Ebook
Ebook
Ebook
Deutscher Hilfsverein
ao Colgio Farroupilha/RS
memrias e histrias (1858-2008)
Volume 2
Chanceler
Dom Jaime Spengler
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilzio Teixeira
Conselho Editorial
Jorge Luis Nicolas Audy Presidente
Gilberto Keller de Andrade Diretor da EDIPUCRS
Jorge Campos da Costa Editor-Chefe
Agemir Bavaresco
Augusto Buchweitz
Carlos Gerbase
Carlos Graeff-Teixeira
Clarice Beatriz da Costa Shngen
Cludio Lus C. Frankenberg
rico Joo Hammes
Gleny Terezinha Guimares
Lauro Kopper Filho
Luiz Eduardo Ourique
Luis Humberto de Mello Villwock
Valria Pinheiro Raymundo
Vera Wannmacher Pereira
Wilson Marchionatti
Do
Deutscher Hilfsverein
ao Colgio Farroupilha/RS
memrias e histrias (1858-2008)
Volume 2
Maria Helena Camara Bastos | Alice Rigoni Jacques | Dris Bittencourt Almeida
ORGANIZADORAS
EDIPUCRS, 2015
CAPA Dani.Editorial
DIAGRAMAO Dani.Editorial
IMAGENS Fornecidas pelas organizadoras.
REVISO DE TEXTO DOIS PONTOS Editorao
APOIO
S obre os Autores
Alice Rigoni Jacques
Mestre e Doutoranda em Educao pelo Programa de PsGraduao em Educao da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (Unisinos), com bolsa Capes. Professora do Colgio
Luterano Concrdia de So Leopoldo e do Colgio Santa
Luzia de Gravata.
Doutora em Histria e Filosofia da Educao. Professora titular em Histria da Educao e Professora dos Programas
de Ps-Graduao em Educao e em Histria da Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Coordenadora do Projeto de Pesquisa Do Deutscher
Hilfsverein ao Colgio Farroupilha/RS: entre Memrias e
Histrias (1858-2008) (PUCRS, CNPq, FAPERGS 20152019).
umrio
Apresentao / 10
Um arquivo em vrios tons / 13
Maria Teresa Santos Cunha
A presentao
"
11
sta obra representa, como Fernando Pessoa expressa em seu poema, a colheita
e a partilha dos nossos trabalhos, das pesquisas, das conversas, das parcerias
entre todos os integrantes do grupo de pesquisa e dos intercmbios com outras instituies. Por isso pensamos e acordamos entre os pares que esta era a hora de mais uma vez
compartilharmos com pesquisadores, estudantes e amantes da educao nossas pesquisas
sobre a histria da educao e sobre a cultura escolar do Colgio Farroupilha.
Agradecemos Associao Beneficente Educacional (ABE) (1858) e ao Colgio
Farroupilha pela sensibilidade em apoiar o Memorial da escola e o grupo de pesquisa.
Agradecemos o apoio das instituies de fomento pesquisa: Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) (2011-2019) e Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). Especialmente, ao Ministrio
de Cincias e Tecnologia (MCTI), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico
e Tecnolgico (CNPq), ao Ministrio de Educao (MEC) e Coordenadoria de
Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) por possibilitarem a presente
publicao, por meio do Edital n 43/2013.
As organizadoras
Referncia
PESSOA, Fernando. Obra potica. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001.
12
"
m arquivo em
vrios tons
Maria Teresa Santos Cunha
O momento do arquivo o momento do ingresso na escrita da operao historiogrfica. Nos arquivos, o historiador profissional um leitor. [...] O arquivo apresenta-se assim como um lugar fsico que abriga o destino
dessa espcie de rastro que cuidadosamente distinguimos do rastro cerebral e do rastro afetivo, a saber, o rastro
documental. Mas o arquivo no apenas um lugar fsico, espacial, tambm um lugar social
(Paul Ricouer, 2007, p. 176-7).''
14
contm indcios sobre prticas administrativas e pedaggicas que contribuem para a realizao de trabalhos e anlises sobre o cotidiano escolar.
reservar e salvaguardar objetos, documentos variados fotografias, cadernos, desenhos, etc. , vozes e mesmo silncios dos vrios atores escolares
uma forma de insinuar, pela problematizao da memria tangvel e intangvel, a presena
do passado no presente, tendo como horizonte de expectativa que a histria no pode ser
a ressurreio integral do passado, mas a memria pode lhe fornecer o fio de Ariadne, o
vnculo carnal do qual ela, ainda assim, tem necessidade para tornar o passado inteligvel
( JOUTARD, 2007, p. 235).
Os 16 artigos aqui apresentados foram todos elaborados em uma operao histo-
riogrfica que uniu pesquisas, leituras e experincias pessoais ao sabor da lgica memorial,
documental e emocional que o arquivo denominado Memorial do Colgio Farroupilha
ofereceu aos pesquisadores. Os textos reunidos evidenciam inmeras interpretaes sobre
os processos de escolarizao e o viver cotidiano da instituio dados a ver, agora, pelos
historiadores profissionais e leitores que, mergulhados no arquivo, esforaram-se para encaixar partes e decifrar estranhezas em um movimento em que a leitura funcionou como
a arte de construir uma memria pessoal a partir de experincias e lembranas alheias
(PIGLIA, 2004, p. 46).
O arquivo fsico construdo e salvaguardado como Memorial do Colgio
Farroupilha, pleno de reminiscncias, mveis antigos, ecos de salas cheias de objetos-relquia, cheiro de livros velhos, livros com marcadores de leitura, objetos e cadernos escolares, convites de formatura e muitas fotografias, foi articulado, neste livro, em uma rede
15
16
O processo de reconhecimento do Ginsio TeutoFarroupilha: os relatrios de inspeo federal (19371962) o ttulo do estudo apresentado por Tatiane de
Freitas Ermel, que avalia os atos, os decretos, as leis, as
normas e os regulamentos que integram os textos dos
relatrios dos inspetores escolares como formas de representao do controle e da inspeo do Estado sobre
a organizao escolar em relao, prioritariamente, ao
17
18
antigos de histria. O corpus emprico compe-se de cinco cadernos desta disciplina, acrescido de uma entrevista, realizada em 2014, com um dos autores. A primorosa
anlise historiogrfica movimenta dilogos tericos com
autores da histria da educao, da histria cultural, da
histria da cultura escrita e da histria do tempo presente e aborda as temticas das aulas de histria dadas em
completa consonncia com a legislao vigente poca. A
fineza das anlises, a pertinncia das problematizaes e a
fuga aos esquematismos em favor da profuso de estudos
concretos evidenciam o uso do arquivo, a tessitura da narrativa e a operao historiogrfica que tornam acessveis
conhecer vestgios da experincia humana daquele tempo.
ncerrando a parte relativa ao estudo dos cadernos escolares, Maria Clia Leme da Silva
faz uso do arquivo do Memorial do Colgio Farroupilha
para apresentar o seu trabalho intitulado Os saberes geomtricos nos cadernos do ensino primrio (dcada de
1950). A autora rastreia os cadernos e encontra indcios
de prticas que assinalam o uso de saberes geomtricos
inseridos nos cadernos de caligrafia, nas cpias e nos cadernos de desenho, no raro articulados com objetos do
cotidiano (o cubo e o quadrado, por exemplo) inseridos
no que se pode chamar de cultura escolar no disciplinar.
O estudo deixa entrever que o Colgio Farroupilha estava
atento aos movimentos reformadores (Escola Nova) que
valorizavam a aproximao entre o cotidiano dos alunos e
os saberes geomtricos.
19
mrias de duas professoras do Colgio colhidas em entrevistas semiestruturadas e realizadas pelos dois autores.
A interpretao do material permitiu problematizar as
trajetrias docentes, a cultura escolar e as representaes
sobre o cotidiano escolar propiciadas pelas memrias das
entrevistadas, e arquitetar, textualmente, as singularidades
de um tempo escolar pelo trabalho de tornar tangvel o
que j passou!
Todos os artigos que compem este livro utilizaram documentos e objetos do arquivo escolar denominado Memorial do Colgio Farroupilha, que se constitui,
sem dvida, em um patrimnio cultural e espao de conservao e salvaguarda de materiais escolares. Materiais
que permitiram narrar histrias que agem como uma
fora motriz para o conhecimento da cultura e do cotidiano escolares de uma poca. Esta publicao comprova
que as prticas preservacionistas em arquivos escolares
criam possibilidades de estudar os sujeitos escolares como
agentes sociais; a cultura material escolar, como elemento
constitutivo dos padres escolares; as relaes entre escola e sociedade e muito especialmente, problematizar as
negociaes entre a norma e a prtica. Foi isso que os
autores aqui reunidos esforaram-se para mostrar e, pela
pesquisa, enriquecer os estudos sobre a histria das instituies escolares, as memrias dos sujeitos a elas ligados,
Fechando o conjunto de textos sobre esta monumental instituio escolar o Colgio Farroupilha , Jos
Edimar de Souza e Ariane Reis Duarte apresentam Nos
tempos do Farroupilha: memrias de trajetrias docentes (1966/2000). Trata-se de um trabalho sobre as me-
as trajetrias pessoais, a cultura material escolar (cadernos, fotografias, boletins, convites de formatura, etc.).
20
Ainda que se considere que muitos dos documentos que formam os fundos de colees dos arquivos escolares devam ser considerados como resultado do empenho de determinada sociedade em impor ao futuro uma
imagem de si (de sua organizao e de importncia),
importante considerar que as instituies custodiadoras de documentos criadas com a inteno precpua de
construir e preservar memrias tm sempre um carter
poltico, uma vez que a memria instrumento capaz de
criar identificaes, produzir um discurso sobre o passado
e projetar expectativas para o futuro.
Referncias
21
ragmentos de um Tempo:
Fotografias e Memrias dos
Alunos da Knabenschule des
Deutschers Hilfsvereins (1886-1929)
"
The past is what you remember, imagine you remember, convince yourself you remember, or pretend to
remember. (ADLER, 1974, p. 462)
1
Nome em alemo da Escola de Meninas da ABE, criada no ano de 1904. Ver Captulo 2.
Nome em alemo da atual Associao Beneficente e Educacional de 1858, criada para fornecer
auxlios comunidade alem de Porto Alegre. Sobre, ver Jacques (2013).
3
23
estudo surgiu da necessidade em aprofundar as anlises sobre a primeira escola da Associao Beneficente e Educacional de 1858. Devido escassez
5
de fontes sobre este perodo, optou-se pela anlise destes depoimentos, pela incluso de
fotografias do acervo e de relatrios anuais.
Aps a delimitao temporal e a escolha temtica, houve a necessidade de eleger um
caminho para a pesquisa. O trajeto trilhado, ainda que sem ordem prvia, foi a leitura e
anlise de depoimentos memorialsticos j produzidos. Por meio do inventrio das memrias dos ex-alunos, procurou-se compreender a complexidade do cotidiano e das relaes
escolares de uma escola de origem alem voltada ao pblico masculino.
A fim de analisar a histria, a trajetria e o percurso dessa e de outras escolas de
Porto Alegre, devemos mergulhar no oceano dessas memrias por meio da contribuio
de sua comunidade escolar. Cada ex-aluno, ex-professor ou ex-diretor possui um discurso
formado por lembranas e esquecimentos construdos e reconstrudos ao longo dos anos.
Aps a leitura dos depoimentos, foi elaborado um inventrio das temticas e memrias recordadas que foram recorrentes. Houve um cruzamento dos depoimentos, no
para a busca da veracidade, nem para testar as fontes, mas para atingir uma narrativa dessas
memrias. Contemplando com o que diz Beatriz Fischer,
sugere-se que a utilizao da memria, pelo menos em projetos relacionados
educao, que o que nos interessa aqui, no se limite a uma histria em si.
Muito mais apropriado vincular as narrativas memorialsticas a um projeto
maior de articulao, onde questes relacionadas ao contexto estejam conectadas
(FISCHER, 2011, p. 12).
5
Do material salvaguardado do esquecimento pelo Memorial da Escola, restaram algumas atas,
redigidas em alemo gtico, fotografias e alguns relatrios. Infere-se que muitos materiais foram
descartados, pela escola, no perodo do Estado Novo.
24
Os depoimentos analisados podem ser considerados a ponta do Iceberg (CATROGA, 2001, p. 47) no
trabalho de analisar, contextualizar e inferir questionamentos s memrias. Essas lembranas configuram uma
pequena parte das rememoraes, que fugiu do esquecimento, aps ser ressignificada, a partir do presente, e que
esconde em sua extenso uma infinidade de memrias,
que devem ser tratadas conforme o carter de documento.
Deixaram de ser mero trao biolgico, para tornarem-se vestgios, pequenos rastros, peas de um quebra-cabea maior, protagonistas da pesquisa histrica. Saem
25
Nos outros escritos analisados, cartas de dois ex-alunos, houve a preocupao, por parte dos escreventes,
em tornar as memrias dignas de serem socializadas e,
por isso, a seletividade por parte dos prprios depoentes que escreviam apenas o que achavam prprios de ser
relembrado, no houve a interpelao de outra pessoa
indicando quais caminhos e temas necessitavam ser rememorados. Para Errante (2000, p. 143) memria no
simplesmente um exerccio de lembranas, selecionamos
e tratamos o que queremos e no queremos lembrar. A
subjetividade dos depoentes influencia totalmente nesse
processo de construo das memrias.
Alm disso, essa reconstruo tem uma funo social: Muitas vezes manifestando nostalgia por um passado pintado com cores de velhos bons tempos, o narrador
faz uma crtica da sociedade atual que pode trair a exigncia subjacente de mudanas para o futuro (CANDAU,
2012, p. 89). Quem rememora parte do seu presente para
acessar o que j passou e, a partir disso, coloca o tom no
discurso. Discursos idealizados sobre o perodo em que
estudaram faz parte dos mecanismos orgnicos da memria em priorizar somente o que foi bonito, e os outros
detalhes so colocados em ltimo lugar na fila do que vem
a ser memorvel.
26
organizao de uma escola, embora j existissem alguns estabelecimentos de ensino dos alemes de Porto Alegre, entre
eles o evanglico, paroquial, do Professor Friedrich Schultz, e
o catlico, do Professor Clemens Wallau (HOFMEISTER
FILHO, 1986, p. 15). As escolas existentes no possuam
estrutura e nem um corpo de professores, e se assemelhavam
s aulas pblicas difundidas na capital.
A historiadora Magda Gans (2012) afirma a existncia de diversos anncios, solicitando professores para o
ensino do alemo e a criao de estabelecimentos de ensino
chamados de escolas, mas que muitas vezes era um curso
aplicado pelo professor em sua prpria casa (GANS, 2012,
p. 76), no perodo correspondente a 1859-1895. No recenseamento de 1908, elaborado pelo censor Olympio de
Azevedo Dutra, a instruo particular se dividia em 25 aulas,
abrangendo um total de 3,678 alunos com mais de 7 anos.
Aps dez anos de idealizao por parte da mantenedora, por meio de comisses e pagamentos de bolsas de estudos isoladas, houve a criao do que se tornaria o objetivo
da associao nos outros anos: a concepo e manuteno
de uma escola para a sua comunidade. Desde a criao da
sociedade alem de auxlio mtuo, formaram-se comisses
especficas com o intuito de fomentar aes que envolvessem caridade, imigrao, direito, rfos e presidirios.
27
No Quadro 1, temos uma relao de escolas particulares que se originaram, em Porto Alegre, a partir da segunda
metade do sculo XIX. Caracterizavam-se por ter vinculao institucional e um corpo de professores. A maioria se instalou na regio central, e, a partir da primeira dcada do sculo XX, passaram a ocupar os arrabaldes da cidade.
NOME
DATA DE
CRIAO
1869
Knabenschule des
Deutschens Hilfsvereins
PBLICO
LOCALIZAO
Igreja Catlica
Meninos
1886
Deutscher Hilfsverein
Meninos
1890
Jesutas
Meninos
Colgio Rosrio
1904
Maristas
Meninos
1907
--
Sociedade Caritativa e
Literria So Francisco de
Assis
1907
Meninos
Rua Riachuelo
1912
Igreja Protestante
Meninos
1913
Meninos
Escola So Manoel
1915
Igreja Catlica
Meninos
--
1920
Maristas
Meninos
1923
Igreja Metodista
Meninos
1931
Comunidade Evanglica de
Porto Alegre
Meninos
Av. D. Pedro II
Colgio Champagnat
Deutsche Evangelische
Gemeindeschule (Pastor
Dohms)
VINCULAO
Bairro Navegantes
PROVENINCIA DO
DEPOIMENTO
1889-1895
1912-1919
Rodolfo
Herrmann
1900-1906
Sven Robert
Schulze
1918-1925
Vitor
Herrmann
1910-1917
NOME
Max Gruber
Rudolf Falk
CONTEXTO DE PRODUO
Livro Comemorativo ao Sesquicentenrio da
Imigrao Alem no Rio Grande do Sul.
No excerto a seguir, temos o exemplo de um discurso de ex-aluno que se justifica o tempo todo, para conferir veracidade sua narrao. Ao mesmo tempo em que
narra as suas lembranas do perodo em que estudou na
Knabenschule, Rudolf Falk as ressignifica para adequar
ao seu perfil e corresponder com a sua identidade.
29
Por se tratarem de depoimentos j tratados e produzidos por outro olhar, devemos relativizar os dois discursos
presentes, tanto do depoente quanto do memorialista.
So poucas as escolas fundadas no sculo
passado que podem ter a ventura de possuir
alunos da poca de sua fundao que esto
ai dando sopa, narrando fatos que, para ns
30
j h muito tempo o problema escolar preocupa a populao alem local e, finalmente, hoje, graas aos esforos e sacrifcios do
Hilfsverein, a escola pde ser aberta.
Seria Errneo se eu quisesse salientar a necessidade de uma boa escola e seus acessrios, a necessidade de uma boa formao
escolar. A nova instituio deve a sua existncia justamente necessidade premente e
ao desejo da populao alem local, de enviar
seus filhos, aqui mesmo, a uma escola dirigida de maneira uniforme, segundo os paradigmas alemes [...] (grifo meu) (GERLACH
apud TELLES, 1974, p. 51).
Do perodo que Max Gruber estudou (18891895), at os outros depoentes, a escola fez alteraes em
sua estrutura, seu currculo e seu corpo de professores.
O diretor finaliza o discurso de inaugurao pedindo s famlias que educassem em conjunto com a escola,
31
32
Peter Gerlach
1886-1889
1889
1889-1895
1897-1907
Robert Mangelsdorf
1925-1928
PERODO
Hans Kramer
1896
1908-1924
1929
33
( JACQUES e ERMEL, 2013, p. 94). Por isso, fica sempre marcado nas lembranas e sensibilidades dos que por
ali passaram.
DATA
NMERO DE ALUNOS
1903
240
1907
217
1886
1906
1908
1909
1910
1913
1923
1924
1927
70
246
208
224
227
250
221
223
219
No final de cada ano letivo, o corpo docente realizava a Schlussfeier, a festa de encerramento do ano letivo.
Contava com um extenso programa de atividades, que
era realizado no terceiro dia de provas finais, na parte da
tarde, somente para o pblico masculino da Deutscher
Hilfsvereinsschule. As meninas da Mdchenschule realizavam a sua festa em outro dia. Telles narra o depoimento
de Rodolfo Herrmann:
No fim do ano letivo se prestava os exames finais, para os quais eram convidados os pais dos
alunos. [...] Aps os exames comemorava-se
o encerramento do ano letivo com uma gran-
Nome da atual Sociedade de Ginstica de Porto Alegre, a partir do ano de 1895, quando houve a fuso de dois clubes de
ginstica (Deutscher Turnverein e Turnklub).
34
9
Antiga chcara da Deutscher Hilfsverein, adquirida em
1871, entre a Rua da Independncia, Rua da Floresta, Santo
Antnio e Ramiro Barcelos. No incio, era utilizada para as
festividades alems, posteriormente, foi arrendada para quatro
inquilinos diferentes e somente a partir de 1890 cogitou-se o
loteamento da mesma.
35
depoentes. Durante a anlise de cinco narrativas de memrias, todas falaram sobre os seus castigos, sem haver
questes norteadoras ou algum entrevistador em comum.
Nos livros da escola, constam poucas informaes sobre o emprego da vara de marmelo na disciplina dos alunos. A palmatria no mencionada, talvez
por serem mtodos brutais demais e tenha havido uma
intencionalidade na excluso deste relato. Max Gruber
relata que, na aula do Professor Spindler, quando no se
prestava ateno, recebia-se uma varada de marmelo. Se
algum conversava em aula, deveria escrever 500 vezes
como castigo: Reden Ist Silber Schweigen ist Gold (Falar
prata, calar ouro) (GRUBER apud TELLES, 1974, p.
57). Rodolfo Herrmann cursou a Knabenschule de 1900
a 1906 e comenta os tipos de castigos pelas quais passou:
Pode-se inferir que, na questo dos castigos escolares, essas memrias ficaram coladas na maioria dos
36
No entanto, os castigos e essas lembranas serviram como forma de moldar a identidade desses alunos:
37
Meninos.
38
Tnhamos j naquela poca, duas horas semanais de educao fsica, na mesma Sogipa,
que, durante o vero, eram substitudas por
natao14 e desportos aquticos num bazin
prprio da Sogipa, margem do Guaba,
mais tarde destrudo pelo fogo (FALK apud
TELLES, 1974, p. 94).
s 16 horas de quarta-feira, iniciava a aula
de natao ministrada num grande basin de
madeira, instalado bem l embaixo na rua da
Conceio, onde hoje se encontra a Estao
Rodoviria. A aula era do professor Heinrich
Rohde e sua realizao, hoje, despertaria, sem
13
11
12
Benno Frederico Mentz, era descendente de alemes, foi scio da mantenedora do Colgio Farroupilha, e passou a sua vida
colecionando materiais com referncia comunidade alem de
Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. O seu acervo est disposio para consulta no Centro de Documentao e Memria
Cultural da PUCRS, Delfos. Sobre, ver www.pucrs.br/delfos.
Desde os tempos do Deustscher Turnverein, a sociedade oferecia aos seus scios uma casa de banhos, localizada s margens do Guaba. O Badeanstalt (ou basenho) foi destrudo em
1917 por um incndio (Disponvel em: <http://www.sogipa.
com.br/portal/historia/>. Acesso em: 3 mar. 2015).
14
39
Durante a anlise dos relatos, me deparei com vrios excertos que contavam uma cidade e uma escola que
no possuam a preocupao do progresso, que tinham
um ritmo prprio:
Se o tempo estava bom, aps o trmino das
aulas, nos reunamos no meio da Rua So
Rafael, diante da escola, cavvamos alguns
buracos no solo barrento para jogar bolinha
de gude. De vez em quando um carro de bois
ou uma carreta com pipas de gua potvel
passava pelo local, obrigando-nos a suspender o jogo (HERRMANN apud TELLES,
1974, p. 79).
40
ara eles, a cidade podia abrigar at as brincadeiras infantis sem nenhum problema.
A Rua So Rafael, na primeira dcada do sculo XX,
ainda no se configurava como uma artria de grande
movimentao para o centro. Ainda no possua bondes,
somente tinha o ritmo dos alunos da Knabenschule e da
Joseph-Schule15, que a ocupavam para fins de recreao.
Essa rivalidade entre as escolas, bastante presente no incio do sculo XX, no foi registrada em estudos posteriores. Ao entrevistar duas ex-alunas na dcada
de 1930, no encontrei nenhum sinal de rivalidades ou
diferenas entre os mesmos. Interessante inferir que os
ex-alunos narram esse fato com um certo ar de saudosismo, achando importante relatar. Em momento algum,
os professores, diretores ou familiares so citados sobre
isso. Talvez, por tratar-se de atitudes de crianas em idade escolar, onde essas rivalidades se acentuavam. A partir
disso, pode-se inferir a relao entre as duas escolas no
contexto urbano do crescimento de Porto Alegre. Victor
Herrmann teve a preocupao em explicar que as lutas
no deixavam consequncia alguma no contexto urbano,
somente nos alunos. Essas lutas no perturbavam o transito, porque ainda no havia automveis em Porto Alegre,
somente carroas. No campo da luta sobraram depois pedaos de roupa, livros e cadernos rasgados e outras coisas
mais (HERRMANN, 1974, p. 1).
pacficos. Sven Roberto Schulze revela as constantes rusgas entre os pblicos de ambas escolas: Guerreamos com
os alunos da St. Joseph-Schule da Comunidade So Jos,
apelidados de urubus (os professores eram padres) e eles
nos xingaram de gafanhotos, o suficiente para motivar
uma bela briga (SCHULZE, 1985, p. 1).
O ex-aluno Victor Herrmann afirma que essas
constantes rusgas se davam pelo fato de as escolas serem
rivais?
Emfrente [sic] ao nosso Colgio se situava
a Josefsschule, que era um colgio catlico
dirigido por padres. Ainda existe hoje, poA Escola So Jos, fundada por alemes catlicos, localizava-se em frente ao prdio do Velho Casaro. Inaugurada em
1869 pela Igreja Catlica, situava-se inicialmente na esquina da
Rua do Rosrio com a Rua da Praia, antes de se mudar para as
imediaes da Igreja So Jos.
15
41
Max, pela manh, ia para a escola em companhia de seu colega Helmuth Wendig, que
morava na sua vizinhana. Ou caminhavam
pela Rua da Floresta (Cristvo Colombo),
ou, quando era tempo de pitangas, iam
pela Wilhelhmshohe, atrs da Cervejaria
Brahma (atualmente). Ruas no existiam
naquelas paragens, apenas estradinhas dentro do mato. Levavam 15 minutos, a p, para
chegarem escola (TELLES, 1974, p. 58).
16
17
42
18
43
Finalizando
A Escola de Meninos da Sociedade Beneficente
alem cristalizou, na memria de alguns ex-alunos, as primeiras impresses sobre a cidade, a instruo e as perspectivas que uma escola particular, no sculo XIX e XX,
podia proporcionar aos seus alunos. Por meio da narrativa
de memrias se pode inferir algumas questes sobre a
disciplina, o currculo, a relao dos alunos com o espao
urbano e, principalmente, a relao de pertencimento e
identidade existente entre a escola e os seus discentes.
Esta relao sempre pautou as aes da mantenedora e da direo da escola ao longo dos anos. Em
correspondncia alusiva s festividades do centenrio da
instituio, os diretores enfatizam a existncia de uma
tradio, de uma famlia, que resultado de uma acumulao de memrias e histrias desde a criao da Escola
de Meninos:
19
44
Referncias
45
MONTEIRO, Charles. Entre histria urbana e histria da cidade: questes e debates. Oficina do Historiador, Porto Alegre,
EDIPUCRS, v. 5, n. 1, p. 101-12, jan./jun. 2012.
THOMSON, Alistair. Memrias de Anzac: colocando em prtica a teoria da memria popular na Austrlia. Histria Oral, 4,
p. 85-101, 2001.
46
"
dchenschule: Escola de
Meninas do Deutscher
Hilfsverein
(Porto Alegre 1904-1929)
Paolla Ungaretti Monteiro
Milene Moraes de Figueiredo
48
49
ssas leis demonstram como era vista a escolarizao feminina no incio do sculo XIX,
mas a realidade no se modificou com o andar do sculo.
No parecer de Rui Barbosa sobre instruo pblica de
1882, h a recomendao novamente de um currculo diferenciado por sexo. Para as meninas, indica-se a execuo de trabalhos que envolvem agilidades com as mos,
gosto artstico e calistenia3 (BARBOSA, 1883).
Essas diferenas no currculo de meninas e meni-
educao formal feminina, pois se entendia que era perigoso instruir mulheres. Neste quadro, para as mulheres gachas, tanto das classes desprivilegiadas como das
camadas altas, o fundamental era desenvolverem-se nas
prendas domsticas: saber cozinhar, cuidar das crianas,
fazer rendas. A cultura letrada era tida como prescindvel (LOURO, 1986, p. 46). Essa viso sobre a escolari-
50
tes nas concepes educativas dos imigrantes da mesma forma que determinavam,
claro, as dos lusos-brasileiros (LOURO,
2011, p. 445).
