Futuro Ou Ilusão - Psicanálise, Religião e Mística
Futuro Ou Ilusão - Psicanálise, Religião e Mística
Futuro Ou Ilusão - Psicanálise, Religião e Mística
FUTURO OU ILUSO?
PSICANLISE, RELIGIO E MSTICA
Braslia
2012
MARCOS CELSO PRADO SANTANA
FUTURO OU ILUSO?
PSICANLISE, RELIGIO E MSTICA
Braslia
2012
MARCOS CELSO PRADO SANTANA
FUTURO OU ILUSO?
PSICANLISE, RELIGIO E MSTICA
Banca Examinadora
_________________________________________________
Prof. Dr. Nome completo
_________________________________________________
Prof. Dr. Nome completo
Para Bernardo e Arthur, filhos amados.
AGRADECIMENTO(S)
Agradeo a minha esposa por toda pacincia, pelo amor e apoio que me
Agradeo aos meus filhos por serem a fonte de inspirao e fora que
so.
professora Ana Velia pela orientao e apoio, ao professor Gilson pela solicitude e
agradvel.
Ora Moiss, apascentando o rebanho de Jetro,
seu sogro, sacerdote de Midi, levou o rebanho
para trs do deserto e veio a Horebe, monte de
Deus. Apareceu-lhe o anjo de Jeov numa chama
de fogo do meio duma sara; Moiss olhou, e eis
que a sara ardia no fogo, e a sara no se
consumia. Disse, pois: Voltar-me-ei e verei esta
grande viso, porque no se queima a sara.
Vendo Jeov que ele se voltou para ver, do meio
da sara chamou-o Deus e disse: Moiss, Moiss!
Respondeu ele: Eis-me aqui. Deus continuou: No
te chegues para c; tira as sandlias dos ps,
porque o lugar em que tu ests terra santa.
Disse-lhe mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus
de Abrao, o Deus de Isaque e o Deus de Jac.
Moiss escondeu o rosto, pois teve medo de olhar
para Deus.
This work analyses the concept of religion in the work of Sigmund Freud
and the concept of mystic in Wilfred Bions work. It was done by literature research of
the freudian and bionian work, as well as the reviewers of these two scholars. It
seeks to analyze the concepts of religion and mystic throughout history, enhancing
christians religion and mystic, drawing a parallel between Freud's psychoanalytic
theorization of religion and the one that Bion does of mystic, believing that between
these two scholars are strong similarities concerning their vision about religion and
mystic concepts. Its observed that these contributions may help us break paradigms
regarding the way psychoanalysis understands religion and mystic. Its understood
that both religion and mystic may support psychoanalytic knowledge in its
development as science.
INTRODUO ______ 09
CONCLUSO ______ 38
REFERNCIAS ______ 40
9
INTRODUO
qual vivemos, onde a religio obtm cada vez mais fora, seja no cenrio social,
maneira explcita sua opinio pessoal a respeito da religio, e Wilfred Bion, o qual
de mstica. Enquanto muitos acreditam que a religio tem sido rechaada por Freud
analisada.
da religio. No terceiro captulo ser nosso objeto de estudo a relao de Bion com a
Freud submeteu o estudo da religio tem sido utilizada de forma errnea por alguns
defendia que tal posio era parte de sua posio pessoal. Afirmou Freud, a respeito
tema que deva ser considerado como finalizado, mas como um tema aberto a
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contemporaneidade.
12
1 RELIGIO E MSTICA
de oferecer uma definio do que seja a religio, Gaarder, Hellern e Notaker (2005,
uma importante via de compreenso para que se entenda de forma mais ampla o
fenmeno religioso
seja em Deus enquanto pessoa, seja em Deus enquanto uma fora impessoal que
atua na vida dos que nele creem, a religio diz respeito forma de relao do
homem todo com um ente a ele superior. Nessa relao ser buscada a ligao, o
contato com este ser e a compreenso deste ser por meio de ritos, dogmas, tradio
escrita ou oral.
mstico procura o contato com o ser divino, ele a evita, num movimento de temor
Cristo. Essa ao de chegar mais prximo a Cristo vai se dar finalmente de forma
comporta em si uma diferena das religies nas quais o acesso a Deus se dar na
maioria das vezes atravs de prticas estabelecidas para todo um grupo. Na mstica
mstico que atravs de uma determinada prtica buscar aproximar-se daquilo que
aspecto individual do praticante, do sujeito mstico. Capra (2000, p. 35) salienta que
a experincia mstica oriental pode ser definida como um insight direto, situado
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aspectos que podem ser melhor compreendidos ao se focar mais a experincia que
a racionalizao, mais o ser do que o ter. Sobre esse aspecto, tambm nos
esclarece Fries (1970, p. 322-325) que a mstica pode ser melhor compreendida
Fundamento divino do ser do mundo, escondido e velado nos ritos, nos mitos e nos
mstica no para todos, mas apenas para aqueles que so mystes (iniciados) nos
todos.
