste o caminho real que nos leva ao conhecimento certo
de quanto, ou por se achar, no espaço e no tempo, além da nossa
experiência pessoal, ou por qualquer outro motivo, se encontra fora
do campo de visão da nossa inteligência”. Esta adesão, assim racional,
há-de assentar sòbre “ o conhecimento certo da existência de Deus e
do fato histórico da Revelação cristã”. S'e o homem não aceitar
éste fundamento, não terá fé cristã ; se aceitou a demonstração

(3) Esta e citações seguintes, sem indicações individuadas, refcrcm-sc


à obra do padre Leonel Franca A Psicologia dn l !t, onde buscamos o roteiro
para esta parte da palestra.
— 54 —

filosófica da existência de Deus e tem por certa a Revelação, "não


lhe resta outra atitude racional senão a de adesão plena a seus ensi­
namentos”. E concluindo, com o douto jesuíta : a fé é uma adesão
intelectual à verdade ; apesar de inferior, como modo de conheci­
mento. ã clareza da intuição ou á evidencia interna da demonstração,
é um processo de chegar à certeza, racional, seguro, econômico,
inerente á natureza social do homem ; para atingir certas realidades
distantes no tempo ou estritamente sobrenaturais, é a única via que »e
abre à inteligência humana durante a sua peregrinação terrena”.
(Quando o homem afirma mais do que vê, mais fácil hle é negar;
ê o que se pode dizer do racionalismo do século X V I I I : afirmar e
afirmar e negar, negar e negar. E ' desse racionalismo, na fase
hodierna da filosofia religiosa, a atitude intelectual de "excluir o
sobrenatural da trama dos acontecimentos humanos, no seu postu­
lado fundamental; na urdidura da história não há lugar ¡>ara o
sobrenatural ; tudo se explica pelo determinismo infrangivcl das leis
da natureza. Acham-se assim, a priori, excluidos o milagre e n
fato de uma revelação divina. Torna-se o homem racionalista “ o
árbitro de tôda a sua vida moral e religiosa” .

R U I FO I U M HO M EM D E FÉ C R ISTÃ , EM TÔDA A SUA


VIDA, A IN D A Q U E PR ÉSA DA DÚVIDA ; NAO FO I,
E N T R E T A N T O , SE M PR E UM H O M EM DE FÉ
CA TÓLICA: CO M BATEU A N IM O SA M EN TE
A IG R E JA RO M ANA

Religião, em povos como o nosso, meridional, extrovertido,


sensual, ressuma do sentimento, não tem raízes de convicção : é de
incenso c ladautha, de canto, luzes e flores, de missas festivas — uma
rcligão sentimental, plástica, vibrátil. Estudamõ-la até fazermos a
primeira comunhão, nas páginas do catecismo mal assimilado ou mal
compreendido : entra o jovem nas escolas superiores já perdida a
fé. Referindo-se a essa apostasia da mocidade, a essa “ secessão
maciça”, que “ a priva de tanta luz nas perplexidades, de tanta fôrça
nas tributações, de tantos incentivos ¡rara o h a n ” , o padre M T. L.
Penido, encontra "na extrema periferia da fé. a incontável multidão
dos que se afastam da religião porque jamais tiveram fé profunda e
sincera. Aprenderam o catecismo como papagaios, fizeram a primeira
comunlrão porque é de praxe; todos a fazem, a festa é solene, os
trajes bonitos c gostosos os doces. Ao depois, abandonaram a reli­
gião com a mesma naturalidade com que alrandonaram os jogos
— 55 —

infantis'' (4 ). Não sc conhecem as letras sagradas ; assiste-se a


missa sent participação efetiva do ato litúrgico. Somos religiosos,
como somos emotivos, como somos generosos. Falta-nos a convicção,
o corte vertical da crença alicerçada, buscada no conhecimento, na
meditação, na vida interior. Falta-nos a atitude intima c profunda.
Certas páginas de unção religiosa são de inconfundivel expressão
sensual. Fácilmente nos deixamos arrastar por exaltações místicas,
eivadas de vícios e deformações, que antes conirafazem a fé do que
a levantam c constróem. Assim tem sido até nossos dias, e talvez
só agora comece a deixar de ser assim. Meno» sensibilidade e mais
caráter ; maior aproximação ã verdade e menor adesão à fantasia.

R U I S E N T IU A ESTAGNAÇÃO DA F É R E LIG IO SA DO PO VO
E A A T R IB U IU AO CE TIC ISM O DA R E LIG IÃ O
IM P E R IA L E AO ULTRAM ONTANISIM O

O nome de Deus, sua habitual invocação, o louvá-lo, o agradcccr-


lhc, o recomendá-lo, o pcdir-Uie, o trazê-lo a testemunho são do uso
comum dos homens. Diz-se de ateus que tal se dizem, graças a
Deus. Deus pode ser uma figura de expressão, tim hábito de frase,
um recurso de insinuação, um modo de agradar. Em outros homens ;
em outros tempos ; não cm Rui, nem no seu tempo, entre vultos
de sua altura. Não em Rui, por seu amor à verdade, por seu horror
â falsidade, às atitudes insinceras, à cortesanice e à simulação. Não
em quem a palavra sempre sincera nunca serviu para esconder ou
fraudar o pensamento.
Nessa formosa “ Oração aos Moços” — bacharelandos de 1921 da
Faculdade de Direito dc São Paulo — que, como recomendou o
sábio professor Sousa da Silveira, “ pode servir de mostrar o exemplo
de uma aguda e privilegiada inteligência que, algum tempo transviada
de Deus, a êle volta com amor c submissão”, na “ Oração aos Moços"
contei, cm pesquisa superficial, cerca de trinta vezes o nome de Deus
ou expressões que lhe lembram a presença no espírito e no coração do
paraninfo.
Não é a meninos, de colégio de padres, man a bacharéis da
santíssima ciência do Direito, que o Mestre lhes fala :
“ Onde para o cérebro de ver, outorgou o Senhor ao coração
que ainda veja ; c não se sabe até onde”.

(4) .4 Crise da F t — in Fosrr de Petrdfolir — n. de julho-agôsto —


1949, pãg. .388.
“ Vosso coração ainda estará incontaminado, e assim Deus o
preserve”.
“ Descrer da cegueira humana, sim ; mas da Providência, fatal
nas suas soluções, bem que (ao parecer) tarda nos seus passos, isso
nunca”.
“ Vêde Jesus despejando os vendilhões do templo, ou Jesus
provando a esponja amarga no Gólgota. Não são o mesmo Cristo,
êsse ensanguentado Jesus do Calvário e nqucloutro. o Jesus iroso, o
Jesus armado, o Jesus do látcgo inexorável ? Não serão um só
Jesus, o que morre pelos bons, e o que açoita os maus ?".
“ Deus me é testemunha de que tudo tenho perdoado. E quando
lhe digo, na oração dominical: “ Perdoai-nos, Senhor, as nossas
dividas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”, julgo
não lhe estar mentindo".
“ Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação
moral do homem. A oração é o intimo sublimar-sc d'alnia pelo
contacto com Deus".
“ O individuo que trabalha, acerca-se continuamente do autor de
tódas as coisas, tomando na sna obra uma parte, de que depende
também a déle. O Criador começa, e a criatura araba a criação de
si própria”.
“ Ouem quer, pois, que trabalhe, está cm oração ao Senhor".
“ Deus, pátria e trabalho. Metei no regaço essas três fés, êsses
três amores, êsses três signos santos. E segui com o coração puro".
“ Não há just'ça, onde não haja Deus”.
“ Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus.
11a verdade e no bem".
Ai ficam separadas algumas gemas dêsses opulento eserimo
precioso.
Rui não renegou jamais a fé que lhe transmitira o lar ; foi
sempre fiel a seus sentimentos cristãos ; não pagou tributo ao
agnosticismo tão frequente entre os intelectuais de sua geração ; não
entrou na órbita do positivismo, que tanto empolgou a inteligência
brasileira nos tempos qircunvizinhos da implantação da República, e
que êle conceituava um método elevado à altura de uma filosofia. a
reivindicar, em honra de uma escola recente, cânones de investigação
cientifica muito mais antigos do que ela (S ). Nega-lhe mais:
poder-se elevar á altura de generalização filosófica e muito menos à

(5) Cartax de fuglalcrre — Obras Completas. pág. 60.


autoridade de doutrina obr.gativa, vacilante " a religião da huma­
nidade” sõbre as suas próprias bases ( 6 ) .
Ouçamos-lhe a profissão de fé :
"Filho de um século devorado pela curiosidade suprema do infi­
nito. duv.idei, neguei, blasfemei, talvez como êle. Mas esses momentos
passaram sempre como rápidas tempestades na minha consc.êtlcia :
quando elas se afugentavam, o horizonte do mistério eterno me reapa­
recia como eu o vira no coração de meus pais. Não me acolhí entre
as filosofias, que fazem da ciência a grande negação. Percorrí as
filosofias ; mas nenhuma me saciou : não encontrei repouso t.m
nenhuma. Pus a cencía acima de tõdas as coisas; mas não afirmei
jamais que a ciência não possa abranger as coisas divinas. Nunca
encarei a ciência como a sistematizaçáo do antagorvsmo com o espi­
rito. Êsse incognoscivel, que não cabe nos laboratórios, não acreditei
jamais que se distancie por incompatibilidades invencíveis, única­
mente porque esta não sabe os meios de verificá-lo. Vejo a ciência
que afirma Deus ; vejo a ciência que prescinde de Deus ; vejo a
ciénca que proscreve Deus ; e, entre o esplritualismo, q agnosti­
cismo, o materialismo, muitas vezes se me levanta da razão esta
pergunta : Onde está a ciência ? A mesma névoa, que a principio
se adensara sõbre as inquietações do crente, acaba por envolver o
orgulho do sábio. A mesma dúvida, que nos arrastara das tribu-
lações da fé ao exclusivismo cientifico, pode reconduzir-nos do radi­
calismo cientifico à placidez da fé (7 ).
Esta fé encontrara esteio na forte estrutura moral, no "espírito
severo de seu pai”. Sente-se, no filho, o orgulho a derivar de sua
admiração ã inteligência, ao caráter, ã dignidade, ãs convicções
paternas.
Cristão, sem nenhuma dúvida, católico-liberal, ou católico-maço-
nizado. como era possível ser no tumulto religioso do tempo, não
morria de amores pela ortodoxia da Igreja Romana c entra de
agredi-la, revidando a acusação de intuitos menos nobres na puhli-
cação póstuma da tradução, por seu pai, da obra de Laboulaye — “ A
Imaculada Conceição":
"Sei que na hora extrema, requereu c recebeu meu Pai os sacra­
mentos da Igreja ; que morreu edificantemente com a placidez, a
fortaleza e a esperança de um cr.stãp. Mas não sei. não posso
concluir, não admito, contesto que éste fervor religioso importasse

(6> Cartas de Inglaterra, pás- 64.


(7) As .Minhas Camvrsões — in Cartas de Inglaterra.
f
— 58 —

unia conversão, uni repúdio de crenças que lhe tinham raizes na


alma.
Em conta de católico teve-se meu Pai, sempre Divinos reputava
os sacramentos, e à sua familia os aconselhava. Professava todos os
artigos do antigo credo católico. Mas quanto aos dogmas procla­
mados neste século, quanto ao dogma de 1854 e o dogma de 1870,
êsses a consciência rejeitava-lhe inflexivelmente. Logo, de que no
momento supremo reclamasse o conforto sacramental em cuja legiti­
midade acreditou sempre, ninguém neste mundo tem o direito de
depreender que tivesse tácitamente abraçado crenças que até então
sempre rejeitou.
De um derradeiro ato de adesão com que alguém demonstre, ao
deixar a viela, persistência em convicções que no decurso da vida
inteira professou, coligir-se a presunção de uma renúncia .implícita a
idéias que. durante a existência tôda, não cessou de reprovar nunca,
é uma espécie de raciocínio de que Deus deixou aos mentecaptos o
monopólio” (8 ).
Sente-se a fereza do revide, na defesa à agressão sofrida.
Sente-se, no ímpeto de seus 26 anos, a afirmação excessiva de que o
pai, recebendo de motu-proprio os sacramentos da Igreja, não se
acolhesse, de todo, ao seu seio, como sc a alguém fôra dado, no silêncio
dos lábios, em hora assim extrema, devassar os últimos segredos,
os arcanos derradeiros de uma alma crente e piedosa.
E a par do panfletário, que afirma conhecer a ponta ‘'desse esti­
lete, que fere em nome do Evangelho", “ desse sistema jesuítico",
“dessa praxe de devassar câmaras de moribundos para extorquir á
fraqueza abjuraçfies inconscientes, ou transfigurar em conversões
imaginárias atos comuns de piedade cristã”, estão nessa página, confi­
guradas nas linhas das convicções religiosas do pai, as que eram as
sttás próprias :
“ O catolicismo de meu Pai era o velho catolicismo de .Doellinger.
Nas criações dogmáticas do pontificado atual via éle uma degenc-
rescência, armas de política temporal, — como poderão averiguar os
que lerem o prefácio da tradução. Execrava o ultramontanismo como
a um inimigo público. O Syllabus era a seus olhos a Carta de uma
teocracia abominável. Cria nessas idéias mais que com certeza :
com profundíssima paixão. Não havia questões em que o seu coração
tmnsbordasse tanto” (9 ).

(8 ) Luiz Viana Filho, R u y & Xubirco, 1949. pãgs. 112 c 113.


(9 ) Ob. cit.. pág. 113.
— 59 —

A respeito depõe o S r. Luís Viana Filho, em sua recente obra


R ui & Nabuco, tão digna de atenta leitura :
"E* que, àquele tempo, havia católicos e católicos. Uns liberais,
contrários aos novos dogmas, outros ultramontanos, fiéis à palavra
de Roma, mas uns e outros a se terem como católicos do melhor
quilate. Os primeiros seriam os adeptos do "velho catolicismo de
Doellinger", como dizia o próprio Rui. Católicos submissos aos
mandamentos das Escrituras, arraigados aos sacramentos, mas incon­
formados diante dos dogmas novos. Entre êles estava João Barbosa.
Na trincheira onde se ombreavam niacons, livres pensadores e cató­
licos liberais, teria êln o seu lugar, fisse o põsto que, morto João
Barbosa. Rui viría ocupar com o desassontbro de sempre, sem
medir perigos ou consequências.
E ' essa posição espiritual que explica, talvez com surpresa para a
atual geração, dominada pela ortodoxia, pudessem aqueles inquietos
anti-ultramontanos conciliar os seus sentimentos religiosos, cristãos, e
mais do que isso sinceramente católicos, c>m atitudes de franca
insubmissão contra a Igreja. O próprio Rui, mesmo na fase em que.
esteve mais apaixonado na luta contra Roma, jamais deixa de
assinalar a sua crença no catolicismo, que apenas desejava liberal em
vez de reacionário. Assim foram inúmeros, no Brasil. E graças a
isso, com o correr dos anos, acabaram esperando a porta pela qual,
com Leão X III, não custaram a voltar tranquilos e satisfeitos para o
aprisco”. (Págs. 115 e 116).
A geração intelectual de Rui formou-se sob os influxos do racio­
nalismo francês, do filosofismo e do cientificismo inaugurados pela
grande Revolução ; nele, porém, preponderariam as diretrizes do
liberalismo inglês, as lições institucionais americanas, estas como
ramos daquele — a grande árvore da liberdade no mundo moderno —
para quase repetir expressão de uma de suas "Cartas de Inglaterra".
Dai a sua diutum a dedicação aos princípios da liberdade, da
justiça c do direito, sem concessões à demagogia, á indisciplina e à
desordem, dentro do espirito de inalterável fidelidade às suas convic­
ções, ainda que a preço dos maiores sacrificios.
As inteligências pujantes, os gênios, são expressões singulares
no conspecto da massa comum dos homens, ainda que não os da massa
amorfa das multidões. Mas não o são integralmente ; não fogem,
não podent fugir, inteiramente, à j>ermeabilizaç5o das influencias do
meio em que nasceram, em que lançaram suas raizes poderosas, a
sorver subterráneamente a seiva com que prosperam e se agigantam.
Não há espirito robusto que possa totalmente evadir-se às influências
de seu tempo, quando não para recebê-las, pelo menos para oferecer-
— 60 —

Hies resistência c reação. Assim, o ceticismo de Machado de Assis :


êsse enquadrar, sem opinião, sem julgamento e censura, a comédia
da burguesia ; essa fria análise de almas ; essa complacência ;
essa tolerancia ; êsse ver sem falar ; êsse sentir sem comover-se —
que outra coisa liá-dc ser, nessa alma sem poesia, senão o como reagiu
seu alto engenho às influências de uma sociedade criada cm monio e
enfermiço ambiente de moleza, sensual dade e monotonia ? Esse
ceticismo, êsse humor elegante c, em Machado de Assis, a sua própria
expressão interior, de seu pobre inundo, frio c vazio, sem luz de fé.
que não lhe transmitiram os pais, que não lhes dera a sociedade, c a
que <> não arrastara nenhuma indagação filosófica. Fora de sua obra
dc ficção, nélc haviam de crescer apenas as flores de seus mauros e
recatados sentimentos.
Não é este o caso de Rui Barbosa ; a fé viera-lhe do berço :
alimentara-o o sentimento materno ; dera-lhe fórça a notória : nfiu-
cncia do pai. Ao contrário do romancista, que a viu brasa a apagar­
se, teve-a Rui como luz indecisa, primeiro ; flama soprada do vem.
depo s, c finalmente facho radioso, a ilummar, em ambiente tranquilo,
a sua longa vida dc liúador do direito, da liberdade e da justiça.
Em Roma, l ’io IX sofria o drama do papado, que perdia, em
luta desesperada, o seu poder temporal. O papa liberal de 1846,
de imensa popularidade, via-se a braços com a guerra da indepen­
dência .italiana, e mais do que um patriota italiano iiêlc estava o
pontífice a lutar pela glória e poder da Santa Sc. O “ Syllabus”,
publicado cm 1846. levantou enorme celeuma entre católicos liberais,
maçons, livres-pensadores, entre quantos viam nele uma poderosa
afirmação do ultramontanismo, isto é, da defesa do absolutismo papal.
O s dogmas da Imaculada Conceição, de 8 de dezembro de 1854, 10
anos antes, portanto, da encíclica do "Syllabus” c o da infalibil dade
dogmática do papa, de julho de 1870. acirraram o ódio contra a
Igreja,
Rui traduziria O Papa c o Concilio, panfleto escrito às vésperas
da abertura do concilio ecumênico, com o propósito de influir cm
suas decisões, e lhe escrevería a famosa e tremenda introdução, na
linguagem violentíssima do mais exacerbado panfletário.
Mais tarde, cm 1893. numa conferência pronunciada cm benéfic o
das órfãs de um asilo religioso, na Bahia, amortecidos os sentimentos
de sua hostilidade à Igreja Romana, entendería Rui de dar as razões
de haver escrito O Papa e o Concilio :
“ A nomeada fatal, que me pôs. fora de tôdas as religiões como
detestador universal delas, promana exatamente de um livro meu,
onde os que o percorrerem encontrarão a apologia mais convencida,
mais apaixonada, mais completa do papel essencial das religiões, da
— 61 —

soberana importância do sentimento religioso sobre todos os seuti-


mcntos humanos. Os trabalhos do Concilio do Vaticano, a dogmati­
z a d o da iníalibilidade pontificia, a discrim inado entre o catolicismo
evangélico c o ultramontanismo convertiam a sábia Alentante em
vasto campo de batalha, dividiam a grande pátria da ciência, neste
século, em dois exércitos combatentes. Dessas lutas, porém, nem o eco
mais apagado repercutia no cristianismo brasileiro. Essa pugna gigan­
tesca pelos interesses espirituais da íé, a que a religião do Estado, en­
tre nós, entregara oficialmente o pais, abalava o mundo inteiro, e vinha
m orrer nas fronteiras do Brasil, como os rumores longínquos da vida
á beira de uma região érma, devastada c muda. A gelidez désse indi­
ferentismo quase alvar, desgraçada emanação da atmosfera de incre­
dulidade beata, em que nos imergia o ceticismo imperial, impressio­
nou-me como o aspecto de uma necrópole. Um povo cuja fé se petri­
ficou, é um povo cuja liberdade se perdeu. Minhas convicções mais
sensíveis vibraram, revoltas: acreditei que era preciso ferir essa super­
ficie glacial com um jôrro de água em ebulição; e. traduzindo O Papa
c o Concilio, escrevi-lhe essa introdução inflamada, impetuosa, bor-
bulhante. de onde a defesa das igrejas livres no Estado livre se levanta
como homenagem “ ao sentimento que paira acima do egoísmo. do
amor e da pátria ; ao sent'mento que se bebe dos afagos matemos,
da gratidão instintiva e indefinida às mercês de um benfeitor adivinhado
nas suas obras, das provações da nossa miséria diante do nosso dever ;
ao sentimento, que, no coração, se entretece a tõdas as emoções gene­
rosas, que, no espirito, nos representa o sinal da divindade cm nós,
que, na consciência, influi ou julga as nossas resoluções com a
perspectiva, as esperanças c a justiça de uma eternidade misteriosa ;
que, na família, preside às alegria se ao luto; que, nas resistências
providenciais da lilterdade contra a fõrça. da opinião contra a tirania,
das minorias inteligentes contra as maiorias retrógradas, é o supremo
apêlo, o grito extremo dos oprimidos, ao sentimento mais universal,
menos morredoiro, mais indomável, mais heróico do individuo e do
povo : — ao sentimento religioso” (1 0 ).
O certo, jiorém, é que é obra que êle renegou, como todos
sabemos :
"S erá talvez bom repetir, — dedara-o Batista Pereira — para
acabar com as explorações, que Rui abjurou 0 Papa e o Concilio,
obra da mocidade, desarticulada do núcleo da sua produção constru­
tora, Como católico viveu, como católico procedeu, como católico
morreu. No seu glorioso declínio, no radioso crepúsculo de uma

(10) J r Minhas Conversões — in Carlas de Inglaterra, págs. 297 e 298.


— 62

existência, cujas últimas horas tiveram clarões desconhecidos à sua


alvorada, integro de tõdas as faculdades, escrevendo e pensando como
nunca dantes escrevera e pensara, a fé recebida dos pais lhe revivesceu
num rosai de sentimentos, a que o fim próximo dava toques de uma
quase santidade.
A calúnia, porém, c tão impenitente como o interesse. O Papa
e o Concilio ainda há-de ser citado muitas vézcs, como prova do
ateismo de Rui. Mas ai fica um documento que se pode ignorar mas
não destruir — o do meu testemunho (1 1 ).
Não é demais este testemunho, mas o próprio Rui o declarara na
introdução de Queda do Império, editado cm 1921 — e a que me
referi logo no inicio desta palestra.
O Papa o o Concilio, talvez todos o saibam, não foi obra que
nascesse da pura vontade de Rui. Foi obra de encomenda de
Saldania Marinho, que lhe prometem a aquisição de grande parte
da edição para a propaganda da liberdade religiosa (1 2 ).
Seria, entretanto, ultraje a sua gloriosa memória, que com
tamanho respeito a nação está a invocar nesses dias de enternecida
reverencia a um de seus numes tutelares, seria macular-lhe o nome
glorioso, tirar-lhe a responsabilidade da introdução à obra com que
acudiam à luta contra o papado, contra a Igreja Romana.
Rui aceitou a encomenda maçónica porque ela condizia com as
suas convicções de então. Seria, do contrário, admitir-se a prosti­
tuição de sua pena, injúria igual a negar-lhe a nobreza de seu inexce-
divel apostolado em prol de nossa pátria, de seus foros de civilização,
de sua formação democrática, de seu respçito à liberdade, de sua fé
no direito, de sua ascensão cultural.
H á atitudes antecedentes que justifiquem essa ; atitudes de moci­
dade, conseqiientes do meio ou herdeiras das convicções patentas —
não importa. Êle mesmo as põe em cotejo e oposição às que assumiría
depois, reivindicando o dir.-ito de mudar “ do mal para o bem, do bem
para o melhor".
O discurso do Colégio Anchieta, de Friburgo, é página do evan­
gelho espiritual c cívico de Rui Barbosa ; daquele salão, em soleni­
dade escolar, êle fala à consciência do país, como se lhe lesse o
próprio testamento.
Déle, de seu esplendor, de quanto ensina, doutrina c convence,
de sua “ mão de semeador, semeando algumas sementes do Item no

(11) Batista Pereira, Diretrizes de Rui Barbosa, pág. 165.


(12) A leitura <lc Rui & Idabueo, de Luiz Viana Filho, deixa claro não
ser exata essa versão, a despeito do que se atribui ao próprio Rui, quanto à
suposta encomenda, e ao que declara Batista Pereira.
— 63 —

lorrão virgem do sc'O que se lhe abria" — como disse aos estu­
dantes — encerram as antologias não poucos lugares magníficos,
como o de definição de pátria ; aquele sobre a mocidade vaidosa ;
a obediência ; o trabalho ; a crença ; o ideal republicano ; a religio­
sidade norte-americana; a assistência religiosa aos estabelecimentos
militares; sôbre a nossa Constituição de 1891 :
“ Um a Constituição é, por assim direr, a miniatura política da
fisionomia de uma nacionalidade. Quando não seja, pois, um falso
testemunho solenemente levantado ao povo a que se destina, tem de
lhe esboçar em grandes traços, o sentimento geral. Seria êlc posi­
tivista, ateista, indiferentista, no Brasil, quando tombou, em 1889. a
monarquia, e se erigiu a República em 189! ? Ou feria a Constituição
de 24 de fevereiro rompido abertamente, em matéria espiritual, com
a indole brasileira, impondo-lhe mn pacto Constitucional, que a
oprima ?
H á, por ai. uma feição peculiar de radicais, emanação da França
Voltairians. da França revolucionária, da França jacobina, da França
contista, que imaginou engendrar a teoria da nossa Constituição à luz
das tendências francesas, das preocupações francesas, das reações
franceros, das idiosincrasias francesas. Mas, Senhores, a Consti­
tuição federalista do Brasil não tem a mais remota descendência às
margens do Sena. Sua embriogenia é exclusiva e notoriamente
americana. Ora, os americanos, por este lado, não devem nada à
influência francesa. Em 1789, quando a França abriu a era tormen­
tosa das suas revoluções, dois anos havia que os Estados Unidos
fruiam pacificamente a sua Constituição atual. A célebre "Decla­
ração de Direitos do Homem" é de 1791. A Declaração americana
é de 1776. De 1791 foi a primeira Constituição francesa. A pri­
meira americana foi de 1787. De modo que os Estados Unidos prece­
deram anos e anos a França no regime das Constituições escritas e
na declaração das liberdades humanas. A Constituição francesa
tinha a sua ascendência na filosofia do século X V III e no "Contrato
Social" dé Rousseau, com algumas indigestas reminiscencias ingle­
sas, hauridas em Montesquieu. A americana, com uma estirpe de seis
séculos no Tâmisa, venerava a sua primeira avnengn na Magna Carta,
as últimas nas cartas coloniais e nas Constituições das colônias eman­
cipadas, tudo genuina e direta progenie dessa liberdade inglesa, que
nunca se separou da Biblia e da Cruz”.
Dois assuntos da maior relevância muito preocuparam o espírito
liberal de Rui Barbosa : o da educação religiosa no âmbito do
ensino público primário e o da assistência espiritual às classes
militares.
— 64 —

Sempre sustentou a campanlia da liberdade religiosa, chegando a


advogar “ contra a perseguição do regalismo imperial a causa do
episcopado brasileiro", ferido nos vultos de dois eminentes prelados
— Dom Vital e Dom Antônio de Macedo Costa. “ Sob minha
influência, ou com a minha sanção, não é que se autorizaria a
expressão anticatólica ou ateia, que certas manifestações de incredu­
lidade entre nós têm querido imprimir à solução brasileira do
problema religioso. Se esta solução não amordaça o ate.ismo, nem
por Tsto lhe confere o privilégio de tingir de sua cõr a imparcialidade
cristã das nossas instituições. Deus não recusa liberdade aos próprios
negadorea Mas. por isso mesmo, no fundo mais inviolável de toda
a liberdade está Deus, a sua garantia suprema.
Foi esta a liberdade religiosa que nós escrevemos na Constituição
Brasdeira. Esta exclui do programa escolar o ensino da relgião.
Mas não consente que o ensino escolar, os livros escolares, professem
a irreligião e a incredulidade, nem obsta, quando exigidos pelos pais,
ao ensino religioso pelos ministros da religião, fora das horas esco­
lares no próprio edificio da escola”.
São ainda suas estas palavras de segura orientação em matéria
tão delicada, qual a da assistência religiosa a militares :
“ Banir do quadro militar, em nome da liberdade, o elemento
religioso, é estabelecer, debaixo dêsse nome, a mais odiosa das ser­
vidões, e pagar com a ingratidão suprema os serviços do marinheiro
e do soldado. Os americanos abominariam essa falsa igualdade ;
porque homens realmente livres não se pagam de fórmulas mentidas,
e acima de tudo execram a opressão que se abrigue sob hipocrisias
de especioso liberalismo. Não quiseram, pois, animalizar o homem
de guerra. Viram, claramente viram, que a multidão armada, sem
o freio do respeito cristão, é como as feras domadas, que acabam
fatalmente por devorar os domadores.
Estudem o desenvolvimento da criminalidade militar entre nós.
c hão de verificar, tenho por certo, que a delinquência adquiriu, nessa
esfera, expansão notável e crescente, desde que se varreu dos quartéis
a influência civilizadora do culto. Os nossos exércitos de mar e
terra constituem, hoje, a éste respeito, pela mais errada inteligência
das nossas liberdades constitucionais, uma exceção absurda entre os
povos civilizados. Das coisas sérias, em nossa terra, por via de
regra, não se cogita. Mas o soldado brasileiro há-de sentir um dia
que o estão desnaturando, e tomará nas próprias mãos, pacifica, mas
resolutamente, a causa da sua reconciliação religiosa. Ou então, ai
de nós ! quandp o ateismo de fuzil e baioneta se inflamar nas explo­
sões da crueldade.
— 65 —

Nos Estados Unidos não se conhece êsse risco ; porque o seu


senso politico, incapaz de tais eclipses, sempre lhes mostrou que a
disciplina da terra não se mantém sera a disciplina do céu. e o seu
senso liberal os convenceu de que brutalizar o uniforme no abandono
da religião era conferir à incredulidade os privilégios recusados ao
culto.
Ai está porque o constitucionalismo americano repele essa unifor­
midade atéia, cuja superstição professa a república no Brasil, e que
não estava de certo nos intuitos dos seus fundadores. Desde 1876
que eu escrevia e pregava contra o consórcio da Igreja com o Estado ;
mas nunca o fiz em nome da irreligião : sempre, em nome da liber­
dade. Ora, liberdade e religião são sócias, não inimigas. Não há
religião sem liberdade. Não há liberdade sem religião" (13).
Deixemos de lado outras referências à expressão do pensamento
religioso de Rui Barbosa — obra de mocidade e obra da idade
provecta. J á vai longa esta palestra, para que possamos abrir, entre
outras, as páginas substanciais de zís Bases da F í, alto e nobre exame
do “ belo, forte e grande livro" de Balfour, “ a maior sensação do
tempo, no mundo literário c no mundo politico”.
Sinto não haver mostrado com mais clarezi o que nos vem ao
coração e ao espirito, de tantas páginas, em que, escalpelo ou lenitivo,
ltênção ou anatema, cicio de brisa de fim de tarde, clamor de borrasca
em noite tormentosa, prece de mãos postas, ensinamento e conselho
— seu verbo domina a nossa inteligência, penetra era nosso coração
e nos deixa enlevados, absortos e seduzidos, como se fôramos
crentes sob as linhas ogivais de esplêndida catedral gótica, a ouvir, à
sombra do dia que morre, as vozes de um órgão tocado por mãos
divinas. E para que eu possa merecer a vossa indulgência, ao fim de
minhas toscas palavras, são as de Rui que aqui se reproduzem, as
que pronunciou na missa campal das festas do seu jubileu cívico :
“ Mas, quando se começam a escutar as vozes interiores. Deus
está presente. Vossa fé o evocou, erguendo êste altar, chamando êstes
sacerdotes, elevando, sob o azul desta abóbada infinita, ao sol
quase do pino do meio-dia. entre as turbas prostradas em adoração,
a hóstia consagrada. Que homem se atrevería mais a falar em si
mesmo diante dette espetáculo divino ? A pedra da ara ainda estre­
mece ao milagre da transubstanciação visível aos crentes. O sus­
surro das preces ainda se vai exalando lentamente na atmosiera. Os
corações ainda estão de joelhos. A mesa do sacrifício incruento
ainda está posta. O Pai de todos nós, que, pouco há, baixava no

(13) D o Discurso do Colégio A nchieta


— 66 —

meio de seus filhos, ainda se não ausentou dentre êles. A impressão


da sua visita ainda palpita no ambiente. A sua imagem cresce nos
raios solares, enchendo o espaço, o mundo, o infinito. Nenhuma
grandeza criada lhe pode tomar a claridade. Não hã lugar a pane­
gíricos humanos. Onde file se mostrou, onde surgiu, onde se per­
cebe, não existe mais nada senão Ele, Ele o que só é grande, Ele
o que só é sábio, Ele o que só c justo, Ele o que só é bom. Ele o que
só é belo, Ele o que só c forte. Ele o que só é glorioso.
Toda a minha vida não vale nada em comparação deste ótico
momento, onde se me depara a bem-aventuarança de vos pod-.r trazer,
como sintese extrema de quase catorze lustros de experiência dos
homens e das coisas, êste inabalável testemunho de que só nêle
reside a nascente de tóda á glória c de tóda a fórça, de todo □ bem
e de tóda a beleza, de tóda a verdade e de toda a ciência ; de tóda
a justiça e de tóda a grandeza.
Nunca, nunca essa evidência recrescett tanto ã vista das suas
criaturas, como nestes dias de inaudito negrume. quando a huma­
nidade. crucificada ¡-elo moderno paganismo, experimenta o martírio
de Jesus no lenho das tributações cm que o sangue e o suor de
agonia do redentor se nvsluram com o suor e o sangue de seus filhos
dilacerados. E ' outra criação, que emerge do caos, a criação de uma
humanidade nova, uma humanidade que terá bebido verdadeiramente
o cálice da amargura. |>ara chegar, afinal, realmente, ao cristianismo,
reconciliada, por fim com êle lima civilização, que dêle se divorciara,
pondo na soberba e no ódio, na violencia e na guerra a flor da sua
ciência e das suas artes, da sua organização e do seu ensino, da sua
riqueza e dos seus inventos, das suas maravilhas e dos seus
progressos”.
” Pai nosso que estais no céu, rei dos reis, mestre dos mestres,
juiz dos juizes, santo dos santos, suma essência de tóda a perfeição e
divindade".
RUI E A MARINHA NACIONAL
P E L O C A PIT Â O D E MAR E G U E R R A C A RLO S DA
S IL V E IR A C A R N E IR O

Levantar-se neste recinto voz <ic Marinha, no curso cm home­


nagem a Rui Barbosa, é dádiva fidalga do ilustre embaixador José
Carlos de Macedo Soares, incansável nas atitudes de extremada
cortezia |>ara com a gente naval, apenas não tão feliz no intérprete
de hoje, como tem sido em tantas outras manifestações de suas ativi­
dades em prol da grandeza de nossa terra.
Guardo para mim, como honra sobremodo elevada, a missão que
me foi conferida, mais do patrimônio da classe de Tamandaré e
Saldanha do que pròpriamente do obscuro associado desta secular
instituição de cultura histórica, de guarda vigilante da verdade dos
fatos, de honra ãs lídimas glórias da nacionalidade, con» a deste
extraordinário Rui Barbosa, cujo centenário do nascimento empolga
as populações dos mais recônditos sertões da República c sc trans­
borda para bem fora das fronteiras metropolitanas.
Tanto no triunfante Curso Joaquim Nabuco. como na série já
realizada do afamado baiano, fizeram-se ouvir e cumularem de alegrias
espirituais as assistências admiradoras do que é belo, incomparável,
perfeito, como as luminárias despontadas cm extensa porção da vida
pública brasileira pela passagem desses dois astros peregrinos, bri­
lhantes acadêmicos, juristas, parlamentares, economistas, todos inte­
lectuais de primeira plana no domínio das ciências c das letras, e
vaidoso justamente dessas vitórias deverá se encontrar o veterano
instituto de Pedro II, Paranaguá. Rio Branco, Afonso Celso, Max
Fleinss. Ramiz Galvão e tantos outros ; sob o mesmo teto, neste
salão onde se impõe a austeridade do imperador democrata e do
amigo irrestrito, tentará um militar enaltecer o jurisconsulto civilista,
amigo das classes armadas, o realizador perfeitíssimo da alegoria do
condoreiro que unia o livro e o sabre no mesmo amplexo de confor­
tadora irmandade.
Sim, se fot Rui o constante c aguerrido pelejador dos direitos de
militares, se nunca desmentiu a lealdade das atitudes de porfiado
— 68 —

lutador pela lilierdade, dignidade e prestigio dos elementos do Exér­


cito c da Armada, ninguém, ao mesmo tempo, exibia menor tendência
para as práticas mavórticas ; ele mesmo o confessa em várias ocasiões,
como na carta a La Prensa de dezembro de 93, advertindo que não
se admirem de que honras de general-de-brigada se encontrassem na
pessoa essencialmente civil de um homem cuja vida era por todos os
lados, " a negação mais radical da guerra” e na carta a Prudente de
Morais, de 15 de janeiro de 1898, agradecendo o decreto da véspera
que tomou sem efeito o de Floriano, revogando-lhe as honras de
general, afiançava que a medida de reação, que lhe feriu no exílio, se
se limitasse a retirar-lhe as honras militares, escreve : “ não teria
feito mais que me livrar de um constrangimento muito incómodo,
qual me foi sempre o sentimento importuno da impropriedade de
tuna distinção para que nenhum titulo me habilitava, e com que era
incompatível a indole de tõda a minha vida, sem afinidade nenhuma
com o brilho e a glória das armas".
A incompatibilidade de indole não significava a de idéias nem
de apreço, ou como declarava na mesma carta ; “ nem da minha
admiração pela classe, a cujas tradições essa mercê ¡merecidamente
me pretendia assicar”.
Sem afinidade alguma para com o brilho e a glória das armas,
entretanto com entendimento tão perfeito da estrutura da vida mi­
litar, como dificilmente se encontraria em civil com a formação moral
e intelectual de sua estirpe; não distinguía Exército nem Armada,
mas o direito c a liberdade dos militares de que se fei aos poucos
transformando no advogado pleno de desassombro e de interpidez.
Desde bem cedo, segundo conta, de 1868, estudante em São
Paulo, tiveram inicio suas relações com ac forças armadas, saudando
em três noites consecutivas os batalhões que regressavam do teatro
da guerra no Paraguai, e só terminam em 1921 com a visita ao Clube
Militar, a convite do marechal Hermes, que se empossava na presi­
dência. e responde à saudação do orador escalado pela associação
para êsse fim .
Durante érse longo interregno de mais de meio século de vida
pública, muitas questões mantiveram cm contato Rui e oficiais das
classes armadas, mas tem-se a impressão de que com a Marinha
sempre foram maiores os entendimentos, por fórça de circunstâncias
ocasionais que haveríam de despertar no Apóstolo da Liberdade as
vibrações de uma alma que não admitia neutralidade entre o direito
e crime, como pontificou na impressionante conferência de Buenos
Aires, traçando o rumo a seguir pelas nações americanas e classi­
ficada pelo Jornal do Comércio sem favor, um dos mais altos e
maravilhosos trabalhos saidos do engenho humano".
— 69 —

Não admira que viesse em socorro dos necessitados da Marinha,


dessa invulgar dedicação ao direito e à justiça, quando vislumbrou
oportunidades de expandi-la na plenitude de sua pujança.
A luta pela federação, no ocaso do Império se faz com a pena
fulgurante de Rui no Diário de Notícias c trás seus primeiros con­
tatos com a M arinha; dia a dia, em vigorosa oposição, a artilharia
dirigida contra os baluartes do governo, do ministério Ouro Preto,
ia demolindo, pedra por pedra, os fundamentos da monarquia, verda­
deira suicida com a repulsa a idéias que não mais admitiam delongas
nas aspirações do povo nem com a mutação imperiosa na política
nacional, imposta pelo momento histórico.
Pretextos, não faltariam para os ataques a situação dominante.
N a Marinha a resposta de Ladário ao barão de Ivinheima, que pedira
demissão do cargo de inspetor do Arsenal por não ser amigo do
ministro, considerada indelicada, propicia o primeiro artigo com o
titulo "Começa” ; o aviso do ministro determinando que o então
capitão-de-Mar-e-Guerra Custódio José de Melo .indenizasse à
Fazenda da quantia de quatro contos e trezentos e muitos mil réis
que havia gasto retribuindo gentilezas no Chile, gesto mal recebido
pela opinião pública, chegando O Pais a abrir subscrição popular
para cobrir essa despesa do comandante do Almirante Barroso, conduz
ã continuidade de hostilidade de Rui contra o ministro e o faz com
a verve e o arrazoado que caracterizavam o estilo atraente e comba­
tivo. O artigo “ M ar Crespo" consigna exordio expressivo 1
“ Vai desastrado o nosso novo Netuno. Ao primeiro contato «o
seu tridente com a mereta, não a domina ; einbravece-a e revolta-a.
Ai começa a rugir nos ânimos, uma nova questão militar ; e
essa questão, que sopra do lado da Marinha, c obra daquele a quem
coube, no ministério O uro Preto, a província das ondas” e depois?
“ Um disciplinador não é um escala-favais ou um estoira-vergas".
Nota-se a segurança com que maneja os térnios náuticos, como
profissional dos tempos da marinha à vela, da franca patescaria, dos
trava-vagas e dos saía-rascadas. Observa o genio irritadiço do
ministro, de quem afirma, no comentário sobre o ministério, que não
sabia qual o motivo, pias era a individualidade menos bcnqukta na
sua classe. Como polemista de alto coturno, aproveita os aspectos
discutíveis do ato do ministro para defender o comandante, a
quem chama de bravo c de quem a marinha se ensoberbecía de possuir ;
aliás a censura resvalaria da honra e da farda dessa estréia da classe,
como o sentimento nacional, que se mostrava amesquinhado p d a
grosseria da administração contra uma nação vizinha que cumulava
de obséquios os brasileiros, com o coração hospitaleiro e generoso.
— 70 —

Era terrível ! O ministério começava a temer qualquer atitude


que pudesse despertar a pena arrazadora do redator-chefe do ¡Vidrio
de Noticias ; os sentimentos de nossa gente, sensível a demonstrações
de corteria para com a Pátria, se exaltavam com relação ao Chile,
desde aquela época, amizade como ainda há pouco registrava Austre-
gésilo de Athayde, que não é fruto de nenhum cálculo ou de deter­
minada política em que sejam considerados especiais interesses do
Brasil, mas um puro amor, tudo quanto é chileno adquirindo aos
olhos brasileiros uma significação particular, e Rui, combativo e
eloquente, aproveitava a oportunidade para fustigar, sem compaixão,
o que chamava a jatãncia de Ladário :
“ Se, para traduzir, pois, ainda que em térmos imperfeitissimos,
a nossa sensibil'dade a simpatias tão puras, tão remuncradoras, tão
gratas, o chefe preposto a essa expedição ratinhasse alguns contos
de réis, teria deixado naquelas paragens florescentes e benévolas,
uma impressão de miséria incivil, de usura sórdida, de bárbara
vileza” e mais causticante do que nunca.
"Apenas provável é que fiquem avisados os nossos vizinhos
para que de outra vez se abstenham de provocar os obséquios de
uma nação de tupinambos de casaca. Veja, o nobre ministrn, os
escólitos que está suscitando contra a sua nau”.
O Clube Naval e o Clube Militar se interessam vivamente pelo
desenrolar dos acontecimentos; sem idéia segura do rumo segundo o
qual, ao fim se encerraria a luta visível mentí travada entre a monar­
quia c a opinião pública, não havia dúvida quanto à proximidade
de graves perturbações envolvendo o destino dos Bragança'., ou
pelo menoí, do terceiro reinado. N a reunião do Clube Naval
debate-se o caso Custódio, éste ainda ignorante na travessia do Chile
para a Argentina, da tempestade que se desencandeia no Rio provo­
cada pelas despesas que efetuara, noticiando Rui a solcmdade que
se verificara no seio do Clube, não deixando "ilusão ao Governo
quanto a poder embair. com subterfúgios, a funda impressão que as
classes militares sentem e que se repercute em todo o povo brasileiro".
E faz blague : todo o governo está indeciso e ele só espera a
palavra oficial para saber se deve enviar a sua cota na subscrição,
na certeza de que o ministério não haja perdido a fala, ministério
que combaterá sem tréguas c no qual distingue apenas três membros
eminentes o próprio visconde de Ouro-Preto. Cândido de Oliveira e
Lourenço de Albuquerque, aos quais não escondera crédito de con­
fiança e de boa vontade, somente porque o caráter do Gabinete o
— 71 —

impedia ; insinua que o capitão-de-mar-e-guerra José da Costa


Azevedo, no comando da Niterói, em viagem de instrução á Europa
e aos Estado» Unidos, não prestara contas da verba de representação
que recebera. "Quem espalha ventos, colhe tempestades".
Apega-se na oposição a outros fatos, como a substitução do
Dr. Carneiro da Rocha no hospital dc bcribéricos, por êle iniciado
com inúmeros tropeços, contra os enredos que se enconcham nos
gabinetes dos nvnistros (sempre os gabinetes arrostam os tropeços),
e as conspirações que se tecem nas inimizades de secretaria. Compe­
tente. vigilante, severo e franco, não poderla durar sua administração,
diz Rui, pois essas próprias qualidades suscitar-lhe-iam inimigos
fgadais.
Os artigos passavam a ser quase diários tratando de ccvsas de
M arinha: apesar dessa oposição tenaz, muitos anos depois dos acon­
tecimentos, Rui vem a se referir publicamente a Ladário de forma
simpática, como se depreende do discurso, longo c como sempre
completo, incisivo, pertinaz, na defesa do regresso à atividade do
almirante Jaceguai historiando então a vida dèsse eminente oficial,
cm 7 de agosto de 1900 ; lembrando que o ministério Ouro Preto,
em 1889, envidara esforços para essa volta à atividade de Jaceguai, o
fêz por intermédio do ministro da Marinha, o liarão dc Ladário,
"cujo procedimento nessa ocasião tanto mais o honra quanto Sua
Excelência preteria a si próprio”, acrescenta ao aliarte de Pires
Ferreira : “ O Sr. Ladário sempre procede bem", a leitura da carta
dc 10 de junho a Jaceguai, déste ilustre oficial, o liarão de I-adário
"Queda do Império" não o poupava politicamente. como ao presidente
do Conselho. A respeito dêsse, como tratasse da prisão de três
guarda» marinha, porque não se conservaram descobertos e em pé no
Arsenal, quando entrou o visconde, e atacado pelo órgão do Governo,
repele enérgicamente, dc forma desabrida, a pecha de adulterador dos
fatos, como a atitude do jornalista deselegante para com seu confrade,
na qual revelava " a mão avezada à trolha. à sovela ou à vassoura” c
desabafa com frase como esta "para que Sua Excelência não creia
que poderá m andar cuspir impunemente à frontaria desta casa a
graxa lambida ás suas botas”.
Nova fonte de ataques ao ministro aparece, antes de findo o
tumultuoso mês de julho, com o insossego dos espíritos c o prenuncio
de fatos de maior gravidade, ante a transferência para Mato Grosso
do tenente Costa Lima, por ter feito um discurso pequeno, em nome
da comissão de eleitores do Distrito Federal, oferecendo uma candi­
datura ao redator do Diário dc Noticias ; desde logo o título do
artigo contra Ladário denuncia o combate como um toque de clarim :
“ Política de calabrote”. Pode-se discordar muitas vêzea de Rui
— 72

ante a veemência de suas paixões, mas a forma, ou da forma, não se


pode discordar nunca, resta apenas admirar.
“ A disciplina da atualidade liberal baniu da honra militar a
consciência, proscreveu do dever militar o patriotismo, degmdoti a
dignidade militar a uma espécie de domesticidade inaudita".
E ’ artigo virulento, expondo no sentir do homem ferido pelo ato
governamental na pessoa de admirador patriota, mas de voto decla­
rado contrário ao governo, a situação como via e expunha de uma
oficialidade apenas graduada no salário, no predicamento e nas
honras, mas impotente na autoridade cívica, cuja segurança estaria
no abaixar-se, a recompensa no aviltamento, o sucesso na prostituição
do caráter, o valor oficial na razão inversa do moral, até admitir
que nos modestos e humildes possam existir sentimentos viris e
desinteressados, ‘‘ao passo que os galões marcados pela subaltemidade
às candidaturas oficiais representam apenas uma impostura de
nobreza desonrada”.
Rui magoado, ferido nas homenagens de correligionários, dimi­
nuido na afeição de amigos, não prejudicado no conforto ou nas as­
pirações do momento, mas no desinteressado companheiro de idéias,
é um vulcão que vomita lavas de fogo, atacando, destruindo, sub­
vertendo, impondo ; suas apóstrofes são patéticas e impressionantes ;
quando parte o tenente, convocando os mares propicios para o cidadão
sem mancha e sem medo, como Camões, as suas Tágidcs, escreve o
nome do amigo que se vai e o faz tremular de longe entre as nossas
saudades, “ como um lenço branco nas amuras do navio, que foge no
horizonte, lembrando aos que ficam a fidelidade à Pátria, inspirando
aos que lutam a perseverança na honra, preservando os que sofrem
na aversão às vilanias poderosas”.
Não se está aprovando, mas anotando êsse sistema em uso;
liaveria margem para debate do assunto em um curso de moral
política aplicada à época em que os fatos se passaram ; a transfe­
rência de um primeiro-tenente para o então longinquo Mato Grosso,
onde as comissões eram consideradas como de castigo, desencadeava
terrível reação ; para tanto não se avaliava até que ponto podería
se manifestar êsse oficial, quando os ânimos tanto se exacerbavam e
a oposição ao govêmo assumia aspecto de tanta violência. O mar
sempre lhe trás imagens admiráveis :
“ Que ela irradie a luz da consciência a sua claridade azulada de
bonança no bico desta pena, como o santelmo do nauta amarrado,
relembrando aos companheiros da vitima ausente a imagem da pátria
desconhecida nas virtudes daquele que padece, por ter sabido honrá-
la". E altissonante — “ Tivéssemos nós um eleitorado inteiro, para
trocar por êsse voto, e não o trocariamos”.
— 73 —

As questões se multiplicam, envolvendo os militares e Rui, na


estacada coin a arm a em punho, a imprensa, mais poderosa que as
baionetas defensoras ainda da monarquia agonizante, escalpela com
a lâmina afiada nas mãos de fada, Agora é com o Exército.
O presidente do Conselho, e ministro da Fazenda, Ouro Preto
vai ao Tesouro, e prende o tenente Pedro Caroline, comandante da
guarda, dando ordem de passar o encargo a um subalterno, por ne­
gligência, ou antes, acusando-o de estar dormindo no serviço. O
episódio acaba empolgando a opinião pública, não estivesse Rui
firme no comentário. Dá relevo aos mínimos fatos tomando-os mo­
numentais; aumenta, engrandece, avulta, a oposição torna-se tre­
menda e êle se transforma no verdadeiro lider, nem sempre desapai­
xonado c razoável. Os artigos, na nova questão, são lições de direito
penal, de entendimento superior do conceito de disciplina, da
compreensão racional da subordinação militar, de doutrina na apre­
ciação dos gestos c dos regulamentos existentes. De inicio pontifica
com a maestria incomparável.
"A fórça está na serenidade do ânimo e no equilibrio dos senti­
mentos. As paixões vivas absorventes, dominadoras, cão fenômenos
sintomáticos da fraqueza”.
Aproveita, como sempre, os casos para exibição de cultura,
máximas e asserções, que se fossem adiantadas, ent trabalhos doutri­
nários, no seio de institutos ou mesmo na imprensa e em livros, mas
fora do calor c das paixões da política, exerceríam influência onimoda
na formação das nossa::, elites militares.
Para os superiores hierárquicos apenas, dentro dos domínios
da ídeira, se devem as obrigações regulamentares de obediência,
respeito, terreno das idéias, mas aproveitando-se mesmo fatos co-
mezinhos como atos monstruosos de um deferência : para com os
demais funcionários civis, por mais altos que sejam os seus cargos,
afirmava Rui com ênfase, “ não há lei alguma, não ltá preceito,
nao há uso nem abuso, quer no nosso quer em outro qualquer pais
do mundo, que obrigue o mib’tar a tais deveres”. E caustica :
“ Só conhecemos nesse sentido, um código cujos artigos o próprio
Sr. Presidente do Conselho demonstrou à exuberância, no incidente
de 14 do corrente, não terem fôrça obrigatória : o código da
civilidade”.
Dir-se-á que era demasiadamente irreverente com a autoridade
civil, o chefe do governo, fomentando a indisciplina, quando pretendia
defender justamente o oposto; notar-se-á que assim tem sido em
tódas as campanhas políticas; cabia ao governo aparar-lhe os golpes,
dc forma bastante compreensiva, até conseguir para seu lado a opinião
— 74 —

pública; se o jornalista, porém, enfileirava cada vez mais prosélitos


na campanha empreendida, impossível será negar-lhe as glórias do
triunfo.
Rui Barbosa impressionava pela convicção dos argumentos, a
lógica irresistível e a notável cultura. Para expor questões disciplinares
analisa variadíssimos regulamentos e códigos, como os do conde de
Lippc e de Napoleão, de 1678, de 1763, de 1855, de 1873, alvarás,
provisões, avisos e referências de autoridades criminais do paia e
do estrangeiro que vai citando e comentando. O s preceitos surgem
definidos, como normas e principios da ética miVtar : " . . . é primeira
condição, universalmente reconhecida, da disciplina e da ordem em
qualquer exército, a aplicação simples e reta da justiça" e isso vem
em apoio do alvará do século 18, de 1763 que ao aprovar o regimento
inicia as razões apontando a disciplina nvlitar como o sustentáculo
da paz pública e da tranquilidade dos povos.
Lembrando descrição do mecanismo militar, que classifica de
magistral, de um oficial italiano, na qual se expõe o sistema de
responsabilidade progressiva em principio de hierarquia, desde a
esfera de ação do chefe supremo até a do mais humilde graduado,
devendo-se verificar "a razão e a essência da lei entre o ibreito de
comandar e o dever de obedecer”, compreendendo-se dêsse modo
como um só homem pode dirigir a ação de milhares de outros homens.
Rui esclarece que essa descrição situa perfeitamente o perigo da
intromissão civil na ação do comando militar, c aínda “ a ofensa mais
grave, porém, mais séria, aquela a que o exército não pode sobre­
viver incólume e digno, é a invasão de atribuições exclusivas do
comando, atribuições que são o único sustentáculo da hierarquia
militar, atribuições sem as quais pode se ter um exército de faciosos
mas nunca de soldados".
No momento fala do exército, de seus deveres e prerrogativas,
mas naturalmente está pensando na Marinha, em geral dos militares.
Aduz comentários avidamertte seguidos pelo exército, o jornal conse­
guindo larga circulação ; faz ver, por exemplo, que se as leis mili­
tares são severas, mesmo para as faltas mais leves, existem em contra­
posição certas prerrogativas que corrigirão por sua vez os erros, os
enganos, as demasias dos agentes da autoridade militar, impondo
regime de confiança para que o despeito e a descrença não surjam
acarretando indiferença, relaxamento e indisciplina.
Naturalmente que de vez em quando faz ironia : “ Muito gosta­
ríamos saber que grau ocupa o S r. Ministro da Fazenda na escala
hierárquica”.
Esse episódio distava menos de dois meses da república e a
campanlia prosseguiría com violência progressiva. De fato nunca
— 75 —

esmoreceu, desde o rompimento com o ministério que. por irrisão,


saira do partido liberal, o partido de Rui ; nâo adianta estatística
para comprovar quanto se escreveu no prclio gigantesco, digamos,
porém, sem ataques pessoais, somente no ministério, entretanto com­
posto de figuras respeitáveis, encabeçadas pelo homem sério, de valor
incontestável, de tradições puras, inclusive muito prezado à Marinha,
como o incomparável ministro da guerra do Paraguai, ainda imberbe
mas de um dinamismo e de uma clarividência dos problemas navais
que o colocam ainda como um dos maiores ministros que já honraram
a pasta do Netuno, como diria o próprio Rui Barbosa.
Nos últimos dias vieram os golpes finais, o artigo “ Plano contra
a Pátria ” e apenas três dias antes, 12 de novembro de 89. "Disci­
plina c lei”. No primeiro pontifica com a celebradas palavras :
"O exército não é áulico nem politico. Não pertence à dinastia
nem às facções. E ’ nacional e constitucional. E ’ a guarda das insti­
tuições contra a desordem e a tirania. E ’ o baluarte das nossas
liberdades organizadas contra as conspirações que as ameaçarem".
Quem melhor definiu o papel do Exército, diriamos, das forças
armadas ? Deixemos de parte o momento político, de paixões
exacerbantes, e analisemos a definição de Rui. E ’ o classicismo, é
o engenho esfusiante, o dogmático filósofo tanto mais emocionante
quanto não pensava em fazer filosofia no momento. Aliás todo o
artigo vibra de entusiasmo, como os poemas épicos, parecendo que
na sua pena se enfeixam poderes sobrenaturais que expedem raios
demolidores e fatais. No segundo, já conspirando com os generais
contra a monarquia, entre outras coisas escreve, nova e primorosa
definição de disciplina.
"Consiste a disciplina em um vinculo comum que submete o
comandante e o comandado, a direção e a fôrça que a serve, à imper-
sonalidade do regime legal. A condição da docilidade do elemento
militar á ascendência do govémo civil está na observância, por éste,
dos principios permanentes da ordem militar”.
Em outra, ocasião estabelece as balisas da obediência militar, a
lei, a constituição, a pátria. E* sobcrlio quando proclama que o militar
não pode ir contra a lei, nada pode fazer contra a constituição nem se
opor á sua pátria. Hoje é o soldado da democracia, não do, menas,
dos romanos ou do janizarismo otomano. Fixa os limites, a honra
do soldado moderno, sabendo quando sacrifica a vida que o faz em
defesa da lei, pelas instituições e pela terra natal, mas se o excitarem
contra a justiça, contra as instituições a favor do estrangeiro, racusar-
se-á, não partirá e então será na desobediência que se encontrará,
por exceção, o dever.
— 76 —

Quantas vises depois, na nossa história, se verifica justamente


essa anomalia apontada pelo grande publicista ? Quantas vezes as
forças armadas, sondando ou adivinhando o perigo para a nacionali­
dade, recusam-se a seguir o caminho buscado pela ambição ou a
atração do poder, e não atenderam, reagiram, resistiram ?
Caiu a monarqwa plácida, e sem emoção popular ; admirava-se
o imperador, respeitava-se o monarquista, embora as aparências da
campanha violenta e triunfante, mas a república impunha-se como
estágio imperioso na evolução natural da livre América, e pela cor­
rente irresistível das idéias liberais de um povo sem tradições monár­
quicas e democrata pelo sentimento e pelo coração.

R U I E A REVOLTA DA ARM ADA

As atividades de Rui se voltam então para o ministério da


Fazenda no Governo Provisório e nas responsabilidades decorrentes
da implantação do novo regime para conquistar o titulo que magis­
tralmente João Mangabeira esculpiu “ O Estadista da República",
titulo que poderia ser-lhe então conferido, para se firm ar apenas
na continuidade de seu apostolado de civismo, fora do govêmo mas
sempre presente ao povo brasileiro, na estacada de qualquer aconte­
cimento de relevo na história republicana de três décadas, isto é, na
tua infância, adolescência e quase pleno vigor da maturidade.
A preocupação pelas classes armadas nunca o abandonou ;
amigo do velho marechal Deodoro que o acatava e distinguía, de
outros eminentes generais de terra e mar continua com a Marinha
relações bem próximas, mas é .impossível cuidar de tódas elas.
A queda do Governo Provisório fêz subir ao poder o marechal
Floriano, amigo e admirador de Rui. de quem fôra constante cola­
borador em todos os atos iniciais da República; a política, a
incompreensão, o autoritarismo, a dissenção entre a inflexibilidade
das leis e o amor próprio do mando, discrepância entre princípios
de direito constitucional e as veleidades do despotismo, colocariam em
breve, em dissídio, a vocação evangélica de Rui pelo direito e as
medidas drásticas e opressoras do Governo. As deposições de gover­
nadores, inclusive a da Bahia, despertam as revoltas de Rui, e justa­
mente no caso da terra natal também assomava Custódio José de
Melo, ministro e principal elemento da entrega do poder a Floriano.
com a queda de Deodoro. Depois, a resolução de considerar-se defi­
nitivamente sucessor na presidência, tomando-se ilegítimo detentor
do govêrno, acarretando o manifesto dos 13 generais, todos imediata­
mente reformados, imposto o estado de sítio por 72 horas, com prisão
— 77 —

de deputados c senadores, e ainda a deportação de muitos, de várias


classes sociais, para lugares distantes, faz Rui assumir a atitude de
advogado gratuito dos militares e presos politices, batendo àa portas
do Supremo Tribunal com o ped’do de liabcas-carpus tpte foi negado
contra um único voto que concedia, o de Macedo Soares-, ilustre tio
do nosso presidente perpétuo. Dos 13 generais 4 eram almirantes,
Wandenkolk. Marques Guimarães, Manhães Barreto, Cunha Couto e
diz Fernando Ncri que Rui “ fez então da tribuna judiciária a
cátedra do direito constitucional brasileiro, principalmente do velho
instituto jurídico que o novo reginte introduzira na carta repu­
blicana".
E ’ êle o primeiro defensor da doutrina de que as patentes, perten­
cendo á classe dos direitos individuais, diz ainda Neri, consagrados
[tela Constituição não podem ser cassados pelo Executivo, e essa
teoria conferiu a Rui o papel de anjo tutelar das familias dos oficiais,
cujo destino estaria ao inteiro arbitrio dos poderosos do momento,
se contrariados no setor da política.
Agora é o chamado caso Wandenkolk, de larga repercussão,
quando Rui já é de novo senador, em regresso da visita á Bahia onde
fõra agradecer ao eleitorado a eleição, c assumia atitude de combate
em O Jornal do Brasil com o artigo "Traços de um rote : ro” ; a
27 de maio désse tempestuoso ano de 93 discursa no Senado sôbre o
caso do almirante reformado, presidente do Clube Naval e senador
da República, porém em franca oposição militar ao governo, com a
tentativa de organizar uma flotilha no sul do pais, para, em ligação
com os federalistas em armas no Rio Grande do Sul, fazer a guerra
ao vice-presidente em exercício.
O navio Júpilcr se entrega às autoridades governutas em
Santa Catarina, resultando na prisão de 48 civis de. bordo, inocentes
na ação empreendida com visível insucesso, pelo almirante. Em
discursos sucessivos discute o assunto, notadamente pelos aspectos
muitos especiais de que se revestia, fazendo notar Rui mais tarde
que, cm O Jornal do Brasil, cérea de mês e meio, em 20 editoriais
foi o sucesso considerado sob o aspecto jurídico. Êste admitia rés
faces, quanto à qualificação do crime, se o almirante estava coberto
pelas imunidades parlamentares, e qual o fôro, militar ou civil, ao
qual competia o julgamento de oficiais reformados.
A atribuição de piratas pelo governo a Wandenkolk. ao capitão-
tenente Huet de Barcelar e ao primeiro tenente Antão Correia,
companheiros de aventura, exacerlxni Rui : não queria a impuni­
dade para esses homens que se rebelaram contra o governo e liaviain
incorrido em gravíssima responsabilidade, mas não podiam ser afron­
tados com o epíteto de piratas, c assim julgados. Primeiramente
— 78 —

consegue no Supremo Tribunal ordem de habeas-corpus para os


civis do Júpiter, facultando palavras de Wandenkolk de esplêndida
sinceridade a êsses civis, quando deixavam a fortaleza de Santa
Cruz.
“ Ide bejjar as mãos do intimorato defensor dos oprimidos e
suplicar a Deus pela felicidade dele, de sua carinhosa e virtuosa
espósa e de seus filhos. Se não saireis a sua morada, procurai-o
onde houver um infeliz a proteger e a defender”.
No Senado, por 25 contra 23 votos, vence a emenda de Rui que
reconhecia ã justiça comum competência para o processo e julga­
mento de Wandenkolk, com o parecer de Quintino de Bocaiuva,
olhado pela sinceridade de Rui como um dos mais raros exemplos de
consciência "que nunca vi na minha longa existência parlamentar”.
Os acontecimentos se prec.ipitam, entretanto : Rui se batia pela
justiça comum que “ não era um refúgio de criminosos” como se
externa, porque a magistratura a que se pretendia expor o rêtt tinha
os juizes nomeados pelo goyérno ou por éste influenciado ; recorre
ao Supremo Tribunal a 30 de agosto com o pedido de habcas-corpus.
seguido com ansiedade por tõdas as classes sociais.
Houve na véspera reunião secreta dos juizes para orientação do
julgamento mas o Tribunal nega a ordem e três dias depois revolta-se
a esquadra sob a chefia do almirante Custório José de Melo. A
defesa de liabeas-corpus é brilhantíssima peça oratória alêm de primo­
rosa lição de jurisprudência. Aproveita o lugar vago de um miz,
recentemente falecido, o barão de Sobral, para invocar-lhe a sombra,
com palavras inflamadas :
“ Ela continua a ser a justiça, como o oceano a ser oceano,
enquanto as vidas passam sõbre as ondas perpetuamente, como as
existências sôbre as existências. Mas essa desaparição subitánea de
mn julgador dentre os julgadores na hora do julgamento, nos embclte
no sentimento da igualdade pelo sentimento da morte, mostrando-nos
a rapidez com que, por obra de um minuto no infinito do tempo, os
juizes, da majestade do pretorio onde julgavam, são transportados ao
seio da obscura multidão inumerável, que aguarda a sua sentença no
último plenário, à barra do supremo tribunal, o verdadeiro, aquele
que não erra”.
A revolta desencadeada no dia 6 de setembro e da qual Rui
apenas tivera conhecimento na véspera, procurado por amigos que
lhe avisaram da prisão iminente, abrigando-se na embaixada do Chile
e primeiramente na casa de Francisco de Castro que a êle chamara de
“ Orgulho da Pátria, apóstolo da lei e ornamento da humanidade
latina”, e por fim para o navio Madalena, depois de peripécias român­
ticas, obrigou-o a seguir para Buenos Aires. O fato de estar ino-
— 7) —

ccnte c se ver jogado ao exílio, pelo não reconhecimento de que era


alheio ao movimento, do qual soubera pelo deputado João de Siqueira
para dizer-lhe que o governo colérico, talvez sacrificasse o diretor de
O Jornal do Brasil a que José Mariano punha à sua disposição um
sitio no Estado do Rio de Janeiro, torna-o irritado. Mesmo da
embaixada e de lx>rdo do navio começa a sua defesa com cartas a
La Nación e La Prensa e à sua querida Maria Augusta, e nessas
missivas está a história de sua alma perturbada, do revoltado contra
as revoltas, do justo contra a justiça faciosa, do democrata contra a
democracia viciada, do déspota da lei contra o despotismo da ilegali­
dade, do já republicano contra uma república desvirtuada, do congres­
sista contra um congresso servil, contra um ministério inexpressivo,
contra o faciosismo do poder. Levado pelo vendaval da revolução,
acaba se identificando com ela. através das vicissitudes do exilio, da
recusa da terra natal à sua acolhida, dos ares inimigos no próprio
Portugal, nas agruras da estadia longe de seus parentes c dos seus
livros, filhos da alma que os lia e compreendia.
Nas cartas, nos artigos, transparecem o desconforto moral, a
sensibilidade à injustiça que se inflama na defesa dos outros, como diz,
a impaciência do recluso, a indignação do inocente, a sensação da
vitima de vingança descabida, a iniquidade “que excede os limites da
paciência humana” e que o afastará para sempre da política. Esta
última afirmativa, porém, era filha das angústias da prisão, porque
ninguém continuou a ser mais politico do que êle, embora em muitas
ocasiões proclamasse o desejo de se afastar inteiramente das ambições,
vaidades, cobiças, lutas de interesses c aspirações cruéis, por vezes,
que constituíam a fisionomia do cenário politico do Brasil.
A revolta trouxe maiores afinidades de Rui para com a Marinha,
o que demonstraria nos anos a seguir. Os chefes navais, especial­
mente Custódio c depois Saldanha que aderiu, tornaram-se alvos dos
maiores insultos da imprensa c dos partidários do governo como
sucede nas guerras civis, o florianismo logo tornado o símbolo da
força sem fronteiras, que se poderia traduzir pela célebre asserção de
seu cpónimo. exatamente quando Rui se tomava o defensor gratuito
de quantos aguardavam nas prisões do Estado a vontade sem emoção
do dirigente máximo. “ Vão discutindo, que eu vou mandando
prender". Mas as paixões estavam desencadeadas, principalmente
no setor dos menos responsáveis. O que estou dizendo c uma apre­
ciação sóbre as relações de Rui com a Marinha revoltosa e não um
julgamento politico da situação.
Nilo Peçanha apresentou projeto na Câmara, dias depois do
início da revolta, declarando piratas os navios de Custódio, justifi­
cando-o com medida semelhante espanhola de 1873 ; em editorial,
— 80 —

com o titulo “ Dies ¡rae”, o O País anseia, pelo alvorecer dêsse


dia memorável, porque como no cântico religioso, a cólera da pátria
punirá os reprobos e exterminará os culpados ; O Tempo chama
os revoltosos de "grupos de ambiciosos, bastante para preencher utn
museu de antropologia criminal ; desde os ladrões até os bêbedos e
estrupadores de donzelas, o pessoa! da revolta tem de tudo”. A rtur
Azevedo assim se refere a Saldanha em O País.
"Esse almirante, que foge que nem utn reles gatuno apanhado
num galinheiro confrange o coração de todos os p atrio tas... Dizem
que antes de fugir o pobre diabo beijou a sua espada e atirou-a ao
mar. Melhor seria que se atirasse a si m esm o ... Asrim fizeram
outros almirantes. U m déles morreu dizendo que o oceano era o
único túmulo digno de um marinheiro” .
Essas tremendas injustiças, sob os maiores insultos, não merece­
ríam a honra de citação, se partissem de irresponsáveis, mas Nilo
Pcçanlia, A rtur Azevedo, não eram . . . Elas se compensavam pelo
modo de ver de outros eminentes brasileiros, e entre êles dos m a :ores
que o Brasil tem possuído, como Joaquim Nabuco c Rui Barbosa.
A justiça do alto, não o insulto da plebe.
O primeiro assim se expressa :
“ Se o cavalheirismo, na mais alta acepção da palavra, naquela de
que Baiard é o modelo, c a qualidade por excelência, é cm Saldanha
da Gama que o Brasil pode apontar nesta época, o seu mais nobre
tipo. Os vis sangradores de Campo Osório fizeram mais do que
profanar o cadáver de um grande marinheiro. O corpo mutilado dc
Saldanha quer dizer a forma quebrada da antiga marinha de guerra,
nada poder haver mais difícil do que reunir os fragmentos dispersos,
e fundir nela outro que seja seu igual”.
E Rui, no prefácio das Curtas de Inglaterra, dizendo do que
falará sobre a M arinha :
“ Quando por ai não valha (e creio que não vale) valerá, pelo
menos, como voz de rebate ao pais, acerca do perigo a que reduz o
aniquilamento de sua marinha de guerra. A luta contra o floriamsmo
dizimou-a e desorganizou-a ; a ingrata fortuna das annas roubou-
lhe em Saldanha da Gama o herói dos heróis, o seu reorganizador
possível, o homem mais completo e o caráter mais extraordinário
que já conhecí nesta terra”.
Em outras oportunidades fala com o mesmo calor dos vencidos
da Armada ; dc passagem por Lisboa sabe da prisão dos oficiais
brasileiros que se abrigar im no Rio, à sombra do pavilhão português,
nas praças militares de Sagres e Peniche. Ruge o leão, e em
brilhante artigo para o Correio da Manhã contra O Sócalo dc
— 81 —

Lisboa defende a causa dos asilados, com o titulo "Justiça aos


vencidos”. São dele os períodos abaixo, para a forma magniiica do
primeiro dos quais é digno de se chamar a atenção :
“ Aquele que pratica uma ação generosa não pode fugir-lhe aos
corolários "da h o n ra ... O s asilados não se podem transformar em
servos do asilo, sob pena de adquirirem o direito de invocar novos
protetores contra a dureza arbitrária dessa proteção degenerado".
A té ai o jurisconsulto ; agora o homem justo :
“ Os homens a que éle pretende irrogar-se com os seus compa­
nheiros de luta representam a flor da marinha brasileira, o escc! das
nossas glórias militares, uma via látea puríssima de almegação e
heroteidade no horizonte sombrio de minha pátria. Rsses patriotas
que batalliaram sete meses sem um real de. soldo, por uma aspiração
liberal, que deram nessa campanha terrível os mais fulgurantes
exemplos de cavalheirismo e bravura ; que jogaram na luta, com
sublime desinteresse, as mais altas patentes e os nomes mais brilhantes
de sua classe, c que, no dia do revés extremo, envolvidos na quase
nudez da miséria, não se retratam do seu ideal. — essas almas afeitas
a desprezar as posições, o dinheiro e a vida, não atino a que conve­
niência poderiam imolar a sua honra, imolando a sua lealdade, Êsses
vencidos valem alguma coisa. No meu humilde aprêço, valem mais
agora do que quando os cobriam os galões e os bordados dos seus
postos. Sua queda envolveu-os no seu pais cm uma consideração
que não se troca pelos louros da fortuna”.
Passa à Inglaterra ; antes transparece uma queixa na carta
escrita a La Nación.
“ Fecharam-me a imprensa, o senado, os tribunais, onde batendo-
me pelos perseguidos, conquistei, em prêmio, para mim, a perse­
guição”.

AS CARTAS D E IN G LA TE R R A

Rui está no pais de que conhece, como nenhum outro estrangeiro,


provavelmente, cm vista dos longos estudos a que se entregara, a
organização política, os aspecto peculiares de sua gente, o sentimento
dominante dc liberdade. Surgiram então “ As cartas de Inglaterra”,
monumento dc sabedoria, dc cultura, dc doutrina c de forma literária.
A Marinha, a quem atribui a função mais importante na defesa
nacional, desperta-lhe entusiasmos inesperados e leva-o a estudos de
alto valor, podendo-sc afirmar que, talvez nenhum militar no Hrasil,
tenha melhor apreciado o papel da Marinha em meia dúzia de escritos
e para a época em que o foram ; mas se ainda houvesse igualdade
— 82 —

nos conceitos, em cotejo com trabalhos de outros eminentes escri­


tores civis ou militares sõbre o papel dos singradores .dos oceanos,
sôbre os principios gerais da estrategia e da política naval do país,
ficaria entretanto com Rui a primazia na beleza da forma, no encanto
d i linguagem, na elevação das teses, enfim no conjunto admirável, ou
como diz a Revista M arítima “ nas revelações de mais uma face dêsse
talento de escolha, brilhando a luz de erudição descomunal”. E é
assim que transcreve a "Lição do Extremo Oriente”.
E ' difícil expor em poucos minutos o valor dos escritos <le Rui
sõbre a Marinha naquela época, a que se dedicara por contingências
de acontecimentos políticos que escapavam à sua alçada controlar.
As máximas sôbre a M arinha repontam a cada p a sso :
“ O m ar é a traquéia dos estados marítimos. A nação que deixou
pesar-lhe sôbre êsse órgão a planta do adversário, é nação previa­
mente perdida no primeiro ensaio de forças”.
“ Pôrto A rtur não se demorou em cair, e pouco depois o grande
arsenal chinês teve a mesma sorte. O prognóstico não era dificil.
Tinha de cumprir-se a fatalidade de uma lei científica estabelecida
por longa cadeia de precedentes”.
Esta lei ainda não logrou exceção no decurso da história humana ;
depois que Rui escreveu essas frases, bebidas nas melhores fontes
como o almirante Mahan, o admirável Thiers, Saint Bcttve, Tolstoi,
Carlyle, Jomini, Michelet Quinet. Hannav, Graper, Vitório Vecchi.
Wilkinson e outros, continua o mar a exercer a mesma influência no
destino dos povos que déle dependem, como fator decisivo na guerra
russo-japonesa, nas primeira e segunda guerras mundiais como
fartamente se acham os comentadores e autorizados críticos militares
de proclamar, instruindo os povos sôbre a verdade dêsse aforisma a
que Rui Barbosa concede foros dc lei cientifica.
P or isso pode atribuir a derrota da China na guerra contra o
Japão à ignorância das funções da fôrça naval nos paises banhados
pelo mar, acrescentando que “a nulidade naval da China foi a causa
decisiva dc sua perda, como a excelência naval do Japão a bise funda­
mental de seu triunfo”. E assim exalta a previdência japonesa que
acompanhara a História e observara o segredo dos mais retumbantes
triunfos.
“ A China tinha navios mas não tinha homens, não tinha oficiais
e sobretudo não tinha planos, não conhecia os recursos do inimigo,
não sabia onde feri-lo, onde lhe prevenir os golpes, onde enf.etitá-lo
com vantagem" e depois : “ Enquanto os vasos de guerra do excelso
parente do sol c da lua patejavam desorientados, de surgidouro em
surgidouro, como bandos de plamípedes cm hora de trovoada, sob as
I>omposas ordens imperiais de varrerem dos mares o inimigo, que
— 83

ignoravam onde colher, a marinha japonesa admiràvelmente orga­


nizada, tripulada e comandada, estendia sobre as ondas a rêdc,
sabiamente urdida, das suas operações vitoriosas".
Dessas ordens pomposas está cheia a História e de declarações
mais imponentes, de defesas até a morte, de nenhuma passagem a
não ser sobre o seu cadáver, de derramar até a última gota de sangue,
como Francisco de Castro Morais ao pirata Duguay-Trouin. Os
governos costumavam dar missões às suas forças militares mais ou
menos no mesmo gênero, e a> ordens dos chefes corriam em igual
estilo, sempre com o aspecto do mando que não admite outra solução.
A primeira frota naval americana compunha-sc de oito pequenos
navios, com o total de 110 canhões, e de inferior calibre, tripulados
]>or civis sem qualquer entendimento de navegação ou de conceito de
disciplina sob o comando de Hopkins, comandante em chefe da
Marinha, como Lord Cockrane foi o Primeiro Almirante da Anuaria
Nacional e Imperial, no Brasil, titulo que foram os únicos a possuir.
Recebeu ordem de ir ¡metidamente à baia de Chesapeake atacar a
esquadra inglesa de Lord Dunmore, e depois, caso vitoriosa, partir
para as Carolinas* enfrentar as forças navais inimigas que ai se
achavam, e em seguida, a "Rhode Island" para textualmente, "atacar,
e destruir toda fõrça naval adversaria encontrada nessas paragens".
Enfim, deviam combater uma esquadra no total de 78 navios aguer­
ridos, com 2.078 canhões em maior parte de grande calibre, tripulados
pela mesma gente, émula daquela que fazia Rui consignar que o valor
da esquadra inglesa, nos tempos de Hawke e N ilson, consistia
principalmente em que seus oficais e marinheiros eram os primeiros
do mundo.
Rui além da guerra sino-japonesa estuda as operações militares
e os conceitos da guerra de secessão americana e busca argumentos
magníficos para tratar magistralmente da situação naval do Brasil ;
seria realmente difícil, repito, apreciar, como razoável, em poucos
minutos, oo primores da exposição do eminente escritor ; em ‘‘A
Lição do Extremo-Oriente” depara-sc-nos um livro de estrategia
naval apVcada à nossa terra e escrito por literato do maior valor
cultural. Em certo momento escreve ;
"E ntre duas nações marítimas em luta, o empenho da mais
forte será necessariamente obrigar logo as forças da outra a uma
tatalha naval, e enfeixar nela tôdas as vantagens da sua situação para
destruir a esquadra inimiga. Os resultados obtidos no primeiro
encontro aumentarão naturalmente a superioridade primitiva do
vencedor, e agravarão a inferioridade ao seu antagonista. Se o ven­
cido resiste, acatará por ser aniquilado. Se se retira, ver-se-á perse­
guido pelo vencedor, até abandonar o oceano, e abrigar-se tialgitm
84 —

põrto fortificado. De então cm diante a sorte dos doi-, contendores


está üxada ; porque, ou a frota refugiada volve ao m ar c ai vai
encontrar a derrota nos navios adversos que a espreitam, ou se
aferra ao sea esconderijo e as costas do pais ficam entregue! ao
bloqueio da armada vitoriosa”.
Se essas linhas tivessem sido escritas depois de 1918, após a
primeira guerra muudial não tenant senão o valor de uma consta­
tação inteligente ; mas escritas 20 anos antes tornam-se verdadei­
ramente oraculares. O Estado Maior alemão provavelmente não ar<
leu c se as tivesse lido, não acreditaria em Rui Barbosa, porque,
no caso contrário, talvez a marcha da guerra se alterasse, com uma
Alemanha muito mais difícil de ser vencida do que o foi em ambos os
conflitos, nos quais, por intermédio apenas do mar. esteve à beira
do triunfo. Nem Rui era almirante, mas possuía compreensão da
estrategia da guerra marítima tão aprimorada, que faz lembrar a
circunstância de Washington ser hoje apontado como um gênio naval
e o primeiro almirante americano, ajxrsar de nunca ter entrado cm
um navio de guerra, e apenas na mocidade feito uma travessia pequena
por mar.
Todo o delineamento de Rui naquela sintese se verificou na
primeira guerra mundial ; o povo inglcs pensava num combate
decisivo entre as duas esquadras a de Jelliocc c a de Von Scheer c
tudo fêz a mais forte para atrair a mais fraca ; se tivesse havido o
combate, sucedería como diz Rui. a vantagem inicial sc acrcsccria
para a mais forte c agravaria a inferioridade da tedesca ; os alemãer,
porém, se acobertaram nos portos fortificados c sofreram o terrível
bloqueio e, quando desesperados ante o insucesso final da campanha
submarina, que ainda assim não puderam conduzir como imaginava
seu ministro Von Tirpitz, resolveram sair, travando-se a batalha da
Jutlàndia, embora os sucessos táticos obtidos, ocasionando perdas
duplas em tonelagem na esquadra britânica, tiveram que recuar e o
bloqueio acabou de vencer a Gcrmânia de Guilherme II. Muitos
pontos semelhantes sc verificaram na guerra do Pacifico, e se Rui
não desconhece nem diminui o papel do Exército, discute o ponto de
vista naval com elegante maestria, inclusive quanto à posição do
Brasil no teatro sul-americano e na complexidade dos navios moder­
nos, na impossibilidade de improvisação, nas consequência- de um
bloqueio mesmo de apenas três portos como Rio de Janeiro, Santos e
Belém, na transição da marinha nelsoniana para a do vapor, paulati­
namente transformando o oficial de náutica, primoroso no trato dos
ventos, vazas e correntes, no engenheiro orientador de mil maqui-
nismos elétricos, hidráulicos, de a r comprimido e de outras bases
cientificas.
— 85 —

O que importa, o que admira, é o valor dos conceitos, alroluta-


mente modernos, pois aplicáveis ainda nos tempos que decorrem
depois da última guerra, ao lado de ideal compreensão do mecanismo
naval?
"M as barcos não fazem frotas. O primeiro elemento da marinha
é o homem do mar. S'e o navio é essencial ao marinheiro, o mari­
nheiro ainda tnais indispensável é ao navio. Por isso, Farragut, o
Blake americano, queria almas de ferro em navios de madeira. O
coração bravo converte o lenho em aço, a ciência prática do navio
faz nvlagres onde as couraças mal manobradas naufragariam”
Interessante a referência de Rui na guerra sino-japonesa ao
papel da marinha, transportando o excelente exército nipõnico, e o
fulgor do descmpenlio deste, que ontbreava com os melhores europeus,
mas que teria de ser transportado ; é o que se verificou no Pacifico,
principalmente por parte dos japoneses, cujn esquadra garantiu o
transporte de soldados e aviões para a conquista das Filipinas, Guam.
Wake, Índias Orientais Holandesas e outras, arqui|>élagos visados
pela estrategia do Império do Sol Nascente, chegando quase à
Austrália, e depois, quando a esquadra se tornou impotente para
enfrentar a americana, o papel desta transportando os soldados c os
aviões necessários para a reconquista e o ataque que se delineava ao
território metropolitano dos súditos de Hirohito ; rem o Exército
seria impossível a vitória, tanto quanto em primeiro lugar, a Marinha,
que o teria de transportar.
Especialmente para a alma do marinheiro, os escritos de Rui
empolgam. Agora diz :
"D e dia em dia as circunstâncias acentuam o perigo contra o qual
ousei soltar o grito de atalaia perdida. . . " “ Mas a força militar se
converte, naqueles que a possuem, em tentação quase irresislivel
contra os vizinhos desapercebidos”. . . . ‘‘Deus nos dê. por muitos
anos, paz com as nações que nos cercam. Mas, se ela se romper, é
no oceano que veremos jogar a sorte da nossa honra. E e.ssa partida
não será decidida pelo azar, mas pela previdência".
Rui continua na Inglaterra a defesa da marinha revolucionária
com a qual só tivera desgostos mas contra a qual nunca se lhe ouviu
um queixume. Em carta de Londres a Jacobina refere-se à vitória
perante à jusriça federal da questão dos oficiais generais c professores
militares, admirando-sc da mesma atenta à “ desmoralização geral do
pais”.
O processo Dreyfus que produziu a carta magnifica e conhecida
por todo o Brasil é um tremendo libelo contra o que julga o facio-
sistno da justiça militar, obutnbrada pelos preceitos rígidos da disci­
plina, orientada por espíritos educados cm uma escola sem perdão
para os delitos contra a Pátria e portanto muitas vezes sem cálma e
— 86 —

serenidade para o julgamento : segundo refere Mangabcirt, Dreyfus


teria externado ao diplomata português Alberto de Oliveira que a voz
de Rui fora a primeira, no mundo inteiro, que se erguera contra a
injustiça que o vitimara. E estas palavras são uma condecoração
para Rui, conquistada pelo altissonante brado de repulsa e de conde­
nação ao processo monstruoso de que foi objeto o capitão Dreyfus,
c as .ignominias de companheiros e populacho contra a aln a de um
inocente. A ação corajosa de Rui era um titulo de imortalidade.
Interessa-se pelos menores acontecimentos do Brasil que lhe são
transmitidos cm cartas ou no convívio de brasileiros eminentes, como
Saldanha, com quem se encontra na Europa e combina providencias
cm beneficio da causa revolucionária, de quent se torna como um
delegado na velha Albion. Causa-lhe indignação a anistia pleiteada
por Ladário, no Parlamento, com esquecimento da culpa para os
paisanos e castigo inexorável para os militares. Atribui a uma
desforra do ministro de sua majestade, ferido por um tenente a 15
de novembro contra a Marinha que naqueh ocasião, diz êle, o aban­
donou, e profliga com veemência essa medida parcial.

ADVOGADO DA M A R IN H A

Volta ao Brasil para novas lutas e a Marinha virá para êle


apelar corno o patrono constante de suas canvas quando há direitos a
defender, patrimônios a zelar. Assim a defesa perante o Conselho de
Guerra do contra-almirante Dr. Pereira Guimarães, envolvido na
revolta de Custódio e cujas razões constituem brilhante lição de
direito penal militar, e imponente argumentação cerrada contra deci­
sões oficiais em plena época revolucionária. Seria longo historiar os
fatos com o ilustrado médico, decorrentes da situação anômala, extra­
vagante. humilhante e disparatada do diretor do Hospital de Marinha,
do da Escoló Naval, Saldanha, e do governo, o primeiro subordinado
aos outros dois que se guerreavam surdamente enquanto não rompiam
abertamente, como sucedeu pouco depois. O bombardeio do hospital,
transferido para a ilha das Enxadas, pelas baterias de Niterói, ocasio­
nando até a .intervenção estrangeira, faz Rui escrever, a propósito,
“ que estava reservada ao Brasil essa ignominia que a China repeliria".
Mas o vice-presidente da República declara que o Brasil não
aderira à convenção de Genebra c obtem essa linguagem :
“ Para o governo de então a santidade dos sentimentos que
detém as balas inimigas ante o leito dos enfermos e moribundos,
nasceu com a Convenção de Genebra e não impera senão na área
dos povos sentimentais que subscreveram o pacto da Cruz Vermelha”.
— 87 —

Era sempre veemente; êsse almirante Guimarães fôra dos que


se asilaram na corveta portuguesa Mindcllo, julgando-se sem garantias
de vida, caso se apresentasse ao governo o qual como faz notar Rui,
“ rompeu relações com uma nação amiga, por não conseguir obrigá-la
a uma torpeza sem nome no desprezo dos povos", isto é, entregar os
que se acobertaram à sombra da bandeira lusitana.
Bate-se longamente p e h anistia ampla a todos que tomaram
parte na revolta e já bem cm tempo aparece um agradecimento pú­
blico, sincero c comovente, na ida de tantos oficiais revolucionários
e restituidos aos seios de suas classes pelas vitórias retumbantes do
“ Sarcedos magnus” da intelectualidade nacional, como também foi
chamado. Estão em casa dc Rui o general Piragibe, os almirantes
Custódio de Melo e Pereira Guimarães, outros que serão almirantes
como Alexandrino de Alencar, Oliveira Sampaio, Marques do Couto,
A rthur Thompson, Latncnha Lins c ainda os que alcançarão elevados
postos e desempenharão comissões brilhantes, como um livro “ A
vida dc Jesus" dc Tissot, em bela impressão e uma das unidades
mais admiradas da biblioteca de Rui. O almirante Custód'0 faia
e exalta em palavras emocionadas e sinceras a figura apostólica do
advogado, o evaugelizador da lei, que se impôs na terra nobre, sublime
e santa mirsão que somente se assemelha a daquele que “ com o seu
nome enche o tempo c o espaço, o Filho de Deus”, “ quase assumindo
formas divinas quando, a despeito de ameaças de morte, que sem
tréguas, se erguiam diante de vossos passos montastes ao pincaro de
vosso gênio, c dessa culminância, fitando auciaz o sol da verdade e
da justiça, com os raios de vosra eloquência c de vossa sabedoria
fulminaste os pigmeus da politica desta terra”.
O discurso de Custódio é apoteótico para a figura do resoluto c
impetérrito defensor dos direitos dos perseguidos e proscritos. A
resposta do homenageado, cm arroubos dc eloquência começa desde
logo a eletrizar os presentes ; c um dos grandes modelos que
produziu.
“ Do alto das signas desfraldadas nos campos da batalha, do
tópo soberbo das naus cm demanda da conquista, a Cruz, a imagem
da vocação do Cristo, o emblema deste livro, indicava aos bravos
de terra e aos lobos do mar. a rota da vitória. Hoje êle ensina ao
soldado e ao marinheiro o rumo da justiça e, ainda no meio dos
combates, prega a caridade e o perdão entre os que se matam. Tõda
a imensidade transposta entre esses dois polos da civilização cristã,
senhores, está resumida na eloquência de vossa oblação; o livro da
paz c da caridade, ofertado pela glória militar, cm sinal do culto pelo
direito, ao último dos seus servidores”.
— 88 —

O discurso prossegue nesse tom, talando constantemente no


mar, de sua opulencia, beneficios e aspectos. Associa a manifestação
e o m ar ao día do natalicio do filho menor ainda, estava-sc a 14 de
janeiro de 1899 e termina com os dois periodos seguintes :
" E — bemdito seja o Senhor por esta mercê! — quando me foi
dado regressar à terra natal, naquela data radiosa sôbre tõdas da
minha vida, foi o mar, o mar constelado de amigos, o mar verde-anil
destas plagas, onde o canto dos pescadores da Jonia seria mais belo,
foi o mar que me acolheu com seu sorriso d cr rid o de sol, e misturou
com a orvalhnda de sua espuma as lágrimas de gratidão do repatriado.
Desde então me parece que uma âncora invisível do meu destino
mergulha misteriosamente nesse oceano, onde está o destino de nossa
terra ; e, de cada vez que uma grande dúvida, uma grande agonia,
ou um grande problema nos assoma ao longe, os meus ouvidos
escutam o sussurro das praias infindas, os meus olhos inquietos do
futuro, interrogam o segredo das águas eternas, como se num desses
sulcos, que se cruzam, se aproximasse de nós o infortúnio ou a
salvação”.
N a alma de Rui Barbosa, que, na década anterior, vinha
terçando forças contra uma justiça não integrada na compreensão
dos poderes constitucionais que lhe cabiam, tomando-se constante­
mente uma ante-sala do palácio do govêmo, a manifestação da fina
flor da oficialidade naval da época, haveria de ter uma repercussão
magnifica para conservar o eminente brasileiro na amizade de uma
classe, que, se lhe apontarem possiveis defeitos, nunca será o da
ingratidão para com seus verdadeiros amigos.
Fiel a essa amizade, aproveita oportunidades para manifestar-se
quanto vem prezando a Marinha, e no primeiro aniversário de
Riachuelo após essa visita, lança o artigo “ Festa Naval”, maravilha
de arte e de esplendor; todo êle forma um conjunto do qual, reti­
rando-se uma só frase, perturbar-se-ia a idéia superior que o
concebeu, como patriota, como mestre, como liomcm responsável pela
grandeza da Pátria ante sua cultura c maravilhoso engenho. Eis um
trecho :
“ Mfiços, em cujo espírito sopra o vento dos céus e canta o eco
das ondas, bem perto, aqui mesmo no anseio desta baia encantada,
há tradições e minas que vos falam heroicamente do d e v e r.. . Ali o
ritmo da imensidade vos mostra a disciplina, a estabilidade dos
abismos, c perseverança, o infinito das superfícies, a grandeza ; ali
se vos ensina a previsão no imprevisto dos perigos, a coragem no
medonho das ameaças, a rijeza no bravio das dificuldades, a fé no
prodigioso das conquistas, a esperança no imensurável dos horizontes.
- 89 —

Moços, amai o áspero berço, onde se embala, talvez com o nosso, o


vosso fu tu r o ... Permita Deus que uni dia, quando o noivado de
vossa mocidade com o oceano se abrir em flores sorridentes sejamos
na América do Sul essa nação marítima, êsse viveiro de heróis ma­
rinhos, para que nossos pais nos geraram”.
Assim escrevia Rui ; no ano anterior zl imprensa publicava
em 15 de novembro, com a posse de Campos Sales, abrilhainada peios
navios de guerra estrangeiros surtos no porto, outro celebrado artigo
subordinado ao titulo "A Lição das Esquadras", completo, dogmático,
filosófico, primoroso de estilo, elevado em tudo, honrava a menta­
lidade superior do excelso patricio. E ’ nele que rc depara com
frases escolhidas depois para livros escolares, e diariamente encon­
tramos nos discursos e escritos dos cronistas navais :
" O mar c o grande avisador. Põ-lo Deus a branvr ¡'into a
nosso sono, para nos pregar que não durmamos. Por ora a sua
proteção nos sorri, antes de se trocar em severidade. As raças
nascidas a beiramar não têm licença de ser míopes, e enxergar no
espaço corresponde a antever no tempo".
“ O mar é um curso de força e mna escola de previdência.
Todos os seus espetáculos são lições; não os contemplemos fri­
volamente".
“ O oceano tem sido quase invariavelmente o campo de batalha
pela independência das nações que confinam com o mar”.
“ Uma batalha suprime uma esquadra c a supressão de uma
esquadra pode envolver o desaparecimento de uma nação. Feliz do
que pode ser o primeiro no golpe c am arrar por bandeira, no grande
mastro, a vassoira de Tromp. Se ela encontrasse abandonado à sua
violência impetuosa um litoral de 6.500 km. pode ser que então a
surdez crônica da política brasileira começasse a perceber a voz que
detona, por essas praias além, no fragor continuo das rochas e das
ondas : Marinheiros! Marinheiros! Marinheiros!"
Os anos passam, mudam a s pessoas, as tendências polit cas, os
arranjos partidários, sómente Rui não muda, na feição idealista das
atitudes ; muitas vêzcs combaterá da véspera, evitará compromissos,
recusará acordos, comprometera a saúde, a vida, os interesses mate­
riais "ê até de família, para não transigir com os principio: que adotou,
defender a liberdade e promover a justiça, preservar a república
democrática de influências nocivas e antagônicas á pureza do regime.
A 16 de novembro de 1904 vota pelo •.'¡tio pedido pelo governo, mas
antes de um ano decorrido, em 5 de agosto, propõe no Senado a
anistia.
No caso dos três primeiros tenentes da Armada, presos c
antigos revoltosos, gratos a Rui, para éste apelam contra a incoiuu-
— 90 —

nicabilidade e a falta de julgamento ; o incidente tomou certo vulto,


mas destaca-se o fato de Wandenkolk ser Chefe do Estado Maior
General, envolvido pelos tenentes na questão e escrever a Rui de
forma amarga e até um tanto desabrida, bem distante das cartas
interessadas, afetuosas e calorosas dos tempos de sua prisão, degredo
e julgamento; pelo menos tão bela amizade se ensombrecía, porque
Rui não deixara abandonado o apêlo recebido.
Em 1900 no Senado produz formidáveis discursos em defesa
do projeto de reversão à atividade, no pôsto de vicc-almirante do
barão de Jaceguai, brilhante, na guerra e na paz. ilustre militar,
para conseguir o apoio de eminentes colegas, embora não manti­
vesse relações e só conhecesse de longe o antigo e jovem ajudante
de ordem de Tam andaré. Não tenho certeza se alguém, antes ou
depois de Rui, escreveu mais impressionante biografia desse vulto
da Marinha do que a encontrada nos discursos de Rui, onde, levado
pelas circunstâncias e peta vida afanosa de Jaceguai, aborda inú­
meros pontos vitais para o progresso e a organização da Marinha
com a reconhecida maestria de todos os tempos. A vitória coroou
os esforços do patrono da causa e Jaceguai voltou à atividade,
prêmio justo para quem tanto merecera do país pela magnitude dos
serviços prestados. E nesta ocasião, como nos comentários ao
orçamento da Marinha de 1905 onde aborda interessantíssimas
questões então em alta controvérsia no seio da classe, exibe tal
conhecimento de coisas navais, de logística, de bases de defesa, de
portos, de organização militar, que justifica asserção minha anterior
sobre o fato de ninguém ter talvez falado ou escrito sobre Marinha,
civil ou militar, mais ou melhor do que Rui Barbosa.

A R E V O L TA DA ARM ADA

A Marinha, porém, dever-lhe-ia preocupar o espirito como o fêz


para a maioria dos brasileiros patriotas, quando se verificou, em 23
de novembro de 1910, a revolta dos marinheiros. O lamentável
episódio apaixonou, como não poderla deixar de ser, a classe, mais
talvez do que a população da cidade sob a ameaça de bombardeio dos
poderosos canhões do Minas Gerais e do São Paulo, com tremendas
consequências de tõda sorte, entre as quais a mortandade da popu­
lação civil.
Não temos o propósito de comentar nem de historiar os aconte­
cimentos, apenas de que, mal começado o governo do marechal
Hermes, com oito dias de instalação era êsse govémo militar que batia
às portas do Congresso por intermédio de correligionários com o
— 91 —

pedido’de anistia para os marinheiros que a exigiam, com a condição


dc deporem as armas e a abolição dos castigos corporais. E ' difícil
descrever a situação do governo ante uma população aflita c apavo­
rada, defrontando as autoridades constituídas com elementos armados
de inegável poder, escudados cm fórmulas a que não era possível
negar fundamentos, embora empregando os mair. condenáveis processos
de se fazerem ouvidos, e na alternativa, ou de prolongar um "stato
quo" tentando de qualquer forma uma reação, com esmagamento da
rebeldia com a possível perda dos dois navios recem-chegados sob a
esperança grata do povo brasileiro e dc sua marinha de um renasci­
mento do poderio naval de outrora, ou satisfazer os rebeldes, de modo
consentâneo çoin a dignidade da autoridade, para depois consertar
medidas atinentes a fazer esquecido pelo povo tão desastroso evento
na triste história das rebeliões militares.
Coube a Rui Barbosa, no Senado, apresentar o projeto de anistia
c justificá-lo ; a noticia do acontecimento não o deixaria ficar alhc’0,
quando a população da metrópole ansiaria por ouvir a palavra do seu
líder natural, o homem que mais a representava sem nunca ter sido
presidente da República, e comparece no Senado para receber o
apélo de Severino V.'eirn, evidentemente traduzindo o pensamento
presidencial, de apresentar o projeto, já assinado por outros membros
do partido situacionista. A posição de Rtv não era cômoda : tendo
combatido até oito dias atrás, como candidato civilista, o presidente
Hermes, êle civil, éste militar, era chamado, justamente num caso
exclusivamente militar, para apoiar o governo, que — somente éste
poderia ser o motivo, — prec’sava da palavra autorizada, capaz de
impresionar os espíritos, de inspirar confiança aos desregrados da lei
e da disciplina, de angariar a simpatia pública para as ações gover­
namentais, ao amparo dc seu tremendo .ascendente moral. Como
recusar o apoio ao adversário da véspera em tal conjuntura, ainda
mais que estava em jógo a dignidade do país I Até apresentando o
projeto, Rui coloca a questão em termos de salvação dos interessados
da marinha, do governo, dos patriotas, surpreendidos com a bruta­
lidade dos fatos e indecisos sobre o melhor caminho a seguir, pois que
se entrechocaran! interesses dispares, a disciplina, o material, a
vida de inocentes, o prestigio da autoridade, os direitos de estrangeiros,
o patrimônio histórico.
Qual a ação verdadeiramente aconselhável no momento ? Estaria
errado Rui Barbosa atendendo ao apélo dos govemistas, êle a que
era tão fácil a excusa, pelos antecedentes da política do momento,
se fôsse um homem capaz de recuar em eventualidades interes­
sando á nação? Qual o melhor caminho? Não sei se tantos anos
passados, qualquer pessoa sensata, colocando-se no meio nervoso.
— 92 —

na atmosfera de terror geral, no ambiente de decepção e de íteabru-


lihamento. sugeriría caminho diferente do seguido jtelo impertérrito
defensor da lei, numa causa tão diferente das que podem usualmente
enfrentar governantes de qualquer pais. Mas Rui não ficou então
simpatisado em varios círculos oficiais e, ainda de vez em quando,
aparecem amigos membros da Armada Nacional condenando sua
atitude, inclusive com a alegação de que os marinheiros anistiados
foram à sua casa agradecer o que havia feito em defesa de suas as­
pirações.
Em ambos os casos será necessária tuna palavra esclarecedora ;
parece-me que se a Marinha deveria guardar qualquer mágua pelo
modo segundo o qual foi resolvida a questão que sacrificou brilluuites
oficais. inclusive o bravo almirante Batista das Neves, não deveria
ser contra Rui. solicitado por membros com a responsabilidade do
governo para auxiliá-los na solução do impasse.
Rui não podería conhecer materialmente da situação, os recursos
da administração, o moral do pessoal, as possibilidades de reação ;
simplesmente acedeu cm colaborar quando palavras, muito mais auto­
rizadas pela detenção do poder, deveríam se externar sugerindo
medidas que não poderíam ocorrer aos senadores civis. Rui dizia
no seu discurso, e se trata de dificílima dialética, porque não havia
pràticamcntc defesa para a situação :
“ Ou o governo da República dispõe dos meios calíais e decisivos
para debelar esse lamentável movimento e. então, justo seria que os
empregasse para restituir imediatamente a tranquilidade ao pais, ou
desses meios não dispõe o governo da República e, em tal caso, o
que a prudência, a dignidade e o bom senso lhe aconselham é a
submissão às circunstâncias do momento”.
"N ão estamos em um momento de recriminações ; não temos
que analisar as causas dos acontecimentos atuais. Estamos em
presença déles, em uma situação tal que todos de um e outro lado,
amigos e não amigos, nos encontramos reunidos em uma só convicção
(apoiados), em um só pensamento, em um só desejo, — na certeza
de que não há senão um recurso para chegar ao resultado em que se
salvem, com os interêsses de nossos concidadãos, os interésses da
legalidade e do regime”.
Aí está. Quem não apoiou essas diretivas ? Qual a voz desas-
sombrada que, ao presidente, ou a qualquer outra autoridade no
Senado, na imprensa, nos ministérios, sugeriu coisa diversa, defendeu
medidas salvadoras em tempo, fora da preconizada pelo Senado, á
voz, requerida mas moralizada do grande tribuno ? Pode-se atacar
quem quiser nesta questão, menos Rui Barbosa, que teve a coragem
moral, na indecisão reinante, de assumir atitude decisiva e majs do
— 93 —

que isSo, resolutiva de uma situação que poderia degenerar, como


disse, “ para humilhações indecentes c desgraçadas”.
Quanto ã comissão de marinheiros agradecidos na sua r-salência.
i esta, ao que parece, unia dás asserções apenas baseadas em tópicos
de um jornal, que, de boa té, pode noticiar o que vai acontecer como
se já tivesse acontecido.
Admitamos, porém, que o noticiário da imprensa estivesse cor­
retamente formulado e que a tal comissão sem nomes, a que ninguém
conheceu com os próprios olhos, nem da qual na Casa de Rui Barbosa
restam indícios, aparecesse na residência de S. Clemente para pro­
nunciar as palavras acobertadas pelo Correio da .Manhã ; em que
poderia a Marinha se julgar ofendida, se, pelo próprio jornal. Rui,
ao recebê-los, aconselhou-os a nunca mais proceder como haviam
feito, que existem caminhos legais para defesa de interesses da classe,
i que a única coisa absolutamente indesculpável era a falta de disci­
plina. era a revolta de armas na mão contra o governo constituído?
Duvido sinceramente, apesar da noticia do jornal, que a tal
comissão tivesse ido agradecer pessoalmente o interesse, aliás muito
especial na forma, de concessão de anistia, e essa dúvida ainda é
maior quando se reconhece a falta de liberdade relativa de qúe
gozaram os marinheiros revoltados nos primeiros dias que se
seguiram às providências governamentais, suspensos os liccttciamentos.
todos pràticamente em regime de prontidão como era justo e razoável ;
mas se aconteceu, era bem difícil a Rui recusar-se a recebê-los, para
aconselhá-los e ainda nessa circunstância defender a Marinha com
a sua habilidade e orientação segura.
Quatro anos depois a questão renasce. desctil|iando-se senadores
de haverem concedida a anistia, como Pinheiro Machado, acusando
Rui de a ter pleiteado, quando na verdade a votação havia sido unâ­
nime, sendo aquele chefe politico signatário do projeto antes de Rui.
Êste discursa longamente, ocupando duas sessões consecutivas, con­
cluindo com as seguintes palavras:
“ Defendí a anistia porque o Sr. senador Severino Vieira me
disse que o governo a queria, que o governo sem ela não poderia
passar Defend' a anistia, porque eu a considerava como justa.
Deferídi a anistia p- rque tendo eu posto o meu dilema, o Senado não
me respondeu se o governo podia vencer. Defendí a anistia porque
sustentando eu que o govêmo não tinha meios de se defender, todo o
Senado concordou comigo. Defendí a anistia porque esperava que o
presidente da República por ela se empenhasse. Defendí a nni.tia
porque não salda que a Marinha lhe era contrária. Defendí a anistia
porque não imaginava que o ministro da Marinha lhe fosse avesso.
— 94 —

Defendí a anistia porque estava longe cie pensar que o chefe da


Armada não tivesse sido ouvido. Defendí a anistia porque não
sabia, como hoje me consta, que as autoridade militares consideravam
exequível a vitória em um ataque noturno contra os navios revoltadas.
Eis por que defendí a anistia”.

NO VA S OU ESTO ES

Depois do estado de sitio que combateu, vieram os casos ,1o


Satélite e da Ilha das Cobras, referentes a fuzilamentos de civis,
presos políticos : a campanha de Rui no Senado e na imprensa é
terrível para o governo : na Marinha os acontecimentos repercutiram,
mas a ação ponderada e enérgica do ministro Marques de Leão,
abrindo inquérito e obrigando o comandante do Batalhão Naval.
Marques da Rocha, a se defender, trouxe rápido esquecimento dos
fatos, mas a referente ao Satélite alcançou considerável vulte porque
tôda alma rebelada de Rui se empenhava contra a impunidade dos
criminosos, que assassinaram presos indefesos, algemados, a tires
de carabina. E ao celebrar a cultura jurídica e de forma magistral,
proclamava :
“ O utra coisa não seu eu, se alguma coisa tenho sido, senão c
mais irreconciliado .inimigo do governo do mundo pela violência, o
mais fervoroso predicante do govêrno do homem pelas leis” .
Ainda não se haviam extinguido os ecos da campanha do Saté­
lite e a Marinha teria de se apresentar novamente perante o brasi­
leiro .'lustre com a questão do bombardeio da cidade da Bahia pot
injunções partidárias.
A nossa história republicana ainda não conseguira o equilibrio
nas ações políticas que cimenta e alicerça a grandeza da democracia,
c fará o homem feliz, pela certeza de seus direitos amparados pela
autoridade responsável, a vida pública dirigida com o escopo de liem
servir ã Pátria, e não a satisfação de ambições pessoais, a personi­
ficação do directo no homem investido de autoridade e não a personi
ficação da autoridade no homem desprovido de direito em cargos de
responsabilidade.
O fato apaixonou além de Rui Barbosa quantos acompanharam
os acontecimentos com suas almas de republicanos c democratas
consternadas, com a constituição ofendida, a autonomia dos Estados,
pedra angular da organização política e esteio do regime federativo
ludibriada, justamente o ponto nevrálgico em que se transformou o
jurista no panfletário, por efeito de convicção vinda'da monarqwa.
Em tôdas as tribunas, inclusive a mais restrita, das cartas parti­
culares, investe Rui com seu protesto, veemente, frenético ; cinco
— 95 —

vézcs comparece ao Supremo Tribunal com pedirlos ele habeas


corpus, enche ríe ariigos a imprensa, na defesa ria liberdade e ría
autonomia de sen Estado natal, sacrificando até a candidatura do
filho, arma entre as mãos de adversarios para constrangê-lo á conci­
liação ou ao silencio.
Mas nessa questão houve um ministro da Marinha que corres­
pondeu às aspirações do politico baiano, o almirante Marques de
Leão ; recebendo ordem para aprestar navios para a Bahia e lá
apoiar as ordens rio governo, deixa a pasta, com respeitosa mas
enérgica missiva ao presidente, onde cm linguagem de alta compre­
ensão do gravíssimo evento |>erante a História ; onde deixará, diz
élc, nódoa indelével, ainda afirma que êsse bombardeio atentará
menos contra a Constituição que contra a dignidade humana. E c o
motivo pelo qual, entbora estejam prontos para partir, à primeira
vez, os dois navios, a ordem só lhes seria transmitida peio seu
sucessor na pasta da Marinha.
O modo de proceder de um ministro de Hermes jtelo menos
arrancava palavras de entusiasmo c de admiração tie Rui ; é
verdade que não atacava Rio Branco, o outro brasileiro ilustre do
governo e que morreu acabrunhado com o bombardeio da gene­
rosa Bahia, sem desculpas para transmitir ao corpo diplomático
esirangeiro naturalmente estarrecido, e que não chegou a verificar
o cumprimento da promessa de Hermes de recompor a situação, não
desejando perder a colaboração do notável servidor da nação que
foi o pacifico incorporador de territórios e o solucionador de ]>en-
dências de tremendas responsabilidades nas lides fronteiriças do
pais.
Rui não teve oportunidades em anos seguintes da encontros
com a M arinha na forma das lutas que o apontaram amigo incon­
dicional da classe, embora acontecúnentos de menor monta em
várias épocas ; o próprio bombardeio de Manaus, fora do alcance e
das decisões oportunas do ministério, se resolveu quanto ao setor de
Alexandrino de Alencar com medidas internas c sob o aspecto legal
que cabia no caso em apreço.

R U I E O M ILITA R ISM O

Considerámo-lo, entretanto, sob outro prisma.


Constantemente, mesmo quando trata de crasas de marinha,
aborda o tenta do militarismo como o grande mal da nacionalidade ;
na carta a La Prensa, de rins de 93. aborda o aspe :to porven­
tura restaurador do movimento naval, em virtude de certas decía-
— 96 —

rações de Saldanha, mas não tem a menor dúvida, escreve, que a


resposta de uma consulta ao povo sõbre n forma de governo resul­
taria em uma nova consagração para as instituições republicanas,
que o país não confunde com o militarismo, que classifica de aci­
dente funesto que já se acentuava nos últimos anos do Império.
Com efeito, em outro local, repete que o militarismo pre-existiu à
fundação da república, aparecendo seus primeiros sintomas no minis­
tério I-afayete, os quais se acentuaram sob forma mais grave no de
Cotegipe. E ainda no tempo de 1'loriano volta a achar que a Re­
pública não estava oferecendo liberdades senão muito interiores às
que se desfrutava na monarquia ; mas ressalva, isto nada tem a
ver com a forma do governo, mas c um reflexo do dominio da es­
pada. que acabaria por donvnar o império se. em vez da república,
o movimento de 15 de novembro tivesse redundado na organização
de um ministério com Oeodom. isto é. de cunho nitidamente militar.
Por isso julga-se coerente pugnando pela república constitucional
em vez da ditadura militar, como se batera pelo império parlamentar
em vez do aulicismo hragantino.
Atribui em 93 todo o mal da época ao militarismo, que ataca
violentamente, defendendo -os militares as instituições armadas contra
êsse próprio mal, levantando hmos de glorificação à disciplina
racional e verdadeira, ao valor profissional, ao civismo do pessoal
dentro dos quartéis e dos navios prontos para a manutenção da ordent
que gera o progresso com a estabilidade dos governos Icgaltncnte
constituídos. Combaterá intransigentemente a força despótica exer­
cida com o apero nas armas, característico primordial do militarismo ;
não combateu o marechal do Exército. Deodoro, nem a farda no
governo será nunca uma incompatibilidade. Diz certa vez :
"O s males que boje nos afligem são raizes sobreviventes das
enfermidades do império. O próprio militarismo é um legado seu.
O militarismo nasceu da violação dos direitos legais do Exército pelo
governo do rei, e graças à fraqueza deste, reunida às imprudências
dos seus secretários, foi sob os três últimos gabinetes imperiais, o
pesadelo dá corúa e do parlamento".
E então afiança que continuará a defesa, perante a justiça, do
direito, da lilterdade e da propriedade das vitimas, porque quando
não houver quem pugne por êsse patrimônio “ os nossos foros de
homens livres valerão menos do que a tanga dos escravos da Guine,
c a Constituição estará reduzida, por conveniência universal, 3 uma
barretina da tirania militar” .
Acusa o militarismo de ter inaugurado a política de represálias
sangrentas, que acabaria convertendo o governo em um circo de feras
— 97 —

e recorda que o mal da origem militar da República podería ser


modificado pelo espirito civil de seu primeiro governo, o que o
induziu a aceitar a pasta que lhe coube. O açodamentu, a preocupa­
ção, a forma dedicada c incansável, com que se lança à defesa, nos
tribunais, nu Congresso e na .imprensa dos militares, traiam o espi­
rito de luta titánica, sem desfalecimentos e que julgaria sempre
gloriosa Delo triunfo final da idéia, embora insucessos parciais que
atribuía à falta de espirito democrático e de educação liberal dos
julgadores, contra o exercido do poder apoiado nas forças armarias
e não pelo império da autoridade exclusivamente constitucional e
delegada pelo único órgão com autoridade para fazê-lo : o povo.
Ao aceitar por fim a candidatura contra o marechal Hennes,
continuava a temer o militarismo, nela reconhecendo apenas a origem
militar do canditato : militarismo éste, convenhamos, que se trans­
formou cm consideráveis, beneficios para a comunidade, propiciando a
eclosão do civilismo, movimento de monumental transcendência para
orientação de nosso povo nas práticas da democracia, po>s no fundo
se resumia em educá-lo na compreensão dc que. todos os mandatos
dêlc derivam, que sua vontade, esclarecida pelas campanhas, conven­
ções. plataformas, conferências, discursos, deverá ser a única a
resolver a quem compete dirigir os destinos da nação, e não a
vontade de poderosos do momento, reunidos em grupos ocasinnais e
dotados dc fôrça eleitoral mais material do qne moral, especialmente
enquanto dominavam o caciquismo politico c as oligarquias estaduais.
Revendo, estudando, avaliando as campanhas de Rui contra o mili­
tarismo. resta-nos uma constatação radiosa no sentido dc que. inapre-
ciável ]>ela extensão dc seu valor, o («rene receio de Rui de que o
govêrtio da nação se resolvesse [» r imposição dos militares, ou que
fosee flanqueado pelos canhões c as baionetas. seus gritos dc alarme,
sua tremenda autoridade cívica e sua mentalidade avançada de pelo
menos meio século para a época cm que viveu, alertaram t> povo,
constituiram as melhores fontes de educação das nossas elites e
continuam seu trabalho de orientação das gerações novas, as citações,
<• os conceitos do grande mestre se reproduzindo diariamente nos
livros e na imprensa, c talvez por isso mesmo, pelo seu esfôtço e de
outros émulos, de corifeur, da mesma escola, o povo, sempre alertado
contra o mal, nunca tenha o pressianisnto conseguido se impor de
fornta iniludívc! em qualquer época de nossa história.
Algumas vezes tem havido intromissão de militares na política,
vocações que surgem, questões regionais, incidentes mail ou menos
graves, mas cujos autores principais logo fazem questão de ressaltar
que não se trata de militarismo, nías justamente combate a éste.
— 98 —

quando não sucede o militar se ter batido pelo idealismo de orientar


a república para as suas puras finalidades.
O militarismo nunca constituiu uma ideologia política e portanto
não podería orientar o pais para a formação de castas militares, ás
quais competerían) pela razão ou pela força a direção do pais ; essa
ideologia nunca podería aliás existir, porque a isso se antepõe de
modo inequívoco o sentimento de nossa gente, contrária a qualquer
espécie de prepotência, de imposição-. de dominio, de imperialismo,
visceralmente antagônico aos germânicos, nipónicos c quanto surjam
com os mesmos característicos.
Rui, por exemplo, cm carta a Jacobina, quando na Inglaterra f'iz
referência a uma reunião de generais, os quais se decidiram a apoiar
o Prudente, faz blague, adiando que quando um governo precisa de
moções de soldados que deveríam simplesmente obedecer, “ mal vai
éle". Avellaneda, um dos maiores políticos argentinos, dizia seme-
lhantcmentc : “ A espada que brilha com luz solx-rana durante os
combates, na vida civil obedece e não comanda".
Quem aprecia a vista empolgante de uma cidade não vai distin­
guindo o que particularmente está acontecendo em cada edificio ;
semelhantemente com os panoramas politicos da nação : fatos oca­
sionais. de improvisação ou fortúitos não alteram a visão de conjunto.
Assim essa manifestação de generais ; seria preciso saber se para a
nação melhor se afigurava, no momento, que ela soubesse do apoio
dos generais ao primeiro presidente civil da República, se isto não
acarretaria maior fôrça para o presidente dirigir o pais, do que a
desorientação ou o açulamento de apetites poderíam produzir. Seria
neste caso uma intromissão de militares, mas dc forma tão superior
que até jxxlcria ser considerada um ato dc patriotismo. Porque as
angústias de Rui, originando-se do temor do militarismo, encontraram
eco entre muitos militares que se salientaram pela doutrina de que os
colegas deviam permanecer afastados da política c entregues exclusi­
vamente aos múltiplos afazeres dos quartéis, onde há muito campo
para o emprego do maior patriotismo e da maior capacidade de tra ­
balho. A primeira impressão para quem estuda a história brasi­
leira. especialmente a republicana, parece se firmar no sentido de que
a influência dos militares na política se tem feito sentir de forma
acima das permitidas pelo desenvolvimento normal das arividades do
país. Mas reexame dos fatos, com serenidade e sem partidarismos,
faz modificar de muito qualquer impressão mais superficial. Lem­
bremos asserto de Otáv.lo Amadeu : a história argentina parece
repleta de ditadores militares, acorrentando os patrícios ao careo do
triunfo nos comitates pela posse do mando, e ensanguentando o ctnni-
—w —
nlio do despotismo apoiado no poder militar : no entanto. <> exce­
lente publicista escreve :
"Neste pais nunca existiu o predomínio militar ; nossos cau­
dilhos. inclusive Rosas, apesar de seus galões, foram grandes chefes
civis. A s revoluções fizeram-nas Os partidos civis com auxilio
militar, mas não houve "pronunciamentos" e em outra feita Urqniza,
Mitre e Rosas, ao chegarem à presidência. ]>elos caminhos civis, pen­
duraram a espada em seus guardas-roupas”.
A origem militar da Republica, por exemplo, nada foi que uma
eclosão do movimento que Eucbdes da Cunha sintetiza admiravel­
mente no seu primoroso resuma de nossa história monárquica, "D a
Independência à República", dizendo entre outros conceitos que ‘‘as
conquistas liberais do nosso século, compondo-se com uma aspiração
antiga c não encontrando entre nós arraigadas tradições monárquicas”,
"como desfecho feliz <le um:, revolta", "removeram no espaço de
uma manhã um trono que encontraram", "porque a revolução já
estava feita”. E assim foi. bem caracterizada pela nenhuma reação
dos amigos da monarquia, pois êstes não encontrariam ]X>ssivclmente
o menor apoio. Se os militares conspiraram « fizeram com civis e
não fôsse assim, não haveríam tantos patriarcas republicanos, não
se julgaria coberto de glórias o partido de I-opes Trovão com a vitória
de seus ideais e tantos não se enobreceríam com o republicanismo
histórico. O marechal Deodoro não impôs a fôrça do Exército con­
trariando a vontade expressa de qualquer forma pelo pais, e a revolta
da Armada com Custódio, que acarretou a renúncia do proclamador.
se fazia em nome da lei. pois que a dissolução do Congresso, segundo
palavra de Custódio, seria a deshonra para a nossa Pátria e feria
de morte a República "cujo advento principalmente a êlc se devia”.
Mas c ainda batendo-se pela lei que sc levantou a Armada contra
Floriano ; é impossível qualquer digressão histórica para a qual o
tempo faltaria, mas reparem que o militarismo, ai ainda se revestia
de formas especiais, como o manifesto dos treze generais de terra
e mar. justamente concitando Floriano a se manter na legalidade.
Existia então inequivoca, aparência de militarismo, porque todo
o poder de Floriano. sua resolução de continuar no posto vetando
a lei que o impedia, baseava-se no prestigio de sua farda e no fascínio
da autoridade : Rui, como se viu. ataca-o com tpda a energia de
seu espirito eminentemente sintonizado com as fórmulas da liberdade,
mas o fato é que Floriano encontrava tremenda oposição justamente
de militares que, então, se liatiam contra o militarismo, quando talvez
fôsse mais cómodo para as comissões pingues e as promoções fáceis
apoiar o detentor cías boas graças cm tttn pais tão presidencialista
como o Braril naquela época. O que diz o manifesto de Custódio?
— 100 —

O objetivo principal da revolta é "o restabelecimento do dominio da


constituição rqmhlicanti (que foi anidada pelo general Peixoto), a
pacificação da República e a eliminação do inilitarisnw, pavoroso
sistema politico inaugurado por aquéle general que está assim pre­
parando para o Brasil a sorte das repúblicas de origem espanhola"
e Alexandrino de Alencar, em carta a Rui. cheia de eucón.ios e de
admiração, tudo hipotecando ao homem eminente, e onde fala do
futuro almirante Rui Barbosa, parecendo-me o único exemplo dessa
forma de agrado, diz, cm postscripium, as seguintes jxilavras dignas
de se memorar, com suas elipses e suas zeugmas :
"H oje, segundo aniversário da Revolução esmagados mate­
rialmente — vencedores do nosso ideal. O regime civil plantado
na Pátria e o Militarismo pouco se estatelando. que a Pátria mais
tarde tenha uma lágrima de saudades para com os filhos que derra­
maram seu sangue pela liberdade da Mãe extrañosa”.
Floriano havia de reagir contra a revolta, esta foi vencida. <■!<•
completou o quatriênio, mas c inútil nas sociedades políticas, restringir
o fulgor das vitórias. Desde a antiguidade, com exceções mínimas
para a imensa generalidade, os vencedores tiveram a palma do poder
c o vencido, também com rarissimas exceções. o exilio ou a torca,
o pelotão de fuzilamento ou ostracismo político. Aliás muitos anos
depois na tribuna, Rui enuncia opinião, achando que afinal de
contas foi um bem não ter a revolta da Armada obtido a vitória <■
do próprio Floriano avança o conceito de grande militar, notável e
superior na sua classe e que se impunha ao respeito de todos.
A presidência Hermes representaria um militarismo dominante,
intratável, absoluto, incontrolável ? Izinge disso. Foram civis que
lançaram a candidatura do marechal ministro da guerra e job que
bandeira ? F. difícil discernir, tantos são os primas diferentes nas
graduações do patriotismo, do interesse, de ind.vtdualismo dos
personagens. Mas não houve ’inposiçãij do Exército, embora de­
monstrações quando os reflexos das paixões políticas acabaram tendo
eco no interior dos quartéis e fortalezas.
O militarismo nacional se tem liavido, se realmente existiu, não
pode ser olhado com o miátema das monstruosidades sem exame mais
detido e imparcial.
H á aspectos muito complexos no assunto. Quantas procla­
mações de generais, almirantes e brigadeiros, com brados de alerta
para seus comandados a respeito dos perigos da política, concitando- ■-
ao cumprimento do dever, como guardas impolutos da Constituição,
da defesa nacional, da .integridade do território, da segurança das
instituições?
— 101 —

Alguns povos pdas suas condições peculiares evoluem mais


rápidamente para a prática da democracia do que outros, c existem
até os <|Uc. provavelmente, não chegarão tão cedo aos últimos estágios
dessa instituição de governo dos povos cultos. Nessa evolução inú­
meros perigos se oferecera à estabilidade da nação pela desorientação
dos espirites, as convulsões nas massas, os apetites dos aventureiros
e dos aproveitadores das situações turvas, como os morcegos que
só veem nas trevas : ai : urgem as íõrças armadas como a garantia
da ordem, conto o elemento estabilizador, o único bloco verdadeira­
mente organizado, fortalecido pelo ensinamento do alto valor de sua
missão, educado no patriotismo c no culto jielas tradições nacionais.
E* o próprio Rui quem o diz em carta n Nilo Peçanha “ vendo resse
elemento (o m ilhar) lórça única de estabilidade e tie reorganização
que resta ao povo, na dissolução e anarquia geral que nos arrasta”.
Seria impossível aos militares cruzarem os braços e assistirem fria­
mente aos desmandos das paixões desencandcadas, ao tumulto e à
voragem das realizações caras ao pais e aos seus habitantes. Então
elas assumem a jtosição de garantidoras dessas instituições, apoiando
os bem intencionados, acalmando as agitações, desarmando insurgentes
ott conduzindo ao desânimo os conspiradores, para quando nova­
mente o ritmo de progresso, com a estabilidade da administração
sobrevier, voltar aos seus trabalhos profícuos da paz interior, de
seus estudos profissionais c de seus labores regulamentares.
O almirante Wandenkoik ainda antes da revolta da Armada,
em julho de 93. já preso a bordo do Júpiter escreve a Rui rebe-
lando-se contra a qualificação, mas ao mesmo tempo tranqüilizando-se
quanto ao procedimento da classe aíastada da política.
"N ão tomando parte na politico e guiando sua conduta tão
somente como fõrça militar, ela será a garantia, o apoio e o susten­
táculo do govêmo civil, único que no meu entender salvará a
República para cujo advento concorrí com a maior dedicação e com
todo o desprendimento”.
Mas como estabelecer a linha exatamente divisória entre forças
armadas vigilantes pela natureza de seus objetivas constitucionais,
ligadas às massas [velo preparo das mesmas na previsão do futuro e
na possibilidade de serem empregadas em tocos os setores de sua
capacidade, na guerra, na defesa da Pátria e nas exploraçôe- políticas?
Cómo estabelecer essa marca de separação entre a necessidade de
militarização do pais ¡icio imprescindível dever de prepará-lo para
as eventualidades do porvir e portanto preconizarem medidas ade­
quadas que afetarão todos os serviços públicos, e a ação do militar
que possa ser olhada como exigência imposta pela fórça?
— 102

Evidentemente que tudo poderá ser fejto. como nos Estados


Unidos, sem a menor sombra do que se chama de militarismo, mas
para isso será necessário que se tenha atingido estágio superior de
organização política, os partidos nacionais com sua estrutura Iran
definida, seus programas bem delineados, de modo a se imporem na
confiança das massas. Enquanto, porém, um pais não atingir a essa
quase perfeição no mecanismo politico, os choques e os desequilibrios
se verificarão e apenas as forças armadas, que não formam partidos,
mas constituem massas fortemente organizadas e treinadas, assumirão
as atitudes reclamadas pela felicidade da nação, mas ao tempo sufi­
ciente para que amainem os ventos tempestuosos que estiverem
soprando.
A todos calx- o glorioso pape! de formação da nacionalidade, o
penoso batalhar pela unidade do pais, promover sua segurança e seu
Iran estar, regulá-lo. compô-lo mas. se nem todos se esforçarem para
a consecução desses objetivos, as fõrças armadas estarão na primeira
linha dos construtores dêsse conjunto que no fundo c a nrópria pátria
porque a elas caberá precipuamente a missão delegada pelo povo
inteiro que a inst'tui e a mantém p ira êsse fim, além da defesa
externa.
Rui viveu a sua época no grande comitate pela consolidação das
leis, especialmente as jurídicas, sem poder fugir aos azimutes vários
cias ideologias políticas e se tomou grande nesse empenho, menos
de extirpar um militarismo discutível do que na vacinação geral do
povo cpntra os surtos do despotismo que, de tempos cm tempos,
deixava antever os sintomas. Terá sido essa uma de suas maiores
glórias ; de tanto se bater contra as ameaças e escaramuças inter­
mitentes do mando sem freios talvez tenha sido máximo dique à sua
expansão, impedindo-o, e abrindo aos patrícios, inclusive aos mili­
tares. as portas do caminho único que condiu à verdadeira
democracia.
Mas debatendo a chamada questão do Amazonas, não se deixou
quedar sem pronta resposta e depois mais ampla e substancial, insi­
nuações sobre as suas relações com as fõrças armadas, levantando a
luva, fazendo brilhante histórico dos seus então 45 anos de relações
com o Exército e a Armada, demonstrando como nenhum brasileiro
unis do que êlc fõra melhor nem mais sincero amigo dos militares,
e focaliza como os enquadra perante o povo, o governo, a nacio­
nalidade .
E com veemência escreve éstes períodos desassombrados :
"N ão queiramos, portanto, senhores, em matéria de crimes, até
ai estabelecer distinção entre militares e civis. Eu condeno os crimes
— 103 —

da farda, como condeno os crimes da casaca. Mas do mesm» modo


conto. ao condenar os crimes das casacas ,eu nao responsabilizo a
casaca pelos sens crimes, assim condenando os crime.- dos militares,
eu não responsabilizo os militares por ésses crim es.. . Condeno o
crime onde quer que. ele se manifeste, no militar ou no paisano”.
E depois : "M ilitares, dentro da !<;>. civis, dentro da leí, —
esta é a minlia divisa.
Que são os militares senão uma categoria de funcionários, se­
melhantes aos funcionários civis, c apenas diferençados pela natureza
dos sacrificios maiores a que se consagram?”
E por fim : "A minha doutrina, portanto, é clara. Atrás os
especuladores. Eu não adulo o Exército, eu não adulo as forças
militares, como não adulo os ixtderes civis. Falo a verdade, c outra
coisa não podem desejar aqueles, casacas ou militares, que lealmente
servem ao seu pais”.
Essa noção da vida de Rui parece ser absolutamente sincera ;
não creio que se possa garantir ter-se éle inclinado mais para uma
classe que para outra, de natureza militar ou civil, em questões de
d ire to . Todos seus intimos, todos que sobre sua personalidade
escreveram, c mesmo a observação dos acontecimentos, colocando-o
ora de um. ora de outro lado na defesa de interesses de constituintes
sem côr classista, pois os havia de tódas as camadas sociais, seus
biógrafos e comentadores, não apontam preferências singulares nas
manifestações de sua pena, nas lutas cm que se empenhou, na vasta
atividade de homem público, de jurista, de entendedor de tódas as
profissões liberais, mercê de prodigiosa cultura, de imenso cabedal
cientifico. Nunca foi inimigo das classes armadas como o sabugittno
politico muitas vezes e sistematicamente fazia acreditar, como nunca
foi o amigo irresponsável, capaz de encobrir os sentimentos de um
espirito eminentemente democrático, liberal e reto, apenas para
usufruir os proventos de atmosfera de amizade com os detentores
do poder militar c apoiado nélc chegar ao maior posto da República,
que. se não atingiu, talvez ultrapasse na agitada trajetória nesta
terra.
( Irador escolhido para saudar o heróico general Osório em visita
à Bahia, avança esse admirável conceito do militar investido em
altos postos do comando.
“ Longo tempo, senhor general, os instintos menos humanos do
Htmcm simbolizaram, no ferro ensanguentado, o heroísmo. A civi­
lização deste século, porem, sente já que o gênio militar não é senão
uma inteligente e perigosa expressão da fôrça sc não fôr o agente
— 104 —

de uma idéia superior, de um movimento providencial tóda vez que


não encarne em si uma reação nacional, liberal, civilizadora".
Sejamos justos, muitos de nossos grandes nvlitares encarna­
ram-se nesses formosos ideais traçados ¡tela máscula individualidade
de Rui, que não distinguindo (¡liando se tratava do direito, da liber­
dade e da democracia, firmou os três vértices de um triângulo, de
cujas linhas retas que formam os lados nunca se desviou do perímetro
enfeixando-se decidido, hércules c positivo, quase raivosamente no
campo limitado por diretrizes assim preciosas, cantinho sem curvas,
do gênero de que fala .Alvino Guanabara quando desenlia a stta vida
"por uma reta traçada entre a liberdade e o direito".
Par?, com a Marinha nunca se desmentiu a sua amizade, a con­
sideração pelos seus almirantes que se tomaram merecedores dessa
distinção, o apreço pelos altos feitos de seus imperiais marinheiros
c dos soldados marítimos da República, a vigília constante e desin­
teressada pelo progresso de sitas atividades, pela maior glória da
ação em prol do pais, pelo preparo técnico dc sua gente apoiando
tôdas as aspirações dentro do alcance dc seu poder.
Havería alguma atração especial para que assim rc manifestasse
essa preferência sensibilizadora tantas vezes demonstrada? Talvez
a carreira de escolha do filho a quem tanto estimava, Alfredo Rui
Barbosa, talvez os estudos históricos que aos poucos lhe trouxe
nítida compreensão do valor do poder naval e nesses estudos se
familiarizou com os atos de heroísmo c dc abnegação da esquisita
gente marítima que tudo aliandona em terra, os parentes c amigos,
os encantos do torrão natal, as ternuras do coração, os confortos e
as conveniências, os interesses materiais e o brttá das capitais, para
as lutas contra os elementos, os ventos c as vagas e mais vêzes cm
outros tempos contra o inimigo número um, o homem, a luta contra
o desconhecido e o imprevisto, os escolhos c os rochedos, as moléstias
e as carestías, pelo nomadismo dos aventureiros, uns como exalta
Victor Hugo, tragados pelo Etna, outros pelo amor.

¿.’amour ouvrít la farenthísc,


L e marim/e la ¡erma.

alguns se apartando, monges em Malta, arlequins. no serralho de


Tunis ou desprezando filhas de reis com coroas para se prosternar
aos pés da beleza cm Eaenzctte, ou pelo amor da profissão sempre
dura c onerosa, compensada pela vitória constante contra todos esses
fatores adversos, e o prazer, enfim, de aspirar as brirtts dn largo.
— 105

de temperar tu energias ao emítate de elementos tão contrários, e


parece que acima de tudo, do gõsto pelo mar incógnito sempre pre­
sente no espírito e no coração de seus admiradores.
Rui Barbosa era um deles, pois que nos seus arcanos ia buscar
constantemente motivos para os trechos literários do maior valor,
a enriquecerem a sua opulenta bagagem de acadêmico, verdadeira­
mente imortal.
Nada de atavismo, embora um ancestral Barbosa tenha sub­
metido. sozinho, cm combate, três galeras mouriscas. e outro coman­
dasse um dos navios de Fernão de Magalhães, na primeira viagem
de circumnavegação do globo, mas desde os primeiros tempos de sua
vida o mar resmungava-lhe perto como carinlx sámente banhava. a
sua c<dade natal ; quando se recolheu ao lugarejo Plataforma, diz
Luiz Viana Filho, podia estudar no lugar quieto em que se contem­
plava o mar. as pequenas canoas, o fazia dizer ao ]>ai que era mais
fádl dali tirarem o mar de qüe o Rui doa livros. E tent-se a
impressão que desde ai se tomou um enamorado do infinito das
águas sem o confessar, entretanto, cm nenhum de seus escritos ; mas
como não o julgar assim, se continuamente as mais lindas formas
da pena magistral, exacerbantes, sugestivas, saiam ligadas ao lençol
de esmeraldas, no reino dos gigantes marinhos, dos Vikkrngs c dos
normandos ao teatro dos labores peregrinos de Tromp, Ruyter,
Nelson, Tamandaré?
Luis Viana acredita na influência do mar sõbre os pensamentos
de Rui ; no final de seu magnifico trabalho já por todos conhecido
diz :
"Essas recordações talvez o levassem a lembrar-se do mar.
aquele mar azul celeste, tranquilo e profundo, que descortinaria das
janelas do Diário da Bahia e que. na terra natal, salta por tõda a
parte, à vista dos habitantes, c o n v id a n d o -:ã meditação".
Sim, gostara do m ar ; a todo instante repontam nos momentos
mais eletrizantes de sua prosa as policromías do mar. como sucedeu a
tantos outros nobres escritores. De Castro Alves se pode afirmar
que falou do mar em cada uma de duas poesias que baja escrito :
em Rui era o tema das grandes imagens nas suas arrancadas ou. ao
inverso, na calma dos pensamentos voltados para as mais caras afeições
da alma.
A Maria Augusta em carta sentimental :
“ I lá pouco perdi a terra de vista, mas minha alma não perdeu a
vista de ti" e em outra : "Logo que a noite cair com suas sombras
sôbre o mar, men coração abismar-se-á todo na dor deesa recordação"
— 106 —

ou " A fortuna do noivo, atirado sobre tantas incertezas a esta


aventura tão perigosa como o mar que me está cercando".
O s veros cultores da lingua, os maíorais do bcletrismo. desde a
antiguidade vem buscando no mar motivos |iara fortes poemas. Com
Homero assim acontece, quando lança Odvsséia que se tomou o
sintbolo das empresas extraordinárias e das façanhas memoráveis,
|«!os pélagos sombrios onde o “ imbrífero Tonante solta estridnlos
ventos e em montanhas incha escarcéus” ; a essa altura se eleva Rui
quando alertando contra a superficie plácida e enganadora do oceano,
divisa no “ seu seio forças naturais cm constante elaboração, capazes
de levantar nas águas ou nelas afogar or grandes continentes".
Com a Eneida descreve-se a primeira tempestade que imprts-
sionou o homem c somente os gênios da prosa e da poesia tentaram
produzir obra idêntica, como Vítor Hugo, Camões, dentre os maiores.
Então agem ao laclo de Juno e do Eolo. os deuses dos ventos e das
vagas, sopram o Euro e o Noto, o Africo e o Aquilão até que Netnno
irritado os ceusura e os repele para acalmar as ondas, se levanta com
o tridente, abre as vastas sirtes e depois deslisa à flor das maretas
“ com as suas rodas ligeiras".
Com Rui não é uma temnestade descrita, porque nunca se pediu
que ele escrevesse o livro maravilhoso de titulo O mar mas ruge
a tempestade nos seus arroubos quanto sopra o vento das procelas,
simbolizado pela avalanche de atos de prepotência, de gestos desman­
dados. das soluções impuras, do tripudio contra ar. praxes democrá­
ticas, do que pudesse afetar mesmo longinquamente a dignidade das
instituições republicanas, o império absoluto da vontade consciente
e esclarecida do povo. Mas sem imitar, recorda êsses fenômenos de
violência ligando-os às cóleras do oceano, como ao vislumbrar a
influência das massas na equação política dos povos, distingue entre
as revoluções só políticas, com as praias que lhes circundavam "e
lhes punham raias visitéis", e as sociais que “ beiram êsse M ar
Tenebroso, cujo torvo mistério assombra de ameaças as plagas do
mundo contemporâneo”.
Com Vitor Hugo, o mar é tão variável como os aspectos da
cerebração superna do insigne francês, talvez o maior poeta lírico
de todos os tempos ; em os Trabalhadores do mar é grandioso,
soberbo, imenso e insondável. pontilhado de abismos e cavernas,
habitáculo, de espécies monstruosas, colméia de hidra, onde o horrível
é ideal, formigueiro de holoturias, a incarnação do Ignoto, o golfão
análogo à no'te abrigando os demônios nas medonhas ocupações da
sombra ; mas não é sempre assim, tanto que o descreve em outros
ritmos, nar- formações oceânicas, nos seus mistérios, nos proinon-
— 107 —

tórios c arrecifes, obras primas da arquitetura de milênios, fruto das


massas revoltas das águas e dos ventos.
Rui avaliava nos escritos esparsos a hcleza sem par c a majes­
tade singular dessas tremendas construções marinhas ; na Itome-
nagem a Dantas c ao seu projeto que surgiu como raio do dia vin­
douro. exclama, rebatendo os augúrios de que a campanha abolick*
nista era apenas uma ebulição superficial :
"M as as bolhas de espuma que branquejam à tona das vagas
anunciam a voragem, a luta perene entre o ácido e álcali, as revoluções
que se operam mudamente nas profundidades incomensuráveis onde
não penetra a vista do nauta nem o escafandro do mergulhador. Nós
somos um cachão que referee e borbulha à flor dágua, de encontro
às fragas de um cachojio rebelde, mas abaixo de nós está o golfão,
está o oceano, "pater oceanus", criador c subversor de continentes ;
está a consciência nacional, a onda infinita c eterna” c note-se, ditor
Hugo deplora □ mar fora dessas vibrações, porque em “ La Legende
des siêcles” escreve :
“ O triste mar ! sepulchre ou tout semble vivant 1
Para Castro Alves, é o “ mar — corcel que espuma ao látego do
vento", com Gonçalves Dias ê o "m ar de amores”, com José de
Alencar “ Mares de leite”, "M ar de pirâmides” com Alexandre Her-
culano, “ M ar de afeto” com Castilho, e com outros banzeiro, provi­
dencial, tempestuoso, revolto, c em brilhante catacre«c de Mário de
Alencar :
Soa na /traia, mensamente,
.4 'voe do mar".