Outra causa para a pouca progresso da escolarizao feminina no sculo XIX, no Rio Grande do Sul e
no Brasil, a precariedade de investimentos e de cuidados com a educao em geral. Era a herana de tempos
passados:
Com a falta de subsdios e de apoio aos professores, incluindo seus baixos salrios, em
todas as provncias do Brasil observamos um
alto ndice de analfabetismo, o que perdurar at o Brasil Repblica. Em 1880, a taxa
de analfabetismo era de 67,2%, herana do
perodo imperial (FRISON, 2010, p. 146).
Imigrantes de origem alem, italiana, espanhola, japonesa etc. tinham propostas educativas diferentes e construam escolas para
meninos e meninas muitas vezes com o auxlio direto de suas regies de origem. Suas
diferentes formas de insero na produo e
na sociedade brasileiras (como operrios fabris, lavradores, ou pequenos proprietrios)
tambm teriam consequncias nos processos
educativos. No entanto, no se pode esquecer que, de um modo geral, as meninas das
camadas populares estavam , desde muito
cedo, envolvidas nas tarefas domsticas, no
trabalho da roa, no cuidado dos irmos menores, e que essas atribuies tinham prioridade sobre qualquer forma de educao
escolarizada para elas. As diferenas entre o
sexo masculino e feminino estavam presen-
51
este perodo, o Positivismo5 era o pensamento ideolgico adotado em grande parte do Pas e com grande peso no Rio Grande
do Sul. Surgiu no Estado o Partido Republicano RioGrandense (PRR), fundado por Jlio de Castilhos, em
1882, que adotava componentes ideolgicos positivistas.
O Positivismo, adotado como ideologia pelo novo grupo dirigente gacho, veio conferir uma feio sui generis Repblica Velha rio-grandense, oferecendo, alm
disso, uma srie de respostas aos problemas gachos
(PESAVENTO, 1992, p. 66).
Em resumo, havia uma diferenciao entre educao e instruo desde o comeo do sculo XIX e que se
5
Corrente filosfica surgida na Frana, no sculo XIX. Os seus
principais pensadores foram Augusto Comte e John Stuart Mill.
No Brasil, ganhou fora no perodo de transio da Monarquia
para a Repblica.
52
Colgio para meninos, como dito anteriormente, surgiu em 1886. Dezoito anos depois, na ata
de 31 de agosto de 1904, pela primeira vez, h um registro
da preocupao da Associao Beneficente alem6 com a
criao da Mdchenschule (escola para meninas), unificada para a comunidade teuto-brasileira, como era a dos
meninos.
53
Outro fato importante quanto aos nmeros foi o advento da Primeira Guerra Mundial, perodo onde o nmero
de alunos foi reduzido em ambas as escolas. O conflito tornou
mais complexas as relaes entre as populaes brasileira e alem. Aps o afundamento do Cargueiro Paran, em abril de
1917, e o rompimento das relaes diplomticas entre Brasil
e Alemanha, ocorreram agitaes em Porto Alegre. Firmas
teuto-brasileiras e a Sociedade Germnica foram saqueadas e
incendiadas (BASTOS, 2005). Em decorrncia disso, alguns
54
sos ex-alunos e ex-alunas, eram redigidos em alemo gtico7. O ensino na lngua da ptria me era uma tradio das
NMERO DE ALUNAS
1906
151
1904
1907
1908
1909
1910
1913
1919
1923
1926
1927
1929
159
151
135
153
178
153
123
126
133
123
133
Se um aluno faltasse s aulas, os pais deviam enviar bilhetes explicando o motivo da ausncia;
um tipo de escrita alem que se origina na Europa, entre os
sculos XII e XIII. Vem da escrita carolngia. usado na forma
manuscrita e caiu em desuso em 1945.
55
Solicitava-se a colaborao dos pais para o cumprimento das normas escolares e s se aceitaria
irregularidades em casos extremos e urgentes.
curto, mas temos ainda a presena de penteados em forma de tranas, sendo recorrente
o uso de laos e fitas dispostos na cabea
( JACQUES; ERMEL, 2014, p. 6).
A partir das Figuras 1 e 2, possvel observar as vestimentas utilizadas pelas meninas, que condizem com a descrio. importante salientar que as fotografias possuam outro
papel social neste comeo do sculo XX. No eram comuns
e precisavam da contratao de um fotgrafo, o que exigia
alguma verba, e, por isso mesmo, eram feitas em ocasies especiais. As meninas nas fotografias provavelmente esto mais
arrumadas e preparadas para a ocasio. Assim, preciso olhar
as fotografias como testemunho direto quanto como testemunho indireto do passado (MAUAD, 1996, p. 74).
sora [s.d.].
Quanto ao ambiente das salas de aula e os materiais utilizados, o depoimento da ex-aluna rika Ruschel8
nos ajuda a compreender o cenrio escolar da poca.
Em meio a lembranas, depoimentos e risadas. Dona rika, que fez parte da primeira
gerao a passar pela nossa Escola, lembrou que foi aluna da Escola de Meninas
na Rua Senhor dos Passos, na Comunidade
Evanglica. Ela contou que durante seus estudos na Hilfsvereinschule, a caneta de pena,
o tinteiro e o mata-borro eram seus materiais escolares usados na sala de aula. Segundo
ela, o quadro-de-giz era pequeno e preto, e
as classes formavam uma fileira grande, coladas uma ao lado da outra ( JACQUES;
HILZENDEGER, 2004, p. 14).
Ambas as escolas possuam os mesmos dirigentes. O Diretor Kleikamp dirigiu a escola de meninos de
1891-1895 e de 1898-1907 e a escola feminina de 19041907. A partir do Diretor Otto Meyer (1908-1924), os
diretores foram os mesmos simultaneamente nas duas escolas; Robert Mangelsdorf (1925-1928) e Hans Kramer
(1929-1939), ltimo diretor a comandar as escolas separadamente. Em 1929, as escolas se juntaram e o Colgio
Farroupilha tornou-se uma escola mista.
57
DISCIPLINAS
Em comum
Somente Escola de Meninas
lgebra;
Ingls.
II
III
IV
Geografia;
Desenho;
Geografia;
Caligrafia Gtica;
Alemo;
Geografia;
Alemo;
Clculos;
Alemo;
Alemo;
Clculos;
Caligrafia Gtica;
Clculos;
Alemo;
Clculos;
Alemo-Portugus; Francs;
Caligrafia Gtica;
Clculos;
Caligrafia Gtica;
Histria Natural;
Portugus;
Alemo-Portugus;
Caligrafia Gtica;
Alemo-Portugus;
Portugus;
Histria Natural;
Aula prtica de canto; Histria Bblica;
Histria Natural;
Histria Bblica;
Histria Bblica;
Alemo-Portugus; Trabalhos manuais;
Histria Bblica;
Histria Alem;
Histria Alem;
Trabalhos manuais; Ginstica;
Aula prtica de canto;
Aula prtica de canto; Aula prtica de canto;
Aula de msica;
Ginstica.
Trabalhos manuais;
Trabalhos manuais; Trabalhos manuais;
Aula prtica de canto.
Ginstica.
Alemo-Portugus;
Histria Brasileira;
Histria Brasileira;
Ginstica.
Ginstica.
VI
Alemo;
Histria;
Geografia;
Desenho;
Clculos;
Francs;
Histria Natural;
Portugus;
Caligrafia Gtica;
Histria Brasileira;
Trabalhos manuais;
Alemo-Portugus;
Histria Bblica;
Ginstica.
Nota-se que a escola preocupava-se em fazer mudanas, dando mais possibilidades de estudos para as suas
alunas. Em 1914, mais um ano foi adicionado ao currculo, a 7 srie, e, em 1921, adicionou-se a 8 srie. Quanto
s disciplinas, observa-se que a disciplina que ocupava maior carga horria era o alemo. Ministrada pelas
Professoras Thea Alrutz (IV e V Classe) e H. Bothe (VI
Classe). Eram praticados exerccios de leitura, gramtica
e ortografia. Na VI Classe, as alunas tambm aprendiam
sobre a histria da literatura alem.
A disciplina Alemo-Portugus, na qual lecionavam a Professora Thea Alrutz (IV Classe) e o Diretor
Kleikamp (V e VI Classe), era marcada por exerccios de
leitura e traduo, assim como ditados e alguns exerccios
gramaticais. Na V e VI classe, j havia maior nfase nos
exerccios gramaticais e na leitura de poemas. A existn-
59
decorrer do fato de que existia no currculo uma disciplina especfica sobre a histria da Alemanha e que provavelmente abordava as questes geogrficas.
Outra disciplina que fazia parte do currculo escolar era o Francs, ensinado na V e na VI Classe pela
Professora B. Schne. As meninas aprendiam a conjugar
verbos, faziam exerccios gramaticais, ditados, composies e praticavam conversao. Alm disso, exigiam que
as alunas memorizassem poemas (no especificados).
Observa-se que a escola estava em consonncia com a
cultura da poca, era uma lngua ensinada em praticamente todas as escolas.
Apesar de no haver muitas informaes detalhadas, o relatrio de 1906 aponta que a disciplina de Fsica
ocupava duas horas semanais, na VI classe, e era ministrada pela Professora B. Schne. Acreditamos que tambm
eram trabalhados outros contedos, mas s h meno de
ondas sonoras.
60
Formas de avaliao
Recebiam o documento a cada 6 meses, uma espcie de boletim contendo 3 pginas. A primeira sendo
a capa, a segunda as regras e orientaes da escola e a
terceira as notas. O modelo impresso servia para todos os
anos, com todas as disciplinas oferecidas; portanto, nem
todos os itens so assinalados a cada ano. Na segunda pgina, destacavam-se as 5 regras e orientaes da escola:
61
escola.
Na terceira pgina, conforme possvel observar
nas Figuras 3 e 4, havia uma diviso em duas partes: A)
Notas gerais e B) Notas por conhecimentos e habilidade.
nho e comportamento a cada 6 meses. O mesmo deveria ser assinado pelos pais ou responsveis. As meninas deveriam obter, no mnimo,
a nota bom (qualquer nota inferior significava
uma censura);
62
ANO
ALUNO
ALUNA
1908
1909
1910
1911
1912
1913
1914
1915
1916
1917
1918
1919
1920
1921
1922
1923
1924
1925
1926
1927
1928
1929
Outro fator foi o aumento do interesse por parte das mulheres em cursar as chamadas escolas normais,
formadoras para a profisso docente, aumento esse que se
explica pelo nvel de ensino que essas escolas ofereciam.
Os meninos, aps cursarem o primrio, possuam opes
variadas para seguir estudando, poderiam se formar no
secundrio e at mesmo ingressar em estudos superiores.
J as mulheres no tinham, escolas secundrias femininas eram rarssimas no Brasil. No relatrio do Conde de
Caxias, de 1846, sobre a Provncia de So Pedro, se falava
que a instruo secundria era mnima aqui, sem qualquer
relato de uma escola secundria feminina. Assim, aps
completarem o primrio uma opo para as meninas que
quisessem continuar estudando era frequentar as escolas
normais, que formavam professores.
Quando falamos no corpo docente de qualquer escola deste perodo, no comeo do sculo XX, e a sua separao por gnero feminino e masculino , no podemos
deixar de historicizar o magistrio no Brasil. Assim, para
ser possvel uma melhor compreenso dos docentes da
escola de meninas do atual Colgio Farroupilha, iremos
contextualizar a feminizao do magistrio no nosso pas.
Se hoje a imagem de professora to comum e vinculada
na sociedade, nem sempre o fora.
Como as meninas que frequentavam as escolas, as
professoras foram conquistando aos poucos o seu lugar
dentro das instituies de ensino. A superao de impedimentos foi lenta. Essa insero no magistrio deve-se
64
65
no era tudo e nem o principal. Exaltar qualidades como abnegao, dedicao, altrusmo e esprito de sacrifcio e pagar pouco:
no foi por coincidncia que este discurso foi
dirigido s mulheres (CATANI, 1997, p. 29).
Muitos professores no tinham formao especfica, magistrio ou licenciatura. Com relao formao
do corpo docente, os contratos de trabalho no o especificam. No entanto, podemos pensar que muitos deles
fizeram formao na Escola Normal de Porto Alegre ou
nas escolas normais catlicas e evanglicas de iniciativa
teuto-brasileira: Deutsch-Evangelischer Lehrervein von
Rio Grande do Sul (Associao teuto-evanglica de pro-
66
PROFESSOR
Sra. E. Reeckmann
Srta. Thea Alrutz (contratada
vrias vezes para substituio)
ENTRADA
1904
1904
1927
1930
SADA
1910
1928
E. Kaufmann
1904
E. Boethe
1904
1909
Maria Kunkz
D. Abrilina Granja
Friedrich Khling
1904
1904
1904
1905
-
L. Friederichs
1906*
H. Hertell
1906*
Sra. B. Schne
1906*
1913
1906*
1906*
1906*
1906*
1906*
1906*
1907
1909
1910
1910 (provisria)
1910
1911
1912
1920
1924
1927
1909
1912
1913
1913
1928
Frl. J. Guterres
Hans Krumbhaar
Th. Grimm
Frl. M. Kunz
Diretor Kleikamp
Georg Black
Helene Wanner
Sra. Eichenberg Alrutz
Srta. Loose
Srta. F. Billerbeck
Srta. Bruck
Srta. M. Fischer
Olvia Pacheco
Srta. Lttich
Pastor Adolf Kolfhaus
Pastor Karl Gottschald
Erna Paltzo
DISCIPLINAS/SRIES
Ingls, Francs, Histria Natura e Alemo.
Alemo, Clculos, Caligrafia, Anschauungs Unter (canto ou
msica) e Geografia.
Canto
Alemo, Clculos, Alemo-Portugus, Caligrafia, Histria da
Bblia e Canto/msica.
Alemo-Portugus, Alemo, Clculo, Portugus, Caligrafia e
Histria Natural.
Clculos, Francs, Caligrafia, Histria Natural, Histria Alem
e Histria da Bblia.
Portugus, Caligrafia e Histria do Brasil.
Canto.
Canto.
Trabalhos manuais.
Alemo-Portugus, Histria do Brasil e Histria da Bblia.
Ginstica.
Portugus.
Ensino Religioso Evanglico.
Ensino Religioso Evanglico.
Aritmtica, Religio, Histria Natural, Alemo, Geografia.
67
Juntando meninas
e meninos (1929)
Figura 5. Alunos da escola de meninas e de meninos reunidos
Em 1929, o Diretor Kramer refletiu sobre a necessidade de unir as duas escolas, decorrente de aspectos
econmicos e indo ao encontro de experincias que j estavam sendo feitas no Brasil e em outros pases. Apesar de
serem escolas separadas, havia convivncia entre os sexos,
especialmente em algumas atividades comemorativas,
como o aniversrio do Imperador alemo, festas de finais
de ano e o Prmio Schillerpreis. A foto de 1922 registra
a presena conjunta de alunos e alunas. Observa-se que a
integrao existia, apesar de separados no ensino. Fotos
como essa no so raras no acervo do Memorial.
(1922).
68
Referncias
ANNAES do Parllamento Brasileiro, Cmara dos Deputados,
sesses de 1827-1834. Typografia do Imperial Instituto
Artstico, Rio de Janeiro, sesso de 16 jun. 1826. In: SAFFIOTI,
H. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrpolis:
Vozes, 1979.
BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primrio e vrias instituies complementares da instruo pblica. In: Obras Completas
de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Sade,
v. X, 1947, 1883.
BASTOS, Maria Helena Cmara. A Revista do Ensino do Rio
Grande do Sul (1939-1942): o novo e o nacional em revista.
Pelotas: Sieva, 2005.
CUNHA, Maria Teresa Santos. Tenha modos! Educao e sociabilidade em manuais de civilidade e etiqueta (1900-1960).
Simpsio Internacional: Processo Civilizador. Campinas/SP.
FRISON, Lourdes M. Bragagnolo. Poesis Pedaggica, v. 8, n. 2,
p. 144-158, ago./dez. 2012.
GARCIA, Tania Elisa Morales. A educao da mulher: o discurso oficial. Trabalho apresentado em ANPED/Sul, 2000.
69
SCHWARTZMAN, Simon. A igreja e o Estado novo: o estatuto da famlia. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, n. 37, maio
1981.
STAMATTO, M. Ins. Educao comparada Brasil/Canad: o
ensino no sculo XIX. Revista da FAEEBA, ano 7, n. 9, p. 211227, jan./jun. 1998.
Documentao
70
"
A partir do momento que se puxa um fio de novelo, tudo vem. Um rolo de filme tambm permite trazer
tona o que ficou registrado num tempo qualquer: os atores, os fatos, os acontecimentos, os momentos
(ANNE-MARIE CHARTIER, 2007, p.64-65)."
ra uma vez um lbum de capa azul cinzenta, com folhas amareladas contendo
A expresso canto qualquer uma inspirao da exposio No me esqueas num canto qualquer, Ana Chrystina Mignot (Org.), 2008.
1
Sobre o Memorial do Colgio Farroupilha, ver Jacques e Grimaldi (2013, p. 77-91); Bastos e
Jacques (2014); e Jacques e Almeida (2014).
72
Diferentemente dos livros, dos dirios de professoras, das cartilhas, dos relatrios cuidadosamente guardados e que atravessam geraes, as produes escolares
escritas tm sido, proporcionalmente, um dos objetos menos estudados, pois so menos preservados pelas instituies e menos guardados pelas famlias.
Mignot (2010, p. 427) destaca que, at o incio da
penltima dcada do sculo passado, documentos produzidos pela pena infantil eram pouco dignos de estudo,
revelando, assim, o pouco interesse pela cultura no adulta. Na mesma obra, Dominique Julia (1995) observa que
trabalhar com a escrita infantil e juvenil em uma perspectiva histrica, em perodos mais remotos, extremamente
difcil, pois a documentao rara e, talvez, no haja outro
campo da histria com uma taxa de conservao de documentos to baixa quanto esta.
Nesse caso, por se tratar de um lbum de composies do 5 ano de 1939, podemos dizer que se trata
de documentos efmeros, isto , aqueles materiais que
foram criados e realizados para no serem conservados
e, por isso, as suas possibilidades de estudo so restritas.
73
A partir da anlise dessas composies, procurar-se- evidenciar aspectos do cotidiano escolar (as prticas
reveladoras de ensino e de aprendizagem da instituio
e a relao com o programa a ser adotado nas escolas do
ensino primrio; a tipologia do documento; o capricho e
o asseio do material que instruiria tambm para a formao moral do aluno, a ortografia, a caligrafia que servia
para melhorar a letra do aluno, treinada e desenhada, do
desenho7 contemplado em cada composio, da figurinha
colada para ilustrar a composio e o emprego da caneta
tinteiro no documento em estudo).
Neste estudo, busca-se trabalhar com documentos/materiais produzidos no ambiente escolar, mais especificamente o lbum de composies do 5 ano do ensino
primrio do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS, de
1939, organizado pela professora regente5, a Sra. Elinor
Fortes6, e guardado no memorial da escola, mas que du-
Analisar estas composies em um lbum significa trilhar caminhos para compreender a cultura escolar, a
escrita destes alunos, os valores inculcados pela escola e as
prticas educativas desenvolvidas. Alm de conferir centralidade no estudo proposto, permite enveredar por uma his-
Sobre o desenho, Amaral Fontoura (1959, p. 236-243) apresenta trplice objetivo: cultural, prtico e objetivo.
74
tria cultural dos saberes pedaggicos por meio do repertrio de informaes analisadas no lbum de composies.
Trata-se tambm de dar sentido ao converter estes documentos insignificantes em documentos importantes e
de grande importncia para as prticas da escrita escolar.
Uma foto equivale a uma prova incontestvel de que determinada coisa aconteceu.
A foto pode distorcer; mas sempre existe
o pressuposto de que algo existe, ou existiu,
e era semelhante ao que est na imagem
(SONTAG, 2004, p. 16).
75
nos fundos da antiga escola, o Velho Casaro9, localizado na Av. Alberto Bins, n 540.
A fotografia da turma representa um produto social, pois submete o sujeito ao disciplinamento e a uma
imposio de regras. Representa um rito pertencente
cultura, neste caso, da escola, onde fotografar turmas de
alunos com a professora simboliza um universo significativo de imagens, pois so homogneas e expressam
cdigos de representao social em um dado perodo
histrico. A padronizao da fotografia demonstra o disciplinamento dos corpos institudo pela sociedade e pela
escola. O fato de estar um ao lado do outro, sentados ou
em p, revela a ideia de controle, ordem e seriedade. Na
fotografia tambm notria a posio ocupada pela professora no lado esquerdo aos alunos revelando o papel
de receptora do controle e da disciplina juntamente funo cuidadora, zeladora, hierarquizada e estabelecida pela
instituio. Esta fotografia comunica-se por imagens no
verbais, por possuir um carter conotativo que remete s
formas de ser e agir do contexto apresentado (MAUAD,
2005, p. 144).
76
O lbum de composio: um
documento instigante
pgina um desenho realizado pelos alunos ou uma figura colada relacionada ao ttulo do trabalho. Nas trs primeiras composies, o desenho realizado de autoria do
aluno Klaus Hanssen. So composies com autorias diferentes, mas ilustradas pelo mesmo aluno. Os desenhos
apresentam traos bem feitos, coloridos, com detalhes expressamente definidos e que ilustram o tema escrito na
composio. Aparentemente, parecem desenhos feitos em
nanquim.
78
Ao desenharem a histria, as crianas buscam representar o escrito, pois desenhar comunicar, construindo um objeto ou uma cena no espao (grfico) e no tempo
(aes) de suas possibilidades. relacionar partes entre si
compondo um todo que s aos poucos vai se revelando,
bem ou mal, para o seu criador. Desenhar, no caso, saber
conservar aspectos que chamaram ateno em uma histria, mas que precisam ser transformados via procedimentos em uma linguagem diferente.
Na Figura 4, Klaus demonstra, por meio dos elementos figurativos, o tema da composio incndio, escrito pelo colega Walter. Neste desenho, h uma variedade
de aspectos destacados: pessoas, policiais, jornaleiro, automveis e multido de pessoas aglomeradas. E, na Figura
5, representando os pescadores, cuja histria foi escrita
pelo colega Bernardo, o aluno destaca com detalhes os
elementos que representam a situao descrita: a gua, o
pescador, o barco, a rede e a natureza. Os trs desenhos
parecem ilustraes realizadas por profissionais da arte
que expressam riqueza de detalhes e traos muito bem
realizados. A prpria pintura utilizada revela uma combinao de cores que congrega bom gosto e harmonia.
Nas 24 composies, o desenho aparece em 17 delas. Tudo leva a crer que os desenhos ou as figuras eram
uma exigncia da professora. Assim, confirma-se que o
desenho constitui uma forma de construir conhecimentos, uma atividade que envolve sensibilidade e inteligncia, mas tambm influi em outros campos de conhecimento, em especial em relao escrita. Assim, possibilitar s crianas que desenhem propiciar-lhes registrar
graficamente as suas experincias e os seus pensamentos,
por meio das representaes de forma, espao e cor.
Para Macedo (apud PILLAR, 2012, p. 12), desenho e escrita so sistemas de representao que guardam
entre si uma relao de interdependncia (tm a sua singularidade, complementam-se como linguagens e so indissociveis como formas de pensar ou conhecer). Mas,
alm de sistemas de representao, desenhar e escrever
so sistemas de procedimentos, isto , so formas de realizao.
O quadro a seguir registra os elementos representados nos desenhos e nas figuras de acordo com cada
composio.
80
TTULO DA REDAO
A Primavera
Um Incndio
Os Pescadores
Primavera
O Vendedor de Frutas
O Outono
O Outono
A Floresta
O Pescador
Primavera
O Pequeno Pescador
A Boneca
Saudades
Meu Ideal
A Primavera
Estao das Flores
Um Porto
A Primavera
O Pescador
Observando a Natureza
A Natureza
O Passeio
A Pesca
A Pescaria
ercebe-se, a partir dos ttulos apresentados, a repetio dos temas. Podemos imaginar que eram ttulos sugeridos pela professora para que
os alunos desenvolvessem. Tambm podemos inferir que,
em se tratando de um lbum, foram escolhidas as melhores composies realizadas durante o ano letivo para
compor o documento. Por exemplo, o tema pescaria ou
pesca aparece seis vezes no lbum, a primavera quatro vezes, composies que tratam da natureza aparecem quatro vezes, o outono duas vezes. Os temas sobre incndio,
a boneca, saudades e meu ideal aparecem apenas uma vez.
MOTIVO
Campo, riacho, flores, moinho,
espantalho, campons, etc.
Fogo, carros, pessoas, bombeiros, etc.
Pescador, lago, barco, coqueiros, etc.
Duas meninas com uma cesta de
flores na mo.
Lago, cesta, mas, menino, rvore,
etc.
Camponeses, animais, rvores, etc.
Campo, casa, rvores e montanhas.
rvores, mato, floresta, carroa e
lenhador.
Riacho, ponte, menino, anzol, ponte,
etc.
Flores, rvores, meninos, casa, etc.
Pescador, menino, rio, casa e moinho.
Meninas, bonecas e bola.
Menino, montanhas e borboletas.
Montanhas, rvore, menino e cavalo.
Montanhas, colheitas e arado.
Montanhas, casa e homens trabalhando no arado.
Porto, navios e mar.
Montanhas, casa e rvores.
Menino, anzol, rio e igreja.
Rio e mata.
Casa, moinho, ponte, menino e
anzol.
-
81
coletivo proporcionaria aos alunos investimentos nas prticas de escriturao, na aprendizagem da escrita, destacando-se a centralidade da aprendizagem na ortografia e
no exerccio de uma boa caligrafia.
passar a limpo10, praticar a escrita, um exerccio de cpia, que, para Orminda Marques,
uma aprendizagem motriz, uma habilidade. As pessoas pensam bem escrevendo, e, nesse caso, o prprio dito
pensar com o bico da pena revela a importncia de tais
estruturas. O indivduo aprende quando realmente modifica o seu comportamento, o seu modo de agir. Para
aprender basta repetir. Para escrever, basta escrever. A repetio o segredo fundamental da aprendizagem (1936,
p. 20).
10
11
Escala que deveria ser lida debaixo para cima, a partir do
zero: 10 Escrita tima: legvel e clara; letras perfeitamente
uniformes no seu talhe, tamanho e inclinao; 9 Legibilidade
82
Como o ensino era baseado na imitao e na linguagem falada, as diretrizes bem definidas que envolviam
o professor representavam um papel vital, pois ele era o
principal agente da renovao educacional.
De acordo com o Manual de Pedagogia14, elaborado pelo Colgio Farroupilha, ao entrar para a 2 classe do
ensino primrio,
a criana possua apenas um resumido nmero de ideias, relativas ao limitado ambiente da
vida domstica e expressa num pequenssimo
vocabulrio. Como, porm, a linguagem no
seio da famlia costumava ser, geralmente imperfeita, h mister melhor-la aos poucos, na
escola, dentro dos limites da inteligncia infantil. Paralelamente, procurar-se- tambm,
embora com certa parcimnia, ampliar esse
exguo lxico, o qual teria de ser aproveitado
como ponto de partida para o desenvolvimento racional e concntrico no aprendizado
da lngua (1930, p. 22-31).
Um aspecto importante a presena da caneta tinteiro, cuja prtica era introduzida pela escola desde a 3
srie do ensino primrio. Ao escrever a composio com
caneta tinteiro, cabia ao aluno desenvolver a prtica da
boa letra, da escrita clara e legvel.
A preocupao com a boa letra fazia parte da formao de um novo tipo de homem, um homem com12
13
14
83
A realizao das composies no ensino primrio fazia parte do Programa de Linguagem e era tratada
como disciplina autnoma. Mesmo inserida no campo da
lngua portuguesa, ela tinha destaque no boletim de notas, bem como a ortografia e a leitura oral.
A escola, ao trabalhar com composio, seja em cadernos ou na forma de lbum, como no documento aqui
em estudo, seguia as orientaes mnimas da Secretaria
de Educao e Sade Pblica para a sua realizao. Esse
fato pode ser embasado, a partir das constantes visitas e
orientaes realizadas na escola, pelos inspetores do ensino primrio, que supervisionavam o trabalho docente e
orientavam os professores nas suas tarefas de ensino.
15
84
dava a ideia de um documento. No documento, as composies foram escritas com caneta tinteiro, letra cursiva,
em folhas avulsas, aps reunidas pela professora. Alm
de desenhos, havia gravuras coladas extradas de livros,
folhas de calendrios ou cartes de aniversrio.