qual est inserido, o mistrio de sua existncia e de sua ligao ou religao com o
divino. A tentativa de ligar ou religar o homem a Deus uma das mais altas
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aspiraes do homem. Mas para muitos essa tentativa significa apenas uma iluso,
uma volta ao passado da infncia onde o indivduo ainda no tinha seu acesso ao
prazer barrado por uma instncia castradora, limitante, da ordem da lei. Para outros
essa aspirao humana pode servir como smbolo de uma busca de si mesmo, de
2 FREUD E A RELIGIO
conta dos escritos de Sigmund Freud (1856 - 1939), mdico austraco criador da
psicanlise. Seus textos que versam sobre religio causaram grande impacto na
confunde com a prpria histria da busca humana pela proximidade com Deus.
por meio dos judeus e para eles que a maior parte do Velho Testamento existe, e
tem sido esse livro ou coletnea de livros o grande responsvel pela formao
est presente na vida de Freud desde sua infncia. No lar de Freud, havia o que
encontra-se com ela sempre se confessou ateu. Entretanto, sabe que h muita
gente que a tem; h inclusive, no div, muitos pacientes com experincia religiosa.
seres humanos no so criaturas nas quais h algum tipo de bondade inerente. Pelo
simples fato de que os seres humanos no querem a paz e a harmonia uns com os
outros. Estupro, homicidio, negligncia, violncia dos filhos contra os pais e dos pais
aparncia de paz e harmonia serve apenas para disfarar essa tendncia, esta fora
pulsional que move os seres humanos no sentido da livre e total satisfao, do pleno
prazer, ainda que este s possa ser obtido atravs do sofrimento ou at mesmo da
morte do outro. O outro s interessa enquanto posso ter algum benefcio prprio por
prazer.
conviver? Como conseguir que seres que enxergam seus semelhantes como, nas
dominado por certo patriarca que impe severas restries a seus filhos, como o
acesso s mulheres. Tirano, tal patriarca acaba por ser assassinado por seus filhos,
como o pai, o qual, embora temido, tambm era em certo grau admirado, os filhos,
pai. Mais tarde, porm, aps o acesso a tudo que os rebeldes mais desejavam ter-
convivncia pacfica em que um grupo social interage entre si tendo em seu ncleo
regra social origina-se no relacionamento familiar. Ou seja, de acordo com esse mito
proposto por Freud, Deus (patriarca) formado a partir da experincia de todo ser
humano (filhos) com seu prprio pai, constituindo assim o ncleo das religies
monotestas. Essa primeira experincia estudada por Freud no que ele denominou
de dipo se resume nos sentimentos amorosos que um filho nutre por sua me, a
e os sentimentos hostis em relao ao pai, o qual visto como aquele que barra o
acesso, que provoca o interdito, a barreira, o limite frente total fruio dos prazeres
complexo de dipo com a religio afirmando que o complexo de dipo o solo para
carinho, visto que nem todas as mes amamentam e so carinhosas, isto quando
esto de fato presentes, pelo menos a lembrana do calor uterino. Neste momento
a complementaridade entre dois seres era to grande que no havia fora e dentro,
barrada, e seu acesso jamais ser o que era. Mas permanece no homem a
lembrana do que um dia foi, e em sua fantasia, em seu desejo almeja retornar ao
estado primevo.
1
O termo Hilflosigkeit carregado de intensidade, expressa um estado prximo do desespero e do trauma. Esse
estado semelhante quele vivido pelo beb, o qual, aps o nascimento incapaz, pelas prprias foras, de
remover o excesso de excitao pela via da satisfao, sucumbindo Angst (medo, eventualmente ansiedade, ou
angstia) (HANNS, 1996, p. 228)
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ao homem. Enquanto o indivduo viver ter que conviver com a falta, com o
buscar apontar esse vazio e fazer com que o homem se d conta dele. A partir
infelicidade a que cada pessoa pode alcanar. Fromm (1962, p. 26) afirma que
carter religioso, ainda que este se oponha religio. Nas palavras de Fromm, em
sentido amplo h em Freud uma atitude religiosa. nessa viso mais ampla que
aspectos ainda ocultos na relao entre Freud e a religio. A anlise da obra de Bion
3 BION E A MSTICA
Wilfred Bion (1897 1979) tem uma extensa e marcante obra de grande
analtica.