A obra máxima da lingua portuguesa, os Lusíadas, c um romance


do m ar e êste e um dos motivos característicos dos m aL belos versos,
inclusive porque os portugueses iam :

" . . . abrindo aqueles mares


Que geração alguma não abriu”;

mas se os lusitanos entoaram hinos ao elemeiuo primário de sua glória


pretérita e imorredoura, encontraram em Oliveira Martins pensa­
mentos negativistas, onde a onda é falsa e em baixo, as sereias do
mar. “ dançando na areia branca de espuma, chamavam para as
núpcias as naus, atirando-as para longe na derrota da aventura
temerária”.
108 —

Rui poucas vèzcs desconhece o mar, embora já o tenha julgado


inceno e jierigoso ; nota a poesia de suas ondulações e n forma de
suas atividades, encanta-se c assim já não lhe assustavam os recifes,
depois de ouvir gemer o m ar tempestuoso.
Vêde : "E stas margens escarpadas são como que as defesas
severas de um mundo zeloso de seus tesouros. Se vos aproximardes,
vereis como a poesia mana destas rochas, Não é a poesia dos favos
do Hymmeto. Sente-sc mais nela o acre das v.írações saturadas do
oceano".
Compreendendo o valor do elemento como traço de ligação entre
os povos e mesmo de união entre os individuos, expressa êsse mara­
vilhoso fenômeno com a mesma altitude de sempre, "O utro o instinto
que. de polo a polo, une em uma só fomília a tolos os homens dr
mar. criaturas do mesmo elemento, caravana do mesmo infinito
deserto”.
E por sentir imensa afinidade de idéias e de sentimentos entre
esses homens não desdenhava oportunidade de manifestar, como no
discurso de homenagem a Dantas pela lei que o evidenciou mais que
quaisquer outras ações na larga tolha de serviços ao pais, atacando o
tráfico quase moribundo : "In fu n c o escravismo as velas ao barco
negreiro, mas não queira desfraldar-lhe à proa, o estandarte liberal".
E cm Cartas de Inglaterra, “ Lição do Extremo Oriente”, em certo
trecho a respeito da anistia, quando a proposta reveste o aspecto de :
" . . . ofereçamos aos marinheiros o esquecimento ; e os seus oficiais
ficarão sem soldados". “ Mas não se salte ai que entre esses mari­
nheiros e esses oficiais há o cimento do sangue vertido em comum ?
Que a convivência do oceano ensina a lealdade c as virtudes robustas
da constância ? Que a solidariedade da abnegação e <!o perigo, do
serviço voluntário e do heroísmo gratuito, contraída nas lutas de mar,
repele as ingratidões do egoísmo e as perfidias do interesse ?
Se não foi nosso maior poeta do mar. como Vicente de Carvalho,
que com êlc conversava, apontava as ternuras, olhava o mar, sussur-
rante cm ritmos rqiletos de afagos que lhe batia às portas cm Santos,
mimosa sala de recepção do grande estado paulista, foi Rui o maior
prosador do mar, se preferirmos a quabdade à extensão dos escritos e
quando sua alma busca como comparar as coisas que sente grand osas,
tal, por exemplo, a obra de Carlvle, monumento de literatura das
bandar. da Inglaterra, dominante e indefinfvel. • ra obscura ora resplan-
descentc, Rui compara a inflexive! sinceridade do autor, e ingreme
de seus contrastes, o bravio das imagens que lhe povoam o estilo, o
seu entusiasmo pelas expressões heroicas da individualidade humana,
o fragor de suas apostrofes, nutras faces desconcertantes mas sublimes
a " . . . um panorama de penhascos escalfados à borda das águas
f

— 109 —

azuis, com o cristal das ondas franjando-se em espuma branca, a


marulhada rcbramindo contra os promontórios silenciosos o vôo soli­
tário das aves marinhas, e por cima, nas tréguas da procela, quando
as faiscas não esfusiam pelas arestas atrevidas, a eterna calma do
firmamento ; a fôrça, o conflito, a pureza, a eloquência, a imortali­
dade .
A Marinha terá assim bem fundadas razões de guardar tamltém
Rui Barbosa como seu, êle o incomparável defensor de almirantes,
propugnador de medidas legais jurídicas, parlamentares visando ao
seu engrandecimento ou à situação pessoal de sua gente.
Quanto á afinidade entre a sua grande alma e o mar ciclópico,
talvez se manifeste ai outra lei cientifica como a atração universal de
Newton : a fôrça é igualmente abstrata, embora a iniludivel verdade
de sua existência, e se se exerce entre as massas na razão direta das
mesmas, pode existir no dominio espiritual outra fôrça semelhante
entre as massas materiais como as das vastas extensões aquosas, e as
massas cerebrais gigantes como a de Rui, c neste caso se confundindo,
em razão inversa das distâncias, mas na direta dessas massas excep­
cionais ; e dêsse achego, pelo irresistível da atração, tal a dos corpos
celestes, sublime e insensível, resultará a gloriosa expressão dessa
simbiose — Rui-mar, Rui-occano, Rui-imensidade !
RUI NA INTIMIDADE

A CASA D E SAO C L E M E N T E

EDGARD BATISTA PEREIRA

H á quem pense no Instituto Histórico, ápice das nossas


associações culturais, "a mais austera e venerável instituição sábia
do nosso pais", no dizer de Afránio Peixoto, apenas em função de
suas tradições, inteiramente, absorvido no passado, submerso na
poeira dos arquivos, mas estranho ao bulic'o da vida contemporânea
e despreocupado com os problemas do futuro. Entretanto, o Insti­
tuto Histórico não se deixa fossilizar. Não há ninguém no Brasil,
que saiba ler e escrever, que lhe não reconheça as benemerencias e
não evoque o nume tutelar do "Rei Filósofo”, que durante quarenta
anos, pontual e atento, lhe presidiu a quinhentas e seis sessões. Mas,
sensível também ao diagrama do nosso progresso, busca prevê-lo.
ordená-lo. participando diretamente na educação das gerações que o
vão realizar. Os cursos Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, para só
falar dos seus mais recentes comctimentos, constituem uma obra de
patriotismo digna dos maiores encomios. A vida dos grandes homens
as suas lutas e sacrifícios, os seus revezes e recompensas, n sua
odisséia e o seu capitólio despertam as vocações, enrijam as fraquezas,
temperam os caracteres, marcam, nos caminhos do futuro, as pisadas
indeléveis que as nações devetn acompanhar se quiserem atingir altos
destinos. Vou falar de um dêsses grandes homens. Do maior.
Do insuperável. Déle se disse que cansou 3 hipérbole e o superlativo.
Pode-se, porventura, medir os astros com a aritmética dos valores
cotidianos ?
Quanto a mim não tentarei fazê-lo. Não me deixo iludir quanto
ao tamanho de uma responsabilidade, de que tenho tão cabal consci­
ência que teria declinado da honra e do prazer de falar-vos, pelo
intimo receio de transformar em decepção a vossa genero-a expec­
tativa. Mas o embaixador Macedo Soares, meu chefe c meu tmigo.
feito, como diria Vitor Hugo, de cristal para vibrar e de bronze para
— I ll —

resistir, obstinou-se em me trazer a esta tribuna, abrilhantada pela


passagem de tantos oradores eloquentes. Não me valeu o argu­
mento de que andava assoberbado de trabalho. Que nenhum ten a
eu, redarguiu-me, pois não se tratava de uma conferência, nem de
um discurso, nem de uma aula, mas sim de uma simples palestra
entre amigos sobre recordações pessoais de minha adolescencia. Que
essas recordações — insisti — se restringiam aos últimos quinze
anos da vida de Rui. a um período, portanto, quase contemporâneo,
cujas minúcias haviam sido vulgarizadas por escritores e ensaistas do
melhor tomo.
Obtcmpcrou-me que eles tinham visto Rui no cenário da vida
púbbca, no fôro, na tribuna parlamentar, na imprensa, na cátedra,
na praça pública, doutrinando, pregando, apostolando, combatendo o
érro, proclamando a verdade, reivindicando a justiça, pugnando pela
liberdade, mas que seria interessante conhecer o homem no recesso
do lar, no aconchego da familia, no convívio dos amigos, com as sttas
alegrias, os seus sofrimentos, as suas preocupações, com os seus
hábitos, as suas distrações, os seus trabalhos.
A argumentação poderla prolongar-sc indefinidamente. Confes­
sei-me vencido e aqui estou. Queixem-se, pois, os que se sentirem
fraudados, não de mim, mas do meu irredutível e generoso paraninfo.
As recordações não nos acodem á memória, ordenadas, catalo­
gadas, sistematizadas dentro dum plano preestabelecido, ou dum
esquema rigorosamente traçado. Vêm-nos muitas vêzer em atropelo,
outras lentamente, sem propósito, sem cronologia, emancipadas,
rebeldes, incoerentes, insubmissas à ordem, no tempo, à convocação.
Bando de borboletas esvoaçantes, fráge.s farrapos de gaze, irisadas
ao sol do carinho e da veneração, batem as asas delicadas daqui para
ali, saltitam, pousam lá, assentam acolá. Mas ai de mim, forçoso
é fixá-las. E eu rece: o que aquelas filigranas de arrebóis, aquelas
aligeras safiras, aquelas opalas palpitantes, não deixem de si, ao
contacto dos meus dedos e transfixadas no papel, senão um pouco
de poeira amarelada.
Sete anos de idade contava eu quando meu irmão, meu único
irmão Antônio, de quem os estiles parlamentares me fizeram expro-
priar transitoriamente o nome adquirido "p ar droit de naissance et de
conquête”, sete anos contava eu quando meu irmão, “ dimidium animae
meae”, em latim como as coisas eternas, na dedicatória de um de seus
livros, partiu para a Europa no slragon, um pequeno navio da Mala
Real Inglesa. Na Bélgica se encontrava, quando lhe chegou às n ão s
um telegrama do barão do Rio Branco, que o procurara por vários
paises da Europa, conv:dando-o para tomar parte na confcrênria de
Haia. Em junho de 1907 — a conferência se reunia a 15 dêsse
— 112 —

mês — conheceu Rui e a familia. A energia a viveza de espirito e o


encanto pessoal. — "his vivacity, his energy aud his personal charm",
que William Stead, o maior jornalista da época. nêlc encontrara,
cativaram a filha mais velha de Rui — Maria Adélia, Dcdêlia. como
carinltosamentc lhe chamava a familia. O noivado, que se esboçara
na Europa, formalizou-se no regresso ao Brasil. E em 15 dc juUio
de 1908 se realizava rom tôda a pompa o casamento, na Casa de
São Clemente, cujas portas, como os corações dos que ali moravam,
se abriram desde então para mim.
As mais gratas lembranças de m.inha juventude estão ligadas a
êsse solar, que a veneração dos brasileiros transformou num templo
onde se cultua a memória do maior deles cm todos os tempos. Nele
entrei na intimidade dc Rui. Nêle aprendí a admirá-lo. 3 venerá-lo.
a amá-lo. Ao contrário do que diz dos grandes homens, Rui
ganliava em ser conhecido de perto.
Vinde comigo a S . Clemente. Percorrereis o parque e a casa,
conhecer-lhe-eis os habitantes e enquanto caminliannos vos falarei d<
Rui, do que vi, do que ouvi, do que sei sõbre élc. através do meu
testemunho, da tradição oral e escrita.
A casa de Rui Barbosa compõe-se de duas salas, ligadas por um
arco, a cuja esquerda se abre a porta de entrada cotidiana. A ala
esquerda começa a uns dez metros da grade exterior, tendo-se-Ihc
acesso por uma escadaria de dois fences ligados por um passadiço
para o qual abrem os três amplos salões de recepção, sendo o do
centro maior que os outros dois. Do primeiro salão á direita nasce
um corredor, tendo dc uma lado três peças e uma sala de banhos,
que são as acomodações do casal Rui Barbosa e de sua filha Maria
Luisa, e do lado oposto, o grande salão da biblioteca e três gabinetes
anexos. Ao lado da biblioteca, uma escada vai ter ao andar supe­
rior, constituído por três peças de dimensões regulares, que são os
aposentos do casal Antônio Batista Pereira. No fundo do corredor,
uma escaditiha nos leva à sala de conversa, ao salão de jantar c à
sala de almoço. Esta já faz parte da outra ala, constituida, em cuna,
dc copa, cozinha, despensa e dois quartos c, cm baixo, de um escri­
tório e dependências da criadagem. A cocheira, depois transfor­
mada em garage, está separada da casa.
Dois portões dão acesso à Vila Maria Augusta : um, quase
sempre fechado, abrindo para um caminho de paralelepípedos, que
costeia o edifício e vai até o fundo do parque, outro, em cujo portal
sc encontra uma placa, primeiro com o n.° 104, depois com o n.° 134.
que até hoje conserva, dando para uma rua asfaltada que vai até o
arco, de onde sai a porta gradeada, a porta de todos Os dias, que dá
para o interior da mansão. Um jardim, onde as roseira- predominam,
Quarta de dormir
r tn que fnlocvu Rui B árluúm m i P c tró p o lt» )
— 113

cerca a vivencia. Na frente, cortado por duas pontezinhas, uní lago


ingenuo sobre o qual se debruça uma estatua despretensiosa, em bronze:
unia águia dominando uma serpente. Rui encontrou-a ao comprar a
vivenda. Não lhe passou certamente que podería ser a reorcseniação
simbólica da lula cm que se empenhou a vida inteira contra os reptis do
lidio, da calúnia, da incompreensão, da inveja, do êrro, da injustiça, da
perseguição. Seria a figuração do embate feroz a que iria conipeli-lo.
pouco depois, no Senado, César Zama. arrolando, entre outras insi­
nuações malévolas, a aquisição dessa mesma casa. Comprou-a Rui
para atender a esposa, a um inglés. John Roscoe Alien, que se reti­
rava para a patria, pela quantia de cento e trinta contos, tomados
integralmente de empréstimo a uní banco, sob garantia hipotecária.
A calúnia, porém, acompanliava-o encarniçada, desde que deixara a
pasta da Fazenda no govémo provisório, sussurrando que sua casa
fóra mobiliada com as alfaias de São Cristóvão, comadreando que a
sua baixela de prata era a do imperador, espalhando a torpeza de que
"o general das finanças quando estava ua Bahia, não havia uma loja
que lhe fiasse uma gravata de 2ÇOOO, hoje tem palacete, dinheiro na
Europa, mandado guardar por lá, para o que der e vier”. Quando,
porém, a infâmia tomando corpo, deixou a sargeta das nías pela
tribuna do Senado, Rui esmagou-a definitivamente nessa casa do
congresso, “abrindo de par em par as portas de sua casa à discussão"
e documentando "com o testemunho das coisas mais reservadas a
falsidade dos noveleiros”.
M as, entremos na casa de Rui pela escadaria que dá ¡jara os
três salões de frente. Éste é o da entrada. Duas grandes peças
chinesas com incrustações de madrepérola, um armário e um biombo,
três ou quatro cadeiras de estilo inglês, um tapete oriental de fundo
vivo e bordas desmaiadas c nas paredes três retratos, os retratos de
Rui e de seus pais, João José Barbosa de Oliveira c Dona Maria
Adélia Barbosa de Oliveira.
João José Barliosa de Oliveira féz de Rui o que Rui foi. Na
Bahia “ a maior cabeça de sua época, o orador mais perfeito que já
conheceu, distinguindo-se, no mesmo tempo, como um caráter de
limpidez, e inflexibilidade adamantinas", na palavra do filho, cuja
suspeitação não poderia ir ao ponto de cegá-lo, féz do futuro de Rui,
o seu grande sonho e ambição, acompanhando-lhe desvelada e infati­
gávelmente o desabrochar da inteligência e a modclação do caráter.
Deu-lhe o gôsto do estudo e dos livros, deu-lhe exemplos imorrerlouros
de firmeza e nobre intransigência, merecendo a posteridade gravar
no jazigo estas palavras, como justo prêmio : “ Caroli Magni
Pater”. Para João Barliosa não bastariam, porque éle foi mais :
— 114 —

foi autor de Rui Barliosa. E nenliutna glória humana é mats digna


de orgulho”.
O outro retrato é de D. Maria Adélia, sua mãe, prima de João
Barliosa, amena de trato, prendada, de formação religiosa, ameni­
zava o rigor do pai na educação do filho. Quando o marido caiu no
ostracismo c começou a indiyidar-se, procurou no fabrico doméstico
de doces, ajudá-lo no sustento da casa. E ra a mulher forte do
Evangelho. Rui cursava o segundo ano em Recife quando faleceu,
em 16 de julho de 1867. Em seu discurso de acadêmico sobre a
"F é, Esperança c Caridade", proferido cm 1868 na Faculdade de
Direito de São Paulo, assim se refere Rui a D. Maria Adélia :
“ A imagem querida de minha mãe desapareceu um dia de cima
da terra sem que eu pudesse abraçá-la ao partir, sem que eu tivesse
a amarga ventura de fecliar-lhc os olhos, nem colher-lhe dos lábios as
liltimas pérolas de sua alma. Então achei os livros mudos, a razão
muda c a fiiosofia estéril Chnrei e abracei-mc à cruz. Foi a fé que
me salvou. Hoje a recordação daquele grande espirito dorme no
seio de minha alma emlialsamnda pelo amor c pela saudade”.
O terceiro retrato é de Rui, de Rui aos 40 anos, quando, a n
89. ministro do Governo Provisório. E ’ Rui sem óculos c sem
rugas, de bigode e cabelos, que já vão escasseando nas têmporas,
mas ainda são negros. Já lutara por grandes causas. Pela abolição.
Pela eleição direta. Pela federação. Ajudara a derrubar um trono
Empenhava-se cm consolidar o regime, a quem dotara de uma consti­
tuição modelar.
Mas, não foi êsse o Rui, que conhecí na intimidade. O tempo
urge, estamos conversando e não prosseguimos na visita à casa de
Rui. Da saleta de entrada passamos para o salão de recepções.
No fundo, entre duas portas que comunicam, por um corredor atu­
lhado de livros, com a biblioteca, um gobelin representando uniu
pastoral, dois jarrões chineses, duas peças de Sèvres do tempo de
Napoleão, outros objetos de arte espalhados — o salão é muito grande
e em cada uma de suas extremidades um tem o estofado. Ambos
comprados em 1916 em Buenos Aires, quando Rui representou o
Brasil como embaixador às festas do Centenário da Independência
da Argentina. Fiz parte da comitiva, com a prosapia de quem
concluira o seu ginásio c dc quem figurava como jornalista, repre­
sentando A Gazeta dc Notícias, do Rio dc Janeiro. Lembro-me
que compunham a Embaixada o conselheiro (era assim que todos
o chamavamos em caia) D. Maria Augusta, seus filhos Baby (com
êsse apelido era conhecida M aria Luisa Vitória, hoje Sra. José
Guerra) e João, éste acompanhado da esposa Helena Valentín! Rui
Barbosa, o almirante Gomes Pereira c o general Mendes de Morais.
E m ra ti a la ir ra l da H ib lia frc
Nr H

ínloutoTíl Benz /•crrrnf.rr/.* u R u i (fiirlwut —


((.«í.iTf/.- tht l .«.*» rlv Rui Bnrlxtsn)
— 115 —

representando a M arinha e o Exército, Batista Pereira, na qualidade


de conselheiro da Embaixada, c sua mulher, Sertório de Castro,
representante d '0 Estado de São Paulo e outros jornalistas, etc.
Embarcamos no paquete do Lloyd, Júpiter, que o Governo mandara
aparelhar e decorar para a Embaixada. A travessia foram quatro dias
de emoção para este marinheiro de primeira viagem. O almirante
Gomes Pereira, que depois foi ministro da Marinha, tomou conta do
barco, não pelas suas divisas, mas pela sua afabilidade, irradiante
simpatia e pelas bolinhas de pão, que transformadas em pílulas e
crismadas com um latim complicado passaram a ser distribuidas como
ebcaz remédio contra enjoo. Só não surtiram efeito contri o panipr-
rilo, que nos apanhou às costas do Rio Grande e converteu o barco
numa verdadeira casca dc noz. Não serviram igualmente ao ajudante
de ordem do general Feliciano Mendes dc Murais que, mal saiu do
Rio, se recolheu ao beliche, numa indisposição que só cessou quando
o Júpiter fundeou cm Buenos Aires. Narrando as peripécias da
viagem, Mário Braut, que não era ainda o austero parlamentar que
honra na Câmara dos Deputados a representação nvneira, mas o
mordaz jornalista Augusto Mário, referia que alguém, entreabrindo-
Ihe a portn da cabine, perguntara ao tenente se precisa de alguma
tfoisa. Sim — respondeu este — “ preciso dc uma ilha, de um cabo,
de um promontório, de um pedaço qualquer dc terra firme".
Rui tomou conta de Buenos Aires. Prccedia-o a reputação do
maior de uma terra de grandes oradores, a notoriedade das suas
campanhas e vitórias. Recebido com honras de chefe de Estado por
uma salva de canhões e por uma guarda do Exército, aclamado cm
tóda a parte, requestado pelo que havia de melhor no Governo, nas
academias e na sociedade Argentina, sua presença naqueles dias dc
inverno constituiu um verdadeiro triunfo para o Brasil. Recebido
no Senado Argentino, convidado a tomar assento no recinto como «•
fôsse um Senador da Nação, o discurso que pronunciou na Câmara
Alta popularizou-Ihc a fama de tribuno inigualável. Mais de uma
vez o povo se aglomerou em frente às sacadas da Casa Rosada, ou
do Plaza Hotel, onde nos hospedavamos, aoi vivas e aos gritos de
Hable Barbosa ! Hable Barbosa !. Aos 10 de julho, a missão do
embaixador estava finda, coroada de um êxito sém precedentes. O
Campeão do Direito tinha, porém, um dever a cumprir. A Facul­
dade de Direito c de Ciências Sociais da Universidade de Buenos
Aires conferira-lhe o título de professor “ honoris causa" e Rui iria
recebê-lo a 16 de julho. Na ante-véspera fôra acometido de forte
resfriado. Febril, determinara o médico que guardasse o leito.
Rouco, quase afônico, podería falar dai a dois dias? Adiar a cerimônia
não era possível. T en a que mandar ler a conferência, que com
— 116 —

tanto carinho preparara ainda no Rio ? Foram horas <le angústia


para os que o cercavam. D. Maria .Augusta, que não o abandonara
um instante, ouvira a voz da prudência e a instâncias do médico
queria impedi-lo de sair. Não houve demovê-lo. Acompanhamo-lo
à Faculdade. Sentado entre o chanceler M urature e o vice-presi­
dente da Faculdade Benito Vilanueva, ouviu a saudação do decano
Adolfo Ornta : "Com ser tão elevada e prestigiosa a vossa repre­
sentação diplomática, não é ela (ouvi hem senhores) não é ela o que
determinou a Faculdade de Direito a pedir-vos que honreis a sua
sala magna com uma conferência. O que deseja antes de tudo a
Faculdade é escutar o estadista eminente, o pensador profundo, cujos
dotes o têm levado a alcançar na América, uma posição não exce­
dida. .
" Doutor Rui Barbosa : A Academia da nossa Faculdade vos
nomeou seu membro honorário, e aqui vos entrego o diploma corres­
pondente. A Academia rende assim as suas homenagens ao jurista,
que tem estudado com competência c originalidade os mais diversos
problemas do direito, desde as delicadas questões do Congresso de
Haia até as reformas da legislação civil. Dã forma oficial, deste
modo, à colaboração, que tendes prestado aos seus trabalhos, desde
que privilégio é dos grandes mestres estarem presentes sempre, com
as suas idéias, nos deliberações dos corpos científicos.
“ O conselho diretor da Faculdade preside à lição. Em seu nome
vos agradeço o serdes, ainda que por breves momentos, professor
nesta casa, e, como seu decano, dou-vos posse da cátedra, que ides
ilustrar com o vosso talento e a vossa alta c u ltu ra.. . ”.
Terminado o discurso de Orma, Rtv levantou-se. Nossa preo­
cupação era intensa. Suas primeiras palavras, pronunciadas em voz
baixa, no mais puro dos casteíhanos, aumentaram-nos a aflição. O
admirável exordio percebemo-lo mal :
" N a cerração que nos encobre, entretanto, há, de vez em quando,
clarões grandes, que rasgam o espaço do mundo moral, e nos deixam
ver, além das fronteiras das nossas desilusões, nos longes mais
remotos do nosso descortino, os espigões da serra do futuro, dourados
pelo sol de promessas divinas.
“ Surpreendido então, nessas entreabertas de luz, o homem,
reconciliando-se com a fé, que se lhe esmorecia, sente-se ajoelhado
aos céus no fundo misterioso de si mesmo, passando pela visão de
que a obscuridade das coisas não é senão o véu do templo, no vão
silencioso de cuja infinita nave a mão de Deus, insensível às nossas
impac'éncias, reserva os tesouros incalculáveis da sua bondade para
as raças e as nacionalidades que as souberem merecer".
— 117 —

Nesse trecho Rui estacou. Scntir-sc-ia mal ? Levantamo-nos


para acudi-lo. Também, por que cometer uma imprudência dessas ?
Rui fêz-nos um sinal para que não avançássemos, pedindo a um con­
tínuo que retirasse de sob a cátedra um aquecedor que o estava moles­
tando. E retomou a oração, com a voz cada vez mais clara e
vibrante, pelo espaço de mais de duas horas.
A civilização cristã corria o risco de ser destruída pelos alemães.
Rui não podia calar :
"E ntre os que destroem a fé e os que a observam não há neutra­
lidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade : quer
dizer imparcialidade ; e não há imparcialidade entre o d’reito e a
injuréiça. Quando entre ela e êle existem normas escritas, que os
discriminam, pugnar pela observância dessas normas, não c quebrar
a neutralidade : é praticá-la. Desde que a violência pisa aos pés,
arrogantemente, o código escrito, cruzar os braços é servi-la. Os
tribunais, a opinião pública, a consciência não r.ão neutros entre a
lei e o crime. Em presença da insurreição armada contra o direito
positivo, a neutralidade não pode s?r a abstenção, não pode se ra indife­
rença, não pode ser a insensibilidade, não pode ser o silêncio''.
As palavras de Rui Barbosa ecoaram no mundo inteiro, em
guerra. N a Câmara dos Deputados da França, o seu presidente.
Paul Deschanel, de pé com todos os representantes, proclamou "data
histórica” a da Conferência que Barton classificou como “ a mais
geniat lição de direito internacional, que o mundo jamais havia rece­
bido” . Louis Forest conãtava a que retivessem o nome de Rui
Barbosa : "guardemos este nome que avulta na História Universal”.
No seu regresso, a bordo do navio que lhe ostentava o nome,
pois um ato do Governo o mudara de Júpiter para o de R u i Bar­
bosa, esperavam-no as rosas do entusiasmo e das aclamações popu­
lares, mas também — esses que nunca faltaram — os espinhos do
oficialismo.
O povo carioca recelxm-o com uma grandiosa manifestação. Rui
falou da sacada do Jornal do Comercio. Em baixo, do selo ia
multidão, se destaca unyt nota alacre. São os uniformes — calça
garance, túnica de pano azul, quepi modelo francês — de um grupo
de cadetes. Quereis conhecer-lhes os nomes ? Procurai-os entre os
generais, brigadeiros e coronéis de hoje, e. se não òs encontrardes
todos entre c s vivos, os achareis nas crônicas e legendas. São êles :
Eduardo Gomes, Juarez Távora, Bina Machado, Sequeira Campos.
Ivo Borges, Lisias Rodrigues, Caqienter Ferreira, Prati de Aguiar.
Pacheco Chaves, Stènio Lima, Honorato Pradcl. Daudt Fabricio.
José Veríssimo, Osório Tuiuti, Afonso de Carvalho. Luís Pinto c
outros mais.
— 118 -

Reverso da medalha : o ministro das Relações Exteriores se


desculpou com a Alemanha, dizendo que Rui falava não como embai­
xador e sim como jurista.
Dado O balanço das alegrias e sofrimentos, podia Rui dizer, por
ocasião do seu jubileu cívico, a Paul Claudel, ministro de França,
que lhe entregava a comenda da Legião de Honra : "P o r isto vos
confesso que há sempre um pouco de felicidade e de orgulho quando
me lembro da crise bem amarga daqueles tempos, em que eu clamava
minha fc inabalável entre a alegria dos maus c a coragem vacilante
dos timidos. Eu não hesharia em dar tôda a minha carreira política,
pode-me crer, S r. ministro, por este único momento, o momento
supremo de Buenos Aires, este momento de Deus, em que ousei
escarrar às faces da barbárie a indignação da América, até então
silenciosa, e mostrar a esta o caminho do seu dever, do seu interesse
e da sua honra”.
Esta longa digressão já nos reteve por demais no salão. Demos
ipenas uma vista de olhos à saleta de música, onde ouvi Antonjeta
Rudge executar ao piano o Hino Nacional Brasileiro, adaptado por
Gottschalk, e Bebê Lima Castro cantar Un pelit verre de Cliquol.
Rui gostava c entendia de música, que cumeçara a aprender cm
criança, para acompanhar sua irmã Brites nos estudos. De música
c de canto, que lhe inspiraram este Undo trecho : “ A música vai
entornar a sua magia naquela atmosfera de templo de beleza. Dêsse
feitiço dizem que já moveu as pedras, mas que, hoje, mesmo na deca­
dência do seu poder, amansa feras, e ensina a bailar ás serpentes.
Ainda não estremeceram os violinos, não rugiram os contrabaixos,
ainda não modularam as flautas, ainda os bronzes não ressoaram,
ainda não gemeram as harpas, ainda a vaga cantante aguarda, repre­
sada, o aceno magistral, e já a imensidade do nunte enche o reivnto,
cativa as atenções e assoberba as almas. Alguns momentos mais, e a
nota alada entra a roçar as cordas, sussurra a inspiração nos arcos,
muge nos ataliales a torrente próxima da harmonia e, do marulho
encantado, como Afrodite das ondas alvejintes, a voz do homem,
florescência misteriosa do poema, eleva a ressonância da sua coroa
em arrulhos e lágrimas, cm soluços e bramidos, em arrojos e carinhos,
expressão indefinível do Universo das nossas impressões no instru­
mento sôbre todos divino entre os instrumentos humanos". Mais de
uma vez, vi-o pedir a Maria Lina Jacobina, espósa de Antônio Jaco­
bina Júnior, o fiel Totom, que. em 1893. pagara com o cárcere o
aviso a Rui de que não se homiziasse na Bahia, onde seria assas­
sinado. que improvisasse um concêrto para a familia reunida.
Mas, não é na saleta de música e sim na biblioteca que vamos
encontrar o conselheiro. IA está êle, no salão principal, subindo a
do Partjn^
Jttnilo t!o aren, o portão prineiftal
— 119 —

escaditiha, que o traiu uma vez. escorregando c quebrando-lite a perna,


aos sessenta c tantos anos de idade. Fratura dolorosa, que o reteve
ao ledo qua;e dois meses, mas da qual se restabeleceu completamente,
graças à perícia do D r. Pais Leme, grande operador, católico fervo­
roso, cujo nome está ligado ao progresso da medicina no Brasil, por
haver trazido de França o método de conservação dos cadáveres, por
meio de injeções de formol na carótida, eliminando o perigo da
infecção anatômica. Depois do falecimento de Francisco de Castro,
além de Miguel Couto, que o via em circunstâncias excepcionais, dois
furam os médicos de Rui : o Dr. Luis Barbosa, no Rio, e o Doutor
Correia de Lemos, cm Petrópolis. Ambos alópatas. Mas Rui
muitas vêzcs apelava para a homeopatía, cujos principios conhecia Iam,
tendo uma caixa a que chamava a sua farmácia, bem abastecida de
medicamentos. Inácia ou cófea para insônias, nux-vômica ou camo­
mila, para as indisposições ligeiras, eram os remédios que mais
usava.
São oito horas da manhã e sóbre o pijama de flanela veste a
clássica robe de chambre côr de havann. Acaba de chegar ch visita
cotidiana ao jardim, em qu; se fizera acompanhar de Luís, o jardi­
neiro. De Friburgo, em 9 de abril de 19r >6, escreve á filha Dedélia :
"Incluo umas fôiltas de plantas, que m ostrarás ao Luís. São de uma
das espécies vermelhas, que tua "táe lhe tem afirmado existirem, e
éle nega. Aqui vivem expostas ao frio e pouco sol, sem emltargo do
que não perdem o belo colorido rubro. Recomenda ao Luis que
não esfriem nos trabalhos do jardim, e puxem por êles a bom puxar,
de sorte que os vamos encontrar bem adiantados. Mas não me façam
excessos na poda".
J á cumpriu Rui seu dever para com as flores. N.a salcta de
almoço já tomou o seu chá com torradas, já leu e anotou com lápis
vermelho os jornais da manhã, dos quais desprezara desde logo a
parte de anúncios. Antônio, o fiel Antônio Joaquim da Costa, hoje
zelador da casa Rui Barbosa, o servira à mesa c levara para o arquivo
o que encontrara assinalado nos diários. O conselheiro está de pé
desde as 4 horas da manhã, conto lhe é hábito. “ O amanhecer do
trabalho”, disse éle, “ há de antecipar-se ao amanhecer do dia". Não
vos fieis muito de quem esperta já sol nascente, ou sol nado. Curtos
se fizeram os dias, para que nós os dobrássemos, madrugando.
Experimentai, e vereis quanto vai do deitar tarde ao amanhecer cedo.
Sobre a noite o cérebro pende ao sono. Ante manhã, tende a
despertar.
“ Não invertais a economia do nosso organismo : não troqueis a
noite pelo dia, dedicando éste à cama, e aquela às distrações. O que
— 120 —

se esperdiça para o trabalho com as noitadas inúteis, não se lhe


recobra com as manhãs de extemporâneo dormir, ou as tardes de
cansado labutar. A ciência, zelosa do escasso tempo que nos deixa
a vida, não dá lugar aos tresnoites libertinos. Nem a cabeça, já
exausta, ou estafada nos prazeres, tem onde caiba o inquirir, o
resolver, o meditar do estudo.
"O s próprios estudiosos desacertam, quando, iludidos por um
liábito de inversão, antepõem o trabalho, que entra pela noite, ao que
precede o dia. A natureza nos está mostrando com exemplos a
verdade. Tóda ela. nos viventes, ao anoitecer, inclina para o sono.
A esta lição geral só abrem triste exceção os animais sinistros c carni­
ceiros. Mas, quando se avizinha o volver da luz, muito antes que
ela arraie ,a natureza, e ainda primeiro alvoroça no firmamento, já
rompeu na terra em cânticos a alvorada, já se orquestram de melodias
campos e selvas, já o galo, não o galo triste do luar dos sertões do
nosso Catulo, mas o galo festivo das madrugadas, retine ao longe
a estridência dos seus clarins, vibrantes de júbilo e alegria”.
E aconselha :
“ Tomai exemplo, estudantes e doutores, tomai exemplo das
estréias da manhã e gozareis das mesmas vantagens : não só a de
levantardes mais cêdo a Deus a oração do trabalho, mas a de antcce-
derdes aos demais, logrando mais p ira vós mesmos, c estimulando os
outros a que vos rivalizem na faina bendita”.
Aproximemo-nos do conselheiro e be: jcmo-lhe a mão. Não
somos só nós que o fazemos.
Quando à volta do Senado, ou do cinema, à esquina da Avenida
Central que não era ainda a Avenida Rio Branco, com Ouvidor,
descemos da sua vitória ou do seu confié, tirado por uma luzidia
parelha de mulas, guiadas pelas mãos cautelosas e finnes do Luciano,
e tomamos a rua Sachet para ver as novidades c as encomendas que
chegaram à Livraria Briguiet, todo mundo se lhe descobre à pas­
sagem, todos voltam-se para vê-lo caminhar de cabeça baixa e não
são poucos os que, vencendo a timidez, déle se aproximam para
ped'r-Ihe a bênção. E êle sempre procura esquivar-se, tímido e
carinhoso, mas dcbalde. a essas demonstrações de afeto e veneração.
— Bom dia, conselheiro. E êle levanta os olhos do b’vro — um
grande volume com lombada de vitela amarela, com títulos sobres­
saindo a ouro num pequeno pedaço de couro encamado, que é a sua
encadernação favorita — e com a cortesia que lhe é habitual nos
retribui a saudação. — Descul|>c-se, conselheiro, vir perturbá-lo a
— 121 —

estas horas. E ' um amigo de São Paulo, que quer conhecer a sua
livraria. Está às voltas com o Direito Penal. E leva a sua impor­
tu n a d o ao ponto de pedir para ver o Direito Criminal de Carrara.
— “ Pois não. reponde Rui. com a mesma carinhosa simplicidade.
Mas tome-o ao seu lugar. Está no gabinete gótico (onde Rui
escreveu a Réplica), estante oposta às janelas, primeira ou segunda
prateleira, a contar de cima, segundo ou terceiro corpo a contar da
esquerda”. I-á ionios, lá estava o livro. Sc houvéssemos pedido a
obra de Hayes, A political and Social History o f Modern Europe,
teria respondido com a mesma infalível segurança : “ Ali naquela
estante giratória, á direita da porta que dá para o corredor, em uma
das prateleiras de rima, a segunda ou terceira (de cima para baixo)
lá está o segundo volume — se é o que lhe interessa — com a capa
de percalina azul escuro". O mesmo se daria com a Mcdccinc rt
midicins de Littré : “ Está ai na biblioteca, estante preta e estreita,
que fica junto à porta da escada do segundo andar, parte envidraçada.
primeira prateleira, contando de baixo. O volume acha-se deitado”.
A catalogação da biblioteca de Rm, comando cerca de 35 mil volume»,
só foi feita depois de sua morte. Em vida seu fichário era a sua
cabeça, aquela “ portentosa memória”, a que se referia Afonso Celso,
e que nunca falhava. — “ Para que catálogo ?” interrogou uma vez.
“J á necessitei acaso de algum livro que o não fõsse Intscar no seu
lugar ? Quando precisar de catálogo, não precisarei mais de livros".
Essa marav.i|hosa livraria, construida pacientemente em mais de 50
anos e que todos os ramos do conhecimento continha, no latim, que
conhecia perfeitamente, em inglês, italiano e espanhol, que falava e
escrevia com fluência, no alemão, que traduzia sem dicionários, essa
mole imensa de obras raras e vulgares, edições preciosas e comuns,
todos os dias era acrescida de novos exemplares. A tarde, ac
regressar da rua, raro é o dia em que, tirando o chapéu, pois num a
entrou em casa de chapéu na cabeça, não venha sobraçando os
volumes que comprara. No alto <h escada D. M aria Augusta, com
um sorriso afetuoso e compreensivo aos lábios está à sua espera.
"Perdoa, minha filha. J á é uma verdadeira mania". E ela, beijan­
do-o com ternura : “ Mas, Rui, não há de que perdoar. E ’ a tua
ferramenta de trabalho".
Via-os com os olhos de Renan, ja r a quem os livros eram almas
embalsamadas. Tratava-os com o maior cuidado. Déles não se
esquecia nem mesmo em meio às aflições do exílio. “ O que eu
desejaria saber particularmente", escreve de Londres, em 94, ao
primo Jacobina, que foi o anjo bom do expatriado, “ é como se hou-
— 122 —

veram com os meus livros, e como atravessaram cies essa prova. São
amigos fiéis, avis rara. Tenho por eles, pois, sempre o mesmo
interesse, ainda, que já não sei que serviços hoje mais me possam
prestar. Sua preservação me é cara. V. não se esqueça, portanto,
de recomendar-me a quem de direito o tratamento constante pela naf­
talina, administrada em profusão”.
Nesta passagem pelo salão da biblioteca quanto não havería a
dizer. Vou dar-vos entretanto, um melhor “ cicerone’’ que eu na
pessoa de Homero Pires, que escreveu “ Rui Barbosa e os livros”.
Acompanhai-o na sua peregrinação através dessa monumental “ cité
des livres", mas antes ouvi duas histórias contadas por êsse ilustre
escritor baiano. Rui era extremamente ciumento dos seus livros.
Não gortava de emprestá-los e ninguém Ihos pedia. De uma feita o
deputado Leovigildo Filguciras, a quem Rui muito prezava, mandou
pedir-lhe emprestada a obra de Pomeroy — A n Introduction ;o the
Constitutional Law o f lhe United States. Rui demorou a responder.
Fé-lo, porém, enviando-lhe de presente o Uvro, que mandara buscar
nos Estados Unidos : “ Ao meu prezado amigo L. Filgueiras, Rio.
28 out. 1892. Rui Barbosa” Filguciras entendeu a dedicatória.
Nunca mais pediu livros a Rui.
De outra feita, não pôde fugir ao pedido de conhecido advogado,
que preesava do 6.° volume do Cours de Droit Civil de Aubry et
Rau. Mas, mandou buscar outro no Briguiet para substituí-lo.
dizendo ao Antônio : “ Ponha-o no lugar que o outro não volta
mais”. O milagre entretanto, aconteceu. O livro foi devolvido,
encontraiido-sc na biblioteca de Rui o 6.° volume do tratado francês
em duplicata. Batista Pereira também depõe : “ Rui não gostava
de emprestar livros. Castro Alves certa vez extraviou-lhe uni
volume das obras de Castilho Antônio. Rui nunca o pôde esquecer,
não pelo livro, mas pelo principio. Herdara do pai o ciume dos
bibliófilos. Rui. partindo da Bahia, trouxera de casa a obra clássica
de Duvcrgier d’Hauranne sóbre Parlamentarismo. Não supunha de
cerfo que o pai, médico, a precisasse consultar, ftsse não relevou ao
filho a falta, e escreveu-lhe para São Paulo, delicadamente descon­
tente, mas descontente”.
Entremos, agora, rápidamente, nos quartos privativos de Rut,
o de vestir e o anexo a éste, onde às vèzes, numa chaise-longue,
repousava um pouco, antes do jantar. Livros, livros por tôda a
parte. No guarda-roupa uma ordem impecável. Chapéus de feltro
cinzento, ou de Chile, todos mandados confeccionar expressamente —
tamanho 61 ou coisa que o valha. Roupas, quase tôdas fraque, tom
— 123 —

cinzento claro ou escuro, c de brim, que raras vezes usava. íriorento


como era. Tenho lembrança de que o seu alfaiate era o Brandão.
Meias só de algodão finíssimo, que o seu fornecedor lhe fazia vir
expressamente da Europa. Camisas, roupa de baixo, lenços, da Tôrrc
Eiffel, tudo muito simples, mas da melhor qualidade. Calçados não
me lembro que os usasse se não de elástico, comprados na Casa
Bastos. Guarda-sol de cabo de junco, guarda-chuva de castão de
ouro, raras vezes usava bengala. Com o seu metro e 58 centimetres
de altura, pesando uns 40 e poucos quilos, com uma circunferência
torácica de 84 cms., com aquela enorme cabeça, com aqueles olhos de
hipermétrope, com aquêle nariz aquilino, nunca os que conviveram
com Rui o acharam feio, tal a irradiação da sua bondade, o magne­
tismo da sua pessoa, o prestígio da sua maravilhosa inteligência.
Voltemos novamente à biblioteca. No salão não há só livros.
H á também alguns móveis de jacaranda antigo, e .alguns objetos de
arte. Aqui está uma estatueta alusiva ao seu papel cm Haia, oferta
dos brasileiros de Paris quando Rui regressava da Holanda. E n ­
quanto aguardamos que D. Maria Augusta nos possa receber, vou
contar-vos rapidamente êsse trecho da vida, em que Rui fêz o Brasil
conhecido do universo. Quero dar-vos apenas uma idéia do que se
passou. Rui chegou à capital da Holanda na véspera da inauguração
da Conferência, a 15 de junho de 1907. Cheio de apreensões sobre
o resultado da sua missão, pois não se iludia quanto ao propósito
das grandes nações de que as pequenas se limitassem a lhes chancelar
as decisões, encontrara em tôda a parte sinais da previdência do
nosso ministro, o barão do Rio Branco, que tudo dispusera para lhe
facilitar a tarefa. Joaquín Nabuco, nobremente, pois seu nome
também fõra lembrado para a chefia da Embaixada, não se limitara
a lhe preparar o terreno : até pequenos retratos confidenciais lhe
mandara, antecipando-lhe o conhecimento das figuras mais notáveis
da Conferência, suas qualidades, deficiências e fraquezas. Mas a
mentalidade geral era a de graduar as nações cm fortes c fracas c de
reputar impertinente a intervenção da America do Sul nos concilios
da Europa.
“ Como ouvir os Sul-Americanos em questões que só a nós
interessam ?” —- pensavam os estadistas do Velho Mundo. Rui.
porém, entendia que em questões de direito das gentes a razão e a
justiça devem sempre prevaleer. E falava longa e sabiamente, ouvido
sempre com desatenção e enfado, apesar de estar sempre com a
melhor doutrina e se exprimir sempre num francês puríssimo.
Quiseram vencê-lo pelo ridiculo e alcunhá-lo de Dr. Verbosa. Até
que um dia, De Mar*ens o delegado russo, que o ouvira de mau
humor ler um traliallto sóbre prêsas marítimas, entendeu de censura-
— 124 —

lo : " O memorial <io nobre embaixador do Brasil — fuzilou ele


do alto da cadeira presidencial, constará dos processos vertíais das
nossas sessões. Devo, porém, observar-lhe que a política não é da
alçada da Conferência". Eis como Hatistn Pereira, testemunlia pre­
sencial como Secretário da representação bratileira descreve a
cena :
“ Correu-me uni frio rei espinha. Era o tiro de miscricódia, era
a liquidação sumária, a decapitação do Brasil cm Ilaia 1 Sem saber
como, acliei-mc atrás da cadeira de Rui.
“ Rui, sentado como uni menino de colégio, não jicstanejou.
Vina onda de palidez mais profunda empalideceu-lhe ainda a palidez.
Mas as narinas vibraram-lhe. Os vidros dos óculos larapejaram.
“ Foi ainda numa voz sumida que pronunciou as palavras sacra­
mentais :
“ Je demande la parole” . A emoção fêz-1he pronunciar paróle c
não paróle.
"Tendo-a levantou-se com um movimento como que mecânico.
E começou, não como reza o seu livro de discursos publicado em
Haia, mas com esta interrogação :
"U n mémoire ? E t pourquoi pas un discours ?”
“ Ninguém esperava o relâmpago do revide. Ninguém o acredi­
tava capaz de tomar o pião à unlia. Ninguém esperava a instanta-
neidade da erupção.
“ Era formidável a posição de De Martens na Conferência, cuja
iniciativa real passava por ser sua e de mais ninguém. Ninguém
representava com maior título o pensamento do incitador ostensivo
do Grande Congresso, o Czar de tõdas as Rússias. Chocar-se com
êle era uma audácia de David c nem todos os Davids têm pedras na
funda.
“ Ño grupo mais hostil a Rui Barbosa o contentamento irrompia
sem dissimulações. Rui liquidava-se pelas próprias mãos, era o
pensamento que sc lhe lia nas fisionomias.
"M as o orador começou. A voz insegura de principio, firmou-se.
E o íio maravilhoso dos raciocinios começou a envolver a assembléia
na rêde da sua magia.
“ Foi primeiro a recordação de que havia muito presidia o
Senado dum pais que tinha sessenta anos de tradições parlamentares
e que seria incapaz de faltar ao regimento duma assembléia delibe­
rante. Depois afrontou, arca a arca, peito a peito, o grande sofisma
de De Martens : o de que a política estava banida da conferência".
Sala — 1'is la du funde
Sata Constituição — Saldo principal da Biblioteca — (l'ista do corredor)
— 125 —

E mais adiante :
" A maravilhosa oração continuou na m esnn altura de conceito,
de conveniência, de polidez e de forma. O grupo hostil, desarmado,
ouvia com tanta atenção conto os leaders da Conferência. A palavra
fizera um milagre. Sentia-se que do rochedo da hostilidade começara
a emanar a linfa, quando não da simpatia, ao menos do respeito".
Foi assim que Rui venceu. Até o próprio De Martens, depois
de terminada a sessão na sala de chá veio dizer-lhe que as palavras
às vezes ultrapassam o pensamento e que não lhe guardasse rancor.
Estava terminado o incidente. Rui tornara-se a primeira voz da
conferência.
Rio Branco, em uma homenagem que. pelo êxito da Conferência,
lhe prestaram os estudantes, podia proclamar : ” Para semelhante
Congresso, um advogado como êsse dos nossos direitos ; jtar.t tão
grande advogado, um grande e memorável Congresso como êsse".
O Brasil se tom ara conhecido do Velho Mundo. "S e vós.
senhor embaixador", dizia o ministro norte-americano Hill, "sois, a
alma tio Brasil, se as vossas idéias, tão claras, tão justas, tão nobres,
tão modernas, predominam na vossa pátria, eu lhe predigo, no futuro,
uma prosperidade sem limites, assim como o respeito do tundo
inteiro às suas leis e instituições”.
Continuemos, porém, a nossa visita. D. Maria Augusta está á
nossa espera no seu toucador.
"R ui só há um”, dizia D. Maria Augusta do marido. Êste
poderia retribuir-lhe o carinho : “ Maria Augusta só há uma”. E
ambos tinham razão. Noivos em começos de 76. casados em 23 tie
novembro dêsse ano, os 47 que viveram juntos foram de perma­
nente itlilio. Poucas vezes se separaram no decurso dêsse quase meio
século e mais do que as expressões, ungidas da maior ternura, com
que Rui. mais de uma vez, de público rendeu homenagem àquela qtte
foi " a vida de sua vida, a alma tie sua alma, a flor sempre viva da
lamdade no seu lar", a "âncora do seu caráter e tie sett coração",
é preciso percorrer-lhe as cartas intimas, que escrevia da distância ou
do exilio, para se aquilatar da grandeza do amor que até o último
sopro de vida dedicou à esposa, "àquela fonte de energ-a interior c
sossego doméstico, em que esteve sempre o segredo de sua valentia
na luta".
D. Maria Augusta foi em moça uma criatura linda. Alta, erecta.
scnhor.>l. os cabelos ondulados, o nariz perfeito, a bõca bem talhada,
os dentes pequenos e alvos, vestindo com a mesma graça as cassas
da pobreza ou as serlas da abastança. o tempo respeitou-a. Conheci-a
— 126 —

quase aos 50 anos e aos 92. com que faleceu, ainda conservava os
traços do antigo primado, o mesmo porte, a mesma faceirice. a
mesma curiosidade, o mesmo interesse. Cercada pelo carinho d«-s
seus, acompanhada até os últimos instantes pelo zêlo infatigável da
filha mais velha c da neta mais querida. rodeada de amigos, quem
teve a ventura de lhe merecer a amizade pôde liem compreender a
paixão que nunca esmoreceu, de Rui pela mulher. "Ciúmes, dizia
êle que nunca os tivera.. Zelqs. sim". Ao que D. Maria Augusta
respondia sempre com um sorriso e um beijo. Por ocasião do seu
falecimento, José Eduardo Macedo Soares dedicou-lhe unia página
imorredoura, de que me permito destacar estas linhas :
"Pode-se dizer tpte sem D. Maria Augusta. Rui não teria sido
integralmente o que foi. Bastaria que outras preocupações lhe
atravessassem o lar, para se ver que uma frincha se abriría na sua
armadura guerreira. Mas 1). Maria Augusta, não somente disfar­
çava as asperezas do caminho, como dava a Rui a ilusão de estranhas
compensações, de recompensas gloriosas, de facilidades que, na
verdade, eram feitas a|xmas de seus sacrificios e restrições. Ao
invés de pesar-lhe com suas queixas, dava-lhe a serenidade de um
coração saciado.
"Ai está a chave de um dos maiores enigmas da vida de um homeni
dominado de espirito público. Nunca lhe faltou uma angra segura
e tranquila |iarn rep o u a r de travessias furiosas. Essa foi a incom­
parável ajuda que lhe deu a esposa amantissima, no decurso das
lutas de sua existência.
"Este pais tem. pois, uma grande divida de gratidão para com
essa esposa e mãe. que acaba de findar sen trânsito terreno. Nem
por se ter encerrado no lar sua missão humana, o Brasil lhe deve
menos a preservação, o encorajamento e a íórça de ânimo do seu
maior filho, que foi a maior expressão do gênio latino do Novo
Mundo".
Deixemos D. Maria Augusta, perfeita dona de casa, dar suas
instruções a Emilia de Jesus, a velha governante portuguesa, rcsnntn-
guenta e birrona, coração de ouro que é uma flor de cacto no meio
de acúleos agressivos. Vamos subir um instante ao apartamento de
Batista e Dedele, por esta escada que sai quase junto da biblioteca e
em cujo desvão está o telefone Sul 551. Vamos dar-lhes um bom
<l'a de passagem. Lá estão os dois, êle o falso boêmio, capaz dos
maiores esforços intelectuais, talentoso e erudito, ela a quem o pai.
em 95. em carta ao fiel Jacobina vaticinara o que foi a vidn inteira :
"E sta minha filhinha cada vez nos dá mais provas de tuna
bondade extraordinária, que me faz ao mesmo tempo muito feliz e
— 127 —

muito triste. Será bom ser bom neste mundo ? Releva-me a


blasfêmia. E ’ um pensamento mau que passou”.
Desçamos agora, atravessemos o corredor. Êste é o quarto de
Baby, vinda á luz cm Londres, no exílio, em 12 de novembro de 94.
E ' assim que Rtv participa a Domingos Lacomlie o nascimento da
menina :
"A o mesmo tempo, nos juntamos eu e Maria Augusta, para Ibes
apresentar, fresquinha entre os agasalhos de inverno, a Baby do dia
12, que se atavia — pobresita — entre os seus sobrenomes, com o
nome <lc umrt rainha. Maria Luisa Vitória vem tarde, mas vem.
E como “ os últimos serão os primeiros", valha-nos isso, para não
nos inquietarmos com o futuro dessa visita inesperada. Nasceu às
5,20 da tarde. No Brasil seria dia. Aqui era noite cerrada. A ezsa
lioaa devia nascer quetn nascia entre tantos dissabores. Assim,
permita Deus que a estrelinha inocente alumie a manhã tão esperada
pelos aflitos”.
Quisera a ésse propósito contar-vos o que foi o exilio de Rui.
exilio que começou a 28 de setembro de 1893 e terminou em julho
de 95. Quisera mostrar-vos que Rui. adversário de Floriano, fc.ra
surpreendido com a revolta da Armada, narrar-vos as peripécias da
sua fuga para Buenos Aires a bordo do Madalena, a sua ida para
a Europa a bordo do J-it/ária, seus dois meses de Lisbon, a sua
permanência cm Londres, que táo fundos traços lhe deixou no espí­
rito e no coração. Mas o tempo urge.
Esta é a sala de conversa, onde â noite se reunem deprvs do
jantar a familia c os antigos. Rui reclinado ao sofá do canto parece
mergulhado nas suas meditações. Puro engano 1 Pronunciei errado
subrogação em lugar de sub-rogaçâo. Rui logo corrigiu : Vá à
biblioteca, na estante giratória à entrada, ã esquerda, na última
prateleira e traga o dicionário prosódico de João de Deus. Dispensó­
me de atender-lhe à ordem. Para que. se o conselheiro tem todos os
dicionários na cabeça ?
Nessas reuniões íntimas de tudo se fala, menos de politico, que
o lugar desta é no salão da biblioteca. Rui apreciava o cinema. “ O
cinema é o teatro condensado c rápido. E ' o drama ou a comédia
tendo por fundo a realidade, a natureza e o universo, na varied.-de
infinita de todas as suas cettas" Preferia a- fitas n a tu ra is:
" . . . No cinema viajo longes terras : vejo mundos por onde nunca
me seria dado transitar ; vou aos desertos da Africa, aos gelos
polares, aos penetrais mais bivios das nossas florestas, estou com os
homens de tódas as nacionalidades, de tõdas as raças ; contemplo a
— 128 —

atitude, a ação de tocios os costumes c assisto a ccna> cuja grandeza


me enche a alma de .impressão consoladora. No cinema vejo,
aprendo, adquiro em instantes urna experiencia que em anos não
podería ladquirir".
Rui acompanhava com enorme interesse a projeção e muitas
vêzes à noite comentava o que vira no Ideal, ou no Parisiense.
Mais de uma vez ouvimo-lo referir-se a unia fita “ Chispa de Fógo"
de qúe eram .intérpretes principais Dorothy Dalton e, se não me
engano, Kenneth Harlan, uma de cujas cenas, a luta, na lama, ã
porta de um “ saloon" do F ar-West, entre o herói e o vilão, o impres­
sionara vivamente, pela brutalidade e realismo.
Mas, quem mais está na sala de conversa ? Lá estão ao redor
de Rui homens eminentes, lembro-me que, de uma feita, juntos, Júlio
de Mesquita e Cincinato Braga que foram baluartes do Civilismo em
São Paulo, Carvalho de Brito, em Minas. Quereis que vos fale
desse maravilhoso movimento, muitos de cujos quadros as minhas
pupilas de dez anos guardam até hoje ? Contarei, mas doutra feita.
Por agora, quero apenas apresentar-vos os íntimos da casa, o "seu”
Rulicm Tavares, o S r. A rtur Imbassai. critico de arte do Jornal do
Brasil, o major Carlos Nunes de Aguiar.
Este merecería um capítulo extenso, se pudéssemos discrctar
mais longamente. Foi um dos homens mais elegantes do seu tempo.
Morava também em São Clemente, numa casa senhoria!, hoje desapa­
recida, fronteira à rua Bambina, ao lado d i residência do deputado
baiano José Augusto de Freitas, onde está atualmente o Colégio
Jacobina. Amigo intimo do coiv clheiro liá muitos anos. Estava ao
lado de Rui quando éste, de binóculo em punho, da praia do Flamengo
n.° 14' acompanhava o Alagoas, a cujo bordo se encontrava Pedro II.
rumo ao exilio. Rui ao baixar os olhos tinha-os rasos d’ágtta. “ Que
é isso, seu Rui ? Não foi você que mandou o liornem cintera ?"
Anos depois, costumava o major repetir ao conselheiro, quando o via
sofrer, incompreendido, ou negado : “ Você teve razão de <boiar
quando o imperador partiu".
Da antiga opulência conservou Aguiar os modos aristocráticos e
um chapéu mclox, cha[>éu de côco, cinzento claro. Dernitr-cri de
Longchamps c Auteuil nos fins do século passado. O major trata
Rui por tu. Quando lite cortam que Ru> cobrou tuta-e-nieia por um
parecer, que hie custou dias de trabalho, o major o repreende :
“ Dizem que tens talento, que és um gênio. Rui, tu o que não passas
é de um asno chapado". E a gravidade habitual do conselheiro se
entreabre num sorriso carinhoso.
— 129 —

"Então, .Aguiar, corno vão os seus achaques ? — Vão passando


melhor, seu Rui. Nicota (Ntcota c a esposa que faleceu) deixou
uns frascos de remédio que me têm feito um bem enorme. — Mas.
que remédio milagroso é esse. Aguiar ? — Rui, não lhe aconselho
que o tome. E ’ a Saúde da Mulher”.
Deixemos o major Aguiar e passemos à sala do almoço. O
salão de jantar só se abre em dias de festa. ¿Ao ahnõço. já os amigos
são outros. D. Maria Augusta senta-se â cabeceira da mesa e Rui á
sua direita, tendo ao alcance da mão o Fosfato Acido de Horsford
e a Kola Stearns. Ao lado do conselheiro. A rtur Imbassai, seu
velho amigo da Balda, cm cujos bolsos — são sempre com êle as
brincadeiras — Rui enfia discretamente um garfo, uma colher, uma
argola de guarda-napo, para depois chamá-lo à ordem : "Então,
seu Imbassai, que é isso ? Levando os talheres de minha casa ?
Lá vi por vezes almoçando ou chegando à hora do café os dois
Mangabeiras, João e Otávio, já das maiores figuras da Câmara,
Simões Filho, Pedro Lago e Fiel Fontes. O desembargador Palma
jantava todos os domingos e datas de família e almoçava duas ou três
vezes por semana.
A éste, que conhecera Cota fapelido de D. M apa Augusta) em
menina, de cabelo solto, não pôde Rui conseguir que fôsse para o
Supremo Tribunal Federal. A entrada de Palma — escreve à filha
Dedélia. em 6 de outubro de 1903 — "p ara aquele tribunal de justiça
constitui para mim uma antiga aspiração, não porque esse magistrado
tenha comigo as relações, que tem. mas porque, pela sua integridade
e pelo sen senso jurídico o maior que eu conheço, seria, enteado eu.
um elemento de primeira ordem para aquela magistratura".
Quantas lembranças essa plêiade brilhante não me trás à nwmória:
o civilismo, a luta presidencial de 19. em competição, com Epilácio
Pessoa, a campanlta, tunda em 19, em que Rui, a favor da candida­
tura Paulo Fontes, percorreu o sertão baiano num esíõ r ço físico e
mental capaz ele esgotar qualquer homem excepcionalment. robusto.
Viajando a cavalo, de lxarca e de estradinha de ferro, aos 71 anos
cumpriría uni programa extenuante de que a sua passagem por
Bonfim dá mo rra : Das 9 ã meia noite fizera uma conferência
1M Câmara Municipal. As 5 horas da manhã, “ ao som da música
da alvorada nos coretos à frente da casa", já estava redigindo um
telegrama a D. M aria Augusta, que ficara na capital baiana. Consa­
graria o dia a manifestações e festas. A instância dás senhoras
a s i stiría a um lia.de e à noite embarcaria para estar em Salvador no
dia seguinte às 5 horas da tarde — 17 e meia horas de viagem se o
trem não chegasse atrasado. Conhecia bem o seu organismo : "débil
— 130 —

como pareço, tenho aguentado e vencido trabalhos, morais c materiais,


que organizações robustíssimas nunca experimentaram, nem .riam
capazes de vencer”.
No meio dos baianos, crepitando num entusiasmo que hoje ainda
c o mesmo, um moço que deixara há alguns anos a Marinha e viría a
ser, no juízo autorizado de João Mangalieira. o príncipe dos jorna­
listas brasileiros : José Eduardo de Macedo Soares, a quem Rui
dizia querer quase tanto quanto aos filhos, campeão de fugas espeta­
culares. tornando vazio de sentido o estado de sítio que Rui arrasara
nos seus Itabcas-cor/ws imortais.
Aparecem agora Carlos Viana Bandeira e sua mulher. Iai.i.
cunhados a quem Rui muito quer. “ O Garlito cresceu e formou-se
em nossa casa como filho meu. Conheço-o, portanto, e posso aboirt-
lo : porque êle o merece", dizia Rui em carta a um parente, datada
ent 18 de julho de 1891. Foi quem "inventou" e "fundou" a
Imprensa, onde Rtv ocupava o lugar dr “ redator em chefe" (outubro
de 1898).
Ainda há Ruizinho. apelido do filho mais velho, casado com
Marina Braga. Joãozinho, o do filho mais moço, casado com Helena
Valentón, Chiquita, o da segunda filha, casada com Raul A iro a . os
netos e sobrinhos, os parentes e serviçais e tanta gente de que não
falei ainda. Ficará para- outra ocasião, se Deus permitir.
P o r hoje, fórça é concluir. A obra de Rui. contenqtorânca do
presente e do futuro, é um manancial inesgotável, em que as gerações
que se sucedem podem desalterar a sua sêdc de saber. Sua vida
pública e uma lição permanente de intransigência com o erro. de
horror à injustiça, de firmeza nas convicções, de indiferença aos
interesses pessoais, de repulsa aos maus e de confiança nos Ixins.
Nunca distinguió entre pobres e ricos, gente humilde e de prol,
quando se tratou de lhes vindicar os direitos. Advogado, pôde dizer
que honrou a sua profissão "como um órgão subsidiário da justiça,
como um instrumento espontâneo das grandes reivindicações do
direito, quando os atentados contra êle feriram diretamente, através
do individuo, os interesses gerais da coletividade”.
Muitas vezes lhe ouvimos a voz hramir, referver, zurzir, tettqtes.
tuar. Qualquer injustiça afirmava, “ por infinta que seja a criatura
vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me i
tranquilidade do coração e a estima pela vida".
Nos últimos quinze anos de seu trânsito luminoso, entra Rui na
grande zona fulgurante. E ' o período da sublimação cívica, quando
repele definitivamente as oligarquias e só quer contacto com a
— 131 —

Nação. Scmprtt teve horror aos corrilhos. ódio aos conciliábulos,


repulsa aos intrigantes, que regulavam suas atitudes pelas suas
convett'éncias. Detestava manobras. Não quis u n is compromisso
senão eotn <> Pais, com a Opinião, com o Povo, fiste ttão lhe
respondeu porque não tinha voz. O seu apostolado fui improficuo
quanto aos resultados imediatos, mas germinará no carvalho a cuja
sombra, mais felizes do que nó:', irão repousar os nossos descendentes.
Sua trajetória descreveu uma parábola, cujos pontos distam
igualmente de um foco, que é o direito, e de uma reta, que c a
liberdade.
Renan disse um dia que só se deveria falar do que se amasse.
Escutei o seu conselho. Falei de uma das criaturas a quem mais
amei na vida, de um grande homem l>om que sempre me quiz c
agazalhou como um pai Só me referi à sua cultura, ao seu gênio,
á sua glória, porque seria impossível deixar de fazê-lo. Procurei
pintar-lhe a simplicidade, a lhaneza. os primores do coração. Quiz
mostrá-lo como o viram meus olhos de adolescente e de moço, no
recesso do lar. para chegar a esta conclusão : Rui foi tão bom
quanto grande.
RUI PARLAMENTAR

ALOYSIO DE CARVALHO FILHO

De quantas tribunas de opinião Rui Barbosa frequentou, em tocio


século de atividade pública, foi a tribuna parlamentar a da sua presença
mais longa e mais assídua, e, cm parte por isso, a dos setts grandes
instantes cívicos.
Não se dirá que tenha sido a da sua vocação, tão manifesta, em
todos os dominios da eloquência. a fôrça imánente da sua palavra. Nem
seria, porventura, a tribuna das suas preferências intimas, certo, conto
disse, que duas profissões amava sobre tõdas, a imprensa e a advocacia.
Admitido que a n tal referência ficava excetuado, por definição
nvsnia, o mandato eletivo, restariam, contudo, numerosos pronuncia­
mentos de predileção ostensiva |>elo jornalismo, como se lhe pare­
cesse. esta, a tribuna livre, por excelência, liberta, mesmo do mediocre
embaraço das normas regimentais, contra que. no parlamento ou no
pretorio, a sua voz houve, algumas vezes, de lutar, c de ceder, mal
grado seu.
P or outro lado, os pendores dialéticos do espírito fariam da ora­
tória forense a expressão suprema do seu poder verbal, não o afas­
tasse das tarefas diurnas de postulante em juizo a paixão das causas
impessoais, q tv era. nele, bem maior do que as solicitações do interesse
privado, vencedora de quaisquer argumentos de momentânea con­
veniência.
O árduo ministério a que se devotara, de defensor, — indómito,
indefesso. insubstituido — da verdade democrática, encontraria no
parlamento a arena natural. Ai, com efeito, elaborando leis, modifi­
cando sistemas, interpretando textos, em suma, criando, renovando,
consolidadlo, ora intruindo. com a doutrina, ora convencendo, com
o exemplo o seu papel. â : tão relevante, seria inigualado, no curso dos
dois regimes.
Não fosse a sua eloquência. — afirmou Fernando de Azevedo —
“ e o parlamento na República teria dccaido mais rapidamente das |.-mi-
ncncias a que o haviam erguido as grandes figuras do Império".
— 133 —

Na galeria dessas figuras, denlrc as centenas de oradores parla­


mentares que ouvira falar, coloca-o Afonso Celso na fileira dos ‘’cinco
realmente extraordinários, que impressionariam o mais exigente e
esclarecido congresso do mundo".
Eram êles. na ordem em que os apresentou o cintilante cronista
dc "O ito anos de parlamento”, Gomes de Castro. Ferreira Viana,
Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Andrade Figuzira.
Que pensaria Rui. dos companheiros de láurea oratória ? Indi­
cando-os. àquele mesmo tempo, com exclusão de Nabuco. na bancada
que. reunindo conservadores e liberais, ’enfrentava, corajosamente, a
marcha abolicionista, diria da eloquência de Ferreira Viana que
era “ imbricada, florida e melodiosa, formosa e risonha paisagem, onde
o espirito cintila, onde o talento cambia cm miragj?ns infinitas, onde
a imaginação travessêa em caprichos de borboleta, onde o orador sc
perde horas e horas após a sua fantasia, e o auditório, enamorado o
segue, esquecido do tempo". Em Andrade Figueira, realçaria “ a
palavra a ust.ra e áspera, penhascal de fragas alpestres, angulado de
arestas, apontado de espigões, semeado de cardos, de onde desce
continuo o sopro de um a critica implacável, fria como gume do aço,
ou o corte do vento de inverno". Acentuaria, em Gomes de Castro,
"as vt?rrinas brilhantes, onde a invectiva repuxa como o jacto dos
geysers, e a cólera rouqueja como o solo nas sulfataras".
E. finalmente, dc Nabuco, numa hora fugaz de divergência com
a posição por aqttêle assumida em defesa do governo João Alfredo
ressalvaria a eloquência, capaz, ao seu ver, de "embalsamar em fra­
grancias as paragens n w s impuras e arrancar aplausos de embriaguez
ao auditório, patrocinando as clientelas menos dignas de simpatia”.
Digam os a quem a eloquência de Rui Barbosa feriu — governos
ou indivíduos — sc da tribuna parlamentar brasileira soprou, algum
dia. vento de inverno que cortasse tanto! E aqueles a quem essa
eloquência fulminou, conto o chão estremecia, às convulsões da sua
cólera! Mas digam, também, da sua palavra lonçã, aqueles a quem o
generoso louvor distinguía a aureolava, e os muitos que, esquecidos
do tempo, compunham o auditório enamorado, a lHr acompanhar a
imaginação, travesseando em caprichos dc borboleta.
Assim, o orador parlamentar completo que o Império conhecera,
e. aos trinta anos, hombreava com os primazes, é o mesmo, sem igual,
que a República contou, a seu desenganado serviço.
Apena» na República, o sistema presidencial roubou à tribuna do
parlamento a beleza maior, que é a cena das apresentações e das
interpelações ministeriais, decisiva emergência política, t-m que os mais
experimentados, não raro, hesitem, enquanto os novos conquistam os
primeiros titules, tornados, quase sempre, definitivos, «jomo a Rui
Barbosa sucedeu, sustentando o gabinete Sinimbú. contra a severa
investida de Silveira Martins.
A veemência e a precisão da réplica, sem reservas, nem cautelas,
diante de adversário temível, reduzido, todavia a silêncio, assinalavam,
auspiciosamente, o coiitêço de unta carreira |nrlamev.tar que é. sem
dúvida, a mais ilustre e a mais intrépida que os nossos fastos registam,
e. pois, sem exagero, a maior.
Três circunstâncias, seguramente, concord riam para isso: a con­
tinuidade do mandato, a constância no trabalho, a firmeza no ideal
politico.
Desde 1878. deputado provincial cm sua terra, e 1879, já deputado
geral, até 1923, quando da sua morte, não houve, em tão larga traje­
tória, senão um hiato, o dos últimos quatro anos da monarquia,
determinado, na mor parte, pela conspiração do clericali n>o e do
escravagismo, que dessarte castigavam, no candidato à reeleição, o
intemerato apologista da liberdade religiosa e da liberdade do trabalho.
Sacrificava-se êle. no revcs das urnas, com n consciência, porém,
da fidelidade à idéia alrolicionista. reafirmada, confirmada, previa­
mente, ao acordo tl: votantes, em termos inequívocos, que devemos
repetir para os nossos dias, como um exemplo e uma advertência, de
qtte tanto necessitamos: “'Form ular um programa seria fácil, titas
escusada solenidade. O meu estâ na minha linguagem e atitude
parlamentar durante as duas últimas câmaras, de 1878 a 1884. no meu
parecer acêrca do projeto tie 15 de julho, concernente ao problema
supremo da transformação do trabalho, na minha adesão profunda ao
gabinete de 6 de junho, cuja política emancipadora magnifica o nosso
[■anido aos olhos do pais e nossa isitria aos do nuindo".
Senador pela Bahia, na imediata constituinte republicana. jamais
os conterrâneos deixariam, então, de lhe renovar as investiduras, quer
ao têrmo normal dos periodos, quer ao cnsêjo imprevisto de duas
renúncias, tuna, em 1892. depois de concluida a série de discursos
justificativos da sua gestão no Ministério da Fazenda, e a outra
em 1921, quando, pressentindo o fim. esgotadas as enetghs físicas,
vacilante a crença na eficácia de qualquer esforço, acusava-se. a si
m-smo, melancólicamente, de corpo estranho na politica brasileira.
De ambas as vêzes a Bahia. — inclusive, da segunda, os que, no
governo do Estado, lhe eram francamente adversos. — correspondeu
â espxtativa do Pais, desejoso, |«>r demonstrações plenamente nacio­
nais, de que não se consumasse a ausência.
O antigo predicador da democratização do Senado do Império,
obtinha no Senado da República uma singular vital iciedade. conferida
solertemente, pelo processo aos seus olhos mais legitimo, o da escolha
popular.
— 135 —

Visto que, no u caso, o ju sto senatorial teve, assim, por mediría.


a duração da [irópria vida, diíicilmeiitl- conseguiriamos agora inventa­
riar. nesta breve oportunidade, todos os serviços do mandatário insigne.
Os comumente citados são os que, em geral, repercutem nu plenário. e
dai. palpitante de interesse e de atualidade, passam à publicidade
ampla. O s demais, represados no âmbito das comissões técnicas, c
destituídos de maior interesse, sem emliargo de atuais, constituem o
<otro lado da atividade parlamentar, isto é, da atividade quase clan­
destina. pelo menos dcslembrada. nos seus efeitos, desprezada. nas
suas intenções, e. não obstante, essencial, entre os deveres fundamentais
do mandato.
. A êsse aspecto das funções legislativas, tão semelhante, por sinal,
â contingencia I: róica dos que. na profissão da imprensa, fazem a
cozinha do jornal, não escapa o parlamento, mesmo nos países de
melhor cultura jiolitica e de opinião pública mais esclarecida.
Expondo a importância das atribuições reconhecidas, na Grã-
Hretanlia. ao secretário /Hirlanieiitar dos ministros, vindo, como estes,
de dentro da Cámara, o professor Ivor Jennings observa, no ensaio o
regime constitucional inglês, que não deve o leitor ocasional de jorca'-
surpreender-se de saber o nome de alguns dcjiiltados. nunca tendo
ouvido falar, sequer, no nome da metade dos secretários parlamentares.
E explica que o parlamentar amigo da publicidade tem. jirovadamente.
fora do jiarlanicnto, tinta reputação tanto maior, quanto menor no
seio da sua cámara.
O fato denuncia, até na Inglaterra, um asjl cto fias vicissitudes
a que continua sujeito o sistema representativo. mim intuido cm que
tudo. — idéias, conceitos, padrões. instituições. — sem embargo da
sua ancianidad* ou das suas raizes, ê levado ao crivo de uma
r visão impiedosa, que nem aos valores morais quer poujiar.
Dentro da lei inelutável da convivência, congregam-se, mais do
que nunca, os homens. jiara finalidades de altruismo, de mutualism»,
ele esplritualismo, agrupam-se, hodiernamente, as profissões, cut enti­
dades jiara resguardo de interesses restritos, ou em assembléias de
jierfeita forma congressual. a que nem faltam, para realce das suas
características jiarlamcntares. a vivacidade dos debate: e o predominio
da maioria, nas conclusões. Num mundo dividido em hostilidades
e emulações, que do jilano internacional dese m até aos planos mais
regionais, e. paradoxalmcnte, o fato da agremiação o fato capital,
impondo ao direito a contingência de preceitos normativos, que se
incorjxiram ao jiatrintõnio da humanidade, enriquecendo-o.
Por que -órnente à Nação não é dado congregar-se. pela repre­
sentação do seu todo, jiara promover o liem estar geral, não o dc uma
classe ou u de tuna facção ? E como é licito à nação congregar-se,
— 136 —

para êsse fim, senão fora, acima simultáneamente, de facções, de classes,


<i_- grupos, ou melhor dito, representando-se. politicamente ?
Ninguém emtl; nós, melhor o compreendeu, c praticou, do que
Rui. cumprindo, sinceramente, com os deveres do parlamento, e
defendendo a autonomia dêsse, >rm face dos outros poderes, em face
da absorção do Executivo, em face das omissões criminosas do
Judiciário. ,
Déle disseram, durante mais de cinquenta anos, os jornais,
ocuparam-se. fartamente, as caricaturas, valeu-se. até, a canção popular.
Era uma publicidade bem diversa, porém, da propagaixla dirigida, ou
provocada, ainda que em parte tendenciosa, pelo a|xmtá-lo às gentes
ditas práticas, como um paleador incorrigível e inesgotável. “ Pajiagaio
louro, do bico dourtado”. quem sabe d • não era êle o da letra de um
tango, num dos carnavais do seu tempo ?
No seu corrículo parlamentar inscrevem-se, contudo, tôdas as
formas licitas de atuação, não somente o discurso mas a iniciativa do
projeto de lei, o parecer, o requerimento de informações, a declaração
de voto, o necrológio, a questão de ordem, e « mais a respigar, no
vasto repositório dos debates. ,
Dois necrológios, entre vários, revelam, sobretudo confrontados,
o exato sentido que imprimia, habitualmente, às palavras, nas expan­
sões de caráter pessoal.
Fácil lhe seria, por certo, ao coração coligir os conceitos para o
elogio fúnebre de Afonso Pena, seu amigo, dbsde os estudos aca­
dêmicos em São Paulo. Rui era o vice-presidente do Senado, ao
tempo dessa morte. Cabia-lhe. por conseguinte, trazer aos seus pares
a triste noticia, porque, vaga a Presidência da República, já o vice-
presidente fôra empossado no supremo cargo, e deixava de dirigir
a sessão, naquele dia.
“ Os nossos trabalhos se abrem hoje no luto que sóbre o pais pesa
cruelmente" — começa, para logo acrescentar : "Todos os deverps
desta cadeira, agora, cedem ao de comemorar e lamentar o infaivto
sucesso, que ontem nos feriu com a instantaneidade sinistra do raio:
o passamento do venerando cidadão que. com tanta dignidade e tantas
virtudes nos presidia à Rqmblica — o Dr. Afonso Pena”.
Mas a nota política não tarda, vivíssima no trecho a seguir :
“ Se o serviço público tem os seus mártires, nimeh dessa experiência
assistimos a mais singular exemplo. Coração poderoso até o derra­
deiro alento, foram os seus facultativos que mo atestaram, órgãos
todos êles ilesos, constituição destinada, ainda, pela sua integridad:
e robustez, à fruição de longos dias, expirou sem agonia, crêm os
profissionais que pela sideração de um choque moral, murmurando
— 137 —

inn apelo a Deus, à Pátria, à Liberdade e à Familia, quádrupla síntese


de sua vida austera c pura''. ,
Sem a dramaticidade de Barbosa Lima, exclamando, na Câmara
dos Deputados, que o presidente. “ enleiado na insidiosa teia de infanda
politicagem”, sucumbira “ aos golpes traiçoeiros da perfidia partidária”.
Rui Barliosa, da mais alta tribuna do País, corroborava, afinal, a
mesma impressão. Para que não o incriminassem, todavia, de leviano,
solicitava, três dias de|»is, a Miguel Cabnon e a David Campista,
como recorda biográfico, a confirmação do episódio, que [Kilos me mos
ministros tie Afonso Pena 111: é dada, listava, pois, irrepreensivel.
em todas as ltnlias. e. especialmente, na sua passagem vulnerável,
o necrológio no Senado.
Entre 1909, quando morre Afonso Pena, e 1915. ao desaparecer
Pinheiro Machado, situam-d justamente. a campanha civilista, e.
cm complemento, a implacável oposição parlamentar de Rui ao
governo do marechal Hennes. A profunda alteração que, com isso,
sofreram os quadros e costumes políticos, comprometeu, de modo
irreparável. as antigas relações amistosas entre o chefe do “ ruismo” e
o chefe, agora baqueado, do “ hermisnto”. Compreende-se. assim, cm
Rui, a propositada omissão de panegírico .nas [«lavras escritas em
que. condenando, positivamente, o assassínio de Pinheiro, associava-se
ao luto do Senado.
A sessão fõra iniciada, naquele 9 de setembro, em atmosfera
de sentimento, revolta, c, ao mesmo tempo, apreensão c suspeita.
Os oradores adotaram a suspeita, até que Alfredo Ellis, contra­
riando uma insinuação menos velada de João Luis Alves, repeliu,
'. eementemente, a idéia do concerto politico. Os que. depois déle,
utilizam a tribuna, já. então, não conjecturavam. como os outros.
O oficio de Rui, na ocasião licenciado do Senado, foi lido à hora
do expediente, logo após a comunicação verbal do fato, pela presi­
dência da Casa, e antes, portanto, dos oradores.
Não lhe poderiamos aquilatar a impressionante sobriedade d?
encomios, sem lhe conhecermos a integra, a saber :
“ Rio de Janeiro. 9 de setembro de 1915 — Exm,’ Sr. 1." Secre­
tário do Senado :
Entre as demonstrações de solene pesar, com que o Senado brasi­
leiro. de luto, vai celebrar hoje a memória do seu ilustre viw-prrsi-
dente. vitimado ontem pelo ferro homicida, não se poderíam calar ou
retrair as do adversário leal, que não o combateu jamais senão no
terreno incruento e legitimo da lei. da pelavra. das idéias, c, embora
déle, há muito, inteiramente separado, nunca se esqueceu das relações
de afeição, que outrora a êle o ligaram. n:m quebrou os deveres de
respeito à extinta amizade.
— 138 —

Convicto de que o homem não pode cortar o fio da vida ao seu


semelhante, sem usurpar a jurisdição divina, tendo empregado o
melhor da minha carreira pública cm apostelar a aversão à violência
debaixo de tôdas as suas formas, sobretudo as da vingança, as do
terror, as da cfnsão de sangue humano; batendo-me. sempre, com
intransigência, contra elas, em defesa, indistintamente, de amigos c
inimigos, sinto-me seguro na autoridade constante da minha consci­
ência e da minha coerência, para deplorar e reprovar. com todo o vigor
dos meus sentimentos cristãos, muito conhecidos e nunca desmen­
tidos, cm nome de Deus e dos homens, esta eliminação criminosa de
uma existência, que a sua consagração ao serviço do Estado num dos
cargos mais altos do n.'gime tornava dobradamente respeitável.
Por isso, conquanto licenciado, v’mho cumprir os deveres da minha
fê. da minha vocação mora! e do meu mandato politico, trazendo a
esta augusta assembléia, hoje órfã do seu chefe eletivo, com as expres­
sões da minha sentida máeua. as da minha condenação absoluta do
lamentável atentado".
A comparação dos dois depoimentos de pesar, pela franqueza,
num. discreção. noutro, dos sentimentos afetivos, ê. como se vê. pre­
cioso elemento para julgarmos do homem increpado de retórico e
de inconsequente.
Ainda assim, o elogio a Afonso Pena, feito coração, incor­
pora-se aos de severo molde parlamentar, o da condolência sem a-
festa das palavras, ou sem aqu.-la torrente de lágrimas de que nos fala
I.ouis Bertrand, ao apreciar a oratória de determinado confrade da
Academia Francesa, que. tendo comparecido, durante meio século,
a todos os enterramentos importantes, acabara adquirindo <> tom e o
estilo das pompas funéreas.

A R E SPO S T A A CESAR ZA N A

Prova, também, e edificante, de que, ainda nas refregas mais


duras, buscava, sempre, ajustar-se às normas do decoro parlamentar,
é a resposta serena, conquanto veemente, ã acusação apaixonada qu;
lhe fez. em discurso na Câmara, o seu conterrâneo e rival nos rasgos
tribunicios. Cesar Zama.
Como sabeis, uma simples circunstância tornou particularmente
famosa essa oração parlam mtar. È que a ela pertenceram o "credo
jiolitico” e a condenação do vicio do jõgo, duas páginas transferidas,
sem demora, à categoria de antológicas.
Amaldiçoando os frequentadores da mesa verde, mostrava-se
Rui impiedoso na alusão ao antagonista. .Mas a compostura pessoal,
não a perdeu, nem quando redigiu, na sua letra, para publicação sob
- 139 —

tes]>onsabilidarte alheia, a súmula. em estilo tie telegrama, do memo­


rável discurso.
Aqui tendes, na integra, o singular manuscrito, tomado ao arquivo
de meu pai, àquela época diretor-jiroprietário do Jornal de Noticias,
da Bahia.
Indicando, na primeira fõllta do original, que a matéria resumida
vinha "em seguida ao exordio”, confirmava Rui. implicitamente, a
omissão, — para efeito, ao menos, daquela publicidade imediata. —
do longo trecho introdutório do discurso exatamente o cm que apre­
ciações de ordem geral sôbre a espécie de politicos brasileiros trans­
formados em profissionais do ultraje eram ilustradas com as mais
diretas e mais causticantes referências ao injuriador cm causa.
O admirável, m tudo, é que nesse documento, susceptível, por
■ua natureza, da influencia de sentimentos íntimos; composto fora da
presença incômoda do regimento, e para uso de terceiros, que lhe
;j-snmiriam, de certo, o risco. Iiastando lhe ocultassem a origem; não
• xtravasa contumelias a linguagem, nem o autor deriva para o elog-o
próprio, pois que r.áo será louvar-se inconvenientemente dizer, como
diz, — na única vez em <>ue utiliza consigo um qualificativo. — que
"em longa jwroração traça com r r à t l cores quadro dêste vicio”, o jõgo.
Vede melhor a u rdade, com a leitura, uma a uma das palavras :
Zama diz Rui eleito sempre elenfcnto oficial. Rui 1c carta Zama
dizendo se Rui não teve sempre consagração um as baianas foi soment •
por causa altos protetores qtp o faziam passar como criatura sua.
Historia vuas eleições no império. Nunca solicitou candidatura. Pri­
meira vez adotado espontáneamente partido libera! após oito anos
serviços gratuitos Diário Bahia. Segunda eleito libérrima eleição
Saraiva, de cuja lei o projeto foi obra do orador. Membro govèmo
provisório não interveio 1890 escolha candidatos nem eleição sua.
Renunciou mandato estando oposição Floriano. por causa deposições
c estado sitio 10 abril. Não se apresentou candidato reeleição: foi
.■presentado partido federalista, tendo publicado manifesto nação, his­
toria seu procedimento desde começo república, sóbre o qual se pro­
nunciou eleitorado, nomeando-o triplo votos Zama. que não ousou
contestar eleição. Relembra manifestação Balua em 1893 sua visita
terra natal. Não promoveu direta ou indiretamente perante gover­
nador Bahia sua eleição. Obsequiado por êle altas expressões estima,
acusa se falta cometida não lhe respondendo carta com que na volta
Desterro êle o cumprimentou. Admira dc Viana têmpera, infl :xi-
I ilidade, altivez, independência. São qualidades preciosas nestes tem­
pos dc sulnltem idadr. Elas colocam Bahia na condição, que lhe toca,
de s-r autónoma, não obedecendo imposições humilhantes. Por isso
não se arrepende telegrama dirigiu-lhe íelicitando-o posse. Mas tanto
orador como governador estãc acima suspeita conchavo para impõr
— 140 —

candidatura malvista Bahia, cujas simpatias não devem sofrer cons­


trangimento.
Rui tem seu programa no seu passado. Em matéria adminis­
trativa poderá variar conforme circunstâncias. Em política antigas
idéias lhe traçam linha invariável. Colaborou república acreditando
trouxesse expansão instituições livit.-s, e sua tenacidade lutando por
elas contra ditaduras republicanas mostra sua sinceridade. Nunca
idolatrou formas governo. Acima delas está felicidade. Acima pátria
está liberdade. O rador formula seu credo. Crê liberdade, criadora
nações robustas: cré lei primeira condição dela; crê neste rt-gime só
soberano o direito, interpretado tribunais; cré soberania popular tem
seu limite nas constituições por ela estabelecidas contra (excessos po­
pulares; crê república decai, por se ter entregado regime arbítrio:
crê fcdhração perecerá, se não elevar acima de tudo a justiça; cré
governo povo pelo povo tem liase na cultura inteligência popular pelo
desenvolvimento ensino nacional. Abomina doutrinas de arbítrio,
ditaduras de todo gênero, estados sitio, medidas de exceção. Com­
bate governos de seita, facção, ignorância; e quando esta abre guerra
inteligência nacional, pretent'vndo abolir grandes instituições ensino
considcra-a ameaça invasão pais oceano barbaria. O pais conhece-lhe
estas crenças, pelas quais seu futuro está prêso a seu passado. Per­
guntam-lhe se adere partido republicano federal.
Tõda gente sabe orador nunca se alistou nesse partido, com quem
são conhecidas suas divergências. Ninguém o suporá capaz comprar
reeleição à custa conversão ad hoc. A Bahia não lhe pedia progra­
mas em 1890. 1892, 1893. Não disputa lugar a nenhum conterrâneo
s?u, muitos dos quais membros deputação baiana são mais moços, mais
válidos, mais prestadlos que êle. Muito se honrará de concorrhr para
eleição qualquer dêlcs, não sendo jamais embaraço a nenhum. Honra
reeleição superior seu mérito. Por isso não ousará disputá-la. Acei­
tará por dever gratidão patriotismo, mas sem quebra unidade da sua
vida, único título pelo qual poderá valer para sua terra. Passa res­
ponder acusação Zama contra sua honra. Responde acusação <1- ad­
vogar causa 30 mil contos contra fazenda. Demonstra futilidade
da censura. Está no seu direito defendendo nos tribunais contra a
fazenda, parte no pleito, uma questão de mero direito civil.
Faz a história da invenção da sua opulência. Relata tõda sua
vida desde morte seu pai, matando-se no trabalho pela honra do seu
nome imaculado. Acompanha uma a uma a sucessão das calúnia-:.
I.ê carta de um jornalista moribundo pedindo-lhe perdão infamia, com
que o enxovalhara. M ostra cptn documentos, cartas, escrituras ori-
— 141 —

gem quanto possui. Exibe contratos de advocacia no valor setecentos


contos depois sua volta Europa. Em quase tôdas questões importantes
do fòro seu parecer é consultado. Sua prosperidade na vida ven> da
fortuna, que Deus lhe deu, de não te r vicios. Todo seu tempo per­
tence ao trabalho, todo o produto seu trabalho pertencí; à sua casa, à
sita familia, aos seus deveres.
Zaina exprobrou governo proví- ório o encilhamento. c combate
loterias. Rui diz mais desastroso que tudo é o jõgo. Em longa pe-
roração traça com vivas cõres quadros deste vicio. Muitas vézes a
violência das indignações furiosas que vem estuar no recinto dos par­
lamentos c apenas a ressaca das longas madrugadas do casino. Nota
que o jõgo é a explicação de muitas vidas estéreis revoltadas. Conclui
assim : Se o Tácito do encilhamento. o austero moralista se State puro
de conivência na propagação dêste flagelo, imploremos volte sua
palavra apostolar contra êle, em vez de malbaratá-la contra um mal
que acabou e não há receio voltar. No caso contrário, aprenda, medi­
tando o itosce te ipsum, a ser comedido, tempérame e discreto.”

R U I E A CENSU RA REG IM EN TA L

O utro Rtti talvez ignorado çm ’minúcias é o parlamento envol­


vido nas questões regimentais, submetido, acaso, às normas rígidas de
um regimento, qttiçá ao seu poder coercitivo submisso.
Numa das últimas sessões de maio de 93, fala Rui no expediente.
Justificando requerimento de informações — onde somente a sua assi­
natura a|>arece — sôbre os motivos em que fundara o governo o pedide,
á República Arg-ntiria, da internação do almirante Wandcnkolk
Adiada a discussão, Rui. ao findar o expediente, solicita, pela
ordem, prorrogação. Adverte o presidente que não p o d ría exceder
de meia hora. Rui aceita, escravizado ao prazo, e fala.
N a sessão seguinte, ainda em debate a matéria, pede ¡rara falar,
novamente, ao que o presidente declara <,'4 . pelo Rdgimento, na
discussão única dos requerimentos, cada senador só se pronuncia uma
•,ez, e o autor, duas vézes. Êle, autor, já liavia usado duas vézes da
palavra. "A vista da explicação de V. Ex. a — ouve-se a voz de Rui
— à vista da explicação de V. Ex. s , curvo-me. qom muito pesar, ao
Regimento.”
O ocorrido t»a sessão extraordinária do Penado, em a noite de
11 de novembro de 92. ilustra ainda melhor. Cogitava-se de aprovar.
— 142 —

ou rejeitar, a prorrogação dos trabalhos legislativos. Um projeto


oriundo da Câmara, transferia para 22 daquele mês o encerramento.
Outro, de iniciativa do mesmo Senado, fixava o têrmo no dia 30.
Pelo prosseguimento, estava Rui Barbosa, argumentando com a inde­
clinável necessidade de ser votado, — o que lhe parecia provável
dentro de uma ou duas semanas mais, — o projsto de reforma do
Banco da República, já admitido pela outra câmara.
Dcsatendeu-o o Senado, recusando a prorrogação, com o que
déle provocou uma “ declaração de voto", subscrita, também, por
vários outros senadores, à frente Saldanha Marinho, e cuja
inserção na ata requereu, oralmente, nestes termos :
“ Sr. Presidente — Vários Srs. senadores entenderam fazer uma
declaração de voto, da qual sou portador; mandando-a ã mesa, requeiro
que ela seja inserida na publicação dos trabalhos do Senado.”
Que diria, a isso, presidindo à sessão, o austero Prudente de
Morais ? Diria, lendo o art. 58 do Regimento, Shr permitido inserir
na ata declaração escrita de voto, contanto qufc concisa, etn termos
convenientes, e remetida à mesa na mesma, ou na seguinte sessão,
antes da aprovação da ata.
Mas aditava, logo, textualmente : “ A declaração que o honrado
senador mandou contém 10 páginas escritas, pelo que «tão está nos
lèrntos do regimento quanto à concisão. Se está ou não ent termos
convenientes, para epnhecê-lo, depside da leitura, que a mesa fará.
Conseguintemente a declaração não pode ser inserida na ata. mas pode
ser publicada no Diário do Congresso”.
E Rui concordou : — “ Contentamo-nos que a publicação seja
feita no Diário do Congresso, nesse sentido, pedimos que V. Ex. a ,
consulte o Senado”.
O plenário aquiesceu. Passava em julgado, sem protesto do
autor, antes com a sua conformidade, que a “ declaração” não satis­
fazia um dos requisitos do regimento, para inserção cm ata.
Preenchería o outro, àquele dos "term os cortvenienlj.s”, que a
Presidência, sem demora, ameaçara examinar ?
Tudo induz que, em [tarte, também não. Nada se infere, em
verdade, do então publicado, no órgão legislativo, e reeditado, recen­
temente. nas “ Obras completas”, com base, segundo esclarecimento
de Fernando Neri, um "recorte do Diário do Congresso, revisto
pelo próprio Rui e existente no arquivo da sua casa.
Os arquivos do Senado, que o zêlo do atual diretor, Dr. Lauro
Portela vem reorganizando, conservam, porém, o primitivo original,
— 143

redigido, todo, da letra de Rui, E há vestigio, nas suas páginas, de


revisão da Mesa, na forma do prometido.
É que, ’tai lauda 9, Rui escreveu "sonegar ao debate”, mas a
locução foi substituida por "evitar o debate”. Ai mesmo, logo abaixo,
o censor impugne,u extenso periodo, restringindo-o quase a uma linha,
que, cm consequência, passou a nada exprimir.
Dissera Rui : — “ Trata-se de sonegar ao debate um projeto,
já consagrarlo pela adesão da outra câmara, e cuja aprovação nesta se
afigura provável aos seus antagonistas. O pais apn.-ciará a legiti­
midade deste sistema de abafar os sentimentos da representação nacio­
nal mediante combinações de tática e habilidades de manobra, esta
suplantação da maioria pela minoria a|X>iada nos elementos de um ofi­
cialismo que. senhor de certos meios de ação, de certos pontos de
apoio, joga com eles, em detrimento da verdadeira opinião do Con­
gresso.”
Mutilado, o que disso sobreviveu, para o público, foi sim p le­
mente : “ Trata-se de evitar o debate de um projeto já consagrado
pela adesão da outra Câmara, e cuja aprovação nesta se'afigura pro­
vável aos seus antagonistas. O pais apreciará a legitimidade deste
procedimento."
P a ra presumirmos, no entanto, tenha a Mesa do Senado exer­
citado. dessa matéria, a sua faculdade regimental, mister seria afastar
a outra alternativa, isto é, a de liaver o próprio Rui procedido às
modificações em apreço. Essa hipótese parece improvável. As laudas
do documento estão numeradas dc 1 a 12, a tinta, — da tinta em que
foi escrito o texftu — e, depois, a lápis azul, qotn as indicações S. 3.3
até S. 44, o que significa a retranca para a composição tipográfica,
explicito, assint pela letra .S', de tôdas as fõllias, tratar-se de matéria
do Senado, a ser incluída rx> lugar adequado.
A letra que. a lápis preto, coberto a tinta, trocou a ptdavra "so­
negar” pela “ evitar", é a mesma que, em seguida, mudou "sistema”
por “ procedimento”, para ai estrangular o período. Enquanto isso,
o lápis cancela as linhas seguintes, idiminando, pràticamlente. a parte
pelo seu risco atingido, e que ê a parte não contemplada na publicação
e na reedição.
Essa letra, por sua vez, não é a inconfundível de Rui, que, afora
c C.xto, introduziu algumas correções no original, estas, sim, iniludi-
velment.- do seu punlho, corno, por exemplo, a preferência da palavra
combinações, sóbre a palavra intrigas, que fora usada, de primeiro, e a
substituição do vocábulo "volubilidade" pelo “ facilidade”.
Acresce, por fim, qtí> o documento contém, a lápis, no alto da
primeira folha, a ordem de publicação no Diário do Congresso, assi­
nada por J “ Pedro, abreviatura de João Pedro, nome ]xir1aincnlar de
um dos secretários da Mesa, o senador João Pedro Belfort Vieira,
indiciado, naturalmente, como u executor direto da censura.

CONCLUSÃO

Iioje, — muitos anos, idos e vividos, da República, — pareceríam


estranhos tais melindres, resultantes, menos, da juventude do regime,
do que do extremo desvelo dfe protetores ingênuos, fiando de uma
pureza que havia de afrontar, dqtois. nas frágoas das mais imprudentes
aveiituras, os mais perigosos sortilégios.
Nenhum, porém, dos enfeitiçados da primeira hora, recolheu tão
depressa, como Rui Barbosa, desencantos de criador. Nenhum
defendería, assim — mais acendrado, obstinado e temerário — o brio
das virtudes republicanas.
Incomqttivel. pela indole c pela educação, despendeu no trabalho
as energias prodigiosas preservando a flor do ideal politico, em meio
das maiores tormentas que levantou contra o poder desarvorado dos
homens.
“ Milagre da eloquência”, como disse Clemenceau é pouco.
Milagre da eloquência e do trabalho, o maior dos nossos, homens na
tribuna c nos deveres do Parlamento.
BENEMERENCIA DE RUI

LEVI CARNEIRO

Quem considera a obra de Rui Barbosa, a n algum de seus múl­


tiplos aspectos, é levado, quase sempre, a proclamar-lite a superiori­
dade, por vezes desmedida, em relação a todos os que, contemporá­
neamente, atuaram nos mesmos setores. Êle i, em quase todos os
casos, senão cm todos — como já se tem dito — o /'rinius inter fares.

ADM IRAÇÃO E GRATIDÃO

É, em seu teiiqxi, o maior jurista, o maior filólogo, o maior


orador, o maior advogado, o maior jo rn a lista... Propositadatnente,
não digo — o melhor; digo, apenas, o maior. Assim, stiponho excluir
tóda controvérsia: jurista, filólogo, orador, advogado, jornalista,
sõbreexcedcu todos os homens de ü.u tempo nas dimensões, na inten­
sidade da obra que realizou. A o menos, nas dimensões e na inten­
sidade. Por mim. diría também na essência, na qualidade, na inspi­
ração. nos objetivos. Mas, ainda sem dizer tanto, bem se justifica,
só por isso, a admiração, que lhe rendemos. F.le é. sem dúvida, um
desses grandes homens cm tórno dos quais o sentimento da nacio­
nalidade se fortalece, em cujo culto s? unem todos os concidadãos,
votando-lhe a mesma admiração calorosa.
Não faltón a Rui Barbosa, ainda a n vida, essa admiração
generalizada. Ji.izes, que repeliam suas petições e seus arrazoados,
políticos que déle sc apartavam — todos desfaziam-se In i elogiar-lhe
o talento, a erudição, o “ poder verbal", a dialética. Alguma vez,
até o reconhecimento desses altos dotes teria levado a decidir contra
cie, ou a preteri-lo. Juizes medíocrfs, que não salieriam refutar-lhe
as alegações, desprezavatn-nas sumariamente, julgavam cm sentido
contrário, sem fundamentação — provavelmente dizendo consigo
ní.-smo : — éste demônio tem tanto talento que é capaz de fazer
do branco preto c do quadrado redondo.. . Nos tempos em que
não havia voto secreto, em que, por isso, tais confabulações se faziam
— 146 —

com mais liberdade e maior segurança de êxito — os chefes politicos,


que escolhiam o futuro presidente da República, recusavam-nos, ex-
cluianwio, preferiam os mediocres, os “ não preparados", que
presumiam mais fáceis de levar, provavelmente dizendo consigo mes­
mos : — este dunônio tem talento de m ais.. .
Seria, de um ou de outro modo, a mesma arraigada suspeição
contra a inteligência e a cultura, que tem atrofiado, no Brasil, tantas
atividades, e es[>ecialmente a administração pública, mergulhando-a
tia rotina c no obscurantismo.
Como quer quV fosse, não podería bastar a Rui Barbosa, só por
si, a admiração, ainda que calorosa, dos seus contemporâneos. Êle
mesmo fez ironia amarga sôbre o apreço, cheio de reservas excusas,
que lhe votavam. Assim, quando acentuou que todos o consideravam,
m cada oportunidade, digno da presidência da República e o melhor
dos candidatos — até o momento de ser afastado para dar lugar a
o u tre m .. .
Utn politico, um homem de ação pública quer, necessariamente,
mais que isso : — quer a aceitação c a realização dos seus projetos c
das suas idéias — ao menos quando os tem. o que nem sempre acon­
tece. . . Ilá de querer reconhecido o merecimento do seu exemplo, de
seus esforços, de sua atuação, de seus propósitos. O prêmio mais
alto cobiçado, não é admiração —- é gratidão nacional.
Ora, a benemerencia de Rui Barbosa tem sido ásperamente con­
testada. Regatearam a gratidão que lhe era devida. Nem surpreende
que arsim fòsse. Inovador arrojado, como reformador de instituições
sociais e politicos, como intérprete das b is e estudioso de problemas
jurídicos; implacável combatente, não raro agressivo, de abusos e vio­
lências de autoridades públicas; defensor intrépido de direitos concul­
cados — Rui Barbosa havia, necesariamente, de provocar forte
reação dos interesses, dos erros, que combateu. Contra ele se for­
mularam. pois, criticas severíssimas, até impiedosas, não raro, aliás,
ent ranciadas dos louvores de que há pouco vos falava. Suas iniciativas
foram censuradas c condenadas. Arguiu-se ti infidelidade de suas
citações, mudanças radicais de opinião, incoerência de atitudes. M ur­
murou-se contra sua probidade pessoal.
Contudo, pouco a pouco. Botadamente depois da prim tira
c unpanha presidencial, o apreço que os intelectuais lhe votavam, foi se
generalizando, tomou-se a estima da massa dos brasileiros. Todos
passaram a contar com êle: conheciam-lhe a intrepidez, o civismo, o
ardor na defesa da Constituição e da ordem jurídica. Homens do
governo, parlamentares, chefes políticos temiam-no. prevendo-lhe o
•taque implacável, quando urdiam algum atentado contra o rbgimc.
Por fim, em 1918, ao comemorarem-se os seus 50 anos de vidá
pública — parecia que lograra a consagração definitiva dos seus
— 147 —

serviços. Morre, menos de cinco anos depois, no auge do aprêço


público.
Podería crer-se que o término da grande guerra assegurara o
triunfo definitivo da democracia — e éste teria sido, segundo a famosa
definição do presidente Wilson, o seu objetivo supremo. O liberal,
que Rui Barbosa sempre fôra, li sempre se dissera, cerrava os olhos
(piando os seus ideais iriam dominar a organização política do mundo
cristão. Teria êle tido essa doce, confortadora ilusão, como último
prêmio da lida exaustiva de tantos e tantos anos. J á nesses dias
porém, repontava. na Itália e na Alemanha, a reação anti-democrática,
pie se difundiría pela Europa e pela América, c deflagraria numa nova
guerra — talvez, ate, ai de nós!, cm mais de uma g u e rra ...
Aqui mesmo, a reforma da Constituição, empi'xndida em 1926,
r isa, principalmente, restringir c tolher a ação do Poder Judiciário,
que Rui Barbosa se empenhara em ampliar e garantir. A revolução
de 30 e a Constituição de 34 m pdem essa orientação. Logo depois,
a Carta outorgada em 1937 anula a federação; subverte o império da
lei. tornando-a simples expressão da vontade discricionária do presi­
dente da República; cercea os direitos individuais S suas garantia-
P o r todo o mundo, a êsse tempo, uma onda de desvairamento
provocava a subversão irreparável dos grandes principios, a que Rui
Barbosa devotara sua vida. Condenava-sc a democracia. Malsina-
va-sc a liberdade. Zombava-se dos parlanter.tos. Manietava-se o
Judiciário. Exaltava-se o império da força bruta. Contudo, ainda
sob a vigência da Carla de 37. na constância do regime ditatorial por
ela instaurado, aqui mesmo, nem todos abandonavam os ideais de Rui
Barbosa.
Permiti-me recordar que. lan 1941. não em surdina, mas da alta
cátedra da presidência da Academia Brasileira de Letras, eu mesmo
afirmava :

"Ao revez do que se terá imaginado, não se extermi­


naram os principios que nortearam a obra e a vida de Rui
Barbosa. De certo, ê'es atravessam, em todo o mundo, uma
fase de esmorecimento — mas hão de ressurgir, se já não
estão ressurgindo, ainda que transformados e recelx-ndo
novas aplicações.”

Assim foi, em verdade, por nossa fortuna. Retomámos o fio de


nossa evolução política. Ainda há pouco, no Congresso de Direito
Constitucional, realizado na Bahia, por feliz c oportuna iniciativa do
governador Sr. Otávio Mangabcira, tive a honra d t relatar uma
— 148 —

tese sõbre a influência de Rui Barbosa na Constituição de 91 e na


Constituição ora vigente, de 1946. zVtravés da análise meticulosa dos
textos e dos:. documentos, assentei esta conclusão :

“ A Rui Barbosa se deve, cm todos os 4ntidos, mais


que a ninguém, a estruturação da república federativa no
Brasil, a sua realização, o scu éxito afortunado, as melhores
características do regime constitucional de 91 e do atual."

Pois bem; versou a mesma tese, com extraordinario brilho, e


com outro criterio, l>cni diverso do que adotei, um professor do Para.
Sr. Odilon Bitar, não formulando, porém, uma conclusão expressa.
Reconheceu-se que do seu estudo ressaia a mesma conclusão que eu
propuzera. O Congresso aprovou-a, por unanimidade, abrangendo
as duas teses. Juristas de t< do o pais, velhos e novos, consagraram,
a«sim. a mesma afirmativa incontestável.
Em verdade, o mais expressivo significado das comemorações do
centenário do lidador — é o triunfo dos seus principios, das suas dou­
trinas, dos seus ideais. A opinião pública — dc qilo Rui Barbosa
esperou sempre a vitória, compensadora dc todos os esforços, conso­
ladora de tôdas as ded-pções — acolheu-os. podemos dizer, definitiva­
mente, como fundamentos da estrutura da Nação.

LEIT U R A S

Por isso mesmo, haviamos de prolongar esta comemoração.


Tereis notado que, em todas as suas fases, cada orador, comen­
tador, ou expositor, reproduziu, mais ou mimos extensamente, trechos
da obra de Rui Barbosa. Sempre, ainda para os que mais a temos
versado, nalgum desses trechos, se apresentou, despercebido ou esque­
cido, tun conceito precioso, um l.'nsinamejuto oportuno, urna afirmativa
relevante. Por isso mesmo, deveriamos fazer, regularmente, alguma
coisa como as famosas “ leituras dc Dante", que os italianos faziam,
por todo o mundo. Por que não o íará a Casa de Rui Barbosa ?
Fio cm que o zélo e a capaciilade de realização do seu insigne diretor,
acolham esta sugestão c a efetivem. Bastaria que se fizesse, ao
menos em cada mês, uma sessão de leitura f algum trecho dc Rui
Barbosa, explicado, comentado, debatido pelos presentes.
ftsse estudo generalizado, continuo, minucioso, da obra de Rui
Barbosa, não seria, apenas, o preito de gratidão, que Ihe devemos ;
seria, principalmente, o melhor meio dc difundir e enraizar os scus
— 149 —

ensinamentos, fortalecendo o apreço com que devemos aplicá-los c


defendê-los.
Nesses esludos se há de incluir a crítica, esclarecida e serena, a
apreciação das críticas, por igual esclarecidas e serenas, que forem
lonntiladas.
Sómente agora, começam estas a ser possíveis. No calor das
refregas, em meio das paixões pessoais, não seria possível apreciar,
com exatidão, o alcance da obra formidável de Rui Barbosa. Agora,
sim, podemos aquilatar-lhe os frutos, medir-lhe a projeção sõbre o
pantanal cm que nos afundamos.

M A R G IN A LISM O S

Precisamente agora, em meio das expansões entusiásticas, mani­


festadas em todo o território nacional, um estudioso de rara acuidade
e inexcedivcl autoridade, uma das figuras primaciais desta Casa e da
cultura brasileira — o Sr. Oliveira Viana — na obra grandiosa,
cm que enfeixou seus estudos de nossas instituições políticas, formulou,
sôbre Rui Barbosa, uma apreciação a que se deve dar a maior atenção.
Essa é uma critica autorizada, uma critica impressionante, até sedu­
tora pela forma primorosa de que se reveste.
E o Sr. Oliveira Viana um cientista itnbuído das teorias mais
recentes, um sociólogo moderno, em dia com as conquistas últimas da
sua ciencia. Naturalmente, apesar de tôda a sua nativa indulgência
pessoal, pode ser levado a desapretar os que o preçtderam, os que
vieram antes dele, em tempos cm que se não haviam formulado as
doutrinas ora em cttrso.
Para êle, Rui Barbosa foi um “ marginal" — isto é. “ um homem
que viveu entre duas culturas : uma. a do seu povo — que lhe
formou o subconrciente coletivo ; outra, a européia, ou norte-ame­
ricana. que lhe deu as idéias, as diretrizes do pensamento, os paradig­
mas constitucionais, os critérios de julgamento político'*. De resto,
o Sr. Oliveira Viana considera que “ os homens da elite intdtrctuhl
do Brasil”, “ os chamados homens de pensamento", todos, se incluem
itqssa mesma categoria. Quanto a Rui Barbosa, entende que o
Brasil, "como povo”, não lhe interessava, nem nunca êle o estudou.
Nem lhe adiantaria êsse estudo porque o direito era, para Rui Bar-
l>osa, uma “ tecnologia” c não “ uma ciência social” e só raciocinava
sobre textos legais. Desde logo, neste último ponto, o insigne critico
comete uma injustiça: nenhum intérprete de nosso Direito foi mais
liberto da estreiteza dos textos que Rui Barbosa. Mesmo quanto à
Const ttiição, nunca esqueceu êle — antes o proclamou inúmeras
vezes — que sua interpretação construtiva, sua aplicação cotidiana.
— 150 —

envolve tuna transformação considerável. H aja vista, para só citar


nm exemplo, o caso dos impostos interestaduais, que debateu com
Amaro Cavalcanti.
Em tcdo o caso, o S r. Oliveira Viana reconhece que Rui
Barbosa ‘‘era. substancialmente. tão original c criador quanto Torres” ;
mas. "culturalmente, era tun puro inglês” ; nem “ conhecia, por assim
dizer, outro clima cultural senão o da civilização anglo-saxõnica”.
P or isso mesmo — prossegue o Sr. Oliveira Viana — os institutos
jurídicos "através dos quais os anglo-saxões vêm garantindo tão
eficazmente as liberdades civis dos cidadãos” eram "os que êle acon­
selhava para o Brasil e procurou realizar no Brasil” . Conclui
o Sr. Oliveira Viana que "neste empenho, não modificou os rspíritos,
não alterou os costumes, não estabeleceu qualquer tradição qtíe per-
durasse após a sua morte ou se generalizasse no pais” .
Reconhece o doutíssimo autor de "Populações meridionais” que
Rui Barbosa formara tun conceito mais realista do municipalismo —
que Tavarj-s Bastos e Pedro I-essa. e o seu federalismo era "temperado
c comedido”, com um traço de moderação. A divergência fundamental
cm que o nosso eminente sociólogo se encontra com Rui Barbosa,
proveio da própria instituição do regime federativo. Para él1: o mal
do federalismo está na uniformidade, mais que na descentralização —
e increpa Rui Barbosa de não ter querido instituir desigualdade para
os Estados. Iríamos nmito longl: na discussão dêste asserto. Quero,
porém, recordar que Rui Barbosa, cm seu programa revisionista, de
1910, incluira a atenuação da uniformidade tributária federal para
atender ã condição especial de certos Estados e somente cie, talvez,
terá sugerido ésse preceito.
Atinge-se ao âmago da questão, quando se tem de reconhecer, com
o Sr. Oliveira Viana, que o povo brasileiro não tem educação demo­
crática. Essa é a falta fundamental, que acarreta tantas outras c
tantas dificuldades. Mas, como se faz a educação democrática ?
como há de cons;.-gui-)a o nosso povo ? Mediante a prática da demo­
cracia, e somente assim — creio eu. Não é sob os regimes de tirania,
ou de despotismo, que se realiza a educação democrática; c súmente,
e sempre, sob o regime democrático, porque ao passo que o despo­
tismo se agrava continuadamente para se manter — e por isso mesmo
não se pode manter indefinidamente — a democracia se aperfeiçoa,
dia a dia, quando vigora, e comporta múltiplas gradações.
P or outro lado, quem terá contribuido, em mais alto grau, para
a nossa incipiente educação democrática ? quem, senão Rui Bar-
bosa ? quem fez mais que êle ? quem fez, sequer, tanto como ele ?
— 151 —

e não somente pela palavra c pela doutrinação, mas também pelo


exemplo e pela ação direta?
Chegou, por fim. o próprio Sr. Oliveira Viana a reconhecer
que a maior glória de Rui Barliosa está em haver compreendido a
iunção primacial do Poder Judiciário de defesa da liberdade, e "colo­
cado êsse Poder fora do alcance da subordinação e dej>endência dos
Executivos e dos Parlamentos, sempí;.- partidários e facciosos”. Pare­
ce-lhe que a conquista dêsse primado é "de tamanho alcance que
empalidece mesmo à sua (de Rui Barbosa) doutrina do habeas
corpus e a latitude, que lhe deu, como garantia da liberdade pessoal".
Por isso, rcconhec: que Rui Barbosa “ estava adiante da mentalidade
dos homens do seu tempo”.
O que mais preocupa o Sr. Oliveira Viana, o maior mal que
aponta cm nosso regime político, é o mandonisnio dos chefes locais.
P a ra exclui-lo, pretende o fortalecimento do poder central. Para
evitar um mal, disperso e supcrável, provoca outro mal maior e indo­
mável. Esquece que a opressão de um poder central forte é muito
pior e mais irremediável, que a que possam exercer os poderes locais.
Psse é o ensinamento que emana de nossa história política. A discon­
tent ração dos poderes, a sua coordenação, como ocorre no regime
federativo, envolve precisamente a garantia de que nenhum déles
exorbitará. Aos poderes municipais se sobrepõem os poderes esta­
duais; aos estaduais se sobrepõe o poder federal. Uns limitam e con­
trolam os outros. Que garantia das liberdades cívicas pode propor-
iionar um regime centralizado e unitarista — comparável à que
resulta dêsse sistema de poderes limitados e coordenados ? ainda
mais, quando o remédio do habeas corpus pode ser conferido por
juizes, dotados de tôdas as segurança? de independencia e isenção, e.
em caso de denegação. ou de urgencia, impetrado até ao próprio
Supremo Tribunal Federal ? Esta conjugação do federalismo com o
judiciarismo — em que apontei a característica marcante da Cons­
tituição de 91 — foi obra de Rui Barbosa f ie firmou o principio
da supremacia da Constituição sobre todas as demais leis; a invali­
dade, a inoperância dos atos do Governo que contrariem qualquer lei.
P.le criou — a bem dizer — o instituto processual idôneo para a
pronta efetividade da liberdade ameaçada ou violada.
Êle afirmou — e demonstrou-o pràticamcnte :
"Onde quer que haja um "direito individual violado, há
de liaver um recurso judicial para a debelação da injustiça.”
Grande, fecunda norma, essa, implícita na Constituição de 91 e
nas subsequentes — que se acha agora exarada expressamente, por
outras palavras, na Constituição de 46 (art. 141 § 4.").
— 152 —

Ai estão as necessidades primordiais do nosso regime poiitico, as


condições precipuas da nossa educação política. A elas atendeu Rui
Barbosa — como focalizara, quase dez anos antes, melhor que nin­
guém, o outro problema angustioso daquele tempo c de sempre: —
o da educação nacional.
Então, como supor que Rui Barbosa não conhecia o Brasil ?
que não modificou os espíritos, nem estabeleceu qualquer tradição ?
Compare-se a atitude do insigne juiz do Supremo Tribunal, Costa
Barradas, negando o liabais corpus de abril de 92 e sustentando,
calorosamente, eruditamente, que os efeitos do estado de sitio se nao
extinguiam com a terminação do próprio estado de sitio — com a
que êle mesmo, o mesmo ministro Costa Barradas, assume, seis
anos depois, requerendo como advogado, ao Supremo Tribunal, de
que já se afastara, ura habeas corpus com fundamento na doutrina de
Rui Barbosa, que ele impugnara, e então conscguindo-o e fazendo
triunfar essa doutrina? Comparem-se as impugnações — direi
melhor, a surpresa — provocada pela ação judicial que Rui
Barbosa intentou era 93 para anular atos do Poder Executivo de
reforma, aposentadoria e demissão de funcionários — com a multi­
plicidade das ações desse gênero qu: correm hoje nos juizos compe­
tentes. Todos os tribunais do país, até o Supremo Tribunal Federal,
estão verdadeiramente abarrotados de pedidos de habeas corpus e de
mandados de segurança. São outras tantas reações contra abusos —
ou pretendidos abusos — do poder. São, pelo menos, outras tantas
afirmações da defesa de direitos individuais. Em nenhum pais do
mundo — nem mesmo nos Estados Unidos, veja-se l>em — é assim, tão
fácil, tão freqiiente, tão eficaz o procedimento judicial contra demasias
do poder público.
A quem, senão a Rui Barbosa timemos, mais que a qualquer
outro — essa tradição, essa regalia, essa aparelhagem de educação
democrática ? Tudo fica dependendo, apenas, de que juizes e tri­
bunais saibam cumprir a sua missão. Se, desgraçadantinte, o não
souberem, teremos revelado uma deficiência de formação moral —
que não encontra remédio nas leis humanas.
Assim sendo, como duvidar do conhecimento, que Rui Barbosa
teria, da nossa gente ? Foi Ernesto Renan, se me não engano,
quem disse que a verdadeira admiração é histórica. Não seria de
estranliar que Rui Barbosa não tivesse, em .-j.-u tempo, o conhecimento
do Brasil, que hoje se está generalizando, pela facilidade das comu­
nicações, pelo dcsenwivimcuto dos estudos de geografia, de liistória.
de economia, pelo desenvolvimento das estatísticas. Naquele tempo,
ninguém podería ter éste conhecimento aprofundado. Já vimos que
o Sr. Oliveira Viana considera “ marginais’’ todos os homens de
nossa elite intelectual. O próprio Alberto Torres — de quem o
Sr. Oliveira Viana se tem como discípulo — não teria aquele conhe­
cimento e o grande disciptdo de tão ilustre mestre reconhece que
ele assentara as suas normas de reorganização política, por mera intui­
ção. De Silvio Romero — outro mestre que - o nosso provecto
sociólogo admite e acata — podería dizer o mesmo. Rui Barbosa,
provinciano, estudante de São Paulo e do Recife, advogado e jorna­
lista teria muito mais direto conhecimento das nossas coisas. E pos­
suiu. além disso, profundo conhecimento da literatura política anglo-
saxónia, como ninguém o possuia naquele tempo — conhecimento
que se tem malsinado, e o próprio Sr. Oliveira Viana parece mal-
sinar. Êsse foi. porém, um dos elementos, a par do seu talento, do
seu espirito político, da sua intrepidez reformadora — do éxito da
obra de Rui Barbosa em 91. Como se iria moldar a nova Consti­
tuição ? Seria uma obra de imaginação c fantasia ? Não foi melhor
que pudéssemos juntar aos ensinamentos de nossa própria história,
os da experiência das nações mais adiantadas politicamente ?
Demais, havia entre o Brasil e os Estados Unidos analqgias ine-
quivocas : a extensão territorial, a diversidade das condições locais
e das raças povoadoras, a necessidade da conciliação e do equilíbrio
dos poderes. Não importamos o federalismo: èle inspirara a criação
das capitanias hereditárias, pouco tempo depois do descobrimento:
fermentara as mais graves reações contra o centralismo do regime
imperial; vinte anos antes se inscrevera na bandeira do partido repu­
blicano — e contribuira, decisivamente, para a sua vitória.
T.-riamos, antes, importado o judiciarismo. Éste se liga, porém,
necessariamente, ao federalismo. Demais, nèle já teria pensado um
brasileiro, profundamente brasileiro, que não ]>osso considerar um
“marginal" — Dom Pedro I I .
Não e não. Rui Barbosa não nos levou a copiar como tantas
vezes se tem dito, a Constituição Americana. Basta ver que a grande
lei americana não delineia o Poder Judiciário como o delineamos,
nem lhe assegura tão ampla intervenção. Nem atribui impostos pri­
vativos aos Estados. Nem regula a organização municipal. Nem
define, com tanta cxt.nsão, os direitos individuais.
O arcabouço da organização qonstitucioral, que éle ergueu, per­
dura, ainda agora. Dentro nêle. o Brasil poderá progredir no sentido
do aperfeiçoamento da democracia, do desenvolvimento da cultura, do
engrandccimento econômico. Nenhuma lei pode assegurar tudo isso.
Basta que o torne possivel — quando homens do governo e povo
saibam querê-lo.
— 154 —

VIDA B E N EM ÉR ITA

Talvez nenhum dos nossos homens públicos tenha, pois, tantos, tão
numerosos e tão altos títulos de benemerencia como Rui Barbosa.
Êle juntou às palavras — mais belas e puras — as ações cprrespon-
dentes, as mais nobres e exemplares : ao exlxnplo da sua vida acresce
o da sua obra.
Benemérito foi, realmente — antes de tudo, pelo exemplo da sua
vida — austera, quase ascética, de beneditino, de trabalhador infati­
gável, de estudioso incessante. É o madrugador de todos as dias que
aconselhava: — "o amanhecer do trabalho há de antecipar-se ao
amanhecer do dia” ; e considerava : "para trabalhar nascemos” . É o
obreiro virtuoso que se dePmde de acusações á sua probidade, dizendo,
serenamente, à face do Senado : “ Deus agraciou-me com a fortuna,
preciosa entre tõdas, de não ter vícios’’.
Seria Berryer o advogado que Rui Barbosa mais admirava,
cuja atividade profissional melhor se poderia comparar à dêle próprio.
Não há, todavia, maior contraste que o da intensa vida social de Ber­
rver. da sua assiduidade nas festas e nos salões clisantes, com o reco­
lhimento, a modéstia da vida de Rui Barbosa, ainda no fastigio de seu
teñóme, recolhido ao recesso do lar doméstico, e ali enclausurado,
¡«jr longos dias, no gabinete de estudo, mergulhado nos seus livros
c papéis, quase sem S; alimentar, sem outro divertimento que. não
fossem as sessões de cinematógrafo e as visitas às livrarias.
Habituado, desde a difícil juventude, a contar somente consigo,
tornara-se infenso â colaboração alheia. No Império, na campanha
abolicionista, na campanha federalista. tivera companheiros, ou coope­
radores — potadamente aquêle que esteve quase sempre a seu lado,
e amigo fidelíssimo — Joaquim Nabuco. Na República, porém,
na campanha pela Constituição, fica só. A bem dizer, nfio há mais
ninguém. Tanto melhor para éb. Multiplica o seu esforço, que
vale o de uma legião.
Sua casa é uma biblioteca. Estantes pejadas de livros invadi­
ram lhe quase todos os aposentos. Em livros se invertia, quase inte­
gralmente, o produto do seu trabalho; era aquêle todo o seu patrimô­
nio. O que escreveu vai encher 100 volumes, de 300 ou 400 páginas
— ou sejam dois volumes por ano de vida. O que leu bastaria para
consumir tôda uma longa existência.
Nem só nesse aspecto, sua vida é um exemplo benemérito.
Também o é pela tenacidade, pela perseverança, com que a devotou,
continuadamente, até os últimos dias, aos mesmos altos ideais e aos
mesmos princípios básicos. Nem as decepções, nem as injustiças, nem
c. fracasso de suas iniciativas o fizeram desanimar, ou mudar de rumo.
— 155 —

Ao contrário, parece que cada vez mais o encorajavam, lhe fortaleciam


o ânimo, lhe estimulavam as energias. Foi assim até o fim —
emprq.'nderxio, aos 70 anos de idade, a penosa excursão pelos sertões
da Bahia e ai proferindo sete magnificas conferências, em propa­
ganda da candidatura — não déle mesmo — mas do juiz federal daquele
Estado ao cargo de governador.
Ainda por terceiro motivo, ofered: sua vida padrão exemplar:
é que, a tõdas as criticas, a todas as censuras, a tôdas as agressões
a tôdas as injúrias e calúnias — deu êle, sempre, resposta adequada,
revidou sempre, de pronto, tantas vêá.-s quantas se renovasse a incre-
pação. Por vezes, a acusação lhe parecia dcsprezivel e declarava que
a não refutaria. Mesmo então, a sua reação era esmagadora; hajam
vista o discurso do Senado sóbre os ataques do deputado Cesar Zama
e o artigo de "Im prensa” sóbre os ataques dc José do Patrocínio.
Ele sabia — e mostrou-o — que um homem público deve contas
de todos os seus atos a seus concidadãos. Nunca lhe faltou o respeito
à opinião pública, poder stiprt.mo no regime democrático. Recordai,
por exemplo, como se delmdeu da acusação de haver dejiortado a
familia imperial e alguns estadistas do Império, mostrando, à sacie-
dade, repisadamente. que o exilio fõra imposto a pouquíssimos
membros do último gabinete monárquico e a Item, até, da própria
segurança pessoal déles. Rpcordai, noutro exemplo, como se defen­
deu das acusações contra a sua probidade, divulgando títulos de
aquisição de bens, minudeando as origens de seus haveres, como
[xtdcria ter exibido aqueles cadernos de despesas, cm que anotava
os seus gastos com detalhes a que se não atrevem os que não podem
revelar a procedência dos ganhos. Recordai, ainda, por exemplo, a
reiterada defesa dc sua gestão financeira, no governo provisório,
consagrada hoje pelo reconhecimento do acerto dos seus projetos c
reformas, que abrangem o Registro Torrens, o imposto de renda, o
imposto em ouro. Recordai, por fim — para não alongar mais esta
série ti.' exemplos — a justificativa, tantas vêzes renovada, das suas
supostas contradições, mostrando que se deve evoluir, e que o mal
está em tnudar do certo para o errado, não em m udar do errado
para o certo. A essas contradições apliquei eu. certa vez o que Emile
Faguet escreveu de Nietzche : Rui Barbosa, como Nietzche,
seria contraditório, por ser inteligente c por ser sincero — tão inte­
ligente qtl'. tendo uma opinião, percebia que a opinião contrária era
ntais acertada, e tão sincero que o dizia. . .
Nessa nobre vida, outro traço se destaca, que envolve um ensi­
namento e lhe exalta a ben incrência: — desapego a posições oficiais,
a prêmios, ou recompensas. Advogado gratuito de grandes e árduos
pleitos judiciais, também em sua vida pública não quer outro prêmio
— senão o da satisfação de sua consciência pelo dever cumprido fiel-
— 156 —

ntentc. Quando tantos dos nossos homens públicos se empenhavam


— já nesse tempo — na áspera conquista de posições destacadas, ou
de mando, até mesmo das que menos aptos se deveriam sentir a desem-
pmliar, éle recusa, por amor da federação, a pasta de ministro, que
Ouro Preto lhe oferece em 88; ministro e sub-chefe do Governo
provisório, renuncia, nada menos de dez vezes, essa posição destacada;
senador pela Bahia declina duas vêzes do seu mandato; recusa o
prêmio pecuniário que Félix Pacheco propõe ao Congresso lhe seja
concedido; reluta em aceitar o cargo de juiz da Córte de Justiça
Internacional, de H aia. Dir-se-á que, no entanto, pleiteou a presi­
dência da República. De uma vez, ao menos, só o tez, sem nenhuma
esperança de êxito, por amor da democracia, no cumprimento de
penoso deMrr cívico. Sempre, pode considerar-se que cedeu a impo­
sição irresistível — até da sua própria consciência.
Por fim. o último traço, constante c indelével, a realçar nessa vida,
é a capacidade d : indignação e de ira. Bendita cajiacidaxle de indig­
nação ! Bendita capacidade de ira ! file pôde re|>etir as palavras que
já Manuel Bernardos repetira : "às vezes, poderá haver pecado, se
não houver ira; porquanto a jiacicncia e silêncio fomentam a negli­
gência dos maus e tentam a perseverança dos bons". Rui Barbosa
não se deixa amolecer, nem entorpecer pelo ambiente, não transige
por camaradagem, não si|.-iKÍa por temor, não aplaude por interesse.
O empesteamento de nossa vida pública não resulta da simples prá­
tica de abusos, de fraudes, ou de crimes. Bem sabeis que os não
pratica a maioria dos nossos homms públicos. Muitos déles, senão
quase todos, são de razoável pureza de costumes; quase todos, no
trato pessoal, verberam êsses abusos, essas fraudes, esses crimes. Os
que abusam, c defraudain, os criniinosos, são pequena minoria — nus,
um» minoria crescente, cada vez mais audaciosa e ostensiva, pela
impunidade, pela tolerância e transigência da maioria. Acaso, o
próprio Rui Barbosa teria. alguma vez, cedido à pressão de amigos
ou correligionários. Em todo o caso, ninguém reagiu mais que ele;
ninguém foi mais violento na condenação implacável das deturpações
do regime político e dos males do organismo social.

RE ALIZAÇÕES B E N EM ÉR ITA S

A benemerencia da vida do homem público, marcada ¡>or essas


características raras, ainda mais raramente reunidas — consagração
ao estudo, perseverante fidebdade a altos ideais, respeito à opinião
pública, desprendimento das posições oficiais, capacidade de indig­
nação e de ira — corresponde a benemerencia de suas realizações, de
suas obras, tódas inspiradas [J‘lo empenho de bem servir ao Brasil.
— 157 —

Benemérita, mais que tudo, sua ininterrupta defesa do Direito


c da lei, e da maior das leis, que é a Constituição; sua intransigência
no zêlo da liberdade e dos demais direitos individuais; sua tenaz
invocação do amparo judiciário, file oferece á nossa gente, àquele
mesmo Jéca-tatú que imortalizou, tirando-o do livro de Monteiro
ljrbato — um 'zscudo infrangivel, uma arma preciosa, para defesa
contra os mandões, os sátrapas, e todas as prepotencias: o recurso
judicial do habeas corpus. Ensinou a usar dessa velha arma enfer­
rujada, dando-lhe novo brilho ■ manejando-a, êle mesmo, como nin­
guém a soubera manejar. Mostrou que não seria conspirando,
maquinando revoluções, fomentando a desordem, que se conseguiría
o respeito e o amparo dos direitos individuais. Pôde dizer quz
conspirara uma só vez. por quatro dias, etn novembro de 89. e nunca
mais o faria. íôsse para o que fôsse. Do tnesmò paSSo, procurou
incutir no espirito de seus concidadãos o horror ao estado <fc sitio.
<inpenhou-se em limitar-lhe o alcance c os efeitos.
Benemérita, a formação do espirito cívico, que a êle se deve, ou
para que tanto contribuiu, fit: despertou interesse pelo voto; pregou
o dever de votar; ensinou o povo a votar; revelou a força do voto
popular. Antes déle, antes de suas campatíhas presidenciais. rie-
uhttma eleição tivera no Brasil tão alto significado e tão vasta rép.T-
ctissão, provocara tão largo debate, interessara tão larga massa de
cidadãos.
file soube conquistar a cothpreensão. a estima do |X>vò. arràs-
tando-o aos comícios, retendo-o horas a fio, encantado, atento ã sua
palavra vibrante, a fixar as características dó regime, descarnar
implacavelmente as práticas errôneas, cobrir de ridículo as figuras
dos seus adversários politicos, file quiz subverter o que chamou a
"democracia de humilhações, decepções e abdicações”
Quem o ouviu, nalguma das formidáveis orações, sentirá sempre
ressoarem os acentos da grande voz oracular. De ni|im vos direi que,
ainda na Assembléia Constituinte de 34, quando defendia a extensão
das garantias individuais, pude, certa vez, justificar-me. advertindo :
— "'.-u ouvi Rui B a rb o s a ...” Nem só o ouvi. Vivi, no seio da
multidão, horas de incomparável vibração civica, que somente êle
soube prtívocar. Assim — pára recordar unt só episódio, dentre
tantos outros — o de certo dia. em que êle voltava de excursão elei­
toral a Minas, ou a São Paulo. Anunciara-se que regressaria «uma
das ultimas horas da tarde. Encheu a Avenida Rio Branco, para
saudá-lo no percurso por ali, uma onda de povo, gente de tôdas as
categorias sociais. PasSa a hora marcada, e logó se divulga uma
notícia desanimadora: àtrasara-se o tr e m ... Compreende-se que a
administração pública procurava frustrar os aplausos do povo carioca.
— 158 —

O atrazo seria de urna hora. Ninguém arredou pé. Ai do pobre


aluno da Faculdade de Direito, que morava longe, e, depois de uma
úrdua jornada de tral>alho e de 'estudo, de pé, num recanto da Avenida,
deixava decorrer a hora do jantar doméstico — sem pensar nisso!
Ai de tantos outros na mesma situação — estudantes, comerciantes,
profissionais, liberais, militares ! Nenhum saiu : a avenida continuou
repleta. Depois, circula a notícia de novo adiamento da chegada,
com o mesmo resultado, isto é, sem acarretar a retirada da multidão.
P o r fim, noite fechada, uma vibração, a multidão que se comprime,
abrindo cantinho ao carro em que Rui Barbosa agradece os aplausos
delirantes. Passa, num instante, o veiculo — c a multidão se dispersa.
Um só instante — inesquecível. Ainda agora lhe sinto a emoção
Cada um de nós recolhia à casa, reconfortado, como se houvesse imi­
tado aquele velho de rija têm p ra. cumprindo, penosamente, um dever
cívico — um pequenino dever cívico, que podería ser [tara êle um
consolo e um incentivo.
Benemérita, também, a couceituação do federalismo — ainda
agora o vimos — adequada à nossa condição social (■ politico, que
soube inserir no Pacto de 1891. No próprio seio do Governo Provi­
sório, um republicano, histórico, proeminente. Campos Sales, reconhe­
cia a "solterania" — não, a]>enas, a autonomia das antigas províncias,
que se convertiam em E stados: Rui Barbosa contrariou-o. fortalbcendo
a autoridade do poder federal, salvaguardando a unidade do Direito
Privado e a própria unidade nacional e. ainda assim, considerando que
Constituição fôra, verdadeiramente, “ ultra federalista”.
Beneméritas a sua doutrinação, a sua obra, as suas campanhas,
em prol da educação pública e da liberdade religiosa; l:m prol da
pureza da linguagem, especialmente no texto das grandes leis. Contra
o militarismo. Contra a preferência dos “ não preparados” para o
govêmo da Nação.
Benemérita a magnanimidade das suas ações. Tóda a veemência
com que impugnava abusos e erros do poder, toda a mordacidnde com
que satirisava os responsáveis por êsses erros e abusos — não tra­
duziam rancor pessoal, não deixavam residuos duradouros.
Êle acentuou o caráter impessoal dos seus ataques, dizendo que
— os maur. lhe inspiravam tristeza e piedade c só .o mal é que o infla­
mava cm ódio. Os que êle atingiu injustamente, na explosão da sua
indignação, quase sempre sabiam perdoar-lhe. Por seu turno, êle.
confessando o perdão das ofensas recebidas, acrescentava : “ assim me
perdoem, tamltcm, os a quem tenho agravado, os com quem houver
sido injusto, violento, intolerante, maligno, ou descaridoso”. No Go­
verno Provisório, é êle quem sugere a concessão dc pensão aos
banidos; Dcodoro acecV. excluindo, porém, Silveira Martins e.
— 159 —

então. um dos ministros teria dito: " T a n coração demais éste Rui I"
Ble esclarecería que não era coração, era espirito jwiítíco, o sentimento
do interesse do novo regime. Pouco depois, ainda no Governo P ro ­
visório, hã uma insurr.Hção militar em Santa Catarina, e Deodoro
ordena a execução dos culpados; Rui Barbosa interven! c consegue
a expedição de cotitra-ordetn. Anos mais tarde, quando surge a
idéia da revogação do banimento da familia imperial, é dos primeiros
a aplaudi-la, e justificá-la, apesar dos ataques que por isso sofre.
J)ir-se-ia que tinha sempre lan mente a velha advertência de M o n ­
tesquieu: vale mais, nestes casos, perdoar muito que castigar muito,
desterrar pouco que desterrar m u ito ...
Benemérito cie próprio, pelo que pregou, pelo que fez pelo que
impediu qtv se fizesse — mais evidenciada estaria a sua benemerencia
se se tivessem realizado as reformas que propôs, mantido as que
realizou, triunfado ¡mediatamente as suas campanhas, prevalecido,
desde logo, seus ensinamentos.
Benemérito, como os que melhor hajam servido o Brasil, quase
sempre mal servido, tantas vêzes traído pelos que mais devotamente
deveríam serví-lo. Benmiérito tanto, ou mais, que os heróis que na
guerra, em uma arrancada, sacrificam a própria vida em defesa da
Pátria, pois sacrificou a sua, din a dia, durante cinquenta anos con­
tínuos. sem desfalecer, sem transigir, sem acovardar-s?.
Benemérito através da longa, afanosa, torturada vida, c agora, c
sempre, cada vc-z mais, porquanto a simples invocação de seu nome
traduz um anseio, a invocação de suas atitudes comprova uma pos­
sibilidade. a invocação de seus ensinamentos proporciona uma garantia
— anseio, possibilidade, garantia, da implantação definitiva e da per­
feita realização da democracia, nesta nossa terra, pela efetividade dos
direitos inerentes à dignidade da pessoa humana.
PUBLICAÇÕES A RESPEITO DE RUI BARBOSA

RUI E A MOCIDADE

ORAÇAO PRONUNCIADA PELO EMBAIXADOR JOSÉ


CARLOS DE MACEDO SOARES. PARANINFO DA TUR­
MA DE PROFESSORAS DA ESCOLA NORMAL DE SAN­
TA RITA DE PASSA QUATRO, EM SAO PAULO

Não há maior recompensa, para os que se consagnun ao serviço


d a Pátria do que a simpatia, a compreensão, e o apreço das novas
gerações. Ser julgado pela mocidade é ser julgado no presente pelo
futuro.
Não são inúteis os esforços dispendidos., os combates travados,
quando êles repercutem nos corações ainda puros dos que sc encon­
tram no alvorecer da existência.
No campo da vida pública, o ideal é a grande paixão da mocidade.
A mocidade, quase sempre, pensa e atua, desinteressadamente, pondo-
se acima das conveniências pessoais. Não conhece ou despresa a
corrupção. Seu clima uatural í o da nobre altivez, o clima purificado
da independência espiritual.

TRADIÇAO, TNOVAÇAO

A mocidade ê. por si mesma, inovadora. E não há inovação


quando não há tolerância nem liberdade. Sabemos o que vale a
tradição para um país. Mas um povo não vive apenas da tradição.
Se tal acontecesse seria a decadência, a decrepitude, a morte. O razoá­
vel é respeitar-se a tradição como tradição, cm seu sentido histórico,
e não como obstáculo à marcha do progresso. Mas só nos espíritos
estreitos podemos encontrar o conflito entre a tradição c a inovação.
Em sua essência verdadeira, uma não nega a outra. Como o positivo
e o negativo no domínio da eletricidade, embora se opondo, não se
destroem : completam-se. A inovação de liojb será a tradição de
amanhã, assim como as tradições que mais zelamos constituiram ino­
vação em sua época.
— 161 -

A missão do homem amadurecido p d o tetupo, é a de temperar,


com seus conselhos a atuação da mocidade fogosa, ousada It realizadora,
sem, cornudo, desiludi-la sem frustrar os seus propósitos, sem impedir
que ela siga, históricamente, o caminho que o destino lhe reservou.

P A R A N IN F O

A escolha do meu nome para paraninfo de vossa turma deu-me


a satisfação de -verificar que a mocidade me considera capaz de com­
preendê-la e com ela identificar-me.
Esta escolha envaidecedora coincide com a época festiva em que
se comemora, no pais inteiro, o centaiúrio de nascimento de Rui
Barbosa.
Portanto, neste ano de 1949. não é possivel a alguém discursar,
como paraninfo, sem ergulrr seu espirito para as alturas em que sem­
pre pairou o do nosso grande patrício.
N a própria vida — tão magníficamente vivida — de Rui Bar­
bosa c cm seus dois inolvidávcis discursos “ Palavras à Juventude”
e "O ra ç ão aos Moços", encontramos todos os ensinamentos que
deverão ser transmitidos aos que transpõem definitivamente as
ombreiras de suas escolas.
R U I BARBOSA

Conhecí pessoalmente o conselheiro Rui Barbosa e sempre o


vi como um discípulo a um m estre. Admiro tôdas as manifestações
de seu gênio. Sei, perfeitamente, o que ele «presenta para a Pátria.
Não posso, portanto, resistir a tentação de ine dirigir a vós meus
afilhados, com as próprias palavras do excelso brasileiro quando êle
se Vncoutrou. como eu. presentemente me encontro, na contingência
de se dirigir à mocidade.
Recordando os conceitos que êle emitiu no seu discurso de 1903.
no Colégio Anchieta. de Friburgo, e na famosa e inesquecível "oração”
dirigida, como paraninfo, em São Paulo, aos hachan-landos de 1920.
prestamos uma sincera homenagem à sua memória imorredoura.
E ’ o qne faço de melhor para mim c para vós. Ilumino, maravilho­
samente, esta modesta oração com o extraordinário fulgor de sua
eloquência inigualável.

A PO LO G IA DO PR O FESSO R

Aos 26 de novembro de 1865, contando apenas 16 anos de idade,


pois nascera a 5 d t novembro de 1849, Rni Barbosa pronunciou no
Ginásio Baiano, por ocasião da distribuição dos prêmios escolares,
— 162 —

um discurso cm que aprecia a influência do professor sóbrc os alunos,


fazendo-lhe a apologia.
O jovem Rui disse:
"N a mocidade está o futuro, glorioso ou mesquinho, arraiado de
luz ou sumido cm trevas, conforme os principios que lhe houverem
semeado, arraigado, brotado no coração; porque, senhores, o mestre,
abaixo de J)eus, é o árbitro do porvir."
"Bem hajam pois os que, esquecendo glórias mundanas, sacri­
ficando interesses e amor próprio, se vão consagrar no retiro >• no
silêncio, á mais grandiosa profissão que o homem ]>ode abraçar: n
educação da juventude."

PÁ TRIA, T R A B A LH O E ID EA L

No discurso de Friburgo, que recebeu o título de "Palavras ã


Juventude", Rui Barbosa lembrou com todo o poder fascinante de
sua irresistível argumentação, o que representava para os moços a
tríade sagrada : Pátria, Trabalho e Ideal.
“ A Pátria — diz Rui — é a familia amplificada. E a familia,
divinamente constituida, tem ¡>or elementos orgánicos a honra, a dis­
ciplina. a fidelidade, a Ixaxjucrença. o sacrificio. É uma harmonia
instintiva de vontades, urna desestudada permuta de abnegações, um
tecido vívente de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes
o organismo. Multiplicai a familia, e tereis a Pátria."
E mais adiante :
“ A P átria não é ninguém, são todos: c cada qual tem no seio
dela o mesmo direito à idéia, á palavra, à associação. A Pátria não
é um sistema, nem tinta seita, nem um monopólio, nem tuna forma de
governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar.
o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei. da
lingua e da liberdade."
Mas não existe Pátria sem trabalho. O trabalho une os homens
entre si. Tonta comum os seus interesses, os seus anseios, as suas
aspirações. É a liga da solidariedade coletiva. F. qttem estabelece a
inter-comunicabilidade das famílias. E sôbre éle title se baseia a vida
do individuo c da sociedade.
O trabalho, para Rui Barbosa, era o grande removedor de obs­
táculos. Êlc cria no seu poder, e o amava com zeloso entusiasmo.
O modo desprezível com que via a preguiça, o descuidado, a inércia,
manifesta-se a todo instante em sua obra. Rui Barbosa afirmou
— 163 —

s nipre que, no trabalho, podcr-se-ia encontrar a cliave do éxito, da


fortuna e da glória.
Que era o talento, o gênio senão uní produto, em grande parte,
do esforço, da perseverança, do trabalho ? “ f i a assiduidade na edu­
cação metódica c sistemática de nós mesmos qtf.- descobre as grandes
vocações c amadurece os grandes escritores, os grandes artistas, os
grandes observadores, os grandes inventores, os grandbs homens de
Estado. Não contesto a inrfiíraçüo; advirto apenas em que é fre­
quentemente uma revelação do trabalho."
E acrescenta :
“ Dos que nascem argentinos se fazem ordinariamente os pró­
digos inúteis e malfazejos. A cultura pertinaz e obstinada é que
desentranha da gleba revêssa as vegetações luxuriantes, as florescen­
cias maravilhosas, as frutificações opulentas, searas. |joniaits, reba­
nhos, metrópoles, nações, estados, prole imensa desse casamento
perene, abençoado por Deus, entre a terra e o trabalho. Trabalhai,
pois, mas persistentes, incessantes, como o sol de todos os dias e o
orvalho de tõdas as noites. Ouvireis discorrer de grandes e pequenas
nacionalidades, de impérios poderosos e repúblicas desprezíveis. Tudo
aí é atividade, ou indolência: tudo vai do trabalhar, ou rú o trabalhar.
Não há senão povos que traballutm, e povos que não trabalham."
"M as o trabalho ê rude, às vezes desabrido, ferrenho, descon-
versável: não lisongeia os seus neófitos, não ameniza as suas durezas,
não condesccnde com as nossas debilidades. Mas é preciso encará-lo
serenamente.”
N a concepção de Rui o trabalho não pode ser realizado egoísti­
camente. visando apenas o interesse exclusivo do individuo. É a tese
da famosa página "A couve e o carvalho" :
"Enquanto Deus nos dê uni resto de alento, não há que deses-
je ra r da sorte do bem. A injustiça pode irritar-se; porque é precária.
A verdade não se impacienta: porque é eterna. Quando praticamos
uma ação boa, não sabemos sc é para hoje ou para quando. O caso
é que os seus frutos podem ser tardios, mas são certo. Uns plan­
tam a semente da couve para o prato de amanhã, outros a semente
do carvalho para o brigo do futuro. Aqueles cavam para si mesmos.
Éstes lavram para o seu pais, para a felicidade dos seus descendentes,
e para o beneficio do gênero lntmano.”
Grande mestre da língua, tinha o hábito de ler dicionários, hábito
qtte deveria ser seguido por vós. Nenhum escritor, por isso, usou
com tanta mestria uma sinonimia tão opulenta.
— 164 — . .

A R E B EN Q U E ID A

Por ocasião da campanha política da sucessão presidlmcial, en>


1912, em certo momento correu a noticia de que o Marechal Hermes
havia declarado na fábrica de pólvora de Piquete que levaria scus
adversários a rebenque. Rui comentou o falo en? primorosa rapsodia,
na qual empregou com perficiente singeleza trinta e dois sinônimos
de rebenque.
A fim de mostrar a habilidade com que Rui usava os sinónimos
basta citar dois trechos da aludida rapsodia :
" O preconceito branco de que o regime do látego vilipendia
e envergonha a. especie humana, levou-nos a engenhar uma Consti­
tuição com todas as maningancias do mais fino liberalismo. Mas o
amor do rélho, que havíamos contraído, vergalhando os nossos seme­
lhantes. começou a se empregar cm nós mesmos."
Mais adiante acrescenta Rui : “ Não sejam tão mimosas nossas
epidemics, que se arrepiem e arresinl.-m com as escolheduras da taca.
Por ela é que o gado Itarbatão e a bestaria chucra entram aos prazeres
da vida civilizada. O bruto sempre se assusta, ao encetar a expe­
riencia dessa educação, quando a trança carinhosa do pingalim lhe
começa a roçar o lombo desacostumado".
Satisfazendo a curiosidade dos que ainda não leram tão admi­
rável rapsódia vamos recordar os 32 sinônimos de rebenque citados
pelo nosso eminente patrício: açoite, bacalhau, vergalho, azorragu.
látego. rélho. chicote, tagante, chatnhuco, rebem, coiro. pirai, taca,
pingalim. estafim. zeribando, vergasta, verdasca, correia, chibata. rodi-
cios, chambué. manguá, chiqueira, zorrague. vergalhão, correame,
guasca, casca de vaca, rabo de tatú, gato de nove caudas, tira dúvidas.
Da mesma forma que não há pátria sem trabalho, não há tra­
balho sem ideal. Sc assim não fôsse o homem ver-se-ia reduzido a
uma simples máquina de produção. Pcrderia a sua personalidade c
transformar-se-ia num instrumento puramente industrial. O homem
trabalha não porque o trabalho seja, por si mesmo, a finalidade su­
prema da existência, mas o meio para a realização objetiva de suas
mais caras aspirações.
Ouçamos ainda Rui Barbosa :
"Como definir o ideal ? O ideal não se define: enxerga-se por
clareiras que dão para o infinito : o amor abnegado: a fé cristã: o
sacrifício pelos interesses superiores da humanidade; a compreensão
da vida no plano divino da virtude: tudo o que alltcia o homem da
própria individualidade, e o eleva, o multiplica, o agiganta, por uma
contemplação pura, uma resolução heróica, ou uma aspiração sublime.
— 165 —

Disse o Cristo que o homem não vive só de pão. S im ; porque


vivt do pão e do ideal. O pão é o ventre, centro da vida orgânica.
O ideal « o espirito, órgão da vida eterna. Entendei, como quiserdes,
a eternidade c a espiritualidade. Sc debaixo de uma ou de outra
forma, que será o ideal mais ou ohmios celeste, mais ou menos terreno,
não as admitirdes, tereis reduzidos os entes racionais à animalidade.
A política experimental dos incrédulos ainda não pôde agenciar para
o grande ensaio, no grêmio da civilização, uma nacionalidade m ateria­
lista. A té hoje os celeiros do gênero humano, as terras onde loirejam
as messes, onde florescem os linhos, onde se tecem as lãs. onde os
rebanhos se renovam como as liervas do prado, são os que se fertilizam
com o suor dos povos crentes. Esbulbá-los do seu ideal era mais difí­
cil que bani-los de suas pradarias, dos seus armenios, das suas searas,
dos seus linhares, das suas manufaturas. Porque, nesses povos, a
consciência domina tódas as instituições e todos os interesses. A reli­
gião os fez livres, fortes c poderosos. Pela religião fizeram as suas
maiores revoluções. À sombra da religião fundaram os seus direitos.
Tirassem a esses Estados o seu ideal, que restaria ? Grandes cons­
truções morais sem o cimento qu>? as soldava. Tremendas fõrças
sociais, sem o freio que as continha. Massas enormes, sem coesão que
as detivesse, domo os rochedos erráticos nas eras diluvianas, ou as
aludes soltas uelos despmhadeiros dos Alpes. Quando o fratricidio
separatista, nos Estados Unidos, abalou, oom uma guerra sem exem­
plo. os eixos do mundo, lutava um interesse com um ideal. O ideal,
que era a liberdade, esmagou para sempre o interesse que era o
cativeiro. Acreditais que fora do cristianismo uma nação de Titães
abrisse assim as próprias veias, para expiar e extinguir o crime da
exploração de uma raça aviltada?
Aí tendes, característicamente o valor prático désse elemento
imponderável, mas decisivo, nos destinos humanos.”
No sábio conceito de Rui Barbosa, o ideal humano liga-se.
estreitamente, ao sentimento religioso ls ao problema social e político.
Deus é a suprema expressão do ideal e. pela Igreja na terra, vão os
homens, pouco a pouco, operando, em todos os setores, as grandes
revoluções que abrem e preparam os caminhos para a edificação
gigantesca de um mundo melhor, mais livre, mais justo, mais equi­
tativo. em que predomine a solidariedade fraternal apregoada pelo*
Evangelhos.
D.-zoito anos depois do discurso no Colégio Anchieta. Rui
Barbosa viría confirmar, quando se encontrava no outono da vida, o
que dissera nas “ Palavras ã Juventude”. Dirigia-se novamente à mo­
cidade. mas tinha agora a seu favor a sábia experiência da velhice. Seu
discurso de paraninfo na Faculdade de Direito de São Paulo não é
apenas uma das maravilhas das letras nacionais. É também um
— 166 —

documento inexcedivel de beleza moral. Ao lado do esteta inigua­


lável está o defensor ardente e destemido da virtude e da razão.
Pode-se dizer que foi como pedagogo que Rui Barbosa consolidou,
no começo de sua atividade parlamentar, por ocasião da reforma do
ensino primario e secundario, o prestigio sem igual de inteligência e
de cultura que o acompanhou até a morte. O pedagogo que Rui
Barbosa deixou adormecido, por muitos anos, no fundo de si próprio,
ressurgiu no crepúsculo da vida, quando éle escreveu a Oração aos
moços.
Rui Barbosa insiste no valor do trabalho, nas suas possibilidades
milagrosas, mostrando o que líele existe de transcendental para a
mocidade que dcixa os bancos escolares.
Ouçamo-lo:
“ Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação
moral do homem. A oração é o intimo sublimar-sc d’alma pelo con­
tato com B e s . O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das
energias do corpo c do espirito, mediante a ação continua de cada
um sobre si m e n » e sobre o mundo onde labutamos.
O individuo que trabalha, acerca-se continuadamente do autor
de todas as coisas, tomando na sua obra urna parte de que depende
também a déle. O criador começa, e a criatura acaba a crição d ;
si própria.”
E Rui Barbosa desceu ao geral pelo particular, à teoria pelo
exemplo.
“ Ninguém desanime, — ensina êle — de que o bêrço lhe não
fósse generoso, ninguém se creia malfadado, por lhe minguarem de
nascença haveres c qualidades. Em tudo isso não há surpresas, que
se não possam erperar da tenacidade e santidade no trabalho”
N a Oração aos moços, Rui não se perde em divagaçôes transcen­
dentais. Deixa as regiões estelares para se ocupar da prática diária,
dando excelentes conselhos sõbre o método c o rendimento do trabalho
intelectual.
“ Estudante sou. Nada mais” — confessa com certo orgulho.
E adverte: "o trabalho vos há de bater á porta dia e noite; c nunca
vos rogueis ãs suas visitas, se queráis honrar vossa vocação, e estais
dispostos a cavar nos veios de n< ssa natureza, até dardes com os tesou­
ros que ai vos haja reservado, com ânimo benigno, a dadivosa Pro­
vidência. Ouvistes o aldrabar da mão oculta, que vos chama ao
estudo ? Abri, abri, sem detença. Nem, por vir muito cedo, Iho
leveis a mal, lho tenhais á conta de importuna. Quanto mais matu­
tinas essas interrupções do vosso dormir, mais lhas deveis agradecer.
O amanhecer do trabalho há de antccipar-se ao amanhecer do
dia. Não vos fieis muito de quem esperta já sol-nasccntc, ou sol-nado.
— 167 —

(..'lirios se fizeram os días para que nós os dobrássemos, madrugando.


Experimentais e vereis quanto vai do deitar tarde ao acordar cedo.
Sobre a noiíe o cerebro pende ao sono. Ante-manhã tende a des­
pertar.”
E Rui passa do objetivo [tara o subjetivo, do material para o
ideal, do corpo para o espirito.
"O s que madrugam — diz ele •— no ler, convém madrugarem
também no pensar. Vulgar é o 1er. raro o refletir. O saber não
está na ciência alheia, que se absorve, mas principalmente, nas idéias
próprias, que se geram ríos conhecimentos absorvidos, mediante a
transmutação, por que passam, no espirito que o assimila, ü m sabe­
dor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador
reflexivo de aquisições digeridas.”
E m 1921, coerente consigo próprio, Rui Barbosa insiste em
apregoar o que dissera, com outras palavras, em 1903 :
“ Deus, patria e trabalho. Metei no regaço essas três fés, êsses
três amores, êsses três signos santos. E segui, com o coração puro”.

• * ♦

Nada acrescentarei aos conceitos deste honaan que, sozinho,


simboliza a grandeza espiritual de um povo, de um continente, de
uma civilização. Não nos resta outra coisa senão nos curvarmos,
reverentemente, diante da luminosidade solar de seu gênio c de seu
saber, que constituem uma das maravilhas do século.