O vendedor de frutas
Uma historieta formada
Um menino pobre morava com seus pais
perto de um lago. Todas as manhs Joo levava sua cesta com mas cidade, para vender as suas frutas. Joo era pobre, mas bem
educado. Um dia quando o vendedor de frutas atravessava uma rua com o seu cesto, um
auto que vinha com uma grande velocidade,
quase o derrubou. Joo assustou-se e foi sentar-se num banco para descansar um pouco
e adormeceu.
16
85
s temas dados na escola para a realizao das composies devem partir das vivncias, do cotidiano, pois
deste modo que se vai desenvolvendo o esprito e a imaginao infantil. Os assuntos devem ser escolhidos entre os que despertem vivamente o interesse do aluno, como a famlia, os animais e os brinquedos prediletos.
Entretanto, cabe aqui problematizar se as composies do lbum foram escolhidas pelos alunos ou pela professora, que
selecionou as melhores produes. Tambm cabe questionar o porqu alguns alunos no foram contemplados com suas
escritas no lbum de composies.
86
AUTOR
Klaus Hanssen
Walter Nonig
Bernardo Geisel
Heinz Herbert Mller
Loni Fick
Leo Teichmann
Carlos H. Heller
Helmut Wirth
Mariette Meyer
Luiz Fuhrmeister
Gisela Hechner
Hanns Heinz Steppe
Rita Bromberg
Srgio Bastian
Augusto Eurico Heckthener
Ulrich Nelz
Gerd Bolten
Sonia Spillmann
Jutta Thurau
Percy Schmitt
Rita Schendel
Augusto Eurico Heckthener
Vera Melchens
Oyara W. Almeida
17
87
Um incndio
19
88
Saudades
Oh! Que saudades que tenho! Meus 8 anos
se foram, a minha infncia querida! Que
tardes lindas naquele tempo, as flores de
aromas cheias, e sombra das bananeiras e
dos laranjais eu sonhava! Como eram belos
os dias onde a minha infncia brincava com
inocncia. A flor perfumava todo o jardim da
existncia. O mar grande e calmo, o cu um
manto azulado e o mundo um sonho dourado e a vida um hino de amor. De manh
eu me acordava cheio de alegria, agora, triste
e doente! Que noites de melodias naquele
tempo, onde adormecia sorrindo. Na treva as
estrelas cintilaram como se fossem bordados
no cu preto e enorme. As ondas beijavam a
areia e a lua se refletiu na gua mansa e clara
(BROMBERG, 1939).
89
Meu ideal
20
21
22
Sobre o trabalho, o estudo e o amor ptria destacados na
composio de Sergio, citamos o livro Corao, de Edmundo
Amicis (1886), obra considerada de alto padro para a literatura
didtica, que exerceu grande influncia sobre o leitor brasileiro
90
Um ponto final!
Este estudo permite perceber que a escrita e o desenho presentes nas composies so formas de construir
conhecimentos, so atividades que envolvem a inteligncia, o pensamento, a cognio; e que ambos influem na
construo de conhecimentos, em especial em relao
construo da escrita. Desenhar nas composies no
uma perda de tempo, propiciar aos alunos a representao grfica das suas experincias, ou seja, construir
representaes de forma, espao e pensamento por meio
do desenho.
s 5 horas de hoje fui janela e vi o sol descendo no poente. Os passarinhos a essa hora,
j esto cansados e vo aos seus ninhos. As
sombras das rvores ficam cada vez maiores.
As galinhas voltam aos galinheiros e os gachos recolhem seus animais. No poente as
nuvens mudam de cor (Percy Schmitt).
Com o objetivo de se tornar um documento de escrita do aluno, do trabalho desenvolvido pela professora
e do engajamento da escola na campanha da nacionalizao do ensino, no qual a ortografia e a caligrafia estavam
representadas com capricho e organizao, provavelmente so indicadores e resultados da prtica pedaggica desenvolvida pela professora e que deveria ser apresentada e
reconhecida pelos inspetores de ensino e pela Diretora da
Ao escrever e desenhar uma histria, o aluno utiliza procedimentos e aes dirigidos, os quais expressam materialmente essas representaes. Arte e escrita
expresso, mas tambm uma forma de construo de
conhecimentos, a qual est representada por meio destas
linguagens.
91
Referncias
______. Meu dirio: escritas de si na escola primria (19511957). In: BASTOS, Maria Helena; JACQUES, Alice Rigoni;
ALMEIDA, Dris Bittencourt (Org.). Do Deutscher Hilfsverein
ao Colgio Farroupilha/RS: Memrias e histrias (1858-2008).
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.
______. Leituras de formao. Corao, de Edmundo de Amicis
(1886). I Seminrio Brasileiro sobre o Livro & Histria Editorial,
Rio de Janeiro, Livro do Seminrio, v. 1, p. 92-93, 2004.
______; ERMEL, Tatiane de Freitas. Ingresso ao ginsio: os
manuais de preparao ao exame de admisso (1950-1970).
VII Colquio Ensino Mdio, Histria e Cidadania, 6, 2012,
Florianpolis. Anais... UDESC: Florianpolis, 2012.
______; JACQUES, Alice Rigoni. Liturgia da memria escolar
Memorial do Deutscher Hilfsverein ao Colgio Farroupilha
(2002). Revista Linhas, Florianpolis, v. 15, n. 28, p. 49-76, jan./
jun. 2014.
______; STEPNHANOU, M. Traar letras, nmeros e palavras. Caligrafar gestos da escrita e da vida. In: MIGNOT, Ana
Christina Venncio (Org.). No me esqueas num canto qualquer.
1. ed. Rio de Janeiro: Laboratrio Educao e Imagem, v. 1,
2008.
BISHOP, Marie-France. Racontez vos vacances... In: Histoires
des critures de soi lcole primaire (1882-2002). Grenoble:
PUG, 2010.
23
92
GOMES, Antnia Simone Coelho. Prticas de escrita e a escolarizao da infncia: a anlise dos lbuns de pesquisa escolar. In: FONSECA, Thas Nivia de Lima; VEIGA, Cynthia
Greive (Org.). Histria da educao: temas e problemas. Belo
Horizonte: Mazza Edies, 2011.
CUNHA, Maria T. S. Escolar (no tom e no tema: escritas ordinrias na perspectiva da cultura segunda metade do sculo
XX). In: BENCOSTTA, Marcus Levy (Org.). Culturas escolares, saberes e prticas educativas: itinerrios educativos. So
Paulo: Cortez, 2007.
JACQUES, Alice Rigoni. As marcas de correo em cadernos escolares do curso primrio do Colgio Farroupilha/RS
1948/1958. Dissertao de Mestrado, PUCRS, 2012.
______; ALMEIDA, Dris Bittencourt. Acervo escolar do
Colgio Farroupilha: lugar de ensino e pesquisa. XI Congresso
Iberoamericano de Histria de La Educacin Latinoamericana
Sujeitos, poder y disputas por la educacin (Toluca/Mxico),
2014.
______; ERMEL, Tatiane de Freitas. Retratos do tempo de escola: as fotografias do curso primrio do Colgio Farroupilha
em Porto Alegre/RS (1920). X Congresso Luso-Brasileiro de
Histria da Educao, Percursos e desafios na Histria da
Educao Luso-Brasileira, Curitiba, 2014.
______; ERMEL, Tatiane de Freitas. O velho casaro: um estudo sobre o Knabenschule des Deutsches Hilfsverein/Colgio
Farroupilha (1895-1962). BASTOS, Maria Helena Camara;
93
PILLAR, Analice Dutra. Desenho e escrita como sistemas de representao. 2. ed. Porto Alegre, 2012.
______. Janelas indiscretas: os cadernos escolares na historiografia da educao. In: VIDAL, Diana Gonalves; SCHWARTZ,
Cleonara Maria. Histria das culturas escolares no Brasil. Vitria:
EDUFES, 2010.
VIAO FRAGO, Antonio. Culturas escolares, reformas e innovaciones: entre la tradicin y el cambio. Texto divulgado pelo
autor e ainda no publicado, 2000.
94
"
Processo de Reconhecimento
do Ginsio Teuto-Farroupilha:
Os Relatrios de Inspeo
Federal (1937-1962)
Tatiane de Freitas Ermel
Aquele vero fora de um calor excepcional, e chegou direo uma exigncia do Ministrio de Educao,
que deveria ser satisfeita com urgncia: um minucioso relatrio [...] (HOFMEISTER, 1986, p. 40)."
No ano de 1895 foi inaugurado o prdio prprio da escola, na Rua So Rafael, atual Alberto Bins,
no centro de Porto Alegre. Neste local, desempenhou as atividades de ensino at 1962, quando uma
nova sede construda no Bairro Trs Figueiras, na Cidade de Porto Alegre. O prdio antigo foi
demolido, e, no terreno, funciona atualmente o Hotel Plaza So Rafael. A documentao analisada
faz parte do acervo do Memorial do Colgio Farroupilha, fundado em 2002.
1
2
O Colgio Pedro II, localizado na Cidade do Rio de Janeiro, foi institudo pelo Decreto de 2 de dezembro de 1837, tornando-se modelo de instituio de ensino secundrio pblico para o Brasil. O seu
funcionamento e a sua administrao estiveram estritamente ligados elite da sociedade brasileira e
poltica nacional, com o envolvimento de intelectuais, Ministros e o Imperador, D. Pedro II.
96
3
O Ministrio da Educao foi criado em 1930, logo aps a chegada de Getlio Vargas ao poder.
Com o nome de Ministrio da Educao e Sade Pblica, a instituio desenvolvia atividades pertinentes a vrios ministrios como sade, esporte, educao e meio ambiente. At ento, os assuntos
ligados educao eram tratados pelo Departamento Nacional de Ensino, ligado ao Ministrio da
Justia. De 1934 a 1945, o ento Ministro da Educao e da Sade Pblica, Gustavo Capanema
Filho, promove uma gesto marcada pela reforma dos ensinos secundrio e universitrio (Disponvel
em: <http://portal.mec.gov.br/?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=171>).
97
Colgio Farroupilha, podemos destacar o seu esforo em manter as suas atividades. Alm
do discurso oficial, seja da direo da instituio ou da Diviso do Ensino Secundrio do
Governo Federal, visualizamos nas entrelinhas aspectos da cultura escolar secundria, da
formao de uma elite intelectual, que representavam os ginsios, em diferentes partes do
Pas.
Os cursos oferecidos pela instituio em 1962 so primrio, ginsio e cientfico, em regime de
externato misto, com 30 salas de aula e capacidade de 1.500 alunos.
98
Aps a expulso dos jesutas pela poltica pombalina, em 1759, o ensino secundrio organizou-se nas chamadas Aulas Avulsas ou Rgias e na criao dos Liceus,
nas capitais e cidades de maior prestgio das provncias6.
O Colgio Pedro II, criado em 1837 no Rio de Janeiro,
A iniciativa de criao de colgios no perodo colonial brasileiro foi realizada tambm por outras ordens e grupos religiosos, mas o sucesso principal dos colgios jesutas consistiam
no fato de estarem organizados e regulamentados no Ratio
Studiorium, um mtodo moderno de ensino, menos complexo
que a Universitas medieval e, portanto, mais eficaz e funcional
para a formao da elite intelectual brasileira (NUNES, 2000).
5
99
100
est diretamente relacionado ao humanismo e a sua permanncia como elemento fundamental na formao de
jovens. Como salienta Souza (2009) ao analisar as transformaes do currculo do ensino secundrio no Brasil
entre 1920 e 1960:
O embate entre humanidades e cientificidade, constantes na segunda metade do sculo XX, culminam em
uma das principais questes que envolviam o currculo do
ensino secundrio, o ensino de lnguas, especialmente referente permanncia do Latim e do Grego. Com a Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional, promulgada em
1961 (Lei n 4.024/1961), foram institudas as diretrizes
curriculares para o ensino mdio, concretizando a flexibilizao e diversificao do currculo, com disciplinas obrigatrias, optativas e prticas educativas. No ano seguinte,
em 1962, o Conselho Federal de Educao indicou as matrias do ensino mdio, sendo as obrigatrias: Portugus
(sete sries), Histria (seis sries), Geografia (cinco sries),
Matemtica (seis sries) e Cincias (sob a forma de iniciao cincia, 2 sries, sob a forma de Cincias Fsicas e
Biolgicas, 4 sries) (SOUZA, 2009, p. 87).
No por acaso, a questo do humanismo esteve no cerne dos debates culturais e educacionais dos anos 40 e 50 do sculo XX. A ca-
Nesse contexto de expanso e consolidao dos estabelecimentos de ensino secundrio no Brasil, o Ginsio
Teuto-Brasileiro Farroupilha esfora-se para manter as
101
suas atividades de ensino, com reconhecimento e constante verificao das condies para o seu funcionamento.
Os relatrios e a correspondncia remontam aos traos
educacionais secundrios marcados pela normatizao,
pela inspeo e pelo controle do Estado Nacional em torno das instituies de ensino.
A documentao preliminar
(1936-1941)
contedo presente na documentao preliminar compreende, de modo geral, a solicitao para a oficializao do Ginsio (1936), a ficha
de classificao da Inspetoria Geral do Ensino (1937),
o reconhecimento de capacitao de alguns professores
(1937) e o pedido de reabertura do Ginsio (1940).
10
O documento no menciona os nomes das instituies, mas
entende-se que sejam as mesmas descritas em um documento de 1940, que ser analisado a seguir. A lista compreende:
Colgio Anchieta, Colgio Nossa Senhora do Rosrio, Colgio
Julio de Castilhos, Colgio Sevign, Colgio Bom Conselho,
Colgio Nossa Senhora das Dores, Colgio Cruzeiro do Sul,
Instituto Porto Alegre e Colgio Americano.
102
apresentados como professores j atuantes em demais ginsios privados e pblicos. O primeiro seria professor desde 1928 do Ginsio Bom Conselho (departamento feminino) e o segundo do Ginsio Estadual Julio de Castilhos,
ambos localizados em Porto Alegre/RS. Os documentos
de atuao no magistrio destas instituies comprovariam
a capacidade para lecionar no Ginsio Teuto-Brasileiro
Farroupilha. Outros casos de requerimento dos professores
so tambm enviados, tendo em vista o reconhecimento
dos mesmos para lecionar na instituio.
103
104
a parte referente aos dados gerais, descrito o histrico da instituio, da organizao administrativa, das matrculas (1937-1941), dos
horrios, da organizao da escrita financeira, do patrimnio, das rendas, do corpo docente e do regimento escolar.
A organizao administrativa era realizada pelo diretor,
que convocava, uma vez por ms, o Conselho Escolar,
constitudo pelo Presidente da Associao Mantenedora,
pelo primeiro tesoureiro e seis conselheiros.
105
106
Quanto organizao escolar, so descritas questes relativas Educao Fsica, ao Ensino da Lngua
Alem, ao Ensino Religioso, assistncia mdica e situao geral do Ginsio. Deste ltimo item temos:
11
107
m anexo ao relatrio, enviado um exemplar do Relatrio Mensal do Ginsio TeutoBrasileiro Farroupilha, de 1939. Este traz contedos
relativos organizao escolar, reportagens e uma srie de perguntas e respostas feitas Diviso de Ensino
Secundrio pela direo da Instituio. Estas, por intermdio do inspetor, Dr. Artur Porto Pires, eram encaminhas professora Lcia Magalhes, responsvel pelo expediente da Diviso de Ensino Secundrio.
O ltimo item do relatrio compreende a comprovao de no vinculao do Ginsio com o nazismo, enviando relatrio comprobatrio da Delegacia de Ordem
e Poltica Social (DOPS), atestado n 472, alegando que
108
Em julho de 1954, a resposta oficial de reconhecimento do segundo ciclo do ginsio foi encaminhada
por duas vias: primeiro, diretamente pelo Ministrio da
Educao e Sade Pblica (em 9 de julho de 1954) e,
posteriormente, por correspondncia dos membros do
Sotto Maior e Cia ao ento diretor do ensino secundrio,
Roberto M. Marroni, declarando que j foi reconhecido
pelo Ministrio da Educao e Sade Pblica, o segundo ciclo ginasial do Colgio Farroupilha, dessa cidade, do
qual V. Sa. proficiente Diretor (12 de julho de 1954)13.
13
12
109
O novo espao do Ginsio Farroupilha tinha capacidade para receber 1.500 alunos em regime misto, possua 30 salas de aula para os trs cursos: primrio, ginsio
e cientfico. A primeira diviso analisada no Relatrio era
14
110
111
Consideraes
O estudo no esgota os contedos e significados que podem ser analisados a partir dos relatrios de
inspeo, apenas abre possibilidades de investigao em
vrios outros segmentos. O empenho da instituio em
organizar os documentos comprobatrios, devidamente
registrados, resulta na sua autorizao permanente e o
funcionamento desta at os dias de hoje. A conservao
deste material, revisada em 1971, aps promulgao da
Lei n 5.692, de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1
e 2 graus, consiste em um primeiro passo para pesquisas
da histria do ensino secundrio brasileiro.
112
Referncias
da Educao Matemtica no Brasil. So Paulo: PUCSP, 2002.
Dissertao (Mestrado em Educao Matemtica). 172 f.
MOURA, S. J. Larcio Dias de. As escolas catlicas no Brasil: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro, 1999, mimeo.
NUNES, Clarice. O velho e bom ensino secundrio.
Momentos decisivos. Revista Brasileira de Educao, n. 14, pp.
35-60, maio/jun./jul./ago. 2000.
SOUZA, Rosa Ftima de. A renovao do currculo do ensino secundrio no Brasil: as ltimas batalhas pelo humanismo
(1920-1960). Currculo sem Fronteiras, v. 9, n. 1, p. 72-90, jan./
jun. 2009.
HOFMEISTER FILHO, Carlos. Colgio Farroupilha 18861986. Porto Alegre: Pallotti, 1986.
113
Pedagogia em Imagens: o
Ensino Primrio em Foco
(Dcadas de 1940 a 1960)
Maria Helena Camara Bastos
"
115
O estudo com imagens cartazes de propaganda, anncios de publicidade, ilustrao de livros didticos e revistas pedaggicas, fotografias, mapas, plantas, filmes, lminas,
slides, obras de arte, desenhos e histrias em quadrinhos oferece mltiplas possibilidades
de leitura da liturgia escolar, como discurso pedaggico, e no como um mero elemento
decorativo, como um arquivo da memria escolar e da memria das prticas educativas, e
um dispositivo de informao e de formao.
ara Chalmel (2004, p. 65 e 72), a produo iconogrfica com objetivos pedaggicos uma ferramenta til para a representao do real, de leitura e
de compreenso, permitindo analisar tanto a imagem para ver como a imagem dada a ver. A
imagem no apenas complementa o texto, protagonista da mensagem escrita, ao trazer
escola o mundo tal qual esse deve ser percebido. As imagens, representando tanto as coisas
visveis como as invisveis, so textos dados a ler, conduzindo o leitor a uma atividade interpretativa do real a partir da associao de ideias.
Dubois (2004) parte da ideia de que
a imagem que temos diante de ns ao mesmo tempo um objeto
de cultura e um objeto por natureza. um objeto de cultura sobre o
qual existe um enorme saber e que preciso dominar esse saber para
abordar as imagens. [...] A imagem tambm algo em si, que tem um
poder que lhe prprio e que no se origina do saber constitudo a seu
respeito (Apud FERREIRA; KORNIS, 2004, p. 152-53).
Entendendo a fotografia como um registro abrangente e um dispositivo enunciador do humano, das prticas socioculturais, que constitui um arquivo da vida escolar
116
(SCHOLL; GRIMALDI, 2013, p. 354), o presente estudo analisa parte do acervo iconogrfico do Memorial do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS (1886)2, que contm
registros desde o final do sculo XIX at hoje3, contabilizando 1.127 fotos coletivas.
4
Tambm cabe assinalar as inmeras fichas de cadastro dos alunos, com os dados de identificao,
com a foto 3 x 4, que integram o acervo da secretaria da escola, mas que no fazem parte do presente
estudo.
117
Como os alunos do colgio pertenciam a uma classe com poder aquisitivo, pode-se pensar que as famlias possuam mquinas fotogrficas e filmadoras de 8mm.
6
Wilma Gerlach Funcke ingressou no corpo docente em 1927,
lecionando a disciplina de lngua portuguesa. Entre os anos de
1948 a 1966, foi diretora do curso primrio da instituio.
118
Nesse estudo, analisam-se as fotografias produzidas majoritariamente pelo Studio Os 2, um dos mais
prestigiados da cidade nos anos 1930 e 1940, que atuava
tambm como galeria e molduraria, comandada por dois
artistas Wolfdietrich Wickert e Ed Keffel, ambos fotgrafos alemes radicados em Porto Alegre. Em 1946,
com a sada de Ed Keffel, lvaro Pereira passa a integrar a sociedade (ROSA; PRESSER, 2000, p. 451). Os
filhos de Wickert estudaram no colgio, o que permite
entender a preferncia pelo estdio e por ser um membro
da comunidade alem. Tambm devemos considerar a inteno comercial do fotgrafo, e a escola como um espao
de sociabilidade permite a ampliao de possibilidades
de registrar eventos familiares, como festas de aniversrio
e casamentos. A imagem a seguir registra o filho Mrio
Wickert com a Diretora e os colegas do 4 ano, em dezembro de 1961, na festa de encerramento das atividades
no Velho Casaro.
m Porto Alegre, no final do sculo XIX, a fotografia foi assimilada entre as camadas mais
abastadas da sociedade, que faziam das imagens fotogrficas objetos de consumo (POSSAMAI, 2006, p. 265).
Nessa poca, especialmente nos anos 1920 e 1930, o colgio utilizava os servios fotogrficos de diversos ateliers
de Porto Alegre7. Nas dcadas de 1940 a 1960, vrios
estdios fotogrficos de Porto Alegre8 fizeram registros
dos eventos escolares no Colgio: Studio Os 2, J. vila9 e
Casa Amador10.
Alguns dos atelis presentes na escola nos anos 1920:
Azevedo Dutra, Calegari, Atelier Otto, Deisil e Haendler,
Plnio Venturini, Nicolao Marquis, entre outros ( JACQUES;
ERMEL, 2014, p. 3).
10
Teatro So Pedro.
119
querida D. Wilma
Uma recordao do 4
Aluno Wickert no fechar
das portas do velho prdio.
Mrio D. Wickert
P. Alegre, dezembro de 1961.
Fonte: Memorial do
O registro fotogrfico das turmas do ensino primrio, com as suas respectivas professoras, era e ainda
um ritual anual na escola. Essas imagens eram/so adquiridas pelas famlias e registradas em lbuns familiares.
Souza (2014, p. 399) considera essa prtica como a arte
de disciplinar os sentidos, permitindo a construo de
pertencimento comunidade escolar.
Colgio Farroupilha.
13
11
120
Todas as imagens trazem impresso o nome do colgio, o ano e a identificao Curso Primrio. A srie dos
retratados no explicitada, mas possvel verificar quem
so e em que sries estudavam pela presena do professor.
A maior parte do corpo docente do ensino primrio permaneceu lecionando na escola e na mesma srie ao longo
do perodo desse estudo. Mas algumas fotos trazem em
seu verso o nome dos alunos. No sabemos se foi a professora da turma ou a primeira organizadora do acervo
fotogrfico da escola, Professora Lia Mostardeiro15, que
listou os nomes dos alunos.
Mauad (2008) considera que a pose, apesar de toda a agilizao da fotografia, permanece como elemento constitutivo da
hierarquia de sentido da representao fotogrfica.
15
Em 1995, a Professora Lia comeou a catalogao das fotografias por turma e ano. Como conhecia muitos deles, foi colo-
14
121
122
16
17
Figuras 8 e 9. Fotos de turma do Curso Primrio no ptio do novo prdio (1968) e no Hall do novo
prdio (1967), respetivamente.
Fonte: Memorial do Colgio Farroupilha.
123
Tambm havia o registro da sala de aula do primeiro ano: os meninos sentados esquerda e as meninas
direita do quadro negro, evidenciando uma diviso de
gnero e de altura, pois os menores esto sempre frente,
e uma postura higienista de homogeneizao. Cabe assinalar o fato de que, no perodo analisado, as professoras
do primeiro ano A e B se mantiveram as mesmas: Iris
Dreher18 (1949-1971) e Lia Mostardeiro (1945-1994), o
que, por si s, j garantia essa ritualizao ao longo de
vrias dcadas, em que foram alfabetizadores de vrias
geraes de uma mesma famlia. Os meninos de um lado
e as meninas de outro, uma expressiva quantidade de produes visuais nas paredes da sala de aula, a Bandeira do
Brasil ao fundo, cartazes colados nas classes dos alunos,
havendo uma preparao do cenrio fsico e humano para
o registro fotogrfico.
18
124
19
125
126
Figuras 18 e 19. Fotos de lembrana escolar de alunas do 1 (1957) e do 5 anos (1957) do Curso Primrio, respectivamente.
Fonte: Acervo pessoal da autora e de Gladis Renate Wiener Blumental, respectivamente.
turgia escolar desde a dcada de 194020. Essas imagens no
permanecem na escola, so adquiridas pelas famlias (Figura
18). Tambm esse exemplo de imagem no estava restrito
ao primeiro ano, localizamos em acervo particular registros
em outras sries, como a tirada na 5 srie, em 1957 (Figura
19). Tambm as professoras eram fotografadas do mesmo
modo que os seus alunos (Figura 20), registrando para a
posteridade um acontecimento discursivo, que se cristaliza
na nossa memria, como coloca Fischer (2012).
Desde quando essa imagem realizada na escola no possvel depreender, pois, como eram individuais, ficavam com os
alunos. No acervo no localizamos nenhuma. Fischer (20012)
constata essa prtica na dcada de 1940 na Argentina.
20
Schmitz (1956).
127
FESTAS
Ms de maro ou abril
Festa de Pscoa
24 de junho
Ms de dezembro
Ms de dezembro
ORGANIZAO
2 srie
3 srie
Dia da rvore
Semana da Criana
1 srie
Dia das Mes21 e o Dia dos Pais22 so eventos muito comemorados, com extensa programao: declamaes, cantos, dramatizaes e entrega
de um trabalho confeccionado especialmente para a data.
Entre a profuso de imagens do Dia das Mes, interessante constatar a ausncia, no acervo documental, de
registros fotogrficos das comemoraes do Dia dos Pais.
Ser que era uma cerimnia mais simples e rpida, que
no cabia registros? Ou o encargo da educao dos filhos
era responsabilidade nica das mes, tendo em vista que
a maioria no exercia uma profisso, eram do lar, como
expresso da poca? O homem considerado o provedor
do lar e a mulher idealizada na figura materna.
21
22
A histria mais conhecida em comemorao ao dia dos pais
a de William Jackson Smart, um ex-combatente da guerra
civil que perdeu a sua esposa quando os seis filhos eram ainda
bem pequenos, criando-os sozinho. A sua filha Sonora Smart
resolveu homenage-lo, no ano de 1909, em razo da admirao que sentia, por este ter dedicado a sua vida aos filhos e
ter conseguido cri-los muito bem. A data escolhida foi a de
nascimento de Willian, dezenove de junho. No Brasil, a data
passou a ser comemorada a partir de 1953, sempre no segundo
domingo de agosto (Disponvel em: <http://www.brasilescola.
com/datas-comemorativas/dia-dos-pais-1.htm>. Acesso em:
16 abr. 2015).
23
Como uma festa pag em comemorao grande fertilidade
da terra, s boas colheitas, na poca em que denominaram de
solstcio de vero, essas comemoraes aconteciam no dia 24
de junho, Dia de So Joo. Passa a ser uma comemorao da
Igreja Catlica, que homenageia trs santos: no dia 13 a festa
para Santo Antnio; no dia 24, para So Joo; e, no dia 29,
para So Pedro. Foi introduzido no Brasil pelos colonizadores
(Disponvel em: <http://www.brasilescola.com/detalhes-festa-junina/origem-festa-junina.htm>. Acesso em: 30 mar. 2015).
129
131
A primeira edio dessa cartilha de 1938 e foi aprovada pela Comisso do Livro Didtico do Ministrio da Educao e Sade Pblica.
Tambm foi indicada para o primeiro ano pelo CPOE/RS, em 1950 (PERES, 2006). Editada pela Companhia Editora Nacional. Sobre,
ver Frade e Maciel (2006), Campelo (2007).
26
Clia Rabello tambm autora de outros livros de leitura: Em casa da vov (segundo ano primrio), Os trs amigos (leitura intermediria para o primeiro ano) e Ninita e suas amiguinhas (terceiro ano, 1940).