mstica, foi uma das influncias de Bion. Na perspectiva mstica introduzida por
Mestre Eckhart, e adotada por Bion, a atitude sem memria e sem desejo recebe o
no ser de ns mesmos para que o ser possa ser em ns. De acordo com tal
esvaziar-se de si para que a escuta do outro possa ser completa, abandonando para
isso memria e desejo. Para Bion (2006, p. 79) o que interessa o desconhecido, e
sobre ele que o analista deve focalizar sua ateno. Portanto, memria alongar-
uma intruso na mente do analista que encobre, disfara e o deixa cego para o
no aqui e agora que ele deve focar sua ateno. Se focar a ateno em aspectos
futuros estar se utilizando de seu desejo. Acaba por ser comprometida a escuta
Portanto, o sentido que Bion vai dar palavra mstica passa a ser
ampliado, significando uma atitude de despojamento por parte do analista para que
este possa atingir o mago de seu analisando, ouvindo-o em sua totalidade quando
sentido religioso, e da o uso que Bion vai fazer dessa palavra, quando o mstico
busca o acesso a Deus atravs do silncio de seu ser. A experincia de ser um com
Deus, o objetivo do mstico, passa a ser objetivo do analista, pois este tambm
guardar em sua essncia reflexos desta atitude mstica, pois o prprio Freud afirma
que esta se refere a algo do campo do eterno, do ilimitado. Afirma Freud que ao
conversar com um amigo seu sobre religio, este afirma a ele que Freud no havia
descobre nele mesmo tal sentimento ocenico, mas afirma mais frente que isso
no lhe d direito de negar que ele de fato ocorra em outras pessoas (FREUD,
1974b, p. 82). Questiona porm se tal sentimento ocenico pode de fato ser
1974b, p. 82). De qualquer forma, o que nos interessa neste momento que Bion
parece ter achado um paralelo para o sentimento ocenico dentro da prtica clnica
alcanado.
baseado no mundo fenomenal visto que a maior parte daquilo que o homem
essncia das coisas. Para Bion, na essncia das coisas encontra-se o ponto 'O'.
impossibilitam a apreenso do ntimo do mundo, uma vez que este ser sempre
Desta forma, uma vez que nossa prpria capacidade deve ser sempre
completo afirma Bion que deveramos, num exerccio de esforo contnuo, abrir mo
crena em 'O'. A crena que nem tudo assim to claro e translcido como parece.
que nos escapa, algo que nos foge, mas que nem por isso inverdico ou que no
aspecto muito sutil) ns cremos que existe. Isto , ns cremos na Realidade ltima
(REZENDE, 1993, p. 206). Nem tudo que reluz ouro, mas mesmo no sendo ouro
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pode bem ter seu valor. Quem empreende a estrada do conhecimento deve estar
4 FUTURO OU ILUSO?
de religar algo, religar o homem a Deus. Comecemos portanto (numa atitude que
contexto analtico, na prtica clnica. Bion utiliza a mstica como smbolo para
descrever a relao entre analista e analisando, relao esta, que uma vez vivida
numa perspectiva sem memria e sem desejo, passa a ser imbuda por uma atitude
religio para religio e certo que no possamos mais falar de a religio, como
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havendo uma s, mas devemos sempre falar de religies. Ento sero livros e mais
livros, diferentes para cada povo e cultura, e da mesma forma vrias prticas,
entre si.
seu sentido de mistrio. mistrio pois esta diz respeito relao mais ntima e ao
mesmo tempo mais misteriosa, mais temida e muitas vezes a mais buscada, a
relao do homem com Deus, seja este qual for: a natureza, Jesus, Tao, enfim, o
inominvel, o sagrado. Para Otto (2005, 41), importante ressaltar que o mistrio do
de difcil compreenso, mas que possa ser apreendido pelo intelecto; o mistrio da
debato com algo totalmente outro, com uma realidade que, por sua natureza e
busca algo diferente: busca ser, e no ter. Busca a essncia. Busca experimentar, e
relao entre religio e mstica, escreve Rezende (1993, p.186) que assim como a
vez que a mstica sim imbuda de que o esprito superior letra, e que ser mais
meta do mstico, o crescimento acima do imaginado, tal qual Fausto em sua busca
pela sabedoria. Viver mais importante do que teorizar sobre a vida, e se preocupar
com a humanidade e viver uma vida em prol do bem comum mais importante do
Por fim a pergunta: por que no foi um devoto, mas um judeu ateu
que descobriu a psicanlise. Ora, porque devoo ainda no significa
gnio de descobridor, e porque os devotos em boa parte no foram
dignos de produzir estes resultados. Alis, o senhor primeiramente
no judeu, o que lamento muito na minha admirao desmedida de
Ams, Isaas, Jeremias, do poeta de J e de Eclesiastes; e em
segundo lugar o senhor no ateu, pois quem vive para a verdade
vive em Deus, e quem luta pela libertao do amor, segundo 1 Joo
4:16, permanece em Deus. Se o senhor se conscientizasse e
experimentasse a sua insero nos processos mais amplos, o que a
meu ver to necessrio como a sntese das notas de uma sinfonia
beethoveniana para formar a totalidade musical, eu gostaria tambm
de dizer do senhor: jamais houve cristo melhor. (FREUD; MENG,
1998, p. 86 e 87)
comparar o religioso com o mstico (do qual Bion estabeleceu um paralelo com o
gnio). E ao afirmar que Freud no era nem judeu (por no viver de acordo com o
judasmo) e nem ateu (por viver uma vida em prol da humanidade) Pfister colocou
em risco sua amizade com Freud e nos abriu uma importante via de anlise.