» ♦ •

Estamos. meus afilhados, vivendo uma noite inolvidável. Recor­


datoria, para mim, gloriosa para vós. Jamais esquecerei tão bela
cerimônia. Quanto a vós. sei que trazeis no coração a fé no futuro,
pois éste vos pertence, já que iréis, com a ajuda de Deus, forjá-lo,
construí-lo cora o vosso idealismo, com o vosso trabalho, com o vosso
amor à Pátria.
RUI BARBOSA E O TRIBUNAL DE CONTAS

ORAÇÃO DO MINISTRO RUBEN ROSA, PRESIDENTE


DO TRIBUNAL DE CONTAS, NA SESSÃO ESPECIAL
COMEMORATIVA DO CENTENÁRIO DE RUI BARBOSA

.Fritos ■.. Tão dignos de memoria


Que mão caibam cm verso ou larga história
— EUSÍADlAS, X. 71

Ao ensejo das comemorações do primeiro centenário do nasci­


mento de Rui Barbosa, o Tribunal de Contas da República rende,
hoje, o culto de sua veneração à memória do inolvidávd brasileiro.
E m todos os recantos do pais, de Norte a Sul. do litoral ao sertão,
nas grandes como nas pequenas cidades, Onde quer que, pulse um
coração patriota, neste dia, de lesta nacional, se evoca a figura lau­
reada dêsse estrenuo paladino da Lilterdade, da Justiça e do Direito,
num preito de admiração e de reconhecimmto.
Integrantes de tôdas as classes, membros de todos os credos,
h o m e n s m u lh e re s de tódas as idades, todos, a um só tempo, elevam
aos céus a voz em cetro, num hino de glorificação a êsse homem extra­
ordinário que. pelo seu gênio e pelo sea saber, pelos sbrviços prestados
à Pátria e pela coragem demonstrada nas lutas cntpenliadas em defesa
do bem e da Imüidade, da fc e da verdade, vive tão presente na cons­
ciência da geração de hoje como viveu na das gerações ]>assadas, c
viverá na das gerações futuras, através da obra que seu engenho
ergueu e bsculpiu.
De fato, em todos os setores da república das letras a que estendku
suas atividades, cm todos os cenários por onde se agitou seu espirito
de homem de pensamento, a vida de Rui Barbosa foi um constante
apostolado. Numa continua e incansável evangelizacão dos principios
que, sem dúvida, lhe irradiavam do sentimento e da razão, sempre
pensando t? ensinando, êlc não teve outra preocupação que não fõsse a
— 169 —

dc bem guiar a nacionalidade pela estrada do respeito- às liberdades


públicas, da obediência às leis, e do amor à s instituições.
Jornalista e tribuno, parlamentar e jurisconsulto, politico, esta­
dista e administrador, enfim Rui Barbosa realizou, em nossa Pátria,
o milagre de eternizar um povo em sua própria esplendorosa imor­
talidade.
Iniciando sua luminosa trajetória ainda nos bancos acadêmicos,
aos vinte anos de idade apenas já ptt.-gava a liberdade “ contra a ilega­
lidade impune, vitoriosa, opulenta do cativeiro, sacudindo a verdade
inflamada do direito às faces da pirataria triunfante, sóbre as minas
das leis « dos tratados".
Descnvclvcu-a na epopéia da redenção, durante a propaganda
rcpublicana. no advento do novo regime após êste, com perseverança,
destemor, fé e abnegação.
Trabalhador infatigável em prol do aperfeiçoamento de todas as
instituições humanas, culminou cm Haia, em 1907, c deslumbrou
em Buenos Aires, em 1916: ali defendendo a igualdade dos Estados
grandes e pequenos, poderosos ou não. expondo os princípios irrefu­
táveis do Brasil ante a criação de uma Córte Permanente dc Arbi­
tragem; aqui dando ao mundo a mais bela lição de direito internacional,
na defesa da civilização contra a barbárie.
Não lhe vou fazer, n.-ste momento, a biografia, nem caite neste
ato a plangência das elegías.
Aqui, no recinto augusto dêste Tribunal, a sua figura mconftm-
divel paira como sombra protetora dominando o ambiente, dando
«da e fôrça à instituição, que o seu cérebro portentoso concebeu, como
órgão constitucional indispensável à boa organização politico-admi-
nistrativa da República.
Acompanhando de perto, desde a última década da Monarquia,
a nossa situação económico-financeira, Rui Barbosa, membro do
Governo Provisório em 89. à frente da pasta da Fazenda, conhecia
bem a herança que o novo regime recebera.
Acreditava que o liberalismo nascente assentaria preceitos sen­
satos de administração das finanças públicas, mas, de logo, com­
preendeu o estadista que. embora o governo democrático pudesse
dispor de mn excelente «orpo de leis e normas orçamentárias ç con­
tábeis, não podería impedir que todo êsse conjunto de disposiçUrs
sofresse as influências da politicalha, enfraquecendo-lhe ou anulando-
lhe os resultados benéficos.
Cuidou, por isso, de firmar as resistências que devtrriam opor-se
àquelas influências perniciosas.
Dai a idéia da criação do Tribunal de Contas, que êle propôs
ao Chefe do Governo cm memorável “ exposição de motivos" datada
de 27 de novembro de 1890.
— 170 —

ê certo que já em 1826 o visconde de Barbacena c José Jnácio


Borges tinham sugerido a criação dêsse órgão. Mais ttirde, em
1835, plcitsott-o Manuel Nascimento Castro e Silva, e, depois
cm 1845, era objeto da apreciação do Parlamento “ traçado cm moldes
assaz arrojados por um dos maiores ministros do Império — Manuel
Alves Branco".
Mas. como salientou o próprio Rui “ atentei a importância do
assunto, a idéia adormeceu, na mesa da Câmara, dêsse bom sono de
que raramente acordavam as idéias úí'is. especialmente as que podiam
criar incómodos à liberdade da politicagem eleitoral. E quarenta c
cinco anos deixou a Monarquia entregue o grande pensamento ao pó
protetor dos arquivos parlamentares”.
Pugnou, assim, o notável brasileiro que essa reforma fôsse uma
“ das ¡Kídras fundamentais da edificação republicana”.
•São daquele importante documento estas passagens eloquentes cr:
que debuxou, com maestria inexcedivel, o panorama nacional :
" O Govémo Provisório, no desempenho da missão que tomou
aos ombros, propôs ao Pais uma Constituição livre, que, para firmar
f.s instituições democráticas em sólidas Hases, só espera o julgamento
dos eleitos da Nação.
O utras leis vieram sucessivamente acudir aos diversos ramos da
atividade nacional que só dependiam dêsse concurso, para produzir
seus benéficos resultados em proveito do desenvolvimento comum.
Faltava ao governo coroar a sua obra com a mais importante
providencia, que uma sociedade política bem constituída pode exigir
de seus representantes.
Rltferimo-nos à necessidade de tom ar o orçamento uma instituição
inviolável e soberana, em sua missão de prover às necessidades pú­
blicas mediante o menor sacrifício dos contribuintes, à necessidade
urgente de fazer dessa lei das leis uma fôrça da nação, um sistema
sábio, econômico, escudado contra todos os desvios, fôdas as vontades,
todos os poderes que ousem perturbar-lhe o curso traçado.
Nenhuma instituição ê mais relevante, para o movimento regular
do mecanismo administrativo e político de um povo, do que a lei
orçamentária. Mas em nenhuma também há maior facilidade aos
mais graves c perigosos abusos.”
Prosseguindo, afirma com maior veemência :
“ O primeiro dos requisitos para a estabilidade de qualquer forma
de governo constitucional consiste em que o orçamento deixe de ser
tuna simples combinação formal, como mais ou menos tem sido sem­
pre. entre nós e revista o caráter de uma realidade segura, solene,
inacessível a transgressões impunes.
— 171 —

Cumpre acautelar c vencer cases excessos, quer se traduzam em


atentados contra a lei, inspirados em aspirações opostas ao interesse
geral. quer si; originem (e são éstes porventura os mais perigosos)
cm aspirações de utilidade pública, não contidas nas raias fixadas á
despesa pela sua delimitação parlam entar...
Cumpre à República mostrar, ainda neste assunto, a sua fórça
regeneradora. fazendo observar escrupulosamente, no regime consti­
tucional em que vamos entrar, o orçamento federal.
Se não se conseguir éste desideratum: se não pudermos chegar
a uma vida orçamtutária perfeitamerife equilibrada, não nos será dado
presumir que hajamos reconstituído a Pátria, e organizado o futuro."
Após essa justificação irrcspondivel, consubstancia, com exatidão,
r< idéia pela qual se batia :
“ É. entre nós, o sistema de contabilidade orçamentária defeituoso
m p 'u mecanismo é fraco na sita execução.
O Governo Provisório reconheceu a urgência inadiável de reor­
ganizá-lo; e a medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal
de Contas, corpo de m agistratura intermediária ã administração e à
legislatura, qtte, colocado t?m posição autônoma, com atribuições de
revisão c julgamento, cercado de garantias contra quaisquer amea­
ças, possa exercer as suas funções ritáis no organismo constitucional,
sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil."
Finalmente, com a clarividência dos iluminados, fixa melhor
as características do novo órgão que denodadamente reclamava para
a Xação : ■ ’
"Convém levantar, entre o poder que autoriza |x?riòdic;unentc a
despesa e o poder qtte quotidianamente a executa, um mediador inde­
pendente. auxiliar de um e de outro, que. comunicando com a Legis­
latura. e intervindo na Administração, seja, rão só o vigia, como a
mão forte da primeira sôbre a segunda, obstando a perpetração das
■nfracões orçamentárias por um veto oportuno aos atos do Executivo,
mte direta ott indirpta. próxima ou remotamente discrepen! da linha
rigorosa das leis de finanças."
Devemos, portanto, ao genial Rui Barbosa a criação dêste T ri­
bunal, que mercê de Deus, em quase sessenta anos de existência,
jamais faltou ã sua finalidade. Substitirm -se os regimes, sucedem-se
os governos, renovam-se os parlamentos, c êlc vai silenciosamente,
patrioticamente, com independência, com elevação, com espirito pú­
blico. desempenhando sua delicada c árdua função fiscalizados.
Reverenciando, nesta hora de intensa vibração civica, a memória
do imortal brasileiro, seja-me permitido oferecer a esta Egrégia Córte
o original, em fotocópia, dessa “ Exposição d : Motivos", verdadeiro
— 172 —

:':onnmento histórico, que é, de fato, a pedra angular da nossa orga­


nização constitucional.
Aqui, guardado carinhosnmcnte ao lado do primeiro livro de atas
<icste Tribunal, enriquecendo o seu patrimônio, será uma outra relí­
quia da nossa mais pura tradição.
Meus Senhores :
A simples leitura desses trechos magistrais do documento objeto
da minha oferenda, representaria, só por si, oportuna c comovida
consagração do Tribunal dc Contas do Brasil ao seu excelso patrono,
na efeméride que estamos celebrando.
Não basta, porem, para exaltar quem, por tantos e gloriosos
títulos, se tomou credor da nossa gratidão.
A palavra ecoa e fulge, mas se perde na vastidão do tempo c do
espaço.
Foi mister, assim, que se colocasse na sala das nossas reuniões
o retrato do homem que a morte não fulminou, mas que, ao contrário,
fez resplandecer ainda mais a setlnidade luminosa da glória, como
nume tutelar da nacionalidade.
Sua efígie, erguida sobre a nossa ealtcça, ser-nos-á inspiração e
guia, na lição eloquent: e confortadora que nos transmitiu da Justiça
que arrebata, do Trabalho que edifica, da Paz que transfigura.
A GEOGRAFIA NA OBRA DE RUI

T ena sido Rui Barbosa algum <lia geógrafo ?


O u inais restritamente. ter-lhe-a alguma vez ocorrido versar
temas de geografia ?
Que nos conste, não Itotive tentativa ríe examinar-lite pos-iveis
aplicações da proteiforntc inteligencia a tais assuntos de absorvente
especialização, além da erudita conferencia proferida pelo almirouLP
de esquadra Dodsworth Martins. iterante a Sociedade Brasileira de
Geografia.
Em verdade, as comemorações do primeiro centenário de seu
nascimento propiciaram o estudo, confiado a abalizados sabedores da
sua obra vastíssima, que se espraiou pelos dominios do direito, em
várias modalidades, da filologia, das finanças, da diplomacia, do
jornalismo, da ]>edagogia e até da estrategia militar, que se afigurava
estranha á sua formação fundamentalmente jurídica.
No tocante à geografia porém, teria deixado provas de suas
cogitações ?
Não conhecemos os primeiros contactos com tal matéria do csttt-
danfi' baiano, que. aliás, não assentia facilmente ent acolher as lições
dos professores, quando as julgasse falhas, como ocorreu, certa vez,
ao impugnar improcedente correção de sua prova de latim.
Não se divulgou análoga divergência em relação à geografia,
|x>r ventura aprendida de acordo com os métodos então vigentes, aos
quais mais tarde oporia principios raciona'S.
Era deputado geral, quando lhe foi ás mãos o projeto de Reforma
do Ensino Primário.
O parecer que elaborou, como relator da Comissão de Instrução
Pública, mereceu rasgados gahos dos educadores, maravilhados pela
segurança de conhecimentos pedagógicos, evidenciados por quem não
abraçara o magistério.
Descabido seria, neste lance, referência minudenciosa ã mono­
grafia. que rompeu dos deflates |xirhmentares, com as características
de :urpreendente perfeição, exaltada pela Sociélé. dr Legislation
— 174 —

Comparé?, cm seu .'In nua ir? de Legislation Etrangèrc. Chacun de ces


t rojets est ptvcédé d*un lang et intéréssant rapport : jamais des
travaux aussi considerables, à tons les points de vuc, n ’ont etc p re ­
sentes aux chambres” (1 ).
Vem a pelo, todavia, a opinião de competente profissional, que­
na atualidade dirige superiormente o Departamento Nacional de
Educação.
Referindo-se ao parecer, exaltou lhe a valia o professor Lou-
renço Filho. ao afirmar:
Ai sc encontram: uma conccituação geral da educação; os
seus principios nonnativos, ou filosofia pedagógica ; as bases cien­
tificas da ação educativa, com indicações precisas sobre a biologia e a
psicologia da criança ; toda a técnica da educação pre-primária c
primária c indicação substanciosa da técnica dos estudos secundários c
superiores : notas e exemplos, segundo os mais adiantados modelos
da época (os quase testes de M artin) sôbre a verificação do rendi­
mento do ensino, os tipos fundamentais do ensino comum e do ensino
especial, primário, secundário, profissional, superior ; o estudo do
pessoal docente, quanto à formação, carreira, condições de recruta­
mento e dc aperfeiçoamento ; os grandes problemas da organização
escolar, do efetivo das classes, dos horários, os princípios gerais de
didática, o material, os processos de ensino, a concept nação rigorosa
do método, normas relativas ás construções escolares, situação, arqui­
tetura. higiene da visão ; o mobiliário escolar, a educação física,
a educação sanitária, a metodologia especial dc cada disciplina — da
linguagem, da matemática elementar, da geografia, da história, das
ciências físicas c naturais, do desenho, da música” (2 ).
No que tange, em particular, à geografia, designa-a “ como a
introdução ás ciências naturais", relembrando conceito de KÜant, c
cita a propósito o de Herder :
"Acusar de aridez o estudo da geografia, o mesmo é que argüir
dc secura o oceano. Grande assombro seria o meu, se um menino
bem dotado não a ficasse amando acima de tódas as outras ciências,
desde que lha mostrassem sob a forma que lhe é própria**.
Tudo, porém, dependería da metodologia adotada, que já ensaiava
cm mais dc um país libertar-sr dos defeitos condenados pelos refor­
madores, corno depunha Femeuil.

( ! ) Rui Barbosa, Obras Completos, vol. V, pâg. XV.


(2) M. F». I.ourcnço Filho — A margem dos pareceres dc Rui
sôbre o Ensino.
Ap. Obras Completas, vol. X.
— ¡75 —

“ J á os alunos não repisam listas de nomes de países c '.’idades,


sent idéia nenhuma da sua posição geográfica, e alguns de memória
compõem cartas mui exatas, mui nitidamente desenliadas, que abonam
as lições dos mestres”.
Transcreveu as recomendações da Comissão Francesa de Geo­
grafia instituida em 1871, liem como o relatório apresentado ¡x>r
Gerard, incumbido pelo governo belga de colher as mais sadias
idéias no Congresso de Geografia de Paris, de 1875.
Valendo-se de conceitos de I-evassetir em “ l.'enseignement de la
Geographic dans I’écolc priinaire", descerra novos horizontes para
os estudantes. t
" N a Alemanha, como na Suiça, na Austria, na Miécia, o mestre,
nos cursos elementares, começa, digamos assim, ]x>r colocar o menino
em presença dos lugares que o cercam leva-o a medir o recinto da
aula, traça na pedra o plano da escola, interroga as crianças para as
induzir a compreenderem a posição relativa das coisas, tañeos, salas,
jardins, pátio, ensir.a-lhcs o modo de se orientarem; indica-lites a
maneira de guiarem-se por tima carta da cidade, ou das imediações da
aldeia ; assinala, se cabe, os morros, .as correntes fluviais ; dá
tanto inais fácilmente a explicação de cada coisa, «planto os discípulos
a tcm presente aos olhos ou à memória",
Gradativnmentc ir-sc-á ampliando a área d«’ pesquisas, ;>or
maneira que "descrevendo o território da Comuna, transpuseram-se
os limites da jiovoação ; porque só as cidades têm coberta de víven las
a sua superfície tõda; e, d.'Screvendo os acidentes naturais, muitas
vêzes se achou ocasião jiara indicar o motivo das obras do homem nas
suas relações com o solo e. portanto, com a geografia : o que explica
a plantação destas vinhas numa vertente, quando na outra não as
há ; a razão dos prados, neste vale ; a causa de assentar-se um
moinho â borda do ribeiro ; a necessidade que leva aquela via
férrea a contornar o morro. Chega então o ensejo de atravessar os
confins do município, traçando, sempre na pedra, as comunas .pie
o circundam e as estradas que os comunicam".
Deixaria então a geografia de ser meramente descritiva, ou enfa­
donha catalogação de nomes. para cuidar da explicação da paisagem.
E Rui llarbosa, embebido de radiosos ensinamentos dos orienta­
dores da nova doutrina, que iria imprimir feições cientificas à disci­
plina, apontou as precarissimns condições cm que se lhe mantinham
o estudo no Brasil.
"P ara mostrar quão infinitamente longe estamos desses modelos,
bastará folhear alguns dos nossos manuais elementares de geografia.
— 176 —

Tomemos, por exemplo, .1 Pequena Geoyrajia da infância, composta


para «so das escolas primárias.
“ Depcés de algumas definições geométricas, que ocupam as d ias
primeiras páginas do texto, outras definições constituem o introito:
definição da Geografia dos limites c circuios do globo, dos polos,
do horizonte, clima, latitude, longitude e estações do ano, continente,
legião, pais, ilha, peninsula, cabo, istimo, monte, montanha, serta,
vulcão, nn r, oceano, golfo, estreito, mancha, passo, lago e rio."
De mais a mais, a confusão de idéias associava-se à imprecisão
da linguagem como assinalou ao mencionar alguns exemplos : “ Monte
é uma massa de terra elevada, que tem declive sensível. Vulcão é
um grande boqueirão aberto de ordinário no cimo de um monte,
E cratera, essa mesma abertura ou boqueirão
“ Vulcão c cratera são. portanto, comentou irónicamente, sinô­
nimos : significam a mesma idéia g «gráfica”.
Diante de tamanhos dislates, continuou a criticar :
"Enfiado este rosário de abstrações ininteligíveis ao espirito
despreparado da criança, segue-se-lhe imediatamente a tarefa de
decorar o número total de quilômetro e habitantes em cada conti­
nente, a lista das religiões c raças humanas, com a sua distribuição
pelas várias partes e Estados. que sc pressupõem, assim conhecidos
antes de aprendidos, as fases da civilização e as formas de governo,
rematando tudo pelo questionário do costume”.
Então, cm vez de principiar pelo municipio, pela provincia, ou
pelo pais, o curso consagra as suas primeiras lições à Europa, à
Asia, ã Africa, à América (onde o discípulo repete simplesmente o
nome da [>átria. confundida sem uma palavra de distinção, entre os
demais Estados) e à Oceania, para, depois, recomeçando, estudar a
Geografia particular de todos os países das cinco partes do mundo, e
sô no fim recebe noticia do seu".
E para mais incisivamente acentuar as falhas de tal pedagogia,
acrescentou :
“ O ensino por nomenclatura domina exclusivamente : salvo
algumas observações frias e sem cór acerca do aspecto f is ico e a
indicação dos sistemas de Governo, tudo o mais redtlz-se à repar­
tição monótona dos cultos e das famílias humanas por entre as diversas
nações, cabendo, porém, todo o espaço à enumeração das terras c
águas. Na Geografia geral a grande questão, o empenho quase aliso-
lti'to do curso está cm gravar na memória or nomes de todos os países,
mares, golfos, estreitos, lagos, rios, montes, ilhas, penínsulas, cabos :
cérea de mil”.
Afigurou-se-ll}: inteiramente errado semelhante processo.
— 177 —

"Praticado assim pelo bordão da rotina, insistiu, o ensino da


Geografia é inútil, cmbruteccdor. Nulo como meio de cultura, incapaz
mesmo de atuar duradouramente na memória, não faz senão oprimir,
cansar e estúpidificar a infância, em vez de esclarecê-la e educá-la”.
Em síntese, "o método racional de professar a geografia a crianças,
em sua opinião, é ponto por ponto a antitese do adotado no livro de
cujo plano, há pouco, demos idéia”.
Para normas aconselháveis da reforma, endossou as palttvras de
Michel Hréal, que asseverara, no decênio anterior : "A té hoje o
homem está ausente dos nossos livros de geografia e, todavia, êle é o
verdadeiro e principal objeto desse estudo. De um lado, a geografia
<leve apresentar as mudanças a que submetem o homem a situação, o
clima, a configuração e a natureza da terra habitada por êle : de
outro, há de mostrar as modificações que êle mesmo imprime ao solo,
e o proveito que extraiu da sua vivenda terrestre.
Encarada por éste modo, a geografia virá colocar-se entre as
ciências naturais e as ciências históricas, partici|xmdo dc umas e
i.utras. Se mostrardes como as ocupações, a riqueza, o caráter, os
costumes, a vida intima dos povos dependem do solo, onde cada um
resid?, c como a civilização, centriplicando as forças do homem,
acaba por habilitá-lo a .«enhorcar o mundo, não há mais recear que
> aluno se desgoste dêsse estudo, ou ache difíceis de conservar em
mente as nomenclaturas ; porque os nomes que aprender lhe recor­
darão unia idéia moral, e porque sentirá as relações, cujo nexo rné
entre si os latos ensinados."
E para evidenciar assimilação cabal da boa doutrina, resunvu-a
em expressiva imagem.
"E m suma, afirmou o relator, o ensino da Geografia vem a
constituir a moldura animada e pitoresca, dentro na qual re repre­
senta vivamente aos olhos do aluno o espetáculo da civilização con­
temporânea, com os seus recursos, as suas forças, as suas lulas as
suas dificuldades, as suas conquistas. os seus esplendores e cs seus
contrastes dc sobras."
Para tanto, porém, faz-se mister no ensino elementar, quanto
no médio, “.a estreita união, que a pedagogia dc hoje estabelece,
entre esses estudos e a fisiografía, ou descrição geográfica da natu­
reza, ilustrada jiela geografia cientifica da criação, a fis.ca terrestre,
que completa o exame dos fenómenos ligados â superfície do glolxi.
pela investigação das suas causas, das suas relações, das suas conse­
quências, das leis que os explicam e regem".
— 178 —

E indicou, por modelo, a Geografía Física, de Guyot, antes


de comentar :
"Depois, de um relance de olhos geral pelo universo e o papel
da terra no reu seio, a fo m n . o volume, a massa do planeta onde
respiramos, estuda o aluno o globo terrestre no seu caráter de
imensa maquete. com as suas linhas de declinação. variação e incli­
nação. a temperatura intima da terra, com as suas manifestações e
os seus resultados, nas fontes quentes, nos geysers, nos ¡K>ços arte­
sianos, nas erupções. nas oscilações do solo, os vulcões, com a sua
natureza, os seus modos de formação, a sua atividade, as sifcts inter­
mitencias periódicas, os seus tipos, as linhas, as zonas e as origens
da ação vulcânica, os terremotos, com os seus vários gêneros de
movimento, ondulatorio, rotatório, vertical, a sua duração, os fatos
característicos da sua distribuição especial, as suas çircunscrições, a
sua relação com as condições atmosféricas, a sua coincidência com
as posições da lua e a [«-riodicidade das manchas s o la r s ; considera,
cm seguida, os três grandes elementos geográficos que. sob a influ­
ência do sol. mantém a vida, nas suas múltiplas formas : a terra, o
mar, a atmosfera”.
No tocante ao segundo, ” o ensino percorre os segredos c as
maravilhas do mundo das águas : examina-lhes a interferência
preponderante na composição dos corpos organizados, o seu concurso
dominante como principal agente nos procesaos que estabelecem e
modificam o aspecto das terras, o seu continuo tralxillio de desagre­
gação e reintegração dos materiais da crosta terrestre, a drenagem
dos continentes, o mundo oceânico, sua acidentação superficial, as
magnificencias e os ablanos do seu fundo misterioso, os seus movi­
mentos — ondas, marés, correntes marinhas, a procedência déstes.
sua circulação, excedente em grandbza aos mais amplos sistemas
circulatórios dos continentes, a ação das grandes artérias do oceano
sòbre os climas do globo”.
De modo análogo, referiu-se ao estudo da atmosfera, “ novo
oceano impalpável. m is irresistível nos elementos que o povoam,
nas fõrças que o regem”.
E após examinar longamente o texto apontado por modelo,
frisou o contraste desanimador :
"Eia até que extensão chega, hoje em d'a, no programa escolar,
a instrução geográfica ! E , todavia, o que se vê, até agora, entre
nós, a êsse respeito, nas escolas públicas, é tão miserável, que dêsse
ensino aqui, podttnos dizer, ainda nem o comêço existe”
Não poderia ser mais desanimadora a conclusão, que patenteava
ccnlnxtmeétn seguro do assunto explanado magistralmef.te.
— 179 —

A terminología talvez claudicasen aqui e ali, quando cotejada coin


a moderna linguagem dos geógrafos.
As concepções, porém, ainda poderíam perfeilamente entrar em
curso, não obstante o longo período decorrido, desde que foram
emitidas, a pouco menos de sete décadas.
Revelou-se Rui Barbosa admiravelmente a par das idéias renova­
doras do ensino da geografia, embora não as praticasse ainda a sua
mais constante inspiradora, a Inglaterra.

II

Em verdade, a adnvração que o relator do parecer memorável


dedicava à Inglaterra, rompente em outros assuntos, não se espelhou
nas pesquisas luminosas referentes à geografia.
Aliás, as suas Universidades, atada as mais afamadas, prática­
mente silenciavam a rtispeito. pois havia entre os docentes quem a
considerasse “ not possessing either content or method worthy of
serious study" (3) de acordo com a orientação do professor G. H.
Darwin, de Cambridge, que não titubeou em declarar : “ I cannot tee
how Geography pure and simple can be made a subject of intellectual
training”.
Quando Francisco Galton, educador embebido de aspirações
reformadoras, sacudiu a Royal Geographical Society com ousadas
propostas de novas diretrizes, a sua maior vitória consistiu no adia­
mento da discussão até que “ they had the tiirte to strengthen their case
by obtaining evidence of what was being done on the Continent and
¡articularly in Germany".
Incumbido de semelhantes averiguações. John Scott Kellie não
tardou em apresentar o “ Report to the Council", de 1885. que
assinalou marco iniciador do ensino moderno da geografia na Ingla­
terra.
Apontou então, as suas maiores fallías existentes : carência
de organização, Ix'ni como de professores idôneos.
Decidida a Royal Geographical Society, apesar da opinião da
velha guarda, a esposar o programa reformador, descerrou-sc promis­
sora fase.
Contemporáneamente, Mackinder, cm fogosa mocidade, ultimava
o seu curso cm Oxford e pelas ferias de Natal, achando-sc em Londres,
encontrou-se com Keltic.
Conversaram largamente a respeito do assunto que os empolgava.

( 3 ) J . F . U nstca d — H . J . M a c k in d e r and th e N e w Geography


— " T h e G eographical J o u rn a l” , órg ão de T h e G eographical Society, London,
v o l. C X i n — June 1949.
— ISO —

Percebendo era o jovem universitário afeiçoado à campanha


renovadora, pxlitt-lhc reduzisse a escrito a opinião que manifestara
em palestra.
Daí se causou a memória “ On the scope and methods of
Geography", que, lida em iwssão de 31 de janeiro de 1887, iria
imprimir diferente rumo aos estudos da matéria.
Alguns conceitos, então proferidos por Mackinder, voltariam de
continuo ã baila, na linguagem dos especialistas.
Assim, o (nralclo entre geografia e geologia : "T h e geologists
look into the present that they may interpret the past, the geogra­
pher looks into the past that h r may interpret the present".
Ainda mais, "an ,environment is a natural region". "M an alteres
his environment, and the action of that environment on his posterity
is changed in consequence. The relative importance of physical
features varies from age to age according to the state of knowledge
and of material civilization".
E explicava o seu pensamento.
Mas, refletia : "Knowledge is, after all. one, but the extreme
specialism of the present day seems to hide the fact from of certain
clast of minds".
Fazia-se mister evitar, já naquela época, a dispersão desarti-
cuhdora, especialmente entre as ciências naturais e as sociais.
Qual seria o meio de coordená-las ?
" I t is the duty of the geographer” insistiu, convicto, “ to build
one bridge over an abyss, wich in the opinion of many is upsetting
the equilibrium of our culture”.
E começou, então, na Inglaterra a transformação do ensino da
geografia, que teve em Mackinder o seu maior apóstolo, pelo saber e
capacidade rara de transmiti-lo aos seus alunos e leitores.
Ainda modernamente na Alemanha, mais de um |X>stulado <1:
geopolítica derivaria das idéias do mestre britânico. Já não poderíam,
entretanto, servir ao parecer do deputado baiano, elaborado antes <io
surto dos propósitos renovadores no pais de suas mais fervorosas
inspirações.
Certo, não lhe passariam despercebidas, pois que se cnfrõnhara
cabalmente no assunto e não perdería ensejo de colher ensinamentos
dos mais autorizados educadores, entip os quais se extremara o chefe
incontestado da escola inglesa.
— 181 —

Naquela oportunidade, porém, não lhe foi possível tomá-la por


guia, pois que se achava em periodo de transição, entre o regime que
entrara em crepúsculo, e a aurora alviçareira, que apenas se entre-
mostrava, nas inquietações de reformadores ardorosos,
Além do parecer, que lhe consolidou o prestigio entre os doutos,
mais de uma vez teria Rui Barbosa que versar assuntos relacionados
com a Geografia. Cuidadosa pesquisa em seus discursos parlamen­
tares e artigos estampados na imprensa mostraria quanto lhe interes­
sava a especialidade.
Venham â colação, entretanto, apenas três episódios, em q tu se
viu pessoalmente envolvido, já rieste século.
Em sua arraiada festiva, enegreceram os ares acreanos, onde
tumultuavam os seringueiros, ameaçados de despejo pelas autoridades
bolivianas.
Não vem ao caso analisar as origens da contenda nem o seu
desenrolar belicoso, que a intervenção do barão do Rio Branco para­
lisou, promeUmdo dar-lhe solução definitiva a contento geral.
Suspensas as hostilidades, o ministro das Relações Exteriores
nomeou comissão especial, que deveria entender-se com os plenipoten­
ciarios da Bolivia.
Rui participaria das negociaçõe-t, juntamente com Assis B n sil e
Heráclito Graça.
Não lhe agradou, porém, a sugestão de ceder porção do solo
brasileiro, em troca da desistência dos vizinhos, que também teriam
indenização em moeda sonante.
Pleiteava, sem dúvida, a anexação no Brasil da faixa disputada,
sem que houvesse, porém, compensação territorial.
Tudo se lhe afigurava positivei obter jtelo aumento da quantia
oferecida.
O civismo boliviano, todavia, timbrava em dissipar qualquer idéia
de simples transação meramt.il, por meio da qual a sua Pátria desis­
tisse do que julgava ]>èÍHencer-lhe, mediante recebimento de avultada
importancia (4 ).
Aceitava a troca de terras, ainda que não equivalentes em área e
possibilidades econômicas, mas repelia qualquer proposta simples­
mente monetária.

(4) Os bolivianos adotaram os conceitos de Satinas Vega, que recen-


temente dirigia o Ministério das Relações E xteriores: "N unca a Bolívia
vendería o seu território : seria uma execração".
— 182 —

Diante de tamanha intransigência, capitulou Rio Branco, c anuiu


cm ceder uma faixa de terreno matogrossense, como ambicionavam
os litigantes,
O senador baiano, entretanto, discordou da solução, preferindo
exonerar-sc da comissão, para não firmar documento que mutilasse o
território nacional.
Não era na geografia que se amparava, para justificar a conde­
nação do ajuste, que lhe repugnava ao patriotismo. Neste buscava
apoio e argumentos, de que rechciou a sua carta de despulida (5 ).
Ultimada a transação e constituido o Território do Acre, chegou
a vez do Estado do Amazonas de entrar na demanda, para reivindicar
o dominio que pretendia ter às terras questionadas. Como seu
patrono, atuou o senador baiano. cujo arrazoado se alongou |» r
dois volumes.
Para explanar doutrina acerca da incompetência do juízo e da
impropriedade da ação, ocupa o tomo primeiro, ao passo que no
outro além da dissertação jurídica, também cuida dos fatos (H istó­
ria e Geografia) e das provas (cartográfica e diplomática).
Revela-se cabalmente informarlo no tocante à geografia da
região, e de sua representação cartográfica.
A propósito, conceituou com acerto : " O Brasil não possuia
então geógrafo mais venerado que Cândido Mendes, |K'lo gênio inves-
tigativo, pela miudeza, pela ciência, pela exatidão.
"Estampado há quarenta anos, o seu atlas foi por muito tempo
a nossa obra clássica em cartografia brasileira, c não nos parece que,
até hoje, outro a destituísse desta primazia".
E como lhe rt forçasse a argumentação, ainda lhe mencionou o
nome, associado a outros mais modernos :
“ Cândido Mendes, em 186S, Frontín e Paula Freitas cm 1899,
Rio Branco cm 1903, atestam a uma voz não se conhecer, nas secre­

ta ) Para lhe enfraquecer a argumentação, diría o liarão do Rio Branco


cm sua Exposição ao presidente Rodrigues Alvej, justificativa da transação
ultimada em Petrópolis :
“ A s combinações em que nenhuma das partes interessadas tterde. e
mais ainda, aquelas cm que tòdas ganham, serão sempre as melhores".
F., por fim . arriscava todo o sen prestigio, adquirido em ple : tos me-
mr rávri* m m o fim de garantir a aprovação do Tratado de 17 de novem­
bro de 1903:
"C om sinceridade afianço a V . E x . que para m im vale mais esta
obra em que tive a fortuna de colaborar sob o governo de V. Ex.“, e
graças ao apoio decidido com que mc honrou, do que as duas outras,
julgadas com tanta bondade pelos nossos concidadãos e que pude levar
a lêrm o em condições sem dúvida m uito m a : s favoráveis".
— 183 —

tanas, bibliotecas e arquivos. tun só documento cartográfico anterior


a 1873, que não fixe no paralelo 10” 20' a nossa extrema com os
bolivianos.”
Todavia, a utilização dos ensinamentos da Geografia em seus
arrazoados rompe com intensidade maior em outra demanda na
qual também atuou.
Tratava-se do litigio sustentado j>elo Rio Grande do Norte c
Ceará a respeito do traçado da divisória comum, confiado á decisão
da m agistratura desde 22 de agosto de 1894.
Em conflitos de jurisdição e consequências impecedoras do an la­
mento do processo decorre-se largo prazo, que permitiu o recurso no
arbitramento.
Contra o laudo arbitrai de 24 de julho de 1903, insurgiu-se,
porém, o Rio Grande do Norte, anqiarndo pelo jurisperito, que lhe
justificou o procedimento, antes que penetrasse no âmago da
questão.
“ Traçar precisamente as raias ao terreno que se contende entre
as duas partis, firmaria de início Rui Barbosa, será naturalmente,
na dedução das nossas idéias a primeira condição de método e cla­
reza, que se nos impõe.”
Neste lance, já acentuava a orientação, que lhe iria caracterizar
n articulado.
O s ensinamentos de Rio Branco frnóficaram, com o exemplo
das suas vitórias em pleito internacional. mercê do auxilio prepon­
derante da geografia, que ¡he robustecía a argumentação.
O advogado abstraiu-sc por momento dos seus tratados ju rí­
dicos, [«ira situar a faixa litigiosa. E depois de cotejar as pretensões
de ambos os contendores, concluiu :
“ A superficie reclamada ao Rio Grande pelo Gcará confina a
nordeste com o mar desde o morro do Tibau à foz do Apodi ; a
leste beira o rio Apodi (no trecho final, onde hoje tem nome
Mossoró) até o Pau Fincado ; daqui extrema, rumo noroeste, por
uma obliqua ideal, invenção da carta Paulét, até a Serra d'Anta de
Dentro ; inteirando a fronteira, deste ponto cm (Fante, ã serra do
Apodi."
Definido o objeto da causa, que lhe fóra confiada, aplicou-s. a
examiná-la, tanto á luz da história como da geografia. Baseado na
primeira afirmou : “ não é, portanto, o Rio Grande quem deve ao
Ceará : antes éste é que deveria ao Rio Grande, se houvéssemos de
ajustar contas, segundo a precedência da civilização e o rumo da
— 181 —

conquista, visto que esta se espraiou das feiüorias riograndenses.


anteriores á nascença do Ceará, para as regiões onde éste mais tarde
se desenvolveu.”
Maiores argumentos proporcionou-lhe a segunda, expostos em
três longos capítulos : M tradi(ão geográfica — O equivoco <lo
Mossoró — O divortium aquarum.
Após alinhar opiniões várias, desde ljarlaeus. asseverou : “ ai
onde a natureza pôs a extrema do Ceará na ribeira do Jaguarâo
separada p ia s serras que avançam até u mar no TSbau, da ribeira
do Apodi é que o fio da tradição delineou sempre a raia entre cs
dois Estados".
A cordilheira do Apoli, o jaguaribe. o Tibau são os três ele­
mentos mais ou menos constantes nessa cadeia histórica de testemunhas,
que agora acompanliainos nos livros e nas cartas, |>ara seguir depois
nos documentos e nos fatos".
Ao tratar do rio lindeiro, conceitua : “ o Mo&soró não é itm
nome, é uma homonimia, de cujos equívocos está inçado, geográfica
e históricamente, neste litigio, todo o terreno tia questão".
Assim se denominou, consoante a versão cearense, o baixo
Apoli.
Entretanto, “ chanirtvim-lhe origináriamente Vpanema, e pór tal
o conhecia o regimento dos pilotos, continuando o mesmo uso nos
roteiros da costa”.
E cm documputo firmado pelo ouvidor da Capitania da Paraíba,
a linha divisória segue "d a costa do mar até as cabeceiras do
Apodi”.
Então, conclui o patrono.
“ Logo, êsse rio conservava até a barra, até ao m ar o nome de
Apodi. Logo, não assumia o de Mossoró. Logo, não era o Mossoró
cuja picada extremava as duas Capitanias".
E continuando a raciocinar, escorado nos acidentes topográficos,
rematou :
“ Temos assim reconstituido o alcance da antiga expressão geográ­
fica, em cuja variação do objeto, comparativameng- moderna, vai o
Ceará buscar um dos mais aproveitáveis recursos do seu jego. Sc
fosse licito entender como relativas ao novo Mossoró. isto é, ao baixo
Apodi, as referências dos antigos documentos, a pretensão do O tará se­
ria facilmente vitoriosa. Acabamos, porém, de ver quantos acidentes
da superfície terrestre, naqueles sitio:;, abrangia aquele nome ; uma
— 185 —

estrada, uma ponta, uma serra, um rio, uma ribeira. Tudo isso
é o Mossoró na geografia histórica dos dois Estados pleiteantes:
Isso tudo, a saber : uma região, com a sua orografía, a sua hidro­
grafia. a sua viação peculiar".
A propósito da balisa à beira-mar, esclareceu : " O Tibatt não
é uma coluna solitária à riba-mar. um padrão |>er<iido na orda das
vagas. Se êle fôsse apenas uma coluna sòzinlia no rosto do oceano,
indicando um ponto na linha da costa, a sua importância não seria
tamanha. O que a torna decisiva, é a sua correspondência com o
rumo das serras, que do interior traçam a divisa e. nas suas lacunas,
a deixam indicada p|:lá direção da sua linha”.
Recorre aos geógrafos, para lhes endossar as opiniões ou contestá-
las, como ocorreu no tocante a Cândido Mendes, que se limi’.vi,
“ como se diz na petição inicial, a compilar a carta de Paulet, de que
em seguida trataremos.
Não c, portanto, mais do que um reflexo do outro, cujo sailor,
como se verá, não resiste à análise.
Há. de mais a mais, no seu trabalho neglicencias evidentes e consi­
deráveis. Não é êle. por exemplo, quem nos traça o .Ifoa.roro desa­
guando no /lpodi pela esquerda, a leste do morro do Tibatt, (piando
esse rio desemboca ao norte dêsse morro, no oceano ?
Com ser dos mais respeitáveis, nem sempre se poderá descansar
na competência deste ilustre autor, cuja discrição, nesse mesmo
adotar da carta Paulet, ficon muito aquém do que a Sua autoridade
nos dava a esperar”.
Citou a propósito a critica do conselheiro Barradas, na queetãp
de limites entre o P.aranâ e Santa Catarina :
" O ilustre geógrafo, nos mapas das províncias do Brasil, pro­
curou muitas vezes estalieleccr a divisão que desejava que fôsse, e
não a que de fato era, c por isso levantou 05 protestos de tocias as
provincias, que tinham limites confusos ou contestados” .
Quanto a Paulet, para lhe desvaliar o depoimento, recorda o
motivo da sua intervenção.
" E ra êsse engenheiro o ajudante de ordens do governador do
Ceará Manuel Inácio de Sampaio, quando, com autorização c instru­
ções dêste, foi ao Mossoró demarcar a sesmaria, que aquela autori­
dade assumiu o arbitrio de conceder, cm terreno da Capitania vizinha,
a Félix Antônio de Sousa, o inolvidável inventor do Pau Fincado".
E assim ia Rui Barbosa fundamentando a sua argumentação jurí­
dica em minucioso conhecimento da geografia e história regional,
mercê da colaboração de esclarecido riograndensc.
— 186 —

Em verdade, agente de ligação entre o seu Estado, cujas parti­


cularidades conhecia a preceito, desde quando regera a cadeira de
geografia em Natal, e o insigne defensor de sua causa, o então depu­
tado A. Tavares de Lira acompanhava-lhe o exame da questão, solicito
em proporcionar-lhe todos os esclarecimentos de que houvesse mister.
Não admira a declaração expressiva do patrono, ao mencionar as
fontes de que se valeu.
"D e quantos, porém, hão de avultar nessa bibliografia caberá
provavelmente o primeiro lugar como o mais copioso e o que esgota
por assim dizer, o assunto, a um estudo, ainda inédito, do Doutor
Tavares de Lira e do desembargador Vicente de Lemos, conscienciosa
critica dos fatos e documentos, cujo auxilio me foi sobre todos
precioso".
Poupou-lhe horas fatigantes de pesquisas, além de lhe propiciar
ensejo de ufanía, pela celeridade com que ultimou as "Razões Finais".
"Escrito cm vinte dias e impressão cm quinze”, assinalou no
terminar, por abril de 1904, o "trabalho amplo, complexo, dificultoso
e miúdo como éste”, alongou-sc por 465 páginas de viva argumen­
tação, nas quais se espelha, não somente o saber jurídico, proclamado
|>elos seus leitores, como ainda o conhecimento cabal da geografia
dá região contestada.
De seus ensinamentos sabia utilizar-se a primor, em ptol da
causa cuja defesa esposara.
Ainda em outras oportunidades, patentearia o gôsto pelos estudos
geográficos.
Bastam, entretanto, os episódios relembrados, para evidenciar
que bem compreendeu a relevância alcançada pela geografia, cujo
ensino racional apontou como indispensável á formação intelectual da
mocidade brasileira.

Virgilio Corrêa Filho


RUI E A EDUCAÇÃO
CONFERÊNCIA FEITA PELO SR. CLEMENTE MARIANI,
MINISTRO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE, NO FORUM
RUI BARBOSA, EM SALVADOR

.Ao receber. da Universidade da Bahia, o honroso convite tiara,


como sen representante, pronunciar esta conferencia, iorntei o propó­
sito de focalizar, em primeiro plano, Rui e a educação, secs tralralhos
sõbre a instrução pública, sua crença no resultado do processo
educativo, seu esforço, ainda que improficuo, para libertar-nos ¿aquilo
que considerou "a chave misteriosa das desgraças que nos afligem'* —
" a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria".
Tantas vezes encontrei, com efeito, na sua obra, a solução exala,
o conselho justo, a orientação adequada, para os problemas, de ião
magna importância, cuja responsabilidade me foi confiada, tantas
outras vezes me valí, diante da gravidade da tarefa, das palavras
com que traduziu os mesmos sentimentos e cuidados cm sua época,
que seria um conforto, para o meu espirito, acompanhar-lhe os pastos
nessa jornada, abeberando-me, ainda uma vez. nas fontes cristalinas
que o seu gênio não se cansava em desvendar aos olhos deslumbrados
dos seus seguidores. Mas, ao procurar distinguir, na sua oura. os
aspectos educativos, assalta-nos a perplexidade. Não é um capitulo,
mas o todo. E ’ a plenitude de sua vida, em todas as retrações de
um prisma dc mil faces.
Falando aos moços, trammitindo aos jovens do Colégio Anchieta,
ou aor> estudantes de São P.aulo. na atitude do lavrador que ama­
nhasse o solo, de joelhos, a quintessência da sua sabedoria, densa de
meditação e de experiência ; elaborando e discutindo a reforma da
instrução em todos os seus graus, era o crente convencido de que
"um a democracia só se faz com cidadãos, não se fazem cidadãos
senão com homens, não se fazem homens senão pela educação". Mas
é na totalidade da sua vida, na pedagogia militante do seu acendrado
amor à perfeição, que se encontra a sua lição fundamental.
Desse ponto de vista, sóz.inho, foi uma universidade. Ensinou
pela doutrina e pelo exemplo, no silêncio ou na afirmação, rom a
— 188 —

cultura e com a experiencia. Outros terão, como êle, formado a


inteligência na filosofia liberal, adotado seus principios, erigidos em
supremo fim a liberdade e amado a justiça, que dela se nutre ; outros
como êle, terão criado regimes, instituições, operado reformas, servido
pelo verlx> e pela ação, a grandes causas democráticas ; terão mesmo,
como êle. conhecido vicissitudes e sofrimentos, na defesa dessas idéias,
liaros, entretanto, aqueles que á sua semelhança, extraindo, de uma
filosofia ideológica, uma verdade política, inverteram tôda a vida,
testemunho de fidelidade ás suas crenças, no zêlo missionário de sua
propagação, na defesa apaixonada de sua integridade, no tormento
de confundir com a sua prática a própria razão de viver, esperando
sempre, porque “ não perdeu o ideal", ver brotarem, do solo revolto
da realidade, as sementes do evangelho cívico que regou.
Essa a originalidade rara da vida e da obra de Rui.
Numa éjKica em que as idéias ainda eram, cm geral, ornatos, arti­
fícios. símbolos sem vida, da frivola inteligência de gerações ícm
experiencia histórica e cultural, numa época em que o caminho mais
curto para o triunfo c o êxito na vida pública era o das improvisações
c dos expedientes, do oportunismo c das habilidades, no plano das
conveniências imediatas e do jôgo dos interesses e favores, um
jovem provinciano banhado pela aura dos eleitos temperava o seu
espírito na dignidade quase monástica de altos ideais, vinculava o seu
ser, por inteiro, a postulados e princípios que a sua consciência
aceitara como expressão de valores deduzidos da Razão, e atravessa
tôda uma existência abraçado a estes compromissos, abrindo caminho
no pragmatismo e no realismo do ambiente, com bravura c intransi­
gência, sem negociar suas crenças, sem transigir com as seduções, sem
evitar os obstáculos, sem retardar seus passos diante dos perigor.
sem abalar suas certezas interiores e, sobretudo, dispostos a .'Offer
e a sangrar por essa fidelidade, para fazer, do seu sofrimento e da
s u l provação, exemplo e lição para os que não tinham a sua fõrça ou
a sua fé.
file foi um sistema de idéias, num pais que jamais exigiu dos
homens que as tivessem, para consagrá-los.
E mais. Não se isolou na torre de marfim do castelo doutri­
nário.
Trouxe a sua verdade para a terra, e. no seio áspero da vida
pública, nutriu-se com a seiva de sua sinceridade e com o amor dos
apóstolos.
• * *

Para compreender o fenômeno Rui. na sua universalidade, é


preciso analisar as peculiaridades fundamentais, marcantes, especi­
ficas, da sua vida maravilhosa : de um lado a sua unidade subslàn-
— 189 —

ciai, a motivação inspiradora, a fôrça intima de onde se irradiou, ent


suas manifestações onimodas. a viva expressão de ua personalidade ;
do outro, a paxão e o ardor com que exprimiu essa unidade a sobre­
carga afetiva que o fez defender simltolos, ¡deais. princípios, com o
arrebatamento e a identificação de todo o seu ser.
♦ » »
Qual seja o fundamento c a substância dessa unidade moral que.
ao contrário do conmínente entendido, déle fazia um homem tino em
sua essência e de rigida harmonia, ele próprio o resumiu, quando
afirmou :
"Liberal fui. sou e morrerei ! Imensa honra óbre tôdas cara á
minha consciência I”
A concepção libera! é, realmente, a verdade que recebeu, desde
criança, com a. influencia paterna, espécie de Monte Sinai de sua
revelação.
A ela afeiçoou a formação do espírito, a sistemalização da
cultura e o evangelho normativo de sua existência.
Quando êle diz : "sou liberal", não é tima frase, apenas que
lhe sai dos lábios. Antes de chegar até ai. essa palavra atravessou as
camadas da sua consciência, da sua razão c do seu espirito, depurou-se
no íõgo da sua alma austera e leal e só depois de ter sitio filosof a,
doutrina, sistema, norma c forma de vida, deduzida de conceitos
absolutos e eternos, c que se fêz afirmação e atitude.
Não ê um homem entregue aos caprichos das idéias que passam,
ou ao acaso da aventura. E ’ o sistema filosófico, dentro do qual
ordena o espirito e o procedimento.
Essa adesão completa, fervorosa, absoluta, ao liberalismo, na sua
planificação total, explica o seu ideário, sua tábua de val res. suas
crenças, seu método, sua concepção do mundo, exposta na linguagem
severa de seu exemplo e do seu apostolado.
Dai, os seus critérios e diretrizes, o -eu credo, sua metafísica,
sua moral, sua lógica, sua técnica.
No que fala, percebe-se o simbolismo da religião liberal ; no
que realiza, a inspiração do seu catecismo.
O que existe nele de extraordinário não é a idéia cm si r.tesnvt,
quase empre. deduzida da matriz, liberal — mas a ptv.xão, a comu­
nhão de tõda. as suas células com êsse ideal a idéia mobilizandc.
empolgando, conduzindo, tôdas as suas energias, a submissão afetiva
c absoluta a êsse conjunto de principios e símbolos.

E ’ do firmamento liberal a estréia que o guiou no seu caminho


terreno, — a liberdade.
— 190 —

"N unca te desconhecí, nem se trairei nunca”, dizia ele, aqui


mesmo cm nossa terra ; “ porque a natureza impregnou doa teus
elementos a substância do meu ser”.
"Liberdade I entre tantos que te trazem na bõca sem te sentirem
no coração, eu posso dar o testemunho de tua identidade, deíitvr a
expressão do teu nome, vingar a pureza do teu evangelho ; porque,
no fundo da minha consciência, eu te vejo, incessantemente, como
uma estréia no fundo obscuro do espaço".
Como numa teologia liberal, é ela — principio e origem — que
fornece a luz e calor a êsse universo criado pela Razão do homem,
“ o centro do sistema onde ambas essas idéias (República e Pátria)
atingem suas órbitas”.
Ao contrário do que sustenta Luis Delgado, quando descobriu,
em tõda a doutrina de Rui, um dualismo de instituições e principios,
podemos afirmar que a sua concepção, rigorosamente dentro dos
cânones liberais, é por definição, monista. a instituição idêntica na
sua natureza aos principios, e aquela a ordenação destes cm forma
orgânica, indispensável à ação.
E ’ doutrina liberal clássica, em termos de emoção exacerbada e
de eloquência bíblica — fenômeno que é a mais complexa origina­
lidade. — que êle expõe. E ’ a geometria do racionalismo filosófico
que êle erigiu a justiça cm única verdade política, justiça que ê o
respeito do Direito, sendo principio básico dêste a liberdade.
Desse dado inicial, dcduzem-.<c. cm planos sucessivos, numa
exegese hierarquizada, a teoria, o sistema, as instituições, a norma.
Esse processo se realiza no plano do abstrato, do ideal, sem
subordinação com a realidade, como na geometria pura. E ’ nessa
ordem do absoluto, do axioma, da idéia, que a doutrina se faz
organização, que as instituições são esboçadas, e que as leis consubs­
tanciam a segurança individual e social, c as garantias dos direitos c
liberdades.
Em outro plano, está a Realidade, que, con» em tóda esfera de
conhecimento ou de atividade, é apenas um esboço senão a negação
da verdade abstrata.
"Bem merccias que a República no Brasil te estremecesse ó
liberdade I Ela emanou de ti, da tua aspiração, do teu programa,
dos sacrificios de teus amigos”.
O teórico não se preocupa em erigir o fato em principio, a neces­
sidade cm direito, a realidade cm verdade.
Assim, as deficiências, os vicios, os erros das sociedades, “ a
abafadiça magnificência das civilizações sem ideal", só existem, na
prática, onde as imposições do fato dominam os principios e o direito
— 191 —

cede on sc curra diunte da necessidade ou da oportunidade” ( Vachevót


— La Democratic).
No plano ideal, onde se reflete a verdade política, o modelo
perfeito é a democracia, traçaria segundo a simetría dos principios
A democracia "real", contingente e imperfeita, é apenas uní
campo em que os homens e os fatores gerais da h stória atuam, paia
aproxim ada do teorema exemplar.
Essa distinção aponta a cada instante, nos discursos. artigos,
ixireceres e trabalhos de Rui.
Sempre or- dois polos, perfeição e realidade : "O motim não e
a democracia ; a celeuma não é o parlamento ; a m i não c o pai.; ■
o incêndio não é a razão : o crime não é o direito ; o assassínio
não é a justiça ; a anarquia não és tu, ó liberdade !"
Não é a fórmula ideal uma utopia, como entenderam alguns dos
críticos das construções do I beralismo. " E u quero que a República
se enraize, afirmava. e por isso tenho diligenciado aproximá-la da
Liberdade e da Justiça"’. E mais, falando no Senado : “ Náo rõo
dissenções pessoais que hoje nos distanciam : são os princípios, são
as mesmas suposições que afastam a realidade da ficção, a verdade
da mentira e da fantasia”.
E ' na Ia ra de acompanliã-lo nessa transposição de planos nesse
esforço de identificação do real com o ideal, que a maioria dos seus
críticos se perde. por não compreenderem como um homem tão
sincero e profundamente preso á realidade, vivendo, intensamente, o
relativo, pudesse manter essa unidade fundada na ordem dos valores
filosóficos, encarnando-a e exprimindo-a.
Ainda ai, porém. Rui realiza processos e técnicas do liberalismo,
para o qm l, a democracia não é um fato natural, o produto espon­
tâneo do gênio de um povo, duma raça, mas obra lenta c lalxiriosa
da civilização, atuando sõbre a substância mesma da sociedade,
costumes, condições, bases e tradições.
Tal como no simbolismo e na história sagrada, tal como élc
aprendera ao lado da irmã, sob o olhar |>erceptor de João Barbosa,
o Genesis do liberalismo cria em primeiro lugar a idéia, depois o
regime, aa instituições, a arquitetura jurídica e política da sociedade.
Volta-se somente. então, para o seio da vida, da realidade, a ação
da Providencia. E ' a hora do apóstolo, para levar à terra a iição
divina.
E ' evidente que. ao construir o regime de 1891. .no criar uma
Constituição, talhada no idealismo politico, ao estruturar a organi-
cidade de nosso sistema de disciplina política e social. Rui Barbosa
sentiu que Canon estava fundada. Era preciso, porém, conduzir
— .'92 —

para és e páramo terrestre, erguido na colina do idealismo ría ¿poca,


a realidade brasileira.
Foi, então, o Moisés dessa romaria.
Como se vê. a sua concepção liberal da vida política, considera a
ação nas duas esferas : — a verdade projetando-se. ordenando,
atuando sobre a realidade e esta elevando-se, pelo progresso material
e moral, até confundir-oe no modelo.
"A República", disse éle, "não é uma série de fórmulas, mas
um conjunto de instituições, cuja realidade se afirma pela sua sinceri­
dade no respeito às leis e na obediência à Justiça".
Feita a Constituição, é preciso "lançar-lhe os alicerces, inaugúra­
la, /’cnelrá-la de realidade e comutvcá-la aos reus atos, ao seu governo,
a seu tempo”.
A igualdade moral, que é a condição da igualdade civil e política,
principio fundamental da democracia. Iiá de resultar dessa identifi­
cação entre os dois planos.
Assim como a geometria se transforma em mecânica, quando
desce do mundo das idéias para o mundo das járeas, do mesmo modo
a política procura enformar a realidade, dentro dos reus pontos de
referência teórica, de seus moldes ideais, conhecer, organizar mani­
pular. governar, as forcas reais da sociedade e aplicar-lhes n forma
e a técnica neles inspiradas.
Não se trata de indagar da realidade, contingente c precária,
para onde deseja ser conduzida, o que reclama na sua objetividade e
na sua palpitação.
Sua função é parsiva. Ela é matéria social e |x>litica que o
homem, aos incentivos do ideal, trabalha por aperfeçoar. Não é
outra a concepção de Rui. exposta sob mil formas, entre lxmanças e
tempestades, ante a ameaça ou sob garantias, diante do fato ou da
consciência.
Resumo dêsse pensamento, cartilha dessa filosofia, teoria c prática
do Fberalisino, dentro de no:«t formação, é o seu Credo :
“ Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas ;
creio na lei, emanação dela, o seu órgão capital, a primeira de suas
necessidades : creio que neste regime não há poderes soberanos <■
soberano é só o Direito, interpretado pelos tribunais : creio que a
própria «ilieraiva jxipular necessita de limites c que estes limites
vem a ser as suas Constituições, por ela mesma criadas, nas suas
horas de inspiração jurídica, em garantia contra os seus impulsos de
paixão desordenada : creio que a República decai porque se deixou
estragar, confiando-se ao regime da fórça ; creio que a Federação
perecerá, se continuar a não saber acatar e elevar a Justiça : porque
da Justiça nasce a confiança, da confiança a tranquilidade e o
— 193 —

trabalho, do trabalho a produção, da produção o crédito, do crédito


a opulencia, a respeitabilidade, a duração, o vigor ; creio no governo
do povo pelo povo, creio, porém, que o governo do povo pelo povo
tem a base de sua legitimidade na cultura da intelgéncia nacional,
pelo desenvolvimento nacional do ensino, para o qual as ma-ores lite­
ralidades do Tesouro constituiram sempre o mais, reprodutivo emprego
da riqueza pública ; creio na tribuna sem júrias e na imprensa sem
restrições, porque creio no poder da razão c da verdade ; creio na
moderação e na tolerância, nu progresso e na tradição, no respecto e
na disciplina, na impotência total dos incompetentes c no valor
insuprivel das capacidades".
Veja-se a Liberdade, matriz do sistema, fecundando a lei, —
porque "fora dela não há salvação", disse-o em outro momento. a
lei gerando o Ketrime. que é a limitação dos poderes pela soberania do
direito, inteqiretado pela justiça, a Constituição limitando a sobe­
rania popular, contra seus próprios excessos ; a Federação preser­
vada pela Justiça e não pela fôrÇa. o sistema representativo, com "o
governo do povo pelo povo", a dedução lógea do ideal para a reali­
dade ; a justiça gerando a confiança, esta, a tranquilidade, e, assim
através dos elos do trabalho, da produção do ctédito e deste a opu­
lência. a mecânica liberal produzindo a felicidade ; a liberdade de
palavra falada e escrita, a moderação, a tolerância, o progresso e a
tradição, o respeito, a tVsapl'ita, c o mérito, como condições de
civilização.
E ’ a ordenação da idéia liberal no quadro de nossa peculiari­
dade.
Dentro dêsse sistema <lc idéias, a lula de Rui começava cedo e
não se deteve senão quando a estrela dalvn, companheira das suas
madrugadas, o encontrou, pela última vez. no acampamento sempre
aceso das suas legiões de livros.
Entre o discurso a José Bonifácio em cujo prime ro periodo,
como um sinal de predestinação, associa a nobreza da política á
iiterdad*. c o convite de Ouro Preto, agitou, nesses quatro lustros.
sempre fiel a esse principio soterano, os mais graves problema,-, da
vida nacional.
Nas suas mãos, ainda cm 1869. se incendiou o facho abolicionista
A Federação, com que Nabuco sonhara, marchou com éle, vencendo
resistências e su|xtrando antagonismos enraizados. A eleição direta
é fruto do seu tratelho c das suas brilhantes campanhas contra a
inércia e o conservantismo.
Bateu-se pela ele ção dor presidentes das provincias, peh sécula-
rização do ensino, pela formação do Senado sem a escolha imperial.
— 194 —

Iroçando vantagens, prêmios, confortos, títulos c favores, pela leal­


dade a suas idéias e programas.
A República lhe ensejaria ser também, na história da nossa
evolução política — o arquiteto e construtor.
Nunca se preocupara com fórmulas ou formas de governo :
“ Eu não idolatro formas de govémo, disse, ]x>rquc não idolatra nada".
Monarquia ou República, bastava-lhe a segurança de saber "a Razão
nos seus direitos, nos seu? direitos o povo e, pairando acima de
amitos, a liberdade, garantia comum”.
O que importava era criar os institutos apropriados ao funciona­
mento jurídico e politico do idealismo da época, pois “ as formas que
não correspondem ao espirito, a ação viva, a existcnc'a interior, são
marcaras de imposturas”. “ As formas políticas são vãs, sem o
homem que as anima”.
Dentro desses jtostulados. nos 14 meses do Govémo Provisorio,
"a mais poderosa máquina cerebral do nosso país”, no d izer, de
Nabttco, rodou, sem cessar, construindo contra tódar. as resistências,
a organização política e jurídica que. sob a forma republicana, assegu­
rasse c garantisse o exercício das liberdades e dos direitos do homem
e sistematizasse, sob critérios de democracia c de justiça, a comunhão
brasileira.
Essa obra de elaltoração institucional, êsse trabalho que teria de
representar doutrina, técnica, experiência da realidade, capacidade
inventiva. Itabilidade plástica, não or realizou no silêncio de um
gabinete ou na tranquiFdadc própria no pensador e ao teórico.
Foram conquistas de todos os instantes, alcançadas sóbre ar dificul­
dades de um governo recente, sob a influência de mentalidades dife­
rentes. sem que tivesse atrás de si, para apoiá-lo, forças políticas
poderosas. Estados, solidariedades organizadas c seguras.
Teve que lutar, dentro e fora do Govémo, vencer resistências
do próprio Decdoro e. ao mesmo tenijto. contar com êle como seu
principal esteio, impor sua autoridade à custa de desprendimento e
de obstinação, arriscar a própria sorte da missão, itas continuas
ameaças de demissão e de abandono, se não pudesse cumpri-la como
julgava conveniente.
Nada o fêz transigir, nem os conselhos prudentes dos amigos,
nem a flexibiVdade comum do político fora de crise. Porque,
embora entendesse que a politica "é a essência das transações inteli­
gentes e honestas” , só as admitia “ sob a cláusula do respeito aos
cânones constitucionais". “ Não sei outra maneira de executar o meu
mandato, de servir a um govémo honesto, de honrar a minha cadeira
de senador", afirmaria noutra oportunidade. “ Quando, para me
— 195 —

sentar nela, se me exigir que deixe a consciencia á porta, ou que lhe


dissimule a voz sob um falsete, ninguém me verá mais no recinto”.
Era chegada a hora da prova. O regime ia demonrtrar a sua
eficacia e a sua vitalidade.
Até então, a liberdade, os direitos do homem, as esferas dos
poderes, a justiça, eram textos de lei, verdade escrita.
Com Floriano tem inicio o drama do criador, tentando fazer com
que essa verdade do ]>a[>el se concretizasse na dinâmica do regime.
A consolidação da República levara Floriano a u im política
realista c rude, fundada nos imperativos da Itora, no caráter da erise,
de emergência, que os fatos apresentaram.
A Constituição corria o risco de ser um aparelho eficaz e apto
para a normalidade, para a rotina dos dias regulares.
A falta de educação política levava as próprias vitimas da vio­
lência a não recorreram â lei. cuja fõrça não pressentiam capaz, em
tais conjunturas e cujos recursos ignoravam na sua complexidade
técnica. • ,
Vemô-lo, então, fazendo a prova do seu engenho, opondo, à
violênc a e o arbitrio, o poder da lei. na expressão da Justiça corri­
gindo os desvios do exercício do poder legitimo com os remédios
institucionais previstos, sobretudo o habeas-corpus".
Nenhum apêlo à violência, nenhuma sugestão ao revide.
Nem conspiração, nem ameaça, nem manobra meramente polí­
tica.
Estava seguro de que se o sistema funcionasse em tõdas as suas
peças, tudo estaria sanado.
O veleiro constitucional, com seus panos de princípio desfral­
dados. enfrentava, pela primeira vez, as ondas revoltas da borrasca
e a fúria dos elementos.
Ele o construira e ali estava no posto de comando da vida
pública, como Enéias, no poema latino, ensinando a manejá-lo,
gritando as manobras indicadas, e animando a tripulação inexperiente
no barco novo c delicado.
Se Floriano condescende com a deposição dos governadores, e
atenta contra a Constituição o seu brado se levanta : "Reivindico
o principio vital da existência dos Estados na organização federativa,
pelo qual me batia antes da República e desesperado da monarquia
me fiz republicano".
E ’ Cicero redivivo. “ E ' por isso que me julgo obrigado em cons­
ciência, a concitar os amigos da República a envidarem tôda a inten­
sidade de suas energias contra esses perservissimos ex ímpios. O
— 196 —

caso, pcvs, c de ação espontánea da autoridade central. que nã<> deve


hesitar tnn instante, se quer salvar a República, obedecendo ao impe­
rativo dos seos deveres".
Tinha inicio a sua pregação corregidora, aliada ao curso prático
da legalidade constitucional c democrática.
"De uma ditadura que dissolve o Congresso”, diz. ele dois meses
depois de salvar a legalidade na Bab a, "apoiando-se na fraqueza dos
poderes locais, para outra que dissolve os poderes locais, apoiando se
no congresso estabelecido, não há progresso apreciável".
A crire do reg'mc logo se acentuou cm outros sintomas.
Motivos politicos, talvez ponderáveis. ou apenas a velha ambição
humana, sob eles disfarçada, levaram Floriano c elementos ligados
ao Governo, a considerarem definitiva a sua sucessão a Deodoro.
Seguem-se o manifesto dos generais, a reação violenta de Flonau".
o sitio, a subversão da ordem.
Ixvama-se a voz de Rui. na cátedra de educador nacional •
“ Em meu humilde entender, não há dúvida nenhuma quanto à
necessidade constitucional de proceder-se a nova eleição do presidente
da República, u n n vez que a vacância se abriu no primeiro biênio
do período presidencial". A política podería ter suas razões, talvez
legitima^, mas não invocá-las nem fazê-las prevalecer contra a lei.
pois nada mais é que agente desta e sujeita aos ritmos que lhe são
traçados i>cla norma”.
Ei-lo em ação, batendo à porta da Justiça, para restabelecer o
prestígio da lei.
O instituto dc liabcas-corfus é o instrumento previsto para essa
correção.
Chamá-lo á vida, mover essa mola ria engrenagem constitucional,
fazer o artificio da técnica, descmpenltar o pajiel que lhe cabia, eis o
seu empenho maior.
Mais que a ]>iedade humana pelos sofrimentos dos deportados,
que o interesse da causa no seu aspecto profissional, mais que a
simpatia pessoal e política pela vitima, mais que o próprio resultado
do incidente, o que preocupava era a eficácia da instituição, era sentir
a justiça correspondente "á atribuição que lhe fora d c ferida, era o
"test” na norma de que dependia não apenas a sorte dos clientes de
então, mas a dc todos os cidadãos brasileiros cuja segurança e liber­
dade estavam confiadas "dc hoje |>elo futuro adiante", corno diria com
Esquilo, nas Eumenidcs. ao patrocinio da legalidade.
Não é o caso que o apaixona. É* a lei que êle experimenta.
“ Patrono da lei e não da parte, é por isso que não me tendes o direito
dc perguntar |xda outorga dos interessados” exclama no Supremo
Tribunal.
O cliente é o cidadão, o ente abstrato, o objeto simbólico tta
proteção do Direitc.
"N ão lido jx>r interesse e tima clientela, bato-me por um direito,
que as mat's antigás leis da nação fizeram meu. — |>ela inteireza da
Constituição, que apresenta a fórmula perfeita da solidariedade de
todos os cidadãos, no regime legal”.
Pede ao Supremo, em provocações sucessivas, que consagre o
conteúdo, o espirito, a substância do lutbnu-corpus",
E entre "ar ansiedades de uma grande exitectativa”, " a cons­
ciência assustada da fraqueza do seu órgão", o “ espirito afogado em
impressões transbordantes", que enchem a atmosfera do recinto,
"povoado de temores sagrado e esperanças sublimes", êle impetra ao
Supremo o primeiro pedido para os presos do sitio.
O Tribunal era o "Sacrãrio da Constituição", "o veto permanente
aos sofisma» opressores das razões de Estado". Mas a decisão não
111? foi favorável.
Cumpria não deixar prevalecer a versão tímida tia .Justiça.
É na Imprensa, numa séri: dc dezoito artigos. analisando o
acórdão. que ele sustenta o sentido autêntico do instituto e restabelece
o equilibrio necessário a sua interpretação progressiva, de acórdu com
o verdadeiro espirito da Constituição c da doutrina.
Sucedem-se os habcas-corpus para Wandenkolk, lluet Bacelar.
Aírton Correia, a ação para anular os atos inconstitucionais.
A anistia estava no corpo da Constituição. Mas. ao vê-la detur­
pada na sua execução, reage contra as restrições com que foi conce­
dida para que não se altere a natureza e o espirito do instituto, por
imposições circuit emeiais da realidade política. Anistia é principio
que se faz em lei. Eora dai seria “ anist a de estigma, anistia cilada,
anistia mentira", a tcraluloyià jurídica da "anistia inversa".
Com o bombardeio da Bahia, aos 62 anos, hate ás portas do Su­
premo. impetrando habcai-cerpus sucessivos, no desespero da sua
fé na lei é na Jlirtiça. E êstes, envoltos na angústia de salvar, com
a lei, a Bajva "devastada pelas bombarda:, talada de saque, coberta
dc m inas", imolada aos excessos da paixão política. Salvá-la "ainda
que a fidelidade a éste dever, esgotando-lhe o calix, lhe custasse a
vida tão cara de seu próprio filho, a quem queria com n mais vivo amor
interno, m as do que a si mesmo”. Salvá-la. porém não porque
assint o exigissem o seu amor filial, que nela via o prolongamento, a
revivcscência, a reprodução contínua do amor materno, ou o amor de
|tai. mas ftorqne assint o mandava a lei : “ A vós não incumbe senão
abrir o Livro da Lei e indagar se está ou não dentro desta fórmula o
caso de habcas-corpus que. neste momento vos impetro, a ordem
— 198 —

expedida pelo Supremo Tribuna! ao coator, para que faça cessar a


coação".
J á em 1914. a doutrina de Rui. em matéria de luibeas-corpue.
se vai impondo. A jurisprudência se vai formando, em tõrno de seus
pedidos e de sua doutrinação Configura-se o instituto. Vencendo
ou perdendo, o objetivo vai sendo alcançado.
Habeas-corpus para publicação livre dos discursos e atos parla­
mentares ; para impressão e circulação pública de jornais ; habeas-
corpus para assegurar a conutnicabilidade do detento em virtude do
sitio ; habeos-tarpus |>ara declarar a .mconstitucionalidade do sitio
decretado, ou prorrogado, cm plena paz. sem iminência de comoção
intestina, o qual, s-ndo negado, mereceu o luminoso voto favorável de
Pedro I.essa.
O trabalho dc preservar a instangibilidade do sistema positivo da
nossa organização política e, robretudo, o seu espirito c a sua pureza,
não se limitou, porém, a essa viviíicação do texto legal, a êsse magis­
terio prático de nossas instituições, pelo recurso aos próprios órgãos
constitucionais.
Usou todos os ensejos e meios para apoiar essa sua “ ma! estrelada
cliente, a constituição republicana”, na sua iniciação diante dos fatos ;
a tribuna do Senado, a coluna da imprensa, “ respiradouro moral das
consciências”, como as chamou a eloquência dos comicios c a oração
das festas de form atura.
Num operário estrangeiro, ameaçado de expulsão, minta mulher
do povo, maltratada pela policia, em Andrade Figueira, vítima dn
“ poltronice policial”, nos adversários de ontem, dadrs à praia, náu­
fragos da "grande nau do hennismo”. apenas via a Constituição ferida
e uma nova oportunidade ¡tara a defesa da verdade constitucional,
embora descobrisse, “ na persistência dêsse achaque, sinais dp incura-
bilidade”.
Ainda assim, reculando apoio à candidatura Hennes, não obstante
este lite ser um "n onv verdadeiramente caro”, levanta a bandeira do
civilismo, sempre com a preocupação de educar a realidade, mesmo
com o próprio sacrificio, para que " a idéia não morresse pelo seu
egoísmo”.
Os frutos dessa romaria ascctida e desenganada foram generosos
c anteciparam de vários lustros o progresso cívico do Brasil. Pela
primeira vez, embora com todos os defeitos que só recentemente vimos
extirpando, o povo brasileiro pôde “ concorrer efetivamente às umas,
para escolher o seu primeiro magistrado”. “ Os revezes padecidos no
campo do dever, afinnaria Rui. ao fim da campanha, doiram de uma
lux melhor que a da glória os dias dc uma vida, c a consciência dc
— 199 —

nunca trair, enche o espirito tie tun contentamento mais invejável que
as satisfações do egoísmo, tão apetecidas pela manada humana".
Através do govêmo Wcnceslau, com as restrições ao estado de
sitio e a conferência de Buenos Aires, onde estabeleceu uma nova
noção da neutralidade, que se espalharia pelo mundo, cm ressonâncias
de consagração tmiv.-rsal, atinge o climax do seu apostolado em 1919,
quando, depois de se haver afastado da política situacionista baiana,
em defesa da liberdade da imprensa, e para não recusar o seu apoio
“ aos patrícios feridos nos mais elementares dos seus direitos", e a
terra natal, "prejudicada nas mais essenciais garantias da sua exis­
tência". atira-se de corpo e alma a nova campanha presidencial c logo
cm seguida a campanha pelo Governo da Bahia. Ficha então o
escritório, abandona o lar c com 72 anos de idade, doente e sozinho,
cumpre |>clo sertão ba ano. de cidade cm cidade, sob desconíortos e
vicissitudes de tõda a ordem, sua vocação de apóstolo do bem público,
não com “ a auréola das missões religiosas", mas apenas como "um
emissário da terra, um pregador de idéias liberais". Não o acompa­
nhavam, conto ao filho de Deits. tronos e dominações. Mas como a •
Filho de Deus sam ao seu encontro todo o povo, “ et exierunt et
obviam, et clamalrmt pueri, diccntes : Hic est. qui ventttrus est in
saltitem populi”.
Se <xs símbolos criados pelo homem, embora refletindo a criação
divina, podem fazer de um deles, na precária limitação da fraqueza
humana, um simile do Salvador, esse foi, sem dúvida, Rui Barbosa.
‘'Prcguei. demonstrei, lvnrei", diz éle. “ a verdade eleitoral, a
verdade constitucional, a verdade republicana- Melhor sentença não
poderíam alcançar no tribunal da corrupção, do qtte a do Deus vivo
no de Pilatos".
Foi pela causa d.-ssa verdade, que cie “ combateu abraçado, com
ela, em vinte e oito anos de «ua via dolorosa''.
Não é outra a expressão do seu apostolado, que pregou mais pelo
exemplo, que p?la doutrina.
A s gravuras de Derome em que acompanhou. nos serões <lc
familia, ainda criança, a vida de lesus, deixaram os sulcos da via sacia
na fantasia do apóstolo que crescia nêle.
Vctno-lo, então, entre os doutores do seu tempo, surpreendendo os
mestres, como Abílio e lbirapitanga. pela sua sabedoria e precocidade ;
vemo-lo desde cedo, pregando a sua verdade que era o evangelito do
liberalismo, a libertação dor. escravos, a correção dos costumes poli­
ticos, dos indices de corrupção e de viejos, dos processos deletérios,
das virtudes do cidadão e do político ; pregando na imprensa, na
praça pública, nos salões sempre com o timbre apostelar c a austera
— 200 —

pureza do coração votado aos ideais e não aos interesses. J á os açoites


vibram na sua mão. tentando expulsar do templo da vida pública, os
vendilhões dc todos os feitio:'.
Certo. lembrarão os descrentes a mais humana c agressiva das
reações de seu temperam :nto. o rigor de sua ira. os surtos de st:t:
cólera, as as|>erczas de sen orgulho.
“ Cólera, será — escreve, já ao fim da vida, cm exame de cons­
ciência, — "mas cólera da mansuetude, cólera da justiça, cólera que
reflete a de Deus, face também celeste do amor, da misericórdia e da
santidade. Dela csftizilam centelhas, cm que se abra-1 pot . êzes. o
apóstolo, o sacerdote, o pai, o amigo, o orad r, <> magistrado. Essas
fattlhas da substância divina atravessam o púlpito, a cátedra, a tribuna,
o rostro, .a imprensa, quando se debatem, ante « pois, ou o mundo, as
grand, - causas Immanas, as grandes causas nacionais, as grand >
causas populares, as grandes causas sociais, as grandes causas da
consc tncia religiosa. Então a palavra .«• eletriza. brame, lampeja,
atróa, fulmina. Descarga, sõljre descargas rasgam o ar. incendeiam
o horizonte, cruzam em raios o espaço. E ' a hora das responsabili­
dades, a hora da conta e do castigo, a llora das apóstrofes, imprccações
e anatemas, quando a voz do homem reboa como o canhão, a arena
dos comitates da eloquência estremece como campo dc batalha, e as
siderações da verdade que estala sõbre as cabeças dos culpados,
revolvem o chão, coberto dc vitimar e destroços incruentos, com
aíralos dc terremoto. Ei-la ai a cólera santa 1 E ; s a ira divina !
“ Quem senão ela, há dc expulsar do trmplo o renegado, o blas­
femo. o profanador, o simoníaco ? Quem, senão ela. extenu nar da
ciência o apcdetita, o plag ário, o charlatão ? Quem, senão ela, lratiir
da sociedade o imoral, o corruptor, o libertino ? Quem, senão ela,
varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário e o
ladrão público ? Quem, senão ela, |>recipitar do governo o ncgocisino.
a prostituição política, ou a tirania ? Quem, senão ela. arrancar n
defesa da Pátria á cobardía, á inconfidência ou à traição ? Quem,
senão ela, ela a cólera do celeste inimigo dos vendilhõ s e dos hipó­
critas ? A cólera do justo, crucifixo entre ladrões ? A cólera do
Verbo da verdade, negado pelo poder da mentira ? A cólera na san­
tidade suprema, justiçada pela mais sacrilega das opressões ?"
E ' essa rajada dc sentimento dc justiça, de solidariedade com o
homem submetido ao arbitrio, <la força e ãs rttdts opressões da ilegali­
dade. que êle extravasa, entre invocações aos céus e a Deus, quando,
semelhante a VT.-ira na sua famosa invectivação, se levanta cm defesa
de Andrade Figueira, desrespeitado pela brutalidade policial, “ mar­
tírio, que recorda o de Cristo nas escadas d ■ Pilatos".
— 201 —

"Misericórdia. Senhor, que nos abandonaste ! Nati?, ficou de


tua lei, nem de tua imagem I”
Também sabe Rui que não logrará o seu apostolado concluir a
missão que o anima, que é transformar a democracia brasileira num
modelo ideal, deduzido da liberdade.
O próprio Cristo não conheceu cm vida «>sa ventura : o <|ue
importa mais é o processo, a pregação, o ensejo para ensinar pela
doutrina on pelo exemplo c não a conquista dos objetivos diretos das
campanhas.
“ O mais esquisito dos prazeres, sentenciou, é o que Deus pos na
satisfação de abraçar a justiça condenada, condenando-nos com via ao
revés antecipado".
Não é outro o segredo do seu desapego a uma vitória, que não
val a a lição incomparável do martirio, nem a eloquência dos vilicior-
•xcmplarcs.
“ Eu sott dos sacrificios. Se fósse para vitória não n * convi­
dariam nem eu aceitaria, mas como é para a derrota, aceito".
Não são jioncos, também. os seus milagres, milagres de fé humana
c de santidade cívica, conversões de fracos c ímpios ã crença do seu
apostolado, alegrias dadas ao povo em horas difíceis, triunfos impre­
vistos do bem sòbre o mal.
E quando soou a hora, ele viveu, cm pálida imagem terrena, a
sua S'mana Santa e a sua paixão.
Ate os ind feremes rezaram por ele, nessa hora de eucaristia.
"M á rtir da Cor.vençào" — u chamaram, — nus por irrisão,
otttros por piedade.
"Contra essa catástrofe, nu? nus ameaça”, clamava êle nos pró­
dromos do civilismo. — o m ártir da convenção correrá, se Deus quiser,
a t io dolorosc não de restos, com a cruz ás costas, mas em tixlu o
antigo ardor de 1889. 1893, 1895. como quem cumpre o maior tios
thveres e escreve a mais santa <la< páginas de sua vida”.
Quando por aqui passou. pela última vez, o povo baiano se
mantinha fiel á sua fé e já o chamado do Pai se refletia na sua face
veneranda.
Ble já o dissera : "Quando os nvus conterrâneos quiserem
afastar de mim éste cálice, receltcrei a sua deliberação com agradeci­
mentos". Mas, também afirmara : “ Se a nvree da salvação da nossa
liberdade e da nossa fortuna, da nossa paz e da nossa honra, postas nas
vossas mãos rnpotentes. exigir a sacrificio de um em satisfação das
culpas de todo», não vos detenha. Senhor, a nvséria do resto dos
meus dias, cansados e inúteis".
Não lhe faltou nenhum dos tptadros da paixão, nem a verônica
e a noite tie agonia. I)ividiram-lhe a túnica ao pé tia cruz, nas cri­
ticas profanas. Mar- o povo guardou o seu evangelho.
— 202 —

Quando morreu, encontrava-mc, aos 22 anos de idade, na chefia


da redação do Diário da fíahia. o velho “ Diário”, onde, como reni-
morava, numa “ alucinação maviosa", transcorrera, em "camaradagem
brilhante de ereritores liberais", o seu “ labutar, de tóda a manhã e
de toda a tarde”, pela eleição direta, pela liberdade religiosa, "e os
primeiros clangores da emancipação dos escravos". “ A impressão
que nos domina, escrevi, sob o choque brutal do desenlace, a impres­
são que nos domina é de que o sol se apagou”. “ O que aqui vai,
|>ortanto. é, apenas, a exclamação de dor de almas despe laçadas, é o
nosso coeficiente e, ao mesmo tempo, o reflexo do assombro que
domina c estupefaz .a Nação inteira, privada, hoje, do centro de
gravitação de todas as suas consciências liberais".
Não faltou, empós, quem o negasse. A liberdade e a justiça,
variando nos seus conceitos, pareciam distanciar-se dos ideais porque
lutara. Mera ilusão das aparências. Aquilo a que sacrificara a sua
existência. tóda ela “ uma reta traçada, no dizer de Alcindo Guana-
bara, entre a liberdade e o direito", não eram as formas transitórias,
mas a própria substância do ideal. "Foi a cruz do Nazareno que
decifrou o teu mistério, levantando-te num pedestal, que as maiores
revoluções não combaliram, nem hão de combalir”, dizia êle, refe­
rindo-se à liberdade. “ Desde êsse exemplo tremendo, todo aquele
que te maltratar, perseguindo uma opinião, ou derramando o sangue,
a um semeador de idéias, comete debaixo do céu, o sumo sacrilégio.
O Itoment. que é o erro cm busca da verdade, não pode traçar a divi­
sória entre a verdade e o erro ; e por isso, em todo pensador, cm
todo apóstolo, cm todo reformador, cm todo heterodoxo, há alguma
coisa, que os poderes da terra não têm meios de saber se é humana,
ou divina. A maior vitima das maiorias políticas foi o Deus cruci­
ficado. E aqui está porque a imagem da sua paixão é a tua própria
imagem. Entre os braços daquele patíbulo tu e a verdade soí restes
juntamente, e com a verdade ressurgistes dos mortos. Porque tu
não és a verdade : mas, se a verdade pode entrever* e da terra, é
pelos horizontes que tu nos abres”.
P o r isso, foi-nos permitida a ventura de assistir a sua Ressur­
reição. Ressurreição, cm que resumiu tôda a doçura c todo o vigor
da fé, “ flór do Calvário, flor da Cruz”, ressurreição, em cuja
aleluia celebra hoje o Brasil a sua glória eterna c n sua lição ilumi­
nada. Ressurreição, “ sorriso em que desabotoa o horror dos seus
martirios”, ascençáo do seu vulto, que o tempo nos restituí’, cada vez
mais vivo, e já agora consagrado como nume tutelar da norsa lilier-
dade”.
RETIFICAÇÕES

MUSEU E CONSERVAÇÃO DE OBRAS


DE ARQUITETURA EM OURO PRÊTO

RETIFICAÇÃO AO ARTIGO INSERTO NO VOLUME


202 DA REVISTA

No volume 202 da Rcvisla do Instituto Histórico c Geográfico


Brasileiro, que acaba de ser distribuido, correspondente a janeiro e
março de 1949, o S r. José de Almeida Santos formula, à Diretoria
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e ao Museu da Incon­
fidência, uma série de censuras que não têm fundamento.
Sob o título de Conservação, restauração c recuperação dc objetos
de arte e históricos, aquêle articulista assevera, cn> primeiro lugar, à
página 153, que “as fotografias colecionadas pelas diversas seções
do S. P. H . A. N . são inacessíveis, patrimônio dos funcionários da
repartição” . Entretanto tõdas as fotografias coligidas para a aludida
Difctoria se encontram, diariamente, à disposição de quem quiser
examiná-las, no arquivo, às horas de expediente. Em se tratando
de especialistas ou estudiosos que pareçam idóneos, a chefia da
respectiva seção está autorizada a emprestá-las, mediante recibo, por
prazo mais ou menos dilatado, tal como sucedeu ao próprio Senhor
José de Almeida Santos, a quem foram emprestadas para setts estudos,
em dezembro dc 1949, as fotografias que desejou e que reteve em
seu poder até 26 dc abril dc 1951 *)( .
Em segundo lugar, censura mais o articulista : “ criam-se
vexames que noa reconduzem a um primitivismo embaraçoso como o
fato seguinte : exigir-se em Ouro Prelo que se depositem na portaria
as bolsas das senhoras !" (página 143 citada). A medida, nu
entanto, só foi adotada no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto,
por ser de praxe nos museus nacionais que o precederam, convindo

(•) Vrjam-sc os documentos em apêndice.


— 204 —

acrescentar que no caso a jxirtaria se incumbe de cumpri-la muito


discretamente, sem o menor vexame para os visitantes. Não há.
¡mis. que censurar a prática sòmcnte àquele museu.
Em terceiro lugar, o Sr. José de Almeida Santos reprova que
"além disso quatorze empregados (número excessivo) zelem pelos
mostruários" (página citada). Em verdade, porém, o Museu da
Inconfidência conta apenas com oito guardas c do s serventes, servi­
dores êsses que são .insuficientes para fiscalização adequada das 13
grandes salas de exposição do estabelecimento, várias das quais pro­
vidas de subdivisões de madeira compensada a meia altura.
Em quarto lugar, o articulista acusa a diretoria do Museu de
negligência por consentir em Mariana que fiquem “ dois espléndidos
quadros na parede insegura da M atriz” e. “na igreja de Tíradéntes,
servindo de apoio a uma prancha onde o sacristão sobe para apagar
as velas da banqueta, por trás do altar mõr. rico mocho de pernas
torcidas c. ntais rica ainda, uma mesa sem serventia aparente para
o templo — peç*is que deviam preocupar os conservadores de museus
l>or seu esplendor e rareza, ser transferidas para Ouro Preto onde
se conservariam convenientemente da irreverência da humidade, dos
Isilores c dos termitas" (páginas 153 e 154). As peças em questão
pertencem, entretanto, à Arquidiocese de Mariana e á Paróquia de
Tiradentes. não sendo licito a esta repartição, nem ao Museu da
Inconfidência apropriar-se delas e transferi-las para Ouro Preto.
Em quinto lugar, escreve o S r. Alineóla Santos : “ As casas
ns. 5 e 7 da Ladeira da Glória estão desmoronadas. O Serviço do
Patrimônio alega o descaso dos proprietários que se desinteressam
da conservação dos imóveis tombados, por julgarem eles, proprietários,
que o tombamento dá ao S. P. H. A. X. o encargo permanente de
sua conservação" (página 154 citada). Mas a repartição rit cada
não alegou coisa alguma. |>elo menos ao articulista. ( >s sobradinhos
aludidos desmoronaram, com efeito, porque têm faltado ao órgão
competente recursos para reparar tódas as casas existentes cm Ouro
Preto. Fez, todavia, o que esteve ao sett alcance junto à proprie­
tária para induzi-la a cedê-los à Prefeitura Municipal. |X>r preço
razoável, a fim de serem restaurados, uma vez que a Diretoria do
Patrimônio Histórico c Artístico Nacional já tinha licneficiado com
obras anteriormente duas oútrar casas da mesma proprietária.
Em sexto lugar, o S r. Almeida Santos recrimina a repartição
¡icio que chama de "outras falhas na sistemar zação dos serviços.
— 205 —

Por exemplo : as igrejas e os altares todo que se toca na cidade


monumento fica branco : paredes, move's, tudo está lambuzado.
Até os pilares e contrafortes de pedra recelxtram seu batismo de cal
respingada das brochas e aguardam as chuvas torrenciais que deverão
lavá-los" (página 154 citada). Não foi, porém, a Diretoria do P atri­
mônio Histórico e Artístico Nacional que pintou ou lambusou de
branco os altares, move's ou elementos de cantaria a que se refere o
articulista. Limitou-se a caiar ali os muros e paredes, externas e
internas que deveríam ser caiadas. Nem há. que me recorde, altares
ou móveis assim desfigurados com pintura branca em Ouro Préto.
Em sétimo lugar, diz o Sr. Almeida Santos que, em Ouro
Préto "das cornijas brotam viçosos vegetais, alguns arbustos, sem
falar nos parasitas” e explica, cm seguida, com erudição, 05 danos
que tal vegetação costuma produzir (página 154 citada). Periódi­
camente. no entanto, a repartição censurada providencia para retirar
a vegetação aludida e, se não consegue impedir que reapareçam nas
igrejas c demais edificações tombadas naquela e outras- cidades, é
por não contar com auxiliares cm número suficiente para serviço tão
extenso e frequente.
Finalmente, o Sr. José de Almeida Santos interpela a mesma
repartição nestes termos : "A casa número 3 da Ladeira d l Glória
deixa-nos em d ú v id a ... A casa foi reformada há pouco. Vê-se na
ilustração do Guia do Ouro Préto, publicação do S. P . H . A. N .. que
a grade da sacada é de ferro. Hoje a referida grade é de madeira.
Perguntamos : tal grade era de ferro e foi retirada para ser substi­
tuída pela de madeira, ou era de madeira e a ilustração inverid'ea ?”
(página 154 citada). Resposta : ao tempo em que foi reproduzida
na ilustração do Guia, a casa possuía grade de ferro, ali introduzida
cm data relativamente próxima c em desacordo com a feição setecen-
U’sta da construção : por tal motivo a grade foi substituida jxtr
sacada com guarda-corpo de madeira, à feição tradicional, quando se
restaurou a edificação, recentemente.
O autor do artigo a que me reporto data-o expressivamente de
“ Florença, novembro de 1947” c principia por tecer comentários às
esculturas e pinturas dos grandes mestres ali cm exposição, assim
como à restauração de obras de arte na Itália. O leitor estranhará,
com razão, que a sensibilidade do Sr. José de Almeida Santor. diante
daquelas obras imortais se manifeste sob a forma de maledicência
cm relação a remotos e obscuros patrícios seus.

Rodrigo i f . F . dc Audradt.
— 20ú —

A P Ê N D IC E

I'JXRiORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO R ARTÍSTICO NACIONAL

C 23 — R ío de Janeiro. 18 de janeiro de 1951.

Sr. José de A lm eida Santos, Avenida Niem eyer, 174, ap. 20. Rio.

Prezado Sr. José dc Almeida Santos :

P a ra atender á necessidade dc consultas no arquivo desta repartição,


venho solicitur-lltç a fineza de devolver-nos as fv?< g rafias de móveis que lhe
foram cedidas, por empréstimo, cm dezembro dc 1949.
Agradecendo a atenção que diaflensar a este pedido, aprcscnto-lhc neste
ensejo, ;<im apreço, meus cordiais cumprimentos. — Rodrigo M . /■’. de
Andrade, D iretor.

Rio, 15 de fevereiro de 1951.


limo. Sr. R odrigo M. F . dc Andrade, Dd. D iretor do Serviço do P a ­
trim ônio H is.õrico e A rtístico Nacional. R.o dc Janeiro.

Saudações.

Presente seu memorandum dc 18 de ja neiro próxim o passado.

Conforme sua solicitação devolvemos, para fins de consulta em seus a r ­


quivos, as io tc g ia íia s que nes foram em prestadas há tempo.
O livro “ M obiliário A rtístico B rasileiro” acha-se em (ase de estruturação
d c íin tiv a . A s fotografias agora devolvidas reclam aram muito esforço de
nessa parte pura desem baraçá-las do tcx.o onde figuravam cm referências
drversas. oca.-ionando o atraso desta resposta.
Infelizmente, pois, ainda não foram utilizadas c lamentamos que essa do­
cumentação seja eliminada daquele trabalho.
A gradecendo e desculpando-nos pela dem ora involuntária, apresentam os
cordiais cumprimentos. — J u st dc Ahitcida Santos.

RJo, 26 de abtil dc 1951.

limo. Sr. R odrigo M. F. dc A ndrade, Dd. D iretor do S P H A N . — Rio


dc ‘J aneiro, D. F.

Saudações.

Confirm o minha carta de 15 de fevereiro pp., à qual jtuEci, cm devolução,


as fotografias que nos foram há tempos em prestadas.
C onform e constatám os ai na Seção de Arquivos, houve fa lta dc tres cópias
de mesas. Aqui junto três cópias dc mesas que espero satisfaçam às neces­
sidade; de consulta daquele departam ento.
Renovando nossos agradecim entos pela solicitude d o w n s ¿rada. apresen­
tamos nossos cum prjnen' os cordiais. — d o st dc Alm eida Sanios.
A venida Niemeyer 174. ap. 20, Rio, D . F .
EVOLUÇÃO DO ENSINO DA ENGENHARIA
E ARQUITETURA, DE ADOLFO MORALES
DE LOS RIOS. SEP. ENGENHARIA.
SÃO PAULO, 1947

Na pág. 443, 3.* linha, <lo n.° 204 da Revúta do Instituto H is­
tórico c Geográfico Brasileiro a publicação acnna mencionada, acha-
se, por engano, indicada como da entreviste do general Klinger, sendo
pois feita a presente retificação.
TRABALHOS TRANSCRITOS

APONTAMENTOS CRONOLÓGICOS DA PROVÍN­


CIA DE MATO GROSSO

BARAO DE MELGAÇO

E X PL IC A Ç Ã O P R E L IM IN A R

Em sessão <!e 7 de dezembro de 1882, o Instituto Histórico


registrou expressiva doação, de que se fêz intermediário douto
amigo do autor.
“ O Sr. Conselheiro Bcaurepaire Rohan apresentou dois impor­
tantes manuscritos do falecido consócio Augusto Leverger, barão de
Melgaço, que lhe haviam sido remetidos de Cuiabá com destino ao
Instituto pelo coronel honorário Cesário C orria da Costa, genro do
dito barão ; são êles “ Dicionário Geográfico” c "Apontamentos
cronológicos da província de Mato Grosso”,
E pondera, que ‘‘não devendo obras como estas ser publicadas
por partes, roga ao Instituto que seja ela integralmente publicada em
um só tomo na Revista Trimestral.
Resolveu-se que fosse remetido á Comissão de História para
dar parecer."
Claro está que a decisão final referia-se apenas à segunda
contribuição, pois que a primeira deveria ser encaminhada à
Comissão de Geografia.
P or ventura, foi-lhe dispensada a intervenção, a julgar pela
indicação referida em sessão de 24 de agosto de 1883, nos termos a
seguir :
"E m mãos da Comissão de Redação para um esboço do “ Dicio­
nário Topográfico" da provincia de Mato Grosso ; conquanto muito
deficiente, o que indica perda ou extravio de grande parte de suas
indicações, <> pouco que existe é tão bom que, sanados ligeiros senões
devidos ao copista, torna-se digno de publicação.
— TOD­

'S. como sabe o abaixo assinado, que existem em trabalho outros


dicionários sobre o mesmo assunto, propõe que o Instituto faça pron­
tamente essa publicação, no justo intuito de não ser prejudicado esse
conciencióse trabalho de tão esforçado e criterioso membro do Ins­
tituto. — Sala de Sessões, 24 de agosto de 1883 — Severiano da
Fonseca”.
O depoimento de João Severiano, que andara por Mato Grosso,
donde voltou com opulentas informações enfeixadas na magnífica
" Viagem ao Redor do Brasil”, apressou a publicação do ensaio, que
a Revista, em seu tomo 47 (P arte II, 1884). deu a lume, com o
titulo de Apontamentos para o Dicionário Corogrãjico da Província
de Mato Grosso pelo liarão de Melgaco.
Do outro, porém, não há indício de que tenha tido análogo
destino.
Sumiu, sem que ninguém lhe indicasse o paradeiro, quando
procurado.
Vagamente referem os contemporâneos que teria sido entregue
a competente relator para emitir parecer, e não mais tornou ao Ins­
tituto.
Como quer que seja, extraviou-se ainda em vida de quem o
entregou ao destinatário.
Felizmente, porem, a filha do autor, D. Emilia Lcvcrgcr Correia
da Costa, possuía outro exemplar, que cedeu a Estevão de Mendonça,
professor de história no Liceu Cuiabano, c ardoroso admirador do
bretão cuiabanizado.
Quando o diretor do Colégio Saleriano de Cuiabá, p3dre Helvécio
de Oliveira, atual arcebispo de Mariana, fundou a revista Mato
Grosso, de fecundo programa cultural, que exerceu acentuada influ­
ência na evolução literária regional, desde o primeiro número estampou
a colaboração do exaltado levergeriano, a quem se deparou auspi­
ciosa oportunidade para ir publicando os manuscritos que possuía.
E assim apareceu, a partir de 1904, parccladamente, a obra que
Bcaurepaíre Rollan queria ver “ integralmente publicada” na Re­
vista do Instituto.
Como seja rara a coleção completa do periódico de Cuiabá, cm
cujas páginas ela aflorou, não virá fora de propósito a sua repro­
dução, que executará a decisão tomada pelo Instituto em 1882, e
malograda por causa do extravio dos originais.
— 210 —

Apesar das sete décadas decorridas após o desaparecimento de


lx-verger, em 1880. não perderam as suas observações a valia cue
lhe grangeou a nomeada de maior conhecedor, em seu tempe-, da
geografia e história de Mato Grosso.
Durante o meio século que viveu cm Cuiabá, onde se radicou,
desistindo de maior ascensão na carreira naval, a que o predesti­
navam os seus méritos, não houve problema regional que não exami­
nasse com inteligência sagaz.
Hábil hidrógrafo, explorou os tributários navegáveis do rio
Paraguai, como evidenciam os diários e roteiros de navegação, que
lhe justificaram o ingresso ao quadro social do Instituto Histórico, a
19 de outubro de 1848.
Geógrafo, palmilhou a região sulina, onde, encarregado da
"coordenação e complemento da carta da Provincia”, por um triz
não foi colhido pela invasão lopesina (a ).
Enfrentou-a em Melgaço. onde, dominando o pânico generali­
zado, organizou eficientemente a defesa, merecendo. em recompensa,
as insignias dc barão, que lhe concedeu o Governo Imperial.
Presidente da Província mais de u n n vez. distinguíu-se pela
retidão e sensatez, no solucionar os problemas administrativos, sobran­
ceiro às in junções partidárias.
Historiador, anotava quanto lhe pudesse mais tarde servir para
as monografias que por ventura plancasse elaborar.
“ Os apontamentos cronológicos" evidenciam o processo que ado­
tava nas pesquisas.
Recorria à documentação que lhe chegasse ao alcance, propor­
cionada pelo Arquivo do Governo, quando no exercício da Presi­
dência da Província.
Ainda quando não lhe sobrasse vagar para compor ensaio com-
l>lcto sobre a História de Mato Grosso, queria, ao menos, estar s-mpre
hem informado, por satisfação própria e para atender às consultas
dos governantes e estudiosos, como ocorreu mais de uma vez.
Era, não obstante afastado de posições dc mando, o oráculo em
assuntos motogrossenses. sempre solicito em responder aos consu-
lentes, como revelou Pimenta Bueno, ao visitá-lo meses antes do seu
falecimento, a 14 de janeiro dc 1880 (b ).
E ' de duvidar que pensasse em dar à publicidade os seus "Aponta­
mentos", como fizera aos "Diários de Reconhecimentos" fluviais,
redigidos |>or maneira que constituíssem monografias completas.
Talvez quizesse apenas té-los à mão para qualquer consulta
momentânea, quando nenhuma obra satisfatória existia a respeito da
História de Mato Grosso.
— 211 —

A m a fonte primeira de inspiração derivou dos “ Anais do


Senado da Câmara de Cuiabá”, em cuja primeira página rompe a
declaração do magistrado que lhes promoveu a elaboração, em
cumprimento de preceito legal.
"Êsle livro há de servir para nêle se lançarem as Memórias
anuais dos novos estabelecimentos, fatos e casos mais notáveis,
dignos da história, que tiverem sucedido desde a fundação desta
Capitania, e forem sucedendo (as quais ?) Memórias hão de ser
escritas pelo Vereador Segundo dêste Senado, e apresentadas ao
mesmo no fim de cada um ano. para serem revistas, examinadas e
aprovadas ; tudo na conformidade da Real Provisão de 20 de julho
de 1782. enviada por cópia pelo D r. ouvidor geral da comarca, com
carta sua de oficio datada dc 18 de fevereiro do presente ano.
Vai numerado e rubricado por num. juiz dc fora, presidente
do mesmo Senado, com a minha costumada rubrica de Ordonhes.
Cuiabá, 20 de junho de 1786 — Diogo de Toledo Lara Ordonhes".
Se ; s decênios tinham decorrido depois que a Itandeira dc Pascoal
Moreira Cabral acampara nas lavras ctiiahanas. e raros se lembrariam
dos afastados acontecimentos da época.
Recorreram então os camaristas ao manancial opulento, propor­
cionado fala "Relação das Povoaçõcs do Cuialá e Mato Grosso de
seus principios até os presentes tempos” , de José Barbosa de Sá.
que ultimara, a 18 de agosto de 1775, a narrativa dos episódios dc que
fora testemunha, ou tivera ciência, logo ao chegar às minas dc Cuiabá,
pouco depois de descobertas.
E ’ de. presumir que Ordonhes. devotado a pesquisas históricas, a
tivesse manuseado com vagar e atenção, por lhe aquilatar a merecida
valia c a recomendasse a Joaquim da Costa Siqueira, a quem -tottbc
trasladar para o livro oficial o escrito particular, que por ésse tempo
corria entre mãos dos mais doutos.
Com tôda a lealdade, o vereador atribuiu o mérito da obra, tia
parte inicial, inclusive o ano de 1765, a Barbosa de Sá. de quem
declarou ter copiado fielmente o manuscrito, "corrigindo únicamente
aquilo que pôde achar contrário e acrescentando as que se omitiram,
talvez por falta de lembrança, c prosseguindo do dito ano de 1765
em diante com os n w s fates que ocularmente presenciou, e outros
que ffio constantes, e praticando o mesmo sistema que tem aquele
primeiro escritor".
Insignificantes rscriam as alterações que podería Siqueira inter­
calar na obra do licenciado, referente ao período já distante dc mais
de meio século.
__2 1 2 ___

Todavía, a cópia sobremaneira valorizou-se com as anotações que,


de sua letra miudinha, o próprio Ordonhes. apesar de não ter nessa
época mais de um ano de residência em Cuiabá, lançou à margem,
para contestar ou esclarecer algumas afirmativas do cronista.
A contribuição primitiva de Barbosa, transmitida por um dos
seus exemplares, chegou à Biblioteca Nacional, que a divulgou <m
seus preciosos "A nais” (vol. X X III — 1901).
Da versão esposada pelos vereadores, obteve Toledo Piza uma
cópia anotada por Ordonhes, que deu a lume pela “ Revista do insti­
tuto Histórico e Geográfico de São Paulo” (vol. IV — 1899), duas
décadas antes que lhe iniciasse a publicação a “ Revista do 1. H. de
Mato Grosso”, a partir de 1919, quando se fundou.
Também Beaurepaire Rohan conheceu os assentamentos des
camaristas de Cuiabá, diretamente ou por alguma das várias trans­
crições, como patenteia a edição póstuma dos seus " A n a s de Mato
Grosso”, empreendida pela Revista do Instituto de São Paulo,
(tomo XV — 1910).
Embora Levergcr imitasse o exemplo do seu predecessor. no
tocante às épocas minguadas de documentação, ao socorrer-se dos
"Anais de Cuiabá”, não tardaria em completá-los por meio dc
relatos oficiais, que os outros desconheciam e depois de 1830, com
o próprio testemunho de observador imparcial c justiceiro.
A cada passo, enxerta informações que lhe provam o conheci­
mento de papéis do Arquivo do Governo, de que soube utilizar-se a
preceito, desde pelo menos a era de Dom Antônio Rolim de Moura,
primeiro capitão general de Mato Grosso.
Destarte, o seu tralialho contribui para o esclarecimento de pontos
obscuros da história regional e merece divulgação mais ampla do
que a proporcionada pela revista Mato Grosso, de tiragem diminuta,
que lhe tom a difícil a consulta para os estudiosos (c).
E, nos derradeiros decênios, o seu depoimento pessoal supre a
carência de informações dos “ Anais”, que se interromperam na era
imperial.

ANOTAÇÕES

a) Na Capital do Império, correu a notícia da prisão dc Levcr-


ger, a que se refere J . de Mesquita, ao divulgar a existência, no
Arquivo Público de Cuiabá, de "cartas autografas de Henrique de
Beaurepaire Rohan a Augusto Levergcr”.
“ Logo depois (lo inicio da guerra, manifesta a apreensão causada
entre os amigos pelo boato de que Levergcr havia caído prisioneiro
dos paraguaios, no rio Apa.
— 213 —

E, diz : “Escrevei-me. Fazei que o mais depressa posrívcl, eu


possa provar que tive razão de não querer ser crédulo — que ;”<ii
raison de ne fias vouloir être crcdule".
J . de Mesquita — Cartas de Beaurepaire Rohan.
Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso. Tomo LX IV
— 1950.
b) Incumbido pelo Governo Imperial de trabalhos geográficos
e de “ estudar os meios de melhorar as comunicações de Cuiabá
com a Córte”, F . A. Pimenta Bueno ainda encontrou, às vésperas,
por assim dizer, de sucumbir, o abnegado consultor, a respeito de cujo
saber firmou expressivo depoimento.
" O venerando Sr. barão de Melgaço, afirmou o engenheiro,
possuia um precioso arquivo de cópias interessantes de documentos
gráficos com oa quais organizou a carta da Província cm 1868 ;
entre esses documentos tinha muitos seus, relativos à história e
geografia da Província e de reconhecimentos dos rios Cuiabá, Para­
guai, do distrito de Miranda e outras localidades.
Sempre cavalheiro e franco, o liarão de Melgaço. não fazia
mistério de seu arquivo e com vivo interesse pela Província de Mato
Grosso prestava todos os esclarecimentos ao seu alcance.
Tive a fortuna de encontrar ainda êsce ilustre ancião, a quem
devo muitas informações c documentos para o desempenho da minha
comissão".
Por isso, na “ Carta da Provincia de Mato Grosso”, que elaborou,
abriu apropriada clareira em campo verde, para gravar significativa
declaração fora das normas cartográficas :
" A memória veneranda do barão de Melgaço, dedico este
trabalho, como sinal de respeito e gratidão”.
c) A carência de coleção completa da referida publicação
denuncia-se pelos, obstáculos que se depararam à cópia dos “ Aponta­
mentos cronológicos”, para a reedição integral.
Não fóra a boa vontade c compreensão cooperativa do desem­
bargador José de Mesquita, que prontamente se prestou a propor­
cionar ao Instituto Histórico as páginas que faltavam, mediante trans­
crição dos números arquivados na “ Casa do Barão de Melgaço", cm
que tem rede o Instituto Histórico de Mato Grosso, ficaria truncado o
ensaio.
Faz jus, portanto, aos agradecimentos de quantos apreciarem a
valiosa contribuição levergeriana. que pela primeira vez sai a lume
em conjunto, com anotações de Virgilio Corrêa Filho.
APONTAMENTOS CRONOLÓGICOS DA PROVÍN­
CIA DE MATO GROSSO

Em 1718 uma bandeira chefiada por Antônio Pires de Campos,


tendo subido o rio Cuiabá cm procura de indios, a fim de reduii los
à escravidão, chegou até a barra do Coxipó-mirim, onde encontrou
uma aldeia dc Coxiponés, que foi subjugada.
Governava então a Capitania de São Paulo, na qual se compre­
endiam os sertões de Minas, Goiás c Mato Grosso, Dom Pedro de
Almeida Portugal, conde de Assumar, que foi depois vice-rei das
índias e primeiro marquês de Aloma (1 ).

1719

Outros bandeirantes, capitaneados por Pascoal Moreira Cabral,


chegaram ao mesmo lugar, e como encontrassem nas barrancas do
Coxípó alguns granetes de ouro, subiram por êsse rio e formaram
uin arraial no lugar da Forquilha, onde entregaram-se a trabalho de
mmeração, apesar de se acharem desprovidos dos instrumentos
necessários. s

Em junta que fizeram a 8 de abril resolveram enviar a São


Paulo Gabriel Antunes, para dar parte do descoberto, c elegeram por
essa ocasião Pascoal Moreira Cabral para guarda-mor-regente, até
que recebessem ordens do capitão-general.

(1) A narrativa de Leverger inspira-se grandemente nos "Anais do


Senado da Câmara de Cuiabá", cm que foi transcrita a memória de J. Barbosa
dc Sá, cuja crónica referente ás primeiras décadas da vila recebeu neste lance
homologação oficial.
Aliás, mais de uma vez o autor cita o primeiro cronista cuiabauo. quando
não lhe transcreve expressivos trechos.
— 215 —

1720

Chegaram expedições partidas de São Paulo com numerosa


gente, atraída pela noticia do ouro descoberto ; vieram pela via
fluvial, com muito trabalho, fome e sofrimento. Tomou posse do
Govêrno de São Paulo o capitão-general Rodrigo César de
Menezes (2 ).
1721

Levantou-se na Forquilha uma capela dedicada à N. S. da


Penha de França. A primeira missa foi celebrada a 21 de fevereiro
pelo padre Jerónimo Botêllio.

1722
Em data de 6 de janeiro houve a n São Paulo, por ordem do
capitão-general, uma junta para tratar-se de abertura de um caminho
por terra para as minas de Cuiabá. Ficou resolvido que o dito
caminho íôsse alierto por conta da Fazenda Real, e tivesse começo
logo depois da Pascoa (3 ).
Chegou a expedição ou monção de São Paulo, pela navegação
fluvial, mas com excessivo destroço ; pereceu rnwta gente de fome,
peste, e também devorada pelas onças.
Em um dia de outubro, Miguel Sútil, sorocabano. acompanhado
de uin seu camarada europeu, alcunhado o Barbado, guiado por
índios descobriram o lugar onde atualmente existe a cidade de Cuiabá,
e pela tarde voltaram aos seus ranchos — o primeiro com meia
arroba de ouro, e outro com duzentas oitavas. Tratou togo de

(2) Rodrigo César dc Menezes, irmão do vice-rei do Brasil, Vasco Fer­


nandes, conde dc Sabugosa. tomou posse do cargo de capitão general dc São
Paulo, capitania desmembrada de Minas Gerais, a 5 de setembro de 1721.
(3) O caminho por terra, entre São Paulo c Cuiabá, foi empreendido por
Gabriel Antunes Maciel, que não tardou etn desistir, sendo substituído por
Bartolomeu Pais de Abreu.
A propósito transcreve A. de Taunay cm O.r primeiros onos de Cuiabá
e Maio Grosso, informações extraídas da Nobiliarquia :
“ Saiu de São Paulo para o sertão de Cuiabá, cm 1721, c tendo chegado,
cem picada, à altura do rio Grande (Paraná), deixando três feitorias de
plantas dc milho", feijão c outros legumes c cm uma delas 250 bois para se
sustentar a tropa, voltou a São Paulo com a noticia de ter chegado Rodrigo
Cenar dc Menezes, governador capitão general dc São Paulo” que lhe con­
trariou a pretensão. E assim baldou essa primeira tentativa de ligar as lavras
cuiabanas a Piratininga por via terrestre.
— 216 —

mudar-se para êsse lugar tôda a gente da Forquilha. Avaba-se em


quatrocentas arrobas o ouro que se tirou ali em um mês (4 ).
O capitão-mor Jacinto Barbosa Lopes levantou a igreja Matriz,
dedicada ao Senhor Bom Jesus.

1723

Em resposta à comunicação de que fôra portador Gabriel


Antunes, chegou ao guarda-mor uma carta do capitão-general man­
dando providência sôbre a capitação e entradas. Sôbre a forma de
governo prescrevia que o guarda-mor elegesse doze deputados e
formasse um como Senado para o regimento ordinário.
Houve uma grande miséria por terem praguejado os milhais.
Não estava introduzido nem siquer entre os viajantes, o uso de
pescar ; por acaso, algum que o faria, vendia um dourado por
quatro ou cinco oitavas. Chegou-se a comprar um jaú por uma
quarta de ouro, que deu o dõbro a quem o retalhou em postas.
O guarda-mor arrecadou or quintos reais, que se pagavam por
capitação. Tôda a pessoa que minorava ou trabalhava por qualquer
oficio, fosse branco, indio, ou negro, pagava duas e meia oitavas.
Foram remetidos para São Paulo os ditos quintos, que não
passaram de quatro arrobas.
Em 26 de junho o capitão-general deu ao mestre de campo
João Leme da Silva um regimento para o governo das Minas de
Cuiabá.
1724

Correu éste ano com as misérias do ano passado, por falta de


mantimentos e por muitas doenças de febres malignas e maleitas.
Chegaram de São Paulo diversas monções com muito trabalho
e miséria. Vieram o tenente-coronel João Antunes Maciel, provido
cm superintendente geral das minas, c Fernando Dias Falcão, para
capitão-mor-regente. Vieram também alguns eclesiásticos.
Em março féz-se junta para regular o pagamento de capitação c
assentada, seis oitavas ; carga de sêco, ou molhado, duas oitavas,
batea três oitavas ; cada venda, ou loja, onze oitavas, assim como
oficial de qualquer oficio ; os traficantes, que não tivessem loja
assentada, seis oitavas; carga de sêco, ou molhado, duas oitavas,
e da entrada de cada negro pela primeira vez duas oitavas.

(4) Outras versões não limitam a colheita ao prazo de um més de


trabalho, mas a pequena área, cm quadra próxima ao “ Tanque do Ernesto”.
— 217 —

Em julho remeteram-se para São Paulo 3.805 oitavas. Em


setembro ficou pagando — cada escravo quatro oitavas ; carga de
séco oito, e a de molhado cinco oitavas.
Levantou-se a capela do N. da Conceição, junto da qual
formou-se um poderoso arraial pelas ricas lavras que ali se desco­
briram.
1725

Unta expedição que se supõe composta de 20 canoas e mais de


600 pessoas, vinda de São Paulo, foi destroçada no r ó Paraguai,
junto ã boca dos Chañes, pelo gentio Paiaguá, escapando apenas um
branco e um préto (5 ).
Não chegou neste ano fazenda alguma, sèca ou molhada, e em
consequência deu-se por um frasco de sal até quarenta oitavas. Para
se batisar um inocente andavam à procura de quem tinha uma pedra
de sal, e por falta dela deixaram de batisar alguns.
Principiou-se a navegar o rio Pardo acima até o Sanguesttga,
varar as canoas em Camapuan. e descer com elas ao Coxim. Depois
que se largara o caminho da Vacaria deixavam, os que vinham de
São Paulo, as canoas na cachoeira do Jauru e caminhavam com as
fazendas às costas até Coxim. O s primeiros que cometeram essa
empresa — de subirem com as canoas e vará-las em Camapuan —
foram os irmãos João Leme e I.ourcnço Leme (6 ).
Neste ano plantou-se a primeira roça em Camapuan.
Pagaram-se — por batea, 6 oitavas ; por oficio, 14 ; por
venda ou loja, 32 oitavas.
A remessa para -São Paulo alcançou a 8.953 oitavas.

1726

Em junho partiu para São Paulo uma expedição que foi acome­
tida no rio Paraguai pelo gentio Paiaguá ; distinguiram-se na ação
os dois ¡titanos Miguel Antunes Maciel c Antônio Antunes Lôbo.

(5) Foi a primeira fulminante ofensiva dos paiaguais, capoeiros Itahilissi-


mos, contra as monções, com o fim de impedir a comunicação de Cuiabá com
São Paulo.
(6) Os Lemes fundaram, para auxilio dos viajantes, a fazenda de Cama-
puã, no divisor de águas de Paraná e Paraguai, sequestrada, no decorrer da
perseguição que lhes moveu Rodrigo César, até conseguir exterminá-los
cruelmente.
— 2IS —

Remeteram-se para São Paulo 16.727 oitavas de ouro, inclusive


5.665 oitavas de Registro.
A 15 de novembro chegou ao arraial de Cuiabá o capitão-general
Rodrigo César de Menezes, que veio acompanhado do Dr. Antônio
Alvares Lanhas Peixoto, ouvidor de Paranaguá, e do padre Lowenço
de Toledo Taques, nomeado para os empregos de visitador, vigário
da Vara e pároco da Freguesia, provido pelo bispo do Rio de Janeiro.
A expedição compunha-se de 300 canoas, com cêrca de 3.000 pessoas,
entre brancos e negros, tendo-se perdido algumas canoas c morrido
muita gente afogada durante os quatro meses da viagem.

1727
No dia 1 de janeiro celebrou-se o auto de criação da Vila Real
do Senhor Bom Jesus de Cuiabá.
"Deu-se-lhe por armas um escudo dentro com campo verde e
um morro ou monte no meio, tudo salpicado com folhetas e granetes
de ouro, e por timbre, encima do escudo, uma Fénix”.
Pagava-se no Registro por cavalgadura em pêlo três oitavas,;
casa de truque de taco 128 oitavas ; cada forno 28 ; cada oficial
28 ; as lojas e vendas 50 oitavas, e sendo de sécos e molhados 64.
Havia nesse ano duas casas dc truque, onze fomos c 2.607
escravos. Tudo rendia para a Fazenda Real 35.210 oitavas, que
foram remetidos em março para São Paulo (7 ).
Expediram-se trés bandeiras para fazerem novas descobertas c
conquistarem gentios.
O vigário Lourenço de Toledo Taques prendeu e excomungou
ao seu antecessor Manuel Teixeira Rabelo ; éste agravou para o
juiz do Feito da Corôa, — Dr. Lanhas Peixoto, que o mandou soltar,
ao que seguiu-se ser também excomungado pelo vigário. Entre o
capitão-general e o ouvidor havia também manifesta discórdia, e os,
males que resultaram de aí. os pesados tributos e o rigor com que
os cobravam, desgostavam o povo — dando em resultado que muitos
habitantes fugiram para São Paulo, outros foram para as minas de
Goiás, e outros finalmente internaram-se pelos sertões em busca dos
gentios Perecis c Bororos, para reduzi-los ao cativeiro.
Por Bando dc 13 de dezembro proibiu o capitão-general que se
vendessem indios.

(7) A presença do capitão general em Cuiabá elevou a taxação adotada


cm 1724, de 11 para 50 oitavas, em cada venda ou loja, e de 11 para 28 oitavas,
quando se tratasse dc algum oficio, e o mais na mesma proporção.
— 219 —

1728

Em 6 de janeiro fêz-se junta em que se assentou que para os


Reais Quintos, pagasse cada b atea 7 oitavas, e tudo mais como no
ano anterior.
Em 29 de fevereiro pttblicou-se un» Bando proibindo o exercicio
de ourives, e mandando fechar as tendas. Em março remeteram-se
para São Paulo 14.263 oitavas de direitos de entradas.
O licenciado Barbosa de Sá, que primeiro escreveu os “ Anais
de Cuiabá”, refere os dois seguintes fatos milagrosos :
1.° No dia de quinta-feira, maior, o S. S. Sacramento em
Custodia achando-se sobre unta tanqueta de madeira, sem que ninguém
a ela se chegasse, foi visto virar-se para o lado da Epístola, c pare­
cendo aos circunstantes que algum descuido ou imperfeição no a;sento
pudesse ocasionar o que presenciavam, foi o sacerdote endireitar a
Custódia e examinar o lugar : mas, não obstante o cuidarlo, cautela
e rircunspeção com que procedeu, foi preciso repetir o mesmo exame
à face do povo, até que ficou a Custódia imóvel.
“ Demonstração diz o autor dos Anais, que fêz Deus Nosso
Senhor de que não era servido que se despovoasse estas Minas".
2. ° Havendo-se remetido para São Paulo e dali para Lisboa
sete arrobas de ouro, produto dos Quitos, os quatro cuillietes em
que ia esta porção, acharam-se, quando se abriram em Lisboa, cheios
de chumbo em grão.
Procedeu-se à mais severa devassa, e não se acharam protas de
roubo. “ Assim, diz o narrador, quiz Deus mostrar que não lhe
agradavam os pesados tributos que se impunham ao novo estabeleci­
mento" (8 ),

(8) O caso <la substituição do ouro cuiabano por chumbo de igual peso
foi minuciosamente explanado por A . de Taunay em Os primeiros unes dc
Cuiabá e Maio Grosso.
A explicação apresentada por Barbosa de Sã valia como lítalo contra
a extorsão fiscal a que se achavam sujeitos os moradores de Cuiabá, Os
fatos, porém, passaram-se de maneira menos misteriosa.
Os cintílete* lacrados, com 18.065 oitavas de ouro, foram ectregues, em
São Paulo, ao provedor dos Quintos, Sebastião Fernandes do Rego que
tinha chave do cofre cm que se guardavam os cunhos. Foi-lhe fácil substi­
tuir o ouro por chumbo dc igual peso, e de novo lacrar o fecho, que tomou
o mesmo aspecto primitivo.
Quando «e evitación a escamoteação, perante Dom João V. que se ro­
deara de ministros e fidalgos para festivamente mostrar o agrado com
que recebia as primicias do ouro euiabano, a indignação do rei manifestou-se
por atos inequívocos.
Ciente da decisão da metrópole cm castigar o criminoso. Antônio
Caldeira da Silva Pimentel, governador de São Paulo, a quem se atribuía cum-
— 220 —

Pela primeira vez, nestas minas, houve execução de pena capital,


enforcando-se um escravo que matara a seu senhor. Recusando-se
o ouvidor Lanhas a mandar fazer a execução, por não se julgar
autorizado para isso, exigiu o general que se fizesse deixação do
lugar, em que foi substituido pelo mestre de campo João Lemc da
Silva, jwz ordinario mais velho (9 ).
Por nova eleição passou esta jurisdição ao Dr. Diogo de Lara
Morais, e depois (em 4 de abril) foi extinta por ordem do general.
Em abril procedeu-se i primeira lotação dos oficiais de Justiça
e de Fazenda.
Em junho, ao retirar-se para São Paulo, o capitâo-general
Rodrigo César de Menezes deu um Regimento aos Oficiais do Senado
da Câmara, a quem incumbiu do governo destas minas.
Fêz-se constar por Bando que, em virtude da Ordem de 3 de
junho de 1723, todo aquele que fizesse descoberta seria guarda-mor
delas e teria um hábito das Ordens militares com tença de SOSOOO
réis.
P or esta época vendia-se o frasco de aguardente por 5 e 6
oitavas, donde nasceu o imposto de uma oitava por frasqueira.
Vindo do sertão dos Parecis uma porção de bandeirante:’* c
descendo o rio Paraguai embarcados em canoas com muito gentio que
daquela nação traziam, foram destroçados pelos Paiaguás, que
mataram parte deles c levaram os demais cativos. Ninguém escapou,
e só no fim de dois anos se soube do sucesso por um dos últimos,
que pôde fugir.
Pelo Fm do ano moveram grandes disputas entre Ós individuos
que pretendiam sair no pelouro para oficiais da C ânnta no ano
seguinte. Vendo os camaristas que com a publicação do pelouro,
que era o último, havería certamente mortes e pancadas, meteram o
pelouro no fõgo e o reduziram a cinzas.
Socegou o rum or dos pretendentes com o tomarem os cama­
ristas a culpa sõhre si. temeridade notável, mas obrada com bons
intuitos, pela qual sairam depois culpados na devassa que se úrou.

plicidade no ousado assalto ao Erário Real, esforçou-se por aíastar dc si qual­


quer suspeita, mediante prisão do seu sócio, mantido incomunicável.
O astuto causador da perseguição aos Lemes, de cujos haveres se apossou
em grande parte, conseguiu livrar-se da condenação, que ll>e pesaria mais
tarde, se ainda o encontrasse com vida a ordem de renovação do processo,
baseada em documentos que o historiador A. de Taunay arrolou em sua
excelente monografia : Os primeiros anos de Cuiabá c Mata Grosso.

(9) A propósito houve troca dc ofícios ásperos entre o então general


às vésperas de deixar Cuiabá c 0 ouvidor dc Paranaguá, que teimou cm não o
acompanhar dc regresso.
Ulis puseram-sc cm livramento, outros seguindo viagem para São
Paulo deram-se por livres.
A s minas neste ano foram em notória decadência.

1729

O sargento mor Antônio de Sousa Basto declarou à Câmara,


cm vereança de 12 de janeiro, na qualidade de segundo juiz, que tta
público na vila que muitos moradores dela estavam com a resolução
de irem para a cidade de São Lourenço (Santa Cruz de la Sierra),
dos domínios de Espanha (10).
Assentaram então que fôsse impedida essa viag-m c que se pren­
dessem os que fossem apanhados nela sem guia, na forma das ordens
ertabelecidas, assim como que se mandasse lançar um Bando comi­
nando pena de prisão e confiscaçâo de bens, aos qu; saíssem sem
passaporte.
Saiu uma expedição com o intuito de fazer uma povoação no rio
Coxim c explorar as minas dessa paragem. Fcti ela derrotada pelos
Paiaguás, e os que escaparam foram presos c tiveram os bens seques­
trados pelo juiz de Fora, sob o pretexto de que iam fugida- pr.ra
a Espanha.
O utra expedição desceu o rio Pardo, e subindo pelo Paraná,
Paranaiba e Corumbá, foram os que dela faziam partes estabelecer-se
nas minas dc Goiás.
Em uma monção de São Paulo veio para vigário da Vara, enviado
pelo bispo do Rio de Janeiro, o padre Antônio Dutra de Quadros,
que prendeu — logo que chegou — o seu antecessor, o padre Lourenço
de Toledo Taques, como éste fizera ao padre Manuel Teixeira
Rabelo. O préso fugiu da prisão e o padre Dutra ficou fulminando
excomunhão contra os que dessem favor, conselho ou ajuda ao
padre Toledo ; tudo isso, porém, ficou no mesmo pé, sem nenhum
resultado (11).
Por mandado do Senadc da Câmara c principais pessoas da vila
foi uma expedição buscar a imagem do Senhor Bom Jesus, que re
achava em Camapuan. Diz-se que esta imagem, de madeira, feita em

(10) O plano, referido pelo cronista, de mudança pura terras de Espanha,


súmente podería patentear descontentamento dos habitantes de Cuiabá, que
preteriam tentar nova vida ainda que sob o jugo estranho.
Náo consta, porém, que tivessem levado avante o seu proje'o.
(11) Embora Barbosa dc Sá timbrasse cm proclamar os seus sentimento»
de católico, apontou as rixas entre os religiosos, sem lhes encobrir a incor­
reção do procedimento.
Sorocaba, fóra parar â ilha <lo Manuel Homem, no rio Paraná, e
que resistira por seu pêso aos esforços dos que pretenderam voltar
com ela para São Paulo, deixando-se, entretanto, fácilmente trans­
portar com destino a Cuiabá (Anais do Senado da Câmara de
Cuiabá).
Houve carestía de todo o gênero. Chegaram a vender algumas
camisas, de lençóis que se desfaziam, a doze oitavas. Sal não
havia, nem para batisar.

1730

Em 5 de janeiro publicou-se em São Paulo um Bando do


capitão-gencral Antônio da Silva Caldeira Pimentel estendendo aos
mineiros o privilégio de que gozavam os senhores de engenho,
quanto a não serem executados por dividas, mas sim obrigados a
entregar aos credores, por ordem do juiz, o ouro tirado.
Em junho partiu de Cuiabá para São Paulo uma numerosa expe­
dição levando 60 arrobas de ouro pertencentes a particulares, e na
qual ia o Dr. ouvidor Antônio Alvares Lanltas Peixoto. Foram
atacados no rio Paraguai (outros dizem no rio Cuiabá) pelo gentio
Paiaguá, c depois de renhida peleja, que durou desde as nove horas
da manhã até as duas da tarde, ficaram os expedicionários comple­
tamente derrotados, perecendo perto de quatrocentos cristãos e esca­
pando somente oito, que por terra se ccultaram em um reduto. O
ü r . Lanhas obrou prodígios de valor e vendeu cara a vida.
Distingivram-se também por excessiva bravura o cabe da expe­
dição Inácio Pinto Monteiro, paulista, e Miguel Pedro da Silva.
Constava a frota do gentio de oitenta canoar, com mais de 500
homens, dos quais 50 morreram na peleja (1 2 ).
Eogo depois desta expedição partira do ixirto de Cuiabá outro
troço de canoas, cm que ia por cabo João de Araújo Cabral, com
três canoas, bastante gente, que levava o ouro dos Reais Quintos ;
e mais atrás Felipe de Campos Bicudo e tu a comitiva em outras
tantas canoas. Chegados uns e outros ao lugar da peleja viram
gente no barranco do rio, c eram os que tinham escapado.
Incorporados todos, elegeram cabo a João de Araújo Cabral
para continuarem a viagem.
Temendo que o gentio adiante os esperasse ,ali pararam e escre­
veram ao Senado da Câmara pedindo que se lhes mandaste socorro

(12) A derrota fragorosa da monção dc Lanhas Peixoto demonstrou o


perigo que havia para os viajantes na travessia dos pantanais policiados pelos
paiaguá s, que pretendiam estrangular a via fluvial dc navegação, estendida
dc Aratitagtiaha a Cuiabá, por mais de quinhentas léguas.
— 223 —

com que pudessem prosseguir a jomada. Não havendo pólvora na


terra, os moradores da vila aprontaram á sua custa (no que despen­
deram mais de unia arroba de ouro) dezenove canoas armadas em
guerra, para vingar o insulto feito pelos Paiaguás. tendo rido cabo
dessa expedição — que se denominou dos Emboabas — o coronel
Tome Ferreira de Morais Sarmento.
Saiu Tomé Ferreira a 4 de setembro e voltou passados quatro
meses, sem haver encontrado o gentio, nem chegado aos seus limiter.
Em 21 de julho publicou-se em São Paulo um Bando proibindo
que se tirassem indios dos sertões dos Parecis, e ordenando que a
gente de Cuiabá que fósse para São Paulo viajasse junta em uma
tropa, ou monção, que havia anualmente.
Em uma monção que chegou a Cuiabá no fim do ano chegou o
ouvidor Dr. José Burgos Vih-Lohos.
O brigadeiro Antônio de Almeida Lara mandou buscar nas
margens do rio São Lourenço, canas de açúcar que lhe haviam sido
noticiadas por tins sertanistas, e delas féz plantações, que prosperou.

1731

Chegaram os Paiaguás ao Arraial Velho, onde acharam glande


|>orção de gente nossa que ali estava fazendo jtescarias : mataram
muitos c levaram outros cativos.
Em consequência de u n n carta do capitão-gencral dirigida ao
Senado da Câmara de Cuialtá, datada de 26 de julho de 173G.
dizendo que ent virtude da Régia Provisão tie 15 de dezembro de
1728 tinha sido decidido em Junta, na vila de Santos, que se fizesse
guerra cóntra aquele gentio, ficando escravos os que fôsrem aprisio­
nados. aprontou-se uma expedição para bater o mesmo gentio.
Com relação aos Parecis repetidas ordens de sua majestade
proibiam que fossem tirados das suas terras.
Saiu a armada no mês de abril, ao mando do brigadeiro Antônio
de Almeida I a r a ; compunha-se de 30 canoas de guerra e 50 de
bagagens, e levava 400 homens (brancos, pardos e pretos), duas peças
de artilharia dois pedreiros. Desceu até as campanhas onde habitava
o gentio Guaicurús abaixo da liocaina do Paraguai. Ai se lhes saiu,
cm uma manhã, o Paiaguá em grande chusma de canoas, que se
lhes não pôde fazer número, e o Guaicurú por terra com exército tie
cavalaria formado, desafiando uns e outros aos nossos com acenos
e algazarras.
Disparam-se as duas peças a um tempo, com bala miúda, sobre
o troço dos Paiaguás ; provàvclmente produziram grande morti-
224 __

cínio, por isso que amainaram c desceram pelo rio abaixo. Se­
guindo os nossos foram acostar-se à aldeia dos Tabatingas, cue se
achavam à margem esquerda do Paraguai.
Não quiz o brigadeiro ofender a estes e voltou para cima até ao
distrito dos Gttaieurús, e mandando convidá-los a que viessem fazer
amizade e negócio, chegaram alguns, que entraram em paz. Tendo-
os seguros, o brigadeiro prendeu a um déles, que trouxe consigo,
e aos demais mandou cortar as mãos e orelhas, dizendo-lhes que
fossem mostrar aos seus caciques, e aos Paiaguás, seus amigos.
Feito isto, voltou a expedição. O Guaicunt que veio era filho de
um cacique.
Foi muito bem instruido na religião cotõlica e batizado com o
nome de Tomé. Voltou depo's para os seus, não sem alguma repug­
nância. Persuadiu-sc a nossa gente qué este índio vierse a servir de
Apóstolo da sua nação, porém assim não sucedeu. Apesar disso,
entretanto, cm tôdas âs ocasiões que os cuiabanos tiveram de lalar
ou negociar com aquela nação, foi sempre Tomé fiel para conosco,
avisando-nos de algumas traições dos seus.
Em principio do ano foi empossado do lugar de superinten­
dente dos Qumtos. Entradas e mais Direitos da Fazenda Kcal, nome
em que foi mudado o de provedor, o coronel Tomé Ferreira de
Moraes Sarmento, que, pouco depois, retirou-se para iora da vila e
dai para São Paulo, perseguido pelas violências do ouvidor Vila
Lobos. Neste mesmo ano entrara também o brigadeiro Lara a ser
regente da Vila e guarda mor das terras minerais.
Veio ordem para se fazer arrecadar os dizimos da nova vila
desde 1728 e 1731, para os quais não tinha havido contratador.
Enquanto aos anos anteriores houve contratadores, a cujo beneficio
se lançou um Bando cm 1727. Foi esta a primeira providência sõbre
os Dizimos Reías.
Neste ano chegaram a esta Vila, vindos dos sertões dos Pãrecis,
Fernando Paes de Barros, rcu irmão, A rtur Paes de Barros e seus
sobrinhos João M artins Claro c João Pinheiro, todos naturais de
Sorocaba ; apresentaram um cruzado de ouro de amostra das minas
de Mato Grosso (13).
Fizeram-se em Cuiabá mtvtas plantações de cana e com o uso
de aguardente (da qual o frasco vendia-se a principio por dez oitavas)
foram diminuindo as febres c a mortandade dos escravos.

(13) Esta passagem do cronista, repelida por Levergcr. destoa do que


sucedeu em 1734,. quando os irmãos Fernando e Artur Paes de Barros real­
mente descobriram ouro no vale do rio Galera, como, aliás, registrou o "Anal
de Vila Bela".
— 225

Tal estrago fizeram os ratos nas roças e ñas casas, que o pri­
meiro casal de gatos vindo ter a Cuiabá foi comprado por uma libra
de ouro, c a sua descendência vendeu-se a 20 e 30 oitavas.

1732

As minas tie Cuiabá iam cm visível decadência, segundo uma


extensa petição dirigida ao provedor pelo eapitão-mor Luis Vilares
e outros. Na dita petição referem em consequência dos estragos
que havia feito o gentio e pela notoria falta de ouro nas faisqueiras.
carência de gêneros de consumo e de viveres. Dizem que chegara
a se vender o prato de sal por 10 oitavas, camisa de linho por 12 e a
libra de pólvora também por doze oitavas, e nos anos anteriores o
milito foi vendido a razão de 12 oitavas e o feijão 24 a 30.
Esse Estado de coisas deu motivo a grande debate em utm reu­
nião da Cântara, Nobreza e Povo efetuada a 23 de março.
Por êsse tempo e por causa da miséria entranharam-se os bandei­
rantes pelos sertões dos Parecis para, a pretexto de descobrirem
novas minas, cativarem o gentio.
Segundo os Anais de Cuiabá parece que neste ano fornnt tri­
lhados os sertões de Mato Grosso pela primeira vez, sendo que êsse
nome provavelmente se origina da grande mata cm que correm os.
rios Jauru e Guaporé. e que depois aplicou-se à cidade ali edificada
e finalmente a tõda à capitania (1 4 ).
Retirou-se o vigário Antônio Dutra, deixando em seu lugar o
padre André dos Santos Queiroz.

1733

Uma expedição vinda de São Paulo, capitaneada por José Car­


doso Pimentel e composta de cérea de cinquenta pessoas, foi nas
imediações do Carandá destroçada pelos Paiaguás.

1734

Sairam de Cuiabá Fernando Paes ríe Barros e seu irmão Arthur


Paes de Barros, naturais de Sorocaba, à conquista do gentio Parecis,
que já se achava quasi extinto nas vastas campinas de seus sertões.

(14) Leverger poderá suprimir o advérbio "provavelmente", para mais


rrentuar a realidade. Sem dúvida, foi a mata, entre o Jauru e o Guaporé,
que deu nome ao distrito c ã Capitania- A cidade, primitivamente denominada
V ila Bela da Santíssima Trindade, só mais tarde foi designada por Mato
Grosso.
— 226 —

Viajando mais para o Poente, arrancharani-se junto ao rio Galera,


onde acharam três quartos de curo . (15).
Fernando Paes deu disto conhecimento ao regente guarda mor a
quem pediu ferramenta e pólvora, aguardando resporta na margem
do rio Paraguai a finí de penetrar e examinar o sertão.
Chegou de São Paulo — em março — o tenente de mestre de
campo general Manuel Reis de Carvalho, enviado pelo novo capitão
general. Doro Antonio Luis de Távora. para dar execução à Provisão
de 6 de março de 1732. pela qual mandara sua majestade fazer guerra
aos Paiaguás e seus confederados, e que se lhes queimassem e destruis-
rem as aldeias, ficando cativos os prisioneiros, que se repartiríam pelas
pessoas que entrassem na dita guerra, pagando o quinto.
A expedição ficou composta de 28 canoas de guerra. 80 de
bagagens e 3 balsas, que eram casas portáteis sobre canoas, e 842
homens entre brancos, pardos e pretos. Foi repartida a milicia cm
três regimentos, de que foram coronéis Felipe de Campos Bicudo.
Antonio Antunes Maciel e Antonio Pires de Campos. A expedição
saiu de Cubaba a 1 de agosto, encontrando-se com os indios em urna
ilha do rio Paraguai, bate-os e fcz-lhes 266 prisioneiros, matando
cérea de 600 e ficando muitos ainda espalhados, que não perse­
guiram.
1735

Foi mandado para Mato Grosso, pelo regente, o sargcnlo-mor


Antônio Fernandes de Abreu, e com êle — ainda que sem o socorro
pedido — Fernando Paes, que levou seu irmão Artur, então arranchado
no rio Macabãrá.
Descobriram nas vizinhanças déste rio um ribeirão ao qual deram
o nome de Santana : aV acharam três oitavas de ouro, e com êste
feliz anúncio regressou o sargento mor a Cuiabá, ainda no mesmo
ano. Foi tal o alvoroço dos povos com essa noticia, que todos
quizcram ir para o descoberto.
O regente, não só por ponto de policia, como também por bene­
ficio da Fazenda Real (cujo provedor lhe representou o muito que
se devia), ordenou que. até maiores indagações, ninguém saísse de
Mato Grosso. Consta, entretanto, que no mesmo ano arrancharam-se
ali o padre Manuel Leite, Francisco Xavier Sales. João Pereira da
Cruz e outros.

(1 5 ) E sta versão da descoberta de o u ro ito riq Galera í c on firm a da m


“ A n a l de V ila Bela*’, de que L c v c rg e r teve conhecimento, pelo qtie se deduz
dos seus escritos.
— 227 —

Na monção de São Paulo veio o Dr. ouvidor João Gonçalves


Pcrc'ra, que tomou posse a 29 de dezembro.

1736

A monção vinda de São Paulo, tendo por calxi Pedro Morais de


Siqueira, íoi atacada no dia 19 de março pelos índios Paiaguás.
Pelejou Morais como valente capitão, auxiliado pelo frei Antônio
Nascentes, religioso franciscano, alcunhado o Tigre. Depois de
porfiada resistência sucumbiram, e o gentio apoderou-se das canoas
dispersas pelas águas com bastante gente, que cativou.
Juntos em um corpo. T.ourenço Soares de Brito. Francisco
Xavier de Matos e seu filho, com cinco escravos e muitos camaradas
deram sôbre os indios : mataram muitos c retiniram as canoas já
prisioneiras, exceção tie duas que carregavam fazendas. Nessa peleja
mereceu especial menção Manuel Rirz do Prado, mulato fusco,
natural de Pindamonhangaba, a quem chamavam Mandu-açu.
Este mulato vinha como piloto de uma dar. canoas, com sua
mulher ao lado : cercado jxtlos indios, entrou aos tiro.; com cies
— carregando-lhe a mulher as armas, e com tanto esforço, valor e
presteza se portou que atemorisou os índios e os obrigou a retirada.
Voltou de Mato Grosso a Cuiabá Francisco Xavier Sales, com
oito oitavas de ouro tirado do ribeirão do Bramado e cinco do
ribeirão da Conceição.
A 3 de maio partiram com Sales o regente e gnarda-mor, além
de outras pessoas e mulheres, descobrindo-se então o caminho por
terra de Cuiabá ao Paraguai (1 6 ). O ribeirão do Bramado deu-se
por faisqueira, do Paraguai repartiu-se.
U m a expedição promovida pelo ouvidor c |X.da Câmara de Cuiabá
empreendeu a abertura de um caminho por terra para Goias, tendo
sido cabo dela Antôrvo de Pinho e Azevedo.
Tendo-se neste ano extinguido as casas de fundição e suscitado
a capitação e censo das indústrias pelo decreto de 22 de março de
1734, estabeleceu-sc o mesmo que se praticava em Minas. Cada
escravo pagava 4 3/4 oitavas, assim como as pessoas livres que
tiravam o ouro por suas mãos e os oficiais de qualquer indústria. As
lojas grandes pagavam 24 oitavas, as medianas 16 c as pequenas,
incluidas as boticas e cortes de carne, 8 oitavas. Este imposto
rendeu no primeiro ano 11.905 1/2 oitavas.

(16) A viagem fazia-se por água. Do Cuiabá ao Paraguai de dorida, e


pelo Jauru de subida, até o ponto em que ali principiava o caminlw terrestre, para
travessia do divisor de águas.
— 228

1737

Em fevereiro remeteu o regente 1.300 oitavas dos quintos c


dízimos de Mato Grosso.
Foi reconhecido o Rio Guaporé. viajando-se pelo Sararc, que
nele faz barra.
Em setembro voltou a expedição que fóra abrir caminho para
Goiás, para a qual o povo havia concorrido com 3.000 oitavas.
Sairam para Mato Grosso o Dr. ouvidor e o intendente de
Cuiabá ; tocaram prime'ramente no Jauru, onde já existiam mora­
dores, sendo a comitiva daqueles dois funcionários composta tie 50
canoas e 1.500 pessoas.
Partiu para São Paulo uma expedição levando 80 arro tas de
ouro tirado de Mato Grosso. Rendeu a capitação 11.825 1/4
oitavas. Faleceu em Trairás, nas minas de Goiás, o capitão general
conde de Sarzedas ; sucedeu-lhe o governador do Rio <te Janeiro.
Gomes Freire de Andrade (17).

1738
Chegou de São Paulo uma grande monção, c nela o intendente
c provedor Dr. Manuel Roiz Torres, que praticou muitos excessos
na arrecadação da Fazenda Real, tanto nestas minas, como nas de
Mato Grosso.
1739

Com a expedição de São Paulo veio ordem do capitão general


Dom Luís de Assis Mascarenhas. para que o ouvidor procedeste
contra o .intendente Manuel Roiz Torres, por queixas e más infor­
mações que a seu respeito haviam sido dirigidas ao general.
Nas contas que se lhe tomaram achou-se falta de meia arroba
de ouro. O ouvidor não quis admitir reposição, e prendeu o inten­
dente e os seus oficiais e fez-lhes todo o mal que pôde. Êste proce­
dimento do ouvidor foi no ano seguinte estranhado pelo capitão
general.
Descobriu-se o rio Alegre, que entra na margem esquerda do
Guaporé. um pouco acima da atual cidade de Mato Grosso.
Apareceram as primeiras notícias de que no Corumbiara havia
ouro.
Rendeu a capitação 14.894 1/2 oitavas.

(17) Sarzedas faleceu a 28 de setembro de 1737, quado viajava para


instalar V ila Boa no primeiro núcleo de povoamento de Goiás.
— 229 —

1740

A monção que vinha de São Paulo íoi atacada no mes de janeiro


pelos Paiaguás, que levaram quatro canoas carregadmi de fazendas e
escravos. Houve-se neste conflito como esforçado soldado o ituano
Jerónimo Gonçalves Meira, que reuniu duas das canoas aprisionadas,
matou muita gente, e defendeu a mais ; conservou e trouxe a
Cuiabá lanças, arcos e flexas do inimigo, em sinal da sua vitória.
Por diligências do vigário João Caetano Leite, e contribuindo
cada pessoa com a esmola de doze vinténs, foi levantada a Igreja
Matriz do Senhor Bom Jesus, que agora existe e que antes era de
pau a pique e colierta de palha.
Pelos índios Bororos do rio-a cima tiveram em Cuialiá notícia
de que nas cabeceiras do rio Cuiabá achavam-se alguns padres caste­
lhanos, os quais se ocupavam cm aldear o gentio, tendo cm começo
feitorias. Convocou o ouvidor uma junta de todo o povo, c ficou
assentado que os mesmos Bororos deveríam voltar e destruir tais
feitorias, arrazando-as ; c assim foi executado (18).
Resolveu-se também mandar um calm capaz |>ara fazer amizade
com os Guaicurús para, por este meio, serem destruídos os Paiaguás.
Finalmente assentou-se de enviar homens práticos e investigar a s
povoações castelhanas mais vizinhas, para com elas tratar amizade
e fazer com que não dessem favor aos Paiaguás. como se dizia.
Partiu para este fim Antônio Pinheiro de Faria, com ¡vístante
gente ; passou o Paraguai ; seguiu viagem por caminhos já trilha­
dos e chegou á aldeia de São Rafael de Chiquitos. Ali achou três
padres da Companhia, pelos quais foram os portugueses r.-cebidos
com grandes obséquios ; éstes ofereceram seus presentes e voltaram
com ofertas dc vacas e cavalos (1 9 ).
Sabido isto peles de Mato Grosso foram logo muitos a levar os
seus presentes ; mas não consentiram os castelhanos, que tivessem
entrada na povoação dizendo-lhes que, se voltassem de novo, seriam
expulsos com violência, e assim finalizou-se a amizade.
Essa expedição foi severamente exprobrada ao ouvidor |>elo
capitão general, em carta datada de Vila Boa de Goiás em 7 de-
novembro. Foi também a mesma expedição reprovada pelo Governo
dc Lisboa.

(18) liste episódio, da entrada de missionários espanhóis até as cabeceiras


do rio Cuiabá, merece exame cuidadoso.
(19) Seria interessante o relatório de Antônio Pinheiro dc Faria, para
o estudo das relações com erciai entre os pioneiros fronteiriços.
— 230 —

Quanto i expedição para os Guaicurús, saiu capitaneada por


Antonio João de Medeiros, com bastante fazenda para brindar os
ditos índios e fazer negocio a troco de cavalos, que ter.a de conduzi-los
pela Vacaria. Chegou a expedição ás térras dos Guaicurús e mando't-
se-Ihes recado por tun lingua da sua nação, vieram muitos com cavalos
e alguns canteiros a uma campina á margem do rio, tendo a nossa
gente se aquartelado em uma illia fronteira.
Mandou o capitão Medeiros convidar o cacique para vir no
acampamento, ao que este respondeu que fõsieni os brancos até o
local em que achava a sua gente. Assim reabriu-se. indo o capitão
com alguns brancos ; presenteavam ao cacique e aos mais com panos
de várias côres, ferramentas, etc. e cm retribuição receberam alguns
carneiros e promessa de que lhes dariam quantos cavalos quizessem
e pudessem conduzir. Ofereceram-se os Guaicurús a fazer guerra
aos Paiaguás.
Plantou-se ali uma cruz e aclainou-se em altas vozes : Viva
el-rei de Portugal, e com cita cerimônia findou-se o dia. No dia
segúrate saltou logo em terra a soldadesca portuguesa, sem prevenção
alguma, a tratar negócios, misturados com os indios, ficando na ilha
o cabo com parte dos companheiros. Seriam 10 horas do dia quando
o gentio, com porretes e lanças, que os tinha prontos, entrou a matar
os nossos, não escapando nenhum. Os da ilha, vendo o conflito,
embocaram-lhes uma peça de artilharia carregada com hala miúda,
deu-lhes fõgo.
O gentio desapareceu logo, fugindo, c a nossa gente saltando em
terra achou 50 cadáveres de portugueses c de cinco indios, mortos
éstes pelas balas da peça. Voltou a expedição sem outra novidade.
Rendeu a capitaçâo 17.926 oitavas.

1741
Chegou na monção de São Paulo o padre Antônio José Pereira
que veio render o padre João Caetano, vigário de Cuiabá. Na
mesma monção veto também como capelão de Mato Grosso o padre
Manuel de Santa Maria.

1742

Houve noticia, nas nvnas de Mato Grosso, que da capitania do


Pará tinham vindo algumas canoas para as Missões espanholas
situadas sobre as margens dos rios que desaguam no Guaporé. Esta
noticia féz que Manuel de Lima c mais três homens das ditas minas
partissem ocultamente c fossem negociar nas mencionadas Missões.
— 231 —

depths do que arrojaram-sc a viajar para o Pará. Foram -di presos,


pela novidade, e dois déles foram remetidos á Lisboa (20).
No finí déste ano principiaram os jesuítas da provincia espa­
nhola de Moxos a fazer estabelecimento sobre o território da margem
direita do rio Guaporé, onde, nos anos seguintes, fundaram as
Missões de São Romão, São Miguel e Santa Rosa. Esta últ'ma foi
colocada nos campos chamados Santa Rosa, c pouco depois transfe­
rida para o lugar em que posteriormente se fundou o nosso forte
da Conceição.
Apesar de não ter sido ate então navegado o rio Guaporc, as
suas margens eram conhecidas dos nossos sertanistao, os quais em
bandos numerosos haviam percorrido aqueles sertões em conquista do
gentios que nêlcs habitavam.
Entraram muitas fazendas e gado de Goiás.