27
28
29
30
Sobre essas quatro primeiras lies, ver anlise de Frade (2010), especialmente as pginas 153-157.
132
133
DATAS
Dia Panamericano
14 de abril
1 de maio
19 de abril
21 de abril
22 de abril
As datas cvicas tambm marcam o calendrio escolar, conforme o Quadro 2. As mais registradas em imagens
so: Semana da Ptria e Semana Farroupilha. Figueiredo
(2013, p. 1285), em estudo dos cadernos escolares da dcada de 1950, destaca a significativa presena nas atividades escolares dos valores cvicos: amor Ptria, exaltao
bandeira, admirao aos heris nacionais, comemorao
dos grandes acontecimentos histricos, regionalismo, entre outros. Os cadernos de deveres e as agendas de temas
24 de maio
11 de junho
25 de agosto
1 de setembro
3 de setembro
20 de setembro
15 de novembro
19 de novembro
15 de outubro
135
CVICAS
14 de abril
Dia do Trabalho
Dia do ndio
Homenagem a Tiradentes
Descobrimento do Brasil
Batalha de Tuiuti
Batalha de Riachuelo
Dia do Soldado
Semana da Ptria
Dia do Guarda
Semana Farroupilha
Proclamao da Repblica
Dia da Bandeira
Semana da Asa
DATAS
14 de abril
CVICAS
Dia Panamericano
1 de maio
Dia do Trabalho
19 de abril
Dia do ndio
14 de abril
21 de abril
22 de abril
24 de maio
11 de junho
25 de agosto
1 de setembro
3 de setembro
20 de setembro
15 de novembro
19 de novembro
15 de outubro
Semana Farroupilha
Proclamao da Repblica
Dia da Bandeira
Semana da Asa
136
137
31
32
33
34
138
Realizao mensal
DATAS
21 de maro
Quadragsimo dia aps a quarta-feira de cinza
Domingo de Pscoa/Carnaval Cinzas
RELIGIOSAS
24 de junho
15 de agosto
29 de junho
Ms de outubro ou novembro
31 de outubro
1 de novembro
2 de novembro
8 de dezembro
Dia N. S. da Conceio
139
Na histria da Igreja Catlica Apostlica Romana, compreende-se a instituio de sete sacramentos necessrios para a manuteno da crena e da unidade eclesistica. O batismo, a crisma,
a eucaristia, a reconciliao, a uno dos enfermos, a ordem e o
matrimnio correspondem a prticas religiosas que procuram dar
significados s aes da Igreja (SCHOLL; GRIMALDI, 2013,
p. 358).
35
36
Na Igreja Evanglica, a confirmao s ocorre com 14 anos
e a preparao realizada na prpria Comunidade Evanglica,
portanto fora da escola. Dessa forma, o acervo no contm nenhum registro.
140
141
iferentemente dos meninos, as meninas esto com vestidos brancos e longos, inclusive
o sapato, vu, velas com ramos de trigo, flores e fita. Os
padres que oficializaram a cerimnia, as anjinhas tambm
compem a imagem a seguir.
142
Comunho (1958).
Comunho (1958).
37
143
mdio O Clarim, que relata a presena das autoridades da ABE, direo do colgio, professores e alunos, do
governador do Estado Engenheiro Leonel de Moura
Brizola e muitos outros. A cerimnia constou do hasteamento da bandeira, com os participantes cantando o
Hino Nacional, o Hino Sul-Rio-grandense e o Hino do
Estudante, descerramento de placas em homenagem aos
fundadores da ABE, corte da fita simblica, e discursos,
seguidos de um coquetel aos presentes.
Algumas fotografias documentam eventos ligados
ao corpo docente, como reunies e confraternizaes. A
Figura 44 registra a recepo Diretora do Ensino
Primrio quando do retorno de uma de suas viagens ao
exterior, em 1952, que constou de um ch da tarde realizado nas dependncias da Confeitaria Renner.
(1952).
145
Finalizando
Como produo cultural, as imagens que participam de uma estratgia de comunicao, que conferem
ao quadro da histria a fora da lembrana, registrando
a relao intersubjetiva e social (DAVALLON, 1999, p.
28). Dessa forma, cristalizam a liturgia do universo escolar e educacional, de um determinado perodo da escola
brasileira e rio-grandense.
146
Referncias
______; _______. Cartilha, festa e escrita infantil: lbuns e cartas dos alunos do Curso Primrio (1948-1966). In: BASTOS,
Maria Helena Camara; JACQUES, Alice Rigoni; ALMEIDA,
Dris Bittencourt (Org.). Do Deutscher Hilfsverein ao Colgio
Farroupilha/RS Memrias e histrias (1858-2008). Porto
Alegre/RS: EDIPUCRS, 2013.
147
MAUAD, Ana Maria. Imagens de passagem: fotografia e os ritos da vida catlica da elite brasileira, 1850-1950. VIII Encontro
Regional da ANPUH. Vassouras/Rio de Janeiro: Anpuh/RJ, v.
1, 1998. 10 p.
FRADE, Isabel Cristina A. da Silva. Cartilha Proena e leitura principiante de Antonio Firmino de Proena: configuraes grficas e pedagogia. In: RAZZINI, Mrcia de Paula G.
(Org.). Antonio Firmino de Proena: professor, formador, autor.
So Paulo: Porto Idias, 2010.
______; ERMEL. T. F. Retratos do tempo de escola: as fotografias do curso primrio do Colgio Farroupilha em Porto
Alegre/RS (1920). X Congresso Luso-Brasileiro de Histria da
Educao: Percursos e Desafios na Histria da Educao LusoBrasileira. Curitiba, 2014.
148
"
O menino brasileiro
Uma verso desse captulo originalmente foi publicada com o ttulo Valores Cvicos nos
Cadernos Escolares do Curso Primrio (Colgio Farroupilha/RS, dcada 1950) (2013, p. 12791296). Para esta coletnea, foi revisto e atualizado.
uando decidi que faria um estudo sobre cadernos escolares, pretendia analisar os
cadernos de Histria do Curso Primrio. Comecei procurando cadernos avulsos,
at que avistei duas colees de cadernos em uma das estantes do Memorial do Colgio
Farroupilha. Cada coleo composta por cinco volumes havia sido caprichosamente encadernada pelas mes dos alunos. Assim que comecei a folhear os volumes, percebi que personagens da Histria apareciam em diversas disciplinas, como Portugus, Caligrafia, Desenho
e at Matemtica. Foi ento que comecei a folhe-los com um olhar mais atento, e logo ficou
evidente que, por meio desses dispositivos escolares, eram disseminados valores morais e
cvicos para as crianas. Quando vi, j estava mudando meu tema de pesquisa...
Escrever repetidamente palavras, frases e textos relacionados com valores morais,
com instrues de como dever ser, encarnadas em dizeres e regras (CUNHA, 2006),
desenhar bandeiras do Brasil, frisos na cor verde e amarelo, entre outros, fazia parte do
cotidiano escolar dos alunos do Curso Primrio, porm nem sempre foi assim.
O acervo do Memorial do Colgio Farroupilha contm cadernos escolares desde a
dcada de 1920 at o ano de 2014. Os cadernos mais antigos do acervo (dcada de1920)
esto escritos em lngua alem, com somente algumas anotaes em Lngua Portuguesa.
Depois, s h cadernos a partir do final da dcada de 1940, que possuem um padro interno bem diferente dos do perodo anterior. A escrita em lngua alem substituda pela
lngua portuguesa, e os cadernos, que antes s possuam elementos escritos, agora esto
repletos de ilustraes da bandeira nacional, de mapas do Brasil e de textos e imagens dos
heris nacionais2.
Heris so smbolos poderosos, encarnaes de ideias e aspiraes, pontos de referncia, fulcros de identificao coletiva. So, por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabea e o corao
150
4
Sobre as mudanas ocorridas na escola durante o perodo do
Estado Novo, ver Almeida (2014).
151
Segundo Peixoto (1916, p. 11), a moral [...] a regra formal de conduta que estatue os deveres do homem,
consigo mesmo e com seus semelhantes para que do bem
de todos venha o bem de cada um. Os valores morais so
aqui relacionados com os preceitos de civilidade, como
uma forma de controle social que tornaria possvel uma
mnima convivncia pacfica entre os cidados. Ao invs
de naturais, representam um intenso esforo de codificao
e controle dos comportamentos (CUNHA, 2006, p. 93).
Elisabeth Pfeifer
Total
1 SRIE
2 SRIE
3 SRIE
4 SRIE
5 SRIE
TOTAL
22
23
30
17
19
111
01
02
03
27
23
02
52
48
23
-
53
22
-
39
18
-
37
113
02
229
Os cadernos escolares se integram cultura material escolar do perodo analisado e permitem que a cada
pgina se observem no s as atividades que compunham
o cotidiano escolar, como tambm transmisso de preceitos de conduta moral e cvica.
No curso primrio, no havia uma disciplina especfica para o ensino de valores morais e cvicos.
No necessrio nos graus infantis dedicar
instruo cvica um tempo especial no
horrio. Esta aprendizagem se faz, como j
temos visto, de forma ocasional e indireta,
aproveitando as circunstncias favorveis,
ao que devemos juntar as possibilidades que
oferecem as aprendizagens da linguagem,
da histria e da geografia para ampli-la
(REZZANO, 1955, p. 64).
CADERNOS
Histria
ATIVIDADES/CONTEDOS/
DATAS COMEMORATIVAS
Estudar os indgenas
Msica
Caligrafia
Duque de Caxias
Msica
Histria
Caligrafia
Portugus
5 frases Brasil
Caligrafia
Independncia ou Morte
Portugus
-5
-
Histria
Msica
Portugus
-
Geografia
Portugus
Histria
Histria
Portugus
Portugus
Canto
Independncia do Brasil
Revoluo Farroupilha
Dia de Tiradentes
Descobrimento do Brasil
Hino da Independncia
154
155
DATA
[s.d.]
13.08.1951
14.08.1951
28.08.1951
04.09.1951
04.09.1951
10.09.1951
20.08.1951
30.08.1951
03.09.1951
01.09.1953
03.09.1951
05.09.1951
05.09.1953
06.09.1958
06.09.1951
08.09.1953
08.09.1958
29.09.1951
21.09.1953
19.10.1951
04.09.1951
16.10.1951
[s.d.]
17.11.1951
19.08.1952
26.09.1952
26.09.1952
14.10.1952
21.10.1952
21.10.1952
[s.d.]
[s.d.]
[s.d.]
[s.d.]
04.09.1953
[s.d.]
26.08.1953
29.08.1953
03.09.1953
Essas frases, repetidas vrias vezes, ocupavam no mnimo uma pgina inteira do caderno de caligrafia e tinham
no s o papel de auxiliar o aluno a manter a letra bonita,
como tambm fomentar a valorizao da Ptria e a construo de um sentimento de pertena. De acordo com Bastos,
ALUNO
Alm de escrever as frases, s vezes os alunos tambm faziam ilustraes e/ou destacavam as cores da bandeira do Brasil, conforme a Figura 3.
O trabalho um dever
Que temos todo dia
Mas ser sempre um prazer
Quando feito com alegria
At mesmo os animais passam os dias trabalhando
Os burros entre os varais
Os bois o carro puxando
Todos tem o seu trabalho,
Todos mesmo o passarinho,
Pulando de galho em galho
Para fazer o seu ninho
O trabalho uma beleza,
E na vida uma ventura;
Ele afugenta a pobreza
D-nos conforto e fartura
Com o trabalho ajudamos
Nossa Ptria a progredir
Trabalhemos, trabalhemos
Para o Brasil porvir.
(Caderno de Gladis Renate Wiener, 1955)
157
Alm disso, importante considerar que o trabalho, associado ao ethos capitalista, era um ideal da sociedade burguesa residente em Porto Alegre, e tambm um
valor prprio daquela comunidade de origem alem8 que
frequentava o Colgio Farroupilha.
Geralmente, as redaes exigidas pelas professoras
estavam relacionadas a contedos ensinados em disciplinas como Histria, Geografia e Cincias, ou possuam
ligaes com datas comemorativas.
No dia 21 de abril de 1955, o tema da redao foi
Tiradentes.
De acordo com Seyferth (1994), o discurso tnico do trabalho alemo j era utilizado no final do sculo XIX para destacar
a colonizao bem-sucedida, e a figura do colono pioneiro que
teria transformado a selva brasileira em civilizao por meio do
trabalho.
158
10
159
11
160
161
uma atividade e outra, eram feitos nas cores verde e amarelo. Em exerccios rotineiros da 1 srie, so recorrentes
ilustraes da Bandeira do Brasil. Na Figura 8, por exemplo, pode-se visualizar que o aluno Erico exercitou a escrita do nmero 5, ocupando quase toda a pgina do caderno e, no fim da mesma, desenhou 5 barquinhos, todos
com a bandeira do Brasil.
162
Sobre essas prticas de ilustrao da bandeira, aparentemente fora de contexto, pode-se entender que
[...] o caderno, como produto de uma instituio especfica, transforma os saberes, valores ou ideologias em outra coisa. Portanto,
dificilmente o que produzido na escola
pode ser, em si mesmo, uma fonte neutra. O
contedo no pode desligar-se da forma em
que se apresenta, o caderno um dispositivo
escolar. Como tal, considerado um conjunto de prticas discursivas escolares que se
articulam de um determinado modo produzindo um efeito (GVIRTZ; LARRONDO,
2008, p. 39).
Brasil.
163
Ser Brasileiro
MSICAS
Hino da Criana
Mandamentos do Orfeanista
Cano do Orfeanista
Hino Nacional
Hino da Independncia
Nossa Terra
Segundo a cano do Orfeanista, deveriam considerar a msica na escola uma matria de ensino to til
quando as demais porque seu programa coopera para o
desenvolvimento da inteligncia e de carter. Talvez o
Colgio Farroupilha compartilhasse desse pensamento e
provavelmente utilizava a msica como um instrumento
transmissor de valores considerados importantes.
presente em uma escola alem, que, para no ser fechada, incorpora a identidade brasileira e rio-grandense.
Quase todas as canes possuam carter nacionalista. O
Quadro 3 apresenta os seus ttulos.
164
estava no seu topo: se os alunos desenhavam carros, nibus, barcos, avies, a bandeira era desenhada no trnsito,
ou nos prprios meios de transportes, como se fizesse
parte deles (Figura 12). Segundo Bastos (2005, p. 193), a
165
166
Consideraes finais
Os cadernos escolares, alm de representarem
marcos no territrio da criana, podem ser entendidos
como fonte importante para acompanhar mudanas e
permanncias ocorridas no cotidiano escolar. Por meio
desse lcus privilegiado, podemos adentrar a caixa preta
da histria da educao, [...] a vida cotidiana da sala de
aula, e instituies educativas, enfim, o que ocorre definitivamente nas salas de aula quando o professor fecha a
porta (VIAO, 2008, p. 16).
A partir de cadernos escolares do final da dcada
de 1940 e da dcada de 1950, foi possvel adentrar no cotidiano de uma escola primria e perceber que, por meio
de atividades, exerccios e saberes ensinados, eram transmitidos valores morais e cvicos. Esses valores auxiliavam
na gradual construo de um modelo de futuro cidado
ideal, no perodo emblemtico logo aps o Estado Novo.
167
Referncias
ALVES, Mrcio Fagundes. A reconstruo da identidade nacional na Era Vargas: prticas e rituais cvicos e nacionalistas impressos na cultura do grupo escolar Jos Rangel/Juiz de Fora/
Minas Gerais (1930-1945). Tese de Doutorado. Disponvel em:
<http://www.educacao.ufrj.br/ppge/teses/marcio_fagundes_alves.pdf>.
168
(Org.). Uma gota amarga: itinerrios da nacionalizao do ensino no Brasil. Santa Maria: Editora UFSM, 2014.
BASTOS, Maria Helena Camara; ERMEL, Tatiane de
Freitas. Ritos de passagem, classificao e mrito: os exames
de admisso do Ginsio (1930 a 1961). In: DALLABRIDA,
Norberto; SOUZA, Rosa Ftima de (Org.). Entre o ginsio de
elite e o colgio popular: estudos sobre o ensino secundrio no
Brasil (1931-1961). Uberlndia: EDUFU, 2014.
QUADROS, Claudemir de. O discurso que produz a reforma: nacionalizao do ensino, aparelhamento do Estado e
reforma educacional no Rio Grande do Sul (1937-1945). In:
QUADROS, Claudemir de (Org.). Uma gota amarga: itinerrios da nacionalizao do ensino no Brasil. Santa Maria:
Editora UFSM, 2014.
FIGUEIREDO, Milene Moraes. Valores cvicos nos cadernos escolares do curso primrio (Colgio Farroupilha/RS,
dcada 1950). Encontro da Associao Sul-Rio-Grandense de
Pesquisadores em Histria da Educao, , Histria da Educao e
Culturas do Pampa: dilogos entre Brasil e Uruguai: Anais do
19 Encontro da Associao dos Pesquisadores em Histria da
Educao, Pelotas: UFPEL, 19, p. 1279-1296, 2013.
169
"
O que est escrito em mim comigo ficar guardado, se lhe d prazer. A vida segue sempre em frente, o que se h de fazer? S peo
a voc um favor, se puder: no me esquea num canto qualquer
(Vinicius de Moraes e Toquinho, O caderno, 1983)."
anlise, apresentada nesse artigo recai sobre o estudo de nove cadernos que,
por terem sido encapados, encadernados e guardados, no foram esquecidos
em um canto qualquer. Esses, ao contrrio, foram transformados em documento para essa
investigao. Os cadernos pertenceram a cinco crianas que frequentaram o ensino primrio no Colgio Farroupilha, entre as dcadas de 1940 e 1960.
As pesquisas que se utilizam de cadernos como fonte documental para as investigaes no campo da histria da educao so relativamente recentes. Contudo, paulatinamente, esses estudos vm se desdobrando em um leque de possibilidades para a compreenso de diferentes aspectos do processo de escolarizao.
171
m 2008, Mignot organizou uma obra intitulada Cadernos a vista: escola, memria e cultura escrita, na qual rene uma srie de pesquisas s quais tm como
objeto de anlise o caderno. De l para c, diferentes estudos se desenvolveram com relao
a essa temtica. Destaco, entre outros, a dissertao de Alice Rigoni Jacques, que pesquisa
as marcas de correo nos cadernos escolares (2011).
na esteira desse conjunto de investigaes e com o objetivo de potencializar a
discusso acerca desse artefato que se desenvolve esse estudo sobre os cadernos de Cincias
Naturais.
172
facilidade nesta investigao est relacionada preservao dos cadernos, uma vez
que se encontravam separados e catalogados no Memorial do Farroupilha.
A acessibilidade propiciou o incio da produo de dados, e os cadernos foram separados por aluno, por ano e fotografados. Para a anlise, listaram-se todos os contedos,
registraram-se as observaes referentes materialidade dos cadernos, aos contedos desenvolvidos, ao uso de imagens, desenhos, marcas de correo e especificidades que chamaram ateno, a exemplo do Quadro 1.
Nome do aluno: Erico Winfried Wickert
Nome do professor: No consta
Srie/Ano: 2 A
Higiene pessoal;
Contedos
Alimentao saudvel;
As gravuras so recortadas
e coladas no caderno, no
h desenhos feitos pela
criana, conforme se observou em outros cadernos.
Observaes: H um versinho que chama ateno: to lindo ser limpinho, tenho comigo cuidado,
nunca sujo meu terninho. Frase anotada no caderno no contedo higiene pessoal. A maioria das
pginas est corrigida com caneta vermelha e o nmero 10. No caderno h uma folha destacada que
contm uma sabatina de cincias datada de 19.11.1941, e as questes so: Marque a resposta certa,
complete a frase. Curiosa a questo cinco: uma frase que, em princpio, parece descontextualizada:
Sempre devo me sentar assim. O aluno Erico tirou 10 nessa avaliao.
O evento da entrevista com o senhor Petry foi emblemtico, carregado de sorrisos, por vezes nostlgico, por
vezes alegre, mas, de qualquer forma, o grupo conseguiu
ampliar o tempo e potencializar as informaes at ento
restritas aos cadernos. Com essa experincia, reforou-se
a ideia de Beatriz Sarlo (2007), quando afirma que a lembrana precisa do presente porque, [...] o tempo prprio
da lembrana o presente (p. 10). O presente o nico
tempo em que a lembrana existe: [...] o tempo no qual
a lembrana se apodera tornando-o prprio (p. 10)
A memria , assim, sempre um mosaico, cujas peas no ficam perfeitamente justapostas, h sempre espaos entre elas. No caso da pesquisa, cabe ao investigador
preencher de maneira a completar um passado possvel,
criando o que Foucault chama de regime de verdade
(FOUCAULT, 1986, p. 12). Com essa afirmao, entende-se que um evento s ganha historicidade na trama
174
175
quase que automtico o pesquisador questionar-se sobre o simbolismo desse ato, o que representaria
esse gesto? Sobre ele, fizeram-se algumas conjecturas na
medida em que pode assumir distintos e inmeros significados. De pronto, ocorre que uma maneira de prestar
contas e comprovar resultados. O resultado de um trabalho e da responsabilidade de uma me para com o futuro
de um filho, o resultado do esforo do filho que corres-
176
anlise das lies indica que as mais recorrentes no 2 ano eram: o corpo humano, dividido em membros, dentes, alimentao saudvel e higiene pessoal; as plantas, que eram estudadas a partir se
sua utilidade: se serviam para alimentao, fabricao de
mveis, lpis, borracha, linho e seda para vestirio; os animais, contedo que era abordado de acordo, tambm, com
a sua utilidade: se eram, domsticos, selvagens, teis ou
nocivos. Ainda observa-se a classificao quanto a serem
vertebrados ou invertebrados; em alguns cadernos constam
os reinos da natureza, o estudo dos corpos e os seus desdobramentos como slidos, calor, evaporao, condensao,
ventos e som. Em um dos cadernos, identifica-se, tambm,
o estudo dos valores: como dizer a verdade, a inocncia da
infncia e, ainda, alimentao saudvel. Aspectos peculiares, que s foram percebidos nesse caderno.
Com relao ao 3 ano, observa-se que os contedos apresentam as mesmas temticas a exemplo do corpo
humano, porm avana em grau de complexidade. Nesse
sentido, o estudo do corpo humano desdobrado em
membros, rgos, aparelhos, exerccios e alimentao para
manter o corpo saudvel. Os animais continuam com a
classificao de teis e nocivos, acrescida a abordagem das
classes, os estados dos corpos: slido, lquido e gasoso, e os
reinos da natureza como vegetal, mineral e animal;
Figura 3. Caderno de
Susan, 3 ano (1966).
Figura 4. Caderno de
Gladis, 3 ano (1955).
Fonte: Memorial
Colgio Farroupilha.
177
No incio do caderno da Elizabeth, de 1961, consta um tpico de reviso do ano anterior, a retomada sobre
vertebrados, invertebrados, mamferos, rpteis, aves, peixes, batrquios, animais teis e nocivos, o que d margem
para se pensar se essa era uma prtica constante. Nesse
ano, h registro sobre uma atividade com livro didtico, e
na quarta folha do caderno da est escrito: [...] no trecho
da p. 141, vimos [...], aspecto que no foi observado nas
outras sries.
2
Vrias biografias e estudos sobre a obra de rico Verssimo
no fazem referncia a seu livro Aventuras no mundo da higiene.
Maria Dinorah Luz Prado (1978), na dissertao de mestrado
sobre a literatura infantil de rico Verssimo, no cita e nem faz
referncia a esta obra.
178
179
181
Com relao aos discursos higienistas e a sua intencionalidade, Stephanou afirma: Os discursos mdicos
no se restringem a defender uma bandeira genrica de
educao e sade como soluo aos problemas nacionais.
H uma intensa discusso sobre qual sade e qual educao. No apenas uma sade fsica, mas mental, moral e
intelectual (STEPHANOU, 2005, p. 145). Destaco aqui
algumas questes referentes legislao da educao, no
que concerne ao destaque relativo higiene, em mbito
nacional, pois recorrente nos documentos analisados a
nfase dada a tais assuntos.
182
Para isso foram examinadas as seguintes publicaes: Programa de admisso, de Aroldo de Azevedo et al.,
1958 e 1969, Editora Nacional; Admisso ao ginsio, de
Ada Costa et al., 1951, 1955, 1958, 1959 e 1963, Editora
do Brasil S/A; Exerccios escolares Curso de admisso ao
ginsio, de Theobaldo Miranda Santos, 1953, Agir Editor;
e Srie Era Uma Vez 5 ano primrio, de Nelly Cunha
e Helga Trein, 1955, Editora Globo. De todos eles, somente o ltimo apresenta a matria Cincias Naturais
como parte do programa. Os contedos propostos para
essa matria, no entanto, referem-se aos tipos de ventos,
classificao das rochas, eroso e minerais, confundindo-se, em grande parte, com o contedo Geografia. No se
identificou, portanto, proximidade entre os contedos de
Cincias Naturais ensinados no Farroupilha e aqueles encontrados no Livro de Admisso Nelly Cunha e Helga
183
produtores de uma determinada cultura escolar. A comparao entre o ontem e o hoje que nos dar a dimenso
das continuidades e/ou rupturas que a escola foi capaz de
produzir, perpetuando ou rompendo com determinados
aspectos dessa cultura.
Concluses
No havia aulas em laboratrio, no havendo indcios de que fossem realizadas atividades com materiais
concretos. As chamadas aulas ativas, ao ar livre, que estimulariam o interesse e a criatividade das crianas, questes que, ento, vinham sendo abordadas em alguns manuais de metodologia do ensino de Cincias Naturais da
poca, no so registradas nos documentos analisados.
Da mesma forma, no h qualquer indcio de preocupao com a ecologia, o que pode parecer estranho
nos dias de hoje. Esse fato, no entanto, condizia com a
viso de mundo das dcadas estudadas. Uma perspectiva
do ensino de Cincias Naturais voltada para a sensibilizao e o compromisso com a ecologia, e, de forma mais
abrangente, s inicia nas escolas brasileiras em meados da
dcada de 1980. Contrrio a isso, em dcadas anteriores,
Entre as prticas, possvel perceber que a materialidade dos cadernos obedece a um padro: 1 e 2
anos, os cadernos so com pautas de caligrafia; 3 e 4
anos, com pautas normais. Todos apresentam gravuras
coladas e/ou desenhos. Pelo capricho e pela organizao
e, tambm, pelo relato do senhor Petry, fica claro que os
cadernos eram produzidos em casa, e no durante o perodo da aula.
existe uma viso utilitarista e antropocntrica, fato observado com a presena, nos cadernos, de contedos como
utilidade das plantas, utilidade dos animais, animais
nocivos e teis, aspectos que estavam em acordo com a
perspectiva de um tempo.
A avaliao exaustiva, presente nas marcas de correo, caracterstica marcante em cada caderno anali-
184
185
Referncias
BASTOS, Maria Helena Camara; STEPHANOU, Maria.
Infncia, higiene e educao. In: MOURA, Esmeralda;
CARVALHO, L. H.; ARAJO, J. C. (Orgs.). Infncia na modernidade: entre educao e trabalho. Uberlndia: EDUFU, v.
1, 2007.
RAGO, Margareth. O efeito-Foucault na historiografia brasileira. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, So Paulo, 7(1-2): 67-82,
1995.
JACQUES, Alice Rigoni. As marcas de correo nos cadernos escolares do Curso primrios do colgio Farroupilha 1948/1958.
Dissertao (Mestrado em Educao). Programa de PsGraduao em Educao, Pontifcia Universidade Catlica do
Rio Grande do Sul, 2011.
186
epresentaes do Mundo
nas Aulas de Matemtica:
Problemas Aritmticos em
Cadernos dos Anos 1950
Elisabete Zardo Brigo1
Janine Garcia dos Santos
188
189
190
Na Revista do Ensino, impresso pedaggico publicado mensalmente com apoio da Secretaria de Educao
e Cultura do Estado5, e de ampla circulao nas escolas
Fazemos aqui referncia segunda fase de publicao da
Revista, que teve incio em 1950.