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Freud no era religioso. Isso um fato declarado por ele e seus bigrafos.
explicao.
histria nunca mais ser a mesma. Ou seja, de acordo com Bion (2006, p. 75 e 76),
um gnio, messias, mstico; seu squito pode ser pequeno ou grande [] usarei o
termo 'mstico' para descrever esses indivduos excepcionais. Talvez tenha sido
de Deus em sua vida. Foi um mstico ao elevar sua vida e direcion-la para o
desenvolvimento de uma disciplina que pudesse servir para o bem. Embora sendo
religio, seu declnio e sua superao pela cincia nos captulos finais de O futuro
de uma iluso (FREUD, 1974c, p. 60-71). Mau profeta? Nos dias atuais o que
estamos a ver parece ser o contrrio de um declnio. Como enfatizou Lacan (2005,
Falei h pouco do real. O real, por pouco que a cincia a se meta, vai estender, e a
religio ter ento muito mais razes ainda para apaziguar os coraes. Sobre esse
sobre a psicanlise?
prtica. E a psicanlise, por meio de dogmas impostos, por meio de instituies que
podem ser negadas, pela quase divinizao de um homem que negava deus, esta
psicanlise parece estar a ponto de ser engolida pela religio em sua tarefa de
contestao. Ao abordar o tema dos dogmas e dos msticos, Rezende (1993, p. 187
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e 188) aborda a questo do que a psicanlise vem se tornando por meio de suas
presentes nas religies mas parece que deixou de experimentar processos mais
amplos e de enxergar que a religio mais ampla do que apenas igrejas, deuses,
ordem, de organizar o caos em que vivemos na busca por sentido. Desta maneira,
sua busca pelo desconhecido, enfatiza aquilo que a religio pe de lado: o aspecto
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instintivo, puro, pulsional, volitivo, de buscar o mistrio ainda que este parea
caos. Importa, como enfatiza Bion, que os analistas de hoje mantenham acesa a
chama mstica presente dentro de si, para que tenham sempre em mente que sua
CONCLUSO
que regido por seu inconsciente, ela estava apenas comeando. Com a
religio uma neurose coletiva, Freud estava muito a frente de seu tempo,
ideias e noes preconcebidas de sua relao com aquilo que acreditam que lhes ir
salvar ou que lhes dar conforto. Freud foi essencial na compreenso tica de que
o homem no deve se prender apenas a anseios ilusrios, mas que deve ter a
compreenso da exata medida de onde tais anseios podem leva-lo. Freud prope
que estes anseios so apenas parte de uma iluso uma vez que Deus apenas
reflexo de um pai presente na psyche humana, acentuando, contudo, que esta sua
relaciona com ele, seja ele uma fora superior, Cristo, a natureza, e at para alguns,
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a prpria cincia. A forma como esta relao ser construda ser ento
mas uma fonte rica de dilogo da qual ainda podem emergir importantes
Se Freud profetizou o fim da religio e sua superao pela cincia, o que vemos
atualmente que a religio, ainda que possa ser uma iluso (e no estou afirmando
REFERNCIAS
FREUD, E. L.; MENG, H. (Orgs.) Cartas entre Freud & Pfister (1909 1939). Viosa:
Ultimato, 1998.
FREUD, S. Totem e tabu. In: Edio Standard brasileira das Obras psicolgicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974a. V. 13. Trabalho
publicado em 1913.
FREUD, S. O futuro de uma iluso. In: Edio Standard brasileira das Obras
psicolgicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974c. V. 21.
Trabalho publicado em 1927.
GAY, P. Freud: uma vida para nosso tempo. So Paulo: Companhia das Letras,
1989.