1743
Separou-sc a freguesia das minas de Mato Gtotso (São Fran­
cisco Xavier) das de Cuiabá, sendo primeiro pároco e vigário da
vara o reverendo Bartolomeu Gomes Pombo, nomeado visitador de
Cuiabá. Como vigário da freguesia de Cuiabá veio o padre Manuel
Bernardo Martini Pereira.
Deu o gentio Paiaguá no reduto do Sapé, no rio Cuiabá, onde
se achavam muitas pessoas ocupadas em pescarias. Matou muitor, e
levou vinte cativos.
Chegando a Cuialiá noticia de terem os padres jesuítas espanhóis
fundado misrão à margem direita do rio Guaporé, a Câmara convocou
uma assembléia de tõdas as ordens, em que resolveu em ate de
Junta de 30 de maio enviar ao governador de Santa Cruz de Ia
Sierra protesto contra a ocupação da dita margem, e desta comissão
foi encarregado o ouvidor Dr. João Gonçalves Pereira, que a principio
se escurou com justificados motivos.
Chegou na monção de São Paulo o Dr. ouvidor Manuel Antunes
Nogueira, que tomou posse a 14 tie dezembro. No mesmo mês de
dezembro chegou o Dr. intendente João Nobre Pereira.

1744
Vindo de São Paulo para Cuiabá Antônio Alves de Siqueira.
Manuel Lõbo e .Antônio Quadros, foram atacados pelos paiaguás no

(30) A viagem aventureira de Félix de Unia. pel<> Guaporé ataixo e


Madeira e Amazonas, foi descrita por Souther’, qne leu a narrativa do lomcr-
eialitc de Mato Grosso.
— 232 —

rio Paraguai. Apontaram a um reduto onde o gentio os cercou por


todos os lados : resistiram, porém, com tanto valor e fortuna que
mataram 30 inimigos e só perderam uní negro flechado.
Deu o mesmo gentio no sitio de João de Oliveira, na passagem
do Paraguai : matou parte da geutc e pôs fôgo às casas.
Como o Dr. João Gonçalves Pereira, depois de ter feito seguir
para Mato Grosso parte da sua comitiva, demorou-se mais de um
ano em cumprir a comissão de que fora encarregado ; o novo ouvidor
não consentiu que se prosseguisse na dita diligencia antes dc ter
resposta do general. H á quem atribua esta resolução do ouvidor
a malicia e desavenças particulares.
Sertanistas de São Francisco Xavier encontraram ouro cm alguns
ribeirões que afluem no rio Corumbiara.

1745

Foram descobertas as minas do rio Arinos pelo mestre de campo


de Almeida Falcão e seus filhos, moradores de Mato Grosso.
O Dr. ouvidor recebeu carta do capitão general Dom Luis de
Assis Mascarenhas notificando que em vista da demora havida na
viagem do Dr. Gonçalves Pereira para Santa Cruz de la Siena, aconse­
lhava que não se fizesse essa diligência e se e-perasse ordeno de sua
majestade.

1746

A noticia das minas do Arinos quase deu um golpe mortal nas


de Mato Grosso, desertando para aquelas como em fuga os mora­
dores destas. Por êste motivo, pelas faltas de roças c incêndio de
alguns paióis, houve muita fome no correr deste ano.
O vigário de Cuiabá, padre Manuel Bemardes indo ali estabelecer
a sua jurisdição, encontrou ali o padre Antônio dos Reis Vasconcelos,
enviado pelo vigário de Mato Grosso para o mesmo tint. Entraram
a disputar o excomungaram-se mutuamente e aos seus jiartidários.
Foram infaustas as dites minas : produzindo pouco ouro, foram
no entanto a sepultura de muitos dos novos colonos e ate impediram
que se continuasse a indagar as dc Corumbiara de que os sertanistas
já tinham dado notícias alcançadas nas pescarias que faziam pelo rio
Guaporé, onde tinham fundado um arraial na Ilha Comprida, apesar
do muito gentio que encontraram.
— 233 —

Eis o que a respeito déste arra'al diz o padre Agostinho l.ourenço


na relação de tuna viagem que féz em 1752 de ordei.i do capitão
general Doni Antonio Rolfrn de Moura ( 2 1 ):
"F oi esta povoação ou arraial formado pane de homens (nemo­
rosos foragidos, parte de pessoas individadas que ali ■•e -efuginvam
dos credores, c parte também de outros que lhes parecia fundaram
grandes conveniências na conquista injusta dos gentios daqueles
contornos, ou falando mais claro : não eram outra coisa esta
povoação, mais do que um covil de salteadores das vidas, honras c
fazendas dos indios aquem declararam guerra sem outro motivo, e
sem mais autoridade do que a cobiça.
“ Armavam-se 50 ou 100 homens, e. deixando guardas no arraial,
se lançavam ao sertão, e investindo com a primeira aldeia de índios
que encontravam, matavam a todos i q u e pegavam nos arcos para
a sua justa defesa, c aos mais que não escaparam fugindo metiam
em correntes e gargalheiras, destruíam ou queimavam as casas,
arrasavam as searas, matavam as criações e voltavam triunfantes para
a sua Ilha Comprida, onde se repartiam os vencidos pelos vence­
dores c destes passavam cm contrato de venda a Cuiabá e Mato Grosro.
Viram-se, entretanto, entre êles, horrendas tragédias. porque conto
não ltavia juiz, que sentenciasse controvérsias, eram a s armas de
fogo o resumo para as decisões. Muitos índios acabarão aqui como
rezes ao corte do machado, ou sendo alvo de tlexas c a fogo cutros,
e de mau trato e enfermidades uma grande multidão. As mulheres pelo
mesmo teor padeciam nas. vidas e honestidades. Enfim estavam tão
endurecidos os corações de alguns daqueles moradores que, colhendo-
os a morte nestas ocu|>ações, não recorreram à assistência do coufcssor
que a Providência Divina lhes deparara, naqueles desertos, em mis­
sionários castelhanos, pertinazmente se não confessaram e morreram
impenitentes. Durou esta povoação alguns anos, até que aconteceu
com os seus moradores o mesmo que com os fabricante; da torre de
Babel, porque se não houve a mesma confusão e divisão de linguas.
se lhes confundiram e dividiram as vontades, de sorte que, não se
podendo sofrer uns aos outros se forant [muco a pouco separando,
até que os últimos não podendo também sofrer insulto» das onças
de que abunda todo o contorno, últimamente a deixaram de tudo
deserta e despovoada’.

(2 1 ) A transcrição de trechos do re la tó rio do padre A g ostin ho Lourenço


evidencia que L e v e rg c r não se lim ito u a s e g u ir os ** A n ais do Senado de
C âm ara” .
Com pnlsou documentos, que lhe estivessem ao alcance no A rq u iv o do
G overno em C uiabá, c servissem para com p le ta r as iníorm acões do cronista,
ro m o oco rre neste lance.
— 23-1 —

Os jesuítas espanhóis fundaram a Missão de São Simao sobre


o rio do mesmo nome. três dias águas acima, desde o Guaporé.
Eni agosto saiu da cachoeira grande do Ja u n t com seis canoas
carregadas de mantimentos e 58 pessoas de comitiva, o sargento-mor
João de Sousa Azevedo. Descendo o dito rio e subindo o Paraguai
entrou pelo Sepotuba e navegou até as suas fontes. Varando as
canoas por terra, passou-se pelo rio de Sumidouro e por ele desceu
o Arinos, e continuando a navegação foi ter ao Pará (22).
Foram descobertas as minas do alto Paraguat pelo capitão
Antônio de Pinho de Azevedo (23).
1747
Não houve chuva neste ano c nem nos dois segivntes, pelo que
muito padeceu o povo por falta de mantimentos. Estando a seca no
seu auge, ouviu-se em 24 de setembro ao meio dia um grande trovão,
e ao mesmo tempo tremeu a terra, dando três balanços compaseados.
As minas do Paraguai atraíram muita gente que formou o arraial
de Not«a Senhora do Parto. Foi para lá o ouvidor D r. Nogueira
a por justiças na forma da Provisão de 1742. E como se veio a
descobrir que nas ditas minas se achavam diamantes, mandou togo
despejar o povo. Retirou-se de Cuiabá para São Paulo o vigário
de Cuiabá padre Manuel Bernardos, e chegou depois o seu sucessor
padre Fernando Batista.
1748

Em 9 de outubro publicou-se em Santos um liando relativo a


ereção de uma vila nas minas de Mato Grosso, em virtude da Real
ordem de 5 de agosto de 1746 (24).
Descobriu Manuel Cardoso de Siqueira nos ribeirões de San­
tana e de São Francisco Xavier novas minas além do Paraguai.

(22) A exploração realizada por João de Sousa -Azevedo, de Cipotulm ao


Arinos e por éste abaixo até Belém, deu maior realce ao serranista famoso,
que se tornou o mais abalisado conhecedor da navegação entre o Pará c
MatO Grosso.
O resultado da derrota exploradora consta do “ Diário", que J, Severiano
da Fonseca transcreveu cm l'iéár'n rsdor do Brasil. (Pãgs. 6S c seguin­
te»).
(23) São as minas que tomaritun o nome de Diamantino, depois que,
levantada a interdição imposta por causa das suas pedras, puderam, no século
seguinte, ser exploradas.
(24) Apesar da ordem régia de ¡746. somente na década seguinte foi inau­
gurada a vila, quando o primeiro capitão generat de Mato Grosso, Dom An­
tônio Rolim de Moura, a fundou, a 19 de março de 1752, com o nome de
Vila Bela da Santíssima Trindade.
— 235 —

Mandou o ouvidor interino o mestre de campo Manuel Dias da Silva


que as- examinasse, e como aparecessem diamantes, queimaram-se
as casas dos descobridores. Vieram alguns presos e outros fugiram.
O exmo. governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade,
comunicou ao Dr. intendente que sua majestade fõra servido criar
duas capitanias nas minas pertencentes à dc São Pauto, unia no
Mato Grosso e outra em Goiás, divididas pelo Rio Grande ; e que
ambas ficariam debaixo do seu Govêrno, enquanto não chegassem os
novos governadores.
Recebeu também uma Provisão comunicando que sua m ajestade
havia de mandar para ar duas novas capitanias, dois prelados isentos,
criados pela Bula de S. S. P. P. Benedito X IV — Candor lucis,
aeternae, datada de 6 de dezembro de 1745.
Faleceu no mês de abril o ouvidor Dr. Manuel Antunes
Nogueira.
1749

Entrava a servir como ouvidor o juiz ordinário, mestre de


campo Manoel Dias da Silva, que, £>ndo o ano, não quiz largar a
vara, acastelando-sc cm sua casa, que proveu de armas para resistir
à fôrça com que pretenderam depô-lo.
Chegou a Cuiabá um religioso franciscano que fêz a sua missão
com testante fruto e passou a Mato Grosso com o mesmo ftm.
O sargento-mor João dc Sousa Azevedo que descer.t para o
Pará pelo rio Arinos em 1746. voltou a Mato Grosso com a primeira
carregação daquele Estado, subindo pelos rios Amazonas, Madeira,
Guaporé e Sararé (25).
Em observância às orden- Régias, o Govêrno do Pará mandou
explorar a navegação dos rios até as minas dc Mato Grosso pelo
sargento mor Luís Fagundes, em companhia do piloto Antônio
Nunes de Sousa. A relação desta viagem, diz o general Luis Pinto,
é pouco atendível por causa dos erros que há nas distâncias e na
positura das cachoeiras.
Chegou por terra a Cuilbã o ouvidor Dr. João Antônio Vaz
Morilhas. que tomou posse a 30 de novembro. Em dezembro chegou
pela mesma via o Dr. intendente Francisco Xavier dos Guimarães
Brito e Costa.

(2 5 ) João dc Sousa Azevedo to m o u-sç o m aior conhecedor dos rio s que


iam te r ao Amazonas e p o r isso era acatado o - m parecer cm m atéria de
navegação flu v ia l. A sna b io g ra fia fo i traçada por A r t u r C. F . Reis cm
P a u lis !o no rim n ró m o r nu tras ensaios. ( R . I. H is tó ric o e G e og rá fico
B ra s ile iro . T om o 175. pág'. 213 — e V ir g itio Corrêa F ilh o — ( R . I . H . G. B.
— T o m o 179).
— 236 —

1750

Chegou a Mato Grosso o sargento-mor I.uís Fagundes, coman­


dando urna escolta militar enviada pelo Govéruo do Pañi a explorar
os rios da navegação daquele Estado para esta capitania (26).
No finí do ano chegou por terra a Cuiabá o reverendo Dr. Joño
de Almeida e Silva com o cargo de vigário da Vara e pároco da
igreja de Cuiabá.
Abriu visita geral a que procedeu com .inaudita severidade.
Prendeu por fúteis motivos na cadeia o vigário Antônio dos Reis,
que pôde escapar-se para Mato Grosso. Metia o dito visitador todos
osi dias presos na cadeia e os tirava, ao que por fim obstou o
ouvidor.
A pedido do povo o ouvidor mandou fazer novo exame a respeito
dos ribeirões. São Francisco e Santana c repartiu-se fete último por
terem achado nele apenas alguns olhos de mosquito. Foi todavia
posteriormente vedado por ordem do general Dom Antônio Rolim
de Moura. (Carta de 16 de outubro de 1761.)

C A PIT A N IA
Dom Antônio Rolim de Moura Tavares, primeiro capitão general
— (1751-1764).
1751
Por carta régia de 22 de setembro de 1748 foi nomeado gover­
nador c capitão general da reccm criada capitania de Mato Grosso
o capitão de .infantaria Dom Antônio Rolim de Moura Tavares,
senhor das vilas de Azambuja e Montragil, comendador da Comenda
da Qioupania da Ordem de Santiago, do Conselho de sua majestade e
veador da casa da rainha (27).
Foi-lhe expedida, em data de 19 de janeiro de 1749, uma Carta
Régia instrutiva cujas principais disposições constam do seguinte
resumo :
§ l.° determina que se ponha a cabeça do governo no Distrito
de Mato Grosso onde deverá o governador fazer a sua mais conti­
nuada residência, indo contudo a Cuiabá e ãs outras m iras do

(26) Dessa expedição resultaram as memórias de Fagundes Machado


(R I . H . B. Tomo L X V T I) e de Gonçalves da Fonseca (R . I. H. B. Tomo
X X IX ).
(27) fetes últimos titules Rolim de Moura só adquiriu depois que
deixou a Capitania de Mato Grosso. " A s InstruçScs". assinadas pela rainlta
e Marco Antônio de Azevedo Coutinho, íoram publicadas na ** Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” . (Tomo, 55, pág. 380). —
Nesta publicação, a patente trás a data de 25 de setembro.
— 237 —

mermo governo quando o pedir o bem do serviço e utilidade dos


moradores.
§§ 2.°, 4.°, 5." c 6.°, referindo o ter-se dado ordens para a
criação de um i companhia de Dragões c a ereção de um Juizo de
Fora no dito distrito e a conceisão de isenções e privilegios para
convidar gente que queira ir ali estabelccér-se, exigem que o gover­
nador indique quaisquer outras providencias próprias para o fim de
aumentar e fortalecer a povoação daquele territorio.
§ 3." trata da vita que tem de fundar-se e aludindo à pouca
salubridade do arraial de São Francisco Xavier recomenda que se
escolha para colocar-se a mesma vila o sitio o mais próprio para a sua
estabilidade e mais cômodo pelas suas circunstâncias, atendendo a
que o ltigar seja defensável c, quanto fõr possível, vizinho do rio
Guaporé, ou a algum outro navegável que nêle desagüe.
§ 7.° diz respeito à construção de Ultra casa para morada dos
governadores.
§§ 8.°, 9.°, 10 e 11 recomendou tõda a cirainspeção e vigilância
para evitar desavenças com os vizinhos espanhóis c para que os
missionários de Espanha que em 1743 fundaram na margem oriental
do Guaporé a aldeia de Santa Rosa não se assenhorem da navegação
daquele rio, impedindo-a aos portugueses, enquanto não se faz, com
a Corte de Madrid, alguma transação amigável a respeito da situação
da dita aldeia, ficando os limites das ruas monarquias pelo rio
Guaporé ; convindo por ora persuadir aos nossos moradores a que
vão situar-se no circuito daquela aldeia a não muitas léguas de
distância, para assim evitar que os indios da mesma penetrem no
interior do pafa e porventura até as minas novamente descobertas do
Arinos.
§ 12. Determina que se alistem em ordenanças todos os habi­
tantes da capitania, procurando que andem, quanto fôr |»>ssivel.
exercitados e disciplinados.
§ 13. Prescreve que se faça freqiientar a navegação e pesca do
Guaporé, para que não tome vigor, com a negligência da nossa jarte,
a pretensão em que tem entrado os espanhóis de apossarem-se
delas.
§ 14. Diz que, quando venha a franquear-se a comunicação de
Mato Grosso com o Pará, deve haver cuidado em que não se abandone
por isso o trânsito de canoas que ao presente se pratica de Cuiabá
para São Paulo.
§ 15. Recomenda tõda a vigilância jxtra impedir aos moradores
de Mato Grosso todo o comércio de gêneros com os eepanhóis, visto
— 238 —

como o governo de Madrid tem muito c.’ume de que de nossa parte


se vendam fazendas de contrabando aos seus súditos americanos.
§§ 16, 17 c 18 versam sobre o gentio ; prescrevem que se faça
diligencia para reprimir oit prevenir as correría, dos Paiaguás, que
continuam a infestar a navegação dos comboeiros pelo Paraguai ;
dcvendo-sc empregar a fôrça depois de exaustos os meios de persuasão
c brandura para que aqueles indios desistam das suas hostilidades.
Determinam outrossim que se use de rigor com os bárbaros
Caiapós que infestam o caminho de Sao Paulo a Goiás c até as
mesmas povoações, c finalmente recomendam que se dé proteção «os
indios Pareéis que consta terem sido perseguidos pelos sertanejos
de Cuiabá, os qua's não só lhes destruiram as povoações, mas quase
totalmente tem dissipados os mesmos indies com tratamentos indignos
de se praticarem por homens cristãos.
S 19. Ordena que se fundem aldeias onde se recolham os
indios mansos que se acham dispersos, servindo aos moradores, a
titulo de administração, devendo o Governador solicitar ao Provincial
da Companhia de Jesus do Brasil que mande missionários para Ibes
administrarem a doutrina do sacramento
§ 20. Declara que não pode limitar a divisa da capitania, e
ordena que se envie informações e plantas.
§§ 21. 22 e 23 expõem o estado em que se acha a questão de
limites entre o Brasil e as Possessões Espanholas. prescrevendo o
modo por que deva o governador haver-se a tal respeito.
§ 24. Manda qtte se examinem os trabalhos empreendidos para
prover de água a campanha alta chamada do Jassé em que se afirma
haver uma extraordinária abundância de ouro, a fim de, averiguándo­
se que a obra é proficua e factível por meio da contribuição do povo.
animá-lo a i*so, sem porém usar de constrangimento, e indicar as
providências que possam ser eficazes para conseguir-se o intento.
§ 25. Recomenda a maior vigilancia em proibir toda a busca de
diamantes no rio Coxipó c em outra qualquer paragem da capitania,
castigando-se severamente tôda a pessoa que se ocupar em busca-las.
§ 26. (último) expõe nestes têrm o s:
"M uitas outras coisas se oferecerão à vista do pais que não é
possivel ocorrerem dc longe para se lhes dar providências nestas
instruções ; mas fio da vossa prudência e zélo que em todas sabereis
tomar acordo tão conveniente ao meu serviço, que tenha muito de que
louvar-vos. E pelo que respeita às faculdades e outras dependências
do govémo, vos regulareis pelo Regimento dos governadores gerais
do Estado do Brasil em tudo o que não fõr aqui diversamente
disposto".
— 239 —

Tendo vindo de São Paulo pela via fluvial, cm unia expedição


de vinte e tantas canoas. Dom Antônio Rolitn dc Moura chegou a
Cuiabá no dia 12 dc janeiro e no domingo 17 tomou posse do governo.
Vieram em sua companhia o juiz de Fora nomeado para Mato
Grosso Dr. Tcotônio da Silva de Gusmão (era irmão do célebre
cônego Alexandre de Gusmão) (2 8 ). os padres missionários Agos­
tinho Lourenço e Estevão de C a rio (29), o secretário c oficiais da
sala c um companhia dc Dragões dc 54 praças em quatro esquadras.
A 25 de janeiro publicou-sc um Bando declarando as mercês
que concedia sua majestade aos que assistissem nas minas dc Mato
Grof®o.
A 27 do mesmo mês houve outro Bando proibindo que sc fosse
fazer guerra ao gentio sem ordem ou licença do governo c que
nenhum índio saisse da capitanea.
Mandou-se pôr tuna guarda de dragões montados nas minas do
Paraguai, vedada por causa dos diamantes.
(Estava tamlrêm proibida a mineração do Coxipó, não com
muita razão, porquanto diz Antônio Rolim cm oficio de 5 de abril
de 1757, "o coxipó-mirim, vulgarmente sc cüz, foi proibido pelo
ouvidor Manuel Antônio Nogueira cm ódio dc João Nobre Pereira
que havia acabado dc intendente c trazia seus negros trabalhando com

(28) Mais de um a u to r afirm a que Tcotônio cm intiño de A lexandre dc


Gusmão.
Entretanto, o visconde dc São Leopoldo manuseou, em Santos, [xir volta
dc 1838 os autos dc inventário “ a que sc procedeu pelo juiz dos ó rfã o s da
V ila, wn 4 de janeiro de 172!. por ialecimento do pai de anilxu (A lexandre
c B artolom eu), cm 9 de dezembro dc 1720, cm que não figura o i.omc do
m agistrado.
“ Nêles declarou a viúva inventaríam e Dona M aria Alvares, que rfo
falecido m arido lhe ficavam doze filhos, a saber •
Domingos Gonçalves (nascido cm 1680).
Pad re Simão A lvares (1682).
M aria (.lomes (1683).
Pad re Bartolomeu Lourenço (1685).
Tpana Gomes (1688).
Frei Patrício de S. M aria (1690).
Paula M aria (1692).
A rcãngela da Conceição (1693).
A lexandre de Gusmão (1695).
B rígida M onteiro (1698).
Inácio Rodrigues, Jesuíta.
Frei João Alvares dc Santa M aria (1703) Ap. Afonso dc T aunav — .1 : <Ar
gloriosa c trágica dc Bartolomeu de Gusmão.
(29) Ou Crasto.
— 240 —

Ixia conveniência no dito rio. pois que nele nunca se achara mais que
algum olho ile mosquito e com grande novidade)” Fundou-se em maio
a aldeéa de Santana da Chapada que teve por diretor o padre mis­
sionário Estevão de Castro, para nela rc recolherem os indios que
andavam em administração.
Por Bando de 31 de maio publicou-sc a notícia do falecimento do
Sr. Dom João V (cm 31 de julho do ano anterior) <• da aclamação
do Sr. Dom José (30).
Em junho providenciou o governador a respeito do encana­
mento das águas do Motuca para a campanha do Jassé, de que trata o
§ 24 das suas instruções. Éste serviço, empreendido pela d 1'géncia
do ouvidor e desembargador João Gonçalves Pereira e do briga­
deiro Antônio de Almeida, havia sido abandonado, e renovara-
havia dois anos e meio por uma associação de cinco mineiro.., que
obtiveram de S . Excia. <> não pagarem as capitações vencidas c por
vencer até começarem a lavrar <> ouro com dito serviço, c juntamente
não poderem ser executados pelos seus credores no decurso de três
anos, tempo em que provavelmente o haveríam concluido.
A 3 de novembro, Dom Antônio Robín partiu para Mato
Grosso ; a 27 chegou ao Jauru. que naquele tempo se atravessava
no lugar da Cachoeira-Grande ; ali existiam então em distância de
duas léguas quatro sitios de moradores pobres.
No dia 7 de dezembro chegou ao Guapnré. que naquelas paragens
era reputado ¡navegável, por caustt de cachoeira c sumidouros, até
o tempo que ali chegou o Dr. Teotón o de Gusmão, que rodou pelo
dito rio sem outro inconveniente do que uma pequena cachoeira.
S. Excia., fêz seguir por terra a rua comitiva c embarcando em uma
canoinha acompanhado tão somente de um oficial e de uni soldado
desceu também pelo rio e cnm três dias de feliz viagem chegou no dia
14 ao sitio do Pouso-Alcgrc, onde veio a erigir a vila. No fim de
quatro dias marchou para o arraial de São Francisco Xavier, onde
chegou no dia 19 (31).

(30) O prazo de d w meses, entre a ocorrência cm Lisboa e a sua divul-


V-lção cm Cuiabá apesar de se tr a ta r <la m orte do ç á , m ostra como era
dem orada a com unicação en tre a Metrópole e a vila bandeirante.
(31) A transcrição de trechos referentes à viam m de Rollm de Moura,
prova que U v c rg e r conheceu a caria por este enviada, a 29 de maio de 1752,
a Diogo de Mendonça Córte Real, na qllal o prim eiro governador de Mtlti»
G rosso relata minuciosamente a paite final da sua longe peregrinação a té o
G uaporé.
A primeira, que descreve a sua passagem por São Paulo c derrota pelos
rios das monções bandeirantes, foi copiada por V arnhagem c oferecida ao
In stituto H istórico, p ara ser publicada cm sua Revista, em cujo tomo V ii veio
a hune.
— 2n —
O seguróte extrato de uní oficio dirigido pelo capitão general á
secretaria de Estado cm 28 de niaio de 1752, dará idéia do qtie cram
então as minas de Mato Grosso.
. O clima é o m i's destemperado que tenho visto. No pouco
tempo que lá estive ( m chapada de São Francisco) chegou a experi­
mentar em alguns dias calma e frio, chuva, vento e névoa. Daqui
precedem muitas queixas que padecem seus habitantes, principalmente
de sezões que são continuas cm muitos, e em «piase tocios os mais,
de todos os anos. Também se experimentam febres catarrais e
pleurizes, pelo tempo das friagens tão excessivas, que obrigara a
fechar portas e janelas e chegam a matar, principalmente aos pretos,
por menos enroupados, se os apanham no campo.
No principio do descobrimento destas minas, era maior o estrago
tanto nos brancos, como nos pretos. Muitos e muitos homens não
fizeram unis do que chegar a elas e morrer, e os vivos andavam
lisios arrimados a paus, encostando-se pelas paredes, porque oo mais
bem livrados eram os que tinham sezões uni dia sim e outro não.
Natía disto embaraçava estar continuamente entrando gente nestas
minas, trazidas pela ambição do muito curo que então davam, che­
gando em certa paragem a apanhar os mineiros folhetos em cliapas.
como quem apanha seixinhos.
Mineiro houve que tirou em um dia três mil oitavas, e em muitos
sucessivos a duzentas e trezentas cada dia. Pôsto que éste horbotão
durou pouco tempo, continuaram por vários anos os jornais muito
aventajados e ainda quando foram daqui ao descoberto do Arinos.
há cinco para seis anos, que brumou e foi a causa de se arruinarem
estas minas pelas despesas inúteis que fizeram oo mineiros e rerviços
que perderam o que obrigou a muitos a não tomarem a elas ; ate esse
tempo ainda os pretos davam aos seus senhores a oitava por dia.
De então para cá foram desciindo muito c hoje o que é bom dá duas
oitavas por semana era tempo das águas, e algum mais especial duas
c meia ; no da sêca não passam de oitava e meia e daí ]>ara baixo.
Além da Chapada há outro arraial a Nascente dela, intitulado San­
t a n a . .. " . . . "terra plana cora bons matos para lenlui e madeiras c
bons campos para gados; porém a água é pouca para formar-se
poveação grande; e assim está como a da Chapada, sendo excelente
para o gasto, faz papos o que é sumamente descómodo e que disfigura
a quem tem. Enquanto ao clima é mais quente e temperado que o da
Chapada e por isso menos sujeito às febres catarrais e pleurizes, mas
pelo que toca a sezões c o mesmo ou pior ainda. Quase todos r s
mineiros fazem serviços de que terão mellior conveniência do que as
da Chapada, uns mais outros menos, conforme estão arranchados, por
ser coisa mais permanente e terem também a de lhe ficarem as lavras
— 242 —

perto de casa, c as roças que nestas terras dão liem pelos muitos
inatos gerais que há. Os oficiais que vieram do Pará à exploração do
rio Madeira deram aqui a conhecer a baunilha (32).
Acham-se estes arraiais tão despovoados que cm amplas não
chegam os brancos a 70 dos quais 7 são casados. Os mulatos bas­
tardos c pretos forros podem ser outros tantos. Matricularam-sc na
última matricula do ano passado 1.165 e scra v o s..." " . . . Tem
sómente cinco vendas de 2." clasae e entre lojas, boticas e cortes de
carne — 12. tõdas de 3? classe ; ao mesmo tempo que valem aqui as
fazendas uns preços exorbitantísim os. Os oficiais todos não jxueani
na dita matrícula de 16. O rol da desobriga do ano passado contém
2.227 pessoas entrando carijós" (33).
Chegou neste ano o padre Fernando de Vasconcelos, para pároco
de Mato Groaso.
1752'

A 14 de janeiro tomou Dom Antonio Rolim lugar do Pouso


Alegre onde resolvera, como lhe fõra determinado pela Provisão (34)
de 2 de agosto de 1743 colocar a nora v.ila por achar ne'e muita come-
ivéncia, como ser o clima menos doentio que o dos arraiais, estar
qua e na margem do Guaporc e sobranceiro â alagação produzida pelo
transbordamento do rio, ser defensável, ter campos com pastos para
os animais dos moradores, capões abundantes de lenha c mesmo de
madeiras, ter na sua proximidade grandes matas onde se podiam
fazer estabelecimentos de lavoura, etc.
A 19 de março erigiu-se a vila, que foi chamada Vila Bela da
Santíssimo Trindade teve por armas um triângulo. As mercês
concedidas aos seus moradores pela Provisão Régia de 5 de agosto
de 1746 consistiam cm qtte só pagariam meio quinto ou meia capi-
tação |x>r tempo de doze anos, e os dizimos. perdoando-sc-Ihe» pelo
mesmo tempo os direitos de entrada, os donativos e as terça.» p a rte .
dos oficios de justiça ; e que todos os que viessem morar dentro ua
vila não poderíam ser executados por dividas contraidas fora dela c de
sen distrito, dentro de três anos, não só na fundação da vila, mas no
futuro ; não sendo eles contudo dos que se levantam com a fazenda
alheia.

(32) Itctcrc-se naturalmente à expedição de Gonçalves da Fonseca.


(33) A carta de Rolim de Moura, de 28 de maio de 1752. é o mais
ci mplcto relatório, cm que se espelham as condições de fausto e penúria dos
arraiais que enxamearam na chapada, entre o Sararé c o Gatera, .liluenles do
t import.
(34) Deve ser a ordem régia de 5 de agõsto de 1746.
— 243 —

O govcnmdur julgc.u que éstos privilégios não eram suficientes


para atrair poveadores e pediu a sua majestade que se franqueasse o
comércio com o Pará (35).
Criou-se uma companhia de Ordenanças dos homens branco-.
Entrou nu exercício de juiz de Fora o Dr. Teotónio da Silva
Gusmão.
Ereta a vila, o general deixou voltar ãs suas lavras e roças os
moradores que havia convocado para éste ato. e até permiuu aos
oficiais da Câmara e aos de justiça, não havendo ainda casas no
lugar, que fôssem residir na Chapada e ali fizessem as vercartças
que necessitam de pressa. P.le, porém, permaneceu no mesmo sitio,
morando em uma palhoça.
Logo que soldaram da chegada de Dom Antônio Rolim, os
jesuítas que dirigiam as missões espanholas de Moxos. haviam-lhe
escrito queixando-se do bárbaro procedimento dos sertanislas portu­
gueses. que causavam natural desânimo às ditas missões, roubando
indios já reduzidos e mesmo os batisados, e até haviam levado
mulheres casadas. Iguais queixas tinham já dirigido ao juiz de
Fora, cuja ida ás minas de Mato Grosso precedera de alguns meses
a do general. Respondera o Dr. Teotónio com alguma aspereza,
exprobrando-lhcs o terem ido à Ilha Comprida e ali n abrutado um
Bento de Oliveira e derrubado uma cruz que servia de lutdrão e
sinal de posse em que o mesmo Bento e o u tro . moradores estavam
na mesma ilha por el-rei de Portugal.
Negaram este último fato os padres jesuilas. Dom Antônio Ro­
lim significou-lhes em resposta o desejo e dever que tinha de conser­
var boa harmonia com eles e protestando contra o procedimento h a­
vido na lllia Comprida. Resolveu restituir os indios roubados, que
com efe'to existiam entre os nossos, e encarregou desta diligencia
ao padre Agostinho Lourcnço a quem incumbiu também tomar infor­
mações a respeito das referidas missões e dos moradores das margens
do Guaporé. Partiu o dito padre em fins de junho c esteve de volta
cm princípio de novembro. Escreveu um minucioso diário da sua
viagem em que revela o estarlo das Missões espanholas onde foi
muito bem acolhido, e que do lado direito do Guaporé só existia a
Miscâo de Santa Rosa, tendo-se mudado neste mesmo ano a de
Sã<> Simâo !<'■' rio do mesmo nome ra ra o de São Snrão pequeno).
Refere também o ter diminuído u número dus moradores portu­
gueses. não restando mais que dois na margem esquerda no lugar da

(35) Rolim de Moura sugeriu, para o desenvolvimento da Capitania, não


«órnente a abertura do Guaporé — Madeira à navegação, como também a
sua colonização por meito dc casais de ilhéus, como sc estava praticando cm
Santa Catarina e Rio Grande.
— 244 —

casa redonda defronte do Contmbiara e três da parte oposta, o último


déstes no lugar das Pedras, em distância de cinco dias de marcha de
Vila Bela, r¡o abaixo. Achou despovoada a Ilha Comprida e a
respeito dos moradores que outrora ali existiam diz o que já ficou
dito. Fala no mesmo diário das minas de Guarajus. que foram
descolwrtas por Domingos Alves da Cunha e onde ¡rouco se trabalhou
por não serem de conta (36).
Em agosto criou-se uma companhia de homens pretos.
Vindo na monção de São Paulo para Cuiabá o tenente Vito
Antônio dc Madureira, ad'antou-se dela e foi na terra doç Chañes
atacarlo pelos Paiaguás, que o mataram c levaram uma canoa c
escravos.
O juiz de Fora Dr. Teotônio fundou os Anais de Mato Grosso
(37), determinando que o segundo vereador fizesse memórias dos fatos
mais notórios e que no fim do ano a apresentasse à Câmara, para,
depois de revista c aprovada, ser escrito em um bvro para isso
destinado (oficio de 28 de maio de 1752).

1753

Foi-se edificando a nova vila com muita mesquinhez, c lentidão


por falta dos precisos meios. Tendo o governador obtido do bispo
do Rio de Janeiro autorização para mudar a sede da Freguesia,
mandou fazer uma tal ou qual capela tão pobre que a coberta era de
palha, para servir de Matriz, enquanto os moradores ajuntassem
esmolas com que fazer a Igreja, e tivesse a Provedoria com que
levantar a capela-mor.
Em março criou-sc uma companhia de ordenanças de homens
pardos.
Deu o gentio Paiaguá acima do Croará, no rio Cuiabá ; matou
testantes pescadores que ali estavam salgando peixe e levou muitos
prisioneiros.
Chegou a Cuiabá, em junho, o vigário da V ara da dita Vila,
padre Manuel Antônio Falcão Cota.

(3 6 ) L e v c rg e r parece te r lid o o re la tó rio do padre A g ostin ho te u re n q o ,


que não mais fo i encontrado pelos investigadores.
137) A liá s , o mime *e manteve no s in g u la r — “ A n a l de M a io G rosso"
com que saiu a publicidade, nos " Anais do Congresso do M un do P ortuguês
( v o l. X ) — n o J o rn a l da C om ércio publicado po r A . de T a u n a y , na R evista
da Academ ia P aulista de 1-etras .
N So se achm: a sua continuação, depois da p a rt da de T eo tô nio de Gusmão
que o autenticou a 31 de dezembro de 1754.
— 245 —

Faleceu o capitão Antonio da Silveira Fagundes, que servira de


intendente e provedor, e féz-sc célebre pelo scu testamento em que
deixou cinquenta negros com Liberdade (38).
O caminho por terra de Cuiabá para Mato Grosso seguía pela
fralda da serra dos Pareéis. O capitão Antônio Pinho de Faria
abriu outro mais cutro e mais ao sul, que não é, porém, o atual.

1754

Em melado dc janeiro os comissários da Demarcação de Limi­


tes colocaram o marco na margem direita do Paraguai, um pouco
abaixo do Jaunt. A expedição compunha-se dc perto dc 400 pessoas.
Fnj provida de mantimentos para a sua viagem de volta, pela F. R.,
que nisto dispendeu avultada quantia (3 9 ).
Em 22 dc janeiro publicou-se por Bando a Provisão Régia de 14
de novembro de 1752, permitindo o comércio com o Pará pdu* rios
Madeira e Guaporé c proibindo-o por outra qualquer via (40).

(38) O episódio da libertação de 50 negros, por disposição testementária dc


Antônio da Silveira Fagundes cm 1753, reivindica lugar dc realce para Mato
Grosso entre o* precursores do abolicionismo.
(39) A Comissão Demarcadora compunha-se dc José Custódio dc Sá e
Faria, sargcttto-mor de infantaria, com o exercício de engenheiro, c primeiro
comissário.
— Doutor Miguel Cicra, cosmógrafo; Gregorio de Morais c Castro
Pimentel, segundo comissário e capitão dc infantaria, Joâo Bento Piton, aju­
dante dc infantaria com exercício dc engenheiro c cosmógrafo, ulém. dc cirur­
gião, capelão, auxiliares c escolta.
A partida castclltana constitiria-se dc :
Dom Manuel Antônio Flores, capitão de fragata, l.° comissário;
Dom Atanásio Varanda tenente da real armada, 2." comissário, cosmó­
grafo;
Dom Alonso Pacheco, alferes dc navio e cosmógrafo c mais cirurgião. ca­
pelão c contingente mijitar.
A expedição ocupou chías fainas, cinco barcos c seis caneas, com que
partiu de Assunção.
A 13 dc dezembro, deparou-se-lhe. à bóca do Paraguai-mirim, o socorro
quo lhe enviara o capitão general Rolim dc Moura, sob n comando do
“ alteres de dragões da Companhia dc Cuiabá Francisco Xavier da Horta".
Cientes das informações que lhes foram prestadas, resolveram os comis­
sários aligeirar a ílotilha, reduzida apenas a quatro barcos, dos menores,
para os quais foram baldeadas as pedras trazidas dc Portugal. O grosso da
expedição permaneceu nesse local, enquanto os dois comissários, com o astrô­
nomo da partida do S. M. F . c o cosmógrafo dt S. M . C .. continuaram a
peregrinação, águas acima, até a barra do jauru, a jusante da ijtal chamaram
o marco inoperante, que se encontra atualmente na praça principal dc Cáccres.
(40) A abertura do Guaporé c Madeira â navegação resultou dos insis­
tentes pedido? dc Rolim de Moura.
Determinava a mesma Provisão que se criasse um registro para
a percepção .das Entradas na cachoeira Aroeira de São João (é a
de Santo A ntônio); e outrossim que se tivessem cuidado os nave­
gantes desde que saja de Mato Grosso até o fim no rio Madeira não
tomar terra na margem ocidental distes rios por serem daquela
banda dominio da Espanha.
Chegou a Cuiabá por terra um clérigo José Aires que se inti­
tulava doutor e missionário. Na missão que fêz na dita vila causou
distúrbios, dcscompondo a várias pessoas do púlpito abaixo e pre­
gando contra o procedimento da Intendencia. Indo a Vila líela
continuou as mesmas desordens, embaraçando-se em contendas com
o juiz de Fora, Câmara e vigário, do que resultou escándalo de
excomunhão de parte a parte.
De volta a Cuiabá. sem embargo de tê-lo o general repreendido
l« r se ter intrometido com os indios, ordenando-lhe que entregasse
na aldeia os que havia trazido da mesma vila ; não só não féz isso,
mas procurou levá-los subtilmente para Goiás c resistir à escolta
que se mandou ao seu alcance.
De ordem do governador foi jiadrc Agostinho Lourcnço para a
Casa Redonda, na margem esquerda do Guaporé, lugar quo havia
muito ocupado por portugueses e onde existiam indios com os quais
se devia começar o estabelecimento da Aldeia de São José no oposto
lado. Ali se arranchou o dito missionário enquanto não escolhia
situação azada |iara colocar a referida aldeia ; o que deu lugar a
contestação com os padres das Missões Espanholas. A única destas
— S . Rosa — que se achava ao lado oriental do Guaporé, distava
cêrca de duas léguas para a banda dos Moxos.
Por falta de meios teve-se de parar a construção ria casa de resi­
dência do governador e não se pôde completar a capela do altar-mor
da Matriz.
Houve noticia em Cuiabá de que o coronel Amaro Leite Moreira
se achava nos A raes com a sua bandeira já enfraquecida por falta
de gente, pólvora, chumbo e outros artigos necessários. Saiu a
socorrc-Io cm junho ou julho uma bandeira capitaneada por João
Leme da Silva, porém adoecendo este, teve de recolher-se à vila e
ficou frustrada -t diligência. (Carta "do ouvidor Morilhos no capitão
general 2 de V III de 175-1).
Criou-se uma esquadra de Pedestres ad'dos à Companhia de
Dragões. Eis o que a éste respeito diz o general Dom Antônio
Rohm cm uma conta de 7 de fevereiro de 1755 :
— 2-17 —

" . . . A ndam sem pre descalços de pé e pern a c o sen único vestido


c um jaleco e um as bom bachas. A s arm as de que usam , um a espin­
g ard a sem baionetas um a bõlsa de caça e um a faca do m ato.

E m quanto ao rerviço que déles se tira c grande, porque verda-


deiram ente diligência nenhum a podem fazer os D ragões, algum a
coisa distante dos povoados, sent levarem consigo os pedestres. N a
escolta das m onções e em tôdas as diligências do rio, servem de
pilotos c rem eiror e ao m esmo tem po podem serv ir bem n a ação,
p o r que são ordinariam ente bons a tira d o re s .. .
N a g u ard a dos diam antes fazem -se sobretudo precisos, -porque
os dragões não podem exam inar e p en e trar p o r tõ d a a p arte ia m
seguir u m trilho com a m esm a facilidade com que o fazem os
P edestres, aos quais, pelo seu m odo dc tra ja r. |m r serem Irons nada­
dores, estarem acoatum ados a sulcarem m atos e sertões e coisa
nenhum a serve de em baraço" (4 1 ) .
D e um requerim ento do p< vo de C uiabá a sua m ajestade dc 27
dc ab ril, vê-se que o rendim ento d o pároco daquela freguesia era
pouco m ais ou m enos de um a arro b a d c ouro.

1755

A 3 d e janeiro chegou a V ila B ela o desem bargador F ernando


C am inha d e C astro, que poucos dias depois faleceu, antes de haver
tom ado posse do lugar de ouvidor p ara que íõ ra nom eado em
substituição do D r. Jo ão A ntônio V az M orilhai, a quem sua m ajes­
tade d era o tem po p o r acabado e m andara suspender, em consequência
de m uitas representações do general c outros contra as extorsões,
injustiças e prevaricações de tõda a espécie do dito ouvidor M orilhas.
E m ca rta d e 10 d e m arço. Dom A ntônio R ohm solicitou o seu
rendim ento, alegando que já estava fundada a vila, principal objeto
a que ru a m ajestade o m andara (4 2 ) . T in h a nesta época a m esm a
V ila 47 fogos, 538 pessoas de confissão c com unhão, bastantes sitios
dc lavoura c alguns principios dc fazenda de c ria r gado.
C riaram -se cm C uiabá seis com panhias de O rdenanças : duas
na vila ttma no distrito dc C ace te - , unia n a C hapada e C oxipó. um a no
rio C uiabá ac ma c aba ; xo.
E m 18 de m aio publicou-sc p o r B ando o A lvará dc lei dc 11
de agosto de 1753 sõbre os diam antes

(41) O capitão general proclamava assim os bons serviços dos serranistas.


(42) Apesar dc pedir a sua substituição, Rolim dc Moura continuaria no
governo até 1764.
— 248 —

Eiu agosto o general foi visitar a aldeia de São José, ali achou
bastam s indios que se mostraram submissos e satisfeitos pela boa
administração do seu diretor, padre Agostinho Lourenço. S. Excia.
estendeu a sua excursão até a fez do Ãlamoré.
A 20 de dezembro o Senado da Cântara de Cuiabá, auxiliado das
autoridades militares, depôs o ouvidor João -Antônio Vaz Morilhas,
|» r assim o haver determinado o general que resolveu a dar execução
a ordem que tinha de cumprir o falecido desembargador Caminha de
Castro (Desemlrargo de 22 de maio de 1753). Antes de dar esse
passo, consultara S. Excia. não só aos ministros letrados desta capi­
tania, mas ainda ao governador de Goiás que convocou nma junta
cujo parecer foi unânime a tal respeito. (E m Meia Ponte. — A
junta foi composta do conde dos Arcos, o conde de bão Miguel c dos
ministros e letrados de Goiás — oficio do conde dos Arcos ao
general Kolim de 22 de dezembro de 1755).

1756
Em maio chegou o Dr. Manuel Fanguciro Frausto, nomeado
juiz de Fora de Mato Grosso.
Em julho partiu o Dr. Teotônio da Silva Gusmão com o fim
de procurar um lugar azado para a fundação de um estabelecimento
nas cachoeiras que se encontram na navegação do Pará para Mato
Grosso.
A 4 de setembro recebeu o governador comunicação oficihl do
terremoto que reduzira Lisboa a ruinas cm 1 de novembro do ano
antecedente. Convocou uma reunião da Câmara e de .Adjuntos eleitos
pelo povo, a qual teve lugar a 2 de outubro z deliberou-se oferecer o
donativo de cinqiienta mil cruzados para o reparo dos estragos cau­
sados por arpíela catástrofe; estabeleeendo-se impostos cuja percep­
ção durava até perfazer-sc a dita quantia, para cuja obtenção esta-
bcleceu-sc um intpõsto na carne verde, e criou também imposto aos
engenhos de fabricar aguardente. A sala de Cuiabá concorreu para
o mesmo objeto com o donativo de 60 mil cruzados, quantia — diz
Dom Antônio Rohm (of.0 de 5 de abril de 1757) comparativamente
muito inferior à que deu Mato Grosso.
Em dezembro o general mandou publicar um Bando proibindo
que súdito algum de el-rei de Portugal acompanhasse ou socorresse
com armas ou munições dc guerra às Handciras espanholas que cons­
tava terem vindo tirar gentio das terras do lado oriental do Guaporé.
Outrossim fer sair duas canoas armadas em guerra t colocar uma
guarda no sitio das Pedras a fim de embaraçar tais expedições.
— 249 —

Como, porém, o padre visitador superior das Missões escrevesse a


S . Ex. a prometendo expressamente que não se ltaviam de renovar,
foi mandada retirar a referida guarda.
Descobriram-se as lavras de N . S. dos Remedios ou do Médico
na vizinhança de Cuiabá.

1757
Uom Antônio Rolim recebeu um aviso da Secretaria do Estado
de 24 de junho de 1756 elogiando os seus serviços e declarando-lhe
que rão seria rendido no governo até quando se não findassem as
demarcações.
Em oficios dirigidos à Secretaria do Estado em 24 de main e 24
de novembro, o governador dá conta da riqueza das lavras de N. S.
dos Remedios, ou do Médico e diz que em 15 de setembro saíra de
Cuiabá para São Paulo uma monção em que iam mais de 100 mil
citavas de ouro. Em outro oficio, porém, de 2 de julho do ano
seguinte (1758) participa que o mesmo descoberto não corresponden
às esj>eranças que fiz. ra nascer.
Constou ter sido aprovada por sua majestade a suspensão do
ouvidor Vaz Morilhas (43).
Ciente o governador de que os sócios da Mutue» demoveram o
serviço do encanamento, por verem que a vantagem do m >smo serviço
rãn er.i tanto como esneravam a princípio, retirou-lhes os privilégios
que, para animá-los, lhes tinha concedido c mandou-os executar pelo
qtt ■deviam à Fazenda Real.
Chegou como vigário da Vara e da Igreja de Cuiabá o padre José
Mendes de Abreu, o qual só tomou posse no ano seguinte.

175S
Autorizado p da Provisão de Dom Antônio Rolim de 16 de julho
de 1756, o Dr. Tcotônio da Silva Gusmão fundou a Povoação de
Nossa Senhora de R ta Viagem, no salto grande, segunda cachoeira
do Rio Mad/ára. vindo de baixo, que desde então ficou vulgarmente
chamado — Salto Tcotônio.
Mandou-se aplicar às despesas da Capitania a importância do
donativo destinado ao reparo da cidade de Lisboa.
No fim do ano houve em Cuiabá urna epidemia de tosses e cur­
sos de sangue de que m orr-u muita gente, que se estendeu ao imo
seguinte.

(43) A lula entre o capitão general e o ouvidor, começada cm 1751,


simiente findou em 1757. com a prisão de M orithas c o sequestro de seus
bens, por ordem régia.
— 250 —

1759
Foi transferida a Ouvidoria de Cuiabá para Vila Bela, sendo
primeiro ouvidor o juiz de Fora Dr. Manuel Fangueiro Frausto.
Ficou extinto o Juizo de Fora de Mato Grosso, criando-se o de
Cuiabá (4-1).
Recebeu a 1’rovedoria oito arrobas de ouro, prime ro subsidio que
para esta capitania remeteu a Goiás (45).
Nos anos seguintes vieram 6, 8 e até 10 arrobas.
Em observância das ordens que recebera da Corte acerca dos
jesuítas, o capitão gm eral mandou recolher o padre Agostinho Lou-
renço da aldeia de São José, em que prestara os melhores serviços e
fê-lo seguir para Cuiabá e de ali para São Paulo (46).
O padre Agostinho se h< uve com todo o desinteresse na direção
da aldeia, sem embargo do que nela tinha despendido muito do seu
próprio, de vários presentes que lhe haviam (cito não só os padres
espanhóis, mas militar, pessoas destas minas ; e também empregou
sempre com grande zêlo e cuidado no aumento da mesma aldeia ; e
havendo-a ccmeçado desde seus fundamentos, sem para ela caber mais
coisa alguma que uns poucos índios brutos e muita parte déles para
Entizar ; e agora na sua retirada se achava a merma aldeia com
engenho de moer cana, teares de tecer algodão de que muitos indios
andavam vestidos ; muita planta e criação e um total de 30 cabeças
de gado.
Foi substituído pelo padre Domingo (Jomes da Costa. O outro
missionário jesuíta, padre Estêvão de Castro já tinha tido que deixar
por estar parado a aldeia de Santana da Chapada: t ve por sucessor
o padre Simão de Toledo Rodovalho.
Tendo o general motivo de supor que das aldeias de Moxos,
continuava a vir gente para o lado oriental do Guaporé, mandou de
novo colocar uma guarda no sitio das Pedras, onde existia havia oito
ou dez anos ura velho cirurgião francês de nação e casado em São
Paulo de nome J. B. Andrileux.
Com a noticia da sua promoção ao pósto de brigadeiro (foi no­
meado brigadeiro de Infantaria por decreto de 23 de novembro de

(44) A Ouvidoria tinta sede en> Cuiabá, vila mais antisa e o juiz de
Fora em Vila Bela. Alternaram-se, neste ocasião, as condições, passando o
ouvidor para a Capital, indo o juiz para Cuialtá
(45) O subsidio, determinado por ordem régia, atendia aos instantes ape­
los de Rolim de Moura, obrigado a enfrentar despesas avaliadas com escassa
renda.
(46) Em cumprimento da ordem de expulsão dos jesuítas, empreendida
por Pombal.
— 251 —

1758) recebeu Dom Antônio Rolim os plenos poderes de prhn.-iro e


principal comissário para a decisão dos Reais Dominios setentrionais
que lhe foram conferidos por R. C. de 17 de agosto de 1758. cm subs­
tituição de Francisco Xavier de Mendonça Furtado (4 7 ).

1760
Por Bando de 3 de fevereiro publicou-se a P. R. de 26 de agosto
de 1756, autorizando o capitão general a conferir nobrrza c mercês
dos hábitos militares, e a criar uma junta para processar sumaria­
mente os réus de crimes gerais, marcando o modo de compor n dita
junta, que devia se r presidida pelo general c ter por vogais três
ministros letrados, e além destes três oficiais militares para o jul­
gamento dos réus militares, e três vereadores para julgar c.s paisanos.
A 6 de fevereiro partiu o capitão general da Vila B :la para as
Pedras c dali seguiu até o lugar onde estava na margem direita do
Guaporé a Missão de Santa Rosa. Achou que os pt.drcs espanhóis,
contra a promessa que lhe tinham feito cm 1756, continuavam em
mandar fazer roça, c plantações na vizinhança da dita aldeia. As
casas, porem. e a mesma Capela estavam quase completamente a rru i­
nadas. Alguns dos mencionados padr ts vieram ali visitá-lo. S. Ex.*
cuidou cm reparar alguns dos referidos edifícios, e em traçar a cada
mn deles uma estacada, e regressou cm 17 de abril para Vila Bela.
Passando pelas Pedras determinou que a respectiva guarda sc fosse
unir à outra ;• que ficou assim composta: 27 dragões. 13 pedestres e
20 soldados aventureiros c perto de 40 homens entre indios e escravos,
sendo comandante um cabo arvorado em sargento. Consistia ■> arm a­
mento cm armas de fogo das praças, algumas peças de amiudar urnas
foices roçadeiras que montou-se cm compridas hastes para uso dos
indios e pretos.
( Os soldados que eu chamo Aventureiros, dio Dom Antônio Rolim
em oficio de 30 de setembro de 1762, são várias sertanistas que haviam
fo r este rio c que antes da minha chegada a Mato Grosso viviam de
facer entradas /¡elos sertões r busear gentio; e outros serviam aos
/adres castelhanos nas mesmas diligências ou de outras muitos nas
aldeias. A estes mandei assentar fraca a titulo de Aventureiras,
dando-llics o soldo do soldado, sem farda.)
Em setembro o governador de Santa Cruz de la Sierra, Dom Alva­
res Verdsijo veio à Santa Rosa a Nova e dirigiu a Dom Antônio Rolim
reclamação acerca da prematura ocu|>ação de Santa Rosa a Velha

(47) Não consta que Rolim de Moura tivesse exercido funções de co­
missário, apesar da sua nomeação para substituir a Francisco X a v is.
— 252 —

pelos portugueses, antes da vinda dos comissários da demarcação de


limites e bem assim contra o estabelecimento de um forte com arti­
lharia na margem do Guaporc.
Em novembro veio a Vila Bela um oficial enviado pelo mesmo
governador a fim de protestar contra essa ocupação c fortificação.
Chegou a salvamento uma expedição vinda do Pará com pe-
trechos.
Passaram para a guarda de Santa Rosa vários : ndios fugidos das
missões espanholas. Mandaram-se situar coisa de m e a légua acima
da mesma guarda.
De uma conta relativa ao mesmo ano fizemos o seguinte extrato :

Receito
Da Provedoria da R. Faz..’ . . . . 7.076-J4-6
Da Intendencia o : Cuiabá ........ 12.320-J4-6
Da Intendencia Vila B e l a ........... 895— 15
Do subsídio voluntário ............. 1.885-%

Oitavas ............................................ 2 2 .117-JG-9

Despesa
Fôlha eclesiástica ......................... 4ÍY)
Folha civil ...................................... 6 .6 7 6 -0 -1 6
Fõlha militar .................................. 18.903-%- 6
Extraordinária .............................. 8.000

33.986-0 - 4

Deficit 11.868-0-13

Foi abandonada a nova povoação de N. S. da P.oa Viagem no


salto Grande do Rio M adeira por terem s? retirado os habitantes
para o Pará de medo dos índios Mattes, ficando ali só o Dr. T to-
tònío com sua familia. (Carta tio Dr. Teotònio ao governador do
f'urá de 11 de setembro de 1760.)

1761
O capitão-gcneral tomou providencias no sentido de tot dar-se
efetiva a execução da Lei de S de maio de 1758. que estabeleceu a
hberdade dos índios — mesmo daqueles que, embora tomados cm
— 253 —

justa guerra, tivessem sido dados por cativos e assim conservados


ou vendidos. Disposições iguais constavam das leis de 6 e 7 dl: junho
de 1755 a respeito dos indios dos estados do Pará e Maranhão.
Recelxu-se noticia of.cial do casamento da princesa do lirasil
com o infante Dom Pedro, s.’u tio.
O .vigário da Aldeia de Santana, padre Simao Toledo Rodo-
valho, propôs ao general a mudança da mesma para a localidade do
Fecho dos Morros, no rio Paraguai, como meio de fazer barre ra às
correrías dos Guaicurus e dos 1,'aiaguás, e quiçá chamá-los à civili­
zação. S. Ex.“ entendeu que não convinha anuir a i.sta proposição [>or
causa da grande distância, da despesa que ocasionaria e do ciúme que
despertaria aos espanhóis.
Em cumprimento à determinação do Aviso de 25 de junho de
1760, expedido em consequência das representações e queixas ofere­
cidas contra o ouvidor D r. João Antônio Vaz Morilhas, efetuou-se
m julho a prisão do dito ministro e o sequestro de seus Iwns, que
montaram cm 19.000 oitavas de ouro.
Em outubro vieram à Vila Bela dois oficiais enviados pelo gover­
nador de Santa Cruz, e furam portadores de oficios anunciando a
anulação do Tratado de Limites c protestando de novo contra a
ocupação de Santa Rosa, assim como requisitando que voltassem ao
s:u anterior estado os estabelecimentos na margem direita do
Guaporc.
Dom Antônio Rolim repeliu estas oxigéne as e continuou a [ rover
a defesa e fortificação do referido lugar de Santa Rosa, cuja guar­
nição se compunha de um alteres, dois cabos n 25 dragões, cinco
aventureiros, 10 pedestres, um capàão, um cirurgião e mais quatro
pessoas agregadas c 18 escravos. Em pequena distância achavam-se
aldeados os índios vindos das missões espanholas.
Entrou a funcionar cm Vila Bela a Intendencia c a Provedoria da
Fazenda Real, em outubro.
1762

A 3 de fevereiro o governador recelieu o Aviso da Secretaria de


Estado de 15 de março do ano antecedente, comunicando o fato de
ter sido anulado o Tratado de Limites. Recebeu também reiteração
das ordens que proibiram os R.-guiares nas terras minerais e reco­
mendação acerca da execução da lei de prescrição dos jesuitas (48).
Foi publicada a Carta Régia de 19 de junlio de 1761 proibindo
o uso e entrada de liesta nniar, porque da preferência que j : <‘xvU à
espécie resultou desanimar a criação de cavalos.

(48) Os espanhóis tiveram ciência ria anulação do tratado de Madrid


quatro meses antes qne o governador de Mato Grosso.
— 254 —

Foi remetido prêso para o Pará, a fim de ali seguir para. Lisboa,
o Dr. ouvidor João Vaz Morilhas.
Em abril criou-se uma espécie de registro no Jauru.
Chegou a Cuiabá : tomou posse a 9 de agosto o primeiro juiz
de Fora da dita vila, Dr. Constantino José da Silva e Azevedo,
tendo sido criado ésse lugar |>or Carta Régia de 28 d ; agosto de 1760.
A 25 de agosto saiu o governador para Santa Rosa, onde chegou
a 13 de setembro. Pensou diligentemente em dar incremento ao esta­
belecimento feito nesse lugar, a que os nossos tinham dado o nome
de — Destacamento de N . Senhora da Conccifüo (49).
Mandou ali aumentar e melhorar os quartéis, os armazéns c a
capela, e cuidou de fortificar o ponto e exercitar a sua guarnição;
cuidou também com empenho em atrair por meio de brindes os indios
oas vizinhas Missões Espanholas, tendo conseguido que pássassrin
l>ara a nossa parte mais de 170 índios, vindos principalmente das
aldeias de São Miguel e Santa Rosa, a Nova, motivo por que os
Missionários abandonaram esta última, levando os indios que lhes
restavam, recelosos também de perdê-los.
Ordenou o general que todas as terras da margem direita do
Guaporé se tratassem como nossas, não consentindo que os indios das
Missões Espanholas nelas viessem buscar frutos c gados.

1763

Achava-se Doin Antônio Rolim ainda no Presidio quando a 14


de abril foi informado de que força armada espanhola tinha vindo
|>ostar-se na barra do rio ltonamas. S . Ex." mandou em reconheci­
mento um bote e uma igarité, c logo seguiu |>essoalmentc com outros
dois botes. Tanto que chegou cm distância conveniente, foi acolhido
com fogo de bala — o que o obrigou a pôr-se fora do alcance, man­
dando no dia seguinte, por um sargento, saber a causa daquela
novidade. O oficial que comandava a referida fôrça mspondeu que
havia mais de ano que estava declarada a guerra entre Esjtanha
Portugal, e que vinha o governador de Santa Cruz a render o novo
Presidio da Conceição, enquanto o governador de Charcas marchara
a tomar Mato Grosso.
A guarnição do Presidio consistia em 224 pessoas. a saber: 3 ofi­
ciais. 1 sargento. 6 cabos e 60 soldados; 3 aventureiros, 13 pedestres
24 indios c 114 negros. Os espanhóis tinham fôrça mais de três

(49 ) O nome de S nta Rosa fo i m antido na vigência do T ra ta d o dos


L im ites . A pós a sua an nkçã o. R o lim não titubeou em cha m ar-lhe de o u tra
fo rm a .
— 255 —

vezes maior. A 16 de abril pôs-s; o inimigo no rio com mais de 40


canoas; como, porém, para elas marchasse o nosso bote que ali estava
<le observação, voltaram as canoas ao alojamento, de onde nãc mais
saíram.
No dia 17 o general, vendo que o inimigo não se movia, marchou
para ele com três botes lí quatro canoas, oferecendo-lhe combate, mas
os espanhóis não fizeram outra coisa que se reunirem dentro da
paliçada, de onde o general inferiu que o intento déles r.ão era <i
de darem combate, mas de cortar comunicação entre o Presidio e
Mato Grosso.
Os espanhóis, na sua chegada á barra do Itenamas, haviam su r­
preendido trinta dos nossos — que andavam á pesca e i caca. Destes
conseguiram escapar e chegar a salvamento ao Presidio três soldados,
três pedestres e alguns indios do Pará. Do resto dos prisioneiros
fizeram os inimigos duas malocas que remeteram. |>clo I tontunas
acima, â Missão da Madalena. Da que ia mais atraz. três pe 'estrés
conseguiram soltura a esforços próprios, e desamarrando o< s.-us
companheiros investiram a escolta que os conduzia — contri sta de
dois cruzcnhos e 50 indios; mataram uns. feriram outros, e ficando
senhores do camjto conseguiram com excessivas fadigas c p rv aç - -s
chegar ao Presidio na noite de 29 para 30 de abril (501.
Resolveu u general mandar passar uma canoa para a parte de
cima do alojamento dos inimigos, a fim de v g u rar os nossos com­
boios e embaraçar a vinda dos das sete aldeias espanholas que tran­
sitam pelo Guaporc. c ainda para dar na de São Miguel, que mais
vizinha ficava do Presidio.
Ofereceu-se para esta diligência o tenente de dragões F ran ­
cisco Xavier Dutra Feijó. N a noite de 5 de maio passou para
cima sem ser sentido pelos inimigos, com uma canoa, 10 soldados •
outros tantos pedestres c negros, c na madrugada de 8 de maio deu
na aldeia de São Miguel, onde aprisionou os padres Juan Rodríguez -
Francisco Espi. que a governavam e que se renderam -em resistência,
inclusive os indios, perfazendo tudo uma população de 600 para 700
almas. Pouco depois o padre Edar, cura da aldeia de São Martinlio.
escreveu a S. Ex. a que se submetia a colocar-se sob a sua pro­
teção (51).
A 15 d • maio uma ignrité tripulada por um pedestre e cinco negros
armados, c um indio sem armas, que S. Ex.a mandara recorltece.- a
(5 0 ) Encabeçou a resistência, o soldado e pedestre M anuel R m i < de Q u ei­
ro z . assinalou nota do a u to r.
(5 1 ) E m o u tro trab alh o de Leverg er, que também jiossuo em o rig in a l,
com entou E . de Mendoncn. Icio o que se segue : “ Pelo* papéis que foram a d ia ­
dos em São .Miguel, veio no conhecimento de que os governadores de Chancas
e de Santa C m z haviam poderosamente « in c o rrid o com arm as e gente liara
esta gu erra, e que pretendiam fazer o u tra paliçada na b a rra do M a m a re ".
— 256 —

barra do Mamoré, viu-se — ao chegar ali — perseguida por duas


canoas muito grandes guarnecidas por gente branca com armas de
fogo. Des.-mbarcando a nossa gente, meteu-se no mato, fizeram sóbre
o inimigo fogo tão vivo c tão liem dirigido que lima das canoas fugiu
logo, e outra, depois de perder muita gente, viu-se obrigada a fazer
o mesnto. Todos esses atos de valor foram premiados por S. Ex.’
Oficiou o gentral aos capitães-mores de Vila Bela e de Cuiabá
que lhe mandassem tão somente alguns negros, e que expedissem
bandeiras para levar a fogo e a sangue as aldeias dos padres jesuítas
da Provincia ele Chiquitos.
A 22 de junho recebeu o general o Aviso da Secretaria de Estado
de 30 de abril do ano antecedente, prevenindo-o da declaração da guerra
entre Portugal ? Espanha (52). No mesmo dia recebeu de Mato
Grosso 230 homens com que se completou pouco mais oti menos
o número de 500 homens, sendo a maior parte escravos e entrando
também carijós. muitos de uns c outros sem armas de fogo.
Determinou o general desalojar os inimigos da posição que
ocupavam c dispôs o ataque para o dia 26 de junho, em que com
efeito se realizara: porém sendo que a maior parte da nossa gente
era dc paisanos, mulatos e negros, e dos trism os militares muitos
recrutas, e que todos iam com grande animosidade e desprêso do
inimigo, não foi possível seguir o plano delineado pelo general.
De muito longe, de corrida e debandada lançaram-se à palissada,
arrojando ou perdendo os machados que levavam para cortã-la.
Tsto deu lugar ao inimigo recobrar o ânimo, e o favor dc uma segunda
lialissadn que tinham por detraz da primeira, jtonto atacado se de­
fenderam com vigor — ao que talvez o movia a mesma dtsesperaçâo,
porquanto intentando fugir e começando a fazê-lo alguns por uma
porteira, os nossos Iho embaraçaram e com a mesma inconsideração
mataram outros que vinham a entregar-se.
O combate durou hora e tipia, e os inimigos se achavam já
bastantemente enfraquecidos: mas a éste tempo a maiot parte da
nossa gente estava ferida e não pouca morta, o obrigou a retirada,
que foi feita socegadatrt>nte, sem que os inimigos se atrevessem a
inquietá-la, nem sequer a aparecer fora da sua palissada.
Os mortos que tiveram os nossos foram, na ação 21. e nlais dois
dos feridos. A perda do inimigo foi muito maior, e durante a luta
muitos, assim paisanos como militares, se distinguiram — porém nin­
guém mais que o ajudante de ordens Manuel <la Ponte Pedreira - n
furriel Antônio Felipe da Cunha, e também José da Cunha, cabo
do Pará.

(5 2 ) Sempre os vizinhos recebiam notícias da M e tróp ole com antece­


dencia dc t r i s a qu a tro meses em relação ao governo de M a to Grosso.
— 257 —

Depois disto constando terem sido vistos em São Miguel bastantes


cruzenhos, marchava para lá o tenente de dragões com 60 hontens,
mas antes da sua chegada já os mesmos se haviam retirado.
A 10 dc agosto chegou uma igarité trazendo para o governador
cartas do de Pará e o Tratado de Paz. que foi logo remetido ao co­
mandante da palissada do Itonamas — o que pôs fim às hostilidades.
A 7 d ' novembro recebeu S. Ex." a Carta Régia de 25 de ntarço,
mandando dar menção ao Tratado de Paris.
A 18 dc mesmo mês recebeu a Carta Régia de 15 dc junho
cncarregando-lhc o Governo, da Bahia, e Irem assim a noticia de ter
sido promovido ao posto dc marechal de campo, agraciado com o
titulo dc conde de Azambuja e com a medalha de Samora na Ordem
de Santiago.

1764
Efctuou-sc a troca dos prisioneiros c das terras pertencentes à
aldeia dc São Miguel, não sem alguma contestação, principalmente
quanto aos indios que tinham vindo daquela aldeia e que espontá­
neamente ficaram dc nossa parte.
O governador de Santa Cruz reiterou as suas reclamações pela
restituição de Santa Rosa e até de Mato Grosso e Cuiabá, depois de
uma entrevista que tev: em setembro cora □ conde de Azambuja
a respeito da mencionada restituição dc terras e prisioneiros.
Confiando pouco na duração da paz, o capitão general conser-
vou-se esperando o sett sucessor no Presidio da Conceição.
A 25 de dezembro chegou a Vila Bela o tenente coronel João
Pedro da Câmara, nomeado para suceder ao conde de Azambuja
no governo da Capitania. A viagem de S. Ex.a foi muito demorada,
principalmente por causa da artilharia que trazia.

2.’ capitão general João P edro da Câmara

1765 — 1768

O governador e capitão general João Pedro da Câmara tomou


posse do governo a 1 de janeiro de 1765 (53).
Em sua subida fl.-lo rio Madeira (54), encontrou no salto deno­
minado Giran uma grande turma de indios Pamas, que lhe mani­
festaram d -sejos que ali se aldeassem, pedindo também um sacerdote;

(53) Nomeado por carta regia de 6 de junho de 1762, nota de E. de


Mendonça.
(54) Foi o primeito governador que praticou a viagem pelo rio Madeira.
Por ai regressou Rolirn de Moura a 15 de fevereiro de 1765.
- 258 —

nesse sentido. depois <le sua posse, participou o governador à Secre­


taria de Estado, mostrando a utilidade de semelhante estabelecimento.
Ponderou, porém, que êsse com-timento deveria ser feito peio Governo
do Pará, em vista dos poucos recursos da capitania de Mato Grosso.
Persuadido o capitão general de que seria pouco duradouro o
estado de paz com os espanhóis, duplicou principalmente a sua
atenção ao estado militar da Capitania e aos seus meios- de defesa.
Solicitou do Gcvérno a viuda de oficiais e armamento. e partiu em
abril para o destacamento da Conceição, a fim de ativar a construção
de uma fortificação de pedra para substituir a estacada que ali man­
dara fazer o conde de Azambuja. Dêsse ponto oficiou ao governador
do Pará pedindo-lhe um socorro de 70 soldados com os seus respec­
t i v e oficiais, c munições diversas.
Mandou S. Ex. a reconhecer o tio Alegre e a campnnlia em que
corre. Os exploradores, depois de subirem o dito rio até onde
puderam, saíram por terra c d.ram com indios mansos e com a
Missão de Santana de Chiquitos.
Em setembro chrgou a monção de São Paulo, que se compunha
de 70 canoas, sendo 17 para Mato Grosso e as mais para Cuiabá.
Em dezembro chegou também com um ano de viagt-m a monção
do Pará, composta de 30 canoas carregadas de molhados c fazen­
das secas.
O governador mandou remover os indios que se achavam oblea­
dos na vizinhança do Presidio da Conceição, para outro lugar, rio
acima, distante quatro léguas, dando à mesma aldeia o nome dc
São Miguel, que depois foi mudado para o de São João.
Constou que, a instâncias do conde dc Azambuja se m andara
do Pará para o salto do Girau um sacerdote para catequizar os
indios Pamas e um carpinteiro para fazer a Igreja.
Foi recebida a Carta Régia de 24 de dezembro de 1764 permi­
tindo sob certas condições a criação das bestas muarés e o uso das
nascidas no pais. A 18 de dezembro o general recolheu-se a Vila
Bela.

1766

O capitão general recebeu um aviso da S -erctaria de Estado de


5 dc julho do ano antecedente reconí:ndando-lhe todo o cuidado c
vigilância em prevenir-se contra qualquer surpresa e invasão por
parte dos vizinhos.
Recebeu também a Lei dc 16 de maio declarando nulo e dc
nenhum efeito, por abreticio c subreticio o bneve — .•fpo.rto/irmn
fasccndi — de nova confirmação da Companhia de Jesus.
— 259 —

Em fevereiro chegou um oficio do «m andante do ¡’residió da


Conceição cm une participava que, tendo mandado uma canoa de
tonda ao Mamoré, e outra ao ítenamas, a primeira não voltara e
a outra trouxera a notícia de ter visto tun grande ufanero de espa­
nhóis em terra, com muita artilharia e muitas canoas no rio. S. Ex.“
deu logo providencias, solicitando socorro de gente de Goiás c do
Pará, e remetendo mantimentos ¡tara o Presidio. Não se resol­
veu. porém, a afastar-se muito da Vila Hela recolando que os espa­
nhóis atacassem o seu distrito pelo Jauru e o de Cuiabá ¡telo Para­
guai. Em 26 do mesmo tnês seguiu para o Destacamento -Ias Pedras,
que fortificou tio melhor modo que pôde g onde deixou uma guar­
nição de 40 homens de ordenança.
Voltando a Vila Bela foi reconhecer os lugares dos rios do Jauru
c dos Barbados por onde podiam penetrar os espanhóis, e informado
de que estes ¡areciam dirigir as suas principais forças para o lado
da Conceição, mudou do intento em que estava de ficar cm Vila
Bela, e cm 4 de junho partiu para aquele presídio, deixando incum­
bido da defesa da mesma vila o seu ajudante de ordens, com uma
guarnição de 200 homens de ordenanças e alguns Dragões e P destres.
tend > recomendado ao capitâo-mor de Cuiabá todo o .cuidado e
vigilância.
Nesta circunstância o já mencionado José Pais Falcão, de Cocais,
enviou ao general o seu filho José Pais das Neves com 40 homens
armados e municiados à sua custa. Partiram a 15 de abril e não
voltaram senão em 1769. Foi orçada a despesa de José Pais em
6.000 oitavas de ouro, não entrando em conta o que gastou com o
■■Ustento e vestuário ¡tara as mulheres dos homens que marchavam
com seus filhos.
Na mesma ocasião mostrou a maior relutância o capitão de
ordenanças Antônio José Pinto de l-.tgueiredo, pelo que foi
preso na cadeia. O general não descançou um momento cm prover
os meios de defesa e ativar a construção do Forte. Não obstante a
falta de operarios e de materiais, principalmente de cal, conseguiu
concluir a obra d - pedra, paus c terra, ficando Instantemente forte
c defensável
Mandara o general aprontar seis canoas armadas em guerra,
cada unia armada com duas pecinhas e guarnecidas com 14 soldados
c um calm de esquadra. E ra comandada esta flolillia por um tenente
de Dragão que andava num bote, com 30 soldados, armado com uma
peça dc libra na proa c outra de três quartas na pópa. Tinha ordem
de conservar-se cruzando sempre nas canoas embaraçando aos espa­
nhóis a saída para o Guaporé, onde fortificando-sc poderíam bloquear
— 260 —

o Forte. Neste receio jii tinha o general mandado abrir ura caminho
por t;r ra da barra do rio Mcqucns para o Presidio.
Em 1 de outubro vieram os espanhóis abarracar-sc no sitio da
Estância, meia légua distante da margem do rio oposta ao Pt'.’sidio da
Conceição. Constava o seu exército de 4.200 homens bem fardados
e armados, comandados pelo presidente da Real Audiência de Chu-
quissaca, que trazia consigo um coronel de engenheiros, com quem
viera à beira do rio fazer reconhecer o estado do inesmo Presidio (5 5 ).
Vendo que a passagem do rio fõra difícil por causa dos vários
destacamentos que o general português havia postado para obstar
a ela, resolveram levantar uma batería defronte do Forte a fim de
batê-lo. esperando assim efetuar a passagem e atacar o Pmsidio,
tomando o general a ofensiva pela direita e o coronel de engenheiros
jxtla esquerda. Para éste fu i o dito coronel fez marchar uma com-
innhia <le granaderos c três de fuzileiros com cem cavalos a otiupareni
o sitio onde existira a Missão de Santa Rosa a Nova, duas léguas
abaixo do Forte. Depois marcharam as outras tropas a postar-se na
margem do rio, e entraram com grande diligência na construção de
balsas capazes de transportar para a parte do Presidio a gente e a
artilharia, — e em fazer trincheira e bateria, o que concluiram guar-
necendo-a com 4 peças de bronze de c. 8, e 4 de 6. Além disso,
abriram uma grande vala por traz da mesma artilharia, cm que
pretendiam segurar seus soldados para não serem ofendidos da praça.

1766

No dia 12 chegou um desertor que referiu tódas essas coisas.


A 21 veio outro qup afirmou que na manhã seguinte se daria prin­
cipio ao ataque. A 22 chegou outro que disse que nesse dia se
devia bater a praça, porém que tendo chegado um postilhão ao
g.meral na noite antecedente mandara ele desmanchar a trincheira.

(55) Dc uma justificação, datada de Santa Cruz de 23 de abril de 1767,


one o vice-eâ do Peru dirigiu ao mencionado presidente de Chuquisaca Dom
Juan Pestana acusado pelo coronel de engenheiros Dom Antônio Aymc-
rich, pelo mau êxito da expedição depreende-se que esta nunca excedera a
2.000 praças, tendo tão somente no dia 19 de outubro 748 homens pela maior
parte bisonhos c faltos dc disciplina, havendo apenas 18 artilheiros com al­
guma pericia. A bateria que se colocou diante do Presídio era de quatro peças,
se bem que com a expedição tivrsscm vindo oito. Havia contado 484 balas. As-
tropas estavam multo maltratadas pelas doenças e pela falta de viveres: vê-se
também da mesma justificação quando Dom Juan Pestana exagerava a força
d,os Portugueses, dizendo que o Presidio era uma fortaleza capaz de resistir,
por quinze dias, ao mais rigoroso e impetuoso fogo, guarnecido de 20 peças
dc artilharia e com quase mil homens, com bastantes destros nas armas bem
apctrecha-Ja c abastecida (nota dc Levcrger),
— 261 —

retirar a artilharia c entupir a vala, passando ordem para que «c


retirassem as tropas.
A 23, assegurou outro desertor que já a artilharia ia em marcha
e qu- haviam queimado os reparos deia e outras bagagens que lhes
podiam embaraçar a retirada. Tudo se foi confirmando até que
no último dia do mês ficou a fronteira totalmente livre dos espanhóis.
Trouxera o postilhão chegado na noite de 21 para 22 ordem
para retirarem-sc os es|>anhóis (5 6 ). Tal era a confiança que êstes
tinham nas medidas que haviam tomado que o coronel Aymcrich
chegou a aconselhar ao comandant: cm chefe que ocultasse a ordem
e desdi assalto ao Forte na certeza de que haviam de apoderar-se déle.
Antes de principiarem as hostilidades e desde o mês de junho,
tinham vindo para o Presid o fugidos da Missão de São Mortinho 35
índios dizendo que outros muitos pretendiam fazer o mesmo. I»r
quererem os |>adrcs obrigá-los a virem à guerra. Todos traziam
as setas envenenadas, o que tinham feito por ordem dos mesmos
religiosos.
Em 24 de março fora morto a porretadas e entiladas Manuel
de Oliveira Ferreira, juiz e guarda-mor do Arraia! do Araés, por
Antônio Ribeiro de Brito (b ). Expcdiu-sc de Cuiabá uma escolta
de 30 capitães do mato para prenderem os criminosos, porém quando
lá chegou a escolta, êles se haviam retirado.
Em dezembro chegou de São Paulo a Cuiabá o segundo juiz de
Fora da mesma Vila, Dr. João Batista Duarte, que tomou posse em
março do ano seguinte e funcionou até 1776.

1767

No correr d r todo éste ano o governador conservou-se no Forte


da Conceição, menos nos primeiros meses cm que esteve em Vila Bela
— até fim de abril.
Celebrou-se no dito Forte a primeira, junta de Justiça Criminal.
Deixara Dom Antôtuo Rohm de Moura de dar execução à
ordem de estabelecer a Casa de Fundição, por diversos motivos que
fez presente ao Governo, sendo entre outros apontados o prejuízo

(56) O motivo que deu lugar à cessação das hostilidades foi ter chegado
ao conhecimento do vice-rei de Buenos Aires Dom Pedro Cevalfos que
arrihara no porto t'o Rio de Janeiro o navio mercante Principa San Lourcnço,
saído de Buenos Aires em feverAro com um milhão de pesos c carregamento
de cornos; e recriando o mesmo vice-rei que íósse sequestrado pelos por­
tugueses. se estes tivessem noticia das hostilidades projetadas, resolveu ex­
pedir a eonmnícaclio de 13 de julho, que foi entregue a 21 de cidubro.
(N ota dh E. de Mendonça).
— 262 —

<>i> incómodo que causaria aos habitantes dc Cuiabá a obrienção de


enviarem o seu ouro a Vila Hela e a fraude que |Kxieria resultar da
circunstância de não ter de pagar quinto o ouro de Mato Grosso por
espaço de dez anos. E como éste privilégio lives.) sido prorrogado
j«>r mais dez anos, em atenção a grande vontade com que procuraram
os moradores de Mato Grosso defender a capitania na gticrra pas­
sada, foi esta a razão por que o general João Pedro da Câmara
não cumpriu o que lhe f< i determinado pela. Carta Régia de 30 de
julho de 1776 a respeito da d'ta Casa de Fundição, providenciando
todavia a respeito dos ourives, como prescrevia a citada Carta Régia.
Recebeu o general a 1’ragmãt.ca, Decreto : mais papéis res-
I cclivos à desnamralização e prescrição dos jesuítas dos domínios
espanhóis.
Receitou também a aprovação das medidas que tomara acerca
da a ld ea dos Famas no Salto de Girau. Teve notícia, por uns indios
fugidos da Missão de São Pedro, que os jesuítas de Moxos dispunham-
se a resistir às ordens expedidas [>ela C ôrt: de Madrid a respeito
da sua expulsão — o que todavia não se verificou.
Em setembro chegou por terra a Cuiabá o visitador vigário
da Vara e pároco daquela Freguesia, D r. José Pereira Duarte, que
tomou posse a 29 do mesmo mês.

1768

Continuaram a ter andamento os trabalhos para melhorar e com-


p! l a r o Forte da Conceição, o que deu lugar ã representação do
governador de Moxos e do presidente da Audiência de Charcas.
Foi remetido [tela Secretaria de Estado o ato do Parlamento de
Paris de 9 de maio de 1767 acerca dos jesuítas d - França. A 25 de
julho recebeu-se a notícia oficial do nascimento do infante Dom João.
1 epartiu-se o descoberto de São Vicente.
Em princípio do ano esteve o capitão general cm Vila Belfa:
cm julho foi para o Presidio da Conceição, onde pouco se demorou.
Em novembro chegou ao dito Presidio o capitão general I.ttis
Pinto de Sousa Coutinho, senhor de llalsemão.
Trazia consigo do Pará forças tiara auxiliar os governadores
espanhóis na expulsão dos jesuítas.
Como recebesse um oficio do presidente de la Plata dispensando
este socorro [tor terem já os mesmos jesuitas seguido para seu des­
tino. despediu a mencionada força, que regressou [tara o Pará.
Na sua viagem trouxera seis casais de Vila de Borba e entre
êlc- um ferreiro e um carpinteiro, que deixou no Salto do Girau.
— 263 —

Deu um regimento para a povoação ali começada e impôs-Ih,- o


r.dtne ele Balsemáo.
Desde o Salto escrevera ao governador Joño Pedro da Cámara
pedindo licença para dar algumas providencias provisórias. ante:,
de tomar posse.
Do Forte da Conceição enviou ás Missões de Moxos o tenenf ■
Francisco de Figueiredo a cumprimentar o governador e entregar-
lhc um oficio de resposta ao presidente de L a Plata a rcspcâo da
saida dos jesuítas, e a reclamar uns escravos fugidos. Incumbiu
■> mesmo tenente de colher informações acerca das mesmas Missões

3.” capitão general Lvtz P into i»k Souza Co vtísiio

(1769 — 1777)

1769
O capitão general Luis Pinto de Sousa Coutinho chegou a
Vila Bela no dia 1 dl: janeiro c a 3 tomou posse da Capitania, que
lhe fôra coÃfiad* pela Carta Regia de 21 de agosto de 1767
A 7 de janeiro mandou publicar a l-ci de 28 de agôsto cie 1767
que extinguiu a Companhia de Jesus nos Domínios Portuguésès ■■
d ciaron nula como obrcticia e subreticia a Bula .liiiinoriiiii Saluli.
Por Bando de 14 de março determinou-se em virtude da Carta
Régia de 8 de agôsto de 1758 a seguinte mudança de nome de d i­
versos lugares :

Forte tbi Conceição — passou a chamar-se — Forte de Fraiiança.


Lugar de S'. João (aldeia de índios) — Lainego
Lugar de S. Josí (idem) — Lcaniil.
Lugar de S'ant '.-1na (idem, distrito de Cuiabá) — Guimarães.
Sitio das Pedras — Deslocamento de Paliaría
.■Irruía! dos .dears — Amarante.
Em junho o general r-■meteu à Secretaria de Estado o projeta
da nova fundação de uni estabelecimento no Stdto grande (ou do
Teotõnio) que se propunham a fazer com outras condições o jiadre
Inácio Pedro Jacone e Luis <!■ Pina Caltcl Branco.
Na mesma data enviou os mapas da força militar da Chpitania,
cujo resumo é o seguinte :

Dragõj-s ........................................................ 126 praças


Pedestres ...................................................... 122 praças
O corpo de Aventureiras tinha sido dispensado.
— 264 —

Corpo de ordeiiaiifas de l'ila Dela


E stad o m aior .................................................. 3
B rancos ............................................................... 205
P ard o s ................................. 80
P re to s f o r r o s ......... . . . . ...................................... 84
O m esm o cm C uiabá, quanto á organização.

Artilharia
12 peças de c. 6 At ferro
1 peça c. 4 de ferro
3 de ferro
2 de ferro
1 de bronze
■X de ferro
J4 de ferro
J í de bronze
R em eteu tam bém m a jo s d c onde se colige (pie a Receita c a
Despesa d a C apitan'a eram com o segue :

M ato Grosso C uiabá


D izim os ..................... 5:415$000 $
C ap.tação..................... s 22:7475000
E n t r a d a s ..................... 3:2975000 3:7888000
R eal c e n s o .................. 893$000 3:161 $000
R eal s u b s íd io ............. $ 6005000
N ovos d i r e i t o s ........... 575000 715000
1 % p. a obras pias . . . 38SOOO 625000
D onativos ................ s 1 :25OSOOO
S o m a .................. 9:7005000 4 1 :379$OOO

D iferença . . 31:6795000

Despesa
F o lh a Eclesiástica ............................... 496$000
” C ivil ............................................ 13:0798360
" M ilita r ....................................... 58:8205387
D espesas ex tra o rd in ária s .................. 42:251 $590
D espesa eventual ................................. 7208000

1 5 :3678337
— 265 —

Ouro exportado cm:


1768 ................... 251:782$000
1'69 ................... 252:2888750 504:0708750

Abatendo o ouro de Goiás, que não


paga 5.” ........................................ 96:0008000

Resta ............................................ 408:0708750

Quinto .................................................. « 1 :614$150


Quinto c capitação a rre c a d ad a ......... 6 1 :822$000

F a l t a .............................................. 19:7928150

Em fim do mesmo mês de junho saiu de Vila Bela para o Forte


de Bragança uma expxliçâo de 82 pessoas, capitaneada por João
Leme do Prado, enviado pelo general para abrir um cantinho do dito
Forte para Vila Bela a Cuiabá.
A expedição partiu do Forte a 18 de julho, e com mais de ano
de viagem chegou a 22 de julho de 1770 ao Sararé. onde terminou a
sua exploração, tendo ]>erdido bastante gente. O autor de um Diário
da mesma expedição avalia em 185 as léguas añiladas do Forte a Vila
P.ela, e supõe que poderá a distância ser de 110 léguas seguindo a
estrada pelo alto do terreno qtn divide as vertentes do Guaporé das
do Juruena. Tendo o general srguido para Cuiabá, ai chegou a 20
de julho, e criou ali, cm observância da Carta Régia de 22 de agosto
de 1758, uma Legião de Auxiliares, a que deu a seguinte organização:
Estado m a io r.................................................... 6
2 Companhias de G ran ad ciro s..................... 160
4 " F u zileiro s........................... 280
1 " Caçadores .................. 50
1 ” Hussares ........................... 50

546

Foi na companhia do general o ouvidor Dr. Miguel Pereira


Pinto Teixeira, que tomara posse em 3 de janeiro. Por Bando de
2 de outubro, determinou-se aos ctpdores da Fazenda Rea! que
trocassem na Provedoria da Vila Bela os titulos de dividas por Bilhe­
tes ou Vales. Em oficio de 24 de setembro o governador pediu ao
ministro dos Negócios Ultramarinos licença para ntinerar o Coxipé-
mirim, visto como constava não haver ai diamantes.
— 266 —

O s indios c mestiços que andavam dispersos no distrito de


Cuiabá eram de 1+54, fura 265 que se achavam aldeados sobre si no
lugar de Guimarães, cuja povoação estava decadente por se terem
muitos indios aliado ou misturado com a população branca.
Por Bando de 31 de outubro íoram mandados reunir em urna só
povoação os moradores dos Arais. Em dezembro esteve o "-neral
em Vila Bela. Criou uma Companhia do AíatO, composta de 1 .-a-
pitão. 1 alferes, 2 trilladores e 20 soldados. Fizera o general outra
semelhante cm outubro, em Cuiabá. Nesse tempo a Igreja de Vi’a
Bela tinha por sucursais quatro capelas :
A de São Francisco Xavier da Chapada, distante 10 léguas;
A de N. S. do Pilar, a igual distância;
A de Santana. 12 léguas distante, e a dl- São Vicente (novamciite
ereta), a 19 léguas.
A dita Igreja desde a sua fundação achava-se servida por párocos
encomendados. O seu rendimento ascend.'a a cinco mil cruzados
|iouco mais ou menos. As Igrejas de Iomcgo c. Leonil achavam-se
abandonados por falta de sacerdotes, No Forte de Bragança havia
um capelão militar, e no lugar de Balseniâo um vigário encomendado.
A paróquia de Cuiabá era considerável, e vra servida |>or vigários
encomendados. O rendimento ascendia a perto de dez mil cruzados.
Contava mais de 7.000 aluas ■ havia três capelas. A freguesia da
Chapada era administrada por vigário encomendado. O general
julgava úti! criar unia Paróquia que tivesse por distrito as margens
de Cuiabá, do Coxipó-uaçu para cima: outra na capela de José Pais
Falcão .•ui Cocais, e outra na capela de Santo Antônio do Rio Abaixo.
lím data de 22 de dezembro deu o general um novo Regimento
ás Companhias do Mato.
1770
Houve noticia de novos indicios de ouro, no Guarajuz não permi­
tindo o general que ali sc minerasse.
Esperava-se que fôsse vantajoso o trânsito do Paraná para o
Paraguai p.+o rio Igatimi; foi, porém, mal sucedida a pr'tntira expe­
dição que veio por aquela via.
Por Bando de 10 de fevereiro foi declarado isento de direitos de
entrada o gado vacam de criação que sc introduzisse nas imediações
do Jauru e Agua]»-!.
Destniiu-s ■um grande quilombo que existe na campanha do rio
Galera desde o tcm|>o cm que se descobriram as minas de Mato
Grosso. Compunha-sc êlc de 79 negros de an>1ws os sexos c 30 índios
c era gov.-mado pela rainha viúva Teresa, que ntorreu enfurecida por
— 267 —

ver-se presa e conduzida a Vila Bela, lila linha um conselheiro


chamado José Piolho, cujo nome se aplicou ao rio Guaritarc, vizinho
de onde se achava o quilombo. que contava com duas tendas de
ferreiro, muito mantimento I: algodão.
Em setembro saiu de Cuiabá para São Paulo uma monção de
oito canoas. Separaram-se na entrada dos pantanais, ficando atrasada
uma cm qu_- ia Vicente de Oliveira Leme, sorocabano. sendo por
isso atacado pelos liárbaros a quem de: liaratou, ficando vivos apenas
cinco índios dos vinte e tantos que o atacaram.
De um ofidio do general Luís Pinto aos diretores da Companhia
de Comércio do Pará consta que nos anos de 1769 c 1770 saiu de
Mato Grosso para Lisboa a soma liquida de 199:488?150.

1771

Em janeiro à Câmara de Cuiabá foi comunicado i»elo general


que mandass escrever por pessoa apta os sucessos notáveis ocor­
ridos em cada ano. dtvendo esses Anais começarem cm janeiro de
1770. e ser no fim de cada ano remetidos ao Governo.
Por Bando de 15 de fevereiro o general determinou que o supe­
rintendente tomasse posse das salinas descobertas c que se des­
cobrissem.
A 19 de março os Paiaguás deram no sítio dos Mortinhos, no
rio Cuiabá (Croará dizem os Anais), onde aprisionaram alguns
escravos e índios, No dia 21 os Caiapós. ou como outros querem,
os Bororós acometeram as lavras do Médico ou N. S. dos Remédios
e mataram mais de 70 indivíduos.
Houve noticia da tentativa de assassinato del-rei Dom José, no
dia 3 de dezembro de 1769.
Deu-se começo á construção da Igreja Matriz de SS. Trindade
de Vila Bela.
Em maio remet.u-se ao conde de (Jeiras os mapas de Receita
e Despesa da Capitania de 1762 a 1769. Eis 0 resumo :

Receita efetuada .. 717.986?306


Divida ativa ......... 14.898$998 732.885$304

D .s. efetuada . . . . 717.986?!19


Divida passiva . . . 293.765?120 1.011.751?239

298.865$935
— 268 —

Em março varou-se uma canoa de dez remos do rio Alegre para


o Aguape!. O último não chega a ter duas léguas, por uma campanha
raza e de terra firme. Porém esta passagem sõ pode aproveitar
durante quatro meses do ano.
Alguns movimentos nas Províncias de Chiquitos e Moxos fize­
ram recear a invasão dos espanhóis, que não tinluim cessado de
reclamar a demolição do Porte de Bragança, e em vista disso o
general pediu ao vice-rei do Brasil petrechos • munições. Solicitou
também dos governadores de São Paulo c Goiás uns 100 homens,
remetendo também esta última capitania dez arrobas de ouro, e rei­
terou o pedido que fizera ao governador do Pará de, entre outros so­
corros, alguns artilheiros com os seus oficiais e um engenheiro.
Expediu ao mesmo tempo as ma¡s terminantes ordens a Cuiabá para
que enviasse força auxiliar e deu minuciosas e convenientes instru­
ções do comandante do Forte de Bragança. Nesta mesma ocasião
recebeu a noticia de que a excessiva enchente do Gtiaporé e as atu­
radas chuvas tinham completamente arruinado o dito Forte, o que
muito agravou o mau estado das coisas.
A primeira fôrça qu: marchou de Cuiabá foi a companhia <’c
hussares comandada por José Pais Falcão, s.-guirmn sc lhe duas
de auxiliares sob o comando do capitão Pascoal Delgado e Lemos
e duas d : ordenanças, tendo por chefe o capitão Antônio Luís dn
Rocha. Todos, com quatro soldados pagos e escravos que entravam
para o seu serviço constituíam o número de 300 pessoas.
Felizmente tornaram-se desnecessárias tôdas essas medidas, por-
quanto em principio de julho o general recebeu comunicação do
governador de Moxos qut dissiparam inteiramente os seus receios,
c em consequência suspendeu as medidas que havia tomado e fez
as convenientes comunicações aos governadores a quem pedira auxilio.
No mesmo tempo em que fazia esses aprestos, o general, sabedor
das hostilidades praticadas pelo gentio no distrito de Cmahá. orde­
nara a Câmara daquela vila que se expedisse uma bandeira contra o
mesmo gentio. Saiu com efeito a bandeira em fim de junho, não
passando, porém, além do rio do Porrudos; fugiram muitos soldados
e frustrou-se essa diligencia que custou mais de 1.500 oitavas de ouro.
Em setembro foi recebido o alvará de 12 de dezembro de 1770
regulando as sucessões do Govêmo das Capitanias em caso
de vacância.
P or Bando de 19 de novembro publicou-se que a Casa de Fun­
dição. cujo estabelecimento fõra demorado por diversas causas,
principiaria a funcionar no ano seguinte. Dando conta ao ministro
dos Negócios Ultramarinos do estado da Capitania em 19 de dezem­
bro, o general participa que se achava reparado o Fo rt; de Bragança.
Desde 1767 o comandante do Forte, sargento-mor de enge­
nheiros Jose Matias de O liv ara Rego, havia informado a má
escolha do lugar, notando a falta de pedra e a ruindade da terra ou
barro c tinha indicado como mais conveniente o lugar da antiga missão
de Santa Rosa, um quarto de légua distante rio ácima. Custara a
oonstrução do mesmo Forte de 1767 a 1771 — 85:8035200, c a sua
manutenção — 42:317Ç500. tendo coisa de cem praças de guarnição.
De uma carta do general Luis Pinto ao Diretório da Compa­
nhia de Comércio do Pará vê-s* que a população da Capitania era
então de 15.765 almas.
Em oficio de maio o g -neral autorizara o comandante do Forte
de Bragança a reunir os índios de Leomil aos de Lamêgo, visto ser
menos própria a situação daquele lugar e serem poucos os seus mo­
radores.
No principio d o ...........entrou a funcionar a Gasa de Fundição.
Criou-se um Registro na passagem do Paraguai para se regis­
trar o ouro que devia pagar o quinto. Em maio os bororós deram
na Chapada em distância de ní-io quarto de légua da Aldeia de
Santana e mataram 23 dos índios seus habitantes. Passado um
dia deram no lugar chamado Quilombo onde mataram cinco escravos.
A 4 de outubro chegou a Cuiabá o novo governador da Capi-
tatua Luis de Albuquerque <1: Melo Pereira e Caceres. Veio
por terra e trouxe cm sua companhia o oficial de engenheiros Sal­
vador Franco da Meta, tendo feito um itinerário e mapa da sua
viagem. Logo depois da sua chegada foi à Várzea Formosa, pelo
Bento Gomes abaixo, distante 14 léguas de Cuialtá onde se dizia
haver grande cópia de sal e salitre. Achou que o produto da extra­
ção mal cobriria a despesa e para promover ésse útil ramo de indústria
mandou depois suprimir os respectivos direitos.
A 3 de novembro saiu o general para Vila Bela, onde chegou
a 5 de dezembro e tomou posse a 13.
No fim do ano voltaram a Vila Bela 51 escravos otte haviam
fugido para os Domínios de Espanha e foram restituidos a instâncias
ao Governo.
Foi assassinado na noite de 12 de novembro Manuel José Pinto,
no sitio de Itapeba, rio Cuiabá abaixo, por seus escravos que fugiram
para a provincia do Paraguai.
Em todo o ano fundiram-sri na Casa da Fundição — 293.200
oitavas de ouro; do de Cuiabá que pagou de quinto — 41.323 oitavas
e do de Vila Bela, de que só se cobrou meio quinto — 17.344 oitavas;
o mais foi ouro livre por haver pago capitação em Cuiabá. Êste
último rendimento chegou a 18.998 oitavas 3/4. 150. Produziu
têrmo médio, de 1766 a 1770 — 18.136 oitavas.
— 270 —

O general Luís Pinto, durante os quatro anos de sua adminis­


tração. deu muitas providencias para melhorar a administração civil
e militar da Capitania, promover a sua segurança, animar a agri­
cultura, o comércio e a navegação. Fez liquidar e pagfer uma boa
parte da dívida passiva da Capitania, que exced a de 700.000 cruzados.
Fez igualmente liquidar o que u praça de Vila B'.la devia às mais
do Brasil, que importou em 450:000$000. Providenciou tambcm
acerca da policia interna e celebrou num acordo provisório com os
governadores de São Paulo t Goiás acêrca dos limites das respectivas
Capitanias.

4.’ capitão general Luiz A lbuquerque de Mrxi.o P ereira e C aceres

1772 — 17«S

O capitão general Luís de Albuqu.-rquc, nomeado por Patente


de 3 de julho de 1771, tomou posse do govêruo da Capitania a 13
de dezembro de 1772, tendo-lhe sido dada em agosto de 1771 uma
carta instrutiva, cujos principais preceitos leram :
T er tõda cautela e prevenção a respeito dos espanhóis: O'gamzar
os índios Bororós em um corpo de milicia, à maneira dos Sipais da
índia; animar o comércio clandestino com os domínios espanhóis;
promover relações de amizatl: com os indios aldeados nos mesmos
dominios; promover o aumento da população c por consequência da
defesa da Capitania; enviar ao Governo minuciosas informações esta­
tísticas a tal respeito; introduzir no ânimo dos povos a economia,
a frugalidade e o desterro dos perniciosos vicios de vãs superfluidades
e dispendiosas ostentações; sustentar e defender os povos de tôda a
opressão que lhes quizessem fazer os ministros da justiça, ou eclesiás­
ticos ou quaisquer outras pessoas constituídas em dignidade ou sem
ela; promover o mais possível a comunicnção entre as capitanias de
Mato Grosso e P ará; conservar a ocupação dl: tõda a margem
oriental do Guaporé, defendendo-a até a última extremidade: dar
completa liberdade aos indios; observar as aperladísim as ordens
existentes a resp-ito dos diamantes; concluir a edificação da For­
taleza que se mandou levantar no distrito da aldeia de Santa Rosa;
promover a agricultura, pagando ;>or justo preço aos indios os frutes
que colherem.
Tendo o general vindo a Cuiabá por terra, logo depois da sua
chegada fez presente ao Govêmo as vantagens que oferecia esta via
de comunicação (a estrada por Goiás) e a conveniência de facilitar
o sm trânsito, fazendo-se nela alguns estabelecimentos e concedendo
alguns privilégios ou isenção aos respectivos moradores — sendo.
— 271 —

porém, preciso primeiro que tudo providenciar a respeito do gentio


Caiapó, que a infestava e se estendia até Camapuâ, tende m ata 1o
rt.-stes dois últimos anos mais de duzentas pessoas.

1773
Em 27 de março celebrou pela primeira vez a Junta dc Justiça
criada per Carta Regia de 12 de agosto d e ............... (57).
Em abril procurou-se efetuar a varação do rio Aguaperi para o
Alegre das canoas do comboieíro Gabriel Antunes, que havia
indicado e assegurado a possibilidade da dita varação ao general Luis
. Pinto. Não obstante ter-se intentado esta varação nh época da
ma or endiente e terem sido previamente, de ordem do general,
pn.-parado o varadouro c desobstruidos os rios, não foi possível a
uma só canoa chegar ao varadouro c teve o dito comboieíro de retro­
ceder ao Jaunt.
Em oficio de 5 dc abril o general solidtou da Córte a remessa
de 12 contos da moeda provincial de prata : de cobre para a faci­
lidade das transações.
Em maio recebeu um Aviso da Secretaria de Es'ado de 30 de
setembro de 1772 em que ll.e terminava que procedesse ao reco­
nhecimento do rio Guapote; que elegendo nas proximidades do rio
dos Mequens um lugar azado para o estabelecimento de uma feitoria
da Companhia dc Comércio do P a rá; que examinass; a Fortaleza da
Conceição c os reparos de que necessitava, devendo haver dentro da
mesma lugar para os armazéns precisos para outra feitoria da dita
companhia; e finalmente que descendo até às cachoeiras, examinasse
o lugar mais conveniente para se fundar outra Fortaleza, devendo
entender a respeito de tudo com o governador do Pará.
Essas novas incumbências fiz.'ram o governador adiar o pro­
jeto que tinha de mandar reconhecer o rio Pàraguai e fundar um
estabelecimento no Fecho dos Morros.
E m outubro o gentio matou 13 ptssoas no lugar da Chapada
dos Guimarães, que se achavam (siseando nas margens do Aricá e
mais três no ribeirão do Bandeira, três léguas distante da vila de
Cuiabá.
Para comodidade dos particulares c a fim de evitar o extravio
do ouro que tinha que pagar o quinto, estabelcccram-se correos para

(57) "Essa carta régia autoriza o governador a formar uma junta com­
posta dc cinco ministros letrados, c na sua falta, de advogados de nota para
sentenciar todos os crimes, civis ou militares, por um processo verbal c
sumarissimo, executando-se logo depois da sentença, que podia ser até de
pena última" ('Nota dc A. Lcvcrger).
— 272 —

conduzirem o ouro dc Cuiabá para a Casa de Fundição e reronduzi-


retn-no depois de reduzido a barras.
O governador começou a dar providencias para a fnmentação do
comércio clandestino com os espanhóis. Tomou-se a respeito dos
Araés medidas que levaram a efeito no ano seguinte.
Em dezembro o general embarcou para descer o rio Guaporé
em <i;sem[>cnho da comissão acima designada. Antes de sair ccle-
brou-sc uma Junta de Justiça, em que foram julgados todo, os -éus
que se achavam na cadeia. Quatro foram condenados a morte c
executados logo depois da saida do general.

1774
O general disceu até o rio Madeira, onde encontrou-se com os
engenheiros mandados vir do Pará, a fim de auxiliá-lo nas indaga­
ções que lhe haviam sido prescritas. Reconheceu-se que não havia
lugar conveniente à margem diifata do dito rio, na proximidade da
sua confluência com o Mamoré, para construção dc o r a fortaleza,
como fôra indicado, por ser tudo alagadiço; porém ua margem
esquerda, ou ocidental, de fronte da Ilha Grande havia um pequeno
espaço de terreno sobranceiro de nove palmos à inundação, que po­
dería servir para aquêle fim.
Notou-se mais que haveria por ventura maior vantagem cm
fortificar a mesma Ilha Grande. Examinando a localidade da arrui­
nada ou destruída Fortaleza da Conceição, convencen-sc o general
de que coisa de 1.000 braças acima dela havia à margem do Guaporé
um lugar mais azado para a construção de uin novo fort .-, do qual
mandou levantar a planta em proporções tais que, além dos edificios
que «Vivia conter uma tal obra militar, houvesse nela espaço para
armazéns de uma feitoria da Companhia de Comércio do Pará.
Quanto ã feitoria que fôra mandada estabelecer no rio Mequcns,
na aldeia de São José, a qual já ali não existia por ter sido removida
mais para baixo, ao general pareceu que o lugar mais próprio para a
dita feitoria era o lugar da Casa Redonda, à margem esquerda do
Guaporé, em frente ao rio Corumbiara. Durante a referida diligência
e estando o general e a sua comitiva na cachoeira da Bananeira,
aparcccu-llie uma maloca de indios Pacovas dando sinais de oucrcrem
aldear-se; foram enviados uns de ambos os sexos e algumas crian­
ças para a Fortaleza da Conceição, onde não tardaram em morrer
sucessivamente.
Em cumprimento às ordens e instruções do governador, o sar­
gento mor Marcelino Roiz Camponês foi em maio para o Arraial
dos Araés. a fim dc examinar essa paragem e estalielecer entre os
— 273 —

seus moradores alguma ordem e policia. Do relatório que apresmlou


da sua viagem consta o seguinte :
Número de fogos .......................................... 38

Homens adultos ............................................ 158


Mulheres .......................................................... 42
Meninos e moços até 14 a n o s ...................... 25
Meninas e moças até 14 a n o s ...................... 15

Em 1 d ; Junho 240

No mesmo mês de maio deu-se, em virtude de anteriores ordens


do governador, começo a estabelecer o Registro da Insua nas imedia­
ções do Rio Grande ou Araguaia.
O governador recebeu noticia de ter sido aliandonado o sitio de
Balsemáo, não só pelos indios Famas, que ali estavam aldeados,
como também pelo respectivo capelão, por outros moradores e pelos
pedestres que faziam ali destacamento.
Em julho regressou o general à Vila Bela. No mesmo mês
faleceu o capitão engenheiro Salvador Franco da Mota (5 8 ).
Nos primeiros dias do ano (20 de janeiro) havia também falecido o
mestre de campo de Cuiabá. Francisco I-opes de Araújo, que
foi substituido por Antônio José Pinto de Figueiredo.
De um ofício do governador de 25 de s.-tembro depreende-se que :

O rendimento efetivo dos quatro anos antecedentes tinha


sido termo médio por ano ........................................ 60:168$206
A d.’soesa dos mesmos anos, inclusive o pagamento
da divida passiva, termo médio .......................... 103:844$379
Nos quatro anc a do governo do general Luís Pinto
pagaram-se de dividas atrazadas ....................... 134 099586'
E no tempo do general Luis de A lbuquerque............... 4 8 :707$773

1775

Em 28 de janeiro publicou-se um Bando estabelecendo uma


pauta dos lucros que se consentia aos moradores tivessem dos gêneros

(58) Êste engenheiro. Salvador F. da Mota, aehava-sc preso em Portugal,


quando teve ordem de acompanhar o governador Luis de Albuquerque, de
cuja comitiva fês parte na travessia do Rio ao Guaporé. Possivelmente seria
o a lto r do mapa de viagem do capitão general. Falaxti cm julho de 1774,
conforme assinalou Leverger.
— 274 —

importados do Pará. Fura tomada esta medida jxir ordem do


marquês de Pombal, com o fim de evitar os excessivos preços a
que chegavam os ditos gêneros. Eis os cálculos sôbre os quais o
general formulou a referida pauta, não devendo, de conformidade
com a ordem reci bida, o lucro liquido exceder de 10 ou 12% :

Pelos fretes e despesas (do preço do


P a rá) ....................................................... 18%
Pelo risco c avaria .................................... 10%
I.ucro permitido .................................. 12%

Total 40%

Tolerou-se, contudo, um lucro bem tanto maior sôbre os artigos


de difícil ou arriscado transporte.
Em íbvereiro publicou-se o estabelecimento do Subsídio Lite­
rário, na forma da Carta Régia de 17 de outubro de 1773.
No começo de maio uns 200 índios que se supõe Guaicurus subi­
ram o rio Paraguai cm 20 canoas c mataram 16 pessoas cm um sítio
pouco acima do barra do Jauru. Pouco depois os Paiaguás mataram
também 28 pessoas nas imediações do Paraguai, pregando c.m pontas
de pau as cabeças das vitimas e incendiando-lhes as casas; e pelo
mesmo tempo os Bororós perpetraram mortes c depredações no
Coxipó-açu.
Em junho saiu do arraial de Santana uma bandei-a de 71 pes­
soas comandada pelo sargento-mor Inácio Leme da Silva, com
destino a procurar minas de ouro p;la banda de Urucumacuan. Esta
expedição foi mal sucedida, e o seu chefe esteve por muito tempo
preso na cadeia pelo seu mau procedimento, por ter maltratado a
gente da bandeira e ter desamparado esta para voltar a Vila Bela.
No fim do seguinte ano foi solto, porém privado da sua patente e
declarado incapaz de servir cango púbi co. O general promoveu
também a expedição de uma bandeira aprontada cm Cuiabá, com
o mesmo fim ds descobrir ouro.
Informado o general por uma comunicação do governador de
São Paulo, datada de 9 de janeiro, de que os espanhóis acabavam de
fazer um estabelecimento acima da boca do rio Ipané (V ila Real
de Conceição), resolveu não demorar por mais tempo a expedição
que de há muito projetara para reconhecer o rio Paraguai e fundar
— 275 —

uin presidio no Fecho dos Morros. Expediu a éste rcspñto as con­


tenientes ordens às autoridades civis e militares de Cuiabá e bent
assim as precisas instruções ao capitão de auxiliares Matias
Ribeiro da Costa, a quem incumbiu esta diligência. Em 22 d :
julho saiu de Cuiabá a dita expedição, composta de 9 canoas grandes,
5 menores e 142 homens, com poucas arm as e pouca munição. O ca­
pitão Matias, enganado pelas aparências e por informações menos
exatas, parou no primeiro lugar que encontrou onde ó rio Paraguai
corre entre dois morros (na paragem antigamente chamada Estreito
de São Francisco Xavier) e ai estabeleceu à margem direita o presidio,
que foi denominado Coimbra, a Nova, celebrando-se o auto da fun­
dação e posse a 13 de setembro.
Pelo pórto do Jaunt entraram por diversas vêzes alguns indios
fugidos d); Chiquitos e trazendo algum gado. Foram mandados para
a aldeia de Guimarães ou Santana, no distrito de Cuiabá. Xo mês
de dezembro chegaram ao mesmo põrto do Jau n t uns contraban­
distas espanhóis, vindos de Salto, com 564 bestas e alguma p rata; com
éles vieram alguns índios com 300 bois.
No decurso do ano fizeram-se as disposiçõ-s necessárias para a
construção do Forte que se destinava a substituir o da Conceição,
sôbre o rio Guaporé.
O sargento-mor Marcelino Rodrigues Camponez foi no fim
do ano substituir o capitão Matias Ribeiro da Costa no comando
do Fecho dos Morros em Coimbra, a Nova. Nas instruções que
lhe deu o general com data de 8 de dezembro de 1775 recomendou-lhe
a exploração do Embotrteu que foi incumbida a João Leme do Prado.
Continuou o general na diligência de promover o comércio
clandestino com os espanhóis. Para êsse fim travou relação de ami­
zade com os governadores de Moxos, Santa Cruz e com o presidente
da Audiência de Cltarcas e o Arcebispo de La Plata, aos quais enviou
presentes. Com o mesmo fim fez seguir até as Missões de Chiquitos
o padre Estevão Ferreira Ferro, sob fingidos protestos.
Neste ano foi empossado o vigário da vara e freguesia de Cuiabá
José Correia Leitão, que veio substituir o padre Dr. José Pertira
Duarte. Este com relutância deixou o cargo cm que no espaço
de sete anos ganhara cérea de 70 mil cruzados.

1776

A 8 de janeiro chegou a Cuiabá o Juiz de Fora Dr. José Carlos


Pereira, e a 28 do mesmo mês chegou a Vila Bela o ouvidor Dr. Luís
de Azevedo Sampaio, acompanhado de sua mulher e uma filha.
— 276 —

O govemadur embarcou para descer o Guaporé e a 20 de junho


pôs a primeira pedra do novo forte que teve o nome de Torte do
Príncipe da Beira.
Aí veio ter o serranista João Leme do Prado, de volta do
reconhecimento que pelo general fôra incumbido no rio Emboteteu
e nos seus afluentes e adjacências. No diário dessa exploração deu
como lhe havia sido ordenado, nomes portugueses aos lugares notá­
veis. Esses nomes, porém, têm caido em desuso e até o do mesmo
rio Emboteteu, que apelidou de Mondego, e hoje é conhecido pela
designação de rio M iranda ou Aquidauana, que são seus principais
galhos. Informado o general da existência um pouco abaixo da
l.oca do mesmo rio no Paraguai de um lugar alto, á margem direita
projetou fazer ai uma povoação. Foi nesta ocasião promovido João
Leme do Prado a capilão-mor de Conquistas e novas descobertas dos
rios Paraguai e Mondcgo.
Voltando a Vila Bela o governador inaugurou a Feitoria que
mandara estabelecer no lugar da Casa Redonda, em frente à foz dk>
Corumbiara e pelo auto <la fundação celebrada a 4 de setembro lhe
impôs o nome de Povoação de Viseu.
O general deu ordem ao comandante de Nova Coimbra, sar-
gemo-mor Marcelino Rodrigues Camponez, para que continuasse
a fazer explorar o rio Paraguai, daquele presidio para baixo. Em
cumprimento dessa ordem partiu cm 3 de outubro o cnpitão Miguel
José Rodrigues com quatro canoas bem equipadas e armadas em
guerra. Encontrou muitas canoas de Guaicurus que, mostrando a
principio disposições hostis, deixaram contudo que se lhes chegasse
à fala, mas não quizeram receber mimos que para êies foram deixados
no barranco.
No terceiro dia chegou a expedição a tms pequenos morros que
estão à margem direita do Paraguai, chamados pelos castelhanos Los
Tres Hermanos, e que os nossos apelidam Morros de Miguel José.
Ia como prático um homem, paiaguá, que havia pertencido á tripu­
lação das canoas dos comissários que vieram colocar o marco d :
Jauru em 1754. Declarou que éste lugar era o procurado Fecho
dos Morros, e por mais que duvidasse o capitão por ser perfeita-
mente plana a oposta c oriental margem, o homem sustentava o seu
dizer, asseverando que uns cabeços que dali se avistavam a sul per­
tenciam a montes muito distantes das beiras do no, — sendo que
os ditos morros são, como bem presumia o capitão Miguel José,
o verdadeiro Fecho. Prosseguiu a expedição o seu mgresso rio
acima; encontrou de novo com os Guaicurus e travaram relações de
— 277 —

amizade com êles, prometendo êsses indios que, passadas três luas,
viriam ao Presidio.
De uma conta enviada ao marquês de Pombal cm junho consta
que divida passiva anterior a 1769 ainda era de 4 7 :560$999, tendo
já pago :

Da divida de 1769 a 1772 ........... 50:1368685


Da dívida anterior a 1769 ............. 72:3818891

Total .............................. 122:5188576

1777
No dia 4 de fevpreiro pelas 9 horas da noite houve no Presidio
de Coimbra uin incêndio em que arderam tôdas as casas, menos a
da pólvora; apenas se salvaram alguns sacos de iarmh.1. Morreu
uma criança de 8 anos, cm consequência das queimaduras receb’das.
A noticia da tomada de Santa Catarina |: de outras hostilidades
da parte dos espanhóis, levou o general a mandar reforçar as guarni­
ções da fronteira e tomar outras medidas relativas à sua defesa.
Em agosto repartiu-se o novo descoberto d : ouro na chapada de
Bcripoconé.
Em Bando de 23 de outubro public»u-sc a criação do Corpo
de Auxiliar de Voluntários do Distrito de Mato Grosso, pela resolução
do general de 25 de junho antecedente.
Em novembro recebeu o general um ofício do vice-rei marquês
do Lavradio comunicando-lhe a suspensão de hostilidades entre
Portugal e Espanha, em consequência do qne mandou recolher os
destacamentos com que havia reforçado as guarnições das fronteras.
Embora não tivesse noticia oficial do desponsório de sua alteza o
principe da Beira, o general mandou festejar em dezembro êsse sucesso.
Havia três meses que se sabia do falecimento de Dom José I.
e como demorasse a comuniuação oficial a tal respeito, o general
mandou publicar e celebrar um oficio fúnebre.
A falta de mmessas de gêucros e escravos pela Companhia de
Comércio do Pará inquietou o general e fê-lo recear que se tivesse
alterado o plano de abastecer o comércio de Mato Grosso pela ditst
Companhia. Com efeito, em dezembro recebeu o Aviso da Secretaria
de Estado dos Negócios Ultramarinos de 3 de junho de 1777, em cum­
primento do qual mandou publicar em 22 de dezemliro um Bando
— 278

revogando a pauta e disposição de 28 de janeiro de 1775, fazendo


constar que o comércio em grosso c a retalho ficava livre como dantes.
De um ofício de 25 de novembro vê-se o seguinte :

Divida anterior a 1769, paga no tempo de Luis de


Albuquerque .............................................................. 84:1S9$314
Divida de 1769 a 1772 ................................................... 50¿78$348
Divida restante anterior a 1769 .................................. 36:753$576

1778
Em 6 de janeiro, tendo vindo uma porção de Guaicurus ao Pre­
sidio de Coimbra em termos de amizade, c tendo havido descuido
por partí? dos nossos, foram aleivosamente mortas 54 pessoas pelos
ditos índios, em distância de 300 passos do Presidio.
Em fim de fevereiro o general embarcou para o Forte do P rín ­
cipe, cujas obras não cessava de ativar, e voltou ao cabo dc tr.-s
meses a Vila Bela. Em oficio de novembro pedia o general ao
Governo, entre outras coisas, a remessa para o dito Forte dc uma
duzia de peças de artilharia de bronze, bem montadas c de calibre
mediano — de 6 e 8. — com os respectivos preparos e provimentos,
e assim também 1.500 a 2.000 armas novas.
A 12 th junho o ouvidor D r. Luiz de Azevedo Sampaio foi
morto a tiro cm Vila Bela. O assassino. José Tavares Barbosa
não procurou fugir e entregou-se à prisão. Foi sentenciado à morte
e executado dentro de oito dias. Fazendo ciente ao Gbvêrno
dèste acontecimento, o general participava que ia tamliém mandar
proceder a uma devassa sóbre as violências e desatinos praticados
pelo dito ouvidor — o que tudo foi aprovado por Provisão de 20
de julho de 1779.
Um oficio do governador de São Paulo comunicou a noticia
da demolição do Presídio de N. S. dos Prazeres de Igatimi pelos
espanhóis.
Em julho chegou extra oficialmente a notícia dos Tratados de
Paz e Limites dc 1777.
A 21 dc setembro celebrou-se o auto da fundação da poveação
dc Albuquerque, na margem direita do Paraguai, lugar escolhido pelo
capitão-mor João Leme do Prado, que ali se conservou com alguns
moradoras vindos dc Cuiabá.
A 6 de outubro celebrou-se também o Auto da fundação de Vila
M aria do Paraguai, no lugar onde existia o Registro e habitavam
161 pessoas, entrando nesse número 80 índios desertados da Missão
dc São João de Chiquitos.
— 279 —

Retiraram-sc pela navegação do Guaporé os contrabandistas espa­


nhóis vindos em 1775 e que haviam introduzido r.a capitania 675 mulas.
Em oficio de 28 de novembro o capitão general dava ao pre­
sidente do Real Erário as seguintes cartas (59) :

Dívida passiva anterior a 12 d : dezembro de 1772 . . 172:497$345


Riga por Luiz de Albut|tierque até 28 de novembro
de 1778 ....................................................................... 143:647$447

Restavam .................................................... 28:759?898

Rendimento anual da capitania nos últimos quatro


anos, termo m é d io ................................................... 660:168$206
Despesa anual nos mesmos quatro anos, térmo médio 1O3:S44$379
Remessas de ouro de Goiás para a capitania, sob os go­
vernos dos generais :
D, Antônio Rolim, <L- 1759 a 1764 — 102.792,78
oitavas a 1Ç500 .................................................. 157:188$182
João Pedro da Cámara, de 1765 a janeiro de 1769
— 136.300 a 1Ç500 ........................................ 204:450§000
Luís Pinto de Sousa, janeiro de 1769 a novem­
bro de 1772 — 133.861 a 1Ç500 e a 18350.. 195:825S900
Luís de Albuquerque, dea.-mbro de 1772 a no­
vembro de 1778 — 195.190J6.34 a 1Ç35O.. 263:5138995

No decurso do ano continuou o general a providenciar a res­


peito do comércio clandestino com os espanhóis (60).
Foi neste ano extinta a Companhia de Comércio do Grão Pará
c Maranhão.
1779
Era cumprimento do disposto na portaria de 1 de agosto de 1778,
o general convocou em janeiro uma ju n ta em que se determinasse

(59) Estas informações. colhidas por Leverger na correspondência oficial


dos governadores supre a falha existente cm outras fontes e permite exame
cuidadoso de evolução econômica e financeira da Capitania.
(60) Luís de Albuquerque não somente facilitou o comércio com os vizi­
nhos apesar da proibição vigente, como ainda atraiu, ja ra os povoamentos
fronteiriços que iundou, os indios das imediações, cm represália a proteção
que as autoridades espanholas proporcionaram aos escravos fugidos de Mato-
Grosso.
— 280 —

e se limitasse o tempo dentro do qual deveria ser pago o que se devia


à Companhia do Comércio do Pará.
Atendendo a um requerimento da Câmara de Vila Bela, o ca­
pitão general, devidamente autorizado, íez público por Bando de
10 de fevereiro que vigorariam na Capitania diversas disposições do
Regimento do Governador do Pará, autorizando o dito governador
a passar alvará de fiança aos culpados em alguns crimes, e facul­
tando também outras atribuições judiciárias, inclusive a de perdoar
crimes menos graves, pelo Natal e Endoenças; devendo, porem, ouvir
o ouvidor, embora sem obrigação de seguir o seu parecer.
Foi mandado socavar o ribeirão de Santo Antônio dos Guarajus
sob a direção do tenente Manuel Veloso Rebelo dc Vasconcelos, e
depois foi mandado repartir o descoberto.
No dia 1 de junho o governador lançou a primeira pedra da
Capela de Santo Antônio, em Vila Bela.
O padre Manuel de Albuquerque Fragoso fundou um sitio de
lavoura na estrada de Goiás, nas imediações do rio dos Porrudos, que
desde então começou a chamar-se São Lourenço. O general animou
e protegeu éste útil estabel.-ciinento.
Erigiu-se em paróquia a nova povoação de Vila Maria, cedendo
os vigários de Vila Bela e de Cuiabá as suas jurisdições a Leste do
Jauru e Oeste do Sangrador do Melo, salva a oposição do reverendo
bispo Diocesano.
Deram-se providências para o melhoramento, ou antes restau­
ração da Aldeia de Santa Ana da Chapada, no distrito de Cuiabá.
Edficou-se aí uma igreja, sob a direção e esforços do juiz de
Fora, Dr. José Carlos Pereira, que com igual zêlo erigiu depois a
igtjtja de São Gonçalo no Pôrto de Cuiabá.
Comprou-se e providenciou-se para que se levasse gado à F a
zenda da Caissara, nas imediações de Vila Maria.
Tcndo-se explorado a campanha e as cabeceiras do rio Barbados
as pessoas q u ' foram a esta comissão declararam ter encontrado salinas
em distância de 16 léguas triáis ou menos, do curral da fazenda de
um certo José da Silva (6 1 ).
Para reprimir as continuadas correrías dos indios nas paragens
do distrito de Cuiabá, onde haviam matado 20 pessoas, expediu-se da
dita vila uma bandeira de 80 homens, a qual recolheu-se cm começo
do ano seguinte, tendo mal desempenhado a sua tarefa. Trouxe,
contudo, cinco índios adultos, oito mulheres e oito crianças, tendo dei-

(61) Tratar-se-á por ventura de Custódio José da Silva, pioneiro na


região onde se afazendou, mudando-se drpo's para Santo Antônio do Rio
Abaixo.
— 281 —

xado escapar uns duzentos, depois de aprisionados, com sacrifício de


algumas vidas do pessoal da bandeira.
Por Bando de 1 de dezembro fez-se público que a contar de 1
de janeiro de 1780 pcrcebcr-S.‘-ia em sua totalidade o quinto de ouro,
por se ter acabado o prazo de isenção do meio quinto concedido
aos moradores de Mato Grosso, — devendo por isso correr a oitava
de ouro do dito distrito a l$200 réis. Corria ate então a oitava a
1Ç350 ■ainda anteriormente a 13500, quando o ouro esteve isento do
quinto.
Todo o ano trabalhou-se na construção do Forte do Principe da
Beira, tendo-se mandado vir ao Jauru pedras de cal de Albuquerque.
Os oficiais militares pagos existentes na capitania eram :

1 1.» Tenente de D rag õ es................. 720S000


1 2.’ Tcnen”- de Dragões .............. "20$000
1 1.” Alteres de Dragões ................. 5763000
1 2.° Alferes de D ra g õ e s ................ 5763000
1 Capitão de Pedestre ................... 4803000
1 Alferes de Pedestre ................... 2888000
1 l.° Ajudante de Ordens ............. 1 :041S248
1 2.“ Ajudante de Ordens ........... 1 .■0413248
1 Sargento-mor de Auxiliares de
Cuiabá ...................................... 7313400
1 Ajudante d s Auxiliares de Cuiabá 4193400
1 A judante de Auxiliares de Vila
Bela ........................................ 4648248

1780

Houve em fevereiro no rio Cuiabá uma excessiva cheia, que fez


muito estrago.
O subsidio que a Capitania de Goiás q inetia comumente a esta
ficou reduzida a trezentos marcos de ouro.
Em ma’o o general autorizou a expedição de uma Bandeira
contra os indios que infestavam as vizinhanças de Cuiabá, declarando,
porém, que a Fazenda Real aptnas poderia concorrer com algum
provimento de pólvora e chumbo.
O general recebeu o Aviso da Secretaria de Estado dos Negocios
Ultramarinos de 8 de janeiro dêsie ano, cm que lhe dizia, entre outras
coisas :
Que fôra nomeado para suoeder-Ihe no governo da capitania
João Pereira Caldas, o qtlal, porém, antes da sua ida a Mato Grosso
deveria ocupar-se na demarcação de limites ao norte do Amazonas;
— 282 —

Que para a demarcação de limites haviam se formado quatro


Divisões Portuguesas e quatro Espanholas, composta — cada urna —
de dois comissários principais, dois Matemáticos, dois Engenheiros,
dois Práticos e mais comitiva correspondente;
Que, enquanto não chegasse a Divisão Espanhola convinha que
éle, capitão general, mandasse examinar os sitios por onde sc havia
de lançar a raia ;
Que julgava-se importante que ficasse pertencendo a Portugal
o istmo de varação entre o Aguapei c o Alegre.
Respondendo ao dito Aviso cm oficio de 25 de agosto, o capitão
general enviou à dita Secretaria de Estado uma Memória contendo
as suas idéias acerca da situação e direção da linha divisória, idéias,
de acordo com as quais, foi organizada a Carta da Capitania: corre
a linha da Bahia Negra para ponta de lim ites: dai por diversos pontos
notáveis até as cabeceiras do Paragaú; desce pelo álveo do dito rio
até certa altura, em qttr corre paralelamente ao Guaporé, em ordem
a cobrir o território dos Guarajus. c descendo pelo pequeno rio de
São Simão entra no Guaporé e por eles segue até abaixo da con­
fluência do Madeira c Mamoré (6 2 ).
Em observância das sobreditas ordens o general expediu, em
setembro, uma bandeira de 54 homens ao mando do tenente Manuel
Veloso Rebelo, a fim de explorar os terrenos do lado esquerdo do
Guaporé. desde as serras fronteiras a Vila Bela até as cabeceiras do
rio São Simão pequeno. Por portaria de 20 de outubro foi supri­
mido o posto de capitão de pedestres.
A 29 de dezembro tomou posse do lugar de ouvidor o Dr. Joa­
quim José de Morais.
Neste ano crigiu-se a Capela d : São Gonçalo no Põrto Geral
de Cuiabá, a diligências do juiz de 1'ora Dr. José Carlos Pereira,
auxiliado pelo leigo frei José da Conceição Pao de Arco.

1781
A 21 de janeiro impôs solcnemente o nome de Arraial de São
Dxlro d ’El-Rei ao descoberto de Beripoconé, onde já existiam 2.118
habitantes de tôdas as condições, e havia esperanças de prosperidade
durável, à vista das lavras de veeiros que tinham aparecido. Um es­
cravo dava de jornal 114 oitava de ouro por semana.

(62) As idéias de Luis dc Albuquerque abertamente contrariaram algumas


das cláusulas do Tratado de Limites e por isso 0 ministro Martinlio de
Melo não as aceitou, embora lhe aplaudisse o zêlo.
— 283 —

Nesta ocasião concordaram os moradores em edificar uma igreja


numa chapada fronteira àquela onde existia, com bom assento e boa
vista, um rêgo dágua permanente passado pelo meio.
Por Bando de 27 dc janeiro declarou-se que todo o gado introdu­
zido no distrito dc Mato Grosso, isto é, a Oeste do Rio Paraguai,
pagaria tão somente metade do direito de entradas.
A 17 de janeiro chegou a Cuiabá e n 22 tomou posse do lugar de
juiz e Fora da dita vila o Dr. Antônio Roiz Gaiozo, vindo da Bahia
por terra.
Em fim de março voltou a Vila Bela a exprdição exploradora do
tenente Veloso, não tendo podido ult.tnar a diligência pelas muitas
águas, fome, doenças e também pela má direção.
Em abril saiu outra expedição a cargo do sargento Francisco
Garcia Velho Paes dc Camargo, que embarcando desceu o Guaporé,
subiu o Paraguaú até onde tinha chegado Velozo e dai foi por terra
ao Arraial de Santo Antônio dos Guarajus, fez as observações pre­
cisas e voltou a Vila Bela em julho.
Em novembro expediu-sc t|; Cuiabá uma Bandeira, que apri­
sionou alguns índios.
No mesmo mês chegou como vigário da vara e de Cuiabá o
reverendo Dr. Manuel Bueno de Pina. Em dezembro chegou a noticia
do falecimento da rainha mãe. Apareceu na vizinhança da povoação
de Albuquerque uma porção de gente a pé e a cavalo, que se supôs
vmda das Missões de Chiquitos.
Continuaram as obras do Forte do Principe c a mineração dos
Guarajus. Esta, porém, pouca vantagem ofereceu.
O general recebeu o Aviso da S . de E . U . comunicando que sua
majestade mandara assistir a Capitania com 20fl00$000 anuais para
as despesas das demarcações de limites.
Em outubro o general nomeou para primeiro e segundo comis­
sário da 3.a Divisão das demarcações o tenente coronel Antônio
Felipe da Cunha Ponte e o sargento-mor José Manuel Cardoso da
Cunha.
1782
A 22 de fevereiro chegaram a Vila Bela, vindos do Pará, os
seguintes membros da 3.“ Divisão de Demarcações dc Limites, ca­
pitães engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra c Joaquim
José Ferreira. Dr. astrônomo Francisco José de Lacerda c cape­
lão padre Alvaro da Fonseca Zuarte, tendo ficado em viagem o
— 284 —

D r. astrônomo Antônio Pires da Stlva Pontes. Anuindo aos


desejos dos mineiros de Guarajus, o general lhes permitiu que
xassem aquele lugar e viessem traballtar no novo descoberto de Santa
Bárbara, situado entre Aguape! c Lavrinltas, u qual nfuidou repartir
a 20 de fevereiro (63).
Em junho o general foi com os sobredaos engenheiros e astrô­
nomos examinar o monte do Grão-Pará, fronteiro a Vila Bela (6 4 ).
Em setembro foi também com eles à Fazenda de gado de Custódio
José da Silva, sôbre o ribeirão dos Barbados, onde estabeleceu
Quartel General cm uma barraca, e dispôs diversas diligências de
explorações em diversas direções, q u ; incumbiu aos mesmos oficiais.
O general ordenou que de Albuquerque (64.a ) se remetesse
para o Jauru uma porção d- pedra calcárea que pudesse produzir
1.600 ou 2.000 alqtlfires de cal, destinados às obras do Forte do
Príncipe da Beira.
E m novembro o governador enviou ao dito Forte os astrô­
nomos da Divisão de Demarcação de Limites, a fim de ali fazerem
diversas observações.
Não haviam tido execução as Provisões de 12 de outubro de
1739 c 12 de julho de 1743, que proibiam a existência de engenhos
de fazer aguardente. A 7 de outubro de 1749, modificava as ante­
cedentes, deixando ao arbítrio do governador o conservar ou destruir
os ditos engenhos. Fundando-se nela o general ordenou por Bando
de 6 de novembro que não se erigissem, nem se recdifi^asspm os
mencionados engenhos e engenhocas, cujo número havia crescido de
modo prejudicial.
Em dezembro chegaram a Cuiabá dois sacerdotes naturais da
Capitania — os primeiros que se ordenaram — Francisco Xavier,
dos Guimarães Brito Costa e José Manuel de Siqueira, ambos de
familias pobres e ordenados no Rio de Janeiro.

(63) A razão predominante da retirada é outra. Ciente do inicio dos tra­


balhos mineiros cm Gttarajns, à esquerda do Graporé, o ministro Martinho dje
Meto recomendou a Luís de Albuquerque promovesse a transferência dos seus
paveadores para qualquer outra localidade à direita do rio estremenho. pois
que as, mina» jaziam em território espanhol, de acordo com o Tratado de Li­
mites. Por Coincidência na mesma ocasião a descoberta de Santa Bárbara
atraiu as andejos mineradores, que nâo tiveram dúvida cm cumprir as dc-
tcnmnaçócs governativas.
(Ó4) A Comissão Demarcadora dc Limites entre o Brasil e a Bolívia, cm
virtude do Tratado de 1867, deu a esse morro a denominação dc Ricardo
Franco, em homenagem á memória daquele grande servidor de Mato Grosso” .
(Nota de E. de Mendonça).
(64?) Atual Corumbá.
— 285 —

1783

Em janeiro foi erigido em julgado o Arraial de São Pedro d’El-


Rei (6 5 ), na forma da Provisão de 26 de inaio de 1742, tendo o
ouvidor, com aprovação do general, procedido à eleição de dou
juizes ordinários, one foram o guarda-mor André Alves da Cunlia
e o capitão-nior Salvador Jorge Velho. A população do dito Arraial
excedia a 3.000 almas. Ficou separado do têrmo de Cuiabá e
passou a pertencer ao de Vila Bela, ficando por limite o ribeirão
Bento Gomes, que se supunlia fazer barra no Cuiabá.
A 25 de janeiro chegou o novo secretário do govérno, Joaquim
José Chvalcanti. Contra a ereção do Julgado de São Ptedro repre­
sentaram a Sua M ajestade a Câmara e o Juiz de Fora de Cuiabá,
o que deu lugar ã Provisão de 19 de março de 1784 mandando que
a respeito o general prestasse informação, que assim o fez em ofício
<ie 22 d: abril de 1787.
O general mandou levantar alguns edificios no lugar já men­
cionado da fazenda de gado de Custódio José da Silva, sobre o
ribeirão dos Barbados, coisa de oito léguas a sul de Vila Bela, e ali
se celebrou por Alito Soler.?, em 29 de setembro a fundação da
Povoação de Casalvasco.
A ésse lugar tinha chegado em agosto um coronel espanhol com
numerosa comitiva, trazendo ao capitão general comunicações do
comissário espanhol Dom Inácio Flores. Durante a sua estada
mandou fincar uma grande cruz d - madeira com a inscrição — Real
de S . l.ourcnzo (nonw que de ordinário davam à cidade de Santa
Cruz d : la Sierra). O capitão Joaquim José Ferreira na presença
da dita comitiva mandou arrancar a cruz, c mandou outrossitn arran­
car outra que diziam estar íinaada nas Salinas; não foi, porém,
achada e supôs-se que os mesmos espanhóis a houvessem queimado.
O astrônomo Dr. I-acerda empregou-se nas observações geo­
gráficas e astronômicas que lhe incumbira o general nas imediações
do Forte do Principe.
E m outubro o Dr. Pontes c o capitão Ricardo Franco foram
fazer o reconhecimento dos terrenos compreendidos entre o rio Bar-
bados e Marco do Jauru.
Em novembro recebeu o governador comunicação de liaver sido
nomeado coronel de cavalaria do Exército por Dtecreto de 24 de
julho de 1782.

(65) Pocsné, presentemente.


— 286 —

178+
Em março houve uma excessiva enchente do rio Gtiaporé e que
aiagou Vila Bela; julgou-se haver arruinado uma terça parte das
cusas.
A 23 de abril, estando na Freguesia de Santana o Juiz de Fora
de Cuiabá, Dr. Antônio Rodrigues Gayoso, disparou-se-lhe um
tiro de arcabuz com balas I? perdigotos que muito o maltratou, veio
a sabsr-se que o mandante do crime íõra um Pedro Marques, taver-
neiro, natural de Portugal, e o mandatário um Pedro José dos Passos,
pardo natural de Ararilaguaba, os quais conseguiram evadir-se (66).
O general mandou remeter de Cuiabá para Albuquerque diversas
sementes e mudas de cana d? açúcar e o necessário para ali se levantar
um engenho.
O general mandou o capitão Ricardo Franco e o Dr. Pontes
completar a exploração começada no ano anterior dos terrenos a
sul de Vila Bela até o marco do Jauru. A expedição Compunha-se
de 20 pessoas. Partiu em julho.
Em agósto receb.-u o general um oficio do vice-rei de Buenos
Aires. Dom João José da Vertir, anunciando a vinda do tenente de
navio. Dom Rozendo Rico Negron. 1.° comissário da 3.a Divisão
Espanhola da Demarcação de Limites, e em setembro a comunicação
oficial de haver chegado em Santa Cruz o dito comissário.

1785
No dia 8 <r_- setembro celehrott-se com muita ponqxt e assistência
do general, em Casalvasco, a festa de N. S. da Esperança.
Estabeleceu-se em Salinas. 7 ou 8 léguas distante de Casalvasco.
uma guarda composta de um alferes. dois dragões c cinco pedestres
com o fim de patrulhar as imediações e impedir a fuga de escravos
c desertores.
Inforntado o general que nas cabeceiras do rio .\legre tinha
aparecido ouro de conta, ordenou que se prosseguisse na diligência
da socavação, e que no caso (67) ...........................................................
execução à dita ordem, servindo-se do que tinha escrito José Barbosa
de Sá. que consignou algumas noticias anteriores a 1765. e desta'
época para 1786 narrou os sucessos de que tinha sido testemunha
ocular (68).

(66 ) P e d ro M arqu es fo i depois prêso, em São Pauto, em fin s de 1785


ou começo de 1786 ( N o ta de L e v e rg c r).
(6 7 ) A o o rig in a l fa lta um pedaço correspondente a 21 linh as dc papel
com um de o fíc io ( N o ta dc E . de M endonça).
(6 8 ) Refere-se á ordem de re g is tra r nos “ A n a is " os sucessos locais.
— 287 —

Neste ano o reverendo Dr. vigário Manuel Bruno d e .............foi


nomeado visitador pelo Exm .” bispo do Rio de Janeiro.

1786
Em abril partiram de Vila Bela para Jauru os engenheiros e
astrônomos da Divisão de Demarcações, com suficiente comitiva, a
fim de fazerem um cxlato e circunstanciado reconhecimento do rio
Paraguai, desde o Marco até a Baia Negra, e bem assim das adja­
centes baias. 13 sempenharam esta comissão, e saindo pelos rios
São Lourenço e Cuiabá chegaram em setembro a Vila Bela.
Tendo sido enviados três sacerdotes de Cuiabá pelo respectivo
vigário da Vara, de ordern do general e do Rio de Janeiro, para ser­
virem os lugares de capelão das Demarcações, capelão do Forte do
Principe da Beira e coadjutor do vigário de Vila Bela, evadiram-se
furtivamente para São Paulo em canoas e com tal presteza que bal-
dou-sc tôda a diligência que se fez para prendê-los (6 9 ).
Era setembro houve noticia de ter tomado conta do Govêrno
da Provincia de Moxos, Dom Lázaro de Ribrra, cujo nome se tomou
depois notável nesta dapitania.
Em novembro foi acometida pelo gentio Paiaguá uma canoa que
ia de Albuquerque para Cuiabá, perecendo no conflito dois dos
agressores.
A 3 do mesmo mês, pelas 10 horas da manhã, sentiu-se em Cas-
salvasco um leve tremor de terna por (espaço de dois minutos.

1787
Em março o general recebeu a noticia oficial dos desposorios dos
infantes de Portugal e Espanlia, e cm abril a de ter falecido a 25 de
tnaio do ano antecedente o Sr. Dom Pedro 3.’
Em abril o general respondeu â Provisão de 19 de novembro
de 1784. expedida em consequência da queixa da Câmara de Cuiabá
contra a precipitação do ouvidor em erigir em Julgado o Arraial de
São Pedro d’El-Rei. O parecer de S. Ex. a foi em tudo favorável
ao procedimento do ouvidor.
Em julho deu o gentio Caiapó duas vêzes cm sitio nas margens
do Aricá, distrito de Cuiabá, matando oito pessoas.
Em agosto três soldados que ha vi ana desertado para os Domínios
da Espanha foram alcançados por uma escolta que se mandara em
seguimento dêtts. Um resistiu, e foi m orto; os outros entregaram-se.

(69) Padres Francisco Pinto Guedes. Francisco Xavier dos Cuimarães c


José Luís de Queiroz (Nota de Leverger).
— 288 —

Querendo uni soldado tirar unia liolsinha que estava ao pescoço


do morto, os companlieiros dêste disseram que o não consentissem,
porquanto o dito desertor lhes comunicara que na véspera da deserção
íóra á Igreja Matriz confessar-se e comungar e que neste ato tirara
da boca a sagrada particula e a guardara porque, lei^ndo-a consijgo.
não temia pessoa alguma, porque nenhuma arma contra êle pegaria
fogo, nem em seu corpo entraria bala ou colisa alguma que o pudesse
ofender.
Verificou-^? a bolsinha e foi a sagrada particula conduzidh. com
tilda a decência ao palácio do governador, e dai debaixo de pãlio
â Igheja Matriz. Houve muitos dias de luto por ordem de S. Ex.a
Os moradores de Cuiabá foram muito flagelados de catarrais,
pneumonias, pleurizes malignas e febres podres nos meses de setembro,
outubro e novembro.
Em setembro esteve de passagem, no Forte do Principe da Beira,
o governador de Moxos Dom Lázaro de Ribera.
A 18 de novembro tomou posse do lugar de vigário de Cuiabá
o Dr. Vicente José da Gama Leal.

1788

Em junho o governador mandou criar mais uma companhia no


Corpo de Auxiliares de Cuiabá.
Em setembro seguiu para São Paulo o Dr. astrônomo Francisco
José de Lacerda, incumbido do reconhecimento dos rios Taquari,
Coxim, Camapuã. Pardo, Paraná e Tietê (70).
No mesmo mês, marchando uma Bandeira em busca de ouro no
l io Guaporé acima, em distância de 15 léguas mais ou menos do Arraial
das Lavrinbas, descobriu uma gruta notável, chamada das Furnas.
a qual foi prolixamente descrita pelo D r. naturalista Alexandre
Rodrigues Ferreira, que a visitou em julho de 1790 (71).

1789
Em março o governador mandou explorar com todo o cuidado
os rios Paragaú. Verde e Capivari, afluentes do Guaporé. pelo Doutor
astrônomo Antônio Pires da Silva Pontes.

(70) As “ Memórias" e “ Diários de Viagem" do astrônomo Francisco


José de Lacerda e Almeida foram publicados em 1842, por ordem da
Assembléia Legislativa de São Paulo, sua terra natal. Modernamente apare­
ceram outras e mais completas edições.
(71) Publicada na Revista do Instituto Histórico c Geográfico Brasi­
leiro, Tonto X II.
— 289 —

Em 1 d : julho rqiartiu-se o novo descoberto chamado Sapateiro,


em uma chaparia que dista quatro léguas de Cuiabá, c suposto que fõsse
sua extensão muito diminuta foi bastante rico pois na data do Dou­
tor superintendente, que não excedia de 12 palmos de largura com
30 braças de fundo e já haría sido desbastada por ladrões, tiraram
assim mesmo, mais de mil oitavas de ouro.
Concorreram aí perto de 400 sorteados com 2.250 escravos,
além de mais de 100 forros, que entraram com seu indiríduo.
A 9 de junho chegou ao Forte do Príncipe o Dr. naturalista
Alexandre Rodrigues Ferreira, encarregado da expedição cientifica de
história natural.
Em s.tembro passou a servir como ouvidor o juiz de fora de
Cuiabá.
Em outubro constou ter naufragado um navio em que vinha
correspondência da Secretaria de Estado, e l•.•ntre outros Avisos o de
falecimento do infante Dom José, príncipe do Brasil.
Em novembro chegou do Pará a Vila Bela, pela navegação
fluvial, o novo capitão general João de Albuquerque de Melo
Pereira e Cáceres, que tomou posse no dia 20 (72).
De um oficio de 1 de junho deste ano consta que as cKvidas de
diversos negociantes à extinta Companhia de Comércio do Pará, de
cuja cobrança foi o general incumbido de angariar, estivam redu­
zidas a 8:6I5$329, tendo-se pago 14O:472$544.

5." capitão general J oão de A lbuquerque de Melo P ereira e Caceres

(1789 — 1796)

Em 28 de novembro repartiu-á' outro descoberto distante uma


légua do Sapateiro, no distrito de Cuiabá, o qual de nenhum modo
correspondeu ao que sé esperava, pois já foi muito pobre.
Em dezembro foi o Dr. Pontes faztr um reconhecimento nos
campos dos Parecis. das cabeceiras dos rios Guaporé, Jauru. Ju-
rttena, etc. Voltou nos primeiros dias do ano seguinte.
A 31 de dezembro, em observância às ordens do Ministério, foi
extinta a 3.’ Divisão de Demarcação dos U n ites, visto não se ler
reorganizado a correspondente Divisão Espanhola, depois do fale­
cimento do primeiro comissário Dom Rosendo Rico Negron.

(72) João dc Albuquerque ateancou o porto de Vila Bela a 16 de outubro.