5
4
191
gachas, eram frequentes as sugestes de atividades didticas envolvendo problemas aritmticos. Alguns artigos
apresentavam, tambm, orientaes detalhadas aos professores para a elaborao e abordagem dos problemas em
sala de aula. Esses textos testemunham que a resoluo de
problemas, mais do que uma prescrio, constitua uma
preocupao e uma prioridade dos dirigentes e assessores
da Secretaria (BRIGO; SANTOS, 2015).
s problemas aritmticos eram, tambm, componentes importantes da prova de matemtica do Exame de Admisso ao Ginsio, que regulava o
acesso ao ensino secundrio.
Os contextos dos enunciados eram variados, envolvendo ganhos e perdas, reunies e comparaes. A
preocupao em fazer referncia ao universo infantil, vivido ou imaginado, transparece em vrios deles: Joo tem
oito lpis. Quatro quebraram. Com quantos ficou? (ago.
1953); Eu tinha uma dezena de coelhinhos. Certo dia,
fugiram quatro. Com quantos fiquei? (out. 1953); Na
nossa aula h 50 alunos. Hoje faltam 20. Quantos esto
presentes? (nov. 1953); Gladis tem uma dezena de bonecas. Ruth tem 5 menos. Quantas bonecas tem Ruth?
(nov. 1953).
Alguns enunciados sugerem a inteno disciplinadora de formatar o universo infantil, com uma referncia
ao estudo que parece artificial, quando se pensa em crianas de seis ou sete anos de idade: Claudio estudou ontem
3 horas e hoje 4 horas. Quantas horas ele estudou? (nov.
7
Para uma descrio dos cadernos, ver Bastos (2013). A autora
tambm apresenta um quadro com os nomes das professoras de
Gladis, ao longo do curso primrio.
192
1953). E h tambm referncias a situaes que no fariam sentido no universo extraescolar, como a soma das
idades: Jorge tem oito anos. Seu irmo tem sete anos.
Quantos anos tm os dois juntos? (out. 1953).
s solues apresentadas pela aluna Gladis seguem um padro. Abaixo de cada enunciado,
vemos a escrita da sentena matemtica correspondente e,
a seguir, uma frase completa com a resposta. Na Figura 3,
vemos um exemplo desse padro de apresentao.
Na Figura 4, vemos um exemplo desse tipo de soluo. No desenho, aparecem as doze laranjas que Laura
comprou, sendo que seis delas as laranjas que deu ao irmo aparecem riscadas. As laranjas que no esto riscadas correspondem soluo do problema. Como se pode
ver na figura, o desenho no um rabisco traado em um
canto do caderno, uma ferramenta qual a aluna teria
recorrido, por iniciativa prpria, para calcular o resultado da subtrao. O recurso s figuras, de um lado, evoca
Blumenthal.
193
Permanece o esforo de fazer referncia ao universo infantil, com muitas menes a animais, objetos escolares, brinquedos e eventos como a Pscoa e o Natal. Nos
enunciados, vemos nomes que indicam origem alem,
como o de Erna, sugerindo que, por meio dos personagens, se buscava evocar os alunos da turma ou membros
da comunidade escolar. Mas h tambm referncias a
contextos menos familiares, em uma progressiva ampliao do universo evocado nos problemas: Um operrio
carregou 3 sacos de lenha, cada um com 9 paus. Quantos
paus de lenha carregou o operrio? (jun. 1954); Um indgena caou de cada vez 7 jacarzinhos. Foi 5 dias seguidos. [...] (jul. 1954).
A inteno disciplinadora reaparece em enunciados como o da lio do dia 25 de junho, a ltima antes das
frias de inverno: Nas frias vou arrumar o meu armrio
que tem 4 dzias de livros entre as 4 prateleiras. Nas 3
primeiras cabem 38 livros. Quantos livros ficaram para
arrumar na ltima prateleira?.
194
Na aproximao do mundo adulto, aparecem tambm os temas da pobreza e do trabalho infantil, em referncia a uma condio distinta daquela dos alunos que
frequentavam o Colgio: Um menino, para ajudar sua
famlia que pobre, fabrica saquinhos de papel para bala
e consegue fazer 163.260 saquinhos. Quanto recebe esse
Blumenthal.
Blumenthal.
196
O mundo adulto tambm introduzido nos problemas por meio das menes s unidades de medidas de
comprimento (metro, com seus mltiplos e submltiplos),
de volume (litro, com seus mltiplos e submltiplos) e de
massa (quilograma e seus submltiplos). Frequentemente,
os problemas apresentam medidas dadas em diferentes
unidades (por exemplo, metro e decmetro), de modo a
exigir, do aluno, a converso de uma em outra.
Os problemas com medidas envolvem, tambm, relaes de proporcionalidade: 1/2L de certo vinho custa Cr$
7,50. Quanto custaro 4L? (out. 1956). A soluo apresentada para esse tipo de problemas envolve o clculo do chamado valor unitrio: para este exemplo, primeiro calculado
o preo de 1 litro de vinho, que depois multiplicado por 4.
Por meio dos problemas envolvendo medidas, tambm so
introduzidos os algoritmos das operaes com nmeros decimais adio, subtrao, multiplicao e diviso.
197
(1957).
198
(1957).
199
Consideraes finais
Os cadernos no nos dizem sobre como as professoras aprendiam a formular ou selecionar problemas em
sua formao inicial, por meio das revistas pedaggicas
ou do convvio com os colegas. Mas os cadernos indicam, sim, que a atividade docente envolvia a inveno ou
a adaptao de enunciados.
Era preciso integrar o ensino de Matemtica na
comemorao das chamadas efemrides: Dia do ndio,
Dia do Colono, Semana da Criana... Era preciso fazer
referncia ao universo local dos alunos e de suas famlias:
aos clubes, s lojas e aos bancos que frequentavam ou que
deveriam frequentar em sua vida adulta.
O objetivo enunciado no Decreto n 8.020 era
o de desenvolver a capacidade de resolver problemas.
200
Referncias
BASTOS, M. H. C. Um retrato multicolorido da escola: cadernos de uma aluna singular (1953-1957). In: BASTOS, M. H.
C.; JACQUES, A. R.; ALMEIDA, D. B. (Orgs.). Do Deutscher
Hilsverein ao Colgio Farroupilha/RS. Memrias e histrias
(1858-2008). Porto Alegre: PUCRS, 2008.
______. Directoria Geral da Instruco Publica. Almanack escolar do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Selbach, 1935.
______. Decreto n 3.903, de 14 de outubro de 1927. Aprova
o regimento interno dos estabelecimentos de ensino pblico do
Estado. Biblioteca da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul
(ALERGS). Disponvel em: <http://repositorio.ufsc.br/xmlui/
handle/123456789/100090>. Acesso em: 10 ago. 2014.
BRIGO, E. Z.; SANTOS, J. G. Os problemas de aritmtica na Revista do Ensino dos anos 1950. In: SEMINRIO
TEMTICO, XII. Saberes elementares matemticos do ensino
primrio (1890-1971): o que dizem as Revistas Pedaggicas?
Curitiba, 2015.
______. Decreto n 239, de 5 de junho de 1899. Approva o programma do ensino elementar e complementar. Arquivo Histrico
do Estado do Rio Grande do Sul. Disponvel em: <http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/100095>. Acesso em:
10 ago. 2014.
201
"
Quando enfim entrei na escola primria, sem explicaes desapareceu a insegurana que me atormentara no Jardim de Infncia. Agora era normal estar ali sentindo-me parte de um grupo. Agora eu tinha
mais do que apenas minha ousadia para vasculhar o desconhecido. Principalmente iria aprender a ler e
escrever direito, decifraria aqueles traos e curvas e pontos onde os pensamentos se fixavam como flores
miraculosas. [...] Em meu quarto, a mesa de estudos tambm servia de toucador: ali eu fazia as lies e guardava em gavetas sempre desarrumadas pente, escova, lpis e cadernos. [...] (Lya Luft, 2002, p. 62)."
mente no por quem escreveu neles, mas, via de regra, pelas mes. assim que Luiz Carlos,
autor de dois cadernos aqui investigados, afirma com naturalidade na fala e nostalgia no
olhar: Ora, foi minha me quem os guardou. O ato de guardar movido pelos afetos.
Guarda-se para se guardar, diz Maria Teresa Santos Cunha (2014).
203
204
prendimento do presente (HARTOG, 2013, p. 11), para, assim, conseguirmos nos aproximar dessas memrias escolares.
estariam, ainda, outros motivos que justifiquem investigar cadernos escolares de mais
de cinquenta anos atrs? Subjetividades conduzem aos temas
das pesquisas que elegemos. Neste estudo, a vontade de aliar
afinidades profissionais e acadmicas, ou seja, promover uma
investigao afinada ao campo da histria da educao, em
uma investigao por meio do que ficou arquivado em cadernos escolares. Como diz Viao Frago, tudo depende, pois, da
posio que adota aquele que olha. O lugar de onde se olha
condiciona no somente o que se v, mas tambm como se v
e o que se v (2007, p. 15). Agora, fica o convite a um desALUNO/A
GRAU DE ENSINO
ANO
TTULO DO CADERNO
Caderno 1
Luiz
Primrio (5 ano)
1955 (compilado)
Histria do Brasil
Caderno 2
Erico
Primrio (2 ano)
1950
Histria do Brasil
Caderno 3
Caderno 4
Caderno 5
Erico
Luiz
Betty
1 Ano Ginasial
3 Ano Ginasial
4 Ano Ginasial
1953
1953 (compilado)
1962
205
Histria Geral
Histria Geral
Histria Geral
(TELLES, 1974).
1
Formao em Histria pela Faculdade de Cincias em
Letras/PUCRS, em 1948. Professor da Pontifcia Universidade
Catlica (FAUSTINO; JOO; CLEMENTE; ELVO, 1995).
Permaneceu no Colgio Farroupilha at 1963 (TELLES, 1974).
206
elas narrativas de Luiz Carlos, visualizamos imagens de uma cidade em que talvez
fosse possvel outra forma de conviver e de desfrutar o
espao urbano. Recorda do quanto brincava no entorno
da Avenida Farrapos, algo quase impensvel nos dias de
hoje, por ser uma via movimentadssima, com seus corredores de nibus, suas lojas comerciais, seus prostbulos e
suas casas noturnas Est muito longe da rua tranquila que
ainda habita em suas memrias.
(FERNANDES, 2007, p. 49), por meio da anlise documental. O estudo examina a sua materialidade, a sua esttica, os processos de didatizao do ensino de Histria,
procurando perceber descries da vida escolar. Tambm
so discutidos a abordagem de alguns temas, a proposio das atividades, os indcios de marcas dos alunos e dos
professores, bem como a identificao de vestgios dos
discursos educacionais vigentes.
Dispositivos escolares, portadores de um conjunto
de prticas discursivas (GWIRTZ; LARRONDO, 2007),
escrituras disciplinadas (MEDA, 2014), que, apesar de
no configurarem escritas espontneas, tm a capacidade
de fazer dizer acerca dos processos de escolarizao contemporneos e pretritos. Meda explica que a ausncia de
espontaneidade desses artefatos est relacionada ao juzo
adulto (2014, p. 33), pois o controle do professor que examina os cadernos determina uma autocensura em nvel
expressivo (2014, p. 33). Em outras palavras, a internalizao de determinadas condutas provoca a autorregulao daquele que utiliza esse suporte de escrita escolar.
Portanto, a criana um escrevente forado que escreve
sempre para um adulto (MEDA, 2014, p.33). Para Viao
Frago (2007), o carter de regulao impossibilita a marca
pessoal e subjetiva do autor, questes essas constatadas
nos cadernos imaculados do Colgio Farroupilha.
207
A esttica da perfeio
208
210
'
211
Figura 5. Imagem do
caderno de Betty do
quarto ano ginasial.
a entrevista, Luiz Carlos relata que as figuras coladas em seus cadernos eram retiradas da Revista O Tico Tico7. Em suas pginas, so
encontrados passatempos, mapas educativos, assuntos ligados literatura juvenil, cincias, artes, entre outros. A
Revista O Tico-Tico8 foi lanada pelo jornalista Lus
Fonte: Memorial do
Colgio Farroupilha.
8
Sobre a Revista Tico-Tico, importa destacar a pesquisa de Zita
de Paula Rosa (2002). A revista destinava-se ao pblico infantil.
Circulou no Pas por mais de cinquenta anos, e sua primeira edio
212
213
MS
NOTA
Maio
Abril
Agosto
7,5
Outubro
10
Setembro
8,5
214
primrio.
Para receber tais comentrios elogiosos, era preciso muito empenho. Tamanha meticulosidade certamente
implicava em permanecer horas dedicando-se a tarefa da
escrita, desenho e colagens. Outra poca, em que talvez
no se sentisse tanto a acelerao do tempo, em que as
crianas estudavam pela manh e passavam as tardes com
as mes e os irmos se dedicando aos deveres de casa.
s cadernos do Primrio so escritos a lpis at o terceiro ano, e, nas etapas seguintes, usava-se a caneta tinteiro, que era uma tradio no
Colgio Farroupilha, mantida at os anos 1990. Em sua
maioria, nota-se o uso de sublinhados como protocolo
que direciona a leitura e destaca o que era considerado
215
Uma amostra dessa perspectiva encontra-se no caderno do terceiro ano Primrio de Luiz Carlos (1953). Na
stima lio, o assunto a colonizao do Rio Grande do
Sul. Naquele ano de 1953, completava-se 129 anos da
chegada dos primeiros imigrantes alemes ao Estado. No
217
Neste sentido, faz-se aqui uma referncia segunda Reforma Educacional do sculo XX, promovida pelo
Ministro Gustavo Capanema, intitulada Lei Orgnica
do Ensino Secundrio, em 1942, ainda na vigncia do
Estado Novo. Considerando o contexto, autores como
Dallabrida veem nessa legislao a expresso da ideia de
modernizao autoritria da sociedade brasileira (2013,
p. 2). Assim, a Reforma traduzia uma necessidade de reestruturao educacional para o cumprimento das novas
finalidades do ensino, que, embora mantivesse programas
curriculares factuais, permaneceram temas consagrados
no sculo XIX pela disciplina.
10
Sobre este tema, ver BRUTTER, Annie. Um exemplo de pesquisa sobre a histria de uma disciplina escolar: a histria ensinada
no sculo XVII, 2005.
218
Os indgenas
O descobrimento do Brasil
Caramuru
Revoluo Farroupilha
O descobrimento da Amrica
O Padre Anchieta
Um grande brasileiro
O grito da independncia
Tempos antigos
Descobrimento do Brasil
Tiradentes
Abolio da escravatura
Fundao de Porto Alegre
Primitivos habitantes do RS
Duque de Caxias
Independncia do Brasil
Os sete povos das Misses
Santos Dummond
Colonizao do RS
219
A abolio da escravatura
Governo provisrio
Proclamao da Repblica
Grandes navegaes
Maurcio de Nassau
Expedies exploradoras
O ndio
Insurreio pernambucana
Capitanias hereditrias
Inconfidncia Mineira
Governo geral
Dualidade de Governo
Independncia do Brasil
Invases holandesas
Primeiro Reinado
Vice-Reis
Governos regenciais
Inconfidncia Mineira
Revoluo Farroupilha
Segundo Reinado
Guerra do Paraguai
Histria geral
Descobrimentos martimos
As primeiras civilizaes
Descobrimento do Brasil
Assrios e caldeus
O monotesmo hebraico
1, 2 e 3 Governador Geral
Grcia
Domnio espanhol
Egito
Tratado de Tordesilhas
Persas
Descobrimento de Pinzn
Fencios
Capitanias hereditrias
Roma
Bandeiras e bandeirantes
O Renascimento
Invases holandesas
Afora essas questes, percebemos uma sintonia entre o que diz a lei e os programas do Colgio Farroupilha
no que se refere ao tratamento dos povos indgenas. O decreto destaca vida primitiva, os selvagens como contedos
do segundo ano. No terceiro ano, estava previsto os primeiros habitantes do Rio Grande do Sul e, na sequncia,
o foco aspecto fsico dos primeiros habitantes. Outro
contedo que chama ateno a influncia da colonizao
alem e italiana do ponto de vista econmico e cultural (p.
100), algo isolado no decreto, previsto para o terceiro ano,
que desconsidera as possveis contribuies de outros grupos tnicos. Em relao aos programas do quarto e quinto
anos do Primrio, nota-se um incremento de contedos
provavelmente tendo em vista a continuidade dos estudos
no Curso Ginasial. Vale ressaltar que ideias de nacionalismo, vultos da ptria e smbolos nacionais comparecem na
Amrica, apresentando o Estreito de Behring. E, na sequncia, h uma classificao e localizao de alguns povos
indgenas, Tupis Guaranis, Arauaques ou Maipures, Gs
ou Tapuias, e Carabas.
No caderno de Erico (1953) do Ginsio, a abordagem segue na lgica do eurocentrismo, e, ao final da Idade
Mdia, com as grandes navegaes, o Brasil passa a inserir-se como tema da aula. Dentro do Descobrimento,
os indgenas aparecem com o subttulo Usos e costumes
do ndio do Brasil, e tal contedo ocupa seis pginas.
Apresentam-se caractersticas generalizantes, referentes
habitao, falando da oca, taba e ocara. Concepes acerca da famlia, do papel de homens e mulheres, concepes
polticas, econmicas, culturais. H um item intitulado
Estado Cultural em que se apresenta o grau de adiantamento, distinguindo entre os mais adiantados, aqueles
com alguma cultura e os mais atrasados. No h nenhuma explicao para a atribuio desse critrio, sendo os
mais adiantados os tupis guaranis e os mais atrasados
os tapuias. Discute-se brevemente a origem do ndio na
222
cortes articulados aos textos, desenhos de mapas e esquemas explicativos, confere uma determinada padronizao
regrada, caracterizando um estilo de produo escrita em
que beleza e elegncia eram atributos fundamentais.
Sobre o ensino de Histria propriamente dito,
nota-se um ajustamento legislao vigente. Os temas
abordados seguem uma perspectiva cronolgica, tendo a
Europa Ocidental como baluarte que direciona um modo
de entender os princpios da disciplina. Ainda pensando
nas abordagens tnico-raciais, constata-se que a ausncia
ou o esteretipo so as formas que indgenas e negros historicamente foram tratados na escola.
Consideraes finais
Neste estudo, cadernos de Histria do Colgio
Farroupilha foram problematizados como documentos
que permitem entrever algumas faces da cultura escolar
dos anos 1950 e 1960, notadamente aspectos referentes
ao ensino dessa disciplina. Materiais efmeros, conservados seletivamente e costumeiramente guardados por
outros que no os seus escreventes so, aqui, entendidos
como dispositivos pedaggicos. Os seus discursos permitem perceber a construo de modelo de escola e de
concepo de ensino, afinados ao contexto poltico e educacional daquela temporalidade.
223
Referncias
BASTOS, Maria Helena Camara. Um retrato multicolorido da escola: os cadernos de uma aluna singular (1953-1957).
In: BASTOS, Maria Helena Camara; JACQUES, Alice
Rigoni; ALMEIDA, Dris Bittencourt (Orgs.). Do Deutscher
Hilfsverein ao Colgio Farroupilha/RS: memrias e histrias
(1858-2008). 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 1, 2013.
224
225
"
Nesta aula em que chegamos sem quase nada saber, em breve deixaremos sabendo ler e escrever.
Em nossa aula querida estudamos com alegria. Sabemos canto, desenho, recorte e at geometria...
Pela manh cantamos, para alegrar o nosso dia. Depois na classe estudamos, pois, ali, ningum
vadia [...] (Turma A, 1950 apud BASTOS; JACQUES, 2013, p. 217, grifo nosso)."
Cadernos do 1 ano
s excertos supra representam registros de um momento especial para a turma A do primeiro ano do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS de 1950.
Tratam-se de mensagens escritas pelos alunos da Professora ris Dreher, que compe o
lbum da classe1. As mensagens acompanham as fotos da sala de aula, o convite e as lembranas da festa de outubro, data de comemorao da alfabetizao das crianas, manifestada pelo trmino da Cartilha de Vivi e Vav2, e a passagem Cartilha Proena3. Os
depoimentos revelam a alegria e o interesse dos alunos com as novas descobertas, as aprendizagens do primeiro ano escolar: ler, escrever, cantar, desenhar, recortar e at geometria...
A mensagem infantil indica que, diante de tantos novos saberes apreendidos na
ambincia escolar, escolhem-se os mais significativos, no caso o ler e o escrever. Para o
historiador da educao matemtica, uma lacuna identificada e indaga-se: E o contar?
Talvez pela festividade ter o mote da leitura, a festa da alfabetizao, o contar tenha sido
esquecido. Mas as crianas seguem em suas observaes, elencam uma segunda categoria
de conhecimentos adquiridos e, uma vez mais, o contar no citado. Cantar, desenhar e
Sobre os lbuns elaborados no primeiro ano escolar do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS,
ver Bastos e Jacques (2013).
Cartilha de Clia Rabello adotada no primeiro ano Primrio do Colgio Farroupilha de Porto
Alegre/RS (BASTOS; JACQUES, 2013, p. 210).
Cartilha de Antonio Frmino de Proena. O lbum de 1948 (turma B) registra: Eu vou ganhar a
cartilha. Viva! Recebemos a Cartilha Proena! (BASTOS; JACQUES, 2013, p. 210).
228
229
Figura 2. Cartilha
Fonte: Memorial do
Colgio Farroupilha.
230
Cadernos do 4 ano
Segue-se na busca de outros vestgios, em especial cadernos de alunos que indiquem como os saberes geomtricos eram ensinados aos alunos do Colgio
Farroupilha. Vale ressaltar que geometria no considerada uma matria escolar no Colgio, em nenhum dos
anos, durante a dcada de 1950, e, assim, no h cadernos
ou livros de geometria especficos que nos auxiliem. Tal
dificuldade no particular do colgio em questo, visto
que a investigao de saberes geomtricos elementares no
curso primrio tem se mostrado um processo desafiador
aos historiadores da educao matemtica, na medida em
que os anos iniciais de escolarizao carregam particularidades especficas. Valente ressalta que
7
Optamos por utilizar o termo saberes geomtricos, entendendo-o como todos os conceitos, definies, temas, propriedades e
prticas pedaggicas relacionados geometria que estejam presentes na cultura escolar primria, seja nos diferentes programas de ensino, nos manuais do ensino primrio, em cadernos
escolares, revistas pedaggicas e em outros vestgios da escola
primria.
231
s pginas selecionadas do caderno sem ttulo revelam uma sequncia de exerccios (no
total so nove) que exemplificam a articulao dos conceitos estudados com situaes da realidade dos alunos,
como, por exemplo, o ngulo formado entre os ponteiros
do relgio e a posio das prateleiras da biblioteca.
A primeira pgina do caderno apresenta os conceitos bsicos da geometria e, para tanto apoia-se em exemplos de objetos do cotidiano do aluno, como a posio das
rvores, o fio de prumo. Ressalta-se que a articulao no
se restringe somente aos exerccios, ela est presente desde a explicao dos conceitos estudados.
Uma vez mais, observa-se que o ensino de geometria no Colgio Farroupilha estabelece sintonia com a
232
O caderno em questo contm vinte pginas preenchidas e somente uma das delas registra a data, a sexta
pgina do caderno indica: Quinta-feira, 3 de junho de
1954 (Figura 3) e, ao final, apresenta muitas pginas em
branco. A pouca quantidade de pginas utilizadas juntamente com a falta de datas em muitas delas pode indicar
que as atividades registradas so eventuais, sem regularidade. Poderia ser um caderno destinado a aulas espordicas ou atividades extras, complementares.
233
fixao, com exerccios repetitivos, cada atividade, problema ou conceito anunciado cuidadosamente apresentado com exemplos, figuras e procedimentos que buscam
a compreenso do aluno, como o caso da sequncia de
problemas desenvolvidos para o clculo das reas dos
quadrilteros (Figura 5), que comentamos a seguir.
Atualmente, no Ensino Fundamental anos iniciais, as Medidas constituem um bloco distinto da rubrica
Espao e forma (designao de hoje para a geometria de
tempos passados); no entanto, as medidas relacionadas s
figuras geomtricas constituem mais um conjunto de saberes que designamos por saberes geomtricos, visto que
o seu ensino na escola primria articula-se diretamente
com os conceitos geomtricos e que sempre estiveram nas
prescries do curso primrio.
234
Cadernos de desenho
235
Historicamente, pode-se dizer que desenho e geometria mantm relaes de proximidade: o desenho apoia-se nas figuras geomtricas, tanto nas propostas legislativas quanto nas revistas e nos poucos livros destinados ao
ensino primrio ao longo do sculo XIX. Entretanto, nas
primeiras dcadas do sculo XX, tal aproximao se rompe e o desenho ganha a rubrica de desenho ao natural,
caracterizado por valorizar o cotidiano das crianas e diri-
Caderno de construes
geomtricas
Entre os cadernos de desenho, de caligrafia, de matemtica e dirios pertencentes ao Memorial do Colgio
Farroupilha, um caderno se diferencia. Trata-se do caderno de Betty Gerlinde Uhr10.
O caderno espiral e esta configurao o diferencia dos demais analisados. A consulta ao pronturio de
matrculas permite identificar que a referida aluna cursou
9
11
Os ensinos primrio e secundrio so unificados no denominado ensino de 1 grau somente no ano de 1971, a partir da Lei
n 5.962/1971.
237
Concluindo
12
238
de saberes geomtricos, e no de geometria, por considerar a especificidade do curso primrio. Os saberes geomtricos esto inseridos nos cadernos de caligrafia, nas
cpias, nos cadernos de desenho, em cadernos sem nome,
nos problemas da vida cotidiana, na memria dos alunos.
ode-se dizer que o trao comum identificado nas atividades escolares dos cadernos
o fato de os saberes geomtricos apresentarem-se articulados com objetos da realidade, seja no estudo das figuras espaciais, como o cubo, que feito por meio do dado,
seja nas figuras planas, como o paralelismo de retas, que
exemplificado pela posio das prateleiras da biblioteca,
ou o perpendicularismo, como a posio dos postes em
relao ao solo.
13
239
Referncias
LEME DA SILVA, Maria Clia. Desenho e geometria na escola primria: um casamento duradouro que termina com separao litigiosa. Histria da Educao (UFPel), v. 18, n. 42, p.
61-73, jan./abr. 2014.
BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primrio e vrias instituies complementares da instruo pblica. Obras Completas,
Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Sade, v. X, t. I ao
IV, 1947.
______; VALENTE, Wagner Rodrigues (Org.). A geometria nos primeiros anos escolares: Histria e perspectivas atuais.
Campinas/SP: Papirus, 2014.
PROENA, Antnio Firmino de Proena. Cartilha. 84. ed.
Edices Melhoramentos, 1955.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Educao e Cultura.
Decreto n 8020, de 29 de novembro de 1939. Coletnea de Atos
Oficiais, Porto Alegre, v. II, 1957. Disponvel em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/122105>. Acesso em: 7 jan.
2015.
240
"
eraes de Tcnicos em
Contabilidade: uma Anlise
Prosopogrfica (Escola
Tcnica de Comrcio 1950-1983)
Eduardo Cristiano Hass da Silva
No fundo de uma gaveta, entre tantos outros documentos, l estavam alguns dos convites de formatura
da Escola Tcnica de Comrcio do Colgio Farroupilha de Porto Alegre/RS. O contato com os convites
fez emergir questionamentos sobre os alunos que passaram pelo tcnico comercial: Quem so eles? De
que cidades vieram? Quais as suas origens e de seus pais? Quem eram os seus professores?"
anlise dos convites permite, alm da obteno dos nomes dos formandos,
identificar os professores homenageados, paraninfos, diretores, inspetores e
oradores, bem como os lemas, os juramentos, as imagens da cerimnia (a formatura, o
baile) e a esttica dos convites (tamanho, forma, tipo de letra e papel, smbolos, cores, entre
outros). No entanto, apenas eles no responderiam todos os questionamentos levantados. Foi ento que se resolveu traar a biografia coletiva dos alunos formados pela Escola
Tcnica de Contabilidade do Farroupilha/RS no perodo entre 1950-1983.
Depois de reunida a documentao, composta pelos 23 convites de formatura,
Livros de Inscrio por ordem alfabtica dos alunos matriculados no Curso Tcnico de
Contabilidade e Relatrios da Escola Tcnica, iniciou-se o exame dos dados. Essa anlise,
segundo Charle (2006), pode ser feita a partir de diferentes tcnicas:
Uma vez reunida a documentao, e est a parte mais longa do trabalho, o
exame de dados pode recorrer a tcnicas mltiplas, quantitativas ou qualitativas,
contagens manuais ou informatizadas, quadros estatsticos ou anlises fatoriais,
segundo a riqueza ou a sofisticao do questionrio e das fontes (CHARLE,
2006, p. 41).