Mas. amotinado pelas sesões contraídas na viagem pelo Guaporé, sámente
entrou em exercício a 20 de novembro de 1789. como substituto rtn seu irmão
mais velho, que se manteve no peder durante 16 anos, 11 meses e 7 dias.
— 290 —

1790

N a Vila de Cuiabá declarou-se sacerdote o reverendo Domingos


da Silva Xavier, denominado antes Joaquim José Ferreira, de­
baixo de cujo nome negociara e advogara por muitos anos na dita
vila. O motivo que o levou a lazer esta declaração foi o achar-«e
éle preso na cadeia por ordem do general por traficãncias, e a
requerimento dos seus credores.
Fez esta declaração por persuação do juiz de fora Dr. Diogo
de Lara Ordonhez, a quem muito anteriormente revelara qu? havia
sido vigário da V ara em Caeté, Pitangui e Sabara, mostrando por
doctunmtos que saira do seu bispado sem o menor crime, apresen­
tando honrosissimas atestações de muitas câmaras.
Em junho retirou-sc da Vila Bela para Portugal, pela nave­
gação fluvial para o Pará, o ex-governador I.uis de Albuquerque,
levando em sua companhia o Dr. astrônomo Antônio Pires da Silva
Pontes. Antes de retirar-se deixou a seu irmão e sucessor uma
carta instrutiva, em que expunha suas idéias acêrca da demarcação
de limites e da conservação dos estabelecimentos de Albuquerque.
Coimbra e Casalvasco.
Em julho deu o general diversas providencias acêrcti da soca-
vação e exame de um desooberto no rio Cabaçal por João da Mota.
Em agosto o gentio Guaicurtt deu na Fazenda de Camapuan e
matou duas pessoas, roubando alguma ferramenta.
Em 8 de setembro chegou ao Presídio de Coimbra um bote com
o oficial da Marinha Espanhola, Dom M artin Bonco, com destino dv
explorar o rio Paraguai até o Marco. Como lhe fôsse negada esta
faculdade, regressou para Assunção.
No mesmo mês o general mandou trancar uma picada que
um particular estava abrindo do Registro do Jaunt para as Salinas
e proibiu o dito trânsito.
Receioso o general de algum ataque da parte dos espanhóis pelo
h'do do Paraguai, fez seguir para Coimbra o sargento-mor Joaquim
José Ferreira, com uma expzdição de canoas que partiu de Cuiabá
em dezembro.
Dando uns d e la to re s noticia de um descoberto de ouro, nas
in-^diações da Lagoa Mandioré, o general recomendou que não se
procurasse verificar, antes desacreditar a referida notícia, q u : não
convinha fazer certa.
Neste ano a população sofreu muito de sarampo. Construiu-se
o chafariz do Rosário em Cuiabá.
— 291 —

1791
Marcharam de Cuiabá para o Presidio de Coimbra cem soldados
auxiliares com os seus oficiais. Os Guaicurus noticiaram a prontifi­
carão de forças espanholas para subir o Paraguai. Mandou-sc repar­
tir eni duas a Companhia de Caçadores de Auxiliares de Vila Bela.
Em abril o general recebeu comunicação do governador de Pará, de
uma disposição do Aviso da Secretaria de Estado de 27 de abril do
ano antecedente, facultando, além da navegação do Pará para Goiás
pela via Tocantins, a de Mato Grosso pelo Xingu e Tapajoz.
A 8 de junho uma preta cativa em Vila B) Ia, de nome Inés, deu
a lux a três crianças (dois machos c uma fêmea), que logo morreram.
A 14 de julho chegaram a Vila Bela, vindos do Presidio de
Coimbrai dois Principais do Gentio Guaicurus — Queima c Dmavidy,
Chañé (flue tomaram o nome de João Queima de Albuquerque e
Paulo Jdaqtiim José Ferreira, com 17 indios de sua nação e uma
preta cridóla de Cuiabá, chamada Vitória, que desde muitos anos era
prisioneira déles.
Fordm recebidos com grande pompa, indo o governador ao
encontro déles com grande concurso de nobreza e povo. Jantqram
no Palácio, servindo-lhes de intérprete a preta Vitória.
No dia 1 de agosto, fez o general uma Assembléia a q u t assis­
tiram os oficiais militares. Corpo da Câmara, todos os sacerdotes e
mais nobreza, e perante todos esses os Guaicurus e secretário fez um
Tratado de Paz, que de tudo se lhes fazia saber jrcla preta Vitória,
e como estivessem por tudo, assinaram eles e tóda a Assembléia,
s guindo-se um grande banquete.
Do Forte do Príncipe saiu uma expedição á descobrir ouro na
seira que borda a margem direita do Guaporé, em vinte léguas de
distância sóbre indidos dados por um pedestre que habitara a Aldeia
de São José, no rio M/tquens.
Em julho uma maloca de cento c tantos Guaicurus apareceu na
Fazenda de Camapuan; mataram no terceiro cinco pessoas. uma que
andava campeando, roubando um rebanho de éguas. Como, porém,
se lhes resistissem com fogo, fugiram e ficou um déles morto e dois que
foram m orrer p:lo caminho.
Em setembro saiu de Vila Bela de recolhida para o Pará o Doutor
Alexandre Rodrigues Ferreira.
Em 11 de dezembro chegou na monção de São Paulo o Dr. juiz
de Fora, Luís Manuel de Moura Cabral.
A população da capitania em 1791 lera a que consta do seguinte
mapa :
Meni­ Meni- Rápa­ Rapa­ H d!“ * Hulha-
Hd " S " Mulhern Casa-
FamDia nos d« l o de rigas tie rc» ile de 40 Nasci­ Fa leci- mentoi
MATO-GRO84O ou logo* l a 7 1a . 8 a 15 8 a 14 10 a 30 13 a 40 Totai. dos ent
1791 ¡791
cima 1791

Vila Bela. Arraiai». Cualvaaeo


e vi»inbança«.............. 721 29» 294 487 323 3 717 901 301 321 - 121 241 22
forte do Príncipe da Beira •
Missões adjacentes.. 174 43 43 81 27 2M 99 124 28 712 8 17 7
Viieu, Cuarajú». Pedrea........ 4 10 4 3 2 24 12 4 2 01 2 0 1
Cuiabá. 81o Pedro d'Kl-Rm e
1 482 89» 987 750 731 0 042 3 287 421 410 U 463 311 114 130
Registro da Inaua r imedia-
&» ............................... 18 5 4 3 n 14 21 10 71 83 13
Arraial doa A r»ò ............... 4 1 1 o 0 13 - - 29 - -
Sanf Ana doa Guituarlee.. . 132 70 73 01 14 311 143 41 23 730 16 ¡2 3
Coimbra e Albuquerque 36 10 29 0 14 38 43 8 0 109 7 4
Vila Maria. Jaurú e Santa Bar­
bara . . . . ............. 196 «0 71 02 20 178 148 28 13 589 20 17 8
— — .— — —
2 737 1 III 1 506 1 138 1 171 10 530 4.716 1.140 719 22 037 i >• 421 107

oaaanvaçXo.—Nota-se qua ire- quatU» oartw ou inala ainda do referido númem total di.e haUtantaa. qua tea 22.637. alo negrue. mulato» a out rua tnratlç<M
d o muita* difervute* mj^vira que L i no Pa<r «cndi * maU c<*nal<taravol parte u dua quo tarn aliança cop» ue djtoa mqjtiM d'Ahica a aujaito* h catnnkulo
— 293 —

Em janeiro expediu o comandant a de Coimbra major Joaquim


José Ferreira, um cabo de esquadra com cartas para o governador
do Paraguai. Êste foi encontrado na Vila Real da Conceição.
 vista da resposta que deu às ditas cartas e das informações que
deu o cabo de esquadra, dissiparam-se os receios de hostilidade.
Como, porém, o mesmo encontrasse com espanhóis que p ro ­
curavam lugar para fazer um estabelecimento à margem esquerda
do Paraguai, entre Ipané e o Rio Branco, ou Correntes, o referido
comandante de Coimbra resolveu mandar ai uma fõrça de 20 Dragões
e 40 FJtdestres.
O general, porém, atendendo à grande despesa que se faria, e
à pouca aparência de hostilidades, determinou que se recolhesse a
dita fõrça e que se retirasse tôda a rrtais tropa auxiliar. Foi enviado
ao Paraguai, d - ordem do general, mas com cartas tão sómente
do comandante de Coimbra, o furriel Francisco Rodrigues do Prado,
que na volfa confirmou as disposições pacíficas que ali havia e as
intenções de abrirem os ditos espanhóis caminho para as Missões
de Chiquitos c o desejo de negociar.
No relatório de sua viagem, diz o dito forriel que os espanhóis
dão o nome de Opa (A pa) ao rio que chamavamos Branco. Correntes,
ou Lapa.
Em janeiro (19) havia tomado posse do lugar de Juiz de Fora
e ouvidor interino o Dr. Luis Manuel de Moura Cabral, chegado
em dezcmlrro do ano anterior.
Em julho houve noticia de estarem os espanhóis arranchados
nos morros de Miguel José, denominados por êles Tres Hermanos,
onde fundaram o Presídio de Bourbon.
Em novembro chegou a Cuiabá o Ouvidor nomeado. Dr. Anto­
nio da Silva Amaral, trazendo sua mulher (73).

População

Masculina .................................................... 14.658


Feminina ...................................................... 8.419

23.077

Fogos ............................................................. 2.988


Nascimentos .................. 943
Ó b ito s ............................................................ 360
Casamentos .................................................. 120

(73) Êste resultado diverge aliás do quadro anterior, que parece mais
próximo da realidade.
— 294 —

1793
A 31 de maio, em Cuiabá, dois cavaleiros quebraram de noite as
vidraças e galerias da casa do juiz de fora, Dr. Luís Manuel de
Moura Cabral, deixando-lhe na porta uni forcado, com um cartucho
de pólvora e bala, e dispararam um tiro.
Reinava então muita intriga e que durou muito tempo e produziu
muitos desatinos, prisões, queixas, etc. nascidas da inimizade que
existia entre o dito juiz e o mestre de campo Antônio José Pinto
de Figueiredo.
Com esmolas tiradas pelo general, deu-se começo à construção
da Igreja M atriz de Vila Bela.
Começou-se a extrair do Registro do Jauru, piara as obras do
Forte do Príncipe da Beira, pedras calcáreas que aí dbscobriru o
Dr. Alexandre Rodrigues Ferreira.
Em setembro foi preso para ser remetido a Lisboa, por culpado
na Devassa dos Diamantes, o padre Domingos da Silva Xavier,
que estava livre sob fiança.
Regressou para Portugal, p.la via do Pará, o tenente coronel
engenheiro Joaquim José Ferreira.
Houve em setembro noticia oficial da moléstia da rainha, .por
cujo restabelecimento mandou-se fazer preces.
Em dezembro recebeu-se a notícia do nascimento do principe
da Beira a 29 de abril.
. N iste ano os espanhóis construiram o Fortim de São Carlos
sobre o rio Apa, então conhecido pelos nossos como Branco ou
Correntes. .
População
Masculina ................. ••................ 14.647,
Feminina ...................................................... 9.275

23.922

Fogos ............ 3.274


Nascimentos ................................................ 1.139
Óbitos ............................... 928
Casamentos .................................................. 125

1794
Em maio publicou-sc o decreto de 10 de fevereiro de 1793
conferindo a Administração do Reino ao principe real.
Em julho o general autorizou a Câmara de Cuiabá a expedir
uma Bandeira para o Arinos em descobrimento de ouro.
— 295 —

Em agosta mandou o general ao tenente coronel Ricardo Franco


de Almeida Serra reconhecer as cabeceiras do Jurucna, Galera,
Pindaituba e Sararé.
Cessou a remessa de Goiás do subsídio de 20.-OOOÇOOO para des­
pesa de demarcação, constituindo-se o de 300 marcos de ouro anual­
mente.
Em 31 de dezembro publicou-se unia Portaria do general, de 28
de novembro, isentando os militares. de qualquer procedimento que
n Justiça quizesse com êles praticar.
Esta ordem, feita para prevenir as desavenças cutre o mestre de
campo e o juiz de Fora de Cuiabá, fêz com que éste representasse
contra a mesma Portaria, a qual foi mandada anular por Aviso da
Secretaria do Estado de 20 de março de 1797.

Po¡»ilaf3o
Masculina ............................................ 16.071
F e m in in a ...................................................... 9.8+4

25.915

F o g o s ...........i ................................................ 3.373


Nascimentos ................................................ 718
■ Óbitos ............................................................ 341
Casamentos .................................................. 248

1795

Descobriram-sc algumas notáveis grutas no morro do Puga, acima


de Coimbra.
Faleceu a 5 de maio, em Cuiabá o mestre de campo Antônio
José Pinto de Figueiredo.
Foi nomeado mestre dc campo o sargento M or de Ordenanças
José Paes Falcão das Neves.
Expediu-se em maic unu Bandeira para destruir um quilombo
que existia nas imediações do Rio Branco, ou do Piolho, no mesmo
lugar do quilombo, e com os seus próprios moradores, fundon-sc a
Aldeia Carlota.
Fundaram-se as fazendas de criar gado do Coitê e Casalvasco.
para onde se foram mandando os animais que se compraram aos Guai­
ruros.
Por determinação do governador do Paraguai r. acordo do
capitão general João de Albuquerque, deixaram as nossas canoas de
ir a Vila Real, trocando-se as correspondências no Forte Bourbon.
— 296 —

Em dezembro foram a Vila Bela visitar o general dois capitães


Guaicurus e 14 índios.
1796
Em fevereiro houve noticia do falecimento do ministro dos Negó­
cios Ultramarinos, M arimbo de Melo e Castro.
A 18 do mesmo chegou a Cuiabá o novo vigário da Vara, reve­
rendo .Agostinho Luis Guiarte Pereira, e a 28 faleceu o general
João de Albuquerque, de umas sezões malignas.
N a conformidade do Alvará de 12 de dezembro de 1770, passou
o governo da Capitania, enquanto não chegasse o novo capitão general
Caetano Pinto de Miranda Montenegro, a uma junta composta do
ouvidor .Antônio da Silva do Amaral, do tenente coronel Ricardo
Franco de Almeida Serra e do vereador mais velho, Marcelino
Ribeiro.
Em julho expediu-se tuna Bandeira procura dos Bororós
Aravirás, que infestavam as vizinhanças do registro do Jauru, come­
tendo mortes e depredações ; do encontro havido foram mortos seis
índios.
Foram frustradas as diligências que por esta ocasião se fizeram
para descobrir ouro nas intediaçõrs do Cabaçal.
No mesmo mês veio a Coimbra unia canoa com papéis, que não
quiz receber o comandante Francisco Rodrigues do Prado. Nesta
ocasião soube-se que uma expedição de 800 espanhóis dera em uma
aldeia de Guaicurus. abaixo do Fecho dos Morros, matando dez
capitães, aprisionando tôdas as mulheres e crianças, tendo dos ho­
mens escapado apenas um.
A 17 de setembro chegou a Cuiabá o novo governador e capitão
general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, que em outubro
seguiu para Vila B ela; em sua companhia vieram o reverendo
Antônio Cardoso de Menezes Montenegro e o Dr. ouvidor Francisco
Lopes de Sousa Ribeiro Freire e Lemos.

6.° capitão general Caetano P into de M iranda Montenegro

(1796 — 1803)

O capitão general Caetano Pinto chegou a Vila Bela a 3 de


novembro e a 6 tomou posse do governo, para o qual tora nomeado
por Carta Régia de 18 de setembro de 1795.
A 8 do -tesi’ - mês tomou |»sse do lugar de ouvidor o Dr. Fran­
cisco Lopes >.e Sousa Ribeiro Freire e Lemos.
— 2S7 —

De uni oficio dirigido á Secretaria de Estado dos Negocios U ltra­


marinos, vé-se o pé em que se achava a Capitanía: a divida passiva da
Provcdoria era de 27:981$443 11/16, ainda não contempladas muitas
parcelas que estavam por liquidar. Além disso, devia-se de fallía
militar 7 7 :961$723. Q único comercio que florescia era com o Rio
de Janeiro, o qual em grande parte consistia em importação de a r­
tigos de llixo; havia grande falta de objetos de primhira necessidade,
como ferro, aço, baetas, linho, sal, pólvora, etc. Desta carestía
resulta a dos gêneros do liais e ainda o abandono de algumas lavras,
cujo produto não pagava as despesas do mineiro.
A Força Militar jiaga consistia na Companhia de Dragões e na
de Pedestres, que tinham ambas 330 praças, quase sem oficiais em
estado de servirem. A Legião Auxiliar de Milícias de Cuiabá con­
tava 603 homens ; a de Mato Grosso não chegava a ter 300.
Apenas existiam 1.600 anuas, más e pela maior parte em mau estado.
Havia 39 peças de artilharia dos calibres de 6 libras e uma quarta,
607 arrollas de pólvora, 20.230 cartuchos de mosquetaria e algum
cartuchame de peças, a maior parte de pequeno calibre.
Ao passar pela vila de Cuiabá encontrara ai o capitão general
um <los principais chefes Guaicurus, Paulo Joaquim José Ferreira,
que em nome da sua gente e dos índios Guanas que vieram fugidos
(La perseguição dos espanhóis, pedira que fossem aldeados uns e
outros no mesmo sitio que ocupavam entre Coimbra e Albuquerque,
mostrando repugnância em situarem-se em outra parte. Depois de
ponderar as vantagens c os inconvenientes, de semelhante estalicleci-
mento. cm território controverso, o capitão general resolveu anuir ao
referido pedido. Eram pouco mais ou menos 400 os Guaicurus e
600 Guanas.

1797

Pelo mês de junho suscitou-se alguma contestação com o gover­


nador de Chiquitos por ter éste mandado queimar uns ranchos que
abrigavam as nossas rondas, a 7 ou 8 léguas de distância de Casal-
vnsco e requisitar que cessassem as mesmas rondas. O s ranchos
foram restabelecidos e continuaram as rondas. Os espanhóis adian­
taram seu destacamento dc São Miguel para próximo ao Angical.
A 25 do mesmo mês de junho deu parte o comandante do Presí­
dio de Coimbra que cêrca de 800 a 1.0Õ0 homens de tropas espanho­
las, com artilharia de campanlia e comandados pelo coronel Dom
José Espinóla, marchavam para as cabeceiras do rio dos Guaxis,
por nós denominado então Mondego (antes Em boteteu), a pretexto
de perseguirem uns indios Guaicurus.
— 298 —

Pouco depois u g .-neral recebeu um aviso da corte recomendando-


lhe toda a cautela, à vistja da aliança em que entrara a Espanha ccm a
França.
Deram-se as seguintes providências :
Foi nomeado comandante de Coimbra o tenente coronel enge­
nheiro Ricardo Franco de Almeida Serra, que para ali seguiu cm
julho com alguns soldados.
Com o mesnto destino marcharam de Vila Maria seis dragões e
3C pedestres, e de Cuiabá 50 dragões com 30 auxiliares.
Ficou assim a guarnição de Coimbra elevada a pouco mais ou
menos 300 praças, além de 300 ou 400 indios de arco aldeados entre
o mesmo lugar e Albuquerque.
Para o Forte do Principe da Beira seguiram 120 soldados entre
auxiliares e ordenanças, com o ajudante de ordem sargento mor José
Manuel Cardoso da Cunha, nomeado comandante do dito Forte.
Fan Casalvasco puzeram-se às ordens do coronel Antônio Felipe
da Cunha Pontes uma Companhia de Caçadores de Milícias, outra
<h Ordenanças, dos Pretos e 18 soldados de Cavalaria Auxiliar, que
com os dragões e pedestres ali destacados perfaziam uma fôrça dc
700 homens- Para o Registro do Jattru marcharam de Cuiabá 100
soldados de milicias de infantaria e uma Companhia dc Hussares.
Seguiram também de Cuiabá para Vila Bela, qu- ficara dksprovida
de guarnição, 30 recrutas de dragões e 100 de pedestres.
Aprontou-se e conduziu-se a maior porção que foi possível de
petrechos e munições de guerra e de boca. Ao governador do Paraguai
Dom Lázaro de Ribera, e ao vice-rei de Buenos Aires, Dom Pedro
Melo Portugal, escrevera o capitão general pedindo explicação e
satisfação do movimento das tropas espanholas..
Ao mesmo tempo solicitara dos governadores das Capitanias do
Pará. São Paulo, Goiás c do vice-rei do Rio de Janeiro socorros de
artilharia, munições c dinheiro. Ao governador de Goiás dizia já
em oficio dc 11 de março : "Aqui careqr de tudo — ouro, gente, armas
e munições, mas a. primeira falta é a que se faz mais sensível, porque
sem dinheiro só os índios silvestres é que sabem atacar e d.-fender-se".
Em agosto ordenou ao tenente coronel Ricardo Franco que
mandasse fazer um estabeléciinelnto lent lugar azado na beira do rio
Mondego, com os indios Guaicurus e Guanás, protegidos por um
destacamento de 50 até 80 praças, indicando o tenente Francisco Ro­
drigues do Prado para comandar o dito ponto, onde se erigiu o Presidio
que desde então se chamou Miranda.
Ao mesmo tenente coronel Ricardo Franco se determinara que
depois de fazer em Coimbra a defesa que pudesse, viesse fortificar-se
em Albuquerque. porquanto o Presídio de Coimbra era geralmente
julgado indefensável pela sua má situação, e inútil porque na máxima
enchente do Paraguai poderíam os espanhóis passar de Leste para
Oeste do mesmo Presidio.
A vista, porém, do que ponderer, o dito tenente coronkl, qu|e
m udara de opinião a semelhante respeito, resolveu o general continuar
a fortificar Coimbra, substituindo a antiga estacada por obra de pedra
e cal. no lugar onde atualmente existe.

1798
Em fins de janeiro o general esteve gravemente enfermo, de
febre perniciosa.
Em junta da nobreza e povo de Vila Bela — a 2 de março, e em
observância ao alicio da Secretaria de Estado de 24 de abril de 1795,
que ainda eslava por cumprir, assentou-se em concorrer a mesma Vila
com o subsidio de 50.000 cruzados jxira a reedificação do Pitlâcio da
Ajuda, destruido pelo fogo em 1794.
No mesmo mês de março. Gentio que se supôs Caiapõ, acometeu
o sitio do Jatobá (distrito de Santana ou Guimarães), onde matou
uma escrava e dois filhos dela. Poucos dias depois deu no sitio do
Quilombo, perto da dita freguesia e matou sete escravos.
Em junho houve noticia oficial do nascimento de uma infanta.
A 15 de julho chegou a Cuiabá o reverendo José Manuel de
Siqueira, natural desta Capitania e primeiro professor de filosofia
enviado para ela por sua majestade.
A 8 de dezembro batisou-se solenemente em Cuiabá um indio
Guaná.
Por incumbência do governo, o general mandou coligir diversos
artigos de história natural, e fazer indagações acèrca da existência da
árvore que dá a quina, do salitre. As experiências relativas a esta
última substância malograram-se pelo falecimento do sujeito que fõra
encarregado delas e assegurara existir muito salitre tanto no distrito
de Mato Grosso, como no de Cuiabá.
O general mandou fazer no Jauru um forno em que se queimou
porção considerável de cal, de pedras extraídas duas léguas abaixo
do Registro.
Conservaram-sc mais de mil homens em armas, sendo 600 de
dragões e padestres, e o resto de auxiliares e ordenanças.
Em oficio de 18 de julho o general apresentou a Secretaria de E s­
tado diversas providências que julgava úteis para que a receita da
Capitania igualasse à sua despesa.
O § 1.° diz respeito às Entradas, que indevidamente se cobram em
Goiás. Os 2.° e 3.’ indicam que se apliquem às despesas gertais sub-
— 300 —

sidio literário e o que se votou para a reedificação do Palácio da


Ajuda. Os 4.“ e 5." a franquear aos mineiros as minas do Coxipó
e do Paraguai. O 6.’ promover o cõmércio com o Pará. O 7 ° au-
mentar-s? |x>r enquanto o subsidio de Goiás. O 8.” a mudança da
capital para Cuiabá ou Vila Maria, depois de concluído o negócio
das Demarcações de Limites. O 9." finalmente modificar convenien­
temente o Regimento para o Governo econômico das Minas.

1799
E m janeiro publicaram-se dois bandos relativos ao estabeleci­
mento de um correio terrestre pela via de Goiás c outro fluvial pelo
Pará.
Uma grande cheia destruiu as taipas do Fortim de Miranda
(oficio do tenente coronel Ricardo Franco).
A 6 de junho recebeu-se a noticia do nascimento do infante
Dom Pedro, que veio a ser imperador do Brasil. Na mesma ocasião
receberam-se duas Cartas Régias de 12 de maio de 1798. relativas a
um plano de comércio com o Pará, cuja principal execução foi
incumbida ao governador dessa Capitania. Em virtude do çue nelas
era recomendado, as mercadorias deviam ser levadas até a cachoeira
de Santo Antônio, ficando a cargo da capitania de Mato Grosso o
trânsito das cochoeiras e a ulterior condução a Vila Bela.
O general Caetano Pinto ponderou ao governador do Pará os
inconvenientes e as d'ticuldades que nisso achava, à vista das circuns­
tâncias da indecisão da questão de limites e da falta de recursos
com que lutava. Apesar disso, resolveu mandar fundar um estabe­
lecimento na cachoeira do Ribeirão e deu providência para o trans­
port*? das mercadorias, e para isso fez sair em julho uma expedição
às ordens do ajudante Manuel Rabelo Leite, a quem deu circuns-
ciadas instruções.
O governador recebeu da córte a aprovação da mudança da
estacada de Coimbra para o lugar onde está o forte.
A 17 de outubro tomou posse no lugar de juiz de Fora de Cuiabá
o Dr. Joaquipt Inácio Silveira da Mota.
Por Bando de 20 de r.ovcmbro publicaram-se as disposições da
Carta Régia de 22 de abril dêste mesmo ano autorizando aos gover­
nadores de Mato Grosso a conceder alvará, cartas de provisões em
diversos casos mencionados na mesma Carta Régia para os quais
era até então o único competente o desembargo do Paço.
Em meiado de dezembro, marchou o capitão general para a vila
de Cuiabá.
— 301 —

1800
E m janeiro o governador, estando em Cuiabá, determinou à
Câmara que convocasse uma junta de nobreza e povo, a fim de esta­
belecerem, como já se havia feito em Vila Bela, acerca do dormitivo
de um subsídio para a reedifícação do incendiado Palácio da Ajuda.
Na dita junta resolveu-sc oferecer o donativo de setenta mil cruzados,
c para este fim se estabeleceu uma contribuição anual de 60 réis de
ouro por escravo e mais uma sexta parte nas entradas das cargas dr
comércio.
Em fevereiro começou-se a socavar o rio Coxipó, que se achava,
de há muito, vedado [xir causa dos diamantes. Desvaneceu-se a
grande esperança do povo da riqueza do dito rio ; achou-cc ouro cm
tiequena quantidade e 19 diamantes, cujo peso total mal alcançou a
dois tostões de ouro (24 grãos). Para arrecadação destas pedras e
das demais que se fossem achando, o general deu as convenientes
providencias.
R1-partiu-se o mesmo Coxipó em abril, porem mão tardaram
muitos mineiros cm abandonarem as suas datas por não acharem
miro que correspondesse ao serviço.
P or algumas dúvidas que ocorreram ao general acerca das ordens
que recebera relativamente às minas do alto Paraguai c dos seus
afluentes Santana c São Francisco, ficou adiada a socavação do dito
rio, e por éste mesmo motivo também a exploração do Arinos e
Tapajoz.
Dando conta das referida.' medidas ao Ministério, o general
informou também a respeito das minas de Guarajus, que de nenhum
modo apresentaram a riqueza que o governo supunha.
Em maio publicou-sc a Carta Régia de 15 de julho de 1799,
declarando que sua alteza real tomara a regência do reine em seu
próprio nome.
Foram processados vários réus que se achavam presos por cri­
mps de roubo c assassinatos; forant sentenciados uns a açoite, outros
a degredo e à pena última, que pela segunda vez se executou na vila
de Cuiabá, no dia 28 de maio.
Em junho publicou-se tun Bando regulando as passagens dos
rios Cuiabá e Paraguai e os respectivos direitos.
Descobriu-se a árvore da quina na serra de São Jerónimo, c
depois em outros lugares do distrito de Cuiabá. Esta descoberta
foi feita pelo |xtdre José Manuel de Siqueira, professor de filosofia,
que também descobriu diversas plantas próprias para fazer papel (7 4 ).

(7 4 ) A respeito das pesquisas <io padre José M an ue l de Siqueira,


ocupou-se esta R evista no to m o . . .
Em observância das reais ordens de 21 c 27 de outubro de 1798,
as Câmaras de Vila Bela e de Cuiató estabeleceram impostos (75)
para o pagamento de passagem e pensões alimentares de sete moços,
escolhidos pelo general, que devem ir ao reino seguir os estudos da
Universidade de Coimbra ou da Academia da Marinha, e foram :
João Pedro de M orais Batista, Antônio Gomes de Oliveira, José
Leite Pereira, Manuel Felipe de Araújo, Manuel Rebelo da Sil a.
Joaquim Antonio Rebelo e Francisco José da Costa Rodrigues (76).
Um Aviso de 19 de abril de 1798 insinuou a fundação de um
Jardim Botânico.
De Cuiabá saiu em fevereiro uma Bandeira, para o sertão do
Norte, onde se dizia haver um grande quilombo de escravos fugi­
dos. Voltou a Bandeira em junho com dois magotes de indios Cha­
vantes e Bacairis, sem haver encontrado com os escravos fugidos, por
terem sido mortos pelos Chavantes. Estranharam éstes bárbaros os
nossos alimentos, principalmente o sal.
A 7 de junho, o Dr. ouvidor Francisco Lopes passou a vara ao
juiz de Fora de Cuiabá e seguiu para o Rio de Janeiro pela nave­
gação para São Paulo.
A 25 de junho, pelas 8 horas da manhã, incendiou-se a povoação
de Albuquerque, escapando tão somente a Capela, que era eeberta
de telha.
A 6 de setembro tomou posse o ouvidor proprietário Dr. Manuel
Joaquim Rilieiro Freire. A 10 de novembro o general regressou
para Vila Bela.
Criaram-se direitos de passagens nos rios Cuiabá c Paraguai,
pagando de trânsito cada indivíduo 20 reis, cada animal 50 c dada
carga 20 réis. No trajeto de Vila Maria para Caiçara — cada indi­
viduo 120, carga o mesmo e cada animal 240 réis.

1801
A 7 de janeiro chegou a V.'la Bela o secretario do governador dc
Chiquitos a cumprimentar o general.
O general organizou a Legião de Milicias de Cuiabá na confor­
midade do Decreto de 7 de agosto á ; 1796 e remeteu o respectivo
tnapa ao Conselho Ultramarino.
Chegou de São Paulo, pela navegação fluvial, um destacamento
de 20 a 30 soldados comandados pelo tenente coronel Cândido Xavier

(75) O imposto criado foi de 90 réis, ouro, por cabeça de escravo (Nota
dc E . dc Mendonça).
(76) Na relação dos estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra,
não consta o nome de nenhum dos referidos.
— 303 —

d i Almeida e Sousa, enviado pelo governador daquela Capitania para,


com o auxilio desta, fazer nas imediações de Iguatemi as exp/orações
prescritas pelo Aviso da Secretaria de Estado de 24 de abril de 1799.
O capitão general julgando menos convenient); o plano que a
êste respeito traçara o governador de São Paulo, assim lito declarou
cm oficio de 19 de fevereiro em que lhe apresentath os inconvenientes
que ofereciam essa empresa, e ponderava entre outras coisas a pro­
priedade de fazer-se, por parte de São Paulo, um estabelecimento
militar em alguma das cabeceiras do Ivinheima ; mandou, no entanto,
que o referido destacamento fósse para o Presidio de Miranda, subs­
tituindo o tenente coronel Cândido ao tenente Francisco Rodrigues do
Prado no contando do mesmo Presidio — substituição esta que
todavia não se verificou.
Em Junta de IS de maio deliberou-se lançar mão do dinheiro
existente nos cofres dos órfãos te ausentes, para acudir a despesas
urgentes c principalmente ao pagamento da tropa — o que se verificou
apesar de objeção do juiz de fora de Cuiabá. .
A 19 de agosto o t, mente coronel Ricardo Franco de Almeida
Serra, comandante do Presidio de Coimbra e Fronteira do Para­
guai. foi avisado por uns indios Guaicurus de que vinham os espa­
nhóis já de Vila Real para cima, com tres grandes barcas para ata­
carem o d : to Pres'dio, e que marcltava também fórça por terra.
Com efeito, no dia 16 de setembro pela taruc a[»icccu em trente
ao Presidio o governad"r de Assunção, Dom Lázaro de Ribera,
em três grandes sumacas, cada uma com duas peças de artilharia
por banda, e outra menor. Bateram o forte até depois de Ave
Maria.
A 17 dirigiu Dom Lázaro ao comandante uma int: mação p a ri
render-se, ao que éste respondeu com notável dignidade e bravura.
Continuou o fogo, marchando os espanhóis já para baixo, já para
a m a ; tentaram um desembarque por esta última [tarte, mas não o
efetuaram, tendo-se-lhes matado seis a oito homens.
No dia 21 desembarcaram na horta, abaixo do forte, tiraram
algumas couves e cebolas, mataram algum gado e porcos, e chegaram
até a ponta do morro, onde uma emboscada ali colocada se lhes
mataram três homens e feriram dois.
Os dias 22 c 23 passaram sem novidade por causa de um forte
vento Norte c de uma tempestade. No dia 24 o inimigo renovou o
fogo, c retirou-se às 9 horas- da noite, sem ter conseguido o seu
intento.
A fórça inimiga era de 600 a 800 homens, dos quais perdeu 20.
O corpo que vinha por terra chegou até 12 léguas de Coimbra, mas
não pôde aproximar-se mais por estarem ainda alagados os pantanais.
— 304 —

A guarnição de Coimbra não passava de 110 praças com uma


única peça de artilharia de calibre 1. Ainda se achava na velha
estacada até o dia 14 em que, avisado o comandante, por um patrulha
que mandara rio abaixo, da próxima chegada dos espanhóis, mudou-se
para o novo forte, onde não havia ainda quartéis, nem ranchos, nem
casa de pólvora.
Retirou-se nesta ocasião para Cuiabá o tenente coronel Cândido
Xavier, que se achava 50 léguas distante do lugar da ação.
H á razão de supor que o principal motivo da retirada de Dom
I.ázaro foi haver recebido apertada ordem do vice-rei de Buenos
Aires para acudir à fronteira do Rio Pardo, onde os portugueses iam
se adiantando rapidamente.
Desde que teve notícia do projetado ataque de Coimbra, o general
deu as mais prontas c enérgicas providencias para o socorro do dito
presídio e solicitou com empenho auxilies dos governadores das.
Capitanias limítrofes e do vice-rei do Rio de Janeiro.
De Cuiabá aprontou-sc um socorro de gente e munição de guerra
e boca, cm cuja prontificação houve porém muita demora, pois não
saiu senão a 2 de novembro. Foi sob as ordens do tenente coronel
Cândido Xavier de Almeida, que tendo sido exonerado do comando
de Miranda, ficou na povoação de Albuquerque (77).

1802
A 1 de janeiro o comandante do Presidio de Miranda. F ran ­
cisco Rodrigues do Prado, à frente de 54 soldados, atacou pela
madrugada o forte espanhol de São José, distante do nosso presídio
35 a 40 léguas, o qual estava guarnecido com 114 homens coman­
dados por Dom Juan Cabalero ; depois de algumas descargas de
mosquetaria, que mataram o dito comandante e nove soldados, c à
vista dos muitos feridos, os mais rcnderam-sc a discrição.
Depois de mandar enterrar os mortos e socorrer aos feridos, o
comandante mandou dar saque ao dito forte, tanto aos nossos soldados
como a 207 Guaicurus. que tendo marchado com a nossa fórça. por
medroso» não quizeram entrar em ação, e somente depois da nossa
gente o ter concluído, é que eles quizeram arrojar-sc bruta! e furio­
samente sóbre os vencidos.
Obstou com muito custo a éste intento o comandante, consen­
tindo somente que entrassem no saque, que constou para élcs de
alguns arcabuz rs. espadas e roupas, cem animais cavalares e perto

(77) A atuação dc Cândido Xavier está assinalada cm seu “ D iária",


publicado nesta Resista — to m o...
— 305 —

de 300 vacuns ; reservando-sc para sua alteza real duas peças de


c. 3 e 1 e 40 arcabuzcr.. Arrazaram-se depois o forte e as casas,
rcdui'ndo-se tudo a cinzas, e retirando-se a nossa trepa com uni
al feres e seis soldados prisioneiros.
Em junta de 3 de janeiro, assentou sc lançar mão do dinheiro
do cofre da cruzada para ocorrer à s mais indispensáveis ¿espesas.
A 17 de fevereiro o general receben um oficio de Dom Lázaro
de Ribera eomunicando-lhc o Tratado de Taz de Badajoz de 6 de
junho de 1801, cm consequência do que mandou logo cessar as hosti­
lidades e entregar os prisioneiros.
A 29 de abril o general receben por via do Pará a noticia oficial
da Paz, c no dio seguinte chegava-lhe por via de Goiás despacho da
Córte, de março de 1801, comunicando-lhe a declaração do guer­
ra <78).
Em maio foram mandados regressar para Goiás uin tenente e
60 homens que tinham chegado a Cuiabá em fevereiro, enviado cm
socorro pelo governador daquela Capitania.
O comércio com o P ará não apresentava todas as vantagens que
déle esperara o capitão general daquele Estado, autor do plano.
Os cálculos menos exatos e hipóteses menos realizáveis em que se
fundava eram expostos cm um oficio do capitão general Caetano
Pinto de 16 de setembro.
A 20 de outubro o goiprnador saiu de Vila Bela para Cuiabá,
onde chegou a 7 de novembro. Ao passar por Vila M aria expediu
o capitão engenheiro Lacerda para o Escalvado. onde mandou fazer
uma tal ou qual fortificação, com o fim de cobrir Vila Maria e de
embaraçar os espanhóis de subirem até o Marco.
Mandou o governador repartir o descoberto de São Francisco
Xavier, no distrito do Paraguai Diamantino.
Criaram-se em Vila Maria uma Companhia de cavalaria mili­
ciana e nsais uma companhia de caçadores.
Deu o general diversas providências acêrca da provedoria ronvs-
sária de Cuiabá, e mandou criar mais duas companhias de fuzileiros
ou legião de milicias.

(78.) As datas registadas evidenciam a tardança r.a correspondência oficial


entre a Metrópole e a Capitania ocidental.
A 17 de janeiro teve ciência Caetano Ponto da assinatura do Tratado de
Paz de 6 de junho de 1801. por intermédio de Dom Lázaro, governador
de Assunção. A notícia oficial, dz Lisboa, só lhe chegou via Pará, decor­
ridos três mêses, a 29 de abril, ao passo que a declaração dc guerra sómente
no dia seguinte se lhe tornou conhecida pelo correio dc Goiás, quando tudo
se achava normalizado.
— 306 —

1803

Em ofício de 30 de janeiro o capitão general propôs ao ministério


a fundação de um hospital cm Vila B.da. lançando-sc mão, para éste
fim, do que deixara por testamento Manuel Fernandes Guimarães,
falecido cm Cuiabá em 1755, atualmente constitui um capital de cem
mil cruzados.
Em maio foi expedido João Al.-xandrc Lemos de Brito com seu
irmão e mats 26 pessoas para explorar o curso do rio Manso ou
das Mortes e indagar onde faz barra, e se é navegável. Voltou a
21 de setembro e declarou que não era navegável o rio das Mortes
até o lugar dos Araés por ter varadouro ent diversas partes, de
léguas de comprimento, e ser cm algumas paragens muito cncaixoú-
rado. Trouxe algumas amostras de ouro.
A 6 de junho, estando ainda em Cuiabá, o general recebeu o
Aviso de 5 de agosto de 1802 comunicando-lhe a sua nomeação para
governador de Pernambuco. De ordem do general, o governo de
sucessão começou a funcionar a 15 de agosto, c a 22 o general partiu
com aquele destino.
O triunvirato que lhe sucedeu era composto do Dr. ouvidor
Manuel Joaquim Ribeiro, do coronel Antônio Felipe da Cunha Ponte
e. do vereador de Vila Bela João da Costa Lima.
Em setembro recebeu-se a Carta Régia de 28 de maio de 1802
relativa à produção da cochonila c da colheita da quina; foi igual­
mente recebida cm novembro a comunicação da remessa de moeda de
cobre provincial.
Na mesma ocasião recebeu-se também a Carta Régia de 14 de
junho de 1802 mandando extinguir a Provcdoria Real e criar uma
Junta de Fazenda, o que não pôde logo ser executado por falta de
pessoal idôneo.
1804

Constou que os espanhóis estavam fazendo um novo forte de


pedra e cal no lugar do arrazado forte dc São José, sobre o Apa.
Remeteram duas peças de ferro uma de c. 9 te outra dc c. 6 para
o forte de Coimbra, para onde já se haviam remetido anteriormente
duas peças dc 3.
•A 20 de março chegou à Cuiabá o novo governador Manuel
Carlos de Abreu e Menezes. Vinha acompanhado do seu primo o
Dr. ouvidor Sebastião Pita de Castro, do capitão Manuel Antônio
Pinto, do cirurgião-mor Francisco José Ribeiro c de uni alteres tom
cinco soldados da Brigada Real.
Passados alguns dias depois de sua chegada, o general fez
publicar as mercês que sua alteza real havia feito pelos seus bons
— 307 —

serviços ao tenente coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, promo­


vido a coronel com hábito de aviz e tença de 300$000 ; no tenente
Francisco Rodrigues do Prado promovido a capitão com o hábito de
aviz c exercício de comando de Miranda, onde se achava ; ao major
de ordenanças Gabriel da Fonseca nomeado tenente coronel de
milícias ; c ao capitão de milícias I.eandro de Sousa nomeado Cava­
lheiro de Santiago (79).
A 27 de junho o general partiu para Vila Bela, onde chegou
a 27 de julho.

7 .° CAPITÃO GENERAL M A N O E L CARLOS DE A B R E U E M EN EZE S

(1804 — 1805)

O capitão general Manuel Carlos de Abreu e Menezes, nomeado


por Carta Régia de 2 de agosto de 1802, tomou posse do governo a
28 de julho. A 30 do mesmo mês entrou em exercício de ouvidor o
D r. Sebastião Pita de Castro.
A 8 de agosto foi empossado no lugar de juiz de fora de Cuiabá
o Dr. Gaspar de Sá Navarro. Em 11 de agosto publicou se um
Bando levantando a proibição de lavrar o ouro nas terras diamantinas
e permitindo trabalhar-re no vedado Paraguai. Na mesma data
publicou-se um Bando para animar o comércio com o Fará, dando-
lhe plena liberdade, visto não ter produzido o que esperavam o
transporte das cargas por conta da Fazenda Real e facultando o
pagamento de metade das entradas em documentos de divida pública.
P or Bando de 30 de agosto estabeleceu-se a passagem do rio Cuiabá
em barcas da Fazenda Real.
Em setembro chegou a Cuiabá uma tropa de 110 bestas carrega­
das de petrechos c trem de guerra. Em outubro chegou outra ctm
igual remessa.
A 6 de outubro publicou-se um regulamento para o hospital
militar da Vila Bela. A 5 <ic novembro publicou-se um Bando orde­
nando a circulação da moeda de cobre provincial, determinando o
governador que metade do pagamento das despesas que fossem feitas
se realizarse em ouro, e outra metade em cobre dessa espécie.
Faleceu a 6 de novembro o capitão Francisco Rodrigues do
Prado, na volta de uma diligência a Chiquitos. De um oficio diri­
gido à Secretaria de Estado em dezembro viu-se que então existiam
em Vila Bela tão somente quatro famiFas brancas.

(79) Em recompensa ao que fizeram na guerra última, quando Dom


Lázaro foi rechaçado de Coimbra.
— 308 —

1805
Em janeiro o general passou de Vila Bela para a Vila de Cuiabá.
Em fevereiro chegou de Porto Feliz uma monção <?,- canoas carre­
gadas com trem de guerra, cm que vieram o sargento mor Antônio
José Rodrigues c o tenente de artilharia Jerónimo Joaquim Nunes.
O general, oficiando ao governador de São Paulo a respeito dessa
remessa, menciona a possibilidade de virem sem maior custo por esta
via ac. carenadas que estão naquela capitania, reconhecendo, porém,
a extrema dificuldade da condução das peças de artilharia c. 12.
Mandou-se abrir ou limpar a estrada para o alto Paraguai pelos
moradores da beira da mesma estrada.
Resolveu-se a proceder à socavação das minas do alto Paraguai,
e a 16 de março publicou-sc um Bando relativo a arrecadação dos
diamantes que ai fossem achados, permitindo também no mesmo
distrito o comércio de todos os gêneros da capitania, c dos de fora
tão somente o ferro, o aço e o sal. Foi o ouvidor presidir à dita
socavação, que teve começo em abril e fez minguar as esperanças
que havia de naquelas parag.ns existirem muitas riquezas; entretanto
o general ordenou que a partilha fosee feita em maio.
Deu o general providencias para que se efetuasse o donativo de
que tratava a Carta Régia de 6 de abril de 1804. P o r Bando de 11
de ma.o foi proibida a extração c comercio da quina aos particulares
que não exibissem licença do governo.
Em julho partiu, de ordem do general e a diligências do ouvidor,
uma expedição comandada pelo forricl Manuel Gomes para verificar
a possibilidade de uma navpgação para o Pará pelo rio Arinos.
No meado de julho voltou o general para Vila Bela, onde em
setembro veio visitá-lo o secretário do governador de Chiquitos.
A 8 de novembro pelas 10 horas da manhã faleceu o capitão
general, sucedendo-lhe um triunvirato composto do coronel Antônio
Felipe da Cunha Ponte, do ouvidor Sebastião Pite de Castro e do
vereador mais antigo José da Costa Lima.
Houve neste ano ;-m Cuiabá uma epidemia, que levou o melhor
de 200 adultos e 22 crianças.

1806

José de Castro Lima foi substituído no governo de sucessão pelo


vereador Marcelino Ribeiro. Tendo o comandante da fronteira do
Paraguai suspeitas de que os espanhóis projetavam atacá-la, mandou-
se-lhe de Cuiabá em fim de março abundantes socorros de munições
de guerra e de lioca e 60 toldados milicianos.
— 309 —

A 3 de maio faleceu o Dr. ouvidor Sebastião Pita de Castro,


que foi substituido no governo pelo Dr. juiz de Fora de Cuiabá
Gaspar Pereira da Silva Navarro.
Por falta de pessoal idôneo não se tinha instalado a Junta de
Fazenda mandada criar pela Carta Régia de 4 de agosto da 1802.
Tendo chegado a Vila Bela Domingos Mendes de Miranda, enviado
pelo governador do Pará para servir o cargo de escrivão deputa lo.
foi empossado por portaria de 7 de junho, inarcando-sc para a insta­
lação da Junta o dia 1 de janeiro de 1807; falecendo, porém, o
coronel Antônio Felipe da Cunha Ponte, os outros dois membros do
governo, sem esperar a chegada do 3.°, coronel Ricardo Franco de
Almeida Serra, resolveram a não instalação da Junta e deram conta
desta medida à Córte de Lisboa.
A 30 de agósto faleceu o coronel Antônio Felipe, que foi substi­
tuído no governo a 12 de dezembro pelo coronel Ricardo Franco.
Houve neste ano abundância de mantimentos.
A 8 de outubro uma mullrer parda, de nome Inés, deu à luz a
um bicho semelhante á cobra, que por muitas pessoas fôra visto
mover-se como animal vivo.

1807
Por Bando de 5 de março proibiu-se absolutamente aos parti­
culares a extração e comércio da quina.
Voltaram pela navegação do Madeira. Mamoré e Guaporé os
da expedição que em julho de 1805 haviam descido pelo rio Arinos
ao Pará.
A 1 de janeiro o vereador Francisco de Sales Brito substituiu
a Marcelino Ribeiro no governo de sucessão.
A 7 de outubro chegou a Cuiabá o novo capitão general nomeado.
João Carlos Augusto de Qynhausen e a 29 seguiu para Vila Bela.

8 .° CAl-ITÂO GENERAL JoÃO CARLOS D ’O v e N U AUSEN E GREVENBLRC.

(1807 — 1808)
A 18 novembro o capitão general João Cirios tomou posse
em Vila Bela, do governo que lhe íõra confiado por decreto de 24 de
julho de 1805 e Carta Régia de 9 de junho de 1S06.
O seguinte trecho de um ofício do capitão general ao visconde
de Anadia, ministro dos Negócios Ultramarinos, em data de 23 de
dezembro, dá idéia do estado da capitania naquela época ;
“ T er ao mesmo tempo de dirigir a administração da Fazenda
Real sem bonr> oficiais de fazenda, e de fazer face a grajtdes despesas
— 310 —

com poucas c incertas rendas; de dirigir a administração da Justiça


ü.m bons ministros, e atualmente com um só em tõda a capitania;
ter de defender uma fronteira de 500 léguas contra inimigo vigilante,
ávido e de má fé, sem ter número suficiente de tropas e sem ter
dinheiro para pagar e sustentar as poucas que há, e finalmente de
dirigir um comércio amortecido, contra poderosos obstáculos c com
comerciantes empenhados são obrigações superiores às minhas
fõrças, ate."
De outro ofício de 20 do mesmo mês, vê-se que os pontos onde
existia fõrça militar eram ; Casalvasco — . Forte do Príncipe da
Beira — São José de Montenegro (Ribeirão) Forte de Coimbra —
Presidio de Miranda — Povoação de Albuquerque — Vila Bela e
Cuiabá. Vê-se, também, que os oficiais militares que o general
tinha à sua disposição eram um coronel, dois sargento'-mores, um
capitão, um tenente e dois alferes, e alguns déles doentes.
A 8 de dezembro tomou posse por procurador. Dom Luís de
Castro, bispo de Ptolomaida. nomeado prelado de Cuiabá, cm 29 de
outttbro de 1803.
1808
P or portaria de 1 de janeiro o governador desanexott a Inten­
dencia da Provedoria da Fazenda, dando-lhes empregados distintos,
ficando contudo ambas sob as vistas e direção do Dr. provedor.
Desde o tempo de Dom Antônio Rolim d : Moura não existia
na capitania outra força militar paga senão a Companhi-t de Dragões
e a de Pedestres. Por Bando de 29 de março o governador criou
uma companhia de voluntários que denominou — Companhia, França
de 1-ea's Cuiabanos. composta de quatro cabos c cem praças coman­
dadas por um oficial e foi depois elevada a 230 praças, destinadas
principalmente ao serviço de remar as canoas e com metade do soldo
dos pedestres.
Estabeleceram-se dois destacamentos de sei.» praças na estrada
de Goiás, um no sitio do Jatobií, do padre Albuquerque, é outro no
Sangradouro grande, onde então existia uni iazendeiro.
Deu o general providencias para o reforço das guarnições das
fronteiras. Foi mandado repartir o descoberto da Cachoeira, mani­
festado pelo reverendo José Lemes da Silva, vigário da Chapada.
Em junho, por cartas vindas de São Paulo, soulxt o general da
chegada d'e!-rei ao Brasil.
Existindo no cofre, sem destino, fundos do subsídio literário, o
governador resolveu aplicá-los à fundação de uma aula de anatomia
e cirurgia, que mandou abrir no dia 15 de agosto, cm que se festejou
a chegada de sua majestade.
— 311 —

A 16 de agosto chegou a Cuiabá Dom Luis de Castro Pereira,


prelado nomeado por Decreto de 29 de outubro de 1803 e sagrado
bispo in partibus de Ptolotnaida eui 14 de julbo d| 1805.

1809

A 21 de janeiro faleceu cm Coimbra o coronel Ricardo Franco


de Almeida Serra, na idade de 61 anos. De ordem do general seus
ossos foram, etn julbo do ana seguinte, para a Real Capela de Santo
Antônio, de Vila Bela. Sucedeu-lh: no comando da fronteira o
sargento-mor A. J . Rodrigues.
Por portaria de 1 de março, o general mandou que no princípio
de cada mês se entregasse ao padre Tavares, a cujo cuidado estavam
dois filhos do coronel Ricardo Franco, legitimados por testamento,
a quantia de vinte oitavas de ouro, para sustento dos mesnios c de
sua mãe.
P or Bando de 19 de janeiro, criou-se um Hospital Militar na
vila de Cuiabá. Em Bando de 21 de fevereiro publicou-se o Aviso
dl: 26 de julho de 1808, determinando que fôsse exclusivo da Fazenda
Real o fabrico e venda de pólvora, e deram-se a respeito providencias.
P o r Bando de 28 de março modificou-se, cm conformidade do
Decreto de 7 de agosto de 1796, a organização da Legião de Cuiabá,
que ficou sendo — Regimento de Milicias — com uma companhia de
granadeiros, uma de caçadores e oito de fuzileiros. Foram anexadas
as duas companhias de cavalaria, que formaram um esquadrão de
cavalaria de Cuiabá. Das praças qij; sobraram formou-se um corpo
de reserva.
Para fins econômicos, o governador criou cm 17 d • abril duas
repartições militares dirigidas cada uma por um oficial superior.
Ao distrito da 1." pertenceram os destacamentos de Viia Bela —
Casalvasco — Forte do Principe — Pálmela — São José do Ribeirão
— Jauru e Vila M aria ; ao da 2.a os destacamentos da Vila de
Cuiabá — Miranda — Coimbra — Albuquerque e Insua.
Tendo no mês de junho, os indios Cabixis cometido grandes de­
predações nas vizinhanças do arraial de São Vicente, o gcrrral auto­
rizou a expedição de uma bandeira contra êles.
Em setembro o governador modificou a organização do corpo
de ordenanças de Cuiabá, que ficou composto de oito companhias, a
saWrr: 1 de Vila Bela, 1 de São Pedro d’EI-Rci. 1 da Serra acima.
1 de Cocais. 1 do rio acima c Diamantino, 1 do rio abaixo, 1 de
homens pandos e 1 de Henriques.
No tnesmo mês voltou o general para Vila Bela. A 15 de outubro
o Dr. José Francisco Leal tomou posse do lugar de juiz de fora de
Cuiabá c ouvidor geral interino.
Em novembro o general ordenou que se construísse em Vila
M aria uma casa para depósito de pólvora da capitania.

1810
A 4 de fevereiro celebrou-se a primeira sessão da junta de Admi­
nistração da Fazenda, mandada criar pela Car,ta Régia de 14 de
junho de 1802 e Provisão do Real E rário de 24 de maio de 1809.
Com o fim de facilitar a comunicação fluvial com a capitania
dc São Paulo estabeleceu se um registro e o destacamento na Fa­
zenda de Camapuã, a cujo comandante deu o general previdentes
instruções em data de 19 dc julho.
Saiu de Cuiabá uma expedição com o fim de descobrir ouro.
Rccolheu-.ic sem fruto, tendo perdido oito homens, que morreram de
sezões. Com o mesmo intento partiu dc Mato Grosso cm setembro
uma bandeira que foi igualmente incumbida de reprimir os insultos
dos Cabixis.
Por Bando dc 16 de setembro mandou-sc pôr em execução as
disposições da Carta Régia de 5 de novembro dc 1808, que facul­
tavam aos moradores que segurassem alguns indios selvagens c hostis,
conservá-los por 15 anos como prisioneiros de guerra e empregá-los
no serviço.
Em fim do dito mês de setembro o general seguiu para Cuiabá.
Em consequência dc desavenças ocorridas entre um major, um
tenente e um cap dão que vinham cm uma monção de São Paulo, o
m ajor prendeu o tenente, c foi, pelo capelão, excomungado e preso à
ordem do Santo Oficio.
1811
Em março o general recebeu oficios do governador da província
do Paraguai pedindo-lhe armas, munições, duas ou três peças de
campanha de c. 8 Ir a marcha dc 600 homens, ou mais, a fim de auxi­
liá-lo contra a fõrça da junta insurrecional de, Buenos Aires.
Ainda quando não fosse a falta de meios, outros motivos políticos
não permitiríam ao general atender a êste pedido. Não tardou aVás
a constar que foram repelidos os insurgentes invasores pelos realistas.
Não tardaram, porém, os próprios paraguaios a seguir o exemplo das
outras provincias, e i:o dia 24 dc maio depuzeram o seu governador.
Em consequência desta revolução, chegaram em junho emigrados
a Miranda o coronel espanhol Dom Pedro Garcia e alguns outros
oficiais. O general fez-lhes bom acolhimento e os mandou conduzir
para a Córte por via dc Goiás.
Em 13 dc agosto o general marchou de Cuiabá para Vila Bela.
— 313 —

Recebeu um aviso <lo ministro conde de Linhares recotncndan-


tlo-lhe que protegesse no que íóss? possível o governador do Paraguai,
general Velasco, contra o ataque da junta de Buenos Aires. Em res­
posta o general mostrou que, à vista do ocorrido, e do estado da
capitania, nada podia fazer senão o que tinlia feito, reforçando a
guarnição da fronteira a fim de preservá-la de algum insulto.
Constava que a provincia de Chiquitos, senhoreada pe!a junta
de Santa Cruz, subalterna da de Buenos Aires, seguia o partido desta,
c que a do mftjor, fiel ao rei, se achava ameaçada por forças cru-
zenlias, e com poucos meios de resistir. Vindo, porém, o brijçadciro
espanhol Goi,-macha à testa de um exército, mandado [telo vice-rei
de Lima, reduziu os insurgentes à obediência.
E m fim dês>- ano esperava o general o seu sucessor no governo,
Luís Borba de Alãrdo Menezes, nomeado por Carta Régia de 25
d • abri! dêste mesmo ano; mas não veio.
O governador João Carlos fôra nomeado para o governo do Pará.

1812

Lm abril o g: rem ador recebeu ofício do general espanhol Goia­


nacha [ j dindo-lhe armamento. A resposta foi de acordo com o cons­
tante procedimento do mesmo governador e ás suas ordens e instru­
ções dadas aos comandantes dos pontos da fronteira, a f.m de se
conservar a mais estrita neutralidade entre os partidos qtt/t dividiam
os Habitantes dos dominios espanhóis, linha de conduta que foi
aprovada pelo conde de Linhares (80).
Em maio os Guaicuras, sob o comando do cacique P.runo, deram
em Bourbon e mataram alguns erpanhõ.s fora do forte : os outros
embarcando-se cm uma jangada de paus de carandá fugiram dei­
xando desamparado o forte Nela entraram os índios, utilizaram-se
das armas c da pólvora e bala, desmontaram e encravaram uma p.-ça
de ferro que ali existia e lançaram fogo ás casas.
Sabedor deste acontecimento, o comandante da fronteira man­
dou ocupar o dito forte por gemí: nossa. Apresentando-se depois
uma expedição espanhola, não foi m ediatam ente entregue, mas sim
logo que se receberam as ordens do governador para és#: fim.
Efetuou-se a entrega pelo tenente de dragões Antônio Maria da
Silva Torres ao capitão Dom Francisco de Ecltague y Andie, a 20
de julho.

(80) Aviso de 12 Ide outubro de 1812. (Nota de I-cverger).


— 314 —

Em agosto mandou o general que se fizessem disposições em


Cuiabá e Vila Bela para a chegada do seu sucessor, a qual se não
verificou.
Em setembro saiu para o Pará pelo rio Arinos uma expedição d iri­
gida por Miguel João de Castro e Antônio Tomé de França, animados e
protegidos ¡S lo general, que lhes mandou fornecer gente, armas e
munições de guerra e de boca.
Em fim de outubro o general marchou de Vila Bela para Cuiabá,
onde chegou em meiado dc novembro.
A 1 de novembro o Dr. Antônio José dc Carvalho Chaves
tomou posse do cargo de juiz de fora de Cuiabá e interinamente do
lugar de ouvidor.
1813
Por Bando de 25 de janeiro deram-se várias providências rela­
tivas à cultura do algodão e ao fabrico do fio e tecidos dèrse gênero.
Por portaria de 1 de fevereiro foi mandado transferir o Registro
da Insita para o Rio Grande, bla mesma data renovou-se a publi­
cação, por Bando, das disposições da Carta Régia de 22 dc abril de
1799, concedendo faculdades especiais aos governadores de Mato
Grosso.
Em 1 dc abril instalou-se em Cuiabá a junta de gratificação dos
diamantes na forma da Carta R e g a de 13 dc novembro dc 1809,
modificada pelo avito de 8 de junho dc 1811.
Por portaria de 10 de abril deu-se nova organização às Milícias
de Cuiabá, que ficaram formando uma legião composta de um bata­
lhão dc infantaria com 10 companhias, tuna brigada de artilharia
com uma companhia de bombeiros, três de artilharia a pé c uma de
artilharia montada, e dois esquadrões dc cavalaria.
Tendo sido derrotado o partido realista nos vizinhos dominios
espanhóis, a 9 de abril chegaram a Càsalvasco e a 30 a Vila Bela os
governadores das provincias de Chiquitos e Santa Cruz, Dem Juan
Batista dc Alto Lcguírra e Dom Miguel José Bezerra, obrigados a
refugiarem-se. Foram tratados com tôda a consideração devida à
sua posição social, porém, de ordem do general tiveram que marchar
para Cuiabá e dali para a Córte do Rio de Janeiro, seguindo a 7 dc
junho a via dos rios até São Paulo, acompanhados de um tenente
coronel ajudante de ordens do governador.
Este procedimento foi aprovado por avisos de 9 de agôsto c 25
dc setembro. Pouco depois teve também de refugiar-se no forte do
Principe o Dr. Estêvão Roxas que assumira por parte dos realistas o
governo da provincia de Mojos. Foi mandado seguir para Cuiabá
c dali para a Córte por via dc Goiás.
— 315 —

As canoas que no ano passado tinham ido ao Pará pelo rio


Arinos. voltaram pela mesma via e chegaram em setembro ou outu­
bro (8 1 ). Criou-se um registro no porto do rio Preto, afluente do
Arinos.
O empenho sempre crescente da Fazenda Real, a escassez das
suas rendas c ainda a sua diminuição principalnbmte da do quinto do
ouro, obrigaram o governador a lançar mão de quantos recursos
podia excogitar para acudir ãs necessidades do serviço público.
Lembrou-se para éste finí de tirar partido do logado de Manuel
Fernandes Guimarães de que já se fez menção nestes afontumenlot.
Este legado, que se achava sob a administração da Provedoria dos
Residuos, importava, com o acréscimo dos juros vencidos, tia nvul-
tada quantia de 6 1 :856§023 réis, por conta do qual tinham-se reco­
lhido aos cofres apenas 191$524 réis, achando-se assim quase todo
o capital m mãos de 69 devedores, *i titulo de empréstimo vencendo
o juro da lei. Por Bando de 5 de dezembro determinou o governador
que a Fazenda Real tomasse por empréstimo a massa das referidas
div das, encarregando-se de cobrá-las cem o encargo de aplicar o
respectivo juro à fundação do estabelecimento pio projetado pelo
testador.
E por portaria de 17 do mesmo tnês, criou o governador uma
comissão à qual encarregou essa administração, dando-lhe instrução
para o fim que fora organizada. Facilitou-sc a cobrança aceitando
dos devedores a importância cm mantimentos e panos de algodão que
os mesmos devedores pudessem fornecer à Fazenda Real quando
fosse preciso. Em oficio de I I de janeiro do ano seguinte deu conta
desta medida à Secretaria de E ta d o , sendo ela aprovada pelo prín­
cipe regente por Carta Régia de 6 dc junho de 1814.

1814
Em março levou-se a efeito uma providência solicitada pelo
general e determinada pelo Decreto de 25 de agosto de 1813, que
mandou anexar ao distrito de Cuialtá o julgado de São Pedro d’E l

(8 1 ) N ota de L c v e rc e r, lançada posteriorm ente cm um a tir a de papel,


com le tra m uito mais m iúda do que aquela que usam , fa to m u ito comum nos
ú ltim o s tempos de sua existência : “ E m o fic io de 26 dc o u tu bro dc 1813,
d iz o general a M ig ue l João de C astro : Esperava a V m . com a m aior
im paciência para lhe agradecer por m im . pelo Príncipe N . S., e finalm ente
em n m o do Povo desta C apitania o assinalado serviço que acaba de lite fazer.
A o p rim e iro navegante do A rin o s competem certamente as m ais distin tas
mercês c pela p rim a ra vez sinto a estreiteza do meu poder, que não pe rm ite
que eu lhe faça o u tra senão o que j á lhe fiz de o nom ear C ap itão agregado
à b rilh a n te L e giã o de C uiabá” .
— 316 —

Rei, ficando todavia pertencentes à Vila Bela as rendas do dito


julgado.
Por este tempo, mandou o general fundar unia fazenda de gado
tan Miranda e abrir uma estrada daquele presídio para Cuiabá.
Tendo o general promovido a organização de uma companhia
de mineração de Cuiabá, com a incumbência do encanamento das
águas do ribeirão da Mutuca e outros confluentes para lavar Bs terras
minerais vizinhas da dita vila e ainda prover a esta de água potávpl,
era portaria de 13 de maio aprovou provisoriamente os Estatutos da
dita companhia, que enviou ao minislto em oficio de 22 do mesmo
mês, que foram aprovados definitivamente por Carta Régia dc 16
de janeiro de 1817 (82).
Mandou-se construir, n as imediações de Cuiabá, uma casa para
depos to da pólvora da Fazenda Real e dos particulares, e por portaria
de 10 de junho proibiu-se a êstes o conservarem em suas casas mais
de oito libras dêste gênero.
P or Bando de 22 dc junho fizeram-se públicas as disposições
do alvará de 17 de setembro de 1813 ampliando a todas as fábricas
de mineração os privilégios de que até então gozavam tão somente
as que tinham de 30 escravos para cima, e prescreveram-se as regras
para a matricula dos empregados nas ditas fábricas.
Em julho o governador marchou de Cuiabá para Vila Bela.
Continuava a guerra civil nas vizinhas províncias espanholas.
O governador recebeu um oficio do chefe realista Udacta pedindo
auxilios, que declinou m inistrar. O general respondeu com o mesmo
espirito de neutralidade a comunicação que. por via dc Moxos, lhe
dirigira o chefe independente Inácio Uames.
No entretanto, autorizado por uma Ordetn Régia que constava
do aviso do marquês de Aguiar de 18 de março, voltaram a esta
capitania os dois governadores que no ano passado haviam seguido
para a Corte, e bem assim o espanhol emigrado dc Moxos, Doutor
Estêvão Rochas (83). E:.tc, à sombra dc seu passaporte, chegou
em agosto até o Jauru. onde o capitão general ordenou que se demo­
rasse. porém posteriormente determinou que voltasse para Goiás.
Os dois governadores espanhóis chegaram a Cuiabá a 29 de
agosto c seguiram sem demora para Vila Bela; dc ordem do gen.'ral,
porém, tiveram que retroceder. Forant mandados esperar cm Vila

(82) A companhia cuja formação o capitão general incentivou tomou


por divisa — fortuna duct — comúc virtude — Pretendia canalizar ai águas
do Momea c outros cursos dágua para as lavras do Jacc. Porém, não
prosperou.
(83) A pedido do ministro da Espanta no Rio dc Janeiro. (Nota de
Levcrgcr).
317 —

Maria, e depois tez o general com que regressassem para Goiás,


seguindo viagem em outubro.
Declarou-se n n p epidemia de bexigas no forte do Príncipe.
Logo que tal constou mandou-se por portaria de 27 de outubro
estabelecer um registro no Cubatãp, a fim de evitar que se estendesse
o mal. o que felizmente não sucedeu.
Em setembro o governador recebeu comunicação da sua pnnnoção
ao posto de coronel. Ño mesmo mês fez-se a primeira ren t-ssa para
o Rio de Janeiro dos ¿am antes recolhidos ao cofre depoi.; da criação
da junta.
Em outubro regressou com felicidade ao Diamantino uma se­
gúrala expedição que no ano antecedente descera ao Pará pela nave­
gação do Arinos.
Em novembro o general marchou de Vila Bela ¡a ra Cuiabá.

1815

O capitão Bento Pires dé Miranda, tendo aberto à sua custa,


uni varadouro do rio Arinos para o Cuiabá, para o transporte das
cargas vindas do Pará, chegou no dia 6 de janeiro ao pôrto desta
vila em uma igarité vinda por esta via.
No dia 23 de abril |s seguintes celebraram-se grandes festas em
Cuiabá pela noticia da pacificação da Europa.
O general mandou expedir de Vila Maria uma Bandeira contra
os indios Bororós, que infestavam a estrada de Vila Bela, ¡entre Vila
M aria e Jauru. Foram destroçados e fizeram-se alguns prisioneiros
e a Bandeira rccolheu-sc em principio de setembro.
Em maio fizeram-se públicos os privilegios dos moradores do
estabelecimento que se devia fundar no salto Teotônio, com a deno­
minação de povoação de São Luis, sob a direção do tenente coronel
José Pereira da Silva Guimarães, cm virtude da disposição da Carta
Régia de 6 de março de 1814. Mandou-se construir a ponte do
Aricá.
A 20 de junho o Dr. José Francisco Leal tomou posse do lugar
de ouvidor c o Dr. José Simões Marques de Almeida do de juiz dé
fora de Mato Grosso tornado a criar de novo por alvará de 25 de
agosto d? 1813.
O estado das limítrofes provincias espanholas era o mesmo,
incerto e agitado. O chefe indqxmdcnte Udacta achava-se em Chi­
quitos mantendo-se íznt socorro e sem esperança de melhorar de
partido. Era, pois, evidente a prudência da medida que tomara o
capitão general João Carlos de fazer recolher à Córte do Rio de
Janeiro os governadores emigrados, porquanto a sua estada nesta
— 318 —

capitania seria um motivo justo do partido independente desconfiar


da neutralidade, e a sua volta aos seus respectivos governos náo era
menos perigosa, pois no caso de uní revés, seriam obrigados a emigrar
de novo, ou porventura a se ligarem com o partido que combatiam;
e se fossem vitoriosos não deixariam de conservar má vontade pelo
nenhum auxilio que se lhes tinha dado, e em ambas as hipótbscs náo
nos podía resultar senão prejuízos dos conhecimentos que tinham
adquirido do exame dos recursos c meios de defesa da -apitania.
Foi, portanto, com a maior surpresa e desgosto que o general
receben o aviso do marques de Aguiar de 6 de março .'mi que lite
significava que sua alteza real ficava inteirado de todas as ponde­
rações feitas nos oficios relativo: aos emigrados e das razões alegadas
para justificar a deliberação de fazê-los voltar ; porém que não
podia merecer a real aprovação do mesmo senhor um semelhante
arbitrio, pois convencia mais à vista da régia permissão de que
vinham munidos, que aqueles espanhóis prosseguissem a sua jornada
c passassem as provincias a que pertenciam do que voltarem outra
vez à Corte obrigados a fazerem tão dilatada viagem com grave
incômodo e até despesa da Fazenda Real.
Os térmos em que eslava concebida esta resolução não permi­
tiam ao general outra coisa senão (como diz êle mesmo em um oficio
ao comandante de Casalvasco) abaixar a cabcfa e obedecer.
A 16 de agôsto chegaram a Cuiabá os dois governadores e a 20
seguiram para seu destino. Em 7 de outubro foram desbaratados
em Chiquitos, morrendo Alto Leguirre que desamparado pelos oms
c na fugida o arrojou o cavalo já meio de debilidade e ai o acabaram
os que o seguiam e passando para Mato Grosso o seu colega Bezerra
acompanhou-o um grande número de espanhóis.
Em junho fez-se a primeira partilha dos lucros da rcct-m criada
companhia de mineração, na qual tocou :

A Real Fazenda ....................................................... 93$734


Reserva da 6.a p a r t e ................................................ 7373086
A cada ação na partilha de 2 :2 2 5 $ 7 0 0 ............... 61S861
A cada ação na partilha de 2:290$556 ........... 22§195

Aos emigrados espanhóis mandou o general internar para "Vila


M aria c Cuiabá, e solicitou do governo permissão para fazê-los sair
da capitania e de remeter o tenente coronel Udacta pana o Rio de
Janeiro, cuja píssoa fôra por vézes reclamada pelo seu cunliado
Wamis.
Em agôsto o general teve notícia pelas gazetas de ter sido no­
meado para suceder-lhe no governo o marechal de campo João de
— 319 —

Sousa Mendonça Córte Rea!, a qt< ni oom efeito foi expedida a


Carta Régia de 7 de abril de 1815 ; mas não veio à capitania.
De outubro cm diante deram-se diversas providências relativas
à administração dos lázaros e começou-se a construção de um edi­
ficio para recolhê-los.
E m dezembro o capitão Bento Pires partiu de Diamkntino para
o Pará.
1816
De um ofício dirigido pelo governador ao comandante Je Vila
Bela em 19 de janeiro vê-se que o númem dos emigrados espanhóis
que então existiam no distrito de Cuiabá era de 212.
Em fevereiro seguiu com uni pequeno destacamento para o salto
grande do Madeira o tenente coronel José Pereira da Silva Guimarães,
a queiu fôrn por sua alteza real conferido êste posto para fundar no
mencionado salto tini estabelecimento que se denominou de São Luís,
como determinava a Carta Régia de 6 de setembro de 1814.
O general deu providências para a proteção c aumento de um
estabelecimento rural fundado por um particular nas imediações do
registro do Rio Grande.
Por Bando de 4 de fevereiro foi publicada Carta Régia de 14
de setembro de 1815 isentando por dez anos de pagarem direito-- de
entrada os gêneros que fossem conduzidos do Pará pela navegação
do Arinos.
Por portaria de 17 de niaiio o general criou para o serviço das
barcas canhoneiras que mandara construir, um corpo de artilheiros
e marinU-iros. que ficou sendo a 6.a da Brigada de Artilharia da
Legião de Milícias de Cuiabá.
Em junho seguiu o general de Cuiabá para Vila Bela. Mandott-
se construir uma ponte no ribeiro e pantanal do Barreiro, na estrada
dc Vila Bela e construir a ponte do Guaporé.
A fim de remover os inconvenientes que causava a estada dos
emigrados na capitania, estada que era preciso dissimular nu negar
para, não dar lugar a comprometimentos com os chefes indcfiendentcs
das. vizinhas províncias, já tendo aVás notícia de estarem a chegar
novos refugiados do partido realista, o general expediu ordem em
julho para que alguns déles marcliasscm jn ra a capitania de Goiás.
Por ordem do dia de 15 de agitato foi criada uma fórça miliciana
que se chamou Companhia de Caçadores de Casalvásco. composta
dc todos os homens maiores de 12 anos daquele distrito.
Em fim do mesmo mês celebrou-se com pompa ofício fúnebre
pelo óbito da rainha, pelo qual tomou-se luto rigoroso.
Nos meses de outubro a dezembro emigraram muitos espanhóis
do partido realista, e neste último mês houve notícia de que o ch fe
— 320 —

insurgente Dom Inácio Wanes fôra derrotado c morto em Santa


Cruz.
Em novembro voltou o general a Cuiabá. Deram-se providen­
cias para regularizar a natpgação do Arinos e fundar-se u n i povoa-
ção a meio caminho, para cujos moradores o general solicitou alguns
privilégios.
1816

A 8 de dezembro na vila de Cuiabá o general marcou o lugar


destinado ao hospital geral da Santa Casa de Misericórdia, sob a
invocação de N. S. da Conceição.
Criou-se na mesma vila uma aula dl- cirurgia, cujos estatutos
foram publicados cm portaria de 16 de dezembro, sendo esta medida
aprovada por aviso de 12 de julho de 1817.
Neste ano deu-se andamento à construção da [>onte do rio Coxipó.

1817

Em jaiviro o general fez seguir para São Paulo pela via dos rios
16 espanhóis do partido insurgente que se haviam refugiado a esta
capitania.
A 5 de fevereiro lançou-se a primeira pedra do hospital da Santa
Casa de Misericórdia, sendo esta fundação aprovada por aviso de
10 de julho de 1817.
Concluiu-se a ponte do Barreiro, na estrada de Vila Bela. Tem
de comprimento 148 braças com W4 estacas por banda.
Em abril entraram cinquenta e tantos emigrados espanhóis do
partido patriota, que foram remetidos para Goiás. A 25 do dito
mês. aniversário da Rainha, fêz-se em Cuiabá a inauguração do
hospital dos lázaros sob a invocação de São João ; e a 3 de maio
foram para ali proccssionahnenle conduzidos 33 lazarentos.
A 1 de junho transferiu-se para o novo edifício da Santa Casa
de Misericórdia o Hospital Real Militar. Por portaria de 4 do mesmo
mês estabeleceram-se prêmios mensais para os alunos da aula de
cirurgia (84). ''..¡H
A 1 de julho celebrou-se a 1? junta de Justiça, e no mesmo
mês celebraram-se festas pela elevação ao trono de el-rei o Sr. Dom
João VI, tendo sido anteriormente publicado em 13 de maio o aviso
de 11 de dezembro de 1816 comunicando que o dia 6 de abril fôra
marcado para o ato solene do juramento de preito e homenagem.

(84) Entretanto, a aula não perdurou.


— 321 —

Em outubro o general mandou explorar a navegação dos ríos


Piquiri e Sucuriú e o varadouro entre os mesmos, a fim de mudar-se
por esta direção a navegação fluvial para Sao Paulo.
Em novembro o general teve notídia de ter sido removido do
govérno do Para (para o qual fóra nomeado em 1811) para o de
São Paulo.
Concluiu-se em Vila Maria a construção de duas barças, que
depois foram para Cuiabá.
Voltaram do Rio de Janeiro em fim dêste ano e começo do
seguinte diversos espanhóis dos emigrados, com ordem do ministério
de deixá-los seguir para os vizinhos dominios. P o r portaria dc 11
de novembro o general providenciou para o regresso dos outros
refugiados que se achavam nesta capitania.
Em portaria de 8 de dezembro, fêz-se público, como solicitara o
general, que sua majestade concedera (aviso de 10 de julho) aos
recem criados estabelecimentos pios os privilégios de que gozam as
mais Casas dc Misericórdia. E em portaria de 19 pubbcou-se também
a aprovação dada por aviso de 12 de julho a fundação da aula de
cirurgia.
Além da ponte do Barreiro construiu-se neste ano a do Cpxipó,
fez-se de novo a do Aricá-mirim e concertou-se a do Guáporé.
De un> oficio do governador de 14 de novembro 'V 1818 consta
que a população da capitania cm fim de 1817 era de 29.801 almas, a
saber : 5.266 homens maiores de 16 anos, 3.898 rapazes de 15
anos' para baixo 9.6S9 mulheres forras e 10.948 escravos.

1818

Em ofício de 27 de janeiro o governador participou ao minis­


tério que, quando se retirasse para São Paulo, proptuilía-se a levar
consigo dois moços hábeis para aprenderem a metalurgia do ferro na
fábrica <f; Sorocala, para onde pretendia remeter amostras do mineral
de ferro que existe em diversas paragens desta capitania.
Em março celebraram-sc festas reais pelos esponsais do Senhor
Infante Dom Pedro com a Senhora Arquiduqueza da Áustria. Deu-se
andamento à construção de uma capela no arraial do Diamantino.
Faleceu em abril o juiz de fora de Vila Bela, Dr. José Simões M ar­
ques de Almeida.
Tendo o general, em maio, noticia da saida da Córte do seu su­
cessor, expediu ordens para que se limpasse e preparasse a estrada
de Goiás. N o mesmo mês de maio renovou-se a expedição do Piquiri
e Sucuriú, ordenando-se que a esta última via se desse o nome de
Novo Tejo e o de Azambuja à povnação que se pretendía {dudar
na vizinhança das cabeceiras do Piquiri (8 5 ).
Por portaría de 20 de maio deu-se organização às três compa­
nhias pagas, ficando a de dragões com 228 praças de pré. 226 a de
pedestres i.’ 290 a franca de leais cuiabanos.
Marcou-se também a distribuição desta fôrça pelos diversos pon­
tos da capitania. Ent junho expediu-se uma Bandeira contra os indios
Bororós, no distrito de Vila Maria.
Por portaria de 3 de julho declarou o general que timdo-se extin­
guido a antiga Missão de Santana da Chapada, no lugar Guimarães,
a ninguém se consentia roçar e fazer plantações, nas matas da me-:ina.
senão aos que nela fossem estab lecer domicílio construindo casa
de telha.
Em 15 de juU», retirando-se o Dr. José Francisco Leal por ter
acabado o seu tempo de ouvidor, foi substituido interinamente pS-lo
Dr. José de Carvalho Chaves, juiz de fora de Cuiabá.
E m setembro o general reiterou as providências para a cons­
trução de ranchos e limpeza da estrada por onde tinha de passar o
seu sucessor no governo.
Não satisfeito o general com a exploração do Piquiri e Stiruriú
feita pelo alferes Gomes do Prado, deu por portaria de 23 de setpmbro
esta incumbência ao alferes José de Vasconcelos.

9 .° CA PITÃ O GENER AL F R A N C IS C O DE PA ULA M a GGRSSI T A V A R ES


de C arvalho

(1819 — 1821)

No dia 6 de janeiro chegou a Cuiabá b entrou em exercício do


governo o tenente general Francisco de Paula Maggessi Tavares de
Carvalho, nomeado por Carta Régia de 7 de julho de 1817. Pela
manhã do mesmo dia retirara-se o seu antecessor (86).
Do ofício que o governador dirigiu à Secretaria de Estado de 19
de janeiro depreende-se que os. cofres estavam sem dinheiro : que
no sertão não havia ttm só morador pôr causa dos índios; que à
tropa de linha na capital era sòmcnt • fornecida cante e meio décitno
de farinha pdr dia: que perto de 600 homens que guarneciam

(85) A expedição exploradora não teve éxito e nenhuma povoação foi


iundads.
(86) O governador João Círios retirou-se tomando o caminho da rua
da Caridade, evitando encontrar-se edm o seu substituto tfte veio pela rmt
do Arcão. (N'ota dc E . de Mendonça).
— 323 —

a fronteira cram sustentados pelos lavradores e senhores de engenho,


a qtiem se tomava muito pesada a falta de pagamento ; que a
divida da capitania era a seguinte :

Fõlha nvlitar .......... ........... 401:897$643 3/4


Fõlha civil .............. ........... 51:777$305 1/2
Fõlha eclesiástica .. ............. 8:208$592 2 /3

46l:883$541 11/12
Divida extraída de 1769 a
1818 ................... ............. 221 :049$952 1'2
Divída contraída eni ISIS .. 7:4935874 3/12

........... 690:4278368 2 /3

A 25 de jarp-iro chegou o tenente coronel Félix Merme com o


casco de legião que se devia organizar, na forma do Decreto de 23
de janeiro de 1818, do seguinte modo:

Estado m a io r...................................................... 10
4 Companhias de caçadores ....................... 300
1 Esquadrão de c a v ala ria ............................... 128
1 Companhia de a rtilh a ria .............................. 50

T o t a l .................................................... 488

Cavalos ................................................................. 136

Por portaria de 16 de fvereiro foram extintas as companhias de


dragões e leais cuiabanos. conservando-se, porém, a d - pedestres,
por entender o governador que era ela indispensável.
Tendo as ordens rea.s facultado o comércio com as vizinhas pro­
vincias espanholas, estalx-lecendo-se alfândegas de portos speos nos
lugares onde fossem convenientes, o general organizou umas instruções
para o regimento das ditas nl fâudcgas, o que com as respectivas pautas
sulímetcu ã consideração da junta de Fazenda. tendo antes tomado
a tal respeito o parecer do Dr. ouvidor e dos principais negociantes
de Cuiabá. Foram posteriormente remetidas as mesmas in-truções
aos comandantes de Miranda. Coimbra c Casalvusco para por elas
se regerem.
Em 12. 13 c 14 de abril apresentaram-se cm Casalvasco 479
indios de Chiquitos, que. tendo-se levantado e morto o governador
— 324 —

daquela província, refugiaram-se nesta capitania. Dcu-se-lhes para


residência o sitio das I-arangeiras, sete léguas distante de Vila Bela.
O general, porém, ordenou que metade ou mais déles fossem reme­
tidos para Vila Maria.
Deu-se coniêço a 2 de maio, por conta da Fazenda Real, a cons­
trução de uma fábrica de pólvora, tendo-se antes, a 22 de .abril,
começado a construção de um quartel militar, concorrendo para esta
diversas pessoas, cujos donativos foram remunerados com o hábito
de Cristo.
Em 30 de abril publicou-sc por Bando em Cuiabá, e em 22 de
maio em Mato Grosso, a carta de lei de 7 de setembro de 1818
elevando as duas vdas à categoria de cidades.
De abril a julho reinou em Mato Grosso uma epidemia de disen­
teria sanguinolenta de que faleceram na cidade 92 pessoas, entrando
neste número o comandante do distrito, coronel Manuel Antônio
Pinto, e o escrivão deputado da junta de Fazenda, Domingos Mendes
de Morais.
Dos índios últimamente vindos de Chiquitos morreram 237. viti­
mados pela mesma epidemia. O general logo que teve conhecimento
dêsse flagelo, fez seguir um cirurgião, um boticário e uma botica.
Em oficio de 18 de maio declara o general à Secretaria de Estado
que julgava menos conveniente o projeto da navegação pelo Piquiri
e Sucuriú.
A custa dos habitantes de Cuiabá mandón o governador aprontar
uma expedição para o reconhecimento do rio Paranatinga. cuja explo­
ração fôra projttada pelo general Luis Pinto, ignorando-se que o dito
rio aflui no Tapajós ou no Xingu. Forant nomeados comandantes ria
dita expedição o tenente de milicias Antônio Peixoto de Azevedo e o
alferes Domingo da Costa Monteiro, que sairam de Cuiabá em fim
de julho e começaram a viagem fluvial a 21 de agosto.
Em maio e julho chegaram a Cuiabá monções de canoas vindas de
São Paulo trazendo trem de guerra e. sal.
Em setembro recebeu-sc noticia oficial do nascimento da senhora
princesa da Beira.
Frei José M aria de Macerata e outros dois missionários capu­
chinhos italianos, chegados em Cuiabá cm fim de agósto. partiram
cm 23 de setembro para Albuquerque a fim dc ali cmprcgarem-sc na
catequese dos indios Guanás.
Em setembro publicou-se em Mato Grosso um Bando declarando
franco o comércio com os espanhóis, pagando-se os direitos de impor­
tação c exportação.
Em dezembro partiu de Cuiabá o capitão Perdigão conduzindo
130 éguas vindas do Paraguai e destinadas para as cavalarias do
príncipe Dom Pedro.
— 325 —

Mandou o general conduzir para o Rio Grand: uma porção de


gado para se fundar ali uma fazenda. Mandcu-se aprontar munições
e consertar-se reparos para o parque de artilharia existente em Cuiabá,
que constava :
1 obuz de 6 polegadas
4 peças de c. 6
2 ” c. 3
6 ” c. 1
Em um oficio de 5 de novembro declarou o general que o meio
quinto do ouro não chegava a sete contos. Foi morto o tenente
coronel José Pereira da Silva Guimarães, comandante da povoação de
Salto do Teotõnio.
1820

Em 21 de fevereiro o general fez uma nova distribuição >lo corpo


de ordenança de Cuiabá, que ficou dividido cm 11 companhias.
Por portaria de 15 de março estal>eleceu-sc um novo modo de
cobrança das dividas do ligado de Manuel T . Guimarães.
O padre Francisco Lopes de Sá, sertanisln que anteriormente
fizera diversos descobertos, e entre outros os de São João da Bocaina
e Conceição do Serro, itmprccndcn uma expedição em demanda dos
célebres Martirios. Partiu em começo de junho â testa de uma
bandeira de 26 pessoas. além de alguns escravos, tendo sido auxiliado
fíelo general, que tinha tôda confiança no bom éxito da empresa.
Embarcou no porto do rio Preto c desceu pelo Arinos até entrar
num dos seus afluentes da margem direita. Ai encontrou uma
grande porção de (mais de 500) índios Tapanhutias, que não só
não aceitaram os brindes que lhe levava, como também não correspon­
deram às demonstrações de amizade que se lhes fizeram; mais —
obrigaram a bandeira a dcfcnder-sc e a retroceder.
Em fim de junho o general c o ouvidor marcliamm para Mato
Grosso, donde voltaram ent fint de agosto.
O s moradores de Diamantino requereram à sua majestade que o
arraial fõtee erigido em Vila, para o que o general na respectiva
informação ir.dicou o nome que hoje tem, de N , S. da Conceição no
Alto Paraguai Diamantino.
Os habitantes de São Pedro d’El-Rei requereram também que
se tornasse a criar julgado naquela povoação.
Os indios Bororos que habitam a margem direita do Paraguai,
nas vizinhanças do Marco, cometeram diversas depredações e mata­
ram um pedestre. Expediram-se contra éles duas bandeiras que os
— 326 —

derrotaram , obrigando-os a se lançarem em unia baía, em que muitos


pereceram devorados pelas piranhas.
Em 20 de agosto o Dr. Manuel Francisco Jorge da Silva tomou
posse da vara de juiz dc fora de Cuiabá e interinamente da de ouvidor.
FaJ.-cett a 23 de setembro.
A expedição que partira no ano antecedente para explorar < rio
i’aranatinga, descendo por êle foi ter ao Amazonas pelo Tapajoz.
Voltou pelo r.«o Arinos, trazendo do Pará quatro peças de ferro,
velhas e arruinadas de c. 9, 6 e 12. O general não desistin da
empresa da navegação do I’aranatinga c recomendou que a éxpxlição
se recolhesse, quando de volta do Pará, pelo dito rio.
N o mesmo mês (outubro) recebeu-se a Carta Regia de 13 de
março determinando que os militares de Mato Grosso fossem sujeitos
ao fõro militar ficando abolida a junta de Justiça criada pelas Cartas
Régias de 12 de agosto de 1761 e 29 de novembro de 1806.
Transferiu-se para Cuiabá a junta de Fazenda e a easa de
fundição, em observância do Decreto de 5 de novembro do ano
anterior, criando-q: uma provedoria em Mato Grosso.
Em dezembro foi comprada por 1 :+4Ü$000 a casa da r si lênçia
dos governadores cm Cuiabá, que é até agora <> Palácio da Presidência.
No mesmo mês o ouvidor Dr. Chaves repartiu diversas gtiapiaras
auríferas do distrito de Diamantino (87).
1821
Entrando o ano começaram a funcionar cm Cuiabá a junta de
Fazenda t? a casa de fundição (88).
Celebrou-se a 13 de fevereiro a primeira sessão da junta do
desembargo do paço, na forma do alvará de 13 de setembro de 1813.
sendo presidente o governador e vogais o ouvidor c o juiz de Fora.
Em março fez-se uma remessa de diamantes para o Rio de Janeiro.
Em abril, o general facultou ao tenente de Milicias Diogo de
Barros Cardoso o ir estalxtlecer-sc com sua familia c comitiva no
salto do Teotõnio.
Em maio houve noticia da revolução operada em Portugal,
que foi oficialmente comunicada cut aviso de 26 dc fevereiro, acom­
panhando o Decreto de 24 do mesmo mes. e no día 30 foram con­
vocadas as autoridades eclesiásticas, civis c militares, e o povo. para

(87) Dr. Antonio José de Carvalho Chaves. F.ram cine., os descobertos


c tái> ricos que rt-rain origem a «tinco opulentos arraiais: São João. San­
tana. Santa Rita. São Pedro e São Francisco dc Paula (Nota de E. de Men­
donça).
(RS) A primeira sessão ocorreu n -1 de janeiro. (Nota de E. dc
Mendonça).
— 327 —

no ilia 3 de julho prestarem juramento à Constituição que tinham


de fazer as cortes de Lisboa.
Em julho publicou-.-’ o Decreto de 7 dc março e o aviso de 23
do mesmo mês determinando que re procedesse ã eleição 1c depu­
tados e suplentes às cortes de Lisboa, para o qtte se expediram as
precisas ordens. No mesmo mês houve noticia do nascimento do
infante Dom João príncipe da Beira.
Chegou a Cuiabá um parque de artilharia composto de quatro
pc-ças. um obuz e um carro manchego.
Recebeu-se o aviso de 27 dc abril comunicando a saida d':l-rci
para Portugal c remetendo o Decreto dc 22 do mesmo mês, encar­
regando do governo do Brasil a sua alteza real o Sr. Dom Pedro,
como Regente. Foi publicado o dito decreto por Piando de 3 de
agosto.
A 12 de agosto o ouvidor procedeu à inauguração da Vila dc
N. S. da Cond ição do Alte Paraguai Diamantino, mandada criar
por alvará de 23 de novembro dc 1820.
A imitação do que ocorrera em diversas provincias, na noite de
19 para 20 de agosto um concurso de povo e tropa dc primeira e
segunda linha depôs o general Magessi e elegeu para substitui-lo
uma junta governativa de nove membros, que foram:

O Extn." Bispo dc Ptolomaida (presidente)


Tenente coronel Jerónimo Joaquim Nunes
Capitão-mor João José Guimarães e Silva
Vigirio-jj.Tal Agostinho Luis Guiarte Pereira
Tenente coronel Félix Merme
Tenente coronel Antônio Navarro de Abreu
Capitão Luis d'Alincourt (secretário)
Sargento-mor André Gaudie Ley
Padre José da Silva Guimarães (89).

Na representação que dirigiu a el-rei e ao Congresso Nacional


a junta acusava o governador de ser ambicioso de dinheiro, que
procurava haver por todos os meios, concusionario, caprichoso,
brutal e hipócrita.
A 13 de setembro fl’guiv. o mesmo governador com sua fanvlia
para São Paulo pela via dos rios.

(S9) E ste procedimento foi aprovado por P o rta ria de 7 de dezembro.


(N o ta de E . de M endonça). •
328 —

J U N T A GOVERNATIVA PROVISÓRIA DE CUIABÁ

(1821 — 1822)
Por uma proclamação de 1 de setembro a junta comunicou a
todos os habitantes da província (90) a sua instalação e o seu pro­
grama de governo. Dirigia-se com mais particularidade à cidade
de Mato Grosso, e atendendo á requisição que ao ex-governador
haviam feito 63 habitantes daquela cidade, para a deposição do
comandante geral Manuel Rebelo Leite, nomeou para substitui-lo
o capitão-mor José da Silva e Gama.
Os matogrossenses, porém, negaram a sua adesão, e a 11 de
setembro elegeram um govérno provisorio de nove membro’, presi­
dido pelo vigário da Vara, e foram :

Vigário José Antônio de Assunção Batista (presidente)


Capitão Manuel Veloso Rabelo de Vasconq.dos
Capitão-mor José da Silva Gama e Cunha
Padre Joaquim Teixeira Coelho.
Capitão Manuel Teodoro da Silva (secretário)
Tenente Luís Antônio de Sousa
Capitão Joaquim Vieira Passos
Ajudante Mateus Vaz Pacheco
Q. Mestre João Francisco dos Guimarães.

As exortações, às insinuações da junta de Cuiabá, às ordens


que ela expediu para as eleições, respondeu a junta de Mato Grosso
com o silêncio de formal desobediência.
Em outubro, a junta mandou o tenente Luis Antônio, coman­
dante de Cassalvasco, com uma fôrça apoderar-se do registro do
Jauru. Reinstalou a casa de fundição do ouro, e organizou uma pro-
vedoria de Fazenda.
Tendo um dos membros do dito govêrno provisório de Mato
Grosso propalado doutrinas perversas, como v. g. de serem indepen­
dentes as mulheres, deixarem pais e maridos, foi deportado para o
forte do Principe e ali conservado em ferros (91).

(90) A expressão, Província, cm vez de Capitania, começou a aparecer


na correspondência oficial mesmo no tempo do Magessi. (Nota de I .ever geri.
(91) O propagandista do amor livre era o ajudante Mateus Vaz Pa­
checo. um dos promotores da sublevação. juntamente com o quartel mestre
João Francisco dos Guimarães como indica o “ Sumário" publicado na Re­
vista do Inst:: :to Histórico de Mato Grosso (Tomos K ill e XIV — 1931
e 1932).
— 329 —

Em 21 de outubro em Cuiabá juraram-se as bases da Constituição.


P or portaria de 22 de novembro a junta declarou Cuiabá cabeça
de comarca, para o fim tão somente de fazer-se a eleição de deputados.
Mandaram-se cessar as obras do quartel militar e da fábrica de
pólvora. Mandou-se proceder à socavação no descobbrto da ilha de
Santana, no distrito de Diamantino.
No dia 16 de dezembro procedeu-se cm Cuiabá â eleição de
deputado e suplente <#_• deputado às cortes, recaindo a votação no
exm.’ prelado bispo de Ptolomaida e no reverendo Manuel Alves
da Cunha.
Em Mato Grosso elegeram ao tenente José de Sousa Guimarães,
alteres João de Pina Macedo e capitão José Antônio Gonçalves
Prego (este último achava-sc em Lisboa) para procuradores uo
Congresso.
O tenente Luis Antônio, que comandava a força de deícsa do
Jauru. requisitou do comandante de Vila Maria 300 bois para o
sustento des habitantes de Mato Grosso. Por ilegal, a requisição
não foi logo cumprida, mas a junta de Cuiabá ordenou ao dito coman­
dante da Vila M aria que remetesse o gado necessário para o consumo
daquela cidade, regulando-se pelos dois anos anteriores.

1822

A 13 de janeiro o Dr. Antônio José da Veiga tomou posse do


lugar de juiz de Fora de Cuiabá. Em oficio de 19 a junta recomen­
dou ao dito juiz a supressão do contrabando do ouro em pó, que era
tal que quase nenhum entrava na casa de fundição.
Informada a junta <M que fôra nomeado governador o tenente
coronel Francisco de Assis c Lorena, significou-lhe os acontecimentos
de agosto, dizendo que não se responsabilizava pelo resultado que
podería ter a respeito déle.
Em abril o capitão D'Alincourt pediu demissão do lugar de
secretário da junta e foi substituido pelo capitão Antônio Correia
da Costa.
Em junho houve noticia do nascimento da senhora princesa
Dona Januária, e pouco depois do falecimento do Príncipe da Beira.
Em 3 de julho foi eleito procurador da província o capitão-mor
João José Guimarães, que anteriormente a junta pretendera enviar
em deputação para felicitar o príncipe regente, pela resolução que
tontera de ficar no Brasil.
— 330 —

Ent 1 de agôsto faleceu o Exmu, prelado. Fôra S. Excia. no­


meado bispo de Bragança em 21 de abril de 1821 (9 2 ). Tendo-se
por esta ocasião, de eleger-se um presidente para a ju n ta governativa,
julgou-se conveniente, atendendo às queixas: que se manifestavam no
povo, proceder a uma nova eleição de todos os membros da junta,
com designação do presidente e do secretário ; o que teve lugar no
dia 20 de agôsto, sendo eleitos :

Presidente, Dr. Antônio José de Carvalho Chaves


Vice-presidente, tenente coronel Jerónimo Joaquim Nunes
Secretário, capitão Antônio Correia da Costa
Tenente coronel Félix Merme
Tenente coronel Antônio Navarro de Abreu
Capitão João Poupino Caldas
Coronel Vitoriano Lopes de Mac .’do
Sargento-mor André Gaudic Ley
Reverendo Constantino José de Figueiredo

Em observância do disposto no decreto de 23 de março tornou-te


a abrir a junta de justiça na forma de Carta Régia de 12 de agôsto
de 177! e § 3.° do alvará de 24 de agôsto de 1813. Celebrou-se a
primeira sessão a 19 de setembro.
Em outubro reccl>eram-se as proclamações e decretos de 1 e 3
de junho, relativamente à convocação de uma assembléia constituinte.
O Dr. Antõnjo José da Veiga tomou a .vara de ouvidor, por estar
o proprietário exercendo a presidência da junta governativa. Fize-

(92) T endo sido seu corpo embalsamado, só foi sepultado a 4 de agôsto.


como vê do seguinte registro de óbito, cuja cópia devo à gentileza do
S r. Manuel Ribeiro dos Santos Tocantins, um estudioso das nossas coisas
do passado :
“ Aos quatro dias do mês de agôsto de mil oitocentos c vinte c dois
anos, mi Ig re ja Catedral desta cidade de Cuiabá foi sepultado o cadáver
do exm. e rcv. Sr. Dom Luis de C astro P ereira, bispo de Ptolom aida prelado
de Cuiabá de idade t)e cinquenta e q uatro anos, que havia falecido no pri­
meiro do corrente pelas onze horas e meia da noite, com todos os Sacram en­
to s. T e z testam ento: foi o seu corpo embalsamado, e depois amortalliado
cm vestes P o n tificais : esteve em seu Paço depositado, onde fot encomendado,
e depois do segundo dia foi conduzido sofenemente cm caixão para esta ca-
redrai, sendo acom panhado peto lim o, governador eclesiástico e o clero
th tta cidade, e por tôdas as irmandades c confrarias e a i foi depositado, e
no dia sc.tuirtc se íêz unt ofício de nove lições missa solene c oração fú ­
nebre : cumpridas assim tôdas estas cerimônias religiosas, foi sepultado em
sepultura da Irm andade do Santíssim o Sacram ento. D o que para assim a
todo q tempo constar se fez este assento que assinei. — Agortm íio L u ir fAmfcr:
F .'tC ftru ". (A liás. P e r e ir a ) . (N o ta de F. de M endonça).
— 331 —

ram-se seguir por motivo ele política, para o Rio de Janeiro o capitão
D ’Alincourt e o tenente Oliveira, empregados na comissão de esta­
tística.
P or portaria de 23 de outubro foi declarada a cidade de Cuiabá
cabeça de comarca, para o íim tão semiente de proceder-se à eleição
de deputado à assembléia constituinte. Em Bando de 6 de novembro
marcou-se o dia 10 do mesmo mês para a eleição dos cleitoq.-s paro­
quiais.
A 16 de dezembro foi eleito deputado o tenente coronel Antônio
Navarro de Abreu.
As peças de artilharia vindas do Pará para o Diamantino f< ram
transportadas para Vila Maria.
Referem os Anais de Cuiabá que no começo deste ano o povo,
descontente com a junta, tentou estalwlecer a antiga forma de govêrev.
dirigintlo ao príncipe regente uma súplica assinada por muitos mora­
dores nesse sentido. O mesmo já antes havia feito o povo de Mato
Grosso (93).
Em resposta a estas representações apareceu o aviso de 23 de
abril de 1823 que afetou críe uegócio à assembléia constituinte.
Segundo os mesmos anais fo,i excessiva a friagem neste ano : no
mês de agosto, na chapada do Jatobá, morreram entanguidos 14
escravos novos que vinham do Rio de Janeiro, pertencentes a José
Renovato, e cinco a Antônio de Cerqutira Caldas.

1823

O correio que chegou a 5 dc janeiro trouxe a noticia de ler sido


o Sr. Dom Pedro aclamado imperador do Brasil no dia 12 de outubro
do ano antecedente. Festejou-se a dita aclamação no dia 22.
Havendo falta de três membros na junta governativa, pior ter-se
ausentado um para o Rio de Janeiro (N avarro de Abreu) c outros

(93) Rada consta a tal respeito na corrcqiondéncúi oficial. O que se


vé na correspondência Interior i que cm dezembro remeteu a Junta ao co­
mandante militar ama representação que dá idéia de uma agitação no espírito
público. Tambêin as seguintes providências deixam entrever alguma coisa n
respeito. A Junta exigiu em 19 do mesmo mês que o comandante da Legião
lbe declarasse o motivo por que se achava fardada e armada.
A Junta abriu uma subscrição para manutenção de uma fôrça policial.
(Nota de I.evcrger).
Entretanto foi enviada a representação, a que se refere o capitulo —
Primeiras Desilusões — de “ Notas à Margem" de Virgilio Corrêa Fill».
— 332 —

dois por doentes (Vitoriano te padre Constantino), elegeram-se em


lugar déles o vigário Agostinho Luis Guiarte Pereira e reverendo
José da Silva Guimarães e o sargento-mor Miguel Trotónio de Toledo
Ribas.
Seguiu frei José Maria de M acérala e outro capuchinho com
licença para a Córte. Receberam-se em fevereiro e março os decretos
declarando o titulo do imperador, o escudo de annas, a bandeira e
tope nacional, e a substituição de casa imperial a casa real.
Chegou a carta imperial de 18 d ; novembro mandando proceder
à eleição de um govémo legal d.t cinco t.icmbros (9 4 ). Consultou-sc
a câmara desta cidade a respeito, e a 11 de maio procedeu-se à eleição
que se verificou no reverendo Manuel Alves da Cunha, para presi­
dente ; tenente coronel Félix Merme, secretário ; capitão mor José da
Gama e Silva; capitão Manuel Veloso Rebelo de Vasconcelos; sar­
gento-mor João Pais de Azevedo ; tenente coronel João Potipino
Caldas e capitão Caetano da Costa A raújo e Melo. A 30 de tulho a
junta governativa deixou de funcionar e o novo governo tomou posse
a 20 de agosto.
Em julho houve notícia de ter nascido a senhora infanta Dona
Paula.
GOVÊRNO PROVISÓRIO E LEGAL DE MATO GROSSO

(1823 — 1825)
Em novembro publicou-se um Bando relativo à repressão do
contrabando do ouro em pó. Em dezembro houve noticia de que
frei José M aria de Macerata fóra nomeado prelado de Cuiabá c
Mato Grosso. Soube-se também que o m ajor D'Afincourt c o tenente
Oliveira foram dc novo enviados em comissão de estatística nesta
provincia.
1824

Xo coméço do ano deram-se providências para rtforçar a guar­


nição da fronteira do Paraguai, receiando-se hostilidades, em conse­
quência do que comunicava o aviso do ministério do império de 1 de
outubro, de terem os espanhóis entrada pelo sul do rio Araguaia.
Vê-se d : uma portaria expedida para mandar buscar sal no salto
Teotônio. que ainda antes existia ali a povoação.

(94) Além do presidente e do secretário, ott sete ao todo.


— 333 —

Repartiram-sc ciii março os lucros da companhia de mineração:


tocou à Fazenda Pública 370$000. Houve notícia da nomeação de
Dom N uno Eugênio de Lossio Seiblitz para presidente (95).
ComtMHccu-se às Câmaras por circular de 3 de abril o decreto
de dissolução da assembléia constituinte, bem como o manifesto do
imperador.
A 27 de maio chegou a Cuiabá o prelado nomeado frei José Maria
de Macerata. Houve em Mato Grosso receio de uma trama para
depor o governo.
T m do as câmaras da província aderido ao projeto <f/.i Consti­
tuição (a de Cuiabá em 17 de março), designou-se o dia 11 de julho
para a prestação do juramento, e assim realizou-se.
Em agosto soube-se ter sido nomeado presidente da província
o Exmo. Sr. José Saturnino da Costa Pereira (96). Em setembro
o Dr. Manuel Antônio Gal vão foi empossado no lugar de ouvidor (97).
Dissolvm-se a companhia de mineração de Cuiabá. No dia 12
de outubro fez-sc uso pela primeira vez da bandeira do império (9 8 ).
A 20 de outubro fez-se a ehição de deputados; saiu eleito o
sargento-mor Gabriel Getúlio Monteiro de Mendonça, que tinha sido
nomeado secretário do governo (99).

(95) Dom Nuno Eugênio de Lossio e Scibliis, nomeado presidente de


Mato Grosso, por Carta Imperial dc 25 de novembro, comunicou ao Go­
verno Provisório cm oficio datado do Rio, a 19 dc dezembro dc 1823, que
só no mês seguinte podería iniciar a viagem a Cuiabá.
Entretanto, não a empreendeu como também ocorreu com seu antecessor,
apenas de nomeação, Francisco de Assis Lorena, que desistiu dc assumir u
posto, cujos ocupantes se manifestaram contra a sua escolha.
(96) A nomeação dc José Saturnino da Costa Pereira, embora datada
dc 20 dc abril, somente se tornou conhecida cm Cuiabá no mês dc z.gôstx
Irmão dc Hipólito da Costa, dedicara-se cm Coimbra aos estudos dc
matemática c ciências naturais, que lecionava na Academia Militar do Rio,
quando IJvs coube a Presidência trabalhosa cm cujo exercício se esforçou
por bem merecer representar a provincia distante no Senado Imperial, quando
stufmibiu Caetano Pinto de Miranâa Montenegro, outro governante dc Mato
Grosso, dc quem foi o substituto.
(97) Manuel Antônio Gal vão, eleito deputado pela Bahia, cm 1826, de­
sempenhou com eficiência o seu mandato.
(98) A nova bandeira, símbolo do império nascente, foi hasteada no pa­
lácio do Govémo cm Cuiabá.
(99) A respeito informou E . de Mendonça, que era Gabriel filho do
professor José Zeferino Monteiro de Mendonça. Natural dc Cuiabá, serviu
como secretário do Governo, por nomeação de 12 dc dezembro de 1824, até
ser deito deputado para a Câmara. Governou, mais tarde as províncias da
Paraíba do Norte e Espírito Santo, faleceu a 5 de janeiro dc 1850.
— 334 —

Em novembro houve noticia <Io nascimento da senhora princesa


Dona Francisca.
Fcz-se constar a noticia do reconhecimento da independência do
Império pelos Estados Unidos da América.
Em 30 do mesmo mês de dezembro expediu-se uma circular a
tõdas as autoridades para que prestassem as informações exigidas
pela comissão de estatística (100).

1825
Foi criada pelo prelado a Vigararia Geral de Mato Grosso (101).
O coronel Sebastião Ramos, alegando pertencer ao |>artido rea­
lista, e sendo governador de Chiquitos, dirigiu-se ao governo provi­
sório em cartas de 19 de março e 8 de abril ofer.-cendo unir ao
Império a referida provincia até que sua majestade católica recuperasse
seu dominio sobre os povos sublevados. O governo provisorio, que
por ausência de alguns de seus membros, compunha-se do capitão
Manuel Vdoso encarregado do comando das armas, amigo de Dom
Sebastião Ramos, do capitão José Pais de Azevedo c Manuel liento
de Lima, convocou no ilia 13 de abril a câmara, o ouvidor e o
provedor da Fazenda, e ne ta reunião resolveu-se aceitar a proposição
do mencionado governador.
Em ordem do dia dc 14 declarou-se a provincia de Chiquitos
incorporada á dc Mato Grosso, devendo trazer por divisa o tope
imperial e o espanhol e entender-s - com o governo provisório, como
dantes se entendia com a real audiência de Cliarcas. Marchou para
Chiquitos um troço de 60 homens. Expediu-se ordem para que d -
Cuiabá se mandassem oficiais mil.tares para Mato Grosso c para que
estivesse pronto a marchar o corjto de milícias de Vila Maria. Seguiu
para a fronteira o capitão Manuel Veloso.
Reconhecendo-se, [xirêm, a inconveniência da resolução tomada
cm uma nora reunião das autoridades, cm 10 de maio, decidiu-se por
maioria de votos o abandono da província recém incorporada e a
retirada da fórça qtt.- marchara para ela,
Como houvesse nesta ocasião videntes altercações, não se assi­
nou a ata da reunião senão no «lia 13. em que se concedeu também

(100) Para a Comissão dc Estatística foi nomeado Luis d'Alinccmrt, que


apresentou trabalho excelente publicado pela Biblioteca Nacional, cm «eus
Anais, tomos III c VIII sob o título “ Quadro Estatístico da Província de
Mato Grosso".
(101) Em outro trabalho dc I.evcrgcr encontro o seguinte : “ A Vigararia
de Mato Grosso foi criada a 12 de março de 1824". (Nota dc E. de Men­
donça) .
— 33? —

uma entrevista que Dom Scliastião solicitara com o comandante das


armas. Veloso.
Chegando a Mato Grosso. o presidente do governo provisório,
reverendo Manuel Alves da Cunha, desaprovou quanto se tinha
obrado a favor da incorporação.
Entretanto insurgiratn-se os índios do povo de São Miguel, ondè
estava a nossa tropa, o que deu causa a uma desordenada retirada.
() governador de Chiquitos, retirando-se para Mato Grosso, condu­
ziu em sua conqxiiihia muitos compatriotas.
Todos esses procedimentos deram lugar a representações e exi­
gências do general Sucre, do presidente de Santa Cruz, e de outras
autoridades.
Estavam as coisas nesta estado quando chegou a Cuiabá o pre­
sidente nomeado tenente coronel José Saturnino da Costa Pereira.
E m observância das ordens imperiais de que se lhe desse posse na
dita cidade marchou para aqui c com esse fim o presidente do governo
provisório.

1." presidente J osé S atvrxino pa Costa P ereira

(182? — 1828)
Nomeado por carta imperial de 21 de abril de 1824. o tenente
coronel José Saturnino da Costa Pereira tomou posse da presidência
na câmara d” Cuiabá, a 10 de setembro dc 1825 (102).
Desde logo e antes que lhe chegassem reclamações da vizinha
República, tratou o presidente de prevenir os males que podiam
resultar do inqualificável passo que dera o governo provisório acei­
tando a oferta do coronel Sebastião Ramos e seu ajudante José Maria
Velasco, mandando que a fórça se recolhesse a Cuiabá e substituindo
o comandante militar Veloso pelo capitão Constantino Ribeiro da
Fonseca, e d terminando outras providências — tudo eni virtude rias
portarias do ministério do império de 13 de agósto e do ministério
dos estrangeiros de 5 do mesmo mês, as quais foram comunicadas ao
comandante de Mato Grosso em £'tn de outubro. Tóelas estas dis­
posições foram comunicadas ao governador de Chiquitos, tendo sido
enviado ■m missão especial àquela provincia o seu enteado tenente
Antônio Pinto Duarte.

(102) P o r p o rta ria de 9 de fe vereiro dc 1824, era o presidente autorizado


a to m a r posse na C âm ara dc Cuiaba, determ inando, entretanto, que íósse v is ita r
M a to Grosso is m ais v í a s que pudesse. ( N o ta dc L c v c r g e r ).
— 336 —

A 12 de outubro prestou-se juram ento às novas bandeiras do


Império.
No mesmo mês chegou a Coimbra um bote do Paraguai com
ofícios do cônsul do Império em Assunção Antônio Manuel da Câ­
mara, fazendo-se então público o manifesto do dito cônsul junto ao
ditador do Paraguai, comunicando a abertura de ralações comer­
ciais com o Paraguai.
Criou-se um destacamento de cabo de esquadra na missão de
N. S. da Misericórdia em Albuquerque, onde existiam as aldeias
dos Guanás e Guaicurus, cuja catequese fôra começada pr.r frei José
Maria de Macérala, atual prelado.
Estabeleceu-se no lugar do Barreiros e à margem do mesmo rio
na estrada de Goiás um Sebastião José Machado, que antes habitara a
Insua e fundara o sitio do Taquaral.
A guarnição e os moradores de Miranda recusaram-s a aceitar
por comandante o tenente Joaquim Antônio de Góis (junho).
Enlouqueceu o vigário geral <h Mato Grosso, reverendo Manuel
Ferraz de Sampaio Botelho.
A 23 de novembro fez-se a primeira eleição dos conselheiros da
presidência ; saíram eleitos o coronel Jerónimo Joaquim Nunes, capi­
tão André Gaudic Ley, reverendo Manuel Alv?s da Cunha, capitão
mor João José Guimarães c Silva, coronel Vitoriano Lopes de
Macedo e capitão Antônio Correia da Costa.
Em fim d- novembro houve noticia do Tratado de 29 de agosto
com Portugal, pelo qual ficou reconhecida a independência.

1826

A 7 de janeiro celebrou-se a primeira sessão do conselho da


provincia. Nela foi convidado para tomar posse o capitão m or de
Diamantino Antônio José Ramos e Costa.
O coronel Jerónimo Joaquim Nunes foi encarregado do que diz
respeito a barcos e à navegação fluvial (103). A 19 de fevereiro
entrou de Vila Maria, uma expedição contra os índios <!<• Cabaçal.
Em fim do mesmo mês houve noticia do nascimento do principe
imperial.

(103) Jerónimo Joaquim Nunes era. tenente coronel, quando assumiu o


Governo de Mato Grosso em maio de 1828, por pertencer ao Conselho da
Presidência. Viera dc Portugal cm 1805, como 1 • tenente, promoção ganha
na hita contra os franceses.
Vice-presidente tm jtin ta Governativa, análoga função lhe coube no Conselho
da Presidência.
Comandante das armas em 1831. fo i deposto pelos nativistas. Reformado
em 1833, afazendou-sc entre o Piquiri e o São Loltrenço, em Pindaival.
— 337 —

Em 26 de março publicou-se por Bando a declaração de guerra


as provincias Argentinas.
Em maio fizeram-se testas reais que começaram a 13 pelo reco­
nhecimento da independencia.
Saiu para a Córte o Dr. Manuel Antonio Galvão, eleito deputado
pela Bahia. Entrou a servir o lugar de ouvidor o juiz de F o ra o
Dr. Antônio José da Veiga.
O morador do Barreiro José Sebastião Machado mudou-se para
o Passavinte, onde se pretendeu fundar uma fazenda. Renovou-se
a exploração do varadouro entre o Piquín c o Sucuriú, incumbin-
do-se a Pedro Gomes do Prado, que em setembro foi substituido
pelo tenente Manuel Dias de Cantão. Em junho marchou para Mato
Grosso o governador das armas.
Em oficio de 18 de julho o presidente informou ao ministro da
M arinha de tcr criado urna especie de Arsenal de Marinha para a
embarcação das barcas.
Em setembro ou outubro os indios Barbados cometeram depre­
dações no distrito de Diamantino.

1827
Em janeiro chegou a Cuiabá, vinda de Pôrto Feliz pela navega­
ção fluvial, uma comissão cientifica viajando por ordem do imperador
da Rússia, sendo dela diretor o conti- Jorge Langsdorff, e auxiliares
astrônomo Rubzoff, botânico L. Riedel, desenhadores Florence e
Taunav (104).
Em 3 d.’ fevereiro o presidente deu um regulamento para o
Arsenal de Marinha. Em março celebrou-se um funeral pela impe­
ratriz Dona leopoldina. Em abril veio um cacique dos Apiacazes
visitar o presidente.
Dois guanás descendo o rio Cuiabá encontraram um guató,
a quem mataram e furtaram alguma ferramenta. Chegados que foram
a Albuquerque, o comandante coronel Jerónimo os mandou remeter
presos para a capital.

(104) A narrativa dessa expedição terminada trágicamente, com a morte de


Taunay, afogado no Guaporc e enlouquecimento de Langsdorff quando via­
java pejo Jurucna, foi feita por Florence, cujo escrito A . de Tatmay traduziu
e publicou na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — Tomo
38. e por L . Bourroul. que lhe destinou interessantes comentários, ao tratar
da biografia dc Hercules Florence".
— 338 —

Os guatos, sabedores dessa vinda, reuniram-se no lugar dos


Dourados e tiraram-nos das mãos da escolta. Depots de torturá-los,
os meteram c entregaram os ferros cm one vinham presos ao inferior
comandante da escolta.
A 14 de junho fez-se soleramente a inauguração do retrato do
imperador no palacio da presidencia,
O tenente Manuel Dias de Castro, deu conta <la cxplortição de
que fõra encarregado. Do Piquiri foi por terra a Camapuan. de
and.- descendo pelo rio Pardo subindo o Paraná entrou no Sucuriú
e navegou por ele leguas acima 17 dias, c do ponto onde chegou,
mandou fazer exploração |>or terra. Não se descobriram contra­
st.rtentes vizinhas cm consequência do que voltou pelo mesmo
caminho.
Em julho, o governador das armas seguiu para Mato Grosso, de
onde voltou em setembro. Neste mês comunicou o presidente ao
govêmo que o Dr. Langsdorff descobrira a cainca.
A 10 de agosto fez-se a eleição dc um senador para substituir
o falecido visconde da Praia Grande. Entraram na lista triplice —
João José Guimarães 24: Inácio Silveira Mota. 21; e o presidente
José Saturnino da Costa Pereira, 25. Eoi éste o escolhido f 105).
A 30 de outubro lançou-se ao rio a primeira b an a das que
recentcmcnte foram mandadas construir.

1828

O presidente deu providencias para a fundação de um jardim


liotânico, incumbindo da sua direção o cirurgião mor Antônio I.uis
Patricio da Silva Manso, porém, não se levou a efeito.

(105) N a relação dos Senadores po r M a to Grosso fig u ra ra m :


1 — Caetano P in to dc M ira n d a M ontenegro, m arqués da P raia
Grande, cx-cap itão general de M o to Grosso, nomeado cm 1826 e fa le ­
c ido cm 1827.
2 — José S a tu rn in o da Costa P ereira, nomeado cm 1827. quando
presidente <*a P ro v ín c ia e falecido em 1852.
3 — José A n tô n io de M ira nd a, m agistrado nomeado cm 1855 e
falecido cm 1861.
4 — José M a ria da S ilv a Paranhos, visconde do R io Branco, no­
meado cm 1862 c falecido em 1880.
5 — Joaquim R aim undo de Lo m are, visconde de Lam are, ex-
presidente de M a to Grosso (28-3-1858 e 13-10-1859) nomeado cm
1882 c falecido cm 1889.
— 339 —

Em março o presidente remeten ao ministro <la Justiça o seguinte


projeto da Divisão Judiciária e Eclesiástica da Provincia :

Comarca de Cuiabá :
Ouvidor cm Cuiabá;
Juiz de Fora em Cuiabá;
Juiz de Fora em Diamantino;
São Pedro d'El-Rci deve erigir-d: cm vila.
Comarca de Mato Grosso :
Ouvidor residente em Mato Grosso.
Freguesia do Sr. Bom Jesus de Cuiabá :
Livramento, Rosário e Santo Antônio.
Freguesia de Santana da Chapada :
Capela filial em Registro do Rio Grande:
Freguesia de X. S. do Rosário em São Pedro d‘El-Rtã ;
Freguesia de São Luis em Vila Maria.

Freguesia de S. S. Trindade :
Capetas filiais que deverão haver em São Vicente. Pilar, Lavri-
nhas e Casalvaseo;
Freguesia de X. S. da Conceição do Alto Paraguai Diamantino ,
Fregutsia de N. S. da Misericórdia de Albuquerque — capelas
filiais que se deveríam criar em Miranda e Camapuã.
A 10 de abril partiu para a Córte o Exmo. Sr. Jose Saturnino
para ir tomar assento no Senado, deixando a administração ao vice­
presidente coronel Jerónimo Joaquim Xunes.
Veio da Bolivia o tenente Luís Ruiz enviado pelo governo daquela
República à do Paraguai, a fim de reclamar a sultura do naturalista
francês Atmê Bonpland. Seguiu para Olimpo. donde voltou em
setembro sem ter podido obter phr missão de chegar a .Assunção (106).
Chegaram às cachoeiras do Madeira quatro peças de bronze
c. 24 com os competentes petreebos enviadas do Pará por ordem do
governo imperial de 1825.

(10 6) Bonpland. com panheiro de H u m b o ld t, separou-se do seu am igo,


para estudar a flo ra do P araguai. Suspeito de espionagem po r F ra n c ia fo i
m an tido p ris x /n c iro p o r lo n g o prazo, apesar de pedidos insistentes de associa­
ções c u ltu ra is , de governos estrangeiros e de B o liv a r.
Só o deixou p a rtir) quando lhe pareceu que não m ais ln v c r ia pe rig o
nenhum ao seu po de rio d ita to ria l.
— 340 —

Em junho tomou conta do comando da fronteira do baixo Para­


guai o major Joaquim José da Silva Santiago Ent agosto teve lugar
a primeira eleição de Juizes de paz. Saiu eleito na cidade de Cuiabá
o capitão Antônio Correia da Costa.
Em setembro fez-se a eleição de deputado ã Assembléia Geral
Legislativa. Verificou-se a apuração final em novembro. Eoi eleito
o Dr. ouvidor Antônio José da Veiga (107).

1829

Em janeiro a guarnição de Albuquerque revoltou-se e depôs


o respectivo comandante, m ajor J . J . da Silva Santiago, que se
retirou para Coimbra.
O oficial que lhe sucedeu no comando, capitão J. J. Gomes
conseguiu desarmar e prender os cabeças do motim, r.-assumindo
depois o comando o m ajor Santiago, que voltou de Miranda com
trinta praças.
A 20 de janeiro tomou posse do lugar de juiz de Eora de Cuiabá
o Dr. Pascoal Domingues de Miranda. Em março levantou-se
t.unbém a guarnição de Casalvasco e expeliu o seu comandante,
alferes Manuel Moreira da Silva.
Em abril retirou-se para a Corte o coronel Antônio Joaquim
Costa Gavião, exonerado do comando das armas, ent que foi subs­
tituído pelo viee-prerálente coronel Jerónimo Joaquim Nunes.
Suscitando-se dúvidas acerca da acumulação do cargo de vice-
presidente con» o de comandante das armas, consultou-se o governo
imperial, e em consequência da sua decisão passou cm S.'tembro o
comando das annas às mãos do tenente coronel João Poupino Caldas,
por estar doente o coronel João Pereira Licite.

(107) Os primeiros representantes dc Mato Grosso foram :


ã Assembléia Constituinte dc 1823 :
Antônio Navarro de Abreu, tenente coronel.
à Assembléia Legislativa do Tmpcrio :
Gabriel Gctúlio Monteiro de Mendonca (1826-1829).
Antônio José da Veiga (1830-1833).
Antônio Luís Patrício da Silva Manso (1834-1837).
Antônio Navarro dc Abreu Júnior, bacharel (1838-1841).
José Joaquim dc Carvalho, militar (1842).
José Joaquim de Carvalho (1843-1844).
José Joaquim de Carvalho (1845-1847).
José Crispiniano Soares (184S).
Joaquim José de Oliveira, militar.
Manuel Alves Ribeiro (1850-1852),
— 341 —

A 18 de julho apurou-á: a eleição da câmara de Cuiabá; saíram


eleitos Joaquim da Costa Teixeira, José Pereira dos Guimarães.
Manuel Pereira de Mesquita, Sancho João de Queirós, Antônio José
do Couto, José Leite Pereira Gom?s, Albano de Sousa Osório, Manuel
Pereira de Sousa Coelho e João Pedro de Morais Batista.
Em junho deu-se começo a um estabelecimento no Piqtiiri, o qual
íoi incumbido ao sargento José Martins de Carvalho, que qontinuou
nas explorações da nova comunicação com São Paulo.
Em julho mandou-se de M ato Grosso uma expedição buscar as
peças de 24 que estavam nas cachoeiras do Madeira. Seguiu por
esta ocasião para o Pará o Dr. Nottnez (108).
Em setembro expediu-se uma bandeira contra os índios coroa­
dos que tinham hostilizado no sertão as tropas de José Coelho Lopes
e Tomé Ribeiro de Magalhães. Recolheu-se a bandeira trazendo
prisioneiras três crianças.
Em outubro apresentou-se no conselho da presidência um oficio
do vigário de Vila Maria, padre José da Silva Fraga, sôbre a mudança
da capital para aquele lugar, idéia esta já anteriormente emitida pelo
governador Caetano Pinto.
E m novembro saiu para Mato Grosso o ptVlado frei José Maria
de Marcerata.
Neste ano deu-se principio a uma ]»voação nos Dourados, na
margem do Paraguai, e deu o vice-presidente algumas providências
acêrea do fabrico de salitre c exploração dr uma mina de ouro que
se supõe haver nas vizinhanças da Gaiba.

1830

Em janeiro tomou conta da vice-presidência o capitão-tnor André


Gaudie Lev, o mais votado conselheiro do govêmo.
Retirando-se para a Córte o D r. Veiga passou a vara de ouvidor
ao juiz de Fora Dr. Pascual Domingues dr Miranda. E m sessões de
fevereiro o Conselho do Governo resolveu : que a condução das
peças de artilharia do Guaporé para o Jauru se fizesse pelos rios
Alegre e Aguape!; que se r-movesse pa a outra parte a casa da
pólvora, construindo-se no lugar dela uma casa de correção; nada

(108) Provavelmente, sent Natterer (Johan von) do grupo de natura­


listas. que o Govêmo de Vieira enviou ao Brasil, na comitiva da arquãlnquesa
Leopoldina, por ocasião do seu casamento com Dom Pedro.
Ao contrário dos seus colegas, que regressaram em breve prazo, Nctterer
“ demorou-se no pais cerca de 18 anos cm plena atividade científica”, assinalou
Rodolfo Garcia. Em dezembro de 1824, visitou Cuiabá, donde seguiu para Cai­
çara c Vila Bela. Partiu para Borba em novembro de 1829.
— 3-12 —

disto rc executou. Houve noticia de uma salina no sertão do


Ju n tiñ a , 150 léguas distante do Diamantino. O comandante da
fronteira do Paraguai, major Santiago, mandou uma escolta de oito
praças buscar os Terenas que moravam na margem direita do Paraguai,
abaixo do Fecho dos Morros, por constar que queriam vir para Albu­
querque. A escolta foi maltratada ¡icios indios, cm consequencja
do (pi: o major marchou contra élcs e os desbaratou, matando-lite
32 homens e fazendo muitos feridos. O govfrno da província desa­
provara esta expedição, mandando que o m aior Santiag > f-tsse subs­
tituido no comando pelo capitão Rufo e que respond :ssc a conselho
de investigação.
Os coroados cometeram novas hostilidades, assassinando um José
de Lara <• dois escravos tio Chacororé, •• bem i.ssim um camarada do
negociante capitão, José Alexandre de Macedo, no ribeirão da Par-
naiba. Mandott-se contra eles em julho uma bandeira de S0 homens
ao mandp do tenente José Teodoro de Araújo, que recolheu-se em
outubro trazendo apenas dois pequenos índios, tendo tis indios Gua­
nas que faziam ¡tarte da misma bandeira fe.t i grande mortandade de
mulheres e crianças, apesar das ordens do ctmiandan’.e.
Continuou o sargento Carvalho na cxplor.uão dos tercero? entre
o Piquiri : o Sucuriú.
Em oficio de II de outubro remeteu o vice-presidente ao m inis­
tério do império uma ¡torção de cartas e documentos históricos, esta­
tísticos e topográficos exigidos pela ¡tonaría do mesmo ininis’e ru de
14 de janriio.
Em oniubro mandou-se o capitão Vicente Rabelo ao -ncoutro
di- presídeme nomeado Francisco de Albuquerque Melo, que s- supu­
nha estar já na província de Goiás.
Em dezembro foi nomeado o alferes Antônio José da Silva Xe-
grão comandante do forte do Príncipe.

1831

Depois do falecimento do major José Francisco da Citniia (109),


tomeu o comando do forte do Principe o sen filho capitão l'k riano
José de Oliveira, que foi rendido pelo a lien s Negrão. A 20 de
março a guarnição amotinou-se e depôs o dito alter-?:-. que seguiu
pata Mato Grosso.
O re-to da artilharia e munições vindas do Pará clii g-m a Mato
Grosso e foi conduzido ¡tara a parte do Guaporé. A 23 de junlnt

(109) Faleceu no Forte do P ríncipe a 30 d e outubro de 1830. (N ota de


E. de M endonça).
— 343 —

chegou a Cuiabá a noticia <!a revolução de 7 de abril. da nomeação


du capitão Antônio Correia da Costa para presidente o «pial ach i­
ra- se ausente na stw Fazenda.

2." i-residente A ntônio Correia da Costa

(1831 — 1834)
A 21 de julho o capitão Antônio Correia da Costa tomou posse do
cargo d r presidente, para o qual fôra nomeado por carta imperial
de 20 de abril de 1831.
Recebeu o presiden'e. da comarca de Mato Grosso, urn oficio
acompanhado de tun requerimento de vários cidadãos daquela cidade
pedindo a demissão dos -mpregados públicos brasileiro» adotivos, o
qual não fo’i atendido.
Em agosto suspendeu-se p>r falta de meios pcctmiários t trabalho
do Arsenal de Marinha.
Em uma deliberação do Conselho do Governo, em setembro, facnl-
taram-sc aos indios de Chiquitos estabelecidos em Casalvasco o vol­
tarem para seu pais, o que deu lugar a unia representação dos habi­
tantes de Mato Grosso e respectiva Cântara Municipal. Ña sessão
em que se tratou d-èste n-gócio, agitou-se a queixa dos matngrosscn •
ses acerca da usurpação de Cuiabá eonto capital, cujo direito alega­
vam pertencer àquela cidade.
A câmara de Mato Grosso remeteu ao president ■a ata da -essão
de 12 de novembro, acompanhando-a de tuna representação (Frigida
ã regência, pedindo que o distrito de Mato Grosso fosse ereto em
província.
Recebeu-se cm começo de dezembro c. decreto de 7 de agôsto
exonerando do cargo dc prelado frei José M aria de Mueerata. por
ser estrangeiro não naturalizado.
N a noite de 7 de dezembro reuniu-se a tropa armada, dando tiros
i- gritos — v!va o coronel Poitpino / — e — morram os pcs ile chumbo !
— O presidente convocou o conselho do governo e os magistrados.
Indo por :?sta ocasião o conselheiro Poupino ao quart I informar­
se do que liavia, voltou dizendo que a tropa queria a ¿4c para coman­
dante das arnias, ao que o conselho anuiu, reabrindo-se a sessão às
2 horas da madrugada do dia 8.
Neste mesmo dia. depois dc amanhecer, -xigm mais a tropa
levantada a deposição de todos os empregados público» adotivos, o
que lhe foi concedido pelo presidente, cm conselho.
— 344 —

Em 10 de dezembro ordenou-se ás qâmaras municipais que pro­


cedessem à orgânização dos guardas nacionais.
Deixaram-se celebrar as sessões do Conselho Geral, na maior
parte, adotivos os seus membros.
No mesmo mês o alfcres Claudino Alves Carnaúba, nomeado
pelo comando das armas, tomou posse do comando do Forte do
Príncipe.
1S32

A 9 de janeiro tomou posse do lugar de ouvidor o desembargador


Joaquim Francisco Gonçalves Ponce de Leão.
Organizaram-se em Cuiabá duas companhias da Guarda Nacional.
Os pedestres da Caissara recusaram aceitar o administrador nomeado
alteres José Inácio de Oliveira.
A guarnição de Albuquerque exigiu com motim que fosse demi­
tido, J>or ser adotivo, o alteres Manuel Moreira da Silva e que se
recolhesse à capital.
Os indios do Cabaça! cometeram hostilidades contra o destaca­
mento do Coité.
Tendo a Câmara Municipal manifestado receios de que se amo­
tinasse .* cometesse excessos a tropa de linlta. aquartelada no quartel
do Porto, o Conselho do Governo, sob proposta do Conselheiro Co­
mandante das armas, resolveu que fosse a d¡ta tropa desarmada, que
se desmontassem duas peças de anilharia que ali se achavam e que
o quartel fõssc entregue a 12 praças da guarda nacional (1 1 0 ).
Essa resolução foi tomada a 18 de fevereiro, e como se não xtin-
guisse a tal ou qual agitação de espirito que cercava a dita tropa,
deliberou-se a 21 que marchasse a mesma para a front .‘ira do baixo
Paraguai, assim se verificou.
Como o conselho da provincia aceitara a proposição do 1.” ins­
petor dos índios Apiacás de formar um estabelecimento dos mesmos
indios no Salto Augusto, ministraram-se-lhes os precisos recursos e
com aquele destino saiu do Diamantino a 29 de fevem'ro o 2.° ins­
petor com 16 homens e 5 mulheres.
Deu-se ao projetado estabelecimento o nome de São Francisco.
Organizou-s? uma guarda municipal de 60 praças, de que foi
comandante o capitão Antônio Pedro Falcão de Figueiredo.

(110) A s inquietações da tropa eram prenuncios rlc agitação mais profunda,


que avivou a luta entre nativistas c adotivos.
V er " N otas à M argem " de V irgílio C orrêa Filho que versa miudamente
o assunto.
— 345 —

Deram-se ordens para a execução da portaria 1 do ministério da


Guerra de 24 de dezembro, mandando desarmar as fortalezas.
Em junho, cumprindo-se as ordens da r.-géncia, foram reinte­
grados nos seus empregos os brasileiros adotivos. O brigadeiro Jeró­
nimo Joaquim Nunes, alegando moléstia, não voltou ao comande
das armas.
Em fim de agosto entrou em exercício o novo secretário do
governo. Antônio Luís Patricio da Silva Manso.
A 22 de setembro a guarnição de Albuquerque amotinou-se. exi­
gindo com armas na mão que se lhe pagasse os seus soidos e etapas,
c fardamentos vencidos, declarando que não largariam as armas até
que fosse atendida esta exigência. No dia 24 insurgia d? novo decla­
rando que ia para Coimbra esperar a decisão do governo, a fim de.
não sendo favorável, passar-se para o Paraguai. Alguns arrejien-
didos ou temerosos fugiram para o mato; os outros' foram em
busca déles.
Aproveitando-se desta circunstância, o comandante (m ajor
Nunes), valendo-se dos oficiais, de um sargsnto de pedestres e dos
moradores paisanos, retomou uma peça de artilharia que haviam
colocado defronte do seu quartel e obrigou os amotinados a entre­
garem-se. O s indios distiaguiram-se na perseguição dos mesmos
amotinados. •
Remeteram-sc para a capital como cabeças de motim o cadete
Antonio José Rodrigues, um anspeçada, quatro soldados de legião e
quatro pedestres.
Organizou-se o Corpo de Ligeiros na forma do decreto de 22
de novembro de 1831. c cm outubro o Conselho do Governo resolveu
a dissolução dessa legião. Nessa época a fôrça de linha era a seguinte:
Legião :
Tenente coronel — 1; estado maior — 5; estado menor — 2
oficikis — 13; inferiores — 14; cabos — 14; anspeçadas e soldados
— 190; cometas — 4. Total — 243.
Pedestres :
Capitão — 1 : tenentes — 2 : alferes — 1; sargentos — 6 : cabos
— 16; anspeçadas —• 11; tambores — 3; soldados — 236. To­
tal — 276.
Distribuição da legião :
Cuiabá ................................................................. 30
.Albuquerque ...................................................... 38
Coimbra . . . . . . . . . . . . , ................................. 40
M ira n d a ............................................................... 54
— 346 —

Camapttã .................................................................. 1
Povoação de Albttqtterqu ■ ............................. 3
D o u ra d o s.................................................................. 2
Estabelecimentos p ú b lico s..................................... 6
Vila Maria .............................................................. 3
Jauru ........................................................................ 2
Mato Grosso .............................................. . . 18
C asalvasco......................................................... 15
Forte do P rín c ip e .............................................. 19
R ib e irã o ................. 3
Pálmela .................................................................... 2
Itonamas .......................................................... 3
Salto A u g u sto .......... ............................................... 4

Em fim de outubro chegou ao Forte do Príncipe, vindo do rio


Negro, o religioso Carmelita írci José dos Santos Inocentes. aconqa-
nhado de seis soldados e enviado pelo governo interino do R o Negro
com oficios para o governo imperial. Seguiu para Mato Grosso e
dali para Cuiabá (111).
Em novembro, em Cuiabá, foi preso o capitão de pedestres Antô­
nio Rodrigues da Costa, por negar obediência ao comandante interino
tias armas Poupino.
A 10 de novembro tomou jtosse do cargo de comandante das armas
c. coronel Joaquim José de Almeida.
O presidente procurou entender-se com o de Goiás R respeito da
vinda de pessoa habilitada para explorar as minas de ferro dá pro­
vincia e estabelecer ttma fundição.
O sargento Carvalho remeteu ao governo u resultado das suas
indagações nos terrenos vizinhos do Piquiri. Sucuriú c Araguaia.
De f vereiro até outubro a junta de Fazenda sacou sôltre o tesour >
a importância de 71:491$233. recebendo das tontadas :

Em moeda de cobre ............. 15:5245552 2/3


Em port, da junta ................. 77765160
Em outras especies ............... 18:285?130
Em faz e n d a s........................... 29:9055139 1/3

(111) Frei J. dos Santos Inocentes depois de exercer influência revolu­


cionária na Amazônia, conduziu o ferm ento da revolta para Mato Grosso,
onde encontrou ambiente já preparado, por motivos frcqiietttcs nos inmrlêis.
— 347 —

1833
En» janeiro o ouvidor desembargador Pone - de Leão proceden
à inauguração da recen-criada vila de Poconé, eleição de justiças, etc.
Começou a funcionar a nova Câmara de Cuiabá. Em 29 de
janeiro amoünou-se a guarnição do Forte do Príncipe, depondo o seu
comandant.', alteres Claudino Alves Carnaúba, e assumindo as res­
pectivas funções um sargento c um furr.el, que por sua vez tiveram
que conter novos motins.
Em março chegou a Cuiabá acompanhado de sua escolta arm ada
frei José dos Santos Inocentes. O ouvidor representou ao presidente
sobre o procedimento dèste religioso, que foi quem introduziu, para
vilipendiar os adotivos, o odioso termo de bicudo (112).
Em 12 do mesmo mês publicou-se um Bando sobre Organização
do Corpo de Ligeiros na forma do decreto de 4 de janeiro de 1833.
A 23 de março o presidente em conselho suspende do cargo de
juiz de Fora o Dr. Pascoal Domingues de Miranda, por crime de res­
ponsabilidade (ter den .’gado justiça a mu Joaquim de Sonsa M oreira).
A 15 de abril ocupou-se o Conselho Geral dar denúncia que deram
três inferiores de linha de terem sido convidados para uma rusga
pelo cadete Joaquim Nonato Hiacinto.
A 19 d.' abril o presidente passou, por enfermo, a administração
ao vice-presidente eapitão-mor André Gaudie.
Feita a eleição de deputado à assembléia geral, a apuração final
teve lugar a 30 de maio. Saiu eleito Antônio Luis Patrício da Silva
Manso, tendo tido por competidores o coronel Joaquim José de
Almeida e o capitão Manuel Peixoto de Azevedo.
Em sessão de 17 de junho o vice-presidente em conselho suspen­
deu do xercicio de ouvidor o desembargador Ponce de l eão, pro­
nunciado por calúnia para com frei José dos Santos Inocentes. Este
religioso retirou-se de Cuiabá para Mato Grosso.

(112) A s seguintes quadrinhas, recitadas então a m iú do , dão idéia da


exaltação de ânimos que d iv id ia portugueses c brasileiros :

O ' m aroto, pés de chumbo.


C alcanhar de frig id e ira .
Quem lhe deu a confiança
D e casar com b ra sile ira ?

Gente cabra, brasileira.


Descendente de Guiné,
Desprezou as einco chagas
Pelo ram o do café.

( X o ta de E. dc M endonça).
— 348 —

Por deliberação de 22 de julho foi suspenso do exercício o secre­


tário Manso, acusado de desobediência e abandono do emprego.
Publicou-se por Bando de 16 de setembro a proclamação da regên­
cia por ocasião da sediçâo de minas em maio.
Remeteu-se para a guarda plaraguaia do Apa uma porção de
cavalos (94) que haviam sido roubados nas estâncias do Paraguai.
Por circular de 12 de nov.’mbro o vice-presidente fez público o
aviso do ministério do império de 8 de junho em que se prevenia que
de noticias oficiais se coligia que o duque de Bragança projetava
voltar ao Brasil — pelo que r.-comendava tôda medida de precaução.
Êste aviso, recebido em fim de agosto, não foi logo publicado por
não parecer urgente ao governo, visto não existir na provincia partido
restaurador que pudesse inquietar, c porque a publicação tm deria a
sobressair a indisposição que existia por parte da população contra
os nascidos em Portugal, cujo número não chegava a cem etn tôda
provincia.
Esta demora, porém, produziu mau efeito, porque serviu de pre­
texto para pessoas crédulas ou menos bem intencionadas atribuírem
aos seus contrários intenções restauradoras.
Com efeito, apareceram rcpres.ntações a éste respeito da parte
da Câmara Municipal, e de uma sociedade que havia pouco fõra criada
pelo deputado Manso e intitulada Zelosos da Independência.
Tendo vindo ao Diamantino um índio Mandurucú de nom- Isidoro
que pretendia ter noticia da situação de célebre lugar dos Martirios,
o vice-presidente mandou que os juizes de paz e mais autoridades
promovess.-m uma subscrição para custear uma expedição em demanda
do dito lugar.
Utgido pelas instâncias do vice-presidente e do conselho, o pre*
sitíente Correia voltou ainda molesto à cidade e reassumiu o exercício
da presidência em 4 de dezembro. Neste ano organizou-se a Guarda
Nacional em quase tôda a provincia.
Abandónou-se pela insalubridade do clima e (alta de convenientes
meios o recente cstatalecmento do Salto Augusto.
No decurso do ano tiveram lugar diversos processos de respon­
sabilidade suscitados por espirito de partido, e entre outros o do
sscretário Manso, que esteve ameaçado de ser preso, não obstante a
imunidade de deputado, e os tenente coronel A ltano de Sousa Osório
e Antônio J. Guimarães e Silva, cujas prisões foram requisitadas pelo
— 349 —

juiz <le Paz ao Conselho do Governo, e que por este não foram
consentidas.
A 27 de novembro tomou posse Dom José Antônio dos Reis (113).

1834

Em janeiro por deliberação do presidente em conselho dividiu-se


a província em duas comarcas, sendo o Dr. Pascoal Domingues de
M iranda designado para juiz de Direito da comarca de Cuiabá.
A 8 de fevereiro procedeu-se à nova apuração dos votos dos
colégios para deputado à A. G. L., tendo dado o seguinte resultado :
Manso — 22 votos; J. J. Almeida — 18; m ajor Peixoto — 18;
cônego Silva — 3 ; Dr. Pascoal — 2 votos.
A 23 de fevereiro começou a funcionar a tesouraria de Fazenda.
Em março publicou-se um Bando relativo ao tumulto ocorrido
na Córte em dezembro • respeito da Sociedade Militar.
Em abril houve noticia da nomeação de Antônio Pedro de Alen-
castro para presidente.
Veio da Bolívia o major Oliden, incumbido de explorar a nave­
gação do rio Otaquis, daquela República ao rio Paraguai.
A 3 de maio teve lugar a inauguração de uma roda de enjetados
na Santa Casa de Miscricórd a, à diligência da Sociedade Filantrópica
(fundada no ano passado, de alguma sorte em oposição à Sociedade
dos Zelosos da Independência).
Tendo sido José Joaquim Vaz Guimarães, adotivo, nomeado pro­
curador fiscal da tesouraria, pelo Tesouro, houve contra esta nomeação
uma repres.-ntação do ;x>vo a que anuiu o presidente cm conselho em
deliberação de 4 de maio.

(113) Na cidade de São Pauto nasceu a 20 de janeiro de 1798, Dom


José que, órfão na juventude, trabalhou pana se manter e estudar.
Amparado pelo bispo Dom Martins que o nomeou altarciro da Sé con­
seguiu frequentar o Curso Jurídico, o r à obteve medalha de ouro, atem de
diploma de bacharel em ciencias jurídicas e sodais.
Nomeado bispo de Cuiabá, pela Regência, a sagruçáo realizou-se na Ca­
tedral de São Paulo, a 8 de dezembro de 1832.
Mediante procuração outorgada ao cônego José da Silva Guimarães,
tomou posse do novo cargo a 2 de junho de 1833 c a 27 de novembro conheceu
o povo, em cuja cheíia espiritual permaneceu, até sucumbir a II de outubro
de 1876.
— 350 —

Era maio marqhou o comandante das armas, coronel Almeida,


para Mato Grosso. Desavenças entre guardas nacionais c guardas
municipais ameaçaram perturbar a tranquilidade pública. Conci­
liaram-se.
A 24, O presidente Correia deixou ]>or enfermidade a adminis­
tração, passando-a ao vico-presidente José de Melo Vasconcelos.
A 26, porém, tomou conta da mesnta administração o coronel
João Poupino Caldas, mais votado que o capitão Melo.
Na noite de 30 para 31 de maio um grupo de facinorosos. a que
se ajuntou a pleb- iludida em parte, e cm parte movida pelos mais
ignóbeis sentimentos, apodera-se do quartel e manda tocar a rebate,
fazendo sair escoltas que mataram s.'is adotivos e um brasileiro e
saquearam as casas de comercio pertencentes a adotivos.
O Conselho do Governo, convocado extraordinariamente, anuiu
às exigências dos insurgentes e deliberou que todos os brasileiros nas­
cidos em Portugal menores de 60 anos fossem mandados stiir da pro­
víncia. devendo pôr-se cin caminho dentro de 24 horas.
Os amotinados cometeram atrocidade» inauditas — cortaram as
orclltas c partes pudendas das vitimas, queimaram cadáveres, violaram
esposas c outros atos de selvajaria.
Aquela deliberação do Conselho c as ordens que se expediram em
cumprimento dela deram lugar à caça que se fez dos adotivos, que se
mataram onde eram encontrados. A pretexto d.- que pretendiam
resistir, expedtrant-se escoltas para persegui-los e ameaça rara-se os
brasileiros natos que lhes dessem couto.
Foram mortas 33 ptssoas, sendo 3 brasileiros c 30 adotivos (114).
Movimento da mesma natureza, porém menos sanguinário, teve
lugar nos dias 7 e 8 de junho na vila do Diamantino.
Mato Grosso, onde se achava o comandante das armas, recusara
associar-se a tais atrocidades, c as reprovou por atos públicos.
O Conselho do Governo suspendeu o comandante das armas,
em 7 de agosto, e r.-ceiando que reunisse fôrça e marchasse para
Cuiabá, fez seguir para Vila M aria uma fôrça comandada por um
capitão da Guarda Nacional ( J . . F . M . ) .

(114) A tragédia pissou à história, com o título de Rusga. Entre os


adotivos assassinados incluiram-se João Cardoso de Carvalho, capitão da
l.“ linha ; J .J . Vaz Guimarães, rábula sagaz ; Domingos Tose Pereira,
comerciante cm Diamantino; Antônio José Soares, sargento-mor : Tomás de
Aquino; Jodo Canipeto; José Antônio de I.ima. tenente coronet; Manuel José
Moreira, alferes: Antônio Joaquim Moreira Serra, sargento-mor.
Alguns brasileiros também pereceram, como Manuel Pinheiro tlc Almeida
alvejado por engano.
— 351 —

No mesmo mês de agosto (24) renovou-se a rusga em Diaman­


tino onde mataram a três adotivos; as autoridades, porém, c [arte
sã do povo ohstaram a que prosseguisse a desordem.
Ausentes ou escondidos os poucos adotivos que existiam no
municipio de Cuiabá, -ntrou-se a falar na proscríção de 33 brasileiros
bastardos. O vice-presidente Poupino, unindo-se à gente ordeira,
fes com que saisse do quartel a fôrça que o ocupava, a fim de marchar
para Diamantino e tomando conta do mesmo quartel no dia 4 de
setembro com homens de ordem, deu-se começo á prisão dos
insurgentes.
Em 9 de setembro houve em Miranda um movimento anarquista,
à imitação do que se fizera em Cuiabá, e dirigido por um cadete,
um sargento e um cabo da guarnição. Foram ali mortos três
adotivos.
A 21 de setembro chegou o presidente nomeado.

3.° presidente — A ntônio P edro de A lencastro


(1S34 — 1836)
Nomeado por carta imperial de 4 de janeiro, o presidente Alen-
castro tomou posse em Cuiabá a 22 de setembro. A 4 de outubro
foi reintegrado o comandante das armas, coronel Almeida.
Efetuou-se a prisão de vários fautores dos crini's que começaram
a 30 de maio e deram-se providências enérgicas para a oaptura e pro­
cesso de todos.
Na noite de 30 para 31 de outubro foéani presos cinco cidadãos
notáveis pela sua posição social. Declarou o presidente que fõra
efetuada a prisão à ordem da Regência pelo povo em massa, que
atribuía a esses homens a desordem havida e projetos de renová-la.
Foram em consequência encontrados e previamente a qualquer pro­
cesso. enviados para a Córte pela navegação fluvial de São Pau­
lo (115).
A 10 de novembro remeteu-se às cântaras municipais a lei de
reforma da Constituição e determinou-se-lhes que providenciassem
para a eleição do regente c cm seguida para a de deputado.
Suspenderam-se as quatro companhias da Guarda Nacional de
Cuiabá, a 13 de dezembro, ficando formada a guarnição dc Cuiabá de
uma fôrça de guardas municipais e outra das chantadas cívicas, que
desde setembro estavam de posse do quartel.

(115) Com o auxilio dc Poupino, conseguiu Alencastro prender os cabe­


cilhas da Rusga; Pascoal D. de Miranda, Braz Pereira Mendes, José Jacinto
de Carvalho. Bento Franco de Camargo José Alves Ribeiro Eusébio Luís
de Brito, Manuel do Nascimento Moreira, Antônio F . Mendes.
— 352 —

1835

Deram-se providências para que o correio para Goiás c a Córte


se expedisse duas vêzes por mês. A 13 de janeiro foi suspensa a
Guarda Nacional de Diamantino por vícios de qualificação.
Em fevereiro e março deu-se comêço à organização do Arsenal
de Guerra.
A 14 de março foi suspenso pelo presidente o inspetor da tesou­
raria João Luis Airosa por abusos, omissões e erros de oficio, e
ainda por propagar doutrinas anárquicas.
A 21 publicou-se por Bando a noticia do falec'mento do Sr. Dom
Pedro I, duqttr de Bragança. Em abril procedeu-se à eleição do
regente, sendo mais votado o padre Diogo Antônio Feijó.
No mesmo mês elegeram-se também os membros da Assembléia
Legislativa Provincial que se instalou a 3 de julho.
A 4 de julho publicou-se por Bando a proclamação da Regência
de 3 de abril relativamente à sedição do Pará. Pelas leis provinciais
de 26 de agosto criaram-se as freguesias de Santo Antônio e Livra­
mento, e pela n.° 19 d : 28 do mesmo mês foi declarada a cidade de
Cuiabá capital da província.
A 20 do mesmo mês de agôsto o presidente dirigiu um oficio à
Assembléia Legislativa pedindo suspensão de garantias, que não foi
decretada por julgar a mesma assembléia inatendiv.-is as razões ale­
gadas pelo presidente. Em outubro despediu-se a Guarda Cívica.
Em dezembro o coronel Poupino foi suspenso do lugar de tesou­
reiro por ordem do ministro da Fazenda. O mesmo coronel foi
investido do comando da guarnição da capital.
Neste ano tratou-se da condução das peças que estavam na ponte
«o Guaporé. incumbindo-se o coronel Valerio, comandante de Mato
Grosso que apresentou para este fim um plano, que não se pôs em
execução. Tratou-se também da abertura de uma estrada para Itai-
tuba, que ficou, porém, em projeto.
Continuaram-se as providências a respeito da abertura d3 -strada
para São Paulo, pelo Piqtíiri. Por portaria de 22 de dezembro foi
adiada a próxima sessão da Assembléia Legislativa parti 15 de outubro
de 1836.
1836
A 4 de janeiro publicou-se por Bando a proclamação d»
Regência de 12 de outubro de 1835.
A 11 do dito mês foi nomeado José Garcia Leal “ direto,- da
povoação de 30 fogos que se descobriu no vão do Sucuriú, Paraná e
Paranaiba. na exploração da nova estrada (rara São Paulo”. J á se
considerava éste território como pertencente á provincia.
Em oficio <1.- 14 de janeiro, disse o presidente ao ministro
do Império :
" . . . ficando a divisão desta provincia com a de São Paulo, pelo
Paraná, e com a das Gerais pelo Paranaiba e com a de Goiás pelo rio
Doce acima até as suas cabeceiras nas contra vertentes do grande
Araguaia, antiga divisão desta provincia com a de Goiás.”
A 30 do mesmo més recebeu-se o aviso da demissão do presidente
Ale.ncastro, e o que designava a ordem dos vice-presidentes: vinha
cm primeiro lugar o capitão Antônio José da Silva. Como se achasse
éste ausente em sua fazenda, tomou conta do governo no dia 1 de
fevereiro o 2.° vice-presidente Antônio Correia da Costa.
Por circular de 11 de fevereiro foi convocada a Assembléia Le­
gislativa Provincial para o dia 1 de março, ficando sem efeito o
adiamento expedido pelo ex-presidente. A 22 mandaram-se reco­
lher os cívicos que ainda estavam em serviço no quartel. A 24 entrou
em exercício o 1.’ vicepresidente Antônio José da Silva.
A 1 de ntarço começou a 2.* sessão da Assembléia legislativa
Provincial. A 11 remeteram-se para a cadeia de Mato Grosso, por
julgar-se mais segura que a de Cuiabá. 17 presos quase todos sen­
tenciados pelo juri a pena última, pela parte que tinham tomado r.as
mortes que derivaram do movimento de 30 de maio.
Em maio voltaram remetidos ]>elo chefe de policia da Córte doze
dos deportados em 31 de outubro de 1834. Outros dois que se
haviam remetido também se apresentaram voluntariamente (116).
Em 30 de maio a guarnição do forte do Príncipe depôs c coman­
dante interino Floriano José de Oliveira, e elegeu |>ara comandante <>
sargento Jacó José de Morais.
Mandou-se um oficial (José Maria de Albuquerque) para co­
mandar o destacamento do Piquiri e continuar a exploração relativa
à abertura da nova estrada para São Paulo.
Colocou-se um destacamento no rio Arinos para obstar a qualquer
desordem que pudessem comet rr alguns sediciosos internados no
Pará.
Deu o govérno da província reiteradas ordens (que se não exe­
cutaram) para que o quartel do comando da fronteira do baixo
Paraguai fosse transferido de Albuquerque para Coimbra.
A nteiado d ' agosto chegou o presidente nomeado Dr. José
Antônio Pimenta Bueno.

(116) Entre os que regressaram, libertos peto Supremo Tribunal da Córte


contaram-se Pascoal de Miranda, magistrado, Josí Alves Ribeiro e José Jacinto.
— 354 —

4 .° I'RESIDENTK — D r . Jo sfc ANTÔNIO PlM E X T A H l EXO

(1836 — 1838)

Nomeado presidente por carta imperial de 5 de novembro de


1835. Tomou jws.se o Dr. Pimenta Bueno no dia 16 de agosto (117).
A 20 de setembro publicou-se por Bando o auto de reconhe­
cimento de sua alteza a senhora Dona Januária como princesa impe­
rial. Ao capitão Antonio José da Silva foram incumb-das rts dili­
gencias relativas á abertura da nova estrada para Sao Paulo.
O presidente tratou da construção e prontiticação das barcas
■canhoneiras e solicitou providências para a fundação de uro ertabe-
¡ecimcnto naval.
Vein da Bolivia o major Oliden incumbido da exploração de until
via fluvial de comunicação entre aquel.- pais e o rio Paraguai.
A 3 de outubro fez-se notável redução na guarda municipal.
Mandou-se expedir urna batideirá contra os indios Pareéis, que tinliam
Hostilizado os arraiais de Mato Grosso.
Mandou o presidente promover uma subscrição voluntaria para
■a aquisição de um prelo e mais artigos necessários para montar urna
tipografia.
A 17 d : outubro foi convocada extraordinariamente a Assembléia
Legislativa Provincial, que se reuniu a 1 de dezembro.
Pessoas mal intencionadas e outras irrefletidas fizeram correr
nm boato d • rasga, que causou alguma sensação, mas não tardou a
dissipar-se. Pretendia-se que o capitão Oliveira, comandante do
Corpo de Ligeiros, tencionava mandar assassinar alguns cidadãos na
iluminação que se fez na porta do quartel no <b'a 2 de dezembro e
rcp?tiu-se no dia 5.
1837
A 1 de janeiro procedeu-se à eleição de deputado à Assembléia
Geral I-egislativa.
A 6 foi nomeado diretor dos índios Apiacãs João Soai es Muniz
a quem se deu instruções relativamente ao Salto Auguste. A 25 os

(117) Natural de São Paulo. Pimenta Bueno doutorou-se cm ciências


sociais c jurídicas na escola paulista. Magistrado, em .seguida, não tardou a
desempenhar cargos de relevo na adminis-raçâo, na política, na diplomacia.
Em Cuiabá, promoveu o estabelecimento da primeira tipografia, depois
de restabelecer a ordem na provincia abalada pela Rusga. Visconde, e mais
tarde, marquês de São Vicente, representou o Brasil junto ao govêruo de
Carlos Lopes, que o apreciava e tomou parte ent mais de um ministério.
Senador por São Pauto, faleceu a 19 de fevereiro de 1876, setuagenário.
355 —

sentenciados ã morte que de Cuiabá foram transferidos para Mato


Grosso, tendo clandestinamente obtido algumas armas, saíram da
cadeia à 1 hora da tarde, mataram o carcereiro, apoderaram-se do
quartel, saquearam o parque, destruiram o arquivo militar e seguiram
para Casalvasco e dai para a Bolivia sem encontrarem resistência.
A 10 de fevereiro fez-se a apuração dos votos da eleição de
deputado, saindo eleito o Dr. Antônio Navarro de Abreu. Expedi­
ram-se duas bandeiras para abrirem um trilho do Paraná a P ir a ­
cicaba.
No dia 9 de main à entrada da noite foi morto o coronel João
Poupino Caldas de um tiro dé espingarda, na rua Bela do Juiz, uma
das mais frequentadas de Cuiabá. O assassino desaparecen e até
agora está o crime impune (118).
Organizou-se uma sociedade para a exploração dos terrenos
que se supôtm diamantíferos nas margens do rio Cachoeira. Seguiu
em junho com êsse destino o capitão Caetano da Silva Albuquerque.
Foi o Cofre Provincial acionista desta sociedade.
Deu-se principio no meiado do ano à r.torganizaçâo da Guarda
National. Em agosto chegou ao Piquin', vindo pela nova estrada,
um carro carregado de sal. Estabeleceu-se um correio para o pro­
víncia boliviana de Chiquitos.
Recolheram-se em outubro as bandeiras qtt: haviam sido pedidas
de Vila Maria contra os indios Bororos do Cabaçal, trazendo quatro
indios adultos e 24 crianças e tendo sido a perda dos indios no conflito
de 40 a 50 pessoas.
Mandou-se explorar o terreno que. medeia entre as cabeceiras do
Anhandui e a do Mondego, a fim de conhecer a conveniência de
haver ali um varadouro e mudar-se para êsse pórto a navegação que
Sr faz jiara Camapuã.
Deu-se começo à construção de um teatro e de uni passeio
público. Concluiu-se a abertura ,da estrada e picada tio Piquiri
para o Paranaiba. estalielccendo-se na passagem deste duas canoas
que dão passagem a cinco ou seis animais dentro de cada uma delas.
Desde 1 de setembro está exercendo o sagrado ministério na
capela de Santana um eclesiástico que se mandou vir com a congrua
de 200$000, em virtude d : uma decisão legal.

(118) Atribuiu-se o crime a represálias de antigos correligionários da


Kttsgr. contra os quais teria Ponpino promovido reação poticial — Ver
V irg ílio Corrêa Filho — .Votas <1 Margem.
— 356 —

Em circular ele 4 de dezembro comunicou-se às câmaras a noticia


oficial da renúncia ou demissão do regente, substituido pelo ministro
do Império Pedro de Araújo Lima. Deram-se providências para
a eleição do novo regente.
Deu-se começo ao troco e substituição da moeda de cobre.

1838

O presidente mandou explorar o varadouro entre o rio Mondego


c o Anhandut cuja navegação outrora frequentada talvez seja pre­
ferível à que se taz por Camapuã.
A Lei Provincial n.° 4. de 19 de abril criou a freguesia de San­
tana do Paranaiba. na margem ocidental do rio do mesmo nome e do
Paraná ; e bem assim a freguesia do Piquiri a Oeste da antecedente,
dando-lhe o nome de Santa Cruz. Não chegou esta, porém, a ter
existência senão nominal.
A 21 de maio rctjrou-sc o presidente Dr. Pimenta Bueno, entre­
gando a administração ao vice-presidente cônego José da Silva Gui­
marães. Seguiu caminho de São Paulo.
Desavenças ocorridas entre o comandante militar e o delegado
do governo em Vila Maria, levaram o governo a ordenar no primeiro
que seguisse |>ara Mato Grosso a fim de mandar conduzir |>ara o
Jaunt as peças d ■ artilhara, c. 24, que se achavam junto da ponte
do Guaporé.
O governo de Goiás mandou um destacamento de permanentes
para o |>ôrtn de Alcncastro sobre o Paranaiba, na nova e rccém-criada
fregti.-sia de Santana, que entendia pertencer ao território de sita
jurisdição : o que deu lugar a uma representação de 110 moradores
da mesma freguesia, pedindo pertencer à jurisdição de Cuiabá.
A 15 de setembro chegou de Goiás o novo presidente. Doutor
Estêvão Ribeiro de Recende.

5.° presidente — Dr. E stêvão R ibeiro n r R esende

1838 — 1840
O Dr. Resende, nomeado presidente por carta imperial de 9 de
fevereiro de 1838. tomou posse a 16 de setembro (119).

(119) Filho do marquês de Valença o segundo Estêvão Ribeiro de Re­


zende não conseguiu governar com a mesma autoridade de Pimenta Bueno.
Contra os seus atos levantou-se a Assembléia Provincial, que lhe dificultou a
administração. Ver Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso. (Tomo
XH — 1924). pigs. 115 e seguintes.
— 357 —

'839

Em janeiro cclebraram-sc festas públicas pela eleição do novo-


rcgente Pedro de A raújo Lima.
Em fevereiro, tendo corrido o boato de ter falecido o Dr. Francia,
ditador do Paraguai, o presidente fez seguir para Olimpo uma barca
canhoneira, que voltou cm maio, tendo-sc demorado um dia naquele
forte.
Houve notícias de recetar que as bexigas se introduzissem na
província por via da navegação do rio Arinos, _■ para prevenir essa
desgraça deram-se providências.
Em agosto começou a funcionar uma tipografia destinada prin­
cipalmente a publicação dos atos do governo e comprada por uma
subscrição promovida pelo presidente Pimenta Bueno. A contar dessa
época publicou-sc semanahnent: um periódico (120).
Continuou-se a tratar da aHertura e melhoramento da nova
estrada para São Paulo. Mudou-se para lugar mais salió i conve­
niente o destacamento do Piquin'. Houve noticia de ter concluído
a sua comissão a band/ira encarregada de abrir à picada até P ira ­
cicaba.
Tendo os indios Coroados feito em setembro hostilidades em
uma Fazenda do São Lourenço e no lugar das Malas na estrada de
Goiás, onde feriram cinco vitimas, exp.xliu-se contra êlcs uma bandeira,
q ut não os pôde encontrar e bater, [raréni destruiu um grande
quilomlio que existia nas imediações do ribeirão das Piraputangas,
donde trouxe muitos fugidos.
Para obstar as correrías dos mesmos indios mandou o presidente
colocar um destacamento na passagem do ribeirão Sangrador e outro
na do São Lourenço na entrada do Piqtiiri. Pross^uiram -se as
diligências relativas à navegação do Anhaadui, pela qual veio uma
expedição dc São Paulo a cargo de José de L ara Pinto.
Revoltou-se a 28 dc novembro a guarnição de Mato Grosso
contra o seu comandante, major Manuel Machado da Silva Santiago,
a qu;m depôs, elegendo em seu lugar o tenente Generoso A. N. dc
Morais Cambará.
Em dezembro teve comêço a iluminação de Cuiabá.

(120) O jornal. de ditas colunas, impresso em pape! almaçn dc linho,


intitulava-se Themis MalOíirosscnse, e o primeiro número saiu a 14 de agósto
(Nota dc E. dc Mendonça).
— 358 —

1840
Em fevereiro (resolução de 4 ) organizou-sc em Legião a Guarda
Nacional da Provincia, que então se compunha de dois Itatalhões de
infantaria e um esquadrão de cavalaria na capital; um batalhão de
infantaria em Diamantino, outro em Poconé c outro em Mato Grosso.
A Assembléia Legislativa, cuja maioria continuava em oposição
violenta e sistemática ao pr.'sidcnte, concluiu sua sessão sem decretar
as leis de orçamento provincial e municipal. Foi para -ste fim con­
vocada extraordinariamente em junho, sendo esta s?ssão menos tem­
pestuosa do que era de supor-se.
Nesta sessão extraordinária cessou de publicar o periódico ofi­
cial e de funcionar a tipografia em razão de uma lei provincial que
não foi sancionada e nem devolvida à Assembléia.
Tendo o presidente obtido a exoneração que solicitara, ixirtiu
para a Córte a 25 de outubro, entregando a administração ao vice-
presidente Antõrvo Correia da Costa. No mesmo dia chegou a
noticia oficial dos acontecimentos de 23 de julho na Córte e da pro­
clamação da maioridade do Sr. Dom Pedro II.
Recebeu-se também a nomeação do cônego José da Silva Gui­
marães para presidente da província.

6 . ° PRESIDENTE — CÔNEGO JOSÉ DA S1I.VA G U B IA R Ã E S

(18W — 1843)
O cônego José da Silva Guimarães, nomeado por carta imperial
de 30 de julho de 1840. tomou posse no dia 28 de outubro (121).
Chegou o arrojam .‘nto dos Bororós do Cabaçal a ponto de atra­
vessarem o rio Paraguai e passarem pelo meio de Vila Maria.
1841

Em março o presidente fez seguir para Olimpo uma barca canho­


neira. que voltou em tnaio sem que conseguisse passar daquele forte
para baixo (122).
Não tendo a A .L .P . decretado a lei de despesas provinciais na
sua sessão ordinaria, foi convocada extraordinariamente para éste
fim em maio.

(121) Natural de Cuiabá, o cônego José da Silva Guimarães incluta-se


entre as individualidades de maior prestígio em sua terra.
(122) Comandou a barca-canhmteira o então capitão tenente. Augusto Le-
verger. que dessa viagem escreveu interessante e proveitoso Diário, (Nota
de E . de Mendonça).
— 359 —

Em setembro fez-se uma expedição para povoar o Salto Augusto.


Contra os índios Coroados que haviam cometido hostilidades, expe-
diram-sc duas bandeiras. que nada fizeram senão capturar duas
crianças.
Emigrou da Bolivia o ex-prefeito de Santa Cruz I-en<lic;ir, que
se mandou residir em Vila Maria.
Em cbzembro proccdeu-sc à eleição dos eleitores Je deputados
à Assembléia Geral Legislativa. Passou-se o ano sem que pudesse
reunir o inri da capital nem as juntas de paz.

18 4 2

A 3 de janeiro começou n funcionar a Escola Primária Normal,


dirigida por um professor que à custa da Província fôm estudar n.i
Escola Normal do Rio de Janeiro (123).
A 26 de fevereiro procedeu-se à eleição de deputado à Câmara
de 1842. Foi eleito o tenente de Engenheiros José Joaquim de
Carvalho ; tinha por competidor o Dr. Antônio Navarro de
Abreu (124).

(123) Ê stc professor seria provàvelmentc J. F . Alm eida Lousada, m andado


à E scola N orm al de N iterói, onde deveria aperfeiçoar os seus estudos durante
14 meses prorrogados por mais oito a 28 de fevereiro dc 1839.
A sua pensão, estabelecida pelo presidente Pim entel Bueno, a n janeiro cc
1838. montava a 50$000 por mes, paga adiantadamente.
A 24 dc fevereiro de 1841, Lousa da prestou juram ento para en tra r no
exercício do cargo dc secretário do Governo, cm que permaneceu, até se aposen­
ta r, tendo, portanto, dçixado o magistério.
(124) N ascido a 6 de julho dc 1811, cm Cuiabá, o segundo A ntonio
N av arro dc A breu formou-se cm direito pela escola dc São Paulo, c sem
tardança obteve o mandato de deputado geral por Mato Grosso, na 4.“ legis­
latura.
Desempenhou papel saliente na campunlia da Maioridade, quando se revelou
o rador fogoso c destemido.
N ão obstante, perdido <• apoio eleitoral, com o dcsaparecinfcnto dc João
Poupino Caldas, seu tio, foi preterido pelo competidor.
Já entâo o em polgara a perturbação que o levaria ao H ospital da Santa
C asa da Misericórdia, a que eram recolhidos os dementes, m ais tarde n a n s f e ­
ridos para o Hospício Nacional.
A final a 3 dc outubro dr 1845, precoccmcntc envelhecido, paralisou-se-lhe
-a vida, que P o rto A legre sintetizou como "um delírio rápido, descreveu um
círculo estreito sóbre tres pontos bem diferentes: começou nas aulas brilhou
n o allo do parlam ento, c eclipsou-sc nas grades dc ferro do aposento dc um
■alienado” .
— 360 —

Foi publicada por ordem do presidente a Lei Provincia! dando


regulamento à tipografia. O periódico tornou a publicar-se em 30
de julho com o título d i Cuiabano Oficial (125).
Começou no princípio do ano a povoação do Salto Augusto.
O encarregado, Manuel Teixeira Amazonas, estabeleceu-se provi­
soriamente no lugar denominado Religioso, no ângulo da confluência
do rio São João da Barra (aldeia do* Apiacazes) com oito catna-
radas. seis soldados e quatorze escravos. Ajuntaram-se-lhe muitos
indios Apiacazes.
Explorações feitas por particulares nos campos da Vacaria,
fizeram conhecer um rio navegável que vai ter ao Paraná e ao qual
deram o nome de Amazonas, de que o presidente deu parte ao
ministro do Império. Éste rio nâo c outro senão o Ivinhema, ou
o seu galho Vacaria.
Em 4 de abril seguiu para Olimpo o capitão tenente Leverger,
nomeado cônsul geral do Paraguai. Voltou em maio, sem que
conseguisse seguir adiante de Olimpo, visto como o Governo do
Paraguai não admiua comunicação senão por via de Itapuã (126).

(125) Ao justificar a sua iniciativa, afirmou o presidente Pimenta Bueno,


mais tarde marquês de São Vicente a 30 de março de 1837:
" O sistema .dminisirativo que nos rege, exige a publicidade dos atos das
autoridades, que também dele dependem, muitas vezes, para que betn possam
corresponder n sjus rins” .
A mingua de recursos no Tesouro da Província, abriu subscrição entre
particulares, que sem tardançn montou a 2:*M8Ã86R.
Adquirido no Rio o prelo, :ivcrbaratn-i»e-!lie à corita as seguintes parcelas.

Custo de tipografia ............................................... 1:10ó$180


Papel e tinta ........................................................ 72$3G0
Comissões ............................................................... 62S680
Frete de 20 volumes, pesando 72 arrobas e 5 libras _ 72Z$346
1 ^603506’

E. assim, a 14 de agósto de 1839, saiu ¡t lume o primeiro jornal cuia-


Itano Thcmix MatMriMsrnxe, mercê dedicação da turma encarregada de
publicá-lo, que sr const tf ;iu de um administrador, um redator, um compo­
sitor e uni ajudante, um distribuidor c dois serventes.
O presidente destinou-lhe modesta verba, que a opinião glosou na
Aftsemldca de sorte que não conseguiu perdurar a gazeta da qual, mais-
tarde, o cônego José da Silva Guimarães, no dar-lhe novo alento mudou o
titulo para — O Cuiabano Oficial — a que se refere o autor.
(126) Vigorava o regime do fechanícntn das fronteiras paraguaias, estabe­
lecido por Francia-
Pur issot ib;n:od > cônsul .< 14 janeiro de 1841. Leverger recebeu de
Aurdianu escassas recomendações, pois que eram ignoradas as verdadeiras con­
dições do Paraguai.
2fôandcni-llie. porém, uma coleção da Revista do Instituto Historic * c, cm
troca, exigiu-lhe a remessa de suas próprias investigações.
— 361 —

Tendo sido dissolvida antes de funcionar a Câmara dc 1842,


procedeu-se en> agosto a novas eleições primárias e em outubro a
de deputado, fazendo-se a apuração em dezembro. Saiu novaniente
eleito o tenente José Joaquim de Carvalho.
Por enfermidade do presidente, tomou conta da administração
em 9 de dezembro o vice-presidente capitão Antônio Correia da
Costa.
1843

O major Dr. Manuel Bravo e o capitão Nicolau Mctron.


enviados ao Paraguai pelo Governo Boliviano, seguiram em fevereiro
para Olimpo »ob a proteção dc uma barca canhoneira. Voltaram
cm março, não lhes tendo sido concedido ir adiante. .
Organizou-se o Corpo Fixo de Caçadores c a Companhia dc
Artilharia, segundo o Decreto de 20 de agôrto dc 1842.
Os soldados c camaradas do estabelecimento dc Salto Augusto,
na ausência do diretor Amazonas, levantaram-se contra o encar­
regado das plantações e economia e o obrigaram a retirar-sc entre
os Apiacazes. Consumiram as roças de milho c mandioca.
Por Lei Provincial de 4 de abril foi criada a Freguesia de
São Gonçalo dc Pedro II. contigua à da cidade de Cuiabá. A
Assembléia acaljoti as suas sessões sem decretar as Leis de Des­
pesas Provincial e Municipal. O presidente reassumiu o exercicio
do Governo a 11 de maio, não convocando a Assembléia extraordi­
nariamente por não confiar nas disposições da sua maioria.
Um destacamento dc 50 soldados bob’vianos portou-se em Salinas
o que fêz recciir hostilidades. Constou posteriormente que neste
mesmo ano os bolivianos exploraram o território de Santo Antônio
dos Guarajus. retirando-se depois.
Em julho o Cuiabano Ofiiial passou a denominar-se simples­
mente Cuiabano. A 7 dc agosto o reverendo José da Silva Guimarães,
exonerado por Decreto de 28 de de abril, grassou a administração da
Provincia a Manuel Alves Ribeiro, (127) nomeado vice-presidente
em primeiro lugar por Carta Imperial de 31 dc março. Os outros
vice-presidcntes eram : Dr. Manuel Pereira Coelho, José Mariano
de Campos e o Exm o. bispo diocesano.

(127) Manuel Alves Ribeiro, chcíc acatado dos liberais, exerceu papel
dc relevo na Provincia, conforme evidencia excelente ensaio biográfico, que
lhe dedicou José dc Mesquita.
— 362 —

Em 21 lie agôsto o vice-presidente convocou extraordinariamente


a Assembléia Legislativa para decretar as 1-cris de Orçamento Provin­
cial r Municipal. Além destas, foi promulgada uma lei sôbre a organi­
zação da Guarda Nacional, que foi causa de sua desorganização
porque o vice-presidente não teve tempo de dar-lhe plena e completa
execução e seus sucessores não o quiseram fazer por julgarem
que na decretação dessa lei a Assembléia exorbitara de suas atri­
buições.
A 1 de setembro expediu-se pela primeira vez o correio para a
Córte pela nova estrada de São Paulo pelo Piquin’, continuando-se a
trabalhar nessa estrada (128). Abriu-se uma estrada de carro de
Sant'Ana do Paranaiba para a margem do Paraná, e da parte oposta
do rio uma picada para Pirateaba, pela qual já tinha passado uma
boiada de 200 bois. Já tinham chegado ã cidade de Cuiabá dois
carros carregador cando de Sant'Ana pela dita estrada. São, porém,
os únicos que até hoje vieram (1859).
Em 9 de setembro foi demitido o coronel chefe da Legião da
Guarda Nacional Antônio Peixoto de Azevedo, e nomeado em seu
lugar o major reformado do Exército Antônio Bernardo de Oliveira.
A 24 de setembro celebrou-se [rela primeira vez um funeral
pelo duque de Bragança. O Governo mandou glosar a despesa de
300 e tantos mil réis, que por tal motivo ordenara o vice-presidente.

(128) A estrada do Pcquiri foi esboçada em 1808. sem resultado. Por


volta de 1832, Jerónimo Joaquim Nunes empenliOu-sc cm abri-la com a
colaboração de José Martins de Carvalho.
Mas somente se ultimou com as feições de picada em 1835.
Fraldcjava a serra de São Lourenço, transpunha o Piquiri, donde rumava
para as cabeceiras do Sucurtu. de cujo vale buscava << Pamaibn, que. atraves­
sado. permitia a continuação até Uberaba.
Para lhe melhorar as precárias condições, Pimenta Bueno obteve o dedi­
cado e valioso concurso de Antônio José da Silva, fazendeiro estabelecido cm
Santo .Antônio da Barra, que se colocou á frente dos trabalhadores até o
Pcquiri, no pior trecho da mata.
Oai irar diante, confiou o serviço ao tino sertanejo de José Garcia Leal,
um dos fundadores de Santana do Paranaiba.
Por essa via, entraram, ¡rala primeira vea. em Cuiabá, a 8 de outubro
de 1836, uma vara de 70 porcos mandados de Uberaba, além da tropa de bestas
de Manoel Bernardo, que, cm troca, de tonta viagem, conduziu boiadas dos
fazendeiros cuiabanos, assim inaugurando o intercâmbio que se intensificaria
mais tarde.
— 363 —

Tendo sido exonerado o l.° vité-presidente Manuel Alves, passou


éste a adminirlração em 5 de outubro ao 3.° José Mariano de Campos,
por não ter querido entrar eni exercício o 2.°, Dr. Manuel Pereira
da Silva Coelho.
No dia 22 de outubro chegou a Cuiabá o novo presidente coronel
Zeterino Pimentel Moreira Freire.

7.“ PiF.smE.XTE — Z eferino P imentel Mop.eika F eeire

1843 — 1844

O coronel de 2.a Gassc do Exército Zeferino Pimentel Moreira


Freire, nomeado presidente por Carta Imperial de 17 de maio,
tomou conta da administração da Provincia a 24 de outubro (129).
Constando que o Governo do Paraguai franqueara a enviados
do Governo a entrada naquele pais por via de Olimpo, o presidente
íéz seguir para Assunção o capitão de fragata Augusto Leverger,
que já se achava exonerado do cargo de cônsul geral e encarregado
interino dç negócios. Saiu de Cuiabá a 5 de novembro ; chegou
a OBitnpo a 18 e continuou a viagem a 19. A 27 chegou cm A s­
sunção. onde demorou-sc até 5 de dezembro, cm que começou seu
regresso para Cuiabá (130).
A 13 de novembro tomou posee dos cargos de juiz de Direito
da Comarca de Cuiabá c chefe de policia da Provincia o Doutor
Manuel Eliziário de Castro Menezes.

1844

Em janeiro den o presidente Estatutos para a aula do l.° ano-


matemático e de geometria.

(129) Zeferino Pimentel Moreira Freire.


Ñascido em Lisboa, a 26 de agosto de 1800, conforme assegurou Sacra­
mento Blake, cm seu Dicionário Bibliográfico Brasileiro, acompanhou seu
pai brigadeiro Bernardo Antônio Moreira Freire, que participou da comitiva do
principe regente.
Aluno da Academia M ilitar, onde se formou, serviu cm várias províncias,
antes de ocupar a Presidência de Mato Grosso.
<130) Em todas as viagens, Leverger cuidava de ampliar os seus reconhe­
cimentos hidrográficos, publicados pela “ Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro” , ao qual os remeten por instâncias de Aureliano-
Coutinho.
— 364

A 2 de fevereiro chegou a Cuiabá o capitão de fragata Augusto


Leverger, tendo cumprido a comissão de que o .¡ncumbiu o presi­
dente. Em março dois estafetas do correio de Goiás foram n.orlos
pelos indios Coroados, nas imediações do lugar das í.avrinlias.
Expediu-se unta escolta de 14 praças, de linha [tara proteger os
•correios e mercadores da estrada de Goiás.
Em junho aportaram ao Forte do Príncipe 14 pequenas embar­
cações bolivianas, as quais com licença do comandante do Forte,
seguiram [telo Mamoré e Madeira abaixo. Consta que, no trecho das
cachoeiras, parte da tripulação se revoltou e teve de regressar a
expedição.
Em julho houve no Forte do Príncipe um motim feito pelos
habitantes extramuros e por parte da guarnição contra o comandante
Francisco de Sales Maciel, que todavia conservou-se cora parte da
guarnição fiel.
A 24 de setembro chegou a Cuiabá o tenente coronel graduado
Ricardo José Gomes Jardim, nomeado presidente e comandante das
Armas da Província.

Teve neste ano começo, um procedimento judicial que depois


complicou-se muito com as circunstâncias políticas da terra. Manuel
Alves Ribeiro e Antônio Peixoto de Azevedo se diziam co-proprie-
tários, por herança, da Fazenda de Camapuã, existindo outros sócios
na Província de São Paulo.
Em 1 8 ... Peixoto, voltando de Pôrto Feliz para Cuiabá,
trouxe consigo alguns escravos da dita fazenda, que considerou
como seus.
Em 1838 foi Manuel Alves a Camapuã c tomou cento e tantos
escravos, deixando ficar mui. poucos na Fazenda. Dispôs déles
como lhe aprouve ; muitos foram vendidos a diversos particulares.
Em fim de abril o juiz de Direito e chefe de policia, Doutor
Menezes mandou recrutar um desses escravos, que se dizia ter sido
fõrro na pia e ter gozado de liberdade por mais de dez anos. O
mesmo magistrado em Edital de correição determinou que o atual
— 365

possuúlor da Fazenda de Camapuã lhe apresentasse os títulos que


fundamentavam a sua posse e direito que tinha exercido, dispondo
da quase totalidade dor. bens da dita Fazenda, quando era voz
geral que não tinha nenhum direito e era usurpação à Fazenda
Nacional (131). E em ofício de 8 de janeiro de 1844. reclamou
ao presidente providências para que os ditos escravos voltassem a
Camapuã ou fossem retidos em M 'randa, para onde tinham vindo,
ou que viessem para a capital ficando sob a vigilância do Governo.
Dai originou-se um processo criminal em que Manuel Alves
foi pronunciado a prisão, pelo crime inafiançável de reduzir pessoa
livre à escravidão. Manuel Alves abrigou-se sob a lei de imunidades
de outubro de 1835 ; entretanto foi por vêzes ordenada a sua prisão,
a qual apesar disso não se verificou (132).

8.° P residente — R icardo J osé Gomes J ardim

1844 — 1847

Nomeado por Carta Imperial de 9 de maio, o tenente coronel


graduado do Corpo de Engenheiros Ricardo José Gomes Jardim,

(13 1) A fazenda Camapuã fo i fu nd ad a pelos irm ãos Lemes, pouco antes


das perseguições de que fo ra m vitim a s, p o r parte do p re p o te n t! governador
R od rig o César de Meneses, que lo g ro u , po r fim , exterm in á-los .
A la titu d e de 19** 35*, dilala-se pelo dorso do d iv is o r de éguas, que os
sertanistas transptm liam pelo v s radouro de 13.706 m etros, pa ra passarem de
trib u tá rio s do P araná aos do Paraguai.
E ra um posto de reabastecimento e a u x ilio dos viaja nte s que iam de São
P a ulo a Cuiabá, ou cm sentido oposto.
Executados os. seus fundadores, fo ra m -lhe s confiscados os bens, entre os
quais se a rro la v a Camapuã, que L u is V ila re s arrem atou sem tnrdança.
Os seus netos, po r não ju lg a re m suficientes as provas que possuíam,
ob tiw rra m . em 1810. no va ccnoessão firm a d a pelo capitão general João
C a rlo s .
A dim inu içã o das monções pelo r io P a rd o causou a decadência da fazenda,
que os proprietá rio s, leg ítim os ou não, apressaram, com a re tira d a de grande
parte dos setts povoadores.
(132) M anuel A lv e s R ibeiro, cumo chefe libe ra l de com provado prestigio,
m antinha em Poconé o seu red uto onde não conseguiría prendê-lo o governo
da Província.
— 366 —

tomou posse a 26 de setembro, e bem assim assumiu o dc coman­


dante das Armas cm virtude da Portaria de 22 dc maio (133).
Em outubro, chegou a Cuiabá o Dr. Sabino, chefe da revolução
da Bahia em 1837, que se acliava como anistiado residindo em
Goiás e foi mandado transferir para o Forte do Príncipe. Seguiu
para Mato Grosso, onde o presidente ordenou que se demorasse,
visto o perigo de sua residencia no mencionado Forte em conse­
quência do motim ali ocorrido (134).
Tendo notícia dc que uma nossa patrulha de Miranda ¡jassara
além do Apa, mandou o presidente que se respeitasse o dito rio
como linha divisória entre o Brasil e o Paraguai.
Foi dissolvida a Câmara dos Deputados, em consequência do
que procedeu-se à eleição primária cm 3 dc novembro, e de deputado
cm 1 de dezembro. Fez-se a apuração final cm 25. Saiu eleito
o tenente J. J. dc Carvalho.
Em dezembro chegou a Cuiabá uma expedição científica enviada
à América do Sul pelo Governo Francês, c dirigida pelo conde F. de
Castclnau. Foram os seus membros hospedados pelo presidente, que
lhes facultou os meios de prosseguirem nas explorações a que se
propunham.
Deu o presidente providências para a construção dc uma casa de
pólvora em lugar mais isolado dc que aquele cm que atualmente

(133) Ricardo José Gomes Jardim nasceu, por volta dc 1805, cm São
Paulo.
Formou-se na Academia Militar, onde se matriculou em 1823.
Exerceu diversas comissões técnicas no Rio Grande do Sul, regressando à
(.’apitai do Império em 1835. para ser nomeado lente no próprio estabelecimento
cm que estudara.
Enviado à Europa aperfeiçoou os seus .conhecimentos cm máquinas, cons­
trução naval c artilharia.
Instrutor dus Exercícios Práticos da Escola Militar, em 1843, meses depois
fèz parte da comissão incumbida de examinar o problema do abastecimento
dágua do Rio dc Janeiro.
Nomeado presidente da Província da Paraíba, comandante das arma* de
São Paulo, em seguida, acumulou ambos os cargos na Província de Mato
Grosso, ate ser exonerado, a pedido, por decreto de 16 de setembro dc ’.846.
As comissões ulteriores que desempenhou constam dc sua biografia elabo­
rada por Laurênio Lago, que lhe indica o falecimento a 1 de agosto de
1884, no Rio Grande do Sul, com as honras de marechal dc catnpo, alcan­
çadas a 29 de dezembro de 1877.
(134) Voltando a Cácerca, por ordem policial, o Dr. Sabino mudou-se
para Poconc, onde interrompeu a viagem para Cuiabá.
O próprio chefe de Policia foi buscá-lo, mas já não o encontrou.
Refugiara-se no engenho da Jacobina, onde mais tarde sucumbiu, sem ser
hostilizado pelas autoridades.
— 367 —

existe o depósito. Neste ano ficaram aldeiados perto de 100 índios


cabaçais no Jaurtt. sob as vistas do pad r; José da Silva Fraga.

1845

No principio de sua sessão, em março, a A. L. Provincial exa­


minou o processo formado contra o vice-presidente Manuel Alves
Ribeiro e deliberou que não havia lugar a continuação do pro­
cesso (135).
Com a intenção de processar o juiz de Direito chefe de Policia
Dr. Menezes, a mesma Assembléia modificou o seu Regimento i» r
uma Resolução de 18 de março, marcando a forma do processo
O presidente da Província recusou-se a mandar publicar éste ato
legislativo, deliberação esta que não foi aprovada pelo Conselho do
Estado (7 de outubro de 1845) .
E m consequência de uma queixa dada pelo juiz de Direito
substituto de Poconé, João Nunes Martins, e o juiz de Paz .Antônio
Vieira de Azevedo, contra o referido chefe de Policia Dr. Menezes,
e ouvido este magistrado, o presidente o mandou suspender do exer­
cício em 5 de abril.
Houve noticia de ter falecido a 12 de dezembro do ano findo,
o diretor .Amazonas, do Salto Augusto, e da completa ruína dêste
estabelecimento.
Em 1 de maio começou a funcionar a Pagadoria mandada criar
por decreto de 20 de abril de 1844.
Em 19 do mesmo ntés marchou para Mato Grosso o 2.° Corpo
Fixo. Era Resolução da Presidência de 10 de junho criou-se um
colégio eleitoral em Albuquerque, onde devem reunir os eleitores
da dita freguesia, de Miranda e de Sant’Ana do Paranaiba.
Por Aviso do ministro da Guerra foi dividida a fronteira em
três distritos — Mato Grosso, Vila Maria e Baixo Paraguai.
Em julho suspendeu a publicação O Cuiabano, que não tornou
a aparecer senão em 1847, sob o nome de Gazeta Cuiabana.
Em julho chegou à Povoação de Albuquerque uma escuna de
guerra paraguaia, trazendo o bispo titular e o bispo auxiliar do
Paraguai, que vinham para serem sagrados. Chegaram a Cuiabá
a 20 de agosto ; teve lugar a sagração a 30 do mesmo mês e
S . S .E .E . se retiraram a 12 de setembro.

(13 5) A decisão da Assembléia pro va que M an ue l A lv e s R ib e iro lhe


tin h a recuperado a chefia.
— 368 —

Veio ordem para que o anistiado Dr. Sabino regressasse para


Goiás ; porém, ocullou-sc nas imediações de Poconé e algum tempo
depois (no ano seguinte) faleceu no sitio da Jacobina (136).
O partido liberal soleniza a festa de Santa Luzia.

1846

Em janeiro o presidente adiou a sessão da A .L .P . para 10


de junho. O motivo que deu foi a intenção em que estava de
visitar antes dessa época a fronteira de Vila Maria ; mas na reali­
dade era porque esperava a resposta do Governo ao ofício cm que
participara o ocorrido acerca do processo do chefe de Policia pela A. L.
O coronel Sebastião Ramos, que desde algum tempo achava-se
estabelecido nas Salinas, surpreendeu o pequeno destacamento das
Onças na madrugada de 26 de março, à frente de uma escolta de
16 homens armados e um outro oficial, c arrebatou dois soldados
brasileiros desertores e um paisano que haviam sido presos por
suspeitos nos campos vizinhos e ali se achavam pasrágeirapiente
retidos, levando-os consigo além da fronteira.
Em 7 de abril partiram de Cuiabá para a República do Paraguai
duas barcas canhoneiras comandadas pelo capitão de fragata Levcrger,
cm virtude das ordens do Governo Imperial e requisição do encar­
regado dos Negócios do Brasil naquela República (137).
A 7 de maio tomou posse do lugar de juiz de Direito e chefe
de Policia o Dr. Teófilo Ribeiro de Rezende. A 10 de junho
começou a sessão ordinária da A . L . P . Decretou tão somente as
Leis de Orçamento Provincial e Municipal e a do subsidio dos
membros da futura Assembléia.
Em setembro o presidente recebeu comunicação do encarregado
dos Negócios do Brasil em Sucre, noticiando-lhe que ■> Governo
da Bolivia estava disposto a m andar ocupar pontos na margem
direita do Paraguai e que a fronteira tinha de ser acometida.
Em consequência o presidente mandou reforçar o posto das
Onças que ficou sendo de 57 praças com duas peças de artilharia de
c. 3, e solicitou do presidente de Goiás a vinda de um contingente
de 100 praças c três oficiais. A 17 de outubro chegaram a Cuiabá

<136) O Dr. Sabino Vieira faleceu a 25 de dezembro de 1845. refugiado


no sitio de seu amigo, major João Carlos Pereira Leite. A respeito do chefe
ostensivo da Sabinada na Bahia, ver Virgilio Corrêa Filho — flaiilmu rm Maio
Grosso.
(137) Embora não tivesse antes conseguido transpor □ fronteira, então
impedida, para servir de cónsul geral do Império em Assunção Levcrger
para lã parttu, a convite de Pimenta Bueno, a quem o primeiro Lopes permitiu
representasse o Brasil na República.
— 369 —

as barcas que tinham ido ao Paraguai. A 12 de novembro partiu


o presidente para visitar a fronteira de Vila Maria (138).
No dia 28 encaminhando-se para as Onças encontrou com um
próprio do cncarrtgado dos Negócios do Brasil em Sucre, que
comunicava ter saído daquela capital para Chiquitos uma força de
60 soldados de cavalaria com 10.000 cartuchos embalado.-., farda­
mento e armamento para 200 praças, tudo à disposição do general
Firmino Rivero em Santa Cruz para ir abrir caminho ao Paraguai.
O presidente voltou ao marco e mandou colocar um destaca­
mento num ponto firme da margem direita do Paraguai, duas léguas
abaixo do Escalvado. Recolheu-se depois à capital, onde chegou a
21 de dezembro.
Neste mesmo mês o general Firmino Rivera percorreu com
um troço de cavalaria os campos de Marco, em cuja vizinhança
mandou fazer um curral c escrever a ponta de faca ou de baioneta
no tronco de uma árvore de Jatobá — Vila del Marco. Depois
desta singular inauguração da vila criada por decreto do Congresso
Boliviano, retirou-se o general para Salinas c daí para Santa Cruz.
Sabedor de tal ocorrência, o presidente mandou uma barca
canhoneira a Escalvado e outra nas imediações de Uberaba, a fim
de obstar qualquer edificação boliviana (139).
Em 22 de dezembro havia o presidente recebido um oficio do
general Rivera datado de 14, cujo portador declarara ao comandante
de Vila M aria (140) que o general vinha com grande fôrça militar
estabelecer uma posição junto ao Paraguai e ocupar os campos
pertencentes à República, ao sul do Jauru. A éste oficio o presi­
dente respondeu protestando contra os atentados perpetrados.
A 21 de dezembro o tenente coronel Severo Josê de Sousa Lima,
nomeado comandante das armas, tomou posse deste cargo, do qual
fóra a pedido exonerado o presidente.

1847

Chegou de Gtvás em janeiro um contingente de 54 praças de


linha e um oficial. Mandados para a fronteira de Vila M aria; amo­
tinaram-se ao sair da cidade contra o oficial que os comandava.

(133) Em companhia do presidente seguiu Leverger, que já conltccia a


região fronteiriça.
(139) Coube ainda a Levcrger o comando da mencionada barca.
(140) Vila María, fundada a 6 de outubro de 1778, por ordem de 1.111»
de Albuquerque de Melo Pereira e Cáccres, que lhe deu o primeiro título, em
honra à rainha Dona Maria 1, então reinante.
Atualmente denomina-se Cierres que recorda o sobrenome de seu
fundador.
— 370 —

Foram presos e castigados os anKitinadorcs c substituídos por outras


praças, sendo êlcs destacados para diversos pontos.
Constou que na Corixa-grande se estavam aprontando quartéis
para muita gente. O presidente mandou colocar um pequeno desta­
camento no lugar das Lages numa bocaina da serra de Borborcma,
caminho das Onças para Corixas.
A 4 de abril chegou o novo presidente. D r. João Crispiniano
Soares.

9." P residente — D r. J oão C rispiniano S oares

184 7 — 1S48

O Dr. João Crispiniano Soares, nomeado presidente por Carta


Imperial de 17 de setembro de 1846. tomou posse a 5 de abril de
1847 (141).
Em dias do mesmo mês chegou a Cuiabá, vindo pelo rio Para­
guai, o capitão Antônio de Peña, enviado como correio de Gabinete
para Bolívia, pelo ministro daquela República em Montevidéu. O pre­
sidente mandou-o retroceder.
Em Resolução da Presidência de 20 de abril foi dividida a
Provincia em quatro circuios eleitorais — Cuiabá. Diamantino. Mato
Grosso e Poconé. A esta última ficaram pertencendo as freguesias
que compunliam o distrito elritoral de Albuquerque. A A. L. P„
que fõra adiada, começou a funcionar a 3 de maio. Entre outras,
foi promulgada nesta sessão uma lei que marcava o dia 3 de tnaio
para abertura da mesma Assembléia. Promulgou-se também outra
lei reorganizando a Guarda Nacional, e outra reformando o Regi­
mento da Assembléia e nela marcando a marcha de processos contra
magistrados.

(141) João Crispiniano Soares, de São Paulo, nasceu por volta de 1808.
conforme registrou Sacramento Blakc.
Pelos próprios esforços, começando a trabalhar como porteiro do Conselho
Geral da Província, conseguiu l>acharelar-se em direito na Faculdade de São
Paulo, onde mais tarde lecionou.
Depois de ter exercido a presidencia das Provincias do Mato Grosso,
de Minas Gerais, do Rio de Janeiro .e ser deputado geral cm duos legislaturas,
faleceu a 15 de agosto de 1876, como professor jubilado.
— 371 —

O utra lei incorporou ao Municipio de Poconé as freguesias de


Albuquerque, Miranda e Sanl'Ana, que pertenciam ao município de
Cuiabá (142).
O comandante das armas, qu: fizera uma digressão pela fron­
teira dc Vila Maria, estabeleceu um quartel neste último ponto. Em
outubro chegaram a Cmabá dois missionários Capuchinhos italianos
destinados para a catequese dos índios. Em 7 de novembro proce­
deu-se às eleições primárias. Em 8 de dezembro teve lugar a
eleição de deputados à Assembléia Geral, cuja apuração féz-se, a
6 de fevereiro do ano seguinte, saindo eleito o presidente Dr. João
Crispiniano Soares.

1848

Em fevereiro teve lugar, como já se disse, a apuração dos votos


para a eleição de deputado à Assembléia Geral Legislativa. Publicou-
se a promoção de oficiais da Guarda Nacional em consequência da
nova le i; foi coronel comandante superior Manuel Alves Ribeiro.
O presidente participou ao govêmo cm oficio de 7 de março
o resultado da exploração feita pela navegação de Curitiba para
M iranda pelos rios Tibagi, Paranapanema, Paraná e Ivinhema.
Participou-se também que se tinham fabricado na margem direita
do rio Paraguai, abaixo da Baia Negra, cérea de dois mil alqueires
de sal. A 4 de abril o presidente suspendeu o chefe de Policia
Dr. Teófilo Ribeiro de Rezende, por duvidar, ou antes, contestar a
legitimidade de entrar a exercer a vice-presidenc; a Manuel Alves
Ribeiro.
A 6 de abril, tendo o presidente dc seguir ¡tara a Córte para
tomar assento na Câmara dos Deputados, passou a administração ao
1." vice-presidente Manuel Alves Ribeiro. Chegando, porém, a
noticia oficial da exoneração déste, entrou a funcionar o 2.” vice-
presidente Antônio Nunes da Cunha, que tomou posse a 31 de
majo (143).
N a sessão dêste ano da Assembléia Legislativa Provincial foi
promulgada uma lei criando uni Liceu na capital ■ e pela lei dc
orçamento foi autorizado o presidente a mandar arrematar a tipo­
grafia, quando julgasse inconveniente que continuasse a funcionar à
custa dos cofres públicos. Foi com efeito, arrematada em 31 de
agósto por 8108000, c entrou a publicar um periódico denominado

(142) Medida dc influência meramente partidária, para garantia da eleição


que o presidente pretendia de deputado por Mato Grosso â Assembléia Geral.
(143) Antônio Nunes da Cunha, primo e ctmhado de Manuel Alves
Ribeiro.
— 372 —

Echo Cuiabano. O presidente contratou por 1:200$000 a impressão


dos atos oficiais (144).
A 24 de setembro chegou o novo presidente, major de enge­
nheiros Dr. Joaquim José de Oliveira, que a 26 tomou conta do
Comando das Armas, cargo para o qual também fóra nomeado (145).

10.° P residente — D r. J oaquim J osé de O liveira

1 8 4 8 — 1849
A 27 de setembro o major do Corpo de Engenheiros Doutor
Joaquim José de Oliveira, já de posse do Comando das Armas,
tomou posse do cargo de presidente, que lhe fóra conferido por
Carta Imperial de 28 de março.
A 18 de outubro foi demitido o promotor público José Delfim >
de Almeida. A 9 de novembro foi suspenso o diretor do Arsenal
de Guerra, m ajor Antônio Bernardo de Oliv.*ira e bem assim o
chefe de Policia Dr. Aires Augusto de Araújo, éste pela negligência
com que re houve na captura de introdutores de notas falsas. A 18

(144) A transação, a que deu causa o regime deficitário da tipografia,


evidenciou-se por cifras eloquentes.
Autorizado a vendê-la. o presidente Soares mandou avaliá-la em SdOÇíXXI,
e o seu sucessor, A. Nunes da Cunha, completou-lhe a iniciativa.
Por ordem de 25 de agosto a " Estação das Rendas Provinciais” anun­
ciou hasta pública, mediante a qual foi arrematada, por dedicados correligioná­
rios do governante por 810Ç000.
Ao fim de dez dias. o novo proprietário. José I.citc Penteado, contratou a
publicação dos atos oficiais por 1:200$(X)().
Os subscritores protestaram t 3 venda foi anulada.
Enquanto corria morosamente o processo, Penteado transicriu o material
a Manuel Alves Ribeiro, que o transportou a Poconé, onde estaria a salvo dc
qualquer medida policial.
Afinal, lei de 23 dc agosto de 1851 rematou a contenda, ao revalidar a
negociação.
Embora adversário político dos compradores, Levergcr. que a sancionou,
deu as razões do seu procedimento.
“ Entendo que fóra conveniente que a tipografia não saksc do domínio do
governo da Provincia ; mas não nu- parece que eu devesse i>u pudesse deixar
de sancionar a citada lei, que não fêz mais do que declarar válido um ato
competentemente autorizado, efetivado c aprovado”.
(145) Joaquim José dc Oliveira era major dc engenheiros, quando assu­
miu a Presidência, em que lutou contra o partido dc Manuel Alves Ribeiro.
Ambos foram eleitos para a Câmara dos Deputados, na legislatura dc
1850-1852, cm datas diferentes.
Oliveira, a 7 dc setembro dc 49, na véspera dc deixar a Pi csidenria, c
Manuel Alves, a 20 de fevereiro seguinte.
— 373 —

do mesmo mês propalou-se ter sido clandestinamente levada a tipo­


grafia para Poconé (146).
A 19 o presidente convidou, por uma proclamação, os cuiaba-
nos a reunirem-se pela uma hora da tarde a fim de formar-se uma
guarda provisória de segurança pública, declarando que o Govêmo-
da Provincia carecia dc fôrça para manter a tranquilidade pública,
visto como se achava diss>minada pela fronteira a fôrça e a guarda
nacional e seus oficiais, salvas as exceções, não mereciam confiança
do mesmo Govêmo (147).
Organizou-se com efeito a dita guarda, que se compôs tóda
de pessoas pertencentes a uma parcialidade política, e desde então
até agosto do ano seguinte fêz a policia da cidade.
A 22 de dezembro procedeu-se à eleição de juizes de paz e
vereadores, por ter sido anulada a que se fêz em setembro. Os
indios Caiuás. cometeram hostilidades no distrito de Miranda c os
Coroados e Caiapõs no sitio do Roncador, na estrada de Cuiabá a
Goiás.
Foi pronunciado o juiz de Direito interino, D r. Aires Augusto
de Araújo por abandonar o emprego, tendo-se retirado da cidade
depois de suspenso do cargo de chefe de Polícia.

1849

Em março foram suspensos o inspetor c escrivão da Pagadoria


Militar. Reuniu-se a Assembléia Legislativa Provincial na forma da
lei. foi instalada a 3 e adiada, em 5 de maio, pelo presidente, para
5 de novembro.
Foram mandados marchar para a Córte, por o exigir o bem do
serviço, o comandante e o major do Corpo de Artilharia, coronel
Severo José de Sousa Lima e major Gabriel Alves. Em junho 118)
partiu o presidente para ir visitar a fronteira de Vila M aria;
regressou a 28 dc julho, e no dia seguinte publicou-se uma procla­
mação desmentindo os boatos que corriam acerca da sua exoneração
e de ter sido demitido os vice-presidentes, atribuindo-se êsses boatos a

(146) José Delfino dc Almeida, negociante, era correligionário de Manuel


Alves Ribeiro, bem como Bernardo dc Oliveira;
Deputados provinciais, amitos figuraram como arrematantes da tipografia
cujo preço pagaram sem desembolso algum, mediante encontro dc contas,
como credores do tesouro provincial.
<147) J. J. de Oliveira definiu a precária situação cm que se achava :
“ os funcionários públicos, desde o vice-presidente até os continuos das repar­
tições. desde vs deputados até os votantes qualificados, pertencem à mesma
grei” (do partido dc Manuel Alves R ibeiro).
Para combatê-la. criou a sua guarda pessoal, dc que dá noticia o autor.
— 374 —

Manuel Alves Ribeiro, que voltara da Córte, para onde tinha


marchado em 1848.
A 5 de agosto procedeu-se ã eleição primária, visto ter sido
dissolvida a Cântara dos Deputados. A 16 do mesmo mês á noite
deu-se um tiro no juiz municipal suplente José Joaquim Graciano
de Pina, que se achava etn sua casa (14S).
O assassino evadiu-sc.
A 5 de setembro fêz-se a eleição de deputados à Assembléia
Geral Legislativa, saindo eleito o presidente Dr. Oliveira. A 7 de
setembro chegou o novo presidente, coronel João José da Costa
Pimentel.

Os procedimentos judiciários contra Manuel Alves Ribeiro, por


causa do pardo Maximiniaiio e dos Itens de Camapuã, tinham cessado
durante as administrações do Dr. Crispiniano e capitão Antônio
Nunes (149). Renovaram-se com vigor sob a do D r. Oliveira.
Foram arrecadados pelo Juizo Municipal os escravos que tinham sido
da referida Fazenda, muitos dos quais se achavam cm poder de ter­
ceiros, que os tinham comprado. Procurou-se também fazer efetiva
a prisão dc Manuel Alves, em virtude da pronúncia do Dr. Menezes,
entendendo-se que não podia prevalecer a imunidade de que o co­
brira a Lei Provincial. Atribuiu-se ã parte ativa que tomou o juiz
municipal neste procedimento, a vingança do seu contrário e o assas­
sínio de que este cidadão por pouco foi vitima.

11.° P residente — J oão J osé da Costa P im entei.

18 4 9 — 1851

Nomeado presidente por Carta Imperial de 11 de junho, e


comandante das armas por Decreto de 9 de julho, o coronel do

(148) Constou que o atentado resultara de sua atuação no litigio dc


Camapuã. cujos pretensos proprietários descontentara como juiz.
Uvrando-sc do assassínio, desgostou-se da judicatura e rtnolveu tentar
ordens religiosas, apesar de viúvd.
Escandalizou-se, por isso, mais tarde, o novo bispo Dom Carlos Luís
d ’Amour, exigente na moralização dos costumes do clero, quando lhe foi
apresentado o sacerdote que lhe referiu candidamente ter um filho.
Explicadas, porém, as circunstâncias cm que se ordenou, não lhe faltou a
simpatia episcopal.
(149) A respeito de M. A. Ribeiro, ler o excelente ensaio dc José de
Mesquita apresentado ao 3." Congresso de História Nacional
375 —

Estado Maior de l. M Classe João José da Costa Pimentel, tomou


posse no dia 8 de setembro dc 1849 (150).
O coronel Pimentel adiantara-se da sua condução, que vinha
acompanhando seu filho tenente Pimentel, pelo caminho do Piquirí
Foi a tropa atacada no lugar do Itiquira pelos índios, que mataram
com flecha aquele oficial (1 5 1 ). Esta triste notícia chegou em
outubro a Cuiabá pouco depois da chegada do presidente, que deu
providências para que se expedissem ditas bandeiras do distrito de
Cuiabá e uma de Miranda a fim de hater os referidos índios.
Chegou também a notícia de pretender o ditador Rosas invadir
o Paraguai, cm consequência do que o presidente mandou reforçar
a guarnição da fronteira meridional da Província, e marchar o
capitão J. J. de Carvalho comandante da mesma fronteira, nomeado
pelo Governo Imperial c acompanhados de carpinteiros^ ferreiros,
etc., com o conveniente provimento para reparar e pôr em bom
estado os pontos militares de Coimbra, Miranda, etc.
A 3 dc novembro tomou posse dos- cargos de juiz de direito
da Comarca de Cuiabá e chefe de Polícia da Província o Doutor
Viriato Bandeira Duarte. A 5 de novembro, abriu-se a sessão
da Assembléia Legislativa Provincial.
A 6 do mesmo mês teve lugar a apuração geral dos votos para
deputados à Assembléia Geral Legislativa, saindo eleito o ex-presi­
dente Dr. Joaquim José de Oliveira.
O presidente mandou explorar a mina de cobre do Jauru pelo
tenente de engenheiros Pedro Dias Paes Leme (152).

(150) João José da Costa Pimentel. "Nasceu em 1802, no Rio dc


Janeiro, onde assentou praça de 1." cadete no 3.” regimento dc infantaria de
linha a 15 dc abril dc 1817”. informa Laurênio Lago.
Mais t3rde, completou o curso da Academia Militar e já em 1830 conseguiu
a promoção a major, depois dc várias comissões militares, de que ainda
seria incumbido até receber, a 0 de junho dc 1849, a nomeação de coman­
dante das armas de Mato Grosso, que se completou com a de presidente da
Província, dois dias após.
Serviu na campanha platina de 1852. e também dc diretor do arsenal de
guerra, comandante das armas de Pernambuco, da Bahia c dc vogal no Con­
celho Supremo Militar.
Promovido a marechal dc campo a 2 dc dezembro dc 186!, faleceu a 25
de agosto seguinte.
(151) O presidente adiantou-sc à comitiva, cuja direção confiara a seu
filho c ajudante de ordens, tenente Antônio Correia da Costa Pimentel, que
dormia, descuidado, à beira do Itiquira, quando o assaltaram os indios, a 9
dc outubro de 49. Trespassado por flechas, ainda padeceu durante 10 horas
dolorosas, até sucumbir.
(152) O "Cobre do Jauru” foi estudado por Jorge da Cunha, no Boletim
de 6 do Departamento da Produção Mineral — 1943.
— 376 —

1850

As Bandeiras expedidas contra os índios nada ou pouco fizeram,


e continuaram a praticar hostilidades os mesmos índios, chegando
êstes a atacar o destacamento Estiva, que o presidente mandou
reforçar.
Em fevereiro tomou a ser publicado o Echo Cuiabano. A 22
de março foi suspenso o D r. Viriato B andera Duarte do exercício-
de chefe de Policia, por abuso de autoridade e falta de cumprimento
de deveres.
Em abril incumbiu-se o tenente de engenheiros Pedro Dias
Paes Leme, de fazer o nivelamento necessário para saber-se a
possibilidade de s^r prolongado até Cuiabá o rego da Mutuca. (153).
N a sessão da Assembléia Legislativa Provincial foram promulgados
entre outros atos os seguintes, que merecem menção. Foi revogada
a lei que dava aos membros da Assembléia a «munidade dos depu­
tados gerais ; foram incorporadas ao município de Cuiabá as fregue­
sias de Albuquerque. Miranda c Sant’Ana <lo Paranaíba (154).
desligadas em 1847 ; criaram-sc mercados para neles se pagar o
dízimo ; criou-se a nova freguesia da Guia, desmembrando o seu
território do das Brotas e fazendo-se uma nova circunscrição das
freguesias da Província : erigiu-se em vilas as freguesias de Albu­
querque e de Vila Maria.
A 29 de junho fundou-se, de ordem do presidente, um desta­
camento no Pão de Açúcar ou Fecho dos Morros. A 14 dc julho

(153) A tentativa dc adução das águas do ribeirão Mutuca provinha de


longa data.
Refere J. da Costa Siqueira que o brigadeiro Antônio de Almeida Lara
organizou sociedade, a 17 de julho de 1732, para empreendê-la, mas desistiu.
Mais tarde, Francisco da Silva Ribeiro — o Canelas — ensato» prosseguir,
a 9 de julho de 1749. com quatro sócios, mas interrompeu os trabV.hos
cm 1757.
As “ Instruções” a que deveria obedecer o primeiro governador dc Mato
Grosso, Rolim de Moura, apontaram-lhe, entre outros melhoramentos anima­
dores da mineração, o projeto que dessa vez não foi também adiante.
Para organizar a sociedade. a que deu por divisa fortuita due,' — evrnite
virtute, João Carlos Augusto dc Ocynhanscn ordenou ao sargento-mor José
Antônio Teixeira Cabral, tm portaria de 21) de fevereiro dc 1814, efetuasse o
nivelamento entre os ribeirões “ Mutuca e .Mutuquinha c rio do Peixe", c n
ponto escolhido pela Companhia, no Jacé, que foi concluído, conforme indica
o perfil do terreno então desenhado.
Da incumbência dada ao tenente Pedro Dias Paes Leme, a que sc refere o
autor, não conhecemos os resultados.
(154) Estas medidas tinham sido tomadas por mera conveniência par­
ticular.
— 377 —

partiu u presidente para visitar a Fronteira de Vila Maria .• cm


agôsto seguiu da dita fronteira para a do Baixo Paraguai. A 10
•de setembro esteve no Fecho dos Morros e no d a 12 no rio Apa.
A 15 uma igarité paraguaia trouxe ofícios do encarregado dos negó­
cios do Brasil em Assunção, que foram respondidos no dia seguinte.
A 20 passou o presidente por Coimbra, e seguiu para Albu­
querque, onde se demorou alguns dias, marchando depois para
Miranda. Seguiu poucos dias depois o comandante da Fronteira
(Capitão J. J. de Carvalho), com licença para capital.
Em outubro o presidente ao passar o Taquari, no regresso de
M iranda para Ctvabá, recebeu a noticia de ter sido atacado por
considerável força fluvial paraguaia o nosso destacamento do Pão
de Açúcar, que depois de sc manter quanto lhe foi possível teve que
se retirar (155),
Em novembro chegou o presidente a Cuiabá : em dezembro
ícz partir o capitão Carvalho para o Rio de Janeiro, passando por
Coimbra e Miranda, a fim dc dar parte ao Governo Imperial do
■ocorrido e do estado da fronteira c do uso que unha feito dos meios
que se puseram à sua disposição.
Tendo chegado à Província uma porção de armamentos desti­
nados ao Paraguai (3.000 espingardas), que tinham vindo pelo
Piquiri, donde devia seguir pela navegação fluvial, o presidente
mandou que ficasse retido em Coimbra. O capitão Antônio Peixoto
de Azevedo foi nomeado comandante interino da fronteira do Baixo
Pàraguai. A 16 dc dezembro saiu para a mesma fronteira uma
barca-canhonrira com o capitão de fragata Leverger (156).

(155) A propósito, escreveu Riu Branco cm suas Efemérides “ 1850


— 14 de outubro — Uni corpo de 8(M) paraguaios nuca a guarda brasileira
do Pão de Açúcar (Fécho dos Morros cm Mato Grosso), composta de
25 homens sob o ccmnndo do tenente Francisco Bueno da Silva. A guarda
retira-sc fazendo fogo, c perde, neste conflito tres homens mortos. Os agres­
sores tiveram um o Ceia I e oito soldados mortos e feridos. Poucos dias depois,
o mesmo destacamento reforçado com os índios guaicurus dos capitães Lixagota
e Lapagate, c sob o comando do capitão José Joaquim de Carvalho, vingavli
esse insulto, apoderando-se. por surpresa do forte paraguaio denominad.» Olimpo
ou Bourbon, e o capitão Quidanani, c outro cacique guaicuru, invadia o Pa­
raguai pelo Apa, e capturava grande porção de gado” .
(156) Informou E. de Mendonça que no dia seguinte ao da partida
dc Leverger. chegou correio da Córte, que fez a entrega à sua Senhora da
correspondência cm que sc inclui um ofício do Ministério do Impero.
Ela entregou-o ao tenente Peixoto, que se incumbiu de fazê-lo chegar
ás mãos do destinatário, como, dc fato, ocorreu, conforme registou o
autor.
— 378 —

1851

Tendo o presidente noticia oficial da sua exoneração do Comando


das Armas, fêz entrega deste cargo ao oficial ntais graduada, o
tenente coronel José Pedroso Duarte.
Em viagem para Coimbra o tenente Peixoto alcançou a barca
canhoneira em que ia Leverger, c a éste entregou um oficio do
Ministério do Império, que era a sua nomeação de presidente.
Prosseguiu, e a 7 de fevereiro de regresso chegou a Cuiabá.

12.° P residente — A ugusto L everger


1 851 — 1 8 5 8

A 11 de fevereiro entrou no exercício de presidente o capitão


de fragata Augusto Leverger, nomeado por Carta Imperial de 7 de
outubro de 1850.
A 20 do mesmo ntés procedeu-se a eleição de mais um deputado
que tem de repr.-sentar a Provincia na Assembléia Geral Legislativa.
Foi a apuração dos votos a 20 de abril, saindo eleito Manuel Alves
Ribeiro.
A 17 de março tomou posse do cargo de juiz de direito da
Comarca e chefe de Policia da Provincia o bacharel Silvério F er­
nandes de Araújo Jorge. Estando exausto o cofre da Tesouraria
Geral, os negociantes Henrique José Vieira c Luís Moreira Serra
ofereceram emprestar sem préndo algum por espaço de um ou dois
meses a quantia de cem contos (70 o primeiro e 30 o segundo).
O utro negociante tomou letras sacadas pelo tesoureiro sóbre o
Tesouro ao par. e desde então socorreu-sc nest • ano e nos seguintes
mais de mil contos isentos do prêmio de 18 c 9% , que costumava
p a g a ra Tesouraria (157).
Não se tendo reunido para o dia 3 de maio suficiente número
de membros, só no dia 10 se pôde verificar a .instalação da Assembléia
Legislativa Provincial. Em 16 de junho tomou posse do Comando
das Armas o tenente coronel João Francisco de Oliveira Lobo.
Tendo-se refugiado no Forte do Príncipe um general e outras
pessoas notáveis da Bolivia, o comandante em vez de mandá-los

(157) Estes e outros fatos iguais bem patenteavam a confiança que a


administração de Leverger inspirava", comentou acertad;.mente E. de Men­
donça. Ver a propósito Virgilio Corrêa Filho " O Bretão cuiabanizado".
— 379 —

internar, consentiu que voltassem a Mochos e até acompanhados de


uni oficial e praças armados da guarnição do Forte. Sabedor destas
ocorrências, o presidente mandou demitir e recolher presos o coman­
dante e bem assim o oficial que fõra na expedição. Emigrou de
novo para o Forte o general (Dom Manuel Canário), acompanhado
do m ajor Van Ñyvel ; foram mandados para Mato Grosso e daí
para a Capital.
Em setembro íalxcu repentinamente o comandante de Miranda,
m ajor J. J. Gomes, o que paralisou os tralialhos do projetado esta­
belecimento do varadouro entre Nioac e Brilhante, sob a inspeção
do dito major. Em 19 de outubro estando ausente o comandante
Antônio Peixoto de Azevedo, que viera â capital, sublevou-se a
guarnição de Coimbra contra os oficiais, e requereu a sua mudança.
Chegou esta noticia a Cuiabá em 13 de novembro.
Mandou logo o presidente seguir para aquele ponto o coman­
dante das armas com tôda a força militar disponível (151 praças)
e acompanhado de duas barcas canhoneiras. Antes desta expedição
chegar á fronteira havia sido restabelecida a ordem no Forte pelo
capitão Peixoto, desprezando-se os principais amotinados, que vieram
em demanda de Cuiabá, onde foram presos.
Em conscqüência das indagações feitas pelo comandante das
armas c subsequente conselho de investigações, foram mandados
responder a conselho de guerra o comandante Peixoto, os oficiais
de linha e trinta e tanta» praças de pret.
Em dezembro (3 ) teve a Presidência comunicação oficial de
que houvera em Forte do Príncipe, em 19 de setembro, um motim
contra o sargento que ali comandava por falecimento do novo coman­
dante (Atieres Magessi), mas que fôra restaurada a ordem pela ida
de um tenente que foi substituir o falecido.
N a sêca dêste ano foram trans|iortadas da ponte do Guaporé
para Registro do Jauru. e dali embarcados para Coimbra, onde
chegaram em novembro, quatro peças de artilharia c. 24, que tinham
vindo do Pará há vinte e tantos anos e desde então se achavam junto
da ponte do Guaporé (158).

(158) "Foi incumbido dessa comissão, com a qual dispendeu òllÇOOO o


tenente coronel reformado Vicente Coelho, pai do marechal Antônio Afaria
Coelho.
No ataque que sofreu o Forte de Coimbra cm dezembro de 1864. foram
as únicas peças que funcionaram, c quando Barrios se apodeou do Forte
— por ter sido abandonado — mandou reforçar o armamento do “ Marquês
de Olinda" com essas quatro pecas” (comentário de E. de Mendonça).
— 380 —

Apareceu na Provincia, depois de um periodo de 30 anos, a


epidemia do sarampo. Apareceu também nos distritos de Mato
Grosso e Vila M aria uma epizotia que matou o gado cavalar.
Consta ter feito os maiores estragos cm Chiquitos e Moxos 159).
Concluiram-se os trabalhos preparativos da reorganização da
Guarda Nacional, na conformidade da nova lei.
Houve diversas reclamações das autoridades de Santa Cruz acerca
d a ocupação da Coricha.

1852

Em fevereiro regressou o comandante das armas da fronteira do


Baixo Paraguai.
O presidente tomou posse cm 28 de abril do comando das Armas,
que lhe fóra conferido por Patente de 17 dc janeiro. Desde alguns
dias estava exercendo interinamente o dito contando o tenente coronel
José Pedroso Duarte, por ter o tenente coronel Lõbo recebido a sua
demissão em 4 do mesmo mês.
Em julho chegaram a Cuiabá o agente (D r. Medardo Rivani),
diversos empregados e 98 africanos livres da recent criada Socie­
dade de Mineração de Mato Grosso. Foram-se estabelecer em Dia­
mantino.
Foram tomadas medidas para prevenir que o distrito dc Mato
■Grosso fôsse invadido pela epidemia de bexigas, que constava estar
fazendo muito estrago na provincia boliviana de Chiquitos. A 15
dc agosto recebendo o presidente a noticia de que os bolivianos pre­
tendiam vir segunda vez ao Marco, fez seguir para aquele ponto o
comandante interino do Batallião de Caçadores, capitão Generoso
Antônio de Morais Cambará, com tôda a fôrça militar disponível,
e pessoalmente marchou com o mesmo destino poucos dias depois ;
regressou, porém, logo por ter recebido, participação oficia! de que
tal notícia não tinha fundamento.
A 1 de outubro, proccdcu-se à eleição de eleitores para cenador,
e a 31 do mesmo mês à eleição do mesmo senador, a qual foi apu­
rada em 31 dc dezembro, formando a lista tríplice : D r. João

(159) Assim penetrou a peste de cadeiras nos pantanais tnatogrossen jcs,


onde só modernamente foi contida pela aplicação dc preventivos apropriados,
depois dc dizimar milhares dc equinos.
(V er — Considerações acerca da Peste de Cadeiras dc Virgílio. Cor­
rêa Filho, editada p:la Secretaria da Agricultura. Comércio e Obras Pú­
blicas. do Estado de São Paulo — 1927).
- 381 —

A n tô n io d c M iranda, M anuel A lvej R ibeiro c Jo sé Joaquim de


C arvalho. t
A 7 d e novem bro teve começo a eleição de eleitores para depu­
tados. S uscitou-se algum ru m o r p o r dúvidas que fêz a M esa no
recolhim ento da idoneidade dos votantes. R ecusou-se o presidente a
in terv ir nesse negócio, assim como tam bém recusou-se a ingerir cm
sem elhantes dúvidas que na eleição dc eleitores p a ra senado'* se dera
tia freguesia Dom P td r o I I : foi adiada a eleição p ara o dia 10,
em que se realizou sem novidade (1 6 0 ).
A 7 de dezem bro teve lugar a eleição de deputados à A . Geral
L .. que se apurou a 7 de fevereiro seguinte ; saíram eleitos —
D rs. V iriato B andeira D uarte e S ilvério F ernandes de A raú jo
Jo rg e (1 6 1 ) .
N o decurso d este ano teve conclusão a ponte do A ric a , com e­
çada no ano anterior. C ontinuaram os consertos e reparos do F o rte
de C oim bra ; deu-se im p u k o às obras do varadouro dc Nioac, c
rnm eçou-se a construir a ponte do C oxipó.

1853

A 3 dc janeiro íoram nom eados pelo presidente os oficiais da


G u a rd a N acional, segundo a nova organização. Em 7 dc julho deu-se
um regulam ento p ara passaporte na fronteira de M ato G rosso, N o
m esm o m ês recebeu o presidente um pedido dc arm am ento do
p re feito de S an ta C ruz.
E m novem bro chegou ao B aixo P araguai cm viagem de explo­
ração cientifica o vapor dos E stados U nidos da A m érica, IF a íe r-
W iteh , ao qual foi facultado chegar até A lbuquerque em observância
das ordens do M inistério (1 6 2 ).
Concluiu-sc a ponte do Coxipó.

(160) Levcrger, no exercício da Presidência, ou fora, sempre sc manteve


sobranceiro às injunções partidárias c costumava dizer : “ ou a política não
me serve, ou para c1a não sirvo".
(161) O Dr. V. Bandeira Duarte, chefe da Polícia desde 3 dc novembro
dc 1849. deixara o exercício a 22 dc março seguinte, suspensa “ por abuso
de autoridade c falta de cumprimento dc deveres” .
S. F. Araújo Jorge entrara, a 17 dc março dc 1851. cm exercício do
mesmo cargo, que serviu a ambos de trampolim para a Assembléia Geral,
embora fosse anteriormente personagens estranhos à Província.
(162) “ O primeiro vapor que sulcou os águas do Paraguai brasileiro,
foi em 1853 o IPater-IVitch da marinha dos Estados Unidos, comandado pelo
capitão Th. Jefferson Page, incumbido pelo seu governo da exploração dos
afluente?; do Prata”, escreveu Levcrger cm “ Vias de Comunicação” .
Page divulgou o resultado dc suas observações em Plata, Argentine
Confederation and Paraguai".
— 382 —

1854

Em janeiro aportaram ao Forte do Príncipe um coronel e


mais pessoas prófugas da Bolívia. Ao chegar, faleceu o coronel de
um tiro que por descuMo dera cm si ao atirar numa capivara. As
outras foram mandadas para Mato Grosso.
Em março o presidente íéz seguir para o Baixo Paraguai o
comandante da Força Naval com duas barcas, e algumas canoas, a
fim de obstar, caso isso sc desse, a subida de qualquer embarcação
estrangeira de Albuquerque para cima.
Tendo falecido o cidadão Manuel Alves Ribeiro^ que fazia parte
da lista tríplice para senador, tomou-se preciso nova eleição e até
mesmo dc eleitores por ter cessado os poderes destes. Teve lugar a
eleição a 17 de maio, e a de senador a 17 de junho, a qual foi
apurada a 17 de agosto e deu a seguinte lista : Dr. João Antônio
de Miranda, o Exm.® bispo diocesano e João Alves Ribeiro.
A 27 de outubro chegou a Cuiabá um cadete enviado cento
expresso pelo presidente de São Paulo, trazendo despachos reser­
vados dos ministros da Guerra e Marinha, prevenindo o presidente
da .intenção cm que estava o Governo de m andar ao Paraguai, sob o
comando do chefe de esquadra Pedro Ferreira dc Oliveira, uma
expedição naval (163), parte da qual deveria chegar ao Fecho dos
Morros, c ordenando ao mesmo presidente que até fim de fevereiro
estivesse em Coimbra com toda a força que pudesse dispor a fim de.

(163) A decisão do Governo Imperial derivava da desconsideração so­


frida pelo seu representante. Filipe José Pereira Leal, que Lopes sumaria­
mente afastou de Assunção, com des abonadora nota de despedida.
Como desagravo, seguiu o chefe da esquadra Pedro Ferreira de Oliveira,
à testa da flotilha construída por duas fragatas, cinco corvetas c mais cinco
escunas.
“ A missão do Sr. Pedro Ferreira, que foi acompanhada dc alguma
fôrça naval, explicaria mais tarde Silva Paranhos não tinha por objetivo
essencial o ajuste de limites, c sim a reparação da ofensa feita ao Brasil na
pessoa de seu Encarregado de Negócios”.
“ A 10 dc dezembro dc 1854 deixou o pórto do Rio de Janeiro a expedição
naval, assinalou Hélio Lobo, ao analisar-lhe proficientemente as causas e conse­
quências, chegando a 20 de fevereiro às Três Barras, onde fundeou”.
Comentário final : “ nunca corresponderam, cm assuntos diplomáticos, a
desígnios tão ruidosos, resultados tão mesquinhos”. (Hélio Lobo — Coisas
Diplomáticas — 1918).
— 383 —

logo que chegasse a expedição ao Fecho dos Morros, houvesse ali


un> estabelecimento em que se fortificarse.
Deram-se providencias em conseqüênóa destas ordens.

1855

Em janeiro chegou da Córte unia remessa de tretn naval e


bélico, acompanhado de um parque de seis canhões obuzes de c. 12.
Tudo veio em sofrivel estado, menos as peças.
No mesmo mês seguiu para Miranda o comandante do Batalhão
de Caçadores com tôda a fôrça disponível do mesmo corpo. Seguiu
depois a fôrça do corpo de artilharia.
A 1 de fcvere>ro partiu o presidente para Coimbra, onde chegou
a 12. A 9 de maio um desertor paraguaio vindo a Coimbra, por via
de Miranda, trouxe o Seminário de Assunção de 17 de março,
mencionando a chegada àquela cidade do chefe da esquadra Ferreira
no dia 15.
Em julho receberam-se jornais da Córte, dos quais constava o
êxito que tivera a missão do chefe de esquadra (164). A 18 do
mesmo mês veio à Baia Negra o vapor paraguaio Taquari, tendo a
bordo o general Lopes, que tomou a snt bordo para esta excursão
uns brasileiros que se achavam extraindo sal no lugar das Salinas à
margem direita do Paraguai e noticiou-lhes que estava feito o tratado
de navegação entre o Império e a República.
A 3 de setembro o presidente marchou para Albuquerque, onde
chegou no mesmo dia e recebeu noticias por parada ; um oficio do
Ministério da Guerra comunicava-lhe que o Govêmo nã> ratificara
o Tratado feito pelo chefe de erquadra, determinando que puzesse
a fronteira no melhor estado de defesa. No dia seguinte voltou o
presidente a Coimbra.

1856

Em 25 de janeiro chegou a Coimbra, vindo por Miranda e pela


Província do Paraná, o capitão Manuel Joaquim Pinto Pacca, trazendo

(16 4) A s noticias da C ó rte referiam -se p o r v entura aos episódios dhs


salvas, que se trocaram , a 25 de m arço, com o início das negociações, rem a­
tadas p o r um T ra ta d o de C om ércio e Navegação, de 27 de a b ril de 1855, que
o G o vêm o Im p e ria l não homologou.
— 381 —

despachos datados de novembro dos Ministérios da Guerra c dos


Estrangeiros.
Por èstes despachos comunicava-se ao presidente a próxima
vinda do 2.° Batalhão d : Artilharia a Pé. sob o comando do major
Argolo Ferrão, e a remessa de dinheiro c trem de guerra, recomen­
dando que o presidente puzesse a fronteira cm estado de defesa.
Em maio, chegou a Coimbra, vindo da Córte por via lo Paraná,
o major José Pedro Heitor, a quem o presidente deu o comando do
distrito do Baixo Paraguai.
A 19 de agosto recebeu o presidente jornais de Minas, em um
dos quais (um número do Bom Senso) vinlta a noticia de ter sido
concluido a 6 dc abril um tratado de comércio, amizade e navegação
entre o Império c a República do Paraguai, cuja ratificação devia
ser trocada em Assunção dentro de 80 dias (165 ).
A 22 de agosto recebeu o presidente comunicação oficial de ter
sido como pedira exonerado do comando das armas, sendo nomeado
para o substituir o tenente coronel Caetano Manuel de Faria e
Albuquerque.
Em setembro houve notícias de estar o Forte Olimpo novamente
guarnecido pelos paraguaios, notícia que foi confirmada por um
oficial que o presidente mandou a fim de verificar a verdade.
A 30 do mesmo mês recelteu o presidente comunicação oficial
da conclusão do Tratado de 6 de abril, e bem assim da [tartida do
comandante das armas e do 2.° Batalhão de Artilharia tio Rio dc
Janeiro para a Província do Paraná.
A 1 de outubro chegou ao Forte em uma pequena igarité o
português Antônio de Sousa Vasconcelos, sobrinho do cônsul de
Portugal em Assunção. Trouxe despacho do dito cônsul e do
cônsul geral do Brasil, dos quais constava que o Tratado de 6 de
abril fôra ratificado a 13 de junho
O dito Vasconcelos vinha dispor do carregamento de u n u escuna
paraguaia, que por causa do vento contrário ficara um pouco abaixo
da Baía Negra.

(165) Negada ratificação ao Tratado de Assunção. Paranhos convidou o


Governo Paraguaio a mandar seus plenipotenciarios ao R io de Janeiro, para
nova negociação.
Impedido por doença, o brigadeiro general Francisco Solano Lopes, que
deveria representar o governo dc Carlos Lopes, seu pai, fo i substituído por
José Berges, que assinou, a 6 de abril de 1856, o Tratado de Navegação, cm
virtude do qual se franqueou o Paraguai aos navios brasileiros.
— 385

A 19 de outubro saiu o presidente de Coimbra (166) para Albu­


querque, onde chegou a 20. Encontrou no caminho uma parada de
Miranda noticiando terem chegado no día 13 ao lugar das Sete Voltas
<» comandante das armas c o major Argolo com o 2.° Batalhão de
artilharia.
O presidente recolheu-se a Cuiabá (167).

(166) A 2 de janeiro de 1850 dizia Levcrger a Nabuco de Araújo.


“ Há quase um ano que estou ueste forte com um punhado de militares,
sempre disposto a marchar de um dia para outro para éste ou aquéle ponto” .
Partida de Cuiabá a 1 de fevereiro anterior, apenas acompanhado pelo
secretário do Governo e ajudante de ordens do comandante das armas, cargo
que então acumulava com o exercício da Presidência.
Alojara-se "rm uma pequena sala que servia no mesmo tempo de secre­
taria. sala de ordens c dois aposentos, o maior do qual tem vinte ¡mimos em
quadra” (Ofício de 28 de janeiro dc 1856).
Ai permanecería até 19 dc outubro dc 1856. à espera de solução cabal do
conflito provocado pela expulsão de F . Leal.
Durante 21 meses c dias esteve aguardando ordens, em regime dc prontidão
mais ou menos rigorosa, como se fora simples comandante do distrito militar,
cm que deveria operar, quando assim decidisse o Governo Imperial.
Dessa vez, não seria posta à prova a sua disposição dc cumprir o dever
a todo o transe, como ocorrería, volvida inquieta década, quando se cicrcceu,
apesar da velhice, para organizar a defesa da Capital que os invasores da
Província não ousaram acometer. pois que lá sc achava quem seria, por isso
nobilitado com o titulo de barão de Melgaço.
(167) "Infelizmente não alcançou este trabalho data posterior a 1856.
Ainda assim é a mais completa notícia histórica que há sobre Mato Grosso” ,
assim afirmou E. de Mendonça em 1906,
ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA E O INS­
TITUTO HISTÓRICO

Com intervalo de um século de transformações estonteantes, nos


hábitos e idéias da humanidade, dois brasileiros distinguinim-se entre
os contemporâneos, irmanados pela excelência do saber adquirido e
pela tragédia que lhes molestou a existência.
Semelhanças e contrastes rompem do exame das trajetórias lumi­
nosas de ambas as individualidades, que se nomeiam entre as mais
insignes de que se ufana o Brasil.
No derradeiro quartel do século XVTHI, quando promissora ante-
manhã nos vislumbres da Revolução próxima, anunciava o inicio de
nova fase da história da França. Alexandre Rodrigues Ferreira exibia
na Universidade de Coimbra os primores de sna inteligência pere­
grina.
Ansioso de saciar a sua sêde científica, devotou-se aos estudos,
mercê dos quais obteve as láureas de doutor em filosofia, a 18 de
janeiro de 1779.
Seis meses antes, aceitara, com propósitos de aplicar os seus
conhecimentos em obra duradoura, “ de utilidade à Pátria", a comissão
que lhe confiara Martinho de Melo e Castro, para examinar as possi-
hilidades econômicas da Amazônia, cujos problemas iria analisar a
preceito.
A indicação de seu nome equivalia a expressivo titulo consagrador
da sua valia intelectual.
Solicitara o ministro à Unversidade apontasse nomes de colabo­
radores idôneos para o cometimento que ideara, com o fim de tornar
conhecidas as verdadeiras peculiaridades amazônicas.
Consultando, o professor Vandelli, que o admitira, ainda estu­
dante. como demonstrador de História Natural, não titubeou em
apontá-lo para a tarefa grandiosa.
A Congregação, unânime, endossou-lhe o parecer, graças ao qual,
a 11 de junho de 1778, coube ao aluno preferido a nomeação que o
faria ultimar os afazeres universitários, para iniciar os preparativos
de longo exilio, a serviço da ciência.
— 387 —

Transposto o Atlântico, após enfadonho trienio de demora, inter­


nou-se pclis florestar opulentas da Amazônia e de Mato Grosso,
descendo até o Forte de Coimbra.
De quanto observava nada perdia em seus apontamentos de
viagem come provarão os sabedores, incumbidos de analisar-lhes as
contribuições multiformes, de interesse geográfico, econômico, etnográ­
fico. social, e de todor. os assuntos de que se ocupou.
Para tamanha atividade intelectual, intensamente mantida por
operosa década, deveria corresponder acariciante glória, que lhe
compensasse o trabalho sobre-humano.
Decorrida inquieta centúria, outro predestinado a perlustrar a
Amazônia embebeu-se de conhecimentos científicos, antes de se revelar
á admiração dos patrícios embevecidos.
Não saiu, porém, Euclidc: da Cunha da Academia para missões
relevantes, cm que pudesse estadear a sua competência, romo sucedera
ao jovem Dr. Ferreira.
Embora tivesse participado, em fase agitada, de ocorrências de
sensação, que por momento fugaz lhe deram realce à individualidade,
a sua vida pública realmente assinalou-sc por marco luminoso, cm
dezembro de 1902. quando saiu a lume a primeira edição de Or
Scrtõr.c.
Em poucos dias, elevado ao galarim da fama pelo; críticos lite­
rários. que lhe apreciaram a obra imortal, não lhe faltaram manifes­
tações desvanecedoras.
.Acolhido pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro cm
breve prazo, no mesmo biênio tornou-se membro da Academia Brasi­
leira <le Letras, que lhe proporcionou ingresso ao Itamarali. onde a
]>erspicácia do barão do Rio Branco sabia descobrir valores humanos
e aproveitá-los para seus eficientes colaboradores.
Todos os sucessos ulteriores decorrem da rua fulgurante estréia
literária, inclusive a Comissão, que o levou à Amazônia, quando a
sua nomeada avassalara os centros do pais c além da fronteira.
zXnáloga ressonância das contribuições científicas, enviadas segui­
damente à Metrópole, faltou à consagração dos méritos de Alexandre
Rodrigues.
Por mais que diligenciasse imprimir à tarefa o cunho cientifico,
as suas monografias emudeciam nos arquivos ministeriais, donde não
saíram à luz da publicidade.
Raros as leriam, a começar dos invejosos, que forccjavam por
dar-lhes inexplicável sumiço.
Precavidamente, cuidava o naturalista de evitar o possível extravio
de seus inéditos por meio de cópias, que lhes duplicavam ou tripli­
cavam os exemplares.
— 388 —

Graças a tal precaução, legou à Posteridade inúmeros manus­


critos. cuja divulgação oportuna lhe teria sem dúvida grangeado a
prioridade em mais dc unia descoberta cientifica.
Assim esperava, consciente da valia de sua contribuição, que
seria, sem dúvida, aplaudida nos meios cultos.
Todavia, conspiraram os fados contra a glorificação do incom­
parável naturalista.
Em vez da publicação enaltecedora, surpreendeu-o, dc regresso
a Lisboa, cruel decepção.
Questões prementes empolgavam as atenções do governo, amea­
çado frequentemente de soçobrar diante das imposições napoleónicas.
Por fim, o saqueio das coleções botânicas e zoológicas da Ama­
zônia, obtidas á custa de sacrificios inenarráveis, iria dar nomeada
a especialistas estrangeiros, beneficiados com os trabalhos do espo­
liado.
Compr .endeu. então, que se lhe frustrara n sonho da mocidade.
E a desilusão mergulhou-lhe a fase derradeira da vida em torva
melancob'a, de que só se libertou, quando lhe veio o emtidecimento
fatal.
Já não estaria em condições de trabalhar com o antigo ardor e
eficiência, nem teria repercussão maior o seu desaparecimento.
Euclides, ao contrario, fttlgurou momentaneamente, com a
pujança do seu talento, que o alçou às eminências nos domínios da
cultura e abismou-se em tragédia reveladora de sombrios sofrimentos
intimos.
Aclarados, por bisbilhoteira publicidade, os segredos do s.m lar
aumentaram a simpatia geral pelo admirável escritor, que logrou ela­
borar obras aprimoradas em ambiente adverso ao idealismo de suas
cogitações.
Foi um sacrificado pela maldade humana, concluiram, e tanto
bastou para que não lhe faltasse a auréola dos mártires.
“ Por Protesto e Adoração", assini se intitulou expressivamente
o livro, em que se enfeixaram, decorrido o primeiro decênio após o
sinistro desenlace, os depoimentos de doutas personalidades, que
tiveram ensejo de conhecê-lo.
Acordes em exaltar-lhe as magnificencias intelectuais, já não se
lembravam das vagas restrições, que lhe fizeram alguns críticos por
ocasião da estréia.
Sómente louvores despertava a recordação do homem pundo­
noroso e da obra portentosa que logrou ultimar.
A despeito das condições malignas, que lhe entemizavam a
existência, como se estivesse condenado a deseonhcc'do circulo dan­
tesco, a fama cresceu sem cessar.
— 389 —

Opostamente, Alexandre Ferreira, resvalando para u túmulo, à


nianena de sombra qty- se esvai gradativ.unente. baqueou em silêncio-
Apenas o Real Museu dr. Lisbca por ordem do visconde de-
Santarém, arrecadou os papéis e documentos relativos às atividades
cientificas do abnegad» explorador.
Não cuidou, porém, de trazê-los a lume.
J á por volta de 1838, volvido quase um quartel de século, a \ca -
demia Real de Gèncias requisitou-os para lhes promover a publicação.
Assombrada, todavia, com a opulência dos manuscritos que lhe
ultrapassavam a minguada verba disponível, adiou a execução dos
louváveis propósitos.
Contemporáneamente, porém, predestinado a radiosos destinos
e ansioso por exercer atividades culturais, adorou o Instituto His­
tórico e Geográfico Brasileiro, que se apressou, por intermédio de
Januário da Cunha Barbosa, em solicitar a cooperação prestimosa de
Drumond, representante do Império em Lisboa.
Em conseqüência dos entendimentos que se processaram, veio
ter á Biblioteca Nacional o opuhnto espólio literário de que a
Revista do Instituto publicou ma,'s de uma contribuição.
Fêz-se, destarte, conhecido o "Diário de Viagem Filosófica”
(tomos 48 e 49) e bem assim o ensaio .acêrca da “ Propriedade e
Posse das Terras de Cabo do Norte pela coroa de Portugal’’ a
"G ruta do Inferno e a Gruta das Onças".
Não virá fóra de propósito recordar o procedimento do Insti­
tuto em relação a Alexandre Ferreira, para lhe cultuar a memória,
e a Euclides. ainda vivo.
Admitindo-o cm seu quadro social, sugeriu-lhe empreendesse a
biografia do Duque de Caxias, cujo centenário de nascimento o
Brasil comemorou festivamente.
Não se lhe deparou oportunidade de relembrar o glorioso herói
nacional, mas sintetizou a evolução politica do Brasil nas páginas
clássicas do ensaio : “ l)a Independência á República”.
Ainda quando nenhuma outra contribuição lhe inspirasse a
tradicional agremiação destinada a estudos históricos, bastiría essa
para comprovar o influxo exercido em seu luminoso espirito.
A Alexandre análogo sucesso não lhe podería interferir na
produção literária, pois que não mais se achava entre os vivos,
quando se fundou o Instituto Histórico.
Todavía, para que a Posteridade lhe dedicasse especial preito de
admiração, assás contribuiu o núcleo de pesquisadores, entre os
quais germinou a idéia dc transferência para o Brasil dos inéditos ale­
xandrinos.
— 390 —

As homenagens que lhe seriam mais tarde consogradas á memória


resultaram grandemente da iniciativa do cônego Januário Barbosa,
que, se não conseguiu pubVcá-Ios na totalidade. ,ao menos iniciou-lhes
a divulgação por uma das obras mais expressivas.
O ‘ Diário” não é propriamente uma história das suas amofi-
nantrs jornadas, embora contenha subsidios interessantíssimos para
quem queira escrevê-la.
Mais <le uma vez, entretanto, referiu-se Ferreira á ‘História
Filosófica do Estado de Grão Pará”. cuja elaboração lhe cumpria
empreender, de acordo com a incumbência que aceitara.
Frequentemente o titulo volta-ihe ã pena para afirmar, a exemplo
da explicação da memória descritiva do rio Negro.
‘‘Concluida pelo modo, que eu melhor a pude circunstanciar cm
todos e em cada uma das 13 Participações que constituem um corpo
de História Geral e Particular deste rio, nesta, que ê a 7." e a última
da 2.* parte, desemharaç.ir-me-ei de uma tarefa que ainda ine falta.
E ela consiste em resumir tudo que tenho escrito, difusamente, c
substanciá-lo de modo que. sem ser preciso fatigar-se, V. Ex. para
ajuntar idéias espalhadas, debaixo de determinados pontos de vista,
possa ver c .informar-se de tudo o que julgar mais útil de saber,
sôbre aquela parte do rio Negro somente, que eu tenho visto, c que,
no dia de hoje, continua a te r navegado c colonizado por portu­
gueses".
“ Não que me eu proponha a especificar tudo”. Ajnntava, pois
que semelhante missão exigiría grande número de obreiros habi­
litados.
Ademais “ falta o socêgo de espírito que tão preciso é. a quem
tem de ordenar e compor entre si uma multidão de idéias".
“ E falta finalmente o tempo para escrever, sendo tão pouco para
observar”.
Desta maneira, o naturalista apontava a João Pereira Caldas,
governador, as causas da deficiência da monografia, cujas páginas
consubstanciam quanto lhe chegou ao conhecimento por meio de
leituras, ou testemunhou pessoalmentc. com a probidade de quem
não quis versar assunto fora do alcance de sua vista sagaz.
Citou, de principio, o nome antigo — Guiari — do tio, cujos
aspectos minudenciou, para lhe definir a cór das águas, resumir-lhe
o histórico da descoberta c ocupação desde a viagem de Pedro Tei­
xeira, determinar-lhe a foz. a extensão até Cticui ; a profundidade
obtida em várias sondagens, a vestimenta das margens, as ilhas, os
afluentes e outras características hidrográficas.
No capitulo X V I, entrou a discorrer do gentio por sugestivo
resumo, em que lhe examinou os costumes, os instrumentos, os
— 391

ornatos e quanto pudesse contribuir para individualizar cada lana


das dezenas de grupos, de linguajar diferente, que, por vezes, condu­
zidos pelos portugueses, se aglomeravam na mesma povoação. fa­
lando cada qual o seu dialeto.
Era a Babel selvagein. em plena floresta, à lieira do rio fabuloso.
Como éste, espionara os capítulos X IX e XXI materia que diz
respeito à história do povoamento da Amazonia, em que, por titulos
diferentes, o viajante sintetiza as suas idéias acerca da formação da
variedade racial, que se elaborara naquele cenário maravilhoso.
Ainda tratou da agricultura, para firm ar conceitos e ensina,
mentos que teriam contribuido para melhorar a economia regional,
caso fossem adotados e seguidos.
Semelhantemente, após perlustrar o vale do grandioso afluente
pela direita, enfeixou-lhe as peculiaridades na “ Relação circuns­
tanciada do rio da Madeira e seu território, desde a sua foz, até a
primeira cachoeira, chamada de Santo Antonio”.
Não variou de método para englobar todos os aspectos, que
pudessem concorrer para distinguir o caudaloso tributário meridional
do Amazonas.
Curtindo amofinações de tôda laia, jamais deixaria de coorde­
nar os seus apontamentos e de colher novos.
Para tanto, a estada era Vila Bela propiciou-lhe ensejo de afuroar
os arquivos locais, donde retirou informações preciosas anotadas em
folhas avulsas, para futura utilização.
De igual maneira procedera em Belém, onde redigiu, pelo rueños,
as contribuições existentes na Biblioteca Nacional :
1 — Noticia histórica da Ilha Grande de Joanes.
2 — Miscelânea histórica.
3 — Memória sóbre a Marinha interior do Pará.
XTa Capital de Mato Grosso, ajuntaria aos seus escritos rela­
cionados com a história, os apontamentos reunidos em “ Observa­
ções filosóficas e políticas sõbre as minas de Mato Grosso e Cuiabá"
e “ Memórias para se inserirem quando se ordenar o livro de anti­
guidades do rio Madeira”.
Não se incluem nesta sumarissima relação as memórias que
trataram de etnografía, botânica, zoologia e de outros assuntos a que
aplicava a sua perspicácia observadora.
Raramente de'xaria de intercalar alguma página referente á
historia, que não lhe saia das cogitações.
Sé atuasse mais de espaço, não lhe seria difícil compendiar em
obra de peso c tomo as idéias que lhe abrasavam o entusiasmo de
•escritor abeberado em vastos conhecimentos.
— 392 —

Mas. às pressas, dc continuo, nial lhe sobrava ensejo de fre­


quentar os arquivos, que esquadrinhava em busca de segura documen­
tação de que pudesse tirar conclusões certeiras.
Assim procedeu cm Belém, quando se viu forçado a esperar
condução pelo Amazonas arriba.
De igual maneira, a demora forçada em Vila Bela proporcionou-
lhe aso de manusear os papéis arquivados, de cujos informes extraia
quanto lhe fósse útil para futuros escritos.
Mas a esperança de melhores dias, mais tranquilos e propicios
à elaboração de monografias, jamais se realizou.
Não obstante, ainda redigiu, por solicitação do capitão general
do Pará. F. de Sousa Coutinho, a memória intitulada "Propriedade
e posse das terras de Cabo do Norte pela Coroa de Portugal" em
que revelou bem conhecer o assunto, a que Joaquim Caetano, com
maiores recursos e tempo, daria a explanação cabal, magistralmente
utilizada pelo barão de Rio Branco, em pleito memorável e defini­
tivo.
"Q ue as terras do Cabo do Norte, situadas entre o rio Amazonas
e o Oiapoque ou Vicente Pinçon. são privativas da Coroa de Por­
tugal, exuberant.-mente se mostra dc direito c dc fato", afirmou em
escrito datado de Belém, a 24 de abril de 1792.
De direito, repete convicto, pois que "foi adquirido por desco­
brimento e conquista ; confirmado pelo consentimento dos naturais ;
sustentado pelas despesas da Corfta ; reconhecido e ratificado entre
Portugal e França, pelos tratados".
Destarte apontou os capítulos em que se distribuiría a explanação,
que exigia conhecimentos históricos extraidos das melhores fontes
ao seu alcançe em Belém.
O estudo que então realizava empolgou-o de tal maneira que
mais tarde, ao constar, já em Lisboa, nova pretensão francesa, apoiada
pelas legiões napoleónicas, não se conteve em silêncio.
Elaborava-se o Tratado de Badajos, de 6 de junho de 1801, que
gisaria as raias entre o Brasil e a Guiana Francesa p d o rio Araguari,
“ qui se jette dans 1'Ocean au-dessous du Cap Nord” , em contrário
ao seu arrazoado.
Pelas cópias de mapas, que apresentou, " é que se pode calcular
quanto arriscamos, cedendo o Araguari". disse ao ministro Dom Ro­
drigo de Sousa Coutinho, em carta de 2 de junho.
“ Se é verdade o que se diz cá por fora, que os franceses pre­
tendem aquele rio. Nesse caso, adeus Praça de Macapá e com ela
lóda margem boreal do rio das Amazonas. Adeus ilha grande de
Joanes, e com ela tóda a subsistência dos moradores da cidade do
Pará”.
— 393 —

Confiava, porém, no ativo ministro de amplo descortino, a quem


não receava falar com a máxima franquean, jo ra indicar a solução
que futuros sucessos tornariam inevitável.
“ Sacrifique Portugal embora dos outros Dominios, que possui
nas outras partes do mundo, aquele, que lhe parecer, sem excetuar
ainda mesmo alguns das que tem na Fronteira dêste Reino, penque
aqui na Europa, correndo as coisas como correm, nunca Portugal se
graduará na Escola Política das Nações se não de uma Potência da
última ordem.
Porém se no Brasil, ainda na última extremidade dc ser obri­
gado a refugiar-se nele ; alí, digo eu. mutatis mutandis, tem Portugal
sobejamente com que vir a ser florentissimo Império”.
Tais conceitos, expostos, sem temor, por um brasileiro, que
sugeria a vantagem do sacrificio territorial do Reino, para evitar a
mínima cessão de terra da Colônia americana, que re lhe afigurava
base esplêndida para o soerguimento do Império lanliado pelas garras
napoleónicas, valeríam para ainda uma vez lhe acentuar o acendrado
patriotismo e a visão penetrante.
Antes, porém, que o principt regente, impelido pela vanguarda
de Junot. cumprisse o vaticinio de Alexandre Ferreira, com a trans­
plantação da córte lusitana para o Brasil, donde lançou desafio ao
corso invicto na Europa, já sombrios lhe corriam os dias no gabinete
de História Natural.
Maiores angústias assaltá-lo-iam após a invasão, que lhe arre­
batou a glória científica.
A melancolia em que se definhou, ao ver-sc espoliado irreme­
diavelmente nos tesouros colhidos em trabalhosas explorações, de
naturalista e sem poder sequer protestar, pois que o vencedor não
permitia a mínima restrição ao cumprimento de suas ordens, embotou-
lhe a pena outrora fecunda, que não mais aparava, para traçar no
papel o seu cursivo um forme e característico.
E assim não mais cuidou de continuar as pesquisas referentes ao
passado, que lhe inspirava admiráveis páginas.
Todavia, se quisesse, ou se as circunstâncias lhe fóssem propicias,
teria legado à Posteridade impressionante panorama da ocupação da
Amazônia, além dor. painéis esparsos que andou bosquejando cm
meio da sua obra volumosa.
Também Euclides da Cunha não concluiu o “ Paraiso Perdido”,
que ideara, do qual apenas aiguns capítulos se salvaram, para indicar
a grandiosidade pomposa do plano esboçado e de sua execução.
E assim faltou à Amazõma a contribuição dos sagazes observa­
dores de suas peculiaridades, tocados ambos de insopitáveis senti-
— 394 —

memos de solidariedade humana, era contraste com as hostilidades


que malignavam a luta pela vida naquelas regiões.
Um. de nervos à flor da pele, e vivendo ni meio de tragédias,
transformaria a Amazônia em cenário imenso, onde o homem esta-
dearia qualidades superiores, para vencer a conjura dos elementos
adversos à sua dramática sobrevivência.
Patrono espontâneo dos humildes, denunciaria, em páginas vi­
brantes, os abusos de que eram vitimas os seringueiros do seu tempo.
O outro, não obstante as amofinações que lhe causaram os índio»
recrutados para o serviço da Coroa, condenou as perseguições que
os dizimaram.
“ A autoridade com que os sertanistas fariam estas conquistas
era a da cobiça.
"A s leis que seguiram no método de as fazerem, frisou Alexandre
Rodrigues, eram as da deshumanidade- Porque alwln.-ando as ran­
charías, em que se viam os bárbaros, nas bocas do fogo faziam acabar
os que naturalmente pegavam nas armas para sua defesa.
Metiam-se os vencidos em correntes ou gargalheirar- e depois se
repartiam pelos conquistadores.
A estas tão injustas ações acompanltavam atrocidades inauditas
e indignas de se referirem”.
Bem podia ser esta uma das páginas da história da Amazônia,
que o Dr. Ferreira não chegou de escrever.
Possuía todos os elementos nec.ssários para sua elaboração, co-
llvdos em pesquisas de campo e trabalhos no escritório iluminados
por ampla cultura.
Mttr» vencido pelas dificuldades que lhe contrariaram as inicia­
tivas, viu-se obrigado a silenciar, quando se lhe achava ainda em pleno
fastigio a peregrina inteligência *)( .

Virgilio Corrêa Filho.

( • ) Conferência proferida no Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro,


no dia 24 dc junho, da série promovida fíela Sociedade Brasileira de Geografia
c pelo Museu Nacional.
ESTEVÃO DE MENDONÇA

Pòsto que esperada a qualquer momento, em consequência do


progressivo declínio de sua residência orgânica nos últimos tempos,
a notícia do desaparecimento, em Cuiabá, de Estevão de Mendonça,
inclui-se entre as que indicam redução do patrimônio cultural.
Em verdade, era o decano dos investigadores da história de
Mato Grosso, em cujos estudos madrugou, para, ainda jovem,
começar a ensiná-la, no Liceu Cuiabano. Bem falante e simpático
tie fisionomia, com o riso a brincar-lhe nos olhos, um tanto maliciosos,
quando conviesse, em pouco empolgou a estima dos alunos, alguns dos
quais lhe seguiríam as pegadas.
Animador de vocações, que estimulava com a sua palavra insi­
nuante e exemplo de idealismo incansável, Estêvão de Mendonça
ufanava-se dos carinhos que lhe teria, na infância, prodigalizado A .
Leverger, a cujo culto se devotou fervorosamente.
Iniciou-se com decisão e por mais de unta década sozinho perma­
neceu em campo, a transmitir a ouvintes e leitores a sua transbordante
veneração à memória do bretão cuiabanizado, que personificou a s
mais nobres qualidades humanas, cm beneficio da terra adotiva, a
cujos destinos se aliou em momentos de angústias, conto de euforia.
Ninguém como êle, em seu tempo, conheceu tão Item a história
da Província, que ajudou a fazer, nem a geografia, acrescida de suas
próprias operações de campo.
Certamente, de suas recordações c narrativas colhería o menino
de vivacidade intelectual ensinamentos, que lhe orientariam a carreira
futura.
E também os motivos de sua admiração progressiva, à medida
que se foi enfronhando nos assuntos, em que primara a contribuição
levergeriana. a cuja divulgação resolutamente se consagrou
Manteve acesa a flama em que se lhe espelhava o entusiasmo e ,
em ambiente por ventura adverso, tanto perseveran em hábil propa­
ganda, q u; afinal conseguiu assistir á formação de legiottários de aspi­
rações análogas, que lhe ampliaram as ressonâncias glorificadoras do
mérito. Um dos primeiros, que não aplicava a culta inteligência à s
— 396 —

•questões históricas, senão acidentalmente. Antônio Correia da Costa,


louvou-lhe o esforço e, mais ainda, instou com o amigo, prometendo-
lhe colaboração, para que prosseguisse em suas pesquisas e elaboração
de efemérides referentes a Mato Grosso.
Corria então, na capital, promissora fase politico-social, cm que
■o partido republicano, triunfante, pelas armas, da sedição quarteleira,
que pretendia anular os resultados da eleição recente, mantinha o seu
órgão na imprensa — O Republicano — para cuja redação conver­
giam os expoentes da cultura cuiabana.
Para os editorials, orientadores dos correligionários, não faltaria
o concurso dos maiorais do partido, ou dos fiéis intérpretes de seus
pensamentos, entre os quais se incluía o professor de portugués, José
Magno da Silva Pereira.
É de presumir que o seu colega de congregação no Liceu Cuia-
bano, onde lecionava história e geografia, não frequentasse a coluna
de responsabilidades partidárias, preferindo outras seções, cm que
explanasse temas de suas preferências.
Narrativas em linguagem simples, não raro embebidas de poesia,
•comentários de fatos históricos, apresilhados a exata cronologia, eram-
lhe os assuntos, favoritos, que sabia realçar nas palestras com os par­
ceiros. cuja amizade em pouco empolgava.
Manifestassem algum indicio de superioridade, e logo os atrairia
o magnetismo afetivo de Estevão de Mendonça.
Começava a aproximação pela firme letra inconfundível, indi­
cativa de singular personalidade. Dos escritores brasileiros, somente
Coelho Neto poderia apresentar caligrafia semelliante, de talhe artís­
tico, á maneira de símbolos desenhados a primor.
De conformidade com a aparência, que despertava simpatia, pela
regularidade harmoniosa dos traços, agradável à vista, a expressão
fluia-lhe quase sempre elegante, e desprovida de exageros. Vinha-lhe
natural o torneio da frase, como a palavra nas conversações, em que
se revelava exímio.
Daí se causou a facilidade em grangear amigos, tanto nos meios
oficiais, quanto nos centros culturais, ou entre os estudiosos mais
acostumados à solidão.
Quando Lindmann, incumbido pela Real Academia de Ciências,
da Suécia, dc chefiar a l. a Expedição Rcgneliana. enviada ao Brasil,
desembarcou no pôrto de Cuiabá, cm novembro de 1893, não lhe
tardou o auxilio do historiador, a quem presou sobremaneira, como
evidenciou expressiva correspondência mantida por longo prazo.
Também de Capistrano de Abreu, afamado pela rispidez com que
evitava intimidades com os desconhecidos, grangeou a afeição, quando
•em visita ao Rio de Janeiro.
— 397 —

Admirava o sábio mestre cearense e resolveu conhecê-lo pessoal­


mente. Vencida a barreira, que o defendia da simples curiosidade
alheia, entenderam-sc ás maravilhas. Tornaram-se amigos, embora
separados pela distância.
Assim como conquistou a estima do botânico sueco, apesar da
diferença de costumes e preferências intelectuais, e de Capistrano
de Abreu, sabidamente hostil â fatuidade nos domínios, em que se
extremava o seu incomparável saber, com maior facilidade aumentava
E. de Mendonça o número dos seus apreciadores nas redações de
jornais, que frequentasse, nas reuniões sociais, a que comparecesse.
Todavia, não lhe aprazia a tribuna, a ponto de protelar indefini­
damente o elogio do patrono que escolhera na Academia Matogros-
sense de Letras, de que fôra um dos fundadores.
A loquacidade espontânea, que lhe dava sabor à conversa atraente,
como que silenciava diante da assistência numerosa, por efeito inibi-
tório.
Reduzido, porém, o grupo dos ouvintes, voltava-lhe a fah. agra­
dável e erudita, de que se valia para suas campanhas culturais. A
mais memorável justamente associou-llie o nome ao de Lcverger, de
cujos manuscritos iniciou a publicação.
P or ter descoberto no Arquivo do Governo, mercê de seas
pesquisas minuciosas, valioso documento, de que se utilizou o presi­
dente do Estado para entrar nas boas graças do Catete, favoreceu-o
na ocasião a confiança do Executivo. Valeu-se da circunstância pro­
pícia para melhormente realizar as suas aspirações.
E editou, com Antônio Fernandes Souza, o Arquivo — "revista
destinada à vulgarização de documentos geográficos e históricos do
Estado de Mato Grosso", em que vieram a lume diversas contri­
buições de Lcverger, além de preciosa correspondência oficial.
Entre um tomo e outro, além disco, consegmu empreender a
execução da lei provincial de 27 de novembro de 1880, sancionada
pelo liarão de Maracajú, que determinou em seu artigo único : “ O
presidente da Provincia é autorizado a mandar imprimir e publicar,
|x?r conta dos cofres provinciais, os trabalhos elaborados pelo finado
barão de Melgaço, relativos a Mato Grosso, tornando-se a edição
propriedade da Provincia, revogadas as dis|X>sições em contrário”.
Era Rufino Enéias Galvão bacharel cm matemática, a quem
coube levar a bom termo os trabalhos demarcatórios na frouteira
meridional, de que lhe resultou o baronato.
Tinha competência para julgar os inéditos levergerianos, de -u ja
publicação cuidaria, caso não se afastasse em breve prazo do govêmo.
Os sucessores, entre os quais ae encontravam individualidades de
incontestável cultura, do naipe de Galdino Pimentel. Melo 1
Sousa Bandeira, ainda no Império, não se lembraram da lei inope­
rante, que, decorrido uni quartel de século, seria exumada do arquivo
por E. de Mendonça e apresentada ao presidente Antônio Pais.
Dotado de inculta sagacidade, não titubeou em firmar, a 12 de maio
de 1905, o decreto 168, no qual, “ usando da autorização que lhe c
conferida pela lei provincial n.° 561. de 27 de novembro de 1880,
resolve abrir o crédito de cinco contos de réis para a impressão e
publicação dos trabalhos elaborados pelo barão de Melgaço. relativos
a Mato Grosso, e nomear para coordenar e dirigir a publicação dos
mesmos trabalhos, os cidadãos Estevão Anastácio Monteiro de Men­
donça e Antônio Fernandes de Sousa”.
E assim principiou a edição das monografia'-- levergerianas, de
que veio a lume o primeiro volume — Fios de Comunicação — que
o chefe da Esquadra elaborara, a pedido do presidente Hcrculano
Ferreira Pena, em 1862.
Anunciava, no limiar: “ Vai entrar para o prelo a obra: Apon­
tamentos Cronológicos de Mato Grosso.
Mas a Revolução de 1906. em que sossobrou o situacionismo.
combatido por vigorosa oposição, que d decidido apoio federal ao
governante estadual não logrou sufocar, interrompeu a iniciativa do
professor, que sofreu as conseqiicncias da sua solidariedade com os
vencidos.
Não emudeceu, todavia, pois que a revista Mato Grosso, editada
pelo Liceu Salesiano. continuou a acolher-lhe a colaboração, entre­
meada de inéditos de Melgaço.
Maior atividade, entretanto, desenvolvia à surdina, em seu paci­
ente esforço de ampbar as efemérides referentes a Mato Grosso, que
o presidente Dom Aquino Corrria houve por bem publicar.
Em dois volumes afloraram, então, as Datas Matogrossenses,
manancial opulento de informações a respeito de fatos, e homens do
Estado. Certo, não estará isento de senões, alguns dos quais lhe
foram apontados amistosamente por quem tinha em mira apenas
escoimar a obra valiosa dos enganos inevitáveis em tamanho cc-meti-
tnento. Aceitou de bom grado a cooperação amiga, e por si mesmo
ia paulatinamente anotando as passagens necessitadas de correções,
para possível segunda edição, de maior proveito para os estudiosos.
E ’ a sua obra fundamental, embora outras tenha publicado, como
o Quadro Corográfico dc Mato Grosso, que, em opúsculo de 116
páginas, condensa valiosas informações históricas e geográficas, além
da colaboração dispersa por jornais e revistas.
Aprazia-lhe atender às solicitações dos amigos, que lhe solicitavam
o concurso para seus periódicos.
— 399 —

Nas gavetas possuía sempre inéditos, cujo número aumentava


cada madrugada, quando terminava o sono, iniciado à boca da noite.
Tradicionalista, como se confessava, de convicção, mantmba
horário de outrora, nas refeições e descanso, de maneira que o retar­
datário de alguma festa noturna, ou o madrugador que lhe fron-
teasse a casa, antes da alvorada, enquanto a rua dormisse, já o en­
contraria desperto, a encher páginas com sua caligrafia primorosa,
ou à janela, nos intervalos de repouso.
Quem lhe passasse ao alcance, nesta ocasião, não deixaria de
ouvi-lo em conversa por alguns momentos, ainda que s í adiasse apres­
sado. A essa hora já estaria disposto a entreter os conhecidos com
a sua palavra atraente, que sabia agradar, mediante expressão apro­
priada.
E assim continuaria pelo dia todo, mais disposto a amenizar a
convivência social do que a sublinliar os desconcertos inevitáveis, de
pessoas c coisas.
Considerava-as tolerantemente, com ironia inofensiva, quando
não as envolvesse em maior afeto, de que deixou provas abundantes
em crônicas inúmeras.
De suas Memórias de um Cutabano. os raros capitulas que a
imprensa divulgou bastam para lhe atestar o quilate dos escritos.
"Crescí, num ambiente em que o seu nome, afirmou ao evocar o
vulto impressionante do Dr. Malhado, era pronunciado com carinho.
A Mamãe — santa criatura de virtudes incomparáveis — dedicou-
lhe uma afeição profunda. Esgarçando a origem, que tanto enobrece
aquela que me amparou na vida, vou recuando à era que ficou distante.
Meus pais, em 1871, residiam no distrito de Miranda. Em busca
de socorro médico, gravemente enfermo, fui conduzido até Corumbá,
cm canoa, numa penosa viagem que agravou o mal. Meus tios Nuno
de Mendonça e Maria da Conceição Mendonça, catai sem filho,
regressavam nesse tempo de Assunção. Também sem medico na
vila, e a moléstia atingindo a fase derradeira, minha tia propôs a
solução cabível :
— Levo o menino para Cuiabá, c sc viver, ficará set.do meu filho.
Tive aqui tratamento demorado. Ganhando um filho, após oito
meses de cuidados clínicos do Dr. Malhado, a Mamãe guardou sempre
na alma uma gratidão intenta àquele facultativo tão bondoso. Tornou-
se para ela um semi-deus, e mais tarde também salvou-a cm situação
visivelmente melindrosa, consequência de um acidente de vultoso
porte.
A propósito da estréia no poder de seu amigo Antônio Pais,
retrata-o com explicável complacência, que não lhe neutraliza de tôda
o espirito de justiça.
— 400 —

"Ainda que de cultura escassa, mas inteligente, não lhe escapou


que a sombra de seu nome correram atentados inconcebíveis, e foi
com o propósito de apagar ressentimentos, e de adquirir o bem qtterer
de antes, que assumiu as rédeas do governo. O ato da posse foi
solene, presentes as autoridades e os elementos mais representativos
da cidade. Pela primeira vez assisti uma cerimônia desse gênero.
Perante a multidão estacionada em frente do Palácio, fixada r.uma
fotografia dos irmãos Ferrari, veio-mc a conhecida expressão de
Cromwell : "M uito maior seria para ver-me ser enforcado”.
Fatos ulteriores confirmaram a profjcia. que naturalmente seria
expressa depois da tragédia, em que sucumbiu o presidente cuja as-
cenção ocorreu tão festivamente. Como esses, outros quadros e per­
sonagens foram a seu tempo desfilando à vista dos pósteros, que o
animavam a enfeixar em volume os inéditos evocativos.
Não lhe ser.ia mais, possível, na quadra de angústias, cuidar de
tarefa semelhante. Minguavam-se-lhe os recursos, obtidos de dimi­
nuta aposentadoria, que o interventor Olegario de Barros, em aplau­
dido áto, elevou à mensalidade de mil cruzeiros, e da precária advo­
cacia, que nos melhores dias lhe rendiam o suficiente para viver
folgadamente.
Otogcnário quase e enfermiço, já não saia de casa e pouco
poderia esperar das atividades profissionais, de que diligeulemente
se ocupara, enquanto lhe permitira a saúde esvaecente.
Ainda continuaria, porém, a escrever as suas crônicas, para satitv-
fação própria, quando não fôsse com o objetivo de atender ás solici­
tações dos admiradores. Percebia que se finava c o otimismo doutrora
já não lhe alegrava a palestra. P o r fim, sem que o percebessem, o
coração, cujor, .impulsos afetivos lhe condicionaram a vida, baqueou,
rematando-a suavemente.
E assim emudeceu, na semana passada, o decano dos historia­
dores matogrossenscs, enlutando a cultura nacional.

Virgílio Corrêa Filho.


INSTITUIÇÕES DO RIO DE JANEIRO
COLONIAL

OS QUADRILHEIROS

LO PES GONÇALVES

Era o policiamento municipal nos tempos da colônia, como então


em Portugal, de onde veio a organização, exercido pelos quadri­
lheiros, que eram oficiais inferiores da Justiça, e pelos seus auxiliares,
os componentes da quadrilha. O policiamento fora da cidade cabia
aos capitães do mato, cargos, aliás, que foi criado muito mais tarde,
um século volvido, pois a instituição dos quadrilheiros, como além
se verá, data de 1626, e a dos capitães do mato de 1735, esta por
ato do ouvidor geral Agostinho Pacheco Tellez, como consta do
auto da sua correição de 30 de dezembro desse ano. Contudo durante
algum tempo, a partir de 1731, enquanto sc não provia a cidade de
capitães do mato, estiveram os quadrilheiros investidos das funções
destes, por decisão do ouvidor geral Fernando Leite Lobo, que
consta do auto da sua correição havida a 20 de outubro do mencio­
nado ano c adiante transcrito.
Os quadrilheiros têm a mais antiga referência em Portugal na
carta do rei Dom Fernando datada de 12 de setembro de 1383. nesta
passagem : “ . . . out.° ssy q ordenarades q os quadrilheiros,
q ssora postos pr as Ruas, tcuessem prestes suas armas aas portas,
e q sse vissem volta pr a villa ou braadar por jostiça q saisseiu logo,
p.a apoderar os q mal fe z e re m ;...” (1 ).
À carta régia de 16 de junho de 1437 déles fala, isentando os
doze homens empregados na renda da cestaria, " q assy trazem os
çestos do pescado aa portagem e aa praça e as outras partes”, de
serv.irem na armada, e de serem quadrilheiros, ou de exercerem
outros encargos tio conselho, ” em q elles pdlo corpo podcsscm
sentir” (2 ).

(1) Freire de Oliveira, Elementos para a história do Municipio de


Lisboa, t. V, págs. 407-409, nota.
(2) Idem, t. 1, pág. 318.
— 402 —

As Ordenações zAfonsinas nada contém sóbre os quadrilheiros.


As Ordenações Manuelinas lhes dedicam o Titulo 54 do I o Livro,
o qual, com alteração de redação e alguns acréscimos, constitui o
Titulo 73, do l.° Livro das Ordenações Filipinas (3 ). .Ainda no
ano de 1603, em que se mandou cumprir as Ordenações, o rei
expediu, a 12 de março, o Regimento dos Quadrilheiros que reformou
pontos do código nesse assunto (4 ). Referem-se a eles, também,
o Alvará de 25 de dezembro de 1608, o Regimento de ¡3 de
setembro de 1625, o Decreto de 11 de fevereiro de 1696, o ¿Alvará
de 25 de março de 1742, e as Leis de 14 de agosto de 1751 e 20 de
outubro de 1763.
O quadrilheiro era o chefe da quadrilha ; formando esta, élc
tinha a seu cargo vinte moradores — vizinhos como então se dizia
— que vivessem mais próximos uns dos outros. Servia por três
anos e era escolhido pela Cámara, em cujo livro era inscrito ; usava
uma vara pintada de verde, com as armas reais e prestava jura­
mento sóbre os Evangelhos. Cabia-lhe, com os membros da qua­
drilha, acudir às brigas e arruídos, vigiar os homens vadios ou de má
fama bem assim aos estrangeiros, investigar furtos e outros crimes
mais, a existência de casas de alcouce, de tavolagem ou em que se
recolhessem furtos, barreguciros casados, alcoviteiras, feiticeiras,
ladrões e vadios; para isso visitava as estaiagens e vendas, pren­
dendo os homiziados. Procedia como auxiliar do juiz, e, pelo não
cumprimento dos deveres, o quadrilheiro e seus vinte companheiros
pagavam multa, “ indo a indenização à vitima” em caso de roubo
praticado por vadio ou estrangeiro ; e. para efetuar prisões de
pessoas envolvidas em conflitos, podiam penetrar na casa das perseas
nobres e do clero.
A instituição dos quadrilheiros no Rio de Janeiro ocorreu por
decisão do ouvidor geral Luís Nogueira de Brito, cm serviço de
correição, constante do auto de 24 de outubro de 1626, nestes
têrmos : “ Que se fação Quadrilheiros, como estamandado e importa
ao serviço de Dcos, de Sua Majestade e ao bem desta Republica;
por quanto a esses officiais pertence saber dos alcouces, ou de
tabollages... e ao bem furtos, barregados, casados, alcoviteiras,
feiticeiras, por quanto estou informado esta Republica está itificio-

(3) Texto no fim deste capitulo.


(4) Texto no íint deste capítulo .
— 403 —

liada destes géneros" (5 ). No ano seguinte, diz o auto de corr.-ção


de 31 de dezembro, o mesmo juiz proveu "que se conserte a Cadéa,
como he necessário, e que dem vara aos quadrilheiros” (6 ). E n tre­
tanto se não procedeu em termos na organização do serviço dos
quadrilheiros, razão pela qual ainda esse juiz, como consta do auto
de correiçâo de 20 de fevereiro de 1630, "proveu mais que os
Ofíiciacs da Camara fação logo Quadrilheiros na forma da Ley" (7 ).
Pelo auto de correiçâo de 17 de dezembro de 1710, o ouvidor geral
Roberto Car Ribeiro se ocupou da policia municipal : "Ordenou
mais que os Vereadores fizessem Quadrilheiros, nafonna que a Orde­
nação lhes encarrega, sob pena de-se-Ihes dar em culpa nas Cor-
reiçoens, aos quaes darão regimentos por traslado do que scacha na
Ordenação para que saibão oque toca aseu Officio” (8 ). Entretanto
continuou-se sem Quadrilheiros. P o r isso cm 1721, segundo o auto
de correiçâo do Juiz de Fora Matias Pereira de Sousa, este proveu
"»e observassem os provimentos antigos, epostos até este anuo, eque
ficassem emseu vigor visto serem de tanta utilidade, para o régimen
da Republica, etendo elle dito Doutor Provedor noticia que nesta
cidade não havia Quadrilheiros, para apaziguar apcndencias que dedia,
e principalmente denoute rucedião, e que hera muito precizo, por
ser esta Cidade muito dilatada, efrequentada de gente, eque a expe­
riencia tinha mostrado haver denoute muitos ferimentos, emortes
sem acudir pessoa alguma” (9 ). E como desejava te r o assunto
acertado sem demora, proveu, como diz esse auto em seguimento •
“ que os Officiais do Senado da Camara elegessem logo quatro
pessoas para quadrilheiros, eordenar-lhes vivessem nas paragens
mais convenientes, para apaziguarem os motins que houvessem,
epoderem prender quando foste necessário, eque para cadalium
destes dessem dez homens. Officiais, e moradores namesma rua para
que acudissem com o quadrilheiro as ditas bulhas, eque os obrigasse
ater cada hum seu Xuço, como também atodos os. Officiais de
Sapateiro, Alfayates, Ferreiros, Latoeiros, Marcineiros, Tanoeiros,
os obrigassem atodos ater nas logeas emque trabalhão Xuços, para
acudirem e apartarem as bulhas, compena de que não acudindo
serem prezos vinte dias de Cadêa, éseis mil reis de conderanação,
para os bens do Concelho, eoutrossim tivessem cuidado nas comi-

(5 ) A u to s de C orrcições de ou vido re s do R io de Jan eiro — P r e íc il ira do


D is trito F ed eral, v o l. 1.*, pág. 10.
(6 ) Id e m , vol. I.° , pàg. 13.
(7 ) Id em , vol. l.° , pág. 19.
(8 ) Id em , v ol. 2.“ , pág. 18.
(9 ) Idem . v o l. 2.°, pág. 43.
— 404 —

çoens que fizessem dever setinhão os ditos Officials cada hum seu
Xuço. e faltando aesta obrigação, os condenaria em dois milreis
pela primeira vez, epela segunda vez seis milreis. eque este provi­
m ento se daria aexecução" (1 0 ). Por ai se vê ter sido alterada a
composição da quadrilha ; em lugar, além do chefe, de vinte
membros, ficavam éstes sendo dez.
Mas continuava a cidade sem quadrilheiros, devido sobretudo a
ninguém se interessar pelo cargo, como salienta esta passagem do
auto de correição de 7 de setembro de 1730, procedida pelo ouvidor
geral Manuel da Costa Mimoso, em que o juiz resolve : "Foi in­
formado que neste Concelho não havia Quadrilheiros, que a Ley
determina haja, sobre o que ouvio o Senado neste mesmo actto. que
lespondeu que o Senado sempre procura Quadrilheiros, como a Ley
manda, com a difícrença só de lliesdar os nomes de Capitão do Matto,
por entenderem que talvez com éste nome s.- facilitar.ão digo míe tai-
vez, que com éste nome se facilitarião a acceitação do Officio, avista
do que o Desembargador Ouvidor Geral mandou continuassem nos
Provimentos, impondo-lhe ononie que a Ley lhe dá, eobrogação desa-
tisfazerem as d : Quadrilheiros" (1 1 ). Contudo a situação ficou na
mesma, razão jxila qual o ouvidor geral Fernando Leite Lobo, na cor-
reição realizada a 20 de outubro de 1731. decidiu, como diz o auto :
" Provendo mandou que no termo de quinze dias fizesse este Senado
Quadrilheiros na forma da Ordenação, cllies darão oregimento
conteúdo nella. examinando-se com effeito observão cfazerem asua
obrigação, pena de incorrer cada Vereador, e o Procurador do
Conselho na devlnte milreis, para despezas da Justiça, ena de
selhedar em culpa na primeira Correição por serem contínuos os
delictos que quotidianamente se cometem nas ruas desta Cidade,
que por ser populoza necessita d?ste meio para se evitarem e o Es-
crivain da Câmara debaixo damesma pena lhes notificará este Ca­
pitulo no termo de trez dias deque passará Certidão para se exe­
cutar" (12). E, apreciados outros assuntos, prossegue a correição.
como diz o auto, sobre a matéria : “ Pelo que respeitava aos Quadri­
lheiros foi dito p.'lo Senado que querendo no prezente anno fazer
clleição, enomeação dclles acharão que todos os que herão capazes
estavâo alistados por Soldados Auxiliares, e que requererão os izem-
ptassem pela razão de seu privilegio, e amais genis que restava, que
hera pouca, toda hera decrepita, e incapazes, porque todo oque

(10) Idem , volt. 2.’, pág. 44.


(11) Idem , vol. 2», pág. 63.
(12) Idem, vol. 2.°, pág. 6S.
— 405 —

teve capacidade se allistou por auxiliar, eque nestes termos não


acharam pessoa que podessem nomear, alem deque estes decré­
pitos, incapazes que restavão dos Auxiliares herão todos Soldados
da Ordenança, osquaes por Provizam Real, parsada no tempo do
Governador A rthur de Sá tinhão os mesmus privilegios que tinhão
os auxiliares, proveu que sem embargo da dita duvida, procedessem
adita nomeação, eque não havendo fora das ditas classes pessoas
capazes para servir de Quadrilheiros nomeassem pr.'meiramrnte dos
da Ordenança, •.■senestes senão acliassem nafortna que propozerão,
fizessem anonicação ainda dos mesmos auxiliares, porque assim
opedia anecessidade, evixação que cxperimentavâo os moradores,
coin as repelidas mortes, edelictos que se cometião a que doutra
sorte senão podia dar comoda providência. Proveu que se nomeasse
também um Quadrilheiro, em cada íreguezia do termo desta Cidade
e que enquanto senão provião capitaenz do Matto digo desta Ci­
dade compoder de prenderem os Escravos fugidos, roubadores,
pagando-se-lhes namesma forma que aos Capitacns doMatto, por
serem grandes as queixas que há dos insultos que andão fazendo,
em prejuízo dos moradores eviandantes, aque senão tem dado opor­
tuno remedio, para o que poderão ajudarse da gente da sua
Quadrilha” (13).
Permanecia, pois, a cidade sem o policiamento municipal ;
constituia causa o desinteresse das pessoas válidas para as armas ;
escassas, preferiam ir para o serviço de soldado auxiliar ou da
Ordenança, postos em que havia privilégios a fruir, ou mesmo para
a função de capitão do mato, melhor paga por ser á rd u a ; a demais,
não havia vantajosa compensação aos trabalhos e riscos do serviço ;
finalmente, enquanto aqueles cargos davam prestigio social, de que
são prova os respectivos privilégios, com o de quadrilheiro na
realidade não sucedia isso, tanto que éste serviço, por força das
circunstâncias, cada vez mais, quando acontecia haver provimento, era
confiado a pessoas sem ocupação certa. A constante crise no pre­
enchimento do cargo de quadrilheiro era. aliás, peculiar à função ;
igualmente de modo acentuado acontecia o fato em Lisboa, do que
é uma prova a consulta da Câmara ao rei a 10 de março de 1653 (14)
em que providências são solicitadas cm prol da maior atração pelo
cargo, como a concessão de privilégios^ os quais outroru existiram,
concedidos por Afonso V e depois foram perdendo 0 seu valor.

(13) Idem, vol. 2 ” , pãg. 66.


(14) Freire de Oliveira, Elementos etc, t. V , pág. 416.
— 406 —

O utra prova da permanência da crise da o decreto de 11 de fevereiro


de 1696, em que o rei Dom Pedro II permitiu fossem os quadrilheiros
admitidos nos oficios — éstes eram fechados, obedientes ao regime
das corporações —, nêles sendo providos se bem servissem como
policiais, e que, enquanto permanecessem nestas funções, não esti­
vessem obrigados a pagar os encargos das bandeiras de ofícios (15).

FUNÇÕES DOS QUADRILHEIROS - ORDENAÇÕES FILIPIN A S —


LIVRO I, TITULO 73

Em t<>das as Cidades, Villas, lugares e seus termos, haverá Quadrilheiros,


para que melhor sc prendão os malfeitores. Para o que se ajuntarãõ cm
Camara os Juizes e Vereadores, e terão em hum rol todos os moradores do
lugar e seu termo, e a cada vinte moradores que liajão de servir em quadrilha,
que mais risinhos tiverem, ordenarão hum Quadrilheiro, que para isso mais
pertencente lhes parecer. E feitos assi os Quadrilheiros, ficaráõ scriptos no
livro da Camara pelo Scrivão delia, para servirem tres anuos com as
quadrilhas, que lhes forem ordenadas. E scr-lhrs-ha dado juramento cm
Camara, que bem e verdadeiramente cumprão este Regimento. E acabados os
tres annos, ordenaráõ outros. E se durando cs ditos tres annos fallecer
algum, ou se absentar de abscncia prolongada, os Juizes, c Vereadores farão
outro cm seu lugar, que acabe de servir os tres annos, ou até o outro vir,
quando for feito por sua abscncia prolongada.
1 E cada Quadrilheiro terá vinte homens dc sua quadriílu, os quaes lhe
serão dados cm rol ao tempo, que receber juramento. E o traslado do dito
rol ficará na Camara, para sc saber os que lhe foram ordenados ; e serão
obrigados todas as ditas vinte pessoas a terem continuamente lança dc dezoito
palmos ¡.sir» cima, ou ao menos meia lança. E as mesmas armas terão os
miradores dos termos c terras chãs, para tanto que huns, e outros ouvirem
algum appcllido, ou chamar o Quadrilheiro, poderem logo hir onde lhes for
mandado, ou cumprir por nosso serviço, e liem de justiça. E o que não
tiver cm casa as ditas armas, pague por cada vez cincocnta reis para o
Mcirinho, que o accusar.
2 E será cada Quadrilheiro muito diligente em saber para sua nifor­
mação (sem sobre isso tirar inquirição), sc cm sua quadrilha sc fazem furtos,
ou outros crimes. E quacs são as pessoas que nisso tem culpo, para quando
por ahi vier o Corregedor lho fazer saber. E assi o fará saber aos Juizes,
para fazerem tudo o que por bem de nossas Ordenações podem c devem
fazer.
3 Outro si, serão muito diligentes cm saberem sc cm suas quadrilhas
andão homens vadios, ou de má fama, ou estrangeiros, e logo lhes tomem
conta do que ahi fazem. E não lhes dando dies alguma justa e verdadeira
razão, porque tenhão causa dc ailii andai em, os prendão, e levem ao Juiz, antes
dc serem metidos na cadta. O qual lhes .amará conta de quem são, e do que
ahi f azcm. E achando-se cm culpa, os prenda, e faça delles justiça com
appellação, c aggravo. E dando o tal homem razão, porque pareça clara­
mente, que tem necessidade dc star na terra, o Juiz lhe mande, que cm certo
tempo, que lho parecer que bastará, acabe o que ahi tiver para fazer, sob pena
de scr preso. É sendo depois achado passado o termo, que lhe o Juiz der, os

(15) Idem, t IX, pág. 421.


Quadrilheiros o prendão, c levem ao Juiz, como dito he. E qualquer Quadri­
lheiro. que em sua quadrilha consentir andarem as semelhantes pessoas, sem
cumprirem o que lhes aqui he mandado, incorrerá em pena de trezentos reis
para o Meirinho, ou Alcaide. E atem disso, se a tal pessoa vadia, ou estran­
geira fizer algum furto, ou dano, o Quadrilheiro com os da cua quadrilha,
que consentirem entre si andar a tal pessoa, pagaráõ â parte danificada o
dano que receber.
4 E saberão se em suas quadrilhas ha casas de alcoucc, ou de tabolagcns,
ou cm que se recolhâo furtos, barregados casados, alcoviteiras, feiticeiras,
para que visitarão as stalagcns, c vendas dc suas quadrilhas ou molheres, que
stem infamadas de fazerem mover outras, ou se andando alguma prenhe se
suspeite ma! do parto, não dando dclle conta. E havendo alguma das ditas
crisis, o farão saber às Ju>1is as, a quem pentvncer. E «a cidade dc Lisboa ao
Gjrrcgcdor, e Juiz do seu bairro os quacs se informarão, c achando prova
bastante para prender os culpados, os prenderão, e procederão como for
justiça.
5 E os Juizes, tanto que os Tabclliacns lhes derem os roes dos culpados,
darão perante um TabclHão a cada Quadrilheiro hum rol dos que devem ser
presos. E os ditos Quadrilheiros farão dc maneira, que se cada hum dos
culpadc-s, que lhes os juizes derem cm rol, andar cm sua quadrilha, o prendão,
lançando Irgo, onde quer que o virem appellido, dizendo : “ Prendei foâo da
¡rirte del-Rci nosso Senhor” : á qual voz sairão logo todos os dc sua qua­
drilha. c dc quadrilha cm quadrilha o sigão até scr preso, sob pena daquelle
Quadrilheiro, ou quadrilha, por cuja culpa, ou falta o tal hom.ziado deixar
dc ser preso, pagar à parte danificada o que lhe pagará o dito humiziado, sc
fora preso. E além disso, o Quadrilheiro que em sua quadrilha ddxar andar
alguma pessoa das que lhe forem dadas em rol, incorrerá em pena dc qui­
nhentos réis para o Meirinho, ou Alcaide, que o acensar.
6 F. serão os quaiirkhçirr s. c homens de suns quadrilhas diligentes cm
ncodir ás voltas, e arroidos com suas armas, c farão de maneira, que prendão
os culpados. E sc logo nos arroidos não os poderem prender, çorrão depos
dies com appellido de huma quadrilha cm outra, até serem presos. E deixando
culpados de ser presos por sua falta, serão obrigados pagar & parte dani­
ficada o dano que receberão, c poderão haver do malfeitor, se fõra preso.
E além disto o Quadrilheiro, que nâo acudir aos arroidos, pagará cem réis, c
cada pessoa de sua quadrilha cincocnta réis, para o Meirinho, ou Alcaide que o
accusar.
7 E sendo caso, que seguindo algu*P Quadrilheiro algum hemiziado para
o prender, elle se acolher para casa dc algum poderoso, Duque, Marquez.
Concíe. "Arcebispo, Bispo, Prelado. Senhor dc terras, ou Fidalgo principal,
poderá entrar, e entre livremente na tal casa, a buscar, c prender o dito
homizíado, sem da parte das ditas pessoas, parente», ou criados, lhes ser posto
impedimento, nem duvida alguma na entrada da casa busca, c prisão do dito
homiziãdo. E pela dita maneira entrarão em quaesquer lugares. e terras,
inda que sejão de Senhorios, ou Coutos, ou de o»»tra jurisdição, cem embargo
'!<• quacsquer doações, privilegios, e posses, que cm contrario haja, até o
delinquente com cí feito ser preso E qualquer das ditas pessoas, que o
contrario fizer, incorrerá nas penas, que diremos no Livro quinto. Titulo 104 :
‘ Que os Prelados, e Fidalgos não acoutem malfeitores”, E tendo o Quadri­
lheiro Tabelião. faça dc tudo auto. E não o tendo, tome de tudo teste-
munltas, e antes que vá a sua casa, se vá ao Juiz da terra, o qual fará auto,
c procederá por clic, para lhe scr entregue o malfeitor, ou envi? o auto ao
— 408 —

C orregedor da Com arca, para proceder. E nos taes casos as Justiças farão
de tudo autos públicos, que no senviaráõ, emprazando as dita s pessoas grandes,
que fo re m culpadas, que em certo te rm o pareção pessoal mente em nossa
C orte .
8 E o que dissemos dos hom iziades, que podem e devem ser presos nas
casas dos Arcebispos, Bispos, D om -Abb.idcs e P rio re s de M osteiros, se enten­
derá, não sendo as casas taes, que per D ire ito , ou costume, devão g o ra r da
im m unidadc da g re ja nos casos, em que c ila vai.
9 E queremos, que ta nto que os Juizes, ou Q u a d rilhe iro s souberem, que
algum m a lfe ito r se acolhe em casa dos ditos P riores c D om -Ahliades, lhes
digão e tequeirão, que os lancem fo ra , notifican do -lh es, como são homiziados.
E tcndo-cs elles mais, ou t:pzcndo-cs com sigo, fação disso auto, c o enviem
ao C orregedor, o qual p ro c e d e d c o n tra clics a suspensão da juris diç ão , que
tivere m .
10 E quando o ta l hom iziado tiv e r com m ettido crim e , porque lhe não
v a lh a o C ou to do d ito M o s te iro (pela obrigação, em que os D om -Abbadcs c
P rio re s stão de os não acolherem , nem a m p ararem ), não se lh e t fa rá reque­
rim ento, que os lancem fo ra mas prendel-os-hão cm suas casas, se o po­
derem fa zer, sem se seg uir cousa c o n tra nosso serviço. E em o u tra m aneira,
fa ção auto, c u c n v ’tm an d ito C orregedcr.
11 E os C orregedores pelos lugares, onde andarem. ou estiverem , saberão
com d iligê nc ia se os Q u ad rilhe iro s cum prem este R egim ento. E proccdâo
con tra os que acharem cm culpa.
12 E em quanto os Q u ad rilh e iro s da cidade de Lisboa usarem o d ito o ffic io ,
haverão para si as arm as, que tom arem aos ladrões, que prenderem. E as
que tomarem nas brigas, que con fo rm e as Ordenações se perderem E poderão
pro testar p o r as penas dos arrancam entos, c demandai-as ás pessoas, que pren­
derem, c lhes serão julgadas, como os Alca id es. E os visinhos, que stiverem
ordenarlos ás suas quadrilhas, que lhes não acodircm , chamando clic s po r tila ,
pagará cada hum quinhentos tr is , a metade para o Q u ad rilhe iro , dando d is to
duas testemunhas, c a o u tra para Captivos.
13 E sendo os Q u a d rilhe iro s da d ita Cidade, achados de noite com suas
varas, a quacsquer horas, nos bairros, que lhes são ordenados, o ra venhão de
fa 2cr algum a diligencia, o ra não. não lhes levem penas nem p c rc ío as arm as
salvo sendo achados com m ettendo algum delicto.
14 E hem assim, apenándose algum a gente para i r em armadas, c’las
não serão a isso constrangidos.
15 E as resistencias, que lhes fo re m feitas, sejam castigadas, com o sc
fossem aos Alcaides.

R E G IM E N T O D O S Q U A D R IL H E IR O S (*)

D om F c lip pe p o r graça de Deos R ei de P o rtu g a l, e dos A lg a rv e :, «Vaquem,


e (Talem m ar. cm .A frica Senhor de Guiné, e da Conquista, navegação, com-
m ercio da E th io p ia , A ra b ia , Persia, c da In d ia , etc. Faço saber, que E lR c i,
meu Senhor e P a i, p o r justos respeitos, que a isso o moverão, houve por
bem, c mandou, que nesta Cidade de Lisboa houvesse também Q u ad rilhe iro s,

(♦ ) V . A lv . de 25 . dc M a rç o de 1742. § 13.
- 409 —

como t u nas mais Cidades, c Villas do Reino ; c que ao Regimentó dos


Q uadrilheiros, conleudo no 1. Liv. das Ordenações Tit. 54. se juntassem os
m ais casos, que se accresccntão por uma Provisáu dclRel D. Sebastião, que
Déos tem . f c i u cni C intra a 28 de Julho de 1750. E por quanto nesta Ci­
dade se não poderão ordenar os Q uadrilheiros na fôrma, que a dita Ordenação
manda ; e pareceu, que em algumas cousas o dito Regimento se devia r e fo r­
m ar no que toca aos Q uadrilheiros, que há de haver nesta Cidade, com o
parecer dos do meu Conselho : Hei por bem. que o Presidente, Vereadores,
e os mais O fficials da C am ara desta Cidade, que hoje são, c ao diante forem,
fação, c ordenem os Q uadrilheiros caria tre s annos na form a seguinte.
1 Dos Juizes, que nclla houver da jurisdicção da Cidade, escolherão cm
C am ara os que mais descam pados forem, c m elhor o puderem fazer, c re par­
tirã o p o r cllcs todas as Frcguezias da Cidade ; c lhes ordenarão, que todos
era um tempo, com um E scrivão do$ que com cllcs servem, corrão as Fregue-
zias. que lhes forem assignadas, e em cada rua dcllas escolherão homens,
- que se tenha respeito, e os que mais continuos, e residentes forem cm suas
casas po r razão de seus O fficios, a que faráõ Quadrilheiros, para servirem por
tempo de tres annos ; c a cada um delles entregarás uma vara, pintada de
verde, com as A n u as Reaes, e assi o Regimento do dito cargo ; c lhes daráõ
juram ento sobre os santos Evangelhos, para que bem c verdadeiramente, com
toda a diligencia possível, cumprão, c guardem o que no dito Regimento lhes
esta encarregado, de que ía rá ô um breve term o nos livros, que para isso a
Cornara desta Cidade lhes dará, no qual assignarão com os Q uadrilheiros, e
lhes nom earáõ logo vinte vizinhos, que para isso iorem m ais «inficientes, aos
quaes n o tificarão, que em qualquer hora de dia. ou de noite, que forem reque­
ridos pelos d i.os Q undrilhcirrs, lhes acudâo com suas arm as, e acompanhem,
e ajudem a prender os m alfeitores ; e dos nomes dos ditos vinte homens faráõ
um rol. que entregaráô & cada um dos Q uadrilheiros, para saber os que tem
obrigação de lhe acudir.
2 E depois que os ditos Juizes acabarem de prover toda 3 Cidade de
Q uadrilheiros na m aneira «obredita, levaráõ os livros, cm que os escreverão,
â C am ara desta Cidade*, para nella estarem em guarda ; c por d ie s o P resi­
dente. e Vereadores mandarão reform ar os m ortos, e ausentes de ausencia
prolongada ; e acabados os tres annos, fazer outros Q uadrilheiros, na forma,
que dito he : c nenhum Q uadrilheiro se ausentará, nem m udará da rua, cm
que m orar, sem o fazer saber ao Julgador do seu B airro, o qual proverá
lego outro, que melhm lhe parecer, cm seu lugar.
3 E cada um dos vinte homens da quadrilha serão obrigados a te r con­
tinuam ente em suas casas um a Innça de dezoito palmos para cima, ou uma
chuça, ou alabarda: c r.ão a tende, pagarão duzentos reis para o Mcirinho,
ou A lcaide, ou para o mesmo Q uadrilheiro, que os acensar.
4 Item cada Q uadrilheiro será mui diligente cm saber para sua infor­
mação (sem sobre isso cirar inquirição), se cm sua quadrillia sc fazem alguns
furtos, ou o utros crim es, c quaes são as pessoas nisso culpadas: ou se andão
itellas alguns homens vadios (1 ). ou de má fama, ou alguns Estrangeiros, e
logo lhes tom arão conta do que auui fazem : e não lhes dando d ie s alguma
justa razão, porque tcnhâo causa de aqui andarem , os prendão. c deven* ao
C orregedor, ou Juiz do Ctm ic, a que estiver encarregado o B airro da sua
quadrilha; aos quaes o C orregedor, ou Ju iz tom ará particular conta de quem
são, c o que aqui fazem : c achando-os em culpa, os prenderá, e fa rá dcllcs

(1 ) V . Alv. de 25 de Dezembro de 1608, § 12.


— 410 —

justiça, na forma de minhas Ordenações (2 ); c dando o tal homem aJgyma


razão, por que pareça clai amente, que tem necessidade de estar na ierra o
Corregedor, ou o Juiz Ihe mandará em ccrto tempo, que Ihe parecer bastante,
acabe o que tiver para fazer, seb pena de ser preso; e sendo mais achado,
passado o dito termo. que Hie for dado, os ditos Quadrilheiros o prendáo, e
levem ao Julgador de seu Bairro; e da dita notificação mandará o Corre­
gedor, ou Juiz fazer termo per um Escrivão d'antc si.
5 E assi teráõ muito cuidado de saber, se em suas quadrilhas ha alguns
barregueiros casados, ou casa de alcouce, ou alcovitciras, ou feiteicciras, ou
casas de tabolajem de jogo, ou cm que recolh&o furtos, ou se agazalhem
ladrões, c homens de má fama, cu vadios, para o que visitarán as «stalagens,
e tabernas de suas quadrilhas (3) ; e se vivem em suas quadrilhas mulheres,
que para fazer mal de si, recolhem publicamente homens por dinheiro, ou
que estão infamadas de fazer mover outras mulheres com beberagens, ou por
qualquer outra via ; c se ha alguma mulher, que andasse prenhe, de que se
suspeitasse mal do parto, nao dando conta delle ; e se souberem de alguma3
pessoas, que costumam |>or dinheiro testemunhar falso ; c assi se rouhercm
de alguns homens, que tiverem commetido delictos fóra desta Cidade, e anda*
reír, india. e havendo alguinc tía» ditas cousas, os Quadrilheiros desta Cidade
de Lisboa o taráó logo a saber ao Corregedor, ou Juiz de seu Bairro ; e os
ditos Corregedores, ou Juizes se informarás com diligencia do que tssi os
Quadrilheiros lhe disserem : c achando prova bastante, para prenderem os
culpado?, os prenderão, e procederás contra elles, como for justiça ; e cada
remana iráo dar conta ao dito Julgador do estado da quadrilha; c qualquer
Quadrilheiro, que em sua quadrilha souber, que andão semelhantes pessoas,
sem cumprirem o que lhes aqui he mandado, incorreráõ cm pena de dous mil
réis, ametade para quem os accusar, e outra para Captivos ; c provendo-sc.
que os favorecem, e consentem andar na quadrilha, seráõ presos, c condcmnados
em um anno de degredo para Africa ; e item disso, se a pessoa vadia, ou
estrangeira fizer algum furto, ou damno a alguma pessoa, o dito Quadrilheiro
com os da sua quadrilha, que consentirem entre si indar a tal pessoa, pagaráõ
á parte damnificada o damno, que receber.
6 Item seráõ os ditos Quadrilheiros, e homens dc suas quadrilhas muito
diligentes «n acudir ás v<1fas. e arruidos, e insultos com suas armas (4),
c faráõ de maneira, que prendão os culpados : e se logo no arruido. ou outro
qualquer dclicto, a que acudirem, os não puderem prender, córrão apoz elle?,
appcllidando : Prendão fuão da parte d'EIRci : a qual voz sahirão logo
todos os da sua quadrilha ; e dc quadrilha em quadrilha os seguirão até
serem presos ; e deixando os culpados de ser presos por sua negligencia,
serão obrigados a pagar ás partes o damno, que rcccbcráõ, e poderão haver
do malfeitor, se fôra preso ; c alem disso, o Quadrilheiro, que estando pre­
sente, não acudir aos arruidos c insultos, pagará por cada vez quinhentos réis,
c os da quadrilha duzentos réis para o Mcirinho c Alcaide, que os accusar.
7 Item, sendo caso, que seguindo o Quadrilheiro algum homiziado para o
prender, c elle sc acolher a r a n de algum poderoso, elle com os da quadrilha,
que o seguirem, guardarão a porta, ou portas da dita casa, c mandarão recado
ao Corregedor, ou Juiz do seu Bairro, ou do cm que a pessoa poderosa viver,

(2) V. Liv. 5 T it 68 das Ordenações Filipinas.