A pesquisa que objetiva traar a biografia coletiva de determinados sujeitos chamada de prosopografia e conta com a organizao de fichas sistemticas com dados biogrficos, que levam organizao de quadros, grficos e planilhas que permitem responder
alguns dos nossos questionamentos. Segundo Heinz (2006), estudos que visam a construir
biografias coletivas ajudam a elaborar perfis sociais de determinados grupos, categorias
profissionais ou coletividades histricas, caracterizando as trajetrias sociais e de carreira
dos indivduos.
242
1
Sobre as origens da Escola Tcnica de Comrcio, ver Pacheco
(2013).
243
244
O desejo em perpetuar este momento to marcante na vida dos formandos notvel. Alm de uma srie de
fotos tiradas durante a cerimnia, veremos a preocupao
com a organizao de lbuns de formatura. As Figuras 3
e 4 mostram um dos lbuns de formatura da ETC, do ano
de 1957, que se encontra salvaguardado no Memorial do
Colgio Farroupilha. O documento composto por fotos
dos alunos formandos e dos professores homenageados.
245
3
A pesquisa com convites de formatura torna-se possvel devido s mudanas ocorridas pela histria, principalmente depois
dos Annales, que permitiu um alargamento do que chamamos
de fontes histricas. Alm disso, salientamos a importncia da
histria cultural, que permitiu maior relao com outras reas
do conhecimento: Destaca-se assim, a emergncia de novos
objetos de pesquisa: uma crescente ateno a indcios desprezados ou no percebidos pela Histria de cunho tradicional, como
as evidencias orais, as imagens, a iconografia, as escrituras privadas e ordinrias, a literatura, etc. (STEPHANOU; BASTOS,
2005, p. 419).
246
247
A Figura 6 mostra o Caduceu de Mercrio fixado na capa do convite. O smbolo est grafado em uma
etiqueta adesiva, dourada e em forma de escudo, colada
sobre duas fitas: uma azul e uma vermelha. Na parte superior da etiqueta observa-se a sigla da Escola Tcnica
de Comrcio (ETC), onde as letras so distribudas de
acordo com o contorno da forma. No centro do escudo
encontra-se o Caduceu de Mercrio e, na curvatura inferior, est o nome do Colgio Farroupilha. A distribuio
dos elementos gera uma imagem marcada pela simetria
bilateral, que transmite uma ideia de equilbrio visual.
Quanto ao contedo dos convites, outros elementos podem ser destacados para a investigao proposta. O
campo referente a compromisso ou juramento dos formandos aparece a partir do segundo ano de formatura, em
1953, permanecendo igual at 1957:
4
Disponvel em: <http://sindicato.cnt.br/simbolos.htm>.
Acesso em: 22 set. 2014, s 17h20.
248
Geraes de tcnicos em
contabilidade: uma anlise
prosopogrfica a partir dos
convites de formatura
O ideal calar uma das marcas da ditadura civil-militar que se instala no Brasil a partir do Golpe de 1964.
Depois de reunidos os convites de formatura, elaborou-se um quadro biogrfico a partir das informaes
contidas nos mesmos. Ao explorar o contedo deste quadro, algumas informaes podem ser destacadas, possibilitando a construo de grficos e tabelas, que facilitam
a anlise quantitativa e qualitativa dos dados retirados
dos convites, e que so de grande importncia para o desenvolvimento de trabalhos nos quais se utiliza o mtodo prosopogrfico, como afirmam Almeida e Grazziotin
(2012):
249
Local
FORMATURA DE 1953
Professor Paraninfo
Homenageado de Honra
Homenageados
Diretor
Vice-Diretor
Inspetor
Lema
Formandos
Formandas
Orador
Juramento
Teatro So Pedro
250
Ano de Formatura
Sexo
Nascimento
Filiao: Pai
Filiao: Me
Naturalidade
Nacionalidade
1954
Feminino
15.02.1934
Otto Friedrich
No consta
Shoenfeld
Alem
Ano
1952
1953
1962
1963
1974
1978
1979
Total (1952-1982)
Total (%)
Masculino
8
9
38
47
16
6
6
573
66,3
Feminino
2
11
6
16
26
12
10
291
33,7
Total
10
20
44
63
42
18
16
855
100
9
Conforme convite de formatura pertencente ao acervo do
Memorial do Colgio Farroupilha.
No entanto, no apenas pelos alunos que o ritual de formatura torna-se de grande presena masculina,
mas tambm pelos professores e outros personagens deste
evento. Ao analisarmos o nmero de homens e mulheres
paraninfos que constam nos convites, os resultados so
bastante prximos, sendo que apenas no ano de 1973 veremos uma mulher ser paraninfa: Zaida Jayme Jarros12.
A histria de Zaida peculiar por diferentes motivos.
Alm de ser a nica mulher a receber esta homenagem,
a mesma no fazia parte do corpo docente. Acredita-se
que recebeu esta honraria por ser diretora do Jornal do
Comrcio13, jornal significativamente importante para os
tcnicos comerciais.
10
12
11
Este assunto abordado por: LOURO, Guacira Lopes.
Mulheres na sala de aula. In: PRIORE, Mary Del (Org.).
Histria das mulheres no Brasil. 3. ed. So Paulo: Contexto, 2000.
13
252
HOMENAGEADOS DE
HONRA
N DE
VEZES
4
1
4
3
5
1
2
1
1
1
2
do Colgio Farroupilha.
Nas formaturas, tradicionalmente um ou mais professores eram homenageados de honra pelos formandos. Como
mostra o quadro, ao longo do perodo abordado, diferentes
professores receberam esta considerao, sendo que muitos
deles mais de uma vez: o Professor Edwin Bischolff recebeu
cinco vezes, os Professores Walter Striebel e Namir Lautert
receberam quatro vezes cada um deles, o Professor Rodolpho
George trs vezes, o Professor Ely Horta e a Professora Lelis
de Souza duas vezes, os Professores Walter Kley, Hans Walter
Sille e Nei Burmeister uma vez cada um deles, assim como o
Inspetor Federal Milton Gobbato e o Presidente da ABE Sr.
14
253
Alem
Partindo dos 826 alunos brasileiros, podemos observar tambm as regies brasileiras que mais tiveram
alunos formados como tcnicos contbeis pela ETC.
TOTAL
Argentina
Brasileira
Chinesa
Francesa
Grega
Italiana
Portuguesa
Sria
Uruguaia
Total
NATURALIDADE
9
3
Minas Gerais
Paran
Piau
So Paulo
TOTAL
Par
826
1
Pernambuco
Rio de Janeiro
Santa Catarina
Total
848
3
2
5
1
1
4
776
28
6
826
254
TOTAL
COLOCAO
Porto Alegre
312
Pelotas
15
Bag
13
Cachoeira do Sul
Santa Maria
15
14
Montenegro
13
12
Total
418
Rio Grande
Uruguaiana
12
12
O quadro mostra os municpios com maior nmero de alunos formados pela Escola Tcnica. Como podemos observar, Porto Alegre foi a cidade com o maior
nmero de profissionais, seguida por Cachoeira do Sul,
Pelotas, Santa Maria, Bag, Montenegro, Rio Grande,
Santa Cruz do Sul e Uruguaiana.
A anlise dos diferentes quadros apresentados ao
longo do texto revela as caractersticas comuns e incomuns do grupo social de alunos formados. A partir do
mtodo prosopogrfico, traamos o perfil social destas
geraes de tcnicos contbeis.
Em sua maioria so homens (porm, no podemos desprezar a presena feminina no Ensino Tcnico,
mesmo ele sendo um reduto masculino). O Brasil o
Pas de nascimento de grande parte destes profissionais.
Apesar de terem nacionalidade brasileira, a anlise dos
sobrenomes dos alunos mostra a significativa presena
de discentes de origem alem. Uma anlise genealgica
destes sobrenomes poder mostrar as suas origens tnicas.
2
3
4
255
Finalizando
A partir dos conceitos de Charle (2006), estes tcnicos contabilistas podem ser entendidos coletivamente
como uma elite e corporao intelectual. Estes profissionais so responsveis pela criao de redes sociais entre
si, colocando-se como um grupo especfico em relao s
divises do espao social. De forma geral, ao identificar a
realidade social e analisar a estrutura de formao desta
categoria profissional, cumpre-se o propsito da prosopografia, que, como afirma Stone (2011), no possui todas as
respostas levantadas pelo historiador, mas revela os vnculos por ele investigados.
256
Referncias
LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. A legislao da educao no Brasil durante a Ditadura Militar (1964-1985): um espao de disputas. 2010. 367 f. Tese (Doutorado). Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Cincias humanas e Filosofia,
Departamento de Histria. Rio de Janeiro, 2010.
257
258
"
texto que serve de epgrafe deste captulo, retirado do romance Viver para contar, Gabriel Garcia Mrquez, introduz uma narrativa que procurar enxergar
nas memrias dos scios do Clube Excursionista Serra do Mar (CESM 1948/1958) as
prticas e os discursos da sociedade juvenil porto-alegrense na dcada de 1950, onde as
vivncias perpassam as aventuras excursionistas, o rock nroll americano, os discos de vinil,
os cinemas, os gibis, os bailes e o contato ntimo com a mquina de escrever. Os textos
analisados esto presentes nos dezesseis exemplares do peridico Micuim, elaborados entre
1951 e 1958. Estes documentos fazem parte do acervo pessoal de Hiron Goidanich, ex-aluno do Colgio Farroupilha, Porto Alegre/RS.
A histria inicia no dia 3 de maio de 2013, quando foi realizada uma entrevista em
sua residncia. No decorrer da conversa, descobriu-se que, muito alm de um singelo estudante, Goidanich foi integrante do Clube Excursionista Serra do Mar (CESM), escritor e
diretor do Micuim, realizaes que ele conta com deleite.
A entrevista abriu um leque de possibilidades e questionamentos acerca do ambiente extraescolar dos estudantes, no somente da Escola Tcnica de Comrcio Farroupilha1,
mas tambm dos alunos de todo Colgio Farroupilha que participaram do clube.
O estudo sobre os estudantes situa-se no contexto da nova histria cultural, atravessando, portanto, a noo de cultura. A cultura assumiu sentidos sortidos ao longo dos
sculos2. No sculo XX, passou-se a analis-la como processo comunicativo, composto por
1
Nos anos de 1800, por exemplo, o sentido de cultura era limitado, pois no se pensava na cultura
popular, nem mesmo que as manifestaes do cotidiano da vida humana seriam amostras da cultura.
Nesse tempo, a ela consistia na expresso artstica erudita.
260
Na dcada de 1970, ainda era relativamente pequeno o nmero de trabalhos que se valia de peridicos como fonte para o conhecimento histrico no Brasil (LUCA, 2008).
3
5
Para viabilizao da pesquisa, Hiron Goidanich emprestou os 16 exemplares que possua em seu
acervo pessoal. Estes foram digitalizados e impressos. Renate Lori Oderich tambm contribuiu
doando um exemplar. As cpias e a edio original esto disponveis no Memorial do Colgio
Farroupilha.
261
O seu nascimento data de 1936, seu pai era bancrio, enquanto que a me era do lar, ambos de religio protestante. Ingressou
no Colgio Farroupilha em 1944, onde foi aluno do primeiro ano do curso primrio, passando pelo ginsio at a Escola
Tcnica de Comrcio, em 1955. Enquanto estudava o cursava o
tcnico fazia tambm o cientfico no Colgio Jlio de Castilhos
(Fonte: Memorial do Colgio Farroupilha).
Nasceu em 1935. Filha de pais catlicos, seu pai era comerciante e sua me do lar. Comeou a estudar no Colgio
Farroupilha em 1944 no terceiro ano do curso primrio.
Ainda no Farroupilha, cursou o ginsio e a Escola Tcnica de
Comrcio.
10
Nasceu em 1937 em Porto Alegre. Os seus pais eram evanglicos e, como os demais, teve sua vida escolar iniciada em 1944,
no Colgio Farroupilha, frequentando o curso primrio, ginasial e cientfico (Fonte: Memorial do Colgio Farroupilha).
11
Nasceu em 1934 em uma famlia catlica, onde o pai era comerciante e a me do lar. Iniciou no Colgio Farroupilha no 4
ano do ensino primrio, em 1944. Na mesma instituio, concluiu o ginsio e o curso cientfico.
12
262
Este captulo tem como tnica a descrio do cotidiano ldico dos ex-alunos, privilegiando as suas vozes e
intercalando-as com fontes terico-literrias, mantendo,
dessa forma, a sua sensibilidade e a sua espontaneidade.
por esse motivo que a pesquisa mostra-se rica, pois o
contedo do peridico aglutina testemunhos e abre uma
janela para o entendimento das manifestaes das moas e dos rapazes, a partir de uma viso de mundo dos
prprios sujeitos histricos, pois os jovens canalizaram
as influncias do seu cotidiano e produziram obra que
expressava singularidades, mesmo estando apoiados em
uma cultura global.
A imprensa utilizada enquanto fonte histrica demonstra os aspectos que organizam a sociedade do passado. Os peridicos juvenis comunicam discursos, valores,
preceitos, linguagem e costumes que so concebidos historicamente (ALMEIDA, 2013). As informaes retidas,
resultado de memrias e vivncias, tm o intuito de abastecer a coletividade. H uma correlao entre a imprensa
e a sociedade, medida que a ltima produtora e tambm consumidora do chamado fato social que relatado
pelo escritor. Ora, o escritor que atua sobre os acontecimentos do passado traz a compreenso da conscincia
263
A formao do clube se deu durante um contexto de desenvolvimento industrial e econmico que gerou
melhores condies de consumo e conforto para parte da
populao. Modificaes estruturais da cidade culminaram na consolidao de novas formas de lazer, tais como
viajar, ir s compras, praticar esportes e atividades fsicas, entre as quais se pode notar a popularizao daquelas
vivenciadas em contato com a natureza, uma forma de
compreender os problemas do cinzento mundo urbano
(GONSALVES; MELO, 2009). Atendendo s coordenadas do processo urbanizador, os jovens absorveram
uma ideologia voltada ao sentimento coletivo e fuga da
metrpole. Aos que atribuam a ele semelhanas com o
escotismo, tal qual era visto na poca, dizia-se que a prtica excursionista tornava o homem mais viril, corajoso e
264
NOVOS MEMBROS
1949
1948
1950
13
4
1951
14
1953
1952
31
vos anos.
14
ANO
15
A instituio particular foi inaugurada no ano de 1904, em
Porto Alegre/RS, tambm tinha uma prxima relao com a
sociedade religiosa. Sobre, ver: <http://colegiomarista.org.br/
rosario/sobre/marista-rosario-celebra-111-anos>.
265
jornalzinho foi criado trs anos aps a fundao do clube e tinha por principal objetivo
integrar os cesmianos, visto que, com a entrada de meninas
no segundo ano de clube, o nmero de integrantes aumentou. As moas, ao contrrio dos rapazes, preferiam
a vida social s excurses, tal qual veremos adiante. Aos
poucos, o excursionista foi deixando de lado o cenrio
natural e adentrando cada vez mais no meio urbano. As
viagens continuaram sendo realizadas, entretanto em lugarejos prximos a Porto Alegre, como Itapu e a Praia
Florida. Hiron Goidanich afirma que as excurses mais
longas foram se tornando cada vez mais escassas, pois a
vida social era muito mais divertida.
Para programao e engajamento dos scios, foram organizados departamentos especiais. Anualmente,
era realizada uma eleio (no obrigatria), com a finalidade de definir a diretoria do CESM, que era composta por: presidente, vice-presidente, secretrio, tesoureiro,
diretora do departamento feminino, diretor de departamento de esporte, diretor do departamento de jogos de
salo e conselho fiscal (efetivo e suplente)20.
18
Um dos clubes mais antigos em atividade no Pas. Iniciou em
1863 por meio da iniciativa de imigrantes alemes dispostos a
cultuar as tradies germnicas e o convvio com seus semelhantes. As excurses eram muito apreciadas por seus associados. As suas instalaes compreendiam um pavilho de esportes
(quadra de tnis, futsal, piscinas para natao), sales de festas,
sauna, entre outras. A associao promoveu torneios, shows e
demais eventos. Sobre, ver: <http://www.juvenil.com.br/site/
linha_do_tempo.php>.
19
20
O voto era secreto. Os nomes dos candidatos eram escritos
em um papel e colocados em um saco, e, ento, eram revelados.
266
Era uma turma que j se conhecia muito bem. Nos transformamos ento em um
clube, a comeou-se a eleger o presidente,
comeou-se a fazer reunies mais srias, a
parte mais burocrtica O que vamos fazer?,
Como vai ser as reunies?, Quantas reunies por ms?, se fez um projeto de uma
associao mesmo (V. BECKER, 2015)21.
O Micuim (1951-1958)
m cenrio urbano, o clube procurou diversificar suas atividades ldicas, atentando para
a criao de uma biblioteca, promovendo torneios espor-
21
267
Figura 3.
Propaganda: Fogos
Caramuru.
out. 1952).
Fonte: Micuim, n.
268
22
23
fabricao do peridico era simples e composta por diversas etapas. A primeira delas
dependia exclusivamente dos scios dispostos a colaborar
com textos de interesse. Dever-se-ia fazer um apanhado
das temticas gerais do clube, como: excurses, bailes, torneios e demais notcias internas; somando-as com assuntos variados que instigassem e divertissem o leitor.
Concludos textos e artigos, estes eram entregues aos redatores para eventuais correes. Os textos datilografados, com charges e desenhos feitos a mo, eram transportados para as matrizes e delas para o mimegrafo, que
funcionava base de lcool. Ao fim da operao mecanizada, as pginas impressas eram encapadas e grampeadas
sob o formato de livreto (22 x 16cm). Fernando Carlos
Becker24 assinala que os envolvidos com o peridico eram
responsveis pelo seu layout e era deixado um espao em
branco em meio s pginas que deveriam conter fotografias. As fotografias eram impressas em grficas, em um
cada Micuim. A ltima etapa consistia na distribuio durante as reunies danantes entre todos scios, que eram
a base do pblico leitor.
tom spia. Elas eram pequeninhas e o jornalzinho tambm era pequeno. Levvamos na Masson25, para fazermos
as cpias (F. BECKER, 2015). As imagens, outrora capturadas por Ulrich Wolfgang Auer, que dispunha de uma
mquina fotogrfica Leica, eram coladas uma a uma em
24
as primeiras edies, segundo os redatores, faltou tudo: desde matria at experincia. O tempo tambm foi insuficiente, pois quando
a ideia de produzir uma segunda edio surgiu era dia 1
de dezembro de 1952 e o Micuim ficou pronto no dia 28
desse ms (Micuim, 1952), Vera Maria Becker relata que
eles ficavam noite adentro trabalhando.
25
269
270
humorsticas.
271
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
EDIES
PGINAS
TIRAGEM
Junho de 1952
No consta
Setembro de 1952
17
100
Outubro de 1952
15
100
Dezembro de 1952
15
50
Julho de 1953
16
100
Setembro de 1953
20
100
Dezembro de 1953
16
100
Abril de 1954
16
100
Setembro de 1954
21
120
Maio de 1955
15
No consta
Dezembro de 1955
14
No consta
No consta
14
No consta
No consta
12
No consta
Setembro de 1957
13
No consta
? de 1958
16
Dezembro de 1951
No consta
No consta
272
NOMES
Carlos Neujahr
Claus Friederich
Dieter Rembold
Ervino Schnardorf
Fernando C. Becker1
Gilberto H. Brodt
Harri Kranen3
Heinrich Becker
Hellieth Lilian Prange
Jrgen Friederich
Mario Schmaedecke6
Norma Lopes7
grupo de colaboradores era dinmico, alterava-se de edio para edio. Era incentivado
que qualquer scio sentindo-se apto poderia enviar suas
redaes.
FUNO
Colaborador
Colaborador
Colaborador e fotgrafo
Colaborador e fotgrafo
Colaborador
Redator e diretor em seis
edies
Colaborador
Colaborador
Colaborador
Colaboradora
Redator, desenhista e diretor
em ao menos duas edies
Colaborador
Colaborador
Desenhista, redator e colaborador
Colaboradora
Colaborador
Colaborador
Montagem/Impresso
Fotgrafo, redator e colaborador
Colaboradora
Tornou-se administrador.
27
Tornou-se engenheiro.
28
29
Tornou-se jornalista.
30
Tornou-se jornalista.
31
Tornou-se bancrio.
32
Tornou-se jornalista.
273
34
35
274
Do latim palhao.
a. As excurses:
Gostaste da excurso?
Adorei milhes! Menti descaradamente.
L por dentro amaldioava o Serra [CESM],
os excursionistas, os pais, filhos e netos do
desgraado que inventou as excurses. Mas
passou o perodo de calouro e melhorei muito, tornando-me um dos melhores excursionistas do clube, depois do pior (Micuim, n.
16, 1958).
contemporaneidade. Juodinis (2006) explica que a atividade remonta Europa do sculo XIX, onde era embalada pelo discurso homeoptico que prescrevia os benefcios das guas e o ar das montanhas como predicados
para um corpo saudvel. Adiante, a marcha foi tomada
como um smbolo de vitalidade, portanto, o corpo em
contato com as foras da natureza sujeitava o indivduo a
provaes que eram consideradas benficas, pois o efeito
um corpo forte e vigoroso.
275
O Parque Nacional (Parna) de Aparados da Serra foi criado pelo Decreto n 47.446, de 17 de dezembro de 1959, para
garantir a preservao dos ecossistemas das florestas de araucria, do pampa gacho e da mata atlntica. Localiza-se junto
poro mais oriental da divisa dos Estados do Rio Grande do
Sul e de Santa Catarina, tendo uma rea de aproximadamente
30.360ha.
36
276
com a temtica excursionista. A matria intitulada Os derradeiros 600 metros uma expedio Sua ao Evereste est presente
no Micuim (n. 2) da edio de junho de 1952 e uma traduo de
um texto em alemo. Ela cobria a expedio realizada por oito
alpinistas e quatro cientistas. Sendo que dois elementos foram
selecionados para reportar equipe, que os esperava 600 metros
abaixo, quais eram as condies no topo do monte.
nista devidamente preparado, trajado com suas botas e equipado com mochila, barraca e panela.
Aconteceu que, progressivamente, os scios foram afastando-se do foco inicial do clube. As excurses
ficaram cada vez mais escassas. Em 1954, a diretoria do
CESM publicou uma matria clamando para que o esporte excursionista voltasse aos seus anos de triunfo, onde
a mdia de participantes superava o nmero de 10 scios.
A diminuio do nmero de envolvidos acarretou na diminuio no nmero de excurses. Em 1953, por exemplo, apenas 6 excurses foram realizadas. No ano anterior,
havia sido organizada uma reunio solene onde foram
revelados os 20 slides coloridos das ltimas excurses realizadas no Morro da Pedreira e Itacolomi, transmitidos
pelo retroprojetor. O objetivo da reunio era despertar o
retorno causa excursionista.
Um fator que pode ter contribudo para o deslocamento deste tipo especfico de atividade foi a incorporao das meninas ao clube, que outrora era destinado exclusivamente aos rapazes. Houve uma tentativa de
integrar as moas s excurses, declarando o presidente
do clube que falaria pessoalmente com os pais explicando
que no precisavam se preocupar, pois os rapazes carrega-
37
278
Dessa forma, o CESM elaborou novas programaes de entretenimento, dispostas em consonncia com
a poca, pois a indstria passou a ver na juventude uma
clientela que poderia render-lhes lucros considerveis, nas
palavras do cronista Lus Fernando Verssimo (1989, p.
42) contemporneo a esse perodo, as inovaes atraiam
estes novos consumidores. Comeou a se fabricar, especialmente para os jovens, uma produo exclusiva para
seu consumo: roupa, msica, carros, costumes. Produtos
e hbitos foram propagandeados pelo cinema, que era a
febre do momento. As idas aos cinemas faziam muito
sucesso entre as moas e os rapazes do clube, aceitao
que, ao contrrio das excurses, causava cada vez mais
adeptos aos passeios urbanos.
b. O cinema
A apreciao cinematogrfica no atuou de maneira tnue. Ela foi transformada em objeto de matrias, tirinhas e, at mesmo, caricaturas, que procuravam manter o
leitor informado sobre as novidades do cinema. Os filmes
vistos eram o foco das conversas onde as frases dos atores eram determinantes da linguagem do grupo, medida
que se fixavam bordes. Ademais, ocorriam distores, e
Lanaram filmes como Um dia em Nova York (1949), estrelado por Gene Kelly, Frank Sinatra e Jules Munshin, o ganhador
do Oscar Sinfonia de Paris (1951), Cantando na Chuva (1952),
38
279
c. As reunies danantes
Para distino dos scios, frente aos demais sujeitos, a diretoria exigiu que cesmianos apresentassem sua carteira social.
41
280
uando um casal permanecia unido em vrias danas, os olhares dos colegas se atentavam, faziam-se previses e diziam-se mexericos. Claus
Friedrich, em uma cmica matria do Micuim, traz um
aviso s moas para se afastarem de rapazes indesejveis;
todavia, pede a elas que no apliquem o prprio mtodo
com a sua pessoa, pois entre as tticas havia o clssico
chute, j to temido.
Nas reunies, as meninas tinham de levar os doces e salgados enquanto os rapazes se encarregavam das
bebidas. Frederico Lopes Neto, ainda na carta aberta s
scias do clube, afirma sem vocs s poderamos fazer
um baile 50%. E ficaramos sem doces. O que seria uma
calamidade. Renate Oderich descreve as reunies da seguinte forma:
A convivncia na escola, nos cinemas e nas reunies danantes fez com que amizades emergissem, e de
amizades vieram as paixes. Em uma carta aberta s scias do clube, Frederico Lopes Neto enaltece as colegas
e sem embarao diz: Vocs j pensaram que algum dia
talvez sejam nossas esposas, as mes dos nossos filhos?
Admiradas? Ora, porque? Afinal de contas muitas amizades se formaram graas ao CESM. Muitos namoros tambm. E porque no noivados e casamentos no futuro?
(Micuim, n. 10).
281
282
As lembranas relatadas no peridico esto carregadas da moral da poca que baseada na organizao
e no pensamento social, formado historicamente. A memria e a construo do fato social do-se pela coletividade em um processo que atravessa implicaes prticas,
intelectuais e afetivas (sentimento de pertena). As reportagens do Micuim convergem as lembranas para um
42
283
Consideraes finais
As atividades ldicas (incluindo a realizao do
peridico) no so desconexas da aprendizagem. A socializao, o dilogo e as trocas de ideias permitem que
o sujeito desenvolva o pensamento sobre o mundo a sua
volta, e o pensamento que vai delinear as escolhas e o
comportamento. A realizao do Micuim, por exemplo,
foi de grande importncia para o futuro profissional
de Hiron Goidanich e a participao no CESM para
Fernando Carlos Becker. O primeiro tornou-se jornalista, dedicando-se principalmente crtica de cinema.
Foi tambm integrante do Clube de Cinema de Porto
Alegre formado em 1960 e uma dcada depois tornou-se membro da comisso organizadora do Festival de
Cinema de Gramado/RS. J Fernando Carlos Becker
chegou a ser diretor de importantes instituies, como:
Federao das Indstrias do Rio Grande do Sul, Rotary
Club de Porto Alegre, Sociedade de Ginstica de Porto
Alegre, FEDERACLUBES e Associao Beneficente e
A gente se sentia bem ali no clube. Se estivssemos nos sentindo sobrando, se comessemos a nos sentir de lado, eu por exemplo, j nem entrava. J tava at saindo. Mas a
gente ia porque gostvamos de ir. Ningum
era completamente alheio ao que eles [os rapazes] faziam. Mas ns no ramos muito
preocupadas se eles tinham descido tal morro, ou subido tal morro. Eles faziam o que
eles achavam, depois contavam e mostravam
as fotos.
284
ompreende-se que a criao do clube e a manuteno de mecanismos de comunho conduziu a um estreitamento dos laos sociais, de forma que
as histrias pessoais entrelaadas com as coletivas conjecturaram uma relao duradoura. Renate L. Oderich,
quando questionada sobre o atual convvio com os colegas
da turma de 1950, confessa: Ainda mantenho contato.
uma coisa muito boa. Ns estudvamos e estvamos sempre juntos. A proximidade com os velhos amigos reaviva
as memrias, pois, parafraseando Halbawachs (1950, p.