(3) V. o mesmo Alv., § 21.
(4) V. o mesmo, § 20.
— 411 —

o qual deixando tudo, acudirá logo, e fará o requerimento á tal pessoa pode­
rosa, para lhe entregar o delinquente, na forma de minhas Ordenações (5) ;
e sendo a pessoa, aonde o dito malfeitor se acolher, pessoa Ecclesiastica, não
querendo entregar, nem consentir que as casas se lhe busquem, por esse ef feito
será suspenso de qualquer jurisdicçào. que de mim tiver, até minha mercê.
8 E acolhendo-se a algum Mosteiro, ou Igreja, íicaráõ em guarda delle,
c mandaráõ recado ao Corregedor, ou Juiz do dito Bairro, para neste cuso
proceder na forma da Ordenação.
9 E para com mais diligencia os Quadrilheiros acudirem ás voltas e
armidos, c outros delicies, que nesta Cidade se commettcm, hei por bem, c
mando, que as espadas, punhacs c adagas, ou quacsqucr outras armas, com
que forem tomados os delinquentes, que os Quadrilheiros prenderem, lhes
sejão julgadas por perdidas para dies, c os de sua quadrilha, pelos Julgadores
doii Bairros de suas quadrilhas, que forem na prisão, c isto não sendo armas
defesas por minhas Leis e Ordenações ; porque nestas se guardará o que
cilas disjwcin : e assi haveráõ as penas pecuniarias dos delinquentes, que dies
prenderem por matarem, ferirem, ou arrancarem nesta Córte, na fúrnia, em
que por minhas Ordenações se julga aos Meírinhos e Alcaides, que semelhantes
prisões fazem, as quaes se repartirão pelos Quadrilheiros, e os da sua quadri­
lha, que farão presentes.
10 E mando acs Coiregcrlcxes do Crime, e dc minha Corte e aos da
Cidade, c Juizes do Crime delia, saibão por informação particular das teste-
muiihas. que para isso tomarão, se os Quadrilheiros, c homens das quadrilhas,
que cahirem nos Bairros, que lhes estão encarregados, cumprem este Regi­
mento ; e procedão contra os que acharem culpados. E este Alvará c Regi­
mento hei por bem e mando, que se cumpra, posto que não seja passado pela
Chancellaría, sem embargo da Ordenação cm contrario. Dado cm Lisboa a
12 de Março. Pedro de Seixas o fez escrever, anno do Nascimento dc
N. S. Jesu Christo de 1603. Rei.

(5) V. Liv. 5. Tit. 104. § 3.° das Ordenações Filipinas.


Do tomo 1." das Leis, Alvarás, etc., da "Collecção Chrono’ogica dc Leis
Extravagantes” — Coimbra. Na Real Imprensa da Universidade — 1819.
As notas deste Regimento são da edição Coimbra.
CRÍTICA DE LIVROS

HISTÓRIA DA LITERATURA BAIANA,


DE PEDRO CALMON

FEIJO BITTENCOURT

As velhas histórias literárias brasileiras gastaram-se cm apon­


tar poetas e prosadores, c cm assinalar perfeições, levando nisso
tempo. Indicaram então gênios, e esta foi a colheita que fizeram.
Falaram assim cm perfeiçõcs e gênios: duas coisas dificeis de defi­
nir para que não sc saiba quais mencionar.
A escolha que fizeram, redundou em dúvida tão maior quanto
mais decidiam, no caso, levados dos pendores pessoais.
Êsse modo de ver as coisas, uma tal cata dc perfeiçõcs, isso
decerto que ficou de Voltaire, ou de antes e mesmo já do sé­
culo X V II, em França, e representa feitio tão dele em apreciar as
literaturas: mas é a feição tão corrente em certa fase da cultura
brasileira que os brasileiros escreveram a história da literatura bra­
sileira nos moldes volterianos.
Entretanto a maneira de Voltaire apreciar as letras não era
criação déle. Explica-se com a História da França. E ’ peculiar a
essa nação, e concernente a uma certa época. Torna-se numa par­
ticularidade do pais e não é um critério para manter fora déle.
Entretanto a preocupação com a finura da poesia francesa levou a
que comparassem, à métrica de Musset, nos versos do beatificado
padre Anchieta, para valorizar o que o santo homem escreveu. N a
verdade, nada de parecido. O espirito poético do apóstolo do Bra­
sil vale pela unção, pela religiosidade, pela simplicidade cristã,
sendo a sua poesia mais expressiva nos versos do poema por êle
dedicado à Virgem Maria, que dizem respeito da psicologia da
santidade. Isso vai muito além do poeta francês. A comparação
feita é de pôr dc lado.
M ornet dá a razão de ser histórica do critério que Voltaire
abraçou para falar das letras em França. Reporta-se Mornet a que.
— 413 —

“após as lutas cuín a Fronda, o poder real se firmou de tal maneira


absoluto”, que, com isto, a sociedade francesa se comediu discreta
preocupada com a compostura de maneiras e vida de córte, para a
literatura se tornar discreção e finura.
Sobrelevam-se os salões de F rança; tudo são atitudes polidas,
regras de decoro com que todos se preocupam cuidando de que era
feio e ridículo não observar c ignorar a etiqueta.
O decoro e a perfeição de costumes ficam sendo a coisa que
tinha curso em uma sociedade a ter olhos inteligentes fixos no po­
der que o rei firmara vencendo na ocasião tõdas as questões sociais,
religiosas, políticas, etc., etc.
O respeito que havia era por essa vitória absoluta do monarca.
As letras então eram pouco. Ficam sendo, o agrado, a finura,
o comentário mundano em que uns crifcam os outros numa atmos­
fera de discreção e esmerado respeito ao rei posto acima de todos.
Com isto surge o bom gôsto. o gôsto fino, o espírito de finura.
Obras geniais são as orações fúnebres de Bossuet a lembrarem
a vida dos principes, e das princesas ou rainhas de sangue francês.
L a Bruyére. a quem chantam "o historiador do século" por ter êle
escrito os Caracteres, livro no tom de comentários mundanos numa
linguagem cortês, se estende a respeito das pessoas que viviam em
sociedade. Não se passava disso, cm literatura. As Memórias de
Saint Simon transpiram como que ttnção diante do poder real;
mas historiam intrigas e comentam a sociedade submissa ao poder
do monarca.
A poesia é finura c perfeição: Boileau dita-lhe uma A rte poé­
tica .
O teatro de Racine ainda é um fino comentário, austero, das
paixões de mulheres. Em tudo sobrenada o respeito e o munda­
nismo. Assim, [telo menos, se criou um gôsto especial, que passa
do século X V II [tara o século X V III. E isso rqtrescnta, em lite­
ratura, uma repulsa aos libertinos, gente irreverente^ conhecida das
ruas e que sendo do século X V I precedeu a ésses grandes espíritos
de córte, dominantes no século X V II.
"Passaram os libertinos a ser perseguidos c castigados de
morte”, [tor se terem envolvido na política que acabou vencida pelo
rei. "Escondem-se. Exilam-se. Ou se calam, e. quando falam é
baixo. A partir de 1660, êles iam desaparecendo, diminuindo de
número” .
Voltaire que aspiraria ser como os libertinos, mas, vivendo êle
no século X V III, estende a mão àqueles, por sobre o século X V II.
— 414 —

Recebeu, entretanto, deste século X V II o bom gósto, que ele adota


como um legado precioso, para, inspirado nesse bom gósto, escrever
a História Universal, reformandu-a, e a história literária, multi­
plicando-lhe comentários.
Já me prolongue! alhures acerca da maneira de Voltaire fazer,
da História Universal, um grande panorama em que o bom gósto
vai destacar e descrever os séculos áureos.
No século X V III. doutrinando a respeito da literatura, ficou
Voltaire a escrever ao gósto do século X V II. Não se emancipou
E éle assim ficou sendo artificial, sem perceber que as literaturas
tem a expressão social, política do pais em que florescem.
Havia de ser Sainte-Beuve que, na França, rasgou novos ho­
rizontes para a história da literatura, escrevendo o livro famoso.
Port Royal.
Curiando dos jansenistas, fez a historia do pensamento fran­
cés. Esclarece o que foi a reação contra o protestantismo c todas
as suas modalidades, para então assentar as liases da literatura fran­
cesa. Esta é pois a significação do seu livro, apontado entre os
seis maiores que a França produziu. F. desde ai não mais a retórica
nem a arte poética pesaram na historia da literatura, porém a his­
toria do pensamento.
O sentido da historia da literatura, com Sainte-Beuve, estava
pois indicado.
Porém, ao Brasil chegou primeiro o feito volteriano de escrever.
E quando as modificações no gênero trazidas por Sainte-Beuve co­
meçaram a influir eu já disse que se escreveu uma história da lite­
ratura profusa, partidária, polêmica, sem equilibrio e sem sereni­
dade. De Voltaire a Sainte-Beuve vai considerável distância, que
muitos veem procurando transpor.
A história da literatura que Sainte-Beuve mudou de feição pas­
sou a ser uma investigação séria a respeito do pensamento de um
povo levando-se cm consideração todos os aspectos dêsse pensa­
mento. isto é. o aspecto histórico, politico, religioso, filosófico.
E escrever a história da literatura ficou sendo maior incumbência,
maior encargo. Ora, o S r. Pedro Calmon se propôs a escrever a
História da Literatura Baiana, mas apresentou nestes têrmos a
questão, dizendo que a “ história do pensamento brasileiro ini­
cia-se. . . ”
Fala o S r. Calmon em história do pensamento ao traçar uma
história da literatura. Mas. à história do pensamento, também se
refere Mornet quando tomou rumo intitulando o seu livro — Iíis-
— -115 —

loria <ia literatura c tio pensamento jraneís. Conjugou as duas


coisas. São pois as novas responsabilidades que surgem assim, ao
se ter que escrever história da literatura.

» * »

"A história do pensamento brasileiro inicia-se em 1556, cotn


o Curso de Letras que os jesuítas fundaram na Bahia, abrindo o
Colégio, depois de terem aberto a igreja" — assim o S r. Calmon
começa a sua História da Literatura na Bahia, fazendo da criação
do Colêgiô o primeiro capitulo do seu livro.
Que representava esse Colégio?
Sc não sc fizer uma diferença, a idéia sobre a qual insistiram
os jesuítas, dando inicio ao cultivo das letras no Brasil, passa desa­
percebida em parte, e não se há de ver a maneira expressiva com
que voltaram éh-s a ela. O que os jesuitas pensaram logo em fazer,
não no quis Portugal por compreensível interesse seu.
A diferença então a fazer é entre o plano político dos jesuitas
na América, e a política portuguesa no Brasil.
O s jesuitas chegaram á América do Sul pensando logo em
elevar a instrução de que se encarregaram por missão religiosa.
O Coligió que instalaram já estava, porém, no acôrdo que tiverau
com o governo de Portugal, devendo a instrução ministrada "d ó ■
dir-sc em primária, para meninos catecúmenos e de Artes que te­
nham o caráter requintado de seminário de humanidades compu­
tada pela Faculdade de Filosoiia — com a condição de ser prope-
déufico a Universidade de Coimbra". Ai, está tudo dito. Porém não
se sabe porque logo ministrar o ensino da filosofia entre povos ru ­
dimentares, que a Religião cristã chamava a si. No Brasil, desne­
cessária seria essa filosofia. Mas é que os inacianos viam outra
coisa. Viam na America uma sociedade nova em que se desdo
braria a européia e que. guiada por êles, se oporia á Europa já ein
grande parte protestante.
Anteciparam-se pois na idéia de equilibrio do novo com o ve­
lho continente.
Mas logo falaram até mesmo em criação de Universidade no
Brasil. Sim: foi o que Portugal não quis, exigindo então que o
Brasil se completasse com o velho Reino, onde já estava Coimbra.
U ensino dado no Brasil fõsse, nesse caso propedêutico, c o a rre ­
mate ficasse em Portugal.
A idéia do governo português se conjugou â do jesuíta, que
achou natural não contrariar os portugueses, posto que inconve­
niente não havia em ser cordato.
— 416 —

Mas a posição segura em que estaria unia sociedade separada


da Europa pelo Atlântico, êlés, jesuítas, logo perceberam, e Vieira
mais tarde ainda insiste, junto ao rei Dom João IV a finí de que
não sofresse mais impertinência do rei de Espanha, na mudança da
Coroa para o Brasil.
Ora, liem que se podem levar as bases dessas primeiras letras
da Bahia (e naquele tempo era tôda a literatura brasileira) até o
grande cenário politico do nnindo, em que os jesuítas figuravam.
Pode-se mostrar que elas se estendiam até a grande cisão religiosa
entre a Europa, com os seus povos do M ar do Norte enriquecidos
pelo comércio, e Roma, entre o protestantismo e o catolicismo. Dai
a necessidade de filosofia, logo indicada para ensinar.
Não digo que se tenha formado uma grande escola de filosofia
no Brasil. Mas o grande pensamento que inspirava os religiosos
de Santo Inácio, pairou sôbre as terras americanas.

E o Brasil como caminhou?


De um lado o pensamento politico muito amplo c de mu alcance
universal, formulado pelo jesu íta; mas do outro, o que era humilde.
Humilde, o S r. Calmon chamou ao oficio de escrever. “ Os pri­
meiros escritores que no Brasil exerceram o seu humilde oficio
foram ("scriplores Provincial! Brasiliensis”) os padres Manuel da
Nóbrcga e José de Anchieta” .

E como não havia quem lesse, quem tivesse o espirito formado


para a curiosidade da leitura, livros contudo se escreveram, mas
para serem lidos em Portugal. Apareceram “ os saborosos livros
de Pero de Magalhães Gandavo (autor, em 1574. de uin Manual
de ortografia) — Tratado da Terra e Gente do Brasil c História da
Provincia de Santa Crus, que não conhecia ainda Escrivão da Torre
do Tombo, fêz êlc à distância, e em quadro nebuloso, o que a seguir
intentou, com luz própria é a vista das paisagens, Gabriel Soares
de Sousa, um dos colonos mais ilustrados do Século X V I".
Longe mesmo que estivessem, no Brasil, a intenção já era es­
crever, informar, Portugal acérca das terras descobertas: o pri­
meiro documento literário nesse sentido informativo, c que partiu
do Brasil, é por certo a carta de Pero Vaz Caminha. Por fim, já
a História do Brasil dc frei Vicente.
— 417 —

O segundo capitulo do livro de Calmon é Os primeiros livros.


E os primeiros livros que se escreveram sobre o Brasil, foram
ésses.
* * •

Mas a expressão política que o S r. Calmon dá á literatura (e


com o que cstou de acórdo), o ambiente politico c social em que
¿■le a coloca, Ihe proporciona logo o terceiro e quarto capítulos do
seu livro:
Cap. I II Padre Antonio Vieira.
Cap. IV . A geração de Gregorio de Matos.
Gregorio de Matos trouxe o que há de humano c pessoal para
a literatura. Mas a geração déle está no quadro que o S r. Calmon
sabe como pintar: "N o meado do século X V II encontra-se na Ba­
bia — representantes da melhor literatura |>ortuguí-sa — o escritor
exilado Dom Francisco Manuel de Meló" que viveu no bairro do
M onserrate ni escrevendo “ a maior e mais notável parte dos A p ó ­
logos D ialo g a is..."; “ o poeta capitão Antonio da Fonseca Soares
(na religião frei Antonio das Qtagas — que em 1676, escrevia a
um amigo de cá "sabe Deus que tenho um ardente desejo de pas­
sar a essa te r r a .. . para que ésses países me viram escandaloso ao
menos arrependido” .
Êsse o destino do Brasil: um exilio de escritores. Nessc exilio
amargurado, as letras como lenitivo. U ns elevando-as alto; outros
fazendo-as descerem baixo; e estes começam com Gregorio de
Matos.
— "N ã o foi feliz, em Portugal; perdeu por desidia ou desin­
teresse a honrosa incumbência de procurador da Cantara da Ba­
bia. . . ” Estava-lhe pois aberto o caminho de volta para a sua cidade
natal, no Brasil. Desleixado por desgosto de deixar donde vinha,
nem o emprego de desembargador da Relação Eclesiástica o con­
tentava para que se emendasse. Sem corrigir-se, caiu no relaxamento
<!c costumes.
E ’ então, que muito baixo Gregorio foi buscar e "introduziu
um valor novo na poética popular que foi a nota política avivada
de nativismo. Acorre à defesa dos “ naturais do Brasil” ; estranha
a fortuna dos forasteiros; quer equiparação dos destinos; vin­
ga-se . . . ”
Porém, reconhecendo às vezes a sua irremissivel decadência
moral, êle vê despertar o gênio que possuía, escrevendo versos come­
os do admirável sonetà — Buscando Cristo.
— 418 —

" E ' (^êle) o advogado arrogante dos "mauzombos”, dos que


no Brasil nasceram, dos conterrâneos. Revolta-se, numa cólera
estrondosa, extensiva à cidade corrupta, ao povo__ Engendra a
poesia licenciosa da boêmia estudantil, marcando-a com o humoris­
mo escabroso da vadiagem alegre. Põe cm circulação a chalaça
rimada, não raro imunda".
Quer dizer que, de todo canto, de todos os desvãos da cidade,
que se formava, veem as letras, veem até da gente desabusada.
Ludwig Ixiw inson conta, em sua Psicologia da Literatura Am eri­
cana, qualquer coisa de idêntica nos Estados Unidos, onde então,
nas cidades, de um lado ficava o espirito puritano sendo o gênero
literário o sermão; mas, do outro lado, a licenciosidade, a porno­
grafia e "um vocabulário de epitetos habituais" que ficavam acom­
panhando as pessoas então assim de todos conhecidas nos meio»
urbanos que eram pequenos.
Ora, o mesmo no Brasil.
Mas o sermão no Brasil seria diferente do sermão dos purita­
nos, cuja prosa era vulgar "indigesta”, própria da linguagem do
homem sucumbido de estar expulso da sua terra “ graciosa e cheia
de recordações", pela guerra de religião.
No Brasil o pregador era o Jesuíta. A idéia que ele tinha em
mente era brilhante c precisa. Ao em vez dc uma inteligência aca-
çapada havia então um espírito político ilustre, audacioso. Um
estilo incomparável. Assim foi Vieira.
O terceiro capitulo do livro do S r. Calmon já eu disse que
versa a respeito do pregador de expressão máxima no momento.
O Vieira que o S r. Calmon tios mostra é pois o homem dc
ação no Brasil, o homem a lutar cm prol da grande idéia que os
jesuitas encarnavam. O Vieira que êle nos faz ver. é aquele Vieira
que subiu “ aos páramos da eloqüência e coroou <lc fulminaçõcs
cósmicas a ameaça de cativeiro da cidade cristã". E Calmon tran s­
creve o trecho de sermão;
— “ Se detennináveis dar estas mesmas terras aos piratas de
Holanda, por que lhas não destes em quanto eram agrestes e in­
cultas. senão a g o ra ? ... nos mandastes primeiro cá por seus apo­
sentadores, para lhe lavrarmos as terras, para lhe edificarnios as
cidades, e depois de cultivadas e enriquecidas lhas entregarmos ?"
Isto Vieira diz a Deus, a quem interpela.
E esta é a primeira resposta aos que hoje, perplexos diante
das instalações cômodas do govérno holandês no Brasil, faz.xti-se
apologistas do flamengo lastimando que se expulsassem os inva­
sores. Vieira é que deu a êsse aleive a primeira resposta. — Mas
cultivaram os holandeses o que era dos portugueses? E ttão vieram
— 4 ’9 —

cm busca <lo <jue não era deles? A segunda resposta fundamentou


a Hermann W ãtjcn. autor holandês de tanta publicidade e que inos­
tra como essa Holanda, a sua pátria, não foi capaz de movimen::'
as industrias de cana já instaladas, nías paralisadas sem recursos
com que se moverem, despojadas do que o holandês não soube dar
devidamente.
Uma história da literatura deve ser feita com éste senso das
coisas familiares ao historiador e nao há de ser uma visão superficial
em que se conterem as figuras de retórica da literatura de uni povo.
As letras acompanham a história do país, c falam nela com clareza.

Mas literatura não c apenas os grandes retratos ncm a medida


da estatura dos grandes vultos, é também a descrição do mc'o para
saber-se, nele, até onde vão as artes. Ela é a reabilitação dos poe­
tas menores, em que fala Horacio, porque de fato êlcs penetram a
vida criando expressão literária c fazem das duas coisas — escre­
ver e viver ativamente — o mesmo empenho. E ' assim qtte surgent
dignos de atenção, na geração de Gregorio de Matos, um Bernardo
Vieira Ravasco, irmão de Vieira, e um Eusébio de Matos, irmão de
Gregório.
O irmão do poeta subiu ao púlpito. “ Começou jesuíta, mas,
por seu procedimento irregular, foi posto fora da Companhia e se
meteu frade no C arm o.. . levando do Colégio para o convento
grande fama de orador, tão logo, poeta, pintor".
Mas o irmão de Vieira fêz versos, e “ foi soldado, primeiro se­
cretário do Estado e organizador da secretaria: uma das pessoas
principais da terra, "pessoa de maior experiência daquele Estado”,
na frase de Antônio Vieira".
“ O gênio assomadço e altivo, continua informando Calmou,
fizeram-lhe difícil a carreira, lançando-o contra dois governadores
vingativos... No último episódio figurou a seu lado o padre Vi­
eira, a cuja intervenção se deve o fim discreto que teve o caso do
assassinato do alcaide-mor. Bernardo escrevia bem a sua prosa —
perdida nas memórias que lhe ficaram inéditas — e o verso elegiaco
ou erótico, de que se conservam vários modelos. Se coligióos dariam
Ixim volum e.. . mostrando um poeta verboso e medíocre” .
Essa maneira de tratar a literatura vai dando sentido a ela que
corre então límpida da fonte que é a história.
E ntretanto...
— prefaciaram-se histórias da literatura citando Humboldt e
Buckle para engrandecer o espetáculo da Natureza no Brasil.
— 420 —

A literatura em nosso pais devia então se inspirar em nossa N atu­


reza. Eucídes da Cunha descrcvendo-a, sugestionou que a litera­
tura tinha de se voltar para ela.
Essa tendência teve os seus partidários, os seus imitadores:
mas isto não passou de um extravio, dc uma contribuição quase
que não prestigiada. E O s Sertões de Euclidcs da Cunha ficaram
sendo só Os Sertões.
Ajustou o S r. Calmon as letras à História, referiu-se ao meio,
à situação do escritor nesse mc'o. c isto fêz para que melhor se
compreendam as letras e para que melhor se perceba a História,
compreendendo-se as letras. E ’ éste sentirlo que ele deu ao seu
livro, e o faz versado como o c cm História.
Houve tempo que se cuidou dc descrever a Natureza: a arte
era pois a Natureza vista através de um temperamento. Assim,
como que se limitaria a ela.
A descoberta da América, de fato, influiu muito nessa descri­
ção da Natureza. Mas. neste caso, não era a Natureza que se im­
punha à arte; com a descoberta da América, a curiosidade era pelo
continente descoberto, c o fato histórico do momento é que provo­
cava a curiosidade pelo novo mundo encontrado, que a arte passava
a se referir.
Chateaubriand, com a imaginação que possuia, celebrizou-se
fazendo da Natureza americana grandioso assunto em que a proso
francesa chegou a uma expressão poucas vezes atingida. A atenção
de todos voltada para a América c que provocou o grande êxitu
rias páginas escritas, não sendo a perfeição detas que lhes dava
celebridade, mesmo porque as Memórias de além túmulo, em que o
estilo de Chateaubriand alcançou uma perfeição impar, publica­
ram-se entre certa frieza.
Pensando que a literatura era a revivescência da impressão re­
cebida do ambiente. Tainc ainda criou a teoria do m eio.. . a lite­
ratura seria o espelho do m eo e o meio pode-se ainda considerar
nesse caso do famoso historiador, como sendo a Natureza, Sim:
mas vale a compreensão histórica que sc tiver dessa Natureza; a
história da expressão ao meio, e o meio se esclarece, se torna de
algum modo compreensível por meio da história.
Com o S r. Calmon as coisas ficaram certas. A literatura é his­
tória. E ’ elemento de compreensão do passado. E ' o momento his­
tórico, como êle fôr na ocasião. E ’ a sociedade na cpoca, como pro­
cura dela saber a H istória. Neste caso a História vai buscar na
Literatura, o documento de que precisa.
— -121 —

O espírito de historiador já tão trabalhado no S r. Calmou,


favoreceu-o para que èle desse feitio tão profundo à História da
Literatura Baiana.
* * *

A posição que os jesuítas tiveram na História, c essa posição


que êles perderam! De uma coisa para outra, há transformação
completa. O S r. Calmon dá muito bem por ela. Tudo sofre pois
grande modificação, com a expulsão dos jesuítas, do Brasil.
Não mais uma diretiva certa, não mais um objetivo social pre­
ciso e bem marcado para levar adiante a sociedade. Porém a cen­
sura: “ a grande providência tomada pela Coroa foi a instituição da
Mesa Censoria”, observa Calmon.
A substituição não satisfaz.
A censura para reconduzir o que houvesse e ficara disperso;
porém não mais a unidade, a energia de orientação, a segurança
que recorda Calmon escrevendo: “ com o fechamento do Colégio
(da Companhia de Jesus) se encerra o enshio orgânico das Artes,
dissipa-se o humanismo cultivado nesse curso metódico de conhe­
cimentos gerais, latinidade e filosofia, dispersaram-se os mestres
casuistas c retóricos".
Quer dizer: perdera-se uma estrutura de pensamento, de dia­
lética, de discussão, de aparelhamento das razões que os homem
haviam de trocar formando o seu pensamento.
Dai em diante, isto é, sem os jesuítas a figurarem mais na his­
tória da literatura, o S r. Calmon deduz os títulos dos capítulos que
havia então de escrever. Vem logo: Geração bocagiana. E o autor
da História da Literatura Baiano, não despreza lembrar "a fama, de
que Bocage, nos seus fracos estudos, era mau latino".
Que são bocaganos da Bahia? Uma “escola arcádica e 1>oê-
mia” .
Gente orientada por motivos menores e reunida a esmo pt'
espírito chistoso de fazer literatura.
Depois, sim, virá orientação duradoura c mais expressiva, rela­
cionada com nova gente inspirada pelas ciências econômicas, Con:
esta é que surge José da Silva Lisboa, economista; há também <
naturalistas com quem muito se preocupam na época. Representa­
vam estudos sérios por que se interessaram os reis de Portugal,
principalmente Dom João V I.
— 422 —

Assim é que o século X V III, no Brasil, ainda veio a ter certa


consciência enlronhada nas ciências, então em grande desenvoh
mento universalmente.
Falara Calmnn que este século X V III começou com a expulsão
dos jesuítas do Brasil. Falou com isso em transformação.
A principal transformação é a das diretrizes do espirito social.
Não mais aquela dos jesuítas com tão segura compreensão histó­
rica. Em vez dela, as novas ciências: a Economia Política e as Ci­
ências Naturais que se desenvolveram, que se aprofundaram, que
interessaram mn Goethe, que dariam no século X IX um Darwin
a transformar os conceitos gerais e a modificar o espírito das ci­
ências.
O Brasil acompanhava esse movimento, não propriamente in­
teressado na modificação de conceitos lançados pelas ciências na­
turais. mas interessado na pesquisa da fauna c flora brasileira e seu
aproveitamento econômico. O interesse era tanto que, era um dos
primeiros discursos pronunciados no Instituto Histórico, um seu
presidente c historiador de fato se preocupa com a história natural,
para dizer repetindo Vitor Cousin:
“ Dai-me a carta de um pais, sua configuração, seu clima, suas
águas, seus ventos e tóda a sua geografia física; informai-nie de
suas produções naturais, de sua flora, de sua zoologia.. . c eu mc
comprometo a dizer o priori — a idéia que éste país c clamado a
representar” .
Mas as letras?
O S r. Calmon volta a cias dizendo o que são: Velha poeria em
stciilo novo; pois assim intitula um capitulo do seu livre.
Refere-se Calmon a X o .-Ircúdiu, a retomar com monotonia
os clássicos por modèlo. H á nessa poesia de imitação muito ver­
balismo. Ela caminha com o imitar. Isto enquanto não surge um
Junqueira Freire; uma vida atribulada que explica a grande ins­
piração do poeta baiano.
Porém “ Domingos Borges de Barros — depois visconde da
Pedra Branca — é o maior da época". Sim, o maior de uni con­
vivio literário dc gente que se agrada das letras, com elas se diver­
tindo.
“ Poeta de fibra embotada pelo refinamento social e pela fortuna
política, estrangeirado nas suas viagens e imbuido, com os bacha­
réis contemporâneos, de cultura francesa, ficaria improdutivo ou
medíocre, se a dor não lhe despertasse o sentimento delicado. Não
— 423 —

importa o que tenha escrito, aliás esporádicamente, numa vida de


um diplomata, cm cujos ocios, na Bahia, o achamos a chefiar uma
roda de p o e ta s ..." Quer dizer: mundanismo c letras, uma vez que
estas estavam implantadas na sociedade baiana. Vivia entre os seus,
como o m eo o levava a viver. Porém com espirito. Com elegância
importada da Europa. O seu poemeto "O s túmulos é sua obra-pri­
ma, senão o que fez tie mais belo numa poesia desigual, ora do
gõsto antigo, ora conccituosa, ou critica” . O ra enfadonha.
Mas o retrato está perfeito. A poesia era do gõsto da socieda­
de; a elegância mundana era Domingos Borges de Barros. A fi­
gura expressiva destaca-se então dc corpo inteiro na história da
literatura para se conservar definitiva prestigiando as letras mesmo
que o poeta revelasse deficiência: mas lhes empresta espirito, fi­
nura, prestigio social, que não faltava a Pedra Branca.
Essa poesia ainda não desprezava ser uma volta ao passado,
aos clássicos. Mas havia então «volvido a Eloqiiêitcia sacra.
Ela se modificou muito, c não é mais a do tempo dos jesuítas.
Frei Bastos, que Calmon cita, profere o sermão congratula­
torio pelo nascimento do principe da Beira, reverenciando todo o
tempo ao rei. Dessa eloquência se chegará a Monte Alverne, o tom
é o mesmo, e as circunstâncias iguais. Porém como já se está longe
de Vieira que é censura a todos, que invetiva a política contra os
holandeses, c que se aventura a proferir apóstrofes atrevidas?
Assim foi o S r. Calmon coligindo o que faz compreender os
gêneros literários e o destino que foi tendo as. letras na B a h ia ...
V iu. Disse tudo com m uita finura e elegância. Depois de tratar
das letras eruditas, dos jornalistas, historiadores, dramaturgos,
mestres e pedagogos, gramáticos filósofos, de tudo que uma socie­
dade culta vai adquirindo, fala então n'O s médicos.
O s médicos seriam então uma atividade do pensamento.
Eles é que foram alcançando conhecimentos que se vão arma­
zenando : um capital que a sociedade vai tendo. Mas- antes daqueles
espíritos de uma independence elegante, como Pedra Branca;
antes da cultura cientifica que se foi formando com os médicos;
antes de haver tuna poesia acadêmica, mas já, propriamente, sem
haver mais academia: academias existiram no Brasil, academias
com o seu feitio legitimo.
Houve academias durante o vice-reinado. "Coincidia quase a
fundação da Academia dos Renascidos com a expulsão da Compa­
nhia de Jesus”, diz Calmon. E ' que uma coisa substituiría a outra.
O jesuíta orientava a cultura; a academia vai policiar a manifesta­
ção do pensamento. A diferença entre uma coisa c outra, está cm
que uma é a grande política, é política na sua expressão mais culta;
a outra c policiamento uma vez que o Estado se enfraquece à me­
dida que corre o século X V I I I : um Estado que vai cair na mão dos
burgueses sem grande formação cultural.

Em matéria de erudição, as coisas, de fato, se recompuseram


de algum jeito. O Brasil politicamente subiu de categoria chegando
a Vice-Reinado, e as letras o acompanharam tomando expressão
oficial na .deademia dos Esquecidos. O autor da História da Lite­
ratura Baiana insiste em dizer que a convocação dos literatos era
“ provocação de Dom João V, que criara em 1720 a Academia Real
da História 1’ortuguêsa”, mandando, em 31 de março de 1722 "que
se fizesse coligir as informações precisas “ para a composição da
história Portuguesa que encarreguei” “ a Academia Real”, na parte
relativa ao Brasil” .
Também no Brasil se ia lazer mais ou menos o mesmo com as
letras: " O vice-rei... lhes deu ensejo, fundando ent palácio a elea-
dcniia Brasiliea dos Esquecidos.
Deu-lhes oportunidade de aparecerem cm público, uma vez
que os poetas eram muitos como conta o Peregrino da América,
a quem cita Calmon: "N o nosso Estado da Bahia (falo dos nacio­
nais da cidade da Bahia e seu recôncavo), foram e são tantos os
poetas, que bem pudera eu dizer, que nêle estava aquéle decantado
monte Parnaso, onde disseram os antigos existiam as Musas; por­
que. verdadeiramente, apenas se acharam, entre cem fdhos do Bra­
sil que versaram e versam os estudos, dez que não sejam poetas,
porque os 90 todos fazem versos latinos e vulgares” .
As academias, cm certo tempo, estiveram cm moda, mas foram
meio de governar. Eram o governo que se prolongava através das
letras, como o fazia, na Roma de Mecenas, reunindo Virgilio, H o­
racio, que se tornaram propagandistas da economia agraria, na­
quela ocasião a interessar o Estado.
A Academia de Letras Francesa, foi, depois da Fronda em que
se envolveram os literatos conhecidos por libertinos, a política de
Richelieu a convocar escritores para estarem assim no partido do
Estado.
E is que Dom João V, a n nada atrasado no que tinha tie fazer,
abriu os olhos para o que ia cm França. Quis academias. E houve
— 425 —

academias no Brasil, na Bahia. Bem as explica assim o S r. Cai­


nion.
Calmou, historiando a Academia dos Esquecidos e a dos R e­
nascidos, tira das duas que houve, a história do academismo daquele
tempo, no Brasil.
A primeira teve motivo em uma política, pelo menos, ilustrada.
A segunda que era a dos Renascidos tomou respiração provocada
por uma iniciativa pessoal.
Gente de boas letras teve assento nessas tertúlias. Da pri­
meira. a dos Esquecidos, o titulo já indica o fim que ela teve.
Viveu deslembrada. e Sem maior expressão: uma vida à margem
que não era aquela que. na França, o cardeal ministro de Luís X III
procurou dar aos homeús de letras.
A dos Renascidos fôra uma reabilitação do esquecimento a que
voltaram os Esquecidos. Viveu descuidada. A iniciativa de tun lio-
mem despertara, com ela, o academismo.
Mas eis que surge uma política nova, imperiosa, intransigente,
presunçosa. Em Portugal a intolerância; no Brasil a Academia dos
Renascidos, distraída do governo português, e a aceitar no seu seio
quem estava no desagrado dos poderosos. Isto a levou à perdição.
Estava assim provado que o regime pombalino não suportou
academias. . .

Xo desaparecimento da Academia dos Renascidos, não deve­


mos ver senão um caso particular de desentendimento entre dois
homens, e. nesse sentido, se compreendam as palavras do Senhor
Calmou.
Uma ocorrência, tun desentendimento entre Pombal c o desem-
largador José Mascarenlias que presidia a reunião de letrados, um
"acontecimento superveniente", precipitou tudo, agravou culpas, e
fêz acabar a Academia.
De fato ela se reunira "sem licença régia, autorização de Pom­
bal, apoio ou tolerância daquele tenebroso despotismo. Isto mes­
mo objetaram, na sessão inaugural, pessoas prudentes como o chan­
celer da Relação (Tomás Roby), o procurador da coroa (Luis
Quiniela) o provedor da fazenda (Pegado Serpa) e o sargento
mor Ferrão Castelo Branco. Pensou José Mascarcnhas que os
"outeiros” , dedicados à glória de el-rei e ao seu ministro lhes aquie­
tariam as prevenções, e acabariam aprovando a idéia. Diga-se
— 426 —

desde logo, não foi a fundação da Academia que a perdeu". H ou­


ve o que “ agravou-Ilte as culpas: a demora, na Balda, da esquadra
francesa do comandante Marnier, tão favorecida ai que os ingleses
se apressaram em apresentar ao governo de Lisboa uma queixa
formal. Aquilo alndnva a a lia n ç a...
“ Pombal encolerizou-se e mais se irritou com o desembargador
Mascarenhns, por ter incluido M r. Disiers. um dos oficiais fran­
ceses. como supra numerário na Academia dos Renascidos; c expe­
diu ordens fulminantes, José Mascarenhas foi enviado, prisioneiro
de Estado, por tõda a vida, para a fortaleza de Santa Catarina; e
assim terminou o seu sonho literário na América".
P.ste não era pois um caso geral de incompatibilidade com as
letras, que levava a um tal desfecho. A política de Portugal com
o Brasil não era. porém, de restringir a cultura. Muito pelo con­
trário. E o Sr. Calmou, no capitulo Bacharéis dc Coimbra, mostra
qual o interesse da Coroa em assunto de cultura no Brasil.
Brasileiros frequentavam a Universidade portuguesa, como
alunos e ali passaram ao professorado. Eram então muitos da Ba­
hia, a célula mater da formação social e administrativa que Por­
tugal descobrira.
Êsses bacharéis hão de ser apreciados dc duas maneiras.
Eram gente brasileira que Portugal chamava a si, formando-
Ihes o espirito, dando-lhes alta cultura, e já os apontou a história
por diversas vezes.
Latino Coelho os colige na biografia de José Bonifácio, em
que o escritor português diz quantos filhos do Brasil chegaram a
professores em Coimbra. Uma aluvião déles. Quase que o p ro ­
fessorado da Universidade na parte em que se lia o direito e as
ciências naturais.
Êsse aproveitamento de brasileiros era para fazer Portugal in­
tegrar-se com o Brasil e o Brasil com Portugal. Política muito
ampla e de formação muito profunda.
Compulsar os nomes de brasileiros nomeados mestres em Coim­
bra, também os compulsou Oliveira M artins. Oliveira Martins e
Latino Coelho o fizeram para dizer da cultura da gente do Brasil.
Mas é necessário compreender a política portuguesa vendo que
ela proporcionou sempre ilustração aos que nasceram no Brasil.
Das coletâneas de nomes de brasileiros que lorant a Portugal
completar a cultura superior, hoje a maior lista de nomes não é a
— 427 —

<|tie orçou (.atino Coelho, na biografia <le José Bonifácio, nem a que
Oliveira Martins deu em O U RAS1L E A S C O L O N IA S PO R­
T U G U E S A S . O S r. Calmon estende muito mais a enumeração,
pormenorizando então as informações a respeito do êxito de cada
um desses brasileiros: eis uma página cm que se percebe melhor
aquela política de unidade cultural fomentada como elemento de
união entre Brasil e Portugal.
A verdade é que com a criação das valiosas ou desvaliosas
academias estava-se em transição da época dos jesuítas para o fu­
turo. Isto no século X V III que íicou sendo um século de apreen-
ções para o Brasil. Século das fronteiras a se gizarem. já se esbo­
çando assim o quadro das futuras nações da América do Sul. Sé­
culo em que se começa de modo definitivo o traçado do mapa do
Brasil. Mas das academias sem sucesso, aceitas para suprir a falta
dos jesuítas que se retiraram do Brasil. Isto era pois contar com
a sociedade ainda em formação, c que, perdendo os seus formadores,
se desnorteava ameaçando decair.
Um recurso deficiente para manter o que houvera. O que exis­
tira, mostra-se um todo coeso, uniforme c de grande projeção; o
que veio a ser. não passava de um conjunto de medidas para reme­
diar o que faltava. Certo policiamento, isto sim c que levasse a
sociedade além daquele estado de coisas. Algo sem sistema c sem
conjunto para manter o que íóra um sistema então desaparecido.
E neste caso revelava-se a dispersão que incentivava a violência da
reação para coibir a tumultuosa agitação com que se apresentava
por tôda parte o século X V III dispersivo.
Século em que no Brasil se perde muita coisa; mas se esbo­
çam outras.
Cultura de humanidades, que ficou subsistindo. Certo policia­
mento violento; e nenhum outro critério de conduzir os homens.
Uma época de vacilações. Contudo, grande espectativa 1
Muita gramática latina se continuou lecionando... Aritmética
c Geometria.
Sim : e anatomia e cirurgia principiam a ser ensinadas no Bra­
sil I Estas, se destinavam ao aprendizado dc uma gente meâ e con­
certavam o hábito de curar divulgado entre o povo. E ’ fazer pois
distinção entre a terapêutica médica e a cirurgia. Ver então como
esta, subserviente, acompanhava aquela. Aquela apanagiava tradi­
ções, rebuscava na Grécia os seus precursores. Com Hipócrates à
frente, imitava a filosofia na dialética, nas máximas, como acontecia
— 428 —

com os outros ramos do saber que na sua expressão máxima se tor­


navam filosóficos. Enquanto isto, a cirurgia vinha de uma prática
corriqueira e da observação modesta dos fatos.
Aponta o S r. Calmon, na história do pensamento da Bahia, os
médicos. Médicos cientistas a história conta muitos ali. A enume­
ração deles dada pelo S r. Calmon é extensissima. Mas para che­
gar à quantidade notável, é partir daquela atila de anatomia cirúr­
gica. E pôr os olhos no quanto produziram, é andar de um ponto
jxtra o outro, do principio para o fim da lista enorme de trabalhos.
E isso se faz meditando no que foi o alargamento da cultura de um
povo. Tem-se a impressão (ao menos tive-a eu, que sou leigo no
assunto) de que se trata de uma cultura seguida, arquitetada na
experiência reveladora. Não sei que se possa dizer dessa estrutu­
ração continua, que se corrige, que se reajusta, que se repõe, que
se desdobra com o que ela colhe na experiência.
E ’ assim que se saiu daquele século X V III século de transição.
De fato, a lista de trabalhos especializados, faz que a pessoa
se demore diante da surpreza, admirando. Louvo a apresentação
dessa face da cultura baiana, em um livro que é a história do pen­
samento.
Dessa cultura médica c que se partiu para chegar a um Nina
Rodrigues que levou longe o nome da Bahia.

» ♦ ♦

A cultura do Direito muito deve à Bahia. Ou melhor, muito


se deve aos baianos juristas.
H á uma diferença a fazer entre jurisprudência e o que é o en­
sino do Direito, a parte didática.
Aquela se hospeda nos tribunais, déles se convizinha. c os mais
altos juízos, no Brasil, ficaram no Sul. na capital do pais onde as­
sistiram os juristas.
Ou então se abrem as portas do Parlamento a essa jurispru­
dência, para se fazerem os códigos, para se traçarem as Constitui­
ções, e o lugar a que ela então havia de vir ainda é a capital do pais.
A essa capital chegaram, pois, Teixeira de Freitas e Rui Barbosa.
Viveram nela. Entraram cm contacto com a realidade do Direito,
nela. Um durante o Im pério; o outro, na República. Nela firma­
ram o gênio de juristas.
O ensino do Direito, no Brasil, ficou afastado dêsse centro.
— 429 —

Esteve em São Paulo e Pernambuco. Recife caminha para a revo­


lução desse ensino, para a sua transformação, e seu imiscuir-se com
ciências algumas; delas novas como a sociologia. E então se intro­
meteram em filosofia, em psicologia, cm ciências naturais, a des-
garrarcm-se da jurisprudência, a que Clóvis Bevilaqua representa
a volta em tempo.
O s baianos que o S r. Calmon aponta, e insiste em distinguir,
foram juristas. Neles fala assim;
"N as letras jurídicas e nos .Anais do parlamento se destacam
os três conselheiros que maiores responsabilidades tiveram na ela­
boração da Carta constitucional do Império, de 25 de março <■
1824, os irmãos Carneiro de Campos e Luis Jose de Carvalho e
Melo, visconde da Cachoeira. Deste patenteia-se a ciência em vá­
rias memórias, orações e manifestos, no exame do parecer sôbre o
Código Penal Militar, e na regulamentação dos cursos jurídicos.
E ’ nos estatutos do visconde de Cachoeira, pelos quais se regeram
em 1827 êsses cursos, que se reflete a sua perspicácia de jurista’’. , .

* * *

Enfim a geração brasileira de grande significação!


.4 gerafão insigue — outro capitulo do Sr. Calmon.
Domina-a Castro Alves, cm cujo luminoso rastro poético Cal­
mon aponta Francisco de Castro, dizendo Calmon ter Francisco de
Castro publicado "um único livro de versos, Harmonias errantes.
concessão às letras de um médico de gênio, que só teria tempo,
mais tarde, para a cátedra e a clinica” .
Mas embora grande médico, poeta que não esquecer!
Era de unia geração que teve um modo novo de sentir. Uma
vibração nunca vista. Um novo modo de sentir, porque para is
concorreu uma situação especial. Já apontou Euclides da Cunha
Castro Alves nos comícios e a viver cm uma ocasião de grande
acontecimentos, para Castro Alves, moço que era, se exaltar com o
que via.
De fato, a ambição política é que prepara essa geração de qu.'
era o poeta. E a poesia então era própria de quem vivia com o
espirito em ânsia, na espectativa e confiança no futuro de que es­
perava uma grandiosa transformação, para nela tomar parte. Tudo
isto prepara uma sensibilidade especial naquela geração de moços.
— 430 —

Ainda ocorre que era ocasião de afluirein noticias de tõda parle


a transformação de meios de comunicação, de modo que em ¡x
tempo sabia-se do que acontecia cm todo o mundo. A impressão
era de que o andamento universal era uma transformação com­
pleta. A espectativa da mocidade era de tomar parte nessa trans­
formação poli te a do mundo. A expressão dela era pois de anseio.
Êsse seu anseio enchia o pais.
E, quando aqueles moços olhavam para a natureza, ate ela
mesma dava a impressão de que prenunciava algo de excejxtional.
E interrogava Francisco de Castro:

.4s veces eu pergunto, u meditar comigo


N o descampado a sós, da noite ao desabrigo-.
— Que música inaudita i essa que p o v o a ... f

A ânsia cria a impressão de demora e dc incerteza, que salteou


a Castro Alves, c com que Francisco de Castro se emociona, para
dizer o que sente de um destino que não pqupa e desperta sempre
a criatura humana: w ij

Sou Ahasvcrsus. Dai-me um pouso;


Eu partirei am anhã.. .
Urna hora de repouso
Para o jilho de N a ta n ...

De fato quantos símbolos, quantas figuras simbólicas, essa ge


ração revolveu! Geração inquieta! Quanta ânsia e inquietude, ela
traduziu!
Tinha as suas razões essa inquietude nos moços baianos.
A Bahia, quero me referir a distância cm que êsse norte do
Brasil ficava da sede do governo, o lugar em que assistia o impe­
r a d o r ... — a distância, a visão de longe, a ânsia de uma mocidade
que se forma para governar mais tarde o pais, e tomar parte nos
grandes acontecimentos, tudo isto deu pois forma ao gongorism >
baiano.
Mais para o sul, estavam os ministros, o Senado, a Câmara,
o governo com os seus atos. Mais sisudez, mais precisão c realismo
neste sul.
Neste sul o panfleto. O jornal de critica.
— 431 —

Naquele norte, a mocidade acadêmica, o estro, o anseio pelo


seu tempo de governar, é a espcctativa, a poesia que falava nas

promessas divinas da esperança.

Esta explicação geográfica de um capitulo da literatura brasi­


leira talvez esteja certa. Aquela poesia gongoreira precisa de en­
contrar as suas razões nacionais. Sim, é que a Córte não tinha a
mocidade acadêmica; c a mocidade acadêmica esperava enlevada
pela sua chegada à política. Aquela poesia era pois um anseio.
O caso ê que ela jorroti inconfundível. Grandiosa como as
esperanças daqueles moços. E o povo brasileiro, elegendo o seu
maior poeta, consagrou aquele que foi outrora essa expressão de
mocidade c ânsia pelo porvir.
Dessa geração veio R u i; o seu espirito, porém, não ficou sendo
mais o dessa mocidade: êle se tornou na consciência que amadure­
ceu com a grande experiência política no Brasil do seu tempo, já
de Republica.
* * *

“ Rui Barbosa ocupa na cultura brasileira, entre 18S0 e 1923 a


situação que teve o padre Vieira no Brasil seiscentista", escreve
Pedro Calmon. A literatura veio ter grande papel na formação n a­
cional: com Vieira a defender o Brasil do elemento invasor que
lhe truncaría o destino; e com Rui a influir na formação do espirito
de liberdade, posto á sombra do Direito, de que êle foi um dos
grandes apóstolos principalmente com a insistência com que fre­
quentava os tribunais dando significação aos pedidos de habeas-
corpus contra a opressão em uma época dramática de transforma
ção política do pais.
A coragem de ambos os emparelha. A ousadia nos dois os
torna iguais. A responsabilidade que assumiram, não é mais em um
nem menos no outro. Insuperáveis, devem-se pois comparar Vieira
e Rui.
Com o que fizeram, serviram às letras, se muito serviram elas
no que êles fizeram, um do púlpito e o outro da tribuna judiciária.
Foram assim o maior pregador e o maior orador politico do Brasil.
A frase de Calmon a respeito de Rui e Vieira eleva-os logo à
altura da História da Literatura, uma vez que esta, na qualidade
de história, não c a crônica a se estender ao lado do súnples desdo­
brar do tempo. A história é o lugar marcado cm que ficam os gran-
— 432 —

des vultos da formação de um povo. A crónica, prestando-sc a in ­


formar. é, entretanto, outra coisa que náo é historia.
Mas a respeito de Rui, tudo fala. Informa a crónica.
E sta resenha as competições em que cada um toma partido seu,
por motivos pessoas como no seguinte caso:
-— A Bahia motivou um grande livro, em que a vida literaria
de outrora enredou o nome de R u i: refiro-me a O s Sertões de E u­
clides da Cunha.
Quando êsse livro veio a público, agitou-se o mundo das letras
e a crônica entrou em explicações. Fez reviver o conceito de que
a descrição da Natureza deve ser objeto da literatura. Euclides de
falo como que refizera essa descrição. J á iam surgindo os livros
de imitação c um déles é o Inferno 1'erdc de Alberto Rangel.
Na verdade o vigor de expressão das imortais páginas não se
reproduzia, nem os imitadores mostravam a oportuna intuição polí­
tica com que Euclides escreveu para que os livros déles, sem a acui­
dade de Õs Sertões, não ficassem como o de Euclides ficou na his­
tória do pais.
Calmon. no 3.° tomo da sua História Social do Brasil é que
explica o sentido histórico do livro de Euclides, dizendo da campa­
nha de Canudos, que deu ensejo à obra famosa:
"Em outra época seria um “ caso" de policiamento do sertão:
mas a imprensa, interessada em documentar o perigo que corria
<> regime, contra o otimismo conciliador de Prudente, romantizou
a re b e ld ia ..." Romantizou. Levantou alarme contra o governo.
O livro de Euclides veio focar cm cheio as consequências da rea­
ção preparada com o assomo da opinião pública.
I.embra-as o S r. Calmon:
“ De fato o "Conselheiro” não compreendia a República. E a
República não compreendia o “ Conselheiro"... De certo lhe dis­
seram em 1890 que a Igreja se separara do Estado, o casamento
civil dispensava o religioso, o lema da bandeira era ímpio, supri­
mira-se “ Deus guarde" das saudações, enfim o regime começara
acatólico.. . O “ beato" ligou facilmente as ameaças policiais à nova
ordem de coisas; deu-se como perseguido pelo Anti-Cristo; con­
centrou em Canudos a ralé celerada dos “ perdões". O governo —
em contrapartida — considerou o demente um revoltoso...
Os Sertões são neste caso um livro que descreve ao vivo êsse
drama que Calmon analisa, e liem. O s Sertões se relaciona com o
momento político em que apareceu, e descreve fatos ocorridos de
maneira impressionante, e com a mesma censura que há nas pági­
nas de Tácito.
— 433 —

Ficou o livro de Euclidcs na história da época fazendo que


melhor a compreendam e a História da Literatura colheu nas pá­
ginas de Euclides o que traduz a alta expressão histórica das lite­
raturas.
Mas os literatos, da obra de Euclides. queriam a literatura
pura.
Silvio Romero, cm que pesa a sua preferência para com certos
literatos, é o apologista de Euclidcs pela maneira de Eudides des­
crever. A natureza do assunto era do que se valer para que Silvio
encarecesse a obra de Eudides.
Mas o estilo de Euclides foi se tomando mania geral.
Aproveitou-se disto Araripc Jor, para molestar a Rui com quem
se ntalquistou discutindo a ação política desse como ministro da
Fazenda, que teve a República. Escreveu então o artigo, que in­
cluiram nos Contrastes e Confrontos, outro livro de Euclides.
Procura nele empanar o estilo de Rui com o êxito dc Euclides. Com­
para. Considera a prosa de Rui um arrazoado de advogado, demons­
trativo. “ líelo, é verdade, cheio dc conceitos e aparelhado das pro­
vas morais c até dos depoimentos da imprensa que transcreve” : —
isto quando Rui fala de Rosas e Francia. Adverte que a linguagem
de Euclides era a imaginação, a sutileza com que penetrava psico­
logias c devassa almas.
Porém Euclidcs usaria da pena para descrever brilhantemente
aqueles dois heróis c bandidos.
Eis antipatias que opõem Euclides a Rui, e que são para des-
trin ç a r.. .
O conselheiro I.alavete Rodrigues Pereira que se desentendeu
com Silvio por querer êste elevar Tobias Barreto, nas letras ju rí­
dicas. à altura de um grande reformador dos estudos de Direito
no Brasil, liem como, na poesia, o querer classificar muito acima
de Castro Alves, aceitou combate com Silvio, defendendo Machado
dc Assis. Não foi só Machado que l.afayete tomou a peito, cuidou
até da filosofia escrevendo tim famoso panfleto intitulado F iiM ia e,
em que mostrou tanto conhecimento de técnica filosófica qual se
revelara jamais no Brasil, e com o que desacreditou o adversário
que preconizava o positivismo de Spencer.
Surpresa geral.
Panfleto sem resposta.
E mais a in d a ...
— A História da Literatura Brasileira dc José Vcrissimo traz
um prolongado estudo sóbre Machado dc Assis em quem Veríssimo
encontra o reaparecimento da língua portuguesa perfeita nas suas
— 434

tradições. Aprazia-lhe fazer exaustiva apreciação da linguagem de


Machado, c estar, assim, cm posição oposta à de Silvio, que des­
preza o estilo de Machado e cuida de ser inovador de idéias, estri­
bado em citação de um novo espirito cientifico e filosófico a revol­
ver o mundo, fazendo então alarde de ser sociólogo para falar com
uma suficiência que não suportava reproche.
Silvio era de fato um divulgador de talento expondo novas
idéias com espirito de polêmica c desprezo pelos que não as aco­
lhiam. Mas Sílvio e Veríssimo (éste apegado acirradamcnte à tra ­
dição) eram êles temperamentos que diferentes se repeliam a ponto
de se inimizarem e menoscabarem-se dcstratando-sc.
Silvio impulsionava adiante idéias novas com certa desordem
e a citar enfático as novas nomeadas no mundo não deixando em
paz o que já estava fundamentado na tradição.
Perturbador, não era aceito por todos.
E Machado é a quem foi êle buscar na Academia Brasileira
de Letras para lhe opor Euclides da Cunha; porém Machado era
benquisto de todos e não foi Silvio feliz na campanha politico en­
saiada nos arraiais das letras.
Rui. que, cioso das letras jurídicas e esmerado cultor do ver­
náculo. não estava para se distrair com a renovação do pensamento
filosófico, e cuja cultura era outra, tinha-a êle sintetizado e alicer­
çado no que estudava metódico desde menino; Rui ficava pois do
lado da tradição. Ficava do lado do que era positivo. Continua­
ria como fóra desde cedo. E ' assim que para compreendermos a
vida de Rui ternos de partir do que ele jã veio sendo em casa dos
pais, do que êle já vinha sendo em menino de colégio. Silvio é que
começa a ser o que foi, com a influência que recebeu de Tobias
Barreto, com a surpresa que teve com a renovação das ciências, ha­
vendo então muita diversidade naquele momento que o seu pensa­
mento se ampliava e se tomava êle por vêzes exagerado, extre­
mado e combativo.
Rui, sendo de temperamento um grande concentrado, tudo to­
mava nêle aspecto grave. Um a noção de responsabilidade exage-
rou-se-lhe logo. A responsabilidade prende o homem ao meio, e no
seu caso o meio era a Bahia com a cultura tradicional da lingua,
do Direito, da Justiça que rege a sociedade. A Bahia, antiga sede
do govêrno, e Iterço da administração do governo, é onde ficaram
as tradições portuguesas como o é a lingua. Marcou pois a terra
com o estigma do seu passado, a alma do seu filho genial. Dai as
emoções que enchiam o peito, a Rui. serem as mesmas que vinha
sentindo o Brasil na sua velha gente baiana.
— 435

Quando desapareceu Machado de Assis, que, na sua discrcção


c pelo “ lado moral da sua entidade” tanto agradava a Rui Barbosa
na sua alma profunda, e trabalhada de grandes sentimentos e de
tantas máguas, com que êle se recolhia a si, como que só em uma
vida de desenganos, de debates, e de provações — Rui havia de se
voltar para o companheiro nas letras, e dizer à beira da sepultura
a que baixava o corpo daquele:
— “ prosava como Luís de Sousa e cantava como Luis de
(Camões” .
Camões e Luis de Sousa: a língua portuguesa! a tradição!
Sílvio não era pois essa tradição.
Euclides da Cunha, a quem Silvio exaltava talvez com o mes­
mo excesso que Araripe Júnior, esse mesmo Euclides, certa vez em
São Paulo, diante de Júlio de Mesquita e de Numa de Oliveira
(que mo repetiu) dizia na verdade emocionado: — No Brasil há
dois grandes estilos, o meu e o do R u i!
Êle sentia a grandiosidade e a profundeza do gênio de quem,
em tudo c per tudo, representou a Bahia.

» » »

Êsses amargores literários, êsses rancores idos e vividos, esses


dissabores passados, incorrem numa crônica penosa; entretanto nem
sempre é assim e outra há que conforta, agrada e eleva. Assim o
S r. Calmon. na sua História da Literatura liviana traçou encer­
rando o livro, uma página redigida de coração, referindo-se a Afrâ­
nio Peixoto, grande nome das letras da Bahia e que a Bahia lhe
deu por amigo, para Calmon se prender a Afrânio por uma ami­
zade viva há pouco que abrolhada em saudades transparentes na
pena do escritor emocionado.
Afrânio c Calmon se estimaram, se apreciaram. Aquele via
neste o moço coestadoaho, tão cedo a se revelar brilhante e elegante
de inteligência, trabalhador e esforçado, ansioso de conhecimentos
para assim já estar entre os baianos de escol representativos da sua
terra: éste via naquele o mestre perfeito principalmente na maneira
de viver, na arte de viver elegantemente.
Calmon com um afeto sem esmorecimentos, com uma amizade
sempre a mesma, com uma sinceridade em que há bondade, acode
ao terminar o livro de unção acerca do seu chão de nascimento c à
cerca da sua grei, a dizer de Afrânio:
— “ Podia ser julgado na sua “ forma”, em que se entremeiam
eloquência, realismo, doçura e malícia, c na intuição social, biográ-
— 436 —

fica, irônica ou simplesmente descritiva de seus romances, pela sele­


ção do que êle próprio achava ser o melhor déles. Em estilo, em
que se acharia a limpidez vernácula de Machado com um ressaibo
regionalista de Euclides da Cunha, nas emoções novelescas de José
de Alencar — que de fato, há nos seus romances enredo, paisagem
e interiorismo, ao sabor dos três mestres — tinha uma “ persona­
lidade” rija, às vêzes tempestuosa, sempre exclusiva. E ra no fim
o estilo pessoal, da conversação da parábola, do pessimismo, da
lição, em todo caso repassado de uma elegância sem afetação, lisa e
risonha, trepidante e colorida, amável e g r a v e ..."
Um retrato. Uma página como o S r. Calmon gosta de escre­
ver. Uma página de amizade e de acuidade do escritor que observa
afetuoso e sincero.
Mas neste caso é um vulto da Bahia que êle ressalta estremoso.
E ' um da sua gente. Um da N w a Crusado. Talvez então mais,
uma daquelas em que os baianos saem da sua terra, espalham-se
pelo Brasil para a cruzada em que sempre se apresentam à pátria.
ATIVIDADES CULTURAIS DO INSTITUTO
HISTÓRICO

RELATÓRIO DO PRIMEIRO SECRETÁRIO. VIR­


GÍLIO CORRÊA FILHO, APRESENTADO NA
SESSÃO DE 21 DE OUTUBRO DE 1949

D e início, cumpre «•» relatório das ocorrências do últim o período social,


que patenteam a vitalidade operosa do Instituto H istórico c G eográfico B rasi­
leiro. realçar-lhes a significação.
M ercc de fecunda iniciativa do seu presidente perpétuo, cmbaixrtdor
José Carlos de Macedo Soares, que delineou, organizou e com aprim orado tato
lhes promoveu a rc.iliatçâq. dms centenários de brasileiros insigne» furam
comemorados neste augusto recinto per meio dos cursos “ Joaquim Nabuco”
c “ Kui B arbosa’’.
U ltim ou-se o prim eiro com éxito cabal, ao pesso que éste, apenas ence­
tado, j;i entrem ostra irá conquistar análogas vitórias.
B astariam as m agistrais alocuçõcs então proferidas por abalizados confe­
rencistas. para com provar a atuação do grêm io venerando. cm as? m tos quo ac
lhe relacionam com o program a de estudos.
N ão se restringiu, porém, a celebrá-los, m ediante ensaios eruditos, teste-
munlmdos e aplaudidos por assistência numerosa e atenta.
Com igual fervor tam bém cuidou ria execução de --ingressos, dc H istória
c G eografia, que lhe aum entaram os créditos á benemerencia nacional, como
adiante constará mais pormçnorizadamcntc.
No mês último de 19^8, mais dc uma conferência evidenciou que as
férias do Instituto nem sempre serão de repouso irrestrito.
Assim foi que cm dezembro. a 21, abriu-se éste salão para *j”.e bc come­
m orassem dois centenários dc nascimento e um bi-ccntcnário de falecimento.
D este ocupou-se, cem o seu conhecimento profundo dos fnstoó <b Compa­
nhia de Jesus, o padre S erafim Leite, para evocar o famoso cartógrafo, padre
D iogo Soares, incumbido por Dom João V dc trabalhos geográficos no B ra ­
sil.
D e D om ingos N ogueira Jiipuaribe Filho definiu-lhe a preceito as cara­
cterísticas o p ro fessor Feijó Bittencourt, enquanto do vulto de Joaquim
M urtínho coube an prim eiro «ecrctário relem brar r.s feições características.
E , antes de term inar a semana, à tribuna assomou o douto consócio
Barbosa Lima Sobrinho para versar, com a sua jialnvra autorizada, lema que
Cão fiervoresas recordações causa à .-flma pernam bucana: “ 4 Pct^htçâo
Pniiftra*'.
— 438 —

Embebida fortúnente «os mesmos anseios de liberalismo, que impediu à


luta os correligionários de Nunes Machado, a documentada alocuçâo constituiu
um dos mais expressivos atos comemorativos do impressionante sucesso, que
encerrou por assim dizer a série de agitações iniciadas no primeiro Reinado
e intensificadas na Regência, para transbordarem até após a declaração da
Maioridade.
CONGRESSO D E H IS T Ó R IA

M aior atividade desenvolveu todavia o Instituto nos mesc3 seguintes,


quer por iniciativa própria, quer por solidariedade com associações congê­
neres.
Embora já se empenhasse na organização do Congresso de História
Nacional que ideara, para comemorar o 4." centenário da instituição do Go­
verno Geral no Brasil, aplaudiu a reunião, na cidade do Salvador, do I Con­
gresso de H it ôría da líahi.i.
O que foi aquela reunião de doutos, empenhados em contribuir para o
exame de tudo que se relacionasse com as quatro centúrias de vida baiana,
bem se lembram quantos participaram das discussões, não raro acaloradas, cm
que se lhe espelhou a vitáÇdade e competência, no decurso das sessões in i­
ciada. a 19 de março.
Por dias de intensa vibração cívica, desenvolveram-se as cerimônias
comemorativas, que transbordavam do Instituto Geográfico c Histórico para
as ruas e sitios evocativos, percorridos pelos congressistas.
A sombra do edifício acolhedor, erguido pelo esforço coletivo, solícita­
mente coordenado por Bernardino de Souza, reuniam-se as comissões para o
exame das teses recebidas c o plenário, que as julgava por fim.
Eram 118, ao t< d >. numen. que bem evidencia a simpatia de acolhida
pelos estudiosos, da solicitação do seu concurso.

K distribuíain-sc petas segutn es seções:

História Geral .............. ........... ...................t . . 44


História política e administrativa .................... 7
H istória económica e social .................................. IS
H istória religiosa da Bahia ............................... 6
Letras c Artes ......................................................... 17
Etnologia .............................................................. 2
Biografia .................................................................. 15
Bibliografia ........................................................ «2

11S

Fura, ultimâviitn-sc os preparativos para o grandioso conejo histórico,


formado com engenho c arte, que maravilhou, na tarde radiosa de 29. o povo
baiano c os visitantes irmanados no mesmo entusiasmo comunicativo que
alagava os ares.
Além do primeiro tecrctãrio honrado com a vice-presidência do Con­
gresso, por desvanccedura homenagem ao Instituo H istórico e Geográfico
Brasileiro, participaram da comissão que o representou, o Dr. Pedro Calman,
os professores Américo Jacobina Lacombe, H élio Viana c Afonso Costa.
Mal decorrera um ines, c já se abria este salão, a 21 de abril, para a
sessão inaugural do IV Congresso de História Nacional.
— 439 —

D iferen te , neste p a rtic u la r dos anteriores, ufanou-se com n presença de


¿sabedores lusitanos solicitados a cola bo ra r nas reuniões, pois quo o ta to
histó rico , m otiva do r da convocação, inscrcveu-se igualm ente n?¡ anais de
P o rtu g a l.
. E cm nom e do seu g o v in io compareceu, com as credenciais de embai­
x a d o r especial, o presidente d.< Academ ia de Ciencias de Lisboa, J ú lio Dantas,
c u ja conccituosa alocução, repassada do encanto verbal de que tem o segredo,
lhe propo rcio no u ensejo de entregar, p o r o fe rta cativante do m a re d w l C a r­
mona. as in rig n a s dti G rã C ru z da O rdem M ili a r de S antiago da Espada,
com que se digna m a n ifesta r ao In s titu to H is tó ric o c G e og rá fico B rasile iro,
cm nnm e da nação pcptuguêsa. o seu recunhecimen.o e o seu ap re ç o ".
T o rn o u -s e m em orável aquela sessão, honrada com a presença dos Senhores
presidente < rice -pre> hlctilc da R epública, Sm E m inê ncia o cardeal
D om J aim e Câm ara, o presidente da C âm ara dos Deputados, de embaixadores,
da Esp an ta , Itá lia , P o rtu g a l, de m in istros de Estado, das Relações E x te ­
rio res. da Justiça, do T raba lho , do go v ernador do Estado do R io de Janeiro
e v cc-go vcrn ad or de São P aulo, além de senadores, dcnutndos e altas auto­
ridades c iv is e m ilita re s.
In ic ia d o de ;al ewancira a iv p id c s a . o I V Congresso de H is tó r ia N acional
correspondeu ao que pro via m os seus organizadores.
O núm ero de teses c comunicações submetidas ao seu exame m ontou a
132, distribu íd as po r o ito Seções, a saber:

1 —H is tó ria G eral ................................................................ 37


2 —G e og ra fia H is tó ric a eC a rto g ra fia .......................... 3
3 —E tn o g ra fía ......................................................................... 2
4 --
H is tó r ia E conóm ica c Social ................................... 17
5 —H is tó ria M ilita r e D ip lo m á tic a .............................. 9
6 —
R e ligiã o. Ciencias. L e tra s . A rte s ....................... 21
7 —
In stituiçõ es po líticas c ju ríd ic a s — Evoluções das
cidades ................................................................................. 10
8 — B ib lio g ra fia .................. 19
9 — C ontribuições avulsas .................................................... 14

132

D a ; vezes anteriores, as contribuições não ultrapassaram a p rim e ira cen­


tena.
M a is exatam ente, o p rim e iro congresso de 1914, recebeu 98 teses, o
segundo, de 1931, apenas 56.
O te rce iro , com em orativo do centenário do In s titu to , cm 1938 assinalou 80,
¿ «rrcspondente quase à m édia entre os dois anteriores.
Pelo simples c otejo estatístico, já ressalta a m agnitude do I V Congresso,
cuja v alia c u ltu ra l se fundam enta no ineditism o da m aioria das contribuições,
esteadas cm pesquisas sagazes.
M erece realce a cooperação dos histo ria do res ¿ 'u ltra m a r, que trou x eram
valiosos depoimentos, baseado* na opulenta documentação existente cm a r­
quives de P o rtug al.
P o r desventura, já não regressará ao B ra s il, como desejaria, consoante
m anifestou m ais de um a vez, o do uto E d ua rd o D ias, que teve ensejo de revelar
o seu saber, ta nto tia Bahia, com o igualm ente nesta Capital.
— 440 —

A saudade, que levou, como portugués de vclha tempera, expressou-a cm


cartas de tocante amabilidad^
Mas, inesperadamente para os amigos, cuja estima soulx? captar, laqtteou há
poucos dias. conforme noticiou a imprensa.
Além das contribuições que ofereceu no Congresso, como "A Terra da
Vera Cruz” , c íoram premiadas com os aplausos dos sabedores, coube-lhc <.
palavra, quando ia cnccrrar-sc a derradeira sessão, para explicar a signiii-
cação da placa de bronze indicativa do certame realizado em circunstancias
admiráveis.
\vukou-lhe neste lance o crédito à gratidão do Instituto, que lhe deplora o
falecimento, como se fòra um dos seus membros.
Credenciais sobejavam-lhe para a admissão a que faltou, todavia, a ne­
cessária oportunidade, como por vezes ocorre com historiadores de compro­
vado saber.
O número déles será limitado apenas pelas faculdades que os individualizem
e o amor às pesquisas, ao passo que, restrito, o quadro social do Instituto não
poderá acolher todos que lhe mereçam a simpatia.
Os drir. objetos precintos, one recordam expresivamente a s-issâo de aber­
tura do IV Congresso e a final, a Grã Cruz e a placa, derivavam, destarte,
da iniciativa ou da cooperaçào lusitana, interpretada por aplaudidos expoen­
tes de sua cultura.
Além dos Congressos comemorativos da missão de Tomé de Souza c suas
consequências na formação política do Brasil, com repercussão em todas as
atividades da colônia francesa, outro ainda se realizou à sombra da centenária
instituição.
Não se continha, porém, fronteiras a dentro, como o da Bahia c do Rio,
com a única exceção des convites a Portugal.
Desta vez, era o próprio Instituto Pan-Americano dc Geografia e His­
tória, que decidira convocar delegados de todos os países que o constituem,
para a sua I Reunião de Consulta sóbre Geografia,
A circunstância dc ter sede nesta Capital uma dc suas três Comissõc-.
confiada ao Conselho Nacional de Geografia, determinou-lhe a escolha para
acolher os geógrafos das repúblicas irmãs.
A tradição do Instituto Histórico, fortalecedora dos elos ideológicos c
sentimentais que geraram o pan-americanismo, em suas amplas modalidades, pio-
porcicinnria à Comissão Organizadora a cooperação de que havia mister para
o êxito du empreendimento.
As comemorações anuais dc 14 de abril, dia destinado, por proposta brasi­
leira, a proclamar as luminosas aspirações dos povos do Continente, mostram
de sobejo quando lhe apraz, por todos os modos, concorrer para apertar os
laço.; dc cordialidade c compreensão que os irmanam.
Dc mais a -nais. não pedería excusar a an dcv«T dc repetir a oferta dc
1932, quando, por solicitação do governo federal, proporcionou local à " As­
sembléia Inaugural do Instituto Pan-Americano dc Geografia c História” ,
cujos altos propósitos foram então definidos pelo ministro das Relações
Exteriores, D r. Afrânio dc Melo Franco.
“ E* um enorme instrumento dc trabalho continental dentro dessa atmosfera.
Seu fim c aprofundar o conhecimento científico do material humano c do
material geográfico dos povos da América” .
Neste recinto venerando aflorou, nessa data, a organização promissora,
que ainda uma vez a procurou, cm setembro, para versar ‘emas relacionados
com a geografia.
Tanto viçara o frondejara no intervalo decorrido, que bastava um só do<
seus órgãos, para ocupar o espaço cm que anteriormente se acomodara o
Instituto completo.
— 441 —

Por duas semanas, a principiar do dia 12, em penharam-se a s subcomissões


de estudos em resolver os problemas que lhes foram propostos pelos delegados
oriundo» da Am erica do N orte, como do Sul, orientados todos pelo mesmo
?.d:o idealismo.
E m bora operasse apenas uma de suas alas, incumbidas mais especialmente
de desenvolver os conhecimentos geográficos, desde a formação de especia­
listas c pesquisas ate n didática e divulgação-, foi ao Instituto Pan-Americano
ile G eografia e H istó ria que o Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro
ceden u sua p ió p n a sedt. p - r lhe reconhecer a semelhança de objetivos, posto
jue cm m aior âmbito, im eugicíonaí, c os compromissos decorrentes d a estréia,
que favoreceu com a sua assistência prestante.

C O N F E R Ê N C IA S

Como de costume, mas antecipadamente, por coincidir o dia 14 de abril


com a quintn-fcita San a, q ln rtitu to realizou a sessão consagrada às come­
morações pan-americanas, em que, saudado pelo D r. Pedro Calmon. orou o
Dr. A riosto D. Gonzalez, portador de amistosa mensagem dos seus confrades.
P o r tema, discorreu u respeito de “ A O bra de A lexandre Dumas —
Montevidéu ou “ Une N ouvele T ro ie ", com a perspicácia de quem investigara
esmeradamente o assunto.
E valeu-se da oportunidade para entregar os diplonjas de só-ros correspun-
dcn.es do Instituto Histórica- do U ragua., cuja presidência estava exercendo,
ao em baixador José C arlos de Macedo Soares, D rs. Pedro Calmon e Cláudio
Ganns.
N o mês seguinte, a 27, o professor M orales de los Rios Filho relembrou
a pessoa c feitos de seu ilustre progenitor, de igual nome, que se devotou ao
Brasil, com o calor do entusiasmo espanhol.
A rquiteto, plancou m ais de um edifício, que ainda se mantem na A venda
R io B ra r.o , apesar das -ubs.itt-içôes de maior num ere.
U rbanista. ideou •ntlb- rumemos que deveríam a ftrm o sra r. arejando-a, a
capí al dos seus amere.-, cuja história estudou carmhcsamente.
E scrito r c desenhista, cabiam-lhe à justa os louvores com que lhe exaltou
a mem ória a dedicação filial.
Antes de decorrido um mes. promoveu a Sociedade Brasileira de Gei>
g rafia. com o apoio dos M m L trrio s da Educação c Saúde e da A gricultura,
interessante série de conferências, que deveríam exam inar aspectos diversos do
legado cientifico do D r. A lexandre Rodrigues Ferreira.
Recebeu o Secretário do Instituto H istórico a incumbência de considerar
■ naturalista baiano, tão sábio quanto desditoso, como historiador.
Dai se causou a palcrtra de 24 de junho.
O mês de julho dedicou-se exclusivamente, a Joaquim Nabneo, mas, a 15
de agosto, outro centenário levou à tribuna o m inistro A ugusto Tavares dv
Lira.
O sagaz conhecedor da história do Brasil, especialmente do segundo
Reinado c da República, na qttadra cm que apareceu e atuou A m aro Caval­
canti, ainda uma vez provou quanto lhe são fam iliares tais assuntos.
O panorama, que traçou, da vida política, adm inistrativa e económica do
país, para explicar a ascenção do humilde nordestino, que tanto prestígio
grangeou entre os patrícios, mercê da sua inteligência peregrina, cultivada por
decidida to rça de vontade, evidenciou que ainda continua a ser o mesmo atilado
pesquisador, * quem o In.-titutç consagra o m aior apreço e adm iração.
— 442 —

Convidado para relembrar o vulto imponente de Goethe, coubi ao Doutor


Abraão Ribeiro talar no dia 29, com a segurança de quem se csíronhou na
obra do genial criador do Fausto c sabe perceber as incorreções dos tradu­
tores, que a interpretaram em sua linguagem infiel.
Ainda acerca do poeta alemão o D r. Luís Felipe V ieira Souto revelou os
estudos minuciosos que vem fazendo de lotiga data, etn coufcréncia de 30 de
setembro.
Na mesura semana, dins antes, a 26, a almirante Alvaro de Vasconcelos
analisou a atuação do almirante Custódio de Melo na Revolução de 1893.
como qtíL'j’t acorupanbOi com arder a pugna fratricida, de que saiu mal ferida
a Marinha Brasileira, a maior vitima dos desentendimentos entre os seus
chefes.
CURSO “ JO A Q U IM N A B U C O ”

Bem que não se alterasse o ritm o de suas conferências costumeiras, mais


avultou a atividade cultural do Instituto por meio de congressos c cursos
promovidos pelo embaixador José Carlos de Macedo Soares.
Ainda neste particular, revive-se auspiciosa tradição, de que derivou a
Academia de Altos Estude s de influência 3 o acentuada nos meios inte­
lectuais.
Ao convidar individualidades estranhas ao quadro social, para se incum­
birem de explanações referentes a Joaquim Nabuco c a Rui Barbosa, sabia o
presidente perpetuo do Instituto que de igual modo procederam os seus ante­
cessores, animados dos louváveis propósitos.
E desta maneira conseguiu ultim ar o “ Curso Joaquim Nabuco*’, c-m
condições merecedora, de r.ptaüsvs gerais, tanto dos conferencistas como da
assistência, que um dia só não faltou com a sua atenção c louvores aos
mestres.
Entretanto, a matrícula impunha obrigações semanais de c.'mparccimcnto,
por mais de dois meses, conforme indica a relação abaixo.
1 de julho — O acadêmico c o homem de letras, pelo acadêmico Antônio
Austregésilo.
6 de julho — Formação moral e intelectual de Joaquim Nabuco, pelo
desembargad* r Josè Duarie.
13 de julho — O publicista c o historiador, pelo deputado Aureliano
Leite.
20 de julho — Atividades jornalísticas de Joaquim Nabuco, pelo acadê­
mico M udo I dio.
27 de julho — A vida c a obra de Joaquim Nabuco, pelo acadêmico
Aníbal Freire.
3 de agosto — O apóstolo da Abolição, pelo acadêmico Celso Vieira.
10 de agôs.o — Joaquim Nabuco, Diplomata e Geógrafo, por D. Odete
de Carvalho e Sousa.
17 de agôstu — As rtr-idades políticas de Joaquim Nabuco. pelo professor
A rtu r Cesar Ferreira Reis.
24 de agosto — Nabuco, cidadão de Recife, pelo D r. Anibai Fernandes.
31 de agosto — As antecipações político-scciais da vida c da obra de
Joaquim Nabuco pelo deputado Gilberto Freire.
— 443 —

6 dc setembro — O orador, pelo académico Gustavo Barrosa c encer­


ramento pelo académico Pedro Calmon.
O número dc pessoas inscritas clevou-se a 271, sem que se notasse ralba
no livro de frequência, cm que deixavam a sua assinatura.
Certo, quem ouviu as formosas alocuçocs, acostumou-se a bem compre­
ender a singular individualidade patrícia, cm que se enfaixaram os mais no-
hres atributos da raça, aprimorados por esmerada educação.
E o ambiente em que soube atuar, e< mo orador incomparável, ou escritor
embebido dc generosos sentimentos dc solidariedade humana.
Para lhe realçar os dotes intelectuais, a figura apolínea extrema-o entre
cs contemporâneos, que lhe proclamavam a superioridade incgualável de harmo­
niosa formação mental c física. à maneira dc ateniense extraviado na vida
moderna.
Viveu engolfado cm sadio idealismo c bem mereceu as homenagens que
lhe prestou a Posteridade admiradora de seus ensinamentos.

CURSO “ RUI BARBOSA”


Antes que se completasse o primeiro mes após o encerro do referido
Curso, já outro se abria, com análogo êxito, cm homenagem a Rui Barbosa,
cujo centenário também se comemora. As matrículas subiram à cifra dc 415.
Das conferências previstas, quatro já se realizaram, com agrado geral,
ao passo que outras aguardam a sua vez, acorde com a relação adotada.
28 de setembro — Rui c as Instituições Nacionais — Acadêmico Pedro
Calmon.
4 dc outubro — Rui c o Folclore — Professor Joaquim Ribeiro.
12 de outubro — Rui. Ministro da Razcnda — Dcpuw4o Ahornar
Baleeiro.
19 de outubro — Rui jornalista — Deputado Lu’x Viana.
25 de cu.ubro — Rni c a história política no Império c na República —
Professor Américo Jacobina Lacombe.
28 dc outubro — Rui homem de letras — Acadêmico Rodrigo Octavio
Filho.
31 de outubro — Rui e os escritos religiose® — Professor Mário Tena
da Rocha.
5 de novembro — A benemerencia dc Rui — Acadêmico Levy Carneiro.
8 de novembro — Rui e a Marinha Nacional — Capitão dc Mur c Guerra
Carlos da Silveira Carneiro.
11 dc novembro — Ru? c a língua portuguesa — Professor Clóvis
Monteiro.
14 dc novembro — Rui na intimidade — Deputado Edgard Batista Pe­
reira.
18 dc novembro — Rui no cenário internacional — Professor Haroldo
Valadão.
22 de novembro — Ruy parlamentar — Senador Aloysio de Carvalho.
— 444 —

35 de novembro — A pedagogia de R ui B arbosa — Professor Lourenço


Filho.
29 dc novembro — Encerram ento do curso — Deputado João Mangabetra.

Q U A D R O S O C IA L

Após a derradeira Sessão Magna, o quadro social do Instituto foi desfal­


cado de prestantes colaboradores, emudecidos quando podiam ainda contri­
bu ir com o seu saber p a ra o c?clarectincn.o dc questões históricas.
N ão decorrera bem uma semana depois da reunião de encerram ento, e já
a 25 tombava o prim eiro. João da Costa Ferreira, que. além de m estre da
engenharia, quis historiar cs fulos memoráveis d > munící¡pio. cuja Sub-D irc-
toria de O bras c ViaçSo chefiou competentemente.
Em pom o, tornou-se a m áxim a autoridade contemporânea em assuntos
relacionados cotn a evolução da cidade do Riu dc Janeiro e seu tc rirp , titulo
do ensato que lhe valeu justos louvores.
A 15 dc dezembro, o utro engenheiro m ilitar e educador, general Liberato
Bi.tencourt. também desaparecia; depois dc ter beneficiado com as suas luxes
pedagógicas inúm eras gerações dc discípulos.
A curiosidade in.elcctual impeliu-o p ara vári, $ domínios, além do que Hu­
era iundamcnt.il à cultura.
M adrugando no estudo das m atemáticas, em que se tornou autoridade,
•>cupou-se p o r últim o, da história da L iteratura Brasileira, a respeito da qual
publicou vários volumes, que revelam esforços desproporcionados à velhice
em que já entrara.
Dois vieram da Bahia, que se ufanava de Braz Hermenegildo do Amaral,
seu filho estremoso. e Bernardino José de Souza, sergipano afeiçoado à terra
vizinha, onde passou a quadra mais gloriosa da sua existencia.
Ambos professores, devotaram -se aos cotudos históricos c grangearnm
fam a de pesquisad» re; sagazes, como provam as obras que lhes trazem o nome.
O Instituto Geográfico e H istórico da Bahia considcrava-os represen­
tantes da velha guarda, que o fundou e dotou dc sede condigna, graças especial­
mente ao abnegad»» esforço do filho adotivo.
A sua energia incansável conseguiu agrem iar parceiros de boa vontade, a
cuia solicitaçáo aierxenm i 'vem os c particulares com o seu tributo, para a
construção da denominada “ G isa da Bahia” .
Aqui também se tornaram beneméritos, c juntos contribuiram p ara o
cngrarrdecincn da assucieçau, a que B raz .1o A m aral evidenciou alto
apreço.
N ão obstante preocupado cm atender ã organização do Congresso da
sua terra, ainda conseguiu term inar c enviar m onografia elaborada às vésperas
por assim dizer de sucumbir a 2 de fevereiro, precedido dc poucos citas pelo
confrade. que expirou a ll de janeiro.
Por último, ao findar u mes dc julho, desapareceu, cm Lisboa, o coronel
H enrique de Campos Ferreira Lima, que aprofundara as suas pesquisas no
Arquivo M ilitar, especialmente em assunto dc sua profissão, dc que se tornou
um dos mais abalizados sabedores.
— 445 —

Para substituir os consocios desaparecidos, a Assembléia Geral ¿c 15 de


agosto escolheu colah-i adores apontados por obras que lhes atestam os
pendores naturais para as investigações históricas.
Primeiramente, galardcuu com o título de benemérito o professor A. L.
Feijó Bitencourt, abnegado segundo secretário, c Gáudio Gantts, diretor da
“ Revista”, por Item lhcs apreciar a atuação.
Basta a citação das individualidades entilo admitidas no Instituto, para
justificativa do acerto da escolha que lhe trará noves paladinos para altas
■campanlias culturais.
Foram então ciatos :
Sócio honorário — Senador Aloísio de Carvalho.
Sócio* efe iv<>5 — Deputado Afcnsb Arinos de Melo Franco, professor
Afonso Pena Júnior, F. R. Mozart Monteiro, Dr. Manuel Xavier dc Vascon­
celos Pedrosa.
Correspondente — Ariosto Gonzalez, vice-presidente do Instituto Histórico
do Uruguai.
E assim se preencheram as vagas existentes no quadro social com pesqui­
sadores conceituados, cm cuja eficiente cooperação confia o Instituto Histó­
rico e Geográfico Brasileiro. que cs acolheu, para manter sempre ardente a
flama do idealismo acesa pelas gerações precedentes.
PUBLICAÇÕES
A intensa manifestação da atividade intelectual não tem correspondido o
movimento de publicações, por motivos que a Diretoria se empenha cm afas­
tar, a fim de que a Revista recupere o atrazo c os “ Anais do Congresso”
possam vir a lume em curto prazo.
Para cuidar daquela, a Presidência nomeou uma Comissão, dc que fazem
parte o D r. Cláudio Ganns, seu diretor até essa época, o general E . Leitão
dc Carvalho c o professor A. L. Feijó Bitencourt.
Destes, inettrabiu-se outra Comissão, formada pelo Dr. Cláudio Ganns,
coronel J. B. Magalhães e o primeiro secretário.

BIBLIOTECA E ARQUIVO

A realização dc Congressos c Cursos nâo impediu que fòssc a Biblioteca


íreqücntada pelos estudiosos, conforme assinala o movimento respectivo.
Consultas dc livres ................................... 33.625
Consultas dc revistas ................................ 17.629
Consultas dc jornais ................................. 12.341
Consultas de mapas .................. ................ 5.962
Consultas de documentos .......................... 40.255
Visitantes do Museu .................................. 597

O acervo dc obras foi acrescido dc :


Livros ............................................................ 156
Periódicos ...................................................... 929
Mapas ............................................................ 9
— 446 —

EXPEDIENTE

A estatística relativa à correspondência acusa :


Ofícios, cartas c telegramas recebidos .. 3.837
Ofícios, cartas c telegramas Expedidos .. 4.385

O trabalho dos funcionários não se limita apenas a auxiliar os consulentes


c manter cm dia a correspondência, assim merecendo os mdltores louvores,
pela sua dedicação c esforços eficientes, sob a chefia incansável de Adelina
Adelaide Alba.
Ainda se aplicou à revisão c catalogação dc 11 volumes de cópias do
Conselho Ultramarino, antes mencionados apenas cnglobadamenic, sem dcscri-
tninação dos assuntes que versassem.
Dos livros de mais 31 estantes da biblioteca, das 194 que assim ficaram
cm condições dc facilitar consulta.
Dos documentos contidos cm 456 latas do Arquivo.
Também se ultimou a arrumação das miscelâneas, que serão brevemente
guardadas em latas especiais.
Durante as operações fez-se necessário rtmpliar as prateleiras no depósito
dc livros c substituir as que já se achavam danificadas, como igualmente
encadernar 938 volumes.
De igual maneira, o mobiliário foi restaurado em parte, assim como várias
molduras arruinadas por insetos vorazes.
Tornaram-se exequíveis estes melhoramentos, mercê <lr escasso ¡.umento
da subvenção concedida pelo Congresso Nacional, que assim fez jus ao
reconhecimento do Instituto.
Entretanto, cumpre frisar que não resolvem o defeito orgânico da insta­
lação em edifício invadido pelo cupim.
Além dc -sobremaneira exiguo para comportar as coleções do Instituto, de
livros c documentos, expostos, por isso, a inevitáveis estragos.
Impõc-sc a urgência dc sede nova, apropriada a conservar-lhe o patri­
mônio, antes que seja irremediável a deterioração.

PREMIOS
Bem que tomasse as primeiras providencias para a concessão de prêmios,
não conseguiu ainda o Instituto ultimá-la.
Entretanto, vão «aumentando os saldos a esse fim destinados, acrescido de
novas doações, que não raro o Instituto recebe.
Ainda cn: setembro ultimo, o embaixador José Carlos de Macedo
Soares, que iniciou o depósito especial para custear o prêmio Max Fleiuss,
ajuntou âs suas entrega» anter ores mais 25 ações da Companhia Paulista dc
Estradas dc berro. dr> valor dc Cr$ 200,00, cada uma. assim fazendo jus à
gratidão do Instituto.
Ademais, acha-se cunhada a medalha respectiva, de cujo trabalho artístico
sc ímeumbiu o emérito prefessor Girardct.
— 447 —

CONCLUSÃO

A o terminar. Lix-se mister sintetizar as atividades do Instilu.o regis­


tradas no período anual que hoje finda.
.Materialmente, esforçou-se a administração p t r melhorar as condições
do edifício, desde o telhado, que passou por completa remodelação, nté o
soalho, afistulado de grotas indicativas da voracidade alarmante do cupim.
No tocante à parte cultural, porém, mais avantajadas se lhe apresentam os
resultados, graças aos congressos dc História e Geografia c dos Cursos Espe­
ciais, dedicados a Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, ideados por seu presidente
perpé’.uo, ao redor de quem sc formou a plêiade ilustre de abalizados confe­
rencistas, cuja palavra douta encontrou ressonância da parte das centenas dc
ouvintes empolgados pela eloqüência dos seus mestres.
Sem dúvida, o fato importou cm clara vitória de cooperação. E basta a
sua ocorrência para evidenciar que o Instituto Histórico, prestigiado pelas
tradições dc mais dc um século, ufana-sc também de rejuvenesce-, para melhor
cumprir o seu programa cultural.

V irgílio Corrêa F ilho .


ORAÇÃO DO SR. PEDRO CALMON

(N A SESSÃO M AGNA D E 21 D E O U T U B R O DE 1949)

O problema capital do Pais é a formação da sua consciência, na


autonomia do seu destino e na emancipação de sua cultura Das
riquezas tangíveis, dos fatos econômicos, das realidades materiais se
incumbem as rijas fôrças da terra, que estas não criam espirito,
não elaboram pátria, não fazem história, não inspiram e animam a
soberania dos povos. Conservam-se êlcs, amadurecem na maiori­
dade política, forram-se das subordinações morais, adquirem o direito
à liberdade num vibrante ambiente de debate, conquistam o seu lugar
neste estreito mundo, onde as civilizações dominantes escondem ou
esmagam as formas coloniais de existência — graças ao pensamento
criador. Não se conta em verdade pela cronologia dos aconteci­
mentos mediocres a vida das. nações : mede-se pela estatura de seus
homens representativos, classifica-se pelos periodos intelectuais de
sua evolução, numera-se pelos livros, pelas idéias, pelas contribuições
originais, apresentadas à crise da sociedade, pelos heróis dignos de
memória, pelas gerações que deixaram de si um nobre e profundo
vestígio.
A antiguidade dos paises não é uma questão de arqueologia,
mas uin argumento de influência. Restringe-se ao campo erudito da
pesquisa, ou se limita ao academismo da curiosidade, a velhice pacata
dos que, se tendo antecipado ás grandes correntes do progresso
universal, lá se fecharam entre os muros do seu apagado isolamento
São, no oceano dos tempos, as ilhas irreveladas, sem as quais a geome­
tria bibilõnia ensinou aos egipcios os símbolos arquitectónicos, a
engenharia dos faraós transmitiu aos gregos a arte das acrópoles, o
gênio helénico legou aos romanos a imponência dos monumentos, a
sensibilidade ocidmtal comunicou aos bisantinos, estes aos árabes,
estes aos bárbaros, a estética suntuosa des templos, o perfil airoso
das torres, a linha elegante das arcadas e a antiga beleza das colunas.
— 449 —

Valorizamos as origens, exatamente porque delas deriva — como


das suas nascentes mais, distantes — o caudal da história. Interessa-
nos, na continuidade das épocas, o passado, de onde se desdobram,
isto é, pelo estudo da humanidade que já não existe a têmpera e o
rumo da humanidade existente. Importa-nos a procedência, a heredi­
tariedade, o prosseguimento, como caracteres e condições que náo se
perdem na linhagem dos Estados. O tributo pago pela sucessão à
anterioridade. A coerência natural do parentesco, no desenvolvi­
mento inevitável das qualidades distintivas : ou seja, no nexo das
virtudes raciais, a uniformidade dos sentimentos dirigentes. Chama­
ram-lhe 05 primitivos — a autoridade patriarcal, sombra de avós,
■‘penates", "in penitissima aedium parte", deuses lares da honra
familiar. Chamamos-lhe, sem essa mística, porém com sinceridade
equivalente, o culto dos valores imortais. Nisto resumimos as ener­
gias atávicas'que enfibram a nacionalidade, a sua alma lírica tocada
do milagre do civismo, que é a expressão pública do zelo coletivo por
sua independência c por seu governo, a reverência aos ilustres mortos
e o consenso que une os cidadãos no preito que lhes devemos.
Nenhuma homenagem excede em dignidade a esta austera espécie de
julgamento, a esta forma quase religiosa de evocação, a éste modo
imemorial de respeitar a morte, atribuindo-lhe, não o poder mesqui­
nho da eliminação, mas o divino dom da perpetuação do nome, no
reconhecimento da posteridade.
Êstes são os sentimentos que nos inspiram e nos convocam.
O Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro solenemente os
proclama ; e anualmente os confirma.

COSTA FERRE1KA

Quando, etn 22 de agosto de 1931, propôs Max Fleuiss para


sócio efetivo o engenheiro João da Costa Ferreira, o titulo que lhe
atribuiu — suficiente para quem tanto esmiuçara a história da Capita!
da República — foi o de autor de "A Cidade do Rio de Janeiro e
seu têrmo".
Docente de Desenho Topográfico da Escola Politécnica, diretor
do Cadastro da Prefeitura, ilustrado pelo "Ensaio urbanológico"
em que descreveu a fisionomia da metrópole traçando-lhe as linhas
mestras, era um desses amigos que o Rio de Janeiro tem, zeloros,
tenazes c beneméritos, cujo traljalho disperso, porém construtivo, vaj
impedindo que tudo se perca e se transforme, na sua inevitável desfi­
guração. Dedicava-lhe o amor paciente dos que lhe estudam as
— 450 —

origens. identificam as zonas tradicionais, delineiam as diretivas de


crescimento resguardando o pitoresco, o belo, o poético, de modo a
associar ao progresso, que não para, a arte que não passa. Neste
sentido, a engenharia de Costa Ferreira, se não se enfeitou das galas
polêmicas de outros advogados ou apologistas da graça e da paisagem
carioca, teve a vantagem de ser defensiva, erudita c impessoal.
Alistara-se. desde a mocidade, entre os servidores da cidade que
conheceu como ninguém, amando-a como raros : c tanto lhe pesqui­
sou o patrimônio, na magistratura burocrática, que desempenhou
honradamente, como na perseverança, quase silenciosa, de suas inves­
tigações. muitas das quais vieram a lume na imprensa periódica e
nas revistas cientificas. Como os velhos Pizarro e Silva Lisboa.
Moreira de Azevedo. Joaquim Manuel de Macedo e Vieira hazenda
— este, mais próximamente, seu professor de entusiasmo flumi­
nense — João da Costa Ferreira valia por uma biblioteca de assuntos
cariocas. Ingressou nesta casa como legitimo representante dessa
erudição : podíamos até dizer, como intérprete oficial dessa des­
maiada história urbana, que. aos olhos enlevados do "turista", não
está escrita nos livros, mas imobilizada na cantaria dos solares,
arqueada no perfil dos aquedutos, suspensa dos morros ainda esque­
cidos da renovação geral ou líricamente escondida como uma flor
bizarra na selva de cimento armado, em certos recantos pacatos
onde à austeridade das mansões antigas se junta, nunt contraste
tropical, a festa da natureza exuberante. Trouxe-nos a mensagem
dos urbanistas nas razões do historiador ; a linguagem dos técnicos
no sentimento dos estetas; a palavra atual envolta num grande
respeito pelo passado, em cuja lógica encontrava os traços coerentes
da grandeza do Rio de Janeiro. Queixam-se, os que aqui nascem,
de que a inundação dos forasteiros de tal sorte lhes cosmopolitiza a
terra invadida, que mal reconhecem, na idade madura, cenas e
coisas do seu tempo de meninos-e-raoços. E ’ que a ventania da
civilização movimenta com volubilidade todo esse arcai, como sucede
às dunas movediças; e de tal jeito, que já não se acham palácios,
que serviam de ponto de referência, quarteirões, que tinham ares clás­
sicos. bairros, que se esmaltavam de história, e praças, e ruas, da
mais velha fama. O progresso é linear, e portanto demolidor : é
voraz, e de crescente apetite na gula com que tem tragado os aspectos
clássicos da cidade : é inclemente, porque sistemático ; e se
locupleta de utilidade, abandonando, em proveito do conforto, os
quadros veneráveis da tradição. Que diria a geração de Bilac e
Coelho Neto da orografía de arranha-céus cujos topos geométricos
— 451 —

cerram sôbre as nossas montanhas de granito as suas cortinas


pardas ? Que diría dêsses recortes de New York colados à topografia
da Guanabara a sensibilidade de Melo Morais Filho, que lhe cantou
os costumes arcaicos, o lampeão de gás c a alma |X)pular, na época
do “ tilbury" e do trovador ? Que diría dessas pasmosas novidades o
espírito severo daqueles homens ciumentos do passado, que flo-
reavam a sua indignação contra as audacias do exotismo pediam
bom gosto, às administrações que lhes ofereciam as soluções estran­
geiras importadas com o vapor que trazia a idéia, o livro e a moda ?
Tudo tão diferente.. . Mas se devia salvar o que fôsse digno de
salvação. O que não pode desaparecer sem o desfalque da riqueza
comum, não contada em valores comerciáveis, porém avaliada em
termos de eternidade. O que há de sobreviver às novas e indispen­
sáveis formas de civilização, como padrões do desenvolvimento
nacional os seus marcos comemorativos. Essa forte poesia dc anti­
guidade e civismo que protege com o seu doce sortilégio a s reliquias
da cidade — pergaminhos que ela exibe à surpresa das gerações,
como seus documentos de cultura e seus títulos de imortalidade.
Prezou-os, com superior estima, o engenheiro Costa Ferreira,
cujo desaparecimento, em 24 de outubro de ¡948, repercutiu dolorosa­
mente nos meios universitários e administrativos deste seu Rio de
Janeiro.

LIBERATO BITTEN COURT

Da velha cidade do Desterro, onde nasceu a 30 de outubro de


1869, o general Liberato Bittencourt entrou cm 1912 para o Instituto
Histórico, com a sua “ Psicologia do barão do Rio Branco”. Era
até ai um matemático, que servira abnegadamente à república ao
lado do marechal Floriano — seu ajudante de campo em 1893 — e
mantinlia a tradição filosófica da Escola Militar de 89. Engenheiro,
homem de ciência, literato, escritor de copiosa bibliografia que soma
dezenas de volumes de densa e douta matéria, não podemos dizer que
a sua fosse a vocação das anuas. Tinha, desenganada, a do ensino.
O professor, como o poeta, não se faz : nasce-se. Viera do berço
com a vasivel e lienfazeja inclinação para transmitir aos outros a
sua mensagem interior, nissa obsessiva tendência que, desde a moci­
dade, sagra os mestres, por isso mesmo vinculados, pelo resto da vida,
ao oficio de ensinar. O Colégio 28 de Setembro foi assim a sua
casa, o terreno experimental de sua pedagogia, o seu seminário, a
sua tribuna, o final objetivo de sua carreira sem ambições mundanas,
sem transigencias morais, sem compromissos estranhos a sua límpida
— 452 —

singeleza. Ali pontificou o ensino cm todos os graus, partindo da


matemática elementar, da cartilha do primeiro ano. das Lições de
coisas, dos rudimentos de estilo, da- noções de álgebra, dos casos
de português, para atingir o altiplano da critica literária c iluminar
com a análise esmiuçante os gloriosos brasileiros de que tanto se
ocupou. Machado, Tobias, Bilac, Rui, Afrânio. Tentou até um
balanço dos valores atuais resenhando os que integram a Academia ;
c, de envolta com essa apresentação psíco-biográíica, foi buscar aos
Estados o discreto brilho das constelações locais — de Sergipe, da
Paraiba. Polemista dar "impurezas de linguagem", expositor de
“ vemaculidade”. brigando forte com “ criticas e críticos", apologista
das reputações imaculadas e adversário espontâneo da tartufice inte­
lectual. sabia ser generoso no retrato, leal no combate, amplo no elogio,
veemente no libelo, equânime na sentença, quer se tratasse de “ duas
dúzias de imortais'” , quer "do falso Aristaco” e da “ vindicta”. Indi­
camos alguns de seus livros. Na generalidade, déles o que trans­
parece, estalando o esmalte da discussão, é a exaltação patriótica
subtilizada pela filantropia social. Nas ressonâncias de sua intermi­
nável inquietação predominava o amor do Brasil, não contemplativo
ou declamatório, mas laborioso, dialético, educativo, definindo-se no
culto da lingua, na comemoração dot que melhor a trabalharam, na
reivindicação da verdade contra o erro, na Jndicatura literária que
desempenhou com esplêndida assiduidade. Era dos que servem à
sua gente, em todos os campos onde se faz necessário o serviço:
no quartel, na batalha, na escola, à luz de sua lâmpada estudiosa ou
à barra do tribunal das idéias, militando, doutrinando, escrevendo,
e com tempo ainda para narrar, em obra numerosa, a sua confiança
na pátria.
Faleceu a 15 de dezembro dc 1948. Quem tanto falou de tudo,
não teve, ao morrer, o barulho, glorificador. da publicidade. O decoro
de uma modestia altiva envolveu-lhe em silêncio os últimos dias.
Parece-nos maior, nessa discrcção melancólica.

FERREIRA UM A

Português de lei. o coronel Henrique de Campos Ferreira Lima


pertencia àquela nobre família de soldados escritores, que deu a
Portugal e ao Brasil alguns de seus mais acreditados cronistas.
Trocou os ocios da reforma — na carreira que ilustrara — pelo
intenso trabalho de dirigir o Arquivo Histórico Militar de Lisboa,
passando, sem modificação de ambiente da rotina da caserna para o
— 453 —

convivio das glorias do exército. Dedicou-se a estudá-las rum a


serie, que se distribui por dezenas de volumes, de ensaios acerca de
grandes figuras das armas portuguesas e. em conexão com elas, d e
ilustres vultos das letras e das artes, como Garrett, Machado de
Castro, os pintores Sequeira e José Alves Ferreira Lima. Ingressou
com éxito na historia da cultura, a propósito da Academia das Ciên­
cias — de que era sócio — e. desdobrando a pesquisa num fértil
terreno documental, não houve ano em que nos não brindasse com
duas ou três monografias de boa informação, que valiam como esboços
biográficos, miniaturas impressionistas e reivindicações cívicas, e
visitou o Brasil e mereceu a sagração deste Instituto, em 1937. No
quadro dos membros correspondentes, sobressaiu a sua assídua cola-
Ixjraçáo com as nossas atividades. O Brasil ficou sendo uma cons­
tante precupação da sua literatura Mexendo a papelada do seu
Arquivo, senhor dos segredos de uma formidável massa d • inéditos,
cuja classificação tinha primores de fichário americano, especializou-
se no amável fornecimento de dados verídicos, a quem lho pedia —
fiara esclarecer uma dúvida, aceitar um pormenor, corrigir um êrro.
juntar uma nota desconhecida nos dominios da história militar de
antanho. Várias vezes nos socorremos dos seus prestimos. Elevara
a sua Repartição à altitude de um centro de estudos, à perfeição de
um consultório de pura e sóbria verdade — que assim concebia e
organizou o Arquivo, onde se empilham, com os maços inumeráveis,
e se guardam cm pacotes, e sc conservam em estantes, c se separam
em algarismos e indices, todos os ecos da guerra pluristcular da Raça,
"certíssima esperança — de aumento dn pequena Cristandade”.
Quando aqui veio, comparecia Ferreira Lima às sessões da gala
com o seu uniforme azul avivado d ’mro de coronel de artilharia ador­
nado com o grande oficialato de Aviz, a Ordem de Santiago, as
palmas acadêmicas c várias medalhas estrangeiras que lhe conste-
lavam o peito. Ñessa pompa marcial distimulava a suave humildade
de um temperamento de filósofo, em que o trndic.ionalistr.o român­
tico e a desinteressada ciência ressaltavam a elegância espiritual.
Faleceu cm Lisboa a 30 de julho último, deixando no prelo vários
livros c. enobrecida por uma rida útil, a duradoura recordação de seus
altos méritos.

B E RN A RtlIXO DE SOUSA

De Bernardino José de Souza não me dizem outros testemunhos :


sou informante direto, no comovido depoimento do aluno que louva
o mestre, do confrade que recorda o companheiro, do amigo saudoso
— 454 —

do amigo que desde a infancia se habituou a admirar, conhecendo-o


na intimidade de suas idéias, na trama delicada de seus sentimentos,
na vastidão de sua cultura, sobretudo na sua missão de educador, dos
mais completos e puros da história nacional do ensino. Seu discí­
pulo no Ginásio, discípulo seu na Faculdade de Direito da Balda,
ouvi-lhe. no primeiro banco, as lições torrenciais sóbre as civilizações
clássica e moderna, e o seu internacionalismo reverberante de um
jovem entusiasmo de justiça e ordem. Parece que ainda o vejo, a
voz clara, as palavras bem recortadas, um timbre oratório dando à
aula certa ênfase, de conferência, severo no pensamento, no gesto,
na frase e . . . nas notas, inclemente 11a disciplina e duro na repri­
menda. fazendo pairar na sala a gravidade dc um tribunal e entretanto,
êle próprio, um simples, com o seu je'to. quase rústico, de sertanejo,
a cara redonda, dc nordestino, a que o bigode curto e a mandíbula
espessa davam uma expressão de vigor, os cabelos rentes, os olhos
miúdos, a palavra autoritária, a memória prcdigiosa nos seus recursos
inesgotáveis... Tinham-lhe ntêdo os quartanistas do Ginásio, que
se cotizavam para aiite|x>r-!he. nas sabatinas, o colega que quizessz
"expor o ponto”. Saia a vitima voluntária para ésse exercício com
um suor frio na testa, a palavra gaguejada, sem ânimo para declamar
a enfiada de nomes de que se constituía o assunto sorteado. Passado,
porém, o primeiro instante, cobrava coragem o menino, estimulava-se
com a benevolente atenção do professor, lançava-lhe em desafio tódas
aquelas datas e todos aqueles apelidos, e salvava a turma, enchendo
a hora do suplício. Bernardino de Sousa gostava disto ; tinha o
fraco da aplicação ; distinguía os que prometiam ser como êle, bem
falantes, de forte memória, alinhando fluentemente os algarismos de
larga táboa cronológica ; e se achava a si mesmo, na encantadora
sinceridade do seu espirito, lá fora, na rua que corre à sombra do
convento da Lapa, até onde o seguia, cscoitando-o respeitosamente,
o grupo dos devotos. Entre os devotos, sempre estive eu. Lá
estava com aqueles palradores colegas de 1918. alguns sumidos para
sempre no turbilhão da vida, outros por ai evidentes e distintos,
formando, entre as gerações doutrinadas pelo querido lente, a que
melhor lhe conservava a estima. Mais tarde, na Faculdade, dimi-
nuira-sc a distância entre êle e nós. A alguns, já nos pungía o
buço ; e ermeçávamos a opinar com independência. O seu direito
era um formidável direito das gentes .'ntrançado de filosofia e tradi­
ção, portanto diferente da realidade do mundo ou a ela antecipado :
mas belo, sugestivo, ideal, por is-o mesmo fácil de aprender, mais fácil
ainda de negar. Citando muito Bonfils, sublinhando de civismo c
marchetando de história a preleção. dava-nos — em 1921 — uma
paisagem otimista das relações internacionais pinceladas, aqui e ali, de
— 455 —

confortável utopia. Sentíamos, é certo, que se estava no limiar de


uma outra era; que para trás ficavam as promessas de Wilson, da
paz estável, e a retórica da propaganda anti-imperialista da guerra
de 1914 ; e a sombra da violência descia metódicamente, da crise
européia, sôbre as chancelarias desatentas, como dos altos céus descem
sõbre a terra desabrigada as nuvens carregadas de temporal. Mas a
sua fé era poderosa e aliciante. Nela vibrava um. sonoro e esplên­
dido entusiasmo, que se lhe desatava, das culmináncias da cátedra,
pra todas as formas da atividade criadora Movia-o essa bendita
inquietação, de operário infatigável, de indormido artífice do bem
público, de extraordinário promotor de cultura. Secretário do Insti­
tuto Geográfico e Histórico da Bahia, recebeu-o, cm 1914, desani­
mado e pobre, e logo o reergeu à categoría de pujante instituição,
com casa asseiada. sessões resplandecentes, prestigio inexcedível e boas
contas. Não se satisfez com isto : porque em 1923 se comple­
taria o século da Independência, quiz, que tivesse palácio, traçado com
audácia de proporções, que lhe valesse o titulo de Casa da Bahia.
Fêz prodígios de sacrifício, na campanha financeira para transformar
em realidade o seu sonho, arrancando à avareza, á esquivança.
á descrença ou ao assombro dos ricos, e também à humildade e
à confusão dos que pouco tinham, os enormes recursos necessários
para a construção do monumento, para o seu mobiliário, para o seu
esplendor. A Casa da Bahia foi. por dizê-lo. levantada, pedra sôbre
pedra, por seu vigor físico. Trouxe-a, moralmente, aos ombros.
S'uspendeu-a do nada, como um escravo das pirámides suspendendo
sõbre as areias do deserto o monolito imperecivel. E abriu-a na
data marcada — como um penitente que cumpre o seu voto — à
reverência do Brasil. Praticou semelliante aventura com a Facul­
dade de Direito da Bahia, de que foi diretor benemérito; Devia ter
também o seu palácio. E éle não lhe faltou, pondo abaixo o solar
antigo, em que funcionara com modéstia eximia, e no lugar dêste
levantou o pórtico ateniense que lá está. Achávamos que possuía o
condão de transmudar em obra neva a ant : qualha. de varrer a poeira
do abandono às coisas que ia administrar, de soprar-lhes o alento
vital, que as rejuvenescia, semeando pelo sen caminho o suor do rosto,
que ao contacto do solo se convertia em alicerces, florescia em arqui­
tetura. copava em ilustres abóbadas e alteava, spbre o panorama da
mediocridade, em que á rua volta restejavam as iniciativas, um
arrogante perfil de dominação
Os acontecimentos posteriores a 1930 trouxeram-no, com impor­
tantes comissões confiadas à sua magnifica probidade, para o Rio de
Janeiro. Precisava-se de um exemplar presidente para o serviço de
— 456 —

reajustamento econômico : seria êle. Ao Tribunal de Contas da


República convinha um ministro de extremosos escrúpulos : éis o foi
Desdenhoso dos bens da fortuna, que o não atraiam ; cumprindo o
seu dever com a obstinação, ás vêzes rude, de um temperamento insen­
sível aos convites do comodismo ou às intimações do interesse :
andando em linha reta, pelo seu conhecido horror à tergiversação, ao
tecuo, à doblez dos fracos; c, por tôda a vida, intelectual puro, a
escrever os seus livros nos escassos intervalos do trabalho extenu­
ante — Bernardino de Sousa merecia as honras dessa magistratura.
Merecia principalmente o aplauso dos antigos discípulos, a quem dera,
nos bancos escolares, a lição teórica e dava agora, no supremo magis­
tério da moralidade, a lição prática do patriotismo.
Genro de Carneiro Ribeiro, ligara-o ao mestre da filologia uma
afinidade espiritual que cêdo se definiu como uma digressão ambiciosa
nos mais variados campos do saber. Geografia, vernaculidade, linguís­
tica, a pátria história e a doS povos, biografia, etnologia, letras clás­
sicas. indianismo, onomástica brasileira, jurisprudência, política, eco­
nomia e finanças, foram sucessivamente os temas da sua curiosidade
inesgotável. Tipo de monografia a que deu a paciência de suas inves­
tigações, é a que se intitula “ Pau brasil”. Mas a obra prima dessa
perseverança seria a que não chegou a publicar : a sua exaustiva
noticia do carro de boi na tradição nacional — esmiuçante e erudita
memória, com as proporções de tratado e os pormenores de literatura
regional, que pretendia utilizar a n desagravo, senão em glorificação,
do mais tardio dos nossos veiculos. Porque, na era do motor a jacto,
quando as mais inesperadas espécies de propulsão fazem irrisório o
transporte primitivo, chiando e gemendo pelas estradas do sertão, deci­
diu éle dedicar ao carro de bois dez anos de peregrinação pelas biblio­
tecas, pelas regiões históricas, pelos arquivos, pelo “ folk-lore" e pelo
sentimentalismo da nossa gente ? Explicava: exatamente para lavrar
o seu protesto contra a ingratidão. Para dizer o que devia o pais
aquelas duas rodas maciças, àqueles seis vitelos, àquele carreiro can­
tador, àquela preguiçosa traquitana c àqurle honrado tempo 1

BRAZ U 0 AMARAL

Braz Hermenegildo do Amaral não quis ser senão o historiador


da Bahia. Oriundo de uma família de revolucionários de 1837, dessa
“ Sabinada", cujo elogio, estampado na Revista do Instituto, em
1909, lhe valeu a eleição para sócio correspondente — conservou até
m orrer a obstinação dêsse voto. A sua inalterável disposição de
desvendar o longo mistério de sua terra, através de um estudo inter­
minável. materializado nos sete tomos das Memórias, de Inácio
— 457 —

Accioli. por êle anotadas, nos dois das Cartas de Vilhena, que achou,
comentou e imprimiu, nos dois de Discursos e Conferências, em que
se compendian! os seus melhores ensaios, numa densa História da
Bahia do Império à Repúbiica, nas Reminiscencia-. regionais, com
que a completou, sem falar nis numerosas comunicações que ■screven
para ambos os Institutos, éste, que lhe mereceu assídua colaboração,
e o baiano, que ajudeu a fundar em 1S94. Era médico, professor da
Faculdade de Medicina e do Ginásio, jubilado em 1914, parlamentar,
com honras de republicano histórico, tribuno de eloqiiência esmerada,
e. ardentemente, advogado do seu Estado em todos os problemas de
limites. Por fórça dèste mandato, em que o confirmou a confiança
de sucessivos governadores, frcqiientou os arquivos portugueses,
remexeu os nacionais, entesoirou grande soma de provas cartográ­
ficas e de preciosos inéditos e elaborou memórias sábias, cujo conhe­
cimento sc toma imprescindível a quem pretenda estudar a história
e a geografia do pais. À medida que o péso dos anos lhe foi opulen-
tando a experiência, com a autoridade, de seus probos serviços, e n
renome, de seus pacientes trabalhos, se avantajou a rua estatura de
homem público, que reunia à mais respeitável erudição um vibrante
e belo civismo.
Cronista da terra natal, foi como tantos outros escritores fiéis à
província, que, por circunscreverem a área do seu interêsse. podem
csquadrinhá-la em todos os seus segredos. Para êle não havia uma
região histórica, insulada na imensidade do passado, mas um pequeno
e completo mundo que lhe bastava à curiosidade e ao amor. Notar-
se-lhe-á porventura a espaços, nos livros de muito louvor aos pátrios
lares, uma ressonância tardia de inconformidade, derivada do 'teriodo
belicoso da Regência cm que a “ sabinada” — como tuna expressão
simétrica do regionalismo autonomista dos "farrapos" — levantara
as barricadas nas ladeiras da Bahia. Participava da intransigência do
seu espirito essa feição litigante de defesa da terra, êsse crepúsculo
dc resistência particularista pintando dc córes alegóricas a serenidade
do seu próprio ocaso — ou seja, de sua vida branda e estudiosa
que chegava ao fim, consagrada e festejada pela admiração pública.
Encerrou-sc imprevistamente a vésperas da grande celebração do
quarto centenário daquela sua cidade do Salvador, a cujo programa
intelectual dispensara os melhores cuidados, querendo que tivesse a
importância dc uma festa nacional, com o prestigio dc um Congresso
de História, o l.° dc História da Bahia, que lhe fôsse o coroamento
literário. Fuhninou-o a morte quando iam adiantados os prepara­
tivos para as esplêndidas cerimônias de 29 de março ; e. dest’arte,
o Congresso, que organizara — com os confrades capazes de o real;-
— -158 —

zar com éxito memorável — começou as suas atividades prestando-


lhe a homenagem da justiça e da veneração, comemorando o histo­
riador da Bahia. Esta liem o compreendia. Impregnada de tradição,
com o presepe dos mosteiros e doo campanários enchendo as colinas,
sõbre o mar. de uma pompa imperial de muralhas e cruzes, cujo
áureo patinado tem ao longe tons quentes de púrpura quando a veste
o crepúsculo cie suas cores majestosas — tem as ressonâncias e as
perspectiva de um ]>assado singularmente presente. E ' a terra das
lembranças vivas, cujos ecos animam dc um sentimentalismo forte a
sua paisagem emotiva; lad -iras calçadas de H istória, montes reco­
bertos de reminiscencias ilustres, horizontes cheior de monumentos
aomemorativos, pela amplitude de seu cenário, dramático e soberbo, o
encontro das épocas, na sucessão das formas a n tig a s... Para éle,
tinha o sortilégio dos enigmar», o mistério denso do seu texto de
pedra — livro formidável dos séculos, em cujas linhas velhas queria
recompor a formação brasileira. E a serenidade augusta dos templos!
Foi o altar da pátria ; e continua a ser o seu mais rico santuário.
ATA DA SESSÃO C O M E M O R A T IV A DO D IA P A N -A M E R IC A N O
E M 12 D E A B R IL DE 1949 (Sessão 1781)

/I sessão coMCwraliva do L>ia Panamericano — Oração do presidente


de Instituto Histórico do Uruguai — Sucios correspondentes das duas
entidades

O Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro realizou em seu salão nobre,


às 17 horas de 12 de abri! do ano de m il novecentos e quarenta c nove, a
sessão assinalada para a comemoração do Dia das Américas.
Assumindo a Presidencia, o vice-presidente, ministro Augusto Tavares de
Lyra, convidou para tomaren) parte na mesa os Srs. embaixador do Chile,
D r. Osvaldo V ial, o encarregado de negócios do Uruguai. S r. Carlos A .
Massanc, Sr. .Ariosto Gonzalez, além do primeiro secretário do Instituto His-
tórido.
Em seguida, explicou ter sido escolhido para orador naquela cerimônia
de significação continental, um dos nossos mais distintos consocios, professor
Feijó Bittencourt, membro da Diretoria, como dedicado secretário, cuja pa­
lavra. aplaudida mais de uma vez neste recinto lhe comprova o esclarecido
saber. Em homenagem a visitante ilustre, D r. Ariosto Gonzalez, oreferiu.
entretanto, adiar a sua anunciada conferência sobre o “ Padre Antonio Vieira
c o Pan Americanismo, para que o presidente cm exercício do Instituto H istó­
rico do Uruguai pudesse proferir a sua oração.
Na tribuna, discorreu o D r. Ariosto Gonzalez a respeito de “ Alexandre
Dumas e a Troia Americana” . 0 Sr. presidente agradeceu ao cortíercnciftn
declarando que seu trabalho será publicado oportunamente.
Voltando à mesa, foi de novo franqueada a palavra ao D r. Ariosto Gonzalez
para dar conta da incumbencia que trazia, proferiu ele o seguinte discurso :
“ Trago-vos os cumprimentos comovidos e cordiais do Instituto Histó­
rico e Geográfico do Uruguai. <> centro de estudos fundado por Andrés La­
mas c Teodoro Miguel Wlardebó. cm Montevidéu, no ano de 1843, à seme­
lhança c segundo o modelo desta ilustre casa, onde nos encontramos hoje
congregados para falar de nobres bens espirituais comuns.
Trago-vos, também, como efetiva expressão concreta dc nosso afã de
cooperação, de solidariedade e dc entendimento, os diplomas que tornam
Membros correspondentes do Instituto H istórico do Uruguai no Brasil, os
doutores José Carlos de Macedo Soares, Pedro Calmon c Claudio Ganns.
Não assinalarei, nem sequer cm breve síntese, os títulos e merecimentos
especiais que singularizan) e destacam esses eminentes colegas. O doutor
Macedo Soares é o escritor c estadista, com obra própria e definitiva, que,
superando a linha média do nível normal, constitui uma glória para suit poi«.
seu tempo e sua raça. O D r. Calmon, deslumbrante dc bordados utiversi-
tários. é jornalista e tribuno de mérito autêntico, lido c admirado em todos
— 460 —

os países de língua espanhola. O doutor Ganns junta a seus livros c opúsculos


de alto valor seu impressionante trabalho como diretor da Revista desse Ins­
tituto.
Devo suhlinliar, com urn propósito de precisão, que a designação do doutor
Macedo Soares como correspondente do Instituto Histórico do Uruguai foi feita
a 17 de maio de 1935 c que, por um êrro no9 trâmites do diploma, novelmente
é expedido. E já que êsse êrro, confere-me a oportunidade e a honra de en­
tregar-lhe o seu título acadêmico, seja-me permitido acrescentar que o doutor
José Carlos de Macedo Soares c figura familiar e querida cm Montevidéu,
onde podería concorrer à difícil prova de disputar com méritos legítimos, :*
seu irmão, embaixador José Roberto de Macedo Soares, a primasia no consi­
deração e no afeto dos uruguaios. Faz pouco tempo, por motivo da apresen­
tação. no Instituto Histórico, do distinto diplomata e historiador Alvaro
Teixeira Soares, tive a oportunidade de ouvir de um de nossos mais distintos
colegas, o professor Simon Lucuix, os seguintes conceitos que passo a ler
com muiito gôsto :
"Diplomatas e historiadores foram o visconde de Pôrto Seguro, Joaquim
Nabuco, Joaquim da Silva Caetano, Manoel Oliveira Lima, príncipe dos histo­
riadores brasileiros, Alfredo Varela, tão ligado aos estudos de nossa história
e da terra fronteiriça do Rio Grande, Pandiá Calogeras, Hélio Lobo, membro
correspondente dèste Instituto, c a cuja sempre lembrada atuação em Monte­
vidéu. devemos êsse admirável livro .4 democracia Uruguaia, a melhor síntese
sôbrc uma época de nossa história; e deixei de propósito para o fim o doutor
José Carlns .de Macedo Soares, ilustre ministro das Relações Exteriores do
Brasil para quem o Instituto Histórico do Uruguai tem motivo especial de rc«
•conhecimento, já que, em meio das graves preocupações de uma guerra que
golpeava sombríamente todos os recantos do mundo, fez uma pausa na sua
pesada tarefa e veio até nós trazer a saudação fraternal do Instituto Histórico
do Brasil, cuja presidência exerce com tanta dignidade, por ocasião do nosso
primeiro centenário” .
Senhores :
Estes títulos académicos nada acrescem à nomeada c a glória, dos doutores
Macedo Soares. Calmon c Ganns, porque sua glória e nomeada são defini­
tivas e completas. Significam simplesmente que lá no Sul há alguns traba­
lhadores desinteressados e assíduos, que pertencem à mesma estirpe espiritual
que vós e que fizeram testemunhar-lhes suas simpatia c sua admiração.
Quanto a mim. modesto intérprete desses sentimentos superiores, só desejo
acrescentar que esta casa, este ambiente, esta honrosísima recepção, transpor-
tam-me a tempos que declaro, melancólicamente, longínquos, de minha meni­
nice c fizeram-me reviver, numa visão fugidia e aérea, aqueles aniversários de
7 de setembro passados na fazenda paterna, quando meu pai içava, com suas
próprias mãos, sob o céu azul na solidão dos campos junto às árvores que
começavam a reverdescer, a bandeira de sua pátria brasileira ao lado da bandeira
uruguaia c’,a pátria de seus filhos...
/\gora, como então, e como sempre, sinto, senhores, a irmandade vivn de
nossos povos, de nossas ideais e de nossos destinos e digo-vos que trabalhar
juntos com espírito de compreensão, é empresa indeclinável e sagrada que
devemos cumprir como um mandato da história, como uma imposição do
presente, como uma esperança do futuro.
Em resposta à valiosa oferta, envolta cm cativantes expressões de cordia­
lidade o Sr. professor Pedro Calmem agradeceu cm nome dos eleitos con­
testando que as láureas distribuídas a três membros do Instituto Histórico e
-Geográfico Brasileiro fossem dc somenos valia, como declarara modestamente
— 461 —

■o ofertante. A o contrário, cartas de cidadania espiritual seriam guardadas com


todo o carinho pda alta significação qu? continham. Consideravam-se os pos­
suidores de tão expressivo certificado de amizade também historiadores uru­
guaios .
E cumpria-lhes intensificar o intercâmbio cultural entre as duas associa­
ções de estudos históricos organizadas com menos dc uma década de intervalo.
Em seguida, o D r. Cláudio Ganns, com a palavra, informou que antes de
saber que o Instituto Histórico do Uruguai deliberara dcgc-lo sócio correspon­
dente c mais os seus dois ilustres companheiros, foram assinadas as seguintes
propostas para sócios do Instinto Histórico e Geográfico Brasileiro.
“ Indicamos para sócio correspondente do Instituto H istóriro c Geográ­
fico Brasileiro o Dr. Ariosto Gonzalez — eminente historiador e polígrafo do
Uruguai — e atual vice-presidente do Instituto Histórico do pais irmão.
Incansável trabalhador, u ilustre escritor tem uma grande bagagem lite­
rária c histórica, no qual se destacam : Os Partidos Tradicionais", •'Aná­
lise da época de Rosas’ ’. " A missão de Santiago Vasquez a Buenos Aires",
" O manifesto de Lamas de 1855", “ Da Revolução do Quebracho â conciliação
dc Novembro” , “ As primeiras fórmulas constitucionais nos países do Prata” ,
“ Luís Melian Lafinur” , “ Um campo dc concentração em Durazno” , “ José
Serrato", " Escritos de Andrés Lamas", “ Orientais ou Uruguaio;.", “ Direito
Aduaneiro Uruguaio", “ O dever da verdade no labor histórico” c "H istó ria
dos uruguaios". Colaborou na " H istória da América", dirigida |>or Ricardo
Lcvcne. Tem representado o seu país cm diversas conferências internacionais
c é um des negociadores do Tratado de Comércio com o Brasil ainda cm
elaboração.
Rio de Janeiro, 20 dc outubro dc 1948 — (aa) José Carlos de Macedo
Soares — Cláudio Ganns — Augusto Tavares de Lira — João Batista Maga­
lhães — Francisco Marques dos Santos — V irg ilio Corrêa Filho — José
Pedro Leite Cordeiro — Didio Iratin A. da Costa — Leopoldo Antônio Fcijó
Bitencourt — Hclio Lóbo — Alcindo Sodré — Afonso Costa — A rtu r César
Ferreira Reis — Pedro Calmou — A urdiano Leite".
“ Indicamos para sócio do Instituto Histórico c G cográíicj Brasileiro o
Dr. Daniel Castelanos, notável advogado e ex-catedrático de história universal
no Uruguai. Secretário da Presidência da República (1927-1931) representante
•diplomático do Uruguai na Espanha e em Londres. Ex-m iiüj.r? da Instrução
Pública e Previdência Social. Atual ministro das Relações Exteriores.
E ’ autor dc numerosos trabalhos dc cáratcr histórico : v g — " O cole­
giado através da h is tó ria ": “ La Estrella del S u r" — em campo dr hipóteses.
— E ' memb-o efetivo da Academia de Letras do Uruguai e do Instituto Histó­
rico ilaqucle pâh.
Rio dc Janeiro, cm 20 dc outubro dc 1948. — (aa) José Carlos dc Macedo
Soares — Cláudio Ganns — A rtu r César Ferreira Reis — Augusto Tavares
dc Lira — Pedro Calmon — Francisco Marques dos Santos — João Batista
Magalhães — V irgilio Corrêa Filho — José Pedro Leite Cordeiro — Didio
Iratin A . da Costa — Alcindo Sodré — Afonso Costa — Pedro Calmon —
H élio Lóbo — Leopoldo Antônio Fcijó Bitencourt".
“ Indicamos para sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro o
D r. Rafael Schiafino, ilustre medico c historiador uruguaio, catedrático dc
higiene da Faculdade de Medicina de .Montevidéu c dos Institutos Normais,
diretor de Higiene no Ministério da Saúde Pública. Foi ministro da Indústria
c dc» Trabalho c representante do Uruguai cm diversos congressos interna­
cionais.
— 462 —

Presidente do Instituto Histórico do Uruguai cm 1928 ao alto cargo tornou


em tres periodos consecutivo,, desde 1940 — cxcrcendo-o ainda atualmente. £
autor de urna História da Medicina no Urugnai, cm 2 vols. c premiada pela
Faculdade de Medicina: ¡'ida do D r. Miguel Hcodoro Uiloderbó e outras
muitas publicações relacionadas especialmente com a história colonial do
Uruguai.
Rio de Janeiro, em 20 de outubro de 1948. — (aa) José Carlos de Macedo
Soares — Claudio Ganns — A rtu r César Ferreira Reis — Francisco Marques
dos Santos — Augusto Tavares de Lira — João Batista Magalhães — V irgílio
Correa Filho — José Pedro Leite Cordeiro — D idio Iratin — Afonso Costa —
Alcindo Sodre — Pedro Calmen — Helio Lobo — Aureliano Leite — Leopoldo
Antonio Feijó Bitcncourt” .
Em seguida, como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra, o Senhor
Presidente levantou a sessão, depois de agradecer a todo» quantos honraram
com a sua presença a referida sessão.
Entre a seleta assistência notamos os Srs, Dr. Justo Pastor Benítez,
Antônio Luís Coelho, representando u Sr. ministro da Agricultura, tenente
Jason Soares, representando o Sr ministro da Justiça. Sr. José Vaen. repre­
sentando o Sr. ministro da Fazenda, capitão Carvalho, representando o Senhor
general Lima Câmara, chefe de Policia, o secretário da Seriedade Brasileira
de Geografia. Luís A lfredo Escragnollc. professor Sílvio Júlio, Válter de
Azevedo. José .Antônio Soares de Sousa. V. E. Ariesta. Adel’ nn <1*Araújo c
Sru. Lourenço Pereira. Sra. Sebastião Jose dos Santos, c S n . Elene Braga
de Pereira da Cunha” .
Encerrou-se às 19 c meia horas.

A T A D A SESSÃO O R D IN Á R IA EM 27 DE M A IO DE 1949

(Sessão 1782)

Aos vinte e sete dias d«» mês de maro de 1949, se reuniu o Instituto
Histórico c Geográfico Brasileiro, cm sessão ordinária para ouvir a cnníe-
rér.cia do sócio professor .Adolfo Morales de los Rios Filho, neste dia empossado
sócio efetivo.
As 17 horas ocupou a presidencia o Sr. embaixador José Carlos de Macedo
Soares, presidente perpétuo do Instituto, que convidou para tomarem lugar na
mesa, o representante do Sr. presidente da República, o Sr. conde de Casa
Rojas, embaixador da Espanha c o nrinistro A taúlfo de Paiva.
O Sr. V rg ílio Corrêa Filho, 1." secretário do Instituto, leu as efemérides
do barão do Rio Branco referentes ao d :a. c comunicou que se achavam sóbre
a mesa as trs propostas de sócios que passam a ser transcritas :
Proposta — Propomos para sócio efetivo do Instituto Histórico c Geo­
gráfico Brasileiro, o professor D r. Edgardo Castro Relíelo, consagrado pro­
fessor da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, em que é
catedrático de Direito Comercial. O Dr. Edgardo Castro Rebelo é jurista
de nomeada, notável conhecedor de Direito cm seus muito» ramos, comentador
arguto e profundo a quem de fato vale uma cultura histórica especializada.
Dessa cultura histórica tem ele dado provas, mostrando-se um insistente pesqui­
sador. comprovado por especializados trabalhos, um deles a tese aprcscntnd.i
ao I V Congresso de H istória Nacional, realizado no corrente ano. intitulada
— inscrições lapidares da Igreja da 1'itória c <» local da Vida 1'clha,
— 463 —

monografia esta ent que versa problema muito especia! de historia colonial,
rccorrcndo-sc o autor de dados que pesquisou para discutir ceinctitos expendidos
l>c!os historiadores de nomeada, aos quais se contrapõe com sagacidade c
especiais conhecimentos históricos; já conhecido como sabedor da história
político, econômica c financrir.i, principalmente do segundo remado» eis que
desta vez revela pois uma nova face da sua grande cultura.
O nome do professor Edgardo Castro Rebelo na verdade se assinala corn­
os méritos c projeção incontestável, que fazem que o proponhamos para fazer
parte do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Rio de Janeiro. 27 de àtaio de 1949. — Leopoldo Antônio Feijó Bitten­
court, José Carlos de Maectfo Soares Nelson de Senna, V irgílio Corrêa Filho.
Estêvão Leitão de Carvalho, Afonso Costa, João Batista Magalhães. A dolfo
Morales de los Rios Filho.
Proposta — É o D r. Manuel Xavier de Vasconcelos Pedrosa médico c
cientista de grande cultura que jã se distinguid an se doutorar, com a tese - -
Eletividade Patogênica c biotóxico, e ncnropatologia, trabalho que logrou
nomeada, citado pelas conclusões que encerra. Especialista cm moléstias da
nutrição e aparelho digestivo, o D r Manuel Xavier de Vasconcelos Pedrosa
fez curso cm Berlim, tendo rido aluno do professor de notoriedade universal.
Dr. Urberi Ainda n recomenda como cientista os seguintes trabalhos
Metabolismo basal c sita aplicação na clinica — z/fãc dinâmica da albomina
c glândula Itipofisária. Mas como os grandes nomes da medicina na Europa,
que tiveram as vistas ynltidas à história da ciência que professam o Dr. Ma­
nuel Xavier de Vasconcelos Pedrosa se tornou um pesquisador meticuloso do»
pontos da história da medicina no Brasil, chegando a uma concepção de
conjunto esplanada cm cinco teses, que se completam e com que concorreu ao
IV Congresso de H istória Nacional, realizado pelo Instituto Histórico.
Estudou ele :
Primeiro : l.cfras c Ciências no Século X V I e -V F //. Esta monografia
vem a ser a indagação feita através dos primeiros cronistas e escritos que
Trataram do Brasil, para neles que principalmente se demoram cm assuntos
pertinentes a ciências naturais, encontrar o médico informes elucidativos
colhidos Jogo ar- primeiro contacto que o europeu ia tendo com a America.
Segundo : Doenças do Brasil Colonial. Já o quadro desta vez apresen-
lado, sendo expressivo, de muito serve para 'formar uma idéia a respeito da
história da medicina no Brasil.
Terceiro : .4 medicina dos indios.
Quarto : . í medicina dos colonizadores; os agentes.
Quinto : Espirito médico dos séculos X V I c X V II.
Revelando pois maneiras especiais dr enquadrar o assunto, o D r. Manuel
Xavier de Vasconcelos Pedrosa adiantou como encarar a história nos sett»
vários aspectos históricos, é , pois, um. espírito culto c de grande intuição,
que merece, pelo valor que revela, estar entre os membros do Instituto
Histórico c Geográfico Brasileiro, razão por que o propomos para sócio efetivo.
Rio de Janeiro, 27 de maio de 1949. — José Carlos de Macedo Soares,
Leopoldo Feijó Bittencourt» Nelson de Sena. V irgílio Corrêa Filho. Estêvão
Ix-ítão de Carvalho, JoSo Batista Magalhães, A dolfo Morales d i los Rios Filho.
Proposta — Com variado número de teses a respeito de História da
Medicina, concorreu ao I V Congresso de História Nacional recéntenteme
realizado, o Dr. Ordival Casãiano Gomes, formado pela Faculdade de Medicina
da Universidade do Brasil, onde se doutorou, membro titu la r da Sociedade
Brasiluira de Urologia c membro efetivo da Sociedade de Medicina c Cirurgia
do Rio de Janeiro, como também membro associado da Société Beige D 'Uro­
logic, o que o distingue na profissão que exerce, ocorrendo, porém, que com
especiais pendores pelos estudos históricos, se tornou, um dos especialistas,
que, na sua geração, mais se tem distinguido, pela originalidade. larguesa de
compreensão dos assuntos dc História dc Medicina. Já é ele sócio efetivo
do Instituto Geográfico e H istórico da Bahia, c na qualidade dc sócio fun­
dador, faz parte do Instituto Brasileiro de H istória da .Medicina, onde atual­
mente exerce o cargo de Secretário Geríal. Elcgcram-no para membro, a
Sociedade dc História dc Medicina (Buenos A ires) hem como o quiz para
membro honorário o Instituto Baiano de História ria Medicina. Entre o que
escreveu, são trabalhos de H istória :
— S ífilis da Rexiga (H istória e Cl mica) — Trabalho laureado pela
Sociedade dc Medicina c Cirurgia do Rio dc Janeiro, cm 1940 e publicado na
Revista Médica Brasileira — março dc 1940.
A Escola dc Salerno — Atualidades Terapêuticas — Ns. 2 e 3. vol. I 1946.
— José Correia Picanço — Sep. dc Atualidades Terapêutica» — 1946.
— Thomas Sydenham, Sua Epoca c Sua Obra — Revista Médica Brasi­
leira. X X II. 3. I. 1947.
— O Fisconde dc Santa Isabel — Esboço Biográfico — Trabalho apre­
sentado ao Instituto Brasileiro dc H istória da Medicina, cm abril de 1947.
— O Maestro Alfredo Nascimento — Brasil Médico-Cirúrgico 10, pá­
gina 501. 1948.
— Vieira Fazenda — O Médico e o Historiador — Trabalho lido por
ocasião do centenário <ln seu nascimento no Instituto Brasi1o: ro dc H istória
da Medicina, em 11 de abril dc 1947.
— Fida e Obra do Cirurgião Antônio José Alves (P ai do poeta Castro
Alves) — Revista do Instituto Brasil :iro H istórico c Geográfico, vol. 194, 1947.
— Introdução d Medicina da Século N P 11 — Trabalho apresentado ao
Instituto Brasileiro de H istória da Medicina, rm 26 de maio de 1947.
— A Escola de Alexandria — Trabalho apresentado ao Instituto Brasi­
leiro de História da Medicina, em 25 de agósto de 1948.
A Fundação do Ensino Medico no Rrasil — José Correia Picanço —
Trabalho apresentado ao I CongTesso de História da Bahia, 1949.
— Formação e Espirito da Medicina IJrasileira no Século X V I — T ra ­
balho apresentado no IV Congresso de H istória Nacional, 1949.
Sendo a História da Medicina assunto que sempre interessou ao Instituto
Histórico c Geográfico Brasileiro, para déle já terem saído obras hoje
consideradas clássicas como as que produriu A lfredo Nascimento, vemos
no nome dc Ordival Cassiano Gomes, uni continuador brilhante dessa tradição
para que 1hc proponhamos o nome para o quadro de sócio efetivo.
Rio de Janeiro, 27 dc maio de 1949. — Leopoldo Antônio Feijó Bitten­
court, Joào Batista Magalhães. José Carlos de Macedo Soares, Nelson de
Sena, Estêvão Leitão dc Carvalho, V irgílio Corrêa Filho, Afonso Costa c
A dolfo Morales de los Rios Filho.
O Sr. embaixador Macedo Soares, presidente do Instituto, deu a palavra
ao segundo secretário, Sr. Feijó Bittencourt, que dirigindo-se ao professor
— 465 —

M o ra l» de los Rios Filho declarou íazc-lo em lugar do orador oficial


por sc achar fora do país. Lastimou o Sr. Feijõ Bittencourt não estar ali
a verdadeira eloquência própria para aquela solenidade c. referindo-se á per­
sonalidade do novo sócio, afirmou que não podia deixar de se re fe rir à sua
família tão significativa na História de Espanha. O povo espanhol foi objeto
de apreciação para que fossem apontadas as suas qualidades de idealismo e
espírito realista com que o espanhol se voltou para a realidade social, para
o homem da ml.ltidão de que provém a questão social : essas qualidades o
orador as apontou num homem, o professor A dolfo Morales de los Rios,
pai daquele que entrava para o Instituto.
Analisou o orador a educação de Morales de los Rios pai na Espanha,
e a sua formação intelectual completada cm Paris no curso de Arquitetura.
Assinalou a sua atividade de arquiteto na Esppnlu, a sua partida para o
Chile, encarregado de missão de ensino, a que não póde chegar, e volta para
a Europa, i ¡cando. entretanto, no Brasil, onde um:i transformação gerri cm
que pôs mãos a República depois do primeiro período de incertezas e agi­
tações que lhe seguiram a proclamação.
A transformação da cidade do Rio de Janeiro, na fase republicana, 'foi o
momento interessante para um arquiteto, e que o professor Morales de los
Rios encontrou. Foi assinalada a sua posição ao lado de Franrisco Passos, o
destaque do professor de arquitetura, o homem de grande cultura e espírito
social. Marcou o orador a projeção de figura significativa na sociedade da
época, que se caracterizou por especial significação com que transitava do
Imperio para a República.
Confrontando as personalidades de pai c filho, quem estava com a palavra
disse a esse que o seu progenitor lhe imprimira na mente um dever: u de
tornar a sua profissão uma obra social, integrando nela artífices, os que se
educavam nas escolas profissionais, razão por que Morales de los Rios ampliou
a sua atividade até no ensino de desenho, pode-se dizer qtfct dado ao povo.
O orador que o conheceu como professor nessa época, estranhou ver jm a
figura de tanta atividade profissional, como o era Morales de los Rios Filho,
empenhado naquele ensino, concluiu que lhe compreendeu êsse feitio ao fixar os
olhos em Morales de los Rios pai, e na extensão, no sentido que ele dava à
..rte de ser uma educação ampliada ate o povo.
Demorou-se o orador na apreciação de Morales de los Rios Filho chamando
a atenção para a sua operosidade 3 fim <!e reunir a classe de engenheiros e
arquitetos, lhe dar espirito de unidade, legislação social com que se apresentou
e se transpondo ao terreno internacional, principalmente sul americano pro­
feriu cursos nas Universidades, nos demais centros culturais, a fim de avivar
o espírito de todos para o espírito da arquitetura c nua expressão filosófica.
Nesse particular foi dito tjl;e era de entrever um smtido panamericano a que
Morales de los Rios dava a profissão de arquiteto, mas sendo esse sentido pa­
namericana um dos sentidos da história presente tto equilíbrio político uni­
versal o tirador declarava que fazia o seu louvor ao professor brasileiro.
A entrada de Morales de los Rios Filho para o Instituto ( foi-lhe então
lembrado) era a consequência lógica dos trabalhos que èle apresentou em
congresso promovido pelo Instituto. As obras de tomo — O ensino artístico
no Hrasil; Grandejcan de Montigny e seu tempo; o Jiio de Janeiro Imperial
— que são uma série de livros que lançou cm público u nofetc do historiador,
partindo, entretanto, do primeiro, que u Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro promove». Insistiu o orador cm dizer que muita diretiva de histo­
riador, o sentido especial que tomou a obra de escritores brasileiros (citou,
ao caso. Euclides da Cunha e Oliveira Viana) representam a solicitação do
— 466

Instituto, com o que ela chama a si os que rcrconheccm serení dos seus. Éste era
o caso do professor Morales de los Rios Filho. E estando todos ali presentes
reunidos para ouvirem o recipiendario, o orador pediu, estando dadas as
boas vindas que falasse a respeito do scu pai. a grande sombra. o grande vulto de
que todos se recordavam ao verem aquela solenidade, naquele dia, expressivo na
vida de um brasileiro intelectual de tanto renome.
Ocupou a tribuna o professor Adolfo Morales de los Rios Filho, que pro*
feriu a conferência a respeito de Adolfo Morales de los Rios, pai. agradecendo,
porém, com as seguintes palavras a sua eleição para sócio efetivo d.> Instituto
Histórico. E disse :
“ Exm." Senhor embaixador Dr. José Carlos de Macedo Soares, presidente
perpetue» do Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro.
Exm.° Sr. Dr. Augusto Rocha, representante de S. Ex.a o Sr. Presidente
da República.
Conde de Casas Rojas, embaixador da Espanha.
Representantes dos Srs. ministros da Guerra, do Trabalho, da Justiça c
<la Agricultura.
Senhoras, senhores, dignos consocios.
Antes de cumprir com a nossa incumbência, devemos expressar a S. Ex.~.
embaixador José Carlos de Macedo Soares, eminente presidente perpétuo desta
Casa da História do Brasil — varão que, fíela sua saladería e dignidade. enche
dc orgulho a nacionalidade brasileira —, nosso profundo reconhecimento pela
maneira generosa c sumamente delicada com que fea pronunciar, pela vox dr
um notável brasileiro. Dr. Teixeira de Freitas, nossa admissão, bem como pelas
palavras que, na mesma sessão pública, se dignou dedicar ao nosso trabalho
O Rio de Janeiro Imperial, e a forma cativante com que acolheu n proposta
de admissão e assinando-a cm primeiro lugar — contribuiu para aumentar nossa
gratidão.
Essa, se consubstanciará nos propósitos de devotar-lhe toda a estima,
acatar-lhe as determinações c de contribuir sem valimento mas com sâ von­
tade, para a alta finalidade deste Instituto, padrão dc glória do Brasil e da
dultura histórica mundial.
Nosso reconhecimento volta-se. outrossim, pant as demais ilustres figuras
que subscreveram a proposta :• secretário geral, engenheiro D r. Virgliu Corría
Filho : 2.’ secretário, professor Leopoldo Antônio Fcijó Bittencourt;: Dr. Hen­
rique Carneiro I.cão Tcixira Filho: almirante cngcnhciro-naval Thiers Fleming:
Dr. Cláudio Ganns; acadêmico Rodrigo Otávio Filho; Dr. Alcindo Sodré;
acadêmico c engenheiro Afonso de E. Taunay; acadêmico c magnífico reitor
Dr. Pedro Calmou; engenheiro c geógrafo Dr. Cristóvam Leite de Castro;
Dr Arthur Cesar Ferreira Reis v ministro Jerónimo dc Av.-lar Figueira de
Melo.
Tributo análogo devemos a quantos se dignaram aprovar nas comissões
<le História c dc Admissão de Sócios — a referida proposta : ministro Doutor
Augusto Tavares de Lira, general dc divisão Valentin) Bcnicio da Silva, pro­
fessor Basilio de Magalhães, professor .Alfredo Nascimento Silva, bem com<«
05 já referidos Dts. Ganns c Fcijó Bittencourt. E, mais, aos sócios que lhe
deram voto favorável.
Por fim, como agradecer as palavras que araba dc pronunciar o douto
consocio Dr. Fcijó Bittencourt, cujo fulgor intelectual salxt converter utn
nada em alguma coisa que ao menos um pouco possa brilhar ?
Não há expressões para isso. Ouça, pois, quem é grande entre os grandes
desta instituição o bater, reconhecido, de nosso coração.”
— 467 —

Não tendo tnais quem pedisse a palavra, o £>r. embaixador José Carlos de
Macedo Soares acradcceu a todos os presentes e os representantes das auto­
ridades. dando por encerrada a sessão.
Estiveram presentes os seguintes sócios : José Carlos de Macedo Soares,
V irg ílio Corrêa Filho, Nelson de Sena. A dolfo Morales de los Rios Filho,
A lfredo Valadão, Estêvão Leitão de Carvalho, Leopoldo Antônio F cijó B it­
tencourt, Hélio Viana, Afonso Costa. João Batista Magalhães, Valentim Bení-
c’.o da Silva, Oliveira Belo, A taúlfo dc Paiva. Cláudio Ganns, Carlos Carneiro.
Harnldo Valadão, A rtu r César Ferreira, Elrnano Cardim. Juliào Rangel dc
Macedo Soares.
Justificaram a ausência os sócios Sra. ministro Augusto Tavares de Lira,
general Pedro Cavalcanti c comandante Thiers Fleming. Enviaram telegrama
e oficio os Sr*. ministro Adroaldo Mesquita da Costa, general Lima Câmara,
Associação Brasileira dc Imprensa e Touring Club.
Notavam-se entre os presentes os representantes dos Srs. ministro dn
Fazenda. da A g rie dtura; representando o S r. m inistro da Guerra. E . Domin­
gues; representando o coronel comandante do Corpo de Bombeiros o major
Jónatns Rocha; representando o S r. ministra do Trabalho u S r. João R. Pe­
reira Júnior. representando o comandante do Ensino Técnico do Exercito, te­
nente Cláudio Kanuutzu; ministro Adroaldo Mesquita <la Costa, represen­
tado pelo tenente Jackson Soares; ministro da Viação c Obras Públicas, re­
presentado pelo Sr. Egidio Couta: D r. Luis Pinheiro Guedes, presidente do
Conselho Regional dc Engenha na c Arquitetura; D r. Ivolino dc Vasconcelos,
pelo Instituto Brasileiro dc História da Medicina; Dr. Dulfe Pinheiro Ma­
chad». representado pelo S r. Aníbal Machado; D r. Ildefonso Marcarcnhas da
Silva; D r. Antônio Carlos Lafaicte dc Andrada; D r. Almeida Morales de los
Rios; Clara W hitaker; Sra. Joana dc Sousa da Silveira; engenheiro Luís Ro-
dulftí Cavalcanti: engenheiro Caio Pedro; Laurindo Ramos; Sra. Henrique
Rocha: Jaime SaL» Júnior; Sra. engenheiro Ismael de Sousa; Sra. Menina
Berardi; Bonifácio Bcnnor; Ricardo Antunes r senhora; engenheiro Eusébio
Nayh<r; engenheiro Henrique Coclhr. da Rodha; Paulo Candiota: Paulo Dan­
ta-: Clomcòrtes c senhora: Antônio W . dc A raújo Pinho e senhora; Ferdi-
nando da Silveira F ilho; Fcrdinando de Sousa da Silveira; Sra.- V ito r Hugo
dn Costa. Luciano Jacques de Morais c Ortcgal Barbosa.
Encerrou-se a sessão às 19 horas — Leopoldo Antônio F cijó Ritlcneourt.
2.° secretário.

A T A D A SESSÃO O R D IN A R IA E M 24 D E JU L H O D E 1949

Conferencia do Dr. V irgílio Correa Filho sobre Alexandre Rodrigues Ferreira,


historiador — (.Sessão 17S3)

Reuniu-se <• Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, às 17 horai do


¿ia 24 do corrente, sob a presidência do vice-presidente, ministro A. Tavares
de Lira, que principiou por convidar o general E. Leitão dc Carvalho para a
mêsa c também para tomarem lugar no recinto os representantes das altas
autoridades, o general Stlvino dc Melo c o vice-almirantc Figueiredo <lc
Medeiros.
.Aberta a sessão, o primeiro secretário leu a parte das efemérides do larãi»
do Rio Branco referentes ao dia.
Em seguida, o m inistro A . Tavares dc Lira disse que a reunião fô ia
promovida para ainda uma vez ser prestada a homenagem devida ao sábio
— 46S

brasileiro, A. Rodrigues Ferreira, a cuja glorificação <> Instituto $e devotou,


desde os seus primeiros tempos. E deu a palavra ao primeiro secretário
V irg ilio Corrêa Filho, que, de início, apontou as razões da cerimônia, causada
pela surpreendente exposição dos trabalhos do D r. Alexandre c seus auxiliares,
promovida pela Sociedade Brasileira de Geograía c Museu N;cionul.
Graças à dedicação esforçada do D r. Ribeiro Mendes, que a organizou, com
elementos colhidos na Biblioteca Nacional, no Museu, c de outras proce­
dências, o conjunto de memórias inéditas, mapas c desenhos de plantas c ani­
mais. exibidos no salão do Ministério da Educação e Saúde, testemunha in­
tenso trabalho científico, admirável para a época c ainda útil na atualidade,
após século e meio de elaboração doutrinária, nos domínios das cicnrias
naturais.
Para analisar a valia das contribuições do viajante, que por outnbr ■ de
1783 saltou cm Belém, a comissão organizadora promoveu exprés-iva série
de conferências, para uma das quais foi solicitada n colaboração do Instituto
Histórico.
Por ter já publicado uma biografía do baiano imortal não pôde o orador
esquivar-sc à incumbência que por fim aceitou, de repetir cm parte o resul­
tado de suas pesquisas anteriores.
Lembrou que para a consagração dos méritos do Dr. Alexandre, não cessou
jamais de contribuir o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a ■u;a>
instâncias foi promovida a transferencia do seu espólio literário, de Lisboa
para o Rio de Janeiro.
Em sua Revista veio a lume boa parte dos escritos relacionados c-m» .1
“ Viagem Filosófica” , inclusive o “ D iário” .
E, assim, ufana-se o Instituto de ter divulgado mais de um inédito, que
jazia desconhecido nos arquivos aos quais foi recolhida a bagagem literária
do desventurado polígrafo, cuja prioridade em descobertas cientificas lhe
arrebataram os invasores de Portugal» quando u esbulharam d« - resulta los
de suas acuradas investigações.
A exposição, embora parcial, de seus tralnlhos,. entretanto, evidencia a
relevância da missão que desempenha cm operosa década vivida na Amazônia,
bem merecendo os louvores da posteridade.
Terminada a conferência c ninguém mais querendo fazer uso da palavra»
o presidente agradeceu a presença das autoridades e de todos que compareceram
à reunião, afinal encerrada.
Estiveram presentes 05 senhores sócios : Augusto Tavares de L«ra: V ir­
gilio Corrêa Filho; Vieira Ferreira; João Batista Magalhães; Afonso Costa;
Luis F. Vieira Souto; Herbert Canaharro Reichar<?t; Aureliano Leite; Agudo
Bittencourt; A dolfo Morales de los Rios Rilho; frei Pedro Sinzig, O .F .M . :
Carvalho Mourão; Estêvão Leitão dc Carvalho; Alfredo Valadão; Valentim
Benício da Silva: Dodsworth M artins; Juliúo Rangel de Macedo Suares c
Joaquim de Sousa Leão Filho.
Notamos entro os presentes: o tenente Jason Soares, representando o Se-
•nhor ministro da Justiça; o general Silvtíra dc Melo; vicc-almirante Flavin
Figueiredo dc Medeiros; cnpitào F.uclidcs Bóia, representando a Policia M ili­
tar do Distrito Federal; ministro Joaquim de Sousa Leão F ilh o ; D r. Liu-
dolfo X avier; Maria dos Santos Pereira; Edclvixa Lisboa; Berta Alves Cam­
peio; Leonor Sampaio; Maria Pòrto Samtco; Edite Taunay Guimarães Ama­
ra l: Cacilda Pereira Fernandes; Manuel Carlos dc Sousa: Clara Lopes do
Am aral; Heloisa F . Cunha; Angela Carneiro Felipe; O tilia Brasil; Maria M o­
rales de los Rios; Luís A rlindo Tavares de Silva; Dt . Leal Ferreira; A dolfo
Alexandre Ferreira; etc.
Encerrou-se a sessão às 18 e meia hora». — F cijô Bitieiieaurt, 2.° Secretário.
— 469 —

A T A D A A S S E M B L É IA G E R A L E M 15 D E AGOSTO D E 1947

(Sessão n.° 1784)

Presidência : Embaixador José Carlos de Macedo Soares

Tendo sido convocada por edital publicado a 26 de julho uma Assembléia


Geral que deveria reunir-se ás 14 horas do dia 15 do corrente mes de acosto
do ano de mil novecentos c quarenta e nove, à hora marcada, o Sr. embaixador
José Carlos de Macedo Soares, presidente perpétuo do Instituto Histórico c
Geográfico Brasileiro, assumiu a presidência. Passando-se à verificação de
sócios presentes concluiu-se que ainda não havia o núntero exigido. As 16
horas, conforme fôra divulgado pelo edital já citado, realizou-se a segunda
convocaçção tendo assinado u lista de presença 30 sócios: José Carlos de
Macedo Soares: Augusto Tavares de L ira ; V irg ilio Corrêa Filho; João
Batista Magalhães; Cláudio Ganns; Leopoldo Antônio Feijó Bittencourt;
Afonso Costa; Thiers Fleming; Henrique Carneiro Leão Teixeira F ilho: José
L i” $ Bnt.sta: Rodrigo Otário F ilho; Carvalho Mourão; frei Pedro Sinzig,
O . F . M . : frei Basilio Rower, O .F .M . ; Álvaro A lberto; Hélio Viana;
Agnelo Bittencourt; Francisco Marques dos Santos; Herbert Canabarro Rc-
chardt; M ário Augusto Teixeira de Freitas; Oliveira Belo; Rodrigo Melo
Franco de Andrada; A lvar» Rodrigues de Vasconcelos: Cincinato César chi
Silva Braga; Cristóvão Leite de Castro; Pedro Calmou; Alfredo Valadâ. ;
Cândido Mariano da Silva Rondon; Américo Jacobina Lacombe; Eugênio
Vilhena de Morais.
Tendo sido dada a palavra ao primeiro secretário V irg ilio Corrêa Filho,
leu este o seguinte parecer.
"Tendo examinad!) as contas do Instituto Histórico c Geográfico B ra­
sileiro referentes ao exercício de 1948 c os respectivos comprovantes, a Co­
missão de Fundos e Orçamentos c de parecer que sejam aprovadas, com um
voto de louvor ao dedicado tesoureiro, comandante Carlos da Silveira Carneiro.
Rio de Janeiro. 4 de agosto de 1949. — João M . de Carvalho Mourão. —
Manuel Tatures Cavalcanti. — Christovam Leile de Castro.
Submetendo o presidente o parecer acima a votação da 3sscmblcia, foi
ele. unánimemente, aprovado.
Em seguida leu o primeiro secretária a segtvnte proposta para depois ser
submetida â assembléia cqm o parecer da Comissão de Admissão de Sócios,
também abaixo transcrito :
“ Determina o artigo 8." dos Estatutos : " A classe dos beneméritos será
constituída somente por sócios efetivos ou correspondentes, que houverem
prestado serviços notáveis ao Instituto ou exercido cargos na D iretoria por
mais de dez anos consecutivos” .
Ora. entre os sócios que mais constantes serviços vem prestando ao Ins­
tituto Histórico c Geográfico Brasileiro, sobressai o professor Leopoldo A ntô­
nio Feijó Bittencourt, desde quando, por solicitação da diretoria, elaborou a
magnifica serie de biografia* dos “ Fundadores” .
Não há incumbência, reveladora de cultura, que não «» encontre sempre
solicito cm desempenhá-la. quando conveniente ã agremiação
Inúmeras as conferencias que proferiu, com seguro conhecimento, a res­
peito de questões históricas, assim como as suas contribuições para a "R evista",
nas quais examina com sagacidade c comprovado saber os livres submetidos à
Sita análise.
— 479 —

Dc tal maneira dedicado ao Instituto, foi em boa hora escolhido para o


cargo de segundo secretário, depois de ter tongamente participado de mais
■de uma comissão permanente.
Faz jus, pelos trabalhos realizados, assim como pelos cargos exercidos, ao
titulo de sócio benemérito.
É o que propomos.
Rio de Janeiro, 28 de julho de 1949. — J iw Carlos te Macedo Soares. —
Virgílio Corrêa Filho. — Thiers Fleming. — Claudio Ganns. — .'Ilfredo Falla-
dão. — Augusto Tavares dc Lyra. — Basilio de Magalhães. — Afonso Costa
— João Baptista Magalhães. — Henrique Carneiro Leão Teixeira Filho. — Josê
Luiz Baptista. — Rodrigo Octavio Filho. — F rei Pedro Sinzig, O .F .M . —
F rei Basilio Rower O . F . M . ”
Parecer da Comissão dc Admissão de Sócias — A proposta que indicou
o professor Leopoldo Antônio Fetjó Bittencourt para sócio benemérito do
Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro inclui-sc per feitamente na lista das
que dispensa análise.
Tão relevantes são os serviços que vem prestando à agremiação, que
bem merece a elevação à referida categoria, com que o Instituto costuma
prendar os seus eficientes colaboradores. É, portanto, a Comissão dc Admissão
de Sócios dc parecer que seja aprovada a proposta.
Rio de Janeiro. 12 de agosto de 1949. - Augusto Tavares de Lyra. —
Claudio Ganns. — Afonso Costa.
Oferecendo o presidente a palavra a quem quizesse manifestar-se a res­
peito do que se propunha, dela ninguém usou c foram proposta c parecer
unánimemente aprovados.
Leu, após o primeiro secretário, a seguinte pro|>osta c parecer, abaixo
transcritos :
"J á desde 1942 vem o Dr. Gáudio Ganns servindo na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, na qualidade dc, primeiramente, diretor
substituto, c depois dc diretor, sucedendo no curgo ao sócio, por muitos títulos,
sócio grande benemérito, M ax Flciuss, o quo o rocomcnda à Instituição a que
mirtos serviços vem prestando, com inteligência, cultura e relevo, sendo ele
um nome conhecido mesmo fora do pais, principalmente na America do Sul
a que levou a sua palavra de conferencista e o nome da instituição que tem
procurado pór cm contacto com as figuras mais destacadas nas letras histó­
ricas sul americanas. Vemos no sócio tão prestante os méritos que o reco­
mendam para o quadro dc sócios beneméritos, c vimos, pois, levados pelo
aprêçu dc que é merecedor o nome indicado, propor o acesso do Dr. Gáudio
Ganns a sócio benemérito.
Rio dc Janeiro, 28 dc julho dc 1949. — José Carlos dc Macedo Suares. —
Henrique Carneiro Leão Teixeira Filho. — V irgílio Corrêa Filho. — Leopoldo
Antônio Feijó Bittencourt. — Alfredo VáHadâo. — Augusto Tavares de Lyra.
Basilio de Magalhães. — João Baptista Magalhães. — Thiers Fleming. —
Afonso Costa. — José Luis Baptista. — Rodrigo Octavio Filho. — Frei Pedro
Sinsig, O .F .M . — F rei Basilio Rower, O . F . M .
Parecer da Comissão dc Admissão dc Sócios — “ Considerando a proposU
referente ao sócio Gáudio Ganns, indicado para benemérito, a Comissão dr
Admissão dc Sócios c dc parecer que seja aprovada, pois que c trata do
*• Diretor da Revista” , cargo etn que vem atuando há muito, c bastante, «ó
por si. para lhe justificar a merecida promoção.
I>e mais a mais, cita-lhe a proposta os méritos comprovados em vários
ensaios e conferências que lhe evidenciam u saber nos domínios da historia e o
empenho dc contribuir para aclarar as dúvidas existentes.
— 471

Desta maneira, c ativo realizador dos altos propósitos do Instituto, c faz


jus ao título de benemérito.
Rio de Janeiro* 12 de agôsto de 1949. — Augusto de Lyra. — Afonso Cosia.
— Jose Luis Baptista.
Não havendo quem quizesse usar da palavra a respeito do que se pro­
punha, foram unánimemente aprovados a proposta c o parecer.
O primeiro secretário leu a seguinte proposta acom|«mhadn do corres­
pondente parecer da Comissão de Admissão de Sócios :
"Propomos para sócio honorário do Instituto Histórico o Sr. Aloisia de
Carvalho Filho, professor de direito, homem de letras, jurista c parlamentar,
nome dos de maior evidencia no Senado, é de tóda a Justiça a inclusão do seu
nome no quadro social do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1949. — Augusto Turvares de Lyra.
— Pedro Calman. — Afonso Costa. — Rodrigo Octavio Pilho. — ICrgílio
Corrêa Filho. — João Baptista Magalhães. — Francisco Marques dos Santos.
— Cláudio Ganns. — José Pedro Leite Cordeiro. — Oídio Ira tin A. du Costa.
— A r tu r César Reis. — AitrcHano Leite. — Henrique Carneiro Leão Teixeira
Filho. — H élio Lobo. — Leopoldo Antônio Feijó Bittencourt. — José Caries
de Macedo Soares. — Juliâo Rangel de Macedo Soares. — M ário Melo. —
Pedro Cavalcanti.
Parecer da Comissão de Admissão de Sócios — A Comissão de Admissão
de Sócios, apreciando a proposta relativa ao escritor Aloísio de Carvalho
Filho, indicado para sócio honorário, dá-lhe o seu completo apoio, de acordo com
<> art. 7.“ dos Estatutos, que prescreve : “ Sócios honorários somente poderão
ser as pessoas de alta representação social ou que tiverem manifestado com­
petência especial cm matéria de IHistória, de Geografia, de Etnografía ou
Arqueologia”
Ora, trata n caso presente de individualidade, que tanto se enquadra na
primeira condição, como igualmente na segunda
Ensaísta, participou do 4.° Congresso de História Nacional, cm uma de
cujas seções examinadoras de teses teve ensejo mais de tima vez de evidenciar
•os seus conhecimentos históricos, de que se acham embebidos os seus escritos.
Jurista, proporciona â mocidade ensinamentos dos grandes mestres do
direito, cátedra que enobrece com a sua culta inteligência.
Senador, a sua palavra está sempre a serviço de nobres causas, que lhe
realçam o prestígio.
Assim é que merece de sobejo ser incluido entre os sócios honorários do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, conforme opina a Comissão de
Admissão de Sócios.
Rio de Janeiro, cm 12 de agosto de 1949. — Augusto Tavares de Lyra.
— Claudio Ganns — Alfredo 1’ailadão.
Submeteu o presidente a proposta e parecer à discussão da Assembléia
c não havendo quem pedisse a palavra, submetendo-os a votação, foram unáni­
memente aprovados.
Em seguida, o primeiro secretário leu os pareceres abaixo, a respeito ela
proposta do D r Afonso Pena Júnior para sócio efetivo, já há tempos apre­
sentada. Ninguém tendo querido usar da palavra uma vez submetidos à
•discussão, foram unánimemente aprovados no serem submetidos á votação.
São os pareceres os seguintes :
Parecer da Comissão de História — Número de sócios a satisfazer a
exigência dos estatutos, apresentaram o D r. Afonso Pena Júnior, para sócio
— 472 —

e fe tiv o do In s titu to H is tó ric o c G e og rá fico B ra s ile iro . A s qualidades do nvinc


proposto já apontadas pelos que firm a ra m a proposta* a pro je ção déle, o
m é rito das obras de que é a u to r o D r . A fo n s o Pena J ú n io r, e o sentido
Irs tó ric o de tiv ro s que publicou, rccom endam-no de ía tu ja r a fa zer parte de
sima in s titu iç ã o que vem contando através de sua existência nomes de relevo
no país. Submetemos pois, à Assem bléia (¡e ra l com parecer fa voráve l, a
proposta do D r. A fo n s o Pena J ú n io r para sócio e fe tiv o <k» In s titu to .
R io de Janeiro. 12* de agosto de 1949. — Leopoldo A n tô n io I- c ijo B itte n ­
co u rt. — H e rb e rt C aitabarrn R cicha rd t. — B a s ilio de Maaalháes. — H en riq ue
C a rn e iro Leão T e ix e ira F ilh o .
“ A (.’omissão de Adm issão de Sócios c de i*arcccr que seja aceita a
projM jíta referente ao D r. A fo n s o Pena J ú n io r, indicado para sócio e fe tiv o do
In s titu to H is tó ric o .
.Além de pesquisador consciencioso, que não >e apressa cm fo rm u la r con­
clusões, antes de esclarecer as ú ltim as dúvidas, como evidenciar o estudo
m ag istra l a respeito da A r te de B u rla r c seu A u to r, m antido na fo rja da
erudição po r duas décadas, avulta-lhe a in d ivid ua lid ad e prestigiosa, entre
os contemporâneos de m a io r realce.
P ro fe s s o r, secre tário de Estado, m in is tro da Justiça, re ito r da U n iv e rs i­
dade, deputado, po r tõda a parte se reve lo u o exem plar cidadão devotado no bem
da coletividade.
E quando lhe perm item os vagares da v id a afanosa, consagra-se a estudos
de sua predileção de hunvm ista. que t&o de perto interessam aos altos p ro po­
sitas c u ltu ra is do In s titu to H is tó ric o c G e og rá fico B ra s ile iro c u jo quadro social
lu c rará com o seu ingresso.
R io de J aneiro. 12 de agósto de 1949. — A u g u s ta Tavares de L y ra . —
A lfr e d o ¡ 'a l l adão. — C laudio Ganns.
O p rim e iro secretário leu os seguintes pareceres relativo s à proposta do
D r. A fo n s o A rin o s de M elo F ranco para sócio efet-vo já apresentada e lid a
nu assembléia de 16 de dezembro de 1947.
P arecer da Comissão de H is tó ria — " N o tocante â proposta para admissã<»
do D r. .A fonso A rin o s de M elo Franco na categoria de só c io -e ie iiv o do In s ti­
tu to H is tó ric o e G e og rá fico B ras ile iro, apresentada na Assembléia Geral re a li­
zada cm 16-12-1947, a Comissão d r H is tó ria podería c in g ir-*c à simples
fo rm alid ad e de o p ina r favoràvclm entc. T a n to im p o rta ria cm render m erecida
homenagem a um brilh a n te h is to ria d o r, ju ris ta , lite ra to c parlam entar, conhe­
cido de sobejo no país e com renome no e x te rio r notadamente em Paris. Buenos
A ire s c M on tevid éu , cm cujas Universidades já teve ensejo de reg er alguns
cursos.
Professo r catedrático da U nive rsida de do B ra s il (F aculdade de Ciencias
Económ icas) e da Faculdade de D ire ito do R io de J aneiro, o D r. A fon so A rin o s
exerce também o p ro fe s o ra d o do In s titu to R io B ranco, títu lo s estes que hem
atestam a sua intelectualidade e m i p o r si dispensariam a citação de trabalhos
de sua lavra, alguns dos quais premiados pelo Academia B ra s ile ira de Letras.
N ão obstante, não se exim e a C o h iís m u ao de ver d r apontar, ainda que
sucintam ente, as p rincip áis obras publicadas pelo D r. A fo n s o .Arinos. como
sejam : — Responsabilidade Peitai das Pessoas Jurídicas, 1929. — Introd uçã o
à Realidade B ra s ile ira , 1933. — Preparação ao N acionalism o, 1934. — C onceito
de C ivilisaçã a B ra s ile ira , 1936. — Id éia e le m p o , 1936. — Espelho de T rês
foces, 1936. — O ín d io B ra s ile iro e a R evolução prancesa, 1937. — R ote iro
L íric o de O u ro P reto, 1937. — Sintesc da H is tó ria Económ ica do B ra s il, 193&.
— 473

Terra do Brasil, 1939. — Homens c Terms do Brasil, 1939. — Introdução ãs(


“ Cartas Chilenas", 1940 (premiado pela Academia Brasileira). — M a r de
Sargaços, 1940. — Portulano, 194!. — Dirçett e M arilia, 1942. — Um soldada»
do Reino e do Jmfiório (O general Guiado), 1942 (premiado pela Biblioteca
M ilita r). — Desenvolvimento da Civilisaçào Atefe rial no Brasil, 1942. — L ite ­
ratura Brasileira, Buenos Aires, 1945. — História do Banco do Brasil, 1948
(premiado pela Academia B rasilera). — As Iris Complementares da Consti­
tuição, 1948. — H istória e Teoria do Partido Politico no Direito Constitu­
cional Brasileiro. 1948.
Desnecessário se afigura à Comissão de H istória alongar esta resenha,
complctando-a com a relação de trabalhos avulsos publicados cm jornais c
revistas, ou ainda com a indicação dc importantes discursos pronunciados r.a
Câmara dos Deputados.
Quando não bastassem ao Dr. Afonso Arinos de Melo Franco os títulos
honrosos inicialmentc relembrados, a simples -indicação de sua obra cultural
faria jus à sua admissão como sócio efetivo do Instituto.
Rio dc Janeiro. 28 dc julho de 1949. — Henrique Carneiro Leão Teixeira
Pilho. — Leopoldo Autânio Fcijó Bittencourt. — Basilio de Magalhães.
Parecer da Comissão de Admissão de Sócios — “ A Comissão de Adm is-
são dc Sócios deverá dizer, consoante reza o art. 5.° dos Estatutos, cm seu
§ 4.°, a respeito da “ idoneidade do candidato e conveniência de sua admissão” .
O Sr. Aíouso Arinos dc Melo Franco, acerca de cujos méritos de escritor
já se pronunciou favoravelmente a Comissão dc História, lemhra. pelo nome,
douto consocio, prematuramente arrebatado ao convívio dos seus pais, c também
o do chanceler que tão dedicado se mostrou scntpre ao Instituto, A frânio dc
Melo Franco, seu eminente progenitor. E como se não bastassem as credenciais
dc família, ou melhormente para sustentá-las a correção c elegância do seu
proceder, na imprensa, no parlamento, nas associações literárias, ou onde quer
que apareça, sempre revela nele o esmero da educação e preocupações cultu­
rais, que o tornarão sobremaneira eficiente no quadro social do Instituto
Histórico.
A Comissão dc Admissão de Sócios, portanto, é d? parecer que seja aceita
-a proposta que o indicou para sócio efetivo.
Rio de Janeiro, 12 de agôsto de 1949. — Augusto Tavares de Lyra. —
Claudio Ganns. — Alfredo Faladão.
Submetidos à discussão, nào tendo ninguém querido usar da palavra
foram, unánimemente, aprovadas.
Leu o secretário os dois seguintes pareceres a respeito da proposta do
professor Francisco Mozart do Regí) Monteiro para sócio efetivo do instituto,
apresentada na sessão de 14 dc abril de 1948. Suhmetidos à discussão sem que
nenhum sócio qirzesse usar da palavra, foi eleito por grande maioria tendo
tido dois votos contra.
Parecer da Comissão de História — Foi proposto o D r. Francisco Mozart
do Rêgo Monteiro, historiador que se recomenda pelas pesquisas feitas, e pela
originalidade na maneira dc rever os assuntos históricos, para sóc'o efetivo do
Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro. Professor e jornalista ilustre,
autor de copiosos trabalhos históricos assinalados na proposta que está subs­
crita por grande número dc sócios satisfazendo assim à exigência dos estatutos
a regerem o caso, é do julgamento os membros da Comissão de História, que
— 474 —

assinam o presente parecer, merecer ¿le, pelas suas qualidades de especialista


cm história e pelos serviços prestados ao sodaliciu a quo tantas vezes se tem
referido nas colunas da imprensa encarecendo dos seus méritos, a cadeira de
sócio efetivo para a qual foi indicado. Com parecer favorável que subscre­
vemos pensamos, a proposta do Dr. Francisco Mozart do Rego Monteiro deve
ser submetida à votação da Assembléia Geral.
Rio de Janeiro, 12 dc 3gÔ8to de 1949, — Leopoldo Antonio l :cijâ Bitten­
court. — Basilio de Magalhães. — Henrique Carneiro Leão Tciseira pilho.
Parecer da Comissão dc Admissão dc Sócias — Dc pleno acordo com o
parecer da Comissão dc História, a Comissão dc Admissão dc Sócios raml.-cm
se manifesta a favor da proposta que indica o professor Mozart Monteiro para
sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
A sua atuação na imprensa e no magistério, há muito o recomendou às
lironjeiras apreciações dos sens admiradores, que lhe a|H»ntaram o nome para
uma das vagas existentes.
Bem a merece quem tão continuamente se tem desvelado ru» exame das
questões atinentes à história do Brasil.
Rio dc Janeiro. 12 dc agósto de 1949. — Augusto Tavares dc Lyra. —
Ciaudio Ganns. — Alfredo Palladão.
O primeiro secretário leu os seguintes pareceres a respeito da proposta do
Dr. Manuel Xavier de Vasconcelos Pedrosa, para sócio efetivo, já apresentada
:ia sessão dc 27 dc maio dc 1949.
Submetidos â discussão e irnguém querendo usar da palavra, passon-sc à
votação para o nome proposto, que foi eleito por nuioria, tendo tido dois
votos contrário».
Parecer da Comissão de História — O Dr. Manuel Xavier dc Vasconcelos
Pedrosa, cientista e estudioso da história, cujo capitulo referente à medicina
tez ele assunto de sua especialidade prestando colaboração valiosa ao Congresso
de História comemorativa do quarto centenário da fundação da cidade do
Salvador, tem pois o merecimento incontestável para figurar n<» quadro dos
sócios efetivo» da Instituto.
Submetemos» pois, éste nosso parecer favorável à proposta cm apreço, à
Assembléia Geral.
Rio dc Janeiro, 13 de agosto dc 1949. — Leopoldo .littúnio Peijó Bitten-
(curt. — Herbert Canabarro Reichardt. — Basilio de Magalhães.
Parecer da Comissão de Admissão do Sócios — “ Entre os colaboradores,
que apresentaram teses ao IV Congresso de Historia Nacional, sobressai o
Dr. Manuel Xavier Pedrosa, pelo número avultado de contribuições, que
mereceram lisonjeira apreciação da Comissão julgadora.
Evidenciou desta maneira o seu amor às pesquisas históricas c empenho de
trabalhar dc acòrdo com o programa do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.
Ê por isso de parecer a Comissão dc Admissão dc Sócio» que seja aprovada
a proposta que o indicou para sócio efetivo.
Rio de Janeiro, cm 12 dc agosto dc 1949. — Augusto Tavares de Lira. —
Claudio Gohus. — Afonso Costa.
— 475 —

Em seguida, leu o primeiro secretario a pro|>osla apresentada cm sessão de


12 de abril do corrente ano, indicando o D r. Arinstu González para sócio corres­
pondente. É o seguinte o teor dos pareceres que váo transcritos :
Parecer da t omissão de H istoria — " O Sr. Ariosto D. González, que
visitou o Brasil na quaUdade de ministro acreditado junto ao Governo Brasi­
leiro para negociar o tratado de comercio firm ado com o Uruguai no corrente
ano, é urna figura de alta expressão cm seu pais exercendo o cargo de diretor
do Departamento Económico-Comercia! do .Ministério tias Relações Exteriores.
Teve élc ensejo, a convite do Instituto, de pronunciar a conferência “ Alexandre
Dumas e a Nova T roia” , acontecimento que se tornou expressive» para a come­
moração do dia pan-americano, é o ilustre homem público uruguaio, aquele
de quem ninguém melhor que o Dr. R. Antônio Ramos escritor paraguaio,
afirm ou que “ Ariosto D. González, não escreve história por escrever. O pas­
sada o interessa como um meio de trazer a luz à verdade” .
De fato, jornalista, redator político que foi do Imparcial pura debater as
questões políticas com os mais destacados dirigentes da opinião pública no seu
país, economista posto à prova das modificações sociais que sempre acarretam os
fenómenos económicos, c uma inteligência elegante e afinada pelas questões
mais significativas que ele com grande brilhantismo tem tábido apresentar.
Ê, pois, um inovador dos assuntos históricos que estuda desde o campo da
economia política até a literatura ampliando 3 compreensão déles a toda a
Amónica como o fez no sen trabalho As primeiras fórm ulas constitucionais
nos países do Prata. Debateu Velhos temas cuja importância vem dando aso
a uma compreensão mais perfeita. Tem publicado além das obras que a
proposta apontou os seguintes livros : Em ilia Zula, o Centenário da Jndepen-
dêneia. £ de parecer a Comissão de História que o Dr. Ariosto D. Gonzalez
tem títulos valiosos para sócio correspondente do Instituto, o que vem ela.
submeter à Assembléia Geral.
Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1940. — Leopoldo Antonio Peijò Bitten­
court. — Basilio de .Magalhães. — Henrique Carneiro Leão Teixeira Pilho.
Parecer da Comissão de Admissão de Sótios — A Comissão de Admissão
de Sócios, apoiando o parecer da Comissão de História aceita a indicação do
D r. Ariosto Gonzalez para sócio correspondente do Instituto Histórico e Geo­
gráfico Brasileiro jadas razões da proposta respectiva.
Río de Janeiro. 12 de agosto <lc 1949. — Augusto Tavares de Lyra. —
Claudio Ganns. — A lfredo Palladio.
Submetidos â discussão e ninguém tendo pedido a palavra, passou-se à
votação para que fòsse deito aquele publicista uruguaio, que alcançou a
maioria, havendo, porém, um voto em contrário.
Pediu a palavra o sócio comandante A lvaro Alberto para dizer do pesar
ocorrido com a morte do coronel Henrique de Campos Ferreira I.ima, para
que se lançasse cm ata um voto de pesar no que foi acompanhado pela Assem­
bléia que se manifestou por unanimidade.
Foram apresentadas à mesa a5 seguintes propostas :
“ .Meus senhores, tenho a honra e o prazer de, aproveitando esta oportu­
nidade, apresentar ao nosso preclaro presidente perpétuo embaixador José
Carlos de Macedo Soares muito sinceras felicitações pelo brilhante exilo das
justas e patrióticas homenagens à memória de Joaquim Nabuco, piomovidas
pelo Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro. Assistindo ;i diversas e
eruditas conferencias neste recinto — cm meu espirito — mais se grava, como
jMinto cardeal, na vila de Nabuco a sua heróica campanha pela *’ A loliçâo” .
Assim sendo, venho, com a devida vertia, reiterar ao Instituto Histórico c Geo­
gráfico Brasileiro o pedido, que Pz cm ofício de 13 de maio de 1948. de sua
— A7G —

içào junto dos poderes Executivo e Legislativo para que <» Brasil resgate a
dívida de gratidão nacional à princesa babel, a Redentora — trasladando os
seus sagrados despojos para a catedral de Petrópolis.
Uma publicação por mim feica, no Jornal do Comércio t de 17 de maio
deste ano, dá tôdas as informações necessárias à execução da’ minha patriótica
lembrança. — Thiers Fleming. — Feijò Bittencourt.
Trasladaçâo dos despojos da princesa Isabel e do conde D 'E u para a
catedral de Petrópolis. — Tendo cm alta consideração a justa homenagem à
princesa Isabel, que n Tribuna de Pctrófiolis lhe vem prestando cm seu
suplemento histórico-litcrário, tomo u liberdade de relembrar a sua patriótica
campanha, iniciada cm 1 de março <le 1945. para a trasladaçâo dos despojos dos
condes D ’Eu para o Brasil, sendo depositados na catedral de Petrópolis ao
lado dos dc Dom Pedro I I e Dona Tereza Cristina, lkiu vc dois decretos
para a trasladaçâo; aprovação da família imperial; projeto c orçamento do
monumento na catedral de Pctrójiolis pelo escultor Lcâo Vcloso; projeto na
Câmara dos Deputados apresentado pelo deputado federal Aureliano Leite
c subscrito por cinquenta deputados, concedendo o crédito dc mil contos para
o transporte c monumento; promessa do ministro da Aeronáutica cm ceder
um avião para o transpone, devendo ser pilotado pelo príncipe Dom João de
Orleans e Bragança; promessa do presidente da República cm concorrer para
que o Brasil resgate essa divida dc gratidão nacional; e apelo final ao Instituto
H istórico e Geográfico Brasileiro, presidido pelo eminente c prestigioso
embaixador José Carlos de Macedo Soares — |>ediudo seu valioso concurso para
a rea li ração deste ideal. Mas. conto muito bem acentuou o Jornal do Comér­
cio cm uma das suas brilhantes "várias" : “ a falta dc continuidade c um
dos defeitos capitais na vida pública brasileira", de modo que se projeta,
planeja e programativa — mas — não sc executa. — Thiers Fleming. (Trans­
crito do Jornal do Comercio, dc 17-5-49.)
Proposta. — "Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico
o Dr. Aluísio Napoleão dc Freitas Rego, nascido cm 20 dc novembro dc 1914.
em Belém do Pará. Bacharel cm ciências jurídicas c sociais pela Universidade
do Rio de Janeiro cm 1936; diplomata, por concurso, iniciou na classe .1, ser­
vindo na Secretaria do Estado até 1942. A í, dirigiu a Mapoteca, organizou os
arquivos particulares do Itnmaratí, inclusive os do barão do Rio Branco.
-Cônsul cm Portland ( U . S . A . ) , em 1943. Em dezembro desse último ano foi
promovido à classe K. e designado. como 2 / secretário, para a embaixada <le
Washington, onde serviu até abril de 1949, quando foi removido para a
Secretaria dc Estado, estando servindo na Divisão Cultural. Foi promovido,
por merecimento, a secretário, cm 30 de junho último (1949).
Trabalhos pubVcados : Segredo (contos) 1935 — O Segundo Rio Branco,
1942. — Os arquivos particulares do Itamarati, 1941. — Santos Dumont e a.
Conquista do A r, 1942 (traduzido para o francês, o ingles e o espanhol). —
Imagens da América (crônicas) 1945. — O Barão do Rio BAinco e as relações
entre o Brasil e os Estados Unidos, 1947. — O Arquivo do Burdo do Rio
Branco (no prelo). — F. D. Roosevelt (cm preparação, biografia) (N ota : os
ns. 3, 4, h c 7 desses trabalhos foram mandados escrever pelo governo).
Rio dc Janeiro, 15 dc julho dc 1949. — Claudio Ganns. — V irgilio Correa
Filho. — Herbert Caniabarro R cichordt. — Augusto Tavares de Lira. — Luis
de Oliveira Bello. — João Batista Magalhães. — F rijo Bittencourt. — I I . C.
Ledo Teixeira Filho. — Rodrigo M ello Franco dc Andrada. — Francisco
Marques dos Santos — Pedro Calman, — H elio Vianita. — José Luiz Batista.
— Alvaro Rodrigues de Vasconcelos.
— 477 —

Nada mais havendo para resolver, c ninguém pedindo a palavra, foi encer­
rada a sessão, às 16 horas c cinquenta minutos. — Feijó Bittencourt, 2.* se­
cretário.

A T A D A SESSÃO C O M E M O R A T IV A DO C E N T E N A R IO
D E N A S C IM E N T O IX ) DR. A M A R O C A V A L C A N T I

Conferências do ministro Augusto Tarares de Lira


Em 15 de agosto de 1949 — Sessão n.° 1.785

Presidência : José Carlos de Macedo Soares

Reuniu-se o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro às 17 horas do


dia 15 de agósto de 1949 para comemorar a dara do centenário de nascimento
do D r. Amaró Cavalcanti sob a presidência do Sr. embaixador José Carlos de
Macedo Soares, presidente perpétuo.
Compareceram os seguintes sócios : José Carlos de Macedo Soares;
Augusto Tavares de L ira ; V irg ilio Corrêa F ilho; João Batista Magalhães;
Cláudio Ganns; Leopoldo Antônio Feijó Bittencourt; Afonso Costa; Thiers
Fleming; Henrique Carneiro Leão Teixeira F ilho; José Luís Batista; Rodrigó
Otávio F ilho; Carvalho M ourão; frei Pedro Sinzig O . F . M . ; frei Basilio
Rower, O .F .M . ; Alvaro A lberto; H élio V iana: Agüelo Bittencourt; Fran­
cisco Marques dos Santos; Herbert Canabarro Rcichardt; Mario Augusto
Teixeira de Freitas; comandante Oliveira Belo; Rodrigo Melo Franco de
Andrade; Álvaro Rodrigues de Vasconcelos; Cincinato César da Silva Braga;
Cristóvam Leite de Castro; Pedro Calmon; AJfrcdo Valadão; Cândido M a­
riano da Silva Rondon; Américo Jacobina Lacombe; Eugênio Vilhena de
Morais.
Tomaram assento à mesa que presidiu a sessão, convidados pelo embai­
xador José Carlos de Macedo Soares, os Srs. ministro José Linhares, ex-presi­
dente da República; ministro Eduardo Espinóla, ex-presidente do Supremo
Tribtm al Federal; general Cândido Rondon, presidente do Serviço Nacional
de Proteção ao índio; o sócio mais antigo do Instituto Histórico, D r. Cincinato
Braga; deputado José Augusto, vice-presidente da Cámara dos Deputados;
professor Ildefonso Mascarcnhas da Silva e professor V irg ílio Corrêa Filho,
secrctário-geral do Instituto.
Estiveram presentes ainda, além de outras pessoas gradas, a viúva Amaro
Cavalcanti e membros da famíVa do ilustre brasileiro, o desembargador Júlio
César de Faria, do Instituto H istórico c Geográfico de São Paulo; o Sr. A lm i­
rante Álvaro Alberto e o ministro Otávio do Nascimento Brito, secrctário-geral
da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, fundada por Amaro Caval­
canti. que também foi seu primeiro presidente.
Falou sobre a vida e os feitos do grande brasileiro o Sr. ministro Augusto
Tavares de Lira, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Bra­
sileiro.
Encerrando a sessão, o presidente agradeceu a presença do Sr. vtee-pre-
dente da Câmara dos Deputados, do representante da *’ Sociedade Brasileira
de Direito Internacional” e de tódas às pessoas gradas e figuras representativas
que compareceram à mesma.
Encerrou-se a sessão âs 19 horas. — Feijó Bittencourt, 2.° secretário.
— 478 —

A T A D A SESSÃO E S P E C IA L, EM 29 D E AGOSTO D E 1949. C O M E ­


M O R A T IV A DO C E N T E N A R IO DO N A S C IM E N T O D E JO H A N N
W O LFG A N G VO N G O E T H E

(Sessão 1786)

Presidência : Embaixador José Carlos de Macedo Soares

Aos vinte c nove dias do mês dc agosto de m il novecentos c quarenta c


•nove rcalizou-se a sessão do Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro em
comemoração do centenário dc nascimento de Johann Walfgang von Goethe.
As 17 horas, o embaixador José Carlos dc Macedo Soares, presidente per­
pétuo do Instituto Histórico declarou aberta a sessão convidando para tomar
parte da mesa o Sr. D r. Abrahão Ribeiro, frei Pedro Sinzig O .F .M . c o
Dr. Teodoro Heuberger da “ Pro Arte do Brasil” .
Aplaudido calorosamente o professor Abrahão Ribeiro pela ntuncrosa
assistência que enchia o salão nobre Pedro I I , seguiu-se com a palavra frei
Pedro Sinzig. O .F .M .. para agradecer a cooperação do Instituto nas come­
morações do centenário de Goethe.
Achavam-se presentes os seguintes sócios : José Carlos dc Macedo Soares.
\ irgílio Corrêa Filho, Herbert Canabarro Rcichardt; general Estêvão Leitão
dc Carvalho; frei Pedro Sinzig, O .FwM . ; frei Basilio Rower, O . F . M . ;
Afonso Costa; coronel João Batista Magalhães; Manuel Xavier dc Vascon­
celos Pedrosa, Nelson dc Sena c Luís Felipe Vieira Souto.
Terminada a conferência c não havendo mais quem quizesse usar da palavra,
agradecendo a presença do numeroso e seleto auditório, o Sr. embaixador
Macedo Soares, presidente perpétuo do Instituto, dei» por encerrada a sessão.
— Leofnddo Antônio Feljó Hittcnconrl, 2.° secretário.

A T A D A SESSÃO O R D IN A R IA E M 26 D E S ETEM BR O D E 1949

(Sessão 1787)

Conferência do almirante Alvaro de Fasconcelos sobre " O almirante Custódio


de Afclo c a revolução de 1893”

Presidência : Embaixador José Carlos de Macedo Soares


Aos deas vinte c seis dc setembro de m il novecentos c quarenta c nove,
rcalizou-se a sessão do Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro para ouvir a
conferência do almirante Alvaro dc Vasconcelos sôbre a vida c os feitos do
almirante Custódio José de Melo, historiando a sua destemerosa atuação na
revolução dc 1893 c traçando o seu perfil de m ilitar ilustre.
Convidados pelo Sr embaixador José Carlos de Macedo Soares, presidente
perpétuo do Instituto Histórico e (icogTáfico Brasileiro, tomaram lugar àmesa
os Srs. ministros Daniel de Carvalho; .Aníbal Freire, do Supremo Tribunal
Federal c da Academia Brasileira de Letras; almirante Dodsworth M artins;
deputado José Augusto, vice-presidente da Cámara dos Deputados; capitão dc
mar c guerra' Carlos Carneiro; brigadeiro Alves Seco; ministro brigadeiro
Apel N eto; ministro A taúlfo dc Paiva: almirante Miilanea, presidente do Supe­
rio r Tribunal M ilita r; ministro A r i Pires do Superior Tribunal M ilita r; almi­
rante Ernesto Araújo, diretor da Escola de Guerra Naval c ministro Fer­
nando Lóbo.
— 479 —

Estavam presentes os seguintes lóeioü : José Carlos de Macedo Soares,


José Luís Batista. Lucas A . Boiteux, Valentint Benício da Silva. Afonso Costa,
Herbert Canabarro Reichardt. Carlos Carneiro, Rodrigo Otávio Filho, Alfredo
Valadão, Estêvão Leitão de Carvalho. Thiers Fleming, Alcindo Sodré, Jorge
Dodsworth Marrins, Agnelo Bittencourt, Henrique Carneiro Leão Teixeira
Filho, Elmano Cardim. A taúlfo de Paiva, Alvaro Alberto, Américo Lacombe,
Francisco Marques dos Santos, Manuel Xavier de Vasconcelos Pedrosa. Luís
Felipe V ieira Souto, Afonso de Taunay.
Terminada a conferencia que o auditório aplaudiu calorosamente, c não
havendo mais quem quizesse usar da palavra, o presidente declarou encerrada
a sessão e agradeceu a presença do ilustre auditório.
Encerrou-se a sessão às 17 e meia horas. — l.eof>old(i Antonio Beijo B it­
tencourt, 2 * secretário.

SESSÃO E S P E C IA L EM 30 D E S E TE M B R O D E 1949

(Sessão n." 1788)

Comemorativa do biccnieniirio do nascimento de Goethe

Aos trinta dias de setembro dc m il novecentos c quarenta c nove reali­


zou-se a sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para comemorar
o bicentenário de nascimento de Goethe.
As 17 horas, o embaixador José Carlos de Macedo Soares, presidente per­
petuo do Instituto declarou aberta a sessão convidando para tomar parte da
mesa os sócios Dr. Afonso Costa, desembargador Ferreira Vieira e o Sr. Luís
Felipe Vieira Sonto o conferencista do dia.
Estavam presentes, além dos sócios já mencionados, os seguintes Drs. Ma­
nuel Xavier dc Vasconcelos Pedrosa, A rtu r César Ferreira Reis, Afonso Arinos.
Terminada a conferência que pronunciou o orador, o sócio do Instituto
D r. Luís Felipe Vieira Souto, o auditório aplaudiu; e, não havendo mais quem
usasse da palavra, deu o presidente por encerrada a sessão. — Leopoldo Antonio
Peijó Bittencourt, 2.° secretário.

A T A DA SESSÃO M A G N A C O M E M O R A T IV A DO 111." A N IV E R S A R IO
D E SUA F U N D A Ç A O , EM. 21 DE O U TU B R O DE 1949

(Sessão 1789)

Presidência : Embaixador José Carlos dc Macedo Soares

Aos dias vinte e tim de outubro de mi! novecentos c quarenta e nove, rcu-
nht-se o Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro em Sessão Magna para
comemorar o seu 111.° aniversário dc fundação.
As 17 horas, o embaixador José Carlos dc Macedo Soares, presidente
perpétuo do Instituto, declarou aberta a sessão, convidando a tomar assento
á mesa os Srs. general João Valdetaro, chefe da Casa M ilitar da Presidência
da República, representante do Sr. presidente Eurico Gaspar D utra; ministro
Aldroaldo Mesquita da Costa, titular da pasta da Justiça, general Cândido
Rondon, sócio efetivo do Instituto H istórico; c professor V irg ílio Corrêa
— 4S0 —

Ftlho, 1." secretário do Instituto. O professor V irg ilio Corrêa Filho, que
ÍCt uni relato das atividades da instituição durante o ano social.
A seguir, usou da palavra o ministro Adroaldo Mesquita da Costa, membre
efetivo do Instituto, que propôs que se fctzesse constar da ata um voto de
louvor ao padre Serafim Leite, o qual, incumbido pela Ordem de escrever a
história da Companhia de Jesus, na parte referente ao Brasil, foi o primeiro
a concluir sen trabalho, que consta de nove volumes, entre todos as encarre­
gados do mesmo mister, cm outras partes do mundo.
O D r. José Pedro Leite Cordeiro propôs a seguir que essa homenagem do
Instituto ao ilustre sacerdote c intelectual se traduzisse também numa medalha
comemorativa. Após os agradecimentos do padre Serafim Leite, discursou
o acadêmico Pedro Calmon, reitor da Universidade do Brasil e orador oficial
do Instituto, que fez o necrológio dos sócios falcados durante o ano social :
engenheiro João da Costa Ferreira, general Liberato Bittencourt, ministro
Bernardino José de Sousa, professor Braz Hermenegildo do .Amaral c coronel
Henrique de Campos Ferreira Lima.
Estiveram presentes ainda, além de outras pessoas gradas, os Srs. Fran­
cisco Paim Filho, antigo senador gaucho; Dom Francisco arcebispo de Cuiabá;
almirante Dodsworth Martins, antigo ministro da Marinha; Dom Frederico
Lunardi, arcebispo de Side e núncio apostólico do Paraguai; major Vladim ir
Bolsas, representante do chefe do Estado Maior do Exército; Antônio Lopes,
representante dó Instituto Histórico d<» Maranhão; Francisco Campos, repre-
sentante do ministro do Trabalho; o representante do ministro da Guerra; o
representante do comandante do Corpo de Bombeiros; os deputados Soares
Filho c Afonso Arinos de Melo Franco; representante* de entidades culturais.
Compareceram os seguintes sócios : José Carlos de Macedo Soares; Fre­
derico Lunardi, arcebispo de Side, núncio apostólico no Paraguai; Virgílio
Corrêa F ilho; João Batista Magalhães; José Pedro Leite Cordeiro; Adroaldo
Mesquita da Costa; Henrique Carneiro Leão Teixeira F ilho; A dolfo Morales
de los Rios F ilho; Luís de Oliveira Belo; Afonso Costa; Cándido Mariano
da Silva Rondon; I.eopoldo Antônio Feijó Bittencourt; Pedro Calmon; Haroldo
Valadão; Cristóvam Leite dc Castro; Dom Francisco, arcebispo de Cuiabá:
Serafim Leite, S . J . ; Manuel Xavier de Vasconcelos Pedrosa; Jorge Dodsworth
M artins; Raja Gabaglia; Carlos da Silveira Carneiro; Alvaro Alberto Mota
e Silva; Cláudio Ganns; Afonso Arinos dc Melo Franco; Alvaro Rodrigues de
Vasconcelos.
Justificaram ausência os Srs. comandante Thiers Fleming, general Pedro
Cavalcanti.
Enviaram telegramas, ofícios os Srs. ministros Raul Fernandes; ministro
Daniel dc Carvalho; deputado C irilo Júnior; ministro Fonseca Hermes; a
diretoria do Real Gabinete Português dc Leitura; Associação dos Empregados
do Comércio; Touring Club do Brasil e Associação Brasileira de Imprensa.
Ninguém mais pedindo a palavra e nada mais havendo dc que se tratar,
o presidente declarou encerrada a sessão e agradeceu a presença do ilustre
auditório. — Leopoldo Antonio F tijó Bittencourt, 2." secretário.
Em 18 de novembro dc 1949 o sócio Luis Felipe Vieira Souto realizou, no
Instituto H istórico c Geográfico Brasileiro, uma conferência a respeito do
primeiro centenário do faleermento de Chopin.
ASSEMBLÉIA GERAL — ELEIÇÃO DA DIRETO­
RIA PARA 1950-1951
(S E S S Ã O 1790)

Aos dias vinte c oito de dezembro do ano de mil novecentos c quarenta e


nove, o Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro, em sua sede na rua Augusto
Severo n.° 4, reuniu-se, às quatorze horas, em assembléia geral, pela segunda
vez convocada nos termos do artigo 25 parágrafo único dos Estatuto;, para o
que foi convocado nas publicações do Jornal do Comércio, nos dias 23. 24 c 25,
26, 27 c 28 deste mes de dezembro, visto por falta de número, não se ter
reunido em primeira convocação, marcada para o dia 15 daquele mes, como
consta das publicações do referido jornal, nos dias 22 c 27 do més de novembro
c os dias 2, 7, 8, 14 c 15 de dezembro.
Instalada a assembléia à hora e dia emprazados, o Sr. embaixador José
Carlos de Macedo Soares, préndente perpetuo do Instituto Histórico c Geo­
gráfico Brasileiro, -fez que, cm cumprimento dos artigos 24 c 25 do referido
Estatuto, se procedesse à eleição da diretoria, uma vez que, tendo assinado a
lista de presença 19 stkios, havia, nos termos do artigo 63, parágrafo único,
o número suficiente para deliberar.
.Apurada a eleição nos termos do artigo 26, §§ 1." e 2.°. foram pro­
clamados membros da diretoria : l.° vice-presidente, ministro D r. Augusto
Tavarc-s de L ira ; 2.° vice-presidente, D r. A lfredo Nascimento e Silva; 3." vice-
presidente, Dr. Vanderlci de Araújo Pinho; l.“ secretário, Dr. V irgílio Corrêa
F ilho; 2.’ secretário, D r. Leopoldo Antônio Feijó Bittencourt ; orador, D r. Pedro
Calmon M uniz de Bittencourt; tesoureiro, capitão de mar e guerra, Carlos da
Silveira Carneiro.
Os nomes mencionados, eleitos para o jveriodo de 1950 c 1951. foram
sufragados pela assembléia na sua maioria absoluta, tendo, entretanto, o pro­
fessor Harold» Valadão, um voto para primeiro vice-presidente; o Dr. Herbert
Canabarro Rcichnrdt, um voto para primeiro secretário; o D r. Afonso Costa,
um voto para segundo secretário; o D r. Rodrigo Otávio de l^nggaard Menezes
Filho, um voto para orador; comandante Francisco Radler de Aqnino, um voto
para tesoureiro.
Em seguida passou-se á eleição das comissões permanentes, com exercício
no referido período, que corre de 1949 a 1951.
Apurada a votação, foram proclamados eleitos ;
H istória — Dr. Leão Teixeira Filho, general Valentón Benicio ila Silva,
D r. Basilio de Magalhães, D r. Feijó Bittencourt, Dr. Canabarro Rcichardt;
Fundos c Orçamentos — M inistro Carvalho .Mourão, D r. Tavares Caval­
canti, D r. Oliveira Viana, D r. M. A. Teixeira de Freitas, D r. Claudio Ganns.
— 482 —

Geografia — Almirante Raul Tavares, comandante Radlcr dc Aquino,


comandante Carlos da Silveira Carneiro, D r. V irg ílio Corrêa Filho, comandante
Lucas Boiteaux.
Arqueologia e Etnografía — Dr. Alcindo Sodré, Dr. Rodrigo Melo Franco,
D r. Roquete Pinto, D r. José Luís Batista, D r. Gustavo Barroso.
Bibliografia Dr. A lfredo Nascimento, Dr. Afonso Costa, Hélio Viana,
desembargador Vieira Ferreira. Dr. Eugênio Vilhena de Morais.
Estatutos — Dr. Levi, Carneiro, general E, Leitão de Carvallni, Dr. Ro­
drigo Otávio Filho, D r Pedro Calmou, Dr. Edmundo da Luz Pinto.
Admissão de Sócios — Coronel João Batista Magalhães. ministro Augusto
Tavares de Lira, ministro Alfredo Valadão, Dr. M. Xavier Pedrosa, D r. Cris­
tóvão Leite de Castro.
Êsses nomes furam sufragados por maioria absoluta de voto.», tendo-se,
entretanto apurado os seguintes votos : Para a Comissão de História —
Dr. Afonso Costa, dois votos: para Comissão de Geografia — L. F. Vieira
Souto, dois votos: para a Comissão dr Bibliografia — protestor Haroldo Va­
iarão. um voto; comandante D idio Iratim Afonso da Cista. um voto; para a
Comissão de Estatutos — Dr. Canabarro Rcichardt, um voto; para a Comissão
de Admissão de Sócios — D r. Afonso Costa, um voto.
O sócio Luís Felipe de Vieira Souto fez ao Iu s titu t» Histórico e Geo­
gráfico Brasileiro o seguinte oferecimento : retrato de Dr. Luís Gastão de
Escragnole D oria; de D r. Luis Rafael Vieira Souto; de A . Carlos Gomes:
medalha comemorativa <lo centenário do D r. Vieira Souto; da Retista «Io Clube
de Engenharia, volume X X I — n.° 158 dedicado a I.. R. Vieira Souto. O se­
nhor embaixador José Carlos de Macedo Soares em nome do Instituto Histó­
rico e Geográfico Brasileiro agradecen o oferecimento.
O sócio V irgílio Corroa Filho, usando da palavra, apresentou a seguinte
proposta :
** Entre os historiadores brasileiros, distingue-se o professor d’ Escragnollc
Taunay pela amplitude e profundeza de suas pesquisa», «pie de c whittle esgotam
0 as.Mutlo a que se apliquem. Assim ocortcu com a " História do Café” »
esplanada em 15 volumes, que miuudcnciatn a evolução da lavoura cafccira no
Brasil, desde os seus primordios, até o máximo florescimento, quando se des­
dobrou a onda verde dos enfezais pelo território paulista, c igual modo,
a “ História das Bandeiras” , ainda inacabada, enfaixa em seus 10 tomos
impressos o surto do barideirisino, de tão intensas cons» qüencias na configuração
definitiva do Brasil, ê a exploração do território que i pouco c pouco se
torna conhecido c ocupado, mercê de jornadas intrépidas, realizadas por
afoitos devanadores de paragens impervias. É a luta contra os indígenas,
condenados ao cativeiro, quando vencidos. É a procura do ouro c do diamante,
que atraiu para a hintcrlâadia os aventureiros litorâneos. Ê, afinai, a fo r­
mação do Brasil, que os bandeirantes definiram com a sua epopéia anônima dc
gigantes de ação. Em série menor, cuidou da história da ctdadc de São Paulo,
dc que já publicou seis volumes, c ensaios avulsos, que abrangem biografias
húguísticas, história da arte, crónicas c vários assuntos cm que se revela o
mesmo erudito escritor, que a Academia Brasileira de Letras admitiu cm
seu quadro social. Merece, pela amplitude c exação dc sua obra impressa,
que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileira o apresente â Comissão dc
H istória do Instituto Panamericano de Geografia e História par.i scr galar-
doado com o prêmio prometido a eminentes historiadoras. conforme deci­
diu a Primeira Reunião dc Consulta, rjo prece.itua r: " L a Comisión dc
História honrará con la adjudicación dc algún titulo o distinción especial a
todos aquellos historiadores dc tierras americanas, sean generales o icgionales,
que por la importancia de su obra, cualitativa y cuantitativa mente considerada.
— 483 —

merezcan |x.»r justicia y como estimulo tal reconocimiento expreso*'. Rio de


Janeiro, 27 de dezembro de 1949. — José Carlos de Macedo Soares, presidente
do Instituto Histórico c (Geográfico Brasileiro. — V irgilio C <rrca Filho. —
V. tím id o da Silva. — A ldudo Sodré. — .-í. Tavares de Lira — Xavier Pe­
drosa, li d i o Viona. — A . Can abarro Reichardt. — Jorge Dodsworth Martins.
F cijó Bittencourt. — Carlos Carneiro. — America Jacobina Lacombe. — Alvaro
Rodrigues de Vasconcelos.
Submetida essa proposta a votação pelo embaixador José Carlos de Macedo
Soares, *f«i ela aprovada por unanimidade, para ser a deliberação acolhida por
grande salva de palmas.
O primeiro secretário V irg ilio Corrêa Pilho, tendo em mesa uma pro­
posta para preenchimento da vaga existente, de sócio benemérito, leu-a. a fim
dc que íósse recebida, fazendo o presidente embaixador José Carlos de Macedo
Soares rcmctc-la às comissões que deverão pronunciar-se a respeito.
** Propomos para sócio benemérito o engenheiro Henrique Carneiro Loão
Teixeira Filho, que o Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro admitiu cm
seu quadro social, a 22 de agosto de 1931. de acórdo com o fsirc^er do relator
Epitácío Pessoa, endossado |»clos dois outros membros da Comissão Especial,
Ramiz Galvão e Agenor de Roure. pois que " participou d<> Congresso dc 1931
com o traba!ho "Tentativa dc golpe de Estado — A Constituição de Pouso
Alegre — A atitude de Honorio Henneto — Entendimento entre os liberais"
c fez no Instituto uma conferência sóbre o “ visconde de Cruzeiro” . A partir
dessa data, não deixou de continuar as suas pesquisas, que o habilitaram a
esplanar duas teses, apresentadas ao 3.° Congresso de História Nacional.
" A atitude parlamentar dc Teixeira Júnior cm 1870" c “ Quem seria o autor
da Biografia dc marquês de Paraná, publicada pelo Jornal do Comércio,
cm 13 de setembro dc 1856 Eleito seu primeiro secretário, contribuiu
eficientemente para o bom êxito das reuniões comemorativas do primeiro cen­
tenário da fundação do Instituto, a cuja tribuna mais de uma vez assomou
para versar temas históricos. De igual modo, foi-lhe apontado o nome para
secretário do IV Congresso dc H istória Nacional, realizado em abril último,
cm que evidenciou, como anteriormente, análoga dedicação e competência.
Jã então participava dos trabalhos de comissões várias, entre as quais vem
permanecendo mais tongamente na dc H istória. Em tais condições sobejam-lhe
credenciais para ser elevado à classe dc sócio benemérito do Instituto Histórico
c Geográfico Brasileiro. Rio dc Janeiro, 27 dc dezembro de 1949. — José
Carlos de Macedo Soares. — V irgilio Corrêa Filho. — A . Tavares de Lira.
— Carlos Carneiro. — A. J. Lacombe. — Coronel J. 13. Magalhães. — Pedrtf
Calmou. — Luis Felipe Vieira Souto. — Afonso Costa. — Alcindo Sodré. —
A . Canabarra Reichardt. — Feijó Bittencourt. — M . Xavier Pedrosa. —
V. Fenicio da Silva. — Helio Viana. — Jorge Dodsworth M arlins. — Alvaro
Rodrigues dc Vasconcelos.”
Pediu a palavra o sócio comandante Carlos da Silveira Carneiro, para
dizer que. na última reunião do Instituto cm 1949. não podia deixar cm silen­
cio as atividades daquele ano. Referiu-se ao I V Congresso dc H istória Nacio­
nal. realizado sob a presidencia do m inistro Dr. Augusto Tavares dc Lira, a
quem dirigiu palavras dc respeito c consideração, lembrou o êxito dos cursos
comemorativos do centenário de nascimento dos dois grandes vultos nacionais
Joaquim Nabuco r Rui Barbosa, para encarecer n repercussão do que tiveram.
Não deixava de considerar excepcional o ano transcorrido pelo que, propunha
se congratulassem os membros do Instituto com o Sr. embaixador Jcsè Carlos
de Macedo Soares, pelo brilho com que vem presidindo a vetusta instituição,
a merecer sob a sua presidencia o alto critério de devoção e apreço com que se
consagrou no pais.
Em seguida, o Sr. nvnistro Ataúlfo de Paiva declarou que não podia de­
coração deixar de honrar a maneira pela qual o Instituto Histórico c Geográ­
fico Brasileiro se mostrou â altura da sua grande tradição. Suas atividades
no ano de 1949 foram exaltadas pela repercussão que tiveram no país inteiro,
considerando-as o orador como grandes serviços prestados à cultura nacional.
Referindo-se o embaixador José Carlos de Macedo Soares, presidente do
Instituto, cujos altos méritos é levado a reconhecer, fez referência ao ministro
Dr. Augusto Tavares de Lira, pela elevação e cultura com que dirigiu o 4.“
Congresso da História Nacional. Insistiu o orador na espontaneidade de sen­
timentos com que usava da palavra, congratulando-se com a instituição bene­
mérita que tanto êxito alcançava cm uma grande missão cultural.
O Sr. embaixador José Carlos de Macedo Soares agradeceu as referência;
a ele feitas, exaltando, porém, o mérito dos que muito colaboraram para o
êxito do programa traçado e executado no ano dc 1949. Aprovei tava-sc do
ensejo para prestar as homenagens devidas ao sócio do Instituto Histórico,
nome nacional, ministro Dr. Augusto Tavares de Lira, que este ano que findava,
mais serviços de alta monta acrescentara aos muitos que dedicadamcnte prestou
ao Instituto e â cultura histórica brasileira. O Sr. embaixador José Carlos
de Macedo Soares ainda se congratulou com o instituto por se achar pre­
sente o sócio Sr. Afonso Costa, restabelecido de grave enfermidade. Ninguém
mais pedindo a palavra e nada mais havertdo a deliberar, o Sr. presidente
embaixador José Carlos de Macedo Soares deu por encerrada a assembléia. —
Fcijó Bittencourt, 2* secretário.
NOTICIÁRIO'

SÓCIOS FALECIDOS

O Instituto Histórico teve, neste trimestre de outubro a dezembro o pesar


dc ver o seu quadro social desfalcado de mais dois dos seus componentes, o
sócio benemérito Rodolfo Garcia, falecido nesta capital, a 14 de novembro,
c o sócio correspondente Estêvão de Mendonça, desaparecido cm Cuiabá, a
2 de dezembro.
I — Rodolfo Garcia. Historiador ilustre e pesquisador eminente, nasceu
cm Ccará-Mirim, no Rio Grande dc Norte, a 25 dc maio dc 1873
Estudou as primeiras letras na sua cidade natal, ingressando na Escola
Militar do Ceará c. depois, na do Rio de Janeiro, para onde foi transferido.
Não seguiu, entretanto, a carreira das armas. Em 1908 formou-se, em Recife»
cm ciências jurídicas c sociais. Antes, o seu pendor para as letras o levou
a exercer o jornalismo, cm Pernanfbuco, cm 1895, quando também foi
professor.
De 1930 a 1932 exerceu a direção do Museu Histórica Nacional, dc onde,
nesse último ano, passon para a direção da Biblioteca Nacional, cargo em que
sc manteve até dezembro de 1945, quando foi. então, aposentado.
Era membro do Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro, dos de Per­
nambuco, do Ceará. Rio Grande do Norte c Alagoas, membro fundador da
Sociedade Capistrano de Abreu, membro correspondente da Academia Portu­
guesa de História, do Instituto Histórico do Uruguai c membro da Comissão
Permanente do Livro do Mérito.
Ocupava na Academia Brasileira dc Letras a cadeira n.t 30, cujo patrono
era Francisco Adolfo Varnhagen, e que foi ocupada sucessivamciitc por Oliveira
Uma. Alberto Faria e Rocha Pombo, que eleito, não chegou a tomar posse.
Entre os numerosos trabalhos publicados pelo ilustre escritor, destacam-se :
"Dicionário de Brasileirismos” (1915); "Nomes de aves cm linguagem tupi"
(1929); “ Glosoário das palavras c frases da língua tupi in " Histoire de la
Mission des Pères Capucins cn 1’Isle et Maragnan” , par le R. P. Claude
¿ ’Abbeville” (1922); "Ensaio bibliográfico sobre Francisco Adolfo dc Var­
nhagen, visconde de Porto Seguro” (1928); "Tratados da Terra c da Gente
do Brasil", do Padre Fernâo (Jardim (introdução c notas) (1925); “ Cartas
do Brasil”, do padre Manuel da Nóbrega (notas) (1929); “ Diálogos das
Grandezas do Brasil" (notas) (1930); “ História do Brasil”, dc frei Vicente
do Salvador (notas) ; “ Primeira Visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil"
(introdução e nota») (1929); "História Geral do Brasil”, do visconde dc Pôrto
Seguro (notas c comentários) (5 vols.).
Na Revista do Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro, publicou : "O
Diário do padre Samuel Fritz" (introdução c notas) e "A Capitania de
Pernambuco no Governo dc José César dc Menezes” (1774-1787).
— 486 —

“ Nomes Geográficos peculiares ao Brasil” tn “ Revista da Lingua Portu­


guesa” — n.° 8 (janeiro de 1924): “ Etnografía indígena” in “ Dicionário H is­
tórico e Geográfico do Instituto Histórico” ; “ História das explorações cien­
tificas no Brasil” (ib id e m ); “ Os judeus tio Brasil colonial” ,, in “ Os judeus na
História do B rasil"; “ H istória do Colégio da Capitania de Pernambuco".
in Anais da Biblioteca Nacional; “ O Santo O ficio na Bahia, em 1618” ,
(ibidem ); “ Documentos sóbre o Tratado de 1750” . ibidem, vola. L H c L I I I ;
“ Cartas familiares de Luís Joaquim dos Santos Marrocos", ibidem volume
L V I ; “ M aria Graham no B rasil", ibidem, vol. L X ; “ Narrativa de viagem
de um naturalista ingles ao Rio dc Janeiro c Minas Gerais” (1833-1835», ibidem,
vol. L X I I ; “ História da República Jesuítica do Paraguai” , pelo cônego João
Pedro G ay; “ Catecismo da Doutrina Cristã r.u Língua Brasílica Nação K ir ir i”
do padre Luis Viccncio Mamiani; “ Exotismo* franceses originários da língua
tupi” ; “ Nunca fui parentesco cm lingua tupi” ; “ Discurso de paraninfo de
Capistrano de Abreu” ; “ Brasil Açucareiro", vol. X IX .
Publicou, ainda, o D r. Rodolfo Garcia: “ F. Ai, de Varnhagen — Florile­
gio de Poesia Brasileira ou coleção das mais notáveis composições de jinetas bra­
sileiros falecidos, contendo as biografias de muitos deles, tudo precedido de
um ensaio sóbre as letras no Brasil — 3 tomos. 2* edição — publicação da
Academia Brasileira dr Letras — coleção A frãnio Peixoto — Rio — 1946.
Ultimamente, entre outras tarefas a que se entregava, o Dr. Rodolfo Garcia
vinha fazendo a revisão das “ Efemérides” do farão do Rio Branco, para a
coleção completa organizada pelo ministério das Relações Exteriores, tendo
publicado, ainda, três monografias, uma sóbre " As órfãs", outra, sóbre " Ale­
xandre Rodrigues F erreira" e a terceira sóbre a “ Maioridade dr Dom
Pedro H ” .
Rodolfo Garcia entrou para o Instituto Histórico, como sócio efetivo, onde
já exercia por muitos anos u cargo de bibliotecário, cm substituição a Vieira
Fazenda, por proposta de Afonso Celso, João de L ira Tavares. Agenor dc Rourc
e A frãnio Peixoto — datada de 24 dc jetembro dc 1919. Teve parecer favo­
rável dp “ Comissão dc História", dc 7 de agosto de 1920 — dc que foi relator
Viveiros dc Castro c está assinado por Pedro Lessa. J¿matas Serrano, Clovis
Bevilacqua e A urclino Leal c. cm conseqücncia, eleito pela Assembléia Geral
de 6 dc agosto de 1921 — depois do parecer da “ Comissão dc Admissão” assi­
nado por Ramiz Gal vão. Tavares de Lira, Manuel Cicero. Antônio O linto c
Miguel de Carvalho — pareceres esses aprovados unánimemente pela dita
assembléia.
Por proposta dc 22 dc fevereiro dc 1943. assinada por I C. Macedo
Soares, Tavares dr Lira, Radlcr dc Aquino. Afonso Taunay, V irg ílio Corrêa,
F c ijó Bittencourt. .Alexandre Sommier, Leão Teixeira c Claudio Ganns, sub­
metida à assembléia geral de 9 de julho de 1943. passou a sócio benemérito —
depois da “ Comissão dc Sócios", composta de A lfredo Nascimento. A. Tavares
dc Lira e Alfredo Valadão. haver emitido, cm 29 dc junho de 1943. parecer
que lhe foi favorável. Rodolfo Garcia fazia parte, há muito, da Comissão de
arqueologia c etnografía do Instituto. Há, de Rodolfo Garcia, uma bi-biblio-
grafia publicada nesta Revista (vol. 183) da autoria da Sta. M. C. Max Fleiuss.
I I — Estevão' de Mendonça — Natural dc Mato Grosso, nasceu a 25 dc
dezembro de 1870. Advogado c professor dc história no Liceu Cuiabano. Cro­
nista de apreciáveis dotes, consubstanciados no livro ; “ Datas Matogrnssenses”
que serviu dc base à proposta, datada de 16 dc junho de 1919, para a sua entrada
no Instituto Histórico. Essa proposta estava assinada por Max Fleiuss, Basi­
lio de Magalhães C. Guilhobel, Dr. Souto Maior. Sebastião de Vasconcelos
Gal vão. Encaminhada á “ Comissão dc H istória", sendo relator Laudclino
487 —

Freire, deu-lhe esta parecer favorável c, assim, na assembléia gc»-al de 22 de


agosto de 1938. Depois de lido parecer de Epitácio Pessoa. <h “ C ¡missão de
Admissão de Sócios", foi, Estêvão de Mendonça, eleito sócio cor reap miente
do Instituto.

Em comemoração do centenário de nascimento de Joaquim Nabuco, o


j nsiiluto Histórico promoveu um curso de conferencias sobre o ilustre brasi­
leiro — cuja inscrição foi aberta ao public*.» — confiando-se as palestras a
escritores de renome nas letras, no direito c na política. Falaram sobre Joaquim
Nabuco os acadêmicos Antônio Austregesilo, Aníbal Freire, Cdso Vieira,
M.úcio Leão, Pedro Calmem e Gustavo Barroso, c os Srs. desembargadores José
Duarte, deputados Gilberto Freire c Aureliano Leite, jornalista Aníbal Fernan­
des. a consulesa D. Odeie de Carvalho c Sousa, o nosso consócio Dt. Artur
César Ferreira Reis.

CURSO RUI BARBOSA


Celebrando-se. neste ano. o centenário de nascimento de Ri.i Barbosa,
o Instituto Histórico aderiu às manifestações culturais para lembrar esse sin­
gular acontecimento, promovendo na sua sede, uma serie de conferências sobre
n grande homem — <|Ue estiveram a cargo dus Sr.*. Pedro Calmou* Joaquim
Rilxúro, deputado Ahornar Baleeiro. Luís Viana Filho, Edgar Batista Pereira
c João Mangabeira. Drs. Américo Jacobina Lacombe. Rodrigo Otávio Filho,
almirante Carlos da Silveira Carneiro, professor Clovis Monteiro, senador
Aloisin de Carvalho, professores Hamldo Valadãi» e Loúrcnço F illo. acadêmico
Levi Carneira c professor Mário Pena da Rocha.

CURSO JOAQUIM NABUCO


Inscrcveram-sc no curso as seguintes pessoas :
Olimpíades Guimarães Correia. Isabel B. Bulcáo de Morais. Marciano
Santiago. 'Nivalda Gurôtós I cítão Marin Carolina Flciuss. Cera Lino Tetes
d3 Silva. Marina de Barros Pereira, Sílvia Moura Brasil do Amaral, Adelaide
Alba. .Armando Rezende Filho, Maria Cesaría Jesus, Demóstenes de Oliveira
Dias. Díôgencs Viana Guerra, kilda Bezzi, Maria José K. Castanheiro. Berta
.Alves Campeio. Maria de Lourdes A. Pinto, Zilá Santos, Etulí Caiado Jardim.
Cecica Rodrigues Machado. Nêlsun Melo de Mesquita, Cacilda Pereira Fernan­
des, Raimundo Abelardo de Araújo. Noemil Portela Ferreira .Alves, Ataíde
Barros da Silva, Esteia Portela Ferreira Alves, Carmela Gomes Pereira, João
Freire Sobrinho, Maria Porto Samico. Albertina Clotilde Aymez. Leonor Sam­
paio, Carlos Miguez Garrido, Carlos Pedrosa. Otilia dos Santos Pereira. Anto-
niete J. Freire, jimio Pereira Gama, Danton de Andrade Figueira. Luis Hen­
rique .Alves da Cunha, Judite Brito de Paiva c Sousa, Rui Vieira da Cunha.
Luis Felipe Vieira Souto, .Afonso Costa, Helio Sachser de Sousa, Geralda
Ferreira Armond. Lacrte Fernandes ilíarreto. Alvaro Correia Vale, Ediberto
T.uz Bastos, Abelardo F. Montenegro. Nilva Rego Souto, Durval Bomii, Dou­
tor Abel A. Caminha, Antonicta Correia da Silva, Leonor Feitosa Dantas.
Mário »le Mendonça, Edson Guciroz Leitão, Angela Maria de Castro Lira
Pórto. Guhiar Dias de Alcántara, Baszka Borenstain. Maria Luisa de Castro
Lira Pórto, Arnaldo Vicente de Carvalho, Déia Freire de Medeiros, Darci
— 488 —

Daniel <le Deus, César Augusto Wicchcrs de AIesquita, Clarisse Ribeiro Bossa.
Cloria Fernandes de Freitas, Constança Ladeira. Tcrezinha da Câmara Coelho,
Afaria da Luz Costa, José Miguel Dias dc Figueiredo, João José de .Araújo,
Josias Pires Ferreira, Cintra Barros, Wilson Távora Alaia, José Guimarães
Lôbo, írio Augusto Pais Leme, Mauricio Simões Gonçalves, Rômulo Coelho,
Astêlio Fernandes Porto. Aurclino Barroso Santos, Raul Torres Filho, Mário
dc Oliveira Pacheco. Hélio dc Oliveira Ribeiro, Amadeu Santo?, Clodomir
Lóbo de Oliveira Lima, /América Monteiro dc Araújo, Maria Luisa da Silva
Lessa, Rute Matos Almeida Simões. Violeta Lopes da Costa Moreira, Rute
Bouchaud Lopes da Cruz, Beatriz Célia Correia de Melo, Ariadne Soares Souto
Maior, Noémia F. de Barros. José Lamberto Carvalho, Napoleão Costa Fer­
reira. Paulo Barreto Alarim, Benito Lanzclote, Anderson Gouveia dc Azevedo,
Maria Grinspun. Adolfo Rodrigues de Almeida, José Correia, Guiomar Ce-
ponti Correia, Nadir Pinto Bcrtier, Edésio Assunção, Ailron Alves Coentro.
Inés Martz, Manuel Martins Júnior, Esmeralda de Faria Kunicki, Alice dc
i*igueiredo, Femando Pereira. Eponina Lomos de Sousa Barros, Sílvia Nunes
Pereira Romano, Ofelia G. B. Sobrinho, Ncila Alaria Lóbo Ferreira. Maria
da Gloria Gurí. Isachí Feldman. Marialina Norris, Antonio Jcsé Pinheiro
Chagas, Valdeci Valencia, Léia de Oliveira, Clconicc Cruz, Zclia Metieras
Gonçalves, Dulce de Sousa Teixeira, Clodia de Alelo Lima. Hchusa M. de
Matos, Alaria Luisa Maier, Armando da Silva Brandão, Hélio Dantas. Hen­
rique Silva, Názila AL de Carvalho, Jorge Nascimento de Castro, José Recita
Campos, Eloi Peres Machado, Cecilia da S. Afaçol, Váltcr Leite Handler.
Evandro Gomes da Silva, Mirles Marques. Rodolfo Pinto Barbosa, Virmar
Ribeiro Sqarcs, Váltcr Alatu, Ccurio Roberto dc II. Oliveira, Cadlda P. da S.
Costa. Erotides Alalta do Nascimento, Armando da Gama c Sousa, Guiomar
Cándida Alota, Elizabeth R. dos Santos. Luís Arltndo Tavares de Lira, Amé­
rica R. dc Castro Rebelo, José Castcdo da Silva. Moisés H. dc F. Neto, Antonio
Horácia de A. Caldeira, Rosa de Sonsa Vargas, João Leonard de Sousa
Vargas, Luis Trote, Elson dos Santos Matos, Zoé Principe, Mário Lupes o a
Costa Aloreira, Arnaldo Vieira Lascasas, Heloísa Figueira Duarte Moreira.
Casimiro V. Pinto, Agostinha Ferreira Cunha Lima, Lauro Geraldo dc Araújo,
Antonio Conceição. Gilvaudo dc A. Domingues, Afonso Martins dc Matos,
Antonio dc F. Ferreira ría Silva, Antônio 1. Ferreira Santos, Arnaldo Nuno de
Barros Pereira, Arinéia dc Paiva Carrão, Garmen Roso, Orlando Ruífier dos
Santos, Osvaldo Almeida Fischer c Eli Bcncdeti.
DIRETORIA

A assembléia geral dc 28 dc dezembro último confirmou no lugar dc tesou­


reiro. na vaga do comandante Radlcr dc Aquino, o comandante Carlos da
Silveira Carneiro — ilustre oficial da Armada c dedicado socio benemérito
do Instituto Histórico.
Para os demais postos da diretoria foram reeleitos os seus amigos ocupantes.

COMISSÕES
Na assembléia geral dc 28 de dezembro foi confirmado na "Comissão dc
Arqueología c Etnografía" o sócio efetivo Dr. Alcindo Sodré e eleito para a
vaga deixada pelo Dr. Rodolfo Garda, o Dr. Rodrigo Alelo Franco dc Andrade.
Para a "Comissão dc Fundos c Orçamentos”, foi transferido o Dr. Claudio
Ganns, e, na vaga déste, na “ Comissão dc Admissão de Sócios” foi eleito o
coronel João Batista Magalhães, entrando ainda nessa comissão o Dr. M. Xa-
- 4 8 9 - , : A .

vicr Pedrosa, tu vaga do Sr. Braz do Amaral c Dr. Cristóvam Leite de Castro,
transferido da ‘'Comissão de Fundos c Orçamentos’’.
Para a “ Comissão de Bibliografía" foi transferido o Dr. Alfredo Nasci-
memo Silva, da “ Comissão de Sócios”, na vaga aberta com o falecimento
de Bernardino de Sousa, e eleitos o Dr. Alonso Costa, na vaga do general
Liberato Bittencourt, c o professor Hélio Viana.
Para a “ Comissão de Estatutos’’ foi ainda transferido o Dr. Rodrigo
Otávio Filho, da “ Comissão de Bibliografia", e eleito o general Leitão de
Carvalho, na vaga do cx-consòcio Costa Ferreira.

QUADRO SOCIAL
Pela assembléia geral de 21 dc agosto, foram promovidos a sócios bene­
méritos, nas vagas dos Srs. Braz do Amaral e Bernardina de Sousa, os sócios
efetivos : Dr. Leopoldo Frijó Bittencourt, 2.° secretário, c Cláudio Gatins,
da comissão diretora desta Kevititt.
Nessa mesma assembléia foram admitidos : como s¿»cio correspondente,
o Dr. Ariosto Gonzalez (do U ruguai); como sócio honorário, o senador Aloisio
dc Carvalho Filho; e como sócios efetivos, os Srs. acadêmicos Afonso Pena
Júnior, deputado Afonso Arinos dc Melo Franco e professores Mozart Mon­
teiro c Xavier Pedroza.
A preferência do Instituto para essas promoções c escolhas nclia-se plena­
mente justificada nos pareceres das respectivas comissões de “ Admissão de
Sócios” e de "História”.

CONDECORAÇÕES.
O Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro, durante as solcnidades do
4.° Congresso dc História Nacional, recebeu das mãos do embaixador Júlio
Dantas, chefe da Delegação Portuguesa, as insígnias da Gran Cruz da Ordem
Militar de Santiago da Espada, que lhe foi conferida por decreto especial do
Governo Português.

SUBVENÇÃO
Pela Lei n.° 720, de 25 de maio deste ano. sancionada pelo Sr. vice-presidente
da República c referendada pelos ministros Adroaldo Mesquita da Costa e
Correia c Castro, foi o Instituto Histórico, subvencionado com a importância
de Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros) “ para a restauração c conser­
vação do seu arquivo e biblioteca".
Pelo art. 2 / da mesma lei a subvenção anual do Instituto, que er3 ante­
riormente dc Cr$ 200.000,00, passou n ser de Cr$ 300.000.00 (trezentos mil
■cruzeiros), a cantar da data da sua publicação ("Diário Oficial” dc 2-6-49).
Dita lei é oriunda do projeto n.° 572, de 1947, dc iniciativa do deputado
Edmundo Barreto Pinto e mais 42 congressistas.
PUBLICAÇÕES RECEBIDAS

O utubro de 1949

— Revista G e og rá fica do In s titu to P a n-A m erican o de G eografia e H is ­


tó ria . ns. 13 e 24, tomos V / V I 1 I . 1949. R io dc Janeiro.
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— A m éricas. o u tu bro, vol. i. n.° 7, o u tu b ro de 1949. R io de Janeiro.
R evista M a rítim a B rasile ira, a b ril, m aio e ju n h o de 1949, ns. 10, 11 e
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— B rasil Açw careiro, ano X V I I , vol. X X X I V , agosto de 1949, n.° 2.
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— R evista do In s titu to H is tó ric o de Alagoas, ano de 1947, vol. X X V .
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— Boletim da Superintendência dos Serviços do Café, a b ril e m aio de
1949, ns. 266 e 267. ano X X I V . São Paulo.
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n." 51, 2.a quincena de septiem bre de 1949. Buenos A ires.
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— Imprensa. R ural, 23 de. outubro de 1949, n.° 2, ano I, Santa Cruz, D .F .
— C orreio de U berlândia, 10 núm eros de agosto, setem bro c outubro tie
1949. ano X I. Minus Gerais.
— O Puritano, 10 e 25 de outubro de 1949, ns. 1953 e 1954, ano L I. Rio
de Janeiro.
— C orreio do Sul, 1 de setembro c 20 de outubro de 1949, ns. 1661 e
1667, ano X X X . Faro.
— Im prensa R u ral ( jo rn a l), 2’3 de outubro de 1949, n.° 2, ana 1. Santa
Cruz.
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London.
— Ocidente, n." 138, vol. X X X V II, outubro de 1949, Lisboa.
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— O ic, m arzo e abril de 1949. ns. 38 c 39, ano IV , TI época. España.
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ano V il. R io de Ja n e ira
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México. D .F .
— Codington Chronicle, vol. XX X V LI. 1949. Califórnia.
— Correio do Sul, 29 de setembro de 1949. ano X X X , n.° 1665. Faro.
— C orreio de U berlândia, 4 de novembro de 1949, n.° 2.772, ano XI.
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— Am ericas, novembro de .1949, n ? 8, vol. 1. Rio de Janeiro
— A Biblioteca, ano IV, vol. IV , ns. 7-12-1947, julho c dezembro. Rio
de Janeiro.
— 494 —

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— Guia quincenal de la actividad intelectual y artística argentina, año III,
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— Revista Nacional, tomo XLTI, ano XII, abril de 1949, n." 124. Mon­
tevidéu.
— Guía Levi, fevereiro de 1942. Rio de Janeiro.
— Anais do IV Con-gresso Intcramcricano e IV Brasileiro Americano de
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— Justitia. outubro de 1949, vol. 9. ano VII. Sao Paulo.
—r Seção de Numismástica, 1° volume. 1.* parte : moedário. moedas do
Brasil. Rio Grande do Sul.
— Bulletin of The New York Public Library, October 1949, vol. 53,
n.° 10. New York.
— Imprensa Rural, 19 de novembro de 1949, n." 3, ano I. Santa Cruz.
— Correio de Sense, 24 e 21 de outubro de 1949. ns. 15 e 16, ano I.
Rio de Janeiro.
— Anual Repon of The Librarian of Congress for the Fiscal Year
Ending, june 3U, 1948. Washington.
— Tribuna de Petrópolis (arte c literatura), agosto de 1949, n.° 1, ano 1.
Petrópolis.
— Ex-combatcntc, outubro de 1949, n.° 34, ano III. Rio de Janeiro.
— The Catholic Historical Review, October 1949, n.’ 3, vol. XXXV.
Washington.
— Boletín del Archivo General de la Nación, tomo XX. 1949. Mexico.
— Correio de Uberlândia. 12 de novembro de 1949, n.° 2778, ano XL
Minas Gerais.
— A Lâmpada, ano XIX, n.° 64, julho, agosto c setembro de 1949.
Curitiba.
— Saúde, dezembro de 1949, n.° 24, ano II. Rio de Janeiro.
— Boletim R. A. E. (Repartição de Águas c Esgotos), julho de 1949,
n.° 21, ano II. São Paulo.
— Brasil Açucarciro, ano XVII, vol. XXXIV, setembro de 1949, n." 3.
Rio de Janeiro.
— Catalogue n.* 195. Anual Catalogue, 1949. Journals Periodicals and
Serials. U .S .A .
— Boletim da Superintendência dos Serviços do Café, agosto de 1949,
n.“ 270, ano XXIV. São Paulo.
— Engenharia, novembro de 1949, n." 87, vol. V III. ano VIII. São Paulo.
— União Sulamcricana de Associações de Engenheiros (boletim), maio
de 1949, n.° 41. ano XIV'. Rio de Janeiro.
— Sul América, julho e setembro de 1949, n.° 117, ano XXX. Rio de
Janeiro.
— Revista do Instituto Brasil-Estados Unidos, janeiro-junho de 1949. nú­
mero 15, vol. VIT. Rio de Janeiro.
— Américas, novembro de 1949, n." 8, vol. 1. Rio de Janeiro.
— América Indígena, octubre de 1949, n.° 4. vol. IX. México, D .F .
— Revista da Faculdade de Letras, tomo XIV, 2.* série. n° 3, 1948. Uni­
versidade de Lisboa.
— Correio de Uberlândia, 18 de novembro de 1949, n.” 2.782. ano XI.
Minas Gerais.
— 495 —

Dezembro de 1949
— A sa is do M useu H istórico N ational, vol. V, 1944. Rio dc Janeiro.
— Ocidente, n.° 139, vol. X X X V II, novembro de ¡949. Lisboa.
— Boletín dc H istoria y .Antigüedades, ns. 414-410, vol. X X X V I, abril,
mayo c junio de 1949. Bogotá.
— Boletín Inform ativo, mayo, junio c julio dc 1949, n.° 23, ano A’. U ni­
versidad de Chile.
— Catálogo In fan til n.* 18. 1949-50. Rio dc Janeiro.
— R evista do Clube M ilitar, n.° 100, agõsto dc 1949. Rio dc Janeiro.
— Revista da -Academia Paraibana de L etras, outubro de 1949, n.° 5,
ano I l l . João Pessoa. Estado da Paraíba.
— Guia quincenal de actividad intelectual y artística argentina, año I l l ,
n.“ 54, 1.a quincena dc noviembre de 1949. Buenos A ires.
— América», vol. 1, n.° 9, dezembro dc 1949. Rio de Janeiro.
— Da Índia D istante, boletim ns. 10 c 11, outubro e novem bro dc 1949.
Em baixada da India. R io de Janeiro.
— Anales de la U niversidad dc Chile, sum ário de los ns. 65-66, 1." y 2.°
trim estres dc 1947, añ o CV. Santiago dc Chile.
— A nuário A çucarciro, 1945-46-47. Rio de Janeiro.
— O Momento, outubro dc 1949, n.° 268, ano 25. Rio de Janeiro.
— Boletim Bibliográfico .Agir, n.° I, dezembro dc 1949, ano 2. Riu de
Janeiro.
— O P uritano, 25 dc novembro dc 1949, n.° 1956, anu L I. R io dc Janeiro.
— H o jas M ilitares, volumen II. 1949. C aracas.
— C atalogue n.u 28, bibliography. U .S .A .
— C orreio do Sul, 3 de novembro de 1949, ano X X X , n." 1.669. Faro.
— Agronomia, julho 1949, n.° 3, vo! 8. R io de Janeiro.
— Publicações do A rquivo do E stado da Bahia, vol. V, 1948. Bahía.
— Lea, number 7. septiem bre of 1949. W ashington, D .C .
— M em órias do Instituto O svaldo C ruz, ano 1948, tomo 4o, fascículo 4.
Rio dc Janeiro.
— Revista do Serviço Público, ano X II, vol. I l l , n.“ 3, setem bro de 1949.
Rio dc Janeiro.
— A rquivos do In stitu to de Direito Social, vol. 8, n.° 2, 1949. São Paulo.
— Boletim Inform ativo, febrero-julio de 1948, n.° Az l, año V I. Quito,
Ecuador.
— A rquives Brasileiros dc Medicina N aval, setembro de 1949, n." 31.
ano X- R fo de Janeiro.
— Catalogo General, 1949. Casa dc la C ultura E cuatoriana.
— T h e M cG raw -H ill, September 1949. Overseas Book News.

OBRAS OFERECIDAS
Outubro de 1949
— H istória da Cidade de Sãc- Paulo no Século X V I I I (1735-176S). vol. I,
1." parte — A fonso de E . Tnunay — .Arquivo H istórico — São Paulo
1949.
— O Papel M oeda e o Câmbio — D r. V ieira Souto — Im pr. dc V au-
g irard — P a ris, 1925.
— Índios do B rasil do Centro ao N oroeste e S u l de M ato Gross'.', vol. I.
— 496 —

— Cândido Mariano da Silva Rondon — Ministerio da A gricultura —


Rio de Janeiro, 1946 (3 volumes).
— Hondwas-Moya-Etnologia y .hw w oloyia de Honduras — Monsenhor
Frederico L u n a r d i— Tegucigalpa D. C. — Honduras C. A.
— Da Fiscalização Financeira — Rubem Rosa — Imprensa Nacional —
Rio de Janeiro, 1949.
— Casas dc Câmara c Cadeia — Paulo Tedim Barreto — Rio de Janeiro,
1949.
— Historia de la Nacían Argentina — Ricardo Lcvenc — Impr. de la
Universidad — Buenos Aires, 1949.
— As Boticas do D r. Alexandre Rodrigues Ferreira (separata) fim do
século X V I I I — Américo Pircs dc Lima — Pôrto. 1949.
— O Idioma Pátria — Sua riqueza na linguagem das cores — Professor
Dr. A rtu r de Vasconcelos — Rio de Janeiro, 1949.
— Fingem ao México — Dr. V irg ílio Corrêa Filho — I.B .G .E . — Rio
dc Janeiro, 1949.
— Correspondência O ficial de ¡ l ’clwilsch — Américo Pires dc Lima —
A . G . das Colônias, 1949.
— La Fundación de la Ciudad dc Grafas Adios y de las Primeras Filias
y Ciudades dc Honduras — Monsenhor Federico Lunardi - - Tegu­
cigalpa — Honduras, C .A ., 1946.

Novem bro de 1949

— Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado. por ocasião


da sessão legislativa de 1940 a 1949. Moisés Lupion — Curitiba —
Paraná. 1948.
— Figuras da Provincia — João Dornas Filho — E dit. Panorama —
Minns Gerais, 1949.
— O Ensino no Brasil cm 1942 — Serviço Gráfico I.B .G .E . — Rio
de Janeiro — 1947.
— Cartas dc Navegar Retangulares — Gago Coutinho — Lisboa — 1949.
— Dc Como o Plano Portugués da India Levou ao Descobrimento da
América (abril dc 1949), Gago Coutinho — Lisboa. 1949.
— Como Nasceu o Aeroplano — (.lago Coutinho. Lisboa, 1949.
— Plauificação dc Obras para o Estado do Paraná — Governo Moisés
Lupion — Paraná, 1948.
— Barão do Rió Branco — A . Tavares dc Lira, Rio dc Janeiro, 1943.
— García Moreno, Luís Robalino D ávila — Talleres Gráf. Nación.
Quito, Ecuador. 1949.
— Manifesto — Campos Sales — Tip. Diario O ficial — São Paulo, 1898
(O ferta do D r. V irg ilio Correa F ilho).
— A Ciencia e a Técnico pela Democracia — Ademar dc Barros — Sñ<>
Paulo, 1949.
— Discurso Proferido Pelo Governador Ademar dc Barros, São Paulo»
1949.
— Santa Cosa dc Misericórdia dc M arilia (Relatório apresentado pelo
provedor D r. Joaquim A. Sampaio V idal) — Sào Paulo, 1949.
— Leis, Decretos c Atos — P rof. Udo Meneghctti — Impr. O ficial —
Porto Alegre, 1949.
— Relatório Apresentado à Câmara Municipal — P rof. Ildu Meneghctti
— Livr. do O Globo — Porto Alegre. 1949.
— 497 —

Batism o do A v iã o (D is c u rs a ) — D eputado A u rc lia n o L e ite — R io


de Janeiro, 1949.
M a n u a l B ib lio g rá fic o de E stud os B ra s ile iro s — Rubens B o rb a de
M o ra is — G ru í. E d it. Sousa — R io de Janeiro, J949.
R u i Barbosa r u Lógica Ju ríd ic a — João M endes N e to — E d ição
S a ra iva — São P aulo, 1949.

Dezembro de 1949
rf<w D iam antes e L ito r a l do B ra s il, v ú l. 210 — A u g u s to de
Saint H ila ire — Com p. E d it. N acional — Rio de Jan eiro, 1941.
E tno lo gia S ulaniericana — v o l. 218 — W ilh e lm S ch m id t — Com. E d it.
N acional — R io de Janeiro^ 1942.
l'ia g e n s ao N o rd e s tt do B ra s il — vol. 221 — H e n ry K o s te r — Com ­
panhia E d it. N acio na l — R io de Janeiro, 1942.
A ñ o r e s e P la n ta s O téis — w l . 251 — Paul de C oin tc — Com. E d it.
N acio na l — R io de Janeiro, 1947.
.Relatório da Comissão E x p lo ra d o ra do P la na lto C en tral do B ra s il —
v o l. 258 (D u p lic a ta ) — J. C ru ls — Comp. E d it. C olonial — R io de
Janeiro, 1947.
F lo ra da B a hia — v o l. 264 A . In ácio de Menezes — Comp. E d it. N a ­
cional — R io de J aneiro, 1949.
A s Rains de M ato Grosso — I c ¡ I — V ir g ílio C orrêa F ilh o — O E s ­
tado de Sao P a u lo — S5o P aulo, 1924-25.
H is tó r ia da U niversidade de C oim bra nas suas Relações com a in s tru ç ã o
P ú blica P o rtuo uê sa — tomos 1, I I , I l l c I V — anos : 1289-1555,
1555-1700, 1700-1800 c 1801-1872 — T e ó filo B raga — Academ ia R eal
das Ciencias de Lisboa — 1892-1902.
ESTATÍSTICA

ESTATÍSTICA DO INSTITUTO HISTÓRICO

1949

4.° T rim e s tre Olllub. Netvmb. flesemb. Total


O bras oferecidas ................................... .. 14 18 12 44
Revistas nacionais, e s tra n g e ira s ............. 85 73 40 203
C atálogos recebidos ................................... — 5 12 17
Jorn ais recebidos ........................................ 9 27 19 55

A rq u iv o :

Documentos consultados ......................... 5 604 5.731 5.534 16.869

M useu H is tó ric o :

Visita nte s ...................................................... 35 IS 95 148

Sala pública de le itu ra :

Consultas —
Obras .............................................................. 5.537 5.660 5.491 16.683
Jorn ais ............................................................ 3.031 3.055 2 .M 6 9.032
Revistas ......................................................... .;.w - i 3.933 3 .87 ! 11.828
Mapas ............................................................

Secretaria :

O fíc io s , cartas c telegramas recebidos . . 420


Oflçkss. cartas c telegramas expedidos .. 829 — — —
LISTA DOS SÓCIOS

LISTA DOS SÓCIOS


PRESIDENTES HONORÁRIOS
EM 31 DE DEZEM BRO D E 1949

3áta dc en­
Nome trada no Residência
1nstituto

1. Dr. Venceslau Braz Pereira Go­


mes .......................................... 15.12.1915 líajubâ — Minas

2. Dr. Artur da Silva Dentardes .. 15.12.1923 Rua Valparaiso. 40 —


Rio dc Janeiro — Te­
lefone: 28-2458
3. Dr. Washington Luis Pereira de
Sousa ......... . . . . . . . . ............. .1 18. 7.1927 São Paulo

4. Dr. Getúliu Dómeles Vargas 9. 1.1934 São Borja - R. G. do


I Sul ou ,av. Rui Bar­
bosa, 4;?Pj-3pto. 1.001
— Rio

5. General Eurico Gaspar Dutra .. 13. 5.1947 Palácio Catete

Sócios Grandes Beneméritos (5) — (/\)

1
Data de en- '
Nome traga no | Residência
I Instituto 1
1 1
1. Dr. Alfredo Nascimento Silva!
12.12.1S90 1 Rua S. Clemente, 413
1 Tcl. 26-1891 — Rio
— 500 —

1
D a ta ue «tt«
Nome trada no , Residência
1 Instituto

2. Dr. Manuel Cícero Peregrino dal


Silva .............................................. ¡ 21. 7.1995 Rua das Palm eiras, 54
1 — Botafogo — Rio
— T d . 2’0-0740

3. M inistro dr. A ugusto Tavares!


de L ira ............................... 16. 9.1907 R ua das L aranjeiras
1 n.° 550 apto. 701 —
1 Tcl. 45-1484 — Rio

4. Pro fesso r Basilio de Magalhães í 27. 8.1914 Rua Paulino Fernan­


des, 27 — R io —
Tcl. 26-7815

5. Em baixador José Carlos de M a -’ 6. 8.1921 P ra ia do Flamengo. 2


cedo Soares ............................ | Rio — T d - 25-3311

Sócios Benem éritos (15) (B )

D ata dc en­
Nome trada no R esidence
Instituto

1. D r. N jlso n Coelho de Sena .. Í 3 . 8.1901 Rua Bernardino G ui­


m arães, 1.082 — Belo
H orixontc — Minas
2. Capitão dc m ar e guerra F ran-
cisco Radlcr de Aquino . . . . 26. 8.1911 Rua Rnul Potnpcia, ¡33
— Copacabana — Rio
— T d . 27-0308

3. D r. A fonso d ’E. Taunav ____ 2 . 9.1911 Rua Lupércio de C a­


m argo, 74 — Jardim
Am érica — S. Paulo

4. M inistro D r. A lfredo Valadâo . 19. 7.1912 Regina Hotel — Rua


F e rreira Viana, 29
— Rio - Tcl. 25-7280

5. A lm irante Raid T avares .......... 23. 8.1912 R ua Visconde de Ca­


randaí, 23 — Rio —
T d . 26-1755
— 501

D ata de en­
Nome trada no Residencia
Instituto

6. C apitão de m ar e guerra Carlos 6 . 8.1921 Rúa A níbal de Men­


donça. 151 — Copa-
cabana — Rio — T e­
lefone 27-4949

7. Ministro D r. Francisco José de


18. 6.1924 Alam eda S. Boa ventura
n." 41 — N iterói —
Est. do Rio — T e­
lefone 2-0208

8. .-Xrccbispo Dotn Francisco José


10. 7 .19’6
G rosso ou Colegio
Santo Inácio — São
Clemente, 226

9. 1.10.1928 Meló, 2.134 — Buenos


A ires

10. Dr. Pedro Calmen Monis de


22. 8.1931 R na Santa C lara, 415
— Copacabana — R io
— Tel. 37-4004
11. D r. José Vandertei de A raújo
A venida Pasteur, 415
P ra ia V erm elha —
Rio — Tel. 26-1536.
ou Sete de Setembro
n.° 379 — G dadc do
Salvador — Bahia

12. V irgilio C orrêa Filho ................. 22. 8.1931 P raça A ndré Rcbotiças
n. e 17 — Engenho
Velho — Rio — T e­
lefone 28-0864

13. D r. Leopoldo A ntonio F cijó Bit-


12. 5.1937 Rua O távio Correia, 84
— U rca — R in —
T el. 26-1501

14. D r. Claudio G a n n s ....................... 15.12.1939 A v. Copacabana, 90,


apto. 501 — Rio —
Tel. 37-0767
— 502 —

Sócios E fe tiv o s (40) — (C )

D ata de en­
Nome tra d a no Residência
Instituto

1. Em baixador D r. Ju ié B onifácio
de A ndrade e Sihra ............... 15. 7.1911 Rua V oluntários da
P álria, 371 — Rio —
Tel. 26-6076

2. M inistro H élio Lôbo ................. 6 . 7.1912 P ra ia do Russel. 158,


apto. 101 — G lória
— Rio — Tel. 25-5898

3. D r. E d g ar Roquete Pinto ......... 4. 8.1913 A venida Beira M ar,


210. apto. 504 — T e­
lefone 42-3275
4. Capitão de m ar e guerra Thier.-
Flem ing ....................................... lü . 7.1918 P raia do Flamengo,
186 — 5.° — aparta­
mento 503 — T ele­
fone 25-2626 — Rio

5. D r. Eugênio Vilhena de M orais 6. 8.1921 A rquivo Nacional —


P ra ç a ds República
_ R{o _ Tel. 22-4441
6. Coronel Antônio Leoncio Pereira
F e rra r .......................................... 22. 8.1931 Rua Japeri, 32A. a par­
tamento I — Rio
Comprido — Rio
7. D esem bargador D r. Fem ando
Luís V ieira F e r r e i r a ................. 22- 8-1931 Rua M oreira César. 66
— Niterói — E stado
do Rio de Janeiro

8. D r. Gustavo B arroso ................... 22. 8.1931 R ua S á F erreira, 123


— Copacabana — Rio
— Tel. 27-2895
9. D r. H enrique Carneiro Leão
T e ix e ira F i l h o ........................... 22 . 8.1931 Av. Rio Branco, 31! —
5.0 _ Rio _ T ele­
fone 22-2147. ou São
Clemente n.“ 259-A,
apto. 3 — T el 26-3421

10. D r. Levi Fernandes C arneiro .. 22. 8.1931 Run Gustavo Sampaio


n.° 92 — Leme — Rio
| - Te!. 27-4871
503

D ata de en­
Nom e trada no Residencia
Instituto

11. Capitão de m ar e guerra Luca


A lexandre B oitcux ................. 22. 8.1931 Rua D elgado de Car-
valho, 30 — Rio —
T el. 28-4120

12. D r. Luis Felipe V tetra Souu» . . 22 . 8-1931 Rua V oluntários da


P átria, 69 — Rio —
T e l. 26-1700

13. Dr. Manuel 'la v a re s Cavalcanti 22. 8.1931 R ua U rbano <|os San-
tos, 58 — U rca —
R io — Tel. 26-1C46
14. M inistro D r. O távio T.irqutnio
de Sousa ..................................... 22. a . 1931 Rua Gago Coutinho
n." 66, apto. 902 —
Catete — R io —
TcL 26-3623
15. D r. Rixlrigo O távio de Lang*
g a ard Mcncxcs Filho ............... 22. 8.1931 Rua São Clemente. 421
— R io — TcL 26-0953
16. D r. A lexandre José B arbosa Li-
m a Sobrinho ............................... 22- .8-1931 I Run da .Assunção, 77 —
Botafogo — Rio —
T el. 2M S61, ou P a ­
lácio do G overno —
R ecife — Pernam buco

17. D r. A -tu r C erar F erreira Reis 4.12.1936 R ua Jardim Botânico


n.° 305 apto. 302 —
Rio, ou M inistério do
T rabalho — Telefone
42-8080 ram al 614
18. D r. H erbert Catm barro R ei- 1
chardt ........................................... 12. 5.1937 R ua das L aranjeiras, 20
— Rio — Tel. 25-0022

19. Dr. A lcindo Sod rí- ....................... 3 ! . 5.1939 Rua Sá Earp, 99 —


1 Petrópolis — E. do Rio

20. D r. Edmundo da Luz Pinto . . . 31. 5.1939 Rita R ibeiro de A hnei-


da. 36 — L aranjeiras
Rio — T el. 25-2684

2!. D r. Jo..i L u ll B atista .............. 31. 5.1939 Rua Miguel Lemos, 2!


apto. 701 — Copaca­
bana — R io — Teic-
I fone 27-1014
— 504 —

D ata de en­
N om e trada no Residência
Instituto

22. Dr. Cristóvão Leite de C astro .. 26. 6.1940 R ua B arão de Jaguaribc


366 — Tel. 47.0457

23. M inistro Ruben Rosa ............... 29 . 5.1941 Praia de Botafogo. 48


— apto. 25 — Rio —
Tel. 25-5800
24. M inistro dr. João M artins de
Carvalho M ourão ................... 9. 7.1943 Rua São Salvador 38
— Rio — Tel. 25-3718
25. Dr. Rodrigo M elo F ranco de An
Grade ............................................. 9 . 7.1943 Rua Bulhões de Car-
valho. 1S1 — Copaca­
bana — Rio — Tele­
fone 27-2503
26. General P edro de A lcántara C a­
valcanti de A lbuquerque ------ 19 5.1944 R ua U ruguai, 526 —
Tel. 38-4321 - Ti-
juca — Rio

27. Francisco M arques dos S a n to s.. 21.10.1944 T ravessa Soledade, 14


Tel. 28-5595 — Enge­
nho Velho — Rio

28. P ro fesso r H élio V iana .............. 27.12.1944 Av. A lexandre Ferrei-


ra, 55 — Tel. 26-1980
Lagoa — Rio
29. D r. M ário A ugusto T eixeira de
F reitas ......................................... 27.12.1944 Rua Dr. Satamini, 77 —
Tel. 28-6804 — T iju-
ca — Rio

JO. D r. A m érico Jacobina I-acombe 28. 9.1045 R ua 19 de Fevereiro,


105 — Tel. 26-7914 —
Botafogo — Rio
31. General Valent ini Bettfeio da
Silva ............................................. 17.12.1945 Rua Palssandú, 191 —
Tel. 25-1655 — F la ­
mengo — Rio

32. A fonso Costa ................................. 13. 5.1947 Run C orreia D utra. 24


apto. 13 — Telefone
25-6361 — Rio

33. Coronel João B atista Magalhães 16.12.1947 Rua Júlio de Castilhos.


83 — Copacabana —
T el. 27.8799 — Rin
— 505 —

I D ata de en­
Nome tra d a no Residência
I Instituiu

34. Professor Fernando R aja Gaba-,


«lía ................................................ I 31. 8.1948 Av. Pasteur, 419 —
U rca — Rio

35. Dr. José H onorio Rodrigues . . . | 31. 8.1943 Av. A iranio Melo
Franco, 16 apto. 2 —
T el. 27-3346
3G. P rofessor Adolfo M orales de los|
Rios Filho ................................,.| 31. 8.1948 Rua Senador V erguei­
ro, 159. apto. 602 —
Rio de Janeiro
37. D r. A fonso A rh io s de M dol
F ranco ...........................................| 15. 8.1949 R üa A nita G aribaldi, 19
— Copacabana — Rio
I — Tel. 37-5977

38. D r. A fonso Pena Jú n io r ........ IS. 8.1949 I Rua Pereira da Silva,


I n.° 220 — L aranjeiras
I — R io — TeL 25-1973
39. P rofessor Francisco Mozart do
Rego M o n te iro .......................... 15. 8.1949 i Rua General Gliccrio
n." 407, apto, 1.001 —
L aranjeiras — R io —

I
Tel. 45-2104
40. D r. M anuel X avier de V ascon­
celos Pedrosa ............................ 15. 8.1949

R ua Alvaro Ramos. 137


casa 4 — Botafogo
I — R io — Tel. 26-6157
Sócios Correspondentes (40) — (D ) J

D ata dc en­
Nome trada no Residência
Instituto |

1. P rofessor José Feliciano de OH-


19, 2.1904 Ruc dc Longchamp, 25
—C ros dc Cagues —
Alpes — Mmcs-dcs
A tnanducs — P aris
— França
2. D r. W ashington Luis Pereira dc
Sousa ........................................... 4 . 5.1912 São Paulo
— 506 —

Data de en­
Nome trada no Residência
Instituto

3. Dr. Eugenio de Andrade Egas .. 28. 6.1913 Rua Rela Cintra, 801 —
São Paulo

4. Dr. Fiddino de Figueiredo . . . . 23. 7.1913 I Caixa Postal, 2.926 —


São Paulo
5. Dr. Mário Carneiro do Rego
Melo ........................................ 31. 5.1917 I Recife — Pernambuco

6. Ministro Dr. Silvio Rangel de|


Castro ....................................... I 13. 9.1930 Embaixada do Brasil
em Maia — Holanda
7. Embaixador dr. Carlos Maga­
lhães de Azeredo ................... 22. 8.1931 Via dr Vila Emiliani, 9
Panoli — Roma

8. Dr. Djalma Forjnz .................. 22. 8.1931 Rua Rodrigo Claudio,


I 225 — S. Paulo
9. Embaixador Dr. Hildebrando
Acioli ....................................... ! 22. 8.1931 I Rua Sousa Lima, 87 —
T d. 27-7029 - Rio

10. Luis Enrique Azaróla Gil ....... 30. 7.1934 I Frederico Lacrozc. 2.100
— Buenos Aires
11. Dr. Ageu de Segadas Machado
Guimarães ............................... 30. 7.1934 Embaixada do Brasil
em Haia — Holanda

12. Dr. Luís da Cântara Cascudo .. 30. 7.1934 Natal — Rio Grande
do Norte
13. Ministro Caio de Melo Franco! 30. 7.1934 Av. Copacabana, 1.424
— Tel. 27-3004
14. Dr. Vicente de Paula Vicente de
Azevedo .................................. 15.12.1934 Rua Garins Sampaio,
118 - S. Paulo
15. Ministro Joaquim de Sousa Leão
Filho ...................................... 15.12.1934 Rua República do Perú,
193 — Copacabana —
Tel. 37-2427 - Rio
16. Dr. Antônio Augusto Mendes
Correia .................................... 15.12.1934 Run do Moreira, 263 —
Pôrto — Portugal
17. Prof. Armando de Matos .......... 1 15.12.1934 I Rua São João da Fox
I do Douro — Portu-
I gal
— 507 —

Data de en­
Nome trada no Residência
Instituto

18. Almirante Carlas Viegas Gago


Coutinho ................................. 15.12.1934 Palace Hotel — Av.
Rio Braqco — Rio.
ou rua Esperança, 164
Lisboa — Portugal
19. Monsenhor Frederico Lttnardi .. 23. 5.1935 Honduras — America
Central
20. Enrique de Gandía .............. ... 4. 12.1935 Calle Charcas, 3.440 —
Buenos Aires
21. Desembargador Jo3ê de Mesquita 12. 5.1937 Cuiabá — Mato Grosso
22. Dr. Buenaventura Cavigiiz (hi­
jo) .......................................... 13. 4.1938 Calle Paraçuai. 1.291
— Montevidéu
23. Dom Henrique Pereira de Cer-
nache (conde de Campo Belo) 13. 4.1938 Vila Nova de Gaia —
Portugal
24. Desembargador Jorge Hurley .. 31. 5.1939 Av. Nazaré, 189 — Be-
Icm — Pará
25. Dr. Luís Norton de M ato s....... 31. 5.1939 Ministerio dos Estran-
geiros — Lisboa
25. Padre Serafim l.eilc. S .J. . . . 31. 5.1939 Rua São Clemente 226
— Rio - Tcl. 26.7555
27. Dr. Ernesto Sousa Campos ... 21. 8.1939 Rua Bela Cintra. 1.768
— S. Paulo
28. Dr. Auretiano Leite ................ 29. 9.1942 Rua Brigadeiro Luís
Antônio, 2.791 — São
Paulo, ou av. Prado
Júnior. 23, apto. 903
Tcl. 37-7019 — Río
29. João Fernando de Almeida Pra-
do ........................................... 27-12-1944 Av. Brigadeiro Luis
Antônio, 966 — São
Paulo

30. Dr. Luís Viana Filho ............... 27-12-1944 Faculdade de Direiro


de Salvador — Bahia
ou Av. Churchill, 60,
apto. 2 — Rio
— 508 —

D ata de en- |
Nome trada no Residência
Instituto

31. N éstor dos Santos L i m a ............. 27-12-1944 Instituto H istórico c


Geográfico do R. G.
do N o n e — Natal

32. P ro fe sso r V âltcr S p a ld in g ......... 23. 9.1945 Prefeitura Municipal


de Porto A legre —
R. G. do Sul

33. D r. Osvaldo R. Cabra! ............... 21.10.1946 Rua E steves Júnior,


138 — FlarianópoÜs
— Sam a C atarina

34. Dr. José P ed ro Leite Cordeiro 21.10.1946 A lam eda Jaú, 212 —
S. Paulo
35. D r. Jo sé Carlos de A taliba No-
guelra ............................................ 21.10.1946 C ám ara dos Depurados

36. Dr. Renato Costa de Almeida .. 13. 5.1947 Conde dr Irajá, 117 —
Rio

37. Dr. Renato Mendonça ................ 16.12.1947 Fernando El Sam o, 6


M adri — E sp a n ta
— E m baixada do
Brasil, ou Aníbal
Mendonça, 80 — Rio
28. M inistro O rlando G uerreiro de
C astro .......................................... 31. 8.1948 Rua Haddock Lobo, 220
ou Em baixada do
Brasil (P o rtu g a l)

39. Dr. A riosto Gonzales .............. 15. 8.1949

Sócios Honorários (50) — ( E )

D ata de en­
Nome trada no Residencia
Instituto

1. D r. Crncinato Cesar da Silva


B r.tna ............................................ I 28. 8.1895 l R ua das Laranjeiras,
| M _ río _ T elefo-
| ne 25-1320
— 509 —

Data de en- '


Nome Irada no | Residencia
I nstituto

2. Em baixador José M anuel C ar­


doso de Oliveira ....................... 22. 5.1903 Rúa General Dionisio,
M _ Rio _ T ele­
fone 26-1659

3. D r. N orival Soares de F re ita s.. 5.10-1908 | Rúa Sao José, 33 —


Rio - Tel. 22-6356,
ou Visconde de Ita-
borai, 474 — Niterói
— E. do Rio

4. H enry R. Lang ........................... 22. 6.1911 New York — Estados


Unidos da Am erica
do N orte
5. M inistro A taúlfo Nápoles de
Paiva ........................................... 6 . 6.1912 Rúa Valparaíso. 36 —
Rio — Tel. 28-0416
6. Francisco A genor de Noronha
Santos ......................................... 6. 6.1912 Av. A ntenor N avarro.
414 — B raz de Pina
— Rio

7. D r. A lberto Lamego ................. 28. 7.1914 R úa Gomes Carneiro,


161, apto. 201 — G>-
pacabana — Rio

8. P rofessor C arlos Delgado de


Carvalho ..................................... 6 . 8.1921 R ua Siqueira Campos,
7 — T el. 47-3611 —
Rio

9. M inistro Dom Diego Carbonell 20. 7.1923 C aracas Venezuela

10. D r. Dom P edro Dulanto .......... 18. 7.1927 | Lima — República do


• I P eru
11. Em baixador Luis M artins de
Sousa D antas ........................... 29. 6.1928 Em baixada do Brasil
— P aris — França

12. P rofessor P a u l Rivet ....................I 13. 9.1930 Rua Buffon, 61 —


— Paris

13. P a d re Paul Coulet. S . J ...........I 22. 6.1931 P aris

14. Dr. Joaquim Bensaúde ................| 22. 8.1931 Boulevard Fraud rin, 56
— P aris
— 510 —

D ata de en- I
Nome trnda no | Residência
Instituto ¡

15. M m isjro H u b ert K nipping ........ 22. 8.1931 ! W ahlhausen Linzers-


trasse. 3 — H anover
— Alemanha
16. Cardeal Dom Manuel Gonçalves i
Cerejeira ..................................... I 27.10.1934 P atriarcado — Lisboa

17. D r. Luis P asteu r V allery Radori 27. 8.1937 Faculdade de Medicina


de P a ris — França

18. D r. E lm ano C ardim ...................I 17.12.1937 Av. Portugal. 38 —


U rea — Tel. 26-5595
— R io
19. E m baixador M artin i» N obre de
Melo .............................................. 19.10.1935 Rua Joaquim Nabuco,
11, apto. 850 — Rio
20. General de Divisão Cándido
M ariano da Silva Rondon . . . 14. 4.1939 I .Av. Copacabana. 1.394
i 3,0 _ T c l . 27-2318
I — Rio
2 !. Professor Clarence H enry H a -|
ring ............................................... I 14. 4.1939 I U niversidade de Cam-
’ bridge, Mass. — E s-
I tados Unidos da
I Am erica do N orte
22. M inistro H erm enegildo Rodri-I
giles de B a r r o s ........................... 14. 4.1939 Rua H erm enegildo de
I Barros, 158 — Santa
I Tereza — Telefone
I 22-7113 — Rio

23. D r. Ju lio D antas ......................... 14. 4.1939 R u a Castilho, 30, 2.° —


Lisboa — Portugal
24. P ro fesso r N els Andrew Nélson
Cleven ....................................• - - 14. 4.1939 I Universidade de P itts-
! burg, Pensilvania —
I Estados Unidos da
I A m erica do N orte
I R ua Bela V ista — Pe-
25. D r. Tobias do R ego M onteiro .. 14. 4.1939
I trópolis

26. D r. E rnesto Lente ....................... 21. 8.1939 Rua T upi, 425 — São
I Paulo
27. Dr. W aldo G ifford Leland . . . . . 2 1 . 8.1939 I W ashington. D .C . —
I Estados Unidos
- 511 -

D a ta d e cn - |
N om e tr a d a n o 1 R e sid ê n cia
I n s titu to

28. E m b a ix a d o r D r. O sv ald o A ra n h a 1 5 .1 2 .1 9 3 9 ! R u a C a m p o B elo, 199


— L a r a n je ir a s — R io
— T e l. 25-1119

29. F r e i r e t i r o S in z ig ( O .F . M .) 1 5 .1 2 .1 9 3 9 C o n v e n to S a n to A n tô -
n io — L a r g o ¿ a C a ­
rio ca — R io
so. D r . M a n u e l A u g u s to P i r a j á da
S ilv a .................................................. 29 . IM O A la m e d a h u , 911 —
S S o P a u lo
S I. G e n e ra l E s te v ã o L e itã o d e C a r-
2*9. 9 .1 9 4 2 R u n U ru g u a i, 572 —
T i j u r a — R io — T e ­
le fo n e 38-0432

32. 2 9 . 9 .1 0 4 2 T a u b n té — S ã o P a u lo

33. R e v e re n d o Jo se p h F . T h o r a in g 2 9 . 9 .1 9 4 2 E m m its b u r g , M a ry la n d
E s t. U n id o s d a A m é ­
ric a d o N o rte
34. D o n i P e d r o d e O rle a n s e B ra -
2 9 . 9 .1 9 4 2 P a lá c io G rã o P a rá —
P e tr ó p o lis
35. C o n tra a lm ir a n te A u g u s tin H .
B e a u r e g a r d .................................... 9 . 7 .1 9 4 3 E m b a ix a d a N o rte a m e ­
r ic a n a — R io d e J a -
n c iro
.36. C a p itã o de m a r e g u e rr a A lv a ro
A lb e rto d a M o ta c S ilv a . . . 9 . 7 .1 9 4 3 R ú a B a r a ta R ib e iro , 560
— C o p a ca b an a — R io
T e L 27-4434

37. C o ro n e l L a u r e n io L a g o ................ 9 . 7 .1 9 4 3 R ú a D u m P e d r ito , 383,


a p to . 204 — Ixsblon
— R io d e J a n e ir o
38. C a p itã o de m a r c g u e r r a D id io
T ratin A fo n s o d a C o s ta ......... 2 ! . 12.1943 R u a A fo n s o P e n a , 10,
a p to . 604 — T e le fo n e
28-5272 — Rio
39. D e s e m b a rg a d o r J u liñ o R a n g el de
M a ce d o S o a re s ........................... 19. 5 .1 9 4 4 R u n S a n to A m a m , 21
- T c l. 2 5 4 0 7 0 —
R io
40. C a rd e a l D o m J a im e de B a rro s
5 . 9 .1 9 4 4 P a lá c io A rq u iep is co p a l
— R u a G ló ria . 1O» —
T c l. 42-0551 - R io
— 512

Nom e tra c k no I Residência


i In s titu to I
I

41. M in is tro H e ito r L ir a .................. I 9 . 7.1945 Em baixada do B ra s il


em Copenltaguc —
D inam arca
42. A lm ira n te A lv a ro Rodrigues d.ej
Vasconcelos ............................... 28. 9.1945 A v . P o rtug al, 102 —
T e l. 26-1593 — Ü rc a
— R io
43. A lm ira n te Jorg e Dods w o rth
M a r tin s ....................................... 17.12.1945 A v . A tlâ n tic a , 950 —
Copacabana — R io

44. F re i B a s ilio R ow e r ( O .F .M .) 13. 5.1947 Convento de Santo A n -


tô n io — L a rg o da
C arioca — R io

45. D r. H a ro ld o T e ix e ira V a lad ão 13. 5.1947 P raça 15 de N ovem bro,


20, S.° — R io

46. D r. A fo n s o Bandeira de M elo 13. 5.1947 Rua Senador V e rg u e i­


ro, 45 — R io
47. M in is tro A d ro a ld o M esquita da
Costa ........................................... 31. 8.1948 Visconde de Caravelas,
55 — B o ta fo g o —
R io de Janeiro

48. P rofesso r Agnelci B itte n c o u rt . . 31. 8.1948 J a rd im Botânico, 228,


49. C apitão de m ar c g u e rra L u ís de apto. 7 — R io
O liv e ira Belo .. ..........................
31. 8.1948 Palm eiras, 80 — R io
50. Senador A lo ís io de C arvalh o F i ­
lho .................................................. 31. 8.1949 A v . C h u rc h ill, 60. ap ar­
tam ento 42

R E L A Ç A O C R O N O L Ó G IC A

D ata de en­
N om e tra d a no Classe atual
In s titu to

1. A lfr e d o do N ascim ento c S ilva 12.12.1890 G rande fc n e m é rito c


2.° vice-presidente
2. C incinato César da S ilva Braga 25. 8.1895 H o n o rá rio
3. Nelson Coelho de Sena .......... 23 . 8.1901 B enem érito
— 513 —

Data de en-
Nome ira d a no Classe atual
Instituto

4. Jo sé Manuel C ardoso de Oli­


veira ............................................. 2 2 . 5.1903 H onorário
5. Jo sé Feliciano de O lh e ira ........ 19. 2.1904 Correspondente
6. Manuel Cicero Peregrino da
Silva ............................................. 21. 7.1905 G rande benemérito
7. A ugusto Tavares de L ira . . . . 16. 9.1907 G rande benemérito c
l.° vice-presidente
8. N orival Soares de F reitas . . . . 5.10.1908 H onorário
>. H enry R. Lang ......................... 22. 6.1911 H onorário
JO. Jo sé Bonifacio de A ndrada e
Silva ............................................. 15. 7.1911 Efetivo
11. Francisco R adler de A quino . .. . 26. 8.1911 Benem érito c tesoureiro
12. A fonso d ’E. T aunav .................. 2 . 9.1911 Benemérito
13. W ashington L uís P e re ira de
Sousa ........................................... 4. 5.1912 Correspondente c pre­
sidente honorário
14. A taúlfo, N ápoles de Paiva ........ 6. 6.1912 H onorário
15. Francisco Agenor de Noronha
Santos .......................................... 6. 6.1912 H onorário
16. H élio Lobo ................................... 6. 7.1912 Efetivo
17. A lfred o Valadao .......................... 19. 7.1912 Benemérito
18. Raul Tavares ................................. 23. 7.1912 Benemérito
19. Eugênio de A ndrada E g a s ........ 28.. 7.1913 Correspondente
20. Fidcltno de Figueiredo .............. 28. 7.1913 Correspondente
J l. E dgar Roquete Pinto ................ 4. .8.1913 E fetivo
22. A lberto Lanicgo ......................... 28. 7.1914 H onorário
23. Basilio de Magalhães ................. 27. 8.1914 G rande tenem ent o
24. M ário Carneiro do R ego Melo 31. 5.1917 Correspondente
25. T hiers Fleming ........... ............. 10. 7.191S Efetivo
26. C arlos D elgado de C arvalho . . . 6. 8.1921 H onorário
27. C arlos da Silveira C arneiro . . . 6. 8.1921 Benemérito
28. Eugênio Vilhena de M orais . . . 6. 8.1921 Efetivo
Jo sé Carlos de Macedo Soares . 6. 8.1921 Grande lícnemcrito c
presidente perpetuo
30. Diego Carbuncll ........................... 20. 7.1923 H onorário
31. Francisco José de O liveira Viana] 18. 6.1924 Benemérito
32. Dnm Francisco de .Aquino C or­
reia ............................................... 10. 7.1926 Benemérito
33. Pedro D ulanto ............................. 18. 7.1927 H onorário
34.. Luís M anins de Sousa Dantas .. 26. 6.1928 H onorário
35. R icardo Lcvene ........................... 1. 1.1928 Benemérito
36. Paul Rivet ..................................... 13. 9.1930 H onorário
37. Sílvio Range! de C astro .......... 13. 9.1930 Correspondente
3 8. Paul Coulet ................................. 22. 8.1931 1lonorârio
39. Joaquim Bençtaúde ....................... 22. 8.1931 H onorário
4(1. A ntônio Leoncio Pereira Ferraz 22. 8.1931 Efetivo
41. Carlos Magalhães de A zeredo . . 22. 8.1931 Correspondente
— 514 —

Data de en­
Noun* trada no Classe atual
Instituto

42. D jalm a Forjax ............................. 22. 8.1931 Correspondente


43. Fem ando Luis V ieira Ferreira. 22 . 8.1931 Efetivo
44. Gustavo B arroso ........................... 22. 8.1931 Efetivo
45. H enrique C arneiro Leão T ei­
xeira Filho ................................. 22. 8.1931 Efetivo
46. H ildebrando Accióli ..................... 22 . 8.1931 Correspondente
47. H u b ert K n íp p in g ........................... 22. 8.1931 H onorário
48. José Vandcrlci de A raújo P i­
nho ............................. . ................ 22 . 8.1931 Benemérito c 3.” vice-
presidente
49. T^evi Fernandes C arneiro ........... 22. 8.1931 Efetivo
50. Lucas A lexandre Boiteux . . . . 22. 8.1931 Efetivo
5 !. Luís Felipe Vieira Souto .......... 22. 8.1031 E fetivo
52. Manuel Tavares Cavalcanti . . . . 22. S.1931 Efetivo
53. O távio T arquínio de Sousa . . . 22. 8.1931 E fetivo
54. P edro Cainion Moniz de Bitten­
court ............................................. 22. S.1931 Benem érito — orador
55. Rodrigo O távio de Langgaard
Menezes Filho ........................... 22. 8.1931 Efetivo
56. V irgílio C orrea F i l h o ................... ¿2. 8.1931 Benemérito — 1.* sccrc-
târio
57. A lexandre José B arbosa Lima
S o b r in h o ....................................... 22. 8.1931 E fetivo
58. A rgeu de Segadas Machado Gui
m araes .......................................... 30. 7.1934 ( ?orrcsi>ondcntc
59. Caio ele Melo F ranc,...................... 30. 7.1034 Correspondente
60. Luis da Câm ara Cascudo .......... 30. 7.1034 Correspondente
61. Luís E nrique A zaróla Gil . . . . 30. 7.1934 Correspondente
62. Manuel Gonçalves C erejeira . . . 27.10.1934 H onorário
63. A ntonio A ugusto M endes Cor-
15.12.1934 Correspondente
64. Arm ando de M atos ..................... 15.12.1934 Correspondente
65. C arlos Viegas Gago Çoutiuho .. 15.12.1934 Correspondente
66. Joaquim de Sousa LeSti Filho .. 15.12.1934 Correspondente
67. Vicente de Pau la Vicente de
Azevedo ....................................... 15.12.1934 Correspondente
68. Frederico L u n n rd i......................... 28. 5.1935 Correspondente
09. A rtu r C ésar F e rre ira R e i s ........ 4.12.1930 Efetivo
70. Enrique de Gandía ....................... 4.12.1936 Correspondente
71. H erbert C am b arro R eichardt . . 12. 5.1937 E fetivo
72. José de M o sq u ita ........................... 12. 5.1937 Correspondente
73. Leopoldo A ntonio Feijó B itten-
court .............................................. 12. 5.1937 Benemérito — 2.° se-
cretâ ri n
74. Luís Pasteur V allery Rádírt . . . 27. 8.1037 H onorário
75. Elmano C ardim ........................... 17.12.1937 H onorário
76. Buenaventura Caviglia (h ijo ) . . 13. 4.19.18 Correspondente
— 515 —

Data dc en­
Nome trada no Classe atual
Instituto

71. Henrique Pereira de Cernacho


(conde de Campo Belo) ....... 13. 4.1938 Correspondente
n. Martinho Nobre de Melo ....... 19.10.193» i lonorário
79. Cándido Mariano da Silva Ron­
don .......................................... 14. 4.1939 Honorário
80. Clarence Henrv Haring ........... 14. 4.1939 Honorário
81. Hermenegildo Rodrigues de Bar­
ros ........................................... 14 4.1939 Honorário
82. Júlio Dantas ............................... 14. 4.1939 Honorário
83. Nels Andrew Nelson Claven .. 14 4.1939 Honorário
84. Tobias do Rêgo Monteiro ....... 14. 4.1939 Honorário
85. Alcindo Sodré ........................... 31. 5.1939 Efetivo
86. Edmundo da Luz P in to ............. 31. 5.1939 Efetivo
87. Jorge Hurley ............................. 31. 5.1939 Correspondente
88. José Luis Batista ...................... 31. 5.1939 Efetivo
89. Luis Norton de Matos ............ 31. 5.1939 Corresjiondentc
90. Serafim L eite............................. 31. 5.1939 Correspondente
91. Ernesto Leme ........................... 21. 8.1939 Honorário
92. Ernesto de Sousa C am pos....... 21. 8.1939 Correspondente
93. Va!df> Gilford Leland ............... 21. 8.19.59 Honorário
94. Cláudio Ganns ......................... 15.12.1939 Benemérito
95. Osvaldo A ran h a......................... 15.12.1939 Honorário
96. 15.12.1939 Honorário
97. Cristóvão Leite de Castro ....... 26. 6.1940 Efetivo
98. Manuel Augusto Pirajá da Silva 29. 6.1940 Honorário
99. Rubem Rosa ............................. 29. 5.1941 Efetivo
100. Aurcliano Leite ....................... 29. 5 1942 Correspondente
101. Estêvão Leitão de Carvalho . . . . 29. 9.1942 Honorário
102. Félix G uisard............................. 29. 9.1942 Honorário
103. Joseph F. Thorning .................. 29. 9.1942 Honorário
104. Pedro de Orleans e Bragança .. 29 . 9.1942 Honorário
105. Augustin T. Beauregard ......... 9. 7.1943 Honorário
106. Alvaro Alberto da Mota c Silva 9. 7.1943 Honorário
107. João Martins de Carvalho Mou-
rão .................................. ... 9. 7.1943 .Efetivo
108. Laurénio L a g o ........................... 9. 7.1943 Honorário
109. Rodrigo Melo Franco de An­
drade ...................................... 9. 7.1943 Efetivo
HO. Didio Iratin Afonso da Costa .. 21.12.1943 Honorário
111. Juliao Rangel de Macedo Soares 19. 5.1944 Honorário
112. Pedro de Alcântara Cavalcanti
de Albuquerque ...................... 19. 5.1944 Efetivo
113. Jaime de Barros Câmara ......... 5. 9.1944 Honorário
114. Francisco Marques dos Santos . i l . 10.1944 Efetivo
115. Helio Viruta ............................... 27.12.1944 Efetivo
116. Mário Augusto Teixeira de
Freitas .................................... 27.12.1944 Efetivo
— 516 —

Data de en­
Nome trada no Classe atual
Instituto

117. João Fernando de Almeida Prado 27.12.1944 Correspondente


118. Luis Viana Filho ...................... 27.12.1944 Correspondente
119. Nestor dos Santos Lima ......... 27.12.1944 Correspondente
120. Heitor Lira ............................... o. 7.1945 Honorário
121. Américo Jacobina Lacombe . . . . 28. 9.1945 Efetivo
122. Alvaro Rodrigues de Vascon­
celos ................ ....................... 28. 9.1945 Honorário
123. Válter Spalding .......................... 28. 9.1945 Correspondente
Jorge Dodsworth M artins ....... 17.12.1945 Honorário
125. Valent im Bcnicio da Silva ....... 17.12.1945 Efetivo
126. Osvaldo R. Cabral .................. 21.10.1946 Correspondente
127. José Pedro Leite Cordeiro . . . . 21.10.1946 Correspondente
128. José Carlos de Ataliba Nogueira 21.10.1946 Correspondente
129. Afonso Costa ........................... 13. 3.1947 Efetivo
130. Renato Costa de Almeida ........ 13. 5.1947 Correspondente
131. Frei Basilio Rower ( O . F . M . ) 13. 5.1947 Honorário
132. ITaroldo Teixeira Valadao . . . . 13. 5.1947 Honorário
133. Afonso Toledo Bandeira de Melo 13. 5.1947 Honorário
134. Renato Mendonça ...................... 16.12.1947 Correspondente
135. Joan Batista Magalhães ......... 16.12.1947 Efetivo
136. Fernando Raja Gabaglia ......... 31. 8.1948 Efetivo
137. José Honorio Rodrigues ......... 31. 8.1948 Efetivo
138. Adroaldo Mesquita da Costa . . . 31. 8.1948 Honorário
139. Orlando Guerreiro de Castro . . . 31. 8.1948 Correspondente
140. Agnelo Bittencourt .................... 31. 8.1948 Honorário
141. Luis de Oliveira Belo ............... 31. 8.1948 Honorário
142. A dolfo Morales de los Rios F i­
lho ....... ....................................... 31. 8-1948 E fetivo
143. Afonso Pena Júnior .................. 15. 8.1949 Efetivo
144. Aloísio de Carvalho Filho ....... 15. 8.1040 Honorário
145. Afonso Arinos de Melo Franco 15. 8.1949 Efetivo
146. Francisco Mozart do Rego Mon­
teiro ........................................ 15. 8.1949 Efetivo
147. Manuel Xavier de Vasconcelos
Pedrosa .................................. . 15. 8.1940 Efetivo
148. Ariosto Gonzales ...................... 15. 8.1949 Correspondente

ORDEM ALFABÉTICA

A cioli (Hildebrando) — Correspondente


A lbuquerque (Pedro dc Alcântara Cavalcanti de) — Efetivo.
A lmeida (Renato Costa dc) — Correspondente
A ndrade (Rodrigo Melo Franco dc) — Efetivo
A quino (Francisco Radlcr dc) — Benemérito
A ranha (Osvaldo) — Honorário
Axr.RU'ü (Carlos Magalhães de) — Correspondente
A zevedo (Vicente de Paula Vicente de) — Correspondente
Batista (José Luís) — Efetivo
Barros (Hermenegildo Rodrigues de) — Honorário
Barroso (Gustavo) — Efetivo
Beauregard (Augustin T .) — Honorário
Bello (L uís de Oliveira) — Honorário
Bensaude (Joaquim) — Honorário
Bittencourt (Agnelo) — Honorário
Bittencourt (Leopoldo Antônio Feijó) — Benemérito. 2.® secretário
Boiteux (Lucas Alexandre) — Efetivo
Braca (Cincinato César da Silva) — Honorário
Bragança (Pedro de Orleans e) — Honorário
Cabral (Osvaldo R.) — Correspondente
Calmos (Pedro Calmen Moniz de Bittencourt) — Benemérito, orador
Câmara (Dom Jaime de Barros) — Honorário
Cameos (Ernesto de Sousa) — Correspondente
Cardonell (Diego) — Honorário
Cafclhm (Elmanô) — Honorário
Carneiro (Carlos da Silveira) — Benemérito
Carneiro (Lcvi Fernandes) — Efetivo
Carvalho F ilho (Aloisia de) — Honorária
Carvalho (Carlos Delgado de) — Honorário
C arvalho (Estevão Ixitão de) — Honorário
Cascudo (L uís da Cámara) — Correspondente
Castro (Cristóvão Leite de) — Efetivo
Castro (Orlando Guerreiro dc) — CorrcsiKmdcntc
Castro (Sílvio Rangel dc) — Corrcsjiondcntc
Cavalcanti (Manuel Tavares) — Efetivo
Caviglia (hijo) (Buenaventura) — Correspondente
Cf.rejf.ira (Dom Manuel Gonçalves) — Honorário
Cernache (Henrique Pereira dc) (Conde de Campo Belo) — Corres
pendente
Claven (Nels Andrew Nelson) — Honorario
Cordeiro (Jose Pedro Leite) — Correspondente
Correia (Antonio Augusto Mendes) — Correspondente
Correja (Dom Francisco de Aquino) — Benemérito
Corrêa F ilho ( Virgilio) — Benemérito — 1." Secretario
Costa (Adroaldo Mesquita da) — Honorario
Costa (Afonso) — Efetivo
Costa (Didio Iratim Afonso da) — Honorário
Coulet (Padre Paul) — Honorário
Coutinho (Garlos Víegas Gago) — Correspondente
Dantas (Júlio) — Honorário
D antas (Luís Martins de Sousa) — Honorário
DULANTO (Pedro) — Honorário
E gas (Eugênio de Andrada) — Correspondente
F erraz (Antonia Leoncio Pereira) — Efetivo
F erreira (Fernando Luís Vieira) — Efetivo
F igueiredo (Fidelino dc) — Correspondente
F leming (Thicrs) — Efetivo
F orjaz (D jalma) —• Correspondente
— 518 —

F ranco (Afonso Arino» de M elo) — Efetivo


F ranco (Caio de Melo) — Correspondente
F reitas (M ário Augusto Teixeira de) — Efetivo
F reitas (N orival Soares de) — Honorário
Ga Ba c u a (Fernando Raja) — Efetivo
Gandía (Enrique de) — Correspondente
Ganns (Cláudio) — Efetivo
G il ( L uís Henrique de Azaróla) — Correspondente
Gonzales (A riosto) — Correspondente
G uimarães (A rgeu de Segadas Machado) — Correspondente
G uisar » (F é lix ) — Honorario
H aring (Clarence Henry) — Honorário
H urley (Jorge) — Correspondente
K nipfing (H ubert) — Honorario
L acombe (Américo Lourenço Jacobina) — Efetivo
L ago (Laurénio; — Honor&rtu
L am ego ( Alberto) — Honorário
L ang (H enry R.) — Honorário
L eão F ilh o (Joaquim de Sousa) — Correspondente
L eite (Aureliano) — Correspondente
L eite (Padre Serafim) — Correspondente
L eland (Valdo G iffo rd ) — Honorário
L eme (Ernesto) — Honorário
L evene (Ricardo) — Benemérito
L im a (Nestor dos Santos) — Correspondente
L im a So m in h o (Alexandre José Barbosa) — Eíctivo
L ira (Augusto Tavares de) Grande benemérito e l.° vice-presidente
L ira (H e ito r) — Honorário
L odo (H élio) — Efetivo
L unardi (Monsenhor Frederico) — Correspondente
M agalhães (Basilio de) — Grande benemérito
M agalhães (Joâo Batista) — Efetivo
M artins (Jorge Dodsworth) — Honorário
M atos ( L uís Norton de) — Correspondente
M ello (Afonso Bandeira de) — Honorário
M elo (M ário Carneiro do Rego) — Correspondente
M elo (M artinho Nobre de) — Honorário
M endonça (Renato) — Correspondente
¡Meneses F ilhc » (Rodrigo Otávio de Langgaard) — Efetivo
M esquita (José de) — Correspondente
M onteiro (Francisco M oíart do Rego) — Efetivo
M onteiro (Tobias do Régo) — Honorário
M orais (Eugênio Vilhcna de) — E fetivo
M orales de los R ios F ilho (A dolfo) — Eíctivo
M ourÃo (João Martins de Carvalho) — Efetivo
N ogueira (José Carlos de Ataliba) — Correspondente
O liveira (José Feliciano de) — Correspondente
O liveira (José Manuel Cardoso de) — Honorário
P aiva (A taúlfo Nápoles de) — Honorário
Pedrosa (Manuel Xavier de Vasconcelos) —- E fetivo
P e n n a J unior (A fonso) — Efetivo
P in h o (José Vanderlci de A raújo) — Benemérito e 3? vice-presidente
P into (Edgar Roquete) — Efetivo
— 519 —

P into (Edmundo da Luz) — Efetivo


P rado (João Fernando de Almeida) — Correspondente
Radot (Luis Pasteur Vallery) — Honorario
Reichardt (Herbert Canabarro) — Eletivo
Reis (Artur César Ferreira) — Efetivo
R ivet (Paul) — Honorário
R odrigues (José Honório) — Efetivo
Rondon (Cândido Mariano da Silva) — Honorario
Rosa (Ruben) — Efetivo
R ower (O .F .M .) (Frei Basilio) — Honorario
S antos (Francisco Agenor de Noronha) — Honorario
S antos (Francisco Marques dos) — Efetivo
S enna ( Nelson Coelho de) — Benemérito
S ilva (Alfredo du Nascimento) — Grande benemérito, 2.° vice-presidente
S ilva (Alvaro Alberto da Mota e) — Honorario
S ilva (José Bonifacio de Andrada c) — Efetivo
S ilva (Manuel Cícero Peregrino da) — Grande benemérito
SILVA (Manuel Pírajá da) — Honorario
S ilva (Valentín» Benicio da) — Efetivo
S inzig (Frei Pedro) — Honorario
Soares (José Carlos de Macedo) — Grande benemérito, presidente per­
petuo
Soares (Julião Rangel de Macedo) — Honorário
SODRi: (Alelado) — Efetivo
Sousa (Otávio Tarquín» de) — Efetivo
S ousa (Washington Luís Pereira de) — Correspondente
Souto (L uís Felipe Vieira) — Efetivo
S palding (W alter) — Correspondents
T aunnay (Afonso d'Escragnollc) — Benemérito
T avares (Raul) — Benemérito
T eixeira F ilho (Henrique Cameiro Lefio) — Efetivo
T horning (Reverendo Joseph F.) — Honorário
V alladão (Alfredo) — Benemérito
V aladÂo (Haroldo Teixeira) — Honorário
V asconcelos (Alvaro Rodrigues de.) — Horwsrârio
V ianá (Francisco José de Oliveira) — Benemérito
V iana (Hélio) — Efetivo
V iana F ilho (L uís) — Correspondente

SÓCIOS FALECIDOS EM 1949

Ministro Bernardino José de Sousa — Eleito sócio correspondente cm


6-8-1921, transferido para a classe de efetivo cm 12-5-1937 e para benemérito
<-m 23-8-1944 Nasceu no Engenho Mirta. município de Vila Cristina, estado
de Sergipe. Faleceu no Rio de Janeiro, a 11 de janeiro de 1949.
Braz Hermenegildo do Amaral — Eleito sócio correspondente cm 26-6-1911,
passou para benemérito em 4-12-1936. Falecido a 2 de fevereiro de 1949, no
Rio de Janeiro.
Coronel Henrique de Campos Ferreira Lima — Eleito sócio correspondente
cm 13 de abril de 1938 Faleceu em Lisboa, a 30 de julho de 1949.
Dr. Estêvão de Mendonça — Eleito sócio correspondente a 22 de agosto
de 1931. Faleceu cm Cuiabá, em novembro de 1949.
— 520 —

ADMITIDOS

I Data de cn-
Nome ; trada nu Classe atual
! Instituto

I
Dr. Afonso Pena Júnior .................... 15. 8.1949 Efetivo

Professor Francisco Mozart da Rêgo


Monteiro ............................................ 15. 8.1949 Efetivo
Dr. Manuel Xavier de Vasconcelos Pe­
drosa ................................................. 15. 8.1949 Efetivo
Dr. Ariosto Gonzalez 15. 8.1049 Correspondente
Senador Aloisio de Carvalho Filho .. 15. 8.1949 Honorário
Dr. Afonso Arinos de Melo Franco .. 15. 8.1949 Efetivo

TRANSFERIDOS PARA BENEMERITOS


Dr. Leopoldo Antônio Fcijó Bittencourt
Dr. Claudia Ganns
ÍNDICE DA REVISTA N.u 205

O u tu b ro -D e z e m b ro d e 1949

PáffS.
I — Curso Rui Barbosa, promovido pelo Instituto Histórico e Geo­
gráfico Brasileiro.
1) Instalação solene do Curso — Discurso do Eml>aixador José
Carlos de Macedo Soares. Dia 28 de setembro
Rui c as Instituições nacionais, pelo orador oficial do Instituto
Histórico professor Pedro Calmou ............................................ 3
2) Rui c o folclore — Professor Joaquim Ribeiro. Dia 4 dc
outuhrc............................................ 8
3) Rui e a história política do Impfrio e da República — Professor
Américo Jacobina Lacombe. Dia 25 de outubro ........................ 21
4) Rui, homem dc letras — Doutor Rodrigo Otávio Filho. Dia
28 de outubro .................................................................................. 35
5) Rui e os escritos religiosos — Professor Mário Pena da Rocha
Dia 31 de outubro ....................................................................... 51
6) Rui e a Marinha Nacional — Capitão de mar c guerra Carlos
da Silveira Carneiro. Dia 8 de novembro ............................. 67
7) Rui na intimidade; a casa da rua S . Clemente — Deputado
Edgard Batista Pereira. Dia 14 dc novembro ........................... 110
8! Rui parlamentar — Senador Aloísio dc Carvalho. Dia 22 dc
novembro ....................................................................................... 132
9) Benemerencia de Rui — Acadêmico Levi Carneiro. Dia 6 de
dezembro .................. 3.................................................................... 145

II — Publicações a respeito de Rui Barbosa.


10) Rui e a mocidade. Embaixador José Carlos de Macedo Soares. 160
11) Rui Barbosa e o Tribunal de Contas. Ministro Ruben Rosa.. 168
12) A Geografia na obra de Rui Barbosa. Virgílio Corrêa Filho... 173
13) Rui c a educação. Ministro Clemente M aria n i............................. 187
— 522 —

I I I — Retificações
P àg s.
14) M useu e conservação de obras de arquitetura cttr O uro P rêtu.
Rodolfo de Melo Franca de A ndrada ............................................. 203
15) Evolução do ensino de engenharia e arquitetura .............................. 207

IV — Trabalhos transcritos.

16) Apontam entos cronológicos da provincia dc M ato Grosso, pelo


B arão de Melgaço ..................................................................................... 208
17) Alexandre Rodrigues Ferreira e o Instituto H istórico. V irgílio
C orrêa Filho ........................................................................................... «386
18) E stevão M endonça. V irgilio C orrêa Filho ............................... 395

V — Instituições do R io de Janeiro Colonial.

19) Os quadrilheiras. Lopes Gonçalves .................................................. 401

V ! — Critica de livros.

20) H istória da literatura baiana dc P edra C alm en. F eijó Bitcn-


c o u r t ................................................................................................................ 412

V II — A tividades culturais do Instituto H istórico.

21) Relatório do P rim eiro Secretário Dr. V irgilio Corrêa F ilh o ... 437
22) Oração do S r . Pedro Calman ( N a sessão magna dc 21-10-49) 448
23) A tas dns sessões .................................. 459
24) Noticiário ..................................................................................................... 485
25) Publicações recebidas ............ 490
26) E statística ............................................................... 498
27) L ista de Sócios ......................................................................................... 499
Departamento de Imprensa Nacional
R io de J a n e iro - B r a s il - 19 5 2
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO

COMISSÕES PERMANENTES EM 1948-1949

Leão Teixeira Filha


Basilio de Magalhães
H istória : F eijô Bittencourt
Canabarro Reichardt
Valentim Be nieto da Silva

Carvalho Mourão
Tavares Cavalcanti
F undos e O rçamentos: . . . Oliveira Vianna
M . A . Teixeira de Freitas
Cristóvão Leite de Castre

R aul Tavares
Radler de Aquino
G eografia : ............................... Carlos da Silveira Carneirc
Virgílio Corrêa Filha
Lucas Boiteux.

Rodolfo Garcia
Alcindo S o d rí
A rqueologia e E tnografía : Roquete Pinto
José Luís Balista
Gustavo Barroso.

Rodrigo Otávio Filho

Bibliografía : .........................
Vieira Ferreira
Eugênio Vilhena de Morais

Levi Carneiro
Costa Ferreira
E statutos : ............................. IV and erley Pinho.
Pedro Cabnon
Edmundo da Lua Pinto.

A lfredo Ras, intento e Silvo


A ugusto Tavares de Lyra
A dmissão de S ócios : .. A lfredo Valadão

1Cláudio Ganns

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