37), perder o contato com os que nos rodeiam como
esquecer um perodo da vida. A integrao da pessoa, enquanto sujeito histrico, parte do tecido das relaes sociais, compreende uma percepo da realidade cotidiana,
expressa na relao indivduo e sociedade, lembrana e
esquecimento. Dizer que existe uma complementariedade e, ao mesmo tempo, dicotomia entre esquecer e lembrar refora a linha de pensamento na qual as noes e os
testemunhos comuns vo sendo reconstitudos por meio
43
Seja como for, os encontros dos estudantes, registrados na materialidade de um jornal, sensibilizam os
leitores da contemporaneidade, que, a partir dos relatos,
percebem rupturas e continuidades tanto nas prticas
como nos discursos de outrora.
Referncias
ALBERTI, Verena. Ouvir contar. Textos em histria oral. 1. ed.
Rio de Janeiro: Editora Fundao Getulio Vargas, v. 1, 2004.
ALMEIDA, Dris Bittencourt; LIMA, Valeska Alessandra
de. Memrias juvenis nas pginas de um peridico: O Clarim
(1945-1965). In: BASTOS, Maria Helena Camara; JACQUES,
Alice Rigoni; ALMEIDA, Dris Bittencourt (Orgs.). Do
Deutscher Hilfsverein ao Colgio Farroupilha/RS Memrias e
histrias (1858-2008). Porto Alegre/RS: EDIPUCRS, 2013.
285
JUODINIS, G. O excursionismo e o gosto pela natureza. Dissertao Faculdade de Cincias Sociais, Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo. So Paulo/SP, 2006.
MIGUEL, Maria Lcia Cerutti. A fotografia como documento, uma instigao leitura. Revista do Arquivo Nacional, Rio de
Janeiro, 1993.
286
Anexo
Scios do Clube Excursionista Serra do Mar (CESM)*
1. Airton J. Geidel
2. Alzira Prates
3.Antonio Ludwig
4. Ari Gomes Ferreira
5. Astrid Sperb
6. Beatriz Ritfen dos Santos
7. Beatriz Ritter
8. Carlos L. Bacelar
9. Carlos Neujahr
10. Carmem Berqu
11. Claus Friederich
12. Daisy Schneider Goidanich
13. Dieter Rembold
14. Erardo Burgher
15. Edith Lorenz
16. Edmundo Conrad
17. Elar Heberle
18. Ernani Cardoso
19. Erony Bona
20. Ervino Schinardorf
287
"
O olhar percorre as ruas como se fossem pginas escritas: a cidade diz tudo o que voc deve pensar,
faz voc repetir o discurso, e, enquanto voc acredita estar visitando Tamara, no faz nada alm de
registrar os nomes com os quais ela define a si prpria e todas as suas partes. Como realmente a
cidade sob esse carregado invlucro de smbolos, o que contm e o que esconde, ao se sair de Tamara
impossvel saber (Calvino, 1972, p. 12)."
excerto de Italo Calvino nos faz refletir sobre a imensido de smbolos que
confunde o olhar no disciplinado do passante pela cidade. A simples leitura
despretensiosa da cidade age como impedimento compreenso de um fenmeno multifacetado (MONTEIRO, 2012, p. 101), que o espao urbano.
Escola e cidade compartilham entre si ser um pouco de Tamara. Ambas possuem
diversos significados e smbolos que traduzem a complexidade e a trama de relaes entre
as duas. Alm disso, as duas so fruto de acumulao de memrias e histrias dos sujeitos
que por ela passaram. Nas ltimas dcadas, houve uma mudana tanto nos estudos urbanos
quanto nos estudos sobre a escola. A emergncia de uma histria cultural possibilitou a
compreenso desses dois objetos por meio de sua cultura, seja ela urbana ou escolar. Sobre
a histria urbana, Pesavento diz:
Como historiadores, temos a tendncia de buscar as cidades do passado que cada
urbe abriga, em palimpsesto2, e que devem ter deixado traos para serem recuperados mediante um trabalho de pesquisa. Todo historiador sabe que as marcas de
historicidade deixadas no tempo se revelaro diante de si como fontes, a partir da
pergunta que ele far ao passado, questo iluminadas pelos conceitos que presidem nossa posio diante do real (PESAVENTO, 2007, p. 16).
289
abriga diversas escolas do passado que, a partir dos indcios e fragmentos conservados em
museus, em seus arquivos, na memria de seus alunos, tornam material de trabalho para o
historiador da educao.
de loteamentos, cidades-jardins, pelo fato de que a regio central desde o final do sculo
XIX comeou um movimento de expanso. No presente captulo, pretendo analisar o movimento de migrao do Colgio Farroupilha, de sua sede na regio central para a nova
sede, no Bairro Trs Figueiras. Para tanto, a temporalidade escolhida foi do ano de 1930,
quando a sede antiga comea a passar por dificuldades estruturais, acrescentando as diversas reformas urbanas que projetam a cidade para alm de seu centro histrico. At o ano
de 1962, na inaugurao de um novo prdio com concepo moderna no novo Bairro Trs
Figueiras. Este fenmeno no foi exclusivo do Colgio Farroupilha, pois outras escolas
passaram pela mesma troca de ambientes, com outras caractersticas e em outras temporalidades4.
3
O Colgio Americano, no ano de 1921, seguiu o movimento das elites e ocupou um prdio na
Avenida Independncia. Com o surgimento dos loteamentos na regio do atual Bairro Rio Branco,
290
Alargamentos de ruas, criao de praas, delimitao de zoneamentos e criao de estudos para o Plano
291
gente foi um dos fatores que repercutiu nas remodelaes que pautaram o incio do novo sculo. Novas avenidas foram abertas, com a criao das Avenidas Jlio de
Castilhos, Borges de Medeiros e Alberto Bins. O acesso e
a comunicao com a regio central ficou facilitada. Por
consequncia, o centro passou a se ligar mais diretamente
com os arrabaldes e os bairros (BARROSO, 2011, p. 31).
A administrao do intendente Jos Loureiro da
Silva foi marcada por diversas obras estruturais e estudos sobre a urbanizao da cidade, culminando na criao
de um plano de urbanizao: alargamento das principais
vias de acesso (Avenidas Borges de Medeiros, Protsio
292
DCADA
HABITANTES
1910
130.227
1920
179.263
1900
1912
1940
1949
1950
1970
73.274
147.149
272.232
329.000
394.000
885.000
Segundo Souza (1997, p. 95), neste perodo houve um aumento nos limites urbanos para 7.311ha, em
1839, cem anos antes, os limites atingiam 296,6ha. H
tambm uma mudana no perfil dos bairros. Com o crescimento populacional e das relaes com as cidades vizinhas, os grandes eixos virios acabaram se tornando um
fator condicionante para as novas habitaes. Durante as
dcadas de 1940 e 1950, houve uma intensa criao de
habitaes nas regies, como Petrpolis, Rio Branco e
Partenon, devido s suas grandes avenidas. Os arrabaldes
se transformaram em bairros da cidade, mas s seriam
regulamentados no ano de 1959, com a Lei n 2.022, de
7 de dezembro.
5
Os dados referentes aos anos de 1900 a 1912 foram retirados
de Lima (1912, p. 55).
293
Atualmente, a cidade possui 81 bairros e tramita na Prefeitura a criao de outros para reas que ainda
no so delimitadas6. O Plano Diretor foi modificado
7
O prdio situado na Avenida Alberto Bins, n 540, foi chamado assim pelos ex-alunos. Comeou a ser construdo em
1893, a partir da demanda de uma sede prpria para a escola.
Inaugurado em 1895, funcionou at 1962, quando foi colocado venda e demolido para a construo do Hotel Plaza So
Rafael. Sobre, ver Ermel e Jacques (2013).
294
295
A questo do prdio das escolas sofria modificaes e houve uma busca por ambientes livres de barulhos onde os alunos tivessem espao para o aprendizado.
Segundo Rita Gonalves (2012, p. 43), a escola na dca-
296
ANO
1939
244
1941
248
1940
1942
1943
1944
1945
CURSO
CURSO
PRIMRIO GINASIAL
1946
1947
1948
1949
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
CURSO
CIENTFICO
TOTAL
90
334
198
446
238
149
233
226
247
285
332
406
432
507
569
634
668
713
732
753
772
721
771
716
714
698
697
679
213
245
283
302
310
295
319
460
530
615
708
742
802
888
36
1.016
337
86
1.136
344
355
70
95
358
113
372
123
362
379
362
391
371
375
385
110
133
126
121
124
151
183
297
459
346
387
1.082
1.182
1.224
1.244
1.216
1.283
1.204
1.226
1.193
1.223
1.247
12
Conjunto de empresas criadas pelo empresrio, poltico e scio da Associao Beneficente e Educacional de 1858, Anton
Jacob Renner no ano de 1911.
10
13
O economista Sven R. Schulze foi idealizador da Escola
Tcnica de Comrcio e diretor no perodo de 1950 a 1954.
298
ANO
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
Total
32
33
75
76
89
108
138
127
112
98
114
161
190
O aluno Antnio Petrick revela o desejo dos colegas de um novo prdio com estrutura apropriada para
os esportes e para as competies entre escolas. A partir
de 1956, a mobilizao por parte do corpo discente e docente foi fundamental para retirar a imagem de local inabitvel da Chcara Trs Figueiras. Valorizava o contato
com a natureza e as diversas modificaes que estavam
sendo feitas no entorno da futura escola, que beneficiava
os alunos.
299
escola, acampando e fazendo piqueniques nos fins de semana. Devido inexistncia de meios de transporte, as
famlias utilizavam o bonde at o final da linha na Avenida
Caminho do Meio15 e se dirigiam s figueiras caminhando. A Figura 4 ilustra a vista da propriedade, evidenciando as Trs Figueiras, que do o nome do bairro, em 195916.
dos direitos de propriedade dos terrenos loteados. O parcelamento era efetuado por meio de uma caderneta de
prestaes criada pela ABE.
No Quadro 2, podemos observar os primeiros compradores da chamada Vila Trs Figueiras. Inicialmente,
foram loteados os terrenos da Avenida Caminho do
Meio, mais tarde o resto da chcara foi dividida para ser
comercializada. Em 1942, a Avenida Caminho do Meio
torna-se Avenida Protsio Alves e a prefeitura municipal cria as Ruas Carlos Huber, Alfredo Schuett, Luiz
Voelcker, Gustavo Schmidt e Carlos de La Grange e a
Travessa Ruperti, todas com nomes de membros da mantenedora do Colgio.
Devido importncia histrica, as Trs Figueiras foram tombadas pela Equipe de Patrimnio Histrico do Municpio de
Porto Alegre, no ano de 1999.
16
300
CONTRATO/
CADERNETA
1
NOME DO
COMPRADOR
Edgar Deppermann
Max Schmidt
MS/ANO
Dezembro de 1929
Dezembro de 1929
LOCAL
Caminho do Meio
Caminho do Meio
Leo Kalephi
Dezembro de 1929
Caminho do Meio
Curt Klimpecke
Alfredo Schuett
Dezembro de 1929
Caminho do Meio
Dezembro de 1929
Caminho do Meio
10
Elise Schieferdecker
Richard Steinhaus
Dezembro de 1929
Dezembro de 1929
Dezembro de 1929
Janeiro de 1930
Caminho do Meio
Caminho do Meio
Alfredo Schuett
Alfredo Schuett
Associao comercializou, inicialmente, 37 terrenos de um total de 400 terrenos loteados na Vila Trs
Figueiras. A partir de 1956, foi firmado um convnio com a empresa imobiliria Schilling e Kuss17, que
se encarregava de vender, administrar e tramitar com os terrenos. O Mapa 2 apresenta a planta elaborada pela empresa.
Foram vendidos 357 terrenos que so a origem do Bairro Trs Figueiras. No livro de registro dos terrenos da Associao
constam os nomes, endereos e pagamentos dos compradores, oportunizando a pesquisa socioeconmica dos primeiros
habitantes dessa localidade de Porto Alegre.
A Imobiliria Schilling e Kuss, localizada na Avenida Siqueira Campos, n 1189, realizou ampla divulgao do novo loteamento
na Vila Trs Figueiras, financiamento a longo prazo, terrenos com melhoramentos e junto ao novo Colgio Farroupilha.
17
301
18
Ex-aluno, conselheiro da ABE no perodo de 1938 a 1948 e
presidente da Mantenedora de 1948 a 1956. Aps o seu falecimento, em 1961, foi homenageado como patrono da turma de
formandos do ano de 1962.
302
A transferncia dos mveis e a sua respectiva instalao foram feitas em janeiro de 1962, sob a superviso
do Vice-Diretor Hans Schmitt, o que permitiu a aplicao dos exames de segunda poca no novo prdio, no ms
de fevereiro. Um extenso programa de inaugurao foi realizado, para que o ano letivo se iniciasse em 17 de maro.
VELHO
CASARO
(1895-1961)
Na Figura 5, temos o prdio principal e o seu entorno, aps a concluso da primeira parte das obras. Com isso,
a escola foi investindo aos poucos na construo dos outros
prdios constantes do projeto inicial. No dia 11 de agosto
de 1962, realizou-se a inaugurao oficial das canchas de
vlei. Foi convidado o Colgio Batista para o jogo masculino e a Escola Normal 1 de Maio para o feminino.
SEDE TRS
FIGUEIRAS
(1962-)
rea total
1.846m
6.115m
rea utilizada
951,20m
4.032m
rea livre
895,60m
1.247m
25 salas
35 salas
40 a 60m
50 a 70m
Capacidade de alunos
1.370 alunos
1.500 alunos
Colgio Farroupilha.
(1962).
303
304
Consideraes finais
305
Referncias
CALVINO, Italo. Cidades invisveis. So Paulo: Cia das Letras,
1990.
MONTEIRO, Charles. Entre histria urbana e histria da cidade: questes e debates. Oficina do Historiador, Porto Alegre:
EdiPUCRS, v. 5, n. 1, p. 101-12, jan./jun. 2012.
______. Porto Alegre no sculo XX: crescimento urbano e mudanas sociais. In: DORNELLES, Beatriz (Org.). Porto Alegre
em destaque: histria e cultura. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.
GONALVES, Rita. A arquitetura como uma dimenso material das culturas escolares. In: SILVA, Vera Lcia da; PETRY,
Marlia. Objetos da escola: espaos e lugares de constituio de
uma cultura material escolar (Santa Catarina Sculos XIX e
XX). Florianpolis: Insular, 2012.
GRIMALDI, Lucas Costa. Espao urbano e educao: o papel das instituies escolares particulares na urbanizao de
Porto Alegre (1940-1970). Monografia (Bacharelado em
Histria). Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Pontifcia
Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. 2014. 60f.
306
"
Ele contratara uma empregada, e quando me levou biblioteca uma das minhas salas favoritas do
mundo, pois cada volume ali parecia vir com uma histria ela serviu o kaffee (Brooks, 2008, p. 105)."
ste estudo apresenta uma investigao acerca das memrias da biblioteca escolar1 do Colgio Farroupilha e os seus itinerrios dentro da instituio, tendo
como foco os significados a ela atribudos por uma parcela da comunidade escolar entre as
dcadas de 1940 e 1990.
O estudo inscreve-se no campo da histria da educao e assenta-se nos postulados
da histria cultural, em especial da histria da cultura escrita, tendo como inspirao estudos acerca da histria das bibliotecas e da leitura. Nesta pesquisa, estes pressupostos auxiliam na compreenso dos modos pelos quais os alunos e os funcionrios relacionaram-se e
usufruram desta biblioteca, tornando visveis gestos que possibilitam narrar um pouco de
sua histria, que at ento no foi pesquisada.
A epgrafe que abre este texto, extrada do livro As Memrias do livro (BROOKS,
2008), remete ideia de que uma biblioteca pode ter muitas histrias para contar. Esta
tambm a proposta deste estudo: alm das histrias contidas nos volumes ali guardados,
h outras histrias esperando uma oportunidade para serem contadas, seja por meio das
memrias de quem a frequentou ou de documentos conservados pela prpria instituio.
Entendendo a biblioteca como um lugar de leitura, pesquisa e conservao do saber
coletivo por meio do escrito, o estudo se apropria da afirmativa de Umberto Eco (2010), ao
defender que a mesma teve o seu passado e ter o seu futuro dedicado ao livro e a sua con1
No se sabe, ao certo, o ano em que passa a existir uma biblioteca no Colgio Farroupilha. Sabe-se
que a biblioteca, que hoje denomina-se Manoelito de Ornellas, foi criada em 1968, mas, com base
em informaes encontradas em alguns documentos que sero apresentados na sequncia deste
estudo, pode-se inferir que j na dcada de 1940 havia uma biblioteca, ainda na sede antiga do
colgio.
308
Alm disso, foram realizadas entrevistas2 com cinco pessoas, que, ao longo de suas trajetrias no Colgio
2
Estas entrevistas com Vera Matte e Vivian Ambros foram realizadas no primeiro semestre de 2014, e as entrevistas com
Karin Caselli e Vera Merlo aconteceram no primeiro semestre
de 2015.
309
posteriormente, muitos outros questionamentos e curiosidades acerca da biblioteca, que viriam a ser respondidas
em uma segunda entrevista. Infelizmente, esta busca foi
interrompida pelo falecimento de Vivian em fevereiro
deste ano.
310
De um modo geral, pode-se dizer que as bibliotecas escolares no Brasil trilharam um caminho repleto
de transformaes at chegar ao modelo que se conhece hoje. A sua funo inicialmente ornamental passou
a atender professores at, finalmente, chegar aos alunos.
311
312
A ex-diretora preocupa-se em enfatizar que havia uma biblioteca no seu tempo de aluna; entretanto,
em suas memrias, no recorda da biblioteca anos mais
tarde, quando j era docente do colgio. Este fato sugere
um questionamento: Teria Vera Matte esquecido de suas
experincias na biblioteca neste perodo? Teria ela focado mais em sua vivncia durante a criao da Biblioteca
Manoelito de Ornellas, por ter sido realizada durante a
sua gesto? Maurice Halbwachs (1990) auxilia nesta problematizao, ao afirmar que a memria movedia, no
sentido em que lembranas reais e fictcias perpassam o
terreno das memrias.
313
em suas consequncias que as omisses da histria oficial, estando o seu interesse no que foi lembrado, no que
foi escolhido para perpetuar-se na histria de sua vida
(BOSI, 1997, p. 37)5.
Luiz Carlos Petry traz um elemento novo trajetria do livro no Colgio Farroupilha: segundo a sua
narrativa, existia um perodo no horrio escolar destinado ao uso da biblioteca. Se Vera Matte diz que no seu
tempo como aluna o acesso biblioteca era espordico,
j Luiz Carlos Petry afirma que o uso daquele espao era
frequente. Importa reforar que estamos tratando de pessoas com idades diferentes, ou seja, enquanto ele iniciava
os seus estudos em 1951, Vera Matte j havia iniciado
uma dcada antes.
uanto ao constante uso de livros pelos alunos, como ela anuncia, possivelmente tem
relao com o fato de o colgio abranger, em sua maioria,
alunos filhos da burguesia alem de Porto Alegre, e isso
provavelmente facilitou a utilizao de livros que as crianas possuam na esfera domstica.
Luiz Carlos Petry tambm recorda os seus tempos de aluno, entre 1951 e 1962, e narra as suas lem-
Grifo da autora.
314
este lugar, conforme as suas palavras, havia prateleiras e mesas com cadeiras para
sentar e desfrutar de momentos de leitura. Parece que, aos
poucos, o lugar destinado aos livros foi sofrendo algumas
mudanas, sendo a principal delas procedente do investimento realizado no final da dcada de 1960. Como exemplos deste investimento esto a arrecadao de dinheiro
para compra de material e a aplicao de uma enquete sobre preferncias de leitura dos alunos. Essas aes aconteceram aps a mudana de sede do Colgio Farroupilha,
resultando na construo da Biblioteca Manoelito de
Ornellas, em 1968.
315
Manoelito de Ornellas.
Ento, comeamos muito inspirados, instigados, inclusive, por uma pessoa que era de
uma cultura invejvel, e que no podia mais
ser professora, ela teve um problema nas
cordas vocais, ento a gente aproveitou essa
vocao maravilhosa dela, conhecedora de
livros, uma cultura invejvel: a Irene Petrik.
Essa pessoa, foi assim a que esteve junto com
a direo pensando em tudo [...]. A Irene,
apesar de no ter o ttulo de bibliotecria,
era a pessoa mais indicada para o que, em
geral, nas escolas, hoje, at nas escolas pblicas, acho que ainda continua, professoras
que tem esse conhecimento, que tem diga-
316
Conforme relato da ex-diretora, nota-se a importncia exercida pela figura da Professora Irene Petrik7 na
317
Para tentar compreender essa escolha, cabe lembrar que estamos tratando de um tempo que herda do
Positivismo a prtica de nomear instituies, ruas e cidades com nomes de grandes homens. Alm disso, elege-se
como patrono algum identificado ao tradicionalismo
gacho, escolha coerente com a histria do colgio, que,
ao longo do sculo XX, assumiu uma identidade atrelada aos ideais nacionalistas com forte marca regional
(ALMEIDA, 2014).
As bibliotecrias [...] foram umas auxiliares no processo educativo e minhas auxiliares diretas no sentido de me colocarem
nas mos as ltimas novidades em termos
pedaggicos, em termos de sociologia. Tudo
aquilo que uma diretora precisa ter, at porque a gente tem tanto trabalho e no tem
tempo, ento elas eram, vamos dizer assim,
as propulsoras, elas me alcanavam, me sugeriam e vamos dizer assim, davam muito
apoio, muito apoio mesmo. (Entrevista realizada em fevereiro de 2014).
o ano seguinte sua inaugurao, foi realizada eleio para a escolha do patrono que daria nome biblioteca, idealizada tambm pela
Professora Irene Petrik. Entre os nomes sugeridos8, todos
eram ligados literatura do Rio Grande do Sul, e o escolhido por alunos, professores e demais funcionrios foi
Manoelito de Ornellas9.
318
onforme informao dada pelo site da escola10, entre os anos de 1999 e 2001 a Biblioteca
Manoelito de Ornellas teve o seu espao fsico ampliado
e modernizado, e conta, atualmente, com cerca de 50 mil
volumes, entre obras de referncia e literatura, livros didticos, jornais, peridicos, CDs e DVDs. Sendo tradio
desde a inaugurao do espao, promove a Feira do Livro,
com atividades variadas dirigidas a todos os segmentos de
ensino (Figura 4).
10
319
As representaes do aluno-leitor
na Biblioteca Manoelito de Ornellas
Com base em alguns dos documentos analisados,
possvel tecer algumas consideraes acerca da representao de leitor formada pela biblioteca sobre os seus
alunos.
acques Le Goff (1990) prope que todo o documento mentira. Cabe ao historiador no
fazer o papel de ingnuo, ou seja, o historiador extrai
dele uma informao baseada em sua poca, em sua posio na sociedade e em sua organizao mental, e o documento , portanto, uma mentira, no sentido que atua
como uma representao a ser interpretada (LE GOFF,
1990, p. 547).
Os documentos analisados so aqui tomados, portanto, como portadores de uma memria, que pode ser
interpretada das mais variadas formas. Mais uma vez,
busca-se realizar uma determinada interpretao, sem a
pretenso de verdade absoluta.
Um destes documentos foi o resultado de uma enquete sobre preferncias de leitura dos alunos, encaminhada direo do colgio, realizada alguns meses antes
da criao da Biblioteca Manoelito de Ornellas (Figura
5).
320
pesar do carter lacunar, prprio de qualquer documento investigado, podem-se observar algumas questes. Os cinco tpicos a seguir do
texto referem-se s questes aplicadas aos alunos, como
se observa na Figura 6:
321
Quem assina a maioria das listas analisadas a ex-bibliotecria Vivian Ambros. Ela relatou que as mesmas
foram criadas com o intuito de reconhecer, valorizar e incentivar o hbito da leitura na comunidade escolar.
Diante da impossibilidade de trazer aqui todas as
18 listas encontradas, so apresentadas, a seguir, trs destas listas, no intuito de expressar um pouco da diversidade
de informaes nelas contidas.
Figura 7. Leitores
mais assduos do
Curso Cientfico
em 1970.
Fonte: Memorial
do Colgio
Farroupilha.
em 1980.
11
A imagem foi reduzida para uma melhor vizualizao.
Alguns nomes de alunos foram suprimidos.
322
sta lista de 1988 foi a ltima encontrada, feita no mesmo ano em que Karin Caselli ingressou na biblioteca. Segundo ela, foi o ltimo ano em
que realizaram este levantamento, e explica o motivo:
Tinha uma menina que pegava um livro e devolvia no
outro dia sem ler. A gente achou que no tinha controle
(Entrevista realizada em maro de 2015).
Vera Merlo tambm recorda esta situao: Alguns
A narrativa das ex-bibliotecrias relata a interrupo de uma prtica que possibilitou conhecer uma parcela do pblico que utilizava a Biblioteca Manoelito de
Ornellas, pois ficou registrado nestas listas quem eram os
12
A imagem foi reduzida para uma melhor vizualizao.
Alguns nomes de alunos foram suprimidos.
323
Consideraes finais
Jorge Luis Borges (1960) afirmou, certa vez, que
a biblioteca representa, para ele, uma espcie de paraso.
Possivelmente, o mesmo possvel afirmar destas pessoas
que fizeram parte desta histria devido satisfao e ao
brilho em seus olhos ao narrarem as suas experincias e
os seus encantamentos com a Biblioteca Manoelito de
Ornellas.
Ao lidar com narrativas de memria, so mltiplas
as histrias que se revelam e so mltiplos os sentidos
atribudos a uma dada situao. Este estudo pretendeu
escutar estas histrias de forma sensvel, buscando captar
dos documentos oficiais da biblioteca e dos relatos dos
sujeitos com ela envolvidos (documentos, da mesma forma) como ela atuou em suas experincias escolares.
A preocupao com a veracidade e autenticidade
dos relatos, aqui, cede lugar s significaes pessoais que
cada um manteve com os espaos destinados ao livro no
decorrer de algumas dcadas, constituindo uma histria
desta biblioteca, que pode ser narrada de diferentes formas, sob as lentes de diferentes sujeitos que a constituram como tal.
324
Referncias
VIDAL, Diana Gonalves. Bibliotecas escolares: experincias escolanovistas nos anos 1920-1930. In: MENEZES,
Maria Cristina (Org.). Educao, memria, histria. Campinas:
Mercado das Letras, 2004.
VIDAL, Diana. Bibliotecas escolares: experincias escolanovistas nos anos de 1920-1930. In: MENEZES, Maria Cristina
(Org.). Educao, memria, histria: possibilidades, leituras.
Campinas: Mercado de Letras, 2004.
325
"
Os novelos de histrias se desfiam entre as horas de costura e bordado, entre receitas e preparativos na
cozinha, nas lavaes de roupas na beira do rio ou em bicas dgua, nos momentos de descanso e de
cisma nos quais as mulheres trocam experincias e educam, tanto a si mesmas com as outras mulheres
(LACERDA, 2003, p.70).
as pginas de linhas pautadas, escritas e anotaes feitas com caneta tinteiro desenham a trajetria de registros e acontecimentos realizados pela
diretora do ensino primrio do Colgio Farroupilha, no perodo de 1968 a 1973.
Foi percorrendo estes caminhos, testemunhando o vivido, folheando as velhas pginas amareladas, amassadas e cheirando a mofo, que nos debruamos sobre estes documentos, onde muitas vezes nossa imaginao se apresenta bastante distante da realidade
presente. Nestes recantos, encontramos escritos de professores e professoras que falam
sobre a vida da escola. So papis pessoais, cartas, rascunhos, cadernos escolares, fotografias, relatrios pedaggicos e dirios de classe. Mas, aqui, o que vamos analisar o dirio de
registros da diretora do ensino primrio no perodo de 1968 a 1973.
O dirio seja qual for a natureza: dirio ntimo, dirio profissional, dirio de
aula um expediente que proporciona esse tipo de encontro, da gente com a
gente mesmo. O dirio s vezes funciona como um espelho, em que a gente se v,
se reflete, se examina; s vezes, funciona como um confessionrio, uma espcie de
poo de descarrego onde a gente despeja coisas que j no suporta; s vezes, como
um amigo, com quem se divide confidncias, partilha opinies, exercita ponderaes; s vezes, como uma vitrine, na qual a gente se expe e se exibe; s vezes,
como um relatrio, um pronturio no qual so registradas, descritas e narradas as
mincias; enfim, o dirio pode ter muitas formas. Mas seja qual for a forma que
assume, ele sempre guarda a potncia de ser uma espcie de desdobramento da
gente (PEREIRA, 2012, p. 5).
327
Os seus registros no dirio foram realizados at a data de 1 de setembro de 1973, embora o seu
cargo de direo permanecesse at o ano de 1988.
1
Hilfsvereinschule foi o nome da escola da sociedade alem nos seus primrdios (1886).
Neste perodo em que Vera lecionou na escola, muitas das professoras que tambm faziam parte
do corpo docente do ensino primrio tinham sido alunas do educandrio.
328
9
O Corpo Docente de 1970 era composto pelas professoras regentes dos 1s anos: Iris Dreher Mostardeiro, Lia Mostardeiro,
Maria Clotilde Nonnemacher e Gerda Berton; 2s anos: Lory
Hajek Noll, Zilda Maria Marroni Burmeister e Marion Fischer
Selk; 3s anos: Ldia Marlia Garcia Espartel, Etelka Becker
Schramm, Maria Carmen Baos Delgado e Sandra Lizete
Stampee; 4s anos: Ana Maria Difini Leite, Maria Antonia
Pires, Yella Ruth Kichler Pacheco e Vera Muratore Kinnemann;
5s anos: Valeska Marie Gertrud Beuster, Hedwig Schlatter
de Pieper e Valeska Marie Gertrud Beuster. Professoras especializadas: Illa Wilhelm Vers (Estudos Sociais e Naturais),
Ena Nelly Gerlach (Msica), Ingrid Shulze (Desenho e
Artes), Pastor Boll (Religio Evanglica), Cludia Lyszkowski
(Educao Fsica), Marcos Junqueira Bandeira (Educao
Fsica), Maria Ceclia Kolowski (Educao Fsica), Yella
Ruth Kichler Pacheco (Histria) e Anna Maria Difini Leite
(Geografia).
8
Prefeito de Disciplina: Olavo Rgio Pinheiro (Relatrio da
Direo de 1968).
329
O dirio da direo
330
o perodo de 1968 a 1973, foram 186 pginas escritas pela diretora, de um total
de 200 folhas. O contedo registrado se refere rotina
da escola e participao desta mestra nas atividades desenvolvidas pela escola. Todos os registros foram escritos
com caneta tinteiro, e no trmino de cada um deles a diretora encerrava com a data do dia e a sua assinatura.
Iniciamos hoje nosso trabalho relativo ao ano
de 1968. Com o assessoramento de minhas
trs secretrias, planejamos o trabalho interno
da Secretaria para este perodo que antecede o reincio das aulas. Articulamos listas e
preparamos atas para os exames em 2 poca,
listas de alunos e sua respectiva distribuio
nas diferentes sries, encomendamos material
didtico de uso do professor e aluno, alm do
material de secretaria (15.02.1968).
10
331
12
Conversa realizada com Vera Elisabeth Reimer Matte em 17
de abril de 2015.
332
No Quadro 1, destacam-se algumas datas e assuntos que foram registrados pela diretora Vera Matte no seu
dirio.
ASSUNTOS
ASSUNTOS
Realizao dos exames de 2 poca e para os alunos que desejavam ingresso na escola.
Festinha de Pscoa.
(1968-1973).
Sadas de estudos.
Como vimos no quadro apresentado, muitos assuntos eram comentados pela diretora no seu dirio. Um
deles se refere visita das fiscais realizadas pela Secretaria
de Educao e Cultura. A orientao e fiscalizao destas profissionais eram exercidas com dedicao e proficincia, contribuindo com sugestes para serem coloca-
Recebimento dos livros doados pela Colted1. Visita da instrutora da Colted Sra. Maria da Graa Alcntara (participao dos
debates sobre Matemtica Reformulada e tipos de leitura).
333
ambm so registradas as diversas atividades que faziam parte da rotina e do planejamento da escola do ano letivo. Vamos encontrar evidncias de eventos bem-sucedidos, realizados por professores, setores da escola, pais e da prpria diretora. No h
registro de problemas, ou seja, existe um silncio sobre
estas questes. Nesse sentido, Thompson (1981) destaca
que o principal problema est naquilo que foi calado no
processo histrico real e em no ter se ocupado de toda
uma agenda de temas substantivos. Cabe destacar que,
alm da funo diretiva exercida, acumulava tambm atividades de orientao pedaggica junto aos professores.
334
Em excurses tambm a diretora estava presente, como o caso da visita II Fenarroz13, na Cidade de
Cachoeira do Sul/RS, pelos alunos da 4 srie. No dirio,
Vera escreve com exatido o roteiro realizado pelo grupo,
os professores e funcionrios que acompanharam a atividade, os aspectos observados e que se relacionavam com
o projeto de estudos proposto pelas professoras. Neste
registro, a diretora escreve com detalhes e conta com preciso os acontecimentos, os horrios e a finalizao da
situao.
13
335
Figura 5. Excurso
II Fenarroz
(1968).
Fonte: Memorial
do Colgio
Farroupilha.
336
As comemoraes cvicas realizadas na escola durante a Semana da Ptria esto presentes. Ali se percebe a
importncia e o incentivo da direo quanto ao testemunho de amor Ptria.
14
A Biblioteca Manoelito de Ornellas foi inaugurada em 12 de
outubro de 1968, com um acervo inicial de 5.000 livros, 1.000
gravuras e recortes e 500 folhetos.
337
18
Roberto M. Marroni foi Diretor Geral no perodo de 1950
a 1961.
17
16
338
Biblioteca.
20
Walter Spalding foi um historiador, escritor, poeta e jornalista, foi diretor do Arquivo e Biblioteca Pblica de Porto Alegre
da dcada de 1930 at o ano de 1963, quando se aposentou. Na
grande exposio comemorativa ao Centenrio Farroupilha, em
1935, foi o responsvel pela organizao do pavilho cultural.
19
21
339
endo o colgio fundado por alemes de confisso evanglica, a instituio caracterizou-se por no possuir uma religio oficial, sendo marcado
pela interconfessionalidade e pelo respeito para com a
crena protestante22 e catlica. Alm do dirio, os relatrios anuais do ensino primrio, elaborados pela direo,
tambm registram as celebraes. De 1949 a 1970, o ensino de catequese dentro do ambiente escolar, como forma de preparao para a 1 eucaristia, foi ministrado pela
Professora Jacinta Menna Barreto Silveira23, sendo posteriormente substituda pela Professora Ingrid Schulze
(SCHOLL; GRIMALDI, 2013, s/p).
Iniciamos, conforme o previsto, s 9h os trabalhos de apurao da eleio realizada ontem. Com a presena de D. Elvira Barcelos
Sobral, Chefe do setor de Bibliotecas
Escolares da SEC que presidiu os trabalhos, D. Zara Petry, Presidente do Conselho
Regional de Biblioteconomia, que foi a
Vice-Presidente da Mesa Apuradora e de
D. Hayde Leo Madureira, que secretariou os trabalhos do Sr. Octavio G. Fauth,
Presidente da ABE, como 1 mesrio, dos
Diretores e das Bibliotecrias e de uma
Comisso de Alunos, foram apurados os
resultados: Manoelito de Ornellas foi eleito, por maioria simples de voto, o Patrono
da Biblioteca do Colgio Farroupilha. s
10h30 realizou-se a comemorao pela passagem do 20 de setembro, com a participao de alunos do Curso Primrio e Ginasial.
Foi oradora oficial a Professora Yella K.
Pacheco. No final da solenidade foi proclamado oficialmente perante todo corpo docente e discente o nome do Patrono eleito
(19.09.1969).
No dirio, tambm constam os registros dos encontros destinados com os pais dos neo-comungantes.
Este evento era realizado na escola desde o sculo XX.
22
23
Alm de lecionar o ensino religioso catlico, a Professora
Jacinta Menna Barreto Silveira era responsvel pelo ensino da
disciplina de trabalhos manuais para o Curso Primrio, no perodo de 1949 a 1970.
340
341
Figura 9. Trabalhos de
Educao Artstica do ensino
primrio (1970).
Fonte: Memorial do Colgio
Farroupilha.
342
Mesmo antes da Ditadura Militar de 1964, o ensino da moral e do civismo fez parte do currculo das escolas brasileiras, como uma disciplina e como saberes pertencentes a diversas disciplinas. Para Sampaio, o modelo
educacional implantado pela ditadura procurou alinhar
o sistema de ensino aos objetivos econmicos e polticos
do governo e busca de modernizao e racionalizao
de recursos (1997, p. 204). Neste contexto, o ensino de
Educao Moral e Cvica se tornou disciplina e prtica
educativa obrigatria em todas as escolas brasileiras, por
meio do Decreto-Lei n 869, de 12 de setembro de 1969.
24
25
At 1970, os registros no dirio seguiram o curso dos anos anteriores: entrevistas com os pais de alunos
novos, aplicao dos Testes ABC, realizao de Horas
343
Cvicas, reunio de pais e mestres, orientaes s professoras e demais atividades. Entretanto, duas situaes
novas surgiram e que mereceram destaque: o visto nos
dirios das professoras e a reforma do Regimento do ensino primrio, com assessoria da Sra. Neusa Mellona da
Diviso do Ensino Particular.
No ano de 1972, a diretora relata de forma bastante objetiva e resumida as atividades desenvolvidas. Alguns
assuntos, alm dos de rotina, foram registrados: instalao
do Servio de Recursos Audiovisuais, incio das atividades do Jardim de Infncia com 96 crianas matriculadas
e 5 professores.
sobrecarga das atividades cotidianas administrativas e pedaggicas exercidas pela direo. Mesmo havendo outra
responsvel para tal funo, Vera sempre demonstrou um
olhar atento e cuidadoso para a rea pedaggica da escola.
344
Consideraes
A partir deste estudo, consegue-se visualizar o dirio da diretora Vera como um instrumento de formao
e autoformao. De formao, porque ao longo das suas
escritas deixou explcitas as rotinas pedaggicas desenvolvidas pela instituio, o compromisso com os professores,
os alunos e a comunidade escolar e de sua responsabilidade com o processo de ensino e de aprendizagem. De
autoformao, porque preservou esta processualidade e
permitiu recompor, retomar o seu projeto de mestra e de
educadora. Assim, suas narrativas possibilitam o recuo no
tempo e o contato com parte da trajetria profissional e
social desta educadora e da prpria instituio, em que
atuou como secretria, professora do ensino primrio e
diretora por 32 anos26.
Mesmo sendo uma orientao da inspetora do ensino, o dirio da diretora expressa um padro de trabalho
desenvolvido, onde as marcas da sua professoralidade esto explcitas. O fato de ter sido aluna da Escola Normal
do Instituto de Educao Flores da Cunha e professora
regente do ensino primrio, onde o dirio de classe era
uma prtica educativa que exigia planejamento, formao,
anlise e reelaborao, contribuiu para que continuasse a
fazer uso dele, ressignificando a sua prtica, agora como
diretora deste nvel de ensino.
Neles, encontramos registros ocorridos sobre os
mais variados assuntos: de acontecimentos importantes
desenvolvidos na escola, das atividades previstas e bem-sucedidas presentes no calendrio letivo, de passagens
cotidianas, de descries de lugares que visitava com os
26
345
Referncias
BITTENCOURT, Circe. Disciplinas escolares: histria e pesquisa. In: OLIVEIRA, Marcus A. Taborda de; RANZI, Maria
Fischer (Org.). Histria das disciplinas escolares no Brasil: contribuies para o debate. Bragana Paulista: Edusf, 2003.
346
"
os Tempos do Farroupilha:
Memrias de Trajetrias
Docentes (1966/2000)
Jos Edimar de Souza
Ariane Reis Duarte
[...] ali que eu, que a gente se sentia bem. Era o lugar onde a gente promovia encontros entre os professores, uma
poca muito legal; acho que hoje em dia no tem mais tanto porque o mundo outro, as ocupaes, as exigncias!
A maioria das pessoas tambm trabalha em mais de uma escola. Naquela poca o Colgio Farroupilha abria de
manh e de tarde no [...], no precisava! (Sandra Lizete Stampe, 2014)."
ste texto estrutura-se a partir das narrativas de memrias de duas professoras, cujas trajetrias profissionais desenvolveram-se no Colgio Farroupilha.
Tratam-se das representaes de uma poca que foram tecidas sob os valores, as normas
e as condutas, enfatizando as singularidades e o modo de expressar estas particularidades
de uma forma de dar aula, como se evidencia no depoimento de Sandra que remete a um
tempo onde o modo de vida cotidiana era menos acelerado, e, por consequncia, o da vida
escolar tambm.
A perspectiva do tempo das trajetrias destas professoras compreendida a partir
do sentido que cada uma delas expressa para a sua prtica, independente de uma linearidade dos fatos rememorados, as memrias de seu tempo de professora, portanto, esto amarradas a uma dinmica que supem ir alm da sucesso cronolgica (FISCHER, 2004).
Aborda-se a memria em um sentido coletivo, plural, considerando que estas so
constitudas por lembranas do passado que transcendem a individualidade e so compartilhadas socialmente no domnio da vida comum. Desse modo, elas se encontram ancoradas na histria individual e emergem medida que so feitos os encadeamentos e as
relaes do que manifestado nas lembranas.
348
Zilda Maria
Marroni Burmeister
Sandra Lizete
Stampe
FORMAO
Curso Normal
Pedagogia
Superviso escolar
Psicopedagogia Clnica
Curso Normal
REA DE
ATUAO
TEMPO DA
ENTREVISTA
Alfabetizao
e Superviso
53 minutos
Segunda e
terceira sries
50 minutos
(1967 a 2000)
(1966 a 1993)
NMERO
DE
PGINAS
11 pginas
11 pginas
349
contato com estas duas professoras foi realizado inicialmente por telefone. A agenda
prvia para o encontro possibilitou que cada uma, do seu
modo, preparasse um lugar que julgara especial para conversarmos. Seja na sala de trabalhos manuais, como foi o
caso da Professora Zilda Maria Marroni Burmeister, ou
na sala principal da sua residncia, como nos recepcionou
a Professora Sandra Lizete Stampe. Dessa forma, o lugar em que a entrevista foi realizada favoreceu para que
outros vestgios do passado fossem agregados as suas
narrativas, como os cadernos escolares, as fotografias, etc.
(SOUZA, 2015).
Para Thomson (1997) e Amado (1995), a experincia como prtica vivida, que remete concretude
da experincia de um indivduo ou de um grupo social,
constitui um substrato da memria que se reelabora constantemente, ou seja, nunca termina. Quando se utiliza a
memria como objeto de pesquisa, preciso reconhecer
as suas fragilidades, pois se pode lembrar e esquecer, ou
3
A Professora Zilda Maria Marroni Burmeister filha do ex-diretor Roberto Marroni. importante destacar que optamos
em enfatizar as memrias do teu tempo de professora como
tentativa de aproximar as prticas das duas professoras entrevistadas. Porm, em alguns trechos deste trabalho ainda percebe-se algumas narrativas sobre o seu tempo de supervisora escolar
no Colgio Farroupilha.
350
A compreenso do contexto em que se desenvolveram as trajetrias de Sandra e Zilda possibilita conhecer o modo como a realidade socialmente construda,
como se operacionalizaram nos fazeres da escola e como
estas professoras significaram as suas experincias. Dessa
forma, as prticas favorecem que se reconheam os traos
culturais distintos, que so regulados pela cultura, no sentido de que os conceitos e as categorias de uma cultura
particular determinam os modos pelos quais seus membros perceberam e interpretaram o que lhes aconteceu em
sua poca (BURKE, 1992).
As memrias destas duas professoras, reunidas, organizadas e analisadas, ressaltam um tempo escolar que
possibilita construir uma dinmica sobre as prticas e sobre os elementos da cultura escolar, dos tempos em que
era aluna e de quando era professora, do primeiro dia de
aula e de um cotidiano escolar de outra poca.
Quanto estrutura deste captulo, o mesmo encontra-se organizado em trs partes: a primeira parte situa o contexto histrico do perodo em que decorrem as
trajetrias docentes; a segunda parte contempla uma discusso sobre as representaes sobre os tempos de aluna/
351
Em maro de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo de Joo Goulart, ento presidente da
Repblica. Praticamente no houve reao da parte do
governo e seus aliados, sendo que o prprio presidente,
logo aps o golpe, exilou-se no Uruguai. A justificativa
para o golpe estava alicerada na tentativa de impedir
um suposto avano comunista, alm de livrar o Pas da
corrupo. Boris Fausto (2006) diz que os militares no
assumiram de imediato uma postura rgida e autoritria,
Como dito anteriormente, as memrias no seguem uma linearidade cronolgica. O fato lembrado re-
Em fins da dcada de 1970, o esgotamento do sistema econmico adotado pelos militares, o chamado milagre econmico, incitou o descontentamento em relao
ao regime. Entre presso popular e conflitos internos dos
militares, aos poucos a abertura do regime foi sendo cons-
352
implantados os ginsios orientados para o trabalho, cujo objetivo era formar mo de obra para o mercado de trabalho,
o que asseguraria o desenvolvimento econmico do Pas.
Nenhuma das professoras entrevistadas faz referncia direta em relao s prticas e posturas em sala de
aula em funo do regime militar. No entanto, nas entrelinhas possvel perceber que o modo rgido com que a
inspeo4 da Secretaria de Educao realizava as visitas
No ensino de primeiro e segundo graus, foi proposta uma reformulao que buscava a formao do aluno
para o exerccio de atividades econmicas na indstria,
agricultura e servios (FVERO, 1996). Assim, foram
353
herana cultural familiar identifica-se, ainda, pelo fato de que duas tias de Zilda Maria
Marroni Burmeister eram professoras e influenciaram na
Prdio construdo em 1895, conhecido como Velho Casaro.
O colgio permaneceu nesse endereo at 1961, sobre este aspecto ver Jacques e Ermel (2013).
354
sua escolha da profissional. Alm disso, a sua me a incentivou, de forma que ela estudasse e trabalhasse, sugerindo
que adquirisse certa independncia e autonomia. Zilda
Maria Marroni Burmeister optou pelo curso normal
no Colgio Sevign6. Aps cursar o estgio disciplinar na
Escola Primeiro de Maio7, convidada pela diretora do
Curso Primrio do Colgio, Dona Wilma Funcke8, para
lecionar na terceira srie.
Fischer (2005) argumenta que o imaginrio social da figura da professora primria, associada a um
ser quase divino, contribuiu para que se disseminassem
representaes sobre a docncia como algo fraternal, da
professora serva, que deveria dedicar-se, de corpo e
alma, misso de preparar homens para Deus e cidados
para a Ptria. Esperava-se da professora que desenvolvesse a educao das crianas pelo seu prprio exemplo moral e de civilidade, pois a professora deveria ser a primeira
a ter em seu corpo as marcas de civilidade impressas, pelo
exemplo, pela pacincia e afetividade (CUNHA, 2009).
No entanto, esse no parece ser o caso da Professora Zilda,
pois a sua escolha pela profisso indica quase uma falta de
opo, e no propriamente uma preferncia inicial.
Diretora do Colgio Farroupilha, entre 1948 a 1966. Ver detalhes sobre a trajetria de Dona Wilma Funcke em Almeida
(1999).
355
Quando eu era aluna a gente tinha que levantar [enftica] pra receber o professor. A
gente recebia o professor com muito respeito. Na poca que eu comecei a trabalhar
isso j no existia mais, mas sempre foi uma
escola que exigiu muito disciplina. Eles [alunos] eram obedientes, eles acabavam sendo
obedientes, por bem ou por mal [risos]. [...]
respeitavam o professor, como autoridade
[...] Uma coisa interessante, hoje em dia a
figura do professor apenas o professor, no
, mais aquela autoridade que era quando a
gente obedecia [...] tambm, eu acho que
se tinha outra viso de professor! (Sandra
Lizete Stampe, 2014).
Ao exercitar a memria, como se observa no depoimento da Professora Sandra Lizete Stampe, o sujeito
realiza uma seleo e constri, narrativamente, uma forma
de rememoraes, aspectos de como escolhe lembrar. Isso
implica estabelecer negociaes no contexto lembrado,
pois essa prtica talvez esteja associada a um modo no
consciente que se utiliza da memria para tentar entende-la, no para acessar cenas reais no passado, mas para
356
1993, p. 50). As brincadeiras, como representao do vivido, experienciado na infncia, colaboraram para configurar
cenrios relativos ao ofcio dessa profisso.
11
357
A evidncia vocacional na escolha da profisso representou um conjunto de elementos que contriburam para
perpetuar e construir a imagem docente. Nesse sentido, a
educao religiosa, o imaginrio social sobre a figura docente
e a influncia da forma de pensar de uma poca, contribuiram para que essas prticas fossem assumidas como verdades. Zilda Maria Marroni Burmeister e Sandra Lizete
Stampe aprenderam e elaboraram, juntas, aspectos de uma
rotina de trabalho escolar, a qual inclua memrias do seu
tempo de aluna, utilizando-se do legado cultural produzido
na cultura escolar do Farroupilha, com as suas professoras,
que no incio de suas carreiras, j em outro tempo, compartilharam vivncias como colegas de trabalho.
358
359
Essa troca de informaes permitia que as professoras que compunham o corpo docente da escola construssem uma relao mais prxima, que no se dava somente nos espaos da escola. Da mesma forma, possibilitava
que as estas docentes que j estavam h mais tempo na
instituio repassassem para as que ingressavam o modo
como a escola se organizava, evitando, dessa forma, que as
mesmas sassem do padro estabelecido.
Havia uma espcie de rito que definia o futuro
profissional. E as professoras que ingressavam no colgio
deveriam seguir! Uma padronizao das prticas que favoreceu a consolidao de um modo de operar diante das
atividades do cotidiano escolar. Nesse sentido, esperava-se
que as professoras, que j acumulavam tempo de trabalho
no Farroupilha, conduzissem as jovens professoras. Esse
aspecto seria determinante, no apenas continuidade de
uma forma de trabalho que sinalizava bons resultados,
mas garantiria o sucesso e a qualidade que tanto almejam
as instituies de ensino13.
12
Para Fernandes (2008), os cadernos passaram a assumir um
importante objeto de estudo para os pesquisadores, como mediadores de processos cognitivos e histricos na construo de
trajetrias escolares. Ou seja, o caderno como suporte analtico,
possibilita [...] uma pluralidade de interpelaes ao seu funcionamento, no sentido da busca de definies das estratgias
transmissivas dos saberes e da manipulao de instrumentos
(FERNANDES, 2008, p. 49). Esses detalhes j foram estudados por Almeida (1999) e Grazziotin (2013).
13
pertinente sinalizar que durante sua entrevista, mesmo no
discorrendo sobre o assunto com maiores detalhes, a Professora
Zilda Maria Marroni Burmeister explicou que, quando atuava na superviso escolar, aps 1996, tentou implantar algumas
mudanas nas prticas pedaggicas do Colgio. Ela enfatiza
que essa ao no foi um processo tranquilo e que exigiu muita
persistncia.
360
estabelecimento de uma trajetria desenvolvida em uma nica instituio fez com que as
professoras produzissem uma srie de saberes especficos
associados ao modo para trabalhar no colgio. Pode-se
pensar que, se as professoras tivessem lecionado em outras instituies, as suas representaes sobre as suas trajetrias no Farroupilha fossem diferentes.
pela traduo das normas e dos enunciados que se desdobram nas suas aes.
A produo de atividades tambm era dividida pelas professoras dos anos iniciais, conforme a aptido de
cada uma, e que se caracterizam como desdobramentos
das prticas de escolarizao ressaltando a cultura escolar,
como se identifica nas lembranas a seguir:
Sendo assim, nas memrias das professoras a reproduo destas prticas especficas, aparece como smbolo de amizade, de convivncia e de solidariedade de
prticas culturais consolidadas nas suas aes cotidianas,
ou seja, a combinao, at certo ponto coerente, de elementos que permitem aos sujeitos, por meio destas situaes prticas, assumir [...] o seu lugar na rede das
relaes sociais inscritas no ambiente (CERTEAU;
GIARD; MAYOL, 2011, p. 40).
14
361
odas as atividades desenvolvidas pelos alunos em sala de aula deveriam ser corrigidas
pelas professoras. Sandra Lizete Stampe e Zilda Maria
Marroni Burmeister mencionaram que ocupavam o tempo do turno inverso ao da aula para a correo dos cadernos que diariamente eram levados para casa pelos alunos.
Nesse sentido, Sandra acrescenta:
16
A Professora Zilda Maria Marroni Burmeister, durante a entrevista, mostrou o caderno de deveres de um de seus filhos. O
contato com este material da cultura escolar suscitou lembranas que reforam nosso argumento. Alm disso, sobre as marcas de correo, reiteramos a indicao do trabalho de Jacques
(2013).
362
17
Por uma escolha metodolgica optamos em priorizar as recorrncias de memrias, considerando que as dissonncias indicavam aspectos muito subjetivos, sobre um perodo da trajetria profissional, associado ao afastamento do trabalho nesta
instituio.
363
Concluindo...
O modo pelo qual estas professoras interpretaram e utilizaram os conhecimentos desenvolvidos nessa
instituio associam-se s experincias acumuladas de
cada docente (SOUZA, 2015). O contexto e a influncia relacionam-se com o modo pelo qual se projetam as
intenes didticas, a forma como os sujeitos compem
uma cultura profissional que evidencia identidades, saberes originrios e autnticos do seu nico esforo de reflexo. Aspectos que foram se [...] contruyendo em elejercicio de sutrabajo uma cultura professional com procedimentos empricos y reglas que responden a uma lgica y uma
moral distintas (ESCOLANO BENITO, 1999, p. 25).
Outras questes poderiam ser tratadas nesta escrita; porm, no processo de anlise optamos em destacar os
processos de apropriao construdos pelas duas professoras entrevistadas como aspectos prprios de uma cultura
escolar constituda, que ressaltam diferentes enunciados e
condutas que se forjaram nas trajetrias profissionais e escolares a partir de um intercmbio cultural desenvolvido
na convivncia em grupo.
364
Referncias
______; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A inveno do cotidiano: morar, cozinhar. 10. ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves.
Petrpolis, RJ: Vozes, 2011.
CHARTIER, Roger. beira da falsia: a histria entre incertezas e inquietude. Trad. Patrcia Chittoni Ramos. Porto Alegre:
Ed. Universidade, 2002.
365
GRAZZIOTIN, Luciane Sgarbi Santos. Territrios de professoras: o currculo e as prticas escolares nos registros de
matria. In: BASTOS, Maria Helena Camara; JACQUES,
Alice Rigoni; ALMEIDA, Dris Bittencourt. Do Deutscher
Hilfsverein ao Colgio Farroupilha/RS. Memrias e histrias
(1858-2008). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.
FERNANDES, Rogrio. Um marco no territrio da criana: o caderno escolar. In: MIGNOT, Ana ChrystinaVenancio
(Org.). Cadernos vista: escola, memria e cultura escrita. Rio
de Janeiro: Ed. UERJ, 2008.
______. ERMEL, Tatiane de Freitas. O Velho Casaro: um estudo sobre o Knabensechuledes Deutsches Hilfsverein/Colgio
Farroupilha (1895-1962). In: BASTOS, Maria Helena Camara;
JACQUES, Alice Rigoni; ALMEIDA, Dris Bittencourt. Do
Deutscher Hilfsverein ao Colgio Farroupilha/RS. Memrias e
histrias (1858-2008). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.
366
Cultura e histria da educao: intelectuais, legislao, cultura escolar e imprensa. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009.
VIEIRA, Sofia Lerche. A educao nas constituies brasileiras: texto e contexto. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos,
Braslia, v. 88, n. 219, p. 291-309, maio/ago. 2007.
SOUZA, Jos Edimar de. As Escolas Isoladas: prticas e culturas escolares no meio rural de Lomba Grande/RS (1940-1952).
Tese (Doutorado em Educao) Universidade do Vale do
Rio dos Sinos, Programa de Ps-Graduao em Educao, So
Leopoldo/RS, 2015. 292 f.
367
formato
tipografia
nmero de pginas
impresso e acabamento
ano
22 x 20 cm
Kingthings Calligraphica 2 [Ttulo]
Adobe Caslon Pro [Texto]
368
Grfica epec
2015